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Jurisprudência

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Jurisprudência

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Corte Especial

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AÇÃO PENAL N. 536-BA (2006/0258867-9)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Autor: Ministério Público Federal

Réu: Zuleido Soares Veras

Advogados: Daniel Gerber

Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Advogados: Angela Cignachi

Edson Queiroz Barcelos Júnior

Rannery Lincoln Gonçalves Pereira

Marcelo Leal de Lima Oliveira

José Rollemberg Leite Neto

Wencesláo Piñeiro González

Janaina Castro de Carvalho Kalume

Cláudio Chaves

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Réu: Maria de Fátima César Palmeira

Advogados: Lúcia Maria de Figueirêdo

Sérgio Luís Teixeira da Silva e outro(s)

Sérgio Roberto Roncador

Daniel Gerber

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Ariel Gomide Foina

Cláudio Chaves

Réu: Florêncio Brito Vieira

Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira

Daniel Gerber

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Cláudio Chaves

Réu: Gil Jacó Carvalho Santos

Advogados: Sérgio Habib

Daniel Gerber

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20

Roberto Sampaio

Cláudio Chaves

Réu: Humberto Rios de Oliveira

Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira

Daniel Gerber

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Cláudio Chaves

Réu: Ricardo Magalhães da Silva

Advogados: Marcelo Leal de Lima Oliveira

Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Réu: Flávio Conceição de Oliveira Neto

Advogados: José Carlos Dias

Th eodomiro Dias Neto

Marina Dias Werneck de Souza

Maurício de Carvalho Araújo

Elaine Angel

Francisco Pereira de Queiroz

Gilberto Vieira Leite Neto e outro(s)

Réu: João Alves Neto

Advogado: Paulo Roberto Baeta Neves

Advogados: Janaína Castro de Carvalho Kalume

Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira

Eduardo Antonio Lucho Ferrão

Advogados: Angela Cignachi

Edson Queiroz Barcelos Júnior

Rannery Lincoln Gonçalves Pereira

Marcelo Leal de Lima Oliveira

José Rollemberg Leite Neto e outro(s)

Emanuel Messia Oliveira Cacho

Réu: José Ivan de Carvalho Paixão

Advogados: Geraldo Resende Filho

Madson Lima de Santana e outro(s)

Flávia Helena dos Santos Argolo

Emanuel Messia Oliveira Cacho

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 21

Réu: João Alves Filho

Advogado: Daniel Gerber

Advogados: Janaína Castro de Carvalho Kalume

Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira

Eduardo Antonio Lucho Ferrão

Edson Queiroz Barcelos Júnior

Benedito Pereira Filho

Rannery Lincoln Gonçalves Pereira

Marcelo Leal de Lima Oliveira e outro(s)

Eliseu Klein

José Rollemberg Leite Neto

Bruno Beserra Mota

Advogada: Vanessa Alves Pereira

Advogados: Th aís Aroca Datcho Lacava

Cláudio Chaves

Advogada: Th iago Peleja Vizeu Lima

Réu: Max José Vasconcelos de Andrade

Advogados: Joaby Gomes Ferreira

João Guilherme Carvalho e outro(s)

Pedro Oliveira Leite Neto

Réu: Gilmar de Melo Mendes

Advogados: Flamarion D’avila Fontes e outro(s)

Antonio Carlos de Oliveira Bezerra

Réu: Victor Fonseca Mandarino

Advogado: Paulo Ernani de Menezes e outro(s)

Advogados: Márcio Macêdo Conrado

Luzia Santos Gois

Réu: Roberto Leite

Advogados: Flamarion D’avila Fontes e outro(s)

Antonio Carlos de Oliveira Bezerra

Réu: Kleber Curvelo Fontes

Advogados: Flamarion D’avila Fontes e outro(s)

Antonio Carlos de Oliveira Bezerra

Réu: Sérgio Duarte Leite

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

22

Advogados: Geraldo Resende Filho

Madson Lima de Santana e outro(s)

Flávia Helena dos Santos Argolo e outro(s)

Réu: Renato Conde Garcia

Advogados: José Gilton Pinto Garcia e outro(s)

Marcelo de Albuquerque Garcia

EMENTA

Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Denúncia

oferecida contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual

e outros 16 (dezesseis) acusados. Preliminares de incompetência

jurisdicional, inépcia da inicial acusatória, ilegal manipulação do

sistema judiciário brasileiro, ausência de comprovação da licitude das

gravações, presença dos requisitos da Lei n. 9.296/1996, prorrogação

da interceptação, nulidade do processo. Ilicitude da prova, necessário

apensamento do procedimento de interceptação telefônica aos autos

do inquérito, cerceamento de defesa. Prazo hábil para a análise do

material anexado ao processo, ausência dos requerimentos e das

ordens que deferiram as interceptações telefônicas que redundaram

no presente feito, impossibilidade de utilização da Lei n. 9.034/1995

no caso concreto, supostas nulidades das interceptações em razão

de decisões proferidas por esta Corte. Rejeição. Mérito da acusação.

Indícios de superfaturamento e desvio de verba pública no Contrato

n. 110/01. Relatório da CGU. Materialidade. Indícios de prática dos

crimes de formação de quadrilha, peculato-desvio, corrupção ativa e

passiva.

1. A oitiva dos investigados na fase pré-processual pelo relator

não viola os princípios do devido processo legal e da imparcialidade.

Precedentes do STJ e do STF.

2. A peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código

de Processo Penal, na medida em que houve a exposição do fato

considerado criminoso, com suas circunstâncias, assim como se deu a

devida qualifi cação dos denunciados e a classifi cação do crime.

3. As medidas constritivas de direito levadas a termo nos autos

do Inquérito foram determinadas por autoridade competente à época

dos fatos.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 23

4. Interceptações telefônicas eventualmente determinadas por

autoridade absolutamente incompetente permanecem válidas e podem

ser plenamente ratifi cadas. Precedentes do STJ e do STF.

5. É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem

ser prorrogadas por mais de uma vez, desde que comprovada sua

necessidade mediante decisão motivada do Juízo competente.

6. É prescindível a degravação integral das interceptações

telefônicas, sendo necessário, a fi m de assegurar o amplo exercício

da defesa, a transcrição dos trechos das escutas que embasaram o

oferecimento da denúncia. Precedentes do STJ e do STF.

7. Havendo encontro fortuito de notícia da prática de

conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica

devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve

exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele

descoberto. Precedentes.

8. A denúncia oferecida contra os acusados está lastreada

estritamente em indícios coletados por meio de prova documental

e interceptações telefônicas colhidas por meio de decisões proferidas

com base na Lei n. 9.296/1996.

9. As decisões de quebra de sigilo telefônico (e respectivas

prorrogações) deferidas quando da chegada dos autos a esta Corte

encontram-se devidamente fundamentadas, reportando-se, inclusive,

ao teor dos requerimentos formulados pelo MPF e pela Polícia

Federal. Fundamentação per relationem.

10. Ausência de solução de continuidade nas ordens judiciais que

determinaram a quebra do sigilo telefônico, tendo sido estritamente

cumprido o prazo previsto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996.

11. A CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle

Interno, tem competência para fiscalizar e avaliar a execução de

programas de governo, inclusive ações descentralizadas com recursos

dos orçamentos da União, realizar auditorias e avaliar os resultados

da gestão dos administradores públicos, apurar denúncias e executar

atividades de apoio ao controle externo.

12. A materialidade de delitos praticados contra a Administração

(em que ocorre suposto desvio de dinheiro público), pode ser

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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demonstrada por perícia realizada pelos órgãos estatais de controle

(tais como o TCU e a CGU), incumbidos pela legislação vigente do

exercício específi co de tal mister.

13. A Secretaria de Controle Interno da CGU apontou a

existência de fundados indícios de que houve superfaturamento e

irregularidades na execução do Contrato n. 110/01 fi rmado entre a

Deso (Companhia de Saneamento do Estado de Sergipe, sociedade

de economia mista na qual o Estado detém a maior parte do capital

social) e a construtora Gautama, resultando em desvio de verba

pública.

14. O TCU constatou a presença de irregularidades na execução

orçamentária do contrato fi rmado entre a Deso e a Gautama.

15. Existem nos autos indícios de que determinados agentes

públicos do Estado de Sergipe ( J.A.F, J.A.N, F.C.O.N, J.I.C.P,

M.J.V.A) solicitaram e receberam, por diversas vezes e em razão

da função que desempenhavam no Governo Estadual, vantagens

indevidas de funcionários da empresa Gautama, praticando, em juízo

perfunctório, o crime de corrupção passiva previsto no art. 317, § 1º,

do Código Penal.

16. Exsurgem dos autos indícios de que os denunciados J.A.F,

F.C.O.N, M.J.V.A, Z.S.V, R.C.G, R.M.S, S.D.L, V.F.M, G.M.M,

K.C.F, J.I.C.P praticaram, em juízo sumário de cognição, o delito de

peculato-desvio, tipifi cado no art. 312, caput (2ª fi gura), do Código

Penal.

17. Indícios de que os denunciados Z.S.V. e R.M.S. praticaram,

na modalidade de autoria, o crime de corrupção ativa previsto no art.

333, caput, do Código Penal.

18. Em juízo de delibação da peça acusatória exsurgem dos autos

indícios de que os denunciados J.A.F, J.A.N, F.C.O.N, M.J.V.A,

Z.S.V, R.C.G, R.M.S, S.D.L, V.F.M, G.M.M, K.C.F, J.I.C.P

associaram-se, de forma estável e permanente, com o fi m específi co de

cometer crimes contra a Administração Pública, praticando o crime

de formação de quadrilha previsto no art. 288, caput, do Código Penal.

19. Indícios que demonstram que os denunciados tinham ciência

do funcionamento de todo o esquema montado no Estado de Sergipe

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 25

com vistas a, mediante repasse de vantagem indevida a funcionários

públicos, desviar dinheiro do Estado em prol da Gautama e garantir

verba para o fi nanciamento da campanha de reeleição do denunciado

J.A.F.

20. Extinta a punibilidade do denunciado F.C.O.N. em relação

ao delito previsto no art. 319 do Código Penal (prevaricação), nos

termos do art. 107, IV, do Estatuto Repressivo pátrio (prescrição da

pretensão punitiva).

21. Ausência de justa causa em relação aos denunciados R.L,

H.R.O, F.B.V, G.J.C.S, M.F.C.P, no que tange aos delitos imputados

no denominado “Evento Sergipe”.

22. Denúncia recebida em parte, com o afastamento do

Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, pelo prazo

que perdurar a instrução criminal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça Em

continuação de julgamento, a Corte Especial, por unanimidade, rejeitou as

preliminares arguidas pela defesa. No mérito, recebeu a denúncia em relação aos

acusados Zuleido Soares Veras, Ricardo Magalhães da Silva, Flávio Conceição

de Oliveira Neto, João Alves Neto, José Ivan de Carvalho Paixão, João Alves

Filho, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes, Victor

Fonseca Mandarino, Kleber Curvelo Fontes, Sérgio Duarte Leite e Renato

Conde Garcia. Quanto ao acusado João Alves Neto, rejeitou a denúncia quanto

a imputação do art. 312 CP e, quanto ao acusado Flávio Conceição de Oliveira

Neto, declarou extinta a punibilidade, em face da prescrição, quanto à imputação

do art. 319 CP. Rejeitou a denúncia em relação aos acusados Roberto Leite,

Humberto Rios de Oliveira, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos

e Maria de Fátima Cesar Palmeira, nos termos do voto da Senhora Ministra

Relatora.

Por unanimidade, ainda, decidiu pelo afastamento do acusado Flávio

Conceição de Oliveira Neto do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas

do Estado do Sergipe até o término da instrução criminal, nos termos do voto

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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da Senhora Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, João Otávio

de Noronha, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin,

Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Og Fernandes, Benedito Gonçalves e Ari Pargendler

votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Impedidos os Srs. Ministros Castro Meira e Maria Th ereza de Assis

Moura.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy

Andrighi, Castro Meira, Maria Th ereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia

Filho e o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, este na assentada do dia 15 de

março de 2013.

Licenciado o Sr. Ministro Gilson Dipp, sendo substituído pelo Sr. Ministro

Jorge Mussi.

Convocados os Srs. Ministros Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e

Benedito Gonçalves.

Na sessão do dia 14 de março de 2013, sustentaram oralmente o Dr.

Brasilino Pereira dos Santos, Subprocurador-Geral da República e o Dr.

Marcelo Leal de Lima Oliveira, pelos réus Zuleido Soares Veras, Florêncio

Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos, Humberto Rios de Oliveira, Ricardo

Margalhães da Silva.

Na sessão do dia 15 de março de 2013, sustentaram oralmente o Dr.

Sérgio Roberto Roncador, pela ré Maria de Fátima César Palmeira; o Dr.

José Rollemberg Leite Neto, pelos réus João Alves Filho e João Alves Neto; o

Dr. Gilberto Vieira Leite Neto, pelo réu Flávio Conceição de Oliveira Neto;

o Dr. Mádson Lima de Santana, pelos réus José Ivan de Carvalho Paixão e

Sérgio Duarte Leite; o Dr. Márcio Macêdo Conrado, pelo réu Victor Fonseca

Mandarino e o Dr. William Charley Costa de Oliveira, Defensor Público da

União, pelos réus Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo Mendes,

Roberto Leite, Kleber Curvelo Fontes e Renato Conde Garcia.

Brasília (DF), 15 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 4.4.2013

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 27

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: O Ministério Público Federal, pelas

Subprocuradoras-Gerais da República, Drª Lindôra Maria Araújo e Drª Célia

Regina Souza Delgado, oferece denúncia contra:

1) Zuleido Soares de Veras;

2) Maria de Fátima Cesar Palmeira;

3) Tereza Freire Lima;

4) Gil Jacó Carvalho Santos;

5) Florêncio Brito Vieira;

6) Humberto Rios de Oliveira;

7) Vicente Vasconcelos Coni;

8) Abelardo Sampaio Lopes Filho;

9) Bolivar Ribeiro Saback;

10) Rosevaldo Pereira de Melo;

11) Dimas Soares de Veras;

12) João Manoel Soares Barros;

13) Ricardo Magalhães da Silva;

14) Geraldo Magela Fernandes da Rocha;

15) Roberto Figueiredo Guimarães;

16) Ernani Soares Gomes Filho;

17) Sérgio Luís Pompeu Sá;

18) José Reynaldo Tavares;

19) Jackson Kepler Lago;

20) Ney de Barros Bello;

21) Abdelaziz Aboud Santos;

22) Ricardo Wagner de Carvalho Lago;

23) Alexandre Maia Lago;

24) Francisco de Paula Lima Júnior (Paulo Lago);

25) Sebastião José Pinheiro Franco;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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26) José de Ribamar Ribeiro Hortegal;

27) Ulisses Cesar Martins de Sousa;

28) José Aureliano de Lima Filho;

29) José Ribamar Santana;

30) José Eliseu Carvalho Passos;

31) Otávio Júlio Rosas Costa Filho;

32) Teotonio Brandão Vilela Filho;

33) João Ferro Novaes Neto;

34) Eduardo Henrique Araújo Ferreira;

35) Denisson de Luna Tenório;

36) Marcio Fidelson Menezes Gomes;

37) Adeilson Teixeira Bezerra;

38) José Vieira Crispim;

39) Eneas de Alencastro Neto;

40) Flávio Conceição de Oliveira Neto;

41) João Alves Filho;

42) João Alves Neto;

43) José Ivan de Carvalho Paixão;

44) Max José Vasconcelos de Andrade;

45) Gilmar de Melo Mendes;

46) Victor Fonseca Mandarino;

47) Roberto Leite;

48) Kleber Curvelo Fontes;

49) Sergio Duarte Leite;

50) Renato Conde Garcia;

51) Silas Rondeau Cavalcante Silva;

52) Jorge Targa Juni;

53) Walter Luís Cardeal de Souza;

54) Ivo Almeida Costa;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 29

55) Aloísio Marcos Vasconcelos Novaes;

56) José Ribamar Lobato Santana;

57) José Drumond Saraiva;

58) José Ricardo Pinheiro de Abreu;

59) Gregório Adilson Paranaguá da Paz;

60) Emanoel Augusto Paulo Soares; e

61) Roberto Cesar Fontenelle Nascimento.

A presente ação refere-se à descrição dos fatos e condutas relacionadas

ao esquema que envolve especifi camente a empresa Gautama e os servidores

públicos e agentes políticos, nas obras identifi cadas nos autos, em diversos

Estados da Federação.

DA INVESTIGAÇÃO

A narrativa das Senhoras Subprocuradoras-Gerais da República está

embasada no minucioso relatório elaborado pela autoridade policial, em

procedimento investigatório denominado “Operação Navalha”.

As investigações tiveram início no ano de 2004 em trabalho desenvolvido

por força-tarefa no Estado da Bahia, levando à descoberta de um grupo

organizado voltado para a obtenção ilícita de lucros através da contratação e

execução de obras públicas, praticando, para tanto, diversos crimes autônomos,

como fraudes a licitações, peculato, corrupção ativa e passiva, crimes contra o

Sistema Financeiro Nacional, dentre outros delitos.

O inquérito policial originou-se de medidas cautelares em trâmite perante

a 2ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária da Bahia (n. 2004.33.00.022013-

0 e n. 2006.33.00.002647-3) e, diante da constatação do envolvimento de

autoridades com foro privilegiado, deslocou-se a competência para o Superior

Tribunal de Justiça, tendo sido remetidos os autos a esta Corte, cabendo-me o

feito por distribuição.

Assim, iniciaram-se as primeiras autorizações judiciais de interceptações

telefônicas (Lei n. 9.296/1996).

Segundo está exposto no requerimento ministerial, apurou-se, com base

em interceptação telefônica autorizada, que:

1) havia um esquema de desvio de recursos públicos nos Estados de

Alagoas, Maranhão, Piauí e Sergipe, protagonizado pelo sócio-diretor

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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da empresa Gautama, Zuleido Soares de Veras, e seus empregados, com o

envolvimento de empresários, servidores públicos e agentes políticos, esquema

iniciado nos Ministérios, onde era obtido, mediante o oferecimento de vantagem

indevida, o direcionamento de verbas da União para obras nos Estados e nos

Municípios nos quais a Construtora Gautama atuava. O esquema englobava

todo o processo de destinação e aplicação dos recursos, desde a apresentação

e aprovação dos projetos pelos entes políticos - que eram elaborados pelo grupo

criminoso -, passando pelas fraudes nos processos de licitação e o desvio de

vultosos valores por obras não executadas ou executadas irregularmente”;

2) as atividades delituosas se desenvolveram concomitantemente nos vários

Estados em que a Gautama executava obras públicas, tendo a empresa, nesses

Estados, um chefe de escritório e agentes especialmente dedicados às atividades

ilícitas ali desenvolvidas.

DO MODUS OPERANDI

Relata o MPF que o grupo criminoso:

1) em um primeiro momento, identifi cava nos Ministérios a existência de

recursos destinados a obras públicas nos Estados e Municípios;

2) em seguida, cooptava agentes políticos e servidores públicos para

viabilizar a realização dos convênios entre os Ministérios e os entes federativos,

participando, inclusive, da elaboração dos projetos técnicos e estudos exigidos

para a sua celebração;

3) posteriormente, passava a atuar na fase da licitação, para que a Gautama

fosse vencedora no procedimento, isoladamente ou em consórcio com outras

construtoras.

De acordo com os diálogos interceptados, a 3ª fase era a mais complexa de

todo o processo, pois compreendia: a) a celebração de acordos para “acomodar” os

interesses de eventuais concorrentes; b) a cooptação dos servidores públicos que

conduziam as licitações, para não criarem embaraços aos processos conduzidos

pela Gautama e, mais do que isto, para aceitarem agir de modo determinado a

fi m de que a obra fosse adjudicada à própria Gautama;

4) superada a fase da licitação, com o início da execução das obras, tinha

início a fase mais proveitosa, quando efetivamente alcançavam os denunciados

os fi ns ilícitos a que se propunham: desvio e apropriação dos recursos públicos;

nesta etapa eram apresentadas as medições periódicas, todas fraudadas, as

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 31

quais eram aprovadas e pagas, mediante a corrupção dos servidores públicos

incumbidos de examinar os processos, atividade que incluía a emissão de

pareceres técnicos analisando a compatibilidade entre as medições apresentadas

e as obras efetivamente executadas, a aprovação das medições e a autorização

dos pagamentos; e

5) recebidos os pagamentos, o grupo se incumbia de distribuir as propinas

nos percentuais previamente ajustados com os servidores públicos e agentes

políticos envolvidos.

DA FORMAÇÃO DE QUADRILHA

A partir da análise das condutas dos investigados, o MPF conclui tratar-se

de um sofi sticado grupo criminoso, comandado pelo denunciado Zuleido Soares

Veras e integrado por empregados da construtora Gautama e por lobistas, que se

aliaram de forma permanente e estável para a perpetração da prática delituosa:

o direcionamento de recursos públicos, federais e estaduais, para obras a serem

executadas pela Construtora Gautama; o vencimento de processos de licitação;

e a liberação de pagamentos de obras superfaturadas, executadas irregularmente,

ou mesmo inexistentes, mediante a corrupção de servidores públicos e agentes

políticos.

A partir do conjunto probatório produzido no âmbito do presente

inquérito, alega o Órgão Ministerial que a organização criminosa pode ser assim

dividida:

1º) núcleo central - grupo liderado por Zuleido Veras que se estruturou

profi ssionalmente para a prática de crimes como peculato, fraude à licitação e

corrupção ativa.

Composto por funcionários da Gautama que atuavam nos diversos

Estados em que o grupo exercia suas atividades, mantendo relação direta de

subordinação, acatando as ordens e determinações de Zuleido Veras, conscientes

do caráter ilícito de suas condutas. São eles:

1) Maria de Fátima Cesar Palmeira;

2) Tereza Freire Lima;

3) Gil Jacó Carvalho Santos;

4) Florêncio Brito Vieira;

5) Humberto Rios de Oliveira;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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6) Vicente Vasconcelos Coni;

7) Abelardo Sampaio Lopes Filho;

8) Bolivar Ribeiro Saback;

9) Rosevaldo Pereira de Melo;

10) Dimas Soares de Veras;

11) Ricardo Magalhães da Silva; e

12) João Manoel Soares Barros;

Composto também por intermediários que se valiam da infl uência que

possuíam para articular com os servidores públicos e os agentes políticos a

prática dos atos necessários para que a organização criminosa alcançasse os seus

objetivos ilícitos:

13) Geraldo Magela Fernandes da Rocha;

14) Roberto Figueiredo Guimarães;

15) Ernani Soares Gomes Filho; e

16) Sérgio Luís Pompeu Sá.

2º) ramifi cações - outras quadrilhas foram sendo formadas nos Estados

em que a Gautama tinha interesse em executar obras públicas, integradas por

servidores públicos e agentes políticos, que se organizaram de forma estável

e permanente para atender aos propósitos ilícitos do grupo comandado por

Zuleido, cujas condutas serão descritas quando da narração dos eventos.

DOS INTEGRANTES DA QUADRILHA LIDERADA POR

ZULEIDO VERAS

Zuleido Soares Veras, sócio-diretor da Construtora Gautama, era o

líder do grupo criminoso. Estabelecia as diretrizes de atuação da quadrilha,

coordenava e controlava as ações dos demais agentes, funcionários da empresa e

intermediários. Dirigia todo o esquema delituoso, articulando todos os episódios

descritos nesta peça acusatória.

A participação dos demais integrantes da quadrilha pode ser assim descrita,

segundo o MPF:

1) Maria de Fátima Palmeira - Diretora Comercial da empresa Gautama,

era o braço direito de Zuleido, ocupando posição de destaque na estrutura da

quadrilha; ao lado de Zuleido, interagia com todos os demais agentes, decidindo

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as ações a serem implementadas para viabilizar o processo de direcionamento

de obras públicas à Gautama, desde a celebração dos convênios até a fase fi nal

de pagamento dos valores indevidos; antes de ser contratada pela Gautama,

foi servidora da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado de Alagoas, tendo

proporcionado ao grupo criminoso fácil acesso à estrutura administrativa do

órgão; intermediou, ainda, o pagamento de vantagens indevidas aos servidores

públicos e agentes políticos;

2) Tereza Freire Lima - Secretária da empresa Gautama em Brasília, era

um dos elos de ligação de Zuleido com os demais membros da quadrilha e com

os servidores públicos envolvidos nos esquemas delituosos, repassando as suas

orientações, ciente da ilicitude das condutas praticadas; além disso, encarregou-

se de efetuar entregas de dinheiro para pagamentos de propinas;

3) Gil Jacó de Carvalho Santos - Diretor Financeiro da Gautama,

providenciava dinheiro para o pagamento das propinas solicitadas ou oferecidas

aos servidores públicos e aos agentes políticos; esse dinheiro era retirado das

contas da própria Gautama na Caixa Econômica Federal e no Banco do

Brasil ou nas contas das outras empresas de Zuleido; em todas as situações nas

quais houve o pagamento de vantagem indevida, os integrantes da quadrilha

mantinham contatos com Gil Jacó, que providenciava o dinheiro e a remessa

para os locais onde eram feitos os pagamentos; no esquema criminoso, o seu

papel ainda consistia na administração dos lucros da prática ilícita;

4) Florêncio Brito Vieira - empregado da Construtora Gautama, atuava

sempre ao lado de Gil Jacó Carvalho Santos, efetuando os saques em dinheiro

para o pagamento das propinas, transportando o numerário para as localidades

onde seriam consumados os pagamentos; quando estava impossibilitado de

viajar ou se fazia necessário o transporte de propinas para mais de um Estado,

dividia a tarefa com Humberto Rios de Oliveira;

5) Humberto Rios de Oliveira - empregado do setor fi nanceiro da Gautama,

auxiliava Gil Jacó e dividia com Florêncio a tarefa de sacar o dinheiro para o

pagamento das propinas e transportá-lo até os locais onde seriam entregues aos

benefi ciários;

6) Vicente Vasconcelos Coni - funcionário da Gautama no Estado do

Maranhão, participou de quase todos os episódios delitivos ocorridos naquela

unidade federativa; intermediou, por diversas vezes, o pagamento de vantagens

indevidas a servidores públicos para obter a aprovação de medições relativas a

obras executadas irregularmente ou não executadas pela Construtora; manteve

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encontros e reuniões constantes com servidores das Secretarias de Infra-

Estrutura e de Planejamento para obter a aprovação das medições irregulares;

7) Geraldo Magela Fernandes da Rocha - foi servidor público do Estado do

Maranhão, exercendo o cargo de assessor do então Governador José Reinaldo

Tavares; teve intensa atuação em defesa dos interesses escusos da quadrilha

durante o período de assessoria do ex-Governador; no curso das investigações,

foram captadas dezenas de diálogos entre Geraldo Magela e Zuleido Veras,

Fátima Palmeira e Vicente Coni, sempre combinando modos de ação para

viabilizar as pretensões ilícitas do grupo criminoso; valendo-se das facilidades

do seu cargo, tinha acesso a autoridades do Estado e a servidores das Secretarias

de Infra-Estrutura e de Planejamento, para o patrocínio de interesses do grupo,

ora relativos à aprovação das medições das obras de construção das pontes,

ora referentes à celebração de convênio entre o Estado e o Ministério dos

Transportes, recebendo, em contrapartida, valores em dinheiro; intermediou,

também, reuniões entre Zuleido e o então Governador José Reinaldo para tratar

não apenas das medições, cuja aprovação, em razão das graves irregularidades

apresentadas, exigiam uma intervenção direta do primeiro mandatário para

determinar aos seus subordinados a realização dos pagamentos, mas, também,

das questões pertinentes às obras de pavimentação da BR 402, cujo convênio

com o Governo Federal interessava particularmente ao grupo; além disso,

intermediou o pagamento de vantagens ao ex-Governador, inclusive mediante

a emissão de notas frias da sua empresa Pool Comunicações; após deixar o

cargo que exercia no Governo do Estado, Geraldo Magela passou a integrar a

quadrilha de Zuleido; aproveitando-se de sua infl uência, atuou perante os órgãos

da administração do Estado, notadamente nas Secretarias de Infra-Estrutura

e de Planejamento, tendo, inclusive, promovido a aproximação entre o grupo

criminoso e o Governador Jackson Lago, através do seu irmão Ricardo Lago;

8) Roberto Figueiredo Guimarães - foi contratado, sem licitação, como

prestador de serviços ao Estado do Maranhão, tendo exercido papel semelhante

ao de Geraldo Magela, cabendo-lhe, na verdade, defender os interesses

fi nanceiros do grupo nos diversos escalões da Administração Pública, mesmo

após o seu desligamento do Governo do Estado; no governo de Jackson Lago,

participou de reunião em Brasília, no Hotel Kubitschek Plaza, com Vicente Coni

e Abdelaziz Aboud Santos, Secretário de Planejamento do Estado do Maranhão,

para tratar dos interesses da quadrilha; mesmo designado para exercer o cargo

de Presidente do BRB – Banco de Brasília, não se afastou do grupo criminoso,

continuando a patrocinar os seus interesses;

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9) Abelardo Sampaio Lopes Filho - engenheiro e funcionário da Gautama

em Alagoas, era a pessoa responsável pela apresentação de medições irregulares

à Secretaria de Infra-estrutura daquele Estado, agindo intensamente para obter

a aprovação das medições e o pagamento dos valores indevidos; comunicava-

se freqüentemente com Zuleido Veras e com Fátima Palmeira, discutindo

estratégias para viabilizar os propósitos delituosos do grupo;

10) Bolivar Ribeiro Saback - diretor operacional da Gautama, representava

os interesses da organização perante o Governo do Estado de Alagoas,

articulando o pagamento de medições apresentadas pela construtora de obras

não executadas;

11) Rosevaldo Pereira de Melo - empregado da Gautama no Estado

de Alagoas, negociava a liberação de recursos públicos para a organização

criminosa, sempre em pagamento das medições irregulares; antes de trabalhar

para a Gautama, foi servidor do Estado de Alagoas, lotado na Companhia de

Água e Saneamento do Estado, órgão vinculado à Secretaria de Infra-estrutura;

valeu-se, por diversas vezes, da sua infl uência junto aos servidores da Secretaria,

notadamente de suas relações de amizade com o Secretário Márcio Fidelson,

para obter a aprovação das medições, oferecendo, como compensação, vantagens

indevidas;

12) Ricardo Magalhães da Silva - engenheiro civil, representante da

Gautama no Estado de Sergipe, era o responsável pelo acompanhamento

das obras executadas naquele Estado e pelos processos das medições; teve

destacada atuação nos fatos ilícitos ali ocorridos, mantendo contatos pessoais

com os agentes públicos incumbidos da aprovação das medições irregulares

apresentadas à Secretaria de Infra-Estrutura do Estado, intercedendo para a

efetivação dos pagamentos; participou, também, das tratativas nos episódios

designados de “Evento Maranhão” e “Evento Luz para Todos”;

13) Ernani Soares Gomes Filho - é servidor do Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão, à disposição da Câmara dos Deputados, exercendo

atualmente as suas funções no gabinete do Deputado Federal Márcio Reinaldo,

do Estado de Minas Gerais; a sua função era obter, no âmbito do Ministério,

a liberação de orçamento para as obras de interesse da Gautama; em razão do

cargo que exercia, Ernani era peça-chave no esquema criminoso, propiciando ao

grupo acesso a dados e informações que possibilitaram situação de vantagem na

disputa pela destinação de recursos aos Estados e Municípios onde a Gautama

executava suas obras; segundo consta do seu depoimento, era sempre procurado

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por Zuleido Veras e mantinha contatos freqüentes com Fátima, prestando

assessoria nos procedimentos de obtenção e liberação de recursos para obras de

interesse da Construtora;

14) João Manoel Soares Barros - empregado da Gautama no Estado do

Piauí, atuava sob as ordens diretas de Zuleido Veras e de Fátima Palmeira,

tendo se destacado em razão dos atos que praticou para fraudar o processo

de licitação que permitiu à Gautama adjudicar as obras de construção de

redes de distribuição de energia elétrica em áreas rurais do Estado do Piauí,

contempladas pelo Programa “Luz para todos”, do Governo Federal; participou,

também, das negociações no episódio designado por “Evento Maranhão”;

15) Dimas Soares de Veras - irmão de Zuleido e empregado da Gautama,

gerenciava as obras do “Programa Luz para todos” no Estado do Piauí; mantinha

freqüentes contatos com o Presidente da Cepisa Jorge Targa, articulando os

interesses da quadrilha; providenciou a entrega de propina a Jorge Targa e

elaborou medição fraudulenta; e

16) Sérgio Luís Pompeu Sá - lobista e empresário, sócio da Prosper

Assessoria e Consultoria Ltda., prestava serviços à Engevix; as suas relações com

Zuleido remontam a 1998, quando ainda morava em Salvador e trabalhava

para a Construtora Fernandez; promoveu a aproximação de Zuleido com o

então Ministro de Minas e Energia Silas Rondeau e com o seu assessor Ivo de

Almeida Costa; foi também Sérgio Sá, na condição de integrante da organização

criminosa, quem aproximou Zuleido Veras do denunciado Jorge Targa Juni,

Presidente da Cepisa; teve papel signifi cativo nos fatos identifi cados como

“Evento Luz para Todos”, articulando junto a diversos órgãos públicos para

dirigir à Gautama as obras de construção das redes que levariam luz elétrica

a área rural do Estado do Piauí, além de atuação destacada no Ministério de

Minas e Energia, mais especifi camente com o então Ministro Silas Rondeau,

para viabilizar os termos aditivos aos contratos fi rmados entre a Eletrobrás,

Cepisa e Gautama; para alcançar esses objetivos, intermediou encontros entre

Zuleido e Maria de Fátima com Silas Rondeau e Ivo de Almeida, inclusive para o

pagamento de vantagem indevida ao ex-Ministro.

Conclui o MPF que os denunciados Zuleido Soares Veras, Maria de Fátima

César Palmeira, Tereza Freire Lima, Gil Jacó Carvalho Santos, Florêncio Brito

Vieira, Humberto Rios de Oliveira, Vicente Vasconcelos Coni, Abelardo Sampaio

Lopes Filho, Bolivar Ribeiro Saback, Rosevaldo Pereira Melo, Dimas Soares de Veras,

Ricardo Magalhães da Silva, João Manoel Soares Barros, Geraldo Magela Fernandes

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da Rocha, Roberto Figueiredo Guimarães, Ernani Soares Gomes Filho e Sérgio Luís

Pompeu Sá procederam de modo livre e consciente e, por isso, estão incursos nas

penas do art. 288 do Código Penal.

DOS EVENTOS

O MPF passa a relatar a atuação das quadrilhas nas situações identifi cadas,

descritas como eventos específi cos, de acordo com as obras irregularmente

executadas em cada Estado.

Explica o Órgão Ministerial que, excetuadas as situações em que a

quadrilha de Zuleido atuava diretamente nos Ministérios para obter o repasse

de recursos públicos para Estados e Municípios onde as obras já estavam

previamente direcionadas para a Gautama, o modo de agir do grupo nos vários

eventos foi bem semelhante. Muitos dos integrantes da organização criminosa

foram fl agrados negociando o direcionamento das licitações, o superfaturamento

das obras, a aprovação e o pagamento das medições irregulares, por obras não

executadas ou executadas fora dos padrões previstos, mediante propina.

De acordo com o relatório elaborado pela Controladoria-Geral da União -

CGU, especialmente em relação ao processo de pagamento de obras públicas, a

empreiteira deveria seguir basicamente o seguinte esquema:

1º) Apresentação das notas fi scais comprobatórias da aplicação dos recursos

por parte da contratada, indicando precisamente o cálculo das quantidades

de serviços executados e dos materiais empregados na obra (medição); 2º)

Verificação da observância da execução da obra em relação ao plano de

trabalho, ao projeto básico e executivo e ao cronograma físico e fi nanceiro,

através de fi scalização realizada pelo contratante ou por empresa gerenciadora

do contrato. Tais peças discriminadas são exigências da Lei n. 8.666/1993; 3º)

Emissão de Parecer Técnico, por parte do contratante, sobre a legalidade e

adequação da execução da obra, subsidiando o pagamento das medições à

empresa contratada.

Afi rma o MPF que, nos Estados onde a Gautama executava obras públicas,

a organização criminosa burlava este procedimento, mediante a corrupção

de servidores públicos, fazendo com que as perícias e os pareceres técnicos e

jurídicos atestassem que as obras foram executadas de acordo com o plano de

trabalho e o cronograma físico e fi nanceiro previsto e que os valores adequavam-

se ao que fora efetivamente executado pela construtora, quando, na verdade,

as medições não correspondiam à realidade, o que implicou em vultoso desvio

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de recursos públicos. Tratava-se de medições fraudadas e, muitas vezes, obras

sequer iniciadas foram efetivamente pagas.

DO EVENTO MARANHÃO

I - Obra: “Restauração, Substituição e Implantação de Obras de Arte

Especiais do Programa de Perenização de Travessias do Estado do Maranhão,

para Melhoria do Sistema Viário em diversas Rodovias”.

Relata o Ministério Público Federal que:

1) em 31 de março de 2004, a Construtora Gautama e o Estado do

Maranhão, por meio da Gerência de Estado de Infra-estrutura – Geinfra,

fi rmaram o Contrato n. 005/2004, tendo por objeto a “Restauração, Substituição

e Implantação de Obras de Arte Especiais do Programa de Perenização de

Travessias do Estado do Maranhão, para Melhoria do Sistema Viário em

diversas Rodovias” (DO de 2.4.2004), no valor de R$ 143.285.047,95 (cento e

quarenta e três milhões, duzentos e oitenta e cinco mil, quarenta e sete reais e

noventa e cinco centavos), fi gurando como contratante o Consórcio Gautama-

Rivoli S.P.A., do qual Zuleido Veras era o administrador;

2) conforme o Laudo de Exame em Obra de Engenharia n. 1.974/2007,

elaborado pela Polícia Federal, a Gautama não possuía as condições necessárias

para participar da Concorrência n. 086/2003, para execução das obras acima

referidas; daí a necessidade da formação do consórcio Gautama-Rivoli, para

compor o acervo técnico exigido pelo edital da concorrência; porém, a realização

das obras, inclusive perante o Crea-MA, ficou exclusivamente a cargo da

Gautama; e

3) o edital de licitação previa a construção de 112 pontes para as

rodovias do Estado do Maranhão, obras com exigências tecnológicas bastante

diferenciadas porque envolviam a construção de pontes de 10 metros sobre

riacho temporário e de 100 metros ou mais sobre rio perene e navegável, o que

indicava a necessidade de mais de uma licitação, com a maior participação de

empresas especializadas.

A partir da análise dos diálogos monitorados no curso das investigações,

constatou o MPF que:

1) Zuleido Veras mantinha no Estado do Maranhão um esquema ilícito para

a obtenção indevida de altos lucros, através da aprovação de medições relativas

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 39

às obras executadas irregularmente ou não executadas pela referida construtora,

esquema do qual participaram os seguintes integrantes da quadrilha por ele

liderada: Geraldo Magela Fernandes da Rocha, Vicente Vasconcelos Coni, Maria

de Fátima Palmeira, João Manoel, Gil Jacó e Humberto Rios (conforme diálogos

monitorados, notadamente no período de maio a julho de 2006);

2) o ex-Governador José Reinaldo Tavares, o Secretário de Infraestrutura

Ney de Barros Bello (referido como “Gordão”), o Procurador-Geral do Estado

Ulisses César Martins de Souza (referido como “Gordinho”), Roberto Figueiredo

Guimarães, Consultor Financeiro do Estado à época, e os servidores Sebastião

José Pinheiro Franco (referido como “Baixinho”), José de Ribamar Hortegal,

Otávio Costa Filho, Aureliano Filho (referido como “A”), José Ribamar Santana

(referido como “Quantum”) e José Eliseu Carvalho Passos (referido como

“Zeus”), associaram-se de forma estável e permanente para promover o desvio

dos recursos destinados ao pagamento das obras públicas naquele Estado, tendo

efetivamente proporcionado tal desvio em favor da empresa Gautama, mediante

o recebimento de vantagens indevidas; e

3) após o término do mandato do Governador José Reinaldo, em janeiro

de 2007, passaram a integrar a quadrilha o seu sucessor Jackson Kepler Lago,

o irmão Ricardo Wagner Lago, representante do Estado do Maranhão no

Distrito Federal, os sobrinhos Alexandre Lago e Francisco de Paula Lima

Junior (Paulo Lago), e o Secretário de Planejamento Abdelaziz Aboud Santos,

os quais se associaram, também de forma estável e permanente, a Ney de Barros

Bello, Ulisses César Martins de Souza, Sebastião José Pinheiro Franco, José de

Ribamar Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Ribamar Santana

e José Eliseu Carvalho Passos, para dar continuidade aos desvios dos recursos

públicos, utilizando-se dos mesmos estratagemas anteriormente descritos, para

favorecer a empresa Gautama, recebendo, em contrapartida, vantagens indevidas

(conforme documentos constantes dos autos e áudios captados no período de

fevereiro a abril de 2007).

Segundo a denúncia, a participação de cada um dos membros da

quadrilha foi determinante para a continuação da atividade criminosa e para

a concretização do programa delituoso; a estabilidade e a permanência da

aliança se revelou efi ciente na perpetração de vários crimes, que resultaram em

verdadeira sangria nos cofres públicos.

Para demonstrar a veracidade de suas alegações, o MPF passa a destacar os

seguintes pontos:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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1) das cento e doze pontes contratadas, a Gautama executou serviços

parciais em apenas algumas delas, com inúmeras irregularidades, comprovadas

pelos Laudos Periciais n. 1.974/07, n. 2.012/07, n. 2.053/07 e n. 2.087/07,

elaborados pelo Instituto Nacional de Criminalística (INC/DPF);

2) o primeiro local vistoriado pelos peritos foi a Ponte sobre o Rio Pericumã,

localizada na Rodovia BR-308, próximo da localidade de Monte Carmo, entre

os Municípios de Bequimão e Central do Maranhão; a obra da ponte ainda não

havia sido iniciada, com a só execução dos serviços preliminares de sondagem

do terreno e de recomposição do revestimento primário do acesso ao leito do

rio; de acordo com os peritos, embora tenha resultado em um superfaturamento

total de 416,13% do custo da obra, correspondendo ao valor de R$ 770.720,40

(setecentos e setenta mil, setecentos e vinte reais e quarenta centavos), a preços

de janeiro de 2004, nenhuma obra da ponte propriamente dita foi executada (Laudo

de exame em obra de engenharia n. 1.974/2007 - INC/DITEC/DPF);

3) a obra da Ponte sobre o Rio Munim, localizada entre os Municípios

de Presidente Juscelino e Cachoeira Grande, encontrava-se apenas em sua fase

inicial, com alguns dos elementos de fundação executados; o prejuízo oriundo

do superfaturamento da obra em questão, atualizado para 16.7.2007, foi de R$

1.790.886,91 (um milhão, setecentos e noventa mil, oitocentos e oitenta e seis

reais e noventa e um centavos); já o valor pago indevidamente por serviços não

executados foi de R$ 1.250.837,53 (um milhão, duzentos e cinqüenta mil, oitocentos e

trinta e sete reais e cinqüenta e três centavos), a valores de janeiro de 2004 (Laudo

de exame em obra de engenharia n. 2012/2007-INC/ DITEC/DPF);

4) outro local vistoriado pelos peritos foi a Ponte sobre o Rio Santa Cruz,

localizada entre os Municípios de Cururupu e Palacete; a obra encontrava-se

apenas parcialmente executada, não mais existindo o canteiro de obras no local;

a perícia constatou que foram pagos por serviços não executados a quantia de R$

83.161,51 (oitenta e três mil, cento e sessenta e um reais e cinqüenta e um

centavos), bem como um sobrepreço calculado em R$ 513.208,53 (quinhentos

e treze mil, duzentos e oito reais e cinqüenta e três centavos), perfazendo uma

diferença total a maior de R$ 596.370,35 (quinhentos e noventa e seis mil, trezentos

e setenta reais e trinta e cinco centavos) - Laudo de exame em obra de engenharia

n. 2.053/2007-INC/ DITEC/DPF; e

5) os peritos do INC vistoriaram, também, a Ponte sobre o Rio Cabeceira,

situada também entre os Municípios de Cururupu e Palacete; ainda em sua fase

inicial, a obra encontrava-se somente com os elementos de fundação executados;

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 41

o exame pericial indica um valor pago indevidamente por serviços não executados de

R$ 430.213,70 (quatrocentos e trinta mil, duzentos e treze reais e setenta centavos);

o desvio oriundo do superfaturamento, atualizado para 27.7.2007, totaliza R$

512.961,73 (quinhentos e doze mil, novecentos e sessenta e um reais e setenta e

três centavos) - Laudo de exame em obra de engenharia n. 2.087/2007-INC/

DITEC/DPF).

Explica o MPF que, para a liberação dos pagamentos das medições

fraudulentas das obras, durante o governo de José Reinaldo, Zuleido contou

com a atuação efetiva de Vicente Coni e também de Maria de Fátima, que o

orientava nos contatos freqüentes com Geraldo Magela (na ocasião assessor

do Governador), Roberto Figueiredo, o Secretário de Infraestrutura Ney Bello,

o Procurador-Geral do Estado Ulisses César e com os servidores da Seinfra:

Sebastião José Pinheiro Franco, José de Ribamar Hortegal, Otávio Costa Filho,

Aureliano Filho, José Ribamar Santana e José Eliseu Carvalho Passos.

Segundo a denúncia, os valores das medições das obras eram negociados

entre os membros da quadrilha de Zuleido e os servidores públicos daquele

Estado encarregados de proceder à fi scalização das obras, avalizar as medições

apresentadas pela Gautama, liberar as verbas correspondentes e efetivar os

pagamentos, tudo mediante o recebimento de propina, como demonstram os

áudios captados no curso das investigações e os documentos apreendidos.

Afirma existir prova nos autos de que coube ao ex-Governador José

Reinaldo a autorização para a disponibilização e a liberação das verbas

destinadas ao pagamento das medições apresentadas pela Gautama, tendo para

isto, inclusive, envidado esforços para o remanejamento da importância de R$

93.000.000,00 (noventa e três milhões), que originariamente era destinada a

garantir a execução do “Projeto Pro Saneamento” (fl . 238 do apenso 42).

Para delimitar as condutas de cada denunciado, destaca, ainda, o MPF:

1) para viabilizar os pagamentos indevidos à Gautama, o ex-Governador

contou com o auxilio de Ulisses e de Ney Bello, que se empenharam para que

o setor jurídico da Seinfra não criasse embaraços para a concretização dos

pagamentos, conforme pretendido pela Gautama;

2) coube, ainda, a Ney Bello, na qualidade de ordenador de despesas da

Seinfra, emitir as ordens bancárias em favor da Gautama, conforme documentos

de fl s. 39-40, do anexo 48: OB n. 2006 0801765, de 30.8.2006, no valor de

R$ 3.172.912,90 (três milhões, cento e setenta e dois mil, novecentos e doze

reais e noventa centavos); OB n. 2006 0802187, de 27.9.2006, no valor de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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R$ 5.496.098,70 (cinco milhões, quatrocentos e noventa e seis mil, noventa e

oito reais e setenta centavos); OB n. 2006 0803113, de 4.12.2006, no valor de

R$ 3.040.499,15 (três milhões, quarenta mil, quatrocentos e noventa e nove

reais e quinze centavos); OB n. 2006 0803582, de 19.12.2006, no valor de R$

3.000.020,00 (três milhões e vinte reais); e OB n. 2006 0803727, de 26.12.2006,

no valor de R$ 2.655.355,83 (dois milhões, seiscentos e cinqüenta e cinco mil,

trezentos e cinqüenta e cinco reais e oitenta e três centavos);

3) os servidores da Seinfra, responsáveis pela fi scalização das obras e por

atestar os serviços executados, Sebastião José Pinheiro Franco, José de Ribamar

Hortegal, José Ribamar Santana e José Eliseu Carvalho Passos, além de Otávio

Costa Filho, Chefe de Gabinete de Ney Bello, e Aureliano Filho, Assessor

Especial do Secretário, contribuíram efetivamente para viabilizar os pagamentos

das medições fraudulentas, mantendo tratativas com os membros da quadrilha

de Zuleido, especialmente com Vicente Coni, e fi rmando pareceres técnicos que

não correspondiam à realidade, nos termos acertados com Ney Bello e Ulisses;

4) como contrapartida pela liberação dos pagamentos indevidos, Zuleido,

com a intermediação de Geraldo Magela, “presenteou”, em março de 2006, o

então Governador José Reinaldo com um veículo Citröen, ano 2005, modelo

C5; o carro foi adquirido por R$ 110.350,00 (cento e dez mil, trezentos e

cinqüenta reais) e pago do seguinte modo: um sinal, no valor de R$ 10.000,00

(dez mil reais), através de cheque emitido por Geraldo Magela, posteriormente

devolvido pela concessionária ao seu emitente, mediante o pagamento do valor

integral do veículo em dinheiro;

Tal fato restou demonstrado por meio de diligência realizada na

concessionária Saint Moritz, situada nesta Capital, identifi cando-se o veículo

Citröen, modelo C5, ano 2005, placas JGV-7326-DF, em nome do próprio

José Reinaldo; no escritório da empresa Pool Comunicações, de Geraldo Magela,

foram encontrados comprovantes de depósitos relativos à aquisição do veículo;

os valores e datas são exatamente aqueles lançados na fi cha de venda obtida

na concessionária Saint Moritz, fato confi rmado na Informação Policial n.

001/2007.

Além disso, segundo o que consta do “Auto de apreensão complementar

e análise de dados” lavrado pela Polícia Federal (fl s. 156 e seguintes do apenso

n. 43, do Inq. n. 544-BA) na residência de Geraldo Magela, localizada na SQS

311, Bloco F, apart. 403, Brasília, DF, foram apreendidos diversos disquetes,

constando arquivos demonstrativos da “contabilidade” da propina paga por

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Zuleido para a obtenção de vantagens junto ao Governo do Maranhão, dentre

os quais verifi ca-se o “acerto” com José Reinaldo referente ao “Projeto Pontes”,

no valor total de R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais), pagos

da seguinte forma: a) mediante a emissão de notas fi scais frias da empresa

Pool Comunicações, por supostos serviços prestados à Gautama: Nota Fiscal n.

638, de 11.7.2006, no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) - (fl . 174 do

mesmo apenso); Nota Fiscal n. 650, de 28.11.2006, no valor de R$ 100.000,00

(cem mil reais) - (fl . 177); Nota Fiscal n. 653, de 28.12.2006, no valor de R$

200.000,00 (duzentos mil reais) - (fl . 179); b) pagamentos em dinheiro, sem

notas fi scais, mas também intermediados por Magela, realizados: em 9.9.2006,

R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no escritório da Gautama em Brasília,

por Teresa Freire; em 8.11.2006, R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), no

Aeroporto de São Luís, por Florêncio; em 17.11.2006, R$ 140.000,00 (cento e

quarenta mil reais), no Aeroporto de Brasília, por Humberto; em 19.12.2006,

R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), no escritório da Gautama em

Brasília, por Teresa; e em 25.12.2006, R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinqüenta

mil reais), no escritório da Gautama em Salvador, por Florêncio;

5) Geraldo Magela era, na época, assessor do então Governador José

Reinaldo e, nessa qualidade, também recebeu vantagens indevidas, tendo

sido identifi cada a quantia de R$ 56.300,00 (cinqüenta e seis mil e trezentos

reais), paga em 20 de junho de 2006, além de ter solicitado, no dia 13 de

julho, “pagamentos” a Zuleido, pedindo a ele para “lembrar da sua caloi” (diálogo

transcrito às fl s. 2.624);

6) em decorrência do pagamento das medições fraudulentas, Zuleido,

com a colaboração de Vicente Coni, Gil Jacó e Florêncio Vieira, pagou também

vantagens indevidas aos servidores do Estado do Maranhão que contribuíram

para “arrumar” as irregularidades existentes;

7) nos diálogos interceptados, por diversa vezes, foram utilizados os códigos

“TDO”, que signifi ca “Transferência de Dinheiro para Obra”, e “agendas”; tais

expressões eram empregadas sempre que os membros da quadrilha se referiam a

valores em espécie para o pagamento de propinas a servidores e agentes políticos

(diálogo transcrito às fl s. 2.625-2.626); e

8) no auto de busca e apreensão (apenso 45) verifi cam-se anotações relativas

a pagamentos de propinas a Ulisses; os documentos de fl s. 73 e 78 apontam o

recebimento das quantias de R$ 33.748,00 (trinta e três mil, setecentos e

quarenta e oito reais), em 11.9.2006; de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), em

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30.9.2006; e, de duas parcelas, uma de R$ 54.960,00 (cinqüenta e quatro mil,

novecentos e sessenta reais) e outra de R$ 174.000,00 (cento e setenta e quatro

mil reais) em 30.10.2006.

II - Obra: “Implantação e pavimentação da Rodovia BR 402”

Relata o Ministério Público Federal que:

1) em 29 de junho de 2006, o Convênio foi assinado entre o DNIT

e o Estado do Maranhão, representado naquele ato pelo então Governador

José Reinaldo e pelo Secretário de Infra-Estrutura Ney Bello, no valor total

de R$ 170.161.078,66 (cento e setenta milhões, cento e sessenta e um mil,

setenta e oito reais e sessenta e seis centavos), cabendo ao DNIT fi nanciar R$

153.144.970,80 (cento e cinqüenta e três milhões, cento e quarenta e quatro mil,

novecentos e setenta reais e oitenta centavos) e ao Estado, em contrapartida, R$

17.016.107,86 (dezessete milhões, dezesseis mil, cento e sete reais e oitenta e

seis centavos);

2) conforme fi scalização procedida posteriormente pelo DNIT, o então

Governador do Estado do Maranhão José Reinaldo e o Secretário Ney Bello

inseriram no “Plano de Trabalho”, documento essencial para a formalização do

Convênio, declaração diversa da que ali deveria conter, consistente na obrigação

de, a título de contrapartida, construir pontes (obras de arte especiais) que, na

verdade, já existiam, alterando, assim, a verdade sobre fato juridicamente relevante;

essas obras de arte foram objeto do Contrato n. 005/2004, celebrado entre

o Estado e a Construtora Gautama, contrato este utilizado para desvio de

dinheiro público, conforme já narrado;

3) as pontes já construídas anteriormente sequer serviriam para a BR 402,

porque possuíam largura de 10 metros, o que não corresponde ao padrão para as

estradas federais, que é de 12,80 metros de largura, além de estarem localizadas

fora do traçado da referida BR 402, tudo a demonstrar que não poderiam

mesmo constar como contrapartida para a realização do convênio;

4) diante da defl agração da “Operação Navalha” e da fi scalização realizada

pelo DNIT, o referido convênio foi, então, denunciado, conforme Portaria n.

868, 30 de maio de 2007, publicada no DOU de 1º.6.2007, anulando-se, ainda,

a Nota de Empenho n. 2006 NE 902073;

5) com a mudança de governo, em janeiro de 2007, os pagamentos às

empreiteiras foram suspensos pelo Estado do Maranhão, sendo retomados

paulatinamente, à medida que os acordos foram fi rmados;

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6) em fevereiro de 2007, quando já se encontrava no Governo do Estado o

seu novo titular, Jackson Kepler Lago, o grupo criminoso, continuando a valer-

se da intermediação de Geraldo Magela, conseguiu aproximar-se de Jackson

Lago e de Abdelaziz Aboud Santos, Secretário de Planejamento, que passou a

concentrar parte das atribuições antes exercidas por Ney Bello, Secretário de

Infra-Estrutura; o elo foi feito através de Ricardo Lago, irmão de Jackson Lago,

que representa o Estado no escritório de Brasília (diálogos transcritos às fl s.

2.627);

7) apesar da mudança de governo, a quadrilha não perdeu o espaço de

atuação ilícita no Estado, agindo através de Vicente Coni e, agora, de Geraldo

Magela e de Roberto Figueiredo (conhecido como Betinho), que se desligaram

do governo e passaram a integrar a quadrilha de Zuleido, representando os

interesses da Gautama, e articulando-se com o atual Governador Jackson Lago

por intermédio do seu irmão Ricardo Lago e dos seus sobrinhos Alexandre e

Paulo Lago (diálogos transcritos às fl s. 2.628-2.630);

8) no mês de março o grupo já realizava tratativas para garantir a

continuidade dos pagamentos das medições relativas às obras das pontes,

apresentadas nos mesmos moldes anteriores, ou seja, sem que correspondessem

aos serviços realmente executados, o que de fato ocorreu;

9) segundo o que consta do “Auto de apreensão e análise de dados” relativo

à busca procedida pela Polícia Federal no escritório da Gautama em São Luís-

MA (apenso 48, fl s. 27-29-39-40), foram pagas à Gautama as seguintes quantias

relativas à 9ª medição das obras das pontes: a) R$ 3.455.267,43 (três milhões,

quatrocentos e cinqüenta e cinco mil, duzentos e sessenta e sete reais e quarenta

e três centavos), correspondentes à primeira avaliação, mediante a Nota Fiscal

n. 1.041, relativa a Ordem Bancária n. 2007 0800103, de 9.3.2007, no valor de

R$ 2.962.413,00 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil, quatrocentos e

treze reais), e a Ordem Bancária n. 2007 0800194, de 2.4.2007, no valor de R$

492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro

reais e quarenta e três centavos); R$ 1.492.867,63 (um milhão, quatrocentos e

noventa e dois mil, oitocentos e sessenta e sete reais e sessenta e três centavos),

correspondentes ao complemento da 9ª medição, Nota Fiscal n. 1.062; R$

1.177.286,97 (um milhão, cento e sessenta e sete mil, duzentos e oitenta e

seis reais e noventa e sete centavos), correspondentes ao reajustamento da 9ª

medição, Nota Fiscal n. 1.063;

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10) dentre os documentos apreendidos com Zuleido Veras no Hotel Pestana,

em São Paulo, conforme o “Auto de apreensão e análise de documentos”(apenso

49, fls. 24 a 48), verifica-se que o Governador Jackson Lago, assim como

os servidores públicos daquele Estado integrantes da quadrilha, receberam

percentual por cada pagamento indevido que viabilizaram, sendo 8% para o

Governador, 2% para Ney Bello (“Gordão”), 1% para Sebastião (“Baixinho”), 1%

para Santana (“Quantum”), 1% para Eliseu (“Zeus”), 0,25 para Aureliano (“A”),

além de pagamentos extras e de eventuais aumentos de percentuais;

11) no mesmo documento em que foram registrados os percentuais

para os pagamentos das propinas constam registros relativos ao acréscimo de

35% no valor das medições, obtido mediante negociações entre os membros

das quadrilhas; tais acréscimos alcançaram as cifras de R$ 1.037.610,82 (um

milhão, trinta e sete mil, seiscentos e dez reais e oitenta e dois centavos) e

R$ 183.913,80 (cento e oitenta e três mil, novecentos e treze reais e oitenta

centavos) e redundaram na emissão de ordens bancárias em favor da Gautama

no valor de R$ 2.962.413,00 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil,

quatrocentos e treze reais), em 9.3.2007; e de R$ 492.854,43 (quatrocentos

e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e três

centavos) em 2.4.2007.

Segundo o MPF, tais anotações se coadunam com os demais elementos de

provas coligidos no curso das investigações, sejam as interceptações telefônicas,

sejam os relatórios de monitoramento policial;

12) em 6.3.2007, Roberto Figueiredo e Vicente reuniram-se em Brasília, no

Hotel Kubitschek Plaza, com o Secretário de Planejamento Abdelaziz, ao qual

competia, autorizado pelo Governador, disponibilizar as verbas para a Secretaria

de Infra-Estrutura efetuasse os pagamentos à Gautama; nesse encontro fi cou

combinado que a Seplan providenciaria o remanejamento de verbas destinadas

a outros projetos para possibilitar a disponibilização orçamentária permitindo

à Seinfra efetuar o pagamento da 9ª medição no patamar pretendido pela

Gautama, que era inicialmente de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais),

mas que, após os acertos, atingiu a cifra de R$ 3.455.267,43 (três milhões,

quatrocentos e cinqüenta e cinco mil, duzentos e sessenta e sete reais e quarenta

e três centavos) - (diálogos transcritos às fl s. 2.631-2.632); a referida importância

foi, de fato, paga à Gautama, mas em duas parcelas: a primeira, no dia 9.3.2007,

no valor de R$ 2.962.413,00 (dois milhões, novecentos e sessenta e dois mil e

quatrocentos e treze reais), através da OB n. 2007 0800103; e, a outra, no valor

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de R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e

quatro reais e quarenta e três centavos), através da OB n. 2007 0800194, no dia

2.4.2007, ambas assinadas por Ney Bello;

13) efetivado o pagamento da primeira parcela, Roberto, no dia 12.3.2007,

cobrou de Zuleido e de Gil Jacó a sua parte no negócio, ressaltando a pressa em

receber, tendo em vista a sua iminente nomeação para a Presidência do BRB;

Conforme se extrai do diálogo captado em 21.3.2007, a pretensão de Betinho foi

de fato acolhida (transcrição às fl s. 2.633-2.634);

14) em contrapartida à liberação de tal parcela, paga em duas vezes, no total

de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), o Governador Jackson Lago, por sua

vez, recebeu R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), correspondentes a

8% do valor pago à Gautama, conforme o combinado, valendo-se da colaboração

dos seus sobrinhos Alexandre e Paulo Lago;

15) o estratagema por eles utilizado foi o seguinte: no dia 21 de março, Gil

Jacó e Florêncio Vieira sacaram na Caixa Econômica Federal, Agência Cidadela,

em Salvador, através do Cheque n. 309577-0, conta de titularidade da Gautama,

n. 03557011-3, a importância de R$ 237.000,00 (duzentos e trinta e sete mil

reais), que foram trazidos para Brasília por Florêncio, juntamente com outros

valores sacados no Banco do Brasil, totalizando a importância de R$ 440.000,00

(quatrocentos e quarenta mil reais), e entregues a Fátima no escritório da

Construtora Gautama; de imediato, Fátima Palmeira dirigiu-se para o Hotel

Alvorada, onde se encontrou com Alexandre Lago e Paulo Lago, entregando-

lhes o valor de R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); a entrega do

dinheiro deveria acontecer no escritório da Gautama, tendo sido o local alterado

de última hora, por orientação de Jackson Lago (conforme demonstram diálogos

transcritos às fl s. 2.634-2.637);

16) as Informações Policiais de n. 22/07 e n. 36/07 esclarecem que, naquele

dia 21 de março de 2007, Jackson Lago encontrava-se em Brasília, hospedado

no Apartamento n. 1.001 do Hotel Kubitschek Plaza; muito embora seu nome

não constasse da lista de hóspedes, a autoridade policial obteve a fi lmagem

das câmeras de segurança instaladas no local, aparecendo o Governador nas

dependências do Hotel;

17) outra equipe de policiais, no mesmo dia 21 de março de 2007, seguindo

as orientações da equipe de monitoramento de áudio, deslocou-se até o Hotel

Alvorada, para identifi car e registrar o encontro de Fátima Palmeira, Alexandre

e Paulo Lago; de acordo com a Informação Policial n. 35/2007, Fátima chegou

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ao hotel por volta de 21h40min, carregando uma sacola grande de papel de

cor marrom, encontrando-se com Paulo e Alexandre Lago; após conversarem

longamente, inclusive sobre os pagamentos de faturas e medições, Fátima

deixou com eles a sacola contendo o dinheiro a ser entregue ao Governador; no

dia seguinte, relatou a João Manoel e a Vicente a entrega do dinheiro (diálogo

reproduzido às fl s. 2.638);

18) pelos atos praticados em favor da quadrilha, que possibilitando o

pagamento indevido da quantia antes referida, Ney Bello (“Gordão”) recebeu

R$ 59.248,26 (cinqüenta e nove mil, duzentos e quarenta e oito reais e vinte

e seis centavos), Sebastião (“Baixinho”) R$ 14.818,06 (quatorze mil, oitocentos

e dezoito reais e seis centavos), Santana (“Quantum”) R$ 29.624,13 (vinte e

nove mil, seiscentos e vinte e quatro reais e treze centavos), Eliseu (“Zeus”) R$

29.624,13 (vinte e nove mil, seiscentos e vinte e quatro reais e treze centavos),

Aureliano (“A”) R$ 7.406,03 (sete mil, quatrocentos e seis reais e três centavos),

correspondentes a 2%, 0,5 %,1%, 1%, 0,25%, respectivamente (apenso 48, fl . 48-

49);

19) em seguida, após negociações que envolveram, da mesma forma,

os membros das duas quadrilhas, foi liberado, no dia 2.4.2007, o pagamento

da quantia de R$ 492.000,00 (quatrocentos e noventa e dois mil reais) à

Gautama; no mesmo dia, a quadrilha de Zuleido iniciou as tratativas visando

à continuidade do recebimento de valores por obras supostamente executadas

e independentemente de medição real, mas já pagas, como informa Vicente a

Zuleido em diálogo transcrito às fl s. 2.639-2.640);

20) as dificuldades enfrentadas pela quadrilha de Zuleido para os

recebimentos subseqüentes não residiam especificamente na inexecução

das obras ou na ausência de medições verdadeiras, mas na necessidade de se

fazerem ajustes relativos à dotação orçamentária da Seinfra que permitissem

os pagamentos pretendidos, além da entrega das propinas referentes aos R$

492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro

reais e quarenta e três centavos) que haviam sido liberados no dia 2.4.2007;

para tanto, foram mantidos contatos sucessivos com Alexandre e Paulo, que se

encarregaram de atuar junto ao Governador para que fossem disponibilizadas as

verbas em favor da Gautama (diálogo - fl s. 2.641);

21) ante as difi culdades orçamentárias e a expectativa do não recebimento

por falta de obras concluídas, Hortegal se ofereceu, em troca de propina, para

ajudar a Gautama, atestando mais uma medição fi ctícia; os diálogos entre

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Hortegal e Vicente de fl s. 2.642-2.644 demonstram os caminhos percorridos

pelas quadrilhas no Governo do Estado para o sucesso da fraude; No dia

seguinte, Paulo Lago deu notícia a Fátima acerca da liberação das verbas e

perguntou sobre a propina que lhe havia sido prometida (fl s. 2.644) e a questão

foi solucionada com o desvio para a Gautama de verba prevista no orçamento

para a construção de um aeroporto (fls. 2.644-2.645); tais negociações

resultaram na disponibilização de mais R$ 3.000.000,00 para a Gautama; a

partir daí, iniciaram-se as tratativas com os encarregados da aprovação de mais

uma medição fraudulenta: Hortegal, Sebastião, Eliseu, Santana e o próprio

Secretário Ney Bello;

22) em 9 de abril de 2007, o denunciado José de Ribamar Hortegal solicitou

vantagem indevida a Vicente Coni, no valor R$ 8.000,00, renovando tal pedido

no dia seguinte; considerando que o referido servidor poderia criar empecilhos

aos trâmites das pretensões da quadrilha na Secretaria de Infra-Estrutura,

Zuleido, através de Gil Jacó, providenciou a remessa da importância solicitada,

além de mais R$ 50.000,00 destinados a outros servidores daquela Secretaria

(fl s. 2.645-2.646); em razão da vantagem ilícita prometida e paga no dia 12 de

abril, José de Ribamar Hortegal benefi ciou indevidamente a Gautama com o

reajuste de 20% sobre o valor relativo à 9ª medição (fl s. 2.647);

23) em 13 de abril de 2007, em novo telefonema, Hortegal transmitiu

a Vicente os números relativos ao reajuste da 9ª medição, antes referido:

“medição-R$ 2.631.373,00: Ponte Munin - R$ 1.230.423,00, Ponte Pirapemas

- R$ 300.000,00, Ponte Cururupu - R$ 400.000,00, Ponte Riachão - R$

480.000,00, Ponte Campo Alegre- R$ 140.000,00. Total: R$ 4.881.796,00”,

que acrescido do reajuste de 20% promovido por Hortegal alcançaria a quantia

de R$ 5.858.155,00 (cinco milhões, oitocentos e cinqüenta e oito mil, cento

e cinqüenta e cinco reais); insatisfeito com os números, Vicente Coni pediu

que fosse alterado o valor referente a Cururupu, que deveria ser aumentado

para R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), para fechar a medição em R$

3.000.000,00 (três milhões de reais), “como havia combinado com Ney” (áudio

de 13.4, às 16:32), uma vez que do total pretendido pela quadrilha na 9ª

medição seriam descontados os R$ 3.455.267,00 (três milhões, quatrocentos

e cinqüenta e cinco mil, duzentos e sessenta e sete reais), que foram recebidos

antecipadamente (fls. 2.648); o grupo criminoso, com intensa atuação de

Zuleido e Vicente Coni, pretendia, na realidade, que os valores fossem pagos

independentemente das irregularidades detectadas em cada uma das medições

(fl s. 2.649); a continuidade dos pagamentos pretendidos por Zuleido esbarravam,

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no entanto, no fato de não haver pontes concluídas, apesar de pagas, como se

extrai do seguinte diálogo (fl s. 2.649-2.650); além disso, as vigas das pontes em

construção não correspondiam às especifi cações do projeto, sendo utilizados,

inclusive, materiais pouco resistentes, comprometando a segurança das obras

(fl s. 2.650-2.653); verifi cou-se, no entanto, que o grande entrave para a liberação

dos R$ 2.670.154,00 (dois milhões, seiscentos e setenta mil, cento e cinqüenta

e quatro reais) pretendidos por Zuleido era o pagamento das propinas relativas

aos R$ 492.854,43 (quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e

quatro reais e quarenta e três centavos), prometidas anteriormente;

24) em 19 de abril de 2007, Vicente, Zuleido e Gil providenciaram os

R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) correspondentes ao percentual destinado

ao Governador, que foram levados por Humberto Rios, de Salvador para São

Luís, no dia 20.4.2007; a quantia foi recebida por Vicente no aeroporto daquela

cidade, conforme consta da Informação Policial n. 41/2007; o diálogo entre

Vicente e Telma, sua namorada, na noite daquele dia, não deixa dúvida de que

Humberto entregou o dinheiro a Vicente no aeroporto (fl s. 2.653-2.654); no dia

seguinte, Vicente entregou a propina no apartamento de Alexandre Lago, o que

se constata pela Informação Policial n. 42/2007; no dia 24 de abril, João Manoel

informou a Vicente que o sobrinho do Governador havia dito que estava “tudo

OK” (fl s. 2.654);

25) além da propina paga ao Governador, o documento de fl . 49 do apenso

48 dá conta de que, em razão do pagamento indevido dos R$ 492.854,43

(quatrocentos e noventa e dois mil, oitocentos e cinqüenta e quatro reais e

quarenta e três centavos), foram entregues R$ 9.857,09 (nove mil, oitocentos

e cinqüenta e sete reais e nove centavos) ao Secretário Ney Bello, R$ 2.464,27

(dois mil, quatrocentos e sessenta e quatro reais e vinte e sete centavos) ao

fi scal Sebastião Franco, R$ 4,928,54 (quatro mil, novecentos e vinte e oito reais

e cinqüenta e quatro centavos) ao fi scal Santana, R$ 4,928,54 (quatro mil,

novecentos e vinte e oito reais e cinqüenta e quatro centavos) a Eliseu e R$

1.232,14 (mil, duzentos e trinte a dois reais e quatorze centavos) a Aureliano;

no entanto, mesmo com a entrega das propinas, o pagamento complementar

da medição pretendido por Zuleido não pôde se consumar imediatamente,

porque o prazo do contrato estava expirado; para resolver o problema, Vicente

e Sebastião combinaram uma fraude, que permitiria a prorrogação do contrato

e, por conseqüência, o pagamento da medição; Sebastião manteve contato com

Vicente, orientando-o a retirar “as vinte e seis ordens de serviço dos processos”, que já

haviam sido pagas, e a renumerar as páginas, de modo a viabilizar a prorrogação

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 51

do contrato (fl s. 2.654-2.655); resolvida essa questão e pagas as propinas antes

especifi cadas, no mês de abril, a parcela de R$ 2.670.154,60 (dois milhões,

seiscentos e setenta mil, cento e cinqüenta e quatro reais e sessenta centavos) -

(Notas Fiscais n. 1.062 e n. 1.063), relativa ao complemento e ao reajustamento

da 9ª medição, foi liberada, tendo sido distribuídos R$ 213.612,37 (duzentos e

treze mil, seiscentos e doze reais e trinta e sete centavos) ao Governador Jackson

Lago; R$ 65.142,81 (sessenta e cinco mil, cento e quarenta e dois reais e oitenta

e um centavos) ao Secretário Ney Bello, sendo R$ 53.403,09 (cinqüenta e três

mil, quatrocentos e três reais e nove centavos), correspondente a 2% daquele

valor, mais R$ 11.739,00 (onze mil, setecentos e trinta e nove reais) de parcela

extra; R$ 26.701,54 (vinte e seis mil, setecentos e um reais e cinqüenta e quatro

centavos) ao fi scal Sebastião Franco, que, desta feita, recebeu a importância

correspondente a 1% “em virtude das ordens de serviço que ajudou a resolver”; R$

26.701,54 (vinte e seis mil, setecentos e um reais e cinqüenta e quatro centavos)

a Santana; R$ 26.701,54 (vinte e seis mil, setecentos e um reais e cinqüenta e

quatro centavos) a Eliseu; e R$ 6.675,00 (seis mil, seiscentos e setenta e cinco

reais) a Aureliano;

26) na busca procedida pela Polícia Federal na residência de Sebastião

Franco, em 21.5.2007, foi encontrada, em espécie, a quantia de R$ 735.900,00

(setecentos e trinta e cinco mil e novecentos reais), conforme auto de apreensão

de fl s. 179 a 183, do apenso 48; na residência de José de Ribamar Ribeiro

Hortegal foram encontrados R$ 15.500,00 (quinze mil e quinhentos reais),

constatado pelo auto de apreensão de fl s. 184 a 188, do mesmo apenso; e

27) as quadrilhas pretendiam dar continuidade aos desvios dos recursos

públicos, tanto que, no dia 7 de maio de 2007, por iniciativa do próprio Ney Bello,

foi agendado um encontro entre ele, Vicente e o Secretário de Planejamento

Abdelaziz, a fi m de tratar dos detalhes para a obtenção de recursos federais

oriundos do recém-lançado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),

que seriam destinados para obras em andamento, bem como para projetos

futuros; na ocasião, a Construtora Gautama alugou uma aeronave para levar

Vicente até São Luís, conforme Informação Policial n. 45/2007 (fl s. 2.656);

posteriormente, Vicente Coni relatou a Zuleido o teor da reunião, enfatizando a

necessidade de obter recursos fi nanceiros para o Estado do Maranhão por meio

de Roberto Figueiredo, então Presidente do BRB (fl s. 2.656-2.657).

Conclui o MPF que a função de cada um dos um dos integrantes das

quadrilhas que agiram no Estado do Maranhão é bem delimitada, tendo

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funcionado no período de dois governos, com a prática reiterada de crimes

contra a administração pública, que culminaram com o desvio em favor do

grupo criminoso liderado por Zuleido, de R$ 24.331.917,09 (vinte e quatro

milhões, trezentos e trinta e um mil, novecentos e dezessete reais e nove

centavos), até a data de 25.4.2007, conforme o Laudo n. 1.974/2007 (item VI.I)

do Departamento de Polícia Federal.

Considerando terem os denunciados procedido de modo livre e consciente,

o MPF afi rmou que:

a) José Reinaldo Tavares, Ulisses Cesar Martins de Sousa, Ney de Barros Bello,

Sebastião José Pinheiro Franco, José Ribamar de Santana, José de Ribamar Ribeiro

Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Eliseu Carvalho Passos, Jackson

Kepler Lago, Abdelaziz Aboud Santos, Alexandre Lago, Paulo Lago e Ricardo Lago

estão incursos nas penas do art. 288 do Código Penal;

b) José Reinaldo Tavares, Ulisses Cesar Martins de Sousa, Ney de Barros Bello,

Sebastião José Pinheiro Franco, José Ribamar de Santana, José de Ribamar Ribeiro

Hortegal, Otávio Costa Filho, Aureliano Filho, José Eliseu Carvalho Passos, Jackson

Kepler Lago, Abdelaziz Aboud Santos, Alexandre Lago, Francisco de Paula Lima

Júnior (“Paulo Lago”) e Ricardo Lago, Zuleido Veras, Vicente Vasconcelos Coni,

Geraldo Magela Fernandes da Rocha, Maria de Fátima Palmeira, João Manoel

Soares, Teresa Freire, Gil Jacó Carvalho Santos, Florêncio Brito Vieira, Humberto

Rios e Roberto Figueiredo Guimarães, estão incursos nas penas do art. 312 do

Código Penal;

c) Zuleido Soares Veras (37 vezes), Gil Jacó Carvalho Santos (37 vezes),

Geraldo Magela (8 vezes) e Vicente Coni (2 vezes), Florêncio Vieira (3 vezes),

Maria de Fátima Palmeira, Humberto Rios (2 vezes) e Tereza Freire (2 vezes)

estão incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal;

d) José Reinaldo Tavares (6 vezes), Geraldo Magela Fernandes da Rocha (8

vezes) Ney de Barros Bello (3 vezes), Ulisses César Martins de Souza (4 vezes),

Sebastião José Pinheiro Franco (3 vezes), José Ribamar Hortegal, Aureliano Filho

(3 vezes), José Ribamar Santana (3 vezes), José Eliseu Carvalho Passos (3 vezes),

Jackson Kepler Lago (3 vezes), Alexandre Lago (3 vezes) Francisco de Paula Lima

Júnior (Paulo Lago), Roberto Figueiredo Guimarães, estão incursos nas penas do

art. 317, § 1º, do Código Penal; e

e) José Reinaldo Tavares e Ney de Barros Bello estão incursos nas penas do

art. 299 do Código Penal (inserção de declaração diversa no “Plano de Trabalho”

referente ao convênio para as obras de pavimentação da BR 402).

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 53

DO EVENTO ALAGOAS

Relata o Ministério Público Federal que, em abril de 2006 a empresa

Gautama executava as obras de construção da Barragem de Duas Bocas-

Santa Luzia, no Rio Pratagy, de adutora e sub-adutora de água tratada, bem

como da instalação de proteção de adutora de captação de água bruta, objeto

do Convênio n. 715/2005 (Siaf n. 553.730), celebrado, em 29.12.2005, entre

a União, por intermédio do Ministério da Integração Nacional e o Estado de

Alagoas, no valor total de R$ 77.780.000,00 (setenta e sete milhões, setecentos

e oitenta mil reais), sendo R$ 70.000.000,00 (setenta milhões) oriundos do

Governo Federal e a contrapartida estadual de R$ 7.780.000,00 (sete milhões,

setecentos e oitenta mil reais); o referido convênio foi fi rmado, inicialmente,

para vigência no período de 30.12.2005 a 24.12.2006, sendo prorrogado até

22.12.2007.

A partir da análise dos diálogos monitorados no curso das investigações,

constatou o MPF que:

1) Zuleido Veras mantinha também no Estado de Alagoas um esquema

ilícito para o desvio dos recursos públicos, através de sobrepreço no orçamento, de

superfaturamento das obras contratadas e de pagamentos feitos indevidamente

à Construtora Gautama, na forma de antecipação, com base em medições e

saldos contratuais fi ctícios, além de pagamentos em duplicidade, esquema do

qual participaram os seguintes integrantes da quadrilha por ele liderada: Maria

de Fátima Palmeira, Bolivar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho, Gil Jacó

Santos, Florêncio Vieira e Rosevaldo Pereira Melo (identifi cado por Rose);

2) os servidores Eduardo Henrique Araújo Ferreira (identificado por

“Cheba”), ex-Secretário de Fazenda; Marcio Fidelson Menezes Gomes e Adeilson

Teixeira Bezerra, ex-Secretários de Infra-Estrutura; José Crispim Vieira e

Denisson de Luna Tenório, ex-Diretores de Obras da Secretaria de Infra-

Estrutura, associaram-se de forma estável e permanente para promover o

desvio dos recursos destinados ao pagamento de obras públicas, tendo

efetivamente proporcionado tal desvio em favor da empresa Gautama, mediante

o recebimento de vantagens indevidas; e

3) concorreram, também, para a consumação dos delitos, o atual

Governador do Estado de Alagoas Teotônio Brandão Vilela Filho, à época Senador

da República; o representante daquele Estado em Brasília Enéas de Alencastro

Neto; João Ferro Novaes Neto, Diretor do Centro de Convenções de Alagoas; e,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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o servidor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Ernani Soares

Gomes Filho, hoje cedido à Câmara dos Deputados.

Segundo a denúncia, a participação de cada um dos membros das

quadrilhas foi determinante para a concretização do programa delituoso; a

estabilidade e a permanência das alianças se revelaram efi cientes na perpetração

de vários crimes, que resultaram em verdadeira sangria nos cofres públicos.

Para demonstrar a veracidade de suas alegações, o MPF passa a destacar os

seguintes pontos:

1) o Relatório de Ação de Controle n. 00190.034133/2007-74, elaborado

pela Secretaria de Controle Interno da Controladoria Geral da União, aponta

diversas ilicitudes na liberação das verbas do Convênio n. 715/2005, fi rmado

entre o Ministério da Integração Nacional e o Estado de Alagoas, assim como

na contratação da empresa Gautama para as obras de ampliação do sistema

de abastecimento de água do Rio Pratagy, desde o procedimento licitatório

(Concorrência n. 03/2000-Y3-CPL/AL), até a execução do Contrato n.

14/2001, fi rmado entre aquela empresa e o referido Estado, em 30.3.2001;

2) até 13.5.2008 (data do oferecimento da denúncia) foram liberados pelo

Ministério da Integração Nacional R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais)

para o Estado de Alagoas, com base no referido convênio, por meio das Ordens

Bancárias n. 2006OB900248, de 24.2.2006 e n. 2006OB901333, de 20.7.2006;

3) as liberações foram irregulares porque feitas sem a apresentação do

projeto técnico detalhado e sem o licenciamento ambiental para a execução

das obras de ampliação do sistema de abastecimento de água do Rio Pratagy,

principalmente em relação à construção da Barragem de Duas Bocas;

4) as liberações das duas parcelas de R$ 15.000.000,00 só ocorreram

pela atuação de Ernani Soares Gomes Filho junto aos órgãos competentes do

Ministério da Integração Nacional;

5) Ernani é servidor do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão

desde 1988, ocupando o cargo de analista de planejamento e orçamento, mas

encontra-se cedido à Câmara dos Deputados desde 1997; na década de 80 foi

assessor do então Ministro dos Transportes José Reinaldo Tavares; nos anos 90

foi assessor do ex-Deputado Ricardo Fiúza; em 2006, foi assessor do Deputado

Cleonâncio Fonseca, acusado por envolvimento no “escândalo dos sanguessugas”,

e quando defl agrada a “operação navalha” era assessor do Deputado Federal

Márcio Reinaldo, envolvido no inquérito que apura a prática de crime ambiental

pela construção de uma barragem em córrego que passa pela sua fazenda;

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 55

6) valendo-se do cargo que ocupava e do prestígio que possuía no

Ministério da Integração Nacional, Ernani intermediou as tratativas que

possibilitaram as liberações das verbas pretendidas pela Gautama, mesmo sem

o preenchimento dos requisitos necessários para que isto ocorresse; para tanto,

manteve freqüentes contatos com Zuleido Veras e Maria de Fátima, orientando-

os como proceder para burlar as exigências do Ministério, relativas à licença

ambiental, à adequação do plano de trabalho do convênio para a execução das

obras, à adimplência do Estado e à apresentação do projeto técnico detalhado,

mediante a solicitação de vantagens indevidas (diálogos de fl s. 2.660-2.661);

7) o documento de fl . 57, do apenso n. 45, indica que estava prevista para o

mês de julho de 2006 a entrega da importância de R$ 130.000,00 (cento e trinta

mil reais) à Ernani, o que de fato ocorreu; R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia

12.7.2006 e R$ 30.000,00 (trinta mil reais), no dia 15.7.2006, conforme revela o

diálogo de 13.7.2006, às 12h 05min 08s (fl s. 2.661);

8) recebida a propina, foi liberada a 2ª parcela da verba do convênio, no

montante de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), no dia 20.7.2006,

independentemente do cumprimento integral das exigências pactuadas, como

esclarece o citado relatório da Controladoria Geral da União;

9) Ernani continuou as tratativas visando à liberação das demais parcelas

do convênio, cuja difi culdade residia, principalmente, na ausência do projeto

detalhado para a execução da Barragem de Duas Bocas (fl s. 2.661-2.662);

10) Ernani também empenhou-se junto ao Ministério do Planejamento

para direcionar recursos do orçamento da União para atender aos interesses da

Gautama, como revela diálogo mantido com Maria de Fátima (fl s. 2.663);

11) no diálogo ocorrido no dia 6 de setembro de 2006, Maria de Fátima

diz a um funcionário da Gautama, afi rmando que Denisson lhe “falou muito

claramente que o pessoal não sabe nem se o local da barragem é o local correto e, por isso,

ele não quer liberar a barragem nem a ensecadeira e nem o desvio do rio, porque pode

liberar um serviço que depois não seja”, demonstrando claramente a inexistência de

projeto que justifi casse a liberação de verbas para a obra (fl s. 2.663);

12) para interferir no processo de liberação de verbas do convênio, Ernani

solicitou a Zuleido vantagem indevida, que lhe foi entregue no dia 5.9.2006;

como se verifi ca pelos áudios captados naquela data, Zuleido disse a Ernani para

passar no seu escritório para receber o dinheiro, que estava sendo transportado

por Florêncio de Salvador, o que foi confi rmado por Tereza; o documento de fl .

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58, do apenso 45, confi rma que Ernani recebeu, naquela data, a importância de

R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais) - (diálogo de fl s. 2.663-2.664);

13) a partir da análise do extrato bancário da conta específi ca do convênio

MI n. 715/2005 (Conta Corrente n. 5.711-8, da Agência n. 3.557-2, do BB),

relativo ao período de 16.12.2005 a 27.6.2007, constatou-se que o Governo

do Estado de Alagoas efetuou indevidamente saques no montante de R$

26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais), para fi ns estranhos ao objeto do

convênio, na forma de transferências para a conta única do tesouro estadual

(c/c n. 5011001, da Agência 2.735, da CEF) e para a Conta n. 72.008-9-Sefaz,

Agência 3.557-2, do Banco do Brasil;

14) objetivando a disponibilização das verbas do convênio pela Secretaria

de Fazenda, para que a Secretaria de Infra-Estrutura efetuasse os pagamentos

indevidos pretendidos pela quadrilha, Zuleido, Maria de Fátima e Rosevaldo

mantiveram sucessivas tratativas com o Secretário de Fazenda, “Cheba”; tais

tratativas foram facilitadas pelas ações de João Ferro e do atual Governador do

Estado de Alagoas Teotonio Vilela, que à época era Senador da República, os

quais se empenharam para que “Cheba” atendesse aos interesses de Zuleido, o

que de fato ocorreu;

15) no relatório da CGU antes mencionado consta que a Secretaria

de Fazenda de Alagoas disponibilizou, gradativamente, o montante de R$

27.003.141,41 (vinte e sete milhões, três mil, cento e quarenta e um reais e

quarenta e um centavos) para a conta específi ca do convênio, nas seguintes

datas: em 19.5.2006, R$$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); em 31.5.2006,

R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); em 28.6.2006, R$ 2.500.000,00 (dois

milhões e quinhentos mil reais); em 1º.8.2006, R$ 8.000.000,00 (oito milhões

de reais); em 28.12.2006, R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais); e, em

9.5.2007, R$ 3.503.141,41 (três milhões, quinhentos e três mil, cento e quarenta

e um reais e quarenta e um centavos);

16) a partir da 11ª medição da obra do Pratagy, as datas dos pagamentos

efetuados à Gautama coincidem com as das disponibilizações das verbas pela

Secretaria de Fazenda;

17) coube ao atual Governador do Estado de Alagoas Teotônio Vilela,

então Senador da República, interceder junto ao Secretário de Fazenda

daquele Estado para que as verbas do convênio, depositadas em conta única,

fossem disponibilizadas para a Secretaria de Infra-Estrutura, possibilitando os

pagamentos à Gautama; Tal fato poderia ser considerado apenas como legítima

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 57

tratativa política para viabilizar a conclusão das obras que viriam a favorecer ao

Estado não tivesse o Governador, para tanto, recebido vantagens indevidas de

Zuleido Veras;

18) segundo as agendas apreendidas pela Polícia Federal na sede da

Gautama em Salvador, que integram o “Auto de apreensão complementar e

análise de dados” de fl s. 65, 84, 88, do apenso 45, o Governador, ora identifi cado

por TEL-MCZ, ora por TEO, recebeu de Zuleido Veras as quantias de R$

100.000,00 (cem mil reais), em 5.8.2006, R$ 200.000,00 (duzentos mil reais),

em 22.11.2006 e R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), em 20.12.2006;

19) as informações constantes das “agendas” compatibilizam-se com as

demais provas colhidas no curso das investigações; pelo “Relatório de Ação de

Controle” da CGU verifi ca-se que a Secretaria de Fazenda disponibilizou para

a Seinfra as importâncias de R$ 2.500.000,00 (dois milhões em quinhentos

mil reais), no dia 28.6.2006, R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), no dia

1º.8.2006, e R$ 11.000.000,00 (onze milhões de reais), em 28.12.2006, datas

próximas às das propinas recebidas pelo Governador;

20) os contatos do então Senador Teotônio Vilela com Secretário de

Fazenda de Alagoas, “Cheba”, para atender aos interesses de Zuleido Veras,

foram intermediados por João Ferro, que à época era seu assessor no Senado;

o próprio Governador declarou em Juízo que conhece João Ferro desde a

juventude e que o nomeou Gerente do Centro de Convenções quando assumiu

o Governo do Estado de Alagoas;

21) os diálogos entre João Ferro, Zuleido, Maria de Fátima, Rosevaldo e

Bolivar são esclarecedores no sentido de que agia em nome do então Senador

para favorecer à Gautama e de que suas ações foram efi cientes, pois as verbas

pretendidas foram de fato liberadas logo após as negociações (fl s. 2.665-2.667);

22) em contrapartida, João Ferro também recebeu “propina” de Zuleido

Veras: R$ 30.000,00 (trinta mil reais), no dia 7.5.2006, conforme se verifi ca pelo

documento de fl . 110, do apenso n. 45; e R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), em

10.7.2007, conforme revelam os diálogos entre Zuleido e Florêncio (fl s. 2.667);

23) quando Teotonio assumiu o governo do Estado de Alagoas, nomeou

Eneas de Alencastro Neto como representante do Estado em Brasília; Enéas

é,também, amigo do atual Governador desde a juventude e, juntamente com

João Ferro, foi seu assessor no Senado, como já havia sido também assessor do

seu falecido pai; nessa qualidade intermediou para o Governador as liberações

do saldo do convênio ainda mantido na conta única do Estado, empenhando-se

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para que fossem feitos os pagamentos pretendidos por Zuleido com as verbas já

liberadas no governo anterior, recebendo, para tanto, vantagens indevidas;

24) nos meses de março e abril de 2007 foram feitas várias tratativas entre

Enéas e Zuleido e entre Enéas e Adeilson a propósito do retorno dos recursos

do Convênio do Pratagy e do pagamento da 19ª medição (fl s. 2.667-2.669);

tais diálogos deixam claro o envolvimento do Governador Teotônio Vilela

nas negociações, pois, como se vê das respectivas transcrições, Enéas refere-se

sempre ao seu “chefe”;

25) o relatório da CGU esclarece que, de fato, a Gautama recebeu R$

2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais), através da 2007OB00031,

no dia 4.4.2007, correspondentes a 19ª medição; que no dia 9.5.2007 foi

disponibilizado o saldo restante da conta única do Estado para a do convênio,

no montante de R$ 3.503.141,41 (três milhões, quinhentos e três mil, cento e

quarenta e um reais e quarenta e um centavos); e que no dia 10.5.2007, através

da 2007OB 00050 foram pagos à Gautama mais R$ 565.346,70 (quinhentos

e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta e seis reais e setenta centavos),

relativos ao saldo da 19ª medição;

26) para viabilizar tais liberações Enéas solicitou vantagem indevida a

Zuleido Veras, como se extrai do diálogo interceptado no dia 20.3.2007, às

18h58min3s, em que Tereza informa a Zuleido que Enéas “tá ligando sobre uma

documentação que era pra ter indo ontem”; os diálogos que se sucederam até o dia

23.3.2007 revelam que a chamada “documentação” era, na verdade, a propina;

27) a estratégia para o pagamento da vantagem indevida solicitada por

Enéas foi a seguinte: no dia 23.3.2007 Zuleido viajou para Maceió (Informação

Policial n. 027/2007), levando a importância de R$ 150.000,00 (cento e

cinqüenta mil reais), que lhe foi entregue por Florêncio, no Aeroporto de

Salvador; porém, antes de embarcar, Zuleido recomendou que Enéas avisasse ao

seu “chefe”; assim que chegou a Maceió Zuleido encontrou-se com Enéas no local

conhecido como “casinha amarela”, no Farol, onde lhe foi entregue a propina,

conforme Relatório de Inteligência n. 31/2007, elaborado pela Polícia Federal;

segundo esclareceu o Governador em seu depoimento, a “casinha amarela” é de

propriedade da sua mulher e ali foi instalado o seu escritório político;

28) as diligências policiais antes mencionadas, aliadas às comunicações

telefônicas adiante transcritas, evidenciam que o dinheiro foi providenciado por

Gil Jacó, sacado por Florêncio e entregue por Zuleido a Enéas naquela data e

local (fl s. 2.670-2.671);

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 59

29) extrai-se do relatório da Controladoria Geral da União que, na

execução do contrato fi rmado entre a Gautama e o Estado de Alagoas, em razão

do referido convênio, a Seinfra atestou e pagou despesas no valor total de R$

30.098.683,48 (trinta milhões, noventa e oito mil, seiscentos e oitenta e três

reais e quarenta e oito centavos), sendo R$ 28.531.543,48 (vinte e oito milhões,

quinhentos e trinta e um reais e quarenta e três reais e quarenta e oito centavos)

com recursos federais e R$ 1.567.140,00 com recursos daquele Estado, mediante

a apresentação das medições das obras ali especifi cadas (informações constantes

das planilhas de fl s. 2.671-2.672);

30) as planilhas constantes do relatório da CGU revelam, ainda, que

os pagamentos envolveram, em relação às adutoras: 1) o superfaturamento de

preços dos tubos, peças e conexões hidráulicas utilizadas nas obras das adutoras,

conforme a análise comparativa de preços realizada entre a planilha orçamentária

do plano de trabalho do convênio, os boletins de medições dos serviços e as

notas fi scais de fornecimento dos materiais utilizados na sua execução; 2)

sobrepreço na adequação do plano de trabalho para a interligação da adutora

“Pulmão B” com o reservatório R-1, da ordem de R$ 3.587.930,22 (três milhões,

quinhentos e oitenta e sete mil, novecentos e trinta reais e vinte e dois centavos);

3) acréscimo em torno de 170% nos itens de serviços para a construção das

adutoras; 4) irregularidades na execução da adutora até o reservatório R1, que,

segundo a planilha orçamentária, deveria ser construída com tubulação de ferro

fundido, com diâmetro nominal de 1000mm, na extensão de 2.381m, mas foram

utilizadas tubulações de DN 800mm, DN 700, DN 500, DN 250, nos trechos de

1.320m, 575m, 831m, 70m, respectivamente; 5) irregularidades na construção da

sub-adutora, com extensão aprovada de 401,50m e tubulação de ferro fundido

de DN 400mm, mas executados aproximadamente apenas 100m de extensão,

com tubulação de DN1000mm; 6) divergências entre os boletins de medição e

o plano de trabalho aprovado pelo Ministério da Integração Nacional quanto à

descrição, unidade, quantidade e valor unitário dos ítens de serviços; em relação à

Barragem de Duas Bocas: 1) pagamento antecipado da 18ª medição por serviços

que não foram prestados; 2) acréscimos da ordem de 800% nos itens de serviços

apresentados - 19ª medição; 3) alteração do projeto, com redução dos serviços,

sem o respectivo abatimento no preço da obra - 19ª medição; 4 ) pagamento

do item de serviço “transporte e descarga de material em solo mole para bota-fora”,

correspondente a 5Km, tendo a inspeção in loco constatado que a distância real

para a execução do serviço era de 1Km - 19ª medição; 5) pagamento da 19ª

medição sem que a área técnica competente atestasse a execução dos serviços;

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6) pagamento de transporte de materiais pétreos entre o eixo da barragem e a

pedreira mineradora superior à distância real - 19ª medição;

31) o plano de trabalho inicialmente proposto pelo governo do Estado

de Alagoas, que resultaria, numa primeira etapa, no aumento da capacidade

de produção de água do sistema Pratagy, de uma vazão de 360 l/s para

aproximadamente 1080 l/s, restou totalmente comprometido, uma vez que

a supressão dos serviços e materiais contratados e pagos inviabilizaram o

funcionamento das obras, conforme detalhadamente exposto no mencionado

relatório da Controladoria Geral da União e como revela o diálogo de 28.2.2007,

às 17h22min43s, Zuleido e Abelardo;

32) os valores das medições, assim como ocorreu no Estado do Maranhão,

foram negociados entre os membros da quadrilha de Zuleido, Maria de Fátima

Palmeira, Bolívar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho e Rosevaldo Pereira

Melo, e os servidores públicos do Estado de Alagoas encarregados de avalizar

as medições, liberar as verbas correspondentes e efetivar os pagamentos,

Marcio Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório, Adeilson Teixeira

Bezerra e José Crispim Vieira, tudo mediante o recebimento de propina, como

demonstram os áudios captados no curso das investigações e os documentos

apreendidos;

33) Marcio Fidelson Menezes Gomes e Adeilson Teixeira Bezerra exerceram

o cargo de Secretário de Infra-Estrutura do Estado nos anos de 2006 e 2007,

respectivamente; Denisson de Luna Tenório, ocupou, no ano de 2006, o cargo

de Diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura e, no ano de 2007, passou

a exercer o cargo de Subsecretário daquela pasta; José Crispim Vieira, a partir

de 2007, assumiu o cargo de Diretor de Obras da mesma Secretaria; nessa

qualidade, os referidos servidores contribuíram efetivamente para viabilizar os

pagamentos das medições fraudulentas;

34) para o gerenciamento e a supervisão das obras do Pratagy a Seinfra

contratou a empresa Cohidro - Consultoria Estudos e Projetos S/C Ltda.; as faturas

apresentadas pela Gautama deveriam, porém, passar pelo Serviço de Engenharia

do Estado de Alagoas - Serveal, órgão responsável por emitir os pareceres técnicos

sobre a regularidade na execução da obra; as interceptações telefônicas realizadas

naquela época revelam que, por diversas vezes, os pagamentos pretendidos

pela Gautama foram objeto de questionamento por parte de engenheiros

da Cohidro e da Serveal, mas que os seus interesses acabaram atendidos por

determinação dos Diretores de Obras e dos Secretários de Infra-Estrutura antes

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indicados, tendo Márcio, inclusive, garantido que os processos da Gautama não

passariam mais pelo Serveal, conforme se constata pelos diálogos de 20.6.2006,

às 13h41min3s (fl s. 2.674);

35) os pagamentos relativos aos serviços discriminados na 12ª até a 17ª

medições, pelo Relatório da CGU, não foram executados; no entanto, foram

pagos por Márcio, no período de 3.7.2006 a 28.12.2006, no montante de R$

13.328.743,00 (treze milhões, trezentos e vinte e oito mil, setecentos e quarenta

e três reais), mediante a autorização de Denisson; os pagamentos relativos aos

serviços discriminados nas três etapas da 18ª medição e na 19ª, da mesma forma

não realizados, foram autorizados por Crispim e pagos por Adeilson, no período

de 1º.3.2007 a 10.5.2007, no montante de R$ 6.328.095,00 (seis milhões,

trezentos e vinte e oito mil e noventa e cinco reais);

36) para viabilizar tais pagamentos indevidos, Zuleido, Maria de Fátima,

Bolívar, Abelardo e Rosevaldo mantiveram freqüentes contatos com os referidos

servidores públicos e, também, com “Cheba”, a quem competia, como narrado

anteriormente, disponibilizar as verbas da Secretaria de Fazenda para a

Secretaria de Infra-estrutura;

37) para receber a importância da 12ª medição, Zuleido, ao ser informado

por Bolívar de que a Secretaria da Fazenda teria a verba de R$ 5.000.000,00

(cinco milhões) para outros compromissos, inclusive recolhimento do INSS,

encontrou-se com o Secretário de Fazenda, “Cheba”, em Maceió, no dia

26.6.2006, uma vez que este teria se comprometido com Fátima a repassar

tal verba para pagar à Gautama; em seguida, Zuleido obteve a notícia de que

“Cheba”, conforme o combinado, havia disponibilizado R$ 2.500.000,00 (dois

milhões e quinhentos mil reais) para a Secretaria de Infra-estrutura (Seinfra),

destinados ao pagamento à Gautama, embora a sua pretensão fosse de receber,

por aquela etapa, R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais);

38) na noite de 28.6.2006, o que “Cheba” havia prometido a Zuleido se

confi rmou com o repasse de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil

reais) da Sefaz para a Seinfra; contudo, verifi cou-se a existência de difi culdades

na aprovação da medição, o que impedia o imediato recebimento do dinheiro

pela construtora Gautama; segundo Bolívar, o Subsecretário de Infra-Estrutura

teria se recusado a assinar a medição, uma vez que a Gautama estaria “devendo

um milhão e seiscentos relativos aos tubos e à primeira medição”, ou seja, foram feitos

pagamentos antecipados; a difi culdade enfrentada pela Gautama em conseguir

a aprovação da medição considerada irregular foi contornada por acordo entre

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Zuleido e Márcio, que retirou o processo do então Subsecretário e o repassou

a Denisson Tenório, Diretor de Obras, para que se pronunciasse em favor da

Gautama;

39) no dia 4.7.2006, a construtora recebeu o pagamento da 12ª medição, no

valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), tendo Márcio

mandado empenhar a verba e preparar a Ordem Bancária n. 2006OB00150,

no dia 3.4.2006, e Denisson, no dia seguinte, entregou o parecer favorável

à Gautama (diálogo de fl s. 2.671-2.672); para possibilitar o pagamento da

medição fraudulenta, Márcio e Denisson solicitaram e receberam de Zuleido Veras

vantagens indevidas (diálogos de fl s. 2.676);

40) no dia 7.7.2006, Florêncio Vieira (identifi cado por Foca), funcionário

do setor fi nanceiro da Gautama, foi acionado por Zuleido e orientado a repassar

a quantia de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) a Fátima para ser levada

a Maceió; Florêncio entrou em contato com a Caixa Econômica Federal de

Salvador, agência Cidadela, e com o Banco do Brasil em Salvador, agência da Av.

Tancredo Neves, para levantar a quantia determinada; por volta das 19 horas,

encontrou-se com Cláudio, funcionário da Gautama, no Aeroporto de Brasília

e, juntos, foram à casa de Fátima entregar a “propina”, por eles referida como

“documentação”; no dia 10.7.2006, Fátima viajou a Maceió, levando consigo

a quantia recebida de Florêncio, para pagar a “propina” solicitada por Marcio

e Denisson; o diálogo entre Fátima e Rosevaldo no dia 7.7.2006, esclarece

que Marcio valia-se da amizade que tinha com Rosevaldo para viabilizar o

recebimento de propina através da empresa do amigo (fl s. 2.677); a quadrilha

também pagou passagens aéreas (Maceió-Brasilia-Maceió), em 4.9.2006, para

que Denisson viesse a Brasília defender os interesses da Gautama no Ministério

da Integração Nacional;

41) apesar da mudança de Governo, a partir de fevereiro de 2007, verifi cou-

se a continuidade da prática delitiva por parte das quadrilhas com relação às

obras do Pratagy, agora com a participação de Adeilson Teixeira Bezerra, que

substituiu Marcio Fidelson na Secretária de Infra-Estrutura, Denisson de Luna

Tenório, que passou a ser o Subsecretário de Infra-Estrutura e José Crispim

Vieira, que substituiu Denisson na Diretoria de Obras da Seinfra; para tanto,

Denisson, Crispim e Adeilson mantiveram frequentes contatos com Abelardo

Sampaio, que era o funcionário da Gautama responsável por obter junto à

Secretaria de Infra-Estrutura as liberações dos valores relativos às medições

fraudulentas, mediante o pagamento de propinas aos servidores públicos;

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42) na época em que Márcio era Secretário de Infra-Estrutura e Denisson o

Diretor de Obras, a Seinfra adiantou os pagamentos de serviços não executados,

indicados na 13ª, 14ª, 15ª, 16ª e 17ª medições e, como a quadrilha pretendia que

se prosseguisse com os pagamentos indevidos, no início do ano de 2007 foram

pagas a eles as propinas prometidas por tais liberações, efetuadas no período

de 11.8.2006 a 28.12.2006, no montante de R$ 11.098.746,00 (onze milhões,

noventa e oito mil, setecentos e quarenta e seis reais);

43) da análise do documento de fl . 46, do apenso 45, com das demais

provas constantes dos autos, depreende-se que, pelos adiantamentos, Márcio

recebeu, no dia 16.1.2007, a quantia R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais);

44) Denisson, por sua vez, recebeu de Abelardo, no dia 14.2.2007, no seu

escritório em Maceió, a quantia de R$ 115.000,00 (cento e quinze mil reais),

sacada, por Florêncio, na CEF no dia 12.2.2007; as tratativas para viabilizar

o pagamento da propina a Denisson foram feitas nos dias 13 e 14 de fevereiro

de 2007, por Fátima, Abelardo e Zuleido (diálogo de fl s. 2.678); conforme o

combinado, Fátima encontrou-se com Zuleido naquele dia, às 19h20min, no

Restaurante Albatroz, localizado no Aeroporto de Brasília, oportunidade em

que lhe entregou o dinheiro; a estratégia utilizada para disfarçar a entrega do

dinheiro foi a seguinte: Fátima deixou a sua bolsa vermelha na cadeira do

restaurante; Zuleido apanhou a bolsa, se dirigiu ao banheiro e retirou o dinheiro;

minutos depois retornou, pagou a conta, deixou a bolsa no mesmo lugar e

embarcou para Maceió (Informação Policial n. 003/2007, de 13.2.2007); ao

sair do aeroporto Fátima comunicou-se com Denisson acertando a entrega da

propina (diálogo de fl s. 2.678-2.679); concomitantemente, Zuleido e Fátima,

continuaram a agir no Estado de Alagoas em conjunto com Bolívar, Rosevaldo

e Abelardo, apresentando novas medições fi ctícias, com o propósito indisfarçável

de apropriarem-se de todo o valor do contrato;

45) para atender às pretensões do grupo, Crispim e Adeilson, a pedido de

Abelardo, entabularam sucessivas tratativas com os engenheiros responsáveis

pela fi scalização das obras, pressionando-os para viabilizar a aprovação da 18ª

medição, conforme os áudios captados nos dias 13.2.2007 (16:31:28, 16:34:23,

16:36:24, 18:17:47, 18:55:51), 16.2.2007 (10:11:53, 17:4739), 22.2.2007

(16:41:01), 26.2.2007 (17:21:39, 17:34:17, 17:55:54);

46) o diálogo entre Zuleido e Abelardo, captado no dia 28.2.2007, revela

claramente que até aquela altura e apesar de todo o dinheiro recebido, a

Gautama não havia realizado as obras contratadas, aliás não havia sequer o

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projeto defi nitivo da Barragem de Duas Bocas, portanto, as medições eram

mesmo fraudulentas (fl s. 2.679-2.680); mesmo assim, nos dias 1º e 2.3.2007,

Adeilson determinou o pagamento de mais R$ 3.162.748,05 (três milhões,

cento e sessenta e dois mil, setecentos e quarenta e oito reais e cinco centavos)

à Gautama, mediante as Ordens Bancárias n. 2007OB00005, no valor de

R$ 2.909.728,21 (dois milhões, novecentos e nove mil, setecentos e vinte e

oito reais e vinte e um centavos), n. 2007OB00008, R$ 173.951,14 (cento e

setenta e três mil, novecentos e cinqüenta e um reais e quatorze centavos) e

n. 2007OB00009, R$ 79.068,70 (setenta e nove mil, sessenta e oito reais e

setenta centavos); em contrapartida, Zuleido pagou a Adeilson, em Maceió, a

quantia de R$ 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil reais), no dia 9.3.2007,

quantia esta sacada, por Florêncio, no Banco do Brasil, Agência Jorge Amado,

em Salvador, naquela mesma data, mediante a emissão de dois cheques, um

no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e o outro no valor de R$ 45.000,00

(quarenta e cinco mil reais); para facilitar o embarque de Zuleido com aquela

quantia, Florêncio adquiriu, também, uma passagem para Maceió e dirigiu-se a

sala de embarque do aeroporto de Salvador, onde entregou a Zuleido a maleta

contendo o dinheiro; em seguida, retornou do saguão de embarque e cancelou a

sua passagem;

47) chegando a Maceió, Zuleido dirigiu-se ao Escritório Teixeira & Bezerra,

do qual Adeilson é sócio, localizado na Rua Ranildo Cavalcanti, n. 37, local onde

foi realizada a entrega da propina; tais fatos encontram-se pormenorizadamente

retratados na Informação Policial n. 017/2007 e no diálogo entre entre Zuleido

e Adeilson, naquele mesmo dia (fl s. 2.680);

48) após o pagamento da 18ª medição, o Estado de Alagoas ainda dispunha

de R$ 3.165.346,00 (três milhões, cento e sessenta e cinco mil, trezentos e

quarenta e seis reais) de saldo dos R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais)

repassados pelo Ministério da Integração Nacional em razão do convênio;

assim, prosseguiram-se as negociações para o desvio do saldo em favor da

Gautama, bem como as injunções junto ao Ministério para a liberação dos R$

47.000.000,00 (quarenta e sete milhões), o restante do valor total do convênio

para as obras do Pratagy;

49) para articular a liberação dos R$ 3.165.346,00 (três milhões, cento

e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta e seis reais), Zuleido foi a Maceió

no dia 26.3.2007 e encontrou-se com Adeilson, conforme se extrai do áudio

captado naquele dia às 08:36:36; a partir daquele encontro, Adeilson iniciou as

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tratativas com Crispim e Abelardo, para viabilizar a pretensão de Zuleido de

levantar rapidamente aquela quantia, tendo, inclusive, determinado que fosse

providenciada uma nova medição, no valor total da verba disponível (fl s. 2.681);

no entanto, em razão da resistência da empresa fi scalizadora da obra em avalizar

também aquela 19ª medição, além de não dispor a Seinfra da verba pretendida,

uma vez que parte dela ainda não havia sido disponibilizada pela Sefaz, Adeilson

e Crispim decidiram efetuar o pagamento em duas partes (diálogo de fl s. 2.681-

2.682);

50) então, Abelardo “arrumou” a parte técnica da 19ª medição, entabulando

sucessivas tratativas com Adeilson e Crispim, especialmente em relação à questão

de pré-furos e drenos, que pretendia incluir para fechar aquela parte da medição.

Entretanto, tinham ciência do perigo em serem comprometidos, inclusive

em face da oposição da Cohidro, conforme os áudios dos dias 27.3.2007,

às 10:26:33; e 29.3.2007, às 09:09:16, 12:04:44, 13:30:21, 17:58:14, tendo

Abelardo dito o seguinte: “(...) mas aquela imagem o cara pode chegar e dizer:

venha cá, como é que você fez pré-furo se não tinha material duro aqui, só tinha

lama?”; nesse episódio, detectou-se, também a participação de Enéas Alencastro,

como já anteriormente relatado, valendo-se aqui destacar o diálogo entre ele

e Adeilson, no dia 4.4.2007, às 10:37:27, a propósito do pagamento da 19ª

medição, que dependia ainda da disponibilização da verba da Sefaz para a

Seinfra (fl s. 2.682); após combinar com Enéas, Adeilson acertou com Crispim a

liberação do pagamento da medição, independentemente do posicionamento

dos engenheiros da Cohidro, tendo sido emitida a ordem de pagamento, no

valor de R$ 2.600.000,00 (dois milhões e seiscentos mil reais) - fl s. 2.682-2.683;

51) no dia 4.4.2007, a Gautama recebeu a importância, mediante a Ordem

de Pagamento n. 2007OB00031, emitida no dia anterior, por Adeilson; depois,

tendo Enéas conseguido a transferência do saldo da verba do convênio da Sefaz

para a Seinfra no dia 9.5.2007, Adeilson efetuou o restante do pagamento da

19ª medição, através da Ordem n. 2007OB00050, emitida no dia 10.5.2007, no

valor de R$ 565.346,70 (quinhentos e sessenta e cinco mil, trezentos e quarenta

e seis reais e setenta centavos); e

52) na busca procedida pela Polícia Federal na residência de Márcio

Fildelson, em 17.5.2007, foi encontrada, em espécie, a quantia de R$ 38.402,00

(trinta e oito mil, quatrocentos e dois reais), conforme se verifi ca pelo auto de

apreensão de fl . 378, do apenso 26; na de Denisson Tenório foram encontrados

R$ 227.110,00 (duzentos e vinte e sete mil, cento e dez reais), constatado no

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auto de apreensão de fl . 393; e, na residência de Adeilson, além de R$ 43.370,00

(quarenta e três mil, trezentos e setenta reais) - auto de apreensão de fl . 419 -, foi

encontrado um automóvel marca Toyota, modelo Hilux, SW4,SRY, 4x4, placa

MVK 0704, ano 2007.

Conclui o MPF que a função de cada um dos integrantes da quadrilha com

atuação no Estado de Alagoas é bem delimitada, tendo funcionado no período

de 2006 a 2007, com a fi nalidade preestabelecida da prática reiterada de crimes

contra a administração pública, culminando com o desvio de R$ 30.000.000,00

(trinta milhões de reais).

Considerando terem os denunciados procedido de modo livre e consciente,

o MPF afi rmou que:

a) Teotônio Brandão Vilela Filho, Enéas de Alencastro Neto, João Ferro Novaes

Neto, Ernani Soares Gomes Filho, Eduardo Henrique Araújo Ferreira, Marcio

Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório, José Crispim Vieira e Adeilson

Bezerra estão incursos nas penas do art. 288 do Código Penal;

b) Teotônio Brandão Vilela Filho, Enéas de Alencastro Neto, João Ferro Novaes

Neto, Ernani Soares Gomes Filho, Eduardo Henrique Araújo Ferreira, Marcio

Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório, José Crispim Vieira, Adeilson

Bezerra, Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Tereza Freire Lima, Gil Jacó

Carvalho Santos, Florêncio Vieira, Bolivar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho e

Rosevaldo Pereira Melo, estão incursos nas penas do art. 312 do Código Penal;

c) Zuleido Veras (18 vezes), Maria de Fátima Palmeira (2 vezes), Tereza

Freire Lima (2 vezes), Gil Jacó Carvalho Santos (18 vezes), Florêncio Vieira (8

vezes), Bolivar Ribeiro Saback, Abelardo Lopes Filho e Rosevaldo Pereira Melo,

estão incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal; e

d) Teotônio Brandão Vilela Filho (3 vezes), Enéas de Alencastro Neto (2

vezes), João Ferro Novaes Neto (3 vezes), Ernani Soares Gomes Filho (5 vezes),

Marcio Fidelson Menezes Gomes, Denisson de Luna Tenório (2 vezes), José Crispim

Vieira e Adeilson Bezerra, estão incursos nas penas do art. 317, § 1º, do Código

Penal.

DO EVENTO SERGIPE

Relata o Ministério Público Federal que:

1) a Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso, Sociedade de

Economia Mista, tem como principal acionista o Estado de Sergipe, detentor

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 67

de 99% do capital. Firmou a companhia, com a empresa Gautama o Contrato

n. 110/01, em 27.8.2001, para a execução das obras e serviços de construção

civil e montagens da 2ª Fase, da 2ª Etapa, do Sistema da Adutora do Rio São

Francisco, no valor total, com aditivos, de R$ 128.432.160,59 (cento e vinte e

oito milhões, quatrocentos e trinta e dois mil, cento e sessenta reais e cinqüenta

e nove centavos);

2) os recursos fi nanceiros envolvidos tiveram origem no Convênio n.

200/99, celebrado com o Ministério da Integração Nacional em 30.12.1999, no

valor de R$ 22.550.000,00 (vinte e dois milhões, quinhentos e cinqüenta mil

reais), sendo R$ 20.500.000,00 (vinte milhões e quinhentos mil reais) da União e

R$ 2.050.000,00 (dois milhões e cinqüenta mil reais) de contrapartida estadual;

no Convênio n. 006/05 MI, de 25.10.2005, no valor de R$ 28.685.273,10 (vinte

e oito milhões, seiscentos e oitenta e cinco mil, duzentos e setenta e três reais

e dez centavos), sendo R$ 26.077.521,00 (vinte e seis milhões, setenta e sete

mil, quinhentos e vinte e um reais) da União e R$ 2.607.752,10 (dois milhões,

seiscentos e sete mil, setecentos e cinqüenta e dois reais e dez centavos) de

contrapartida estadual; no Contrato de Financiamento e Repasse n. 156453-

64/03, de 29.12.2003, fi rmado com a CEF, no valor de R$ 94.000.000,00

(noventa e quatro milhões de reais); e em verbas próprias do Estado de Sergipe;

3) pelo contrato foram pagos à Gautama R$ 224.620.790,59 (duzentos

e vinte e quatro milhões, seiscentos e vinte mil, setecentos e noventa reais

e cinqüenta e nove centavos), em razão dos reajustes efetivados, sendo R$

26.661.060,32 (vinte e seis milhões, seiscentos e sessenta e um mil, sessenta reais

e trinta e dois centavos) com base no Convênio n. 200/99 MI; R$ 7.665.844,52

(sete milhões, seiscentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e quarenta e quatro

reais e cinqüenta e dois centavos), com base no Convênio n. 006/05 MI; R$

113.827.509,97 (cento e treze milhões, oitocentos e vinte e sete mil, quinhentos

e nove reais e noventa e sete centavos), mediante fi nanciamento da CEF; e

R$ 76.466.375,78 (setenta e seis milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil,

trezentos e setenta e cinco reais e setenta e oito centavos) com recursos do

Estado de Sergipe;

4) o “Relatório de Ação de Controle” n. 00190.020334/2007-94, elaborado

pela CGU, aponta diversas ilegalidades na Concorrência Pública n. 005/2000-

DT/DESO, resultando no direcionamento do contrato para a Gautama, além

de indicar que grande parte dos recursos públicos federais e estaduais foram

desviados em favor daquela empresa. Segundo a CGU:

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a) o edital da concorrência pública previu o fornecimento de materiais

(tubulações, válvulas, acessórios) e a execução de obras e serviços de engenharia,

caracterizando a antieconomicidade e a restrição da competitividade no certame.

Além disso, o edital previu a incidência do percentual de 35% a título de BDI

(Bonifi cação e Despesas Indiretas) sobre todos os itens cotados, inclusive sobre

o fornecimento dos materiais, cujos itens abrangeram quase 60% do valor total

contratado;

b) a falta de detalhamento de itens nas planilhas orçamentárias elaboradas

pela Enpro, empresa contratada pela Deso para tal fi nalidade, além da ausência

de pesquisas de preços ou de fontes de referências, fatores que também

restringiram o caráter competitivo da licitação, em razão da difi culdade na

apropriação dos reais custos de execução; apesar disso, a Gautama apresentou

planilhas de preços com valores muito próximos aos das planilhas orçamentárias

da Enpro, com a qual Zuleido Veras mantinha estreito relacionamento;

c) a inclusão de outras cláusulas restritivas ao caráter competitivo da

licitação, tais como: preço exorbitante para a aquisição do edital, exigência de

índices econômicos-fi nanceiros não habituais e de difícil consecução e prazo

para a apresentação de garantia que limitou a participação no certame; e de

cláusulas abusivas, consistentes na exigência de comprovação de capacidade

técnica para itens irrelevantes e não representativos para a execução da obra e

na proibição de somatório de quantidades apresentadas em atestados diferentes;

d) das 4 (quatro) empresas participantes do certame apenas a Construtora

Gautama atingiu todos os índices relativos à habilitação técnica exigidos pelo

edital, mas o seu acervo técnico, atestado pela própria Deso, foi baseado na

execução de contrato anterior fi rmado com aquela empresa para a realização dos

serviços da 1ª fase, da 2ª etapa da adutora do São Francisco, no qual também

foram detectadas inúmeras ilegalidades;

e) a análise formal do processo de licitação revela que no edital, no projeto

básico, na planilha do orçamento e nas especifi cações dos itens de serviços

não constam as assinaturas dos responsáveis; e não foram encontrados o

comprovante de publicação do edital no DOU, o parecer da assessoria jurídica

sobre o edital, a minuta do contrato, o comprovante de publicação do resultado

fi nal da licitação, a composição dos preços unitários da proposta da empresa

vencedora referentes aos itens de fornecimento de materiais; e nem a fonte de

pesquisa orçamentária para o embasamento dos preços de tais itens;

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f ) a licitação foi induvidosamente direcionada para favorecer à Gautama e

possibilitar o desvio dos recursos públicos durante a execução do contrato, como

de fato ocorreu;

5) o Contrato n. 110/01, por sua vez, foi fi rmado em bases extremamente

desfavoráveis para a Deso, porque previu preços contratados irreajustáveis pelo

período de 12 meses, mas estabeleceu que o prazo seria contado a partir de

setembro de 2000; como o contrato foi celebrado em agosto de 2001, quando já

decorrido o prazo estabelecido, todos os preços foram, na verdade, reajustados.

Em relação ao mesmo contrato, destaca:

a) a avença deveria vigorar por 42 meses, vencendo em 18.4.2005, mas,

no dia 8 daquele mês, foi fi rmado o 1º termo aditivo, que o prorrogou por 90

dias; o pedido de prorrogação foi feito pelo Engenheiro da Gautama, Ricardo

Magalhães, ao seguinte argumento: “as obras estão em fase de conclusão, mas

constatando que restarão serviços de acabamento e testes que devem ultrapassar esta

data limite, solicitamos ampliação do prazo em mais 90 dias”;

b) inusitadamente, a justifi cativa do Engenheiro fi scal da Deso, Renato

Garcia, para concordar com a prorrogação foi “devido as chuvas, descontinuidade

de recursos fi nanceiros, demora pela Deso da retirada de invasores da faixa de domínio,

alteração de projeto exigida pela fi scalização, e o atual desenvolvimemto da obra,

concordamos com a alteração do prazo por mais 3 meses, fi xando,assim, o novo prazo

em 18.7.2005”;

c) através do 6º Termo de Rerratificação ao contrato, firmado no dia

6.6.2005, alterou-se o prazo fixado no 1º Aditivo, ficando estabelecida a

prorrogação por mais 15 meses, a contar de 19.4.2005, sob a justificativa

de necessidade de execução de outros serviços emergenciais não previstos

inicialmente;

d) a prorrogação venceria, portanto, em julho de 2006; ocorre que, em

26.6.2006, a Deso, atendendo à solicitação da Gautama, tornou a prorrogar o

prazo contratual por mais 90 dias, através do 2º Termo Aditivo; dessa vez o

pedido foi formulado nos seguintes termos: “em virtude dos impedimentos para

execução das obras, especialmente, por chuvas ocorridas durante esses 57 meses de

vigência do Contrato. Nesta oportunidade, informamos que ainda restam 3.100 m de

montagens para a conclusão dos serviços”;

e) em outubro de 2006, celebrou-se o 3º Termo Aditivo ao contrato,

prorrogando-o por mais 60 dias, mediante a justifi cativa da Gautama, aceita

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pela Deso, no sentido de que necessitaria de tempo para “a conclusão da obra,

execução das interligações, realização dos testes e acompanhamento da operação da

linha por um período”; e

f ) as essas prorrogações de prazo visaram, na verdade, viabilizar a execução

de serviços diversos daqueles inicialmente licitados e com as mesmas bases de

preços superfaturados, incidindo, ainda, os altos índices de correção do valor do

contrato original.

Segundo o MPF, desde o início do contrato foram efetivadas signifi cativas

modificações nas planilhas licitadas, tanto em relação ao fornecimento de

materiais, quanto ao dimensionamento dos serviços contratados, objeto de

rerratifi cações, sempre vantajosas para a Gautama, apontando o relatório da

Controladoria-Geral da União aponta que:

a) a medição dos tubos de aço, diâmetro nominal de 1.000mm e espessura

5/16”, foi de 11.197m, mas as notas fiscais de aquisição totalizam apenas

9.020,98m, constatando-se, ainda, que o preço unitário medido e pago por esses

tubos foi 2,347 vezes maior do que o preço de aquisição pela Gautama;

b) a medição dos tubos de aço, diâmetro nominal de 1.200mm e espessura

9/32”, foi de 39.021,500m, mas as notas fi scais de aquisição totalizam apenas

36.700,457m, além do que o preço unitário medido e pago por esses tubos foi

2,131 vezes maior do que o preço de aquisição pela Gautama;

c) a medição relativa aos tubos de aço, diâmetro nominal de 1.200mm e

espessura 11/32”, foi de 2.400m, enquanto as notas fi scais de aquisição registram

apenas 1.700,34m, além do que o preço unitário medido e pago foi 2,370 vezes

maior do que o preço de aquisição pela Gautama;

d) os preços superfaturados dos tubos, no montante de R$ 68.216.764,44

(sessenta e oito milhões, duzentos e dezesseis mil, setecentos e sessenta e quatro

reais e quarenta e quatro centavos), foram pagos antes mesmo da Gautama tê-

los adquirido, incidindo, ainda, sobre esses valores os reajustes contratuais, de

modo que, pelo fornecimento dos três tipos de tubos, foram pagos à Gautama

o total de R$ 137.232.501,96 (cento e trinta e sete milhões, duzentos e trinta

e dois mil, quinhentos e um reais e noventa e seis centavos), dos quais R$

69.015.727,52 (sessenta e nove milhões, quinze mil, setecentos e vinte e sete

reais e cinqüenta e dois centavos) correspondentes a reajustes indevidos;

e) a primeira alteração contratual foi feita em outubro de 2002, pelo 1º

Termo de rerratifi cação, para alterar os critérios de medição l, retirando-se

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 71

fatores inerentes a “empolamento” de materiais, sem, contudo, haver alteração do

valor do contrato;

f ) para as obras do trecho “Gravidade II” de duplicação da adutora estavam

previstos no contrato o fornecimento e serviços com tubos de ferro fundido, mas,

através do 2º termo de rerratifi cação, de 25.9.2003, foi feita a substituição de tais

tubos por aço carbonado, sem considerar que uma das exigências do edital de

licitação era a capacidade técnica para assentamento de tubulações em ferro

fundido, o que redundou na desclassifi cação das demais concorrentes; alterou-

se, também, a metodologia construtiva, com a substituição das travessias sub-

aquáticas para aéreas, reduzindo-se o valor do contrato de R$ 107.458.567,58

(cento e sete milhões, quatrocentos e cinqüenta e oito mil, quinhentos e sessenta

e sete reais e cinqüenta e oito centavos) para R$ 103.064.249,67 (cento e três

milhões, sessenta e quatro mil, duzentos e quarenta e nove reais e sessenta

e sete centavos); apesar disso, a nova planilha manteve os preços unitários

originalmente estimados, portanto, superfaturados;

g) em maio de 2004, como o Tribunal de Contas da União havia

condicionado a “continuidade da execução do Contrato n. 110/01 à celebração de

termo aditivo no qual se preveja que as futuras alterações contratuais em que constem

acréscimos de quantitativos devam tomar como base os preços de mercado, tomando

como parâmetro os elementos comprobatórios dos custos efetivamente despendidos

pela construtora na aquisição de produtos”, foram fi rmados o 3º e o 4º Termos de

Rerratifi cação; o 3º, no dia 3.5.2004, alterando novamente a planilha de preços

do projeto executivo, para remanejamento de quantidade de serviços; e o 4º,

no dia 31 daquele mesmo mês, para proceder à revisão dos preços inicialmente

contratados, consignando-se, no entanto, que seria assegurado o “equilíbrio

econômico fi nanceiro do contrato”, ou seja, manteve-se tudo como antes;

h) no dia 8.3.2005 o 5º Termo de Rerratifi cação foi fi rmado, também sob

a justifi cativa de adequação da planilha do projeto executivo, passando o valor

global do contrato de R$ 103.064.249,67 (cento e três milhões, sessenta e

quatro mil, duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e sete centavos) para R$

105.136.916,44 (cento e cinco milhões, cento e trinta e seis mil, novecentos e

dezesseis reais e quarenta e quatro centavos);

i) no dia 6.6.2005, celebrou-se o 6º Termo de Rerratifi cação, alterando o

seu valor global de R$ 105.136.916,44 (cento e cinco milhões, cento e trinta

e seis mil, novecentos e dezesseis reais e quarenta e quatro centavos) para R$

128.432.160,59 (cento e vinte e oito milhões, quatrocentos e trinta e dois mil,

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cento e sessenta reais e cinqüenta e nove centavos), sob a justifi cava de que

se tratava de acréscimo de obra emergencial, porque durante as operações de

interligação entre as unidades construídas naquela fase e as construídas há mais

de 25 anos, na 1ª etapa da adutora, verifi cou-se uma série de vazamentos que

comprometia todo o sistema; tal fato era, no entanto, previsível, como afi rmou

o próprio Diretor-Técnico da Deso no relatório que embasou a alteração

contratual; mesmo assim, não se procedeu à época da concorrência um estudo

adequado para a inclusão de tais serviços naquele procedimento licitatório ou

para a contratação de um outro projeto, através de licitação específi ca;

j) o Contrato n. 110/01 previa a duplicação de 42.585m da adutora;

pelos boletins de medição, até o mês de maio de 2005, já havia sido assentados

42.570,95m de tubulação, ou seja, 99,99% da obra contratada, porém as

medições continuaram a ser fraudulentamente apresentadas e pagas, totalizando

52.867,50m de tubulação, quando as notas fi scais revelam a aquisição pela

Gautama de apenas 47.698,67m de tubos;

k) o cálculo das medições relativas aos serviços de escavações são

incompatíveis com os dados das sondagens realizadas ao longo do eixo da

adutora, conforme o que consta do volume VI, do “Relatório Final do Projeto

Executivo de Complementação da 2ª Etapa da Adutora do São Francisco”, o

que redundou em pagamento superior ao devido por tais serviços;

l) não foi designada equipe de campo para o acompanhamento dos serviços

e verifi cação dos quantitativos efetivamente executados, inexistindo, portanto,

relatórios de fi scalização, registros fotográfi cos ou sequer os diários de obra;

m) os valores das medições foram apresentados e pagos na medida em que

as verbas públicas destinadas à ampliação da adutora do São Francisco foram

disponibilizadas para a Deso, independentemente da quantidade e da qualidade

dos serviços realizados;

n) as tabelas constantes do referido “Relatório de Ação de Controle” da

CGU, demonstram que, do total de R$ 224.620.790,59 (duzentos e vinte e

quatro milhões, seiscentos e vinte mil, setecentos e noventa reais e cinqüenta

e nove centavos) pagos pela Deso à Gautama, dos quais R$ 97.713.337,93

(noventa e sete milhões, setecentos e treze mil, trezentos e trinta e sete reais

e noventa e três centavos) correspondem aos reajustes, foram desviados R$

178.708.458,81 (cento e setenta e oito milhões, setecentos e oito mil, quatrocentos e

cinqüenta e oito reais e oitenta e um centavos) em favor da empresa;

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 73

o) a análise feita pela CGU do resumo da contabilidade relativa ao

Contrato n. n. 110/01, constante da planilha eletrônica apreendida pela Polícia

Federal, intitulada “PS Final Aditivo Gil”, revela que dos custos indiretos do

contrato, correspondentes a 59% do seu valor, 37% referem-se a “despesas extras”,

envolvendo o pagamento a “parceiros” e “TDO”, nos percentuais variáveis de

10,4% a 12% e de 20,78 a 22,7, respectivamente, sobre o total faturado.

Afi rma o MPF que os áudios captados no curso das investigações, aliados

às declarações de alguns dos denunciados em juízo, no sentido de que “TDO”

significava a “transferência de dinheiro para pagamento de obras” não se

sustenta. Conforme as anotações constantes dos documentos apreendidos, a

“TDO” era calculada sobre o montante das medições recebidas, demonstrando

que as despesas extras eram, na verdade, as propinas.

Sustenta que os diálogos monitorados, notadamente nos períodos de abril

a setembro de 2006 e fevereiro a maio de 2007, mostram que, para alcançar seus

objetivos ilícitos, Zuleido Veras manteve no Estado de Sergipe um esquema do

qual participaram os seguintes integrantes da sua quadrilha: Maria de Fátima

Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva, Gil Jacó, Florêncio Vieira e Humberto

Rios.

Alega que o ex-Governador daquele Estado João Alves Filho; o ex-

Secretário da Casa Civil e atual Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado,

Flávio Conceição de Oliveira Neto; o ex- Secretário de Fazenda, Max José

Vasconcelos de Andrade; o ex-Presidente da Deso e ex-Secretário de Fazenda

Gilmar de Melo Mendes; o ex-Presidente da Deso Victor Fonseca Mandarino;

os ex-Diretores-técnicos da Deso Roberto Leite e Kleber Curvelo Fontes; o

sócio-administrador da Enpro Sergio Duarte Leite; o engenheiro fi scal da obra

Renato Conde Garcia; o ex-Deputado Federal e ex-Secretário de Administração,

José Ivan de Carvalho Paixão; e João Alves Neto, fi lho do então Governador

do Estado João Alves Filho, associaram-se de forma estável e permanente para

promover o desvio dos recursos públicos destinados ao pagamento das obras de

ampliação da adutora do Rio São Francisco, tendo efetivamente proporcionado

tal desvio em favor da empresa Gautama, mediante o recebimento de vantagens

indevidas.

Segundo a denúncia, a participação de cada um dos membros das

quadrilhas foi determinante para a concretização do programa delituoso; a

estabilidade e a permanência das alianças se revelaram efi cientes na perpetração

de vários crimes, que resultaram em verdadeira sangria nos cofres públicos.

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Para delimitar as condutas de cada denunciado, destaca o MPF:

1) apesar de todas as irregularidades anteriormente relatadas, a

Concorrência Pública n. 005/2000 foi homologada pelo então Presidente da

Deso Gilmar, a quem coube, também, celebrar com a Gautama o Contrato

n. 110/01; para a execução do contrato, não designou, no entanto, equipe de

fi scalização adequada para a avaliação qualitativa e quantitativa dos serviços

contratados, ordenando os pagamentos das medições irregulares e dos reajustes

indevidos à Gautama, até ser substituído na Presidência daquela empresa

por Vitor Mandarino, no início do Governo de João Alves Filho, em 2003;

posteriormente, nos anos de 2005 e 2006, Gilmar exerceu o cargo de Secretário

de Fazenda do Estado de Sergipe e, nessa qualidade, também contribuiu para o

desvio de recursos públicos em favor da Gautama;

2) na época em que Gilmar era o presidente da Deso, Roberto Leite

exercia o cargo de Diretor-Técnico da empresa, cabendo-lhe zelar pela

regularidade do processo de licitação, da execução do contrato e da fi scalização

da obra; no entanto, aliado a Gilmar para favorecer à Gautama, participou ativa

e determinantemente das decisões na fraudulenta Concorrência Pública n.

005/2000, desde a formulação do edital, concorrendo para o direcionamento das

obras para a empresa de Zuleido e, posteriormente, para o desvio dos recursos

públicos; foi ele quem aprovou o orçamento da obra formulado pela Enpro,

sem verifi car a pertinência da estimativa de custos, o relatório de análise das

propostas, o relatório técnico de análise da documentação, as planilhas de preços

superfaturados apresentadas pela Gautama, a incidência indevida do percentual

de 35% a título de BDI sobre o fornecimento dos materiais e as medições

irregulares daquele período;

3) quando João Alves Filho assumiu o governo do Estado, com as obras já

em andamento, havia repasse de R$ 20.550.000,00 (vinte milhões, quinhentos

e cinqüenta mil reais) pelo Ministério da Integração Nacional, em razão do

Convênio n. 200/99, através das Ordens Bancárias n. 00360, de 15.2.2000, no

valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), n. 002335, de 13.12.2001, no

valor de R$ 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais), e n. 001704,

de 1º.7.2002, no valor de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais);

4) como o contrato firmado entre a Gautama e a Deso era de R$

126.907.452,67 (cento e vinte e seis milhões, novecentos e sete mil, quatrocentos

e cinqüenta e dois reais e sessenta e sete centavos), o ex-Governador empenhou-

se para conseguir o restante dos recursos; assim, buscou fi nanciamento junto

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à Caixa Econômica Federal em outros estabelecimentos bancários, além de

ter fi rmado novo convênio com o Ministério da Integração Nacional, o de n.

