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SABERES DOCENTES – DA TEORIA À PRÁTICA, DA AÇÃO À
REFLEXÃO
Carlos José Gomes Durval Martins Teixeira Filho Hélio Sylvestre Dias Dôliveira
Marcos Antonio Cordiolli Marcos Leodoro Gomes Kamienski
Nair Lobo Pacheco Neusa Pereira de Souza Manfredinho
Ricardo Avelar Sotomaior Karan Rosane de Mello Santo Nicola
Introdução
Vivemos em uma sociedade que se organiza essencialmente
por meio de práticas escritas, ou seja, uma sociedade letrada, repleta de
produção escrita. Nesse mundo letrado, há a exigência de indivíduos
que dominem o sistema de leitura e escrita, e estejam conscientes de
que precisam, constantemente, de estratégias para lidar com os
desafios que enfrentam nas diversas esferas da vida e que exigem
competências letradas.
Entretanto, sabe-se que, no Brasil, as dificuldades para a
formação de indivíduos letrados são muitas e de diferentes ordens. Há
inúmeros problemas conjunturais que vão desde a desigualdade social,
o que implica a falta de acesso ao livro e às tecnologias da informação,
a questões teóricas, não menos importantes, como a da conceituação de
leitura e as implicações cognitivas envolvidas na aquisição da escrita.
Dentre esses problemas, pretendemos, neste breve artigo, salientar a
necessidade de que o professor adquira um grau de letramento mais
elevado, isto é, desenvolva um conjunto de habilidades e
comportamentos de leitura e escrita que permitam aprimorar seu fazer
pedagógico.
É razoável afirmar que crianças e jovens com situação social
minimamente equilibrada e que mantenham contato na escola com
docentes letrados, tenham boas chances de também se tornar letrados.
Portanto, partimos da premissa de que o professor, independente de
sua formação específica, será melhor profissional e mais qualificado se
souber usufruir da cultura escrita, haja vista que suas práticas passam
pela abordagem textual, oral ou escrita.
Nessa perspectiva, tomando-se o texto como meio pelo qual
se exerce o conjunto de domínios de aprendizagem, focalizam-se na
instrução formal três grandes domínios1 para o letramento do indivíduo:
o lingüístico, o do pensamento lógico e o sociocientífico. Portanto,
busca-se estabelecer uma rede de significações mais amplas, às quais
denominamos educação, pretendendo evitar-se a fragmentação das
diversas disciplinas da Educação Básica, numa seqüência que permita a
visão de totalidade, porém sem perder a especificidade.
Para tanto, inicialmente, aborda-se a Educação lingüística, um
processo ininterrupto que se projeta para além da escola, na vida do
indivíduo e na sociedade da qual faz parte. Significa formar cidadãos
capazes de ler e exprimir-se de modo adequado, oralmente e por
escrito, para que possam usufruir plenos direitos na sociedade,
ajudando na construção e transformação dos grupos sociais a que
pertencem. Alimentando-se das contribuições teóricas e práticas da
lingüística, da semiótica, da literatura, da fonética, da morfologia, além
da arte e de tantas outras ciências, é possível pensar em professores
transformados, interdisciplinarmente, e com projetos específicos de
letramento para seus alunos.
1 Tais domínios se baseiam nas áreas enfatizadas pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que produz indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na faixa dos 15 anos. Sua intenção principal é saber se, ao término da educação obrigatória, os alunos adquiriram conhecimentos e habilidades essenciais para a real participação na sociedade.
Em seguida, trata-se da Educação do pensamento lógico, que
propõe o trabalho com diferentes estratégias para desenvolvimento do
raciocínio: seja para o processamento de um texto verbal ou não-verbal,
seja para a escolha de modelos, procedimentos e habilidades de
resolução de problemas. Busca refletir sobre o respeito do professor
pelas diferentes formas de pensar, desde que apoiadas na lógica e na
coerência.
Na seqüência, apresenta-se a Educação sociocientífica, que
envolve o uso de conceitos científicos necessários para compreender e
ajudar a tomar decisões sobre o mundo natural. Está ligada à
observação e à interpretação dos fenômenos científicos e culturais,
referindo-se a saberes necessários aos processos investigativos;
destaca suas etapas por meio do estudo de fenômenos, perpassando
pelas relações sociais humanas frente ao conhecimento sobre esses
fenômenos. Estabelece interfaces com inúmeras áreas do conhecimento
refletindo sobre a necessidade de o docente ter visão de complexidade
ao tratar da produção científica para que revele maturidade e equilíbrio
em sua atuação.
E, finalmente, esses três grandes domínios interagem no
trabalho docente por meio da educação do professor reflexivo, voltada à
reflexão–ação–reflexão ou à ação–reflexão–ação, ou seja, movimentos
que representam o dinamismo da avaliação dos processos do fazer
pedagógico. Neste domínio, propõe-se a reflexão sobre a atuação
docente, numa espécie de metáfora do tempo pedagógico, cada vez mais
importante e rara.
A educação lingüística
Considerando o conceito de letramento proposto por Soares
(1999:3), como o “estado ou condição de quem não só sabe ler e
escrever, mas exerce as práticas sociais de leitura e escrita que circulam
na sociedade em que vive, conjugando-as com as práticas sociais de
interação oral”, Bagno (2002) alerta que nesse conceito está implícita a
idéia de que a escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas e lingüísticas, tanto para o grupo social que dela
se apropria quanto para o indivíduo que aprende a usá-la.
