roteiro e modelo de alegações finais

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Processo Penal Prof. MSc. Alexandre Botelho Roteiro 4 Alegações Finais 1. Conceito Peça apresentada após o encerramento da instrução processual e antes da prolação da sentença. Atualmente, por força do art. 403, do CPP, as alegações finais, ou debates orais, são realizados em audiência, no prazo de 20 (vinte) minutos, pela acusação e defesa, respectivamente, prorrogáveis por mais 10 (dez) minutos, proferindo o magistrado, em seguida, a sentença. Quando apresentadas por escrito (art. 403, § 3º, em virtude da complexidade do caso ou do número de acusados; art. 404, parágrafo único, quando há deferimento de diligência), são denominadas de memoriais. Trata-se da apresentação dos argumentos finais de ambas as partes (acusação e defesa), após o encerramento da instrução processual, na qual são acentuados os elementos probatórios que evidenciam a condenação ou a absolvição do réu. 2. Fundamento jurídico 2.1 Alegações orais (regra): art. 403, CPP Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. 2.2 Alegações escritas (memoriais): art. 403, § 3º, CPP Art. 403, § 3 o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. 2.2 Alegações escritas (memoriais): art. 404, parágrafo único, CPP Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais.

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Processo Penal Pr of . MS c. Al exan dre Botel ho

Roteiro

4 Alegações Finais 1. Conceito

Peça apresentada após o encerramento da instrução processual e antes da prolação da sentença. Atualmente, por força do art. 403, do CPP, as alegações finais, ou debates orais, são realizados em audiência, no prazo de 20 (vinte) minutos, pela acusação e defesa, respectivamente, prorrogáveis por mais 10 (dez) minutos, proferindo o magistrado, em seguida, a sentença. Quando apresentadas por escrito (art. 403, § 3º, em virtude da complexidade do caso ou do número de acusados; art. 404, parágrafo único, quando há deferimento de diligência), são denominadas de memoriais. Trata-se da apresentação dos argumentos finais de ambas as partes (acusação e defesa), após o encerramento da instrução processual, na qual são acentuados os elementos probatórios que evidenciam a condenação ou a absolvição do réu.

2. Fundamento jurídico

2.1 Alegações orais (regra): art. 403, CPP Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. 2.2 Alegações escritas (memoriais): art. 403, § 3º, CPP Art. 403, § 3o O juiz poderá, considerada a complexidade do caso ou o número de acusados, conceder às partes o prazo de 5 (cinco) dias sucessivamente para a apresentação de memoriais. Nesse caso, terá o prazo de 10 (dez) dias para proferir a sentença. 2.2 Alegações escritas (memoriais): art. 404, parágrafo único, CPP Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou a requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais.

Parágrafo único. Realizada, em seguida, a diligência determinada, as partes apresentarão, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, suas alegações finais, por memorial, e, no prazo de 10 (dez) dias, o juiz proferirá a sentença.

3. Prazos

3.1 Alegações orais (regra): art. 403, CPP 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez). 3.2 Alegações escritas (memoriais) 5 (cinco) dias, sucessivamente, para a acusação e, após, a defesa.

4. Endereçamento

As alegações finais principiam-se com a indicação do juízo ou tribunal ao qual é endereçada (não se dirige à pessoa do juiz ou juíza), definindo a competência da autoridade judiciária para a demanda. Escreve-se o endereçamento por extenso e com letras maiúsculas negritadas.

Exemplo:

EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL - ESTADO DE SANTA CATARINA

O vocativo da petição judicial deve ser redigido caixa alta. A redação nessa forma se dá em sinal de polidez, deferência, respeito e elegância com o destinatário da peça processual. O “tratamento dispensado a Juízes de Direito deve ser EXCELENTÍSSIMO, em maiúscula e por extenso, sinal de polidez e deferência” (ACQUAVIVA, Marcos Cláudio; NEVES, Márcia Cristina Ananias. Redação forense. 2. ed. São Paulo: Cultura Jurídica, 1997, p. 23).