006/05, do qual só foram liberados R$ 6.800.001,00 (seis milhões, oitocentos

mil e um reais);

5) tais condutas poderiam ser consideradas como decorrentes da legítima

atividade governamental, pois a obra contratada era de inegável interesse

público, não tivesse o ex-Governador, através do seu próprio fi lho, João Alves

Neto, negociado com Zuleido Veras vantagens indevidas em troca de obtenção

de verbas e autorizar as liberações dos recursos para que a Deso efetuasse os

pagamentos das medições fraudulentas pretendidas pela Gautama a partir de

janeiro de 2003;

6) as provas constantes dos autos demonstram que o ex-Governador,

que era candidato à reeleição no ano de 2006, necessitava de dinheiro para

a campanha eleitoral, valendo-se, para isso, das “propinas” pagas por Zuleido

Veras; João Alves Neto, encarregado de angariar recursos para a campanha

política do pai, participou intensamente das negociações de empréstimos

junto às instituições fi nanceiras e das liberações de verbas para que os agentes

públicos efetuassem os pagamentos à Zuleido, com o qual manteve freqüentes

contatos, tendo, por diversas vezes, dele recebido vantagens pecuniárias, pelas

intermediações que possibilitaram à Gautama o recebimento indevido de altos

valores dos cofres públicos;

7) além de João Alves Neto, o ex-Governador contou com o auxílio de

Flávio Conceição de Oliveira Neto, à época Secretário da Casa Civil; de Max

José Vasconcelos de Andrade, Secretário de Fazenda nos anos de 2003 e 2004; de

Gilmar de Melo Mendes, Secretário de Fazenda nos anos de 2005 e 2006; e, de

Victor Fonseca Mandarino, Presidente da Deso nos anos de 2003 a 2006;

8) contou, ainda, com a colaboração do ex-Deputado Federal Ivan Paixão,

que havia sido Secretário de Administração no seu governo, o qual se empenhou

para a liberação da verba de R$ 6.800.001,00 (seis milhões, oitocentos mil e um

reais) pelo Ministério da Integração Nacional, relativa ao Convênio n. 006/05,

o que ocorreu em 29.12.2005, através da Ordem Bancária n. 902420; aliás, no

depoimento prestado neste inquérito, Ivan declarou ser suplente de Deputado

Federal, sendo nomeado Secretário de Estado para possibilitar a ida de Ivan

para o Congresso, com a missão específi ca de solucionar as pendências que

impediam a liberação das verbas federais para o Estado de Sergipe; apurou-se

que a conduta do ex-Deputado também não decorreu da sua atividade política,

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mas dos entendimentos mantidos com Zuleido, de quem solicitou e recebeu

reiteradamente vantagens indevidas; conforme se extrai do diálogo captado

no dia 4.7.2006, às 10h27min25s (fl s. 2.692), Zuleido prometeu propina a

Ivan Paixão, pagando-lhe R$ 240.000,00, (duzentos e quarenta mil reais) no

dia 2.8.2006, conforme demonstra o documento de fl . 60, do apenso n. 45,

constante do auto de busca e apreensão lavrado pela Polícia Federal; além disso,

a seqüência dos diálogos dos dias 2, 5, 6 e 8 de setembro de 2006, comprova que

do montante das propinas enviadas para Aracaju, no dia 6.9.2006, R$ 50.000,00

(cinqüenta mil reais), foram entregues a Ivan Paixão;

9) a articulação para o pagamento da propina foi feita entre Zuleido Veras

e Flávio Conceição. Zuleido determinou a Gil Jacó adotasse providências para

obter o dinheiro e a Humberto Rios o transporte; em Aracaju, os valores foram

entregues a Petu, motorista de Flávio, conhecido como “Anjo Negro” (diálogo de

fl s. 2.692-2.693);

10) Flávio Conceição participou da atividade criminosa como elo de ligação

entre o governo do Estado e Zuleido Veras; conforme depoimento prestado

no presente inquérito, uma das suas funções como Chefe da Casa Civil era

a de “assessorar o Governador em relação à distribuição das verbas destinadas às

diversas obras realizadas (...) que a sua função era apontar para o Governador, pelas

prioridades, por ele traçadas, as verbas que deveriam ser endereçadas a cada obra (...),

que só fazia acompanhar as decisões tomadas pelo Governador, que era quem decidia

(...)”; nessa condição, intermediou os interesses de Zuleido naquele Estado,

mantendo inúmeras tratativas com o fi lho do Governador, com os Secretários

de Estado Max e Gilmar, e com o Presidente da Deso Vitor Mandarino,

possibilitando a liberação dos recursos públicos e o pagamento das medições

irregulares à Gautama;

11) os diálogos captados no curso das investigações demonstram que

Flávio Conceição teve destacada atuação no evento criminoso, intervindo

sempre, quando necessário, para remover os óbices aos objetivos de Zuleido.

Flávio era homem da inteira confiança do Governador João Alves, sendo

nomeado Secretário da Casa Civil e, no fi nal do seu governo, Conselheiro

do TCE. Era também ligado a Zuleido Veras, envolvendo-se nos negócios da

Gautama inclusive em outros Estados da Federação; atuou intensamente no ano

eleitoral de 2006, para liberação de vultosos pagamentos para a Gautama, tendo,

em contrapartida, solicitado e recebido, por diversas vezes, vantagens indevidas,

para si e para os demais agentes públicos envolvidos; em 2007, quando já

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investido no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe,

continuou representando os interesses da Gautama, intermediando pagamentos

da obra da adutora do São Francisco, intercedendo junto ao novo governo para a

liberação das verbas, mediante o recebimento regular de propinas;

12) Max e Gilmar, como Secretários de Fazenda, garantiram os repasses

dos recursos, tanto os dos convênios fi rmados com o Ministério da Integração

Nacional quanto os do próprio Estado de Sergipe, para que a Deso efetuasse os

pagamentos à Gautama, pelo que também receberam vantagens indevidas de

Zuleido Veras; como as fi nanças do Estado de Sergipe não eram sufi cientes para

atender aos interesses de Zuleido, Gilmar também prestou a sua colaboração

para conseguir junto às instituições bancárias os empréstimos pretendidos pelo

ex-Governador; Max, referido como “careca”, por sua vez, exerceu também

a função de coordenador fi nanceiro da campanha de João Alves em 2006,

tendo assinado a prestação de contas remetida ao TRE; as interceptações

telefônicas dão conta de que, naquele ano, foi Max quem recebeu, pelo menos

por duas vezes, pessoalmente, as propinas dadas por Zuleido Veras em razão

dos pagamentos feitos pela Deso, que lhes foram entregues por Florêncio, no

Aeroporto de Aracaju, no dia 8.8.2006, e, por Humberto Rios, no Hotel Jatobá,

no dia 30.8.2006;

13) Vitor Mandarino, como Presidente da Deso, a partir janeiro de 2003,

fi rmou os termos aditivos relativos às prorrogações do contrato, assim como

as alterações contratuais, além de ordenar todas as despesas que favoreceram

à Gautama, sem adotar as medidas necessárias para a verificação da sua

pertinência, não designando sequer equipe de campo para o acompanhamento

das obras e verifi cação dos quantitativos executados; para isso, contou com a

colaboração de Kleber Curvello Fontes, à época Diretor-Técnico da Deso, e de

Renato Garcia, engenheiro fi scal da obra;

14) coube a Kleber Curvello autorizar as prorrogações de prazo do contrato

e as alterações contratuais que favoreceram à Gautama, inclusive o 6º Termo

de Rerratifi cação, que majorou o contrato em mais de R$ 20.000.000,00 (vinte

milhões de reais), conforme anteriormente descrito; além disso, anuiu com os

pagamentos superfaturados e com as medições irregulares, ciente da inexistência

dos diários de obra e de equipe para a verifi cação dos quantitativos efetivamente

executados;

15) Renato Garcia, na qualidade de engenheiro fi scal da obra, concordou

com os pedidos de prorrogação de prazo e de alterações contratuais formulados

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pela Gautama, atestou as medições fraudulentas, inclusive as relativas aos

fornecimentos dos tubos, além dos cálculos de reajustes, tendo sido o fi scal da

obra desde o início do contrato, atestando as medições desde aquela época, sem

providenciar os relatórios de fi scalização, o material fotográfi co ou sequer os

diários de obras; por outro lado, tinha pleno conhecimento de que no processo

licitatório havia sido especifi cado o assentamento de tubulação de ferro fundido,

e que tal fato havia motivado a desclassifi cação de todas as demais concorrentes,

mesmo assim, elaborou parecer técnico para justifi car a substituição de tal

tubulação por aço carbonado, dando ensejo ao 2º Termo de Rerratifi cação

anteriormente referido; da mesma forma, como engenheiro do “Projeto da

Adutora do São Francisco”, tinha o dever de fi scalizar as condições do local

das obras propostas para a 2ª fase, da 2ª etapa, e apontar as defi ciências da

tubulação antiga, que viabilizariam a continuidade dos trabalhos no momento

das interligações das tubulações; no entanto, quedou-se inerte e participou da

celebração do 6º Termo de Rerratifi cação do contrato, fi rmado a título de obra

emergencial, nas mesmas bases superfaturadas do contrato original;

16) Sergio Leite, na qualidade de sócio-administrador da Enpro-

Engenharia de Projetos e Obras Ltda., prestou serviços à Deso, elaborando o

orçamento da obra, que embasou a concorrência pública e, depois, à Gautama,

confeccionando o “projeto executivo”, que alterou signifi cativamente as planilhas

originais; Sergio era amigo de Gilmar e, por isso, a sua empresa foi contratada

pela Deso para elaborar as planilhas de custos da obra, na época em que

Gilmar era o Presidente da empresa; como apurou a CGU, tais planilhas foram

elaboradas de forma a restringir o caráter competitivo da licitação, pela ausência

de detalhamento dos serviços propostos, além de dar margem a manipulações

e alterações posteriores; por outro lado, Sergio mantinha freqüentes contatos

com Zuleido, o que possibilitou à Gautama a apresentação de proposta na

concorrência pública com preços muito próximos daqueles orçados pela Enpro;

posteriormente, a Gautama contratou a própria empresa de Sérgio para elaborar

o projeto executivo da obra e as suas modifi cações, alterando substancialmente

as planilhas de preços originalmente formuladas pela própria Enpro, assim

como as quantidades e especifi cações de serviços e materiais, e a metodologia

construtiva.

As tratativas entre Sergio e Gilmar, para favorecer Zuleido Veras,

prosseguiram mesmo depois do afastamento de Gilmar da Presidência da Deso

e da nomeação para a Secretaria de Fazenda do Estado de Sergipe; na fase da

execução do contrato, Sergio acompanhava junto a Gilmar as operações relativas

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 79

aos empréstimos bancários e prestava informações a Zuleido e a Flávio Conceição,

inclusive sobre os procedimentos da Deso, dos quais tinha conhecimento através

da sua mulher, que trabalhava na superintendência comercial daquela empresa.

O representante da Gautama e responsável pelo andamento das obras

da adutora no Estado de Sergipe era o Engenheiro Ricardo Magalhães

da Silva; nessa qualidade, manteve freqüentes contatos com os agentes da

Deso, apresentando os boletins das medições fraudulentas, acompanhando

as disponibilidades dos recursos e as liberações dos pagamentos indevidos

pretendidos por Zuleido; subscreveu, ainda, os pedidos das prorrogações de

prazos do contrato e das alterações contratuais, apresentando justifi cativas que

não correspondiam à realidade dos fatos, além de acompanhar junto a Sergio

Leite a formulação dos respectivos termos.

De fato, era Sergio quem preparava os termos aditivos ao contrato, fi rmados

entre a Deso e a Gautama, bem como as alterações das planilhas de preços,

como revela o seguinte diálogo entre Zuleido e Ricardo, no dia 28.6.2006, às

13h34min00s (fl s. 2.696);

17) consta do anexo II, do Relatório de Ação e Controle da Controladoria

Geral da União, que a Deso pagou à Gautama, nos dias 19 e 22 de agosto de

2005, a importância total de R$ 4.998.672,75 (quatro milhões, novecentos e

noventa e oito mil, seiscentos e setenta e dois reais e setenta e cinco centavos);

pelas intermediações que possibilitaram tais pagamentos, Flávio Conceição

recebeu de Zuleido, no dia 30.9.2005, a importância de R$ 100.000,00 (cem mil

reais), conforme se verifi ca pelo documento de fl . 40, do apenso 45, apreendido

pela Polícia Federal na sede da Gautama em Salvador;

18) nos dias 11, 19 e 21 de outubro de 2005 foram pagos em razão do

contrato em questão o valor total de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);

pela liberação dos recursos que permitiram a Deso efetuar esses pagamentos,

João Alves Neto recebeu de Zuleido, na Construtora Habitacional, empresa por

ele dirigida, R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia 14.10.2005, R$ 100.000,00

(cem mil reais), no dia 20.10.2005, e R$ 100.000,00 (cem mil reais), no dia

10.11.2005, como se constata à fl . 42, do apenso 45;

19) nos dias 15 e 26 dezembro de 2005, a Gautama recebeu da Deso a

importância de R$ 7.995.167,70 (sete milhões, novecentos e noventa e cinco

mil, cento e sessenta e sete reais e setenta centavos), mediante onze ordens de

saques; nos dias 1º e 15 de fevereiro de 2006 recebeu mais R$ 4.156.599,50

(quatro milhões, cento e cinqüenta e seis mil, quinhentos e noventa e nove

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reais e cinqüenta centavos), através de quatro documentos de créditos e de duas

ordens de saques, ou seja, em apenas dois meses foram pagos R$ 12.151.761,20

(doze milhões, cento e cinqüenta e um mil, setecentos e sessenta e um reais e

vinte centavos); por tais pagamentos, Zuleido encaminhou a Aracaju, no dia

16 de janeiro, R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) a título de propinas para os

membros da quadrilha (apenso 45, fl . 46). Pagou, ainda, à Flávio Conceição R$

250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) no dia 8.2.2006; R$ 250.000,00

(duzentos e cinqüenta mil reais) no dia 9.2.2006; e mais R$ 250.000,00

(duzentos e cinqüenta mil reais) no dia 13.2.2006, além de R$ 50.000,00

(cinqüenta mil reais) ao pessoal da Deso naquele mesmo dia (fl . 47, apenso 45)

e mais R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 14.2.2006 (fl . 48, apenso 45);

20) nos dias 2, 13, 14 e 27 de março de 2006 a Deso pagou à Gautama,

através de seis ordens de saque e de dois documentos de créditos, a importância

total de R$ 4.696.280,50 (quatro milhões, seiscentos e noventa e seis mil,

duzentos e oitenta reais e cinqüenta centavos); nos dias 7, 11 e 26 de abril

daquele ano foram liberadas três ordens de saque e dois documentos de créditos,

no total de R$ 3.498.916,83 (três milhões, quatrocentos e noventa e oito mil,

novecentos e dezesseis reais e oitenta e três centavos); em razão das liberações,

Zuleido Veras pagou a Flávio Conceição, no dia 8.3.2006, a importância de

R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), no dia 10.3.2006 mais R$ 200.000,00

(duzentos mil reais), no dia 10.4.2004 R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais),

e, no dia 2.5.2006 R$ 276.000,00 (duzentos e setenta e seis mil reais), além de

ter distribuído R$ 100.000,00 (cem mil reais) entre o pessoal da Deso, no dia

10.4.2006, conforme consta às fl s. 48, 50 e 53, do apenso 45;

21) no mês de maio de 2006, a Deso pagou à Gautama a importância

de R$ 1.829.716,22 (um milhão, oitocentos e vinte e nove mil, setecentos e

dezesseis reais e vinte e dois centavos), através de documentos de créditos, nos

valores de R$ 494.880,25 (quatrocentos e noventa e quatro mil, oitocentos e

oitenta reais e vinte e cinco centavos) e R$ 334.835,98 (trezentos e trinta e

quatro mil, oitocentos e trinta e cinco reais e noventa e oito centavos) no dia

10; e de ordem de saque, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) no

dia 25 daquele mês; tais pagamentos foram negociados entre Zuleido e Flávio,

como revelam as conversas entre eles naquele período (fl s. 2.697); de fato, como

revelam os documentos de fl s. 55 e 56, do apenso 45, Zuleido pagou a Flávio

R$ 100.000,00 (cem mil reais) no dia 29.5.2006 e R$ 50.000,00 (cinqüenta mil

reais) no dia 2.6.2006;

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 81

22) a continuidade dos pagamentos nos montantes pretendidos por Zuleido,

que redundaria em propinas de altos valores, dependia, porém, dos empréstimos

bancários solicitados pelo Estado de Sergipe; então, João Alves Filho, João Alves

Neto, Flávio Conceição, Gilmar de Melo e Vitor Mandarino empenharam-se para

que as instituições bancárias atendessem às suas pretensões, mantendo Zuleido

Veras sempre informado do andamento das operações, pessoalmente ou por

intermédio de Sérgio Leite, como constata-se pela seqüência de diálogos nos

meses de junho e julho de 2006 (fl s. 2.698-2.699); para tratar dos empréstimos

e dos pagamentos à Gautama, Zuleido reuniu-se com João Neto em Aracaju, no

dia 16.6.2006 e no dia 7.7.2006, conforme o diálogo transcrito às fl s. 2.699 e a

Informação Policial n. 27/2006;

23) ainda quando se mobilizavam para conseguir o almejado empréstimo,

os pagamentos à Gautama não foram interrompidos; no dia 14 de junho de

2006 foram pagos R$ 700.413,90 (setecentos mil e quatrocentos e treze reais

e noventa centavos) através de documentos de créditos, nos valores de R$

417.758,50 (quatrocentos e dezessete mil, setecentos e cinqüenta e oito reais e

cinqüenta centavos) e R$ 282.655,40 (duzentos e oitenta e dois mil, seiscentos

e cinqüenta e cinco reais e quarenta centavos); para viabilizar a liberação das

verbas, João Alves Neto recebeu de Zuleido, no dia 8.6.2006, a quantia de R$

50.000,00 (cinqüenta mil reais), como indica o documento de fl . 57, do apenso

45;

24) no dia 19.6.2006, Flávio Conceição voltou a tratar com Zuleido sobre os

“ajustes” com o Governador e com o seu fi lho João Neto para dar continuidade aos

pagamentos à Gautama, oportunidade em que renovou o pedido de vantagem

ilícita, deixando entrever que se tratava de esquema de pagamentos mensais

de propinas (diálogo transcrito às fl s. 2.699-2.700); de fato, no dia 22.6.2006

(quinta-feira), Zuleido recebeu mais R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), através

de duas ordens de saques, nos valores de R$ 294.485,92 (duzentos e noventa e

quatro mil, quatrocentos e oitenta e cinco reais e noventa e dois centavos) e R$

305.514,08 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quatorze reais e oito centavos),

conforme negociação feita na véspera com Flávio Conceição (fl s. 2.700); em

11.7.2006, Flavio cobrou novamente de Zuleido a propina prometida em razão

dos seiscentos mil reais conseguidos por Vitor para a Gautama (fl s. 2.700); o

documento de fl . 58, do mesmo apenso 45, demonstra que a propina de R$

50.000,00 (cinqüenta mil reais) foi paga a Flávio no dia 14.7.2006;

25) Zuleido prometeu, ainda, a Sergio, para que ele acompanhasse junto

a Gilmar e a Deso os seus interesses, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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conforme o previsto na agenda do dia 30.5.2006 (fl . 56, apenso 45), sendo aceita

a promessa tanto que determinou à Maria de Fátima fosse providenciada a

remessa do dinheiro (fl s. 2.700-2.701);

26) no mês de julho daquele ano, Flávio continuou interferindo para

possibilitar os pagamentos a Zuleido, conseguindo que, no dia 20, lhe fossem

pagos R$ 419.427,71 (quatrocentos e dezenove mil, quatrocentos e vinte e

sete reais e setenta e um centavos) - fl s. 2.701; em contrapartida, recebeu de

Zuleido, no dia 28.7.2006, a importância de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil

reais), conforme consta à fl . 59, do apenso 45; no dia 2 de agosto, a Deso pagou

à Gautama mais R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), tendo

Zuleido, no dia 8, determinado a Gil Jacó fossem remetidos pelo menos R$

100.000,00 (cem mil reais) para Aracaju e, no dia seguinte, mais R$ 300.000,00

(trezentos mil reais), visando à liberação de outra ordem bancária (fl s. 2.701); a

seqüência dos áudios captados no dia 8.8.2006 revela que o esperado empréstimo

bancário fora concedido, o que levou Zuleido a se deslocar até Aracaju para

um encontro com João Alves Neto, a fi m de garantir o direcionamento dos à

Gautama, uma vez que a Deso pretendia pagar também a outras empresas (fl s.

2.701); as tratativas entre Zuleido e João Alves Neto resultaram na liberação

de R$ 7.141.658,00 (sete milhões, cento e quarenta e um mil, seiscentos e

cinqüenta e oito reais), que foram efetivamente pagos à Gautama, sendo R$

3.297.733,56 (três milhões, duzentos e noventa e sete mil, setecentos e trinta

e três reais e cinqüenta e seis centavos) no dia 11.8.2006, e R$ 3.843.924,44

(três milhões, oitocentos e quarenta e três mil, novecentos e vinte e quatro reais

e quarenta e quatro centavos) no dia 15.8.2006, conforme consta do relatório

da CGU; o diálogo entre Zuleido e Ricardo, logo após o encontro com João

Neto, demonstra que os pagamentos foram, de fato, intermediados pelo fi lho

do Governador, independentemente da quantidade de serviços executados (fl s.

2.702); a negociação com Zuleido foi feita mediante a promessa de pagamento

de propina de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), cobrada por João

Neto na véspera do pagamento dos R$ 3.297.733,56 (três milhões, duzentos e

noventa e sete mil, setecentos e trinta e três reais e cinqüenta e seis centavos),

ou seja, no dia 10.8.2007 (diálogo de fl s. 2.702); para receber, no dia 15.8.2006,

os R$ 3.843.924,44 (três milhões, oitocentos e quarenta e três mil, novecentos

e vinte e quatro reais e quarenta e quatro centavos), Zuleido pagou propina

a Flávio e a João Neto, como aliás fazia regularmente; Flávio recebeu R$

50.000,00 (cinqüenta mil reais), como se constata pela previsão anotada na

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 83

agenda de fl . 61, do apenso 45 e João Neto R$ 100.000,00 (cem mil reais), que

lhes foram entregues por Zuleido em Aracaju, no dia 14 daquele mês;

27) a Informação Policial n. 028/2006 demonstra que Zuleido, no dia

14.8.2006 chegou em Aracaju, por volta das 16h50min, em avião fretado,

encontrando-se com João e com Flávio para fazer a entrega das propinas,

providenciadas por Gil e por Humberto (áudios de fls. 2.703), retornando

a Salvador às 19h do mesmo dia; além disso, Flávio Conceição, neste dia,

solicitou mais propina a Zuleido, para a mesma semana (fl s. 2.703); pelo total

de R$ 8.641.658,00 (oito milhões, seiscentos e quarenta e um mil, seiscentos

e cinqüenta e oito reais) liberados para os pagamentos feitos indevidamente à

Gautama, entre os dias 2 e 15 de agosto de 2006, mediante a intermediação de

João Neto e de Flávio, o ex-Governador João Alves Filho recebeu de Zuleido a

importância de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais), entregues, em

espécie, através de Max, seu coordenador de campanha eleitoral, no dia 30 de

agosto daquele ano;

28) a programação constante das agendas de Zuleido para os dias 22 e

23 de agosto (fl . 69, do apenso 45), revela a previsão dos pagamentos de R$

350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais) e R$ 400.000,00 (quatrocentos mil

reais) para Max Andrade, o que se confi rma pelos diálogos entre ele e Florêncio,

e entre Florêncio e Gil, no dia 18.8.2006 (fl s. 2.703-2.704); no entanto, logo

em seguida, Florêncio falou com Flávio dizendo que “a programação só pra

semana, viu?”; como até o dia 30.8.2006 o referido pagamento não havia sido

concretizado, Flávio conversou com Zuleido sobre a ansiedade de João Neto

(fl s. 2.704); assim, no dia 30.8.2006, Gil Jacó providenciou a importância de R$

650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais), transportada de Salvador para

Aracaju por Humberto, em carro da empresa “Localiza”, como foi interceptado

no percurso pela Polícia Rodoviária Federal, liberado após contato telefônico

feito pelos policias com Florêncio; ao chegar em Aracaju, Humberto se dirigiu

ao Hotel Jatobá, local onde se encontrou com Max Andrade, entregando-lhe

o dinheiro, como revelam os áudios interceptados naquele dia (fl s. 2.704);

no dia seguinte, Zuleido retomou as negociações com Flávio, articulando a

continuidade das propinas, inclusive as prometidas a João Neto, para que os

pagamentos à Gautama fossem mantidos (fl s. 2.705);

29) no dia 5.9.2006, foram pagos à Gautama R$ 1.500.000,00 (um

milhão e quinhentos mil reais), conforme o relatório da CGU; o pagamento

foi autorizado pelo então Governador, através de João Neto, intermediado por

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Flávio (diálogo de fl s. 2.705); de fato, entre os dias 11 e 28 de setembro de

2006, a Gautama recebeu da Deso mais R$ 4.252.924,60 (quatro milhões,

duzentos e cinqüenta e dois mil, novecentos e vinte e quatro reais e sessenta

centavos), totalizando, naquele mês, R$ 5.752.924,60 (cinco milhões, setecentos

e cinqüenta e dois mil, novecentos e vinte e quatro reais e sessenta centavos),

conforme se verifica pelo anexo II, do Relatório de Ação de Controle da

Controladoria Geral da União; em contrapartida, Zuleido enviou a Flávio,

no dia 8.9.2006, R$ 216.000,00 (duzentos e dezesseis mil reais), conforme a

agenda de fl . 63, do apenso 45; os diálogos transcritos às fl s. 2.706 demonstram

ter sido a propina solicitada por João Neto para ser entregue a Max, através do

motorista de Flávio, Petu, também chamado de “Anjo Negro”; Flávio recebeu,

para ele próprio, no dia 12.9.2006, os R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais)

referidos por Zuleido, que, aliás, já estavam programados na mesma agenda de fl .

63, do apenso 45; e mais R$ 86.000,00 (oitenta e seis mil reais) naquele mesmo

dia, conforme se verifi ca pela fl . 74; recebeu, ainda, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil

reais) no dia 19.9.2006, como consta à fl . 75, do mesmo apenso; João Neto, por

sua vez, recebeu R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 7.9.2006; e mais R$

50.000,00 (cinqüenta mil reais) no dia 12.9.2006, como consta às fl s. 71 e 74, do

apenso 45; Max Andrade recebeu, para o ex-Governador João Alves Filho, R$

163.000,00 (cento e sessenta e três mil reais) no dia 14.9.2006 e R$ 300.000,00

(trezentos mil reais) no dia 22.9.2006, conforme anotações de fl s. 74 e 76, do

apenso 45;

30) no dia 27.10.2006, a Deso pagou à Gautama R$ 465.307,70

(quatrocentos e sessenta e cinco mil, trezentos e sete reais e setenta centavos)

mediante quatro documentos de créditos; no dia 24.11.2006, R$ 154.292,41

(cento e cinqüenta e quatro mil, duzentos e noventa e dois reais e quarenta

e um centavos) através de dois documentos de créditos; e, no dia 19 de

dezembro daquele ano, data do encerramento do contrato, mais R$ 400.000,00

(quatrocentos mil reais);

31) naquela fase de término do contrato e também do mandato do ex-

Governador João Alves Filho, Zuleido ajustou com os seus parceiros as “propinas”

ainda devidas, garantindo-lhes o que havia sido prometido durante todo o

desenrolar do contrato: pagou a Flávio, no dia 2.10.2006, R$ 115.800,00 (cento

e quinze mil e oitocentos reais); no dia 23.10.2006, R$ 250.000,00 (duzentos e

cinqüenta mil reais) e, no dia 25.12.2006, R$ 30.000,00 (trinta mil reais) - (fl s.

112 e 89, do apenso 45); a João Neto, no dia 19.10.2006, R$ 150.000,00 (cento

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e cinqüenta mil reais) e, no dia 25.12.2006, R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) -

(fl s. 79 e 89, do apenso 45); e a Max Andrade (“careca”), no dia 25.12.2006, R$

20.000,00 (vinte mil reais) - (fl . 89, do apenso 45);

32) em janeiro de 2007, Flávio assumiu o cargo de Conselheiro do

Tribunal de Contas do Estado; continuou a manter os freqüentes contatos

com Zuleido, articulando outros negócios com obras públicas, intercedendo

em favor da Gautama junto à nova administração estadual, uma vez que ainda

restava um saldo contratual de R$ 585.426,75 (quinhentos e oitenta e cinco mil,

quatrocentos e vinte e seis reais e setenta e cinco centavos), para cujo pagamento

solicitou e recebeu vantagem indevida de Zuleido Veras (diálogo de fl s. 2.707);

no dia 27.2.2007, Florêncio passou para Humberto Rios o dinheiro prometido

a Flávio, a ser por ele entregue em Aracaju (fl s. 2.707); a Informação Policial

n. 005/2007 esclarece que, naquela data, Humberto realmente dirigiu-se a

Aracaju, em carro alugado da empresa “Localiza”, levando o dinheiro entregue

pessoalmente a Flávio; o diálogo entre Flávio e Zuleido, no dia 28.2.2007,

confirma o recebimento da propina (fls. 2.707); com o auxílio de Flávio,

Zuleido conseguiu, ainda, receber da Deso, no dia 10.5.2007, o alegado saldo

remanescente do contrato fi ndo em dezembro de 2006, no montante de R$

585.426,75 (quinhentos e oitenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e seis reais e

setenta e cinco centavos), através de nove documentos de créditos;

33) além disso, na qualidade de Conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado de Sergipe, Flávio participou da sessão daquela Corte, realizada no dia

29.3.2007, quando decidiu suspender o procedimento licitatório promovido pela

Deso, já sob nova administração, cujo objeto era exatamente a contratação de

uma auditoria externa para a verifi cação dos contratos de engenharia, inclusive

o celebrado com a Gautama, e do qual havia se locupletado ilicitamente.

Embora suspeito, Flávio Conceição não só participou da votação, mas ainda

atuou intensamente para que o resultado do julgamento fosse favorável aos seus

interesses, ou seja, para que a Deso fosse impedida de proceder à pretendida

auditoria, tudo para evitar viesse a tona o desvio dos recursos públicos promovido

através do Contrato n. 110/01, mantendo Zuleido informado dos fatos (diálogo

de fl s. 2.708).

Para o MPF a função de cada um dos integrantes das quadrilhas no Estado

de Sergipe é bem delimitada, reunindo-se os seus membros com a fi nalidade

preestabelecida da prática reiterada de crimes contra a administração pública,

atividade que levou ao desvio de R$ 178.708.458,81 (cento e setenta e oito milhões,

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setecentos e oito mil, quatrocentos e cinqüenta e oito reais e oitenta e um centavos) em

favor da empresa.

Considerando que os denunciados procederam de modo livre e consciente,

o MPF afi rmou que:

a) Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva,

Gil Jacó, Florêncio Vieira, Humberto Rios, João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio

Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de Melo

Mendes, Victor Fonseca Mandarino; Roberto Leite, Kleber Curvelo Fonte, Sergio

Duarte Leite, Renato Conde Garcia e José Ivan de Carvalho Paixão, estão incursos

nas penas do art. 312 do Código Penal;

b) Zuleido Veras (46 vezes), Gil Jacó (46 vezes), Ricardo Magalhães, Maria

de Fátima Palmeira, Florêncio Vieira (3 vezes) e Humberto Rios (3 vezes), estão

incursos nas penas do art. 333, parágrafo único, do Código Penal;

c) João Alves Filho (14 vezes), João Alves Neto (12 vezes), Flávio Conceição de

Oliveira Neto (26 vezes), Max José Vasconcelos de Andrade (6 vezes) e Ivan Paixão

(2 vezes), estão incursos nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal;

d) Flávio Conceição de Oliveira Neto está incurso nas penas do art. 319 do

Código Penal.

DO EVENTO “LUZ PARA TODOS”

Relata o Ministério Público Federal que:

1) consta do Relatório de Ação de Controle n. 00190.034127/2007-

17, elaborado pela Controladoria-Geral da União, que o governo federal,

objetivando levar energia elétrica a toda a população rural brasileira, elaborou

o chamado “Programa Luz para Todos”, instituído pelo Decreto n. 4.873/2003,

envolvendo, além de investimentos financeiros de origem estadual e das

concessionárias de energia, recursos federais no montante aproximado de R$

8.700.000.000,00 (oito bilhões e setecentos milhões de reais), advindos de

dois fundos setoriais: Conta de Desenvolvimento Energético - CDE e Reserva

Global de Reversão - RGR;

2) os recursos da CDE, nos termos da Lei n. 10.848/2004, são “provenientes

dos pagamentos anuais realizados a título de uso de bem público, das multas aplicadas

pela Anell a concessionários, permissionários e autorizados e, a partir de 2003,

das quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializam energia com o

consumidor fi nal, mediante encargo tarifário, a ser incluído a partir da data da

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 87

publicação desta Lei nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão ou de distribuição”

e são disponibilizados pela Eletrobrás a título de subvenção econômica (fundo

perdido); os recursos da RGR, conforme o disposto na Lei n. 8.631/1993, são

provenientes das cotas anuais de reversão das empresas concessionárias de

energia elétrica e disponibilizados a título de fi nanciamento;

3) a gestão do programa envolve o Ministério de Minas e Energia, a

Eletrobrás e os agentes Executores, que são as empresas concessionárias

e permissionárias de distribuição de energia elétrica; ao MME incumbe a

coordenação nacional do programa, a defi nição dos percentuais de subvenção

(CDE) e de fi nanciamento (RGR) e a autorização para a celebração de contratos

e aditivos entre a Eletrobrás e os agentes Executores; à Eletrobrás cabe analisar

tecnicamente os programas de obras apresentados pelos agentes executores,

aprovando os orçamentos a serem encaminhados ao MME para a autorização

de celebração dos contratos e seus aditivos, fi rmar os contratos autorizados

e liberar os recursos federais (CDE e RGE), mediante inspeção e prestação

de contas dos lotes de obras concluídas; aos agentes Executores incumbe a

elaboração e a execução do programa de obras, assim como a prestação de

contas dos valores recebidos;

4) para a implantação do “Programa Luz para Todos” no Estado do Piauí,

a União Federal, pelo Ministério das Minas e Energia, celebrou com a Cepisa,

em 25.3.2004, um “Termo de Compromisso”, com a interveniência da Aneel e

da Eletrobrás, no qual o Ministério se comprometeu a garantir, pela Eletrobrás,

os recursos fi nanceiros oriundos da CDE, no percentual de 65% e da RGR, no

percentual de 10%; o Estado do Piauí a repassar à Cepisa recursos no percentual

de 10%, na forma de obras realizadas pelo “Programa de Combate à Pobreza

Rural” e pelo Condepi; e a Cepisa a custear, com verbas próprias, 15% dos custos

do programa, que deveria alcançar a 149.600 consumidores no meio rural;

5) conforme verifi cou a CGU, os contratos realizados entre a Eletrobrás

e a Cepisa não observaram as regras estabelecidas na avença, arcando sempre a

Eletrobrás, através dos fundos setoriais referidos, com custos bastante superiores

aos acordados, conforme será adiante demonstrado:

a) em 8 de junho de 2004, foi firmado o Contrato ECFS–012/2004,

comprometendo-se a Eletrobrás a repassar para a Cepisa R$ 15.945.250,00

(quinze milhões, novecentos e quarenta e cinco mil e duzentos e cinqüenta reais),

sendo R$ 13.819.220,00 (treze milhões, oitocentos e dezenove mil, duzentos e vinte

reais) de verbas da CDE, a título de subvenção econômica e R$ 2.126.030,00

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(dois milhões, cento e vinte e seis mil e trinta reais) de recursos da RGR, na forma

de fi nanciamento, para cobertura fi nanceira dos custos diretos das obras da 1ª

Tranche do Programa de Eletrifi cação Rural no Piauí, prevendo o atendimento a

6.175 consumidores;

b) em 4.2.2005, foi celebrado o primeiro aditivo ao contrato (ECFS–

012-A/2005), sem alteração dos índices, metas, prazos ou valores originalmente

pactuados, mas incluídas cláusulas relativas ao controle da execução do contrato,

dentre elas a obrigação do agente executor apresentar, na prestação de contas

fi nal, certifi cado de aplicação dos recursos na fi nalidade a que se destinam,

emitido por auditoria independente, sem prejuízo das supervisões da Eletrobrás;

c) em 6.6.2005, o contrato foi novamente alterado (aditivo ECFS–

012-B/2005), para aumentar os recursos subvencionados (CDE) para R$

16.152.750,00 (dezesseis milhões, cento e cinqüenta e dois mil e setecentos e cinqüenta

reais) e o f inanciamento (RGR) para R$ 2.153.700,00 (dois milhões, cento e

cinqüenta e três mil e setecentos reais), com o acréscimo de apenas um consumidor

a ser atendido, totalizando 6.176 consumidores; previu, ainda, as seguintes

alterações: implantação de uma central fotovoltaica (geração solar) para atender

a 40 consumidores; expansões e adequações em quatro subestações; aumento

de 0,16% da densidade média de consumidores por Km de rede; diminuição de

0,32% da média de postes por consumidor; diminuição de 1% da média de peso

de condutor por consumidor, representando um aumento de custo médio por

consumidor de 0,33%;

d) em 17 de junho de 2005, a Eletrobrás celebrou com a Cepisa o Contrato

ECFS 090/2005, destinando recursos para as obras e serviços da 2ª Tranche,

no montante de R$ 70.133.460,00 (setenta milhões, cento e trinta e três mil e

quatrocentos e sessenta reais), sendo R$ 60.782.330,00 (sessenta milhões, setecentos

e oitenta e dois mil e trezentos e trinta reais) da CDE e R$ 9.351.130,00 (nove

milhões, trezentos e cinqüenta e um mil e cento e trinta reais) de fi nanciamento da

RGR, para atendimento a 25.149 consumidores, sem que tivessem sido cumpridas

as etapas previstas no Contrato ECFS–012/2004;

e) o contrato estabeleceu que os recursos relativos à parcela de assinatura

só poderiam ser liberados pela Eletrobrás após a comprovação de 30% da

realização física das obras da 1ª etapa do programa previstas no contrato

anterior; mas somente no dia 5.12.2005 foi atingida meta. Contudo, foi liberada

para a Cepisa, no dia 23.8.2005, a importância de R$ 7.013.346,00 (sete

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 89

milhões, treze mil e trezentos e quarenta e seis reais), referente à parcela de

assinatura do Contrato ECFS 090/2005;

f ) em 28.4.2006, como a Cepisa concluíra as ligações de apenas 3.247

consumidores dos 6.176 previstos no contrato ECFS–012-B/2005, o prazo

contratual já estava para expirar e as metas para a liberação do restante dos

recursos previstos no contrato ECFS 090/2005 não haviam sido atingidas, a

Eletrobrás celebrou com aquela empresa um terceiro aditamento ao contrato

ECFS-012/2004 (ECFS-012-C/2006), reduzindo o número de consumidores a

serem atendidos exatamente para 3.247; excluiu, ainda, a implantação da central

fotovoltaica, as expansões das subestações, diminuiu em 62% a densidade

média de consumidores por Km de rede, aumentou em 46,55 a potência

média por consumidor, aumentou em 43% a média de postes por consumidor,

aumentou em 45% a média de peso de condutor por consumidor, tudo como

estratégia para considerar que o contrato ECFS-012/2004 havia atingido 100%

da sua execução, quando, na verdade, apenas 55% dos consumidores tinham sido

benefi ciados;

g) apesar de ter reduzido o atendimento aos consumidores em 44,5%,

os recursos da Eletrobrás, tanto os da CDE quanto os de fi nanciamento-

RGR, foram reduzidos em apenas 18,4%, passando para R$ 11.277.110,00

(onze milhões, duzentos e setenta e sete mil e cento e dez reais) e R$ 1.734.940,00

(um milhão, setecentos e trinta e quatro mil e novecentos e quarenta reais),

respectivamente;

h) assim, operou-se o encerramento fictício daquele contrato e a

Eletrobrás ainda disponibilizou em favor da Cepisa o saldo remanescente de

R$ 5.039.425,00 (cinco milhões, trinta e nove mil e quatrocentos e vinte e

cinco reais), sendo R$ 4.367.288,74 (quatro milhões, trezentos e sessenta e sete

mil, duzentos e oitenta e oito reais e setenta e quatro centavos) provenientes

da CDE e R$ 672.136,26 (seiscentos e setenta e dois mil, cento e trinta e

seis reais e vinte e seis centavos) a título de fi nanciamento, uma vez que, até

aquela data, havia liberado recursos no montante de R$ 7.972.625,00 (sete

milhões, novecentos e setenta e dois mil e seiscentos e vinte e cinco reais): R$

6.909.821,26 (seis milhões, novecentos e nove mil, oitocentos e vinte e um reais

e vinte e seis centavos) da CDE e R$ 1.062.803,74 (um milhão, sessenta e dois

mil, oitocentos e três reais e setenta e quatro centavos) da RGR;

i) além disso, na mesma data do terceiro aditivo ao Contrato ECFS–

012/2004, 28.4.2006, que reduziu para 3.247 o número de consumidores a

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serem atendidos pelo programa, foi fi rmado um aditivo ao Contrato ECFS

090/2005 (ECFS 090A/2006) prevendo o atendimento a 49.766 consumidores;

j) o aditivo ECFS 090A/2006 aumentou o volume de recursos a serem

repassados pela Eletrobrás para R$ 212.141.650,00 (duzentos e doze milhões,

cento e quarenta e um mil, seiscentos e cinqüenta reais), sendo R$ 183.856.100,00

(cento e oitenta e três milhões, oitocentos e cinqüenta e seis mil e cem reais) da CDE e

R$ 28.285.550,00 (vinte e oito milhões, duzentos e oitenta e cinco mil e quinhentos

e cinqüenta reais) de fi nanciamento da RGR, ou seja, alterou o valor total do

contrato em aproximadamente 203% e o número do consumidores em apenas

98%, acrescendo, assim, em 53% o custo médio por consumidor; estabeleceu,

ainda, em 30% a parcela relativa à assinatura do contrato, contrariando a norma

estabelecida no “Manual de Operacionalização do Programa Nacional de

Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica Luz Para Todos”, anexo à

Portaria n. 38, de 9.3.2004, do Ministério de Minas e Energia, que fi xava em no

máximo 10% a liberação de tal parcela do contrato;

k) a fi nalização fraudulenta do Contrato ECFS–012-B/2005 possibilitou

a liberação imediata da parcela de assinatura do aditivo ECFS 090A/2006,

que previa a comprovação de 60% das obras do contrato para ser liberado ao

pagamento que, na realidade, estava longe de acontecer; parte dessa parcela, no

montante de R$ 21.040.038,00 (vinte e um milhões, quarenta mil e trinta e oito

reais), já havia sido repassada à Cepisa, antes mesmo da assinatura do aditivo;

l) assim, no dia 9.5.2006, foram liberados R$ 42.428.330,00 (quarenta

e dois milhões, quatrocentos e vinte e oito mil e trezentos e trinta reais) pela

Eletrobrás para a Cepisa, correspondentes ao saldo remanescente dos 30% da

parcela relativa à assinatura do aditivo ECFS 090A/2006; e, no dia 1º.9.2006,

foram liberados R$ 4.973.836,89 (quatro milhões, novecentos e setenta e três

mil, oitocentos e trinta e seis reais e oitenta e nove centavos), relativos ao saldo

do Contrato ECFS–012/2004, descontadas as taxas de administração da CDE

e da RGR;

m) no dia 28.11.2006 foram liberados mais R$ 42.428.330,00 (quarenta

e dois milhões, quatrocentos e vinte e oito mil e trezentos e trinta reais)

para aquela empresa, correspondentes à primeira parcela do aditivo ECFS

090A/2006; ocorre que tal liberação estava condicionada à 70% do avanço físico

do Contrato ECFS–012/2004, o que foi conseguido artifi cialmente através

do aditivo ECFS-012-C/2006; e de 10% do avanço físico do aditivo ECFS

090A/2006, que àquela altura só havia atingido o percentual de 3,49%;

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 91

n) a CGU verifi cou que, no fi nal do ano de 2006 a Cepisa não havia

concluído nem 20% das obras objeto dos contratos com a Eletrobrás, mas que já

lhe tinham sido repassados recursos no montante de R$ 118.908.748,00 (cento

e dezoito milhões, novecentos e oito mil, setecentos e quarenta e oito reais),

correspondentes a 53% do valor total dos contratos; os extratos bancários da

Conta-Corrente n. 420449-2, da agência 3518-1, do Banco do Brasil, associada

ao Contrato ECFS–012/2004, revelam que no dia 31 de dezembro de 2006

o saldo daquela conta era de R$ 141,35 (cento e quarenta e um reais e trinta

e cinco centavos); pelos extratos bancários da Conta-Corrente n. 5967-6, da

agência 3791-5, do Banco do Brasil, associada ao Contrato ECFS–90/2005,

verifi ca-se que o saldo, naquela data, era de R$ 9.771.563,75 (nove milhões,

setecentos e setenta e um mil, quinhentos e sessenta e três reais e setenta e cinco

centavos);

o) dos recursos repassados pela Eletrobrás foram gastos pela Cepisa, até o

fi nal do ano de 2006, R$ 109.137.042,90 (cento e nove milhões, cento e trinta

e sete mil e quarenta e dois reais e noventa centavos), ou seja 47% do valor total

dos contratos, o que evidencia o desvio de fi nalidade da aplicação das verbas

de subvenção e de fi nanciamento do “Programa Luz para Todos” no Piauí,

uma vez que não tinham sido executadas nem 20% das obras contratadas; os

extratos bancários das referidas contas, relativos ao período de 1º janeiro a 30 de

julho de 2007, demonstram que do montante transferido pela Eletrobrás para

a o “Programa Luz para Todos” no Piauí restaram até aquela data apenas R$

134.807,89 (cento e trinta e quatro mil e oitocentos e sete reais e oitenta e nove

centavos), mas os serviços para os quais foram alocadas as verbas de subvenção

e fi nanciamento do programa também não foram devidamente executados

naquele período;

p) a auditoria realizada pela CGU na Cepisa, em 18.7.2007, constatou,

ainda, o seguinte: 1) foram retirados do almoxarifado específi co do PLPT

materiais para a execução de 120 obras estranhas ao programa; 2) foram retirados

materiais relativos a 84 obras informadas à Eletrobrás como fi nalizadas; 3)

de 20 obras informadas a Eletrobrás como concluídas não tinham sido nem

retirados os materiais; 4) foram declaradas à Eletrobrás as ligações de 10.243

consumidores, até abril de 2007, mas foram retirados do almoxarifado apenas

1.210 medidores; 5) até aquela data, foi declarada à Eletrobrás a utilização

de 2.534 transformadores, mas do almoxarifado foram retirados 5.386

transformadores; 6) foi declarada à Eletrobrás a utilização de 33.774 postes, mas

retirados do almoxarifado 69.046 postes;

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q) os contratos previam a verifi cação periódica e in loco da Eletrobrás,

das aplicações realizadas pelo agente executor do programa financiado e

subvencionado e a restituição do recurso liberado se, no prazo de 6 meses, não

houvesse a comprovação da aplicação integral de qualquer parcela, além de juros

e multa, o que não foi observado pela contratante; previam, também, a obrigação

do agente executor de apresentar, na prestação de contas fi nal, certifi cado de

aplicação dos recursos na fi nalidade a que se destinavam, emitido por auditoria

independente, sem prejuízo das supervisões da Eletrobrás, o que também não

lhe foi exigido; e

r) além disso, o manual de operacionalização do programa estabelecia que

os recursos seriam destinados exclusivamente para promover a eletrifi cação em

domicílios e estabelecimentos localizados no meio rural, conforme o disposto no

Decreto n. 4.873, de 11 de novembro de 2003; cabia ao Ministério das Minas

e Energia aprovar a elaboração e a assinatura dos contratos com os agentes

executores e acompanhar a sua execução físico-fi nanceira; e à Eletrobrás liberar

os recursos, inspecionar fi sicamente as obras executadas e comprovar a adequada

utilização dos recursos fi nanceiros.

Segundo o MPF, as investigações procedidas no presente inquérito

demonstram que o então Ministro das Minas e Energia Silas Rondeau

Cavalcante Silva e o seu assessor Ivo de Almeida, o Presidente da Eletrobrás

Aloísio Vasconcelos, o Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Luís Cardeal

de Souza, o Diretor Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar

Lobato Santana, o Diretor Financeiro da Eletrobrás José Drumond Saraiva, o

Diretor Presidente da Cepisa Jorge Targa Juni, o Diretor Financeiro da Cepisa

José Ricardo Pinheiro de Abreu, o Diretor de Expansão da Cepisa Gregório

Adilson Paranaguá da Paz, o Gerente de Expansão da Cepisa Emanoel Augusto

Paulo Soares e o Presidente da Comissão de Licitação da Cepisa Roberto Cesar

Fontenelle Nascimento, associaram-se, de forma estável e permanente para

promover a aplicação das verbas destinadas ao “Programa Luz para Todos” no

Piauí em fi nalidades diversas daquelas estabelecidas nas Leis n. 10.438/2002

e n. 8.631/1993, regulamentada pelo Decreto n. 774/1993, no “Manual de

Operacionalização do Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso

da Energia Elétrica Luz Para Todos” e nos próprios contratos celebrados entre

a Eletrobrás e a Cepisa, além de outros crimes contra a administração pública.

Para a denúncia, a participação de cada um dos membros das quadrilhas

foi determinante para a concretização do programa delituoso; a estabilidade

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e a permanência das alianças se revelaram efi cientes na perpetração de vários

crimes.

Para delimitar as condutas de cada denunciado, destaca o MPF:

1) quando o Contrato ECFS 090/2005 foi assinado, Silas Rondeau era o

Presidente da Eletrobrás e, nessa qualidade, celebrou o referido ato, juntamente

com o Diretor Financeiro daquela empresa José Drumond Saraiva, e com os

ex-Diretores Presidente e Financeiro da Cepisa, Jorge Targa Juni e José Ricardo

P. de Abreu, destinando mais R$ 70.133.460,00 (setenta milhões, cento e

trinta e três mil, quatrocentos e sessenta reais) para a execução do “Programa

Luz para Todos” no Piauí, apesar de cientes de que as verbas de subvenção e

de fi nanciamento do programa, repassadas com base no contrato precedente

(ECFS12/2004), estavam sendo desviadas para outras fi nalidades;

2) os fraudulentos aditivos ECFS-012-C/2006 e ECFS 090A/2006

foram assinados pelos ex-Diretores Presidente e Financeiro da Eletrobrás,

Aloísio Vasconcelos e José Drumond Saraiva e pelos ex-Diretores Presidente e

Financeiro da Cepisa, Jorge Targa Juni e José Ricardo P. de Abreu; o plano foi

arquitetado no Ministério das Minas e Energia, no dia 12 de janeiro de 2006,

em reunião da qual participaram representantes daquele Ministério, da Anell, da

Eletrobrás, da Cepisa, e os Coordenadores Nacional e Regional do “Programa

Luz para Todos”;

3) apesar da inexistência de ata da referida reunião, apurou-se que a

proposta formal para a celebração dos aditivos foi dirigida, em 23.1.2006, ao

Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Cardeal, com cópia para o Diretor

Financeiro daquela empresa José Saraiva, pelos então Diretores de Expansão

e Financeiro da Cepisa Gregório Paranaguá e José Ricardo de Abreu; embora

a proposta fosse clara quanto à inexecução das etapas de obras previstas nos

contratos anteriores, foi aprovada pelo ex-Diretor Nacional do “Programa Luz

para Todos” José Ribamar Lobato, através de ofício dirigido a Valter Cardeal

e, fi nalmente, autorizada por este e pelo Ministro Silas, a quem competia, em

última instância, decidir sobre as metas e os recursos para o programa;

4) Jorge Targa, José Ricardo de Abreu e Gregório Paranaguá, na qualidade

de Diretores Presidente, Financeiro e de expansão da Cepisa, efetivamente

aplicaram em fi nalidade diversa da prevista na legislação que regula a CDE e

a RGR, no manual de operacionalização do “Programa Luz para Todos” e nos

próprios contratos, os recursos provenientes desses fundos setoriais, geridos pela

Eletrobrás, que ao conceder fi nanciamentos às concessionárias para expansão e

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melhoramento dos serviços públicos de energia elétrica, inclusive de programas

de eletrifi cação rural, exerce atividade equiparada a das instituições fi nanceiras;

5) concorreram para a aplicação desses empréstimos com desvio de

fi nalidade o ex-Presidente da Eletrobrás e ex-Ministro das Minas e Energia

Silas Rondeau, o ex-Presidente da Eletrobrás Aloísio Vasconcelos, o Diretor

Financeiro daquela empresa José Drumond Saraiva, o ex-Diretor de Engenharia

Valter Cardeal e o ex-Diretor Nacional do “Programa Luz para Todos” José

Ribamar Lobato Santana, que, mesmo cientes de que o agente executor do

programa não cumpria com as obrigações pactuadas, mantiveram os repasses

das verbas, mediante aditivos contratuais ardilosamente engendrados para

elevar substancialmente esses recursos, tanto os subvencionados como os de

empréstimos; além disso, autorizaram a liberação das parcelas desses contratos

sem a comprovação da execução física dos percentuais de obras previstos para

cada etapa, conforme anteriormente relatado;

6) em 26.7.2006, a então Presidente do Conselho de Administração da

Cepisa, Aracilba Alves da Rocha, enviou ao Ministro Silas Rondeau a Carta

n. 008889/2006, relatando a má gestão da Cepisa, com base no relatório de

auditoria encaminhado pelo Ofício n. 20.850/CGU-PR, em 5.7.2006, e dando-

lhe ciência de que não se vislumbrava qualquer possibilidade de pagamento dos

empréstimos concedidos pela Eletrobrás àquela empresa; a referida carta foi

encaminhada pelo Gabinete do Ministro ao Presidente da Eletrobrás Aloísio

Vasconcelos em 2.8.2006 que, assim, tomou conhecimento daqueles fatos;

naquela mesma data, 26.7.2006, o próprio Presidente da Cepisa Jorge Targa

Juni dirigiu-se ao Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Luís Cardeal de

Souza, através da Carta n. CT-PR 168/2006, afi rmando que a empresa não

dispunha dos recursos para a execução do programa nos termos ajustados;

7) o Coordenador Nacional do “Programa Luz para Todos” José Ribamar

Santana, integrante do Conselho de Administração da Cepisa, participou da

6ª (sexta) reunião ordinária daquele Conselho, realizada no dia 27 de julho

de 2006, oportunidade em que lhe foi entregue cópia da carta enviada pela

Presidente ao Ministro das Minas e Energia; naquela reunião, o Presidente

da Cepisa reafi rmou a inexecução do programa conforme contratado com a

Eletrobrás, mas comunicou que havia autorizado, ad referendum do Conselho, a

licitação da 6ª etapa do programa;

8) no dia 19.9.2006, o Governador do Estado do Piauí remeteu ao

Ministro Silas Rondeau o Ofício n. 470/GG, solicitando alteração do “Termo

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 95

de Compromisso” firmado com o Ministério em 25.3.2004, para ampliar

a participação da Eletrobrás no programa para 80%, ao argumento de que

a Cepisa estava operando com resultado negativo e que não dispunha de

recursos nem para as suas despesas de manutenção, não tendo, assim, condições

de cumprir com o pacto de custear os 15% do montante necessário para a

implementação do “Programa Luz para Todos” naquele Estado;

9) mesmo diante da fl agrante inadimplência da Cepisa com as obrigações

contraídas com a Eletrobrás, inclusive quanto a parte dos recursos próprios que

se comprometeu a aplicar no programa, os denunciados continuaram a repassar

as verbas dos mencionados fundos setoriais para aquela empresa, apesar do

disposto no artigo 6º da Lei n. 8.631, de 4 de março de 1993, que estabelece:

“Os concessionários inadimplentes com a União e suas entidades, os Estados e suas

entidades, os Municípios e suas entidades, a Centrais Elétricas Brasileiras S.A.-

Eletrobrás, e suas controladas e demais empresas concessionárias do serviço público

de energia elétrica ou os que não tenham celebrado os contratos de suprimento a que

se refere o art. 3º desta lei, não poderão receber recursos ou garantias, de qualquer

natureza, da União e das entidades por ela controladas direta ou indiretamente”;

10) os denunciados Silas Rondeau, Aloísio Vasconcelos, Valter Cardeal

e José Drumond Saraiva, geriram fraudulentamente o fundo setorial RGR,

composto pelas cotas anuais de reversão das concessionárias de serviços públicos

de energia elétrica, conforme o previsto na Lei n. 8.631/1993, que autoriza a

Eletrobrás a destinar os recursos desse fundo para programas de eletrifi cação

rural, inclusive sob a forma de empréstimo, caracterizando a sua atuação como

agente fi nanceiro do setor elétrico;

11) os diálogos monitorados, notadamente no período de junho de 2006 a

abril de 2007, demonstram que tais artifícios contratuais foram utilizados para

facilitar as pretensões ilícitas de Zuleido Veras, que manteve também no Estado

do Piauí um esquema do qual participaram os seguintes integrantes da sua

quadrilha: João Manuel Soares Barros, Dimas Soares de Veras, Maria de Fátima

Palmeira, Tereza Freire, Gil Jacó, Florêncio Vieira e Sergio Luís Pompeu Sá;

12) Sérgio Sá trabalha para a Engevix, utilizando-se, para isso, da Prosper

- Assessoria e Consultoria Ltda., empresa constituída com essa fi nalidade; atua

como lobista e, nessa condição, promoveu a aproximação de Zuleido com o

Ministro Silas, articulando para que fossem direcionados recursos da Eletrobrás

para a Cepisa, permitindo, assim, a celebração dos contratos almejados por

Zuleido e pela Engevix; intermediou, também, os interesses deles com Jorge

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Targa, Presidente da Cepisa; manteve freqüentes contatos com o Governador

do Estado do Piauí Wellington Dias (interessado politicamente na execução

do programa, pois pretendia a reeleição), para interferir junto ao Ministério

das Minas e Energia na busca de mais recursos subvencionados para a Cepisa;

ao mesmo tempo, Sérgio Sá pretendia fosse a Engevix contratada pela Cepisa

para a prestação de serviços de gestão, apoio técnico e supervisão da execução

do programa, como já havia conseguido em Minas Gerais; para isso, tentou,

através de Jorge Targa, fossem disponibilizados R$ 7.780.431,84 (sete milhões,

setecentos e oitenta mil, quatrocentos e trinta e um reais e oitenta e quatro

centavos) da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE; a proposta para a

disponibilização desse recurso foi efetivamente apresentada pelo Presidente da

Cepisa ao Diretor de Engenharia da Eletrobrás Valter Cardeal, através da Carta

n. 168/2006, de 26.7.2006, e ao Conselho de Administração da Cepisa, na sexta

reunião ordinária, realizada no dia 27.7.2006, ao argumento de ter o Ministro

Silas Rondeau, em reunião realizada no Ministério, em 12.7.2006, autorizado a

disponibilização de recursos da CDE para atender ao pleito;

13) logo após a celebração dos fraudulentos aditivos ECFS-012C/2006

e ECFS-090A/2006, assegurando um montante considerável de verbas para

o “Programa Luz para Todos” no Piauí, iniciaram-se as tratativas para o

lançamento do edital de Licitação n. 049/2006, para a execução da 6ª etapa

do programa, da qual saiu vencedora a Construtora Gautama, aliás a única

proponente; as providências para o direcionamento da licitação em favor da

Gautama tiveram início em 20.6.2006, quando a Cepisa, pelos seus Gerente

e Diretor de Expansão, Emanoel Augusto Paulo Soares e Gregório Adilson

Paranaguá da Paz, emitiu a Nota Técnica n. 001/2006, alterando a fi losofi a de

contratação adotada nas etapas precedentes, que era a de agregar as obras em

lotes de tamanhos variados, com fornecimento parcial de materiais, de modo

a ampliar a competitividade e a capacidade produtiva das empresas envolvidas,

para implementar a execução da 6ª etapa do programa em apenas 2 (dois) lotes,

com fornecimento integral de materiais e mão de obra, ao argumento de que se

buscava a participação de empresa de grande porte e de comprovada capacidade

produtiva e fi nanceira, porque nas etapas anteriores não haviam sido alcançadas

as metas esperadas;

14) as investigações procedidas no presente inquérito revelaram que a

pretendida mudança de “fi losofi a” na execução do programa não era exatamente

a efi ciência, mas o direcionamento da licitação em favor da Gautama; apurou-se

que o caráter competitivo da Concorrência n. 049/2006 foi fraudado, mediante

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 97

ajustes entre os membros da quadrilha de Zuleido, o Presidente da Cepisa Jorge

Targa Juni, o Presidente da Comissão de Licitação Roberto Cesar Fontenelle

Nascimento, o Diretor de Expansão da Cepisa Gregório Adilson Paranaguá da

Paz e o Gerente da Cepisa Emanoel Augusto Paulo Soares, proporcionando a

adjudicação do objeto da licitação pela Gautama, com preços superestimados;

tais tratativas, iniciadas desde a fase da confecção do edital, foram intermediadas

por Sergio Sá;

15) logo após a emissão da “nota técnica” anteriormente mencionada,

Sérgio Sá manteve contato com Zuleido e com Jorge Targa, articulando a

preparação do aviso de licitação e do respectivo edital, que fi caram ao encargo

de João Manoel, empregado da Gautama (diálogo de fl s. 2.718-2.179); de fato, o

primeiro “Aviso de Licitação” relativo à Concorrência n. 49/2006 foi publicado

pelo Presidente da Comissão de Licitação no Diário Ofi cial da União no dia

29.6.2006, com a informação de que o edital somente estaria disponível a partir

do dia 10.7.2006 e de que a data para o recebimento das habilitações e das

propostas comerciais seria 10.8.2006;

16) apesar da Nota Técnica n. 001/2006, naquele primeiro aviso constou

ainda como objeto da licitação a “contratação de pessoa jurídica para construção

de redes de distribuição aérea em média e baixa tensão, com fornecimento parcial

de materiais e integral de mão de obra, para atender 15.850 consumidores de

domicílios e estabelecimentos rurais no Estado do Piauí, do Programa Nacional de

Universalização do Acesso e Uso de Energia Elétrica ‘Luz Para Todos’, 6ª etapa, ainda

não contemplados em outros Programas de Eletrifi cação”, até porque o Conselho

de Administração da Cepisa ainda não havia aprovado a decisão de alterar a

“fi losofi a” da contratação para a execução do programa;

17) como a Gautama não havia conseguido ainda armar as estratégias para

participar da concorrência, um dia antes da data marcada para o recebimento

das habilitações e das propostas comerciais (9.8.2006), foi publicado no DOU

(seção 3, página 74) o Aviso de Adiamento da Concorrência Cepisa n. 49/2006,

com a observação de que a nova data para o recebimento da documentação

e das propostas comerciais seria oportunamente informada; em 28.8.2006

foi publicado no Diário Ofi cial novo Aviso de Licitação da Concorrência

Cepisa n. 49/2006, informando que o recebimento da documentação e das

propostas ocorreria no dia 28.9.2006 e que o edital encontrava-se à disposição

dos interessados na sede da Cepisa; nesse “aviso” o objeto da licitação já foi

alterado para alcançar o “fornecimento integral de materiais e mão de obra”;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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18) nos dias 20 e 25 de setembro de 2006, as empresas PEM Engenharia

e Orteng solicitaram o adiamento da apresentação das propostas prevista

para o dia 28 daquele mês, tendo o Presidente da Comissão de Licitação

rejeitado tais pedidos; no entanto, solicitação no mesmo sentido formulada pela

Gautama, também no dia 25.9.2006, foi remetida pelo Presidente da Comissão

ao Presidente da Cepisa, Jorge Targa, que acolheu, então, o pleito; assim, no

dia 27.9.2006, o Presidente da Comissão enviou correspondências eletrônicas

para as empresas que já haviam anteriormente retirado o edital, noticiando

o adiamento da licitação; a publicação do quarto aviso de adiamento da data

para a entrega das propostas para o dia 25.10.2006 foi feita somente no dia

13.10.2006, portanto, sem a observância do prazo de mínimo de trinta dias

estabelecido na alínea a, inciso II, § 2º, do art. 21, da Lei n. 8.666/9, afastando a

possibilidade da participação de novos interessados no certame, pela exigüidade

de tempo para a elaboração de propostas;

19) constatou a CGU que no edital de concorrência não se exigiu a

comprovação da regularidade para com as Fazenda Estadual e Municipal,

como se fazia necessário, em razão do objeto alcançar tanto a prestação de

serviços quanto o fornecimento de materiais; isto porque a Gautama, nos anos

de 2005 e 2006, se encontrava inadimplente com as obrigações tributárias,

não preenchendo os requisitos para a almejada contratação; além disso, como

a Gautama não possuía a qualifi cação técnica sufi ciente para a participação

no certame, admitiu-se no edital fosse complementada com o acervo técnico

de empresa subcontratada, sem estabelecer o limite para isso; este artifício

possibilitou à Gautama indicar como subcontratada empresa que forneceu

acervo técnico para atender aos ítens de “construção de rede de distribuição

rural” e “instalação de transformadores”, ou seja, quase a totalidade do objeto

da licitação, enquanto ela própria apresentou apenas os requisitos para a

execução de “caminhos de serviço”, “desmatamento” e “limpeza de terreno”,

correspondentes a apenas 7% do total da obra; tal estratégia foi previamente

acertada com o então Presidente da Cepisa Jorge Targa, como se verifi ca pelo

diálogo entre Maria de Fátima e João Manoel (fl s. 2.721);

20) a burla à exigência de qualifi cação técnica compatível com a obra licitada

fi cou evidenciada pelo fato da empresa Eplan- Engenharia, Planejamento e

Eletricidade Ltda., de cujo acervo técnico valeu-se a Gautama para habilitar-se

no certame, não integrar o quadro de parceiros posteriormente apresentado para

a execução do contrato;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 99

21) os sucessivos adiamentos da licitação foram motivados, também, pela

difi culdade de se implementar a mudança de “fi losofi a” na execução do programa

no Piauí, cujas licitações das obras vinham sendo feitas em pequenos lotes, o

que não atendia aos interesses da Gautama; as negociações que culminaram na

decisão de se lançar o edital de concorrência para atender a 15.850 consumidores

em apenas dois lotes foram articuladas por Sérgio Sá, com o Jorge Targa e com o

ex-Ministro Silas Rondeau (diálogo transcrito às fl s. 2.721-2.722);

22) coube a José Ribamar Lobato Santana, na qualidade de membro do

Conselho de Administração da Cepisa e Coordenador do programa junto

ao Ministério das Minas e Energia, apresentar ao Conselho a proposta de

licitação para a 6ª etapa do “Programa Luz para Todos” em apenas dois lotes e

com o fornecimento integral de materiais e mão de obra na reunião ordinária

realizada no dia 27.7.2006; assim, as obras objeto do edital de Concorrência

n. 49/2006, assinado pelo Presidente da Comissão de Licitação Roberto Cesar

Fontenelle Nascimento, foram fragmentadas em dois lotes de 7.888 e de 7.962

consumidores, em diversos Municípios do Estado do Piauí;

23) em 6.11.2006, após todas as manobras antes descritas para benefi ciar a

Gautama, foram-lhe adjudicados os dois lotes de obras objeto da concorrência,

cujo resultado, aliás, já estava previamente determinado, como revela o diálogo

transcrito às fl s. 2.723 entre Maria de Fátima e João Manoel; em conseqüência,

a Cepisa celebrou com a Gautama, em 20.12.2006, um contrato para cada um

dos lotes das obras licitadas: o primeiro, Contrato n. 350, para atender a 7.888

consumidores, no valor global de R$ 27.055.358,67 (vinte e sete milhões,

cinqüenta e cinco mil, trezentos e cinqüenta e oito reais e sessenta e sete

centavos), e o segundo, Contrato n. 351, para atender a 7.962 consumidores,

no valor global de R$ 34.020.485,21 (trinta e quatro milhões, vinte mil,

quatrocentos e oitenta e cinco reais e vinte e um centavos), totalizando o

montante de R$ 61.075.843,88 (sessenta e um milhões, setenta e cinco mil,

oitocentos e quarenta e três reais e oitenta e oito centavos);

24) além de todas as ilegalidades cometidas no procedimento licitatório

anteriormente relatadas, a auditoria realizada pela Controladoria Geral da União

verifi cou, ainda, que houve sobrepreço na contratação da empresa Gautama;

25) apurou-se que o orçamento da Cepisa, constante do edital da

concorrência, coincide com a proposta apresentada pela Gautama e que os

preços ali consignados e, ao fi nal, contratados, foram estabelecidos pela própria

licitante, em patamares muitíssimo elevados;

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26) para a execução das obras a Gautama subcontratou as empresas LR

- Construção Civil e Rodoviária Ltda. e Serviços e Projetos Elétricos Ltda. -

Sepel, por 60% dos valores contratados com a Cepisa, ou seja, a sua função era

apenas de intermediária e, para isso, ganharia 40% do valor global contratado;

27) em visitas realizadas no período de junho a agosto de 2007, em diversas

localidades do Estado do Piauí, os auditores da CGU constataram, junto às

comunidades locais, que os serviços de “escavação” e “desmatamento ou abertura

de faixa”, justamente aqueles para os quais a Gautama apresentou habilitação

técnica, vinham sendo executados pelos próprios moradores, que recebiam

quantias irrisórias pelos serviços prestados; tais subcontratações demonstram

que os preços orçados pela Cepisa e contratados pela Gautama estavam muito

acima dos praticados no mercado e foram arbitrariamente elevados, onerando-

se a execução das obras a serem pagas com verbas públicas;

28) Sérgio Sá e Maria de Fátima, no diálogo do dia 7.8.2006, às

12h14min22s, tratando do edital da concorrência, deixaram claro que os preços

foram estabelecidos por João Manoel (fl s. 2.724);

29) para direcionar a concorrência para a Gautama e celebrar os contratos

extremamente desvantajosos para a Cepisa, Jorge Targa aceitou promessa

de vantagem indevida feita por Zuleido, tendo o dinheiro sido entregue

ao ex-Presidente da Cepisa por Dimas Veras (diálogo de fl s. 2.724-2.725);

paralelamente, Jorge Targa determinou a publicação do aviso de licitação da

Concorrência n. 51/2006, para a atender ao interesse de Sérgio Sá na contratação

da Engevix para a gestão e apoio técnico à execução das obras do programa, o

que foi efetivado pelo Presidente da Comissão de Licitação Roberto Nascimento,

no dia 30.6.2006, antes mesmo da pretendida liberação de verba da CDE

para essa fi nalidade; como a previsão para a realização do certame era para

o dia 11.8.2006 e a Eletrobrás não autorizou o pagamento de tais serviços

com recursos da CDE, porque tratava-se de custo indireto do programa que

deveria ser coberto pelo próprio agente executor, a Cepisa adiou a concorrência,

conforme publicação no DOU do dia 9.8.2006;

30) diante da posição da Eletrobrás, contrária aos seus interesses, Sérgio Sá

promoveu articulações junto ao Presidente da Cepisa, ao Governador do Estado

do Piauí e ao Ministro Silas Rondeau, visando à aditivação do “Termo de

Compromisso” celebrado na época da implantação do programa naquele Estado,

para a disponibilização de percentual mais elevado de recursos da CDE, com a

conseqüente redução da participação fi nanceira do agente executor do programa,

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 101

de modo a viabilizar, tanto o contrato pretendido pela Engevix, quanto os

da Gautama (fl s. 2.725-2.726); de fato, no dia 19 de setembro de 2006, o

Governador do Estado do Piauí encaminhou ao Ministro Silas Rondeau a Carta

n. 470/GG, solicitando a alteração do referido “Termo de Compromisso” para

ampliar os recursos de subvenção do programa para 80%, como compensação

da “incapacidade de aporte de recursos próprios pela Cepisa”; no dia 25 de janeiro de

2007, o Ministro Silas Rondeau e, à época, o Presidente Interino da Eletrobrás

Valter Cardeal, celebraram, então, com a Cepisa e com o Estado do Piauí, o

aditivo ao “Termo de Compromisso” fi rmado em 25.3.2004, passando para a

Eletrobrás o encargo de custear, a título de subvenção, ou seja, com recursos da

CDE, 80% dos custos do programa; e o Estado e o agente Executor, cada um,

com 10% dos custos; aumentou-se, assim, o encargo da Eletrobrás com verbas

de subvenção, eximiu-se a Cepisa de endividamento através de recursos da RGR

e reduziu-se a sua participação e a do Estado no programa de 15% para 10%;

31) para praticar tal ato, que viabilizaria os pagamentos previstos nos

contratos àquela altura já fi rmados com a Gautama, o Ministro Silas Rondeau

recebeu de Zuleido Veras, no dia 13 de março de 2007, vantagem indevida,

no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), através do seu assessor Ivo

Almeida; a intermediação para o pagamento da propina foi feita por Sérgio Sá

(diálogos de fl s. 2.726-2.727); a programação para o pagamento da propina foi

registrada na agenda de Zuleido Veras, apreendida no presente inquérito (apenso

43), onde consta, no dia 13.3.2007, a anotação: “Falar c/ Sérgio sobre M.M.E.”

e “Falar c/ Ministro Silas”; da agenda do Diretor Financeiro da Gautama, Gil

Jacó, também apreendida (apenso 43), verifi ca-se, no dia 6.3.2007, a anotação

“120 Ministro BSB”, indicando, como de costume, a previsão de pagamento de

propina, aliás reforçada pelas anotações dos dias 7.3.2007: “BSB (120)” e “BSB

(20)” e 9.3.2007: “BSB 120.000” e “BSB 20.000”;

32) conforme demonstram as interceptações telefônicas a seguir transcritas

e a Informação Policial n. 12/2007, de fato, Florêncio Vieira, atendendo às

instruções de Zuleido e de Gil Jacó, sacou da conta da Gautama na Caixa

Econômica Federal, Agência Cidadela, em Salvador, no dia 9.3.2007, a

importância de R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais), que transportou até

Brasília, repassando-a a Tereza Lima, no aeroporto desta cidade (fl s. 2.727);

no dia 13.3.2007, Sérgio Sá, que se encontrava no Gabinete do Ministro Silas

Rondeau, combinou com Maria de Fátima a entrega da propina, orientando-a

para que entrasse pela portaria privativa sem se identifi car (diálogo de fl s. 2.729);

pela Informação Policial n. 18/2007 constata-se que naquele dia, por volta das

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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12h50min, Maria de Fátima dirigiu-se ao 8º andar do Ministério de Minas e

Energia, entrou pela porta que dá acesso ao gabinete do Ministro, entregou o

dinheiro e dali se retirou acompanhada, até o elevador, por Ivo Almeida;

33) as investigações revelaram, ainda, que logo após a celebração do

aditivo ao “Termo de Compromisso” que estabeleceu o percentual de 80%

de verbas da CDE para a Cepisa, Sérgio Sá persistiu no intento de que fosse

fi rmado com a Engevix o contrato para a gestão e fi scalização do programa

“Luz Para Todos” no Piauí, contando, para tanto, com o apoio de Jorge Targa;

para isso, solicitou ao Presidente da Cepisa que formulasse pedido formal ao

Presidente da Eletrobrás Valter Cardeal, para proceder a outra alteração do

Contrato ECFS/90/2005, de modo a permitir a utilização de recursos da CDE

para a cobertura fi nanceira também dos custos indiretos da obra, o que foi

efetivamente feito por Jorge Targa, através da Carta n. 033/2007, de 27.2.2007;

tais tratativas foram realizadas por Sérgio Sá no gabinete do próprio Ministro

Silas Rondeau, onde se encontrava em companhia de Zuleido Veras (fl s. 2.730);

no dia seguinte Zuleido relatou ao seu irmão Dimas a reunião que tivera com

Silas e Santana (fl s. 2.731); a partir daí, Sérgio Sá prosseguiu nas negociações

com o Ministro Silas Rondeau e com o Coordenador Nacional do “Programa

Luz para Todos” José Ribamar Santana, para viabilizar as medições fraudulentas

das obras contratadas pela Gautama; para isso, encontrou-se com Santana

e com Zuleido Veras, no dia 11.4.2007, no restaurante Lake’s, em Brasília,

conforme demonstram as interceptações telefônicas e a Informação Policial n.

038/07 (fl s. 2.731);

34) no dia 13.4.2007, Sérgio reuniu-se com Silas Roundeau e com Santana

no Ministério das Minas e Energia, acertando o pagamento à Gautama de

R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), por obras que ainda não haviam

sido executadas, mediante promessa de vantagem indevida por eles aceita

(diálogo de fl s. 2.731-2.732); atendendo à determinação de Zuleido, Dimas

encaminhou à Cepisa a Correspondência Externa n. 093-2007, datada de

19.4.2007, solicitando a fi scalização para o faturamento das obras, de acordo

com o que havia sido anteriormente combinado (fl s. 2.732-2.733).

Segundo a denúncia, o desvio dos recursos públicos em favor da Gautama

só não chegou a ocorrer em razão da defl agração da “Operação Navalha”. No

caderno de anotações de Ivo Almeida, apreendido no inquérito (apenso 44, fl .

24), consta: “faturamento da Gautama – não foi ainda encaminhado segundo última

reunião da sexta-feira, dia 4.5.2007. Ver!”, o que demonstra que o controle dos

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 103

pagamentos àquela empresa era realizado pelo gabinete do próprio Ministro das

Minas e Energia.

Considerando que os denunciados procederam de modo livre e consciente,

o MPF afi rmou que:

a) Silas Rondeau Cavalcante Silva, Ivo de Almeida, Aloísio Vasconcelos, Valter

Luís Cardeal de Souza, José Ribamar Lobato Santana, José Drumond Saraiva,

Jorge Targa Juni, José Ricardo Pinheiro de Abreu, Gregório Adilson Paranaguá da

Paz, Emanoel Augusto Paulo Soares e Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, estão

incursos nas penas do art. 288 do Código Penal;

b) Jorge Targa, José Ricardo de Abreu, Gregório Paranaguá, Silas Rondeau,

Aloísio Vasconcelos, José Drumond Saraiva, Valter Cardeal e José Ribamar Lobato

Santana, estão incursos nas penas do art. 20 da Lei n. 7.492/1986 (por três

vezes);

c) Silas Rondeau, Aloísio Vasconcelos, Valter Cardeal e José Drumond Saraiva,

estão incursos nas penas do art. 4º da Lei n. 7.492/1986;

d) Emanoel Augusto Paulo Soares, Gregório Adilson Paranaguá da Paz, Jorge

Targa Juni, Roberto Cesar Fontenelle Nascimento, José Ribamar Lobato Santana,

Sérgio Sá, Zuleido Veras, João Manoel Soares Barros e Maria de Fátima Palmeira,

estão incursos nas penas do art. 90 e 96, incisos I e V, da Lei n. 8.666/1993;

e) Zuleido de Soares Veras, Maria de Fátima Palmeira, Gil Jacó, Florêncio

Vieira, Dimas Soares de Veras, Tereza Freire e Sérgio Sá, estão incursos nas penas

do art. 333 do Código Penal (pagamento de propinas a Silas Rondeau e a Jorge

Targa);

f ) Silas Rondeau, Ivo Almeida Costa e Jorge Targa Juni estão incursos nas

penas do art. 317 do Código Penal;

g) Zuleido de Soares Veras e Sérgio Sá estão incursos nas penas do art. 333

do Código Penal (oferecimento de propinas a Silas Rondeau e a José Ribamar

Lobato Santana em 13.4.2007); e

h) Silas Rondeau e José Ribamar Lobato Santana estão incursos nas penas do

art. 317 do Código Penal (aceitação de promessa de propina no dia 13.4.2007).

Ao fi nal, requer o MPF:

a) seja a presente autuada com o Inquérito n. 544 que a instrui;

b) sejam os denunciados notifi cados para que, no prazo de quinze dias,

apresentem resposta (RI-STJ, art. 220 e Lei n. 8.038/1990, artigo 4º);

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

104

c) decorrido o prazo supra, seja designado dia para que a Corte delibere

sobre o recebimento da presente denúncia (RI/STJ, art. 222), bem como o

afastamento dos denunciados ocupantes de cargos públicos do exercício dos

respectivos cargos, em razão da gravidade dos fatos acima relatados; e

d) após o recebimento da denúncia, sejam os denunciados citados,

interrogados e, após os trâmites legais, condenados às penas cominadas nos

artigos indicados ao fi m de cada item.

Nesta Corte, o Inq n. 544-BA foi reautuado como APn n. 536-BA.

Por decisão de fl s. 2.748-2.752, atendi a pedido do MPF de remessa de

cópias, revoguei o Segredo de Justiça (exceto no que diz respeito a documentos

sigilosos) e determinei fossem oficiadas as Assembléias Legislativas do

Estado do Maranhão e do Estado de Alagoas, solicitando autorização para o

processamento da acusação oferecida contra os respectivos Governadores de

Estado, bem como notifi quei os demais denunciados para a apresentação de

resposta à acusação.

Considerando que as Assembléias Legislativas dos Estado do Maranhão e de

Alagoas não autorizaram que esta Corte examinasse a denúncia oferecida contra os

respectivos Governadores de Estado, concluiu a Corte Especial, em questão de

ordem, pelo desmembramento do feito, mantendo a competência desta Corte para

processar e julgar os denunciados abaixo indicados, quanto aos delitos praticados no

denominado “Evento Sergipe” (tópico da exordial acusatória em que o MPF

formula acusação contra o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de

Sergipe - único acusado detentor de foro privilegiado perante este Tribunal que

se encontrava em condições de ser julgado):

1) Flávio Conceição de Oliveira Neto;

2) Zuleido Soares de Veras;

3) Florêncio Brito Vieira:

4) Gil Jacó Carvalho Santos;

5) Gilmar de Melo Mendes;

6) Humberto Rios de Oliveira;

7) João Alves Filho;

8) João Alves Neto;

9) José Ivan de Carvalho Paixão;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 105

10) Kleber Curvelo Fontes;

11) Maria de Fátima César Palmeira:

12) Max José Vasconcelos de Andrade;

13) Renato Conde Garcia;

14) Ricardo Magalhães da Silva;

15) Roberto Leite:

16) Sérgio Duarte Leite; e

17) Victor Fonseca Mandarino.

O julgamento da questão de ordem supramencionada restou assim

ementado:

Questão de ordem. Ação penal originária. Processual Penal. Art. 80 do Código

de Processo Penal. Competência ratione personae desta Corte fi rmada apenas

em relação a um dos denunciados. Possibilidade, necessidade e utilidade de

desmembramento do feito.

1. Ostenta esta Corte precedentes, embasado em decisões do STF, ordenando

o desmembramento do processo quando, pelo número excessivo de denunciados

seria sacrifi cada a instrução. É o que ocorre na hipótese dos autos em que há 61

(sessenta e um) denunciados, sem que haja unidade de participação entre todos

eles.

2. A manutenção da unidade do processo mostra-se contraproducente e

contrária ao princípio constitucional da duração razoável do processo, dando azo

à verifi cação da prescrição da pretensão punitiva e à inefetividade da persecutio

criminos in iudicio.

3. Nos termos do art. 80 do Código de Processo Penal, o desmembramento da

ação penal é facultativo e justifi cado quando o órgão judicial reconhece motivo

relevante, consistente, na espécie, no fato de que apenas um dos réus tem foro

por prerrogativa de função nesta Corte.

4. Questão de ordem resolvida no sentido de desmembrar a presente ação

penal, extraindo-se cópia integral dos autos para serem encaminhados às Seções

Judiciárias do Distrito Federal e dos Estados do Maranhão e de Alagoas (Juízos

constitucionalmente competentes para processar e julgar os delitos supostamente

praticados em sua área de jurisdição, nos termos do art. 109, IV, da Constituição

da República de 1988) para que prossigam no processamento do feito em relação

aos crimes praticados por cada um sem participação do Conselheiro do Tribunal de

Contas do Estado de Sergipe, mantendo-se o feito nesta instância apenas em relação

aos delitos praticados pelos denunciados no denominado “Evento Sergipe”.

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106

(APn n. 536-BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em

17.3.2010, DJe 12.4.2010).

(fl . 8.666-8.685).

Notificados, os denunciados no denominado “Evento Sergipe”

apresentaram resposta à acusação, oportunidade em que passo a relatar as

mencionadas peças de defesa:

I) FLÁVIO CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA NETO (FL. 6.949-7.048)

Primeiramente, o denunciado alega que a peça de defesa tem a pretensão

de demonstrar a incongruência e a inépcia da exordial acusatória.

Afi rma que a nulidade impera em todas as supostas evidências colhidas

nos autos contra o ora acusado e que o MPF, sem qualquer fundamento válido,

imputa ao denunciado a prática dos crimes tipifi cados nos arts. 312, caput, 312,

§ 1º e 319 do Código Penal.

Feitas essas considerações, o denunciado suscita as seguintes preliminares:

1) INCOMPETÊNCIA JURISDICIONAL - RELATORIA X

PARTICIPAÇÃO EM ATOS DO INQUÉRITO

O acusado alega que, em razão desta relatora ter colhido o depoimento dos

indiciados presos no curso do Inquérito, fi cou impedida, nos termos do art. 252

do Código de Processo Penal, de atuar no feito.

Afi rma que a participação do Relator no Inquérito em que se apura crime

cometido por detentor de foro privilegiado deve se resumir à função de garante

e não a de atuar na colheita de prova.

Cita o HC n. 82.507-SE, julgado pelo STF, com o fi m de demonstrar que

a competência penal originária não autoriza ao respectivo Tribunal que realize

funções de polícia judiciária.

Requer, ao fi nal, a averbação de impedimento desta relatora e a consequente

redistribuição do feito.

2) INÉPCIA DA DENÚNCIA

O acusado alega a inépcia da exordial acusatória, porque a denúncia não

descreve, de forma clara e objetiva, os fatos ilícitos supostamente cometidos pelo

investigado.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 107

Afi rma que “a precipitação do Ministério Público, ante uma investigação

‘furada’, do ponto de vista técnico, gerou como consequência a elaboração de

uma denúncia totalmente inepta, por não preencher os requisitos mínimos de

sustentabilidade, na ótica de exposição de fatos, detalhamento de condutas e

manejo de elementos supostamente probatórios”.

Aduz que o “direito a uma acusação certa, determinada, que relate o fato e

diga: ‘o acusado cometeu esse ilícito e são essas as provas’, é algo tão importante

que consta do artigo 11 da Declaração dos Direitos do Homem das Nações

Unidas”.

Ao fi nal, pugna pela rejeição da denúncia afi rmando inexistir especifi cação

da participação criminosa atribuída ao denunciado.

3) FATOS NÃO DESCRITOS X IMPOSSIBILIDADE DE DEFESA

O denunciado afi rma que a leitura da denúncia indica claramente não

haver na exordial acusatória, uma descrição detalhada das condutas antijurídicas

imputadas aos denunciados, pois a denúncia não é explícita quanto à data de

início da suposta atividade criminosa do acusado, se ocorrida desde a fase da

licitação do Contrato de n. 110/01 ou tão-somente na fase de execução.

Afi rma não ter a denúncia indicado a forma pela qual o acusado teria

ajudado João Alves Filho e Zuleido Veras no seguinte tópico:

Além de João Alves Neto, O ex-Governador contou com o auxílio de Flávio

de Conceição de Oliveira Neto, à época Secretário da casa Civil; de Max José

Vasconcelos de Andrade, Secretário de Fazenda nos anos de 2003 e 2004; de Gilmar

de Melo Mendes, Secretário de Fazenda nos anos de 2005 e 2006; e, de Victor

Fonseca Mandarino, Presidente da Deso nos anos de 2003 a 2006.

(fl . 6.966).

O denunciado segue questionando: “Como Flávio Conceição ajudou João

Alves Filho na suposta ilicitude? Flávio realizou quais atos ilícitos, quais condutas

para favorecer Zuleido Veras? Ou será que foi para atender João Alves Filho?

Onde se situa Flávio Conceição nesta relação? Atuava para Zuleido junto a João

Alves Filho ou atuava para João Alves Filho junto a Zuleido?”

Com o fi m de demonstrar o que alega, cita o acusado o seguinte trecho da

peça inicial elaborada pelo MPF:

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Como o contrato fi rmado entre a Gautama e a Deso era de R$ 126.097.452,67,

o ex-Governador empenhou-se para conseguir o restante dos recursos. Assim,

buscou o referido financiamento junto à Caixa Econômica Federal e outros

empréstimos bancários, além de ter fi rmado novo convênio com o Ministério da

Integração Nacional, o de n. 006/05, do qual só foram liberados R$ 6.800.001,00.

Tais condutas poderiam ser consideradas como decorrentes da legítima

atividade governamental, pois a obra contratada era de inegável interesse

público, não tivesse o ex-Governador, através do seu próprio fi lho, João Alves

Neto, negociado com Zuleido Veras vantagens indevidas em troca de conseguir

as verbas e autorizar as liberações dos recursos para que a Deso efetuasse os

pagamentos das medições fraudulentas pretendidas pela Gautama a partir de

janeiro de 2003.

E conclui: “se a suposta negociação se deu entre João Alves Filho e Zuleido Veras

e foi feita ‘através do seu próprio fi lho, João Alves Neto’, como foi a participação de

Flávio Conceição no evento? Recebeu dinheiro de Zuleido? Para que recebeu dinheiro?

Por qual motivo Zuleido pagaria a suposta propina a Flávio Conceição se o

suposto acerto era com João Alves Filho através do fi lho João Alves Neto?

De que Flávio Conceição precisa se defender? De ter supostamente recebido

propina para si ou para outrem?

Flávio é o agente corrompido ou o partícipe do crime de corrupção passiva que

recebe e repassa o valor da propina? É o agente que pratica o peculato ou o partícipe do

delito? (fl . 6.967-6.968).

Segundo a defesa a denúncia relata, de forma equivocada, os aditivos

realizados no contrato como sendo ilegais e revela-se imprecisa quanto á narração

dos fatos e cronologia das ações e as prorrogações de prazo do contrato visaram,

na verdade, viabilizar a execução dos serviços diversos daqueles inicialmente

licitados e com as mesmas bases de preços superfaturados, incidindo, ainda, os

alts índices de correção do valor do contrato original”. (fl . 6.969).

Alega, contudo, não haver menção a esses aditivos com a interveniência

do acusado. Tanto que a denúncia não descreveu nenhuma conduta antijurídica

capaz de ensejar a prática de delito de peculato por parte do denunciado ou se

no período das interceptações telefônicas, realizadas (abril a setembro de 2006),

houve pagamento de valores ilegais à Gautama, ou se o denunciado interferiu

para aprovação das medições irregulares.

Ao final, requer o acolhimento da preliminar de inépcia da exordial

acusatória, aduzindo que a falta de descrição dos eventos com precisão necessária

implica em cerceamento de defesa.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 109

4) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL

Após tecer considerações doutrinárias sobre o instituto da justa causa, diz o

denunciado que, para ajuizamento da ação criminal, deve a petição inicial conter

elementos capazes de formar um processo idôneo, coerente e embasado em

provas de materialidade e indícios de autoria.

4. “a”) MATERIALIDADE E PROVAS NÃO IDÔNEAS - JUSTA

CAUSA?

Neste ponto, segundo alega, nenhum dos 03 (três) elementos de prova

carreados aos autos servem de subsídio para o recebimento da denúncia.

4. “b”) DA ILEGAL MANIPULAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO

BRASILEIRO

Para a defesa, “as investigações foram processadas de forma totalmente

inaceitável do ponto de vista processual, com a omissão de fatos apurados,

visando manter o processo perante determinada autoridade judicial”. Traça

um breve histórico das investigações, com a fi nalidade de demonstrar que

as interceptações telefônicas produzidas foram determinadas por autoridade

judicial incompetente. E explicita que o Inq. n. 544-BA (que deu origem

à presente APn n. 536-BA) foi instaurado com a finalidade de apurar o

vazamento de informações constantes dos autos das Medidas Cautelares de

n. 2004.33.00.022013-0 e n. 2006.33.00.002647-3, procedimentos em curso

perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado

da Bahia e versando sobre interceptações telefônicas decretadas com o fi m de

apurar supostas ilegalidades perpetradas por empresários baianos do segmento

de Prestação de Serviços e Terceirização de Mão-de-obra.

Nas medidas cautelares indicadas, embora importantes para o exame

em torno da licitude do conjunto probatório produzido nestes autos, foi

determinada a juntada à APn n. 510-BA.

Para o denunciado o Juiz Federal, no apenso de n. 76 da APn n. 510-BA,

demonstrou que os Delegados de Polícia Federal, encarregados das investigações,

se utilizaram de procedimentos escusos e ilegais.

Desde o mês de abril de 2006 (data em que foi deferida a primeira

interceptação telefônica em relação ao denunciado Zuleido Veras) a Policia

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110

Federal tinha conhecimento de um suposto envolvimento de autoridades com

foro privilegiado.

Em decisão proferida nos autos da MC n. 2006.33.00.002647-3, há

explícita menção ao envolvimento de um deputado e um Secretário do Estado

de Sergipe, ambos com prerrogativa de foro privilegiado, os quais terminaram

envolvidos na investigação.

Aliás, a Delegada Andréa Tsuruta sabia, desde o início das investigações,

que autoridades com foro privilegiado estariam supostamente envolvidas, mas

as provas colhidas contra o ex-deputado Ivan Paixão foram produzidas quando

este gozava de prerrogativa de foro, como fi cará demonstrado no Evento Ivan

Paixão.

Alega que as provas carreadas aos autos contra o ex-Governador do

Maranhão José Reinaldo Tavares foram produzidas no ano de 2006, período em

que este ocupava o cargo de Governador do Estado do Maranhão.

4. “b”.”i”) DEPUTADOS FEDERAIS, GOVERNADORES E O STJ,

STF OU O JUIZ SINGULAR?

O denunciado, neste ponto, explica que separará os argumentos de defesa

em eventos, tal como feito pelo parquet.

EVENTO GOVERNADOR JOSÉ REINALDO TAVARES

Em interceptações telefônicas realizadas no período de 23.5.2006 a

6.6.2006, a Polícia Federal obteve elementos de prova da suposta participação

do ex-Governador José Reinaldo Tavares. A constatação pode ser feita por meio

do exame do Relatório Circunstanciado n. 007/Navalha, apresentado ao Juiz

Federal Durval Carneiro Neto.

A suposta participação de detentor de foro privilegiado é reafi rmada no

Relatório Circunstanciado n. 009/Navalha apresentado ao referido magistrado

federal.

Com efeito, segundo a defesa, as provas colhidas contra o ex-Governador

demonstram a incompetência do magistrado de 1º Grau para deferir as medidas

cautelares de quebra de sigilo telefônico dos investigados.

EVENTO PROCURADOR GERAL DO ESTADO DO

MARANHÃO

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 111

O denunciado afirma ter a Polícia Federal elementos de prova da

participação de Ulisses Cesar Martins de Souza, então Procurador Geral

do Estado do Maranhão (autoridade com foro privilegiado), segundo as

interceptações telefônicas no período de 28.6.2006 a 14.6.2006 (Relatório n.

09/Navalha).

EVENTO GOVERNADOR JOÃO ALVES FILHO

O acusado alega que os únicos elementos de prova colhidos durante a

investigação contra João Alves Filho remontam ao período de 28.6.2006 a

14.7.2006, quando ocupava o cargo de Governador do Estado de Sergipe (cita o

Relatório n. 09, Anexo 04/Navalha).

Todas as interceptações telefônicas incriminando o ex-Governador

(autoridade com foro privilegiado) foram realizadas por ordem do Juiz Federal

da Seção Judiciária da Bahia.

EVENTO DEPUTADOS FEDERAIS

Para a defesa, a análise detalhada do caso demonstra que, no curso das

investigações, vários deputados federais foram citados e identifi cados como

suspeitos da prática de atos ilícitos em conluio com os integrantes da Construtora

Gautama, todos com foro privilegiado perante o STF, como constatado pela

Delegada Federal no Relatório Parcial de Inteligência I.

EVENTO EX-DEPUTADO FEDERAL IVAN PAIXÃO

A primeira menção à suposta participação do ex-Deputado Federal no

evento criminoso remonta a 4.7.2006, data de realização de interceptação

telefônica autorizada pelo Juízo de 1º Grau, perante o qual foram colhidos

todos os indícios referentes a este denunciado.

EVENTO DEPUTADO FEDERAL PAULO MAGALHÃES

O mesmo se diga em relação ao Deputado Federal Paulo Magalhães

quando foram colhidos indícios de autoria, em interceptações que remontam ao

período de 28.8.2006 a 4.4.2007.

No HD da Operação Navalha o Deputado Federal Paulo Magalhães

teria, no período de 15.8.2006 a 26.9.2006, solicitado a Zuleido Soares Veras

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112

vantagem indevida consistente na quantia de R$ 300.000,00. Para a defesa

houve manipulação do sistema judiciário com o fi m de manter o processo

nesta Corte, sob o argumento de que consta do Apenso n. 05 do Relatório de

Inteligência Policial n. 06 (p. 23-36) - documento produzido antes de defl agrada

a Operação Navalha, quando ainda não tinha esta Corte competência para

decretar a busca e apreensão e a prisão dos investigados.

DO EVENTO DEPUTADO FEDERAL OLAVO CALHEIROS

Para a defesa, a Polícia Federal confeccionou Relatório (com base nas

informações do HD da Operação Navalha) apontando o envolvimento do

Deputado Federal Olavo Calheiros no esquema ilegal investigado, com base

em elementos probatórios colhidos em meados de junho e julho de 2006, por

decisões do Juiz de 1º grau de jurisdição.

DO EVENTO DEPUTADO FEDERAL MAURÍCIO QUINTELA

O denunciado alega que os elementos reunidos em face do Deputado

Federal Maurício Quintela foram colhidos no período de novembro de 2005 e

setembro de 2006 (relatório emitido pela Polícia Federal), oriundos de decisões

ilegais.

DO EVENTO DEPUTADO FEDERAL LUIZ PIAUYLINO

Neste evento, os elementos produzidos contra o Deputado Federal Luiz

Piauylino foram colhidos pela Polícia Federal em meados de junho e julho de

2006 (relatório emitido pela Polícia Federal), oriundos de decisões, tidas pelo

acusado, como ilegais por vício de competência da autoridade de piso.

DO EVENTO MINISTRO SILAS RONDEAU

O evento mais importante para a demonstração da manipulação do sistema

judiciário brasileiro, segundo a defesa, para manter a competência funcional

num determinado órgão, foi o envolvimento do ex-Ministro Silas Rondeau. O

nome do ministro foi omitido até a defl agração da operação policial em sua fase

ostensiva, fi cando tudo escondido pelo Ministério Público Federal para evitar o

deslocamento de competência.

O acusado alega que os eventos trazidos à tona com a denúncia ofertada

pelo MPF mostram que a Polícia Federal já considerava, desde meados de 2006,

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 113

o então Ministro Silas envolvido na suposta organização criminosa montada

ao redor da empresa Gautama (cita a página 121 da exordial acusatória). Mas a

PF e o MPF, com o fi m de evitar o deslocamento da competência para o STF,

não apresentaram os dados concretos acerca do envolvimento do Ministro no

suposto “esquema” ilegal investigado.

4. “c” - QUANTO A PF SOUBE? REFLEXOS DA MANIPULAÇÃO

DO SISTEMA JUDICIÁRIO BRASILEIRO - NULIDADE DOS ATOS

DECISÓRIOS

Apesar da Polícia Federal e o MPF terem informações da participação

de investigados detentores de foro privilegiado, o inquérito continuou sendo

processado perante o Juízo de 1º Grau, sendo por ele autorizadas as seguintes

diligências:

DATAEVENTO

JURISDIÇÃOJURISDIÇÃO

CORRETA

19.4.2006 Primeira autorização para

interceptação do telefone de

Zuleido Veras. Não consta esta

informação nos autos, é deduzida

dos documentos juntados pelo

Juiz Durval Carneiro Neto, no

apenso n. 76.

2ª Vara

Federal de

Salvador

2ª Vara Federal

de Salvador

5.5.2006 Primeira interceptação em que

aparece uma autoridade com

foro privilegiado, no caso o

denunciado Flávio Conceição

de Oliveira Neto, Secretário de

Estado com foro privilegiado do

TRF.

2ª Vara

Federal de

Salvador

2ª Vara Federal

de Salvador

Dias antes de

19.5.2006

Um relatório da Polícia Federal

deveria apresentar ao Juiz Durval

Carneiro Neto os resultados

desta fase de interceptações, tal

relatório não consta dos autos da

ação penal.

2ª Vara

Federal de

Salvador

2ª Vara Federal

de Salvador

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

114

19.5.2006 Decisão de prorrogação da

interceptação telefônica de

Zuleido Veras, na decisão o juiz já

cita “Além disso, foram detectados

indícios de novas fraudes cometidas

por Zuleido e Rodolpho junto

á Prefeitura de Camaçari e ao

TCU, onde, segundo consta, há 26

procedimentos instaurados contra

a empresa Gautama”, também já

havia indícios de participação de

Secretário de Estado de Sergipe.

2ª Vara Federal

de Salvador

TRF

22 e 23.5.2006 A Polícia Federal identifi ca a

suposta participação do Secretário

de Infraestrutura do maranhão,

Ney Bello e do Procurador Geral

do Estado, Ulisses César, as

interceptações saio usadas para

delimitar a data de participação,

vide denúncia p. 16 “A análise dos

diálogos monitorados no curso

das investigações, notadamente no

período de maio a julho de 2006”

(denúncia, 4º parágrafo, p. 16)

2ª Vara Federal

de Salvador

TRF

1º.6.2006 A Polícia Federal intercepta

conversa entre Zuleido e Vicente

onde este relata a evolução da

conversa com o Procurador Geral,

vide relatório policial constante

do HD e intitulado Evento Pontes Maranhão.

2ª Vara Federal

de Salvador

TRF

15.6.2006 A Polícia Federal identifi ca

diálogo que sugere o pagamento

de propina ao então Governador

José Reinaldo Tavares, o díálogo é

usado transcrito na denúncia, p. 19

2ª Vara Federal

de Salvador

STJ

15.6.2006 A Polícia Federal identifi ca

suposta participação do Deputado

Federal Maurício Quintela, cita

o evento no relatório intitulado

Evento Maurício Quintela.

2ª Vara Federal

de Salvador

STF

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 115

16.6.2006 A Polícia Federal identifi ca

viagem de Zuleiro a Aracaju

para conversas com, segundo a

denúncia, o inetrmediário de João

Alves Filçho, o seu fi lho João

Alves Neto e com outro Secretário

de Estado, o Sr. Gilmar de Melo

Mendes.

2ª Vara Federal

de Salvador

STJ

4.7.2006 A Polícia Federal identifi ca

conversa entre Zuleiro Veras e

o então Deputado Federal Ivan

Paixão, o diálogo é usado transcrito

na denúncia.

2ª Vara Federal

de Salvador

STF

Junho e julho A Polícia Federal identifi ca

diálogos que sugerem, segundo

a própria polícia, ilicitudes

envolvendo os deputados federais

Olavo Calheiros, Luiz Piauylino e

Marcelo Quintela.

2ª Vara Federal

de Salvador

STF

14 de setembro de 2006

A Polícia Federal requer, com

o aval do MPF, ao Juiz Durval

Carneiro Neto que decline

da competência em favor do

STJ, no despacho judicial de

declinação de competência,

o Juiz cita especifi camente a

suposta participação do então

deputado federal Ivan Paixão,

que é nominado erradamente

como deputado Estadual, apesar

de não existirem diálogos com os

ex-Governadores José Reinaldo

Tavares e João Alves Filho e

existirem diálogos com alguns

deputados federais, a PF e o MPF

não os citam especifi camente para

que o processo não tenha como

destino o STF.

2ª Vara Federal

de Salvador

STF

Novembro de 2006

A ministra Eliana Calmon

defere algumas interceptações

telefônicas, não constam nos autos

tais documentos.

STJ STF

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

116

7 de maio de

2007

A polícia federal cita,

especifi camente no relatório de

inteligência policial (Parcial n.

06 – STJ) o suposto recebimento

de R$ 20.000,00 pelo Deputado

Federal Paulo Magalhães, a citação

não é feita pelo MPF no pedido

de defl agração da fase ostensiva da

Operação.

STJ STF

17 de maio de

2007

Atendendo pedido do MPF que

não cita uma única autoridade

com foro privilegiado do STF,

nem mesmo o ex-ministro Silas

Rondeau.

STJ STF

E conclui que o juiz incompetente para o feito principal não tem

competência para deferir a quebra do sigilo telefônico dos investigados. Cita o

HC n. 10.243-RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJ 23.4.2001, sendo portanto nulos

os atos decisórios que se seguem após o dia 5.5.2006, data em que o denunciado

Flávio Conceição, então Secretário de Estado, passa a fi gurar como investigado

pela Polícia Federal, autoridade que, nos termos do art. 91 da Constituição do

Estado de Sergipe. Conclui pela necessidade de serem expurgadas as escutas

telefônicas realizadas a partir de 19.5.2006, por ordem do Juiz da 2ª Vara Federal

de Salvador. Pede sejam desentranhados os documentos recolhidos em razão da

ordem de busca e apreensão determinada pela relatora. E conclui: no momento

em que sejam desentranhados os documentos e as interceptações telefônicas,

a denúncia oferecida pelo MPF contra o ora acusado deve ser rejeitada, pois

a materialidade dos delitos praticados pelo ora Conselheiro estariam, segundo

a ótica do MPF, comprovadas na “agenda do Gil”e nas ligações telefônicas

interceptadas.

4. “d”. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LICITUDE DAS

GRAVAÇÕES

O denunciado tece considerações sobre a regra do sigilo constitucional das

telecomunicações e sustenta que são inadmissíveis as provas obtidas por meios

ilícitos.

4. “d”.”i”. PEÇAS PROCESSUAIS – AUSÊNCIA

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 117

O denunciado alega que instituiu-se na Corte Especial do STJ uma série de

procedimentos para facilitar o manuseio dos autos, tais como registro magnético

de vários elementos processuais e o registro informatizado de documentos.

Tais registros foram fornecidos pela Polícia Federal e disponibilizados pela

Corte Especial por meio da gravação de um HD. Entretanto, muitos dos

arquivos gravados no HD não foram entregues aos acusados, como sói

acontecer com os Eventos referentes aos Deputados Federais Olavo Calheiros,

Maurício Quintella, Luiz Piauylino e Paulo Magalhães, como não foram

juntados aos autos as Medidas Cautelares de n. 2004.33.00.022013-0 e n.

2006.33.00.002647-3.

O acusado elenca, de forma objetiva, os seguintes documentos que estariam

ausentes nos autos:

“a) pedidos de interceptação de todo o período;

b) decisões judiciais de deferimento das interceptações telefônicas;

c) relatórios das diligências de interceptações; e

d) protocolos dos ofícios que foram entregues às operadoras, informando a

data em que estas tiveram conhecimento da ordem judicial, imprescindível para

a verifi cação da licitude das gravações.

E ainda, os documentos efetivamente apreendidos por ordem judicial, que

não está nos autos, como a exemplo da ‘agendo do Gil’ referência à Agenda do

diretor da Gautama Gil Jacó.”

Requer, ao fi nal, a rejeição da denúncia, sob o argumento de ausência dos

elementos que comprometem a materialidade probatória capaz de ensejar a

justa causa para o início da ação penal.

4. “d”.“ii” - PRESENÇA DOS REQUISITOS ACAUTELADORES E

15 + 15 PRORROGAÇÃO

O denunciado alega não estar demonstrada nos autos a presença dos

requisitos autorizadores para a decretação da interceptação telefônica dos

investigados tampouco motivo hábil a autorizar a prorrogação da medida, razão

pela qual requer a decretação de nulidade da prova colhida.

Afi rma que o Juízo de 1º Grau, no Apenso n. 76, autorizou o afastamento

do sigilo sem indicar os indícios de autoria e materialidade da prática do delito

investigado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

118

Por fi m, alega que o limite temporal estabelecido na Lei n. 9.296/1996 não

restou observado.

4. “e” - O RELATO DA CGU E A PROVA DA MATERIALIDADE

DO PECULATO

Neste ponto, o denunciado insurge-se contra a acusação do MPF quanto

ao desvio de R$ 178.708.458,81 no Contrato de n. 110/01, por falta de lógica

técnica da CGU, órgão que realizou um esforço hercúleo no relatório para

tentar encontrar irregularidades não existentes.

ASPECTOS RELEVANTES DO RELATÓRIO DA CGU

Afi rma a defesa ser o relatório da CGU resultado de pressão exercida

após a defl agração da Operação “Navalha” e não levando em conta a avaliação

sistemática feita pelo TCU na obra decorrente do Contrato n. 110/01.

Para a defesa o delito de peculato necessita, para seu embasamento da

demonstração cabal do quantum de recursos públicos foi desviado.

Rejeita a defesa o alegado desvio de R$ 76.180.447,31 da obra

questionada, como consta da denúncia, como também nega a afi rmação quanto

ao superfaturamento dos pagamentos de tubos e serviços, negando ainda

pagamentos por serviços não realizados.

Segundo entende, foi equivocado o relatório da CGU, o qual partiu

de premissas inverídicas para justifi car a alegação de superfaturamento nos

pagamentos feitos pela Deso à Gautama nos itens tubos e serviços.

Insurge-e contra a alegação de que seria mais econômico para a

Administração se a obra tivesse sido feita em 02 etapas, uma referente

somente à compra de materais e outra para a execução dos serviços. E afi rma:

a “justifi cativa para a tese é hilária e chega ás raias da insanidade. Como é sabido

a construção de um adutora, como todas do segmento de construção civil, não é uma

obra com especif icações exatas, não se admite que a Administração possa prever

milimetricamente a quantidade deste ou daquele material a ser aplicado, por este

motivo se faz a contratação por preço unitário, ou seja, a cada item aplicado ou

realizado na obra se paga o valor orçado na proposta do licitante vencedor.

(...)

Se admitida a tese, o Poder Público teria que arcar com a compra total e imediata

de todos os materiais, portanto, teria que ter disponibilidade fi nanceira para tanto, o

que se mostrou Impossível no caso em tela, pois os recursos advieram à Deso no decorrer

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 119

de vários anos. Teria Que arcar ainda com custos de armazenagem, transporte,

carga e descarga, tudo não previsto no Relatório da CGU ao fazer as contas com o

fracionamento da licitação.” (p. 7.016).

Assevera ter o relatório da CGU calculado o valor pago a título de BDI

(bônus e despesas indiretas) excluindo a quase totalidade das despesas indiretas,

tais como Seguros, Equipamentos de proteção Individual, etc., despesas cujos

valores não seriam menores em nenhuma hipótese, mesmo se fracionada a

licitação, pois então teríamos despesas de administração nas duas situações,

gerando um BDI percentualmente maior. (p. 7.018).

Aduz que do ponto de vista fi nanceiro a tese sustentada peo relatório da

CGU não encontra pertinência, tanto que a questão teve total avaliação do

TCU ao concluir pela legalidade do processo licitatório e, via de consequência,

da composição do BDI.

TUBOS

Neste ponto, o denunciado afi rma: “No que tange aos preços das tubulações

deve-se ter em consideração que a Gautama realizou com a Deso um contrato para

recebimento de acordo com o fl uxo de caixa de valores que a Deso recebesse de convênio

e de recursos próprios.

Mesmo formatando um contrato condicionado a existência de verbas, a

Gautama negociou com os fornecedores de tubulação um contrato Fixo, ou seja,

acordou e contratou o fornecimento de tubulação arcando com preJuízos decorrentes da

paralisação do contrato ou de atrasos de pagamento. Na expressão jurídica, assumiu o

ônus da atividade econômica.

Com este procedimento conseguiu preços bem mais competitivos.

(...)

O TCU foi instado a se pronunciar sobre os preços das tubulações, exigiu uma

justifi cativa da DE50 que elaborou um relatório com todos os comparativos de preços

do contrato, inclusive com avaliações acerca do mercado internacional e apresentou

ao TCU que a aprovou tais preços. Todos os elementos que demonstram a licitude

destes preços, inclUSive orçamento dos fabricantes encontram-se no Anexo XV que

acompanha a denúncia.

Apesar de todas estas evidências o Relatóno da CGU desprezou estes fatos

e partiu para um raciocínio bizarro que será demonstrado abaixo.”

(p. 7.020)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

120

O denunciado transcreve trechos de acórdão proferido pelo TCU no qual

restaram examinados, segundo o acusado, todos os elementos de fato que foram

utilizados para a verifi cação dos preços colhidos para a tubulação.

Afi rma ser “evidente que não se trata de discutir aqui o mérito da Instrução

mas, mostrar que apesar dos dados colhidos pela Deso e das análises feitas pelo TCU,

o Relatório da CGU não citou nada sobre isso, optou por um caminho tortuoso e

inaceitável para cumprir a ‘encomenda’ que recebera, qual seja, elaborar um relatório

contendo ilegalidades contra a Gautama.

No Relatório a CGU optou em fazer um comparativo entre os preços de aquisição

dos tubos pela Gautama e os preços que a De50 pagou pelos mesmos tubos â construtora.

O raciocínio matemático utilizado não se sustenta.

Para apuração do valor de compra dos tubos, a CGU ateu-se unicamente às

notas fi scais apresentadas, com estas notas fi scais fez uma tabela de defl ação e apurou o

valor dos tubos na data do contrato.

A premissa esta equivocada, pois o custo pago pela Construtora Gautama pelos

tubos não ê somente os que constam das notas fi scais, Incidem ainda, despesas de

transporte, armazenagem, carga e descarga e outros custos que a CGU expurgou do

cálculo de seu boi ajustado.

Para defl acionar o valor dos tubos, tentando achar o montante pago em valores

de setembro de 2000, data da proposta da Gautama, a CGU utilizou o expurgo

da variação da coluna 32 da revista Conjuntura Econômica da FGV, no entanto,

esqueceu de observar que o contrato previa reajuste anual, portanto, durante um ano

inteiro o valor do contrato não sofria alteração.

A estapafúrdia tabela de defl ação não considerou a existência deste detalhe de

suma importância o que impacta no valor fi nal calculado.

Cabe registrar, que as notas Fiscais levantadas pela auditoria da CGU não estão

completas; ela inclusive admite a possibilidade da diferença ser referente a estoque,

como pode ser constatado nas Tabelas 21/22 e 23 do Relatório da CGU, onde temos:

(...)

Isso permite concluir que o MPF é quem lança, de modo indevido a idéia que os

tubos foram medidos e não entregues.

O próprio relatório da CGU afi rma no item 2.7 que

“Os pontos visitados foram fotografados e suas coordenadas foram registradas por

meio de equipamento GPS Posteriormente foram confi rmadas as suas localizações com

as existentes no projeto”.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 121

Ora, se a verifi cação em campo confi rma que a obra foi executada conforme o

projeto, também mostra que sua extensão está confi rmada.

Isso é uma Imposição lógica, dado ser impossível realizar a obra sem os tubos.

Com estes dados pode-se concluir que o relatório da CGU parte de premissas

totalmente ilegais para concluir que os preços dos tubos seriam superfaturados.”

(p. 7.022-7.025).

QUANTIDADE DE TUBAÇÃO - ASPECTO IMPORTANTE

PARA VALORAÇÃO DO PREÇO

Neste tópico, o denunciado acusa o relatório da CGU de ser impreciso no

tocante ao cálculo dos preços dos tubos.

Após transcrever trechos do relatório destaca: “Não se pode deixar de registrar,

face ao teor denúncia, a completa incompatibilidade dos números apresentados pela

CGU e pelo próprio texto da Denúncia.

Mas, o mais importante é que o texto da Denúncia registra a metragem iniciai

de adutoras do Contrato o 110/01, igual a 42.585 m. Registra, também, o 60 Termo

de Rerratifi cação fi rmado em 6.6.2006, que complementa a o Trecho GraVidade LI,

acrescendo ao Contrato o 110/01, a execução de mais 9.730 m de adutoras.

Se em maio de 2005, como diz o texto da Denúncia, já haviam sido executados

99,99% da obra originalmente contratada, e em 6 de Junho de 2005 foi celebrado o 60

Termo de Rerratifi cação, é claro que, a partir daí, estariam sendo emitidas as medições

referentes à execução desses 9.730 m de adutoras acrescidos ao contrato pelo 6º Termo

de Rerratifi cação, e não medições fraudulentas como equivocadamente afi rma.

(...)

A errônea conclusão a que chegou o Ministério Público originou-se do fato

de a CGU, em seu Relatório de Ação de Controle, tentar retratar a realidade da

obra através da soma das Quantidades constantes das Notas Fiscais que lhe foram

disponibilizadas, sem atentar para a possibilidade de que não detinha em seu poder

a totalidade das Notas Fiscais de fornecimento de tubos pela Construtora Gautama.

Mormente quando já havia confi rmado as coordenadas de projeto das extremidades

dos trechos de adutoras executados, conforme item 2.7 do Relatório de Ação de Controle.

Todos estes dados fazem demonstrar que não havia sobrepreço algum e

que o Relatório da CGU neste tópico é totalmente inaceitável.”

(p. 7.025-7.028).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

122

SOBREPREÇO EM SERVIÇOS

Insurge-se o denunciado contra a acusação formulada pelo parquet quanto

ao sobrepreço dos serviços executados com base no Contrato n. 110/01 e alega:

“as análises realizadas pelo TCU não se limitaram à avaliação dos preços de

serviços, onde constam, inclusive, determinações para renegociação de valores

(caso das escavações de material de 2ª categoria), mas abordam questões

diretamente relacionadas à economicidade das obras, cujas reduções de custos

foram ressaltadas no próprio Relatório do Ministro Relator.

Em termos objetivos, da atuação do TCU e em atendimento às

determinações emanadas da Decisão TCU n. 1.270/2002 - Plenário, a Deso

fi rmou o 2º Termo de Rerratifi cação ao Contrato n. 110/01, alterando o preço

global de R$ 107.455.567,5S para R$ R$ 103.064.249,67.

(...)

Por tudo o que se demonstra está evidenciado que a simples comparação

entre preços da planilha da proposta e os preços Sinap não é um fato que

demonstre qualquer tipo de sobrepreço dadas as peculiaridades existentes no

caso e que não foram objeto de avaliação pela CGU no seu Relatório de Ação

de Controle.

A tabela 28 do Relatório de Ação de Controle constante de sua página

76 existente no apenso 97, demonstra que para os tais sobrepreços os cálculos

somariam R$ 38.736.979.47, isto fazendo o exercício matemático de mudar a

composição do BDI, o que se mostrou inaceitável, considerar superfaturamento

nos tubos e em serviços, o que colide com a lógica, pois as premissas utilizadas

foram equivocadas e colide ainda com as análises e justifi cativas das decisões do

TCU, Acórdão n. 1.270/2002 do Plenário e Acórdão n. 25.712.004.”

(p. 7.031-7.032).

REAJUSTE E SERVIÇOS NÃO EXECUTADOS

Neste ponto, o denunciado alega que “Para compor a tabela 28 do Relatório de

Ação de Controle que demonstra o valor dos recursos supostamente desviados a CGU

apresenta a tese de que há R$ 37.057.815,15 de valores desviados decorrentes do

reajustes supostamente indevidos pois pagos sobre valores supostamente superfaturados.

Quais são estes valores supostamente superfaturados?

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 123

Exatamente, aqueles constante do item A da tabela 28, ou seja, a CGU entendeu

que houve superfaturamento no Boi, no preço de tubos e de serviços e, considerando

ilegal estes supostos superfaturamento, seria, por lógica ilegal os reajustes pagos sobre

estes preços.

Na esteira do cordão da lógica, havendo demonstração de que o BDI estava

correto e aprovado pelo TeU, os preços dos tubos compativeis com o mercado e correto

na visão do TeU e os preços dos serviços compatíveis com o mercado segundo decisão do

TCU, tem-se que não há superfaturamento e o valor do reajuste pago era efetivamente

devido.

Mas ainda resta a tese de que houve desvio de R$ 385.653,69 referentes a

serviços não realizados, mas pagos pela Deso.

Como chegou a esta conclusão do famigerado Relatório da CGU?

Partiu da comparação entre um Relatório de Sondagem do trecho onde la passar

a Adutora, feito quando da elaboração do Projeto Básico e as medições realizadas e

pagas pela Deso.

A questão merece detalhamento.

A sondagem é uma amostragem da composição do solo no trecho onde vai

ser realizada a obra, esta amostragem serve para a elaboração de um orçamento,

um planejamento. Como toda amostragem não é a realidade da obra é uma mera

avaliação superfi cial.

Já as medições são realizadas após a execução dos serviços e representa a real

situação ocorrida em campo.

Assim, comparar relatório de sondagem com medição é inaceitável, pois não

se pode comparar uma série de amostragens feitas muito tempo antes da obra com a

realidade Que se verifi cou no curso da obra.

A avaliação do Relatório de Sondagem inserido no Quadro 11, p. 84 do Relatório

de Ação de Controle da CGU, inserido no apenso 97, mostra uma variação do tipo de

solo nas amostras realizadas, no entanto a interpretação da CGU foi equivocada, pois

considerou Que não havia alteração do solo até que houve mudança na ocorrência da

tabela.

Explico melhor:

Na coluna 01 há a numeração da Estaca que é a marcação física da obra, ou seja,

uma identifi cação do trecho de onde passará a adutora. Na ultima coluna a Ocorrência

da sondagem.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

124

Para se chegar a conclusão de que entre as 152 e 307, a CGU considerou que

enquanto não houve uma ocorrência diagnostica se utiliza a última ocorrência com

a realidade do terreno naquela estaca. A premissa está equivocada e é típica de quem

sequer sabe avaliar um relatório de Sondagem.

As ocorrência são amostras, as estacas distância entre estacas varia mas a

sondagem ê feita praticamente de 100 em 100 metros.

Não há como se precisar a ocorrência de uma rocha num determinado trecho se

não for realizada a escavação completa da vala onde sera enterrado o tubo.

Por este motivo tem-se a total Impropriedade da interpretação utilizada pela

CGU para considerar Irregular as medições realizadas.”

(fl . 7.032-7.035).

CONCLUSÕES SOBRE O RELATÓRIO CGU

Em conclusão afirma o acusado: “A Ação de Controle de n.

00190.02334/2007-94, elaborado pela CGU - Controladoria Geral da União é a

prova que o MPF trouxe aos autos acerca da Materialidade do delito de peculato.

É a prova dos desvios de recursos públicos pela suposta organização criminosa

junto à Companhia de Saneamento de Sergipe - Deso.

O relatório é denso, cheio de raciocínios, planilhas e especulações.

Mas o ponto chave é a tabela 28, página 76 do apenso 97, nessa tabela é que

está descrito com precisão o valor do suposto desvio e onde se localiza no famigerado

relatório a descrição de como se chegou a cada um dos valores.

O restante do relatório pode apresentar diversas irregularidades administrativas,

mas a composição do valor supostamente desviado só se observa na Tabela 28, pagina

76 do apenso 97.

É exatamente na avaliação desta tabela que se centrou a defesa de Flávio

Conceição de Oliveira Neto, mostrando que, a forma de cálculo feita pelo MPF

despreza a lógica a coerência e o pior, esconde a informação mais Importante a de que

o TCU analisou cada um dos itens a que se refere a CGU como Irregular.

A míngua de uma prova sólida de que houve público, falece à Acusação a prova

de Materialidade do delito Indicando que não há justa causa para o início da Ação

Penal.”

(p. 7.034-7.035).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 125

4. “f ”. - AS PROVAS DO RECEBIMENTO DE SUBORNO/

PROPINA – MATERIALIDADE

Para a defesa, três das provas da materialidade utilizadas pelo MPF para

embasar o oferecimento de denúncia contra o ora acusado já foram combatidas,

sendo demonstrada a nulidade das interceptações telefônicas, da denominada

“agenda do Gil” e o relatório elaborado pela CGU.

A “agenda do Gil”, utilizada pelo parquet para fundamentar a acusação de

prática do crime de corrupção passiva por parte do denunciado, revela-se prova

imprestável porque: a) o suposto volume de dinheiro entregue ao denunciado

nunca foi rastreado pelo MPF; b) a quebra dos sigilos fi scais e bancários não

revelou qualquer indício de prática criminosa por parte do denunciado.

5. TIPIFICAÇÃO DOS DELITOS

PECULATO E CORRUPÇÃO PASSIVA X COMPETÊNCIA

FUNCIONAL

Defende que a caracterização dos delitos de peculato e corrupção passiva

exige a demonstração de nexo causal entre a conduta do funcionário e a

realização de ato funcional de sua competência. Cita a AP n. 307-3, rel. Min.

Ilmar Galvão.

Afi rma não haver possibilidade do denunciado responder pelo delito de

corrupção passiva, por falta do liame subjetivo entre sua conduta e a tipifi cação

do crime. Considera como necessária a realização de um ato administrativo, mas

este se encontra fora da esfera de competência do denunciado que, no cargo

de Secretário-Chefe da Casa Civil, não detinha ingerência sobre o contrato

assinado com a Gautama, diretamente ligado à Companhia de Saneamento

de Sergipe - Deso, empresa estatal em que o Estado de Sergipe é acionista

majoritário.

A denúncia, segundo a defesa, não especifi cou a forma como se deu a

participação do denunciado na liberação de medições fraudulentas em favor

da empresa Gautama. Sustenta que restou demonstrado o nexo de causalidade

entre a função exercida pelo acusado e o modus operandi do delito, sem outras

explicações, razão pela qual pugna pela rejeição da exordial oferecida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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PECULATO E A APROVAÇÃO DO TCU - CONDIÇÃO DE

PROCEDIBILIDADE DA ACUSAÇÃO

O denunciado alega que “Muito tem se discutido sobre a possibilidade de

abertura de processo criminal contra Servidor Público sem que antes seja apreciado

pelo órgão de Controle as prestações de contas da Administração Pública.”

(...)

Não que se pretenda aguarda a posição do Tribunal de Contas da União para que

exista a condição de procedibilidade da ação, isso porque já existem várias decisões do

TCU em apreciação do Contrato n. 110/01 que é o elo de ligação entre a Construtora

Gautama e a Deso.

Em todas as decisões se observa a aprovação do TCU pela legalidade dos atos

administrativos referentes ao Contrato n. 110/01.

Assim, Já há um elemento de ordem técnica, emanado de órgão de controle

que aprova os atos jurídicos que envolvem a relação jurídico-administrativa em

contestação aqui neste processo.

Motivo pelo qual está ausente o elemento objetivo do tipo penal que é o dano

material efetivamente comprovado.”

(p. 7.043-7.044).

PREVARICAÇÃO

O denunciado refuta a acusação de prática do delito de prevaricação. Para

tanto invoca entendimento do Tribunal de Contas Estadual sobre o contrato em

apreciação, quando a sessão plenária proclamou desnecessário o Estado gastar

recursos para a realização de um auditoria no Contrato n. 110/01, se o órgão

de controle era o próprio TCE. Naquele instante, disse a defesa, o TCE não foi

instado a se pronunciar sobre qualquer contrato de interesse da Gautama.

6. UMA CONDUTA, UM FATO, VÁRIAS PENAS

O denunciado alega que o MPF, a partir de uma única conduta, imputa ao

acusado a prática de 02 (dois) delitos, quais sejam, corrupção passiva e peculato,

incorrendo, portanto, na prática de bis in idem, medida vedada pela legislação

penal.

Afi rma que “o fundamento da proibição do bis in idem reside na necessidade

de segurança jurídica, como uma limitação ao poder punitivo estatal, considerando

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 127

o caráter repressivo do Direito Penal, assim como na idéia de que a cada indivíduo

será aplicada a sanção correspondente e sufi ciente para os seus atos (princípio da

proporcionalidade).

No caso em tela, a partir da mesma descrição fática (causa de pedir), pretende

o Ministério Publico a condenação do Acusado em dois tipos diversos, peculato e

corrupção ativa, sem esclarecer que atos tipifi cariam um ou outro crime.

Nem se venha dizer que, no caso em tela, ocorra concurso entre tais delitos.

Isto porque o concurso dos crimes imputados ao acusado é absolutamente

impossível.

No crime de peculato o funcionário público benefi cia a si ou a terceiro, com a

inversão da posse ou do desvio de bem de que tem posse em razão do exercício de sua

função, o recebimento de valores decorrentes deste ato não caracteriza o delito de

corrupção passiva.

Trata-se, na verdade, de uma questão de adequação tipica. Em outras palavras,

ou através da conduta descrita na denúncia o Acusado teria participado do desvio

de recursos públicos, praticando o crime de peculato, ou teria oferecido ou prometido

vantagem indevida à funcionário público para que o fi zesse, praticando corrupção

ativa, jamais as duas, seja em concurso material ou formal.” (p. 7.046).

7. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO

O denunciado defende a aplicação do princípio da consunção, sob o

argumento de que a “hipótese elencada no item 6. desta peça demonstra que, em

verdade, se estar diante de uma única conduta, partindo da tese de que efetivamente,

houve ilicitude.

A própria denúncia demonstra que o suposto objetivo da suposta Orgamzação

Criminosa seria o de Peculato, ou seja, realizar o desvio de recursos públicos, através

do Contrato n. 110/01 celebrado entre a Gautama e a Deso.

Nesta linha, o crime-fi m sena o peculato.

A existência de uma ou mais infrações penais que servem de meios necessários,

ou seja, normais fases preparatórias ou de execução, para a prática de uma outra, mais

grave que aquelas, implica num tratamento diferenciado da Norma Penal.

Assim, quando uma ou mais infrações penais fi guram unicamente como meios ou

fases necessárias para a consecução do crime-fi m, ou quando simplesmente se resumem

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a condutas, anteriores (antefactum) ou posteriores (postfactum), do crime-fi m,

estando, porém, insitamente interligados a este, sem qualquer autonomia portanto

(pois o contrária daria margem ao concurso real de crimes), ou quando ocorre a

chamada progressão criminosa (mudança de fi nalidade ilícita pelo agente), o agente só

teria incorrido no tipo penal mais grave.” (p. 7.047).

CONCLUSÃO DA DEFESA

Ao fi nal, requer, preliminarmente, a averbação do impedimento da relatora

e, no mérito pede o expurgo das provas obtidas ilegalmente (interceptações

telefônicas e aquelas decorrentes de busca e apreensão deferidas por magistrado

incompetente) com a consequente rejeição da exordial acusatória.

II) ZULEIDO SOARES VERAS (FL. 6.336-6.757)

Neste relatório faço o resumo das alegações formuladas por este denunciado

e que guardam relação com as provas colhidas neste Inq. n. 544-BA e com os

delitos imputados ao acusado no denominado “Evento Sergipe”.

II – PRELIMINARES

II.1. NULIDADE DO PROCESSO - ILICITUDE DA PROVA

O denunciado alega a nulidade das interceptações telefônicas realizadas

e, consequentemente, de todas as demais provas produzidas no inquérito, ao

argumento de ter sido o sigilo telefônico quebrado por ordem contrária ao

disposto na Lei n. 9.296/1996.

II.1.1. DA AUSÊNCIA DE DEGRAVAÇÃO

Segundo o acusado a transcrição dos diálogos não foi inicialmente trazida

aos autos, sendo juntada somente após o oferecimento da denúncia, sendo

degravados apenas os diálogos reputados importantes para a acusação. Neste

ponto, cita alguns diálogos mencionados na denúncia, mas não degravados ou

examinados por peritoexordial acusatória, não teriam sido degravados tampouco

examinados por perito, regra prevista no art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996.

Para ele a ausência da degravação das interceptações viola o princípio do

contraditório e induz à nulidade do processo.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 129

Em um segundo ataque às interceptações diz ser esta a única prova

produzida nos autos, sem a oitiva de uma única testemunha ao longo dos 150

volumes do feito.

Assevera, ainda, que as interpretações de diálogos realizadas pela

Polícia Federal ao longo da Operação Navalha não são confi áveis, pois em

processo administrativo instaurado perante a Polícia Federal, alguns diálogos

interceptados tiveram seus conteúdos distorcidos pelo agente que realizou a

interceptação. Neste ponto, cita depoimentos prestados por policiais no curso

do procedimento administrativo instaurado na Polícia Federal, constatando-se

ainda a existência de interpretações divergentes utilizadas de má-fé.

Assim, enquanto no Relatório de Inteligência Policial n. 03 (datado de

26.3.2007) consta ser o diálogo interceptado às 16:44h de Luiz Caetano, então

Prefeito do Município de Camaçari-BA, o mesmo diálogo é posteriormente

incluído na representação de prisão formulada pelo MPF às fl . 290, desta

vez constando que a conversa teria sido mantida por Antonio Calmon, então

Prefeito do Município de São Francisco do Conde-BA.

Também afi rma ter a Polícia Federal constado como conversa fez constar

que, na conversa de Luiz Caetano, a menção a uma viagem realizada entre os

dias 20 e 23 de março de 2007. Mas a Polícia Federal utilizou-se do mesmo

diálogo para dizer que a viagem fora realizada pelo Prefeito Antonio Calmon,

entre os dias 27 a 29 de março de 2007. E conclui: a distorção é gravíssima

pois o Evento Camaçari foi “exatamente o que deu origem às demais investigações

contra a Construtora Gautama. O Prefeito daquela cidade foi incriminado e preso

na Operação navalha, sob a acusação de haver recebido uma passagem aérea como

pagamento da propina!

Na verdade, como será amplamente demonstrado em tópico próprio, a passagem

se destinava ao Sr. Antonio Calmon, e não era pagamento de propina alguma!

As equivocadas ilações, conclusões, inferências, interpretações da Polícia Federal

acabaram por causar um mal maior. Não há dúvida de que a Justiça foi enganada e a

opinião pública levada a crer em fatos absolutamente mentirosos!

Como se vê, a auséncia de degravação dos diálogos não apenas viola o disposto na

Lei n. 9.296/1996, como, no caso concreto, coloca sob suspeição toda a prova, eivando

de nulidade o presente processo.” (fl . 6.348-6.349).

II.1.2. DA AUSÊNCIA DE ÁUDIO DAS INTERCEPTAÇÕES

TELEFÔNICAS

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Detendo-se ainda na prova de interceptações, refere-se a defesa a diálogos

mencionados na denúncia e não localizados pela defesa, impedindo o exame da

autenticidade da prova.

II.1.3. DA AUSÊNCIA DE OUTROS DIÁLOGOS QUE NÃO

INTERESSAVAM AO PROPÓSITO DELIBERAR DE ACUSAR

Mais uma vez em ataque às interceptações diz terem sido gravados

diálogos mantidos pelo acusado com familiares e engenheiros da Gautama

(conversa em que restou debatido o risco da empresa sofrer prejuízo na execução

do Programa Luz para Todos no Estado do Piauí), mas esses diálogos não

foram disponibilizados não foram disponibilizados à defesa, sendo inadmissível

escolha a acusação os diálogos que servem a seu intento, descartando as demais

em contrariedade ao art. 9º da Lei n. 9.296/1996.

I I . 1 . 4 . D O N E C E S S Á R I O A P EN S A M EN T O D O

PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AOS

AUTOS DO INQUÉRITO - CONTRADITÓRIO DIFERIDO -

IMPOSSIBILIDADE DO CONTROLE DA LEGALIDADE DA PROVA

O denunciado afirma não constar dos autos o procedimento das

interceptações telefônicas, em infringência ao contraditório. E assevera: “o que se

tem quanto à 1ª fase da operação, quando esta era dirigida pelo Juiz Durval Carneiro

Neto na Bahia, são alguns de seus despachos, por ele próprio anexados ao processo,

com o objetivo de informar a Sra. Ministra relatora quanto às acusações contra ele

formuladas, não tendo sido juntada sequer a primeira ordem de interceptação.

Estes despachos formaram o apenso 76 dos autos. No entanto, como se pode

observar, além de o apenso não trazer todos os despachos, também não traz os

documentos que os embasaram, condição que torna nulo todo o processo.” (fl . 6.354).

II.1.5. DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS BÁSICOS DA MEDIDA

CAUTELAR

Além dos vícios formais a interceptação foi concedida sem preencher os

requisitos substanciais: perigo na demora e fumaça do bom direito.

Segundo alega, o seu sigilo telefônico foi autorizado antes de instaurada

investigação prévia. À época, investigava-se envolvimento de policiais federais

com grupo de empresários baianos do ramo de fornecimento de mão-de-obra,

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 131

conhecido como G-8, do qual o acusado não fez parte, sendo o Juiz Federal,

responsável à época pela condução do inquérito, induzido a erro por uma série

de equívocos da Polícia Federal. Tanto que uma das decisões autorizando

a interceptação telefônica do acusado teve como fundamento a realização

de pagamentos feitos pelo denunciado a Francisco Catelino e Joel Almeida

Lima, quando não mais integravam eles os quadros da Polícia Federal, sendo

contratados pela Gautama com o fi m de representar judicialmente a empresa.

II.1.5.a.1. ABRA-SE UM PARÊNTESE: O EVENTO CAMAÇARI

Afi rma que as interceptações telefônicas do denunciado tiveram início no

denominado “Evento Camaçari”, momento a partir do qual a Polícia Federal

levou o Juiz de 1º Grau a acreditar que estaria havendo a prática do crime de

fraude à licitação.

Dentre todos os eventos investigados, para o denunciado é emblemática

a confusão realizada pela autoridade policial no que diz respeito ao Município

de Camaçari-BA. Primeiro porque os fundamentos invocados pelo MPF para

subsidiar o pedido de prisão encaminhado à relatora não procedem, despida

de justa causa a acusação contra o arquiteto Flávio Candelot, apontado como

corruptor de servidores do Município de Camaçari-BA, para direcionar recursos

federais para a empresa Gautama.

Segundo afi rma, o engenheiro Flávio Candelot é arquiteto, com excelente

curriculo onde fi gura sua passagem por diversos cargos públicos de destaque na

Administração, dentre eles o de Diretor de Habitação da Secretaria Especial de

Desenvolvimento Urbano no governo do então Presidente Fernando Henrique

Cardoso, deixando o serviço público por problemas de saúde, quando então

passou a integrar os quadros da Gautama, para agilizar, com a sua experiência, a

obtenção de recursos para obras já contratadas pela empresa.

Assevera que o citado arquiteto tinha a função de “descobrir recursos que

pudessem se encaixar em obras que estavam sendo realizadas pela construtora a fi m de

que estes pudessem ser legitimamente obtidos pelos órgãos públicos respectivos e a obra

pudesse ser executada.

O objetivo da Gautama, portanto, era auxiliar os entes públicos a descobrir e

obter verbas para a realização de contratos já licitados, mas que, muitas vezes, não

eram executados por falta de recursos.

A assessoria prestada por Flavio Candelot, por sua vez, era absolutamente

legítima, não havendo qualquer irregularidade na sua contratação.

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No caso do Município de Camaçari, o primeiro grande equívoco cometido pela

Polícia Federal foi admitir, sem realizar qualquer investigação, que a Gautama não

tivesse contrato com o Município e que, portanto, os diálogos captados entre Zuleido e

Flávio Candelot teriam como mote obter verbas para que fosse realizada e fraudada

licitação”. (p. 6.363).

O denunciado rejeita a acusação de que mantinha conversas sobre desvio de

verbas com Flávio Candelot. Aduz que os diálogos mantidos com este arquiteto

tinham por escopo detectar recursos federais passíveis de direcionamento para

o Contrato n. 405/99 fi rmado entre o Município de Camaçari e a empresa

Gautama.

O denunciado cita o diálogo interceptado no dia 28.4.2006 (17:35h)

como exemplo de equívoco de interpretação por parte da Polícia Federal. No

diálogo Flávo Candelot informa a Rodolpho que o recurso para pagamento do

contrato estava empenhado pela Surep, informação técnica sobre o andamento

do processo de liberação de recursos, legitimamente obtida junto ao órgão

competente. Neste diálogo, diz o denunciado:

“Como será visto adiante, Rodolpho acaba por interpretar equivocadamente

o diálogo, na medida que entende ter sido liberado quatro milhões, quando Flávio

Candelot queria dizer que havia sido liberado o correspondente a quatro municípios.

Logo em seguida Rodolpho telefona para Everald, sub-secretário de obras do

Município de Camaçari, transmitindo a notícia repassada por Flávio Candelot

(28.4.2006 17:49:09).

(...)

Mais uma vez nenhuma ilegalidade se pode extrair do diálogo em que Rodolpho

apenas retransmite a informação recebida de Flávio Candelot da forma como a havia

compreendido.

