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Reflexões sobre a prática e a teoria em PROEJA:

Produções da Especialização PROEJA/RS

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© dos organizadores

Todos direitos reservados aos autores.

Capa: Vinicius Albernaz SoaresEditoração Eletrônica: Rafael Marczal de LimaProjeto Gráfico: Jadeditora Ltda.Fotolitos e impressão: Evangraf Ltda.

R333 Reflexões sobre a prática e a teoria PROEJA: produções da espe-cialização PROEJA/RS organizado por Simone Valdete dos San-tos, Leomar da Costa Eslabão, Naira Franzoi... [et al.]. – PortoAlegre: Evangraf Ldta., 2007.

424p. : il. ; 14X21cm.

Inclui referências.

Inclui figuras, gráficos, imagens, quadros e tabelas.

1. Educação. 2. Educação de jovens e adultos – Rio Grande doSul. 3. Professor – Formação – Especialização – Educação parajovens e adultos. 4. Ensino médio – Educação profissional. 5.PROEJA – Política pública – Educação escolar – Brasil – Rio Grandedo Sul. 6. Ensino – Educação profissional e tecnológica. I. San-tos, Simone Valdete dos. II. Eslobão, Leomar da Costa. III. Franzoi,Naiva. IV. Albernaz, Roselaine. V. Dorow, Clóvis. VI. Arenhaldt,Rafael. VII. Título.

CDU 374.7(816.5)

CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.(Ana Lucia Wagner – Bibliotecária responsável CRB10/1396)

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 9

Especialização PROEJA / RS - PROEJA / RS:Origem, sentidos, percepções

CAMINHOS PRECISOS E IMPRECISÕES DA CAMINHADA: AINTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICACOM A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. ...................................... 12

Caetana Juracy Rezende Silva

ACONTECENDO O CURRÍCULO DA ESPECIALIZAÇÃO / PROEJA – RS:DIÁLOGOS DE FORMAÇÃO DE NÓS PARA NÓS MESMOS ................ 18

Naira Lisboa Franzoi, Rafael Arenhaldt e Simone Valdete dos Santos

O PROEJA: A CONSTRUÇÃO DE UMA FORMAÇÃO CONTINUADA. ... 32Clóris Dorow, Leomar da Costa Eslabão, Roselaine Machado Albernaz

PROEJA COMO RESGATE DA CIDADANIA ......................................... 44André Boccasius Siqueira e Beatriz T. Daudt Fischer

EJA E A ESCOLA: “ALGUMA COISA ESTÁ FORA DA ORDEM” .......... 55Arthur da Silva Katrein, Álvaro Moreira Hypolito

EDUCAÇÃO: PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIODA CIDADANIA ..................................................................................... 64

Paulo Roberto Sangoi, Elizabeth Milititsky Aguiar

IMPLANTAÇÃO LOCAL DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS:AS DIFERENÇAS ENTRE A LEGISLAÇÃO E AS POLÍTICASDE GOVERNO .......................................................................................... 76

Maria das Graças Barbosa da Silva, Leomar da Costa Eslabão e MariaAntonieta Dall’Igna

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EXPERIÊNCIAS DE GESTÃOEM PROEJA

RECONSTITUINDO OS MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO DO PROEJANO CEFET-RS UNED SAPUCAIA DO SUL ............................................. 88

Margarete Maria Chiapinotto Noro e Maria Aparecida Bergamaschi

RELAÇÃO DOS ALUNOS DO PROEJAE DO EMA COM O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA NO CEFET-RS ........ 101

Lucia Helena Kmentt Costa e Maria Antonieta Dall’Igna

AVALIAÇÃO DOS ESTUDANTES DO PROEJA: EM BUSCADA INOVAÇÃO ...................................................................................... 115

Cristiane Regina Ferrari e Conceição Paludo

UM ESTUDO DO CUSTO/ALUNO E CONDIÇÕES DE OFERTAEDUCACIONAL NO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃOTECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES ............................................ 125

Rosane Fabris e Nalú Farenzena

TRABALHO E EDUCAÇÃO: MEDIAÇÕES ERELAÇÕES NECESSÁRIAS AO PROEJA

ESTUDANTES DE PROEJA DO CEFET-BG: UMA MEDIAÇÃOENTRE ESCOLA E TRABALHO ............................................................ 138

Milene Vânia Kloss e Naira Lisboa Franzoi

A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ALTERNATIVA DE PROEJA ........ 149Márcia Neugebauer Wille e Clóris Maria Freire Dorow

CAPACITAÇÃO DE TRABALHADORES EM UM CENTRO DETRIAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS: CRIANDO UMAFERRAMENTA PEDAGÓGICA ............................................................. 160

Rafael B. Zortea e Rafael Arenhaldt

O OFÍCIO DE CANTINEIRO: OS SABERES TÁCITOS DOSTRABALHADORES DA INDÚSTRIA VINÍCOLA................................. 174

Alexandre Ferreira dos Santos e Rafael Arenhaldt

FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! - APRENDENDO COM OS SABERESDO TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHOE A FORMAÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA .............. 184

Maria do Carmo Canani e Naira Lisboa Franzoi

OS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕESGERACIONAIS, PROCESSOS DE INCLUSÃOE CURRÍCULO

PROEJA E ESCOLA TÉCNICA: QUEM SÃO SEUS ALUNOS? ............. 198Maria Isabel dos Reis Souza Carvalho e Tania Beatriz Iwasko Marques

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A CULTURA ESCOLAR E A CULTURA JUVENIL NO ESPAÇO -TEMPO DA ESCOLA: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROEJA ................. 211

Elisete Enir Bernardi Garcia e Carmem Maria Craidy

A INSERÇÃO DE CONTEÚDOS GERONTOLÓGICOS NO CURRÍCULODO PROEJA ........................................................................................... 223

Ângela Gomes e Johannes Doll

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIASNO PROEJA, EXPERIÊNCIAS DO PROEJA, EXPE-RIÊNCIAS PARA O PROEJA

SABERES, INSCRIÇÕES E MOVIMENTOS NA TRAJETÓRIAFORMATIVA DE CORPOS-EDUCADORES: MEMORIAIS DEESPERANÇAS NO ENSINAR E APRENDER COM A EJA ..................... 236

Dalva J. Balz Bender e Naira Lisboa Franzoi

O FAZER PEDAGÓGICO NO PROEJA DO CENTRO FEDERAL DEEDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES ...................... 252

Maria Teresinha Kaefer e Silva e Simone Valdete dos Santos

POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS: CONSTRUINDO SABERES EENCONTRANDO CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO CONTINUADADE PROFESSORES NO PROEJA ............................................................ 264

Valéria Catarina Marcos Gomes e Simone Valdete dos Santos

TECENDO O CURRÍCULO DO PROEJA

A CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DOS SABERESDA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS. .......................................... 276

Celso Panno e Rafael Arenhaldt

ARTES VISUAIS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS .......... 287Ignez Gomes Borgese e Paola Zordan

ESTUDO DO TEATRO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS...... 299Lisinei Fátima Dieguez Rodrigues e Tânia Beatriz Iwasko Marques

UMA NOVA PROPOSTA DE ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA .............. 308Analice Maria Antoniolli e Juçara Benvenuti

CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTACURRICULAR PARA O ENSINO DE QUÍMICA NO EJA/PROEJA ....... 316

Raquel Lettres e Edson Luiz Lindner

O ENSINO DE FÍSICA NAS CLASSES DE EJA/PROEJA: BUSCANDOUMA NOVA PAISAGEM........................................................................ 327

Francisco Barbosa Teixeira e Roselaine Machado Albernaz

PENSANDO A INFORMÁTICA EDUCATIVA NO PROEJA .................. 337 Nelza Jaqueline Siqueira Franco e Tania Beatriz Iwaszko Marques

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CONECTANDO SABERES NO PROEJA:POSSIBILIDADESDE APRENDIZAGEM EM AMBIENTES DIGITAIS ............................... 346

Kely Goze Ferreira e Rosália Procasko Lacerda

CANÇÕES, SINFONIAS E INVENÇÕES INTEGRADASÀ EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS:ÂNIMO, CORPO E PENSAMENTO ....................................................... 357

Bernhard Sydow e Rafael Arenhaldt

IGUALDADE E DIFERENÇA:DIÁLOGOS PARA O PROEJA

O CUMPRIMENTO DA LEI 10639 / 2003 NO PROEJA: ANÁLISE DOMATERIAL DIDÁTICO “A COR DA CULTURA”................................. 368

Letícia Batistella Silveira Guterres e Simone Valdete dos Santos

UM OLHAR PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO/RACIAIS NO ESPAÇOPEDAGÓGICO DA EJA DO PROEJA. .................................................... 378

Maritza Ferreira Freitas Flores e Georgina Helena Lima Nunes

FALAS QUE DIZEM EXPECTATIVAS DOS EDUCANDOS DAESCOLA ESPECIAL O SORRISO DE AMANHÃ DA APAE –PASSO FUNDO EM RELAÇÃO AO MUNDO DO TRABALHO ........... 391

Maria Arlete Pereira e Naira Lisboa Franzoi

PROSPECÇÃO – PRÓ-POSITIVA - METÁFORAS DE UMTECNOIMAGINÁRIO NA PRODUÇÃO DAS SUBJETIVIDADES NAPESQUISA EM EJA E EAD NA CONSTRUÇÃO DE UM AVA PARA ADIVERSIDADE ....................................................................................... 401

Ronaldo Jorge Rodrigues de Oliveira e Malvina do Amaral Dorneles

AS IDENTIDADES E AS DIFERENÇAS NA ESCOLARIZAÇÃODE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES SOBREOS DESAFIOS DO PROEJA ..................................................................... 413

Dirnei Bonow e Mauro Augusto Burkert Del Pino

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Apresentação

Compor até que é fácilDifícil é trabalhar

Compor é imaginaçãoIzaías M Quintana

Izaías é aluno do PROEJA Ensino Médio da Escola Técnica eColégio de Aplicação da UFRGS. Seu professor é um dos autoresdeste livro que compõe o fazer pedagógico, os sentidos, os resulta-dos desta experiência pedagógica que é o PROEJA. Compor, comodiz Izaías, “até que é fácil”. O processo de autoria é imaginação.Mas no caso de nós docentes, uma imaginação enredada na práti-ca, no que são, no que se constitui nossas escolas, nossos alunos,nossos sonhos. E esse foi o nosso “difícil trabalhar”. Não foi tarefanada fácil para os professores, técnicos administrativos das escolascomporem-se e re-comporem-se como autores: um expor de si exi-gente, conseqüente que nos faz e desfaz como criadores e criaturasa todo o momento.

A Especialização PROEJA que envolveu diretamente a Faculdadede Educação da UFRGS, os Centros Federais de Educação Tecnológicade Bento Gonçalves e Pelotas iniciou suas aulas em agosto de 2006 e asencerrou em janeiro de 2007.

Os artigos aqui presentes revelam a composição deste curso deEspecialização – seu currículo, sua relação com as instituições federaisde Educação Tecnológica, o caráter inédito da articulação da EducaçãoBásica, especificamente no Ensino Médio, com a Educação Profissionalna modalidade Educação de Jovens e Adultos, revelando a composiçãoe re-composição dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) de nos-sos alunos-professores, professores-alunos. Os orientadores e asorientadoras dos tccs foram co-autores dos artigos, pois indicaram parao grupo de organizadores do livro aqueles mais significativos e contribu-

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íram no redimensionamento da abordagem, ou seja, na organização eredação final do texto.

O PROEJA, circunscrito na Secretaria de Educação Profissional eTecnológica SETEC/MEC, é uma política pública necessária, afirmadae refletida em cada linha desta obra. Sua origem histórica está no interiorde outras políticas da Educação Escolar no Brasil; a formação docente éo sentido e o desafio da Especialização.

Organizamos os artigos em grandes seções que contribuem para oentendimento geral das temáticas abordadas, quais sejam: Especializa-ção PROEJA / RS - PROEJA / RS: Origem, sentidos, percepções; Ex-periências de Gestão em PROEJA; Trabalho e Educação: Mediações eRelações Necessárias ao PROEJA; Os Sujeitos do PROEJA: QuestõesGeracionais, Processos de Inclusão e Currículo; Formação de Professo-res: Experiências no PROEJA, Experiências do PROEJA, Experiênciaspara o PROEJA; Tecendo o Currículo do PROEJA e a última seçãointitulada Igualdade e Diferença: Diálogos para o PROEJA.

É importante destacar que este livro tem distribuição gratuita poistal como a Especialização PROEJA, ele foi financiado pela Secretariade Educação Profissional e Tecnológica – SETEC, vinculada ao Minis-tério da Educação.

Trazendo novamente Izaías, aluno-cantor-trabalhador do PROEJA,para virarmos a página e nos inspirarmos na alegria, na dor, na descober-ta, na reafirmação de cada um, de cada uma que está no cotidiano fa-zendo do PROEJA uma política pública de Educação perene, exitosa:

A chuva caindoPrazer é navegar na músicaSem destino certoSó agradecendo a vida

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Especialização PROEJA / RSEspecialização PROEJA / RSEspecialização PROEJA / RSEspecialização PROEJA / RSEspecialização PROEJA / RS- PROEJA / RS: Origem, sentidos,- PROEJA / RS: Origem, sentidos,- PROEJA / RS: Origem, sentidos,- PROEJA / RS: Origem, sentidos,- PROEJA / RS: Origem, sentidos,

percepçõespercepçõespercepçõespercepçõespercepções

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CAMINHOS PRECISOS E IMPRECISÕES DACAMINHADA: a integração da

educação profissional etecnológica com a educação de

jovens e adultos.

Caetana Juracy Rezende Silva1

Eu sei que isso que estou dizendo é dificultoso, muito entrançado. Mas osenhor vai avante. Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queriadecifrar as coisas que são importantes. (Grande Sertão: Veredas. Guima-rães Rosa).

A política de integração da educação profissional com a educaçãode jovens e adultos, traduzida pelo PROEJA2, tem se constituído por umateia de ações complexas que se articulam de forma mais ou menos direta.Essa teia encontra-se estruturada a partir das seguintes linhas de atuação:formação de profissionais; produção de material teórico-metodológico dereferência; fomento à pesquisa e à formação de redes de cooperaçãoacadêmica; conexão com outras políticas setoriais; articulação com seg-mentos sociais e órgãos administrativos que possuem interface com astemáticas abordadas (visando o aproveitamento de oportunidades de cola-boração e a integração de esforços); e monitoramento das taxas de eva-são acompanhado de projeto de inserção contributiva nas instituições queapresentam índices maiores do que 30%.

Os números estimados para o Programa de Integração da Educação

1 Técnica em Assuntos Educacionais do Ministério da Educação e Coordenadora-Geral deEducação Técnica no Departamento de Políticas de Educação Profissional e Tecnológica daSecretaria de Educação Profissional e Tecnológica.2 Programa Nacional de Integração da Educação Profissional e com a Educação Básica naModalidade de Educação de Jovens e Adultos.

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Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jo-vens e Adultos – PROEJA prevêem investimentos da ordem de R$558milhões no período de 2007 a 2011, sendo R$22 milhões em 2007, R$48,42milhões em 2008, R$94,78 milhões em 2009, R$178,02 milhões em 2010 eR$238,78 milhões em 2011. Tais recursos devem financiar a formação deprofissionais, docentes e gestores, para atuar no Programa; a constituiçãode núcleos de pesquisa e redes de colaboração acadêmica; material decusteio em geral (para os cursos a serem implantados ou em andamento);material didático e publicações e, para as instituições da Rede Federal deEducação Profissional e Tecnológica, incremento na ação nº. 2994 – As-sistência ao Educando da Educação Profissional – prevista no Programanº. 1062 – Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica – noPlano Plurianual (PPA 2008-2011). Não estão computados nesses recur-sos os valores referentes a investimentos em infra-estrutura (obras e equi-pamentos), objeto de financiamento a ser contemplado em instrumentoespecífico no projeto de expansão e modernização das redes públicas deeducação profissional e tecnológica. Esse orçamento também não prevêos valores necessários à manutenção do quadro de pessoal e contrataçãode professores. Do volume total de recursos destinados ao PROEJA, R$360milhões devem ser destinados à capacitação de docentes, gestores e téc-nicos administrativos e R$164 milhões à concessão de benefícios a alunosPROEJA das instituições da Rede Federal.

Ressalta-se que a ação nº. 2994 tem como finalidade, conformesua descrição no PPA, suprir as necessidades básicas do educando, pormeio do “fornecimento de alimentação, atendimento médico-odontológico,alojamento e transporte, dentre outras iniciativas típicas de assistênciasocial ao educando, cuja concessão seja pertinente sob o aspecto legal econtribua para o bom desempenho do aluno na escola”. Esse investi-mento em assistência estudantil é exclusivo para as instituições federaispor estarem vinculadas ao MEC e, portanto, mantidas com recursos daUnião. Para as demais instituições públicas que estão ofertando ou ve-nham a ofertar cursos PROEJA, a vinculação de recursos a serem gas-tos com manutenção, o que inclui a assistência ao educando, deverá sercontabilizada a partir dos percentuais estabelecidos pelo Fundo de Ma-nutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dosProfissionais da Educação – FUNDEB.

No entanto, é importante observar que, no tocante à educação pro-fissional no FUNDEB, podem ser beneficiários dos recursos desse Fun-do os alunos regularmente matriculados no ensino médio integrado àeducação profissional e na educação de jovens e adultos integrada à

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educação profissional técnica de nível médio, com avaliação no proces-so. Para a distribuição dos recursos, a cada modalidade ou etapa é atri-buído um fator de ponderação que visa refletir as diferenças de custo demanutenção do estudante, considerando padrões mínimos de qualidade.Conforme o art. 12 da MP339/06, os valores das ponderações são defi-nidos anualmente pela Junta de Acompanhamento dos Fundos, formadapor um representante do MEC, um do Conselho Nacional dos Secretári-os de Estado da Educação – CONSED e um da União Nacional dosDirigentes Municipais de Educação – UNDIME.

A Resolução MEC nº. 01, de 15 de fevereiro de 2006, especifica osseguintes valores de ponderação para o ano de 2007:

· educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio= 1,30;

· educação de jovens e adultos integrada à educação profissional técnicade nível médio, com avaliação no processo = 0,70.

Algumas questões se apresentam no que diz respeito à definiçãodos fatores de ponderação para utilização dos recursos do FUNDEB.Pelo Decreto nº. 5.840/2006, o PROEJA abrange – além de cursos deeducação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio– a possibilidade de oferta de cursos de ensino fundamental na modali-dade EJA com formação inicial e continuada, bem como de cursos deensino médio com formação inicial e continuada. Nenhuma dessas duasformas de oferta tem previsão de atendimento pelo FUNDEB. Pode-secompreender que o vínculo se dê pela educação de jovens e adultos.Porém, é preciso considerar que tais cursos são integrados com a edu-cação profissional, não são educação de jovens e adultos isoladamente.Ao se buscar a garantia da qualidade também na formação profissional,conclui-se que o fator a ser atribuído a cursos PROEJA não pode serinferior ao atribuído ao ensino médio integrado à educação profissional.Ambos os cursos utilizam-se da mesma infra-estrutura de laboratórios,acervos bibliográficos, material de consumo para aulas práticas etc. Aforaisso, a necessidade de ações de apoio e assistência estudantil a essepúblico tem se mostrado muito superior àquelas apresentadas peloseducandos dos cursos de ensino médio integrado que não na modalidadeEJA. A garantia da qualidade mínima dos cursos PROEJA passa, por-tanto, pela utilização de um valor de ponderação no mínimo igual aqueleatribuído ao ensino médio integrado. Isso sem entrar no mérito do quepossa justificar o fator de ponderação da EJA ser menor do que o dosdemais cursos da educação básica.

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Para o cálculo da meta de educandos a serem atendidos pelo Pro-grama, foram debitados os custos com a manutenção da infra-estruturafísica e de pessoal, por serem objetos de outros programas de financia-mento previstos no Plano de Desenvolvimento da Educação. Pelas razõesexpressas anteriormente, também foi subtraído o volume de recursos ne-cessário a ações de apoio aos educandos nas redes públicas estaduais,distrital ou municipais. Após o débito desses fatores, foi estabelecido comovalor de referência para cada matrícula R$650,00. Tal valor não corresponde,pois, ao custo-aluno e sim a um incremento que busca garantir certa qua-lidade ao atendimento. Ao dividir o montante anual de investimentos pelovalor unitário de referência, são obtidos os seguintes números que repre-sentam a quantidade de matrículas que se tem por meta a cada ano: 74.492em 2008; 145.815 em 2009; 273.876 em 2010; 367.353 em 2011. A partirdessa projeção, pretende-se que 12.000 matrículas sejam realizadas nasinstituições da Rede Federal em 2008, 25.000 em 2009, 40.000 em 2010 e60.000 em 2011. Vale ressaltar que os cursos PROEJA em nível médiotêm uma duração média de três anos (2.400h). Desse modo, o número dematrículas é cumulativo pelo período de duração do curso. A quantidadede novas matrículas no ano de 2008, por exemplo, repercutirá no númerototal de matrículas de 2009 e 2010. É importante observar que, segundo osresultados do Censo Escolar 2006, a quantidade de matrículas na educa-ção profissional técnica de nível médio (em todas as formas e modalidadesde oferta) era de 744.690 mil. Em relação a 2006, a meta estipulada para2008 corresponde a 10% de crescimento no total de matrículas provocadopor uma única modalidade (considerando apenas as novas matrículas).

Para a capacitação de profissionais dos sistemas públicos de ensi-no para atuar no PROEJA, têm-se como meta a qualificação de 120 milprofissionais, até 2011, em cursos de especialização (pós-graduação latosensu) com carga-horária mínima de 360h e cursos de extensão comcarga-horária entre 120h e 240h, além de ciclos de seminários e oficinasde atualização pedagógica e administrativa.

A tabela a seguir apresenta as metas e orçamentos anuais.

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Apesar de a primeira turma PROEJA ter iniciado suas aulas no segun-do semestre de 2005, em curso técnico da área de Construção Civil, ofere-cido pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Roraima – CEFETRR, a oferta de cursos PROEJA anterior ao segundo semestre de 2006 équase inexistente. Em agosto de 2007, registrava-se em torno de 7,6 milmatrículas nas escolas federais e um índice de evasão de aproximadamente7%. Não foi realizado levantamento para obtenção do número de cursos ematrículas PROEJA em escolas estaduais. Ainda em 2006, foram constitu-ídos 15 pólos para oferta dos cursos de especialização PROEJA para profis-sionais dos sistemas públicos de ensino, formando quase 1,7 mil especialis-tas. Em 2007, ampliou-se para 21 pólos e calcula-se a qualificação, em nívelde pós-graduação lato sensu, de aproximadamente 2,5 mil docentes egestores. Além dessas ações, ainda em 2006 foram constituídos, em acordode cooperação entre CAPES e SETEC/MEC, nove grupos de pesquisasobre a integração da educação profissional com a educação de jovens eadultos. Esses grupos envolvem dezenas de profissionais na pesquisa sobreos campos de atuação do PROEJA e são responsáveis pela consolidação deuma rede de cooperação acadêmica e pela produção e divulgação de estu-dos e pesquisas que possam contribuir para a implantação do Programa,expansão da oferta e melhoria da qualidade.

Na busca da ampliação das oportunidades educativas a partir da ofer-ta pública, de qualidade e laica com o horizonte de uma formação plena eemancipatória para as populações de jovens e adultos que não tiveram aces-so à educação básica nem tão pouco à formação profissional, outras discus-sões são imprescindíveis. Dentre elas encontram-se questões como a ga-rantia de acesso, permanência e aprendizagem desses sujeitos nas institui-ções de ensino; a gestão participativa e solidária dessas instituições; e aintegração curricular entre a formação básica e a profissional.

É também de especial importância para garantia de permanência,significação da aprendizagem e contribuição para a constância dessescontingentes em suas regiões, a sintonia dessas ofertas educativas (es-colha dos cursos, metodologias e currículos) com as vocações econômi-cas e culturais, arranjos produtivos locais e outras condições do contextosocial do educando. Ao mesmo tempo, a consolidação dessa propostaenquanto fazer cotidiano, só se torna possível por sua apropriação pelacoletividade gerando uma profunda mudança de cultura no sentido davalorização tanto da educação formal quanto da informal.

Dessa forma, alguns dos caminhos precisos passam pela constru-ção e consolidação coletiva de um projeto de alta complexidade em co-erência com um planejamento claro de longo prazo para o desenvolvi-

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mento social do país. Nas imprecisões da caminhada, encontram-se osdesafios de buscar a continuidade considerando a efemeridade das equi-pes de articulação, coordenação, monitoramento e avaliação das políti-cas públicas e tendo em conta a estrutura precária de pessoal nos órgãosadministrativos e nas instituições de ensino, bem como a falta de garan-tia de financiamento sistemático para além dos próximos quatro anos.Como possibilitar a constituição de núcleos regionais de monitoramentoque permitam o acompanhamento, a avaliação e a assessoria permanen-te para controle da evasão, permitindo alcançar escala, em médio e lon-go prazo, sem comprometer a qualidade e como inserir-se em uma polí-tica mais ampla de EJA, construindo-se dentro de uma visão integral daeducação brasileira, são outros tantos passos desse devir.

Referências

BRASIL. Decreto nº 5.840, de 13 de junho de 2006. Institui, no âmbito federal, oPrograma Nacional de Integração da Educação Profissional com a EducaçãoBásica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA.

______. Emenda Constitucional nº 53.

______. Lei nº 11.494, 20 de junho de 2007. Conversão da MP nº 339/2006.Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básicae de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB.

______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação:razões princípios e programas. Brasília: MEC, 2007.

______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educa-ção Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovense Adultos – PROEJA: formação inicial e continuada/ensino fundamental. Brasília:MEC, 2007.

______. Ministério da Educação. Programa Nacional de Integração da Educa-ção Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovense Adultos – PROEJA: educação profissional técnica de nível médio/ensino mé-dio. Brasília: MEC, 2007.

______. Resolução MEC nº 01, de 15 de fevereiro de 2007. Define as pondera-ções aplicáveis à distribuição proporcional dos recursos advindos do Fundo deManutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Pro-fissionais da Educação - FUNDEB .

INEP. Censo Escolar 2006. Brasília: INEP, 2006.

_______. Ministério da Educação. Sistema de Informações do Ministério daEducação – SIMEC, módulo do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,acesso restrito a usuário cadastrado: http://simec.mec.gov.br/ acesso em 1o deoutubro de 2007.

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Acontecendo o currículo daEspecialização / PROEJA – RS:

Diálogos de formação de nós para nós mesmos

Naira Lisboa Franzoi1

Rafael Arenhaldt2

Simone Valdete dos Santos3

1. Os Encontros

“A história é sempre a história de uma sociedade,mas com toda a certeza a de uma sociedade de indivíduos”.

(Elias, 1993,p.65)

Dissertar sobre a memória da Especialização PROEJA é dissertarsobre os encontros e desencontros daqueles e daquelas protagonistas des-ta memória. Os autores deste texto e atores do processo estiveram e estãonas teias de interdependência4 que fazem e refazem o PROEJA.

Um dos fios que compõe nossa teia de entrelaçamento ao PROEJAcorresponde à pesquisa5 sobre experiências inovadoras de elevação de

1 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenadora do Projeto de pesquisavinculado ao Programa CAPES/SETEC/PROEJA/RS.2 Professor da Especialização PROEJA/RS, da rede municipal de Porto Alegre e coordenadorpedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicosde Porto Alegre.3 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, coordenadora da Especialização PROEJA/RS.4 Elias (1993).5 Pesquisa desenvolvida no ano de 2004, por demanda do MEC. Foi conduzida nacionalmentepelo IIEP (Intercâmbio,Informações, Estudos e Pesquisas) e na Região Sul (estados do RioGrande do Sul e de santa Catarina) por uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande doSul (Naira Lisboa Franzoi, Nalu Farenzena, Rafael Arenhaldt, Vera Maria Vidal Peroni,Simone Valdete dos Santos, Elizabete Zardo Burigo) e Tânia Raitz da UNIVATES em SantaCatarina.

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escolaridade articulada à Educação Profissional, que possibilitou um pri-meiro encontro nosso. Ao construirmos o currículo da EspecializaçãoPROEJA, imprimimos nele a marca dessas experiências. A dissertaçãode mestrado de Rafael foi inspiradora da concepção da formação deprofessores de nós e para nós mesmos, daí a construção do currículoem módulos.

No âmbito do decreto 5840/06 se gesta a idéia da necessidade daformação continuada dos professores para atuar no PROEJA. A partici-pação na elaboração do documento-base do Programa, o encontro na IJornada Nacional da Produção Científica em Educação Profissional eTecnológica6 com o CEFET de Bento Gonçalves promoveram oprotagonismo das instituições envolvidas na Especialização as quais, noRio Grande do Sul, constituíram um pólo, denominado pela SETEC/MECcomo “consórcio” coordenado pela Faculdade de Educação, da UFRGS;CEFET/RS, de Pelotas; CEFET de Bento Gonçalves e, Escola Técnica eColégio de Aplicação da UFRGS, esta articulação aglutinou vários outrosCEFETs e Escolas Técnicas do estado.

Tal entrelaçamento, já dentro do espírito de integração doPROEJA, trouxe a especificidade de constituição, de visão de mundo,da Educação Profissional orientada pelos CEFETs, e da universidade,com a Faculdade de Educação, na experiência acumulada de forma-ção de professores.

A especialização foi concebida ao final do primeiro semestre de2006. E, com a aproximação do fim do primeiro mandato Lula, era ne-cessário que sua execução se desse ainda no segundo semestre do mes-mo ano para que fosse garantida. Para que a emergência do tempo nãoatuasse como um possível “desencontro”, foi preciso muita disciplina ededicação dos alunos-professores/professores-alunos e do corpo docen-te. O curso ocorreu com aulas de agosto de 2006 a janeiro de 2007,sempre com aulas de sexta-feira a sábado7, e o período de fevereiro aagosto de 2007 foi dedicado à elaboração dos Trabalhos de Conclusãode Curso. Realizaram-se três turmas: uma em Porto Alegre, uma emBento Gonçalves e uma em Pelotas. Esta última ficou a cargo da Facul-dade de Educação da Universidade Federal de Pelotas em articulação

6 Evento ocorrido em Brasília no período de 27 a 29 de março de 2006.7 Todos os alunos, professores em exercício, permaneceram com suas atividades nas institui-ções de ensino. Não ocorreu qualquer redução de carga horária para dedicação ao curso, salvoos dias de aula presencial, o que exigiu estratégias pedagógicas por parte da organização docurso, para não sobrecarregar os alunos e ao mesmo tempo não prejudicar a qualidade docurso.

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com o CEFET/RS, de Pelotas. Este texto refere-se às duas primeirasturmas, cuja certificação ficou sob a responsabilidade da UFRGS e doCEFET de Bento Gonçalves (CEFETBG).

Segue um quadro, com dados gerais das três turmas, presente norelatório circunstanciado encaminhado para SETEC/MEC em maio de2007:

(*) expectativa de formação e monografias defendidas em função do númerode matriculados nas turmas

O corpo discente foi assim constituído: professores da Escola Técni-ca e do Colégio de Aplicação da UFRGS; professores e funcionários daUnidade de Ensino do CEFET de Pelotas em Sapucaia do Sul e doCEFETBG; oito professores da rede estadual, 24 professores da munici-pal e 13 professores vinculados ao Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra, Movimento Negro e a programas de Atendimento SócioEducativo à crianças, adolescentes e jovens em conflito ou não com a lei –que no quadro acima constam como “outros”.

Como corpo docente tivemos professores da Faculdade de Educa-ção da Escola Técnica e do Colégio de Aplicação da UFRGS; doCEFETBG e nas orientações de TCC contamos ainda com outros pro-fessores mestres e doutores destas instituições, mais da EscolaAgrotécnica Federal de Sertão e do CEFET de São Vicente do Sul.

Esta composição discente e docente compôs um desenho hetero-gêneo nas turmas, pressuposto constitutivo do PROEJA na articulaçãoinédita entre EJA, Educação Profissional e Ensino Médio.

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1.2 O (des) encontro entre educação geral e educação profissionalEntender que os alunos da EJA são alunos trabalhadores, ou “tra-

balhadores-alunos” como preferem alguns, exige que a categoria tra-balho tenha presença marcante em um currículo adequado a esta eta-pa da vida e de ensino.

E, ainda que não possa ser negada uma habilitação profissionalàqueles que vivem do trabalho, há que se ter claro que mesmo umaformação profissional não pode ser confundida com preparação estrei-ta. Mas mais que isso, há que se ter claro que se uma habilitação parao trabalho é necessária, não é suficiente. Os dados insistem em mos-trar que a escolaridade e ou formação profissional não garantem em-prego ou melhores empregos. Vivemos um tempo em que o desempre-go atinge índices alarmantes e condições dignas de trabalho são exce-ção. Em qualquer dos casos estamos falando de uma formação emsentido lato. E, por mais que velhas palavras possam parecer gastas,elas devem ter sempre seu sentido reatualizado.

Por isso nunca é demais repetir, quantas vezes for necessário,que se trata de uma formação humana para a emancipação. Mais doque preparar para assumir um lugar no mundo do trabalho, é necessá-rio compreender as relações que ele encerra, para que esses jovens eadultos passem de vítimas de uma sociedade excludente a protagonis-tas de uma sociedade que se quer mais justa, ou seja, para que assu-mam seu lugar em uma sociedade contraditória e em movimento. Paratanto é necessário entendê-la como contraditória e em movimento.

Para uma formação que não se quer estreita, o trabalho por elacontemplado também não pode ser tomado naquilo que lhe torna estrei-to, mas naquilo que ele tem de mais pleno. É preciso entender que, postoque é dimensão fundante da condição humana, o trabalho implica a todosnós. A realização do processo completo do trabalho diz respeito a comu-nicar-se, produzir e usufruir. Começa, pois, quando ao interagir, física eespiritualmente, com o mundo e com os outros homens, “o ser humanoprimeiramente se expressa, se comunica, admira, contempla, enten-de e explica” E se completa “quando o homem frui dos bens natu-rais, artesanais, industriais, estéticos” (Nosella, 2006, p. 20). Por issoo trabalho nos coloca em relação. Compreender isso torna a humanida-de mais humana e permite desenvolver laços de solidariedade entre aque-les que vivem de seu trabalho e aqueles que consomem o que é por elesproduzido. E é por isso que se tem insistido em um currículo que integreas ditas humanidades e a área técnica. E se tanto se tem insistido em talintegração é porque o trabalho enquanto conteúdo da formação só pode

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ser pensado em todas as suas dimensões. É esse o lugar que o trabalhodeve ocupar em qualquer etapa de ensino e, em especial, no ensino mé-dio e na modalidade EJA. Evidentemente, isto requer colocar em diálogoáreas tão distanciadas por condicionantes históricos e, logo, os professo-res dessa áreas. Estes são os pressupostos que estão na base de qual-quer currículo que se quer integrado, e foi deles que partimos para aconcepção deste currículo.

2 Os módulos curriculares integrados

De forma reflexiva, procuramos aqui narrar a maneira pela qual foiconcebida, configurada, gestada e tecida a concepção curricular do Cursode Especialização do PROEJA/RS, bem como a forma acontecida docurrículo, ou seja, a materialização desta concepção curricular na práti-ca e na operacionalização no cotidiano das turmas de Porto Alegre eBento Gonçalves.

Organizado e planejado em Módulos Curriculares Integradores,podemos representar graficamente o itinerário de formação da seguinteforma:

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Conforme mostra a organização curricular acima, o Curso foi plane-jado em três Módulos, quais sejam: 1º Módulo – Matriciamentos daformação docente; 2º Módulo - Gestão escolar e suas interfaces e 3ºMódulo - Experiências inovadoras na Educação Profissional, naEducação de Jovens e Adultos e no Ensino Médio. Cada um destesMódulos concebeu um Trabalho Integrador e Articulador, cuja principalintencionalidade foi o encaminhamento de subsídios e questõespotencializadoras para o Trabalho de Conclusão de Curso de caráterindividual, elaborado ao longo do curso.

De um modo geral podemos destacar que o Trabalho Integrador eArticulador do Primeiro Módulo previu um aprofundamento sobre os signi-ficados do ser professor na Educação Profissional, na Educação de Jovense Adultos e na Educação Básica, sustentada e embasada na significação daexperiência docente a partir da escrita de si: do Memorial Formativo. Pos-teriormente, no Segundo Módulo, foi desencadeada uma pesquisa da/sobrea realidade escolar das instituições e experiências de EJA integrada à Edu-cação Profissional. Já no Terceiro Módulo ocorreu o encontro de outraspossibilidades pedagógicas, que não passam, necessariamente, pela institui-ção escolar na perspectiva de um esboço das intenções de pesquisa doaluno, articulando a metodologia e as respectivas escolhas teóricas.

Cabe destacar ainda que enquanto perspectiva transversal eintegradora do currículo foi criada a Disciplina “Invenções e Interven-ções Pedagógicas” que desenvolvida ao longo dos três Módulos, procu-rou dar visibilidade às “intervenções e invenções” dos alunos enquantoprofessores da Educação Profissional, da Educação Básica e da Educa-ção de Jovens e Adultos, refletindo sobre suas experiências de vida, práti-ca pedagógica e docente através de uma escrita reflexiva de si, materiali-zada no Memorial Formativo e no processo de visibilização das experiên-cias pedagógicas inovadoras das instituições, projetos e programas quecada aluno ou grupo de alunos participa ou participou, na perspectiva deuma formação de nós para nós mesmos.

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2.1 Do Memorial8 Formativo ou do Trabalho Integrador no Primeiro Módulo Curricular

Compreendido como o Trabalho Integrador do Primeiro Módulodo Curso, o Memorial Formativo procurou dar visibilidade - através daescrita reflexiva de si - às experiências profissionais, acadêmicas eformativas dos alunos, articuladas às opções e escolhas de natureza te-órica, no sentido de descrever e apontar seus interesses e abordagempara a elaboração do TCC – Trabalho de Conclusão de Curso.

Assim sendo, a elaboração dos Memoriais Formativos teve comoobjetivo proporcionar um contexto de produção que instigasse cadaaluno-professor em formação a re(vi)ver seu percurso. Re(vi)ver atrajetória escolar e refletir sobre o desenvolvimento profissional, já quesomos profissionais que não deixamos a escola ou outros espaços deformação – enquanto lugar de formação e de atuação profissional –,se consolidando numa experiência importante para ressignificar algu-mas memórias escolares e (re)pensar as aprendizagens e suas condi-ções de produção.

Nas Turmas de Porto Alegre e Bento Gonçalves foram produzidos 88Memoriais pelos alunos, lidos e avaliados pelos professores do PrimeiroMódulo do Curso. Destacamos que o formato e a linguagem das produçõesdos Memoriais contemplaram diversos recursos de formatação criativos paraexpor e materializar a inscrição de si. Não somente o recurso da escrita, masilustrados com imagens, fotos, documentos, objetos que expressaram outraspossibilidades de inscrição/escrita de si. Não somente uma escrita linear ecronológica da sua história de vida, obedecendo inclusive uma outralinearidade expressa pela emoção, pelo afeto e pela escolha de eventos eepisódios marcantes e constituintes da docência na pessoa.

Nessa perspectiva, salientamos que a escrita do Memorial é umrecurso formativo potencial para a reflexão da docência e da práticapedagógica. Assim destacamos que a escolha, neste Primeiro Módulo -Matriciamentos da Formação Docente, pela escrita do Memorial se

8 Memorial: do Lat. memoriale. Relativo à memória; que faz lembrar; memorável; obraliterária que relata factos históricos; petição em que há referência a um pedido anterior;livrinho de lembranças; apontamento. O Memorial Formativo pode ser compreendidocomo: um gênero discursivo privilegiado para a divulgação dos saberes e conhecimentosdocentes; uma escrita reflexiva sobre suas práticas e sobre si mesmo; uma narrativa reflexivaonde se pode fazer “dialogar” o processo de formação e a prática docente; uma possibilidadeinteressante para estimular uma reflexão sobre a escola e seus contextos de aprendizagem;uma reflexão de como nos tornamos o que nós somos, isto é, uma reflexão do porque e domodo pelo qual nos tornamos educadores.

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sustenta na aposta formativa da reflexão de si. Em outras palavras nosquestionamos e indagamos: Por que, afinal, escrever um Memorialneste percurso formativo?

O Memorial Formativo tem sido cada vez mais utilizado enquantoferramenta e instrumento em cursos e percursos formativos devido suanatureza reflexiva, na perspectiva do “professor reflexivo”. A escritade si - através da escrita de um Memorial - não se esgota em si mesma,ela estende suas fronteiras para além de si, como processo formativo ereflexivo, já que “a apropriação que cada pessoa faz do seupatrimônio existencial, através de uma dinâmica da compreensãoretrospectiva, é fator de formação” (OLIVEIRA, 1998, p.9). O relatode si é reflexão de si, é formação. Trata-se, como destaca a autora, da“instalação de uma outra cultura na formação de professores [: a]cultura do professor reflexivo” (p.10).

Assim sendo, o exercício de produção de Memoriais é uma platafor-ma de lançamento à reflexão sobre si mesmo e um dispositivo privilegiadopara a compreensão do processo de formação pessoal e profissional. Essaé uma perspectiva que vem se afirmando progressivamente nos espaçosde formação continuada, à medida que toma as narrativas como gênerosdiscursivos privilegiados para os educadores escreverem suas histórias ecomunicarem os seus saberes e conhecimentos.

A produção de Memoriais na formação continuada permite queaquele que escreve reconheça o seu “saber que sabe”, isto é, a percep-ção crítica das possibilidades, limites, implicações e compromissos. Nes-se sentido, quando tomamos consciência desse “saber que sabe” já nãopoderemos recusar-nos em tomar posição diante da realidade. E se con-sideramos que o desenvolvimento pessoal e profissional são processosinter-relacionados, a escrita de Memoriais nos processos formativos re-presenta uma atividade privilegiada, porque potencializadora do conheci-mento de si e do outro, da própria vida e do próprio trabalho.

Em outras palavras, a escrita autobiográfica – através do exercíciode escrita de um Memorial - tem reforçado que o registro de nossaslembranças e reminiscências mais significativas se faz importante pelapossibilidade que inaugura de darmos sentido à nossa trajetória e proje-tarmos uma direção ao que ainda pretendemos construir e experimentarcomo aprendentes e mestres.

Nesse sentido, podemos dizer que o exercício da escrita autobio-gráfica é uma tarefa que exige - além do registro da própria trajetóriaprofissional - que cada autor reflita a respeito do que viveu – o que nemsempre é prazeroso e habitual – mobilizando conhecimentos, saberes,

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9 Acesso através do endereço eletrônico: http://memorialformativo.blogspot.com

crenças, emoções e o estabelecimento de relações não necessariamentepercebidas até então.

Trata-se de uma perspectiva que pressupõe um sujeito protagonis-ta de seu percurso de formação e dos diálogos que estabelece sobre suaatuação profissional. Tal como afirma Benjamim (1994), entende-se quea vida não pode ser separada do modo pelo qual podemos nos dar contade nós mesmos: narrar nossas histórias é, portanto, um modo de dar anós mesmos uma identidade. E assim, reinventar-se permanentemente.

Ainda enquanto acontecimento curricular do Primeiro Módulo des-tacamos o Seminário sobre a Temática da Educação Popular com a pre-sença do Prof. Adriano Nogueira junto a turma de Porto Alegre nas de-pendências da Escola Técnica da UFRGS. Além disso, inspirados pelasbelas e criativas escritas de si, materializadas nos Memoriais Formativosdos alunos do Curso de Especialização, elaboramos e estruturamos umBlog intitulado Memoriais e Histórias de Vida9 criado com o intuito depublicizar e dar visibilidade as Histórias de Vida e Memoriais Formativosde Educadores, na perspectiva de se conhecer e compreender as múltiplashistórias e memórias da vida escola, da educação e da docência.

2.2 Da Pesquisa da Realidade Escolar ou do Trabalho Integrador no Segundo Módulo Curricular

Concebida enquanto Trabalho Integrador do Segundo Módulo, aPesquisa da Realidade Escolar do PROEJA envolveu, especialmente,as disciplinas: Metodologia de Pesquisa em Educação; Sujeitos da Educa-ção, saberes e mundo do trabalho; Políticas sociais e políticas educacio-nais; Políticas educacionais e a gestão da escola e Projetos políticos peda-gógicos, ocorridas durante o Segundo e Terceiro Módulos, sendo que aentrega do trabalho pelos grupos ocorreu ao final do Terceiro Módulo. Osdocentes destas disciplinas leram e avaliaram os trabalhos dos grupos.

Como orientação geral para a Pesquisa da Realidade Escolar foielaborado o seguinte roteiro:

· instrumentos de pesquisa (questionários, entrevistas) que envolvamos diversos atores sociais dos projetos escolares do PROEJA: alunos/as,professores, funcionários, direção, comunidade do entorno da escola (as-sociação de moradores, clube de mães, grupo de bocha, etc) e outros;

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· apreciação do que existe (projeto político pedagógico do PROEJA,política pública relacionada), o que é necessário (em relação ao projetopolítico pedagógico do PROEJA, política pública relacionada) e o que sefaz para atingir o necessário;

Nessa perspectiva a Pesquisa da Realidade Escolar, procurou en-caminhar e potencializar a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso(monografias ou artigos científicos individuais) nas seguintes ênfases:

· Concepções / propostas do PROEJA na escola;

· Financiamento;

· Formação de professores;

· Currículo;

· Material didático;

· Articulação entre as esferas de governo;

· Sujeito / aluno do PROEJA: trajetórias, acesso e permanência;

· Relações interpessoais;

· Gestão administrativa / Estrutura para implementação do PROEJA naescola;

· Práticas Pedagógicas;

As instituições escolares, objeto de pesquisa dos grupos foram asseguintes: duas pesquisas foram sobre a Escola Josué de Castro do MSTsituada em Veranópolis, duas sobre o CEFET de Bento Gonçalves, umasobre a Escola Agrotécnica Federal de Sertão, uma sobre a UNED deSapucaia do Sul, uma sobre a Escola Agrotécnica Federal de Alegrete,uma sobre o projeto da Escola Técnica e Colégio de Aplicação da UFRGSe uma sobre o Programa Integrar da Federação dos Metalúrgicos do RioGrande do Sul.

A experiência inicial de PROEJA do CEFET de São Vicente doSul não foi pesquisada, sendo que os grupos tiveram de três até trezecomponentes, sendo divididas as tarefas de planejamento, execuçãoe análise das pesquisas, durante os meses de novembro de 2006 ajaneiro de 2007. Pela brevidade em que estas pesquisas foram de-senvolvidas a reflexão sobre seus resultados terá continuidade napróxima edição do curso que ocorrerá a partir de novembro de 2007envolvendo 7 turmas de 50 professores – alunos / alunos professores

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10 A partir do Edital PROEJA-CAPES/SETEC número 03/2006 foi instituído o grupo depesquisa CAPES/SETEC/PROEJA coordenado pela UFRGS junto com a Unisinos e UFPEL,tendo nestas instituições e nos CEFETs parcerias de pesquisa com bolsas de mestrado edoutorado nos Programas de Pós-graduação em Educação destas três instituições de ensinosuperior já citadas, sendo a duração do programa até 2009.

no RS, sendo convênios da UFRGS com o CEFET de São Vicentedo Sul para execução de duas turmas, Colégio Técnico Industrial deSanta Maria para outras duas turmas, CEFET de Bento Gonçalvespara uma turma e articulação das UNEDs de Sapucaia do Sul eCharqueadas, Escola Técnica e Colégio de Aplicação para duas tur-mas em Porto Alegre.

O Grupo de Pesquisa CAPES / PROEJA10 também tem nestesrelatórios de pesquisa material possível para análise do PROEJA comopolítica pública.

Como grandes questões retiradas dos resultados destas pesquisasé possível citar: a formação profissional do PROEJA não correspondendoas de excelência das instituições – no caso da UNED de Sapucaia doSul vinculada ao setor plástico e no CEFET de Bento Gonçalves aocurso de Enologia – é considerada de segunda categoria? Será umaformação profissional de pobre para pobre? Quais os significados docurrículo integrado? Qual é a melhor forma de acesso para os alunos doPROEJA nas instituições – prova, sorteio? Como pode ocorrer a forma-ção continuada dos profissionais do PROEJA?

2.3 Da Elaboração do TCC ou do Trabalho Integrador no Terceiro Módulo Curricular

As duas turmas somavam 88 alunos para orientar monografias. Talempreitada foi possível somando aos professores do curso, mestres edoutores do quadro docente do CEFETs, Escola Técnica e Colégio deAplicação da UFRGS, Agrotécnica de Sertão, outros professores daFaculdade de Educação da UFRGS não vinculados ao corpo docente docurso. Sendo que esta articulação foi realizada, na maioria das situações,pelos próprios alunos- professores do curso, dentro do processo de for-mação de nós para nós mesmos.

Foram realizadas duas reuniões gerais com os orientadores dosTCCs, onde foi possível visualizar a heterogeneidade das temáticas depesquisa, trajetórias vinculadas à Educação Profisssional, ao EJA, àEducação Básica. No mês de janeiro de 2007 realizamos um Semináriode Acompanhamento das pesquisas e dos TCCs, no qual o grupo de

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alunos-professores e os docentes do Curso da Turma de Porto Alegre sedeslocaram e se juntaram com a Turma de Bento Gonçalves e em umdos auditórios do CEFET de Bento Gonçalves assistimos uma palestraproferida pela Profª Malvina do Amaral Dorneles sobre Pesquisa emEducação11 e realizamos trabalhos em grupo diante das temáticasarticuladoras e áreas de interesse de pesquisa mais recorrentes, assimclassificadas e organizadas:

· Temática 1 – Formação de Professores;

· Temática 2 – Abordagem Pedagógica: Aprendizagem, Currículo, EAD eAvaliação;

· Temática 3 – Metodologias e Áreas do Conhecimento;

· Temática 4 – Educadores e Educandos: Histórias e Trajetórias de Vida;

· Temática 5 – Escola, Formação e Gestão;

· Temática 6 – PROEJA e Política Pública;

· Temática 7 – Trabalho, Qualificação Profissional e Mercado;

Muitos artigos aqui presentes revelam os inéditos epistemológicos,metodológicos e políticos que o PROEJA propõe para a Educação Pro-fissional, para o Ensino Médio e para EJA em uma teia deinterdependência possível de incluir os trabalhadores de forma qualifica-da nas instituições federais de Educação Básica, no propósito de inseriro PROEJA nas políticas permanentes da Educação Básica.

3. Da formação de nós para nós mesmos ou de outras possibilidades pedagógicas

Se por um lado é instigante e desafiador pensar os impactos políti-cos, epistemológicos e as possibilidades pedagógicas e formativas dasações do PROEJA no cotidiano das instituições, por outro é fundamentalpensar a formação inicial e continuada do professor que atua(rá) noPROEJA. Trata-se, como já destacado, de uma política que propõe umanova forma e um novo jeito de articular e conceber a Educação Profis-sional integrada à EJA e à Educação Básica.

De um modo geral, os modelos e as propostas de formação deprofessores pouco têm levado em conta a vida, a experiência profissio-

11 Palestra: “As disposições ético-estético-afetivas da Pesquisa em Educação”.

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nal e os saberes da própria docência, assim como muitos de nós profes-sores e instituições escolares não temos respeitado as histórias de vida esaberes de nossos alunos. Assim, ao refletir sobre a concepção de for-mação de professores para o PROEJA no âmbito deste Curso de Espe-cialização, entendemos configurar um currículo e um percurso formativoque, de forma integradora, possibilite ao aluno-professor ser efetivamen-te protagonista de sua formação na perspectiva da valorização das suasexperiências, vivências e trajetórias de vida e do reconhecimento da po-tência dos seus fazeres e saberes pedagógicos, articulados aos desafiosdo projeto político-pedagógico institucional no qual cada aluno-professorestá inserido.

Nesta perspectiva, nos parece pertinente e central a abordagem daformação de professores sustentada na reflexão da prática pedagógica,nas trocas entre saberes docentes, nas experiências inovadoras das prá-ticas institucionais e nas especificidades e características do trabalhopedagógico que se propõe integrador da Educação Profissional com aEJA e a Educação Básica.

Foi valorizando e respeitando os saberes e as experiências dos alu-nos-professores que procuramos viabilizar um processo de formaçãode nós e para nós mesmos no âmbito do Curso de Especialização doPROEJA. Procuramos potencializar um percurso formativo, expressoem Módulos Curriculares com seus respectivos TrabalhosIntegradores, no qual os próprios alunos-professores se constituíssemenquanto protagonistas de sua formação. Um modelo no qual o aluno-professor se constitui enquanto um professor que aprende e ensina jun-to-com, e não um modelo de formação onde o professor - que ocupanesta situação um lugar de aluno - permaneça como simples ouvinte ecoadjuvante. Em outras palavras, procuramos viabilizar um modelo deformação que não dicotomize a teoria da prática, nem os saberes acadê-micos dos saberes experienciais, e que remeta a uma “reflexão sobreos saberes pessoais construídos sobre a sociedade, sobre a escola,sobre ser professor, sobre a docência, sobre nós mesmos” (OLIVEI-RA, 2002, p.167).

Um dos principais desafios do curso foi e, é em sua próxima edi-ção, a construção de um currículo no qual os tempos de formação consi-derem o que acontece nos subterrâneos, nos interstícios da escola, eassim trazer para a pauta e para a agenda da formação do professor doPROEJA aquilo que acontece e se tece nas dobras da escola e na vidada docência. Em outras palavras, nos filiamos à perspectiva de não con-tinuar, através dos programas de formação docente, a relegar a plano

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secundário os saberes e as experiências dos trabalhadores em Educa-ção, valorizando assim uma epistemologia da prática.

4 Referências

ARENHALDT, Rafael. Das docências narradas e cruzadas, das sur-presas etrajetórias reveladas. Os fluxos de vida, os processos de identificação e aséticas na escola de educação profissional. Dissertação de Mestrado. Porto Ale-gre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / PPGEDU, 2005. Orientadora:Dra. Malvina do Amaral Dorneles.

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NOGUEIRA, Eliane Greice Davanço. A escrita de memoriais a favor da pesquisae da formação. Anais II CIPA – UNEB. Salvador, 2006.

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O PROEJA: a construção de umaformação continuada.

Clóris DorowLeomar da Costa Eslabão

Roselaine Machado Albernaz 1

Introdução

Este texto é um relato da construção de um curso técnico na modali-dade de Eeducação profissional integrada ao Ensino médio (PROEJA) e assuas interfaces, dentre as quais destaca-se a necessidade da formação con-tinuada com o oferecimento de um curso de especialização voltado a formarprofissionais educadores para esta realidade educacional. Utilizaremos comorelatos as memórias, as marcas e as inquietações que nos atravessaramdurante este período de aprendizado. O texto está dividido em três segmen-tos. O primeiro aborda a experiência em Educação de Jovens e Adultos(EJA) realizada no Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas(CEFET/RS). A seguir destaca-se o planejamento e implantação do currícu-lo de um curso técnico na modalidade PROEJA, na referida instituição. E,finalmente, apresenta-se o processo de formação continuada através de umcurso de especialização voltado para preparar professores para atuaremdentro desta nova modalidade educacional.

Do EMA ao PROEJA: um desafio

A Educação de Jovens e Adultos, como uma modalidade da EducaçãoBásica, tem a sua especificidade e, por isso mesmo, necessita de um modelopedagógico próprio. Nesse sentido o Ensino Médio para Adultos (EMA),projeto desenvolvido desde 1999 no Centro Federal de Educação Tecnológicade Pelotas (CEFET/RS), tem um trabalho pedagógico que incorpora uma

1 Professores do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas e coordenadores doCurso de Especialização em PROEJA - turma de Pelotas/RS.

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reflexão sobre a realidade dos alunos. Como explicita Kuenzer (2002, p.75),é necessária a compreensão de que as finalidades desse ensino

dizem respeito a pessoas concretas que vivem em situações reais queprecisam ser compreendidas em si e em suas articulações com a totalidadeda vida social e produtiva com suas múltiplas, complexas e contraditóriasrelações, entre as quais muitas certamente precisam ser transformadas emface de seu caráter excludente.

A partir do delineamento das finalidades, emergem os conteúdos quepodem ser trabalhados dentro do contexto dos alunos adultos. A definiçãodessas finalidades, como argumentado pela autora, “sempre será um pro-cesso político, que implica escolhas, não se submetendo à aplicação decritérios técnicos” (ibidem, p.75).

Tanto no EMA como em todos os níveis da escolarização, é importan-te saber quem são os alunos com os quais se trabalha, quais são as necessi-dades que apresentam e quais as perspectivas e expectativas que expres-sam para o futuro. Para que se possa investir em uma prática pedagógicacontextualizada, através da articulação entre senso comum e conhecimentocientífico, Kuenzer (2002, p.77), citando Kosik, mostra que “não há, pois,outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de umpensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo aotodo depois de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo”.

Nesse sentido, é necessária uma visão não compartimentada do serhumano, ou seja, o homem deve ser concebido através de suas váriasdimensões, não se restringindo a parte intelectual. Em outras palavras, oprocesso de formação humana compreende a possibilidade de o homemdesenvolver-se de forma global, envolvendo todos os seus sentidos e suaspotencialidades como possibilidades de realização.

Para desenvolver todas essas dimensões, passamos a ter como de-safio a implantação de uma Educação que tenha o trabalho como princípioeducativo, no sentido do reconhecimento da relação entre ciência, mundoprodutivo e a vida dos alunos. Essa relação apresenta-se como possibilida-de de avançar no sentido dos professores ajudarem na preparação dessesalunos para o exercício de profissões sem deixar de lado o desenvolvimen-to da autonomia como pressuposto básico.

Para Frigotto (2002, p.20), é necessário compreender que “a produ-ção de conhecimento, a formação de uma consciência crítica tem suagênese nas relações sociais de trabalho e nas relações sociais de produ-ção”. Parece difícil, pensar um trabalho educativo que efetivamente searticule aos interesses dos trabalhadores, sem ter como ponto de partida o

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conhecimento, a consciência elaborada no mundo do trabalho, na cultura enas múltiplas formas que esses sujeitos produzem suas existências. Mas,isso só seria possível na perspectiva de um processo educativo transfor-mador, que tenha o objetivo concreto de emancipar as pessoas e que com-preenda o trabalho como princípio educativo.

Ramos (2005) argumenta que a integração entre o Ensino Médio e oEnsino Técnico passa a ser uma das possibilidades de se trabalhar com aformação humana e a formação profissional, pois exige que a relaçãoentre conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamenteao longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura.

No currículo que integra formação geral, técnica e política, o estatutode conhecimento geral de um conceito está no seu enraizamento nas ciên-cias como “leis gerais” que explicam fenômenos. Um conceito específico,por sua vez, configura-se pela apropriação de um conceito geral com fina-lidades restritas a objetos, problemas ou situações de interesse produtivo.A tecnologia, nesses termos, pode ser compreendida como a ciência apro-priada com fins produtivos. Em razão disto, no currículo integrado “ne-nhum conhecimento é só geral, posto que estrutura objetivos de produção,nem somente específico, pois nenhum conceito apropriado produtivamen-te pode ser formulado ou compreendido desarticuladamente da ciênciabásica”. (RAMOS, 2005, p.120)

A importância e o desafio de implantar uma educação que tenha otrabalho como princípio educativo, ou seja, “pelo entendimento de que ho-mens e mulheres produzem sua condição humana pelo trabalho, açãotransformadora no mundo, de si, para si e para outrem” (BRASIL, 2006,p.35), faz refletirmos sobre o que é a formação integrada e a necessidadereal da integração da formação geral de ensino médio à formação profis-sional de jovens e adultos, sendo a verdadeira natureza do Programa deIntegração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao EnsinoMédio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos PROEJA. Nãose tratando apenas de adaptar o currículo do EMA ao do Ensino Técnico.

O desafio de construir o ensino médio integrado está na necessidadeda educação geral tornar-se parte inseparável da educação profissionalem todos os campos.

O PROEJA: a construção coletiva como caminhoNo CEFET-RS, em dezembro de 2005, já havia uma preocupação

com o novo decreto que institucionalizava o PROEJA. Ainda que tivés-semos a experiência do EMA, defrontávamo-nos com o desconhecido.Embora o grupo que atuava no EMA acreditasse na necessidade daintegração entre o Ensino Médio e o Ensino Profissionalizante, fator im-

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portante para o futuro profissional dos alunos, sentíamos um despreparopor parte dos professores, principalmente em relação ao aporte teórico aque o PROEJA remetia. A partir dessa constatação, começamos a mo-bilizar esforços no sentido de sensibilizar os professores, no sentido deformarmos uma parceria para estudos que viessem a constituir uma baseteórica consistente para a construção de uma proposta de um curso téc-nico na modalidade EJA.

Encontramos no grupo de professores do curso Técnico em Siste-mas da Informação o apoio desejado, pois estes já eram nossos parcei-ros no Ensino Médio para Adultos (EMA), sendo o único curso do CEFET/RS que, voluntariamente, dispôs-se a apresentar um projeto de cursotécnico na modalidade de PROEJA.

Semanalmente formulávamos um roteiro de trabalho para ser colo-cado em prática. Iniciamos pelo estudo do Documento Base do PROEJA,Decreto Lei nº 5840, originário do decreto nº. 5.478, de 24/06/2005, cujaótica direciona-se para uma formação na vida e para a vida e não ape-nas para o ingresso no mundo do trabalho. Segundo o documento,

o que realmente se pretende é a formação humana no seu sentido mais lato,com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos etecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a umaformação profissional que permita compreender o mundo, compreender-seno mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vidae da construção de uma sociedade socialmente justa (BRASIL, 2006, p.10).

Tendo essa visão como parâmetro, partimos para uma discussãoembasada em alguns teóricos que abordassem estas temáticas, buscan-do com isso tornar mais clara essa concepção educacional para o grupode professores. Após o estudo sobre o documento que institui o PROEJA,começamos a leitura da obra de FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS(2005) como um marco teórico que buscava apresentar a produtividadeda integração do Ensino Médio com a Educação Profissional. Para estesautores “a possibilidade de integrar formação geral e formação técnicano ensino médio, visando a uma formação integral do ser humano é con-dição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnicoe à superação da dualidade educacional pela superação da dualidade declasses” (op.cit., p.45).

Dessa forma, em uma sociedade na qual existem inúmeras desi-gualdades sociais, os filhos dos trabalhadores teriam uma formação inte-gral, que além de lhes possibilitar seguir adiante nos estudos permite quepossuam uma profissionalização, ainda no nível médio.

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Para que essa integração entre ensino médio e técnico se concre-tize fez-se necessário que buscássemos a formulação de um projeto pró-prio, com as nuances características da escola, dentre os fatores da suarealidade. O mais importante, segundo Ramos (2005, p.121), é que a“organização formal do currículo exigirá a organização desses conheci-mentos, seja em forma de disciplinas, projetos, etc. Importa, entretanto,que não se percam os referenciais das ciências básicas, de modo que osconceitos possam ser relacionados interdisciplinarmente, mas tambémno interior de cada disciplina”. Portanto, é necessário que cada discipli-na conserve suas características como ciência específica, embora ha-vendo diálogos entre as disciplinas.

Outro fator preponderante em nossas reflexões, foi a distribuiçãodas disciplinas no decorrer do curso. Pensamos que as disciplinas de for-mação geral e as técnicas deveriam ser oferecidas/trabalhadas ao longodo curso e não em módulos diferentes com o acúmulo de uma ou de outraem um determinado ano. Só assim a integração poderia se efetivar, pois deacordo com Ramos (2005, p.122) “a integração exige que a relação entreconhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao lon-go da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura”.

Na continuidade desse projeto de curso sentimos a necessidade de umestudo sobre a contextualização dos saberes e sua articulação às áreas deconhecimento. Encontramos respaldo teórico na obra de Kuenzer (2005),que destaca a importância de partirmos de um conhecimento da realidade doaluno, reconhecendo os saberes prévios já desenvolvidos, para estabelecer ametodologia mais adequada. Segundo a autora

esse trabalho é que determinará a diferença entre prática enquanto repeti-ção reiterada de ações que deixam tudo como está, e práxis enquantoprocesso resultante do contínuo movimento entre teoria e prática, entrepensamento e ação, entre velho e novo, entre sujeito e objeto, entre razãoe emoção, entre homem e humanidade, que produz conhecimento e porisso revoluciona o que está dado, transformando a realidade. (op.cit., p.80)

Após as discussões realizadas, estabelecemos o perfil do alunoegresso do Curso Técnico de Nível Médio em Montagem e Manutençãode Computadores – Modalidade EJA. Este deverá ser um cidadão res-ponsável, empreendedor, investigador e crítico, apto a desempenhar suaprofissão no que concerne ao suporte e à manutenção de tecnologias dainformação, incluindo hardware, por meio de uma formação ética, técni-ca, criativa e humanística, Na formação desse sujeito, o trabalho apare-ce como possibilidade emancipatória de luta e de engajamento político

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social. Embasados nesse perfil, formulamos as competências do curso:- Conhecer, identificar, instalar, configurar e executar recursos de

hardware de computador, promovendo o trabalho em equipe e a capaci-dade de empreender na área de informática.

- Planejar, dimensionar, administrar e implementar uma organiza-ção de computadores em rede, desenvolvendo o censo de pesquisa e deaperfeiçoamento profissional continuado.

- Perceber e compreender que as sociedades são produtos dasações humanas sendo, portanto, construídas e reconstruídas em tempose espaços diversos, fortemente influenciadas pelas relações sociais, pe-los valores éticos, estéticos e culturais, pelas relações de dominação e depoder, e pelas relações de trabalho presentes nas mesmas.

- Utilizar elementos e conhecimentos científicos e tecnológicos dosdiferentes ambientes (físico, econômico, social, cultural, político) paratomar atitudes decisivas de investigação e compreensão, com o propósi-to de formular questões, interpretar, analisar e criticar resultados, ex-pressando-se com correção e clareza, de forma responsável na socieda-de em que está inserido.

- Ler, compreender, interpretar, escrever, experimentar e produzirsentido a partir de textos verbais e não-verbais, utilizando as tecnologiasda informação, assim como desenvolver e formalizar o raciocínio lógico,transcrevendo-o em linguagens de programação, a fim de estabelecerrelação com o contexto sócio-econômico e histórico-cultural, e posicionar-se criticamente para, através da produção do conhecimento, intervir narealidade em busca de sua transformação.

Após o estabelecimento das competências, os professores, distri-buíram os conteúdos de suas disciplinas, nas competências elencadas noprojeto do curso, apresentando sua escolha para discussão no grupo.Depois de inúmeros debates, realizamos a distribuição da carga horáriadas disciplinas.

O fluxograma a seguir, apresenta o processo de discussõesconstruído no desenvolvimento do projeto de criação do curso:

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A partir da estruturação do curso, continuamos a ter encontrossemanais para planejamento das atividades a serem desenvolvidas noprimeiro semestre do curso. Escolhemos como eixo norteados o Mundodo Trabalho, com o objetivo de integrar os conteúdos a serem desenvol-vidos nas diferentes disciplinas.

O processo de avaliação do aluno também mereceu uma atençãoespecial, fazendo parte de nossas discussões. Entendemos que a avalia-ção é uma atividade-meio e não uma atividade-fim. Dessa forma a ava-liação foi entendida como um processo permanente, contínuo, participativo,abrangente e dinâmico.

A avaliação da aprendizagem refere-se ao desenvolvimento do alunono curso, em cada disciplina, sob a ótica do professor e do próprio aluno,tendo como objetivo principal o acompanhamento do processo formativo,verificando como a proposta pedagógica está sendo desenvolvida ou seprocessando, na tentativa de proporcionar uma aprendizagem mais efetivaao longo do percurso. A avaliação não privilegia a mera polarização entreo “aprovado” e o “reprovado”, mas sim a real possibilidade de mover osalunos na busca de novas aprendizagens. A avaliação e a aprendizagemsão partes constitutivas de um mesmo processo, neste sentido a avaliaçãoocorre como parte do processo de construção do conhecimento.

Definimos pela avaliação semestral, por área do conhecimento a qual terácomo resultado um parecer descritivo no primeiro semestre e um conceitoao final do ano letivo. Os instrumentos de avaliação não são restritos àprovas escritas, contemplando outras formas tais como trabalhos em gru-po, projetos, seminários, entre outros. A recuperação será oferecida aolongo do processo. Além disso, bimensalmente, é feita uma semana derecuperação das deficiências de aprendizagem do educando. Os concei-tos que serão utilizados ao final do ano, pelas áreas, serão: A, B, C para osalunos aprovados, D para os reprovados e E para os que desistiram.

A formação continuada

Dentro do quadro proposto pelo Governo Federal brasileiro para aeducação profissional, a EJA é apresentada como um novo campo a sercoberto por cursos na área da Educação Profissional. Pelo fato de seu públi-co ser específico e por se diferenciar dos alunos que têm um percurso con-tínuo de estudos, entende-se que a prática docente nessa modalidade deveser voltada a atender às necessidades apresentadas pelos alunos.

Constata-se que, a maioria dos docentes das instituições que traba-lham com Educação Profissional, não possuem, uma formação formal

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adequada que possa servir de subsídios para a atuação em EJA, por issojulgamos adequado proporcionar uma formação continuada, uma pós-gra-duação lato sensu, que abordasse especialmente a temática sobre educa-ção profissional na modalidade de educação de jovens e adultos (PROEJA).

Esta foi entendida como uma possibilidade de contribuirmos na pre-paração dos docentes para a nova realidade. Com a possibilidade de par-ticiparmos do consórcio Rio Grande do Sul, formado pela UFRGS, CEFET-RS, CEFET-Bento Gonçalves, criando três turmas de especialização emPROEJA no nosso estado, vindo ao encontro de nossas necessidades,aceitamos o desafio de proporcionar aos colegas uma formação que lhesoferecesse subsídios teóricos e metodológicos para atuar em cursosprofissionalizantes que tenham como base um currículo integrado.

Inicialmente, de acordo com o projeto da pós-graduação formuladopor professores ligados à FACED/UFGRS, seriam alvo da formaçãocontinuada os docentes da rede federal, devido à constatação de seudespreparo acadêmico/prático para atuar com a EJA, pois esta é umarealidade não vivenciada pelos cursos técnicos da rede federal. Porém,a gama de sujeitos aos quais a formação continuada era destinada, foisofrendo alterações ao longo do processo de planejamento da implanta-ção, foram contemplados, também, os técnicos administrativos da redefederal, pois entendemos que faziam parte do processo educativo, umavez que o pensar a educação não encerra-se apenas nos gabinetes ounas salas de aula e laboratórios. Assim, o quadro de funcionários deveriater o conhecimento desta nova realidade para contribuir de forma maisativa e consciente na implantação de novos cursos técnicos na modali-dade de PROEJA.

Pelo fato do financiamento ser público, provido pelo Ministério daEducação, que atende a todos os segmentos de educação profissional, oprojeto de formação continuada sofreu mais uma ampliação, devendoatender inclusive a professores das redes estaduais e municipais, vincu-lados a EJA e/ou educação profissional.

Com isso, a seleção dos alunos a serem contemplados pela forma-ção continuada, na turma realizada em Pelotas/RS, deu-se atendendo,em um primeiro momento, aos docentes do quadro efetivo das institui-ções federais de ensino (IFEs) que ofereciam educação profissional denível médio (CEFET-RS, CAVG/UFPEL, CTI/FURG) e técnicos admi-nistrativos. Pelo fato dos quadros docentes das IFEs serem compostospor um número significativo de professores temporários, estes acaba-ram conseguindo inserir-se no processo, desde que estivessem atuandona Educação de Jovens e Adultos, como é o caso do EMA, projeto cita-

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do anteriormente. Porém, os professores substitutos ligados a cursostécnicos não foram contemplados pelo deslocamento dos limites de sele-ção dos sujeitos.

Após selecionados os sujeitos ligados às IFEs foram escolhidosoutros sujeitos integrantes das redes municipais e estadual.

As seleções foram baseadas nos critérios de a) estar envolvido, terexperiência ou atuará com a EJA - PROEJA - INTEGRADO, b) estarenvolvido ou ter experiência com o Ensino Médio - Ensino Técnico, c)análise curricular, beneficiando os que ainda não possuíam pós-gradua-ção, e, d) carta justificativa apresentando os interesse em cursar a espe-cialização em PROEJA.

Com isso, ao iniciarmos a turma, tínhamos matriculados professo-res e técnico-administrativos da IFES, professores das redes estadual emunicipais.

Do quadro inicial dos alunos selecionados para a pós-graduaçãochamou-nos atenção o fato de que um número significativo de alunosera ligado à área da cultura geral. Da rede federal somente quatro alu-nos atuavam em cursos técnicos, e destes apenas dois concluíram aespecialização. Os outros dois afastaram-se, um em função de ter sidoselecionado em pós-graduações stricto sensu em sua área de forma-ção, o outro por ter assumido um cargo administrativo.

Os alunos que atuavam como docentes nas redes municipais tra-balhavam em escolas que não tinham cursos técnicos, possuíam apenasexperiências em EJA.

Constatamos que os sujeitos que buscaram a formação continuadanão atuavam diretamente com educação profissional, o que gerou umasérie de questionamentos:

- Seria um indicativo de que esta modalidade de educação não ébem vista pelos professores dos cursos técnicos?

- Os professores dos cursos técnicos já possuíam uma formação latosensu e por isso não se interessavam em ter um outro título equivalente?

- Os professores dos cursos técnicos não reconhecem como váli-dos cursos na área da educação?

- A formação que busca a construção de um currículo integrado, apartir de uma educação integral, não agradava aos docentes que atua-vam em cursos técnicos modulares, com currículos restritos à suas áre-as de especialidades?

Os questionamentos aqui apresentados não foram sistematicamenteinvestigados, apenas constituíram-se em inquietações e que podem/de-vem ser analisadas/pesquisadas em futuros estudos, de forma a contri-buir para o entendimento desse fenômeno.

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Retornando a análise para a formação continuada implantada noCEFET-RS, existiram certas peculiaridades que marcaram o desenvol-vimento deste curso. Este foi planejado para ser desenvolvido dentro doano civil de 2006, em função da execução financeira e da prestação decontas, afetando diretamente o currículo, pois foram concentradas todasas disciplinas em apenas um semestre. Tal redução de tempo provocouum acumulo de leituras e escritas para as disciplinas.

O corpo docente escolhido pela direção do CEFET-RS foi forma-do para atender as disciplinas elencadas no projeto de formação, tendocomo base a vinculação da formação/atuação. Em função disso atua-ram professores do CEFET-RS que tinham experiência/formação naEJA e na educação profissional, e, um grupo de professores da Facul-dade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) quetem experiência em cursos de formação continuada e de pós-gradua-ção em educação.

Os orientadores dos trabalhos de conclusão foram selecionados deacordo com o assunto de pesquisa, que emergiram na interação profes-sor/aluno realizada na disciplina de metodologia da pesquisa. O trabalhode conclusão poderia ser apresentado sob a forma de artigo, de projetode pesquisa, ou de monografia.

Os alunos que integraram a turma da especialização, embora te-nham atendido os critérios de seleção, há muito se encontravam fora daposição de aluno. Isso representou algumas dificuldades principalmentevoltadas à produção textual, ao domínio de ferramentas de informáticatais como e-mails e editores de textos, o que reflete o seu cotidiano detrabalho que se diferencia do sujeito pesquisador, que está acostumado atrabalhar com estas ferramentas. Além disso, tinham mais de um vínculoempregatício, dificultando as leituras prévias necessárias para embasaras discussões nas aulas, o que muitas vezes acarretava em aulas tradici-onais de transmissão de conhecimentos.

A sobrecarga dos alunos evidenciou uma realidade que passa mui-tas vezes despercebida, a da auto-intensificação da jornada de trabalhoem função de buscar uma remuneração mais digna. Nesse sentido aprópria opção do aluno pela formação continuada acarretou em acúmulode tarefas que muitas vezes exigiam um tempo maior do que o disponí-vel. Observamos que a própria instituição proponente da formação con-tinuada não ofereceu respaldo no sentido de liberação de todos os servi-dores de forma que pudessem assistir a todas as aulas, pois a pós-gradu-ação iniciou durante o período letivo no qual atuavam, e a instituição nãoconseguiu remanejar outros professores para cobrir os horários destesque ocupavam a função de alunos.

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Outro fator que teve influência no desenvolvimento do curso foi ofato de que o CEFET-RS por ter recebido o status de Instituição deEnsino Superior em 1999, não possuía ainda uma organização em pós-graduação, embora já tivessem oferecido dois cursos de especialização,que pudesse ser utilizado como balizador para pensar o andamento docurso e prever possíveis situações que acabaram convertendo-se emdesvio de percurso. Uma destas situações foi referente ao trabalho deconclusão, que pelo fato de não haver sido aprovado normativas internasdo CEFET-RS, foi adotada as que constavam no projeto de curso, ouseja, o trabalho de conclusão de curso (TCC) deveria ter uma apresen-tação pública coletiva, na forma de seminário, no qual cada aluno deve-ria apresentar sua produção. Felizmente os percalços que existiram, nosauxiliaram a detectar e normatizar princípios que orientem um pós-gra-duação, auxiliando futuros cursos..

Pelo fato do trabalho de conclusão ser mais um elemento a consumiro tempo escasso que os alunos possuíam para as leituras/escritas para asdisciplinas, este foi protelado para após o término das aulas o que consti-tuiu-se em um pequeno período para as leituras necessárias e para a suaescrita. Porém mesmo atendendo a um tempo inferior a seis meses, foramproduzidos trabalhos significativos no sentido de trazerem novos elemen-tos que possam contribuir para que a área da Educação de Jovens e Adul-tos avance e que as práticas desenvolvidas nesta modalidade estejam maispróximas as necessidades do público alvo.

Considerações

Acreditamos que a formação continuada de professores constitui-secomo um importante fator para a preparação para atuar em uma novarealidade, que embora tenha relação com outra área pela qual o professorjá tenha atuado (Educação Profissional ou EJA), constitui-se como umnovo desafio pelo fato de integrar EJA e educação profissional. No casosespecíficos do CEFET-RS, que já vinha trabalhando com Educação deJovens e Adultos e Educação Profissional, não existia ainda nenhum cursoque atendesse na modalidade de PROEJA. Contudo para o planejamentode um curso nesta modalidade, os conhecimentos adquiridos na vivênciaprática da EJA foram significativos para a elaboração do currículo integra-do à parte profissionalizante. Porém a formação continuada, pensada comoum elemento a fornecer subsídios teórico/práticos, pela sistematização de

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temas peculiares a esta nova realidade da educação profissional (PROEJA)não suscitou interesse aos professores que iriam atuar no novo modelocurricular. Portanto o curso de formação continuada no CEFET-RS, infe-lizmente, não atingiu de fato os sujeitos aos quais se propunha, gerandocomo conseqüência a decisão do não oferecimento de uma nova turma,em continuidade ao programa.

A constatação da necessidade de formação para a atuação noPROEJA certamente será percebida a medida em que forem sendo im-plantados cursos técnicos dentro desta modalidade, e talvez aí haja umaconscientização de que atuação docente competente está vinculada a for-mação continuada, e a demanda possibilitem que surjam novas possibilida-des de criação de turmas de pós-graduação, que contemplem um temposuficiente para a assimilação dos conteúdos desenvolvidos e para a produ-ção de pesquisas significativas que tragam novos elementos para fortale-cer a formação daqueles que atuam no PROEJA.

Percebemos que os sistemas de ensino raramente investem na for-mação continuada dos professores. Poucas são as iniciativas no sentido detornar o espaço de trabalho do professor um espaço importante e propíciopara a discussão e estudo, que carregue consigo a necessidade de refle-xões de caráter sócio-político-pedagógicas sobre a formação acadêmicano sentido de sua complementação. Nesse sentido o curso de pós-gradu-ação, aqui relatado, foi uma grande oportunidade.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional eTecnológica. Documento Base do Programa de Integração da Educação Profis-sional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação deJovens e Adultos. Brasília: MEC, 2006.

FRIGOTTO, G., CIAVATTA, M. e RAMOS, M. Ensino Médio Integrado. SãoPaulo: Cortez, 2005.

FRIGOTTO, G. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalha-dor: impasses teóricos e práticos. In: GOMES, C. M. (Org). Trabalho e conheci-mento: dilemas na educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 2002.

KUENZER, A. Ensino Médio - Construindo uma Proposta para os que vivem dotrabalho. - 4.ed.- São Paulo: Cortez. 2005.

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PROEJA COMO RESGATE DA CIDADANIA

André Boccasius Siqueira1

Beatriz T. Daudt Fischer2

Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandesnovidades/

O tempo não pára (Arnaldo Brandão e Cazuza, 1998).

Introdução

Esta é uma reflexão sobre a educação formal brasileira no que serefere a três assuntos, aparentemente díspares, mas que estão direta-mente relacionados: Educação de Jovens e Adultos, EnsinoProfissionalizante e Ensino Médio. O principal objetivo desse artigo érefletir acerca das políticas públicas federais no tocante ao ProgramaNacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Bá-sica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Paratal promovo uma discussão historicizando os três assuntos, no contextonacional, que são o foco da presente pesquisa.

Para tal, dividi o texto em duas partes: Na primeira apresento umhistórico da modalidade de Educação de Jovens e Adultos no cenáriobrasileiro e algumas interfaces com políticas internacionais. Na segunda,trato da Educação Profissional, o Ensino Médio e o PROEJA. Finalizan-do, teço algumas considerações pessoais em relação a este conjunto deidéias.

1 Licenciado em Biologia, Mestre e Doutorando em Educação/UNISINOS. Especialista emEducação – PROEJA/UFRGS .2 Dra. em Educação. Professora do Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale doRio dos Sinos. Orientadora do Trabalho de Conclusão de curso do autor deste artigo.

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As influências de políticas internacionais nocenário nacional

A constituição de 1934 reafirmou a educação como sendo um “di-reito de todos e dever do Estado” (Haddad e Di Pierro, 2000, p.110),com o ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória. Oque chama a atenção é “esse ensino deveria ser extensivo aos adultos.Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era reconhecida erecebia um tratamento particular” (ibidem). Entretanto, não foi postaem prática.

Efetivamente, a “primeira iniciativa pública, visando especificamenteao atendimento do segmento adulto da população, deu-se em 1947, como lançamento da Primeira Campanha Nacional de Educação de Adultos,por iniciativa do Ministro da Educação e Saúde” (Soares, 1996, p.01).Essa campanha teve a “coordenação do Serviço de Educação de Adul-tos [e] se estendeu até fins da década de 1950” (Haddad e Di Pierro,id.). A campanha nacional foi deflagrada quando ocorreu o PrimeiroCongresso Nacional de Educação de Adultos. Nos olhos de hoje, enten-de-se que “o analfabeto, por sua vez, era visto de maneira preconceituosa,chegando-se a atribuir a causa da ignorância, da pobreza, da falta dehigiene e da escassa produtividade à sua existência” (Soares, op. cit.,p.2). Eram considerados motivos de estagnação e do não crescimentonacional.

Em 1958 ocorreu o II Congresso Nacional de Educação de Adul-tos no Rio de Janeiro. O espaço promoveu uma nova forma do pensarpedagógico de adultos. Esse seminário teve como participante o educa-dor Paulo Freire, que assumiu uma grande campanha nacional de alfa-betização de adultos.

Em 1963 foi realizada a II Conferência Internacional sobre Educa-ção de Adultos, na cidade de Montreal. Nessa, “aparecem dois enfoquesdistintos: a educação de adultos concebida como uma continuação da edu-cação formal, como educação permanente, e, de outro lado, a educaçãode base ou comunitária (Gadotti, 1995, p. 30). A educação de base eramuito difundida no Brasil nesse período da história.

Com o golpe militar, em 1964, todas as iniciativas de educaçãopopular e educação de base foram suprimidas. O governo federal crioua Cruzada da Ação Básica Cristã – ABC – e, no final da década, oMovimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL. Esse último tinhacomo finalidade alfabetizar a população das periferias urbanas e a rural.

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Tinha financiamento próprio, não necessitando de verbas governamen-tais (Haddad e Di Pierro, op. cit., p. 114).

No início da década de 1970, houve a promulgação da lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº5.692/71. Em se tratando dalegislação nacional, observo que foi a primeira vez que há incentivo paraadultos além da alfabetização. A partir da LDB as oito séries do ensinofundamental foram privilegiadas. Instituiu, também, os exames supleti-vos, obrigando estados federados a promover um exame anual a fim decertificar o ensino fundamental e o médio com idades mínimas de 18 e21 anos respectivamente.

No ano de 1985 o MOBRAL foi substituído pela Fundação Nacionalpara Educação de Jovens e Adultos – EDUCAR, que tinha como princi-pais metas fortalecer os estados federados e os municípios a fim de queassumissem sozinhos o supletivo de primeiro e segundo graus.

A Organização das Nações Unidas declarou 1990 como o AnoInternacional da Alfabetização e promoveu um encontro mundial, aConferência de “Educação para Todos – Education For All”, emJomtien, na Tailândia. “Os 155 governos que subscreveram a declara-ção ali aprovada comprometeram-se a assegurar uma educação bási-ca de qualidade a crianças, jovens e adultos” (Shiroma et all, 2002,p.56-57).

A partir dessa conferência houve uma articulação em todo o terri-tório brasileiro, com seminários promovidos pelo governo federal e reali-zados nas universidades e em algumas Organizações Não-Governamentaiscom histórico de militância na Educação Popular. Apesar desse quadro,a Fundação EDUCAR3 foi extinta. O Programa Nacional de Alfabetiza-ção e Cidadania – PNAC – foi apenas uma promessa governamental.Após turbulências políticas, assume o cargo de presidente da repúblicaItamar Franco, extinguindo o PNAC. Antes de passar o cargo para opróximo presidente eleito, fixou metas através do Plano Decenal de Edu-cação a fim de promover oportunidades de acesso e progressão no ensi-no fundamental a 3,7 milhões de analfabetos e 4,6 milhões de jovens eadultos pouco escolarizados (Haddad e Di Pierro, op. cit.).

3 A Fundação Educar “passou a fazer parte do Ministério da Educação. A Fundação, aocontrário do Mobral que desenvolvia ações diretas de alfabetização, exercia a supervisão e oacompanhamento junto às instituições e secretarias que recebiam os recursos transferidospara execução de seus programas. Essa política teve curta duração, pois em 1990 – AnoInternacional da Alfabetização – em lugar de se tomar a alfabetização como prioridade, ogoverno Collor extinguiu a Fundação Educar, não criando nenhuma outra que assumisse suasfunções. Tem-se, a partir de então, a ausência do Governo federal como articulador nacionale indutor de uma política de alfabetização de jovens e adultos no Brasil” (Soares, 2003).

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No Congresso Federal houve vários movimentos para promover a re-forma da educação, mas foi no primeiro mandato do governo de FernandoHenrique Cardoso (1994–1998), que as reformas efetivamente ocorreram.

Após muitos debates, há a promulgação da lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional, Lei nº 9394, em 1996. Para os propósitosdessa reflexão, é importante considerar que em relação ao ensino deadultos houve mudanças consideráveis. O que se denominava EnsinoSupletivo, passou a categoria de Modalidade: a modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos. Nesse sentido, conforme já fiz referência em estu-do anterior, a metodologia é “diferenciada daquela modalidade ofertadapelas escolas até antes da promulgação da LDBEN/96” (Siqueira, 2006,p.62), que se valorizava apenas o saber escolar em detrimento do saberdo estudante, o dito saber popular.

A partir dessa nova lei, surge um período que se pode considerarfértil para a legislação educacional. Houve a criação de vários movimen-tos e programas a fim de minimizar o problema do elevado índice de anal-fabetismo no país. Dentre eles o Programa de Alfabetização Solidária –PAS – foi idealizado pelo Ministério da Educação e coordenado pelo Con-selho da Comunidade Solidária, vinculado à Presidência da República. Ométodo usado foi o de alfabetização em cinco meses, preferencialmenteaos jovens. Ao mesmo tempo, o Programa Nacional de Educação na Re-forma Agrária – PRONERA – criado em 1997 e operacionalizado no anoseguinte, foi o responsável por uma proposta de política pública de educa-ção de jovens e adultos no meio rural.

Já o Plano Nacional de Formação do Trabalhador – PLANFOR –coordenado pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissio-nal do Ministério do Trabalho, financiado pelo Fundo de Amparo do Tra-balhador – FAT, incentivou iniciativas articuladas com a escolarizaçãode trabalhadores jovens e adultos do campo e da cidade, bem comocursos em habilidades básicas.

Além disso, ainda em 1997, iniciam discussões a fim de ser elabora-do o Plano Nacional de Educação – PNE. Entretanto, a década chega aofinal e o mesmo não é votado pelo Congresso Nacional. No âmbito inter-nacional, ocorre a “V Conferência Internacional sobre a Educação deAdultos” – V CONFITEA – em Hamburgo, Alemanha. Este evento foipromovido pela UNESCO, com apoio das instituições do Sistema NaçõesUnidas, União Européia, OCDE e do Banco Mundial. Suas declaraçõesvalorizam o direito à educação de adultos, sendo a “chave para o séculoXXI” (Declaração de Hamburgo, 1999, p. 19).

Outra Conferência Mundial de Educação ocorreu em Dakar, Senegal,

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no ano de 2000. Teve como finalidade, além da avaliação dos dez anosanteriores, apontar medidas educativas para os próximos 15 anos, ou seja,até 2015. Como metas para a Educação de Jovens e Adultos, o documen-to de Dakar reza que os governos devem4 “assegurar que as necessidadesde aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acessoeqüitativo à aprendizagem apropriada e às habilidades para a vida”.

Para que o Brasil se adequasse às exigências das agências inter-nacionais, responsáveis por empréstimos vultuosos à nação, colocou emprática o Plano Nacional de Educação – PNE, cujas discussões inicia-ram-se em 1997, sendo sancionado em janeiro de 2001. Contribuem paraessa discussão as análises de Redin e Moraes (op cit) acerca da idéiacentral do PNE o qual, segundo os autores, “baseia na necessidade desuperar a desigualdade e a exclusão que caracterizam a nossa socieda-de” (p.41-42). Tais idéias já haviam sido apontadas nas discussões emJomtien, contudo não foram postas em prática.

Acerca da Educação de Jovens e Adultos, o documento aponta trêsgrandes desafios, os quais estão em sintonia com as Declarações “Educa-ção para Todos” e de “Hamburgo” que são: a “erradicação do analfabetis-mo”, o “treinamento de imensos contingentes de jovens e adultos parainserção imediata no trabalho” e a criação de “oportunidades de educaçãoao longo da vida, ou educação permanente” (Dakar, 2000).

Adentrando o século XXI, em 2003, no primeiro mandato do presi-dente Luis Inácio Lula da Silva (2003–2006), o Ministério da Educação“elege como uma de suas prioridades a implantação do Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dosProfissionais da Educação – FUNDEB – que engloba todos os níveis daeducação básica” (Ação Educativa, 2005, p.23-24). Esse fundo preten-de diminuir a diferença entre os níveis de educação – Educação Infantil,Ensino Fundamental e Médio – e tem como principal objetivo erradicar oanalfabetismo em dez anos5.

Legislação educacional brasileira após LDBEN/96 e o PROEJA

Como já se viu na seção anterior, a década de 1990, propriamenteapós a promulgação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei

4 O termo “devem” é uma imposição orçamentária. Quem cumprir, recebe os volumososempréstimos.

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nº 9.394/96, foi um período de muitas mudanças legislativas no campoeducacional, bem como no ensino médio e na educação profissionalizante.

No ano seguinte, em 1997, o Decreto 2.208 regulamentou o parágra-fo 2º do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da LDB, estabelecendo o nívelbásico, o técnico e o tecnológico para a educação profissional. Em outraspalavras, esse decreto corrobora a separação por completo o Ensino Téc-nico do Ensino Médio, estabelecido pela LDB. Esta grande reforma tevecomo os maiores defensores do “novo modelo educacional” (Porto Jr. eAmaral, 2006, p.9), a iniciativa privada, os partidos políticos ligados aogoverno federal e uma parte dos dirigentes e dos ex-dirigentes das institui-ções de ensino que haviam sido responsáveis pela implementação do mes-mo, sobretudo em escolas de âmbito federal. Cardozo (2006) chama aatenção “para o fato de que a ênfase na educação geral deve ser vistacom ponderação, para que o ensino técnico não seja suprimido da educa-ção pública e o setor privado acabe assimilando essa modalidade comopossibilidade de lucro” (p.11). Há um sentimento no território nacional deque possa haver o sucateamento das instituições públicas, sobretudo asescolas técnicas federais.

A partir de sucessivos debates, emergiu, em 2004, o Decreto 5.154que “traz uma série de contradições, demonstrando a ausência de umapolítica de governo para a Educação Tecnológica” (Ibidem, p.10). Comesse Decreto “tudo é permitido, inclusive, a continuidade do ensinoconcomitante, que já se mostrou ineficaz, aumentando assustadoramentea evasão escolar nos cursos técnicos” (Ididem, p.12), bem como, re-agru-par, unir o ensino técnico ao médio, como era antes de 1996.

Na prática, há poucas mudanças significativas para o Ensino Médioe Profissionalizante. Porém, há uma primeira tentativa de integrar a Mo-dalidade de Educação de Jovens e Adultos ao Ensino Profissionalizante,como se vê no texto do instrumento, em seu Artigo primeiro, inciso I: “for-mação inicial e continuada de trabalhadores” e no

Art. 3º Os cursos e programas de formação inicial e continuada de traba-lhadores, referidos no inciso I do art. 1º, incluídos na capacitação, o aper-feiçoamento, a especialização e a atualização, em todos os níveis de esco-laridade, poderão ser ofertados segundo itinerários formativos, objetivandoo desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social.

§ 1º […].

5 Até o ano de 2006, o Brasil foi regido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento daEducação Fundamental – FUNDEF – que englobou apenas as oito séries do Ensino Funda-mental, estudantes na faixa etária dos sete aos 14 anos de idade.

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§ 2º Os cursos mencionados no caput considerar-se-ão, preferencialmente,com os cursos de educação de jovens e adultos, objetivando a qualificaçãopara o trabalho e a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, o qual,após a conclusão com aproveitamento dos referidos cursos, fará jus a certi-ficados de formação inicial ou continuada para o trabalho. (BRASIL, 2004).

No texto do artigo acima a formação inicial e continuada para tra-balhadores/estudantes da educação de jovens e adultos é textualmentereferido como “preferencialmente”, não sendo obrigatório como se verános decretos posteriores. Esse detalhe do decreto, no meu entender, é oque se apresenta como uma primeira tentativa de conexão dessas duasmodalidades de ensino, ainda que incipiente, sem recursos financeiros ouincentivos para as instituições que a adotassem.

Um ano depois é promulgado, para aqueles trabalhadores que nãoconseguem acompanhar o ensino regular, o Decreto 5.478, em 24 dejunho de 2005, que “institui, no âmbito das instituições federais de educa-ção tecnológicas, o Programa de Integração da Educação Profissionalao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –PROEJA”. Vem suprir as necessidades de milhares de trabalhadoresque não completaram o ensino médio e que receberão um cursoprofissionalizante nos três anos de escolarização, ao mesmo tempo in-centiva a formação do educando em menor espaço de tempo.

Entretanto, esse decreto é exclusivo para as instituições federais.Obriga a oferecer dez por cento de suas vagas ao PROEJA, destinado ajovens acima de 18 anos e a adultos trabalhadores que já tenham o ensinofundamental. “Apresenta-se como objetivo desse programa, a ampliaçãodos espaços públicos da educação profissional para os adultos e uma es-tratégia que contribui para a universalização da educação básica”(CIAVATTA, 2006, p.13). Apesar disso, a autora revela que essas institui-ções não ficaram satisfeitas com tal decreto e expõe os motivos que levamos CEFETs a renunciarem o ensino profissionalizante para estudantes damodalidade de EJA. Segundo ela, são motivos históricos, pois a

transformação dos CEFETs em instituições de ensino superior expressa-ria, em parte, a rejeição às atividades técnicas, supostamente, subalternas,que tem uma origem histórica no mundo ocidental e no Brasil, com seusquatro séculos de escravidão e cinco de dualismo estrutural e discrimina-ção étnica e social ante as atividades manuais (op. cit., p. 14).

Para tentar diminuir o embate político no interior das instituições fede-rais, promoveu-se a criação de grupos de estudos entre professores interes-

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sados em cumprir tal decreto. Inclusive, no âmbito federal, o Ministério daEducação, sob a coordenação da Secretaria de Educação Profissional eTecnológica – SETEC – nomeou um grupo constituído por trinta pesquisa-dores e educadores preocupados com a Educação de Jovens e Adultos ecom a Educação Profissional e Tecnológica. Esse grupo teve a tarefa deconstruir um Documento Base para o PROEJA (BRASIL, 2006), apresen-tando aspectos, concepções e princípios que fundamentam o programa.

Em 13 de julho de 2006 o Sr. Presidente da República assinou odecreto nº5.840 ampliando o “Programa Nacional de Integração da Edu-cação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos – PROEJA” para outras instituições. O que dife-rencia esse do primeiro é que se trata de um programa Nacional, nãoafeito apenas às instituições de âmbito federal. Amplia o espectro deprofissionais envolvidos e de estudantes agraciados com esse programa;e também para o Ensino Fundamental.

Conclusão finais

A epígrafe do texto “Eu vejo o futuro repetir o passado / Euvejo um museu de grandes novidades / O tempo não pára” faz pen-sar nas situações trazidas para compor essa reflexão histórica da Edu-cação de Jovens e Adultos, do Ensino Médio e da Educação Profissio-nal, uma vez que alguns dos momentos relatados desde o início do séculoXX, como as lutas políticas, têm ressonâncias no início do século XXI.Além disso, entendo que estamos sempre ressignificando o passado.Olhamos para os acontecimentos históricos com lentes atuais, com ossentidos do momento e do lugar de onde falamos, a partir de nossasexperiências, de nossas vivências, por esse motivo quando fazemos esseexercício de voltar ao passado, esse é ímpar, pois os fatos são percebi-dos com outra intensidade e significado.

Talvez, em meus olhares atuais, a ação do Governo Federal emcriar o PROEJA deveria ter chegado a quase dois séculos atrás, quandoda Proclamação da Independência do Brasil, porém não foi o que ocor-reu. Temos a realidade atual. Façamos dela um caminho positivo e aco-lhedor a fim de que um maior número de cidadãos e cidadãs deste paísre-ingressem à escola e realizem seus sonhos de estudar e contribua-mos, cada vez mais com nossas ações enquanto educadores.

O PLANFOR foi uma base, um modelo para o PROEJA, que nascea partir de articulações de pesquisadores de todo o país com o intuito de

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promover uma educação profissionalizante para milhões de indivíduos como ensino fundamental completo, seja na modalidade de EJA ou no ensinodito regular. Os estudantes interessados poderão, a partir do cumprimentodo Decreto que cria ao PROEJA e o expande para a Educação Básica,participar de um curso profissionalizante de qualidade, ofertado pelos Cen-tros Federais de Educação Tecnológica, pelas Escolas Técnicas Federais,Escolas Agrícolas Federais, bem como em qualquer instituição estadual oumunicipal, espalhados em todo o país que se habilitar a oferecer um ensinotécnico de qualidade. Nas palavras do secretário de Educação Profissio-nal e Tecnológica, órgão vinculado ao Ministério da Educação, apresen-tando o Proeja no documento base: “O PROEJA é mais que um projetoeducacional. Ele, certamente, será um poderoso instrumento de resgate dacidadania de toda uma imensa parcela de brasileiros expulsos do sistemaescolar por problemas encontrados dentro e fora da escola” (BRASIL,2006, p.03). É o otimismo do governante que transparece em um docu-mento oficial e que contagia os educadores a ele ligados.

No meu entender a inclusão dos estados e dos municípios numprograma criado para os trabalhadores que não estudaram na idade ditaregular e que queiram ou sentem a necessidade de aperfeiçoamento emseus afazeres laborais, foi uma grande ação do governo federal. Talvezseja o início do resgate de cinco séculos de exploração da mão-de-obranão qualificada no território nacional.

Quem ganha com essas ofertas de escolarização são os estudan-tes que não tiveram oportunidades de freqüentar a escola na idade ditaregular e que podem sair da escola melhor qualificados para o Merca-do de Trabalho. Outrossim, quem deve ganhar também são os empresá-rios que terão uma massa de mão de obra mais qualificada sem precisarinvestir na formação dos futuros e atuais funcionários.

Alguns estudantes quando ingressam ou reingressam na escola“nutrem a expectativa da carteira assinada a partir da conclusão do cur-so na EJA, outros, que estão vivenciando o luto da carteira profissionalassinada, motivam-se a estudar nas classes da EJA, pois pretendem vol-tar ao mercado formal de trabalho com a conclusão do curso” (Santos,2005, p. 88). Os estudantes do PROEJA, em princípio, sairão da escolacom uma profissão. Esse é um diferencial em relação à EJA nãoprofissionalizante. A auto-estima, portanto, tende a elevar-se, além deampliarem seu entendimento acerca das experiências relacionadas aotrabalho. E quem sabe as discussões em sala de aula sejam um bomespaço e oportunidade para a reflexão acerca das estruturas política,econômica e social de nosso país.

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Finalizando, cabe desdobrar algumas considerações: que tipo dealunos o PROEJA se propõe formar? Que concepção de educação pro-fissional deve dar as diretrizes às práticas que agora passam a se con-cretizar? Talvez o primeiro princípio deva ser o de formar “trabalhado-res-cidadãos, como sujeitos em construção, abarcando uma pluralidadede dimensões formativas: intelectual, sociocultural com recortes de gê-nero, etnia, classe, ético-política etc. Uma educação que se preocupecom a racionalidade e a subjetividade, com a história” (Manfredi, 2005).Em outras palavras, o que enfatizo também é que a educação profissio-nal seja concebida – e exercida – como uma prática social e cultural quenão se limite nem à visão propedêutica (que historicamente acompanhouo ensino de jovens e adultos) e nem à visão reducionista centrada apenasno domínio de competências técnicas. Sem dúvida, um grande desafio –em especial com o Estado assumindo seu papel.

Referências

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EJA e a Escola: “alguma coisa estáfora da ordem”

Arthur da Silva Katrein1

Álvaro Moreira Hypolito2

1. Introdução

É lugar comum falar que a educação pública brasileira está emcrise, ainda mais quando se colocam no centro da discussão as políticas degovernos, quase sempre insuficientes para encaminhar o fim desta inter-minável crise. O incomum é olharmos para nós docentes e fazermos umaautocrítica reconhecendo que em alguns momentos – mesmo que poucos– da história da educação brasileira estivemos diante de projetos, nos quais,com o nosso engajamento e compromisso de educadores, em que pesetodas as condições adversas para o exercício de nosso ofício, poderíamosdar um novo encaminhamento a esta crise e, por motivos que aqui querodiscutir, não o fizemos.

A escola é parte da sociedade e, por isso, obrigatoriamente envolvesua comunidade em relações políticas, seja no âmbito interno ou na suarelação com a sociedade. Independentemente de sua prática, conscienteou não das teorias pedagógicas que a sustentam, ela influencia e é influen-ciada pelo conjunto da sociedade.

Neste contexto, encontramos a Educação de Jovens e Adultos (EJA)que sofre dupla crise, pois além de carregar as mazelas da educação bra-sileira vê os governos e a gestões escolares colocarem em um primeiro

1 Licenciado em História, professor do Colégio Municipal Pelotense, Especialista em Educa-ção Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educa-ção de Jovens e Adultos – PROEJA.2 Doutor em Educação. Professor da Faculdade de Educação da UFPel, professor da Especia-lização PROEJA/RS, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor deste artigo.

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plano o ensino regular, focalizando assim o ensino daqueles que na idade“adequada” irão passar pelo processo de aprendizagem.

Mesmo assim, o processo histórico brasileiro nos legou importan-tes trabalhos com educação de adultos podendo citar na década de 60,entre outros exemplos o Movimento de Educação de Base e o ProgramaNacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura, com aparticipação de Paulo Freire.

Em Pelotas, no ano de 1998, o Centro Federal de EducaçãoTecnológica, rompendo com sua trajetória e contando com a luta e com-promisso de alguns professores, constrói o Ensino Médio Para Adultos(EMA) com o objetivo de

[...] assegurar a jovens e adultos trabalhadores, excluídos do SistemaFormal de Educação, uma oportunidade educacional de Ensino Médio edesenvolver uma experiência pedagógica, tendo como base uma concep-ção de educação, que forme um cidadão crítico, autônomo e com capacida-de de ação social (CEFET,1999, p.04).

