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SANIDADE Suínos & Cia Ano IV - nº 21/2007 14 Jean Paul Cano e Carlos Pijoan Médico Veterinário [email protected] Saúde dos leitões após o desmame A suinocultura mundial tem evo- luído de forma acelerada nos últimos anos, estimulada pela concorrência com outros segmentos agropecuários, para oferecer aos consumidores um produto de alta qualidade ao menor custo possível. Os notáveis avanços em genética, nutrição, instalações e manejo têm propiciado a existência de granjas cada vez maiores e dinâmicas, produção em múltiplos sítios com períodos de lactação mais curtos e seleção de animais com altas taxas de crescimento. Todos estes fatores, sem dúvida, vêm modificando a epidemiologia de agentes infecciosos como Actinobacillus pleuropneumoniae, Streptococcus suis, Haemophilus parasuis, Mycoplasma hyopneumoniae e Escherichia coli, entre outros. Além disso, têm aparecido novos agentes, como o circovírus suíno ou o vírus da síndrome respiratória e reprodutiva suína (PRRS, devido às suas siglas em Inglês), que complicam a situação. Diante desse cenário complexo, veterinários, proprietários e funcionários de granja vêem com frustração a simples aplicação de medidas tradicionais, como vacinação ou medicação, que não geram resultados aceitáveis e consistentes. Por outro lado, granjas de melhor status sa- nitário, mas com suínos mais suscetíveis, estão constantemente em uma situação de alto risco com relação a casos agudos de doenças, uma vez que compartilham es- tradas, matadouros, fábricas de ração e espaços geográficos com as populações infectadas endemicamente. Por estas razões é muito comum a percepção das doenças como um grande problema, às vezes impossível de se resol- ver. Entretanto, o controle e a prevenção de doenças se constituem, hoje em dia, numa oportunidade muito interessante na suinocultura, devido à estreita relação que existe entre a saúde e elementos como produtividade, qualidade total da car- ne, valor agregado à genética, bem estar animal e custos de produção. A saúde é o componente da produção suína que na atualidade oferece a maior oportunidade de benefícios em relação ao investimento realizado. Diante de cada situação deve-se analisar o custo, em conseqüência das do- enças presentes na população e avaliar os recursos econômicos, de pessoal e insta- lações, com os quais a empresa conta para aplicar, assim, a estratégia de controle ou eliminação que gere o máximo benefício em relação ao custo. O objetivo deste ar- tigo é discutir algumas estratégias apli- cáveis na granja para reduzir a presença ou impacto das doenças e, desta maneira, melhorar a produtividade da empresa. Avaliar constantemente o nível de conforto dos suínos Que porcentagem de mortalida- de, redução no ganho de peso ou suínos doentes é conseqüência de fatores não infecciosos como manejo, água, ração, ambiente? É importante que o veterinário, encarregado da granja ou responsáveis por ela se façam essa pergunta freqüente- mente. Geralmente as pessoas envolvidas Leitões mais pesados e viáveis, no desmame respondem melhor diante da maioria das doenças. Tabela 1. Requerimentos de espaço, água, comedouros e temperatura, por suíno Fase Área (m 2 / suíno) Água (L / min.) Espaço comedouro (mm) Temperatura (°C) Piso sólido Piso ripado Mínima Máxima Desmame 0,37 0,28 1,0 66 24 35 Crescimento 0,56 0,53 1,4 65 22 33 Engorda 0,75 0,67 1,7 76 21 33 Editado a partir de adaptação de vários autores, realizada por Dewey e Straw, 2006 1

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SANIDADE

Suínos & Cia Ano IV - nº 21/200714

Jean Paul Cano e Carlos PijoanMédico Veterinário

[email protected]

Saúde dos leitões apóso desmame

A suinocultura mundial tem evo-luído de forma acelerada nos últimos anos, estimulada pela concorrência com outros segmentos agropecuários, para oferecer aos consumidores um produto de alta qualidade ao menor custo possível.