Cerca de 15 dias depois, em 3 de maio de 2006, Rodolpho volta a falar com

Flávio Candelot sobre o assunto:

(...)

Observe-se que Flávio Candelot procura orientar, por meio de seus conhecimentos

tecnicos, que deveria ser respeitada a formalidade legal do processo, sem qualquer

ilegalidade.

Pelo diálogo transcrito a seguir, não resta dúvida que o recurso ainda não estava

efetivamente liberado para repasse, visto que ainda era necessária a apresentação d

Plano de Trabalho, Projeto e toda documentação exigida pela CEF. (...)

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 133

Percebe-se mais uma vez que Rodolpho apenas pergunta a Flávio Candelot

sobre o andamento do processo.

Flávio Candelot, mais uma vez, responde tecnicamente, dizendo que o recurso

pode ser encaminhado para a CEF regional (fi car lá) ou pode ser que o recurso fi que

na CEF (em Brasília) e vai sendo encaminhado para a CEF regional conforme

medição.” (p. 6.364-6.366).

Em suma, o denunciado cita diversos diálogos que, na sua ótica, foram

utilizados pela Polícia Federal para demonstrar a prática de crimes por Flávio

Candelot.

Para ele a Polícia Federal deturpou a interpretação de diversos diálogos

ocorridos no “Evento Camaçari”, pois não houve repasse algum de verba

indevida à Gautama, neste episódio.

II.1.5.b. AUSÊNCIA DE PERICULUM IN MORA - DO ENCONTRO

FORTUITO DE OUTROS FATOS E SUA UTILIZAÇÃO COMO

NOTITIA CRIMINIS

O denunciado sustenta a ilicitude das interceptações telefônicas,

considerando não hábil para subsidiar a imputação o encontro fortuito de

provas, feita pelo MPF.

Aduz que os crimes imputados ao denunciado são absolutamente diversos

dos objeto da investigação, quando do deferimento da interceptação telefônica,

o que caracteriza novação do objeto da interceptação, fato que, na ótica do

acusado, deslegitima a prova.

Afirma que não existe conexão, tampouco continência, entre o fato

inicialmente investigado e os delitos imputados ao acusado e demais funcionários

da empresa Gautama.

Aduz que “A Operação Navalha iniciou-se através de investigação desenvolvida

pela Força Tarefa Previdenciária no Estado da Bahia, em operação rotulada de

‘Octopus’.

Esta operação - Octopus - investigava a suposta prática de fraudes

previdenciárias, sonegação fi scal e liberação indevida de CND´s, além de crimes

contra a administração pública, praticados pelos sócios de 08 (oito) empresas do ramo

de prestação de serviços com fornecimento de mão-de-obra na Bahia, daí o nome de

‘Octopus’, em alusão aos 08 (oito) tentáculos de um polvo.

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No curso dessa operação, passou-se a investigar o envolvimento de delegados e

agentes da própria Polícia Federal com membros da suposta organização criminosa, o

que gerou a nova operação denominada de ‘Navalha’, numa clara alusão de que a PF

pretendia cortar na própria carne”. (fl . 6.392).

O denunciado, então, discorre sobre o trâmite da investigação e o desvio de

foco da Operação Navalha que passou a investigar a conduta do denunciado e

dos funcionários da empresa Gautama.

II.1.6 - DA IMPOSSIBILIDADE DO USO DE INTERCEPTAÇÃO

PARA CRIMES PUNIDOS COM PENA DE DETENÇÃO

O denunciado defende a nulidade das provas colhidas por meio

do afastamento do sigilo telefônico, sob o argumento de que as primeiras

interceptações foram deferidas pelo Juízo Federal de 1º Grau em razão de

suposta prática de crime de fraude à licitação, delito sujeito a pena de detenção,

contrariando o disposto no art. 2º, III, da Lei n. 9.296/1996.

II.1.7. DA POSSIBILIDADE DE INVESTIGAR UTILIZANDO

OUTROS MECANISMOS DISPONÍVEIS NO ORDENAMENTO

JURÍDICO

O denunciado sustenta que as medidas tomadas pelo Juízo Federal de 1º

Grau contrariaram o art. 2º, II, da Lei n. 9.296/1996, pois a investigação acerca

da prática de crimes de fraude à licitação poderia ser levada a termo por meios

menos invasivos que a interceptação telefônica.

II.1.8. DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NO DESPACHO

INICIAL DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PELO STJ

Entende a defesa ser deficiente a fundamentação apresentada pela

relatora para justifi car a medida restritiva de liberdade, concedida porque houve

irregularidade na emissão de de CND´s e Certidões Positivas com efeito de

Negativas, em favor de empresas investigadas pela Polícia Federal, pois tudo se

dirigia às investigações do grupo denominado G8, atuante no Estado da Bahia,

nada havendo contra a Gautama.

II.1.9. DA AUSÊNCIA DE F UNDAMENTAÇÃO PARA A

PRORROGAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS

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Reportando-se às 06 (seis) decisões de prorrogação das interceptações

telefônicas, (fl . 133, 147, 171, 210, 238 e 255), com inclusão de novos terminais,

afi rma serem decisões violadoras do o art. 5° da Lei n. 9.296/1996, por falta de

fundamentação.

II.1.10. DO PRAZO MÁXIMO PARA A INTERCEPTAÇÃO

TELEFÔNICA

Afi rma ter o monitoramento telefônico dos investigados perdurado por

mais de 01 ano e meio, afrontando o art. 5º da Lei n. 9.296/1996.

Neste ponto, alega que a legalidade e a fundamentação da prorrogação

das interceptações não podem ser verificadas, sob o argumento de que o

procedimento de quebra de sigilo telefônico não foi juntado aos autos.

II.1.12. DA ILICITUDE DA PROVA FACE À VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Alegando serem nulas as provas colhidas no inquérito, no período

compreendido entre os meses de maio e novembro de 2006, porque obtidas

com base em decisão do Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia,

argumenta ser a autoridade de piso incompetente para conduzir inquérito no

qual constavam investigados com foro privilegiado.

Basta verificar que na primeira instância foram investigados o então

Governador do Estado do Maranhão ( José Reinaldo Tavares), seus Secretários

Ney Bello e Ulisses César e o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de

Sergipe (Flávio Conceição).

II.2. DA NULIDADE DA PROVA DE INTERCEPTAÇÃO

TELEFÔNICA E DE TODAS AS PROVAS DELA DECORRENTES

Defende a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, aduzindo,

para tanto, que as provas derivadas das colhidas por meio de ilegais interceptações

telefônicas devem ser desentranhadas dos autos.

II.3. DOS RELATÓRIOS POLICIAIS APÓCRIFOS

O denunciado defende a exclusão dos autos dos seguintes relatórios:

a) Informação Policial n. 5/2007 (fl . 67 do apenso 02);

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b) Informação Policial n. 10/2007 (fl . 83 do apenso 03);

c) Informação Policial n. 17/2007 (fl . 97 do apenso 03);

d) Informação Policial n. 25/2007 (fl . 77 do apenso 04);

e) Informação Policial n. 27/2007 (fl . 89 do apenso 04);

f ) Informação Policial n. 31/2007 (fl . 96 do apenso 04);

g) Informação Policial n. 32/2007 (fl . 102 do apenso 04);

h) Informação Policial n. 33/2007 (fl . 111 do apenso 04);

i) Informação Policial n. 35/2007 (fl . 113 do apenso 04);

j) Informação Policial n. 36/2007 (fl . 118 do apenso 04);

k) Informação Policial n. 29/2007 (fl . 83 do apenso 05);

l) Informação Policial n. 40/2007 (fl . 86 do apenso 05);

m) Informação Policial n. 41/2007 (fl . 88 do apenso 05);

n) Informação Policial n. 42/2007 (fl . 92 do apenso 05).

II.4. DA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA LEI N.

9.034/1995 NO CASO CONCRETO

Para a defesa a decisão de fl . 104-106, ao determinar a investigação pelo

método da ação controlada, contra o denunciado, acabou pior provocar uma

nulidade, por ser inaplicável á espécie a determinou que a investigação conduzida

nestes autos em face do denunciado fosse desempenhada por meio do método

denominado de ação controlada.

Defende a inaplicabilidade da Lei n. 9.034/1995 em relação ao acusado,

porque autorizado a partir de elementos estranhos àqueles que lhe foram

imputados.

II.4.1. DA NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO

CRIMINOSA - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI N.

9.034/1995

Também entende inaplicável a Lei n. 9.034/1995 por ser ela manifestamente

inconstitucional (por não descrever o signifi cado de organização criminosa),

inexistindo os requisitos necessários para a qualificação de organização

criminosa, como consta da doutrina.

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II.4.2. DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DO CONCEITO DE

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA

RESERVA LEGAL

Defende a inaplicabilidade da Lei n. 9.034/1995, sob o argumento de que

a organização criminosa não encontra conceituação na legislação penal, fato que

viola o princípio da reserva legal.

II.4.3. DA DISTINÇÃO ENTRE A CONDUTA TÍPICA DE

FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO E O CONCEITO DE

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Para a defesa os conceitos de quadrilha e organização criminosa são

distintos, fato que torna inaplicável a Lei n. 9.034/1995.

Sustenta que a organização criminosa é ordenada nos moldes de um

empresa voltada para o crime, contando com divisão de funções, hierarquia,

diversidade de atividades ilícitas, violência, promiscuidade com o Estado e

controle territorial, características não apontadas na exordial acusatória, sendo a

organização criminosa um plus em relação à quadrilha ou bando.

II.5. DO CERCEAMENTO DE DEFESA

O acusado afi rma que “Desde a defl agração do ato de prisão dos envolvidos

e a busca e apreensão de documentos, o presente processo vem sendo marcado pelo

cerceamento de defesa.

Com efeito, já naquele primeiro momento os advogados foram impedidos de ter

acesso a seus clientes, necessitando da intervenção da OAB nesse sentido.

(...)

Por ocasião da realização da presente resposta, a defesa voltou a encontrar

inúmeras difi culdades que representam, sem dúvida, cerceamento de defesa.

Uma delas foi a não apresentação impressa dos diálogos constantes de CD

identifi cado com anexo XXIII da denúncia.

Cópia deste CD foi disponibilizada à defesa e verif ica-se que esta traz

degravações de diálogos interceptados.

O mencionado CD, todavia, não permite que o seu conteúdo seja impresso! Pior

do que isso, não permite nem ao menos que seja copiado para outro arquivo, ou mesmo

que seja pesquisada uma palavra nele lançada.

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138

Além disso, os diálogos que são apresentados em 1.223 páginas não estão

organizados por ordem cronológica, mas sim de acordo com a conveniência da própria

acusação com os seguintes marcadores:

(...)

A forma de apresentação dos diálogos obriga a defesa a ser obrigada a ler todas

as 1.223 folhas do anexo para localizar um diálogo. Pior do que isso, não permite que

a defesa realize qualquer anotação ou sequer grifo em material próprio, exigindo que

o advogado copie manualmente os trechos de depoimentos que lhe interessarem para

depois digitá-los para sua petição. Um absurdo!” (p. 6.443-6.444).

II.6. DA AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE

II.6.1. RELATÓRIOS DA CGU - AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS

QUE O EMBASAM

O denunciado alega que, à exceção do denominado Evento Maranhão, o

único documento utilizado pelo MPF para subsidiar a acusação apresentada

contra o acusado nos Eventos Sergipe, Alagoas e Luz para Todos foi o Relatório

de Ação de Controle n. 00190.034133/2007-74, elaborado pela CGU, material

só trazido com a denúncia.

Sustenta que a acusação lançada contra o denunciado carece de

materialidade, pois só juntados aos autos os documentos utilizados pela CGU

para respaldar as conclusões apontadas no mencionado Relatório, fato que

difi cultou o trabalho da defesa.

II.6.2. DA AUSÊNCIA DE JUNTADA DOS DOCUMENTOS

APREENDIDOS PELA POLÍCIA FEDERAL

O denunciado afi rma que os documentos obtidos pela Polícia Federal em

razão do cumprimento de ordem de busca e apreensão não foram juntados aos

autos.

Assevera que a única menção à existência deles encontra-se no “Auto de

Apreensão Complementar e Análise de Dados”, elaborado pela Polícia Federal.

Tais documentos, elaborados e examinados pela Polícia Federal, não foram

juntados aos autos, o que leva à falta de materialidade da acusação lançada pelo

parquet.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 139

III.2. DO EVENTO SERGIPE

Para o denunciado é a denúncia inepta e temerária, porque a acusação

formulada pelo MPF, afi rmando ter sido fraudada a licitação da Adutora do

São Francisco, com o fi m de benefi ciar a construtora Gautama, está lastreada

em Relatório da CGU que, como já mencionado, veio aos autos desprovido de

demonstração probatória do seu raciocínio.

A ausência dos elementos que embasaram a elaboração do relatório

implica em falta de justa causa para a acusação. E arremata a defesa, reiterando

argumentos em torno da invalidade dos elementos obtidos por meio da

interceptação telefônica, medida que, segundo o denunciado, é ilegal por não ter

sido deferida por Juiz competente.

III. 3.1. OS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA,

PECULATO E CORRUPÇÃO

O acusado rejeita também a acusação de peculato, argumentando não ter

procedente a alegação do MPF de ter o acusado apresentado planilhas de preços

com muita semelhança às planilhas apresentadas pela Enpro.

Argumenta que a Enpro não apresentou planilhas de preços para a fase de

licitação da obra, realizou apenas o projeto executivo.

No que diz respeito à afirmação de conter a licitação cláusulas que

restringiram o caráter competitivo do certame, lembra o denunciado ter o TCU

examinado a licitação por diversas análises, sem detectar qualquer irregularidade.

Cita o processo TC n. 005.054/2001-2.

Nega a procedência da acusação de que, em razão de aditamentos e

alterações de planilhas, houve o desvio de R$ 178.000.000,00 em favor da

Construtora Gautama, muito embora o TCU tenha examinado o caso, sem

apontar irregularidade (p. 6.663).

Também neca o denunciado ter se associado a agentes públicos e terceiros

com o fi m de viabilizar o desvio de dinheiro da obra contratada e que a empresa

Poloeste - Inspeção Assessoria e Serviços Técnicos Ltda. foi contratada com o

objetivo de realizar a fi scalização e medição da obra.

Rejeita a acusação de que teria mantido diálogos com João Alves Filho, João

Alves Neto e Flávio Conceição com o fi m de propiciar o desvio de verba pública.

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140

Afi rma que jamais manteve contato pessoal com Max Andrade e que os

contatos com Gilmar Mendes, Vitor Mandarino, Kleber Curvelo, Renato Garcia e

Sérgio Leite foram levados a termo com o fi m de receber o valor pelos serviços

prestados pela Gautama.

Alega que manteve contato com Ivan Paixão com o único propósito de

viabilizar que a obra da adutora do rio São Francisco não fi casse paralisada por

inércia do Poder Público Federal. Aduz, ainda, que, à época do suposto repasse

de vantagem indevida (setembro de 2006), Ivan Paixão não ocupava nenhum

cargo público.

O denunciado alega que é amigo íntimo de Flávio Conceição há muitos anos

e este Conselheiro do Tribunal de Contas não possui atribuições relacionadas

ao procedimento corrente na Deso e jamais efetuou pagamento a terceiros em

nome da Gautama.

III. 5. DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES

IMPUTADOS AO ACUSADO

III. 5.1. DA ACUSAÇÃO DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA

O denunciado afi rma que o o MPF não descreveu qualquer conduta hábil

a enquadra-lo como integrante de quadrilha, delito que exige para confi guração

confi guração existência de dolo como elemento subjetivo, fato que não ocorre

no caso dos autos.

Assevera que o relacionamento existente entre o denunciado e os demais

diretores da Gautama é de natureza estritamente profi ssional, não havendo

qualquer conotação criminosa.

III. 5.2. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

O denunciado sustenta que o delito de peculato é crime próprio, razão

pela qual só pode ser cometido por funcionário público. Como o denunciado

não é funcionário público, não pode ser a ele imputado por meio de concurso de

pessoas, fato não mencionado na denúncia.

Defende a rejeição peça ministerial, no que tange ao delito de corrupção

passiva, aduzindo, para tanto, que não há na denúncia qualquer indicativo de

que o denunciado teria oferecido ou prometido vantagem a quem quer que seja.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 141

Afi rma que o MPF, a partir da mesma descrição fática (causa de pedir),

imputa ao denunciado a prática de 02 delitos diversos, fato não autorizado pela

legislação penal, por ofender o princípio do non bis in idem.

IV - DO PEDIDO

Ao fi nal, requer, preliminarmente, seja reconhecida a inépcia da denúncia

e a ilicitude das provas apresentadas e no mérito requer a rejeição da exordial

acusatória, nos termos do art. 43, I, do CPP e do art. 6º da Lei n. 8.038/1990.

III) RENATO CONDE GARCIA (FL. 4.161-4.180)

O denunciado sustenta serem corriqueiros os pedidos de prorrogação

de prazo para conclusão de obra pública, durante a execução, principalmente

provocado por fatos aleatórios, não previsiveis, levando ao atraso a execução do

serviço.

Os termos de rerratifi cação, mencionados pelo MPF na peça exordial, com

alterações contratuais de competência exclusiva da administração superior da

Deso, não escapam da alçada do fi scal da obra e que, portanto, não podem ser

atribuídos ao acusado.

Passa o denunciado, então, a examinar cada termo de Rerratifi cação e

Aditivo do Contrato, objetivando demonstrar a falta de justa causa da ação

penal proposta pelo MPF.

1º TERMO DE RETIFICAÇÃO

Disse a defesa que o termo do contrato e do aditamento foi assinado em

razão da determinação do TCU, não havendo participação do acusado nesses

atos.

2º TERMO DE RETIFICAÇÃO

Afirma ter participado das análises pertinentes às modificações

implementadas por meio da rerratifi cação assinada em 27.7.2003, alterações

levadas a termo com o fi m de proporcionar expressiva economia à Deso.

3º TEMO DE RERRATIFICAÇÃO

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Em 3.5.2004 foi assinado novo Termo de Rerratifi cação, pela necessidade

de revisão da planilha de quantitativos apresentada pela Enpro, mas o valor

global do contrato permaneceu inalterado em R4 103.-64.249,67.

4º TERMO DE RERRATIFICAÇÃO

Assevera não ter participado da elaboração do 4º Termo de Rerratifi cação,

assinado em 31.5.2004, em cumprimento às exigências emanadas do acórdão do

TCU n. 257/2004.

5º TERMO DE RERRATIFICAÇÃO

Com referência a este Termo, disse a defesa ter sido elaborado para permitir

o funcionamento do 6º conjunto elevatório, com a introdução de motorizarão

nas válvulas de bloqueio de tubulação duplicada de captação, até então não

prevista no projeto.

Conclui pela necessidade de se fazer alterações pontuais em qualquer

projeto de engenharia, com a também alteração do valor global do contrato que

de R$ 103.064.249,67 passou para R$ 105.136.916,44.

1º TERMO ADITIVO

Em 8.4.2005 foi fi rmado um termo aditivo, acrescendo o prazo contratual

em 03 meses, adiamento que se deu pela demora da Deso em retirar invasores

da faixa de domínio.

6º TERMO DE RERRATIFICAÇÃO

Mais um Termo de de Rerratifi cação é assinado em 6.6.2005, tendo por

base relatório circunstanciado do Diretor Técnico à época, com a decisão de

ser feito um acréscimo no qual se decidiu pela feitura de um acréscimo de

quantidade, mais 9.730 metros de tubulações, o que implicou na prorrogação do

contrato de 03 para 15 meses.

Afi rma não ter participado da elaboração desse termo, o qual se deu por

decisão exclusiva da Deso, diante de diversos vazamentos provocados por

corrosão extraordinária dos tubos de antiga adutora.

2º TERMO ADITIVO

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 143

Coube a este denunciado, Ricardo Conde Garcia, opinar favoravelmente à

prorrogação do contrato por mais 90 (noventa) dias, por ter havido paralização

da obra por 60 (sessenta) dias, em cumprimento a decisão do TCU.

3º TERMO ADITIVO

Na qualidade de fiscal, cumpriu este denunciado sua obrigação ao

concordar com o 3º Termo Aditivo, para salvaguardar os interesses da Deso no

sentido de serem feitos todos os testes de monitoramento, sem deslize algum ou

vantagem indevida concedida pelo denunciado à empresa contratada.

Refuta as acusações lançadas na exordial acusatória, aduzindo que o

relatório da CGU é desfi gurado de base técnica, como por exemplo o item

10 da denúncia demonstra os repetidos equívocos da CGU, ao denominar de

“medições fraudulentas” aquelas atestadas após o assentamento dos 42.585

metros, ssem levar em conta o 6º Termo de Rerratifi cação, quando foram

acrescentados mais 9.730 metros de montagem e assentamento de tubulações.

O denunciado apresenta defesa em relação aos itens de n. 1, n. 2, n. 3 e n. 10

da denúncia, afi rmando terem os analistas da Controladoria visitado a obra, em

companhia do denunciado, com completo acesso às plantas do Projeto Técnico,

no qual estão marcados os estoqueamentos de 20 em 20 metros e as referências

de campo. Tais pontos também estão nas plantas do Projeto de Ampliação da

Adutora do São Francisco - 2ª Fase da 2ª Etapa (anexo 6) identifi cando as

posições do início e fi m dos trechos duplicados, a saber:

1) Trecho de Recalque - em tubulação de aço de 1.000mm, se inicia na

estaca 0 localizada na estação elevatória, na margem do rio São Francisco bem

próximo a uma torre de aço de 20 metros de altura denominada tecnicamente

de TAU n. 01.

2) Trecho de Gravidade I - em tubulação de aço de 1.200mm, que se inicia

na área da caixa de passagem, estaca 0 e vai até a interligação com a adutora

antiga.

3) Trecho de Gravidade II - em tubulação de aço de 1.200 mm, que

se inicia na área da caixa de Quebra-Carga e vai até a estaca localizada na

interligação com o trecho já duplicado na 1ª etapa.

E conclui que, somados os trechos indicados, chega-se a um total de

52.311,34 metros de tubulações assentadas e em plena execução.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

144

Segundo a Controladoria foram pagos 52.867,50 metros de tubulações,

diferença resultante das declividades, perdas nos cortes de tubos para emendas,

etc., perfazendo uma diferença menor que 1%, inteiramente compatível com as

normas do projeto.

Informa que a CGU só recentemente esteve auditando o contrato e o

fez uma única vez, desconsiderando todas as auditorias realizadas na obra pelo

TCU, em número de 07, desde a celebração do contrato (fl . 4.169).

O denunciado rejeita a acusação formulada pelo parquet (item 4) quanto a

preços superfaturados dos tubos, pagos antes da aquisição pela Gautama e afi rma

não ter atestado medições por serviços e/ou fornecimentos não realizados.

Assevera que o TCU - órgão encarregado de acompanhar e fi scalizar a

execução da obra - não cogitou da realização de pagamento antecipado.

Assevera que os engenheiros da CEF liberaram mais de R$ 94.000.000,00

a título de empréstimo tomado pelo Governo do Estado de Sergipe e em

nenhum momento fi zeram qualquer reparo ao pagamento antecipado.

Quanto à acusação formulada no item 11 da exordial (de que o cálculo das

medições relativas aos serviços de escavações são incompatíveis com os dados

das sondagens realizadas ao longo do eixo da adutora), o denunciado afi rma que

a projeção da planilha de preços do relatório foi reduzida de R$ 128.432.160,59

para R$ 126.907.452,67.

Assevera que as planilhas dos projetos constituem apenas projeções dos

serviços a serem executados no campo, podendo haver diferenças ou até mesmo

equivocos nos levantamentos das quantidades dessas projeções.

No que tange à acusação formulada no item 12 (de que não teria sido

designada equipe de campo para o acompanhamento dos serviços e verifi cação

dos quantitativos efetivamente executados), o denunciado rejeita a acusação de

falta de fi scalização das obras.

Assevera que, por diversas vezes, solicitou apoio aos Diretores da Deso,

sendo então contratada empresa especializada em controle de qualidade, a

Poloteste - Inspeções Assessoria e Serviços Técnicos Ltda.

Alega que o TCU, a CEF e técnicos do Ministério da Integração Nacional

atuaram como verdadeiras equipes de fi scalização de campo, levando a uma obra

de qualidade, atendendo às especifi cações exigidas.

2º PARÁGRAFO

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 145

O denunciado refuta a acusação lançada pelo MPF na folha 2.694 da

denúncia, aduzindo que o parecer técnico apresentado pelo acusado com vistas a

substituir a utilização de ferro fundido por aço carbonado no trecho Gravidade

II foi elaborado por determinação do TCU (Processo n. 005.054/2001-2, anexo

3, item d).

Assevera que foi a determinação do TCU deu ensejo à elaboração do

2º Termo de Rerratifi cação apenas, mas os estudos realizados pelo acusado

resultaram em uma economia de R$ 2.466.365,86 (6,48%) do valor original

contratado.

3º PARÁGRAFO

Refuta o denunciado as acusações lançadas no último parágrafo da folha

2.694 da exordial, aduzindo que o engenheiro fi scal da obra não tinha condições

de detectar as condições das tubulações antigas, pois elas estavam enterradas

e em pleno uso. Sustenta, ainda, qualquer participação na feitura do 6º Termo

de Rerratifi cação, documento elaborado pela Diretoria Técnica e acatado pelo

Diretor Presidente da Deso, Termo apresentado ao TCU que o considerou

como sendo documento válido, nos termos do Acórdão n. 2.293/2005 - Plenário

(anexo 12).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fi nal, alega este denunciado ter o TCU acompanhado toda a execução

da obra, em constantes auditorias, constatando, conforme consta das informações

apresentadas pelo Diretor Presidente da Deso, terem sido plenamente

executadas, estando em plena execução as obras previstas no Projeto Executivo

da Adutora do São Francisco, razão pela qual defende a impropriedade do

relatório da CGU.

DO DIREITO

Requer seja reconhecida a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa

para a defl agração da ação penal, porque o denunciado apenas cumpriu o seu

dever, como lhe exigia a função de fi scal da obras.

Nega de forma peremptória desconformidade entre “a imputação assacada

e os elementos probatórios, porque desconectados da realidade dos fatos.

Tanto é verdadeira a alegação, assegura, que ao afi rmar o MPF haver medições

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

146

fraudulentas, desconsiderou os 42.585 metros de tubos colocados a posteriori,

omitindo os 9.735 metros constante no 6° Termo de rerratifi cação e arremata:

“Não pode ser instruída aquela denúncia cuja documentação entra em contradição com

ela própria e apresenta de manifesto a ausência de caracterização do delito. A acusação,

portanto, resulta de dados inconsistentes, imprecisos e até contraditórios, conforme

comprovado.” (fl . 4.175).

Defende a rejeição da denúncia quanto ao delito de peculato, carente de

substância e clareza, pois não explica o motivo da capitulação, além de deixar

de individualizar de forma clara e precisa a participação de cada denunciado,

difi cultando o exercício da defesa.

IV) KLEBER CURVELO FONTES (FL. 4.183-4.233)

Afi rma este acusado que o MPF não foi capaz de indicar prova para dar

sustentação à acusação no sentido de ter o denunciado concorrido para o desvio

de R$ 178.708.458,81 em prol da empresa Gautama.

Também contesta a alegação quanto ao suposto desvio de 80% do valor da

obra, mesmo porque, se assim fosse, o restante (cerca de R$ 45.912.331,78), não

seria sufi ciente para cobrir o gasto com a execução do contrato.

Afi rma que o MPF pautou a denúncia em documento da CGU, elaborado

de modo estático e com base na simples análise da licitação.

Após tecer considerações sobre a missão constitucional da CGU e do

TCU, o denunciado afi rma terem ambos os órgãos atuado em intensidade e

cronologia distintas. A CGU iniciou os trabalhos de auditoria pelo Contrato

n. 110/01 em 2007, ocasião em que as obras já se encontravam concluídas e em

plena execução, sem levar em consideração a atuação do TCU que, de forma

dinâmica, acompanhou toda a execução do contrato desde a fase de licitação,

realizando inspeções durante todo o transcorrer das obras, gerando 07 processos,

02 decisões e 08 acórdãos, abrangendo análises profundas relativas aos preços

unitários de serviços e materiais, conforme tabela mencionada na fl . 4.189,

cumprindo a Deso, rigorosamente, o determinado pelo TCU. No entender do

acusado, a omissão no relatório da CGU ao trabalho do Tribunal de Contas,

desqualifi ca aquele documento, por falta de substância” (fl . 4.189).

Assevera que fi cou estabelecido pelo TCU (Relatório Técnico AEP-01/01/

DT de julho de 2001) que a Deso, durante a elaboração do projeto executivo,

faria os estudos necessários para consolidar a substituição do tipo de material

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 147

(ferro fundido por aço soldável) na adutora - trecho Gravidade II e para a

alteração do tipo de travessia do quilômetro 2,65 do trecho de recalque, sendo

certo que o valor proposto pela Gautama foi reduzido de R$ 115.514.882,07

para R$ 107.458.567,58.

Informa ter o TCU participado da fase pré-homologatória do processo

licitatório e dos primeiros instantes da execução da obra, não sendo possível

desconsiderar tal trabalho só elaborado após a conclusão total das obras licitadas

e da entrada do sistema em operação normal.

Em relação ao que consta contra ele na denúncia, disse que na condição

de Diretor Técnico da Deso, repudia veementemente a alegação de que teria

autorizado prorrogações de prazo do contrato e alterações contratuais para

favoreceram à Gautama, como também majorou o contrato em mais de

R$ 20.000.000,00, pelo 6º Termo de Rerratifi cação, anuindo ainda com os

pagamentos superfaturados e com medições irregulares, ciente de que não

existiam diários de obra tampouco equipe para a verifi cação dos quantitativos

efetivamente executados.

Defende-se dizendo que só assumiu o cargo de Diretor Técnico da

Companhia de Saneamento de Sergipe em 6.1.2003, quando já ocorrida a

licitação, fi rmado o contrato e efetuado o primeiro aditamento, não sendo

demais transcrever a sua argumentação: “Quanto aos aditamentos contratuais

fi rmados na gestão do denunciado e imputados pela acusação como lesivos ao erário

público, estes se deram da seguinte maneira” (fl . 4.194):

2º Termo de Rerratifi cação:

O acusado afi rma que a 2ª alteração do contrato foi assinada em 25.9.2003

e deu-se em virtude da conclusão do Projeto Executivo previsto no Contrato

Original n. 110/01, na qual a construtora Gautama contratou os serviços

da Enpro - Engenharia de Projetos Ltda. Em face do longo lapso temporal

decorrido entre o projeto básico e o projeto executivo e a determinação de

intervenção do TCU, foi necessário formular uma nova planilha de quantitativos

e introdução de modifi cações signifi cativas na planilha original (fl . 4.194-4.195).

3º Termo de Rerratifi cação

Sustentando ter havido fi scalização da obra por parte do TCU, dando-se

as alterações do contrato por ordem da Corte de Contas, por questões técnicas

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

148

e por interferência da própria equipe da Deso, sem contudo haver alteração do

valor global da obra.

4º Termo de Rerratifi cação

O denunciado afi rma que o citado Termo foi assinado em cumprimento ao

contido no Acórdão n. 257/2004 do TCU.

5º Termo de Rerratifi cação

Este termo foi assinado em 8.5.2005 a fi m de implementar a adequação

fi nal das variações de quantidades, ocorridas durante a execução dos serviços e

a introdução de itens indispensáveis ao funcionamento do objeto do contrato.

Todas as modificações foram levadas a termo com base na determinação

constante do Acórdão n. 257/2004 do TCU, segundo o denunciado, tendo o

Acórdão n. 1.710/2005 do TCU resultado na alteração do valor do contrato,

majorando-o de R$ 103.064.249,67 para R$ 105.136.916,64.

6º Termo de Rerratifi cação

Para o denunciado este termo, assinado em 6.6.2005, tornou-se

imprescindível em decorrência de Relatório Técnico expondo a gravidade do

problema de corrosão nas tubulações da 1ª etapa do trecho de gravidade II, com

proposta de solução emergencial apensada ao 6º Termo de Rerratifi cação.

A solução dada foi chancelada pelo TCU, no Acórdão n. 2.293/2005,

considerando válido tal proceder, o que não pode ser desmerecido pelo relatório

da CGU, sob o argumento de que os auditores desse órgão inverteram a verdade

fática para prejudicar os denunciados.

1º Termo de Aditivo

O denunciado afi rma que este aditivo foi assinado por solicitação da

construtora Gautama, pleiteando a empresa a prorrogação de prazo da obra

por mais 90 (noventa) dias, em razão de chuvas, descontinuidade dos recursos

fi nanceiros e demora dar parte da Deso na retirada dos invasores da faixa de

domínio.

2º Termo Aditivo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 149

Mais uma vez, a pedido da Construtora Gautama, é prorrogado o contrato

por noventa dias, sendo assinado este 2º Aditivo.

3º Termo Aditivo

Este 3º aditivo, ainda segundo o denunciado, veio a partir de solicitação da

construtora Gautama.

Defendendo-se as acusações que lhe foram imputadas pelo MPF, diz

rejeita-las porque embasadas, unicamente, no relatório da CGU, órgão de

controle interno que, no entender do acusado, extrapolou suas atribuições

constitucionais ao enviar o relatório para o MPF e não para o TCU.

O denunciado afirma que o TCU sempre esteve presente de forma

continuada no acompanhamento e fiscalização do empreendimento, fato

ignorado pelos auditores da CGU.

Nega este acusado a afi rmação do MPF de que estava previsto no projeto

básico tubos de ferro fundido com o único propósito de inabilitar outras

concorrentes e favorecer a construtora Gautama, sendo substituídos no curso da

execução do contrato por aqueles de aço carbonado.

Segundo este acusado o tubo de ferro fundido foi alterado por intervenção

direta do TCU, órgão que concluiu serem os tubos de aço carbonado mais

baratos que os de ferro fundido.

Como outros acusados enaltece este denunciado a atuação do TCU no

acompanhamento da obra, chegando a um total de 06 (seis) auditorias, gerando

10 (dez) pronunciamentos. Também afi rma ter sido a obra auditada pela CEF,

em razão de um empréstimo.

O acusado alega que o Governo do Estado de Sergipe fi rmou convênio

com a CEF, contraindo empréstimo da ordem de R$ 94.000.000,00 para a

concretização da obra, oportunidade em que foram os contratos e projetos

examinados e avaliados pelos técnicos da instituição fi nanceira.

Assevera que, durante os 12 meses de vigência do contrato, houve constante

fi scalização e acompanhamento dos engenheiros da CEF, com o objetivo de

acompanhar e fi scalizar todas as etapas da obra bem como emitir parecer e

aprovar os boletins de medições, elaborados pelos engenheiros da obra e o

engenheiro fi scal e técnico da CEF, com o encaminhamento ao TCU de dois em

dois meses. Esses boletins, segundo o denunciado, não foram considerados pela

CGU. E conclui: ao fazer uma simples análise estática do processo licitatório,

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os técnicos da CGU cometeram grave equívoco, induzindo o autor da ação

penal a erro e causando grave prejuízo ao denunciado pois assenta-se em

falsas e inconsistentes premissas, contendo “inconcebível interligação temporal

necessária para atrelar os responsáveis pela licitação ocorrida em 2000 com todo

o andamento do contrato até o fi nal de 2006” (fl . 4.215).

Afirma ter obedecido aos exatos termos da lei, atendo-se ao pronto

atendimento às determinações do TCU, regularizando as imperfeições

apontadas na proposta da contratada e na própria execução da obra e serviços.

MÉRITO - DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

Feitas essas considerações acerca do andamento do contrato, o denunciado

sustenta ser a exordial acusatória genérica, sem apontar o MPF em que se

baseou para alegar irregular conduta do denunciado, tipifi cada como peculato.

Cita o REsp n. 562.692-SP, rel. Min. Gilson Dipp; HC n. 88.359-1, rel. Min.

Cezar Peluso como precedentes.

Também afi rma estar a inicial sem atender aos requisitos do art. 41 do

CPP, carecendo a ação penal de justa causa, pois o MPF deixou de apontar, de

forma pormenorizada, os elementos em que se baseou para incluir o denunciado

no polo passivo da demanda. Cita o HC n. 1.268, rel. Min. Edson Vidigal.

Para ele as peças informativas não trazem qualquer indício autoria, porque

não há prova alguma de ter o acusado assinado contrato ou se relacionado com

os dirigentes ou empregados da empresa Gautama.

Por fi m, afi rma que o MPF não fez menção à existência de dolo específi co

na conduta do denunciado.

V) JOÃO ALVES FILHO (FL. 4.236-4.310)

Inicialmente o denunciado relata, de forma sucinta, as acusações lançadas

na exordial acusatória pelo parquet, para depois fazer considerações sobre os

seguintes tópicos:

III - LIMITES OBJETIVOS DESTA OPORTUNIDADE DE

MANIFESTAÇÃO PROCESSUAL

Invocando o disposto no art. 6°, caput, da Lei n. 8.038/1990, diz o

denunciado que, nesta oportunidade, cabe à defesa demonstrar a improcedência

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 151

da acusação, o que fará, ingressando no mérito da acusação de forma tangencial,

o que lhe permitirá abortar a pretensão do Ministério Público Federal (fl .

4.253).

IV - OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE O QUE NÃO ESTÁ NOS

AUTOS, MAS QUE SERVE DE BASE PARA A ANÁLISE DESTA

CORTE

Inicia a defesa a exposição dos fatos afi rmando que, por ter feito oposição

ao Governo Federal (como no caso da transposição do rio São Francisco),

passou a ser perseguido pelos órgãos da União, a ponto de ter o ex-Presidente

da República admitido publicamente a jornalistas a vontade de destruir o

denunciado (fl . 4.257), não sendo estranho, diante disso, o interesse da Polícia

Federal em investigar uma obra auditada mais de dez vezes pelo TCU, sem

encontrar o órgão técnico qualquer indício de superfaturamento ou desvio.

Em continuação diz o denunciado ter chamado atenção o fato de a

Controladoria-Geral da União, órgão do Executivo Federal, produzido um

relatório desafi ando todas as conclusões do c. TCU, sem referência a qualquer

das análises feitas pela Corte de Contas.

Na verdade, o que se expõe com clareza em tal quadro é que ela, CGU,

serviu como justifi cadora técnica para respaldar a tese falaciosa da PF, segundo

a qual teria havido um astronômico - e impossível - desvio de 80% do valor da

obra citada. (...)

Assim, é preciso relativizar o que consta dos autos, pois, infelizmente, e

sem desdouro das pessoas sérias que a compõem, a PF não merece a confi ança

que nela se costuma depositar”. (fl . 4.257-4.258).

V - A ILICITUDE DA PROVA

Negando haver mantido contato telefônico com qualquer dos investigados,

desqualifica a prova ao argumento de terem as interceptações telefônicas,

apresentadas pelo MPF, contrariado o art. 8º da Lei n. 9.296/1996. Afi nal não

foram juntados aos autos o inteiro teor das interceptações, nem das decisões

autorizadoras.

Para ele a primeira decisão relativa à quebra de sigilo telefônico constante

dos autos refere-se a uma prorrogação de interceptação de conversa de Zuleido

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Veras, datada de 19 de maio de 2006 (fl s. 83). Se era prorrogação, deveriam os

autos trazer, para controle da defesa, a quebra precedente.

A prorrogação seguinte, constante dos autos, é datada de 21 de junho (fl .

89), sendo certo que entre 19 de maio e 21 de junho passaram-se mais de 15

dias, sendo a prorrogação fora do tempo, além dos quinze dias fi xado em lei (art.

5° da Lei n. 9.296/1996). Conclui ter havido solução de continuidade entre uma

autorização de interceptação e outra, apta a responsabilizar quem a procedeu

a responder pelo crime do art. 10 da Lei n. 9.296/1996 (interceptações sem

autorização judicial, dado que a existente expirara).

Depois, às fl . 94, enxerga-se ordem datada de 10 de agosto, em que não se

ordena a reiteração da quebra do sigilo de Zuleido Veras e às fl . 99 há ordem de

reiteração de 18 de agosto para a quebra do sigilo do mesmo acusado.

No ato de 2 de agosto de 2006, avistável às fl . 112, é determinada a

prorrogação da quebra do sigilo do mesmo Zuleido Veras, mas no dia 10 de

agosto de 2006 (fl . 117), seu nome não é referido para tal fi nalidade.” (fl . 4.263-

4.264), em demonstração inequívoca de um quadro lacunoso, autorizando a

se concluir terem sido as interceptações telefônicas, deferidas pelo Juízo de 1º

Grau, em contrariedade ao princípio do devido processo legal procedimental

e ao art. 5° da Lei n. 9.296/1996, extrapolando o prazo de 15 (quinze) dias

previsto no citado diploma.

VI - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MATERIAL

PROBATÓRIO COLETADO

5.1. AUSÊNCIA DE DIÁLOGOS DO MANIFESTANTE

O denunciado afi rma que toda a acusação é lastreada em áudios de diálogos

de terceiros, como por exemplo o diálogo do seu fi lho ( João Alves Neto),

agendando reunião com Zuleido Veras para tratar de assuntos relacionados

ao empreendimento imobiliário construído no município de Salvador-BA por

Rodolpho Veras (fi lho de Zuleido).

Informa existir sociedade, entre João Alves Neto e Rodolpho Veras,

constituída com propósito específi co (SPE), com personalidade jurídica própria,

modalidade contratual destinado à proteção de consumidores de imóveis

residenciais, negócio de perfi l especial e aberto à participação de qualquer

investidor.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 153

Considera o denunciado sem prova a denúncia, porque a Polícia Federal

não conseguiu colher nenhum elemento direto da prática de crime por parte

do acusado. E conclui: eventuais referências feitas por terceiros a seu nome

não podem ser tomadas como indiciárias da prática de qualquer delinquência,

“se fulano ou beltrano citam o nome do manifestante, cumpria às autoridades

investigantes produzir a prova de que os atos citados nos diálogos eram verdadeiros e

não assumir a veracidade deles a priori.” (fl . 4.269).

VII - QUANTO AO ALEGADO PECULATO - INOCORRÊNCIA-

AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE

O denunciado refuta a acusação de ter ele buscado fi nanciamento junto

à CEF com o propósito de desviar os recursos em proveito dos integrantes da

organização criminosa, como também nega a existência de obra superfaturada.

E a prova maior do que afi rma está na liberação do fi nanciamento da CEF,

precedida de verifi cações in loco do cumprimento das etapas das obras e da

constatação de sua economicidade e na atuação do TCU, intesmente atuante na

fi scalização em nada menos de dez oportunidades, sem jamais questionar sobre

os valores. Informa ter sido a obra paralisada por determinação do TCU, logo

depois liberada por ordem do colegiado da Corte de Contas.

O acusado insurge-se contra o relatório da CGU, por ignorar o órgão os

estudos feitos pelo TCU para concluir pela não existência de superfaturamento

na ordem de 80% do valor da empreitada. E arremata: se é verdade o que

consta do relatório da CGU, dever-se-ia incluir no polo passivo da demanda

os Ministros do TCU e os analistas e diretores da CEF que autorizaram a

liberação de receitas.

VIII- QUANTO À CORRUPÇÃO PASSIVA - CRIAÇÃO MENTAL

MINISTERIAL - INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO

8.1. ANÁLISE MINUDENCIADA DE CADA UMA DAS

REFERÊNCIAS DA ACUSAÇÃO

O denunciado rejeita a acusação de ter negociado com Zuleido Veras,

por intermédio de João Alves Neto, o recebimento de vantagem indevida em

contrapartida à liberação de recursos para que a Deso efetuasse pagamentos de

medições fraudulentas pretendidas pela construtora Gautama. Rejeita também a

acusação de prática de corrupção passiva, porque a premissa utilizada pelo MPF

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para subsidiar a acusação de corrupção passiva é inteiramente inverossímil:

fi nanciamento de sua campanha eleitoral, com recursos arrecadados por João

Alves Neto.

Negando a acusação de ter João Alves Neto recebido de Zuleido Veras

a quantia de R$ 50.000,00 no dia 8.6.2006, para viabilizar a liberação do

pagamento de R$ 700.000,00 feito à Gautama no dia 14.6.2006, reporta-se

à anotação Jneto, feita no doc. de fl . 57 do apenso 45 para dizer ser ela um

nada jurídico, pois pode se referir a qualquer pessoa. Para ele a acusação foi

levada a termo com base em equivocadas interpretações dos termos utilizados

em diálogo interceptado e captados no dia 8.8.2006. Nesse diálogo, segundo

o MPF, Zuleido Veras se dirigiu a Aracaju para acertar com João Alves Neto o

direcionamento dos recursos da Deso para a Gautama.

Há ainda a alegação de um acerto posteriormente, datado de 19.6.2006,

referente a um pagamento de exatos R$ 7.141.658,00 à Gautama, mediante,

sedimentado por Flávio Conceição e intermediado por João Alves Neto.

Com veemência nega a acusação lançada pelo MPF quanto ao seu próprio

envolvimento, recebendo R$ 650.000,00 em contrapartida à liberação de R$

8.641.658,00 em favor da empresa Gautama. Tal fato não consta sequer de

diálogos interceptados, sendo mera alegação do MPF. Enfi m, não aceita como

verdadeiras as afi rmações feitas com embasamento em diálogos interceptados

tais como: a) diálogo interceptado entre Flávio Conceição e Zuleido Veras no

dia 31.8.2006, envolvendo a intermediação de João Alves Neto; b) diálogo

interceptado nos dias 1º.9.2006 e 5.9.2006), referente ao o repasse de R$

1.500.000,00 à construtora Gautama, por intermédio de João Alves Neto; c)

solicitação sua, por intermédio de seu filho, João Alves Neto, de vantagem

indevida a Zuleido Veras, como está registrado na interceptação do dia 8.9.2006;

d) recebimento por seu fi lho do valor de R$ 50.000,00 no dia 7.9.2006 e mais

R$ 50.000,00 no dia 12.9.2006, conforme consta das fl . 71 e 74 do apenso 45.

E arremata dizendo que todas as referências à Habitacional são relacionadas ao

empreendimento comum entre a empreiteira da família do denunciado e a do

fi lho de Zuleido Veras.

8.2. A INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO APTO A

AUTORIZAR A IMPUTAÇÃO

O denunciado alega que o delito de corrupção passiva não se encontra

confi gurado, porque o MPF não apontou qualquer ato de ofício típico de

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 155

Governador de Estado praticado pelo acusado, ao tempo em que considera

imprescindíveis no polo passivo desta ação penal, os anteriores e os atuais

gestores do Estado de Sergipe, pois o contrato fi rmado com a construtora

Gautama foi iniciado no governo anterior ao do denunciado, estendendo-se ao

governo atual do Estado de Sergipe.

Argumentando doutrinariamente diz que, em não havendo ato próprio

do Governador do Estado, a responsabilidade imputada pelo parquet é objetiva,

providência vedada pela jurisprudência pátria. Cita o HC n. 80.549-SP, rel.

Min. Nelson Jobim; HC n. 73.590-SP, rel. Min. Celso de Mello.

IX- O CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

Refuta a capitulação dada na denúncia quanto a autoria de dois crimes

a ele atribuídos, cujo concurso é inadmissível, Alega que a denúncia imputa

ao acusado, a partir da mesma premissa fática, a prática de 02 (dois) delitos

incompatíveis entre si, cujo concurso é inadmissível, quais sejam, corrupção

passiva e peculato.

X – REQUERIMENTO

Pugna, ao fi nal, pela anulação das provas dos autos e pela rejeição da

exordial acusatória.

VI) ROBERTO LEITE (FL. 4.057-4.111)

Este denunciado rejeita a acusação formulada pelo MPF de ter contribuído

para ser a Construtora Gautama vencedora na licitação realizada pela Deso,

com vista à duplicação da adutora do Rio São Francisco.

Para ele a denúncia foi oferecida com respaldo em relatório elaborado

pela CGU, órgão que iniciou os trabalhos de auditoria na obra no ano de

2007, vindo a apresentar um relatório “encomendado” desconsiderando todo o

trabalho de fi scalização realizado pelo TCU, desde o ano de 2001, embasado em

07 (sete) processos, 02 (duas) decisões e 08 (oito) acórdãos, seguindo a Deso,

rigorosamente, todas as determinações da Corte de Contas, fato inteiramente

ignorado no relatório da CGU.

Com o fi m de demonstrar o cuidado da Deso na formalização do contrato,

o denunciado alega que, antes da homologação da concorrência, foram feitas

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156

gestões entre a Deso e o TCU para apreciação antecipada da licitação, preços e

condições a serem estabelecidas no contrato. Aliás este trabalho levou a reduzir

o valor da proposta inicial da Gautama, passando de

Afirma que, em cumprimento a determinação do TCU, a proposta

apresentada pela Gautama no valor de R$ 115.514.882,07 para R$

107.458.567,58.

Informando ter ocupado o cargo de Diretor de Operações da Deso no

período de 17.12.1993 até 1º.9.2000 e depois o cargo de Diretor Técnico,

de 2.9.2000 a 6.1.2003, afi rma ter sido celebrado em 9.10.2002 o 1º Termo

de Rerratifi cação do Contrato n. 110/01-Deso, porque se fez necessária a

atualização de planilha, com remanejamento de quantitativos de serviços e

introdução de outros itens, por determinação do TCU, conforme Decisão n.

913/2002. Para tanto foi o denunciado, ainda Diretor Técnico da Deso, ouvido

em audiência no dia 28.5.2003, sendo acolhidas as suas razões pelo Acórdão

n. 275/2004, sendo determinada pela Corte de Contas o prosseguimento do

contrato.

Informa o denunciado que o contrato chegou a ser suspenso por

determinação do TCU, pela Decisão n. 913/02, por considerar necessários

alguns ajustes quanto à adequação técnica e fi nanceira da obra. As medidas

indicadas foram adotadas imediatamente Afi rma que, tomadas as medidas

determinadas pelo TCU, as obras tiveram prosseguimento, conforme Acórdão

n. 1.270/2002.

ANÁLISE DAS PROVAS CONSTANTES DA DENÚNCIA

Fazendo críticas veementes às provas trazidas na denúncia, nega este

denunciado as alegações de direcionamento do contrato, a partir da licitação,

para a Construtora Gautama, partindo de premissas subjetivas e genéricas,

pautadas no relatório da CGU, subscrito por profi ssionais sem um mínimo de.

FORNECIMENTO DE MATERIAIS EM CONJUNTO COM A

EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS E BDI (35%)

O acusado alega que falta aos profi ssionais subscritores do relatório da

CGU o mínimo de conhecimento da logística a ser empreendida quanto ao

armazenamento do material necessário a uma obra do porte da contratada pela

Deso (orçada em R$ 110.000.000,00).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 157

Defende a forma como se deu a licitação da obra contratada pela Deso (com

inclusão de materiais junto com a contratação dos serviços), argumentando ter

o certamente atendido ao princípio da economicidade, permitindo a realização

dos serviços sem solução de continuidade.

Aduz que o andamento da obra estava atrelado ao volume de recursos

descontingenciados pela União, estando a liberação dos valores atrelada à

aprovação do respectivo plano de trabalho. E argumenta: caso a licitação dos

materiais tivesse sido feita em apartado da contratação dos serviços, corria-se o

risco de chegarem os recursos para a execução da obra, mas não os valores para a

compra dos materiais.

Ainda se insurgindo contra o relatório da CGU, questiona o denunciado a

ciência dos seus auditores, quando da elaboração do relatório, das dimensões das

tubulações que seriam utilizadas na obra e das normas de armazenamento para

evitar o abaulamento das extremidades de cada tubo, fatores determinantes para

a majoração do custo da obra.

FALTA DE DETALHAMENTO DE ITENS NAS PLANILHAS,

AUSÊNCIA DE PESQUISAS DE PREÇOS OU FONTES DE

REFERÊNCIA DIFICULTANDO A APROPRIAÇÃO REAL DOS

CUSTOS DE EXECUÇÃO

Com relação à falta de detalhamento de itens constantes da planilha, o

denunciado refuta a acusação, argumentando ter a contratante prestado, às

empresas concorrentes à licitação, todos os esclarecimentos sobre os diversos

pontos do edital. Aliás os preços constantes do orçamento da Deso são os

mesmos do sistema de orçamentos desenvolvidos pela Companhia Estadual de

Obras Públicas.

CLÁUSULAS RESTRITIVAS E PREÇO DO EDITAL

O denunciado rejeita a acusação de que o preço do edital (R$ 2.000,00)

teria tolhido o caráter competitivo do certame, sob o argumento de ter a

empresa habilitada para um empreendimento de R$ 110.000.000,00, condições

de arcar com o custo do edital.

Rejeita ainda a afi rmação do MPF de conter o edital cláusulas restritivas,

aduzindo, para tanto, existirem no pais diversas empresas que preenchem os

requisitos mínimos estabelecidos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

158

AUSÊNCIA DE ASSINATURAS, PUBLICAÇÕES, PARECER

JURÍDICO, MINUTA DE CONTRATO ETC

Rejeitando a afi rmação do MPF de que a obra não foi fi scalizada, proclama

o denunciado a ativa fi scalização do TCU, cujos técnicos constataram a ausência

de alguns itens, corrigidos à tempo e modo pela Deso.

LICITAÇÃO INDUVIDOSAMENTE DIRECIONADA PARA

FAVORECER A GAUTAMA

Como o anterior, este denunciado refuta a alegação de licitação dirigida

à Gautama, fi rmando-se posteriormente o contrato em bases desfavoráveis ao

Estado.

Atribui as alegações constantes do relatório da CGU, em relação a tais

itens, ao despreparo técnico dos auditores, desconhecendo eles a legislação

específi ca (art. 40, XI, da Lei n. 8.666/1993), onde está previsto ser a data base,

para efeito de cálculo de reajuste, a data do orçamento, na hipótese setembro de

2000.

ASSOCIAÇÃO ESTÁVEL E PERMANENTE PARA DESVIAR

RECURSOS PÚBLICOS A FAVOR DA GAUTAMA MEDIANTE

RECEBIMENTO DE VANTAGENS INDEVIDAS

Continuando a sua defesa, diz o denunciado Roberto Leite que, ao deixar

o cargo de Diretor Técnico da Deso, janeiro de 2003, não teve mais qualquer

ingerência no andamento do contrato, fato que retira a possibilidade de ter

integrado a suposta organização criminosa de forma estável e permanente.

Rejeita a acusação de não ter zelado pela regularidade do processo de

licitação, porque na fase de licitação, encaminhou ao TCU as instruções

fundamentais do processo licitatório, encaminhando, na fase de execução, à

mesma Corte, todas as medições realizadas.

MÉRITO - INÉPCIA DA DENÚNCIA

Atacando a denúncia de genérica e sem a narrativa dos fatos praticados por

cada um dos denunciados, principalmente quanto ao crime de peculato, entende

ter sido incluído na denúncia pelo só fato de fi gurar como Diretor Técnico da

Deso quando da licitação e no início da execução das obras. Invoca em seu favor,

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 159

em precedentes, o REsp n. 562.692-SP, rel. Min. Gilson Dipp; o HC n. 88.359-

1, rel. Min. Cezar Peluso; RHC n. 1.025, rel. Min. Vicente Cernicchiaro.

Ao fi nal, requer a rejeição da exordial acusatória.

VII) FLORÊNCIO BRITO VIEIRA (FL. 4.590-4.623)

I - DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

Qualifi cando como inapta a denúncia, por não estar nela descrito o suposto

fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, considera de suma importância

tal requisito, em nome do exercício do direito de defesa.

Em relação à sua participação assegura inexistir na peça inicial a indicação

do momento da associação do denunciado à quadrilha, sendo insufi ciente para a

caracterização deste delito o só ato de sacar e transportar dinheiro da fi rma em

que trabalhava para pagamento de propina. Este fato, além de desprovido de

base probatória, não tipifi ca, por si só, o delito de formação de quadrilha.

Assevera que o MPF mostra-se contumaz em oferecer denúncia por

formação de quadrilha, sem a mínima confi guração, confundindo quadrilha com

concurso de agentes.

Sem mencionar, em nenhum momento ter o acusado ciência da fi nalidade

do o numerário sacado e transportado por ordem de seu patrão, a denúncia

prejudica o exercício do direito de defesa, como já decidiu o STF (HC n.

73.590-SP, rel. Min. Celso de Mello). Limitou-se o MPF a fazer a imputação,

sem a descrição da conduta, em verdadeira adoção à tese da responsabilidade

penal objetiva, vedada pelo ordenamento jurídico.

II- DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO ACUSADO - AUSÊNCIA

DE DOLO EM SUA CONDUTA

O acusado alega que é gerente administrativo da fi lial da empresa Gautama

em Salvador-BA e apesar do pomposo título de gerente, atua como auxiliar

administrativo fi nanceiro da fi lial onde serve, estando subordinado às ordens

de Gil Jacó, conforme relatado em interrogatório colhido às fl . 1.377 (vol. 6 dos

autos). Em razão de exercer função meramente administrativa e burocrática, não

conhecia os negócios da empresa, tampouco a destinação do numerário por ele

sacado ou transportado.

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160

III - DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES

IMPUTADOS AO ACUSADO

III. 1. DO CRIME DE PECULATO

Sustenta a impossibilidade de ter praticado o delito de peculato por não

ser funcionário público ou a ele equiparado, na forma da lei, além de não deter

a posse do bem supostamente desviado em proveito próprio ou de terceiro,

pois jamais teve a posse dos recursos transportados, nem deles se apropriou ou

desviou, em proveito próprio ou de terceiras pessoas.

III. 2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA

Defende a atipicidade do delito de corrupção ativa, porque jamais prometeu

ou ofereceu vantagem indevida a quem quer que seja, fato admitido pelo MPF

que, na denúncia, consignou restringir-se a que a conduta do acusado a efetuar

“saques em dinheiro para o pagamento de propina e transportar numerários

para localidades em que seriam efetuados os pagamentos” (fl . 4.614).

O denunciado afi rma que jamais tomou conhecimento da prática de ato

ilícito por parte dos integrantes da construtora Gautama, não sendo possível

imputar-se ao autor prática de corrupção, por não deter sequer o domínio do

fato.

III. 3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

Para este acusado o MPF, a partir de uma só descrição fática, imputa ao

acusado a prática de 02 (dois) delitos cujo concurso não é admitido, em violação

ao princípio do non bis in idem.

III. 4. DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Este denunciado, ao refutar a acusação de integrar uma quadrilha, diz

ter o MPF, ao invés de descrever os elementos típicos do delito, se limitado a

afi rmar que o acusado tinha por atribuição efetuar “saques em dinheiro para o

pagamento de propina e transportar numerários para localidades em que seriam

efetuados os pagamentos”.

Ao refutar a acusação de integrar uma quadrilha, diz este acusado ter

o MPF, ao invés de descrever os elementos típicos do delito, se limitado a

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 161

afi rmar ter ele por atribuição efetuar “saques em dinheiro para o pagamento de

propina e transportar numerários para localidades em que seriam efetuados os

pagamentos”.

O denunciado rejeita a imputação da prática do crime de quadrilha, sob

o argumento de ser esta uma infração penal a exigir, para sua confi guração, a

existência de dolo como elemento subjetivo e liame subjetivo entre os agentes,

fatos não demonstrados pelo MPF.

Afirma que o relacionamento existente entre o acusado e os demais

funcionários da construtora Gautama era de natureza profi ssional.

Informa ser a Construtora Gautama empresa em funcionamento há 13

(treze) anos, devidamente registrada e que, até a defl agração da Operação

Navalha, atendia regularmente as suas obrigações fiscais, tributárias e

trabalhistas.

Nos 13 anos de existência, a Construtora Gautama executou 42 obras,

detendo certifi cação no programa de gestão de qualidade, não sendo razoável

imputar aos funcionários da empresa o delito de formação de quadrilha.

V - DO PEDIDO

Ao fi nal, pede o denunciado a rejeição da denúncia.

VIII) JOÃO ALVES NETO (FL. 4.314-4.558)

I - ILICITUDE DA PROVA

Após identificar-se como filho do ex-Governador João Alves Filho,

qualificando-se como empresário, adverte que neste momento processual

fará uma análise sobre o mérito da acusação de maneira tangencial. E da

mesma forma e com os mesmos argumentos usados pela defesa do seu pai, aqui

denunciado, passa a argumentar.

Nega ter mantido contato telefônico com os investigados, apontados como

integrantes de uma quadrilha.

Classifi ca de ilegal a prova, porque não foram juntados aos autos o inteiro

teor das interceptações telefônicas, tampouco as decisões autorizadoras, em

contrariedade ao art. 8º da Lei n. 9.296/1996, fato sufi ciente para inutiliza-la.

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Sobre as interceptações telefônicas diz o denunciado que “a primeira decisão

que nos autos se enxerga, relativa à quebra de sigilo telefônico de Zuleido Veras é

datada de 19 de maio de 2006, em que se refere à prorrogação da referida quebra” (fl s.

83).

Ora, se era prorrogação, deveriam os autos trazer, para controle da defesa, a

quebra precedente (se é que ela houve). (...)

A prorrogação seguinte, que dos autos consta, é datada de 21 de junho (fl .

89), sendo certo que entre 19 de maio e 21 de junho há mais de 15 dias, donde a

prorrogação veio a destempo, pois o prazo quinzenal, além de fi xado em lei (art.

5º da Lei n. 9.296/1996), é estabelecido na própria decisão de 19 de maio.

Houve, assim, solução de continuidade entre uma autorização de

interceptação e outra, apta a responsabilizar quem a procedeu a responder pelo

crime do art. 10 da Lei n. 9.296/1996 (interceptações sem autorização judicial,

dado que a existente expirara).

Às fl . 94, enxerga-se ordem datada de 10 de agosto, em que não se ordena a

reiteração da quebra do sigilo de Zuleido Veras.

Depois, às fl. 99, em ato datado de 18 de agosto, ordena-se que seja

reiterada a quebra do sigilo daquele acusado.

No ato de 2 de agosto de 2006, avistável às fl . 112, é determinada a

prorrogação da quebra do sigilo do mesmo Zuleido Veras.

Já no dia 10 de agosto de 2006, de fl . 117, seu nome não é referido para tal

fi nalidade.” (fl . 4.333-4.335)

Para o acusado o quadro lacunoso autoriza concluir que as interceptações

telefônicas foram deferidas pelo Juízo de 1º Grau, em contrariedade ao princípio

do devido processo legal procedimental e ao art. 5º da Lei n. 9.296/1996,

extrapolando o prazo de 15 (quinze) dias previsto no citado diploma.

II - CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O MATERIAL

PROBATÓRIO COLETADO

2.1. A INEXISTÊNCIA DE DIÁLOGOS DO MANIFESTANTE

QUE SIRVAM DE ESTEIO À PROVA ACUSATORIAL

O denunciado afi rma que toda a acusação é lastreada em áudios de diálogos

travados entre terceiros.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 163

Assevera que a quebra do sigilo telefônico do denunciado revelou apenas

que este teria agendado reunião com Zuleido Veras para tratar de assuntos

relacionados com o empreendimento imobiliário construído no município de

Salvador-BA por Rodolpho Veras e o ora acusado.

2.2. SOBRE O EMPREENDIMENTO EM SALVADOR

O denunciado afi rma que constituiu, juntamente com Rodolpho Veras,

sociedade de propósito específi co (SPE), com personalidade jurídica própria,

modalidade contratual destinado à proteção de consumidores de imóveis

residenciais.

Sem haver entre eles nada de especial e permanente a não ser um negócio

de perfi l especial e aberto à participação de qualquer investidor.

2.3. REFERÊNCIAS FEITAS POR TERCEIROS

O denunciado sustenta que, apesar da Policia Federal ter tido à disposição

todos os meios que a legislação oferece para o combate ao crime organizado,

não foi colhido nenhum elemento direto da prática de crime de que é acusado

e eventuais referências feitas por terceiros a seu nome não podem ser tomadas

como indiciárias da prática de qualquer delinquência. Arremata: “se fulano

ou beltrano citam o nome do manifestante, cumpria às autoridades investigantes

produzir a prova de que os atos citados nos diálogos eram verdadeiros e não assumir a

veracidade deles a priori.” (fl . 4.340).

III - QUANTO AO ALEGADO PECULATO - INOCORRÊNCIA -

AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE

O denunciado refuta a acusação de ter o ex-Governador João Alves Filho

buscado fi nanciamento junto à CEF com o propósito de desviar os recursos em

proveito dos integrantes da organização criminosa.

Nega a existência de superfaturamento na obra, concluindo que, se admitido

tal fato a CEF, por seus técnicos e executivos, teria liberado fraudulentamente

os recursos, pois estas medidas eram precedidas de verificações in loco do

cumprimento das etapas das obras e da constatação de sua economicidade.

O acusado afirma que, se tivesse havido superfaturamento, todos os

Ministros do TCU deveria ter sido arrolados como réus, sob o argumento de

que a obra apontada na denuncia foi objeto de intensa fi scalização por parte do

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TCU que, em 10 (dez) oportunidades, decidiu, por unanimidade, o tema a ela

concernente, sem jamais imputar a pecha de superfaturamento.

Assevera que a obra chegou a ser suspensa 01 (uma) vez por determinação

do TCU, mas o Plenário da Casa decidiu por liberar a execução do contrato por

não ter encontrado nenhum vício.

O acusado insurge-se contra o relatório da CGU, aduzindo ter ignorado

por completo os estudos feitos pelo TCU. Cita a APN n. 323-CE, rel. Min.

Fernando Gonçalves, DJ 13.2.2006.

O denunciado sustenta que, concluindo-se pela existência de

superfaturamento de ordem de 80% do valor da empreitada, dever-se-ia incluir

no polo passivo da demanda os Ministros do TCU e os analistas e diretores da

CEF que autorizaram a liberação de receitas.

IV - QUANTO À CORRUPÇÃO PASSIVA - CRIAÇÃO MENTAL

MINISTERIAL - INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO

O denunciado afi rma nada haver nos autos para respaldar a conclusão de

ter o ex-Governador João Alves Filho por intermédio do denunciado, negociado

o repasse de vantagem indevida com o fi m de propiciar a liberação de verba para

a construtora Gautama.

O acusado afi rma que a premissa utilizada pelo MPF para atribuir a

prática do delito de peculato ao denunciado João Alves Filho é errônea, aduzindo,

para tanto, que dinheiro para campanha todo candidato precisa.

Para ele o MPF não tem nenhuma prova para subsidiar a acusação de que

o denunciado participara intensamente das negociações de empréstimos junto

às instituições fi nanceiras

O denunciado rejeita a acusação de ter recebido de Zuleido Veras a quantia

de R$ 50.000,00 no dia 8.6.2006 para viabilizar a liberação do pagamento de

R$ 700.000,00 feito à Gautama no dia 14.6.2006.

Afi rma que a anotação Jneto, feita no doc. de fl . 57 do apenso 45, pode

referir-se a qualquer pessoa. Alega, ainda, que o valor consignado no documento

pode ter relação com o empreendimento construído pelo denunciado e Rodolpho

Veras em Salvador-BA.

O denunciado insurge-se contra a acusação lançada pelo MPF de que no

dia 19.6.2006 Flávio Conceição teria voltado a tratar com Zuleido Veras sobre os

ajustes com o ora acusado.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 165

O acusado afi rma ter sido a acusação lançada na exordial acusatória levada

a termo, com base em equivocadas interpretações acerca dos termos utilizados

no mencionado diálogo.

Para ele não há, no diálogo captado no dia 8.8.2006, qualquer elemento

autorizando a conclusão de que Zuleido Veras se dirigiu a Aracaju para acertar

com o denunciado o direcionamento dos recursos da Deso para a Gautama.

O encontro, segundo alega, está relacionado ao empreendimento localizado

em Salvador-BA.

O denunciado alega não haver no diálogo interceptado entre Zuleido Veras

e Ricardo Magalhães, qualquer menção ao nome do acusado.

Assevera não existirem elementos para subsidiar a acusação de ter o

denunciado intermediado o pagamento de R$ 7.141.658,00 à empresa Gautama.

Afirma não haver como inferir-se do diálogo interceptado nos dias

8.8.2006 e 10.8.2006 qualquer elemento capaz para subsidiar a acusação de

ter João Alves Neto recebido R$ 330.000,00 para intermediar o repasse R$

3.297.733,56 à construtora Gautama.

O denunciado rejeita a acusação de ter recebido, no dia 14.8.2006, R$

100.000,00 para a liberação do pagamento de R$ 3.843.924,44 à empresa

Gautama e mais R$ 650.000,00 para propiciar a liberação de R$ 8.641.658,00 à

Gautama entre os dias 2 e 15.8.2006.

Afi rma, ainda, que o denunciado nada teve a ver com a liberação de R$

1.500.000,00 à Gautama no dia 5.9.2006.

Assevera que em nenhum ponto dos diálogos interceptados no dia 8.9.2006

houve qualquer menção ao tema da propina sugerida pelo MPF.

Insurge-se contra a imputação de ter recebido R$ 50.000,00 no dia

7.9.2006 e mais R$ 50.000,00 no dia 12.9.2006, aduzindo que não há nenhum

elemento que corrobore tal assertiva.

4.2. A INEXISTÊNCIA DE ATO DE OFÍCIO APTO A

AUTORIZAR A IMPUTAÇÃO

O denunciado alega que a imputação da prática do crime de corrupção

passiva por parte do acusado João Alves Filho não encontra fundamento, sob

o argumento de que o MPF não indicou a prática de nenhum ato típico de

Governador de Estado neste ponto.

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166

IX - O CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de

corrupção passiva com o de peculato, sob o argumento de que tais delitos teriam

sido cometidos a partir da mesma base fática, fato que implica em violação ao

princípio do non bis in idem.

V – REQUERIMENTO

Por fi m, requer a rejeição da exordial acusatória.

IX) GILMAR DE MELO MENDES (FL. 4.627-4.685)

O denunciado ressaltou ter ocupado o cargo de Diretor Presidente da Deso

no período de 14.1.1999 a 6.1.2003 e que o relatório apresentado pela CGU

desconsiderou a fi scalização realizada na obra pelo TCU, órgão de controle

externo que efetuou trabalho mais abrangente e minucioso.

O denunciado rejeita a acusação formulada pelo MPF, fundada no

relatório da CGU, de que 80% do valor do contrato teriam sido desviados, sob o

argumento de que o valor de R$ 45.912.331,78 (equivalente a 20% do montante

do contrato) não seria sufi ciente para custear obra de tão grande vulto.

O acusado afi rma que “os cuidados da Diretoria da Deso com a lisura

da licitação e a fi scalização dos técnicos do TCU, levaram à prorrogação da

assinatura do contrato com a Construtora Gautama Ltda., fato somente

concretizado em 27.8.2001. portanto, sete meses após a finalização da

concorrência é que o Contrato n. 110/01-Deso veio a ser formalizado e assim

devidamente fi rmado pelas partes” (fl . 4.632).

Afi rma que o TCU esteve presente na fi scalização do Contrato n. 110/01

antes mesmo de sua homologação (diferente da CGU, que compareceu apenas

ao fi nal da execução do contrato), quando da análise da documentação do

processo licitatório e quando realizou inspeções durante todo o transcorrer das

obras, gerando 07 processos, 02 decisões e 08 acórdãos.

Assevera que todas as determinações do TCU foram cumpridas pela Deso

e que transcorreram 07 (sete) meses entre a abertura da proposta e a contratação

pela Deso, ocorrida em 27.8.2001.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 167

Sustenta a impropriedade do relatório da CGU, sob o argumento de que

este órgão cometeu grave equívoco ao induzir a erro o MPF. Afi rma que até

mesmo determinações do TCU (consistente na substituição de tubos de ferro

fundido por aço de carbono) foram apontadas como conduta adotada para

fraudar a licitação.

ILEGALIDADES DA CONCORRÊNCIA E DIRECIONAMENTO

DO CONTRATO PARA A EMPRESA GAUTAMA

O denunciado alega que a acusação de direcionamento do contrato é

infundada e parte de premissas subjetivas genéricas.

FORNECIMENTO DE MATERIAIS EM CONJUNTO COM A

EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS E BDI (35%)

O acusado alega faltar aos profi ssionais subscritores do relatório da CGU

o mínimo de conhecimento da logística a ser empreendida para se armazenar

todo o material necessário a uma obra do porte da contratada pela Deso (orçada

em R$ 110.000.000,00).

Defende a forma como se deu a licitação pela Deso (com inclusão de

materiais junto com a contratação dos serviços), sob o argumento de ter o

certame atendido ao princípio da economicidade, permitindo fossem os serviços

executados sem solução de continuidade.

Aduz que o andamento da obra estava atrelado ao volume de recursos

descontingenciados pela União e que a liberação está sempre atrelada à

aprovação do respectivo plano de trabalho. Alega que o risco (caso a licitação

dos materiais tivesse sido feita em apartado àquela realizada para a contratação

dos serviços) era chegassem os recursos para a execução da obra, mas não

chegassem os recursos necessários para a compra dos materiais.

O denunciado questiona se os auditores da CGU, quando da elaboração

do relatório, tinham conhecimento das dimensões das tubulações que seriam

utilizadas na obra e das normas de armazenamento para evitar o abaulamento

das extremidades de cada tubo, fatos que incrementam, de forma representativa,

o custo da obra.

FALTA DE DETALHAMENTO DE ITENS NAS PLANILHAS,

AUSÊNCIA DE PESQUISAS DE PREÇOS OU FONTES DE

REFERÊNCIA DIFICULTANDO A APROPRIAÇÃO REAL DOS

CUSTOS DE EXECUÇÃO

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168

O denunciado refuta tal acusação, sob o argumento de ter a contratante

prestado às empresas concorrentes à licitação, todos os esclarecimentos sobre os

diversos pontos do edital e que os preços que balizaram o orçamento da Deso

são os constantes do sistema de orçamentos desenvolvidos pela Companhia

Estadual de Obras Públicas.

CLÁUSULAS RESTRITIVAS E PREÇO DO EDITAL

O denunciado rejeita a acusação de que o preço do edital (R$ 2.000,00)

teria tolhido o caráter competitivo do certame, sob o argumento de ter a

empresa habilitada para assumir um empreendimento de R$ 110.000.000,00

condições para arcar com o custo do edital.

O acusado rejeita a afi rmação do MPF de que o edital conteria cláusulas

restritivas, aduzindo, para tanto, existirem no pais diversas empresas que

preenchem os requisitos mínimos estabelecidos.

AUSÊNCIA DE ASSINATURAS, PUBLICAÇÕES, PARECER

JURÍDICO, MINUTA DE CONTRATO ETC

Para este denunciado a afi rmação formulada neste ponto pelo MPF, não

pode ser aceita, aduzindo que a obra foi fi scalizada de perto pelo TCU e que

a ausência de algum dos itens mencionados na exordial teriam sido constatada

pelos técnicos do referido Tribunal.

LICITAÇÃO INDUVIDOSAMENTE DIRECIONADA PARA

FAVORECER A GAUTAMA

O denunciado rejeita a afi rmação de que a licitação foi realizada com o fi m

de favorecer a construtora Gautama e de o contrato ter sido fi rmado em bases

desfavoráveis para a Deso. Aduz faltar aos auditores da CGU conhecimento

técnico sobre a legislação específica (art. 40, XI, da Lei n. 8.666/1993),

argumentando que a lei dispõe claramente que a data base para efeito de cálculo

de reajuste é o do orçamento, que, in casu, foi setembro de 2000.

ASSOCIAÇÃO ESTÁVEL E PERMANENTE PARA DESVIAR

RECURSOS PÚBLICOS A FAVOR DA GAUTAMA MEDIANTE

RECEBIMENTO DE VANTAGENS INDEVIDAS

Informa que, ao deixar o cargo de Diretor Presidente da Deso, em janeiro

de 2003, não teve mais qualquer ingerência no andamento do contrato, fato que

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 169

retira a possibilidade de o acusado integrar a suposta organização criminosa de

forma estável e permanente.

Rejeita a acusação de não ter zelado pela regularidade do processo de

licitação, aduzindo que, na fase de licitação, encaminhou ao TCU as instruções

que fundamentaram o processo licitatório e, na fase de execução do contrato,

encaminhou àquela Corte todas as medições realizadas.

O denunciado rejeita a acusação de que a Enpro teria sido contratada para

elaborar o orçamento e o projeto básico que embasou a concorrência pública

objeto da presente exordial acusatória.

CONCLUSÃO DESTE TÓPICO

Conclui o denunciado que, enquanto Diretor Presidente da Deso,

encaminhou para o TCU todas as instruções que fundamentaram o processo

licitatório objeto do Contrato n. 110/01.

E durante todo o período em que fi gurou como responsável pela execução

do contrato (agosto de 2001 a janeiro de 2003), encaminhou todas as medições

à Secretaria de Controle Externo do TCU no Estado de Sergipe, local em que

os eventuais questionamentos eram discutidos in loco.

B) COM RELAÇÃO AOS FATOS IMPUTADOS QUANDO

O PETICIONANTE ESTEVE À FRENTE DA SECRETARIA DE

ESTADO DA FAZENDA

O denunciado alega que, enquanto Secretário da Fazenda, somente

repassou recursos quando autorizado pelo Governador do Estado, sendo tais

verbas destinadas à implementação de projetos defi nidos pelo Governador, o

Secretário de Infra-Estrutura e o Presidente da Deso.

Afi rmou não deter autonomia para repassar recursos diretamente para

qualquer órgão sem a autorização prévia do Governador do Estado e do Crafi .

Passa, a partir daí, a discorrer sobre a forma como se deu o repasse de R$

94.000.000,00, verba vinculada à obra da adutora do Rio São Francisco, liberada

após assinatura do convênio assinado entre o Governo do Estado e a CEF.

Afi rma que “a operação de empréstimo da Deso e a aplicação de recursos

dela advindo são de estrita competência da empresa e sua governança, ou seja, o

sócio majoritário no caso o governo do Estado...(...)

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Neste contexto, cabia - por determinação do governador - ao Secretário

da Fazenda e ao Crafi acompanharem todas as captações de recursos para

investimento e seus respectivos cronogramas de desembolso.(...)

Isto posto, está claro que os repasses para Companhia de Saneamento

de Sergipe - Deso eram realizados por autorização governamental, seguindo

aprovação do Crafi, com aplicações em diversas obras cuja especificidade

de aplicação era defi nida pelo Governador, Secretário de Infra-Estrutura e

Presidente da Deso” (fl . 4.664).

NO MÉRITO

DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

O denunciado alega que em nenhum momento a acusação se dignou a

narrar quais os atos especifi camente praticados pelo peticionante que indicassem

haver o mesmo praticado crime de peculato, muito menos, os valores por ele

auferidos ou desviados.

Assevera que a imputação criminal é manifestamente genérica, sob o

argumento de que se concentra no único fato de ter o acusado sido o Diretor

Presidente da Deso quando do lançamento do certame licitatório e em parte da

execução do contrato, além de Secretário da Fazenda no fi nal do ano de 2004 a

2006. Cita o REsp n. 562.692-SP, rel. Min. Gilson Dipp; HC n. 88.359-1, rel.

Min. Cezar Peluso.

O denunciado sustenta que a acusação carece de justa causa para impor

uma imputação de responsabilidade objetiva, não contendo a denúncia descrição

pormenorizada dos fatos imputados ao acusado, fato que prejudica o exercício

da ampla defesa. Cita o HC n. 1.268, rel. Min. Edson Vidigal; RHC n. 1.025,

rel. Min. Vicente Cernicchiaro.

DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA

O denunciado alega que, além de não descrever a conduta do acusado,

a exordial acusatória está calcada em falsas premissas, todas originadas no

malsinado relatório da CGU, especialmente por esta peça não fazer menção

ao fato de que todas as irregularidades apontadas foram corrigidas pela pronta

atuação do TCU.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 171

Assevera que o “Dr. Sérgio da Silva Mendes, então Diretor da Secretaria

de Controle Externo do Tribunal de Contas da União no Estado de Sergipe

(Secex-SE), emitiu relatório nos autos do Processo TC n. 006.081/2002-2,

em que detalha minuciosamente toda a fi scalização empreendida na execução

da obra e informa as atitudes tomadas pela Deso para a correção das falhas ali

apontadas.

Tal relatório recebeu a aprovação da Dr. Maria Salete Fraga Silva de

Palma, então titular da Secex-SE, que o ratifi ca e encaminha ao Exmo. Ministro

Relator Benjamin Zymler, como prova documento anexo” (fl . 4.681).

O acusado afi rma que o TCU auditou todos os passos da obra, desde a

própria concorrência até a execução do contrato, efetuando diversas intervenções,

todas prontamente cumpridas pela Deso.

O denunciado reitera o argumento de que as peças informativas não

trazem qualquer indicio de prova de ter o acusado mantido conluio com os

prepostos da empresa Gautama. Aduz, ainda, que não restou demonstrado dolo

específi co na conduta que supostamente ensejou a imputação da prática do

delito de peculato ao denunciado.

Ao fi nal, requer a rejeição da denúncia.

X) GIL JACÓ DE CARVALHO SANTOS (FL. 5.180-5.285)

I - DAS CONDIÇÕES DO ACUSADO

O denunciado afi rma que, ao contrário do afi rmado na exordial, não é

diretor da construtora Gautama, e sim gerente administrativo e fi nanceiro da

empresa, responsável pela tesouraria, controlando o recebimento de recursos,

pagamentos de fornecedores, folha de salários e remessa de recursos para as

demais fi liais da Gautama.

Assevera que apenas executava ordens emitidas pelo denunciado Zuleido

Veras, único responsável pela movimentação da conta-corrente da matriz. Nega

qualquer participação em reunião com empresários ou políticos, mantendo

contato apenas com pessoas ligadas à Gautama.

Informa que se reunia com Zuleido nas sextas ou segundas-feiras, a fi m

de lhe repassar as informação fi nanceira da semana e as conversas por telefone

ratifi cavam as orientações recebidas de Zuleido nas reuniões.

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172

III - DA ACUSAÇÃO DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Argui a inépcia da exordial, sob o argumento de que a denúncia neste

ponto não descreve circunstanciadamente os elementos típicos do delito.

Afi rma que a exordial não indica qualquer conduta associativa por parte

do denunciado, tampouco a existência de dolo. Assevera que o MPF mostra-

se contumaz em imputar crime de quadrilha sempre que se depara com um

concurso de pessoas.

Assevera ser estritamente profi ssional o relacionamento entre o denunciado

e os demais diretores da empresa, não havendo qualquer conotação criminosa.

IV - DOS CRIMES DE PECULATO E CORRUPÇÃO ATIVA

IV. 2. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

Para este acusado a denúncia é inepta em relação aos delitos de peculato

e corrupção passiva., porque não promoveu o MPF a adequada descrição das

condutas supostamente típicas.

Assevera não ter a denúncia, em momento algum, afi rmado ter o acusado

conhecimento de serem os valores, por ele remetidos, pagamento de vantagem

indevida.

IV. 4. DO EVENTO SERGIPE

Afi rma que a menção feita pela denúncia às fl . 85 nada tem a ver com o

acusado, pois o termo “PS Final Aditivo Gil”, na verdade diz respeito ao aditivo

Gii e não a Gil.

Assevera que o MPF, para embasar a acusação formulada contra o

denunciado, transcreve diálogos em que o ora acusado aparece cumprindo

ordens de Zuleido, no sentido de providenciar a remessa de dinheiro para as

fi liais da empresa, atribuição que, de fato, pertencia ao denunciado, mas sem

nenhuma ilegalidade.

Diz ter havido manipulação dos diálogos por parte do MPF, como por

exemplo, no item 126 da defesa foi transcrito o seguinte diálogo pelo parquet:

Gil: “(...) e fi z 100 pra aí. Eu tô mandando 100.

Zuleido: “(...) tá bom, amanhã tem que fazer os 400 daqui (Aracaju). Aqui tem

que (...) pra pegar a OB (...)”

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 173

Gil: “400 não 300 né?”

(8.8.2006, às 14h56min46s)

O denunciado afi rma que, na verdade, o diálogo foi travado da seguinte

forma:

Gil: alô!

Zuleido: oi Gil, diga aí.

Gil: tudo bem doutor?

Zuleido: tudo bem, to chegando em Aracaju agora tá?

Gil: tá certo, eu consegui fazer o aporte lá, pra Ecosama, tá certo? R$ 250.000,00.

Eu falei com Dagmar que eu só tinha 250.

Zuleido: certo.

Gil: aí era 383, ele falou com Dagoberto lá, aí Dagoberto falou, tal. Aí ele fez lá.

Zuleido: certo.

Gil: então fi zemos o aporte e (...) 383, certo?

Zuleido: certo.

Gil: e fi z 100 praí (Aracaju). Eu to mandando 100.

Zuleido: tá bom, ok.

Gil: e mais nada pra ninguém também (...) mas amanhã eu faço (...)

Zuleido: tá bom, ok.

Gil: foi o melhor que eu pude fazer aqui foi isso.

Zuleido: tá bom, amanhã tem que fazer os 400 daqui. Aí tem que (ininteligível)

Fátima fez a OB?

Gil: 400 não, 300 né?

Zuleido: 300. A OB saiu?

Gil: a OB não. Até agora não. Eu falei com Átila que Marcos Vinícius tava lá em

Fortaleza, ele que tá acompanhando lá. Tá dentro da Seinfra lá. O pessoal tá lá pra

fazer as OB agora a tarde.

Zuleido: tá bom, ok.

Gil: E e falei com Costa Lima. Até o fi nal da tarde ele diz o valor da medição e

emite as notas fi scais.

Zuleido: tá bom.

Gil: tava em reunião ainda com o pessoal sabe?

Zuleido: tá bom.

Gil: tá bom Doutor. tchau.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

174

Segundo o acusado ali ele está apenas informando a Zuleido o cumprimento

de ordens do setor fi nanceiros da empresa. Em determinado trecho da conversa

Zuleido muda de assunto e questiona se Maria de Fátima teria conseguido

fazer a OB da obra da adutora de Pratagy em Alagoas. Na seqüência o acusado

menciona o nome de Átila (ex-engenheiro da empresa) e de Marcos Vinícius (ex-

gerente de contrato da obra de Pratagy), ambos tendo trabalhado em Alagoas.

O denunciado insurge-se contra a acusação formulada na denúncia, com

base na Informação Policial n. 028/2006, aduzindo ter apenas providenciado

dinheiro para ser remetido à fi lial da Gautama em Sergipe, sua atribuição, sendo

este também o sentido do diálogo mantido com Humberto no dia 14.8.2008.

Com o fi m de justifi car a necessidade do transporte do dinheiro em espécie,

afi rma que, em razão da atividade desempenhada pela empresa e do local em

que esta se desenvolve, é necessária a realização de saques para pagamento em

dinheiro de boa parte dos compromissos.

Assevera que a maior parte das obras está localizada em local de difícil

acesso, sem acesso aos serviços de atendimento bancário.

Afi rma que, em pesquisa encomendada pelo Banco Central, intitulada

“O brasileiro e sua relação com o dinheiro”, restou constatado que 55% da

população recebe seu salário em dinheiro, percentual que sobre para 70%

quando se considera apenas o nordeste do país.

V- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS

AO ACUSADO

V.1. DO CRIME DE PECULATO

O denunciado sustenta, preliminarmente, não poder ser enquadrado como

sujeito ativo do delito em questão, por não ser funcionário público e sim gerente

administrativo da construtora Gautama.

Afirma, ainda, que não pode figurar em concurso de pessoas com

funcionário público, aduzindo, para tanto, que a exordial acusatória não

menciona o art. 30 do Código Penal e não descreve o meio pelo qual o acusado

teria concorrido para a apropriação ou desvio do bem móvel de que funcionário

público tivesse posse.

V.2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 175

Segundo afi rma Gil Jacó, não há nos autos prova de ter ele oferecido ou

prometido vantagem a quem que fosse. Mesmo porque na empresa Gautama

tinha como atribuição única controlar a movimentação fi nanceira da conta da

matriz, pois só Zuleido Veras tinha poderes para movimenta-la, determinando os

saques, efetuando as ordens de pagamento e ordenando as remessas de recursos

para as fi liais da empresa.

V.3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

Para o denunciado é inviável conjugar-se a imputação do crime de

corrupção passiva e peculato, porque esses delitos foram cometidos a partir da

mesma base fática, o que levaria à violação do princípio do non bis in idem.

VI - DO CRIME CONTINUADO

O denunciado requer, na hipótese de recebimento da denúncia, a aplicação

do instituto do crime continuado em relação ao delito de corrupção ativa.

porque encontram-se preenchidos os requisitos necessários à sua caracterização,

tais como, pluralidade de ações ou omissões, pluralidade de delitos, condições

de empo e lugar e forma de execução. Afi nal todos os delitos foram cometidos

entre 2006 e 2007.

Defende a aplicação do instituto, ao argumento de ter o MPF imputado ao

acusado a prática do crime de corrupção ativa 102 (cento e duas vezes).

VII- DO PEDIDO

Requer a rejeição da petição inicial.

XI) HUMBERTO RIOS DE OLIVEIRA (FL. 4.999-5.041)

II.1. - INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO CRIME DE

FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Segundo a denúncia este acusado teria “sacado e transportado dinheiro

para pagamento de propina. Entretanto a alegação é desprovida de qualquer

base probatória, além de faltar a tipifi cação do delito de formação de quadrilha.

Percebe-se que a afi rmação do MPF em relação ao acusado, não descreve

nem indica qual a conduta associativa por parte dos integrantes.” (fl . 5.001).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

176

II. 3. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO EVENTO

SERGIPE

O denunciado afi rma que o MPF não indicou nenhum elemento que

demonstrasse ter o acusado ciência de que o dinheiro transportado tinha

natureza de “propina”. Limitou-se a imputar ao acusado o suposto transporte e

entrega de dinheiro, sem descrever o elemento subjetivo do tipo que só se perfaz

mediante conduta dolosa.

Sendo mero auxiliar administrativo fi nanceiro da construtora Gautama,

profi ssão popularmente conhecida como offi ce-boy, não é lícito supor soubesse

do que se passava na empresa.

Atacando a peça ministerial diz que a as afi rmações genéricas impede o

exercício de uma adequada defesa.

Em homenagem ao princípio constitucional do due processual of law e ao

direito à ampla defesa, bem como em atendimento ao prescrito no artigo 41 do

CPP, deveriam estar descritas, na inaugural, ainda que sucintamente, as ações

criminosas praticadas pelo acusado”. (fl . 5.015).

III - DA FUNÇÃO DO ACUSADO DENTRO DA CONSTRUTORA

GAUTAMA

Responsável pelo serviço bancário, tais como pagamentos, depósitos e

saques, assim como transporte de documentos ou mesmo de numerário, Situa-

se na base da pirâmide da empresa, ignorando as transações ordenadas pelos

diretores.

V - DO EVENTO SERGIPE

O denunciado argui a inépcia da inicial acusatória alegando ter o MPF

deixado de descrever a conduta criminosa, limitando-se a dizer que o acusado

apenas providenciou a entrega de um montante de dinheiro a mando do seu

empregador, Zuleido Veras, atribuição que estava a seu cargo.

Para o denunciado, mesmo tendo o dinheiro por ele entregue fi nalidade

ilícita, não se poderia a ele imputar a prática de crime, por não ter ele ciência da

destinação do numerário.

Se assim não fosse, também seria autor de delito o caixa do banco que

entregou o dinheiro ao denunciado.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 177

Reportando-se aos fatos diz ter entregue R$ 650.000,00 na sede da

Gautama no Município de Aracaju e não a Max. Após deixar o dinheiro na

empresa, o acusado procurou Max para lhe entregar documentos, como se pode

perceber pelo diálogo abaixo transcrito:

Gil: Diga bicho.

Humberto: já foi?

Gil: Hein?

Humberto: já entreguei aqueles documentos do sacana.

Gil: já entregou já?

Humberto: É.. Aí amanhã de manhã ele autentica, viu? (Frase suprimida na

denúncia)

(fl . 5.025).

Justifi ca o denunciado a entrega do dinheiro em espécie, em razão da

atividade desempenhada pela empresa e do local onde atua, onde há difi culdade

de saques bancários.

Assevera que a maior parte das obras está localizada em local de difícil

acesso que sequer conta com atendimento bancário.

Informa que, em pesquisa encomendada pelo Banco Central, intitulada

“O brasileiro e sua relação com o dinheiro”, restou constatado que 55% da

população recebe o salário em dinheiro, percentual que sobre para 70% quando

se considera apenas o nordeste do país.

Refuta a acusação de ter levado o dinheiro para Aracaju para entrega-lo a

Flávio Conceição no dia 27.2.2007, pois a ele só foram entregues documentos,

como deixou registrado: “a prova disso é que, enquanto a denúncia narra que o

suposto dinheiro para pagamento de propina teria sido entregue ao acusado no dia 27

de fevereiro de 2007, trazendo diálogo interceptado naquela data para suportar tal

afi rmação, a Informação Policial n. 005/2007, também citada, afi rma que o suposto

pagamento de propina teria se dado no dia anterior, 26 de fevereiro de 2007.

Na realidade, no dia 26 de fevereiro de 2007, o acusado entregou à Flávio

Conceição documentos.

(...)

Como se percebe, em que pese a Polícia Federal relatar não ter sido possível sequer

identifi car se o objeto entregue pelo acusado era um pacote ou uma mala, a acsuação

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

178

supõe seu conteúdo, com base em diálogo interceptado em data posterior ao fato. Mais

um absurdo!” (fl . 5.028-5.029).

VI- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES IMPUTADOS

AO ACUSADO

VI.1. DO CRIME DE PECULATO

O denunciado sustenta, preliminarmente, a não tipicidade do crime de

peculado pelo fato de não ser ele funcionário público, nem assemelhado, sendo

um mero gerente administrativo da construtora Gautama.

Afirma, ainda, não ser possível figurar em concurso de pessoas com

funcionário público, aduzindo, para tanto, que a denúncia não menciona o art.

30 do Código Penal e nem descreve o meio pelo qual o acusado teria concorrido

para a apropriação ou desvio do bem móvel de que tivesse posse.

VI.2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA

O denunciado afi rma que não há prova de ter ele oferecido ou prometido

vantagem a quem quer que fosse.

Reforça a alegação de ter na empresa Gautama a atribuição de controlar

a movimentação financeira da conta da matriz pois apenas Zuleido Veras

tinha poderes para movimentá-la, determinando os saques para pagamentos e

remessas às fi liais.

VI. 3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime

de corrupção passiva com o de peculato, porque tais delitos foram cometidos a

partir da mesma base fática, o que implica em violação ao princípio do non bis

in idem.

VI. 4. DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Este denunciado, como outros, argui a inépcia da inicial, por falta de

descrição circunstanciada dos elementos típicos do delito, inexistindo na

descrição do MPF a indicação de conduta associativa por parte do denunciado,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 179

como também da existência de dolo. Assevera que o MPF mostra-se contumaz

em imputar crime de quadrilha sempre que, sob sua ótica, caracteriza concurso

de pessoas, sendo meramente profi ssional o relacionamento entre o acusado e os

demais diretores da empresa.

VI - DO PEDIDO

Por fi m, requer a rejeição da denúncia.

XII) RICARDO MAGALHÃES DA SILVA (FL. 5.068-5.113)

2.2. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANTO AO CRIME DE

FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Este é mais um dos denunciados a alegar ser a denúncia inepta, por

não haver a descrição circunstanciada dos elementos típicos do delito. Sem a

indicação da conduta associativa indispensável pela imputação do crime de

quadrilha, também ignora a peça acusatória a existência d elemento subjetivo.

Assevera que o MPF mostra-se contumaz em imputar crime de quadrilha

sempre que, sob sua ótica, caracteriza concurso de pessoas.

2.4. DO EVENTO SERGIPE

2.4.1. DA APRESENTAÇÃO DAS MEDIÇÕES. DO PAPEL DO

ACUSADO NA EMPRESA

Este denunciado é servidor da Construtora Gautama desde o ano de 1995,

sendo o engenheiro responsável pelas obras contratadas, detendo conduta

compatível com seus rendimentos e os de sua esposa.

Afi rma o MPF que as medições da obra da adutora do São Francisco eram

apresentadas ao contratante (Deso) e não à Secretaria de Infra-Estrutura do

Estado.

Trabalhou o denunciado na 2ª fase da 2ª etapa do sistema da adutora do

rio São Francisco, desde o início até a conclusão em dezembro de 2006. Em

janeiro de 2007, foi transferido para outra obra em Porto de Galinhas-PE.

2.4.2. DA OBRA DA ADUTORA. DA INEXISTÊNCIA DE MEIOS

DE DEFESA QUANDO DA CONFECÇÃO DO RELATÓRIO DA CGU

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

180

O denunciado sustenta ter sido o relatório da CGU elaborado sem

franquear às partes envolvidas o direito de esclarecer os pontos questionados,

tomando-se como verdade absoluta a análise dos técnicos da CGU.

A partir daí descreve os principais pontos que estão a merecer destaque: a)

inconsistências do relatório da AGU quanto a obra da adutora; b) inconsistências

do relatório da CGU; c) análise feita pelo TCU, ignoradas inteiramente nas

investigações.

2.4.6. DA OBRA DA ADUTORA. DESCRIÇÃO. JUSTIFICATIVA.

A CGU apresentou três versões diferentes para valores extraídos do mesmo

banco de dados, ignorando o fato de a obra ter sido fi scalizada pelo TCU.

Alega, ainda, que a construção da 2ª fase da 2ª etapa do sistema da adutora

do São Francisco, obra de inegável interesse público para o Estado de Sergipe,

está em pleno funcionamento.

Assevera que a adutora do rio São Francisco foi construída na década

de 1970, com extensão de 90 km, tornando-se insufi ciente com o aumento

populacional. Daí as obras de duplicação da adutora, fato que ensejou a

contratação da construtora Gautama para a realização da 1ª e 2ª fases da obra.

2.4.7. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE

SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E

CORREÇÕES INDEVIDAS. PRORROGAÇÕES.

O denunciado afi rma que o relatório da CGU foi elaborado sem levar em

conta os problemas de execução causados, dentre outros, por achados no campo

de obra ou fatores de ordem fi nanceira, como por exemplo a substituição de

todas as válvulas do trecho recalque somente autorizada pela Deso no mês de

agosto de 2006, demandando tempo para a realização dos testes.

2.4.8. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE

SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E

CORREÇÕES INDEVIDAS. CORREÇÕES.

O denunciado alega não haver questionamento com relação ao cálculo

dos reajustes periódicos para correção dos preços corroídos pelo processo

infl acionário, estando expressamente previsto na cláusula sétima do contrato

a data base e os índices a serem utilizados. Nega, assim, a alegação de

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 181

superfaturamento, justifi cando os reajustes considerados indevidos pela CGU,

como valores calculados sobre os preços.

2.4.9. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE

SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E

CORREÇÕES INDEVIDAS. ALTERAÇÕES E VINCULAÇÃO AO

QUE LICITADO.

Segundo a defesa o 1º Termo de Rerratificação foi motivado por

deliberação do TCU, pela Decisão n. 1.270/2002 - Plenário e o 2º Termo teve

como motivação a adequação da planilha, em função das novas estimativas para

as quantidades defi nidas pelo Projeto Executivo, no qual fi cou fi cou defi nida a

mudança das travessias subaquáticas para travessias aéreas, com a introdução

de nova metodologia construtiva, justifi cada no relatório de fi scalização anexo

ao 2º Termo de Rerratifi cação. O 3º, por seu turno, decorreu da necessidade

de adequação da planilha do projeto executivo, pela discrepância observada

nas quantidades levantadas e as reais quantidades do projeto, enquanto o 4º

Termo visou atender à determinação do TCU (Acórdão n. 257/2004), todos

devidamente analisados pela Corte de Contas.

Portanto, conclui a defesa, o MPF põe em cheque as conclusões do TCU e

não a atuação do acusado.

2.4.10. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO

DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO

E CORREÇÕES INDEVIDAS. TUBOS.

No que diz respeito à medição dos tubos de aço, onde foram encontradas

divergências nas notas fi scais fornecidos diverge das notas fi scais apresentadas

pelo MPF, chama atenção para o fato de a própria CGU admitir não estarem

completas as notas fi scais levantadas.

Para a defesa a obra foi executada conforme o projeto, bem como a sua

extensão.

2.4.11. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO

DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO

E CORREÇÕES INDEVIDAS. ESCAVAÇÕES.

Refutando a acusação de incompatibilidade das medições dos serviços de

escavações, por serem incompatíveis com os dados das sondagens realizadas ao

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

182

longo do eixo da adutora, afi rma que “as sondagens apresentadas no relatório foram

feitas com um espaçamento de 100m uma da outra; elas são pontuais e servem apenas

como referência no levantamento de quantitativos do Projeto Executivo.” (...), sendo

óbvio que o nível de precisão de um intervalo de 20m - ou menos ainda - é superior ao

de 100m”. (fl . 5.092-5.093).

2.4.12 DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO DE

SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO E

CORREÇÕES INDEVIDAS. FISCALIZAÇÃO PELO TCU.

As medições referentes aos meses de maio e junho de 2006 já estavam

executadas por ocasião da fi scalização do TCU (período 30.6 a 31.7.2006), mas

o pagamento, conforme consta das faturas emitidas em maio e junho de 2006,

só foi feito em agosto/2006, contrariando o alegado pelo MPF.

2.4.12. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO

DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO

E CORREÇÕES INDEVIDAS. O ACOMPANHAMENTO DA OBRA.

Afi rma que a obra foi auditada pela BVQI, empresa de consultoria em

certifi cação de qualidade com atuação globalizada, que conferiu à construtora

Gautama certifi cado de qualidade dos serviços prestados.

2.4.13. DA OBRA DA ADUTORA. ACUSAÇÃO DE EXECUÇÃO

DE SERVIÇOS DIVERSOS DOS LICITADOS, SUPERFATURAMENTO

E CORREÇÕES INDEVIDAS. SUPERFATURAMENTO E MEDIÇÕES

FRAUDULENTAS.

Diz a defesa: “Em seu relatório, a CGU não questiona a qualidade dos serviços

e lastreia a tese de superfaturamento, basicamente, na diferença de preço dos tubos e de

alguns serviços que compara com a Tabela Sinapi, e no percentual referente ao BDI

aplicado sobre o fornecimento de materiais.

Tal análise, contudo, é desprovida de qualquer valor, dado que os mesmos

temas foram objeto do controle do TCU, sendo certo que, como visto, foram reputados

regulares todos os preços praticados na obra”. (fl . 5.096).

Afi rma ter sido omisso o relatório da CGU por não mencionar o fato de

ter sido a obra auditada pelo TCU.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 183

2.4.14. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE

28.6.2006

Com base no diálogo interceptado no dia 28.6.2006 (travado entre Zuleido

e Ricardo Magalhães), pretende o MPF fundamentar a acusação de terem sido

elaborados os aditivos pelo acusado Sérgio Leite, empregado da Construtora

Gautama. Entretanto após o diálogo mencionado, nenhum outro termo aditivo

ao Contrato n. 110/01 foi fi rmado, havendo apenas uma prorrogação de 60 dias,

chamando a atenção para o fato de serem os termos aditivos e de rerratifi cação

elaborados pela assessoria jurídica da Deso. Na oportunidade diz que Sérgio

Leite trabalhava na Gautama para elaborar o projeto executivo da obra, não

sendo funcionário público.

2.4.15. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE

13.7.2006. 11h e 39 m.

O denunciado afi rma que, no diálogo interceptado no dia 13.7.2006,

foi dito precisar o governo inaugurar obras para obter votos para campanha.

Comentou-se na conversa que diversas empreiteiras, prestadoras de serviço ao

Estado, estavam credoras de suas faturas, estando o Estado desprovido de meios

para pagar esses compromissos. No diálogo há ainda o comentário de que, acaso

o empréstimo negociado não ocorresse, o Estado teria de fazer um aporte para

pagar os credores, sob pena das empresas, dentre elas a Gautama, interromper a

prestação dos serviços. E continua a defesa: este diálogo não foi considerando,

preferindo a a acusação escolher o que convinha, dando a impressão de estar a

sefalar de algo indevido.

2.4.16. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE

13.7.2006. 12h e 18m.

Negando tenha ocorrido faturamento no mês de julho de 20006, o que só

ocorreu em 9.8.2006, quando foram pagos os serviços realizados ate aquela data,

no valor de R$ 6.162.875,06, ocorrendo outros faturamentos em 14.9.2006,

17.10.2006 e 20.12.2006, com tempo sufi ciente para a execução dos serviços e

posterior medição.

2.4.17. OS DIÁLOGOS INTERCEPTADOS. DIÁLOGO DE

8.8.2006. 15h e 40m.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

184

O acusado assevera que no dia 9.8.2006 foi faturado o valor de R$

6.162.875,06, correspondente aos serviços realizados até aquela data.

Aduz que apenas afi rmou no mencionado diálogo que teria que faturar

todo o valor já executado, mesmo que recebesse parte, sob o argumento de que

somente é possível emitir uma fatura por mês para cada ordem de serviço.

III- DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES

IMPUTADOS AO ACUSADO

3.1. DO CRIME DE PECULATO

O denunciado alega que jamais teve a posse dos recursos supostamente

desviados, não sendo possível aplicar a regra do art. 30 do Código Penal, mesmo

porque não foi o dispositivo invocado pelo MPF.

3.2. DO CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA

Quanto ao crime de corrupção ativa, diz a defesa não haver prova alguma

ou descrição de conduta no sentido oferta ou promessa de vantagem a quem

quer que seja. e conclui: nenhuma das condutas atribuídas ao acusado é típico,

antijurídico e culpável.

3.3. DO CONCURSO ENTRE OS CRIMES DE CORRUPÇÃO

PASSIVA E PECULATO - IMPOSSIBILIDADE - BIS IN IDEM

Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de

corrupção passiva com o de peculato, sob o argumento de que tais delitos teriam

sido cometidos a partir da mesma base fática, fato que implica em violação ao

princípio do non bis in idem.

3.4. DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Argui a inépcia da exordial porque deixou o MPF de descrever

circunstanciadamente os elementos típicos do delito, como também não

indica qualquer conduta associativa por parte do denunciado, nem tampouco

a existência de dolo, mostrando-se o MPF contumaz em imputar o crime de

quadrilha sempre que, sob sua ótica, caracteriza concurso de pessoas.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 185

Assevera que o relacionamento existente entre o denunciado e os demais

diretores da empresa era de natureza profissional, não havendo qualquer

conotação criminosa.

V - DO PEDIDO

Por fi m, requer a rejeição da denúncia.

XIII) JOSÉ IVAN DE CARVALHO PAIXÃO (FL. 4.861-4.953)

1.2. DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA

A defesa deste denunciado diz ignorar a existência de qualquer associação

criminosa voltada à consecução de crimes contra administração relacionados

à obra da adutora do São Francisco, tendo se encontrado com Zuleido Veras,

ocasionalmente, em duas ou três oportunidades, quando exercia o acusado

mandato deo deputado federal. Dele ouviu o comentário de que a obra da

adutora do São Francisco era essencial para o abastecimento do Município de

Aracaju.

Informa que foi Secretário de Administração do denunciado João Alves,

sendo uma das suas funções a obtenção de transferências voluntárias e contratos

de fi nanciamento.

Refuta a tese de existência de se ter formado uma quadrilha, existindo

apenas especulação do MPF a respeito.

2. DA LIBERAÇÃO DE VERBAS CONVENIAIS

2.2. ALEGAÇÕES DE DEFESA

O denunciado afi rma que em momento algum solicitou ou recebeu dinheiro

de Zuleido Veras. Apenas, na condição de deputado federal, esforçou-se para

conseguir a liberação de certidões para o Estado de Sergipe, ato desempenhado

corriqueiramente por todos os deputados federais.

Afi rma que “é deveras estranho que a Polícia Federal ouvindo tais diálogos e

entendendo que estava por ocorrer a entrega de propina a alguém - um ex-parlamentar

federal - não tenha fi lmado, fotografado, monitorado ou, de qualquer modo, fl agrado

os supostos envolvidos.” (fl . 4.868).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

186

Entende que é ônus do MPF fazer a prova de ter o acusado recebido R$

50.000,00, já que alegou, sendo inadmissível a inversão do ônus da prova para

fazer a defesa prova impossível, ou seja, prova negativa. E arremata: não faz o

menor sentido que, por um suposto serviço ilícito praticado em 2005, fosse o

denunciado remunerado no ano de 2006.

II - A ILICITUDE DA PROVA

O denunciado argui a ilicitude das interceptações telefônicas, sob o

argumento de que não constam dos autos os apensos relacionados às autorizações

judiciais respectivas, procedimento que afronta a Lei n. 9.296/1996.

Defende a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada, sob o

argumento de que a ilegalidade das interceptações contamina todas as demais

diligências efetuadas.

IV - DA INÉPCIA DA DENÚNCIA

Coube ao Ministério da Integração Nacional destinar ao Estado de

Sergipe o montante de R$ 6.800.001,00, sem qualquer intermediação do

denunciado. Assevera ainda que, quando da publicação do Extrato de Convênio

n. 0006/2005MI, não existia empreiteira contratada para a realização da obra,

o que, segundo o acusado, derruba a afi rmativa da Polícia Federal de que o

manifestante liberava recursos para a Gautama.

Após a chegada dos recursos para a Secretaria de Estado da Infra-Estrutura

do Governo de Sergipe, continua a defesa, todas as decisões tomadas pelo Poder

Executivo Estadual não contaram com qualquer participação do manifestante.

Afirma que, por decisão do então Governador João Alves Filho,

o denunciado assumiu como suplente a cadeira de Deputado Federal com

o objetivo de acompanhar o CAUC (Cadastro Único de Exigências para

Transferências Voluntárias), pois os recursos destinados para o Estado de

Sergipe estavam retidos em Brasília em razão das anotações de inadimplências

que surgiam frequentemente.

O denunciado afirma que o trabalho do acusado abrangia todos os

convênios e liberações de recursos para o Estado de Sergipe, sem que houvesse

preferências por nenhum destes. Assevera que o trabalho do denunciado ocorreu

principalmente e de forma honesta no Ministério da Integração Nacional,

acompanhando os processos e solucionando pendências do CAUC.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 187

Assevera que o acusado jamais atuou diretamente para a liberação de

recursos, aduzindo que nenhum dos convênios assinados e nenhum dos recursos

liberados teve origem em emenda parlamentar ao orçamento da União de sua

autoria.

Afi rma que no período das gravações o acusado não ocupava nenhum

cargo público e que não detinha poderes para interferir em nenhuma tomada de

decisão nos órgãos públicos do Estado de Sergipe.

Afi rma que como Presidente Estadual do PPS e candidato a deputado

federal nas eleições de 2006, o acusado manteve vários contatos com Flávio

Conceição, então Secretário de Estado da Casa Civil, autoridade que mantinha

canal de interlocução política do Governo de Sergipe com os partidos aliados,

sendo precipitadas e impertinentes as conclusões da Polícia Federal, sem sequer

a preocupação de investigar o nome do responsável por incluir no orçamento da

União os recursos para a obra da adutora do São Francisco. Quando os recursos

do Convênios n. 0006/2005MI foram depositados na conta da Secretaria de

Estado de Infra-Estrutura, não existia sequer empreiteira selecionada para a

execução do objeto do convênio, destaca.

No relatório de 14.10.2006, a autoridade policial afi rma não se enquadrar

o denunciado nas reiteradas condutas criminosas praticadas pela suposta

organização criminosa, podendo os fatos serem apurados após a defl agração da

Operação. Mas o MPF não teve o cuidado de pesquisar a execução do orçamento

da União em 2005, apuração que levaria à conclusão de que os recursos para a

obra são provenientes do Convênio n. 0006/2005MI, de iniciativa exclusiva do

Ministério da Integração Nacional.

4.2. QUANTO AO PECULATO

Reportando-se à sua condição profi ssional da época dos fatos, informa que

era deputado federal, e como tal não tinha a posse da receita transferida pela

União ao Estado de Sergipe, razão pela qual mostra-se descabida a imputação

da prática do crime de peculato. Cita o REsp n. 830.671-SP; APn n. 335-ES.

rel. Min. Carlos Alberto Direito.

4.3. QUANTO À CORRUPÇÃO PASSIVA

O denunciado rejeita a acusação, sob o argumento de que a suposta

propina teria sido paga ao acusado em 2006, um ano após a liberação de

recursos ocorrida em 2005.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

188

Aduz, ainda, que, apesar do suposto ato de ofício ter sido praticado em

uma única oportunidade, o MPF imputou ao denunciado a prática de peculato

por 02 (duas) vezes.

4.4. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUS

O denunciado suscita a preliminar de falta de justa causa, porque a

denuncia traz em seu texto apenas conjecturas incapazes de subsidiar a acusação

formulada. Cita o HC n. 84.409, rel. Min. Cesol de Mello; APn n. 395-AM, rel.

Min. Luiz Fux.

V – REQUERIMENTO

Pede a rejeição da peça acusatória.

XIV) SÉRGIO DUARTE LEITE (FL. 4.794-4.820)

1.2. DAS ALEGAÇÕES DE DEFESA

1.2.1. SOBRE O ORÇAMENTO QUE EMBASOU A

CONCORRÊNCIA PÚBLICA DAS OBRAS

O Relatório da CGU registra que a Enpro fora contratada para elaborar

o orçamento e o projeto básico da Concorrência Pública n. 005/2000, na

qual saiu vencedora a construtora Gautama. Esta informação é refutada pelo

denunciado, porque os trabalhos indicados foram realizados pela empresa

Tecnosolo, segundo ofício Deso n. 315/2008-PR.

A Enpro, empresa especializada em projetos de serviços de infra-estrutura

urbana, notadamente os de saneamento básico, com 22 anos de existência ja

elaborou mais de 600 estudos e projetos para entidades públicas e privadas no

Estado de Sergipe. Esta empresa passou a relacionar-se com a Gautama por

força de contratos fi rmados, dentro da mais absoluta regularidade.

1.2.2. DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO PROJETO

EXECUTIVO

Segundo afirma este denunciado, todas as alterações de metodologia

construtiva, quantidades e especifi cações técnicas promovidas pelo projeto

executivo elaborado pela Enpro atenderam expressamente às orientações da

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 189

Deso e foram levadas a termo por determinação do TCU (junta a decisão

do TCU n. 1.270/2002). As alterações de quantitativos no projeto executivo

elaborado pela Deso são justifi cadas em razão das incompatibilidades existentes

entre o projeto básico licitado (elaborado pela Tecnosolo) e a realidade da

obra. Mas a alteração acabou por reduziu o valor original do contrato de R$

107.458.567,58 para R$ 103.064.249,67, fato que vem a ser explorado pelo

MPF na tentativa de induzir a Justiça a erro, proclamando ter havido redução

do valor do contrato.

2. DAS OPERAÇÕES RELATIVAS A EMPRÉSTIMOS

BANCÁRIOS

2.2. ALEGAÇÕES DE DEFESA

O denunciado aponta diversos projetos de esgotamento sanitário e

abastecimento d´água, enquadrados no programa estadual intitulado “Água

em Toda Casa” (fl . 4.804), os quais, em 2006, somavam um montante de R$

6.781.987,56. E informa que, no início de julho de 2006 as faturas emitidas pela

Enpro, por conta desses contratos, já somavam R$ 1.457.213,31, dos quais R$

632.782,46 de faturas com mais de 30 (trinta) dias de atraso no pagamento.

Assevera que, em função do grande volume de recursos necessários ao

pagamento das obras e projetos desenvolvidos no programa Água para Todos,

corria, à época, a notícia entre as empresas contratadas pela Deso que esta

tomaria empréstimos bancários para honrar os compromissos assumidos com

seus credores.

A Deso, efetivamente, contraiu 04 (quatro) empréstimos bancários no

valor de R$ 34.500.000,00, iniciado o pagamento aos credores em 11.8.2006.

Afi rma que a preocupação do acusado centrava-se no recebimento das

faturas da Enpro pelos serviços prestados à Deso, aduzindo que, caso houvesse

a postergação dos pagamentos, os altos valores envolvidos colocariam em risco

a própria sobrevivência da Enpro. Assim, em defesa dos interesses da Enpro,

procurou, de forma legítima, o Secretário de Estado da Fazenda Gilmar de

Melo Mendes para conseguir informações mais precisas sobre o assunto e

manteve contato com Zuleido Veras partilhando com ele as informações que

possuía, sem qualquer diálogo com o denunciado Flávio Conceição, jamais

consultado, diferentemente do que consta da denúncia.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

190

3. DOS ADITIVOS AO CONTRATO DA GAUTAMA

3.2. ALEGAÇÕES DE DEFESA

Nega a acusação constante da denúncia, no sentido de ser o acusado

o responsável pela preparação dos aditivos da construtora Gautama e pelas

alterações das planilhas de preços.

Considera ter surgido a acusação em razão de diálogo mantido entre

Zuleido Veras e Ricardo Magalhães, interceptado no dia 28.6.2006, 01 (um) ano

após o último instrumento de alteração dos preços do contrato fi rmado entre a

Deso e a Gautama.

Assevera que, apesar de não haver nenhum impedimento (já que era

sócio-proprietário de empresa de consultoria em projetos de engenharia, sem

qualquer vinculação empregatícia com a Deso), não foi isso que aconteceu, pois

as alterações do preço global do contrato de obras ocorreram em razão do 2º, 5º

e 6º Termo de Rerratifi cação, pactos nos quais não houve qualquer intervenção

do denunciado.

4. A INÉPCIA DA DENÚNCIA

O denunciado argui a inépcia do pedido inicial do MPF, fi rmada em meras

conjecturas. E arremata a alegação da seguinte forma: “tudo quanto se acusou sobre

a elaboração do orçamento do edital de licitação da obra, confecção do projeto básico e

as modifi cações que alteraram substancialmente as planilhas de preços originalmente

formuladas foi esclarecido por documentos.

Ficou transparente que a elaboração orçamentária não foi feita pelo acusado,

que a confecção do projeto básico que deu origem à obra idem, e que as alterações de

quantitativos e de metodologias construtivas ou decorreram de ordem da Deso ou do

TCU, de sorte a afastar qualquer responsabilidade do ora defendente.

Também quanto às chamadas operações relativas a empréstimos bancários, fi cou

certo que o acusado não teve qualquer papel nelas (...) e os seus diálogos com Zuleido

Veras, na ocasião, limitaram-se a troca de informações públicas, feitas entre pessoas que

mantinham relacionamento empresarial amistoso.” (fl . 4.812).

Cita o HC n. 84.409-SP, rel. Min. Celso de Mello; APn n. 479-RJ, rel.

Min. Felix Fischer.

Ao fi nal, requer a rejeição da denúncia.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 191

XV ) MAX JOSÉ VASCONCELOS DE ANDRADE (FL. 3.763-

3.799); (FL. 5.327-5.514)

1 - DA IMPUTAÇÃO DO DELITO DE PECULATO

O denunciado rejeita a acusação de prática de peculato, aduzindo, para

tanto, que o MPF não apontou a modalidade praticada, nem tampouco a

existência de dolo na conduta do agente.

No período em que exerceu o cargo de Secretário de Estado da Fazenda

cumpriu a Lei Orçamentária e promoveu a sua execução conforme exigido na

LC n. 101/2000, negando peremptoriamente ter promovido qualquer repasse

ilegal de verba à Deso. E argumenta: caso o denunciado houvesse aplicado os

recursos em outro segmento do Governo do Estado de Sergipe, desviando os

valores dos repasses previstos no mencionado diploma, terminaria por incorrer

na prática do delito previsto no art. 315 do Código Penal.

Assevera que a acusação da prática do delito de peculato é extremamente

grave, principalmente porque o MPF não indicou elementos sufi cientes para

embasar a denúncia.

2 - DA IMPUTAÇÃO DO DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA

Também refuta o cometimento do crime de corrupção passiva, por falta

de descrição individualizada e discriminada da conduta do acusado, deixado

de apontar a espécie de corrupção ativa praticada pelo acusado (se própria ou

imprópria), qual a vantagem indevida solicitada pelo acusado, o momento da

prática e da consumação do delito (se ocorreu quando do exercício do cargo de

Secretário da Fazenda ou Secretário de Turismo), o ato de ofício que deixou de

ser praticado pelo denunciado e em que momento essa omissão se confi gurou.

Assevera que as transcrições das conversas feitas na exordial não dão

suporte à atribuição da prática de qualquer delito ao acusado. Afi rma que tais

diálogos não foram mantidos pelo denunciado e que a autoridade policial não

realizou o indiciamento do acusado.

Sem adentrar no mérito da acusação, o denunciado alega que o MPF não

se desincumbiu do ônus a que estava obrigado por lei, fato que difi culta a defesa

de cumprir seu mister. Cita o HC n. 27.587, rel. Min. Hamilton Carvalhido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

192

3 - DA INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO -

NECESSIDADE DA DENÚNCIA TER EM SEU RELATO A

EXPOSIÇÃO DOS FATOS CRIMINOSOS; SUAS CIRCUNSTÂNCIAS;

E, A CLASSIFICAÇÃO DO CRIME - INEXISTÊNCIA - INÉPCIA DA

PREAMBULAR ACUSATÓRIA - REJEIÇÃO.

Reitera a alegação de inépcia da denúncia, por falta de clara exposição

dos fatos que, em tese, podem confi gurar crime. Cita como precedentes o HC

n. 55.476-PA, rel. Min. Gilson Dipp e o HC n. 84.409-SP, rel. Min. Joaquim

Barbosa.

Ao fi nal, requer a rejeição da exordial acusatória, nos termos dos arts. 395 e

397 do Código de Processo Penal.

XVI) MARIA DE FÁTIMA CÉSAR PALMEIRA (FL. 5.629-5.762)

II - BREVE HISTÓRICO PROFISSIONAL DA ACUSADA

Engenheira civil trabalhando na construtora Gautama desde 1º.7.1997,

exercendo a função de gerente comercial da empresa no Estado de Alagoas,

permaneceu neste cargo até 2005, quando foi remanejada para atuar no Distrito

Federal.

Como gerente comercial mantinha contatos telefônicos com Zuleido Veras,

não possuindo ingerência em nenhum outro departamento da empresa.

Reportando-se à denúncia diz Maria de Fátima ter o MPF partido da

equivocada premissa de trabalhar a Gautama na liberação de recursos para

posterior direcionado da licitação. Segundo ela os diálogos interceptados dizem

respeito à liberação de verbas para obras já contratadas, não havendo qualquer

ilicitude nessa conduta.

A inicial desta ação, continua a defesa, não apontou elementos para

fundamentar a acusação de haver uma quadrilha com vínculo de permanência e

estabilidade, sendo o MPF contumaz em imputar o crime de quadrilha sempre

que se trate de situação que, sob sua ótica, caracterize concurso de agentes

envolvendo mais de 03 (três) pessoas.

Afi rma que a relação da denunciada com os demais integrantes da empresa

é de natureza profi ssional e que a Gautama tem 13 (treze) anos de existência

executando obras tanto para o setor público quanto para o privado.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 193

II - DO EVENTO SERGIPE

Diz Maria de Fátima ser inepta a denúncia porque o MPF, equivocadamente

extraiu de um diálogo, interceptado no dia 13.7.2006, o entendimento de estar

a denunciada praticando um crime, pelo simples fato de haver no diálogo uma

uma ordem de Zuleido para que a denunciada providenciasse a remessa de

dinheiro (fato que, segundo a acusada, não constitui crime).

Segundo entende, não há nada no diálogo a demonstrar ser o Sérgio, ali

nominado, o Sérgio Duarte Leite, acusado no Evento Sergipe, tudo levando a crer

que se tratasse de Sérgio Hala.

VIII - DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DOS CRIMES

IMPUTADOS À ACUSADA

VIII. 2. DO CRIME DE PECULATO E DE CORRUPÇÃO ATIVA

A denunciada refuta a acusação de autoria do crime de peculato, porque

nunca teve a posse dos recursos público para desvia-los. E continua a defesa,

combatendo a acusação, ao afi rmar não haver nos autos descrição perfeita ou

alguma prova de ter a acusada oferecido ou prometido vantagem a quem quer

que seja.

Defende a inviabilidade de conjugar-se a imputação da prática do crime de

corrupção passiva com o de peculato, sob o argumento de que tais delitos teriam

sido cometidos a partir da mesma base fática, fato que implica em violação ao

princípio do non bis in idem.

Ao fi nal pede a rejeição da denúncia.

XVII) VICTOR FONSECA MANDARINO (FL. 5.795-5.818)

O denunciado afi rma que somente foi nomeado para exercer o cargo de

Presidente da Deso em janeiro de 2003, restando claro que os fatos ocorridos

antes de sua nomeação, bem como os deles decorrentes, quais como, a

Concorrência Pública n. 005/2000, a formalização do contrato dela decorrente,

a expedição da ordem de serviço e o 1º termo de rerratifi cação, não podem ser

imputados ao acusado.

Durante sua gestão foram formalizadas as seguintes alterações no Contrato

n. 110/01: 2º ao 6º Termo de Rerratifi cação e 1 ao 3° Termo aditivo, todos

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instrumentos pactuados visando atender determinações oriundas do TCU para

adequações técnicas das planilha licitada.

Assevera que o 2º Termo de rerratifi cação foi elaborado em razão da

conclusão do projeto executivo e de determinação do TCU, o que terminou por

reduzir o valor contratualem exatos R$ 4.394.317,91, enquanto o 3º Termo de

Rerratifi cação decorreu da necessidade de remanejamento de outros serviços,

enquanto o 4º Termo, onde foi inserida cláusula contratual dispondo que

os futuros aditamentos, acaso necessários, sejam realizados nos moldes da

recomendação exarada pelo TCU. decorreu de determinação constante do

Acórdão n. 257/2004 da Corte de Contas. O 5º Termo de rerratifi cação foi

precedida de análise técnica detalhada e a majoração encetada representou apenas

2,01% do valor originário, afi gurando-se de pequena monta, se considerado o

valor global do ajuste. Por último, o 6º Termo de rerratifi cação foi motivado pelo

relatório técnico apresentado pelo engenheiro da Deso, apontando problemas

de corrosão nas tubulações da 1ª etapa do trecho gravidade II e a necessidade

de providências urgentes e emergenciais, sob pena de estrangulamento no

abastecimento de água. Assim sendo, foram repactuados os preços para o

fornecimento de tubos de aço carbono soldável, passando o valor global do

contrato de R$ 102.139.432,44 para R$ 128.432.169,59, alteração que visou

dar maior qualidade à obra e conseqüente confi abilidade operacional ao sistema.

Este 6º Termo, questionado pelo TCU, após oferecidas a Tribunal as

justifi cativas técnicas da Deso, convenceu-se da pertinência e decidiu revogar

a medida cautelar concedida em 1º.8.2005, para cancelar a alteração, conforme

Acórdão n. 2.293/2005.

A acusação lançada na exordial acusatória está embasada no relatório da

CGU, órgão que desconsiderou a atuação do TCU na fi scalização da obra e

ignorou o fato de ter sido feita a substituição dos tubos de ferro de aço fundido

por sua intervenção, estando presente antes mesmo da homologação do processo

licitatório, até a resolução do contrato.

INÉPCIA DA PEÇA VESTIBULAR E AUSÊNCIA DE JUSTA

CAUSA

O denunciado argui a inépcia da exordial, aduzindo que essa peça não

preenche os requisitos do art. 41 do CPP, deixando de descrever os fatos tidos

por delituosos cometidos pelo acusado, como por exemplo, não descreveu a

forma e o tempo em que teria ocorrido o desvio de dinheiro público, nem

tampouco indicou a existência de dolo na conduta do agente.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 195

Destaca o fato de não haver nas manifestações do TCU, qualquer

constatação de superfaturamento de preços ou inexistência de serviços.

Assevera ter adotado todas as medidas necessárias à verificação das

despesas, sendo todos os pagamentos antecedido de aval da equipe técnica da

Deso.

Para este acusado a alegada falha, ilegalidade ou irregularidade praticada

por assessores técnicos da Deso não pode ser transferida automaticamente ao

denunciado.

Afi rma que o termo a quo para incidência dos reajustes encontra previsão

no art. 40, XI, da Lei n. 8.666/1993, sendo utilizados os índices da FGV para

os cálculos dos reajustes, os quais retratam a variação do preço do ferro, aço e

derivados.

Assevera que os insumos utilizados na execução da obra sofreram grande

majoração ao longo dos primeiros 05 (cinco) anos de execução contratual, fato

que justifi ca os reajustes encetados por conta da expressa disposição contratual

e legal.

Informa que apenas 31% dos recursos provenientes de empréstimos

contraídos junto a instituições financeiras foram destinados à construtora

Gautama, fato que demonstra a ausência de privilégio da empresa junto à Deso.

Por fim, assevera que os diálogos interceptados nos dias 13.6.2006,

20.6.2006, 8.8.2006, 31.8.2006 e 4.9.2006 demonstram as difi culdades impostas

pelo acusado ao repasse de verbas à Gautama.

Pede, fi nalmente, a rejeição da denúncia e subsidiariamente pugna pela

desclassifi cação do delito, aplicando-se a suspensão condicional do processo.

Às fl . 9.021-9.022, determinei a intimação do MPF, nos termos do art. 221

do RISTJ.

O MPF às fl . 9.028-9.029, opinou que apenas as defesas dos denunciados

no “Evento Sergipe” fossem mantidas nos autos, pedido atendido pela decisão

de fl . 9.046-9.047.

PROSSEGUIMENTO DA INSTRUÇÃO

Às fl . 9.078, foi juntada certidão da Corte Especial atestando que, por

equívoco, não foi juntado aos autos da presente ação penal o Processo n.

2006.33.00026473 (medida cautelar de interceptação telefônica), que tramitou

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

196

perante a Seção Judiciária do Estado da Bahia, o que me levou a proferir

decisão no sentido de ordenar o processo e determinar a juntada dos autos

de interceptação, com a notifi cação de todos os denunciados para, querendo,

apresentarem resposta no prazo de 15 (quinze) dias ( fl . 9.080-9.081).

Determinei, ainda, extração de cópias do mesmo Processo n.

2006.33.00026473 e a remessa às Seções Judiciárias do Distrito Federal e dos

Estados do Maranhão e de Alagoas.

Às fl . 9.097-9.099, o denunciado Zuleido Soares Veras pediu fosse dilatado o

prazo de resposta para 60 (sessenta) dias, pedido indeferido às fl . 9.1908-9.109.

Seguiram-se os aditamentos dos denunciados Zuleido Soares Veras, Vicente

Vasconcelos Coni, Tereza Freire Lima, Rodolpho de Albuquerque Soares de Veras,

Ricardo Magalhães da Silva, Jorge Eduardo Santos Barreto, João Manoel Soares

Barros, Humberto Rios de Oliveira, Henrique Garcia de Araújo, Gil Jacó de Carvalho

Santos, Florêncio Brito Vieira, Dimas Soares de Veras, Bolívar Ribeiro Saback e

Abelardo Sampaio Lopes Filho, nos quais alegam, em preliminar:

I - CERCEAMENTO DE DEFESA - PRAZO HÁBIL PARA A

ANÁLISE DO MATERIAL ANEXADO AO PROCESSO

Asseveram que o prazo de 15 (quinze) dias é insufi ciente para exame de

um processo de 2.770 folhas, em que constam as interceptações telefônicas

deferidas pelo Juízo Federal do Estado da Bahia.

Afi rmam que a acusação tinha a obrigação de juntar o referido processo

imediatamente antes do relatório da autoridade policial, ainda em sede de

inquérito, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.296/1995.

II - DA AUSÊNCIA DOS REQUERIMENTOS E DAS ORDENS

QUE DEFERIRAM AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS QUE

REDUNDARAM NO PRESENTE FEITO

Alegam ausência dos requerimentos e das ordens que deferiram as

interceptações telefônicas que redundaram no presente feito, com a juntada

tardia, o que impediu o amplo contraditório. Ademais, dizem ser parcial o

processo, faltando os pedidos e deferimentos das primeiras interceptações,

justamente as que sustentaram todas as demais.

Juntam relatório parcial da Polícia Federal de 7.2.2006 (documento que

inaugura o Processo n. 2006.33.00026473) e afi rmam que, àquela época, já

existiam interceptações telefônicas em curso.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 197

Alegam que os investigados João Batista Paiva Santana e Rubens de

Carvalho Patury já estavam sob monitoramento telefônico e que de tal

monitoramento surgiram pedidos de interceptação contra Francisco de Assis

Borges Catelino e Joel Almeida de Lima, sendo que o pedido de interceptação

contra o denunciado Zuleido Veras surgiu em razão do monitoramento de

Francisco Catelino e Joel de Lima.

Aduzem que o vínculo entre a interceptação ocorrida contra Rubens

Patury na “Operação Octopus” e a interceptação ocorrida contra Zuleido Veras

é incontestável, retirando da defesa a possibilidade de analisar a licitude da

prova na medida que não lhe é fornecida a prova inicial da qual todas as demais

dependem.

Transcrevem trecho do mencionado relatório da Polícia Federal, no qual

a autoridade policial menciona que o monitoramento em questão não deve ser

utilizado para investigação de fatos que não digam respeito àqueles apresentados

ao Poder Judiciário.

Defendem a ilegalidade da prova colhida por interceptação telefônica,

ao argumento de que o monitoramento telefônico realizado na “Operação

Octopus” foi utilizado para dar início ao presente feito.

III - EXCESSO DE PRAZO - OFENSA AO MANDAMENTO

DA RAZOABILIDADE ANTE AFRONTA DIRETA AO COMANDO

CONSTITUCIONAL - LEADING CASE - HC N. 76.686

Afi rmam que o primeiro pedido de interceptação telefônica que veio aos

autos do Processo n. 2006.33.00026473 data de 7.2.2006 e faz menção expressa

a interceptações anteriores da “Operação Octopus”.

Afirmam que a primeira interceptação existente nos autos data de

16.2.2006, tendo sido sucessivamente prorrogada até o dia 19.4.2006, quando,

pela primeira vez, é deferida interceptação telefônica contra funcionários

da empresa Gautama. Após tal deferimento, a autoridade policial requereu

prorrogações sucessivas das interceptações contra Zuleido, Rodolpho e

Florêncio, assim como contra Maria de Fátima, César e Gil Jacó, sendo deferidas

até a data de 18.8.2006.

Entendem que, por meio da análise dos autos, chega-se ao prazo de

06 (seis) meses de interceptação deferidos pelo Juiz Federal de Salvador-

BA que, somado ao prazo de interceptação deferida por esta relatora, indica

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

198

desproporcionalidade na medida e violação à Lei n. 9.296/1996. Cita o HC n.

76.686, rel. Min. Nilson Naves, DJ 10.11.2008.

Afi rmam ter sido o Juiz Federal de Salvador-BA levado a erro pelos

agentes da Polícia Federal que pretendiam mudar o foco das investigações

rotuladas como “Operação Octopus”.

IV - DA AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS

Em apreciação geral dizem os acusados que a Operação Navalha iniciou-

se por investigação desenvolvida pela força tarefa previdenciária no Estado da

Bahia, investigando suposta prática de fraudes previdenciárias, sonegação fi scal

e liberação indevida de CND´s, além de crimes contra a administração pública

praticados por sócios de 08 (oito) empresas do ramos de prestação de serviços

com fornecimento de mão-de-obra no Estado da Bahia, daí o nome Octopus,

em alusão aos 08 tentáculos de um polvo.

No curso da operação, passou-se a investigar o envolvimento de delegados

e agentes da Polícia Federal com membros da suposta organização criminosa, o

que gerou a nova operação denominada “Navalha”, em clara referência de que

a PF pretendia cortar na própria carne. Durante meses a investigação esteve

voltada apenas para a contra-inteligência da Polícia Federal, que investigava seus

próprios agentes e delegados.

Por motivos não esclarecidos, a Polícia Federal resolveu mudar o foco das

investigações exatamente quando “problemas técnicos” passaram a ser noticiados

quanto à interceptação telefônica de delegados investigados, momento em que o

foco da apuração deixou de se ocupar dos delegados federais e passou a centrar

nas operações da empresa Gautama, fato que, segundo os denunciados, foi

admitido pela Polícia Federal (Relatório Circunstanciado n. 11) e citação de

decisão do Juiz Federal Durval Carneiro Neto (fl . 03-19 do apenso 76), o qual

confundiu-se com a alteração do foco das investigações, sendo levado a erro.

Para os denunciados, os inúmeros óbices ocorridos durante as investigações

policiais acabou por retirar das interceptação telefônica, a fumaça do bom

direito, supostamente existente.

V - DA PRIMEIRA INTERCEPTAÇÃO DE ZULEIDO VERAS

Afi rmam que a primeira interceptação do denunciado Zuleido Veras foi

realizada como forma de desviar o foco das investigações que recaiam sobre

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 199

policiais federais e foram autorizadas com base em falsas premissas decorrentes

de interpretações tendenciosas realizadas por agentes da Polícia Federal.

Asseveram que Francisco de Assis Catelino e Joel Almeida de Lima

(Delegado de Polícia Federal aposentado) foram contratados na condição de

advogados pela empresa Gautama para prestarem serviços advocatícios no

acompanhamento em Inquérito com curso perante a Polícia Civil do Distrito

Federal, em razão da morte de empregado da empresa, ocorrida durante a

construção do prédio do Instituto Nacional de Criminalística.

Cita diversos trechos de diálogos monitorados e afi rma que não existe

nenhuma interceptação telefônica de diálogo entre Zuleido e o denunciado

Patury.

Assevera que o depósito de R$ 7.000,00 efetuado na conta bancária da

esposa de Patury (Magna Soraya) foi realizado a pedido de Catelino, como

pagamento de honorários advocatícios. Segundo soube o acusado Zuleido,

posteriormente, Joel e Catelino eram amigos de Patury há vários anos e teriam se

oferecido para emprestar dinheiro para a realização da festa de posse de Patury

como Delegado Superintendente do Estado de Sergipe. Como Joel e Catelino

tinham honorários advocatícios a receber, pediram efetuasse a Gautama o

depósito correspondente em uma conta por eles informada”. (fl . 9.163).

Este fato, segundo a defesa, é interpretado, pelos diálogos interceptados, de

maneira completamente equivocada, sendo incrível que um Delegado de Polícia

Federal e um advogado combinassem pagamento de vantagem indevida por

meio de ligação telefônica.

Alegam que o depósito realizado pela Gautama na conta de Soraya foi

feito a título de pagamento de honorários a Catelino.

Afirmam que o referido empréstimo foi pago mediante depósito na

conta de Catelino em 02 (duas) parcelas de R$ 3.500,00 realizados nos dias

21.12.2005 e 9.1.2006, muito antes de se ter conhecimento da investigação.

Afi rmam que Patury já se encontrava, è época, aposentado da Polícia

Federal, tendo sido nomeado para cargo em comissão da Superintendência do

Estado de Sergipe.

