saÚde ambiental - ufjf.br · estado. entre os marcos da história da saúde coletiva estão o...
TRANSCRIPT
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA CURSO DE ENGENHARIA SANITRIA E AMBIENTAL
SADE AMBIENTAL
2 Edio
Jlio Csar Teixeira
Juiz de Fora
2013
-
SADE AMBIENTAL
2 Edio
Jlio Csar Teixeira
-
SADE AMBIENTAL
Apostila utilizada no Curso de Engenharia Sanitria
e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de
Fora.
rea de concentrao: Sade Ambiental.
Linha de pesquisa: Impacto das condies do
ambiente sobre a sade.
Prof. Dr. Jlio Csar Teixeira.
Juiz de Fora
Faculdade de Engenharia da UFJF
2013
-
4
SUMRIO:
1. Sade Ambiental ....................................................................................... 5
2. Conceitos Bsicos de Epidemiologia ......................................................... 16
3. Modelos Sade-Doena ............................................................................ 20
4. Conceito de Causa e de Fator de Risco ..................................................... 27
5. Indicadores Epidemiolgicos .................................................................... 37
6. Desenhos de Pesquisa em Epidemiologia ................................................ 45
7. Medidas de Associao ............................................................................ 53
8. Saneamento Bsico e Sade Pblica ........................................................ 59
9. Meio Ambiente e Sade Pblica ............................................................... 83
10. Referncias Bibliogrficas ........................................................................ 104
-
5
1 SADE AMBIENTAL
1.1 Aspectos histricos e conceituais
A partir de 1972, na primeira conferncia da ONU sobre o meio ambiente, as questes
ambientais foram aladas a merecedoras de preocupao e interveno dos estados
nacionais e de articulao internacional. Desde ento, assiste-se a um processo de
tomada de conscincia gradual e global o uso predatrio dos recursos naturais pode
inviabilizar a vida no planeta.
Neste processo, ganham visibilidade questes relacionadas pobreza, aos custos do uso
racional dos recursos naturais, do desenvolvimento de novas tecnologias no poluentes e
poupadoras desses recursos. Ganham relevo as disparidades entre pases desenvolvidos e
subdesenvolvidos.
A Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada
em 1992, no Rio de Janeiro, consolidou na Declarao do Rio sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento (CNUMAD, 1992) alguns pontos importantes j apontados em
1972:
a) o da sobrevivncia do planeta. Assim sendo, todos os pases so atingidos
indistintamente. A responsabilidade de proteger o planeta para as geraes
futuras , portanto, de todos, guardado o respeito equidade como princpio de
justia fundamental na distribuio dos nus da mudana de rumo do
desenvolvimento em direo proteo ambiental;
b) os seres humanos ocupam o centro das preocupaes o que coloca a sade
humana no centro das preocupaes articulada ao ambiente e ao
desenvolvimento;
c) o desenvolvimento sustentvel almeja garantir o direito a uma vida saudvel e
produtiva em harmonia com a natureza para as geraes presentes e futuras.
assegurada a autonomia dos estados nacionais - em termos de liberdade e
responsabilidade - na promoo do desenvolvimento econmico. O desenvolvimento
deve responder equitativamente s necessidades de desenvolvimento humano e
preservao ambiental para as geraes presentes e futuras, o que introduz, de forma
-
6
inequvoca, a associao entre o desenvolvimento econmico, a proteo do meio
ambiente, a preservao da sade e a promoo do bem-estar social de forma sustentvel,
ao longo de geraes.
A Rio-92 foi um marco onde foi aprovada a Agenda 21 (CNUMAD, 1997), documento
que estabelece uma srie de orientaes para integrao, no mbito mundial, das aes
articuladas para o desenvolvimento sustentvel visando sade humana e proteo do
meio ambiente.
A partir da Rio-92, a Organizao Pan-Americana de Sade iniciou os preparativos para
a Conferncia Pan-Americana sobre Sade, Ambiente e Desenvolvimento (OPAS/OMS,
1995), tendo em vista elaborar um plano regional de ao no contexto do
desenvolvimento sustentvel, articulando os planos nacionais a serem elaborados pelos
diversos pases e apresentados na Conferncia, que se realizou em outubro de 1995.
O Brasil elaborou seu Plano Nacional de Sade e Ambiente no Desenvolvimento
Sustentvel Diretrizes para Implantao (MINISTRIO DA SADE, 1995). Dividido
em duas partes, o documento inicialmente fez um diagnstico da situao de sade e
situao ambiental do pas e nele so expressas a gravidade e a complexidade do quadro
epidemiolgico em que as doenas da pobreza se misturam s do desenvolvimento,
situao de extrema pobreza de parcelas significativas da populao e a um quadro de
grande degradao ambiental. Na segunda parte, as diretrizes, em linhas gerais,
apontaram para a necessidade de articulao de vrios setores (sade, educao,
saneamento, meio ambiente, trabalho, economia, etc.) e de vrias instncias (federal,
estadual e municipal) de governo; alm de contar com a participao da populao sem a
qual no h controle social sobre o uso dos recursos e o desenvolvimento no ser
sustentvel.
a gesto democrtica e tica do espao urbano e rural que poder garantir a
sustentabilidade de qualquer modelo de desenvolvimento. A ideia de sustentabilidade
vincula-se justia social como equidade, distribuio equitativa de recursos e bens, o
que impe a necessidade de aes para mitigar a pobreza, a fome e a desnutrio,
necessrias para que haja vida saudvel para a humanidade no presente e, ao longo do
tempo, para as futuras geraes (ONU, 2012).
-
7
Tal idia s se sustenta, na prtica, com a compreenso de que todos os grupos sociais,
os mais diversos e legtimos, muitos com interesses contraditrios entre si, podem se
reunir em torno de um objetivo comum: a qualidade de vida da humanidade. Em torno
desse objetivo, possvel construir metas e programas que tero que ser negociados nos
espaos democrticos, garantida a incluso de todos os grupos de interesses. Nesta
perspectiva, a condio para que possa haver perspectiva de incluso de grupos excludos
das decises de governo, a populao, que haja informao disponvel para todos.
No se pode falar em integrao de setores, de participao da comunidade ou de
programa de vigilncia sanitria e ambiental sem a matria-prima bsica que a
informao de sade. E a disciplina que mais nos oferece meios para produzir as
informaes acerca da sade da populao, em quantidade e qualidade, a
Epidemiologia. No mbito da implantao de um sistema de vigilncia ambiental em
sade, a Epidemiologia Ambiental tem uma capital importncia (CMARA, 2002).
Nesse contexto, constitudo de prticas sociais historicamente delineadas, a
Epidemiologia se apresenta como instrumento capaz de auxiliar a tomada de decises em
todas as esferas e pelos grupos de interesses envolvidos nas questes de sade e
ambiente.
A prtica da sade ambiental compreende uma ampla gama de disciplinas que estudam o
impacto do ambiente sobre a sade das populaes e que executam aes de preveno e
controle para reduzir ou eliminar este impacto.
O campo do conhecimento no qual se situa a questo das relaes sade e ambiente
multidisciplinar e comporta uma infinidade de abordagens e articulaes
interdisciplinares. Nesse sentido, convm explicitar alguns conceitos e noes que
orientam esse campo. Compreende-se que o ambiente produzido por processos
conduzidos pela sociedade por meio das tecnologias e tcnicas com as quais os seres
humanos interagem com a natureza. So esses ambientes que podem configurar situaes
de risco para a sade e qualidade de vida dos seres humanos (TAMBELLINI, 1996).
O modelo conceitual, que se pretende adotar, baseia-se no entendimento de que as
questes relacionadas s relaes entre sade e ambiente devem ser pensadas como
-
8
integrantes de sistemas complexos. Um problema de sade, uma epidemia de diarreia em
uma determinada populao, ou uma situao de risco ambiental para a sade humana,
como um depsito de resduos txicos em rea urbana, s podem ser tratados
adequadamente se considerarmos os sistemas complexos que os contm. Pensar
complexo antes de tudo diferenciar e juntar, complexus significa o que tecido junto
(MORIN, 1999). Pensar complexo se ope forma tradicional de conhecimento que
separa e reduz. Em sade ambiental, no importa que problema tome-se como exemplo;
se a tentativa for de reduzir o problema ao mbito de uma disciplina, certamente no se
encontrar possibilidade de gerar conhecimento que auxilie a interveno.
Pensar na complexidade das situaes ambientais ou problemas de sade a elas
relacionados significa pensar nos indivduos que se articulam entre si dinamicamente
criando situaes que vo construindo, com seu movimento prprio a sua prpria
histria. A compreenso desse movimento o que permite uma interveno eficaz em
situaes de risco.
Tome-se como exemplo a diarreia. Em um determinado momento h um aumento do
nmero de casos de diarreia em uma dada comunidade. Quais podem ser os elementos
componentes da situao? A contaminao da populao devido ao rompimento da rede
de esgotos e a desnutrio crnica favorecendo o aparecimento e a gravidade da diarreia
so fatores em uma comunidade que tem uma situao socioeconmica desfavorvel,
grau de escolaridade baixo que favorece a falta de informao sobre higiene pessoal e
formas de proteo sade. A comunidade que se instalou nesse lugar, recentemente
atrada por uma indstria que se instalou nas proximidades, so famlias que vm todas
de um mesmo lugar e tm uma histria de lutas, uma capacidade de mobilizao e
solidariedade intensas, o que pode favorecer o encontro de solues. Assim, poder-se-ia
ir longe num exerccio de encontrar todos os elementos que, no conjunto, nos
possibilitam compreender essa situao da diarreia na comunidade hipottica e ainda
identificar reas de interveno (CMARA, 2002).
Note que cada um dos elementos se articula com os demais e o conjunto deve ser
pensado em permanente movimento. Assim como nesse exemplo pensou-se na
construo de um sistema com elementos locais, no mbito da comunidade, pode-se
pensar em crescente organizao da instncia local, da municipal, da estadual, da
-
9
nacional. Cada uma dessas instncias encontra-se em profunda articulao com as
demais. Voltando comunidade hipottica, ela est localizada em um municpio com
uma tradio rural e a primeira fbrica a ser instalada. Os poderes executivo e
legislativo locais aplaudem a iniciativa que abrir novos empregos e recursos para o
municpio. Na instncia estadual, observa-se grande disparidade entre as regies com
uma distribuio de recursos bastante concentrada em poucos municpios da regio
metropolitana. Na instncia nacional, a disparidade ainda se intensifica e no mbito
planetrio observa-se uma diviso da produo em que nos pases perifricos so
instaladas as indstrias que mais poluem numa clara explorao da vulnerabilidade
desses pases, conferida pela situao de misria absoluta de parcelas significativas de
suas populaes (CMARA, 2002).