Os notáveis avanços em genética, nutrição, instalações e manejo têm propiciado a existência de granjas cada vez maiores e dinâmicas, produção em múltiplos sítios com períodos de lactação mais curtos e seleção de animais com altas taxas de crescimento. Todos estes fatores, sem dúvida, vêm modifi cando a epidemiologia de agentes infecciosos como Actinobacillus pleuropneumoniae, Streptococcus suis, Haemophilus parasuis, Mycoplasma hyopneumoniae e Escherichia coli, entre outros. Além disso, têm aparecido novos agentes, como o circovírus suíno ou o vírus da síndrome respiratória e reprodutiva suína (PRRS, devido às suas siglas em Inglês), que complicam a situação.

Diante desse cenário complexo, veterinários, proprietários e funcionários de granja vêem com frustração a simples aplicação de medidas tradicionais, como vacinação ou medicação, que não geram resultados aceitáveis e consistentes. Por outro lado, granjas de melhor status sa-nitário, mas com suínos mais suscetíveis, estão constantemente em uma situação de alto risco com relação a casos agudos de doenças, uma vez que compartilham es-tradas, matadouros, fábricas de ração e espaços geográfi cos com as populações infectadas endemicamente.

Por estas razões é muito comum a percepção das doenças como um grande problema, às vezes impossível de se resol-ver. Entretanto, o controle e a prevenção de doenças se constituem, hoje em dia, numa oportunidade muito interessante na suinocultura, devido à estreita relação

que existe entre a saúde e elementos como produtividade, qualidade total da car-ne, valor agregado à genética, bem estar animal e custos de produção. A saúde é o componente da produção suína que na atualidade oferece a maior oportunidade de benefícios em relação ao investimento realizado.

Diante de cada situação deve-se analisar o custo, em conseqüência das do-enças presentes na população e avaliar os recursos econômicos, de pessoal e insta-lações, com os quais a empresa conta para aplicar, assim, a estratégia de controle ou eliminação que gere o máximo benefício em relação ao custo. O objetivo deste ar-

tigo é discutir algumas estratégias apli-cáveis na granja para reduzir a presença ou impacto das doenças e, desta maneira, melhorar a produtividade da empresa.

Avaliar constantemente o nível de conforto dos suínos

Que porcentagem de mortalida-de, redução no ganho de peso ou suínos doentes é conseqüência de fatores não infecciosos como manejo, água, ração, ambiente? É importante que o veterinário, encarregado da granja ou responsáveis por ela se façam essa pergunta freqüente-mente. Geralmente as pessoas envolvidas

Leitões mais pesados e viáveis, no desmame respondem melhor diante da maioria das doenças.

Tabela 1. Requerimentos de espaço, água, comedouros e temperatura, por suíno

FaseÁrea (m2 / suíno) Água

(L / min.)Espaço

comedouro (mm)

Temperatura (°C)

Piso sólido Piso ripado Mínima Máxima

Desmame 0,37 0,28 1,0 66 24 35

Crescimento 0,56 0,53 1,4 65 22 33

Engorda 0,75 0,67 1,7 76 21 33

Editado a partir de adaptação de vários autores, realizada por Dewey e Straw, 20061

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na produção conhecem bem quais são as condições mínimas necessárias, para que um suíno expresse seu máximo potencial genético nas diferentes fases da criação; entretanto, em muitas ocasiões sua aten-ção se concentra em agentes infecciosos, deixando de lado algumas necessidades básicas do suíno. A tabela 1 mostra exem-plos de algumas destas necessidades.

Está amplamente claro que leitões mais pesados e viáveis, ao serem desma-mados, respondem melhor diante da maio-ria das doenças e conseguem melhores taxas de crescimento, fazendo valer todos os recursos e esforços investidos durante a lactação, os quais serão recompensados nas fases de crescimento e engorda.

Da mesma maneira, suínos criados em melhores condições ambientais (tem-peratura, densidade, água, ração) atingem melhores índices de mortalidade, ganho de peso e conversão. Essas duas premissas, embora pareçam demasiadamente óbvias, são subestimadas em algumas ocasiões e os recursos para resolver os problemas são dirigidos a outros fatores. Por outro lado, em muitas situações, estas premissas são cumpridas mas a produtividade dos suínos após o desmame acaba sendo afe-tada devido a causas infecciosas.