Desse modo, o docente letrado é aquele que toma o texto não
só como objeto de uso, mas de ensino, desenvolvendo, sempre que
possível, estratégias e habilidades de leitura e produção com seus
alunos. Afinal, uma das responsabilidades maiores da escola ante a
sociedade atual é formar leitores, e seu fracasso nesse sentido tem se
revelado pelos indicadores de desempenho dos alunos divulgados por
órgãos nacionais e internacionais.
As soluções dos problemas lingüísticos dos alunos são de
interesse de todos os profissionais da educação, e não apenas dos
professores de língua materna, pois todos atuam diretamente com a
linguagem. Enquanto professores são professores de linguagem, em
potencial, e estão envolvidos no processo de letramento dos alunos; daí
a necessidade de uma educação lingüística ao corpo docente, para que
possa se unir em torno de um grande plano de letramento nas diversas
disciplinas.
Por outro lado, cabe lembrar que a expressão educação
lingüística é aqui empregada numa perspectiva mais ampla do que
originalmente é usada. Em geral, é entendida como a educação
necessária para movimentar-se no mundo da linguagem e no mundo
das línguas, evitando os preconceitos e as ideologias que se enraízam
nas concepções lingüísticas dos cidadãos. Ser educado lingüisticamente
é mover-se dentro de uma concepção pluralista de língua e, portanto,
apoiar o plurilingüismo.
Ainda conforme Bagno (2002), o conceito se amplia
adquirindo quatro dimensões: a noção de variação lingüística, que está
na base do plurilingüismo, ajudando a combater a discriminação
lingüística; a noção de gêneros textuais, que se organiza dentro de
certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, e
passa a dar importância às situações de produção e de circulação dos
textos na sociedade; a reflexão ou análise sobre o uso da linguagem,
para promover a autonomia do usuário da língua, levando-o a revisar e
analisar seus próprios textos; e as habilidades de leitura e escrita,
envolvendo vários procedimentos cognitivos próprios de um leitor
efetivo, como a identificação e associação de informações, além do
planejamento de um texto, por meio da elaboração de um esquema, por
exemplo.
Sobre a questão dos gêneros textuais, Baltar (2004), afirma
que “há muito se tem falado em leitura e produção de textos nas nossas
salas de aula. Entretanto uns professores pedem para os alunos
escrever uma redação, outros pedem uma pequena narrativa, outros um
pequeno texto, outros uma composição, outros pedem para que os
alunos escrevam cartas, bilhetes, anúncios, contos etc”.
Isso revela, de um lado, a falta de letramento por parte dos
docentes e, de outro, descaso com o processo de letramento que é
compromisso da escola ante o aluno na atual sociedade complexa de
cultura escrita. Daí, o propósito de letrar o professor por meio do
trabalho com a recepção e produção de gêneros textuais. Cabe definir
gêneros como:
unidades triádicas relativamente estáveis, passíveis de serem divididas para fim de análise em unidade composicional, unidade temática e estilo, disponíveis num inventário de textos (arquitexto ou intertexto), criado historicamente pela prática social, com ocorrência nos mais variados ambientes discursivos,
que os usuários de uma língua natural atualizam quando participam de uma atividade de linguagem, de acordo com o efeito de sentido que querem provocar nos seus interlocutores. (Baltar,2004)
O professor precisa tornar-se mais qualificado nas questões
de gêneros textuais, pois sua atividade profissional envolve inúmeras
situações de produção textual. Como exemplo, tomemos dois termos
largamente utilizados pelos professores para orientar atividades dos
alunos – trabalho e pesquisa. Essas palavras designam atividades
abstratas e intermediárias da atividade de produção textual, pois
necessariamente, o resultado de um trabalho ou de uma pesquisa será a
produção de um texto, o qual se materializará em um gênero (resumo,
resenha, exposição oral, relato etc.). Não é difícil perceber a diferença
de qualidade na orientação da atividade do aluno. Ao optar por dar
nome ao gênero, o docente terá de explicar sua estrutura composicional
e estilística, além de saber selecionar o gênero mais adequado à
temática e ao propósito do trabalho, e isso implica um pré-requisito –
saber que gênero é esse e dominá-lo, contribuindo para o letramento do
aluno.
Da mesma forma, ao ler um texto de sua disciplina com os
alunos, o professor explica o gênero, a intenção do autor e aponta as
principais características de sua estrutura e apresentação, o local em
que foi publicado, o autor, sua atividade profissional e a relação com o
tema etc. Desse modo, criam-se condições para o letramento dos
alunos, as quais passam pelo desenvolvimento cada vez mais intenso e
extenso das habilidades de leitura e escrita.Trata-se de um rompimento
com as tradicionais práticas de produção textual em que a redação
escolar se constitui como um texto central, fruto de uma realidade
descontextualizada das práticas sociais efetivas de uso da língua. Nesse
texto, não há um interlocutor, pois o aluno recebe um tema e escreve
sempre para o professor.
Assim, ler e escrever se complementam, mas não são
habilidades que tem níveis homogêneos. Falar bem não é garantia de
boa escrita nem escrever bem garante uma boa leitura. Quem lê mais
amplia seu conhecimento prévio na hora de redigir, mas, ambos, escrita
e leitura, são processos que têm suas especificidades. Elas variam a
cada esfera de conhecimento, portanto só o professor de determinada
disciplina poderá letrar os alunos quanto aos gêneros de sua área de
conhecimento.