VI - DA PRIMEIRA PRORROGAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO

DO TELEFONE DE ZULEIDO VERAS

Defendem que a primeira prorrogação da interceptação telefônica do

terminal utilizado pelo acusado Zuleido Veras é fruto da criação mental dos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

200

agentes da Polícia Federal. Cita trecho do diálogo interceptado e alega que o

crime de fraude à licitação é punido com pena de detenção, razão pela qual não

pode ser utilizada a prova indicada para incriminar o denunciado, nos termos da

Lei n. 9.296/1996.

VII - DA SEGUNDA PRORROGAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES

TELEFÔNICAS

A segunda prorrogação da interceptação telefônica, segundo os

denunciados, partiu de premissa totalmente equivocada, qual seja, imputação

de prática de crime a Prefeito do Município de Camaçari-BA, conduta que, ao

fi nal da investigação, não restou amoldada a qualquer tipo penal. O fato de não

ter se observado a prática de crime em relação ao “Evento Camaçari” retira da

interceptação a fumaça do bom direito, fazendo cair por terra todas as demais

medidas de restrição do direito ao sigilo das comunicações.

VIII - DAS DEMAIS INTERCEPTAÇÕES

Ao fi nal, aduzem que, estando as primeiras interceptações eivadas de

ausência de fumus boni iuris, todas as demais, dela decorrentes, encontram-se

igualmente viciadas.

Notificado, o acusado Max José Vasconcelos de Andrade reitera defesa

apresentada (fl . 9.264-9.303).

Vencido o prazo de manifestação foram os autos conclusos com 31 (trinta

e um) volumes, 232 (duzentos e trinta e dois) apensos e 9.394 páginas.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora):

I – PRELIMINARES SUSCITADAS PELOS DENUNCIADOS

1) PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO

FLÁVIO CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA NETO

1.1) INCOMPETÊNCIA JURISDICIONAL

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 201

Rejeito a alegação do acusado de que esta relatora não teria competência

para atuar no feito, em razão de ter colhido depoimento de investigados no

curso do Inquérito (Inq. n. 544-BA) que deu suporte ao oferecimento da

denúncia que ora se examina.

Nesse sentido, confi ra-se o entendimento da Corte Especial sobre o tema:

Agravo regimental. Indícios de crime, em tese, cometido por desembargador

de Tribunal de Justiça. Declínio de competência para esta Corte. Observância.

Desmembramento do feito. Artigo 80, CPP. Fase inquisitorial. Possibilidade.

Preservação e viabilização das investigações contra os investigados sem foro por

prerrogativa de função, sob pena de prejuízo para as investigações. Verifi cação.

Ratifi cação do que se produziu na origem, nesse interregno. Agravo regimental

improvido.

(...)

VII - Assinala-se competir ao Ministro Relator, integrante da Corte Especial, presidir

e ordenar a tramitação do inquérito de competência originária deste Superior

Tribunal de Justiça, adotando as providências necessárias ao êxito das investigações

e as que se revelarem urgentes, submetendo-as, ad referendum do colegiado,

inclusive, por meio, da presente insurgência recursal, o que não enseja qualquer

ofensa ao Princípio do Juiz Natural;

VIII - Agravo regimental improvido.

(AgRg no Inq n. 743-MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Corte Especial, julgado

em 17.8.2011, DJe 10.11.2011).

Penal e Processo Penal. Conexão (art. 76, II, do CPP). Prisão de deputado

estadual (art. 53, § 2º, da CF/1988). Separação facultativa dos processos (art. 80

do CPP). Foro especial, ação penal de competência originária (Lei n. 8.038/1990).

Processamento. Poderes do relator. II. Operação dominó. Organização criminosa

(Leis n. 9.034/1995 e n. 10.217/2001 – art. 288 do CP e Decreto n. 231/2003.

Convenção de Palermo). Concurso material: advocacia administrativa. Corrupção

ativa e passiva e prevaricação.

1. Quando várias pessoas unidas entre si por um único propósito praticam

diversas infrações em prol do mesmo desiderato, tem-se concurso subjetivo e

objetivo, ensejando a conexão subjetiva e instrumental, o que leva à unidade de

processo.

2. A CF/1988 dispensa tratamento diferenciado aos Deputados Federais,

prerrogativa que é repetida, por simetria, nas Constituições Estaduais para os

Deputados Estaduais, só permitindo a prisão em fl agrante com a apresentação

do parlamentar preso à Assembléia Legislativa. Impossibilidade de cumprir-se o

mandamento constitucional porque dos 24 (vinte e quatro) deputados, 23 (vinte

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

202

e três) estão envolvidos em delitos conexos com os praticados pelo Deputado

Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, aqui denunciado.

3. Foro Especial do STJ para 2 (dois) dos denunciados (Desembargador e

Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado), o que atrai a competência para o

processo e julgamento dos demais, nos termos do art. 78, III, do CPP.

4. Desmembramento dos feitos conexos diante da complexidade dos fatos

para apuração, como facultado pelo art. 80 do CPP.

5. Identifi cação de uma Organização Criminosa, nos moldes do art. 1º da Lei n.

9.034/1995, com a redação dada pela Lei n. 10.217/2001, com a tipifi cação do art.

288 CP e Decreto Legislativo n. 231/2003, que ratifi cou a Convenção de Palermo.

6. Nos termos da Lei n. 8.038/1990 (art. 1º, § 1º) e do Regimento Interno desta

Corte (art. 217, §§ 1º e 2º), cabe ao relator, como juiz da instrução, ordenar diligências

complementares, da mesma forma como atua o juiz de 1º grau na fase pré-processual

das investigações (precedentes do STF e do STJ).

7. A oitiva dos investigados na fase pré-processual pelo relator não viola os

princípios do devido processo legal e da imparcialidade. Ao contrário, permite que o

relator forme seu convencimento para fi ns de recebimento da denúncia. Precedentes

do STJ e do STF (RHC n. 84.903-RN).

8. Havendo sufi cientes indícios da materialidade dos delitos de corrupção ativa

e passiva, advocacia administrativa e prevaricação, em concurso material, e da

imputação da autoria aos denunciados, é de ser recebida a denúncia oferecida

pelo Ministério Público Federal, com afastamento dos cargos dos agentes

políticos (Desembargador, Juiz e Conselheiro do TCE).

(Apn n. 460-RO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em

6.6.2007, DJ 25.6.2007, p. 209).

Neste ponto, transcrevo comentário de Eugênio Pacelli de Oliveira sobre a

Lei n. 8.038/1990:

A fase investigatória e, sobretudo, o inquérito policial devem ter tramitação

perante o próprio órgão de jurisdição, competente para o processo e julgamento da

futura ação penal.

(Curso de Processo Penal. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 777).

Cito, ainda, o seguinte precedente do STF sobre a questão:

Habeas corpus. Inquérito judicial. Superior Tribunal de Justiça. Investigado com

prerrogativa de foro naquela Corte. Interpretação do art. 33, parágrafo único, da

Loman. Trancamento. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 203

1. A remessa dos autos do inquérito ao Superior Tribunal de Justiça deu-se por

estrito cumprimento à regra de competência originária, prevista na Constituição

Federal (art. 105, inc. I, alínea a), em virtude da suposta participação do paciente, Juiz

Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos fatos investigados, não sendo

necessária a deliberação prévia da Corte Especial daquele Superior Tribunal, cabendo

ao Relator dirigir o inquérito.

2. Não há intromissão indevida do Ministério Público Federal, porque

como titular da ação penal (art. 129, incisos I e VIII, da Constituição Federal) a

investigação dos fatos tidos como delituosos a ele é destinada, cabendo-lhe

participar das investigações. Com base nos indícios de autoria, e se comprovada

a materialidade dos crimes, cabe ao Ministério Público oferecer a denúncia ao

órgão julgador. Por essa razão, também não há falar em sigilo das investigações

relativamente ao autor de eventual ação penal.

3. Não se sustentam os argumentos da impetração, ao afi rmar que o inquérito

transformou-se em procedimento da Polícia Federal, porquanto esta apenas

exerce a função de Polícia Judiciária, por delegação e sob as ordens do Poder

Judiciário. Os autos demonstram tratar-se de inquérito que tramita no Superior

Tribunal de Justiça, sob o comando de Ministro daquela Corte Superior de Justiça,

ao qual caberá dirigir o processo sob a sua relatoria, devendo tomar todas as

decisões necessárias ao bom andamento das investigações.

4. Habeas corpus denegado.

(HC n. 94.278-SP, Rel. Ministro Menezes Direito, Pleno, DJ 25.9.2008).

1.2) INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA

Rejeito a preliminar de inépcia da denúncia porque a peça acusatória

atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, na medida em

que houve a exposição do fato considerado criminoso, as suas circunstâncias, a

qualifi cação dos denunciados e a classifi cação dos crimes imputados, elementos

essenciais e estruturais da denúncia.

Conforme se depreende dos julgados abaixo colacionados, eventual inépcia

somente pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca defi ciência, impedindo a

compreensão da acusação, em fl agrante prejuízo à defesa do representado, o que não

se vislumbra no presente caso. Este é o sentido da jurisprudência do STJ, como

demonstram os arestos seguintes:

Criminal. Recurso ordinário em habeas corpus. Atos infracionais análogos

aos crimes de estupro e ameaça. Estatuto da Criança e dos Adolescente.

Representação que narra ano em que o ato infracional teria ocorrido. Trancamento

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

204

da ação penal. Inépcia. Inexistência. Constrangimento ilegal não evidenciado.

Recurso desprovido.

I. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é medida de índole

excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se denote, de plano, a

ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos

da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa

excludente de punibilidade.

II. A peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo

Penal, na medida em que houve a exposição do fato considerado criminoso, com

suas circunstâncias, assim como se deu a devida qualifi cação do representado, a

classifi cação do crime, além do oferecimento do rol de testemunhas.

III. Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada

inequívoca defi ciência a impedir a compreensão da acusação, em fl agrante prejuízo

à defesa do representado, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art.

43 do CPP - o que não se vislumbra no caso dos autos.

IV. Na hipótese, a denúncia abarcou todas as circunstâncias do ato infracional,

especifi cando, pelo menos, o ano do ocorrido, não havendo se falar em prejuízo

ao representado, que poderá defender-se amplamente dos fatos alegados,

inclusive, quanto à eventual ocorrência de prescrição.

V. Recurso desprovido.

(RHC n. 29.573-MG, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em

2.8.2011, DJe 17.8.2011).

Recurso ordinário em habeas corpus. Formação de quadrilha, corrupção

passiva e corrupção passiva majorada em continuidade delitiva (art. 288, 317,

caput e 317, § 1º c.c. o art. 71, todos do CPB). Pretensão de trancamento da ação

penal por inépcia da denúncia. Inadmissibilidade. Inicial acusatória que descreve

de forma pormenorizada a ação delituosa, identifi cando os autores e as vítimas,

e explicitando como se deram os fatos, com a menção a todas as circunstâncias

indispensáveis ao pleno exercício do direito de defesa. Parecer do MPF pelo

desprovimento do recurso. Recurso desprovido.

1. O trancamento da Ação Penal por meio de Habeas Corpus é medida

excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma

inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da

punibilidade.

2. O reconhecimento da inépcia da denúncia, por sua vez, pressupõe falta

total de exposição do fato criminoso, de forma a macular o exercício do direito da

ampla defesa.

3. É certo que a peça denunciatória tem de trazer no seu próprio contexto os

elementos que demonstram a certeza da acusação e a seriedade da imputação, não

se admitindo expressões genéricas, abstratas ou meramente opinativas, o que induz a

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 205

sua peremptória inaceitabilidade; porém, neste caso, ao contrário do que se afi rma, a

denúncia atende aos requisitos elencados no art. 41 do CPP, pois, ainda que limitada

pela natural circunstância da multiplicidade de agentes, o fato é que, na hipótese,

não se constata qualquer mácula na peça acusatória, que contém a exposição clara

dos fatos tidos como delituosos, a qualifi cação dos acusados com a indicação de suas

condutas, a classifi cação dos crimes e o nexo de causalidade, de maneira a permitir a

mais ampla articulação defensiva.

4. Recurso desprovido, em consonância com o parecer ministerial.

(RHC n. 22.922-RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma,

julgado em 31.5.2011, DJe 27.6.2011).

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Apropriação indébita previdenciária e

sonegação previdenciária. Pagamento integral do débito. Efeitos penais regidos

pelo art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003. Extinção da punibilidade. Inépcia da

denúncia. Pacientes gestores e administradores da empresa. Ordem parcialmente

concedida.

(...).

3. Não se pode ter por inepta a denúncia que descreve fatos penalmente típicos

e aponta, mesmo que de forma geral, as condutas dos pacientes, o resultado, a

subsunção, o nexo causal (teorias causalista e fi nalista) e o nexo de imputação (teorias

funcionalista e constitucionalista), oferecendo condições para o pleno exercício do

direito de defesa, máxime se tratando de crime societário onde a jurisprudência tem

abrandado a exigência de uma descrição pormenorizada das condutas.

4. Ordem parcialmente concedida para determinar o trancamento da

ação penal, exclusivamente, em relação ao crime de apropriação indébita

previdenciária. (HC n. 84.798-GO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 3.11.2009).

Na hipótese em julgamento o MPF expôs de forma minuciosa o crime

imputado ao denunciado, tendo indicado os elementos indiciários utilizados para

embasar a acusação formulada contra o Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado

de Sergipe e narrando a conduta a ele imputada de forma a permitir o exercício da

ampla defesa (fato que será novamente analisado quando do capítulo deste voto

que trata da conduta do acusado).

Rejeito, pois, a preliminar suscitada.

1.3.) DA ILEGAL MANIPULAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO

BRASILEIRO

O acusado afi rma em sua resposta que desde o mês de abril de 2006

(data do deferimento da primeira interceptação telefônica em relação ao

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

206

denunciado Zuleido Veras), a Policia Federal tinha conhecimento de um suposto

envolvimento de autoridades com foro privilegiado, tendo se utilizado de meios

escusos para manter o inquérito no Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção

Judiciária do Estado da Bahia.

Assevera que o Juiz Federal da 2ª Vara da Bahia, no apenso de n. 76 da

APn n. 510-BA, demonstra que os Delegados de Polícia Federal encarregados

das investigações utilizaram procedimentos escusos e ilegais para conduzir o

foco da apuração.

Assim, a Polícia Federal obteve, em interceptações telefônicas realizadas

no período de 23.5.2006 a 6.6.2006, elementos de prova de suposta participação

do ex-Governador José Reinaldo Tavares na prática de delitos investigados no

Inq. n. 544-BA, constatação registrada no Relatório Circunstanciado n. 007 -

Navalha, apresentado ao Juiz Federal Durval Carneiro Neto.

Aduz que a suposta participação daquela autoridade, detentor de foro

privilegiado é reafi rmada em outro Relatório n. 009 - Navalha, apresentado ao

magistrado.

Para este acusado, os únicos elementos de prova colhidos na investigação

contra João Alves Filho remontam ao período de 28.6.2006 a 14.7.2006, período

em que esse investigado ocupava o cargo de Governador do Estado de Sergipe

(cita o Relatório n. 09, Anexo 04/Navalha). Assim, todas as interceptações

telefônicas que pudessem incriminar o ex-Governador (autoridade com

foro privilegiado) teriam sido realizadas por ordem do Juiz Federal da Seção

Judiciária da Bahia.

Do mesmo modo, continua a defesa, as transcrições de conversas

telefônicas que supostamente envolvem o Deputado Federal Paulo Magalhães

remontam ao período de 28.8.2006 a 4.4.2007, estando registrado no HD da

Operação Navalha que o Deputado Federal Paulo Magalhães teria, no período

de 15.8.2006 a 26.9.2006, solicitado de Zuleido Soares de Veras o repasse de

vantagem indevida consistente na quantia de R$ 300.000,00.

Afi rma que os elementos reunidos contra o Deputado Federal Maurício

Quintela foram colhidos entre novembro de 2005 e setembro de 2006 (relatório

emitido pela Polícia Federal), sendo ilegais todas as decisões a ele pertinentes.

Sendo também ilegais, do mesmo modo, os elementos produzidos contra

o Deputado Federal Luiz Piauylino em meados de junho e julho de 2006

(relatório emitido pela Polícia Federal).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 207

O acusado alega, ainda, que os eventos trazidos à tona com a denúncia

ofertada pelo MPF mostram que a Polícia Federal já considerava, desde meados

de 2006, o então Ministro Silas Rondeau envolvido na suposta organização

criminosa montada ao redor da empresa Gautama (cita a página 121 da exordial

acusatória).

Ao fi nal, conclui que, se o Juiz era incompetente para o feito principal, não

tinha competência para deferir a quebra do sigilo telefônico dos investigados.

Cita o HC n. 10.243-RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJ 23.4.2001.

Considera o denunciado totalmente nulos os atos decisórios que se seguem

após o dia 5.5.2006, data em que ele, então Secretário de Estado, passa a fi gurar

como investigado pela Polícia Federal, autoridade que, nos termos do art. 91 da

Constituição do Estado de Sergipe, tem foro privilegiado.

Continuando, defende a tese da nulidade do processo pela participação de

Deputado Federal no feito.

Pugna pelo expurgo de todas as escutas telefônicas realizadas a partir de

19.5.2006, por ordem decretada do Juiz da 2ª Vara Federal de Salvador, como

também o desentranhamento dos documentos recolhidos em razão da ordem de

busca e apreensão decretadas pela relatora.

Expostos os argumentos da defesa do denunciado Flávio Conceição,

passo a demonstrar as razões pelas quais rejeito a preliminar de nulidade dos elementos

de prova colhidos no curso das interceptações telefônicas.

Da leitura do Relatório n. 7 – apontado pelo acusado (p. 901 do Apenso

n. 225 às fl . 1.034 do Apenso n. 226), temos que a Polícia Federal, a partir

da interceptação dos telefones de Zuleido Veras no período de 23.5.2006 a

26.6.2006, colheu informação de que funcionários da empresa Gautama

atuavam junto a servidores públicos do Estado do Maranhão, com o fi m de

convencê-los a favorecer interesses da empresa naquele Estado.

Não foram indicados, neste ponto da apuração preliminar, indícios de

prática de conduta delituosa de agente detentor de foro privilegiado, razão pela qual

não havia fundamento para declínio de competência por parte do Juiz Federal

de 1º Grau naquele momento.

Situação idêntica ocorre no Relatório n. 9 da Polícia Federal – também citado

pelo denunciado em sua resposta (fl . 1.163-1.409 do Apenso n. 227), elaborado

com base em dados colhidos no período de 28.6.2006 a 14.7.2006.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

208

Naquele momento da investigação, a Polícia Federal, a partir da

interceptação de terminais pertencentes a indivíduos que não detinham

foro privilegiado, reuniu indícios de prática de crimes por parte de funcionários

da empresa Gautama, destacados para atuar junto ao Governo do Estado do

Maranhão, não se apontando, neste momento das apurações, qualquer conversa do

Governador ou mesmo elemento de prova capaz de alterar a competência do Juízo

Federal de 1º Grau.

Feitas essas considerações, tem-se que eventuais indícios concretos da prática

de crime por autoridade que detém foro privilegiado somente surgiram no curso da

investigação preliminar (após elaboração pela Polícia Federal de relatório parcial da

“Operação Navalha” – fl . 1.988-1.997 do Apenso n. 230), documento no qual a

própria Delegada Federal encarregada do caso representou, no dia 8.9.2006,

pela remessa dos autos ao STJ, nos termos do art. 105, I, a, da CF/1988, em

razão da presença de elementos indiciários de prática de crime por parte dos

Governadores dos Estados de Sergipe, Alagoas e Maranhão.

Ouvido, o MPF cocordou com a referida representação (fl. 2.110-2.114),

consignando que somente naquele momento da investigação é que se pôde formar um

juízo de delibação positivo da existência de indícios de prática criminosa por parte de

agentes detentores de foro privilegiado.

Às fl . 2.118-2.120 do Apenso n. 230, o Juiz Federal da 2ª Vara Criminal

da Seção Judiciária da Bahia determinou a remessa dos autos ao STJ no dia

14.9.2006, frisando que, no curso das investigações, surgiram elementos de

prova indicando funcionários da empresa Gautama atuando, por meio de

repasse de vantagem indevida, tentando cooptar agentes públicos com o fi m de

favorecer os interesses da citada empresa na contratação e pagamento de verbas

decorrentes de obras públicas.

O Juiz Federal frisou, ainda, que os indícios mais relevantes de prática de

crime que pesavam contra os agentes detentores de foro privilegiado (Governadores

dos Estados do Maranhão ( José Reinaldo Tavares) e de Sergipe ( João Alves

Filho), Deputado Estadual de Sergipe (Ivan Paixão, com foro no TRF da 5ª

Região) e Procurador-Geral do Estado do Maranhão (Ulisses César Martins

de Sousa, com foro no TRF da 5ª Região) somente surgiram naquele momento da

investigação.

Constata-se, portanto, que as medidas constritivas de direito levadas a

termo nos autos do inquérito foram determinadas por autoridade competente

à época; somente quando se teve notícia da suposta prática de delito por autoridade

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 209

com foro privilegiado é que se tornou necessária a remessa dos autos a esta Corte, nos

termos do art. 78, III, do Código de Processo Penal (jurisdição de maior graduação).

Consigno que o envio dos autos ao STJ não invalida qualquer prova colhida

ou medida determinada pela autoridade que era então competente para conduzir o

inquérito.

Acresço a esse fundamento um outro (mais incisivo) que se mostraria também

suf iciente para rejeitar a pretensão do denunciado: interceptações telefônicas

eventualmente determinadas por autoridade absolutamente incompetente

permanecem válidas e podem ser plenamente ratifi cadas, conforme demonstra

o precedente desta Casa, abaixo colacionado, em que a Quinta Turma,

acompanhando o voto proferido pelo relator Min. Gilson Dipp, concluiu pela

viabilidade de ratifi cação pelo Juízo Federal até mesmo de prisão decretada por Juízo

Estadual:

Criminal. HC. Roubo qualificado. Incompetência do Juízo Estadual e

remessa dos autos ao Juízo Federal. Nulidade que só alcança os atos decisórios.

Possibilidade de ratifi cação dos demais atos do processo pelo juízo competente

e da denúncia pelo Ministério Público Federal. Persistência da custódia dos réus.

Decisão fundamentada. Ausência de constrangimento ilegal. Excesso de prazo.

Não-ocorrência. Instrução encerrada. Atraso provocado pela defesa. Princípio da

razoabilidade. Ordem denegada.

Hipótese em que, ao receber os autos do Juízo Estadual, o Juízo federal ratifi cou

todos os atos processuais praticados, mantendo a prisão cautelar do paciente e

de seus co-réus de forma fundamentada, determinando-se, todavia, que novas

alegações finais fossem oferecidas pelo Ministério Público Federal, que também

ratifi cou os termos da denúncia.

O reconhecimento de nulidade em feito criminal só anula atos decisórios. Os

demais podem ser aproveitados pelo Juízo competente, nos termos do art. 567

do CPP. Precedentes do STF e desta Corte.

(...)

Ordem denegada.

(HC n. 45.991-SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em

17.11.2005, DJ 12.12.2005 p. 407).

No mesmo sentido, confi ra-se outro precedente desta Corte:

Criminal. HC. Crimes de responsabilidade e contra a Lei de Licitações. Ex-

prefeito. Incompetência do Tribunal Estadual declarada. Remessa do feito ao juízo

monocrático. Anulação das decisões proferidas. Desnecessidade. Possibilidade

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

210

de ratificação. Recebimento da denúncia legitimado pelo juízo competente.

Validação implícita. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.

(...)

V. A validação dos atos praticados pelo Juízo incompetente não precisa ocorrer

por meio de decisão fundamentada, podendo ser implícita, por meio da prática de

atos que impliquem na conclusão de que o Magistrado ratifi ca os referidos atos.

VI. Ordem denegada.

(HC n. 54.032-PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em

21.3.2006, DJ 10.4.2006 p. 262).

O Min. Castro Meira, nos autos do AgRg na APn n. 626-DF (Corte

Especial, DJ 6.10.2010) examinou e refutou questionamento semelhante. Confi ra-

se o entendimento adotado pelo STJ naquela oportunidade:

Ainda que o Desembargador relator do inquérito houvesse decretado alguma

medida constritiva de direito após o surgimento de indícios de prática de crime por

autoridade com foro privilegiado perante esta Corte, fato que admito somente a

título de argumentação, tais decisões seriam, quando muito, nulas (e possíveis de ser

convalidadas segundo o atual entendimento do STF) e não inexistentes.

Como se sabe, por pressupostos de existência, ou seja, para que seja constituído

o processo, é sufi ciente que haja um órgão investido de jurisdição e demanda (ato

de pedir). A competência é considerada requisito de validade do processo.

Sobre o tema, confi ra-se lição de Eugenio Pacelli de Oliveira:

Deve-se observar, primeiro, que a função jurisdicional é una, prestando-

se a repartição de competências unicamente à adequada operacionalidade

da jurisdição, consoante os critérios da especialização, ora por matéria, ora

em atenção à pessoa do acusado (ratione personae).

Por essa razão, quando é provocada a jurisdição, cível ou penal,

é o Estado quem atua nos autos - por meio de órgãos investidos dela

-, fazendo-o no campo e no espaço que lhe são próprios: o processo.

Negar existência à atividade estatal desenvolvida, ainda que por juiz

incompetente, é recusar a existência da própria jurisdição enquanto

Poder Público.

(ob. cit., p. 109).

(...)

Entendo, portanto, que interceptações telefônicas e medidas de busca

e apreensão eventualmente determinadas por autoridade absolutamente

incompetente permanecem válidas e podem ser plenamente ratifi cadas (...)

(grifo nosso).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 211

Dos julgados abaixo colacionados, constata-se que esta tem sido também a

orientação do STF:

Habeas corpus. Tráfi co de drogas. Confi sco de bem. Interceptação telefônica.

Competência. Fundamentação. Prorrogações.

1. O habeas corpus, garantia de liberdade de locomoção, não se presta para

discutir confi sco criminal de bem.

2. Durante a fase de investigação, quando os crimes em apuração não estão

perfeitamente delineados, cumpre ao juiz do processo apreciar os requerimentos

sujeitos à reserva judicial levando em consideração as expectativas probatórias da

investigação. Se, posteriormente, for constatado que os crimes descobertos

e provados são da competência de outro Juízo, não se confi rmando a inicial

expectativa probatória, o processo deve ser declinado, cabendo ao novo juiz

ratifi car os atos já praticados. Validade das provas ratifi cadas. Precedentes (HC

n. 81.260-ES – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Pleno – por maioria – j. em 14.11.2001 –

DJU de 19.4.2002).

3. A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve

ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada,

circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação

invasivos, especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos

de crimes habituais, permanentes ou continuados. A interceptação telefônica

pode, portanto, ser prorrogada para além de trinta dias para a investigação de

crimes cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos

de forma empresarial ou profi ssional. Precedentes (Decisão de recebimento da

denúncia no Inquérito n. 2.424-RJ – Rel. Min. Cezar Peluso – j. em 26.11.2008, DJE

de 26.3.2010).

(HC n. 99.619-RJ, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min.

Rosa Weber, Julgamento: 14.2.2012, Primeira Turma).

Agravo regimental no recurso extraordinário. Processual Penal. Incompetência

absoluta. Atos decisórios. Possibilidade de ratifi cação.

1. Este Tribunal fi xara anteriormente entendimento no sentido de que, nos casos de

incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados, sendo possível

a ratifi cação dos atos sem caráter decisório. Posteriormente, passou a admitir a

possibilidade de ratifi cação inclusive dos atos decisórios. Precedentes.

Agravo regimental a que se nega seguimento.

(RE n. 464.894-PI, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ 24.6.2008).

Habeas corpus.

(...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

212

5. Em princípio, a jurisprudência desta Corte entendia que, para os casos de

incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados. Sendo

possível, portanto, a ratifi cação de atos não-decisórios. Precedentes citados: HC

n. 71.278-PR, Rel. Min. Néri da Silveira, 2ª Turma, julgado em 31.10.1994, DJ de

27.9.1996 e RHC n. 72.962-GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, julgado em

12.9.1995, DJ de 20.10.1995.

6. Posteriormente, a partir do julgamento do HC n. 83.006-SP, Pleno, por

maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29.8.2003, a jurisprudência do Tribunal

evoluiu para admitir a possibilidade de ratificação pelo juízo competente

inclusive quanto aos atos decisórios.

(...)

9. Ordem indeferida.

(HC n. 88.262-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 18.12.2006).

Rejeito, portanto, a arguição de nulidade das interceptações telefônicas por 02

(dois) fundamentos: primeiro porque as decisões foram proferidas pela autoridade

competente à época dos fatos; e segundo porque todas as decisões do Juízo de

1º Grau restaram, ainda que implicitamente, ratifi cadas pela relatora, ao dar

continuidade à apuração dos fatos tidos por criminosos nos autos do Inq. n.

544-BA.

1.4.) AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA LICITUDE DAS

GRAVAÇÕES

O acusado alega que não foram juntadas aos autos as Medidas Cautelares

de n. 2004.33.00.022013-0 e n. 2006.33.00.002647-3 (contendo interceptações

telefônicas autorizadas pelo Juízo de 1º Grau) e documentos apreendidos tais

como a “agenda do Gil”, referência à agenda do Diretor da Gautama Gil Jacó.

Importante fazer um breve resumo de como se deu o desenrolar da

apuração que levou ao desencadeamento da Operação Navalha, investigada nos

autos do Inq. n. 544-BA e que deu azo ao oferecimento da presente denúncia.

Em junho de 2005 uma força tarefa coordenada pela Superintendência da

Polícia Federal na Bahia e pela Procuradoria da República na Bahia deu início

a uma investigação criminal denominada “Operação Octopus”, destinada a

apurar uma série de delitos contra a Administração Federal que estariam sendo

praticados por um grupo de oito empresários denominado “G-8”.

O aprofundamento das investigações revelou a existência de indícios

de que delitos de natureza diversa estavam sendo praticados por suposta

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 213

quadrilha formada com o fi m de obter lucros ilícitos por meio da realização

de obras públicas nos Estados de Sergipe, Alagoas, Maranhão, Piauí e Distrito

Federal, razão pela qual, no ano de 2006, deu-se início a uma outra investigação,

denominada “Operação Navalha”, apurando a suposta prática de crime de

formação de quadrilha e de delitos contra a Administração Pública.

No ano de 2006 ambas as investigações foram remetidas a esta Corte pelo

Juízo de 1º Grau, em razão da presença de indícios de crimes praticados por

agentes detentores de foro privilegiado perante o STJ.

O Processo n. 2004.33.00.022013-0 diz respeito às interceptações telefônicas

decretadas pelo Juízo de 1º Grau para apurar a prática de crimes na denominada

“Operação Octopus” e o Processo n. 2006.33.00.002647-3 se refere às interceptações

relacionadas com os fatos apurados na “Operação Navalha”, ora sob exame.

Determinei, então, em decisão datada de 10.5.2007 (fl . 231 do vol. 01), a

permanência nestes autos apenas das informações referentes à “Operação Navalha”,

tendo o Processo n. 2004.33.00.022013-0 sido juntado aos apensos de n. 12/26

do Inq. n. 561-BA, procedimento instaurado para apurar os fatos relacionados

com a “Operação Octopus”.

Observa-se, portanto, que o Processo n. 2004.33.00.022013-0 não traz

qualquer elemento de prova contra os denunciados nesta ação penal, razão pela qual

fi cou apensado ao Inq. n. 561.

À luz de certidão da Corte Especial (fl . 9.078), atestando que o Processo n.

2006.33.00.002647-3 não havia sido juntado aos presentes autos por equívoco,

determinei, em decisão datada de 14.12.2011 (fl . 9.080-9.081), a juntada aos autos

do referido processo que continha as medidas de interceptação telefônica autorizadas

pelo Juízo de 1º Grau e abri prazo para aditamento à resposta pelos acusados,

justamente com a fi nalidade de evitar qualquer arguição de cerceamento de defesa.

Verifi ca-se, portanto, que todos os documentos, pedidos de interceptação telefônica

e decisões judiciais de 1º Grau que excepcionaram direitos fundamentais dos ora

denunciados estão juntados aos presentes autos, não havendo que se falar em violação

dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

1.5) PRESENÇA DOS REQUISITOS ACAUTELADORES E 15 +

15 PRORROGAÇÃO

O denunciado argui a nulidade das interceptações telefônicas, aduzindo

que a medida extrapolou o prazo renovável de 15 (quinze) dias, previsto no art.

5° da Lei n. 9.296/1996.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

214

Afi rma, ainda, que não havia necessidade de prorrogação da interceptação

telefônica.

Neste ponto, friso que, na esteira do entendimento do STJ, abaixo demonstrado

em precedentes, o prazo previsto no dispositivo pode ser prorrogado, desde que

demonstrada fundada necessidade:

Habeas corpus. Organização criminosa. Contrabando de agrotóxicos e de

produtos de informática. Alegação de que as decisões judiciais que autorizaram

as interceptações telefônicas, e suas respectivas prorrogações, são destituídas de

fundamentação. Demonstração da imprescindibilidade das medidas. Penúltima

prorrogação que teria sido determinada por prazo superior ao que permite a Lei

n. 9.269/1996. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada.

1. Não é destituída de fundamentação a decisão do Juízo singular que, ao

deferir a primeira interceptação telefônica, indica concretamente a necessidade

da diligência, esclarecendo que não há outra forma de se realizar as investigações,

sob pena, ainda, de prejuízo à apuração, que ocorria em segredo de justiça.

2. “Persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação

telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente

fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da

interceptação.” (STF, RHC n. 85.575-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de

16.3.2007).

3. É válida a prorrogação da interceptação telefônica que, iniciada dentro do

prazo de 15 dias - como no caso -, é deferida em prazo maior que este, de até 30

dias, desde que demonstrada a imprescindibilidade da medida. Considerações

doutrinárias. Precedentes.

4. Habeas corpus denegado.

(HC n. 149.866-PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

21.6.2012, DJe 28.6.2012).

Habeas corpus. Corrupção ativa. Nulidade das interceptações telefônicas.

Descabimento. Medida demonstrada necessária e eficaz. Prorrogações

devidamente motivadas. Fundamentação per relationem. Prolongamento da

medida necessário diante da complexidade do crime e do grande número de

envolvidos. Imprescindibilidade para continuidade das investigações.

1. Inexiste ilegalidade na decisão que permite a quebra de sigilo telefônico,

quando preenchidos os requisitos do art. 2º da Lei n. 9.296/1996.

2. Na hipótese, além de verifi cados fortes indícios de autoria, demonstrou-se

que a prova, em toda sua extensão, não poderia ter sido obtida, de maneira efi caz,

por outros meios, mas tão somente pelo monitoramento telefônico.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 215

3. As decisões que deferiram a prorrogação possuem devida fundamentação,

apesar de não apresentarem motivação exaustiva, pois se relacionam com a que

autorizou o monitoramento das comunicações, passando a integrá-la - chamada

fundamentação per relationem (HC n. 92.020-DF, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJe

de 8.11.2010).

4. A ocorrência de sucessivas prorrogações, durante, aproximadamente, sete

meses, encontra justificativa na complexidade do crime e no grande número de

envolvidos - 28 denunciados, bem como na demonstrada imprescindibilidade da

medida para continuidade da investigação e elucidação do caso.

5. Ordem denegada.

(HC n. 128.211-PA, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em

12.6.2012, DJe 29.8.2012).

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Nulidade da ação penal.

Ilicitude da prova obtida por escuta telefônica deferida por juiz de plantão. Não

confi guração. Interceptação telefônica. Deferimento da medida e prorrogações

devidamente fundamentadas. Legalidade. Indispensabilidade da medida

demonstrada. Ordem denegada.

Autorização de escuta deferida por Juiz de plantão no fi nal do expediente

normal. Providência tolerada por interpretação razoável com vista à efetividade e

urgência da medida. Voto vencido do Relator que, nessa parte, concedia a ordem

afi rmando a incompetência do plantonista.

II. Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação telefônica

e de prorrogação da medida encontram-se adequadamente fundamentadas,

porquanto calcadas na manifesta necessidade para a continuidade das

investigações em curso voltadas para a apuração da prática de fatos com

características de criminalidade organizada, envolvendo tráfi co de entorpecentes

e formação de bando ou quadrilha.

III. Desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá ser renovada

por indefi nidos prazos de quinze dias. Precedentes.

IV. A averiguação da indispensabilidade da medida como meio de prova não

pode ser apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação

probatória que se faria necessária.

V. Ordem denegada.

(HC n. 182.168-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Rel. p/ Acórdão Ministro Gilson

Dipp, Quinta Turma, julgado em 3.5.2012, DJe 29.8.2012).

Habeas corpus. Corrupção ativa, quadrilha e concorrência desleal (artigos

333 e 288, ambos do Código Penal, e artigo 195, inciso III, da Lei n. 9.279/1996).

Interceptações telefônicas. Decisões judiciais fundamentadas.

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216

1. O sigilo das comunicações telefônicas é garantido no inciso XII do artigo

5º da Constituição Federal, e para que haja o seu afastamento exige-se ordem

judicial que, também por determinação constitucional, precisa ser fundamentada

(artigo 93, inciso IX, da Carta Magna).

2. O artigo 5º da Lei n. 9.296/1996, ao tratar da manifestação judicial sobre o

pedido de interceptação telefônica, preceitua que “a decisão será fundamentada,

sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que

não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez

comprovada a indispensabilidade do meio de prova”.

3. Do teor das decisões judiciais anexadas aos autos, percebe-se, com clareza,

que a interceptação telefônica foi inicialmente autorizada ante as dificuldades

encontradas para apurar os ilícitos que estariam sendo praticados, notadamente

pela hesitação da Polícia Federal de Marília em proceder às investigações necessárias,

tendo sido prolongada no tempo em face do conteúdo das conversas monitoradas,

que indicariam a existência de complexa quadrilha que estaria cometendo diversos

ilícitos.

4. Não procede a alegação de que as decisões judiciais na espécie constituiriam

meras reproduções umas das outras, uma vez que a autoridade judicial sempre

fundamentou as interceptações nos elementos de informação colhidos em

investigações ou monitoramentos prévios, demonstrando, efetivamente, a

indispensabilidade da medida para a correta identificação de todos os agentes

envolvidos, mormente em razão da perpetuação no tempo das atividades

supostamente criminosas, conforme externado em detalhes nos relatórios da

autoridade policial.

5. Ainda que o Juízo Federal tenha se reportado a provimentos judiciais

anteriores para motivar algumas das prorrogações das escutas, o certo é que

subsistindo as razões para a autorização das interceptações, como ocorreu no

caso - tendo em vista a própria natureza e modus operandi dos delitos investigados

-, inexistem óbices a que o magistrado remeta os seus fundamentos a prévias

manifestações proferidas no feito.

Interceptações telefônicas. Prorrogações sucessivas. Diligências que ultrapassam

o limite de 30 (trinta) dias previsto no artigo 5º da Lei n. 9.296/1996. Possibilidade de

várias renovações. Existência de decisões fundamentadas. Ilicitude não caracterizada.

Denegação da ordem.

1. Apesar de no artigo 5º da Lei n. 9.296/1996 se prever o prazo máximo de 15

(quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não

há qualquer restrição ao número de prorrogações possíveis, exigindo-se apenas que

haja decisão fundamentando a dilatação do período. Doutrina. Precedentes.

2. Na hipótese em apreço, consoante os pronunciamentos judiciais referentes

à quebra de sigilo das comunicações telefônicas constantes dos autos, vê-se

que a prorrogação das interceptações sempre foi devidamente fundamentada,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 217

justificando-se, essencialmente, nas informações coletadas pela autoridade

policial em monitoramentos anteriores, não havendo que se falar, assim, em

ausência de motivação concreta a embasar a extensão da medida, tampouco em

ofensa ao princípio da proporcionalidade.

3. Ordem denegada.

(HC n. 134.015-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em

16.6.2011, DJe 13.3.2012).

No mesmo sentido, o entendimento pacífi co da Suprema Corte:

Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Interceptação telefônica.

Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha

e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação

telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência.

Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica

por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas

delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com

a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei n. 9.296/1996, art.

5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação

telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal

de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente

conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser

possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica,

mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação

diferenciada e contínua (HC n. 83.515-RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson

Jobim, DJ de 4.3.2005). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30

(dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze)

dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados

e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o

entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar

o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos

quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim

o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de

suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância

das exigências previstas na lei de regência (Lei n. 9.296/1996, art. 5º). 4. A sustentada

falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do

paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito,

sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte,

confi guraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas

corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado.

(HC n. 106.129, Rel. Min. Dias Toff oli, Primeira Turma, julgado em 6.3.2012).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

218

Habeas corpus. Tráfi co de drogas. Confi sco de bem. Interceptação telefônica.

Competência. Fundamentação. Prorrogações.

(...)

3. A interceptação telefônica é meio de investigação invasivo que deve

ser utilizado com cautela. Entretanto, pode ser necessária e justificada,

circunstancialmente, a utilização prolongada de métodos de investigação invasivos,

especialmente se a atividade criminal for igualmente duradoura, casos de crimes

habituais, permanentes ou continuados. A interceptação telefônica pode, portanto,

ser prorrogada para além de trinta dias para a investigação de crimes cuja prática se

prolonga no tempo e no espaço, muitas vezes desenvolvidos de forma empresarial

ou profi ssional. Precedentes (Decisão de recebimento da denúncia no Inquérito n.

2.424-RJ – Rel. Min. Cezar Peluso – j. em 26.11.2008, DJE de 26.3.2010).

4. Habeas corpus

(HC n. 99.619-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Rosa

Weber, Julgamento: 14.2.2012, Primeira Turma).

Processual Penal. Habeas corpus. Tráfi co de entorpecentes e associação para

o tráfi co. Lavagem de capitais. Arts. 33, caput, 35, caput e parágrafo único, 36

e 40, I e IV, da Lei n. 11.343/2006. Art. 1º, I e § 1º, II e § 4º, da Lei n. 9.613/1998.

Acautelamento do meio social. Gravidade concreta da conduta. Apreensão de

grande quantidade de drogas (quase 400 kg de cocaína). Garantia da ordem

pública, como forma de impedir a reiteração delitiva. Fuga do réu. Providência

imposta visando assegurar eventual aplicação da lei penal. Interceptação

telefônica. Prorrogação. Possibilidade.

(...)

4. É cediço na Corte que as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas

por mais de uma vez, desde que comprovada sua necessidade mediante decisão

motivada do Juízo competente, como ocorrido no caso sub judice. Precedentes: RHC

n. 85.575-SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 16.3.2007; RHC n. 88.371-SP,

rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ de 2.2.2007; HC n. 83.515, rel. Min. Nelson Jobim,

Pleno, DJ de 4.3.2005; Inq n. 2.424, rel. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJ de 26.3.2010.

5. Parecer do MPF pela denegação da ordem.

6. Ordem denegada.

(HC n. 104.934, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Luiz Fux,

Primeira Turma, julgado em 20.9.2011).

I. Competência. Criminal. Originária. Inquérito pendente no STF.

Desmembramento. Não ocorrência. Mera remessa de cópia, a requerimento

do MP, a juízo competente para apuração de fatos diversos, respeitantes a

pessoas sem prerrogativa de foro especial. Inexistência de ações penais em

curso e de conseqüente conexão. Questão de ordem resolvida nesse sentido.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 219

Preliminar repelida. Agravo regimental improvido. Voto vencido. Não se

caracteriza desmembramento ilegal de ação penal, a mera remessa de cópia

de inquérito, a requerimento do representante do Ministério Público, a outro

juízo, competente para apurar fatos diversos, respeitantes a pessoas sujeitas a

seu foro. 2. Competência. Criminal. Ação penal. Magistrado de Tribunal Federal

Regional. Condição de co-réu. Conexão da acusação com fatos imputados a

Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Pretensão de ser julgado perante este.

Inadmissibilidade. Prerrogativa de foro. Irrenunciabilidade. Ofensa às garantias do

juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Inexistência.

Feito da competência do Supremo. Precedentes. Preliminar rejeitada. Aplicação

da Súmula n. 704. Não viola as garantias do juiz natural e da ampla defesa,

elementares do devido processo legal, a atração, por conexão ou continência, do

processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados,

a qual é irrenunciável. 3. Competência. Criminal. Inquéritos. Reunião perante o

Supremo Tribunal Federal. Avocação. Inadmissibilidade. Conexão inexistente.

Medida, ademais, facultativa. Número excessivo de acusados. Ausência de

prejuízo à defesa. Preliminar repelida. Precedentes. Inteligência dos arts. 69,

76, 77 e 80 do CPP. Não quadra avocar inquérito policial, quando não haja

conexão entre os fatos, nem conveniência de reunião de procedimentos ante o

número excessivo de suspeitos ou investigados. 4. Prova. Criminal. Interceptação

telefônica. Necessidade demonstrada nas sucessivas decisões. Fundamentação

bastante. Situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por outros

meios. Subsidiariedade caracterizada. Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts.

5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, § 2º, e 5º, da Lei n. 9.296/1996. Voto vencido.

É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada,

quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5.

Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações

sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação

diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei n.

9.296/1996. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação

do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo

sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e

contínua. 6. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização.

Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense.

Admissibilidade. Competência subsistente do Relator. Preliminar repelida.

Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do

Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias

e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão

judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica.

(...)

(Inq n. 2.424-RJ, rel. Min. Cezar Peluso, Julgamento 26.11.2008, Pleno).

Da leitura do Processo n. 2006.33.00.002647-3 (apensos de n. 222/232 da

presente ação penal), temos que o Juízo Federal de 1º Grau fundamentou, de forma

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

220

adequada e minuciosa, as decisões que determinaram as interceptações telefônicas dos

investigados, tendo observado o disposto na Lei n. 9.296/1996.

Ademais, friso que a medida excepcional se fazia necessária à luz da natureza

dos delitos sob apuração, quais sejam, crimes contra a Administração Pública,

infrações cujo iter criminis não é feito às escâncaras, mas, sim, de forma velada.

2) PRELIMINARES SUSCITADAS PELO DENUNCIADO

ZULEIDO SOARES VERAS

2.1) NULIDADE DO PROCESSO - ILICITUDE DA PROVA

O denunciado argui a nulidade do processo e da prova colhida por meio

de interceptação telefônica, aduzindo que o afastamento do sigilo telefônico foi

levado a termo em contrariedade à Lei n. 9.296/1996 porque:

a) apenas os diálogos reputados importantes para a acusação foram

degravados e que a ausência da degravação das interceptações viola o princípio

do contraditório e induz a nulidade do processo;

b) as interpretações de diálogos realizadas pela Polícia Federal ao longo da

Operação Navalha não são confi áveis e enquanto no Relatório de Inteligência

Policial n. 03 (datado de 26.3.2007) consta que o diálogo interceptado às

16:44h teria sido mantido por Luiz Caetano, então Prefeito do Município de

Camaçari-BA, o mesmo diálogo é posteriormente incluído na representação

de prisão formulada pelo MPF às fl . 290, desta vez constando que a conversa

teria sido mantida por Antonio Calmon, então Prefeito do Município de São

Francisco do Conde-BA;

c) a Polícia Federal fez constar, na conversa supostamente mantida por

Luiz Caetano, uma realizada entre os dias 20 e 23 de março de 2007. O mesmo

diálogo foi usado pela Polícia Federal referindo-se a uma viagem realizada pelo

Prefeito Antonio Calmon entre os dias 27 a 29 de março de 2007.

Rejeito a arguição de que teria havido manipulação nos diálogos por parte da

Polícia Federal.

O diálogo interceptado às 16:44h do dia 19.3.2007 (transcrito às fl . 57-

58 do apenso n. 03) guardava relação com suposta vantagem indevida a ser

repassada ao então Prefeito do Município de Camaçari-BA, investigado no Inq.

n. 544-BA.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 221

Ocorre que o MPF (e não a Polícia Federal) cometeu um lapso ao fazer

menção ao referido diálogo no pedido de prisão preventiva de fl . 239-306.

Neste ponto, o MPF (fl . 290 - item 167), para fundamentar o pedido de

prisão do então Prefeito do Município de Camaçari-BA, fez menção aos 02 (dois)

diálogos que constavam do relatório policial de fl . 57-58 e que demonstravam

a suposta ligação do Prefeito com a quadrilha formada pelos ora denunciados.

Ocorre que, após narrar a conduta supostamente criminosa do então Prefeito de

Camaçari-BA, transcreveu diálogo envolvendo Antonio Calmon, Prefeito do

Município de São Francisco do Conde, também investigado, mas contra o qual

não houve pedido de prisão.

Verifi ca-se, portanto, que o lapso apontado pelo acusado foi cometido pelo MPF e

não pela Polícia Federal e não tem o condão de macular a prova colhida.

Superado esse ponto, depreende-se que, conforme já frisado linhas acima,

a interceptação telefônica (tanto a decretada pelo Juízo de 1º Grau quanto por

este Tribunal) observou os ditames da Lei n. 9.296/1996, sendo decretada pela

presença do fumus comissi delicti e em razão do descabimento de produção da prova

por outro meio, como sói acontecer nos casos que envolvem prática de crimes tais como

os investigados nos presentes autos, formação de quadrilha com o fi m específi co de

espoliar a Administração Pública.

Afasto, ainda, a arguição de nulidade da prova em razão da ausência de

degravação de todos os diálogos interceptados, por ter ocasionado cerceamento

à defesa.

Segundo a orientação jurisprudencial do STF, quando há degravação dos

diálogos em que se apoia a denúncia e desde que tenha sido conferido acesso ao áudio, é

possível a só transcrição do que interessa. Vejamos:

Habeas corpus. Direito Processual Penal. Interceptação telefônica. Único meio

de prova viável. Prévia investigação. Desnecessidade. Indícios de participação

no crime surgidos durante o período de monitoramento. Prescindibilidade de

degravação de todas as conversas. Inocorrência de ilegalidade. Ordem denegada.

1. Na espécie, a interceptação telefônica era o único meio viável à investigação

dos crimes levados ao conhecimento da Polícia Federal, mormente se se levar em

conta que as negociações das vantagens indevidas solicitadas pelo investigado se

davam eminentemente por telefone.

2. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial

fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de

fato delituoso. Precedentes.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

222

3. O monitoramento do terminal telefônico da paciente se deu no contexto

de gravações telefônicas autorizadas judicialmente, em que houve menção de

pagamento de determinada porcentagem a ela, o que consiste em indício de sua

participação na empreitada criminosa.

4. O Estado não deve quedar-se inerte ao ter conhecimento da prática de

outros delitos no curso de interceptação telefônica legalmente autorizada.

5. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das

escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os

ora Pacientes, pois basta que se tenham degravados os excertos necessários ao

embasamento da denúncia oferecida, não confi gurando, essa restrição, ofensa ao

princípio do devido processo legal. Precedentes.

6. Writ denegado.

(HC n. 105.527, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em

29.3.2011).

9. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das

gravações. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos terminais

durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2 (dois) DVDs

e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade material e

inutilidade prática de reprodução gráfi ca. Sufi ciência da transcrição literal e integral

das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido às defesas também

mediante meio magnético, com reabertura de prazo. Cerceamento de defesa não

ocorrente. Preliminar repelida. Interpretação do art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996.

Precedentes. Votos vencidos. O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei Federal n. 9.296,

de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação sensata de que, salvo para

fi m ulterior, só é exigível, na formalização da prova de interceptação telefônica,

a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os

fatos da causa sub iudice.

Inq n. 2.424-RJ - Rio de Janeiro, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Julgamento:

26.11.2008, Tribunal Pleno).

Nesse sentido, confi ra-se o entendimento desta Corte sobre o tema:

Habeas corpus. Quadrilha e corrupção passiva. Investigação iniciada a partir de

escrito anônimo ou apócrifo (carta). Possibilidade, desde que ulterior diligência

pelas autoridades para verificação concreta dos fatos alegados na peça sem

assinatura tenham ocorrido. Pretensão de se aplicar irrestritamente a teoria

dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree). Impossibilidade.

Documentação dos autos que não permite a conclusão de que não existe prova

autônoma que legitimamente embasou o procedimento penal instaurado contra

o ora paciente. Impossibilidade de se proceder a ampla e irrestrita análise fático-

probatória na via eleita. Alegação de que as decisões judiciais que autorizaram

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 223

as interceptações telefônicas, e suas respectivas prorrogações, são destituídas de

fundamentação e se prolongaram demasiadamente no tempo. Demonstração

da imprescindibilidade das medidas. Transcrição de todas as conversas

interceptadas. Desnecessidade. Alegação de nulidade por falta de perícia nas

conversas interceptadas. Pretensão que se mostra, na verdade, preclusa, por não

ter sido formulada no momento oportuno. Habeas corpus denegado.

(...)

11. “O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei Federal n. 9.296, de 24 de julho de 1996, só

comporta a interpretação sensata de que, salvo para fi m ulterior, só é exigível, na

formalização da prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo

aquilo que seja relevante para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice.” (STF,

Inq n. 2.424-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 25.3.2010). Ou seja:

é completamente despicienda a degravação de todas as conversas interceptadas,

especialmente as que nada se referem aos fatos.

(...)

14. Habeas corpus denegado.

(HC n. 221.739-PE, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

17.4.2012, DJe 27.4.2012).

Habeas corpus. Homicídio triplamente qualifi cado. Interceptação telefônica.

1. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Juntada antes da apresentação das

alegações finais. Prejuízo não apontado. 2. Transcrição integral das escutas.

Prescindibilidade. Ordem denegada.

1. Não há nulidade a ser reconhecida na juntada tardia das transcrições das

interceptações telefônicas, visto que foram incorporadas aos autos antes da

abertura de prazo para as alegações finais, possibilitando à defesa o amplo

acesso, a fi m de refutá-las antes da prolação da sentença de pronúncia, o que

garantiu o pleno exercício da defesa e do contraditório. Assim, não há falar em

cerceamento de defesa se o patrono do paciente teve acesso às transcrições e

lhe foi facultado rechaçá-las antes mesmo do Juízo ter proferido a sentença de

pronúncia, notadamente se não apontado nenhum prejuízo efetivo.

2. É prescindível a transcrição integral das interceptações telefônicas, sendo

imperioso, tão somente, a fi m de assegurar o amplo exercício da defesa, a degravação

dos trechos das escutas que embasaram a peça acusatória. Precedentes do STF.

3. Habeas corpus denegado.

(HC n. 204.775-ES, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado

em 12.4.2012, DJe 4.5.2012).

Habeas corpus. Possibilidade. Juiz. Determinação. Diligências. Processo Penal.

Art. 156-CPP. Princípio da verdade real. Desnecessidade. Juntada. Autos. Conteúdo

integral. Degravações. Interceptações telefônicas. Trancamento da ação penal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

224

Excesso de prazo. Formação da culpa. Superveniência. Sentenças condenatória

e absolutória. Prejuízo. Apreciação. Ordem conhecida em parte e, na extensão,

denegada.

1. Pode o magistrado ordenar, de ofício, no curso da instrução ou antes de

proferir a sentença, diligências necessárias afi m de dirimir dúvidas sobre pontos

relevantes em relação ao deslinde da causa, nos termos do art. 156 do Código de

Processo Penal, em observância ao princípio da verdade real.

2. O e. Supremo Tribunal Federal e esta Corte já cristalizaram entendimento no

sentido da desnecessidade de juntada do conteúdo integral das degravações das

interceptações telefônicas, bastando que sejam transcritos os excertos indispensáveis

ao embasamento da peça acusatória, não havendo falar em ofensa aos princípios do

contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Precedentes.

(...)

5. Ordem conhecida em parte e, nessa extensão, denegada.

(HC n. 95.553-SP, Rel. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador

convocado do TJ-RJ), Quinta Turma, julgado em 13.12.2011, DJe 6.2.2012).

Neste tópico, friso que o precedente citado na sustentação oral feita pelo

advogado do denunciado Zuleido Veras na sessão do dia 14.3.2013 não tem o

condão de alterar o posicionamento do STJ e do STF sobre a matéria.

O referido causídico alegou que o STF, nos autos do AgRg na AP n. 508,

rel. Min. Marco Aurélio (julgado em 7.2.2013, acórdão pendente de publicação),

decidiu que a degravação das interceptações telefônicas deve ser integral.

Reputo, contudo, infundada a alegação do denunciado.

Do exame do referido julgado, tem-se que os Ministros do STF, que

acompanharam o Relator, disseram que não estava em discussão, naquele caso,

se o réu tinha ou não o direito subjetivo de exigir a degravação. O que se discutia é

se o Ministério Público poderia, sem alegar algum prejuízo concreto, impugnar decisão

do Juiz instrutor do processo, para quem a degravação integral seria útil.

O cerne da discussão naquele caso não foi o direito subjetivo do réu, mas sim a

amplitude dos poderes do Juiz instrutor de deferir provas, razão pela qual mostra-se

descabida a alegação do acusado.

2.3) DO NECESSÁRIO APENSAMENTO DO PROCEDIMENTO

DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AOS AUTOS DO INQUÉRITO

- CONTRADITÓRIO DIFERIDO - IMPOSSIBILIDADE DO

CONTROLE DA LEGALIDADE DA PROVA

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 225

A questão já foi enfrentada no item 1.4 deste voto, oportunidade em que

frisei que, à luz de certidão da Corte Especial (fl . 9.078), atestando que a não

juntada do Processo n. 2006.33.00.002647-3 foi um equívoco, corrigido quando

determinei, em decisão datada de 14.12.2011 (fl . 9.080-9.081), a juntada aos

autos do processo contendo as medidas de interceptação telefônica autorizadas pelo

Juízo de 1º Grau e abri prazo para para nova manifestação dos acusados, justamente

com a fi nalidade de evitar qualquer arguição de cerceamento de defesa. Assim, todos

os documentos, pedidos de interceptação telefônica e decisões judiciais de 1º Grau estão

juntados aos autos, não havendo de se falar em violação aos princípios do contraditório

e da ampla defesa.

2.4) DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS BÁSICOS DA MEDIDA

CAUTELAR

Assevera que o afastamento do sigilo telefônico do denunciado foi

autorizado antes de instaurada investigação prévia contra ele, pois à época,

investigava-se envolvimento de policiais federais com um grupo de empresários

baianos do ramo de fornecimento de mão-de-obra, conhecido como G-8, do

qual o acusado não fez parte, sendo o Juiz Federal, responsável à época pela

condução do inquérito, induzido a erro por uma série de equívocos da Polícia

Federal.

Sustenta, ainda, a ilicitude das interceptações telefônicas, sob o argumento

de que o encontro fortuito de provas não se mostra hábil para subsidiar a

imputação da prática de crimes feita pelo MPF ao acusado, inexistindo conexão

ou continência entre o fato inicialmente investigado e os delitos imputados ao

acusado e demais funcionários da empresa Gautama, situação que, uma vez

caracterizada, retira o requisito do fumus boni iuris da medida de interceptação.

Defende a nulidade das provas colhidas por meio do afastamento do

sigilo telefônico, porque as primeiras interceptações foram deferidas pelo Juízo

Federal de 1º Grau em razão de suposta prática de crime de fraude à licitação,

delito sujeito a pena de detenção, contrariando o disposto no art. 2°, III, da Lei

n. 9.296/1996.

Esta argumentação foi enfrentada no item 1.4 deste voto, quando

fi cou consignado que em junho de 2005 uma força tarefa coordenada pela

Superintendência da Polícia Federal na Bahia e pela Procuradoria da República

na Bahia deu início a uma investigação criminal denominada “Operação

Octopus”, destinada a apurar uma série de delitos contra a Administração

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

226

Federal que estariam sendo praticados por um grupo de oito empresários

denominado “G-8”.

O aprofundamento das investigações revelou a existência de indícios de

que outros delitos de natureza diversa estariam sendo praticados por quadrilha

formada com o fi m de obter lucros ilícitos com a realização de obras públicas

nos Estados de Sergipe, Alagoas, Maranhão, Piauí e Distrito Federal, razão pela

qual, no ano de 2006, iniciou-se uma outra investigação, denominada “Operação

Navalha”.

Assim, diante da presença de elementos de prática de delito por agentes não

integrantes do grupo investigado na “Operação Octopus” (Inq. n. 561-BA), deu-se

início a uma nova investigação (Inq. n. 544-BA), na qual foram colhidos os elementos

de prova contra os ora denunciados. Ver os apensos de n. 222/232, no qual há

registro de que a Polícia Federal, por meio de interceptações telefônicas autorizadas

judicialmente, obteve elementos indiciários de prática de conduta delituosa do

denunciado. Ali estão as diversas decisões em que o Juiz Federal de 1º Grau

autorizou a quebra de sigilo pleiteada pela Polícia e pelo MPF e as decisões por

mim proferidas quando chegaram os autos a esta Corte (fl . 104-106; 171; 225).

O denunciado, objetivando desviar o foco dos indícios de prática delituosa

contra si reunidos no Inq. n. 544-BA (e que serão oportunamente expostos

neste voto), alega que a Polícia Federal, de forma deliberada, alterou o rumo das

investigações com o fi m de salvaguardar integrantes do referido órgão, incriminando

funcionários da empresa Gautama por crimes contra a Administração Pública.

Conforme será oportunamente exposto quando examinado o mérito,

foram reunidos elementos indiciários de prática de conduta delituosa que, num juízo

perfunctório de admissibilidade da exordial acusatória, autorizam seja recebida

a denúncia contra o acusado Zuleido Veras, não lhe socorrendo vazia alegação de

mudança no foco das apurações. Afi nal, não há óbice para o Estado de, tomando

ciência nos autos de Inquérito, da prática de crime diversos daqueles inicialmente

investigados, iniciar nova investigação para esclarecer a autoria e materialidade

do crime praticado, ainda que tal delito seja punido com pena de detenção.

Confi ra-se o entendimento do STF e do STJ sobre a matéria:

Agravo regimental em agravo de instrumento. Interceptação telefônica

licitamente conduzida. Encontro fortuito de prova da prática de crime punido

com detenção. Legitimidade do uso como justa causa para oferecimento de

denúncia. Agravo regimental desprovido.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 227

1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da

República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida

fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que

o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com

detenção.

2. Agravo Regimental desprovido.

(AI n. 626.214 AgR, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado

em 21.9.2010).

Penal e Processual Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário.

Art. 288 do Código Penal. Inépcia da denúncia oferecida em desfavor dos

pacientes baseada em material colhido durante a realização de interceptação

telefônica para apurar a prática de crime diverso. Encontro fortuito. Necessidade

de demonstração da conexão entre o crime inicialmente investigado e aquele

fortuitamente descoberto.

I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de

conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente

autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da

conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei

n. 9.296/1996 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da

ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado

o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com

respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita.

(...)

Habeas corpus denegado.

(HC n. 69.552-PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6.2.2007,

DJ 14.5.2007, p. 347).

Sobre o tema, confi ra-se lição de Eugenio Pacelli de Oliveira:

Assim, por exemplo, quando, no curso de determinada investigação criminal,

é autorizada judicialmente a interceptação telefônica em certo local, com a

consequente violação da intimidade das pessoas que ali se encontram, não

vemos por que recursar a prova ou a informação relativa a outro crime ali obtida.

(...)

Ora, não é a conexão que justifi ca a licitude da prova. O fato, de todo relevante,

é que, uma vez franqueada a violação dos direitos à privacidade e à intimidade

dos moradores da residência, não haveria razão alguma para a recusa de provas

de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Isso porque uma coisa

é a justifi cação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de violação à

intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

228

coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de

material relativo à prova de crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar

com a justifi cação da medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação

da lei.

(Curso de Processo Penal. 16. Ed. p. 357-358).

2.5. CERCEAMENTO DE DEFESA - PRAZO HÁBIL PARA A

ANÁLISE DO MATERIAL ANEXADO AO PROCESSO

O denunciado alega que o prazo de 15 (quinze) dias concedido pela

decisão de fl . 9.080-9.081 (na qual determinei a juntada aos autos do Processo

n. 2006.33.00.002647-3) é insufi ciente para exame do processo de 2.770 folhas

em que consta a interceptação telefônica deferida pelo Juízo Federal do Estado

da Bahia, pois tinha a acusação a obrigação de juntar o referido processo

imediatamente antes do relatório da autoridade policial (na fase de inquérito,

nos termos do art. 8°, parágrafo único, da Lei n. 9.296/1995).

Estas questões foram examinadas em decisão por mim proferida em 9.2.2012,

oportunidade em que decidi ser descabida a alegação em torno do art. 8º, parágrafo

único, da Lei n. 9.296/1996 porque o apenso da interceptação telefônica já

estava juntado ao inquérito (Inq. n. 561-BA, em que se investigaram os fatos

relacionados à “Operação Octopus”), não havendo, portanto, de se falar em

extemporaneidade.

A juntada do Processo n. 2006.33.00.002647-3 aos autos deste feito foi

determinada estritamente com o escopo de atender aos princípios do contraditório e da

ampla defesa, sem nulidade alguma.

Superado esse ponto, rejeitei a argumentação em torno da exiguidade

do prazo concedido para o aditamento à resposta por 02 (dois) fundamentos:

primeiro porque os denunciados tinham e continuam tendo livre acesso aos autos

do Inq. n. 561-BA (procedimento no qual se encontram os autos da medida

cautelar de interceptação telefônica, juntada a este feito nos termos da decisão

de fl . 9.080-9.081), não havendo de se falar em óbice judicial ao pleno exercício

da ampla defesa; segundo porque a pretendida dilação do prazo, previsto no art.

4º, caput, da Lei n. 8.038/1990, não encontra fundamento legal, mostrando-se

desarrazoada a pretensão.

2.6) DA AUSÊNCIA DOS REQUERIMENTOS E DAS ORDENS

QUE DEFERIRAM AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS QUE

REDUNDARAM NO PRESENTE FEITO

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 229

Afi rma que o Processo n. 2006.33.00.002647-3 mostra-se insufi ciente

para exame em torno da legalidade das interceptações telefônicas, sob o

argumento de que o monitoramento do denunciado deu-se em razão de diálogos

travados por Francisco de Assis Borges Catelino, constantes do Processo n.

2004.33.00.022013-0, apensado aos autos do Inq. n. 561-BA.

Alega que os investigados João Batista Paiva Santana e Rubens de Carvalho

Patury já estavam sob monitoramento telefônico e que de tal monitoramento

surgiram pedidos de interceptação contra Francisco de Assis Borges Catelino e

Joel Almeida de Lima, sendo que o pedido de interceptação contra o denunciado

Zuleido Veras surgiu em razão do monitoramento de Francisco Catelino e Joel

de Lima.

Aduzem que o vínculo entre a interceptação ocorrida contra Rubens

Patury na “Operação Octopus” e a interceptação ocorrida contra Zuleido Veras é

incontestável, retirando da defesa a possibilidade de analisar a licitude da prova.

Rejeito a alegação.

Conforme já exposto linhas acima (item 1.4), quando fi cou explicada a

ocorrência de um segundo grupo que atuava ilegalmente fraudando licitações de

obras, quando se investigava fraude a serviços.

Neste ponto surgiram os primeiros dados de prática de conduta delituosa por

parte do acusado Zuleido Veras, como registra o relatório policial de fl . 03-19 do

apenso n. 222 (documento referente ao Processo n. 2004.33.00.022013-0, que foi

juntado a estes autos), quando a autoridade policial menciona que o denunciado

Zuleido Veras (proprietário da empresa Gautama) teria, por meio do advogado

Francisco Catelino, depositado numerário na conta do Delegado Federal Rubem

de Carvalho Patury, com o fi m de obter condução privilegiada de inquérito em

trâmite na Superintendência da Polícia Federal no Estado de Sergipe.

Tais indícios foram obtidos por meio da interceptação telefônica do

advogado Francisco Catelino, medida deferida pelo Juízo Federal de Salvador-

BA, sendo então informado ao julgador da atuação de agentes diversos daqueles

inicialmente investigados na “Operação Octopus”, sendo pleiteada a continuidade das

interceptações telefônicas.

Não houve, neste momento (7.2.2006), pedido de interceptação do terminal

de Zuleido Veras, o que só ocorreu posteriormente (19.4.2006 – fl . 591-597 do

apenso n. 224), quando constatada a presença de fumus comissi delicti, sendo então

determinada a interceptação telefônica do acusado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

230

O monitoramento telefônico que deu causa à quebra do sigilo do acusado Zuleido

Veras encontra-se juntado aos presentes autos, tendo os acusados livre acesso aos

autos do Inq. n. 561-BA, feito no qual se encontra juntado o Processo n.

2004.33.00.022013-0 (procedimento no qual encontram-se as interceptações

telefônicas deferidas na “Operação Octopus”).

2.7. EXCESSO DE PRAZO - OFENSA AO MANDAMENTO DA

RAZOABILIDADE ANTE AFRONTA DIRETA AO COMANDO

CONSTITUCIONAL - LEADING CASE - HC N. 76.686

Esta preliminar, suscitada no aditamento à resposta, já foi devidamente

examinada no item 1.5 deste voto.

2.8. EVENTO CAMAÇARI

O denunciado argumenta que o monitoramento dos terminais telefônicos

de seu uso tiveram início no denominado “Evento Camaçari”, momento a partir

do qual a Polícia Federal levou o Juiz de 1º Grau a acreditar que estava sendo

praticada fraude à licitação.

O acusado afi rma que, dentre todos os eventos mencionados pela Polícia

Federal no presente inquérito, é emblemática a confusão da autoridade policial

no Município de Camaçari-BA, havendo deturpação dos diálogos para afi rmar

ilicitude no repasse de verba à Gautama neste episódio.

Rejeito a alegação do acusado por 02 (dois) fundamentos: primeiro porque

não cabe à autoridade judicial fazer elucubrações futuras sobre os fatos sob apuração.

No momento em que o Juiz de 1º Grau deferiu as interceptações telefônicas

pleiteadas pela Polícia Federal, decidiu amparado em indícios de prática de

crimes por parte do acusado (inclusive formação de quadrilha, punido com

pena de reclusão), sem perquirir se tais indícios realmente se confi rmariam

futuramente; segundo porque as ordens judiciais de interceptação, conforme já frisado

por diversas vezes neste voto, foram proferidas por autoridade competente e à luz dos

elementos indiciários colhidos nos autos do inquérito.

2.9) DA ILICITUDE DA PROVA FACE À VIOLAÇÃO DO

PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Esta preliminar foi devidamente examinada no item 1.1 deste voto.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 231

3) DA IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA LEI N.

9.034/1995 NO CASO CONCRETO

O denunciado sustenta que a decisão de fl. 104-106, determinando

fosse a investigação conduzida contra ele desenvolvida por meio do método

denominado de ação controlada é ilegal porque decidida a partir de elementos

àqueles imputados a este denunciado.

Considera a defesa ser a Lei n. 9.034/1995 inconstitucional (por não

descrever o signifi cado de organização criminosa), sendo distintos os conceitos

de quadrilha e organização criminosa, fato que torna inaplicável a Lei n.

9.034/1995.

Para ela, a defesa, a organização criminosa é ordenada nos moldes de um

empresa voltada para o crime, contando com divisão de funções, hierarquia,

diversidade de atividades ilícitas, violência, promiscuidade com o Estado e

controle territorial, características não apontadas na exordial acusatória. E

arremata: na organização criminosa há um plus em relação à quadrilha ou bando.

No que tange à aplicação da Lei n. 9.034/1995, pela leitura da decisão de fl .

104-105, verifi ca-se não haver mácula prova obtida posteriormente.

Primeiro porque a denúncia oferecida contra os acusados está lastreada

estritamente em indícios coletados por meio de prova documental e interceptações

telefônicas colhidas por meio de decisões proferidas com base na Lei n. 9.296/1996;

segundo porque apesar de fazer menção à ação controlada (instituto previsto no

art. 2º, II, da Lei n. 9.034/1995), não houve, com a prolação da decisão de fl . 104-

105, o implemento das medidas mencionadas nos incisos II (retardo na interdição

policial) e V (inf iltração de agentes) tampouco o afastamento de qualquer

direito constitucional de patamar diverso daquele que já não houvesse

sido excepcionado pelas anteriores decisões de quebra de sigilo telefônico

proferidas nos estritos limites da Lei n. 9.296/1996.

Na hipótese, o MPF ofereceu denúncia imputando aos acusados a prática,

dentre outros delitos, do crime de formação de quadrilha (art. 288 do Código

Penal). Vê-se, portanto, que a eventual falta de defi nição do conceito de organização

criminosa não impede que os institutos previstos no art. 2° da Lei n. 9.034/1995

sejam utilizados no presente feito, nos termos do art. 1° do referido diploma legal.

Nesse sentido, colho as palavras de Rômulo de Andrade Moreira,

Procurador de Justiça do Estado da Bahia:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

232

Com efeito, e à guisa de conclusão, resta-nos uma pergunta: após a decisão

proferida pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, poderíamos ainda

aplicar os dispositivos da Lei n. 9.034/1995? Para nós a resposta é positiva, tratando-

se apenas de ações praticadas por quadrilha ou bando (art. 288, Código Penal) ou

associações criminosas voltadas para o fi m de praticar, reiteradamente ou não,

qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e parágrafo primeiro, e 34 da Lei

de Drogas – Lei n. 11.343/2006, por força do seu art. 35).

(MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Supremo Tribunal Federal decidiu que no

Brasil não há organização criminosa: e agora?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17,

n. 3.271, 15 jun. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22025>.

Acesso em: 17 set. 3.912).

Confi ra-se, ainda, comentário de Guilherme de Souza Nucci ao art. 1º da

Lei n. 9.034/1995:

A Lei n. 9.034/1995 não fez diferença, ao contrário, deixou bem clara a sua

aplicabilidade não somente às organizações criminosas e associações criminosas –

que não defi niu – como também às infrações penais decorrentes de ações praticadas

por qualquer quadrilha ou bando.

(L eis Penais e Processuais Penais comentadas. 4. Ed. P. 280).

3.1) SUPOSTAS NULIDADES DAS INTERCEPTAÇÕES EM

RAZÃO DE DECISÕES PROFERIDAS POR ESTA CORTE

O advogado do denunciado, durante sustentação oral na sessão do dia

14.3.2013, defendeu a nulidade das interceptações deferidas nesta Corte, sob

o argumento de que as decisões encontravam-se sem a devida fundamentação.

Rejeito tal arguição.

As decisões de quebra de sigilo telefônico (e respectivas prorrogações)

deferidas quando da chegada dos autos a esta Corte (tais como as proferidas

em 29.11.2006, em 2.2.2007, em 14.3.2007), encontram-se devidamente

fundamentadas, reportando-se, inclusive, ao teor dos requerimentos formulados pelo

MPF e pela Polícia Federal.

Sobre o tema, confi ra-se precedentes desta Corte admitindo a denominada

fundamentação “per relationem” (consistente naquela feita com remissão a outras

manifestações ou peças processuais constantes dos autos e cujos fundamentos

integram o ato decisório proferido):

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 233

Habeas corpus. Processual Penal. Interceptação telefônica. Deferimento.

Prorrogação por mais de uma vez. Possibilidade. Decisões fundamentadas.

1. Segundo jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do

Supremo Tribunal Federal, o disposto no art. 5º da Lei n. 9.296/1996 não limita

a prorrogação da interceptação telefônica a um único período, podendo haver

sucessivas renovações, desde que devidamente fundamentadas.

2. O Juízo de primeiro grau, ao deferir o pleito, fundamentou o cabimento da

medida em elementos colhidos pela autoridade policial, bem como no fato de

que um dos investigados já havia sido preso em outra operação policial, na

qual também era apurada a existência de rede de tráfi co destinada a distribuir

entorpecentes em festas destinadas a jovens de classe média.

3. A quebra do sigilo telefônico não foi a primeira medida efetivada pela

autoridade policial. Pelo contrário, tal providência teve suporte em elementos já

colhidos e que demonstravam que as investigações em curso levantaram indícios

da prática criminosa e apontavam para a imprescindibilidade do deferimento da

medida excepcional, segundo o disposto no art. 2º da Lei n. 9.296/1996.

4. Ordem denegada.

(HC n. 132.788-RJ, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em

19.11.2012, DJe 27.11.2012).

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto no ordenamento

jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de entendimento jurisprudencial.

Restrição do remédio constitucional. Medida imprescindível à sua otimização.

Efetiva proteção ao direito de ir, vir e fi car. 2. Alteração jurisprudencial posterior à

impetração do presente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesa e o devido

processo legal. 3. Homicídio qualifi cado. Quebra de sigilo bancário e telefônico.

Interceptações. Imprescindibilidade da medida. 4. Decisões devidamente

motivadas. Fundamentação per relationem. Possibilidade. 5. Prorrogação da

medida. Ausência de nova motivação. Manutenção dos mesmos fundamentos já

declinados. Constrangimento ilegal. Inexistência. 6. Habeas corpus não conhecido.

(...)

3. Encontram-se devidamente motivadas as quebras de sigilo bancário e

telefônico, bem como as interceptações telefônicas deferidas, porquanto

imprescindíveis às investigações.

4. É admitida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores a utilização de

motivação per relationem, passando a fazer parte da fundamentação as peças

referidas como suporte argumentativo.

5. A prorrogação de interceptação sem nova fundamentação indica a

persistência das circunstâncias que ensejaram a primeira medida, não havendo se

falar em constrangimento ilegal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

234

6. Habeas corpus não conhecido.

(HC n. 201.889-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado

em 25.9.2012, DJe 2.10.2012).

Refuto, portanto, tal arguição de nulidade.

RESPOSTA APRESENTADA PELO DENUNCIADO JOÃO

ALVES FILHO

4.1) A ILICITUDE DA PROVA

O denunciado alega que não manteve contato telefônico com nenhum dos

investigados pela suposta formação de quadrilha.

Defende a ilegalidade da prova, pela não juntada do inteiro teor das

interceptações telefônicas e das decisões autorizando a colheita de provas, fato

que contraria o art. 8º da Lei n. 9.296/1996 e impede o exame em torno da

higidez da prova.

A questão em torno da juntada do processo das interceptações telefônicas foi

examinada no item 1.4 deste voto.

Afi rma que “a primeira decisão que nos autos se enxerga, relativa à quebra

de sigilo telefônico de Zuleido Veras é datada de 19 de maio de 2006, referindo-

se à prorrogação da referida quebra (fl s. 83).

Ora, se era prorrogação, deveriam os autos trazer, para controle da defesa, a

quebra precedente (se é que ela houve). (...)”

Neste ponto, ressalto que, conforme já consignado linhas atrás, a primeira

interceptação de terminal telefônico pertencente ao denunciado Zuleido Veras ocorreu

em 19.4.2006 – fl . 591-597 do apenso n. 224.

O acusado afi rma que a prorrogação seguinte, que dos autos consta, é

datada de 21 de junho (fl . 89), sendo certo que entre 19 de maio e 21 de junho

há mais de 15 dias, donde a prorrogação veio a destempo, dado que o prazo

quinzenal, além de fi xado em lei (art. 5° da Lei n. 9.296/1996), é estabelecido na

própria decisão de 19 de maio.

Rejeito a argumentação do acusado, já que consta dos autos (fl . 1.065-1.066

do apenso n. 226) decisão do Juiz de 1º Grau prorrogando, no dia 9.6.2006, a

interceptação do terminal pertencente a Zuleido Veras.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 235

Da análise dos autos, vê-se que não há solução de continuidade nas ordens

judiciais que determinaram as interceptações telefônicas, tendo sido estritamente

cumprido o prazo previsto no art. 5° da Lei n. 9.296/1996.

5) RESPOSTA APRESENTADA POR JOÃO ALVES NETO

Considerando que as preliminares de ilegalidade da prova arguidas pelo

ora denunciado constituem repetição daquelas suscitadas pelo acusado João

Alves Filho e devidamente examinadas no item 4.1 deste voto, faço a elas

menção e as rejeito de plano.

II - MÉRITO DA ACUSAÇÃO

Antes de adentrar no mérito da acusação formulada pelo MPF, teço

algumas considerações sobre o desenrolar das investigações que culminaram

com o oferecimento da exordial acusatória ora em exame, pois somente com

a inserção dos fatos constantes da denúncia ao contexto maior é que se pode

entender o sentido da chamada “Operação Navalha”.

Em junho de 2005 uma força tarefa coordenada pela Superintendência da

Polícia Federal na Bahia e pela Procuradoria da República na Bahia deu início

a uma investigação criminal denominada “Operação Octopus”, destinada a

apurar uma série de delitos contra a Administração Federal que estariam sendo

praticados no Estado por um grupo de oito empresários denominado “G-8”.

O aprofundamento das investigações revelou a existência de delitos de

natureza diversa praticados por suposta quadrilha formada com o fi m de obter

lucros ilícitos em obras públicas nos Estados de Sergipe, Alagoas, Maranhão,

Piauí e Distrito Federal. No ano de 2006, deu-se início a uma outra investigação,

denominada “Operação Navalha”, apurando a suposta prática de crime de

formação de quadrilha e de delitos contra a Administração Pública.

Ainda no ano de de 2006 as 02 (duas) investigações foram remetidas a esta Corte

pelo Juízo Federal de 1º Grau, em razão da presença de agentes detentores de foro

privilegiado perante o STJ. Ambos os autos foram a mim distribuídos, oportunidade

em que receberam a seguinte numeração:

a) Inq. n. 544-BA, “Operação Navalha”, reautauado para APn n. 536-BA

após o oferecimento da denúncia;

b) Inq. n. 561-BA, “Operação Octopus”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

236

As investigações tiveram início na cidade de Salvador-BA, quando a

Justiça Federal - Seção Judiciária da Bahia autorizou as primeiras interceptações

telefônicas, mas quando as diligências apontaram para o envolvimento do então

Governador do Estado do Maranhão (Jackson Kepler Lago) e do Conselheiro

do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Flávio Conceição de Oliveira Neto,

foi necessário levar os fatos ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça

(artigo 105, I, a, da Constituição Federal de 1988).

Com o monitoramento telefônico legalmente realizado nos autos,

chegou-se ao nome do sócio-diretor da construtora Gautama, Zuleido Soares

Veras, o qual, em juízo de delibação dos dados constantes do Inq. n. 544-BA, aparece,

em diversas oportunidades, oferecendo vantagens indevidas a servidores públicos,

com o fi m de obter o recebimento de vultosos valores em pagamento à execução

de contratos de obras públicas.

Das interceptações dos terminais telefônicos usados por Zuleido Veras e

funcionários da construtora Gautama surgiram diálogos comprometedores com agentes

públicos, revelando, em juízo perfunctório dos autos, um esquema de desvio de recursos

públicos, protagonizado pelo denunciado Zuleido Veras, com a participação de alguns

de seus empregados e o envolvimento de empresários, servidores públicos e agentes

políticos.

O MPF, então, ofereceu denúncia contra 61 (sessenta e um) acusados,

imputando-lhes a prática de crime de formação de quadrilha e de delitos contra

a Administração Pública (peculato - art. 312, caput, do Estatuto Repressivo

pátrio; corrupção passiva - art. 317, § 1°, do Código Penal; prevaricação - art.

319 do referido diploma; e corrupção ativa - 333 do Código Penal).

Considerando que as Assembléias Legislativas dos Estado do Maranhão

e de Alagoas não autorizaram que esta Corte examinasse a denúncia oferecida

contra os respectivos Governadores de Estado, concluiu a Corte Especial do STJ

(fl . 8.666-8.685), em questão de ordem, pelo desmembramento do feito, mantendo

sua competência para processar e julgar os denunciados abaixo mencionados, quanto

aos supostos delitos praticados no denominado “Evento Sergipe” (tópico da exordial

acusatória em que o MPF formula acusação contra o Conselheiro do Tribunal

de Contas do Estado de Sergipe - único acusado detentor de foro privilegiado

perante este Tribunal que se encontrava em condições de ser julgado):

1) Flávio Conceição de Oliveira Neto, Secretário da Casa Civil do Governo

do Estado de Sergipe è época dos fatos, nomeado no ano de 2007 para o cargo

de Conselheiro do Tribunal de Contas da referida unidade federativa;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 237

2) Zuleido Soares de Veras, sócio-diretor da construtora Gautama;

3) Florêncio Brito Vieira, funcionário da construtora Gautama, responsável,

segundo o MPF, pelos saques em dinheiro e transporte de numerário que seria

repassado aos agentes públicos a titulo de vantagem indevida;

4) Gil Jacó Carvalho Santos, diretor fi nanceiro da construtora Gautama

que disponibilizava, segundo o parquet, o numerário necessário para o repasse de

vantagem indevida;

5) Gilmar de Melo Mendes, ex-Presidente da Deso - Companhia de

Saneamento do Estado de Sergipe;

6) Humberto Rios de Oliveira, funcionário da construtora Gautama que,

segundo o MPF, dividia com Florêncio Brito a incumbência de sacar o dinheiro

e transportar o numerário;

7) João Alves Filho, Governador do Estado de Sergipe à época dos fatos;

8) João Alves Neto, fi lho do ex-Governador João Alves Filho;

9) José Ivan de Carvalho Paixão, ex-Deputado Federal e ex-Secretário de

Administração do Estado de Sergipe;

10) Kleber Curvelo Fontes, então Diretor Técnico da Deso;

11) Maria de Fátima César Palmeira, Diretora Comercial da construtora

Gautama:

12) Max José Vasconcelos de Andrade, ex-Secretário de Fazenda do Estado

de Sergipe;

13) Renato Conde Garcia, engenheiro fiscal da obra realizada pela

construtora Gautama no Estado de Sergipe;

14) Ricardo Magalhães da Silva, engenheiro civil, representante da

Gautama no Estado de Sergipe e que, segundo o MPF, era responsável pelos

pedidos de prorrogação indevida dos contratos e mantinha tratativas com

os agentes públicos citados na denúncia com fi m de viabilizar o repasse de

vantagens indevidas e a liberação de verbas públicas para a Gautama;

15) Roberto Leite, então Diretor Técnico da Deso:

16) Sérgio Duarte Leite, sócio administrador da Enpro; e

17) Victor Fonseca Mandarino, ex-Presidente da Deso.

Segundo a denúncia, a análise das condutas dos investigados demonstra a

existência de uma sofi sticada quadrilha comandada pelo acusado Zuleido Soares

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

238

Veras e integrado por empregados da construtora Gautama e agentes públicos

do Estado de Sergipe, que se aliaram de forma permanente e estável para a

perpetração de práticas delituosas visando a liberação de pagamentos de obras

superfaturadas por meio do repasse de vantagem indevida a servidores.

Conforme apontado pela acusação, o conjunto probatório produzido no

âmbito do Inquérito aponta que o grupo liderado pelo denunciado Zuleido

Veras constituía o núcleo central de toda a atividade delituosa, que se estruturou

profi ssionalmente para a prática de crimes de peculato e corrupção ativa.

O MPF alega, ainda, que restou apurado que nos Estados em que a

Gautama tinha interesse em executar obras públicas formaram-se outras

quadrilhas, integradas por servidores públicos e agentes políticos, que se

organizaram de forma estável e permanente para atender aos propósitos ilícitos

do grupo comandado pelo denunciado Zuleido Veras.

Levando em conta o desmembramento do processo, compete a esta Corte,

no presente momento, fazer o juízo de admissibilidade da peça acusatória em

relação aos seguintes tópicos:

A) prática de delitos contra a Administração Pública (peculato, corrupção

ativa, corrupção passiva e prevaricação) imputados aos denunciados no “Evento

Sergipe”;

B) prática do crime de formação de quadrilha por parte dos denunciados

que fi guram estritamente no denominado “Evento Sergipe”.

A) DOS DELITOS IMPUTADOS AOS DENUNCIADOS NO

“EVENTO SERGIPE”

Conforme consignado no relatório, o parquet dividiu da seguinte forma a

imputação dos delitos cometidos no denominado “Evento Sergipe”:

a) Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva,

Gil Jacó, Florêncio Vieira, Humberto Rios, João Alves Filho, João Alves Neto,

Flávio Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de

Melo Mendes, Victor Fonseca Mandarino; Roberto Leite, Kleber Curvelo Fonte,

Sergio Duarte Leite, Renato Conde Garcia e José Ivan de Carvalho Paixão -

prática do crime de peculato, tipifi cado no art. 312, caput, do Código Penal;

b) Zuleido Veras (46 vezes), Gil Jacó (46 vezes), Ricardo Magalhães, Maria de

Fátima Palmeira, Florêncio Vieira (3 vezes) e Humberto Rios (3 vezes) - prática do

crime de corrupção ativa, previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 239

c) João Alves Filho (14 vezes), João Alves Neto (12 vezes), Flávio Conceição

de Oliveira Neto (26 vezes), Max José Vasconcelos de Andrade (6 vezes) e Ivan

Paixão (2 vezes) - prática do crime de corrupção passiva, tipifi cado no art. 317, § 1º,

do Código Penal;

d) Flávio Conceição de Oliveira Neto - prática do crime de prevaricação

previsto no art. 319 do Código Penal.

e) Zuleido Veras, Maria de Fátima Palmeira, Ricardo Magalhães da Silva,

Gil Jacó, Florêncio Vieira, Humberto Rios, João Alves Filho, João Alves Neto,

Flávio Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Gilmar de

Melo Mendes, Victor Fonseca Mandarino; Roberto Leite, Kleber Curvelo Fonte,

Sergio Duarte Leite, Renato Conde Garcia e José Ivan de Carvalho Paixão -

prática do crime de formação de quadrilha previsto no art. 288, caput, do Código

Penal.

A . 1 ) DA CO N T E X T UA LI Z AÇ ÃO D O S FAT O S -

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO N. 110/01 FIRMADO

ENTRE A DESO (COMPANHIA DE SANEAMENTO DO ESTADO

DE SERGIPE) E A GAUTAMA

Conforme apontado na denúncia, a Deso (Companhia de Saneamento

do Estado de Sergipe - sociedade de economia mista na qual o Estado detém a

maior parte do capital social) fi rmou, em 27.8.2001, o Contrato n. 110/01 com a

Construtora Gautama para a execução das obras e serviços de construção civil e

montagens da 2ª fase da 2ª etapa do sistema de adutora do rio São Francisco, no

valor total, com aditivos, de R$ 128.432.160,59.

Nos termos do relatório da CGU (apenso n. 97), os recursos fi nanceiros

envolvidos no contrato tiveram origem no Cônvenio n. 200/99, celebrado

com o Ministério da Integração Nacional em 30.12.1999, no valor de R$

22.550.000,00, sendo R$ 20.500.000,00, da União e R$ 2.050.000,00 de

contrapartida estadual; no Convênio n. 006/05 MI, de 25.10.2005; no Contrato

de Financiamento e Repasse n. 156453-64/03 de 29.10.2003, fi rmado com a

CEF, no valor de R$ 94.000.000,00; e em verbas do próprio Estado de Sergipe.

Em decorrência da execução do referido contrato foram pagos à Gautama

R$ 224.620.790,59, sendo R$ 26.661.060,32 com base no Convênio n. 200/99;

R$ 7.665.844,52 com base no Convênio n. 006/05, mediante fi nanciamento da

CEF; e R$ 76.466.375,78 com recursos do Estado de Sergipe (fl . 09 do apenso

n. 97).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

240

Conforme apontado pelo MPF, o relatório de ação de controle da CGU (apenso

n. 97) aponta diversas irregularidades da Concorrência Pública n. 005/2000,

supostamente praticadas com o f im de direcionar o Contrato n. 110/01 para a

construtora Gautama.

A questão em torno das irregularidades constatadas pela CGU na fase de

contratação da Gautama será exposta de forma sumária, com o fi m de contextualizar

os fatos e os delitos apontados na denúncia, praticados durante a execução do

contrato.

A CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno (órgão

central do sistema de controle interno do Governo Federal), apontou, no

relatório, direcionamento do processo licitatório para a empresa Gautama,

facilitado por um processo repleto de irregularidades e falhas formais (fl . 140 do

apenso n. 97).

Esclareço que a CGU, por meio da sua Secretaria Federal de Controle Interno,

tem competência para f iscalizar e avaliar a execução de programas de governo,

inclusive ações descentralizadas com recursos dos orçamentos da União, realizar

auditorias e avaliar os resultados da gestão dos administradores públicos, apurar

denúncias e executar atividades de apoio ao controle externo (informação disponível

no endereço http://www.cgu.gov.br/CGU/Competencias/index.asp).

A CGU apontou, após analisar as exigências do edital de Concorrência n.

005/2000 (tais como preço de aquisição exorbitante, exigência de índices

econômico-financeiros do edital, exigência de garantia de participação no

certame, exigências abusivas para habilitação técnica das licitantes, exigências

técnicas do edital) direcionamento da licitação à empresa Gautama (fl . 14-24 do

apenso n. 97), sendo o contrato assinado em 27.8.2001.

A CGU indicou, ainda, ausência de documentos, a não autuação processual

e o fato da maioria dos documentos serem apócrifos ou mesmo pela inexistência de

seus originais somaram fatores que propiciaram a criação de um ambiente processual

favorável à inclusão de cláusulas restritivas ao caráter competitivo e que criaram

difi culdades para a identifi cação dos responsáveis pelas irregularidades e ilegalidades

constatadas (fl . 140 do apenso n. 97).

Demonstradas as irregularidades cometidas na fase de celebração do

Contrato n. 110/01, passo a indicar os elementos indiciários presentes nos autos do

Inquérito que conduzem à conclusão, em juízo sumário, de que houve prática de crimes

contra a Administração Pública no denominado “Evento Sergipe”.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 241

A. 2) DEMONSTRAÇÃO DA PRESENÇA DE INDÍCIOS DE

QUE HOUVE SUPERFATURAMENTO E IRREGULARIDADES NA

EXECUÇÃO DO CONTRATO N. 110/01 - ADITIVOS INCLUÍDOS

COM O PROPÓSITO DE DESVIAR RECURSOS PÚBLICOS EM

PROL DA EMPRESA GAUTAMA

No momento em que o denunciado João Alves Filho assumiu o cargo

de Governador do Estado de Sergipe (mandato de 2003 a 2006), as obras

do Contrato n. 110/01 estavam em andamento e havendo repasse de R$

20.550.000,00 em razão do Convênio n. 200/99. No período em que o denunciado

João Alves Filho exerceu o cargo de Governador foram celebrados 05 (cinco) Termos de

Rerratifi cações e 03 (três) aditivos ao contrato, sendo que o 5º e 6º Termos acarretaram

a majoração do valor contrato.

O denunciado João Alves Filho fi rmou, com o Ministério da Integração

Nacional, o Convênio n. 006/05, no qual foi repassado ao Estado de Sergipe o valor

de R$ 7.665.844,52 (assinado em 24.10.2005 - fl . 577-584 do apenso n. 99) e

celebrou contrato de empréstimo com a CEF (Caixa Econômica Federal) para

ser repassado ao Estado o valor de R$ 76.466.375,78 (contrato assinado em

29.12.2003).

O Convênio n. 006/2005 tinha validade de 120 dias, tendo sido

posteriormente prorrogado (por meio de 03 termos aditivos) até 17.6.2007,

ensejando a liberação em favor da Secretaria de Infra-estrutura do Estado de

Sergipe de R$ 6.800.001,00 (fl . 83).

Para a CGU houve antieconomicidade na realização dos serviços prestados em razão

do Convênio n. 006/2005 e inconsistências nas informações, indicando o denunciado

Renato Conde Garcia como responsável por atestar as supostas medições fraudulentas

(medições essas que seriam, conforme demonstrado posteriormente neste

voto, utilizadas como parâmetro para cálculo do pagamento de vantagens

indevidas aos agentes públicos) - fl . 86 do apenso n. 97.

A Secretaria de Controle Interno da CGU aponta atuação def iciente da

f iscalização da Deso no Contrato n. 110/01, não sendo preservados elementos

sufi cientes para dirimir dúvidas destacadas em relação à pertinência dos pagamentos

realizados à Gautama (fl . 90 do apenso n. 97), constatando, ainda, transferência

de recursos da conta específi ca para conta estranha ao Convênio, o que contraria

os objetivos do controle, impedindo fosse fi scalizada a regular aplicação dos

recursos do convênio (fl . 91-92 do apenso n. 97).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

242

A CGU indica que não constam da prestação de contas do Convênio n. 006/2005

os extratos bancários da aplicação fi nanceira, bem como da sua conta corrente.

Com relação ao contrato fi rmado entre o Estado de Sergipe e a CEF, a CGU

aponta repasses à Deso (Companhia de Saneamento de Sergipe, sociedade de

economia mista na qual o Estado de Sergipe fi gura com 99% do capital social)

o valor de R$ 94.000.000,00, integralmente aplicados no Contrato n. 110/01. E

de um total de recursos repassados pela CEF, R$ 17.301.173,58 representam

prejuízo, que se amplia com mais R$ 20.017.912,98 decorrentes dos reajustes

correspondentes ao sobrepreço no fornecimento, totalizando um prejuízo de R$

37.319.086,56 aos cofres públicos (fl . 93-94 do Apenso n. 97).

A CGU conclui que a execução do contrato fi rmado com a Deso (no qual foram

utilizados recursos obtidos pelo Estado de Sergipe junto à CEF e à União)

foi repleta de irregularidades, como antecipações de pagamentos, alterações no

objeto do contrato. Indica a presença de indícios de que os valores auferidos pela

Gautama com os prejuízos encontrados foram desviados para fi nalidades distintas

das contratadas e que a análise de todos os recursos utilizados para pagamentos

do contrato demonstrou que a maioria dos prejuízos foi paga com recursos do

Estado de Sergipe, oriundos de contrato oneroso fi rmado com a CEF.

Caso não tivesse havido desvio, informa a CGU, minimizada a necessidade

de recursos federais no empreendimento, sendo suficiente a capacidade de

fi nanciamento local da obra (fl . 141 do apenso n. 97).

A CGU constatou, ainda, a existência de diversas irregularidades no 6º Termo

de Rerratifi cação do Contrato n. 110/01, fi rmado no dia 6.6.2005 com a fi nalidade

de propiciar a liberação de verba para realização da 2ª fase da 2ª etapa do

Sistema de Adutora do rio São Francisco (fl . 488-489 do apenso n. 99). Com este

Termo, o valor do contrato passou de R$ 105.136.916,44 para R$ 128.432.160,59.

A Secretaria de Controle Interno da CGU indica que em janeiro de

2005 já existia a previsão de R$ 26.077.521,00 no Orçamento da União para o

pagamento da execução da 2ª fase da 2ª etapa da obra contratada.

Ocorre que, conforme apontado pela CGU, o Governo do Estado de

Sergipe encaminhou ao Ministério da Integração Nacional plano de trabalho para

execução da 2ª fase da 2ª etapa de duplicação da adutora do rio São Francisco,

no valor de R$ 28.685.273,10. Neste ponto, a CGU alerta que os recursos para o

pagamento da mencionada fase da obra já se encontravam garantidos no orçamento

da União, razão pela qual fi cou caracterizado que o plano de trabalho não era para a

execução da 2ª fase, mas, sim, para uma nova fase de duplicação, ainda não contratada.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 243

Segundo a CGU, apesar das gestões junto ao Ministério da Integração Nacional

para garantia do repasse de recursos para a nova fase, não foi tomada, por parte da

Deso, nenhuma providência para a realização do respectivo procedimento licitatório

(fl . 69-70 do apenso n. 97), levando a Deso, em junho de 2005, sob o pretexto de

urgência, fi rmar com a Gautama o 6º Termo de Rerratifi cação ao Contrato n. 110/01.

A CGU consigna que, caso já houvesse sido realizada a licitação da

3ª fase da 2ª etapa da adutora, não haveria necessidade de se acrescer o

aporte de recursos ao Contrato n. 110/01 e aponta, nesse ponto, terem os

denunciados Victor Fonseca Mandarino (então Diretor Presidente da Deso) e Kleber

Curvelo Fontes (Diretor Técnico da Deso) contribuído para o suposto desvio de

recursos públicos em favor da Gautama. O primeiro não realizou o procedimento

licitatório e o segundo acusado opinou favoravelmente, em parecer técnico, para

a consolidação do aditivo contratual.

Os referidos denunciados (citados em interceptações telefônicas

posteriormente transcritas neste voto), decidiram favoravelmente à realização do

6º Termo de Rerratifi cação, sem adotar as medidas necessárias para verifi cação de

sua pertinência, consignando não haver diário de obra (fato que torna inviável o

exame sobre a regularidade das medições da execução da obra), nem equipe de campo

para o acompanhamento das obras (fl . 65-68 do apenso n. 97).

A CGU analisou a planilha eletrônica apreendida pela Polícia Federal na sede

da empresa Gautama com o título “PS Final Aditivo Gil”, composta por várias

“fi chas” e que contém o resumo da contabilidade da construtora para a obra do Contrato

n. 110/01.

Segundo frisa a CGU, a planilha de custos se divide em “custos diretos”

(representando os gatos com materiais, totalizando 41% do valor da obra) e

“custos indiretos” que somam 59% do valor da obra. Dentro do item “custos

indiretos” (responsável pelo elevador valor de 59% da obra), chama atenção o valor

do subitem “despesas extras” de R$ 62.183.241,00, representando 37% dos gatos totais

da Gautama.

Constatou-se, ainda, que o custo das “despesas extras” vêm da “fi cha”

“Diversos” da planilha, apresentando uma divisão em 02 (dois) tipos de gastos:

parceiros, com percentuais que variam de 10,4% a 12% sobre o faturamento do

contrato; e “TDO”, representando gastos que variam de 20,78% e 22,7% do

total faturado pela Gautama com o Contrato n. 110/01.

O denunciado Gil Jacó de Carvalho Santos, em depoimento prestado a esta

relatora (fl . 1.395-1.396), declarou:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

244

que o pagamento aos fornecedores são feitos por conta, mas há pagamento

em dinheiro para as obras, que algumas vezes sai a ordem de pagamento para a

obra e de lá fazem o saque e pagam em dinheiro; que algumas vezes o pagamento

é feito em espécie e aí se diz que houve uma TDO (Transferência de dinheiro para

a obra);

A Secretaria de Controle Interno da CGU, após detido exame da

planilha eletrônica apreendida, constatou que o percentual de prejuízo causado

aos cofres públicos na execução do Contrato n. 110/01 (40,39%) se aproxima muito

do valor correspondente ao item “despesas extras” da Gautama, fato que, na ótica

do referido órgão de controle interno, permite concluir que a “TDO” era calculada

sobre o montante das medições recebidas, demonstrando que as “despesas extras”

constituíam, na verdade, os valores das vantagens indevidas repassadas aos agentes

públicos do Estado de Sergipe, acusados que terão suas condutas analisadas no

decorrer deste voto (fl . 72-80 do apenso n. 97).

Ao fi nal do Relatório da Ação de Controle, a CGU indica um prejuízo total

atualizado do contrato no valor de R$ 178.708.458,81.

A exposição feita neste capítulo do voto refuta, peremptoriamente, os argumentos

lançados pelo denunciado Zuleido Veras na Petição n. 67.661, juntada ao processo no

dia 13.3.2013.

Não há falar em ilegalidade do relatório elaborado pela Chefe da

Controladoria-Regional da União no Estado de Sergipe. Chego a essa conclusão

pelos seguintes fundamentos:

1) o relatório da CGU, ao contrário do sustentado pelo acusado, examinou pontos

da execução do Contrato n. 110/01 que em nada guardam pertinência com a formação

do profi ssional da engenharia;

2) a Controladoria Geral da União, em minucioso relatório de 167

páginas (assinado por Analista de Finanças e Controle, servidora com

formação específica na área de ciências econômicas) constatou fundados

indícios de irregularidades na execução f inanceira do referido pacto (tais como

antieconomicidade na realização dos serviços prestados; transferência de recursos

da conta específi ca para conta estranha ao Convênio n. 06/2005 (difi cultando o

controle); e desnecessidade de realização do 6° Termo de Rerratifi cação ao

Contrato n. 110/01, em razão da sufi ciência da verba encaminhada pela União);

3) nos termos da Lei n. 8.112, de 11.12.1990 (DOU de 12.12.1990), do

Decreto-Lei n. 2.346, de 23 de julho de 1987 (DOU 24.7.1987), da Lei n.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 245

10.180, de 6.2.2001 (DOU de 7.2.2001), da Medida Provisória n. 2.229-43,

de 6.9.2001 (DOU de 10.9.2001), da Lei n. 10.769, de 19.11.2003, (DOU

de 20.11.2003), da Lei n. 11.094, de 13.1.2005 (DOU de 17.1.2005),da Lei

n. 11.890, de 24.12.2008 (DOU de 26.12.2008), do Decreto n. 4.321, de

5.8.2002 (DOU de 6.8.2002), do Decreto n. 6.944, de 21.8.2009 (DOU de

24.8.2009), o cargo de Analista de Finanças e Controle (ocupado pela servidora que

subscreveu o relatório da CGU) tem por atribuições a supervisão, coordenação,

direção e execução de trabalhos especializados sobre gestão orçamentária, fi nanceira

e patrimonial, análise contábil, auditoria contábil e de programas; assessoramento

especializado em todos os níveis funcionais do Sistema de Controle Interno;

orientação e supervisão de auxiliares; análise, pesquisa e perícia dos atos e

fatos da administração orçamentária, fi nanceira e patrimonial; interpretação

da legislação econômico-fi scal, fi nanceira, de pessoal e trabalhista; supervisão,

coordenação e execução dos trabalhos referentes à programação fi nanceira anual

e plurianual da União e de acompanhamento e avaliação dos recursos alcançados

pelos gestores públicos; modernização e informatização da administração

fi nanceira do Governo Federal; atuar no aprimoramento e fortalecimento das ações

correicionais no Poder Executivo Federal; acompanhar o andamento dos processos

administrativos disciplinares em órgãos ou entidades da Administração Pública

Federal; zelar pela integral f iscalização do patrimônio público; e proceder ao

andamento das representações e denúncias recebidas pela Controladoria-Geral

da União, com objetivo de combater condutas e práticas referentes à lesão ou ameaça

de lesão ao patrimônio público;

4) a servidora que subscreveu o citado relatório observou estritamente as

atribuições do seu cargo e a competência da Secretaria Federal de Controle Interno

da CGU de fi scalizar e avaliar a execução de programas de governo, inclusive ações

descentralizadas com recursos dos orçamentos da União, realizar auditorias e avaliar

os resultados da gestão dos administradores públicos, apurar denúncias e executar

atividades de apoio ao controle externo.

Feitas essas considerações, passo ao exame do argumento da defesa de que,

nos termos do art. 159 do Código de Processo Penal, o relatório da CGU não

serve como prova da materialidade do delito de peculato. Confi ra-se a letra da lei:

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por

perito ofi cial, portador de diploma de curso superior.

§ 1º Na falta de perito ofi cial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas

idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

246

específi ca, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza

do exame.

O denunciado Zuleido Veras afi rma que a prova material do referido delito

deveria ter sido atestada por perito ofi cial do Instituto de Criminalística da

Polícia Judiciária.

Eugenio Pacelli de Oliveira, em comentários ao tema, preceitua que:

Assim, os peritos oficiais, isto é, aqueles integrantes do quadros dos poderes

públicos (em geral, da polícia judiciária) devem ter formação superior em

determinadas e específi cas áreas do conhecimento.

(Comentários ao Código de Processo Penal. 3. ed. p. 326).

Entendo, na linha da doutrina, que não assiste razão ao denunciado.

A alegação de que a materialidade de todo e qualquer delito deve ser,

obrigatoriamente, comprovada por meio de exame pericial feito pela Polícia

Judiciária não resiste a uma interpretação teleológica do dispositivo.

Certos delitos tais como homicídio, lesão corporal dentre outros

semelhantes, exigem materialidade demonstrada por perícia do Instituto de

Criminalística da Polícia, órgão estatal incumbido da persecução penal e dotado

de aparato necessário para realização dos respectivos laudos.

Contudo, entendo que a materialidade de delitos de natureza diversa,

tais como aqueles praticados contra a Administração (em que ocorre suposto desvio

de dinheiro público), pode ser demonstrada por perícia realizada pelos órgãos

estatais de controle (tais como o TCU e a CGU), incumbidos pela legislação

vigente do exercício específi co de tal mister.

Nesse sentido, confi ra-se pronunciamento do STF quando do exame do

recebimento de denúncia nos autos do Inq. n. 2.245-4-MG (“Mensalão” - DJ

28.8.2007). Naquela oportunidade, a Suprema Corte concluiu pela presença de

indícios de autoria e materialidade do delito de peculato com fundamento em

relatório elaborado por Auditores do TCU, profi ssionais que têm atribuições

semelhantes àquelas dos Analistas de Controle e Finanças da CGU. Eis a

ementa:

Capítulo III da denúncia. Subitens III. 1, a.3 e b.2. Peculato. Desvio de recursos

públicos. Presença de justa causa. Denúncia recebida, excluído o 8° denunciado.

(...)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 247

3. Constatação, pela equipe técnica do Tribunal de Contas da União, da

subcontratação quase total do objeto do Contrato n. 2003/204.0 (o que era

expressamente vedado), como também a subcontratação de empresas para

realização de serviços alheios ao objeto contratado. Não é desprovida de

substrato fático a imputação do Ministério Público Federal segundo a qual o

então presidente da Câmara dos Deputados, em concurso com os 5°, 6° e 7°

denunciados, concorreram para desviar parte do dinheiro público destinado ao

Contrato n. 2003/204.0.

4. Os indícios apontam no sentido de que a empresa dirigida pelos 5°, 6° e

7° denunciados teria recebido tais recursos sem que houvesse contrapartida

concreta sob a forma de prestação de serviços.

Por fim, colho lição de Eugênio Pacelli de Oliveira aplicável mutatis

mutandis ao caso concreto e que no meu entender reforça o argumento em torno

da validade de laudo elaborado por Analista da CGU, profi ssional com formação

específi ca na matéria e plenamente capaz de atestar a suposta prática do delito de

peculato imputado pelo MPF.

No julgamento do HC n. 71.563-RJ (Sexta Turma, maioria, DJ 10.9.2007),

o STJ, a partir de interpretação literal do art. 159 do CPP, anulou sentença

proferida com base em laudo elaborado por papiloscopista e determinou o

encaminhamento dos autos à perícia ofi cial.

Eugênio Pacelli de Oliveira, discorrendo sobre a questão enfrentada no

precedente, posicionou-se ao lado dos votos vencidos proferidos pelos Ministros

Hamilton Carvalhido e Napoleão Maia, afi rmando que “em matéria de prova

pericial, o que vale é a especialidade do conhecimento e não a do cargo” de perito:

Perito ofi cial e papiloscopista: o exame de papiloscopia refere-se à apreensão

de vestígios reelativos à impressão digital, para fi ns de identifi cação da pessoa

e sua presença em determinado local. Há normas regulamentando o exercício

dessas funções no âmbito das polícias, de que é exemplo, apenas, a guisa de

exemplo, a Instrução Normativa 14-DG/DPF, 30/-05-05 no âmbito da Polícia

Federal.

O que nos importa, aqui, é esclarecer eventuais consequências do aludido

exame em matéria de prova pericial.

Como vimos, determinados fatos e circunstâncias podem ser reconstruídos a

partir da análise dos vestígios deixados por ocasião de sua ocorrência. A prova

pericial, então, exige conhecimentos técnicos específi cos, exigidos com base na

formação profi ssional dos peritos, como sem tem, por exemplo, no requisito da

formação superior.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

248

(...)

O que não se pode recursar é que o papiloscopista, isto é, a pessoa com formação

superior, detentora de conhecimentos técnicos específi cos de tais exames, se encontra

em situação de superioridade em relação ao perito (ofi cial) - ocupante de cargo com

essa denominação - que não tenha realizado o aludido curso e formação profi ssional.

Não será, portanto, o fato de ocupar o perito o respectivo cargo - de perito - que lhe

confere autoridade sobre a matéria atinente à papiloscopia.

Por isso, absolutamente sem razão a decisão emanada do Superior Tribunal de

Justiça no julgamento do HC n. 71.563-RJ - Sexta Turma - relatado pelo Min. Nilson

Naves, na qual se anulou um processo, com todas as graves consequências que de

tal anulação resultam, unicamente em razão de ter a sentença se baseado em laudo

elaborado por papiloscopistas e não por peritos ofi ciais. A decisão inegavelmente

privilegia a forma sobre o conteúdo. Ao determinar o retorno dos autos à perícia

oficial para a elaboração do laudo, o Tribunal conferiu aos peritos oficiais o

grau de conhecimento de que, na prática, não eram portadores: ou teriam eles

a formação em papiloscopia? Ora, não tendo eles formação na área, que laudo

técnico poderia esperar?

Corretos, então, os votos vencidos dos Ministros Hamilton Carvalhido e

Napoleão Maia, que colocaram a questão em seu devido lugar: em matéria de

prova pericial , o que vale é a especialidade do conhecimento e não a do cargo.

(ob. cit. P. 328).

Rejeito, portanto, os argumentos do denunciado Zuleido Veras, ressaltando

que não apenas a CGU, mas também o Tribunal de Contas da União constatou

irregularidades na execução do Contrato n. 110/01, conforme adiante

demonstrado.

A. 3) DA TESE DE DEFESA DOS DENUNCIADOS - ACÓRDÃOS

DO TCU

Em sua defesa, os denunciados, com o objetivo de afastar a acusação de

irregularidades na execução do Contrato n. 110/01, afi rmam que o TCU teve

a oportunidade de analisar a questão, concluindo pela regularidade da obra

realizada pela construtora Gautama, fato que desconstituiria, por si só, as

constatações da CGU.

Pondero que o STJ, no presente momento, realiza juízo de admissibilidade da

acusação, bastando para o recebimento da denúncia a presença de indícios de autoria e

materialidade dos delitos imputados pelo MPF.

Feitas essas considerações, entendo necessário expor os fatos constatados pelo

TCU quando da análise do Contrato n. 110/01 que, somados aos graves indícios de

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 249

irregularidade constatados pela CGU e aos dados obtidos na fase inquisitorial (e que

serão detalhadamente examinados neste voto) autorizam o início da ação penal.

Conforme já exposto, a obra decorrente do Contrato n. 110/01 foi

fi nanciada por recursos federais e estaduais, tendo o Tribunal de Contas da

União, nos limites de sua esfera de atribuição, atentado-se, prioritariamente,

para a fi scalizado da aplicação dos recursos federais.

Conforme se depreende da Decisão n. 913/2002 - Plenário (fl . 31-32 do

apenso n. 150), o TCU, em sessão 24.7.2002, constatou irregularidades nas obras

da adutora do rio São Francisco, tais como incompatibilidade entre a planilha licitada

e os critérios de medição, ocorrências de superfaturamento, falhas na administração

do contrato, sendo determinado a suspensão cautelar de envio de recursos federais

decorrentes do Convênio n. 200/99, até que fossem sanadas as irregularidades.

Apesar do TCU ter, em data posterior, autorizado o prosseguimento da obra

(fl . 47-48 do referido apenso), houve a constatação preliminar de irregularidades na

aplicação de recursos federais no contrato.

Em nova oportunidade, o TCU constatou a presença de irregularidades na

execução do mesmo contrato (Acórdão n. 584/2003 - fl . 50-57 do apenso n. 150),

determinando a intimação do denunciado Gilmar de Melo Mendes (ex-Presidente

da Deso) para prestar informações sobre os indícios de prática de sobrepreço

praticado na compra de tubos, abertura da ordem de serviço com valor inferior

àquele obtido na aplicação fi nanceira de recursos do Convênio n. 200/99.

No Acórdão n. 1.710/2005 (fl . 85-87 do apenso n. 150), o TCU, apesar de

reconhecer a falta de competência para fi scalizar a aplicação de recursos estaduais,

constatou indícios de irregularidades na aplicação de verbas do Governo do Estado,

determinando examinasse o TCE a planilha de preços do 5º Termo de

Rerratifi cação, pagamento de tubos à Gautama por preço bem superior ao

praticado pelo mercado.

Por fi m, tem-se que o TCU, no Acórdão n. 2.293/2005 (fl . 132-168 do citado

apenso) alertou à Deso de que a liberação de recursos federais para a realização da 3ª

fase da 2ª etapa da adutora do rio São Francisco estaria condicionada à realização de

licitação, consignando que a aplicação de recursos com fundamento em novas

emergências não seriam admitidas pela Corte, irregularidade também constatada

no Relatório da CGU, já exposto em tópico anterior deste voto.

Portanto, o TCU constatou a presença de indícios de irregularidades na execução

do Contrato n. 110/01, fato que, somado aos demais elementos de prova presentes nos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

250

autos, autorizam seja dado início à instrução criminal, momento em que as partes

terão a oportunidade de produzir provas com o fi m de demonstrar a subsistência dos

seus argumentos.

Advirto que, ainda que o TCU considerasse a obra regular, tal fato, por si

só, não teria o condão de ilidir a justa causa da ação penal proposta pelo Ministério

Público Federal, pois são independentes as instâncias penal e administrativa.

Nesse sentido é pacífi ca a jurisprudência, do Supremo Tribunal Federal e

do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

Ementa: I. Denúncia: cabimento, com base em elementos de informação

colhidos em auditoria do Tribunal de Contas, sem que a estes - como

também sucede com os colhidos em inquérito policial - caiba opor, para esse

fim, a inobservância da garantia ao contraditório. II. Aprovação de contas e

responsabilidade penal: a aprovação pela Câmara Municipal de contas de Prefeito

não elide a responsabilidade deste por atos de gestão. III. Recurso especial: art.

105, III, c: a ementa do acórdão paradigma pode servir de demonstração da

divergência, quando nela se expresse inequivocamente a dissonância acerca da

questão federal objeto do recurso.

(Inq n. 1.070-TO, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Pleno, julgado em

24.11.2004, DJ 1º.7.2005, P. 6).

Ementa: - “Habeas corpus”. Recurso ordinário. - Improcedência das alegações

de inépcia da denuncia e da falta de justa causa. - Não e o “habeas corpus” o meio

processual idôneo ao exame aprofundado de prova. - A aprovação de contas

pelo Tribunal de Contas da União não impede que o Ministério Público apresente

denúncia, se entender que há, em tese, crime em ato que integra a prestação de

contas aquele órgão de natureza administrativa. Recurso ordinário a que se nega

provimento.

(RHC n. 71.670-PE, Rel. Ministro Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em

11.10.1994, DJ 20.10.1995, P. 35.263).

Habeas corpus. Denúncia recebida contra prefeito, por suposta dispensa

irregular de licitação. Art. 89, caput da Lei n. 8.666/1993. Independência das

instâncias administrativa e penal. Precedentes do STJ. Situação peculiar do

caso em exame: aprovação das contas do município pelo TCE-RS, com análise

específi ca da operação realizada de compra de combustíveis, afastando eventual

irregularidade no procedimento. Ordem concedida para trancamento da ação

penal.

1. Conforme entendimento há muito fi rmado nesta Corte Superior, o fato de o

Tribunal de Contas eventualmente aprovar as contas a ele submetidas, não obsta,

em princípio, diante da alegada independência entre as instâncias administrativa

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 251

e penal, a persecução criminal promovida pelo Ministério Público, bem como a

correspondente responsabilização dos agentes envolvidos em delitos de malversação

de dinheiros públicos. Precedentes do STJ.

(...)

4. Opina o MPF pela denegação da ordem.

5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal.

(HC n. 88.370-RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma,

julgado em 7.10.2008, DJe 28.10.2008).

Recurso especial. Prefeito. Condenação. Art. 1º, incisos I, VI, VII, e XI, do Decreto-

Lei n. 201. Considerações.

1. Dissídio jurisprudencial indemonstrado.

2. Argüida a inconstitucionalidade do referido decreto, bem como a

necessidade de pronunciamento da Câmara dos Vereadores para processar

Prefeito. Questões já superadas nas Cortes Superiores, além de já terem sido

objeto de apreciação em habeas corpus anteriormente impetrado e denegado.

Argüição prejudicada.

3. A aprovação de contas municipais pelo Tribunal de Contas do Estado

é irrelevante para a persecução penal. Questão já analisada em habeas corpus

anteriormente impetrado e denegado. Argüição prejudicada.

(...)

15. Recurso Especial julgado parcialmente prejudicado, nos termos acima

referidos; no mais, parcialmente conhecido e, nessa parte, dando-lhe provimento

para cassar o acórdão proferido em sede de embargos de declaração tão-somente

na parte em que procedeu ao indevido agravamento da pena corporal infl igida

ao réu, restaurando-se, pois, a condenação estabelecida no primeiro julgamento;

de ofício, declarada a extinção da punibilidade quanto os crimes dos incisos VI,

VII e XI do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/1967, imputados ao Recorrente, em face

da prescrição retroativa, permanecendo, portanto, a condenação pelo inciso I

do mesmo Diploma Legal; Outrossim, julgada prejudicada a Medida Cautelar n.

8.401, a qual pretendia emprestar efeito suspensivo ao presente recurso especial,

restando, pois, também prejudicado o agravo regimental nela interposto.

(REsp n. 651.030-PI, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

14.9.2004, DJ 11.10.004, p. 379).

Constitucional e Processual Penal. “Habeas corpus”. Peculato. Princípio do

promotor natural. Garantia constitucional inexistente (art. 127, paragrafo 1., a

contrario sensu). Matéria fática insusceptível de ser examinada na via estreita do

“habeas corpus”. Ausência de constrangimento ilegal. Recurso ordinário conhecido

e improvido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

252

I - A Constituição, diferentemente do que faz com os juízes, tudo em prol

dos jurisdicionados, não garante o “princípio do promotor natural”. Ao

contrário, consagra no parágrafo 1º do art. 127 os princípios da “unidade” e da

“indivisibilidade” do Ministério Público, dando maior mobilidade à instituição,

permitindo avocação e substituição do órgão acusador, tudo, evidentemente, nos

termos da Lei Orgânica. No caso concreto, ademais, o promotor natural se deu por

impedido. Daí a designação de outro, o denunciante.

II - Pelo simples fato de haver o Tribunal de Contas do Estado aprovado contas, não

impede o Ministério Público de fazer denúncia. A matéria levantada pelo recorrente,

ademais, é fática. Assim, temerário seria o trancamento da ação penal. Não se pode

falar, então, em constrangimento ilegal.

III - Recurso ordinário conhecido e improvido.

(RHC n. 3.061-MT, Rel. Ministro Adhemar Maciel, Sexta Turma, julgado em

8.2.1993, DJ 28.2.1994 p. 2.916).

A. 4) DA FORMA COMO SE DEU A OPERACIONALIZAÇÃO

DA SUPOSTA PRÁTICA DOS CRIMES DE PECULATO-DESVIO,

CORRUPÇÃO PASSIVA E CORRUPÇÃO ATIVA (ARTS. 312, CAPUT,

317, § 1° E 333, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS, DO CÓDIGO PENAL)

Demonstradas as supostas irregularidades cometidas durante a execução do

Contrato n. 110/01, com a constatação (por meio de laudo emitido pelo órgão

competente) de que há indícios de desvio de recursos públicos em favor da

empresa Gautama e de repasse de vantagem indevida em prol de agentes

públicos do Estado de Sergipe, passo a expor os demais dados coletados no

Inquérito que, somados ao relatório da CGU, autorizam, em juízo sumário de

cognição, o recebimento da exordial acusatória contra os seguintes denunciados:

1) Flávio Conceição de Oliveira Neto, Secretário da Casa Civil do Governo

do Estado de Sergipe è época dos fatos, nomeado no ano de 2007 para o cargo

de Conselheiro do Tribunal de Contas da referida unidade federativa;

2) Zuleido Soares de Veras, sócio-diretor da construtora Gautama;

3) Gilmar de Melo Mendes, ex-Presidente da Deso - Companhia de

Saneamento do Estado de Sergipe;

4) João Alves Filho, Governador do Estado de Sergipe à época dos fatos;

5) João Alves Neto, fi lho do ex-Governador João Alves Filho;

6) José Ivan de Carvalho Paixão, ex-Deputado Federal e ex-Secretário de

Administração do Estado de Sergipe;

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 253

7) Kleber Curvelo Fontes, então Diretor Técnico da Deso;

8) Max José Vasconcelos de Andrade, ex-Secretário de Fazenda do Estado de

Sergipe e Coordenador da campanha de reeleição do acusado João Alves Filho;

9) Renato Conde Garcia, engenheiro fi scal da obra realizada pela construtora

Gautama no Estado de Sergipe;

10) Ricardo Magalhães da Silva, engenheiro civil, representante da

Gautama no Estado de Sergipe e que, segundo o MPF, era responsável pelos

pedidos de prorrogação indevida dos contratos e mantinha tratativas com

os agentes públicos citados na denúncia com fi m de viabilizar o repasse de

vantagens indevidas e a liberação de verbas públicas para a Gautama;

11) Sérgio Duarte Leite, sócio administrador da Enpro; e

12) Victor Fonseca Mandarino, ex-Presidente da Deso.

Na relação dos denunciados cuja conduta, como será analisada, autoriza o

recebimento a denúncia foram poupados os seguintes denunciados:

1) Florêncio Brito Vieira;

2) Humberto Rios de Oliveira, empregados subalternos da Gautama,

percebendo salário e sujeitos às ordens do Diretor-Presidente da empresa,

Zuleido Veras, sem nenhum poder de decisão ou de veto às determinações. Esses

denunciados (pelo menos não há notícia nos autos) nada percebiam pelos saques

ou entregas de dinheiro que realizavam, limitando-se à percepção dos seus

salários;

3) Roberto Leite (por ausência de justa causa);

4) Gil Jacó Carvalho Santos; e

5) Maria de Fátima César Palmeira.

Gil Jacó Carvalho Santos, nominado de Diretor Financeiro, era na verdade

um fazedor de contas, avisando ao patrão (Zuleido Veras) do fl uxo do caixa.

Em nenhum momento do “Evento Sergipe” (friso que a conclusão ora

adotada se aplica estritamente aos fatos apurados neste tópico da denúncia, razão

pela qual nada impede que a Justiça de 1º Grau adote conclusão diversa em relação

a esses denunciados no exame dos demais “Eventos” da exordial acusatória) há nas

interceptações ou nos documentos carreados aos autos elementos que possam

subsidiar a conclusão de que Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de Fátima César

Palmeira participaram, de forma livre e consciente, na prática de ilícitos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

254

Considero uma demasia atribuir a esses 05 (cinco) denunciados a posição

de réus, razão pela qual entendo que devem ser eles excluídos da denúncia.

Tive dúvidas quanto à atuação do denunciado José Ivan de Carvalho

Paixão (ex- Secretário de Administração do Estado de Sergipe no Governo de

João Alves Filho), mas nesta fase de delibação, como foi ele o encarregado de

providenciar as liberações de verbas federais, pelo conhecimento que tinha da

máquina administrativa seria impossível ignorar as irregularidades constantes

do contrato.

Friso que, em razão da complexidade dos fatos apurados no presente

Inquérito, deixarei para examinar a conduta individualizada de cada denunciado

em capítulo distinto deste voto, pois entendo ser necessário primeiro expor a forma

como se operacionalizou o suposto funcionamento da quadrilha apontada pelo MPF,

montada no Estado de Sergipe com o fi m deliberado de praticar crimes contra a

Administração Pública.

Existem nos autos indícios de que determinados agentes públicos do Estado

de Sergipe (incluindo-se aqui aqueles que, mesmo não sendo servidores públicos,

atuaram com eles em concurso, nos termos do art. 30 do CP) solicitaram e

receberam, por diversas vezes e em razão da função que desempenhavam no Governo

Estadual, vantagens indevidas de funcionários da empresa Gautama, praticando,

em juízo perfunctório, o crime de corrupção passiva previsto no art. 317, § 1º,

do Código Penal.

Conforme será devidamente exposto neste voto, restaram reunidos,

ainda, elementos indiciários de que determinados funcionários da

empresa Gautama, unidos por liame subjetivo e atuando de forma estável e

permanente, praticaram delitos com a fi nalidade de benefi ciar os interesses

da construtora, viabilizando a oferta e o repasse de vantagens indevidas a

agentes públicos, tudo com vistas a propiciar a liberação de recursos no Contrato

n. 110/01 e garantir que os pagamentos à empresa Gautama fossem priorizados pelo

Governo do Estado.

Passo, então, a demonstrar os dados coletados na fase inquisitorial que

subsidiam a acusação de prática de crimes contra a Administração Pública

durante a execução do Contrato n. 110/01.

Nos termos do que foi apontado pelo parquet, constatou-se a presença

de indícios de que o acusado Zuleido Veras teria oferecido e repassado vantagem

indevida ao denunciado Ivan Paixão, ex-Deputado Federal e ex-Secretário

de Administração do Estado de Sergipe (agente que, apesar de não exercer

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 255

cargo público à época, mantinha estreita ligação com Secretários de Estado,

conforme demonstram interceptações abaixo transcritas), com o f im de

propiciar a liberação de verba para pagamento do Contrato n. 110/01.

Conforme se extrai do diálogo interceptado no dia 7.7.2006 (10h27m25s),

exsurgem indícios de que o denunciado Zuleido Veras prometeu vantagem indevida a

Ivan Paixão:

Zuleido: “(...) estou em falta com o senhor, mas é porque o pessoal está em falta

comigo hoje (...)”

Ivan: “tá ótimo”

Na agenda da empresa Gautama, apreendida pela Polícia Federal durante a

defl agração da “Operação Navalha” (determinada judicialmente em decisão por

mim proferida), consta ter Ivan Paixão recebido R$ 240.000,00 no dia 2.8.2006

(fl . 60 do apenso n. 45).

A sequência dos diálogos dos dias 2, 5, 6 e 8 de setembro de 2006

demonstra a presença de indícios de que do montante das “propinas” enviadas para

Aracaju-SE, R$ 50.000,00 foram entregues ao denunciado Ivan Paixão no dia

6.9.2006.

Do monitoramento telefônico abaixo transcrito, verifica-se que a

articulação para o pagamento da vantagem indevida teria sido feita pelos

acusados Zuleido Veras e Flávio Conceição.

Observa-se que o denunciado Zuleido Veras determinou ao acusado Gil Jacó

que providenciasse o dinheiro e o entregasse ao acusado Humberto Rios, encarregado

do transporte do numerário, tendo o montante sido entregue a “Petu”, motorista do

denunciado Flávio Conceição (fato confi rmado em depoimento de fl . 1.356):

Zuleido: segunda-feira eu vou de qualquer jeito porque eu tenho que falar

com aquele menino, o Paixão (...) eu tenho que levar alguma coisa pro Paixão na

segunda-feira..

Flávio: o rapaz já me ligou direto..

(2.9.2006 às 08:02h).

Gil Jacó: os 150 falhou doutor (...)

Zuleido: tá, você fale com Ricardo e com Flávio porque ali é 50 para aquele

menino. Gil: 100 pra Ricardo e 50 pra Flávio..

(5.9.2006 às 16:32h).

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256

Gil: você sabe quanto é que você vai entregar lá?

Humberto Rios: ele falou que era 150..

Gil: leve 150. Você vai dar 100 pra Ricardo e e 50 pra Petu..

(6.9.2006 às 12:44h).

Flávio: pronto.. e aquele parlamentar não houve possibilidade ainda?

Zuleido: por que?

Flávio: Meu rapaz diz que não chegou, o Ivan Paixão..

Zuleido: ah! com certeza.. foi entregue 50 a Petu..foi na quarta-feira..

Flávio: vou ligar pra ele agora..

(8.9.2006 às 09:33h).

Flávio: está tudo ok. É porque chegou depois que eu viajei.

Zuleido: tá bom. valeu o susto..

(8.9.2006 às 09:41h).

Dos diálogos, já se constata a interligação que havia entre os funcionários da

Gautama e os agentes públicos, relação fi rmada com o suposto fi m de propiciar a

consecução dos escusos objetivos trilhados pelos denunciados.

O denunciado Ivan Paixão afi rmou, em interrogatório prestado nesta

Corte (vol. 06 - fl . 1.492), que:

todas as vezes que conseguia resolver pendências para viabilizar desta forma

as verbas já destinadas a Sergipe, colocava como sendo um feito pessoal no site

www,ivanpaixao.com.br.

Restou apurado, ainda, nos autos do Inquérito, que o denunciado Flávio

Conceição atuou como elo de ligação entre Zuleido Veras e o governo do Estado de

Sergipe.

Em depoimento prestado a esta relatora nos autos do Inquérito, o acusado

Flávio Conceição declarou que:

costumava recepcionar Zuleido quando este ia a Aracaju, inclusive indo recebê-lo

no aeroporto;

(...)

que a sua função era apontar para o Governador, pelas prioridades, por ele

traçadas, as verbas que deveriam ser endereçadas a cada obra.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 257

(...)

que o nome do seu motorista é José Carlos França Petu;

que o depoente é amigo pessoal do ex-Governador João Alves Filho;

que tem conhecimento que o filho do ex-Governador tem uma obra

imobiliária, em Salvador, em parceria com a Gautama, pois ele é empresário do

ramo de construção;

(vol. 06 - fl . 1.355-1.356).

Conforme será demonstrado neste voto, entendo que restaram reunidos

elementos indiciários apontando o denunciado Flávio Conceição como agente de

destacada atuação no desvio de recursos públicos levado a termo no Estado de Sergipe

e, sempre que contactado por Zuleido Veras, buscava remover os empecilhos

existentes à liberação das verbas para pagamento do Contrato n. 110/01.

Observa-se que Flávio Conceição era homem de confi ança do então Governador

João Alves Filho (amigo pessoal deste, conforme admitido no depoimento suso

referido), que o nomeou Secretário da Casa Civil e, no fi nal do governo, Conselheiro

do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.

Pelas interceptações telefônicas verifica-se que o denunciado Flávio

Conceição atuou intensamente no ano eleitoral de 2006, objetivando a liberação

de altas somas para a Gautama, tendo, em contrapartida, solicitado e recebido

vantagens indevidas para si e para os demais agentes públicos envolvidos no suposto

“esquema”.

Conforme se depreende da exposição que será feita ao longo deste voto, a liberação

de todos os recursos públicos pretendidos pela empresa Gautama só se mostrou possível

pela atuação conjunta dos denunciados citados neste capítulo.

Neste ponto, ressalto que a liberação da verba constituía apenas o resultado de

todo um processo.

Primeiro, conforme já exposto em capítulo precedente, houve a majoração

(considerada pela CGU) indevida do valor do Contrato n. 110/01, com a

celebração de convênio fi rmado pelo acusado João Alves Filho e Termo de Rerratifi cação

pactuado em razão da conduta dos denunciados Victor Fonseca Mandarino (então

Diretor Presidente da Deso) e Kleber Curvelo Fontes (Diretor Técnico da Deso).

Num segundo momento houve, segundo a CGU, fraude no pagamento de

medições à empresa Gautama, levadas a termo pela atuação do denunciado Renato

Conde Garcia (engenheiro fi scal da obra), sendo importante ressaltar a apreensão

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258

de planilha eletrônica demonstrando que os cálculos das vantagens indevidas eram

feitos com base nas medições fraudulentas por ele efetuadas.

Só em um terceiro momento é que os demais agentes públicos entravam em cena,

justamente com o fi m de, mediante recebimento de vantagem indevida, garantir a

liberação de verbas à Gautama e a prioridade de tratamento a essa empresa.

Verifi ca-se que, nos termos do que será devidamente exposto neste voto,

um único agente público, de forma isolada, não seria capaz de viabilizar

a liberação de verbas à Gautama, sendo necessária e imprescindível que todos

atuassem unidos, em liame subjetivo, com essa fi nalidade.

Da mesma forma, o denunciado Zuleido Veras, isoladamente, não conseguiria

se aproximar de tantos agentes públicos (desde um engenheiro da obra até o

Governador do Estado) e cooptá-los a atender os interesses da Gautama.

Tampouco conseguir se deslocar de forma tão intensa quanto foi verifi cada

nestes autos, a fi m de viabilizar o repasse das vantagens indevidas.

Feitas essas considerações, prossigo no exame dos dados coletados no

presente Inquérito.

Da leitura do diálogo abaixo transcrito, observa-se existirem indícios de ser

o denunciado Sérgio Leite o responsável pela alteração das planilhas de preços do

Contrato n. 110/01 (e pelos termos aditivos que tanto majoraram o valor da

execução da obra), mantendo o acusado Ricardo Magalhães sempre informado sobre

o trabalho desempenhado:

Zuleido: E cadê o aditivo?

Ricardo: o aditivo, Sergio está trabalhando nos preços. Ontem à tarde teve mais

alguns preços que a gente ajustou.

(28.6.2006 às 13:34h).

O denunciado Sérgio Leite, sócio administrador da Enpro (empresa que

prestou consultoria à Deso) atuou na elaboração do orçamento da obra que

embasou a concorrência pública e, posteriormente, confeccionou o projeto que

alterou signifi cativamente as planilhas originais.

Consta dos autos ter o denunciado Sérgio Leite feito tratativas com os

acusados Zuleido Veras e Ricardo Magalhães (engenheiro civil contratado pela

Gautama para atuar no Estado de Sergipe), atuando na elaboração de aditivos e

rerratifi cações do Contrato n. 110/01, fato que resultou na majoração do valor pago à

citada empresa e no desvio de recursos públicos.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 259

Conforme será posteriormente demonstrado, o denunciado Sérgio Leite recebeu

vantagem indevida da Gautama em contrapartida ao serviço prestado.

Por sua vez, o denunciado Ricardo Magalhães, como engenheiro civil

e funcionário da empresa Gautama no Estado de Sergipe, destacado pela

construtora para acompanhar a execução da obra e agente que subscreveu os

pedidos de prorrogações do contrato tendo a ciência de todo o funcionamento do

suposto “esquema” desenvolvido no Estado com o fi m de propiciar o desvio de recursos

públicos em prol da referida empresa.

Conforme apontado pela CGU (fl . 164 do apenso n. 97), a Deso pagou à

Gautama, nos dias 19 e 22.8.2005, o valor de R$ 4.998.672,25.

Da leitura da agenda da empresa Gautama, apreendida pela Polícia Federal

em Salvador-BA, constata-se a presença de indícios de que o denunciado Flávio

Conceição teria recebido a importância de R$ 100.000,00 no dia 30.9.2005, em

razão da intermediação para a liberação do referido montante.

Segundo a CGU nos dias 11, 19 e 21.10.2005 foram pagos à Gautama R$

5.000.000,00 pela execução do Contrato n. 110/01 (fl . 164-165 do apenso n. 97).

Lendo-se a agenda, tem-se o registro de que o denunciado João Alves Neto

teria recebido de Zuleido Veras a importância de R$ 100.000,00 no dia 14.10.2005

e R$ 100.000,00 no dia 20.10.2005. Este acusado alega que as somas foram

pagas pela Gautama em favor da empresa Habitacional, construtora a ele

pertencente e que mantinha parceria com a Gautama na construção de um

prédio em Salvador-BA.