Cada uma dessas instncias pode ser pensada como sistemas cujos elementos interagem
entre si e com o problema de sade ou a situao de risco ambiental que se quer
enfrentar. Tais elementos, componentes dos sistemas, podem ser hierarquizados,
conforme a proximidade, a viabilidade e o grau de influncia sobre o problema que
estiver sendo focalizando. Na comunidade hipottica, em curto prazo, pode no ser
vivel uma alterao significativa do grau socioeconmico, mas pode ser possvel
consertar a rede de coleta de esgotos, conseguir recursos para oferecer escola e merenda
de qualidade para as crianas diminuindo o grau de desnutrio.
Quando pensa-se na contribuio da Epidemiologia, tem-se que considerar essa
compreenso da articulao entre produo-ambiente-sade com toda sua
complexidade. Quando citou-se Morin (1999) para criticar a reduo operada pelas
disciplinas, procurou-se chamar a ateno para o fato de que o objeto da sade
ambiental as relaes entre sade e ambiente no redutvel a uma disciplina.
Assim, coloca-se a necessidade de utilizao de todo o conhecimento que a
Epidemiologia tem gerado para enriquecer o conhecimento e o poder de interveno no
campo das relaes entre sade e ambiente.
-
10
1.2 Epidemiologia: aspectos histricos e conceituais
Desde o sculo XVI, encontram-se referncias de estudos que procuram correlacionar
condies ambientais sade, mas com a Revoluo Francesa que a preocupao com
a sade das populaes ganha maior expresso e passa a ser objeto de interveno do
estado. Entre os marcos da histria da sade coletiva esto o surgimento da medicina
urbana na Frana de 1789 (isolamento de reas miasmticas: os hospitais e cemitrios),
a criao da polcia mdica na Alemanha (regras de higiene individual para controle das
doenas), os estudos de Alexandre Louis de morbidade na Inglaterra, e nos Estados
Unidos, o surgimento da Medicina Social designando, de uma forma genrica, modos
de tomar coletivamente a questo da sade (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL,
2006).
O estudo de John Snow, realizado na cidade de Londres em 1854, referncia
obrigatria na histria da Epidemiologia. John Snow, que estudou algumas epidemias
de clera, tido como o pai da Epidemiologia com a utilizao de um mtodo indutivo
associado ao estudo da epidemia. Segundo Rojas (1978), a linha de raciocnio de Snow
ilustra o mtodo epidemiolgico que ento nascia. Nesse estudo ele pde associar a
mortalidade por clera ao abastecimento de gua, e formular uma hiptese de que
microrganismos presentes na gua seriam responsveis pela doena. Com esses estudos,
Snow pde construir o mecanismo de transmisso da doena mesmo antes da
descoberta do bacilo do clera.
A descoberta dos microrganismos, por Louis Pasteur, imprimiu um grande impacto s
pretenses de desenvolvimento da Epidemiologia, atrelando-a as cincias bsicas da
rea mdica, retardando sua constituio como disciplina autnoma e afastando-a da
perspectiva ambiental com a qual ela nasceu. O termo Epidemiologia foi inicialmente
atribudo ao estudo descritivo das epidemias. Mais tarde, o raciocnio estatstico
introduzido nas investigaes epidemiolgicas e o objeto da Epidemiologia passou a ser
cada vez mais diversificado, expandindo seus limites para alm das doenas infecciosas
(CMARA, 2002).
O declnio da hegemonia da medicina cientfica a partir da dcada de 1930 possibilitou
o ressurgimento do social como determinante de doena. A Epidemiologia se
-
11
desenvolveu como disciplina, destinada ao estudo dos processos patolgicos na
sociedade.
Na dcada de 1950 assistiu-se a uma consolidao da disciplina com aperfeioamento
dos desenhos de pesquisa, estabelecimento de regras bsicas da anlise epidemiolgica,
fixao de indicadores tpicos (incidncia e prevalncia), conceito de risco,
desenvolvimento de tcnicas de identificao de casos e identificao dos principais
tipos de bias.
Na dcada de 1960, com a introduo da computao, as perspectivas da Epidemiologia
se ampliaram e foram introduzidas anlises multivariadas no controle das variveis
confundidoras e a possibilidade de trabalhar com grandes bancos de dados. Os modelos
matemticos surgem na dcada de 1970, com uma aproximao com a Matemtica.
Com as transformaes que a Epidemiologia vem sofrendo ao longo de sua histria, o
modelo bsico de anlise epidemiolgica mantm-se baseado no modelo etiolgico. O
que se busca colocar em evidncia uma associao entre varivel independente e
fenmeno de sade. Inicialmente buscavam-se relaes causais entre varivel
independente e sade (CMARA, 2002).
Atualmente, a Epidemiologia definida como a cincia que estuda a distribuio e os
determinantes dos problemas de sade (e fenmenos e processos associados) em
populaes humanas. A Epidemiologia constitui uma cincia bsica da sade coletiva
(ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).
Num processo de adaptao e incorporao de novos objetos, das doenas com as quais
se podia determinar uma causa (para haver doena era preciso que um microrganismo
estivesse presente), a Epidemiologia passa a se ocupar tambm das doenas no
infecciosas determinadas por uma rede de fatores causais. Os fatores de risco so
propostos como determinantes de doena (GOLDBERG, 1990). Com a aplicao desses
conceitos ao campo da sade ambiental, so desenvolvidos estudos que procuram
associar fatores de risco ambientais e doenas, estudando fatores de risco segundo
exposies variadas.
-
12
1.3 Epidemiologia Ambiental
Com a preocupao com o esgotamento dos recursos naturais, e a consolidao da
compreenso do papel central dos processos produtivos como fontes de risco para o
ambiente e, consequentemente, para a sade humana, a Epidemiologia vem contribuir
para tornar evidente a relao entre ambiente e agravos sade. Oferece tanto a
possibilidade de calcular riscos pela exposio a determinadas condies ambientais
como tambm a implantao de programas de interveno e reduo de riscos, tais
como sistemas de vigilncia epidemiolgica, monitoramento ambiental, por exemplo.
Essa aplicao dos conceitos e teorias construdos no interior da disciplina
Epidemiologia s questes de sade ambiental levantaram alguns desafios, como
analisados a seguir, que caracterizam a Epidemiologia Ambiental.
1.3.1 A especificidade do objeto
Os processos produtivos compreendem atividades que incluem a extrao das matrias-
primas, sua transformao em produtos, o consumo destes produtos e, finalmente, o seu
destino final sob a forma de resduos. Em todas essas atividades so geradas situaes
de risco, tanto para os trabalhadores, quanto para a populao em geral.
O progresso tecnolgico, se por um lado aliviou grande parte da sobrecarga dos
trabalhadores e, em certa medida, os protegeu do esforo observado nos primrdios da
industrializao, por outro tem acrescentado novos riscos no s queles que trabalham
nas indstrias, mas a toda a populao.
Uma infinidade de substncias qumicas novas so lanadas a cada ano nos diversos
processos de trabalho. A cada nova formulao se alteram as consequncias sobre a
sade humana. A velocidade com que so introduzidas novas substncias qumicas no
mercado no acompanhada pelo conhecimento de sua toxicidade. Mesmo se tratando
de substncias tradicionais, somente uma pequena parcela se encontra suficientemente
estudada. Acrescente-se o fato de que os efeitos crnicos de baixa dose so praticamente
desconhecidos para a maioria das substncias. Esses so motivos que fazem com que as
fontes de risco de origem qumica adquiram importncia crucial para avaliao e
interveno e desafiam a Epidemiologia Ambiental a dar respostas (CMARA, 2002).
-
13
Pode-se considerar os agentes biolgicos e a contaminao da gua para consumo
humano, ou ainda, as condies ambientais que favorecem a proliferao de vetores.
So todas questes ambientais que trazem srios impactos sobre a sade humana, a
reivindicar uma abordagem diferenciada e especfica, a Epidemiologia Ambiental.
1.3.2 A interdisciplinariedade
Uma primeira questo metodolgica a ser observada na realizao de estudos sobre
riscos ambientais que esta abordagem deve ser necessariamente multidisciplinar e
conduzida por equipes multiprofissionais. Quando se apresentou os aspectos
conceituais, centrou-se a ateno na complexidade dos problemas de sade relacionados
ao ambiente. Seja um exemplo de aplicao do pensar complexo a um estudo
epidemiolgico na rea de sade ambiental.
Foi realizado um estudo para avaliar a exposio e efeitos causados pelas emisses
atmosfricas de mercrio metlico provenientes de lojas que comercializam ouro na
populao residente e no ocupacionalmente exposta do Municpio de Pocon, Estado
do Mato Grosso (CMARA et al., 2000). No processo de extrao do ouro da natureza,
a formao de amlgama com o mercrio metlico uma etapa essencial.
Posteriormente este amlgama queimado, purificando o ouro e liberando mercrio
para a atmosfera, que se deposita no ambiente. O ouro produzido no garimpo ainda
contm cerca de 3% a 5% de mercrio em sua composio, e por este motivo, nas lojas
onde comercializado, requeimado, possibilitando a exposio ao mercrio para os
trabalhadores das lojas e, por emisso pelas chamins, tambm para a populao
residente.
importante salientar a contribuio de diversos campos do conhecimento nas diversas
fases do estudo, desde o desenho anlise e discusso dos resultados: a meteorologia
indicou a direo dos ventos necessria para o desenho do plano amostral; a engenharia
ambiental a distncia de at 400 metros a partir das lojas como de maior risco para
depsito de mercrio no solo; a nutrio, o padro diettico para afastar a possibilidade
da exposio ser em virtude da ingesto de peixes poludos por metil-mercrio; a
ictiologia na seleo dos peixes para dosagem de metil-mercrio; a odontologia para
-
14
minimizar a possvel influncia do nmero de amlgamas dentrias nos resultados, entre
outros. Na medicina, por exemplo, foi necessria assessoria de clnico geral,
neurologista, nefrologista e pediatra na elaborao do questionrio para avaliao dos
sintomas e queixas, bem como no roteiro do exame clnico. Esse exemplo mostra a
complexidade das situaes que envolvem sade e meio ambiente e a necessidade de
uma ampla articulao interdisciplinar no processo de gerao de conhecimento.