5. Características

A principal finalidade das alegações finais é enfatizar os aspectos positivos e negativos obtidos pela acusação e defesa ao longo da instrução processual. Serve ainda apara apontar eventuais falhas processuais, as quais deverão ser enfrentadas pelo magistrado na prolação da sentença e poderão servir de fundamento para a interposição de futuro recurso.

Normalmente revisita-se o fato narrado na denúncia ou queixa-crime e relacionam-se as provas que aproximam ou afastam o acusado deste fato e de suas circunstâncias.

6. Pedidos

6.1 Absolvição

Com supedâneo no art. 386, do CPP, a defesa deverá postular pela absolvição do acusado, devendo indicar e transcrever o inciso no qual fundamenta o seu pedido.

É certo que o pedido de absolvição pode se fundamentar em mais de um inciso do artigo 386, os quais devem ser formulados em separado, de forma a evitar confusão.

6.2 Desclassificação para crime menos grave

Identificar a possibilidade de desclassificação da conduta narrada na denúncia e demonstrada na instrução probatória para crime menos grave.

6.3 Benefícios penais

Após o pedido de absolvição, deve-se verificar:

a) possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;

b) diminuição da pena;

c) fixação do regime prisional menos severo;

d) suspensão condicional da pena (susis);

7. Fecho

A tradição forense legou o seguinte fecho às peças judiciais:

Exemplo:

Nesses termos,

Pede deferimento.

Necessário, após o fecho, indicar o nome do Promotor de Justiça, o local (normalmente o município sede da comarca) e a data de elaboração da denúncia.

Exemplo:

Florianópolis, 05 de abril de 2001.

Antonino Nonato Orozimbo

Promotor de Justiça

EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DA

CAPITAL - ESTADO DE SANTA CATARINA

(1)

(2)

(3)

(4)

(5)

(6)

(7)

(8)

(9)

(10)

JOÃO MARIA JOSÉ, natural de Florianópolis/SC, filho de José

Maria João e Maria João José, nascido no dia 30 de fevereiro de

1993, ajudante de serviços gerais, portador da cédula de

identidade n. 123.456-7, inscrito no CPF/MF sob o n.

111.222.333-44, domiciliado na Rua dos Inocentes, n. 19, fundos,

Bairro dos Imigrantes, Florianópolis, Santa Catarina, CEP 88.888-

888, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com

fundamento no art. 403, § 3º, do CPP, apresentar

ALEGAÇÕES FINAIS pelas razões e fundamentos jurídicos a seguir apresentados:

I – PRELIMINARMENTE: PERSONALIDADE DO PACIENTE

O paciente é soldador, atividade que exerce há 10 anos na empresa XYZW, localizada na Av. Geral, n. 419, Área Industrial, São José, Santa Catarina, conforme comprovam sua CTPS e contracheques acostados, não possuindo qualquer antecedente criminal ou fato desabonador de seu comportamento, consoante demonstram e comprovam as inclusas certidões de antecedentes criminais, tendo sempre pautado suas condutas profissionais e pessoais por ilibada ética e correção, sendo excelente pai de filhos bem criados e família exemplar (certidão de nascimento e casamento inclusas ao final).

O paciente não possui antecedentes criminais que desabonem sua conduta, possuindo ilibada reputação perante seus pares e sociedade, razão pela qual se conclui que o paciente é pessoa voltada para o trabalho, profissional dedicado e competente, exercendo sua profissão com rara dedicação por mais de 10 anos, possuindo emprego e domicílio fixos, é homem trabalhador e pacífico, com ótimos antecedentes de vida pregressa, portanto, cristalino que o mesmo não oferece qualquer perigo de dano à sociedade (periculum libertatis).

II – RESENHA FÁTICA

O paciente foi preso no dia 15/10/2012, quando retornava de seu trabalho, por policiais militares que lhe deram voz de prisão em virtude de crime praticado no dia 02/10/2012 (roubo de aparelho de som automotivo) e o conduziram à 1ª Delegacia de Polícia de Florianópolis, onde foi lavrado Auto de Prisão em Flagrante (APF n. 919/2012).