Há inúmeras possibilidades de atuação para que os
professores obtenham uma dimensão discursiva e interativa da
linguagem, modificando suas práticas pedagógicas; entretanto, isso
demanda formação continuada, uma exigência da atividade profissional
no mundo atual, não podendo ser reduzida a uma ação compensatória
de fragilidades da formação inicial. O conhecimento adquirido na
formação inicial se reelabora e se especifica na atividade profissional,
para atender a mobilidade, a complexidade e a diversidade das
situações que solicitam intervenções adequadas.
Educação do pensamento lógico
A compreensão de um gênero textual não se limita aos
conhecimentos lingüísticos, mas também ao de números, tabelas e
cálculos. Essa concepção reflete uma compreensão ampliada das
práticas de leitura e escrita, na qual o papel social do pensamento
lógico-matemático é reconhecido e explicitado.
Hoje se vive num mundo matematizado na expressão de
Davis e Hersh (1998), em “O Sonho de Descartes”. Desse modo, é
necessário que as pessoas façam sua experiência matemática e
consigam incorporar esse instrumento na vivência cotidiana,
reconhecendo essa ciência de forma mais ampla, como uma linguagem
de comunicação de idéias que permite modelar a realidade e interpretá-
la.
Nossa proposta, neste artigo, é oferecer uma contribuição
para melhorar a práxis pedagógica dos professores, realizando uma
reflexão sobre algumas intervenções no pensamento lógico, para
identificar a linguagem matemática como um subproduto do poder de
representação do cérebro. Em conseqüência, supera-se a percepção de
uma matemática estanque, uma vez que ela dá oportunidade à
educação do pensamento lógico, permeando todas as demais ciências.
Tradicionalmente, a sociedade associa o conhecimento
matemático a uma construção puramente racional; essa visão baseia-se
na tese platônico-cartesiana que sustenta que os objetos matemáticos
são idéias desligadas de toda experiência sensível e que a verdade
matemática é fruto da razão. Entretanto, como em todo fazer humano,
é impossível dissociar o desenvolvimento da matemática de aspectos
emocionais inerentes a nossa espécie. Segundo Courant e Robbins
(1955:3) “a Matemática, como expressão da mente humana, reflete a
vontade ativa, a razão contemplativa e o desejo de perfeição estética.
Seus elementos básicos são a lógica e intuição, análise e construção,
generalidade e particularidade”. Defensor da tese de que não há
diferença fundamental entre o pensamento matemático e outros tipos
de pensamento, o físico Roger Penrose (apud Teixeira, 1998) argumenta
que
a inteligência Matemática é apenas uma forma particular de inteligência e entendimento humanos. É mais extrema do que a maioria das outras formas no que se refere à natureza abstrata, impessoal e universal dos conceitos nela envolvidos, e no rigor de seus critérios de verdade. Porém, o pensamento matemático não é de modo algum desprovido de outras qualidades que são
componentes importantes em nossa capacidade geral de compreensão inteligente, tais como intuição, bom senso e apreciação da beleza.
Uma marcante característica humana, profundamente
relacionada ao caráter estético da matemática, é a admiração pela
simplicidade. A matemática desenvolvida pelos gregos estava
impregnada dessa noção. Podemos citar a simetria de uma figura, a
evidência de um axioma e a própria abstração como exemplos desta
busca histórica pela simplicidade. Para Diderot “tudo o que é comum é
simples, porém nem tudo o que é simples é comum”. A simplicidade é
uma das características da beleza, ela é essencial ao sublime (Diderot,
apud Cifuentes, 2005, p.7).
Foi justamente a partir de argumentos extremamente simples
(lógicos ou intuitivos) que as grandes teorias matemáticas foram
estruturadas. A geometria euclidiana é um exemplo claro disso.
Iniciando por 5 axiomas gerais e por 5 postulados, considerados
evidentes e, portanto, sem a necessidade de serem provados, é possível
demonstrar todos os teoremas da geometria de Euclides. Da mesma
forma, com a determinação dos nove axiomas da aritmética (conhecidos
como axiomas de Peano), foi possível a demonstração de inúmeros
teoremas aritméticos. Em seu clássico livro intitulado A Matemática
Moderna, Walter Fuchs (1970:21) enfatiza:
Qualquer Ciência, mesmo a mais exata, portanto também a Lógica e a Matemática, precisa começar com princípios ou verificações básicas mais simples possíveis. Devem apresentar tanta simplicidade e clareza que não haja necessidade de argumentos a seu respeito.
Como exemplos desses argumentos simples, cuja veracidade
é impossível de ser negada, podemos citar: “dois pontos distintos
determinam uma reta”; “duas quantidades iguais a uma terceira são
iguais entre si”; ou ainda, “se a é um número, o sucessor de a é um
número”.
Se, conforme mencionado, a estrutura da Matemática se
baseia na simplicidade de suas proposições fundamentais, o que seria
então o complexo? E como ele é construído? Cotidianamente, a noção
de complexidade está associada à idéia de caos, desordem e
obscuridade como em: “a situação é complexa” ou “o problema é
complexo”. Entretanto, etimologicamente, a palavra complexo possui
outro significado. Segundo Morin (1996: 38),
complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e o seu contexto, as partes e o todo e as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade.
Segundo Pascal (apud Morin, 2004), “é impossível conhecer o todo
sem conhecer as partes, e conhecer as partes sem conhecer o todo”.
Assim, a proposta de Morin, para uma mudança no sistema educacional,
passa pela aplicação do princípio sistêmico ou organizacional que une o
conhecimento das partes ao conhecimento do todo. A idéia sistêmica,
oposta à reducionista, entende que o todo é mais do que a soma das
partes. Do átomo à estrela, da bactéria ao homem e à sociedade, a
organização do todo produz qualidades ou propriedades novas em
relação às partes consideradas isoladamente. A organização do ser vivo
gera qualidades desconhecidas de seus componentes físico-químicos.