Biossegurança

Um programa de biossegurança corresponde à organização da infraestru-tura e da rotina de trabalho, para evitar a entrada e reduzir a disseminação de agen-tes nocivos (vírus, bactérias ou fatores tóxicos) em uma população. O status sa-nitário do rebanho não deve determinar a

intensidade das medidas de biossegurança a serem postas em prática, porque sempre pode haver um novo agente que ingresse no sistema piorarando ainda mais a situ-ação.

Quando se tem a oportunidade de desenvolver um projeto desde o início, a localização da granja, distante de outras propriedades que criem suinos, é uma consideração prioritária. Entretanto, na maioria das ocasiões se requer a melhoria da biossegurança em granjas já estabele-cidas e, muitas vezes, localizadas em zo-nas de alta “densidade suína”.

É nesses casos que a identifi cação e quantifi cação dos fatores de risco que ameaçam essa população específi ca são vitais para dar início a um programa de biossegurança que reduza o risco da intro-dução de doenças a um custo razoável. A principal fonte de entrada de novos agen-tes infecciosos em uma população são os suínos ou o sêmen. Em seguida, quanto à importancia, vêm os veículos2, materiais, pessoal3 e, sob condições muito especiais (umidade, temperatura e vento), a trans-missão por aerosol4 e os insetos5,6.

Portanto, a aquisição de sêmen ou material de reposição de uma fonte “sa-dia” e confi ável, um rigoroso protocolo de quarentena e amostragem para os suínos a serem introduzidos, a estrita desconta-minação dos veículos que ingressam na granja, a utilização de um transporte in-terno e uma unidade de transferência para carga, assim como o controle da entrada de pessoal e materiais, são aspectos muito mais importantes para evitar a introdução de agentes infecciosos, do que fi ltrar o ar ou instalar telas mosquiteiras.

O outro componente do pro-grama de biossegurança está enfocado na redução da transmissão de agentes infec-ciosos dentro da população entre áreas, galpões, currais ou animais. O objetivo é cortar o ciclo das doenças ou mantê-las localizadas onde tenham um impac-to menor sobre a produtividade. Entre as estratégias mais efetivas para realizar esta tarefa, incluem-se a setorização do pessoal ou troca de roupa entre áreas, o manejo tudo-dentro/tudo-fora dos grupos de parto, semanas de desmame e lotes de engorda, limpeza adequada, desinfecção e secagem das instalações antes de reutili-za-las, o controle de roedores e uma ro-

O plantel de matrizes são as principais fontes de infecção e imunidade para os leitões.

A descontaminação de veículos, é um dos aspectos mais importantes para evitar a introdução de agentes infecciosos.

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tina lógica de recolhimento de cadáveres. Para a implementação destes programas é necessário adotar um “regulamento de biosegurança” lógico, simples, conciso e fácil de ser posto em prática e que seja incluído de forma rotineira no plano de treinamento do pessoal.

O nível de infecção e imunidade para cada agente infeccioso muda cons-tantemente em uma população de porcas, imprimindo, portanto, uma grande va-riabilidade na prevalência de doenças de cada grupo de leitões desmamados. Para a maioria das infecções, o nível de expo-sição ao microrganismo determina o nível de imunidade ativa gerado na população. Por isso não é desejável misturar suínos com diferentes status de exposição e imu-nidade.

A estratégia de se esvaziar toda a sala ao término do período, limpar, desin-fetar, secar e repovoar a sala com suínos, do modo mais homogêneo possível, reduz a possibilidade dos animais mais jovens “herdarem” as infecções de grupos ante-riores, o que contribuiria para perpetuar as doenças na instalação. O passo seguinte no programa de biosegurança interna con-siste na diminuição, ao máximo possível, do contato entre grupos de diferentes sta-tus de exposição (idades).