Em 2001 a Secretaria Municipal de Educação (Gestão 2001 –2004) lança o Projeto Piloto de Complementação de 5ª a 8ª série doensino fundamental (Projeto Complementação) procurando

[...]oportunizar a todo/a aluno/a jovem trabalhador/a a possibilidade de avan-ço da escolaridade, de forma diferenciada da modalidade regular, possibili-tando condições e/ou tempo necessários para as aprendizagens previstasnos pareceres que legitimam a EJA no Brasil ( PELOTAS, 2002, p. 02).

Percebe-se claramente que estas duas propostas buscam colocaras questões que envolvem a EJA no mesmo plano das outras modalida-des e níveis que compõem o contexto escolar, resgatando um compro-misso há muito assumido pela sociedade brasileira, mas pouco efetivado.

Considero estas duas iniciativas como os mais importantes projetosimplementados pelos organismos públicos na cidade de Pelotas, princi-palmente pela capacidade de articular diretamente a proposta pedagógi-ca, a prática de sala de aula e o interesse do público alvo.

Por motivos pessoais – sou professor da rede pública municipal –opto por centrar minha análise no projeto piloto, implementado em algu-mas escolas do município, reafirmando a pretensão de discutir as rela-ções políticas que, no universo escolar, impedem – mesmo com grandeparte das condições objetivas preenchidas – o seu sucesso.

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Partindo de um breve histórico da EJA – aqui tomo como base otrabalho feito por Haddad e Di Pierro (2000) – e de uma análise dagestão escolar, no município de Pelotas, busco em Ball (1994) a concep-ção de contextos como forma de entender essas relações políticas.

2. Uma prática de gestão escolar

O trabalho de Paro (2001), entre outros, mostra que um ambientedemocrático eleva em muitas vezes a possibilidade do sucesso escolar.

Em Pelotas, já no início da década de oitenta, a partir da mobilizaçãodos professores, passamos a conviver com a eleição direta para direto-res de escola da rede municipal. Ao longo desses anos foram muitas asversões da lei até chegarmos a atual concepção de gestão que é a idéiade Equipe Diretiva, ou seja, um colegiado que reúne Direção, Vice-dire-ção e Coordenação Pedagógica. Nota-se, com essa composição, a in-tenção de descentralizar as decisões, além de incluir um olhar pedagógi-co na gestão escolar. Ao mesmo tempo, especialmente a partir da im-plantação do Programa de Descentralização dos Recursos Financeiros(PARF), a Secretaria Municipal de Educação (SME) propõe à escola aautonomia na gestão administrativa e financeira.

No entanto, Hypolito e Leite (2006), ao analisar as escolas munici-pais, identificam três tipos predominantes – A, B e C – e ao caracterizá-las escrevem que a escola do tipo A,

apresenta um discurso pedagógico próximo do discurso pedagógico daSME, que buscou se produzir em uma perspectiva contra-hegemônica,caracteriza-se por práticas de gestão democráticas; busca a construção deum projeto político-pedagógico, que articule coerentemente teoria e práti-ca; e apresenta indicadores de sucesso escolar (p.14).

Já, a do tipo B,

apresenta um discurso pedagógico mais tradicional, formalmente próximodo discurso da SME, característico de muitas escolas, sem necessariamen-te construir um discurso de oposição às políticas educacionais em anda-mento; caracteriza-se por práticas de gestão tradicional, em que predomi-na a lógica da eficiência e da organização; as iniciativas de gestão demo-crática são tímidas e formais (baseadas na delegação); o projeto político-pedagógico tende a ser resultado de exigências formais, não operando naprática; há indicadores de um desempenho escolar próximo aos padrõesda rede municipal de ensino (p.14).

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Seguem dizendo que ainda há a escola C, que apresenta as seguin-tes características:

Um discurso pedagógico aparentemente indefinido; caracterizando-se porpráticas de gestão tradicional, em alguns aspectos autoritária, muito de-sorganizada e pouco eficiente; o projeto político-pedagógico é bastantedesarticulado; enfrentam situação significativa de fracasso escolar e deviolência (p.14).

Note-se que é nesse ambiente escolar que boa parte dos projetosde EJA são inseridos e, mesmo que o município de Pelotas defenda aconcepção de equipe diretiva – e essa tenha o caráter colegiado – ado-tando o processo de eleição direta para sua escolha com a participaçãoda comunidade escolar, ainda boa parte das escolas apresentam comocaracterística uma prática de gestão tradicional explicada, em muito, pelasupervalorização da figura do diretor.

Ao observarmos a ascensão de um professor à disputa a um cargodiretivo podemos perceber que esta supervalorização não acontece aoacaso, pois boa parte das características que o qualificam, perante aoscolegas, estão relacionadas aos aspectos administrativos, ou seja, a suacapacidade de fazer a escola “funcionar”.

Já o colegiado, que poderia ser um fórum de discussão, pelo menosdos membros da equipe diretiva, tentando garantir o debate com a cole-tividade dos aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros, dá mostrade carregar os reflexos negativos do processo eleitoral, pois é comumhaver uma centralização das decisões nas mãos do diretor, ficando paraos outros componentes a tarefa de encaminhar aquilo que muitas vezesé decidido por ele. Quando muito, há os diretores que não se envolvemcom as questões pedagógicas, estabelecendo o controle da escola pelavia administrativa. Também, nestas condições, dificilmente a discussãopedagógica será valorizada e legitimada pela escola.

Esse personalismo e centralismo fazem com que, na maioria dasvezes, as equipes diretivas, mesmo sendo eleitas pela comunidade, nãoentendam que são as legítimas representantes da vontade desta comuni-dade, e deveriam reafirmar os vínculos políticos com aqueles que oselegeram, mas não é isso que acontece.

Uma gestão tradicional dificilmente irá propor a construção ou re-construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) numa perspectiva de-mocrática. Pois isso possibilitaria que esta comunidade se apropriasse detodos os elementos que cercam a sua elaboração. O resultado seria uma

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produção efetivamente coletiva – reflexo do desejo da comunidade – pos-sibilitando que esta se comprometa com ele, interessada na execução daspolíticas demandadas, acompanhando o dia-a-dia da escola e passando ater uma visão mais ampla, incorporando, de forma articulada, os diversoselementos que envolvem o ambiente escolar, incluindo nele a Educação deJovens e Adultos. O que fatalmente colocaria em xeque o poder da gestãotradicional.Assim, uma prática de gestão tradicional soma nas dificuldadesencontradas pelos projetos de EJA.

Tomando-se como referência as idéias que embasam o ProjetoComplementação, percebe-se como este tipo de gestão pode dificultar aimplementação de um projeto de EJA, pois, ao centralizar os aspectosadministrativos, essa gestão dificilmente valorizará este trabalho comoalgo que “se diferencia por sua proposta curricular que integra as áreasdo conhecimento através de propostas pedagógicas construídas a partirda realidade dos educandos” (PELOTAS, 2004, p.70) que “utiliza a pes-quisa da realidade como metodologia de construção social do conheci-mento, valorizando o saber popular e articulando-o ao saber científico”(PELOTAS, 2004, p.70).

Ora, levando-se em conta o público alvo e a proposta curricularenvolvida no projeto, é necessário avaliar se o grupo de gestão e o corpodocente atuante reconhecem tal desafio. Os gestores e o professor queirá trabalhar em tal projeto, necessitam demonstrar que compreendem arealidade que envolve os alunos da EJA. Mais ainda, precisam incorpo-rar, na sua prática pedagógica, a proposta do projeto, buscando rompercom os elementos que levaram o aluno à exclusão, possibilitando-o com-pletar a escolaridade perdida. O chavão do compromisso é aqui reforça-do. Ou, como diz o Documento base do PROEJA, da Secretaria deeducação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, quandoaborda os requisitos necessários para enfrentar esse desafio:

Por ser um campo específico de conhecimento, exige a correspondenteformação de professores para atuar nessa esfera. Isso não significa queum professor que atue na educação básica ou profissional não possatrabalhar com a modalidade EJA. Todos os professores podem e devem,mas, para isso, precisam mergulhar no universo de questões que com-põem a realidade desse público, investigando seus modos de aprender deforma geral, para que possam compreender e favorecer essas lógicas deaprendizagem no ambiente escolar. (...) Dos gestores das instituições es-pera-se o gerenciamento adequado com acompanhamento sistemáticomovido por uma visão global. Dos servidores, em geral, deseja-se quesejam sensíveis à realidade dos educandos e compreendam asespecificidades da EJA (2006,27).

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No entanto, é preciso salientar o que o próprio trabalho de Hypolitoe Leite (2006) aponta: existe no município de Pelotas um tipo de escola –Escola A – que “caracteriza-se por práticas de gestão democrática” eque, diferente das outras que adotam um modelo tradicional de gestão,“busca a construção de um projeto político-pedagógico, que articule co-erentemente teoria e prática” (p.14).

Contudo, é necessário tentar compreender como se dá essa rela-ção entre as políticas de EJA e as escolas e quais medidas podem trans-formar radicalmente esta realidade.

Partindo do Projeto Complementação, podemos buscar uma análi-se que leve em conta os contextos que Ball (1994) chama de influência,da produção da política como texto e dos contextos da prática.

3. A política e seus contextos

O primeiro contexto é o contexto de influência que, segundoMainardes (2006),

é onde normalmente as políticas públicas são iniciadas e os discursospolíticos são construídos. É nesse contexto que grupos de interesse dis-putam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação edo que significa ser educado. Atuam nesse contexto as redes sociais den-tro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo.

Assim, quando em dezembro de 2001, a Secretaria Municipal deEducação de Pelotas elabora o texto do Projeto Complementação e jus-tifica este pelo compromisso do governo da Frente Popular em “traba-lhar pela ampliação da escolaridade do/a aluno/a trabalhador/a, garantin-do a continuidade dos estudos no Programa de Educação de Jovens eAdultos” (PELOTAS, 2001, p.02) e também quando afirma que a estagestão (2001- 2004) “deu início à busca da realização de um sonho detransformação social” (PELOTAS, 2004, p.7) estabelece a construçãode uma política que aponta para uma ruptura com o modelo de ensinoexistente na medida em que diz ser preciso estabelecer novas relaçõesde poder, onde a convivência entre as diferenças, o diálogo e a participa-ção tornem a escola uma instituição democrática “permeada pela parti-cipação, pela solidariedade e pela esperança” (PELOTAS, 2004, p.7).

Desse modo, dá início a um projeto que pretende reverter o quadrode desalento da Educação de Jovens e Adultos. Toda esta justificativa nãovem ao acaso. Como retratado no início deste trabalho é sabido que ao

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longo dos anos várias foram às políticas públicas para EJA, mas os textosproduzidos pouco modificaram o quadro apresentado por tal modalidade.

As interações das políticas, sejam globais ou de Estado, ou mesmoda municipalidade, marcam os projetos como o Complementação, que, apartir de uma análise conjuntural e da definição dos objetivos represen-tam uma intervenção textual da política da secretaria no terceiro contex-to que é o da prática.

Neste contexto, as equipes diretivas também possuem a sua histó-ria e uma interpretação própria do projeto.

Sendo assim, por mais que o governo reafirme a sua “busca darealização de um sonho de transformação social” (PELOTAS, 2004,p.7) “é crucial reconhecer que as políticas em si mesmas, os textos, nãosão, necessariamente, claros ou fechados, ou completos” e que “os au-tores não conseguem controlar os significados de seus textos” (BALL,1994, p.16).

Neste contexto, da prática, a política está sujeita às interpretações, aser refeita e produzir efeitos e conseqüências que podem alterá-la signifi-cativamente. Ou seja, uma política estabelecida pela secretaria ao ser en-caminhada na escola pela equipe diretiva, passará a ser influenciada tam-bém pela visão administrativa e pedagógica que a equipe diretiva possui.

Embora seja óbvio, parece-me que nem todos os docentes atuamcom essas convicções. Trabalho com turmas do primeiro ano do ensinomédio e a cada ano recebo os alunos egressos do ProjetoComplementação. Em conversas com eles percebi o sentimento quecarregam quando falam das opiniões de alguns professores que atuamno projeto. Dizem que não é raro docentes questionarem a validade des-te, alegando principalmente a defasagem do conteúdo trabalho. Desco-nhecendo as premissas do projeto, embasam suas críticas numa visãoconteudista em que a quantidade de conteúdos repassados aos alunos éo referencial de qualidade. Alegando a provável progressão às sériesposteriores, dizem aos alunos que eles terão enormes dificuldades deaprendizagem no ensino médio, pois faltará “a base” para isto.Não foisurpresa para mim, observar que a freqüência das críticas é maior entreos professores das Ciências Exatas.

No diálogo com colegas também ouço seguidamente que os alu-nos do Complementação não sabem “ler direito”, apresentam uma enor-me dificuldade para compreender os temas trabalhados, têm dificuldadede raciocínio e principalmente escrevem muito mal. Complementam di-zendo que a proposta do projeto acaba se materializando num ensino desegunda categoria.

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4. Conclusão

Ao longo deste texto procurei discutir o que há nas relações políti-cas que permeiam a escola que fazem com que alguns projetos, legitima-mente construídos, pareçam ruínas?

Para responder esta questão optei pelo estudo dos contextos deBall (1994) que são o de influência, da produção da política como texto eo da prática. Mas, antes de reafirmá-los, gostaria de trazer um elementoque julgo extremamente importante, mas que aqui não foi objeto de mi-nha investigação.

Como disse anteriormente, um ambiente democrático eleva emmuitas vezes a possibilidade do sucesso escolar. Neste sentido, Gadottiacrescenta dizendo que,

“as escolas até hoje não descobriram ou não utilizaram todo seu potencialde mobilização social e sua capacidade criadora. Falta-lhes talvez umadose de rebeldia, essencial ao ato pedagógico, para se transformarem emescolas radicalmente democráticas” (GADOTTI, 2003, p.2).

Portanto, a equipe diretiva, que vai desempenhar um papelfundamental na gestão da escola e dos seus projetos, principalmentena tarefa de traduzir as políticas e garantir suas realizações, e osdocentes, que são os sujeitos que vão concretizar essas políticas naspráticas escolares, ou seja, nos campos recontextualizadores, sãodeterminantes para o sucesso de qualquer experiência e projeto deinovação no campo educacional. Por isso que o sucesso ou não doprojeto Complementação decorre diretamente das definições de quemvai executar e desenvolver o projeto na escola. Por fim, concordocom Gadotti quando diz que toda grande caminhada começa peloprimeiro passo e que o primeiro passo é acreditar na Educação deJovens e Adultos.

A partir do DECRETO Nº 5.840, de 13 de julho de 2006, queinstitui o Programa Nacional de Integração da Educação Profissionalcom a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens eAdultos – PROEJA, começa uma nova caminhada e acredito que apesquisa sobre as experiências anteriores podem contribuirdecisivamente para a superação dos problemas crônicos que marcama Educação de Jovens e Adultos.

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Referências

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BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Programa de Integração da EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidadede Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Documento Base. Brasília: MEC,2006.

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Federativa doBrasil. Brasília, DF: 5 de outubro 1988.

BRASIL. Decreto n. 5.840. Institui, no âmbito federal, o Programa Nacional deIntegração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade deEducação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outras providências.

CONGRESSO NACIONAL. Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Leide Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: 20 de dezembro de 1996.

CEFET-RS. Uma Proposta De Ensino Médio Para Adultos, Pelotas, 1999.

GADOTTI, Moacir. A Gestão Democrática Na Escola Para Jovens E Adultos:Idéias para tornar a escola pública uma escola de EJA. São Paulo, 2003. Disponívelem http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti/Artigos/Portugues/Educacao_Popular_e_EJA/Gestao_democ_EJA_2003.pdf Avaliado em 11/jul/2007.

HADDAD, Sérgio; DI PIERRO, Maria Clara. Escolarização de Jovens e Adultos.In: Revista Brasileira de Educação, Maio/Jun/Jul/Ago, 2000, nº 14: ANPED. 2000.

HYPOLITO, Álvaro Moreira; LEITE, Maria Cecília Lorea. Contextos, Articula-ção e Recontextualização: uma construção metodológica. In: 29a. Reunião Anu-al da ANPEd, Caxambú. EDUCAÇÃO, CULTURA E CONHECIMENTO NACONTEMPORANEIDADE: Desafios e Compromissos. Rio de Janeiro : ANPEd,2006.

MAINARDES, Jeferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuiçãopara a análise de políticas educacionais. Educação & Sociedade., Campinas,vol.27, n.94, p.47-69, jan./abr.2006. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v27n94/a03v27n94.pdf Avaliado em 11/Jul./2007.

PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo, Ática,2001.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Secretaria Municipal de Educação.Projeto Piloto de Complementação de 5ª à 8ª Séries do Ensino Fundamental.Pelotas: Dez.2001

PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS. Secretaria Municipal de Educação.Revista Fazer – Qualidade Social na Educação – publicada em dezembro de2004

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EDUCAÇÃO: PRINCÍPIOCONSTITUCIONAL PARA O EXERCÍCIO

DA CIDADANIA

Paulo Roberto Sangoi1

Elizabeth Milititsky Aguiar2

1. Introdução

O grande contingente de analfabetos existente em nosso país éfruto, e simultaneamente evidência, do desrespeito dos governantes edos grupos sociais dominantes, aos princípios Constitucionais e às leisaprovadas que visam dar garantias fundamentais aos indivíduos.

O analfabetismo é a única evidência do desrespeito aos princípiosconstitucionais relativos à Educação? Ou, é, também pelo desconheci-mento dos direitos, por parte da grande maioria dos cidadãos, mesmoalfabetizados que estes direitos não são garantidos?

Portanto, em um país com tantas desigualdades sociais e diferençasculturais, o que é possível ao cidadão fazer, para que tenha seu direitorespaldado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo parao exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho?

2. Acesso a educação: um direito constitucional

Pensar sobre educação de crianças, jovens e adultos é, necessari-amente, pensar no direito que todo o ser humano tem à educação.

1 Advogado e Professor da área de direito da Escola Técnica da UFRGS. Especialista emDireito Empresarial. E mail:[email protected] Professora Dra. da Escola Escola Técnica da UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusãode Curso do autor.

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Conforme o Parecer 11/2000 do Conselho Nacional de Educação:

Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a lere escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou umindivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita... Assimnão basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer usodo ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e deescrita que a sociedade faz continuamente (Magda Becker Soares,1998:p. 18-20).

A declaração do Direito à Educação aparece no artigo 6º da Cons-tituição Federal: “São direitos sociais a educação, [...] na forma destaConstituição”, na qual pela primeira vez em nossa história Constitucionalexplicita-se a declaração dos Direitos Sociais, destacando-se, com pri-mazia, a Educação.

O Direito à Educação faz parte de um conjunto de direitos denomi-nados de direitos sociais, que têm como inspiração o valor da igualdadeentre as pessoas. No Brasil este direito foi reconhecido com o adventoda Constituição Federal promulgada em 1988, eis que, anteriormente, oEstado não tinha a obrigação formal de garantir a Educação de qualida-de a todos os brasileiros, pois o ensino público era tratado como umaassistência, um amparo dado àqueles cidadãos que não podiam arcarcom os custos de uma Educação.

Com as discussões travadas durante a Constituinte de 1988, asresponsabilidades do Estado foram repensadas, sendo que, promover aEducação Fundamental, passou a ser seu dever, como ficou definido noartigo 205 da Constituição Federal.

A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio quetoda e qualquer Educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seupreparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o traba-lho. Conforme parecer CNE/CEB 11/200, retomado pelo art. 2º daLDB, este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandoscomo um universo de referência sem limitações. Assim, a Educaçãode Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação emprol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, partici-pa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Estas conside-rações adquirem substância não só por representarem uma dialéticaentre dívida social, abertura e promessa, mas também por se trataremde postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever doEstado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e delutas sociais.

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O artigo 208 da CF detalha o Direito à Educação nos seguintestermos:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante agarantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os quea ele não tiveram acesso na idade própria;

II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensi-no médio;

III - atendimento educacional especializado aos portadores de de-ficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero aseis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e dacriação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequada às condições doeducando;

VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através deprogramas suplementares de material didático escolar, transporte, ali-mentação e assistência à saúde.

A inovação que o texto Constitucional apresenta está no inciso I,ao relegar ao Estado o dever de estender o ensino mesmo aos que “aele não tiveram acesso na idade própria”. Já no inciso II, busca-seum aspecto importante do texto de 1934, que aponta a perspectiva de“progressiva extensão da gratuidade e obrigatoriedade do ensinomédio”. De acordo com Romualdo Portela de Oliveira (1998), estedispositivo reequacionou o debate sobre esse nível de ensino para alémda polaridade ensino propedêutico x profissional. A idéia era ampliar operíodo de gratuidade/obrigatoriedade, tornando-o parte do Direito àEducação. É a tendência mundial, decorrente do aumento dos requisi-tos formais de escolarização para um processo produtivo crescentementeautomatizado. Praticamente todos os países desenvolvidosuniversalizaram o ensino médio ou estão em via de fazê-lo.

Em 1996, através da Emenda Constitucional n° 14, ocorreu a alte-ração da redação do inciso II deste artigo para “progressivauniversalização do ensino médio gratuito3”. Esta redação, apesar detornar menos efetivo o compromisso do Estado na incorporação futuradeste nível de ensino à educação compulsória, garantiu a educação bási-ca para todos e não apenas para crianças, ou seja, trata-se de um direito

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constitucional, podendo qualquer indivíduo garantir o acesso através demecanismos legais, desde que queira se valer dele. Portanto o titulardeste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenhatido acesso à escolaridade obrigatória.

2.1 Educação: direito público subjetivo

Pontes de Miranda (1933), nos seus comentários à ConstituiçãoFederal de 1946, afirmou: “Quanto à estrutura do Direito à Educa-ção, no estado de fins múltiplos, ou ele é um direito público subjeti-vo, ou é ilusório” (1953, p. 151). Entretanto, é necessário antes detudo, entendermos que o direito público subjetivo consiste na faculdadeespecífica de exigir a prestação prometida pelo Estado, decorrente darelação jurídica administrativa. A obrigação do sujeito passivo decorreou das leis e regulamentos ou de ato jurídico individual porque, em ambosos casos, foi editada regra de direito que originou a obrigação. Portanto,o direito público subjetivo confere ao indivíduo a possibilidade de trans-formar a norma geral e abstrata contida num determinado ordenamentojurídico em algo que possua como próprio. Inquestionavelmente, o direitopúblico subjetivo trata-se de um instrumento jurídico de controle do Esta-do e seus governantes, através do qual, o titular de um direito pode vir aacionar o Poder Público para ver cumprida uma obrigação legal. Nestesentido decidiu o Supremo Tribunal Federal em acórdão de relatoria doMin. Celso de Mello:

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimentoformal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declara-ção constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plena-mente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como odireito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre opoder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestaçõespositivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional. (STF agrg nº273834 Min CELSO DE MELLO).

3 Art. 2º - É dada nova redação aos incisos I e II do art. 208 da Constituição Federal:I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratui-ta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

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Já o educador Anísio Teixeira, argumentava:

“O direito à educação faz-se um direito de todos, porque a educação já nãoé um processo de especialização de alguns para certas funções na socieda-de, mas a formação de cada um e de todos para a sua contribuição à socieda-de integrada e nacional, que se está constituindo com a modificação do tipode trabalho e do tipo de relações humanas. Dizer-se que a educação é umdireito é o reconhecimento formal e expresso de que a educação é um inte-resse público a ser promovido pela lei (TEIXEIRA.1996 p.60).

No caso do direito subjetivo à educação, tendo como paradigma osartigos 205, 208 e 209 da Constituição Federal, a decisão, também, per-tence a nós, ou melhor, dividindo responsabilidade social com o poderpúblico, família, instituição de ensino e da sociedade na garantia ao direi-to à educação.

2.2 Direito à educação - direito social fundamental

O direito à educação, como direito subjetivo público, é um direitosocial fundamental (art. 6º c/c art. 205 CF)4, com três objetivos definidosna Constituição Federal, que estão diretamente relacionados com os fun-damentos do Estado brasileiro (art. 1º c/c art; 3º da CF):

a) pleno desenvolvimento da pessoa;

b) preparo da pessoa para o exercício da cidadania;

c) qualificação da pessoa para o trabalho.

Na leitura de Nelson Joaquim (2006):

o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito é um direito subje-tivo; por outro lado, é um dever jurídico do Estado oferecer o referidoensino, caso contrário, ou seja, o não-oferecimento ou sua oferta irregularimporta responsabilidade da autoridade competente (art. 208 § 2º da CF;art. 5º § 4º da LDB; art. 54 § 1º e § 2º do ECA).

4 Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,na forma desta Constituição;Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida eincentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

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Nas palavras de Sérgio Haddad (2003), conceber a Educação comoDireito Humano diz respeito a considerar o ser humano na sua vocaçãoontológica de querer “ser mais”, diferentemente dos outros seres vivos,buscando superar sua condição de existência no mundo. Para tanto, uti-liza-se do seu trabalho, transforma a natureza, convive em sociedade.Ao exercitar sua vocação, o ser humano faz História, muda o mundo,por estar presente no mundo de uma maneira permanente e ativa. Aeducação é um elemento fundamental para a realização dessa vocaçãohumana. Não apenas a educação escolar, mas a educação no seu senti-do amplo, a educação pensada num sistema geral, que implica na educa-ção escolar, mas que não se basta nela, porque o processo educativocomeça com o nascimento e termina apenas no momento da morte doser humano. Isto pode ocorrer no âmbito familiar, na sua comunidade, notrabalho, junto com seus amigos, nas igrejas etc. Os processos educativospermeiam a vida das pessoas.

O preparo para o exercício da cidadania é papel fundamental daeducação. A efetiva proteção dos direitos sociais fundamentais exige,assim, um processo educacional sério, que desperte, nas gerações pre-sentes e futuras, a consciência de participação na sociedade e crie ummínimo senso político nos indivíduos que a compõem. Assim, o indivíduoao pleitear o direito á educação, estará exercitando a cidadania.

2.3.1 Conhecendo a legislação complementar

Pelo sistema jurídico brasileiro, a principal fonte do direito é a lei. Apalavra lei pode significar tanto norma geral emanada do Poder Legislativocomo qualquer norma de direito escrito, desde a Constituição até um de-creto regulamentar ou mesmo decreto individualizado. O Direito à educa-ção possui inúmeras legislações no sentido amplo: decretos, portarias, re-gulamento, regimento escolar, resoluções e pareceres normativos dos con-selhos de educação, tratados e convenções internacionais. No entanto normaprimeira e fundamental do Direito Educacional brasileiro está na Constitui-ção federal. Trata-se do Título VIII, da Ordem Social, Capítulo III, intitulado“Da Educação, da Cultura e do Desporto”, com uma soma de dezartigos dedicados à educação (art. 205 a 214), com os princípios do DireitoEducacional.

Com a promulgação da Constituição em 1988, através da qual ins-tituiu-se o princípio pelo qual o direito a educação a educação básica édireito público subjetivo, foram criadas leis que regulamentam e

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complementam o direito à Educação: o Estatuto da Criança e do Adoles-cente (ECA), de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),de 1996. Juntos, estes mecanismos legais inserem todos os brasileirosnas escolas públicas de ensino fundamental, eis que nenhuma criança,jovem ou adulto pode deixar de estudar por falta de vaga.

Com uma linguagem mais detalhada, a Lei de Diretrizes e Basesda Educação – LDB (Lei Federal 9394/96) regulamentou os dispositivosconstitucionais referentes à educação, com uma peculiar diferença: oensino fundamental para jovens e adultos foi aqui garantido como umdireito público subjetivo, conforme pode ser conferido nos “Princípios eFins” da LDB, nos artigos 4º, inc. I, e 5º:

Dessa forma, a LDB fortaleceu a EJA, trazendo uma garantia amais para a sua efetivação ao prevê-la como um direito público subjeti-vo. Apesar de não ter sido regulamentada desta forma no texto constitu-cional, esta garantia não lhe pode ser negada, sob pena de retrocessosocial, infringindo o artigo 5º, inciso II do Pacto Internacional do DireitosEconômicos, Sociais e Culturais.

A Educação de Jovens e Adultos foi melhor regulamentada na Se-ção V do Capítulo II, Educação Básica, da LDB, sendo determinado aossistemas de ensino assegurar cursos e exames que proporcionem opor-tunidades educacionais apropriadas aos interesses, condições de vida etrabalho dos jovens e adultos.

O artigo 37, § 2º5 intensificou o respaldo à educação do trabalhadorao estabelecer que “o acesso e a permanência dos trabalhadores naescola sejam viabilizados e estimulados por ações integradas dos pode-res públicos”. Se, por um lado, esta disposição tem a sua pertinênciadada à presunção da hipossuficiência do trabalhador frente ao emprega-dor, ou seja, o empregado é considerado a parte mais frágil da relação e,este parágrafo, fortalece seu direito; por outro lado fragmenta a noçãode universalidade ao aproximar a EJA do trabalho, reforçando a visãomercadológica do ensino e fragilizando sua abordagem como um princí-pio da dignidade humana, conforme estabelecido na Declaração Univer-sal de 1948.

Além das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei9.394, de 20 de dezembro de 1996) e do Estatuto da Criança e do Ado-lescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990), que já relacionamos anteri-

5 Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso oucontinuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador naescola, mediante ações integradas e complementares entre si.

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ormente, dentre as muitas leis que fluem da Constituição de 1988 emdireção ao ordenamento jurídico-educacional, podemos destacar:

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078, de 11 de setembro de1990); Conselho Nacional de Educação (Lei nº 9.131, de 24 de novembro de1995); Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamentalde Valorização do Magistério (Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996); De-creto 3274/99; Anuidades Escolares (Lei nº 9.870, de 23 de novembro de1999); Direito Ambiental (Lei nº 9.797, de 27 de abril de 1999); Plano Naci-onal de Educação (Lei 10.172, de nove de janeiro de 2001); “Bolsa Escola”(Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001); Decreto nº 3.860, de 9 de julho de2001, que dispõe sobre a organização do ensino superior e avaliação decursos e instituições; Programa de Diversidade na Universidade (Lei 10.558,de 13 de novembro de 2002); LEI N° 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003,que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currí-culo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História eCultura Afro-Brasileira: Programa de Complementação ao AtendimentoEducacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência (Lei nº10.845, de cinco de março de 2004), Sistema Nacional de Avaliação daEducação Superior (Lei 10.861, de 14 de abril de 2004); PROUNI (Lei 11.096,de 13 de janeiro de 2005). Também devemos mencionar a educação a dis-tância (EAD) nos termos do art. 80 da LDB, cujos regulamentos estãodisciplinados nos Dec. 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, Dec. 256, de 27 deabril de 1998, Portaria Ministerial 301, de 7de abril de 1998 e Portaria 2.253,de 18 de outubro de 2001.8.

Por fim, consagração do direito à Educação tem sido constante-mente lembrada nas declarações, tratados, convenções, cartas de prin-cípios, compromissos, protocolos e acordos internacionais, que buscama internacionalização do direito à educação. Esta tem como paradigmaa Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em Resolu-ção da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas,em 1948.

Considerações finais

Tradicionalmente, o Direito preocupou-se com a defesa tanto dosinteresses do Estado como dos indivíduos exigindo que, de regra, fosseela exercitada pelos próprios lesados. Tal situação, inevitavelmente, fa-cilitou que os Gestores Públicos e grupos econômicos fortes praticassemreiteradas ações contrárias às normas constitucionais einfraconstitucionais, aproveitando-se do congestionamento e morosida-

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de do Poder Judiciário brasileiro, o que desestimula o cidadão de buscarseus direitos.

Com o advento da Lei da Ação Civil Pública6, cuidou-se de insti-tuir regras especiais para a defesa de interesses de grupos de pessoas,especialmente no tocante à legitimação para agir, coisa julgada e fundopara reparação dos danos.

O acesso à Educação, como direito social fundamental (art. 6º c/cart. 205 CF), igualmente teve sua defesa facilitada, tanto individual comocoletivamente. Assim, conhecer os princípios e regras da defesa de inte-resses transindividuais, passou a ser fundamental aos operadores do di-reito e à sociedade civil em geral.

Uma vez reconhecido pela Constituição Federal de que a Educa-ção é um direito fundamental do cidadão e que cabe ao Estado supri-la,torna-se necessário fazer valer, no cotidiano das crianças, adolescentes,jovens e adultos esse direito. Mas somente através da Educação e doefetivo desenvolvimento da cidadania, que o indivíduo passa a reconhe-cer e identificar conflitos e violações de direitos. No caso de desrespeitoa qualquer de seus direitos, o cidadão deverá acionar a autoridade com-petente, mas para isso é necessário não apenas o conhecimento legal,mas também conhecer os mecanismos, órgãos e autoridades responsá-veis pela fiscalização, controle e investidas de poderes para acionar ejulgar as questões relativas aos direitos negados. Para isso o cidadãobrasileiro dispõe de várias instituições públicas e privadas sem fins lucra-tivos, além inúmeros serviço de assistência jurídica gratuita oferecidopelas faculdades de direito e redes de assistência social, mantidas pelasinstâncias municipais, estaduais e federal, além das tradicionais organi-zações confessionais.

Portanto, é crucial que toda pessoa conheça os seus direitos e aquem recorrer quando estes forem violados. Observa-se no cotidiano,pouca divulgação institucional sobre direitos e garantias dos cidadãos eisso também ocorre nas instituições de ensino, nas quais os educadores,em grande parte pelo desconhecimento de seus próprios direitos, nãofocam em suas aulas, estas questões tão relevantes para a construçãoda cidadania. O conhecimento dar-se-á através da implantação de disci-plinas de Introdução ao Direito nos currículos escolares (como algunsestados já estão propondo) ou da inclusão de temas que contribuam paraa cidadania, pois, se desde criança o indivíduo passasse a reconhecer e

6 Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985

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identificar seus direitos civis, quando adulto teria como exigir, de formamais efetiva e organizada, o respeito às normas existentes. Cabe salien-tar que, igualmente como a educação ambiental, tais lições de cidadania,também podem ser incluídas como atividades ou programas organizadosfora do sistema regular de ensino (educação não-formal), pois desta for-ma os docentes poderiam utilizar destas atividades, além de suas discipli-nas, para mostrar aos alunos seus direitos civis.

Outro instrumento importante na luta pelos direitos coletivos e indi-viduais, é a informação, ou seja, tornar público através dos órgãos deimprensa, as violações ocorridas, seja por parte do gestor público ouseus de seus prepostos. A publicidade é fator predominante nas açõesdos agentes públicos, tais como o Ministério Público e Poder Judiciário.Ela poderá ser utilizada como fonte de informação para que os atores darede de atendimento possam exercer sua função de grupo de pressão,especial-mente utilizando-se de entidades organizadas.

Igualmente importante é a organização, através de associações depais, amigos, de bairros e tantas outras, pois estes movimentos coletivostem se tornado uma grande arma na luta pelo respeito aos direitos cons-titucionais, pois é fundamental que haja a implementação de ações den-tro e fora das escolas, com o intuito de divulgar os direitos civis, emespecial o direito a garantia da Educação Básica para todos, eis que setrata de um direito constitucional, podendo os interessados garantir oacesso à Educação através de mecanismos legais, desde que queiram sevaler dele.

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IMPLANTAÇÃO LOCAL DE POLÍTICASEDUCACIONAIS: as diferenças entre

a legislação e as políticas degoverno

Maria das Graças Barbosa da Silva 1

Leomar da Costa Eslabão 2

Maria Antonieta Dall’Igna 3

Introdução

As análises sobre implantação de políticas educacionais vêm mos-trando que nem sempre o texto legal é um fator primordial na implantaçãode programas educacionais locais e em práticas de sala de aula. Na maio-ria das vezes as indicações normativas e mesmo a legislação sãorecontextualizadas ou até mesmo desconsideradas quando da construçãolocal de políticas e programas educacionais, as quais se materializam nasconstruções curriculares, orientadoras das práticas educacionais. (LOPES,2005). Seguindo esta linha analítica, neste trabalho faz-se um estudo decaso, que tem como foco a implantação de um projeto de educação dejovens e adultos, associado à formação profissional, nas escolas munici-pais de Pelotas/RS, no período 2001-2004.

Este trabalho se fundamenta na análise de documentação oficial daSecretaria Municipal de Educação de Pelotas/RS - referente ao projeto

1 Graduada em História pela Universidade Católica de Pelotas, professora da rede municipalde ensino da cidade de Pelotas/RS, professora de rede de ensino do Estado do Rio Grande doSul, assessora do Conselho Municipal de Educação da cidade de Pelotas/RS.2 Professor do CEFET-RS, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso, do qual originou-se este texto.3 Professora da UFPEL, co-orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna, do qualoriginou-se este texto

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em foco, de atas de reuniões e de Pareceres normativos do ConselhoMunicipal de Educação e no depoimento de uma professora que partici-pou da elaboração e desenvolvimento do primeiro projeto em uma escolada rede municipal de Pelotas/RS e que também era integrante do Conse-lho Municipal de Educação. Para mostrar a possibilidade de diferentesinterpretações dos textos legais e normativos, recorre-se ao estudo decaso da implantação do Projeto Complementação de 5° a 8ª séries, tam-bém denominado Classes da Aceleração, no município de Pelotas/RS.

As altas taxas de repetência e evasão vêm se secularizando nosistema educacional brasileiro. Os estudos e pesquisas têm demonstradoa ineficácia de um ensino baseado nos padrões tradicionais, sem con-templar as diferenças sociais e culturais dos alunos. Apesar da extensadivulgação da produção acadêmica, dos dados estatísticos e dos progra-mas oficiais para romper com a tradição excludente da educação nacio-nal, não conseguimos desenvolver políticas e propostas pedagógicas quealcancem sucesso em modificar o quadro da exclusão no sistema educa-cional brasileiro, que continua produzindo jovens e adultos sem ou combaixa escolarização, que são os potenciais sujeitos de políticas e progra-mas de Educação de Jovens e Adultos.

A educação de adultos, de acordo com a Declaração de Hambur-go4 é

“...mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto conseqüênciado exercício da cidadania como condição para uma plena participação nasociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desen-volvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça da igualdadeentre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além deser um requisito fundamental para a construção de um mundo onde aviolência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça.”

Muitas são as teorias, investigações e metodologias de ação parapontuar conceitos e destacar a importância da Educação de Jovens eAdultos. Os paradigmas vigentes em determinado momento histórico, oumais propriamente os valores que os suscitaram, estão na base de todasas ações humanas, sendo inevitável reconhecer-se sua importância paraa práxis educativa. Embora não seja tão fácil percebê-los, pois nem semprese encontram claramente tematizados. Entretanto, desde o nascimento,

4A Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA) é convocada pelaUNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Ocorreuem 1949 (Elsinore, na Dinamarca), em 1960 (Montreal, no Canadá), em 1972 (Tóquio, noJapão), em 1985 (Paris, na França) e em 1997 (Hamburgo, na Alemanha).

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o ser humano encontra-se envolto numa rede de valores herdados, por-que o mundo cultural é um sistema de significados estabelecidos poroutros. Inúmeros são os valores: econômicos, vitais, éticos, estéticos,religiosos, lógicos, cobrindo todas as áreas a ação humana, de onde seconclui que é impossível viver sem eles.

Isto significa que embora abstratos e amplos, valores tais como osda cidadania não causam indiferença, ao contrário são amplamente de-sejados pois não escapa a percepção de ninguém os benefícios que con-fere-se a quem pode efetivamente se dizer cidadão. O cidadão é valoradode forma diferente ao longo da história, ou seja, um mesmo conceitodifere, quando diferem as bases axiológicas que o norteiam.

Nas últimas décadas no Brasil, o direito à cidadania passou a fazerparte do discurso legislativo. Pela Constituição de 1988, a educação pas-sa a ser um direito subjetivo de todos, dever do Estado e da família. Elavisa o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercícioda cidadania e a qualificação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais, asDiretrizes Curriculares Nacionais, o Estatuto da Criança e do Adoles-cente e o Estatuto do Idoso enfatizam que o ensino deve ser ministradolevando em conta primeiramente a preparação para a cidadania.

A educação cidadã é hoje uma prioridade reivindicada no mundointeiro. Diferentes países, de acordo com suas características históricas,promovem reformas em seus sistemas educacionais, com finalidade detorná-los mais eficientes e eqüitativos no preparo de sua cidadania, ca-pazes de enfrentar a revolução tecnológica que está ocorrendo no pro-cesso produtivo e seus desdobramentos políticos, sociais e éticos. Nummundo globalizado como o que se vive, atualmente, os tratados e con-venções internacionais têm suma importância na elaboração das leis queregulam os direitos humanos, encontrando-se as leis educacionais nestecampo (SOUZA, 2000).

A EJA vai ao encontro da necessidade de cerca de 40 milhões dejovens e adultos brasileiros sem formação, sujeitos marginais do sistema,tais como, negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeiri-nhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados, tra-balhadores informais, necessitados de serem cidadãos. Isto tem geradoum conjunto de normas, pareceres e resoluções, dos Conselhos Nacio-nal, Estaduais e Municipais de Educação. Todos surgidos a partir de umamudança de paradigmas em nível internacional a respeito da educaçãode pessoas adultas, onde se consolida a concepção de uma educaçãocontinuada ao longo de toda a vida.

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Pode modelar a identidade do cidadão e dar um significado à suavida. Um projeto educacional para aqueles que foram excluídos da esco-la na idade própria implica em repensar os conteúdos, o currículo, aspráticas pedagógicas para que contemplem certos fatores, como experi-ência, idade, gênero, necessidades especiais, relação com o trabalho,entre outros. Nesse sentido, o contexto cultural do aluno trabalhador secaracteriza como uma ponte entre o seu saber e o saber que a escolapode proporcionar, com isso podem ser evitados desinteresses, conflitose a expectativa de fracasso que acabam resultando em alto índice deevasão.

No Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2006) a educação dejovens e adultos (EJA) no Brasil é apresentada como uma modalidadede ensino que

(...) implica em modo próprio de fazer a educação, indicando que as carac-terísticas dos sujeitos jovens e adultos, seus saberes e experiências doestar no mundo são guias para a formulação de propostas curricularespolítico-pedagógicas de atendimento. (BRASIL, 2006, p.5).

Este mesmo documento declara ainda, que as políticas brasileirasde EJA têm-se caracterizado pela descontinuidade, pela insuficiência epela carência de um projeto que efetivamente dê conta da demandapotencial e, conseqüentemente, do cumprimento do direito à educação,nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.

Pela organização da oferta da educação brasileira, de acordo coma LDB, União, estados e municípios dividem a responsabilidade pelaoferta da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio,em colaboração. Cabe também à União definir diretrizes e políticas na-cionais. Entretanto, é conclusão de muitas pesquisas e observações adiferença e/ou a distância de entre a concepção das políticas e progra-mas e o que é realizado. Os governos locais (estaduais e municipais) aoimplementarem os preceitos legais e as políticas nacionais o fazem dediferentes maneiras, conseqüência de diversos fatores que vão desde adiferença de interpretação à influência das características do contextolocal, às prioridades e, finalmente, à vontade política de cada governo.

Fatores específicos também são definidores do sucesso ou não dedeterminada política, entre eles o financiamento, a concepção curricular,o engajamento do pessoal docente, o envolvimento de alunos e da comu-nidade escolar e da sociedade em geral.

Cabe a cada sistema de ensino, estadual ou municipal, definir a estru-

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tura e a duração dos cursos da educação de Jovens e Adultos, respeitadasas diretrizes curriculares nacionais, a identidade desta modalidade de educa-ção e o regime de colaboração entre os entes federativos.

Normatizando os princípios estabelecidos na LDB, as DiretrizesCurriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos aponta osmarcos que devem nortear a construção de currículos de EJA: a cons-trução da cidadania associados à qualificação da mão-de-obra para aten-der a rápida internacionalização da economia a nível mundial, que apre-senta reflexos sobre todos os setores econômicos. Nessa construçãocurricular o contexto cultural do aluno trabalhador deve ser consideradoe servir de ponte entre o seu saber e o que a escola pode proporcionar,evitando assim o desinteresse, os conflitos e a expectativa de fracassoque acabam provocando um alto índice de evasão. (Art. 6º da ResoluçãoCEB nº. 01/2000)

A implantação local das políticas de EJA nomunicípio de Pelotas: um estudo de caso

Para atender o compromisso com a educação de jovens e adultos,a Secretaria Municipal de Educação de Pelotas implantou em 2002, emseis escolas municipais, um programa que denominou Classes de Acele-ração. A análise do projeto das Classes de Aceleração levou o ConselhoMunicipal de Educação (CME) a alertar sobre as interpretações legaisquanto à oferta de EJA vinculada à formação/preparação profissional.O CME, que tem entre as suas funções as de analisar e aprovar osprojetos do executivo, preocupou-se com o atendimento ao previsto nalegislação quando emitiu seu parecer nº. 001/2002.

O processo de re-ordenamento legal e constitucional do país, quese expressa nas Constituições Federal, Estadual e Municipal, reforça osprincípios descentralizadores e, reconhece os Municípios como entes daFederação, fazendo crescer a sua importância e responsabilidade na ofertados serviços sociais básicos à população.

Os Conselhos Representativos da sociedade, como os da educa-ção, têm-se destacado como um dos instrumentos de democratização dasociedade brasileira, nas mais diversas áreas, como uma nova forma departicipação, acompanhamento e controle das ações do Poder Públicopela sociedade, elemento essencial da democracia. A criação de Conse-lhos Municipais de Educação é um dos mecanismos importantes para

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colocar em prática as políticas de descentralização e democratização doensino, que no Brasil tem tomado a forma de municipalização e contribuipara o fortalecimento dos sistemas municipais de ensino..

O Conselho Municipal de Educação de Pelotas, criado no ano de1972, passa a ser o órgão normativo do Sistema Municipal de Ensino5,devendo assim normatizar e acompanhar a educação não só nas escolasde educação infantil, fundamental e médio da rede municipal do Ensino,mas também as de educação infantil da rede privada.

O CME de Pelotas é um órgão representativo da sociedade com-posto por 15 conselheiros e 15 suplentes eleitos por seus e com as fun-ções consultiva, normativa, deliberativa, fiscalizadora, propositiva emobilizadora6 .

As classe de complementação: o projeto pilotode complementação de 5ª à 8ª Série do EnsinoFundamental da Rede Municipal de Pelotas

O governo municipal de Pelotas, no período 2001/2004, preocupou-se em desenvolver uma política de Educação de Jovens e Adultos. Umdos projetos foi denominado Complementação de 5ª a 8ª séries do Ensi-no Fundamental7. Com o objetivo de dar continuidade à escolaridade dosalunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA)8, da redemunicipal de ensino, e, bem como

Oportunizar a todo(a) aluno(a) jovem trabalhador(a) a possibilidade deavanço da escolaridade, de forma diferenciada da modalidade regular, pos-sibilitando condições e/ou tempo necessário para as aprendizagens pre-vistas nos pareceres que legitimam a EJA no Brasil. (PELOTAS, 2002a )

O Projeto de Complementação da Secretaria Municipal de Edu-cação de Pelotas teve sua origem na iniciativa de uma escola da zonarural que desenvolveu, com o incentivo da secretaria uma proposta deoferta de EJA com um viés profissionalizante. Esse projeto foi depois

5 O Sistema Municipal de Ensino de Pelotas foi criado pela Lei 4.904/03.6 Para maior detalhamento das funções do Conselho Municipal de Educação do Municípiode Pelotas, sugerimos a leitura da Cartilha do Conselheiro, produzida pelo Fórum dosConselhos Municipais de Pelotas.7 O Projeto de Complementação de 5ª a 8ª série será denominado como Projeto deComplementação neste texto.

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desenvolvido, em outras cinco unidades escolares da rede municipal deensino, em diferentes bairros da cidade.

Segundo a professora entrevistada a escola que desenvolveu o pro-jeto inicial, vem procurando, ao longo de sua história, pautar sua propostapolítico-pedagógica com base nas necessidades e anseios da comunida-de em que está inserida. Uma das questões que chamava a atençãonessa comunidade da zona rural era o grande número de adultos analfa-betos ou com ensino fundamental incompleto. Por essa razão a escolaparticipou de vários projetos de educação de jovens e adultos, ofertadospelos governos, como por exemplo, dentre outros, o projeto LER9.

Ciente de que somente a alfabetização não era suficiente, pois,formava-se um novo contingente de jovens e adultos que, por inúmerosmotivos acabavam evadindo nas primeiras séries do Ensino Fundamen-tal passou a preparar estes jovens e adultos para os exames supletivosestaduais. Essa estratégia não reduziu o contingente de jovens e adultosfora da escola sem a conclusão do ensino fundamental. A escola, nointuito de desenvolver uma proposta que resgatasse o direito dessa po-pulação ao acesso e permanência na escola, associada à qualificaçãopara o trabalho, como cumprimento do seu direito ao exercício da cida-dania.

Com base neste projeto a SME desenvolveu uma proposta de EJA.A implantação desse projeto denominado de “Projeto Piloto deComplementação” iniciou-se em 2002, em cinco escolas municipais,abrangendo diferentes localidades do município: Monte Bonito (zona ru-ral), Colônia Z3, Fragata, Areal e Três Vendas.

As aulas eram noturnas de segunda a sexta-feira, sendo quatronoites com aulas das diferentes disciplinas (português, matemática, ciên-cias, história, geografia, sociologia, língua inglesa e educação física) e,na quarta-feira, os alunos freqüentavam diferentes cursosprofissionalizantes, realizados em outras instituições, entre as quais as darede federal de educação, como o Colégio Agro-técnico Visconde daGraça – CAVG/UFPel e o Centro Federal de Educação Tecnológica dePelotas (CEFET-RS). Mensalmente os alunos participavam de oficinaspedagógicas aos sábados (manhã e tarde), tratando de temas referentesao cotidiano do jovem e adulto trabalhador.

8 PEJA - Programa de Educação de Jovens e Adultos de Alfabetização, implantado pelaSecretaria de Educação de Pelotas em escolas de ensino fundamental da rede municipal deensino de Pelotas.9 Projeto LER era um programa do governo estadual, coordenado em Pelotas pela 5a Dele-gacia de Educação, a qual contratava professores para a alfabetização de adultos.

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O projeto previa o avanço dos alunos nas séries possibilitando ace-leração de estudos e a conclusão das séries finais em menor tempo, deacordo com o artigo 23 da LDBEN.

O currículo se construía cotidianamente, coordenado pela SME epelas equipes diretivas das escolas. Semanalmente, os professores e aequipe coordenadora reuniam-se para discutir, reafirmar ou readequar oprojeto. Os temas tratados envolviam dúvidas quanto à estrutura do pro-jeto, carga horária e conteúdo das disciplinas.

Com a mudança da administração municipal e conseqüentementemudança no quadro de profissionais da SME, a proposta original perdeu-se, embora as escolas envolvidas tenham insistido na proposta, o projetoterminou em 1996.

Os trâmites locais e as interpretações dalegislação

No período da elaboração do projeto, na SME, havia muitas dúvi-das de como operacionalizar o projeto contemplando as questões peda-gógicas, administrativas, financeiras e legais para a EJA, ocorreram muitasreuniões de estudo sobre a legislação, contatos com outras instituiçõesque atuavam com esta modalidade de ensino.

A análise do projeto pelo CME coincidiu a análise dos regimentosde algumas escolas. Entre estes, constavam os regimentos das cincoescolas escolhidas para implantação do Projeto Piloto de Complementação,que traziam o detalhamento do projeto.

O Conselho chamou a atenção para duas questões que entendeunão estarem de acordo com a normatização: o Projeto de Complementaçãonão podia aparecer como projeto da SME, mas como uma proposta daescola para EJA, porque o texto regimental é especifico de cada escolae adequado à sua realidade.

A segunda questão dizia respeito aos conceitos de avanço e deaceleração entre as séries que deveriam ser entendidos como processoindividual e não de turmas inteiras. Por ser um projeto piloto, com turmaslimitadas com constantes avaliações, reformulações e adequações, oCME, aprovou o projeto com as ressalvas pelo Parecer nº. 001/2002,que alertou:

“A operacionalização dos estudos de aceleração, dentro do tempo estipu-lado no projeto, é uma oferta de no mínimo 800 horas aulas (oitocentas

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horas aulas) para o aluno, considerando que o recurso é para oportunizarao aluno que não teve em tempo hábil, a chance de efetuar os seus estu-dos, mas que embora, seja um recurso com o tempo mínimo para o aluno, aescola deve assegurar os conhecimentos disciplinares desenvolvidos nomínimo de 800 horas para que não haja prejuízo no aproveitamento doaluno.” (PELOTAS, CME. 2002b).

Para emitir seu parecer, o CME apoiou-se nos pareceres do Con-selho Estadual de Educação – CEED. O Par. 740/1999, que define quea aceleração deve ser oferecida a partir da constatação da necessidadepela comunidade escolar e fazer parte da Proposta Política Pedagógicada Escola, dos Planos de Estudos e do Regimento Escolar. No ParecerCEED-RS 440/2004, quando, ao interpretar o artigo 23 da LDBEN esta-belece que “... a possibilidade de avanço é do aluno e a escola deve estarpreparada para não dificultar esse processo. [...] a possibilidade de avançonão é autorização para a escola diminuir atividades ou trabalhar de for-ma intensiva no sentido de encurtar o tempo do aluno na escola”.

Portanto, a interpretação local da legislação referente aos estudosintensivos, que orientavam o projeto das Classes de Aceleração, acaba-ram sofrendo desvios, que tiveram seus reflexos na implementação, de-senvolvimento e na extinção desta experiência educacional.

Algumas Considerações

A necessidade de políticas para EJA se origina na existência deuma parcela da sociedade que não teve acesso à educação básica. Exis-tem determinações legais que orientam e suportam essas políticas, fun-damentadas na busca da formação para o exercício da cidadania, noingresso no mundo do trabalho e na possibilidade de estudos posteriores.

A legislação, as normas, somente, não se constituem em elementosque garantam o acesso, a permanência e o sucesso a esse contingentede jovens e adultos que foram privados do direito a educação, é necessá-rio que a norma seja operacionalizada localmente.

Enfocando o caso analisado neste trabalho, percebemos que em-bora fosse meta atender de modo eficaz e significativo aos alunos ealunas que recorreram a esta modalidade de ensino, ocorreram algunsequívocos quando da implantação dessas políticas.

Para Alice Casimiro Lopes, com fundamento em Stephen Ball, asdiferenças entre o discurso legal e a sua tradução em políticas devem-se

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à sua historicidade e contextualização, ao tempo e espaço em que acon-tecem, logo, ao fato de serem

“múltiplos os produtores de textos e discursos – governos, meio acadêmi-co, práticas escolares, mercado editorial, grupos sociais os mais diversose suas interpenetrações –, com poderes assimétricos, são múltiplos ossentidos e significados em disputa.” LOPES, 2007).

No caso do referido projeto havia a possibilidade da aceleração deestudos e a conclusão das séries finais antes do tempo previsto. Doponto de vista legal faltou a clareza de que esta oferta para a escola teriaque contemplar os quatro anos e para os alunos e alunas deveria con-templar o tempo deles, ou seja, a escola deveria se organizar de modo aoportunizar que o educando acelerasse, mas com conhecimentos de qua-lidade e significados; e também com garantia de certificação escolar. Noentanto observa-se que o tempo não foi assegurado conforme a legisla-ção, isto é, a oferta foi de dois anos, como costumava ser antes da LDBEN,nos cursos supletivos.

Assim destaca-se que é necessário ter clareza quando da implan-tação das políticas educacionais de modo que o estímulo criado pelaapresentação e divulgação da proposta educacional não seja logo aliesmorecida. Portanto a boa interpretação da legislação associada a pro-jetos que resultem do comprometimento dos órgãos responsáveis pelosistema, das direções e professores das escolas, pode favorecer quepolíticas educacionais, implementadas localmente, venham a ter êxito.

Referências

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BRASIL. Decreto Nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece asdiretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Disponível emhttp://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/ pdf/dec5154.pdf Avaliado em 12 jan. 2007.

BRASIL. Lei Federal n° 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Lei das Diretrizese Bases da Educação Nacional (LDBEN). Estabelece as Diretrizes e Bases daEducação Nacional. Educação Profissional: legislação básica. 5.ed. Brasília: MEC,2001. p.17-48.

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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional eTecnológica. Documento Base do Programa de Integração da Educação Profis-sional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação deJovens e Adultos. Brasília: MEC, 2006.

BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as DiretrizesCurriculares Nacionais para a Educação e Jovens e Adultos. Disponível em http://www.deja.pr.gov.br/arquivos/File/resol_01_2000_CNE.pdf avaliado em 12/jan./2007.

LOPES, Alice Casimiro. Política de currículo: recontextualização e hibridismo.Currículo sem fronteiras, v.5, n.2, pp.50-64, Jul/Dez 2005. 2005. Disponível emhttp://www.curriculosemfronteiras.org. Avaliado em 21 jan. 2007.

Município de Pelotas, Conselho Municipal de Educação de Pelotas, Parecer nº001/2002. Trata de esclarecimentos sobre a Aceleração de Estudos do Projeto Pilotode Aceleração de Estudos de 5a à 8a série do Ensino Fundamental. 2002b

Município de Pelotas, Secretaria Municipal de Educação. Projeto deComplementação de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental da Rede Municipal deEnsino de Pelotas. 2002a

Município de Pelotas. Lei 4.904 de 13 de janeiro de 2003. Cria o sistema Muni-cipal de Ensino de Pelotas. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/interesse_legislacao/leis/2003/lei_4904.pdf. Avaliado em 14/abr./2007

Município de Pelotas. Lei no 2.776, de 18 de março de 1983. Dá nova redação aoartigo 20º da lei nº 2.037, de 09 de fevereiro de 1.973, que dispõe sobre a estruturaadministrativa da prefeitura. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/interesse_legislacao/leis/antigo/L1983/Lei_n_2776.pdf Avaliado em 14/abr./2007.

Município de Pelotas. Lei nº 2.005, de 11 de outubro de 1972. Cria conselhomunicipal de educação. Disponível em http://www.pelotas.rs.gov.br/interesse_legislacao/leis/antigo/L1972/Lei_n_2005.pdf Avaliado em 14/abr./2007

RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº. 740. de 13de outubro de 1999. Orientações para o Sistema Estadual de Ensino, relativasaos artigos 23 e 24 da Lei federal nº 9.394/96. Porto Alegre: 1999. Disponível emhttp://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacaoc/legislacaoc/id3117.htm Avaliadoem 14/abr./2007.

RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Educação. Parecer nº. 440. de 30de junho de 2004. Esclarece regras da organização escolar. Estabelece que sãoirregulares ofertas em regime de estudos intensivos no Sistema Estadual deEnsino do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2004. Disponível em http://www.ceed.rs.gov.br/ceed/dados/usr/html/pareceres/parecer_2004/pare_0440.doc Avaliado em 19 de junho de 2007.

SOUZA, João Francisco de. A Educação de Jovens e Adultos no Brasil e noMundo. Edições Bagaço, NUPEP, Recife. 2000

UNESCO. Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos. 1997. Dispo-nível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf avali-ado em 15 fev. 2007.

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EXPERIÊNCIAS DE GESTÃOEXPERIÊNCIAS DE GESTÃOEXPERIÊNCIAS DE GESTÃOEXPERIÊNCIAS DE GESTÃOEXPERIÊNCIAS DE GESTÃOEM PROEJAEM PROEJAEM PROEJAEM PROEJAEM PROEJA

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RECONSTITUINDO OS MOVIMENTOS DECRIAÇÃO DO PROEJA NO CEFET-RS

UNED SAPUCAIA DO SUL 1

Margarete Maria Chiapinotto Noro2

Maria Aparecida Bergamaschi3

“Minha preocupação, neste trabalho esperançoso, como tenho demons-trado até agora, vem sendo mostrar, excitando, desafiando a memória, comose estivesse escavando o tempo, o processo mesmo como minha reflexão,meu pensamento pedagógico, sua elaboração ...” (FREIRE 2006, p.65)

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo registrar e compreender osmovimentos que perpassaram a criação do Curso Técnico de Nível Médioem Processos Administrativos forma integrada, modalidade EJA, noCentro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas - CEFET-RS, emsua Unidade Descentralizada de Ensino de Sapucaia do Sul, RS, dentrodo contexto de implantação do PROEJA nas instituições educacionaisque fazem parte da rede federal da Secretaria de Educação Profissionale Tecnológica – SETEC do Ministério da Educação.

Ao registrar e descrever este processo, busco reconstituir a histó-ria de nosso curso que inicia em julho de 2006 quando é escolhida comis-são instituída através da Portaria nº 583/2006 pela direção do CEFET-RS, para elaborar um projeto de curso técnico nesta modalidade, a ser aimplantado em março de 2007. Procuro também analisar este processo

1 O trabalho é parte da monografia apresentada na Faculdade de Educação da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título em Especialistaem Educação Profissional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação deJovens e Adultos, em julho de 2007.2 Professora do CEFET/RS UNED Sapucaia do Sul – Especialista em Língua Inglesa e Litera-tura Anglo-Americana3 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.

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coletivo de criação, que se estendeu ao longo de 2006 e envolveu do-centes e técnicos administrativos em educação de nossa UNED, alunose professores de EJA da rede escolar pública de Sapucaia do Sul e Es-teio, além da comunidade empresarial local.

A realização deste estudo envolve duas dimensões: a análise de do-cumentos oficiais isto é, dos dois decretos que estabelecem as diretrizesdo PROEJA e do marco conceitual do PROEJA, o Documento Base. Asegunda dimensão envolve a análise de documentos produzidos pela Co-missão de implantação do PROEJA: as atas das reuniões, os dados obti-dos através de questionários respondidos pelos alunos de EJA fundamen-tal, pelo meio empresarial e pelos alunos ingressantes. Dedico-me tambémao exame e reflexão do texto do projeto do curso, produzido pela nossacomissão a partir das ações e intervenções dos seus integrantes.

O CEFET/RS - A UNED Sapucaia do Sul

Nossa Instituição, originalmente denominada Escola Técnica Fe-deral de Pelotas- ETFPel - foi cefetizada em 02.12.98, passando a de-nominar-se CEFET-RS. Possui atualmente quatro unidades: a UnidadeSede, localizada em Pelotas e a UNEDs - Sapucaia do Sul, inauguradaem 26 de fevereiro de 1996, Charqueadas, aberta em 2006 e PassoFundo, cujas atividades tem previsão de início para agosto de 2007.

A UNED Sapucaia do Sul já tem mais de dez anos de funcionamento.Contamos hoje com quatro modalidades de ensino: 1) Ensino Médio, ProjetoEnsino Médio para Adultos – EMA ; 2) Ensino Técnico, com o Curso Téc-nico em Transformação de Termoplásticos; 3) PROEJA com o Curso Téc-nico em Processos Administrativos e 4) Ensino Superior Tecnológico, comos cursos de Tecnologia em Gestão da Produção Industrial e de Tecnologiaem Fabricação Mecânica. Atualmente contamos com 812 alunos, 50 docen-tes efetivos, 15 substitutos, 03 cedidos em convênio com a Prefeitura Muni-cipal de Sapucaia do Sul e 16 Técnicos Administrativos.

Registrando os Movimentos de Criação doProjeto do PROEJA em nossa Instituição.

Movimento 1 - Formação da Comissão Elaboradora.

No contexto de discussão sobre a função social do CEFET-RSdentro do processo de (re) construção de nosso PPP em 2006, foi toma-

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da a decisão de oferecer o PROEJA em nossa unidade. Para elaborarum projeto de curso, foi nomeada uma comissão4, formada por 09 do-centes do ensino médio, técnico e tecnológico, o gerente de ensino e arepresentante do setor pedagógico.

Movimento 2 – Diagnóstico da Realidade

Na primeira reunião de nossa comissão, já foi levantada a neces-sidade de ouvirmos a comunidade estudantil e setores do comércio eindústria de Sapucaia do Sul e região acerca do curso técnico que ofere-ceríamos dentro do PROEJA. Elaboramos questionário para levantar aárea de interesse dos alunos, que foi aplicado em 06 turmas de EJAfundamental em Sapucaia do Sul (213 alunos) e quatro de Esteio (65alunos), totalizando 278 alunos. A compilação dos dados desta pesquisa,presente na Tabela 1 e Gráfico 1, resultou na escolha da área técnica emque nosso curso PROEJA seria implementado e constituiu capítulointitulado Avaliação da área técnica a ser implementada no PROEJA:Um foco na comunidade e no meio empresarial, de autoria do Prof.Rafael Batista Zortea , no trabalho em grupo5 que realizamos no móduloII do Curso de Especialização.

4 Profs. Clarice Francisco Brauner, Donald Hugh de Barros Kerr Jr., Enio César MachadoFagundes, Jorge Luiz Joaquim Hallal, Mack Leo Pedroso, Marcus Vinícius Farret Coelho,Margarete Ma. Chiapinotto Noro, Renato Mazzini Callegaro e Stefanie Merker Moreira.5 Realidade Escolar em Pesquisa: PROEJA no CEFET-RS UNED Sapucaia do Sul de autoria deColvara, Ana Claudia K. et all.

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O resultado expresso no Gráfico 1 abaixo, foi obtido após os alu-nos responderem às perguntas “13.Você teria interesse num cursointegrado que lhe oportunizasse Ensino Médio e Ensino Técnicoao mesmo tempo? Sim ou Não” e “ 14. Que curso você gostaria defazer?”. O gráfico demonstra a preferência de 23% dos estudantesentrevistados pela área de Informática e 17% pela de Mecânica, sendoque a soma destas, 40%, se sobrepõe ao total da preferência nas demaisáreas de conhecimento, que alcança 38%. Entretanto, a Comissão le-vantou a hipótese que, ao mencionar Informática, os alunos estivessempensando no domínio do computador como ferramenta e não como áreade formação.

Gráfico 1: Áreas de interesse de formação profissional - alunos do ensinofundamental deEJA em Sapucaia do Sul e Esteio

Paralelamente a esta pesquisa, discutimos com a AssociaçãoComercial e Industrial de Sapucaia do Sul (ACIS),com uma empresa derecrutamento de Recursos Humanos e com o SEBRAE, as necessida-des de formação em Sapucaia do Sul e região e elaboramos questionáriode pesquisa a eles dirigido, cujo resultado demandou formação nas áreasde tecnologia da informação( informática), comércio (vendas e atendi-mento ao público) e gestão (negociação e autonomia para resolução deproblemas).

Levando em conta as demandas externas, a discussão com o mun-do do trabalho e as possibilidades internas da UNED, analisamos asopções de curso. Enquanto que a preferência dos alunos recaía emInformática e Mecânica, as necessidades de formação apontadas pelaACIS eram informática, comércio e administração e um estudo do IBGE

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realizado de 2002 à 2006 na região metropolitana de Porto Alegre indica-va as áreas de comércio e serviços como potencial no aumento de vagasde ocupação em micro e pequenas empresas, para pessoas a partir dos50 anos de idade, com 11 anos ou mais de estudo. Observando nova-mente o gráfico 1, pode-se perceber que um curso que abrangesse asáreas administrativa, financeira e de atendimento ao público conjunta-mente somaria 13% da preferência dos alunos pesquisados.

Movimento 3 - Contexto interno e externo

Prevendo uma disponibilidade mínima de recursos humanos ealguma infra-estrutura em laboratórios, aliadas ao fato da UNED pos-suir um curso superior na área de Gestão da Qualidade, pensou-se ematender a expectativa dos alunos oferecendo um curso que articulasseas áreas administrativa, financeira e de atendimento ao público e queincluísse em sua proposta curricular, a informática como ferramenta. Foia descoberta de nosso inédito viável, segundo Freire (1980:110): a per-cepção crítica de uma situação-limite que precisa ser compreendida, dis-cutida, enfrentada e superada através de ações, para que o sonho setorne viável. Esta concretização irá se desdobrar em outros desafios aserem transpostos a medida que o projeto for sendo construído com aefetiva participação dos alunos ao longo do curso. Alguns integrantesda comissão voltam-se para o nome do novo curso, havendo a preocupa-ção de que este “não coincida” com o nome do curso de tecnologia emGestão da Produção Industrial. Discute-se a possibilidade de se ofere-cer oficinas ou créditos para contemplar conhecimentos técnicos maisespecíficos. Critérios de seleção são debatidos. Alguns defendem in-gresso com entrevista do candidato. Debatemos durante uma reuniãointeira sobre o nome do curso que “não deverá ser”. O termo “adminis-tração” também é inadequado, pois poderia criar nos alunos expectati-vas que não se confirmariam no curso. Surgem onze propostas de no-mes, num verdadeiro brainstorming, entre os quais, Técnico em Roti-nas Administrativas ou Técnico em Serviços Administrativos, mas o que“virá a ser” ainda não emerge.

Define-se, também, que a elaboração do perfil do egresso e dasgrandes competências gerais do curso deve anteceder o esboço curriculare o nome do curso. Mas como escrever um texto sobre um curso queainda não tinha nome e cuja identidade ainda não se materializara? Está-vamos pressionados pelo prazo de publicação do edital do processo sele-tivo de novos alunos, que se esgotava.

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Tensões entre diferentes posicionamentos quanto a definições sobreo curso permeavam o processo, o tempo nos pressionava e a angústia doquerer fazer, do avançar e do retroceder nos remetia à Balandier (1997:14) “a paisagem está confusa, remexida, desajustada, incerta. As aparên-cias mascaram o que seria preciso ver de perto. Nessas circunstâncias, sóexiste uma regra: tomar distância, colocar-se fora da confusão”. No diaseguinte, estávamos prontos para apresentar em reunião geral os “contor-nos” que se delineavam até então e os movimentos que já havíamos reali-zado para definir a área do Curso.

Retomamos a discussão sobre critérios de seleção para os alunosdo PROEJA e coloquei novamente para o grupo o desejo manifesto pe-los formandos do EMA de que pudessem ingressar no PROEJA comaproveitamento de estudos de ensino médio ou através de uma cotapara egressos.6 Entretanto, como estes egressos não vivenciaram asarticulações entre formação geral e profissional existentes no currículodo PROEJA, não conseguimos visualizar uma estratégia para incluí-los,e decidiu-se pelo ingresso por sorteio público. De imediato, produzimosum texto mencionando a área do Curso - Gestão - para divulgar o pro-cesso seletivo de alunos que iria ocorrer em dezembro.

O sorteio dos 35 alunos/as, sendo 8 alunos e 27 alunas que inicial-mente iriam compor a turma, além de 35 suplentes, ocorreu em assem-bléia pública às 19h do dia 04 de dezembro de 2006, no auditório daUNED, com a presença de 146 candidatos inscritos.

Agendamos 15 voluntários entre os sorteados para aplicar questi-onário sobre trabalho e educação na semana subseqüente, a fim de le-vantar dados sobre o perfil dos ingressantes, estudo7 este que tambémintegrou o trabalho em grupo que realizamos no módulo II do Curso deEspecialização. Os resultados desta amostragem evidenciaram a predo-minância de mulheres solteiras ou descompromissadas, na faixa etáriaentre 20 a 30 anos, sendo onze moradores de Sapucaia do Sul, três deEsteio e um de Canoas. A situação econômica familiar está entre um acinco salários mínimos. A maioria exerce alguma atividade no mercadode trabalho informal, seis tem carteira de trabalho assinada. Muitos co-meçaram a trabalhar com menos de 18 anos, no comércio. Todos vêemo trabalho como fonte de renda, porém gostariam que também gratifi-

6 Havia na UNED 2 turmas de formandos do EMA ao final de 2006 e muitos deles manifes-taram interesse em ingressar no PROEJA com aproveitamento dos estudos . Embora nãotenha sido possível atendê-los, vários alunos do EMA se inscreveram e 3 alunos, 2 egressosmais um que havia abandonado o projeto, foram sorteados e estão cursando o PROEJA,tendo que refazer parte de sua caminhada de Ensino Médio.

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casse suas vidas. O fato de o PROEJA oferecer um curso técnico juntocom o ensino médio foi o que mais os atraiu, como também a oportunida-de de concluir o 2º grau. A maioria dos entrevistados concluiu ou estavaconcluindo o ensino fundamental nas escolas que oferecem modalidadeEJA ou supletivo à noite, o que também demonstra o acerto de nossaestratégia de divulgação do PROEJA em escolas com turmas noturnasde EJA.

Movimento 4 - Elaboração do texto do projeto

Junto com professores de nosso Curso Superior de Tecnologia emGestão da Produção Industrial e do Ensino Médio fizemos um estudo doperfil profissional do egresso e discutimos possibilidades de currículo.Buscamos junto às Diretrizes Curriculares Nacionais para a EducaçãoProfissional de Nível Técnico – DCNEP´s, as caracterizações das áreasprofissionais de Comércio e de Gestão8 e resgatamos pontos levantadosno questionário aplicado ao meio empresarial. Uma integrante da co-missão realiza um estudo junto às grades curriculares de nossos cursosde tecnologia e identifica aproximações com áreas afins às que preten-demos propor no PROEJA. As múltiplas faces da elaboração do projetocomeçam a evidenciar o contorno desta experiência coletiva e surgeassim um primeiro ensaio de desenho curricular (outubro 2006) contem-plando as áreas de gestão e informática:

Porém, quando tudo parece estar se ordenando, segue-se um tempode (re) elaboração, (re) definição e re (organização). A noção de ecologiada ação que Morin (2006:86-87) propõe nos ajuda a entender que asações que empreendemos estão impregnadas de contextos complexos quetanto podem comprometê-las quanto viabilizá-las.

No perfil do egresso que elaboramos, o nome do curso ainda nãoestava definido: “O egresso do PROEJA9 será um cidadão com visãocrítica, capaz de atuar no contexto social, cultural, político e econômicoem que vive, contribuindo para a transformação da sociedade. Estaráapto a operacionalizar atendimentos, serviços e rotinas administrativas,utilizando instrumentos e meios tecnológicos disponíveis para a gestãoorganizacional. A re-qualificação adquirida proporcionará mais oportuni-dade de inserção no mundo do trabalho, num processo de inclusão socialcontinuado.”

7 Pesquisa 1 Realidade e Perfil dos Novos Ingressantes, Assistente Social Arita T. Dias deBarcellos.8 Páginas 12 e 13, 14 e 15 respectivamente.

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O projeto começava a delinear-se através das seis competênciasgerais do curso:

· Compreender a organização empresarial e sua razão de ser, seus mode-los de gestão, objetivos, estruturas orçamentárias, societárias e traba-lhistas, bem como suas inter-relações com o ambiente externo;

· Utilizar a capacidade empreendedora desenvolvida para analisar, pla-nejar e implementar rotinas e procedimentos administrativos;

· Atuar como apoio na gestão financeira, tributária, contábil e de pesso-al segundo metas e diretrizes pré-estabelecidas;

· Comunicar-se com eficácia no fluxo de informações internas e exter-nas, especialmente no que diz respeito a atendimento de pessoal e estra-tégias de marketing;

· Compreender a organização e os processos próprios de uma empresacomercial ou dos setores responsáveis pela comercialização em organi-zação não-comercial.

· Atuar profissionalmente em consonância com padrões éticos, sociais eambientais que favoreçam o constante aprimoramento da qualidade devida de forma geral.

9 No texto final do projeto do Curso, a redação do perfil foi alterada para incluir o nomeoficial do Curso.

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O Documento-Base discute a concepção de uma organizaçãocurricular dinâmica no PROEJA, isto é, a construção de currículos inte-grados que pressupõe a abordagem de conteúdos muito diversos - osconteúdos gerais ou básicos e os profissionais ou tecnológicos- medianteo estabelecimento de relações e aproximações amplas entre os mesmos.A estrutura tradicional e segmentada das disciplinas nos cursos de nossaInstituição mostra que temos um caminho a percorrer na busca de umaorganização curricular com tempos e espaços diferenciados, que leveem conta a realidade sócio-histórica de nossos alunos. O esboço de de-senho curricular de nosso PROEJA, que inicialmente continha um eixoarticulador entre formação geral e a profissional com “espaços temáticos”,mais tarde veio a assumir a forma de uma grade curricular com discipli-nas compartimentadas e carga horária anual totalizando 2.400 horas. Asdisciplinas da formação geral compreendem: Língua Portuguesa, Edu-cação Física, Artes e Design, Informática, Inglês, Matemática, Física,Química, Biologia, Qualidade de Vida, História, Geografia, Sociologia,Educação Ambiental, Espanhol e Relações Humanas. A formação pro-fissional inclui: Introdução à Teoria Geral da Administração Comunica-ção Eficaz, Contabilidade Geral, Gestão da Qualidade, Custos e Orça-mentos, Estatística Básica, Estatística Aplicada à Administração, No-ções de Empreendedorismo, Gestão de Projetos, Gestão de RecursosHumanos, Introdução à Economia, Noções de Marketing, LegislaçãoSocietária e Direito Trabalhista, Legislação Tributária e Comercial,Matemática Financeira, Rotinas Comerciais, Rotinas Administrativas,Inglês Instrumental, Técnicas de Negociação e Ética Profissional.

O que fazer diante desta escolha de desenho curricular assumida pelamaioria dos integrantes da Comissão como sendo a “viável”? Haveria algu-ma forma de integrar o currículo, apesar da fragmentação das disciplinas?No contexto das abordagens metodológicas de integração, proposto por LucíliaRegina de Souza Machado10 e sugeridas no Documento-Base (p.48-49),visualizo um cenário que, enquanto professores do curso e junto com osalunos, seja possível modificarmos: a alternativa de rompermos com as“caixinhas” das disciplinas e utilizarmos abordagens centradas em resolu-ções de problemas ou projetos de trabalho. Quanto à avaliação, o PROEJAdeve atender a orientação normativa 001/07, que mudou a forma de ex-pressão de conceito para nota, de 0 à 10, dentro do trimestre, módulo ousemestre, numa discussão dentro de nosso PPP. Porém ainda considero quea avaliação enquanto processo é um tema que está em aberto.

Ao mesmo tempo em que dávamos seqüência ao projeto, abor-dando aspectos culturais e sócio-econômicos de Sapucaia do Sul, aspec-

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tos institucionais, a concepção do Curso, a metodologia, avaliação e es-tágio curricular e “fechávamos”a grade curricular definindo o estágiode 240 horas, (concomitante ao 3º ano), chegamos, finalmente, ao nomedo curso: Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos.Aquele contorno que se apresentava difuso e parecia pouco controlável,se assume na forma “melhor ajustada”.

Compreendendo os Movimentos: análise doprocesso coletivo de criação e de seus atores.

Ao reconstituir a memória de nosso projeto de curso, desejo repor-tar-me a algumas interfaces que nele se fazem presentes. A primeira refe-re-se ao nosso protagonismo e “apropriação” do projeto, uma vez que eleé resultado de nossa criação. Desde a inscrição voluntária para a Comis-são, passando pela elaboração dos diversos instrumentos de pesquisa, pelonovo contorno da Comissão, com colegas se retirando após significativacontribuição, e outros se incluindo para colaborar além dos limites de suasespecialidades, até a elaboração do texto final do projeto, nele ficaramgravadas as marcas de nosso trabalho. Foram 32 encontros coletivos einúmeros momentos de dedicação individual, enquanto buscávamos da-dos, revisávamos bibliografia, elaborávamos gráficos, enviávamos frag-mentos do projeto por e-mail para trocar idéias com colegas da área dagestão e nos debatíamos com os recortes de conhecimento e a “matemá-tica” implacável da carga horária na grade curricular do curso.

Outra interface diz respeito à ousadia de interpretarmos e anali-sarmos os dados coletados nas pesquisas e de concebermos um cursoinédito, que “busca oportunizar a (re)inserção de jovens e adultos nosistema escolar a partir de uma educação integral”11, o que certamentese constituiu num mérito para nossa Comissão, ao invés de simplesmen-te replicarmos modelo de curso já existente na Instituição e “adaptá-lo”ao PROEJA.

O processo de elaboração de nosso projeto mostrou muitas faces,algumas bastante tensas, evidenciando o envolvimento humano e apai-xonado dos integrantes desta equipe. A (re) constituição dos movimen-tos, dos contornos revela a criação, as tensões, as resistências e as rup-turas, ao mesmo tempo que nos ensina a compreensão da complexidade

10 Apresentou painel em reunião com gestores estaduais da educação profissional e do ensinomédio em Brasília, dezembro 2005.

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humana, a “interiorização da tolerância”, pois “a verdadeira tolerância(...) supõe convicção, fé, escolha ética e ao mesmo tempo aceitação daexpressão das idéias, convicções, escolhas contrárias às nossas”(MORIN, 2006:101-102).

Tivemos inúmeros tensionamentos internos no contexto plural de nossaComissão. Talvez o mais significativo foi o que envolveu a escolha da áreaprofissional do PROEJA, que abrangeu as 3 áreas de formação nas quaisa UNED oferece cursos, a de transformação de termoplásticos, a de ges-tão da qualidade e a de fabricação mecânica. Quando a prospecção reali-zada com alunos de EJA e o meio empresarial indicou as áreas de gestãoe mecânica, vivenciamos cenas de conflito entre os representantes destasáreas: para alguns, a carência de recursos humanos disponíveis, paraoutros, a infra-estrutura precária enquanto outros ainda apontavam para ocomprometimento de todo o CEFET-RS na implantação do PROEJA.Outro tensionamento que se faz presente é o que resultou em nossa tradi-cional “grade curricular”.

Múltiplas intenções moveram a participação dos atores envolvidos,ou a ausência dela. Ao final, seis professores “abraçaram” este projeto edesenharam o contorno final deste processo de criação, formatando otexto do projeto de curso nos dias quentes do final de janeiro e início defevereiro de 2007.

Considerações Finais

A concepção deste nosso CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉ-DIO EM PROCESSOS ADMINISTRATIVOS funda-se na premis-sa de que a re-inserção de jovens e adultos de classes populares nosistema escolar a partir de uma educação integral de qualidade é, aomesmo tempo, um direito e uma necessidade. As Diretrizes CurricularesNacionais da Educação de Jovens e Adultos 12 enfatizam aheterogeneidade do público de EJA e as formas como estes estudantesdispõem de seus tempos e espaços, e de como, através da flexibilidadecurricular, podemos aproveitar suas experiências de vida e de trabalhopara organizar os tempos da escola e sintonizar o currículo com ele-mentos geradores a partir de suas vivências, re-significando-as. Porisso, acho de extrema importância que nós, professores da rede fede-

11 Projeto Curso Técnico de Nível Médio em Processos Administrativos Forma IntegradaModalidade EJA, p.6.

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ral de educação profissional, busquemos, através da formação conti-nuada, uma aproximação maior com as especificidades da EJA paraque possamos re-pensar nossa escola como um espaço mais aberto edemocrático, “que respeite seus direitos [dos sujeitos de EJA] em prá-ticas e não somente em enunciados de programas e conteúdos”13.

Dentro da política de consolidação do PROEJA devemos tam-bém ter presente a função social e o protagonismo de nossa rede en-quanto referência na implementação do programa Por fim, através dareconstituição de nosso projeto e dos contornos que envolveram o pro-cesso e seus respectivos atores, espero que os leitores deste trabalhosintam-se motivados a realizar os seus movimentos para a consolidaçãodesta política pública de integração da educação profissional técnica denível médio ao ensino médio na modalidade EJA.

Referências

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______. Congresso Nacional. Decreto nº 5.840 de 13 de julho de 2006. Institui,no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, o Programa deIntegração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Edu-cação de Jovens e Adultos (PROEJA). Brasília, DF, 2006.

______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CBE nº11/2000 e Reso-lução CNE/CEB nº1/2000. Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens eAdultos. MEC, maio 2000.

_______. Conselho Nacional de Educação (CNE). Parecer nº 16, de 5 de outubrode 1999. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de NívelTécnico. Brasília, DF, 1999.

________. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-cional (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

12 Parecer CNE/CBE 11/2000, Carlos Roberto Jamil Cury p. 60-61.13 ANDRADE, Eliane Ribeiro. Os sujeitos educandos na EJA.

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RELAÇÃO DOS ALUNOS DO PROEJAE DO EMA COM O ESPAÇO FÍSICO DA

ESCOLA NO CEFET-RS

Lucia Helena Kmentt Costa 1

Maria Antonieta Dall’Igna 2

O objetivo deste trabalho é identificar a relação dos alunos doPROEJA3 e do EMA4 com a estrutura física do CEFET-RS, como equais são os espaços utilizados, ou não, por esses alunos e se eles satis-fazem às suas necessidades e chamar a atenção para a importância daadequação do ambiente escolar para a promoção da aprendizagem e apermanência do aluno na escola possibilitando que complete a suaescolarização e conquiste condições para a sua inserção na sociedade eno mercado de trabalho.

Com o uso de um questionário como instrumento de pesquisa cons-tatou-se que os alunos das duas turmas, na sua maioria, mostram famili-aridade e utilizam os espaços tradicionais, tanto nas áreas pedagógicas,como nas áreas de lazer, com destaque para as salas de aula e os labo-ratórios e para a cantina e jardins. Constatou-se, também o desejo dosalunos de usufruírem mais de espaços de esporte, lazer e convivência.

A minha posição como Assessora de Projetos e Obras, no CEFET-RS, permite afirmar que, ao elaborar um projeto de reforma ou constru-ções novas nesta instituição, partimos sempre de uma pesquisa, um levan-tamento de dados sobre as necessidades para a área a que se destina areforma e/ou obra, buscando nas Normas Técnicas, no Plano Diretor e

1 Graduada em Licenciatura para o Magistério em Disciplinas Específicas para o Ensino de 2ºGrau – Esquema II, assessora de Projetos e Obras do Centro Federal de Educação Tecnológicade Pelotas.2 Professora da UFPEL, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso de Lucia HelenaKmentt Costa, do qual originou-se este texto.3 Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médiona Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.4 Ensino Médio para Adultos

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nos Pareceres o conjunto de regulamentações que permitem criarmos umdeterminado “espaço”. Outro dado importante é que estamos em constan-te atualização, sobre materiais adequados e sobre o que o mercado estáoferecendo, levando em conta sempre custo/benefício. Quando elabora-mos o projeto de um prédio novo, por exemplo, é fundamental um planeja-mento que vise uma futura ampliação através da busca, com professorese alunos, das reais necessidades a que se destina a construção.

Muitos fatores, certamente, influenciam no processo de ensino-apren-dizagem, dentre eles: a dimensão do espaço físico e sua relação com nú-mero de alunos, para que não fiquem “amontoados”, tirando a mobilidade,tanto do professor quanto dos alunos, incluindo a pouca distância entre asfileiras e entre o quadro, dificultando a concentração e a possibilidade dedesenvolver as atividades didáticas propostas. Outras questões tambémpodem ocorrer, por exemplo, a inadequação dos pisos (irregulares) podeocasionar quedas ou dificuldades para escrever devido à instabilidade dasclasses; as cores de tonalidades fortes cansam a visão; a falta de ilumina-ção natural que provoca, muitas vezes, problemas de visão e sensaçõesdesagradáveis; a utilização de iluminação artificial que nem sempre atendeàs necessidades do ambiente, por ser deficitária ou excessiva; a ausênciade ventilação natural direta, torna as salas de aula quentes ou frias demaise até insalubres; a pouca altura dos tetos que provoca uma sensação deabafamento, são muitas as decisões sobre as condições físicas que preci-sam ser consideradas.

Além desses, outros aspectos podem ser apontados, entre eles aimportância do planejamento de áreas de lazer, como os pátios e as áreasde esportes. Esses espaços, que além de serem pedagógicos, podem pro-piciar momentos agradáveis, e, principalmente, contribuem para aintegração do aluno com a Escola, dos alunos com os alunos, dos alunoscom os professores, servindo como um meio de socialização. Por isso,entendo ser importante a preocupação em compreender como os alunosdos cursos PROEJA – Programa de Integração da Educação ProfissionalTécnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação deJovens e Adultos e EMA – Ensino Médio para Adultos, oferecidos peloCEFET, relacionam-se com os espaços da escola.

A escolha de trabalhar com as turmas de educação de jovens eadultos deve-se ao fato de que esta é uma atividade recente no CEFET-RS e tem relação com o compromisso de contribuir com a oferta deacesso e profissionalização àqueles que não o tiveram na idade própria,e fazem parte da parcela da população excluída da escola econsequentemente do mercado de trabalho.

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A questão da educação de Jovens e Adultos e aoferta de EMA e PROEJA no CEFET-RS

No Brasil, desde a introdução do capitalismo industrial com o mo-delo de desenvolvimento, que se caracteriza pela divisão social do traba-lho, discute-se e buscam-se alternativas para a exclusão social com adiminuição da pobreza e do desemprego.

Ao abordar este tema Alceu Ravanello Ferraro5 destaca que“...uma seqüência de movimentos sociais e momentos típicos dentroda história do pensamento liberal e do capitalismo...”, com umasérie de características comuns, oportunizaram crises que legitimaram aexclusão social.

A organização política e econômica do país tem levado ao agravamen-to da pobreza e da desigualdade. Essa situação manifesta-se pelos altosíndices de analfabetismo e exclusão da escola, seja pela falta de acesso sejapela não permanência. Para superar a exclusão da escola que está incluídaem uma categoria mais ampla que é a exclusão social, governo e sociedadetêm a responsabilidade de desenvolver políticas de inclusão.

A escolarização de jovens e adultos, em nível fundamental e em nívelmédio, é necessidade resultante da situação econômica e social do país edeve contribuir para a formação profissional e para o seu crescimento cultu-ral aqueles que foram excluídos na idade regular. Falar em inclusão de jo-vens e adultos trabalhadores não é só falar em melhores e maiores oportuni-dades de emprego, mas é falar em condições para o exercício da cidadaniapela possibilidade de maior participação na vida em sociedade, com capaci-dade para interferir criticamente na sociedade.

Álvaro Vieira Pinto6 ao estudar este tema diz que “O adulto pre-cisa aprender a totalidade do saber existente em seu tempo” (1994,p. 86). e destaca o papel do educador de jovens e adultos, pois “aoensinarmos o adulto estamos abrindo um caminho para seu apren-dizado futuro”, (1994, p. 86). Para ele, o educador necessita ter umaconsciência verdadeiramente crítica, não se sobrepondo ao educandoadulto, e, sim, identificando-se com ele, desta forma estará desenvolven-do práticas adequadas, promovendo a capacidade de apreensão entreelas “considerar os conhecimentos que o aluno traz em sua baga-gem cultural, (PINTO, 1994, p. 83)”.

5 FERRARO, Alceu Ravanello. Neoliberalismo e políticas sociais: a naturalização da exclu-são. Estudos Teológicos, v. 45, n.1, p.99-117, 2005.6 PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 9ª edição – São Paulo –Cortez, 1994.

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As políticas educacionais, tanto no ensino médio como noprofissionalizante, apresentam como objetivo qualificar a força de traba-lho, para que possam exercer funções necessárias às diversas ocupa-ções. Essa qualificação deve atender à complexidade tecnológica que omundo do trabalho atual exige e ao mesmo tempo contribuir para inser-ção social dos trabalhadores.

O EMA - Ensino Médio para Adultos passou a ser oferecido peloCEFET a partir de 1998, com a finalidade de propiciar o acesso ao ensinomédio a pessoas que não puderam completar sua formação regular e quebuscam a complementação de sua escolarização básica, visando uma melhorcolocação no emprego, encontrar emprego ou dar seqüência aos seus es-tudos, para, posteriormente, cursar o Ensino Técnico ou a Universidade.

Em 2006, atendendo a um projeto do Governo Federal, o CEFETaderiu ao PROEJA - Programa de Integração da Educação ProfissionalTécnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos, com o objetivo de oferecer formação profissionalqualificada, integrada ao ensino médio para que pessoas que se encon-tram afastadas da escola e principalmente da vida em sociedade, pos-sam assumir seu papel no mercado de trabalho, com formação técnica ecom uma visão mais clara do mundo do trabalho.

“Com o PROEJA busca-se resgatar e reinserir no sistema escolar brasileiromilhões de jovens e adultos possibilitando-lhes acesso a educação e aformação profissional na perspectivas de uma formação integral”. (Docu-mento Base PROEJA. 2005a, p. 3).

De modo geral, os alunos do PROEJA e do EMA pertencem a umgrupo que já passou pela Escola e, por algum motivo, abandonou os estu-dos, ou, pode-se dizer, foi excluído da oportunidade de escolarização denível médio. São alunos de diferentes faixas etárias, trabalhadores oudesempregados, que chegam cansados do emprego ou sem perspectivade vida e que necessitam de um ambiente acolhedor e confortável. Sãooriundos de diferentes locais da cidade, de diversas etnias e pertencen-tes a diferentes camadas sociais com predomínio de alunos de baixarenda moradores das periferias.

Esses alunos buscam na escolarização além do resgate de sua for-mação para poder competir no mundo do trabalho, um espaço de socia-lização. Uma vez que a escola é sem dúvida um importante e decisivoespaço de convivência. Nessa perspectiva, o retorno à escola, assumeoutro papel importante para a sociedade à medida que pode propiciar,além da reintegração escolar a reintegração social. É importante consi-

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derar que a escola como diz Dayrell (1996) tomando com referência asanálises de Ezpeleta e Rockwell (1986) é um espaço sócio-cultural es-pecífico, ordenado em dupla dimensão: a institucional e a cotidiana,

“Institucionalmente, por um conjunto de normas e regras, que buscamunificar e delimitar a ação dos seus sujeitos. Cotidianamente, por umacomplexa trama de relações sociais entre os sujeitos envolvidos, que in-cluem alianças e conflitos, imposição de normas estratégias individuais,ou coletivas, de transgressão e de acordos. Um processo de apropriaçãoconstante dos espaços, das normas, das práticas e dos saberes que dãoforma à vida escolar”. (ibid. 1996a, p. 136).

A oferta de escolarização de qualidade para jovens e adultos signi-fica superar os problemas históricos da exclusão escolar reforça a ne-cessidade de planejamento dos espaços e das condições físicas na ofer-ta dessa e de todas as modalidades de ensino. Pensando no compromis-so das escolas com a inclusão dos jovens e adultos trabalhadores, reali-zei essa pesquisa sobre a relação dos jovens e adultos alunos do CEFETcom os espaços da escola.

A busca de qualidade reforça a necessidade de planejamento e daadequação dos espaços e das condições físicas para a oferta dessa e detodas as modalidades de ensino e o compromisso das escolas com ainclusão dos jovens e adultos trabalhadores.

Os Prédios Escolares – A importância doespaço para a aprendizagem

Todas as construções, urbanas e rurais, devem obedecer às Nor-mas Técnicas e aos Planos Diretores de seus municípios. No caso dasescolas, essas exigências são complementadas por legislação específicae definidas em Pareceres e Resoluções dos órgãos normativos dos siste-mas educacionais: os Conselhos de Educação (Nacional, Estadual ouMunicipal), que estabelecem as condições mínimas necessárias paraimplantação de uma Escola, inclusive as que dizem respeito aos prédiosescolares e às condições físicas necessárias, pois as “escolas são umespaço cultural próprio” (Dayrell, 1996, p.47), com destinação específi-ca e, por essa razão, exigem uma arquitetura também específica. Asnormas têm como objetivo criar um ambiente seguro e propício ao cum-primento dos objetivos das instituições escolares – o cumprimento dodireito à educação com qualidade.

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É importante considerar que

“A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras. Desde aforma da construção até a localização dos espaços, tudo é delimitadoformalmente, segundo princípios racionais, que expressam uma expectati-va de comportamento dos seus usuários. (Dayrell, 1996b, p. 147).

Para Moussatche, Alves-Mazzotti e Mazzotti (2000) as edificaçõescomo ambientes psicossocialmente representados, influenciam na rela-ção afetiva da população com a escola; os prédios escolares sãoconstruídos num âmbito social complexo que alguns seres humanos cri-am e outros recriam, e estes, serão vividos por alunos. Assim sendo aedificação escolar representa a idéia de escola criada por alguns grupospara atender a um usuário que não participa ativamente do processodecisório. Desta forma, a arquitetura escolar tem papel relevante noprocesso de construção social.

Os espaços destinados aos alunos que freqüentam as classes deEducação de Jovens e Adultos nas escolas costumam ser os mesmosutilizados para as chamadas classes regulares. No CEFET, da mesmaforma, os espaços utilizados para as turmas do PROEJA e do EMA nãocostumam ser espaços especiais, resultado de um planejamento, ou deuma adaptação das condições já existentes. Esse fato pode provocar aevasão, visto que os alunos, por não se sentirem confortáveis dentro doambiente escolar, encontram motivos para desistir mais uma vez da esco-la. Os ambientes a eles destinados devem tornar-se atrativos e adequadosà sua realidade, fazendo com que continuem seus estudos.

Alguns autores já se dedicaram a estudar os prédios e espaçosescolares entre eles João Roger de Souza Sastre7 que, estudou os prédi-os escolares em Pelotas e Beatriz Fedrizzi8 que pesquisou os pátios es-colares em Porto Alegre, Helena Moussatche, Alda Judith Alves-Mazzottie Tarso Bonilha Mazzotti (2002), que estudaram os prédios escolares dequatro escolas públicas do Rio de Janeiro.

Sastre destaca a importância do espaço onde acontece o processoeducativo pois “onde acontece o ato de educar, faz-se necessário dis-cutir a educação não só no âmbito pedagógico, mas também deve-sedestacar a questão do prédio que irá abrigar a escola”(2001, p.24).

7 SASTRE, João Roger de Souza. Dissertação de Mestrado: “Edifícios Escolares na Cidade dePelotas”. Pelotas- UFPel, 2001.8 FEDRIZZI, Beatriz. A Organização Espacial em Pátios Escolares Grandes e Pequenos –UFRGS. mimeo, s/ data.

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Para a aprendizagem, não só os métodos didáticos são importan-tes, o ambiente pode ter significável influência. O planejamento de esco-las deve começar e terminar com o aluno. Os prédios escolares nãopodem ser reduzidos apenas a um abrigo construído para alunos e pro-fessores e tampouco ser apenas um depósito de material de ensino. Aose considerar todos esses aspectos, estará sendo oferecido condiçõesnecessárias tanto às atividades escolares quanto ao bem estar físico eemocional dos alunos.

Partindo do princípio de que a escola, como a conhecemos, existeporque existem alunos, todo seu planejamento deve ser com o objetivode dar-lhes condições de estudo de qualidade o que inclui os prédios e ascondições físicas da escola.

Ao estudar o espaço escolar, Luciano Mendes de Faria Filho9 des-taca que

“no seu conjunto, o espaço escolar, materializado no prédio do grupoescolar, bem como nas suas divisões e subdivisões internas, no seu afas-tamento da casa e na sua separação da rua, produziu, tanto quanto foiproduto, de uma nova forma e cultura escolar que, em seu movimento deconstituição, foi o palco e a cena de apropriações diversas, produzindo eincorporando múltiplos significados para um mesmo lugar projetado pelaarquitetura escolar”.

Embora nos últimos anos, tenha se observado uma significativamelhoria nas condições físicas das escolas é muito comum encontra-rem-se escolas, principalmente da rede pública, com mobiliário deterio-rado e inadequado, sinais de vandalismo, pisos danificados, salas de aulacom maior número de alunos do que o recomendado. O estado precáriode alguns edifícios escolares indica a falta de políticas públicas efetivasno sentido da sua melhoria.

A análise de todos os aspectos que envolvem essas construçõespode-se dizer que muitas vezes os espaços, não sendo próprios para oensino, tornam-se espaços mal dimensionados. Algumas vezes, não per-mitem o acesso do aluno a alguma parte da escola, pois foram criadas eprojetadas para um outro uso.

A importância do edifício escolar na educação e necessidade desua adequação aos objetivos a que se destina, estão muito claras nospareceres do Conselho Estadual de Educação que regulamentam a ofer-

9 FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O espaço escolar como objeto da história daeducação: algumas reflexões. Revista da Faculdade de Educação ISSN 0102-2555 versãoimpressa, v.24 n.1. São Paulo - jan./jun. 1998.

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ta do ensino fundamental (Parecer nº 1400/2002) e do médio no RioGrande do Sul (Parecer nº 580/2000).

Sendo a escola um espaço de convivência e socialização, os seusespaços não se limitam às salas de aula e laboratórios, os espaços deconvivência e lazer também são importantes.

A Engª Agrônoma Drª Beatriz Fedrizzi10 destaca a importância dospátios escolares em relação aos tamanhos, seus usos, não só pedagógi-cos, mas proporcionando sociabilidades.

Estudos das condições dos pátios escolares e a indicação de possibi-lidades de melhorias nortearam sua pesquisa. Ela mostra que as limitaçõesnos espaços oferecidos aos alunos para os intervalos de aulas, diminuemas possibilidades de interação dos alunos como o ambiente que os cerca.Ela encontrou, nas escolas de Porto Alegre, dois tipos de pátio que classi-ficou de: grandes e pequenos e mostrou que a dimensão do pátio condicionaas atividades dos alunos. Disse também que como não é possíveldesconsiderar, nem alterar essas diferenças os pátios devem ser planeja-dos de acordo com a sua dimensão para propiciarem as melhores condi-ções de uso pelos alunos. Esse uso é diferente de acordo com o tamanhodo espaço e que segundo a autora “...os espaços devem ser flexíveispara poder proporcionar múltiplos acontecimentos” (p. 2 ).

As alternativas propostas pela autora mostram o papel que os espa-ços escolares fora da sala de aula têm na formação dos alunos pela interação.Ela sugere que sejam planejadas algumas áreas pequenas e íntimas, outrasgrandes e desafiantes para os alunos. As diferentes qualidades de áreas,juntamente com diferentes tamanhos e formas e também com os objetosque os compõem, permitem diferentes atividades.

Os Prédios Escolares nos Pareceres Nº 580/2000e Nº 1400/2002 do CEED

O Parecer nº 580/2000 do Conselho Estadual de Educação do RioGrande do Sul11, estabelece diretrizes para o funcionamento das escolaspúblicas e privadas no estado, estabelecendo parâmetros para a constru-ção de prédios escolares para ensino médio e o Parecer nº 1400/2002,para prédios de ensino fundamental, inclusive para a Educação de Jo-vens e Adultos.

10 FEDRIZZI, Beatriz. A organização Espacial em Pátios Escolares Grandes e Pequenos –UFRGS. Mimeo, s/ data.11 Após a promulgação da Lei 9394/1996, a LDB, O Conselho Estadual de Educação do Rio Grandedo Sul, reformulou as diretrizes para a autorização de funcionamento das escolas no estado.

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Segundo o Parecer nº 580/2000 os prédios destinados à oferta deensino médio devem ser exclusivos para o funcionamento da escola e teracesso direto, oferecer condições de segurança e considerar fatores comohigiene, iluminação, acústica e temperatura.

Os espaços pedagógicos, como Salas de Aula, Laboratórios e Bi-bliotecas deverão oferecer condições mínimas de conforto, e estar ade-quados a sua finalidade, com medidas mínimas em relação à área doambiente, vãos de ventilação, iluminação natural e direta.

As áreas destinadas à prática de Educação Física, bem como osespaços de recreação devem também obedecer às normas estabelecidasnos pareceres.

Todas as dependências e ambientes devem dispor de instalaçõeselétricas necessárias ao bom funcionamento de equipamentos e apre-sentar iluminação artificial adequadas.

O número de alunos, por sala de aula, é considerado pela capacida-de máxima de cada sala de aula. A escola deve contar, também, comespaços para atividades conjuntas, que envolvam concentrações e reu-niões comunitárias, mostrando que existe a preocupação da integraçãoentre os alunos e a escola. Dessa forma, também possibilitará atividadescoletivas além da sala de aula. O acesso a esses espaços, tanto internacomo externamente, deve facilitar o deslocamento de pessoas portado-ras de necessidades especiais.

O Parecer nº 1400/2002, não obriga, mas recomenda, para a quali-ficação da oferta do Ensino Fundamental, a existência de outros espaçospedagógicos como laboratórios, salas de convivência para professores efuncionários, Ciências e Artes, que são obrigatórios para o ensino médio.

As escolas poderão ter características diferentes de acordo com asua localização, urbana ou rural, para estar de acordo com a realidadegeográfica em que estão inseridos. Os prédios localizados na zona ruralterão que atender aos pré-requisitos físicos mínimos de qualidade emrelação a instalações, equipamentos e recursos didáticos. As áreas paraEducação Física e Recreação poderão ser junto à escola ou em espaçodisponibilizado pela comunidade. Além disto, as escolas rurais terão tam-bém refeitório/cozinha e instalações sanitárias adequadas ao número deeducandos, como as urbanas.

A oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA) está contempla-da no Parecer CEED nº 1400/2002 no que se refere à qualificação do-cente específica, proposta pedagógica e recursos pedagógicos de acor-do com a natureza dos alunos e apropriados a essa modalidade de ensino(item 5.3).