1.3.3 A complexidade das situaes de risco
A complexidade das situaes de risco se reflete na especificidade metodolgica dos
estudos nessa rea, particularmente no que se refere s variveis a serem estudadas. De
forma mais sistemtica, pode-se reconstruir as situaes que envolvem as relaes sade
e ambiente a partir dos elementos que as compem classificando-os em variveis
relacionadas com o poluente, o ambiente, a populao exposta e a infraestrutura dos
setores de sade e de saneamento.
Quanto ao poluente, elevado o nmero de variveis que devem ser levadas em
considerao no desenho e desenvolvimento dos estudos e pode-se incluir: tipo, fonte,
concentrao, poder de volatilizao, odor, local, disperso, padro de ocorrncia,
estado fsico, cintica ambiental, disperso, tipo de solubilidade, transformao
(biodegradabilidade, sedimentao, ao de microrganismos, adsoro a partculas,
interao com outras substncias), persistncia ambiental, vias de absoro,
distribuio, biotransformao (oxidao, reduo, hidrlise, acetilao, metilao,
conjugao), acumulao, tempo de latncia, vias de eliminao, tipos de efeitos
adversos, entre outros.
Ainda sobre os poluentes, qualquer avaliao de risco deve levar em conta o melhor
local para a coleta das amostras para anlise. Neste caso, a frequncia de sua ocorrncia,
sua cintica ambiental, a persistncia no ambiente, a capacidade de biotransformao,
vias de penetrao no organismo, so aspectos importantes para esta coleta.
No que diz respeito s caractersticas do ambiente no qual o poluente est presente,
destacam-se aquelas variveis que se referem s condies hidrolgicas, geolgicas,
topogrficas e meteorolgicas, tais como: aspectos fsico-qumicos dos compartimentos
-
15
ambientais, temperatura, ventos, umidade, permeabilidade dos solos, drenagem,
concentrao populacional, vegetao, guas superficiais e profundas, etc.
Como exemplos pode-se citar: a importncia dos ventos na disperso dos poluentes; a
possibilidade de diminuio da exposio por via respiratria de substncias como a
slica livre em ambientes umidificados; as caractersticas das condies topogrficas
para contaminao de lenis freticos; e o papel do pH para a ocorrncia ou no de
metilao de compostos de mercrio.
Quanto s variveis de interesse relativas populao exposta deve-se levar em
considerao, entre outras, sexo, idade, susceptibilidade individual, grupos especiais,
estado nutricional, raa, escolaridade, caractersticas socioeconmicas, ocupao,
padres de consumo, hbitos e doenas pr-existentes. Uma pessoa que apresenta um
bom padro de condies de vida, boa alimentao e acesso a informaes, ter um
risco menor de exposio para muitos fatores adversos do ambiente para a sade e que
so caractersticos de reas de baixa situao socioeconmica.
Alm disso, existem grupos especiais de maior risco como, por exemplo, crianas e
adolescentes, por estarem em fase de desenvolvimento fsico, idosos pela diminuio da
resistncia orgnica e, especialmente, gestantes, uma vez que um grande nmero de
substncias qumicas podem atravessar a barreira placentria e causar leses congnitas.
Do mesmo modo, deve-se dar prioridade na proteo das mulheres em perodo de
amamentao, visto que uma grande quantidade de substncias perigosas pode ser
eliminada do organismo pelo leite materno.
Por fim, deve-se levar em considerao as variveis relacionadas infraestrutura dos
setores de sade e de saneamento necessria para a o desenvolvimento de qualquer
avaliao de risco, e que incluem, entre outros, recursos humanos, equipamentos, apoio
laboratorial, programas de preveno e controle, programas de reabilitao, seguridade
social, etc.
Como pode ser observado, a equipe de pesquisa interessada em avaliar risco em sade
ambiental dever contar com a participao de profissionais de diversas origens, desde o
desenho do estudo s recomendaes visando proteo da sade.
-
16
2 CONCEITOS BSICOS DE EPIDEMIOLOGIA
2.1 Epidemiologia
Epi = em cima de, sobre
dems = povo Cincia do que ocorre sobre o povo.
logos = estudo
"Epidemiologia o estudo da frequncia, da distribuio e dos determinantes dos
estados ou eventos relacionados sade em especficas populaes e a aplicao desses
estudos no controle dos problemas de sade" (LAST, 2000).
A epidemiologia constitui uma cincia bsica da sade coletiva voltada para a
compreenso do processo sade-doena no mbito de populaes, aspecto que a
diferencia da prtica clnica da medicina, que tem por objetivo o estudo desse mesmo
processo, mas em termos individuais (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).
2.2 Agente etiolgico ou agente infeccioso
o microrganismo que provoca uma doena infecciosa. Os principais grupos de
microrganismos que podem provocar doenas no homem so os vrus, as bactrias, os
protozorios e os helmintos (vermes).
2.3 Distribuio geogrfica
a regio - pas, estado, cidade, distrito, bairro - onde uma doena ou um agente
infeccioso ocorre.
2.4 Reservatrio
Entende-se por reservatrio o habitat de um agente infeccioso, no qual este vive, cresce
e se multiplica. Podem comportar-se como reservatrio:
o homem;
os animais;
o meio ambiente.
-
17
2.5 Patogenicidade
a capacidade do agente infeccioso, uma vez instalado no organismo do homem ou de
outros animais, produzir sinais e sintomas em maior ou menor proporo entre os
hospedeiros infectados.
2.6 Vias de transmisso de doenas
So as vias pelas quais o agente etiolgico passa do reservatrio para uma pessoa sadia.
As principais vias de transmisso de doenas so a gua, alimentos, esgoto, lixo,
enchentes, poeira, insetos, perdigoto (gotculas de tosse ou espirro), uso compartilhado
de seringas, sexo desprotegido. O saneamento bsico promove a preveno de doenas
por meio da interrupo das vias de transmisso de doenas.
2.7 Vias de penetrao
So as vias pelas quais o agente etiolgico penetra em um indivduo saudvel. As
principais vias de penetrao so a boca, as narinas, a pele e os rgos genitais.
2.8 Endemias
uma doena localizada em um espao limitado denominado faixa endmica. Isso quer
dizer que endemia uma doena que se manifesta apenas numa determinada regio, de
causa local.
A ttulo de exemplo, pode ser citada a febre amarela na Amaznia. No perodo de
infestao da doena, as pessoas que viajam para a regio precisam ser vacinadas.
Outro exemplo: Juiz de Fora teve 30 novos casos de Aids por ano a cada cem mil
habitantes, segundo dados do Ministrio da Sade (2010).
2.9 Epidemias
uma doena infecciosa e transmissvel que ocorre numa comunidade ou regio e pode
se espalhar rapidamente entre as pessoas de outras regies, originando um surto
epidmico. Isso poder ocorrer por causa de um desequilbrio (mutao) do agente
transmissor da doena ou pelo surgimento de um novo agente (desconhecido).
-
18
Em 2010, houve uma epidemia de dengue na cidade de Juiz de Fora: 9.441 pessoas
tiveram dengue e 17 morreram (MINISTRIO DA SADE, 2010).
2.10 Pandemias
A pandemia uma epidemia que atinge grandes propores, podendo se espalhar por
um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inmeras mortes ou destruindo
cidades e regies inteiras.
Quando uma epidemia se alastra de forma desequilibrada se espalhando pelos
continentes, ou pelo mundo, ela considerada uma pandemia.
O vrus A (H1N1) da gripe aviria, que teve origem comum - suna, aviria e humana,
determinou a primeira pandemia de gripe do sculo XXI.
2.11 Hospedeiro
Hospedeiro um organismo que abriga outro organismo em seu interior ou o carrega
sobre si, seja este um parasita, um comensal ou um mutualista.
2.11.1 Hospedeiro definitivo
Hospedeiro definitivo o que apresenta o organismo em fase de maturidade ou em fase
de atividade sexual.
2.11.2 Hospedeiro intermedirio
Hospedeiro intermedirio o que apresenta o organismo em fase larvria ou em fase
assexuada.
2.12 Profilaxia ou medidas de preveno das doenas
um conjunto de medidas que tem por finalidade prevenir ou atenuar as doenas, suas
complicaes e consequncias. Quando a profilaxia est baseada no emprego de
medicamentos, trata-se da quimioprofilaxia. Entretanto, as medidas profilticas s sero
eficientes quando se conhecer a epidemiologia da doena, isto , os fatores responsveis
pela existncia da doena
-
19
2.13 Perodo de incubao
o perodo de tempo entre a penetrao do agente etiolgico no organismo at o
aparecimento dos primeiros sinais e sintomas clnicos da doena.
2.14 Zoonoses
Doenas que pode ocorrer tanto em seres humanos como em animais, isto , o agente
infeccioso pode passar do ser humano para os animais ou vice-versa.
2.15 Sade Ambiental
"Sade ambiental so todos aqueles aspectos da sade humana, incluindo a qualidade de
vida, que esto determinados por fatores fsicos, qumicos, biolgicos, sociais e
psicolgicos no meio ambiente. Tambm se refere teoria e prtica de valorar, corrigir,
controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam
prejudicar a sade de geraes atuais e futuras" (WHO, 1993).
O grande nmero de fatores ambientais que podem afetar a sade humana um
indicativo da complexidade das interaes existentes e da amplitude das aes
necessrias para melhorar os fatores ambientais determinantes da sade. Porm, os
programas de melhorias no ambiente tm aes bastante diferenciadas daquelas da
ateno mdica, ainda que no possam estar desvinculadas delas (RIBEIRO, 2004).
Atualmente, os aspectos ambientais chamam a ateno de diferentes cincias, tanto das
reas biolgicas quanto das cincias da natureza e das cincias exatas. Glacken (1967)
sintetizou essas preocupaes em trs perguntas, que tm tido destaque na histria
humana:
1. Qual o sentido da criao humana e qual o sentido da concepo da terra? A
terra foi criada para o ser humano?
2. Qual a influncia do entorno meio ambiente nas caractersticas do ser
humano e das sociedades?
3. Como os seres humanos vm transformando a terra?
A primeira questo objeto das religies. A segunda e a terceira questo sero
discutidas ao longo deste curso.