Segundo Machado (1993:24),
hoje, a Física e a Química esmiúçam a estrutura da matéria, a entropia é um conceito fundamental na termodinâmica, na Biologia e na Matemática da Comunicação, a Língua e a Matemática se entrelaçam nos jornais diários, a propaganda
evidencia a flexibilidade das fronteiras entre a Psicologia e a Sociologia, para citar apenas alguns exemplos. Em conseqüência, a idéia de interdisciplinaridade tende a transformar-se em bandeira aglutinadora, na busca de uma visão sintética, de uma reconstrução da unidade perdida, da interação e da complementaridade nas ações envolvendo diferentes disciplinas.
Não sendo possível separar a construção dos conceitos
matemáticos de aspectos sociais, históricos, culturais, políticos e
econômicos, também não se pode considerar o conhecimento
matemático como uma união de um conjunto de blocos independentes
(Aritmética, Geometria, Álgebra, Trigonometria, Cálculo etc). Portanto, a
educação do pensamento lógico-matemático se dá pelo desenvolvimento
das competências matemáticas em três níveis, desde a realização de
operações básicas, passando pelo raciocínio até alcançar as descobertas.
Com a assimilação de conceitos, o aprendiz desenvolve estruturas
mentais e uma linguagem matemática.
Entretanto, estudos revelam que há certo número de
atributos mentais que favorecem a capacidade de pensamento lógico.
Os mais importantes são: lidar com abstrações, ter senso de causa e
efeito, elaborar e obedecer a uma seqüência causal de fatos ou eventos,
ter raciocínio lógico, relacional e espacial, presentes em maior ou menor
grau de um indivíduo para outro.
Portanto, sugerem-se algumas atividades para estimular o
pensamento lógico.
Dados quatro quadrados do mesmo tamanho, forme figuras
diferentes, sendo que qualquer um dos quadrados sempre tenha um
lado em comum com o outro. Quantas figuras são possíveis obter? E
quantas são possíveis com cinco quadrados? Das figuras obtidas, com
quais se pode montar uma caixa (sem tampa)? .
As respostas são:
Com quatro quadrados podemos formar cinco figuras. As
figuras são chamadas tetraminós.
Com cinco quadrados (pentaminós)
Analisando-se essa proposta, verifica-se a possibilidade de
explorar os três tipos de raciocínios citados.
Uma outra sugestão é trabalhar com o pensamento lógico no
código verbal, como é o caso do mapa conceitual, baseado na teoria da
aprendizagem significativa de David Ausubel (apud Coll, 2002), que
consiste numa representação gráfica em duas dimensões de um
conjunto de conceitos construídos de tal forma que as relações entre
eles sejam evidentes. Utilizados para auxiliar a ordenação seqüencial
hierarquizada dos conteúdos de ensino, de forma a oferecer estímulos
adequados ao aluno. Um instrumento que se aplica às diversas áreas do
ensino e aprendizagem escolar.
Outra sugestão de atividade consiste na construção de um
poliedro (especificamente um cubo) por meio de dobraduras de papel. O
processo denominado “origami geométrico”, fundamenta-se na relação
existente entre a montagem por etapas (partes que representam o
simples) e a união entre elas, o cubo (todo que representa o complexo).
As atividades sugeridas tencionam minimizar as dificuldades e
desenvolver habilidades cognitivas, pois o trabalho prático é primordial
para a educação do pensamento lógico-matemático.
Estimular o raciocínio lógico e a criatividade por meio de
situações-problema pode contribuir para transformar a prática
pedagógica. A reflexão decorrente deste trabalho propõe alternativas
para superar o ensino fragmentado, alinhando estratégias para uma
possível articulação entre as partes e o todo.
Se você tem uma maçã e eu tenho outra; e nós trocamos as maçãs, então cada um terá sua maçã. Mas se você tem uma idéia e eu tenho outra, e nós as trocamos; então cada um terá duas idéias.
(George Bernard Shaw)
Educação sociocientífica
Todavia, construir um objeto científico é, antes mais e sobretudo, romper com o senso comum, quer dizer, com as representações partilhadas por todos, quer se trate dos simples lugares-comuns da existência vulgar, quer se
trate das representações oficiais, freqüentemente inscritas nas instituições; logo, ao mesmo tempo, na objetividade das organizações sociais e nos cérebros.
(Bourdieu, 1999:34)
Diante da necessidade de preparar o indivíduo para a vida em
uma sociedade científica e tecnológica, na qual o conhecimento assume
um papel essencial dentro de uma perspectiva crítica da ciência e da
tecnologia, a proposta de letramento científico passa a ter uma
dimensão ainda maior. O letramento científico nasce a partir do
conhecimento empírico, ou seja, de experiências vivenciadas pelo
indivíduo. O uso da ciência e do conhecimento científico deve ser
reconhecido no cotidiano e, através da educação científica no seu
contexto sócio-histórico específico, ser então refinado e estimulado.
Para Leite (2006)2, “a Ciência avança quando uma verdade se
contrapõe a outra verdade estabelecida” e “saber pensar é ressignificar
o que se aprendeu”. Dadas as devidas ressalvas às questões
contextuais, é possível entender que a “Ciência” clama por um processo
argumentativo do conhecimento construído por métodos historicamente
pensados, discutidos e adotados.