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Com relação aos prédios escolares o mesmo parecer, apresentauma flexibilização quando se trata de oferta da EJA, possibilitando o usode espaços cedidos para atividades de Educação Física (item 6.2) e aocupação de edifício, preservadas as exigências de entrada exclusiva eidentificação (item 6.3).

A relação dos alunos do PROEJA e do EMAcom a estrutura do CEFET-RS

Para coletar dados sobre como e quais espaços são utilizados pelosalunos das turmas de EMA e PROEJA foi aplicado um questionário emsala de aula, com questões abertas e fechadas, de modo a apontar quaisos ambientes mais utilizados por esses alunos, quer na área pedagógica,quer na de lazer. Relacionando os ambientes com as atividades a que sedestinam, verificamos como os espaços escolares são ocupados por es-ses alunos, que outros ambientes julgam necessários e a quais ambienteseles não têm acesso.

Foram sujeitos da pesquisa os alunos de duas turmas: uma doPROEJA e uma do EMA, do Centro Federal de Educação Tecnológicade Pelotas, do turno da noite. Os alunos que freqüentam a turma doPROEJA são alunos na faixa etária entre dezoito e cinqüenta e cincoanos, todos moradores da cidade de Pelotas e a grande maioria proveni-ente dos bairros. Já os alunos que freqüentam a turma do EMA, sãoalunos na faixa etária entre vinte e sete e cinqüenta e seis anos, trêsalunos são moradores de cidade vizinha e os demais, oriundos de bairrose do centro da cidade.

A turma de PROEJA é composta de vinte alunos, doze do sexomasculino, e oito do sexo feminino, mostrando a predominância do sexomasculino no curso profissionalizante. Do total de alunos somente dozeresponderam o questionário. Desses, seis são do sexo masculino, cincodo feminino, um não marcou essa resposta.

A turma de EMA é composta de trinta e oito alunos, dez do sexomasculino e vinte e oito do sexo feminino, com marcante predominância dosexo feminino. Do total de alunos somente onze responderam à pesquisa.Entre os onze alunos, um é do sexo masculino e dez são do sexo feminino.

Constata-se que a turma de PROEJA, que é profissionalizante,tem um pequeno predomínio de homens, mas na turma de EMA, asmulheres são a maioria.

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Estes alunos são trabalhadores12 que estiveram afastados da esco-la por muito tempo e agora buscam dar continuidade aos seus estudos.No caso do PROEJA, para ter maiores oportunidades de inserção nomercado de trabalho.

Das respostas dos alunos constata-se que, além das salas de aula edos laboratórios, são poucos os outros espaços utilizados. As respostasindicam a vontade de usufruir das áreas de lazer e de práticas esportivas.

Sobre os espaços que mais utilizam no CEFET-RS para aprendiza-gem, na turma de PROEJA, todos responderam a Sala de Aula, dezincluíram os Laboratórios; cinco citaram a Biblioteca e cinco, o Auditó-rio. No que se refere ao Lazer; onze responderam que freqüentam osJardins; cinco, o Auditório e cinco, a Cantina. Para a pergunta sobreespaços utilizados em Outros Momentos; seis responderam a Cantina;quatro, os Jardins e o Abrigo de Bicicletas.

Entre os espaços que os alunos julgam não existirem e necessários,quatro não responderam; cinco acham que está ótimo; um não sabe; umdiz que não houve tempo de utilizar todos os espaços e somente umsugeriu a necessidade de um espaço para integração alunos/alunos ealunos/professor, no intervalo.

A respeito da dificuldade de acesso a algum espaço, cinco alunosnão responderam; seis responderam que não tiveram dificuldade e umrespondeu que não buscou com medo de se perder.

Na turma de EMA, da mesma forma, todos responderam ser aSala de Aula o principal espaço de aprendizagem, sete incluíram osLaboratórios; dez utilizam a Biblioteca e sete, o Auditório. Para lazer, umvai a Biblioteca, um para o Refeitório e um utiliza os Jardins, os outrosnão responderam. Quando à questão sobre o uso em outros momentos,um respondeu o Gabinete Médico.

O item referente aos espaços que julgavam necessários, obtevesomente três respostas: um gostaria de Educação Física, esportes paraa EMA; outro gostaria de usufruir a Piscina e o terceiro respondeu oRefeitório.

Sobre a dificuldade de acesso a espaços um declarou não ter aces-so ao refeitório, três não enfrentaram essa dificuldade e seis alunos nãoresponderam.

Analisando as respostas, constata-se que, para as atividades peda-gógicas, tanto os alunos do PROEJA quanto os do EMA citam, além dasSalas de Aula, o uso dos Laboratórios como um espaço de aprendiza-

12 Entendemos assim porque no CEFET, é pré-requisito ser trabalhador para cursar aulas noturno da noite.

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gem. A utilização da Biblioteca e do Auditório, no processo pedagógico,também são citados como espaços de aprendizagem, mas por um menornúmero de alunos.

As áreas de Lazer eles acreditam serem necessárias, tanto queenumeram os Jardins e a Cantina e indicam que há falta de um espaçomais adequado à integração entre os alunos e com os professores.

O que chamou a atenção, e deve ser motivo de avaliação pelaadministração e coordenação pedagógica, foi a afirmação de um alunode que tem “medo de se perder” e que por isso não procurou outrosambientes. Pode acontecer de outros alunos enfrentarem esse mesmosentimento sem declarar, e com isso ficarem tolhidos na sua movimenta-ção no âmbito da Escola.

A falta de acesso ao ambiente do Refeitório é apontada por umaluno em cada turma, como não dizem o objetivo para o acesso ao Re-feitório e, sendo esse um espaço reservado às refeições, pode-se dedu-zir que gostariam de ter refeições ou um espaço mais tranqüilo paracomer o que trazem. Será essa uma política necessária para que conti-nuem seus estudos.

Conclusão

O presente trabalho buscou delinear como os alunos das turmas deEducação de Jovens e Adultos do CEFET-RS, Pelotas, se relacionamcom e quais os espaços mais utilizados para a aprendizagem.

Uma vez que a Escola tem como objetivo contribuir para que seusalunos tornem-se indivíduos capazes e cidadãos participativos, é neces-sário que ele encontre um prédio acolhedor e com condições mínimas,que permitam o seu desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos.

Se a educação de Jovens e Adultos tem como objetivo possibilitaraos trabalhadores e a outros segmentos da sociedade, a reentrada no sis-tema educacional, dando-lhes a condição de escolarizado e possuidor deconhecimentos sistematizados, faz-se necessário que além da formaçãode docentes para a área de educação de Jovens e Adultos, sejam ofereci-dos ambientes adequados tanto no que se refere aos ambientes pedagógi-cos, propriamente ditos, como Salas de Aula, Laboratórios e Oficinas, comotambém áreas destinadas a Lazer e Esportes que terão a importância paraa socialização e a construção da auto-estima dos alunos.

É fundamental que o prédio escolar ofereça condições mínimaspara um ensino de qualidade e sejam adequados às Normas Técnicas, os

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Pareceres e os Planos Diretores das cidades que se respeitados, certa-mente, a oferta será de espaços bem aproveitados.

Ambientes pedagógicos bem dimensionados e planejados, assim comoespaços de Lazer e atividades de Educação Física, possibilitarão integraçãoaluno/aluno e aluno/escola. Esse conjunto de situações contribui para a for-mação social do aluno e abre um amplo caminho de aprendizagem, visto queo aprendizado não se dá somente na Sala de Aula.

Outro aspecto que se deve considerar que os Pareceres em deter-minado momento abre a possibilidade de alternativas paliativas, permi-tindo uma adequação. Abre-se dessa maneira, uma flexibilização de acor-do com área onde a Escola encontra-se inserida.

Finalmente, ao tratar-se da relação com os prédios e as condiçõesfísicas para o desenvolvimento das propostas pedagógicas para Educa-ção de Jovens e Adultos de oferta de EJA, no CEFET-RS, PELOTAS,pode-se concluir, em primeiro lugar, que os espaços utilizados são osmesmos destinados às turmas regulares, com exceção do Refeitório.Dos resultados da pesquisa, pode-se concluir que os alunos do PROEJAe do EMA utilizam os mesmos ambientes físicos quer para atividadespedagógicas, quer para o lazer e a maioria é de parece ter atendidas assuas necessidades básicas.

Os prédios e espaços escolares fazem parte uma arquitetura que“...é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso queinstitui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem,disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora etoda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais etambém ideológicos” ([Escolano, 1998, p. 26] apud, Vieira, 2000, p2).

Por essas razões, é preciso dar atenção aos indicadores que apon-tam a necessidade de espaços para maior integração e, embora tenhasido referido apenas por um aluno, é preciso considerar a dificuldadedesses alunos, que, diferentemente dos alunos que desenvolvem regular-mente a sua trajetória escolar, não estão familiarizados com os ambien-tes escolares e que as dimensões e organização/distribuição dos espaçosno CEFET podem ser estranhos e apresentar dificuldades de circulação.

Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação.Lei nº9.394, de dezembro de1996. Rio de Janeiro: Casa Editorial Pargos, 1997.

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AVALIAÇÃO DOS ESTUDANTES DOPROEJA: EM BUSCA DA INOVAÇÃO

Cristiane Regina Ferrari 1

Conceição Paludo2

Introdução

O presente estudo sobre a avaliação de aprendizagem dos estu-dantes do PROEJA (Programa de Integração da Educação Profissio-nal Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Jovense Adultos), resulta do anseio em ampliar os aspectos teóricos sobre oreferido tema que é bastante polêmico, relativamente novo e poucopesquisado. A investigação teve a intencionalidade de averiguar comoocorre o atual processo avaliativo dos estudantes do PROEJA, doCEFET–BG (Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gon-çalves/RS). Para a análise, parte-se da compreensão de que a avalia-ção deve servir para diagnosticar e orientar as estratégias de ação doprocesso de ensino e aprendizagem e que deve ser processual, contí-nua, emancipatória e formativa.

A proposição do PROEJA evidencia que a avaliação tem o papelde priorizar a qualidade e o processo de aprendizagem. Nesse sentido, aavaliação deve buscar a re(construção) do conhecimento, considerandoo sujeito criativo, autônomo, participativo, reflexivo e capaz de transfor-mar a sua realidade e a da sociedade em que está inserido.

1 Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, professora deCiências Biológicas na modalidade de jovens e adultos.Este artigo, realizado para cumprir orequisito parcial para obtenção de título de especialista em Educação Profissional Técnica deNível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos,realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Centro Federal de EducaçãoProfissional e Tecnológica de Bento Gonçalves.2 Professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul, da Faculdade de Porto Alegre(FAPA), Dra. Em Educação, orientadora do Trabalho de Conclusão de curso da autora dopresente artigo.

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A instituição pesquisada é pública federal e atende os alunos doPROEJA, através do curso Formação Inicial e Continuada de Trabalha-dores de Nível Médio, com Habilitação em Assistente em Comércio eServiços,3 que iniciou em 2006.

A pesquisa desenvolvida pode ser caracterizada como um estudo decaso. Assume-se, entretanto, a perspectiva metodológica de articulaçãoentre a parte e a totalidade na qual está inserida. Conforme Trivinos (1995),o estudo de caso é um dos tipos mais relevantes da pesquisa qualitativa,emprega uma estatística simples e tem por objeto de estudo uma unidadeque é analisada profundamente dentro do contexto geral. Conforme Minayo(1994) a pesquisa social qualitativa se constrói numa relação dinâmicaentre a razão daqueles que a praticam e a experiência que surge na reali-dade concreta sendo, os resultados, uma aproximação da realidade4.

O texto a seguir, será apresentado em três momentos distintos: oprimeiro apresenta algumas conclusões a respeito da EJA, no Brasil,baseadas no estudo de diversos autores; o segundo aborda a teoria daavaliação sob o ângulo de duas principais concepções avaliativas e sobrea proposição do PROEJA e da Escola pesquisada. O último momentocompreende a análise e discussão dos resultados sobre a forma como éprocessada a avaliação na instituição estudada. Finalmente, apresenta-mos alguns indicativos para avançar na implementação da proposta deavaliação de cunho formativo / emancipatório.

Educação de Jovens e Adultos no Brasil:algumas constatações

Ao longo da segunda metade do século XX houve um importantemovimento de ampliação de ofertas de vagas no ensino público, porém,ainda insuficiente. Essa ampliação de oferta não foi acompanhada de umamelhoria na qualidade de ensino, produzindo um contingente de jovens eadultos analfabetos funcionais ou incapazes de fazer a leitura crítica darealidade da sociedade em que vivem (Haddad & Di Pierrô, 2000).

3 Conforme o Plano de Curso (2006), o curso está dividido em duas fases: 1) Formação Iniciale Continuada de Trabalhadores, com 1200 horas de formação geral de nível médio, integradaa uma formação profissional de 200 horas, voltada para o mundo do trabalho; 2) Compostapor módulos direcionados para a formação técnico-profissional (600 horas), abarcando ocurso de educação profissional técnica de nível médio.4 Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: um questionário qualitativo para estudantese professores, contendo perguntas gerais sobre o PROEJA e perguntas específicas sobresistema de avaliação de ensino e aprendizagem, análises de documentos da instituição e doPROEJA e conversas informais com a comunidade escolar. Foram aplicados 27 questionáriospara os estudantes de PROEJA e 10 para os professores que atuam com o PROEJA, obtendoum retorno de 22 e 05 questionários respectivamente.

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Fazendo um balanço, após o estudo de diversos autores,5 percebe-mos várias expressões da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no cená-rio nacional. Expressões construídas pelas intencionalidades, interesses econflitos entre as classes sociais, através dos vários segmentos, grupos erepresentações que as compõem, no espaço do Estado ou da SociedadeCivil. Estas expressões estão fundamentadas em idéias, conceitos, discur-sos e ações que revelam projetos diferentes de sociedade e de Brasil.

A falta de qualidade de ensino, caracterizada pelas metodologias ecurrículos padronizados e distantes da realidade dos alunos, o processoavaliativo classificatório e excludente e a situação de extrema pobrezade uma grande parcela da população acaba por excluir da escola muitascrianças e adolescentes antes de concluírem os estudos. Dessa forma,nos últimos anos, a EJA vem perdendo sua identidade, pois, além deoportunizar formação aos adultos trabalhadores que não tiveram oportu-nidade de concluir os estudos em tempo hábil, está absorvendo uma grandecontingência de adolescentes excluídos do ensino “regular” e que estãoem busca de “aligeiramento” dos estudos.

Percebe-se, também, que em toda a trajetória, a EJA foi marcada poriniciativas descontinuadas e de caráter voluntariado. Porém, destacam-setrês momentos importantes para EJA: a política pública de alfabetização dePaulo Freire, anterior a 1964; o MOVA, na década de 1990; que mesmonão-governamental/nacional travou lutas importantes, problematizando odescaso com a EJA; e o PROEJA que, embora não se constitua em umapolítica pública, busca ser inovador nos seus ideais emancipatórios.

A experiência histórica mostra, igualmente, que uma educação dequalidade requer professores devidamente preparados e qualificados. Po-rém, a rotatividade de docentes devido à falta de carreira específica paraEJA e a inexistência de equipes direcionadas à educação de jovens e adul-tos impedem a formação de um corpo técnico especializado e dificulta aorganização de projetos pedagógicos específicos para esta modalidade.

Tratando-se de educação de qualidade muito se tem a fazer aindapela EJA, já que o setor público ainda não encontrou uma maneira eficazde elevar a escolaridade das camadas populares. As aprendizagens mí-nimas e de qualidade dessa contingência da população precisam ser sa-nadas, através de oferta permanente de educação, garantida por políti-cas públicas que visem à formação humana e científica, associada auma ampliação de oportunidades de trabalho, melhor distribuição de ren-da e maior participação política.

5 Haddad & Di Pierro (2000), Aranha (1996), Brandão (2001), e Frigotto (2004).

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Teoria da avaliação, proposição de avaliaçãodo PROEJA e do CEFET-BG

O tema avaliação vem sendo muito discutido entre a comunidadecientífica, educadores e teóricos. Isso ocorre devido à necessidade decompreender a avaliação como parte extremamente relevante do pro-cesso de aprendizagem. A avaliação com características classificatórias,niveladoras e excludentes, ainda presentes no cotidiano escolar, geradesconforto e conflito no momento em que aos poucos se dissemina umanova concepção de avaliação da aprendizagem. A nova concepção,emancipatória, processual, contínua, mediadora e formativa se apresen-ta contextualizada, inserida em uma sociedade com uma problemáticasócio-político-cultural e econômica (Abramowicz, 1990).

Abordar a avaliação supõe, necessariamente, a análise de toda apedagogia que se pratica. Para Sacristán (1998), a avaliação é explicadapela forma como são realizadas as funções que a escola desempenha e,portanto, está condicionada por aspectos sociais, pessoais e institucionais,incidindo sobre os demais elementos envolvidos na escolarização. Nessesentido, a forma como o ensino é concebido, o entendimento do que éaprender, do papel da escola, está intimamente relacionado com a formade avaliar.

No nosso entendimento, a avaliação é um processo político a ser-viço da sociedade na busca do aperfeiçoamento da educação e dopleno desenvolvimento cidadão. Nesse sentido, a prática avaliativa devearticular-se com os objetivos, a metodologia, o conteúdo e todo o pro-cesso de ensino e aprendizagem, ou seja, a instituição de ensino preci-sa ter claro quando avaliar, como avaliar, o que avaliar, para que avali-ar e para quem avaliar. O eixo central do processo didático escolarestá dado pela relação entre objetivos e avaliação que modula o parconteúdos/métodos (Freitas, 2003). Para tal, parte-se da construçãocoletiva do Projeto Político Pedagógico6 e do Currículo7 que devem sersustentados por um referencial teórico pedagógico e político que dêidentidade à instituição escolar.

A fragmentação dos conteúdos escolares impõe uma estratégia deavaliação fragmentada que estimula de forma negativa a competição

6 O projeto político pedagógico é o projeto global da escola, deve ser reavaliado e reorientadoconstantemente, uma vez que diz do rumo e da direção que a instituição vai perseguir deforma intencional e explícita.7 O currículo, por sua vez, é uma construção social do conhecimento, pressupondo a sistema-tização dos meios para que esta construção se efetive.

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pelos melhores resultados, inibindo a solidariedade e o companheirismo.Nesse sentido, o currículo deve reduzir o isolamento entre as disciplinas,oportunizando, assim, menor fragmentação dos conteúdos e maior com-preensão dos aspectos sociais, visando buscar uma alternativa frente aessa prática hegemônica.

Na prática predominante, a avaliação feita pelo professor se fun-damenta na fragmentação do processo ensino/aprendizagem e na classi-ficação das respostas dos educandos, a partir de um padrão pré-estabe-lecido, onde a diferença de respostas quanto ao pré-estabelecido é cha-mado de erro e, a semelhança, de acerto. Conforme Luckesi (1995), aavaliação dominante se processa, muitas vezes, de forma reducionista,através da aplicação de testes, trabalhos e provas, aos quais se atribuium valor que deve corresponder ao nível qualitativo da aprendizagem doaluno. Para Sacristán (2000 p. 317), esse “procedimento funcionaria comouma “rotina” que agiliza o processo de avaliação por parte do professor.

O processo de aferir a aprendizagem escolar impõe aos estudantesconseqüências negativas, uma vez que o sujeito não adquire autonomiapara atuar como efetivo cidadão e por viver sob a ameaça da reprova-ção. Segundo Abramowicz (1990, p.03) “observamos a marca inconfun-dível do controle”. Através da “medida” de aprendizagem a escola tenta“moldar” o aluno dentro do padrão considerado normal/ ideal.

Desenvolver uma nova postura avaliativa nas escolas requer recons-truir a concepção e a prática avaliativa rompendo com a cultura dememorização e do professor como detentor do saber, visando uma práticapedagógica comprometida com a inclusão, com o respeito às diferenças,com a construção coletiva do conhecimento (Esteban, 1999). Para tal, deve-se ter um olhar mais atento, uma escuta densa e uma intuição apurada.

Numa perspectiva de avaliação emancipatória e democrática part-se do pressuposto de que se defrontar com dificuldades é inerente ao atode aprender, porém, se respeitado o tempo e a especificidade de cadaaluno, todos são capazes de aprender. Utilizada de forma transparente eparticipativa, a avaliação permite ao aluno reconhecer suas próprias ne-cessidades, desenvolver a consciência de sua situação escolar e orientarseus esforços na direção dos critérios de exigência da Escola. A propos-ta do PROEJA aposta na adaptação do tempo/espaço às especificidadesdos sujeitos que atende, tanto no sentido de permitir o acesso à escolaem turnos contrários ao trabalho, quanto no respeito ao tempo de apren-dizagem de cada um. Torna-se necessário elaborar uma propostaavaliativa que atenda ao alto grau de expectativa que esses sujeitos pos-suem no retorno à escola.

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A proposta avaliativa no documento base do PROEJA (2006), apre-senta a avaliação como forma de priorizar a qualidade e o processo deaprendizagem. Dessa forma, a avaliação deve ser desenvolvida numa pers-pectiva processual e contínua, por meio de um processo interativo queconsidere o aluno capaz de transformações significativas na realidade.

Conforme plano de curso da instituição, a proposta avaliativa doPROEJA do CEFET-BG apresenta a avaliação como um processo con-tínuo de formação, cujo foco é a emancipação dos sujeitos que partici-pam do processo educacional, na qual os mesmos desenvolvem concei-tos8 previamente definidos, por meio da apreensão de objetos do conhe-cimento relacionados as diferentes disciplinas, indo ao encontro, sempreque possível, da Rede Temática constituída e apresentada aos alunos.

Nesta proposição, portanto, todos os sujeitos podem avaliar e ser ava-liados, tendo como formas a avaliação individual, a auto-avaliação9 e a ava-liação coletiva10. A expressão final da avaliação ocorre através de pareceresdescritivos que apresentam os conceitos já construídos, de modo que o alunoprogrida de um módulo para outro ou permaneça no mesmo módulo.

O PROEJA e a avaliação dos estudantes

No que diz respeito ao objetivo dessa pesquisa, ou seja, saber comoocorre a avaliação dos alunos do PROEJA do CEFET-BG, foram encon-tradas algumas contradições nas respostas dos pesquisados, bem como,algumas divergências em relação ao Plano de Curso do PROEJA doCEFET–BG, embora se tenha verificado esforços para obter avanços.

No que se refere aos estudantes, 20%11 entendem a avaliação comoparte da aprendizagem, de maneira a subsidiar o crescimento do aluno e omelhoramento do processo de ensino e aprendizagem. O restante acreditaque a avaliação é uma forma de testar o conhecimento adquirido. Seguemalgumas expressões escritas pelos alunos: “è importante pelo motivo que oaluno se esforça mais para adquirir a nota para a aprovação; o professoravalia pela freqüência e participação”. Apesar de afirmarem que a avalia-ção é verificada através de conceitos e não medida por notas, os alunos

8 Os conceitos são previamente discutidos com os professores e alunos e são de conhecimen-to de todos. Exemplos de conceitos: argumentação: apresentar justificativas com coerênciaàs idéias; discernimento: distinguir situações diferentes.9 A auto-avaliação consiste em uma planilha onde o aluno coloca a manifestação de suaaprendizagem, através dos conceitos trabalhados em cada disciplina.10 A avaliação coletiva consiste em um conselho participativo, onde os resultados são discu-tidos pelos professores conjuntamente com os estudantes.11 Esta pesquisa foi efetivada através da aplicação de questionários e entrevistas, realizadoscom 05 professores e 22 alunos, da turma do PROEJA, do CEFET-BG.

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entendem a avaliação como caminho para aprovação ou reprovação, queé medida através de uma demonstração de aquisição de conhecimento.

Cerca de 82% dos alunos afirmaram serem avaliados diariamente,porém, quando solicitado para descrever o modo como são avaliados,não sabem responder ou deram respostas incoerentes. Percebem-se,portanto, equívocos na aplicação da avaliação contínua e participativadescrita no Plano de Curso (2006) do CEFET-BG. Isso retrata um pro-blema não apenas da instituição, mas do sistema de educação brasileiro,onde as políticas educacionais são impostas pelos governantes e não sãodiscutidas com os verdadeiros responsáveis pelo processo educativo:professores e alunos. Ainda, além da falta de discussão com a escola,antes da implantação do PROEJA, o tempo de implantação foi muitocurto, impossibilitando, assim, a devida preparação docente e conseqüentepreparação discente. Cerca de 18% acreditam não serem avaliados dia-riamente ou estão incertos quanto a esse quesito: “Eu acho que não meavaliam”; “Acho que sim, verbalmente”.

Quanto ao modo de verificação dos objetivos das avaliações, cercade 60% afirmam ser através de conceitos, enquanto 40% não consegui-ram estabelecer uma definição citando que a avaliação ocorre por traba-lhos, por auto-avaliações, participação e freqüência em sala de aula eparecer descritivo. Isso nos indica pouco trabalho participativo junto aosalunos sobre a concepção, os objetivos, a metodologia e avaliação doPROEJA. Dessa forma, sem a devida compreensão da nova propostapedagógica, a avaliação é vista pelos alunos como “fácil”, sem provas,diferente da avaliação da escola regular, porém, não como forma deinclusão e formação cidadã, apenas como forma de certificação rápidados excluídos da escola.

Como vimos anteriormente, a proposta da escola possibilita quetodos os sujeitos avaliem e sejam avaliados, tendo como formas à ava-liação individual, a auto-avaliação e a avaliação coletiva. No entanto,alguns alunos citam a dificuldade de se expor na auto-avaliação ouavaliação coletiva. Isso nos remete a um problema de planejamento eincentivo para a avaliação participativa, onde o objetivo é identificar ocaminho percorrido na aprendizagem e apresentar possíveis medidaspara atingir os conceitos ainda não construídos. Nesse sentido ficadifícil realizar uma efetiva auto-avaliação ou avaliação coletiva, quan-do os sujeitos avaliados desconhecem ou estão incertos quanto ao modoavaliativo. A auto-avaliação requer do aluno o conhecimento de suaatual situação de aprendizagem, baseado nos conceitos trabalhadosnos mais diversos conteúdos.

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Mesmo inseguros, 50% dos alunos aprovam a proposta avaliativa atu-al; 25% gostariam de ser avaliados através de provas, testes e conseqüenteclassificação por notas e os outros 25% gostariam de ser avaliados somenteno final do semestre. A parcela de alunos (25%) que prefere provas e notasrepresenta os sujeitos mais jovens e com menor tempo de afastamento daescola. É possível fazer duas reflexões sobre esse aspecto: ou os mais jo-vens têm mais dificuldades de entender o novo processo, por estarem acos-tumados com notas, enquanto os mais velhos o entendem, por terem sidoafastados do sistema escolar devido à avaliação classificatória e exclusiva,ou a nova proposta avaliativa não está bem clara, causando insegurança.

No que se refere à posição dos professores, 40% disseram que aavaliação é feita através de uma listagem de conceitos, 40% citaram arealização de um trabalho coletivo e uma avaliação individual em cadadisciplina, com critérios estabelecidos pelo professor e uma professoramostra-se afinada com o projeto político pedagógico da instituição, quan-do escreve que a avaliação é contínua e visa diagnosticar a aprendiza-gem. Quanto à forma de retorno da avaliação durante o processoavaliativo, a maioria se restringiu à devolução dos trabalhos e provas deforma coletiva ou individual. Alguns citaram, ainda, a conversa e a dis-cussão dos resultados com o grupo de alunos. Para os professores, aavaliação é vista como uma forma de verificar o aprendizado e de cons-trução do saber, porém, um professor salienta que os alunos se dedicammais quando tem uma avaliação e que isto é importante para conscientizá-los da necessidade de avançar. Ainda, expressam que, para ser formativa,a avaliação precisa estar de acordo com o conteúdo trabalhado.

Quando questionados quanto à maneira ideal de avaliação no PROEJA,60% dos professores defendem a atual forma e incentiva a sua manuten-ção. A análise da escrita de dois professores mostra a necessidade de mu-dança e aperfeiçoamento no sistema avaliativo da instituição, quando colo-cam que a avaliação deve ser o mais ampla possível, com todos os aspectosrelevantes contemplados e que contribua para a aprendizagem do aluno.

Apesar do PROEJA do CEFET-BG ter uma concepção Freirianavoltada à educação popular e, conseqüentemente, a uma proposta de ava-liação formativa/emancipatória, alguns aspectos, como vimos, demons-tram a dificuldade do corpo docente do PROEJA de alterar a concepção eprática da avaliação e fazer a diferença na escola, uma vez que todas asoutras modalidades de ensino da instituição trabalham com uma avaliaçãoclassificatória e somatória. Percebe-se, assim, a fragmentação e a desar-ticulação entre as modalidades de ensino oferecidas pela instituição. Damesma forma, torna-se difícil colocar em prática a avaliação formativa/emancipatória sem uma efetiva formação dos professores.

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Para avançar na avaliação formativa/emancipatória

Conforme pudemos perceber através da análise do Projeto PolíticoPedagógico da Instituição, o curso de PROEJA possui uma concepção,uma infraestrutura e uma forma avaliativa diferenciada, já que toda ainstituição trabalha de forma tradicional com conteúdos a seres transmi-tidos e avaliações através de provas e testes. Os resultados desta pes-quisa mostram que, para avançar, é preciso que os Projetos Político Pe-dagógicos globais das instituições incorporem o PROEJA, o que requermaior engajamento por parte de toda a comunidade escolar, para poderoferecer uma educação de qualidade aos jovens e aos adultos.

Nesse sentido, a formação continuada de professores deve ser fei-ta numa estreita relação com a prática cotidiana, com acompanhamentosistemático, para que se possa garantir algum retorno ao trabalho efetivoem sala de aula. Os “treinamentos” esporádicos, os cursos aligeirados esem continuidade garantida são instrumentos de desserviço a EJA, poiscriam expectativas que não serão correspondidas, frustram alunos e pro-fessores, reforçam a concepção negativa de que não há o que fazernesta modalidade de ensino (Haddad, 2000).

A mudança na avaliação deve ser acompanhada de uma autono-mia escolar, currículo flexível e contextualizado, formação continuada deprofessores, continuidade das propostas pedagógicas e os estudantesdevem ter condições de ir compreendendo esta nova perspectiva de ava-liação. Quando as mudanças ocorrem de forma fragmentada nas esco-las, seu efeito conjunto não alcança uma modificação substantiva naspráticas tradicionais.

Finalmente, através desse estudo sobre a avaliação dos estudantesdo PROEJA, conseguimos identificar que o PROEJA, de um modo ge-ral, é um programa inovador de caráter emancipatório, fundamentado naconcepção Freiriana e que busca uma avaliação processual e contínua.Apesar do esforço e dos avanços em relação à avaliação por parte doCEFET-BG, encontramos alguns professores ainda não preparados ealunos inseguros frente à nova forma avaliativa e pensamos que essefator é decorrente, também, da atual situação educacional brasileira e,conseqüentemente, da falta de preparo das instituições e professores, oque acaba dificultando a elaboração e implementação de propostas dife-renciadas e deixando os estudantes com poucas condições de umposicionamento mais consistente.

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Referências

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ARANHA, M. L.de A. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996.

BRANDÃO, C. R. De Angicos a Ausentes: 40 anos de Educação Popular. PortoAlegre / MOVA-RS: Corag, 2001.

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FREITAS, L. C. de. Ciclos, Seriação e Avaliação: Confronto de Lógicas.São Pau-lo: Moderna, 2003.

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HADDAD, S.(org.). O estado da arte das pesquisas em educação de jovens eadultos no Brasil - A produção discente da pós-graduação em educação noperíodo 1986 – 1998. São Paulo: Ação Educativa, 2000.

LUCKESI, C. C. Verificação ou Avaliação: O que pratica a Escola? Séries Idéias,São Paulo, n.8, p. 71-80. 1998. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/int_a.php?t=009>. Acesso em: 17 out. 2006.

MINAYO, M.C.de S. (org.) et al. Pesquisa social: teoria, método e criatividade.Rio de Janeiro: Vozes, 1994.

MORIN, E. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São Paulo:Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2002.

SACRISTÁN, J. G.; Gómez, A. I. P. Avaliação no Ensino. In: ______Compreen-der e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. Cap. 10.

SACRISTÁN, J. G. O Currículo avaliado. In:______. O currículo - uma reflexãosobre a prática. Porto Alegre, Artmed, 2000. Cap. 10.

TRIVINOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qua-litativa em educação. São Paulo: Atlas, 1995.

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UM ESTUDO DO CUSTO/ALUNO ECONDIÇÕES DE OFERTA EDUCACIONALNO CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃOTECNOLÓGICA DE BENTO GONÇALVES

Rosane Fabris1

Nalú Farenzena2

Introdução

Este artigo trata do custo/aluno no Centro Federal de EducaçãoTecnológica de Bento Gonçalves – CEFET-BG -, apresentando resulta-dos de uma pesquisa realizada nessa Instituição em 20063. Sãoidentificadas também algumas características de organização, funciona-mento e gestão escolar, a fim de discutir os custos associados a algumascondições de oferta educacional.

Na análise dos custos do CEFET-BG é dado relevo aos custosrepresentados pela turma do Programa Nacional de Integração da Edu-cação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos (PROEJA), comparando-os com os custos médiosda Instituição – o total e de cada modalidade oferecida.

Uma descrição bastante sintética dos procedimentos metodológicosda pesquisa é descrita no início deste texto. É feita, na seqüência, uma ca-racterização geral do CEFET, recolhendo elementos que auxiliam mais dire-tamente na apreciação dos custos e de condições para a oferta de um ensinode qualidade. Os custos estimados são o objeto do terceiro item desse artigo,

1 Técnica administrativa do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves,Especialista em Educação PROEJA.2 Professora da Faculdade de Educação/UFRGS, Dra em Educação, orientadora do Trabalho deConclusão de Curso da Autora do presente artigo.3 Este artigo aproveita parte de um trabalho de conclusão de curso realizado pela autora noCurso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada aoEnsino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, da Faculdade de Educação daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. O título deste trabalho é “Custo Aluno no CentroFederal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves” e foi orientado pela profª Nalú Farenzena.

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finalizando-se com comentários que sintetizam o conteúdo do artigo, assimcomo ponderam desafios para a pesquisa sobre custos educacionais.

Procedimentos metodológicos

Foram coletados os valores dos salários dos servidores ativos doCEFET-BG, a carga horária dos docentes e sua distribuição por cursos,com o objetivo de ratear seus salários entre as modalidades atendidas, osdados das matrículas efetuadas e o número de alunos no ano de 2006.

Foram coletados os valores da remuneração dos servidores técni-cos administrativos no mês de julho de 2006 e os do mês de outubro domesmo ano para os servidores docentes, meses esses em que não houvepagamentos atípicos. Quanto aos salários de funcionários terceirizados,considerou-se o valor pago à empresa contratada pelo CEFET-BG e nãoo valor que os trabalhadores efetivamente recebem. Nos salários dosestagiários foi acrescido o percentual de 10% pago ao CIEE - Centro deIntegração Empresa Escola, a título de taxa de administração.

Além disso, foi pesquisado o horário de funcionamento da Institui-ção, o número de turmas e de alunos no ano 2006, os dados dos servido-res referentes à função exercida, vínculo com a escola, carga horária eescolarização e também a gestão financeira do CEFET-BG. Importantesalientar que não foram levantados os custos de material de consumo,energia elétrica, água, gás e tampouco os valores de reposição do prédio,terreno e equipamentos existentes, uma vez que o tempo disponível eramuito curto para que fosse feito um levantamento tão detalhado. Assim,partindo dos 100 pontos percentuais, foi considerado 73% como opercentual de custo do pessoal e o restante considerado como outroscustos, ou seja, os mesmos percentuais encontrados no Levantamentodo Custo/aluno realizado pela UFRGS em 2003, no CEFET-BG (LE-VANTAMENTO, 2003).

Para a definição de custo/aluno, foram consideradas as quantida-des de recursos utilizados por aluno, no período de um ano. O divisor docusto foi o número de matrículas.

No custo de pessoal estão inclusos os valores com salários, gratifica-ções e encargos, ou seja, o valor bruto dos salários no período de um mês,multiplicado por 13,3 que corresponde a 12 meses + 13º salário + 1/3 deférias, multiplicando a seguir pelo fator 1,21, referente aos encargos patro-nais. Importante salientar que os salários do pessoal contratado através deterceirização e de estágios remunerados foram multiplicados por 12.

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Breve caracterização do Centro Federal deEducação Tecnológica de Bento Gonçalvs

O Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalvesé uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, detentorade autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-científica edisciplinar, sendo supervisionado pela Secretaria de Educação Profissio-nal e Tecnológica do Ministério da Educação.

Por suas características peculiares, mantém uma estrutura dife-renciada em relação a outras instituições. Na sede, com 7,62 ha, locali-zada na área urbana do município de Bento Gonçalves, estão localizadosa residência dos alunos, com 28 quartos, a residência do diretor, ginásiopoliesportivo, sala de musculação, duas quadras de esportes descoberta,cantina de vinificação, agroindústria, Cooperativa Escola, Centro de Tra-dições Gaúchas (CTG), lavanderia, refeitório, copa/cozinha, auditório,biblioteca, 26 salas de aula, cinco salas de professores, sala de depósito,enfermaria, laboratórios de biotecnologia, biologia e química e dois labo-ratórios de informática. Conta, também, com uma estação experimental,no Distrito de Tuiuty, com 76,7 ha., onde são desenvolvidos os projetosde zootecnia, agricultura, viticultura e mecanização agrícola.

O quadro de pessoal da Instituição é formado por 109 servidoresativos do quadro permanente, dos quais 69 são técnicos administrativos,39 são professores; desses últimos são três de 3º Grau. Além do pessoalefetivo, o CEFET conta também com 11 professores em contrato tem-porário, 28 trabalhadores terceirizados e nove estagiários remunerados.

O quadro docente do CEFET-BG é composto por 78,43% de efe-tivos, sendo que 55% dos mesmos possuem dez ou mais anos de experi-ência, fatores que contribuem para a oferta de um ensino de qualidade.

Os professores contratados temporariamente representam 21,57%do quadro; a rotatividade provoca impactos negativos na qualidade deensino oferecida, pois impede a aquisição da experiência profissional eprejudica a organização escolar, pela constante troca de pessoal efetua-da, muitas vezes, no meio do ano letivo.

É elevado o grau de qualificação dos docentes efetivos, sendo que90% possuem curso de especialização, mestrado ou doutorado. Entre ostécnicos administrativos efetivos, 46,38% possuem cursos de graduaçãoou mais. O alto grau de qualificação pode ser observado também entreos docentes contratados, dos quais 72,73% possuem cursos de pós-gra-duação. Esses níveis de escolaridade repercutem nos custos relativa-mente elevados do CEFET-BG, como veremos adiante.

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O regime de trabalho de todos os docentes efetivos é a dedicaçãoexclusiva, o que possibilita uma maior qualidade do trabalho, uma vezque se dedicam a uma única escola. Dos contratados, quatro tem cargahorária de 20 horas semanais e sete tem carga horária de 40 horas se-manais. Os técnicos administrativos possuem regime de trabalho de 40horas semanais, com exceção de dois funcionários cuja carga horária éde 30 horas semanais.

O número de horas/aula ministrado pelos professores interfere naqualidade de ensino oferecida. É necessário que os mesmos tenham tem-po disponível para realizar outras atividades e também para própria atu-alização profissional. A esse respeito, no CEFET-BG, o número de horasdos docentes em sala de aula varia de 22,5% a 60% da carga horáriatotal semanal de trabalho. Em geral os docentes possuem tempo disponí-vel para realizar atividades extra-classe, tais como planejamento e pre-paração de aulas, avaliação de alunos, atividades de pesquisa, extensãoe administrativas.

O salário pago aos servidores é o principal componente do custo etem impacto decisivo no cálculo do custo/aluno/ano. Em 2006, o saláriodos professores variou de R$ 1.008,23 a R$ 7.997,65 e o dos técnicosadministrativos de R$ 1.464,13 a R$ 5.751,29. No Quadro 1 está de-monstrado o quantitativo de pessoas em cada faixa salarial.

Quadro 1 - Salários do Pessoal Docente e Técnicos Admi-nistrativos - CEFET-BG - 2006

Fonte: folha de pagamento do CEFET-BG

Os servidores possuem um plano de carreira com níveis e padrões,nos quais são enquadrados conforme a qualificação profissional e o tempo

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de serviço. Reconhecer a qualificação pela ascensão funcional, garantidaem plano de carreira, é condição de valorização e motivação profissional.

A Instituição oferece cursos nas seguintes modalidades: EnsinoMédio; Técnico em Enologia, concomitante e subseqüente ao EnsinoMédio; Técnico em Agropecuária com habilitação em Agricultura e emZootecnia, concomitante ao Ensino Médio; Técnico em Agropecuáriacom habilitação em Agricultura, Zootecnia e Agroindústria, subseqüenteao Ensino Médio; Técnico em Informática, subseqüente ao Ensino Mé-dio; Tecnólogo em Viticultura e Enologia, PROEJA; em 2007 estáofertando o Curso Superior na área de Tecnologia em Alimentos.

Ofertou também, em 2006, dois cursos técnicos em parceria comprefeituras municipais do estado. No município de Casca foram ofertadas25 vagas para o Curso Técnico em Agropecuária com habilitação emagroindústria e, em Antônio Prado, 30 vagas para o Curso Técnico emAgropecuária com habilitação em agricultura.

No ano de 2006 foi implantado o Ensino Médio Integrado à Forma-ção Profissional na modalidade da Educação de Jovens e Adultos –PROEJA. Por meio de um sorteio, realizado publicamente com toda acomunidade, 35 alunos ingressaram nesse curso no 1º semestre de 2006,oriundos de um processo seletivo cujo número de inscritos havia sido de58 candidatos. O curso iniciou como ensino médio integrado a uma for-mação profissional de Técnico em Comércio e Serviços, com duraçãode 4 semestres, totalizando 1.440 horas.

Para a implantação do PROEJA no CEFET-BG, foram levados emconsideração diversos fatores. O primeiro deles é que existia demandade jovens e adultos egressos da EJA/ Ensino Fundamental que poderiamdar continuidade a sua formação através de um curso técnico que, alémde elevar sua escolarização, contribuiria com sua qualificação profissio-nal. Outro ponto foram os resultados obtidos em pesquisa realizada comalunos da EJA do Município, que apontou a necessidade de um cursotécnico com direcionamento profissional para a área de comércio e pres-tação de serviços. Além dessa pesquisa, foram consultados o Sindicatodos Trabalhadores do Comércio e o Sindicato do Comércio Varejista deBento Gonçalves. O resultado dessas consultas convergiu no sentido danecessidade permanente de atualização e aperfeiçoamento constante doprofissional para o mundo do trabalho, sobretudo no setor de comércio. 4

No dia 25 de junho de 2005 foi publicada no Jornal Semanário umamatéria intitulada “Comércio precisa se qualificar”, na qual o coordena-

4 Plano de Curso PROEJA do CEFET-BG (2006)

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dor da pesquisa sobre a “Hierarquia Sócio-Econômica de Bento Gonçal-ves”, Prof. Jorge Thums, afirma que “Ao contrário do que ocorre naindústria e na prestação de serviços, o comércio não se qualifica, não seaperfeiçoa. O resultado é um atendimento e, por conseqüência, um de-sempenho amador”. O diagnóstico foi ratificado em 13 de janeiro de2006, com a publicação de outra matéria noticiando que “Apesar doaumento de vagas, Bento Gonçalves carece de profissionais qualifica-dos”, e que, “os cursos profissionalizantes não estão preenchendo asdemandas”. As empresas, segundo a matéria, “estão em busca de pro-fissionais que detenham conhecimento na sua área de atuação, tanto naárea administrativa e técnica quanto nos setores comercial e industrial”.Além disso, as novas tendências do mundo do trabalho apontam para anecessidade de pessoas com visão empreendedora, que participem detodos os processos da empresa, desde a gestão até o varejo, contribuin-do para o crescimento e desenvolvimento de todos os setores. Ressal-tou-se ainda a necessidade de profissionais qualificados para atuar nasáreas de comércio e serviços pela forte representatividade desses seto-res na composição da economia do município, respectivamente 5,35% e31,95%, no ano de 2005.

A distribuição dos alunos pelas diferentes modalidades de ensino e deeducação profissional do CEFET-BG pode ser visualizada no Quadro 2.

Quadro 2 - Número de Matrículas e de Turmas, NúmeroMédio de Matrículas por Turma, por Etapa ou Modalidade deEducação Oferecida – CEFET-BG – 2006

Fonte: Secretaria do CEFET-BG

Dos estudantes que freqüentam a escola, 50,18% o fazem emturno integral, conforme se observa no Quadro 3. Cabe observar que aoferta em turno integral é fator que contribui para elevação do custo/aluno.

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Quadro 3 - Turno de Funcionamento por Etapa ou Modali-dade de Educação Oferecida CEFET-BG – 2006

Fonte: Secretaria do CEFET-BG

Como pode ser verificado no Quadro 2, o número médio de matrícu-las por turma é de 27,6. Outros dados são importantes pelo fato de influenci-arem mais diretamente os valores de custo aluno/ano da instituição: o núme-ro médio de matrículas por docente ficou em 21,37 em 2006; o número dematrículas por pessoal não docente foi de 10,28; o número de matrículasdividido por todos os profissionais (docentes e não-docentes) resultou 6,94.

Outro tema pesquisado foi a gestão financeira da Instituição, deta-lhando o montante de recursos financeiros recebidos e gerados pela Insti-tuição e, complementarmente, a distribuição desses recursos por itens dedespesa. Constatou-se que a maior parcela de recursos é repassada pelamantenedora, ou seja, pelo Ministério da Educação, e que a gestão dessesrecursos é feita pelo próprio CEFET.

O orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual, para o ano de2006, foi de R$ 11.363.017,00. No decorrer do exercício, foram recebidoscréditos suplementares no valor de R$ 642.984,70, dentre os quais o valorde R$ 58.500,00 destinados à implantação do PROEJA; esses últimosforam alocados em reestruturação física, orientação pedagógica para im-plantação do PROEJA e aquisição de materiais de expediente. Os recur-sos destinados ao CEFET-BG totalizaram R$ 12.006.001,70, tendo sidoexecutados 99% desse valor, nos itens explicitados no Quadro 4.

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Quadro 4 - Demonstrativo Orçamentário / Financeiro Exe-cutado – CEFET –BG 2006

* Fonte: Balanço Orçamentário 2006

O valor da receita própria arrecadada foi de R$ 310.427,19, o querepresenta 2,6% dos mais de 12 milhões recebidos em 2006, ou seja, ainstituição se mantém majoritariamente com recursos repassados pelamantenedora.

Custos educacionais no CEFET-BG em 2006

Os custos educacionais do CEFET-BG totalizaram R$ 8.177.721,79,sendo que o custo do pessoal foi de R$ 5.969.736,91, representando73% do total; a categoria outros custos totalizou R$ 2.207.984,88, repre-sentando 27%.

Dos R$ 5.969.736,91 de custo do pessoal, 43,24% são custos dopessoal docente, ou seja, R$ 2.581.059,87. O custo do pessoal não-do-cente ficou em R$ 3.388.677,04.

O total do custo dividido pelo número de alunos (custo/aluno/ano),em 2006, foi de R$ 7.502,50, sendo o resultado da divisão do custo totalpor 1090, que foi o número de matrículas efetuadas.

Quadro 6 - Custo/Aluno/Ano por Categoria CEFET-BG – 2006Em R$ e %

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Comparando os dados dessa pesquisa com aqueles da pesquisa an-terior realizada no CEFET (LEVANTAMENTO, 2004), verifica-se quena pesquisa que contém dados de custos de 2003 o custo do pessoal do-cente era superior ao do pessoal não docente, ocorrendo uma inversãodessa condição no ano de 2006. Atualmente, o custo/aluno/ano do pessoalrepresenta 31,56%, enquanto que o percentual do custo/aluno/ano do pes-soal não-docente ficou com a proporção de 41,44% (Quadro 6).

O Quadro 7 sintetiza o custo/aluno/ano estimado, a média do total ede cada modalidade do ensino oferecida no CEFET-BG. O custo dosnão-docentes não apresenta variações significativas, uma vez que o tra-balho desses em geral direciona-se ao atendimento de todas as modali-dades. Diferenças de custos mais marcantes encontram-se no custo dosdocentes, que varia de acordo com a carga horária dos professores e onúmero de matrículas de cada modalidade.

O Ensino Médio possuía apenas 196 matrículas que foram atendi-das por 20 professores, sendo que 16 deles atendem apenas a essa mo-dalidade, ao custo total de R$ 928.687,44. Cada professor atendeu ape-nas 9,8 alunos, o que contribuiu para elevação do custo nessa modalida-de, pois quanto menos alunos por docente maior será o custo.

Quadro 7 - Custo/Aluno/Ano por Modalidade de Ensino – 2006Em R$

O Ensino Técnico apresentou o segundo maior custo dentre asmodalidades. As 604 matrículas foram atendidas por 28 professores,sendo que 19 deles atendem apenas a essa modalidade, a um custo deR$ 1.271.965,29, sendo que a média de alunos atendidos por professorfoi 21,57. A elevação do número de alunos por docente ocasionou a

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diminuição relativa desse custo, conforme podemos verificar no Quadro7, mas não baixou o custo com pessoal não docente, uma vez que estefoi rateado de acordo com o percentual das matrículas na modalidadeem relação ao total.

Situação semelhante aconteceu com o custo do Ensino Tecnológico.Nessa modalidade foi registrado o atendimento de 22,4 alunos por pro-fessor, o custo ficou em R$ 329.553,58, o qual, dividido pelo número dealunos, resultou em R$ 6.274,01.

O PROEJA apresentou o custo mais baixo da pesquisa, apesar decada professor ter atendido apenas 6,6 alunos, fator que contribuiria paraelevar os custos. Tal fato foi ocasionado pela baixa carga horária dopessoal docente, uma vez que esses não se dedicam exclusivamente aessa modalidade. Tendo seus salários rateados, geraram um custo deapenas R$ 50.853,56, que reduziu consideravelmente o custo com do-cente relativamente às demais modalidades.

Comentários finais

O objetivo central da pesquisa da qual parte dos resultados sãoapresentados nesse artigo, foi o levantamento e análise dos custos edu-cacionais do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gon-çalves, atualizando o Levantamento do Custo/aluno realizado pelo Nú-cleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, da UFRGS, em 2003,(LEVANTAMENTO, 2003); também foi um objetivo verificar se existi-am algumas condições consideradas indispensáveis para oferta de umensino de qualidade, tais como a instalações adequadas, qualificação dosdocentes, quadro de pessoal efetivo da instituição, o regime de trabalhoadotado, a carga horária disponível para realizar atividades fora da salade aula e características do plano de carreira dos servidores .

O CEFET-BG conta com uma infra-estrutura muito boa e comequipamentos disponíveis para a realização das aulas práticas necessári-as aos cursos profissionais. Além do ensino técnico, oferece também oensino médio, o tecnológico em nível superior e o PROEJA, que assegu-ram aos alunos tanto a possibilidade de continuar os estudos como ahabilitação para o ingresso no mercado de trabalho.

O nível de formação dos professores, considerado como indicadorde qualidade essencial, é bastante elevado. Os docentes trabalham emregime de dedicação exclusiva, ou seja, trabalham apenas para o CEFET,assim como possuem tempo disponível para realizar atividades extra sala

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de aula.. Além disso, percebem remunerações relativamente elevadas econtam com um plano de carreira, que são fatores que também contribu-em para a oferta de um ensino de qualidade. Acrescente-se que o qua-dro docente do CEFET-BG é composto por 78,43% de efetivos, sendoque 55% dos mesmos possuem dez ou mais anos de experiência.

O custo/aluno/ano médio da Instituição ficou em R$ 7.502,50, sen-do o resultado da divisão do custo total por 1090, que foi o número dematrículas efetuadas em 2006. O custo/aluno/ano também foi calculadopor modalidade de ensino, ficando assim distribuído: Ensino Médio, R$10.749,03; Ensino Técnico, R$ 7.143,32; Ensino Tecnológico, R$ 6.274,01;PROEJA, R$ 5.317,71.

São exploradas condições da oferta educacional no CEFET queexplicam mais diretamente as diferenças de custos entre as modalida-des, apontando-se que essas estão associadas ao custo dos docentes,que varia de acordo com a carga horária e o número de matrículas aten-didas por eles em cada modalidade.

Desse modo, o custo mais elevado é o do Ensino Médio, seguindo-se o Técnico e o Tecnológico, gradação que acompanha as diferençasde número de alunos por docente e de carga horária dos docentes dedicadaa cada modalidade. O PROEJA apresentou o custo mais baixo da pes-quisa; embora a relação número de alunos por docente seja relativamen-te mais baixa, 6,6 alunos, a carga horária do pessoal docente dedicada aessa modalidade foi mais reduzida, se confrontada às demais modalida-des, gerando o custo menor.

Pelos dados coletados e sistematizados na pesquisa, é possíveldizer que o CEFET-BG é uma Instituição cujas condições de ofertaeducacional podem ser adjetivadas como de qualidade, gerando umcusto por aluno que pode ser considerado elevado se confrontado, porexemplo, com instituições educacionais estaduais Ensino Médio e En-sino Técnico. Tal configuração deve ser entendida no marco de umainstituição cujas atividades abrangem, além do ensino, a pesquisa e aextensão, o que remete a relativizar os dados de custo por aluno. Essesnão dão conta dos benefícios auferidos por tal ou qual montante e per-fil de custos.

Para instituições como o CEFET-BG seriam necessários levanta-mentos e avaliações de custos que extrapolassem o indicador já consa-grado de custo/aluno/ano, uma vez que os beneficiários do trabalhoinstitucional não são apenas os alunos da instituição, mas todos aquelesfavorecidos pelas ações de pesquisa e extensão. Pode-se dizer que esseé um desafio para os pesquisadores que tem se debruçado sobre o tema

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dos custos educacionais, quer dizer, desenvolver metodologias e indica-dores que ponderem ou possam ir além do indicador custo por aluno.

De outra parte, entende-se que o oferecimento do PROEJA noCEFET de Bento Gonçalves foi oportuno. Do ponto de vista da capaci-dade institucional, incluindo a dimensão dos custos, verifica-se que essaoferta era e é totalmente viável, vindo a fortalecer suas atribuições deatendimento na formação geral e profissional de um modo que acolhedemandas da sociedade local e de usufruto do direito à educação dejovens e de adultos.

Referências

CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE BENTO GONÇAL-VES. Plano de Curso PROEJA (documento em construção). Bento Gonçalves,CEFET-BG, 2006.

FABRIS, Rosane. Custo Aluno no Centro Federal de Educação Tecnológica deBento Gonçalves. Porto Alegre, UFRGS/FACED, 2007 (Monografia de conclu-são do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de NívelMédio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adul-tos).

FARENZENA, Nalú. A Política de Financiamento da Educação Básica: rumosda legislação brasileira. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2006.

LEVANTAMENTO do custo aluno/ano em escolas da educação básica queoferecem condições para oferta de ensino de qualidade. Porto Alegre, UFRGS/FACED/Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, coord. de NalúFarenzena, 2004.

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TRABALHO E EDUCAÇÃO:TRABALHO E EDUCAÇÃO:TRABALHO E EDUCAÇÃO:TRABALHO E EDUCAÇÃO:TRABALHO E EDUCAÇÃO:MEDIAÇÕES E RELAÇÕESMEDIAÇÕES E RELAÇÕESMEDIAÇÕES E RELAÇÕESMEDIAÇÕES E RELAÇÕESMEDIAÇÕES E RELAÇÕESNECESSÁRIAS ANECESSÁRIAS ANECESSÁRIAS ANECESSÁRIAS ANECESSÁRIAS AO PROEJAO PROEJAO PROEJAO PROEJAO PROEJA

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Estudantes de PROEJA do CEFET-BG:uma mediação entre escola

e trabalho

Milene Vânia Kloss1

Naira Lisboa Franzoi2

O homem, o capitalismo e o trabalho

Infelizmente, hoje em dia é comum perceber tratamentos desiguaisnas relações de trabalho. O patrão geralmente compra de seu trabalha-dor o máximo de tempo de serviço possível a preços irrisórios, preocu-pando-se primordialmente em obter lucro. Muitas vezes, essa figura depoder acaba desconsiderando o caráter humano do indivíduo responsá-vel pela produção e pela manutenção da empresa, indústria, etc. Comisso, o trabalho assalariado fica seriamente comprometido, obedecendoà lei da oferta e da procura, pois, segundo Frigotto (2001, p. 32), podemais aquele trabalhador que é mais qualificado, que não só entende deinformática, por exemplo, mas que também apresenta “atributos intelec-tuais e psicossociais” mais evoluídos do que a força física.

No entanto, apesar dessa atual exigência do mercado - uma ten-dência que surgiu, por assim dizer, com a globalização -, a qualificaçãoprofissional não tem solucionado o problema do aumento do desempre-go, pois o sistema produtivo não comporta grandes massas de trabalha-dores estáveis, restando aos excluídos submeter-se a empregos de tem-po parcial, terceirização e trabalho autônomo. As relações sociais capi-talistas nos dias de hoje, demonstram uma grande capacidade de produ-ção de mercadorias (que não são usufruídas igualitariamente por todos),

1 Professora do CEFET de Bento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA pela turmade Bento Gonçalves.2 Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra em Educação, orientadora do Trabalhode Conclusão de Curso da autora do presente artigo.

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de concentração de riquezas, de conhecimento e de poder. Elas revelam,com mais intensidade, toda sua natureza anti-social e anti-humana, sen-do incapaz de distribuir e de socializar a produção para o atendimentodas necessidades humanas básicas, como a alimentação e a moradia.

Além disso, essas relações privam o homem de exercer aquilo quenão somente dá suporte para sua existência e subsistência, mas que otorna ser social: o trabalho. Para Castel (1998, p. 18), “o trabalho perma-nece como referência dominante não somente economicamente como tam-bém psicologicamente, culturalmente e simbolicamente, fato que se com-prova pelas reações daqueles que não o tem”. Ele é tão fundamental parao homem quanto o ar que ele respira, constituindo-se na especificidadehumana que a diferencia dos animais. Para Frigotto (2005, p. 70), a ciênciae a técnica ironicamente foram as grandes colaboradoras para o aumentoda crise do trabalho assalariado. Isso porque, ao invés de possibilitaremuma melhor qualidade de vida, para que o homem possa dispor de tempolivre, tempo de fruição e de lazer, elas produziram, sob as relações docapitalismo, o desemprego estrutural ou o trabalho precarizado.

Diante desse quadro social, é preciso que buscar alternativas queamenizem as dores sociais causadas pelo desemprego e pelo capitalis-mo. A escola surge como uma das principais formas de resistência, poisela pode oferecer novos horizontes, principalmente para a classe traba-lhadora, através do conhecimento, da promoção de valores e do estimuloao estudo e ao pensar criativo. Conforme Arroyo (1991, p. 01), essetrabalho escolar já está sendo feito, uma vez que o trabalho modernovem constituindo trabalhadores novos em consciência, com novo saber,nova capacidade de entender-se e de entender a realidade, as leis e alógica que governa a natureza e a sociedade.

Estudantes de PROEJA do CEFET-BG

O PROEJA foi instituído no Centro Federal de EducaçãoTecnológica de Bento Gonçalves (CEFET-BG), em março de 2006. Eleobedece aos decretos 5.154, de 23 de julho de 2004, e 5.840, de 13 dejulho de 2006, que prevêem qualificação profissional e elevação de esco-laridade para boa parte dos trabalhadores brasileiros, acima de 18 anos,que não conseguiram concluir o ensino médio regular. Conforme disposi-tivos legais, o programa é integrado ao ensino médio, totalizando umacarga horária de aproximadamente 2.000 horas. O curso de “Técnicoem Comércio e Serviços” está em fase final de construção, carecendo

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de alguns ajustes que, provavelmente, serão feitos até o final de 2007. A opção pela área de comércio e serviços é uma tentativa de aten-

der as necessidades da comunidade local. Ela resultou de uma pesquisa,através da aplicação de questionário, feita com empresas, com a Câma-ra da Indústria e do Comércio (CIC) e com moradores do município. Ocurso divide-se em seis módulos e tem duração de três anos, sendo que,ao concluí-lo, o aluno “fará jus à obtenção de diploma com validade na-cional, tanto para fins de habilitação na respectiva área, quanto paracertificação de conclusão do ensino médio, possibilitando o prossegui-mento de estudos em nível superior” (Art. 6°, Decreto 5.478/05).

Acredita-se que não se deve restringir a educação dos trabalhado-res a uma profissionalização somente para atender às demandas domercado de trabalho. Precisa-se de uma formação que ajude a concre-tizar o que Nosella (2006, p. 02) chama de “ciclo de interação homem-natureza-sociedade”. Para esse pesquisador, a “escola-do-trabalho” deveeducar não só para a produção, mas também para a fruição e para aexpressão e comunicação. Isto é, a escola precisa oferecer uma forma-ção mais abrangente, que possibilite a todo o cidadão “comunicar-secom propriedade, produzir algo útil para si e para outros e usufruir osprazeres simples e elevados que a cultura e o planeta dispõem”. Emtese, essa árdua tarefa caracteriza o trabalho que deve ser desenvolvidocom os estudantes do PROEJA, pois o programa pretende, entre outrascoisas, resgatar a cidadania de uma parcela da população que vem au-mentando os índices estatísticos de exclusão educacional do país.

Para que esta formação se efetive, é necessário que o currículo doPROEJA alie os conhecimentos já adquiridos de seu público e relacione-o a teorias científicas, tecnológicas e sociais. Surgem então algunsquestionamentos: essa integração está ocorrendo de fato? Como os alu-nos a estão percebendo? De que forma eles estão se beneficiando dela?Será que o programa os faz sentir cidadãos? Na tentativa de respondera essas perguntas, aplicou-se um questionário junto ao grupo, que parti-cipou também de um debate em sala de aula. Esse questionário foi res-pondido por dezenove estudantes presentes naquele momento, sendo todoseles residentes em Bento Gonçalves. A maioria dos entrevistados sãomulheres, assim como o são em relação ao grupo. A faixa etária de doze(12) estudantes está entre 20 e 40 anos. Quatro (4) encontram-se nafaixa etária entre 15-20 e os três (3) restantes entre 40-50 anos de idade.Portanto, esse é o perfil geral da turma: feminina e adulta.

Dentre os entrevistados, quinze (15) estão inseridos no mercado detrabalho, sendo (4) autônomos e os demais empregados assalariados. A

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grande parte deles, apesar das particularidades de cada resposta, afir-mou que o principal motivo que os faz cursar o PROEJA é a necessida-de de retomar os estudos, aperfeiçoando seus conhecimentos. Esta ne-cessidade está relacionada à idéia de profissionalização, como meio deconseguir oportunidades de trabalho melhores do que as atuais. Por umlado isso confirma a afirmação de Frigotto, já citada na página 8 desteartigo, de que os trabalhadores precisam de uma formação profissionalpara uma inserção no mercado de trabalho. Mas, por outro lado, estasrespostas expressam uma idéia generalizada na sociedade de que é afalta de qualificação que gera o desemprego. Assim, os trabalhadores sesentem responsáveis por sua “empregabilidade”.

Essa procura por qualificação corrobora o “Tema Gerador”3 esco-lhido pelo grupo. Segundo Paulo Freire (2003: p. 87), tema gerador é ainvestigação do que ele chama de universo temático, ou temática sig-nificativa do povo. Trata-se do diálogo da educação como prática daliberdade, proporcionando também “a tomada de consciência dos indiví-duos em torno dos temas geradores”. Dessa forma, em uma tentativa desintetizar as necessidades e os anseios dos estudantes, os docentes des-tacaram a fala de um dos alunos que, segundo eles, demonstra a urgên-cia que o grupo tem de se profissionalizar: “O mercado de trabalho tásendo competitivo e precisamos da educação para isso”.

A frase deixa transparecer a idéia que os estudantes têm, impreg-nada de senso comum, de que somente a qualificação profissional lhestrará emprego. Não se pôde, entretanto, verificar como esse tema gera-dor foi abordado pelos professores. Acredita-se que só viria na direçãode uma formação omnilateral, na medida em que propiciasse aos alunosentenderem que a sua formação deve ser para além do mercado detrabalho. Sabe-se que, apesar de necessária, a realidade tem mostradoque a qualificação por si só já não é suficiente. É preciso ir além, buscan-do alternativas que despertem a consciência crítica, possibilitando a des-coberta de novas formas de subsistência.

A educação escolar, primeiramente, deve priorizar o crescimentohumano para somente então voltar-se ao mercado de trabalho. Nesse se-gundo momento, espera-se que o ensino assuma “uma posturaepistemológica e ontológica que foge dos padrões tradicionais, estabele-cendo um diálogo entre o conhecimento produzido/adquirido no mundo dotrabalho e o conhecimento escolar” (ARANHA, 2003, p. 105). O PROEJA

3 CEFET de Bento Gonçalves. Sistematização do trabalho realizado durante o 1°semestre do PROEJA. Agosto de 2006.

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pode ser considerado como uma tentativa de resgatar a educação básicaarticulando-a ao mundo do trabalho, da cultura e da ciência. Trata-se deum ensino médio integrado apresentado para essa turma como uma chanceque os indivíduos têm de tornarem-se, conforme Frigotto (2005, p.74), “su-jeitos emancipados, criativos e leitores críticos da realidade onde vivem ecom condições de agir sobre ela”. O autor ainda afirma que a populaçãoprecisa se dar conta de que a pedagogia das competências, daempregabilidade, do empreendedorismo e da idéia que cursinhos curtosprofissionalizantes os levam mais rapidamente ao emprego, não passamde “entulho ideológico” imposto pelas classes dominantes. Para ele, so-mente a educação básica de qualidade, aliada a uma mudança no interiorda organização escolar, envolvendo, entre outras coisas, formação doseducadores e suas condições de trabalho, podem promover justiça social.

Ao que tudo indica, o primeiro ano de curso teve uma influênciaconsideravelmente positiva sobre a turma, cumprindo com seu papel noque diz respeito à formação humana. No que se refere ao questionárioaplicado, chama a atenção, a resposta dada à pergunta de número 7, emque a questão do crescimento pessoal está fortemente presente, sendouma conclusão praticamente unânime entre o grupo. Houve uma mu-dança de atitude ao longo de 2006, fazendo-os perceber algo novo: apossibilidade de a formação educacional lhes propiciar qualidade de vida.No início, a preocupação maior era a profissionalização, agora ela cedeum pouco mais de espaço para outras necessidades, como o desenvolvi-mento das habilidades comunicativas e das relações interpessoais. Essetipo de comportamento vem a ser uma das características que compõemo perfil do egresso do PROEJA, estipulado pela instituição, com base naCNE/CEB n°11/00.

Assim, o aluno, ao concluir seus estudos, deverá estar apto a uma releiturade mundo no qual está inserido para ser capaz de construir “conhecimen-tos, habilidades e valores que transcendam os espaços formais da escola-ridade e o conduzam à realização de si mesmo e ao reconhecimento dooutro como sujeito” (Parecer CNE/CEB n°11/00). 4

Já, às questões de números 8 e 9, que abrangem o mundo do traba-lho, referindo-se ambas, respectivamente, à conquista e troca de empre-go, foram dadas respostas vagas e contraditórias. Por isso, levantaram-sealgumas possibilidades que vão desde a má elaboração das perguntas –

4 Plano do Curso de Ensino Médio Integrado à Formação Profissional na Modalidadeda Educação de Jovens e Adultos – PROEJA: Assistente em Comércio e Serviços.Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves. Fevereiro de 2006. pg. 11.

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talvez carentes de objetividade – às dificuldades de interpretação textual.Porém, há uma hipótese que não pode ser esquecida: a turma, desde oinício de suas aulas, teve que responder a infindáveis questionários e jádemonstrava pouco interesse e até insatisfação por ter que responder amais algum. Apesar das adversidades, pode-se perceber, a partir das res-postas, que a satisfação por poder freqüentar o curso permanece.

Decidiu-se então fazer nova entrevista com a turma, dando maiorênfase à questão do trabalho como formação humana. Através de umdebate realizado em sala de aula, preferencialmente com os quinze estu-dantes que estão trabalhando, as relações entre escola e trabalho foramdiscutidas, propondo-se duas perguntas inversas: 1) O que vocês e osseus professores aproveitam da experiência de trabalho no PROEJA?2) O que vocês e os seus professores aproveitam da experiência doPROEJA no trabalho?

A discussão estendeu-se durante todo um período de aula e, apesarda pouca atenção dispensada à primeira pergunta, surgiram comentáriosque envolveram, primordialmente, as áreas da matemática, das lingua-gens, da sociologia e da psicologia. No que se refere à Matemática, elesdescreveram as relações que geralmente estabelecem entre as opera-ções matemáticas e o raciocínio lógico utilizados no cotidiano com oconhecimento teórico de sala de aula, afirmando que a prática do dia-a-dia os ajudava no entendimento da disciplina. Da mesma forma, elesmencionaram as Línguas Estrangeiras5, lembrando de rótulos de produ-tos e manuais que já tiveram que interpretar; o que lhes garantiu umconjunto vocabular que hoje os ajuda na aquisição de outros mais. Comas áreas da sociologia e da psicologia não foi diferente, sempre desta-cando as relações interpessoais, os estudantes lembraram fatos que en-volveram pontualidade, assiduidade, maturidade e experiência de vida.Fatos que hoje eles dizem não querer esquecer, procurando aplicar edesenvolver o lado positivo de suas vivências para melhor conviver comos colegas e os professores. Nota-se que tais relações, quando incenti-vadas pelo professor, melhoram a auto-estima dos estudantes, pois estespercebem que os seus saberes tem valor e contribuem para o desenvol-vimento do conteúdo trabalhado na aula. Porém, a turma afirmou quenem todos os docentes fazem uso dessa prática, estratégia de ensino,deixando transparecer que, para alguns, estes são ainda trabalhos isola-dos, eventuais.

Em uma tentativa de contrapor essa afirmação com o depoimentode alguns docentes, verificou-se que para estes, ao contrário da afirma-

5 O currículo do Curso abrange os idiomas de Língua Inglesa e de Língua Espanhola.

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ção do grupo, a experiência cotidiana dos alunos é uma constante noambiente de ensino. Eles afirmaram que muito frequentemente pedemaos discentes que falem sobre alguma de suas vivências que exemplifiqueo conteúdo proposto no momento. A professora de Economia Solidáriaafirmou que “os alunos acabavam falando mais do que deviam” e porcausa disso, muitas vezes, o conteúdo não rendia. Ela afirmou ainda, quea turma não apresenta dificuldades na disciplina de empreendedorismo.Da mesma forma, o professor de História citou o exemplo de uma situ-ação em que a História da Antiguidade estava sendo trabalhada. Segun-do ele, ao propor um debate sobre a democracia ateniense, relacionan-do-a com a democracia atual; a turma obteve êxito no desenvolvimentoda tarefa, pois soube utilizar seus conhecimentos de mundo, construindoassim argumentações consistentes.

A partir dos comentários e exemplos dados por esses colegas, per-cebe-se que há uma tentativa de tratar o cotidiano como assunto de aula,bem como o saber que ele abarca. Resta averiguar até que ponto essesassuntos são relevantes o suficiente para a prática de trabalho dessestrabalhadores, ou melhor, até que ponto os professores conseguem esta-belecer uma relação frutífera entre o conhecimento de vida e o conheci-mento científico desenvolvido no curso.

Talvez, pelo fato de o PROEJA ser uma proposta pedagógica nova,ainda em construção, surge a grande dificuldade que é partir do saberdos alunos para elaborar um currículo ou uma prática de sala de aula.Sem dúvida nenhuma esses adultos têm experiências e a escola tradici-onalmente desconhece isto. Para Yves Schartz (2003, p. 33), “as institui-ções do saber são conduzidas a subestimar ou até mesmo desprezar aconsideração desse re-trabalho do saber, recusando o desconforto salu-tar ao qual, ao contrário, ele conduz”. Este é o grande desafio de traba-lhar uma educação profissional com alunos-trabalhadores. Resta, por-tanto, promover uma discussão entre os discentes e a instituição com oobjetivo de averiguar o andamento do processo e as reformas necessá-rias, re-avaliando o currículo e a proposta pedagógica atual do curso,somente assim a “escola-do-trabalho”, definida por Nosella, terá chancesde tornar-se realidade.

A opção pelo curso “Técnico em Comércio e Serviços” parececorresponder às necessidades imediatas de trabalho do grupo, pois amaioria dos estudantes realmente atua na área de prestação de serviços.São trabalhadores de lojas, padarias, imobiliárias, casas de família, co-merciantes e autônomos. No entanto, ainda repensando o programa emconformidade com as necessidades e a realidade local, sabendo que o

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município é conhecido como a capital nacional do vinho, questiona-se ofato de um centro de excelência em enologia, como o CEFET de BentoGonçalves, não oferecer esse curso também em forma de PROEJA.Não será esta uma atitude preconceituosa, que encara o PROEJA comoum curso de segunda categoria para cidadãos de segunda categoria? Seassim for, esse não é um problema exclusivo do CEFET-BG, mas sim detoda uma sociedade e políticas públicas que historicamente atribuem àeducação de jovens e adultos um lugar menor. Coloca-se, portanto, parao grupo de gestores e professores do CEFET-BG a necessidade deaprofundamento dessa questão.

Em relação à segunda pergunta, em que se questionou a turma e osprofessores sobre o aproveitamento que eles faziam da experiência doPROEJA no trabalho, surgiram várias situações e exemplos que favore-ceram a criação de um mapa semântico, indicando um movimento quese desloca do PROEJA para o trabalho.

A partir desse mapa, pode-se ter uma noção mais clara sobre osconceitos que os estudantes disseram ter desenvolvido a partir da experi-ência com o PROEJA. A começar pela cidadania, mencionada por um dosestudantes e desenvolvida pelos demais, eles apontaram questões como orespeito pelas diferenças, o ser mais tolerante com o próximo e sentir-separte ativa na sociedade. Da mesma forma, apontaram para o desenvolvi-mento de suas habilidades escrita e oral. Afirmaram também que com asaulas muitas das ações que antes não lhes chamavam a atenção, parecen-do triviais, tornaram-se ações conscientes e racionais como, por exemplo,situações do dia-a-dia que envolviam pensamento lógico, físico e matemá-tico. Em relação à qualidade de vida, foram citados vários exemplos, prin-cipalmente vindos da biologia, situações envolvendo doenças e cuidadoshigiênicos. Um dos estudantes mencionou o fato de nunca ter se importa-do com o prazo de validade dos produtos que consumia, mas, por causadas aulas, passou a ter um cuidado maior na hora de ir às compras.

Ao se falar sobre auto-estima foi praticamente unânime entre aturma a afirmação de que o PROEJA os faz sentir pessoas melhores,

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mais cultas. Hoje, eles se dizem satisfeitos com sua opção de retomar osestudos e expressam inclusive a intenção de dar continuidade ao seudesenvolvimento intelectual, almejando cursos de nível superior. Essedado justifica a existência do curso, confirmando o proposto no artigo 37da LDB que determina que “cursos e exames são meios pelos quais opoder público deve viabilizar o acesso do jovem e adulto na escola demodo a permitir o prosseguimento de estudos em caráter regular tendocomo referência a base nacional comum dos componentes curriculares”.Além disso, eles afirmaram saber-se reconhecidos, principalmente, emambiente familiar. Segundo eles, são os parentes próximos que perce-bem com facilidade as mudanças de comportamento e postura, ocorri-das desde a sua inscrição no curso. Entretanto, apenas alguns disseramter recebido elogios no local de trabalho, o que talvez indique a falta de“reconhecimento” do programa por parte da comunidade local, falta sa-ber se isso ocorre no sentido literal e/ou valorativo do termo. Dados queabordam a melhora na auto-estima do grupo também podem ser confir-mados a partir das respostas fornecidas às questões de números 10 e 11,no questionário em anexo.

Constatou-se a mudança de postura em relação a si mesmo emdezembro de 2006, durante a apresentação do trabalho de conclusão dosemestre. A atividade envolveu todas as disciplinas do curso em umaproposta interdisciplinar, sendo que sua principal tarefa consistia na ela-boração e apresentação de um projeto de microempresa. Assim, para odesenvolvimento escrito do projeto, eles tiveram que fazer uso das com-petências de Língua Portuguesa; para a formatação do trabalho emPowerPoint recorreram à disciplina de Informática; Economia Solidáriafoi o módulo responsável pelo projeto em si e envolveu os conhecimen-tos da Matemática para a elaboração de gráficos e de estatísticas; aBiologia marcou forte presença nos trabalhos que optaram pormicroempresas do ramo alimentício, com destaque para questões queenvolveram vigilância sanitária; e assim o foi em relação a todos os de-mais módulos. As apresentações ocorreram no auditório da escola, fo-ram filmadas e contaram inclusive com banca avaliadora, formada pelopróprio corpo docente do PROEJA.

O projeto foi um sucesso, pois os alunos perceberam sua capaci-dade de realizar um trabalho em grupo, de qualidade, superando seuslimites. Muitos deles, no início do curso, não conseguiam nem mesmosegurar o mouse do computador. Além disso, houve a exposição pes-soal em grande grupo, que afirmaram ter sido uma experiência únicaaté aquele momento. Devido a essa atividade, eles disseram-se capa-

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zes de perceber com mais clareza a relação existente entre a teoriatrabalhada em sala de aula e a sua prática. Ao final das apresentações,a expressão de satisfação era visível em seus rostos como manifestode dever cumprido.

Em momentos como este, percebe-se a escola assumindo sua fun-ção humanizadora, “educando o homem na realização do processo com-pleto do trabalho: se comunicar, produzir e usufruir” (NOSELLA, 2006,p. 02). Nesse dia houve comunicação, pois cada grupo ao apresentarseu trabalho interagiu com os colegas e professores, expressando e ex-plicando suas idéias. Eles produziram seu trabalho intelectual e usufruí-ram do prazer de ter seu esforço reconhecido. Esse tipo de atividade éum importante passo rumo à interação que se pretende constantementeem uma “escola-do-trabalho” e que o PROEJA do CEFET-BG está seesforçando para buscar. Porém, ela não esgota a necessidade de trazerpara dentro da escola as situações de trabalho que não podem ser enca-radas como experimentação, mas como experiência humana.

Considerações finais

Ao analisar o modo com que os estudantes da primeira turma dePROEJA do CEFET-BG relacionam o curso de “Técnico em Comércioe Serviços” com sua experiência de trabalho e de vida, verificou-se queo curso parece corresponder às necessidades de trabalho imediatas dogrupo, sendo que a maioria deles atua na área de prestação de serviços.Além disso, ficou claro que o programa de certa forma os faz sentircidadãos melhores, pois tem contribuído com seu crescimento pessoalfazendo-os perceber que a formação educacional propicia qualidade devida. No entanto, para essas pessoas, a necessidade de retomar os estu-dos e aperfeiçoar seus conhecimentos ainda está relacionada à idéia deprofissionalização, como meio de conseguir melhores oportunidades detrabalho. Eles se sentem responsáveis por sua empregabilidade e acredi-tam que a qualificação solucionará seus problemas. Resta à escola ame-nizar as dores sociais causadas pelo desemprego e pelo capitalismo, ofe-recendo novos horizontes através do conhecimento, da promoção devalores e do estímulo ao estudo e ao pensar criativo.

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A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMOALTERNATIVA DE PROEJA

Márcia Neugebauer Wille1

Clóris Maria Freire Dorow 2

Introdução

Vivemos atualmente em um processo de transformação na políti-ca, na economia e na sociedade, devido à globalização, que tem provo-cado a exclusão e aumentado as desigualdades entre os homens, base-ando-se na doutrina neoliberal a qual afirma que o mundo não é detodos e para todos, mas apenas dos mais aptos ao pensamento e aodesenvolvimento mercadológico da economia.

Para encontrar alternativas à lógica neoliberal devemos mudar nos-sos conceitos e práticas, desenvolver a criatividade e acreditar que épossível pensar em um mundo diferente, consolidado pela única sendapossível: a educação.

Mas esta educação deve ter nuances diferenciadas para um públi-co heterogêneo. Uma das alternativas possíveis é pensar em um cursode PROEJA que trabalhe com uma proposta de educação solidária, ins-tigando nos alunos exatamente o contrário do que faz o capitalismo: emvez da competição, a colaboração, em vez de poucos alcançarem o mai-or lucro, muitos obterão lucros que serão repartidos de forma igualitária.

Contextualização

Podemos dizer que a globalização, ora em curso, está para o atualperíodo científico-tecnológico do capitalismo como o colonialismo esteve

1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médiona Modalidade Educação de Jovens e Adultos2 Coordenadora do Curso de Especialização do PROEJA e Doutoranda em Lingüística

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para a sua etapa comercial ou o imperialismo para o final da fase indus-trial e início da financeira. Ou seja, trata-se de uma expansão que temcomo objetivo aumentar os mercados e, portanto, o lucro, que é o que defato move os capitais, produtivos e especulativos, na arena do mercado.

A globalização é então mais uma etapa da história humana, mas aforma como esta vem sendo orquestrada, pelas multinacionais e as agên-cias unilaterais, seguidoras dos ideais neoliberais, tem criado uma con-tradição no interior das sociedades, pois não há uma relação harmônicaentre os ideais democráticos e o livre mercado, enquanto o primeirobaseia-se nos ideais de liberdade política, estimulando o coletivismo, osegundo estimula o individualismo.

Infelizmente, não se pode pensar que a globalização tende ahomogeneizar o espaço mundial. Ao contrário, ela é seletiva, pois esco-lhe alguns lugares, certas atividades, determinados setores e alguns gru-pos ou segmentos sociais para serem mundializados e desfrutarem dosbenefícios. Assim, enquanto muitos lugares e grupos de pessoas seglobalizam, outros, às vezes, bem próximos, ficam excluídos do proces-so. Por esse motivo, a globalização tende a tornar o espaço mundial cadavez mais heterogêneo. Além disso, ela tem provocado uma imensa con-centração de riqueza, aumentando a diferença entre países e, no interiorde cada um deles, entre classes ou segmentos sociais.

Nesse contexto, a situação dos trabalhadores tem sido agravadapela revolução técnico-científica que provoca a substituição do trabalhohumano por máquinas, pela introdução de novos modelos produtivos(Toyotismo), onde se exige do trabalhador cada vez mais qualificação epela flexibilização financeira e das relações de trabalho (na sua grandemaioria financiadas e idealizadas pelo Banco Mundial, FMI, BIRD, etc.),que provocam a redução dos seus salários.

O sonho de gerações que imaginavam que a tecnologia poderia nofuturo poupar tempo e energia, permitindo aos seres humanos melhorqualidade de vida também foi frustrado, pois o capital apropria-se dessesbenefícios através da mais-valia relativa aumen-tando a produtividadedo trabalho, fazendo com que um só trabalhador possa realizar as tare-fas de muitos.

Diante dessa realidade, a educação deveria estar comprometidacom aqueles que vivem do trabalho e não apenas com os que vivem dasua exploração, mas certamente não é isso que temos vivenciado.Atéaqui, o Ensino, a Escola e a Educação Pública vêm servindo a uma mino-ria da população e não têm contribuído para o desenvolvimento dacidadania pois perpetuam os ideais economicistas da ordem capitalista.Em

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conseqüência disso, não se tem conseguido, no Brasil, garantir que ascrianças, principalmente às procedentes de classes populares, permane-çam na escola e aprendam, o que resulta em grande demanda na educa-ção de jovens e adultos.

Aqueles que ficaram à margem do sistema ao se defrontaremcom as exigências do mercado de trabalho buscam a EJA, acreditandoque a escolarização é o caminho para um emprego e para uma vidamelhor.Mas Gaudêncio Frigotto nos alerta sobre essa falácia:

...se o sistema educacional investir em uma determinada educação, visan-do o desenvolvimento de determinadas competências, aqueles que adqui-rirem essas competências terão emprego. Esta é uma ilusão brutal. Nãonegamos a importância da educação, que é crucial e fundamental, mas nãopor esse caminho...isolada não tem o poder de transformar a realidadesocial, cultural, política e econômica de uma sociedade marcada pelo estig-ma escravocrata e pela servil subordinação ao grande capital...”(FRIGOTTO, 1999, p.100).

Portanto, no momento em que as políticas públicas buscam resga-tar e reinserir no sistema escolar brasileiro milhões de jovens e adultos,através do Programa de Integração da Educação Profissional Técnicade Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovense Adultos – PROEJA, possibilitando-lhes acesso à educação e à forma-ção profissional, é preciso redirecionar a educação, sintonizando seusconceitos, suas práticas com os ideais de justiça social, para que nãosejam frustradas as esperanças dos que a procuram.

Uma prosposta de PROEJA

Para que os rumos da PROEJA converjam na direção dos interes-ses da coletividade, é imprescindível reestruturar as suas propostascurriculares, pois entendemos que o trabalho é essencial na vida do serhumano e a sua ausência é a raiz da maioria dos nossos problemas soci-ais. Pode visualizar-se o trabalho como algo que faz parte do ser humanoe o constitui, se considerarmos esse termo na sua amplitude e não apenascomo uma atividade, um emprego. Todas as atividades realizadas pelohomem constituem formas de sua transformação, exercendo influênciaem seu pensamento e suas atitudes, portanto o trabalho é inerente ao ho-mem, no decorrer de toda a sua existência (CORRÊA, s.d.).

O objetivo desse artigo é propor uma nova alternativa de currículopara o PROEJA, que não se limite apenas à qualificação, ou ao desen-

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volvimento e aperfeiçoamento técnico para trabalhadores desemprega-dos, mas que seja capaz de superar, através da educação, o conceito detrabalho criado pelo sistema capitalista

Acreditamos que direcionar a educação para economia solidáriaseria uma excelente alternativa. Para Paul Singer (1995, p.80)

A Economia Solidária foi concebida como um modo de produção que tor-nasse impossível a divisão da sociedade em uma classe proprietária domi-nante e uma classe sem propriedade subalterna.Sua pedra de toque é apropriedade coletiva dos meios sociais de produção (além da união emassociações cooperativas dos pequenos produtores). Na empresa solidá-ria, todos que nela trabalham são seus donos por igual, ou seja, têm osmesmos direitos de decisão sobre o seu destino. E todos os que detêm apropriedade da empresa necessariamente trabalham nela. Essa última con-dição nega a possibilidade de haver uma classe que viva apenas de rendi-mentos de seu capital, sem tomar parte no trabalho. Daí deriva a norma deque a empresa solidária não remunera o capital próprio dos sócios e que,quando trabalha com capital emprestado, paga a menor taxa de juros domercado. Isso significa que os ganhos dos trabalhadores têm prioridadesobre o lucro, que na empresa solidária toma a forma de “sobras”.

Mudar essa mentalidade é uma tarefa árdua e requer uma reedu-cação coletiva que leve os educandos a uma nova maneira de ver omundo, é essencial que eles compreendam que a desigualdade não temnada de natural, e que ela só pode ser superada com a prática da solida-riedade, pois ninguém sobrevive sem a ajuda dos outros.

Primeiro, deveria haver uma mudança na concepção que norteiaescolas, pois hoje esta sofre a influência dos conceitos da economiacapitalista e os reproduz, reforçando os valores da competição e ado-tando o que Paul Singer (op.cit) chama de visão produtivista. Essaconcebe a educação, sobretudo escolar, como preparação dos indiví-duos para o ingresso, da melhor forma possível, na divisão social dotrabalho. A visão produtivista não despreza outros propósitos do pro-cesso educacional, mas enfatiza o que é chamado pelos economistasde acumulação de capital humano.

Cada indivíduo é encarado como tendo capacidade produtiva po-tencial, cujo desenvolvimento exige esforço, tanto do próprio como deseus instrutores e familiares. Esse esforço se traduz num custo, quepode ser formulado em termos pecuniários e representa o valor do capi-tal humano de que dispõe cada indivíduo. Esse capital humano provém,não apenas da educação escolar, mas, também, de cuidados com a saú-de e outros que contribuem para desenvolver a capacidade produtiva do

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indivíduo. Educar seria primordialmente isto: instruir e desenvolver fa-culdades que habilitem o educando a integrar o mercado de trabalho omais vantajosamente possível.

Cumpre atentar para o pressuposto crucial dessa visão: o de que avantagem individual, que se traduz em ganho elevado e outras condiçõesfavoráveis de usufruto material, é simultaneamente social. O bem-estar detodos é o resultante da soma dos ganhos individuais que, em um mercadode trabalho livre e concorrencial, são proporcionais ao capital humano acu-mulado em cada um dos indivíduos. Em outras palavras, a educação pro-move o aumento da produtividade, que seria o fator mais importante paraelevar o produto social e, dessa maneira, eliminar a pobreza.

A visão produtivista não oferece perspectivas para os alunosprecocemente excluídos da escola, cuja infância que deveria ser otempo de brincar e de aprender, foi usada para trabalhar, para garantiro sustento próprio e o da família. Assim, como não adquiriram o capitalhumano necessário para garantir a empregabilidade estarão perma-nentemente condenados às ocupações informais, ao subemprego e àsatividades penosas.

O grande propósito da educação seria proporcionar às classes tra-balhadoras a consciência, portanto, a motivação (além de instrumentosintelectuais), que lhe permita o engajamento em movimentos coletivos,visando tornar a sociedade mais livre e igualitária. É óbvio que a educa-ção escolar também deveria cumprir muitos outros propósitos, que pode-riam ser resumidos na habilitação do indivíduo a se inserir de forma ade-quada na vida : profissional, familiar, esportiva, artística, etc. A visão civildemocrática da educação não vê contradição entre a formação do cida-dão e a formação do profissional, da mãe ou do pai de família, do espor-tista, do artista e assim por diante.

Para lançar na escola a semente de um trabalho conjunto (solidá-rio) todos os aspectos da vida dos alunos devem ser levados em conta,bem como suas aspirações e seus anseios, seu universo de relaçõesinterpessoais, comunitárias e sociais.

Segundo Marcos Arruda (2005.)

A Economia Solidária promove a educação não como fim em si, mas comovia de empoderamento dos educandos para tornarem-se gestores compe-tentes dos seus empreendimentos cooperativos e sujeitos do seu própriodesenvolvimento pessoal, comunitário e social. Chamo-a de Educação daPráxis. Essa educação identifica-se pelas práticas conscientes da coopera-ção e da solidariedade no modo de ensinar e aprender e também nas rela-ções entre educandos, entre esses e os educadores, e entre educadores.

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A educação solidária deve estar pautada nas idéias de Paulo Freire,na Educação Libertadora, em que o educador tomando como ponto departida as condições de vida e de trabalho dos educandos, abre um diálogocom eles sobre a questão “para que desejam educar-se”. Outro aspectoimportante é compreender, como nos diz Paulo Freire, que o aluno doPROEJA não é um ser sem história, um pote vazio a ser cheio pelo profes-sor, pelo livro, pelo saber acumulado, pois os jovens e adultos são pessoasque já trazem um saber acumulado de décadas de vida e trabalho.

Como a educação que queremos desenvolver é voltada para a eco-nomia solidária, precisamos combater o individualismo e incentivar o di-álogo, a troca de experiências entre os alunos, afinal ninguém aprendesozinho, aprendemos uns com os outros. Também, devemos superar afragmentação curricular, pois o conceito de transdisciplinaridade perpas-sa toda a economia solidária, já que o aluno/trabalhador/empreendedorprecisa ter compreensão do conjunto do funcionamento do empreendi-mento através de uma visão integrada, desde o conhecimento teóricoaos diversos processos produtivos, aos métodos de trabalho, à atividadefinanceiro-administrativa, à comercialização etc.

É preciso pensar em uma escola que permita uma pluralidade desaberes. Não se quer com isso negar o conhecimento acumulado pelahumanidade. Na verdade, o conhecimento avançou muito com o desen-volvimento do capitalismo. Não se trata de perder o acúmulo do co-nhecimento especializado, mas se exige uma nova ética diante dessesconhecimentos para que os trabalhadores reconstruam uma visão detotalidade que foi perdida com a divisão do trabalho nas fábricas, impos-ta pelos modelos Toyotista e Fordista.

É necessário unir os ideais de justiça social aos de preservação domeio ambiente, ou seja, desenvolver o consumo ético, crítico e solidário,fazendo com que os alunos aprendam a buscar o atendimento de suasnecessidades, tendo como principio básico o consumo do suficiente, poiso consumo do supérfluo é um fator de exclusão social bem como umrisco a própria sobrevivência da humanidade.

A sustentabilidade deve nortear a educação para a economia soli-dária, da forma como nos orienta Marcos Arruda (op.cit, p.22)

Consciente de que todo consumo envolve a geração de resíduos, cada habi-tante estará comprometido com os três princípios de uma gestão responsáveldo ambiente: gastar o mínimo, reutilizar tudo o que é possível, reciclar o quenão pode ser reutilizado. Dessa forma, elimina-se todo desperdício, seja derecursos, seja de energia, e buscam-se formas de manter a harmonia da exis-tência da comunidade humana em relação aos seus ecossistemas.

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O papel do educador na formação para a economia solidária tam-bém é fundamental, ele deve ser capaz de estabelecer uma relaçãoeducativa com seus alunos em que ambos ensinem e ambos aprendam,conforme Marcos Arruda (op.cit, p.57)

O saber do educador, supostamente maior e mais erudito que o doseducandos, é relativo ao seu universo cultural e situação social. Portanto,tende a estabelecer uma relação complexa e contraditória com o saber doseducandos jovens e adultos. Saber administrar esta relação no sentido desuperá-la mediante a crescente autonomização dos educandos e não amera reprodução por estes do saber absorvido do educador ou dos auto-res estudados, este é o grande desafio para o educador da Práxis.

Outro diferencial importante na educação para a economia solidá-ria é a avaliação. Partindo-se do pressuposto de que a aprendizagem nãoocorre de maneira imediata e instantânea e nem apenas pelo domínio deconhecimentos específicos ou informações técnicas, a aprendizagemrequer um processo constante de envolvimento e aproximações sucessi-vas, amplas e integradas, fazendo com que o educando possa, a partirdas reflexões sobre suas experiências e percepções iniciais, observar,reelaborar e sistematizar seu conhecimento acerca do objeto emestudo.Outra estratégia importante é a de cuidar para que em momentoalgum a avaliação induza à competição entre os alunos, já que o espíritoo qual se deseja desenvolver é o da cooperação e o da solidariedade.

A maior parte das iniciativas de incubação da economia solidáriatem partido de Organizações não governamentais, de sindicatos ou degrupos dentro das universidades que atuam na organização, assessoria eacompanhamento de grupos ou cooperativas em comunidades pobres,com certeza a atuação dessas entidades tem um papel importantíssimona divulgação da economia solidária, porém, a Economia Solidária podeter na escola um espaço para que seus ideais sejam divulgados de formamais abrangente.

Uma das inquietações presentes na construção da EJA, enquantopolítica pública tem sido a necessidade de superar vácuo existente naspropostas curriculares, devido ao distanciamento entre essas e o mundodo trabalho. Embora no Plano Nacional de Educação (PNE) na LDB(Lei nº 9.394/96), esteja explícita a necessidade de vinculação do ensinofundamental para jovens e adultos à formação para o trabalho, isso nãotem ocorrido na prática. No máximo, o que se observa são práticas ali-geiradas de treinamento profissional às vezes vinculadas à elevação deescolaridade.

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Atualmente, existem alternativas promissoras, como as desenvol-vidas com base no Plano Nacional e Qualificação (PNQ) e no ProgramaEconomia Solidária em Desenvolvimento. É uma tentativa de articula-ção com a EJA, que tem, entre outros objetivos: “Articular a EconomiaSolidária às demais políticas públicas, em especial, aquelas relativas àelevação da escolaridade, alfabetização e à educação de jovens e adul-tos” (DEQ/Senaes/SPPE/MTE, 2003, p. 4).

O PROEJA pode ter um papel fundamental quando se busca umaoutra lógica de geração de emprego e de renda, como no caso das expe-riências ligadas à Economia Solidária, não apenas no sentido de contri-buir para que os jovens e adultos coloquem-se diante das relações capi-tal e trabalho por outro prisma, mas, também, porque esse pode ser ocaminho de mudanças dos próprios prismas da escolarização para essesalunos. A Economia Solidária é um poderoso instrumento de combate àexclusão social por apresentar uma alternativa viável de geração de tra-balho e de renda, garantindo a satisfação das necessidades de quem estánela envolvido. Ela propõe uma reflexão sobre a organização da produ-ção e da reprodução da sociedade de modo a diminuir as atuais desigual-dades e difundir os valores de solidariedade humana.

No PNQ (Plano Nacional de Qualificação) os conteúdos reco-mendados são os do universo temático da Economia Solidária, ou seja,são aqueles que contemplam o acúmulo histórico dos trabalhadores naorganização de iniciativas econômicas fundamentadas na cooperaçãoe na solidariedade. Esses conteúdos dizem respeito aos conhecimen-tos, às formas de organização, aos comportamentos e às atitudes ne-cessárias à viabilidade dos empreendimentos e à concretização de prin-cípios e valores próprios de uma cultura solidária.Entre esses conteú-dos, pode destacar-se:

• Constituição, organização e gestão democrática de empreendimentossolidários.

• Autogestão.

• Relações intersubjetivas no trabalho.

• Construção de redes, complexos cooperativos, centrais decomercialização.

• Participação cidadã e controle social nas políticas públicas.

• Legislação do cooperativismo, mutualismo e autogestão.

• Direitos sociais e trabalhistas como direitos humanos.

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• Trabalho emancipatório e a superação do trabalho alienado.

• Conteúdos profissionais e sociais integrados, de forma a facilitar a cons-trução de metodologias relativas ao processo produtivo coerentes com oprojeto de Economia Solidária.

Considerações finais

Logo, para instrumentalizar tecnicamente o trabalhador, de acor-do com o empreendimento que se buscará desenvolver, poderão ser fei-tas parcerias com CEFETs, organizações não-governamentais, como arede “S” ou com outras entidades que possam viabilizar o desenvolvi-mento das técnicas necessárias à produção.Os diferentes caminhos se-rão definidos segundo as características e capacidades de cada comuni-dade local, partindo do princípio de que as dinâmicas geradoras de desi-gualdade e exclusão só podem ser desmontadas de baixo para cima, donível micro para o macro.

Articulando o sistema produtivo com o educacional, em especialcom o ensino na modalidade PROEJA, é possível torná-lo capaz de ge-rar rendimentos crescentes, mediante a utilização dos recursos disponí-veis e a introdução de inovações adequadas, sob o controle crescente dacomunidade local, garantindo a criação de riqueza e a melhoria do bem-estar da população local.A educação para a economia solidária não podeser formulada e transmitida apenas em termos teóricos, pois é um atopedagógico em si mesmo, na medida em que propõe nova prática sociale um entendimento novo dessa prática. A melhor maneira de aprender aconstruir a Economia Solidária é praticando-a por isso é extremamenteimportante trazer para dentro da escola pessoas que estejam envolvidasem empreendimentos solidários, já que essas pessoas possuem a experi-ência prática obtida na vivência diária, adquirida por tentativa e erro.

Ao articularmos estas novas iniciativas/alternativas econômicascoletivas, populares e solidárias para geração de renda ou trabalho,permeado pela autogestão, com os processos educacionais, principal-mente com a Educação de Jovens e Adultos no PROEJA, estamos ali-ando o conhecimento teórico ao conhecimento prático, aumentando, as-sim, as chances de que o ensino de economia solidária possa alcançar osresultados promissores, mudando a vida de várias pessoas excluídas peloensino regular.

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CAPACITAÇÃO DE TRABALHADORES EMUM CENTRO DE TRIAGEM DE RESÍDUOS

SÓLIDOS URBANOS: CRIANDO UMAFERRAMENTA PEDAGÓGICA

Rafael B. Zortea1

Rafael Arenhaldt2

Introdução

Nas grandes cidades, um dos vários problemas enfrentados concen-tra-se na gestão dos resíduos sólidos gerados. Tal fato toma dimensõesmaiores quando este problema é enfrentado pelos países subdesenvolvi-dos, pois o problema da geração dos resíduos sólidos acaba se constituindocomo uma alternativa de sobrevivência, conseqüência dos graves proble-mas sociais enfrentados por estas nações. Pessoas que acabam sendoexcluídas do mercado de trabalho, não possuindo qualquer oportunidade,acabam encontrando no lixo, um meio de ganho e sobrevivência.

Portanto, os responsáveis pela gestão desses resíduos sólidos gera-dos (no caso do Brasil, fica por contas das gestões municipais), acabamverificando que a organização destas pessoas marginalizadas em gruposde trabalho com o foco na coleta e separação destes resíduos ajuda nocumprimento de um papel muito importante no que diz respeito à gestãodestes resíduos e atividades como: reinserção de pessoas no mercado detrabalho, reutilização de resíduos recicláveis e coleta e disposição do lixo.Tais tipos de organizações acabam assumindo o papel de minimização ereutilização dos resíduos, além, é claro, do aumento de oportunidades detrabalho para a população que, atualmente, se encontra marginalizada.

Entretanto, a forma de organizar estas pessoas acaba encontrando1 Rafael B. Zortea é Professor do CEFET-RS e Aluno do Curso de Especialização do PROEJA/UFRGS.2 Rafael Arenahdlt é Doutorando em Educação e Professor do Curso de Especialização doPROEJA/UFRGS.

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entraves e dificuldades, como a dificuldade de capacitação dos própriosintegrantes e a vulnerabilidade destas formas de organização entre outrosobstáculos (Castilhos, 2003). Mesmo assim, Gonçalves (2002) levanta ogrande número de externalidades positivas que se pode chegar com aorganização destas pessoas, pois tais associações não possuem somente oobjetivo de melhorar a renda destes indivíduos, como também ser um meiode união e participação na conquista de direitos. Deste modo, o desenvol-vimento de metodologias e procedimentos que venham a auxiliar acapacitação dos atores destas organizações sociais torna-se essencial paraa elaboração de futuros projetos que busquem a sustentabilidade e sobre-vivência destas formas de organização de economia solidária.

Diante do que foi colocado, este artigo propõe a criação de umaferramenta pedagógica, ou seja, um modelo de capacitação técnica paraum grupo heterogêneo que trabalha em um galpão de triagem de lixo. Nocaso desse estudo, os catadores e triadores de resíduos sólidos urbanospertencem ao Centro de Triagem da Restinga em Porto Alegre, formadopor trabalhadores com baixa escolaridade, o que revela a necessidadede formas de aprendizagem que busquem viabilizar esta apropriação doconhecimento a ser passado em uma capacitação

Perspectiva metodológica

A proposta do trabalho visa oferecer ferramentas pedagógicas quedemonstraram um resultado positivo no que se refere a apropriação deconhecimento técnico por parte das pessoas que trabalham nestesgalpões. Todavia, segundo Gonçalves (2002), a idéia de se construir umametodologia e/ou procedimentos que consigam investigar e reconhecera realidade local de uma forma completa, detectando problemas, deman-das e potenciais, deve, no mínimo, levantar informações como:

· cotidiano das pessoas que participam da organização;

· histórico dos processos de organização que já ocorreram na região;

· riqueza e valores presentes no grupo social;

· formas que utilizam para o relacionamento e valorização do ambienteonde moram;

· formas e relações de trabalho construídos no grupo social.

Daí pode-se constatar que a precisão no levantamento destas in-formações e a forma como estas serão buscadas acabam se tratando

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dos principais problemas do trabalho. Estas informações acabam tor-nando-se as premissas básicas na investigação da realidade organizacionala ser diagnosticada. Além disso, tal diagnóstico, por conseqüência aca-bará influenciando na questão da forma de planejamento da capacitaçãodestas pessoas. Vale destacar que, a forma de condução, tanto do diag-nóstico como da inserção de conhecimentos técnicos, devem atingir comoresultado final uma boa eficiência no que se refere à questão da inserçãode uma sustentabilidade para esta forma organizacional de economiasolidária. A verificação deste resultado final basear-se-á na aplicação domesmo procedimento utilizado quando da realização do diagnóstico, fa-zendo então um comparativo da situação antes e a de agora.

As etapas do trabalho foram realizadas junto com os integrantes daorganização de economia solidária em questão (Centros de Triagem deResíduos Sólidos) e seguiram o processo descrito a seguir.

Diagnóstico do processo produtivo

Umas das etapas do diagnóstico versou sobre o processo de tria-gem e a sua eficiência em termos de resultado para os associados doCentro de Triagem da Restinga (CT Restinga).

A Associação recebe do Departamento Municipal de LimpezaUrbana (DMLU) de Porto Alegre os resíduos sólidos urbanos (RSU)oriundos da coleta seletiva (CS) do município. As cargas são diárias desegunda a sábado.