-
20
3 MODELOS SADE-DOENA
3.1 Introduo
Neste captulo, vamos abordar os principais modelos de sade-doena que tm
orientado a epidemiologia.
Em primeiro lugar, veremos o modelo biomdico que um modelo que considera a
doena como resultante da agresso de um agente etiolgico a um organismo. um
modelo eficaz para a explicao das doenas infecciosas e parasitrias.
Em segundo lugar, estudaremos um modelo de grande importncia histrica para a
epidemiologia, denominado Histria Natural das Doenas ou modelo processual. Este
modelo incorpora o conceito de fator de risco para a produo de conhecimento de
medidas de preveno, especialmente importante para as doenas crnicas no
transmissveis.
Discutiremos, ainda, um modelo de sade-doena denominado modelo sistmico que
combina fatores ambientais com uma perspectiva sistmica, fornecendo um conjunto
para a compreenso de sistemas epidemiolgicos concretos.
Por ltimo, apresentam-se algumas contribuies das cincias humanas para a sade
ambiental que, a partir da crtica de outros modelos, constituram modelos de sade-
doena valorizando elementos psicossociais e culturais.
3.2 Modelo Biomdico
Conceito Biomdico doena um desajustamento ou falha nos mecanismos de
adaptao do organismo ou uma ausncia de reao aos estmulos a cuja ao est
exposto, segundo Jnicek e Clroux (1982).
O conceito biomdico se aplica a organismos de todas as espcies e por isso deve ser
analisado em termos biolgicos.
-
21
Segundo a Organizao Panamericana de Sade (OPAS/OMS, 1992), doena infecciosa
a doena do homem ou dos animais que resulta de uma infeco.
O modelo biomdico de patologia foi desenvolvido privilegiando-se as doenas
infecciosas (BARRETO, 1998). Neste modelo, as doenas no infecciosas so tratadas
por excluso.
O conceito de doena no modelo biomdico abordado a partir de duas perspectivas
Tabela 3.1:
Etiologia Valoriza o mecanismo causador das doenas:
infecciosas;
no-infecciosas.
Durao Privilegia uma abordagem teraputica de sinais e sintomas:
agudas;
crnicas.
Tabela 3.1 - Exemplo de classificao de doenas quanto durao e etiologia
Fonte: ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL (2006)
Nas doenas infecciosas, o agente etiolgico um ser vivo, correntemente chamado de
patgeno - gerador de doena. D-se o nome de infeco penetrao e ao
desenvolvimento ou multiplicao de um patgeno no organismo de uma pessoa ou
animal.
Patgeno: o agente etiolgico um ser vivo.
-
22
Infeco: penetrao e desenvolvimento ou multiplicao de um
patgeno no organismo.
Doena transmissvel: causada por agente infeccioso especfico
que se manifesta pela transmisso de uma pessoa ou animal
infectados ou de um reservatrio a um hospedeiro suscetvel
(OPAS/OMS, 1976).
Doena contagiosa: causada atravs de contato direto com
indivduos infectados.
As doenas no-infecciosas so aquelas que no se relacionam com a invaso do
organismo por seres vivos parasitrios.
Agentes etiolgicos de natureza inanimada. Exemplos: radiaes,
poluentes atmosfricos, lcool, fumo, drogas, etc.
A maioria das doenas no-infecciosas so doenas crnicas.
Doenas no-infecciosas agudas so os acidentes, envenenamentos,
mortes violentas, etc.
A suscetibilidade individual implica em geral uma gradao.
Perodo de latncia para doenas no-infecciosas crnicas , em geral,
longo.
3.3 Modelo Processual ou Histria Natural das Doenas
Modelo Processual ou Histria Natural das Doenas o nome dado ao conjunto de
processos interativos compreendendo as interrelaes do agente etiolgico, do
suscetvel e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento,
desde as primeiras foras que criam o estmulo patolgico no meio ambiente, ou em
-
23
qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estmulo, at as alteraes
que levam a um doena, invalidez, recuperao ou morte (LEAVELL e CLARK, 1976).
Neste modelo, considera-se a evoluo dos processos patolgicos em dois perodos
consecutivos que se articulam e se complementam, a saber, perodo pr-patognese e
perodo de patognese.
3.3.1 Pr-patognese:
As manifestaes patolgicas ainda no se manifestaram.
Agentes:
fsicos;
qumicos;
biolgicos;
nutricionais;
genticos.
Determinantes:
econmicos;
culturais;
ambientais;
biolgicos;
psicossociais.
3.3.2 Patognese:
Os processos patolgicos j esto ativos.
Quatro nveis de evoluo da doena:
interao agente-sujeito;
alteraes bioqumicas, histolgicas e fisiolgicas;
sinais e sintomas;
cronicidade.
-
24
Para Almeida e Rouquayrol (2006), o Modelo Processual ou Histria Natural das
Doenas representa um grande avano em relao ao modelo biomdico, na medida em
que reconhece que sade-doena implica um processo de mltiplas e complexas
determinaes.
3.4 Modelo Sistmico
Sistema:
um conjunto de elementos, de tal forma relacionados, que uma
mudana no estado de qualquer elemento provoca mudana no estado
dos demais elementos (ROBERTS, 1978 apud ALMEIDA FILHO e
ROUQUAYROL, 2006).
O Modelo Sistmico remete noo de ecossistema.
Sistema Epidemiolgico:
Conjunto formado por agente patognico, suscetvel e pelo ambiente,
dotado de uma organizao interna que regula as interaes
determinantes da produo da doena, juntamente com os fatores
vinculados a cada um dos elementos do sistema (ALMEIDA FILHO e
ROUQUAYROL, 2006).
Qualquer que seja o caso, a ecloso de uma epidemia est relacionada a
quebra no equilbrio no ecossistema que implica em modificaes
quantitativas ou qualitativas no sistema epidemiolgico.
Agente e Suscetvel:
Um agente pode ser um microrganismo, um poluente ou um gene.
O suscetvel aquele em que a doena se desenvolver e ter
oportunidade de se manifestar clinicamente (hospedeiro).
Essa relao pode ser descritas por trs categorias:
Resistncia.
Suscetibilidade.
Imunidade.
-
25
Ambiente:
Conjunto de processos que mantm relaes interativas com o agente
etiolgico e o suscetvel, sem se confundir com os mesmos.
Reservatrio, vetores e veculos.
Epidemiologicamente, alm do ambiente fsico e do ambiente biolgico,
deve ser abordado tambm o ambiente social.
3.5 Modelos Socioculturais
A grande maioria das doenas resultante da conjuno de fatores extrnsecos,
situados no meio ambiente e no sistema socioeconmico, e de fatores
intrnsecos, prprios do ver vivo afetado.
Field (1976):
Enfermidade no implicaria simplesmente uma condio
biologicamente alterada, mas tambm um estado socialmente alterado
que pode ser visto tanto como desviante quanto como (normalmente)
indesejvel.
Modelo de sade-doena na concepo de Kleinman, Eisenberg e Good (1978):
Doena = Enfermidade + Molstia Figura 3.1.
Figura 3.1 - Modelo de Kleinman, Eisenberg e Good (1978)
-
26
Young (1982):
Enfermidade doena molstia (EDM).
As prticas mdicas revelaram um importante componente poltico e
ideolgico, estruturando-se com base em relaes de poder, que
justificam uma distribuio social desigual das enfermidades e dos
tratamentos, bem como as suas consequncias.
O foco sobre a dimenso da enfermidade do modelo EDM de Young
(1982) permite superar a nfase dos nveis biolgico de Boorse (1997) e
individual de Kleinman, Eisenberg e Good (1978).
3.6 Concluses:
tarefa da epidemiologia, utilizando-se das tcnicas analticas de pesquisa que lhe so
prprias, identificar fatores de risco nos ambientes fsico, qumico, biolgico e social
(ROSE, 2008).
A epidemiologia busca estudar os fatores determinantes dos fenmenos sade-doena.
Por este motivo, uma sntese da abordagem epidemiolgica pode ser encontrada na
transposio dos modelos de causalidade e risco para uma interpretao sistmica da
doena (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).
A sade ambiental busca estudar as vias de transmisso das doenas e as formas de
adoo de medidas de interrupo destas vias de transmisso de modo a prevenir as
doenas relacionadas com o meio ambiente.
-
27
4 CONCEITO DE CAUSA E DE FATOR DE RISCO
4.1 Causalidade e Fator de Risco
A causalidade dos eventos adversos sade uma das questes centrais da
epidemiologia, mas tambm uma das mais complexas. A epidemiologia em seus
primrdios foi influenciada por conceitos unicausais da determinao das doenas,
derivados principalmente do desenvolvimento da microbiologia no final do sculo XIX.
De acordo com essa concepo, a cada doena infecciosa deveria corresponder um
agente etiolgico especfico.
Esta concepo da unicausalidade das doenas tinha, entre seus principais referenciais
tericos, os chamados Postulados de Koch, originalmente formulados por Henle em
1840 e adaptados por Robert Koch em 1877.
No entanto, j nas primeiras dcadas do sculo XX, verificou-se que essa teoria no se
adequava compreenso da maioria das doenas infecciosas ou no-infecciosas,
restringindo a aplicabilidade dos Postulados de Koch.
Progressivamente, firmava-se a percepo de que vrios fatores, e no somente uma
nica causa, estavam relacionados com a ocorrncia das doenas. Incorporava-se, ento,
epidemiologia a concepo multicausal da determinao do processo sade-doena.
Com o objetivo de sistematizar o raciocnio epidemiolgico com fundamento nesta
abordagem, Alfred Evans (1976) elaborou os seguintes postulados (Postulados de
Henle-Koch-Evans), tomando como referncia aqueles propostos por Koch no sculo
XIX:
1. A prevalncia da doena deve ser significativamente mais alta entre os expostos
causa sob suspeita do que entre os controles no expostos (a causa pode estar presente
no ambiente externo ou num defeito de resposta do hospedeiro).
-
28
2. A exposio causa sob suspeita deve ser mais frequente entre os atingidos pela
doena do que o grupo controle que no a apresenta, mantendo constantes os demais
fatores de risco.
3. A incidncia da doena deve ser significativamente mais elevada entre os expostos
causa sob suspeita do que naqueles no expostos.
4. A doena deve ocorrer num momento posterior exposio ao hipottico agente
causal, enquanto a distribuio dos perodos de incubao deve apresentar-se na forma
de uma curva normal.