Ocorre que, em razão da proximidade das datas do recebimento do dinheiro era

recebido pelo denunciado e da liberação de recursos públicos em favor da Gautama,

somado às interceptações que serão oportunamente demonstradas neste voto, entendo,

em juízo de delibação da peça acusatória, presentes indícios de prática dos crimes

apontados na exordial acusatória.

Conforme consta do anexo II do Relatório da CGU (fl . 160-166 do apenso

n. 97), a Gautama recebeu da Deso, nos dias 15 e 26.12.2005, a importância de

R$ 7.995.167,70 e, nos dias 1° e 15.2.2006, o valor de R$ 4.156.599,50.

Segundo registra a agenda apreendida na sede da Gautama, no mês de

fevereiro de 2006 foram encaminhados ao Município de Aracaju-SE o valor de R$

300.000,00, supostamente remetidos para Sergipe em pagamento de “propina”,

solicitada pelos agentes públicos pela liberação de valores do Contrato n. 110/01

(fl . 46 do apenso n. 45).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

260

No dia 8.2.2006, foram supostamente pagos R$ 250.000,00 ao denunciado

Flávio Conceição (fl . 47 do apenso n. 45), mais R$ 250.000,00 no dia 13.2.2006,

além de R$ 50.000,00 ao pessoal da Deso no dia 13.2.2006 e mais R$ 50.000,00 ao

pessoal da Deso no dia 14.2.2006 (fl . 48 do apenso n. 45).

Pelos elementos reunidos nos autos, o pagamento desses valores

pela Gautama constitui vantagem indevida repassada aos agentes públicos que

contribuíram para a prorrogação do contrato e para o desvio dos recursos públicos em

prol da referida empresa.

Nos termos do Anexo II do citado Relatório, observa-se que nos dias 2, 13,

14 e 27.3.2006, a Deso pagou à Gautama o valor R$ 4.696.280,50 e nos dias 7,

11 e 26.4.2006 pagou mais R$ 3.498.916,83.

Do exame da agenda pertencente à Gautama, percebe-se que o denunciado

Zuleido Veras teria pago, no dia 8.3.2006, R$ 200.000,00 a Flávio Conceição,

mais R$ 200.000,00 no dia 10.3.2006, R$ 77.000,00 no dia 10.4.2004, R$

276.000,00 no dia 2.5.2006, além de ter remetido aos representantes da Deso o valor

de R$ 100.000,00 no dia 10.4.2006, em decorrência dos aditivos e rerratifi cações

acrescentados ao Contrato n. 110/01 (fl . 50, 51 e 53 do apenso n. 97).

No dia 10.5.2006, a Deso pagou à Gautama os valores de R$ 494.880,25 e

R$ 334.835,98 e, no dia 25.5.2006, o valor de R$ 1.000.000,00 (fl . 165 do anexo

II do Relatório da CGU).

Nos termos da interceptação telefônica abaixo transcrita, a liberação do

pagamento de tais verbas foi negociada entre os denunciados Zuleido Veras e Flávio

Conceição, oportunidade em que restou ajustada a vantagem indevida que

seria repassada ao então Secretário da Casa Civil:

Zuleido: agora, venha cá, aquele seu material, só vai segunda e terça tá?

(...)

Flávio: e o 3ª feira (9.5) ta combinado de chegar tá entendendo? Tanto que o

Victor já está avisado que é prioridade máxima tão logo chegue tá entendendo?

Zuleido: sei, agora (...) Victor não autorizou aquele negócio do..

Flávio: cinco?

Zuleido: sim..

Flávio: eu ligo agora..ele vai agora. Deixa eu lhe perguntar só uma coisa: é o que

chega..chega em torno de 60 mais 300 não é isso?

Zuleido: é isso aí.

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 261

Flávio: fechado, deixa eu ver como é que eu administro aqui amanhã, amanhã eu

falo com o fi lho.

(5.5.2006 às 17:28h).

(...)

Zuleido: eu não liguei pra você ontem porque eu não tinha posição ainda. Não

tenho ainda, só vou ter mais tarde.

Flávio: perfeito, então porque eu tô rapaz..a situação tá braba..

Zuleido: eu tô resolvendo.certo. Alagoas pra poder passar pra você tá?

(17.5.2006 às 12:09h).

No referido diálogo, o acusado Flávio Conceição faz referência a alguém

conhecido por “fi lho”, agente que, em razão do contexto em que ocorreu o diálogo, pode

ser identifi cado como João Alves Filho ou João Alves Neto, fi lho daquele, fato que

deve ser esclarecido durante eventual instrução criminal.

Da agenda da Gautama, consta que o denunciado Zuleido pagou a Flávio

Conceição R$ 100.000,00 no dia 29.5.2006 e R$ 50.000,00 no dia 2.6.2006 (fl .

55-56 do apenso n. 97).

Prosseguindo, tem-se que os diálogos a seguir transcritos são bastante elucidativos

como se dava a operacionalização do esquema montado pela empresa Gautama no

Estado de Sergipe e refl ete o livre trâmite de Zuleido Veras com agentes políticos

(Secretários de Estado) ligados diretamente ao então Governador João Alves Filho.

Zuleido Veras chegou a admitir, em determinado ponto do diálogo, que João

Alves Filho tinha interesse na liberação da verba pública em favor da empresa

Gautama, sob pena de fi car sem o repasse da vantagem indevida que seria utilizada

na campanha eleitoral de reeleição para o Governo do Estado.

Verifi ca-se, ainda, a existência de fortes indícios de que os denunciados Flávio

Conceição (então Secretário da Casa Civil), João Alves Neto, Gilmar de Melo

Mendes (agente que exercia, no ano de 2006, o cargo de Secretário da Fazenda

estadual), Sérgio Leite e Victor Mandarino (ex-Presidente da Deso) tiveram

destacada atuação na tarefa de viabilizar a liberação de recursos públicos à

empresa Gautama:

Zuleido: e eles tem dinheiro Flávio?

Flavio: quem?

Zuleido: o Governo, que possa pagar a gente em cinco milhões?

Flávio: tem não. Acho que não tem não.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

262

Zuleido: então eles não estão com necessidade. Se tiver necessidade arrumam.

Flávio: eles vão focar isso tá entendendo..

(16.6.2006 às 10:58h).

Flávio: Não acontece antes do dia 26. Ele (Sérgio Leite) acha que não acontece

esse mês. Só acontece na 1ª quinzena de julho, mas quem conhece melhor isso, que

está fazendo a operação é Gilmar, de R$ 30.000.000,00..

Zuleido: fechado Flavinho..

(16.6.2006 às 12:33h).

Zuleido: e aí meu amigo? Eu estava querendo uma posição da operação, mas já

falei com Gilmar mais cedo.

João Neto: tá certo, um abraço.

(20.6.2006 às 13:46h).

Zuleido: ele está confi ante que sai o empréstimo?

Flávio: quem? o Governador?

Zuleido: sim

Flávio: ele acha que o empréstimo é fato consumado..

(27.6.2006 às 14:55h).

Zuleido: é, eu queria saber como foi a reunião hoje, se aquele negócio daquela

operação, se está saindo, não tá, como é que tá.

João Neto: a gente conversa depois viu?

(4.7.2006 às 16:24h).

Neste ponto, o denunciado Zuleido Veras conversa com Ricardo Magalhães

e faz referência ao diálogo que manteve com João Neto no dia 4.7.2006 e explicita

a forma como Gilmar de Melo, Victor Mandarino e Sérgio Leite atuariam com o

fi m de favorecer a empresa Gautama, desviando recursos públicos em prol da empresa

Gautama.

Os interlocutores mencionam, inclusive, que a vantagem indevida repassada

pela Gautama seria utilizada na campanha de reeleição do denunciado João Alves

Filho:

Ricardo Magalhães: o senhor teve notícia sobre a reunião, sobre recurso?

Zuleido: olhe, me disseram.. e Sérgio vai onze e meia ter uma reunião com Gilmar..

que seria essa operação.. que estaria concluída na 6ª feira certo?

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 263

Zuleido: E Victor sabe? Vitor é quem tem nos orientado né?

Zuleido: e ontem eu fi quei certo que eu botava a mão nesse dinheiro na sexta-

feira, entendeu? inclusive eu tô indo para a reunião com Flávio e João Neto na 6ª feira

tratando desse dinheiro..

(5.7.2006 às 09:34h).

Zuleido: não.. até 3ª feira a operação, dinheiro em caixa..

Ricardo: é.. exato, eles estão na frente, mas durante a campanha tem que

sustentar isso né?

Zuleido: é, mas não sustenta sem grana não viu meu amigo?

Ricardo: exatamente..

Zuleido: eles vão ter que dar a solução deles.

Ricardo: é .. tem que sustentar durante a campanha. Para isso precisa de

recurso.

Zuleido: e para isso precisa pagar também, senão não tem..

(13.7.2006 às 11:39h).

Zuleido: Olha eu tô aqui em Sergipe tá? Por aquela operação tá? Tá prometido

pra terça-feira..

Fátima: terça-feira né?

Zuleido: é, então pra você tomar conhecimento. Agora, eu disse a Ricardo o

seguinte. Olhe que Ricardo normalmente recebe quatro. Eu disse que não, porque

a guerra em cima desse dinheiro vai ser grande, então tem que tá com todos os

catorze e cem faturados entendeu Fátima?

(13.7.2006 às 12:18h).

Da leitura dos áudios transcritos e dos documentos juntados, tem-se a presença

de fundados indícios de que os agentes públicos do Estado de Sergipe citados neste voto

praticaram o delito de peculato-desvio, propiciando a majoração indevida do valor do

Contrato n. 110/01 e a liberação de valores em favor da Gautama.

Vê-se que para tratar do empréstimo e da consequente liberação dos

pagamentos à Gautama, Zuleido reuniu-se em Aracaju-SE com o acusado João

Alves Neto nos dias 16.6.2006 e 7.7.2006, conforme diálogo abaixo transcrito e

Informação Policial n. 27/2006:

Zuleido: E aí Doutor João Neto?

João Neto: tô chegando.

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264

Zuleido: pronto, eu tô aqui embaixo.

João Neto: tá bom (16.6.2006 às 07:56h).

No mesmo período em que os denunciados se mobilizavam para conseguir o

almejado empréstimo, os pagamentos à Gautama não foram interrompidos.

Segundo o anexo II do Relatório da CGU, no dia 14.6.2006 foram pagos

à Gautama R$ 700.413,90. E segundo a agenda pertencente à Gautama, tem-se

indícios de que João Alves Neto recebeu R$ 50.000,00 para viabilizar a liberação do

pagamento (fl . 57 do apenso n. 45).

Flávio Conceição (então Secretário Estadual) voltou a tratar com Zuleido

Veras sobre os “ajustes” feitos com os acusados João Alves Filho e João Alves Neto com

a fi nalidade de dar continuidade aos pagamentos feitos à Gautama (oportunidade

em que o então Secretário da Casa Civil cita, inclusive, que atuaria na campanha de

reeleição de João Alves Filho), revelando que se tratava de esquema de pagamento

mensal de “propinas”:

Flávio: eu tive que dizer ao filho. Eu acertei com o pai que eu fico nesta

situação até outubro, quando vou embora, mas fi co na campanha. Eu já disse

ao fi lho que só tinha seu o de fi nal de abril. Eu preservei o de fi nal de maio, então

não botei, mas agora já disse, disse hoje, como se eu não lhe tivesse pago tá? Mais do

que nunca eu preciso ajustar com ele, eu precisaria amanhã..

Zuleido: amanhã eu ajusto o seu.

Flávio: o que pode fi car atrasado um pouquinho, que não tem problema é o

127, pois já consagrou. Agora o resto não, pois aí maltrata completamente a mim

tá entendendo?

Zuleido: tá bom. Pode deixar.

Flávio: pois eu desviei e fi quei a ver navios.

Zuleido: amanhã eu faço isso.

Flávio: ele fez apelo e não tem jeito. E o recurso parece que é 5ª feira. Foi pago

6ª feira duzentos e poucos mil reais e parece que é 5ª feira.

(19.6.2006 às 10:30h).

De fato, conforme registra o anexo II do Relatório da CGU (apenso n. 97), a

Gautama recebeu, no dia 22.6.2006, mais R$ 600.000,00, conforme negociação feita

na véspera com Flávio Conceição:

Zuleido: Meu amigo, eu estou querendo fazer um apelo a você. Vê se consegue,

qualquer coisa esse fi nal de..até sexta-feira rapaz.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 265

Flávio: rapaz, deixa eu ver amanhã de manhã.

(21.6.2006 às 18:31h).

Flávio: então eu caio em campo e estou tentando entre amanhã e sexta pelo

menos lhe conseguir 600.

Zuleido: tá bom, ok.

(21.6.2006 às 18:45h).

No dia 11.7.2006, o denunciado Flávio Conceição cobrou novamente de

Zuleido Veras a vantagem indevida que lhe fora prometida em razão dos R$

600.000,00 destinados à Gautama:

Zuleido: Flavinho, aquele seu material só amanhã..

Flávio: se puder me ajudar me ajude ali, que o negócio tá brabo.

(11.7.2006 às 11:22h).

Consta da agenda da empresa Gautama (fl . 58 do apenso n. 45) ter Flávio

Conceição recebido R$ 50.000,00 no dia 14.7.2006.

Trecho da interceptação telefônica, abaixo transcrito, registra ter Zuleido Veras

prometido a Sérgio Leite vantagem indevida no valor de R$ 50.000,00, oferta

supostamente aceita, tanto que Zuleido determinou à acusada Maria de Fátima

(funcionária da Gautama) que providenciasse a remessa dessa quantia, paga no dia

30.5.2006 - fl . 56 do apenso n. 45:

Zuleido: eu prometi , amanhã pra Sergio, cinco zero (50) tá?.. pra aquele

camarada..

Fátima: certo.

(13.7.2006 às 12:18h).

Flávio Conceição continuou interferindo para possibilitar os pagamentos a

Zuleido Veras, viabilizando a liberação de R$ 419.427,71 no dia 20.7.2006,

quantia que, segundo informação obtida por Zuleido, estava dependendo do aval do

Governador João Alves Filho:

Zuleido: o decreto de orçamento para liberar aqueles 420 tá na mesa

Flávio: pronto, eu vou falar com Luíz Durval agora.

(13.7.2006 às 09:41h).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

266

Em contrapartida, Flávio Conceição recebeu de Zuleido R$ 50.000,00 no dia

28.7.2006 (fl . 59 do apenso n. 45).

Registra o anexo II do Relatório da CGU, ter a Gautama recebido R$

1.500.000,00 no dia 2.8.2006, ordenando Zuleido a Gil Jacó (funcionário da

Gautama) que providenciasse a remessa de pelo menos R$ 100.000,00 a Aracaju-

SE e, no dia seguinte, mais R$ 300.000,00, visando a liberação de outra ordem

bancária:

Zuleido: faça pelo menos 100 para Aracaju hoje Gil

Gil Jacó: tá bom então.

(8.8.2006 às 11:12h).

Gil: e fi z 100 pra aí..

Zuleido: ..tá bom, amanhã tem que fazer os 400 daqui (Aracaju). aqui tem que

..pra pegar a OB..

Gil: 400 não 300 né?

(8.8.2006 às 14:56h).

A sequência de diálogos abaixo transcritas demonstra a interrelação que havia

entre Victor Mandarino (denunciado que exerceu o cargo de Presidente da

Deso), Ricardo Magalhães (engenheiro da Gautama destacado para acompanhar

a obra em Sergipe e que mantinha frequentes contatos com a Deso para tomar

ciência das ordens de liberação de dinheiro; agente que assinou os pedidos de

prorrogação do contrato considerados irregulares pela CGU), João Alves Neto

e Zuleido Veras, todos unidos com o propósito de viabilizar a liberação de valores

pela Deso e pelo Estado de Sergipe, destinados à Gautama:

Ricardo: ..é..estive com Vitor né? Ele disse que tá chegando e que me avisa pra eu

poder dar entrada com as faturas. Já chegou tá?

Zuleido: eu tô indo agora, tô chegando aí agora e tô indo falar com João Neto

porque a ideia de Vitor não é pagar tudo a gente. É pagar parte aos outros.

(8.8.2006 às 13:47h).

Zuleido: Avisa a João Neto que eu tô chegando aí em 20 minutos.

Tereza: ok. Chegando lá na empresa dele?

Zuleido: Sim.

(8.8.2006 às 14:55h).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 267

Nos termos do anexo II do Relatório da CGU (apenso n. 97), as tratativas

permitiram a liberação de R$ 7.141.658,00, pagos à Gautama nos dias 11 e

15.8.2006.

Diálogo mantido entre Zuleido e Ricardo Magalhães demonstra que os

pagamentos foram feitos com a intermediação de João Alves Neto (fi lho do então

Governador João Alves Filho) e que tais valores independiam da quantidade do

serviço prestado.

Comprova, ainda, em juízo sumário de cognição, que os valores repassados por

Zuleido nada tinham a ver com o suposto empreendimento imobiliário apontado na

defesa do denunciado João Alves Neto (pretensamente realizado em Salvador-BA em

sociedade com Rodolpho Veras - fi lho do acusado Zuleido Veras):

Zuleido: tá bom, eles liberaram os sete tá?

Ricardo: hum, certo, mas eu vou fazer uma fatura completa tá?

Zuleido: tá, mande bala.

Ricardo: porque aí eu fi co com os 3 guardados lá.

Zuleido: eles queriam pagar o resto até o fi nal do mês tá?

Ricardo: então pronto, eu vou fazer com os 10 mesmo..

Zuleido: é pra amanhã tá? pra amanhã dar entrada..

(8.8.2006 às 15:40h).

Existem fortes indícios de que alguns dos funcionários da Gautama, envolvidos

nas negociatas realizadas pela construtora no Estado de Sergipe (citados neste voto),

tinham plena ciência dos indevidos repasses efetuados a agentes públicos e se uniram,

de forma estável, a Zuleido, no propósito de viabilizar a operacionalização do

esquema de desvio de recursos públicos e corrupção dos servidores.

A negociação de João Alves Neto com Zuleido Veras foi supostamente

feita mediante a promessa de pagamento de vantagem indevida, no valor de

R$ 330.000,00, cobrado por João Neto no dia 10.8.2007, véspera da liberação dos

R$ 3.297.733,56 (anexo II do relatório da CGU) mencionado por Ricardo no

diálogo seguinte:

Zuleido: ..eu vou precisar que você mande pra Sergipe, além daqueles 300 mil ..a

gente vai ver como a gente vai fazer tá? além daqueles 300 mil, mandar 30.

Gil: eu estou fazendo das tripas coração por causa dos 300 mil.

(8.8.2006 às 17:38h).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

268

João Neto: como está as coisas?

Zuleido: rapaz, não está andando aí não

João Neto: meu amigo, está sim..

Zuleido: é, eu não estou sabendo não.

João Neto: agora, veja aí viu?

Zuleido: não..amanhã com certeza.

(10.8.2006 às 17:24h).

Gil: é importante ligar pra aquele nosso amigo lá.

Zuleido: é, eu falei agora com o João Neto, mas é bom você ligar dizendo que está

indo amanhã tá?

Gil: eu vou falar com ele lá..

(10.8.2006 às 17:52h).

Da análise da agenda pertencente à Gautama (fl . 61 do apenso n. 45), o

denunciado Zuleido Veras, para receber R$ 3.843.924,44 no dia 15.8.2006, teria

pago vantagem indevida aos denunciados Flávio Conceição e João Neto. Flávio

Conceição teria recebido R$ 50.000,00 no dia 11.8.2006 e João Neto teria recebido

de Zuleido Veras a quantia de R$ 100.000,00 no dia 14.8.2006.

Da Informação Policial n. 028/2006 (fl . 132 do apenso n. 96), há registro

de ter Zuleido Veras chegado a Aracaju-SE no dia 14.8.2006 às 16:50h em avião

fretado, encontrou-se com Flávio Conceição para a suposta entrega da vantagem

indevida, providenciada por Gil Jacó e Humberto Rios, conforme se depreende

dos diálogos abaixo transcritos:

Zuleido: sim..eu estou indo e tô levando aquele seu material tá?

Flávio: ..a gente se encontra. Quando você sair dele eu me encontro com você

nem que seja no aeroporto.

(14.8.2006 às 11:50h).

Gil: tá graúdo?

Humberto: tá, não tá ruim não..

Gil: manda ele separar logo cem aí e deixar um pacotinho de cem fechadinho.

(...)

Gil: cem de bola fechadinho.

(14.8.2006 às 15:05h).

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 269

Zuleido: e aí meu amigo?

João Neto: tá vindo não?

Zuleido: tô chegando.

(14.8.2006 às 17:01h).

Flávio Conceição, no mesmo dia, solicitou, mais uma vez, vantagem indevida

a Zuleido Veras:

Flávio: agora, você nessa semana me adiantaria mais alguma coisa?

Zuleido: com certeza, não termina essa semana não..

(14.8.2006 às 11:50h).

Os diálogos abaixo transcritos revelam, mais uma vez, a existência de

fundados indícios de que alguns dos funcionários da Gautama, citados neste voto,

tinham plena consciência da corrupção dos agentes políticos do Estado de Sergipe,

sendo dependentes de uma atuação conjunta dos envolvidos para a funcionalidade do

esquema.

Dos diálogos abaixo transcritos, exsurgem indícios de que a Gautama,

para receber o valor de R$ 8.641.658,00 entre os dias 2 e 15.8.2006, teria

repassado R$ 650.000,00 ao denunciado João Alves Filho, por intermédio de Max

Andrade (ex-Secretário de Fazenda e Coordenador da campanha de reeleição do

citado acusado), no dia 30.8.2006.

A análise da agenda de Zuleido (fl . 69 do apenso n. 45) permite inferir

que o repasse do valor a Max Andrade estava programado para acontecer nos

dias 22 (terça-feira) e 23.8.2006 (quarta-feira), o que se confi rma pelos diálogos

abaixo transcritos, mantidos pelos denunciados Florêncio e Gil Jacó (funcionário da

Gautama):

Florêncio: fi cou de eu fazer uma programação na segunda pra terça viu?

Max: terça-feira?

Florêncio: é

(18.8.2006 às 16:41h).

Florêncio: falei com Max.

Gil: pra terça e quarta.

(18.8.2006 às 16:47h).

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270

Logo em seguida Florêncio avisa a Flávio Conceição que a “programação só

pra semana que vem viu?” (apenso n. 232).

Como o pagamento não foi realizado até o dia 30.8.2006, Flávio Conceição

conversou com Zuleido sobre a ansiedade do denunciado João Alves Neto:

Flávio: ..o fi lho é um apavorado..disse que era um assunto hoje, quer que eu

mande até Salvador.

Zuleido: que é o assunto de que?

Flávio: assunto de que.. deixa eu ver..do retorno.

Zuleido: tá Gil, está fazendo isso, Flávio, nem se preocupe.

Flávio: deixa eu ver fazer uma colocação: alguma posição hoje ou não?

Zuleido: você tem amanhã tá? hoje tá tudo sendo produzido pra aí tá?

(30.8.2006 às 11:28h).

No dia 30.8.2006, Gil Jacó providenciou a importância de R$ 650.000,00,

transportada de Salvador para Aracaju-SE pelo denunciado Humberto Rios em

carro da empresa “Localiza”, que, aliás, foi interceptado no percurso pela Polícia

Rodoviária Federal, tendo sido liberado após contato telefônico dos policiais com o

denunciado Florêncio (apenso n. 232).

Ao chegar em Aracaju-SE, Humberto dirigiu-se ao hotel Jatobá, local onde se

encontrou com o acusado Max Andrade, entregando-lhe o dinheiro, conforme registro

nas interceptações:

Max: oi meu fi lho, tá por onde?

Florêncio: pronto. É, eu tô com o menino que já chegou, tá lá no local.

(30.8.2006 às 22:18h).

Florêncio: Humberto, ele já tá chegando viu?

Humberto: já né?

Florêncio: você tá mesmo no local né?

Humberto: tô, é no Jatobá.

Humberto: já entreguei aqueles documentos do sacana.

Gil: já entregou já?

(30.8.2006 às 22:22h).

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RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 271

No dia seguinte, registram os diálogos ter Zuleido Veras voltado a negociar

com Flávio Conceição sobre a continuidade do repasse das supostas vantagens

indevidas, citando, inclusive, os nomes dos denunciados João Alves Neto, Victor

Mandarino e Max Andrade (Coordenador de campanha de João Alves Filho):

Flavio: o Vitor ainda continua dizendo que ainda não está autorizado. então eu

falei: O João é importante.

Zuleido: dos dois tenho adiantado 84..

Flávio: não eu to falando o fi lho..

Flávio: então não se tem nada a dar?

Zuleido: não..

Zuleido: Max é quem controla essas coisas

Flávio: eu vou falar com Max.

(31.8.2006 às 15:42h).

No dia 5.9.2006, conforme atesta o anexo II do Relatório da CGU, foram

pagos à Gautama R$ 1.500.000,00, verba que, segundo apontam indícios, foi

liberada pelo Governador João Alves Filho, por intermédio de João Alves Neto e

Flávio Conceição:

Flávio: ele disse que autorizou, que conversou com você um e meio não foi isso? e

complementa semana que vem.

Zuleido: não foi isso não..

Flávio: foi o que ele me disse, um e meio, então foi com Vitor. E semana que vem

complementa por cinco e seiscentos.

Zuleido: ele já liberou pra Vitor?

Flávio: já. Diz que já liberou pra Vitor.

(1º.9.2006 às 12:40h).

Flávio: ele está soltando hoje, que foi ele que trancou. E eu deixei ele lá com Vitor.

Ele está pagando hoje um e meio. Ele tinha trancado nas minhas costas, mas tudo

bem. E até o dia 15 já está tudo sacramentado, ou seja, 4.100..porque ele disse que

não tinha, ma até o dia 15 ele precisa fechar, porque agora quem precisa é ele..

Zuleido: então ele não paga 3 hoje, mas apenas um meio..

(5.9.2006 às 11:19h).

De fato, conforme atesta o anexo II do Relatório da CGU, a Gautama

recebeu da Deso, entre os dias 11 e 28.9.2006, mais R$ 4.252.924,60,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

272

totalizando R$ 5.752.924,60. Em contrapartida tem-se a presença de indícios de

que o denunciado Zuleido Veras enviou para Flávio Conceição R$ 216.000,00 no

dia 8.9.2006 (anotação na agenda da Gautama - fl . 63 do apenso n. 45).

Observa-se dos diálogos abaixo transcritos, ter sido a vantagem indevida,

juntamente com a que teria sido solicitada pelo acusado João Alves Filho, entregue ao

denunciado Max Andrade, por meio de “Petu” (também conhecido como “anjo

negro”), motorista do denunciado Flávio Conceição:

Flávio: reuni agora com o fi lho.. pediu pra ver se sexta-feira.

Zuleido: faz

Flávio: eu disse a João.. tive que dizer, que ele checasse os dados porque tinha

aquele 84. Já disse a ele hoje: cheque, porque tem a mais nisso aí.

Zuleido: tá bom, eu faço sexta-feira, e boto esses 84 junto, porque você resolve sua

parte aí, seu problema.

(6.9.2006 ás 11:42h).

Flávio: agora o senhor fecha posição.

Zuleido: não fecha. Fecha 216 tá? fica faltando os 84 que a gente deve fazer

segunda ou terça.. aí você faz a porção dele, porque isso é..estou tirando o

adiantamento.

(8.9.2006 às 13:18h).

Zuleido: Gil, aquele é 216. Hoje é?

Gil: é hoje é.

Zuleido: Mande pro anjo negro tá? o Max está viajando e isto seria pra ele.

(8.9.2006 às 13:21h).

Da análise da agenda pertencente a Zuleido Veras, colhe-se a presença de

indícios de que Flávio Conceição teria recebido os R$ 84.000,00 no dia 12.9.2006

(fl . 63 do apenso n. 45) e mais R$ 86.000,00 no mesmo dia (fl . 74) e R$ 50.000,00

no dia 19.9.2006 (fl . 75 do apenso n. 45).

Verifi ca-se, ainda, dos diálogos interceptados e do contexto fático exposto neste

voto, a existência de indícios de que os valores de R$ 50.000,00 e R$ 50.000,00,

pagos pela Gautama à Construtora Habitacional (pertencente a João Alves Neto) nos

dias 7 e 12.9.2006 (agenda de fl . 71 e 74 do apenso n. 45) tenham sido repassados a

esse denunciado, a título de vantagem indevida.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 273

Constata-se, ainda, indícios de que Max Andrade, Coordenador da campanha

de reeleição do denunciado João Alves Filho, tenha recebido, em nome deste, os valores

de R$ 163.000,00 e R$ 300.000,00, pagos pela Gautama, a título de vantagem

indevida nos dias 7 e 12.9.2006 (fl . 71 e 74 do apenso n. 45).

A Deso pagou à Gautama R$ 465.307,70 no dia 27.10.2006, R$

154.292,41 no dia 24.11.2006 e R$ 400.000,00 no dia 19.12.2006.

Constata-se do exame da agenda apreendida nos autos do Inquérito, que,

ao fi nal do mandato do denunciado João Alves Filho, foi realizado um ajuste de

contas com os agentes públicos do Estado de Sergipe ligados à Gautama, sendo

repassado a Flávio Conceição R$ 115.800,00 no dia 2.10.2006, R$ 250.000,00 no

dia 23.10.2006 e R$ 30.000.00 no dia 25.12.2006 9fl . 89 e 112 do apenso n. 45);

ao denunciado João Alves Neto foi repassada a quantia de R$ 150.000,00 no dia

19.10.2006 e R$ 80.000,00 no dia 25.12.2006 (fl . 79 e 89 do apenso n. 45); e Max

Andrade, R$ 20.000,00 no dia 25.12.2006 (f. 89 do apenso n. 45).

Em janeiro de 2007, o denunciado Flávio Conceição assumiu o cargo de

Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e continuou a manter

contatos com Zuleido Veras e com os funcionários da empresa Gautama.

Mesmo encerrado o mandato de João Alves Filho, a Gautama ainda

tinha um saldo a receber do Contrato n. 110/01, no valor de R$ 585.426,75,

exsurgindo dos autos indícios de que Flávio Conceição continuava a interceder

em favor da empresa junto à nova administração estadual, solicitando, em

contrapartida, vantagem indevida, como sugere o diálogo seguinte:

Florêncio: ..eu tô com uma documentação, tô com um problema aqui..estou

aguardando..e Gil pediu que se tivesse algum problema desse um alô. Ele combinou

para hoje com você, mas eu estou com difi culdade no processo tá?

Flávio: fechado.

(22.2.2007 às 18:17h).

Considerando o contexto dos autos e os diálogos interceptados, há indícios

de ter Florêncio entregue a Humberto Rios a vantagem indevida solicitada por

Flávio Conceição, por ele transportada até o Município de Aracaju-SE:

Florêncio: já agilizou aí?

Humberto: rapaz, saí daqui agora. Flávio me ligou e eu disse que já estava a

caminho.

(27.2.2007 às 13:38h).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

274

O diálogo a seguir exposto, confi rma, em juízo sumário de cognição, o

recebimento da vantagem indevida por parte do Conselheiro do TCE:

Zuleido: aquele material chegou né Flávio?

Flávio: tranquilo, lhe agradeço muito..

(28.2.2007 às 13:03h).

Com o auxílio de Flávio Conceição, obteve Zuleido Veras, no dia 10.5.2007,

o pagamento do saldo remanescente do contrato (anexo II do Relatório da

CGU) da Deso.

Com a participação de Flávio Conceição, o Tribunal de Contas do Estado de

Sergipe reuniu-se no dia 29.3.2007 e decidiu suspender a licitação promovida pela Deso

com o fi m de contratar auditoria externa para verifi cação dos contratos de engenharia,

inclusive o celebrado com a Gautama. Para tanto, atuou intensamente o Conselheiro

Flávio Conceição, sendo Zuleido Veras informado por ele acerca dos fatos:

Zuleido: venha cá Flávio, alguma novidade?

Flávio: por enquanto não, ontem tentaram machucar um pouquinho, mas

nós no Tribunal matamos logo tudo, mas eu vou vou estar na segunda-feira aqui..

rapaz, teve um Conselheiro nosso que Deda pediu a ele e ele que tava com a gente se

virou contra, mas então perdeu de 5x1..

(...)

Zuleido: e quem disse isso foi Deda?

Flávio: rapaz, Belivaldo tinha me dito que Deda não tinha pedido, mas deda

pediu ao Conselheiro e o Conselheiro veio falar comigo. Eu falei: olha, isso é

atitude de canalha. Eu fi co contra e ainda denuncio aqui. Se Deda quer ver, ele

vai passar a me conhecer agora. Aí agora eu já estou atuando. É um jogo perdido.

Agora eu tô atuando, vou dar uns trocos bons, na jugular..

(30.3.2007 às 11:59h).

Em juízo perfunctório, as informações trocadas pelos denunciados

nos diálogos transcritos neste voto encontram confi rmação com o que foi

apurados nos autos do Inquérito, tudo levando a crer que os agentes públicos

do Estado de Sergipe, em liame subjetivo, uniram-se a funcionários da empresa

Gautama com o propósito de, mediante recebimento de vantagem indevida (corrupção

passiva), propiciar o desvio de recursos públicos para a referida empresa (peculato-

desvio) e garantir que a mencionada construtora tivesse prioridade no recebimento das

verbas repassadas pelo Estado.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 275

A.5) DA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE PECULATO-

DESVIO (ART. 312, CAPUT (2ª FIGURA), DO CÓDIGO PENAL)

Assim analisada a prova, entendo, em juízo sumário de cognição que os

denunciados João Alves Filho (então Governador do Estado de Sergipe), Flávio

Conceição de Oliveira Neto (então Secretário da Casa Civil) e Max José Vasconcelos

de Andrade (então Secretário de Fazenda do Estado de Sergipe) concorreram, na

modalidade de autoria, para a prática do crime de peculato-desvio, tipifi cado no art.

312, caput (2ª fi gura) do Código Penal, dispositivo abaixo transcrito:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer

outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo,

ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

É preciso ressaltar que neste ponto se examina a adequação típica da conduta dos

denunciados que propiciaram à Gautama o recebimento de valor a maior do que lhe

era devido pela execução das obras do Contrato n. 110/01.

Conforme exposto, a majoração (considerada indevida pela CGU) e o

consequente desvio do valor do contrato em favor da Gautama somente foram

possíveis em razão da atuação conjunta dos denunciados junto aos agentes

políticos com tinham ingerência sobre os recursos públicos do Estado.

Várias etapas foram percorridas pelos agentes públicos, com o fi m de

propiciar o desvio de recursos dos cofres públicos em prol da empresa Gautama.

Como já exposto, já foi demonstrado em capítulo anterior do voto,

Flávio Conceição de Oliveira Neto (então Secretário da Casa Civil - agente

que teve diversos diálogos interceptados no curso do Inquérito, que revelaram

a presença de fortes indícios de que atuou no Estado de Sergipe como elo de

ligação entre a Gautama e o então Governador João Alves Filho), Max José

Vasconcelos de Andrade (Secretário da Fazenda e Coordenador da campanha de

reeleição de João Alves Filho, responsável pela liberação de parte dos recursos

desviados em prol da empresa Gautama, fl agrado negociando supostos repasses

de vantagens indevidas) e João Alves Filho (então Governador do Estado de

Sergipe, candidato à reeleição no ano de 2006, que fi rmou Convênio e Contrato

com o fi m de viabilizar aplicação de recursos no Contrato n. 110/01. Segundo

consta de monitoramento telefônico, tinha ele interesse em desviar recursos

públicos em prol da empresa Gautama recebendo, em contrapartida, dinheiro

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

276

para campanha). Todos atuaram unidos no propósito de desvio de recursos para

a empresa Gautama.

Para que o desvio pudesse ser efetivado mostrava-se necessária a união de

propósitos entre os denunciados que, tendo ingerência sobre os recursos públicos do

Estado de Sergipe, atuaram unidos por liame subjetivo.

Sobre o crime de peculato-desvio, Cezar Bitencourt preceitua:

Nesta fi gura não há o propósito de apropriar-se, que é identifi cado como o

animus rem sibi habendi, podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com

simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato.

(...)

Nessa modalidade, o crime consuma-se com a efetivação do desvio,

independentemente da real obtenção de proveito para si ou para outrem.

(Tratado de Direito Penal. 2. ed. P. 13-14).

Luiz Regis Prado, em comentário ao tipo ora examinado, afi rma:

Quanto ao peculato-desvio, exige-se, além do dolo, representado pela

consciência e vontade de empregar a coisa para fi m diverso daquele determinado,

o elemento subjetivo do injusto, consistente no especial fi m de agir, que é a

obtenção do proveito para si ou para outrem..(...)

No caso de peculato-desvio, a consumação se concretiza quando o agente,

traindo a confi ança que lhe fora depositada, dá à coisa destinação diversa daquela

determinada pela Administração Pública, visando benefi ciar a si próprio ou a terceiro.

Não há necessidade, porém, de que o agente obtenha o proveito visado, bastando

para a consumação que ocorra o desvio.

(Curso de Direito Penal Brasileiro. 5. ed. Vol. 3 P. 430-431).

Chamo atenção para o fato de que os acusados não seriam capazes de,

isoladamente, propiciar o desvio de verba pública para a empresa Gautama.

Entendo, neste momento de juízo de admissibilidade da exordial acusatória, que

a consumação do crime de peculato-desvio somente foi possível em razão da atuação

precedente de outros denunciados que, agindo mediante união de propósitos,

viabilizaram a majoração da verba pública com o fim de desviá-la para a

Gautama.

Sendo assim, observo que os denunciados Zuleido Soares Veras (sócio-

diretor da Gautama), Renato Conde Garcia (engenheiro fi scal da obra), Ricardo

Magalhães da Silva (funcionário da Gautama que subscreveu os pedidos de

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 277

prorrogação do Contrato n. 110/01), Sérgio Duarte Leite (sócio-administrador da

Enpro, que, segundo indícios, foi o responsável pela apresentação das planilhas de

preços da obra), Victor Fonseca Mandarino (ex-Presidente da Deso), Gilmar de

Melo Mendes (então Presidente da Deso), Kleber Curvelo Fontes (então Diretor

Técnico da Deso) e José Ivan de Carvalho Paixão (ex-Deputado Federal e ex-

Secretário de Administração do Estado de Sergipe) concorreram, nos termos do art.

29, caput, do Código Penal, para a prática do crime previsto no art. 312, caput (2ª

fi gura), do referido diploma legal.

A partir dos indícios coletados na fase inquisitorial (já demonstrados

neste voto), verifi co, em juízo perfunctório, que o denunciado Zuleido Soares Veras

(justamente por ser o proprietário da Gautama) esteve à frente de todas as negociatas

necessárias para viabilizar a majoração do valor do Contrato n. 110/01.

A majoração do valor do contrato somente foi possível por ter havido medições

fraudulentas por parte do acusado Renato Conde Garcia (medições essas que,

segundo a CGU, foram utilizadas como parâmetro para o cálculo das vantagens

indevidas), falta de fi scalização da Deso sobre a obra (sociedade de economia mista que

tinha à sua frente os denunciados Gilmar de Melo Mendes, Kleber Curvelo Fontes e

Victor Fonseca Mandarino - agentes citados nas interceptações telefônicas retro

transcritas), apresentação de planilhas de preços com valores majorados por parte do

denunciado Sérgio Duarte Leite (agente mencionado em interceptação telefônica

e que teria recebido valores da Gautama, conforme agenda apreendida), pedidos

de prorrogação de contrato e apresentação de medições consideradas irregulares

pela CGU por parte do denunciado Ricardo Magalhães (agente flagrado em

interceptações telefônicas negociando supostos repasses de vantagens indevidas)

e ingerências junto à União e ao Governo do Estado por parte do acusado José Ivan

de Carvalho Paixão (agente que, apesar de não exercer cargo político no ano de

2006, já havia sido Deputado Federal e Secretário de Estado e atuou com o fi m

de obter aumento de verbas para o contrato).

Sobre a comunicabilidade da condição de funcionário público, Cezar

Bitencourt prescreve que “A qualidade de funcionário público do agente se estende

também aos co-autores ou partícipes do delito (art. 30 do CP)”. (ob. cit. P. 18).

A.6) DA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO

PASSIVA (ART. 317, § 1°, DO CÓDIGO PENAL)

Entendo demonstrado, em juízo sumário de cognição, que os denunciados

João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, José Ivan

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

278

de Carvalho Paixão e Max José Vasconcelos de Andrade praticaram o delito de

corrupção passiva previsto no art. 317, § 1°, do Código Penal, dispositivo abaixo

transcrito:

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,

ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem

indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou

promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o

pratica infringindo dever funcional.

Conforme foi exaustivamente demonstrado neste voto pautado nas

interceptações telefônicas transcritas, na agenda apreendida pela Polícia Federal e

do relatório da CGU, que, em juízo perfunctório dos autos, os denunciados acima

apontados solicitaram e receberam, em razão da função, vantagem indevida com o

fi m de propiciar o desvio de recursos públicos em prol da Gautama e de conferir a essa

empresa tratamento diferenciado no recebimento de verbas públicas decorrentes do

Contrato n. 110/01.

No que tange ao denunciado José Ivan Paixão (que não exercia cargo

público nos termos do art. 327 do Código Penal), advirto que tal fato não

impede o seu enquadramento penal quanto à prática do crime de corrupção

passiva, em concurso de pessoas, conforme doutrina de de Julio F. Mirabete:

“Sujeito ativo do crime de corrupção passiva é o funcionário público, em sua acepção

de direito penal. (...) Responde em concurso de agentes o particular que colabora na

prática da conduta típica.” (Código Penal Interpretado. 6. ed. P. 2.407).

Esta é a orientação da jurisprudência da Corte, como demonstra o

precedente trazido à colação:

Recurso ordinário de “habeas corpus”. Trancamento de ação penal. Participação

de particular em corrupção passiva. Comunicabilidade da circunstância elementar

do tipo. Lei n. 9.099/1995. Consideração da causa de aumento para a avaliação do

requisito objetivo. Recurso improvido.

I. É possível a participação de particular no delito de corrupção passiva, face a

comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime.

(...)

III. Recurso ao qual se nega provimento.

(RHC n. 7.717-SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17.9.1998,

DJ 19.10.1998, p. 115).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 279

A. 7) DA SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO

ATIVA (ART. 333, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL)

Nos termos do que já foi exposto ao longo deste voto, alguns dos funcionários

da empresa Gautama citados neste voto tinham, em juízo perfunctório dos autos,

conhecimento das ilegais tratativas realizadas com os acusados ligados ao Governo do

Estado de Sergipe, com vistas a propiciar o desvio de verbas públicas em prol da

construtora e conferir tratamento diferenciado no recebimento dos pagamentos

decorrentes da obra prevista no Contrato n. 110/01.

Conforme já foi exposto, a atuação isolada de cada um não seria capaz de

viabilizar a consecução dos objetivos pretendidos, razão pela qual, com apoio na

prova produzida na fase inquisitorial, concluo que os denunciados Zuleido Soares

Veras e Ricardo Magalhães praticaram, na modalidade de autoria, o crime de

corrupção ativa previsto no art. 333, caput, do Código Penal:

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para

determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

B) DO CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA (ART. 288,

CAPUT, DO CÓDIGO PENAL)

Dos elementos colhidos nos autos e exaustivamente demonstrados neste

voto, entendo, em juízo sumário de cognição que os denunciados João Alves

Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição de Oliveira Neto, José Ivan de Carvalho

Paixão, Max José Vasconcelos de Andrade, Renato Conde Garcia, Gilmar de Melo

Mendes, Sérgio Duarte Leite, Victor Fonseca Mandarino, Kleber Curvelo Fontes,

Zuleido Soares Veras e Ricardo Magalhães associaram-se, de forma estável e

permanente, com o fi m específi co de cometer crimes contra a Administração

Pública, estando, portanto, incursos nas penas do art. 288, caput, do Código

Penal:

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o

fi m de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Deixam ver as provas aqui coletadas a íntima relação entre os denunciados, com

frequentes contatos, tudo com vista a propiciar a prática dos mencionados delitos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

280

Os denunciados ligados ao Governo do Estado de Sergipe conheciam os acusados

funcionários da Gautama e havia entre todos eles o vínculo associativo necessário para

a confi guração do crime de quadrilha.

Consta, em juízo de admissibilidade da exordial, que os denunciados tinham

ciência do funcionamento de todo o esquema montado no Estado de Sergipe com vistas

a, mediante repasse de vantagem indevida a funcionários públicos, desviar dinheiro

do Estado em prol da Gautama e garantir verba para o fi nanciamento da campanha

de reeleição do denunciado João Alves Filho.

Entre eles havia uma divisão de tarefas entre os agentes integrantes da

quadrilha.

Alguns tinham a incumbência de se aproximar dos agentes públicos com o fi m

de negociar os valores das vantagens indevidas e outros estavam voltados para o

gerenciamento do caixa de onde saía o dinheiro que fi nanciava todo o suposto esquema.

Luiz Regis Prado tece as seguintes considerações sobre o crime tipifi cado

no art. 288 do Código Penal:

Entende-se, então, por quadrilha ou bando “a reunião estável ou permanente

para o fi m de perpetração de uma indeterminada série de crimes”.

(...)

Os seus membros não precisam se conhecer, tampouco viver em um mesmo

local. Mas devem saber sobre a existência dos demais. Com efeito, “não é preciso, no

entanto, que essa associação se forme pelo ajuste pessoal e direto dos associados.

Basta que o sujeito esteja consciente em formar parte de uma associação cuja

existência e fi nalidades lhe sejam conhecidas.

(ob. cit. P. 220).

Confi ra-se o entendimento do STJ sobre os requisitos necessários para a

confi guração do crime de quadrilha:

Penal e Processo Penal. Agravo regimental no recurso especial. Ofensa ao art.

381, III e IV, do CP. Insufi ciência probatória. Impossibilidade de reexame. Violação

ao art. 59 do CP. Dosimetria. Análise fática e probatória. Inviabilidade. Súmula n.

7-STJ. Afronta ao art. 288 do CP. Inocorrência. Crime continuado. Ficção jurídica x

realidade fática. Agravo regimental a que se nega provimento.

1. Cabe ao aplicador da lei, em instância ordinária, fazer um cotejo fático

e probatório a fi m de analisar a existência de provas sufi cientes a embasar o

decreto condenatório, bem como a adequada dosimetria da pena. Inteligência do

Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 281

2. Para a configuração do delito do artigo 288 do Código Penal não se faz

necessária a efetiva prática de outros crimes a que a quadrilha se destinava, basta

a convergência de vontades relacionadas ao cometimento, em tese, de crimes,

independentemente do resultado.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.011.795-RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura,

Sexta Turma, julgado em 17.3.2011, DJe 4.4.2011).

Questão de ordem questão de ordem. Corte Especial. Denúncia contra

Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e ex-governador. Ação penal avocada

do juízo de primeiro grau na qual mais oito co-autores restaram denunciados

por diversos delitos que não só os descritos na presente ação penal. Delito de

formação de quadrilha rejeitado pela Corte Especial quanto ao acusado detentor

do foro privilegiado. Atual posicionamento da Corte Especial. Possibilidade,

necessidade e utilidade de desmembramento do feito. Aplicação do art. 80 do

Código de Processo Penal. Medida que busca garantir a celeridade e razoável

duração do processo, além de tornar exequível a própria instrução criminal de

modo a viabilizar a persecutio criminis in iudicio. Risco de prescrição da pretensão

punitiva em relação a alguns delitos. Estágios processuais diversos entre as ações

penais. Observância da ampla defesa e do princípio do juiz natural. Diversos

precedentes da Suprema Corte. Inconveniência da regra do simultaneous

processus.

(...)

IX - A conduta típica prevista no art. 288 do Código Penal consiste em

associarem-se, unirem-se, agruparem-se, mais de três pessoas (mesmo que na

associação existam inimputáveis, mesmo que nem todos os seus componentes

sejam identifi cados ou ainda, que algum deles não seja punível em razão de

alguma causa pessoal de isenção de pena), em quadrilha ou bando, para o

fi m de cometer crimes (Luiz Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro –

Volume 3”, Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, página, 606). A estrutura

central deste crime reside na consciência e vontade de os agentes organizarem-

se em bando ou quadrilha com a fi nalidade de cometer crimes. Trata-se de crime

autônomo, de perigo abstrato, permanente e de concurso necessário, inconfundível

com o simples concurso eventual de pessoas. “Não basta, como na co-participação

criminosa, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado

crime: é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura atuação em comum, no

sentido da prática de crimes não precisamente individuados.” (Nelson Hungria in

“Comentários ao Código Penal - Volume IX, ed. Forense, 2ª edição, 1959, página

178). Pouco importa que os seus componentes não se conheçam reciprocamente,

que haja um chefe ou líder, que todos participem de cada ação delituosa, o que

importa, verdadeiramente, é a vontade livre e consciente de estar participando

ou contribuindo de forma estável e permanente para as ações do grupo (Rogério

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

282

Greco in “Código Penal Comentado”, Ed. Impetus, 2ª edição, 2009, página 682). A

associação delitiva não precisa estar formalizada, é sufi ciente a associação fática

ou rudimentar (Luiz Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 3”,

Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, 2006, página, 607). X - “Crime de quadrilha -

Elementos de sua confi guração típica. - O crime de quadrilha constitui modalidade

delituosa que ofende a paz pública. A confi guração típica do delito de quadrilha

ou bando deriva da conjugação dos seguintes elementos caracterizadores: (a)

concurso necessário de pelo menos quatro (4) pessoas (RT 582/348 - RT 565/406),

(b) fi nalidade específi ca dos agentes voltada ao cometimento de delitos (RTJ

102/614 - RT 600/383) e (c) exigência de estabilidade e de permanência da

associação criminosa (RT 580/328 - RT 588/323 - RT 615/272). - A existência de

motivação política subjacente ao comportamento delituoso dos agentes não

descaracteriza o elemento subjetivo do tipo consubstanciado no art. 288 do CP,

eis que, para a confi guração do delito de quadrilha, basta a vontade de associação

criminosa - manifestada por mais de três pessoas -, dirigida à prática de delitos

indeterminados, sejam estes, ou não, da mesma espécie. - O crime de quadrilha

é juridicamente independente daqueles que venham a ser praticados pelos agentes

reunidos na societas delinquentium (RTJ 88/468). O delito de quadrilha subsiste

autonomamente, ainda que os crimes para os quais foi organizado o bando sequer

venham a ser cometidos. (...) (HC n. 72.992-SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de

Mello DJ 14.11.1996). (...) (Denun na APn n. 549-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Corte

Especial, julgado em 21.10.2009, DJe 18.11.2009).

(...)

(QO na APn n. 514-PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, julgado em

28.10.2010, DJe 7.12.2010).

Habeas corpus. Direito Penal e Direito Processual Penal. Insuficiência dos

elementos de prova. Inicial insuficientemente instruída. Não conhecimento.

Delito de quadrilha. Roubo em concurso de agentes. Bis in idem. Inocorrência.

Roubo. Efetiva inversão da posse. Consumação.

1. O reexame de provas, à moda de segunda apelação em que se pretende

discutir a justiça da condenação, não se ajusta ao âmbito angusto do habeas

corpus.

2. Inviável o conhecimento de habeas corpus, na parte em que se ressente de

elementos bastantes ao deslinde da questão.

3. O delito tipifi cado no artigo 288 do Código Penal e aqueloutros que a quadrilha

venha a praticar são autônomos, até porque aquele se aperfeiçoa e é punível

independentemente da prática de crimes subseqüentes da quadrilha, pelos quais

respondem especialmente os seus agentes e, não, o bando todo.

4. Em havendo efetiva inversão da posse da res furtiva, tem-se como

aperfeiçoada a consumação do crime de roubo.

5. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 283

(HC n. 31.687-MS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em

17.2.2005, DJ 25.4.2005, p. 365).

No julgamento da AP n. 470-MG (julgamento conhecido como

“Mensalão”, acórdão pendente de publicação - Informativo n. 685), o STF

teve a oportunidade de examinar os requisitos necessários à configuração

do crime de formação de quadrilha, oportunidade em que o Min. Ceslo de

Mello, acompanhando o voto do Min. Relator Joaquim Barbosa, concluiu

pela confi guração do delito imputado pelo MPF e defi niu que “na quadrilha, a

confi guração típica resultaria da conjugação de 3 elementos: a) concurso necessário de

pelo menos 4 pessoas; b) fi nalidade específi ca dos agentes, voltada ao cometimento de

número indeterminado de delitos; e, c) exigência de estabilidade e de permanência da

associação criminosa”, elementos presentes nestes autos.

Entendo, portanto, que restaram reunidos elementos suficientes para

concluir-se pela prática do crime de formação de quadrilha por parte dos

denunciados citados neste capítulo do voto.

C) DO CRIME DE PREVARICAÇÃO (ART. 319 DO CÓDIGO

PENAL)

O MPF atribui ao denunciado Flávio Conceição a prática do crime de

prevaricação tipifi cado no art. 319 do Código Penal, sob o argumento de que

esse acusado, no exercício do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas

do Estado de Sergipe, participou e atuou, em sessão realizada pelo referido

Tribunal no dia 29.3.2007, com o fi m de obstar a realização de auditoria na obra

executada pela empresa Gautama.

Entendo, contudo, que a persecução penal em relação ao delito de prevaricação

encontra-se obstada pelo instituto da prescrição.

Entre a data da suposta prática do crime de prevaricação (29.3.2007) e

o dia de hoje em que se delibera pelo recebimento da denúncia transcorreu

prazo superior ao previsto no art. 109, V, do Código Penal, razão pela qual jugo

extinta a punibilidade do acusado Flávio Conceição de Oliveira Neto, em relação

ao delito previsto no art. 319 do diploma legal, nos termos do art. 107, IV, do

Estatuto Repressivo pátrio.

D) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA

Com relação aos denunciados Florêncio Brito Vieira e Humberto Rios de

Oliveira, modestíssimos empregados da Gautama, sem nenhuma expressão ou

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

284

poder de decisão, vinculados ao Diretor-Presidente da empresa Zuleido Veras por

vínculo empregatício (trabalho subordinado e salário contra-prestação), entendo

pertinente não receber a denúncia, devendo ser rejeitado o pleito ministerial em

relação a eles.

Com relação aos acusados Gil Jacó Carvalho Santos, Maria de Fátima

César Palmeira e Roberto Leite, entendo não haver lastro probatório mínimo ao

recebimento da denúncia.

No tocante ao denunciado João Alves Neto, resta demonstrada a ausência de

justa causa em relação à suposta prática do crime de peculato-desvio, tipifi cado

no art. 312, caput, do Código Penal.

E) CONCLUSÃO

Assim vistos e examinados os autos e devidamente analisadas as provas

colhidas na fase de Inquérito, concluo da seguinte forma:

1) CRIME DE PECULATO-DESVIO

Recebo a denúncia quanto ao delito de peculato-desvio, tipifi cado no art.

312, caput, do Código Penal, em relação aos acusados João Alves Filho, Flávio

Conceição de Oliveira Neto, Max José Vasconcelos de Andrade, Zuleido Soares

Veras, Renato Conde Garcia, Ricardo Magalhães da Silva, Sérgio Duarte Leite,

Victor Fonseca Mandarino, Gilmar de Melo Mendes, Kleber Curvelo Fontes e José

Ivan de Carvalho Paixão, nos termos do art. 29 do referido diploma legal.

2) CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA

Recebo a denúncia quanto ao delito de corrupção passiva, tipifi cado no

art. 317, § 1°, do Código Penal, em relação aos acusados João Alves Filho (por 04

vezes), João Alves Neto (por 09 vezes), Flávio Conceição de Oliveira Neto (por

21 vezes), José Ivan de Carvalho Paixão (por 02 vezes), Max José Vasconcelos de

Andrade (por 03 vezes).

3) CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA

Recebo a denúncia quanto ao delito de corrupção ativa, tipifi cado no art.

333, parágrafo único, do Código Penal, em relação aos acusados Zuleido Soares

Veras (por 36 vezes) e Ricardo Magalhães da Silva (por 02 vezes), nos termos do

art. 29 do referido diploma legal.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 285

4) CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA

Recebo a denúncia quanto ao delito tipifi cado no art. 288, caput, do Código

Penal, em relação aos acusados João Alves Filho, João Alves Neto, Flávio Conceição

de Oliveira Neto, José Ivan de Carvalho Paixão, Max José Vasconcelos de Andrade,

Renato Conde Garcia, Sérgio Duarte Leite, Victor Fonseca Mandarino, Gilmar de

Melo Mendes, Kleber Curvelo Fontes, Zuleido Soares Veras e Ricardo Magalhães

da Silva.

5) CRIME DE PREVARICAÇÃO

Julgo extinta a punibilidade do denunciado Flávio Conceição de Oliveira

Neto, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal.

6) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA

Rejeito a denúncia em relação aos denunciados Roberto Leite, Humberto Rios

de Oliveira, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de Fátima

César Palmeira, por ausência de justa causa, nos termos do art. 395, III, do

Código de Processo Penal;

Rejeito a denúncia em relação ao denunciado João Alves Neto, no que tange

à prática do delito de peculato-desvio.

Considerando a gravidade das supostas infrações imputadas ao Conselheiro

Flávio Conceição de Oliveira Neto, proponho, em nome da moralidade pública e

em aplicação analógica ao que tem decidido reiteradamente esta Corte Especial,

o afastamento do denunciado do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado de Sergipe, nos termos do art. 29 da LC n. 35/1979 (Loman), durante o curso

da instrução criminal.

Nesse sentido, confi ra-se os seguintes precedentes da Corte Especial do

STJ:

Penal e Processual Penal. Ação penal originária contra desembargador.

Competência do STJ: art. 105, I, a, CF/1988. Gravação ambiental: legalidade.

Denúncia anônima: legalidade. Orientação do STF. Inépcia da inicial acusatória:

inexistência. Corrupção ativa e passiva (art. 333, parágrafo único e art. 317, § 1°,

do Código Penal). Delito de corrupção ativa (do Código Penal). Indícios sufi cientes

de autoria e materialidade. Afastamento do cargo. Possibilidade. Precedentes.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

286

1. Gravação ambiental realizada por um dos interlocutores é prova lícita

segundo orientação do STF. Precedentes.

2. Somente inequívoca defi ciência, impedindo a compreensão da acusação a

ponto de comprometer o direito de defesa leva à eventual inépcia da denúncia.

3. Robusta prova indiciária que dá sustentação à acusação, permitindo concluir

pela materialidade e autoria, neste primeiro juízo de delibação.

4. Os denunciados negociaram vantagem indevida com o fi m de retardar o

andamento de ação penal em trâmite no Tribunal de Justiça da Bahia, praticando,

em tese, corrupção passiva (no art. 317, § 1º, do Código Penal).

5. Benefi ciado com o atraso no andamento do feito, conforme prova indiciária,

foi repassada vantagem indevida ao relator do processo, por intermédio de seu

fi lho, praticando ambos corrupção ativa.

6. Pela gravidade do delito de que é acusado, praticado no exercício

da judicatura, impõe-se, nos termos do art. 29 da Loman (LC n. 35/1979), o

afastamento do magistrado das funções de Desembargador do TJ-BA, durante o

curso da instrução.

7. Denúncia recebida, com o afastamento do magistrado das suas funções.

(APn n. 644-BA, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em

30.11.2011, DJe 15.2.2012).

Penal e Processual Penal. Recebimento da denúncia. Peculato. Quadrilha.

Prescrição. Inquérito. Competência do STJ. Foro por prerrogativa de função.

Término do mandato. Art. 84 do CPP. Inconstitucional. Inquérito. Contraditório.

Inexigibilidade. Ação penal pública. Princípio da indivisibilidade. Inaplicável.

Denúncia recebida em parte.

1. É de 08 (oito) anos o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado

em relação ao crime de quadrilha, prazo esse que, no caso, já transcorreu.

2. Cessado o exercício da função pública correspondente, encerra-se a

competência de foro por prerrogativa de função. O STF, no julgamento da ADI n.

2.797-DF, declarou inconstitucional a Lei n. 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º

e 2º ao art. 84 do CPP Precedentes.

3. Pela sua natureza inquisitorial, a fase do inquérito não está sujeita aos

princípios do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.

4. O princípio da indivisibilidade não se aplica à ação penal pública, podendo

o Ministério Público, como “dominus litis”, aditar a denúncia, até a sentença fi nal,

para inclusão de novos réus, ou ainda oferecer nova denúncia, a qualquer tempo

(STF, HC n. 71.538-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 15.3.1996).

5. Relativamente aos fatos descritos como crime de peculato, a denúncia

expõe o fato criminoso, com suas circunstâncias, e a imputação específi ca aos

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 287

denunciados. Preenchidos, portanto, os requisitos do art. 41 do CPP, havendo

suporte probatório de autoria e materialidade suficiente para o juízo de

recebimento da denúncia.

6. Denúncia recebida em parte.

(APn n. 382-RR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em

21.9.2011, DJe 5.10.2011).

É o voto.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Senhor Presidente, apesar do adiantar da hora,

gostaria de fazer algumas breves considerações sobre determinadas preliminares.

Por se tratar de um processo complexo, precisávamos fi rmar algumas posições.

A primeira delas é sobre a suposta incompetência e alegado

comprometimento da isenção, em razão de a Relatora ter colhido depoimentos

durante a tramitação do inquérito. Não procede a insurgência. Esta Corte

Especial, como bem anotado no voto da Relatora, possui entendimento

assente no sentido de que compete ao ministro Relator do Inquérito presidi-lo,

determinando a realização das diligências e adotando as medidas necessárias à

investigação. A condução do inquérito induz à distribuição da respectiva ação

penal, sem nenhum malferimento ao princípio do juiz natural, tampouco à

isenção do julgador.

Com relação à suposta inépcia da denúncia, igualmente, não procede. A

peça inicial acusatória deve ser concisa, mas clara, acerca dos fatos criminosos

e seus respectivos agentes. Ações complexas, que envolvem vários agentes e

condutas diversas, sugerem uma narrativa mais abrangente, sem olvidar dos

requisitos essenciais à delimitação da participação de cada um, o que não quer

dizer necessidade de descrever pormenores. Como bem observado pela Relatora,

com arrimo na jurisprudência mansa e pacífi ca desta Corte, a acusação deve

permitir a compreensão dos fatos e suas circunstâncias, de modo a possibilitar

ao Réu o livre exercício da ampla defesa e do contraditório, o que entendo ter

ocorrido no presente caso, pelo menos, com relação à maioria dos denunciados.

Não há na denúncia em tela nenhuma das falhas elencadas no art. 43 do

CPP, ao revés, está em consonância com os requisitos do art. 41 do mesmo

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Diploma Processual, salvo quanto aos denunciados Roberto Leite, Humberto

Rios de Oliveira, Florêncio Brito Vieira, Gil Jacó Carvalho Santos e Maria de

Fátima César Palmeira, precisamente apontados pela própria Relatora, em que

a denúncia peca por não descrever a conduta delituosa, razão pela qual deve ser

rejeitada com relação a estes.

Quanto à suposta nulidade da interceptação telefônica determinada pelo

Juízo Federal da 2ª Vara de Salvador-BA, tido por incompetente, porque já

havia suspeita sobre a participação do Governador e de Secretário de Estado,

ambos com prerrogativa de foro, entendo que há a alegada nulidade. Mais uma

vez, rebateu a Relatora, com precisão, a improcedência da arguição de nulidade.

Com efeito, a interceptação telefônica autorizada pelo Juízo Federal envolveu

pessoas que não detêm prerrogativa de foro. Os elementos indiciários que foram

sendo amealhados, a partir do momento em que se mostrou fundada a suspeita

sobre agentes com prerrogativa de foro, foram objeto de análise e relatório

da Polícia Federal, pugnando pela remessa dos autos da investigação a este

Superior Tribunal de Justiça, como que concordou o membro do Ministério

Público Federal ofi ciante no feito.

Como se vê, inexiste a reclamada nulidade. As medidas constritivas

(quebra do sigilo das comunicações telefônicas e buscas e apreensões) foram,

assim, determinadas por juiz absolutamente competente para tanto, sendo que,

tão logo se verifi cou a existência de fundados elementos de envolvimento de

autoridade com prerrogativa de foro, foi declinada a competência. É evidente

que não é uma singela referência ou mera desconfi ança, sem nenhum lastro

mais convincente, que induz a prerrogativa de foro. Há de se obter elementos

mínimos que sustentem a suspeita, para, então, remeter os autos à autoridade

competente. Nesse sentido é o entendimento da jurisprudência das Cortes

Superiores, na esteira dos precedentes mencionados pela Relatora.

A eminente Relatora esclareceu, de forma cabal, o processamento, desde a

origem, da investigação em tela, incluindo seu desmembramento. Acompanho in

totum suas razões, valendo ressaltar o que enfatizou a Relatora, nesse particular,

que “todos os documentos, pedidos de interceptação telefônica e decisões judiciais de 1º

grau que excepcionaram direitos fundamentais dos ora denunciados estão juntados aos

presentes autos, não havendo que se falar em violação dos princípios do contraditório e

da ampla defesa.”

Também acompanho a Relatora, que rejeitou a suposta ilegalidade das

sucessivas prorrogações das interceptações telefônicas. A questão é recorrente

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 289

e já foi, em diversas ocasiões, exaustivamente analisada, tendo esta Corte, com

consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, assentado o

entendimento de que não há nenhuma ilegalidade em se determinar sucessivas

prorrogações de na interceptação, desde que subsistam os fundamentos.

A Suposta nulidade em razão da transcrição parcial das conversas

telefônicas, pretensamente manipuladas pela Polícia Federal, não prospera.

Nenhuma pertinência há na alegação. É claro que não se transcreve,

integralmente, todas as conversas travadas pelos interlocutores interceptados,

por razões óbvias, quais sejam, primeiro, nem tudo interessa à investigação;

segundo, o que se transcreve são justamente as declarações que possam subsidiar

a ocorrência do crime investigado e respectivo autor. Não obstante, é livre a

Defesa para buscar, por si, levantar outras versões que interesse na sua versão

dos fatos, estando à disposição dos defensores o inteiro teor das conversas

interceptadas.

A propósito, não é a fase do recebimento da denúncia o momento

apropriado para se examinar profundamente versões defensivas sobre os fatos

narrados na inicial acusatória.

Alega-se ainda suposto cerceamento de defesa por ausência de prazo

hábil para a análise do material anexado ao processo. Esclareceu a Relatora

ser desarrazoada a alegação, pois os autos do inquérito esteve, por muito

tempo, à disposição da defesa, sendo que a juntada dos autos da Ação Penal

n. 2006.33.00.002647-3 foi feita de modo oportuno, sem nenhuma mácula ao

exercício do plano direito de defesa.

Quanto ao mérito, ouvi atentamente a brilhante defesa dos acusados,

que se esforçaram em demonstrar, primordialmente, defeitos da denúncia e a

inocência de seus representados, com assertivas acerca da fragilidade da prova.

Não obstante, é importante ressaltar que o que se está examinando nesta

oportunidade é a viabilidade da acusação. Se ela descreve a conduta criminosa,

com suas circunstâncias, identifi cando os respectivos agentes. E se tudo está

devidamente arrimado em elementos de prova que subsidiem a acusação.

Anoto que, neste momento processual, não há de se perquirir acerca da

melhor prova, se da acusação ou da defesa. É durante a instrução criminal,

quando será garantida a ampla defesa e o contraditório, observado o devido

processo legal, que se fará o juízo aprofundado sobre as provas coligidas,

reservada a esta Corte Especial, ao fi nal, o juízo meritório acerca da eventual

culpabilidade dos acusados.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

290

Os fatos trazidos nesta denúncia, mormente com relação ao intitulado

“Evento Sergipe”, envolvem dezessete acusados e várias condutas tidas como

delituosas, as quais confi gurariam, segundo o Ministério Público Federal, os

crimes de quadrilha, peculato, corrupção ativa e passiva, e prevaricação.

Não se olvida da mácula que o processo penal impinge à qualquer pessoal

acusada do cometimento de crime. Contudo, é dever do Estado a persecução

criminal, quando presente a justa causa, hipótese dos autos.

As considerações da Defesa acerca da lisura dos empresários supostamente

envolvidos nos esquemas de fraudes em licitações e pagamento de propinas a

autoridades e agentes públicos, bem como na ausência de prova desses crimes

não podem, não podem, desde já, impedir o Estado de aprofundar a investigação,

em busca da verdade real.

Por mais que alguns argumentos defensivos tenham-me causado

forte impressão, não foram capazes de ilidir a fundada suspeita retratada na

inicial acusatória, que, insisto, deve ser processada para elucidação dos fatos

supostamente criminosos.

Concluindo, Senhor Presidente, na esteira do voto da eminente Relatora,

entendo que a denúncia deve ser recebida, com a exceção dos cinco acusados

acima referidos.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE

SENTENÇA N. 1.729-RS (2013/0056412-9)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Estado do Rio Grande do Sul

Agravante: Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem - Daer

Procuradores: Guilherme Valle Brum e outro(s)

Paulo Cesar Velloso Quaglia Filho e outro(s)

Agravado: Coviplan Concessionária Rodoviária do Planalto S/A

Advogado: Massami Uyeda Junior e outro(s)

Requerido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 291

EMENTA

Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Grave

lesão à ordem e economia públicas. Inexistência. Indevida utilização do

incidente como sucedâneo recursal. Pedido de suspensão indeferido.

Agravo regimental desprovido.

I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992

e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste eg. Superior Tribunal de

Justiça e do col. Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de

suspensão quando a decisão proferida em ação movida contra o Poder

Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à

economia públicas.

II - In casu, não fi cou cabalmente demonstrada a grave lesão aos

bens tutelados pelo sistema integrado de contracautela, porquanto o

dano evidenciado não se revelou grave o sufi ciente para o deferimento

do pedido.

III - A discussão a respeito do termo fi nal do contrato de concessão

possui caráter eminentemente jurídico, revelando-se a utilização do

presente pedido de suspensão como sucedâneo recursal, o que é vedado

na via eleita. Precedentes do eg. STJ e do col. STF.

IV - A teor da jurisprudência desta eg. Corte, para se evidenciar

a grave lesão à economia pública é imprescindível, além da sua efetiva

comprovação, que a decisão objeto do pedido de suspensão possa causar

transtornos de elevada monta, capaz de comprometer, de maneira

irreversível e inexorável, as fi nanças do ente público, o que não ocorreu

na espécie.

V - A caracterização do efeito multiplicador exige a comprovação

cabal de que seja iminente a ocorrência de proliferação de decisões de

mesma natureza, o que não fi cou evidenciado, especialmente em razão

das peculiaridades do caso. Precedente da col. Corte Especial.

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

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292

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Eliana Calmon, Laurita Vaz, João

Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins,

Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Sidnei Beneti votaram com

o Sr. Ministro Relator.

Impedida a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Francisco

Falcão e Nancy Andrighi.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Brasília (DF), 17 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 24.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto

pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo Departamento Autônomo de Estradas de

Rodagem - Daer, em face de r. decisum emanado desta Presidência às fl s. 833-

845.

Em suas razões (fl s. 902-925), os recorrentes reiteram a necessidade de

suspensão da r. decisão liminar atacada, destacando que a sua manutenção

causará grave lesão à ordem e à economia públicas.

Sustentam que, havendo dúvida quanto ao mérito da liminar, não se

poderia “levar em conta, para fi ns de análise da grave lesão à ordem e/ou

economia pública, apenas a hipótese de estar correto o prazo alegado pela

empresa concessionária, mas também e, sobretudo a hipótese de estar correto o

prazo defendido pelo Poder Concedente” (fl . 906).

Aduzem que a lesão à ordem pública decorreria da “indevida interferência

do Poder Judiciário no devido exercício das funções da Administração,

pelas autoridades legitimamente constituídas, importando na substituição

da Administração Pública pelo Poder Judiciário, em ofensa ao princípio da

separação dos Poderes (art. 2º da CF/1988), quanto ao pleno exercício das

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 293

competências legais e contratuais daquela” (fl . 909). Assim, salientam que o r.

decisum que pretendem suspender teria desrespeitado o poder discricionário do

Administrador “de optar pela não-prorrogação do contrato e pela alteração de

modelo de administração dos pedágios” (fl . 909).

Os requerentes destacam que o Pólo de Carazinho é composto por 6

trechos rodoviários, dos quais 5 são federais e 1 é estadual, e que as praças de

pedágio estão localizadas somente nas rodovias federais. Acrescentam que “as

cancelas nas rodovias federais serão abertas a partir da devolução das estradas

federais à União, sendo que a conservação destas será feita pelo ente federal,

enquanto a da rodovia estadual voltará a ser feita pelo Estado” (fl . 912).

Segundo os requerentes, “nas rodovias estaduais em que forem mantidas

as praças de pedágio, a administração será feita pela EGR - Empresa Gaúcha

de Rodovias”, que recentemente passou a administrar as Praças de Pedágio de

Portão, Campo Bom e Coxilha, “e está em plenas condições de, assim que fi ndos

os contratos de concessão, assumir as praças de pedágio das rodovias antes

concedidas” (fl . 912).

Sendo assim, sustentam que a retomada imediata do serviço pelo Poder

Público não acarretaria qualquer descontinuidade na sua prestação.

Por outro lado, alegam que a manutenção da r. decisão que se pretende

suspender acarretará grave lesão à economia pública. Isso porque os

consumidores/usuários “deverão pagar por mais tempo, tarifas, e ainda por cima

por serviços que não atendem aos padrões de qualidade esperados, tornando

absolutamente irreversível - ou de muito difícil reversibilidade - o dano causado,

pois eventual reforma da decisão de mérito não terá o condão de ressarcir os

gastos dos usuários no cumprimento da ordem judicial” (fl . 913).

Segundo os recorrentes, “a lesão à economia pública também se revela

no consequente aumento de custos de diversos outros bens e serviços, cujo

fornecimento e prestação depende do tráfego nas rodovias pedagiadas, sendo

repassados tais custos, assim, evidentemente, a toda a sociedade” (fl . 913).

Mantida a r. decisão liminar, “os usuários/consumidores pagarão por mais

tempo, de modo indevido, e pior: por um serviço concedido que, além de tudo,

não está sendo bem prestado” (fl . 914).

Sustentam que o pedágio não possui natureza exclusivamente

contraprestacional, pois haveria “uma margem de lucro na cobrança” (fl . 915).

Por essa razão, seria indevido autorizar a continuidade de sua exigência sem

respaldo contratual.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

294

No que se refere ao risco de efeito multiplicador, os requerentes sustentam

que a manutenção do r. decisum que se pretende suspender poderá promover

um “estímulo à concessão de liminares semelhantes, nas quais seja possibilitado,

no âmbito da concessões rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul, a

prorrogação contratual até a data sustentada pelas concessionárias” (fl . 917).

Aduzem haver 18 ações ajuizadas pelas concessionárias relativas aos 7

Pólos Rodoviários concedidos pelo Estado. Com efeito, haveria, no entender

dos requerentes, risco concreto de efeito multiplicador, pois o r. decisum que se

pretende suspender é emanado do eg. TRF da 4ª Região, onde correm ações de

6 Pólos Rodoviários.

Alegam que, sob o critério da proporcionalidade, deve-se dar primazia aos

princípios da supremacia do interesse público e da presunção de legitimidade

dos atos administrativos em detrimento do interesse privado.

Ao fi nal, pugnam para que seja dado provimento ao presente recurso.

Por manter a r. decisão objurgada, submeto o feito à col. Corte Especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): O recurso não merece prosperar,

porquanto os agravantes não trouxeram argumentos novos aptos a infi rmar as

premissas que balizaram a r. decisão recorrida.

Transcrevo, oportunamente, o teor da r. decisão reprochada, in verbis:

Em conformidade com o entendimento jurisprudencial dessa Corte, assim

como do e. Supremo Tribunal Federal, na decisão que examina o pedido

de suspensão de provimentos jurisdicionais infunde-se um mínimo juízo de

delibação do mérito contido na ação originária.

Isso porque, na medida de contracautela suspensiva, como em qualquer

pretensão provisória (§ 9º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992), urge a verifi cação da

plausibilidade do direito alegado, já que, na visão instrumental do processo,

perder-se-ia sentido proteger o improvável.

Nesse sentido, transcrevo, oportunamente, o seguinte excerto do voto

proferido pelo em. Min. Carlos Velloso, contido na SS n. 846 AgR-DF, da relatoria do

em. Min. Sepúlveda Pertence:

Esse mínimo de delibação do mérito, não importa dizer que a decisão

deferitória da contracautela se fi rme menos nas razões políticas do art. 4º da

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 295

Lei n. 4.248/1964 e mais nos aspectos de mau direito do impetrante ou na

não existência do periculum in mora. Não é isto. A delibação do mérito, na

decisão que suspende os efeitos da liminar, visa a verifi car a plausibilidade

ou não do pedido, a fi rmar-se como roteiro na interpretação das razões

referidas no art. 4º da citada Lei n. 4.348/1964 e que foram trazidas, pelo

órgão público, ao exame do Presidente do Tribunal.

Conforme relatado, a ação originária foi ajuizada pela ora interessada visando

a obstar o encerramento do Contrato de Concessão até que o Poder Concedente

quitasse suposta justa e prévia indenização por eventos de desequilíbrio

econômico-fi nanceiro incidentes sobre o contrato.

Apesar de o d. Juízo de primeira instância ter fundamentado seu raciocínio

de evidente risco de dano irreparável ou de difícil reparação no termo fi nal do

contrato de concessão contido em Resolução Decisória RED n. 40/2012, editada

pela AGERGS (Agência Reguladora local), entendeu por bem deferir a antecipação

de tutela até 28.12.2013, a fi m de evitar prejuízos irreparáveis à concessionária

e impedir a descontinuação da prestação do serviço público, resguardando,

portanto, o interesse coletivo dos usuários das rodovias.

Diante de tal fundamentação, o Estado do Rio Grande do Sul, além de discutir

sobre o correto termo fi nal da concessão em questão, embasa a argumentação

de mérito da causa principal na impossibilidade legal e jurisprudencial de se

prorrogar contratos administrativos com base em pendência de investimentos

não-amortizados por parte das concessionárias, uma vez que tal desiderato teria

momento e lugar específi co para ser deduzido, ou seja, nas vias ordinárias.

Tal entendimento, entretanto, não foi objeto de discussão no julgamento

do agravo de instrumento, em que, da leitura dos votos vencedores (Notas

Taquigráfi cas), os eminentes Desembargadores não se comprometeram com a

mencionada questão de fundo naquele momento processual.

Tenho para mim, portanto, que apesar de a quaestio iuris se resumir em dois

aspectos (fl . 6), prepondera preliminarmente a questão de se saber qual o correto

termo fi nal da concessão em questão.

Para os ora requerentes o correto termo final para a retomada do serviço

rodoviário concedido seria 6.3.2013, conforme o disposto em nota técnica

proferida pela Procuradoria-Geral do Estado, assim como na Resolução Decisória-

RED n. 40/2012 da AGERGS. Já, conforme as razões de decidir contidas no voto

divergente da em. Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, “os documentos trazidos

aos autos apontam para a validade do contrato até dezembro/2013, conforme se

observa do Termo Aditivo n. 4 (TA4) do contrato” (fl . 789).

Pois bem. Dessa análise meramente delibatória acerca da ação principal, extrai-

se o grau de incerteza a respeito de seu mérito. Em outras palavras, não há como

se afi rmar, inequivocamente, sem a devida instrução probatória, a ser cumprida

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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nos autos principais, que o termo fi nal do contrato de concessão se daria em

6.3.2013 ou em 28.12.2013, como decidiu a colenda 3ª Turma do e. Tribunal a quo.

A existência de relevante dúvida de caráter probandi acerca do termo fi nal

da concessão administrativa do Pólo Rodoviário de Carazinho, in casu, impedem

uma conclusão irrefutável sobre a existência de qualquer lesão aos bens tutelados

pela legislação de regência. E nesse contexto, não vislumbro a hipótese de o juízo

provisório de primeira instância ter indevidamente adentrado na função estatal

administrativa, de modo a gerar a grave lesão à ordem pública alegada.

Dessa forma, pode-se perceber que o presente pedido de suspensão se

confunde com o próprio mérito da ação principal, quanto à defi nição do prazo

de vigência do contrato de concessão, denotando, assim, caráter recursal, o que

não se mostra viável diante dos excepcionais contornos que revestem o pedido

de suspensão.

Na presente senda não se mostra viável o exame do acerto ou desacerto do

decisum objurgado, não podendo o incidente ser utilizado como sucedâneo recursal

para se discutir o próprio mérito da ação principal.

O presente instrumento judicial, a bem da verdade, não deve substituir

os recursos processuais adequados, até porque, consoante a sedimentada

jurisprudência dessa Corte, não há que se analisar, no pedido extremo de

suspensão, em regra, a legalidade ou ilegalidade das decisões proferidas.

Nesse sentido:

Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. Concurso de

promoção. Procuradores da Fazenda. Estágio probatório não concluído.

Interpretação do edital e de resoluções da AGU.

– As questões relacionadas à legalidade da decisão de segundo grau

constituem temas jurídicos de mérito, os quais ultrapassam os limites

traçados para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo

objetivo é afastar a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde,

à segurança e à economia públicas. A via da suspensão, como é cediço, não

substitui os recursos processuais adequados.

– A decisão impugnada na suspensão, diante do quadro fático dos autos,

acarreta grave lesão à economia pública, sobretudo em decorrência da

concreta possibilidade de efeito multiplicador.

Agravo regimental improvido.

(AgRg na SLS n. 1.457-DF, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe

de 14.9.2010).

Agravo regimental. Suspensão de segurança. Município. Contrato

administrativo. Onerosidade contratual. Matéria de mérito. Impossível o

exame na via eleita. Lesão à ordem e economia públicas. Demonstração.

Ausente.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 297

- Suspensão de liminar só é oportuna quando houver perigo de lesão a bens

jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964.

- (...).

- Não se admite, em suspensão, discussão sobre o mérito da controvérsia.

(AgRg na SLS n. 846-SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de

Barros, DJe de 7.8.2008).

Ademais, não visualizo a iminência de grave lesão à economia pública alegada

pelos requerentes. Isso porque, admitido que o termo contratual dar-se-á,

conforme entendido pelas instâncias ordinárias, apenas em 28.12.2013, todas

as obrigações contratuais relacionadas à prestação dos serviços de concessão

estarão vigentes e deverão ser cumpridas pela concessionária.

Em caso de descumprimento, o Poder Público possui os instrumentos

necessários para a aplicação de sanções, a teor do disposto no contrato e na

legislação de regência. Nítido, portanto, o caráter contraprestacional do pedágio,

o que impossibilita, em princípio, qualquer ocorrência de grave lesão à economia

pública.

Por derradeiro, sustentam os requerentes que a r. decisão guerreada também

poderá gerar graves danos à ordem e economia públicas devido ao seu potencial

efeito multiplicador. No seu entendimento, o risco de efeito multiplicador “reside

no estímulo à concessão de liminares semelhantes, nas quais seja possibilitado, no

âmbito das concessões rodoviárias no Estado do Rio Grande do Sul, a prorrogação

contratual até a data sustentada pelas concessionárias” (fl . 28).

Destacam, ademais, que existem 18 ações ajuizadas pelas concessionárias,

referentes aos 7 Pólos Rodoviários concedidos pelo Estado e que os pedidos

de concessão de liminar têm crescido, muito embora a maior parte tenha sido

indeferida. Salientam, contudo, que “a partir desta decisão de 2º grau mantendo o

deferimento da liminar nos termos pleiteados pela concessionária (Anexos 1 e 2 e

67), certamente a proliferação de liminares semelhantes ocorrerá e o deferimento

será muito provável” (fl . 29).

Os requerentes salientam, outrossim, que, em 27.2.2013, mesma data em

que prolatado o v. acórdão que entendeu ser o dia 28.12.2013 o termo fi nal do

contrato de concessão em comento, a c. 21ª Câmara Cível do e. TJRS “proferiu 2

decisões em sentido inverso, ou seja: reconhecendo a data apontada pelo Poder

Concedente e pela Agência Reguladora como correta e negando o pedido de

prorrogação contratual da concessionária até o prazo por ela defendido” (fl . 30).

Ainda no que concerne ao efeito multiplicador, aduzem os requerentes que

“há também o risco, in casu, sob um aspecto indireto ou inverso, a eventualmente

forçar o ingresso em juízo, para ressarcimento, de milhares de usuários/

consumidores das rodovias, caso as liminares em favor das concessionárias, ao

fi nal, não sejam confi rmadas” (fl . 30).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

298

Consoante a jurisprudência dessa Corte Superior em sede de pedidos

excepcionais de suspensão, para se caracterizar o efeito multiplicador da decisão

que se busca suspender, deve ser demonstrado, cabalmente, sua concreta

possibilidade. A propósito, colaciono os seguintes precedentes:

Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. ITBI. Base de

cálculo. Mérito da demanda principal. Efeito multiplicador e lesão à ordem

pública não caracterizados.

– Indeferido o pedido de suspensão pelo Supremo Tribunal Federal,

descabe ao Superior Tribunal de Justiça reapreciar os requisitos previstos

em lei com o propósito de reformar decisão da Corte Constitucional.

– Na linha da orientação fi rme desta Corte, não cabe enfrentar, na via

estreita da suspensão de liminar e de sentença ou de segurança, questão de

mérito objeto do processo principal.

– A adequação judicial da base de cálculo à luz da discussão sobre

a existência de edificação em determinado período, por si, não tem o

potencial de causar grave lesão à economia do município agravante ou ao

exercício de sua função arrecadadora, tratando-se de situação específi ca,

com circunstâncias peculiares.

– O chamado efeito multiplicador deve ser demonstrado de forma cabal, o

que não ocorreu no presente caso.

Agravo regimental improvido.

(AgRg na SS n. 1.857-CE, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe

de 17.12.2009).

Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. Lesão ao

interesse e economia públicas não demonstrado. Efeito multiplicador não

comprovado.

- Suspensão de liminar só é oportuna quando a decisão seja

potencialmente lesiva a bens jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n.

4.348/1964.

- O chamado efeito multiplicador deve ser cabalmente demonstrado.

(AgRg na SLS n. 747-PE, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de

Barros, DJe de 7.8.2008).

Desse modo, para se sustentar o pedido de suspensão no possível efeito

multiplicador que a decisão atacada poderá gerar, não deve o pleito se ancorar

em conjecturas ou hipóteses, mas sim em fatos concretos já ocorridos ou na

iminência de se verifi carem.

Para se justifi car o deferimento do pedido de suspensão fundado no possível

efeito multiplicador, o grau de probabilidade de que a decisão será norteadora

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 299

para demais casos semelhantes deve ser elevado, não bastando, assim, a mera

expectativa de proliferação.

Por essa razão, não me parece, ao menos nesse momento, que a manutenção

da r. decisão reprochada terá o condão de provocar o efeito multiplicador

salientado pelos requerentes. Conforme destacado pelo Estado do Rio Grande do

Sul, a e. 21ª Câmara Cível do c. TJRS acompanhou o entendimento propugnado

pelo Poder Concedente, não seguindo a linha sustentada pela c. 3ª Turma do e.

TRF da 4ª Região, o que enfraquece a tese do efeito multiplicador.

Com relação ao risco indireto mencionado pelos requerentes, na hipótese de

a liminar deferida em favor da concessionária não ser confi rmada no julgamento

do mérito, o que poderá ensejar o ajuizamento de demandas de ressarcimento

pelos usuários/consumidores das rodovias, não vislumbro a grave lesão aos bens

tutelados pelo art. 4º da Lei n. 8.437/1992.

A teor do referido artigo, apenas será cabível o pedido de suspensão na

hipótese em que a manutenção da decisão atacada puder gerar grave dano à

ordem, saúde, segurança e economia públicas. Não havendo, de modo claro e

evidente, o elevado grau de probabilidade de se evidenciar a grave lesão, ainda

mais se levado em consideração o caráter contraprestacional do pedágio, não

deve prosperar o pedido formulado.

A propósito, cito os seguintes precedentes:

Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Grave lesão

à economia pública. Inexistência. Discussão de mérito da ação principal.

Impossibilidade. Pedido de suspensão indeferido. Agravo regimental

desprovido.

I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n.

12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso,

somente é cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida contra

o Poder Público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à

economia públicas.

II - In casu, os agravantes não demonstraram, de modo preciso e cabal, a

grave lesão à economia pública, sendo insufi ciente a mera alegação de que

a manutenção do decisum atacado teria o condão de provocar prejuízos ao

Poder Público. Precedentes do STJ e do STF.

III - Ademais, deve-se frisar que a questão referente à competência

para o licenciamento ambiental de empreendimento fl orestal é matéria

de mérito da ação originária. Assim sendo, sua discussão transcende os

estreitos limites do pedido de suspensão, cujo juízo político tem cabimento

apenas para se evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à

economia públicas.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

300

Agravo regimental desprovido.

(AgRg na SLS n. 1.660-MA, Corte Especial, de minha relatoria, DJe de

4.12.2012).

Agravo regimental. Suspensão de segurança. ICMS. Não incidência sobre

a “reserva de demanda de energia elétrica contratada”.

– Os temas diretamente relacionados com o mérito da demanda

principal não podem ser examinados na presente via, que não substitui

o recurso próprio. A suspensão de liminar, de sentença e de segurança,

como cediço, limita-se a averiguar a possibilidade de grave lesão à ordem, à

segurança, à saúde e à economia públicas.

– Ausência de efetiva demonstração de grave lesão aos bens

juridicamente tutelados pela lei de regência.

Agravo regimental improvido.

(AgRg na SS n. 2.367-RN, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe

14.9.2010).

Estas são as razões pelas quais entendo que o provimento judicial que agora

se pretende a suspensão não gera lesão à ordem e economia públicas, como

pretendem ver reconhecidas os requerentes.

Ante o exposto, indefi ro a pretensão suspensiva.

P. e I. (Fls. 838-845).

Como fi cou demonstrado na r. decisão que agora se pretende a reforma,

a discussão sobre a qual se apresenta o pedido de suspensão formulado pelos

requerentes perpassa, necessariamente, a defi nição do termo fi nal do contrato de

concessão celebrado entre o Estado e a requerida.

A col. 3ª Turma do eg. TRF da 4ª Região, no julgamento do Agravo

de Instrumento n. 5001851-83.2013.404.0000-RS, por maioria, entendeu,

analisando os documentos acostados aos autos, que a vigência do contrato de

concessão celebrado entre as partes se estenderia até dezembro de 2013, conforme

a ementa a seguir transcrita:

Agravo de instrumento. Liminar. Concessão de rodovia. Prazo fi nal do contrato.

Os documentos trazidos aos autos apontam para a validade do contrato

até dezembro/2013, conforme se observa do Termo IV do contrato. Presentes

os requisitos para concessão e manutenção da liminar em sede de análise

perfunctória do pedido principal. (Fl. 893).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 301

Sendo assim, sob o argumento de grave lesão à ordem pública, em razão

de suposta ingerência indevida do Poder Judiciário na esfera administrativa,

pretendem os requerentes a revisão nesta eg. Corte Superior do termo fi nal do

contrato de concessão celebrado entre as partes. Sustentam os agravantes que

houve possivelmente um equívoco da Administração ao emitir, em 29.12.1998,

o documento intitulado “Ordem de Início de Operação”, que, conjugado com a

Cláusula 3.2 do Contrato de Concessão PJ/CD/050/98, resultaria no término

da concessão apenas em dezembro de 2013.

Como consignado na r. decisão agravada, o presente pedido de suspensão

se confunde com o próprio mérito da ação principal, especialmente no que se

refere à defi nição do prazo de vigência do contrato de concessão. Denota-se, in casu,

o caráter recursal atribuído ao pedido excepcional de suspensão, o que não se

coaduna com a jurisprudência remansosa da col. Corte Especial a respeito do

sistema integrado de contracautelas.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes:

Agravo regimental na suspensão de liminar e de sentença. Grave lesão à

ordem e economia públicas. Inexistência. Indevida utilização do incidente como

sucedâneo recursal. Pedido de suspensão indeferido. Agravos regimentais

desprovidos.

I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992 e n. 12.016/2009)

e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c. Pretório Excelso, somente será

cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida contra o Poder Público

puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

II - In casu, não fi cou cabalmente demonstrada a grave lesão aos interesses

tutelados pela legislação de regência, porquanto o dano evidenciado não revelou-

se grave o sufi ciente para o deferimento do pedido, prevalecendo, ademais, na

hipótese, a defesa da saúde pública e do meio ambiente.

III - Além disso, a discussão possui caráter eminentemente jurídico, revelando-se o

presente pedido de suspensão como sucedâneo recursal, o que é vedado na via eleita.

Agravos regimentais desprovidos.

(AgRg na SLS n. 1.648-SP, Corte Especial, de minha relatoria, DJe de 10.12.2012).

Agravo regimental. Suspensão de segurança. Concurso público. Soldado da

polícia militar. Repetição da prova de aptidão física. Lesão sofrida anteriormente

pelo impetrante do mandado de segurança. Efeito multiplicador e lesão à ordem

pública não caracterizados.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

302

– A liminar deferida pelo Relator do mandado de segurança, por cuidar de

caso muito específi co, não revela a possibilidade de surgimento de um número

excessivo de demandas com idêntico fundamento.

– O fato isolado verifi cado nestes autos, que benefi ciou um único impetrante,

não é sufi ciente para causar lesão à ordem pública.

– Na linha da jurisprudência firme desta Corte, o pedido de suspensão de

segurança, por não ser sucedâneo do recurso processual cabível, não constitui via

adequada para enfrentar o mérito da questão jurídica discutida nos autos principais.

Agravo regimental improvido.

(AgRg na SS n. 1.873-PI, Corte Especial, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJe de

10.8.2009).

A jurisprudência do eg. Supremo Tribunal Federal também está sedimentada

no mesmo caminho (v.g. STA n. 152 AgR-PE, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª

Ellen Gracie, DJe de 11.4.2008 e SS n. 4.394 AgR-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min

Cezar Peluso, DJe de 13.10.2011).

Sendo assim, não verifi co a ocorrência de grave lesão à ordem pública, em sua

esfera administrativa, como aduzido pelos agravantes, razão pela qual mantenho,

no ponto, o r. decisum recorrido.

Quanto à ocorrência iminente de grave lesão à economia pública, tampouco

verifi co a gravidade alegada. Isso porque, conforme destacado na r. decisão

agravada, a remuneração da concessionária para a prestação dos serviços objeto

do contrato decorre do pedágio previsto no instrumento contratual e não de

valores desembolsados pelo Poder Público.

O pedágio, no presente caso, é pago pelos consumidores como

contraprestação pelos serviços disponibilizados pela concessionária. Possui, desse

modo, natureza jurídica de preço público e decorre diretamente da prestação dos

serviços. Não identifi co, assim, como a continuidade da prestação de serviço

pactuada no contrato poderá causar grave lesão à economia pública.

Conforme já enfrentado por esta col. Corte Especial, para se evidenciar a

grave lesão à economia pública é imprescindível, além da comprovação cabal, que

a decisão objeto do pedido de suspensão possa causar transtornos de elevada

monta, capaz de comprometer, de maneira irreversível e inexorável, as fi nanças do

ente público.

A propósito, dentro do sistema integrado de contracautela, cito trecho do

voto proferido pelo em. Min. Cesar Asfor Rocha no AgRg na SS n. 2.367-RN

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 303

(Corte Especial, DJe de 14.9.2010), em que se denota a imprescindibilidade de

comprovação cabal de que a decisão objeto do pedido de suspensão causará sério

transtorno à economia pública:

Esclareço que o simples prejuízo econômico não justifica a concessão da

suspensão de liminar, de sentença e de segurança, sendo imprescindível a efetiva

comprovação de dano à economia pública, com intensidade sufi ciente para causar

sérios transtornos ao equilíbrio das contas públicas ou ao regular andamento dos

serviços da administração, o que não ocorreu.

No mesmo sentido, o seguinte precedente da col. Corte Especial:

Agravo regimental em pedido de suspensão. Reajuste de tarifa pelo INPC. Gás

canalizado. Lesão ao interesse público não-confi gurada. Lei n. 8.437/1992, art. 4º.

1. No exame do pedido de suspensão, a regra é ater-se o Presidente do Tribunal

às razões inscritas na Lei n. 8.437/1992, art. 4º. Somente quando a magnitude da

decisão atacada implica grave lesão aos valores ali tutelados (ordem, saúde,

segurança e economia públicas) caberá a medida pleiteada.

2. Não ofende o interesse público o reajuste do pagamento de gás canalizado

pelo INPC a um único usuário, enquanto se discute cláusulas contratuais.

3. Não demonstração de efeito multiplicador do julgado, nem prova inequívoca do

prejuízo alegado, capaz de causar impacto nas fi nanças públicas.

4. Agravo Regimental não provido.

(AgRg na SLS n. 59-SC, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 19.9.2005).

Sequer é cabível alegar, nessa senda, que a concessionária não estaria

prestando a contento serviço delegado. Isso porque o Poder Concedente possui,

seja pelo contrato, seja pela lei, os instrumentos capazes para fazer com que a

concessionária preste, de modo adequado e efi ciente, o serviço contratualmente

acordado, não servindo o pedido de suspensão como alternativa para a correção

de serviço prestado de modo insatisfatório.

O Poder Público possui o dever de aplicar as sanções cabíveis em caso de

descumprimento contratual, obedecidos, obviamente, os princípios da ampla

defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Por essa razão, não merece prosperar, nesse ponto, o recurso dos requerentes.

Por fim, os agravantes reiteram que a r. decisão objeto do pedido de

suspensão poderá gerar indesejado efeito multiplicador, pois “existem 18 ações

ajuizadas até o momento pelas concessionárias, relativas aos 7 Polos Rodoviários

concedidos pelo Estado” (fl . 917).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

304

A meu ver, não houve modifi cação do status quo que evidencie, de maneira

iminente, a ocorrência do efeito multiplicador salientado pelos requerentes.

Conforme destacado na r. decisão agravada, o deferimento do pedido de

suspensão, com fundamento no efeito multiplicador, deve se pautar em fatos

concretos já ocorridos ou em sua iminência.

É imprescindível, portanto, que fique caracterizado o elevado grau de

probabilidade de que novas decisões, de mesmo teor, sejam proferidas pelo

Poder Judiciário. Apenas a expectativa de que pedidos com o mesmo conteúdo

sejam deferidos pelo juízo a quo e mantidos pelo eg. TRF da 4ª Região não são

sufi cientes para embasar a tese do efeito multiplicador.

Cito, nesse sentido, a jurisprudência desta eg. Corte Superior:

Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença. Lesão ao interesse e

economia públicas não demonstrado. Efeito multiplicador não comprovado.

- Suspensão de liminar só é oportuna quando a decisão seja potencialmente

lesiva a bens jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964.

- O chamado efeito multiplicador deve ser cabalmente demonstrado.

(AgRg na SLS n. 747-PE, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe

de 7.8.2008).

Processual Civil. Suspensão de tutela antecipada. Duas servidoras.

Reenquadramento de grau relativo ao tempo de serviço. Lesão à ordem e

economia públicas. Não ocorrência. Lei n. 8.437/1992, art. 4º. Efeito multiplicador

não demonstrado.

1. Para a concessão de suspensão de segurança é imprescindível a constatação

de efetivo risco de grave lesão a pelo menos um dos bens tutelados pela norma

de regência: ordem, segurança, saúde e economia públicas.

2. Na hipótese, não há como se cogitar que o reenquadramento de duas

servidoras, apenas no tocante ao grau relativo ao tempo de serviço, possa

confi gurar grave dano aos cofres do Estado de Pernambuco.

3. Eventual efeito multiplicador da decisão liminar reclamada deve ser

fundamentado na exposição de dados concretos, e não em meras conjecturas.

4. Agravo a que se nega provimento.

(AgRg na SLS n. 22-PE, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 9.2.2005).

Ademais, ao que tudo indica, as peculiaridades do caso, diante dos

documentos acostados aos autos principais, no que se refere à defi nição do

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 305

termo fi nal do contrato de concessão, é que nortearam a r. decisão proferida pelo

d. juízo a quo e o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de origem.

Não me parece, nesse juízo excepcional, que essas peculiaridades possam ser

aplicadas a todas as concessões de serviço público dos demais pólos rodoviários.

Essa conclusão também inviabiliza o pleito recursal fundamentado no efeito

multiplicador aduzido pelos recorrentes (no mesmo sentido, v.g. AgRg no

AgRg na SLS n. 1.373-CE, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe de

14.10.2011).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.631-SP

(2012/0251596-2)

Relator: Ministro Presidente do STJ

Agravante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Agravado: Rubem Ferraz de Oliveira

Advogado: Walter Antônio Dias Duarte

Requerido: Desembargador Relator do Mandado de Segurança n.

0029838-71.2012.8.26.0000 do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo-SP

EMENTA

Agravo regimental na suspensão de segurança. Grave lesão

à ordem pública. Inexistência. Indevida utilização do incidente

como sucedâneo recursal. Pedido de suspensão indeferido. Agravo

regimental desprovido.

I - Consoante a legislação de regência (v.g. Lei n. 8.437/1992

e n. 12.016/2009) e a jurisprudência deste Superior Tribunal e do c.

Pretório Excelso, somente será cabível o pedido de suspensão quando a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

306

decisão proferida contra o Poder Público puder provocar grave lesão à

ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

II - In casu, não fi cou evidenciada a grave lesão a quaisquer dos

interesses tutelados pela legislação de regência, porquanto o simples

trancamento de inquérito civil instaurado pelo Parquet Estadual, por

ausência de justa causa, na espécie, não possuiu o condão de malferir a

autonomia institucional do Ministério Público.

III - Além disso, a discussão possui caráter eminentemente

jurídico, revelando-se o presente pedido de suspensão como sucedâneo

recursal, o que é vedado na via eleita, pois não se vale o incidente para

verifi cação do acerto ou desacerto de decisões judiciais.

Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do

Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Eliana Calmon,

Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo

Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Th ereza de Assis Moura, Herman

Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Sidnei Beneti votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 17 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Gilson Dipp, Presidente

Ministro Felix Fischer, Relator

DJe 24.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto pelo

Ministério Público de São Paulo, em face de decisão proferida por esta Presidência

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 307

às fl s. 148-151, na qual foi indeferido o pedido de suspensão anteriormente

formulado.

Nas razões de seu recurso, pretende o recorrente a reforma do decisum,

afirmando, em síntese, que, “com a devida vênia, tal decisão nos parece

equivocada, e desconforme posição anterior já adotada, anteriormente, por

essa Colenda Corte Especial, no sentido de que a imposição de obstáculos à

atividade institucional do Ministério Público ameaça a ordem administrativa e,

via desta, a ordem pública [...]” (fl . 162).

Sustenta, para tanto, em mais um oportunidade, que “O Acórdão, ao

acolher o mandado de segurança e conceder a ordem, signifi cou, na prática,

violação à autonomia institucional do Ministério Público e da independência

funcional do Procurador-Geral de Justiça que preside a investigação [...]” (fl .

169).

Ressalta, ademais, que “há risco de grave lesão à ordem, pública, na medida

em que a decisão proferida no Mandado de Segurança, [...] ao determinar o

trancamento da investigação, revela-se nitidamente ilegal” (fl . 169).

Alega, ainda, que não se pode desconsiderar o efeito multiplicador com

relação a inúmeras investigações em andamento, sob a presidência do Ministério

Público (172).

Por manter a decisão agravada, submeto o feito à c. Corte Especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A decisão recorrida deve ser

mantida por seus próprios fundamentos. Colaciono-a, oportunamente, a

seguir:

Consoante dispõe a legislação de regência, o deferimento da suspensão

de liminar e de sentença ou de segurança está condicionado a que esteja

plenamente caracterizada a ocorrência de grave lesão à ordem, à segurança, à

saúde ou à economia públicas, tendo em vista o caráter de excepcionalidade da

medida (Artigos 15 da Lei n. 12.016/2009 e 4º da Lei n. 8.437/1992).

Ainda, ressalte-se que mais que a mera alegação da ocorrência de cada uma

dessas situações, é necessária a efetiva comprovação do dano apontado (v.g. AgRg

na SLS n. 1.100-PR, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 4.3.2010).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

308

In casu, o que se busca com o presente pedido é a suspensão dos efeitos do

v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal a quo que determinou o trancamento de

inquérito civil instaurado pelo d. Ministério Público do Estado de São Paulo, por

ausência de justa causa.

Contudo, o presente pedido não comporta deferimento.

Em primeiro lugar, porque pode-se observar que os argumentos veiculados

pelo requerente, a título de justifi car a suspensão da liminar, revestem-se, em

verdade, de caráter eminentemente jurídico, notadamente acerca do art. 1º,

parágrafo único, e art. 3º, caput, da Lei n. 8.625, de 1993 - Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público, e art. 127, §§1º e 2º da CR/1988.

Sem embargo, não se vale o pedido de suspensão como instrumento para

se verificar o acerto ou o desacerto de decisões judiciais. Nesse sentido, a

jurisprudência dessa e. Corte Superior:

Agravo regimental. Suspensão liminar. Indeferimento. Ausência de lesão

aos bens jurídicos tutelados pela norma de regência.

1. O pedido de suspensão de liminar não tem natureza de recurso. É

instrumento processual de cunho eminentemente cautelar e de natureza

excepcional, no qual não se examina o mérito da causa principal nem eventual

erro de julgamento ou de procedimento.

2. A lesão à ordem jurídica há de ser examinada nas vias recursais

ordinárias.

[...]

4. O pedido de suspensão não pode ser utilizado como via de atalho

para modifi car decisão desfavorável ao ente público.

Agravo não provido.

(AgRg na SL n. 116-MG, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de

6.12.2004).

De outro lado, no que tange à alegada lesão à ordem pública, penso que

melhor sorte não socorre o requerente, já que, dada a natureza excepcional do

instituto da suspensão de liminar, a lesão ao bem jurídico tutelado deve ser grave,

devendo o requerente da medida demonstrar, de modo cabal e preciso, com

o devido lastro probatório, que a manutenção do v. acórdão reprochado traria

desastrosa conseqüência à autonomia institucional do Ministério Público, o que

não ocorreu na espécie.

Deve-se frisar que, como consignado pelo eg. Tribunal a quo, os atos

eventualmente praticados e investigados pelo d. Ministério Público não

possuiriam contornos de improbidade, mas sim criminais, sendo inclusive objeto

de ação penal ajuizada na origem em desfavor do impetrante.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 309

Ademais, no presente caso, não se pode olvidar que o trancamento do

inquérito civil gera embaraço às investigações realizadas pelo Parquet. Tampouco

se desconhece a possibilidade de investigação criminal realizada pelo Ministério

Público, à luz dos artigos 5º, incisos LIV e LV, 129 e 144, todos da Constituição

Federal, controvérsia que inclusive já possui repercussão geral reconhecida pelo

c. Pretório Excelso (RE n. 593.727-RG-MG, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 25.9.2009).

Entretanto, tenho que o v. acórdão objurgado não possui o condão de causar

grave lesão à ordem pública, apta a justifi car o deferimento do presente pedido,

o qual, repito, só se justifi ca em situações excepcionais. A meu ver, a discussão

apresentada neste pedido de suspensão diz respeito apenas à ausência de justa

causa para instauração do inquérito civil, e não à uma eventual ilegitimidade de

instauração do procedimento pelo Parquet.

Ante o exposto, por não vislumbrar qualquer lesão aos bens jurídicos tutelados

pela legislação de regência, indefi ro o presente pedido de suspensão.

P. e I.

Como fi cou demonstrado na decisão que agora se pretende a reforma, não

se admite a utilização do pedido de suspensão no intuito de reformar a decisão

atacada, de modo a caracterizá-lo como um sucedâneo recursal, olvidando-se de

demonstrar, cabalmente, o grave dano que ela poderia causar à saúde, segurança,

economia e ordem públicas.

Neste sentido, cumpre ressaltar que os argumentos veiculados pelo

recorrente, a título de justifi car a suspensão da segurança concedida pelo eg.

Tribunal a quo, revestem-se, em verdade, de caráter eminentemente jurídico,

porquanto focalizam, especialmente, a necessidade de observância do art. 1º,

parágrafo único, e art. 3º, caput, da Lei n. 8.625, de 1993 - Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público, e art. 127, §§ 1º e 2º da CR/1988.

O presente instrumento judicial, portanto, não deve substituir os recursos

processuais adequados, até porque, consoante a uníssona jurisprudência desta

Corte, não há que se analisar, no pedido extremo de suspensão, a legalidade ou

ilegalidade das decisões proferidas. Neste sentido:

Agravo regimental. Suspensão de segurança. Município. Contrato

administrativo. Onerosidade contratual. Matéria de mérito. Impossível o exame na

via eleita. Lesão à ordem e economia públicas. Demonstração. Ausente.

- Suspensão de liminar só é oportuna quando houver perigo de lesão a bens

jurídicos protegidos no art. 4º da Lei n. 4.348/1964.

- A lei outorga ao Poder Público a possibilidade, pelo meio adequado, de

rever as cláusulas que onerem o interesse público de forma desequilibrada. A

suspensão de segurança não se presta a este mister.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

310

- Não se admite, em suspensão, discussão sobre o mérito da controvérsia (AgRg na

SLS n. 846-SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe de 7.8.2008).

Agravo regimental. Suspensão de liminar e de sentença acolhida apenas

parcialmente. Energia elétrica. Índice de reajuste de tarifa. Devolução de

importâncias pela agravante já afastada na decisão agravada. Exame de questões

jurídicas de mérito. Impossibilidade.

– As questões relacionadas à legalidade das decisões de segundo grau

constituem temas jurídicos de mérito, os quais ultrapassam os limites traçados

para a suspensão de liminar, de sentença ou de segurança, cujo objetivo é afastar

a concreta possibilidade de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia

públicas. A via da suspensão, como é cediço, não substitui os recursos processuais

adequados.

Agravo regimental improvido (AgRg na SLS n. 1.255-SP, Corte Especial, Rel. Min.

Cesar Asfor Rocha, DJe de 14.9.2010).

A jurisprudência do c. Supremo Tribunal Federal também está sedimentada

no mesmo caminho (v.g. STA n. 152 AgR-PE, Tribunal Pleno, Rel.ª Min.ª

Ellen Gracie, DJe de 11.4.2008 e SS n. 4.394 AgR-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min

Cezar Peluso, DJe de 13.10.2011).

De outro lado, em relação à existência de precedente desta c. Corte

Especial no sentido de que a imposição de obstáculos à atividade institucional

do Ministério Público ameaça a ordem administrativa e, via desta, a ordem

pública (AgRg na SS n. 1.045-RJ, Corte Especial, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ

de 30.8.2004), entendo que a hipótese tratada naquele caso diferia da situação

trazida no presente incidente.

É que, naquele, fi cou demonstrado que o inquérito civil foi instaurado

“para investigar o respeito ao patrimônio público e a observância dos princípios

constitucionais que norteiam a Administração Pública dos fatos noticiados a

esta Procuradoria da República atribuídos ao juiz José Maria de Mello Porto,

durante o exercício da presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª

Região e outras questões relacionadas a estes”, enquanto que na hipótese dos

autos o inquérito foi instaurado para investigar conduta que, a toda evidência,

não possuiria contornos de improbidade, mas sim criminais, sendo inclusive

objeto de ação penal ajuizada na origem em desfavor do impetrante do mandado

de segurança.

Frise-se, por último, que o d. Ministério Público Federal, intimado da

decisão proferida às fl s. 148-151, não manifestou interesse em recorrer, pois

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 311

entendeu o Parquet Federal que “o v. acórdão objurgado não possui o condão de

causar grave lesão a ordem pública” (fl . 175).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

INTERVENÇÃO FEDERAL N. 100-PR (2005/0129140-6)

Relator: Ministro Humberto Martins

Reqste: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

UF: Estado do Paraná

Procurador: Cesar Augusto Binder e outro(s)

Interessado: Antônio Joaquim de Paula Cordeiro - espólio

Interessado: João de Paula Cordeiro - espólio

Interessado: Clotilde Ribas de Paula - espólio

Interessado: Francisco de Paula Cordeiro - espólio

Interessado: Hermancia Nascimento Cordeiro - espólio

Interessado: César de Paula Cordeiro - espólio

Representado por: Henrique Cechet - inventariante

Advogado: Eloi Tambosi

EMENTA

Intervenção federal. Estado do Paraná. Descumprimento de

ordem judicial. Força policial para cumprir reintegração de posse de

imóvel urbano caracterizada. Art. 34, VI, da Constituição Federal.

Precedentes.

1. Cuida-se de pedido de intervenção federal oriundo do

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em razão da omissão em

ofertar força policial para garantir o cumprimento de ordem judicial

de reintegração de posse, já transitada em julgado, com fulcro no art.

34, VI, da Constituição Federal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

312

2. Na fase judicial do pedido de intervenção federal deve ser

sindicada a existência dos requisitos autorizadores de sua procedência;

no caso concreto, resta demonstrada a inação ausente de motivos e de

justifi cativas do Poder Executivo local, que - na linha de precedentes

desta Corte Especial - autoriza o deferimento do pleito. Precedentes:

IF n. 109-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7.11.2012,

pendente de publicação; IF n. 106-PR, Rel. Min. João Otávio de

Noronha, Corte Especial, DJe 12.5.2010; IF n. 103-PR, Rel. Min.

Paulo Gallotti, Corte Especial, DJe 21.8.2008; IF n. 87-PR, Rel.

Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 27.11.2008; IF n. 94-PR,

Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, DJ 8.10.2007, p. 187; e IF n.

97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, DJ

18.12.2006, p. 274.

Intervenção federal procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A

Corte Especial, por unanimidade, julgou procedente o pedido de intervenção

federal, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Maria Th ereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi,

Raul Araújo Filho, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Francisco Falcão, Laurita

Vaz, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi, João Otávio

de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.

Licenciado o Sr. Ministro Gilson Dipp, sendo substituído pelo Sr. Ministro

Jorge Mussi.

Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo Filho.

Brasília (DF), 20 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 4.3.2013

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 313

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de requerimento de

intervenção federal apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná,

formulado pelo espólio de Antônio Joaquim de Paula Cordeiro, João de Paula

Cordeiro, Clotilde Ribas de Paula, Francisco de Paula Cordeiro, Hermancia

Nascimento Cordeiro e César de Paula Cordeiro, todos representados pelo

inventariante Henrique Cechet, com fulcro no art. 34, incisos IV e VI da

Constituição Federal.

Na sua petição inicial (fl s. 2-4), os requerentes alegam que deram entrada

em ação de reintegração de posse de imóvel urbano, tendo obtido ordem judicial

transitada em julgado neste sentido. Expõem que houve diversas tentativas

das autoridades judiciais em requerer força policial para o cumprimento,

sempre infrutíferas, por inação do Poder Executivo local. Por fi m, postulam

que deve ser decretada a intervenção federal na unidade federativa, em razão do

descumprimento das suas competências constitucionais.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, acolheu o pedido em acórdão

cuja ementa transcrevo (fl . 736):

Pedido de intervenção federal no Estado. Não cumprimento à ordem judicial.

Ocupação de área urbana. Determinação de reforço policial para execução de ordem

de reintegração de posse. Decisão judicial não cumprida. Omissão estatal. Violação

ao princípio da obrigatoriedade do cumprimento da ordem judicial. Deferimento

do pedido. - Tratando-se de decisão judicial não cumprida e não caracterizado o

atraso circunstancial, constitui-se em fl agrante ofensa ao princípio constitucional

do cumprimento de decisão judicial, o não atendimento à requisição judicial de

força policial para a efetivação de reintegração na posse dos legítimos herdeiros

dos imóveis ocupados, deferindo-se o pleito de intervenção federal, nos termos

do artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal.

Os autos foram remetidos ao STJ.

O Parquet Federal opinou no sentido da procedência do pedido, em

parecer cuja ementa é a seguinte (fl . 770):

Intervenção federal. Descumprimento injustifi cado pelo Executivo Estadual de

decisão do Tribunal de Justiça do Estado. Requisição de auxílio policial. Mandado

de reintegração de posse. Procedência do pedido. - Os documentos juntados às fl s.

07-658 são capazes de comprovar que, de fato, o acórdão de fl s. 366-378 (TJPR),

transitado em julgado (fl . 379) no ano de 2000, vem tendo o seu cumprimento

(mandado de reintegração de posse) obstado pela unidade federativa requerida

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

314

(Paraná), por negativa de auxílio de reforço policial, sem qualquer argumento

plausível, ou mesmo demonstração de providências administrativas concretas

para a solução da situação (fls. 679-684), o que sem dúvida constitui atraso

injustifi cado (5 anos), capaz de autorizar a procedência da presente intervenção

federal.

O Estado do Paraná juntou informações da Secretaria de Estado de

Segurança Pública (fl s. 775-786).

Os autos foram distribuídos ao Min. Aldir Passarinho Júnior, que os

remeteu ao MPF para que opinasse acerca das informações juntadas (fl . 794).

O Subprocurador-Geral da República exarou longo parecer no qual

reconsiderou sua manifestação anterior, e opina pela improcedência do pedido

(fl s. 796-808). Juntou acórdão do TRF da 4ª Região (fl s. 809-829). Juntou

cópias de consultas processuais referentes ao TJ do Paraná (fl s. 830-832).

O Relator determinou que os requerentes se manifestassem sobre

o interesse em prosseguir com o feito (fl . 834). Houve a manifestação dos

requerentes quanto ao prosseguimento do feito (fl . 841).

O Estado do Paraná manifestou-se no sentido da perda do objeto do

presente feito, devido os requerentes terem ajuizado duas ações de indenização

em razão do que alegam ser uma desapropriação indireta pelo poder público.

Alega que os dois pleitos são incompatíveis (fl s. 860-861).

Os requerentes alegam que as duas ações mencionadas n. 667/2000 n.

303/2002) dizem respeito a terrenos que não estariam abrangidos na decisão

judicial transitada em julgado e, assim, não haveria qualquer incompatibilidade

(fl s. 879-880).

O Subprocurador-Geral da República novamente reconsidera sua opinião,

aduzindo que o Estado do Paraná não comprovou suas alegações no sentido de

que haveria perda do objeto da presente intervenção federal. Em razão disto,

opina pelo deferimento do pedido de intervenção federal (fl s. 882-889).

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Deve ser julgado procedente

o pedido de intervenção federal, na linha dos precedentes que têm sido

acordados na Corte Especial do STJ.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 315

DOS FATOS QUE ENSEJARAM O PEDIDO

Denota-se dos autos que há a ausência de cumprimento de uma ordem

judicial derivada de acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná (fl s. 366-378), cuja ementa transcrevo:

Apelação cível. Reintegração de posse improcedida “a quo”. Invasão de área

urbana por diversas famílias, com rompimento de cercas demarcatórias. Esbulho

confi gurado e comprovação possessória por recorrentes através de laudo pericial

bastante aos requisitos do art. 927, CPC. Precedentes jurisprudenciais. Recurso

acolhido. Inversão sucumbencial.

Todavia, logo depois, compareceu aos autos a Companhia de Habitação

Popular de Curitiba (Cohab-CT), com petição na qual alega serem três os

lotes de propriedade do município; que outros são de propriedade da Caixa

Econômica Federal e, ainda, outros registrados em nome de particulares. Pediu a

suspensão da execução para buscar uma solução pacífi ca (fl s. 390-392).

Os requerentes replicaram que estava - desde início - evidente o imbróglio

com a CEF. Ainda, que a relação entre os espólios e a empresa pública federal era

condominial. Também, frisaram que a CEF foi chamada à ação de reintegração

de posse, porém pediu sua exclusão da lide. Logo, não haveria razão ao petitório

(fl s. 483-484).

Cabe notar que a execução não foi suspensa, e que o Ofi cial de Justiça

intimou diversos moradores, no dia 3.6.2000, para que desocupassem a área em

15 (quinze) dias (fl s. 415-417). As Intimações são múltiplas e volumosas (fl s.

419-482).

O juízo de primeira instância determinou e permitiu que fossem opostos

embargos de terceiros pela Cohab-CT, ou pela CEF, ou, ainda, por quaisquer

outros interessados. Todavia, não houve manifestação (fl . 554).

O processo judicial - em relação ao juízo de primeira instância - foi

considerado fi ndo, já que o tema estava transitado em julgado. O que restava era

somente o cumprimento da ordem judicial.

Logo, foi postulada ao Comandante da Polícia Militar a oferta de força

policial para o cumprimento do mandado de reintegração de posse (fl . 557).

Houve negativa (fl . 560).

Novo ofício e ausência de resposta (fl . 565).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

316

A Secretaria Estadual de Segurança Pública abriu processo administrativo

para realizar os estudos e planos sem, todavia, executá-los. O magistrado

estadual do Juízo da 11ª Vara Cível, novamente, remeteu ofício ao Secretário

de Segurança Pública, exigindo explicações pelo não cumprimento da ordem

judicial (fl . 634). Ausente de resposta, houve reiteração (fl . 638).

Após as negativas do Secretário, o Juiz da 11ª Vara Cível oficiou ao

Governador de Estado, Roberto Requião, determinando (fl . 643):

Senhor Governador,

Pelo presente, expedido nos autos de Reintegração de Posse, n. 33.489/1985,

no qual fi guram como requerentes espólio de Antonio Joaquim de Paula Cordeiro

e outra e requeridos Anderson Monteiro e outros, solicito a Vossa Excelência os

bons préstimos, para que no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, em medida

de urgência, desloque força policial para acompanhar o Sr. Ofi cial de Justiça

desta Vara, Cláudio Leites Junior, telefone 9977-2395, e desta forma viabilizar o

cumprimento do Mandado de Reintegração de Posse, expedido em favor dos

requeridos, relativamente à área territorial compreendida entre as Ruas Dalila

Roulin Vargas e Herculano de Araújo e córregos que delimitam a área do Potreiro

Grande, Neste Capital. Informando, ainda, que sendo necessário, foi deferida

ordem de arrombamento. Solicito ainda que seja informado a este Juízo o motivo

do não cumprimento da ordem judicial transitada em julgado.

Da ausência de resposta, o Juízo da 11ª Vara Cível concluiu que não

haveria a possibilidade de que o Estado do Paraná ofertasse a força policial, e

despachou (fl . 653):

Autos n. 33.489/85

Recebi hoje.

O descumprimento da ordem judicial pelas autoridades públicas estaduais

é fato que enseja a decretação de intervenção no ente federativo, providência

esta que deve ser decretada diretamente pelo Tribunal de Justiça, nos termos da

legislação vigente.

Posto isso, nada há para ser deferido nesta instância, incumbindo aos autores

promoverem, perante o Juízo competente, as medidas necessárias à defesa de

seus interesses.

Intimem-se.

Curitiba, 25.11.2003.

Inicialmente, cabe anotar que a intervenção federal é um procedimento

complexo, que envolve uma fase judicial e demais providências adstritas ao

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 317

âmbito do Poder Executivo e do Poder Legislativo da República Federativa.

Assim, para sua efetivação, é necessária a conjugação de competências e de

ações.

Segundo o magistério de Francisco Bilac Pinto Filho:

A intervenção é mecanismo constitucional de intromissão do governo

central em assuntos dos Estados-membros para que se evite, principalmente,

conturbações à ordem instaurada. Ela é a supressão, ainda que temporária, da

autonomia estadual, para se alcançar em “bem superior”, que é a indissolubilidade

da Federação.

(Comentários aos artigos 34 a 36. In: Jorge Miranda, Paulo Bonavides, Walber

de Moura Agra. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 654.)

No mesmo sentido, leciona José Afonso da Silva:

Intervenção é antítese da autonomia. Por ela afasta-se momentaneamente a

atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou Município que a tenha sofrido

Uma vez que a Constituição assegura a essas entidades a autonomia como

princípio básico da forma de Estado adotada, decorre daí que a intervenção

é medida excepcional, e só há de ocorrer nos casos nela taxativamente

estabelecidos e indicados como exceção ao princípio da não intervenção,

conforme o artigo 34 (...) e o art. 35.

(In: Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 485.)

A atuação da Corte Especial do STJ é apenas uma das fases de um longo

processamento que envolveu o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e, em

caso de haver procedência, deve ensejar a correspondente atuação do Poder

Executivo Federal para que se concretize.

Bem se vê que a medida excepcionalíssima da intervenção federal só pode

ser autorizada pelo Poder Judiciário em face de situação fática que se amolde

nas hipóteses jurídicas estritamente previstas pela Constituição Federal. No

caso em comento, a hipótese trazida diz respeito à negativa reiterada de fornecer

força policial para garantir o cumprimento de ordem judicial.

É o inciso VI do art. 34 da Carta Política que abarca tal situação.

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

( ...)

V I - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

318

Como bem indica Francisco Bilac Pinto Filho, essa situação, em princípio,

não requer que a ordem judicial esteja transitada em julgado. A ofensa dirigida à

autoridade do Poder Judiciário, em si, já constituiria uma hipótese:

Outro relevante ponto no que toca a ordens de decisões judiciais é sobre a

defi nitividade das mesmas. Desde a Constituição de 1891, que falava em sentenças

federais, a doutrina já adotava entendimento realista. Não se concebia que,

apenas uma sentença transitada em julgado, pudesse ser objeto de apreciação da

Suprema Corte para os fi ns de requisição de intervenção. Assim, desde a primeira

Constituição Republicana já se adotou a compreensão que poder-se-ia tratar-se

de mera ordem ou decisão judicial, desde que fosse federal. (...) Como dissemos,

a partir da Constituição de 1946, todas as demais Constituições não repetiram

a exigência da federalidade da decisão, e as constituições de 1934, 1946, 1967

(Emenda n. 1 de 1969) e 1988 não falaram em sentenças e sim ordens ou decisões

judiciais. Desse modo, toda e qualquer ordem ou decisão emanada do Poder

Judiciário, no exercício da função jurisdicional, independente de seu trânsito

em julgado, uma vez desrespeitada, reclama uma possível intervenção federal.

Manifestamente, tanto os órgãos superiores dos Tribunais Estaduais e Tribunais

Federais farão a devida apreciação dos pedidos de intervenção, utilizando-se da

percuciência característica dos órgãos colegiados, para atingir-se o entendimento

de que esta ou aquela decisão, ainda que sejam sejam definitivas, pela sua

gravidade, pode e devem ensejar a medida extrema.

(Comentários aos artigos 34 a 36. In: Jorge Miranda, Paulo Bonavides, Walber

de Moura Agra. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro:

Forense, 2009, p. 669.)

Bem equacionada e descrita a ação típica em comento e as normas jurídicas

envolvidas, passo à apreciação detida do caso concreto.

DO CASO CONCRETO

No caso concreto, tem-se que há uma ordem judicial emanada pelo Poder

Judiciário Estadual que determinou a reintegração de posse de um imóvel

urbano ocupado.

O Tribunal de origem assim relatou a controvérsia (fl . 737)

Os espólios de Antonio Joaquim de Paula Cordeiro, de João de Paula

Cordeiro e sua mulher Clotilde Ribas de Paula, de Francisco Paula Cordeiro e sua

mulher, Hermancia Nascimento Cordeiro e de César de Paula Cordeiro, todos

representados pelo inventariante, Henrique Chechet, formularam pedido de

intervenção federal no Estado do Paraná ao argumento de que este não deu

cumprimento à ordem judicial de reintegração de posse, expedido pelo douto

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 319

juízo de Direito da Décima Primeira Vara Cível do Foro Central da Comarca da

Região Metropolitana de Curitiba, nos autos de Ação de Reintegração de Posse,

autuada sob o n. 33.489/95.

E, para tanto, em breve escorço, alegam que, em 18 mar. 82, ingressaram com a

Ação de Reintegração de Posse perante a Vara Cível da Justiça Federal de Curitiba,

autuada sob o n. 5.308/82, em decorrência da invasão ocorrida numa área de

aproxidamente 38.000 m2 do imóvel urbano de sua propriedade, localizado no

Distrito do Portão, desta capital.

O Tribunal de Justiça Estadual analisou a documentação acostada aos

autos e considerou que os requisitos para autorização da intervenção federal

estavam presentes, nos seguintes termos (fl s. 743-744):

Não obstante a situação social envolvida nas questões relativas a ocupações

de imóveis urbanos ou rurais, por posseiros e suas famílias, não se pode admitir

tal circunstância como justificativa para desatendimento de decisão judicial,

sob pena de subversão da própria ordem constitucional. Muito embora tenha o

requerido revelado sua intenção de equacionar administrativamente o confl ito,

verifica-se que nenhuma providência foi efetivada, ou qualquer proposta

concreta foi efetuada nesse sentido, impondo-se, pois, o acolhimento da presente

representação.

Lamentavelmente, esgotaram-se todos os meios legais tendentes ao

cumprimento da decisão judicial, só restando o deferimento da presente

representação, para o fi m de requisitar a intervenção federal no Estado do Paraná,

conforme o disposto no artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal e artigo 101,

inciso VI, da Carta Estadual.

Assim, os autos foram remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, para que,

nos termos do art. 36, inciso II, da Constituição Federal, esta Corte Superior

pronunciasse sobre tema:

Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:

( ...)

I I - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do

Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior

Eleitoral;

O processamento interno do requerimento do Tribunal de Justiça do

Estado do Paraná é apenas mais um dos momentos judiciários da autorização

para intervenção federal. Se for julgado procedente, será o acórdão comunicado

à Presidência República, a quem caberá praticar as providências ulteriores:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

320

Art. 312. A requisição de intervenção federal, prevista nos artigos 34, VI e 36, II

e IV, da Constituição, será promovida:

I - de ofício, ou mediante pedido do Presidente do Tribunal de Justiça do

Estado, ou do Presidente de Tribunal Federal, quando se tratar de prover a

execução de ordem ou decisão judicial, com ressalva, conforme a matéria, da

competência do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral

(Constituição, art. 34, VI, e art. 36, II);

(...)

Art. 315. Julgado procedente o pedido, o Presidente do Tribunal comunicará

imediatamente a decisão aos órgãos interessados do Poder Público e requisitará a

intervenção ao Presidente da República.

A Corte Especial do STJ tem julgado procedentes os diversos pedidos de

intervenção federal oriundos do Estado do Paraná. Usualmente, tais pedidos

estão cingidos a imóveis rurais, nos quais há um claro desrespeito à autoridade

do Poder Judiciário local em suas determinações judiciais para reintegrar a posse

de imóvel ocupado.

A propósito, os precedentes:

Recusa de cumprimento a decisão judicial. Reintegração na posse. Invasão

de propriedade rural pelo movimento de trabalhadores sem-terra. Política

pública do Estado do Paraná no sentido de só promover desocupações pacífi cas.

Promessa, pelo Incra, de indicação de área para alocar os trabalhadores. Medida

que vem sendo adiada há mais de cinco anos. Argumentação de que a terra

controvertida é da União e de que o fato será demonstrado em ação anulatória de

título de propriedade. Irrelevância, no momento. Descumprimento caracterizado.

Intervenção deferida.

1. O deferimento de uma ordem liminar deve ser combatido em juízo,

mediante a interposição dos recursos cabíveis. A partir do trânsito em julgado

formal de uma determinação judicial, compete ao Estado disponibilizar meios

para garantir seu cabal cumprimento.

2. Caracterizada nos autos a existência de uma política pública, no âmbito do

Estado do Paraná, de apenas dar cumprimento a ordens de reintegração de posse

em fazendas por via pacífi ca, gerando a existência de mais de 400 processos em

que tais determinações não foram cumpridas, uma providência urgente deve ser

tomada. A situação torna-se especialmente grave pelas informações contidas

nos autos, de que multas diárias vêm sendo aplicadas a agentes públicas a quem

não incumbe, ao menos de maneira direta, a formulação dessa política pública,

inclusive com penhora de bens para alienação judicial.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 321

3. A reiterada promessa, por parte do Incra, de indicar áreas para as quais os

invasores deverão ser transferidos, não pode mais adiar a solução da controvérsia,

que se arrasta por mais de cinco anos.

4. A conclusão do Incra de que a terra comprometida pertence à União, e as

ponderações no sentido da propositura de uma ação de anulação dos títulos

dominiais, também não modifi cam a necessidade de providências urgentes. Se

tal ação deverá ser proposta, compete aos órgãos responsáveis agir de pronto,

requisitando, se for o caso, uma medida liminar que autorize a permanência dos

trabalhadores sem terra na área. O que não se pode fazer é negar, simplesmente,

cumprimento a uma decisão judicial válida.

5. Pedido de intervenção deferido.

(IF n. 109-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 7.11.2012, acórdão

pendente de publicação.)

Intervenção federal. Estado do Paraná. Descumprimento de decisão judicial

caracterizado. Ação de reintegração de posse.

1. A intervenção federal é medida de natureza excepcional, porque restritiva

da autonomia do ente federativo. Daí as hipóteses de cabimento serem

taxativamente previstas na Constituição da República, em seu artigo 34.

2. Nada obstante sua natureza excepcional, a intervenção se impõe nas

hipóteses em que o Executivo Estadual deixa de fornecer força policial para o

cumprimento de ordem judicial.

3. Intervenção federal julgada procedente.

(IF n. 106-PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em

12.4.2010, DJe 12.5.2010.)

Intervenção federal. Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Ação de

reintegração de posse. Embora seja medida de natureza especialíssima e grave,

a intervenção federal é de rigor quando o Executivo Estadual deixa de fornecer

força policial para o cumprimento de ordem judicial.

(IF n. 87-PR, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 5.11.2008, DJe

27.11.2008.)

Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Reforço policial.

Descumprimento de decisão judicial caracterizado. Perda de objeto. Inexistência.

1. Na linha da jurisprudência desta Corte, impõe-se a procedência do pedido

de intervenção federal nas hipóteses em que o Poder Executivo não fornece

o reforço policial necessário para o fi m de efetivar o cumprimento de decisão

judicial, transitada em julgado, de reintegração de posse de imóvel rural invadido

por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

322

2. O fato de existir proposta de venda do imóvel não torna sem efeito a decisão

judicial que julgou procedente o pedido de reintegração de posse, nem tampouco

retira o direito da requisitante de reaver seu bem, não se mostrando razoável

reconhecer que houve perda de objeto do pedido de intervenção federal.

3. Pedido de intervenção federal julgado procedente.

(IF n. 103-PR, Rel. Min. Paulo Gallotti, Corte Especial, julgado em 4.6.2008, DJe

21.8.2008.)

Constitucional. Intervenção federal. Estado do Paraná. Imóvel rural invadido

pelo MST. Reintegração de posse concedida. Descumprimento de decisão judicial.

Atraso injustifi cável. Contumácia. Vastidão de precedentes.

1. Pedido de Intervenção Federal requerido pelo Tribunal de Justiça do Estado

do Paraná em face de descumprimento de ordem judicial (medida liminar)

oriunda daquela Corte que determinou reintegração na posse dos titulares de

imóvel rural invadido por grupo denominado Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra – MST.

2. A via da intervenção federal, de natureza especialíssima e grave, só deve

ser aberta quando em situações extremas e se apresentar manifesta a intenção

do Poder Executivo, pela sua autoridade maior, de conduta inequívoca de

descumprimento de decisão judicial, como se insere na presente lide.

3. Em diversos casos semelhantes ao presente, a distinta Corte Especial deste

Sodalício decidiu que, ante a recalcitrância do Estado do Paraná em descumprir

decisões judiciais de reintegração de posse – mesmo que de natureza provisória –

quando o esbulho é perpetrado por ditos movimentos sociais sem que houvesse

qualquer justifi cativa plausível ou mesmo atos concretos nesse sentido, é de se

deferir o pedido de intervenção federal.

4. O indeferimento do pedido implicaria despir de efi cácia e autoridade as

decisões judiciais, importando num indesejável e crescente enfraquecimento

do Poder Judiciário, transmudando a coercibilidade e o comando inerentes aos

provimentos judiciais em simples aconselhamento destituído de efi cácia, ainda

mais quando caracterizada a contumácia no descumprimento.

5. “É irrelevante o fato de não ser defi nitiva a decisão exeqüenda. Dizer que

somente o desrespeito à decisão defi nitiva justifi ca a intervenção é reduzir as

decisões cautelares à simples inutilidade.” (IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes

de Barros, DJ de 18.12.2006).

6. Vastidão de precedentes: IF n. 91-RO, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros,

DJ de 13.2.2006; IF n. 22-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 6.6.2005; IF n. 70-PR,

Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 2.5.2005; IF n. 86-PR, Rel. Min. Barros

Monteiro, DJ de 28.6.2004; IF n. 76-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de

13.10.2003, dentre outros.

7. Pedido de intervenção deferido.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 25, (230): 17-323, abril/junho 2013 323

(IF n. 94-PR, Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, julgado em 19.9.2007, DJ

8.10.2007, p. 187.)

Intervenção federal. Ação de reintegração de posse. Invasão Movimento dos

Sem Terra - MST. Decisão liminar não cumprida. Retardo por dois anos.

- Evidenciada a manifesta inércia do Poder Executivo Estadual quanto ao

cumprimento da decisão judicial, decorridos dois anos da concessão da liminar

reintegratória de posse, justifi ca-se a intervenção federal.

- É irrelevante o fato de não ser defi nitiva a decisão exeqüenda Precedentes.

- Dizer que somente o desrespeito à decisão defi nitiva justifi ca a intervenção é

reduzir as decisões cautelares à simples inutilidade.

(IF n. 97-PR, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Corte Especial, julgado em

6.12.2006, DJ 18.12.2006, p. 274.)

Ante o exposto, julgo procedente o pedido de intervenção federal.

É como penso. É como voto.

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Primeira Seção

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EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.235.844-MG

(2011/0115144-6)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Relator para o acórdão: Ministro Arnaldo Esteves Lima

Embargante: Douglas Marçal de Lourdes

Advogado: Antônio José B Bresci e outro(s)

Embargado: Município de Albertina

Advogados: Tarso Duarte de Tassis e outro(s)

Bernardo Romanizio de Carvalho e outro(s)

Ana Luisa Bueno Domingues e outro(s)

EMENTA

Administrativo. Processo Civil. Embargos de divergência no

recurso especial. Concurso público. Aprovação dentro do número

de vagas. Prorrogação do certame. Ausência de motivação. Direito

subjetivo à nomeação. Reconhecimento. Embargos acolhidos.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se

fi rmando no sentido de que o candidato aprovado dentro do número

de vagas tem direito subjetivo à nomeação. E, durante o prazo de

validade do concurso, possui a Administração discricionariedade para

convocar os aprovados.

2. A Constituição Federal, no inciso III do art. 37, dispõe que “o

prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável

uma vez, por igual período”. Embora não esteja expressamente

disposto no texto constitucional, para que haja razoabilidade na ação

administrativa, todos os atos da Administração devem ser motivados.

3. Dentro do prazo de dois anos originariamente estabelecido no

edital, a Administração escolherá a data que entender adequada para a

nomeação dos candidatos aprovados. No entanto, havendo prorrogação,

esta deve ser motivada com as razões do não preenchimento dos

cargos disponibilizados em respeito aos princípios da legalidade, da

razoabilidade e da motivação.