De acordo com registros do próprio CT Restinga, em maio de 2002a média de cargas semanais foi de 20 cargas. Uma carga possui, emmédia, 1,3 toneladas. O mês contabilizou 111,8 toneladas de RSU, sendoque os materiais termoplásticos comercializados representaram 29,1 to-neladas (26% do RSU oriundo da coleta seletiva).

Como resultado da triagem obtém-se uma ampla variedade de pro-dutos, além do rejeito. Os produtos têm na sua composição materiaisbásicos como celulose, metais, polímeros e materiais vítreos; enquantoque o rejeito é uma mistura complexa e heterogênea de materiais iner-tes, minerais e orgânicos.

Tomando-se como base os dados de venda do mês de agosto de2002, pelo número de cargas recebidas e, considerando 1,3 toneladas amassa média destas cargas, realizou-se um balanço de massa para con-frontar os dados atuais tanto dos materiais comercializados como dovalor do índice de rejeito de 57,9 % de agosto de 2000. Os dados destebalanço de massa, de forma geral, são apresentados na Figura 1.

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Figura 1: Composição dos RSU do CT Restinga

Fonte: DMLU (Agosto/2002)

Analisando o percentual de termoplásticos comercializado no CTRestinga, no mês de agosto/2002, verificou-se que não houve evoluçãosignificativa deste valor nos últimos dois anos. Desta forma, será adota-do o valor do IR de 39,1% como parâmetro de comparação da eficiênciado projeto.

Focando a análise para os termoplásticos comercializados, perce-be-se que estes são classificados em 16 itens, isto é, 62% dos tipos deprodutos. Tomando-se como base a quantidade total de termoplásticosno material comercializado (22,3%, conforme figura 1).

Análise técnica do processo produtivo

A fim de obter um resultado mais discriminado, para realizar umamelhor compreensão técnica realizou-se uma análise qualitativa dos pro-dutos termoplásticos comercializados pelo CT Restinga com a finalidadede verificar quais as resinas que compõem os itens bem como os princi-pais contaminantes. Os resultados são apresentados na tabela 1.

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Tabela 1: Descrição dos materiais comercializados pelo CTRestinga.

Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Agosto/2002)

A próxima etapa tratou-se da realização da análise da fração rejei-tada com o intuito de definir uma sistemática para a classificação damesma. A partir dos resultados desta análise, desenvolveu-se a seguinteclassificação:

· fração de rejeitos sem nenhuma possibilidade de reciclagem (FNR);

· fração de materiais recicláveis que podem ser classificados dentro dealgumas das 26 classificações já existentes (FMR);

· fração de materiais que possuem viabilidade de reciclagem, porém nãopodem ser classificados numa das 26 classificações já existentes (FPR).

Após a caracterização inicial já descrita, foi realizado o acompa-nhamento “in loco” com a intenção de analisar a gestão do processoprodutivo. Este acompanhamento baseou-se nas seguintes constatações:

· o índice de rejeitos de 39,1%;

· o nível de contaminantes dos produtos comercializados pelo CT Restinga;

· a falta de padronização nos procedimento, principalmente nas mesas detriagem;

· o resultado qualitativo e quantitativo do rejeito.

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Os resultados estão apresentados em relação às duas fraçõesestabelecidas pela classificação do rejeito: fração de materiais reciclaveis(FMR) e fração de materiais potencialmente reciclaveis (FPR).

A fração de materiais não recicláveis (FNR) não foi incluída nadiscussão, pois as causas de sua não reciclabilidade tem origem no de-senvolvimento dos produtos e na falta de tecnologia para reciclagem.Estes dois aspectos não podem ser resolvidos com a capacitação destesatores. Assim, os resultados podem ser sintetizados abaixo.

Principais causas do FMR:

· falta de padronização do processo de triagem entre os associados;

· pequeno tamanho do material recebido;

· dificuldade de separação, embalagens com mais de um tipo de materialreciclado;

· sujeira.

Principais causas do FPR:

· não possui demanda pelos intermediários;

· problemas de identificação e classificação.

Após a realização do plano de trabalho acima, os educadores seinseriram no ambiente de trabalho desenvolvendo os trabalhos de rotinacomo um trabalhador do Centro de Triagem. A finalidade desta etapa foia de levantar, de forma completa, as principais causas dos problemasconhecimentos técnicos voltados para a produtividade e qualidade.

Este processo de acompanhamento ativo estendeu-se por diferenteshorários, turnos e atividades, com ênfase no processo de triagem pertinen-tes às mesas de separação. Os resultados estão sintetizados abaixo.

As principais causas do problema da produtividade e qualidade natriagem de termoplásticos analisados pelos educadores.

· Separação muito criteriosa, sendo que às vezes um mesmo material éseparado em três classificações diferentes.

· Rejeita-se uma parcela muito grande de material termoformado e de potesde iogurte com filme exterior colorido, além de um desperdício já existenteem relação aos demais materiais.

· Falta de padrão entre o pessoal da mesa quanto aos tipos de classifica-ções, por exemplo, no caso dos filmes, verificou-se mesas separando em 3,outras em 4 e até em 5 tipos diferentes.

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· Definição de somente um box para a colocação de todos os tipos defilmes classificados, o que repercute numa grande perda de tempo da pes-soa da prensa que precisa dispender mais tempo localizando sacolas deum mesmo material neste box. Tempo perdido de 30 minutos à uma horapor fardo prensado.

Realizado o levantamento dos principais problemas do processocom relação ao conhecimento técnico necessário e com base nos dadosqualitativos e quantitativos do balanço de massa do CT Restinga, defi-niu-se o sistema de avaliação para o projeto.

A avaliação consistirá no acompanhamento e medição, quandopossível:

· da eficácia da metodologia de capacitação;

· da efetividade do projeto.

A eficácia da metodologia de capacitação será avaliada por: análi-se dos aspectos comportamentais e ambientais, além de uma análisequalitativa e quantitativa do rejeito.

A análise qualitativa do rejeito foi realizada de acordo com a clas-sificação desenvolvida, isto é através das três frações já mencionadasacima; enquanto que a análise quantitativa foi obtida por amostragemdos tonéis de rejeitos oriundos das mesas de separação.

Figura 2: Constituição do rejeito do CT Restinga (antes dacapacitação)

Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Agosto/2002)

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O procedimento experimental consistiu na análise de um tonel decada uma das 5 mesas e em cada um dos turnos. Os resultados estãosintetizados na figura 2. Cabe ressaltar que uma análise genérica destastrês frações geradas no CT Restinga apresentou os seguintes valores:FNR – 71%, FMR – 19% e FPR – 10%.

Criando uma ferramenta pedagógica

A próxima etapa trata-se da aplicação de uma forma de capacitaçãoque possa apresentar um bom aproveitamento por parte dos trabalhado-res do CT Restinga. A ferramenta pedagógica proposta neste artigo con-siste em uma estrutura básica formada pelos códigos de identificaçãodos principais termoplásticos existentes nos RSU, conforme Tabela 2.

Com esta estrutura construiu-se uma tabela onde, à direita está aárea relacionada à dinâmica de mercado dos itens que compõem o rol deprodutos comercializados e, à esquerda e em diferentes graus de dificul-dade de assimilação, os conteúdos envolvendo os conhecimentos sobreidentificação de termoplásticos, conforme Tabela 2.

A respeito do quadro proposto, a utilização da simbologia de identi-ficação torna-se significativa, pois o uso destes símbolos é compulsórionos produtos termoplásticos, portanto, abrange a grande maioria dos pro-dutos termoplásticos além de possibilitar a utilização desta forma de re-conhecimento das diferentes resinas para trabalhadores analfabetos.Além disso, facilita a aprendizagem por parte de todos os trabalhadoresdo Centro de Triagem.

No que se refere a composição da simbologia de identificação comos aspectos do lado direito do quadro, verifica-se que este auxilia nademonstração da relação entre os tipos de resina e a resina constituintede cada produto comercializado. Por conseqüência, este quadro tambémpermite verificar quais resinas constituintes serão contaminantes em cadaum dos produtos comercializados, adaptando-se, portanto a dinâmica decomercialização atualmente existente. Sendo assim, tal quadro tambémpoderá auxiliar na atualização dos produtos conforme a dinâmica dosprocessos de transformação de termoplásticos, ou seja, as mudançasque ocorrem nos RSU. Sendo assim, acredita-se que a metodologia pro-posta pode, também, ser utilizada por trabalhadores analfabetos.

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Tabela 2: Ferramenta pedagógica proposta

Por fim, com relação a composição da simbologia de identificaçãocom os aspectos do lado esquerdo, acredita-se que este quadro permitiráaos trabalhadores ter em mãos diferentes métodos e informações paraidentificação dos termoplásticos mais comuns nos RSU, além da utiliza-ção de um elevado número de informações que levam a identificação daresina. Apesar de apresentar métodos complexos ou analíticos (comosolubilidade) este quadro também demonstra métodos simples ou empíricos(método visual), ficando a disposição todos os métodos conforme seja ograu de assimilação dos trabalhadores, a fim de atender as característi-cas individuais de aprendizagem. Pode-se acrescentar também que setrata de um instrumento de consulta rápida pelos próprios trabalhadores,permitindo a retomada das informações, como por exemplo: nicho demercado de embalagens e produtos, tipo de processamento, etc. Soma-do a tudo isto, acredita-se, também que se trata de um método que seadaptam facilmente a dinâmica de auto-aprendizagem do trabalhador.

O procedimento pedagógico para aplicação da ferramenta ocorreuatravés de aulas de curta duração. O educador apresentou os conteúdosbásicos para a construção do lado esquerdo do quadro, relacionando-ocom a simbologia.

Para isso utilizou o próprio ambiente e os mesmos procedimentosde trabalho de rotina. Isto permitiu corrigir os erros de identificação inloco, promover a redução da FMR e da FPR e, através do nivelamento,o processo de padronização dos referidos procedimentos.

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O procedimento foi repetido em diversos momentos e após a assi-milação deste conhecimento passado, o grupo de trabalhadores junta-mente com o educador realizaram a montagem do lado direito da tabela2, conforme apresentados na figura 3.

Os testes ensinados foram:

· análise do comportamento dos termoplásticos na combustão;

· análise das características densitárias em meio aquoso;

· análise quanto ao comportamento mecânico;

· análise quanto às propriedades óticas;

· identificação do tipo de processamento através de características doprojeto do produto e relacionar o processamento com a resina; e

· relacionar o tipo de resina com o tipo de embalagem.

Durante o processo de capacitação, onde os trabalhadores foramcapacitados em técnicas de identificação, as discussões iniciavam porestas técnicas e terminavam em alterações de procedimentos envolvi-dos na gestão do processo.

Figura 3: Avaliação dos itens termoplásticos comercializados

Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002)

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Avaliando o processo de capacitação

Por fim, com o intuito de verificar os resultados alcançados com aaplicação da metodologia de capacitação sugerida neste trabalho, fez-seuma nova medição de alguns resultados levantados no diagnóstico.

Ao se avaliar o processo de triagem, após a capacitação, notou-seque muitos materiais, por conta da: falta de informação sobre o procedi-mento correto de triagem, falta de conhecimento técnico sobre o tipo deresina termoplástica, ou mesmo desmotivação para realizar a triagemcorreta, mudaram suas rotas dentro do processo.

As mudanças nas rotas foram, basicamente, de dois tipos:· mudança no critério de classificação entre os termoplásticoscomercializados,

· inserção de materiais termoplásticos do rejeito em um dos 16 itens destegrupo comercializados.

Para ilustrar, tem-se o exemplo das embalagens termoformadas não expan-didas, principalmente as que compõem o rol de embalagens para alimentosperecíveis.

Estas embalagens são constituidas, normalmente, por quatro tiposde resinas: o poliestireno (PS), o policloreto de vinila (PVC), polipropileno(PP) e, nos últimos anos, devido a dinâmica do mercado de termoplásticose de forma crescente, o polietileno tereftalato (PET).

Figura 4: Constituição do rejeito do CT Restinga (após acapacitação).

Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002)

As embalagens termoformadas de PS tem como destino a rotapara o item: copos e bandejas de PS. As dificuldades em separá-las do

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PET, do PP e do PVC, se deve, principalmente às propriedades comotransparência, por gerar confusão com o PS cristal.

Os trabalhadores desenvolveram a capacidade de classificar taisembalagens de forma satisfatória. Aquelas embalagens de PS antes des-cartadas no rejeito passaram a ser aproveitadas. As embalagens de PETtermoformadas que seguiam para o rejeito foram incluídas no item: garra-fas de azeite, inclusive com baixo nível de contaminação do PP e do PVC.

Em análise qualitativa posterior ao processo de capacitação tersido realizado, o rejeito apresentou baixo nível de termoformados, princi-palmente porque o PVC e o PP não representam a mesma importânciaem termos de consumo neste nicho de embalagens. Assim, este exemploapresenta os dois tipos de mudanças nas rotas dos materiais triados.

Além disso, realizaram-se novamente medições sobre a produtivi-dade dos associados no que se refere ao processo de triagem. A figura 5apresenta os resultados da análise quantitativa do rejeito. O estudo foirealizado após o processo de capacitação e de forma a apresentar osresultados por mesas de separação, com o intuito de estudar, também,variabilidade entre os grupos de cada mesa.

Figura 5: Rejeito antes e após a aplicação do processo decapacitação no CT Restinga

Fonte: Pesquisa CEFET/RS - UNED/Sapucaia do Sul (Dezembro/2002)

A comparação entre as figuras 2 e 4 mostra uma clara evolução daqualidade de separação realizada pelos associados. Cabe destacar quedurante o processo de capacitação nenhum dos integrantes das mesas 4e 5 participaram do treinamento ou apenas acompanharam a primeiraparte do trabalho de capacitação.

39,1%

18,3%

0,0%

10,0%

20,0%

30,0%

40,0%

50,0%

Antes Depois

Índ

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Com relação a análise da produtividade do Centro de Triagem deuma forma global, a FNR que era de 71% subiu para 89%, a FMR queantes da capacitação mostrava um valor de 19% caiu para 8% e por fim,o FPR que era de 10% caiu para 3%.

Por fim, a figura 5 mostra a comparação entre os valores do índicede rejeitos antes e depois da aplicação do processo de capacitação aostrabalhadores do CT Restinga. Pode-se verificar que houve uma redu-ção de 20,8 % do total resíduos sólidos urbanos recebidos neste Centrode Triagem.

Considerações

Com relação ao trabalho em questão, baseando-se na avaliação doprocesso de capacitação sugerido e aplicado, pode-se colocar que ametodologia de capacitação pode ser considerada eficaz, pois atingiu ameta determinada no objetivo geral com a redução do índice de rejeitoem 20,3%.

O projeto de capacitação se aplicado e tomando como base os resul-tados alcançados neste trabalho poderá resultar nos seguintes ganhos:

· retorno econômico para os trabalhadores;

· retorno à cadeia produtiva que receberá material mais qualificado;

· retorno social, pois a qualificação profissional consolida a cidadania.

Além disso, se for considerado o resultado alcançado neste traba-lho para todos os Centros de Triagem de Porto Alegre que participam doProjeto Social da Prefeitura, pode-se estimar um ganho ambiental porvolta de 22 toneladas/mês de RSU que deixariam de ser destinados parao aterro sanitário da cidade, sendo então agregados aos produtos devenda destes Centro de Triagem.

Por fim, não se pode deixar de colocar que o desenvolvimento dametodologia permitiu aos educadores e educandos envolvidos uma novaferramenta pedagógica.

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Referências

ADAMS, Telmo. Vivendo e Reciclando: Associação dos Recicladores de DoisIrmãos. São Leopoldo: Oikos, 2005.

CASTILHOS, Assis; ZORTEA, Rafael B.; SOARES, Alessandro L. Projeto deDesenvolvimento de Metodologia para Capacitação de Trabalhadores de Cen-tros de Triagem, CEFET/UNED-RS, 2003.

GONÇALVES, José A.. Metodologia para a organização social dos catadores.São Paulo: Fundação Peirópolis, 2002.

SISINNO, Cristina L.C. Resíduos Sólidos, Ambiente e Saúde: uma visãomultidisciplinar. 20 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000.

ZORTEA, Rafael B.; SOARES, Alessandro L.; CASTILHOS, Assis. Projeto deCapacitação em Galpões de Reciclagem, XVII CRICTE, Passo Fundo, 2002.

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O OFÍCIO DE CANTINEIRO:Os Saberes Tácitos dos

Trabalhadores da IndústriaVinícola

Alexandre Ferreira dos Santos1

Rafael Arenhaldt2

Convido-os a mergulhar, através deste trabalho, no maravilhosomundo do vinho. Compartilho as compreensões que obtive procurandoentender os bastidores desta maravilhosa bebida, nos porões onde é pro-duzida. Considerado o néctar dos deuses, bebida milenar, o sangue deJesus Cristo e citado no melhor dos livros - a Bíblia Sagrada - o vinho nosleva até o subterrâneo da imaginação para estudar o homem que o ela-bora na sua mais humilde e simples condição: a de trabalhador da indús-tria vinícola.

Pensando e buscando entender como os trabalhadores da indústriavinícola construíram seus conhecimentos, procuro tecer este texto e estu-dar os fatores que levaram à construção dos saberes tácitos destes traba-lhadores. Assim sendo, procuro dar visibilidade e mostrar de que forma ostrabalhadores da indústria vinícola aprendem o “ofício de cantineiro” apartir da experiência prática no mundo do trabalho e da vida.

Do ponto de vista metodológico, visito os cantineiros nos seus lo-cais de trabalho e consulto a bibliografia (um pouco escassa sobre otema). A partir dos depoimentos, “costuro”, faço um novo texto procu-rando compreender a relação empírica do trabalho com os referenciaisteóricos consultados e os depoimentos coletados durante as entrevistas.

1 Alexandre Ferreira dos Santos é Enólogo e aluno do Curso de Especialização do PROEJA-RS, turma de Bento Gonçalves.2 Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre ecoordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhado-res Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor dopresente artigo.

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No que tange a realização das entrevistas não utilizei um questionáriofechado, mas deixei a conversa fluir naturalmente.

Considero importante que, para entender o mundo do trabalho esuas relações com o trabalhador, é preciso estar inteirado com a históriado mesmo através da leitura de alguns autores dessa própria história, daPsicologia, Antropologia, Sociologia, entre outros nesse universo intermi-nável que cerca o estudo das relações do ser humano consigo mesmo ecom o mundo do trabalho.

Tendo em vista a vasta experiência prática adquirida pelos traba-lhadores da indústria vinícola em suas atividades rotineiras, faz-se ne-cessário mostrar que os conhecimentos construídos durante as ativida-des realizadas são absorvidos pelo desempenho das funções operadorasrealizadas durante a jornada de trabalho.

No Brasil as atividades inerentes aos trabalhos realizados na ela-boração de vinhos são desempenhadas pelos “Cantineiros”, chefiadospor Enólogos que controlam as operações de produção.

· De que forma e onde esses trabalhadores adquiriram tal experiência?

· Como se constituem os saberes e experiências dos cantineiros?

· Como tais saberes foram adquiridos com a prática?

A definição de Trabalho segundo o Dicionário Aurélio é“a aplicação da atividade física ou intelectual; serviço; esforço;ação ou resultado da ação de um esforço”. Nesta perspectiva, Ser-viço significa “exercício de funções obrigatórias; duração desseexercício; desempenho de qualquer trabalho” e Ofício é “arte; car-go; profissão; ocupação; obrigação”.

Já os termos Saber e Tácito são definidos no Dicionário como:“saber: conhecer; ser informado; ter conhecimento; erudição; sen-satez; sabedoria; experiência” e tácito: “silencioso; que não seexprime por palavras; implícito; secreto” (FERREIRA, 1986).

Nesta dimensão, os saberes tácitos:

“(...) Por esse termo genérico são designados saberes práticos, concre-tos, empíricos, aprendidos no local de trabalho (Barcet et al. 1985), oconhecimento das máquinas (Bernoux et al. 1984), o conhecimento doprocesso de trabalho (Rosanvalon & Troussier, 1983) a ‘inteligênciaoperatória’ (Raveyre, 1984), etc.”. (DESAULNIERS, 1998, p. 88, apud,STROOBANTS, 1993).

Conversando com os donos destes saberes, noto que são pessoasadultas e questionando-as sobre o que as fez saber, ouvi que isso ocorreu

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naturalmente de tanto fazer e tanto errar. “O erro nos faz correr atrásdas ‘cagadas’ que fizemos”, disse-me Mateus, cantineiro de uma Viní-cola. “De tanto tentar, um dia nós acertamos e não esquecemos mais”(João, cantineiro).

Por que não mostrar estes saberes? Por que não tornar essas pesso-as reconhecidas pelo trabalho que desempenham e tirá-las da exclusãodiplomada? Nesse caso, o saber prático vem antes do certificado, diferen-te do que ocorre com a maioria dos formados que só possuem o saberteórico e muito depois adquirem o saber prático, se assim o quiserem.

“Também gostaria de ser chamado de doutor em limpeza dechão, pois sou o mais rápido e ninguém limpa que nem que eu”,disse-me Paulo ouvindo os risos dos colegas e rindo também. Já Natanaelgritou: “E filtrar? Duvido quem deixa os vinhos mais limpos que eu,e bem rápido!”.

Nas quatro indústrias vinícolas brasileiras que pesquisei3, aproxima-damente 85% dos trabalhadores do setor de vinificação não possuem oEnsino Médio completo e mais de 90% dos cantineiros possuem o EnsinoFundamental incompleto, mal sabendo escrever seus nomes. Isso não sig-nifica que não podem desenvolver seu trabalho com maestria, pois sãoseres humanos que possuem a mesma capacidade que qualquer pessoa“letrada”. É importante ressaltar que as empresas vinícolas estão buscan-do inserir seus funcionários e cantineiros na Educação de Jovens e Adul-tos através do PROEJA ou de outras iniciativas de educação básica.

Percebo um conflito entre os cantineiros “iletrados”, seus superio-res “letrados”, os técnicos em enologia e os enólogos responsáveis quandoconverso com eles, pois uns dizem ser melhores que os outros: “É muitofácil o chefe me dizer eu quero essa máquina funcionando, aí nósse quebra tudo. Me chamam de cara bom porque sei fazer muitacoisa, mais se dá certo foi o chefe que fez e se dá errado, fomosnós” (João, cantineiro e operador de enchedora).

Os cantineiros têm um olhar indiferente sobre o diploma, pois nãoacreditam que o mesmo tenha tanta importância no que diz respeito àrealização das atividades de trabalho solicitadas. Isidoro Selli, cantineiro,diz: “não precisa ser enólogo pra entender de vinho”. Teorizando,conforme Guedes (1997): “O diploma é o resultado de um saber quenão se construiu necessariamente no fazer e não capacita parasituações concretas” (p.198).

3 Fiz um levantamento com os trabalhadores das Vinícolas Aurora, Miolo, Salton e Garibaldino período de Fevereiro a Maio de 2007.

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Compreendo que o trabalho livre que explore a completude docantineiro ao trabalhar com prazer não é fácil de ser alcançado, pois osconflitos estão presentes, mas pode ser alcançado.

“Embora estejamos muito distantes da realização da utopia de um trabalhoemancipado e libertado, onde o homem possa desenvolver suaspotencialidades reais, acreditamos que, nos modernos processos de bens eserviços, surgem espaços para o desenvolvimento da identidade individual ecoletiva, e que esses espaços tendem a se expandir”. (DELUIZ, 1995, p.196).

Durante as entrevistas realizadas, compreendo que no aprendizadodo ofício de cantineiro, uma parte da história da vida dos trabalhadores éconstruída junto com o próprio aprendizado. “A cantina é minha se-gunda casa e meus colegas são meus irmãos, de tanto ficar aqui, agente se apega à firma e aos colegas, pois a gente se ajuda praresolver os problemas” (João, cantineiro e operador de enchedora).

As relações de trabalho implicam na história de vida do cantineirodurante a jornada de trabalho e ele transfere para a empresa uma partede sua vida pessoal e familiar. O cantineiro convive muito tempo nolócus de trabalho e acaba traduzindo para si a formação de uma espéciede família, pois se relaciona muito com seus colegas. Há fortes relaçõesinterpessoais (intersubjetivas) no convívio, modificando seu jeito de ser eseu ethos, pois é na vinícola que transcorre a maior parte do tempo desua existência. O cantineiro transfere os modos de pensar, sentir e agirque se constituem no interior das experiências do cotidiano profissionalpara a vida pessoal, familiar e comunitária.

Acredito que o trabalho possui um significado importante para avida. No caso dos cantineiros, nos meses em que a uva é recebida navinícola, a dificuldade de proporcionar lazer à família desempenha umforte sentido nas relações familiares, pois é no verão que a uva deve serprocessada, impedindo, às vezes, uma viagem de férias. A decisão emcontinuar nesse ramo é muito forte. “A minha mulher e meus filhosquase sempre vão sozinhos para a praia. Acho que a futura mulherde quem trabalha em vinícola deve ser avisada disso antes de ca-sar” (Fábio, Enólogo).

A realização de qualquer função operadora na vinícola dependeráde como o cantineiro encara e entende o universo no qual está inserido.O trabalhador, primeiramente, precisa desejar aprender o ofício e, assim,constrói condições objetivas de trabalho com o auxílio da subjetividadecom o passar do tempo.”Precisa de anos de experiência prática, se-não não dá” (Lindonês, cantineiro). A construção de um saber tácito éum processo complexo.

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Nesse contexto, para compreender o processo, o cantineiro, juntamentecom a necessidade de aprender o ofício e seu saber tácito, articula valores esentimentos presentes nesse mesmo processo complexo de construção dosaber. No local de trabalho, constroem-se saberes práticos com auxílio, tam-bém, de costumes vivenciais dos agentes envolvidos no processo.

O habitus permite que as práticas do cantineiro adquiram sentidohistórico e social, na realização das atividades laborais. A permanênciano lócus, a vivência na vinícola contribui para essa construção. SegundoTittoni (1994): “A construção do ‘saber-fazer’ no cotidiano do tra-balho surge marcado pelo antagonismo, pela necessidade e, tam-bém, pelo desejo” (p.35). Utilizando tal enfoque, a possibilidade decompreender as formas como o sujeito constrói seus saberes, possíveisde aprender, estão implícitas no inconsciente. Inconscientemente ocantineiro utiliza vários ramos do conhecimento humano que ele mesmodesconhece, como psicologia, sociologia, entre outros.

O gosto pelo trabalho, a curiosidade, a coragem, entre outros fato-res contribui para a construção do saber-fazer. Gostar do trabalho, sercurioso, tendo satisfação na realização das atividades, aprender algo novoou desafiar os conhecimentos adquiridos são quesitos importantes naconstrução do conhecimento tácito. Jandir, cantineiro com 34 anos deprofissão, disse emocionado: “amor ao trabalho, boa vontade, dedi-cação faz a gente saber tudo”. Conhecer e aprender o processo pro-dutivo são fundamentais para aprender o saber-fazer. A rotina de traba-lho, repetitiva, pode não exigir um conhecimento aprofundado, mas ajudaquando o andamento da operação é prejudicado por algum problema.

Como todo ser humano, o cantineiro possui características pessoais,sendo um mais curioso, mais persistente e decisivo que o outro. “O magrãosabe fazer de tudo porque é fuçador, curioso, se mete em tudo... àsvezes até se machucava, mas aprendeu bem”. (Mateus, cantineiro). Ocantineiro curioso está sempre aprimorando a sua forma de trabalhar:“Memória, acompanhando, quando ocorre problema, tem que pres-tar atenção no serviço. 30 anos de cantina, 17 na Tecnovin e 13 noCefet de Bento. Vários ensinaram. Sei todos os serviços, desde a uvaaté a garrafa” (Domingos, cantineiro do CEFET-BG).

Ao meu ver, a forma como os cantineiros edificam seu saber, estáassociada à utilização de vários conhecimentos que habitam seu ser (ter“faro”, ter “jeito”, ser do “métier”), alguns imperceptíveis aos própriostrabalhadores. As tarefas intelecto-manuais, abstrato-concretas, formal-informal, dependem de critérios que se impõem com toda ambigüidadenas descrições das atividades.

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“Essa categoria de saberes que é necessária para o domínio do ofíciomobiliza a pessoa na sua totalidade, o corpo e a mente, a habilidade e areflexão. (...) Enfim, os antigos operários profissionais traduzem as exigên-cias definidas pela norma – compreender, saber refletir, possuir um méto-do, - nestes termos: compreender mecanismos, possuir um método detrabalho, saber agir para realizar determinada tarefa. Em suma, eles nãovalorizam disposições gerais por si mesmas, mas a atividade de pensamen-to finalizada” (DESAULNIERS, 1998, p.63).

Para reforçar essa afirmação, a interdisciplinaridade se articulapara concretizar o saber. O aprendiz de cantineiro nota que, para asatividades mais simples, como lavar as pipas, não há necessidade nemde instrução nem de experiência: “quando comecei aqui, há dez anosatrás, para lavar o chão e as pipas não precisei ter prática, jásabia fazer” (Paulo, cantineiro). Acredito ser duvidosa essa afirmação,pois Paulo fetichizou sua ação e não se lavam as pipas como se lava ochão ou uma parede, sendo necessário que um colega mais experientemostre como executar a tarefa: “olha que não é bem assim, pois temproduto diferente pra lavar as pipas e tem que saber usar certo. Eujá ensinei até o chefe, pois vim de outra firma que já usava o pro-duto” (Mateus, cantineiro). Acredito que foi a prática advinda da expe-riência adquirida no trabalho que lhe possibilitou o acesso a este conhe-cimento. E este conhecimento não raras vezes tem sido suficiente paraensinar o trabalho aos colegas e chefes.

Os cantineiros disseram que começaram a trabalhar muito cedo,entre oito e doze anos, na lavoura com a família, com o pai na firma, emconstruções, no mercado do bairro desempenhando atividades diversas.Todos os entrevistados disseram ter aprendido a trabalhar na prática.Percebendo que o seu saber se originou praticando o ofício, sabendo queassim desempenham bem a tarefa, dizendo que a teoria é insuficientepara o aprendizado do trabalho. Reconhecem a importância de quem vaipara a escola, porém percebem claramente que, embora dizendo que oque sabem é suficiente para trabalhar, a melhoria da sua vida dependeda aquisição de um outro tipo de saber, conferido pela escola: o saberteórico. “Eu não consigo ir mais pra aula, mas meu filho vai estudarpra ser doutor, para que o filho dele não diga – viu, tu não quisestudar” (Natanael, cantineiro).

“Seu discurso revela a incorporação da dicotomia saber teórico/saber prá-tico, e a percepção de que eles têm finalidades diferentes e são adquiridosem diferentes locais; no trabalho, aprende-se a prática, na escola, a teoria.Ao mesmo tempo em que subvalorizam o ‘saber prático’, aspiram ao aces-

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so ao ‘saber teórico’ conferido pela escola e explicam pela própria incapa-cidade e impossibilidade de permanecer no sistema de ensino” (KUENZER,1989, p.146).

As relações sociais entre os cantineiros auxiliam muito na constru-ção do saber tácito, nesse sentido, o saber não existe pronto e acabado,mas é resultado dessas relações. O cantineiro se defronta cotidianamen-te com problemas que a prática lhe apresenta, as quais ele tem queresolver. Nesse processo, ele vai experimentando, analisando, refletindo,indagando, discutindo, descobrindo e, desta forma, vai construindo umconjunto de explicações para a sua própria ação, ao mesmo tempo emque edifica formas de “fazer” ao seu jeito. Ele apreende, compreende etransforma ao mesmo tempo em que se transforma.

Heitor Marson (Enólogo da Vinícola Marson) diz:”(...) poucoaprendi no curso que uso hoje. Aquelas teorias, que vem tudo delivro francês, espanhol e italiano não tem muita serventia aqui, por-que estamos no Brasil, a terra é outra, o clima também”.

Conforme Guedes (1997):

“Essencialmente, o que a escola comum, (...) propõe é uma fraca iniciaçãoao ‘saber teórico’ que lhes é, de fato, por essa via, negado. Este saber, domodo como lhes é apresentado, não dá direção a ninguém. É preciso en-contrar caminho para aqueles que se constroem pelo saber-fazer” (p.203).

Portanto, o trabalhador do ramo enológico precisa ser especificamen-te treinado e o “saber fazer” ocupa papel de destaque nessa atividade.

Buscando compreender mais a fundo a relação do trabalhador daindústria vinícola com o seu próprio trabalho, percebo uma situação que,para mim, assusta. O “trabalhar” manualmente ou no controle das di-versas máquinas que sustentam a produção de vinhos mostra uma rela-ção, a meu ver, não muito agradável entre o cantineiro e seu trabalho. Asmáquinas trouxeram avanço na produção de vinhos, segundo os olharesdos proprietários de vinícolas. Ao meu olhar, trouxeram uma submissãoe uma dependência maior do trabalhador, pois além de substituir alguns,tornam outros realizadores de tarefas repetitivas, impedindo-lhes criarsituações de trabalho novas, alienando-os. Isso, ao meu ver, impede rela-ções de trabalho socializadas e humanizadas. Os cantineiros ficam sub-missos ao materialismo dos donos de vinícola, tornando-se repetidoresde tarefas pré-determinadas: centrifugar, filtrar, clarificar, entre outras,sem criar. O trabalho do cantineiro assume a forma de uma espécie demercadoria que produz, também, mercadoria.

Sob a égide da investigação que realizei para a confecção deste

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estudo nas vinícolas, procurei compreender as relações dos trabalhado-res desta indústria com a construção dos saberes que não advém daescola. Sob esta perspectiva, procurei compreender como os cantineiros,construíram seus saberes. Gravitando em torno de alguns eixos temáticos- história e a formação da classe trabalhadora industrial, o capitalismo ea construção dos saberes tácitos – compreendo que a construção des-ses saberes se dá no lócus de trabalho, a partir do ethos e de fatoressociais e psicológicos, entre outros. Diferentes grupos sociais produzemdiferentes saberes.

A construção do saber-fazer prepara somente para o ofício oupara a vida? O meio no qual o cantineiro está inserido parece ofuscarsua condição de liberdade e de construtor de um “saber da vida”, paradesempenhar somente um ofício fragmentado tornando-o, assim, depen-dente e expropriado de seu saber. O aprendizado do saber tácito nãoensina ao cantineiro saber exigir seus direitos, solucionar problemas so-ciais, de educação, segurança e saúde para sua família, entre outros. Osaber-fazer constrói a história do cantineiro, história fabril e pessoal,influenciando a história familiar.

O saber-fazer do cantineiro é gestado a partir de fatores muitosignificativos e importantes para ele. Esses fatores são, em primeiro lu-gar, a necessidade de trabalhar. A coragem, vontade de aprender vemsomar ao primeiro juntamente com a curiosidade. O uso de diversasáreas do conhecimento humano, como psicologia, sociologia, e outrasenriquecem esta formação, sob o manto de sua práxis.

Ao me debruçar sobre essa realidade a analisar a questão, com-preendo que ele é impedido de ser um sujeito com alto conhecimentotecnológico, de comprometer-se socialmente na construção de sua iden-tidade e de ter senso crítico.

Nesse sentido, o saber não existe pronto e acabado, mas é síntesedas relações sociais que os cantineiros estabelecem na construção de seusaber e de sua história de vida, pela união incessante de contrários – tesee antítese – numa categoria superior, a própria síntese. Assim, ao edificarseu saber-fazer, o cantineiro apreende, compreende, transforma e se trans-forma em um ser repleto de saberes. Mesmo sendo “rato de porão”,precisa resolver (e resolve) problemas oriundos da prática de trabalhocotidiana. No trabalho, portanto, se fundem teoria e prática como momen-tos inseparáveis e dialeticamente relacionados. E não é nas instâncias su-periores das atividades intelectuais e sim no terreno firme das relaçõessociais que o cantineiro constrói conhecimento. Acredito que nessa cons-trução existem dois pólos contrários que interagem entre si: a atividade

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intelectual e a manual. Ambas são interdependentes, pois não há ação semantes pensá-la e não há pensamento sem antes ter ação.

O cerne da minha crítica sobre a raiz da construção do saber tácitodo cantineiro são as relações de produção. Nas vinícolas, essas relaçõespossuem visão unilateral, hegemônica e conservadora. Assim sendo, pensoque o cantineiro, de certa forma reproduz uma perspectiva hegemônica,pois aceita a estrutura de funcionamento sem questionar. Se pensar sóno trabalho, a relação de produção é hegemônica, mas se for, além disso,com preocupação na formação humana, consciência de compromissosocial, quebrar preconceitos, desenvolver senso crítico é contra-hegemônica.

Há uma ambigüidade: se o cantineiro perceber o todo do processode construção de seu saber, poderá usá-lo e modificá-lo, será proprietá-rio de seu conhecimento, porém, coerência na totalidade não existe, poisestamos sempre buscando. O patrão deve proporcionar a plena liberda-de e condições para que haja um livre exercício da construção do ofício,o que, na verdade, não ocorre. Ao aprender com os que já sabem, apren-de só o que os outros sabem, pois também foram construídos dessa for-ma, limitadamente.

Na zona sombria e obscura dos porões das vinícolas habitam sabe-res construídos sem olhares de reconhecimento. Novos fachos deluminosidade me permitiram ver onde parecia faltar luz. Esse novo olharabre uma profunda discussão, pois a construção dos saberes da experi-ência me faz chegar a uma compreensão que abre caminho para umterreno repleto de complexidade e com o desvendar dos mistérios sur-gem novas e intrigantes indagações, mostrando um horizonte que nãotermina por aqui. A discussão não está terminada, não é possível concluirpara a eternidade, pois tentei e estou tentando entender as relações docantineiro, um ser humano, com toda a sua incompletude, sentimentos eemoções, com o seu trabalho e com o aprendizado de seu ofício.

Nesse aprendizado, o cantineiro demarca seu território, edifica asua auto-importância com base em alicerces empíricos comungados in-dividual ou socialmente. Assim, ele define a sua identidade, constrói suasegunda casa, pois se enraíza no local, equipamentos, pipas e no própriocolega, fundindo uma amizade ao calor do vinho, aquele especial, bebidoàs escondidas na sexta-feira, final de expediente, nos meandros das enor-mes pipas, suas irmãs. E nesse efeito inebriante proporcionado por Baco,surgem risadas, brincadeiras, algumas não bem-vindas, causadoras detumulto, deteriorando o clima amigável. Como visto em BAUDELAIRE(1998):

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“Profundos prazeres do vinho, quem não os conhece? (...) Como é verda-deira e abrasora esta segunda juventude que o homem dele retira! Massão, também, perigosas suas volúpias fulminantes e seus encantamentosenervantes!” (p.186).

É ali que o vinho desempenha um de seus papéis: do acolhimento,das dificuldades, inquietações e intrigas. É nesse momento que irradia oapego, o costume de ali estar. Revela-se íntimo, familiar, dotado de sen-tido próprio, construído na fraternidade ao se ajudar a resolver proble-mas inesperados. Isso é ser tácito. Isso é ser empírico. Isso é ser ofíciode cantineiro.

Referências

BAUDELAIRE, Charles Pierre. Paraísos Artificiais. Porto Alegre: L&PM, 1998.

DELUIZ, Neise. Formação do Trabalhador: Produtividade & Cidadania. RJ: Shape,1995.

DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Formação & Trabalho. Porto Alegre:EDIPUCRS, 1998.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portugue-sa. 1986.

GUEDES, Simoni Lahud. Jogo de Corpo. Niterói: EDUFF, 1997.

KUENZER, Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica. 3.ed., São Paulo: Cortez Edi-tora, 1989.

TITTONI, Jaqueline. Subjetividade e Trabalho. Porto Alegre: Ortiz, 1994.

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FAZÊ CARVÃO TEM CIÊNCIA! -APRENDENDO COM OS SABERES DO

TRABALHO E DA VIDA PARA PENSAR OTRABALHO E A FORMAÇÃO DE

EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA

Maria do Carmo Canani1

Naira Lisboa Franzoi2

Introdução

Este artigo nasce do estudo que realizei tendo em vista a conclusãodo Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de NívelMédio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jo-vens e Adultos – PROEJA/UFRGS3 O estudo teve como objetivo discu-tir a formação social de educadores de jovens e adultos e educadores doPrograma de Integração da Educação Profissional Técnica de NívelMédio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA),tendo por base a questão do trabalho.

Para concretizar esse objetivo, foi realizada uma oficina pedagógi-ca, “O Velho Vendedor de Carvão”4, com três grupos de educadores eum grupo de carvoeiros da localidade de Samambaia, na zona rural do

1 Graduada em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Educadorapopular, com experiência em formação de educadores de jovens e adultos.2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão decurso da autora do presente artigo.3 Conclusão do Curso: 2007.4 A oficina compõe-se de três momentos: contato com o carvão e produção individual ecoletiva a partir das diferentes representações (1); interação com o livro “O Velho Vendedorde Carvão” e início da discussão sobre trabalho (2); aprimoramento da discussão a partir detrês músicas que abordam a questão do trabalho: “A Força que Nunca Seca”, de Vanessa daMata, “Capitão de Indústria”, do Grupo Paralamas do Sucesso, e “Cidadão”, de Zé Ramalho.

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município de São Francisco de Paula. Dois grupos de educadores foramestudantes do Curso de Especialização em Educação Profissional Téc-nica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Edu-cação de Jovens e Adultos - PROEJA/UFRGS - turma de Porto Alegree de Bento Gonçalves - RS, e um era formado por educadores popularesdo Programa de Auxílio Solidário - PAS, desenvolvido pela Secretaria deAssistência, Cidadania e Inclusão Social do município de São Leopoldo -RS. Na oficina realizada nos diferentes grupos, a discussão sobre traba-lho é desencadeada a partir das representações construídas, individual ecoletivamente, sobre o produto carvão.

A oficina surge, sobretudo, das diferentes experiências de que par-ticipei como educadora de trabalhadores, em diferentes espaços: chãode fábrica, universidade, sindicato, movimentos sociais. Nessas experi-ências, ampliei minha visão sobre o mundo do trabalho e sobre o contex-to social, o que me possibilitou, também, atuar na formação de educado-res de jovens e adultos.

Como referencial teórico do estudo, foram utilizados textos deGaudêncio Frigotto, Yves Schwartz, Paolo Nosella, Miguel Arroyo eMarise Ramos. Pelos limites deste texto e pela riqueza de dados daoficina desenvolvida com os carvoeiros, opto por relatar, na íntegra, ape-nas essa oficina.

Eu já sei o que é, e conheço muito bem isso, ocarvão - Oficina 4 -Carvoeiros de Samambaia -São Francisco de Paula - RS

A oficina foi realizada no dia 12 de maio de 2007, na casa do casalEloni Teresinha Bertuol Boff e César Rudimar Boff, ambos carvoeiros eagricultores rurais, residindo e trabalhando na localidade de Samambaia,zona rural de São Francisco de Paula, município que faz parte da regiãodos Campos de Cima da Serra.

A localidade de Samambaia fica a 8 km da cidade, e a estrada é dechão. Uma estrada estreita, rodeada pela linda natureza da serra. Pas-samos por algumas poucas casas, por uma escola, e encontramospouquíssimas pessoas nesse trajeto.

Acompanhou-me, nessa experiência, uma amiga que também atuana área de educação e trabalho. Ao nos aproximarmos do grupo, pedidesculpas pelo atraso de dez minutos - chegamos às 14h 40min. O gruponos recebeu cordialmente, e Eloni nos ofereceu um chimarrão, seguran-

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do no colo uma das netas gêmeas de oito meses, que ficaram com osavós durante toda a tarde.

É interessante dizer que um dos participantes, quando nos viu chegar,foi saindo e desapareceu. Só soubemos disso depois, quando íamos começaro trabalho e o marido de Eloni, César Rudimar, comentou sobre o desapare-cimento de José Roque. César disse que o outro havia fugido porque elebrincara com o primo dizendo que éramos do IBAMA, e foi buscá-lo.

Com o retorno de Roque, iniciamos o trabalho. Primeiramente, ten-tei explicar ao grupo o motivo de estarmos lá com eles, tentando quebrara idéia da fiscalização. Disse que o objetivo desse trabalho, principal-mente, era valorizar o trabalho dos carvoeiros e aprender com eles, ouseja, o oposto de uma fiscalização. César comentou que, no início, houveum pouco de resistência, mas que resolveu dar uma força quando soubeque seria eu que faria o trabalho, uma vez que já me conhecia. Aindaassim, Roque disse que queria fazer um pedido: Vocês podiam ajudar agente [...] (referindo-se ao IBAMA). Então, César falou: Cala a boca,rapais, isso é outra coisa.

Logo em seguida, fizemos uma rodada de apresentação dos cincoparticipantes do grupo: Avelino Boff: 92 anos, aposentado. Trabalhou 16anos com produção de carvão de estufa, desde os 6 anos. A partir dessaidade, por um período de três a quatro anos, ia à frente com os animaistrilhando para preparar plantios, inclusive de acácia. Inês Teresinha Ra-mos Ferreira: 62 anos, aposentada. Tia de Eloni. Trabalhou sempre nalavoura, mas também ajudava o marido a produzir carvão (carvão feitono chão, tapado com vassoura e terra). João Roque Bertuol: 58 anos.Primo de Eloni. Trabalhou desde os 15 anos com carvão feito no chão,mas hoje trabalha apenas como agricultor. César Rudimar Griffante Boff:42 anos, agricultor rural e produtor de carvão de estufa, há 25 anos. Filhode Seu Avelino. Eloni Teresinha Bertuol Boff: 46 anos, casada com César.Professora municipal há 17 anos, trabalhando com classes multisseriadas(1ª a 4ª série do Ensino Fundamental). Trabalha com carvão nas fériasou no turno contrário ao turno de trabalho.

Ao Eloni revelar sua idade, Seu Avelino comentou: Eu tenho odobro da idade dela. Todos ficaram admirados com seu raciocínio rá-pido, e então comentamos sobre a matemática da vida.

Depois das apresentações, desenvolvemos o primeiro momento daoficina - o contato com o carvão. Primeiramente, brinquei dizendo quehavia levado de presente para eles algo que não conheciam, sugerindoque cada um pusesse a mão dentro de um saco de papel e tirasse algo dedentro. Distribuí, também, uma folha de ofício para cada participante.

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João Roque, antes de retirar o carvão do pacote, comentou: Eu jásei o que é, e conheço muito bem isso!. Quando viu o produto, excla-mou: Carvão!!. Depois, associando o carvão à possibilidade de escrita,disse: Eu sou vivo, eu já peguei um de biquinho. Seu Avelino, ao pôra mão dentro do saco de papel, falou: Ah, bolacha!.

Ao pegar o carvão, Roque disse, convicto: Este carvão tem água,porque suja a mão. A afirmação de Roque provocou uma discussão emtorno da qualidade do produto. Roque concluiu: Alguns colocam águano carvão para pesar mais. Comentei sobre os paus inteiros que vêmno saco de carvão, e César completou: É sacanagem! Eles fazem issopra ganhar mais. Admiramo-nos quando ouvimos que o carvão de boaqualidade é completamente limpo, não suja as mãos, pois não tem água.Salientamos, então, a importância dos saberes contidos no trabalho.

Depois do impacto inicial do produto, e da primeira discussão quese desencadeou, foi lançado o desafio: registrar no papel, através daescrita ou do desenho, a primeira sensação/sentimento/memória a partirda observação do produto. Comentei que podiam usar o próprio carvãopara registrar, mas também pincel atômico ou caneta.

Eloni, César e Inês aderiram prontamente à proposta, demonstran-do facilidade para expressar no papel o que estavam pensando/sentindo.Roque demonstrou uma certa timidez, ou uma certa dificuldade para seexpressar, mas não desistiu da idéia. Primeiro, tentou escrever com opincel atômico, estimulado por César, que dizia: Escreve!. Como tevedificuldade com o pincel, César pediu uma outra folha e uma caneta paraRoque, ajudando-o na escrita. Quanto a Seu Avelino (92 anos), começoutentando escrever com o carvão, depois com a caneta, uma frase e seunome, mas depois disse: Já fiz muito carvão, não lembro mais nada!Vou botar: estou esquecido!. Disse-lhe, então: Não tem problema,Seu Avelino. O senhor pode escrever que está esquecido. Ele tentounovamente, mas acabou não escrevendo. Vendo isso, Dulce comentou:Não tem importância se o senhor não escrever, o importante é queestá aqui com a gente, e o senhor pode falar.

No momento seguinte, cada um falou sobre o que registrou, e fo-ram surgindo muitas histórias. Foi César quem começou falando: Quan-do eu faço um carvão, eu penso em quem tá fazendo um bom chur-rasco. Se for bom, vão querer mais!.

Seu Avelino, muito quieto depois que não havia conseguido escre-ver, a partir do que o filho colocou, começou a falar: Eu levava carvãopra Novo Hamburgo, e o César era o motorista. Levava de Kombi.Hoje eu não fazia mais. Ao lhe perguntar se o trabalho era difícil, ele

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comentou: O trabalho não! Mas o frio que eu passava. Gelado. Osoutros dois, César e Roque, comentaram, então, que era preciso cuidardo carvão a noite toda, mesmo com frio, pois senão, se os buracos nãofossem fechados na hora certa, o carvão era perdido e arrebentava aestufa, e tudo virava em cinza. João Roque fez uma comparação: Écomo uma pessoa doente, a gente tem que ficar em cima.

Eloni mostrou seu registro: a árvore que dá o carvão. Desenca-deou-se, então, uma conversa sobre as árvores que utilizam para produ-zir o carvão: eucalipto e acácia. Eles comentaram que fazem a produçãodo carvão desde o plantio da árvore: planta pra usar, corta uma eplanta cinco. Com relação à acácia, Eloni salientou que depois do corteé preciso queimar toda a área, e ainda tem que cuidar das formigas.De oito anos pra cima, as árvores podem ser cortadas, explicou César.Segundo o carvoeiro, não pode colocar no forno só lenha grossa,tem que ser a grossa e a fina, para não ficarem espaços vazios.Enfim, cada um queria mostrar o que sabia de seu trabalho.

Chegou a vez de Roque explicar sua escrita: o carvão me ajudoumuito. Ele contou, então, que produzia o carvão no chão, não na estufa(forno). Trabalhou nesse sistema desde os quinze anos, mas depois pa-rou, por causa de um acidente que ocorreu com o filho, que queimou ospés quando pulava em cima da caieira, ficando hospitalizado por váriosmeses. Hoje, ele só trabalha na lavoura. César ajudou-o a explicar asetapas desse antigo processo de produção do carvão: empilhar a madei-ra; tapar com vassouras verdes; cobrir as vassouras com terra; nas late-rais, fazer buracos, para a fumaça sair; atrás, fazer um suspiro; ao mes-mo tempo, ir socando a caieira - parte alta (pulando por cima) - e fe-chando os buracos laterais, até chegar no fim - suspiro (medidas dacaieira: 2m de largura, 4m de comprimento e 1,5 m de altura).

Roque comentou que trocava o carvão por alimentos, no armazém.César disse que eles plantavam também, não só olhavam o carvão -plantavam perto de onde o produto estava sendo feito. Aproveitavam alenha que estava no espaço do plantio para fazer carvão - planta silves-tre, de mato. Perguntamos a Roque se ele começaria tudo de novo, e eledisse que sim. César explicou-nos, também, o processo de produção docarvão na estufa (forno). Enche-se o forno com a madeira, sendo quenele também há buracos laterais e o suspiro. Quando os buracos come-çam a ficar vermelhos, é hora de fechá-los, senão o carvão está perdido.Por fim, ele comentou: Se são três dias pra queimar, são três dias praapagar - tá pronto o carvão!. Perguntado sobre quem fazia os fornos,César disse que há pessoas na comunidade que os fazem Ele também

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lembrou que, antigamente, o carvão era transportado numa carreta debois, com correntes nas rodas, depois numa caminhonete.

Inês não falou sobre o registro - teve dificuldade para falar sobre oque desenhou e escreveu. Dulce sugeriu que ela não se prendesse aoregistro e falasse da experiência, e ela, então, contou que ajudava omarido, quando podia, na produção do carvão. Comentou que tinha quecortar a madeira, e que era um trabalho muito pesado.

Perguntamos com quem eles haviam aprendido tudo isso, e Césarrespondeu: A nici ajudou a gente. Quando ela não nos indicava, elanos empurrava (referindo-se à necessidade). E eu sempre fui ambici-oso. Ele comentou, ainda, que com 15 anos começou a mexer no forno,pois antes seu pai não permitia, achando que só ele sabia fazer carvão,sendo muito resistente a mudanças: O mestre não deixava. Roque com-pletou: O mestre-sala!. Depois disse: eu aprendi por conta, ninguémme ajudou.

Aproveitei para perguntar se na escola, quando crianças, eles apren-deram ou discutiram sobre o carvão. César respondeu: Na escola sóouvi falar de carvão mineral, dos perigos que as pessoas passavam[...] O grupo começou a conversar, então, sobre os professores de anti-gamente, que davam muito castigo e até surravam os alunos. Todos co-mentaram que estudaram até o “quinto ano” - não ficou claro se foramcinco anos na escola ou se estudaram até o antigo quinto ano primário.

Muito interessante, finalizando essa etapa da oficina, foi que eucomentei com Dulce que não iria trabalhar com as músicas, em funçãodo horário. César brincou: Mas tem gente aqui que gosta de cantar!.Minha amiga perguntou: Alguém aqui conhece alguma música quefale sobre trabalho?. E Roque, imediatamente, responde à perguntacantando, inteira, a música “Colono”, de Teixeirinha.

Passamos, então, ao último momento da oficina: a história “O Ve-lho Vendedor de Carvão”5. Muito interessante foi observar os rostosenquanto olhavam apenas as imagens do livro, sem o texto escrito -pareciam crianças!. Seu Avelino observou que o velho não tinha sapatos,que devia sentir frio, e então fizemos uma relação com o que ele haviafalado antes sobre o frio que passava durante a noite, quando tinha queficar cuidando do carvão. Olhadas as imagens, feitas algumas hipóteses,eu perguntei: Será que a história do velho tem um final feliz?. Ahistória foi então lida, sendo apresentadas novamente as imagens.

5 “O Velho Vendedor de Carvão” – é um texto chinês muito antigo e popular, de crítica social,cujos autores são Pó Chu-i e Cen Long.

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À medida que eu lia o texto, já íamos relacionando-o com as histó-rias que eles haviam contado sobre si - por exemplo: o velho esperavaalgumas moedas para encher de arroz seu prato vazio, e Roque haviacomentado que trocava o carvão por alimentos no armazém; o velho eramuito pobre, talvez nem tivesse casa, e não recebeu pagamento do Im-perador por seu trabalho (apenas uma homenagem ao boi), e eles jáganharam um bom dinheiro com a produção do carvão, além de traba-lharem como agricultores rurais; o velho era persistente, voltou à monta-nha para fazer tudo de novo, e eles também são persistentes; o persona-gem da história construiu saberes sobre seu trabalho, assim como eles.No final da história, perguntei: Afinal, o que o velho tem de diferentede vocês e o que tem de igual, além do que já comentaram?. Roquedisse: Pra mim não tem nada de diferente, tudo é trabalho.

Fomos, então, conhecer o forno e aprender, na prática, como se fazo carvão no chão. Na volta, para nossa surpresa, Eloni convidou-nospara tomar café - um verdadeiro café colonial, com produtos da terra,como pinhão e banana, e outros feitos pela dona da casa: cuca, queijo,nega maluca. No final do café, ganhamos um vidro de mel, feito manual-mente (espremido com a mão) pela família (um vidro para cada uma). Jáeram mais de 18h, e uma forte cerração tomava conta do lugar - tudobranco! Despedimo-nos afetuosamente de todas e de todos, e fomosembora, tremendo de frio e quase sem enxergar nada por causa da ne-blina. Valeu!

A ‘NICI’ AJUDOU A GENTE: QUANDO ELANÃO NOS INDICAVA, ELA NOSEMPURRAVA - ANALISANDO AEXPERIÊNCIA

Desde sempre, o trabalho pode ser considerado a base da vida. Navisão marxista, o trabalho é, fundamentalmente, interação dos homensentre si e com a natureza. No entanto, apesar de ser fundamental àprodução e reprodução dos bens da vida, nem todos têm tido o direito deapropriar-se dele. Segundo Gaudêncio Frigotto (2002, p.12-13), “a histó-ria humana, infelizmente, até hoje, reitera a exploração de seres huma-nos por seres humanos e de classes por classes”. Portanto, o trabalhotem dupla face: criação e destruição da vida.

Para Nosella (2006), são três as dimensões fundamentais dainteração homem-natureza: comunicação/expressão, produção e

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fruição. Conforme o mesmo autor, na dimensão da comunicação-ex-pressão, o homem interage, física e espiritualmente, com o mundo ecom os outros. Então, primeiro se expressa, se comunica, admira,contempla, entende e explica, cumprindo com a primeira dimensãodo trabalho. Quando produz e cria objetos materiais, artísticos, técni-cos e intelectuais, o ser humano, interagindo com a natureza e comoutros, trabalha - sentido da produção. Na dimensão da fruição, o serhumano frui dos bens naturais, industriais, artesanais, estéticos,interagindo com a natureza e com os outros seres humanos, comple-tando o processo de trabalho.

Na oficina realizada com os diferentes sujeitos: educadores deadultos e carvoeiros, dois aspectos ficam evidentes:

1º - Os educadores relacionam o carvão muito mais à fruição,uma vez que são usuários e não produtores, vagamente relacionando-o a trabalho humano. Nesse caso, a fruição é representada não so-mente pela alusão ao churrasco de domingo, ou ao calor do fogão, masà fruição do trabalho produzido, das lembranças vindas à tona (o car-vão que virou arte, para expressar sentimentos, evocar memórias: in-fância, lazer, conflitos internos, relação com a prática educativa, entreoutras). De certa forma, considerando o processo de construção de-sencadeado pela oficina, também estão presentes, nesse grupo, as di-mensões comunicação/expressão e produção. Mas produção de outranatureza, ou seja, a partir do carvão, produzem arte, comunicando, ex-pressando idéias, emoções - produção subjetiva.

2º - Os carvoeiros pesquisados vêem-se como produtores e per-cebem-se sujeitos de seu trabalho, uma vez que trabalham para si enão como empregados. Além disso, percebem-se produtores de umsaber como carvoeiros: esse carvão tem água, porque suja a mão;fazê carvão tem ciência!; a ‘nici’ ajudou a gente: quando ela nãonos indicava, ela nos empurrava.

Nesse sentido, expressam-se, comunicam-se, parecem ter orgu-lho do que produzem: colaborando para um bom churrasco!, comodisse o carvoeiro César - dimensão da comunicação/ expressão. E nãodá para dizer que não usufruem do que produzem, não apenas porquedeixaram claro que é possível ganhar algum dinheiro com a produçãodo carvão, e por isso também têm condições de saborear de vez emquando o seu churrasco, mas pela própria fruição do processo de pro-duzir, em que se sentem valorizados e não explorados - para eles, otrabalho tem mais a face da criação do que da destruição da vida.Talvez fosse diferente se a oficina tivesse sido realizada com carvoei-

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ros assalariados ou com trabalhadores das minas, mas ainda assim,como aponta Yves Schwartz (2003, p.22), “a experiência é sempre, emparte, encontro.”

Quando fala de trabalho e saber, Schwartz (2003, p. 23) afirma quetoda atividade de trabalho é atravessada de história. Mas, segundo ele,

quando se trata de trabalho, se isto é verdade também, não se trata de uma‘pequena história’, de uma história marcada pelo acaso das vidas indivi-duais: nenhuma situação humana, sem dúvida, concentra, ‘carrega’ comela tantos sedimentos, condensações, marcas de debates da história dassociedades humanas com elas mesmas quanto as situações de trabalho:os conhecimentos acionados, os sistemas produtivos, as tecnologias uti-lizadas, as formas de organização, os procedimentos escolhidos, os valo-res de uso selecionados e, por detrás, as relações sociais que se entrela-çam e opõem os homens entre si, tudo isto cristaliza produtos da históriaanterior da humanidade e dos povos.

A oficina realizada com os carvoeiros reforça as idéias do autor.Quanto de história está impregnado no relato dos processos de produ-ção do carvão (no forno e no chão), das tecnologias utilizadas (formamais e menos artesanal), das relações familiares (o pai que ensinou aofilho, que talvez ensine aos filhos e netos; o acidente do filho no traba-lho) e sociais - o fato de serem também agricultores rurais e de traba-lharem sem patrão.

Qual a relação das oficinas com a formação de educadores, emespecial dos educadores de EJA e do PROEJA? Os processos educa-cionais, escolares ou não, são práticas sociais não-neutras, podendoreforçar as relações capitalistas que subordinam o trabalho e todos osbens, pois têm o mercado e o capital como base de tudo, para o privilé-gio de poucos. Mas esses processos também podem constituir-se eminstrumento de crítica em relação a tais relações sociais e em produto-res de uma nova sociedade, afirmando o “humano como medida detodas as coisas e os bens do mundo como bens de uso de todos osseres humanos” (FRIGOTTO, 2002, p. 24).

Poderíamos perguntar-nos: se o trabalho é o fundamento da vida,qual é nossa visão de trabalho - visão do mercado ou visão humana?Qual a importância de se tomar o trabalho como uma das bases daformação de educadores de jovens e adultos? Sem uma formação so-cial consistente dos educadores, como pensar numa proposta de ensi-no médio que seja omnilateral, a exemplo do que propõe o PROEJA?

A respeito da importância de se considerar a historicidade nasatividades de trabalho, SCHWARTZ (2003, p. 23) diz:

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Se o trabalho é atravessado pela história, se ‘nós fazemos história’ em todaatividade de trabalho, então, não levar em conta esta verdade nas práticasdas esferas educativas e culturais, nos ofícios de pesquisadores, de for-madores, nas nossas práticas de gestores, de organização do trabalho, etambém nas nossas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, émutilar a atividade dos homens e das mulheres que, enquanto ‘fabrican-tes’ de história, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanêncianovas tarefas para o conhecimento.

Pensar a formação de adultos, a formação profissional sem se in-dagar sobre o que os educandos já construíram como saberes em seutrabalho, “e como esse trabalho sobre suas próprias competências ins-creve-se em projetos de vida, é contentar-se com uma certa esterilidadedo ato educativo” (SCHWARTZ, 2003, p. 29). Quando diz: fazê carvãotem ciência, César não apenas tem consciência de que tem um saberconstruído em sua atividade de trabalho como, mais do que isso, questi-ona-nos sobre o significado de ciência e sobre a oposição entre sabercientífico e saber popular, dando-nos a entender que o saber populartambém é explicado por uma ciência para explicar o mundo, ao contráriodo que historicamente vem sendo afirmado: que uma coisa é o sabercientífico e outra é o formal.

Conclusão

A experiência da oficina realizada com os carvoeiros parece mos-trar-me (ou mostrar-nos) que, acima de tudo, muito pouco sabemos so-bre o mundo do trabalho, ainda que tenhamos a pretensão de ser educa-dores. Um dos educadores participantes da oficina, na apresentação deseu grupo de trabalho, dá-se conta disso, quando diz: A gente olha paraessa cadeira e não se dá conta de que por trás dela há uma humanahistória. Assim, acabamos olhando banalmente para os objetos, produ-tos de longo, muitas vezes penoso, mas sempre humano trabalho: o sapa-to, o alimento, as roupas - produtos, enfim, que garantem a sobrevivênciaou a riqueza humana. E, assim, acabamos por olhar com banalidade,também, para os seres humanos que os produziram e nem sempre ostêm em abundância.

O carvoeiro Roque adverte-nos sobre esse olhar de banalidade, ouaté de deboche e desprezo em relação ao trabalhador, especialmente otrabalhador rural, quando canta a música “Colono”, de Teixeirinha, no

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momento em que é perguntado se alguém do grupo conhece uma músicaque fale de trabalho.

Não se trata apenas de uma música que fala de trabalho, mas quefala de seu trabalho (de Roque), de sua vida e do trabalho e da vida dospequenos agricultores rurais, que produzem alimentos - e, no caso dele edos outros quatro participantes da oficina, também carvão para os mora-dores da cidade, sendo, muitas vezes, tratados com indiferença ou discri-minação por alguns desses moradores.

Uma proposta curricular para se contrapor a esse olhar banal comque se olha para a realidade precisa possibilitar às pessoas que compre-endam essa realidade para além dos fenômenos. Segundo Marise Ra-mos (2005, p. 114), dois pressupostos filosóficos embasam a organiza-ção curricular nessa perspectiva:

O primeiro deles é a concepção de homem como ser histórico social queage sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação,produz conhecimentos como síntese da transformação da natureza e de sipróprio. Assim, a história da humanidade é a história da produção daexistência humana, e a história do conhecimento é a história do processode apropriação social dos potenciais da natureza para o próprio homem,mediada pelo trabalho. Por isto, o trabalho é mediação ontológica e histó-rica da produção do conhecimento. O segundo princípio é que a realidadeconcreta é uma totalidade, síntese de múltiplas relações.

Mas isso não se concretiza sem uma proposta, também, de forma-ção de educadores. O grande desafio, pois, de uma proposta de formaçãode educadores de adultos, portanto de educadores do PROEJA, na pers-pectiva do currículo integrado para uma formação omnilateral, é o da cons-trução, primeiro, de um outro olhar, sensível, sobre o trabalho, sobre ohumano e sobre o social, sobre as histórias que estão por trás, lembran-do a fala do educador já comentado. Dispor-se a aprender com o trabalho,para além do trabalho, numa relação de escuta, de troca, de vida.

O trabalho como princípio educativo precisa deixar de ser um dis-curso bonito para ser uma vivência. Deixar-se aprender pelo e com otrabalho, portanto, pelos e com os trabalhadores. Com certeza, sendoeducada e educando na troca com os carvoeiros, amplia-se minha visãosobre o carvão e sobre os seres humanos que o produziram.

Voltando ao título do estudo e deste artigo: FAZÊ CARVÃO TEMCIÊNCIA! - APRENDENDO COM OS SABERES DO TRABA-LHO E DA VIDA PARA PENSAR O TRABALHO E A FORMA-ÇÃO DE EDUCADORES DA EJA E DO PROEJA, é possível di-zer que construir um outro olhar sobre o trabalho e sobre os trabalhado-

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res, e entender, sem preconceitos, o que o trabalhador César diz, tam-bém tem ciência. Talvez, então, seja preciso repensar o próprio conceitode ciência, colocada a serviço dos seres humanos, da vida, e não domercado. Segundo Miguel Arroyo (2000, p. 78),

para pensar um projeto de formação é necessário ser capaz de fazer avinculação do mundo da produção com o mundo da civilização e com oprocesso da formação da espécie humana, de sua constituição como sujei-tos sociais e culturais e, por isso, como sujeitos identitários. Do contrário,a única relação possível é a da formação e a da educação com o mercado detrabalho, formando sujeitos empregáveis.

E é sempre bem-vinda a palavra de Freire (1968, p. 90):

não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, naação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que épráxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de algunshomens, mas direito de todos os homens.

Mas há que se continuar sonhando, não apenas com uma educa-ção diferente, mas também com uma sociedade diferente, lembrando osempre bem-vindo poema de Thiago de Mello - Estatutos do Homem:“Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida, e de mãosdadas trabalharemos todos pela vida verdadeira”.

Referências

ARROYO, Miguel. Ação política sobre a educação profissional. Outras falas,nº3, p. 71-79, ago. 2000.

CHUI, Pó; LONG, Cen. O velho vendedor de carvão. Jaoão: Shinseken, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

MELLO, Tiago de. Estatuto do homem. Disponível em <http://www.corassol.org.br/estatutodohomem.htm>. Acesso em : 12 dez 2006.

NOSELLA, Paulo. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores:para além da formação politécnica. In: Conferência realizada no I EncontroInternacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores, 2006,Fortaleza. Anais da Conferência realizada no I Encontro Internacional de Traba-lho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores Universidade Federal deFortaleza – CE: LABOR, 1996.

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RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integra-do. In: FRIGOTTO, Ciavatta; RAMOS, Marise (orgs.). Ensino Médio integrado:concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. p. 106-125

SCHWARTZ, Yves. Trabalho e saber. Trabalho e Educação. vol. 12, n. 1, p. 21-34, jan-jun. 2003.FRIGOTTO, Gaudêncio. A dupla face do trabalho: criação edestruição da vida. In: ______. A experiência do trabalho e a educação básica(orgs). Rio de Janeiro: Dp&A, 2002. p. 11-28.

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OS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕESOS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕESOS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕESOS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕESOS SUJEITOS DO PROEJA: QUESTÕESGERAGERAGERAGERAGERACIONAIS, PROCESSOS DECIONAIS, PROCESSOS DECIONAIS, PROCESSOS DECIONAIS, PROCESSOS DECIONAIS, PROCESSOS DE

INCLUSÃO E CURRÍCULOINCLUSÃO E CURRÍCULOINCLUSÃO E CURRÍCULOINCLUSÃO E CURRÍCULOINCLUSÃO E CURRÍCULO

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PROEJA E ESCOLA TÉCNICA: QUEM SÃOSEUS ALUNOS?

Maria Isabel dos Reis Souza Carvalho1

Tania Beatriz Iwasko Marques2

Introdução

O objetivo deste artigo é traçar um paralelo entre os alunos da Esco-la Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul considerando-seas diferentes modalidades de ingresso destes nos cursos técnicos. Combase em um Perfil traçado a partir de pesquisa realizada no ano de 2002,busca-se a comparação entre o perfil dos alunos que ingressaram median-te exame de seleção e os alunos do PROEJA (Programa de Integração daEducação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educa-ção de Jovens e Adultos) – baseado no Decreto nº. 5.840, de 13/07/2006 –que ingressaram na Escola Técnica neste ano de 2007.

Os alunos regulares ingressam por Exame de Seleção, realizadoduas vezes por ano nos meses de julho e dezembro. Os alunos doPROEJA, ao contrário, ingressam na escola por sorteio. Já que os doisgrupos de alunos serão colegas em um curso técnico da escola, com oobjetivo de estabelecer uma comparação entre os dois grupos, foi aplica-do um questionário aos alunos do PROEJA. Após a aplicação do questi-onário e tabulação dos dados, será possível estabelecer um perfil com-parativo entre os dois grupos.1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, no Curso de Especialização em Educação Profis-sional Média Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos.2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão de curso da autora do presente artigo.

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Perfil dos alunos

Perfil dos alunos do Ensino pós-Médio daEscola Técnica

Um estudo feito pela Escola Técnica da Universidade Federal doRio Grande do Sul (UFRGS), por meio da aplicação de 425 questionári-os, no período de 30 de setembro a 7 de outubro de 2002, permitiu coletardados que nos mostram um pouco da realidade dos alunos desta institui-ção. Os resultados que integram este relatório referem-se aos alunos daEscola Técnica, agrupados em duas áreas: Ciências da Natureza – quecompreende os cursos técnicos de Biotecnologia, Monitoramento e Con-trole Ambiental e Química; e Gestão Empresarial – que compreende oscursos de Secretariado, Contabilidade, Gestão, Sistema de Informações,Segurança do Trabalho e Transações Imobiliárias. Dessa análise feita,foram selecionadas algumas perguntas pertinentes aos dois grupos, es-cola técnica e PROEJA. As respostas foram analisadas e organizadasem tabelas para maior visualização e interpretação dos dados.

Tabela 1 – Escolaridade dos alunos que ingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

Tabela 2 – Instituição na qual concluiu o Ensino Médio por área deconhecimento dos que ingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

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Tabela 3 – Grau de instrução dos pais e mães, por área de conhecimentodos alunos que ingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

Tabela 4 – Renda familiar dos alunos que ingressaram por exame de seleção

* Salário Mínimo à época: R$ 200,00Fonte: UFRGS, 2002.

Tabela 5 – Informação, leituras e línguas estrangeiras dos alunos queingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

Tabela 6 – Principais fontes de informação sobre assuntos da Universidadedos alunos que ingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

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Tabela 7 – Principal motivo para a escolha da Escola Técnica da UFRGSdos alunos que ingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

Tabela 8 – Perspectiva profissional após concluir o curso técnico dosalunos que ingressaram por exame de seleção

Fonte: UFRGS, 2002.

Tabela 9 – Preocupação maior em

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Perfil dos alunos do PROEJA

O perfil dos alunos do PROEJA, a seguir apresentado, foi feitomediante pesquisa de campo realizada no primeiro semestre do anode 2007.

Tabela 10 – Renda mensal familiar dos alunos do PROEJA

* Salário Mínimo à época: R$ 350,00Fonte: Pesquisa de Campo

Tabela 11 – Rede em que os alunos do PROEJA concluíram o EnsinoFundamental

Fonte: Pesquisa de Campo

Tabela 12 – Grau de instrução dos pais dos alunos do PROEJA

Fonte: Pesquisa de Campo

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Tabela 13 – Alunos do PROEJA que possuem computador

Quadro 1 – Tipo de trabalho que os alunos do PROEJA gostariam de realizarFonte: Pesquisa de Campo

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Quadro 2 – Motivos dos alunos do PROEJA voltarem a estudarFonte: Pesquisa de Campo

Quadro 3 – Expectativas dos alunos do PROEJA em relação ao cursoFonte: Pesquisa de Campo

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Quadro 4 – Assuntos que os alunos do PROEJA gostariam que fossemabordados no cursoFonte: Pesquisa de Campo

Comparação entre os perfis

Como vemos, observamos perfis bem diferenciados, situaçõesfinanceiras bem definidas, aspectos de renda familiar diversos, e o as-pecto que nos chama mais a atenção são as pequenas curiosidadesentre os alunos regulares da Escola Técnica e os alunos do PROEJAem relação à escolha de um Curso Técnico. Enquanto os alunos daEscola Técnica esperam um ingresso mais rápido no mercado de tra-balho, qualidade de cursos para o mercado, melhores perspectivas sa-lariais, muitos que já possuem curso superior, buscam mais qualifica-ção e mais aptidão para a própria exigência do mercado, temos, emcontrapartida, do lado do PROEJA, uma situação muito explícita determinar cursos que foram abandonados por inúmeras razões, adesatualização, em vista de amigos ou familiares estarem maisatualizados, e não só por isso, mas a exigência na hora de buscar umanova vaga no mercado ou buscar o seu primeiro emprego e ser barradopor não ter uma qualificação pelo menos média, procurar uma maiorestabilidade não só financeira mas também social.

Nos vários depoimentos, ficou destacado também o aspecto quetodos desejam ser valorizados não só pela sua família, mas também pelasociedade. Ficam ressaltados aspectos como sair do Curso Técnico comuma visão diferente do mercado de trabalho, poder até trocar de empre-go numa perspectiva de subir mais um degrau como valorização pessoale profissional, poder se relacionar melhor com a própria família e procu-rar um curso superior. Vemos que a aspiração por um Curso Superiorainda é bem relevante, tanto nos alunos da Escola Técnica como noPROEJA. Os alunos do PROEJA citam cursos como Engenharia, En-fermagem, Química, Biologia, Biblioteconomia, Direito (para ser Promo-tor), Medicina e cursos relacionados com o meio ambiente.

Um dado interessante é o grau de instrução dos pais nos dois

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perfis, sendo que, entre os alunos da Escola Técnica, 23,8% (pai) e24,5% (mãe) possuem o ensino médio completo e, no PROEJA, ape-nas 16,67% (pai) e 25,02% (mãe). Outro dado é que 12,50% (pai) e8,33% (mãe) não são alfabetizados, contra 3,1% (pai) e 1,6% (mãe) daEscola Técnica.

Ainda temos no Brasil um número considerável de analfabetos quepreocupa muito, na faixa entre 15 e 29 anos de idade. São 1,8 milhões deiletrados que, em conseqüência dessa condição, esbarram em dificulda-des adicionais para conseguir emprego e, mais ainda, para receber umsalário mais compensador (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006).

Uma das inovações pretendidas pelo Brasil Alfabetizado – proje-to que visa a diminuir as taxas de analfabetismo com um programa maismoderno, que se adapta a cada necessidade – é justamente a contrataçãode professores da rede pública de ensino para se encarregarem do pro-grama, cujo objetivo é melhorar a eficácia do ensino não apenas de jo-vens e adultos, mas das próprias crianças, que, em muitos casos, conti-nuam enfrentando dificuldades com a leitura e a escrita, mesmo depoisde serem consideradas alfabetizadas.

Outro lado importante a ser analisado é o nível superior; mesmo arenda familiar sendo baixa, os pais dos alunos do PROEJA chegaram aconcluir o curso superior (8,33% das mães e 4,16% dos pais).

No Ensino Fundamental, o maior problema é a reprovação, quealcançou uma média de 13% em 2005. No Ensino Médio, preocupa maiso percentual de abandono da escola, que foi de 15,3% neste mesmo ano,segundo dados do INEP. Também é revelado que, de 1998 até 2005, astaxas de reprovação do Ensino Médio aumentaram, não deixando depreocupar o ensino fundamental (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006).

Temos que 60% dos alunos da Escola técnica possuem computa-dor contra 41,67% do PROEJA. Muitos alunos buscam no Curso Técni-co em informática uma oportunidade de conhecer esta ciência da com-putação, e outros aprendem através dos outros cursos noções básicasque possibilitem o seu uso em casa, pois muitos não conseguem pagarum curso paralelo às suas atividades.

Fica evidente que a escolha do Curso Técnico reflete a necessida-de de uma complementação da profissão, aspiração por um empregomelhor e, por fim, o almejado curso superior.

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Considerações finais

As pesquisas feitas na Escola Técnica no ano de 2002 e a de 2007,com alunos do PROEJA que ingressaram mediante sorteio de vagas,mostram dados significativos quanto à idade, renda familiar, grau de ins-trução dos pais e suas preocupações e perspectivas quanto ao futuro nomercado de trabalho.

A empregabilidade deve ser entendida como a capacidade não só de seobter um emprego, mas sobretudo de se manter em um mercado de trabalhoem constante mutação (BRASIL. Ministério do Trabalho /SEFOR,1995, p. 9)

É importante lembrar que, para o Ministério do Trabalho, a Educa-ção Profissional é considerada complementar à educação básica regulare deve ter como objetivo a empregabilidade. Isso fica evidenciado, naconclusão da pesquisa do Curso Técnico, nos desejos em relação à rea-lidade que estão vivendo e ao que almejam do futuro após concluírem ocurso. Essa necessidade fica muito transparente, porque nasce um novoperfil de trabalhador capaz não de apenas “fazer”, mas de “pensar” e“aprender” continuamente. Para a construção deste novo perfil, temosque ter qualidade de educação básica, uma educação profissional per-manente, com começo, meio e fim, ou seja, focalizada no mercado, ga-rantindo ao trabalhador chances de entrada e saída no processo de for-mação, ao longo de sua vida profissional.

O aprendizado faz parte da natureza do ser humano, e este gostade aprender. Esse desafio está imposto aos professores.

Que especificidades precisam ser trabalhadas no que se refere aEducação de Jovens e Adultos? A qualidade da experiência de vida dosprofessores, que têm inúmeras experiências, saberes muitas vezes queprecisam ser revistos e analisados de outra forma, adaptando-se à novarealidade dos alunos. Temos de oferecer assistência e benefício, compadrão de qualidade adequado às especificidades, igualitário, mas consi-derando as diversidades.

Como a escola deve trabalhar o respeito aos saberes quando sedepara com alunos que já têm profissão, mas não têm certificados? Aescola e os docentes estão capacitados para dar conta disso. O grandedesafio é tomar o ponto de vista do jovem e do adulto, o que não é umatarefa fácil, pois quando olhamos um adulto pensamos que ele já deveriaestar completo. Trabalhar a incompletude do outro em relação ao saberé realmente o maior desafio.

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Este é o perfil dos alunos da Escola Técnica e dos alunos doPROEJA. Após um ano e meio no Colégio Aplicação, eles entram parao Curso Técnico e encontram-se com os alunos regulares da EscolaTécnica. Como faremos para trabalhar este perfil junto com os regula-res? O grande desafio é quando estes dois perfis se encontram disputan-do uma vaga no mercado de trabalho. Sim, porque neste momento elessão iguais, não são destacados como alunos da Escola Técnica e nemalunos do PROEJA, mas sim alunos que possuem um Curso Técnico.Como os professores da Escola Técnica irão trabalhar com estes doiscontextos? Como fazer com que não haja desinteresse por parte dessesalunos em relação aos outros alunos que são regulares e que vêm deuma outra realidade, como nos mostra a pesquisa, alunos até com CursoSuperior, que voltam para a escola para atualizarem-se?

Mais uma vez, temos o professor contratado para mais este desa-fio, como somar mais e mais e não diminuir essas pessoas que vierambuscar um mundo melhor para seus filhos, uma luz no fundo do túnel.

Educação é o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelec-tual e moral da criança e do ser humano em geral, visando a sua melhorintegração individual e social: educação da juventude: educação de adul-tos: educação de excepcionais.[...] Educar: promover a educação; transmi-tir conhecimentos a instruir. (HOLLANDA, 1986)

Bons professores educam, concorrem para a educação.Com estas definições, chego à conclusão de que o professor parti-

cipa neste contexto para ENSINAR. Mas como ensinar num país emque os dados estatísticos nos mostram números assustadores? Comotrabalhar, como transmitir conhecimento e formar um cidadão quando,praticamente, a educação está nos últimos interesses de nossosgovernantes?

Numa recente pesquisa feita pelo Instituto Paulo Montenegro doIBOPE, a educação é considerada prioritária apenas para 15% dos en-trevistados, perdendo para a saúde, emprego, fome e miséria, seguran-ça, corrupção e drogas (EDUCAÇÃO Desacreditada, 2006).

Esse mesmo artigo revela que os brasileiros não confiam na efici-ência da rede estatal de ensino, deixando claro que há buracos que osgovernantes e a própria comunidade escolar devem resolver. Como trans-mitir conhecimentos, educar intelectual e moralmente se as próprias co-munidades não acreditam nas suas próprias escolas? Como irá um paísalcançar índices melhores de desenvolvimento com este descrédito? Comum índice de expectativa de vida aumentando, a tecnologia avançando,

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as áreas da saúde com novas descobertas, cada vez mais animadoras,campanhas para uma alimentação melhor, divulgação de grupos de ter-ceira idade cada vez mais ativos e participantes, como pode a educaçãoficar tão desvalorizada? Existe um grande retrocesso em nível mundial,pois o poder público não está preocupado em investir na qualidade devida da educação. Investimentos contínuos e em longo prazo podem aju-dar para que haja um objetivo traçado e cumprido dentro de um prazodeterminado. Com isso, todos os setores do país ganham, a economiaavança, empregos surgem, trabalho com capacitação se faz presente, efica menor o conflito entre a renda e o poder aquisitivo da população.

Segundo dado do IBGE, numa pesquisa nacional feita por amostragem dedomicílios, aponta que jovens que povoam a base da pirâmide de rendabrasileira já são maioria nas faculdades privadas do país, onde elas ocu-pam 52% das vagas. Para obter um diploma, 66% dos alunos pobres pa-gam mensalidades. Alunos egressos de colégios privados e famílias dealta renda são maioria nos bancos das universidades públicas, sobretudonas carreiras mais disputadas. Por um levantamento do Ministério de Edu-cação (MEC) relata que apenas 15% das matrículas escolares, tornam-seclasse dominante na universidade pública, com 58% das vagas. (ANTUNESe WEINBERG, 2007, p. 84)

Com todos estes dados que comprovam a fragilidade do ensinopúblico e professores com baixa remuneração, o que falta então? Talvezmais recursos, é o que a experiência de outros países nos mostra:

Na Coréia do Sul, entre 1970 e 1995, o governo coreano separou 3,5% do PIB(Produto Interno Bruto) para patrocinar uma revolução na educação. A Chi-na tem gasto pouco, apenas 2% do PIB ao ano. Estes dados revelam que nãoé só isso que faz melhorar a qualidade em sala de aula, mas sim o fato deserem mal alocados os recursos (ANTUNES e WEINBERG, 2007, p. 98)

Portanto, precisamos cada vez mais nos atualizar, desempenharmuitas tarefas, sobreviver com um salário totalmente defasado, mas pre-cisamos ensinar. Precisamos levar esses alunos até os seus objetivos damelhor maneira possível, sendo professores, amigos, com uma estruturaque envolva um bom setor pedagógico, um bom setor psicológico, naqual todos juntos possamos diminuir um pouco os índices de analfabetis-mo, repetência e desistência.

É uma tarefa que não compete só a nós, mas sim também ao go-verno. Talvez, com o nosso trabalho em sala de aula, vejamos um grupoem que os aspectos por eles levantados daqui a um ano e meio sejamtotalmente realizados, tornando-nos vitoriosos.

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Referências

ANTUNES, Camila; WEINBERG, Mônica. O X da educação. Revista Veja, ano39, edição 1.976, nº. 39, 4 out. 2006, p. 84.

BRASIL. Decrteto nº. 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui, no âmbito federal, oPrograma Nacional de Integração da Educação Profissional com a EducaçãoBásica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, e dá outrasprovidências. Brasília, 2006

HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário brasileiro da língua por-tuguesa. 2. ed. Revistada e Ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

IOSCHPE, Gustavo. Os quatro mitos da escola brasileira. Revista Veja, ano 40,edição 1.998, nº. 9, 7 mar. 2007. p. 98.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Coordenadoria de Edu-cação Básica e Profissional. Perfil e representações dos estudantes da EscolaTécnica da Universidade do Rio Grande do Sul – Relatório Final. Porto Alegre,2002.

ZERO-HORA. A chaga do analfabetismo. Editorial, 10 abr. 2007. p. 16.

ZERO-HORA. Educação desacreditada. Editorial, 19 nov. 2006. p. 16-19.

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A CULTURA ESCOLAR E A CULTURAJUVENIL NO ESPAÇO - TEMPO DA ESCOLA:

CONTRIBUIÇÕES PARA O PROEJA

Elisete Enir Bernardi Garcia1

Carmem Maria Craidy2

Cultura escolar:

Para falar de cultura escolar é necessário um esforço denso, princi-palmente para defini-la. Conforme estudos de Faria Filho (2004), no quetange à historiografia educacional, há aproximadamente dez anos a catego-ria cultura escolar vem subsidiando as análises históricas assumindo visibili-dade na estruturação propriamente dita de eventos do campo (p. 142).

Podemos dizer que cultura escolar é um conceito polissêmico e oque nos parece comum é a sua relação com um espaço e tempo destinadopara transmissão de conhecimentos e valores (Faria Filho, 2002; Julia,2001). A cultura escolar foi se constituindo através das normas e práticasque definiam os valores e comportamentos que seriam “inculcados” e nãoestá relacionada apenas aos processos macros, mas também aos proces-sos micros que perpassam o cotidiano escolar, tais como disciplinascurriculares, didáticas, pátios, salas de aulas, prédios escolares, que nosremetem à idéia de um espaço e de um tempo ou de espaços e temposonde se reúnem estudantes, ou lugares (livros, bibliotecas, laboratórios,materiais didáticos) onde se reúnem as idéias e tempos de aprendizagens.

Conforme Pessanha, Daniel e Menegazzo (2004), se o espaço esco-lar - o lócus - é o território comum para analisar a cultura escolar, a suadefinição como objeto de conhecimento é um processo complexo. Os au-

1 Professora da Municipal de São Leopoldo, atuando na Coordenação Pedagógica da Secreta-ria Municipal de Educação de São Leopoldo. Doutoranda em Educação na UNISINOS.2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.

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tores salientam que há muitas peculiaridades no cotidiano da escola que“autoriza a análise de uma vida escolar. No entanto, a expressão ‘culturaescolar’ não implica considerar a existência de uma cultura oposta oudesvinculada da cultura da sociedade que a produziu e foi por ela produ-zida” (p. 62-63).

Assim, deve-se observar que a cultura escolar não pode ser estudadasem considerar as tensões que ela produz e sem fazer uma “análise precisadas relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período desua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas: cultu-ra religiosa, cultura política ou cultura popular” (Julia, 2001, p. 10).

Segundo Pessanha, Daniel, e Menegazzo (2004), pode-se concebercultura como produto e processo que dão significado às práticas humanas(p. 62). É importante considerar que as normas e práticas não podem seranalisadas sem se levar em conta as crenças, os valores do corpo profissi-onal dos atores que serão os executores destas normas e práticas, pois,“estudar a cultura escolar é estudar os processos e produtos das práticasescolares, isto é, práticas que permitem a transmissão de conhecimentos ea imposição de condutas circunscritas à escola” (id. p. 63).

Julia (2001) considera que a articulação da cultura escolar não sedá somente em torno do conhecimento, mas também da possibilidade deconstrução de um projeto político que visa não só alfabetizar, mas “forjaruma nova consciência cívica por meio da cultura nacional e por meio dainculcação de saberes associados à noção de ‘progresso’” (Julia, 2001,p. 23). Assim, considerar a cultura escolar como objeto histórico implicaanalisar esses significados impostos aos processos de escolarização.Implica, também, considerar a transmissão de saberes e inculcação devalores no espaço-tempo escolar como elemento central desse processoe como meio para executar o projeto político.

A análise da cultura escolar, do espaço-tempo escolar nos remeteà necessidade de estudar, também, os processos micro e fragmentadosda escola e um desses processos são as grades curriculares/disciplinasescolares. Estas, “não são nem uma vulgarização nem uma adaptaçãodas ciências de referência, mas um produto específico da escola, quepõe em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar”(Julia, 2001, p. 33).

É importante discutir e estudar sobre espaço-tempo escolar, poisno nosso cotidiano lidamos com noções de tempo e espaço, muitas ve-zes, de forma inconsciente. Os conceitos de espaço e tempo nem sem-pre tiveram o sentido que lhes é atribuído atualmente. Muitas foram asmudanças nas formas de conceber e contar o tempo ao longo do percur-

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so histórico. Carvalho, ao iniciar o diálogo em seu texto sobre o tempo,poeticamente, através do olhar da psicanálise, apresenta algumas dasdificuldades de “conhecer o tempo que não se deixa conhecer, pois vive-mos com ele, vivemos nele, mas como é difícil falar dele!” (CARVA-LHO, 2003, p. 13).

Sabemos que nossa existência reside no tempo, mas que ela não édefinida só pelo tempo, pois esta passa, enquanto o tempo fica. Por isso,usamos expressões muito corriqueiras “a vida está passando!”, “O tem-po passa muito depressa!”. Neste sentido, “pode-se concluir, então, quea percepção do tempo é um aspecto essencial da consciência do homemcomum – que somos todos nós – a qual se alimenta da experiência físicae psíquica da sua passagem” (PINO, 2003, p. 50 e 51).

O tempo deve ser entendido como dimensão de cultura, por consi-derar que o sujeito ressignifica o mundo em que vive; mesmo assim eleterá suas construções e ressignificações sobre um patrimônio de saberjá adquirido e construído.

O conceito de tempo é construído historicamente e o tempo tam-bém se modificou de acordo com o surgimento das diversas formaçõessociais; por exemplo, nas sociedades agrárias ele possuía um carátercíclico e mítico e, nas sociedades industriais, uma marca cronológica edisciplinadora. A compreensão individual do tempo “mediada pelaregulação da vida social e pelas unidades simbólicas” exigiu a organiza-ção do calendário. “Com a modernidade, os elementos que servirampara contar o tempo, elementos de fruto de sínteses históricas, são unifi-cados em uma dimensão única, alusiva à contagem e compreensão dotempo, e este passa a ser o principal paradigma escolar” (MIRANDA,2003, p. 181 e 203).

O espaço escolar assume um papel central na invenção dos horá-rios e cria uma cultura pedagógica com a inversão da lógica cultural esubjetiva “ao partir de sínteses generalizadoras resultantes de um longoe complexo processo histórico” (id, p. 203).

Goergen (2005) fundamenta a idéia de que as categorias de espa-ço e tempo que estruturam a educação foram assumidas no início damodernidade, com base no modelo das ciências naturais, permanecendoinalteradas até hoje e que estas mesmas categorias perderam, ao longoda modernidade sua rigidez inicial, tornando-se móveis e fluidas sob ainfluência da ciência e da tecnologia, em particular, da mídia eletrônica.

É com as indagações deste pesquisador que procura explicitar asdicotomias entre os conceitos de espaço e tempo, ainda vigentes na es-cola, e as características que tais conceitos assumiram na

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contemporaneidade, que nos debruçamos para entender o estranhamentoda escola com relação ao mundo contemporâneo que se manifesta emdiferentes momentos ou situações, principalmente diante do desconfortoe desinteresse dos professores, alunos e comunidade escolar.

Um elemento chave para estudar espaço-tempo escolar é o fenô-meno da escolarização que passa por uma transição de uma sociedadenão-escolarizada (século XIX) para uma expansão com quase totalidadede nossas crianças na escola (início do século XXI). Por isso, não setrata mais de discutir o acesso a escola deslocado da permanência comqualidade na escola dos nossos infantes, jovens e adultos que estão ouestarão no espaço tempo da escola.

A análise dos tempos, espaços, sujeitos, conhecimentos e práticasescolares são, hoje, indispensáveis para compreender a cultura escolar.De acordo com Faria Filho (2002), “a escola vai-se constituindo, assim,não apenas no locus privilegiado da cultura e da formação humana, mastambém como um grande mercado de trabalho e de consumo de inúme-ros produtos da cada vez mais complexa e poderosa indústria editorial,entre outras” (p. 34). Pode-se considerar também a importância do ma-gistério enquanto categoria econômica, uma vez que são destinados 25%da arrecadação de impostos estaduais e municipais e 18% dos impostosrecolhidos pela União para a Educação, a maior parte gasta com a folhade pagamento dos professores.

Para analisar as culturas escolares é necessário ter a compreen-são sobre espaço e tempo e reconstruir a história a partir de múltiplasversões, analisar documentos, estabelecer relações e correlações nosentido de reconstruir uma rede de significados. Ao fazer essa recons-trução, é importante trazer para a análise o enfrentamento e a tensãoentre aspectos macro-sociais e as dimensões micro referentes as insti-tuições e as salas de aula onde a cultura escolar se materializa, principal-mente através do currículo escolar. Pois

(...) o tempo escolar, melhor dizendo, os tempos escolares são múltiplos e,tanto quanto a ordenação do espaço, fazem parte da ordem social e esco-lar. Sendo assim, são sempre “tempos” pessoais e institucionais, individu-ais e coletivos, e a busca de delimitá-los, controlá-los, materializando-osem quadros de ano/séries, horários, relógios, campainhas, deve ser enten-dido como um movimento que tem ou propõe múltiplas trajetórias deinstitucionalização, daí, entre outros aspectos, a sua força educativa e suacentralidade no aparato escolar (FARIA FILHO, 2002, p. 17).

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Os estudos históricos sobre cultura escolar transformam nosso focode atenção, colocando novos questionamentos e nos instigando a desen-volver estudos que analisem propostas curriculares e façam uma refle-xão sobre as práticas escolares em diferentes níveis e contextos.

Alguns cuidados são importantes quando se trata da análise docurrículo, pois não se trata de substituir as análises macroscópicas peloestudo dos funcionamentos internos específicos de cada escola, e simque essas duas instâncias devem se complementar, oferecendo aos edu-cadores/ pesquisadores a possibilidade de fazer uma análise maisabrangente.

Cultura escolar e cultura juvenil: uma relação possível na educaçãode jovens e adultos?

A cultura contemporânea concebe a existência de uma cultura ju-venil espontânea gerada na relação entre seus pares e em grande partegerada fora do espaço escolar. É marcada pela criatividade emcontraposição a proposta reprodutivista da escola tradicional. Assim, odesafio da escola contemporânea é estabelecer um diálogo entre a cul-tura escolar elaborada e a cultura emergente trazida pelos jovens.

Corsaro (2005) define cultura de pares como um conjunto estávelde atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as criançasproduzem e compartilham na interação com seus pares. Segundo ele, apalavra “pares” está relacionada não ao sentido de duplas, e sim deparceiros, de iguais – como em “pares do reino”. Neste trabalho, portan-to, estamos utilizando a cultura de pares como a cultura vivida pelosjovens nos espaços lisos conforme conceitua Pais (2006):

Há duas diferentes maneiras de olharmos as culturas juvenis: através dassocializações que as rescrevem ou das suas expressividades (performances)cotidianas. A distinção entre estas duas perspectivas pode ser aclaradatomando a “dualidade primordial” proposta por Deleuze ao contrapôr “es-paço estriado” a “espaço liso”. O espaço estriado é revelador da ordem,do controle. Seus trajetos aparecem confinados às características do es-paço que os determinam. Em contraste, o espaço liso abre-se ao caos, aonomadismo, ao devir, ao performativo. É um espaço de patchwork: denovas sensibilidades e realidades (p.5)

Peregrino e Carrano, baseando-se em Machado Pais, apontam al-gumas razões pelas quais os jovens identificam o espaço escolar comodesinteressante: não se reconhecerem numa instituição onde suas cultu-ras não podem se realizar e se fazer presentes. “Parece não haverchances e negociação entre os espaços lisos - que permitiriam aos jo-

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vens transitar sem as marcas prévias da instituição do mundo adulto – eos espaços estriados - cujas principais características seriam a ordem eo controle” (PEREGRINO e CARRANO, 2003, p.16).

O mundo contemporâneo está exigindo da escola esta revisão:transcender a noção de cultura escolar como “inculcadora” para a cria-ção de espaços de diálogos entre cultura escolar e a cultura emergentetrazida pelos jovens e interlocução entre espaços lisos e estriados. Épreciso recriar a cultura e não só reproduzir.

O jovem precisa vivenciar o espaço-tempo escolar e ser jovemao mesmo tempo, sem ter que deixar de sê-lo para poder viver nele, poisa escola desconsidera a diversidade e o que há de comum entre a gera-ção juvenil, considerando-a como passagem e como problema. Podemosconstatar isso nos projetos que envolvem essa faixa etária, os quais ge-ralmente são pensados de maneira disciplinar e tutelar, com o objetivo deocupar os jovens quando não estão em aula, para que não sirvam deameaça para a escola e para a sociedade.

Metaforizando, poderíamos dizer que, na sala de aula, no cotidianoescolar - lócus escolar - parece haver múltiplos mundos e o que aparen-ta estar mais desconectado é o mundo do professor e o mundo do aluno.Muitas vezes eles se cruzam, se aproximam e se tocam, mas se separamcomo se não fosse possível estar na mesma sintonia3.

É condição sine qua non, para aproximar esses diferentes “mun-dos”, que os educadores, principalmente de Educação de Jovens e Adul-tos - EJA, tentem penetrar no “mundo” do jovem, interagindo, dialogan-do e registrando suas palavras sobre o que pensam de si mesmo, daescola, ou do seu entorno, para compreender como eles podem ser pro-tagonistas do seu tempo.

As questões trazidas por Dubet (1997)4 também nos remetem àdesconexão da cultura juvenil em relação à cultura da escola Os alu-nos são adolescentes completamente tomados pelos seus problemasde adolescentes e a comunidade dos alunos é “por natureza” hostil aomundo dos adultos, hostil aos professores (p. 225). Portanto analisar oespaço-tempo escolar significa mirar o cotidiano da escola com suasmúltiplas facetas, levado a cabo pelos diferentes atores que compõemo cenário educativo, para analisar e resgatar seus diferentes papéis

3 Na dissertação de Mestrado, Um estudo sobre juventude no espaço-tempo da escola (Garcia,2005), identificamos alguns elementos que marcam, principalmente, o “mundo juvenil” noespaço e tempo da escola do Ensino Médio.4 O sociólogo François Dubet, em entrevista concedida à Angelina Teixeira Peralva e MariliaPontes Sposito, reflete sobre a sua experiência como professor de história e geografia em umcolégio da periferia de Bordeaux, França.

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que exercem na trama social que constitui a escola, pois “aprender aescola como construção social implica, assim, compreendê-la no seufazer cotidiano, onde os sujeitos não são apenas agentes passivos dian-te da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínuaconstrução, de conflitos e negociações em função de circunstânciasdeterminadas” (DAYRELL, 1996, p. 137).

Cada um dos sujeitos que compõe o lócus escolar é fruto de um con-junto de experiências singulares vivenciadas nos mais variados espaços so-ciais. Assim, concordamos com Dayrell (1996), pois “a vida não começa naescola e o cotidiano se torna espaço e tempo significativos” (p. 140).

MacLaren (1997) corrobora essa posição ao sinalizar que os edu-cadores devem compreender que as experiências dos educandos origi-nam-se de diferentes discursos e subjetividades, por isso devem ser ana-lisadas criticamente, evitando, assim, o que a maioria das abordagenseducativas fazem ao negar o conhecimento e as formas sociais pelasquais os estudantes estabelecem relevâncias e conexões com a vida:

Os alunos não podem ter um aprendizado ‘proveitoso’, a menos que osprofessores compreendam as várias maneiras que eles dispõem para cons-tituir suas percepções e identidades. Os professores precisam entendercomo as experiências produzidas nos vários domínios da vida cotidianaproduzem, por sua vez, as diferentes vozes que os alunos empregam paradar sentido aos seus mundos e, conseqüentemente à sua existência nasociedade em geral (p. 249).

Seria preciso considerar o lugar da adolescência na escola e acriação de regras de vida em grupo partilhadas possibilitando que haja nomundo escolar uma cidadania escolar. “Haveria em termos de educaçãopara a cidadania, coisas fundamentais a serem feitas, ou seja, verdadei-ros contratos de vida comum entre os professores e os alunos, mas quesuporiam obrigações para estes alunos, obviamente, mas também obri-gações para os professores” (DUBET, François, 1997, p. 227).

Outeiral5 (on line) suscita uma questão interessante: o papel doprofessor que ocupa o lugar do “outro” - o lugar do “adulto”, pois existehoje uma perplexidade nos professores e nos adultos de forma geralquanto à educação das crianças e, principalmente dos adolescentes. Umdos motivos desta perplexidade está alicerçada na falta de “adultos”para identificações estruturantes positivas. Por isso ele defende que acriança e o adolescente, para constituírem sua personalidade, necessi-tam de um “outro”, um adulto, que representa um modelo de identifica-ção estruturante positiva.

5Disponível em: < www.joseouteiral.com> . Acesso em 02/08/2007

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Segundo o autor, a adolescência6 não está apenas invadindo a in-fância, mas também o mundo adulto. Hoje, muitos adultos, influenciadospela mídia, querem, ao menos, parecer adolescentes. Surge então, já emdicionário, a palavra “adultescente” (mixagem de adultos e adolescen-tes). Além dos adultescentes, contamos também com os “kidadults”,adultos infantilizados que agem e se vestem como se fossem crianças.

Essa noção é importante para a EJA, pois historicamente ela aten-dia praticamente turmas formadas por alunos “adultos trabalhadores”.No entanto, hoje o rejuvenescimento da população que freqüenta a EJAé um fato que está desafiando o Estado, sociedade civil e os educadoresa atenderem a diversidade vivenciada pelos diferentes grupos geracionais.Por isso precisamos nos perguntar: o que leva os jovens a procurarem asturmas e como chega o jovem na EJA?

Muitos são os fatores que fazem o jovem a buscar a EJA. Entreeles estão os fatores pedagógicos, econômicos e de convivência: traba-lho (oportunidades); amigos; ocupação (algo para fazer); obrigados pelomercado de trabalho ou ainda, por terem sido empurrados pela escoladiurna que não suporta o risco de sua presença.

Alguns chegam com históricos de repetência ou com interrupçõesdos estudos e geralmente com marca de fracassados. Os jovens chegamdesconfiados do futuro e da escolaridade, pois por muito tempo a EJA foirotulada como uma educação “aligeirada” ou de pouca qualidade.

Esta presença marcante dos jovens no espaço-tempo da EJA vemchamando a atenção para temas emergentes como a situação do traba-lho no Brasil e o número crescente de óbitos juvenis causados por homi-cídios, acidentes de transportes e suicídios.

Além da relação com o trabalho, os jovens brasileiros, principal-mente das classes mais empobrecidas, de acordo com IBGE (indicado-res sociais) e pesquisa da UNESCO (Organização das Nações Unidaspara a Educação, Ciência e Cultura)7, vivem uma situação crucial que se

6 O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA define adolescência como uma fase compre-endida entre 12 e 18 anos e a Organização Mundial da Saúde entre 10 e 20 anos. O conceitode infância, como período de desenvolvimento com direitos e necessidades específicas, surgeem torno do século XVIII, com a Modernidade, com a urbanização. A adolescência é maisrecente; começa a se delinear no século XX, acompanhando o crescimento da urbanização. 7 Conforme o Mapa da Violência IV, divulgado pela UNESCO, a taxa global de mortalidadeda população brasileira caiu de 633 em 100 mil habitantes em 1980 para 561 em 2002.Porém, a taxa referente aos jovens cresceu, passando de 128 para 137 no mesmo período. Onúmero de homicídios entre os jovens, na faixa entre 15 e 24 anos, aumentou 88,6% de 1993a 2002. Em relação ao número homicídios entre os jovens os estados de Pernambuco,Espírito Santo e Rio de Janeiro apresentam o maior número. Para maiores detalhamentosver (WAISELFISZ. Mapa da violência IV: Unesco – Brasil. (2004)). Disponível em:http://www.unesco.org.br/publicacoes/livros/mapaiv/mostra_documento.