5. O espectro da resposta do hospedeiro em um momento posterior exposio ao
hipottico agente causal deve apresentar-se num gradiente biolgico que vai do benigno
ao grave.
6. Uma resposta mensurvel do hospedeiro, at ento inexistente, tem alta probabilidade
de manifestar-se aps a exposio ao hipottico agente causal, ou aumentar em
magnitude, se presente anteriormente (exemplos: anticorpos, clulas cancerosas, etc).
Esse padro de resposta deve ocorrer infrequentemente em pessoas pouco expostas.
7. A reproduo experimental da doena deve ocorrer mais frequentemente em animais
ou no homem adequadamente exposto causa hipottica do que naqueles no expostos;
essa exposio pode ser deliberada em voluntrios, experimentalmente induzida em
laboratrio, ou demonstrada num estudo controlado de exposio natural.
8. A eliminao ou modificao da causa hipottica deve diminuir a incidncia da
doena (exemplos: controle da utilizao de gua contaminada, remoo do hbito de
no lavar as mos aps ir ao banheiro, modificaes de hbitos alimentares, etc).
9. A preveno do hospedeiro exposio causa hipottica deve diminuir a incidncia
ou eliminar a doena (exemplos: imunizao, administrao de drogas para a
diminuio do colesterol, etc).
10. Todas as associaes ou achados devem apresentar consistncia com os
conhecimentos no campo da biologia e da epidemiologia.
-
29
A compreenso da concepo multicausal pressupe o conhecimento dos conceitos de
risco e de fator de risco, que apresenta-se a seguir:
Entende-se por risco em epidemiologia a probabilidade de ocorrncia de uma
determinada doena ou evento adverso sade.
Pode-se definir como fator de risco o elemento ou caracterstica positivamente
associado ao risco (ou probabilidade) de desenvolver uma doena.
Pode-se ento entender a causalidade como algo que pode apresentar-se de duas formas:
a direta ou a indireta (Figura 4.1).
Causao
direta
Causao
indireta
Figura 4.1 Formas direta e indireta de causalidade de doenas
Fonte: Adaptado de Gordis (2008)
1. Na causao direta, o fator A causa diretamente a doena B sem a interao com
nenhum fator adicional.
2. Na causao indireta, o fator A causa a doena B, mas por meio da interao de
um ou mais fatores adicionais (fatores X, Y,...), que podem ser entendidos como
fatores de risco.
Aplicando um raciocnio semelhante, mas utilizando uma abordagem diferente, pode-se
apresentar a causalidade como uma relao de causa - efeito em que alguns elementos
devem estar presentes para que a doena ocorra.
Ter-se- dois componentes da causalidade:
- Causa "necessria": entendida como uma varivel (patgeno ou evento) que deve
estar presente e preceder a doena, produzindo uma associao do tipo causa efeito.
Fator A
Fator A
Doena B
Doena B
Fator X Fator Y
-
30
- Causa "suficiente": entendida como certa varivel ou um conjunto de variveis cuja
presena inevitavelmente produz ou inicia a doena.
A presena de um patgeno pode ser necessria para a ocorrncia de uma doena, mas
sua presena pode no ser suficiente para que ela se desenvolva. Em situaes como
essa, a causa suficiente pode ser a quantidade do patgeno ou a presena de outros
fatores numa configurao favorvel ao desenvolvimento da doena.
Geralmente, a causa suficiente abrange um conjunto de fatores de risco, no sendo
necessrio identific-los na totalidade para implementar medidas efetivas de preveno,
uma vez que a eliminao de um deles pode interferir na ao dos demais, naquilo que
denomina-se configurao favorvel e, portanto, evitar a doena.
A partir desses pressupostos, em epidemiologia pode-se definir como causa uma
multiplicidade de condies propcias que, reunidas em configuraes adequadas,
aumentam o risco de ocorrncia de determinada doena ou evento adverso sade.
Seja o exemplo da tuberculose Figura 4.2. Pode-se aceitar a presena do bacilo de
Koch como sua causa necessria, embora no seja suficiente, pois a evoluo da
infeco tuberculosa para a doena tuberculose consequncia da interveno de um
conjunto de fatores de risco, tais como a m alimentao, condies inadequadas de
habitao, a debilidade fsica resultante de trabalho extenuante e fatores genticos. Esse
conjunto de fatores de risco constitui a causa suficiente.
Causa
necessria
Causa
suficiente
Figura 4.2 Causas da tuberculose
Fonte: Adaptado de Bonita, Beaglehole e Kjellstrom, 2010
possvel destacar quatro tipos de fatores que intervm na causalidade das doenas,
atuando seja como causas necessrias, seja como causas suficientes (BONITA,
BEAGLEHOLE e KJELLSTROM, 2010):
Desnutrio
Bacilo de
Kock
Tuberculose
Tuberculose
Aglomera
o
Condies
adversas de
trabalho
-
31
1- Fatores predisponentes, como idade, sexo, existncia prvia de agravos sade, que
podem criar condies favorveis ao agente para a instalao da doena.
2- Fatores facilitadores, como alimentao inadequada sob o aspecto quantitativo ou
qualitativo, condies de saneamento precrias, acesso difcil assistncia mdica, que
podem facilitar o aparecimento e desenvolvimento de doenas.
3- Fatores desencadeantes, como a exposio a agentes patognicos ao homem, que
podem associar-se ao aparecimento de uma doena.
4- Fatores potencializadores, como a exposio repetida ou por tempo prolongado a
condies adversas de trabalho, que podem agravar uma doena j estabelecida.
Com alguma frequncia pode-se identificar diferentes fatores de risco para uma mesma
doena, o que pressupe a existncia de uma rede de fatores ligados causalidade. A
fora de cada fator, como determinante do agravo, pode ser varivel. Da mesma forma,
existem fatores de risco associados a mais de uma doena.
Como exemplos, pode-se citar:
- a doena coronariana, que apresenta diferentes fatores de risco, entre eles o estresse, o
hbito do tabagismo, a hipertenso arterial, a vida sedentria, hbitos alimentares
inadequados;
- o tabagismo pode constituir fator de risco para mais de uma doena como, por
exemplo, o cncer de pulmo e a doena coronariana.
4.2 Causalidade na Relao Ambiente e Sade
4.2.1 Aspectos histricos
Os primeiros registros histricos de suspeitas de causalidade entre fatores ambientais e
doenas datam de 2.000 a.c.
-
32
Entre os sculos IV a V a.c., Hipcrates escreveu o tratado Dos ares, das guas e dos
lugares, considerado o primeiro tratado de Epidemiologia.
Durante a Idade Mdia, prevaleceu a Teoria Miasmtica, a qual considerava que as
doenas so causadas pelos vapores da putrefao, que se originavam na atmosfera ou a
partir do solo. Em funo da Teoria Miasmtica, algumas medidas de Sade Pblica
foram adotadas como o enterro dos mortos, o aterro dos excrementos e a recolha do
lixo.
John Snow, ao estudar a epidemia de clera no bairro do Soho em Londres em 1854,
concluiu que a doena estava associada gua para consumo humano. Snow, hoje,
considerado o pai da Epidemiologia Tabela 4.1.
Tabela 4.1 Simulao do estudo de Jonh Snow sobre clera e gua para consumo
humano Bombas de poos Nmero de moradias Nmero de bitos bitos por moradias
A a b b / a
B c d d / c (*)
C e F f / e
(*) Obs.: valor mais elevado, na poca Broad Street, atual Broadwick Street.
4.2.2 Epidemiologia Ambiental
A Epidemiologia Ambiental formula hipteses a respeito das relaes de causa e efeito
sobre o impacto das condies do ambiente sobre a sade coletiva. Assim, a exposio a
agentes ambientais pode causar doenas na populao.
Um exemplo dos modelos de estudo de causa e efeito ambiental o modelo multicausal
proposto por Leavell e Clarck (1976), tambm chamado de trade ecolgica ou Histria
Natural das Doenas, Figura 4.3.
Agente Patognico
Ambiente Hospedeiro
Figura 4.3 Trade ecolgica
Fonte: Adaptado de Leavell e Clark (1976)
-
33
Assim, no modelo da trade ecolgica, pode-se formular a pergunta: o que provoca as
doenas?
A resposta a que a ocorrncia das doenas vem do desequilbrio dos vrtices do
tringulo (agente ambiente hospedeiro). Portanto, a preveno das doenas se faz
com base na Histria Natural das Doenas.
4.2.3 Teoria do Germe
Louis Pasteur considerado o pai da Microbiologia, sendo o formulador da Teoria do
Germe. Pasteur props que as doenas eram causadas pelos microrganismos e que
somente eles trazem as doenas, o que veio a ser conhecido tambm como a teoria da
unicausalidade.
Assim, o estudo da causalidade das doenas teve uma grande modificao a partir dos
estudos de Louis Pasteur no sculo XIX com a descoberta dos microrganismos como
agentes patolgicos. A partir deste momento, as ideias sobre causalidade, ou seja, a
compreenso dos mecanismos que determinam as doenas concentrou-se quase
exclusivamente na idia de contgio, em que o organismo mero receptculo das
doenas. Surge a crena de que a Microbiologia o estudo das bactrias, fungos,
protozorios, helmintos (vermes) e vrus e seus respectivos mecanismos de ao iria
resolver se no todos, a maior parte dos problemas de sade.
Com o tempo, a teoria da unicausalidade mostrou ter uma viso estreita na explicao
dos fenmenos associados s doenas, pois no levava em conta problemas associados
ao ambiente - como poluio ambiental e falta de estrutura sanitria; problemas sociais -
como nutrio deficiente, moradia precria e problemas na mobilidade urbana; e
problemas econmicos - como desemprego, baixa renda e crises macroeconmicas.
No incio do sculo XX, como consequncias da teoria da unicausalidade pode-se
registrar:
1. O fortalecimento do modelo biomdico e, por consequncia, do enfoque na
medicina curativa.
2. O descuido de vrios pases com questes relacionadas ao saneamento bsico e
higiene pessoal, domstica e dos alimentos.
-
34
4.2.4 Desenvolvimento da Sade Ambiental
- 1987 Comisso Brutland, instituda pela ONU:
Conceito de desenvolvimento sustentvel.
- 1992 Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento com
a aprovao da Agenda 21 (CNUMAD, 1997):
Definio do homem no centro das preocupaes ambientais, com o
fortalecimento do conceito de sade ambiental.