Estabilidade da imunidade do plantel reprodutor

É impossível discutir o manejo da saúde dos leitões desmamados sem comentar a principal fonte de infecção e imunidade para os referidos leitões: oplantel de matrizes. A dinâmica de uma

infecção numa população é determinada por três componentes:

1. A proporção de animais susce-tíveis (capazes de infectar-se e sofrer a doença)

2. A proporção de animais infec-ciosos (excretando o microrganismo ati-vamente)

3. A proporção de animais imunes(protegidos contra o agente específi co)

Quando um microrganismo in-gressa em uma população negativa, 100%

dos indivíduos são suscetíveis; então o primeiro indivíduo infectado começa a excretar o agente e a transmitir a doença aos outros. Entretanto, à medida que os indivíduos infectados morrem ou desen-volvem proteção contra o agente, reduz-se a proporção de indivíduos suscetíveis, cujo número, em uma população fechada, sufocará a infecção cedo ou tarde. Por sua vez, os altos níveis de produtividade exigi-dos de um suíno moderno e a conseqüen-te adoção de algumas práticas de manejo, alteram a dinâmica natural das infecções e geram a perpetuação das mesmas na po-pulação. Por exemplo, ao se introduzir ani-mais de reposição saudáveis na gestação, sem os aclimatar, aumenta a proporção de suscetíveis, os quais podem chegar a ní-veis sufi cientes para “reativar” a infecção. Ao se manter leitões doentes numa sala de desmame e misturá-los com leitões mais jovens, aumenta-se artifi cialmente a pro-porção de suínos infecciosos nesse grupo. É possível controlar ou eliminar as doenças infecciosas, quando se pode manipular de maneira adequada estes componentes da dinâmica de infecção.

Entende-se por “estabilidade da imunidade do plantel reprodutor”, o es-tado de mínima transmissão de um agen-te infeccioso entre os suínos adultos e a sua descendência, em uma população de animais previamente infectada, devido à dinâmica natural da doença nesse grupo de indivíduos, ou ao resultado de ações específi cas aplicadas pelos técnicos. Al-gumas das alternativas desenvolvidas para incrementar a estabilidade do rebanho de porcas, serão explicadas a seguir:

A aclimatação de fêmeas de reposição fundamenta-se na exposição

O estresse gerado pelas mudanças bruscas de ambiente, alimento e ordem social, fazem o período de desmame um verdadeiro desafi o para os leitões.

A limpeza, desinfecção e secagem adequada das instalações, permitem diminuir a quantidade de microrganismos impedindo que seja repassados ao lotes posteriores.

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das novas fêmeas diante dos agentes in-fecciosos presentes na granja para evitar que adoeçam ao entrar em gestação. Esta exposição deve ser realizada, de modo ideal, mediante vacinações. No entanto, a ausência de vacinas adequadas para algumas doenças nos obriga a utilizar al-ternativas como a exposição intencional a soro, tecidos, animais da granja ou fezes. O procedimento em questão constitui-se de uma fase de exposição e uma de recu-peração ou “resfriamento”, para garantir que as porcas que ingressam na popula-ção estejam imunizadas, mas que tenham também deixado de excretar vírus ou bac-térias7. Essa é uma maneira de manter a introdução das reposições sem aumentar o número de suscetíveis na população.

O fechamento da granja consis-te em restringir a entrada de reposições na mesma, assumindo que a população exis-tente já tenha sido exposta previamente às doenças a serem controladas8. O tempo de “fechamento” permitirá que os suínos infecciosos, ainda excretando vírus ou bactérias, deixem de fazê-lo e, a ausência de indivíduos suscetíveis, terminará por sufocar a infecção ativa. A vantagem des-te programa é que não é necessário elimi-nar fêmeas para erradicar doenças como PRRS ou Pneumonia Enzoótica, o que é bastante apropriado para granjas com ani-mais de alto valor genético. É necessário combinar esta estratégia com a separação estrita de leitões e porcas ao desmame, de modo a não manter indivíduos suscetíveis em contato com a população de porcas e suas doenças.

Intervenções em massa sobre o núcleo de porcas incluem estratégias como a vacinação ou inoculação simul-tânea de todos os indivíduos da população com o objetivo de expor os animais ao microrganismo, para reduzir a proporção de indivíduos suscetíveis e incrementar a imunidade do plantel. Também é possível reduzir a proporção de indivíduos infec-ciosos mediante a medicação ou vacina-ção em massa e, assim, reduzir a prevalên-cia das doenças nos leitões desmamados. Experiências positivas têm sido divulga-das, com a vacinação em massa contra a PRRS, a doença de Aujeszky e a febre aftosa. Exemplos do uso bem sucedido da inoculação em massa de microrganis-mos incluem a gastrenterite transmissível (TGE) e a PRRS. Assim como também programas de controle e eliminação de M. hyopneumoniae, Actinobacillus pleuropneumoniae e rinite atrófi ca, os quais se baseiam no tratamento simultâ-neo do plantel de porcas com antibióti-cos.