4. Embargos de divergência acolhidos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

328

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por

maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator, Benedito Gonçalves e Diva Malerbi

(Desembargadora Federal convocada TRF 3ª Região), conhecer dos embargos e

dar-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima,

que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima os

Srs. Ministros Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Humbertos

Martins (voto-desempate).

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Ari Pargendler, Teori Albino

Zavascki e Castro Meira.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília (DF), 14 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJe 28.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de embargos de

divergência interpostos por Douglas Marçal de Lourdes contra acórdão da

Primeira Turma desta Corte Superior, relator Ministro Hamilton Carvalhido,

ementado nos seguintes termos:

Agravo regimental em recurso especial. Direito Administrativo. Concurso

público. Direito à nomeação. Inexistência. Ausência do transcurso do prazo de

validade.

1. Possui expectativa de direito à nomeação o aprovado dentro do número

de vagas enquanto não expirado o prazo de validade do concurso, período

dentro do qual possui a Administração Pública discricionariedade em relação ao

momento da nomeação.

2. “(...) como o certame ainda está dentro de seu prazo de validade, as efetivas

nomeação e posse devem guardar observância aos critérios de conveniência

e oportunidade da Administração Pública.” (RMS n. 32.660-RN, Relator Ministro

Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, in DJe 12.11.2010).

3. Agravo regimental improvido.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 329

O recorrente sustenta que a regular aprovação em concurso público em

posição classifi catória compatível com as vagas previstas em edital confere ao

candidato direito subjetivo a nomeação e, não, expectativa de direito. Aduz

dissídio com o AgRg no RMS n. 32.891-RO, o RMS n. 31.611-SP e o AgRg

no Ag n. 1.331.833-BA, todos de relatoria do Ministro Humberto Martins.

Requer que sejam recebidos e providos os presentes embargos de

divergência, a fim de que prevaleça a orientação adotada pelos acórdãos

paradigmas.

Instada a se manifestar, o embargado apresentou impugnação.

É o relatório.

VOTO

Ementa: Embargos de divergência. Administrativo. Concurso

público. Candidato classifi cado dentro do número de vagas previstas

no edital. Direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do

concurso.

1. Trata-se os autos de embargos de divergência em que o

embargante suscita suposto dissídio jurisprudencial entre as Primeira

e Segunda Turmas no que tange a regular aprovação em concurso

público em posição classifi catória compatível com as vagas previstas

em edital conferir ao candidato direito subjetivo a nomeação e, não,

expectativa de direito.

2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que

a regular aprovação em concurso público em posição classifi catória

compatível com as vagas previstas em edital confere ao candidato

direito subjetivo a nomeação e posse dentro do período de validade do

certame. Este entendimento foi confi rmado pelo Supremo Tribunal

Federal no RE n. 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,

julgado em 10.8.2011, repercussão geral, mérito DJ 3.10.2011.

3. O ora embargante foi aprovado em posição classifi catória

compatível com as vagas previstas em edital. Ocorre que, conforme

informações prestadas na impugnação apresentada pelo Município de

Albertina (fl s. 363), o prazo de validade do concurso foi prorrogado,

expirando apenas em agosto de 2013.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

330

4. Como o concurso ainda não expirou, não se pode deferir de

imediato a nomeação, pois apesar do recorrente ter sido aprovado

no concurso público em posição classifi catória compatível com as

vagas previstas em edital, deve-se respeitar a discricionariedade da

Administração Pública para determinar a nomeação dos candidatos

aprovados, a qual deve ser limitada à conveniência e oportunidade da

convocação dos aprovados dentro do período de validade do certame.

5. Embargos de divergência não providos.

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se os autos

de embargos de divergência em que o embargante suscita suposto dissídio

jurisprudencial entre as Primeira e Segunda Turmas no que tange a regular

aprovação em concurso público em posição classifi catória compatível com as

vagas previstas em edital conferir ao candidato direito subjetivo a nomeação e,

não, expectativa de direito.

Preceituam os arts. 546 do CPC e 266 do RISTJ que o cabimento dos

embargos de divergência restringe-se às hipóteses em que configurada a

diversidade de tratamento jurídico aplicado a situações idênticas por esta Corte

Superior na apreciação e julgamento de recursos especiais pelas Turmas, Seções

ou Corte Especial.

Ponderadas as hipótese de cabimento do recurso em questão, entendo que,

apesar dos presentes embargos de divergência merecerem conhecimento, eles

não podem ser providos. Vejamos.

Esta Corte Superior adota entendimento segundo o qual a regular

aprovação em concurso público em posição classifi catória compatível com as

vagas previstas em edital confere ao candidato direito subjetivo a nomeação e

posse dentro do período de validade do certame. Neste sentido, confi ram-se os

seguintes precedentes:

Agravo regimental. Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso

público. Candidato classifi cado dentro do número de vagas previstas no edital.

Direito líquido e certo à nomeação. Ocorrência.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte e do Supremo, têm direito à nomeação

os candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecidas no edital de

concurso.

2. Agravo regimental improvido. (AgRg no RMS n. 28.671-MS, Rel. Ministro

Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10.4.2012, DJe 25.4.2012).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 331

Agravo regimental no recurso em mandado de segurança. Administrativo.

Concurso público. Candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no

edital. Direito subjetivo à nomeação.

1 - O candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital tem

direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do concurso. Precedentes

do STJ e do STF.

2 - Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RMS n. 29.680-RS,

Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 13.3.2012, DJe

29.3.2012).

Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso

público. Necessidade do preenchimento de vagas previstas no edital caracterizada

por ato inequívoco da Administração. Direito subjetivo à nomeação.

1. Na origem, cuida-se de mandado de segurança em que se busca a nomeação

da impetrante para o cargo de Ofi cial de Justiça da Comarca de Ilhéus, tendo em

vista a sua aprovação dentro do número de vagas previsto no edital e o período

de validade deste ainda não expirado.

2. Esta Corte já concluiu que a desistência dos candidatos convocados, ou

mesmo a sua desclassifi cação em razão do não-preenchimento de determinados

requisitos, gera para os seguintes na ordem de classifi cação direito subjetivo

à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas.

Precedentes.

3. Recurso ordinário em mandado de segurança provido. (RMS n. 34.990-BA,

Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7.2.2012, DJe

14.2.2012).

Administrativo. Concurso público. Decadência do mandamus. Ausência. Marco

inicial. Término da validade do concurso. Candidato aprovado dentro do número

de vagas previsto no edital. Direito à nomeação.

1. O marco inicial para a contagem do prazo decadencial do Mandado de

Segurança contra a ausência de nomeação de aprovados em concurso público é a

data do término do prazo de validade deste.

2. O atual entendimento dos Tribunais Superiores é de que o candidato

aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto no edital

possui direito subjetivo à nomeação e à posse no cargo almejado, e não mera

expectativa de direito.

3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 57.493-BA, Rel. Ministro

Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 2.2.2012, DJe 24.2.2012)

Este entendimento foi confi rmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE

n. 598.099, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10.8.2011,

Repercussão Geral, Mérito DJ 3.10.2011, in verbis:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

332

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Concurso público. Previsão de vagas

em edital. Direito à nomeação dos candidatos aprovados. I. Direito à nomeação.

Candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital. Dentro do

prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no

qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação,

a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando

aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado

o edital do concurso com número específi co de vagas, o ato da Administração

que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação

para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado

pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. Administração Pública.

Princípio da segurança jurídica. Boa-fé. Proteção à confi ança. O dever de boa-fé da

Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive

quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de

um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do

Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio

de proteção à confi ança. Quando a Administração torna público um edital de

concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o

preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente

gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas

nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame

público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar

de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da

segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros

termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso

público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto

subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III.

Situações excepcionais. Necessidade de motivação. Controle pelo Poder Judiciário.

Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear

os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em

consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifi quem

soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse

público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem

exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para

justifi car o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte

da Administração Pública, é necessário que a situação justifi cadora seja dotada

das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de

uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do

edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada

por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital;

c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser

extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, difi culdade ou mesmo

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 333

impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade:

a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação

deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode

adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos

gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma,

a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser

devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário.

IV. Força normativa do princípio do concurso público. Esse entendimento, na medida

em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e

preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público,

que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade

da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável

conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo

Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de

garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O

reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites

à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das

normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé

e incondicional respeito à confi ança dos cidadãos. O princípio constitucional do

concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as

garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das

garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras,

o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena

efetividade do princípio do concurso público. V. Negado provimento ao recurso

extraordinário.

O ora embargante foi aprovado em posição classifi catória compatível com

as vagas previstas em edital.

Ocorre que, conforme informações prestadas na impugnação apresentada

pelo Município de Albertina (fl s. 363), o prazo de validade do concurso foi

prorrogado, expirando apenas em agosto de 2013.

Assim, como o concurso ainda não expirou, não se pode deferir de imediato

a nomeação, pois apesar do recorrente ter sido aprovado no concurso público

em posição classifi catória compatível com as vagas previstas em edital, deve-

se respeitar a discricionariedade da Administração Pública para determinar a

nomeação dos candidatos aprovados, a qual deve ser limitada à conveniência e

oportunidade da convocação dos aprovados dentro do período de validade do

certame.

Pelas razões expostas, nego provimento aos embargos de divergência.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

334

VOTO VENCEDOR

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de embargos de divergência

interpostos por Douglas Marçal de Lourdes contra acórdão da Primeira Turma

assim ementado (fl . 268e):

Agravo regimental em recurso especial. Direito Administrativo. Concurso

público. Direito à nomeação. Inexistência. Ausência do transcurso do prazo de

validade.

1. Possui expectativa de direito à nomeação o aprovado dentro do número

de vagas enquanto não expirado o prazo de validade do concurso, período

dentro do qual possui a Administração Pública discricionariedade em relação ao

momento da nomeação.

2. “(...) como o certame ainda está dentro de seu prazo de validade, as efetivas

nomeação e posse devem guardar observância aos critérios de conveniência

e oportunidade da Administração Pública.” (RMS n. 32.660-RN, Relator Ministro

Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, in DJe 12.11.2010).

3. Agravo regimental improvido.

Em suas razões, sustenta o embargante dissídio jurisprudencial com

julgados da Segunda Turma, proferidos no AgRg no RMS n. 32.891-RN e

AgRg no Ag n. 1.331.833-BA, ambos da Rel. Min. Humberto Martins, segundo

os quais “o candidato aprovado no número de vagas fi xadas no Edital possui o

direito subjetivo à nomeação, não havendo mera expectativa de direito” (fl . 311e).

É o relatório.

O eminente Relator conheceu do recurso, porém lhe negou provimento

por consignar que, apesar de o candidato, ora recorrente, ter sido aprovado no

concurso público em posição classifi catória compatível com as vagas previstas

em edital, o certame ainda não expirou. Dessa forma, não se pode deferir de

imediato a nomeação, em respeito à discricionariedade da Administração

Pública para determinar a nomeação dos candidatos aprovados, a qual se deve

limitar aos critérios da conveniência e da oportunidade.

Pedindo vênia ao Ministro Relator, entendo que o recurso merece ser

provido.

A jurisprudência, desde há muito, vem se fi rmando no sentido de que

o candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à

nomeação. E, durante o prazo de validade do concurso, possui a Administração

discricionariedade para convocar os aprovados.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 335

No entanto, aqui há um aspecto peculiar. É que a validade do concurso em

tela, originariamente, é por dois anos. E ele foi prorrogado – e a Constituição

assim prevê – por mais dois. Porém, entendo que essa prorrogação deveria ser

justifi cada, porque fi ca muito ao alvedrio do Administrador prorrogar. Quer

dizer, uma pessoa faz um concurso e vai fi car quatro anos aguardando para ser

nomeado.

A Constituição prevê a possibilidade de prorrogação, mas, por outro lado,

temos que levar em conta que não é razoável que essa prorrogação se dê, pura

e simplesmente, pela vontade do Administrador. Dois anos são mais do que

sufi cientes para esse planejamento e para nomear ou justifi car as razões da não

nomeação.

Então, sobre essa prorrogação, dentro do prazo de dois anos, a meu ver,

com a devida vênia do Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho nesse ponto,

a Administração tem o direito de escolher a data que for mais oportuna para

nomear, ou seja, verifi car se tem condição, verba precisa, podendo escolher

dentro dos dois primeiros anos.

Contudo, em respeito aos princípios da legalidade, da razoabilidade e

da motivação, a prorrogação deveria ser justifi cada, motivada, porque, caso

contrário, fi caria um prazo relativamente grande de espera para os candidatos

aprovados em um concurso para o qual se ofereceu um determinado número de

vagas, pressupondo-se, portanto, que havia necessidade daquelas vagas.

Dentro dos dois anos, a Administração estaria exercendo, corretamente,

sua discricionariedade. Passados os dois primeiros anos e havendo a prorrogação,

entendo que realmente haveria um certo abuso administrativo em não justifi car

porque se está prorrogando.

Embora a Constituição Federal não exija que seja justifi cada a prorrogação,

no inciso III do art. 37, ela dispõe que “o prazo de validade do concurso

público será de até dois anos, prorrogável um vez por igual período”. Não

impõe a necessidade de motivar, mas, aqui, está implícito, porque os atos da

Administração devem ser motivados, e não é razoável, também – diante do

princípio da razoabilidade –, que se prorrogue sem apresentar os motivos,

enquanto os candidatos fi cam aguardando indefi nidamente. Para que haja

razoabilidade na ação administrativa, o Administrador deve dar a motivação.

Segundo narram os autos, a Administração municipal ofertou três

vagas para o cargo de Técnico Administrativo, convocando, tão somente, os

dois primeiros classifi cados, como consta da correspondência assinada pelo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

336

responsável pela seção de pessoal da Prefeitura de Albertina (fl s. 28e). Nas

informações, a autoridade impetrada consignou que a não nomeação se deu em

face da ausência de “necessidade premente”, verbis (fl . 56e):

17. Assim, em conformidade com o que expressa a Prefeita Municipal, no

âmbito de sua representação e atuação legais, não há necessidade (premente) de

o Município de Albertina prover mais um cargo de Técnico Administrativo, se fazendo

sufi ciente, até o presente momento, a nomeação das duas primeiras colocadas para o

cargo em foco, através do concurso prestado igualmente pelo impetrante, o qual,

ao que tudo indica, fora bem sucedido em sua empreitada, tendo sido aprovado

em terceiro lugar (grifos nossos).

E continuou a impetrada a justifi car sua atuação na circunstância de que o

concurso fora prorrogado, in verbis (fl . 57e):

23. De se destacar que o Concurso n. 001/2009 do Município de Albertina,

em referência, foi homologado em 10.8.2009 - conforme indica, inclusive o

impetrante à fl . 5 da exordial do mandamus - tendo por validade o prazo de 2

(dois) anos, prorrogável por mais 2 (dois) anos, segundo denota o item 9.3 do

edital.

24. Nessa linha, e tendo em vista robusto entendimento jurisprudencial a

respeito do tema, o ente municipal possui como prazo para a nomeação do

impetrante a data de 10.8.2013, senão vejamos [...].

Não obstante seja corrente o aludido entendimento de que, até expirar o

certame, o Estado tem o poder-dever de convocar os candidatos aprovados no

limite de vagas que veiculou o edital, refl etindo melhor sobre a questão, tomo

a posição de que, dentro do prazo de dois anos originariamente estabelecido, a

Administração escolherá a data que entender adequada para a nomeação. No

entanto, havendo prorrogação, esta deve ser motivada com as razões do não

preenchimento das cargos disponibilizados.

No caso, a prorrogação ocorreu sem motivação alguma, fazendo surgir aí

o direito de o servidor ser nomeado. Os dois anos originários se passaram, e ele

não foi nomeado, e a Administração prorroga sem nenhuma motivação? Quer

dizer, o servidor fi ca totalmente sem ação, em uma hipótese concreta dessa,

podendo fi car até quatro anos, para, eventualmente, até nem ser nomeado, e

precisar ir a juízo depois de vencido o último dia do quarto ano. Isso contraria

outros princípios da Constituição, quais sejam, os princípios da razoabilidade,

da legalidade e da motivação.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 337

Ante o exposto, pedindo vênia ao eminente Relator, acolho os embargos de

divergência para dar provimento ao recurso especial e determinar a convocação

do recorrente a fi m de que, atendidas as exigências legais, seja nomeado para o

cargo de Técnico Administrativo da Prefeitura de Albertina.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.060.210-SC (2008/0110109-8)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Recorrente: Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil

Advogados: Marcelo Tesheiner Cavassani e outro(s)

Adriana Serrano Cavassani e outro(s)

Recorrido: Município de Tubarão

Advogados: Eduardo Antonio Lucho Ferrão e outro(s)

Cláudio Roberto Nunes Golgo e outro(s)

Interessado: Município de Braço do Norte

Advogado: Jean Marcel Roussenq e outro(s)

Interessado: Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais

- ABRASF - “Amicus Curiae”

Advogado: Ricardo Almeida Ribeiro da Silva

Interessado: Abel - Associação Brasileira das Empresas de Leasing -

“Amicus Curiae”

Advogado: Hamilton Dias de Souza e outro(s)

Interessado: Associação dos Municípios do Paraná - AMP - “Amicus

Curiae”

Advogados: Cláudio Bonato Fruet e outro(s)

Joao Carlos Blum

Interessado: Município de Dois Córregos - “Amicus Curiae”

Advogado: Emerson Vieira Reis e outro(s)

Interessado: Município de Brusque - “Amicus Curiae”

Procurador: Sonia Knihs Crespi e outro(s)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

338

EMENTA

Recurso especial. Tributário. Embargos à execução fiscal.

Incidência de ISS sobre arrendamento mercantil fi nanceiro. Questão

pacifi cada pelo STF por ocasião do julgamento do RE n. 592.905-SC,

Rel. Min. Eros Grau, DJe 5.3.2010. Sujeito ativo da relação tributária

na vigência do DL n. 406/1968: Município da sede do estabelecimento

prestador. Após a Lei n. 116/2003: lugar da prestação do serviço.

Leasing. Contrato complexo. A concessão do fi nanciamento é o núcleo

do serviço na operação de leasing fi nanceiro, à luz do entendimento

do STF. O serviço ocorre no local onde se toma a decisão acerca da

aprovação do fi nanciamento, onde se concentra o poder decisório, onde

se situa a direção geral da instituição. O fato gerador não se confunde

com a venda do bem objeto do leasing fi nanceiro, já que o núcleo do

serviço prestado é o fi nanciamento. Irrelevante o local da celebração

do contrato, da entrega do bem ou de outras atividades preparatórias

e auxiliares à perfectibilização da relação jurídica, a qual só ocorre

efetivamente com a aprovação da proposta pela instituição fi nanceira.

Base de cálculo. Prejudicada a análise da alegada violação do art. 148

do CTN e 9 do DL n. 406/1968. Recurso especial de Potenza Leasing

S/A Arrendamento Mercantil parcialmente provido para julgar

procedentes os embargos à execução e reconhecer a ilegitimidade

ativa do Município de Tubarão-SC para exigir o imposto. Inversão

dos ônus de sucumbência. Acórdão submetido ao procedimento do

art. 543-C do CPC e da Resolução n. 8-STJ.

1. O colendo STF já afi rmou (RE n. 592.905-SC) que ocorre

o fato gerador da cobrança do ISS em contrato de arrendamento

mercantil. O eminente Ministro Eros Grau, relator daquele recurso,

deixou claro que o fato gerador não se confunde com a venda do bem

objeto do leasing fi nanceiro, já que o núcleo do serviço prestado é o

fi nanciamento.

2. No contrato de arrendamento mercantil fi nanceiro (Lei n.

6.099/1974 e Resolução n. 2.309/1996 do Bacen), uma empresa

especialmente dedicada a essa atividade adquire um bem, segundo

especifi cações do usuário/consumidor, que passa a ter a sua utilização

imediata, com o pagamento de contraprestações previamente

acertadas, e opção de, ao final, adquiri-lo por um valor residual

também contratualmente estipulado. Essa modalidade de negócio

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 339

dinamiza a fruição de bens e não implica em imobilização contábil

do capital por parte do arrendatário: os bens assim adquiridos

entram na contabilidade como custo operacional (art. 11 e 13 da

Lei n. 6.099/1974). Trata-se de contrato complexo, de modo que o

enfrentamento da matéria obriga a identifi cação do local onde se

perfectibiliza o fi nanciamento, núcleo da prestação do serviços nas

operações de leasing fi nanceiro, à luz do entendimento que restou

sedimentado no Supremo Tribunal Federal.

3. O art. 12 do DL n. 406/1968, com efi cácia reconhecida de

lei complementar, posteriormente revogado pela LC n. 116/2003,

estipulou que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração

de rodovias, o local da prestação do serviço é o do estabelecimento

prestador.

4. A opção legislativa representa um potente duto de esvaziamento

das finanças dos Municípios periféricos do sistema bancário, ou

seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo

altamente perverso de sua descapitalização em favor dos grandes

centros fi nanceiros do País.

5. A interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter

sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação

tributária, para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata,

sendo certo que eventuais fraudes (como a manutenção de sedes

fi ctícias) devem ser combatidas por meio da fi scalização e não do

afastamento da norma legal, o que traduziria verdadeira quebra do

princípio da legalidade tributária.

6. Após a vigência da LC n. 116/2003 é que se pode afi rmar

que, existindo unidade econômica ou profi ssional do estabelecimento

prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde

ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo.

7. O contrato de leasing fi nanceiro é um contrato complexo no

qual predomina o aspecto fi nanceiro, tal qual assentado pelo STF

quando do julgamento do RE n. 592.905-SC, Assim, há se concluir

que, tanto na vigência do DL n. 406/1968 quanto na vigência da

LC n. 116/203, o núcleo da operação de arrendamento mercantil,

o serviço em si, que completa a relação jurídica, é a decisão sobre a

concessão, a efetiva aprovação do fi nanciamento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

340

8. As grandes empresas de crédito do País estão sediadas

ordinariamente em grandes centros financeiros de notável

dinamismo, onde centralizam os poderes decisórios e estipulam

as cláusulas contratuais e operacionais para todas suas agências e

dependências. Fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além

de providenciarem a aprovação do fi nanciamento e a consequente

liberação do valor fi nanceiro para a aquisição do objeto arrendado,

núcleo da operação. Pode-se afi rmar que é no local onde se toma essa

decisão que se realiza, se completa, que se perfectibiliza o negócio.

Após a vigência da LC n. 116/2003, assim, é neste local que ocorre a

efetiva prestação do serviço para fi ns de delimitação do sujeito ativo

apto a exigir ISS sobre operações de arrendamento mercantil.

9. O tomador do serviço ao dirigir-se à concessionária de veículos

não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora o bem a ser

adquirido e posteriormente a ele disponibilizado. Assim, a entrega de

documentos, a formalização da proposta e mesmo a entrega do bem

são procedimentos acessórios, preliminares, auxiliares ou consectários

do serviço cujo núcleo - fato gerador do tributo - é a decisão sobre a

concessão, aprovação e liberação do fi nanciamento.

10. Ficam prejudicadas as alegações de afronta ao art. 148 do

CTN e ao art. 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, que fundamente a sua

tese relativa à ilegalidade da base de cálculo do tributo.

11. No caso dos autos, o fato gerador originário da ação executiva

refere-se a período em que vigente a DL n. 406/1968. A própria

sentença afi rmou que a ora recorrente possui sede na cidade de Osasco-

SP e não se discutiu a existência de qualquer fraude relacionada a esse

estabelecimento; assim, o Município de Tubarão não é competente

para a cobrança do ISS incidente sobre as operações realizadas pela

empresa Potenza Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, devendo ser

dado provimento aos Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus

sucumbenciais.

12. Recurso Especial parcialmente provido para defi nir que: (a)

incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil fi nanceiro;

(b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL n. 406/1968,

é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a

partir da LC n. 116/2003, é aquele onde o serviço é efetivamente

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 341

prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local

onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da

instituição fi nanceira com poderes decisórios sufi cientes à concessão e

aprovação do fi nanciamento - núcleo da operação de leasing fi nanceiro

e fato gerador do tributo; (d) prejudicada a análsie da alegada violação

ao art. 148 do CTN; (e) no caso concreto, julgar procedentes os

Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais, ante o

reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão-SC

para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art.

543-C do CPC e da Resolução n. 8-STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, dar parcial

provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Cesar

Asfor Rocha, Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins

e Herman Benjamin (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participaram do julgamento a Sra. Ministra Diva Malerbi

(Desembargadora convocada TRF 3ª Região) e o Sr. Ministro Ari Pargendler.

Ausente, justifi cadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro Teori Albino

Zavascki.

Brasília (DF), 28 de novembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 5.3.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Recurso

Especial interposto por Potenza Leasing S/A Arrendamento Mercantil com fulcro

nas alíneas a e c do art. 105, III da CF contra acórdão proferido pelo TJSC,

assim ementado:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Tributário. Embargos à execução fiscal. Arrendamento mercantil. ISS.

Incidência. Exegese do Decreto-Lei n. 406/1968 e alterações (item 79 da lista

anexa). Aplicação da Súmula n. 138 do STJ. Competência para imposição da

exação. Local da efetiva prestação do serviço. Precedentes. Base de cálculo

definida por arbitramento a partir dos valores constantes nas notas fiscais.

Legalidade. Recurso desprovido (fl s. 311).

2. O Apelo Raro foi precedido de Embargos Declaratórios, que foram

rejeitados (fl s. 346).

3. Alega a empresa recorrente, em síntese, ofensa aos arts. 110 e 148 do

CTN, 8º e 12, a do DL n. 406/1968, além de divergência jurisprudencial.

4. Afi rma, inicialmente, não incidir o ISS em operações de arrendamento

mercantil, argumentando que delineado o conceito de prestação de serviço no âmbito

do direito privado não pode o mesmo ser arbitrariamente alterado pela legislação

tributária para nele incluir atividades que não envolvam uma prestação de fazer;

com efeito, a norma tributária não pode alterar a defi nição, o conteúdo e o alcance dos

conceitos e formas de direito privado (fl s. 355-356).

5. Sustenta que o Tribunal a quo, ao considerar como local da prestação

do serviço o Município de Tubarão malferiu o art. 12 do DL n. 406/1968, que

adotou, como regra geral para a incidência do ISS, o local do estabelecimento

do prestador. No caso dos autos, complementa, o estabelecimento da recorrente

está localizado no Município de Osasco, São Paulo, sendo esta a municipalidade,

de acordo com a referida legislação o sujeito ativo de eventual ISS devido pelas

operações de arrendamento mercantil praticadas pela recorrente.

6. Acrescenta que mesmo analisando a questão sob a ótica daqueles que

entendem existir prestação de serviços, e atendo-se, exclusivamente, à análise de

crédito, ao controle do pagamento dos mesmos e ao gerenciamento dos contratos (que

englobam uma série de atividades a cargo da arrendadora), induvidoso que tal

atividade (serviço) não se presta em Tubarão, mas na própria sede da empresa em

Osasco, onde são aprovados, processados e arquivados os contratos de arrendamento

mercantil (fl s. 367).

7. Requer o reconhecimento da ilegalidade da consideração do valor total

do contrato acrescido de encargos fi nanceiros como base de cálculo para fi ns

de arbitramento do ISS, defendendo que esta, por imposição legal (art. 9º do

DEL n. 406/1968), só pode ser o preço efetivo da prestação do serviço de

arrendamento mercantil.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 343

8. No ponto, assevera, ainda, irregularidades no procedimento de

arbitramento, que não teria sido precedido de processo administrativo em

que garantida a ouvida do contribuinte, questionando a própria aplicação do

instituto do arbitramento no caso concreto.

9. Quanto à divergência jurisprudencial, pretende a recorrente a aplicação

ao caso destes autos do entendimento fi rmado pelo STF no tocante à não

incidência do ISS sobre a locação de bens móveis. Cita outros julgados que

afastaram a cobrança do ISS sobre operações de arrendamento mercantil.

10. Com contrarrazões (fl s. 467-486), o recurso foi inadmitido (fl s. 573-

575), subindo os autos a esta Corte por força de provimento de Agravo de

Instrumento.

11. O então Relator, o ilustre Ministro Luiz Fux, determinou

o sobrestamento do Recurso Especial na forma do art. 543, § 2º do CPC,

remetendo os autos ao STF para a apreciação do Recurso Extraordinário

para solução da questão de índole constitucional prejudicial à apreciação das

demais teses do recurso, qual seja, de incidência ou não do ISS nas operações de

arrendamento mercantil.

12. Posteriormente, submeteu a presente controvérsia ao procedimento do

art. 543-C do CPC, afetando-o à Primeira Seção, identifi cando-a como: a) a

defi nição da base de cálculo do tributo; e b) o sujeito ativo da presente relação

jurídico-tributária (fl s. 645).

13. Foram admitidos como amicus curie o Município de Braço do Norte-

SC, o Município de Brusque-SC e de Dois Córregos-SP, a Associação Brasileira

das Secretarias de Finanças das Capitais Brasileiras - ABRASF, a Associação

dos Municípios do Paraná (AMP) e a Associação Brasileira de Empresas de

Leasing - ABEL.

14. Foi deferido pedido da ABEL de suspensão da prática de atos judiciais

potencialmente lesivos às partes e a prolatação de decisões, nas instâncias

ordinárias, em todos os processos em que discutida as questões versadas no

presente Recurso Especial, para assegurar a efi cácia integral desse provimento

jurisdicional (fl s. 1.106-1.1.07).

15. O MPF, em parecer subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da

República Denise Vinci Tulio, manifestou-se pelo não provimento do Recurso

Especial, pelos seguintes fundamentos, assim sumariados:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

344

Ementa: Tributário. Arrendamento mercantil. ISS. Sujeito ativo. Base de cálculo. 1.

Controvérsia jurídica de recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C):

o Município competente para a cobrança do ISS incidente sobre o arrendamento

mercantil é aquele em que efetivamente foi prestado o serviço, onde se

concretiza o fato gerador, e a base de cálculo é o valor integral da operação

realizada, defi nida por arbitramento a partir dos valores constantes das notas

fi scais correspondentes. Precedentes. 2. Parecer pela aplicação do preceito aos

casos repetitivos e não provimento do presente Recurso Especial. (fl s. 649).

16. É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Informam os

autos que a empresa recorrente ajuizou Embargos à Execução Fiscal proposta

pelo Município de Tubarão-SC para cobrança de débito de ISSQN sobre

operações de arrendamento mercantil, trazendo a debate 3 questões fundamentais:

(a) a incidência ou não do ISSQN em operações dessa natureza; (b) o Município

competente para a sua cobrança; (c) a base de cálculo do imposto.

2. A ação de embargos do devedor foi julgada improcedente pelo MM. Juiz

de Primeiro Grau (fl s. 189-202), fi xada a sucumbência em 10 salários mínimos

a favor do Município de Tubarão-SC, sentença posteriormente confi rmada pelo

Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

3. Faço uma observação preliminar sobre a ocorrência do fato gerador

da cobrança de ISS em contrato de arrendamento mercantil, para indicar

que, ao meu sentir, realmente esse fenômeno da prestação de serviço, nessa

modalidade de contrato, inexiste, embora ocorra, sem dúvida, nas atividades que

lhes são preparatórias, tais como a coleta de informações cadastrais do candidato

ao fi nanciamento e a elaboração de documentos que o instrumentam; contudo, o

colendo STF já afi rmou, no RE n. 592.905-SC, tese diversa, daí porque a minha

observação tem signifi cado apenasmente doutrinário, quando muito.

4. Assim, quanto ao questionamento inicial, qual seja, de incidência ou não

do ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil, o debate encontra-se

superado ante a decisão proferida pelo STF, com repercussão geral reconhecida,

com acórdão assim sumariado:

Ementa: Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento mercantil.

Operação de arrendamento mercantil financeiro. Artigo 156, III, da Constituição

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 345

do Brasil. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o

arrendamento mercantil operacional, [ii] o arrendamento mercantil fi nanceiro

e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois,

serviço. A lei complementar não defi ne o que é serviço, apenas o declara, para

os fi ns do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente

descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição.

No arrendamento mercantil (arrendamento mercantil financeiro), contrato

autônomo que não é misto, o núcleo é o fi nanciamento, não uma prestação

de dar. E fi nanciamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando

irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do arrendamento mercantil

fi nanceiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se nega provimento (RE

n. 592.905-SC, Rel. Min. Eros Grau, DJe 5.3.2010).

5. Nesse julgamento, enfatizou-se, quanto ao caráter jurídico do contrato

de arrendamento mercantil, a sua autonomia em relação à fi gura da locação,

caracterizando-o como um negócio jurídico complexo, em que predomina o

aspecto do fi nanciamento.

6. Finda essa discussão, compete a esta Corte apreciar as duas questões

remanescentes, estas sim, objeto do presente julgamento pelo rito do art. 543-C

do CPC.

7. O art. 1º da Lei n. 6.099/1974, em seu parágrafo único, assim conceitua

o o contrato de arrendamento mercantil

Parágrafo único - Considera-se arrendamento mercantil, para efeitos dessa Lei,

o negocio jurídico realizado entre a pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora,

e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o

arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especifi cações da

arrendatária e para uso próprio desta.

8. As instituições fi nanceiras estão autorizadas, nos termos do art. 9º da

citada lei, a operarem as contratações de arrendamento mercantil:

Art. 9º - As operações de arrendamento mercantil contratadas com o próprio

vendedor do bem ou com pessoas jurídicas a ele vinculadas, mediante quaisquer

das relações previstas no art. 2º desta Lei, poderão também ser realizadas por

instituições financeiras expressamente autorizadas pelo Conselho Monetário

Nacional, que estabelecerá as condições para a realização das operações previstas

neste artigo.

9. Por meio do referido contrato uma empresa especialmente dedicada a essa

atividade adquire um bem, segundo especifi cações do usuário/consumidor, que

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passa a ter a sua utilização imediata mediante o pagamento de contraprestações

previamente acertadas, com opção de, ao fi nal, adquiri-los por um preço residual

também contratualmente estipulado. Essa modalidade de contrato é muitas

vezes preferida porque não implica em imobilização contábil do capital por

parte do arrendatário. Os bens assim adquiridos entram na contabilidade como

custo operacional (art. 11 e 13 da Lei n. 6.099/1974).

10. O ilustre Ministro Cláudio Santos, que tanto abrilhantou esta Corte

Superior de Justiça, assinalou, quanto a esse aspecto que tem a espécie contratual,

para o arrendatário-empresa, duas grandes vantagens: uma de ordem fi nanceira, de

modo a liberar capital de giro ou de suprir a falta de capital para uma imobilização

e, ainda, permitir-se apresentar um balanço com melhor índice de liquidez do que

se adquirisse o bem, lançando-o contabilmente em seu ativo imobilizado; outra,

de ordem tributária, pois a paga mensal do arrendamento é, em princípio, despesa

operacional, dedutível da receita tributária, para fi ns de apuração do lucro tributável

pelo imposto de renda. (Arrendamento mercantil: questões controvertidas, Revista da

Escola Superior da Magistratura do Distrito Federal, Brasília/DF, n. 1, jan/abr

1996, p. 77-98).

11. É a Resolução n. 2.309/1996 do Bacen que disciplina o arrendamento

mercantil fi nanceiro (arrendamento mercantil), estipulando as suas condições:

Art. 5º - Considera-se arrendamento mercantil fi nanceiro a modalidade em

que:

I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos

pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora

recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e,

adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;

II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à

operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado,

podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

(...).

Art. 7º - Os contratos de arrendamento mercantil devem ser formalizados por

instrumento público ou particular, devendo conter, no mínimo, as especifi cações

abaixo relacionadas:

I - a descrição dos bens que constituem o objeto do contrato, com todas as

características que permitam sua perfeita identifi cação;

II - o prazo de arrendamento;

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RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 347

III - o valor das contraprestações ou a fórmula de cálculo das contraprestações,

bem como o critério para seu reajuste;

IV - a forma de pagamento das contraprestações por períodos determinados,

não superiores a 1 (um) semestre, salvo no caso de operações que benefi ciem

atividades rurais, quando o pagamento pode ser fixado por períodos não

superiores a 1 (um) ano;

V - as condições para o exercício por parte da arrendatária do direito de optar

pela renovação do contrato, pela devolução dos bens ou pela aquisição dos bens

arrendados;

VI - a concessão à arrendatária de opção de compra dos bens arrendados,

devendo ser estabelecido o preço para seu exercício ou critério utilizável na sua

fi xação;

VII - as despesas e os encargos adicionais, inclusive despesas de assistência

técnica, manutenção e serviços inerentes à operacionalidade dos bens

arrendados, admitindo-se, ainda, para o arrendamento mercantil fi nanceiro: a) a

previsão de a arrendatária pagar valor residual garantido em qualquer momento

durante a vigência do contrato, não caracterizando o pagamento do valor residual

garantido o exercício da opção de compra; b) o reajuste do preço estabelecido

para a opção de compra e o valor residual garantido;

VIII - as condições para eventual substituição dos bens arrendados, inclusive

na ocorrência de sinistro, por outros da mesma natureza, que melhor atendam

às conveniências da arrendatária, devendo a substituição ser formalizada por

intermédio de aditivo contratual;

IX - as demais responsabilidades que vierem a ser convencionadas, em

decorrência de: a) uso indevido ou impróprio dos bens arrendados; b) seguro

previsto para cobertura de risco dos bens arrendados; c) danos causados a

terceiros pelo uso dos bens; d) ônus advindos de vícios dos bens arrendados;

X - a faculdade de a arrendadora vistoriar os bens objeto de arrendamento e

de exigir da arrendatária a adoção de providências indispensáveis à preservação

da integridade dos referidos bens;

XI - as obrigações da arrendatária, nas hipóteses de inadimplemento,

destruição, perecimento ou desaparecimento dos bens arrendados;

XII - a faculdade de a arrendatária transferir a terceiros no País, desde que

haja anuência expressa da entidade arrendadora, os seus direitos e obrigações

decorrentes do contrato, com ou sem co-responsabilidade solidária.

Art. 8º - Os contratos devem estabelecer os seguintes prazos mínimos de

arrendamento:

I - para o arrendamento mercantil fi nanceiro: a) 2 (dois) anos, compreendidos

entre a data de entrega dos bens à arrendatária, consubstanciada em termo

de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimento da última

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contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útil igual

ou inferior a 5 (cinco) anos; b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo

constante da alínea anterior, para o arrendamento de outros bens;

II - para o arrendamento mercantil operacional, 90 (noventa) dias.

12. Fixados esses conceitos, volta-se a primeira questão nuclear do presente

recurso, qual seja, a do lugar em que ocorre a prestação desse tipo de serviço.

Essa questão é fundamental uma vez que determina o local do fato gerador do

tributo e o Município competente para a arrecadação do ISS.

13. No concernente à competência para a cobrança do ISSQN, sustenta

a recorrente que deve ser respeitado o art. 12, a do DL n. 406/1968, vigente à

época do fato gerador, com a seguinte redação:

Art. 12. - Considera-se local da prestação de serviço:

a) o do estabelecimento prestador, ou, na falta de estabelecimento, o do

domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação;

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa (exploração de

rodovia mediante cobrança de preço dos usuários) o Município em cujo território

haja parcela da estrada explorada.

14. Assinala a empresa que é no Município onde tem a sua sede que se

pratica o serviço de arrendamento mercantil, compreendendo-o restritivamente

como a contabilidade, a análise do cadastro, o deferimento e o controle do

fi nanciamento, aspectos que, segundo sustenta, defi niriam o que seria a prestação

do serviço de arrendamento mercantil.

15. O art. 12 do DL n. 406/1968, com efi cácia de lei complementar,

posteriormente revogado pela LC n. 116/2003, estipulou muito claramente que,

à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o local da

prestação do serviço é o do estabelecimento prestador.

16. Para solucionar confl itos de competência tributária entre os Municípios

optou-se pelo critério da localização do estabelecimento do prestador dos serviços,

tendo sido especifi cadas pontualmente as exceções.

17. Todavia, tem sido historicamente entendido por esta Corte, mesmo na

vigência do DL n. 406/1968, como local de cobrança da exação, o lugar onde o

serviço é efetivamente prestado, isto é, onde as partes assumem a obrigação recíproca

e estabelecem a relação contratual, exteriorizando a riqueza, exsurgindo, a partir

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RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 349

desse evento jurídico, o fato gerador da obrigação tributária subjacente; dessa

forma, o Município onde concretizada a operação seria o competente para fazer a

sua cobrança. Nesse sentido:

Processual Civil e Tributário. Agravo regimental. Decisão agravada.

Fundamento inatacado. Súmula n. 182-STJ. Súmula n. 138-STJ. Ausência de

interesse. ISS. Arrendamento mercantil. Município competente para cobrança.

Local da prestação do serviço.

(...).

5. Segundo reiterados precedentes desta Corte, mesmo na vigência do art.

12 do Decreto-Lei n. 406/1968, revogado pela Lei Complementar n. 116/2003,

a Municipalidade competente para realizar a cobrança do ISS é a do local da

prestação dos serviços, onde efetivamente ocorre o fato gerador do imposto.

Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público: REsp n. 1.059.919-SC, Relator

Min. Castro Meira, DJe 6.10.2008; AgREsp n. 1.062.657-RS, Rel. Min. Francisco

Falcão, DJe 6.10.2008; AgRg no Ag n. 763.269-MG, Rel. Min. João Otávio de

Noronha, DJ de 12.9.2006; AgRg no REsp n. 845.711-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de

29.5.2008; REsp n. 695.500-MT, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31.5.2006; AgRg

no Ag n. 516.637-MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 1º.3.2004; REsp n. 431.564-MG, Rel.

Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.9.2004; AgRg no REsp n. 334.188-RJ, Rel. Min.

Francisco Falcão, DJ 23.6.2003; EREsp n. 130.792-CE, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ

12.6.2000; REsp n. 115.279-RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 1º.7.1999;

AgREsp n. 845.711-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 29.5.2008.

6. Agravo regimental conhecido em parte e não provido. (AgRg no REsp n.

1.067.171-RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 2.12.2008)

Agravo em agravo de instrumento. Tributário. ISS. Arrendamento mercantil.

Cobrança. Local da prestação do serviço.

Segundo a jurisprudência pacífi ca desta Corte, o município competente para

a cobrança do ISS é aquele onde efetivamente ocorreu o fato gerador, ou seja,

o local da prestação do serviço. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag n.

1.365.195-RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 29.4.2011)

Processual Civil. Tributário. Arrendamento mercantil (arrendamento mercantil).

Incidência de ISS. Ofensa aos arts. 165, 458, II e 535, do CPC. Não ocorrência.

Competência tributária. Local da prestação do serviço. Precedentes. Divergência

jurisprudencial. Acórdão paradigma fundamentado em matéria de índole

eminentemente constitucional. Competência do Supremo Tribunal Federal.

(...).

2. Hipótese em que o Tribunal de origem aplicou jurisprudência pacífi ca do

STJ, no sentido de que a competência para exigir o ISS é do município onde se

presta efetivamente o serviço.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

350

3. Inviável o conhecimento, pelo STJ, de divergência jurisprudencial quando

o acórdão apontado como paradigma fundamenta-se em matéria de índole

eminentemente constitucional, sob pena de malferimento à competência do

Pretório Excelso.

4. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 956.513-RS, Rel. Min.

Herman Benjamin, DJe 9.3.2009)

18. Para a corrente até aqui dominante, permitir que o só fato de uma

empresa manter sede em Município único, em que alega concentrar alguns

procedimentos acessórios relativos à operação de arrendamento mercantil,

fi rmando negócios jurídicos por todo o Brasil, seria o mesmo que conferir

extraterritorialidade à Lei Municipal, razão pela qual afastava-se a interpretação

literal do art. 12 do DL n. 406/1968.

19. Ouso divergir desse posicionamento. As grandes empresas de

crédito do País e os Bancos estão sediados em grandes centros fi nanceiros,

de notável dinamismo, onde concentram os poderes decisórios e estipulam as

cláusulas contratuais, fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além

de providenciarem a liberação do valor do objeto arrendado, circunstâncias

que, aliadas à dicção legal, não podem atrair outra conclusão senão a de que o

Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a

arrecadação do ISS sobre operações de arrendamento mercantil.

20. É certo que a opção legislativa representa, ao que percebo, um potente

duto de esvaziamento das fi nanças das localidades periféricas do sistema bancário

nacional, ou seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo

altamente perverso de descapitalização dos Municípios de pequeno porte,

local onde se faz a captação da proposta de contrato bancário, drenando-se,

posteriormente, para os grandes centros fi nanceiros do País, os recursos assim

recolhidos, fato criador de um mecanismo de forte impacto sobre o ideal

federalista descentralizador.

21. No entanto, a interpretação do mandamento legal leva a conclusão de

ter sido privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária,

para evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que

eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fi ctícias) devem ser combatidas

por meio da fi scalização e não do afastamento da norma legal, o que seria

verdadeira quebra do princípio da legalidade.

22. São relevantes, nesse sentido, as observações do jurista HUMBERTO

ÁVILA sobre o tema, encartadas em parecer onde se consignou, o seguinte:

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RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 351

2.2.1.4. Não é o momento para avaliar criticamente essa posição do Superior

Tribunal de Justiça, pois ela é irrelevante para o caso em pauta, como será

demonstrado. Dois breves comentários são, porém, necessários. Um: o Poder

Judiciário não pode interpretar as leis além do seu sentido literal possível. As

hipóteses de extensão teleológica (a hipótese da norma é considerada muito

restrita em relação a sua fi nalidade) e de restrição teleológica (a hipótese da norma

é considerada muito ampla em relação a sua fi nalidade) são condicionadas a um

rigoroso processo de justifi cação, fundamentação e comprovação. Além disso,

elas não podem implicar o abandono da hipótese da regra. Ao contrário, elas

interpretam-na com base na fi nalidade e respeitando os princípios fundamentais

do setor ao qual pertence a regra objeto de interpretação. Interpretação

teleológica de regra que abandona a sua hipótese transforma a regra num

princípio. Assim procedendo, o intérprete toma o lugar do legislador. (...). Ele

simplesmente superou uma regra legal geral com base em suposições individuais.

Mais ainda: superou a regra sem recorrer ao seu fundamento, já que a fi nalidade

da regra definidora do local do estabelecimento prestador é a garantia da

segurança para o sujeito passivo e, não, o combate às fraudes que só a fi scalização

pode guerrear. Dois: problemas concernentes à aplicação individual das regras

legais não podem levar à generalização do seu sentido geral, especialmente

quando o descumprimento das leis obedece a procedimentos administrativos

específi cos. Não foi, porém, isso que fez o Tribunal. Ele simplesmente modifi cou a

regra para todos em razão de simulações eventualmente feitas por alguns. Se há

simulações de sede, que sejam elas desconsideradas conforme o procedimento

legalmente estabelecido. O que não se pode é desconsiderar todas as sedes

reais porque algumas são irreais. E tudo por interpretação, sem procedimento

administrativo algum.

(...).

2.2.1.6. As razões fáticas dizem respeito à verifi cação de que tanto qualitativa

quanto quantitativamente se serviço houvesse, seria ele prestado no local do

estabelecimento prestador.

2.2.1.7. Qualitativamente, porque os atos principais, assim entendidos

aqueles que viabilizam o arrendamento mercantil, são praticados na sede: a

formação do fundo, a análise do crédito, a elaboração do contrato e a liberação

do veículo são feitos na sede. É na sede que é concretizado o arrendamento

mercantil. Os atos, praticados fora do local da sede, são meros atos de conclusão

de algo concebido no local da sede da arrendadora: preenchimento da fi cha

cadastral pelo interessado, envio de documentos e assinatura e remessa do

instrumento contratual. Todos esses atos, embora praticados fora do local da sede

da arrendadora, são atos de mera confi rmação da atividade desenvolvida pelo

estabelecimento prestador.

Cada um deles consubstancia uma atividade-meio para a concretização

do arrendamento mercantil, sem autonomia própria, não podendo, como já

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analisado, sofrer a tributação municipal, como já decidiu o Supremo Tribunal

Federal, quando deliberou que as atividades bancárias de custódia de títulos

e elaboração de cadastro, sem autonomia frente às operações fi nanceiras não

suscitam o imposto municipal sobre serviços.

2.2.1.8. Quantitativamente, porque das quatorze etapas mencionadas, apenas

três (a segunda, a sétima e a nona) são realizadas fora do local da sede da

arrendadora. Todas as demais são realizadas na sede da arrendadora. A captação

de recursos financeiros, o exame e a aprovação da ficha cadastral, a análise

do crédito, a proposta das condições contratuais, a aprovação do crédito, a

formalização do contrato, a conferência e o cadastro dos documentos, a remessa

e a devolução do instrumento contratual, a guarda e o arquivamento dos

documentos, o pagamento do veículo, a emissão do carnê de pagamento e a

autorização de liberação do veículo são realizados na sede da arrendadora.

2.2.2. O local da assinatura é irrelevante.

2.2.2.1. Mesmo que se atribua alguma relevância aos atos praticados fora do

local do estabelecimento prestador, ainda assim eles não podem ser qualifi cados

como serviços tributáveis pelo imposto sobre serviços: o preenchimento de

fi cha cadastral, a assinatura e o envio de documentos não são fatos geradores

do imposto. Na lista de serviços não consta nenhuma dessas atividades como

atividades tributáveis. O local da assinatura do contrato ou da localização do

usuário são irrelevantes. O fato de o contrato ter sido assinado num local não

impede que os supostos serviços sejam prestados noutra localidade. O mesmo

ocorre com o usuário: o fato de ele estar num Município não quer dizer que as

obrigações de fazer não sejam realizadas noutro. Enfi m, uma coisa não tem nada

a ver com a outra.

2.2.2.2. As considerações precedentes levam ao entendimento de que, mesmo

que se considere o arrendamento mercantil como um serviço, ainda assim esse

serviço só poderia ser considerado efetivamente prestado no local da sede da

empresa arrendadora, pois seria nesse em que seriam realizados e concluídos os

atos materiais à prestação do serviço. (Imposto sobre a prestação de serviços de

qualquer natureza - ISS, in Revista Dialética de Direito Tributário, 122, p. 126-127).

23. Confira-se, ainda, a opinião de IVES GANDRA DA SILVA

MARTINS e MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES, que,

comentando sobre aspectos relevantes do ISS, observaram o seguinte:

A clareza do dispositivo na norma legal, contido no art. 12 do Decreto-Lei n.

406/1968, com as alterações da Lei Complementar n. 100/1999, agora revogado,

não deixava margem a dúvidas quanto á interpretação, no sentido de considerar o

Município, ser o Município do local do estabelecimento prestador ou do domicílio

do prestador dos serviços.

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RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 353

Tratando-se de normas gerais de Direito Tributário, a matéria somente poderia

ser regulada por lei complementar, por força do art. 146, III da CF.

(...).

Verifica-se do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, que o legislador

complementar, em consonância com o art. 146, I da CF/1988, adotada como

regra para a solução de confl itos de competência tributária entre os Municípios o

critério da localização do estabelecimento prestador dos serviços.

Tanto é assim que, quando pretendeu o legislador complementar que se

adotasse critério diverso desta regra, o fez de forma expressa, nas alíneas b e c do

art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968.

Desta forma, com exceção feita apenas aos serviços de construção civil e

exploração e manutenção de rodovias (em que prevalecia o local da prestação

de serviços), nos demais casos o ISS era devido onde estivesse localizado o

estabelecimento prestador; não importando onde viesse a ser prestado o serviço

ou onde tivesse sido iniciado ou concluído o serviço.

De tal forma, poderia o legislador complementar fi xar, como critério para a

solução de confl itos de competência, que o ISS seria devido ao Município em

que desse a efetiva prestação de serviços (onde ocorre o fato gerador), mas não

o fez, preferindo adotar critério diverso, fazendo exceção apenas aos casos de

construção civil e de manutenção e exploração de rodovias.

Ocorre que, na vigência do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, o Superior

Tribunal de Justiça, em diversas decisões, como, por exemplo, nos Embargos de

Divergência n. 130.792-CE, entendeu que a incidência do ISS deveria ocorrer no

Município onde o serviço fosse prestado (onde ocorreu o fato gerador) e não no

local do estabelecimento prestador.

(...).

Com todo o respeito que merece o STJ, essa decisão feriu - em entendimento

do titular deste escritório - o princípio da legalidade, ou seja, dispositivo literal

de lei, no caso de lei com efi cácia de complementar (DL n. 406/1968), de normas

gerais de Direito Tributário. A decisão do STJ, todavia, terminou prevalecendo.

Por esse entendimento, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 conformaria uma

úncia hipótese: o ISS incide onde ocorre o fato gerador; incorporando as três

hipóteses em uma única.

(...).

A interpretação que o STJ atribuiu ao art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, além

de violar o princípio da legalidade, fez que empresas prestadoras de serviços

tivessem que recolher o ISS em cada um dos mais de 5.500 Municípios brasileiros,

subordinando-se a suas legislações muitas vezes confl itantes, com obrigações de

emitir Notas de Serviços, em locais onde não possuem estabelecimento, além de

correrem o risco de lhes ser exigido ISS, também, no Município onde possuem os

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seus estabelecimentos, fi cando as empresas sujeitas à chamada guerra fi scal entre

os diversos Municípios, que certamente não foi o que pretendeu o legislador

constituinte, nem o legislador complementar, para efeito de exigência do ISS.

De observar que o STJ não deixou de aceitar como vigente o art. 12 do

Decreto-Lei n. 406/1968, em sua orientação, prevalecendo assim intenso confl ito

de competência entre os Municípios, ficando o contribuinte no meio dessas

disputas. O STF não chegou a examinar a inconstitucionalidade do art. 12 do DL n.

406/1968 (Aspectos Relevantes do ISS, Revista Dialética de Direito Tributário, 182,

nov/2010, p. 162-163).

24. Observe-se que nem mesmo a LC n. 116/2003, que sucedeu o DL n.

406/1968, prestigiou em sua integralidade o entendimento externado pelo STJ,

de modo que não reputa como competente para a arrecadação do tributo, em

todos os casos, o Município em que efetivamente prestado o serviço.

25. A LC n. 116/2003 adotou um sistema misto, considerando o imposto

devido no local do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, no local do domicílio

do prestador e, para outras hipóteses defi nidas o local da prestação do serviço, do

estabelecimento do tomador ou do intermediário (art. 3º).

26. Ao defi nir estabelecimento prestador emprestou-lhe alcance bastante

amplo, quando assinalou, em seu art. 4º que: considera-se estabelecimento prestador

o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo

permanente ou temporário, e que confi gure unidade econômica ou profi ssional, sendo

irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, fi lial, agência, posto de

atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que

venham a ser utilizadas.

27. Assim, após a vigência da LC n. 116/2003, em alguns casos, é

que se poderá afi rmar que, existindo unidade econômica ou profi ssional do

estabelecimento prestador do serviço no Município onde a prestação do serviço

é perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá

ser recolhido o tributo. Nos dizeres dos ilustres professores IVES GANDRA e

MARILENE TALARICO acima citados:

A Lei Complementar n. 116/2003 procurou, assim, defi nir estabelecimento,

para efeitos de incidência do ISS com alcance bastante amplo, considerando

estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolver a atividade

de prestar serviços, podendo ser de modo permanente ou temporário, sendo

irrelevantes as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento,

escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 355

utilizadas, desde que confi gure unidade econômica ou profi ssional, a exemplo do

conceito de estabelecimento para efeitos de incidência do ICMS.

O conceito de estabelecimento, para efeitos de ICMS, é determinado pelo

art. 11, parágrafo 3º da Lei Complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996, nos

seguintes termos:

Art. 11. - O local da operação ou da prestação, para efeitos de cobrança

do imposto e defi nição do estabelecimento responsável é:

(...).

§ 3º - Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local,

privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiros, onde as

pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário

ou permanente, bem como se encontram armazenadas mercadorias,

observado, ainda, o seguinte:

I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-

se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação;

II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular;

III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado

no comércio ambulante e na captura de pescado;

IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do

mesmo titular.

Desta forma, há uma maior abrangência para efeitos do ISS, considerando

estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolve a atividade

de prestar serviços, que confi gure unidade econômica ou profi ssional (Aspectos

Relevantes do ISS, Revista Dialética de Direito Tributário, 182, nov/2010, p. 165-

166).

28. O contrato de leasinf fi nanceiro é um contrato complexo no qual

predomina o aspecto financeiro, tal qual assentado pelo STF quando do

julgamento do RE n. 592.905-SC, Assim, há se concluir que, tanto na vigência

do DL n. 406/1968 quanto na vigência da LC n. 116/203, o núcleo da operação

de arrendamento mercantil, o serviço em si, que completa a relação jurídica, é a

decisão sobre a concessão, a efetiva aprovação do fi nanciamento.

29. Concluindo este tópico, tem-se que o Município do local onde sediado

o estabelecimento prestador é o competente para a cobrança do ISS sobre operações de

arrendamento mercantil, até porque é nele que se desenvolve a atividade sobre

a qual incide o imposto, qual seja, de fi nanciamento, de empréstimo de capital,

circunstância que caracteriza o citado contrato, conforme defi nido pelo STF.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

356

30. No mais, a Primeira Seção assentou que a questão da base de cálculo

do tributo está prejudicada com o reconhecimento da ilegitimidade ativa do

Município de Tubarão.

31. Alguns Municípios dos Estados do Norte e Nordeste (Pernambuco,

Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pará) questionaram a decisão do

ilustre Ministro Luiz Fux determinadora da paralisação de atos expropriatórios

nas execuções fi scais ou outros processos judiciais em que discutida a incidência

do ISS sobre operações de arrendamento mercantil (fl s. 1.106-1.107) sob a ótica

das questões objeto deste repetitivo (competência e base de cálculo).

32. Aduziram que eventual decisão a ser proferida neste processo não

alcançaria essas Municipalidades, uma vez que nelas a cobrança é efetuada por

meio de lançamento por homologação, onde não há discussão sobre a base de

cálculo e a eventual competência territorial do sujeito ativo.

33. Com efeito, o caso dos autos diz respeito a cobrança oriunda de

arbitramento realizado pelo Fisco Municipal, na forma do art. 148 do CTN, e,

embora, em tese, as diretrizes ora traçadas também possam se ajustar aos casos

de lançamento por homologação, entendo que o tema não está abarcado pela

decisão que decidiu submeter a presente controvérsia ao rito do art. 543-C do

CPC; consequentemente, seguindo a diretriz desta Corte, que tem prezado pela

delimitação clara do objeto do recurso representativo de controvérsia, esclareço

que a tese deverá ser enfrentada em outra oportunidade, se for o caso.

34. Aplicando o direito à espécie, no caso dos autos, o fato gerador

originário da ação executiva refere-se a período em que vigente a DL n.

406/1968. A própria sentença afi rmou que a ora recorrente possui sede na

cidade de Osasco-SP (fl s. 189) e não se discutiu a existência de qualquer fraude

relacionada a esse estabelecimento; assim, o Município de Tubarão-SC não

é competente para a cobrança do ISS incidente sobre as operações realizadas

pela empresa Potenza Leasing S.A. Arrendamento Mercantil, devendo ser dado

provimento aos Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais.

35. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial para

defi nir que: (a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil

financeiro; (b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL n.

406/1968, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c)

a partir da LC n. 116/2003, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado,

onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove

haver unidade econômica ou profi ssional da instituição fi nanceira com poderes

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 357

decisórios sufi cientes à concessão e aprovação do fi nanciamento - núcleo da

operação de leasing fi nanceiro e fato gerador do tributo; (d) prejudicada a

análsie da alegada violação ao art. 148 do CTN; (e) no caso concreto, julgar

procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais,

ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa do Município de Tubarão-SC

para a cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do

CPC e da Resolução n. 8-STJ.

36. É o voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Processual Civil. Recurso especial. Tributário. ISS.

Arrendamento mercantil - leasing fi nanceiro. Incidência. Inexistência

de ofensa ao art. 110 do CTN. Competência para se efetuar a

cobrança do tributo. Interpretação do art. 12, a, do Decreto-Lei n.

406/1968 (revogado pela LC n. 116/2003). Alteração da orientação da

Primeira Seção-STJ. Local do estabelecimento prestador considerado

como local da prestação do serviço. Afastamento da competência

do município recorrido que implica sejam julgados procedentes os

embargos do devedor e extinta a execução fi scal. Questão relativa à

defi nição da base de cálculo do ISS prejudicada.

1. À exceção dos serviços de construção civil e exploração de

rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como

local da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou,

na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador (alínea a).

Contudo, há muito a orientação das Turmas que integram a Primeira

Seção-STJ fi rmou-se no sentido de que “a cobrança do ISS norteia-

se pelo princípio da territorialidade, nos termos encartados pelo art.

12 do Decreto-Lei n. 406/1968, sendo determinante a localidade

aonde foi efetivamente prestado o serviço e não aonde se encontra

a sede da empresa” (AgRg no Ag n. 1.173.805-MG, 2ª Turma, Rel.

Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 2.6.2010; AgRg no Ag n.

964.198-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de

17.12.2008). No mesmo sentido, há inúmeros precedentes da Primeira

e Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça. Examinando-se a

jurisprudência desta Corte, pode-se afi rmar que esse entendimento

baseia-se em antigos precedentes deste Tribunal, os quais adotam

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

358

a tese no sentido de que o município pode efetuar a cobrança de

imposto sobre serviços apenas em relação a fatos geradores ocorridos

nos limites do respectivo território, não podendo alcançar fato gerador

ocorrido em outro município (REsp n. 41.867-RS, 1ª Turma, Rel.

Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 25.4.1994).

2. Malgrado os precedentes dos quais fui Relator e adotei a tese

então prevalente no âmbito da Primeira Seção-STJ, sem olvidar da

repercussão da alteração dessa jurisprudência, entendo que, no ponto,

assiste razão ao Ministro Relator.

3. Isso porque, conforme pacífi co entendimento do Supremo

Tribunal Federal, o Decreto-Lei n. 406/1968 “foi recebido como

lei complementar, a lei complementar do ICMS e do ISS” (RE

n. 236.604-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de

6.8.1999). A necessidade de lei complementar federal, no que se

refere aos aspectos estruturais do ISS, decorre de própria exigência

da Constituição Federal (arts. 146, III, e 156, § 3º). Ressalte-se que

“a Constituição preferiu não defi nir, dentre os diversos Municípios

que poderiam ser considerados competentes, a competência para

exigência do ISS sobre determinada prestação de serviços, ou seja:

qual seria o Município titular da competência para efetivamente exigir

o tributo - o do local em que ocorresse a prestação do serviço, aquele

em que estivesse estabelecido o prestador do serviço ou aquele em que

estivesse estabelecido o tomador do serviço”, deixando “esta defi nição

para a lei complementar, a teor do art. 146 da Constituição Federal”,

conforme destacam Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico

Martins Rodrigues.

4. Nesse contexto, se a opção legislativa foi no sentido de defi nir

como local da prestação do serviço (em regra) o do estabelecimento

prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador

(art. 12, a, do Decreto-Lei n. 406/1968), não é possível que a

interpretação atribuída ao dispositivo em comento altere a própria

defi nição estabelecida pelo legislador complementar, pois não é dado

ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como legislador

positivo. Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica

ampliação indevida das hipóteses nas quais o art. 12 do Decreto-Lei

n. 406/1968 autorizava a cobrança do ISS em manifesta afronta ao

princípio da legalidade tributária.

Page 345: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) · Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e outros 16 (dezesseis) acusados

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 359

5. No caso dos autos, afastada a competência do Município

recorrido (Município de Tubarão-SC) para efetuar a cobrança do

ISS, impõe-se sejam julgados procedentes os embargos à execução

apresentados pela ora recorrente, com a consequente extinção da

execução fi scal. Por consequência lógica, fi cam prejudicadas as demais

questões aduzidas no recurso especial, sobretudo a suposta afronta

ao art. 148 do CTN e ao art. 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, que

fundamenta a tese relativa à ilegalidade da base de cálculo do tributo.

6. Considerando que o presente recurso é submetido ao regime do

art. 543-C do CPC, cumpre destacar as seguintes teses vinculativas: 1)

é legítima a incidência do ISS nas operações de leasing fi nanceiro; 2) à

exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do

Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o

do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio

do prestador.

7. Recurso especial parcialmente provido, acompanhando o

Ministro Relator (com fundamentos, em parte, diversos). Acórdão

sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c.c. a Resolução n.

8/2008 - Presidência-STJ.

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Nada a acrescentar ao

minucioso relatório do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

O pedido de vista justifi ca-se, basicamente, em razão dos seguintes fatores:

1) dúvida acerca do regime aplicável ao caso dos autos, ou seja, se é submetido

apenas ao regime do Decreto-Lei n. 406/1968 ou se há créditos submetidos ao

regime da LC n. 116/2003; 2) o voto do Ministro Relator propõe a modifi cação

da orientação da Primeira Seção-STJ, no que se refere à competência para a

cobrança do ISS; 3) as consequências do presente julgamento, porquanto se

trata de recurso especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC.

Passo então ao exame do caso, especialmente das questões destacadas.

Depreende-se dos autos que o recurso especial origina-se de embargos do

devedor apresentados em face de execução fi scal na qual se cobram créditos de

ISS relativos ao período anterior à vigência da LC n. 116/2003. Assim, o caso

concreto é regido apenas pelo regime do Decreto-Lei n. 406/1968.

No que se refere à alegada afronta ao art. 110 do CTN, a tese no sentido de

que o ISS não incide nas operações de leasing restou defi nitivamente superada

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

360

em razão do acórdão proferido no RE n. 592.905-SC (Tribunal Pleno, Rel.

Min. Eros Grau, DJe de 5.3.2010), no qual foi reconhecida a existência de

repercussão geral. O referido acórdão foi assim ementado:

Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento mercantil.

Operação de leasing fi nanceiro. Artigo 156, III, da Constituição do Brasil.

O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing

operacional, [ii] o leasing fi nanceiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso

há locação, nos outros dois, serviço.

A lei complementar não defi ne o que é serviço, apenas o declara, para os fi ns

do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre

o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No

arrendamento mercantil (leasing fi nanceiro), contrato autônomo que não é misto,

o núcleo é o fi nanciamento, não uma prestação de dar. E fi nanciamento é serviço,

sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra

nas hipóteses do leasing fi nanceiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que

se nega provimento.

Desse modo, no que se refere ao leaging fi nanceiro - caso dos autos -, por

se tratar de serviço, é legítima a incidência do ISS, razão pela qual não há falar

em ofensa ao art. 110 do CTN.

Por outro lado, em relação à competência para se efetuar a cobrança do

tributo, ressalto que no julgamento do REsp n. 1.117.121-SP (1ª Seção, Rel.

Min. Eliana Calmon, DJe de 29.10.2009 - recurso submetido ao regime previsto

no art. 543-C do CPC) consignou-se que: “A competência para cobrança do

ISS, sob a égide do DL n. 406/1968 era o do local da prestação do serviço (art.

12), o que foi alterado pela LC n. 116/2003, quando passou a competência para

o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).”

Não obstante a diferenciação feita no referido precedente, é oportuno

registrar que o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 (revogado pela LC n.

116/2003) possuía a seguinte redação:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio

do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo

território haja parcela da estrada explorada. (Incluída pela Lei Complementar n. 100,

de 1999).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 361

Como se verifi ca, à exceção dos serviços de construção civil e exploração

de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local

da prestação do serviço o do estabelecimento prestador ou, na falta de

estabelecimento, o do domicílio do prestador (alínea a).

Contudo, há muito a orientação das Turmas que integram a Primeira

Seção-STJ fi rmou-se no sentido de que “a cobrança do ISS norteia-se pelo

princípio da territorialidade, nos termos encartados pelo art. 12 do Decreto-Lei

n. 406/1968, sendo determinante a localidade aonde foi efetivamente prestado o

serviço e não aonde se encontra a sede da empresa” (AgRg no Ag n. 1.173.805-

MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 2.6.2010; AgRg

no Ag n. 964.198-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe

de 17.12.2008). No mesmo sentido, há inúmeros precedentes da Primeira e

Segunda Turmas do Superior Tribunal de Justiça.

Examinando-se a jurisprudência desta Corte, pode-se afi rmar que esse

entendimento baseia-se em antigos precedentes deste Tribunal, os quais adotam

a tese no sentido de que o município pode efetuar a cobrança de imposto sobre

serviços apenas em relação a fatos geradores ocorridos nos limites do respectivo

território, não podendo alcançar fato gerador ocorrido em outro município.

Sobre o tema, destaco o seguinte excerto extraído do acórdão proferido no REsp

n. 41.867-RS (1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 25.4.1994):

Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento

prestador (art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968), ela pretende que o ISS pertença ao

município em cujo território se realizou o fato gerador.

É o local da prestação do serviço que indica o município competente para a

imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o principio constitucional

implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações

ocorridas em seu território.

Em seu voto, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho propõe a mudança

desse entendimento com base na seguinte fundamentação:

Ouso divergir desse posicionamento. As grandes empresas de crédito do

País e os Bancos estão sediados em grandes centros financeiros, de notável

dinamismo, onde concentram-se os poderes decisórios e estipulam-se as

cláusulas contratuais, fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além

de providenciarem a liberação do valor do objeto arrendado, circunstâncias

que, aliadas à dicção legal, não podem atrair outra conclusão senão a de que o

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

362

Município do local onde sediado o estabelecimento prestador é o competente para a

cobrança do ISS sobre operações de arrendamento mercantil.

É certo que a opção legislativa representa, ao que percebo, um potente duto de

esvaziamento das fi nanças das localidades periféricas do sistema bancário nacional,

ou seja, através dessa modalidade contratual se instala um mecanismo altamente

perverso de descapitalização dos Municípios de pequeno porte, onde se faz a

captação da proposta de contrato bancário, para depois drenar para os grandes

centros fi nanceiros do País os recursos assim recolhidos, teria esse mecanismo um

forte impacto sobre o ideal federalista descentralizador.

No entanto, a interpretação do mandamento legal leva a conclusão de ter sido

privilegiada a segurança jurídica do sujeito passivo da obrigação tributária, para

evitar dúvidas e cobranças de impostos em duplicata, sendo certo que eventuais

fraudes (como a manutenção de sedes fi ctícias) devem ser combatidas por meio

da fi scalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira

quebra do princípio da legalidade.

Acrescente-se que tal fundamentação ampara-se em sólido entendimento

doutrinário acerca do tema em discussão.

É oportuno registrar que a alteração da jurisprudência da Primeira Seção-

STJ atinge não apenas os feitos nos quais se discute a incidência do ISS sobre

operações de arrendamento mercantil, mas todos os casos em que a competência

para a cobrança do ISS é defi nida pelo revogado art. 12, a, do Decreto-Lei n.

406/1968.

Malgrado os precedentes dos quais fui Relator e adotei a tese então

prevalente no âmbito da Primeira Seção-STJ, sem olvidar da repercussão da

alteração dessa jurisprudência, entendo que, no ponto, assiste razão ao Ministro

Relator.

Isso porque, conforme pacífico entendimento do Supremo Tribunal

Federal, o Decreto-Lei n. 406/1968 “foi recebido como lei complementar, a

lei complementar do ICMS e do ISS” (RE n. 236.604-PR, Tribunal Pleno,

Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.8.1999). A necessidade de lei complementar

federal, no que se refere aos aspectos estruturais do ISS, decorre de própria

exigência da Constituição Federal (arts. 146, III, e 156, § 3º).

Ressalte-se que “a Constituição preferiu não defi nir, dentre os diversos

Municípios que poderiam ser considerados competentes, a competência para

exigência do ISS sobre determinada prestação de serviços, ou seja: qual seria o

Município titular da competência para efetivamente exigir o tributo - o do local

em que ocorresse a prestação do serviço, aquele em que estivesse estabelecido

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 363

o prestador do serviço ou aquele em que estivesse estabelecido o tomador do

serviço”, deixando “esta defi nição para a lei complementar, a teor do art. 146

da Constituição Federal”, conforme destacam Ives Gandra da Silva Martins

e Marilene Talarico Martins Rodrigues (Aspectos Relevantes do ISS, Revista

Dialética de Direito Tributário n. 182, novembro/2010, p. 161).

Nesse contexto, se a opção legislativa foi no sentido de defi nir como local

da prestação do serviço (em regra) o do estabelecimento prestador ou, na falta

de estabelecimento, o do domicílio do prestador (art. 12, a, do Decreto-Lei

n. 406/1968), não é possível que a interpretação atribuída ao dispositivo em

comento altere a própria defi nição estabelecida pelo legislador complementar,

pois não é dado ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como

legislador positivo. Ressalte-se que entendimento em sentido contrário implica

ampliação indevida das hipóteses nas quais o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968

autorizava a cobrança do ISS em manifesta afronta ao princípio da legalidade

tributária.

Assim, no regime do Decreto-Lei n. 406/1968, “com exceção feita apenas

aos serviços de construção civil e exploração e manutenção de rodovias (em que

prevalecia o local da prestação de serviços), nos demais casos, o ISS era devido

onde estivesse localizado o estabelecimento prestador, não importando onde

viesse a ser prestado o serviço, ou onde tivesse sido iniciado ou concluído o

serviço” (ob. cit., p. 162-163).

Como observa José Eduardo Soares de Melo, “a jurisprudência fi rmado

pelo STJ incorre em antinomia constitucional, porque, se de um lado prestigia

o princípio da territorialidade da tributação, harmonizado com o princípio

da autonomia municipal (competência para exigibilidade de seus próprios

impostos); de outro, ofende o princípio da legalidade, uma vez que se choca com

a clareza do preceito do Decreto-Lei n. 406/1968” (ISS - Aspectos teóricos e

práticos. 5ª ed., São Paulo: Dialética, 2008, p. 192).

Nas palavras de Hugo de Brito Machado, o Superior Tribunal de Justiça, “a

pretexto de interpretar o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, vinha declarando

implicitamente sua inconstitucionalidade” (Curso de Direito Tributário. 30ª ed.,

São Paulo: Malheiros, 2009, p. 403).

No mesmo sentido é o entendimento de Kiyoshi Harada, in verbis:

Como já foi salientado, o STJ, na vigência do diploma legal anterior, que

continha idêntico dispositivo, fi rmou entendimento de que o local da prestação

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

364

defi ne o município tributante não só em razão do princípio da territorialidade,

como também, para evitar a fraude consistente na manutenção apenas formal

do estabelecimento no território do município circunvizinho com menor

carga tributária. De fato, na região metropolitana de São Paulo, inúmeros

estabelecimentos de prestadores de serviços, notadamente, empresas de leasing,

fugiram do município da Capital para os municípios circunvizinhos, sendo que

algumas delas mantêm estabelecimentos praticamente virtuais fora de São

Paulo, onde a alíquota é mais elevada, ou seja, de 5%. Mas isso é problema de

fi scalização e não da justiça, que deve aplicar a lei vigente. Não é possível, a

pretexto de interpretar a lei, inverter os seus expressos termos. (ISS: doutrina e

prática. São Paulo: Atlas, 2008, p. 51).

No caso dos autos, afastada a competência do Município recorrido

(Município de Tubarão-SC) para efetuar a cobrança do ISS, impõe-se sejam

julgados procedentes os embargos à execução apresentados pela ora recorrente,

com a consequente extinção da execução fi scal.

Por consequência lógica, fi cam prejudicadas as demais questões aduzidas

no recurso especial, sobretudo a suposta afronta ao art. 148 do CTN e ao art.

9º do Decreto-Lei n. 406/1968, que fundamenta a tese relativa à ilegalidade da

base de cálculo do tributo.

Diante do exposto, acompanho, o Ministro Relator para dar parcial

provimento ao recurso especial (com fundamentos parcialmente diversos),

para que sejam julgados procedentes os embargos do devedor apresentados

pela ora recorrente e extinta a execução fi scal, com a consequente inversão dos

ônus sucumbenciais, fi rmando orientação (vinculativa) no sentido de que: 1) é

legítima a incidência do ISS nas operações de leasing fi nanceiro; 2) à exceção dos

serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art. 12 do Decreto-Lei n.

406/1968 considerava como local da prestação do serviço o do estabelecimento

prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador. Julgo

prejudicada a questão relativa à defi nição da base de cálculo do ISS. Acórdão

sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c.c. a Resolução n. 8/2008 -

Presidência-STJ.

É o voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Tributário. Recurso especial representativo de

controvérsia. ISS. DL n. 406/1968. Arrendamento mercantil.

Page 351: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) · Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e outros 16 (dezesseis) acusados

Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 365

Incidência. RE n. 592.905-SC. Sujeição ativa. Local do

estabelecimento prestador.

1. Incide ISS sobre as operações de arrendamento mercantil (RE

n. 592.905-SC).

2. O imposto gerado na vigência do DL n. 406/1968 deve ser

recolhido para o município onde situado o estabelecimento prestador

ou, na falta deste, o domicílio do prestador (art. 12, alínea a).

3. Prejudicada a análise relativa à base de cálculo da exação.

4. Recurso especial parcialmente provido. Voto-vista

acompanhando o voto do eminente relator.

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Cuida o presente recurso especial

representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC) da tributação pelo Imposto

Sobre Serviços (ISS) sobre os contratos de arrendamento mercantil (leasing).

O eminente relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, inicialmente, deu

parcial provimento ao recurso especial da instituição fi nanceira para defi nir que:

“(a) incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil fi nanceiro; (b)

o Município competente para a sua cobrança, na vigência do DL n. 406/1968 é

o da sede do estabelecimento prestador (art. 12), e a partir da LC n. 116/2003,

existindo unidade econômica ou profi ssional do estabelecimento prestador

do serviço de arrendamento mercantil no Município onde essa prestação é

perfectibilizada, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá

ser recolhido o tributo; (c) a base de cálculo do tributo, no presente caso,

abrange o valor total da operação contratada, por corresponder ao preço do

serviço, (d) essas diretrizes servem também para os casos de lançamento por

homologação, hipóteses em que caberá ao Fisco Municipal, ao conferir a

apuração e o pagamento já realizado pelo contribuinte, verifi car os parâmetros

aqui indicados quanto à base de cálculo do tributo, para o fi m de homologar

ou não o procedimento e cobrar valores que entenda ainda devidos ou

mesmo restituir em caso de imposto pago a maior; (e) no caso concreto julgar

procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos ônus sucumbenciais,

ainda a incompetência do Município de Tubarão-SC para a cobrança do ISS”.

O eminente Ministro Mauro Campbell Marques, por sua vez, apresentou

voto-vista pelo qual, por outros fundamentos, acompanhou o relator quanto

à incompetência do Município de Tubarão para exigir o tributo em questão.

Entretanto, em face do acolhimento dessa preliminar, julgou prejudicada a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

366

discussão relativa à base de cálculo do tributo (arts. 9º do DL n. 406/1968 e 148

do CTN).

Na sessão de 27.6.2012, o Ministro relator e o Ministro Cesar Asfor

Rocha declararam a retifi cação de seus votos para o fi m de excluir da análise do

recurso especial as considerações acerca da base de cálculo do tributo.

Para melhor compreensão da controvérsia, pedi vista dos autos.

No presente apelo especial (fl s. 351-378), a instituição fi nanceira recorrente

se insurge contra o entendimento adotado pelo acórdão recorrido acerca das

seguintes questões: a) a incidência do ISS sobre as operações de leasing; b) a

legitimidade ativa do município exequente para a cobrança do imposto; e c)

a base de cálculo da exação utilizada no lançamento realizado por meio de

arbitramento.

Reconhecida, pelo Supremo Tribunal Federal (RE n. 592.905-

SC), a constitucionalidade da incidência do imposto sobre as operações de

arrendamento mercantil fi nanceiro, resta dirimir por meio deste recurso especial

as questões relativas ao sujeito ativo da obrigação tributária e à base de cálculo

da exação.

Quanto à sujeição ativa do tributo, acompanho o douto voto lançado pelo

eminente relator.

Ressalto, desde logo, que não desconheço a jurisprudência construída

pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o DL n. 406/1968 teria

privilegiado o princípio da territorialidade e, por isso, o ISS pertenceria ao

município onde praticado o fato gerador e não onde se encontra a sede da

empresa prestadora. Cito, a título ilustrativo, os seguintes precedentes: AgRg

no REsp n. 1.233.258-PR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma,

DJe 26.4.2011; AgRg nos EDcl no REsp n. 982.956-RS, Rel. Ministro Mauro

Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2009; AgRg no REsp n. 1.068.255-

RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16.2.2009; AgRg

no REsp n. 1.067.171-RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe

2.12.2008; AgRg no REsp n. 1.075.245-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão,

Primeira Turma, DJe 12.11.2008; AgRg no Ag n. 1.000.606-SP, Rel. Ministro

Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26.5.2008; AgRg no REsp n.

845.711-RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 29.5.2008, AgRg

no REsp n. 956.513-RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe

9.3.2009; entre outros.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 367

Essa posição também foi reafi rmada no julgamento do recurso especial

repetitivo que decidiu acerca da tributação do ISS sobre os serviços de

construção civil. Confi ra-se:

Tributário. ISS. Prestação de serviço. Construção civil. Projeto, assessoramento

na licitação e gerenciamento da obra contratada. Competência do município

onde se realizou o serviço de construção. Contrato único sem divisão dos serviços

prestados.

1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL n. 406/1968 era o do

local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC n. 116/2003, quando

passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).

2. Em se tratando de construção civil, diferentemente, antes ou depois da lei

complementar, o imposto é devido no local da construção (art. 12, letra b do DL n.

406/1968 e art. 3º, da LC n. 116/2003).

3. Mesmo estabeleça o contrato diversas etapas da obra de construção, muitas

das quais realizadas fora da obra e em município diverso, onde esteja a sede da

prestadora, considera-se a obra como uma universalidade, sem divisão das etapas

de execução para efeito de recolhimento do ISS.

4. Discussão de honorários advocatícios prejudicada em razão da inversão dos

ônus da sucumbência.

5. Recurso Especial conhecido e provido.

6. Recurso especial decidido sob o rito do art. 543-C do CPC. Adoção das

providências previstas no § 7º do art. 543-C do CPC e nos arts. 5º, II e 6º da

Resolução STJ n. 8/2008 (REsp n. 1.117.121-SP, Rel. Ministra Eliana Calmon,

Primeira Seção, DJe 29.10.2009).

Entretanto, entendo que esse entendimento não deve mais prevalecer. Com

efeito, o art. 12, alínea a, do DL n. 406/1968 dispunha que o “local da prestação

do serviço” é “o do estabelecimento prestador, ou na falta de estabelecimento, o do

domicílio do prestador”. Excetuam essa regra as atividades de construção civil

(alínea b) e de exploração de rodovia (alínea c).

A literariedade desse dispositivo legal, recepcionado como lei

complementar, privilegia a municipalidade onde está situado o prestador de

serviços, elegendo, em primeiro plano, seu estabelecimento, ou, na falta deste,

seu domicílio.

Tendo em vista que a matéria relativa à sujeição ativa do ISS, porquanto

não disciplinada expressamente na Carta Política, está reservada à legislação

complementar (art. 146, III, da CF), deve ser observado o critério escolhido

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

368

pelo legislador, o qual buscou destinar a legitimidade de exigir essa tributação ao

município em que sediado o prestador de serviço. Tenho, portanto, que eventual

mudança dessa clara opção política, relativa ao pacto federativo por infl uenciar

no volume de arrecadação do ISS pelos municípios, deve ser promovida

diretamente junto ao Poder legiferante, cabendo ao magistrado, sobretudo por

se tratar de matéria tributária, fazer cumprir, de maneira estrita, o comando legal

preconizado.

Conclui-se, portanto que, no presente caso, o município recorrido

(Município de Tubarão-SC) não ostenta competência para exigir o tributo

em comento, razão pela qual os embargos à execução devem ser julgados

procedentes.

Afastada, no caso concreto, a sujeição ativa do município exequente, resta

prejudicada a análise do recurso especial quanto à base de cálculo da exação, não

devendo ser fi xada tese jurídica sobre essa tema nesse recurso especial repetitivo.

Entretanto, se superada a tese prejudicial relativa à competência do município

exequente, apresentarei voto específi co relativo à base de cálculo do tributo.

Com essas breves digressões, acompanho o eminente ministro relator para

dar parcial provimento ao presente recurso especial, a fi m de consolidar as seguintes

teses: a) incide o ISS sobre o arrendamento mercantil, conforme decidido pelo

STF (RE n. 592.905-SC); b) à luz do art. 12, a, do DL n. 406/1968, o imposto

é devido ao município onde localizado o estabelecimento prestador ou, na falta

deste, do domicílio do prestador.

Julgo prejudicada a análise de questão relativa à base de cálculo da exação.

Em consequência, no caso concreto, julgo procedentes os embargos à

execução fi scal para o fi m de extinguir a execução fi scal. Outrossim, inverto os

ônus sucumbenciais.

É o voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Tributário e Processual Civil. Recurso especial. ISSQN.

Leasing fi nanceiro. Incidência (STF - RE n. 592.905-SC, DJe de

5.3.2010). Competência. Fato gerador ocorrido sob a égide do

Decreto-Lei n. 406/1968. Local do estabelecimento prestador (art.

12, a, DL n. 406/1968).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 369

Recurso especial a que se dá parcial provimento, acompanhando

o relator.

O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: 1. Trata-se de recurso especial

interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

que, em embargos à execução fi scal, decidiu que (a) incide o ISS nas operações

de leasing, conforme dicção da Súmula n. 138-STJ, (b) a base de cálculo

do tributo deve ser o somatório das prestações de leasing, acrescido de um

percentual relativo aos encargos fi nanceiros incidentes, e (c) a competência

tributária “se fi rma pelo local da ocorrência do fato gerador do tributo, ou seja,

onde os serviços foram efetivamente prestados” (fl . 318). Nas razões do recurso

especial (fl s. 351-378), a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial,

violação aos seguintes dispositivos: (a) arts. 110 do CTN e 8º do Decreto-Lei

n. 406/1968, argumentando que não há incidência de ISSQN nas operações

de leasing, pois estas não traduzem efetiva prestação de serviço; (b) art. 12, a,

do Decreto-Lei n. 406/1968, asseverando que o “Decreto-Lei n. 406/1968,

diploma aplicável na época da suposta ocorrência dos fatos geradores, adotou,

por política legislativa, uma fi cção legal: considerou como local da prestação de

serviço o município onde está localizado o estabelecimento do prestador” (fl .

363); e (c) art. 148 do CTN e 9º, caput, do Decreto-Lei n. 406/1968, aduzindo a

ilegalidade da base de cálculo, pois na sua fi xação foram considerados “aspectos

materiais que não confi guram efetiva prestação de serviço, desdobrando-se

dos limites previstos no art. 148 do Código Tributário Nacional” (fl . 370).

Nas contra-razões (fls. 467-486), o recorrido invoca preliminares de não-

conhecimento e, no mérito, pede o desprovimento.

O recurso especial, à fl . 645, foi submetido ao regime do art. 543-C do

CPC. Em parecer (fl s. 649-657), o Ministério Público Federal opinou pelo não

provimento do recurso. Foram admitidos como amicus curiae os Municípios

de Braço do Norte-SC, Brusque-SC, e Dois Córregos-SP, a Associação

Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais - ABRASF, a Associação

dos Municípios do Paraná - AMP, e a Associação Brasileira de Empresas

de Leasing - ABEL. Às fl s. 1.106-1.107, foi determinada a suspensão dos

processos sobre idêntica matéria não apenas aos Tribunais de 2ª instância, mas a

todos aqueles em que a controvérsia esteja estabelecida.

Iniciado o julgamento, o relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, deu

parcial provimento ao recurso especial, para os fi ns assim constantes da ementa

desse primitivo voto:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

370

(...)

12. Recurso Especial parcialmente provido para definir que: (a) incide

ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil fi nanceiro; (b) o Município

competente para a sua cobrança, na vigência do DL n. 406/1968 é o da sede

do estabelecimento prestador (art. 12), e a partir da LC n. 116/2003, existindo

unidade econômica ou profi ssional do estabelecimento prestador do serviço de

arrendamento mercantil no Município onde essa prestação é perfectibilizada, ou

seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo;

(c) a base de cálculo do tributo, no presente caso, abrange o valor total da

operação contratada, por corresponder ao preço do serviço; (d) essas diretrizes

servem também para os casos de lançamento por homologação; (e) no caso

concreto, julgar procedentes os Embargos do Devedor, com a inversão dos

ônus sucumbenciais, ante a incompetência do Município de Tubarão-SC para a

cobrança do ISS. Acórdão submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da

Resolução n. 8-STJ.

O Ministro Cesar Asfor Rocha, na sessão de julgamento de 23.5.2012,

acompanhou essa orientação. Em voto-vista, o Ministro Mauro Campbell

Marques, por fundamentos, em parte, diversos, acompanhou a orientação do

Ministro Relator para dar parcial provimento ao recurso especial, afastando a

competência do Município recorrido para efetuar a cobrança do ISSQN, de

forma a julgar procedentes os embargos à execução, fi cando, portanto, prejudicada

a análise da base de cálculo do tributo. Na sessão de 27.6.2012, o Ministro

Relator e o Ministro Cesar Asfor Rocha retifi caram os votos anteriormente

proferidos para excluir da análise do recurso especial as considerações acerca

da base de cálculo do tributo. O Ministro Benedito Gonçalves, em voto-vista,

acompanhou o Ministro Relator quanto à sujeição ativa do tributo, de forma a

dar provimento aos embargos à execução, fi cando, assim, prejudicada a análise

do recurso especial quanto aos demais pontos, inclusive quanto à base de cálculo

da exação.

Pedi vista para melhor exame da natureza e das características dos “serviços”

inerentes ao leasing fi nanceiro, o que se mostra essencial para a defi nição do

Município competente para a cobrança do tributo.

2. O exame da matéria aqui discutida deve ter como pressuposto o que

fi cou decidido pelo STF ao afi rmar a incidência do ISSQN sobre o leasing

fi nanceiro. Eis a ementa do acórdão que apreciou esse tema:

Recurso extraordinário. Direito Tributário. ISS. Arrendamento mercantil.

Operação de leasing fi nanceiro. Artigo 156, III, da Constituição do Brasil.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 371

O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing

operacional, [ii] o leasing fi nanceiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso

há locação, nos outros dois, serviço.

A lei complementar não defi ne o que é serviço, apenas o declara, para os fi ns

do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre

o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No

arrendamento mercantil (leasing fi nanceiro), contrato autônomo que não é misto,

o núcleo é o fi nanciamento, não uma prestação de dar. E fi nanciamento é serviço,

sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra

nas hipóteses do leasing fi nanceiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que

se nega provimento.

(RE n. 592.905-SC, Tribunal Pleno, Min. Eros Grau, DJe de 5.3.2010).

Partindo desse pressuposto, cujo acerto ou não aqui já não cabe questionar,

é de se entender que a essência de serviço de leasing fi nanceiro sujeito à tributação

é o ato de fi nanciar (= o fi nanciamento), sendo irrelevantes os demais atos de

execução do contrato a cargo do prestador, inclusive o da aquisição e o da entrega

do bem. Se a prestação de serviço é, na essência, a concessão do fi nanciamento,

o que se tem é um serviço de natureza instantânea (e não continuada) que o

seu prestador (= fi nanciador) cumpre e exaure no limiar da relação contratual.

Se assim é, têm razão os votos já proferidos nesse julgamento, que, revisando

os precedentes da 1ª Seção do STJ sobre o tema, são no sentido da aplicação

da norma estabelecida no art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, segundo o qual

“Considera-se local da prestação do serviço: (...) o do estabelecimento prestador

ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador”. As exceções a essa

regra são apenas as hipóteses de construção civil e de exploração de rodovias

(letras b e c do dispositivo).

3. No caso concreto, o fato gerador que deu ensejo à execução fi scal ocorreu

na vigência do Decreto-Lei n. 406/1968, razão pela qual, à luz do entendimento

agora reafi rmado, é de se dar provimento aos embargos à execução e afastar

a legitimidade do Município de Tubarão para a cobrança do tributo, fi cando

prejudicada a análise das demais questões, notadamente à da alegada violação

aos arts. 148 do CTN e 9º do Decreto-Lei n. 406/1968, relativas à defi nição da

base de cálculo do tributo.

4. Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial,

acompanhando o voto (retificado) do Ministro relator e dos que o

acompanharam. É o voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

372

VOTO-VISTA

Ementa: Tributário. ISS. Leasing. Sujeição ativa. Local da

prestação do serviço. Interpretação infralegal conforme análise

constitucional feita pelo egrégio STF. Estabelecimento prestador.

Local onde a prestadora de serviço concentra atos atinentes ao

fi nanciamento (= núcleo do contrato de leasing, segundo o STF).

1. Discute-se a sujeição ativa relativa ao ISS incidente sobre

serviços de leasing fi nanceiro.

2. O eminente Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia,

entendeu que: a) na vigência do DL n. 406/1968, o sujeito ativo do

ISS é o Município onde “sediado o estabelecimento prestador”; b) no

âmbito da LC n. 116/2003, refere-se ao estabelecimento prestador; e

c) nesse último caso (enquanto vigente a LC n. 116/2003) “competirá,

obviamente, às instâncias ordinárias, verificarem onde situa-se o

estabelecimento prestador do serviço de arrendamento mercantil”.

3. Os Ministros que o acompanharam no resultado citaram

em seus votos escritos apenas o DL n. 406/1968 e o estabelecimento

prestador, e não a sede. Nos debates da sessão do dia 10.10.2012,

houve manifestações em relação à sede ou matriz da prestadora como

relevante.

4. A falta de clareza no que concerne aos fundamentos adotados

pelo acórdão pode, com a devida vênia, minar, senão inviabilizar, a

função essencial dos recursos repetitivos, que é fi xar entendimentos e

reduzir o afl uxo de processos à instância especial. No caso dos autos,

afi rmar que o Município de Tubarão não é sujeito ativo do ISS porque

lá não se localiza a sede da empresa de leasing é algo completamente

diferente de declarar que sua pretensão é inviável porque não há

estabelecimento prestador naquela localidade.

5. Sede é localidade escolhida pela pessoa jurídica como

estabelecimento inicial, onde se concentra a administração,

correspondendo, em regra, ao domicílio empresarial (art. 75, IV,

do CC). Cada sociedade tem uma sede, mas pode possuir diversos

estabelecimentos.

6. Estabelecimento sempre foi entendido, no Direito Brasileiro,

em duas acepções: a) universalidade de bens utilizados pelo empresário

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 373

ou pela sociedade empresária, sinônimo de fundo de comércio,

conforme o art. 1.142 do CC; e b) local determinado geografi camente

onde a empresa se apresenta ao mercado, produzindo, vendendo,

prestando serviços, acepção adotada nos arts. 11, § 3º, da LC n.

87/1996; 969 do CC; 49 do CDC; 3º da Lei de Falências; 2º, § 1º, da

Lei Antitruste, entre outros.

7. O art. 4º da LC n. 116/2003, ao defi nir o estabelecimento

prestador, não inova, apenas traz expressamente, à normatização

do ISS, essa segunda acepção de estabelecimento (= local onde o

empresário realiza o objeto empresarial).

8. A interpretação a ser dada ao DL n. 406/1968 não pode ser

distinta daquela atinente à LC n. 116/2003, pois não houve alteração

da regra relativa ao aspecto espacial da hipótese de incidência.

9. Tanto na vigência do DL n. 406/1968 como na da LC n.

116/2003, o legislador reconheceu que o ISS é devido no local do

fato gerador. Ocorre que, como nem sempre é fácil ou mesmo possível

identifi car esse local sem critérios normativos objetivos, determinou-

se a fi cção legal de que ele (o local do fato gerador) corresponde ao do

estabelecimento prestador do serviço, como regra.

10. Segundo o art. 12, caput, a, do DL n. 406/1968: “Considera-

se local da prestação do serviço (...) o do estabelecimento prestador ou, na

falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador”. Da mesma

forma, nos termos do art. 3º da LC n. 116/2003, “O serviço considera-

se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou,

na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador”.

11. A única distinção entre as duas normas refere-se às exceções.

O art. 12 do DL n. 406/1968 trazia apenas duas, em suas alíneas a e

b. Já o art. 3º da LC n. 116/2003 apresenta 22 exceções, enumeradas

em seus incisos.

12. Por muitos anos o STJ tem mantido o entendimento,

especificamente quanto aos serviços de leasing, afirmando

genericamente que o ISS é devido no local do fato gerador.

13. A rigor, a jurisprudência histórica do STJ acaba decidindo

acerca da sujeição ativa do ISS sobre o leasing de duas formas: a)

negativamente, afastando a fi cção legal de que o local da prestação

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

374

(= local do fato gerador) é o do estabelecimento prestador; e b)

implicitamente, acolhendo a tese de que o serviço é prestado no

domicílio do tomador ou no do estabelecimento em que o bem, objeto

do contrato, é vendido (normalmente o local onde está estabelecida a

concessionária de veículo).

14. Esse posicionamento não pode prevalecer, não apenas por

desconsiderar o disposto expressamente no art. 12 do DL n. 406/1968

e no art. 3º, caput, da LC n. 116/2003 (que indicam o estabelecimento

do prestador), mas também por distanciar-se das premissas fi xadas pelo

egrégio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 547.245-SC e o

RE n. 592.905-SC.

15. O eminente Ministro Eros Grau, Relator daqueles recursos,

deixou claro que o fato gerador não se confunde com a venda do bem

objeto do leasing fi nanceiro, já que o núcleo do serviço prestado é o

fi nanciamento.

16. A identifi cação do local de ocorrência do fato gerador, à luz

do art. 12 do DL n. 406/1968 e do art. 3º, caput, da LC n. 116/2003,

deve necessariamente avaliar a complexidade do negócio jurídico

que tem, em seu cerne, o fi nanciamento, e não a compra do bem pela

instituição fi nanceira ou sua disponibilização ao tomador do serviço.

17. O tomador do serviço, ao dirigir-se à concessionária de

veículos, por exemplo, não vai comprar o carro, mas apenas indicar

à arrendadora qual bem deve ser por ela adquirido, para lhe ser

posteriormente disponibilizado. Muito comum que o próprio vendedor

do bem ofereça ao interessado opções de fi nanciamento, inclusive

o leasing. Observo que, além de vender o bem para a instituição

fi nanceira, a concessionária de veículo, nesse exemplo, presta serviço

de intermediação do contrato de arrendamento mercantil (item 10.04

da lista anexa da LC n. 116/2003), que não se confunde, em absoluto,

com o próprio serviço de leasing fi nanceiro, que está em julgamento

(item 15.09 da mesma lista).

18. Quando o interessado decide-se pelo arrendamento mercantil,

a concessionária, em regra, envia a documentação para a instituição

fi nanceira, que analisa as credenciais econômicas do interessado e

suas próprias disponibilidades e, sendo o caso, fi rma o contrato de

leasing fi nanceiro. A prestadora do serviço adquire então o bem,

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 375

disponibilizando-o ao tomador. Durante o período em que o veículo

está à disposição do arrendatário, a instituição fi nanceira acompanha

os pagamentos. Havendo inadimplência, a prestadora do serviço toma

as providências para a cobrança e, em último caso, para a retomada

do veículo. Finalmente, aliena o bem ao arrendatário, na hipótese de

opção e quitação do valor residual.

19. Apenas uma pequena e inicial parte desse complexo

negócio jurídico ocorre no local do domicílio do tomador ou do

estabelecimento vendedor do bem. Sendo o fi nanciamento o cerne

desse negócio jurídico, premissa fi xada pelo egrégio STF, parece

evidente que o estabelecimento prestador é o da instituição fi nanceira

onde se concentram essas atividades essenciais (aprovação do crédito,

acompanhamento dos pagamentos, cobrança e, eventualmente,

retomada do bem).

20. Importante que o STJ fi xe em repetitivo a interpretação

da legislação federal de modo objetivo e específi co, in casu a exata

identifi cação do aspecto espacial na hipótese de incidência do ISS.

Não parece sufi ciente afi rmar, de modo genérico, que o imposto é

devido no local do estabelecimento prestador, sem defi nir, exatamente,

como ele deve ser identifi cado.

21. Isso (definição genérica) levaria, certamente, a acórdãos

paradoxais, em que o TJ-SC, por exemplo, reconhece que há

estabelecimento prestador em determinada cidade daquele Estado,

pois a concessionária lá localizada é agente da instituição fi nanceira,

enquanto o TJ-SP entende que o estabelecimento prestador, em

relação ao mesmo contrato de leasing, está em algum município

paulista, porque lá é que se aprova o fi nanciamento. Nesse caso, o

STJ não teria cumprido plenamente sua função uniformizadora da

interpretação federal, essencial para o equilíbrio federativo.

22. Partindo da premissa inafastável de que o legislador

adotou como aspecto espacial da hipótese de incidência o local do

estabelecimento prestador, este somente pode ser o da instituição

fi nanceira onde se concentram a análise do crédito, a autorização do

fi nanciamento e de aquisição do bem com subsequente disponibilização

ao tomador, o acompanhamento dos pagamentos, a determinação de

cobrança de parcelas inadimplidas e eventual retomada do veículo.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

376

23. No caso dos autos, incontroverso que esse estabelecimento

prestador está localizado em Osasco.

24. Recurso Especial parcialmente provido, acompanhando

o Relator quanto ao resultado, mas discordando a respeito do

fundamento, no ponto em que Sua Excelência se refere à sede da

prestadora do serviço e à distinção entre os critérios atinentes ao DL

n. 406/1968 e à LC n. 116/2003.

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Discute-se a sujeição ativa relativa ao

ISS incidente sobre serviços de leasing fi nanceiro.

O debate acerca da base de cálculo foi refutado pelos eminentes Ministros

que me precederam, por ser matéria prejudicada pelo afastamento da pretensão

do Município recorrido.

Para total clareza, separarei meu voto em tópicos.

1. Votos precedentes

1.1. Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia (Relator)

O eminente Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia, entendeu que:

a) na vigência do DL n. 406/1968, o sujeito ativo do ISS é o Município

onde “sediado o estabelecimento prestador”;

b) na vigência da LC n. 116/2003, “existindo estabelecimento prestador do

serviço de arrendamento mercantil, assim entendido como unidade econômica

ou profi ssional estabelecida de forma permanente ou temporária, qualquer

que seja a sua denominação, no Município onde a prestação do serviço é

perfectibilizada e ocorre o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o

tributo”; e

c) nesse último caso (vigência da LC n. 116/2003) “competirá, obviamente,

às instâncias ordinárias, verifi carem onde situa-se o estabelecimento prestador

do serviço de arrendamento mercantil”.

Em um primeiro momento, Sua Excelência manifestou-se acerca da base

de cálculo, tendo sido integralmente acompanhado pelo eminente Ministro

Cesar Asfor Rocha (sessão do dia 23.5.2012).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 377

Após o voto-vista do Min. Mauro Campbell, entretanto, ambos (Relator e

Min. Cesar Asfor Rocha) retifi caram seus votos para excluir essa análise (sessão

do dia 27.6.2012).

Nesse ponto, indico, preliminarmente, questão que não fi cou clara pela leitura dos

votos precedentes e das transcrições do debate: manutenção da manifestação, no voto do

eminente Relator, quanto à interpretação da LC n. 116/2003, distinta daquela feita

em relação ao DL n. 406/1968.

O esclarecimento é essencial, em se tratando de repetitivo.

1.2. Voto-vista do Ministro Mauro Campbell Marques

O eminente Ministro Mauro Campbell Marques acompanhou o resultado

proposto pelo eminente Relator, de parcial provimento ao Recurso Especial da

empresa, mas examinou apenas o DL n. 406/1968, excluindo a apreciação da

LC n. 116/2003 e da base de cálculo.

Como já adiantado, o afastamento da análise quanto à base de cálculo foi

acompanhado expressamente pelo Relator.

Quanto à fundamentação, o Ministro Mauro Campbell Marques não

menciona a sede da empresa de leasing como relevante para fi xação da sujeição

passiva, referindo-se apenas ao estabelecimento prestador:

2) à exceção dos serviços de construção civil e exploração de rodovia, o art.

12 do Decreto-Lei n. 406/1968 considerava como local da prestação do serviço o

do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do

prestador.

Adianto que esse me parece o entendimento correto, já que legislação não

versa sobre a sede, conceito absolutamente distinto do estabelecimento, como

veremos mais adiante.

1.3. Voto-vista do Ministro Benedito Gonçalves

O eminente Ministro Benedito Gonçalves também acompanhou o

resultado proposto pelo Relator (parcial provimento do Recurso Especial), mas

a fundamentação aproxima-se daquela adotada pelo eminente Ministro Mauro

Campbell.

De fato, diferentemente do que fez o eminente Ministro Napoleão Nunes

Maia, o Ministro Benedito Gonçalves refere-se apenas ao estabelecimento

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

378

prestador (e não à sede) ou, em sua falta, ao domicílio do prestador, conforme a

literalidade do art. 12, a, do DL n. 406/1968.

1.4. Voto-vista do Ministro Teori Zavascki e debates na sessão do dia

10.10.2012

O Ministro Teori Zavascki não faz alusão, em seu voto escrito, à sede da

prestadora do serviço, mas apenas ao estabelecimento prestador ou, em sua falta,

ao domicílio do prestador.

Entretanto, nos debates na sessão do dia 10.10.2012 afi rma expressamente

que “A lei fala na sede”, ao responder indagação formulada pelo eminente

Ministro Arnaldo Esteves Lima.

O Ministro Castro Meira complementa, afi rmando que “seria a sede o

local onde se efetua o fi nanciamento”.

Esclarecendo seu ponto de vista, o Ministro Napoleão Nunes Maia refere-

se às “matrizes das empresas, onde estão os controles, inclusive dos valores

disponíveis”, conforme as transcrições dos debates na sessão do dia 10.10.2012:

O elemento diferencial, se me permite, Sr. Presidente, o estabelecimento

prestador. Quem presta o fi nanciamento ou quem empresta o capital é a unidade

descentralizada em Limoeiro, por exemplo, Boqueirão do Cesário ou em Catolé

do Rocha, claro que não é. Isso é centralizado nas matrizes das empresas, onde

estão os controles, inclusive dos valores disponíveis, para esse tipo de aplicação.

Foi essa dúvida quanto ao critério de fi xação da sujeição passiva que me

levou a pedir vista dos autos.

2. Importância da fundamentação nos Recursos Especiais

representativos de controvérsia

A dúvida quanto à fundamentação dos votos precedentes seria menos

relevante em caso de Recurso Especial comum.

É certo que a fundamentação não faz coisa julgada, sendo usual acórdãos

unânimes com votos muitas vezes inconciliáveis em suas fundamentações.

Isso porque o resultado fi nal do julgado é dado pela concordância quanto ao

dispositivo do acórdão, apenas.

Cito, como exemplo, julgados em que alguns Ministros entendem pela

não incidência do IR sobre juros e outros pela incidência, como regra, mas

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 379

isenção no tema em análise. Apesar de serem entendimentos aparentemente

inconciliáveis, o resultado é a concordância quanto à inviabilidade de cobrança

da exação, no caso concreto.

Ocorre que essa falta de clareza em relação aos fundamentos adotados

pelo acórdão pode minar, senão inviabilizar, a função essencial dos recursos

repetitivos, que é fixar posicionamentos e reduzir o afluxo de processos à

instância especial.

In casu, afi rmar que o Município de Tubarão não é sujeito ativo do ISS

porque lá não se localiza a sede da empresa de leasing é algo completamente

diferente de declarar que sua pretensão é inviável porque não há estabelecimento

prestador naquela localidade.

Essa distinção é irrelevante para o caso dos autos, pois ambos os

entendimentos redundam no provimento parcial do Recurso Especial, já que

é incontroverso que não há estabelecimento da empresa de leasing em Tubarão.

É por isso, ousamos dizer, que o Ministro Mauro Campbell acompanhou o

Relator, embora o fundamento seja distinto.

Mas haverá inúmeros casos em que a instituição fi nanceira tem sede

em Barueri-SP e o juiz de origem afere que há estabelecimento prestador em

Blumenau-SC, por exemplo.

Ao aplicar o presente repetitivo, nesse exemplo fi ctício, o Tribunal de

origem, caso leia apenas o voto do Relator, afastará a pretensão do Município de

Blumenau.

Entretanto, sempre nesse exemplo fi ctício, se o Tribunal fi zer a leitura

do voto-vista do Ministro Mauro Campbell Marques, poderá acolher o pleito

de Blumenau, já que há estabelecimento empresarial da instituição fi nanceira

naquela localidade.

É preciso esclarecer, portanto, o fundamento pelo qual a pretensão de

Tubarão, no caso em análise, está sendo refutada, sob pena, repito, de se esvaziar

a sistemática do art. 543-C do CPC.

3. Distinção entre sede (ou matriz) e estabelecimento empresarial - a

legislação do ISS não se refere à sede, e a LC n. 116/2003 não inova ao defi nir

estabelecimento

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

380

Sede é localidade escolhida pela pessoa jurídica como estabelecimento

inicial, onde se concentra a administração, correspondendo, em regra, ao

domicílio empresarial (art. 75, IV, do CC).

Embora a sede corresponda necessariamente a um estabelecimento da

sociedade, nada impede, evidentemente, que haja outros. São conceitos distintos.

Estabelecimento sempre foi entendido, no Direito Brasileiro, em duas

acepções:

a) universalidade de bens utilizados pelo empresário ou pela sociedade

empresária, sinônimo de fundo de comércio, conforme o art. 1.142 do CC; e

b) local determinado geografi camente onde a empresa se apresenta ao

mercado, produzindo, vendendo, prestando serviços, acepção adotada nos arts.

11, § 3º, da LC n. 87/1996; 969 do CC; 49 do CDC; 3º da Lei de Falências; 2º,

§ 1º, da Lei Antitruste, entre outros.

O art. 4º da LC n. 116/2003, ao defi nir o estabelecimento prestador, não

inova em relação ao conceito amplamente acolhido no âmbito empresarial,

falimentar, concorrencial, cível e consumerista. Apenas traz expressamente à

normatização do ISS essa segunda acepção de estabelecimento (= local onde o

empresário realiza o objeto empresarial). Basta comparar esse dispositivo com

aqueles das leis antes citadas para verifi car que a Lei Nacional do ISS não inova

(grifei):

LC n. 116/2003, art. 4º Considera-se estabelecimento prestador o local onde o

contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente

ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo

irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, fi lial, agência, posto

de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer

outras que venham a ser utilizadas.

LC n. 87/1996, art. 11, § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento

é o local, privado ou público, edifi cado ou não, próprio ou de terceiro, onde

pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário

ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias,

observado, ainda, o seguinte: (...)

Código Civil, Art. 969. O empresário que instituir sucursal, fi lial ou agência, em

lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste

deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 381

Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição do estabelecimento

secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da

respectiva sede.

CDC, art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias

a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço,

sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do

estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Lei de Falências, art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação

extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local

do principal estabelecimento do devedor ou da fi lial de empresa que tenha sede

fora do Brasil.

Lei Antitruste, art. 2º, § 1º Reputa-se domiciliada no território nacional

a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal,

escritório, estabelecimento, agente ou representante.

Por tudo isso, podemos concluir tranquilamente que:

a) sede não se confunde com estabelecimento; e

b) o art. 4º da LC n. 116/2003 não inova ao definir o que seja

estabelecimento, pois apenas registra expressamente a acepção sempre aceita

do estabelecimento como local determinado geografi camente onde a empresa se

apresenta ao mercado, produzindo, vendendo, prestando serviços.

Assim, não há como fi xar entendimento em repetitivo sem esclarecer

exatamente qual o critério para identifi cação do aspecto espacial da hipótese de

incidência (local da sede ou do estabelecimento prestador).

Veremos, a seguir, que a legislação nacional do ISS sempre se referiu ao

estabelecimento, jamais à sede da contribuinte.

Ademais, mesmo decidindo-se pelo estabelecimento como critério

defi nidor do aspecto espacial da hipótese de incidência, é essencial que o STJ

defi na, em caso de multiplicidade de estabelecimentos, qual deles indica o

Município que exigirá o tributo.

4. Identidade no DL n. 406/1968 e na LC n. 116/2003 quanto ao

aspecto espacial da hipótese de aplicação do ISS - a regra sempre foi a do

estabelecimento como indicador do local do fato gerador (fi cção legal), o que

mudou foram as exceções

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

382

Retorno ao voto do eminente Relator para lembrar que Sua Excelência

fi xou duas regras para defi nição do sujeito ativo do ISS:

a) na vigência do DL n. 406/1968, sujeito ativo do ISS é o Município onde

“sediado o estabelecimento prestador”;

b) na vigência da LC n. 116/2003, “existindo estabelecimento prestador do

serviço de arrendamento mercantil, assim entendido como unidade econômica

ou profi ssional estabelecida de forma permanente ou temporária, qualquer

que seja a sua denominação, no Município onde a prestação do serviço é

perfectibilizada e ocorre o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o

tributo”.

Ademais, nesse último caso (vigência da LC n. 116/2003), segundo o

Ministro Napoleão Nunes Maia, “competirá, obviamente, às instâncias

ordinárias, verifi carem onde situa-se o estabelecimento prestador do serviço de

arrendamento mercantil”.

Mais adiante, durante os debates na sessão do dia 10.10.2012, o Relator

refere-se indistintamente à matriz das empresas como relevante para defi nição

do sujeito ativo, afi rmando que o serviço “é centralizado nas matrizes das

empresas, onde estão os controles, inclusive dos valores disponíveis”.

Considerando que matriz é termo utilizado como sinônimo de sede,

entendo que Sua Excelência tratou exclusivamente da vigência do DL n.

406/1968, ou haveria incongruência com o teor do voto escrito no que se refere

à LC n. 116/2003 (com relação a essa lei, o Relator menciona o estabelecimento,

apenas).

Como disse inicialmente, não me ficou claro, pela leitura dos votos

precedentes e pelos debates orais, se a retifi cação do voto do Relator afastou o

debate sobre a LC n. 116/2003.

De qualquer forma, manifesto-me a respeito, pois novel legislação não

alterou a regra relativa ao aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS.

Não me parece que a interpretação a ser dada ao DL n. 406/1968 possa ser

distinta daquela atinente à LC n. 116/2003.

É preciso ter claro que o legislador, tanto na vigência do DL n. 406/1968

quanto na da LC n. 116/2003, sempre reconheceu que o ISS é devido,

evidentemente, no local do fato gerador.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 383

Ocorre que, como nem sempre é fácil ou mesmo possível identifi car esse

local sem critérios normativos objetivos, determinou-se a fi cção legal de que

ele (o local do fato gerador) corresponde ao do estabelecimento prestador do

serviço, como regra.

Compare-se o art. 12 do DL n. 406/1968 (redação pela LC n. 100/1999)

com o art. 3º, caput, da LC n. 116/2003:

DL n. 406/1968, art. 12. Considera-se local da prestação do serviço: (Revogado

pela Lei Complementar n. 116, de 2003)

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio

do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em

cujo território haja parcela da estrada explorada.

LC n. 116/2003, art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido

no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do

domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando

o imposto será devido no local:

Note-se que ambos os dispositivos aplicam a mesma ficção legal:

considera-se como local da prestação do serviço (= local do fato gerador) o do

estabelecimento prestador.

Na falta de estabelecimento prestador, adota-se o domicílio do prestador.

A única distinção entre as duas normas é concernente às exceções.

O art. 12 do DL n. 406/1968 trazia apenas duas exceções à regra do

estabelecimento prestador, em suas alíneas a e b: construção civil e exploração

de rodovia.

Já o art. 3º da LC n. 116/2003 apresenta 22 exceções, enumeradas em seus

incisos.

Nesse ponto, é interessante destacar que o legislador da LC n. 116/2003

aprimorou a norma anterior, indicando nos incisos do art. 3º os serviços em que

o local da efetiva prestação do serviço é facilmente reconhecível (construção,

limpeza, transportes, vigilância etc.).

É claro que o ideal teria sido identifi car cada um dos locais em que se dá

a prestação do serviço e, com isso, abandonar completamente a fi cção legal do

estabelecimento prestador.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

384

Ocorre que, nos demais casos (não indicados nos incisos do art. 3º da LC

n. 116/2003), é muito difícil, senão impossível, saber exatamente onde o serviço

é efetivamente prestado. É essa a difi culdade em relação ao leasing fi nanceiro.

É comum que o tomador do serviço de arrendamento mercantil seja

domiciliado em um município, o local da venda do veículo seja em outra cidade

e a análise, aprovação, liberação dos valores e acompanhamento do contrato pela

instituição fi nanceira sejam realizados a partir de uma terceira localidade.

Foi por essa razão que, para esse serviço (a exemplo de outros como

consultorias, produção de software, cessão de direitos etc.), manteve-se a

fi cção legal do estabelecimento prestador, como forma de dirimir Confl itos de

Competência, função essencial da lei complementar federal, conforme o art.

146, I, da CF.

A jurisprudência do STJ, ao determinar singelamente que o ISS sobre

leasing é devido no local do fato gerador, simplesmente adota um dos critérios

possíveis para essa defi nição, defendido pelos Municípios que não contam com

estabelecimentos prestadores do serviço, afastando a fi cção legal. Analisarei o

tema no tópico seguinte.

Antes disso, reitero que, por entender inexistir inovação na LC n. 116/2003,

a solução dada ao presente caso (atinente ao DL n. 406/1968) é a mesma

aplicável aos serviços prestados sob a atual legislação.

5. Jurisprudência clássica do STJ. Insuficiência na determinação

genérica de que o ISS é devido no local do fato gerador. Adoção tácita do

critério do domicílio do tomador do serviço ou do local da venda do bem

fi nanciado

Por muitos anos o STJ tem mantido o entendimento, especifi camente

quanto aos serviços de leasing, de que o ISS é devido no local do fato gerador.

Os colegas que me precederam citaram diversos exemplos dentre os inúmeros

julgados nesse sentido.

Ocorre que isso não resolve satisfatoriamente a questão, pois não se defi ne

onde, exatamente, ocorre o fato gerador.

Dito de outra forma, indiscutível que o ISS é devido ao Município onde

ocorre o fato gerador. O debate é quanto à identifi cação dessa localidade (se é

o domicílio do tomador do serviço, da venda do bem, do estabelecimento ou

mesmo da sede da instituição fi nanceira).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 385

A rigor, a jurisprudência histórica do STJ acaba decidindo acerca da

sujeição ativa do ISS sobre o leasing de duas formas:

a) negativamente, afastando a fi cção legal de que o local da prestação (=

local do fato gerador) é o do estabelecimento prestador; e

b) implicitamente, acolhendo a tese defendida pelos Municípios que não

possuem empresas de leasing estabelecidas em seu território, no sentido de que o

serviço é prestado no domicílio do tomador do serviço ou no do estabelecimento

em que o bem, objeto do contrato, é vendido (normalmente o local onde se

encontra a concessionária de veículo).

Para que fi que claro, ao afi rmar genericamente que o ISS é devido no local

do fato gerador, o STJ simplesmente ratifi ca o entendimento de que o imposto

deve ser recolhido ao Município onde domiciliado o tomador do serviço ou

onde se realiza a venda do bem objeto do leasing.

Ocorre que esse posicionamento não pode prevalecer, não apenas por

desconsiderar o disposto expressamente no art. 12 do DL n. 406/1968 e no art.

3º, caput, da LC n. 116/2003 (que indicam o estabelecimento do prestador), como

visto no tópico anterior e reconhecido pelos votos precedentes, mas também por

distanciar-se das premissas fi xadas pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, ao

julgar o RE n. 547.245-SC e o RE n. 592.905-SC.

Analisarei a jurisprudência do STF no próximo tópico.

6. Jurisprudência do STF - o fato gerador do ISS não ocorre

especifi camente no local da venda do bem fi nanciado

O egrégio STF ratifi cou a incidência do ISS sobre serviços de leasing

financeiro ao julgar em repercussão geral o RE n. 547.245-SC e o RE n.

592.905-SC. Farei referência ao primeiro deles, pois é o único em que consta

voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa (no segundo houve impedimento

de Sua Excelência – no mais, são idênticos os acórdãos).

O eminente Relator, Ministro Eros Grau, deixou bastante claro que o

fato gerador em análise não se confunde com a venda do bem objeto do leasing

fi nanceiro, já que o núcleo do serviço prestado é o fi nanciamento. Transcrevo

trecho essencial do voto condutor:

No arrendamento mercantil (leasing fi nanceiro), contrato autônomo que não

é contrato misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

386

fi nanciamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante

a existência de uma compra nas hipóteses do leasing fi nanceiro e do lease-back.

No mesmo sentido, a manifestação do Ministro Carlos Britto:

Entendo que disponibilizar crédito para obtenção de um bem destinado a uso

não é senão um ato de intermediar, ou seja, fazer uma intermediação, obrigação

de fazer, portanto.

É preciso anotar que o Ministro Joaquim Barbosa entendeu inviável afi rmar

que o núcleo do contrato de leasing seja o fi nanciamento, “já que o negócio

jurídico é uno”, mas é certo que reconheceu ser impossível confundir o contrato

de arrendamento com a aquisição do bem ou com sua disponibilização ao

arrendatário. Confi rma que a “arrendadora atua como intermediária na criação

de uma vantagem produtiva e na aproximação de interesses convergentes”.

O eminente Ministro Teori Zavascki, no voto precedente, foi bastante feliz

ao reconhecer a preponderância do fi nanciamento na interpretação dada pelo

egrégio STF. Transcrevo trecho do voto-preliminar de Sua Excelência:

Partindo desse pressuposto, cujo acerto ou não aqui já não cabe questionar, é

de se entender que a essência do serviço de leasing fi nanceiro sujeito à tributação

é o ato de fi nanciar (= o fi nanciamento), sendo irrelevantes os demais atos de

execução do contrato a cargo do prestador, inclusive o da aquisição e o da

entrega do bem.

O STJ, ao analisar a legislação infraconstitucional, não pode se afastar

das premissas jurídicas fi xadas pela Suprema Corte, sob pena de inaceitável

desarmonia interpretativa.

A identifi cação do local de ocorrência do fato gerador, à luz do art. 12 do DL

n. 406/1968 e do art. 3º, caput, da LC n. 116/2003, deve necessariamente avaliar

a complexidade do negócio jurídico que tem, em seu cerne, o fi nanciamento,

e não a compra do bem pela instituição fi nanceira ou sua disponibilização ao

tomador do serviço.

Veremos que, por esse cotejo, não se pode endossar a jurisprudência

histórica do STJ, no sentido de que o ISS é devido no local do domicílio do

tomador ou da venda do bem fi nanciado.

7. O financiamento, cerne do contrato de leasing, não ocorre

especifi camente no domicílio do tomador do serviço ou da venda do bem

fi nanciado, mas sim no estabelecimento da instituição fi nanceira

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 387

O tomador do serviço, ao dirigir-se à concessionária de veículos, por

exemplo, não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora qual bem

deve ser por ela adquirido, para lhe ser posteriormente disponibilizado.

Muito comum que o próprio vendedor do bem ofereça ao interessado

opções de fi nanciamento, inclusive o leasing.

Observo que, além de vender o bem para a instituição financeira, a

concessionária de veículo, nesse exemplo, presta serviço de intermediação

do contrato de arrendamento mercantil (item 10.04 da lista anexa da LC n.

116/2003), que não se confunde, em absoluto, com o próprio serviço de leasing

fi nanceiro, que está em julgamento (item 15.09 da mesma lista).

Para que fi que claro, é incontroverso que eventual serviço de intermediação

do contrato de leasing (item 10.04 da lista), realizado na concessionária, seria

devido ao Município em que a loja está localizada (seria Tubarão, no caso dos

autos). Mas não é isso que está em julgamento!

Quando o interessado decide-se pelo arrendamento mercantil, a

concessionária, em regra, envia a documentação para a instituição fi nanceira que

analisa as credenciais econômicas do interessado e suas próprias disponibilidades

e, sendo o caso, fi rma o contrato de leasing fi nanceiro. A prestadora do serviço

adquire então o bem, disponibilizando-o ao tomador. Durante o período em que

o veículo está à disposição do arrendatário, a instituição fi nanceira acompanha

os pagamentos. Se se constatar inadimplência, a prestadora do serviço toma

as providências para a cobrança e, em último caso, para a retomada do veículo.

Finalmente, aliena o bem ao arrendatário, se houver opção e quitação do valor

residual.

Perceba-se que apenas uma pequena e inicial parte desse complexo negócio

jurídico ocorreu no local do domicílio do tomador ou do estabelecimento

vendedor do bem.

Sendo o fi nanciamento o cerne desse negócio jurídico, premissa fi xada pelo

egrégio STF, parece evidente que o estabelecimento prestador é o da instituição

fi nanceira onde se concentram essas atividades essenciais (aprovação do crédito,

acompanhamento dos pagamentos, cobrança e, eventualmente, retomada do

bem).

Eis, portanto, a interpretação inafastável: o ISS é devido no estabelecimento

em que ocorre o fi nanciamento, considerado como tal o local onde se concentram

a análise do crédito, a autorização do fi nanciamento e de aquisição do bem com

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

388

subsequente disponibilização ao tomador, o acompanhamento dos pagamentos,

a determinação de cobrança de parcelas inadimplidas e eventual retomada do

veículo.

8. Conclusão

Reitero a importância de o STJ fi xar em repetitivo a interpretação da

legislação federal de modo objetivo e específi co, in casu a exata identifi cação do

aspecto espacial da hipótese de incidência do ISS.

Não parece sufi ciente afi rmar, de modo genérico, que o imposto é devido

no local do estabelecimento prestador, sem defi nir, exatamente, como ele deve

ser identifi cado.

Isso levaria, certamente, a acórdãos paradoxais, em que o TJ-SC, por

exemplo, reconhece que há estabelecimento prestador em determinada cidade

daquele Estado, pois a concessionária lá localizada é agente da instituição

fi nanceira, enquanto o TJ-SP entende que o estabelecimento prestador, em

relação ao mesmo contrato de leasing, está localizado em algum município

paulista, porque lá é que se aprova o fi nanciamento.

Nessa hipótese, o STJ não teria cumprido plenamente sua função

uniformizadora da interpretação federal, essencial para o equilíbrio federativo.

Compreensíveis as razões dos Municípios que exigem o ISS no local do

domicílio do tomador ou da venda do bem fi nanciado.

Afi nal, é nessa localidade que ocorre a parcela mais visível da operação e

que, de certa forma, indica a capacidade econômica do contribuinte de fato.

Como visto, o STF afi rmou que o contrato de leasing não se confunde com

a venda do bem ou com sua disponibilização ao tomador, tendo como cerne o

fi nanciamento realizado pela instituição fi nanceira.

O que acontece no local de venda do bem fi nanciado é apenas o início do

negócio jurídico complexo, cujo cerne é, repito, o fi nanciamento realizado pela

prestadora do serviço.

Partindo da premissa inafastável de que o legislador adotou como aspecto

espacial na hipótese de incidência o local do estabelecimento prestador, este

somente pode ser o da instituição fi nanceira onde se concentram a análise

do crédito, a autorização do financiamento e de aquisição do bem com

subsequente disponibilização ao tomador, o acompanhamento dos pagamentos,

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 389

a determinação de cobrança de parcelas inadimplidas e eventual retomada do

veículo.

No caso dos autos, incontroverso que esse estabelecimento prestador está

localizado em Osasco.

Diante do exposto, discordo do fundamento adotado pelo Relator, quando se

refere à sede da prestadora do serviço e à distinção entre os critérios atinentes ao DL

n. 406/1968 e à LC n. 116/2003. Acompanho-o, entretanto, no resultado, após sua

retifi cação, pelo parcial provimento do Recurso Especial, já que não há estabelecimento

prestador da instituição fi nanceira em Tubarão.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.322.945-DF (2012/0097408-8)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Recorrente: Globex Utilidades S/A

Advogado: Nelson Wilians Fratoni Rodrigues

Recorrido: Fazenda Nacional

Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

Recurso especial. Tributário. Contribuição previdenciária.

Salário-maternidade e férias usufruídas. Ausência de efetiva prestação

de serviço pelo empregado. Natureza jurídica da verba que não pode

ser alterada por preceito normativo. Ausência de caráter retributivo.

Ausência de incorporação ao salário do trabalhador. Não incidência de

contribuição previdenciária. Parecer do MPF pelo parcial provimento

do recurso. Recurso especial provido para afastar a incidência de

contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias

usufruídas.

1. Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores,

considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

390

sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração

do Trabalhador.

2. O salário-maternidade é um pagamento realizado no período

em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para a fruição de

licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e

ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei n. 8.213/1991), não

se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o

art. 22 da Lei n. 8.212/1991.

3. Afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição

Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo

à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela

contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais

barata do que a de uma Trabalhadora mulher.

4. A questão deve ser vista dentro da singularidade do trabalho

feminino e da proteção da maternidade e do recém nascido; assim, no

caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais

a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição

Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção estabelecida

no art. 28, § 9º, a da Lei n. 8.212/1991.

5. O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg no AI

n. 727.958-MG, de relatoria do eminente Ministro Eros Grau, DJe

27.2.2009, fi rmou o entendimento de que o terço constitucional de

férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui

verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona

que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações

principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança

de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter

acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal,

pervertendo a regra áurea acima apontada.

6. O preceito normativo não pode transmudar a natureza

jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas

férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido

legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador,

razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais

parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não

é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 391

7. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício

previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também

só se justifi ca ante a perspectiva da sua retribuição futura em forma de

benefício (ADI-MC n. 2.010, Rel. Min. Celso de Mello); dest’arte, não

há de incidir a Contribuição Previdenciária sobre tais verbas.

8. Parecer do MPF pelo parcial provimento do Recurso para

afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-

maternidade.

9. Recurso Especial provido para afastar a incidência de

Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias

usufruídas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio

Kukina, Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), Ari

Pargendler, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Compareceu à sessão, o Dr. Fabio da Costa Vilar, pela recorrente.

Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 8.3.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso

Especial interposto por Globex Utilidades S/A, com fundamento no art. 105,

inciso III, alínea a da Constituição da República em adversidade ao acórdão

proferido pelo egrégio TRF da 1ª Região, assim ementado:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

392

Tributário. Contribuição previdenciária. Prescrição. Salário-maternidade. Férias.

Incidência. Primeiros quinze dias de afastamento por motivo de enfermidade.

Terço constitucional de férias. Não incidência. Compensação. Possibilidade. Juros

de mora. Correção monetária. Taxa Selic.

1. Tratando-se de tributos sujeitos a lançamento por homologação, o Superior

Tribunal de Justiça assentou que o prazo prescricional da ação de repetição

de indébito, ou que vise à compensação, como regra geral, ocorrerá após o

transcurso de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador (prazo

decadencial), acrescido de mais cinco anos, contados da homologação tácita.

2. A Corte Especial deste Tribunal, em julgamento realizado em 2.10.2008,

declarou a inconstitucionalidade da segunda parte do art. 4º da LC n. 118/2005,

nos termos do voto da lavra do Desembargador Federal Leomar Amorim (AI na

AC n. 2006.35.02.001515-0-GO). Assentado, também, que a aplicabilidade da LC n.

118/2005 se refere apenas a fatos geradores posteriores à sua vigência.

3. As verbas recebidas em virtude de salário-maternidade possuem natureza

salarial, caracterizando renda, razão pela qual sobre ela incide a contribuição

previdenciária.

4. Somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência

da contribuição previdenciária. Os valores percebidos pelo empregado nos

primeiros 15 dias de afastamento do trabalho por motivo de doença não possuem

natureza salarial, uma vez que não há contraprestação ao trabalho realizado

e possui efeitos transitórios, não devendo sobre ele incidir a contribuição

previdenciária.

5. Quando o trabalhador não puder usufruir suas férias, fará jus à percepção do

valor das férias a título de indenização, sobre o qual não incidirá a contribuição

previdenciária.

6. Não incide contribuição previdenciária sobre o abono constitucional de

terço de férias, porquanto tais valores não se incorporam aos proventos de

aposentadoria.

7. Está autorizada a compensação dos valores pagos a título de contribuição

sobre os quinze dias de afastamento do empregado por motivo de doença e

terço constitucional de férias, com qualquer tributo arrecadado e administrado

pela Secretaria da Receita Federal, ainda que o destino das arrecadações seja

outro, nos termos do art. 74 da Lei n. 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n.

10.637/2002.

8. A correção monetária deverá incidir desde a data do pagamento indevido

do tributo até a sua efetiva compensação, devendo ser utilizada a Taxa Selic.

9. Apelação da impetrante a que nega provimento.

10. Apelação da Fazenda Nacional e remessa ofi cial a que se nega provimento

(fl s. 427-428).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 393

2. Os Embargos de Declaração opostos por ambas as partes foram

rejeitados, in verbis:

Processual Civil. Embargos de declaração. Contribuição previdenciária.

Prescrição. Salário-maternidade. Férias. Incidência. Primeiros quinze dias de

afastamento por motivo de enfermidade. Terço constitucional de férias. Não

incidência. Compensação. Possibilidade. Juros de mora. Correção monetária. Taxa

Selic. Omissão. Contradição. Obscuridade. Inexistência. Rediscussão de matéria

julgada.

1. Consignado no voto condutor do acórdão embargado que: somente as

parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição

previdenciária. Os valores recebidos pelo empregado nos primeiros 15 dias

de afastamento do trabalho por motivo de doença não possuem natureza

salarial, uma vez que não contraprestação ao trabalho realizado e possui efeitos

transitórios, não devendo sobre ele incidir a contribuição previdenciária.

2. Incabíveis embargos de declaração utilizados indevidamente com a

fi nalidade de reabrir discussão sobre tema jurídico já apreciado pelo julgador.

O inconformismo da embargante se dirige ao próprio mérito do julgado, o que

desafi a recurso próprio.

3. Necessária a inequívoca ocorrência dos vícios enumerados no art. 535 do

CPC, para conhecimento dos embargos de declaração, o que não ocorre com a

simples fi nalidade de prequestionamento.

4. Embargos de declaração rejeitados (fl s. 427).

3. No Recurso Especial, alega-se ofensa ao art. 22, I da Lei n. 8.212/1991,

sob o argumento de que a hipótese de incidência da contribuição previdenciária

é o pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, seja pelos serviços

prestados, seja pelo tempo em que o empregado ou trabalhador avulso permanece à

disposição do empregador ou tomador de serviços (fl s. 474). No salário-maternidade

e nas férias não há retribuição ao trabalho efetivo ou potencial (fl s. 476). Portanto,

independentemente da natureza jurídica atribuída a eles, não podem ser

considerados hipóteses de incidência da contribuição previdenciária.

4. Apresentadas as contrarrazões (fl s. 608-619), o Recurso foi inadmitido

na origem (fls. 621-622), subindo a esta Corte, por força do provimento

de Agravo de Instrumento (fls. 674-683), momento em que, reconhecida

a relevância da matéria, determinou-se a submissão do Recurso Especial a

julgamento pela 1ª Seção.

5. O MPF, em parecer subscrito pelo ilustre Subprocurador-Geral da

República Washington Bolívar Júnior, manifestou-se pelo parcial provimento do

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

394

recurso, apenas para afastar a incidência da Contribuição Previdenciária sobre o

salário-maternidade (fl s. 665-671).

6. É o que havia de relevante para relatar.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Inicialmente,

cumpre anotar que o reconhecimento de repercussão geral pelo STF não

impede o julgamento dos recursos nesta Corte (AgRg no Ag n. 1.272.427-MG,

Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 17.8.2010 e AgRg no REsp n. 1.272.945-PR,

Rel. Min. Humberto Martins, DJe 25.11.2011).

2. Cinge-se a controvérsia em saber se deve ou não incidir Contribuição

Previdenciária sobre os valores pagos a título de salário-maternidade e de férias

gozadas.

3. Conheço e reverencio a orientação desta Corte de que tanto o salário-

maternidade quanto as férias gozadas integram a base de cálculo da Contribuição

Previdenciária (REsp n. 1.232.238-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe

16.3.2011; AgRg no Ag n. 1.330.045-SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 25.11.2010;

REsp n. 1.149.071-SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 22.9.2010), todavia vejo a

necessidade de abertura de nova discussão sobre o tema.

4. Quanto ao salário-maternidade, de fato, o art. 28, § 2º da Lei n.

8.212/1991 dispõe que o salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição.

É certo, ainda, que o salário-de-contribuição é a base de cálculo da contribuição.

5. Ao meu sentir, todavia, antes de definir a incidência ou não de

Contribuição Previdenciária sobre uma determinada verba é preciso analisar

a sua natureza e se a mesma será computada para cálculo dos benefícios

de aposentadoria, porquanto, conforme iterativa jurisprudência das Cortes

Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária

sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do

Trabalhador.

6. O art. 22 da Lei n. 8.212/1991 prevê como fato gerador da Contribuição

Previdenciária o pagamento efetuado pelo empregador que se destina à

retribuição de serviço prestado, senão vejamos:

Art. 22 - A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social,

além do disposto no art. 23, é de:

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 395

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas

a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores

avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer

que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de

utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços

efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador

de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo

coletivo de trabalho ou sentença normativa (grifo não original).

7. Assim, tem-se como remuneração a contraprestação paga ao Trabalhador

em razão dos serviços prestados, enquanto que indenização tem o caráter de

reparação ou compensação.

8. Pois bem, o salário-maternidade é um pagamento realizado no período

em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para fruição de licença

maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e ônus da Previdência

Social (arts. 71 e 72 da Lei n. 8.213/1991). Como se vê, o salário-maternidade não

é contraprestação paga em razão de serviço prestado e nem a segurada está à disposição

do empregador, não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de

que trata o art. 22 da Lei n. 8.212/1991.

9. Por outro lado, a própria Lei n. 8.212/1991, em seu art. 28, § 9º, a,

estabelece:

Art. 28 - Entende-se por salário-de-contribuição:

(...).

§ 9º - Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei,

exclusivamente:

a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o

salário-maternidade;

10. Como se vê, a regra é de que os benefícios previdenciários não sofram a

incidência de Contribuição Previdenciária e apenas uma situação relevantíssima

poderia justifi car a exclusão de um benefício de tal preceito.

11. Ora, o salário-maternidade deve ser visto dentro da singularidade do

trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém nascido, assim,

no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a

necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária,

não havendo razoabilidade para a exceção acima estabelecida.

12. Por oportuno, cumpre salientar que o salário-maternidade, inicialmente

de responsabilidade do empregador, a partir da edição da Lei n. 6.136/1974

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

396

passou a ser, direta ou indiretamente, um encargo exclusivo da Previdência

Social, como forma de tolher a discriminação contra o trabalho feminino.

13. Nesse sentido, afi rmar a legitimidade da cobrança da Contribuição

Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida

prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador

masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher.

14. Assim, não possuindo natureza salarial, não é devida a Contribuição

Previdenciária sobre o pagamento do salário-maternidade.