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expressa através dos índices de homicídios, acidentes de transportes esuicídios (causas externas ligadas à violência) que, em conjunto, são res-ponsáveis por mais da metade dos óbitos juvenis. Sem embargo, confor-me Relatório da Unesco, a mortalidade entre jovens não só aumentou,mas mudou sua configuração adquirindo “novos padrões de mortalidadejuvenil” (WAISELFISZ, 2004, p 25-26).

A violência como fenômeno marcante no mundo contemporâneo épreocupante porque viola o direito á vida. “Os jovens brasileiros, particu-larmente, dos 15 aos 24 anos, são a parcela da sociedade que está maisexposta a violência, quer como vítimas quer como agentes” (WAISELFISZ,2004, p 7) e é neste sentido que este tema sinaliza que as escolas têm hojeum papel diferente que não havia há algumas décadas.

Em relação à situação do trabalho é preciso entender o fenômenoestrutural do desemprego, sem a culpabilização individual: muito velhopara o mercado de trabalho, muito novo e sem experiência ou com baixaescolaridade. Apostar somente na competência individual contribui, maisuma vez, para a exclusão social destes alunos.

Um dos argumentos colocados para não empregar os jovens sãoas alegações de que estes estariam com baixa qualificação. Por outrolado, vale lembrar que nunca tivemos um número tão grande de jovensbuscando a Educação Média como nos dias de hoje. O fato de possuirescolarização não tem garantido acesso e permanência no mundo dotrabalho dos jovens brasileiros, pois a alta taxa de desemprego juvenilabrange os jovens com e sem escolaridade.

Qual seria o papel da escola? Conforme Pochmann, em primeiroplano, a escola deveria preparar o jovem para a cidadania e, em segundo,voltar-se para a formação para o mercado de trabalho. “No Brasil nóstemos quase que um muro que separa a formação, o mundo do conheci-mento, da educação de um lado e, de outro, o sistema produtivo”. Eleconsidera que uma das soluções seria a redução das incompatibilidadesexistentes entre o ensino e o setor produtivo (POCHMANN, 2005, p. 13).

Para muitos, a EJA é a única forma e esperança de concluir o EnsinoFundamental ou Ensino Médio. Esse cenário modifica o ambiente escolare exige outras formas de convivência escolar e de políticas públicas, quenão sejam só de inserção, mas também de integração. Neste sentido é queo PROEJA8 ganha adesão da sociedade civil e das redes escolares.

8 PROEJA , conforme Documento Base, tornou-se um Programa pela promulgação doDecreto no 5.478, de 24 de junho de 2005 e, após discussões com os segmentos envolvidos,suas diretrizes foram alteradas através da promulgação do Decreto nº 5.840, de 13 de julho de2006, que revoga o anterior e passa a denominar o PROEJA como Programa Nacional deIntegração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educa-ção de Jovens e Adultos.

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Acreditamos que com a implantação do PROEJA novos desafiosserão colocados, principalmente na organização da sua oferta para oEnsino Fundamental, uma vez que se tem pouca experiência consolida-da, no nosso país, desse porte.

Considerações finais:

O PROEJA poderá, para não ser uma política isolada, criar eloscom os demais programas do Governo Federal desenvolvidos para aten-der o público juvenil, pois o que temos constatado, no Brasil, é que aspolíticas direcionadas para o público jovem que estão na escola não têmgerado discussão no espaço escolar e, muitas vezes, nem sequer osgestores, professores e alunos possuem conhecimento sobre essas polí-ticas. Será que assim as políticas públicas conseguirão mudar o contextosocial, sem a participação dos principais interessados? Muitas vezes aspolíticas passam a ser executadas, cumprem seu percurso sem que am-plas discussões sejam realizadas no universo escolar.

Com o PROEJA poderá ser diferente, pois as políticas que envol-vem a Educação de Jovens e Adultos, por sua história e por suas pecu-liaridades, geralmente encontram disponibilidade dos educadores e dasociedade civil organizada para discutir e executar as políticas educaci-onais. Assim, é fundamental que as políticas públicas para a EJA con-templem amplas discussões para garantir a continuidade e elevação daescolaridade com profissionalização no intuito de contribuir com aintegração sociolaboral dos cidadãos cerceados do direito de concluir aeducação básica e de ter acesso a uma formação profissional de quali-dade (MEC/PROEJA, 2006).

No entanto é preciso que os jovens e adultos não tenham apenasacesso a escolarização, mas recebam também condições de permanên-cia na escola com qualidade, pois a perenidade e a qualidade dessaspolíticas pressupõe assumir a condição humanizadora da educação quese concretiza ao longo da vida através da educação formal e da educa-ção não-formal, como é o principio basilar da EJA.

É preciso garantir que o PROEJA seja uma política qualificadora enão seja mais uma política de caráter compensatório, aligeirado,desqualificador e de descontinuidades como têm sido historicamente aspolíticas direcionas para a EJA em nosso País. É preciso que o PROEJAse constitua de fato em políticas públicas de longa duração. Mas somen-te a implantação do PROEJA não garantirá a solução para os problemas

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educacionais. Seria necessário fazer uma reforma educacional que vies-se acompanhada não só políticas de curto prazo, mas de políticas públi-cas de médio e longo prazo que atendessem os segmentos populacionaisque foram e continuam excluídos da escola.

Acreditamos que a educação é a grande possibilidade para o jo-vem, “desde que venha acompanhada de uma melhor qualidade e aomesmo tempo de um conjunto de mecanismos garantindo que o jovem eos adultos tenham condições de estudar, mesmo que na condição dedesempregados” (POCHMANN, 2005, p. 13).

Algumas questões nos inquietam: que conhecimentos e práticasdeveriam representar a cultura escolar do PROEJA?

Como identificar e trabalhar com as diferentes representações cul-turais dos sujeitos que circulam no espaço-tempo escolar do PROEJA?

O que pensam os jovens e adultos que buscam a escola formalrepresentada pela EJA?

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A INSERÇÃO DE CONTEÚDOSGERONTOLÓGICOS NO CURRÍCULO

DO PROEJA 1

Ângela Gomes2

Johannes Doll3

Introdução

O envelhecimento é hoje um fenômeno mundial, isso significa umcrescimento mais elevado da população idosa em relação aos demaisgrupos. Estima-se que entre 1970 e 2025 haverá um crescimento de223% de pessoas com mais de 60 anos. Em 2025, existirá um total deaproximadamente 1,2 bilhões de pessoas idosas. Nessas mesmas proje-ções até o ano de 2050 haverá dois bilhões, sendo que 80% desta popu-lação viverá em países em desenvolvimento (OMS, 2005).

A preocupação com o processo de envelhecimento, a velhice, é tãoantiga quanto à origem da civilização. Poucos temas têm merecido tantaatenção do ser humano em toda sua história como o envelhecimento e aincapacidade associada a esse processo. Porém, foi o século XX quemarcou definitivamente a importância do estudo sobre esta temática, devi-do ao crescimento da população idosa em todo o mundo e os impactos damudança demográfica tanto nas sociedades quanto nas vidas particulares.

1 Este artigo foi elaborado a partir da Monografia intitulada “EDUCAÇÃO PARA A SAÚDEE LONGEVIDADE: experiências para o PROEJA”, da mesma autora deste artigo.2 Graduada em Educação Física, Especialista em Fisiologia do Exercício - UFRGS e EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação deJovens e Adultos – UFRGS, Mestre em Educação - UFRGS. E-mail: [email protected] Pedagogo, Especialista em Gerontologia pela Universidade de Heidelberg – Alemanha.Mestre em Educação pela UFRGS. Doutor em Filosofia pela Universidade de Koblenz –Landau – Alemanha. Professor de graduação e pós-graduação da UFRGS. Orientador dotrabalho de Conclusão da Especialização do PROEJA da autora deste artigo. E-mail:[email protected]

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Com aumento rápido da população idosa o Brasil precisa de solu-ções imediatas para esse contingente, pois o país não se preparou paraessa realidade, tendo hoje uma infra-estrutura precária, no que diz res-peito a serviços, programas sociais e de saúde, particularmente paraidosos de baixa renda.

Esse aumento da população idosa e da longevidade por um ladorepresenta o sucesso de conquistas no campo social e de saúde, sendoum triunfo, por outro lado, o envelhecimento, como um processo, tor-nou-se um enorme desafio do presente e do futuro, nas áreas psicológi-cas, sociais, educacionais e culturais, ocasionando distintas e múltiplasquestões a serem enfrentadas, sendo os maiores desafios percebidosnas políticas sociais, de saúde e na economia.

Frente a esta nova realidade e demandas necessárias que a socie-dade vem sofrendo, este artigo buscou discutir/refletir a relevância deinserir conteúdos sobre o processo de envelhecimento no currículo doPROEJA. Salientando que educar para o envelhecimento não é pres-crever regras de comportamento e sim gerar oportunidades para que aspessoas descubram formas mais positivas de conviver consigo mesmas,com o ambiente e com os demais, encontrando meios para enfrentar osdesafios e os riscos. Também, reconhecendo à heterogeneidade do pro-cesso de envelhecimento e da diversidade de experiências dos que ovivem, uma vez que, é no cruzamento da história individual daquele queenvelhece, com a história da sua sociedade, que se constroem modos depensar, sentir e agir, capazes ou não de criar condições para se enfrentaros desafios da velhice.

Dessa forma, este artigo busca refletir sobre a importância de ha-ver mais espaço no ambiente escolar para ampliar os conhecimentosgerais sobre o processo de envelhecimento. Nesse sentido, procurei dis-cutir sobre o quanto a Gerontologia pode contribuir para a qualidade devida dos seres humanos, mediante apoio das escolas, através de seuscurrículos, oportunizando maiores conhecimentos sobre estas temáticasa seus educandos e a sociedade em geral e reduzindo preconceitos emrelação à velhice.

A Inserção de Conteúdos Gerontológicos nosCurrículos

A Gerontologia com o apoio das escolas pode vir a contribuir naconstrução de oportunidades particulares e institucionais de uma ética

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para a cidadania. Através de seus currículos, as escolas, podem oportunizarconhecimentos sobre esta temática a seus educandos e a sociedade emgeral e reduzindo preconceitos em relação à velhice.

Segundo Agostinho Both (2002, p. 1110) inicialmente, a educaçãogerontológica só se preocupava com a educação permanente, na atuali-dade esta situação se modificou na medida “em que se avalia o processoeducacional como lugar mediador e preventivo da velhice bem-sucedida,numa proposta que perpassa a vida toda do educando”. A educaçãogerontológica consiste, em olhar a educação pelo prisma da qualidade devida, da infância à velhice, ou seja, toda a extensão da vida merece umolhar atento na tentativa de buscar adequar as representações e oportu-nidades sociais às exigências da qualidade de vida em todos os ciclospara que sejam configurados os estilos de vida carregados de disposi-ções e oportunidades de auto-realização, o que, então, compreende im-plicações de mudanças no processo educacional.

Mesmo, com o aumento da expectativa de vida o projeto de educa-ção gerontológica ainda é incipiente, carecemos de uma melhor gestãosocial mais justa para todas as faixas etárias e um melhor processo edu-cacional. A pedagogia desconsidera as alterações demográficas que vemocorrendo, pois ainda esta voltada para a construção de uma racionalidadeprodutiva de ofícios modelados pela brevidade da vida, na qual excluiquem não está nos padrões de um biotipo jovem e de um trabalhadorcom identidade de produtor e consumidor. Both, diz que:

Os alunos, pressionados por conteúdos, experiências e avaliações apro-priam-se dessas tendências organizadas e abandonam aquelas direçõesda solidariedade, da igualdade, da proteção da vida e dos interesses refe-rentes aos direitos fundamentais, tolerando a miséria, o fracasso da maio-ria, a morte precoce e a incapacidade dos mais velhos (BOTH, 2001, p.87).

A educação não tem considerado muito as questões da qualidadede vida, mas apenas produzido objetos aprendidos em disciplinas nasquais a vida dos alunos não está envolvida. Os professores:

[...] ensinam para que os alunos tenham sucesso social e produtivo sem seperguntar se os conteúdos disciplinados são interessantes para a vidadeles ou o quanto esses produzem realização biopiscossocial. O que seleva em consideração é que o aluno tenha êxito no exercício do trabalho eda cidadania, sem perguntar sobre os efeitos biopsicológicos do trabalhoou sobre o conteúdo da cidadania. Os conteúdos em operação levam emconta a agilidade mental e domínio do aluno sobre os outros e sobre o

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ambiente, sem perguntar sobre a excelência ética das operações exercidase aprendidas. Os conteúdos e habilidades de uma racionalidade suscitadorado mundo-da-vida e. particularmente da personalidade, de relações soci-ais e ambientais expressivas, ficam em segundo plano, como se a vidaestivesse a serviço do sucesso econômico e político e não constituísse ofim último de toda ação pedagógica (BOTH, 2002, p.1110-1111).

Desta maneira, a escola vem reproduzindo os interesses que povo-am o país num determinado período, mas a escola também pode ser uminstrumento eficaz, à medida que reavalie suas finalidades educacionaisvisando um projeto de emancipação dos educandos em relação aos mi-tos criados pela razão.

A Política Nacional do Idoso, expressa na Lei n° 8.842, de 1994,referente aos direitos dos idosos, afirma no item II que “o processo deenvelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto deconhecimento e informação para todos”. Nesse sentido, as reflexões,estudos, pesquisas e conhecimentos referentes ao envelhecimento nãodevem ficar restritos a pessoas que já estão nessa fase da vida e aosintelectuais que a esta área se dedicam, mais sim dizem respeito a todasas pessoas independente de suas idades e interesses (BRASIL, 1994).

Como levar a sociedade em geral a refletir sobre este conhecimen-to, se de acordo com Simone de Beauvoir no seu livro “A velhice”, em1970, “para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de segre-do vergonhoso, do qual é indecente falar” (BEAUVOIR, 1990, p.8). Emgeral a sociedade não encara a velhice como uma fase da vida nitida-mente marcada, pois o momento em que começa a velhice é mal defini-do, vária de acordo com lugar e época. Para ela: “Nada deveria ser maisesperado e, no entanto, nada é mais imprevisto do que a velhice”, aspessoas adultas se comportam como se não fossem chegar nessa fase(BEAUVOIR, 1990, p.11). Também, para a mesma autora

[...] não é num instante que ficamos velhos: quando jovens ou na força daidade, não pensamos, como Buda, que já somos habitados pela nossafutura velhice [...] Antes que se abata sobre nós, a velhice é uma coisa quesó concerne aos outros. Assim, pode-se compreender que a sociedadeconsiga impedir-nos de ver nos velhos nossos semelhantes [...] Paremosde trapacear; o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nosespera; não sabemos quem somos, se ignorarmos quem seremos: aquelevelho, aquela velha, reconheçamos-nos neles. Isso é necessário, se qui-sermos assumir em sua totalidade nossa condição humana. Para começar,não aceitamos mais com indiferença a infelicidade da idade avançada, massentiremos que é algo que nos diz respeito. Somos nós os interessados(BEAUVOIR, 1990, p.11- 12).

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Porém, queremos ressaltar que desde que Simone Beauvoir escre-veu o livro “A velhice”, em 1970, a população de idosos aumentou con-sideravelmente e por isso passaram a ganhar maior visibilidade na soci-edade, fazendo com que profissionais e eles próprios, passassem a estu-dar, a discutir e refletir as questões relativas ao idoso brasileiro, em prolda melhor qualidade de vida. Surgiram assim, instituições, entidades, pro-gramas de interesse técnico e científico, universidades para terceira ida-de, grupos e clubes de convivência, todos estes apresentando um poten-cial de politização dos idosos através da troca de informações, buscandouma atuação no mundo político, com a real possibilidade de apresentar edebater idéias e propostas, definir, deliberar e agir.

Apesar da velhice estar ganhando visibilidade na sociedade atual,ela ainda deve ser reconhecida pela sociedade como um direito de todosos indivíduos. Ela, “ao ser considerada como invenção social, representauma oportunidade para ser reinventada socialmente, resgatando a cida-dania do idoso e assim, permitindo-lhe um viver saudável”(SCORTEGAGNA, 2004, p. 54). Não basta envelhecer, queremos en-velhecer com dignidade, com qualidade de vida que é resultante do aces-so ao conjunto de direitos sociais, tais como: paz, segurança, saúde, edu-cação, trabalho, justiça, moradia, alimentação, transporte e lazer.

Da infância à velhice é fundamental que nos habituemos a refletiro que queremos para nossas vidas, como queremos estar em cada fase,com que qualidade de vida, tanto para nós, como para os outros. Vemosque hoje, a humanidade finalmente está conseguindo viver mais, no en-tanto, a carência de serviços e instalações adequadas para os idososestá ocasionando um período prolongado de incapacidade e dependên-cia. Nesse sentido, é necessário de ter medidas no campo da promoçãoda saúde e educação (VERAS, 2002).

Uma das formas de se transmitir conhecimento é através da edu-cação formal, dos currículos. Através da Política Nacional do Idoso éexigido no seu art. 10 inc. III: “inserir nos currículos mínimos, nos diver-sos níveis do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de en-velhecimento, de forma a eliminar preconceitos e a produzir conheci-mentos sobre o assunto” (BRASIL, 1994).

Nesse sentido, o PROEJA pode ser um espaço para que a temáticado envelhecimento seja discutida, uma vez que esta instituição tem res-ponsabilidade com a formação do sujeito cidadão. A Educação de Jo-vens e Adultos implica lidar com valores, com formas de respeitar ereconhecer as diferenças. E isto se faz desde o lugar que passam aocupar nas políticas públicas, como sujeitos de direitos (PAIVA, 2006).

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Quando pensamos na inserção de conteúdos voltados para o proces-so de envelhecimento, verificamos que este ainda é um problema, poisapesar dessa temática ser obrigatória, como consta na Lei, vemos que háum distanciamento entre as disposições legais e a realidade, pois são rarosos currículos que abordam esse assunto. Para que esta situação se modi-fique, se fazem necessárias discussões e a divulgação sobre aobrigatoriedade da implementação de conteúdos gerontológicos nos cur-rículos, assim como, a importância destes para a construção de uma soci-edade mais consciente e com menos preconceitos em relação à velhice.

Outra Lei que destacamos é a LDB (9394/96), que estabelece nor-mas para a elaboração de programas e currículos. Ela “prevê uma edu-cação inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedadehumana, tendo como finalidade o pleno desenvolvimento do educando,seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho”. No entanto, “críticas são feitas por planejadores de educaçãoque denunciam a existência de um currículo voltado para um aluno uni-versal, revestido de uma pretensa neutralidade técnica, encobrindo me-canismos subjacentes de exclusão”. Também, nesta mesma Lei estáclaro que os currículos, além do núcleo comum, devem ter uma partediversificada, porém há uma tendência das escolas se limitarem às ma-térias do núcleo comum, ou seja, matérias ou conteúdos como: qualidadede vida, envelhecimento, prevenção, promoção de saúde, cidadania, namaioria das vezes não são contemplados (PALMA, 2000, p. 45).

Ainda refletindo sobre a LDB e a temática do envelhecimento Bothnos indica que:

Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 aponta como obje-tivos primeiros para as escolas, o trabalho e a cidadania, pode parecerdifícil ao cidadão estar preparado para assumir caminhos construtivos desua existência, ainda que se tenha em mente que ele é capaz de produzirsua vida e de nela imprimir um estilo mediador da longevidade e da quali-dade em toda sua extensão. Isso quer dizer que, se as experiências educa-cionais forem determinadas pela produção [...] possivelmente o aluno es-tará condicionado a ter pela própria vida pouca consideração, entenden-do-a como uma fatalidade e não como um produto das condições sociais eculturais (BOTH, 1997, p. 176).

Agostinho Both (2001, p. 81) em seu livro “Gerontologia: educação elongevidade” ao discutir a mudança curricular e longevidade, traz o se-guinte questionamento: “a primeira questão a ser considerada é se a con-quista da longevidade constitui-se em razão suficiente para se repensar ocurrículo”. Com o aumento da longevidade aparecem novas responsabili-

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dades sociais, culturais e educacionais as quais exigem novas relações depoder, mudanças sobre o entendimento da condição humana diante doprocesso de envelhecimento das populações e principalmente, construçãode oportunidades institucionais. A escola, os currículos, os programas desaúde, a oportunidade de educação permanente não podem permaneceros mesmos uma vez que as pessoas apresentam novas demandas.

Dessa forma, com os acontecimentos sociais do processo da in-dustrialização, que ocorreram e que continuam ocorrendo, a sociedadese moveu e se move para a construção sistemática de novas experiênci-as escolares, alterações curriculares que dêem conta do mundoglobalizado; por outro lado, com o novo perfil demográfico, a conquistada longevidade, pode vir a constituir-se em fato social suficiente paraque se repense o currículo. Both propõe que:

[...] ao invés de somente se orientar as experiências em razão das finalida-des econômicas ou de interesses da política, sejam criadas finalidadesinstruídas para a preservação da vida com qualidade, vistas como aprendi-zagens para obtenção de recursos expressivos, científicos, sociais em todoo ciclo de vida e para a solidariedade refletida na igualdade e na preserva-ção dos direitos fundamentais”(BOTH,1997, p. 178-179).

Both (2001) nos fala da importância de nos conscientizar de que avida não se restringe somente ao trabalho e a todas as formas de manu-tenção dos serviços construídos em torno das empresas, da família oudos interesses do Estado. Em nome dos interesses das pessoas, podemser construídas novas instituições, que abriguem a arte, a criatividade, àafetividade e toda forma de organização de proteção à vida, seja social,cultural ou pessoal. Para tanto, as escolas podem constituir novas apren-dizagens; as famílias podem se alargar em sua estrutura e objetivos,proporcionando condições para que a vida tenha mais oportunidades.

Salientamos que até o momento, defendemos a inserção de con-teúdos gerontológicos nos currículos e acreditamos que este seja muitoimportante, interessante e até sustentável a partir da Política Nacionaldo Idoso (Lei n° 8.842), porém, na prática na luta no campo do currículo,conteúdos gerontológicos teriam poucas chances de serem implementados,ficariam somente em um outro discurso bonito, mas dificilmente se con-cretizariam. Uma solução para a inserção de conteúdos gerontológicospode vir através da vinculação da gerontologia ao campo da saúde.

Acreditamos que as temáticas: “envelhecimento” e “saúde” pos-sam estar contempladas nos currículos, para que a Lei realmente secumpra e que a escola exerça seu papel transformador. “Se a sociedade,

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como um todo, tomar consciência do fato de que não somos um paíseminentemente de jovens, porque os jovens estão envelhecendo, entãoserá possível discutir currículos escolares”. Cabe a sociedade possibili-tar discussões/reflexões, de modo que, cada pessoa possa se permitiruma análise acerca do seu processo de viver e envelhecer, “constituin-do-se, assim, não apenas num projeto para os mais velhos, mas sim, numprojeto em que cada um é chamado a refletir sobre o sentido da vida navelhice” (BOTH; PORTELLA, 2003, p.37).

A Educação de Jovens e Adultos abre possibilidades de superaçãode modelos curriculares tradicionais, disciplinares e rígidos. Essa deveser uma construção contínua, num processo permanente que permite aabordagem de conteúdos e práticas de inter e trans disciplinares, a utili-zação de metodologias dinâmicas promovendo a valorização dos sabe-res adquiridos em espaços de educação de educação não-formal, alémdo respeito à diversidade.

O currículo do PROEJA busca a integração entre uma formaçãohumana mais geral, uma formação para o Ensino Médio e a formaçãoprofissional. Nesse sentido, o programa pretende conseguir uma integraçãoepistemológica, de conteúdos, de metodologias e de práticas educativas.Refere-se a uma integração teoria-prática, valorizando os saberes e tra-jetórias dos estudantes, compreendendo que estes são decorrentes devários espaços sociais.

O currículo integrado é uma possibilidade de inovar pedagogica-mente a concepção de ensino médio, em resposta a heterogeneidade doseducandos para os quais se destina, por meio de uma concepção queconsidera o mundo do trabalho e que leva em conta a trajetória dosmesmos. Supera-se a perspectiva estreita de formação para o mercadode trabalho, para buscar a formação integral dos educandos, como for-ma de compreender e se compreende no mundo (BRASIL, 2006).

Temos clareza que a implementação de um currículo traz mudan-ças e neste contexto podem ocorrer resistências, em todos os níveis, emfunção dos esforços que se tornam necessários (BOTH, 1997; DOLL,2004). Também, ao abordarmos a necessidade de inclusão de conteúdossobre o processo de envelhecimento nos currículos formais, queremosapontar para o desafio, que a Gerontologia é um campo amplo emultidisciplinar, que exige reflexões sobre quais conhecimentosgerontológicos priorizar no processo ensino- aprendizagem, rompendocom resistências, estereótipos e preconceitos.

Um dos motivos que leva os educandos a apresentarem resistência efalta de interesse nas questões que envolvem o envelhecimento é devido à

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imagem negativa que se tem da velhice na nossa sociedade. Porém, nãodevemos nos desencorajar com o objetivo de incluir a temática do enve-lhecimento nos currículos, pois este tema é relevante, principalmente, nes-te momento no qual a população de idosos tem crescido rapidamente.

Doll (2004) discute que, à medida em que se deseja implementarum novo currículo ou uma alteração curricular, deve se manter um diálo-go com todos os participantes envolvidos, pois as pessoas estando inte-gradas neste processo passam a assumir responsabilidades com o novocurrículo ou alterações curriculares, que ajudaram a construir. Nessemesmo sentido, Both (1997) salienta que os professores e os alunos de-vem estar motivados, atraídos e instrumentalizados para entender o pro-cesso de envelhecimento, a ampliação da vida e os meios de produzir osrecursos para levar adiante a realização humana em todo o ciclo de vida.Conforme Doll:

De fato, um currículo bem elaborado é algo importante, pois permite umacerta previsibilidade, organização, planejamento, confiabilidade, controle, ede certa forma, o currículo garante a estrutura e os fundamentos da formaçãodos alunos. Mas o currículo não é tudo; a estrutura prescrita pelo currículoprecisa ser preenchida pelo trabalho didático dos professores e pelos pro-cessos de aprendizagens dos alunos. Na discussão sobre o currículo nãopodemos esquecer que o objetivo maior é a aprendizagem dos alunos, e, nonosso caso, o conhecimento dos alunos sobre as questões do envelheci-mento. Para isso, o currículo pode garantir alguma evolução, mas a realiza-ção do que está previsto no currículo, cabe ao trabalho conjunto de ensino-aprendizagem de professores e alunos engajados (DOLL, 2004, p. 127).

Sendo a categoria velhice uma invenção social, a sociedade podereinventá-la, reconhecendo a velhice não como um problema, mas comoum direito de todos os indivíduos à vida, independente da sua idade. Paraisso, se faz necessário desenvolver ações educativas em todas as fasesda vida, que venham a oportunizar os cidadãos a reflexão sobre suasvidas, de forma individual e coletiva, sobre o processo de envelhecimen-to, diminuindo o preconceito sobre este, contribuindo para uma socieda-de mais justa, mais saudável, com mais segurança e participação.

A responsabilidade para o envelhecimento não é somente umacoisa individual, mas um processo social e como os homens são seressociais, cabe também à sociedade responsabilidade frente ao enve-lhecimento da população. Neste sentido, a inclusão da temática nocurrículo escolar é exatamente uma das formas possíveis de assumiresta responsabilidade.

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Conclusão

O processo educativo voltado para a humanização e transforma-ção social deve ser permanente e relativo à própria vida, propondo ocrescimento pessoal, a reflexão crítica, um novo olhar e uma nova postu-ra frente aos desafios cotidianos desse mundo em transformação. Acre-dito que a educação visando um processo de envelhecimento saudávelpode ser uma contribuição da escola em todas as fases da vida, buscan-do em cada fase o convívio e a troca.

Nesse sentido, o PROEJA pode ser uma alternativa para que sevenha a cumprir com a determinação legal da Política Nacional do Ido-so, expressa na Lei n°8842 de 1994, que estabelece a obrigatoriedade deinserção nos currículos do ensino formal de conteúdos voltados para oprocesso de envelhecimento, de forma a reduzir o preconceito e aumen-tar o conhecimento sobre o assunto.

A organização curricular desta modalidade de ensino deve ser com-preendida como uma construção contínua, processual e coletiva que en-volve todos os sujeitos do processo educativo, propondo uma formaçãocom acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos etecnológicos produzidos historicamente pela humanidade. A inserção deconteúdos gerontológicos nesse currículo vislumbra a criação de oportuni-dades para a reflexão e preservação da vida com qualidade, percebidacomo um processo de aprendizagem para a obtenção de recursos expres-sivos, científicos, sociais e culturais, dialogando com as concepções forja-das sobre o campo de atuação profissional, o mundo do trabalho e a vida.

Dessa forma, queremos finalizar nossa discussão/reflexão chaman-do a atenção para o fato de que temos atualmente um novo perfildemográfico. E, com o aumento da população de idosos, a conquista dalongevidade, se constitui em fato social suficiente para que se repense oscurrículos escolares.

Referências

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_____.Gerontologia: Educação e Longevidade. Passo Fundo: Imperial, 2001.

BOTH, Agostinho; PORTELLA, Marilene Rodrigues. Gerontologia: uma pro-posta socioeducativa para idosos. In: BOTH, Agostinho et al.(orgs.).Envelhecimento Humano: múltiplos olhares. Passo Fundo: UPF, 2003.

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PAIVA, Jane. PROEJA: formação técnica integrada ao Ensino Médio. Políticasde direito à educação: compromisso ético para consolidar o direito para todos osbrasileiros. A TV Escola/Programa Salto para o Futuro. Boletim nº 16, setembrode 2006.

PALMA, Lucia Terezinha Saccomori. Educação permanente e qualidade de vida:indicativos para uma velhice bem-sucedida. Passo Fundo: UPF, 2000.

SCORTEGAGNA, Helenice de Moura. A educação gerontológica aplicada a es-colares: o olhar da enfermeira. In: PASQUALOTTI, Adriano et al. (org.). Enve-lhecimento Humano: desafios e perspectivas. Passo Fundo: UPF. 2004.

VERAS, Renato P. Terceira Idade: Gestão Contemporânea em Saúde. UnATI/UERJ, Rio de Janeiro: Relume/Dumará, 2002.

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES:FORMAÇÃO DE PROFESSORES:FORMAÇÃO DE PROFESSORES:FORMAÇÃO DE PROFESSORES:FORMAÇÃO DE PROFESSORES:EXPERIÊNCIAS NO PROEJA,EXPERIÊNCIAS NO PROEJA,EXPERIÊNCIAS NO PROEJA,EXPERIÊNCIAS NO PROEJA,EXPERIÊNCIAS NO PROEJA,EXPERIÊNCIAS DO PROEJA,EXPERIÊNCIAS DO PROEJA,EXPERIÊNCIAS DO PROEJA,EXPERIÊNCIAS DO PROEJA,EXPERIÊNCIAS DO PROEJA,

EXPERIÊNCIAS PEXPERIÊNCIAS PEXPERIÊNCIAS PEXPERIÊNCIAS PEXPERIÊNCIAS PARA O PROEJAARA O PROEJAARA O PROEJAARA O PROEJAARA O PROEJA

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SABERES, INSCRIÇÕES E MOVIMENTOSNA TRAJETÓRIA FORMATIVADE CORPOS-EDUCADORES:

MEMORIAIS DE ESPERANÇAS NOENSINAR E APRENDER COM A EJA

Dalva J. Balz Bender1

Naira Lisboa Franzoi2

Direto ao ponto

Educadores e educadoras, a partir de memoriais formativos, sere-encontram com trajetórias vividas e no processo da construção de simesmos proporcionam a autoformação. Pergunto: a reflexão sobre asinfluências, as relações e os saberes adquiridos, pode atenuar fronteirasno processo de ensino-aprendizagem de jovens e adultos? As contin-gências da vida, a escolha da profissão, a experiência no exercício dadocência e o encontro com biografias de educandos da EJA possibilitamo re-pensar da mediação/intervenção pedagógica atual? Considerando oensaio expresso neste artigo3, e apoiada nas contribuições inseparáveis

1 Graduada em Educação Física (FASEF, RS); Pós-Graduada, nível Especialização, em Exercí-cio e Qualidade de Vida (UNOPAR, PR); Mestre em Educação (UNISINOS, RS).2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.3 O artigo tem como base o Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em PROEJA/FACED/UFRGS. A validação do processo de pesquisa valeu-se da colaboração de colegasparticipantes do Curso de Especialização em PROEJA: Maria do Carmo Canani, CláudiaKlinski, Bernhard Sydow e Elisete Bernardi Garcia, cuja “conversa” estabeleço via MemorialFormativo. Orientada pela Profª. Drª. Naira Lisboa Franzoi (UFRGS), manifesto minhagratidão aos participantes deste trabalho e suas estimulantes contribuições. Sem isso, nãoteríamos a possibilidade de troca intelectual e emocional entre os pares, como educadorespesquisadores de nossa própria história. Os Memoriais Formativos, como “arestas” de legí-tima sabedoria, são originários do Trabalho do Módulo I: Matriciamentos e Formação Do-cente - Disciplina Invenções e Intervenções Pedagógicas, ministrada pelos professores RafaelArenhaldt e Daniela Brun Menegotto.

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de Edward P. Thompson (2002), Bernard Charlot (2000), Maurice Tardife Danielle Raymond (2000), Yves Schwartz (2000, 2003), Edgar Morin(2000), entre outros, a resposta é sim.

[...] Foi nesse chão, de tantas contradições, que iniciei meu aprendizadosocial e político no campo da educação. Foi ali, entre o barulho das máqui-nas e os cheiros tantos da fábrica, mas, sobretudo, com aquelas mulherese com aqueles homens, que eu comecei a ter uma melhor compreensão dediferentes realidades e do mundo do trabalho (inclusive, do mundo domeu trabalho), da minha própria condição humana. Acho que ali comecei acompreender um pouco melhor, também, a história de minha mãe, de meupai, de meu irmão, de tantos outros Josés e de tantas outras Marias, ouseja, a história dos excluídos. (MARIA DO CARMO CANANI, MemorialFormativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006).

Abrir gavetas, juntar bilhetes e cartas, folhear cadernos, manusearálbuns, contemplar as fotografias... Abstrair desses instrumentosobviedades e obscuridades é, antes de qualquer coisa, legitimar a nossahistória como um reencontro regado de experiências e conhecimento.Entretanto, talvez este seja um dos grandes desafios da educação nosdias de hoje, especialmente na educação/formação de jovens e adultos,que, de certa forma, permite confirmar o que muitos já disseram: “saber-se” na própria trajetória formativa é bisbilhotar o passado e proporcionara sensibilidade necessária para problematizar e validar a “realidade au-têntica” que nos invade corporalmente. Escrever sobre si é, secretamente,ouvir-se. Repensar espaços e tempos, recuperar influências, saberes e“sabores” que, nem sempre aprazíveis, o que significa, também, restau-rar fissuras e cicatrizes.

A emergência de novas práticas educativas na EJA, especialmen-te no PROEJA4, supõe o exercício da “reflexividade subjetiva”.5 Morin(2000, p. 38) sugere “pensar-repensar o saber”. Saber e saberes neces-sários e indispensáveis para o enfrentamento dos paradigmas que envol-vem os traçados da educação atual. “O saber existe, primordialmente,para ser refletido, meditado, discutido, criticado por espíritos humanosresponsáveis [...]. Hoje, o retorno ao sujeito constitui um problema

4 Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médiona Modalidade Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, regulamentado pelo Decreto no.5.478, de 24/06/2005.5 O dizer, fazer e sentir pedagógico na EJA suscita o exercício da “reflexividade subjetiva”, queé, segundo Gómez citado por Libâneo (2005), a “[...] capacidade de voltar sobre si mesmo,sobre as construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção.Supõe a possibilidade, ou melhor, a inevitabilidade de utilizar o conhecimento à medida que vaisendo produzido, para enriquecer e modificar não somente a realidade e suas representações,mas também as próprias intenções e o próprio processo de conhecer” (p. 56).

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fundamental, que está na ordem do dia” (id.). [grifo meu] A educação ea escola, imbricadas com as situações adversas de uma sociedade emcontínua mudança; os sujeitos múltiplos e sua necessidade de retornoaos bancos escolares (quer pelos meios formais e instituídos ou pelosnão-formais), e a complexidade dos processos formativos, especialmen-te na modalidade EJA, que, imbricada com as vicissitudes do mundo dotrabalho, exige de nós, educadores/pesquisadores, a assunção desse tem-po-espaço como um campo profícuo e de amplos desafios. Encharcadapor homens e mulheres, jovens e adultos, trabalhadores e desemprega-dos, “sobrantes das metamorfoses do mundo do trabalho”6, traduzem aEJA, por si só, como um lugar “embebido” de marcas e experiênciasoriundas do mundo da vida. Esse cenário acende novas expectativas,pois, antes de qualquer coisa, “espalha” intersubjetividades com e entreos sujeitos (educadores e educandos) que, distantes ou próximos, estãoinseridos em um mesmo mundo, por vezes, o “pequeno grande mundo”da sala de aula, que, entre outras coisas, provoca o repensar das inter-relações, principalmente o papel da docência nesse lugar.

Diferenciada de outras, dadas as especificidades que a compõem,a EJA é uma modalidade que acolhe estudantes que, na maior parte dasvezes, travam uma luta pessoal para retornar à sala de aula. De um lado,pelas dificuldades produzidas pelo próprio sistema escolar, que já os ex-cluiu ou nem possibilitou o acesso em outros tempos. E, do mesmo lado,a exclusão que compreende, entre outros aspectos, a necessidade bási-ca da sobrevivência: o trabalho em si. Porém, e de outro lado, essesestudantes estão envolvidos pelas contingências históricas que abarcamo problemático mundo do trabalho, caracterizando-os, muitas vezes, como:“figuras do excluído”. 7 Nessa direção, o PROEJA “é mais que um pro-jeto educacional. [...] será um poderoso instrumento de resgate da cida-

6 Os estudos de Machado, Corbellini e Fischer (s/d) apontam as décadas de 70 a 90 como umperíodo de acentuado crescimento das indústrias, especialmente no sul do Brasil, e, portanto,o grande atrativo para que milhares de micros e pequenos agricultores do estado do RioGrande do Sul migrassem da zona rural para o perímetro urbano, especialmente no Vale doRio dos Sinos. Esses “sobrantes” eram os agregados excluídos do meio rural, cujas condiçõesde trabalho e sobrevivência foram prejudicadas pelo processo de transformação da basetecnológica da agricultura, que mecanizou as grandes propriedades de terras. “Excluídos” desuas regiões de origem, vieram para as regiões urbanas em busca do emprego e salário fixo.Impedidos de estudar em tempo próprio, são, em grande parte, estes e os filhos destes, ossujeitos que hoje constituem o público das escolas de EJA. Nesse decurso, as profundasmodificações contextuais no que se refere às bases tecnológicas e o mercado globalizadoprovocam ciclos de emprego-desemprego tanto para jovens e/ou adultos. Disponível em <http://www.dhnet.org.br/educar/adunisinos/Antonio.htm>.7 Renaud Sainsaulieu (2001), em artigo sobre “A identidade no trabalho ontem e hoje”,aponta que esses excluídos compõem os trabalhadores sem carteira assinada, ou sem empregoe sem domicílio fixo, que estariam substituindo os valores fortes do trabalho ( p. 58).

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dania de toda imensa parcela de brasileiros expulsos do sistema escolarpor problemas encontrados dentro e fora da escola” 8. Nesses mean-dros, pressupõe assumir a “a condição humanizadora da educação”.9

As concepções do PROEJA e os fundamentos político-pedagógi-cos do currículo sugerem conhecer os sujeitos da EJA, legitimar o queessas pessoas trazem do seu cotidiano vivo e vivenciado para dentro dotempo-espaço escolar. Entre outros aspectos, ensejam ressignificar aidentidade “trabalhador”.10 Ana L. O. Pires (2007) afirma que, para legi-timar os que as pessoas já sabem, é necessário o reconhecimento e avalidação das “aprendizagens experenciais” (p. 10). Essas aprendiza-gens são re-elaboradas a partir dos saberes não-formais e informaisadquiridos nos espaços de interação da pessoa consigo própria, com osoutros, com a vida, como conteúdos abertos, tácitos e invisíveis, que nãoobedecem a uma lógica cumulativa e aditiva, mas de recomposição (id.)

Trilhando por esse caminho, torna-se igualmente fundamental esta-belecer uma formação adequada aos docentes que irão mediar essa tare-fa: ouvir e considerar suas histórias, seu trabalho... Quer dizer, umaformação que permita ao educador ir para além dos elementosepistemológicos e metodológicos: uma formação que reconstrua suas pró-prias trajetórias, seus saberes, suas esperanças, sem se esquecer de suas“mazelas”. Esse “movimento” de ir e vir suscitará leituras de mundosentrelaçados, tanto de educadores como de educandos, na compreensãode escolhas profissionais, trajetórias de trabalho e não-trabalho11, embasandoo processo pedagógico no reconhecimento das experiências de vida dossujeitos a partir da autoformação e compreensão. Trajetórias de vida aserviço do conhecimento de si e do outro, recuperando sentidos e signifi-cados do fazer pedagógico nos tempos atuais.

8 Eliezer Pacheco, DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2006, p. 03.9 “[...] com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produ-zidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permitacompreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na melhoria das própriascondições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa” (DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2006, p. 3-10).10 “Ouvir e considerar suas histórias e seus saberes, bem como suas condições concretas deexistência [...].[...] compreender que os sujeitos têm história, participam de lutas sociais, têmnome e rostos, gêneros, raças, etnias e gerações diferenciadas (DOCUMENTO-BASE PROEJA,2006, p. 40).11 Nesse caso, abordar as transformações históricas do trabalho, as instabilidades no emprego, aausência dele em seu aspecto formal (carteira assinada), as fragilidades que compõem essecampo, e redimensionar nosso olhar na direção dos trabalhadores sem emprego para além daobviedade. Naira L. Franzoi (2006), valendo-se de Robert Castel, conta que “a novidade não éapenas a retração do crescimento ou o fim do quase-pleno-emprego, [...] Para Castel, “otrabalho [...] é mais que o trabalho, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego” (p. 36).

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Essa abertura torna-se necessária e urgente nos processoseducativos do mundo contemporâneo, em que pairam as incertezas deuma educação que ainda cursa sobre um “leito” de velhas veredas.Uma educação que ainda está sob a égide do enquadramento e dadeterminação dos “saberes maiores”, que desqualificam, hierarquizame organizam os “saberes menores”, produzindo o disciplinamento dossaberes. Os currículos atuais, mesmo que “abertos”, ainda elegem o“científico e verdadeiro”, e, nesses meandros, o jovem e o adulto aindasão perspectivados como dependentes e pormenorizados em seus sa-beres anteriores, que ainda não são considerados relevantes. Talvez aí,no itinerário de ambos (educadores e educandos), haja encontros virtu-osos capazes de promover a sensibilidade necessária para o encontrodos saberes.

É importante destacar aqui que o propósito último deste estudo écompreender educandos da EJA, mas exercitando, antes disso, a docênciareflexiva. Não estamos em campos opostos, nosso “reduto” é o mesmo.Este artigo indica o uso de memoriais restaurados através de imagens12

e narrativas13 como um dos principais recursos na formação de educa-dores e educadoras. Saber ouvir e escrever os outros pressupõe ouvir-se, escrever-se e inscrever-se em imagens, palavras e linguagens, cons-tituindo-se em texto.

Como um “cadastro” in[corpo]rado, para alguns, a retrospectiva deum mundo vivido ressoa em “movimentos” brandos, porém, para outros,nem tão poucos assim, esse mundo se confirma em trajetórias nem tãoafáveis. O que podemos observar nos campos da EJA é que o fruir da vidaestá “carregado” de adversidades que se constituem como verdadeiras“fendas”, em que basta um “vento leve” que reanime as recordações de

12 O uso da imagem fotográfica como um recurso pedagógico supõe, inicialmente, aguçar asnossas sensibilidades. Contemplar fotografias não se traduz em simples olhadelas, tampoucoé apenas “enxergar”, vai além, diz Sebastião Salgado (2003). O olhar contemplativo remetea uma condição provocativa e singular diante da(s) figuras(s). Ao contemplar as imagenscomo uma intervenção metodológica, utilizamos o objeto fotográfico como parte de umahistória, constituindo ele próprio um princípio de memória (id.). Em Maria Ciavatta (2002):“[...] As fotografias são como monumentos que traduzem valores, idéias, tradições e com-portamentos que contribuem para a identidade familiar e orientam formas de ser e agir” (p.34-35). Acrescento aí que as imagens contribuem para a captura da identidade do ser-educador[a] e, conseqüentemente, do ser-educando[a] na EJA.13 Bastos (2003) traz as narrativas e as vivências de um professor contextualizadas historica-mente, numa perspectiva de construção do tempo presente: “o prazer em revelar as inúme-ras vivências, de contextualizá-las na busca de reflexão crítica, de valorizá-las diante daelaboração do tempo presente, intenta construir o vivido na perspectiva de esclarecer, emparte, o enfrentamento dos desafios epistemológicos do trabalho docente, em que as motiva-ções de vida estão intimamente ligadas. O pessoal e o profissional fazem parte de umatotalidade: o eu” (p. 167).

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um tempo vivido para que sintam as “dores” de sempre. Talvez aí, noindissociável passado e presente, estejam os saberes, os conhecimentos,as revelações e as “aprendizagens experenciais”, suscetíveis na promo-ção de novas possibilidades. Para a compreensão dessas “idas e vindas”,as contribuições de Edward P. Thompson14 são expressivas. ParaThompson (2002, p.13), o que diferencia a educação de adultos são asexperiências que se tramam no cotidiano do sentir e fazer pedagógico:

A experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes mais radical-mente, todo processo educacional; influencia os métodos de ensino, aseleção e o aperfeiçoamento dos mestres e o currículo, podendo até mes-mo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas tradici-onais e levar à elaboração de novas áreas de estudo (id.).

Não se trata, aqui, de abrandar a cultura científica e sistematizadae dar espaço apenas para a experiência viva e vivida. Mas, sim, darvisibilidade e voz no re-conhecimento da história daquele cuja trajetóriae identidade pertencem a uma cultura anterior e que está sendo continu-amente informada e reafirmada. Ora, essa problemática inclui educado-res e educandos no mesmo “barco”, pois quando se trata da formaçãode adultos, quer seja na escola básica ou no ensino superior, não há comodesdenhar a relação recíproca e dialógica entre os protagonistas em cena.Em Thompson:

[...] nenhum educador que se preze pensa no material a seu dispor comouma turma de passivos recipientes de educação. [...] nenhum mestre pro-vavelmente sobreviverá a uma aula – e nenhuma turma provavelmentecontinuará no curso com ele – se ele pensar, erradamente, que a turmadesempenha um papel passivo (id., 2002, p. 13).

Embrenhar esses campos “metamorfoseados”, tanto na escolacomo na vida cotidiana, é, antes de qualquer coisa, saber aprender. EmBernard Charlot (2000), saber/aprender é uma relação/ligação entre osujeito e o mundo, com ele mesmo e com os outros. Esse “mundo comoum conjunto de significados, mas também como espaço de atividadesque se inscreve no tempo” (p.77). A relação de saber/aprender nasdimensões que se interpenetram e se supõem uma a outra: o presente, opassado, o futuro.

14 Célia Vendramini (2006) busca contribuições em Thompson para a apreensão dos saberesproduzidos do/no trabalho. Comenta que o

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A apropriação do mundo, a construção de si mesmo, a inscrição em umarede de relações com os outros – ‘o aprender’ – requerem tempo e jamaisacabam. Esse tempo é o da história: a espécie humana, que transmite umpatrimônio a cada geração; a do sujeito; a da linhagem que engendrou osujeito e que ele engendrará. [...] Esse tempo não é homogêneo, é ritmadopor ‘momentos’ significativos, por ocasiões, por rupturas; é o tempo daaventura humana, a da espécie, a do indivíduo.

Mas, onde começa o saber? Yves Schwartz (2003) traz aponta-mentos que re-ligam o saber às atividades de trabalho. Para o autor, todaatividade de trabalho é atravessada de história, pois nenhuma situaçãohumana reúne com ela tantas marcas de debates da história das socie-dades humanas quanto as situações de trabalho: “[...] toda atividade detrabalho encontra saberes acumulados nos instrumentos, nas técnicas,nos dispositivos coletivos; toda situação de trabalho está saturada denormas de vida, de formas de exploração da natureza e dos homens unspelos outros” (id., p. 23). O autor continua;

[...] Se o trabalho é atravessado pela história, se nós “fazemos história” emtoda atividade de trabalho, então, não levar em conta esta verdade naspráticas das esferas educativas e culturais, nos ofícios dos pesquisado-res, de formadores, nas nossas práticas de gestores, de organização dotrabalho e também nas práticas de cidadãos, é desconhecer o trabalho, émutilar a atividade dos homens e mulheres que, enquanto “fabricantes” dehistória, re-questionam os saberes, reproduzindo em permanência novastarefas para o conhecimento(ib.).

Então, o saber, segundo Schwartz, “[...] começa nas profundezasdo corpo, com aquilo que existe de mais singular, de mais histórico, de maisimpalpável numa situação de trabalho” (id., p.26). Este é o ponto: o corpoé lócus, produtor de saberes, movimento, mas não só. É ele mesmo umsaber quando redesenha, em sua superfície viva, as cores, o aroma, asmarcas visíveis e sensíveis para si mesmo e na reciprocidade para com osoutros. O corpo é saber quando ele próprio, enquanto corpo-sujeito, “sabeusar-se” como parte de uma trama que envolve outros saberes. 15 O corpoé saber em suas múltiplas linguagens e torna-se o grande interlocutor daexperiência humana. Ponderando sobre o corpo, Schwartz (2000), na rela-

autor problematiza a realidade para além dos muros da escola. Capta os movimentos queconstituem os sujeitos, considerando os saberes do trabalho, contexto, as condições objetivasdo trabalho e da educação, sem abrir mão do sujeito em sua dimensão subjetiva e as experiên-cias constituídas coletivamente pelos sujeitos socais (p. 123).15 Com base em Eloisa H. Santos (2006), é necessário cautela para as concepções quenaturalizam os saberes tácitos. Em muitas situações de trabalho o “uso do corpo” é um dosaspectos que confere habilidade a trabalhadores.

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ção entre o sujeito e o seu trabalho (entre o dizer e o fazer), comenta quehá sempre uma relação problemática: nem tudo se diz, e tanto o dizercomo fazer estão resguardados em si naquilo que o corpo sente, portanto,“o dizer não recobre o fazer” (id., p.05). Para Schwartz, no mundo dotrabalho, há toda uma tendência de redução e simplificação do trabalho àstarefas em si. Isso quer dizer que somos avaliados pelo que realizamos ouproduzimos de uma forma palpável, visível. Essa “diminuição” do fazernos leva a restringir o outro às instruções e ao que se exige desse outro emtermos de produção. Não se vê a complexidade, o que o outro faz/sentepara gerir (ou digerir) todos os seus problemas, isto é, não se vê na ativida-de do trabalho toda a subjetividade humana que a envolve - “as dramáticasdo uso de si” ou o uso do “corpo si”, no sentido de que “o corpo nunca estácolocado fora de jogo”, como bem diz Schwartz (2003, p.06-15). Para oautor, quando então “as dramáticas do uso de si” são compreendidas, nãose pode mais simplesmente dar instruções, não se pode manipular o traba-lho e suas relações aí imbricadas como algo meramente mecânico.

Adentrando no mundo da escola de jovens e adultos, que, muitasvezes, assemelha-se com ou reproduz a sistemática do mundo do trabalho,em seus tempos, tarefas e exigências, vamos perceber que essa tendênciareducionista, prevista pelo autor, aparece novamente. Muitas vezes, noespaço-tempo escolar, excluímos toda a trama que envolve o cotidiano dejovens e adultos, e delimitamos o olhar apenas ao visível da tarefa em si.Porém, se então compreendermos a subjetividade que abarca a condiçãohumana ou “as dramáticas do uso de si”, as relações mudam. Nesse caso,deixaremos emergir o corpo-sujeito e entraremos no mundo singular dotrabalhador-estudante, compreendido em toda sua inteireza – em suacorporeidade.Isso é significativo quando de trata da educação de jovense adultos, pois diz respeito a vidas humanas envoltas pelos saberes adqui-ridos, especialmente nas atividades do trabalho, e mais: significaredimensionar a tarefa em si e olhar para a invisibilidade do mundo dotrabalho e não-trabalho16. Ao transferirmos essa concepção para os tra-balhadores-estudantes, então, no chão-da-escola, lá onde se via apenasum mero estudante, vê-se agora um corpo-trabalhador-estudante-históri-co-enigmático-esperançoso-humano, fazendo “uso de si”. Nessa con-cepção, estaremos vendo o outro como alguém com quem vamos apren-

16 Naira L. Franzoi (2006, p. 36), valendo-se de Robert Castel, conta que “o trabalho [...] émais que o trabalho, portanto, o não trabalho é mais que o desemprego”. Penso que talvezseja necessário, aqui, considerar o contingente dos sujeitos da EJA, suas trajetórias de traba-lho e não trabalho, e redimensionar nosso olhar em relação à essa dimensão, para além daobviedade.

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der coisas, saber o que fez/faz, como fez/faz e por que fez/faz, quais sãoseus saberes e como elas têm sido debatidas e legitimadas.

Sem esquecer o propósito do PROEJA, que é promulgar a “pers-pectiva sensível” da formação continuada de professores, é imprescindí-vel considerar essa modalidade pormenorizando os sujeitos na atividadedo trabalho, e isso nos entrelaça na mesma arena de significância. Re-visitando nossas trajetórias pregressas, veremos que somos o legado deum modelo de escola e de educação que “conforma”, “adapta”, “ajus-ta”, “modela”, “silencia” e “enclausura” comportamentos e indivíduos.A ruptura necessária e urgente passa necessariamente pela reflexão daeducação como fenômeno social, cultural e histórico, estreitamente vin-culados ao ser e estar sendo educador e educadora na atividade dotrabalho. Então, deixemos o corpo-educador[a] falar...

O tempo-espaço da escuta de si: o que contamos “corpos-sujeitos” via memorial formativo?

Educadores e educadoras estão sempre dizendo, mas desejam secontar ainda mais, e contam... Para Cláudia Klinski, narrar a sua históriaé, antes de qualquer coisa, confessar seus sonhos! “É reconstituir aprópria existência.”

[...] o memorial é ‘uma descrição com muitos pormenores de uma reali-dade vivida’. O conteúdo de um memorial diz respeito às emoções, cren-ças, valores, ansiedades, medos, contradições, prazeres, desprazeres doindivíduo. Enfim, é o registro escrito de situações vivenciadas, das rela-ções intra e interpessoais. [...] Além de considerar este memorial auto-avaliativo, acredito que ele acaba se tornando um instrumentoconfessional de meus sonhos (CLAUDIA KLINSKI, Memorial Formativo -Curso em PROEJA, dez. 2006).

Na autocompreensão, em que reconta as experiências e a escutasilenciosa de si, Cláudia promove os elementos necessários para quepossa retomar o exercício da escrita e se dizer contando suas incerte-zas, seus desafios, fazendo relações com as influências estabelecidas, osdiferentes lugares e os sujeitos que auxiliaram em sua trajetória e esco-lha profissional. Deixa evidente a escolha em ser educadora quando diz

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que “tinha certeza de que [...] queria trabalhar com pessoas, comeducação” (id.). 17

Memoriais são janelas! Quando abertas ou apenas espiadas deforma reflexiva, nos fazem perguntas. Temos, porém, liberdade pararespondê-las, ou não. Elisete B. Garcia (2006), por exemplo, expressa,em seu memorial, uma trajetória desejante pelo saber, que constitui, porsi mesmo, um saber singular: “não pretendo ficar presa ou limitada aessas lembranças e vivências, porém elas, de alguma maneira, memostram que não devo esquecê-las [...]”.Entre sinuosidadescontextuais e sonhos, narra:

Fiz as séries iniciais numa escola rural, a qual tinha somente até a 4ªsérie, com turmas multisseriadas, sem biblioteca, e os livros didáticosdisponíveis eram apenas os fornecidos pelo MEC. A cidade só tinha umaescola com séries finais, que ficava aproximadamente a oito quilômetrosda minha casa. Não tínhamos carro, e os únicos meios para nos deslo-carmos era a pé ou de bicicleta [...]. No entanto, decidi que de algumamaneira eu queria continuar estudando, e com apenas 11 anos de idadesaí de casa para morar com outra família e trabalhar [...]. Fui desco-brindo que a luta pela escola pública não se dava apenas com a con-quista de uma vaga, mas muita coisa estaria aí em jogo, como, por exem-plo, chegar até a escola e como sobreviver dentro e fora dela (ELISETEB. GARCIA, Memorial Formativo, Curso em PROEJA, dez., 2006)18.

As relações e a história construída pela narradora não apenas sãoanteriores à escola como mesclam e circundam esses campos. Há umconjunto de situações, entre elas o trabalho, que a antecedem e queposteriormente se inscrevem aos espaços institucionalizados. O que po-demos afirmar é que há uma gama de situações que exercem influênciaincisiva e determinante em nossas escolhas outrora feitas e que nos cons-tituem nos dias atuais. Somos uma complexa rede de relações. Maria doCarmo Canani19 refere-se ao período da infância como um tempo signi-ficativo com relação ao “estar sendo” educadora nos dias de hoje. Há,em seus escritos, um ir e vir contínuo, do passado que ainda é.

17 Atualmente Claudia Klinski atua como orientadora educacional em uma escola técnicaestadual.18 Atualmente, Elisete B. Garcia atua junto à Secretaria Municipal de Educação Esporte eLazer (SMED) de São Leopoldo como Supervisora das escolas com EJA.19 Maria do Carmo (a criança da fotografia) faz do seu memorial uma “Carta para MariaAntônia”, sua filha. Traz, subentendido, o desejo de deixar o registro documental para sualegatária. Se isso terá influência sobre o futuro profissional de Maria Antônia, somente otempo dirá. Entretanto, que já tem uma extensão educativa nesse processo, certamente nãoduvido. Atualmente, a narradora atua na Secretaria Municipal de Assistência Social em SãoLeopoldo, na formação de Educadores e Educadoras.

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Fig. 1 “Carta para MariaAntônia”Da infância pobre, lembro poucascoisas (muitas, talvez, não queiralembrar). Lembro-me, por exemplo,de que, por volta dos oito anos,pedia livros emprestados a umvizinho para poder ler (minhagrande paixão, que me levaria, anosmais tarde, a cursar Letras).Lembro-me, também, de que, desde muito pequena, brincava de aulinha num quartovelho de minha casa, elegendo como alunos alguns bonecos de papel que euconstruía e colava nas cadeiras, como se fossem gente (MARIA DO CARMOCANANI, Memorial Formativo, curso em PROEJA-UFRGS, 2006) (fig. 1).

Quando rememoramos o passado, não há como evitar as “marcas”dos corpos de ontem nos corpos de hoje. As lembranças de BernhardSydow em suas trajetórias contextualizadas, em muito se assemelhamàs histórias de imigrantes deste país. As origens germânicas - o pai, umPastor Luterano, e a mãe, Professora, “das Deutsch Gespräch” (afala alemã) - são a base familiar que o constitui. Para Bernhard, ostextos que marcam seu corpo e as pequenas transgressões que, segundoele, apenas se insinuam no memorial, são da moral protestante:

Fig. 2 “Tio-avô de Berlim, mãe, irmão, tia, prima, pai, avô e Bernhard”

Cursei minha pré-escola no “Deutscher Kindergarten” da Sociedade Germânia.Ficava na Ramiro. Lembro que não sabia falar português. Fiz trabalhos manuaisde trançar papéis formando figuras.Cantei “Escravos de Jó” sem entender umasílaba. Aprendi a escrever o meu nome numa pauta caligráfica. Was ist “escravos?”(BERNHARD SYDOW, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006)[Grifos do autor]

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O corpo-sujeito histórico está empapado das experiências vivi-das. Bernhard, que atualmente é músico do Projeto Prelúdio da UFRGS,apesar de ter aprendido a tocar harmônio com seu pai, sob regras duras,“sentidas literalmente na pele”, como ele mesmo conta, exalta, em seusescritos e imagens, as experiências positivas trazidas ainda da infância:“[...] resolvi ser músico aos seis anos de idade, quando o lugar emque eu estudava foi visitado por um chantre, o Kantor Mayer, queme deixou fascinado com a maneira de tocar harmônio e com a artede improvisar”(id.). Para Bernhard, além da experiência musical nainfância, a oportunidade de poder trabalhar no Projeto Prelúdio (UFRGS)foi decisiva para a sua opção profissional. Na reconstrução de si mesmo,Bernhard exalta o aprender com o outro, sobretudo, o “aprendertrabalhando”, inicialmente com aquele que fora uma de suas fontesmotivadoras - o seu “melhor professor” - mas, também, o “aprendercom cada aluno”:

Não usava livro, não ditava conceitos, não ditava fórmulas, faziademonstrações, fazia a gente refletir, deduzir, concluir, contextualizarhistoricamente. Meu melhor professor: Ernest Julius Sporket, 09/01/1928- 06/03/1999. Era mais do que empirista. Era também sábio, mago epoeta. Foi um dos artesãos do Museu da PUC [...] Resolvi ser professorde música porque desafia reinventar maneiras a pensar de outras manei-ras, a arte, o jogo simbólico. Recriar formas, incentivar a autoria. Apren-der com cada aluno. Porque dá prazer, alegria, prestígio, pertença,contemporaneidade. Companheirismo... (id..). (BERNHARD SYDOW,Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, 2006). [grifo meu]

Os memoriais inspiram e potencializam os elementos essenciais noensinar e aprender, pois se traduzem em conhecimento de si, do outro, daescola em situações de aprendizagem. Portanto, o “visível” e ou o “invisí-vel” dos escritos revelam sinais e expressam as múltiplas histórias do con-texto familiar, da história de vida, da escolha profissional e da própria esco-la, que se alastram no cotidiano de educandos e educadores. Apesar daslimitações deste texto, percebemos que, através das imagens e narrativas,os sujeitos expressam uma ascendência que tem raiz num espaço-tempoque remete à infância. São saberes (sabores) necessitados de legitimaçãoe que produzem a clara significância dos processos de ensinar e aprender.Em Tardif e Raymond (2000), educadores e educadoras pensam “com avida”, com o que foram e são, com o que viveram e vivem, com aquilo queacumularam em termos de experiência a partir de suas histórias, não so-mente intelectual, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal.

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(p. 235). Para mim, essa afirmação é extensiva a educandos e educandasda EJA. Isso quer dizer que estamos enleados em, entre e através dasnossas próprias histórias, que nos proporciona, sim, um lastro de certezas apartir das quais compreendemos e interpretamos as novas situações quenos afetam e constroem a continuação.

Observa-se que, em muitos casos, a infância penosa, os métodosausteros, os diciplinamentos, os grandes esforços para realizar a tarefade estudar vão permeando as vidas dos sujeitos, desenvolvendo nelas acapacidade reflexiva e crítica ante as contradições da vida. Elisete B.Garcia narra sua trajetória como se ainda estivesse sentindo as “dramá-ticas do uso de si” preditas por Schwartz (2000), e talvez, esteja. Todasua história se mantém como forte indicadora na escolha pelo magisté-rio, no “estar sendo” educadora e, certamente, no fruir pedagógico quehoje realiza:

Vivi a maior parte da minha juventude na encruzilhada entre enfrentar apobreza do mundo, fora da vida religiosa, ou deixar vencer a esperançade poder romper com as grades que impediam de lutar pelos ideais queme alimentavam naquele tempo[...]. Até que decidi enfrentar a competi-ção do mundo do trabalho e, apesar de estar longe da família, não teruma casa, estar sem emprego e sem dinheiro, eu tinha a esperança queme movia.[...] Fiz Magistério na escola pública e foi a formação recebi-da que me possibilitou trabalhar em uma instituição que atendia a meni-nos e meninas que viviam na e da rua. Aprendi que a sociedade podia sermais excludente daquela que eu vivia e conhecia. Foi quando comeceientender que a mudança passava pela sociedade organizada e não so-mente pela educação (ELISETE B. GARCIA, Memorial Formativo, Cursoem PROEJA-UFRGS, dez., 2006).

Retomo aqui a relevância das singularidades que permeiam astrajetórias da formação docente e, sobretudo, a percepção do que tra-zem para dentro dos espaços e tempos que hoje constroem, na observa-ção de si mesmos e dos múltiplos sujeitos com os quais aprendem eensinam o tempo todo, isto quer dizer, ensinar e aprender com históriasde outros e outras e, sobretudo, na experiência do encontro da minhahistória com a história do outro e da outra:

As pessoas só se educam pela necessidade, cumplicidade e solidarieda-de, buscando compreender humanitariamente o mundo para nele poderintervir, o que nos faz descobrir que nesse processo não há educadores eeducandos, pois todos somos educandos-mestres-trabalhadores (MA-RIA DO CARMO CANANI, Memorial Formativo, Curso em PROEJA-UFRGS, dez., 2006).

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Não somente ela, mas Maria do Carmo ratifica a significância des-te texto, quando denomina seus protagonistas de “educandos-mestres-trabalhadores”. Isso faz sentido e possui valor ímpar sobre o olharsensível do qual nos fala o PROEJA, trazendo a esperança fundante quepermeia os profícuos campos da escola, que afetam sempre as vidas -vidas humanas. Somos história! Somos a história que compartilhamosno passado, os lugares por onde passamos, as pessoas com as quaisconversamos, tocamos e que, no inseparável ontem e o hoje, nos tocamsempre. É mais ou menos assim que as experiências vividas encarnam eentrelaçam o presente. Experiências, essas, formadoras de histórias, desentido, de linguagens e significados que vão edificando, ao longo dotempo, as histórias de todas as gentes. O que conta, no final, é o quefica... E, certamente, TUDO FICA...

Creio que haja ainda muitas coisas a dizer, a contar... “Coisas” queestão por dentro de tantas outras. Assim, não concluo, antes, sinalizo ocomeço de novas perspectivas. Pois, na maioria das vezes, ao términode uma “empreitada”, se cumprimos com parte dos afazeres (pergun-tas), temos, na contrapartida, ainda uma longa jornada de inquietudes(respostas). Então, se, de acordo com o Documento-base PROEJA, oque se “pretende é a formação humana”, creio que os desafios que hojeembrenham a educação e o trabalho demandam outros olhares para aeducação de jovens e adultos. A perspectiva do PROEJA está “ancora-da” na sensibilidade dos sujeitos que o compõem: educadores e educandos.Faz alusão à possibilidade de perceber a vida humana como histórica e,portanto, uma relação dialética entre pretérito, presente e futuro. Natentativa de compreender velhos problemas e no encontro de novas sa-ídas, educadores e educadoras, ao abrirem suas janelas para dentro epara fora, poderão, na rememoração, construir um canal mediador noconhecimento de si, para si mesmos e na inter-relação com o outro e aoutra, sobretudo, no olhar alargado para jovens e adultos na atividade dotrabalho e não-trabalho. Se na contemplação da trajetória pregressa eno exercício da atividade docente produzimos história, desejo aquiesperançar que a reflexão crítica sobre esse processo poderá forneceros elementos necessários para novos projetos na educação/formação dejovens e adultos, produzindo novos conhecimentos, novas perspectivaspessoais, profissionais e sociais, e, por que não dizer, novas e boas histó-rias. À medida que as “quatro paredes” se rompem, há a permissividadede que os sujeitos vivam a experiência subjetiva do encontro em suasraízes e especificidades. Se somarmos as nossas tarefas e as “dramáti-cas do uso de si”, como diria Schwartz (2003), com as “dramáticas” dos

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outros, o trabalho na educação terá sabor e cheiro de legitimidade e desensibilidade, pois estará imbuído de corporeidade e humanidade históri-ca. O que faz um educador exercer sua docência são suas origens, suashistórias, seus saberes, mas, principalmente, o que faz na difusão dessessaberes no exercício do ensinar/aprender, que envolve sempre ativida-des humanas.

Referências

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O Fazer Pedagógico no PROEJA doCentro Federal de Educação

Tecnológica de Bento Gonçalves

Maria Teresinha Kaefer e Silva1

Simone Valdete dos Santos2

Introdução

Com data de 13 de julho de 2006, sob o número 5.840, veio paramovimentar a esfera das escolas públicas federais e para muitos comoum “Tisuname” o decreto que institui o PROEJA - Programa Nacionalde Integração da Educação Profissional com a Educação Básica naModalidade de Educação de Jovens e Adultos. Com abrangência no quetange à formação continuada de trabalhadores, educação profissionaltécnica de nível médio. Os cursos têm o objetivo de elevar a escolarida-de dos trabalhadores, bem como a profissionalização dos mesmos, pro-porcionando a sistematização dos conhecimentos adquiridos até então.

Este artigo refere-se ao processo de implantação do PROEJA noCentro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves (CEFET-BG), a luz da obra de Paulo Freire, descrevendo uma proposta de forma-ção inicial e continuada dos educadores, embutido nela pressupostosmetodológicos e de avaliação. Para isso foram utilizadas entrevistas comcinco dos dez educadores que compunham o grupo de docentes, bemcomo os registros sistematizados dos momentos de formação. Espaço

1 Professora da rede estadual de Ensino do RS, atualmente diretora do Neejacp (Núcleoestadual de educação de Jovens e Adultos e Cultura Popular) Metamorfose de Bento Gonçal-ves. Concluinte da turma de Especialização do PROEJA de Bento Gonçalves.2 Orientadora do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Educação ProfissionalTécnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens eAdultos de Maria Teresinha Kaefer e Silva o qual originou o presente artigo. Dra em Educação

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de pesquisa que descrevo e analiso, sendo que fiz parte deste processocomo pesquisadora e assessora do grupo de docentes do PROEJA doCEFET-BG, por aproximadamente 11 meses.

O PROEJA veio de fato, para ser uma mola propulsora de mudan-ças no sistema educacional vigente em nosso país, especialmente naformação profissional dos trabalhadores. Certamente é necessário quese reveja à importância da relação professor-aluno na construção deuma prática educativa humanizadora, calcada na possibilidade de mu-dança das relações de poder.

Nesta direção que o PROEJA é um espaço esperançoso de sedu-ção de educandos e educadores. Jaime Zitkoski em seu artigo FREIREE A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA (2006, p.1-2) nos diz que:

[...] Esperança, não é espera vazia, mas uma paciência impaciente que sótem sentido na luta por um mundo melhor, mais humanizado e possível devivermos juntos às diferenças, mas com dignidade para todos. A educaçãoé desafiada a trabalhar a esperança na emancipação social, revendoparadigmas que já não têm potencial explicativo da realidade e/ou mos-tram-se limitados diante da complexidade do nosso mundo atual [...]

O PROEJA no CEFET- BG

Mesmo vindo esta mudança por decreto, seguramente está pauta-da nos princípios de universalização à educação, numa concepçãohumanista de ser humano, trabalho e sociedade, na garantia do resgatedo sujeito como ser de direito, em uma rede de Educação que não ofere-cia Educação de Jovens e Adultos, como é o caso da Rede Federal deEducação Básica. O Documento Base do PROEJA deixa muito claroessa idéia quando diz que:

Esta política precisa ser gestada na sociedade e o que se aponta é a neces-sidade de o Estado como poder político que se exerce em nome de umanação responsável pela garantia dos direitos fundamentais assumir o co-mando e a responsabilidade deste processo diante das disputas pelahegemonia, da concentração de poder econômico e político e dos efeitosda globalização (Proeja, 2006, p.30).

Um dos momentos de atração entre o programa – PROEJA e oseducadores do CEFET-BG, foi a composição em primeira instância deum grupo de estudo de docentes para a construção da proposta pedagó-gica do curso deste Estabelecimento de Ensino.

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Foi oferecida ocasião de discussão via SETEC-MEC, entre os dife-rentes CEFETs, encontros de gestores em outubro de 2005.Aconteceramencontros locais com o grupo de professores, para estudo do documentobase, com alto grau de encantamento desses envolvidos.Outro momentofoi o da escrita da proposta pedagógica do CEFET - BG, neste processotodo, teve troca de experiências com escolas estaduais, municipais para“ouvir” metodologicamente os caminhos trilhados por cada uma, contribu-indo na construção do PROEJA desta instituição.Entre as instituições queparticiparam da socialização estavam Escola Municipais: Anselmo LuigiPicolli, Princesa Isabel, (representados pela SMED), o Neejacp Metamor-fose (Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos). Certamenteesses foram momentos decisivos para a implantação do PROEJA noCEFET-BG, os educadores puderam visualizar a EJA de diferentes ma-neiras, com diferentes concepções. Cada uma das instituições que apre-sentaram, deu ênfase à metodologia, à avaliação, cada qual dentro do seuprocesso de construção política pedagógica da escola.

Houve momentos de muita angústia, muitos questionamentos. Umdos principais pontos foi o diferencial do ensino profissionalizante, asindagações de como seria feita essa integração entre as disciplinas daformação geral e aquelas que se enquadrariam dentro da questãoprofissionalizante. Para entender esse processo de totalidade dentro deum curso com formação geral e profissional é necessário dar-se contaque pode haver um equilíbrio na nossa mundanidade e isso se pode re-portar para a concepção de PROEJA e seu processo de integração: “Aformação enquanto reflexão crítica intervém para indicar o sentimentoque se quer imprimir ao processo educativo” (Feil, 1997.p.14).

Certamente a dicotomia existente entre o conceito de formação inte-grada vem da falta de articulação do Ensino Médio como conhecimentogeral e do profissionalizante como conhecimento restritamente técnico.Marise Ramos em seu artigo “Possibilidades e Desafios na Organizaçãodo Currículo Integrado”, 2005 p.106 nos mostra que isso não é privilégiode um ou de outro Estabelecimento de Educação, é histórico “Um projetode ensino médio integrado ao ensino técnico [...] deve buscar superar ohistórico conflito existente em torno do papel da escola, de formar para acidadania ou para o trabalho produtivo e, assim, o dilema de um currículovoltado para as humanidades ou para a ciência e tecnologia”.

A história do Ensino Médio integrado e suas controvérsias têm res-pingos no PROEJA, visto que a concepção dos educadores é oposta ade que a integração deve favorecer segundo Saviani, (1989), o domíniodos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o

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processo de trabalho produtivo moderno ,dando completude um ao outro,não como partes estanques que compõem um mesmo certificado.

Seguindo a linha de reflexão de Frigotto (2005) é preciso rever osaspectos que dizem respeito ao trabalho como meramente uma açãomecânica, na qual o planejamento fica para alguns e a realização dastarefas para outros. Precisamos superar essa dicotomia, trazendo paradentro dos currículos escolares a compreensão do trabalho como espaçoeducativo, redefinindo as relações entre conteúdo e conhecimento.

Nesta concepção é necessário ter claro, o trabalho como princípioeducativo, buscando espaços para qualificar as relações no mundo dotrabalho. Para isso precisamos nos convencer que o educando tem deser visto na sua totalidade de sujeito, só assim a educação terá seu cará-ter de totalidade social. Então o que é integrar? Segundo Gramsci, apudFRIGOTTO p.84,2005:

(...) Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo,no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/ trabalho intelectual,de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar tra-balhadores, capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.

Era visível a preocupação dos educadores do CEFET - BG emrelação ao que ensinar como ensinar e quem eram os sujeitos. Conside-rando que os educandos do CEFET-BG sempre foram sujeitos que vie-ram em busca do Ensino Técnico, advindos de escolas regulares, adoles-centes para os cursos concomitantes e jovens para o subseqüente. Tam-bém cabe ressaltar, que a maioria do corpo docente da instituição é pro-fissional com formação técnica, com uma visão mais conteudista.

Aparece claro na fala dos educadores quando da excessiva preo-cupação com o conteúdo (que seja igual ou o mais próximo possível dosoutros cursos), em nome da preparação para o vestibular, da qualidade eda preservação do nome da instituição no rol das melhores escolas(elitização da educação), sempre voltado para o vestibular, ou seja, asupervalorização do saber científico. “Refiro-me aos interesses políticose ideológicos que estruturam a natureza do discurso e das relações soci-ais em sala de aula” (Giroux, 1997,p.162).

Com isso é importante que se esclareça a centralidade da ênfasecurricular do PROEJA a qual não corresponde à mera aquisição de co-nhecimentos e, tampouco, uma menor “profundidade” ou uma aborda-gem resumida. O currículo do PROEJA agrega um caráter desafiador,esperançoso e de real importância para aqueles trabalhadores a serem“atingidos” por ele.

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A ressalva ao modelo tradicional de currículo, vem da preocupaçãopara quem está sendo direcionando o PROEJA, e o cuidado necessáriocom a evasão desses trabalhadores. A mediação exata entre o que sequer como educador e o que os educandos querem como sujeitos doprocesso. É possível trabalhar conteúdos científicos, como, por exemplo:elementos da tabela Periódica relacionando-os com a prática do traba-lhador da metalúrgica, podendo haver uma integração entre a apropria-ção histórica social à formação científico-tecnológica do processo.

(...) capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultu-ral e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética ecompetente, técnica e politicamente, visando à transformação da socieda-de em função dos interesses sociais e coletivos especialmente os da clas-se trabalhadora. (Documento base do PROEJA, 2006, p.33)

Buscando o comprometimento dos envolvidos, desenhou-se um tra-balho de formação continuada voltada para ação-reflexão-ação, numconjunto de discussões, embasamentos, teorização da prática, garantin-do a interlocução entre todos os sujeitos desse processo. O objetivo prin-cipal da formação inicial e continuada era a de instrumentalizar os edu-cadores do PROEJA, em relação à importância de um trabalho integra-do, interdisciplinar, visualizando o currículo, a metodologia e a avaliaçãocomo partes do processo de ensino – aprendizagem.

Foi com o intuito de comprometimento com o programa que inicial-mente foi oferecido aos educadores uma formação inicial com aproxi-madamente 40 horas, na qual foi trabalhada especificamente a concep-ção de EJA na perspectiva humanizadora, respeitando a diversidade só-cio cultural, de valores, de gênero, etnia, de idades, assim como o com-passo da aprendizagem de cada um e cada uma,considerando as experi-ências do mundo do trabalho. Não esquecendo as exigências do merca-do de trabalho, dos encargos familiares, aliás, lembrando que até então,estas pessoas sobreviveram de algum modo, sustentaram suas famíliasantes de adentrar a escola, especificamente a EJA. Por isso a importân-cia de não somente oferecer acesso, mas garantir a permanência dessessujeitos e um ensino de qualidade.

Nesta seqüência de temas, trabalhou-se com a idéia básica do quevenha ser conhecimento, partindo da construção da leitura e da escritana articulação dos saberes construídos no exercício da cidadania para ainserção no mundo do trabalho. Segundo Paulo Freire (1996, p. 32) “Nãohá ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. [...] Ensino porque bus-co, porque indaguei, porque indago e me indago [...]”. Pesquiso para

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constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo.”O Proejaestava posto como um desafio para esses educadores, exigindo que cadaum repensasse, pesquisasse e estudasse sua prática docente. “Por outrolado, estes sujeitos tornavam-se ainda mais agentes na construção doprocesso de ensino-aprendizagem, onde nada pode ser feito sem com-prometimento e envolvimento.

Um dos pontos interessantes trabalhados na formação inicial foi àquestão do currículo: concepção de currículo; o currículo que se têm osruídos-nós3, Currículo que se quer; (currículo que seja coerente comnossa proposta de Educação). Como o próprio documento do Proeja(2006, p.36) diz: “na busca de priorizar a integração, os maiores esforçosconcentram-se em buscar caracterizar a forma integrada, que se traduzpor um Currículo integrado”. (...) Trabalhar os conteúdos estabelecendoconexões com a realidade do educando, tornando-o mais participativo:(2006 p.47). Uma concepção crítica, reflexiva, dialógica, que seja capazde problematizar a realidade, numa relação entre teoria e prática, quecontemple o conteúdo programático, numa abordageminterdisciplinar.Ressalto com isso a função qualificadora que vem aoencontro de um currículo voltado para a “gentetude” (expressão freiriana)do sujeito. Conforme o Parecer CNE/CEB 11/00:

(...) A função qualificadora é também um apelo para as instituições deensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didáticoque seja permanente enquanto processo mutável na variabilidade de con-teúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos dacomunicação.

O processo seguiu-se fortalecido com a idéia da formação de con-ceitos como cidadania, autonomia, transcendência e muitos outros quenorteariam os pressupostos metodológicos e de avaliação para o cursotodo, sendo construído os Planos de Trabalho de cada disciplina.

No Documento base do PROEJA, (p.48,2006), já se desenhavaesta linha de ação:

A abordagem por meio de esquemas conceituais: Foco em conceitosamplos,conceitos escolhidos que mantêm conexão com várias ciências,cada conceito é desenvolvido em diversos contextos,cada conceito é en-riquecido pelas diversas contextualizações.

3 Nós e ruídos: são as tensões provocadas pelo currículo escolar em não atender as necessida-des dos educandos e as exigências do mundo do trabalho, de maneira integrada, que possa efetivamente contribuir no desenvolvimento integral dos sujeitos.

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Após o embalo da formação inicial, houve uma imensa indagação doseducadores em relação às contradições que eles apontaram como: a belezadas palavras de uma educação diferente e a frieza da realidade do mercadode trabalho, que cobra dos sujeitos resultados positivos (de acordo com avisão mercantilista de sociedade), e que está aí, como à questão do vestibu-lar, a competitividade no trabalho, entre tantos outros argumentos.

Sabe-se da importância de trabalhar as contradições existentes numgrupo, do conflito para superação dialética, que segundo Feil (1997) ve-nha desencadear numa militância social. Essas contradições aparecemmuito fortes no grupo de educadores do CEFET-BG, quando doquestionamento da validade da metodologia, baseada nos princípios deuma educação para a construção da autonomia dos sujeitos, parecia queentão, não se dava mais conteúdos, que o rigor científico ficaria de lado.“Quanto mais metodicamente e rigoroso me torno na minha busca e naminha docência, tanto mais alegre me sinto e esperançoso também”(Freire, 1996, p.160).

Com todos esses acontecimentos, iniciou-se as aulas com o grupode educadores, fazendo-se necessário então a formação continuada,acontecendo no princípio semanalmente, na sexta-feira à tarde. O grupoera constituído por professores contratados na sua maioria e algunsconcursados. Nem sempre contava com a participação e o compromis-so de todos os educadores, por motivos diversos. Essa constatação en-contra-se na fala de uma educadora entrevistada, quando questionadaem relação à participação do grupo nas formações: “Houve uma partici-pação parcial, existe diferença entre gostar da idéia e a de acreditar, secomprometer com o processo”.

A formação era um espaço de garantia para socialização dasexperiências vividas, planejamento coletivo, assim como a sustentaçãodo grupo. Tivemos grandes momentos de embate, discussões e muitasconstruções. A maior delas, creio que foi a mudança de concepção quepude perceber em alguns educadores do grupo, a qual baseava-senuma [...]dicotomia entre homens-mundo.Homens simplesmente nomundo e não com o mundo e com os outros.Homens espectadores enão recriadores.(Freire,1987,p.62), para uma concepção de “uma edu-cação emancipatória a qual não dicotomiza as dimensões técnica epolítica”(Mello,2005,p.20), mas traz para dentro da escola, do currícu-lo e do processo a intencionalidade da participação efetiva dos sujeitosenvolvidos, trabalhando numa relação dialética entre os sujeitos , aproblematização, as possíveis soluções, enfim valorizando o processocomo tal.

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Um dos pontos discutido, pesquisado e construído coletivamentefoi à metodologia, tendo como pressuposto básico, a busca de informaçõesda vida, do cotidiano do educando e da comunidade, através dos relatospesquisas, observações, escutas densas das falas dos educandos, estandoos conteúdos das diferentes áreas a serviço da construção do conheci-mento. O mestre Paulo Freire já alertava para essa metodologia “[...] Oeducador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso,às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele”. (1996, pág. 128)

Seguindo essa linha de raciocínio e de ação, que se pautou pelametodologia da Pesquisa Participante, e do Tema Gerador – via RedeTemática. Brandão (1999, p.52) “Não existe um modelo único de “pesqui-sa participante”, pois se trata, na verdade, de adequar em cada caso oprocesso às condições particulares de cada situação concreta, (os recur-sos, as limitações, o contexto sociopolítico, os objetivos perseguidos, etc.).”

O trabalho da Pesquisa iniciou-se com a elaboração de questioná-rio e coleta de dados estatísticos quanto à renda, escolaridade e outros,para identificar a demanda do PROEJA. Esses dados serviram paratrabalhar uma estreita relação entre a fala, a escuta densa, e a interven-ção a ser feita na sala de aula desdobrada nos conceitos e nos conteúdosdados no decorrer da etapa.

Neste contexto selecionaram-se falas significativas, sendo estuda-das cada uma delas, trazendo para o contexto a visão da comunidade (detodos os educandos do PROEJA) e do educador e os elementos da es-trutura que perpassavam as falas. Investigando também seu valor des-critivo, analítico e propositivo. Retirando das falas significativas aquelaque mais gerou discussão, que fosse capaz de envolver todas as outras,para além do valor semântico “o processo de leitura crítica da visão demundo, expressa através das falas da comunidade, revela não apenas ovalor semântico da linguagem, mas seu significado enquanto signo ideo-lógico” (Mello, 2002 p.45). Falas que expressassem as diferentes visõesde mundo, que representassem “situações – limites” as contradições aserem superadas.

Acredito que uma metodologia séria sob ponto de vista da partici-pação e construção coletiva, passa por questões ideológicas, por quesomos seres essencialmente políticos, estamos a favor de algo ou contraalgo, assim é na escolha metodológica. “Como nos programas de educa-ção popular trata-se de superar a limitação da opção metodológica, sus-tentando que esta encontra sua justificativa na opção ideológica”. Isso écorreto desde que não haja desvinculação entre as duas opções.“(Brandão 1999,172)”.

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A Construção do Tema gerador via redetemática com os educadores do CEFET BG / AFormação continuada dos educadores doCEFET BG

Nas formações seguintes continuou-se com a organização do Temagerador e da rede temática. Paulo Freire (1 970, p.98), no seu livro Pe-dagogia do Oprimido, diz que “investigar o tema gerador é investigar,repitamos o pensar dos homens referido à realidade, investigar seu atuarsobre a realidade, que é sua práxis”.

Foram-se tecendo as ligações entre os elementos da pesquisa, aanálise das falas e suas inter-relações, formando assim a rede temática.Foi um período muito especial na construção da mesma (sua estruturação).Houve muitos embates na sua edificação, muitas discussões filosóficas,políticas e estruturais de como organizar uma rede, que refletisse de fatoe de direito os sujeitos do PROEJA do CEFET - BG, trabalhando nahorizontalidade, numa teia de relações onde tudo que nos rodeia (o saberda experiência feita, os saberes escolares e científicos) está ligado aocurrículo vivo. Naquele momento tornaram-se mais visíveis as concep-ções de mundo, educação e sociedade de cada educador e educadoraque constituía o grupo.

Antônio Fernando Gouvêa da Silva , 2002 p.22 afirma que:

“As redes temáticas atuam como referenciais pedagógicos para o resgateconstante do processo de análise realizado pela comunidade escolar.Construídas coletivamente, são utilizadas tanto na organização do progra-ma das diferentes disciplinas, quanto na preparação das atividades de salade aula (...)”.

Neste emaranhado de informações, algumas novas, outras nãomuito, outras ainda, desafiantes e provocadoras, ia-se pautando a For-mação de Professores do PROEJA – BG. Sempre com uma proposta deação-reflexão-ação, eram trazidos para as discussões os acontecimen-tos cotidianos de sala de aula, como estava o andamento da turma, orelacionamento, a aprendizagem, a inserção na escola desses sujeitos.Sempre de forma coletiva extraiam-se as ações a serem tomadas.

Também com esta leitura foi organizado o detalhamento4, com os

4 Detalhamento é a organização de atividades de forma interdisciplinar, que contempla osconteúdos de todas as disciplinas.O detalhamento é parte da rede temática e deve serconstruído no coletivo dos educadores.

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conteúdos e os conceitos que cada educador iria trabalhar na sua disci-plina, com nuances interdisciplinares no que se referia aos conteúdos eatividades ligadas à rede temática e as aplicadas em sala de aula. Osargumentos elencados acima são sustentados na fala do educadorpesquisado (S 4) “A observação e constatação de que a modalidade deEJA requer práticas pedagógicas diferenciadas, e que não basta transfe-rir a prática do ensino chamado regular foi construída a partir de longosdebates na formação. Isto resultou em uma integração maior entre asdisciplinas, tanta da área técnica, quanto da área da formação geral.”

Seguindo essa sistemática organizou-se o portifólio que é uma pas-ta, onde constam todos os trabalhos avaliativos dos educandos de todasas disciplinas, servindo de subsídios para o conselho de classe no qual éfeito os avanços e as permanências. Neste portifólio estão os conceitosatingidos expressos em uma ficha feita pelo coletivo dos educadores. Hátambém uma ficha de auto-avaliação (feita pelos educandos) dos con-ceitos trabalhados e a sua avaliação em relação ao desempenho de cadaum em todas as disciplinas.

Uma breve conclusão

A formação em serviço é ponto fundamental na solidificação daproposta do PROEJA .È nela que o coletivo planeja,reflete sobre ametodologia escolhida, neste caso da pesquisa participante, tema gera-dor via rede temática, discute sobre aspectos pontuais de cadasujeito,enfim, constrói e reconstrói diariamente o cotidiano do Proeja numaperspectiva de ação-reflexão –ação.

Certamente a fala dos educadores pesquisados não deixa dúvidaem relação à importância da formação continuada no PROEJA:

“A formação desenvolvida no CEFET—BG fez aflorar sensibilidades queaté então não estavam expostas em nosso quadro docente, ou pelo me-nos, provocou uma atitude que, inclusive refletiu na prática docente dopróprio ensino chamado regular” (S 4).

“-[...] Foi significativa, embora tenhamos deficiência no trabalho coletivo,já conseguimos fazer uma avaliação da postura docente, o que temos quemelhorar. Na própria questão teórica, pontos de vistas diferentes, na rela-ção de proximidade com colegas.” (S 1)

“Estimula a maior humanização no processo de ensino e aprendizagem’ (S2)”.

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Mais ainda, é indispensável que o PROEJA se torne uma PolíticaPública de fato, que haja uma relação de intimidade entre os educadorese a boniteza da Educação de Jovens e adultos.

Não há receitas prontas de como fazer educação. O que existecomo afirma Paulo Freire é a certeza de nosso inacabamento: (1996,pág. 55) “Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a maneiraradical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabadoe consciente do inacabamento. [...] Onde há vida há inacabamento”. Aeducação não é algo estático, acompanha a movimentação do mundo.Não se deve esquecer assim de seu caráter questionador e pesquisadoro que denota um posicionamento político perante os acontecimentos.

Deixo um importante registro do educador pesquisado (Sujeito 4),referindo-se a formação do PROEJA do CEFET-BG:

“Enfim, a formação periódica e sistemática resultou na oxigenação do pro-cesso pedagógico na equipe que atuou e atua no Proeja CEFET-BG. É claroque temos muitos desafios pela frente, pois a educação é um processodinâmico e vivo, portanto, os professores têm que acompanhar este ricoprocesso de construção e troca de conhecimentos.” (S 4)

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POSSIBILIDADES E PERSPECTIVAS:construindo saberes e

encontrando caminhos para aformação continuada de

professores no PROEJA

Valéria Catarina Marcos Gomes1

Simone Valdete dos Santos2

Introdução

Este artigo é parte integrante da minha monografia intitulada DOCEREJA PARA O PROEJA: Desafios de uma Política de FormaçãoContinuada de Professores3 realizada na especialização Educação Pro-fissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalida-de de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), tendo como cenário depesquisa o Centro Regional de Educação de Jovens e Adultos (CEREJA)Prefeito José Linck, escola integrante da rede municipal de Gravataí.

O presente artigo busca refletir sobre estratégias para a política deformação continuada de professores, que tem como desafio atender ademanda da educação profissional integrada à educação básica na mo-dalidade de educação de jovens e adultos. Assim, o objetivo deste estudoé discutir a necessidade de construir uma política de formação continua-da, buscando o aprender a ser educador de jovens e adultos, a conheceresta modalidade de ensino, convivendo com as especificidades da EJA

1 Graduada em Pedagogia com Especialização em Psicopedagogia e em Educação ProfissionalTécnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens eAdultos, professora da rede municipal de Gravataí.2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão deCurso da autora deste artigo. Dra. em Educação.3 A monografia descreve uma série de experiências pedagógicas exitosas ocorridas no CERE-JA José Linck, as quais corroboram com outras experiências de EJA.

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num fazer crítico e reflexivo no cotidiano da ação educativaressignificando, dessa forma, a própria prática na construção de um cam-po de sensibilidades que dê sentido ao ser professor do PROEJA.

A metodologia que sugiro para esse processo de formação conti-nuada dos educadores do PROEJA opta pela construção do conheci-mento instrumentalizado pela pesquisa científica, estruturando-se atra-vés de projetos de trabalhos interdisciplinares, por entender que estadinâmica vem ao encontro do conhecimento articulado às exigênciasfundamentais da vida, do trabalho e da evolução do ser humano.

Para realização da pesquisa foram ouvidas várias professoras doCEREJA, através da técnica de entrevistas, as quais representam idéiase posturas determinantes no conjunto dos professores, a análise destasentrevistas compôs um arcabouço de questões sobre o processo de for-mação dos professores em EJA explicitados no presente artigo.

As propostas curriculares do ensino de adultos apresentam comorequisitos básicos: metodologia própria, flexibilidade, integração e funcio-nalidade em sua organização, criando espaços nos quais estes estudantespossam, efetivamente, exercitar o seu direito de cidadão. Propostas, estas,que atendam aos interesses dos jovens e adultos, resgatando o conheci-mento prévio, fazendo-os participantes nos processos de investigação, naresolução de problemas, na construção do conhecimento, de forma a res-ponder às necessidades da vida, do trabalho e da participação social.

Neste sentido, o currículo do PROEJA pode ser pensado comouma ampla rede de significações cuja finalidade é resgatar a inteireza doser e do saber. Para tanto, se faz necessário optar por uma propostainterdisciplinar com vistas à transdisciplinaridade, estabelecendo uma redede saberes, rompendo com a linearidade e a fragmentação, buscandouma relação de reciprocidade, de diálogo constante entre as várias ciên-cias numa perspectiva consciente e crítica.

A partir da minha experiência com trabalho por projetosinterdisciplinares4, percebo que as discussões, propostas através destes,resgatam o estudo da realidade, sua amplitude, a natureza multidisciplinardos problemas, das questões e dos saberes gerados na vida, no trabalhoe na prática social.

4 Sou coordenadora pedagógica no CEREJA Prefeito José Linck em Gravataí desde 2005, oCEREJA privilegia abordagem interdisciplinar num currículo organizado por áreas de conhe-cimento e oficinas culturais, pedagógicas e de geração de trabalho e renda. A metodologiautiliza-se da investigação, contribuindo para a problematização da prática vivida pelo grupo.Através da pesquisa busca-se captar a rede de relações que atravessa a comunidade, os proble-mas que a desafiam e as percepções que a mesma possui de sua própria situação e possibilida-des de mudança. O fazer pedagógico se dá através de projetos de trabalho, desencadeados apartir de temáticas elencadas coletivamente por alunos e professores em assembléia geral.

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Nesse sentido, justifico a construção de uma proposta de formaçãocontinuada para os educadores do PROEJA no desafio que está sendoproposto a este professor ao atuar na educação profissional integrada aeducação básica na modalidade EJA. Que por seu diferencial, necessitade uma formação com características pedagógicas e epistemológicaspróprias. Estruturada em torno de conhecimentos, de espírito de investi-gação, de qualificação, de ética, de desafio, de abertura ao novo, aodesconhecido e a transformação.

Possibilidades e Perspectivas

Por abranger um campo peculiar de conhecimento, o PROEJAaponta o desafio da construção de uma política específica para a forma-ção continuada de professores. Entendo que a formação docente é umadas estratégias fundamentais para se mergulhar no universo das ques-tões que compõem a realidade dos sujeitos envolvidos em programas deeducação profissional integrados à educação básica na modalidade deeducação de jovens e adultos, de modo a investigar as diferentes formasde ser, de saber, de conhecer e de fazer dos educandos jovens e adultos,tendo em vista compreender lógicas e processos de sua aprendizagemno ambiente escolar.

O século XXI vem sendo chamado por muitos pesquisadores comoo século do conhecimento e da informação e, por esta razão, é precisoentender que o conhecimento é algo que não tem fim em si mesmo.Assim, podemos dizer que o desafio é aprender a aprender, enquanto umprocesso permanente a ser desenvolvido ao longo de toda a vida.

Este aprender a aprender pode ser mais detalhadamente compre-endido quando analisamos o Relatório Internacional sobre a Educaçãoda Unesco que apresenta quatro pilares fundamentais para a aprendiza-gem: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e apren-der a conviver (DELORS, 2003). Desenvolvimentos próprios do pro-cesso de formação continuada docente.

O aprender a ser compõe uma exigência na profissão docente,pois é a busca de si mesmo, e tem a ver com um dos pontos trabalhadospor Nóvoa (1995) ao se referir ao desenvolvimento pessoal e a buscaconstante da identidade docente. Quando aprendemos a ser, nos torna-mos mais tolerantes e mais humanos.

O aprender a conhecer é adquirir os instrumentos do conheci-mento que permitam a compreensão e a leitura do mundo, entendido

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como um processo contínuo. Conhecer é buscar, é pesquisar, é atuali-zar-se, é investigar.

O aprender a fazer e agir sobre o meio, melhorando-o, na medi-da em que se colocam em prática os conhecimentos construídos. O sa-ber fazer compõe um domínio de um saber articulado com a práticapedagógica que é possível de ocorrer, na medida em que o docente fazaquilo que sabe, que domina e que conhece.

O aprender a conviver implica na construção de relações sociais ede trabalho, pois, só se aprende a conviver convivendo. A descoberta dooutro, o trabalho cooperativo, a participação em projetos dialogicamenteconstruídos, exige do profissional e dos espaços de formação continuada.

Diante deste quadro percebe-se que é indispensável ao professorestar em constante processo de formação, com um projeto articuladoque permita o seu desenvolvimento profissional. Esse projeto precisarefletir suas necessidades e expectativas e pode ter como espaço deformação a própria escola. Assim, a formação continuada contribuirápara o desenvolvimento profissional do educador, como uma oportunida-de de crescimento pessoal e profissional. E, será pensada, e, executadano lócus do processo ensino-aprendizagem, ressignificando seu fazerpedagógico (KULLOK, 2004).

Num projeto pedagógico consistente, claro, aberto e de acordo coma realidade dos estudantes do PROEJA, as questões referentes a edu-cação e ao trabalho precisam ser percebidas como espaço de formaçãohumana e profissional, concebendo o trabalho como uma prática social eum direito para o exercício da cidadania, na construção de novas rela-ções entre os sujeitos e o mundo.

Sendo assim, o que proporciona um processo de formação continuadacondizente com as necessidades do educador que trabalha com a educaçãoprofissional integrada à educação básica na modalidade de educação dejovens e adultos é a concepção que permeia a ação formadora, reconhecen-do a história profissional, sócio-cultural, e individual destes educandos comoelementos fundamentais na reflexão da prática pedagógica.

Conforme Gutierrez (1988) a integração entre educação e traba-lho aponta para um processo transformador tanto do próprio estudante-trabalhador, como da estrutura social na qual se desenvolve. Esse trazconsigo a transformação da própria escola.

Nesse sentido, ressignificar o conhecimento que lhe é pertinente,mediante a especificidade do aluno atendido no PROEJA é uma apren-dizagem de especial significado para o educador durante o processo deformação continuada. Esta compreensão está ligada à concepção

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metodológica que norteia o fazer pedagógico deste docente, a qual pode-rá ser problematizada na prática do diálogo e na valorização dos saberesindividuais e coletivos. Integrando trabalho, ciência, técnica, tecnologia,humanismo e cultura.

Assim, o aprender a ser educador do PROEJA encontra na forma-ção continuada um espaço de construção que se constitui, em espaço deação e reflexão sobre o fazer pedagógico. Pois, como afirma Freire (1996,p.43) “o momento fundamental na formação permanente dos professo-res é o da reflexão crítica sobre a prática”.

O processo de formação continuada é considerado como um espa-ço de construção e de investigação que tem por objetivo o estudo sobreos saberes dos professores e os seus diferentes processos de constru-ção do conhecimento. Estes estudos se realizam pela reflexão sobre aação (ZEICHNER, 1993) ou sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 2000).

Dessa forma, é conveniente planejarmos a formação continuada deprofessores, com momentos sistemáticos que acompanhem tanto à ação esistematização dos saberes e fazeres, quanto à reflexão, destes, na açãopedagógica, de forma que gere um ambiente que privilegie o triplo movi-mento conhecer-na-ação, reflexão-na-ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação (SCHÖN,2000). Processos que se completam entre si, na forma-ção do educador reflexivo e na construção de um campo de sensibilidades.

Ao repensar o processo de formação continuada as referênciastrazidas por Schön (2000), sobre o triplo movimento citado a cima, sãofundamentais. Assim, a compreensão do professor como um profissionalreflexivo ganha sentido na medida em que ele é visto como um pesquisa-dor de sua ação. Compreendendo de forma crítica a complexidade,assume o compromisso com o avanço do conhecimento e procura umaimersão consciente no mundo da experiência.

Como nos traz Lopes (2004) na formação continuada do educadorde jovens e adultos, busca-se compreender a especificidade dessa mo-dalidade de ensino profissional integrado à educação básica. Como pos-sibilidade de aprender ao longo da vida numa perspectiva consciente ecrítica, refletindo sobre e na ação, com base em aprendizagens funda-mentais, tais como: o aprender a ser, o aprender a conhecer, o aprendera conviver e o aprender a fazer.

Nesse caso, o aprender a ser educador de jovens e adultos, o apren-der a conhecer e a conviver com as especificidades desta modalidade eo aprender a fazer, crítico e reflexivo, no cotidiano da ação pedagógicatornam-se fundamentais na construção de um campo de sensibilidadesao educador do PROEJA.

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Na composição de um Campo deSensibilidades

Possibilitar a formação do educador com base na construção deum campo de sensibilidades corresponde a um processo permanente deformação continuada, percebido como espaço de reflexão, construção esistematização de saberes. Ter clareza e identificar a especificidade daEJA proporcionará a esse educador maiores condições de ação-refle-xão-ação e intervenção sócio-histórica e política.

A construção de um campo de sensibilidades possibilitará ao edu-cador perceber-se em permanente processo de aprendizagem e cons-trução de saberes, buscando a compreensão de caminhos que valorizema educação como um bem humano. Este campo é possível de ser vis-lumbrado por diferentes perspectivas:

. a profundidade e complexidade da sua área de conhecimento relaciona-da às demais;

. a compreensão do processo ensino-aprendizagem dos estudantes jo-vens e adultos nas suas diferenças;

. o compartilhamento das experiências;

. a educação profissional como estratégia para o desenvolvimento e in-clusão social;

. a pesquisa como um processo educativo enquanto fio condutor e ele-mento articulador dos demais componentes curriculares, visando uma for-ma de integração da teoria e da prática;

. o cultivo das relações democráticas com os segmentos da comunidadeescolar;

. o compromisso político como trabalhador da educação;

. a reflexão constante sobre a prática;

. a construção coletiva de um saber crítico transformador, articulado coma construção da proposta da escola.

Segundo Arroyo (2002, p.42) nossa auto-imagem se constrói a cadadia, com possibilidades inclusive para nós. Para o autor, sujeitos em for-mação são “pessoas que tem direito ao conhecimento, e também aosentimento, à emoção e à amizade, aos valores e ao convívio com seuspares”. Assim a formação continuada pode se dar de forma concomitanteao desenvolvimento pessoal e humano, contribuindo na formação de pro-fissionais mais sensíveis às demandas da Educação de Jovens e Adultos.