Fazer ciência. Essa tem sido uma questão temporal e
universal. Mas devemos primeiramente nos perguntar: O que é
“ciência”? A noção que muitas vezes encontramos entre cientistas,
educadores, filósofos e estudiosos dos fenômenos científicos é
diversificada e contempla, muitas vezes, concepções como: o resultado
de experiências que se sobrepõe ao senso comum, conhecimento
medido e quantificado, um fator de produção ou algo que só é privilégio
dos sábios e cientistas.
Para compor uma concepção de “ciência”, primeiro se faz
necessário compreender que ela não admite apenas um único conceito 2 Citação coletada em conferência apresentada por Regina Leite Garcia (PUCRJ), durante o 4º Congresso Internacional sobre Avaliação na Educação, realizado em São Paulo de 12 a 14 de julho.
consensual, pois alguns fatores sempre presentes interferem ao longo
tempo e do espaço. Historicamente, comprova-se que algumas
sociedades em determinados momentos, produziram mais e melhor
“ciência”, outras menos. Mas o que propiciou essa variação? Em que a
ciência influencia o desenvolvimento e as transformações das
sociedades?
Dessa forma, entendemos que não é tão fácil conceituar
“ciência”. Mesmo porque ela é construída como um fenômeno social e
humano bastante complexo e variado. Tal é a importância do fenômeno
que é capaz de gerar da comunidade todo um esforço para compreendê-
lo e poder, em seguida, agir sobre ele. Eis a origem do conhecimento
sociocientífico, que tenta explicar o fenômeno científico como um fato
social.
A publicação, em 1979, do livro Vida de laboratório – a
construção social dos fatos científicos, de Bruno Latour e Steve Woolgar,
provocou uma pequena revolução no mundo científico ao buscar
reconstruir, pela observação cotidiana do trabalho dos cientistas, as
formas pelas quais o conhecimento científico é de fato pesquisado e
constituído. O fato tornou-se marco histórico de transformação na
concepção de “fazer ciência”.
Os tempos são outros e no mundo contemporâneo entende-se
que ser cientista não é ocupar uma mera posição de contemplação da
natureza. Os fenômenos, atualmente, são construídos pelos cientistas
transcendendo tudo o que é natural. O objeto de estudo científico – o
fenômeno – é entendido como acontecimento extraordinário, não
corriqueiro na linguagem cotidiana. Porém, no campo científico, o
fenômeno passa a ter significado oposto – o acontecimento comum,
trabalhado cotidianamente pelos cientistas. Já na concepção filosófica, o
fenômeno está associado a tudo aquilo que acontece na natureza,
entendendo que, ao observá-lo, constatam-se suas regularidades,
elaboram-se experimentos capazes de reproduzi-los, e hipóteses, ou
formulam-se teorias que o expliquem; dessa forma, está-se fazendo
ciência.
Independentemente do fato de “fazer ciência”, as questões de
Rousseau no seu célebre Discours sus lês Sciences et les Arts, em 1750,
têm acompanhado até hoje o pensamento científico:
O progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática? Perguntas simples a que Rousseau responde, de modo igualmente simples com um redondo não. (Santos, 2005, p.16)
A natureza teórica do conhecimento científico decorre dos
pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas. Por exemplo,
ao procurar pelas peças de um quebra-cabeça ou mesmo ao nos
deparar, como professores, com alguns desafios em sala de aula –
planejamento, avaliação, indisciplina e outras questões, buscamos
propostas e alternativas de superação através da experimentação. Como
a experimentação é uma observação controlada, no sentido de que, via
de regra, sabe-se aquilo que será encontrado, ou pelo menos se tem
uma idéia aproximada, e assim se diz que a teoria domina o trabalho
experimental, não existindo a prática sem a teoria.
O domínio da teoria sobre o trabalho experimental é relativo,
possuindo caráter meramente orientador, destina-se a firmar as
hipóteses de uma teoria. A análise e síntese compõem o par de
operações mentais que dá suporte da permanência da teoria no mundo
real. A fim de estimar e/ou assimilar o todo, somando as partes, é
necessário fazer a análise. Com esse procedimento, haverá a redução de
uma realidade complexa em outra mais simples e passível de ser
mensurada, sendo possibilitada pela análise – processo analítico. Cabe à
etapa da síntese proceder e dividir a experiência em etapas facilmente
mensuráveis e executáveis.
Os registros do experimento ocorrem em todas as etapas,
utilizando diferentes gêneros: tabelas, fichas, verbetes, notas e outros,
sendo indispensáveis para construir o todo e explicar o fenômeno.
Nessa perspectiva, parte-se da premissa de que a educação
sociocientífica deve ocorrer de forma interdisciplinar, envolvendo
saberes que possam esclarecer a sociedade do conhecimento. O
processo investigativo que acompanha toda pesquisa deve partir do
senso comum para o conhecimento científico. Os saberes
Lei L
Hipótese
H
Experiência
E
Concretização C
Análise
Indução
Síntese
Dedução
Fenômeno
compartimentados em biologia, química, física, geografia, história, entre
outros, quando agregados constituem uma rede de significações capaz
de promover o letramento científico3.
Acevedo, Vázquez e Manassero (2003) alertam para o perigo
da banalização do termo “letramento científico” e indicam que ele seria
composto de três dimensões complementares: uma conceitual, uma
procedimental e uma afetiva. Dimensões que se revezariam no interior
dos objetivos do ensino de ciências. Para Jenkins (1994), essas três
dimensões também são categorizadas, somando-se ainda uma quarta
dimensão: o interesse pela ciência.