Dinâmica das infecçõespós-desmame

A principal fonte de transmissão de agentes infecciosos para os leitões é

a sua mãe, embora ela também seja uma fonte vital de imunidade. As porcas desen-volvem imunidade ativa ao serem expostas aos agentes infecciosos e logo transferem aos leitões a imunidade passiva, colostral ou maternal, constituída principalmente por anticorpos, os quais têm uma vida média determinada para cada doença. Por exemplo, os anticorpos colostrais contra parvovírus suíno persistem por meses, en-quanto os anticorpos contra Escherichia coli diminuem em questão de dias.

A ação dos anticorpos contra os microrganismos ou suas toxinas protege os leitões das infecções antes de desen-volver imunidade ativa contra esse agente em particular. Uma vez que desapareça a imunidade colostral, o leitão necessitará gerar sua própria imunidade ativa para de-fender-se da infecção. O desenvolvimento de uma reposta ativa efi caz requer tempo (geralmente entre sete e 14 dias), uma vez que os anticorpos maternais estão dispo-níveis imediatamente. Para a maioria das doenças que afetam os suínos de maneira importante, os anticorpos colostrais decli-nam depois do desmame (três a seis se-manas de vida). Esta baixa de imunidade materna, complicada pelo estresse gerado pelas mudanças bruscas de ambiente, ali-mento e ordem social, fazem do período de desmame (3 a 8-10 semanas de vida) um verdadeiro desafi o para os leitões.

Uma vez na fase do desmame, al-guns leitões que se infectaram através de suas mães começarão a excretar microrga-nismos; alguns outros estarão imunes por contar ainda com imunidade colostral, a qual lhes permitirá defenderem-se da in-fecção; mas outro grupo de indivíduos estará susceptível, quer seja porque não

recebeu imunidade maternal de sua mãe ou porque os anticorpos já diminuíram. É neste momento que uma determina-da infecção pode gerar uma epidemia ou simplesmente passar despercebida, dependendo da proporção de indivídu-os infecciosos, susceptíveis e imunes no grupo.

Uma prática muito difundida na suinocultura moderna é a transferência ou “emparelhamento” (movimento de ani-mais para formar lotes uniformes) de su-ínos na maternidade, creche e engorda. O uso excessivo desta estratégia gera um in-cremento no estresse dos indivíduos uma vez que, depois de cada transferência, o grupo de suínos deve restabelecer a ordem hierárquica, o que gera lutas que não têm só como conseqüência o gasto de energia e aumento de estresse, mas também a re-dução no consumo de alimento ou leite por 24 a 48 horas após a transferência. É muito provável também que estes “empa-relhamentos” afetem de maneira negativa a dinâmica dos agentes infecciosos e a imunidade, nesse grupo de indivíduos.

Estudos preliminares do nosso grupo de pesquisa sugerem que as célu-las de defesa contra M. hyopneumonaie,transferidas do colostro da mãe ao leitão, são funcionais unicamente nos fi lhos da porca que as produziu. Portanto, “empa-relhamentos” deveriam ser realizados de-pois do consumo do colostro, reduzindo estes movimentos na medida do possível. A pior combinação seria ter leitões sem anticorpos colostrais contra um determi-nado agente e, ao mesmo, tempo tendo contato com uma porca que esteja excre-tando esse microrganismo.

Os leitões expostos a determinadas bactérias na presença da imunidade materna, reduz a prevalência da doença clínica no desmame.

