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22 Prof. Tom Dantas Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias Língua Portuguesa Trechos de declarações de Rubem Valentim para a revista GAM3, de 1967, e outras declarações do artista. Rubem Valentim com suas telas em 1965. Sem Título, 1949 – óleo s/papelão 25 cm x 30 cm. A descoberta da cor (por volta dos 5 ou 6 anos de idade, através de um caco de vidro disputado com uma vizinha): “Não sei que fi m levou meu caco de vidro azul, mas o tenho até hoje no coração. Esse foi meu primeiro contato com a mulher e com a cor. Ambas, posteriormente, marcariam minha vida, irreversível e duramente”. Primeiras habilidades manuais: “Aos 9 anos, comecei a fazer meus próprios presépios. Pintava e armava as casinhas de papelão, a igreja branca com janelas verdes, fi guras de Maria e José, Adão e Eva com serpente, maçã e tudo, a lapinha, a cidade de Jerusalém (…). Tudo era pintado no papelão e recortado, preso num pedaço de madeira atrás, para fi car de pé. Mundo poético, popular, de cor e riqueza imaginativa, que fi cou em mim e infl uenciou profundamente a minha arte”. Influência da arte contemporânea: “Meu primeiro contato importante com a arte contemporânea ocorreu em 1948, na exposição de artistas nacionais e estrangeiros organizada por Marques Rebelo na Biblioteca Pública de Salvador. Fui vê-la várias vezes, deslumbrado, perdido, chocado com aquele mundo fantástico e tão novo para mim. Aluguei uma sala num velho sobrado de três andares, com sacada de ferro. Pela manhã desenhava composições com garrafas, latas, moringas, vasos, ex-votos e cerâmica popular. RUBEM VALENTIM: UM DEFENSOR DA CULTURA AFRODESCENDENTE NO BRASIL ENTENDA UM POUCO SOBRE SUA OBRA “Eu procuro a claridade, a luz da luz” Não tenho ambições vanguardistas, ou melhor, não quero ser um eterno profissional das vanguardas. Pintura I, 1956, óleo s/ tela 100 cm x 73 cm. Composição, 1962, óleo s/ tela 70 cm x 50 cm. Sem Título, 1960, óleo s/ tela 46 cm x 30 cm.

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nº22Prof. Tom Dantas

Linguagens, Códigos eSuas Tecnologias

Língua Portuguesa

Trechos de declarações de Rubem Valentim para a revista GAM3, de 1967, e outras declarações do artista.

Rubem Valentim com suas telas em 1965.

Sem Título, 1949 – óleo s/papelão 25 cm x 30 cm.

a descoberta da cor (por volta dos 5 ou 6 anos de idade, através de um caco de vidro disputado com uma vizinha):

“Não sei que fi m levou meu caco de vidro azul, mas o tenho até hoje no coração. Esse foi meu primeiro contato com a mulher e com a cor. Ambas, posteriormente, marcariam minha vida, irreversível e duramente”.

Primeiras habilidades manuais:

“Aos 9 anos, comecei a fazer meus próprios presépios. Pintava e armava as casinhas de papelão, a igreja branca com janelas verdes, fi guras de Maria e José, Adão e Eva com serpente, maçã e tudo, a lapinha, a cidade de Jerusalém (…). Tudo era pintado no papelão e recortado, preso num pedaço de madeira atrás, para fi car de pé. Mundo poético, popular, de cor e riqueza imaginativa, que fi cou em mim e infl uenciou profundamente a minha arte”.

Infl uência da arte contemporânea:

“Meu primeiro contato importante com a arte contemporânea ocorreu em 1948, na exposição de artistas nacionais e estrangeiros organizada por Marques Rebelo na Biblioteca Pública de Salvador. Fui vê-la várias vezes, deslumbrado, perdido, chocado com aquele mundo fantástico e tão novo para mim. Aluguei uma sala num velho sobrado de três andares, com sacada de ferro. Pela manhã desenhava composições com garrafas, latas, moringas, vasos,ex-votos e cerâmica popular.

RUBEM VALENTIM: UM DEFENSOR DA CULTURA AFRODESCENDENTE NO BRASILENTENDA UM POUCO SOBRE SUA OBRA

“Eu procuro a claridade, a luz da luz”

Não tenho ambições

vanguardistas, ou melhor,

não quero ser um eterno

profi ssional das

vanguardas.

”Pintura I, 1956,

óleo s/ tela100 cm x 73 cm.

Composição, 1962, óleo s/ tela 70 cm x 50 cm.

Sem Título, 1960, óleo s/ tela 46 cm x 30 cm.

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FB NO ENEM

Elaborava esquemas de cor e valores. À tarde, fazia pesquisas formais – livres, imaginosas. Ou ia ao Museu de Arte conversar com José Valladares, que me emprestava livros e revistas sobre arte.