Por outro lado, Cazzeli (1992) caracteriza o letramento
científico a partir de outras três dimensões: a prática, a cívica e a
cultural. A dimensão prática capacita o aprendiz a resolver problemas
que precisam de conhecimentos científicos e tecnológicos básicos. A
dimensão cívica conscientiza o indivíduo sobre os problemas e empregos
da ciência e tecnologia. E a cultural leva a pessoa a aprimorar esses
conhecimentos.
No processo de avaliação do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (PISA)4, o letramento em ciências é também
avaliado em três dimensões. São elas:
1. Conceitos científicos necessários para compreender certos
fenômenos do mundo natural e as mudanças decorrentes de
atividades humanas. Embora os conceitos utilizados sejam típicos
dos campos da Física, Química, Ciências Biológicas e Ciências da
Terra e do Espaço, eles são aplicados a problemas científicos
presentes na vida real. O conteúdo principal da avaliação será
selecionado entre três grandes áreas de aplicação: ciências da 3 O conceito de letramento surgiu no início dos anos 80 a partir de preocupações distintas, em diversos contextos, mas referia-se a uma mesma questão: o uso social da linguagem escrita. Após sua gênese, esse conceito foi sendo expandido para outras esferas, como o ensino de ciências e de matemática (PISA, 2001; Brandi & Gurgel, 2002). 4 INEP (http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/)
vida e da saúde, ciências da terra e do meio ambiente e ciência e
tecnologia.
2. Processos científicos centrados na capacidade de adquirir,
interpretar e agir, com base em evidências. Num total de cinco,
esses processos relacionam-se com: reconhecimento de questões
científicas, identificação de evidências, elaboração de conclusões,
comunicação dessas conclusões, demonstração da compreensão
de conceitos científicos.
3. Situações científicas selecionadas, principalmente, da vida
cotidiana das pessoas. Assim como a Matemática, as ciências
estão presentes na vida das pessoas em diferentes contextos,
variando de situações pessoais ou particulares, até questões
públicas mais amplas, incluindo, algumas vezes, questões
globais.
A educação científica proporciona aos aprendizes
conhecimentos efetivos para toda a vida. Consideramos, ainda, que eles
precisam de uma base sólida, bem como dominar pontos-chave, sendo,
inclusive, capazes de organizar e gerir seu aprendizado. Esse processo
requer consciência da própria capacidade de raciocínio, de estratégias e
métodos de aprendizado, além de compreender o uso de conceitos
científicos necessários para entender e ajudar a tomar decisões sobre o
mundo natural. Também envolve a capacidade de reconhecer questões
científicas, fazer uso de evidências, tirar conclusões com bases
científicas e saber comunicar essas conclusões. Como exemplo
precisamos pensar rotineiramente em termos socialmente aceitáveis,
seja na saúde, na ética ou na economia. Muitas dessas decisões
requerem conhecimento de ciência e tecnologia; a isso chamamos
letramento científico (Krugly-Smolska, 1990). Conseqüentemente, o
letramento científico envolve a capacitação de aprendizes com relação a
algumas de suas eventuais preocupações como cidadãos.
O papel da escola, quanto ao ensino de ciências e de
tecnologia, deve ser, portanto, o de letrar científica e tecnologicamente
a população, a fim de que cada indivíduo seja capaz de resolver
problemas práticos que envolvem ciência e tecnologia no seu dia-a-dia,
ter consciência sobre seus usos e aprimorar seus conhecimentos. O
envolvimento do indivíduo passa a ter um objetivo educacional que
resultará em transformações na organização, na pedagogia e no
contexto da educação científica e tecnológica escolar (Jenkins, 1990).
Portanto, estarão à frente no processo educacional as escolas
cujos professores estejam capacitados para desenvolver e promover o
letramento científico, a partir de uma educação sociocientifica
comprometida com o momento sócio-histórico do cidadão.
Educação do professor reflexivo
A tirania do tempo real opõe-se ao tempo deferido, o tempo do amadurecimento, que é o tempo da cultura e da apropriação dos saberes. Por isso mesmo, é imprescindível que haja por parte daqueles que vão atuar como facilitadores e animadores no processo de construção do conhecimento, o entendimento da estrutura cognitiva que permitirá otimizar a forma como as pessoas processam a informação minimizando os fatores que dificultam a apropriação dos saberes.
(J. Delors)
O conhecimento é o meio pelo qual os cidadãos podem
orientar-se pelos interesses coletivos, desenvolvendo uma educação que
se ajuste aos interesses sociais e, principalmente, às características
individuais; esse deve ser o principal objetivo da Educação,
fundamentada numa ação comunicativa conforme Harbemas (apud
Tenório 2000), que propõe substituir o paradigma da racionalidade
instrumental (ciência/tecnologia), comum na explicação da sociedade
industrial/pós-industrial contemporânea, por um novo paradigma de
racionalidade “que permite aos atores sociais direcionarem suas
diversas formas de argumentação dentro de um espaço cooperativo de
interpretação da realidade”.
Nesse contexto, as práticas pedagógicas têm como seu maior
desafio atenuar as desigualdades de acesso à aprendizagem,
pressupondo a ampliação de processos criativos e inovadores que
facilitam a adaptação às mudanças e a convivência com o imprevisto e o
novo.
Assim, é imprescindível abordar o perfil e a prática
pedagógica do profissional da educação no acompanhamento desse
movimento – que privilegia a autonomia do aluno em decorrência da
autonomia do professor, propiciada pelo interesse e comprometimento
na sua formação continuada, criando tempo e espaços pedagógicos que
permitam a reflexão de suas ações.