- 1995 Conferncia Panamericana de Sade, Ambiente e Desenvolvimento
(OPAS/OMS, 1995):
Compromisso dos pases da Amrica Latina e do Caribe com o
desenvolvimento sustentvel.
- 2012 Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel (ONU,
2012):
Entendemos que os objetivos do desenvolvimento sustentvel s podem ser
alcanados na ausncia de uma alta prevalncia de doenas transmissveis e crnicas e
onde as populaes possam alcanar um estado de sade fsica, mental e bem-estar.
4.2.5 Situao do Brasil:
Antes de 1970, a situao do Brasil em relao ao saneamento ambiental era
caracterizada pela disperso das aes entre rgos federais, estaduais e municipais,
com perda de investimentos, baixa eficincia e falta de sustentabilidade econmica.
No perodo entre 1970 e 1986, vigorou o Plano Nacional de Saneamento PLANASA
com algumas caractersticas:
Os estados criaram as Companhias Estaduais de gua e Esgotos como COPASA,
SABESP, CORSAN, COMPESA,...
Os recursos para investimentos em saneamento bsico eram provenientes do governo
federal, por meio do Banco Nacional da Habitao BNH, com recursos do Fundo de
Garantia por Tempo de Servio FGTS.
-
35
Houve uma ampliao da cobertura populacional por servios de saneamento bsico,
com nfase no abastecimento e tratamento de gua para consumo humano em
populaes urbanas.
Os investimentos no levavam em conta, neste perodo, a situao de sade pblica.
O critrio predominante para priorizao de investimentos em obras de saneamento era
o retorno financeiro do investimento.
O perodo entre 1986 e 2002 foi caracterizado por um vazio institucional, marcado pela
extino do Banco Nacional de Habitao BNH, que era o sistema financeiro do setor
de Saneamento, e o incentivo privatizao das empresas e servios de saneamento
bsico. Algumas caractersticas:
promulgada a Constituio Federal (BRASIL, 1988) que estabeleceu, em seus
artigos 196 e 200, uma viso integradora entre saneamento e sade pblica.
Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas
sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e
recuperao.
...
Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos
da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substncias de interesse para a sade
e participar da produo de medicamentos, equipamentos, imunobiolgicos,
hemoderivados e outros insumos;
II - executar as aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica, bem como as de
sade do trabalhador;
III - ordenar a formao de recursos humanos na rea de sade;
IV - participar da formulao da poltica e da execuo das aes de saneamento
bsico;
V - incrementar em sua rea de atuao o desenvolvimento cientfico e tecnolgico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor
nutricional, bem como bebidas e guas para consumo humano;
-
36
VII - participar do controle e fiscalizao da produo, transporte, guarda e utilizao de
substncias e produtos psicoativos, txicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
No entanto, o critrio de aplicao de recursos do Planasa tem continuidade, isto ,
priorizava-se o retorno financeiro dos investimentos, em detrimento de critrios de
sade pblica na priorizao dos investimentos.
O perodo caracterizado pelo baixo investimento na expanso dos servios de
saneamento espera da privatizao do setor que, por sua vez, no obteve sucesso.
Na prtica, houve avanos e recuos em uma viso conjunta entre Saneamento Bsico
e Sade Pblica.
No perodo de 2003 at os dias de hoje, tem-se:
A promulgao da Lei 11.445 (BRASIL, 2007), que estabeleceu diretrizes nacionais
para o saneamento bsico no pas, com destaque para a exigncia de planejamento com:
diagnstico da situao e de seus impactos nas condies de vida, utilizando sistema
de indicadores sanitrios, epidemiolgicos, ambientais e socioeconmicos e apontando
as causas das deficincias detectadas.
A promulgao da Lei 12.305 (BRASIL, 2010b), que institui a Poltica Nacional de
Resduos Slidos, com destaque para metas para a eliminao e recuperao de lixes,
associadas incluso social e emancipao econmica de catadores de materiais
reutilizveis e reciclveis at agosto de 2012.
O estabelecimento do PAC 1 (2007 a 2010) e PAC 2 (2011 a 2015) com a previso
de investimentos em saneamento bsico de, respectivamente, 40 e 45 bilhes de reais.
Fortalecimento dos servios de vigilncia sanitria e epidemiolgica em nvel
federal, estadual e municipal.
Elaborao do Plano Nacional de Saneamento Bsico (Plansab) e dos planos
municipais de saneamento bsico, alm da implantao dos entes reguladores.
-
37
5 INDICADORES EPIDEMIOLGICOS
5.1 Introduo
Os indicadores epidemiolgicos expressam a relao entre o subconjunto de doentes ou
bitos e o conjunto de membros da populao. Em outras palavras, esta relao equivale
ao clculo da probabilidade de adoecer ou de morrer, ou seja, os indicadores
epidemiolgicos constituem a expresso mais simplificada do risco.
Figura 5.1 Os subconjuntos da morbimortalidade (ALMEIDA FILHO e
ROUQUAYROL, 2006).
Pode-se classificar os indicadores epidemiolgicos de acordo com a sua referncia em
dois grandes grupos, a saber:
1. Macroindicadores ou taxas: aqueles cujos denominadores se referem
base populacional plena P.
2. Microindicadores ou coeficientes: aqueles cujos denominadores se
referem a um subconjunto da base populacional plena P, conforme
indicado na Figura 5.1.
-
38
Assim, prope-se, por conveno, adotar os termos taxa para os macroindicadores e
coeficiente para os microindicadores epidemiolgicos.
Exemplos de macroindicadores ou taxas:
1. Taxa de mortalidade = O / P
Ex: Taxa de mortalidade no Brasil 2008 = 7,4 bitos por 1.000 habitantes.
2. Incidncia ou prevalncia de doena = D / P
Ex: Taxa de incidncia da dengue Br, 2009 = 204,26 casos por 100.000 habitantes.
3. Incidncia ou prevalncia de infeco = I / P
Ex: Taxa de infeco de parasitoses ASNJF, 2002 = 44,0%.
Exemplos de microindicadores ou coeficientes:
1. Coeficiente de patogenicidade = D / I
Ex: 1/6 dos indivduos infectados por Ascaris lumbricoides tm sintomas.
2. Coeficiente de virulncia = G / D
Ex: Em 1% dos casos, a hepatite A uma heptica aguda grave.
3. Coeficiente de letalidade = O / D
Ex: Chegou a 40% a letalidade por doenas meningoccicas em Campinas, no interior
de So Paulo, em 2011.
Para Almeida Filho e Rouquayrol (2006), morbidade e mortalidade constituem os
principais indicadores empregados na epidemiologia para abordar o estado de sade das
comunidades.
5.2 Morbidade
Refere-se a uma populao predefinida, com clara localizao espacial, intervalo de
tempo e abrangncia do estudo.
Indicador de morbidade = No de casos de uma doena x 10
n
Populao
-
39
Em sade pblica, os indicadores de morbidade mais frequentemente utilizados para
avaliar o risco de um dado problema de sade ou para descrever a situao de
morbidade em uma comunidade so as medidas de prevalncia e de incidncia.
5.2.1 Prevalncia
Prevalncia o termo que descreve a fora com que subsistem as doenas nas
coletividades.
Indicador de prevalncia = No de casos conhecidos de uma dada doena x 10
n
Populao
Nmero de casos conhecidos de uma dada doena compreende os casos que subsistem,
bem como a soma de todos os casos novos diagnosticados desde a data da computao
anterior. Na Tabela 5.1, so dados alguns exemplos.
Tabela 5.1 Prevalncia de algumas doenas no Brasil, 2009
(casos por 10.000 habitantes)
Causas IP
Hansenase 1,99
Malria 15,80
Alcoolismo 1890
Fonte: Ministrio da Sade (2010)
5.2.2 Incidncia
Incidncia de doenas em uma populao significa a ocorrncia de casos novos
relacionados unidade de tempo - dia, semana, ms ou ano.
Indicador de incidncia = No de casos novos de uma dada doena x 10
n
Populao
Nmero de casos novos de uma dada doena compreende somente os casos novos
diagnosticados desde a data da computao anterior. Alguns exemplos da taxa de
incidncia da dengue so mostradas na Tabela 5.2.
-
40
Tabela 5.2 Taxa de incidncia da dengue por local, 2009
(casos por 100.000 habitantes)
Causas Idengue
Brasil 204,26
Acre 2.658,25
Minas Gerais 268,64
Rio Grande do Sul 0,49
Juiz de Fora 517,30
Fonte: Ministrio da Sade (2010)
5.2.3 Coeficiente de Ataque
Quando a inteno investigar surtos epidmicos de doena contagiosa logo aps sua
ecloso e durante sua vigncia, a medida de incidncia reveste-se de uma feio
diferente e recebe a denominao de coeficiente de ataque.
Coeficiente de ataque = No de casos novos surgidos a partir do caso-ndice x 10
n
Total de contatos com o caso-ndice
D-se o nome de caso-ndice ao primeiro caso oficialmente notificado de uma dada
doena.
5.2.4 Relao entre Prevalncia e Incidncia
A prevalncia (P) varia proporcionalmente com o produto da incidncia (I) pela durao
da doena (D).
P = I x D
5.3 Mortalidade
Os indicadores de mortalidade podem ser definidos como quocientes entre frequncias
absolutas de bitos e nmero de sujeitos expostos ao risco de morrer.
-
41
5.3.1 Taxa de Mortalidade Geral - TMG
Calcula-se a taxa de mortalidade geral dividindo-se o nmero de bitos por todas as
causas em um determinado ano, circunscritos a uma determinada rea, pela populao.
O resultado em geral se multiplica por 1.000, base referencial para a populao exposta
ao risco de morrer.
Taxa de mortalidade geral (TMG) = No de bitos x 10
3
Populao
Na prtica, o emprego da taxa de mortalidade geral prejudicado pela presena de
distores relacionadas ao sub-registro e qualidade dos registros de atestados de
bitos. A seguir, na Tabela 5.3, so mostrados algumas taxas de mortalidade geral.
Tabela 5.3 Taxa de mortalidade geral nas Amricas
(casos por 1.000 habitantes)
Pas e ano TMG
Brasil 2008 7,4
EUA 2007 5,7
Argentina 2008 6,0
Guiana 2006 10,4
Haiti -
Fonte: OPAS/OMS (2011)
5.3.2 Taxa de Mortalidade Especfica - TME
As taxas de mortalidade por causas especficas so calculadas mediante a diviso do
nmero de bitos ocorridos por uma determinada causa pela populao. Normalmente,
o resultado multiplicado por 100.000, base referencial da populao.