Reproduzia imagens de um livro grosso sobre Cézanne, copiando-as a óleo, com valores em cinza. Com Cézanne aprendi a compor. Fiz cópias também de Modigliani, Matisse, Braque, Picasso e Chagall. Através de Klee compreendi a liberdade da expressão plástica e o valor fundamental da imaginação criadora. Sempre lutando para vencer as dificuldades de execução. Nunca fui muito habilidoso – felizmente. Vivia com sacrifício, sem dinheiro.”

Religiosidade:

“Céu. Purgatório. Inferno. Ensinaram-me que havia pecados e que um deles era o pecado original, me falaram do nada e da criação do mundo. Fiquei ao lado de Cristo contra os que o mataram. Comecei a ir às igrejas e me perdia na contemplação: o ouro dos altares, as imagens, o silêncio, o cheiro de incenso e o de vela. (…) Ao lado da igreja, comecei a conhecer também o outro universo fantástico do candomblé. Um fenômeno típico da Bahia: minha família, católica, de quando em vez ia ver um caboclo num candomblé. E lá ia eu, penetrando nele sem querer mais sair. O baiano, para sua felicidade, é católico animista.”

Natureza e forma de sua linguagem artística:

“Com o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada – com o sangue negro nas veias – o atavismo – com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade – criando meus signos-símbolos, procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico e provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, tão ligado ao complexo cultural da Bahia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem autêntica para me expressar artisticamente.

Não tenho ambições vanguardistas, ou melhor, não quero ser um eterno profissional das vanguardas.”

Sobre o concretismo:

“Nunca fui concreto. Tomei conhecimento do Concretismo através de amizades pessoais com alguns de seus integrantes. Mas logo percebi, pelo menos entre os paulistas, que o objetivo final de seu trabalho eram os jogos óticos, e isto não me interessava. Meu problema sempre foi conteudístico (a impregnação mística, a tomada de consciência de nossos valores culturais, de nosso povo, do sentir brasileiro). Claro, mesmo não tendo participado do Concretismo, percebi entre seus valores a ideia da estrutura que se adequava ao caráter semiótico de minha pesquisa plástica. Mas posso dizer que sempre fui um construtivo”.

Apud – Projeto Brasileiro Construtivo da Arte, São Paulo/Rio, 1977, p. 292.

Sobre a descoberta da arte negrae dos signos do candomblé:

“…sobretudo os objetos e instrumentos do culto nagô-gegê. Encontro consciente com o oxê de Xangô: o machado duplo, do mesmo eixo central, recriado por mim, posteriormente, e transformado em forma fundamental da minha pintura. O xarará de Omolu, o ibiri de Nãnã, o abebê de Oxum, os símbolos de ferro de Osanhe e de Ogum, o pachoró de Oxalá. (…) A organização compositiva, quase geométrica, dos pegis. Um amor imenso à construção geométrica, que sentia como inerente a todas as coisas orgânicas e inorgânicas. As contas e colares coloridos dos Orixás. Na pintura buscava uma linguagem, um estilo para expressar uma realidade poética, extraordinariamente rica, que me cercava, para torná-la universal, contemporânea. Pacientemente fazia o transpasse de todo esse mundo para o plano estético.”

EXERCÍCIOS

1. Jorge de Lima, poeta modernista, escreveu um dos poemas mais belos produzidos em língua portuguesa. Ele se chama “Essa negra Fulô”, do qual transcrevemos alguns versos a seguir.

ESSa NEgRa FuLô

[...]Ó Fulô! Ó Fulô!(Era a fala de Sinhá)[...]vem coçar minha coceira,vem me catar cafuné,vem balançar minha rede,vem me contar uma história,que eu estou com sono, Fulô![...]Ó Fulô! Ó Fulô!Vai botar para dormir esses meninos, Fulô![...]Fulô? Ó Fulô?(Era a fala da SinháChamando a Negra Fulô.)

Cadê meu frasco de cheiroQue teu Sinhô me mandou?

_ Ah! foi você que roubou!Ah! foi você que roubou!

O Sinhô foi ver a negraLevar couro do feitorA negra tirou a roupa.

O Sinhô disse: Fulô!(A vista se escureceuQue nem a negra Fulô)[...]

MORRICONI, Ítalo (Org.). Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 37- 40. (Fragmento).

Composição, 1960, óleo s/ tela 45 cm x 30 cm.

Composição, 1962, óleo s/ tela 100 cm x 73 cm.

Objeto Emblemático 4, 1969 acrílica s/madeira 20 cm x 74 cm x 43 cm.

Composição D, 1963, óleo s/tela 100 cm x 35 cm.

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Com a leitura do fragmento, nota-se que, no Modernismo, a poesia é instrumento de denúncia da exploração dos escravos e do tratamento que recebiam de seus senhores. Nesse poema, Jorge de Lima só não deixa entender que a escrava:A) satisfazia os desejos de sua senhora.B) é acusada de roubo por sua Sinhá.C) é obrigada a cumprir inúmeras tarefas.D) “domina” o Sinhô devido a sua beleza.E) recebia poucos castigos de seus senhores.