Segundo alguns pensadores5, a reflexão deve ser entendida
como uma competência que ganha relevância ao perceber que “na
sociedade de ritmos apressados não há realmente tempo para refletir”.
Refletir requer tempo. Só refletindo poderemos questionar-nos e
questionar a realidade em que nos encontramos. Será que existe essa
oportunidade no interior das práticas pedagógicas? Numa época em que
tudo nos é fornecido de uma forma mais ou menos “pronta” e
“questionada”, para que pensar? Para que refletir? Vivemos numa
sociedade em permanente cultura do espetáculo, fortemente marcada
por políticas construídas por opiniões públicas. Então, como ter
discernimento sobre a realidade que nos chega pela mídia?
Encontramos em Christov (2005: 11), o pensamento de
5 Ana Maria Cardoso, Ana Maria Peixoto, Maria Carmo Serrano e Paulo Moreira (apud Alarcão, 1996, p.82)
Kemmis:
A reflexão não é um processo mecânico, nem simplesmente um exercício criativo de construção de novas idéias, antes é uma prática que exprime o nosso poder para reconstruir a vida social, ao participar na comunicação, na tomada de decisões e na ação social.
Assim, ao buscar o significado da reflexão, é importante dizer
que o professor deve antes de tudo ser um prático e um teórico de sua
prática. Refletir sobre sua forma de ensinar é o primeiro passo para
romper a rotina, possibilitando a análise de opções múltiplas para cada
situação e para reforçar a sua autonomia face ao pensamento
dominante de dada sociedade.
Ter uma atitude reflexiva pode ser traduzida, segundo Schön
(apud Alarcão, 1996, p.83), numa reflexão na ação e, para além disso,
numa reflexão sobre a ação.
Ao definir e analisar a ação reflexiva, Dewey aponta três
atitudes necessárias:
– A abertura de espírito para atender a possíveis alternativas e
admitir a existência do erro;
– A responsabilidade que permite fazer uma ponderação cuidadosa
das conseqüências de determinada ação; e
– O empenhamento indispensável para mobilizar as atitudes
anteriores.
Dessa forma, entende-se que o professor se constrói como
profissional reflexivo e autônomo durante o exercício de sua atividade,
uma vez que essa construção se dá pelo pensamento crítico em relação
aos papéis que desempenha e, principalmente, no conhecimento de que
dispõe. O professor que se apropria de atitude reflexiva faz a
transposição disso para seus alunos, por meio de propostas de trabalho
como: resolução de problemas, trabalho com projetos, auto-avaliação,
portfólio ou dossiê, e outros suportes que possibilitam apreciar, analisar
e interpretar uma versão de algo percorrido. Construir narrativas sobre
suas práticas permite a reflexão docente a partir de lembranças de
obras em processo.
Assim, ensinar de forma reflexiva implica comprometimento
constante com os objetivos e conseqüências e, principalmente, com a
transformação da informação em conhecimento. Ao considerar esse
contexto, a ação educativa deve possibilitar às pessoas operarem
semióticas que construam sentidos para suas vivências, fornecendo-lhes
linguagens para compreender e expressar idéias e emoções. Essa nova
maneira de ser requer pedagogias que integrem estratégias cognitivas e
emocionais de pessoas que vivem no mundo da mídia digital, das redes,
da realidade virtual, das imagens.
Para que a educação atenda à expectativa de formar uma
sociedade mais justa, parece necessário que ela se construa em cenário
de permanentes transformações no mundo do trabalho. Nesse contexto,
é condição ter uma linha pedagógica que permita desenvolver uma
organização curricular para manter o equilíbrio entre a adaptabilidade e
a antecipação, entre a educação para hoje e para o amanhã; e isso
depende da formação docente.
Para Moreira (2003), uma das maneiras de promover a
educação continuada do professor é pensar na escola como lugar
privilegiado para essa formação, pois oferece uma grande possibilidade
contextualizada, efetiva e com total envolvimento do professor. A
educação continuada realizada na própria escola, segundo esse autor,
maximiza o envolvimento dos professores e aponta a reflexão, a prática
investigativa, a colaboração e a sensibilidade à diversidade como
aspectos importantes para promover uma formação mais próxima da
realidade docente.
A educação continuada é, pois, toda atividade que o professor
realiza em exercício, visando ao seu desenvolvimento profissional e
pessoal. Diferentes estratégias de estudo podem ser aplicadas em
grupos de trabalho ou individualmente; o importante é que este
trabalho permita-lhe aperfeiçoar a execução da sua prática enquanto
docente.
A formação continuada deve representar, segundo Moreira,
“uma ruptura com os modelos tradicionais e também representar a
capacidade do professor entender o que acontece na sala de aula,
identificando interesses significativos no processo de ensino-
aprendizagem na própria escola, valorizando e buscando o diálogo com
colegas e especialistas”.
O professor, na educação continuada, desenvolve atitude
investigativa que lhe permite complementar a formação inicial; melhorar
sua competência profissional, aumentar sua experiência; valorizar o
trabalho colaborativo e, principalmente, ser capaz de administrar sua
própria formação.
Numa visão de professores como intelectuais, Giroux (2007)
menciona que “estes devem ser vistos em termos dos interesses
políticos e ideológicos que estruturam a natureza do discurso, relações
sociais em sala de aula e valores que eles legitimam em sua atividade
de ensino”. Com essa perspectiva em mente, conclui que os professores
deveriam se tornar intelectuais transformadores se quiserem educar os
estudantes para serem cidadãos ativos e críticos.