Taxa de mortalidade especfica (TME) = No de bitos por uma causa x 10
5
Populao
Na Tabela 5.4 abaixo, apresenta-se as cinco principais causas de morte no pas em 2009:
doenas do aparelho circulatrio, neoplasias malignas (cncer), causas externas
(violncia urbana, acidentes de trnsito, acidentes do trabalho), doenas do aparelho
circulatrio e doenas infecciosas e parasitrias.
-
42
Tabela 5.4 Principais causas de bito no Brasil, 2009
(casos por 100.000 habitantes)
Causas TME
Doenas do aparelho
circulatrio
167,16
Neoplasias malignas 89,96
Causas externas 72,43
Doenas do aparelho
respiratrio
59,82
Doenas infecciosas e
parasitrias
24,55
Fonte: Ministrio da Sade (2010)
De uma forma geral, o registro das causas de morte, embora venha melhorando
gradativamente, ainda no fidedigno na maioria dos municpios brasileiros. Em um
caso, por exemplo, em que a doena transcorreu sem acompanhamento e o bito
ocorreu sem assistncia mdica, duas testemunhas atestam o bito como causa natural.
Em tal circunstncia, o bito contabilizado como bitos com causa mal definida.
5.3.3 Coeficiente de Mortalidade Infantil - CMI
O coeficiente de mortalidade infantil (CMI) calculado dividindo-se o nmero de
bitos de crianas menores de um ano em uma determinada rea pelo nmero de
crianas nascidas vivas naquele ano, e o resultado multiplicado por 1.000. Portanto, o
CMI mede o risco de morte para crianas menores de um ano de idade.
Apesar do sub-registro de bitos e de nascimentos e erros na idade da criana, o
coeficiente de mortalidade infantil um bom indicador de desigualdades regionais em
sade. A Tabela 5.5 mostra que as regies Norte e Nordeste so as que exibem os mais
baixos nveis de sade no pas, considerando-se que os seus coeficientes de mortalidade
infantil so mais elevados que os das demais regies.
-
43
Tabela 5.5 Coeficientes de mortalidade infantil por regies do Brasil em 2000 e 2010
(mortes por 1.000 nascidos vivos)
Regio CMI 2000
(por 1.000 nv)
CMI 2010
(por 1.000 nv)
Norte 29,5 18,1
Nordeste 44,7 18,5
Centro-oeste 21,6 14,2
Sudeste 21,3 13,1
Sul 18,9 12,6
Brasil 29,7 15,6
Fonte: IBGE (2010b)
As populaes das regies Norte e Nordeste dispem de baixa cobertura de gua tratada
e esgotos coletados e suas populaes tm dificuldade de acesso aos servios de
educao e sade. Trata-se de uma situao de iniquidade social com repercusses sobre
a sade. A regio Nordeste tinha um coeficiente de mortalidade infantil 1,47 vezes
maior do que a Regio Sul do pas em 2010 (18,5 por 1.000 nascidos vivos contra 12,6
por 1.000 nascidos vivos). Essa relao era de 2,37 vezes em 2000, o que indica um
processo de reduo das desigualdades regionais.
A maioria dos pases da frica, sia e Amrica Latina apresentam coeficiente de
mortalidade infantil elevado, maior do que 30 por 1.000 nascidos vivos, enquanto nos
pases economicamente desenvolvidos estas taxas so menores do que 10 por 1.000
nascidos vivos (WHO, 2010).
5.3.4 Coeficiente de Letalidade
Pode ser obtido calculando-se a razo entre o nmero de bitos devido a uma
determinada doena e o total de pessoas que foram acometidos por essa doena.
Coeficiente de letalidade = _bitos_
Doentes
O coeficiente de letalidade, normalmente expresso em termos percentuais, permite
avaliar a gravidade de uma doena, considerando as variveis idade, sexo e condies
socioeconmicas da regio em estudo. Na Tabela 5.6, apresentado o coeficiente de
letalidade de algumas doenas a ttulo de exemplo.
-
44
Tabela 5.6 Coeficientes de letalidade de algumas doenas
Doena CL (%)
Raiva 100
Clera, no tratada > 50
Meningite 29,3
Difteria 6,9
Diarreia 1,0
Fonte: Almeida Filho e Rouquayrol (2006)
-
45
6 DESENHOS DE PESQUISA EM EPIDEMIOLOGIA
6.1 Introduo
Adotou-se neste texto uma classificao de desenhos de pesquisa em epidemiologia
sistematizada h mais de 40 anos por MacMahon e Pugh (1970), aperfeioada por
Lilienfeld e Stolley (1994) e citada por Almeida Filho e Rouquayrol (2006).
Este captulo mostra-se convergente com a tipologia adotada por recentes estudos
metodolgicos no campo epidemiolgico (ROTHMAN e GREENLAND, 1998;
ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).
A principal classificao da arquitetura de uma pesquisa epidemiolgica baseia-se no
tipo de unidade de observao e de anlise, e expressa a dicotomia entre:
1. estudo agregado: coletivos de homens e mulheres;
2. estudo individualizado: indivduos.
O papel do investigador em sua relao com o objeto da investigao compreende dois
tipos:
1. posio passiva: observao pelo investigador, da forma mais metdica e
acurada possvel, dos processos de produo de doentes em populaes, com
o mnimo de interferncia nos objetos estudados;
2. posio ativa: estratgia de ao do investigador no sentido de interferir nos
processos em estudo (experimentao).
Quanto temporalidade, o estudo pode ser desdobrado em duas categorias, a saber:
1. carter instantneo: quando a produo de dados realizada em um nico
momento, como se fosse um corte transversal do processo em observao,
que contnuo ao longo do tempo;
2. carter serial: quando a produo dos dados se d por meio do seguimento
dos eventos numa escala temporal, como se fosse um acompanhamento
longitudinal do processo em observao.
-
46
Pode-se entender melhor o funcionamento dos diferentes tipos de desenhos de pesquisa
em epidemiologia por meio de fluxogramas que se basearam na notao apresentada no
Quadro 6.1.
Quadro 6.1: Convenes para o fluxograma dos desenhos de investigao
epidemiolgicas.
Notao Referente a:
N Populao
A Amostra
S Processo de seleo
E Expostos ao fator de risco
NE No-expostos ao fator de risco
D Doentes
ND No-doentes
6.2 Delineamento Ecolgico
Tambm chamado de estudo agregado, transversal, observacional Figura 6.1.
Os estudos ecolgicos abordam reas geogrficas ou blocos de populao bem
delimitados, analisando variveis globais, quase sempre por meio da correlao entre
indicadores de condies de vida (abastecimento de gua, esgotamento sanitrio, taxa
de analfabetismo, renda per capita, etc) e indicadores de sade (mortalidade infantil,
mortalidade em crianas menores de cinco anos de idade, morbidade por diarreia, etc).
Os indicadores de cada rea ou de cada bloco constituem-se em mdias que se referem
populao total, tomada como um agregado uniforme.
Os estudos ecolgicos podem ser classificados em dois subtipos:
1. investigaes de base territorial: bairros, cidades, estados, pases, ...
2. investigaes de agregados institucionais: fbricas, escolas, UBS, ...
-
47
N1 D1
E1
N2 D2
E2
N3 D3
E3
.... ....
Nn Dn
En
Figura 6.1 Fluxograma do delineamento ecolgico
Vantagens do delineamento ecolgico:
- Facilidade de execuo.
- Baixo custo.
- Simplicidade analtica.
- Capacidade de gerao de hiptese.
Desvantagens do delineamento ecolgico:
- Baixo poder analtico.
- Pouco desenvolvimento das tcnicas de anlise dos dados.
- Vulnervel a chamada falcia ecolgica.
Formas de anlise oferecidas pelo delineamento ecolgico:
- Anlise grfica.
- Comparao de indicadores.
- Anlise de correlao (univariada e multivariada).
Classifica-se sob essa designao, as investigaes desenvolvidas por John Snow, a
partir de 1850, para esclarecer as causas da epidemia de clera que assolou Londres.
-
48
Desenhos ecolgicos no justificam a reduo ao mbito individual de padres
observados no nvel do agregado populacional, devido ao que se convencionou chamar
de falcia ecolgica. A falcia ecolgica consiste na suposio de que indicadores de
uma dada rea referem-se populao total da rea, quando na realidade implica em
uma mdia da variao de subgrupos com caractersticas diferentes que vivem naquela
rea.
6.2.1 Exemplo
Saneamento e sade pblica nos estados brasileiros a partir de dados secundrios do
banco de dados IDB 2008 (TEIXEIRA e SOUZA, 2011).
6.3 Delineamento Transversal
Tambm chamado de estudo seccional ou individualizado, transversal, observacional
Figura 6.2.
Investigaes que produzem instantneos da situao de sade de uma populao ou
comunidade, com base na avaliao individual do estado de sade de cada um dos
membros do grupo, da produzindo indicadores globais de sade para o grupo
investigado, so chamados estudos transversais.
Em geral, os estudos transversais utilizam amostras representativas da populao devido
s dificuldades para realizar investigaes que incluam a totalidade dos membros de
grupos numerosos. O delineamento transversal trata-se do estudo epidemiolgico no
qual fator de risco e doena so observados em um mesmo momento histrico.
D
E
ND
N A
D
NE
ND
Figura 6.2 Fluxograma do delineamento transversal
-
49
Vantagens do delineamento transversal:
- Baixo custo relativo.
- Alto poder descritivo (subsdio ao planejamento).
- Simplicidade analtica.
Desvantagens do delineamento transversal:
- Vulnerabilidade a bias (especialmente de seleo).
- Baixo poder analtico (inadequado para testar hipteses causais?).
Formas de anlise oferecidas pelo delineamento transversal:
- Comparao de indicadores de sade e de exposio.
- Testagem da significncia estatstica.
Como consequncia do fato de que fator de exposio e doena serem considerados
simultaneamente durante o perodo de tempo a que se refere o estudo transversal, seus
resultados no so indicativos de sequncia temporal. Para alguns autores, as concluses
derivadas da anlise de estudos de transversais restrigem-se a relaes de associaes e
no de causalidade.
6.3.1 Exemplo
Fatores ambientais associados diarria infantil em reas de assentamento subnormal
em Juiz de Fora - MG (TEIXEIRA e HELLER, 2005).