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Exemplo de alternativas para controlar as infecções dos leitões depois do desmame

Despovoamento parcial ou “formação de bolhas”

Tem como fi nalidade cortar o ci-clo das doenças ao deter a entrada de indi-víduos suscetíveis à população infectada, até que a porcentagem de indivíduos in-fecciosos presentes seja incapaz de gerar um reinício da infecção9. A utilização do manejo em bandas, que pode ser adotado em granjas pequenas para produzir grupos maiores e mais homogêneos de leitões a cada três ou quatro semanas; o desvio do fl uxo de suínos desmamados por algumas semanas, são exemplos de como se pode afetar a dinâmica normal de uma infecção e assim, chegar a controlá-la ou eliminá-la. Um aspecto chave nesta estratégia é con-tar com um protocolo de limpeza, desin-fecção e secagem apropriado, que permita eliminar a maior quantidade de microrga-nismos na instalação, antes de repovoá-la. Estas “bolhas” devem ser implantadas no tempo preciso, quando se reduz signifi ca-tivamente ou se elimina a transmissão ver-tical do agente a ser controlado, de modo a obter o máximo benefício. Por exemplo, não tem sentido despovoar o desmame até que as porcas deixem de transmitir o vírus da PRRS aos seus leitões. No controle de doenças bacterianas, a “bolha” deve ser precedida pela vacinação ou medicação massal das porcas, para reduzir a trans-missão vertical e aumentar a proporção de indivíduos imunes.

Modulação da prevalência ao desmame (Mycoplasma)

Referências bibliográfi cas

Estudos realizados pelo nosso grupo de pesquisa concluíram que uma maior prevalência de colonização nasal do Mycoplasma hyopneumoniae no des-mame (três semanas de vida), está signifi -cativamente associada a uma maior preva-lência de lesões e doença clínica durante o crescimento e engorda dos suínos. Grupos de desmame com prevalência de coloni-zação menor que 10% geralmente não expressam a doença clínica em sua vida produtiva. Por isso o objetivo das inter-venções para controlar essa doença deve ser a máxima redução da prevalência de leitões colonizados com Mycoplasma no desmame, para evitar a expressão da do-ença clínica durante o crescimento e en-gorda, o que se pode conseguir mediante vacinação ou medicação das porcas antes do parto10. Atualmente, em nosso grupo, realiza-se estudos para propor alternati-vas concretas de vacinação e medicação de porcas e leitões lactantes, para reduzir a prevalência de leitões colonizados no desmame.

Exposição precoce (poliserosite e me-ningite)

Haemophilus parasuis e Streptococcus suis são bactérias presentes nas populações de suínos, caracterizando-se por colonizar os leitões de forma muito precoce. A imunidade colostral que os leitões recebem os protege da expressão clínica da doença, mas não de serem infectados. Ainda que a maioria dos suínos seja colonizada na maternidade, somente alguns desenvolvem a doença clínica no desmame. Estudos realizados por nosso grupo de pesquisa têm demonstrado que a exposição precoce a estas bactérias, na presença de imunidade materna,

reduz a prevalência da doença clínica no desmame.

Um plano de controle para estas bactérias deve embasar-se na garantia da exposição das porcas antes do parto, na transferência adequada de imunidade aos seus leitões através do colostro e na exposição precoce dos leitões ao micror-ganismo, para que a imunidade ativa se desenvolva quando o leitão esteja ainda protegido pela imunidade materna11. A medicação das porcas antes do parto ou durante a lactação, ou a aplicação roti-neira de antibióticos nos leitões lactantes, pode alterar a dinâmica destas doenças em alguns casos, por reduzir a exposição dos leitões ao Haemophilus parasuis ou ao Streptococcus suis, o que poderia gerar problemas no desmame. Portanto, cada estratégia de controle deve ser avaliada detalhadamente, considerando a epide-miologia destas doenças.

Exclusão competitiva (Escherichia coli)A colibacilose entérica e a doença

do edema, que afetam leitões entre quatro e 12 semanas de vida, são causadas pelas toxinas produzidas por algumas cepas de Escherichia coli, que colonizam a mucosa intestinal. A identifi cação de uma cepa não patogênica (não produtora de enterotoxi-nas), mas do mesmo tipo fi mbrial (F18, K88) da que esteja causando o problema na granja, pode ser a solução. Depois da administração oral dessa cepa de E. colinão enterotoxigênica, os receptores que se supostamente ocupariam a E. coli entero-toxigênica que produz a doença estarão já ocupados, evitando a colonização da cepa patogênica12. Esta é uma maneira de afetar a dinâmica de uma doença, através da re-dução dos indivíduos suscetíveis.

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