Nessa perspectiva, a escola, cada vez mais, deverá ser o
lugar em que adultos continuam a aprender, mesmo que trabalhem em
tempo integral. Eles voltarão à escola para um seminário, para um curso
de fim-de-semana, para um programa intensivo de algumas semanas ou
para freqüentar cursos duas noites por semana, durante vários anos,
até obterem seu diploma.
Ao professor cabe, na construção do conhecimento, garantir o
movimento, o fluxo de energia, a riqueza do processo. Isso significa a
manutenção do diálogo permanente, de acordo com o que acontece em
cada momento, propondo situações-problema, desafios, reflexões,
estabelecendo conexões entre o conhecimento adquirido e o pretendido,
de tal modo que as intervenções sejam adequadas ao estilo do aluno, às
suas condições intelectuais e emocionais, e à situação contextual.
Para atender à modernidade é preciso que o trabalho docente
seja colaborativo, proporcionando a cooperação entre os saberes, as
artes e as técnicas, por um lado, e a tecnologia da informação, por
outro, representando o novo potencial da educação. Embora o maior
objetivo da aprendizagem cooperativa seja a construção de um
entendimento compartilhado, através da interação com outros
indivíduos, um objetivo implícito é improvisar a comunicação, ouvir
informações e obter participação.
Dessa forma, a Ação e a Reflexão, assim como a Avaliação e
o Planejamento, constituem categorias chaves e pares dialéticos,
complementares e potencializadores, que permeiam as diferentes
teorias e concepções educacionais, pedagógicas e didáticas, mas cujos
limites entre eles já não possuem fronteiras delineadas.
O educador parte de uma ação que implica em resultados que
requerem uma reflexão e esta deverá conduzi-lo à proposição de novas
ações. Ou seja, a reflexão desencadeia-se em novas ações capazes de
transformar o contexto da realidade, requerendo novas reflexões. O ato
educativo é um processo de ação-reflexão-ação. O Planejamento e a
Avaliação constituem os elementos mediadores desse processo, pois
toda ação produz “resultados da ação”, implicando em uma “nova
situação” que requer a Avaliação. A avaliação requer a reflexão que
implica num Plano, Programa, Projeto, ou seja, no Planejamento, que se
fundamenta na base das novas ações.
No campo dos saberes, a aula é por excelência um espaço de
diálogo para o qual convergem os saberes dos educandos, que refletem
os saberes de diferentes grupos (os familiares, das comunidades, de
convívio e os acessados em diferentes pontos das redes de mídias)
como os escolares, geralmente decorrente de saberes acadêmicos – os
quais aparecem em variados discursos e estão disponibilizados em
distintos suportes. A capacidade de acesso aos saberes faz-se condição
necessária, embora não suficiente, para que ocorra a aprendizagem.
Neste sentido, é preciso haver uma cultura de documentação
na educação do professor reflexivo, o que parece estar na contramão da
atual docência brasileira, que não tem o hábito de preservar a memória
de sua atuação. A reflexão, no sentido etimológico do termo, é um ato
de “olhar para trás” e, como fazer isso se não há registros? Falta a
prática da documentação de processo, que significa construir diários de
campo, diários de aula, memoriais de grupo, entrevistas, planilhas,
debates ou eventos gravados/fotografados.
Ao final de um processo, todo esse material pode ser
organizado na forma de portfólio, dossiê ou arquivos biográficos. Como
na sociedade, os saberes estão formatados em diferentes suportes,
sejam orais, audiovisuais ou ainda escritos, faz-se necessário que a
escola busque essas práticas sociais, para produzir avaliação conforme
diferentes formas discursivas.
Por outro lado, os educandos podem acessar saberes
disponíveis em diversos suportes e modelados em distintos discursos,
com o domínio dos gêneros textuais proposto anteriormente neste
artigo. O domínio dos fundamentos e funcionalidades dos gêneros
textuais promove não só o letramento dos educandos como também o
letramento dos docentes. Podemos, então, afirmar que o letramento dos
professores constitui uma condição necessária para a aprendizagem e se
dá pela apreensão dos diferentes gêneros textuais.
O conhecimento, portanto, promove uma reorganização e
ressignificação dos saberes pelos educadores e educandos. A
externalização do novo conhecimento também ocorre com a produção
de formas discursivas pelos educandos em diferentes suportes, que
serão efetivas quando ancoradas nos princípios dos gêneros textuais
correspondentes. Podemos dizer da seguinte forma: os saberes são
disponibilizados na forma escrita, acessados num meio sonoro ou
gráfico, organizados em sala de aula pelos educadores ou produzidos
pela interação.
As produções dos educandos que representam o esforço para
sistematização e ressignificação de saberes (ou seja, tudo que é lido,
ouvido, visto ou experimentado) são organizadas e dotadas de
significados, num processo que denominamos de constituição do
conhecimento.
A escola poderia possibilitar a habilitação tanto da
compreensão como da produção de diferentes gêneros textuais, e assim
estaria promovendo o letramento dos seus educandos. Tanto o
planejamento como a avaliação, nessa perspectiva, estariam imbricados
a processos de ação-reflexão, podendo considerar em todas as suas
instâncias, o letramento por gêneros textuais, quais seja: o
planejamento deveria propiciar formas de organização do trabalho
pedagógico que privilegiassem a produção docente/discente habilitada a
diferentes gêneros, independente do tema de estudo e dos eixos
curriculares em desenvolvimento.
Nessa perspectiva, a escola seria um espaço efetivamente
interativo, em que docente e discente promoveriam o agir
comunicacional, desenvolvendo o letramento de saberes para a
formação cidadã.
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