6.4 Delineamento de Coorte
Tambm chamado de estudo individualizado, longitudinal, observacional Figura 6.3.
O delineamento de coorte pode ser de dois tipos:
1. estudo de corte prospectivo ou concorrente;
2. estudo de corte retrospectivo ou histrico.
Os estudos de coorte so os nicos capazes de abordar hipteses causais produzindo
medidas de incidncia e, portanto, medidas diretas de risco (SAMET e MUOZ, 1998).
Esta caracterstica lhes atribuda pelo fato do desenho longitudinal propor como
-
50
sequncia lgica da pesquisa a antecipao das causas e posteriormente a investigao
de seus efeitos (LILIENFELD e STOLLEY, 1994).
D (descartados)
D
N S E
ND
ND
D
NE
ND
Figura 6.3 Fluxograma do delineamento de coorte
No estudo de coorte prospectivo, o grupo acompanhado desde o momento da
exposio, passando pelo monitoramento e registro de casos de doena ou de bito a
medida em que estes ocorram, at a data prevista para o trmino da investigao.
J os estudos de coorte retrospectivos envolvem grupos sociais ou profissionais
especficos, selecionados por terem sido expostos a fatores de risco em potencial e por
dispor de registros sistemticos da exposio e do efeito.
Vantagens do delineamento de coorte:
- Produz medidas diretas de risco.
- Alto poder analtico.
- Simplicidade de desenho.
Desvantagens do delineamento de coorte:
- Vulnervel a perdas.
- Inadequado para doenas de baixa frequncia.
- Alto custo relativo.
Formas de anlise oferecidas pelo delineamento de coorte:
- Clculo do risco relativo e do risco atribuvel.
- Clculo de incidncia.
-
51
A anlise de dados do delineamento de coorte baseia-se na comparao de indivduos
que desenvolvero a doena (D) no perodo de estudo entre os expostos (E) e entre os
no-expostos (NE). A anlise comparativa produz medidas como o risco relativo (razo
de incidncias) e o risco atribuvel (diferena de incidncias).
6.4.1 Exemplo
Avaliao do impacto sobre a sade das aes de saneamento ambiental em reas
pauperizadas de Salvador Projeto AISAM (MORAES, 1997).
6.5 Delineamento Caso-Controle
Tambm chamado de estudo individualizado, longitudinal, observacional-retrospectivo
Figura 6.4.
Desenho de pesquisa em epidemiologia concebido especialmente para investigar
associaes etiolgicas em doenas de baixa incidncia e, ou com perodo de latncia
prolongado.
O delineamento de caso-controle o inverso do estudo de coorte, porque enquanto este
ltimo parte do fator de risco e prospectivamente observa o aparecimento de doentes, o
delineamento caso-controle parte da identificao dos doentes e retrospectivamente
investiga os fatores de exposio.
O delineamento de caso-controle pode ser de dois subtipos:
1. quanto seleo dos grupos:
pareados (um a um);
no-pareados (um a n indivduos).
2. quanto origem dos casos:
casos prevalentes (casos novos e pr-existentes);
casos incidentes (casos novos somente).
-
52
N S D E
NE
S ND E
NE
Figura 6.4 Fluxograma do delineamento caso-controle
A escolha do grupo de controle deve obedecer ao princpio de mxima similariedade
entre os casos e os controles, exceto pelo critrio da presena da doena em estudo.
Assim, este princpio recomenda identidade de rea geogrfica entre casos e controles,
de fatores socioeconmicos e culturais da comunidade onde tenham sido atendidos os
sujeitos afetados pela doena.
Vantagens do delineamento caso-controle:
- Baixo custo relativo.
- Alto poder analtico.
- Adequado para estudar doenas raras ou de perodo de latncia prolongado.
Desvantagens do delineamento caso-controle:
- Incapaz de estimar risco (reduzido poder descritivo).
- Vulnervel a inmeras biases (seleo, rememorao, etc).
- Complexidade analtica.
Formas de anlise oferecidas pelo delineamento caso-controle:
- Estimativas de risco relativo odds ratio.
- Risco atribuvel percentual.
- Anlise de regresso logstica.
-
53
7 MEDIDAS DE ASSOCIAO 7.1 Introduo
H duas modalidades de medidas de associao, que expressam a natureza da operao
matemtica nelas contidas:
1. tipo proporcionalidade;
2. tipo diferena.
As medidas do tipo proporcionalidade so expressas por nmeros racionais, assumindo
a forma de quociente entre indicadores de ocorrncia. Exemplos:
- risco relativo (RR);
- odds ratio (OR) ou estimativa de risco relativo.
As medidas do tipo diferena resultam da subtrao entre dois indicadores de
ocorrncia. Exemplos:
- risco atribuvel (RA);
- risco atribuvel populacional (RAP).
7.2 Risco Relativo (RR)
O clculo dos riscos de expostos e no-expostos virem a ser atingidos pela doena
objeto de um estudo pode ser apresentado pela tabela de contingncia ou tabela 2x2
Tabela 7.1:
Tabela 7.1 - Esquema de uma tabela 2x2 para o clculo do risco relativo
Populao Doentes No-doentes Total Incidncia
Expostos a b a+b a/(a+b)
No-expostos c d c+d c/(c+d)
Total a+c b+d t (a+c)/t
Incidncia da doena entre os expostos: IE = a / (a+b)
Incidncia da doena entre os no-expostos: IO = c / (c+d)
Risco Relativo (RR) = IE / IO = [a/(a+b)] / [c/(c+d)]
-
54
Tomando como exemplo um estudo de coorte sobre o tabagismo e a ocorrncia de
cncer de pulmo, pode-se calcular o risco relativo (RR) da seguinte forma Tabela
7.2:
Tabela 7.2 - Incidncia de cncer de pulmo entre fumantes e no-fumantes
Populao Cncer de pulmo
Sim No Total Incidncia*
Fumantes 133 102.467 102.600 133/102.600
No-fumantes 3 42.797 42.800 3/42.800
Total 136 145.264 145.400 136/145.400
Fonte: Doll e Hill (1950)
O clculo da incidncia entre os expostos, entre os no-expostos e do risco relativo
(RR), isto , da fora da associao, o seguinte:
IE = Incidncia nos expostos
IE = (133 casos de cncer de pulmo) / (102.600 expostos ao risco) = 0,0013 = 1,30
IO = Incidncia nos no-expostos
IO = (3 casos de cncer de pulmo) / (42.800 no-expostos ao risco) = 0,00007 = 0,07
Risco Relativo (RR) = IE / IO = 1,30 / 0,07
Risco Relativo (RR) = 18,6
Logo:
H uma forte associao entre o tabagismo e a ocorrncia de cncer de pulmo. Os
expostos ao risco (fumantes) tm uma probabilidade 18,6 vezes maior de ser atingidos
pelo cncer de pulmo do que os no-expostos (no-fumantes).
Interpretao do risco relativo:
RR > 1 a exposio fator de risco para a doena.
RR < 1 a exposio fator de proteo para a doena.
RR = 1 ausncia de risco.
-
55
7.3 Risco Atribuvel (RA)
O risco atribuvel a mensurao da parte do risco a que est exposto um grupo da
populao e que atribuvel exclusivamente ao fator de risco estudado (exposio) e
no a outros fatores. Esse indicador til e bastante utilizado na avaliao de impacto
de programas de controle de doenas como, por exemplo, programas de saneamento
bsico.
Sua expresso matemtica resulta da diferena entre a incidncia nos expostos (IE) e a
incidncia nos no-expostos (IO).
Risco Atribuvel (RA) = IE - IO
Retomando o exemplo do estudo de coorte para avaliar a hiptese de associao entre
tabagismo e cncer de pulmo Tabela 7.3:
Tabela 7.3 - Incidncia de cncer de pulmo entre grupos de fumantes e de no-
fumantes e da populao
Populao Incidncia de cncer de pulmo *
Fumantes 1,30
No-fumantes 0,07
Total 0,94
*Por 1.000 habitantes
Fonte: Doll e Hill (1950)
Risco Atribuvel (RA) = IE IO = 1,30 - 0,07 = 1,23 casos por 1.000 habitantes
Ou seja, o risco atribuvel exclusivamente ao tabagismo foi de 1,23 casos por 1.000
habitantes. Essa seria a reduo da incidncia de cncer de pulmo na populao caso o
hbito de fumar fosse banido da populao, ou seja, o impacto do programa de
erradicao do tabagismo.
Em outras palavras, o excesso de risco atribuvel exclusivamente ao ato de fumar foi
estimado em 1,23 no perodo de estudo.
-
56
7.4 Risco Atribuvel Populacional (RAP)
O risco atribuvel na populao mede a margem de excesso de morbidade que ocorre no
conjunto de uma populao e que atribuvel presena de um determinado fator de
risco.
Para o clculo do risco atribuvel populacional (RAP) deve ser usada a seguinte
frmula:
Risco Atribuvel Populacional (RAP) = (IN - IO) / IN
onde:
IN = Incidncia na populao
IO = Incidncia nos no-expostos
No exemplo do tabagismo como fator de risco para a ocorrncia de cncer de pulmo -
Tabela 7.3, ter-se-ia:
IN = Incidncia na populao = 0,94
IO = Incidncia nos no-fumantes = 0,07
Portanto:
Risco Atribuvel Populacional (RAP) = 0,94 0,07 = 0,925 ou 92,5%
0,94
Neste exemplo, o risco atribuvel na populao (RAP) indica que a queda percentual da
incidncia de cncer de pulmo na populao estudada seria de 92,5% se o hbito do
tabagismo fosse banido da populao. Essa outra forma de apresentao do impacto de
um programa de sade ou de saneamento bsico.
-
57
7.5 Odds Ratio (OR)
Nos estudos tipo caso-controle, no dispe-se do nmero de expostos ao fator de risco
e, portanto, do denominador. Dessa forma, no possvel o clculo direto do risco, ou
seja, das incidncias e do risco relativo. Assim, a mensurao da associao feita por
um estimador denominado odds ratio, que representa uma estimativa do risco relativo.
Felizmente, para estudos caso-controle, como o caso da maioria das doenas
responsveis por surtos epidmicos, o odds ratio apresenta um valor muito prximo do
risco relativo Tabela 7.4.
Tabela 7.4 - Esquema de uma tabela 2x2 para o clculo do odds