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A natureza do PROEJA vislumbra metodologias participativas elaboratoriais, que permitam vivenciar e atuar de modo teórico-prático, fa-zendo interagir as concepções da experiência pedagógica de cada profes-sor, que são significadas e ressignificadas no diálogo com o campo conceituale prático. Propondo a integração entre trabalho, ciência, técnica, tecnologia,humanismo e cultura, contribuindo para o enriquecimento científico, cultu-ral, político e profissional dos sujeitos educadores, sustentando-se nos prin-cípios da interdisciplinaridade, contextualização e flexibilidade.

Assim, o processo de formação continuada pode proporcionar espa-ço para que os professores compreendam e aprendam uns com os outros,contribuindo para a problematização e produção do ato educativo. Nessesentido, a formação acontece num processo de troca de experiências epráticas, assim, a identidade profissional é construída a partir dos saberese significados atribuídos à docência, tanto no confronto entre a teoria e aprática como pelo significado que o professor atribui às mesmas, a partirde seus valores, do seu modo de situar-se no mundo, de suas representa-ções, de seus saberes, ou seja, do sentido que dá ao ser professor.

Como nos traz Vasconcelos (2003) a busca de sentido é algo queacompanha a pessoa o tempo todo, estando articulada às diferentes for-mas de relação e/ou intervenção no mundo. Na medida em que desafiao aluno a ter acesso à cultura, refletir, imaginar, criar, atribuir valor, criti-car e desenvolver consciência, o professor trabalha com a busca de umsentido digno para a existência e com o sentido que dá a sua profissão deeducador, construindo seu próprio campo de sensibilidade como educa-dor do PROEJA.

Para tanto é necessário garantir que a formação continuada propo-nha um espaço de reflexão, estudo, planejamento e discussão político-democrática, a partir das necessidades concretas dos docentes. Assimcomo, o resgate da identidade individual e coletiva, a cultura e a históriados educadores, para que se percebam como sujeitos numa coletividade,oportunizando a reflexão sobre o processo de construção e reconstruçãodo conhecimento contemplando o ser humano como um todo, num pro-cesso dialético entre o sujeito e o mundo.

É fundamental reconhecer o saber acumulado pela humanidadeatravés da superação do compartilhamento do conhecimento, vivenciandouma práxis libertadora, ação-reflexão-ação com os diversos segmentosdo processo educativo e problematizando o conhecimento como um prin-cípio sócio-histórico, entendido aqui como produto da construção históri-ca do ser humano, que se constrói e reconstrói a partir de sua interaçãocom o outro.

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Da mesma forma se faz indispensável a reflexão sobre a concep-ção de uma sociedade com maior justiça social, por meio de diferentesformas de pensar e atuar sobre a realidade e discutir as transformaçõesdo mundo do trabalho e as relações de produção. Bem como, analisar asdimensões e objetivos mais amplos do processo de ensino e aprendiza-gem, a partir das mudanças nos paradigmas da ciência e do conheci-mento, com vistas a colaborar para um efetivo diálogo entre os saberese abordar a pesquisa como um processo educativo e elemento articuladordas áreas de conhecimento, visando integração da teoria e da prática.

No PROEJA esta formação está prevista em 120 horas, com umaetapa prévia ao início do projeto de, no mínimo, 40 horas (BRASIL, 2006).Assim, a formação pode acontecer antes e durante o período de execu-ção das aulas, possibilitando a construção coletiva de projetosinterdisciplinares de trabalho. Considero fundamental que o estudo e areflexão sobre a prática aconteça de forma concomitante ao andamentodas aulas, pautada pela avaliação dos alunos, pois ao considerar as difi-culdades encontradas no exercício da docência, há espaço e tempo parao replanejar e o reorganizar as ações educativas.

A educação, assim, acontece na dialética entre teoria e prática,pois a consciência e o saber formam-se e se desenvolvem na interaçãodo ser humano com o conjunto de relações que fazem o mundo. A cons-trução do conhecimento acontece de modo privilegiado, quando é assu-mida uma prática metodológica capaz de mediar o diálogo e a interaçãodos educandos entre si e com a realidade, favorecendo a formação dopensamento crítico, a construção da ação e o sentido de exercer a cida-dania, comprometendo-se com a própria história.

Para que o docente possa construir experiências significativas de apren-dizagem, relacionando teoria e prática é preciso que a formação continuadaseja orientada por situações equivalentes de ensino e de aprendizagem. Assim,os professores são desafiados a experienciar situações educacionais que oslevam a refletir, experimentar e ousar, a partir dos conhecimentos e dascertezas que possuem. Para tanto, esses espaços precisam fundar-se naprática reflexiva, na exploração da criatividade e de habilidades de coopera-ção e trabalho em equipe, promovendo a construção de um campo de sensi-bilidades que dê sentido ao ser educador do PROEJA.

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Considerações Finais

As aprendizagens, verdadeiramente significativas, são aquelas queenvolvem o ser humano por inteiro, oportunizadas por um espaço derelações e inter-relações, num processo permanente a ser desenvolvidoao longo da vida. Acredito que o desenvolvimento desse processo seconstrói num ambiente de formação continuada, no qual as relações deconvivência possam proporcionar a construção de redes significativas eparcerias de trabalho e de vida.

Assim, os sujeitos envolvidos no processo formativo são percebi-dos nas suas múltiplas dimensões, respeitados nas suas diversidades e,ao mesmo tempo, compreendidos nas suas individualidades. Num proje-to de formação continuada que considere a educação profissional com-prometida com a formação de um trabalhador com autonomia intelectu-al, ética, política e humana, capaz de transformar a realidade na pers-pectiva da construção de um mundo mais justo e igualitário.

A educação de jovens e adultos como promessa de educação paratodos, a ser desenvolvida ao longo da vida, busca romper com a lógicavigente, no desafio de ressignificar os espaços e tempos educativos paraa compreensão crítica da realidade e a construção de uma novaracionalidade que pontue ações voltadas para a intervenção em políti-cas públicas de elevação da escolaridade e desenvolvimento profissio-nal. Desafio este, que pressupõe a essência da proposta educacional doPROEJA.

Diante deste desafio, se faz necessária uma política consistente deformação continuada de professores para o PROEJA, comprometidacom a aprendizagem destes sujeitos como atividade que passa necessa-riamente pelo caminho da compreensão e da significação. Aprender écompreender o significado, é entender o sentido do que está se apren-dendo, e, para que o aprender de fato se efetive, é fundamental que osujeito estabeleça relações com a estrutura de conhecimentos que jádispõe, para projetar novas aprendizagens a partir das interações sociaiscom seus partícipes.

Como Possibilidades e Perspectivas, esta formação continuada nosremete a pessoas, a profissionais em processo, a papéis dessas pessoas/profissionais, a processos e espaços educativos, a diferentes saberes.Remete-nos, ainda, a sistemas, a políticas, a necessidades, a disponibili-dades, a potencialidades, a recursos e a ação-reflexão, no entendimentode que há sempre uma dimensão pedagógica em todo o encontro entre

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pessoas, dentro do qual um momento de trocas de saberes, de imaginá-rios, de idéias ou valores é realizado. Momentos estes, que possibilitam aconstrução de um campo de sensibilidades ao educador do PROEJA.

Construindo Saberes, no desenvolvimento do processo do aprender edo ensinar é um dos aspectos fundamentais a ser desenvolvido no lócus dotrabalho educativo. Assim, é de suma importância que os educadores com-preendam que a aprendizagem supõe caminhos que ultrapassam a dimen-são intelectual/cognitiva e avançam na formação do ser humano pleno.

Encontrando Caminhos, através de práticas pedagógicas construídaspor professores reflexivos, críticos e investigadores da própria prática.Profissionais autônomos, que, coletivamente repensem a ação e avaliemo trabalho pedagógico, contribuindo para o desenvolvimento doseducandos jovens e adultos e para um fazer docente articulado a umprojeto de sociedade.

Ao concluir este artigo apresento uma proposta de formação conti-nuada para os docentes intitulada POSSIBILIDADES E PERSPECTI-VAS: construindo saberes e encontrando caminhos para a formaçãocontinuada de professores do PROEJA. Percebo que muito há pararealizar, mas fico com a certeza de que a possibilidade de refletir, discutir eanalisar as práticas de educação de jovens e adultos provoca novos olha-res e aponta oportunidades de ressignificar conceitos em busca de estraté-gias e caminhos para a construção de uma educação de jovens e adultosque vise o desenvolvimento pleno dos sujeitos e a aprendizagem perma-nente ao longo de toda a vida, na qual as histórias do cotidiano e trajetóriaspessoais sejam resgatadas, valorizadas e sistematizadas, tendo por base ossignificados que cada um constrói a partir das suas vivências.

Recorrendo as reflexões de Moacir Gadotti (2005), sobre aespecificidade dos educandos jovens e adultos, percebo a importânciade levar em conta que a Educação de Jovens e Adultos não é uma ques-tão de solidariedade, e sim uma questão de direito. A inclusão deste adul-to no sistema de ensino precisa ser acompanhada de uma nova qualida-de, não uma qualidade formal, mas uma qualidade política. Entendidacomo direito de afirmação de sua identidade, de seu saber e de suacultura. A educação, nessa perspectiva, é entendida como um instru-mento de formação amplo, de luta pelos direitos da cidadania e de eman-cipação social e dirige-se a formação do ser humano integral, engloban-do todas as dimensões de sua relação com o mundo. Nesse Sentido, énecessário agir ao mesmo tempo em duas frentes: investir em um ensinobásico de qualidade e em políticas públicas para o enfrentamento dosíndices de analfabetismo atuais, garantindo, assim, o desenvolvimento do

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país, das comunidades e das pessoas, lhes permitindo o direito de afirma-ção de sua identidade, de seu saber, de sua cultura.

Esta é a essência do projeto de educação para todos e ao longo detoda a vida. Num paradigma que valorize a vida e as pessoas. Conside-rando a educação como meio para atingir esse caminho, nos quais ospilares do conhecimento sejam valorizados e transformados em efetivasações da aprendizagem do ser, do fazer, do conhecer e do conviver.

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TECENDO O CURRÍCULO DO PROEJATECENDO O CURRÍCULO DO PROEJATECENDO O CURRÍCULO DO PROEJATECENDO O CURRÍCULO DO PROEJATECENDO O CURRÍCULO DO PROEJA

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1 Professor do NEEJA – Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose debento Gonçalves, Especialista em Educação PROEJA.2 Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre ecoordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhado-res Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor dopresente artigo.

A CONSTRUÇÃO E RECONSTRUÇÃO DOSSABERES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E

ADULTOS.

Celso Panno1

Rafael Arenhaldt2

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção dotítulo de Especialista em Educação Profissional Média Integrada ao En-sino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos.

A grande preocupação com o alto índice de analfabetismo no Bra-sil tem aumentado com o estudo da legislação em Escolas, Sindicatos,associações, indústrias. Esta preocupação está centrada no sentido desuperarmos o problema através de políticas diferenciadas que atendamao elevado número de jovens e adultos que nem se quer completaramuma escolaridade mínima do Ensino Fundamental.

A EJA - Educação de Jovens e Adultos mostra, no seu contexto,diferentes facetas que se mostra presente pela sociedade vivenciada eque, em cada momento, busca alternativas para “tentar” minimizar as bar-reiras impostas pelo mundo escolarizável. Procuro ressaltar que a EJA édestinada aqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos noEnsino Fundamental e Ensino Médio, na idade própria, e destacar a neces-sidade das pessoas em melhorar de vida, valorizando a auto-estima, ampli-ando seus conhecimentos, questionando sobre suas atitudes e valores bá-sicos relacionados ao trabalho, à cultura e à participação política.

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O presente artigo tem por objetivo investigar como acontece aampliação de possibilidades na construção do conhecimento dos sujeitosatravés das experiências de vida no PROEJA/CEFET - Centro Federalde Educação Tecnológica e no NEEJA - Núcleo Estadual de Educaçãode Jovens e Adultos Metamorfose, ambos de Bento Gonçalves. Procuroestabelecer, teoricamente e através de depoimentos, a leitura de mundodo educando, assim a construção do conhecimento torna-se democráti-co, problematizando as relações em que estão envolvidos cotidianamen-te educador-educando. A pesquisa utiliza estudo de campo, através dequestionamentos e entrevistas aplicados aos envolvidos na práticaeducativa da Educação de Jovens e Adultos. Para tanto, foi elaboradoum questionário para os alunos do PROEJA/CEFET-BG e NEEJA-BG,com perguntas semi-estruturadas, bem como também de depoimentosdas diretoras, educadores e educandos.

Com isso, o tema escolhido, descrito acima, também é o fato demuitos profissionais da área da educação não ampliarem novos conheci-mentos na EJA através das experiências de vida, pois nunca devemosdesprezar a “bagagem” de vida que o aluno traz para a sala de aula. Aeducação precisa ser repensada para que possamos construir sujeitoscríticos na leitura do mundo, levando-o a formular problemas que nãoformulava, desenvolvendo soluções enquanto cidadão.

O novo conceito de Educação de Jovens e Adultos apresenta desafiosàs práticas existentes, tais desafios devem ser encarados através de novosenfoques, dentro do contexto da Educação continuada durante a vida.

Quanto ao contexto social da EJA, posso destacar, através de rela-tos dos sujeitos, que o retorno á escola tem resolvido alguns problemas noconvívio familiar, pois surgem cada vez mais exigências educacionais. Paraeducar crianças expostas aos meios de comunicação, num mundo com tãorápidas transformações, os pais precisam constantemente se atualizar, pre-cisam ter condições para apoiar os filhos em seu percurso escolar, cuidarde sua saúde e o seu próprio cotidiano. A Educação de Jovens e Adultosdeve refletir a riqueza da diversidade cultural e respeitar o conhecimento eformas de aprendizagem tradicional de cada povo. O direito de ser alfabe-tizado na língua materna deve ser respeitado e implementado. A educaçãode adultos enfrenta um grande desafio, que consiste em preservar e docu-mentar o conhecimento oral de grupos étnicos minoritários e promover aaprendizagem e o intercâmbio entre e sobre diferentes culturas.

Segundo Paulo Freire (1983), a postura frente às práticas popula-res é a de que, não basta “querer mudar” a sociedade, é importante“saber mudar”, e mais saber mudar numa direção de igualdade e liber-

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dade. O processo de libertação não é a obra de uma só pessoa ou grupo,mas de todos. É preciso saber ler a vida, procurar agir e refletir sobre aação, unir a teoria com a prática, pois somente pensando as ações é queas pessoas se reconhecem nelas, como participantes da história.

O que diferencia os alunos das classes dominantes das classespopulares é o ponto de partida, jamais o de chegada. O mais importantepara a aprendizagem é o ponto de apoio, de onde a criança, o jovem e oadulto partem para construir seu conhecimento. A escola é um agentesocializador tão importante quanto a família. Juntamente com o conheci-mento, transmite não só valores e atitudes, mas também preconceitos.Como os agentes socializadores têm entre suas missões a de conseguirque as pessoas aprendam e assumam as normas da sociedade em quevivem e a maioria de modelos de sociedade que existem sãodiscriminatórias (discriminam em função do sexo, da etnia, da raça, dopoder econômico, da idade, da capacidade física e cognitiva), cresce aimportância em refletir em todos os níveis de Educação e nas escolassobre as diferenças e desigualdades. E esse resgate da sociedade é sim-plesmente um reconhecimento da diversidade, embasada em caracterís-ticas agregadas ou adquiridas. A Educação de Jovens e Adultos, emuma visão voltada à inclusão de camadas populares no sistema educaci-onal contemplando sua diversidade cultural, deve ser diferenciada paraque a Educação dessas camadas da população não representa mais umainstância do fracasso escolar, mas sim as diversas visões de mundo dosujeito. Além disso, a EJA é uma oportunidade para que melhorem devida, valorizem sua auto-estima, ampliem seus conhecimentos, possamquestionar sobre suas atitudes e valores básicos relacionados ao traba-lho, à cultura e à participação política na possibilidade de resgatar suacidadania como forma coletiva de buscar espaços.

Outro ponto a ser destacado é que a EJA será um resgate da digni-dade escolar se o agir durante todas as fases (planejamento, execução,avaliação, etc.) for realizado com seriedade dentro de uma proposta orga-nizada e com objetivos claros em que o aluno seja o foco. Também éimportante para o aluno que lhe seja oferecida oportunidade de aprendiza-gem, construção do conhecimento, que os educadores sejam comprometi-dos com a proposta educativa da escola e que gostem do que fazem.

Destacarei também, dois depoimentos de professores do CEFET-BG que contribuíram muito para a elaboração deste estudo:

“Trabalhamos em grupo muitas vezes... em uma ocasião montamos uma empresavirtual com trabalhos interdisciplinares.” (Evandro Ficagna,32, Educador)

“Tarefas que envolvem o cotidiano dos educandos”. (Arrigo Fontana,43, Educador)

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Assim sendo, não basta “querer mudar” a sociedade, é importante“saber mudar”, e mais, saber mudar numa direção de igualdade e liberdade.

Neste contexto, o educador da EJA e dos Cursos Técnicos em EJAdeverá estar comprometido com o grupo no sentido de mobilizar e articular oprocesso de elaboração e execução dos projetos, princípios e procedimentosda escola quando esta se compromete a desempenhar o papel de gerenciadordo conhecimento e instigador do processo de ensino-aprendizagem. Portan-to, só é possível pensarmos numa aprendizagem significativa quando puder-mos pensar nossos propósitos comuns de educadores.

Descreverei abaixo, alguns tópicos de dois depoimentos de excelentevalia para o meu trabalho de conclusão, que é das Diretoras do NúcleoEstadual de Jovens e Adultos NEEJACP-BG e do PROEJA/CEFET-BG,onde nos destaca a importância para o aluno não ser objeto de exclusão.

O Inédito Viável na Educação de Jovens e Adultos - Legítima Ex-pressão Freiriana: O inédito viável, início de uma responsabilida-de para com nossos desejos, sonhos e ações, trazendo uma carga dereflexão para com o nosso papel de ESTAR no mundo construindonossa história com convicção, paixão, rigorosidade e amorosidade.Ao falarmos na responsabilidade de nosso papel, enquanto educa-dores e cidadãos que buscam Estar no mundo, carregando conse-guem a alegria, o prazer, talvez até a loucura ingênua de acreditarque é necessário vivermos de utopia, na inquietude de nossos so-nhos. Partilhamos com pensamentos freirianos, que caminha ladoa lado com a boniteza autentica de nossas ações. Estamos constru-indo esse espaço de forma mais coletiva possível, numa relação dehorizontalidade entre educadores e educandos, com certezas e in-certezas. Nesta perspectiva construímos e reconstruímos umametodologia voltada para a trajetória de vida dos sujeitos, basea-dos no Tema Gerador freiriano, alargando a discussão de conteú-dos para conceitos, onde os mesmos são desdobrados em conheci-mentos necessários.” Conceitos que respeitam o tempo de cadaum, ressaltando a individualidade e valorizando a interação, aconstrução coletiva, valorizando o saber de cada um, fazendo doconhecimento popular, uma alavanca para o conhecimento cientí-fico”. (Maria Terezinha Kaefer e Silva, 39, Diretor).

Analisando parte do depoimento descrito acima, podemos dizer quea reflexão e o diálogo são de extrema importância para efeitos de quali-dade no trabalho que está sendo desenvolvido, pois teremos uma melhorinteração educando - educador para podermos ter uma visão da evolu-ção do processo. Cada experiência de educação, animação e organiza-

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ção popular é a única e irrepetível, mas isso não significa que podem serentendidas e mantidas isoladas cada uma dentro de sua “própria verda-de”. Qualquer prática social transformadora tem intenção, apostas, de-senvolvimentos e resultados que definitivamente servem de inspiraçãoou advertência a outras práticas semelhantes.

“Pode-se perceber que os alunos encontraram dificuldades aoretornar aos estudos, mas os que foram persistentes puderam seorgulhar do progresso obtido. Dois alunos me chamaram atençãopor terem filhos que estudam no CEFET e percebi que eles se orgu-lhavam por poder mostrar aos filhos suas conquistas e seu apren-dizado. Para mim este foi o relato mais importante, pois destaca amelhora na auto estima que ocorre nestes adultos que enfrentamum desafio, que muitas vezes é como uma difícil batalha de guerra,mas lutam para tornarem se mais fortes e preparados para convi-ver no trabalho e na família.” (Soeni Bellé,42, Diretora)

Observam-se pelas falas das Diretoras das escolas, que devemosver o aluno mais que um simples indivíduo, pois devemos diagnosticarque existe, em cada aluno, um universo rico de saberes. Neste contexto,o professor “afetivo” é aquele que sabe ouvir, que tenta entender o alunona sua singularidade, pois cada um tem a sua maneira de ver a vida,reflexo de suas experiências e de seu mundo próprio.

Freire (1995, p.94) nos diz que a juventude deverá entregar-se àaventura de uma escola rigorosa e alegre, mas que jamais poderá pres-cindir do ato sério de estudar, que jamais deverá confundir esta alegriacom a alegria fácil do não fazer.

Nota-se também, nos depoimentos, que apesar das descontinuidadese rupturas escolares, que fazem parte da trajetória escolar destes alunos,que a escola tem um papel importante na vida deles. Ela é a ampliaçãodo espaço, uma visão de futuro diferente e com grandes expectativas,um lugar onde estudam, fazem amigos e trocam experiências. Sabemosque apesar de todas as dificuldades que permeia muitos alunos, na traje-tória escolar, principalmente da EJA , eles ainda vêem a escola de umaforma positiva e cabe a nós educadores nos posicionarmos com umavisão positiva sobre a situação deles.

Portanto, tenho a absoluta certeza que esses alunos possuem histó-rias diferentes, mundos diferentes e comportamentos diferentes. Encon-tramos alunos que pararam de estudar por dificuldades financeiras, al-guns porque reprovaram mais de uma vez, outros porque na adolescên-cia desistiram dos estudos, porque achavam que a escola naquele mo-

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mento não era prioridade para eles. O trabalho, as festas, a rua, as ami-zades e os amores eram mais importantes naquela fase da vida, e hoje aEJA apresenta-se como alternativa mais rápida para a retomada da ca-minhada escolar.

O Programa criado pelo Governo Federal PROEJA, pensando comopolítica pública, deve atender a um grupo específico, cujas característi-cas permutam tanto a ação docente quanto a discente. A educaçãoprofissionalizante possui as concepções de EJA quanto a sua implanta-ção, ou seja, o suprimento de mão-de-obra, em contrapartida, como pos-sibilidade de agir e refletir suas experiências de vida e de escola. Nosescritos de Freire (1990), que concebe uma escola muito diferente daque temos hoje, uma escola onde o centro do processo de ensino-apren-dizagem não é o professor, mas sim o aluno. Ele enfatiza que o conheci-mento prévio do aluno já é história e que essa história faz parte de umamaior, que é aquela em que a escola deveria agir.

Quanto à concepção para Educação Profissional, temos claro queela precisa estar fundamentada numa sólida formação científica, tecnológicae humanista. Essa formação deve ser integral, superando e transcendendoa histórica dualidade entre a formação técnica e a formação geral.

Os Cursos Técnicos na dimensão do PROEJA, criados pelo Go-verno Federal, devem ter perspectivas de articulações entre as necessi-dades das comunidades, da sociedade, com o desenvolvimento social eeconômico, respeitando as dimensões culturais, valorizando a cultura docampo e dos trabalhadores, fomentando a criação e inovação tecnológicae construindo uma cultura de ciência e tecnologia a serviço da humani-dade e da qualidade de vida.

Como conseqüência destas novas relações com o saber, com oconhecimento e o trabalho, se construiu uma nova relação política paraeducação pública. Todos são sujeitos, todos têm contribuições, todos têmlimites, mas os avanços são consistentes devido ao trabalho coletivo,aberto, divergente e contraditório, mas sempre democrático e respeito-so. A Educação Profissional e a qualificação do/a trabalhador/a visamgarantir o direito e a inclusão de todos/as os/as trabalhadores/as no mun-do do trabalho, emancipando-os/as e gerando renda. Com isso podemosafirmar que outra Educação Profissional é necessária e possível. UmaEducação que supere o paradigma histórico dualista, adestrador e trei-nador de mão-de-obra para o capitalismo. A emancipação dos trabalha-dores requer o acesso a uma Educação Profissional que os prepare paraserem sujeitos de luta e construtores de uma sociedade, de um novomundo do trabalho que dialoga com um novo projeto de desenvolvimento

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societário e um compromisso social que forme um trabalhador autônomoético, político e intelectualmente produtivo.

Fazendo um comparativo, através de pesquisas realizadas no Cur-so Técnico em EJA, CEFET-BG, com o NEEJA Metamorfose, perceboque existe uma relação de igualdade na satisfação dos educandos e doseducadores, pois os depoimentos demonstram que seu foco está voltadoàs necessidades reais dos trabalhadores, para uma ação educativa come para criatividade, por isso surge à necessidade de uma estreita relaçãoentre educação e trabalho, tendo como princípio à formação ao longo davida e a teoria para a prática no seu dia a dia. Destaco abaixo algunsdepoimentos de educandos pela satisfação do Curso Técnico em EJA.

“O relacionamento com os professores é muito bom, pois os profes-sores além de serem legais são profissionais e sabem tratar os alu-nos de igual para igual.”

“Um dos trabalhos mais significativo que eu destaco foi o de eco-nomia, através dele conhecemos como montar e administrar umaempresa.”

“As aulas de Relações Humanas me mostrou uma luz em algunsassuntos, depois as de Física e Matemática foram muito importan-te, porque eu usei no meu trabalho.”

“Com as aulas de informática aprendi a trabalhar na loja de con-fecção que eu trabalho fazendo os carnes de pagamento e no pró-prio caixa usando o computador.”

Com esses depoimentos destacados da pesquisa, notamos que oeducandário se insere nas perspectivas de um mundo do trabalho, tendoo mesmo como meio para se redescobrir como gestor de sua própriavida, respeitando as trajetórias de cada um, buscando espaços para qua-lificar as relações de trabalho, na perspectiva de uma vida com qualida-de social. Também se observa na garantia na construção coletiva doconhecimento, remetendo-se a idéia de uma relação que se constrói nocotidiano, transformando-se esses saberes em conhecimento crítico, comum processo de pesquisa constante, teorização da prática e na percep-ção das inter-relações que permeiam o conhecimento.

Destaco como exemplo um dos projetos elaborados em conjunto,no Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos Metamorfose deBento Gonçalves, que nos mostra a integração entre educador e edu-cando. O trabalho tinha como tema, a Educação como Política Pública, eo professor de Matemática propuseram a comparação custo e benefício

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ao cursar uma faculdade privada ou pública, pois os alunos possuemanseios e levaram em conta:

– Cursos preparatórios.

– Hospedagem – distância.

– Vantagens e desvantagens.

– Gráficos que explicitem estas comparações.

– Medidas: Kilogramas, percentagens e medidas.

O professor é o educador que estará em contato direto com o fim,o propósito da educação: o aluno, até porque a escola só existe porqueele existe. Os educadores em resposta à questão que pede uma relaçãoentre as diferentes realidades no EJA e Técnico em EJA que já trabalha-ram, revelaram que existe uma exigência maior, é a de que se faz neces-sário um acompanhamento “quase individual” no sentido de que devemser observados o limite e as possibilidades de cada indivíduo, salientandoa vivência de cada um. Possibilitando uma relação com teoria Freirianaque pensa o sujeito como precursor de suas construções no contexto emque está inserido.

Observo que estes alunos procuram um professor acessível ao di-álogo e atento às suas dificuldades, muitas vezes produz-se, generica-mente, um olhar traduzido em chavões que deprecia o aluno, consolidan-do desta maneira uma visão negativa sobre a educação de jovens e adul-tos. O papel do educador nessa modalidade de ensino é extremamenteimportante, pois estes jovens possuem histórico escolar muitas vezespermeado de problemas, não só no campo cognitivo, mas no campo so-cial, econômico e emocional. Com isso, tornam-se necessários outrosolhares, outras percepções, um pensamento mais interacionista eabrangente, pois há necessidade de pensar a sala de aula de uma escolade EJA com uma visão mais global, não com um pensar dual. Ali nãoestá somente o aluno-professor, o que sabe e o que não sabe, o queaprende e o que não aprende, o que fracassa e o que vence, o compor-tado e o desordeiro.

Enquanto estivermos neste universo, esta teia estará sendoconstruída e reconstruída por nós e por aqueles que fazem parte do nos-so mundo.

A educação de forma geral percorre um caminho que vai sendolapidada passo a passo até atingir sua melhor forma que, juntamentecom o aperfeiçoamento do ato de ensinar, alcançará o impacto desejadopor todos os educadores, principalmente pela educação das classes po-pulares, uma educação viva e uma escola dinâmica.

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É necessário que haja a participação dos poderes públicos munici-pal, estadual e federal e de toda a sociedade brasileira para que se pos-sam traçar metas de como minimizar, num prazo menor, o alfabetismo noBrasil e assim poder integrar jovens e adultos a programas diferencia-dos, com o objetivo contínuo de desenvolver capacidades e as compe-tências necessárias para os mesmos poderem enfrentar as transforma-ções culturais, científicas e tecnológicas que repercutem no seu dia-a-dia de sobrevivência no mercado de trabalho, proporcionando-lhes atua-lização de conhecimento para toda a vida.

Segundo o parecer CNE/CEB nº.11/2000, a EJA é compreendidacomo uma “dívida social não reparada para com os que não tive-ram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociaisna escola ou fora dela” (...) deixando claro que esta modalidade deensino é parte da Educação Básica, considerando o termo modalidadecomo “diminutivo de modus e expressa uma pequena medida dentrode uma forma própria de ser. Ela é, assim um perfil próprio, umafeição especial diante de um processo consideradopadrão”.(Caderno Pedagógico EJA,nº1)

As mudanças pedagógicas não se fazem somente por decretos,leis e normas. Elas são processuais e se constituem no tempo, pela dinâ-mica da articulação entre a subjetividade (vontade de mudar) e a objeti-vidade (condições objetivas para que as mudanças ocorram). Se optar-mos por mudar e por oferecer condições para que as mudanças aconte-çam é fundamental que haja uma sintonia entre toda a comunidade, paraque juntos possamos compreender o contexto e a seriedade da Inclusãoda Educação de Jovens e Adultos como modalidade de Ensino Funda-mental e Médio, e obtermos o resgate da dignidade escolar de muitaspessoas que não tiveram oportunidade e acesso à Escola.

Após a análise das entrevistas descritas também foi possível con-cluir que o importante a considerar é que os alunos da EJA são diferen-tes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens eadultos trabalhadores, maduros, com larga experiência de vida e profis-sional e com um olhar diferenciado sobre as coisas. A quase totalidadedos alunos que freqüentam são trabalhadores, e as empresas estão exi-gindo que estudem. Com sacrifício, essas pessoas se dispõem a freqüen-tar cursos noturnos, na expectativa de melhorar de vida. A maioria tem aesperança de continuar os estudos, terminar o Ensino Fundamenta, teracesso ao Ensino Médio e ter algum tipo de habilitação profissional.

Assim sendo, o desafio da Educação de Jovens e Adultos é o esta-belecimento de metodologias criativas, com a finalidade de se garantir

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aos adultos analfabetos e aos jovens que tiveram passagens fracassadaspelas escolas, o acesso à cultura letrada, possibilitando sua participaçãoativa no universo político, profissional e cultural.

Referências

BORGES, Liana., BRANDÃO, Sérgio Vieira. Diálogos com Paulo Freire.Tramandaí-RS: Ísis, 2005.

DO VALE, Ana Maria. Educação Popular na Escola Pública. São Paulo: Cortez,1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos Sonhos Possíveis. São Paulo: UNESP, 2001.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. São Paulo: Paze Terra, 2006.

FREIRE, Paulo. Diálogos com Paulo Freire. Tramandaí – RS: ISIS, 2005.

FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: PAZ E TERRA, 2006.

HADDAD, Sérgio. Estado e Educação de Adultos. São Paulo: 1991, Tese deDoutorado da Universidade de São Paulo.

PESSOA, Fernando. Poemas Escolhidos. São Paulo: Klick, 1923.

Documentos e Legislação:

Ação Educativa-MEC, Capítulos Fundamentos e Objetivos Gerais.

A LDB e a Educação de Jovens e Adultos. São Paulo, 1997.

BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes eBases da Educação Nacional. Porto Alegre: CORAG, 1997. 30 p.

-----Ministério da Educação. Programa de Integração da Educação ProfissionalTécnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos:MEC, 2006.

Parecer CNE/ceb nº11/2000.

Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Caderno do Mova - Educa-ção de Adultos e Educação Popular: MEC, 2001.

Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Caderno Pedagógico EJA, nº1.

Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Caderno Pedagógico EJA, nº2.

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Questionários e Depoimentos:

BALESTRO, Celito. (36 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.

COELHO, Ednilson Furtado. (30 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gon-çalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pes-quisa do TCC.

COMIOTTO, Guilherme. (23 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves:12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa doTCC.

GENARI, Gilberto. (40 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa doTCC.

GODINHO, Jaime. (34 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçalves: 12dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa doTCC.

SANTOS, Clarisse dos. (35 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gonçal-ves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisado TCC.

SANTOS, Kátia R. dos. (39 anos, CEFET-BG), Questionário, Bento Gonçalves:12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pesquisa doTCC.

SILVA, Clóvis Pompeu da. (23 anos, NEEJACP-BG), Questionário, Bento Gon-çalves: 12 dez. 2006. Questionário aplicado por Celso Panno por conta da pes-quisa do TCC.

BELLÉ, Soeni. (42 anos, Diretora de Ensino Médio e Técnico do CEFET - BentoGonçalves), Depoimento, Bento Gonçalves: Mar. 2006. Depoimento captado porCelso Panno por conta da pesquisa do TCC.

FICAGNA, Evandro. (32 anos, CEFET-BG), Depoimento, Bento Gonçalves: 12dez. 2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.

FONTANA, Arrigo. (43 anos, CEFET-BG), Depoimento, Bento Gonçalves: 12dez.2006. Depoimento captado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.

SILVA, Maria Terezinha Kaefer. (39 anos, Diretora NEEJACP Metamorfose -Bento Gonçalves), Depoimento, Bento Gonçalves: Mar. 2006. Depoimento cap-tado por Celso Panno por conta da pesquisa do TCC.

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ARTES VISUAIS PARA EDUCAÇÃO DEJOVENS E ADULTOS

Ignez Gomes Borgese1

Paola Zordan2

Muitas dúvidas cercam o cotidiano de um professor: Qual o currículoque proporciona um real interesse, a troca de saberes entre educador eeducando e que, ao mesmo tempo, qualifique-os para o mundo, neste casoo mundo do trabalho? Como justificar a presença da arte na educação,nesta perspectiva tão pragmática? Não sei se conseguirei responder atodas as questões, mas pretendo, nestas linhas, aproximar-me delas. Partoda idéia de “caminhos”, palavra que encontra-se no plural porque acreditonão existir uma única possibilidade. Cada educador deve estar sempre “aprocura de” melhores condições para sua prática, trilhando, assim, dife-rentes caminhos em busca de uma educação de qualidade.

Definindo o que é currículo

Buscando a definição de “currículo” na sua etimologia, encontra-mos sua derivação no verbo currere (correr), que em latim significa “pis-ta de corrida”. Willian Pinar (apud SILVA) a define como:

“... É, antes de tudo, um verbo, uma atividade e não uma coisa, um subs-tantivo. Ao enfatizar o verbo, deslocamos a ênfase da”pista de corrida”parao ato de “percorrer a pista”. É como atividade que o currículo deve sercompreendido- uma atividade que não se limita à nossa vida escolar, edu-cacional, mas à nossa vida inteira.”3

1 Professora de Artes Visuais do Colégio de Aplicação, Especialista em Educação PROEJA ,turma Porto Alegre.2 Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalhode Conclusão de Curso da autora do presente artigo.3 SILVA,Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teorias docurrículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005 p. 43

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4 Ibid., 2005, p. 150

Para percorrer esta “pista” é imprescindível saber aonde e comose vai chegar. Os objetivos destas ações que instrumentalizarão a práti-ca escolar devem responder a questões “do que” e “para quem” devoensinar, assim como que cidadão pretendo formar. Para Tomaz Tadeuda Silva não é possível uma definição universal de currículo. A sua defi-nição está diretamente relacionada às diferentes teorias e autores que oanalisam. Sendo o currículo um instrumento que reflete ideologias, ondese elege o que tem valor para ser ensinado ele, é, portanto um instrumen-to político. Estas teorias que definem o currículo, segundo o mesmo au-tor, estão divididas em: Teorias Tradicionais, Críticas e Pós-críticas.

Teorias Tradicionais, que são aquelas que se detêm na elaboraçãotécnica de como fazer o currículo sem questionar as estruturas sociais eculturais dominantes, reproduzindo-as no espaço escolar. Ao contrário,as Teorias Críticas questionam e desconfiam do modelo social vigente,das estruturas escolares e suas formas dominantes de conhecimento.Segundo o autor, para as teorias críticas, mais importante do que fazer ocurrículo é desenvolver conceitos que nos permitam compreender o queo currículo faz. Por fim, temos as teorias pós-críticas, que ampliam oconhecimento dos processos de dominação de classe, trazidas à tonapelas teorias críticas, para um leque muito mais amplo onde estão situa-das as relações de gênero, etnia raça e sexualidade.

Currículo é muito mais do que um conjunto de procedimentos, ele éa organização social do conhecimento. È, segundo Tomaz Tadeu: “lugar,espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetó-ria, viagem, percurso”.4

Então, como pensar um currículo que não seja um mero reprodutorde conteúdos elencados pelos saberes universais hegemônicos? É possí-vel arriscar-se por esses caminhos inseguros e incertos de múltiplas pos-sibilidades?

Concepções e Modelos de Ensino

Aqui sigo os estudos da profª Maria Cristina Biazus para analisaras teorias desenvolvidas a partir do século XX, as quais influenciaram osmodelos de ensino nos currículos de arte. A primeira seria a teoriamimética. Relacionada com a pedagogia proposta por Walter Smith em1872, essa teoria afirmava “que a arte é uma imitação da natureza e queos alunos deveriam adquirir a faculdade da imitação”.5 A justificativa era

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5 BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista ano III nº4 dez.1997. p. 886 BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista ano III nº4 dez.1997. p.917 PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciaçãoestética de jovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado em Educação)– Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal doRio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.

que na escola pública o ensino da arte deveria reforçar a capacitaçãopara o trabalho. Neste modelo, mantêm-se as tradições reproduzindo-sea sociedade vigente. Dentro desta perspectiva, acredita-se que ao imitara conduta de outros o aluno estará aprendendo.

O Formalismo relaciona-se com o currículo proposto por Arthur W.Dow, em 1899, no qual ele acredita que analisando os elementos formaisencontrados nas obras de arte: linhas, formas, cores tons e texturas, bemcomo os princípios organizacionais destes elementos, se possibilitaria a com-preensão e “apreensão da beleza da forma”. Nesta proposta o contextosocial ficou de fora. Segundo o Modelo Formalista o aluno aprende forman-do estruturas cognitivas estabelecendo relações, formando conceitos e usandovocabulário específico da Arte. Este modelo, segundo Efland, esteve pre-sente durante a reforma curricular americana da década de 60, “com asvisões cognitivas da aprendizagem desenvolvidas por Brunner”6, resultandono que hoje se conhece como Discipline Based Art Education. Este bus-cou relacionar a estrutura das disciplinas, que compreendem as disciplinasde História da Arte e Estética ou Teoria da Arte, com os estudos piagetianosde construção da aprendizagem e a aquisição de estruturas cognitivas. NoBrasil, Ana Mae Barbosa desenvolveu a Proposta Triangular, na qual oformalismo é inserido num contexto mais amplo, que veremos mais adiante.

Na teoria Progressista, Efland cita os arte educadores Harold Rugge Ann Shumaker que, em 1928, propõem o que eles chamam de auto-expressão criativa,na qual a cópia e imitação eram desencorajados emprol da originalidade. O currículo era centrado na criança partindo dopressuposto que o crescimento expressivo capacitava a criança a cresceremocionalmente. Segundo o mesmo autor, apesar da proposta prever abran-ger as crianças de todas as classes sociais, grande parte das famílias dasclasses trabalhadoras e imigrantes optou por não colocarem seus filhosnas escolas progressistas. Neste modelo trabalha-se as sensações, quesão priorizadas como processos mentais de auto-conhecimento. Por isso,segundo este modelo, a arte é terapêutica. Viktor Lowenfeld e HerbertRead foram os principais defensores destes princípios.

Na teoria Pragmática a arte é priorizada pela “eficiência em solu-cionar problemas práticos e estéticos que afetam a vida do fruidor.”7 Seuslogan era “Arte na vida diária”. Estas idéias foram apresentadas porMelvin Haggerty em 1935, época de guerra e depressão econômica. No

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8 BARBOSA, Ana Mae. Analice Dutra Pillar (org.) A Educação do Olhar no ensino das artes.:As Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma e cultura. Porto Alegre:Mediação, 2001 p.99

modelo pragmático a arte é vista como modelo de reconstrução social quesegundo esta visão é possibilitada pelo encontro com as novas experiênci-as redimensionando as visões de mundo. A arte tem valor instrumental.Esta visão pragmática da arte na educação originou-se nas teorias da inte-ligência de Dewey, na qual “experiências sucessivas podem fazer comque o aprendiz revise ou reconstrua a sua visão da realidade”.8

Por fim a teoria Culturalista , vigente desde os anos 1980, mostra-se sensível às relações de poder que definem as representações sociais eque estabelece relações entre cultura, significação , identidade e poder.

Um breve histórico do Ensino das Artes noBrasil

Procurando estabelecer uma conexão entre o ensino de Artes noBrasil e as teorias estéticas e curriculares, pode-se dizer que com a 1ªAcademia de Belas Artes, inaugurada por D. João VI, inicia-se no Brasilo ensino das Humanidades, que se enquadra na definição das teorias docurrículo tradicional. Este currículo reproduziu o gosto da burguesia, oestilo “neoclássico” em oposição ao gosto popular, o estilo “barroco”.

No final do século XIX e início do século XX, a educação encon-trava-se sob influência de duas correntes: o liberalismo, americano, e opositivismo, europeu. É sob influência deste último que o desenho passaa fazer parte do currículo das classes populares, nas escolas primárias esecundárias, cujo ensino era voltado para o mercado de trabalho.

Nos anos 30, sob a influência dos estudos da psicologia e da psica-nálise vindos da Europa e Estados Unidos, inicia-se a Escola Nova ouescolanovismo. Esta proposta de ensino é baseada nas idéias do filósofoamericano John Dewey onde o ensino é centrado no aluno, no seu po-tencial criador e onde o professor seria o “facilitador” destas experiênci-as de livre-expressão. A “educação pela arte”, obra do inglês HerbertRead, foi divulgada no Brasil por Augusto Rodrigues, um dos criadoresda “Escolinha de Arte do Brasil”. Durante a ditadura Vargas, a EscolaNova perde força, ressurgindo em 1945 até 1958, período deredemocratização do país.

Após o golpe militar de 1964, instala-se o modelo tecnocrático, oqual é alicerçado no princípio da otimização, racionalidade, eficiência e

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9 Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade deEducação de Jovens e Adultos. Ministério da Educação, Brasília, 2006. p.47,48,4910 SOARES, Leôncio (org). Estudos em Eja. p.127

produtividade. É durante a ditadura militar, a partir da Lei de Diretrizes eBases 5692/71, que a disciplina de Educação Artística torna-se obrigató-ria no currículo do Ensino Fundamental, então I grau e em alguns currí-culos do Ensino Médio, II grau naquela ocasião.Como resultado da faltade professores de Educação Artística para atender a demanda criam-seem 1973, as Licenciaturas de curta duração, dois anos, onde o professorera habilitado a lecionar artes plásticas, Música e Teatro. Como conse-qüência Cléa Penteado observa que “dessa política, resultaram profes-sores que se transformaram em simples aplicadores de técnicas e ativi-dades, sem uma fundamentação teórica aprofundada em qualquer umadas três áreas de conhecimento”9. Nos anos 80, a prática da disciplinaencontrava-se confusa, transformada em técnicas decorativas ou “de-senho livre”. Os professores começam então a organizarem-se em as-sociações com o intuito de discutirem os caminhos da arte-educação.

É através da FAEB – Federação Nacional de Arte Educação doBrasil, criada em 1987, que se consegue, através de intensa mobilização,vetar a não obrigatoriedade do ensino da arte na nova Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional, sancionada em dezembro de 1996.

Na década de 80 é sistematizada a Proposta Triangular de AnaMae Barbosa, na qual os componentes de ensino e aprendizagem são:criação, leitura de obra e contextualização. Esta proposta envolve o fa-zer integrado-o com o estudo de obras e artistas junto do contexto cultu-ral em que se insere. É influenciada por três movimentos:

1. as Escuelas Del Aire Libre mexicanas ,(1913 e 1920 a 1933) ,que segun-do Ana Mae, foi o “único movimento modernista do ensino da Arte quedeliberadamente, programaticamente integrou a idéia de arte como livreexpressão e como cultura”10;

2. DBAE- Disciplined Based Art Education- proposta americana que de-fende a arte como disciplina do conhecimento e integra a Estética, a Críticae a História da arte com a produção artística.

3. Critical Studies inglêses – a qual possui origem nas teorias críticasmarxistas.

Em 1996, são divulgados os Parâmetros Curriculares Nacionais, quese propõem, como o título já diz, a serem uma referência, um “ponto departida” único para um currículo que contivesse as demandas contempo-

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11 HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. PortoAlegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 106.12 BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ª ed. São Paulo:Cortez,2003, p.19

râneas da educação no Brasil. Uma das críticas aos PCNs reside no fatode que suas diretrizes, ainda que no seu texto mencione a flexibilidade deação daqueles que o utilizam, não considere a diversidade sócio-cultural dopaís, criando assim um currículo “globalizadamente” engessado.

Para Tomaz Tadeu, atualmente, após termos vivenciado as teoriascríticas e pós-críticas, seria inconcebível traçarmos diretrizes a partir de“conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categoriaspsicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda deimagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos:”

Arthur Efland afirma que em um currículo em artes pós moderno,o educador não deve descartar as experiências modernistas ou pré-mo-dernistas, apropriando-se delas em favor do desenvolvimento das com-petências necessárias aos saberes contemporâneos:

“As estéticas mimética, pragmática, expressivas e formalista teriam seulugar na apreensão crítica da arte porque elas elucidam certos tipos devalores estéticos em certos tipos de arte. A questão agora deve ser ampli-ada e também questionar em que contextos sociais o formalismo ou oexpressionismo funcionam como uma verdadeira teoria. As antigas teori-as podem ser recicladas da mesma forma que os artistas de hoje reciclam asimagens da arte antiga ou da cultura popular.Seria o caso de não tomar uma única teoria do passado como teoria verdadeira,mas como explicação provisória com relação à natureza e valor da arte.”11

Nossas possibilidades de escolhas não se limitam a “receitas” queocasionalmente obtiveram bons resultados e que por isto devam serreproduzidas aleatoriamente. Um olhar muito mais sensível faz-se ne-cessário nesta mediação entre professor e aluno. Um olhar sem dogmasnem verdades absolutas.

Proposições para Educação de Jovens e Adultos

As orientações pedagógicas propostas no documento base doPROEJA, prevêem um currículo diferenciado dos modelos tradicionaisde ensino12:. São propostos novos espaços e tempos na educação de jovens e adul-

tos.

. A organização curricular é processual, coletiva e prevê abordagens

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13 RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das Artesvisuais. Campinas , SP: Mercado de Letras. 2003, p.19

metodológicas de integração curricular como: abordagens embasadas naperspectiva de complexos temáticos, por meio de esquemas conceituais,mediada por dilemas reais vividos pela sociedade e por áreas do conheci-mento.

. São enfatizadas as abordagens que transitam na diluição dos contornosdas disciplinas, a valorização dos saberes adquiridos, o acesso à produ-ção de saberes da sociedade;

. Diálogo entre as experiências que estão em andamento, diagnóstico dasdemandas locais e um planejamento construído coletivamente.

. Nova cultura escolar sendo necessária uma política de formação docente.

Sendo o ensino da arte transdisciplinar em sua essência, permitindoum livre trânsito entre diversas áreas do conhecimento, seu oferecimen-to como disciplina na educação de jovens e adultos só vem a reforçar oque o documento base propõe: uma educação inclusiva que busque aformação integral do indivíduo.

No filme do cineasta João Jardim, “Pro Dia Nascer Feliz”,o qualaborda a temática da educação de jovens do Ensino Médio no Brasil, háuma cena em que aparece o depoimento de uma jovem que, quandoainda estava na escola, fazia parte de um grupo de fanzine, com suaspoesias. Terminado o Ensino Médio, ela estava trabalhando em umaindústria, onde sua função era dobrar calças. Quando questionada sobreo que havia mudado e o porque dela não escrever mais, ela diz “não termais tempo nem espaço para isto”. O trabalho, assim como as responsa-bilidades da “vida adulta”, dignifica, mas também sufocam o tempo cria-tivo, reflexivo, direcionando o olhar para o pragmático, aquilo que real-mente interessa afinal “tempo é dinheiro”.

Acredito que a escola de jovens e adultos deva proporcionar esteespaço-tempo. Como disse a professora Malvina Dorneles a “escola élugar de cuidado, e mesmo sendo uma instituição por muitos consideradaultrapassada, a que menos se modificou com o tempo, ainda continuamosa confiar nossos filhos a ela”.13 Aula da profª Malvina do Amaral Dorneles

- A Escola e a ética do cuidado.Curso de especialização: Educação técnica de nível médio na modalidade de educação de

jovens e adultos. Faced, janeiro de 2007O ensino da arte aproxima o indivíduo daquilo que é produzido

culturalmente, informações que muitas vezes não tem acesso, estabele-

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14 BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ªed. São Paulo:Cortez,2003.p.2015 PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciação estética dejovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado em Educação) – Programa dePós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande doSul, Porto Alegre, 2001.16 ZORDAN, Paola. Concepções Didáticas e Perspectivas Teóricas para o Ensino das ArtesVisuais. Porto Alegre: UFRGS, p.5

cendo conexões do indivíduo com o mundo em que vive e com mundosmais distantes. Ana Mae afirma que, o conhecimento da imagem, recur-so utilizado em arte na escola, é de fundamental importância não só parao desenvolvimento da subjetividade, mas também para o desenvolvimen-to profissional, visto que diversas profissões estão relacionadas direta-mente ou indiretamente à Arte.14

Sobre o ensino da arte na Educação de Jovens e adultos, CléaPenteado afirma:

“Quando nos deparamos com jovens e adultos que já viveram diferentestipos de experiências escolares, sendo a maioria delas cerceadoras,limitadoras e impositivas de padrões culturais e estéticos, o papel da artena educação desses sujeitos que retornam à escola é ainda mais desafia-dor. É preciso considerar as experiências, as formas de expressão jávivenciadas pelos sujeitos e aprender com elas...”15

Para lidar com esta multiplicidade de vivências, faz-se necessáriocomo o Documento Base do Proeja apontam, a formação continuadados professores. Leôncio Soares aponta esta e outras questões comosendo necessárias e urgentes para um curso de Eja de qualidade:

“ A necessidade de se estabelecer um perfil mais aprofundado do aluno; atomada da realidade em que está inserido como ponto de partida das açõespedagógicas; o repensar de currículos, com metodologias e materiais di-dáticos adequados às suas necessidades, e finalmente a formação de pro-fessores condizente com a sua especificidade.”16

A disciplina de artes visuais, reforçada por procedimentos poucoconsistentes, ainda é vista por muitos equivocadamente. Uma das críticasque, segundo os autores engajados na Proposta Triangular, contribuempara a visão depreciativa da arte educação como mero passatempo, é aherança do modelo expressionista na qual dá-se prioridade ao fazer semestabelecer relações entre as diferentes matérias artísticas. Além disso, aidéia de que o artista nasce com um dom e a falta de suporte teórico dealguns professores contribui para o descrédito do ensino da arte.

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17 Ibidem, 2007, p.1018 PARSONS, Michael. Dos repertórios às ferramentas: ideais como ferramentas para acompreensão das obras de arte. In: FRÒIS, João Pedro. Educação estética e artística: abor-dagens transdisciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. p.176

Perspectivas interculturais

Um currículo atual deve levar em conta a visão de mundo de seuseducandos, pois partindo de sua realidade é possível entender as outras.Nesta conexão das experiências trazidas pelos alunos e o contexto esco-lar, formam-se os vínculos com a escola e a ponte para o conhecimento.Fernando Hernández afirma que o “conhecimento se dá a partir dainteração do meio em que o sujeito está inserido com o mundo socialcircundante o que leva, na educação, a estabelecer critérios que permi-tam avaliar a qualidade desse conhecimento.”17

Inserido nas propostas atuais de ensino, o multiculturalismo,pluriculturalidade ou interculturalidade,os quais pertencem às teorias pós-críticas de currículo, se propõem a ir mais além da fabricação de cocarpara o dia do índio. Sendo um dos compromissos da Arte-Educação Pós-moderna , segundo Ana Mae, o “trabalho com a diversidade cultural, oconhecimento sobre a cultura local, a cultura de vários grupos que ca-racterizam a nação e a cultura de outras nações”.18

Ivone Richter afirma que dentre os termos acima citados,“interculturalidade”seria o mais adequado pois, este cria uma interaçãoentre culturas enquanto que no multiculturalismo e pluriculturalismo asculturas são abordadas dentro de seus contornos.19

Poder reconhecer-se na sua própria cultura é um dever da escola.Isto não significa privar os educandos do acesso à cultura dominante, aerudita, mas estabelecer valores igualitários entre as diferentes culturas.

Tomaz Tadeu ressalta que o multiculturalismo é um movimentopolítico onde não podem ser esquecidas as relações de poder que estãopresentes nesta relação entre culturas. Segundo ele, a crítica aomulticulturalismo está num certo relativismo e que as diferenças devemser mais do que toleradas ou respeitadas, mas sim colocadas sempre emquestão. As questões de conhecimento, cultura e estética não devem serseparada de questões de poder.

Criação de um currículo de Artes para o Proeja

Nesta perspectiva, onde estão previstos o diálogo entre diferentesculturas, assim como uma prática engajada em seu contexto que dê conta

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da diversidade das imagens que compõem o universo imagético da atuali-dade, acredito que a proposta triangular e a pedagogia de projetos sejamos suportes que melhor sustentem um ensino de Artes Visuais para a edu-cação de jovens e adultos.

Como já foi mencionada, a proposta triangular foi implementada noBrasil na década de 80, época em que o ensino da arte se encontrava comsérios problemas. Paola Zordan define este contexto como resultado da“formação deficitária dos professores, das práticas tradicionais de cópias demodelo e desenho geométrico misturadas com a técnica pela técnica” e o“livre-fazer” fundado em pressupostos do método espontâneo-reflexivo (queAna Mae Barbosa investigou ser a obscura herança das teses do professorNereu Sampaio e suas interpretações das idéias de John Dewey).”20

A proposta triangular se fundamenta em três eixos articuladores doensino das Artes Visuais: a produção artística, a interpretação ou aprecia-ção estética, a leitura de imagens e sua contextualização histórico-geográ-fica. A imagem é interpretada na sua totalidade, abrangendo aspectos comocrítica social, raça e gênero, onde também são abordadas as diversas pro-duções culturais, permitindo o trânsito entre a cultura hegemônica e a cul-tura popular. Aliado à idéia de um ensino onde o sujeito aprendiz seja agen-te da sua aprendizagem e que esta aprendizagem se dê de forma constan-te na relação entre os conhecimentos já adquiridos e os novos desafios quesurgem no percurso do conhecimento, se encontra a proposta de educa-ção de Fernando Hernandéz, através da “pedagogia de projetos” ou “pro-jetos de ação”. Os projetos possuem sua origem, segundo na Escola Nova,com os Centros de Interesse das pedagogias formalistas e com os TemasGeradores propostos por Paulo Freire, que se configuram como métodode construção de saberes da pedagogia libertária.

Esta estratégia de trabalho se propõe, entre outras questões a “reor-ganização da gestão do espaço, do tempo, da relação entre docentes ealunos e a redefinição do discurso sobre o saber escolar ,aquilo que regulao que se vai ensinar e como deveremos fazê-lo. Desta forma, segundoHernández, estaríamos propondo uma maneira mais competente de lidarcom a quantidade de informações geradas no contexto atual, aprendendoa selecioná-las , interpretá-las e relacioná-las com outras fontes de conhe-cimento, possibilitando, assim, uma formação mais ampla do indivíduo.

Os projetos nascem do tema, questionamentos, interesses, promo-vendo a participação ativa do aluno enquanto pesquisador assim como doprofessor que não detém o conhecimento, favorecendo “correr riscos”nesta caminhada.

O educando participa como sujeito ativo na elaboração das etapas

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do estudo. Não existe um direcionamento estático, mas sim um fio condu-tor que auxilia na dinâmica do trabalho. Erguem-se múltiplas possibilidadespara dar conta dos problemas: visitas, presença de convidados na sala deaula, organização da classe em grupos, individualmente etc... Nos projetosem arte, o uso da imagem é central na sua elaboração, transitando pelouniverso de imagens que compõem a cultura visual. Outra característicado trabalho por projetos é a não existência de procedimentos engessados,permitindo que questões muitas vezes imprevistas pelo educador, que pos-sam surgir no decorrer do trabalho, se insiram a este correspondendo mui-to mais aos reais interesses dos educandos.

“ Mesmo que se baseie em métodos, mesmo seguindo eixos previamentedeterminados, não existe ação-investigativa pronta, dada como conheci-mento formado, acabado, que possa ser descrito e reproduzido. Assumiros problemas colocados pelos alunos é deixar-se levar pelo imprevisto, terque mudar os planos, aceitar as interferências do acaso, de tal maneira queuma pedagogia assim não é passível de ser copiada. Trabalhar com proje-tos leva professores e alunos a buscar soluções, a procurar por novosconhecimentos e criar ações singulares, de modo que acabam traçandocaminhos inusitados”.21

Sem uma rigidez seqüencial, possibilita-se um currículo “aberto”, noqual as situações problema direcionam as estratégias. Esta idéia de movi-mento, de algo que se ramifica, é sugerida por Efland22 como a imagem deuma rede, que vai tramando-se e na intersecção destes desdobramentos, éque, segundo o autor, se dão os momentos mais criativos.

A idéia do trabalho por blocos de conhecimento, onde os professo-res de áreas afins planejam e trabalham juntos, ainda encontra dificulda-des como disponibilidades de horários de professores, pouco tempo paraplanejamento e a resistência de alguns professores que negam a incerte-za de quem se arrisca neste território politicamente problemático. Umaeducação que não vê sentido nos fragmentos de informações resultantesdos rígidos contornos das disciplinas compartimentadas.

Hoje, vejo que a minha geração, com algumas exceções, foi vítimade uma educação que não alimentou a curiosidade, ingrediente básicopara o conhecimento. Fomos refém das “decorebas” e das provas demúltipla escolha. Eu, que não encontrei muito sentido na minha educa-ção escolar, encerro minhas linhas tortas levantando uma bandeira oti-mista de que o ensino da arte tem, sim, muito a contribuir para umaeducação de qualidade também para os jovens e adultos que por, algumarazão, resolveram retornar à escola.

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Referências

BARBOSA, Ana Mae (org). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. 2ªed.São Paulo: Cortez, 2003.

BARBOSA, Ana Mae. Analice Dutra Pillar (org.) A Educação do Olhar no ensinodas artes.: As Escuelas de Pintura al Aire Libre do México: liberdade, forma ecultura. Porto Alegre: Mediação, 2001

BIAZUS, Maria Cristina. - Arte e Educação em revista. Ano III, nº4, dez.1997.

HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Tra-balho. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

PARSONS, Michael. Dos repertórios às ferramentas: ideais como ferramentaspara a compreensão das obras de arte. In: FRÒIS, João Pedro. Educação estéti-ca e artística: abordagens transdisciplinares. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 2000.

PENTEADO, Cléa. A Arte e a educação na escola: Os caminhos da apreciaçãoestética de jovens e adultos. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Tese (Mestrado emEducação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educa-ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001.

Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio naModalidade de Educação de Jovens e Adultos. Ministério da Educação, Brasília,2006.

RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensinodas Artes visuais. Campinas , SP: Mercado de Letras. 2003.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdução às teoriasdo currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

ZORDAN, Paola. Concepções Didáticas e Perspectivas Teóricas para o Ensinodas Artes Visuais. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

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ESTUDO DO TEATRO NA EDUCAÇÃODE JOVENS E ADULTOS

Lisinei Fátima Dieguez Rodrigues 1

Tânia Beatriz Iwasko Marques 2

Introdução

O trabalho em arte é, por excelência, a tradução do pensamento edas ações de uma época. Enquanto linguagem de expressão, o teatro podematerializar o utópico e o real, ressignificando situações que já não conse-guimos ver de maneira diferente. O corpo do ator em cena, associado aelementos sonoros e visuais, é mais do que um ambiente de convívio entreas pessoas. Ao proporcionar espaço para a reapresentação da vida, fo-menta o imaginário e as concepções estéticas individuais e coletivas.

Percebendo nos processos de criação coletivos a interação entreos sujeitos e a realidade, pode-se afirmar que educação e teatro aproxi-mam-se para construir conhecimento de forma lúdica. Na relação com ooutro se constrói a própria identidade e pratica-se uma leitura da realida-de baseada numa tomada de consciência. Para desenvolver esse pro-cesso de consciência de si e do mundo, ficcional e real, é necessário quese participe de atividades que proponham a passagem da percepção,contato, com o objeto ou uma ação, para uma atuação sobre estes, che-gando à representação dos mesmos. Essas podem ser desenvolvidasatravés da metodologia dos jogos teatrais.

Assim sendo, este trabalho propõe-se a justificar o estudo do teatrono contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

1 Atriz e Professora de Teatro do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grandedo Sul.2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão da autora do presente artigo.

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A preparação d aluno-ator para a arte teatral

1.1 A importância do fazer teatral pelo jogo

O entendimento do teatro na educação como linguagem específicade expressão, construída pelo sujeito a partir de atividades lúdicas envol-vendo regras, simbolização e exposição a outros, pode favorecer o cará-ter reflexivo do pensamento de forma individual e coletiva.

Segundo Richard Courtney (1974), compreende-se por atividadeslúdicas todas aquelas que envolvem o sujeito de forma voluntária eprazerosa durante sua realização. No Jogo com regras a atividade lúdicaé organizada, sistematizada, formalizada a fim de contemplar um objeti-vo comum. O Jogo Dramático3 combinado ao Jogo com Regras originao Jogo Teatral4, que passa a integrar um terceiro elemento: a platéia.Representar diante de uma platéia na forma teatral é, portanto, a conse-qüência de um elaborado caminho envolvendo tempo, espaço, consciên-cia de si, consciência do outro, simbolização.

Em Teatro e Construção do Conhecimento, Gilberto Icle (2002)enfatiza que a consciência do corpo em estado de representação é algoconstruído pelo sujeito a partir do contato de experiências com a lingua-gem teatral. A participação em atividades de expressão dramática possi-bilita a observação, a análise, a experimentação e a construção de umalinguagem artística própria.

1.2 Algumas concepções sobre a consciência no fazer teatral

A respeito da natureza da arte, em A Poética, Aristóteles (apudCOURTNEY, 1974, p.7) já afirmava que o teatro é a imitação da vidanão apenas em seus fatos, mas numa versão dos mesmos. Afirma aindaque a imitação é natural ao ser humano, é um prazer intelectual e umaforma inicial de aprender. Ao apontar os processos de criação na arteteatral, o filósofo grego reafirma a intencionalidade no trabalho do artis-ta, perspectiva interessante se observarmos que historicamente haviauma profunda identificação entre arte e ritual.

3 Atividade lúdica que envolve simbolização, “faz-de-conta”, sem objetivo de apresentaçãopara outrem.4 O Jogo Dramático com vistas a apresentação diante de uma platéia. Envolve relacionamen-to dos participantes entre si e com os espectadores.

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Constantin Stanislavsky, diretor teatral que no conjunto de sua obraescreveu sobre os processos de criação e a preparação para a arte derepresentar, chamaria a esse fenômeno dualidade do ator, quando seexperimenta uma dupla consciência: o tempo presente da exposição di-ante da platéia e as ações preparadas no passado e reapresentadas en-tão. Afirma que no teatro o ator identifica-se com as motivações, asemoções descritas pelo papel a interpretar e mostra-as no personagematravés de ações físicas coerentes, verossímeis.

Para Moreno (apud COURTNEY, 1974, p.97), na teoria denomi-nada psicodrama, o teatro é uma extensão da vida. Em seu caráterterapêutico e catártico, proporciona efeito somático (através do relaxa-mento corporal), autoral (na recriação de um conflito), vivência de umasituação-limite e participação da platéia na experimentação dos eventos.Vale ressaltar que esse autor utiliza-se deliberadamente da linguagemteatral como forma de acesso aos conteúdos do inconsciente, não secolocando como proposta estética de encenação.

Para Piaget, (apud FUCHS, 2005, p.42), é no binômio ação e pen-samento que se encontra a essência de todo processo cognitivo. As es-truturas de pensamento se constituem com e a partir das ações do sujei-to, mesmo que muitas vezes o sujeito não compreenda na sua totalidadeos mecanismos do seu agir. Processo presente no jogo simbólico queintegra o fazer teatral.

1.3 Ressignificação do eu e do mundo: teatro e pensamento

Pensando-se que a característica peculiar do teatro é a existênciade um conflito, entendido aqui como sinônimo de ação dramática, valerevisar o que a psicanálise tem a nos dizer. Em Jogo Teatro e Pensa-mento, Richard Courtney (1974, p.109) escreve sobre a visão de Freuda cerca da criatividade: Freud considerava o conflito a base tanto daneurose como da criatividade. Apesar de ambos serem originados emuma realidade insatisfatória, buscando a imaginação, o artista pode en-contrar o caminho de volta para a realidade. Durante o processo decriação, o ator experimenta as emoções, reconhece e representa os con-flitos do personagem. Na tradição do teatro ocidental, o espetáculo pro-põe um acontecimento catártico para a platéia, que se alivia por identifi-car-se com o personagem em seus conflitos e nas estratégias para superá-los, sem necessitar passar pelas suas peripécias.

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Todo e qualquer gênero de representação teatral traz o conflito emsua base, seja nas formas dramática, lírica ou épica. Os conflitos diretosentre os personagens, os conflitos existenciais ou sociais, osquestionamentos humanos atemporais e universais compõem essearcabouço das situações dramáticas.

Luria e Vygotski (apud COURTNEY, 1974, p.276) apontam que acriatividade desenvolve-se na percepção complexa, na memorização inte-ligente, na atenção voluntária e no pensamento lógico, descritas como “asmais altas funções mentais” proporcionadas pelo contato interativo comseu meio social. Percepção, descrição e ação construída de forma consci-ente, sendo rotinas nos jogos teatrais, estimulam o pensamento imaginativoe potencializam a criação na linguagem artística, que atua por metáforas,simbolismos e só existe enquanto teatro com a interação ator/platéia.

Para Paulo Freire (1996, p.19), artistas estabelecem conexões ló-gicas, plausíveis, nos seus processos de delineamento do objeto artístico.O rigor científico/técnico se dá no processo de reflexão que leva à cria-ção, não na avaliação a cerca do produto artístico final.

1.4 Fazer Teatral: um ato de consciência

O inconsciente revelado através dos processos de escolha dos ele-mentos cênicos, que é uma atividade de plena consciência, é mais um aspec-to a ser considerado pelo educador. Independente da faixa etária, asintencionalidades dos alunos-atores no fazer teatral revelam seus conteúdossócio-afetivos e de cognição. Suas concepções éticas (o que é bom ou ruim)e estéticas (o que é belo ou é feio) aparecem na forma como se articulam nojogo ou nos momentos em que é necessário improvisar suas ações.

É preciso repensar ainda algumas idéias arraigadas nas práticasescolares que apontam a atividade teatral como elemento recreativo,socializante ou didático desprovido de um conteúdo, apartado do conhe-cimento. O conteúdo do teatro é a própria vida e a sua relação simbólicae metafórica com a mesma. O fazer teatral é fonte de aquisição deconhecimentos internos e externos, é atividade prazerosa, de integraçãosocial e de aprendizagem por envolver o sujeito nesse processo de formaintegral. Na representação teatral não há espaço para o fingimento. Aconsciência nas intenções do ator é fundamental para que o fenômenoda representação aconteça. A consciência da condição de espectadorda arte teatral é igualmente fundamental, pois a platéia opera na cumpli-cidade com o ator.

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Os documentos oficiais e o ensino de teatro noBrasil

A multidisciplinaridade, a transversalização do conhecimento e o ca-ráter transnacional na articulação dos saberes, bem como a formação in-tegral dos sujeitos se coloca na agenda dos educadores contemporâneos.

Vemos nos documentos oficiais da educação básica brasileira adistinção da área de teatro como especialidade. Pode-se observar suanecessidade no currículo a fim de atender aos propósitos de compreen-der e ressignificar conhecimentos na ciência, nas letras e nas artes.

O artigo 26, páragrafo 2, da Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional de 1996, Lei 9394/965 determina a obrigatoriedade do ensinode arte como forma de promoção do desenvolvimento cultural dos alu-nos. A mesma lei aponta para a necessidade de planejar e desenvolver“o currículo de forma orgânica, superando a estruturação por disciplinasestanques e revigorando a integração e a articulação dos conhecimen-tos, num processo permanente de interdisciplinaridade etransdisciplinaridade” (p.31).

No documento base do Programa de Integração da Educação Pro-fissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovense Adultos (PROEJA) observa-se a ênfase na importância da valoriza-ção dos saberes de seus alunos e de suas manifestações culturais. Otexto do documento aponta para a idéia de que cada aprendente traz emsi todo um rico universo para as trocas com seus pares, para a interaçãode seus saberes com os saberes próprios da educação escolar, acumula-dos pela tradição acadêmica ao longo dos tempos. Poder justificar, con-trapor e justapor esses saberes nas mais diferentes formas de expressãocontribui para o autoconhecimento e para a construção de uma visão demundo mais enriquecida em diversidade cultural.

Ao analisar as propostas inseridas no documento base do PROEJA,é possível verificar que currículo e método acolhem a todo o instante aatividade artística. A perspectiva de trabalho transdisciplinar, da organi-zação do horário por blocos e a necessidade de acolhimento das diferen-tes culturas de seus aprendentes colocam a atividade teatral como refe-rência interessante.

Por envolver o indivíduo de forma total - corpo em movimento,pensamento imaginativo, tradução de idéias e emoções em formas con-

5 In:Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio no Brasil, p.31.

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cretas, simbolizadas pelo corpo ou pelos objetos que o cercam - o teatrotorna-se importante recurso pedagógico sem deixar de lado sua funçãoartística. Diferentemente do trabalho do ator profissional, o aluno-atorfará uso do teatro no contexto de suas aprendizagens de conceitos, semdeixar, entretanto, de fruir de produtos culturais e experimentar-se nasdiferentes linguagens de expressão artística.

Na interação entre linguagem e pensamento, a pedagogia dainterdisciplinaridade oferece às artes a oportunidade de constituir pensa-mento simbólico, metafórico e criativo. As aprendizagens em teatro apre-sentam-se, ainda, como importantes exercícios de análise, síntese e solu-ção de problemas.

Entretanto, no Parecer do CNE/CEB 11/200 – DiretrizesCurriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos – elaboradopelo relator Carlos Roberto Jamil Cury, a educação em arte ainda apare-ce com a recomendação de caráter facultativo ao aluno.

Os componentes curriculares ligados à Educação Artística e EducaçãoFísica são espaços oportunos, conquanto associados ao carátermultidisciplinar dos componentes curriculares, para se trabalhar adesinibição, a baixa autoestima, a consciência corporal e o cultivo dasocialidade. Desenvolvidos como práticas sócio-culturais ligadas às di-mensões estética e ética do aluno, estes componentes curriculares sãoconstituintes da proposta pedagógica de oferta obrigatória e freqüênciafacultativa. Contudo a oferta destes componentes não será obrigatóriapara os alunos no caso dos exames supletivos avulsos descolados deunidades educacionais que ofereçam cursos presenciais e com avaliaçãoem processo. (p.63/64).

Ao ler o documento na íntegra, cabe questionar o motivo da educa-ção em arte ser considerado facultativo ao aluno de EJA visto que nopróprio parecer se fala nas funções reparadora, eqüalizadora equalificadora dessa modalidade de ensino (p.10). O caráter de adequa-ção aos tempos e espaços dos currículos não pode ignorar o acesso a umprojeto pedagógico que contemple a ampliação dos direitos de cidadania,de inserção no trabalho em todas as suas áreas de atuação e melhoria daqualidade de vida material, cultural e intelectual. Questionamento aindarespaldado no Parecer CNB 15/98 e Resolução CEB 02/98 onde se lêque a EJA-Ensino Médio deverá atender aos saberes das ÁreasCurriculares de Linguagens e Códigos, Ciências da Natureza e Mate-mática, Ciências Humanas e suas respectivas tecnologias igualando-sedessa forma às orientações curriculares para o ensino médio no Brasil.

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O ensino do teatro no contexto da EJA/UFRGS

Podemos aproximar as concepções do teatro clássico, que encaraa arte como a imitação da vida, com a vertente do psicodrama que, emconsonância com a utilização do teatro em atividades didáticas, come-morativas ou religiosas e ritualísticas, dão conta da arte da representa-ção como uma extensão da vida.

Ler a realidade e apresentá-la na forma teatral com propósitos deauto-conhecimento e/ou de transformação de si, do outro ou da sociedadepode proporcionar a elaboração dos nexos plausíveis, referidos por PauloFreire, também para os alunos-artistas. Trabalhar na lógica do encontro deculturas e no olhar sensível para o lugar de onde vem esse jovem e adultopode ser um caminho interessante a se percorrer nas aulas de teatro.

O teatro possibilita a interação dos sujeitos com os outros sujeitos deforma plena. A educação para a estética tira o aluno da posição de um meroconsumidor de cultura para aproximá-lo de um protagonismo que liberta dapadronização, desenvolve pensamento crítico, humaniza. É nesse contextoque o educador pode colocar-se como um “tradutor de culturas” 6, atravésde uma postura problematizadora que aproxima os saberes trazidos pelosaprendentes e o conhecimento científico/artístico acumulado.

Falar em educação estética significa falar em construção da sub-jetividade. A matriz estética polariza o saber cotidiano com o acadêmico,colocando-se inclusive como desafio ao educador que, via de regra, nãohabita os mesmos espaços sociais que seus alunos.

As temáticas de consciência e de estética abordadas comoreafirmação do conceito aristotélico de arte como imitação, como espe-lho da vida e a consciência como uma co-criação do futuro de cadasujeito. Vista como forma e maneira de organizar qualquer prática sociale pessoal, ampliam-se esses conceitos ao afirmar que estética é puracarga ideológica, é hegemonia de visão de mundo7.

Dessa forma, podemos ver que mais do que ensino de teatro éadequado falar em educação pelo teatro. Considerando-se que os tem-pos destinados aos cursos de educação de jovens e adultos se colocamde forma condensada, é possível afirmar que a prática do teatro, en-

6 A expressão “tradutor de culturas”, referindo-se a uma função do educador, é uma anotaçãode aula da apresentação de “Escola e Emancipação: currículo, tempo e espaço”, tese de

doutorado de Alexandre Virgínio. UFRGS, 2006.7 Apontamentos das aulas da disciplina “Ética do Cuidado na Escola”, no curso de Especiali-zação em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio naModalidade de Educação de Jovens e Adultos, promovido pelo Programa de Pós-Graduaçãoda Faculdade de Educação da UFRGS, com a Dra. Malvina Dornelles do Amaral.

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quanto linguagem respeitando suas diferentes etapas processuais na cons-trução de um objeto artístico, promove aproximação de muitas áreas doconhecimento, sendo transdisciplinar em sua essência.

Educar em arte é poder mostrar que cada detalhe de um produtoartístico é constituído com um objetivo. Não há acaso, há a sensibilidadepara a leitura de formas, sons e movimentos que a realidade oferece.Articula-se, compara-se, contrapõe-se e justificam-se esses estímulossonoros, visuais, cinestésicos que a realidade apresenta, reordenando-os. Simbolizar artisticamente é decodificar numa linguagem que se utili-za da forma, do som, do movimento para apresentar e/ou reapresentar omundo e a realidade.

Visto que se apontam como significativas as aprendizagens queenvolvem os sujeitos como um todo, abordar identidade, cultura e traba-lho de forma consciente e conscientizadora através de uma linguagemartística como o teatro, parece interessante no contexto da EJA.

Considerações finais

O artista está sempre dialogando com a realidade ao ressignificá-laem diferentes formas de expressão, seja ela sonora, visual ou dramática.Propõe novas situações ficcionais, novas realidades e reassume, ainda queprovisoriamente, a conexão arte-rito-mito. Esse movimento de diálogo coma realidade através de suas representações pode enriquecer de forma subs-tancial as propostas curriculares na educação de jovens e adultos.

Educar em arte numa perspectiva reflexiva, libertadora, contribuipara esse enriquecimento por resgatar não somente a propalada auto-estima e sociabilidade, como experimentar o comprovado aumento nashabilidades de observação, concentração e percepção de si, do outro edo espaço em que habita.

Aos re-incluídos na escola, na EJA, o teatro como forma de cons-trução do conhecimento pode, através de associação transdisciplinar comas outras linguagens e tecnologias entrelaçar saberes que transcende autilização da linguagem dramática como recurso didático. Encontrar-sena perspectiva de protagonista para a construção de uma identidade ar-tística individual e coletiva favorece não somente a aquisição prazerosade conceitos, como contribui para o exercício contínuo da consciência noprocesso de aprender em contraposição ao acúmulo de informações.

Pensando no culto ao individualismo como uma prática cultural quefragiliza e desumaniza, pode-se pensar em tomar o caminho inverso ao

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educar pelo teatro. Ao tornar o ensino em arte uma área de conhecimentotão reconhecida quanto as demais, é possível resgatar cidadania numaperspectiva de valorização das diferentes identidades culturais. O espaçode encontro para a realização dessa atividade efêmera e eminentementecoletiva que é o teatro pode configurar-se em momento de interação dosaprendentes que, ao debater suas questões frente ao trabalho e a cidada-nia, criam movimento de conscientização a cerca dessas questões.

Em relação aos gestores da educação profissional, por que não se-guir o exemplo de Escolas Federais como as de Alagoas (no curso deformação de Atores), CEFET-Piauí (curso Técnico de Música e de ArtesPlásticas) e CEFET-Pará (curso Técnico de Música) que vislumbram noofício artístico possibilidades de trabalho e renda aos seus alunos?

Referências

COURTNEY, Richard. Jogo, Teatro e Pensamento. São Paulo: Perspectiva, 1974.

FUCHS, Ana Carolina Müller. Improvisação Teatral e Descentração. Porto Alegre:UFRGS, 2005. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educa-ção, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005.

ICLE, Gilberto. Teatro e Construção de Conhecimento. Porto Alegre: MercadoAberto, 2002.

____________. O Ator como Xamã. São Paulo: Perspectiva, 2006.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Documento base do Programa de Integraçãoda Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educa-ção de Jovens e Adultos. Brasília: Ministério da Educação, 2006.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: EnsinoMédio Brasília: Ministério da Educação, 1999.

NOGUEIRA, Adriano. Reencontrar o corpo: Ciência, Arte, Educação e Socieda-de. Taubaté: Cabral – GEIC, 1996.

ROUBINE, Jean Jacques. A Arte do Ator. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1987.

STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do ator. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1970.

VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. Porto Alegre: L&PM, 1988.

“- Cinema é como TV, teatro é como livro - onde a gente que assiste ou lêtambém inventa um pouco da história”.

Citação do aluno Isaías ao comentar apreciação do espetáculo SantoGuerreiro e da própria atividade teatral.

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UMA NOVA PROPOSTA DE ENSINO NAESCOLA PÚBLICA

Analice Maria ANTONIOLLI1

Juçara BENVENUTI2

Apresentamos um trabalho que vem sendo realizado no ColégioEstadual Pe. Colbachini de Nova Bassano. Trata-se de uma propostadiferenciada de ensino da Língua Portuguesa na Educação de Jovens eAdultos (EJA) que iniciou em 2002. Esta proposta trabalha a educação,na perspectiva de totalidade nas várias dimensões do conhecimento, emrelação ao sujeito, ao objeto e ao contexto, pois o conhecimento estávinculado à realidade, a situações concretas.

Esta modalidade de ensino prioriza a pesquisa da realidade a partirdas falas dos educandos e o planejamento coletivo envolve as três gran-des áreas do conhecimento: sociolingüística, sócio-histórica esociocientífica.

Um novo modelo se constrói, quando há um processo coletivo, quan-do há uma escolha convicta de acreditar que o conhecimento que de fatoconta para a transformação social nasce da ação comprometida de todos.

Como a Língua Portuguesa foi o caminho de colonização do Brasil,que seja, também, o caminho para reverter esta realidade de colonizaçãosempre presente, que pelo ensino do idioma hoje se possa aprender a lero “texto no contexto”, como diz Freire (2001.p.11), “[...] linguagem erealidade se prendem dinamicamente, a compreensão de texto a seralcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entreo texto e o contexto”.

1 Especialista em Educação Profissional Técnica de Jovens e Adultos e professora da redeestadual de Nova Bassano na área de Língua Portuguesa.2 Mestre em Teoria da Literatura, Coordenadora do projeto de Educação de Jovens e Adultosdo Colégio de Aplicação da UFRGS e professora de Língua Portuguesa e Literatura, orientadorado Trabalho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.

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Para tanto apresentamos uma pequena retrospectiva analítica dahistória da Educação no Brasil, desde sua colonização até a época atual,destacando o trabalho de Freire, que embasou a construção das políticaspúblicas que desencadearam a possibilidade das escolas criarem seusprogramas de ensino e pensarem as necessidades do seu público alvo.

A “Educação de Jovens e Adultos” inicia-se ainda no período colo-nial quando os Jesuítas transmitiam seus princípios religiosos e ensina-vam seus ofícios aos indígenas e aos escravos. Em 1750, com a expul-são dos Jesuítas, foram instituídas as aulas régias para profissionalizaçãoe qualificação de docentes. Já, com a vinda da Família Real, foram cria-dos Cursos Superiores na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco e MinasGerais: Escola de Serralheiros, Oficiais de Lima e Espingardeiros, osquais identificam a intencionalidade de sua criação.

A Constituição de 1824 garantiu a instrução primária e gratuita paratodos os cidadãos, porém essa premissa não passou de intenção constitu-cional. Não há interesses econômicos e políticos que possam se projetarsobre a educação dos que não fossem da elite. A Constituição de 1891, naPrimeira República, apontou a descentralização do ensino público,direcionando a responsabilidade para as Províncias e os Municípios. Essamesma Constituição excluiu os analfabetos da participação pelo voto.

Um marco importante na história da educação, principalmente naeducação de adultos, é a revolução de 1930, que emerge com a industri-alização e a aglomeração nas cidades, fato que destacou a necessidadeda qualificação da mão-de-obra. A partir dessa realidade, começou-se avisualizar a educação das classes trabalhadoras, desencadeando um pro-cesso de reorganização estrutural do Governo e a criação, em novembrode 1930, do Ministério da Educação e Saúde.

Na Constituição da República Nova de 1934, foram incluídas aobrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário, estendido aos adultos.

Em 1947, foi criado pelo mesmo Ministério, o Serviço de Educa-ção de Adultos que, até fins da década de 50, desenvolveu o atendimentoa partir da infra-estrutura de Estados e Municípios.

Enquanto isso, alguém que nascera no dia 19 de setembro de 1921,atuava como professor de Português. Seu nome era Paulo Reglus Ne-ves Freire, conhecido mundialmente como Paulo Freire. Essepernambucano falava de educação social, do conhecimento do aluno desi mesmo e dos problemas que o afligiam. Ele não via a educação sim-plesmente como meio para dominar os padrões acadêmicos deescolarização ou para profissionalizar-se. Falava da necessidade de seestimular o povo a participar de seu processo de emersão na vida públi-ca, engajando-se no todo social.

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Nessa época, começaram a surgir campanhas que, mesmo nãodurando muito tempo, foram tentativas de erradicar o analfabetismo. Em1958, Juscelino Kubitscheck se afirma enquanto força no poder e semostra preocupado com os problemas e misérias sociais. Uma delas é aeducacional. Mesmo dentro de uma concepção populista, este momentofoi propício para o segmento da sociedade civil mais progressista, comoos operários intelectuais, estudantes, professores, campesinato, clerocatólico que se organizaram ainda mais. Paulo Freire fazia parte destegrupo, e, assim, foi um dos representantes do pensar daquele tempo.

Começaram a surgir movimentos de educação que reinventavamações junto aos grupos populares como práticas de organização,mobilização e conscientização na luta por melhores condições de vida.Entre eles, surge o MCP (Movimento de Cultura Popular do Recife) doqual o professor Paulo Freire fez parte, juntamente com outros professo-res e artistas.

Em Angicos, um lugar pequenino no sertão pernambucano, come-çou um jeito diferente de ensinar a ler-e-escrever: denominado de o“Método Paulo Freire”. As pessoas adultas aprendiam a ler e a escrevermais depressa e bem melhor, porque elas não aprendiam só a ler e aescrever as palavras, mas aprendiam a pensar e a refletir.

Em 1964, foi criado o Programa Nacional de Alfabetização do MECe iniciou-se um período de mais de vinte anos de ditadura militar. Era oinício da estagnação do processo educacional, sob a alegação oficial deque os movimentos anteriores eram de cunho “ideológico”. Em um paísque vivia em plena ditadura, o Método Paulo Freire começou a ser con-siderado um “perigo”, porque

[...] a EDUCAÇÃO ajuda a mudar as PESSOAS. E ela muda as PESSOASensinando elas, a saber, ler melhor, a saber, pensar melhor, a saber julgarmelhor o que está acontecendo, a saber agir melhor, juntas, uma ao ladodas outras.E, assim, PESSOAS que sabem ler palavras lendo o MUNDO, haveriam desaber mudar o MUNDO. Saberiam como fazer um MUNDO melhor para avida de PESSOAS mais felizes (BRANDÃO, 2001, p. 42).

Após o exílio de Paulo Freire, foi proibido qualquer tipo de trabalhocom a Educação Popular e alfabetização com o método Paulo Freire.

Em 1967, o Governo Federal criou o Movimento Brasileiro de Al-fabetização – MOBRAL – e o ensino supletivo, com o objetivo de ofere-cer alfabetização a amplas parcelas dos adultos analfabetos, medianteum intenso controle federal e centralizado. Assim também em 1971, sur-

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giu a Lei 5692, forjada nos gabinetes da ditadura, que regulamentava oensino supletivo. Essa estrutura, adequada à nova composição política,estabelecia controle conservador e centralizador.

No final de 1985, o MOBRAL foi extinto nacionalmente e substitu-ído pela Fundação Educar, que teve seu estatuto aprovado pelo Decreto92374 de 6/02/86. Constitui-se na reprodução do ensino queinstrumentalizava o saber para a força de trabalho.

Em 1979, Paulo Freire pôde voltar ao Brasil. Ele já era um educa-dor conhecido no mundo inteiro. Sem perder tempo, voltou ao seu traba-lho de professor e aos “movimentos de educação popular”.

Em 1988, a Constituição Federal previu a modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos. Em 15 de março de 1990, a Fundação Educar foiextinta por Medida Provisória. Em substituição à Fundação Educar, oGoverno Collor criou o Programa Nacional de Alfabetização e Cidada-nia, o qual não chegou a ser implantado.

Em 1996, foi promulgada a lei, vigente até hoje no país, que esta-beleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394.O artigo 37 em seu caput prevê: “A educação de jovens e adultos serádestinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos noensino fundamental e médio na idade própria”.

Neste cenário as escolas puderam construir seus planos político-pedagógicos e seus regimentos adaptados à nova lei. No Rio Grande doSul, em abril de 1999, foi desencadeado um amplo movimento, denomi-nado Constituinte Escolar que se caracterizou como um instrumento deconstrução da democracia participativa do Governo do Estado na áreade educação. Este projeto notabilizou-se como um espaço concreto dogoverno democrático e popular para que educadores, educandos, pais,funcionários, movimentos sociais e instituições de ensino ocupassem seulugar nas definições dos rumos da educação.

A partir desse movimento político-pedagógico das práticas concre-tas, da teorização dessas práticas, com encontros locais, regionais e as-sembléia estadual, foram construídos os Princípios e Diretrizes para aEducação na Escola Pública Estadual.

O Colégio Estadual Pe. Colbachini de Nova Bassano participou doprocesso da Constituinte Escolar desde o primeiro momento, construin-do seu projeto político-pedagógico e o regimento escolar a partir dosprincípios e diretrizes da Nova Escola Pública.

Nesta caminhada de construção e a partir dos Princípios e Diretri-zes para a Educação na Escola Pública Estadual emergiu a Filosofia daEscola: “Constituir um processo permanente de vida que leve à constru-

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ção de sujeitos históricos, críticos, protagonistas de uma sociedade plu-ral, solidária, ética e cidadã”.

Ao mesmo tempo em que os sonhos e utopias se identificarammais com o modelo histórico-social, priorizando o homem como sujeitohistórico, a prática se tornou reveladora de ações que viabilizaram umprojeto não-excludente. Isso demandou a reformulação das diretrizesque determinavam os trabalhos da escola e a criação de outras que pu-dessem apontar novos caminhos, metodologias e práxis pedagógicas.

Para tanto, fez-se necessário que a escola norteasse sua práticana construção de um currículo contextualizado, que contribuísse para odesenvolvimento social da Comunidade de Nova Bassano, buscando tam-bém a inclusão dos cidadãos trabalhadores que não tinham tido acessoou continuidade dos estudos na idade própria.

Iniciou-se em 2002 a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no En-sino Fundamental e Médio no Colégio Estadual Pe. Colbachini com oobjetivo de:

Desencadear um processo de construção, reconstrução e ressignificaçãodos saberes reveladores de sujeitos históricos, críticos, conscientes deseus direitos e deveres, com tempo e espaços pedagógicos diferenciados,priorizando as diversidades sócio-culturais, a interdisciplinaridade emetodologias reveladoras de histórias e vivências formadoras de cida-dãos éticos. (Proposta político-pedagógica, 2006, p.21).

O Ensino Fundamental e Médio na Modalidade de Educação deJovens e Adultos foi organizado por Totalidades de conhecimento. Aconcepção de totalidade considera que, assim como há constante inter-relação dos fenômenos da natureza, o conhecimento se relaciona ativa-mente nos seus diferentes aspectos, constituindo-se em um processo detotalização, que determina a predominância do todo sobre as partes. Estavisão de Totalidade remete a estruturar o ensino de forma global, emníveis crescentes e articulados entre si, não de modo estanque. Destaforma, trabalham-se os conhecimentos com conotação interdisciplinar,nas três grandes áreas do conhecimento: sociolingüística, sócio-históricae sociocientífica.

Nesta perspectiva, o ensino da Língua Portuguesa está sendo tra-balhado dentro da área Sociolingüística, juntamente com Literatura, Arte,Educação Física e Língua Espanhola numa relação de interdisciplinaridadecom as áreas Sócio-histórica (História, Geografia, Ensino Religioso e noEnsino Médio a inclusão de Filosofia e de Sociologia) e Sociocientífica(Matemática e Ciências, sendo que no Ensino Médio ocorre a divisão

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das ciências em Química, Física e Biologia). Defende-se a menor divi-são das disciplinas, encaminhando a uma ação, na qual as Áreas doConhecimento produzem-se interdisciplinarmente.

Os trabalhos do cotidiano de sala de aula são planejados a partirdas falas dos educandos, ou seja, a partir de dimensões significativas,portanto a interdisciplinaridade constitui-se como um caminho para atransformação, utilizando uma nova pedagogia, capaz de restituir vidanos processos de ensino-aprendizagem. Estes trabalhos devem desvelaras contradições existentes na realidade, remetendo a uma análise críticaque possibilitará a interação de suas partes e o rompimento com o sensocomum.

Aprender a ler textos nos contextos envolve compreender que vi-vemos em mundos de experiência da vida cotidiana onde, além daquelagramática que ordena e classifica os elementos de uma língua escrita-e-falada, existem outras gramáticas.

Surge, então, uma pergunta que todo educador de Língua Portu-guesa se faz, sobretudo hoje, pois os educadores, mesmo não sabendobem para onde ir, sabem que precisam revisar a prática pedagógica doensino da língua:

[...] Pois uma pergunta fundadora, quando se mergulha no chão sem fundodos mistérios do aprender-a-pensar aprendendo a ler e a escrever, seriaesta: “o que é que se deve aprender para saber ler e a escrever em ummundo social, quando se aprende a ler e a escrever as palavras da línguadeste “mundo”, ou seja, da cultura deste mundo social?” (BRANDÃO,2002, p.428).

O conhecimento vai sendo construído significativamente por esteseducandos que vêem no ensino da Língua Portuguesa a possibilidade demelhorarem como cidadãos conscientes e críticos da sociedade, vivendonum mundo de relações.

Paulo Freire reconhecia a importância da memória, embora afir-masse que a simples memorização, desvinculada do esforço de compre-ender, não era sinal de conhecimento. As pessoas são sujeitos no pro-cesso de construção de seu saber, estimuladas por outros, mas de acor-do com o que já sabem, porque o conhecimento é social. É agindo que osseres humanos se confrontam com a necessidade de aprender e cons-troem o conhecimento que nasce da ação e volta para a ação de trans-formar.

Percebemos o sentido da construção de relações humanas ou deconhecimento, através do resgate da experiência da vida cotidiana das

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mulheres e dos homens da EJA, com suas alegrias, com suas verdades ecom suas angústias.

Os educandos da EJA nos revelam com clareza e profundidade asuperação de metodologias fragmentadas e de um processo de aprendi-zagem individual. Percebe-se o crescimento e aprendizagem de todos,pois passam a se sentir cidadãos na loja, na fábrica, podendo falar epermitindo-se escrever suas próprias histórias.

Cabe, então, ao educador a tarefa de inverter este processo, não fa-lando, não dissertando, mas provocando, problematizando a realidade paraque o educando desenvolva com prazer e com criticidade a expressão.

Ao abordar os saberes necessários à prática educativa, Freire diz que:

Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilida-des para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro emuma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosida-de, às perguntas dos alunos, a suas inibições: um ser crítico e inquiridor,inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferirconhecimento. (FREIRE 1997, p.52).

No entanto, não basta os educadores falarem de construção doconhecimento, devem estar envolvidos nesta construção e envolver oseducandos numa relação democrática: mostrar a Ivo que o mundo desi-gual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido e nãoestimulando o clima democrático por meios e caminhos autoritários epreconceituosos, como o exemplo do uso das conjunções “mas”:

[...] Tão fingido quanto quem diz combater o racismo mas, perguntado seconhece Madalena, diz: “Conheço-a . É negra mas é competente e decen-te.” Jamais ouvi ninguém dizer que conhece Célia, que é loura, de olhosazuis, mas é competente e decente (FREIRE, 1997, p.53).

Os educadores de expressão precisam estar conscientes de que aLíngua Portuguesa é um sistema codificado e legislado gramaticalmentesegundo uma norma culta, resultante de acordos entre autoridades “com-petentes” de Portugal e de ex-colônias. Mas sabemos que esses paísescolonizados possuem muito pouco poder de decisão a respeito de algu-mas normas rígidas de “língua culta”. Assim, aprender o português ébuscar saberes do colonizador, saberes de um modelo anterior consagra-do de falar e escrever pela mesma gramática, distribuída de norte a suldo país.

Sabemos, porém, que, como qualquer outra língua, a nossa é umsistema vivo, é uma construção cultural de todos os dias e entre todas as

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gentes, alunos de Nova Bassano ou do Pará, ou de qualquer recantodeste país. Somos todos participantes de um mesmo universo cultural defala e escrita, construímos a cada dia a realidade presente de uma formade que falamos e escrevemos o que somos.

O povo é soberano na criação da cultura na língua nacional, e sãoos legisladores, os gramáticos que precisam rever as normas, pois hámuitos “falares” de norte a sul deste país que modificaram a próprialíngua dita “culta”. Assim, através do ensino de Língua Portuguesa, oeducador tem que ter presente que cada um de nós é criador de nossosmundos, somos autores conscientes de todas as nossas gramáticas, denossas lendas, de nossas poesias.

Referências

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. História do menino que lia o mundo. 2. ed.,Veranópolis: ITERRA, 2001.

____ . A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. São Paulo: Saraiva, 1997.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 41. ed., São Paulo: Cortez, 2001.

____ . Pedagogia da autonomia. 6.ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

PROEJA Documento Base. Brasília: Gráfica do Ministério da Educação, 2006.

Proposta político-pedagógica do Colégio Estadual Pe. Colbachini. Nova Bassano,2006.

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Concepções e Princípios Para UmaProposta Curricular para o ensino

de Química no EJA/PROEJA

Raquel Lettres1

Edson Luiz Lindner2

Introdução

A integração entre o Ensino Médio e a Educação Profissional parao público da Educação de Jovens e Adultos – EJA é uma novidade naestrutura educacional brasileira. Com o Programa de Integração da Edu-cação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos – PROEJA, busca-se resgatar, ao sistema escolarbrasileiro, jovens e adultos que não tiveram oportunidade de estudar naidade apropriada ou que por algum motivo, abandonaram a escola antesde terminar a Educação Básica. O PROEJA vai possibilitar o acesso àeducação e a formação profissional na perspectiva de uma formaçãointegral.

Após retorno do adulto para a escola, é preciso garantir que elenão a abandone. Muitas vezes chegam cansados, depois de um dia detrabalho, com pouco tempo para se dedicar aos estudos, mas cheios dehistórias e vivências, ou seja, com um conhecimento prévio bem diferen-te (maior) do que as crianças. As altas taxas de evasão (menos de 30%concluem os cursos) têm origem no uso de material didático inadequadopara a faixa etária, nos conteúdos sem significado, nas metodologiasinfantilizadas aplicadas por professores despreparados e em horários deaula que não respeitam a rotina de quem estuda e trabalha. Problemas

1 Professora de Química do Colégio de Aplicação / UFRGS, Especialista em Educação /PROEJA turma Porto Alegre.2 Prof. MSc. do Colégio de Aplicação da UFRGS - Orientador do Trabalho de Conclusão daautora que resultou no presente artigo.

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como esses podem ser resolvidos quando o professor conhece asespecificidades desse público e usa a realidade do aluno como eixo con-dutor das aprendizagens. Após a alfabetização, garantir a continuidadedos estudos é outro desafio.

Este artigo irá refletir sobre as propostas curriculares para o ensino deQuímica na realidade do EJA/PROEJA. Valorizando uma proposta curricularinclusiva e democrática, em que o sujeito possa exercer sua cidadania deforma consciente, interdisciplinar onde o currículo está dentro dacontextualização da realidade do sujeito, sujeito este singular, que trazconsigo uma trajetória histórica que deverá ser respeitada na troca desaberes entre educador e educando.

EJA/ PROEJA

A Educação de Jovens e Adultos – EJA no Brasil é marcada peladescontinuidade de projetos e por políticas públicas insuficientes paradar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito, nos termosestabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Essas políticas são, mui-tas vezes, resultantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados,especialmente no âmbito da alfabetização, que se somam às iniciativas doEstado. A Organização Não Governamental Ação Educativa, uma das par-ceiras do Ministério da Educação para a realização de projetos, co-editoue distribuiu uma Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos.É um exemplo de iniciativa do Estado no sentido de enriquecer os ProjetosPedagógicos das instituições e estabelecimentos que desenvolvem estamodalidade da Educação Básica, na etapa do Ensino Fundamental. Noentanto, as políticas de EJA não acompanham o avanço das políticas pú-blicas educacionais que vêm alargando a oferta de matrículas para o Ensi-no Fundamental, universalizando o acesso a essa etapa de ensino.

O Censo Escolar 2003 apontou o crescimento de 12,2% nas matrí-culas de jovens e adultos na rede oficial, mais de 4,2 milhões de pessoasque voltaram a estudar, sem contar outras 730 mil atendidas por movi-mentos populares, empresas, sindicatos ou organizações não governa-mentais. “Se a educação é um direito de todos, independentemente daidade, como diz a nossa Constituição, temos de dar à EJA a mesmaatenção oferecida a todos os segmentos do ensino básico”, afirma Cláu-dia Veloso, coordenadora-geral de EJA do Ministério da Educação (Re-vista Nova Escola, 2003).

O PROEJA surge ao mesmo tempo em que puderam ser removi-dos os obstáculos legais que impediam a expansão da Rede Federal de

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Educação Profissional e Tecnológica (Lei 9649/98). Após um período deestagnação, por conta de uma opção pela gradual privatização da educa-ção profissional, o que causou enormes prejuízos ao processo de desen-volvimento nacional, percebeu-se a importância de uma rede profunda-mente vinculada às matrizes produtivas locais e regionais, capaz de arti-cular a educação profissional à formação propedêutica na perspectivade uma formação para a cidadania.

Os educandos

Os sujeitos educandos por pertencer a uma população com faixaetária adiantada em relação ao nível de ensino demandado acabam cons-tituindo um grupo populacional que tem sido reconhecido como integranteda chamada “distorção série-idade”. De acordo com o Documento Basedo PROEJA (2006) a LDBEN de 1996, ao reduzir a idade mínima exigidapara a realização dos exames de conclusão do Ensino Fundamental para15 anos e do Ensino Médio para 18 anos (na legislação anterior era 18anos para o 1ºgrau e 21 anos para o 2ºgrau), criou na prática alguns proble-mas para as escolas de EJA e para gestores e professores. Em muitoscasos, jovens com tal defasagem idade-série abandonam os cursos regula-res tão logo atingem a idade dos exames, substituindo a possibilidade devivenciar processualmente um curso pela oportunidade de concorrer a umcertificado mais rapidamente.

Embora a legislação não defina a idade mínima para acesso em cur-sos de Ensino Fundamental ou de Ensino Médio na modalidade de EJA, háque se exercer papel pedagógico para orientar jovens que venham embusca de substituição de estudos regulares, decorrendo daí, uma vez mais,exclusões para aqueles sempre e historicamente excluídos do direito edu-cacional. Pensar em sujeitos com idade superior ou igual a 18 anos, comtrajetória escolar descontínua, que já tenham concluído o Ensino Funda-mental é tomar uma referência, certamente, bem próxima da realidade devida dos sujeitos da EJA. Esses sujeitos são portadores de saberes produ-zidos no cotidiano e na prática laboral. Formam grupos heterogêneos quantoà faixa etária, conhecimentos e ocupação (trabalhadores, desempregados,atuando na informalidade). Em geral, fazem parte de populações em situ-ação de risco social e/ou são arrimos de família, possuindo pouco tempopara o estudo fora de sala de aula.

De acordo com Vygotsky (2001), uma adequada aprendizagem es-

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colar promove um tipo de desenvolvimento capaz de permitir uma maiorcapacidade de abstração, como a que se necessita para produzir um pen-samento coerente e fundamentado em argumentos sobre determinadocontexto ou sobre determinada situação em um contexto mais amplo. Essacapacidade é básica, porém não é inata nem de desenvolvimento espontâ-neo, isto é, precisa ser constituída na relação pedagógica.

A participação efetiva dos alunos na produção de conhecimentospressupõe o estímulo cotidiano para os muitos possíveis aprendizados, naperspectiva de constante superação, desenvolvendo sua consciência dovalor da escolarização e da qualificação profissional. Pensando essa polí-tica na esfera do Ensino Médio, é preciso ainda romper, de uma vez portodas, com a visão exclusivamente propedêutica dessa etapa de ensino.Principalmente, com a concepção de ser essa etapa apenas um cursopreparatório para os exames vestibulares. Essa concepção é ainda predo-minante nas instituições de ensino médio. Em suma, há necessidade daruptura paradigmática dos modelos vigentes no Ensino Médio, fortementecentrados nos conteúdos específicos e nas disciplinas. (Brasil, 2006)

Propostas Tradicionais

Na década de 80 os alunos eram considerados “pequenos cientis-tas”; nessa época o ensino era organizado através de uma seqüência deetapas: observação neutra, elaboração de hipóteses, testagem em buscade regularidades e comunicação das “verdades” absolutas. De acordocom Becker (2003) a escola, em geral, e a Universidade, em particular,sofrem de uma inércia histórica no que se refere à transmissão e à produ-ção do conhecimento. A disposição profunda parece ser sempre a de co-piar, de reproduzir. Na verdade, nós praticamos e professamos uma peda-gogia e uma didática de reprodução, ou da repetição, quando ensinamos.Quando pesquisamos, encontramos dificuldades para superar esse quadroe orientar nossas atividades na direção de um construtivismo científico.