15. Nesse particular, merece destaque o parecer do ilustre Subprocurador-

Geral da República Washington Bolívar Júnior:

Em se tratando de contribuições previdenciárias, a jurisprudência do Excelso

STF se consolidou no sentido de que não podem incidir em parcelas indenizatórias

ou que não incorporem a remuneração do servidor (AI n. 712.880 AgRg, Relator(a):

Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 26.5.2009, DJe-113

Divulg 18.6.2009 Public 19.6.2009 Republicação: DJe-171 Divulg 10.9.2009 Public

11.9.2009 Ement Vol-02373-04 PP-00753).

No presente caso, o art. 28, § 2º da Lei n. 8.212/1991 é expresso ao prever que

o salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição. Sabe-se que este

salário-de-contribuição é a base de cálculo da contribuição, entre outros, do

segurado empregado, cuja obrigação na arrecadação e recolhimento recai sobre

o empregador, nos moldes do art. 30, I, b, da citada lei.

Por outro lado, o salário-maternidade é um benefício a que tem direito o

segurado, consoante a regra do art. 71 da Lei n. 8.213/1991 estipulando que

o salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120

(cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do

parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas

na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

O sujeito passivo dessa relação previdenciária, no caso de segurada

empregada, como na espécie, é o INSS, mas o pagamento do benefício é feito

diretamente pelo empregador, que tem direito à compensação (art. 72, § 1º da Lei

n. 8.213/1991).

Com efeito, deve-se afastar a incidência da contribuição previdenciária da

empresa prevista no art. 22, I da Lei n. 8.212/1991 sobre o salário-maternidade,

posto que inexiste qualquer remuneração paga pelo empregador visando

uma retribuição pecuniária, menos ainda serviço prestado pelo segurado. Em

suma, não há como se admitir a exigência de recolhimento de contribuição

previdenciária da empresa sobre uma prestação devida pelo INSS ao empregado-

segurado.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 397

Mutatis mutandis, interessante trazer à baila julgado proferido pelo e. STF em

caso relativo ao salário-maternidade, em que se arguia a inconstitucionalidade do

art. 14 da EC n. 20/1998, que fi xou limite máximo da renda mensal do benefício,

onerando-se injustamente o empregador em arcar com eventual diferença sobre

o salário-de-contribuição, senão vejamos:

Direito Constitucional, Previdenciário e Processual Civil. Licença-gestante.

Salário. Limitação. Ação Direta de Inconstitucionalidade do art. 14 da Emenda

Constitucional n. 20, de 15.12.1998. Alegação de violação ao disposto

nos artigos 3º, IV, 5º, I, 7º, XVIII, e 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. 1. O

legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais claramente desde 1974, vem

tratando o problema da proteção à gestante, cada vez menos como um

encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza

previdenciária. Essa orientação foi mantida mesmo após a Constituição

de 5.10.1988, cujo art. 6º determina: a proteção à maternidade deve ser

realizada “na forma desta Constituição”, ou seja, nos termos previstos em seu

art. 7º, XVIII: “licença à gestante, sem prejuízo do empregado e do salário,

com a duração de cento e vinte dias”. 2. Diante desse quadro histórico,

não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, na Emenda n.

20/1998, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação,

ainda que implícita, do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se

esse tivesse sido o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a

E.C. n. 20/1998 conteria referência expressa a respeito. E, à falta de norma

constitucional derivada, revogadora do art. 7º, XVIII, a pura e simples

aplicação do art. 14 da E.C. n. 20/1998, de modo a torná-la insubsistente,

implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que

não se pode presumir desejado. 3. Na verdade, se se entender que a

Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$ 1.200,00 (hum

mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o

empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira,

facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés

da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que

a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários,

de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo

(art. 7º, inc. XXX, da C.F./1988), proibição, que, em substância, é um

desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e

mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal. Estará,

ainda, conclamado o empregador a oferecer à mulher trabalhadora,

quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$ 1.200,00,

para não ter de responder pela diferença. Não é crível que o constituinte

derivado, de 1998, tenha chegado a esse ponto, na chamada Reforma da

Previdência Social, desatento a tais conseqüências. Ao menos não é de se

presumir que o tenha feito, sem o dizer expressamente, assumindo a grave

responsabilidade. 4. A convicção fi rmada, por ocasião do deferimento da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

398

Medida Cautelar, com adesão de todos os demais Ministros, fi cou agora, ao

ensejo deste julgamento de mérito, reforçada substancialmente no parecer

da Procuradoria Geral da República. 5. Reiteradas as considerações feitas

nos votos, então proferidos, e nessa manifestação do Ministério Público

Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade é julgada procedente, em

parte, para se dar, ao art. 14 da Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998,

interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação

ao salário da licença gestante, a que se refere o art. 7º, inciso XVIII, da

Constituição Federal. 6. Plenário. Decisão unânime. (ADI n. 1.946, Rel. Min.

Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 30.4.2003, DJ 16.5.2003 PP-

00090 Ement Vol-02110-01 PP-00123) (fl s. 667-670).

16. Da mesma forma, o art. 148 da CLT, por sua vez, estabelece que a

remuneração das férias, ainda quando devida após a cessão do contrato de trabalho,

terá natureza salarial.

17. Ouso, no entanto, afirmar que o preceito normativo não pode

transmudar a natureza jurídica da verba. Ora, tanto no salário-maternidade

quanto nas férias gozadas, independentemente do título que lhes é conferido

legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão

pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possui

caráter retributivo. Consequentemente, entende-se também não ser devida a

Contribuição Previdenciária sobre férias gozadas.

18. Interessante anotar que o Pretório Excelso, quando do julgamento do

AgRg no AI n. 727.958-MG, de relatoria do eminente Ministro Eros Grau, DJe

27.2.2009, fi rmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem

natureza indenizatória. No mesmo sentido também já se manifestou esta Corte:

Tributário e Previdenciário. Incidente de Uniformização de Jurisprudência das

Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais. Contribuição previdenciária.

Terço constitucional de férias. Natureza jurídica. Não-incidência da contribuição.

Adequação da jurisprudência do STJ ao entendimento firmado no Pretório

Excelso.

1. A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais

Federais fi rmou entendimento, com base em precedentes do Pretório Excelso, de

que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias.

2. A Primeira Seção do STJ considera legítima a incidência da contribuição

previdenciária sobre o terço constitucional de férias.

3. Realinhamento da jurisprudência do STJ à posição sedimentada no

Pretório Excelso de que a contribuição previdenciária não incide sobre o terço

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 399

constitucional de férias, verba que detém natureza indenizatória e que não se

incorpora à remuneração do servidor para fi ns de aposentadoria.

4. Incidente de uniformização acolhido, para manter o entendimento da Turma

Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais,

nos termos acima explicitados. (Pet n. 7.296-PE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe

10.11.2009).

19. Pois bem, o terço constitucional constitui verba acessória à remuneração

de férias e como se sabe a prestação de cunho acessório segue a sorte das

respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima

a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de

caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal,

pervertendo a regra áurea acima apontada.

20. Por fi m, a Fazenda Nacional argumenta que os valores recebidos a título

de salário-maternidade e férias usufruídas integram o cálculo de benefício e são

considerados no cálculo da aposentadoria do Trabalhador.

21. Entretanto, não há que se falar em ofensa aos Princípios do Equilíbrio

Atuarial e Financeiro de gestão do Regime Geral da Previdência Social, pois a

própria solidariedade do sistema irá permitir, a partir da arrecadação de outras

fontes, como os valores oriundos do lucro líquido das empresas e de concursos

de prognósticos, que verbas em sua essência não retributivas, como por exemplo

o salário-maternidade e as férias usufruídas, não sofram indevidamente a

incidência de contribuição previdenciária.

22. Outrossim, o próprio STF, ao apreciar a constitucionalidade da Lei

n. 9.783/1999 (ADI-MC n. 2.010, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 12.4.2002),

concluiu pela necessária correlação entre custo e benefício, pois o regime contributivo,

por sua natureza mesma, há de ser essencialmente retributivo, qualifi cando-se como

constitucionalmente ilegítima, porque despojada de causa efi ciente, a instituição de

contribuição sem o correspondente oferecimento de uma nova retribuição, um novo

benefício ou um novo serviço. E acrescentou que a existência de estrita vinculação

causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a

qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Ou

seja, da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário

mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifi ca ante a

perspectiva da sua retribuição em forma de benefício.

23. Esse foi um dos fundamentos pelos quais se entendeu inconstitucional

a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre a gratifi cação pelo exercício de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

400

Função Comissionada. E, ao meu sentir, é mais uma razão para se concluir pela

não incidência da Contribuição Previdenciária sobre as verbas ora em discussão,

uma vez que não há a incorporação desses benefícios à aposentadoria.

24. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial para afastar

a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as

férias usufruídas.

RECURSO ESPECIAL N. 1.334.488-SC (2012/0146387-1)

Relator: Ministro Herman Benjamin

Recorrente: Waldir Ossemer

Advogado: Carlos Berkenbrock e outro(s)

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF

Recorrido: Os mesmos

Interessado: Confederação Brasileira dos Aposentados Pensionistas e

Idosos COBAP - “Amicus Curiae”

Advogado: José Idemar Ribeiro

EMENTA

Recurso especial. Matéria repetitiva. Art. 543-C do CPC e

Resolução STJ n. 8/2008. Recurso representativo de controvérsia.

Desaposentação e reaposentação. Renúncia a aposentadoria.

Concessão de novo e posterior jubilamento. Devolução de valores.

Desnecessidade.

1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do

INSS, de declarar impossibilidade de renúncia a aposentadoria e, por

parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de

aposentadoria a que pretende abdicar.

2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à

aposentadoria concedida para computar período contributivo

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 401

utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade

em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova

aposentação.

3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais

disponíveis e, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares,

prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria

a que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior

jubilamento. Precedentes do STJ.

4. Ressalva do entendimento pessoal do Relator quanto à

necessidade de devolução dos valores para a reaposentação, conforme

votos vencidos proferidos no REsp n. 1.298.391-RS; nos Agravos

Regimentais nos REsps n. 1.321.667-PR, n. 1.305.351-RS, n.

1.321.667-PR, n. 1.323.464-RS, n. 1.324.193-PR, n. 1.324.603-RS,

n. 1.325.300-SC, n. 1.305.738-RS; e no AgRg no AREsp n. 103.509-

PE.

5. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito

à desaposentação, mas condicionou posterior aposentadoria ao

ressarcimento dos valores recebidos do benefício anterior, razão por

que deve ser afastada a imposição de devolução.

6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial

do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do

CPC e da Resolução n. 8/2008 do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça:

“Prosseguindo no julgamento, a Seção, por unanimidade, negou provimento ao

recurso especial do INSS e deu provimento ao recurso especial do segurado, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Napoleão Nunes

Maia Filho, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Eliana Calmon,

Arnaldo Esteves Lima e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Ari

Pargendler.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

402

Brasília (DF), 8 de maio de 2013 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 14.5.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recursos Especiais

interpostos contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª

Região.

Transcrevo relatório da decisão de fl s. 326-328/STJ, que bem sintetiza a

controvérsia:

Trata-se, na origem, de Ação Ordinária de segurado objetiva a renúncia à

aposentadoria por tempo de serviço concedida pelo INSS em 1997 (a chamada

“desaposentação”) e a concessão de posterior benefício da mesma natureza,

mediante cômputo das contribuições realizadas após o primeiro jubilamento.

A sentença de improcedência foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da

4ª Região conforme acórdão assim ementado (fl s. 140-141/STJ):

Previdenciário. Desaposentação para recebimento de nova

aposentadoria. Possibilidade. Ausência de norma impeditiva. Necessidade

de devolução do montante recebido na vigência do benefício anterior.

Compensação com os proventos do novo benefício. Impossibilidade.

Decadência.

1. O ato de renúncia à aposentadoria, por se tratar de direito patrimonial

disponível, não se submete ao decurso de prazo decadencial para o seu

exercício. Entendimento em sentido contrário confi gura, s.m.j., indevida

ampliação das hipóteses de incidência da norma prevista no citado art. 103

da LBPS, já que a desaposentação, que tem como consequência o retorno

do segurado ao status quo ante, equivale ao desfazimento e não à revisão

do ato concessório de benefício.

2. Tratando-se a aposentadoria de um direito patrimonial, de caráter

disponível, é passível de renúncia.

3. Pretendendo o segurado renunciar à aposentadoria por tempo

de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo

de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e

concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 403

valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão

ser integralmente restituídos. Precedente da Terceira Seção desta Corte.

4. O art. 181-B do Dec. n. 3.048/1999, acrescentado pelo Decreto n.

3.265/1999, que previu a irrenunciabilidade e a irreversibilidade das

aposentadorias por idade, tempo de contribuição/serviço e especial, como

norma regulamentadora que é, acabou por extrapolar os limites a que está

sujeita, porquanto somente a lei pode criar, modifi car ou restringir direitos

(inciso II do art. 5º da CRFB).

5. Impossibilidade de compensação dos valores a serem devolvidos ao

INSS com os proventos do novo benefício a ser concedido, sob pena de burla

ao § 2º do art. 18, uma vez que as partes já não mais seriam transportadas

ao status jurídico anterior à inativação (por força da necessidade de integral

recomposição dos fundos previdenciários usufruídos pelo aposentado).

O INSS opôs Embargos de Declaração (fl s. 177-178/STJ), que foram rejeitados

(fl s. 183-190/STJ).

O segurado interpôs Recurso Especial (fls. 233-255/STJ) com fundamento

no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal. Para configurar a divergência

jurisprudencial, apontou várias decisões proferidas por esta Corte que entendem

pela desnecessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que

pretende renunciar.

O INSS também interpôs Recurso Especial (fl s. 214-230/STJ) com embasamento

no art. 105, III, a, da Constituição Federal. Sustenta violação do art. 535 do CPC e

do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991. Aduz que o citado dispositivo da Lei de

Benefícios veda a renúncia à aposentadoria concedida.

O Tribunal de origem admitiu o Recurso Especial do segurado (fl . 293/STJ) e

não admitiu o do INSS (fl s. 294-297/STJ). A autarquia agravou dessa decisão (fl s.

306-310/STJ).

Os presentes recursos foram admitidos sob o regime dos recursos

repetitivos (art. 543-C do CPC e Resolução STJ n. 8/2008), conforme decisão

de fl s. 326-328/STJ, já mencionada.

O Ministério Público opinou pelo não provimento do Recurso Especial

(fls. 285-293/STJ). Apontou a “reiterada orientação desta Egrégia Corte

Superior no sentido de que é possível a renúncia à aposentadoria, para que

outra, com renda mensal maior, seja concedida, levando-se em conta a contagem

de período de labor exercido após a outorga da inativação, não importando em

devolução dos valores percebidos”.

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

404

VOTO

O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos foram recebidos

neste Gabinete em 6.9.2012.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade dos Recursos Especiais,

adentro o exame do mérito.

1. Possibilidade de desfazimento (renúncia) da aposentadoria. Exame da

matéria sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008

Conforme decisão de fl s. 326-328/STJ, o presente Recurso Especial foi

submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, de forma que passo a fi xar

a orientação acerca da questão jurídica controvertida.

O objetivo do segurado é desfazer o ato de aposentadoria. Alega que

trabalhou após a concessão do benefício e pretende obter novo benefício em que

sejam considerados os posteriores salários de contribuição, além dos computados

na primeira aposentação.

Há dois pontos jurídicos a serem enfrentados in casu: a possibilidade de o

segurado renunciar à aposentadoria e, se admissível, a necessidade de devolução

dos valores recebidos por força do benefício preterido.

A aposentadoria, direito fundamental garantido no art. 7º, XXIV, da CF,

é prestação previdenciária destinada a garantir renda mensal por incapacidade

total e permanente para o trabalho ou pelo decurso predeterminado de tempo

de contribuição e/ou de idade. Destes suportes fáticos resultam seus três tipos:

por tempo de contribuição, por idade e por invalidez.

Antes de adentrar o tema, introduzo breve análise da evolução legislativa.

A redação original da Lei n. 8.213/1991 previa a possibilidade de o

aposentado continuar trabalhando e contribuindo para o sistema. Estabelecia

o direito a tal segurado de se ver ressarcido das contribuições previdenciárias

vertidas após a aposentação. Determinava ainda que o aposentado tinha

direito somente à reabilitação profi ssional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios

(contribuições pós-aposentadoria), não fazendo jus a outras prestações. Seguem

os dispositivos legais correspondentes:

Art. 18. (...)

2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer

em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, somente tem direito à

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 405

reabilitação profissional, ao auxílio-acidente e aos pecúlios, não fazendo jus

a outras prestações, salvo as decorrentes de sua condição de aposentado,

observado o disposto no art. 122 desta lei.

(...)

Art. 81. Serão devidos pecúlios:

(...)

II - ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime

Geral de Previdência Social que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo,

quando dela se afastar; (Revogado pela Lei n. 8.870, de 1994).

(...)

Art. 82. No caso dos incisos I e II do art. 81, o pecúlio consistirá em pagamento

único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições

do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos

depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro.

As contribuições previdenciárias pós-aposentadoria pertenciam ao

segurado, portanto, e o recebimento de tal pecúlio estava sob a condição do

afastamento da atividade que gerou o recolhimento.

Com o advento das Leis n. 9.032/1995 e n. 9.527/1997, o direito ao

pecúlio foi extinto, passando a fi car expresso que as precitadas contribuições

passariam a ser destinadas ao custeio da Seguridade Social, conforme o art. 11, §

3º, da Lei n. 8.213/1991 (grifei):

Art. 11. (...)

§ 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que estiver

exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é

segurado obrigatório em relação a essa atividade, fi cando sujeito às contribuições

de que trata a Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da

Seguridade Social. (Incluído pela Lei n. 9.032, de 1995).

O art. 18, § 2º, da Lei de Benefícios, por sua vez, teve sua redação

modifi cada para delimitar ao salário-família e à reabilitação profi ssional as

prestações previdenciárias devidas ao aposentado que permanecer em atividade

contributiva como empregado. Reproduzo o preceito legal:

Art. 18. (...)

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que

permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ela retornar, não fará jus

a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

406

atividade, exceto ao salário-família, à reabilitação profissional e ao auxílio-

acidente, quando empregado. (Redação dada pela Lei n. 9.032, de 1995)

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social-RGPS que

permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus

a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa

atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando

empregado. (Redação dada pela Lei n. 9.528, de 1997).

Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado

aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo

ser utilizadas para outros fi ns, salvo as prestações salário-família e reabilitação

profi ssional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado

qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria.

Esta Corte sedimentou posição no sentido de que os benefícios

previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis:

Agravo interno. Benefício previdenciário. Direito patrimonial disponível.

Ilegitimidade do Ministério Público Federal.

1. Ilegítima a atuação do Ministério Público nos casos de concessão de

benefícios previdenciários, por se tratar de direitos patrimoniais disponíveis.

2. Agravo ao qual se nega provimento (AgRg no REsp n. 1.030.065-PI, Rel.

Ministro Celso Limongi, Desembargador convocado do TJ-SP, Sexta Turma, DJe

25.10.2010).

Previdenciário. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao

recurso especial. Autora devidamente representada por advogado constituído

nos autos. Ação que versa sobre benefício previdenciário. Direito individual

disponível. Ilegitimidade da intervenção do Ministério Público. Incidência da

Súmula n. 7-STJ. Agravo regimental do Ministério Público Federal desprovido.

(...)

2. As Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte firmaram

entendimento de que o Ministério Público não possui legitimidade para atuar

em ações que versem sobre benefício previdenciário, por se tratar de direito

individual disponível, suscetível, portanto, de renúncia pelo respectivo titular.

(...)

(AgRg no Ag n. 1.132.889-SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta

Turma, DJe 17.5.2010).

Não é diferente o entendimento da jurisprudência desta Corte Superior

quanto à possibilidade de desaposentação:

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 407

Agravo regimental no recurso especial. Previdenciário e Processual Civil.

Matéria afetada ao rito dos recursos especiais repetitivos. Sobrestamento. Art.

543-C dirigido à segunda instância. Desaposentação. Possibilidade. Devolução

das prestações previdenciárias já percebidas. Desnecessidade. Prazo decadencial

do art. 103 da Lei n. 8.213/1991. Matéria nova não susceptível de conhecimento.

1. Os comandos insertos no art. 543-C do CPC, parágrafos 1º e 2º, in fine,

dirigem-se aos Tribunais de segunda instância, não estando os relatores de

recurso especial subordinados às decisões de sobrestamento no âmbito dos

recursos especiais repetitivos. Precedentes.

2. É pacífico nesta eg. Corte Superior o entendimento segundo o qual o

segurado pode renunciar à aposentadoria que aufere com o objetivo de obter

uma outra, mais vantajosa, não estando obrigado, na consecução desse objetivo,

a devolver as prestações previdenciárias já percebidas. Precedentes.

3. A questão não suscitada previamente nas razões de recurso especial

constitui matéria nova, não susceptível de conhecimento em agravo regimental.

Precedentes.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.270.606-RS, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira

(Desembargadora convocada do TJ-PE), Sexta Turma, DJe 12.4.2013).

Previdenciário e Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial.

Desaposentação. Possibilidade. Repercussão geral da matéria. Sobrestamento do

feito no Superior Tribunal de Justiça. Inaplicabilidade. Dispositivos constitucionais.

Análise. Impossibilidade.

1. O Superior Tribunal de Justiça fi rmou compreensão no sentido de que o

segurado pode renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício

mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio de

previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição.

2. O fato de a questão federal debatida nos autos ser objeto de repercussão

geral no Supremo Tribunal Federal não determina o sobrestamento dos

julgamentos dos recursos especiais, e sim dos recursos extraordinários

eventualmente interpostos em face dos arestos prolatados por esta Corte, que

tratem da matéria afetada.

3. Apresenta-se inviável a apreciação de ofensa a dispositivo constitucional,

ainda que a título de prequestionamento, pois não cabe ao STJ, em sede de

recurso especial, examinar matéria cuja competência é reservada ao STF, nos

termos do art. 102, inc. III, da Constituição Federal.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.274.328-RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe

7.3.2013).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

408

Previdenciário. Processual Civil. Repercussão geral. Sobrestamento. Não

cabimento. Renúncia de aposentadoria. Possibilidade. Devolução dos valores

recebidos. Desnecessidade. Análise de violação de dispositivos constitucionais.

Impossibilidade. Competência do STF.

1. O reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de

sobrestamento de recurso especial.

2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia

à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e

posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime

previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores

percebidos.

3. A renúncia à aposentadoria, para fi ns de concessão de novo benefício, seja

no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores

percebidos.

4. Não cabe ao STJ, mesmo com a fi nalidade de prequestionamento, analisar

suposta violação de dispositivos da Constituição Federal, sob pena de usurpação

da competência do STF.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.321.325-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda

Turma, DJe 20.8.2012).

Processual Civil e Previdenciário. Matéria pendente de julgamento no STF.

Sobrestamento do feito. Descabimento. Renúncia de aposentadoria. Devolução

dos valores recebidos. Desnecessidade.

1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dos recursos

que tramitam no STJ. Precedentes.

2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento

do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício,

independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1.300.730-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe

21.5.2012).

Assim, é possível ao segurado renunciar à aposentadoria.

2. Necessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria

desfeita para posterior jubilamento. Exame da matéria sob o rito do art. 543-

C do CPC e da Resolução STJ n. 8/2008

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 409

Quanto ao debate acerca da necessidade de devolução de valores, ressalvado

meu entendimento conforme item abaixo, o STJ fi xou a orientação de que não

há necessidade de ressarcimento de aposentadoria a que se pretende renunciar

como condição para novo jubilamento. Nesse sentido:

Agravo regimental no recurso especial. Previdenciário. Aposentadoria por

tempo de serviço. Renúncia. Devolução de valores recebidos na vigência do

benefício anterior. Efeitos ex nunc. Desnecessidade. Impossibilidade. Burlar a

incidência do fator previdenciário. Inovação recursal.

1. A questão de que se cuida já foi objeto de ampla discussão nesta Corte

Superior, estando hoje pacifi cada a compreensão segundo a qual a renúncia à

aposentadoria, para fi ns de concessão de novo benefício, seja no mesmo regime

ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores percebidos, pois,

enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos proventos.

2. A tese trazida pelo agravante de ser o pedido de desaposentação, uma

forma ardilosa de burlar a incidência do fator previdenciário, não foi tratada

pelo Tribunal de origem, nem tampouco suscitada, nas contrarrazões ao recurso

especial, caracterizando-se clara inovação recursal, que não pode ser conhecida

neste momento processual.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp n. 1.255.835-PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta

Turma, DJe 12.9.2012).

Previdenciário. Processual Civil. Repercussão geral. Sobrestamento. Não

cabimento. Renúncia de aposentadoria. Possibilidade. Devolução dos valores

recebidos. Desnecessidade. Análise de violação de dispositivos constitucionais.

Impossibilidade. Competência do STF.

1. O reconhecimento pelo STF da repercussão geral não constitui hipótese de

sobrestamento de recurso especial.

2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, admite-se a renúncia

à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e

posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime

previdenciário em que se encontra o segurado e da devolução dos valores

percebidos.

3. A renúncia à aposentadoria, para fi ns de concessão de novo benefício, seja

no mesmo regime ou em regime diverso, não implica a devolução dos valores

percebidos.

4. Não cabe ao STJ, mesmo com a fi nalidade de prequestionamento, analisar

suposta violação de dispositivos da Constituição Federal, sob pena de usurpação

da competência do STF.

Page 396: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) · Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e outros 16 (dezesseis) acusados

REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

410

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.321.325-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda

Turma, DJe 20.8.2012).

Constitucional, Previdenciário e Processual Civil. Renúncia à aposentadoria.

Possibilidade. Devolução de valores. Desnecessidade. Precedentes.

Impossibilidade de inovação de fundamentos. Análise de dispositivos e princípios

constitucionais. Impossibilidade.

1. Prevalece nesta Corte entendimento no sentido de se admitir a renúncia

à aposentadoria objetivando o aproveitamento do tempo de contribuição e

posterior concessão de novo benefício, independentemente do regime

previdenciário que se encontra o segurado, não importando em devolução dos

valores percebidos.

2. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível

na via especial, nem à guisa de prequestionamento, porquanto matéria reservada

pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp n. 1.323.628-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda

Turma, DJe 8.8.2012).

Agravo regimental no recurso especial. Processual Civil e Previdenciário. Pleito

de sobrestamento, em razão de repercussão geral reconhecida pelo STF. Não

cabimento. Ofensa à cláusula de reserva de plenário. Inexistência. Apreciação de

dispositivos constitucionais. Inadequação da via eleita. Aposentadoria. Renúncia.

Possibilidade. Devolução de valores. Desnecessidade. Precedentes. Agravo

improvido.

(AgRg no REsp n. 1.321.667-PR, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda

Turma, DJe 24.8.2012).

Processual Civil e Previdenciário. Matéria pendente de julgamento no STF.

Sobrestamento do feito. Descabimento. Renúncia de aposentadoria. Devolução

dos valores recebidos. Desnecessidade.

1. A pendência de julgamento no STF não enseja o sobrestamento dos recursos

que tramitam no STJ. Precedentes.

2. Admite-se a renúncia à aposentadoria objetivando o aproveitamento

do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício,

independentemente do regime previdenciário que se encontra o segurado.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 1.300.730-PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe

21.5.2012).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 411

Previdenciário. Processual Civil. Desaposentação. Renúncia à aposentadoria.

Devolução de valores. Desnecessidade. Reconhecimento de repercussão

geral pelo STF. Sobrestamento do feito. Impossibilidade. Exame de matéria

constitucional em sede de recurso especial. Descabimento. Honorários

advocatícios. Juízo de equidade. Valor irrisório. Não demonstração.

1. O reconhecimento da repercussão geral pela Suprema Corte não enseja

o sobrestamento do julgamento dos recursos especiais que tramitam neste

Superior Tribunal de Justiça. Precedentes.

2. Inviável o exame, na via do recurso especial, de suposta violação a

dispositivos da Constituição Federal, porquanto o prequestionamento de matéria

essencialmente constitucional, por este Tribunal, importaria usurpação da

competência do Supremo Tribunal Federal.

3. Descabe falar em adoção do procedimento previsto no art. 97 da

Constituição Federal nos casos em que esta Corte decide aplicar entendimento

jurisprudencial consolidado sobre o tema, sem declarar inconstitucionalidade do

texto legal invocado.

4. A fi xação de honorários, nos termos do que determina o § 4º do art. 20 do

Código de Processo Civil, não está limitada aos percentuais estipulados no § 3º do

art. 20 do Código de Processo Civil.

5. O percentual de 5% sobre o valor da condenação não se revela irrisório,

mormente quando não são apresentados elementos aptos a demonstrar o caráter

ínfi mo da condenação.

6. Agravos regimentais improvidos.

(AgRg no REsp n. 1.274.283-RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe

11.11.2011).

No mesmo sentido as seguintes decisões monocráticas: REsp n. 1.345.439-

PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 25.9.2012;

REsp n. 1.343.090-RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira

Turma, DJ 24.9.2012.

É possível, portanto, ao segurado pleitear a desaposentação para posterior

reaposentação, computando-se os salários de contribuição posteriores à renúncia,

sem necessidade de devolução dos valores recebida da aposentadoria preterida.

3. Ressalva do entendimento pessoal sobre necessidade de devolução

dos valores da aposentadoria como condição para a renúncia desta

Não obstante a adoção, no presente julgamento, da dominante

jurisprudência acerca do ressarcimento de aposentadoria renunciada, ressalvo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

412

meu entendimento exposto, em voto vencido, no REsp n. 1.298.391-RS;

nos Agravos Regimentais nos REsps n. 1.321.667-PR, n. 1.305.351-RS,

n. 1.321.667-PR, n. 1.323.464-RS, n. 1.324.193-PR, n. 1.324.603-RS, n.

1.325.300-SC, n. 1.305.738-RS; e no AgRg no AREsp n. 103.509-PE.

Transcrevo a fundamentação que adotei naqueles julgamentos:

Veja-se, pois, que as contribuições da atividade laboral do segurado

aposentado são destinadas ao custeio do sistema (art. 11, § 3º), não podendo

ser utilizadas para outros fi ns, salvo as prestações salário-família e reabilitação

profi ssional (art. 18, § 2º). Não é permitido, portanto, conceder ao aposentado

qualquer outro tipo de benefício previdenciário, inclusive outra aposentadoria.

Nesse ponto é importante resgatar o tema sobre a possibilidade de renúncia

à aposentadoria para afastar a alegada violação, invocada pelo INSS, do art. 18,

§ 2º, da Lei n. 8.213/1991. Este dispositivo apenas veda a concessão de prestação

previdenciária aos segurados que estejam em gozo de aposentadoria, não sendo o

caso quando esta deixa de existir pelo seu completo desfazimento. Ou seja, se a

aposentadoria deixa de existir juridicamente, não incide a vedação do indigitado

dispositivo legal.

Tal premissa denota o quanto a devolução dos valores recebidos pela

aposentadoria objeto da renúncia está relacionada ao objetivo de obter nova e

posterior aposentação.

Primeiramente porque, se o aposentado que volta a trabalhar renuncia a

tal benefício e não devolve os valores que recebeu, não ocorre o desfazimento

completo do ato e, por conseguinte, caracteriza-se a utilização das contribuições

para conceder prestação previdenciária não prevista (a nova aposentadoria) no já

mencionado art. 18, § 2º.

Além disso, ressalto relevante aspecto no sentido de que o retorno ao estado

inicial das partes envolve também a preservação da harmonia entre o custeio e as

coberturas do seguro social.

É princípio básico de manutenção do RGPS o equilíbrio atuarial entre o que

é arrecadado e o contexto legal das prestações previdenciárias. Não é diferente

para o benefício de aposentadoria, pois, sob a visão do segurado, ele contribui

por um determinado tempo para custear um salário de benefício proporcional ao

valor da base de cálculo do período contributivo.

Evidentemente que o RGPS é solidário e é provido por diversas fontes de

custeio, mas a análise apartada da parte que cabe ao segurado pode caracterizar,

por si só, desequilíbrio atuarial. Basta que ele deixe de contribuir conforme a

legislação de custeio ou lhe seja concedido benefício que a base contributiva não

preveja.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 413

Enfi m, um período determinado de contribuições do segurado representa

parte do custeio de uma aposentadoria a contar do momento de sua concessão.

Se este mesmo benefício é desconstituído para conceder um novo, obviamente

mais vantajoso, o período contributivo deste último (em parte anterior e em parte

posterior à aposentadoria renunciada) serve para custear o valor maior a partir da

nova data de concessão.

Pois bem, se na mesma situação acima o segurado for desobrigado de devolver

os valores recebidos do benefício renunciado, ocorrerá nítido desequilíbrio

atuarial, pois o seu “fundo de contribuições” acaba sendo usado para custear duas

aposentadorias distintas.

Essa construção baseada no equilíbrio atuarial decorre de interpretação

sistemática do regime previdenciário, notadamente quando é disciplinada a

utilização de tempo de contribuição entre regimes distintos. Transcrevo

dispositivo da Lei de Benefícios:

Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção

será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas

seguintes:

(...)

III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para

concessão de aposentadoria pelo outro;

Assim, se o pedido da presente ação fosse para se desaposentar no RGPS para

utilizar o tempo de contribuição em regime próprio, a não devolução dos valores

recebidos do benefício renunciado caracterizaria a vedação do art. 96, III, da Lei n.

8.213/1991, pois o citado tempo foi utilizado para conceder/pagar aposentadoria

do regime de origem.

Mutatis mutandis, não poderá ser utilizado tempo de contribuição já

considerado para conceder um benefício (aposentadoria renunciada) para a

concessão de nova e posterior prestação (aposentadoria mais vantajosa) no

mesmo regime de previdência. Nessa situação incidem as vedações dos arts. 11,

§ 3º, e 18, § 2º, da LB. Isso porque, como já ressaltado, se a aposentadoria não

deixa de existir completamente, as contribuições previdenciárias posteriores

são destinadas ao custeio da Seguridade Social, somente sendo cabíveis as

prestações salário-família e reabilitação profi ssional.

Ressalto que, embora não haja cumulação temporal no pagamento

das aposentadorias, há cumulação na utilização de tempos de contribuição,

concernente à fração da mesma base de custeio. É que as contribuições

anteriores à aposentadoria renunciada seriam utilizadas para pagar esta e o novo

jubilamento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

414

Dentro desse contexto interpretativo, a não devolução de valores do benefício

renunciado acarreta utilização de parte do mesmo período contributivo para

pagamento de dois benefícios da mesma espécie, o que resulta em violação do

princípio da precedência da fonte de custeio, segundo o qual “nenhum benefício

pode ser criado, majorado ou estendido, sem a devida fonte de custeio” (art. 195,

§ 5º, da CF e art. 125 da Lei n. 8.213/1991). Sobre o mencionado princípio, cito

julgado do Supremo Tribunal Federal:

Contribuição social. Majoração percentual. Causa suficiente.

Desaparecimento. Consequencia. Servidores publicos federais.

O disposto no artigo 195, PAR. 5., da Constituição Federal, segundo

o qual “nenhum beneficio ou serviço da seguridade social podera ser

criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”,

homenageia o equilibrio atuarial, revelando princípio indicador da

correlação entre, de um lado, contribuições e, de outro, benefícios e

serviços.

(...)

(ADI n. 790, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 23.4.1993

PP-06918 Ement Vol-01700-01 PP-00077 RTJ Vol-00147-03 PP-00921.)

Os cálculos atuariais que embasam o regime de custeio tomam como base uma

previsão determinada de contribuições para pagar aposentadoria em período

estimado pela expectativa de vida média dos segurados. A parte que incumbe ao

segurado é recolher os aportes por determinado tempo para cobrir o pagamento

da aposentação a contar da concessão. Como já exaustivamente demonstrado, a

não devolução dos valores da aposentadoria a que se pretende renunciar, com

o intuito de utilização do período contributivo para novo jubilamento, quebra

a lógica atuarial do sistema. Isso porque a primeira aposentadoria é concedida

em valor menor do que se fosse requerida posteriormente, mas é paga por mais

tempo (expectativa de vida). Já se o segurado optar por se aposentar mais tarde,

o “fundo de contribuições” maior fi nanciará uma aposentadoria de valor maior,

mas por período menor de tempo.

A renúncia à aposentadoria sem devolução de valores mescla essas duas

possibilidades, impondo aos segurados uma aposentadoria o mais prematura

possível, para que mensal ou anualmente (fator previdenciário e coefi ciente de

cálculo) seja majorada.

Tais argumentos já seriam sufi cientes, por si sós, para estabelecer a devolução

dos valores da aposentadoria como condição para a renúncia desta, mas adentro

ainda em projeções de aplicação do entendimento contrário que culminariam,

data venia, em total insegurança jurídica, pois desestabilizariam e desvirtuariam o

sistema previdenciário. Isso porque todos os segurados passariam a se aposentar

com os requisitos mínimos e, a cada mês de trabalho e nova contribuição

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 325-416, abril/junho 2013 415

previdenciária, poderiam pedir nova revisão, de forma que a aposentadoria fosse

recalculada para considerar a nova contribuição.

Exemplifi cando: o segurado se aposenta em abril/2012 e continua trabalhando

e contribuindo. Em maio/2012 pediria a desaposentação de abril/2012 e nova

aposentadoria para incluir o salário de contribuição de abril. Em junho/2012

pediria a desaposentação de maio/2012 e nova aposentadoria para incluir o

salário de contribuição de maio e assim sucessivamente.

A não devolução dos valores do benefício culminaria, pois, na generalização da

aposentadoria proporcional. Nenhum segurado deixaria de requerer o benefício

quando preenchidos os requisitos mínimos.

A projeção do cenário jurídico é necessária, portanto, para ressaltar que

autorizar o segurado a renunciar à aposentadoria e desobrigá-lo de devolver

o benefício recebido resultaria em transversa revisão mensal de cálculo da

aposentadoria já concedida.

Considerando ainda que essa construção jurídica, desaposentação sem

devolução de valores, consiste obliquamente em verdadeira revisão de cálculo

da aposentadoria para considerar os salários de contribuição posteriores

à concessão, novamente está caracterizada violação do art. 11, § 3º, e 18, §

2º, da Lei n. 8.213/1991, pois este expressamente prevê que as contribuições

previdenciárias de aposentado que permanece trabalhando são destinadas ao

custeio da Seguridade Social e somente geram direito às prestações salário-

família e reabilitação profi ssional.

Indispensável, portanto, o retorno ao status quo ante para que a aposentadoria

efetivamente deixe de existir e não incidam as vedações legais citadas.

Assim, é bom frisar que a devolução dos valores recebidos da aposentadoria a

que o segurado pretende renunciar é condição para que as contribuições possam

ser utilizadas para novo benefício da mesma espécie, inclusive de outro regime.

Nada impede, por outro lado, que o segurado renuncie com efeito ex nunc,

o que o desoneraria da devolução dos valores, mas não ensejaria o direito de

utilizar as contribuições já computadas.

4. Resolução do caso concreto

O Tribunal de origem, como já relatado, reconheceu o direito

à desaposentação, mas condicionou a utilização do tempo e do salário de

contribuição para futura aposentadoria à devolução do benefício recebido.

Assim, o acórdão recorrido deve ser reformado para afastar a necessidade

de ressarcimento dos valores da aposentadoria a que o segurado pretende

renunciar.

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416

Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial do INSS e provejo o

Recurso Especial de Waldir Ossemer para declarar a desnecessidade de devolução dos

valores da aposentadoria renunciada, e condenar a autarquia à concessão de nova

aposentadoria a contar do ajuizamento da ação, compensando-se o benefício em

manutenção, e ao pagamento das diferenças acrescidas de juros de mora a contar da

citação (Súmula n. 204-STJ) e dos honorários advocatícios de 10% sobre as parcelas

vencidas até a decisão do Tribunal de origem (Súmula n. 111-STJ).

É como voto.

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Primeira Turma

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 29.686-RS

(2009/0106475-2)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves

Recorrente: Alberto Carvalho

Advogado: Hermann Homem de Carvalho Roenick e outro(s)

Recorrente: Miguel Oliveira Figueiró

Advogado: Angelita Rizzi Figueiro

Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul

Procurador: Luiz Fernando Lemke Krieger e outro(s)

EMENTA

Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança.

Serviços notariais e de registro. Atividade desenvolvida em

caráter privado após a CF/1988. Vinculação de tabeliães a regime

previdenciário próprio dos servidores públicos e percepção de

vencimentos e vantagens pagas pelos cofres públicos.

Hipótese sem que os recorrentes, em recursos distintos, insurgem-

se contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça, que determinou a

imediata cassação do pagamento de vantagens pecuniárias, bem como

a desvinculação junto ao regime previdenciário do Estado. Para tanto,

alegam direito adquirido, fundamentado nos artigos 5º, XXXVI e

LXXVII, § 2º, da CF/1988, art. 3º, da EC n. 20/1998 e art. 3º, § 2º,

da EC n. 41/2003, além do art. 40, § único e 51, da Lei n. 8.935/1994.

Recurso de Alberto Carvalho:

1. Consoante orientação fi rmada por esta Corte Superior de

Justiça, é extemporâneo o recurso, aqui entendido na sua forma

genérica, interposto, quer por uma, quer por outra parte, antes do

julgamento dos embargos de declaração opostos, em que não haja

posterior ratifi cação.

2. Não tendo havido a referida reiteração no caso dos autos,

não há como afastar a incidência, por analogia, do Enunciado n.

418 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:

“É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

420

do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratifi cação.”

Precedentes: AgRg no RMS n. 32.391-SC, Rel. Min. Hamilton

Carvalhido, Primeira Turma, DJe 2.12.2010; EDcl no RMS n.

17.980-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009;

EDcl no RMS RMS n. 27.697-PR, Rel. Min. Mauro Campbell

Marques, Segunda Turma, DJe 1º.9.2010.

3. Recurso ordinário não conhecido.

Recurso de Miguel Oliveira Figueiró:

1. Em face da nova interpretação constitucional, de que a

equiparação dos notários e registradores a servidores públicos somente

ocorreu na vigência da redação original da Constituição Federal de

1988 (antes da EC n. 20/1998), e, ainda assim, apenas para fi ns de

incidência da regra da aposentadoria compulsória, é de se entender que

somente tem direito à manutenção do regime jurídico dos servidores

públicos os notários/registradores cuja posse no cargo seja anterior à

CF/1988 e que tenham implementado os requisitos à aposentadoria

antes das modifi cações implementadas pela EC n. 20/1998.

2. Não obstante o preenchimento de tais exigências, o recorrente,

instado pela Administração para se manifestar, optou pela manutenção

do regime próprio de previdência, sem a submissão da aposentadoria

compulsória.

3. O artigo 32 do ADCT não assegura cumulação de regimes

jurídicos distintos. É inviável conceber-se a hipótese de que

os notários e registradores possam auferir direitos exclusivos dos

servidores públicos, e ao mesmo tempo, não se submeter às restrições

constitucionais impostas a toda categoria (inativação compulsória aos

70 anos de idade). O acolhimento dessa pretensão consagraria um

regime jurídico misto ou especial para os titulares dessas serventias,

o qual não encontra respaldo na lei. Precedentes: RMS n. 30.378-RS,

Rel. Min. Teori Albino Zavscki, Primeira Turma, DJe 30.8.2011;

AgRg no AREsp n. 30.030-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,

Segunda Turma, DJe 11.11.2011; RMS n. 28.650-RS, Rel. p/ Acórdão

Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 5.8.2010; AgRg no Ag

n. 1.409.250-RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma,

DJe 2.2.2012.

4. Recurso ordinário não provido.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 421

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, não conhecer do recurso ordinário em mandado de segurança

de Alberto Carvalho e negar provimento ao de Miguel Oliveira Figueiró, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão,

Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 7 de agosto de 2012 (data do julgamento).

Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 13.8.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Tratam-se de recursos ordinários em

mandado de segurança interpostos por Alberto Carvalho e Miguel Oliveira

Figueiró contra acórdão proferido pelo Órgão Especial do Egrégio Tribunal

de Justiça do Rio Grande do Sul, que, por maioria, denegaram a ordem, nos

seguintes termos do voto vencedor (fl s. 289-290):

Denego a segurança na linha de pronunciamentos anteriores a respeito da

matéria. Não há que se falar em direito líquido e certo em face de regime jurídico

especial, ao qual estão vinculados registradores e notários. Não se pode conviver,

de forma simultânea, sob as benesses de um e outro sistema, sem que haja

opção por um deles. Direito adquirido pressupõe a existência de direito subjetivo

incorporado ao patrimônio do sujeito, que não subsiste em havendo expressa

renúncia, como é o caso dos autos. Ou seja, os impetrantes pretendem continuar

percebendo emolumentos, mas não abrem mão de seguirem percebendo

vantagens dos cofres públicos. Data vênia, isso não é possível. Não é o curso

do tempo que convalida o ilícito. Houve, em repetidas oportunidades, chance

de opção aos impetrantes, que, de forma implícita ou explícita, seguiram no

regime privatizado de custas. A renúncia não permite se cogitar de decadência

administrativa, tampouco suscitar o princípio da segurança jurídica.

Ainda, quanto ao regime previdenciário, a Lei n. 8.935/1998, assegurou-lhes

a manutenção no sistema, desde que sujeitos a ele. Vale dizer, submetidos à

aposentadoria compulsória e às demais regras específi cas do regime jurídico dos

servidores públicos. Não é o que pretendem os impetrantes, que buscam estar no

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422

“melhor dos mundos”, com as vantagens de cada sistema, imune às restrições nele

impostas.

Com estas breves considerações, estou votando pela denegação da segurança.

Desse desate, Miguel Oliveira Figueiró, na qualidade de litisconsorte ativo,

opôs embargos de declaração, que restaram rejeitados, conforme acórdão de fl s.

440-442.

Na mesma data, Alberto Carvalho interpôs recurso ordinário em mandado

de segurança, aduzindo que, na condição de Tabelião nomeado em data anterior

à Constituição Federal, tem direito líquido e certo de continuar percebendo,

na integralidade, as vantagens pecuniárias (gratificações e quinquênios) e

de permanecer vinculado ao regime previdenciário próprio, do Instituto de

Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, situação suprimida pelo ato

manifestamente ilegal da autoridade coatora.

Defende que o seu direito está amaparado pelo artigo 5º XXXVI, da CF,

que protege situações adquiridas e incorporada ao patrimônio pessoal, e artigos

40, parágrafo único e 51 da Lei n. 8.935/1994, que garantem ao impetrante a

estabilidade da situação vigente à época de sua publicação, tanto no que se refere

à percepção das vantagens pecuniárias, como na continuidade da vinculação à

previdência própria, podendo se aposentarem quando bem entender.

Afi rma que “não houve qualquer opção que signifi casse renúncia ao direito

adquirido e incorporado de receber as vantagens pecuniárias e nem pedido

de desvinculação do sistema previdenciário local” (fl s. 375), bem como que

“somente os admitidos após 20 de novembro de 1994 (véspera da publicação

da Lei n. 8.935/1994) é que estariam vinculados à Previdência Social Federal,

permanecendo os anteriores vinculados à legislação previdenciária que até então

mantinham (Ipergs)” (fl s. 376).

Por fi m, aduz que há de se reconhecer a decadência administrativa, visto

que o STJ possui entendimento fi rmado no sentido de que o prazo decadencial

de cinco anos para a Administração rever seus atos, nos termos do artigo 54

da Lei n. 9.784/1999, deve ser aplicado no âmbito estadual, quando ausentes

normas específi cas.

Por sua vez, Miguel Oliveira Figueiró, após a rejeição dos embargos

declaratórios, apresentou recurso ordinário alegando que é inegável o seu

direito de permanência no regime próprio de previdência social do Estado,

com todas as vantagens temporais incorporadas ao seu patrimônio jurídico,

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 423

posto que, quando do advento da EC n. 20/1998, já havia implementado todos

os requisitos para a aposentadoria integral, consoante certidão de fl s. 173,

fornecida pelo Departamento Pessoal do TJRS, relativa ao tempo de serviço e

contribuição previdenciária.

Prossegue afi rmando que fez repetidas opções pela permanência no regime

próprio, tempestivamente protocoladas, tendo o seu direito amparado pelo

artigo 5º, XXXVI e LXXVIII, § 2º e 3º, da EC n. 41/2003, assim como na

jurisprudência do STF e STJ.

O Estado do Rio Grande do Sul apresentou contrarrazões às fl s. 464-

478, requerendo o improvimento do presente recurso, mediante os seguintes

argumentos: i) “o impetrante, consoante a Constituição Federal em vigor, a

legislação própria, a decisão preferida na ADI n. 2.602, e toda a fundamentação

posta no Parecer da Assessoria Especial do TJRS, exercer atividade profi ssional

que não o enquadra na defi nição de servidor público, tendo expressamente

renunciado ao regime anterior”, de modo que “não há embasamento legal

para a manutenção dos pagamentos das vantagens pelos cofres públicos, nem

do vínculo como Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos”

(fl s. 475); ii) inexiste lei no Estado do Rio Grande do Sul fi xando prazo para

a Administração revisar seus atos nulos, aplicando-se, no caso, o disposto na

Súmula n. 473-STF; iii) o STF há muito já vem afi rmando que não há direto

adquirido a regime jurídico; e iv) haverá compensação fi nanceira entre os valores

que foram pagos pelo autor ao Ipergs e o INSS.

O Ministério Público Estadual proferiu parecer às fl s. 480-480v, opinando

pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, para manter, exclusivamente,

a vinculação do recorrente com o Ipergs.

O Ministério Público Federal, em seu parecer de fl s. 484-489, opinou pelo

desprovimento do recurso, nos termos da seguinte ementa:

Recurso ordinário. Mandado de segurança. Notários. Regime de aposentadoria.

Ausência de direito líquido e certo.

1 - “O direito invocado, para ser amparado, há que vir expresso em norma legal,

e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante.

Ausentes estes, não se reconhece a ilegalidade reclamada”. Precedentes STJ.

2 - Parecer pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

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424

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Como visto, os recorrente,

em recursos distintos, insurgem-se contra ato do Presidente do Tribunal de

Justiça, que determinou a imediata cassação do pagamento de vantagens

pecuniárias, bem como a desvinculação junto ao regime previdenciário do

Estado, alegando direito líquido e certo, em razão da existência de direito

adquirido, fundamentado nos artigos 5º, XXXVI e LXXVII, § 2º, da CF/1988,

art. 3º, da EC n. 20/1998 e art. 3º, § 2º, da EC n. 41/2003, além do art. 40, §

único e 51, da Lei n. 8.935/1994.

1. Em relação ao recorrente Alberto Carvalho, tenho que o recurso não

merece ser conhecido, em face da sua intempestividade.

É que, emerge dos autos que a o acórdão proferido pelo TJRS foi publicado

em 23.1.2009 (fl s. 344), sendo que, desse desate o recorrente Alberto Carvalho

interpôs recurso ordinário (fl s. 360-398), e, na mesma data, o litisconsorte

ativo, Miguel Oliveira Figueiró, opôs embargos de declaração (fl s. 347-354).

Com a rejeição dos aclaratórios às fl s. 440-442, cuja publicação ocorreu em

14.4.2009 (fl s. 444), Miguel Figueiró apresentou recurso ordinário (fl s. 447-454

- 22.4.2009), sendo que o recurso outrora interposto pelo recorrente Alberto

Carvalho não foi reiterado após o julgamento e publicação do acórdão dos

embargos de declaração.

Com efeito, consoante orientação fi rmada por esta Corte Superior de

Justiça, é extemporâneo o recurso, aqui entendido na sua forma genérica,

interposto, quer por uma, quer por outra parte, antes do julgamento dos

embargos de declaração opostos, em que não haja posterior ratifi cação.

Assim, não tendo havido a referida reiteração no caso dos autos, não

há como afastar a incidência, por analogia, do Enunciado n. 418 da Súmula

deste Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “É inadmissível o recurso

especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração,

sem posterior ratifi cação.”

Nesse sentido são os seguintes precedentes desta Corte:

Agravo regimental em recurso ordinário em mandado de segurança.

Ratifi cação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração.

Obrigatoriedade. Agravo improvido.

1. “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do

acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratifi cação.” (Súmula do STJ,

Enunciado n. 418).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 425

2. Agravo regimental improvido (AgRg no RMS n. 32.391-SC, Rel. Ministro

Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 2.12.2010).

Embargos declaratórios. Reconhecimento de omissão do julgado embargado.

Matéria de ordem pública. Requisito de admissibilidade do recurso. Concessão de

efeitos infringentes. Apelo ordinário intempestivo e não conhecido.

1. Os embargos declaratórios constituem a via adequada para sanar omissões,

contradições, obscuridades ou erros materiais do decisório embargado, e nesse

desiderato, mostra-se admissível a atribuição de efeitos infringentes quando a

correção de tais vícios implicar na modifi cação do julgado.

2. A interposição de recurso antes do julgamento do acórdão que rejeitou os

embargos de declaração e sem ratifi cação posterior inviabiliza o acesso à via recursal

pela ausência de exaurimento da instância ordinária.

3. Embargos acolhidos, com efeitos infringentes, para não conhecer do recurso

ordinário em mandado de segurança (EDcl no RMS n. 17.980-RS, Rel. Ministro

Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 19.10.2009).

Processual Civil. Recurso ordinário em mandado de segurança interposto antes

da publicação do julgamento de embargos de declaração. Ausência de ratifi cação.

Extemporaneidade.

1. É extemporâneo o recurso ordinário interposto na pendência de julgamento de

embargos declaratórios, sem que tenha havido posterior ratifi cação de seus termos.

Nesse sentido, a jurisprudência se solidifi cou na recente Súmula n. 418 desta Superior

Corte, aplicável por analogia.

2. Recurso ordinário não conhecido (RMS n. 27.697-PR, Rel. Ministro Mauro

Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1º.9.2010).

Ante o exposto, não conheço do recurso ordinário em mandado de segurança

interposto por Alberto Carvalho.

2. No que diz respeito ao recorrente Miguel Oliveira Figueiró, tenho que o

recurso há de ser improvido.

A questão posta a julgamento consiste em defi nir se o recorrente, titular

de cartório, empossado antes da CF/1988, tem direito adquirido ao regime

próprio de previdência social do Estado do Rio Grande do Sul, tendo em vista

os muitos anos de contribuição efetiva e o fato de que, quando do advento da

EC n. 20/1998, já havia implementado todos os requisitos para a apsosentadoria

voluntária com proventos integrais.

Para a solução da controvérsia, necessário se faz, primeiramente, traçar

uma breve exposição acerca do histórico normativo atinente aos notários e

registradores.

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426

Com o advento da Constituição Federal de 1988, operou-se nova e profunda

modifi cação no que tange ao regime jurídico dos notários e registradores,

anteriormente denominados serventuários do foro extrajudicial ou servidores

extrajudiciais, restando estabelecido que suas atividades passariam a ser exercidas

em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme o disposto no art.

236 da CF, senão vejamos:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado,

por delegação do Poder Público.

§ 1º. Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal

dos notários, dos ofi ciais de registro e de seus prepostos, e defi nirá a fi scalização

de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º. Lei federal estabelecerá normas gerais para fi xação de emolumentos

relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso

público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fi que vaga,

sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Contudo, por meio da regra de transição disposta no art. 32 do ADCT,

abaixo transcrita, o legislador constituinte preservou algumas situações, como a

dos serviços notarias e de registro que já haviam sido ofi cializadas pelo poder

público antes da promulgação da Constituição:

Art. 32. O disposto no art. 236 não se aplica aos serviços notariais e de registro

que já tenham sido ofi cializados pelo Poder Público, respeitando-se o direito de

seus servidores.

Diante dessas novas disposições, a Administração Pública passou a

oportunizar aos titulares dos serviços notariais e registrais, com ingresso anterior

à CF de 1988, portanto, ofi cializados, a conversão para o exercício do serviço

em caráter privado, sendo que, muitos deles, se silenciaram e continuaram na

situação que estavam, recebendo, além das custas, vencimentos, vantagens,

contagem de tempo de serviço em dobro, abono permanência, incorporação de

graticação, etc.

A regulamentação do referido dispositivo constitucional, que alterou o

regime jurídico dos notariais e registrais, somente veio a ocorrer com a Lei n.

8.935, de 18.11.1994, que vinculou os notários e registradores à previdência

social geral, de âmbito federal, e à aposentadoria facultativa, além de que, mais

uma vez, resguardou as situações dos nomeados anteriormente à Constituição

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 427

pelo regime ofi cializado, que poderiam continuar a ser regidos pelas normas

anteriores, salvo a possibilidade de opção pelo novo regime. Eis o teor dos

artigos que ora interessam:

Art. 28. Os notários e ofi ciais de registro gozam de independência no exercício

de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos

atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas

em lei.

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a ofi cial de registro por:

(...)

II - aposentadoria facultativa;

(...)

§ 1º Dar-se-á aposentadoria facultativa ou por invalidez nos termos da

legislação previdenciária federal.

(...)

Art. 40. Os notários, ofi ciais de registro, escreventes e auxiliares são vinculados

à previdência social, de âmbito federal, e têm assegurada a contagem recíproca

de tempo de serviço em sistemas diversos.

Parágrafo único. Ficam assegurados, aos notários, ofi ciais de registro, escreventes

e auxiliares os direitos e vantagens previdenciários adquiridos até a data da

publicação desta lei.

Art. 51. Aos atuais notários e ofi ciais de registro, quando da aposentadoria, fi ca

assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que

anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas

até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão.

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos escreventes e auxiliares de

investidura estatutária ou em regime especial que vierem a ser contratados em

virtude da opção de que trata o art. 48.

§ 2º Os proventos de que trata este artigo serão os fi xados pela legislação

previdenciária aludida no caput.

§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às pensões deixadas, por morte,

pelos notários, ofi ciais de registro, escreventes e auxiliares.

Não obstante tais normas, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no

sentido de que os titulares de cartórios e registros notariais, por ocuparem cargo

público criado por lei e provido mediante concurso, submetidos à fi scalização do

Estado e diretamente remunerados por receita pública (custas e emolumentos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

428

fi xados por lei), classifi cavam-se como servidores públicos em sentido amplo e,

como tais, sujeitavam-se à aposentadoria compulsória aos 70 anos (art. 40, II,

da CF). Precedentes: AgRg na SS n. 1.822-1-PE, Tribunal Pleno, DJ de

12.3.2001; AgRg no RE n. 209.354-8-PR, 2ª T. Min. Carlos Velloso, DJ de

16.4.1999; AgRg na SS n. 1.817-5-PE, Tribunal Pleno, DJ de 12.3.2001; AgRg

no RE n. 254.065-0-SP, 2ª T. Min. Carlos Velloso, DJ de 14.12.2001.

A situação apenas se modifi cou com o advento da Emenda Constitucional

n. 20/1998, que alterou o art. 40 da CF e vinculou a aposentadoria do regime

próprio aos “servidores titulares de cargos efetivos”. A partir de então, a Suprema

Corte passou a entender que os notários e registradores não são considerados

servidores públicos, de modo que a eles não se aplica a regra da aposentadoria

compulsória, o que foi consolidado na ADI n. 2.602-MG, nos termos da seguinte

ementa:

Ação direta de inconstitucionalidade. Provimento n. 055/2001 do Corregedor-

Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais. Notários e registradores. Regime

jurídico dos servidores públicos. Inaplicabilidade. Emenda Constitucional n.

20/1998. Exercício de atividade em caráter privado por delegação do poder

público. Aposentadoria compulsória aos setenta anos. Inconstitucionalidade.

1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe

foi conferida pela EC n. 20/1998, está restrito aos cargos efetivos da União, dos

Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios - inclusive autarquias e

fundações.

2. Os serviços de registros públicos, cartórios e notarias são exercidos em caráter

privado por delegação do Poder Público - serviço público não-privativo.

3. Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não

são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não

são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo

mencionado artigo 40 da CB/1988 - aposentadoria compulsória aos setenta anos de

idade.

4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI n. 2.602-0-

MG, Tribunal Pleno, Relator para acórdão Min. Eros Grau, DJ de 5.12.2005).

Sob esse contexto, esclareceu o STF que a aposentadoria compulsória há de

ser aplicada aos tabeliães que completaram setenta anos de idade antes da entrada em

vigor da EC n. 20/1998 (Precedentes: RE n. 284.321 AgR-ED-EDv-AgR-DF,

Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe de 13.9.2007; Rcl n. 4.866 AgR-SP,

Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 1º.2.2008), bem como que a

equiparação dos notários e registradores a servidores públicos somente ocorreu na

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 429

vigência da redação original da CF/1988 (antes da EC n. 20/1998) e, ainda assim,

apenas para fi ns de incidência da regra da aposentadoria compulsória (Precedente:

RE n. 512.064 AgR-PE, 2ª T. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 6.4.2011), sendo

este o entendimento atual do STF.

Em face dessa nova interpretação constitucional, de que tabeliães

e registradores não foram considerados servidores públicos no regime

constitucional de 1988, concluiu-se que somente teriam direito à manutenção

do regime jurídico dos servidores públicos os notários/registradores cuja posse

no cargo seja anterior à CF/1988 e que tenham implementado os requisitos à

aposentadoria antes das modifi cações implementadas pela EC n. 20/1998.

Ato contínuo, a Administração Publica passou, então, a notifi car os titulares

dos serviços notariais e registrais nessas condições, com ingresso anterior

à CF de 1988 e implemento das condições de inatividade antes da EC n.

20/1998, para que optassem pela permanência do vínculo junto ao regime jurídico

dos servidores públicos ou pela migração voluntária para o regime novo.

Feitas tais considerações, passa-se a análise da situação específi ca do recorrente.

O recorrente nasceu em 7.1.1941, contando, hoje, com 71 anos de idade.

Exerce a atividade de Ofi cial do Registro de Imóveis do Ofício da 6ª Zona

de Porto Alegre desde 15.2.1991, tendo sido originalmente nomeado pelo

Goverandor de Estado para o caro de Ofi cial do Registro de Imóveis, na

Comarca de Arroio do Meio, em 2.6.1965 (fl s. 161). Percebe vantagens mensais

diretamente do Poder Judiciário, além das custas e emolumentos da serventia

e descontos relativos às contribuições ao IPE/Previdência (RPPS-RS) e ao

IPE/Saúde. Em 16.12.1998, data da publicação da EC n. 20/1998, já havia

completado, de acordo com a legislação então vigente, o tempo necessário para

a obtenção de sua aposentadoria voluntária com proventos integrais (fl s. 173).

Devidamente instado pela Administração Pública, manifestou, em 8.6.2007,

a sua opção pelo regime previdenciário próprio (Ipergs), para o qual vem

contribuindo desde 1961, salientando, contudo, que não renuncia a outros

direitos adquiridos ou incorporados ao seu patrimônio, dentre eles, a sua não

aposentação compulsória (fl s. 182 e 197).

Diante dessa situação, entendeu por bem a Administração Pública, na

pessoa do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul, editar o ato ora atacado, consubstanciado na determinação da imediata

cassação do pagamento de vantagens pecuniárias ao recorrente, bem como da

sua desvinculação junto ao regime previdenciário do Estado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

430

O parecer que se baseou o referido ato, da Assessoria Especial da

Presidência do TJRS, possui o seguinte teor (fl s. 293):

III. 3.1) - Os notários e registradores que ingressaram na atividade antes da Lei

Federal n. 8.935/1994 e que até a data de vigência da Emenda Constitucional n.

20/1998 vieram a implementar todos os requisitos para a inativação segundo o

regime próprio de previdência, por enfeixarem direito adquirido a esse regime, ao

qual se vincula a percepção de vantagens pagas atualmente pelos cofres públicos,

devem ter assegurada a oportunidade para manifestarem, formalmente, a opção

de permanecerem a ele vinculados, o que lhes assegurará não só as vantagens

pecuniárias correspondentes como o ônus de continuarem submetidos ao

regime de jubilação compulsória por limite de idade – porque é exatamente

esse o regime que decorre da aplicação das regras constitucionais em vigor até a

promulgação da Emenda Constitucional n. 20. Como essa opção não pode ser

presumida ou tácita, exige-se, necessariamente, que o notário e o registrador

manifestem expressa, formal e incondicional adesão à manutenção àquele

regime, que se integrou em seu patrimônio com direito de cunho patrimonial e,

por isso, disponível. Para o próprio resguardo da Administração, apenas àqueles

serventuários que, em prazo razoável, que se entende deva ser não superior a

10 dias, vierem a optar formalmente por permanecerem vinculados ao regime

previdenciário próprio (desde que, obviamente, a tanto façam jus, como antes

exposto) é que se entende viável a eventual continuidade dos pagamentos

a título de vencimento e/ou vantagens remuneratórias. Para aqueles que,

inobstante destinatários em tese do aludido regime previdenciário próprio,

deixarem, instados a tal, de manifestar opção expressa pela manutenção desses

direitos, deverão ser cessados, por decisão administrativa, os pagamentos de

vantagens remuneratórias, inclusive abono de permanência, assim como restará

inexorável sua desvinculação completa do sistema previdenciário próprio do

Estado do Rio Grande do Sul, fi cando inclusive imunes à jubilação compulsória

(assim como a qualquer outra forma de cobertura previdenciária paga pelos

cofres públicos), devendo estes, doravante, ser remunerados exclusivamente pela

receita advinda da cobrança de emolumentos cobrados das partes, ressalvando-

se unicamente hipótese de eventual situação sub judice ou em relação a qual já

exista decisão transitada em julgado, cabendo ao DRH efetuar essa verifi cação e,

em caso de dúvida, consultar a Assessoria Especial da Presidência.

Por sua vez, o Tribunal de origem, exaustivos fundamentos, denegou

a segurança, por maioria, assentando que a opção exercida pelo recorrente

implica na fruição de benesses inerentes a regime jurídicos diversos, o que não é

admitido (fl s. 296):

A vinculação a regime jurídico é integral, descabendo cogita-se de subsunção

parcial a determinados regime jurídico-previdenciário. Destarte, mostra-se

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 431

impossível mesclar institutos próprios de um e outro regime jurídico, até por que

regime jurídico diz respeito ao conjunto de deveres, direitos e responsabilidades a

que se submete o segurado.

Nessa linha, assentou que caberia ao recorrente (fl s. 305-306):

(a) optar por manter-se na moldura fática do antigo regime ofi cializado, e, em

consequencia, permanecer sob o regime remuneratório ao qual vinculado na

condição de serventuário extrajudicial da Justiça, continuar fi liado e contribuindo

para o regime próprio de previdência social estadual (RPPS-RS), e submeter-se,

inclusive, ainda que tardiamente, à regra da aposentadoria compulsória por idade

no serviço público, ou então (b) optar por migrar voluntariamente para o regime

novo do art. 236 da CRFB/1988, sob as formas e nas condições da delegação

pública exercitável sob regime privado, segundo as regras específi cas da Lei n.

8.935/1994, e, em conseqüência, passar a perceber somente emolumentos pelos

seus serviços, começar a contribuir, como exercente de atividade autônoma, para

o INSS, e vincular-se, mediante migração voluntária, ao regime de previdência

social federal (RGPS), todavia fi cando-lhe assegurada a contagem recíproca do

seu tempo de serviço/contribuição em sistemas diversos (princípio constitucional

da reciprocidade: art. 201, § 9º., CRFB).

Observados esses aspectos, tenho que o ato impugnado no presente

mandamus não se mostra ilegal, na medida em que a pretensão do recorrente, de

proveito ao regime anterior, por ter preenchido as condições para incorporação

do direito ao seu patrimônio individual, mas sem abrir mão da não submissão à

aposentadoria compulsória, não é admitida no nosso ordenamento jurídico.

Embora a Constituição proteja os direitos adquiridos e garanta a notários e

registradores o direito à manutenção do regime anterior, nos termos do artigo 32

do ADCT, não assegura a sua cumulação com outro regime, até mesmo porque

é inviável se conceber a hipótese de que os notários e registradores possam

auferir direitos exclusivos dos servidores públicos, e ao mesmo tempo, não se

submeter às restrições constitucionais impostas a toda categoria (inativação

compulsória aos 70 anos de idade). O acolhimento dessa pretensão consagraria

um regime jurídico misto ou especial para os titulares dessas serventias, o qual

não encontra respaldo na lei.

Ademais, ao que se tem, o recorrente completou setenta 70 em janeiro

de 2011 e, tudo indica, permanece em atividade, o que evidencia, mais uma

vez, a sua adesão ao novo sistema constitucional, rompendo-se, por espontânea

vontade, o vínculo junto ao regime jurídico próprio dos servidores públicos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

432

Por fi m, cabe salientar que, no mesmo sentido do que foi aqui exposto,

já se manifestou esta Corte, consoante se pode aferir das ementas relativas aos

seguintes julgados:

Constitucional e Administrativo. Registrador. Transição do regime jurídico

estatal para o privado. Recebimento de vencimentos cumulados com

emolumentos. Impossibilidade. Ausência de direito adquirido.

1. O entendimento que atualmente prevalece no Supremo Tribunal Federal é

no sentido de que a equiparação dos notários e registradores a servidores públicos

somente ocorreu na vigência da redação original da Constituição Federal de 1988

(antes da EC n. 20/1998), e, ainda assim, somente para fi ns de incidência da regra da

aposentadoria compulsória.

2. A Constituição garante a notários e registradores o direito à manutenção do

regime anterior, mas não assegura a sua cumulação com outro regime. É o que

decorre do art. 32 da ADCT.

3. Recurso Ordinário a que se nega provimento (RMS n. 30.378-RS, Rel. Ministro

Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 23.8.2011, DJe 30.8.2011).

Administrativo. Serviços notariais e registrais. Ação de consignação em

pagamento. Transposição do sistema previdenciário estadual para o federal.

Vinculação ao regime geral de previdência. Pretensão de continuar a vinculação

com o Ipergs. Acórdão de segundo grau assentado na mesma linha da orientação

jurisprudencial desta Corte. Súmula n. 83-STJ. Ausência de prequestionamento

dos arts. 40, parágrafo único, e 51 da Lei n. 8.935/1994. Súmulas n. 282 3 n. 356-

STF. Acórdão pautado sobre análise de matéria constitucional.

1. Se o Tribunal local se posiciona conforme orientação jurisprudencial deste

STJ, tem incidência a Súmula n. 83-STJ a obstar o trânsito do apelo especial.

Precedente: RMS n. 28.650-RS, Rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, Dje

5.8.2010.

2. Conforme consta da sentença, em resposta à consulta que foi formulada ao ora

agravante, o mesmo optou “a qualquer tempo e de acordo com o interesse pessoal,

pela aposentadoria facultativa e/ou invalidez” (fl . 258 e-STJ), tendo o magistrado

consignado que a opção exercida implica paralelamente a assunção dos respectivos

encargos, na mesma linha afi rmada no precedente desta Corte (RMS n. 28.650-RS) de

que “é vedada a fruição das benesses de um sistema sem a sujeição aos seus ônus”.

3. O acórdão recorrido não lançou a debate nem emitiu deliberação acerca

dos arts. 40, parágrafo único, e 51 da Lei n. 8.935/1994, fazendo mera referência

a essa norma ao citar precedente daquela própria Corte, o que atrai os Verbetes

Sumulares n. 282 e n. 356-STF. Se o Tribunal de origem não se pronuncia sobre

a incidência da norma à situação tratada nos autos de forma concreta, não há o

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 433

atendimento do requisito do prequestionamento, essencial ao exame do recurso

especial.

4. Toda a fundamentação que conduziu a conclusão do julgamento de segundo

grau pautou-se sobre a análise de dispositivos e princípios constitucionais (EC n.

20/1998, arts. 40, 235, 236 da CF/1988), o que não pode ser revisto nesta seara

especial sob pena de usurpação de competência do Colendo Supremo Tribunal

Federal.

5. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp n. 30.030-RS, Rel. Ministro

Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11.11.2011).

Administrativo e Constitucional. Servidor do poder judiciário que recebeu

delegação de serventia extrajudicial. Transição do regime jurídico estatal para

o privado. Manutenção do vínculo previdenciário com a unidade federada e

recebimento de vencimentos cumulados com emolumentos. Incompatibilidade.

Ausência de direito adquirido a regime jurídico anterior.

1. Caso em que servidor do Poder Judiciário recebe delegação de serviços

cartorários em época de regime estatal. Com o advento da CF/1988, apesar da

privatização da serventia extrajudicial, o delegatário não defi ne expressamente se

deseja continuar sendo servidor ou delegatário de função privada. Situação que

perdurou por anos, até o Tribunal de origem, diante do silêncio do interessado

após consulta e oportunização de escolha, passar a não mais pagar seus

vencimentos e encerrar o liame previdenciário especial, ao entendimento de que

houve opção tácita pelo regime privado.

2. É vedada a fruição das benesses de um sistema sem a sujeição aos seus ônus.

Não há como manter o vínculo previdenciário ou conceder aposentadoria com

proventos integrais, por contrariedade ao regime atual de previdência (art. 40 da

Constituição) e falta de implementação de requisitos normativos (EC n. 20/1998).

Ausência de direito adquirido a regime jurídico anterior. Precedentes do STF.

3. Inexiste previsão legal para o pagamento com recursos do Estado e a título

de remuneração aos delegatários, pois já percebem diretamente as custas e os

emolumentos referentes ao serviço cartorário. Os serviços notariais e registrais são,

após o advento da Constituição de 1988, exercidos em caráter privado, por delegação

do poder público, não se considerando o delegatário como servidor stricto sensu.

Precedentes do STF.

4. Deve o delegatário estar sujeito ao sistema geral de aposentadoria da

Previdência Social, assegurando-se a contagem recíproca de tempo de serviço

e resolvendo-se atuarialmente a compensação ou complementação dos

recolhimentos já efetuados entre o INSS e o órgão gestor previdenciário da

unidade federada.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

434

5. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança não provido (RMS n. 28.650-

RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin,

Segunda Turma, DJe 5.8.2010).

Administrativo. Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento.

Art. 51 da Lei n. 8.935/1994. Regra transitória. Ausência de prequestionamento.

Agravo não provido.

1. A tese de existência de direito à aposentadoria em face da norma transitória

do art. 51 da Lei n. 8.935/1994, cerne do recurso especial, não foi objeto de análise

pelo acórdão recorrido, tampouco foram opostos embargos de declaração a fi m

de provocar o prequestionamento da matéria. Incide, na espécie, o óbice da

Súmula n. 282-STF.

2. Ainda que se considerasse o prequestionamento implícito do tema, a

controvérsia foi solvida nas instâncias ordinárias sob fundamento constitucional,

sendo incabível de modifi cação na via do recurso especial, sob pena de usurpação

da competência do Supremo Tribunal Federal.

3. O acórdão do Tribunal de origem não destoou da jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal segundo a qual “A Constituição

garante a notários e registradores o direito à manutenção do regime anterior, mas

não assegura a sua cumulação com outro regime” (RMS n. 30.378-RS, Rel. Min. Teori

Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 30.8.2011).

4. Agravo regimental não provido (AgRg no Ag n. 1.409.250-RS, Rel. Ministro

Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2012).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de

segurança apresentado por Miguel Oliveira Figueiró.

É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.468-GO

(2010/0023812-0)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Recorrente: Mercantil Alimentos Comércio e Importação Ltda.

Advogado: Adriano Diniz e outro(s)

Recorrido: Estado de Goiás

Procurador: Alessandra Baiocchi Vieira Nascimento e outro(s)

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 435

EMENTA

Tributário. Substituição tributária. Migração para o regime

comum.

A migração do regime da substituição tributária para o regime

comum - em que a sujeição passiva do tributo recai sobre o contribuinte,

aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o

respectivo fato gerador (CTN, art. 121, parágrafo único, inciso I) - não

pode ignorar as obrigações tributárias já consumadas na vigência da

legislação anterior; o pagamento do tributo, à luz desta, pelo substituto

legal tributário exaure a obrigação fi scal, nada mais podendo ser

exigido a esse título.

O expediente de considerar como crédito do contribuinte,

no novo regime, o que foi pago pelo substituto legal tributário, no

regime anterior, afronta uma situação defi nitivamente constituída, que

suprimiu etapas posteriores do ciclo de comercialização.

Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de

Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito

Gonçalves, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado

de segurança nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves

(voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de dezembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 7.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Mercantil Alimentos, Comércio e

Importação Ltda. impetrou mandado de segurança preventivo contra ato do

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

436

Governador do Estado de Goiás e do Secretário da Fazenda do Estado de

Goiás, dando conta de que:

“Até 31.9.2007, o Estado de Goiás tributava de forma definitiva as

mercadorias que eram adquiridas por contribuintes goianos de comerciantes

ou indústrias de outras Unidades da Federação, exigindo deles o pagamento

antecipado do ICMS, que era calculado com base em pauta fi scal, nos termos do

Anexo VIII do RCTE:

‘Art. 32. O regime de substituição tributária pela operação posterior - retenção

na fonte - consiste na retenção, apuração e pagamento do imposto devido por operação

interna subsequente, inclusive quanto ao diferencial de alíquotas, se for o caso (Lei n.

11.651/1991, art. 51).

§ 4º É exigido o pagamento antecipado do imposto devido pela futura operação

interna, inclusive quanto à operação a ser realizada pelo próprio adquirente, na

hipótese de entrada de mercadoria proveniente de outra unidade da Federação ou do

exterior e sujeita a substituição tributária (Lei n. 11.651/1991, art. 51, § 3º).

§ 5º Para efeito de exigência do imposto devido por antecipação, devem ser

observados os procedimentos previstos neste título’.

‘Art. 34. São substitutos tributários, assumindo a responsabilidade pelo

pagamento do imposto devido pelas operações internas subsequentes, bem como pelo

diferencial de alíquotas, se for o caso:

Parágrafo único. Assume a condição de substituto tributário, inclusive quanto ao

diferencial de alíquotas, se for o caso:

I - em relação à mercadoria constante do Apêndice I:

a) o contribuinte estabelecido neste Estado que adquirir mercadoria sujeita ao

regime de substituição tributária:

1. Proveniente de outra unidade da Federação ou do exterior’.

Uma vez que fi cava como substituto tributário pelas mercadorias que adquiria

de outra Unidade da Federação, e como nestes casos o Estado de Goiás tributava de

forma defi nitiva estas operações, quando da entrada das mercadorias no território

goiano, cobrando, naquela oportunidade, o imposto relativo a operação f inal da

cadeia, tinha-se que as vendas efetuadas pelo varejista para os consumidores não eram

tributadas novamente.

Entretanto, por força do Decreto n. 6.663, de 29.8.2007, expedido pelo Exmo.

Sr. Governador do Estado de Goiás (Doc. 3), e da Instrução Normativa n. 877/2007-

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 437

GSF, de 26.9.2007, extinguiu-se aquele regime de substituição tributária para as

mercadorias relacionadas no Apêndice I, do Anexo VIII, do RTCE, que passaram a ser

submetidas ao regime normal de apuração do imposto.

Ressalte-se que, pelo sistema normal de apuração de ICMS, o contribuinte tem

o direito, que decorre do princípio da não-cumulatividade, de descontar do total do

débito do imposto decorrente das saídas, o valor do imposto pago na operação anterior.

Logo, seria natural que o Decreto n. 6.663/2007 viesse a regular apenas a

apuração do ICMS concernente aos fatos geradores que ocorressem após o início de sua

vigência, até porque a apuração do saldo do imposto deveria levar em consideração o

valor do crédito do imposto pago na operação anterior, que deveria vir destacada na

nota.

Não obstante, ao instituir o regime normal de apuração do imposto, para as

mercadorias relacionadas no Apêndice I, do Anexo VIII, do RCTE, buscou o Sr.

Governador do Estado de Goiás, através de um artifício, fi nanciar o imenso défi cit do

Estado, às custas dos contribuintes de ICMS.

(...)

Em outras palavras, todas as mercadorias em estoque que estavam submetidas ao

regime de substituição tributária e que ingressaram no estabelecimento da impetrante

até 31.8.2007, e cujo imposto já havia sido pago, no momento da sua entrada no

território goiano, passaram a ser tributadas novamente, no momento em que a

impetrante realizava a saída destas mercadorias em vendas para os seus consumidores.

Não obstante, fi cou o contribuinte impedido de abater do valor do imposto

apurado nestas saídas, o valor do imposto pago na operação anterior e o valor do

imposto que foi por ele na qualidade de substituto, os quais devem ser creditados pelo

contribuinte em sua contabilidade, para serem utilizados em 24 meses.

Assim, por força dos atos administrativos impugnados, o contribuinte descobriu,

ao apurar o imposto que deveria ser pago no mês de outubro, que o valor do imposto

devido, concernente ao mês de setembro, seria aproximadamente 44,78% superior à

média do que costuma pagar.

Uma vez que é considerável o impacto fi nanceiro das modifi cações da legislação,

introduzidas pelos atos administrativos impugnados, a impetrante deixou de seguir

a forma neles prescrita para a apuração do imposto que deveria ser pago em outubro,

efetuando o pagamento do ICMS, apurado conforme o regime previsto no Anexo VIII,

do RCTE.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

438

No presente caso, foi apurado o valor de R$ 293.019,21, e recolhido o valor de

R$ 203.764,74, conforme demonstram os comprovantes em anexo.

Desta forma, está a impetrante sujeita ao lançamento da diferença entre o que o

Estado entende que deveria ter sido recolhido e o que foi efetivamente pago.

Faz-se necessário salientar, contudo, que a irresignação da impetrante não se

fundamenta tão somente na discordância com o aumento da carga tributária sobre

a sua atividade, mas também ao fato de que a modifi cação do regime jurídico de

apuração do imposto, a fi m de atingir fatos geradores pretéritos, viola frontalmente o

disposto no artigo 105 do Código Tributário Nacional e o princípio da anterioridade,

previsto no artigo 104 do Código Tributário e no artigo 150, inciso III, da Magna

Carta” (fl . 03-07).

Por isso, o pedido de medida liminar “para suspender a exigibilidade dos

créditos tributários correspondentes às diferenças entre o valor do imposto que deveria

ser recolhido, caso apurado pelo regime jurídico instituído pelos atos impugnados, e

o valor que a impetrante tem recolhido, calculado conforme o regime anterior, com

relação a todos os fatos geradores que ocorrerem até o início do próximo exercício

f inanceiro”, ou, alternativamente, “para suspender a exigibilidade do crédito

tributário correspondente à diferença entre o valor do imposto que seria devido,

caso apurado pelo novo regime, e o valor do imposto que a impetrante recolheu no

mês de outubro, correspondente ao exercício do mês de setembro, apurado conforme

o regime antigo, sem sujeitar a nova tributação as mercadorias que haviam sido

tributadas quando ingressaram no território goiano” (fl . 13) - e a fi nal a concessão

da segurança (fl . 13-14).

A medida liminar foi indeferida (fl . 39-44).

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás denegou a segurança, nos

termos do acórdão assim ementado:

“Mandado de segurança. ICMS. Decreto n. 6.663/2007 e Instrução

Normativa n. 877/2007. Ato normativo de efeito concreto. Lesão ao princípio

da anterioridade. bitributação. Impossibilidade de abatimento de imposto já

pago. Inocorrência.

Tratando-se os atos inquinados de ilegais de normativos de efeitos concretos,

passível seu questionamento pela presente via do mandamus. O Decreto que apenas

modifi ca a forma de apurar e recolher o ICMS não está sujeito ao princípio da

anterioridade previsto constitucionalmente, tendo em vista que não institui, nem

tampouco, aumenta tributo. Prevendo o ato normativo impugnado forma de relacionar

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 439

o estoque existente no estabelecimento antes de sua vigência, justamente para evitar a

bitributação, além de fi xar a maneira de abater o imposto já pago, não há se falar em

direito líquido e certo a ser protegido pelo writ. Ordem denegada” (fl . 281-282).

Lê-se no voto condutor:

“(...) no caso em exame, por não ter o ato normativo de efeito concreto

instituído ou aumentado o imposto do ICMS devido pelos contribuintes por ele

abrangidos, modifi cando apenas a forma de apurar e recolher o referido tributo,

não há se falar em ato ilegal ou mesmo inconstitucional como afi rmado pela

impetrante.

(...)

Portanto, a substituição tributária constitui-se em regra de fi xação do sujeito

passivo responsável pelo pagamento do tributo, nada tendo a ver com sua instituição

ou aumento.

(...)

Por último, a impetrante assevera que o Decreto e sua Instrução Normativa

provocaram bitributação, impedindo que se fi zesse o abatimento do valor do imposto

apurado nas saídas das mercadorias, o montante pago na operação anterior e o valor

do imposto que já teria sido por ela pago como substituta tributária.

Assim, dispõem os arts. 2º e 3º do Decreto n. 6.663, de 29.8.2007, cujo teor foi

reproduzido na Instrução Normativa n. 877/2007:

‘Art. 2º Os estabelecimentos atacadista, distribuidor e varejista goianos que

opere com as mercadorias sujeitas ao regime da substituição tributária pelas operações

posteriores referidas no art. 1º, cujo imposto tenha sido objeto de pagamento por

substituição tributária, devem:

I - relacionar as mercadorias, espécie por espécie, existentes no estabelecimento

no dia 31 de agosto de 2007, valorando-as pelo valor da última aquisição efetuada

anteriormente a 31 de julho de 1997 e escriturando suas quantidades e valores no

livro Registro de Inventário;

II - adicionar ao valor total de cada espécie de mercadoria o valor correspondente

à aplicação do respectivo IVA previsto no Apêndice I do Anexo VIII do RCTE.

Art. 3º Os estabelecimentos atacadista, distribuidor e varejista não optante

do Simples Nacional, conforme previsto na Lei Complementar n. 123, de 14 de

dezembro de 2006, devem:

I - aplicar sobre o resultado obtido de acordo com o inciso II do art. 2º:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

440

a) a alíquota vigente para as operações internas, de acordo com a espécie de

mercadoria;

b) no caso de empresa que se encontrava enquadrada no regime tributário

diferenciado aplicável à microempresa ou à empresa de pequeno porte, no dia 30 de

junho de 2007:

1. as alíquotas previstas no art. 6º da Lei n. 13.270/1998, para os estoques

correspondentes às mercadorias cuja entrada no estabelecimento tenha ocorrido até 30

de junho de 2007;

2. a alíquota vigente para as operações internas, de acordo com a espécie

de mercadoria para os estoques correspondentes às mercadorias cuja entrada no

estabelecimento tenha ocorrido a partir de 1º de julho de 2007;

II - registrar o valor apurado de acordo com o inciso I no quadro Observações

do livro Registro de Apuração do ICMS, com a expressão: Crédito de ICMS

correspondente ao estoque apurado nos termos do art. 2º e 3º do Decreto n. 6.663, de

29 de agosto de 2007;

III - registrar o valor correspondente ao crédito do ICMS registrado de

acordo com o inciso II no livro Registro de Apuração do ICMS no quadro Crédito

o Imposto/007 - Outros Créditos, em 24 (vinte e quatro) parcelas mensais, iguais e

consecutivas’.

Portanto, infere-se da norma acima transcrita que, justamente para evitar a

apontada bitributação, determinou-se que fosse relacionado o estoque existente um dia

antes da vigência da nova regulamentação. Além disso, estabeleceu-se a compensação

do crédito dos estoques com os débitos futuros, em 24 parcelas mensais, iguais e

sucessivas.

Diante disso, não há como acolher a alegação feita pela impetrante de bitributação

e da impossibilidade de abatimento do imposto já anteriormente pago” (fl . 273-278).

Mercantil Alimentos, Comércio e Importação Ltda., interpôs, então,

o presente recurso ordinário, alegando que o acórdão recorrido divergiu do

entendimento do Superior Tribunal de Justiça no RMS n. 29.702, GO, e violou

os artigos 105 e 144 do Código Tributário Nacional (fl . 286-297).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento do

recurso ordinário “para que seja assegurado à empresa recorrente a possibilidade de

abatimento integral e imediato dos valores comprovadamente recolhidos a título de

ICMS na sistemática da substituição tributária do montante a recolher - afastado

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 441

o parcelamento da devolução do tributo já anteriormente recolhido sobre a mesma

mercadoria” (fl . 382).

O relator originário, Ministro Hamilton Carvalhido, proferiu decisão,

dando parcial provimento ao recurso, “para que se assegure à impetrante a

possibilidade de abatimento integral dos valores comprovadamente recolhidos a título

de ICMS, por meio da substituição tributária, com relação àquelas mercadorias

elencadas no Decreto Estadual n. 6.663/2007, da diferença entre o valor do ICMS já

recolhido e aquele a recolher” (fl . 388).

Posteriormente, os autos foram atribuídos ao Ministro Francisco Falcão,

que reconsiderou a decisão para submeter a decisão ao Colegiado (fl . 407-409).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. O exato dimensionamento da

lide passa pela compreensão do que seja a substituição tributária.

“O sujeito passivo da relação jurídica tributária”, - escreveu Alfredo

Augusto Becker - “normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja

renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Entretanto,

frequentemente, colocar esta pessoa no polo negativo da relação jurídica tributária

é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores dif iculdades para o

nascimento, vida e extinção destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador

como solução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda a vez que utiliza esta

outra pessoa, cria o substituto legal tributário” (Teoria Geral do Direito Tributário,

Edição Saraiva, São Paulo, 2ª edição, 1972, p. 504).

“A crescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a complexidade e a

variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando

impraticável aquela solução do legislador” (...) de escolher “para sujeito passivo da

relação jurídico-tributária aquele determinado indivíduo de cuja verdadeira renda

ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo. Até há alguns decênios

atrás, este indivíduo era, quase sempre, aquele determinado indivíduo de cuja renda

ou capital a hipótese de incidência tributária é fato-signo presuntivo. Entretanto, os

fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo o legislador a escolher um outro

indivíduo para a posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária. E este outro

indivíduo consiste precisamente no substituto legal tributário cuja utilização, na época

atual, já é frequentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto

legal pelo legislador será a regra geral” (op. cit. 501-502).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

442

A expressão substituição tributária não é uma boa expressão para defi nir

esse instituto. Juridicamente, o substituto tributário não substitui ninguém.

“O fenômeno da substituição” - ainda nas palavras de Becker - “opera-se no

momento político em que o legislador cria a regra jurídica. E a substituição que ocorre

neste momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro indivíduo em

substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de

incidência é fato-signo presuntivo” (ibid., p. 505-506). Quando essa escolha do

legislador se torna regra jurídica, e ela incide criando a obrigação tributária, essa

obrigação tributária já nasce contra o substituto legal tributário. “Entre o Estado

e o substituído não existe qualquer relação jurídica” (ibid, p. 507).

A primeira difi culdade a vencer, em termos de direito positivo, é a de que

o Código Tributário Nacional não refere a expressão substituto legal tributário,

nem mesmo a expressão substituição tributária, que no âmbito federal só veio a

ser utilizada pela Constituição Federal de 1988 (artigo 155, § 2º, XII, alínea b).

O Código Tributário Nacional fala em responsável, mas com a impropriedade

de empregar esse vocábulo com, pelo menos, duas conotações diferentes; o

responsável do artigo 121, parágrafo único, inciso II, que é o substituto legal

tributário; o responsável do artigo 128 e seguintes que é o responsável tributário

no sentido próprio.

O artigo 121 do Código Tributário Nacional trata da sujeição passiva

originária ou direta, aquela que resulta da incidência da norma jurídica tributária;

é a sujeição passiva descrita na regra legal. Se o legislador optar por imputá-la à

pessoa “cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo”, estar-

se-á diante da fi gura do contribuinte, aquele que tem relação pessoal e direta

com a situação que constitua o respectivo fato gerador (artigo 121, parágrafo

único, inciso I). Se a opção for por terceira pessoa, não vinculada ao fato gerador,

cuja obrigação decorra de disposição expressa de lei, estar-se-á diante do

substituto legal tributário (artigo 121, parágrafo único, inciso II).

A obrigação tributária, portanto, nasce, por efeito da incidência da norma

jurídica, originária e diretamente, contra o contribuinte ou contra o substituto

legal tributário; a sujeição passiva é de um ou de outro, e, quando escolhido o

substituto legal tributário, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar o tributo.

A sujeição passiva originária, nas modalidades de contribuinte e de

substituto legal tributário, pode não ser sufi ciente para o cumprimento da

obrigação tributária principal, a de pagar o tributo (CTN, artigo 113, § 1º).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 443

Para garantir a efetividade da obrigação tributária, a lei criou a responsabilidade

tributária, que é sempre derivada do inadimplemento da obrigação tributária

originária (ou, como querem outros, sujeição passiva indireta, por oposição à

sujeição passiva direta).

Quer dizer, em linha de princípio, o contribuinte ou o substituto legal

tributário estão obrigados a pagar o tributo, mas o inadimplemento da

obrigação tributária originária ou direta dá causa à obrigação derivada ou

indireta, positivamente prevista como responsabilidade tributária (CTN, artigo

128 e seguintes).

A responsabilidade tributária é uma obrigação de segundo grau. Quando a

norma jurídica incide, sabe-se que ela obriga o contribuinte ou o substituto legal

tributário. Apenas se eles descumprirem essa obrigação tributária, é que entra

em cena o responsável tributário.

Nada mais é preciso dizer para acentuar a diferença ontológica existente

entre o substituto legal tributário e o responsável tributário; aquele é a pessoa,

não vinculada ao fato gerador, obrigada originariamente a pagar o tributo, se

este não for adimplido pelo contribuinte ou pelo substituto legal tributário,

conforme o caso.

É preciso que isso fi que claro: na substituição legal tributária há só uma

obrigação tributária, e não várias, porque seu efeito é, exatamente, o de suprimir

obrigações tributárias que corresponderiam às etapas do ciclo de comercialização

anteriores ou posteriores, conforme a substituição se processe “para trás” ou

“para frente”; o que esse fato gerador tem de especial é a base de cálculo, a qual

considera valores agregados em outras etapas do ciclo de comercialização.

2. Nessas condições, a migração do regime da substituição tributária para o

regime comum - em que a sujeição passiva do tributo recai sobre o contribuinte,

aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo

fato gerador (CTN, art. 121, parágrafo único, inciso I) - não pode ignorar

as obrigações tributárias já consumadas na vigência da legislação anterior; o

pagamento do tributo, à luz desta, pelo substituto legal tributário exaure a

obrigação fi scal, nada mais podendo ser exigido a esse título.

O expediente de considerar como crédito do contribuinte, no novo regime,

o que foi pago pelo substituto legal tributário, no regime anterior, afronta uma

situação defi nitivamente constituída, que suprimiu etapas posteriores do ciclo

de comercialização.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

444

Voto, por isso, no sentido de dar provimento ao recurso ordinário para

exonerar a impetrante de se submeter ao regime do Decreto Estadual n. 6.663,

de 29 de agosto de 2007, relativamente aos fatos geradores ocorridos na vigência

da legislação anterior.

VOTO-VISTA

Ementa: Tributário. Recurso ordinário em mandado de

segurança. ICMS. Migração de regime de tributação.

1. A migração para o regime comum não autoriza o Fisco a exigir

nova exação de ICMS em relação às mesmas operações mercantis que

já foram tributadas antecipadamente pelo regime de substituição.

2. Recurso ordinário provido. Voto-vista acompanhando o voto

do eminente relator.

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Conforme já bem lançado pelo

eminente relator, a controvérsia em debate gira em torno da tributação do

ICMS sobre mercadorias em estoque adquiridas pela recorrente pelo regime

da substituição tributária diante da nova regulamentação do Estado de Goiás

(Decreto n. 6.663/2007), pela qual determinou a migração de tais operações

para o regime comum, em que o contribuinte deve apurar e recolher o imposto

por ocasião da saída da mercadoria.

Para o fi m de supostamente evitar dupla tributação, o aludido decreto

dispôs que o valor recolhido antecipadamente para aquisição das mercadorias

armazenadas seria devolvido, na forma de créditos escriturais, em 24 (vinte e

quatro) parcelas iguais e consecutivas.

Sobre esse tema, por ocasião do julgamento do RMS n. 29.702-GO, de

que fui relator, manifestei-me no sentido de que é legal a mudança de sistema de

tributação, porquanto não há direito adquirido a determinado regime jurídico,

mas que não seria legítima a forma de devolução parcelada dos valores recolhidos

antecipadamente, motivo pelo qual decidi dar parcial provimento àquele recurso

ordinário para permitir “a possibilidade de abatimento integral dos valores

comprovadamente recolhidos a título de ICMS, por meio de substituição

tributária, com relação àquelas mercadorias elencadas no Decreto Estadual n.

6.663/2007, da diferença existente entre o valor do ICMS já recolhido e aquele

a recolher”.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 445

No julgamento deste recurso, todavia, o relator, eminente Ministro

Ari Pargendler, apresentou voto em sentido mais favorável ao contribuinte,

reconhecendo a extinção das obrigações tributárias referentes às mercadorias

adquiridas pelo regime de substituição, o que motivou-me a pedir vista dos

autos.

Refl etindo mais uma vez sobre a controvérsia em comento, tenho que está

correta a fundamentação clara e precisa externada pelo douto relator. Justifi co a

mudança de meu entendimento pelas seguintes razões.

Se é certo que o contribuinte não tem direito líquido e certo a determinado

regime jurídico de tributação, também é certo afirmar que as operações

realizadas sob a égide do regime anterior devam ser respeitadas, porquanto

enquadram-se no conceito de ato jurídico perfeito, cujos efeitos são assegurados

pela Carta Política.

No regime de substituição tributária “para frente” o fato gerador ocorre de

forma presumida por ocasião da venda da mercadoria ao contribuinte, fi cando o

substituto tributário responsável pelo pagamento da exação, nos termos do art.

121, parágrafo único, inciso II, do CTN. Por sua vez, o pagamento extingue o

crédito tributário (art. 156, I, do CTN) e, por isso, nada mais pode ser cobrado

do contribuinte substituído, ainda que ele venha a praticar preço superior à base

de cálculo utilizada como parâmetro para o recolhimento antecipado (“pauta

fi scal”).

Frise-se que o regime de substituição tributária, o qual pressupõe a

antecipação do fato gerador (presumido) e o respectivo pagamento da exação,

constitui opção legislativa tendente a facilitar a arrecadação. Realizado o

fato gerador presumido e pago o tributo pelo substituto tem-se por extinta

a obrigação tributária relativa à correspondente operação mercantil, fi cando

desonerada de tributação as etapas seguintes.

A troca do momento do fato gerador em relação a uma mesma operação

confi gura evidente bis in idem. O ciclo de constituição, exigibilidade e extinção

do crédito tributário tem por seu nascedouro uma ocorrência de um fato

gerador para cada obrigação tributária. Extinta essa obrigação, não pode ser

ela novamente restabelecida com o artifício de alterar o momento de seu fato

gerador.

Dessa forma, fi ca evidenciado que a migração de sistema de tributação

levada a efeito pelo Estado de Goiás não pode alcançar as operações já tributadas

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

446

pelo modelo anterior e, assim, nada mais pode ser exigido do contribuinte por

ocasião da saída das mercadorias adquiridas pelo regime de substituição.

Ante o exposto, acompanho o voto do eminente relator, para dar provimento ao

recurso ordinário.

É o voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.861-PE

(2010/0060122-7)

Relator: Ministro Sérgio Kukina

Recorrente: Roseane Batista Leite

Advogado: Nathalia Monteiro de Araújo e outro(s)

Recorrido: Estado de Pernambuco

Procurador: Inês Almeida Martins Canavello e outro(s)

EMENTA

Administrativo. Concurso público. Pessoa com defi ciência. Prova

da condição. Exclusão da lista de habilitados. Ilegalidade.

Suficientemente provada pela impetrante, por meio dos

documentos idôneos que juntou à impetração, sua condição de pessoa

com defi ciência física, impõe-se reconhecer-lhe tal status, por força de

inafastável incidência do que dispõe o art. 4º, inciso I, do Decreto n.

3.298/1999, ainda que o acórdão recorrido, com esteio em um só laudo

pericial divergente, tenha decidido de modo diverso. Precedentes.

Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 447

ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Napoleão Nunes Maia

Filho (Presidente) e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.

Brasília (DF), 23 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Sérgio Kukina, Relator

DJe 25.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Cuida-se, na origem, de mandado de

segurança impetrado por Roseane Batista Leite, sob benefício de assistência

judicial gratuita, apontando como autoridade coatora o Procurador-Geral

de Justiça de Pernambuco, a quem imputa, como ato coator, a exclusão da

impetrante das vagas reservadas a pessoas com defi ciência no concurso público

para provimento de cargos de natureza administrativa para o quadro de pessoal

de Apoio Técnico e Administrativo da Procuradoria Geral de Justiça daquele

Estado.

O Tribunal de origem não acolheu as alegações da impetração e,

entendendo pela regularidade da exclusão combatida, denegou a segurança, por

unanimidade dos votos, em acórdão que guarda a seguinte ementa:

Ementa: Mandado de segurança. Preliminar de impossibilidade jurídica

do pedido. Rejeitada. Preliminar de ausência de direito líquido e certo. Não

conhecimento. Confusão com o mérito. Mérito. Concurso público. Vaga para

portadores de defi ciência. Observância obrigatória dos termos do Decreto n.

3.298/1999. Segurança denegada. Decisão unânime.

1 - não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, pois nada

obsta que a candidata possa participar, se em conformidade com a legislação, da

concorrência entre candidatos ao cargo de defi ciente físico e do quadro geral do

mesmo concurso público, uma vez que são situações distintas.

2 - preliminar de ausência de direito líquido e certo não conhecida, uma vez

que com o mérito se confunde.

3 - a jurisprudência é assente no sentido de que só poderão concorrer a uma

vaga reservada para portadores de defi ciência física, aqueles que se enquadrarem

aos parâmetros legais pré-estabelecidos no instrumento convocatório do certame,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

448

de modo a evitar-se que candidatos possuidores de sufi ciente capacitação física

para o desempenho da função perseguida venham a ser privilegiados com o

aludido benefício.

4 - Segurança denegada.

5 - Decisão unânime. (fl s. 182 e 183).

A recorrente, nas razões do recurso ordinário, insiste no direito de

concorrer às vagas reservadas a pessoas com defi ciência, embora tenha sido

também aprovada na ampla concorrência, argumentando, em síntese, que

“enquadra-se perfeitamente na defi nição legal, pois é portadora de sequela

de pé torto congênito bilateral - Código Internacional de Doenças (CID) n.

Q66, possuindo capacidade limitada para exercer algumas atividades, pois tal

defi ciência acarreta a rigidez articular, diminuição da amplitude de movimento

do tornozelo e limitação de algumas atividades físicas” (fls. 206 e 207).

Acrescenta que sua defi ciência “não é somente estética, mas também produz

difi culdades para o desempenho da função física, precisamente motora, pois sua

doença compromete as estruturas ósseas e partes moles, acarretando limitação

na mobilidade do tornozelo, bilateralmente, causando dores ao caminhar, [bem

como] difi culdade para subir e descer escadas ou rampas” (fl . 207).

O Estado de Pernambuco apresentou contrarrazões ao recurso (fl s. 220 a

225), nas quais defende a legalidade da eliminação, aos argumentos de que (a)

não se discute a defi ciência da candidata, mas o enquadramento da hipótese

fática aos comandos legais e (b) a prova coligida pela impetrante não é sufi ciente

para demonstrar, de plano, o seu direito.

O Ministério Público Federal, pelo parecer de fl s. 250 a 254, entendeu

não existir qualquer justifi cativa plausível para a exclusão efetuada e, assim,

manifestou-se pela concessão da segurança.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): Consta dos autos que Roseane

Batista Leite, a impetrante, inscreveu-se em concurso público para o provimento

de vagas no quadro de pessoal de Apoio Técnico e Administrativo da

Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, tendo sido aprovada e

classifi cada em primeiro lugar nas vagas reservadas a pessoas com defi ciência e

vigésimo nono, na concorrência ampla (fl . 43).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 449

Submetida à avaliação médica prevista no edital, foi “eliminada por não

ser defi ciente” (fl . 83) e mantida apenas na concorrência ampla. Irresignada,

impetrou o presente Writ, alegando ter o direito líquido e certo de postular a

vaga constitucionalmente reservada.

O Tribunal de origem, para denegar a segurança, se assentou em três

fundamentos, quais sejam:

1 - De acordo com o documento acostado às fl s. 41, não houve o reconhecimento

da condição de defi ciente físico da impetrante pela comissão examinadora do

concurso, por ter constatado a Junta Médica Pericial, que a requerente, conquanto

realmente portadora da enfermidade indicada, não apresentava alteração

completa ou parcial que pudesse permitir seu enquadramento na hipótese

prevista no art. 4º, I, do Decreto Federal n. 3.298/1999. (fl . 187).

2 – (...) a jurisprudência é assente no sentido de que só poderão concorrer

a uma vaga reservada para portadores de deficiência física, aqueles que se

enquadrarem aos parâmetros legais pré-estabelecidos no instrumento

convocatório do certame, de modo a evitar-se que candidatos possuidores de

sufi ciente capacitação física para o desempenho da função perseguida venham

a ser privilegiados com o aludido benefício, em fl agrante ofensa ao princípio da

isonomia. Desta feita, no caso em comento, devem prevalecer os regramentos

contidos no Decreto Federal n. 3.298/1999. (fl s. 187 e 188).

3 – (...) os documentos acostados às fl s. 145-157 não são capazes de concluir

pela liquidez e certeza do direito pleiteado pela impetrante, uma vez que há

decisão em sentido contrário, necessitando de dilação probatória, o que é defeso

nesta via escolhida. (fl . 191).

A recorrente, nas razões do recurso ordinário, insurge-se contra essas

conclusões, argumentando que há, na impetração, provas bastantes quanto à sua

condição física, sufi cientes para demonstrar a liquidez e certeza do direito que

ampara sua pretensão.

Resta, então, verificar se essas provas coligidas nos autos, tanto pela

impetrante quanto pelo Estado de Pernambuco, permitem manter o acórdão

ora recorrido por seus próprios fundamentos ou, ao contrário, reclamam a sua

reforma e, em decorrência, a concessão da segurança.

Passa-se, pois, ao exame particularizado da questão posta.

O laudo médico pericial, emitido pelo Núcleo de Perícias Médicas e

Segurança do Trabalho do Instituto de Recursos Humanos do Estado de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

450

Pernambuco – IRH-PE, fl s. 82 e 83, conquanto lacônico, é sufi cientemente claro

em suas conclusões: “a periciada, Srtª Roseane Batista Leite não é defi ciente

física” (fl . 83).

Por isso, foi eliminada do rol dos habilitados às vagas reservada para

pessoas com defi ciência.

Ocorre que, tal como alega a recorrente, há nos autos provas documentais

bastantes para autorizar conclusão diversa.

Nesse sentido, confi ram-se:

1 - O laudo à fl . 45, emitido em outubro de 2005, por médico ortopedista,

afi rma ser a paciente “portadora de sequela de pé torto congênito bilateral, tendo

sido operada em 1977, e apresenta atrofi a de perna irreversível, grau I, CID

Q66.8”.

2 - O laudo seguinte, fl . 46, embora assinado por outro perito, também

ortopedista, afi rma, em essência, a mesma atrofi a.

3 - Mais um laudo, fl . 47, este elaborado por médica do trabalho, que

descreve, em minúcias, as limitações a que a impetrante está sujeita, embora

a considere “apta a exercer atividades que possam ser realizadas na posição

sentada”.

4 - Atestado médico, fl . 48, expedido por médico municipal, para fi ns de

concessão de livre acesso aos meios locais de transporte, afi rmando ser a “paciente

portadora de sequela de pé torto congênito bilateral com atrofi a irreversível grau

I, que impedem a perambulação ativa e o equilíbrio”, documento que também a

classifi ca taxativamente como pessoa com defi ciência física, CID Q 66.8.

5 - Parecer, fl . 51, de lavra do responsável pela equipe médica do concurso

para a Polícia Militar/Corpo de Bombeiro Militar do Estado de Pernambuco

que apresenta a impetrante como “portadora de correção cirúrgica para pé

torto congênito” e destaca “que esta enfermidade cursa com atrofi a da perna,

tornozelo e pé. Estas alterações, após todos esses anos são irreversíveis mesmo

com a correção da causa primária (pé torto) e [é] incompatível com a atividade

militar”.

6 - Resposta a recurso de perícia médica, fl . 114, em que a Universidade

de Brasília, organização executora do concurso público para o provimento de

cargos do Quadro permanente do TRE-MA, reconsiderou decisão anterior

por entender que “a candidata apresenta membros inferiores com deformidade

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 451

congênita que, apesar de corrigida cirurgicamente, apresenta atrofi a de seus

músculos. [...] trata-se, portanto, de defi ciência física compreendida na redação

dada pelo Decreto n. 3.298 de 1999, alterado pelo Decreto n. 5.296 de 2004”.

7 - Sentença de procedência, fl s. 150 a 154, proferida pela 5ª Vara da Seção

Judiciária do Rio Grande do Norte que, acolhendo a manifestação do perito

nomeado pelo juízo, reconheceu estar a autora, aqui impetrante, amparada pelas

disposições do Decreto n. 3.298/1999.

À luz desse contexto, inteiramente acertadas as seguintes considerações,

extraídas do parecer ministerial, cujos argumentos também se adotam como

razão de decidir:

Entende-se. s.m.j., que as provas trazidas aos autos são suficientes para

demonstrar que a recorrente é portadora de defi ciência física, nos termos do

art. 4o, inciso I, do Decreto n. 3.298/1999, não havendo necessidade de qualquer

dilação probatória. (fl . 252).

[...]

Não se mostra plausível que a recorrente seja considerada portadora de

defi ciência física para aprovação em concurso de determinado órgão e não seja

assim considerada para outro, no qual a função a ser desenvolvida é praticamente

a mesma (atividade técnico-administrativa).

Ademais, é de se observar que o próprio laudo pericial que fundamentou a

exclusão da recorrente no certame afi rmou que ela é portadora do CID -10 Q.66.8.

Grau I, ou seja, de deformidade congênita no pé, o que, de regra, amolda-se à

parte fi nal do inciso I do art. 4o do Decreto n. 3.298/1966. (fl . 253).

[...]

A análise das provas dos autos leva à conclusão de equívoco na decisão do

Tribunal a quo, haja vista a violação do direito líquido e certo da impetrante, ora

recorrente, de ser considerada portadora de defi ciência, nos termos do art. 4o,

inciso I, do Decreto n. 3.298/1999, e de ser considerada aprovada na segunda

etapa do Concurso Público de Provas e de Títulos para Provimento de vagas

e formação de Cadastro reserva para ingresso na Carreira dos Servidores do

Ministério Público do Estado de Pernambuco. (fl s. 253 e 254).

Ora, na conhecida lição de Hely Lopes Meirelles (in Mandado de

Segurança e Ações Constitucionais, São Paulo, Malheiros, 33ª ed., 2010, p. 39),

“o objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de

autoridade, desde que ilegal e ofensivo a direito individual ou coletivo, líquido e

certo, do impetrante” (destaquei).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

452

Segue-se, daí, que a correção na avaliação dos fatos na hipótese destes

autos não só é possível, como também necessária e imperativa: sufi cientemente

provada pela impetrante, por meio dos documentos idôneos que juntou à

impetração, sua condição de pessoa com defi ciência física, impõe-se reconhecer-

lhe tal status, por força de inafastável incidência do que dispõe o art. 4º, inciso I,

do Decreto n. 3.298/1999, ainda que o acórdão recorrido, com esteio em um só

laudo pericial divergente, tenha decidido de modo diverso.

A propósito, a solução aqui preconizada em nada inova, apresentando-

se em harmonia com precedentes que, em situação análoga, reformaram as

conclusões dos Tribunais de origem. Confi ram-se:

Administrativo. Servidor público. Concurso público. Posse de deficiente

auditivo unilateral. Possibilidade.

1. Hipótese em que o Tribunal de origem, embora reconheça a surdez

unilateral, julgou improcedente o mandamus, considerando que a impetrante

não se enquadra no conceito de defi ciente físico preconizado pelo art. 4º do

Decreto n. 3.298/1999, com redação dada pelo Decreto n. 5.296/2004 (vigente ao

tempo do edital).

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fi rmou-se no sentido de que,

no concurso público, é assegurada a reserva de vagas destinadas aos portadores

de necessidades especiais acometidos de perda auditiva, seja ela unilateral ou

bilateral.

3. Reexaminando os documentos anexos à exordial, depreende-se que,

segundo o laudo médico emitido, a candidata tem malformação congênita

(defi ciência física) na orelha e perda auditiva no ouvido direito, o que caracteriza a

certeza e a liquidez do direito ora vindicado, na espécie.

4. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no RMS n. 34.436-PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,

DJe 22.5.2012).

Recurso ordinário em mandado de segurança. Decadência. Não confi guração.

Defi ciente visual. Visão monocular. Exclusão do benefício da reserva de vaga.

Ilegalidade.

I - O prazo para a impetração do mandamus começa a ser contado da ciência

pelo interessado do ato que efetivamente lhe feriu o direito líquido e certo.

II - A visão monocular constitui motivo sufi ciente para reconhecer ao recorrente

o direito às vagas destinadas aos portadores de defi ciência física. Precedentes

deste e. Tribunal, bem como do Pretório Excelso.

Agravo regimental desprovido.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 453

(AgRg no RMS n. 26.105-PE, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe

30.6.2008).

Diante do que se expôs, e em harmonia com o parecer ministerial, dá-se

provimento ao presente recurso ordinário para, cassando o acórdão recorrido,

conceder-se a segurança, em ordem a restabelecer a habilitação da candidata

Roseane Batista Leite, ora recorrente, na primeira colocação da lista reservada

às pessoas com defi ciência, no concurso para o provimento do cargo de Técnico

Ministerial, área administrativa, opção Jaboatão dos Guararapes.

É o voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 39.102-RO

(2012/0195505-1)

Relator: Ministro Ari Pargendler

Recorrente: Simone de Melo

Advogado: Roberto Franco da Silva e outro(s)

Recorrido: Estado de Rondônia

Procurador: Regina Coeli Soares de Maria Franco e outro(s)

EMENTA

Concurso público. Correção de prova. Anonimato.

A atribuição de notas em concurso público constitui

responsabilidade da respectiva comissão, e está fora do controle

judicial; no entanto, o procedimento da comissão de concurso está

sujeito ao crivo judicial sempre que contrarie as regras do edital.

Espécie em que, prevista no edital a regra do anonimato

para a correção da prova, a comissão de concurso julgou recurso

administrativo, identifi cando aquele que o interpôs.

Recurso ordinário provido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

454

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves

Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina

votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente a Dra. Vera Carla

Nelson Cruz Silveira, pela recorrente Simone de Melo.

Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Relator

DJe 25.3.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ari Pargendler: Os autos dão conta de que Simone de Melo

impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente da Comissão do XIX

Concurso Público para Ingresso no Cargo de Juiz Substituto da Carreira da

Magistratura do Estado de Rondônia, forte na ilegalidade da correção da prova

de sentença criminal da segunda fase do aludido processo seletivo (e-stj, fl . 42-

62).

O relator deferiu a medida liminar para que a impetrante participasse das

fases seguintes do concurso (e-stj, fl . 317-319).

O Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia denegou

a segurança, nos termos do acórdão assim ementado:

“Mandado de segurança. Concurso público para magistratura. Prova de

sentença. Recurso administrativo. Julgamento. Critérios de avaliação. Inexistência de

ilegalidade. Ausência de direito líquido e certo. Ordem denegada.

Em concurso público, a regra do julgamento de recurso em sessão pública não

se aplica quando o recurso interposto não contiver previsão legal, notadamente

justifi cadas as razões de sua análise em sessão fechada e ausente qualquer prejuízo ao

candidato.

Os critérios adotados pela banca na análise das respostas, principalmente em

prova de sentença, de cunho eminentemente subjetivo, não podem ser revistos pelo

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 455

Judiciário, simplesmente porque feriria o próprio princípio da isonomia, ao utilizar

seus próprios critérios para atribuir uma nota a candidato, diferentemente dos critérios

que foram utilizados aos demais.

O princípio da isonomia não resta violado quando outros candidatos

obtiveram a majoração de suas notas, por ocasião da revisão das provas, e não mero

arredondamento, de todo incabível, ante a vedação dessa possibilidade no edital.

Não se constatando qualquer ilegalidade nos critérios de avaliação da banca

examinadora do certame, não cabe ao Poder Judiciário, a revisão do acerto ou desacerto

das respostas dadas pela candidata.

Ordem denegada, ante a inexistência de ofensa a direito líquido e certo” (e-stj,

fl . 368-369).

Simone de Melo interpôs, então, recurso ordinário em mandado de

segurança (e-stj, fl . 364-405), a teor de cujas razões:

“A recorrente é candidata inscrita no XIX Concurso Público para Ingresso no

Cargo de Juiz Substituto da Carreira da Magistratura do Estado de Rondônia,

regulado pelo Edital n. 001/2010. Foi aprovada na primeira fase do certame com 63

pontos e, na primeira prova da segunda fase (nas questões subjetivas) com 6.21 pontos.

Na segunda prova da segunda fase do concurso, obteve aprovação na sentença

cível com nota 9.3. Na prova de sentença criminal a nota foi 4.5, decisão da qual

apresentou recurso administrativo, que foi improvido, ao fundamento de que a prova

em questão continha mais de 20 erros.

Ao analisar as razões de não provimento do recurso administrativo, a recorrente

verifi cou que, dos erros apontados, 17 (dezessete) não correspondiam de forma alguma

à fundamentação apresentada em sua prova de sentença criminal.

Diante da ausência de previsão no edital, de um novo recurso administrativo, a

recorrente exerceu direito de petição para requerer, por meio de sessão pública, o decreto

de nulidade da decisão do recurso e novo julgamento.

A Comissão do concurso, na data de 10.4.2012, reuniu-se em sessão fechada

e, após deliberar acerca do pedido da recorrente, publicou decisão informando que

recebeu o requerimento como ‘embargos de declaração para correção de erros materiais’.

Ainda, além do reconhecimento da existência de erros não pertencentes à candidata,

reconheceu que houve equívoco na pontuação inicial (4.5) e promoveu nova correção

da sentença criminal, à qual atribuiu nota fi nal 5.8 (cinco ponto oito), ou seja, apenas

0.2 (dois décimos) abaixo da nota de aprovação (fl s. 150-151).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

456

Em razão da nulidade do julgamento realizado em sessão fechada e, ainda,

das ilegalidades cometidas, as quais geraram a pontuação 5.8 à correção da prova de

sentença criminal, a recorrente ajuizou ação mandamental para demonstrar violação

de direito líquido e certo” (e-stj, fl . 365-366).

A recorrente alega as seguintes nulidades:

a) “O Edital n. 001/2010 prevê expressamente a forma para realização dos

julgamentos dos recursos no certame:

‘Art. 84. A Comissão de Concurso, convocada especialmente para julgar

os recursos, reunir-se-á em sessão pública e, por maioria de votos, decidirá pela

manutenção ou pela reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único. Cada recurso será distribuído por sorteio e, alternadamente,

a um dos membros da Comissão que funcionará como relator, vedado o julgamento

monocrático’ (grifei).

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 75/2009, regulamento

a questão, in verbis:

‘Art. 72. A Comissão convocada especialmente para julgar os recursos, reunir-

se-á em sessão pública e, por maioria de votos, decidirá pela manutenção ou pela

reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único. Cada recurso será distribuído por sorte e, alternadamente,

a um dos membros da Comissão que funcionará como relator, vedado o julgamento

monocrático’ (grifei).

(...)

Ora, Nobre Ministro Relator, a candidata, diante de uma situação totalmente

incomum, se deparou com flagrante ilegalidade no julgamento de seu recurso -

atribuição de 17 erros que não se referiam à sua prova - e, optou pelo exercício do

direito de petição na forma prevista na CF, art. 5º, inciso XXXIV.

Nesse contexto, o pedido foi recebido e, independentemente da nomenclatura

que deveria ser utilizada para afastar a referida ilegalidade, a comissão tinha o

dever legal e moral de sanar a nulidade. Contudo, apesar de acatar o pedido, o fez em

solenidade fechada, na qual promoveu nova correção de prova de sentença criminal e

deliberou como se fosse julgamento de recurso, razão pela qual deveria ter observado a

publicidade do ato, independentemente do prejuízo que isso pudesse causar ao normal

prosseguimento do certame” (e-stj, fl . 377-379);

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 457

b) “A primeira violação do princípio da isonomia está no fato que a recorrente foi

a única candidata que teve seu recurso administrativo de sentença criminal avaliado

de forma negligente pela entidade terceirizada, que atribuiu à sua prova 17 erros da

prova de outro candidato” (e-stj, fl . 385);

c) “A segunda violação se verifi ca na circunstância de que as provas de sentença

criminal de todos os demais candidatos foram corrigidas pela entidade terceirizada

PUCRR, com critérios totalmente diferenciados dos utilizados pela Comissão na

correção da prova da recorrente.

(...)

É flagrante a violação da isonomia. Enquanto todos os candidatos foram

avaliados, diga-se, sem identifi cação, em obediência ao § 2º do art. 32 do Edital

n. 001/2010, de forma singela, e, ainda, por um único examinador da PUCPR, a

recorrente, depois de identifi cada, teve sua sentença recorrigida por nove membros da

Comissão neste Estado, ou seja, dois Desembargadores, seis juízes e um membro da

OAB/RO” (e-stj, fl . 385-386).

d) “A terceira violação do princípio da isonomia decorre do fato de que, tendo a

Comissão promovido correção originária da prova da candidata, então, de corolário

lógico, deve ter garantido a possibilidade de interpor recurso administrativo, na forma

prevista no Edital n. 001/2010-PR, art. 82” (e-stj, fl . 387);

e) “Ainda, a Comissão, apesar de realizar efetiva correção da prova de sentença

criminal, proferiu decisão fi nal como se tivesse julgando o recurso administrativo.

Logo, promoveu com este ato a quarta violação do princípio da isonomia, pois, todos os

demais candidatos recorrentes da sentença criminal, tiveram seus recursos julgados por

meio de ‘parecer’ também emitido pela PUCPR, que foi apenas e tão somente acatado

pela Comissão.

Nesse sentido, os referidos ‘pareceres’, emitidos por examinador da PUCPR (fl s.

155 e 200), evidenciam com clareza a violação da isonomia, pois, 11 (onze) provas

que, do mesmo modo que a recorrente obtiveram a nota 4.5 na prova de sentença

criminal, 1 (uma) prova de nota 4.75 e 1 (uma) prova com pontuação 3.5, tiveram

provimento parcial dos seus recursos para majorar a nota para 6.0, nota mínima para

aprovação” (e-stj, fl . 387).

f ) “A quinta violação ao princípio da isonomia pode ser identifi cada pelas notas

atribuídas aos demais candidatos, os quais, na mesma fase do concurso, em relação a

mesma prova de sentença criminal, tiveram efetivo arredondamento de notas.

(...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

458

Cumpre registrar que não foi af irmado nos autos a inexistência de notas

fracionadas dentro do certame, tanto é assim que a pontuação na sentença cível

formulada pela recorrente foi 9.3, e, na avaliação subjetiva 6.21, e isso foi informado

já na peça inicial.

A tese de arredondamento de notas e a pretensão de sua aplicação também à

recorrente, funda-se no fato de que, 13 (treze) candidatos do mesmo concurso, da

mesma sentença criminal, da mesma fase recursal, tiveram revisão de nota, com

singela fundamentação, para atingir exatamente a mesma pontuação, qual seja, a

média 6.0 (seis), nota sufi ciente para aprovação para a próxima fase.

De fato pode parecer estranho que 13 candidatos tivessem arredondamento

de notas em 1.5 (um ponto e meio), 1.25 (um ponto e vinte e cinco décimos) e 2.5

(dois pontos e meio). Contudo, não há outro termo para ser utilizado na aplicação

de nota efetivada pelo examinador da PUCPR, nas provas dos referidos 13 (treze)

candidatos.

A situação dos 13 (treze) candidatos citados evidencia que houve majoração

de nota com efetivo arredondamento, pois, se tivessem seus recursos avaliados da

mesma forma, pela mesma Comissão, com os mesmos critérios que a ora recorrente, por

óbvio não atingiriam todos eles exatamente a mesma pontuação 6.0 (seis) e, este fato

independe de prova, mas de simples raciocínio lógico” (e-stj, fl . 388-389);

g) “A Comissão, quando da correção da prova da recorrente violou também o

princípio da legalidade e da proporcionalidade, conforme restará demonstrado.

(...)

Ocorre que, in casu, não se busca averiguar o conteúdo do gabarito divulgado

pela PUCPR em relação à prova de sentença criminal, mas a ausência de adequada

aplicação do mesmo à prova da recorrente, fato que confi gurava elemento do ato

administrativo e não foi observado” (e-stj, fl . 398).

O Ministério Público Federal, na pessoa da Subprocuradora-Geral da

República Dra. Darcy Santana Vitobello, opinou pelo provimento do recurso

ordinário (e-stj, fl . 481-487).

VOTO

O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. Os autos dão conta de que o

Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia publicou edital de concurso público,

visando o provimento de 15 (quinze) cargos vagos de juiz de direito substituto,

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 459

mais aqueles que surgissem durante o respectivo prazo de validade (e-stj, fl . 25-

47).

A Pontifícia Universidade Católica do Paraná foi encarregada de elaborar

as questões submetidas aos candidatos e de corrigir as respectivas provas; veja-

se, a esse propósito, o timbre dessa instituição na capa da prova de sentença

cível (e-stj, fl . 89) e na capa da prova da sentença criminal (e-stj, fl . 108), bem

como a peça em que a Comissão de Concurso se refere aos “critérios de correção

divulgados pela instituição terceirizada” (e-stj, fl . 217).

A nota atribuída à Recorrente na sentença criminal, qual seja, a de 4,5

(quatro e meio), foi inferior a de 6,00 (seis) que era a nota mínima exigida para

a aprovação no aludido processo seletivo (e-stj, fl . 146-161).

A Recorrente interpôs recurso administrativo dessa decisão, porque a

correção da aludida prova, que deveria observar critérios prefi xados, atinentes ao

conteúdo e a qualidade da sentença (e-stj, fl . 162-169), deles havia alegadamente

se desviado (e-stj, fl . 171-197).

O recurso foi desprovido (e-stj, fl . 198-205), adotando-se integralmente o

“parecer prévio enviado (...) pela PUC-PR” (e-stj, fl . 207), e a Recorrente interpôs

outro, desta feita para enfatizar que os erros fl agrados na prova corrigida não

diziam respeito à prova realizada por ela (e-stj, fl . 206-214 e 215-216).

A Comissão de Concurso reuniu-se, reservada e extraordinariamente,

recebeu a petição como embargos de declaração “para correção de erros materiais”

(e-stj, fl . 217) e majorou a nota da Recorrente na aludida prova para 5,8 (cinco

vírgula oito), ainda insufi ciente para a aprovação (e-stj, fl . 217).

Lê-se na respectiva ata:

“Inicialmente o presidente colocou à discussão o pedido da candidata para

que novo julgamento de seu recurso fosse realizado mediante audiência pública,

ponderando sua inconveniência diante da delonga que acarretaria com publicações,

convocações e demais procedimentos, o que colocaria em risco a realização das próximas

fases do certame (exames médicos e psicotécnicos, entrevistas, prova oral), já em data

próxima, com toda a monumental estrutura movimentada. Propôs que sua peça fosse

recebida como embargos de declaração para correção de erros materiais, no que foi

acompanhado por todos os membros da Comissão” (e-stj, fl . 219).

Seguiu-se a impetração do mandado de segurança (e-stj, fl. 02-22),

denegado pelo Tribunal a quo, porque a comissão de concurso é soberana

na “análise dos recursos interpostos” (e-stj, fl . 340), com a observação de que o

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

460

julgamento dos embargos de declaração não estava sujeito a sessão pública,

a um, porque o aprazamento desta prejudicaria o cronograma do concurso

público, e, a dois, porque não se tratava de recurso, mas de petição conhecida

“por mera liberalidade” da Comissão de Concurso, “fora do contexto e da fase

própria do recurso” (e-stj, fl . 331).

2. Daí se depreende que a instituição terceirizada pelo Tribunal de Justiça

do Estado de Rondônia tomou a prova de outrem como se fosse a prova

da Recorrente. O fato passou despercebido por ocasião do julgamento do

recurso administrativo, mas a fi nal foi reconhecido no âmbito de embargos de

declaração, oportunidade em que a Comissão de Concurso corrigiu a prova de

sentença criminal da Recorrente, cujo resultado fi nal foi a nota de 5,8 (cinco

vírgula oito).

O julgamento dos embargos de declaração foi realizado a portas fechadas,

e não em sessão pública como previsto no edital do concurso. A correção das

provas não estava no âmbito de competência da Comissão de Concurso, porque

disso fora incumbida a Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a qual havia

corrigido as provas dos demais candidatos. Ainda: a prova fora identifi cada pela

Comissão de Concurso, quebrando regra do edital que a vedava.

O voto vencido do Desembargador Gilberto Barbosa no Tribunal a quo

evidenciou ainda outras circunstâncias que revelam o tratamento desigual

sofrido pela Recorrente; depois de acentuar a ocorrência do erro material,

evidenciado pela circunstância de que 17 (dezessete) dentre os 27 (vinte sete)

erros originariamente identifi cados na prova não existiam, enfatizou que

“(...) outros onze candidatos obtiveram a nota elevada de 4,5 para 6,0 - Bruno

dos Anjos, Bruno Rua Baptista, Eugênia Amábilis Gregorius, Fabiano Lúcio Graças

Costa, Fabrizio Amorim de Menezes, Fernando Augusto Chacha de Rezende, Kellen

Barbosa da Costa, Luis Delfi no César Júnior, Rafael Lopes Lorenzoni, Suara Lúcia

Otto Barboza de Oliveira e Wesley Marques Branquinho.

Não fosse o sufi ciente, outro candidato (Gleucival Zeed Estevão) saltou

espetacularmente do conceito 3,5 para 6,0. Portanto, quase o dobro da nota que

inicialmente lhe foi conferida pela mesma Comissão Examinadora.

E mais, à exceção da impetrante, nenhum dos citados, absolutamente

nenhum, teve a nota fracionada em décimo, todos saltaram para os seis

pontos necessários para a aprovação nesta fase do certame. Essa postura, com

penhoradas vênias, caracteriza marcado descompasso com a isonomia no critério

utilizado para reavaliação da prova à luz dos recursos administrativos.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 461

Não posso olvidar, ainda, que a impetrante trouxe prova pré-constituída de que

outros candidatos, após singela fundamentação e análise de seus recursos, obtiveram a

nota mínima necessária, enquanto a Comissão, no seu caso, realizou minuciosa revisão

da sentença para, após afastar 17 erros que lhes foram equivocadamente imputados,

obstar sua aprovação por ínfi mos dois décimos de ponto. Isto, convenha-se, macula,

sobremaneira, o princípio da razoabilidade” (e-stj, fl . 343-344).

Nesse contexto, a sentença deve ser reformada.

Com efeito, aqui não está em causa o truísmo de que ao Judiciário é vedado

substituir-se à comissão de concurso para revisar as notas dos candidatos. A

questão é outra, e consiste em saber se o Judiciário pode, depois de comprovado

o erro material na correção de uma prova (erro este resultante da troca de uma

prova por outra), reparar o dano decorrente do tratamento desigual dado a um

dos participantes do processo seletivo.

A desigualdade do tratamento está documentada nos autos, e já foi

relatada, a saber:

* revisão da nota a portas fechadas (as notas dos demais candidatos foram

alteradas em sessão pública);

* mediante a identifi cação prévia da candidata (os demais candidatos tiveram

a garantia do anonimato);

* realizada pela Comissão de Concurso (as provas dos demais candidatos

foram corrigidas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

Com certeza, isso não resultou da falta de lisura da Comissão de Concurso.

Ter-lhe-ia sido mais prático desconhecer a petição que recebeu como embargos

de declaração, porque a isso não estava obrigada. O fato de que, já julgado

o recurso administrativo, tenha reconhecido o erro material constitui uma

prova de que estava afi nada com o princípio da moralidade administrativa.

Acossada pelos prazos do concurso, deixou de perceber que o procedimento

seguido contrariava o edital. O Judiciário pode controlar a legalidade desse

procedimento.

Quid?

Nesta altura, já não é possível restaurar o statu quo ante. O processo seletivo

seguiu seus trâmites. A Recorrente foi bem sucedida no Curso de Formação.

Seus colegas foram nomeados e exercem o cargo de juiz de direito substituto. O

anonimato da Recorrente se desfez. Não há outra solução que a de conceder a

ordem.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

462

Voto, por isso, no sentido de dar provimento ao recurso ordinário para

conceder o mandado de segurança, declarando que a Recorrente foi aprovada na

prova de sentença criminal nos termos do item 2 do pedido.

RECURSO ESPECIAL N. 1.183.210-RJ (2010/0039753-7)

Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima

Recorrente: Município do Rio de Janeiro

Procurador: Gustavo da Gama Vital de Oliveira e outro(s)

Recorrido: Monte Criação e Produção Ltda. e outro

Advogado: Luciana Loureiro Terrinha e outro(s)

EMENTA

Tributário. Recurso especial. Imposto sobre Serviços de Qualquer

Natureza – ISSQN. Cessão de direito autoral. Não incidência.

Ausência de previsão legal. Recurso especial conhecido e não provido.

1. “O exame de qualquer texto de lei complementar em matéria

tributária há de ser efetuado de acordo com as regras constitucionais

de competência. É o que ocorre com o Decreto-Lei n. 406/1968

(com a redação dada pela Lei Complementar n. 56/1987) e com a

Lei Complementar n. 116/2003, do mesmo modo, com as legislações

municipais, cujos termos só podem ser compreendidos se considerada

a totalidade sistêmica de ordenamento, respeitando-se os limites

impostos pela Constituição à disciplina do ISS” (Paulo de Barros

Carvalho. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses,

2008, p. 682-683).

2. O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN

não incide sobre a cessão de direito autoral, porquanto não se trata

de hipótese contemplada na lista anexa à Lei Complementar n.

116/2003.

3. A interpretação extensiva é admitida pela jurisprudência

quando a lei complementar preconiza a hipótese de incidência do ISS

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 463

sobre serviços congêneres, correlatos, àqueles expressamente previstos

na lista anexa, independentemente da denominação dada pelo

contribuinte. Se o serviço prestado, não se encontra ali contemplado,

não constitui fato gerador do tributo e, por conseguinte, não há

falar em interpretação extensiva. É natureza do serviço prestado que

determina a incidência do tributo.

4. O direito de uso, em sua acepção ampla, tem sua disciplina

no Código Civil, regime jurídico absolutamente distinto. Não se

confunde com o direito autoral, regulado por lei específi ca, qual seja,

a Lei n. 9.610/1998. Inexiste correlação entre ambos. Nesse contexto,

não há falar que a cessão de direito autoral é congênere à de direito

de uso, hábil a constituir fato gerador do Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza – ISSQN.

5. A tentativa de aproximar a cessão de direitos autorais da

locação de bem móvel, a fim de viabilizar a tributação, além de

incabível pelas mesmas razões expostas em relação ao direito de uso,

é absolutamente despropositada, tendo em vista a não incidência do

ISSQN na hipótese, nos termos do Enunciado da Súmula Vinculante

n. 31-STF, que dispõe: “É inconstitucional a incidência do Imposto

sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de

locação de bens móveis”.

6. Recurso especial conhecido e não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, conhecer do recurso especial, mas negar-lhe provimento, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes

Maia Filho, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina e Ari Pargendler votaram com

o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 7 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator

DJe 20.2.2013

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

464

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial

interposto pelo Município do Rio de Janeiro em desfavor de Monte Criação

e Produção Ltda. e Monte Songs Edições Musicais Ltda., com fundamento no

art. 105, inciso III, letra a, da Constituição Federal, em que se insurge contra

acórdão do Tribunal de Justiça do Estado Rio de Janeiro assim ementado (fl .

446e):

Apelação. Mandado de segurança. Imposto Sobre Serviços (ISS). Cessão de

direitos autorais. Não incidência. A Lei Complementar n. 116/1991 não estabelece

como hipótese de incidência tributária a cessão de direitos autorais. O direito

autoral diz respeito à obra de criação do artista e não a uma prestação de fazer,

a um serviço. Tendo natureza de bem móvel, sua cessão também guarda a

mesma natureza. A lei municipal não pode estabelecer hipótese de incidência

tributária não prevista na Lei Complementar Federal. A defi nição da hipótese de

incidência é matéria reservada ao legislador federal, obedecendo à repartição

da competência tributária constitucional. O Imposto sobre o Serviço não incide

sobre obrigação de dar, mas sobre a obrigação de fazer, razão pela qual se

revela ilegal sua exigência em operação de cessão de direito autoral. Reforma da

sentença. Conhecimento e provimento do recurso.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl s. 456-457e).

O recorrente aponta violação ao art. 267, IV, do CPC, à asserção de que o

presente mandado de segurança “não se dirige contra nenhum ato concreto da

Impetrada de cobrança de ISS, relativa aos serviços prestados mediante cessão,

mas apenas contra lei em tese” (fl . 463e), a atrair o óbice da Súmula n. 266-STF.

Aduz que a rejeição dos embargos de declaração deu-se mediante ofensa ao art.

535 do CPC, por entender que não foram sanadas omissões relevantes.

Sustenta, quanto ao mérito, que, “ao entender que não existia previsão

legal para a cobrança do ISS sobre locação de bem móvel após o advento da Lei

Complementar n. 116/2003, o v. acórdão acabou por violar o item 3 da lista, que

prevê expressamente a incidência do ISS sobre os serviços prestados mediante

locação” (fl . 464e).

Alega, ainda, que “deve prevalecer o entendimento de que a Lista de

Serviços constante da Lei Complementar n. 116/2003, e cada um de seus itens,

pode ser interpretada de forma ampla, até mesmo em virtude do emprego de

expressões como ‘congêneres’ ou ‘correlatos’” (fl . 465e).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 465

Apresentadas contrarrazões (fl s. 515-528e), e inadmitido o especial na

origem, subiram os autos a este Superior Tribunal, por força de decisão em

agravo de instrumento (fl s. 679-680e).

Em parecer conclusivo (fl s. 688-692e), o Ministério Público opinou pelo

improvimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Inicialmente, quanto à

alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC, esta Corte possui entendimento

fi rmado no sentido de que o órgão julgador, desde que tenha apresentado

fundamentos sufi cientes para sua decisão, tal como ocorreu no presente caso,

não está obrigado a responder um a um os argumentos formulados pelas partes

(REsp n. 300.057-RJ, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJ 17.11.2003).