2. Jean-Baptiste Debret (Paris, 18 de abril de 1768 – Paris, 28 de junho de 1848) foi um pintor e desenhista francês. Integrou a Missão artística Francesa (1816), que fundou, no Rio de Janeiro, uma academia de artes e Ofícios, mais tarde academia Imperial de Belas artes, onde lecionou pintura. De volta à França (1831), publicou Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839). Em sua obra, Debret representou o índio, o negro, os aspectos da mata brasileira, o trabalho urbano, as práticas agrícolas da época, as cenas do cotidiano e as manifestações culturais, como as festas e as tradições populares.

a seguir, encontram-se algumas das obras desse importante artista francês. Qual delas não tematiza o negro?

A) D)

B) E)

C)

3. a Música Popular Brasileira tem assumido papel importante na defesa daqueles que não têm ocupado, dentro da sociedade, seu espaço que lhe é de direito. Na letra da música Quilombo, o eldorado negro, composição de gilberto gil e Waly Salomão, nota-se que, no Brasil, o afrodescendente é tema em diversas manifestações artísticas, inclusive, na MPB.

QuILOMBO, O ELDORaDO NEgRO

ExistiuUm eldorado negro no BrasilExistiuComo o clarão que o sol da liberdade produziuRefletiuA luz da divindade, o fogo santo de OlorumReviveuA utopia um por todos e todos por umQuilomboQue todos fizeram com todos os santos zelandoQuilomboQue todos regaram com todas as águas do prantoQuilomboQue todos tiveram de tombar amando e lutando

QuilomboQue todos nós ainda hoje desejamos tantoExistiuUm eldorado negro no BrasilExistiuViveu, lutou, tombou, morreu, de novo ressurgiuRessurgiuPavão de tantas cores, carnaval do sonho meuRenasceuQuilombo, agora, sim, você e euQuilomboQuilomboQuilomboQuilombo

a leitura atenta da letra dessa música permite ao leitor entender que a existência de Quilombo em solo brasileiro representou, principalmente:A) a busca da liberdade plena para o negro no Brasil.B) o desprendimento do negro em relação ao Brasil.C) a necessidade de se valorizar a cultura africana.D) um olhar crítico em relação aos afrodescendentes de hoje.E) a busca pela igualdade de direitos entre índios e negros.

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4. as obras de arte, a seguir, trazem como tema aspectos da cultura do afrodescendente. É importante frisar que Jean-Baptiste Debret e Rubem Valentim são dois dos mais importantes artistas a representar, em artes plásticas, a cultura africana no Brasil. O primeiro explora o cotidiano do negro no período da escravidão; já o segundo desenvolve uma arte a partir de signos-símbolos ligados à cultura da África.

Das imagens abaixo, qual delas não representa os signos-símbolos desenvolvidos por Rubem Valentim em sua obra?

A)

Relevo Emblema 3, 1977, acrílica s/ madeira 100 cm x 150 cm.

D)

Marco Sincrético da Cultura Afro-brasileira, 1979, Concreto aparente 8,5 metros, Praça de Sé São Paulo.

B) E)

C)

Relevo Emblema, 1978, acrílica óleo madeira 120 cm x 70 cm.

5. Leia o texto a seguir: O Kuduro é um gênero de música de angola, influenciado por outros ritmos como a Sungura, afro Zouk, Semba e

Ragga. a batida do seu ritmo é semelhante à do afro Zouk e a do Funaná, mas num tempo intermédio. as letras são normalmente muito básicas, normalmente escritas em português, inglês ou francês, com sotaque angolano bastante marcado, e, muitas vezes, com algum vocabulário do Quimbundo (ou Kimbundu). Muito provavelmente o nome Ku-Duru vem do Quimbundo. O kuduro surgiu primeiro como dança e com o passar do tempo evoluiu para estilo musical. É uma dança extremamente energética, sentida e marcada. O kuduro é bastante popular em colônias portuguesas em África, mas também nas principais noites africanas de Portugal como no Porto, Lisboa etc.

Considerando a leitura do texto acima sobre o estilo musical Kuduro, é possível entender que esse gênero de música:A) desenvolveu-se nos continentes europeu, americano e africano, principalmente.B) é extremamente original, uma vez que não sofreu influência de nenhum outro estilo musical.C) é resultado da evolução de uma dança, o que representa uma adaptação de um estilo em outra modalidade de arte,

no caso, a Música.D) tornou-se bastante popular em solo brasileiro, devido à presença da cultura africana na região Nordeste do país.E) é usado no carnaval brasileiro, uma vez que se origina do samba, estilo musical que caracteriza, sobretudo, a cultura popular

brasileira.

GABARITO (V. 21)

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E E D C

Professor Colaborador: Charles Weima

Composição 13, 1962, óleo s/ tela 70 cm x 50 cm.

OSG: 47173/11 - André 06/6/11 – REV.: MHC