Muitas práticas pedagógicas atualmente utilizadas constituem-se emexigências às quais parte dos educandos não tem condições de respondersatisfatoriamente, observamos em nosso meio, escolas com padrões po-bres de estimulação, métodos rígidos e indiscriminados, chocantes anota-ções reprovativas de professores diante das dificuldades de alunos.

A escola tradicional se caracteriza por ser baseada em “programas” em queos saberes, organizados numa determinada ordem, são estabelecidos por

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autoridades burocráticas superiores. Os professores são aqueles que sa-bem o programa e o ensinam. Os alunos são aqueles que não sabem eaprendem. Os professores são ativos, os alunos são passivos. A grandepreocupação burocrática e funcional dos professores é “dar oprograma”.(Alves, 2005, p.119)

Segundo Chassot (1995) o Ensino (Médio) apresenta, entre outras,algumas características: asséptico, abstrato, dogmático, a-histórico e ava-lia de uma maneira ferreteadora. Características estas muito presentesnos diferentes níveis do Ensino da Química. Há um outro sério complicadornos nossos currículos para o ensino de Química. Ensina-se Química, noEnsino Médio, para prepararmos para o vestibular; ou ainda pior, ciências,no Ensino Fundamental, para preparar os estudantes para o Ensino Médio.

Transformação da prática curricular

Um dos primeiros passos para transformar a prática curricular corrente,predominantemente disciplinar e fragmentada, em algo que possa contri-buir para uma visão mais ampla do conhecimento, que possibilite umamelhor compreensão do mundo físico e para a construção da cidadania é aadequação dos objetivos e dos conteúdos marcados pelo currículo emcada etapa à realidade educativa da escola. Para tal, é preciso previamenteentrar em acordo sobre qual é essa realidade educativa.

Freire (1996) coloca ao professor e, mais amplamente, à escola, odever de, não só respeitar os saberes com que os educandos chegam a ela,sobretudo os das classes populares, mas também os saberes socialmenteconstruídos na prática comunitária. Realidade esta que deve levar em con-ta as diferenças individuais em capacidades e suscetibilidade de auto-ex-pressão, expectativas sociais, culturais e subculturais, as circunstânciasparticulares da vida de cada indivíduo e uma série de outros fatores, o quedeterminará suas necessidades educativas mais imediatas.

De acordo com Piaget (2005) todos os educandos (das mais varia-das idades, e de nível intelectual médio ou superior à média) apresentama mesma capacidade de iniciativa e compreensão. Cabe ao educadorcriar situações e armar dispositivos iniciais capazes de suscitar proble-mas úteis, e para organizar em seguida, contra-exemplos que levem àreflexão. O que se deseja é que o professor deixe de ser apenas umconferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de secontentar com a transmissão de soluções já prontas.

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A grande importância da área de Ciências da Natureza, Matemáti-ca e suas Tecnologias no desenvolvimento intelectual está na qualidadee na quantidade de conceitos, aos quais se busca dar significado nosquatro componentes curriculares: Física, Química, Biologia e Matemáti-ca. Cada componente curricular tem sua razão de ser, seu objeto deestudo, seu sistema de conceitos e seus procedimentos metodológicos,associados a atitudes e valores, mas, no conjunto, as áreas correspondemàs produções humanas na busca da compreensão da natureza e de suatransformação, do próprio ser humano e de suas ações, mediante a pro-dução de instrumentos culturais de ação alargada na natureza e nasinterações sociais (artefatos tecnológicos, tecnologia em geral).

Assim como a especificidade de cada uma das disciplinas da áreadeve ser preservada, também, o diálogo interdisciplinar, transdisciplinare intercomplementar, devendo ser assegurado no espaço e no tempoescolar por meio da nova organização curricular. (Brasil, 2006)

Entretanto os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médioadvertem que a interdisciplinaridade deve ir além da mera justaposiçãode disciplinas e, ao mesmo tempo evitar a diluição delas em generalida-des. De fato será principalmente na possibilidade de relacionar discipli-nas em atividades ou projetos de estudo, pesquisas e ação, que ainterdisciplinaridade poderá ser uma prática pedagógica e didática ade-quada aos objetivos do Ensino Médio.

Essa integração entre as disciplinas para compreender, prever etransformar a realidade aproxima-se do que Piaget (2005) chama deestruturas subjacentes. É destacado pelo autor um aspecto importante, acompreensão dessas estruturas subjacentes não dispensa o conhecimentoespecializado, ao contrário, somente o domínio de uma dada área permi-te superar o conhecimento meramente descritivo para captar suas cone-xões com outras áreas do saber na busca de explicações.

Concepções e Princípios para uma NovaProposta Curricular

A escolha de outro caminho depende, em primeiro lugar, do ProjetoPolítico Pedagógico elaborado pela escola, considerando a realidade re-gional e a de seus alunos. O que o ensino da Química deve buscar éassegurar no Ensino Médio que a competência investigativa resgate oespírito questionador, o desejo de conhecer o mundo em que se habita.

O currículo deve buscar a integração dos conhecimentos, especial-

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mente pelo trabalho interdisciplinar. A interdisciplinaridade só é possível emum ambiente de colaboração entre os professores, o que exige conhecimen-to, confiança e entrosamento da equipe e, ainda, em tempo disponível paraque isso aconteça. Nessa perspectiva, a interdisciplinaridade implica umamudança de atitude que se expressa quando indivíduo analisa um objeto apartir do conhecimento das diferentes disciplinas, sem perder de vista méto-dos, objetivos e autonomia próprios de cada uma delas.

Os conteúdos escolhidos devem ser relevantes para os alunos jovense adultos do ponto de vista social, cultural e científico, auxiliando-os a com-preender e superar interpretações ingênuas sobre as relações entre a na-tureza, o ser humano e as tecnologias existentes em seu cotidiano. Paraselecionar conteúdos relevantes, social, cultural e cientificamente, o pro-fessor de EJA/PROEJA precisa conhecer seus alunos: seu trabalho, suasrelações familiares, que tipo de contatos mantêm com a ciência e atecnologia, quais as suas concepções sobre os fenômenos naturais etc.Questionários respondidos pelos estudantes, debates e apresentações deseminários, que permitam maior contato com o grupo de alunos, favore-cem um conhecimento inicial, que deve se aprofundar com asproblematizações no decorrer do trabalho. As informações iniciais e a cons-tante observação das características dos alunos tornarão mais fácil para oprofessor da Educação de Jovens e Adultos definir os conteúdos relevan-tes para o grupo específico com o qual está trabalhando.

Os conteúdos devem favorecer uma visão do mundo como um todoformado por diversos elementos (o ser humano e sua cultura, os outros seresvivos, os componentes do meio físico, as tecnologias), em permanenteinteração. O aluno adulto deve ser capaz de perceber que o mundo está emconstante transformação (tem caráter dinâmico) e que o ser humano é umdos agentes dessa transformação, principalmente pelo uso da tecnologia.Por isso, a abordagem estanque dos conteúdos de cada uma das CiênciasNaturais (Biologia, Física, Química etc.), sem estabelecer conexões entreeles, deve ser evitada. Os conteúdos devem ser, não apenas fatos e concei-tos, mas também procedimentos, atitudes e valores a serem promovidos deforma compatível com as possibilidades e necessidades de aprendizagemdos alunos e, principalmente, compatíveis com a melhoria da sua qualidadede vida. Ao escolher conteúdos, deve-se ter sempre em mente que a Educa-ção de Jovens e Adultos deve possibilitar ao indivíduo a retomada de seuspotenciais, o desenvolvimento de habilidades e a confirmação de competên-cias adquiridas na vida. Portanto, será necessário assegurar que a seleçãodos conteúdos e metodologias propicie ao aluno “aprender a aprender”, “apren-der a ser”, “aprender a conhecer” e “aprender a conviver” (Brasil,2006).

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Exemplificando uma proposta

Conforme os aspectos apresentados, pode-se exemplificar umaproposta curricular inclusiva, democrática e interdisciplinar onde o currí-culo está dentro da contextualização da realidade do sujeito, ou seja, aconstrução curricular que está em desenvolvimento nas primeiras tur-mas de EJA/PROEJA do Colégio de Aplicação e da Escola Técnica daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

A construção da proposta curricular iniciou com base em uma pes-quisa realizada para conhecer a realidade do aluno que está retornando asala de aula, tendo em vista que, a idade mínima exigida para ingressarna turma é de 18 anos (critério estabelecido na Proposta Pedagógica deacordo com interpretações do Documento Base - PROEJA do Ministé-rio da Educação, 2006). Essa pesquisa procurou avaliar o perfil dos alu-nos com questões que envolviam formação anterior, hábitos de leitura,acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, situação pro-fissional, motivo da retomada dos estudos, entre outras.

Responderam a essa pesquisa 45 alunos (total de 60 alunos matri-culados), sendo que: 21 alunos estão matriculados na modalidade EJA e24 alunos matriculados na modalidade PROEJA.

Entre os alunos do PROEJA 18 alunos cursaram o Ensino Funda-mental regularmente e na EJA 10 alunos, totalizando 62% dos educandos,22% concluíram o Ensino Fundamental na modalidade EJA, 16% con-cluíram através de Supletivos (não foi especificado qual a forma), ne-nhum concluiu no Ensino à distância.

Considerando a rede de ensino de conclusão do Ensino Fundamen-tal, a pesquisa registrou entre os alunos que 62% concluiu na Rede Pú-blica e 38% na Rede Privada.

Os alunos do PROEJA concluíram o ensino Fundamental a maistempo, 8 alunos concluíram esta etapa entre 6 e 10 anos e 8 alunos entre2 e 5 anos atrás. Porém, os alunos da EJA estão a mais tempo afastadosda escola, 7 alunos não freqüentavam a escola a mais de 10 anos.

Quanto ao acesso as novas tecnologias, computadores e navegaçãono World Wide Web – www - (navegação na internet) apenas 23% dosalunos não tem o hábito de navegar e 56% não tem computador em casa.

Após a análise do perfil dos alunos outra atividade semelhante,entretanto mais específica para a área do conhecimento de Ciências daNatureza foi realizada para investigação de conhecimentos prévios, ne-cessidades e interesses por parte desses alunos. O grupo respondeu aduas perguntas específicas:

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• Qual o objeto de estudo da Química?• Que palavras estão relacionadas ao estudo da Química?Uma Proposta Curricular para o ensino de Química no EJA/

PROEJA consistiria em estabelecer uma relação entre os conteúdostradicionais e os assuntos de interesse de grande parte dos alunos, de-monstrados através do instrumento de pesquisa (adequado a cada reali-dade escolar).

Ciências da natureza

A abordagem dos quatro componentes curriculares da área do co-nhecimento, Ciências da Natureza: Física, Química, Biologia e Matemá-tica, de uma forma interessante, pode acontecer através de Temas deTrabalho, visando à integração entre os mesmos, conforme Figura 1.

Figura 1 – Integração entre os componentes curriculares da área Ciênciasda Natureza.

Como conteúdos selecionados para compor a proposta pode-seexemplificar:

· Química e Matemática

Densidade; solubilidade, Ponto de Fusão e Ponto de Ebulição (P.F. e P.E.)– Plano Cartesiano (interpretação de gráficos)...

· Química e Física

Matéria, corpo, objeto e energia; Mudanças de estado físico; Fenômenosfísicos e químicos; Sistemas Aberto, Fechado e Isolado...

· Química e Biologia

Classificação periódica dos elementos – Alimentação, Ciclos biológicos,nutrição, elementos traços...

Assim cada turma deverá ter sua proposta curricular de acordo

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com o perfil (especificidades e interesses) dos educandos que compõe ogrupo. Pode-se integrar não só os componentes desta área do conheci-mento, mas também haver promover a integração com outras áreas doconhecimento.

Esta proposta difere bastante da prática de significativa parcelados professores de ciências, seja no ensino de crianças e adolescentes,seja na educação de jovens e adultos. Até a conclusão do presente arti-go, o primeiro semestre ainda não havia terminado, para a retomada eanálise crítica da proposta curricular.

Considerações Finais

O ensino no Brasil vem se mostrando, de modo geral, insatisfatórioem resultados. Rápido esquecimento do que se estudou, dos problemascom a indisciplina, com alunos desinteressados e cuja motivação é ex-clusivamente a promoção são alguns dos sintomas de um ensino cujasfalhas vêm sendo diagnosticadas com índices cada vez maiores. É preci-so mudar. É preciso que a aprendizagem escolar envolva conteúdos re-levantes à vida em sociedade.

Os professores que já começaram ou querem começar a transfor-mar sua prática tanto suas aulas, em particular, quanto sua atuação pro-fissional, em sentido amplo não devem inibir-se na experimentação denovos conteúdos, novas técnicas e recursos. Tal processo conferirá aescola dinamicidade e flexibilidade, não permitindo que nem ela nem ocurrículo tornem-se desestimulantes.

Espera-se, portanto, a possibilidade de testar tal proposta, integral-mente, que poderá ser realizada por outros educadores. É importanteressaltar que este artigo não tem o objetivo de encerrar as discussõessobre práticas curriculares para o ensino de Química na Educação deJovens e Adultos, mas pretende apresentar orientações e pontos paradebate e discussão desse tema entre os educadores e administradoresda escola brasileira.

Referências

ALVES, Rubem. “Educação dos Sentidos e mais...” Rio de Janeiro:Versus, 2005.

BECKER,Fernando. “A Origem do Conhecimento e Aprendizagem Escolar.”Porto Alegre: ARTMED, 2003.

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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 dedezembro de 1996.

_. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Profissional eTecnológica (Setec). Programa de Integração da Educação Profissional Téc-nica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos –PROEJA, Documento Base. Brasília: MEC/Setec, 2006.

_. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Básica. Ensino Mé-dio Integrado à Educação Profissional: Integrar para quê? Brasília: MEC,2006.

CHASSOT, AtticoPara que(m) é útil nosso ensino de Química. Canoas: Editorada ULBRA, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à PráticaEducativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.

VYGOTSKY, Lev S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:Martins Fontes, 2001.

Ministério da Educação e Cultura (MEC). Disponível em: <http://www.mec.gov.br>Acesso em abr. 2007.

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O ensino de Física nas classesde EJA/PROEJA: buscando

uma nova paisagem

Francisco Barbosa Teixeira1

Roselaine Machado Albernaz2

Ensaio

Num país de enormes desigualdades sociais, como o Brasil, emque grande parte da população não pode freqüentar a escola na épocaprópria, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem tido uma crescenteprocura e despertado uma série de reflexões políticas e pedagógicas aolongo dos últimos anos.

O governo Federal criou o Programa de Integração da EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na ModalidadeEducação de Jovens e Adultos (PROEJA) através do Decreto 5.478, de24 de junho de 2005. Tendo como desafio político, inserir milhões dedesescolarizados do país e, como desafio pedagógico, construir os currí-culos dos cursos de maneira integrada, valorizando os conhecimentos eas experiências de vida dos(as) estudantes.

Busca-se com a produção deste texto, trazer subsídios para umareflexão sobre o ensino da Física nessa modalidade de ensino.

Não pretendemos oferecer prescrições nem tampouco esgotar osdesafios e as possibilidades envolvidas na temática em pauta. O propósi-to é outro: estimular professores(as) a refletirem sobre suas práticas demodo que busquem outras possibilidade metodológicas.

1 Licenciado em Física pela Universidade Federal de Pelotas2 Profa de Matemática do PROEJA e EMA do CEFET/RS, Mestre em educação Ambiental-FURG- Rio Grande, orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso do autor do presenteartigo.

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O PROEJA: como possibilidade

Em 2005, o decreto n° 5.478 de 24 de junho revelou a decisão dogoverno de atender à demanda de jovens e adultos, excluídos do ensinoregular, ofertando a educação profissional de nível médio articulada aoensino médio. É instituído o Programa de Integração da Educação Pro-fissional Técnica de Nível Médio ao Ensino Médio na Modalidade edu-cação de Jovens e Adultos (PROEJA) tendo como base a Rede Federalde Educação Profissional e Tecnológica uma vez que, mesmo anterior-mente ao decreto, algumas instituições federais já desenvolviam algu-mas experiências com a EJA.

O Programa visa à universalização da educação básica aliada à for-mação para o mundo do trabalho. Pensar na sua consolidação enquantopolítica pública nos remete a condição humanizadora da educação que nãose restringe a tempos ou idades próprias, mas se faz ao longo da vida.

[...] Não nascemos humanos, nos fazemos. Aprendemos a ser. Todos pas-samos por longos processos de aprendizagem humana. Se preferirmos,toda criança nasce humana, mais isso não basta: temos que aprender a sê-lo. (ARROYO, 2000, p. 53)

Diante das limitações do Estado brasileiro no que se refere à ga-rantia do direito de todos(as) à educação pública, gratuita e de qualidade,é fundamental que esta política seja levada aos jovens e adultos queforam excluídos do sistema educacional ou que a ele não tiveram acessoanteriormente.

Segundo o Documento Base do PROEJA (p.27), o Programa pre-vê “o enriquecimento cultural, social, histórico dos alunos(as) e a ofertade uma nova maneira de ler o mundo, em uma perspectiva freireana,estando no mundo e o compreendendo de forma diferente da anterior doprocesso formativo”, ressalta ainda que, os sujeitos desse processo te-rão todas possibilidades de alcançarem seus objetivos porém, sem a ga-rantia de melhoria material de suas vidas.

Como podemos observar, o Programa é mais uma tentativa de res-gate e inserção de milhões de jovens e adultos que compõe o quadro dedesescolarizados no País. Obviamente qualquer iniciativa nesse sentidoé um desafio, porém pensamos que o PROEJA é um desafio muito alémde político, é um desafio essencialmente pedagógico.

O que temos então é uma integração epistemológica de conteúdose práticas educativas, integração entre o saber e o saber-fazer, pois, otermo integrar tem

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...seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ouda unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social,isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processoseducativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como principioeducativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalhointelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, deformar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.(CIAVATTA, in BRASIL, 2005, p.31).

Portanto, devemos pensar o novo modelo integrado de ensino com aconsciência de que na sociedade atual não há mais lugar para uma educa-ção positivista, pois para dar conta das mudanças no mundo do trabalho,emerge cada vez mais a necessidade de desenvolver nos(as) alunos(as) acapacidade de aprender e de apreender o conhecimento. Mais importantedo que desenvolver habilidades sobre um processo de produção, uma se-ção na linha de montagem, uma máquina ou uma operação é a capacidadede ler um manual, de se comunicar com os parceiros de trabalho, de teriniciativa, de criar processos produtivos inéditos e reconstruir o conheci-mento já dado. Portanto, o que mais se demanda de um profissional dofuturo é a capacidade de “aprender a aprender fazer”.

Contudo na construção do currículo dos cursos desse Programa,um passo a mais deve ser dado: o aproveitamento das experiênciasdos(as) estudantes, sendo assim, o conhecimento que eles(as) trazem deseu dia-a-dia deve ser considerado na construção do currículo.

Portanto, para que tenhamos sua consolidação enquanto políticapública, nós, trabalhadores(as) em educação, temos o desafio de cons-truir um curso verdadeiramente integrado que privilegie os saberes daformação humana e, ao mesmo tempo, a formação técnica e que valori-ze os saberes que os(as) estudantes trarão de suas mais diversas expe-riências.

A escola, o conhecimento e a EJA: forças queconvergem

Nas duas últimas décadas, a sociedade tem se deparado com gran-des avanços da ciência e tecnologia. Com o mundo da informação cadavez mais rápida e da busca de uma economia crescente, surgiu aglobalização competitiva, onde a acumulação de capital provocou mu-danças nas concepções de valores sociais e éticos. E é a partir dessasmudanças que devemos pensar como a escola trata a construção doconhecimento.

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É função da escola como instituição educativa, educar para a vida,para cidadania e, assim sendo, saber que educar não é “transferir conhe-cimento”, mas possibilitar condições para que os(as) educandos(as) cons-truam múltiplos saberes e valores éticos.

Os conceitos trabalhados pelo professor(a)-educador(a) serão re-elaborados pelo aluno(a) para se constituir um novo conhecimento. Acre-ditamos que o conhecimento é produzido quando o sujeito, a partir de suahistória, atuar sobre o que percebe.

Demo (2002), nos diz que o conhecimento na perspectiva libertadoradeve estar articulado a uma compreensão crítica da realidade. Logo, oconhecimento consiste numa representação mental de relações coletivas.

No contexto da modalidade da Educação de Jovens e Adultos, ten-do em vista a riqueza de experiências vivenciadas pelos(as) estudantes,tanto no seu cotidiano, como no mundo do trabalho, não devem ser des-prezadas uma vez que podem contribuir no desenvolvimento das ativida-des de sala de aula, sendo ponto de partida para a construção de novossaberes já sistematizados e aceitos cientificamente.

Com isso, acreditamos que a ação metodológica deve partir dacontextualização de problemas, de forma que os conhecimentos estejamcarregados de significados e de praticidade e que correspondam às ne-cessidades cotidianas dos cidadãos(ãs) que conseguiram voltar à escolaem busca de melhor qualidade de vida.

Segundo Gauer (2001), não podemos ignorar a realidade do(a)educando(a). No entanto, pode-se partir do estágio atual de desenvolvi-mento da cultura regional, ou seja, das experiências e concepções preli-minares, sem negá-las, favorecendo, assim a reelaboração do seuarcabouço conceitual, relacionando-as com o conhecimento historica-mente produzido.

Não precisamos criar tópicos novos, mas sim repensá-los, reinventá-los no cotidiano da sala de aula, entendendo que aprender é um processocomplexo, onde o(a) estudante deve ser o sujeito ativo na construção doconhecimento, a partir da sua ação sobre a realidade.

Num mundo de incertezas, não tem mais sentido tratarmos o co-nhecimento como algo constituído de verdades estáticas, mas sim de umprocesso dinâmico, que acompanha a vida e não se constitui em meracópia do exterior. Emerge das diferentes interações na sociedade.

Além disso, Gauer (2001), resgatando o pensamento de Giroux(1997), nos aponta para a necessidade de conscientização crítica dos(as)professores(as) a respeito dos conteúdos a serem abordados, desenvol-vendo uma resistência à tendência a-histórica e fragmentaria. Sinaliza

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também para a necessidade da conscientização e reformulação conceitual,propondo a formação de um novo arcabouço teórico conceitual do co-nhecimento que possa auxiliar o(a) professor(a) no sentido de formularuma nova visão de mundo.

O que queremos é buscar meios que apontem no sentido de umaeducação científica voltada à formação integral e humana do indivíduo,rompendo as barreiras necessárias para que possamos almejar um outromundo possível.

Acreditamos não ser possível um processo de ensino-aprendiza-gem sem que as partes se encontrem, não se conheçam e não se perce-bam em formação mútua. Assim pensamos ser imprescindível, comoponto de partida, considerar o mundo dos(as) alunos(as), seus objetivose necessidades para desenvolver um processo pedagógico para umamodalidade de ensino tão específica como a EJA.

A sala de aula conectada à Física da vida

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio (PCNEMs),Área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, destacama importância de trabalhar os conceitos da Física através de conexões coma cultura e a vida dos(as) estudantes, passando a ser um instrumentotecnológico que crie possibilidades de formação de cidadania.

Segundo o documento, espera-se que o ensino de Física na escolamédia permita ao indivíduo a interpretação dos fatos, fenômenos e pro-cessos naturais, situando e dimensionando a interação do ser humanocom a natureza. (p. 22)

Porém, nos dias de hoje, os conteúdos de Física desenvolvidos emgrande parte das escolas, provocam nos(as) estudantes, ao invés de in-teresse, um grande temor.

Aqui apresentaremos algumas percepções desse fenômeno, bemcomo algumas possibilidades de contribuir para um novo ensino de Física.

Acreditamos que a fragmentação em tópicos dos conteúdos deFísica é uma das causas desse problema. Além disso, a maneira como setrabalha a Física, carregada de fórmulas e equações, prioriza a resolu-ção sistemática e repetitiva de exercícios em detrimento a compreensãoe leitura conceitual de seus resultados impedindo, assim, sua visão dinâ-mica e interativa. Com isso, acaba privilegiando, a teoria e a abstraçãoem vez do desenvolvimento gradual da abstração a partir da prática e deexemplos concretos e significativos, pois,

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O ensino de física tem-se realizado com freqüência mediante a apresenta-ção de conceitos, leis e fórmulas, de forma desarticulada, distanciados domundo vivido pelos alunos e alunas e professores e professoras e não só,mas também por isso, vazios de significado. BRASIL (1999, p. 48)

Conforme Gauer (2001), quando cita a fala do Dr. Silvio AncizarSánches Gamboa, “os saberes oferecidos nas apostilas e livros didá-ticos são limitados e empobrecidos pelos formalismos e reducionismosde um receituário que inibe a criatividade e o olhar crítico sobe ocotidiano”.

Para Arroyo (2000), este pensamento reflete a imagem da escola fe-chada, segmentada, a escola que se preocupa em ensinar somente os con-teúdos formais, a escola que segundo ele ensina, mas se esquece de educar.

Essa mesma idéia encontramos em Gauer (2001),

Está em jogo a falácia de uma educação que propõe a formação do cidadãodo futuro, mas devido as condições materiais, sociais, culturais e políticas,a prática encontra-se limitada a uma transmissão de saberes inoperantes einibidores da formação de um espírito científico produtora de conhecimen-tos competentes à transformação da realidade. (p.07)

Muitas vezes, reféns de livros didáticos ultrapassados e fora docontexto histórico-cultural regional, muitos professores(as) de Física de-senvolvem seus conteúdos da mesma forma que desenvolviam a déca-das atrás, desconsiderando assim, as mudanças na sociedade contempo-rânea, bem como as mudanças na maneira de pensar dos(as) estudantese “menosprezando” o desejo dos(as) alunos(as) em querer entender tam-bém o seu mundo.

Estamos no início do século XXI, mas em termos de ensino, longedo início do século XX. Para citar um exemplo desse contra-senso, em1905, Einstein propunha o Princípio de Relatividade Geral, tópico rara-mente desenvolvido no ensino médio nos dias de hoje. Assim, o quetemos é a constatação da Física em uma disciplina chata, desmotivante edifícil, afinal como pode ser gostoso algo que não faz sentido ou que édistante de sua realidade?

Em contrapartida, emergem novas possibilidades para mudar essequadro, tanto em nível internacional, com o planejamento pelaInternational Commission on Physics Education de uma série de con-ferências internacionais com essa finalidade, como em nível nacional, apartir de trabalhos científicos nessa área e de grupos de pesquisa quetêm como objetivo trazer a Física contemporânea para o ensino médio.

No Brasil, um ícone desses esforços é o Grupo de Reelaboração

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do Ensino de Física (GREF)3. Para o cientista e educador Luis CarlosMenezes, o GREF pressupõe a participação ativa de professores(as) ealunos(as) no processo de ensino-aprendizagem, evitando a apatia emrelação à ciência, comum nos métodos tradicionais de ensino.

Iniciativas como essas talvez possibilitem a construção de um novoensino de Física, mais prazeroso, contextualizado e significante aoseducandos(as).

A Física na EJA/PROEJA: o contexto como fiocondutor

Tendo em vista a vivência dos(as) estudantes com as diversas expe-riências que trazem consigo, ao desejar um ensino que faça sentido aosmesmos(as), ressaltamos a necessidade de trabalhar com os conteúdosde forma contextualizada, permitindo desencadear uma prática pedagógi-ca que leve o(a) aluno(a) a pensar, a analisar os dados da realidade e afazer relações para resolver questões oriundas de seu cotidiano.

Machado (2000) nos diz que,

...contextuar é uma estratégia fundamental para a construção de significa-ções. [...] a contextuação enriquece os canais de comunicação entre abagagem cultural, quase sempre essencialmente tácita, e as formas explíci-tas ou explicitáveis de manifestação do conhecimento. (p. 20)

Nessa perspectiva, acreditamos que os conteúdos de Física aserem trabalhados nos cursos de EJA e de PROEJA não devam es-tar pré-determinados e/ou elencados anteriormente, mas sim pensa-dos, repensados e atualizados para cada realidade num determinadocontexto histórico.

Contudo, queremos salientar a necessidade de uma metodologiadiferenciada para essa modalidade que potencialize a experiência de vidatrazida pelos(as) estudantes uma vez que a Física está presente no dia-a-dia de todos(as) e, portanto não pode ser ensinada como um dogmainquestionável. Sendo assim, um ensino de Física que não ensine a pen-sar, a refletir, a criticar, que substitua a busca de explicações convincen-

3 Grupo de professores da rede estadual de ensino de São Paulo coordenado por docentes doInstituto de Física da USP. O objetivo do grupo é elaborar uma proposta de ensino de Físicapara o ensino médio que esteja vinculada à experiência cotidiana dos alunos, procurandoapresentar a eles a Física como um instrumento de melhor compreensão e atuação narealidade.

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tes pela fé na palavra do mestre, não possibilita a construção do conhe-cimento. “É antes de tudo um ensino de obediência cega, incorporadonuma cultura repressiva” (MEDEIROS, 2000).

Desta forma, partindo das vivências trazidas pelos(as)educandos(as) poderemos ir sistematizando os conceitos trabalhados.Esse pensamento é reforçado por Vieira (2004), quando nos diz,

O professor não pode se esquecer de que, para haver um ensino efetivo,não se pode ignorar a bagagem cultural do aluno e todo o conjunto denoções espontâneas que ele carrega ao se deparar com o ensino formal naescola. Deve-se cuidar da “Física espontânea” dos alunos, para não secorrer o risco de uma ficar superposta à outra.

Ao procedermos dessa forma, os(as) alunos(as) sentem-se maiscriadores e não meros repetidores da idéia do(a) professor(a). Freire(1996) já dizia que ensinar exige respeito aos saberes do(a) educando(a).

As proposições de Vygotsky a respeito desse processo de forma-ção de conceitos possibilitam verificar a relação existente entre o pensa-mento e a linguagem, pelos quais ocorre a internalização do conheci-mento, e as relações estabelecidas entre os conhecimentos cotidianos eos científicos. Para ele,

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa [...] oprocesso não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação deimagens, à interferência ou as tendências determinantes. Todas são indis-pensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como omeio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos oseu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfren-tamos. (VYGOTSKY, 1999, p. 72).

Pode-se, assim, utilizando-se dos conhecimentos do(a) adulto(a), es-tabelecer situações onde a experimentação em Física mostre que a ciên-cia está presente em seu dia-a-dia. Nesse processo, durante a formalizaçãodos conceitos, salienta-se que o conhecimento empírico e o saber científi-co, embora pareçam antagônicos, não o são; apenas pertencem a diferen-tes níveis de desenvolvimento da pessoa. Para Vygotsky (1999), essesdois conceitos se relacionam e se conectam constantemente.

Cabe assim, ao(a) professor(a), ter a sensibilidade de provocar epromover, a partir das experiências que os(as) alunos(as) trazem, novosconhecimentos e outras formas de ver o mundo, a partir dos conheci-mentos sistematizados pela Ciência.

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Tecendo caminhos

O presente artigo teve como eixo norteador o ensino de Física nasclasses de EJA/PROEJA. Com este trabalho, pudemos perceber que aEJA necessita ser tratada de forma diferente do ensino regular, poisatende uma parcela da população que busca, na educação, uma formade suprir suas deficiências. Logo, é fundamental que políticas públicassejam consolidadas, como é o caso do PROEJA, para isso, o governonecessita investir não só em recursos materiais, mas, também, na forma-ção de professores(as).

Os(as) alunos(as) dessa modalidade são, em grande parte, traba-lhadores e trabalhadoras que não dispõem de muito tempo, com isso, émuito fácil para esse público abandonar os estudos, caso a escola nãoofereça condições apropriadas. Assim, aproveitar o tempo na sala deaula passa a ser fundamental, buscando metodologias que atendam asnecessidades desse público. Os educadores devem ser incentivados ainvestir em estudos e pesquisas, para que possam enfrentar os desafiosdessa modalidade de ensino, assegurando a permanência desses estu-dantes e evitando a evasão, tão comum nas classes de EJA ou PROEJA.

Para oportunizar um trabalho em sala de aula, especificamente,acreditamos na importância da contextualização dos conteúdos, pois atra-vés da problematização e construção de conhecimentos, numa práticacontestadora e crítica, buscaremos um ensino de Física significativo ecentrado nas necessidades dos(as) educandos(as), privilegiando seusconhecimentos e experiências de vida.

Por fim, acreditamos no comprometimento dos trabalhadores(as)em educação que buscam práticas pedagógicas que atendam aos inte-resses desses(as) alunos(as) para que possam realizar a travessia ne-cessária para um mundo mais humano e mais bonito, como nos diziaFreire, com um novo traçado, com uma nova paisagem.

Referências

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MENEZES, Luis Carlos. A física nossa de cada dia. Presença Pedagógica, jul/ago 1999, n°28 p.5-15.

PAIVA, Vanilda Pereira. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo:Loyola, 1973.

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VYGOTSKY, L. S.Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,1999.

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Pensando a InformáticaEducativa no PROEJA

Nelza Jaqueline Siqueira Franco1

Tania Beatriz Iwaszko Marques 2

Introdução

Este ensaio pretende apresentar reflexões sobre a utilização daInformática Educativa no Programa Nacional de Integração da Educa-ção Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educaçãode Jovens e Adultos – PROEJA – levando em consideração a possibili-dade de articulação da minha experiência como professora de InformáticaEducativa no Ensino Fundamental com os saberes adquiridos durante ocurso de Especialização PROEJA realizado na Universidade Federal doRio Grande do Sul – UFRGS.

Como utilizar a Informática Educativa no PROEJA? Como umadisciplina à parte ou como ferramenta para auxiliar no processo de ensi-no-aprendizagem dos alunos nos diferentes cursos/ênfases que o pro-grama apresenta?

O objetivo deste trabalho é contribuir para que se leve em conta aInformática Educativa como auxiliar na aprendizagem dos alunos doPROEJA, bem como constituir uma proposta curricular de ensino e deaprendizagem, utilizando os diversos recursos computacionais e das re-des de computadores na educação tais como editores de texto, planilhas,

1 Licenciada em Computação e Professora de Séries Iniciais da Escola Municipal AfonsoGuerreiro Lima (Porto Alegre/RS), Especialista em Educação Profissional Média Integradaao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos turma Porto Alegre.2 Professora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. Em Educação, orientadora do Trabalhode Conclusão de Curso da autora que resultou no presente artigo.

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editores de página de internet, editores de apresentação, ferramentas decomunicação entre outros, com os alunos que cursarão o PROEJA.

Este artigo justifica-se pela ausência de trabalhos de InformáticaEducativa no campo da EJA e foi pensado a partir das discussões provocadasno Curso de Especialização Proeja. Ele apóia-se em reflexões, percepções,compreensões de minha prática enquanto educadora, decorrente de experi-ências nesta área desde 1999. Naquele ano, atuei na condição de estagiáriade informática educativa nos ambientes informatizados da Escola Municipalde Ensino Fundamental Lauro Rodrigues e da Escola Municipal de EnsinoFundamental Afonso Guerreiro Lima, ambas de Porto Alegre. Essa experi-ência despertou meu interesse em aprofundar os conhecimentos na área daEducação e da Informática. Sou Licenciada em Computação, pelo CentroUniversitário Feevale, além de professora com habilitação nas séries iniciaisdo ensino fundamental. Dos sete anos de efetivo exercício do magistério,quatro anos e meio foram com atuação nos laboratórios de informática dasescolas, atendendo todas as turmas da escola ou daquele turno (em escolasmaiores), planejando e executando as atividades, além do suporte pedagógi-co e informático ao professor titular da turma. Dois anos e meio de minhaprática profissional docente foram dentro da sala de aula, como professoratitular/referência de turma da Rede Municipal de Ensino Fundamental dePorto Alegre, onde atuei/atuo com segunda e terceira séries e terceiro eprimeiro ano do I Ciclo, além da Totalidade 1 (alfabetização na EJA).

Breve histórico da informática educativa no Brasil

A introdução da informática na educação no Brasil teve início hámais de trinta anos. As primeiras iniciativas se deram nos anos 70: em1971 pela primeira vez se discutiu o uso de computadores no ensino deFísica na USP/São Carlos. Em 1973, algumas experiências começarama ser desenvolvidas, usando computadores de grande porte como recur-so auxiliar do professor para ensino e avaliação em Química (Universi-dade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e desenvolvimento de softwareeducativo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.Nesta mesma década iniciaram-se as experiências do Laboratório deEstudos Cognitivos do Instituto de Psicologia - LEC, da UFRGS, apoia-das nas teorias de Piaget e Papert, com público-alvo de crianças comdificuldades de aprendizagem de leitura, escrita e cálculo.

Nos anos 80 destaca-se na história da informática educativa brasi-leira o projeto EDUCOM e o PRONINFE. O primeiro constituiu-se numa

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iniciativa conjunta do MEC, Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq,Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP e Secretaria Especial deInformática da Presidência da República - SEI/PR, voltada para a cria-ção de núcleos interdisciplinares de pesquisa e formação. Foi o marcoprincipal do processo de geração de base científica e formulação dapolítica nacional de informática educativa. O segundo, Programa Nacio-nal de Informática na Educação - PRONINFE, com duração de 1985 a1995 tinha como objetivo “desenvolver a informática educativa no Bra-sil, através de atividades e projetos articulados e convergentes, apoiadosem fundamentação pedagógica, sólida e atualizada, de modo a assegurara unidade política, técnica e científica imprescindível ao êxito dos esfor-ços e investimentos envolvidos”3.

A partir de 1997 contamos com o PROINFO – Programa Nacio-nal de Informática na Educação – criado para promover o uso daTelemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensinopúblico fundamental e médio. O Programa é desenvolvido pela Secreta-ria (Nacional) de Educação à Distância - SEED, por meio do Departa-mento de Infra-Estrutura Tecnológica - DITEC, em parceria com asSecretarias Estaduais e algumas Municipais de Educação.

Neste ano de 2007, destaca-se o Projeto UCA (Um Computadorpor Aluno), promovido pelo Governo Federal que visa à distribuição acada estudante da Rede Pública do Ensino Básico Brasileiro um laptopvoltado à educação. O programa tem a intenção de inovar os sistemasde ensino para melhorar a qualidade da educação no país contribuindopara preparar desde pequenos os alunos para serem agentes criativos.Acredita-se que o laptop seja uma ferramenta fundamental, já que auxi-lia o aprendiz na criação e compartilhamento do conhecimento, atravésda interação na rede tecnológica. A constante troca de experiências einformações entre os próprios alunos e entre as crianças e suas comuni-dades poderá aproximar Escola e Comunidade, motivando os alunos aproduzir conhecimento. O ponto alto é o fato dos alunos levarem osequipamentos para casa, nos moldes do Programa Nacional do LivroDidático excetuando-se o aspecto da devolução do mesmo ao final doano. UCA é a tradução do projeto do Instituto de Tecnologia deMassachussets (MIT), nos Estados Unidos, “One Laptop per Child”(OLPC) e os equipamentos utilizados no projeto (laptops XO) não têmfim comercial. Eles foram feitos especialmente para fins educacionais,têm um custo de cem dólares cada, utilizam software livre, possuem um

3 História da Informática Educativa no Brasil – extraído do site do MEC/SEED/PROINFO,autor não indicado.

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visual atrativo para o público infantil, além de seus teclados serem reves-tidos com borracha e o material de fabricação ser resistente a eventuaisquedas. Possui canetas especiais com as quais será possível desenharna tela e suas antenas de acesso a internet possibilitarão que no localonde o laptop esteja funcione como um transmissor/receptor de internet,proporcionando que as comunidades pobres estejam interconectadas etornem-se comunidades virtuais. No Rio Grande do Sul, o Laboratóriode Estudos Cognitivos (LEC) da Universidade Federal foi convidado aparticipar, coordenando a experiência do projeto-piloto de construção demodelos pedagógicos que utilizem os Laptos XO e a Escola Estadual deEnsino Fundamental Luciana de Abreu de Porto Alegre foi selecionadapara a primeira experiência. Todos os/as alunos/as e professores/as re-ceberão os equipamentos para levarem consigo, além do acompanha-mento dos bolsistas do LEC.

Como vimos, a relação entre nossa educação e os recursos dainformática não é nova (embora ainda muitas escolas não contem comeles). Mas, de que forma as Novas Tecnologias de Informação e Comu-nicação (NTIC’s) são utilizadas atualmente? Quais as possibilidades dautilização da informática na educação? E o que é preciso para que essautilização seja efetiva, que contribua para a construção do conhecimentodo/a aluno/a, mais especificamente do/a aluno/a do PROEJA e não queas mesmas estejam presentes por puro modismo?

A tecnologia informática no ambiente escolar

Segundo o professor Luciano Meira, da UFPE, em entrevista aojornal Diário de Pernambuco no ano de 2003, a maioria das escolas bra-sileiras decidiu montar laboratórios de informática ao contrário das nor-te-americanas, por exemplo, que colocaram os computadores nas salasde aula. Essa foi uma opção encontrada em função dos custos já que anossa realidade é investir pouco em educação, diferente dos EstadosUnidos. Portanto, seria muito caro equipar cada sala de aula com com-putadores. A forma de utilização da tecnologia no ambiente escolar vemocorrendo de forma e concepções variadas, desde a simples digitaçãode uma redação manuscrita, ao uso de softwares prontos, como tambématravés de projetos educacionais com um enfoque interdisciplinar. Ferreiraressalta que “na informática educacional deve existir uma dinâmica decomplementação entre o laboratório de informática e a sala de aula.Atividades desenvolvidas em sala de aula podem ser complementadas

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no laboratório e vice-versa”. Lopes (s.d) comenta que o principal objeti-vo está na utilização do computador como instrumento de apoio às maté-rias e aos conteúdos lecionados, além da função de preparar os alunospara uma sociedade informatizada. Meira afirma: “Ao optar pelos labo-ratórios, o micro não tem uma participação efetiva na aula, como o giz.Ele passa a fazer parte de atividades extracurriculares”. O ideal é ocomputador inserido na proposta educacional, onde professores/as ori-entam e juntamente com alunos/as criam atividades a partir dos recursosque ele nos fornece.

A aprendizagem utilizando os recursos tecnológicos, seguindo os cri-térios de Jonassen (1996, apud Lopes, s.d), pode ser realizada das seguin-tes formas: Aprender a partir da tecnologia (learning from), a tecnologiaapresenta o conhecimento e o papel do aluno é receber esse conhecimen-to, como se ele fosse apresentado pelo próprio professor; Aprender acer-ca da tecnologia (learning about), a própria tecnologia é objeto de aprendi-zagem; Aprender através da tecnologia (learning by), o aluno aprende en-sinando o computador (programando o computador através de linguagenscomo BASIC ou o LOGO); Aprender com a tecnologia (learning with), oaluno aprende usando as tecnologias como ferramentas que o apóiam noprocesso de reflexão e de construção do conhecimento (ferramentascognitivas). Nesse caso a questão determinante não é a tecnologia em simesma, mas a forma de encarar essa mesma tecnologia, usando-a, sobre-tudo, como estratégia cognitiva de aprendizagem. O professor deve terdefinido como utilizará as tecnologias em sua aula. Conforme Almeida(2000, p.137) a utilização do computador dentro de uma abordagemconstrucionista necessita que o professor integre a informática e a educa-ção na prática pedagógica, estando preparado para ensinar os recursoscomputacionais, que tenha conhecimento dos fundamentos educacionaissubjacentes aos diferentes usos do computador, reconheça os fatoresafetivos, sociais e cognitivos implícitos nos processos de aprendizagem eidentifique o nível de desenvolvimento do aluno, para poder interferir ade-quadamente no processo de aprendizagem.

É certo que grande parte das escolas brasileiras não conta com osrecursos de informática disponíveis para o uso pedagógico e se observaque, das escolas que estão equipadas, muitas não utilizam efetivamenteessas tecnologias na sua prática cotidianamente para a promoção da apren-dizagem e construção de conhecimentos. Isso decorre por alguns fatoresdentre os quais: falta de profissionais capacitados para coordenar o ambi-ente informatizado; uso da tecnologia como transposição do que ocorre nasala de aula tradicional para o uso dos meios eletrônicos. E há ainda aque-

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las onde o espaço informatizado é uma hora a mais de recreio para osalunos “jogarem joguinhos” (e o professor descansar e tomar o seucafezinho), sendo os joguinhos totalmente descontextualizados com o queos alunos estão aprendendo. “É pra eles brincarem um pouquinho...”(fala de uma professora a qual uma vez deparei-me numa escola em quetrabalhava). O computador é um recurso caro, utilizá-lo da forma expostaacima é menosprezar o que se pode fazer com ele na educação.

É importante ressaltar que simplesmente equipar a escola com osrecursos de informática além de conectá-la a rede mundial de computa-dores não significa melhora no processo educativo. É claro que ainformática de início vai ser um elemento motivador, mas se não tiver-mos definidos os objetivos que queremos e a forma de utilizá-la, logotudo vai se esvaziar e os alunos se cansarão.

Na educação profissional, a utilização das Novas Tecnologiasnão deve ser diferente, haja vista como nos lembra Lévy (2000, p.153)que “pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das compe-tências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissionalestarão obsoletas no fim de sua carreira.”. Ele ainda lembra da novanatureza do trabalho, onde a troca de conhecimentos não pára de cres-cer, trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes eproduzir conhecimentos. Daí que como vamos dar conta de toda a gamade conhecimentos produzidos, ou melhor, precisamos dar conta de tudoou importa acessar o que se faz necessário e interessante?

O velho esquema segundo o qual aprende-se uma profissão na juventudepara exercê-la durante o restante da vida encontra-se ultrapassado. Osindivíduos são levados a mudar de profissão várias vezes em suas carrei-ras, e a própria noção de profissão torna-se cada vez mais problemática.Seria melhor raciocinar em termos de competências variadas das quaiscada um possui uma coleção particular. As pessoas têm o encargo demanter e enriquecer sua coleção de competências durante suas vidas.Essa abordagem coloca em questão a divisão clássica entre período deaprendizagem e período de trabalho (já que se aprende o tempo todo),assim como a profissão como modo principal de identificação econômica esocial das pessoas. (LÉVY, 2000 p.173)

A comunicação através das redes de computadores, denominadociberespaço, suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizame modificam numerosas funções cognitivas humanas: memória (atravésde banco de dados, hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os tipos),imaginação (simulações), percepção (sensores digitais, telepresença, rea-lidade virtual), raciocínios (inteligência artificial, modelização de fenôme-

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nos completos). O/a aluno/a da EJA deve, assim como os demais estudan-tes, apropriar-se destas tecnologias e saber locomover-se no ciberespaçoa fim de que desfrute dos saberes gerais e específicos da sua área.

Organizar-se em comunidades virtuais de aprendizagem, comuni-dades estas que estão presentes no ciberespaço, onde as categorias detempo e espaço estão redimensionadas. Funcionam como uma enciclo-pédia viva, onde é possível aprender colaborativamente, trabalhar coo-perativamente, eliminando a barreira da distância e do tempo. SegundoFerreira e Bianchetti (2005), Rheingold foi pioneiro em organizar comu-nidades virtuais, a primeira comunidade dele denominava-se WELL em1985 e nela integrantes mantinham relações intelectuais, sociais e afetivas.

As particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os mem-bros de um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) secoordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum, eisto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferen-ça de horários. O que nos conduz diretamente à virtualização das orga-nizações que, com a ajuda de ferramentas da cibercultura4, tornam-secada vez menos dependentes de lugares determinados, de horários detrabalho fixos e de planejamentos em longo prazo. Da mesma forma, aocontinuar no ciberespaço, as transações econômicas e financeiras acen-tuam ainda mais o caráter virtual que possuem desde a invenção damoeda e dos bancos (LÉVY, 2000, p.49).

As comunidades virtuais de aprendizagem caracterizam-se peloconhecimento ser coletivamente construído através delas, os saberessão adquiridos através da construção social, alunos/as pedindo ajuda aalguém e não somente aos professores, evidenciando a descaracterizaçãodo professor como única fonte de saber. A este cabe assumir o papel decompanheiro, liderança, com a capacidade de mobilizar a comunidadede aprendizes em torno de sua própria aprendizagem, fomentar o debate,manter o clima para ajuda mútua, incentivar cada um a se tornar respon-sável pela motivação do grupo e claro orientar e direcionar quando ne-cessário. Num novo contexto, que é dinâmico, nós, aprendizes, somoscolocados como agentes de um processo, porque não basta entrar nacomunidade e assistir. Se, num clássico contexto educacional, trabalhá-vamos somente como espectadores de uma temática, nas comunidadesvirtuais de aprendizagem temos que participar, senão não seremos mem-bros dela. Se não interagirmos é como se não existíssemos.

4Lemos (2002) movimento sócio-cultural que surge da relação entre a sociedade, a cultura etecnologias digitais

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Um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) nos proporcionaformas de organização dos saberes acumulados e os construídos atravésdas Comunidades Virtuais de Aprendizagem (CVAs) de uma forma maisinterativa devido aos recursos de armazenamento e rápido acesso oriun-do dos sistemas de computação. Sobre a interatividade, Lévy afirma queesta pressupõe participação ativa do beneficiário de uma informação. Ocanal de comunicação funciona nos dois sentidos. Como modelos demídia interativa, destacam-se o telefone, o videogame, o computador...(2000, p. 79-80). Proliferam atualmente exemplos de AVAs nociberespaço, destaco rapidamente os elementos principais que compõemo mesmo, ressaltando que sempre podem ser acrescentadas melhoriaspara dar conta do que circula na infovia. Bate-papo, Lista de discussão,Fóruns, Correio Eletrônico, espaço destinado ao envio/disponibilizaçãode materiais pelos membros, Blogs, Fotologs e Videoblogs, Sites de Re-lacionamento, Comunicadores instantâneos e outros.

Conclusão

Sem dúvida, a informática deve estar presente nos cursos doPROEJA, pois os alunos deste programa não devem ficar à margem dasinovações tecnológicas nessa área porque a sociedade como um todoestá mergulhada no mundo digital e suas interconexões. Uma vez que oprograma visa a incluir o jovem e o adulto socialmente e ainda no mundodo trabalho, deixar a informática de fora dos cursos ofertados é negarum dos princípios no qual o programa está fundamentado.

Porém, na oferta de cursos de profissionalizantes integrados aoEnsino Médio no âmbito do PROEJA, assim como na Educação Básicacomo um todo, a Informática Educativa não deve ser uma disciplina aparte, estanque, isolada, descontextualizada e, sim, que sirva de suporte,ferramenta, recurso para aprendizagem nas diversas ênfases/habilida-des que estão sendo ofertadas. Como o próprio nome do programa res-salta, há integração entre o Ensino Médio e o Profissional, dentro de umaperspectiva transdiciplinar, pode-se fazer uso dos recursos computacionaise de comunicação, pois estes se prestam muito bem a este papel. Aspossibilidades de pesquisa, publicação e trocas através da rede mundialde computadores, poder se agrupar e formar comunidades virtuais deaprendizagem, a utilização de ambientes virtuais de aprendizagem sãoelementos com os quais os alunos do curso terão familiaridade durante ocurso e que poderão utilizá-los no decorrer de suas vidas.

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Mais uma vez vale ressaltar que o mundo do trabalho está cadavez mais digital, que os saberes produzidos crescem exponencialmente eque o ciberespaço está acessível tanto para acessar quanto paradisponibilizar esses saberes. As trocas favorecem a promoção da apren-dizagem, já o Proeja tem como objetivo, entre outros, a auto-aprendiza-gem, oportunizar a jovens e adultos a articulação de suas experiênciascom os saberes escolares, a qualificação e habilitação de profissionaispara acompanhar a evolução do conhecimento tecnológico. Portanto fazeruso dos diversos softwares como editores de texto, planilhas de cálculo,editores de apresentação e de páginas de internet, gerenciadores de bancode dados, simuladores, jogos aplicados à Educação e também o manu-seio de equipamentos digitais, tais como câmeras, celulares, dispositivosde armazenamento, impressoras, scanners entre outros são necessáriosdurante todo o curso contextualizados com as competências que os alu-nos devem adquirir.

Referências

ALMEIDA, Maria Elizabeth. PROINFO: Informática e Formação de Profes-sores. Brasília: Secretaria de Educação a Distância – Ministério da Educação,2000

BRASIL. Decreto Nº 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui no âmbito federal oPrograma Nacional de Integração da Educação Profissional com a EducaçãoBásica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA

Computadores nas escolas, mas longe das salas de aula. Disponível em: http://webinsider.uol.com.br/index.php/2003/02/26/computadores-nas-escolas-mas-longe-das-salas/ - acesso em 05/04/2007

Projeto UCA – Um computador por Aluno. Disponível em: http://www.lec.ufrgs.br/index.php/Projeto_UCA_-_Um_Computador_por_Aluno -acesso em 03/04/2007

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: editora34, 2000

LOPES, José Junio. A Introdução da Informática no ambiente escolar. Dispo-nível em: http://www.clubedoprofessor.com.br/artigos/artigojunio.htm - acessoem 03/04/2007

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CONECTANDO SABERES NOPROEJA:Possibilidades de

Aprendizagem em Ambientes Digitais

Kely Goze Ferreira1*Rosália Procasko Lacerda2**

Introdução

O avanço das tecnologias digitais exige uma reformulação das prá-ticas pedagógicas e, neste contexto, a escola deve assumir novas postu-ras frente à “sociedade de informação”, pois o conhecimento hoje édinâmico e torna-se necessário que os professores busquem novas per-cepções frente à realidade, possibilitando ao aluno trabalhador ser o cons-trutor do seu conhecimento a partir das descobertas que os ambientesinformatizados em rede podem propiciar. A necessidade de uma propos-ta inovadora e emancipatória para a educação de jovens e adultos tam-bém se origina da nova estrutura social dominante de nossa realidade, ouseja, a chamada sociedade em rede, a economia informacional global e acultura da virtualidade real, na qual o novo trabalhador deverá saberinteragir com a máquina desenvolvendo assim novas habilidades exigidaspela atual sociedade. A inserção neste novo ambiente possibilitará aoaluno trabalhador desenvolver, na escola, as habilidades exigidas peloséculo XXI, bem como, convida o professor a repensar a aprendizagem,explicitando a necessidade de mudança em seus espaços, tempos e mo-dos de trabalhos.

1 Professora substituta de Língua Espanhola do Colégio de Aplicação UFRGS e do PROEJA/UFRGS, Especialista em Educação PROEJA.2 Professora do Colégio de Aplicação UFRGS, orientadora do Trabalho de Conclusão deCurso da autora que resultou no presente artigo.

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Dentro dessa perspectiva, este trabalho vem refletir sobre o papelda inclusão social como fator de inclusão digital, através da viabilizaçãode uma proposta inovadora em sala de aula a qual contemple toda adiversidade de experiências do aluno trabalhador, as necessidades e ca-racterísticas exigidas pelo século XXI bem como as possibilidades deinteração que a internet oferece na busca da construção do conheci-mento dentro da proposta do PROEJA. A idéia é que, com a exploraçãodos ambientes que a internet disponibiliza na rede, os alunos conectadospossam atuar no mundo compartilhando suas idéias com outras culturas,rompendo com o tempo e o espaço e relacionando as novas formas deaprendizado nas quais a interação, o acesso ilimitado às informaçõespodem transformar-se em conhecimento.

PROEJA: uma proposta

O aluno trabalhador está inserido em um processo educativo do qualfazem parte a família, o trabalho, o bairro e a escola, ou seja, o aluno trazconsigo uma forte experiência, principalmente no que diz respeito ao tra-balho, já que muito cedo deixa o seu lar em busca de um emprego paragarantir o sustento. De acordo com o Documento Base do PROEJA (2006,p.40), “a educação deve compreender que todos têm história, participamde lutas sociais, têm nome e rostos, gêneros, raças, etnias e geraçõesdiferenciadas”. O que significa que a educação precisa levar em conta aspessoas e os conhecimentos que estas possuem. È importante respeitar asua história na troca de saberes e construir juntamente com a comunidadeum novo espaço educativo aberto a inovações, um novo Ensino Médio,comprometido com o coletivo capaz de formar trabalhadores conscientescom a forma de “compreender e se compreender no mundo”.

Pensando em uma sala de aula que conte com a ativa participaçãodos alunos, o PROEJA vem romper com o Ensino Médio centrado nosconteúdos específicos e nas disciplinas, ou seja, não se pode tratar daformação como algo exclusivamente do mundo do trabalho ou do mundoda educação. Portanto, pode-se falar aqui em qualificação social e profis-sional desse aluno trabalhador que experimentará, dentro da sala de aula,atividades baseadas em metodologias inovadoras, emancipatórias e de in-clusão, sendo o trabalho seu princípio educativo e tendo como principalobjetivo a atuação cidadã consciente e a inserção no mercado de trabalho.

A proposta do PROEJA de dialogar com a realidade, de conceber ohomem como ser histórico-social, de respeitar as habilidades adquiridas

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por meios informais, de utilizar a experiência na construção do conheci-mento, de participação, de colaboração, de criatividade, de construção di-nâmica interdisciplinar, transdisciplinar e intercultural permite variadas for-mas de organização curricular. E para construir uma proposta de trabalhoque possibilite a inclusão e a inovação faz-se necessário conhecer e refle-tir sobre a nova estrutura social dominante de nossa realidade, a qual nos éapresentada da seguinte maneira, segundo Ruiz (2002):

· a chamada sociedade em rede;

· a economia informacional global;

· a cultura da virtualidade real.

Segundo Silva (2006), as características e contradições da socie-dade atual vão gradativamente influenciando nosso dia a dia, afetando aforma de pensar, a maneira como nos comunicamos, trabalhamos, nosrelacionamos com os demais, aprendemos e ensinamos. Aos poucos,vamos alterando nossos hábitos e nossas atividades já que, para apren-der nessa sociedade, é necessário compreender como funciona esseespaço dinâmico que está em constante expansão e apropriar-se dosseus meios de interação para emancipação.

Para que as tecnologias não se tornem um fator de exclusão soci-al, é necessário que a escola promova a aproximação entre o aluno tra-balhador e este novo espaço de aprendizagem. Segundo Baggio (2000):

(...) o novo trabalhador deve ter a capacidade de aprendizagem e de adap-tação a mudanças, deve saber trabalhar em equipe, de preferência em equi-pes multidisciplinares e ter domínio das linguagens das máquinas.

Nessa nova era da informação, em que, a cada segundo tudo semodifica, faz-se necessária a interação entre o aluno trabalhador e amáquina. Tal aproximação irá configurar uma forma de inclusão socialque possibilitará oportunidades diversificadas de adaptação às novas lin-guagens da comunicação, socialização e descoberta de novas habilida-des e interesses que não são desenvolvidos na escola tradicional.

Assim, a escola vem buscando uma nova forma de “repensar” aaprendizagem e explicita a necessidade de mudança em seus espaços,tempos e modos de trabalhos, pois formar para as novas tecnologias,segundo Perrenoud (2000, p.128):

(...) formar o julgamento, o senso crítico, o pensamento hipotético ededutivo, as faculdades de observação e de pesquisa, a imaginação, acapacidade de memorizar e classificar, a leitura e a análise de textos e

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imagens, a representação de redes, de procedimentos e de estratégias decomunicação.

Dessa forma, é frente a esse contexto que inserimos novamente oaluno trabalhador nesta nova proposta de sala de aula. Segundo o Pro-grama de Formação Continuada Mídias na Educação (2006): “É precisoressignificar as idéias de Paulo Freire”, na medida em que, com atecnologia digital criam-se condições para que os alunos reescrevam suahistória dentro desse novo espaço, conectados de tal maneira que pos-sam compreender criticamente a realidade e o desenvolvimento huma-no, social, cultural e educacional e, dessa maneira, construam uma soci-edade mais justa e igualitária.

2.1. A internet e a construção do conhecimento

Segundo Ramal (2002), hoje falamos na configuração de um novotrabalhador que deve estar pronto para obter informações e assimilá-lassempre que for necessário. Dentro desse novo cenário, o conceito detrabalho vem se modificando e é papel do trabalhador estudar, aprender,enriquecer seu potencial profissional, podendo dessa maneira gerar ino-vações e desenvolver novas competências. Muitos de nossos alunos nãotêm acesso ou desconhecem o ambiente digital e este cada vez mais sefaz necessário, pois é um dos requisitos indispensáveis para a habilitaçãoprofissional num mercado de trabalho competitivo. O aprender dentrodas tecnologias passa a configurar uma nova forma de os indivíduosutilizarem e ampliarem suas possibilidades de expressão, constituindonovas interfaces para captarem e interagirem com o mundo.

Na proposta de educação para adultos, não podemos deixar depensar na inclusão digital e inclusão social, pois as duas caminham juntaspromovendo a educação. Estar inserido no meio virtual é uma condiçãopara estar incluído nesta nova sociedade. Não basta apenas estarconectado, é preciso saber selecionar as informações e dar significado aelas de forma que estas possam contribuir no processo de construção doconhecimento.

Para Pierre Lévy (apud RAMAL, 2002), a informática traz consi-go um novo modo de pensar o mundo, de conceber relações com o co-nhecimento, de aprender coisas e, com isso, surgem novos imaginários,novas formas de nos relacionarmos com o conhecimento e novos estilosde regulação social. E o computador nos ajuda a ver e compreender omundo.

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Partindo da idéia de que o conhecimento é uma produção social eque o acesso a ele implica a mediação, pode-se concluir, então, que, paraaprender algo novo, é necessária a participação, a interação e a colabo-ração do outro. Com isso, o trabalho cooperativo vem ao encontro dasnecessidades dos alunos na busca da construção do conhecimento.

Este novo ambiente colaborativo que nos é apresentado com ouso do computador em rede pede-nos novas formas de organização etrabalho, de maneira que permita a participação de inúmeras pessoasnesse processo. Assim, a construção do conhecimento dentro do espaçodigital pode ser apresentada da seguinte maneira:

Figura 1: A aprendizagem dentro do ambiente digital

Teremos aqui não um único autor ou leitor e sim muitos autores eleitores num processo de colaboração. Podemos dizer, então, que estanova possibilidade que a internet nos abre, ou seja, os ambientes nelaencontrados são espaços compartilhados de convivência que dão supor-te à construção, à inserção e à troca de informações pelos participantesvisando a construção do conhecimento. Dentro dessa sala interativa,todos têm possibilidade de falar, de levantar hipóteses, de refletir, denegociar e chegar a conclusões que ajudem o sujeito a se perceber comoparte de um processo dinâmico de construção. É a partir dessa interaçãoe posterior internalização que teremos a construção do conhecimento.

Nessa nova organização espaço-temporal a partir do trabalho coma tecnologia digital, o professor encontrará:

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· compartilhamento de idéias a partir do trabalho em equipe;

· aprendizagem centrada no aluno;

· interação entre sujeito e objeto;

· construção do conhecimento e desenvolvimento de habilidadescognitivas; e

· conhecimento como produto das operações que o aprendiz realiza comas informações (coordenações, inferências, argumentos, demonstraçõesetc) e da interatividade com outros parceiros.

Nesse novo contexto, o professor entra como orientador, ou seja,aquele que estimula, incentiva e abre caminhos para que seus alunos deforma interativa busquem a construção de novos saberes.

2.2. As possibilidades de interação virtual para a construção de uma proposta

Para inserir o aluno nesse ciberespaço3, faz-se necessário que os pro-fessores conheçam alguns ambientes disponibilizados na rede para, assim,construírem uma proposta inovadora. Apresentarei tais ambientes a seguir.

2.2.1. Correio Eletrônico

O correio eletrônico ou e-mail como é conhecido, pode promoveruma interação entre pessoas de todo o mundo. Dentro da sala de aula, ocorreio eletrônico possibilita ao professor e aos alunos quebrar as barrei-ras da comunicação permitindo a troca de idéias e informações culturais,independentemente das fronteiras espaciais e temporais. Por permitir aexpressão, a discussão e a contraposição de idéias entre os sujeitos, éum recurso que promove a aprendizagem e possibilita a construção doconhecimento. É muito importante a aproximação do aluno trabalhadorcom o uso do correio eletrônico, pois ele é quase uma exigência nasempresas do mundo moderno.

2.2.2. Bate-Papo

As salas de bate-papo são ambientes não presenciais de conversa-ção. Existem salas de bate-papo com grande variedade de assuntos,

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essas salas possibilitam “conversas escritas” entre pessoas localizadasem diferentes partes do mundo voltadas para assuntos que as aproxi-mam, como lazer, música, ciência, negócios e muitos outros.

Os chats também são utilizados como ferramenta educacional. Aprofessora pode, por exemplo, promover um bate-papo entre uma espe-cialista em educação, ou ainda um escritor e seus alunos por meio dessaferramenta. Depois, eles podem fazer dissertações (trabalhar com dife-rentes gêneros, como por exemplo: argumentação, com a qual os alunosargumentariam a favor ou contra os pontos de vista, posicionando-se)sobre os assuntos discutidos na conversa para serem inseridas num blogou numa página (a página do colégio e o blog dos alunos).

2.2.3. Lista de Discussão

Dentro desse ambiente, o professor ou os alunos podem criar umalista e debater diferentes assuntos, todos podem acessar a qualquer mo-mento, postar comentários e ler os comentários, pois ela é uma ferra-menta de comunicação assíncrona, ou seja, para o recebimento e enviode mensagens não é necessário que os participantes estejam conectadosao mesmo tempo como num chat. Minha experiência dentro da lista dediscussão com alunos é muito proveitosa, criamos uma lista para debatersobre as principais notícias da semana e para conversar sobre assuntosdo cotidiano deles. É bastante produtivo, pois dentro desse processo osalunos desenvolvem de maneira significativa a escrita e o poder de argu-mentação tanto que a proposta seguinte é escrever textos a partir dasidéias que surgem na discussão.

2.2.4. Blogs

A possibilidade da criação coletiva e a aproximação de alunos eprofessores são as principais contribuições que os blogs podem trazerpara o processo de ensino e aprendizagem. Além disso, são disponibilizadosa qualquer leitor na rede. O trabalho utilizando esta ferramenta privilegiaa interatividade, a autoria, a autonomia bem como o registro de idéias,fatos e situações diversas. Através da interação com pessoas de outrosespaços geográficos, o conhecimento poderá ser construído ereconstruído, trocando idéias sobre diferentes realidades. Juntos todosestão passando pelo processo chamado alfabetização digital. Exis-

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tem muitas possibilidades de trabalho dentro do blog, várias esco-las já adotaram esta ferramenta de trabalho em sala de aula. Oblog propicia aos alunos o registro simples e rápido, possibilidade deinteração entre os sujeitos, a promoção da troca de idéias e resolução dedesafios de forma colaborativa.

O blog Ponto de Vista4 desenvolvido no Colégio de Aplicação,busca oportunizar aos alunos o contato com outras culturas por meio dediscussões e trabalhos presenciais aproximando os alunos de outras rea-lidades pelo meio virtual.

Dentro dessa perspectiva, venho desenvolvendo com os alunos doPROEJA da UFRGS um projeto intitulado “A Minha Vida é um Filme”5,no qual os alunos disponibilizarão na web por meio de blogs textos queserão construídos de forma colaborativa. Esses textos são autobiografi-as que serão compartilhadas com alunos do PROEJA de outras escolascom o objetivo de refletir sobre a história de vida desses alunos.

Assim, o estudo com o uso do blog não se restringe aos minu-tos de sala de aula. O professor instiga os alunos a estudar mais, abuscar no blog desafios e exercícios abrindo as atividades da esco-la para pessoas de outros colégios, cidades e até países, amplian-do, dessa maneira, a visão de mundo. As produções do aluno ou doprofessor podem ser vistas, comentadas e conhecidas por qualquerinternauta do mundo, isso é um incentivo para alunos e professoresse dedicarem a montar blogs.

2.2.5. Wiki e Home Page

A Wiki é uma ferramenta disponibilizada ao professor que permite ainteração, a postagem de comentários a partir de senha compartilhada e avisualização do histórico de trabalho, ou seja, o professor poderá acompa-nhar, nesse ambiente, todo o processo de construção do aluno, todas ascontribuições feitas por eles, pois a cada postagem tudo ficará registrado.

A Home Page, dentro de um projeto de sala de aula, possibilita aargumentação do ponto vista a partir das hipóteses que dão origem auma pesquisa ou projeto de aprendizagem, por exemplo, descrição de

4 Ponto de Vista é um blog construído por alunos do Projeto Amora, desenvolvido no Colégiode Aplicação da UFRGS, sob a coordenação da professora Rosália Procasko Lacerda.5 O projeto “A Minha Vida é um Filme” é realizado através da apresentação de filmeshispânicos que mostram diferentes realidades culturais e sociais, buscando o diálogo com ahistória de vida do aluno trabalhador do PROEJA/UFRGS. Trabalho coordenado pela profes-sora Kely Goze Ferreira.

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ações ou de fatos, estabelecimento de relações entre estes, testagem dehipóteses e contraposição de informações que o autor obteve por si pró-prio ou por meio de interações. Além disso, é evidente a autoria do alunoobservada no texto escrito, a qual se materializa através das escolhasfeitas pelo autor, revelando sua identidade literária. Dentro desta pers-pectiva venho desenvolvendo juntamente com alunos do PROEJA/UFRGS uma Home Page dentro do projeto “A Minha Vida é um Filme”já citado anteriormente, na página os alunos compartilham o que estásendo produzido em aula.

Dentro do site do projeto Amora6 existem inúmeras páginas desen-volvidas por grupos de alunos sobre diversos temas escolhidos por eles.

2.2.6. Plataforma ou Ambiente Digital

A plataforma ou ambiente digital é uma sala de aula virtual: osalunos a acessam por meio de uma senha de segurança e interagem pormeio de diversas ferramentas disponibilizadas.

Estes ambientes vêm sendo bastante utilizados, pois valorizam oconhecimento compartilhado, a autoridade compartilhada, a aprendiza-gem mediada, a valorização da diversidade e das diferenças e a constru-ção de significações e ressignificações no processo de aprendizagem.

Existem muitos projetos sendo desenvolvidos dentro de platafor-mas digitais. Estou desenvolvendo juntamente com uma colega para tra-balhar com a Língua Estrangeira (LE) um projeto chamado “Trabajandocon Historietas”7. Dentro deste trabalho buscamos desenvolver a aqui-sição da LE por meio da interação, do contato com novas realidades ecom outras culturas no ambiente virtual. O projeto consiste na constru-ção de histórias em quadrinhos utilizando a escrita colaborativa na internet.

Considerações finais

A proposta de sala de aula desenvolvida dentro de ambientes digitaspara os alunos trabalhadores do PROEJA vem romper com algumasbarreiras, de forma que este aluno interaja com o mundo e conheçanovas culturas, novas realidades nas quais possam, por meio deste inter-

6 Website do Projeto Amora: http://www.amora.cap.ufrgs.br.7 Trabajando com Historietas disponível em http://br.geocities.com/gizele.oliveira.

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câmbio, participar de maneira colaborativa buscando desenvolver, den-tro desse espaço, habilidades para a emancipação dentro de uma pers-pectiva enriquecedora, reflexiva, libertadora, de respeito à diversidade eàs diferentes experiências vividas pelo grupo, resgatando a auto-estimae incluindo-se dentro do novo contexto escolar.

Para tanto, é preciso partir de uma concepção de aprendizagemque atenda à individualidade do aluno, concebendo-o como sujeitoaprendente responsável por sua própria aprendizagem, mas integrado nocoletivo, quer real ou virtual. Dessa maneira, faz-se necessária uma re-organização do tempo, do espaço e da configuração escolar de forma aflexibilizá-los em favor dos interesses e necessidades dos alunos traba-lhadores. Tal flexibilização demanda um redimensionamento tanto no quetange ao espaço físico e aos recursos quanto no que diz respeito à for-mação continuada do professor. Sabemos que a utilização pedagógicada Internet é um desafio já que é preciso estar conectado a redes, o quedemanda instrumentalização, preparação e atualização dos professorespara enfrentar os novos desafios. Esse processo exige um maior enten-dimento de como ocorre a aprendizagem nesses contextos de interaçãovirtual e, também, de qual é o papel do professor diante de situações quenecessitem sua intervenção. É preciso, portanto, considerar a importân-cia da construção de uma proposta pedagógica coerente que permita aalunos e professores a leitura e o diálogo dentro da internet utilizandoprojetos interdisciplinares ousados, criativos e desafiadores.

Referências

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CANÇÕES, SINFONIAS E INVENÇÕESINTEGRADAS À EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL DE JOVENS E ADULTOS:ÂNIMO, CORPO E PENSAMENTO

Bernhard Sydow1

Rafael Arenhaldt2

Introdução

A Música é um recurso imprescindível na educação de jovens eadultos profissionais? É verdade que o delicado processo da educaçãopode quebrar se o jovem ou o adulto sentir autoridade demais no profes-sor? Que a única possibilidade de educá-lo é seduzi-lo pela beleza dacoisa que estamos estudando? É verdade que a Música nos faz sentir abeleza das coisas?

Como o presidente Lula declarou em 15 de março de 2007,

[…] milhões de jovens estão no pior dos mundos, porque estão, de umlado, fora da escola... certamente, estão fora da escola porque a escola nãofoi motivadora para eles continuarem. As pessoas, hoje, só fazem e só vãoquando gostam, ou seja, se a escola não for uma coisa que desperte nelesuma coisa prazerosa, eles não vão (Lula, 2007).

Existem barreiras entre os campos da Música e da Tecnologia, daEngenharia, da Física, da Matemática, das Letras, da História. A inten-ção deste trabalho é romper estas barreiras. É lembrar enfaticamente

1 Bernhard é professor de flauta-doce no Projeto Prelúdio e de Música nas turmas de EJA ePROEJA na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email:[email protected] Doutorando em Educação pela UFRGS, professor da rede municipal de Porto Alegre ecoordenador pedagógico da Escola Técnica Mesquita vinculada ao Sindicato dos Trabalhado-res Metalúrgicos de Porto Alegre, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do autor dopresente artigo.

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que a Música faz parte do cotidiano e da identidade de jovens adultos.Cabe então perguntar: o que nos impede, jovens adultos estudantes, decantar, dançar e ouvir música quando estamos na aula? Dança e músicanão são as melhores maneiras de cuidar de corpo e alma, cuidar delembranças e esquecimentos?

Morin (1999) afirma que é preciso estarmos conscientes “que aesfera das coisas do espírito nos dá o impulso para delírios, massa-cres, crueldades, adorações, êxtases e sublimidades” (p. 29).

A alma ocidental do século XX alimenta-se das fontes vivas daarte africana, dos filósofos e místicos do Islã, dos textos sagradosda Índia, do pensamento do Tao do budismo (MORIN, 1999, p. 104).

Não foram estas algumas das fontes em que beberam, em que seinspiraram nossos grandes artistas e músicos da Contracultura, doTropicalismo, da Música de protesto e da Música Popular Brasileira apartir dos anos 70?

A alma ocidental do século XX aspira à paz interior e à rela-ção harmoniosa com o corpo distanciando-se do mundo do ativismo,do produtivismo, da eficácia, do divertimento (MORIN, 1999, p. 104).

Já em 1960 Morin refletia sobre a alma quando preconizava queuma colonização, não mais horizontal, mas vertical, penetraria na almahumana. A alma é a nova colônia. “A segunda industrialização passaa ser a industrialização do espírito; a segunda colonização passa adizer respeito à alma.” (MORIN, 1962, p 13). A técnica agora penetratambém no domínio interior do homem.

Nunca os murmúrios deste mundo – antigamente suspiros defantasmas, cochichos de fadas, anões e duendes, palavras de gêni-os e de deuses, hoje em dia músicas, palavras, filmes – haviam sidofabricados industrialmente e vendidos comercialmente (MORIN,1962, p. 13).

Mais adiante avança associando a alma à cultura,[…] corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetramo indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emo-ções segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadasnos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidadesmíticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, osdeuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida práti-ca, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma),o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si eno qual se envolve (sua personalidade) (MORIN, 1962, p. 15).

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Ora, a purificação do pensamento pela eliminação de todas as es-córias, impurezas e impertinências revelou-se um expurgo que levou jun-to tripas e intestinos: o sonho de encontrar fundamentos absolutos desa-bou com a descoberta, em meio à aventura, da ausência de tais funda-mentos. (MORIN, 1986, p.21). Afinal, quantas vezes a Poesia e a Músi-ca foram expurgadas da sala de aula?

Não é necessário abandonar nem música, nem razão para nos lan-çar à compreensão poética das coisas, e procurar captar a poesia quebrota do prosaico (ARENHALDT, 2005, p.139), ou estudar a tecnologiaque há na música.

INTERROGAÇÃO [aprendizagem, (desejo,razão, poder), música]

Música é sinal de estar bem. Alguns antropólogos afirmam queantigamente só podia fazer música quem não estivesse fugindo de algu-ma fera predadora. Só pode fazer música alguém que esteja tão bempreparado que possa fazer música apesar do predador. Antropologica-mente a música sempre foi um sinal de estar bem, de estar preparado, depoder chamar à atenção apesar das ameaças.

O aluno que deseja aprender escolhe seu mestre. Falando emtermos psicológicos, o inconsciente tem dificuldades em colocar emposição de mestre alguém que se apresenta em situação de descon-forto. Porém, ao contrário, colocamos inconscientemente em posi-ção de mestre aqueles que nos parecem estar bem. E nenhum siste-ma de ensino funciona se o professor não for objeto de considera-ção e eventualmente de idealização (CALLIGARIS, 2005).

Por isso a política e o marketing usam tanto a música. Porque quemfaz música está bem preparado e talvez tenha algo que possamos aprender.

Nem o pensamento mais forte, nem o procedimento mais claro têmo poder que tem o sentimento. Como o musgo minúsculo vai penetrando,penetrando, desfazendo a infinita dureza da pedra, assim o amor vai seenredando, se enredando, sussurrando seu doce canto ao animal feroz,tornando criança ao homem desesperado, livrando-o de seus rancores,parando o eterno fugitivo, libertando o prisioneiro: Volver a losdiecisiete, como lavrou Violeta PARRA (1964), para abrir janelas depar em par, para ver com outros olhos outra paisagem. Esta volta para osdezessete poderia ser uma viagem da educação de jovens e adultos atra-

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vessando a Arte, embarcando na Música, entrelaçando saberes e senti-mentos humanos históricos e científicos.

O trabalho sobre o ser humano incorpora no seu íntimo o mistério ea complexidade humana, afirma Edgar Morin. Cita as frases de BlaisePascal que, no século XVII, tinha uma visão do ser humano muito maisrica do que muitos antropólogos atuais.

Que quimera é, pois, o homem? Qual novidade, qual monstro,qual caos, qual objeto de contradições, qual prodígio? Juiz de to-das as coisas, verme imbecil, depositário do verdadeiro, cloaca deincerteza e de erro, glória e reverso do universo que é o homem nanatureza? Um nada diante do infinito, um todo diante do nada, ummeio entre nada e tudo. O homem é ele mesmo o mais prodigiosoobjeto da natureza, pois ele não pode conceber o que é o corpo emenos ainda o que é espírito e menos do que qualquer outra coisa,como um corpo pode estar unido a um espírito. Eis aí o cúmulo desuas dificuldades, e no entanto, é seu próprio ser: a maneira comque o espírito está unido ao corpo não pode se compreendida pelohomem e, no entanto, isso é o próprio homem. (Blaise Pascal apudMORIN, 2000, p.7)

O colorido e a transparência dos escritos de Bacon (1620) esclare-ceram-nos sobre nossos ídola tribus, specus, fori e theatri (preconcei-tos, idiossincrasias, modismos semânticos, crendices), e ensinaram-nosem seu Novum organum que não é apenas através do pensamento,mas através da observação e da experimentação que chegaremos a umaconclusão de valor científico. Mas é o Discours de la méthode pourbien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences deRené Descartes (1637, p.25) que desmonta o organon (visão integral,teleológica do mundo e do ser humano) aristotélico, decompondo emsuas peças até mesmo o corpo e a alma humanos.

No dia 9 de março de 2007, em sua turnê mundial com o show Thedark side of the Moon, o músico inglês Roger Waters, ex-integrante dabanda de rock Pink Floyd, comparou a visita do presidente americanoGeorge Bush à América Latina à de outras autoridades a seu rancho noTexas.

Enquanto cantava “Sheep”, soltou um balão com o desenho de um

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porco com a frase “O chefe Bush visita o rancho da Colômbia”. Foiaplaudido por um público de 20.000 pessoas. No dia 23 de março esteveno Sambódromo do Rio de Janeiro, e dia 24 no Morumbi, em São Paulo.Impeach Bush. Bring the boys back home. Até onde é honesta aintenção de criticar o imperialismo americano e quanto deste barulho émarketing, manifestação política para angariar simpatias, posar comolíder feito cidadão Kane no filme de Orson Welles (1915 – 1985)?

INTERRUPÇÃO

O assunto da gozação entre alunos ou de professores contra alu-nos, também chamado bullying, é tema de filmes como Tiros emColumbine, de Michael Moore (também autor de Fahrenheit 9/11 eElephant), Jeremy Spoken in class today da banda Pearl Jam. A mú-sica The Wall representa um professor reprimindo fisicamente um alunoque escreve poemas em vez de prestar atenção na aula. We don’t needno education, hey, teacher, let the kids alone é o refrão que simbolizaa falta de respeito e compreensão do professor em relação ao trabalhocriativo do aluno.

Em 24 de abril de 1996 dezenove sem-terra foram mortos e outros51 feridos, a título de desobstruir uma rodovia do Pará. Por que negasum espaço aos que querem ter um lar, pergunta Pedro Munhoz (1996,CD Cantigas de Andar só) na música procissão dos retirantes.

INTEGRAÇÃO [aprendizagem, (protesto,conscientização, motivação), música]

Para dar conta do pensamento complexo e interdisciplinar aplicadoà educação criei uma nova ferramenta articuladora de idéias e atoresque chamo de “polinômio recursivo”. Polinômio porque se trata de umprocesso que envolve diferentes “variáveis” x, y, z, n que agem entre si,umas sobre as outras. O Estudante Jovem ou Adulto é influenciado, mastambém age sobre a Música, constituindo o binômio recursivo (Estudan-te, Música). A Educação age sobre o Estudante Jovem ou Adulto, mastambém é influenciada pelo Estudante, constituindo o binômio recursivo(Estudante, Educação). A Educação age sobre a Música, mas tambémpode ser modificada pela Música, esse é o nosso objetivo constituindo obinômio recursivo (Educação, Música). Se observarmos que o binômio

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(Educação, Música) age sobre o Estudante Jovem ou Adulto, mas tam-bém sofre modificações por ação deste, teremos o trinômio recursivo(Estudante, Educação, Música).

O Estudante pode ser visto pelos ângulos (Ânimo, Corpo, Pensa-mento); a Educação pode ser vista pelos ângulos (Psicologia, Didática,Cultura); a Música pode ser vista pelos ângulos (História, Letra, Melo-dia). São novos polinômios recursivos onde cada elemento age e é acio-nado pelo seu par: para fazer uma letra de música é preciso haver umahistória, para fazer uma melodia também é preciso haver uma história.Mas a letra da música pode modificar a história: a melodia do mundopassará a ser outra. A mesma dinâmica aplica-se aos outros dois trinômios,(Psicologia, Didática, Cultura) e (Ânimo, Corpo, Pensamento) e teremosassim um poderoso super-polinômio recursivo. A vantagem de pensarem termos de polinômios recursivos é de possibilitar combinações inusi-tadas e, talvez, infinitas, se considerarmos que são infinitas as perspecti-vas em que podemos ver as coisas. A outra vantagem é a de nos darmosconta de que o objeto de uma ação é também ator: ele age sobre a coisaque o influencia.

A Música pode colocar o universo dos saberes e conhecimentoscientíficos e tecnológicos numa perspectiva histórica. Pode contribuirpara o jovem e o adulto compreenderem-se como sujeitos do e no mun-do. É possível, sim, colocar a Música a serviço de uma formação na vidae para a vida e evitar que apenas atenda às demandas do mercado.

A Música tem o poder de tornar os sujeitos mais criativos, sociá-veis, competentes. A participação em uma atividade musical coletivafavorece comprovadamente a sociabilidade, a estabilidade emocional, acapacidade de concentração e de raciocínio, o desenvolvimento da per-cepção, a capacidade de trabalhar em grupo. A música tem efeitosprofiláticos num mundo agressivo e violento. A Música favorece a capa-cidade de perceber e tomar decisões nos desafios do cotidiano. Um dosmaiores resultados sociopolíticos da aprendizagem e prática musical é avantagem obtida por sujeitos inicialmente desfavorecidos em seu desen-volvimento social e cognitivo. A prática musical incrementa sensivel-mente a paciência, a resistência, a constância, a flexibilidade e a capaci-dade de desenvolver pensamentos divergentes (BASTIAN, 2001, p.2).

Podemos colocar o estudante jovem e ou adulto como construtordo conhecimento articulando teoria e prática através de temas que rein-tegrem conteúdos curriculares a partir de sínteses significativas, de estu-dos focados em temas unificadores situados historicamente e, por quenão, motivados musicalmente através da letra de uma música. Ouvindo

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uma sinfonia ou ópera ou drama musical, deixamos de reduzir o conheci-mento à mera informação, se lhe acrescentarmos a amplitude e comple-xidade que tem na realidade estética e sócio-econômica.

É quase impossível imaginar o Movimento das Diretas Já (1984)sem as músicas Coração de estudante de Milton Nascimento e WagnerTiso (1983), Vai passar ou A gente vai levando, de Chico Buarque(1975, 1984). A História da República do Brasil e da Música PopularBrasileira estão inseparavelmente entrelaçadas.

Era um garoto que, como eu, gostava dos Beatles e RollingStones, mas foi abruptamente recrutado para a Guerra do Vietnã. A letranarra o drama de um garoto que embora fosse pacifista (gostava dosBeatles e Rolling Stones) e girava o mundo cantando a liberdade, foiseparado da sua guitarra para lutar no Vietnã “tocar” a única nota que ametralhadora produz: ta-ta-ta-ta. Não era belo mas, mesmo assim, milledonne, muitas garotas gostavam dele quando cantava Help e Yesterday.O fato de não se achar belo é típico de todo jovem a procura de umanova identidade. Morreu na batalha e em lugar do coração agora carre-ga duas ou três medalhas no peito, Nel petto un cuore più non ha, madue medaglie o tre. Através desta canção é possível integrar váriasdisciplinas como: o estudo da língua italiana, por sua letra original; o estu-do da identidade jovem dos anos 60 e 70; a problemática da cidadania, doserviço militar, do patriotismo; do direito à autodeterminação dos povos;da história do Oriente, da guerra do Vietnã; do respeito à política externados países amigos; da contracultura e suas propostas pacifistas no movi-mento Hippie e de Woodstock.

Beethoven inspirado pelos ideais da Revolução Francesa dedicoua III Sinfonia a Napoleão: “Sinfonia grande, intitolata Bonaparte”Após receber a notícia de que Napoleão havia invadido a Inglaterra e seautocoroado no dia 18 de Maio de 1804, Beethoven enfurecido apagou onome da folha de rosto, colocando-lhe novo título: Sinfonia Heróica.

IMPLICAÇÃO

A construção do currículo integrado implica em nova cultura esco-lar e na produção de material educativo que seja de referência (MEC,2006, pp. 49-50).

Não se faz música sem saber contar, somar, subtrair, multiplicar,dividir. A Matemática está sempre presente, mesmo que de forma intui-tiva. Fazer música envolve conceitos da Física: tempo, intensidade, po-

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tência, onda sonora, superposição de ondas, Série de Fourier. Tanto omúsico consciente quanto o historiador conseqüente têm conhecimentodo papel desempenhado pelos atores da Música Popular Brasileira (MPB)na História recente: a denúncia e o registro das violentas agressões aosdireitos humanos. Anistia e a Abertura foram sintetizadas pela voz deElis Regina (O bêbado e a equilibrista) e de Milton Nascimento (Cora-ção de Estudante)

Concordamos com o sociólogo e professor Alexandre Virgínio: “adiversidade cultural, porquanto estética, deve ser colocada à disposiçãodos professores.” Que estes tenham “como única fonte dos códigos dereferência cognitiva, moral e afetiva os meios de comunicação de massaé inaceitável” (VIRGÍNIO, 2006, p. 318): a televisão rádio e jornal estãonas mãos de poucos e, pelo visto, têm interesses particulares a defender.

INOVAÇÃO

Qual é a música mais importante na tua vida? Formulei esta per-gunta para conhecer letras e melodias que animam corpos e mentes dosmeus alunos. Entre as respostas mais citadas estava Faroeste caboclode Renato Russo, que narra a trajetória do destemido João de SantoCristo.

Lectio prima3: não tinha medo o tal João de Santo Cristo. Láestava eu cara a cara com meus jovens alunos adultos, cheios de expec-tativa.

Lectio secunda: na escola, até o professor com ele apren-deu. Quem vai aprender com quem?

Quando criança só pensava em ser bandidoAinda mais quando com tiro de soldado o pai morreuEra o terror da cercania onde morava E na escola até o professor com ele aprendeuQual papel teriam minhas idéias no espaço de ensinagem de uma

educação não bancária, onde a cultura resulta das relações sociais?Lectio tertia: do violão ao monocórdio. Optei por uma educa-

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ção musical de alta qualidade com conteúdo histórico-científico. Parti docotidiano, da técnica de afinar um violão: intervalos, oitavas, quintas equartas justas estabelecidas à razão simples de ½, 2/3 e ¾ entre o com-primento das cordas. Razões matemáticas cuja definição é creditada aPitágoras. O mesmo Pitágoras do triângulo reto onde a soma dos qua-drados das medidas dos catetos opostos é igual ao quadrado da medidada hipotenusa. E assim me veio a inspiração “Pro churrasco da Ivanusa”

Tanto Pitágoras quanto Kepler acreditavam na harmonia da Natu-reza. Kepler chegou a compor uma melodia para cada planeta. Pouca

gente sabe, mas o som como movimento oscilatório, o pêndulo, g

LT π2= ,

Leonardo da Vinci, Galileu, Foucault, o chronomètre de Loullié, ometrônomo de Mälzel, Beethoven, a VIII Sinfonia, Napoleão, timbre,altura, intensidade, duração, andamento, pulso, relógio atômico, seme-lhança do violão com a tábua de logaritmos, a série de Fibonacci e oritmo dos poemas de rituais hindus, tudo está vinculado.

Lectio quarta: aula de Música? Allegro ma non troppo4, trou-xeram violão e cavaquinho, levei meu teclado, cantamos Pingos de amor,É mágica, Faroeste caboclo e Frère Jacques, por que não? Depoisda análise métrica das letras inventamos letras e músicas novas usandocomo tema gerador o trabalho e a vida. Classificamos baixos, barítonos,tenores, contraltos, mezzo-sopranos e sopranos para formar um grupovocal. Quem não quer saber a que naipe pertence?

4 alegre, mas não demais: sem oba-oba.

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Conclusão

A Música oferece um universo inesgotável de motivações paraanimar a educação profissional de jovens e adultos. Permite a integraçãodas áreas de conhecimento, multiculturalismo, memória, gênero, etnia eéticas através do trabalho interdiscipilinar.

Referências

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O CUMPRIMENTO DA LEI 10639 / 2003NO PROEJA: ANÁLISE DO MATERIALDIDÁTICO “A COR DA CULTURA”

Letícia Batistella Silveira Guterres1

Simone Valdete dos Santos2

Introdução

Neste trabalho pretendemos analisar a ocorrência da Lei 10.639 /2003 e suas implicações no processo educativo, especialmente no quediz respeito à sua implementação enquanto possibilidade de tratar dadiversidade étnico-cultural na escola.

Embora verificássemos a recorrência, em cursos de pós-gradua-ção, do desenvolvimento de dissertações e teses referentes ao tema daescravidão, percebemos, por outro lado, as brechas ao longo do caminho.

A princípio, ficava evidente o grande volume de escritos publica-dos sobre tal temática, porém, restritos à análise da região sudeste brasi-leira. Algo inteligível, pois tais estudos em sua área de interesse estavamassociados à economia agro-exportadora, palco da utilização maciça dotrabalho cativo. Inserido em lógica semelhante, no que diz respeito àregião sul-rio-grandense, a área mais presenteada com pesquisas nestesentido era então (e ainda hoje) àquela voltada para uma economia deexportação, neste caso, a charqueada gaúcha. Os estudos, entretanto,voltavam-se fundamentalmente às questões que abordavam a economiae a mão-de-obra nela envolvida.

1 Graduada em História Licenciatura Plena pela Universidade Franciscana – UNIFRA (2001),Mestrado em Historia das sociedades Ibéricas e Americanas pela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul (2005). Atualmente é professora de História do Centro Federalde Educação Tecnológica de São Vicente do Sul.2 Graduada em História Licenciatura Plena pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1994),Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998) e Doutoradoem Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003). Atualmente é profes-sora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientadora do Trabalho de Conclusão deCurso da autora que resultou na redação do presente artigo.

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A produção científica, que compreendia fundamentalmente a cultu-ra afro-brasileira, esteve por muito tempo exclusivamente ligada à tentati-va de explicar a escravidão no Brasil, partindo de um viés eminentementeeconomicista e, portanto, ignorando os aspectos humanos que transcen-dem os econômicos presentes em tal processo. Nesse sentido, as caracte-rísticas sócio-econômicas bem como de natureza política estavam acimadas aspirações, atos, valores, ou seja, dos próprios sujeitos sociais que asconstituíam. Assim, revelava-se a construção da imagem de escravo “coi-sa” na historiografia a respeito3, relegando a eles o quadro de coadjuvan-tes, pois frutos do processo de expropriação que os relegava a merosexpectadores e reféns da escravidão e de seu resultado.

Porém, inevitavelmente, tal concepção historiográfica, atingiu so-bremaneira o ensino e sua forma ao tratar de temáticas envolvendo onegro no Brasil. Ou seja, a produção historiográfica a respeito do temado negro acabou sempre estando vinculada à construção da imagem deuma vítima do processo de escravidão, sem condições de resistir à ela etão pouco recriar estratégias de convivência social diante dela. Comisso, a imagem de escravo constituiu-se na figura do negro, que por suavez esteve atrelado, a sua importância, essencialmente enquanto mão-de-obra para o funcionamento da economia dele “dependente”. Os re-flexos disto são plenamente verificáveis na sociedade brasileira atual;reflexos estes associados às práticas racistas e discriminatórias de que aimagem do negro (associada à de escravo, portanto ser inferior) acabareproduzindo. Não que a escravidão tenha criado o racismo, mas acabouo tendo como pressuposto.

Recentemente, a partir de novas produções historiográficas, fru-tos do interesse pela abordagem de novos objetos e problematizaçõeshistóricas passou-se a abordar temáticas até então não atentadas pelomeio acadêmico.

Especificamente, em se tratando da temática em torno do negro eescravidão no Brasil, destaca-se a obra de um historiador norte-ameri-cano, Robert W. Slenes4. Nela o autor demonstra as possibilidades e

3 Ver: MAESTRI, Mario J. O escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; Caxias do Sul:EDUCS, 1984. Também do mesmo autor: MAESTRI, Mario J. A charqueada e a gênesedo escravismo gaúcho. Porto Alegre; Caxias do Sul: EDUCS; EST, 1984.4 SLENES, Robert W. Na Senzala uma Flor. Esperanças e recordações na formação dafamília escrava – Brasil, Sudeste, Século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Vertambém: SLENES, Robert W. Senhores e ubalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO,Luis Felipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. V. 2. São Paulo: Companhia dasLetras, 1997. Do mesmo autor: SLENES, Robert W. Lares negros, olhares brancos: históriada família escrava no século XIX. In: Revista brasileira de História. ANPUH, 1988.

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significados da formação de famílias escravas na região sudeste brasi-leira em meados do século XIX. Seu trabalho é importante não só en-quanto desmistificador da pseudo inexistência – pregada por diversosestudiosos – da possibilidade da formação de tais laços familiares, comotambém e, em seu aspecto mais rico, em resgate à cultura africana,viabiliza o vislumbre dos significados destas famílias para aqueles sujei-tos, ou seja, demonstrou sua importância para formar as esperanças erecordações das pessoas, isto é, para a formação de memórias, pro-jetos, visões de mundo e identidades5. Seu estudo ajudou a reavaliar asuposta licenciosidade sexual de cativos, visão que unia parte de intelec-tuais como Gilberto Freyre e Florestan Fernandes6. Sem dúvida, emborade forma lenta e gradual, os novos caminhos de investigação sobre onegro no Brasil, que o concebem enquanto agente histórico e não “coi-sa”, vem ajudando a alterar as concepções sobre este tema bem comoproblematizando a forma de estudá-lo e ensiná-lo.

Neste mesmo sentido e diante destas novas abordagens ereformulações de concepções é que está inserida a Lei 10.639 / 2003,que prevê a obrigatoriedade do ensino sobre História e cultura afro-brasileira, tanto em estabelecimentos de Ensino Fundamental quanto nosde Ensino Médio, nas redes de ensino públicas ou privadas. Inclui o estu-do da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, acultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica epolítica pertinentes à História do Brasil. Determina ainda que os conteú-dos sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especialnas áreas de educação artística e de Literatura e História brasileiras.Prevê ainda, a inclusão no calendário do dia 20 de novembro como “DiaNacional da Consciência Negra”.

Este trabalho pretende analisar material didático publicado a partirda Lei, observando e analisando em que medida suas prerrogativas sãotratadas e propostas para serem abordadas em sala de aula. Tal materialdenomina-se “A cor da Cultura” e será aqui trazido enquanto possibilida-de de se trabalhar as questões étnicas na escola e no PROEJA.

5 SLENES, 1999, op.cit; p. 136 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 48 ed. São Paulo: Global, 2003 eFERNANDES, Florestan. A introdução do negro na sociedade de classes. 2 v. SãoPaulo: Dominus/Edusp, 1965.

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Modos de Ver

O material, em seu primeiro livro, coloca o leitor a par de textos quevão desde uma perspectiva de análise sobre a África e suas diversidades e,até mesmo, a sua conjugação com percentuais atuais, que trazem a situaçãodo negro no Brasil. Este primeiro livro chama-se “Modos de ver”, e, comoseu próprio nome diz, permite a abertura para o olhar sobre estas culturas7.

Eliane dos Santos Cavalleiro, em artigo incluso neste mesmo livro aque estamos a referenciar, apresenta as várias formas de como o racismoé perpetuado na escola: desde o material didático utilizado pelos professo-res até a utilização de apelidos pejorativos carregados de uma carga se-mântica também pejorativa. As práticas racistas vigentes em nossa socie-dade estão pautadas em um pressuposto ou preconceito da suposição doque Sérgio Costa chama de “hierarquia qualitativa entre os seres huma-nos, os quais são selecionados em diferentes grupos imaginários, a partirde marcas corporais arbitrariamente selecionadas” (COSTA, 2006, p.11)8.

Portanto, parece-nos imprescindível que pensar na inclusão doensino da África e dos africanos é antes fazê-lo nas formas que elahistoricamente vem sendo ocultada. Só assim, permitindo o conhecimen-to sobre estas questões, teremos condições de transcender o estado deignorância, que inevitavelmente nos aproxima às reações discriminatóriase racistas, típicas da condição de quem ignora.

Embora não existindo “receitas prontas” no que diz respeito àspráticas metodológicas de ensinar, assim mesmo, há possibilidades. Eserá exatamente no âmbito destas possibilidades que apresentaremosuma discussão, a seguir, pautada na segunda obra deste material, “Mo-dos de Sentir”, onde realizamos algumas discussões conceituais impres-cindíveis para então se pensar em práticas metodológicas.

Modos de sentir

O segundo livro, que é parte deste material chama-se “Modos desentir” e problematiza a utilização de alguns conceitos, ainda hoje em-

7 Tendo em vista a diversidade étnico-cultural em que é formado o continente africano,procuramos quando em referência ao mesmo nos utilizar do termo “culturas” e não cultura.Até porque compreendemos que não há entre os grupos uma nítida fronteira cultural, pelocontrário, um continuum cultural.8 COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, ani-racismo, cosmopolitismo. Belo Hori-zonte: Editora UFMG, 2006.

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pregados erroneamente. Quer dizer, traça alguns cuidados metodológicosque temos de ter ao tratar a temática que envolve o negro e a escravi-dão. Um dos conceitos tratados na obra, que ainda erroneamente vemsendo utilizado no senso comum diz respeito ao conceito de raça.O conceito de raça esteve historicamente ligado às explicações em tor-no da forma de identificação de categorias humanas socialmente defini-das, ou seja, esteve atrelado às características fenotípicas diferentesexistentes entre os povos (brancos, negros, amarelos). Pesquisas recen-tes realizadas pelo italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza9 com 2.000 tribos ecomunidades indígenas de várias regiões do mundo comprovam que asraças são formidavelmente idênticas, em termos de conteúdo genético.“A cor dos olhos e da pele, as proporções corporais e os tipos de cabelosão vernizes passados sobre uma estrutura biológica idêntica”, definiuCavalli-Sforza. “Os estudos genômicos vêm destruindo completamentea noção de raça”, ecoa Sérgio Danilo Pena. “Do ponto de vista genômico,elas não existem.” Porém, isto não significa que não possamos incorpo-rar uma nova forma da utilização deste conceito. Até porque sabemosque conceitos são construídos e reconstruídos historicamente e que, por-tanto, são transformados pelos grupos sociais que dele fazem uso.Alémdo apontamento de alguns cuidados de caráter conceitual que devemoster, a obra também propõe algumas propostas metodológicas, ou seja, ocomo se utilizar deste material. As propostas giram em torno da neces-sidade de um projeto interdisciplinar, ou seja, que perpasse todas as disci-plinas. O material contempla um rico manancial de dez programas, con-tendo livros animados, expondo os alunos a situações e personagens dasculturas africanas e do mundo afro-brasileiro. Embora indicado especi-almente para o Ensino fundamental, pode ser adequado às diferentesrealidades que permeiam os alunos do PROEJA.

Modos de Interagir

O terceiro livro, denominado “Modos de Interagir”, propõe ainteração de algumas referências afro-brasileiras e seus valores articu-lando-os ao conhecimento da África, ou melhor, das possibilidades demelhor conhecê-la.

As referências trazidas como proposta de discussão, contemplamamplos aspectos do acesso ao conhecimento. Ou seja, a proposta de

9 CAVALLI-SFORZA, Francesco & Luigi Luca.Quem somos? História da diversidade hu-mana. Unesp, 1998.

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tratar da Memória, da Ancestralidade, Religiosidade, Musicalidade,corporeidade são algumas dessas possibilidades, que talvez permitamaproximarmo-nos, inclusive, de possíveis novas organizações curriculares.Organizações curriculares estas “(...) que possam religar os saberes queos antigos currículos fechavam em áreas incomunicáveis. Este é o gran-de desafio deste novo século: religar os saberes dentro de uma novaestrutura globalizante”10. A “religação dos saberes”11 só ocorrerá se atre-lada à reformulação curricular, sem perder de vista a complexidade hu-mana. Ultrapassar os limites da dicotomia em que está fundado o pensa-mento humano é antes conseguir alterar nossa mentalidade, algo quealém de extremamente difícil leva muito tempo. Assim, podemos repen-sar não só a prática para a implementação da Lei a que estamos a nosreferir neste trabalho, mas, e inserido nesta mesma perspectiva, é quetambém podemos refletir acerca do próprio entendimento que temosquando tratamos do tema ligado à negritude. Ou seja, parece que a ques-tão da diferença que permeará o trato com tal temática deve ir além davisão dicotômica que nos aprisiona e limita nosso olhar. Tratar destetema, a exemplo do papel do negro e de sua imagem, é partir para oprincípio inicial da inclusão. Esta inclusão não deve partir de fora paradentro, mas de dentro para fora. Não basta tratarmos com os alunossobre estes temas, tentando convencê-los de algo que nem mesmo nósestamos cientes e convencidos. Até porque a primeira inclusão a serrealizada é de âmbito mental, que muito bem pode ser oferecida peladiscussão de literatura adequada à reflexões desta ceara.

Além da inclusão da literatura como algo permanente em nossasvidas, também, para repensar nossa prática, torna-se necessário umareformulação mental, que nos viabilizará a um novo debate e entendi-mento sobre as questões que dizem respeito ao negro e ao racismo.

Homi K. Bhabha pode nos auxiliar para a busca por um novo cami-nho para o repensar as questões que envolvem a diferença. Em suaobra, “Local da Cultura”12, propõe o refletir a diferença enquanto nego-ciação13 e não enquanto negação, de forma comparativa, onde a discri-minação está implícita.