Outrossim, no tocante à suscitada ofensa ao art. 267, IV, do CPC, impõe-

se ressaltar que há longa data encontra-se superada a discussão a respeito do

cabimento de mandado de segurança preventivo em discussões de natureza

tributária, quando comprovada a subsunção da atividade da impetrante à

incidência do tributo, hipótese em que não se discute lei em tese, a atrair o óbice

da Súmula n. 266-STF. Nesse sentido: REsp n. 1.125.059-SC, Rel. Min. Eliana

Calmon, Segunda Turma, DJe 15.12.2009.

Narram os autos que a cantora Marisa Monte celebrou contratos por

meio dos quais restou pactuado que a artista cederá, a título gratuito e por

tempo determinado, os direitos autorais das obras artísticas e literárias de sua

titularidade às recorridas, que, por sua vez, os cedem, a título oneroso, a terceiros.

Com a fi nalidade de não se sujeitar à incidência do Imposto sobre Serviços

de Qualquer Natureza – ISSQN incidente sobre a cessão onerosa de direitos

autorais, as ora recorridas impetraram o presente mandado de segurança, de

caráter preventivo.

A sentença denegou a segurança. No entanto, o Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro deu provimento à apelação, a fi m de conceder à

ordem, ao fundamento de que o ISSQN “não incide sobre obrigação de dar,

mas sobre a obrigação de fazer, razão pela qual se revela ilegal sua exigência em

operação de cessão de direito autoral” (fl . 446e).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

466

De acordo com os arts. 146, III, a, e 156, III, da Constituição Federal,

compete aos municípios e ao Distrito Federal instituir impostos sobre serviços

de qualquer natureza, defi nidos em lei complementar, a qual, por sua vez,

também cabe estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,

especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, bem como os

respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

Desse modo, segundo o texto constitucional, cabe à lei complementar, entre

outros, defi nir o fato gerador do ISSQN, quer dizer, os serviços submetidos à

incidência do tributo, assim como sua base de cálculo.

O binômio hipótese de incidência/base de cálculo agrega ao mesmo tempo

o pressuposto do desenho puramente normativo e a necessária existência de

grandeza mensurável, ou seja, o conteúdo econômico, indispensáveis à exigência

de tributo.

Com efeito, a descrição hipotética do denominado fato jurídico tributário

é matéria reservada à lei complementar, de modo que as leis municipais e

distritais que vieram a instituir o ISSQN, no âmbito de sua competência, não

podem criar novo fato gerador, tampouco disciplinar de modo diverso sua base

de cálculo, sob pena de extrapolar os estritos limites estabelecidos pelo texto

constitucional.

A propósito, transcrevo a lição de Paulo de Barros Carvalho (Direito

tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008, pp. 682-683):

O exame de qualquer texto de lei complementar em matéria tributária há

de ser efetuado de acordo com as regras constitucionais de competência. É

o que ocorre com o Decreto-Lei n. 406/1968 (com a redação dada pela Lei

Complementar n. 56/1987) e com a Lei Complementar n. 116/2003, do mesmo

modo, com as legislações municipais, cujos termos só podem ser compreendidos

se considerada a totalidade sistêmica de ordenamento, respeitando-se os limites

impostos pela Constituição à disciplina do ISS.

As normas aplicáveis ao ISSQN eram definidas pelo Decreto-Lei n.

406/1968. A Lei Complementar n. 116/2003 revogou alguns dispositivos do

referido diploma legal, trazendo nova lista de prestações de serviços sujeitas à

incidência do tributo.

Como se sabe, o ISSQN recai, em regra, sobre a prestação de serviços de

qualquer natureza, realizada de forma onerosa a terceiros.

Dispõe a Lei Complementar n. 116/2003:

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 467

Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos

Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços

constantes da lista anexa, ainda que esses serviços não se constituam como

atividade preponderante do prestador.

(...)

Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

Assim, em regra, somente serão considerados serviços para efeito de

tributação do ISSQN aqueles expressamente defi nidos na lei complementar.

Não se mostra aceitável, pela interpretação sistemática, que o tributo incida

sobre outros fatos geradores, ainda que previstos em lei municipal ou distrital.

É certo, outrossim, que a jurisprudência tem admitido uma interpretação

extensiva da lista anexa em referência ao serviços congêneres, mormente em

razão do fato de que a incidência do imposto não depende da denominação

dada ao serviço prestado, segundo expressamente prevê o § 4º do art. 1º da Lei

Complementar n. 116/2003. Nesse sentido:

Agravo regimental no recurso especial. Tributário. ISSQN. Serviços bancários.

Entendimento do Tribunal a quo de que alguns dos serviços cobrados pelo

município não estão contemplados na lista anexa ao DL n. 406/1968. Rol taxativo.

Interpretação extensiva. Orientação que coincide com o pronunciamento desta

Corte em julgado sob o regime do art. 543-C do CPC (REsp n. 1.111.234-PR, rel.

Min. Eliana calmon, DJe 8.10.2009). Averiguação do enquadramento da atividade

na referida lista que demandaria incursão em seara defesa a esta Corte, ante o

óbice da Sumula n. 7-STJ. Agravo regimental do município de Santos desprovido.

1. Conforme a orientação desta egrégia Corte Superior, é taxativa a Lista

de Serviços anexa ao Decreto-Lei n. 406/1968, para efeito de incidência de

ISS, admitindo-se, em ampliação aos já existentes, apresentados com outra

nomenclatura, o emprego da interpretação extensiva para serviços congêneres

(interpretação extensiva, observado, contudo, a natureza dos serviços).

2. O aresto recorrido explicitou que a tributação vergastada recaiu sobre as

contas denominadas guarda de documentos (custódia) e outras rendas, não

contempladas nos itens 95 e 96 da Lista anexa à Lei Complementar n. 56/1987 e

sem qualquer indicação, ou prova, de que se referiam a serviços congêneres aos

listados, ou da mesma natureza, apenas prestados sob diversa denominação.

3. Para se chegar à conclusão diversa da fi rmada pelas instâncias ordinárias

seria necessário o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice

na Súmula n. 7 desta Corte, segundo a qual a pretensão de simples reexame de

prova não enseja recurso especial.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

468

4. Agravo Regimental do Município de Santos desprovido. (AgRg no REsp n.

1.260.079-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 7.5.2012).

Tributário. ISSQN. Agravo regimental no agravo de instrumento. Serviço aéreo

de pulverização. Lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003. Taxatividade.

Interpretação extensiva dos itens previstos na lista anexa. Possibilidade.

1 - A jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça firmou o

entendimento de que a Lista de Serviços com a fi nalidade de incidência de ISS

é taxativa, admitindo-se, no entanto, leitura extensiva de cada item, para que se

enquadrarem serviços idênticos aos expressamente previstos.

2 - A Lei Complementar n. 116/2003 formalizou no item 7.13, a tributação dos

serviços de pulverização de lavouras, não importando o modo pelo qual ele é

efetivamente realizado, por via aérea ou terrestre.

3 - Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag n. 1.157.828-PR, Rel. Min.

Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 20.11.2009).

Ocorre que a possibilidade de interpretação extensiva não pode determinar

a sujeição ao ISSQN de serviços não albergados pela lei complementar, sob

pena de ofensa ao princípio da legalidade. Isso porque constituem fato gerador

do ISSQN aqueles taxativamente previstos na lista anexa à Lei Complementar

n. 116/2003. Se o serviço prestado não está contemplado pela lei em tela não

pode ser oferecido à tributação.

Por oportuno, a respeito do princípio da legalidade, cabe transcrever a

lição de Luciano Amaro, para quem “não tem a autoridade administrativa o

poder de decidir, no caso concreto, se o tributo é devido ou quanto é devido. A

obrigação tributária é uma decorrência necessária da incidência da norma sobre

o fato concreto, cuja existência é sufi ciente para o nascimento daquela obrigação

(CTN, art. 114)” (Direito tributário brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005,

p. 112).

A interpretação extensiva é admitida pela jurisprudência quando a lei

complementar preconiza a hipótese de incidência do ISSQN sobre serviços

congêneres, correlatos, àqueles expressamente previstos na lista anexa,

independentemente da denominação dada pelo contribuinte. Se o serviço

prestado, não se encontra ali contemplado, não constitui fato gerador do tributo

e, por conseguinte, não há falar em interpretação extensiva. É natureza do

serviço prestado que determina a incidência do tributo.

Nesse contexto, entendo que não merece reparos o voto condutor do

acórdão recorrido, proferido pelo Desembargador Rogério de Oliveira Souza, ao

assentar (fl s. 447e):

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 469

A taxatividade do rol não impede que seja feita interpretação ampla e

analógica, a fi m de abranger serviços de mesma natureza, mas de nomenclatura

diversa, atribuindo real efetividade máxima à norma tributária e evitar

subterfúgios do contribuinte.

Tal interpretação não poderá, no entanto, violar o direito do contribuinte de ter

pré-defi nido o tributo em todas as suas características, especifi camente, qual é a

sua hipótese de incidência.

É a aplicação prática do princípio e da garantia constitucional de que não há

tributação sem lei prévia.

A seu turno, lei municipal não poderá elencar serviço não previsto na lista

que integra a Lei Complementar n. 116/1991 e criar nova hipótese de incidência

tributária não defi nida e autorizada pelo Legislador Maior.

Para fins de adequação de serviços sujeitos ao imposto municipal (ISS)

é relevante a natureza jurídica do serviço e não a sua nomenclatura, pois é

impossível ao legislador prever todas as hipóteses de forma específica e

pormenorizada.

No caso dos autos, a cessão de direito autoral não está prevista expressamente

dentre as hipóteses de incidência do Imposto Sobre Serviço, descritas no anexo

a Lei Complementar n. 116/2003, havendo, portanto, a necessidade de perquirir

quanto à própria natureza da cessão de direito autoral, para eventualmente

subsumi-la ao referido anexo.

No caso, o Município do Rio de Janeiro defende que o item 3 da lista

anexa à Lei Complementar n. 116/2003, que cuida dos “Serviços prestados

mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres” deve ser interpretado

de forma extensiva, de modo a albergar a cessão de direitos autorais.

Os direitos autorais são aqueles inerentes à proteção ao autor das obras

intelectuais decorrentes, nos termos do art. 7º da Lei n. 9.610/1998, que

disciplina a matéria, das “criações do espírito, expressas por qualquer meio

ou fi xadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se

invente no futuro”, tais como, entre outros expressamente previstos, os textos

literários, científi cos, artísticos, as obras coreográfi cas, audiovisuais, fotográfi cas

e cinematográfi cas e as composições musicais, tenha ou não letra.

Dispõe, ainda, a Lei n. 9.610/1998:

Art. 3º. Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.

(...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

470

Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos

a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular,

pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio

de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito,

obedecidas as seguintes limitações:

(...)

Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por

escrito, presume-se onerosa.

O desenho normativo específi co dos direitos autorais impede que a ele seja

extensível qualquer interpretação que compreenda a cessão do direito de uso em

caráter geral.

Na sua singularidade, há na lei proteção de natureza moral e patrimonial

aos direitos autorais, segundo expressamente previsto no art. 22 da Lei n.

9.610/1998. Os direitos morais, de que cuidam os arts. 24 a 27, produzem efeitos

ad aeternum, reconhecendo o vínculo permanente entre autor e obra, visando à

preservação de sua imagem. Os direitos patrimoniais, por sua vez, disciplinados

nos arts. 28 a 45, referem-se à possibilidade de exploração econômica da obra

tanto pelo seu criador quanto por seus representantes legais, estendendo-se por

mais 70 anos após a morte do autor.

Ademais, a transmissão dos direitos do autor far-se-á sempre por escrito

e será averbada à margem do registro próprio, de que cuida o art. 19 da Lei n.

9.610/1998. Não se encontrando a obra assim registrada, deverá ser lavrado

o instrumento em Cartório de Títulos e Documentos, conforme o art. 50 do

citado diploma legal.

O direito de uso, em sua acepção ampla, por sua vez, tem sua disciplina

no Código Civil, regime jurídico absolutamente distinto. Não se confunde com

o direito autoral, regulado por lei específi ca. Inexiste correlação entre ambos.

Nesse contexto, não há falar que a cessão de direito autoral é congênere à de

direito de uso, hábil a constituir fato gerador do Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza – ISSQN.

Por fi m, a tentativa do recorrente de aproximar a cessão de direitos autorais

da locação de bem móvel, a fi m de viabilizar a tributação, além de incabível

pelas mesmas razões expostas em relação ao direito de uso, é absolutamente

despropositada, tendo em vista a não incidência do ISSQN na hipótese,

nos termos do Enunciado da Súmula Vinculante n. 31-STF, que dispõe: “É

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 471

inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

– ISS sobre operações de locação de bens móveis”.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.189.690-RJ (2010/0066739-3)

Relator: Ministro Sérgio Kukina

Recorrente: Rossi Cattapan Incorporadores Ltda.

Advogado: Selma Cardoso

Recorrido: Município do Rio de Janeiro

Procurador: Antônio Dias Martins Neto e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Ação rescisória. Prazo decadencial. Matéria de

ordem pública. Exame pela instância de origem, independentemente

de provocação das partes. Questão suscitada em embargos de

declaração. Não apreciação. Preclusão. Inaplicabilidade. Omissão

confi gurada. Violação ao art. 535, II, do CPC. Retorno dos autos ao

Tribunal de origem para novo julgamento dos embargos declaratórios,

com pronunciamento expresso a respeito da questão.

1. Caso em que a Corte de origem, no acórdão pelo qual foi

julgada procedente a rescisória, não se pronunciou acerca do prazo

decadencial para ajuizamento da ação, ensejando a oposição de

embargos declaratórios, os quais foram rejeitados, ante a aplicação dos

efeitos da preclusão.

2. Violação ao art. 535, II, do CPC caracterizada, pois cabia

ao Tribunal a quo examinar, no julgamento da ação rescisória,

independentemente de provocação das partes, a questão de ordem

pública alusiva à decadência. Como não o fez, era de se esperar que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

472

acolhesse os embargos de declaração opostos, a fi m de que fosse

sanada a omissão e fosse realizado, de maneira fundamentada, o

controle da tempestividade da ação rescisória. Em outras palavras, a

Corte de origem não poderia aplicar, quanto à decadência, os efeitos

da preclusão.

3. Reconhecida a violação ao art. 535, II, do CPC, impõe-se

a anulação do acórdão proferido no julgamento dos embargos de

declaração, restando prejudicada a análise dos demais tópicos do apelo

especial (REsp n. 1.185.288-RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda

Turma, DJe 17.5.2010).

4. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, provido, para,

assentando a nulidade do acórdão recorrido por violação ao art. 535,

II, do CPC, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro, a fi m de que seja realizado novo julgamento

dos embargos de declaração, com manifestação expressa a respeito da

tempestividade da ação rescisória.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente

do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento para, assentando a nulidade

do acórdão recorrido por violação ao art. 535, II, do CPC, determinar o retorno

dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a fi m de que

seja realizado novo julgamento dos embargos de declaração, com manifestação

expressa a respeito da tempestividade da ação rescisória, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima,

Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Assistiu ao julgamento o Dr. Rafael Ávila Cardoso, pela parte recorrente:

Rossi Cattapan Incorporadores Ltda.

Brasília (DF), 19 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministro Sérgio Kukina, Relator

DJe 25.3.2013

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 473

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de recurso especial interposto, com

fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

Rescisória. Coisa julgada. Afronta. Expurgos infl acionários. Cálculo anterior que

não os contemplou. Cálculo novo.

1 - O ordenamento processual menciona a sentença de mérito transitada em

julgado, cuja expressão apresenta-se em seu sentido amplo e como sinônimo de

decisão de mérito, como um dos requisitos essenciais ao direito de ajuizamento

da ação rescisória.

2 - Nesse âmbito e na medida em que aprecia o conteúdo da própria questão

controvertida, a decisão sobre cálculos de liquidação soluciona o mérito dessa

discussão e afi gura-se impugnável por meio da ação rescisória.

3 - Nesse aspecto, afronta a coisa julgada o acórdão que admite novo cálculo

de expurgos inflacionários anteriores à outras contas que não os incluíram,

todas já homologadas por decisões de mérito trânsitas em julgado e pagos os

respectivos precatórios.

Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados, nos seguintes

termos:

Embargos de declaração. Efeito modificativo. Reexame da matéria.

Inadmissibilidade.

1 - Admite-se efeito modifi cativo dos embargos de declaração apenas quando

da obscuridade, contradição ou omissão do julgado resultar em sua alteração.

2 - Os embargos de declaração são sede imprópria para a manifestação de

inconformismo com o julgado, eis que carece de caráter infringente e, salvo as

hipóteses específi cas, nele não se devolve o exame da matéria à Câmara.

A parte recorrente afi rma, preliminarmente, que a Corte de origem, ao não

se pronunciar sobre a questão alusiva à decadência da ação rescisória, violou o

art. 535, II, do CPC. No mérito, aduz que o TJRJ desconsiderou “o caráter de

extinção da obrigação” e afastou “a incidência do artigo 320 do Código Civil/2002”,

ao determinar “a rescisão do julgado, com a elaboração de novos cálculos sem o cômputo

dos expurgos infl acionários” (fl . 957 e-STJ). Afi rma que foi violado o art. 495 do

CPC (pois já havia transcorrido o prazo decadencial de dois anos quando a ação

rescisória foi ajuizada). Sustenta a existência de dissídio jurisprudencial quanto à

inclusão dos expurgos infl acionários em precatório complementar.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

474

Não foram apresentadas contrarrazões (conforme certidão de fl . 1.114

e-STJ).

Em 19.2.2013, deferi medida liminar na MC n. 20.592-RJ, para suspender

a execução do acórdão pelo qual foi julgada procedente a ação rescisória, até o

trânsito em julgado da decisão a ser proferida no presente recurso especial. Em

1º.3.2013, o Município do Rio de Janeiro interpôs contra essa decisão agravo

regimental, ainda pendente de julgamento.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-

Geral da República Geraldo Brindeiro, opinou pelo provimento do apelo

especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): Foram atendidos os pressupostos

gerais de recorribilidade: os documentos de fls. 586 e 1.091-1.096 e-STJ

revelam a regularidade da representação processual e do preparo e o recurso é

tempestivo, pois a publicação do acórdão dos embargos de declaração se deu em

8.7.2008 e o ajuizamento do especial ocorreu em 23.7.2008.

A Corte de origem, no acórdão pelo qual foi julgada procedente a rescisória,

não se pronunciou acerca do prazo decadencial para ajuizamento da ação.

Com o objetivo de ver sanada a omissão, a empresa ré (ora recorrente) opôs

embargos declaratórios, sustentando, em síntese, que, quando do ajuizamento da

ação rescisória, já se havia esgotado o prazo decadencial de 2 (dois) anos.

O Tribunal fl uminense, no entanto, negou provimento aos embargos,

adotando a seguinte fundamentação:

[...]

As questões suscitadas pela embargante – início da fluência do prazo

decadencial e inexistência de ressalva quando do depósito – não foram

levantadas em contestação e, consequentemente, não foram apreciadas por este

órgão. Portanto, inexiste omissão no acórdão embargado.

Ressalte-se que este órgão julgador não é obrigado a fazer menção expressa

aos dispositivos legais invocados pela embargante, sendo necessário apenas que

aprecie e solucione as questões insertas nos artigos citados pelo recorrente.

[...]

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 475

Nesse contexto, foi violado o art. 535, II, do CPC. Isso porque a

Corte de origem deveria ter examinado, no julgamento da ação rescisória,

independentemente de provocação das partes, a questão de ordem pública alusiva

à decadência. Como não o fez, era de se esperar que acolhesse os embargos de

declaração opostos pela ora recorrente, a fi m de que fosse sanada a omissão e

fosse realizado, de maneira fundamentada, o controle da tempestividade da ação

rescisória. Em outras palavras, a Corte de origem não poderia aplicar, quanto à

decadência, os efeitos da preclusão.

A propósito, vale destacar a lição de José Carlos Barbosa Moreira, para

quem:

“Em mais de um momento pode o órgão judicial controlar a tempestividade

do ajuizamento da ação rescisória – o que sempre lhe é dado fazer ex offi cio

(Código Civil, art. 210). Conforme resulta da conjugação do disposto no art. 490, n.

I, com a norma do art. 295, n. IV, verifi cada primo ictu oculi a decadência, cabe ao

próprio relator do feito indeferir a petição inicial.

[...]

Caso o relator não dê pela decadência e profi ra decisão de saneamento, nem

assim, ao nosso ver, ocorrerá preclusão, pois ao órgão julgador da rescisória ainda

não se terá aberto a oportunidade de pronunciar-se acerca da matéria, e não se

lhe pode subtrair à cognição, no julgamento da causa, esse aspecto do mérito.

Na sessão em que o feito lhe for submetido, tocará ao colegiado, como etapa

preliminar do iudicium rescindens, examinar a questão, declarando a decadência,

se for o caso – o que o dispensará de prosseguir na atividade cognitiva.

(In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, 16ª edição, 2012, Rio de

Janeiro: Editora Forense, pp. 222-223).

Nesse sentido é a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de

Justiça, como demonstram os seguintes precedentes:

Processual Civil. Bem absolutamente impenhorável. Nulidade absoluta.

Alegação a qualquer tempo. Possibilidade. Questão de ordem pública. Preclusão.

Inexistência. Precedentes.

1. “Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os

bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), prevalece o interesse

de ordem pública, podendo ser ela argüida em qualquer fase ou momento,

devendo inclusive ser apreciada de ofício” (REsp n. 192.133-MS, Rel. Min. Sálvio

de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 4.5.1999, DJ 21.6.1999, p. 165).

2. Esta Corte tem pronunciando no sentido de que as matérias de ordem

pública (e.g. prescrição, decadência, condições da ação, pressupostos processuais,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

476

consectários legais, incompetência absoluta, impenhorabilidade, etc) não se sujeitam

à preclusão, podendo ser apreciadas a qualquer momento nas instâncias ordinárias.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp n. 223.196-RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,

DJe 24.10.2012).

Processual Civil. Recurso especial. [...] Arguição de nulidade da citação.

Preclusão. Inocorrência.

[...]

2. Os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do

processo, assim como as condições da ação - matérias de ordem pública -, não se

submetem à preclusão nas instâncias ordinárias.

3. A nulidade da citação constitui matéria passível de ser examinada em

qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação

da parte; em regra, pode, também, ser objeto de ação específica ou, ainda,

suscitada como matéria de defesa em face de processo executivo. Trata-se de

vício transrescisório. Precedente.

4. O defeito ou a ausência de citação somente podem ser convalidados nas

hipóteses em que não sejam identifi cados prejuízos à defesa do réu.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp n. 1.138.281-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe

22.10.2012).

[...] Alegação de ilegitimidade passiva ad causam do executado (antigo

proprietário do imóvel objeto da tributação). Matéria de ordem pública suscitável

em sede de exceção de pré-executividade. Preclusão na instância ordinária.

Inocorrência. [...]

1. As condições da ação e os pressupostos processuais, matérias de ordem

pública, não se submetem à preclusão para as instâncias ordinárias, podendo ser

examinadas a qualquer tempo, mesmo de ofício pelo Juiz, enquanto estiver em

curso a causa, ex vi do disposto no artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil.

[...]

(REsp n. 818.453-MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.10.2008).

[...]

II - Recurso especial da União - Ausência de prequestionamento. Súmula n.

211-STJ. Omissão de julgado. Inocorrência. Condições da ação. Matéria de ordem

pública. Preclusão. Inocorrência.

[...]

3. A jurisprudência do STJ fi rmou orientação no sentido de que, “nas instâncias

ordinárias, não há preclusão em matéria de condições da ação e pressupostos

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 477

processuais enquanto a causa estiver em curso, ainda que haja expressa decisão

a respeito, podendo o Judiciário apreciá-la mesmo de ofício (arts. 267, § 3º e 301,

§ 4º, CPC)” (REsp n. 285.402-RS, 4ª T., Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de

7.5.2001).

[...]

(REsp n. 638.481-PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ

15.10.2007).

Ora, reconhecida a violação ao art. 535, II, do CPC, impõe-se a anulação

do acórdão proferido no julgamento dos embargos de declaração, restando

prejudicada a análise dos demais tópicos do apelo especial (REsp n. 1.185.288-

RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 17.5.2010).

Ante o exposto, conheço em parte do recurso e, nessa extensão, a ele dou

provimento, para, assentando a nulidade do acórdão recorrido por violação ao

art. 535, II, do CPC, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça

do Estado do Rio de Janeiro, a fi m de que seja realizado novo julgamento dos

embargos de declaração, com manifestação expressa a respeito da tempestividade

da ação rescisória.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.268.210-PR (2011/0173203-2)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves

Recorrente: Banco GMAC S/A

Advogado: Fabio Vacelkovski Kondrat e outro(s)

Recorrido: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

Administrativo. Recurso especial. Veículo objeto de contrato

de leasing. Transporte irregular. Descaminho. Perdimento de bem.

Possibilidade. Proporcionalidade da sanção. Habitualidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

478

1. A pena de perdimento de veículo por transporte de

mercadorias objeto de descaminho ou contrabando pode atingir os

veículos sujeitos a contrato de arrendamento mercantil que possuam

cláusula de aquisição ao seu término, pois ainda que, nessas hipóteses,

o veículo seja de propriedade da instituição bancária arrendadora, é o

arrendatário o possuidor direto do bem e, portanto, o responsável por

sua guarda, conservação e utilização regular.

2. Como já preconizado por ocasião do julgamento do REsp n.

1.153.767-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe

26.8.2010, “admitir que veículo objeto de leasing não possa ser alvo da

pena de perdimento seria verdadeiro salvo-conduto para a prática de

ilícitos fi scais”, com veículos sujeitos a tal regime contratual.

3. “A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a reiteração

da conduta ilícita dá ensejo à pena de perdimento, ainda que não

haja proporcionalidade entre o valor das mercadorias apreendidas e

o do veículo” (AgRg no REsp n. 1.302.615-GO, Rel. Ministro Teori

Zavascki, Primeira Turma, DJe 30.3.2012).

4. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Arnaldo

Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 11.3.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto

por Banco Gmac S/A, com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional,

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 479

contra acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assim ementado

(fl . 211):

Tributário. Veículo utilizado como instrumento de ilícito. Descaminho.

Aplicação da pena de perdimento. Contrato de alienação fi duciária. Possibilidade.

O contrato de alienação fi duciária não impede, por si só, a aplicação da pena

de perdimento devida a veículo transportador de mercadoria descaminhada, haja

vista a primazia do interesse público sobre o particular.

Precedentes desta Corte.

Os embargos de declaração foram rejeitados, conforme ementa de fl . 223.

No apelo especial, a parte recorrente alega, preliminarmente, violação do

art. 535, I e II, do CPC, ao argumento de que a Corte local não se manifestou

sobre pontos importantes para o deslinde da controvérsia. Mais especifi camente,

afi rma que o acórdão recorrido deixou de defi nir qual o comportamento ilícito

da instituição fi nanceira proprietária do veículo.

Quanto ao juízo de reforma, aduz ofensa aos artigos 96 e 104, V, do

Decreto-Lei n. 37/1996 e n. 603 do Regulamento Aduaneiro (Decreto n.

4.543/2003).

Para tanto, argumenta que é desproporcional a aplicação da pena de

perdimento do veículo, em face do reduzido valor da mercadoria nele apreendida,

o que caracteriza contrariedade ao Princípio da Razoabilidade e, portanto, a

ilegalidade do ato impugnado. Acrescenta que o entendimento segundo o qual

não se aplica pena de perdimento aos veículos apreendidos com mercadorias

irregulares cujo valor seja irrelevante em face do valor do bem sujeito à sanção é

pacifi cado nos Tribunais pátrios.

Assevera, ainda, que não houve participação do proprietário do veículo

no ilícito, o que também afasta a pena de perdimento, mormente porque, ao

contrário do que decidiu a Corte de origem, é imprescindível a demonstração,

em procedimento regular, da colaboração do proprietário no ilícito, ou seja, sua

má-fé, para que se legitime a aplicação da referida pena.

Por fim, aduz a ocorrência de dissídio jurisprudencial com relação a

acórdãos proferidos por esta Corte e pelo Tribunal Regional Federal da Terceira

Região, os quais consignaram a necessidade de demonstração da participação do

proprietário do veículo objeto de alienação fi duciária no ilícito, para que sejam

atingidos pela pena de perdimento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

480

Contrarrazões às fl s. 276-284, nas quais a recorrida alega ser pacífi co na

jurisprudência o entendimento segundo o qual o direito do credor fi duciário de

reaver o bem apreendido não prevalece sobre os atos administrativos. Acrescenta

que a aplicação da pena, no caso concreto, está plenamente respaldada na

legislação vigente, segundo a qual a pena de perdimento é mera decorrência da

prática do delito de descaminho.

Aduz que as alegações da demandante de que não teria participado para

a prática do ilícito são destituídas de provas e, por si só, insufi cientes para o

afastamento da sanção em questão.

Decisão positiva de admissibilidade às fl s. 285-286.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Nos termos relatados, cinge-

se a controvérsia à possibilidade ou não da aplicação da pena de perdimento a

veículo objeto de contrato de arrendamento mercantil utilizado pelo devedor

fi duciário possuidor para a realização de transporte de mercadorias objeto de

descaminho (onze mil e duzentos maços de cigarros).

Da leitura do acórdão recorrido, verifi ca-se que foi mantida a aplicação

da pena de perdimento do veículo em questão, aos seguintes fundamentos: (i)

nos termos dos artigos 96 e 104 do Decreto-Lei n. 37/1966 e dos artigos 617,

V c.c. 603 do Regulamento aduaneiro (Decreto n. 4.543/2002), a sanção de

perdimento é aplicável nos casos em que o veículo esteja conduzindo mercadoria

sujeita a tal pena e as mercadorias pertencem ao responsável pela infração, de

sorte que, “ainda que as mercadorias não pertençam ao proprietário do veículo,

houver responsabilidade deste último na prática da infração” (fl . 205); (ii) a

alienação fi duciária, por si só, não afasta a pena de perdimento, tendo em vista

que deve prevalecer o interesse público, sob pena de oferecer-se verdadeiro

salvo-conduto para a prática de tais ilícitos fi scais; (iii) não se aplica, no caso,

a proporcionalidade, tendo em vista que, muito embora haja diferença entre

os valores dos bens apreendidos e do veículo, há outras peculiaridades que

justifi cam a aplicação da pena, tais como: a grande quantidade de mercadorias;

o tipo de mercadoria (nociva à saúde) e a habitualidade com que o veículo era

utilizado na fronteira para a prática do ilícito de descaminho de tais produtos.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 481

A recorrente (instituição financeira proprietária do veículo), por seu

turno, alega a desproporcionalidade da pena de perdimento do veículo, em

face do reduzido valor da mercadoria nele apreendida; bem como que, não

tendo havido sua participação no ilícito que ensejou a sanção, afasta-se sua

aplicação, mormente porque, ao contrário do que decidiu a Corte de origem,

é imprescindível a demonstração, em procedimento regular, da colaboração

do proprietário do veículo no ilícito, ou seja, sua má-fé, para que se legitime a

aplicação da referida pena.

O acórdão recorrido não merece reforma.

De início, constatado que a Corte de origem empregou fundamentação

sufi ciente para dirimir a controvérsia, é de se afastar a alegada violação do art.

535 do CPC.

Quanto ao juízo de reforma, nos termos já relatados, a recorrente

(instituição fi nanceira proprietária do veículo) afi rma que, por se tratar de

veículo objeto de leasing, e portanto, de sua propriedade (e não do condutor),

deve ser afastada a pena de perdimento, porquanto não contribuiu para a prática

do ilícito.

Com efeito, não se desconhece que esta Corte possui jurisprudência no

sentido de que a pena de perdimento de veículo utilizado por terceiro para o

transporte de mercadorias objeto de descaminho ou contrabando somente é

possível se demonstrada a responsabilidade do seu proprietário, “pelas mais

diversas formas de prova, que sua conduta (comissiva ou omissiva) concorreu

para a prática delituosa ou, de alguma forma, lhe trouxe algum benefício

(Decreto-Lei n. 37/1966, art. 95)” (REsp n. 1.342.505-PR, Rel. Ministra Eliana

Calmon, Segunda Turma, DJe 29.10.2012).

Entretanto, entendo que nos casos específi cos de veículos sujeitos ao regime

de arrendamento mercantil há peculiaridades que devem ser consideradas com o

fi m de mitigar tal orientação.

É cediço que a propriedade do veículo submetido ao arrendamento

mercantil é da instituição bancária arrendadora, de sorte que, via de regra, o

arrendatário tem a opção de adquirir o bem ao fi nal do contrato.

Durante a vigência do contrato, com a tradição do bem, o arrendatário

passa a ser o possuidor direto do bem e, portanto, responsável por sua guarda e

conservação, fi cando a empresa arrendatária exonerada da fi scalização por sua

utilização irregular.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

482

Tanto que há precedentes desta Corte que preconizam a orientação de que

“a empresa arrendadora não detém legitimidade para fi gurar no pólo passivo

de execução de despesa decorrente de uso indevido do bem pelo arrendatário,

uma vez que o mesmo é o possuidor direto da coisa, o qual exonera a empresa

arrendatária a fi scalização pela utilização irregular do bem” (AgRg no Ag n.

1.292.471-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 11.6.2010).

Dessa forma, tem-se que a apreensão do automóvel, bem como a aplicação

da pena de perdimento não causa prejuízos tão somente à instituição fi nanceira,

mas sim o próprio arrendatário, na medida em que a referida sanção não interfere

no contrato fi rmado entre o este a arrendadora, mormente porque, segundo a

regulamentação dos negócio jurídico entre eles fi rmado, o perecimento do bem

não exonera o arrendatário da obrigação em face da arrendadora.

Ademais, a instituição financeira arrendante possui meios de reparar

eventual prejuízo que venha a sofrer com o mau uso do bem pelo arrendatário,

o qual está contratualmente vinculado à instituição fi nanceira e deve cumprir as

obrigações perante ela assumidas.

Por outro lado, como já preconizado por precedente da Segunda Turma,

de relatoria da Sr. Ministra Eliana Calmon, cuja ementa se transcreve a seguir,

o reconhecimento da impossibilidade de aplicação da pena de perdimento a

veículos objeto de alienação fi duciária utilizados para prática de contrabando ou

descaminho pode acabar por estimular que os referidos delitos sejam realizados

por veículos objeto de leasing, pois ao arrendatário nunca seria aplicada a pena

em questão.

Nessa linha, entendo relevante ressaltar a argumentação do acórdão

recorrido no sentido de que “Admitindo-se que o veículo arrendado não pudesse

ser alvo de apreensão fi scal e conseqüente aplicação de pena de perdimento,

estar-se-ia oferecendo verdadeiro salvo-conduto para a prática desses ilícitos

fi scais” (fl . 207).

Por oportuno, transcrevo, ainda, a ementa do precedente da Segunda

Turma acima referido:

Administrativo. Pena de perdimento de veículo. Transporte irregular de

mercadorias. Possibilidade. Veículo adquirido em contrato de leasing.

1. Não se aplica a Súmula n. 7-STJ, quando a matéria a ser decidida é

exclusivamente de direito.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 483

2. A pena de perdimento de veículo por transporte irregular de mercadoria

pode atingir os veículos adquiridos em contrato de leasing, quando há cláusula de

aquisição ao fi nal do contrato.

3. A pena de perdimento não altera a obrigação do arrendatário do veículo,

que continua vinculado ao contrato.

4. Admitir que veículo objeto de leasing não possa ser alvo da pena de

perdimento seria verdadeiro salvo-conduto para a prática de ilícitos fi scais.

5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido (REsp n.

1.153.767-PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26.8.2010).

Dessa forma, diante das peculiaridades, tais como: (i) a existência de cláusula

de aquisição ao fi m do contrato; (ii) o exercício da posse direta pelo arrendatário e sua

responsabilidade pelo uso do veículo; (iii) a não alteração da obrigação do arrendatário

em face do arrendadora mesmo com a pena de perdimento e; (iv) a necessidade de

preservação do interesse público, entendo pela possibilidade de aplicação da sanção nas

hipóteses como a dos autos.

Superada a discussão a respeito da possibilidade de aplicação da pena de

perdimento aos veículos sujeitos a contrato de arrendamento mercantil, há de se

analisar a a alegação de desproporcionalidade da sanção.

Com efeito, a alegada diferença entre os valores das mercadorias

transportadas e do bem sujeito ao perdimento (carro) não é sufi ciente para

afastar a pena, tendo em vista que foi expressamente registrada pela Corte a

quo a habitualidade da conduta praticada com auxilio do veículo, bem como a

nocividade das mercadorias transportadas, elementos que permitem a aplicação

da sanção, ainda que o valor dos bens apreendidos seja menor que o do veículo.

É o que se depreende do seguinte excerto (fl . 209):

[...]

Neste caso, os registros do Sinivem apontam passagens anteriores do mesmo

veículo pela fronteira com o Paraguai, em um curto período de tempo, indicando

a habitualidade da utilização do bem como instrumento do delito (fi. 104).

Também não foi esclarecido como o veículo arrendado a pessoa residente em

Jacareí-SP (fl . 37) era conduzido, quando da apreensão, por motorista residente

na região fronteiriça de Santa Terezinha de Itaipu-PR (fl . 105). A própria autora

informa, como visto, que o arrendatário, tão logo tomou posse do bem fi nanciado,

passou a utilizar o veículo para adentrar mercadoria ilegal em território nacional -

reforçando tratar-se de conduta recorrente.

[...]

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

484

Além disso, as mercadorias descaminhadas se consubstanciam em cigarros,

sendo de notório conhecimento os malefi cios à saúde causados por referido

produto - cuja internação irregular, como no caso dos autos, representa não só

prejuízo ao erário, mas, principalmente, à saúde pública.

Portanto, a internalização indevida de onze mil e duzentos maços de cigarros

de origem e procedência estrangeira, sobre os quais o Estado não exerceu

qualquer controle sanitário, para o fim de comercialização e consumo por

cidadãos brasileiros, é delito grave que justifi ca a aplicação do perdimento a

veículo utilizado como instrumento para sua concretização.

Esta Corte, em situações análogas, nas quais foi demonstrada a reiteração

da conduta de descaminho de mercadorias, considerou proporcional a aplicação

da pena de perdimento, ainda que os produtos transportados irregularmente

tenham valor menor que o do veículo utilizado para o transporte. Confi ram-se:

Administrativo. Recurso especial. Apreensão de veículo. Transporte de

mercadorias. Conduta ilícita. Reiteração. Pena de perdimento. Cabimento.

Precedentes. Inovação de tese jurídica. Descabimento. Preclusão.

1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a reiteração da conduta

ilícita dá ensejo à pena de perdimento, ainda que não haja proporcionalidade

entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo.

2. É incabível a inovação de tese jurídica em sede de agravo regimental, ante a

ocorrência da preclusão consumativa.

3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp n. 1.302.615-

GO, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 30.3.2012 - grifos

apostos).

Tributário. Pena de perdimento. Veículo transportador (automóvel). Requisitos.

Reiteração da prática. Revisão de provas. Súmula n. 7-STJ.

1. Trata-se de Agravo Regimental contra decisão que não conheceu do Recurso

Especial por entender que, in casu, a aplicação da pena de perdimento de veículo

se deu não somente com base nos valores dos bens envolvidos, mas também

com amparo em outros dados fáticos.

2. Por ocasião do exame da pena de perdimento do veículo, deve-se

observar a proporção entre o seu valor e o da mercadoria apreendida. Porém,

outros elementos podem compor o juízo valorativo sobre a sanção, como por

exemplo a gravidade do caso, a reiteração da conduta ilícita ou a boa-fé da

parte envolvida.

3. O Tribunal de origem consignou que é “habitual o uso do veículo na prática

de contrabando ou descaminho” e que “as provas são amplamente desfavoráveis

ao recorrente, pois apontam no sentido da reiteração da prática de infrações

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 417-485, abril/junho 2013 485

fiscais, como se pode ver das informações contidas no Auto de Apreensão”.

Consta do acórdão que o agravante é reincidente no crime de descaminho e

que em outro processo de apreensão de mercadorias teria se valido do mesmo

veículo (S10, placa MFI-3364) para transporte de “caixas de CDs e DVDs piratas,

além de outros produtos de origem estrangeira”, e também da venda, como

ficou comprovado, de relógios e camisetas falsificados. Assinalou ainda que,

“demonstrando total desrespeito a competente fi scalização exercida pelos órgãos

do Estado, quer seja na esfera estadual, quer seja na esfera federal, mesmo após

a primeira prisão em Tubarão, Divino Masiero não cessou na prática criminosa

repreendida, continuando a vender produtos ‘pirateados’ e/ou ‘contrabandeados’,

fato constatado quando de sua última prisão em Araranguá, ocasião em que

ocupava o mesmo veículo acima citado, para distribuir tais ‘mercadorias’.

Encaminhamos o presente relatório e fotos do veículo, bem como, dos produtos

que estavam sendo transportados na camionete Gm/S-10 de placas MFI-3364,

para as providências que julgar necessários”. Não bastasse tal comprovação, existe

referência ao transporte de outras mercadorias descaminhadas por outro veículo.

4. A revisão desses elementos depende do reexame de provas, vedado em

Recurso Especial em razão da incidência da Súmula n. 7-STJ.

5. Agravo Regimental não provido (AgRg nos EDcl no Ag n. 1.399.991-SC, Rel.

Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 24.4.2012 - grifos apostos).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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Segunda Turma

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 31.637-CE

(2010/0030412-1)

Relator: Ministro Castro Meira

Recorrente: Francisco Bezerra Cavalcante

Advogado: Schubert de Farias Machado e outro(s)

Recorrido: Estado do Ceará

Procurador: Maria José Rossi Jereissati e outro(s)

EMENTA

Tributário. Imposto de renda. Isenção. Art. 6º, inciso XIV, da Lei

n. 7.713/1988. Servidor em atividade que renunciou à aposentadoria.

Benefício fi scal que se interpreta literalmente.

1. A pessoa física que, embora seja portadora de uma das moléstias

graves elencadas, recebe rendimentos decorrentes de atividade, vale

dizer, ainda não se aposentou não faz jus à isenção prevista no art. 6º,

XIV, da Lei n. 7.713/1988.

2. Descabe a extensão do aludido benefício à situação que não se

enquadre no texto expresso da lei, conforme preconiza o art. 111, II,

do CTN.

3. Recurso em mandado de segurança não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin

(Presidente), Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora

convocada TRF 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 5 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Castro Meira, Relator

DJe 14.2.2013

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

490

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: O recurso em mandado de segurança foi

interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de

Ceará assim ementado:

Mandado de segurança. Servidor em atividade portador de doença grave.

Isenção do imposto sobre a renda nos termos do art. 6º, inc. XIV, da Lei n.

7.713/1998; art. 47 da Lei n. 8.541/1992; e art. 30, § 2º da Lei n. 9.250/1995. Pedido

indeferido administrativamente pelo presidente do Tribunal de Justiça deste

Estado. Adequação do ato.

1. A autoridade tida como coatora detém legitimidade para fi gurar no pólo

passivo do mandamus, à medida que foi a responsável por editar o ato tido como

violador do direito líquido e certo do impetrante. Questão de ordem rejeitada.

2. A isenção pretendida é restrita aos portadores de moléstia grave na

inatividade. Precedentes do STJ.

3. Segurança denegada (e-STJ fl . 219).

O recorrente sustenta ter direito à isenção do imposto de renda por

ser portador de doença grave mencionada na norma isentiva mesmo para

aqueles que estejam em atividade. Alega que o art. 111 do CTN não pode

ser interpretado literalmente, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia

preconizado no art. 150, II, da CF/1988. Aduz que o direito à isenção tem

por causa essencial a doença e não a aposentadoria. Requer a concessão da

segurança, juntando parecer do Professor Hugo de Brito Machado.

Ofertadas as contrarrazões (e-STJ fl s. 267-274), os autos subiram a esta

Corte.

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, a fi m de

que continue sendo assegurado ao recorrente a isenção obtida no momento em

que passou para a inatividade, ou seja, na data em que implementou todos os

requisitos para obtenção do benefício fi scal (e-STJ fl s. 284-290).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O impetrante, ora recorrente,

portador de cardiopatia grave, requereu e obteve aposentadoria por invalidez,

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 491

mas esta foi cancelada, a seu pedido, porque optou por continuar trabalhando.

Requer a isenção do imposto de renda sobre os seus vencimentos, mesmo

permanecendo em atividade laboral, em razão da doença que lhe acomete.

É esta a dicção do dispositivo legal em exame:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos

por pessoas físicas:

(...)

XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em

serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profi ssional, tuberculose

ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira,

hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de

Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave,

estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por

radiação, síndrome da imunodefi ciência adquirida, com base em conclusão da

medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da

aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei n. 11.052, de 2004).

A norma impõe a presença de dois requisitos cumulativos para a isenção

do imposto de renda: i) os rendimentos sejam relativos a aposentadoria, pensão

ou reforma; e ii) seja a pessoa física portadora de uma das doenças referidas.

Enquadrando-se nas condições legais, todo o rendimento é isento do tributo,

sem qualquer limitação. Por outro lado, não gozam de isenção os rendimentos

decorrentes de atividade, isto é, o contribuinte é portador de uma das moléstias,

mas ainda não se aposentou, como é o caso dos autos.

Não há como sufragar o posicionamento defendido pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho. A lei

é expressa ao referir-se à “proventos de aposentadoria” e, a seu turno, o art.

111, II, do CTN dispõe que se interpreta literalmente a legislação tributária

que disponha sobre outorga de isenção. Como ensina Carlos Maximiliano

(Hermenêutica e Aplicação do Direito), as normas de natureza fi scal “se aproximam

das penais, quanto à exegese; porque encerram prescrições de ordem pública,

imperativas ou proibitivas, e afetam o livre exercício dos direitos patrimoniais”.

A Primeira Seção desta Corte, diante o mesmo dispositivo legal

específico, embora focalizando as doenças elencadas no dispositivo legal,

negou a pretensão do contribuinte por considerar “interditada a interpretação

das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando

consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

492

do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em

conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN”.

Oportunamente, esta é a ementa do julgado, submetido à sistemática dos

recursos repetitivos:

Tributário. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC.

Imposto de renda. Isenção. Servidor público portador de moléstia grave. Art. 6º

da Lei n. 7.713/1988 com alterações posteriores. Rol taxativo. Art. 111 do CTN.

Vedação à interpretação extensiva.

1. A concessão de isenções reclama a edição de lei formal, no afã de verifi car-se

o cumprimento de todos os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fi scal.

2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, com as alterações

promovidas pela Lei n. 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fi scal

em favor dos aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia

profi ssional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia

maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia

grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,

hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante),

contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com

base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido

contraída depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido

no referido dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a

concessão de isenção às situações nele enumeradas.

3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas

concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado

entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido

benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em

conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE

n. 233.652-DF, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 18.10.2002.

Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp n. 957.455-RS, Rel. Ministro Luiz Fux,

Primeira Turma, julgado em 18.5.2010, DJe 9.6.2010; REsp n. 1.187.832-RJ, Rel.

Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 6.5.2010, DJe 17.5.2010; REsp n.

1.035.266.PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 21.5.2009,

DJe 4.6.2009; AR n. 4.071-CE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção,

julgado em 22.4.2009, DJe 18.5.2009; REsp n. 1.007.031-RS, Rel. Ministro Herman

Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12.2.2008, DJe 4.3.2009; REsp n. 819.747-

CE, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 27.6.2006,

DJ 4.8.2006).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 493

4. In casu, a recorrida é portadora de distonia cervical (patologia neurológica

incurável, de causa desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações

musculares involuntárias - fl s. 178-179), sendo certo tratar-se de moléstia não

encartada no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988.

5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do

CPC e da Resolução STJ n. 8/2008 (REsp n. 1.116.620-BA, Rel. Ministro Luiz Fux,

Primeira Seção, julgado em 9.8.2010, DJe 25.8.2010).

Guardadas as devidas particularidades, cito ainda os seguintes precedentes:

Tributário. Imposto de renda. Isenção. Portador de moléstia grave em atividade.

Art. 6º da Lei n. 7.713/1988. Interpretação extensiva. Impossibilidade.

1. O art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988 é claro ao isentar do Imposto de Renda os

“proventos de aposentadoria ou reforma” para os portadores de moléstias graves.

2. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que

outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.

3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.208.632-SC, Rel. Ministro

Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16.11.2010, DJe 4.2.2011);

Recurso especial. Tributário. Licença para tratamento de saúde. Isenção. Leis n.

7.713/1988 e n. 8.541/1992. Impossibilidade. Interpretação restritiva. Art. 111 do

CTN.

1. A inexistência de lei específi ca que assegure a isenção de imposto de renda

sobre proventos de Licença para Tratamento de Saúde impossibilita a concessão

de tal benefício.

2. As Leis n. 7.713/1988 e n. 8.541/1992 tratam de hipóteses específi cas de

isenção, não abrangendo a situação dos autos.

3. As normas instituidoras de isenção, nos termos do art. 111 do CTN, por

preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra

de hermenêutica que determina a interpretação restritiva em decorrência de sua

natureza. Não prevista, expressamente, pelas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003

a exclusão dos juros de capital próprio da base de cálculo do PIS e da Cofi ns,

incabível fazê-lo por analogia. Precedente: REsp n. 921.269-RS, Rel. Min. Francisco

Falcão, DJ 14.6.2007, p. 272.

4. Recurso especial não provido (REsp n. 1.212.976-RS, minha relatoria,

Segunda Turma, julgado em 9.11.2010, DJe 23.11.2010);

Tributário. Imposto de renda pessoa física. Isenção. Art. 6º, XIV, da Lei

n. 7.713/1988. Portador de paralisia incapacitante. Marco inicial. Data da

aposentadoria. Interpretação restritiva conforme o art. 111, II, do CTN.

Precedentes.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

494

1. No caso dos autos, o recorrido, servidor público, foi acometido por paralisia

incapacitante, que foi constatada por perícia médica em 22.12.2002, tendo

se aposentado em 15.9.2005. O Tribunal a quo concedeu a isenção pleiteada

retroagindo seus efeitos à data da constatação da doença.

2. À vista do art. 111, II, do CTN, a norma tributária concessiva de isenção deve

ser interpretada literalmente, sendo que, na hipótese, ao conceder a isenção do

imposto de renda a partir da data da comprovação da doença, a Corte a quo

isentou a remuneração do servidor, o que vai de encontro à interpretação do art.

6º, XIV, da Lei n. 7.713/1988, que prevê que a isenção se dá sobre os proventos de

aposentadoria e não sobre a remuneração.

3. Recurso especial provido (REsp n. 1.059.290-AL, Rel. Ministro Mauro

Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 4.11.2008, DJe 1º.12.2008).

À falta de previsão legal expressa dessa hipótese de exclusão do crédito

tributário, o pleito não pode ser acolhido.

Por fi m, nada há de inconstitucional na norma. Além de ter supedâneo na

Constituição da República (art. 150, § 6º), inexiste isonomia entre a situação do

impetrante, que ainda se encontra em atividade, com as benesses do cargo de

Juiz de Direito, e os aposentados, tendo em vista que a fi nalidade do benefício é

diminuir o sacrifício dos defi nitivamente aposentados, aliviando-os dos encargos

fi nanceiros. Ademais, a parte fi nal do dispositivo legal (“mesmo que a doença

tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma”) busca tão somente

afastar tratamento diferenciado entre os inativos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso em mandado de segurança.

É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 38.010-RJ

(2012/0100667-5)

Relator: Ministro Herman Benjamin

Recorrente: Raul Fonseca Machado e outros

Advogado: Eduardo Rocha Pançardes

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 495

EMENTA

Administrativo. Improbidade. Inquérito civil. Investigação

decorrente de denúncia anônima. Evolução patrimonial incompatível

com os rendimentos. Agentes políticos. Ilícito que se comprova

necessariamente por análise de documentos. Harmonização entre a

vedação do anonimato e o dever constitucional imposto ao Ministério

Público. Possibilidade.

1. Cinge-se a controvérsia a defi nir se os recorrentes possuem o

direito líquido e certo de impedir o prosseguimento de Inquérito Civil

instaurado, após denúncia anônima recebida pela Ouvidoria-Geral

do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com a fi nalidade

de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial de

agentes políticos e seus respectivos rendimentos.

2. O simples fato de o Inquérito Civil ter-se formalizado com

base em denúncia anônima não impede que o Ministério Público

realize administrativamente as investigações para formar juízo de

valor sobre a veracidade da notícia. Ressalte-se que, no caso em espécie, os

servidores públicos já estão, por lei, obrigados na posse e depois, anualmente,

a disponibilizar informações sobre seus bens e evolução patrimonial.

3. A Lei da Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992),

não deixa dúvida a respeito: “Art. 13. A posse e o exercício de agente

público fi cam condicionados à apresentação de declaração dos bens e

valores que compõem o seu patrimônio privado, a fi m de ser arquivada

no serviço de pessoal competente. § 1º A declaração compreenderá

imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra

espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no

exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais

do cônjuge ou companheiro, dos fi lhos e de outras pessoas que vivam

sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os

objetos e utensílios de uso doméstico. § 2º A declaração de bens será

anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o

exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.

4. As providências solicitadas pelo Parquet, na hipótese dos

autos, não ferem direitos fundamentais dos recorrentes, os quais, na

condição de agentes políticos, sujeitam-se a uma diminuição na esfera

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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de privacidade e intimidade, de modo que não se mostra legítima a

pretensão por não revelar fatos relacionados à evolução patrimonial.

Sobre o tema, oportuno observar recente diretriz adotada pelo STF

na SS n. 3.902, Relator Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJe-189,

de 3.10.2011.

5. A vedação ao anonimato, constante no art. 5º, IV, da

Constituição Federal, há de ser harmonizada, com base no princípio da

concordância prática, com o dever constitucional imposto ao Ministério

Público de promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos (art. 129, III).

6. Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.429/1992, o Ministério

Público pode, mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito

policial ou procedimento administrativo para apurar qualquer ilícito

previsto no aludido diploma legal.

7. Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a

evolução patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha

decorrido de denúncia anônima, não se pode impedir que o membro

do Parquet tome medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos

autos, para investigar a veracidade do juízo apresentado por cidadão

que não se tenha identifi cado.

8. Em matéria penal, o STF já assentou que “nada impede,

contudo, que o Poder Público provocado por delação anônima

(‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas informais destinadas a

apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e

discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude

penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança

dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso

positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se,

assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação

às peças apócrifas” (Inq n. 1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do

Min. Celso de Mello, julgamento em 11.5.2005, Plenário, DJ de

11.11.2005).

9. Em se tratando de suposto ato de improbidade que só pode

ser analisado mediante documentos, descabe absolutamente adotar

medidas informais para examinar a verossimilhança, ao contrário do

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 497

que se passa, por exemplo, em caso de denúncia anônima da ocorrência

de homicídio.

10. O STJ reconhece a possibilidade de investigar a veracidade

de denúncia anônima em Inquérito Civil ou Processo Administrativo,

conforme se observa nos seguintes precedentes, entre os quais se

destacam a orientação já fi rmada por esta Segunda Turma e uma

recente decisão da Primeira Turma: RMS n. 37.166-SP, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 15.4.2013; RMS n. 30.510-

RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 10.2.2010;

MS n. 13.348-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe

16.9.2009.

11. Recurso Ordinário não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos do

voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Mauro Campbell

Marques, Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 2 de maio de 2013 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 16.5.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de recurso ordinário interposto

contra acórdão assim ementado:

Processual Civil. Administrativo. Mandado de segurança. Pretensão de

segurança para trancamento de inquérito civil. Apuração de possíveis atos de

improbidade administrativa. Denúncia anônima. Possibilidade. Denegação da

segurança - Artigo 557 do Código de Processo Civil.

I - O Ministério Público instaurou inquérito civil em face dos impetrados para

apuração de possível evolução patrimonial incompatível com as suas rendas;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

498

II - Tanto a legislação quanto a jurisprudência dos Tribunais Superiores

admitem a instauração de inquérito com base em denúncia anônima;

III - Direitos constitucionalmente garantidos como a inviolabilidade da vida

privada e da intimidade que foram respeitados face ao sigilo do inquérito;

IV - Denegação da segurança dentro do permissivo do artigo 557 do Código de

Processo Civil;

V - Improvimento ao agravo interno (fl . 95).

Os recorrentes sustentam, em síntese, a impossibilidade de instauração de

Inquérito Civil com base em denúncia anônima.

Contrarrazões nas fl s. 173-180.

O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento/desprovimento

do recurso (fl s. 185-188). É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Cinge-se a controvérsia

a defi nir se os recorrentes possuem o direito líquido e certo de impedir o

prosseguimento de Inquérito Civil instaurado, após denúncia anônima recebida

pela Ouvidoria-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com

a fi nalidade de apurar possível incompatibilidade entre a evolução patrimonial

de agentes políticos e seus respectivos rendimentos.

Na portaria que instaurou o procedimento, o membro do Parquet se

limitou a determinar as seguintes providências:

Notifiquem-se os investigados, com cópia da representação, solicitando

aos mesmos que apresentem cópias das suas últimas declarações de Imposto

de Renda, bem como que preste informações sobre: i) fontes de renda que

possuem, além da remuneração recebida do Município (inclusive recebimento

de empréstimos); ii) participação em sociedades empresárias; iii) existência de

dívidas, principalmente de dívidas oriundas de empréstimos em dinheiro; iv)

nome dos descendentes, ascendentes, esposa; v) fontes de renda das pessoas

acima indicadas; vi) se as pessoas indicadas no item iv possuem patrimônio

em seus nomes; vii) participação de algum parente/cônjuge em sociedades

empresárias; viii) se algum parente/cônjuge possui contrato com órgãos públicos;

viii) possível aquisição de bens por sucessão ou doação; ix) se tem procuração

para administrar bens ou negócios em nome de outras pessoas físicas ou jurídicas;

x) se abre mão do sigilo fi scal ou bancário, caso seja necessário para a conclusão

das investigações; xi) datas de nomeação para os cargos públicos exercidos; xii)

cargos públicos exercidos anteriormente (fl . 35).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 499

O Tribunal a quo denegou a Segurança (fl s. 116-118).

O simples fato de o Inquérito Civil ter sido formalizado com base

em denúncia anônima, por si, não impede que o Ministério Público realize

administrativamente as investigações necessárias para formação de juízo de

valor sobre a veracidade da notícia.

As providências solicitadas pelo Parquet, como se percebe, não ferem

direitos fundamentais dos recorrentes, os quais, na condição de agentes políticos,

sujeitam-se a uma diminuição na esfera de privacidade e intimidade, de modo

que não se mostra legítima a pretensão por não revelar fatos relacionados à

evolução patrimonial. Sobre o tema, oportuno observar recente diretriz adotada

pelo STF:

Ementa: Suspensão de segurança. Acórdãos que impediam a divulgação, em

sítio eletrônico ofi cial, de informações funcionais de servidores públicos, inclusive

a respectiva remuneração. Deferimento da medida de suspensão pelo Presidente

do STF. Agravo regimental. Conflito aparente de normas constitucionais. Direito

à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos e

entidades públicas. Princípio da publicidade administrativa. Não reconhecimento

de violação à privacidade, intimidade e segurança de servidor público. Agravos

desprovidos. 1. Caso em que a situação específi ca dos servidores públicos é regida

pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta,

cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é

constitutivo de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a

divulgação ofi cial. Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal

e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo

dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão

em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. 2. Não

cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados objeto

da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes

públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais

agindo “nessa qualidade” (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal

dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto

ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas

é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar

o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se

paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A

prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão

um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de

governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o

Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o

seu Estado republicanamente administrado. O “como” se administra a coisa pública

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

500

a preponderar sobre o “quem” administra - falaria Norberto Bobbio -, e o fato é

que esse modo público de gerir a máquina estatal é elemento conceitual da nossa

República. O olho e a pálpebra da nossa fi sionomia constitucional republicana. 4.

A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria,

no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos

Regimentais desprovidos. (SS n. 3.902 AgR-segundo, Relator(a): Min. Ayres Britto,

Tribunal Pleno, julgado em 9.6.2011, DJe-189 Divulg 30.9.2011 Public 3.10.2011

Ement vol-02599-01 PP-00055 RTJ vol-00220- PP-00149).

A vedação ao anonimato, constante no art. 5º, IV, da Constituição Federal,

há que ser harmonizada, com base no princípio da concordância prática, com o

dever constitucional imposto ao Ministério Público de promover o Inquérito

Civil e a Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do

meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III).

Nos termos do art. 22 da Lei n. 8.429/1992, o Ministério Público pode,

mesmo de ofício, requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento

administrativo para apurar qualquer ilícito previsto no aludido diploma legal.

Ressalte-se, ademais, que, no caso em espécie, os servidores públicos já estão,

por lei, obrigados na posse e depois, anualmente, a disponibilizar informações sobre

seus bens e evolução patrimonial. A Lei da Improbidade Administrativa (Lei n.

8.429/1992), não deixa dúvida a respeito: “Art. 13. A posse e o exercício de

agente público fi cam condicionados à apresentação de declaração dos bens

e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada

no serviço de pessoal competente. § 1° A declaração compreenderá imóveis,

móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens

e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso,

abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos fi lhos

e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante,

excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico. § 2º A declaração

de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o

exercício do mandato, cargo, emprego ou função”.

Assim, ainda que a notícia da suposta discrepância entre a evolução

patrimonial de agentes políticos e seus rendimentos tenha decorrido de

denúncia anônima, não se pode impedir que o membro do Parquet tome

medidas proporcionais e razoáveis, como no caso dos autos, para investigar a

veracidade do juízo apresentado por cidadão que não se tenha identifi cado.

Em matéria penal, o STF já assentou que “nada impede, contudo, que o

Poder Público provocado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 501

medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária,

‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude

penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos

nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal

instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação

desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas” (Inq n. 1.957, Rel.

Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11.5.2005,

Plenário, DJ de 11.11.2005).

Ora, em se tratando de suposto ato de improbidade que só pode ser

analisado mediante documentos, é absolutamente impossível a adoção de

medidas informais para examinar a verossimilhança, ao contrário do que se

passa, por exemplo, em caso de denúncia anônima da ocorrência de homicídio.

O STF já admitiu, até mesmo, a realização de investigações em inquérito

policial defl agrado após denúncia anônima. Confi ra-se:

Ementa: Habeas corpus. “Denúncia anônima” seguida de investigações em

inquérito policial. Interceptações telefônicas e ações penais não decorrentes de

“denúncia anônima”. Licitude da prova colhida e das ações penais iniciadas. Ordem

denegada. Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada impede a

defl agração da persecução penal pela chamada “denúncia anônima”, desde que

esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados

(86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.8.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso,

DJe de 26.3.2010; e HC n. 95.244, rel. min. Dias Toff oli, DJe de 30.4.2010). No caso,

tanto as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que se pretende

trancar decorreram não da alegada “notícia anônima”, mas de investigações

levadas a efeito pela autoridade policial. A alegação de que o deferimento

da interceptação telefônica teria violado o disposto no art. 2º, I e II, da Lei n.

9.296/1996 não se sustenta, uma vez que a decisão da magistrada de primeiro

grau refere-se à existência de indícios razoáveis de autoria e à imprescindibilidade

do monitoramento telefônico. Ordem denegada. (HC n. 99.490, Relator(a): Min.

Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 23.11.2010, DJe-020 Divulg

31.1.2011 Public 1º.2.2011 Ement vol-02454-02 PP-00459).

O STJ, por seu turno, reconhece a possibilidade de investigar a veracidade

de denúncia anônima em inquérito civil ou processo administrativo, conforme

se observa nos seguintes precedentes, entre os quais destaco orientação já

fi rmada por esta Segunda Turma, além de recente decisão da Primeira Turma:

Administrativo e Constitucional. Recurso ordinário em mandado de segurança.

Inquérito civil aberto pelo Ministério Público com base em denúncia anônima.

Possibilidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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1. Recurso ordinário no qual se discute a possibilidade de o Ministério Público

instaurar inquérito civil para apurar a veracidade de fraudes em procedimentos

licitatórios, que foram informadas por meio de denúncia anônima.

2. A Lei n. 8.625/1993, lei orgânica do Ministério Público, e a Resolução n.

23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público autorizam a atuação

investigatória do parquet, no âmbito administrativo, em caso de denúncia

anônima. Precedente: RMS n. 30.510-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda

Turma, DJe 10.2.2010.

3. No caso, o parquet instaurou inquérito civil com base em denúncia

anônima que continham indícios que supostamente caracterizariam fraudes em

procedimentos licitatórios, bem como baseou-se em noticia determinada que é

objeto em outros inquéritos civis.

4. Recurso ordinário não provido.

(RMS n. 37.166-SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe

15.4.2013).

Processo Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Trancamento

de inquérito civil para apuração de ato de improbidade administrativo.

Enriquecimento ilícito. Justa causa. Prescrição.

1. Somente em situações excepcionais, quando comprovada, de plano,

atipicidade de conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios

de autoria, é possível o trancamento de inquérito civil.

2. Apuração de fatos típicos (artigo 9º da Lei n. 8.429/1992), com indícios

suficientes de autoria desmentem a alegação de inviabilidade da ação de

improbidade.

3. Denúncia anônima pode ser investigada, para comprovarem-se fatos ilícitos,

na defesa do interesse público.

4. A ação civil de ressarcimento por ato de improbidade é imprescritível,

inexistindo ainda ação contra o impetrante.

5. Recurso ordinário desprovido.

(RMS n. 30.510-RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 10.2.2010).

Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público federal. Cassação

de aposentadoria. Processo administrativo disciplinar instaurado com base em

investigação provocada por denúncia anônima. Admissibilidade. Precedentes.

Inexistência de afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do

devido processo legal. Dilação probatória. Inadequação da via eleita.

1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso

ordenamento jurídico, sendo considerada apta a defl agrar procedimentos de

averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 503

ou não elementos informativos idôneos sufi cientes, e desde que observadas as

devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes

desta Corte.

2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela

Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas

para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram

afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na

mencionada diligência.

3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva

comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie,

sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes.

4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser

pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória.

Precedentes.

5. Segurança denegada.

(MS n. 13.348-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 16.9.2009).

Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Ordinário.

É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 39.361-MG

(2012/0227322-7)

Relator: Ministro Humberto Martins

Recorrente: Simône Renata de Oliveira

Advogado: Agnaldo Alves de Souza

Recorrido: Estado de Minas Gerais

Procurador: José Horácio da Motta e Camanducaia Junior e outro(s)

EMENTA

Constitucional. Administrativo. Servidor público estadual.

Portaria de instauração. Alegação de ausência de descrição detalhada

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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dos fatos. Desnecessidade. Sufi ciência de indicação nas condutas

imputadas. Ausência de violação da ampla defesa, do contraditório ou

do devido processo legal. Precedentes do STJ e do STF.

1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que

denegou a segurança em pleito de nulidade da portaria de instauração

de processo administrativo disciplinar.

2. Da apreciação da portaria objetada ressai que esta frisa estarem

os fatos descritos nos autos de pedido de providência que fazem parte

do processo administrativo disciplinar, sobre os quais a servidora

pôde se pronunciar; os fatos estão descritos e, assim, não há qualquer

evidência de vício insanável ou de cerceamento de defesa.

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífi ca

no sentido de que os atos administrativos de instauração dos

processos administrativos disciplinares não demandam uma descrição

minudente e detalhada, requerente somente a presença dos elementos

necessários para o exercício regular da ampla defesa e do contraditório.

Precedentes: MS n. 14.797-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira

Seção, DJe 7.5.2012; e RMS n. 27.642-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz,

Quinta Turma, DJe 19.12.2011. No mesmo sentido, no STF: RMS n.

25.105, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em

23.5.2006, publicado no DJ em 20.10.2006, p. 88, no Ementário v.

2252-01, p. 196, na RTJ v. 200-01, p. 102 e na LEXSTF v. 28, n. 336,

2006, p. 144-151.

Recurso ordinário improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário, nos termos

do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.” Os Srs.

Ministros Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques, Diva

Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região) e Castro Meira votaram

com o Sr. Ministro Relator.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 505

Brasília (DF), 7 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 19.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário

em mandado de segurança interposto por Simône Renata de Oliveira, com

fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, contra

acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado (fl .

140, e-STJ):

Mandado de segurança. Portaria. Descrição dos fatos imputados ao servidor.

Menção ao conjunto probatório de pedido de providências. Nulidade. Ausência.

Cerceamento de defesa. Inocorrência. - Não há nulidade em processo administrativo

instaurado por portaria que, ainda que de forma sucinta, faz menção ao conjunto

probatório de pedido de providências que contém as imputações de fato e de

direito feitas à servidora processada.

Nas razões do recurso ordinário (fl s. 151-157, e-STJ), defende a impetrante

que deve ser reformado o acórdão e concedida a ordem, porquanto o ato

de instauração do inquérito administrativo (Portaria n. 229/2010) não teria

apontado qualquer conduta da servidora, tão somente listando dispositivos da

Lei Complementar Estadual n. 59/2001. Também alega que apenas foi indicada

a possibilidade de aplicação da penalidade de demissão, sem descrever os fatos

imputados. Alega que o assim proceder teria ensejado violação dos princípios

da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, em especial do art.

298 da Lei Complementar Estadual.

Contrarrazões nas quais se alega que a Portaria n. 229/2010, que instaurou

o processo administrativo disciplinar, teria feito expressa menção ao conjunto

probatório constante do Pedido de Providências n. 30/2010 e que o processo

administrativo conteria documentos que provariam a ciência dos fatos pela

recorrente (fl s. 265-267, e-STJ).

O Ministério Público Estadual peticionou nos autos e sustentou que não

haveria descrição sufi ciente dos fatos nos autos, tão somente menção ao Pedido

de Providências n. 30/2010 e a dispositivos legais. Pede o provimento do recurso

ordinário (fl s. 169-171, e-STJ).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

506

Parecer do Ministério Público Federal que opina no sentido do não

provimento do recurso ordinário, nos termos da seguinte ementa (fl. 178,

e-STJ):

Recurso em mandado de segurança. Impetração contra ato do Juiz de Direito do

Foro da Comarca que determinou a instauração de procedimento administrativo

em face da impetrante. Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais

que denegou o writ em comento. Recurso ordinário fundado no art. 105, II, b,

da Constituição Federal. Alegação de violação ao princípio da ampla defesa e do

contraditório ao fundamento de nulidade da portaria de instauração do aludido

processo disciplinar. Inocorrência. Tramitação regular do processo administrativo

disciplinar eis que respeitadas as garantias constitucionais para o exercício do

direito de defesa. Prescindibilidade da descrição minuciosa dos fatos na portaria

de instauração do procedimento administrativo disciplinar. Referência genérica

aos fatos a serem apurados. Jurisprudência desse Colendo STJ. Parecer pelo não

provimento do recurso ordinário ora apreciado.

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não deve ser provido o

presente recurso ordinário.

Descrevem os autos que a recorrente é servidora pública estadual, no cargo

de ofi cial de apoio judicial, lotada em uma vara do Poder Judiciário do Estado

de Minas Gerais. O magistrado da sua vara a instou, por meio da Portaria n.

229/2010, a se defender no Processo Administrativo Disciplinar n. 31/2010.

A impetrante alega que o processo administrativo disciplinar estaria

eivado por nulidade insanável, porquanto o seu ato de instauração não teria

detalhado de forma sufi ciente as condutas imputadas. Para elucidar o tema, cabe

transcrever os termos da referida portaria, acostada aos autos (fl s. 38-39, e-STJ):

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

COMARCA DE CONTAGEM - ADMINISTRAÇÃO DO FÓRUM

DIREÇÃO DO FORO

PORTARIA N. 229/2010

Marcus Vinícius Mendes do Valle, Juiz Diretor do Foro da Comarca de

Contagem, no exercício de suas atribuições legais.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 507

Considerando o conjunto probatório constante do Pedido de Providências n.

30/2010;

Considerando o disposto no artigo 321 do Código Penal Brasileiro;

Considerando que, nos termos dos artigos 275 e 278 da Lei Comentar Estadual

n. 59/2001, os servidores do Poder Judiciário respondem, administrativamente,

pelo exercício irregular de suas atribuições, por atos omissivos ou comissivos

praticados no desempenho de cargo ou função;

RESOLVE

Instaurar Processo Administrativo Disciplinar em desfavor da servidora S.R.O,

PJPI 3017-1, pela imputada prática dos seguintes atos:

1º) deixar de observar as normas legais e regulamentares; valer-se do cargo

para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade do

cargo ocupado; praticar crime contra a administração pública; e praticar ato de

improbidade administrativa; por valer-se da qualidade de funcionária pública

a fi m de patrocinar indiretamente interesse privado perante a administração

pública;

2º deixar de exercer com acuidade, dedicação e probidade as atribuições do

cargo, mantendo conduta incompatível com a moralidade administrativa; e deixar

de cumprir ordem superior legal; por se recusar a executar tarefa legalmente

prevista, ordenada por seu superior hierárquico imediato;

Tais fatos, se provados, poderão confi gurar, em tese, as infrações previstas

nos incisos I, V e XIII do artigo 273; no inciso VIII do artigo 274; e nos incisos I, II e

XIII do artigo 285, todos da Lei Complementar Estadual n. 59/2001, com possível

aplicação da pena de demissão.

(...)

Compulsando as provas pré-constituídas, nota-se que os autos são os

mesmos do Pedido de Providências e que nele há uma descrição dos fatos e

da conduta, pormenorizada (fl s. 15-16, e-STJ). A recorrente apresentou defesa

na qual sustentou não ter praticado qualquer conduta violadora das normas

jurídicas (fl s. 20-29, e-STJ).

Tenho que os fatos estão sufi cientemente descritos.

O douto Parquet federal opinou no sentido do improvimento e ainda

frisou que da apreciação das provas ressai terem sido atendidos os princípios da

ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal (fl s. 179-181, e-STJ):

De fato, é descabida a alegação de vício insanável na portaria de instauração

do processo administrativo - por ausência da descrição dos fatos, objeto

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

508

da investigação -, tendo em vista o teor da indigitada Portaria n. 229/2010,

determinando a apuração dos atos imputados (...).

(...)

A jurisprudência dessa Colenda Corte é firme no sentido de proclamar a

prescindibilidade da descrição minuciosa dos fatos imputados ao acusado na

Portaria de Instauração do procedimento administrativo disciplinar, podendo se

restringir a referências genéricas sobre o fato.

(...)

Desse modo, em que pese os argumentos da recorrente, entende-se neste

parecer improsperável a arguição de cerceamento de defesa na condução do

processo administrativo disciplinar à consideração de que da análise dos autos

percebe-se que a recorrente utilizou-se de todas as garantias constitucionais para

exercer seu direito de defesa, tendo sido regularmente intimada a participar da

realização dos atos processuais, intervindo sob o patrocínio de advogado com

procuração nos autos (fl . 53) pelo que se tem como plenamente observadas as

disposições constitucionais e legais regentes da matéria.

Conforme bem indicado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

é pacífi ca no sentido de não haver necessidade do detalhamento na descrição

das condutas.

Neste sentido:

Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público federal. Processo

administrativo disciplinar. Pena de demissão. Portaria de instauração. Descrição

minuciosa e individualizada. Desnecessidade. Princípio da hierarquia.

Observância. Secretário da Comissão. Termo de compromisso. Falta. Irrelevância.

Interceptações telefônicas. Processo criminal. Prova emprestada. Possibilidade.

Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Advento da Lei n. 11.457/2007.

Redistribuição do cargo. Comissão processante. Alteração da competência. Não

cabimento.

1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento fi rmado no sentido de

não ser imprescindível a descrição minuciosa dos fatos na portaria de instauração

do processo disciplinar, tendo em vista que o seu principal objetivo é dar

publicidade à constituição da comissão processante. A descrição pormenorizada

dos fatos imputados ao servidor é obrigatória quando do indiciamento do

servidor, o que ocorreu no caso.

(...)

7. Segurança denegada.

(MS n. 14.797-DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, julgado em

28.3.2012, DJe 7.5.2012.)

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 509

Administrativo. Processual Civil. Servidor público municipal. Demissão em

razão de irregularidades na condução de cooperativa de trabalho. Portaria

de instauração. Descrição pormenorizada dos fatos. Desnecessidade. Defesa

apresentada contendo todas as teses de resistência quanto ao fato imputado.

Ausência de comprovação de prejuízo ao impetrante. Princípio pas de nullité

sans grief. Prescrição da pretensão punitiva da Administração. Não confi gurada.

Excesso de prazo para a conclusão. Mera irregularidade que não gera nulidade.

Servidor público afastado do cargo público nos termos da Lei Municipal

n. 11.866/1995 para a assunção da função de conselheiro de cooperativa de

trabalho. Manutenção do vínculo funcional. Apuração e punição, nos termos da

Lei Municipal n. 8.989/1979, de condutas que possam ser caracterizadas como

faltas funcionais. Possibilidade. Processo administrativo disciplinar. Nulidades.

Inexistentes. Ato reprovável do servidores. Pena de demissão. Inocência.

Mandado de segurança. Prova pré-constituída. Imprescindível. Dilação provatória.

Impossibilidade.

1. A portaria inaugural de processo administrativo disciplinar prescinde de

minuciosa descrição dos fatos imputados, que se faz necessário apenas após a fase

instrutória, onde são apurados os fatos, com a colheita das provas pertinentes.

(...)

7. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido, mas desprovido.

(RMS n. 27.642-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

6.12.2011, DJe 19.12.2011.)

No mesmo sentido, no STF:

Recurso ordinário em mandado de segurança. Incra. Processo administrativo.

Portaria de instauração. Requisitos. Comissão disciplinar. Integrante de outra

entidade da Administração. Não se exige, na portaria de instauração de processo

disciplinar, descrição detalhada dos fatos investigados, sendo considerada

sufi ciente a delimitação do objeto do processo pela referência a categorias de atos

possivelmente relacionados a irregularidades. Entende-se que, para os efeitos do

art. 143 da Lei n. 8.112/1990, insere-se na competência da autoridade responsável

pela instauração do processo a indicação de integrantes da comissão disciplinar,

ainda que um deles integre o quadro de um outro órgão da administração

federal, desde que essa indicação tenha tido a anuência do órgão de origem do

servidor. Recurso conhecido, mas a que se nega provimento.

(RMS n. 25.105, Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em

23.5.2006, publicado no DJ em 20.10.2006, p. 88, no Ementário v. 2252-01, p. 196,

na RTJ v. 200-01, p. 102 e na LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 144-151.)

Por fim, como mencionado, a única mácula indicada é relacionada à

portaria de instauração, que foi o ato reputado como coator. Os autos não

trazem o desfecho do processo disciplinar.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

510

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

É como penso. É como voto.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 40.171-RS

(2013/0000172-4)

Relator: Ministro Castro Meira

Recorrente: Lenir Maria Barichello Freisleben

Advogado: Roberto de Figueiredo Caldas e outro(s)

Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul

Procurador: Marilia Rodrigues de Oliveira e outro(s)

EMENTA

Processo Civil. Administrativo. Recurso ordinário em mandado

de segurança. Carreiras do magistério do Estado do Rio Grande do

Sul. Lei Estadual n. 6.672/1974. Cabimento do mandamus. Direito à

promoção anual. Inexistência. Recurso não provido.

1. Discute-se no mandamus o direito dos servidores integrantes

da carreira do magistério do Estado do Rio Grande do Sul à promoção

anual, considerando-se o disposto no art. 32 da Lei Estadual n.

6.672/1974. Busca-se na demanda que o ato concessivo da promoção

publicado em 14.9.2011 produza efeitos retroativos ao dia 15.10.2002.

2. A natureza mandamental do provimento exarado no writ não

impede a existência de efi cácia condenatória, notadamente quando

esse efeito é consectário do cumprimento da determinação deferida in

concreto e as parcelas devidas correspondam ao período de tramitação

do processo.

3. Na espécie, embora não seja possível exigir-se o pagamento de

quantia referente a período anterior à impetração, os efeitos jurídicos

do ato que promoveu os servidores poderiam, em tese, ser reconhecidos

retroativamente, o que repercutiria na reclassifi cação do impetrante

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 511

na carreira, com o direito a diferenças remuneratórias perceptíveis a

partir do ajuizamento do mandado de segurança. Logo, o remédio

heroico é cabível.

4. A Lei n. 6.672/1974 estipula os critérios de promoção por

antiguidade e por merecimento, fi xando, como regra, o interstício

mínimo de três anos na respectiva classe para que o servidor concorra

à progressão. Nesse contexto, os servidores do magistério do Estado

do Rio Grande do Sul não têm direito a promoções anuais, cabendo

à Administração, observadas as diretrizes legais, concedê-las

oportunamente.

5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr.

Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin,

Mauro Campbell Marques e Diva Malerbi (Desembargadora convocada do

TRF da 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). Gustavo Petry

(Procurador do Estado do Rio Grande do Sul), pela parte Recorrida: Estado do

Rio Grande do Sul.

Brasília, 05 de março de 2013 (data do julgamento).

Ministro Castro Meira, Relator

DJe 10.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Castro Meira: O recurso ordinário em mandado de

segurança foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul assim ementado:

Mandado de segurança. Servidor público estadual ativo. Magistério. Preliminares

de ilegitimidade passiva do Secretário do Estado da Educação, do Secretário

de Estado da Fazenda e de incompetência do Segundo Grupo Cível. Rejeição.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

512

Cobrança de valores pretéritos. Inadequação da via eleita. Súmulas n. 269 e 271 do

STF. Acolhimento. Mérito. Promoção com efeitos retroativos. Ato discricionário do

poder executivo. Súmula n. 42 do egrégio 2º Grupo Cível do TJRS.

Rejeitaram as preliminares de ilegitimidade passiva do secretário do estado

da educação, do secretário de estado da fazenda e de incompetência do segundo

grupo cível, acolheram a preliminar quanto à inadequação do writ, em relação ao

pagamento de valores vencidos em momento anterior à impetração, e denegaram a

segurança. Unânime. (e-STJ fl . 92).

O mandado de segurança foi impetrado em face do Secretário do Estado

da Educação e do Secretário de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul para

que seja reconhecido à servidora pública integrante da carreira de magistério

o direito à promoção com efeitos retroativos ao dia 15.10.2002, em virtude do

disposto no art. 32 da Lei Estadual n. 6.672/1974.

O ato impugnado concedeu promoções, por merecimento e antiguidade, a

professores e especialistas de educação, incluindo-se a impetrante, com efeitos a

partir da data da publicação, o que ocorreu em 14.9.2011.

Segundo a servidora, o Estatuto do Magistério Estadual estabelece

periodicidade anual às progressões de classe. Assim, os efeitos do ato questionado

devem retroagir a 15.10.2002, nos termos do art. 32 da Lei n. 6.672/1974.

Requer no mandamus a retifi cação da promoção e, consequentemente, o

pagamento dos atrasados supostamente devidos desde 15.10.2002.

A Corte local reconheceu a inadequação do writ para cobrar as parcelas

pretéritas e, no mérito, afastou a ilegalidade apontada.

No apelo, a recorrente defende a ausência de óbice ao pagamento dos

retroativos, porquanto se trata de providência que decorre naturalmente da

ilegalidade perpetrada.

Salienta, por fi m, que a Lei n. 6.672/1974 garante o direito à promoção

anual e periódica, apontando precedentes exarados em situação análoga que

envolveu a carreira dos Técnicos-Científi cos do Rio Grande do Sul.

Contrarrazões às e-STJ fl s. 125-136.

O apelo foi admitido na origem pela decisão de e-STJ fl . 156.

O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca, opinou pelo não

provimento do recurso (e-STJ fl s. 162-168).

É o relatório.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 513

VOTO

O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): O mandamus foi impetrado em face

do Secretário do Estado da Educação e do Secretário de Estado da Fazenda do

Rio Grande do Sul para que seja reconhecido à servidora integrante da carreira

de magistério estadual o direito à promoção com efeitos retroativos ao dia

15.10.2002, em virtude do disposto no art. 32 da Lei Estadual n. 6.672/1974.

O ato impugnado no writ concedeu promoções, por merecimento e

antiguidade, a professores e especialistas em educação, incluindo-se a impetrante,

com efeitos prospectivos, isto é, a partir de 14.9.2011, data em que o normativo

foi publicado.

Segundo a recorrente, o Estatuto do Magistério estabelece periodicidade

anual às promoções. Logo, para que essa regra seja observada, os efeitos do ato

questionado devem retroagir a 15.10.2002.

O Tribunal a quo reconheceu a inadequação do mandado de segurança

para cobrar as parcelas pretéritas e, no mérito, afastou a ilegalidade apontada.

No apelo, a recorrente defende a ausência de óbice ao pagamento dos

retroativos, porquanto se trata de providência que decorre naturalmente da

ilegalidade perpetrada.

Explicita, por fi m, precedentes exarados em situação análoga que envolveu

a carreira dos Técnicos-Científi cos do Rio Grande do Sul.

Passo a apreciar o recurso.

O mandado de segurança é ação constitucional que objetiva evitar ou

reparar lesão a direito líquido e certo do impetrante, em virtude de ato emanado

por autoridade pública ou por quem esteja no exercício de função pública.

O provimento jurisdicional intentado no writ tem efeito essencialmente

mandamental, ordenando-se a autoridade coatora para que suste a ameaça de

lesão ou a desconstitua, caso já esteja concretizada. Isso, contudo, não impede

que a concessão da segurança também tenha efi cácia condenatória, notadamente

quando esse efeito é mero consectário do cumprimento da determinação

deferida in concreto e as parcelas devidas correspondam ao período de tramitação

do processo.

Na espécie, busca-se que a autoridade impetrada retifique o ato de

promoção dos servidores do magistério estadual para que se reconheça o direito

à progressão na carreira a partir de 15.10.2002 e não apenas quando da edição

daquela norma.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

514

Dessarte, embora não seja possível exigir-se o pagamento de quantia

referente a período anterior à impetração, os efeitos jurídicos do ato que

promoveu os servidores poderiam, em tese, ser reconhecidos retroativamente,

o que repercutiria na reclassifi cação do impetrante na carreira, com o direito a

diferenças remuneratórias perceptíveis a partir do ajuizamento do mandado de

segurança. Logo, o remédio heroico é cabível.

Do mesmo modo, não há falar-se em decadência do writ, pois a insurgência

dirige-se contra os efeitos do ato do Secretário de Educação, publicado no diário

ofi cial em 14.9.2011, tendo o writ sido impetrado em 20.12.2011.

Superadas essas questões preliminares, enfrento o mérito da impetração.

O Estatuto do Magistério Estadual do Rio Grande do Sul (Lei n.

6.672/1974) estabelece os critérios para as promoções, estipulando que elas

ocorrerão, alternadamente, por antiguidade e merecimento, nos termos dos arts.

28 e 29 assim redigidos:

Art. 28 - A antigüidade de que trata o artigo anterior será determinada pelo

tempo de efetivo exercício do membro do Magistério na classe a que pertencer,

cabendo a promoção ao mais antigo.

Art. 29 - Merecimento é a demonstração, por parte do professor ou especialista

de educação do fi el cumprimento de seus deveres e da efi ciência no exercício do

cargo, bem como da contínua atualização e aperfeiçoamento para o desempenho

de suas atividades, avaliados mediante um conjunto de dados objetivos.

O art. 31 daquele mesmo diploma fi xa como requisito à promoção que o

servidor cumpra o interstício mínimo de três anos de efetivo exercício na classe.

O preceito legal excepciona a observância dessa exigência quando não houver

na mesma classe nenhum outro membro apto a ser promovido. Todavia, a

norma expressamente ressalva que o benefi ciário dessa regra apenas poderá ser

novamente promovido, após o período de três anos na respectiva classe. A esse

respeito, confi ra-se:

Art. 31 - Não poderá ser promovido o membro do Magistério que não tenha o

interstício de três anos de efetivo exercício na classe, salvo se na mesma nenhum

outro a houver completado.

Parágrafo único - O membro do Magistério promovido sem interstício, na

forma da parte final do artigo, não poderá obter nova promoção antes de

decorrido três anos de efetivo exercício na classe.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 515

Nesse contexto, considerando-se todos os requisitos exigidos legalmente

para a promoção nas carreiras do magistério estadual, não é possível concluir

que esse seja um direito adquirido automática e anualmente pelo servidor.

Com efeito, valendo-se de uma interpretação sistemática do art. 32 da

referida Lei n. 6.672/1974 (As promoções serão publicadas, anualmente, no

“Dia do Professor”), o comando normativo apenas preceitua o seguinte: havendo

promoções, elas serão publicadas no dia do professor, não signifi cando que

Administração esteja vinculada a promover cada servidor ano a ano.

Entender o contrário seria desconsiderar todos os critérios previstos no

Estatuto do Magistério Estadual para a promoção. Afi nal, qual seria o sentido

de serem alternados os requisitos da antiguidade e merecimento, bem como a

exigência de interstício mínimo de três anos, caso todo servidor fosse promovido

anualmente? Nenhum.

O fornecimento anual pela Secretaria de Educação da cópia da folha dos

assentamentos funcionais (art. 33) também não é garantia de promoção ao

servidor, servindo tão somente para informá-lo acerca da posição ocupada na

carreira.

Da mesma forma, a promoção automática do aposentado e do servidor

falecido retrata hipótese distinta e específi ca de progressão funcional, não se

prestando como parâmetro para as demais promoções.

Os precedentes citados concernente à carreira dos Técnicos-Científi cos

do Rio Grande do Sul não se aplicam à situação sob exame, pois são servidores

sujeitos a estatuto legal diverso, com normatização própria.

Em resumo, a Lei n. 6.672/1974 não garante aos servidores do magistério

do Estado do Rio Grande do Sul o direito à promoção anual, cabendo à

Administração, observadas as diretrizes legais, conceder as promoções

oportunamente.

Orientação similar foi perfilhada pelo parecer subscrito pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República Dr. Antonio Fonseca, cujos fundamentos

acham-se resumidos na seguinte ementa:

Administrativo. Servidor. Magistério. Promoção. Antiguidade. Efeitos retroativos.

Direito líquido e certo. Prova pré-constituída. Necessidade. Prescrição. 1 - Servidora

pública ativa do magistério estadual do Rio de Grande do Sul busca a concessão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

516

de efeitos retroativos, a partir de 2002, do ato de promoção por antiguidade

que lhe foi concedida em 2011; bem como o pagamento das parcelas vencidas.

2 - O mandado de segurança não é via adequada para postular pagamento de

vantagens pecuniárias referentes à período anterior à impetração. Inteligência

do artigo 14, § 4º, da Lei n. 12.016/2009 e dos enunciados das Súmulas n.

269 e 271, ambas do STF. 3 - É da competência do Poder Executivo estadual a

instituição do respectivo plano de carreira de seus servidores de acordo com

o art. 39, caput, da CF/1988. No caso, a Lei Estadual n. 6.772/1974 (Estatuto do

Magistério) não garante a promoção anual (automática) de seus servidores

nem prevê a possibilidade de pagamento retroativo. Desse modo, atender ao

postulado importaria usurpação de competência legislativa função imprópria

do Poder Judiciário. 4 - A recorrente sustenta que a retroação dos efeitos do ato

impugnado é legítima uma vez que, em 2002, já possuía direito à promoção.

No entanto, os documentos acostados aos autos não são suficientes para

comprovar que à época a servidora preenchia os requisitos objetivos previstos

em lei para a concessão da promoção. A ausência de prova pré-constituída torna

inviável o conhecimento do writ. 5 - O precedente acostados aos autos (RMS

n. 21.125-RS) não serve como paradigma, uma vez que não possui a mesma

base fática e jurídica do caso em apreciação; trata, na verdade, de promoção

por merecimento de carreira diversa (tecnico-científico/Lei n. 8.186/1986).

A similitude - tanto jurídica quanto dos fatos - é requisito essencial para a

avaliação sistemática do direito aplicado no caso concreto em comparação com

o precedente apresentado pela parte. 6 - Por fi m, ainda que se considerasse

a possibilidade de retroação dos feitos da promoção, apenas poderia ser

garantido o pagamento (pelas vias ordinárias) das parcelas anteriores, dentro do

quinquênio legal a contar da data da ação judicial de acordo com o enunciado

da Súmula n. 85 do STJ. Precedente. 7 - Preliminarmente, pela afetação do

julgamento pela 1ª Seção. No mérito, o parecer é pelo não conhecimento do

recurso ordinário; acaso superadas as preliminares, pelo não provimento (e-STJ

fl s. 162).

Ressalto que não acolhi as preliminares de não conhecimento, pelas

razões já expostas, deixando de submeter o feito à Seção, por entender que a

controvérsia não se reveste de maior complexidade. Ademais, a 1ª Seção tem um

número menor de sessões, o que poderia acarretar certa demora no julgamento,

ensejando o ajuizamento de muitas outras ações sobre esse tema.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de

segurança.

É como voto.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 517

RECURSO ESPECIAL N. 1.223.792-MS (2010/0218429-1)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Estado de Mato Grosso do Sul

Procurador: Rafael Saad Peron e outro(s)

Recorrido: Fornecedora de Alimentos Pérola Ltda - Massa Falida

Representado por: Susumu Fuziy - Administrador

Advogado: Renato de Aguiar Lima Pereira e outro(s)

EMENTA

Processual Civil. Recurso especial. Tributário. Multa moratória.

Falência. Regime da Lei n. 11.101/2005 (falência decretada em 2007).

Possibilidade de inclusão da multa na classifi cação dos créditos.

1. Com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a

cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida,

tendo em vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que “as multas

contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou

administrativas, inclusive as multas tributárias” sejam incluídas na

classifi cação dos créditos na falência.

2. Cumpre registrar que, em se tratando de falência decretada

na vigência da Lei n. 11.101/2005, a inclusão de multa tributária na

classifi cação dos créditos na falência, referente a créditos tributários

ocorridos no período anterior à vigência da lei mencionada, não implica

retroatividade em prejuízo da massa falida, como entendeu o Tribunal

de origem, pois, nos termos do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, tal lei

“não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados

anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos

termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945”, podendo-

se afi rmar, a contrario sensu, que a Lei n. 11.101/2005 é aplicável às

falências decretadas após a sua vigência, como no caso concreto, em

que a decretação da falência ocorreu em 2007.

3. Recurso especial provido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

518

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de

Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado

de julgamento: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos

termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.”

A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF

3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman

Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 26.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato

Grosso do Sul cuja ementa é a seguinte:

Agravo regimental em agravo de instrumento. Falência. Multa moratória. Lei n.

11.101/2005. Fato gerador anterior. Recurso improvido.

1. O art. 83 da Lei n. 11.101/2005 é aplicável apenas aos créditos que tiveram

sua origem após a sua entrada em vigor, em junho de 2005.

2. Se a multa que o Estado recorrente pretende fazer incidir não era devida

quando da sua origem, qual seja, quando do fato gerador dos tributos, não pode

a Lei n. 11.101/2005 retroagir para restabelecer créditos anteriores à sua vigência.

No recurso especial, interposto com base na alínea a do permissivo

constitucional, o recorrente aponta ofensa ao art. 83, VII, da Lei n. 11.101/2005,

alegando, em síntese, que:

Ora, as Súmulas n. 192 e 565 do STF não se aplicam às falências decretadas

sob a égide da nova Lei Falimentar (Lei n. 11.101/2005), - que inaugurou o regime

de recuperação judicial e instituiu um novo regime para a falência da sociedade

empresária. A Lei n. 11.101/2005 revogou o antigo Decreto-Lei n. 7.661/1945,

consoante dispõe o seu artigo 200.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 519

(...) A empresa executada teve sua falência decretada apenas 2007, aplicando-

se integralmente a Lei n. 11.101/2005, sem importar qual a data dos fatos

geradores das obrigações.

(...) Na execução fi scal não cabe a exclusão de qualquer multa tributária, pois

hoje há expressa previsão legal do seu cabimento, incluída dentre os créditos da

falência e a empresa executada teve sua quebra decretada tão somente no ano

de 2007.

Não se pode fazer a divisão das datas de ocorrência dos fatos geradores da

multa para determinar a aplicação ou não da Lei n. 11.101/2005. O único marco

temporal determinante da aplicação da nova lei de falência é a data da quebra da

empresa. (fl s. 125-127)

Em suas contrarrazões, a recorrida pugna pela manutenção do aresto

atacado.

O recurso foi inadmitido pela decisão de fl s. 140-143.

Em sede de agravo de instrumento, determinou-se a subida dos autos

principais.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A pretensão recursal

merece acolhimento.

Nos termos do art. 192 da Lei n. 11.101/2005, tal lei “não se aplica aos

processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de

sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21

de junho de 1945”. Pode se afi rmar, a contrario sensu, a Lei n. 11.101/2005 é

aplicável às falências decretadas após a sua vigência, como no caso concreto, em

que a decretação da falência ocorreu em 2007.

No regime do Decreto-Lei n. 7.661/1945, impedia-se a cobrança da

multa moratória da massa falida, tendo em vista a regra prevista em seu art. 23,

parágrafo único, III, bem com o entendimento consolidado nas Súmulas n. 192

e 565 do STF.

Contudo, com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a

cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, tendo em

vista que o art. 83, VII, da lei referida impõe que “as multas contratuais e as

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

520

penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as

multas tributárias” sejam incluídas na classifi cação dos créditos na falência.

Cumpre registrar que, em se tratando de falência decretada na vigência da

Lei n. 11.101/2005, a inclusão de multa tributária na classifi cação dos créditos

na falência, referente a créditos tributários ocorridos no período anterior à

vigência da lei mencionada, não implica retroatividade em prejuízo da massa

falida, como entendeu o Tribunal de origem.

Assim, merece reforma o acórdão recorrido, para se autorizar, no caso

concreto, a inclusão da multa moratória na classifi cação dos créditos na falência.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial, nos termos da

fundamentação.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.243.170-PR (2011/0052516-8)

Relatora: Ministra Eliana Calmon

Recorrente: ITT Itatiba Transportes Ltda

Advogado: Edinilson Ferreira da Silva

Recorrido: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

Administrativo. Decreto-Lei n. 37/1966. Violação do art. 535 do

CPC. Não ocorrência. Pena de perdimento de veículo. Aplicabilidade

se comprovada a responsabilidade do proprietário na prática do delito.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem

decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da

lide.

2. “A pena de perdimento de veículo utilizado em contrabando

ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a responsabilidade

do proprietário na prática do delito” (Súmula n. 138 do extinto TFR).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 521

3. A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir

mercadoria sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-

Lei n. 37/1966, exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à

hipótese nela descrita, que o veículo esteja transportando “mercadoria

sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração

punível com aquela sanção” (art. 104, V).

4. Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especifi camente,

a aplicação da pena de perdimento de veículo, a expressão “pertencer

ao responsável pela infração” tem relação com o veículo transportador,

e não com as mercadorias transportadas.

5. Ainda que o proprietário do veículo transportador ou um

preposto seu não esteja presente no momento da autuação, possível

será a aplicação da pena de perdimento sempre que restar comprovado,

pelas mais diversas formas de prova, que sua conduta (comissiva ou

omissiva) concorreu para a prática delituosa ou, de alguma forma, lhe

trouxe algum benefício (Decreto-Lei n. 37/1966, art. 95).

6. Entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora

concorreu para a prática do ato infracional ou dele se benefi ciou, não

é possível rever essa conclusão em sede de recurso especial, por incidir

o óbice da Súmula n. 7-STJ.

7. A apreensão do veículo durante a tramitação do procedimento

administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena de

perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art.

131 do Decreto-Lei n. 37/1966.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não

provido, prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-

lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem

destaque e em bloco.” Os Srs. Ministros Castro Meira, Herman Benjamin

(Presidente) e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

522

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília (DF), 11 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministra Eliana Calmon, Relatora

DJe 18.4.2013

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se recurso especial interposto por

ITT Itatiba Transportes Ltda com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição

Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região assim

ementado:

Tributário. Veículo transportador de mercadorias descaminhadas.

Responsabilidade do proprietário demonstrada. Perdimento.

1. Aplica-se a pena de perdimento de veículo quando o veículo conduzir

mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração

punível com essa penalidade, devendo ser demonstrada, em procedimento

regular, a responsabilidade do proprietário na prática do ilícito (art. 617, caput e

inciso V c/c § 2º, do Decreto n. 4.543/2002).

2. A exegese da regra contida no art. 617 do Decreto n. 4.543/2002, referente

à condução de mercadoria sujeita à pena de perdimento é no sentido de que

o perdimento do veículo depende da demonstração da responsabilidade do

proprietário e da confi guração de dano ao Erário, o qual é evidente quando há

internalização de mercadoria sem o devido pagamento dos tributos.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Em suas razões recursais, aponta a recorrente violação dos arts. 535, II, do

CPC, 25 do Decreto-Lei n. 1.455/1976 e 75 da Lei n. 10.833/2003.

Afi rma, em síntese, que: a) não foram supridas as omissões indicadas

nos embargos de declaração opostos na origem; b) o ônibus empregado no

transporte de pessoas não se equipara ou equivale a uma mercadoria para fi ns de

aplicação da norma contida no art. 25 do Decreto-Lei n. 1.455/1976, utilizada

como fundamento do auto de infração e apreensão do veículo; c) é inviável a

apreensão do veículo com base nos demais dispositivos legais invocados pelo

agente aduaneiro, que disciplinam hipótese de perdimento, e não de apreensão;

d) mesmo se estivesse confi gurada a infração, a pena a ser aplicada seria multa

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 523

de R$ 15.000,00 (art. 75 da Lei n. 10.833/2003), cujo pagamento ensejaria a

pronta liberação do veículo apreendido.

Apresentadas as contrarrazões e admitido o recurso, subiram os autos.

O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso.

Em petição juntada às fl s. 439-441, a recorrente apresenta pedido de

antecipação da tutela recursal, à consideração de que o processo administrativo

do qual poderá sobrevir eventual pena de perdimento do veículo, iniciado no

ano de 2009, ainda pende de decisão terminativa, pelo que requer a imediata

liberação do veículo.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Preliminarmente, deve ser

afastada a alegada contrariedade ao art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem

decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais à solução da controvérsia,

entendendo estar confi gurada a responsabilidade do proprietário, a ensejar a

aplicação de pena de perdimento do veículo.

No nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos

legais apontados pelas partes. Exige-se apenas que a decisão seja fundamentada,

aplicando o julgador ao caso concreto a solução por ele considerada pertinente,

segundo o princípio do livre convencimento fundamentado, positivado no art.

131 do CPC.

Quanto à matéria de fundo, prevalece nesta Corte a orientação contida na

Súmula n. 138 do extinto TFR, segundo a qual “a pena de perdimento de veículo

utilizado em contrabando ou descaminho somente é aplicada se demonstrada a

responsabilidade do proprietário na prática do delito”.

A pena de perdimento de veículo utilizado para conduzir mercadoria

sujeita a mesma sanção está prevista no art. 96 do Decreto-Lei n. 37/1966,

exigindo a norma, para a perfeita subsunção do fato à hipótese nela descrita,

que o veículo esteja transportando “mercadoria sujeita à pena de perda, se

pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção” (art. 104,

V).

A matéria, atualmente, está regulamentada pelo Decreto n. 6.759, de 5 de

fevereiro de 2009 (Regulamento Aduaneiro), nos termos seguintes:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

524

Art. 675. As infrações estão sujeitas às seguintes penalidades, aplicáveis

separada ou cumulativamente (Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 96; Decreto-Lei n.

1.455, de 1976, arts. 23, § 1º, com a redação dada pela Lei n. 10.637, de 2002, art.

59, e 24; Lei n. 9.069, de 1995, art. 65, § 3º; e Lei n. 10.833, de 2003, art. 76):

I - perdimento do veículo;

II - perdimento da mercadoria;

III - perdimento de moeda;

IV - multa; e

V - sanção administrativa.

Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses,

por confi gurarem dano ao Erário (Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 104; Decreto-Lei

n. 1.455, de 1976, art. 24; e Lei n. 10.833, de 2003, art. 75, § 4º):

(...)

V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente

ao responsável por infração punível com essa penalidade;

(...)

§ 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso

V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do

proprietário do veículo na prática do ilícito.

A redação dos dispositivos em comento admitem mais de uma

interpretação. A partir de uma interpretação literal, pode-se entender que a

exigibilidade de “pertencer ao responsável pela infração” esteja relacionada à

mercadoria transportada ou ao veículo transportador.

Tratando-se de dispositivo legal que disciplina, especifi camente, a aplicação

da pena de perdimento de veículo, não resta dúvida de que a expressão “pertencer

ao responsável pela infração” tem relação com o veículo transportador. Do

contrário, bastaria atribuir a propriedade das mercadorias a terceiros, como

forma de restringir o alcance da norma. Constituiria tal proceder manobra

sufi ciente para impedir a aplicação da pena de perdimento do veículo, em

completa burla à real intenção do legislador.

Estabelecida essa premissa, impõe-se observar a previsão contida no art. 95

do Decreto-Lei n. 37/1966, segundo o qual:

Art. 95 - Respondem pela infração:

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 525

I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra

para sua prática, ou dela se benefi cie;

II - conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo,

quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou

omissão de seus tripulantes;

Assim, ainda que o proprietário do veículo transportador ou um preposto

seu não esteja presente no momento da autuação, possível será a aplicação da

pena de perdimento sempre que restar comprovado, pelas mais diversas formas

de prova, que sua conduta (comissiva ou omissiva) concorreu para a prática

delituosa ou, de alguma forma, lhe trouxe algum benefício.

Será igualmente responsável o proprietário e o consignatário do veículo,

quanto à infração que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou

de ação ou omissão de seus tripulantes (art. 95, II).

No caso, a partir da análise de diversas circunstâncias fáticas, entendeu a

Corte de origem que a empresa autora, proprietária do veículo, concorreu para a

prática da infração, conforme trechos do acórdão a seguir transcritos:

No caso dos autos, o ônibus da impetrante foi apreendido quando transportava

mercadorias estrangeiras cujas características (grande quantidade de brinquedos,

artigos de toucador, DVDs virgens, víeo games, etc. - fl s. 144-164) revelam sua

nítida destinação comercial.

Observe-se que o valor das mercadorias transportadas perfaz o total de R$

192.351,42 (fl . 132), enquanto o veículo vale R$ 90.000,00 (fl . 133) - não havendo

falar, portanto, em desproporcionalidade da pena aplicada.

Outrossim, constam nos autos elementos apontando para a reiteração da

conduta ilícita, existindo registro de passagens anteriores do mesmo veículo pela

fronteira com o Paraguai (fl . 179).

Por outro lado, o contrato de fretamento do veículo, por si só, não tem o

condão de afastar a aplicabilidade da legislação aduaneira, pois o interesse

público prevalece sobre o interesse privado. Afi nal, admitir que o veículo objeto

de fretamento não pudesse ser alvo de apreensão fi scal, e conseqüente aplicação

de pena de perdimento, representaria verdadeiro salvo-conduto para a prática

desses ilícitos fi scais.

No caso concreto, ademais, os próprios empregados da impetrante - prepostos

da proprietária do veículo, portanto -, conduziam o ônibus no momento da

apreensão (fl s. 140-143). O fato de possuírem vínculo empregatício há mais de

dois anos com a impetrante, consoante se verifi ca nas fl s. citadas, aponta para o

fato de serem motoristas de confi ança da empresa, mostrando-se desarrazoado

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

526

supor que esta desconhecia a utilização ilícita dispensada ao veículo de sua

propriedade.

Dessarte, verifi ca-se que a proprietária contribuiu, sim, para a internalização

dos bens, pois forneceu o instrumento para a concretização do ilícito.

Assim, entendendo o Tribunal de origem que a empresa autora concorreu

para a prática do ato infracional ou dele se benefi ciou, não é possível rever

essa conclusão em sede de recurso especial, pois providência dessa natureza

demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado

pela Súmula n. 7-STJ.

Ressalta-se, de outra parte, que as infrações às normas estabelecidas no

Decreto-Lei n. 37/1966, segundo o disposto em seu art. 96, estão sujeitas à:

I - perda do veículo transportador; II - perda da mercadoria; III - multa; IV -

proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa

pública e sociedade de economia mista.

Não procede, desse modo, a alegação de que a pena aplicável seria somente

aquela prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003 (multa de R$ 15.000,00), dada

a previsão de que as penas previstas são aplicáveis separada ou cumulativamente

(arts. 96 do Decreto-Lei n. 37/1966 e 675 do Decreto n. 6.759/2009).

Ressalta-se, por fi m, que a apreensão do veículo durante a tramitação do

procedimento administrativo instaurado para averiguar a aplicabilidade da pena

de perdimento constitui medida legítima, consoante os ditames do art. 131 do

Decreto-Lei n. 37/1966, assim redigido:

Art. 131 - Na ocorrência de fato punível com a perda do veículo ou da

mercadoria, proceder-se-á, de pleno, à apreciação.

§ 1º - A coisa apreendida será recolhida à repartição aduaneira, ou à ordem de

sua chefi a, a depósito alfandegado ou a outro local, onde permanecerá até que a

decisão do processo fi scal lhe dê o destino competente.

§ 2º - O regulamento disporá sobre as cautelas e providências que a autoridade

aduaneira poderá adotar na ocorrência de apreensão, mencionando os casos em

que se admite o depósito e quais as obrigações do depositário.

Com essas considerações, conheço parcialmente do recurso, mas, nessa

parte, nego-lhe provimento, fi cando prejudicado o pedido de antecipação da

tutela recursal.

É o voto.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 527

RECURSO ESPECIAL N. 1.345.613-SC (2012/0202322-8)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Leopoldo Pandini

Advogado: Denísio Dolásio Baixo

Recorrido: Fazenda Nacional

Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Interessado: Supermercados Comper Ltda

EMENTA

Processual Civil. Direito de desistência da aquisição de bem em

processo de execução, na hipótese de embargos à arrematação. Ato

de arrematação considerado perfeito, acabado e irretratável durante

a redação original dos arts. 694 e 746 do CPC. Inaplicabilidade do §

1º, IV, do art. 694, e dos §§ 1º e 2º do art. 746, ambos do CPC, com a

redação dada pela Lei n. 11.382/2006.

1. Quanto ao direito potestativo do adquirente de desistir da

aquisição, na hipótese de embargos à arrematação, tal direito não pode

ser exercido quando se tratar de arrematação realizada sob a égide

da redação original dos arts. 694 e 746 do CPC. Em outras palavras,

a arrematação considerada perfeita, acabada e irretratável durante a

vigência da redação original dos artigos acima não pode ser tornada

inefi caz, sem qualquer ônus para o arrematante, com base no art. 694,

§ 1º, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006. O

direito do adquirente à desistência da arrematação, conforme previsto

nos §§ 1º e 2º do art. 746, acrescentados pela Lei n. 11.382/2006,

está relacionado com o novo inciso III do § 1º do art. 694, ausente

na redação anterior deste artigo. Assim, as normas processuais da Lei

n. 11.382/2006 têm aplicação imediata, respeitados, porém, os atos

consumados sob a égide da lei antiga.

2. Recurso não provido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de

Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte resultado

de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos

termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco.”

A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF

3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman

Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 21 de fevereiro de 2013 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 28.2.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto por Leopoldo Pandini, com fundamento no art. 105, III, a e c,

da Constituição da República, contra acórdão do TRF da 4ª Região assim

ementado:

Tributário. Agravo de instrumento. Embargos à arrematação. Citação

do arrematante. Contestação. Advogado não constituído. Desistência da

arrematação. Art. 746, §§ 1º e 2º, do CPC (Lei n. 11.382/2006).

O arrematante foi citado para contestar os embargos à arrematação. Contudo,

silenciou, não constituindo advogado para defendê-lo.

Poderia admitir-se o pedido de anulação da arrematação logo após a entrada

em vigor da 11.382/2006, mas não dois anos e meio depois, quando, inclusive, já

julgado o mérito dos embargos à arrematação em sede de recurso de apelação

neste Tribunal.

Correção de erro material para extrair trecho da decisão que indeferiu o efeito

suspensivo. Antes da obtenção da carta de arrematação não havia, no caso

concreto, possibilidade de usufruir dos bens arrematados mediante a utilização

de algum remédio jurídico.

No recurso especial, além de dissídio jurisprudencial, o arrematante

recorrente indica contrariedade aos arts. 694, § 1º, IV, e 746, caput e §§ 1º e 2º,

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 529

do Código de Processo Civil (CPC), seja pela redação atual dos artigos acima,

sobrevinda no curso do feito, após a hasta pública, seja pela redação normativa

anterior. Em síntese, o recorrente defende a possibilidade de desistência da

arrematação, quando são oferecidos embargos à arrematação e se acham

estes pendentes de fi nal julgamento, independentemente da fase em que se

encontra o processo, bastando que não seja ou não possa ser expedida a carta de

arrematação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): A irresignação não

merece acolhida.

A respeito do desfazimento da arrematação e sobre os embargos à

arrematação, assim dispunham, originalmente, os arts. 694 e 746 do CPC:

Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo

porteiro ou pelo leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e

irretratável.

Parágrafo único. Poderá, no entanto, desfazer-se:

I - por vício de nulidade;

II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;

III - quando o arrematante provar, nos 3 (três) dias seguintes, a existência de

ônus real não mencionado no edital;

IV - nos casos previstos neste Código (arts. 698 e 699).

Art. 746. É lícito ao devedor oferecer embargos à arrematação ou à

adjudicação, fundados em nulidade da execução, pagamento, novação, transação

ou prescrição, desde que supervenientes à penhora.

Parágrafo único. Aos embargos opostos na forma deste artigo, aplica-se o

disposto nos Capítulos I e II deste Título.

Com o advento da Lei n. 11.382/2006, os retromencionados arts. 694 e

746 passaram a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da

justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável,

ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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§ 1º A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito:

I - por vício de nulidade;

II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução;

III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de

ônus real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital;

IV - a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art.

746, §§ 1º e 2º);

V - quando realizada por preço vil (art. 692);

VI - nos casos previstos neste Código (art. 698).

§ 2º No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do

exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior

ao valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença. (grifou-se)

Art. 746. É lícito ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da

adjudicação, alienação ou arrematação, oferecer embargos fundados em nulidade

da execução, ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à

penhora, aplicando-se, no que couber, o disposto neste Capítulo.

§ 1º Oferecidos embargos, poderá o adquirente desistir da aquisição.

§ 2º No caso do § 1º deste artigo, o juiz deferirá de plano o requerimento, com a

imediata liberação do depósito feito pelo adquirente (art. 694, § 1º, inciso IV).

§ 3º Caso os embargos sejam declarados manifestamente protelatórios, o juiz

imporá multa ao embargante, não superior a 20% (vinte por cento) do valor da

execução, em favor de quem desistiu da aquisição. (grifou-se)

A partir da interpretação sistemática das disposições processuais acima,

conclui-se que, quanto ao direito potestativo do adquirente de desistir da

aquisição, na hipótese de embargos à arrematação, tal direito não pode ser

exercido quando se tratar de arrematação realizada sob a égide da redação original

dos arts. 694 e 746 do CPC. Em outras palavras, a arrematação considerada

perfeita, acabada e irretratável durante a vigência da redação original dos artigos

acima não pode ser tornada inefi caz, sem qualquer ônus para o arrematante, com

base no art. 694, § 1º, IV, do CPC, com a redação dada pela Lei n. 11.382/2006.

O direito do adquirente à desistência da arrematação, conforme previsto nos §§

1º e 2º do art. 746, acrescentados pela Lei n. 11.382/2006, está relacionado com

o novo inciso III do § 1º do art. 694, ausente na redação anterior deste artigo.

Assim, as normas processuais da Lei n. 11.382/2006 têm aplicação imediata,

respeitados, porém, os atos consumados sob a égide da lei antiga.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 25, (230): 487-531, abril/junho 2013 531

Por outro lado, não procede a alegação do arrematante recorrente, no

sentido de que seria meramente exemplifi cativo o rol das hipóteses legais de

desfazimento da arrematação, pois, consoante já proclamou a Quinta Turma

do extinto Tribunal Federal de Recursos, ao julgar a Apelação Cível n. 81.642-

DF (Rel. Min. Geraldo Sobral, EJ V-5626-138), “se não se vislumbra qualquer

das hipóteses de desfazimento da arrematação previstas no parágrafo único do

artigo 694 do CPC, a alienação judicial não pode mais ser desfeita, sob pena de

se instaurar a insegurança e a incerteza”.

À vista do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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Segunda Seção

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 124.894-SP (2012/0207529-3)

Relator: Ministro Raul Araújo

Suscitante: Juízo da 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo-SP

Suscitado: Juízo de Direito da 6ª Vara Cível de São Bernardo do Campo-SP

Interessado: Voldi Silva Alves

Advogado: Joana D’arc Silva Menegaz

Interessado: BASF S/A

Advogado: Silvia Meloni de Oliveira

EMENTA

Confl ito negativo de competência. Justiça do Trabalho. Justiça

Comum Estadual. Execução. Contrato de mútuo. Aquisição de veículo

necessário à atividade laboral. Pacto acessório ao contrato de trabalho.

Competência da Justiça Laboral.

1. Na hipótese dos autos, a empresa empregadora pretende

cobrar de seu ex-empregado empréstimo para a aquisição de veículo

automotor utilizado no exercício das atividades laborais de “vendedor

técnico jr.”.

2. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ação relativa

a pacto acessório ao contrato de trabalho.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo

Trabalhista.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito de competência

e declarar competente o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do

Campo-SP, suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.

Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos

Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, João

Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

536

Brasília (DF), 10 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 19.4.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Trata-se de confl ito negativo de competência

entre o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo-SP, suscitante, e

o Juízo de Direito da 6ª Vara Cível de São Bernardo do Campo-SP, suscitado, em

ação de execução por quantia certa ajuizada por BASF S/A em face de Voldi

Silva Alves, ex-empregado da exequente.

Relata a exequente que, em julho de 2004, celebrou com seu empregado um

contrato de mútuo a ser quitado em parcelas mensais sucessivas, sem, todavia,

atingir o seu termo fi nal, que se daria em 16 de julho de 2008, porquanto no mês

de agosto de 2006 o contrato de trabalho que vinculava as partes foi rescindido,

ocasionando o vencimento automático do empréstimo (fl . 7).

Dessa forma, sustentou que, embora o empregado, “quando da assinatura

do contrato de mútuo, tenha autorizado que a exequente descontasse o valor

do empréstimo do produto de sua rescisão de Contrato de Trabalho (Doc. 07),

conforme cláusula 3ª, parágrafo único, tal desconto não foi levado a feito, para

tanto se faz prova o Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho anexo, de

maneira que o executado permaneceu devedor para com a exequente” (fl . 7).

O processo foi inicialmente distribuído ao d. Juízo de Direito da 6ª Vara

Cível de São Bernardo do Campo-SP, que declinou da sua competência para a

Justiça Laboral, argumentando que:

O “empréstimo” lhe foi concedido no curso de seu contrato de trabalho de

“vendedor técnico jr.” com a embargada (fl s. 40-43) e a ele estava umbilicalmente

vinculado, seja para desconto em folha de pagamento das parcelas (vide

autorização para desconto, fl . 14 dos. autos da execução), seja pelo próprio ajuste

quanto à rescisão, que operar-se-ia se isto ocorresse com aquele (fl . 38, cláusula

2ª, parágrafo único).

De outra sorte, a própria, embargada admite que o dinheiro foi fornecido para

compra de veículo particular (fl s. 193), sendo que a cópia da sentença proferida

na esfera trabalhista dá conta que o automóvel era necessário ao exercício daquelas

funções (fl s. 136).

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 533-546, abril/junho 2013 537

A causa debendi decorre de relação empregatícia, competência da justiça do

trabalho, por força do disposto no art. 114, IX da CF/1988.

O valor cobrado decorre da relação de trabalho mantida entre as partes, não

podendo ser classifi cada como um mero contrato de empréstimo.

(...)

Ademais, como consignado na decisão de primeiro grau proferida na Justiça do

Trabalho e ainda pendente de apreciação recursal, determinou-se a reintegração do

embargante nos quadros da embargada, anulando-se a demissão, sendo certo que

a rescisão do contrato de trabalho foi a causa do vencimento antecipado do aludido

empréstimo ora executado. (grifei, fl s. 106-107)

Encaminhados os autos à Justiça Especializada, o d. Juízo da 5ª Vara do

Trabalho de São Bernardo do Campo-SP, não obstante tenha reconhecido “que

prossegue na 68ª Vara do Trabalho outra ação que reconheceu os direitos” do

obreiro, afi rma que “a matéria tratada nos presentes autos é o contrato de mútuo,

cuja a função é de natureza civil”, suscitando, assim, o presente confl ito negativo

de competência em face de incompetência absoluta da Justiça Trabalhista (fl . 295).

A Subprocuradoria-Geral da República opina pela competência da Justiça

Estadual, porque “cuida-se, aqui, de relação obrigacional de natureza civil,

alicerçada em contrato de mútuo” (fl s. 308-312).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Conforme relatado, tem-se confl ito

negativo de competência entre o Juízo da 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do

Campo-SP, suscitante, e o Juízo de Direito da 6ª Vara Cível de São Bernardo do

Campo-SP, suscitado, em ação de execução por quantia certa ajuizada por BASF

S/A em face de Voldi Silva Alves.

Como é cediço, a competência material para julgamento da demanda é

fi xada em razão da natureza da causa, que, por sua vez, é defi nida em razão do

pedido e da causa de pedir, que, no caso, denotam a competência da Justiça

Laboral.

De fato, pelo que se constata da leitura das peças que instruem a ação, a

execução possui como causa de pedir um contrato de mútuo fi rmado dentro da

própria relação de trabalho e em função dela, atraindo em consequência disso a

competência da Justiça Trabalhista.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

538

Com efeito, verifi ca-se na leitura das peças que instruem o presente que,

paralelamente à execução movida por BASF S/A, Voldi Silva Alves moveu, na

68ª Vara do Trabalho de São Paulo (ap. 2, fl s. 17-38), reclamação trabalhista

requerendo, em síntese, a declaração de nulidade de sua demissão, a imediata

reintegração ao quadro de empregados, bem como o recebimento das verbas

trabalhistas respectivas.

Notifi cada da ação, a reclamada, BASF S/A, apresenta contestação da qual

se extrai os seguintes argumentos:

O reclamante, como já dito em item anterior, exercia função externa e, para

tanto, necessitava de um veículo para exercer as suas atividades.

Por essa razão, até julho de 2004, a reclamada lhe fornecia um veículo (utilitário

pick up) para que ele pudesse desenvolver seus misteres.

O veículo era mero instrumento de trabalho do reclamante, que o utilizava em seus

constantes deslocamentos a serviço da empres. Sem ele, seria impossível desenvolver

suas funções. (ap. 2, grifei, fl . 61)

Com a mudança para São Paulo, o reclamante passou a se utilizar de veículo

próprio fi nanciado pela reclamada.

Portanto, celebrou com a reclamada, em 16 de julho de 2004, um contrato de

mútuo em condições vantajosas, como por exemplo, sem correção monetária e com

juros de 6% ao ano, conforme pode ser verifi cado dos documentos anexos.

Com isso, foi dada a oportunidade para que ele adquirisse um veículo zero

quilômetro, que seria utilizado também à serviço.

O reclamante concordou com os termos do contrato, inclusive, com a condição

de que se fosse dispensado da reclamada, teria que saldar o empréstimo de um só

vez. (ap. 2, grifei, fl . 64)

A indigitada ação, decidida em primeiro e segundo graus de jurisdição

trabalhista, encontra-se, no momento, aguardando o julgamento de Recurso de

Revista no eg. Tribunal Superior do Trabalho, o que impossibilita, até mesmo

porque não requerida, a reunião dos processos, porquanto, nos moldes da

Súmula n. 235-STJ, “a conexão não determina a reunião dos processos, se um

deles já foi julgado”.

Todavia, do conjunto probatório contido em tal ação, conclui-se que a

formalização do contrato de empréstimo somente ocorreu porque o obreiro

prestava serviços à demandada. Dessa forma, as peculiaridades do fi nanciamento,

como, por exemplo, as condições mais favoráveis do empréstimo, aliado a seu

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 533-546, abril/junho 2013 539

propósito específi co, qual seja a aquisição de automóvel inicialmente destinado

ao exercício da função assumida na empresa, apontam, necessariamente, para

um pacto acessório ao contrato de trabalho.

A contratação, assim, relaciona-se com o fornecimento de utilidade ínsita

ao trabalho desenvolvido, destinada a viabilizar a própria prestação dos serviços

correlatos.

Desse modo, verifi ca-se que a ação de execução possui como causa de pedir

pacto acessório à relação de trabalho e somente assumido em função dela, sendo

manifesta a competência da Justiça Laboral, nos termos do art. 114, I e IX, da

CF.

Para ilustrar, vejam-se os seguintes precedentes:

Confl ito de competência. Reclamatória trabalhista proposta por ex-empregado

rural em desfavor de seu ex-empregador. Existência de comodato de imóvel como

pacto acessório ao contrato de trabalho.

Decisão do juízo trabalhista a respeito da posse do imóvel.

Posterior decisão do juízo cível, em ação de reintegração de posse, visando a

disciplinar a mesma questão jurídica. Impossibilidade.

- De acordo com os elementos de convicção presentes aos autos, realmente havia

uma vinculação entre a posse do imóvel pelo trabalhador e o contrato de trabalho

desfeito.

- Nessa situação, recentemente a 2ª Seção reconheceu a influência da

EC n. 45/2004 sobre a questão e alterou a jurisprudência anterior, passando

a reconhecer que compete ao juízo trabalhista decidir sobre o pedido de

reintegração de posse.

- O juízo cível não pode pretender interpretar a decisão do juízo trabalhista

para, relativizando-a, disciplinar também a matéria, porque só o juiz trabalhista

tem competência para analisar a questão. Precedente. A decisão do juízo

trabalhista deveria ter sido alvo de recurso próprio por parte do interessado,

inclusive para que se aclarasse completamente seu alcance, na hipótese de haver

dúvida a respeito.

Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de

Bento Gonçalves-RS.

(CC n. 79.961-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em

8.8.2007, DJ de 16.8.2007, p. 284)

Conflito de competência. Clube esportivo. Jogador de futebol. Contrato de

trabalho. Contrato de imagem.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

540

Celebrados contratos coligados, para prestação de serviço como atleta e para uso

da imagem, o contrato principal é o de trabalho, portanto, a demanda surgida entre

as partes deve ser resolvida na Justiça do Trabalho. Confl ito conhecido e declarada a

competência da Justiça Trabalhista.

(CC n. 34.504-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ acórdão Ministro Ruy

Rosado de Aguiar, Segunda Seção, julgado em 12.3.2003, DJ de 16.6.2003, p. 256)

Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente para

processar e julgar o feito o d. Juízo da 5ª Vara do Trabalho de São Bernardo do

Campo-SP, o suscitante.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 124.930-MG (2012/0209566-6)

Relator: Ministro Raul Araújo

Suscitante: Juízo da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG

Suscitado: Juízo de Direito da 35ª Vara Cível de Belo Horizonte-MG

Interessado: Lucas das Dores Santos

Advogado: Adilson José de Moura

Interessado: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção de

Belo Horizonte

Advogado: Márcio Murilo Pereira

EMENTA

Confl ito negativo de competência. Justiça do Trabalho. Justiça

Comum Estadual. Ação de indenização proposta por trabalhador

contra sindicato. Danos morais e materiais. Vício na representação

em anterior ação trabalhista. Competência da Justiça Laboral (CF, art.

114, VI e IX).

1. Na hipótese, o trabalhador ajuizou ação de indenização por

danos materiais e morais em face do respectivo sindicato, imputando

ao réu conduta defi ciente e danosa ao representá-lo em anterior

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 533-546, abril/junho 2013 541

reclamação trabalhista, na qual supostos acordos lesivos teriam sido

fi rmados e homologados.

2. Somente a Justiça Especializada terá plenas condições de

avaliar a procedência das alegações formuladas pelo autor contra o

sindicato réu, porquanto a ação por ele movida faz referências a temas

notadamente de direito trabalhista e processual trabalhista.

3. Confl ito conhecido para declarar competente a Justiça do

Trabalho.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do confl ito de competência e

declarar competente o Juízo da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG,

suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo

de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo

Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e

Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 10 de abril de 2013 (data do julgamento).

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 2.5.2013

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Trata-se de confl ito negativo de competência

entre o Juízo da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte - MG, suscitante, e o

Juízo de Direito da 35ª Vara Cível de Belo Horizonte - MG, suscitado, em ação de

indenização por danos materiais e morais ajuizada por Lucas das Dores Santos em

face do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Construção de Belo Horizonte.

Relata o autor que o sindicato réu, atuando como representante processual

em reclamação trabalhista, provocou-lhe diversos prejuízos de ordem moral e

material, pois celebrou “sucessivos e péssimos acordos” com a sociedade empresária

reclamada, provocando drástica redução das verbas trabalhistas a que teria

direito na indigitada ação (fl s. 5-11).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

542

O processo foi inicialmente distribuído ao d. Juízo da 35ª Vara Cível

de Belo Horizonte-MG, que declinou da sua competência para a Justiça

Especializada argumentando que, “tendo em vista a recente decisão proferida

pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Confl ito de Competência n.

7.204, de 29.6.2005, que alterou completamente o seu entendimento anterior,

tenho que não mais subsiste a competência deste juízo para processamento e

julgamento desta causa” (fl . 221).

Encaminhados os autos à Justiça Estadual, o d. Juízo de Direito da 27ª

Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG suscitou o presente confl ito negativo

de competência, sob os seguintes argumentos:

No caso em tela, pretendem os autores substituídos processualmente,

pelo reclamado em outra ação que tramitou perante a Justiça do Trabalho, o

pagamento de possíveis prejuízos fi nanceiros e morais decorrentes de alegado

erros processuais por parte do reclamado no processado.

Portanto, e entendendo não se tratar de competência em razão da pessoa,

constato que a relação havida entre reclamante e reclamado não envolve questão

de representação sindical e nem relação de trabalho. (fl . 353)

A Subprocuradoria-Geral da República opina pela competência da Justiça

Estadual, porque “não se vislumbra nos autos relação de representação sindical

a ensejar a aplicação das alterações promovidas pela EC n. 45/2004 sobre a

competência da Justiça do Trabalho” (fl . 375).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Trata-se de confl ito negativo de

competência estabelecido entre a Justiça Comum Estadual e a Justiça do

Trabalho e suscitado em ação de indenização por perdas e danos cumulada com

danos morais ajuizada por trabalhador em face do respectivo sindicato.

Alegou o autor da ação que o sindicato réu, agindo na condição de

substituto processual e patrocinando reclamação trabalhista em seu favor,

provocou-lhe danos de índole material e moral, pela inadequada condução

processual. Tais prejuízos, no seu entender, estão consubstanciados na drástica

redução do montante a que teria direito de receber a título de verbas trabalhistas.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 533-546, abril/junho 2013 543

Nesse sentido, confi ram-se os seguintes excertos da inicial:

2- Que conforme faz prova documentos anexos, em 1997, o Sindicato Réu, na

condição de assistente e representante do autor e de mais 161 funcionários da

Encol, ajuizou ação trabalhista para fi ns de receber as verbas rescisórias (...).

3- Que na época o Sindicato pleiteou para o autor verbas rescisórias cujo valor

atingia o valor de R$ 4.661,84, abrindo mão de outros direitos do autor, tais como

diferenças de horas extras, diferença de FGTS e outros além de direitos previstos

nas Convenções Coletivas.

Com isto, o Sindicato já causou um prejuízo ao autor, ao pleitear valor inferior

ao seu direito. (...)

4- Não bastasse esse prejuízo inicial, em 9.9.1997, o sindicato fez um acordo

extrajudicial com a Encol, (...). Acordo homologado pelo Juízo, conforme cópia da

ata de audiência, anexo porém não cumprido pela reclamada, como se verá mais

adiante. (...)

No presente caso, o autor recebeu apenas 0,035% de seus créditos, pois tendo

direito a receber R$ 29.712,62, corrigido na data dos recebimentos dos alvarás,

recebeu apenas a quantia de R$ 1.058,75 diferença essa que somada a perda

pelos sucessivos e péssimos acordos, o autor teve um prejuízo de R$ 28.653,87,

por culpa do Réu, que o representou e o assistiu na ação trabalhista.

9- Não restam dúvidas quanto aos sucessivos atos lesivos causados pelo réu

que levaram o autor suportar descabido prejuízo pelo período de 1997 a 2010, ou

seja, por 13 anos!

Cabe ressaltar, a ilicitude dessas ações, pela omissão e negligência dos atos

cometidos pelo réu que tinha o dever de defender os interesses do autor. (fl s. 7-9)

Em precedentes, esta eg. Segunda Seção, talvez ainda sob os infl uxos da

anterior redação do art. 114 da Constituição Federal, adotou entendimento

no sentido de reconhecer a competência da Justiça Comum Estadual para o

processamento e julgamento de ação fundada em ato praticado no curso de

processo judicial, ainda que em âmbito de reclamação trabalhista, e mesmo que

ajuizada a ação contra sindicato.

Confi ra-se, a título de exemplo:

Confl ito negativo de competência. Juízo Estadual Comum. Juízo do Trabalho.

Indenização. Demissão. Ausência de comunicação de estabilidade. Atuação do

sindicato.

1. A competência em virtude da matéria é defi nida em função do pedido e

da causa de pedir. O pedido inicial não contém discussão concernente à vínculo

empregatício ou relação de trabalho envolvendo as partes, mas, sim, está baseado

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

544

em suposto prejuízo decorrente da indevida atuação do sindicato. A competência

para o julgamento da lide, assim, é da Justiça Comum Estadual.

2. Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 5ª Vara

Cível de Jaú-SP.

(CC n. 67.104-SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Segunda Seção,

julgado em 22.11.2006, DJ de 1º.2.2007, p. 391)

Conflito de competência. Reparação de danos. Sindicato. Substituição

processual. Omissão. Justiça Comum.

1 - O pedido relativo à reparação dos danos sofridos pelos autores em razão da

omissão do Sindicato na proteção de seus direitos deve ser apreciado pela Justiça

comum.

2 - Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara

Cível do Rio de Janeiro-RJ, o suscitado. (CC n. 47.577-RJ, Relator Ministro Fernando

Gonçalves, DJ de 13.4.2005)

Confl ito de competência. Dano moral. Ação proposta por empregador contra

sindicato de trabalhadores.

O núcleo da norma inscrita no art. 114, III, da Constituição Federal, diz respeito

às “ações sobre representação sindical”, não abrangendo aquela proposta por

empregador contra sindicato de trabalhadores visando a indenização de dano moral.

Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara

Cível de Limeira-SP.

(CC n. 87.730-SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, julgado em

14.11.2007, DJ de 10.12.2007, p. 288)

Nesse mesmo sentido: CC n. 32.986-RS, Relator Ministro Castro Filho;

CC n. 22.535-RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; CC n. 32.959-

SP, Relator Ministro Ari Pargendler; CC n. 53.874-MG, Relator Ministro Carlos

Alberto Menezes Direito; CC n. 30.133-PR, Relator Ministro Aldir Passarinho

Junior, DJ de 4.12.2000; CC n. 27.416-SP, Relator Ministro Nilson Naves, DJ de

20.3.2000.

Da mesma forma, verifi quem-se, exemplifi cadamente, as seguintes decisões

singulares: CC n. 123.975-MG, Relator Ministro Marco Buzzi; CC n. 125.250-

MG, Relator Ministro Luís Felipe Salomão; CC n. 108.661-SP, Relatora Ministra

Maria Isabel Gallotti; CC n. 115.489-SP, Relator Ministro Vasco Della Giustina;

CC n. 108.596-SP, Relator Ministro Paulo Furtado; CC n. 101.163-SP, Relator

Ministro Massami Uyeda.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 25, (230): 533-546, abril/junho 2013 545

Todavia, data maxima venia, esse entendimento merece ser reavaliado,

sendo o o caso sob exame bastante ilustrativo, dada a causa de pedir da ação

indenizatória, que em tudo recomenda que a apreciação seja feita pela própria

Justiça Laboral.

Segundo alega o trabalhador promovente, o sindicato laboral assumiu o

papel de representante de um grupo de trabalhadores da sociedade empresária

Encol para patrocinar reclamação trabalhista, inclusive com poderes para

celebrar acordos e receber em nome deles, representados, sendo que os alegados

danos materiais e morais seriam advindos justamente de defi ciente atuação do

sindicato na defesa dos interesses do autor perante a Justiça do Trabalho.

A propósito, destacam-se os seguintes trechos da exordial:

4- Não bastasse esse prejuízo inicial, em 9.9.1997, o sindicato fez um acordo

extrajudicial com a Encol, (...). Acordo homologado pelo Juízo, conforme cópia da

ata de audiência, anexo porém não cumprido pela reclamada, como se verá mais

adiante. (...)

7- Que o autor teve seu crédito reduzido, por culpa do Réu, que além de

fazer sucessivos acordos, reduzindo o crédito do autor, ainda causou a longa espera

para venda e liberação do crédito trabalhista, pois a Réu, não cumpriu o que foi

estipulado no acordo, (...).

Sendo que após longo debate e audiências entre o advogado contratado e o

sindicato, conseguiu-se, por determinação do MM. Juízo da 22ª Vara do Trabalho

de Belo Horizonte, a anulação das escrituras e registros de propriedades dos

apartamentos em nome dos reclamantes e fazendo novas escrituras e registros dos

imóveis, desta feita, nos termos do acordo realizado, ou seja, em nome do Sindicato, o

que possibilitou a venda dos mesmos, agora, no ano de 2010. (grifei, fl s. 8-9)

Como se vê, os fatos alegados na inicial dizem respeito a supostos atos

praticados em juízo e a consectários desses na esfera extrajudicial, os quais

confi gurariam conduta defi ciente e danosa praticada pelo sindicato requerido

ao representar o trabalhador, tendo como substrato a reclamação trabalhista na

qual os supostos acordos lesivos teriam sido fi rmados e homologados.

Nesse contexto, somente a Justiça Especializada terá plenas condições

de avaliar a procedência de tais alegações formuladas pelo autor contra o

sindicato réu, porquanto a ação movida pelo trabalhador faz referências a temas

notadamente de direito trabalhista e processual trabalhista. O juízo obreiro terá

melhor e mais adequada compreensão para avaliar as condutas imputadas ao réu

e suas consequências para o trabalhador.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

546

Somente no âmbito da Justiça Laboral, a mesma que antes conheceu e

julgou a lide original, na qual os acordos foram fi rmados, a demanda agitada

pelo promovente será adequadamente conhecida e julgada, com respaldo no art.

114, VI e IX, da Constituição Federal.

Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente para

processar e julgar o feito o d. Juízo da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-

MG, o suscitante.

Page 533: RSTJ 230 TOMO 1 (2PP) · Penal e Processual Penal. Ação penal originária. Denúncia oferecida contra Conselheiro de Tribunal de Contas Estadual e outros 16 (dezesseis) acusados