10 MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF, 2004, p.52.11 MORIN, Edgar. A Religação dos Saberes. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001.12 BHABHA, Homi K. O Local Da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998.13 A negociação refere-se à estrutura da iteração, “na tentativa de articular elementos antagô-nicos e oposicionais sem a racionalidade redentora da superação dialética ou da transcendência”(BHABHA, 1998, p.52).

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Esta temporalidade – negociação – tem algumas vantagens: o re-conhecimento da ligação sujeito e objeto da crítica, que afasta a possibi-lidade da ocorrência de uma oposição simplista, essencialista, ou, naspalavras de Bhabha “entre a falsa concepção ideológica e a verdaderevolucionária” (BHABHA, 1998, p.52). A outra vantagem da utilizaçãodesta temporalidade é assim apresentada por Bhabha: “Se temos cons-ciência desta emergência (e não origem) heterogênea da crítica radical,então a função da teoria no interior do processo político se torna dupla”(BHABHA, 1998, p.52). Nesse sentido, os referentes ou prioridades – aluta de classes, o anti-racismo, a perspectiva negra – não refletem umobjeto político homogêneo, não existem com um sentido naturalista. Sótem sentido quando construídos nos discursos do marxismo, feminismo,etc. Seus objetos, portanto, estão em constante tensão histórica ou emreferência cruzada com outros objetivos.

Habitualmente, nos trabalhos que costumam tratar sobre os aspec-tos da negritude, o que se têm é a ênfase na necessidade de resgate dahistória de seus ascendentes negros para que, a partir daí possa ser per-cebido pela sociedade “a verdadeira contribuição desses povos”14 (cita-ção retirada de “Aspectos da Negritude”, p.10). Resgate este que ten-derá a ter em seu discurso a impregnação de uma crítica vitimizante.Quanto a esta “linguagem da crítica” a que tais obras costumam fazeruso Bhabha afirma (1998, p. 51):

A linguagem da crítica é eficiente não porque mantém eternamente separa-dos os termos do senhor e do escravo, do mercantilista e do marxista, mas namedida em que ultrapassa as bases de oposição dadas e abre um espaço detradução: um lugar de hibridismo, para se falar de forma figurada, onde aconstrução de um objeto político que é novo, nem um nem outro, aliena demodo adequado nossas expectativas políticas, necessariamente mudandoas próprias formas de nosso reconhecimento do momento da política.

A linguagem assumida por estes estudos acabam postulando umapolítica de tolerância, implicando um reconhecimento da diferença, po-rém, sem acolhida. Aqui parece estar implícita a idéia da discriminação,ou seja, a partir das “ilhas” da diferença.

Renée Green – artista afro-americana - aponta para a necessida-de de se compreender a diferença cultural como produção de identida-des minoritárias que em si já se acham divididas; no ato de se articularem um corpo coletivo. Pensa que o multiculturalismo não reflete a com-

14 TRIUMPHO, Vera (org.). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude. Porto Alegre: MartinsLivreiro, 1991.

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plexidade da situação de sua vivência no dia a dia, mas acabaria por“essencializar a negrura” ((BHABHA, 1998, p.21)). Assim, as diferen-ças sociais poderiam ser vistas enquanto signos da emergência da co-munidade concebida como projeto, sendo este ao mesmo tempo umavisão e uma construção (BHABHA, 1998).

Na análise de Green percebemos o deslocamento da lógica bináriaatravés da qual identidades de diferenciação freqüentemente são construídas,qual seja, negro/branco, oprimido/opressor, etc. Nesse sentido, fazemos re-ferência novamente à posição assumida por Homi Bhabha, da necessidadede se pensar os deslocamentos operados nas identificações tradicionais de“sujeitos históricos” compreendendo a dinâmica da negociação em detri-mento à negação. Portanto, rompendo com o modelo burguês/proletário;oprimido/opressor; negro/branco. E, assim, construindo um processo reflexi-vo que foge da análise dual e pretende ser com isto, menos simplista.

Longe da tentativa de dar um fechamento ou receita ideal para asproblemáticas que envolvem a implantação da Lei 10.639 / 2003 no En-sino fundamental e Médio, mas de contribuir no repensar das práticaseducativas que envolvem, especialmente o curso do PROEJA.

A proposta deste curso, de unificar a formação básica com aprofissionalizante ecoa no sentido de uma reflexão sobre a tentativa debarrar a idéia por muito tempo perdurada, de que o trabalho intelectual eo “braçal” devem estar desagregados, até porque estão também embu-tidos na dicotomia ou em uma idéia de hierarquia de escalas de valoresdistintos e, portanto, de ideais discriminatórios.

O Curso do PROEJA, iniciado em São Vicente do Sul no iníciodeste ano de 2007, mostra o quanto devemos ainda trabalhar em tornoda necessária promoção de uma inclusão social. Sem cair em riscosargumentativos, e mesmo não tendo realizado o levantamento para veri-ficar o quanto é ou não significativo o número de negros em São Vicentee em seus arredores, percebe-se que a inexistência de negros no cursopode ser um identificador das questões relacionadas à exclusão social.

Isso, no entanto, não exime o curso de tratar dos assuntos referen-tes ao negro, à África, etc. Muito antes pelo contrário, na realidade,esclarecer à comunidade a existência da Lei, suas necessidades, a partirdas questões históricas já mencionadas neste trabalho, bem como debatê-las torna-se algo imprescindível e de caráter urgente. Estes assuntosdevem ser tratados no âmbito da reconstrução curricular, não só porhaver sido identificado a inexistência de tal temática nas demais discipli-nas que contemplam o Currículo (exceto na disciplina de História e bre-vemente mencionada na disciplina de Geografia), o que passa a revelar

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a idéia errônea de responsabilização de determinadas disciplinas para otrato com estes aspectos.

Talvez, o fato do humano se caracterizar enquanto “existente-em-falta”, algo ignorado pela pedagogia tradicional, nos deixe inseguros nosentido de lidarmos com a situação de incompletude, ou de lidar com oque Morin denominou de “inacabamento ontogenético”, ou seja, a difi-culdade que temos de aceitar e lidar com a incompletude. Esta mesmapedagogia tradicional acabou por vincular ao Homem apenas a idéia daracionalidade, esquecendo o animal. “O ser humano não é (não ainda oununca) um ser racional, e a razão não basta para dar conta da totalidadedos fatos e dos atos de nossa vida” (Moles, 1991, p.31 in Morin, 2004,p.34)”. Nesse sentido, é que devemos caminhar em direção a uma peda-gogia que integre o homem racional ao homem louco. Isto, melhor ditonas palavras de André Baggio15:

Para uma pedagogia da inclusão antropológica, faz-se necessário que aprática educativa integre o homem racional (sapiens) ao homem louco(demens), o homem produtor, o homem técnico, o homem construtor, ohomem ansioso, o homem gozador, o homem estático, o homem cantante edançante, o homem instável, o homem subjetivo, o homem imaginário, (...),o homem racional num rosto de faces múltiplas.

Considerações finais

A análise da Lei 10.639/2003 junto ao material didático “A cor dacultura” nos permitiu vislumbrar possibilidades de se trabalhar com adiversidade no PROEJA. Evidentemente que o material por si só, nãotraz as soluções para a implementação da Lei, mas que permite um ca-minho para o embasamento do profissional, bem como o alerta para anecessidade de se levar a discussão para além do âmbito escolar, mas dacomunidade como um todo. Esta necessidade está no seio da própriaessência da Lei, ou seja, tornar viável o ensino da história dos africanose da África, sua cultura e heranças construídas (no Brasil) no âmbito detodo o currículo escolar. Isto é, sem dúvida, tarefa nada simples, poisexige, além da boa vontade dos profissionais envolvidos, também o estu-do e discussão em torno da temática. Não se trata de apenas estudarpara ensinar a história dos africanos e da África, da africanidade em

15 Pensador citado na obra de MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF:2004, p. 34-35.

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nós, de nossa constituição étnica, mas também dos significados destadiversidade, das possibilidades que ela nos traz.

A Lei 10.639/2003 assim compreendida pode nos tornar maissensíveis para “ver, sentir e interagir”. Que assim seja.

Referências

A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de ver. Copyright Fundação RobertoMarinho. Rio de Janeiro, 2006.

A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de Sentir. Copyrigh FundaçãoRoberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006.

A cor da cultura – saberes e fazeres – Modos de Interagir. Copyright FundaçãoRoberto Marinho. Rio de Janeiro, 2006.

ASSUMPÇÃO, Euzébio & MAESTRI, Mário (coords.). Nós, os afro-gauchos.Por-to Alegre: Edi-to-ra da URFGS, 1996.

BHABHA, Homi K. O Local Da Cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998.

CAVALLI-SFORZA, Francesco & Luigi Luca. Quem somos? História da diversi-dade humana. Unesp, 1998.

COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, ani-racismo, cosmopolitismo. BeloHorizonte: Editora UFMG, 2006.

FERNANDES, Florestan. A introdução do negro na sociedade de classes. 2 v.São Paulo: Dominus/Edusp, 1965.

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 48 ed. São Paulo: Global, 2003

MAESTRI, Mario J. O escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre; Caxias doSul: EDUCS, 1984.

. A charqueada e a gênese do escravismo gaúcho. Porto Alegre; Caxiasdo Sul: EDUCS; EST, 1984. MORIN, Edgar. A religação dos saberes. Rio deJaneiro: Bertrand, 2001.

MORIN, Edgar. Religando Fronteiras. Passo Fundo: UPF: 2004.

SLENES, Robert W. Na Senzala uma flor: esperanças e recordações na forma-ção da família escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, LuisFelipe de (org.). História da Vida Privada no Brasil. V. 2. São Paulo: Companhiadas Letras, 1997

. Lares negros, olhares brancos: história da família escrava no séculoXIX. In: Revista brasileira de História. ANPUH, 1988.

TRIUMPHO, Vera (org.). Rio Grande do Sul: aspectos da negritude. Porto Ale-gre: Martins Livreiro, 1991.

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Um olhar para as relações étnico/raciais no espaço pedagógico da

EJA do PROEJA.

Maritza Ferreira Freitas Flores1

Georgina Helena Lima Nunes2

“Uma chama não perde nada ao acender outra chama”

( Provérbio Africano)

A origem do estudo: experiências docentes,“dançantes” e a EJA

As reflexões presentes neste artigo, emergem das minhas experiên-cias como docente no Colégio Municipal Pelotense (CMP), escola perten-cente à rede municipal de ensino, com níveis de ensino desde a Pré-Escolaaté o Ensino Médio, Curso Normal e Educação de Jovens e Adultos (EJA).A instituição possui 263 professores, 3500 alunos e 93 funcionários, cons-tituindo-se, portanto, a maior escola pública da América Latina.

No presente momento, trabalho em turmas do Curso Normal ecoordeno o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, ainda em fase de cons-trução; este projeto é pioneiro no nível de educação básica porque suasações perpassarão a formação continuada de professores, o ensino, apesquisa e um amplo espectro de atividades que vão ao encontro da

1 Professora Especialista em PROEJA do Colégio Municipal Pelotense, Coordenadora do Núcleode estudos Afro Brasieliros do Colégio Municipal Pelotense (NEAB-CMP), Coordenadora daOrganização Não Governamental Odara / Centro de Ação Social, Cultural e Educacional.2 Professora Adjunta da Universidade Federal do Pampa/ UFPel. Dra. em Educação pelaUFRGS.

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reflexão e ação pedagógica que tenha como perspectiva a educação dasrelações étnico-raciais3, o conhecimento e reconhecimento da cultura,história e processos de formação identitária da população negra dadiáspora4 africana.

Outros aspectos da minha trajetória profissional no CMP, dizemrespeito a dois momentos primordiais da minha docência e que orientama discussão construída neste texto que articula a EJA, a educaçãoprofissionalizante e as questões étnico-raciais. Os momentos referem-se ao tempo que atuei como Coordenadora do Grupo de Dança e profes-sora no “Projeto de Complementação”.

Como coordenadora do Grupo de Dança, eu entendia que aperformance corporal e estética, não estava cindida de uma acuradaapreensão dos significados históricos, políticos e sociais que o mo-vimento humano comporta; o trabalho com a dança, ao longo dotempo, expandiu-se para além do espaço interno da escola tornan-do-se protagonista de um evento chamado “Mostra de Dança Es-colar”. Este evento reuniu educandários públicos e privados que,na forma de arte, “mostravam” metodologias de trabalho relativasà diversidade presente na escola, na região e no país que, em es-sência, a cada passo, ritmo e encenação que constituía o espetácu-lo, estavam, acima de tudo, coreografadas a experiência sócio-cul-tural de cada um dos envolvidos.

Através do Grupo de Dança do CMP, fazia-se a ruptura com ahegemonia cultural branca da escola, buscava-se, principalmente, na dançainspirada em raízes africana, a problematização a respeito dos processosde escravização-libertação-resistência que unem a população negra bra-sileira ao continente africano. Tal prática se constituía uma provocaçãopara melhor compreender as posições sociais ocupadas por estegrupamento étnico-racial em termos de educação, moradia, saúde, mer-

3A utilização do termo “étnico-racial” justifica-se por uma opção política emergentedasconstruções teóricas de alguns intelectuais e , também, do campo de luta travada peloMovimento Social Negro; o termo “raça” não é utilizado na sua concepção biológica, ouseja, é consenso que raças humanas não existem. Este termo _ étnico-racial _ possui validadeenquanto “significado político construído a partir da análise do tipo de racismo que existe nocontexto brasileiro e considerando as dimensões histórica e cultural que este nos remete. Porisso, muitas vezes, alguns intelectuais ao se referirem ao segmento negro utilizam o termoétnico-racial, demonstrando que estão considerando uma multiplicidade de dimensões equestões que envolvem a história, a cultura e a vida dos negros no Brasil “ (GOMES, 2005,p.47). 4 Segundo Lopes (2004, p.237) a palavra “diáspora” possui origem grega cujo significado é“dispersão”; “[...] o termo ‘Diáspora’ serve também para designar, por extensão de sentido,os descendentes de africanos nas Américas e na Europa e o rico patrimônio cultural queconstruíram”.

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cado de trabalho5 em um país que se orgulha da pseuda democraciaracial que carrega como emblema.

Os desafios em entender a presença e, paradoxalmente, a ausên-cia negra em diferentes contextos, mais especificamente falando, o es-colar, aflora, com mais intensidade, quando da minha participação noProjeto de Complementação do Colégio Municipal Pelotense. Este pro-jeto refere-se à modalidade da EJA que recebeu esta denominação porparte da equipe que coordenava a Secretaria Municipal da Educação(SME) do município de Pelotas, durante o Governo da Frente Popular,compreendido entre o período de 2001 até 2004.

O Projeto funciona à noite e recebe um grupo de alunos formadopor jovens trabalhadores que deixaram de estudar já há algum tempo epor aqueles que se encontram fora do mercado de trabalho e buscam naescolarização a possibilidade de inserir-se no mercado de trabalho ouascensão para profissões de maior prestígio6 que ocupam.

A modalidade de EJA no Colégio Municipal Pelotense, através deuma percepção visual (pela não negação do olhar!!!), acolhe um númerosignificativo de alunos negros. Esta realidade não é exclusiva do ColégioMunicipal Pelotense, sabe-se que, em todo o país, a população negraocupa o dobro7 das vagas ocupadas pela população não-negra nas tur-mas da EJA.

Neste momento, não será abordado as inúmeras razões pelas quaisos negros e negras são expulsos, precocemente, dos bancos escolares.

5 Os números relativos à educação são reveladores da situação da população negra: “ otempo médio de educação de um jovem branco com 25 anos é de 8,4 anos, enquanto o negrona mesma idade passou apenas 6,1 anos na escola. Para cada negro que não sabe ler nemescrever há dois negros nessa condição. Entre os brasileiros com mais de 25 anos que têmcurso superior completo há um negro para cada cinco brancos. Estudos recentes do professorRicardo Henriques, do Ipea [...] traz um dado desmascarador da retórica evolucionista quantoà negritude: desde 1929, a diferença entre a escolaridade média dos adultos brancos e negrosé de 2,3 anos. E revela também que os negros eram, ao tempo de sua pesquisa, menos de 2%da massa de alunos das universidades brasileiras” (JOSÉ, p.65, 2004). Mais dados referente àeducação, saúde, taxas de desemprego, mercado de trabalho, IDH (Indice de Desenvolvimen-to Humano) e outros, encontra-se no Relatório de Desenvolvimento Humano: racismo,pobreza e violência, PNUD, 2005.6 Fonte: Censo Escolar 2005 inova ao revelar perfil racial dos estudantes brasileiros. Dispo-nível em: www.açãoeducativa.org.br. Acessado em : 27/02/2007.Segundo dados do censoescolar de 2005, o total de matrículas observando o quesito cor/raça da população negra seconstitui da seguinte forma: parda (1.993.114) e preta (532.750) (Fonte: Instituto Nacionalde estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ INEP. Disponível: www.inep.gov.br eAcessado em: 27/02/2007).7 O “prestígio” das profissões segundo Queiroz (2002, p.46) está relacionado refere-se aovalor conferido às profissões não é estabelecido “ apenas por critérios objetivos, dados pelasua demanda no mercado de trabalho, mas, em elevada medida, por uma representaçãoconstruída socialmente, isto é, aquilo que a tradição consolidou”.

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No entanto, sabe-se que, independente das formas como o binômio dis-criminação/exclusão opera, o racismo8 está, em tese, presente neste pro-cesso. O racismo, na maioria das vezes, é invisibilizado por práticas(anti) educativas (MUNANGA, 2005; CAVALLEIRO, 2001) que, aonegá-lo, lhe confere, simultaneamente, sobrevida.

Na concepção de Cavalleiro (2005,p.26),

o silêncio escolar sobre o racismo cotidiano não só impede o florescimentodo potencial intelectual de milhares de mentes brilhantes nas escolas bra-sileiras, tanto de alunos negros quanto de brancos, como também nosembrutece ao longo de nossas vidas, impedindo-nos de sermos seresrealmente livres “para ser o que for e ser tudo”- livres dos preconceitos,dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males .

Por isso, a perspectiva desta escrita vai ao encontro do questionamentoacerca de que modo a educação em todos os níveis e, principalmente, emEJA, pode se constituir uma pedagogia anti-racista9? Questiono-me tam-bém, se a diferença étnico-racial é elemento pedagógico para se pensar oprocesso de aquisição de novos conhecimentos que vislumbram uma for-mação humana que questiona e, dentro de alguns limites, pode transformarum mercado de trabalho e um mercado de afetos impregnados de precon-ceitos em relação à população negra? No processo de aquisição de conhe-cimentos técnico-científicos, os alunos da EJA são considerados sujeitosque através das suas experiências educativas, formais ou não, adquiriramaprendizados _ aprendizados de sobrevivência _ que podem se “constituirpontos de partida para novas aprendizagens quando retornam à educaçãoformal” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 1098)? A novamodalidade de ensino voltada para os alunos da EJA, o PROEJA, podetrilhar novos caminhos a fim de que não trabalhe na lógica da‘descontextualização da tecnologia’ ao tratá-la como força autônomadesvinculada das ações humanas que a produziram e dela se apropriaram

8 Racismo, segundo Taguieff (1997, p.67), se “distribui por três dimensões distintas: asatitudes (opiniões, crenças, preconceitos, estereótipos, disposições ou predisposições), oscomportamentos (conduta, actos, práticas, instituições, ou mobilizações) e as construçõesideológicas (teorias, doutrinas ligadas a nomes de autores, visões de mundo, mitos moder-nos)” . Segundo o autor, “ nem o estudo do racismo nem a luta contra as suas formas atuaispoderão basear-se simplesmente numa definição do tipo: ‘ O racismo é a doutrina queassenta na afirmação de uma hierarquia entre as raças humanas” (p.07).9 Munanga (2005, p.17), afirma que “ a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens comoaos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferiori-dade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foramsocializados”.

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em contextos históricos” (LIMA FILHO apud CIAVATTA, 2006, p.217)?E, por fim, de que forma a lei nº. 10639, sancionada em 9 de janeiro de2003, que obriga a inclusão da História e Cultura Africana e Afro-Brasi-leira na Educação Básica, se faz presente no cotidiano da EJA, comoredirecionamento possível em relação a uma visão de educação e demundo em que a ciência, cultura, trabalho e tecnologias são dissociadas,favorecendo, de sobremaneira, o modelo societário cuja produtividade nemsempre é produtividade de “mais” vida, “mais” alegria, “mais” prosperida-de mas sim a produção , tão somente, de “mais-valia”10?

A questão étnico-racial e o ensinoprofissionalizante: um olhar histórico econtemporâneo em relação à população negra.

Ao ingressar no “Curso de Especialização em Educação Profis-sional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modali-dade de Ensino de Educação de Jovens e Adultos do Centro de Edu-cação Tecnológica” , exacerba-se a minha capacidade reflexiva emtorno da relação etnia/raça e EJA, quando passo a ter maiores infor-mações a respeito do PROEJA, Programa de Integração da Educa-ção Profissional Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educa-ção de Jovens e Adultos.

Os Artigos 2º e 3º do Decreto nº. 5154/2004, se constituíram ospreceitos legais para que o Ministério da Educação e Cultura (MEC)lançasse o PROEJA:

[...] artigo 2º do Decreto 5154/2004, a saber: a organização, por áreas profis-sionais, em função da estrutura socioocupacional e tecnológicas; e a arti-culação de esforços das áreas da educação, do trabalho e emprego, e daciência e da tecnologia. Pelo mesmo motivo, o artigo 3º desse decretoindica a possibilidade de oferta dos cursos e programas de formaçãoinicial e continuada de trabalhadores segundo itinerários formativos, com-preendidos como o conjunto de etapas que compõem a organização daeducação profissional em uma determinada área, possibilitando o aprovei-tamento contínuo e articulado dos estudos. O parágrafo segundo do mes-

10 Em Bottomore (2001, p.227), encontra-se a seguinte definição de mais-valia : “ Aextração de mais valia é a forma específica que assume a EXPLORAÇÃO sobre o capitalis-mo, a ifferencia specifica do modo de produção capitalista, em que o excedente toma a formade LUCRO e a exploração resulta do fato da classe trabalhadora produzir um produto líquidoque pode ser vendido por mais do que ela recebe como salário”.

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mo artigo indica a necessidade de esses cursos se articularem com a moda-lidade de educação de jovens e adultos (FRIGOTTO et. al. , 2005, p.1096).

Este programa, o PROEJA, obriga as instituições da rede federalde educação técnica e tecnológica a destinar, a partir de 2006, o corres-pondente a 10% das vagas oferecidas no ano de 2005 para o ensinomédio integrado à educação profissional ofertado a jovens acima de 18anos e adultos que tenham apenas cursado o ensino fundamental(FRIGOTTO et. al., 2005, p.1097).

Estudiosos da educação profissional no Brasil (MANFREDI, 2002;FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005; CIAVATTA, 2006), levan-tam vários questionamentos de cunho político-ideológico acerca dos prin-cípios que orientaram e, ainda, orientam a educação profissionalizanteno Brasil. Os autores remetem-se às origens históricas do ensinoprofissionalizante e trazem como contraponto ao ponto de vista capitalis-ta, outras concepções de trabalho, educação e cidadania:

O que significa educar o cidadão emancipado e não apenas o cidadão produ-tivo? Ser produtivo, buscar a produtividade do trabalho e a qualidade dosprodutos é, em si mesma, uma coisa boa, uma busca de humanidade em todasas épocas e ainda hoje, até no mais simples artesanato. Mas como redirecionara formação do cidadão produtivo subsumido pelos critérios mercantis daprodução capitalista? Como superar a dualidade estrutural da sociedade bra-sileira que sempre destinou o ensino médio propedêutico o que se destinamao ensino superior, à formação da intelectualidade; e o ensino profissional aos“desfavorecidos da fortuna”, aos filhos dos trabalhadores, herdeiros dasfunções subalternas e das atividades manuais” (CIAVATTA, 2006, p.922).

Ao voltar-me para a realidade na qual estou inserida _EJA_ e aoanalisar as possibilidades de um curso de EJA com caráter profissionalizantecomo o PROEJA para os “desfavorecidos da fortuna”11, encontro emQueiroz (2004), ao refletir o “Trabalho, educação e ações afirmativaspara o negro no Brasil”, a seguinte alusão em relação à população negra12

e aos seus vínculos com o ensino técnico profissionalizante:

11 Conforme Piovesan (2005, p.40), os “desfavorecidos da fortuna” têm cor porque, noBrasil, “os afro-descendentes são 64% dos pobres e 69% dos indigentes (dados do IPEA), emque no índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000), o país figura em 74º lugar, masque, sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população afro-descendente indica a 108ªposição (enquanto o IDH relativo à população branca indica a 43ª posição)”.12 Opta-se pela nomenclatura “negra”, seguindo o encaminhamento político do MovimentoSocial Negro e de alguns intelectuais que escrevem sobre a questão racial (GUIMARÃES,2003; NASCIMENTO, 2003) que englobam a designação conferida pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE) que “tecnicamente” fragmenta a população brasileira empretos e pardos.

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[...] Os negros são, em todas as universidades, aqueles que apresentam asmais elevadas proporções de estudantes oriundos de cursos técnicos,evidenciando que, para significativa parcela deles, a prioridade com rela-ção ao curso médio não era a continuidade dos estudos em níveis maiselevados, mas o ingresso no mercado de trabalho. Desse modo ao contrá-rio do que ocorre com o segmento branco, na história escolar do estudantenegro a universidade não se apresenta de imediato, como um projetoprioritário (p.52).

Quando se tem a compreensão a respeito da história da educaçãodo negro no Brasil (ROMÃO et. al., 2005), recupera-se os mecanismosatravés dos quais a população afrodescendente foi impedida de freqüen-tar a educação formal, bem como, as estratégias de escolarização forja-das pelos negros no âmbito de uma sociedade escravocrata ou de umasociedade de abolição inconclusa .

Segundo Silva e Araújo (2005), o ensino profissionalizante paulistasurge em 1909 a partir do Decreto nº. 7556 do Presidente Nilo Peçanha.O objetivo deste projeto educacional seria o de instruir os filhos dos tra-balhadores para a formação de um mercado interno com mão de obraqualificada. Nos anos da década de 1920, o ensino expande-se pelo inte-rior do Estado e na década de 1930 “o ensino técnico é reformulado eequiparado ao curso secundário, aproximando-se das necessidades domercado de cada região [...]” (SILVA e ARAUJO, 2005, p.73).

A partir das escolas profissionalizantes paulistas, se escolarizouuma pequena parcela da população negra, independente da

[...] conspiração de circunstâncias sociais que mantinham os negros forada escola. Pretos e pardos que obtiveram sucesso nessa direção formaramuma nova classe social independente e intelectualizada. A mobilizaçãodesta classe configurou-se como um mecanismo de auto-proteção e resis-tência, servindo de base para a (re) organização das primeiras reivindica-ções sociais negras no pós-abolição e o surgimento dos movimentos ne-gros (Idem, 2005, p.73).

A insurgência na década de 1930, da Frente Negra Brasileira e doTeatro Experimental do Negro (TEN), na década de 1950, se constituiuum marco histórico para os movimentos sociais subseqüentes a estasorganizações. Juntamente com a denuncia ao racismo, tais movimentosexecutaram práticas de educação popular para os negros que se consti-tuíram projetos pedagógicos revolucionários cujo cerne era a construçãoe reconstrução identitária da comunidade negra .

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Na contemporaneidade, as lutas negras adentram a “grade”curricular da educação básica brasileira, através da lei nº. 10639/03.

A lei 10639/03 e outros marcos legais noespaço da EJA : a necessária ruptura eemergência de novas construções deconhecimento e processos identitários

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº. 9394/96, no seu Art. 4º,Inciso VI, assegura a “oferta de educação escolar para jovens e adul-tos, com características e modalidades adequadas às suas necessida-des e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores ascondições de acesso e permanência na escola”.

Na medida em que a LDB assevera a importância em capturaras características dos alunos e assinala que as modalidades de ensinodevem ser adequadas às necessidades dos mesmos a fim de que sejamgarantidas as condições de acesso e permanência dos trabalhadoresna educação formal, ela traz, em essência, uma perspectiva política emque a realidade social dos educandos é diretriz para a planificação eexecução da tarefa pedagógica.

A atenção ao retorno de jovens e adultos para o universo escolar,então, não tem como vir desacompanhada de um olhar sobre a suahistória de vida econômica, social, cultural e, especificamente tratan-do, racial. Frente a isso, a lei nº. 10639/03, que altera o Artigo nº. 26da LDB e torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasi-leira e Africana na educação básica, tem como objetivo o direito àigualdade de condições de vida e de cidadania, assim como, a garantiaao direito “ às histórias e culturas que compõem a nação brasileira,além de acesso às diferentes fontes da cultura nacional a todos osbrasileiros” (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação dasRelações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2004).

A partir desta determinação legal, os educadores necessitamvislumbrar possibilidades de práticas que consolidem o ideário de umaeducação anti-racista que, em síntese, proporciona a elevação da auto-estima do aluno negro, favorece o respeito às diferenças religiosas,culturais e estéticas em uma escola que, obstante seu currículomonocultural, acolhe, cotidianamente, sujeitos sociais pertencentes a

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múltiplas culturas. Uma educação anti-racista, também gesta relaçõesmais solidárias em um espaço que o respeito à singularidade do outrodeveria ser a norma. Caberia recuperar a EJA como um lugar em queas relações entre quem ensina aprendendo e quem aprende ensinando,podem transcender a histórica cisão pertencente a uma sociedade dotrabalho e, para muitos, do não trabalho, em que a divisão racial esocial do trabalho, pressupõe agonisticamente, que para alguns é “dado”a potencialidade do pensar e para outros a suposta competência de, tãosomente, executar.

Corroborando com o pensamento acima, Ciavatta (2006, p.923)entende que a educação técnica de nível médio13 deve remeter seuseducandos

a seus fundamentos científicos tecnológicos e histórico-sociais, à com-preensão das partes no todo a que pertencem, de tratar a educação comouma totalidade social, isto é, suas múltiplas mediações históricas e nãoapenas técnicas, tecnológicas ou produtivas.

Ao construir, então, uma reflexão que articule mundo do trabalhoe educação, situada em uma sociedade capitalista, urge a necessidadeem transpor o sentido de uma luta que se resuma às questões voltadas àclasse social de pertencimento; mesmo nas classes menos favorecidaseconomicamente, atrelada à luta pela materialidade das condições mate-riais de existência, estão presentes outras tantas lutas de cunhoemancipatório corporificadas na “ rebeldia dos negros contra o racismodos brancos, a luta dos trabalhadores imigrantes contra o nacionalismoxenófobo, dos homossexuais contra a discriminação sexual, entre as tan-tas clivagens que oprimem o ser social hoje” (ANTUNES, 2003, p.203).

A inclusão do estudo das relações étnico-raciais na perspectiva deuma educação anti-racista nas turmas de EJA, pode conduzir o educa-dor a um repensar crítico de suas práticas, resultando em novos olharesem relação aos elementos de um currículo eurocêntrico que, aliado ao

13 Manfredi (2002, p.209), traz dois exemplos de como no seio da sociedade civil, grupossociais movidos por ideários político-ideológicos, têm sido protagonistas de iniciativas nocampo da Educação Profissional que se constituem como iniciativas contra-hegemônicas aosgrupos dominantes. A autora exemplifica tal reflexão a partir da experiência da formaçãoprofissional no projeto educativo do Movimento sem Terra e no Projeto Axé cujo nomeremete-se à palavra axé do candomblé baiano que significa “ princípio vital, que permite quetodas as coisas existam. A escolha desse nome além de ser uma homenagem à religiosidadebaiana e à cultura afro-brasileira significa a afirmação de que a criança é o axé mais preciosoda nação” (p.227).

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mito da democracia racial14, negligencia a existência do racismo e dadiscriminação no cotidiano escolar.

Práticas racistas, com certeza, tendem a produzir mais práticasracistas e este ciclo reprodutivo de condutas e pensamentos pode, senão eliminado, ser questionado e fragilizado em um lugar que por nãoser neutro _ o campo das educação-se constitui parte de uma engre-nagem viva em que constantemente seres humanos estão em proces-so de refazimento das suas idéias e concepções em relação a si próprioe ao outro.

É na perspectiva do jogo das identidades, da possibilidade de seconstruir como homens e mulheres, que a educação também intervém.A identidade compreendida enquanto um processo cambiante em que amesma, ao não ser fixa, está sempre em mutação, transforma-se emconformidade com as experiências vividas e com a representação soci-al do que se pode/deve ser ou não ser (HALL, 1999; MALOUF, 2003).

A lei nº. 10639/03 tende a fortalecer as pertenças identitárias dosgrupamentos étnicos, trazendo-lhes outras versões do que significou esignifica o continente africano na sua relação com o povo brasileiro detodas as etnias/raças; os conhecimentos de matriz africana permane-cem nos modos de filosofar, nas manufaturas, nas artes, na matemática,enfim, em vários campos de saber que estão subsumidos em densasrelações de poder. O currículo enquanto artefato cultural, forjado noseio de disputas pelo poder, atua no governo (mando!) da subjetividadedas pessoas ditando “ qual o conhecimento é legitimo e qual é ilegítimo,quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo eo que é errado, o que é moral e imoral, o que é bom e o que é mau, o queé belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são(SILVA, 1995, p.166).

Considerações, momentaneamente, finais!

À guisa de encerramento deste diálogo inconcluído como decor-rência de sua complexidade, acredita-se que o espaço da EJA e doPROEJA, sejam espaços em que a questão étnico-racial, por questões

14 “O mito da democracia racial pode ser compreendido, então, como uma corrente ideoló-gica que pretende negar a desigualdade racial entre brancos e negros no Brasil como fruto doracismo, afirmando que existe entre estes dois grupos uma situação de igualdade de oportuni-dade e de tratamento. Esse mito pretende, de um lado, negar a discriminação racial contra osnegros no Brasil, e, de um lado, perpetuar estereótipos, preconceitos e discriminaçõesconstruídos sobre esse grupo racial” ( GOMES, 2005, p.57).

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históricas e contemporâneas, deva estar sempre presente. A modalidadede ensino para jovens e adultos se caracteriza pela especificidade deensino em que, por algum motivo, as pessoas se viram impedidas deestudar no tempo regular. Para a população negra, os impeditivos acen-tuam-se na medida em que, enquanto sociedade cuja perspectiva de “pro-gresso” se efetivaria com o extermínio da negritude presente no corpo ealma brasileira, os resquícios de tal pensamento excludente persiste re-forçado por uma educação cuja perspectiva didática, metodológica ecurricular tem o ocidente enquanto parâmetro.

Acredita-se que os movimentos sociais há muito tempo têm tenci-onado o saber e fazer técnico-pedagógico e que o progresso anuncia-sequando se alia o conhecimento técnico ao conhecimento que gera “tra-balho” de transformação da natureza, do homem e das suas própriasconsciências. Torna-se difícil pensar em uma modalidade de ensino emque homens e mulheres sentem nos bancos escolares, sem que sejamcontempladas as suas experiências de saber e de exclusão de outrasformas de saberes; o manejo com as tecnologias e com as inovaçõesrequeridas pelo mundo do trabalho e da produção, só serão satisfatóriasquando desafiarem o conhecimento humano a transformá-las em outrostipos de conhecimentos, seja na forma de máquina, seja na forma deserviços ou, então, de novas “gentes” que recuperem, cotidianamente,a boniteza de conviver com diferentes maneiras de ser.

Para finalizar: “É aprendi que se depende sempre, de tanta muitadiferente gente, toda a pessoa sempre é as marcas das lições diárias detantas outras pessoas”! (Gonzaguinha).

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FALAS QUE DIZEM Expectativasdos educandos da Escola Especial

O Sorriso de Amanhã da APAE –Passo Fundo em relaçãoao mundo do trabalho

Maria Arlete Pereira1

Naira Lisboa Franzoi2

Contextualizando

O mundo se transforma velozmente. Vive-se um tempo em que astecnologias modificam as relações em todos os sentidos da vida. As açõeshumanas determinam grandes avanços em algumas áreas, como as daciência, da informática, das comunicações e paradoxalmente, o planetasofre em nome do desenvolvimento e da civilização. Neste contexto,surgem idéias de vida e de igualdade fundamentadas no enfrentamentoda discriminação. Entre estes projetos, encontra-se o movimento poruma sociedade de diferentes, uma sociedade inclusiva que leve em con-sideração as diferenças na igualdade dos seres humanos. Muitos setoresda sociedade buscam, baseados nos princípios dos direitos humanos, umamelhor qualidade de vida envolvendo educação, saúde, moradia, lazer,trabalho, dignidade.

A educação também passa por um momento de mudanças. A lutados familiares, educadores e pessoas com deficiência, enfrenta o desa-fio da construção do conceito de inclusão educacional. Em Salamanca,na Espanha, em 1994, na Conferência Mundial de Educação Especial,foram construídos os pilares da educação inclusiva. As vozes dos parti-

1 Professora Coordenadora da EJA e Área Profissionalizante da APAE – Passo Fundo.2 Professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Traba-lho de Conclusão de Curso da autora do presente artigo.

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cipantes, representando 88 governos e 25 organizações internacionais,falaram e disseram o que as pessoas com deficiência já haviam pro-nunciado nas discussões, intervenções e realidades vividas diariamentepelo mundo:

Acreditamos e proclamamos que:

• toda criança tem direito fundamental à educação, e a ela deve ser dada aoportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;

• toda criança possui características, interesses, habilidades e necessida-des de aprendizagem que são únicas;

• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacio-nais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vastadiversidade de tais características e necessidades;

• aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso àescola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centradana criança, capaz de satisfazer a tais necessidades;

• escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem osmeios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se co-munidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcan-çando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educa-ção efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em últimainstância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional “(Salamanca,1994, p. 1) .

Este novo paradigma vem movendo ações de transformação nospaíses signatários. No Brasil, o Ministério da Educação prepara a PolíticaNacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:

“Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secretaria de EducaçãoEspecial apresenta o documento Política Nacional de Educação EspecialInclusiva, que considera a evolução dos marcos filosóficos, políticos, le-gais e da pedagogia, definindo novas diretrizes para os sistemas de ensi-no. Essas diretrizes devem se traduzir em políticas educacionais que pro-duzam o deslocamento de ações e incidam nos diferentes níveis de ensino,acompanhando os avanços do conhecimento e das lutas sociais, consti-tuindo políticas públicas promotoras do amplo acesso à escolarização.”(MEC,2007,p.3)

Quando se fala em sociedade inclusiva, para além da educação,se pensa em outros aspectos da vida cotidiana. Dentre estes aspectos,talvez o de maior importância seja, a inclusão no mundo do trabalho. Alegislação trabalhista brasileira também vem sofrendo modificações e noque diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência, vem determinan-

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do a não discriminação e o atendimento igualitário em relação às vagas eespecificidades de cada pessoa. A necessidade de formação qualificadapara o trabalho e o direito da pessoa com deficiência estão explícitos naLDB e, a partir dela, na sua regulamentação através do Parecer 17/2001do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica e Di-retrizes Nacionais para Educação Especial, quando determinam que aeducação profissional é um direito do aluno com necessidades educaci-onais especiais e visa à sua integração produtiva e cidadã na vida emsociedade. Deve efetivar-se nos cursos oferecidos pelas redes regula-res de ensino públicas ou pela rede regular de ensino privada, por meiode adequações e apoios em relação aos programas de educação profis-sional e preparação para o trabalho, de forma que seja viabilizado o acessodas pessoas com necessidades educacionais especiais aos cursos denível básico, técnico e tecnológico, bem como a transição para o merca-do de trabalho. (BRASIl, 2001, p. 28)

A questão fundamental é que as idéias geradas nas grandes con-venções e assembléias e, também, a legislação por si só, não levam aações concretas. São, na verdade, o primeiro passo, porém, devem setraduzir em mudanças reais no dia-a-dia das pessoas, gerarem o novo ea inclusão social de modo que o respeito à diversidade impulsione “açõesde cidadania voltadas ao reconhecimento de sujeitos de direitos, simples-mente por serem todos, seres humanos. Suas especificidades não de-vem ser elemento para a construção de desigualdades, discriminaçõesou exclusões, mas sim, devem ser norteadoras de políticas afirmativasde respeito à diversidade, voltadas para a construção de contextos soci-ais inclusivos”, como nos diz o Documento do MEC: Educação Inclusiva– A fundamentação Filosófica. (BRASIL, 2006, p. 4).

Neste sentido, a necessidade de se ouvirem as falas que dizem,na história das pessoas com deficiência, na história dos movimentos queatendem a pessoas com deficiência, nas vozes de seus familiares e edu-cadores, na escrita dos documentos oficiais, nas lutas diárias das pesso-as que dizem, pelas suas ações, que é possível um mundo sem exclu-sões e discriminações.

Este trabalho, portanto, tem por objetivo, ouvir as falas, determi-nando expectativas dos educandos da Escola Especial O Sorriso deAmanhã da APAE – Passo Fundo, em relação ao mundo do trabalho eàs possibilidades da organização do currículo integrado EJA-EducaçãoProfissional.

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Falas que dizem, na história

A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE é ummovimento iniciado no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1954. Umgrupo de pais, amigos, médicos e professores de pessoas com deficiên-cia, organizaram a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepci-onais, a primeira APAE do Brasil, ocorrendo, em março de 1955, a pri-meira reunião do Conselho Deliberativo.

A APAE de Passo Fundo surgiu da necessidade de criar uma es-cola para pessoas co deficiência. Este objetivo movimentou a campanhade fundação, onde um grupo de senhoras, em junho de 1967, criou aentidade. A partir do Estatuto a Associação de Pais e Amigos dos Ex-cepcionais - APAE de Passo Fundo, estava já em funcionamento. Em1984, a Escola Especial O Sorriso de Amanhã foi reconhecida enquantotal, com o objetivo do desenvolvimento da Educação Infantil, Ensino Fun-damental e Educação de Jovens e Adultos, tendo hoje, seu Regimentoaprovado pelo Conselho Municipal de Educação e pelo Conselho Esta-dual de Educação. Atualmente, a APAE de Passo Fundo tem carátercultural, assistencial, educacional, de saúde, de estudo e pesquisa, comcapacidade de atendimento para 400 pessoas com deficiência mental e/ou múltipla, de zero ano à idade adulta. Conta, portanto, com a EscolaEspecial O Sorriso de Amanhã, o Centro de Triagem, Diagnóstico e Pes-quisa Regional (CTDR), e o Centro de Aprendizagem Rural (CAR).

Os educandos da Educação de Jovens e Adultos são 165 habitan-tes dos municípios de Passo Fundo, Coxilha, Pontão e Mato Castelhano.São oferecidas atividades na área do lazer (passeios, visitas educativas,música, filmes, teatro), na área da profissionalização (artesanato, pinturaem tela, bijuterias, culinária, informática, saúde alternativa) e na área doconhecimento formal (escolarização - distribuída nas áreas do conheci-mento e etapas da Educação de Jovens e Adultos), além dos projetos deapoio que são, hoje, o coral e a dança. Vinte educandos participam doprojeto do trabalho, como jovens aprendizes, na lavanderia, padaria, re-cepção, cozinha, limpeza, digitação e na escola, além do CAR:Equoterapia, agricultura e serviços gerais.

Falas que dizem, na construção do novo

Historicamente, constituiu-se o paradigma da segregação para pes-soas com deficiência ou com altas habilidades. Somente a partir do ano

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de 1981, denominado pela ONU como o Ano Internacional das PessoasDeficientes, começaram as discussões sobre as questões da pessoa comdeficiência.

Embalados por esse debate, especialmente fomentado por pessoascom deficiência, seus familiares e educadores, na busca de uma efetivaaplicação de seus direitos enquanto cidadãos, os organismos internacio-nais começaram a propor processos de mudanças.

Na área educacional, em especial, aconteceu em 1990, em Jomtien,na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos. Já em1994, Salamanca, na Espanha, foi o local da Conferência Mundial sobreNecessidades Educativas Especiais, com o objetivo de discutir comoatender às pessoas com necessidades educacionais especiais. Os paísessignatários declararam que todas as crianças têm interesses, caracterís-ticas, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são própriose que devem, por isso, serem atendidas em suas diferenças.

Depois da Convenção da Guatemala, em 2001, o Estado brasileiro,através do decreto 3.956, propôs a eliminação de todas as formas dediscriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. No mesmoano, houve a regulamentação da Educação Especial, no Brasil, com apublicação, pelo Conselho Nacional de Educação, do parecer 17/2001,que conceitua a inclusão, dizendo que

a construção de uma sociedade inclusiva é um processo de fundamentalimportância para o desenvolvimento e a manutenção de um Estado demo-crático. Entende-se por inclusão, a garantia, a todos, do acesso contínuoao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estarorientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitaçãodas diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportu-nidades de desenvolvimento com qualidade, em todas as dimensões davida. (BRASIL, 2001, p. 7)

Os sistemas de educação, nos municípios, agregando-se a estapolítica, passaram a implementar um processo de discussão em torno dainclusão social da pessoa com deficiência, desde a sala de aula, forma-ção de professores, atendimentos especializados, escolas especializadas,prevenção, saúde, habitação, acessibilidade e trabalho, para a efetivaçãodos direitos de todas estas pessoas.

Em relação ao mundo do trabalho e ao exercício profissional depessoas com deficiência, este novo modo de pensar aparece na realida-de sob dois aspectos. Um que diz respeito à própria possibilidade dapessoa com deficiência e outro em relação à legislação e à concorrênciaem igualdade de condições com todos os demais trabalhadores.

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Na Proposta APAE Educadora, que fundamenta toda a ação peda-gógica do Movimento Apaeano, a formação para o trabalho é colocadacomo condição para o pleno desenvolvimento, a autonomia e o exercícioda cidadania. Como explicita a proposta, a LDB 9394/96 enfatiza a neces-sidade de vinculação da escolarização ao mundo do trabalho e, além disso,afirma que “a educação profissional é uma modalidade educativa aberta aqualquer pessoa, considerando os níveis mais elevados de escolarizaçãoou a condição de não-escolarização”. A APAE toma a legislação e escla-rece que, para as pessoas com deficiência mental, essa prerrogativa legalmerece consideração. (FENAPAEs, 2001, p. 45).

Materializou-se, portanto, no Movimento Apaeano, a partir da Pro-posta APAE Educadora, a prática voltada para a execução da legislaçãoe com vistas às expectativas dos educandos e de suas famílias.

Falas que realmente dizem. Esxpectativas doseducados em relação ao mundo do trabalho

A Proposta da APAE – Educadora e a própria legislação já apre-sentam os fundamentos para uma educação voltada para a realidade,porém, o mais importante objetivo é encontrar o modo de construir umaproposta de escola em que, os educandos e suas expectativas, sejamenvolvidos no processo.

A presente pesquisa foi realizada na Escola. O questionário foirespondido por escrito por educandos da Educação de Jovens e Adultos,hoje organizada como Escolarização - Etapa II A, que possuem entre 16e 26 anos, por educandos que já foram incluídos e que retornaram àEscola por opção das família,. por uma educanda que freqüenta o EnsinoRegular e optou pela Escola Especial para apoio pedagógico e Ativida-des Variadas, participando da Etapa da Iniciação para o Trabalho.

Algumas categorias de análise podem ser construídas a partir dasrespostas dadas, na perspectiva de um currículo integrado – EJA e ÁreaProfissionalizante. A partir daí, pode-se considerar: a) a importância dotrabalho e da educação na vida de todo ser humano; b) o lugar do traba-lho para a realização pessoal e melhoria das condições de vida; c) apossibilidade que cada um possui de fazer escolhas e de estas seremdecisivas para a realização profissional; d) a expectativa em relação àpossível ocupação profissional; e) o conhecimento das reais possibilida-des de cada um; f) a formação escolar como fundamento para o bomdesempenho profissional, no que diz respeito à leitura, à escrita e às

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habilidades e competências nas diversas profissões; g) as possibilidadesde aprendizagem de cada um; h) a escola como centro formador para acapacitação profissional; i) a escola como vínculo com o mundo do tra-balho, no que diz respeito à organização das possibilidades de emprego,segurança na formação; j) a compreensão das necessidades de forma-ção para inserção no mundo de trabalho; l) a compreensão do mundo dotrabalho como algo mais amplo que a própria atividade profissional, en-tendendo as dificuldades de sua organização; m) a compreensão dasrelações de trabalho; n) o identificar-se como pessoa com deficiência;a luta pelos direitos e consciência dos deveres; o) a compreensão dacidadania na prática profissional.

A escola e a constituição da autonomia

O que significa ser autônomo? A autonomia está colocada para osindivíduos na relação de dependência ou não de outras pessoas e do meioambiente onde se vive. Isto significa, para a pessoa com deficiência, o graude independência com que executa as ações do dia-a-dia, na família, escola,ambiente social e nas relações de trabalho. É a capacidade que a pessoapossui de fazer escolhas, de se constituir enquanto ser humano de direitos,mas também de deveres. Autonomia é uma capacidade que se constrói namedida das relações sociais e de situações de aprendizagem em que sãocolocadas as pessoas, além das próprias condições de cada ser.

A escola se situa neste lugar: o das aprendizagens, para além dascondições pessoais de cada um, identificar as possibilidades de, no con-vívio social, sentir-se capacitado e realizado também profissionalmente.Os educandos identificam o papel social da escola: ensinar a leitura e aescrita como suportes para o exercício profissional, dar condições para odesenvolvimento das capacidades laborativas. Identificam, também, afunção da escola em preparar, habilitar, formar para o trabalho, para oexercício de uma profissão. Sabem de suas limitações, mas identificampossibilidades e se identificam com as profissões que reconhecem noseu dia-a-dia. Falam e dizem da necessidade do conhecimento paraadquirirem autonomia e capacidade para trabalhar. Identificam os pro-blemas e as dificuldades do mundo do trabalho em dar condições deempregabilidade a todas as pessoas com deficiência ou não.

Os educandos apontam para a necessidade da qualificação profissi-onal, pois desejam entrar no mercado para competir profissionalmente.Buscam seus direitos. Na prática, não desejam ser protegidos. Entendem

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o trabalho como condição para a realização humana. Ainda não se sentempreparados, mas acreditam na proposta da escola, no que diz respeito asua preparação para o mundo do trabalho. Sentem-se cidadãos e, comotais, capazes de, autonomamente, buscar formação e trabalhar. Gostariamde ter sua renda, sentirem-se úteis socialmente para ajudar as suas famíli-as, não sendo “um peso” para os pais e responsáveis. “Produzir” na soci-edade, para a sociedade. Buscam ter na instituição um programa de inser-ção no mundo do trabalho, pois entendem o seu papel de construir, coleti-vamente, a formação e a possibilidade do emprego.

Para que isso aconteça, “defendemos, hoje, uma capacitação pro-fissional irrestrita” mais abrangente, mais inclusiva, integral, voltada àdiversidade humana. “Isso significa dizer que os cursos existentes e oscursos futuros deverão adaptar-se ao perfil do novo alunado, esse alunadoque reflete a diversidade humana. Essa abordagem segue o paradigmada inclusão social. Ou seja, é a sociedade que deve adequar-se àsnecessidades e habilidades das pessoas e não o inverso (grifos do au-tor)” (SASSAKI, 2006, p. 102).

Perspectivas para a integração da EJA e daÁrea Profissionalizante EnsinoFundamental – APAE – Passo Fundo

Existem, portanto, as bases legais e uma proposta – em andamento– do Movimento Apaeano, além das falas que explicitam as expectativasdos educandos quanto à formação profissional na Escola Especial OSorriso de Amanhã da APAE de Passo Fundo. É necessário entender,no entanto, o que seja uma proposta de integração da Educação de Jo-vens e Adultos – Ensino Fundamental e Profissionalização. Esta Propos-ta – PROEJA pretende:

a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de sabe-res e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos, historicamen-te, pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permitacompreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na buscade melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma soci-edade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formaçãona vida e para a vida, e não apenas para qualificação do mercado ou paraele. Por esse entendimento, não se pode subsumir a cidadania à inclusãono ‘mercado de trabalho’, mas assumir a formação do cidadão que produz,pelo trabalho, a si e o mundo. (MEC, 2006, p.10).

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Os educandos e suas famílias têm muito a dizer com relação àssuas possibilidades de aprendizagem. A comunidade tem papel impor-tante na definição dos objetivos educacionais e na recepção dos alunosinseridos no mundo do trabalho.

A partir das falas dos educandos, podem-se apontar princípios parauma organização curricular voltada para o mundo do trabalho, na Escola:respeito à diversidade, construção da autonomia – respeito às escolhasindividuais, realidade como ponto de partida, trabalho como princípioeducativo, e a formação para os profissionais que atuam na EJA e naárea profissionalizante a partir da construção de um currículo integradoe interdisciplinar. Neste aspecto, é fundamental o planejamento coletivodas atividades e da pesquisa da realidade, entendendo a aprendizagemcomo processo, e a avaliação como definição de rumos a serem toma-dos para que os objetivos sejam alcançados, evitando, assim, a fragmen-tação da proposta curricular.

Para que a inclusão se efetive, realmente, a partir da escola e dotrabalho, além da compreensão restrita, é preciso vivê-la como a idéia deuma sociedade inclusiva que “se fundamenta numa filosofia que reco-nhece e valoriza a diversidade, como característica inerente à constitui-ção de qualquer sociedade” (BRASIL, 2006, p.5).

Conclusão

Revendo os princípios que norteiam a Proposta do PROEJA é ne-cessário salientar que é importante entender o programa, num sentidoamplo, como uma política pública e também assumi-lo como proposta deescola – possibilidade de escolarização e de formação para a vida e parao trabalho, ter o currículo fundamentado no trabalho, entendendo que aspessoas “homens e mulheres, produzem sua condição humana pelo tra-balho, ação transformadora no mundo, de si, para si e para outrem”(MEC,2006, p.35) e ter a pesquisa como fundamento da formação deeducadores e educandos, todos os envolvidos no processo ensino-apren-dizagem, na escola.

Portanto, a partir destes pressupostos, é possível a implementaçãoda proposta do PROEJA na Escola Especial O Sorriso de Amanhã daAPAE – Passo Fundo, considerando, como condição, as falas que di-zem, indicando sobretudo, que as falas das pessoas que construíram,com suas vidas, pensamentos e opções a realidade, são importantes etêm significado.

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Prospecção – Pró-positiva -Metáforas de um Tecnoimagináriona produção das subjetividades na

Pesquisa em EJA e EAD naconstrução de um AVA para a

Diversidade

Ronaldo Jorge Rodrigues de Oliveira1

Malvina do Amaral Dorneles2

“A substância dualista de Cristo - O Desejo ardente, tão humano,tão super-humano, do homem de atingir Deus – tem sido sempre ummistério e indecifrável para mim – Minha principal aflição e a causa detodas as minhas alegrias e sofrimentos desde minha juventude tem sido abatalha infindável e impiedosa entre a carne e o espírito... e minha alma,a arena onde esses dois exércitos se encontraram e se digladiaram”3

Instante metafórico

“Modernidade é uma aventura, um avanço para os espaços sociais eculturais muitíssimo desconhecidos, uma progressão em um tempo derupturas, de tensões e de mutações” (BALANDIER, 1997)

Há uma reflexão que gostaria que permeasse esse instante textualinicial, como pensar a pesquisa na atualidade? Diante de um processo de

1 Graduado em Ciências Sociais – UFRGS/IFCH-DS e aluno de Mestrado do PPG-EDU/UFRGS. Militante do Movimento Negro – Unificado e Conselheiro do CODENE-RS –Conselho de Participação Desenvolvimento da omunidade Negra pela ONG_CADECUNE,Especialista em Educação PROEJA turma de Porto Alegre.2 Diretora da Faculdade de Educação / UFRGS, Dra. em Educação, orientadora do Trabalho deConclusão de Curso que resultou no presente artigo.3 Nikos Kazantzakis, (Ultima tentação de Cristo – The last temptation of Chist, 136 min.Drama legendado, 18 anos, cor. 1988, Universal city – studios, Direção de martin Scorsese.

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globalização4 alucinante, diariamente no universo da sala de aula convi-vemos com sujeitos complexos e que exigem um olhar cuidadoso diantede suas especificidades, isto é, a sua diversidade étnica, cultural, religio-sa e de gênero que se manifestam e muitas vezes não as reconhecemos.

Não há como negar as profundas modificações que aconteceramna Educação de Jovens e Adultos - EJA a partir da LDB 9394/96, entre-tanto é importante salientar que essas mudanças estruturais e de con-cepção que envolvem uma discussão entre supletivo e EJA são decor-rência de um processo de transformação do mundo real, independentede qual realidade nos referimos, pois o mundo da vida determina o mun-do dos objetos jurídicos, legais e institucionais, do mesmo modo que doponto de vista lingüístico, o documento escrito é efeito de linguagem jáinstaurada, instituída.

A exemplo de tais modificações o público que convivemos em umasala de aula de EJA se constitui cada vez mais de Jovens, segundo(Brunel, 2006, p.9) “Os diversos espaços da educação de Jovens e Adul-tos (EJA) têm recebido nos últimos anos um número cada vez maior dejovens e adolescentes.” Isto é, seres com expectativas, crenças, modosde vida muito diferentes dos quais atendíamos na ultima década do sécu-lo passado. Compreende-se que os procedimentos que nós utilizávamosem meados dos anos noventa, enquanto procedimentos5 didáticos e deinvestigação, hoje em dia, para uma maior eficiência, devam serreadequados.

Gostaria de acrescentar uma segunda reflexão: Quem é o público6

da EJA? Como pensar este sujeito e dar conta de suas especificidadesconforme nos exigem os dispositivos legais? Para Balandier “É precisoaprender a ser explorador deste tempo, para não lhe ficar total-mente submisso e consentir em uma impotência que substituiria opoder pelo acaso”, de modo que ao se pensar a educação a partir deuma proposta transformadora, prescinde do reconhecimento do sujeitoenquanto foco da ação. Movimento da idéia que encontra na metáfora

4 Para Octavio Ianni “a GLOBALIZAÇÃO está presente na realidade e no pensamento,desafiando grande número de pessoas em todo o mundo. A despeito das vivências e opiniõesde uns e outros, a maioria reconhece que esse problema está presente na forma pela qual sedesenha o novo mapa do mundo, na realidade e no imaginário” (Prefácio).5 Para Maffesoli (2004) a mudança de comportamento e dos habitus juvenis são muitosignificativas, diz ele “A imprensa oficial é cada vez menos lida pelas gerações jovens, quepreferem a horizontalidade da Internet, com seus foros de discussões e outras buscas deencontros, sejam sexuais, filosóficos ou religiosos.”6 Esta questão remete-nos a reflexões a respeito da educação continuada, ou para a vida toda.Nesta condição, penso que a EAD se constitui em uma situação de EJA, até mesmo o cursode formação de tutores que acontece na UFRGS através do PEAD.

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do Contorno Antropológico, subsídios a pensar de modo reflexivo a pos-sibilidade de pensar o sujeito enquanto uma categoria complexa, desdesua diversidade, entender singularidades e ambigüidades, pois somos atra-vessados por uma cultura que é anterior a nossa existência biológica,que nos exigem entender o cotidiano, o mundo do dia a dia, da vida.Compreendê-lo a partir da noção de Modernidade que “É movimentomais a incerteza” onde “o imaginário é usado tanto por uma quanto poroutra” (Balandier, 1997:266).

A pesquisa complexa percebe na metáfora um campo fecundo,para Morin (2004), metáfora é “carregar além de” e nessa perspectivadiz esse autor que “o processo analógico realiza-se como ondas percor-rendo os diversos campos da mente, transportando de um domínio paraoutro imagens, noções, modelos”. A metáfora liga, é o cimento, o “com”,que constitui o laço e possibilita os saltos de uma idéia a outras. A noçãode “matrix7” por exemplo, enquanto idéia da rede ilustra esta visualidade,onde cada nó articula uma complexidade de conexões.

O ensaio metafórico oferece-nos uma riqueza de possibilidades nocampo das Ciências e suas alternativas contribuem a especulações eabordagens reflexivas de modo bastante significativo ao partir-se do olharda complexidade, para o entendimento dos diferentes modos de inscri-ção e subjetivação dos sujeitos8, pois o cultural se dá a partir da relaçãocom o outro, desde um estar - juntos socializante, penso na constituiçãode um “circulo-de-confiança”, onde há a necessidade de que nos enxer-guemos através dos outros, dos vários que nos constitui e dos muitos queconvivemos cotidianamente, uma ação antropológica que ocorre atravésdos movimentos de identificações do sujeito que olha e questiona se iden-tifica e se relaciona, e que também estranha o fenômeno, que mesmosendo comum lhe é exterior.

Sob essas perspectivas lançarei um olhar prospectivo, sobre a EJAe a EAD para a construção de um Ambiente Virtual de Aprendizagem –AVA a partir da concepção do Contorno Antropológico, tendo em vistaos múltiplos movimentos de construção da identidade, como tipificaçãose utilizando do Tutor on-line.

7 O filme The Matrix, Andy e Larry Wachowski, Waner Home Vídeo – Brasil, color, 136min. 1999, visualiza uma sociedade totalmente controlada por máquinas, a todo instante ossujeitos comuns podem ser invadidos pelos agentes que se transportam de um corpo a outroem perseguição a resistência a esse domínio em rede.8 A idéia de complexidade leva a procurar entender as várias corporeidades do sujeito, o físico,o sensível, o criativo, o espiritual, o afetivo, etc. Assim, o imaginário fala muito, poisatravessa vários campos de sentidos.

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Viscosidade do Estar-Juntos Socializante

Como definir o real9, que está aí, tão próximo ao qual sua familiari-dade obstrui o estranhamento tão necessário ao fazer antropológico?Sua emergência põe em dúvida as certezas e convicções, não há comodefinir as saliências, tudo é ambíguo, relativo, momentâneo, assim são osinstantes de vivências de uma aprendizagem descolonizante10.Ritualisticamente há um ato de convulsão coletiva, a explosão de senti-mentos e emoções, um sentido de identificação, que de acordo comMaffesoli (2003) constitui um “Perder-se na tribo afetual, a naturezamatriz, um êxtase social, a dissolução do sujeito, uma explosão multiformeda couraça identitária, onde há a crescente importância dos sentidos edo sensível”. N’um segundo momento ritual a celebração, a epifinizaçãodo corpo e dos sentidos em fim a viscosidade social, o laço social que nosmolda enquanto ser conjunto societal “gliscomorfo”;

Maffesoli refere-se a “distinção do eu e do tu, que se subsome emum nós onipresente”, assim o estar-junto pode ser entendido a partir deuma “união mística, o desejo de entrar em contato, de “tocar” o outro”,um sentimento de “Empatia que faz viver em osmose com o outro”, ondeo antropológico se manifesta pelo “selvagizar a vida”, sendo definido o“Selvagismo” como “sinônimo de vitalidade; a fecunda primitividade dacriança eterna, o mito do puer aeternus11, diz esse autor, inaugura odestino individual coletivo. Essa questão faz perceber na identidade co-

9 Daí a máxima maffesoliana: “Só podemos entender bem uma época sentindo seus odores, oshumores sociais e instintivos são mais eloqüentes a seu respeito do que muitos tratadoseruditos (2004).10 Pensar em um processo de descolonização dos espaços da escola, seu imaginário e as açõescotidianas que percebem como valor tudo que é imposto de fora, isto é Europa e EstadosUnidos.11 Aquela que é chamada popularmente de síndrome de ‘Peter Pan’, Puer Aeternus (‘meninoeterno’) é o clássico estudo de von Franz sobre a juventude dentro de nós, sempre resistenteao trabalho e às relações, e incapaz de abandonar os sonhos e as fantasias da adolescência.Von Franz mostra-nos como essa inocência infantil pode impedir nossa auto-realização e noscondenar às decepções adoslescentes e à vida provisória. Analisando o conhecido O pequenopríncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e o menos conhecido O reino sem espaço, de BrunoGoetz, a autora explora o potencial negativo do puer e sua relação com o complexo materno,o donjuanismo e a homossexualidade. Acima de tudo, ela ajuda tanto os homens como asmulheres a reconhecer esse aspecto da personalidade e a direcionar produtivamente a suaenergia.Marie-Louise von Franz foi uma das mais próximas colaboradoras de Jung, dedican-do-se depois da morte dele à continuação de sua obra e pesquisa. É atualmente a maiorespecialista em análise psicológica dos contos de fada e, nesta coleção já foram publicadosseus livros: A individuação nos contos de fada, A sombra e o mal nos contos de fada e Ainterpretação dos contos de fada. (A Luta do Adulto Contra o Paraíso da Infância, Marie-Louise von Franz, http://www.rubedo.psc.br/Revista/paulus/textos/puerete.htm)

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letiva aspectos dos signos que moldam as identificações dos seguimen-tos que tomamos como new tribos pós-modernas. Para esta visualidade,utilizei-me da metáfora do cibernantropo12 e sua aproximação com omito imaginário do exu-elegbará13, que representa a identidade coletivaafro-brasileira, a partir da idéia de um Brasil “multimiscigenado” cujosvários contornos, uma mescla de desenvolvimento e desigualdade social,permitem-nos problematizar essa diversidade do outro na pesquisa, oquão preponderante são os efeitos da tecnocultura na vida e no cotidianode nossa sociedade. A idéia de New Age14, enquanto Index que indicauma tendência orienta que para compreensão do outro é necessária “Sercom o outro” (2003). Perceber nesse contato com, os laços que seamolda aos contornos, “Um cimento constituído pelas emoções com-partilhadas, pelas secreções animais e outros humores, que recor-dam que os humanos são feitos também de húmus”, afirma Maffesolique “Orgia, é colocar em comum as paixões, (...) celebração dosmistérios. “O reconhecimento e a aceitação do outro em mim mes-mo” (Maffesoli, 2003).

Contorno teórico

Balandier traz a noção de contorno antropológico como metáforapara falar de uma modernidade que é movimento mais incerteza, que semanifesta através de um vazio, um tempo de vacância, dado por umtempo de incertezas teórico-metodológicas, crises interpretativas eexplicativas, transições aceleradas, imprevisibilidades, ruídos, diversida-des, rupturas, ineditismo, desconhecimento. Como olhar o novo quandotudo “se apresenta sob o aspecto do movimento, da decomposição e darecomposição aleatória, do desaparecimento e da irrupção contínua donovo” (Balandier, 1997: 10), diante dos contornos que ficam imprecisosfrente à lógica comum, à familiaridade das aparências, à realidade co-nhecida? Daí a metáfora do contorno antropológico, como recursometodológico, que significa tomar distanciamento, colocar-se fora da

12 Conforme trago a reflexão em Possibilidades de uma Poética Afro-ritualistica em Educação(ver bibliografia).13 Exu ou Bará é o deus Afro-brasileiro (Orixá) que reina nas encruzilhadas, senhor do destinoindividual e coletivo, habita a eletricidade, o ar, liga o mundo dos homens aos deuses, por issoo mensageiro, as comunicações, por seu impulso colérico e sua natureza sexual (fálica) muitasvezes é confundido com o diabo cristão. Sua cor é o vermelho e preto, seu símbolo é otridente, possui dois chifres que representam o conhecimento, sua saudação é “Alupô”.14 Nova Era.

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confusão para interrogar, buscar os possíveis, traçar outros itinerárioscontextualizar por aproximação o que se sabe o que se consensualiza,empreender uma exploração do conhecido buscando inventar uma car-tografia15 resultante desse reconhecimento, a identificação de novasconfigurações e de sua interpretação. É um avanço para o desconheci-do. A ação do contorno antropológico é dada por um duplo olhar, “umaação cognitiva que permite uma compreensão tanto pelo interior (o an-tropólogo se identifica para conhecer) quanto pelo exterior (o antropólo-go vê em função de uma experiência estranha)” (Balandier, 1977: 18).

Dessa forma, o contorno é uma metáfora e como tal só entendidona sua substantividade, o que significa que não se aplica a uma ação decontornar, sim o antropologizar realizar um contorno é usar o recursoantropológico, de modo que a ação é o estudo antropológico, oantropologizar, pois a metáfora do contorno só existe enquanto tal, comosubstantivo.

Os vários tempos de controle na EAD: O TutorOn-line - Contornos16 de uma identidade

A perspectiva de entender as subjetividiades de uma identidade on-line, enquanto procedimento de análise em uma pesquisa, direcionou omeu interesse pelo uso das tecnologias na educação, a partir da constitui-ção das oficinas de Descolonização do Corpo e da Expressão e Constru-ção da Cidadania criadas e ministradas por mim no PEFJAT-UFRGS, passeia questionar sobre a necessidade de construir-se alternativas de aprendi-zagem diferentes das reproduzidas, muitas vezes, de modo naturalizadoatravés do uso, quase mecânico do giz, saliva, olho, orelha, trazer o corpo,os sujeitos e suas vidas, isto é, complexidades para a sala de aula.

Constituir-se uma experiência que mesclasse musicaliade, dança,poética, ritualística, gravador, videocassete, televisor, CD´s, câmeras fo-tográficas, hoje em dia o Computador e toda sua parafernália que cha-

15 Aleph_ava procura constituir tal configuração cartográfica, a carta A Roda da Fortuna(2007, 15) enuncia a trilha. Esta mandala é o mapa de bordo que delineia o percursoinvestigativo, como pode ser visto pelo cruzamento das descrições e ação temporal dosacontecimentos investigativos.16 Para o entendimento do contorno propõe um deslocamento do centro, sair da confusão,procurar compreender as margens, as beiras, ouvir as bordas, assim em um ir e vir do olhar,através dos contrastes e semelhanças, procurar perceber a centralidade do que se fala, umaespécie de sinergia entre entropia e neguentropia, centro-periferia. Como experimentoprocurou-se aproximar as noções de complexidade, contorno e viscosidade, três áreas doconhecimento “separadas”.

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mamos de Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, entenderas possibilidades da pesquisa, limites e alternativas. A EAD, experiênciade Informática na Educação, conforme os vários processo que aconte-cem na UFRGS a partir da experiência de Pedagogia AD permite pen-sar os vários usos das NTIC’s (Novas Tecnologias de Informação eComunicação) e concomitantemente como se da à constituição da apren-dizagem, a partir da auto-aprendizagem, conforme o movimento de iden-tificação e apropriação de uma identidade, neste caso o Tutor on-line,enquanto uma identidade em construção.

O tutor constitui-se em um híbrido na condição de ator no processode construção da EAD enquanto modalidade de Ensino na UFRGS, nemprofessor, nem monitor nem aluno, o que é e quem é o tutor na UFRGS?Como reconhecê-lo e defini-lo perante as outras identidades, isso é, su-jeitos co’partícipes da educação nesta Universidade, os alunos, os técni-cos e os professores, qual a condição deste novo sujeito, se é permanen-te, momentâneo como entende-lo além da função que desempenha?Quanto de trabalho alienado está incorporado para a consolidação dessapossibilidade de aprendizagem e os níveis de poder que estabelecemessa relação e atravessam os sujeitos até o momento produziram refle-xões a respeito dessa condição tutor.

Neste processo inicial, minhas observações foram construídas atra-vés de um procedimento de observação participante, situações que acon-teceram ao longo dos dois semestres enquanto tutor desta Universidade(2006-2007), alternando monitoramento e orientação a professores darede pública vinculados ao PEAD na condição de alunos e do meu pró-prio processo de aprendizagem, enquanto aluno do curso de formaçãode tutores. Assim, me permitindo visualizar e pensar a constituição deuma identidade. Três categorias me chamaram bastante a atenção nes-se processo, principalmente pela novidade que é o uso das TIC’s naEAD, a questão do trabalho alienado e a noção de mais-valia, os proces-sos de auto-controle em oposição ao disciplinamento e a simultaneidadedos eventos. Essas categorias que até o momento permearam meuolhar auxiliam-nos a uma compreensão mais profunda sobre as interfacesdo poder, as relações entre professor-aluno-tutor, tutor-tutor e na condi-ção de sujeito em ação o significado do cuidado ético com os objetos decontrole, tais reflexões serão trabalhadas de modo mais elaborado emoutro instante textual.

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A intersecção da EJA e a EAD, facetas de umacomplexidade

EAD – Educação a Distância é uma modalidade de educação quepressupõe o rompimento das barreiras de tempo e espaço uma vez que épossível realizar as atividades de um curso sem a necessidade do deslo-camento até a escola/universidade, ou seja, sendo a atividade assíncrona17,em qualquer tempo, isto é, sem o horário fixo determinado de um cursopresencial. Utilizando-se das Novas Tecnologias de Informação e Co-municação, tem-se a possibilidade de interação aluno/professor, aluno/colega, o que não se tinha no início da EAD onde os recursos utilizadoseram correspondência postal, via rádio ou TV.

A EAD através da Internet permite que os cursos tenham ativida-des sincrônicas e assincrônicas. A primeira exige que os participantesestejam conectados num mesmo local virtual, como exemplos sala debate-papo, videoconferência e outros, em um mesmo horário. Já a se-gunda utiliza-se do mesmo local virtual, mas no tempo que o participantetiver possibilidade, como exemplos, fóruns de discussão, mural, o própriocorreio eletrônico, entre outros.

AVA- Ambiente Virtual de Aprendizagem: local virtual onde acon-tecem as interações que contribuirão para que os participantes constru-am seus conhecimentos. Fisicamente pode-se afirmar que é uma áreana internet que contém recursos para gerenciamento de cursos e auxílioaos participantes (professor/aluno/tutor) no decorrer daqueles. Um AVApode contar com as seguintes ferramentas: espaço para identificação(onde informa-se nome de usuário e senha); e-mail; fórum; mural;dowload/upload, bate-papo, comunicador instantâneo; estatísticas deacesso, videoconferência.

A EJA, na forma como a LDB 9394/96 propõe, é uma modalidadede Ensino da Educação Básica. Porém, em meu entendimento, a EJApressupõe os múltiplos espaços de formação humana onde encontram-sejovens e adultos. Atuar com as TIC’s em EJA pressupõe reconhecimentodas especificidades que constituem as duas modalidades de ensino emquestão. É preciso compreender que os processos de aprendizagem/ensi-no propostos pelas TIC’s envolvem a concepção de diferentes

17 Assim transparece a idéia de que tendo um plug, qualquer tempo é tempo de EAD, assimsomos invadidos pela tecnologia que vai aos poucos determinando nossas ações cotidianas, asimultaneidade e velocidade das informações altera no ritmo diário, há muitas narrativas detutores a UFRGS que se pré-ocupam com a distancia de um acesso a outros dos e-mail ou dosambientes de controle.

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temporalidades, assim como a EJA propõe: são diferentes tempos de apren-dizagem entre os sujeitos, o que, confortavelmente pode ser “comportado”nas TIC’s, tempo necessário de permanência para acomodação das Apren-dizagens, assim como são diferentes os tempos de organização dos sujei-tos, o que também é comportado pelas TIC’s, onde horário de acesso (on-off), as constantes de plug/não plug são mediadas pela necessidade decada sujeito no seu processo de aprendizagem e assimilação do conheci-mento disponível. São diferentes os tempos de disponibilidade ao acesso epermanência no ambiente, o que exige uma pressuposta autonomia dosujeito (no caso de ele possuir o recurso “em casa”).

A possibilidade de retorno ao ambiente em qualquer tempo leva auma noção de memória em permanente constituição, já que o ambientese constitui por um currículo em movimento, essa questão do acesso detudo a qualquer tempo e de qualquer lugar, onde todos acessam o tudosimultaneamente dá a noção de reconhecimento, democratização dosmovimentos identitários dos sujeitos, salientando os diferentes níveis depoder que operam no processo.

Constituição Metafórica de um AVA

Para visualidade da noção de diverso e sua complexidade, que permeiao imaginário dessa pesquisa no campo antropológico em inserção na edu-cação, apresento o ambiente metafórico [email protected], queencontra-se em estado bem incipiente. Este ambiente vem sendo arquite-tado ao longo dos últimos dois anos enquanto a metáfora de um ambientevirtual de aprendizagem voltado à pesquisa da diversidade na EJA e aEAD. O Cibernantropo emerge enquanto figura metafórica que consti-tui a noção de um outro que não seja eu, conforme foi trabalhado emPossibilides de uma Poética Afro-Ritualistica em Educação19, se utilizandodo ambiente de vivências de Descolonização do Corpo da Expressão eCidadania20, que a fim de entender o acontecimento da aprendizagem des-de um estar-juntos, permitiu-se pensar a pesquisa, através do imagináriode uma sala de aula. A perspectiva de compreender uma cultura ciber

18 aleph_ava · [email protected] aleph_ava · Aleph Ambiente Virtual de Aprendiza-gem - [email protected] Referência na bibliografia.20 Oficina pedagógica por mim coordenada e que tem como objetivos principais a pesquisa dassubjetividades, o estudo do corpo e do imaginário no espaço de uma sala de aula e os váriosrecursos tecnocientíficos. Assim através do Centro Alternativo de Cultura Negra - CAdeCUNEprocurei aliar aprendizagens a constituição desse instrumento de investigação.

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passa pelo entendimento dos vários níveis de controle e autocontrole aosquais estamos sujeitos e que a noção antropológica de cultura nos permiteà visualidade através do conceito de “imprinting” de Edgar Morin, pois,segundo esse autor é através das experiências culturais que somos marca-dos de modo sem retorno.

Essas questões ofereceram-me um desafio: dar conta da infinidadede objetos de investigação, um conjunto muito significativo de registrosque compõe o inventário dessa pesquisa. A partir da sistematização dequestionários e registros de depoimentos a respeito dos sentimentos e per-cepções das experiências de vivências descolonizantes, fui cada vez maisme aproximando das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação -N’TIC’s, a fim de solucionar um dos problemas que inquietou-me de modosignificativo: o excesso de material colhido. Assim, Aleph está sendo pen-sado a partir de quatro funções, a primeira é a de constituir-se enquantobanco de registros e dados das vivências, a segunda, possibilitar a apropri-ação de conceitos mínimos a respeito de uma cultura de domínio culturalcoletivo, neste caso a afro-brasileita, conforme pode ser evidenciado naarquitetura do ambiente, a terceira refere-se a conceitos de ordem cientí-fica, igualmente verificável através do desenho desse ambiente e por fim,um instrumento de produção de registros, relatórios, informações, etc,Nesta perspectiva, assim comporta o ambiente:

· Cibernantropo: Roteiro Metafórico.· Glossário: Conceitos.· Apêndices: Vários suportes disponibilizados de modo a uma visualidademais intensa do ambiente (links).· Estrutura: Construída através do uso do editor de texto, PPT, Blog, Pbwiki,e-mail, etc.Conforme me referi anteriormente, este ambiente está sendo

construído. Abaixo apresento as etapas da construção metafórica doAVA para estudos da diversidade étnico-cultural:

Primeira etapa – Esboço da idéia, produzida ao longo do mestrado emeducação, no período entre 2004 e 2007.

Segunda etapa – Produção de um roteiro ensaístico, que ocorreu no mes-mo período referido anteriormente.

Terceira etapa – Apresentação da proposta, que acontece através da dis-sertação, conforme bibliografia anexa e o presente artigo.

Quarta etapa – Arquitetura do ambiente será finalizada em estudos futu-ros, o esboço do mesmo pode ser visualizado através do endereç[email protected].

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Quinta etapa – Uso; etapa futura.

Sexta etapa – Avaliação; etapa futura.

Este momento

O artista é alguém que tem coragem de dizer sim: Dizer sim, apesar detudo, à vida!

Maffesoli, 2003.

Há uma pergunta que adormece e está latente no interior desseinstante, qual o sentido e o significado do ser tutor; na importância e nosentimento que se expressa nesse instante final que é do acabamento deuma trajetória, diz-se do colocar-se na balança, medir, finalizar? Mas hásempre o seu contraditório, na duplicidade do olhar, não há conclusõesdefinitivas no acontecimento científico, pois as coisas da vida e do uni-verso estão sempre em movimento; a vida é movimento e assim vem-meessa metáfora do Contorno que fala dessa modernidade às portas de seusentido Pós. Se a vida é movimento, como negar seu sentido Dialético,compreender que tudo se transforma nessa força transformadora quediz que tudo que é sólido se desmancha no ar. Assim emerge a vitalida-de de todas as coisas que são dos sentidos e sentimentos, a vitalidade dohumano que está no laço que compõe uma identidade. Talvez essa seja amaior aprendizagem que tive ao longo dessa experiência, perceber oquanto há de humus, isto é, orgânico e vísceras em um estudo de apren-dizagem, o antropologizar que nos suscita a ação do Contorno do An-tropológico, o sentido da metáfora que fala de uma complexidade huma-na, talvez aprendizagem mais significativa: entender a grande transfor-mação humana que acontece através do uso da máquina, pela tecnologia.Ensinamento que emerge enquanto uma das muitas contribuições da EADpara a EJA e as Ciências da Educação, em seu estado de maturação, serhumano a partir da máquina21, essa é a nossa condição homociber?

21 O filme TRANSFORMERS propõe a visualidade de tal metáfora, narra uma guerra de seresmáquinas de outro universo, que se trava no aqui e agora, no planeta Terra. A sensibilidade eética das máquinas, que propõe-nos uma segunda chance, tal como em Inteligência Artificial,também de Steven Spielberg, propõe um pensar nossa condição humana. A experiência emEAD, principalmente no uso dos Fóruns, fizeram-me refletir sobre a necessidade do entendi-mento de que do outro lado daqueles cabos e terminais existe um outro humano. Já dizia Marxque no mercado há relações humanas por trás das mercadorias, uma noção de coisa humana,que não deixa de ser humana. (*) TRANSFORMERS [conhecida como GENERATION 1, ouapenas G1] Produção de Steven Spielberg do filme live action dos TRANSFORMERS. ComMichael Bay [responsável pelas bombas (!) Armageddon e Pearl Harbor] como diretor.

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Referências

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BRUNEL, Carmem. EJA: uma população cada dia mais jovem. In: Mundo Jovem:um jornal de idéias, ano XLIV, nº 372. PUCRS. Porto Alegre. 2006.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder.

IANNI, Octavio, Teorias da Globalização. Rio de Janeiro, 1996.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 2001. Editora 34, coleção trans.

MAFFESOLI, Michel. A Parte do Diabo. Rio de Janeiro - São Paulo: Record,2004.

______. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades demassa. 3ª ed. [s.l./s.d.]. Florense Universitária.

______. O instante eterno: O retorno do trágico nas sociedades pós-modernas.São Paulo: Zouk, 2003.

MORIN, Edgar. O método 5 - a humanidade da humanidade: a identidade huma-na. Editora Sulina, 2005.

OLIVEIRA, Ronaldo Jorge Rodrigues. Possibilidades de uma poética Afro-Ritualistica em educação. Porto Alegre: UFRGS, 2007. Dissertação (Mestradoem Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educa-ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.

SANT´ANNA, Sita Mara Lopes (org). Aprendendo com Jovens e Adultos. 1ª ed.Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001.

______. O Ensino de Língua Materna para Jovens e Adultos Trabalhadores: abusca de novos sentidos. Porto Alegre: UFRGS, 2000. Dissertação (Mestradoem Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educa-ção, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.

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As identidades e as diferenças naescolarização de jovens e adultos:

reflexões sobre os desafios doPROEJA

Dirnei Bonow1

Mauro Augusto Burkert Del Pino2

O debate sobre a diversidade e a escolarizaçãode jovens e adultos

A questão da diferença e da construção de identidades é um as-pecto cada vez mais presente nas discussões pedagógicas3. Conforme oDocumento Base do PROEJA, especialmente na escolarização de jo-vens e adultos, devem ser consideradas:

(...) as condições geracionais, de gênero, de relações étnico-raciais comofundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identi-dades sociais4. Nesse sentido, outras categorias para além da de ‘trabalha-dores’, devem ser consideradas pelo fato de serem elas constituintes dasidentidades e não se separarem, nem se dissociarem dos modos de ser eestar no mundo de jovens e adultos. (MEC, 200, p.29)

Assim, o debate sobre a diferença nas relações sociais – paraalém das diferenças de classe social –, e a emergência dos denominados

1 Professor do CEFET/RS – Pelotas ([email protected])2 Professor da Faculdade de Educação da UFPel, Dr. Em Educação, orientador do Trabalho deConclusão de curso do autor do presente artigo.3 “O debate acadêmico sobre as diferenças socioculturais no campo educacional vemavolumando-se e complexificando-se recentemente também no Brasil”. (FLEURI, 2006,p.501)4 Grifo do autor.

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novos movimentos sociais afirmando identidades sem visibilidade no de-bate político tradicional, configuram novos entendimentos sobre as rela-ções de poder e sobre as possibilidades de eqüidade social.(WOODWARD, 2000). Neste processo de mudança, os campos aca-dêmico e social travam um intercâmbio profícuo, de forma que às vezesas fronteiras entre eles sejam desestruturadas, o que sem dúvida de-monstra a emergência do tema e a sua importância para o esclarecimen-to dos diferentes aspectos da dinâmica social no mundo contemporâneo.“O que caracteriza a cena social e cultural contemporânea é precisa-mente o apagamento das fronteiras entre instituições e esferas anterior-mente consideradas como distintas e separadas”. (SILVA, 1999, p.141).

Sem a intenção de discutir a polêmica sobre a mudança de paradigmasou as supostas evidências de um novo modelo de organização social quesubstituiria a modernidade, o objetivo deste artigo é apontar alguns cami-nhos para a reflexão sobre as conseqüências desse debate para a áreaeducacional e, mais especificamente, para a interpretação do fenômenoda escolarização e para o planejamento do trabalho docente no âmbito daeducação de jovens e adultos, especialmente do PROEJA.

Tratar do premente tema da diversidade na escola e conseqüente-mente das suas repercussões sociais, é algo que exige da escola maisque uma abordagem racional restrita ao conhecimento, pois o tema dizrespeito a representações que subentendem determinadas relações depoder, que no cotidiano se manifestam em diferenciações, rotulações,privilégios e discriminações. Portanto, mais que uma questão de saber éuma questão de disputa política em prol de grupos tradicionalmente opri-midos e de valores que subsidiem a igualdade e a solidariedade, no reco-nhecimento das diferenças. Exige-se assim, dos trabalhadores da edu-cação, além de uma consciência das formas de opressão, um processode crítica e autocrítica sobre as representações sociais e sobre o seupapel como educador no cotidiano da escola. As finalidades da escolaquanto ao tema, são opções políticas como qualquer outra finalidadeeducativa, contudo, neste caso, escolhas possivelmente mais polêmicas.Abordar a questão da diversidade é mais que uma questão acadêmica eformativa, pois é também uma questão de compromisso, de ação contrao preconceito e a discriminação. “Pela sua própria heterogeneidade, adiversidade cultural exige de nós um posicionamento crítico e político eum olhar mais ampliado que consiga ampliar os múltiplos recortes dentrode uma realidade culturalmente diversa”. (GOMES, 1999, p.02).

É por isto, que o envolvimento dos professores tem que ter comobase uma aproximação entre o campo do saber e o campo das lutas

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sociais, com os quais os professores muitas vezes mantêm contato su-perficial, sem que se estabeleçam outras formas de diálogo com os seto-res populares e seus movimentos sociais.

Tanto do ponto de vista da pesquisa como do ponto de vista dapedagogia, a integração entre o campo acadêmico e o campo social,possibilita a aproximação entre investigação e realidade, entre observa-dor e objeto de estudo, entre professor e aluno, contribuindo para aproxi-mar estes diferentes olhares e oportunizando maior consciência e diálo-go sobre um contexto permeado por diferenciações, que também sãopercebidas de maneiras diversas e até mesmo antagônicas. SegundoSimone Valdete dos Santos (2006, p.56):

Reconhecendo na escola um campo privilegiado de saberes em disputa,estando de um lado, o saber historicamente construído, intitulado comosaber científico, e de outro o saber popular, que serve ao provimentocotidiano da vida. O projeto político-pedagógico da escola precisa consi-derar estes diferentes saberes constituídos na e pela experiência de vidade jovens e adultos,(...)

Assim, numa área de intervenção social como é a educação, ainterpretação teórica deve ser acompanhada de um indispensávelposicionamento perante a complexidade do tecido social, posicionamentoque longe de ser dogmático e obscurantista deve estar calcado num eternoconfronto entre o que se tem e o que se pretende. A ação educacionaltem que ser orientada por uma finalidade, que não é só a crítica, mas queparte dela para propor determinadas formas de superação dos entravesa uma vida mais satisfatória; esta é a faceta política da educação, sem aqual ela não tem sentido.

Portanto, a consideração das diferenças aponta para um entendi-mento crítico das diferentes formas de desigualdade estabelecidas nasrelações sociais e, mais que isto, para um posicionamento político-peda-gógico perante esta realidade. Esta postura ao mesmo tempo analista einterventora é uma necessidade do trabalho docente, no entanto, os pro-fissionais e os discursos pedagógicos acabam, geralmente, por não dedi-car a devida atenção, pois reduzem a atividade docente aos seus aspec-tos técnicos, administrativos e psicológicos, que só têm sentido se orien-tados por uma intencionalidade baseada num posicionamento e numaproposta em relação ao diagnóstico da realidade. (AFONSO, 2003)

Todavia, não se pode restringir a atividade pedagógica ao debatepolítico. Tanto na pesquisa como na sala de aula, no tratamento dos te-mas como, por exemplo, a desigualdade, subentende-se um

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posicionamento e uma atitude, contudo, esta é diferente da atitude exigidana disputa política. Na escola, e mais ainda na pesquisa, o exercício dadúvida, da apresentação e do debate racional dos diferentes pontos devista e das suas fundamentações é uma exigência de rigor intelectual. Oprofessor, portanto, quando aborda determinado assunto, precisa estimu-lar a análise crítica das diferentes formulações teóricas e as suas conse-qüências na análise e na intervenção social.

Por outro lado, o jogo político, especialmente a disputa por cargosgovernamentais no âmbito da democracia burguesa, exigeposicionamentos menos flexíveis, propostas e ações bem definidas, paraas quais o exercício da dúvida pode significar um erro tático. Não que aracionalidade e a postura crítica devam ser dispensadas, mas ambas têmum papel mais limitado na busca pelo poder.

Na escola, entretanto, há que haver um híbrido entre estas postu-ras, entre a investigação da realidade orientada pelos saberes científicose a posição política assumida perante um contexto de diversificação ecomplexidade de valores. Tem que haver uma postura mais crítica que ada prática puramente política e uma postura menos distanciada que a daprática acadêmica, fundamentalmente porque a ação educativa é, alémde informativa, formativa.

Mas não é tarefa fácil conciliar tal atitude perante o conhecimentoe a sociedade no âmbito da escola. Além de discutir a questão políticaque permeia o trabalho docente, geralmente desconsiderado, a escola,principalmente a pública, deve ser um espaço de respeito à diversidade,inclusive acadêmica e política, o que significa dizer que os diferentesentendimentos sobre pedagogia e sociedade devem ser considerados le-gítimos, desde que não ofendam os direitos humanos.

Quando se discute a questão da diferença e a sua abordagem noconhecimento escolar, é necessário usar o trabalho pedagógico para es-clarecer as formas sociais de estabelecimento da desigualdade, analisaros seus fundamentos e criticar as suas conseqüências. As diferentesáreas do conhecimento científico na sua transposição para conhecimen-to escolar nos oferecem bases racionais para se criticar o senso comumque fundamenta as desigualdades nas relações sociais; mas isto não ésuficiente. O conhecimento por si só não garante uma postura responsá-vel e ativa perante o preconceito e a discriminação, pois isto depende,sobretudo, de uma postura ética.

É isto que deve orientar as definições sobre a questão da diferençana escola e fora dela, a investigação e análise do que é certo e errado nomundo contemporâneo e as diferentes fundamentações para esta ques-

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tão. Um debate democrático que auxilie na identificação e noenfrentamento, por meio do conhecimento e por meio da regulação dasrelações escolares, das estigmatizações e dos conflitos que permeiam asrelações sociais dentro e fora dos muros da escola e que, a partir doreconhecimento da diferença como um elemento importante para a defi-nição das identidades e para a compreensão da distribuição desigual depoder, estimule a construção políticas que questionem o imaginário domi-nante.

Tomar a cultura como sendo um campo de contestação e conflito, permeadopor relações de poder e, portanto, um campo em que se constroem diferen-ças e desigualdades e o currículo como sendo um dos espaços em que aprodução cultural se faz, implica em questionar os saberes e práticas queproduzimos, selecionamos e implementamos de forma a reconhecer o se-xismo, o racismo e a discriminação que eles não só veiculam, mas constro-em e ajudam a manter. Implica em procurar compreender quem tem a auto-ridade para dizer o que, de quem, em que circunstâncias. Implica, sobretu-do, numa reflexão acerca de nosso próprio envolvimento em processos emque diferenças são nomeadas e transformadas em desigualdades sociais epolíticas. (MEYER, 2000, p. 378).

Contudo, tanto na condução das convivências na escola como noâmbito da sala de aula, a abordagem acadêmica e a resolução de confli-tos que são provocados por diferenças de gênero, etnia, geração e reli-gião, são tarefas extremamente delicadas porque mexem com a questãodas identidades.

Neste processo de construção de uma visão de si mesmo, a partirdos grupos e da sociedade na qual se está inserido, é fundamental o enten-dimento da importância, e das conseqüências, do contínuo estabelecimen-to de semelhanças e diferenças em relação aos outros, como uma dasformas de se justificar e se afirmar a própria identidade por contraste. Aconstrução da própria identidade, de indivíduos ou de grupos, em oposiçãoà identidade dos outros, conforma padrões de normalidade, a cobrança porpapéis sociais que correspondam a esta expectativa e a definição de estig-mas, estereótipos ou rótulos5 sobre determinados grupos sociais. Estes sãotemas que precisam ser problematizados na escola, oportunizando refle-xões tanto sobre as identidades dos professores como dos alunos, comotambém sobre a reprodução de discriminações no ambiente escolar e so-bre a necessidade de tratamento crítico destas por parte dos professores,

5Sobre esses conceitos ver Allan Johnson (1997).

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como forma de se pensar no desenvolvimento de intervenções pedagógi-cas que contemplem o debate sobre a diversidade e os valores necessáriospara se estabelecer relações sociais mais igualitárias, dentro e fora daescola. Sobre o entendimento do processo de construção da identidade,ressalta-se a visão de Stuart Hall:

Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; queelas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas;que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas aolongo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser anta-gônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estan-do constantemente em processo de mudança e transformação. (2000, p.108).

Desde os primeiros anos de vida, o ser humano está inserido numprocesso contínuo e inesgotável de adaptação social, que tem caracte-rísticas especiais e únicas, ou seja, individuais, mas que é edificado naconvivência social e, portanto, estabelecido sobre padrões de comporta-mento e representação que não se escolhe, mas que foram estabeleci-dos a priori e que são uma das formas, entre tantas outras, de criação deum conjunto de significados que dão sentido à vida. Neste percurso,repete-se uma série de hábitos e idéias que foram incutidos por diferen-tes formas de aprendizagem, conscientes e inconscientes, formais e in-formais, nos diversos grupos e agregados sociais pelos quais se passa. E,embora haja um padrão dominante ou hegemônico do ponto de vistacultural, nesta trajetória confrontam-se visões, princípios, expectativas,diversas e até mesmo antagônicas, que influem e desafiam identidadesem constante desequilíbrio, principalmente no espaço urbano contempo-râneo. Mais do que uma identidade, os sujeitos têm identidades, e tantoquanto se é objeto de um arcabouço material e simbólico, se é sujeito deuma história única e pessoal. O indivíduo repete e reproduz, mas o fazcom variada autonomia e consciência das forças que o constituíram, apartir das quais pode constantemente se reconstituir, tendo sempre o(s)outro(s) como referência, positiva e negativa, e o ambiente como base.(GIDDENS, 2005).

Sem apegar-se à eterna discussão sobre as determinações natu-rais e sociais, cabe ressaltar que na construção permanente da identida-de, a experiência da diferenciação garante ao sujeito um lugar no mundo,um rosto na multidão, um jeito de ser e de ver que é inseparável dosgrupos nos quais se insere e da visão que tem dos outros. Da mesmaforma, a visão dos outros, mesmo que depreciativa, pode ser utilizadacomo forma de afirmação da identidade. A luta por um espaço e uma

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imagem é o fundamento da construção de identidades e de diferenças ea consciência deste mecanismo de integração, é primordial para se pen-sar sobre as atitudes e as escolhas políticas dos agentes.

O entendimento destas questões entre o professorado ainda care-ce de um mínimo de atenção e, se o discurso na e sobre a escola jáincorporou certos termos referentes ao debate sobre preconceito e dis-criminação, o cotidiano revela que a reprodução de representações des-merecedoras sobre determinados grupos não é problematizada. Será queé percebida?

No âmbito da escola, nos diferentes rituais que caracterizam tal am-biente, podem ser identificadas manifestações de professores que incutemdeterminadas características a pessoas ou grupos e que não são outracoisa senão resultado de estereótipos – imagem falsa sobre grupos ouindivíduos –, que são a base do preconceito. O tratamento crítico de talconceito pode auxiliar no esclarecimento das atitudes dos professores e assuas respectivas conseqüências no relacionamento, na aprendizagem e naavaliação, como também permitir uma reflexão sobre o imaginário dosprofessores, principalmente num curso caracterizado pela diversidade dosalunos como é o caso do PROEJA. Além disto, a questão da diversidade éimportante para a formação integral dos alunos, pois é um tema em que arelação entre conhecimento e cidadania é bem concreta.

Assim, a questão sobre como os professores percebem determina-dos comportamentos não padronizados, pode nos dar sugestões de comoa questão da diversidade é compreendida e tratada na escola. Pesquisassobre as atitudes dos professores em sala de aula já demonstraram comoatua o preconceito, mediante expectativas socialmente construídas queos professores podem confirmar de acordo com o que projetam para osalunos conforme sua classe, cor, gênero, etc. 6 A questão da diversidadenão só não é discutida como, muitas vezes, os professores não avaliamas conseqüências de atitudes às vezes impensadas, porque automatizadaspor representações generalizadas a determinados grupos sociais. Ascontribuições das teorias sobre desvio nos indicam como tal mecanismoé importante7.

A percepção que os alunos têm de si mesmos, da escola e dosprofessores também é importante para se analisar o tema da identidadee da diferença e reforça a necessidade desta discussão não só entre os

6 Ver, por exemplo, Meyer (2000, p.377).7 “Normas e, daí, desvio, são socialmente importantes porque ajudam a definir e regular asfronteiras dos sistemas sociais”. (JOHNSON, 1997, P.70).

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professores, mas também como conteúdo de ensino. Ao se trabalharcom o conceito de estereótipo com os alunos, especialmente da E.J.A.,surgem uma série de questões que indicam a apropriação pelos alunosde um conceito abstrato que ajuda a entender o comportamento e asrelações sociais. Alguns alunos, a partir da compreensão do papel dadiferença na construção da identidade, relatam como afirmam a sua pró-pria identidade ao caracterizar negativamente grupos diferentes, a partirde idéias pré-concebidas. Percebem os estigmas que aprenderam e quereproduzem, ao manifestá-los como verdades absolutas, mas que quan-do analisadas criticamente revelam o seu conteúdo arbitrário ediscriminador, ou seja, de representações pré-concebidas que não resis-tem a uma apreciação rigorosa. Pode não significar uma mudança nasrepresentações e menos ainda nas atitudes, afinal se lida com conceitosarraigados e não se tem garantia de que o trabalho escolar resulte emmudança de comportamento, mas, sem dúvida, esta é uma discussãoque deve ser priorizada nas escolas e nos cursos de PROEJA.

O compromisso com as premissas de umaeducação integral para jovens e adultos

A partir de uma fundamentada análise das causas e das conseqü-ências dos problemas educacionais brasileiros, o Documento Base doPROEJA situa com propriedade intelectual e clara opção política, a ne-cessidade de se construir uma alternativa sólida de formação escolarque integre conhecimento e trabalho, constituindo-se assim numa possi-bilidade qualificada de inclusão social para jovens e adultos que foramapartados do ensino regular.

Ao reconhecer a responsabilidade do Estado e da sociedade nabusca de soluções para este complexo problema que afeta as trajetóriassociais de milhares de brasileiros e compromete o desenvolvimento soci-al do país, o referido documento procura estabelecer os princípios quedevem sustentar a política proposta e indicar as características pedagó-gicas de um projeto de escolarização de qualidade, baseado numa for-mação sociolaboral para jovens e adultos.

Apesar de ser uma proposta bem contextualizada e bem alinhavadatanto do ponto de vista teórico como político, a sua execução pode serafetada por tantos fatores previsíveis e imprevisíveis que a iniciativa pode

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se perder no limbo das inúmeras intervenções governamentais que nãolograram sucesso na história educacional brasileira. Supondo, que se somea esta proposta bem elaborada, decididas ações governamentais que, inde-pendentemente das nuanças conjunturais da política partidária, consolidema política como uma proposta estratégica de enfrentamento da dívida soci-al, ainda é preciso lidar com as idiossincrasias das instituições e dos agen-tes, cujo envolvimento autônomo e crítico com os princípios do PROEJA éimprescindível para a efetivação de um projeto pedagógico qualificado deeducação integral. Assim, considerando que na elaboração da política foirestrita a participação das comunidades escolares e acadêmicas, é neces-sário o desenvolvimento de mecanismos que estimulem a participação efe-tiva destas no debate e na condução dos cursos, condição indispensávelpara a consolidação de um compromisso crítico e responsável.

Tal questão é primordial para que haja uma soma de esforços quegarantam a eficácia do investimento, tornando-o uma possibilidade con-creta de inclusão social, o que, no entanto, não depende só de formaçãoescolar ou de uma única política pública, mas de uma mudança no mode-lo de produção e distribuição da renda; o que não diminui a importânciade um programa como o PROEJA.

Para que a seta se aproxime do alvo, o conhecimento e a identifica-ção com os objetivos e pressupostos do programa são basilares na suaimplantação e ampliação, de tal forma que esclarecimento sobre as suasintenções deve orientar a formulação, a execução e a avaliação dos proje-tos pedagógicos, superando as possíveis distorções sobre as finalidades daeducação de jovens e adultos que podem limitar a implantação de taisprojetos na rede federal de ensino, já que podem ser vistos como umaalternativa não qualificada ou não eficiente de educação profissional.

A construção da proposta curricular deve, além de considerar asespecificidades da modalidade, orientar-se por uma integração que pro-cure superar a separação entre a formação propedêutica e a formaçãoprofissional, para a qual são necessários professores identificados com aproposta e dispostos a construí-la coletivamente. Pode parecer umaobviedade afirmar a necessidade do trabalho coletivo já que este é ne-cessário em qualquer atividade pedagógica de escolarização, no entanto,frente às dificuldades características do trabalho docente que estão pre-sentes na cultura escolar – entre as quais o individualismo dos professo-res8 – e a complexidade da integração pretendida no PROEJA, prescin-

8 “A postura individualista dos docentes tem servido de obstáculo ao acesso e à partilha denovas idéias e, conseqüentemente, a encontrar melhores soluções para os problemas doensino”. (MORGADO, 2004, p.127)

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dir deste planejamento conjunto pode, além de desviar o foco do progra-ma, acentuar as dificuldades de adaptação e de rendimento dos alunos e,conseqüentemente, a repetência e a evasão.

Portanto, a intenção deste trabalho de identificar e analisar os prin-cípios pedagógicos do PROEJA é uma imposição para o desenvolvimen-to das propostas político-pedagógicas que serão criadas. Um debate quenão deve se restringir apenas a uma discussão prévia na criação doscursos, mas que deve ser uma reflexão constante orientada por umaanálise crítica destes pressupostos, como forma de avaliar se as finalida-des do programa estão sendo atingidas.

Entre estes princípios, a questão das características e da diversi-dade dos alunos de PROEJA, deve ser considerada neste programa,tanto no âmbito da adequação das instituições, para atender de formaeficiente às peculiaridades deste público, como no âmbito acadêmico, notratamento da diferença como um tema de estudo e de interpretação dasrelações sociais e, ainda, no âmbito das políticas de enfrentamento dopreconceito e da discriminação, inclusive dentro da escola, ampliando asnoções de cidadania e de democracia. Este princípio é importante tam-bém para se valorizar a experiência multifacetada de jovens e adultosque, como sujeitos sociais, devem ser incentivados a desenvolver umaatitude ativa, de protagonistas da sua aprendizagem.

Investigar, discutir e programar políticas que limitem atitudespreconceituosas e discriminatórias é uma tarefa exigente e necessáriaque requer o questionamento sobre as nossas representações e atitudes,de forma que as diferentes identidades sejam problematizadas no reco-nhecimento da diferença e no entendimento da responsabilidade, ética epolítica, que está implicada nos valores que estimulamos na educaçãoescolar.

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