Pela importância que possui diante dos acontecimentos, registre-se que a autoridade policial que presidiu o flagrante não respeitou os direitos constitucionais assegurados a todos os acusados, quais sejam:

Ausência de flagrância: a Constituição da República assegura que ninguém será preso senão em flagrante deito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. No presente caso, tem-se a completa e absoluta ausência de qualquer situação que caracterize o estado de flagrância do paciente.

Imediata comunicação da prisão à família ou pessoa por ele indicada: a Constituição da República, ao assegurar a todos os cidadãos o direito de comunicar sua prisão a um familiar ou qualquer outra pessoa por ele indicada, tem por escopo evitar qualquer arbitrariedade no uso do poder estatal através de seus agentes. Infelizmente, em relação ao acusado, referido direito não foi respeitado, pois não lhe foi permitido informar os familiares ou clamar pela presença de seu advogado. Registre-se que, desde o momento da abordagem, quando foi preso pelos policiais militares, o acusado solicitou a presença de seu advogado, mas seu pedido foi solenemente ignorado por todos os agentes policiais.

Direito de permanecer calado: no rol dos direitos e garantias fundamentais encontra-se o de permanecer calado (nemo tenetur se detegere), de não produzir prova em seu desfavor. Todavia, in casu, mediante uso de coação e absoluta falta de informação, ao paciente não foi permitido usar de tal direito constitucional, posto que mediante emprego de ameaças psicológicas, foi obrigado a assinar o auto de prisão em flagrante.

Diante da evidente ausência de qualquer situação de flagrância, deveria a autoridade policial ter procedido, no máximo e ad cautelam, a tomada de declarações do paciente e imediatamente restituído seu direito a liberdade de locomoção.

A ausência de flagrância a justificar o malsinado auto de prisão em flagrante está caracterizada no seguinte: a) ausência de qualquer conduta delitiva por parte do acusado; b) ausência de qualquer elemento que caracterize a flagrância do acusado; c) inexistência de perseguição policial em desfavor do acusado; d) pequeno valor da coisa supostamente furtada (ou tentada); e) a res furtiva não foi encontrada na posse do acusado; f) ausência de reconhecimento da suposta vítima; g) inexistência de testemunhas que apontem o acusado como autor do suposto crime; h) ausência de instrumentos (michas, chaves falsas etc.) necessárias para a prática do suposto crime, em posse do acusado.

Não estando demonstrada nenhuma das circunstâncias que permitam a prisão em flagrante, percebe-se clara e inequívoca afronta aos direitos fundamentais do paciente, consagrados no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e urge a soltura do mesmo, mediante a expedição do competente alvará de soltura.

Não existem provas ou indícios que permitam, mesmo de forma vaga, tênue e imprecisa, imputar ao paciente os acontecimentos narrados no auto de prisão em flagrante, ou seja, não existem razões fáticas a demandar a manutenção da custódia do acusado.

III – FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PRESENTE PEDIDO

Provam os documentos idôneos, ora inclusos, tratar-se o paciente de réu primário, de bons antecedentes, com ocupação fixa que lhe garante o sustento, nada havendo que o desabone.

Ad argumentandum, em casos como o presente, se ficar provada a culpabilidade do réu, dadas as suas circunstâncias, mesmo em se tratando de delito com agravantes, por ser o acusado primário, de bons antecedentes, deverá ser condenado a pena mínima, diminuída em, pelo menos um ou dois terços e ser beneficiados com o sursis.

Portanto, mesmo se condenado, deverá o acusado ficar em liberdade. Deste modo, não se pode admitir sua permanência no cárcere durante a instrução processual, que só o prejudicará, já que estará, fatalmente, em convívio com reconhecidos marginais, além de não poder exercer sua profissão e auxiliar na manutenção do orçamento doméstico, prejudicando um número ainda maior de pessoas que dependem do paciente.

Inclusive, por razões de política criminal, não é aconselhável que menores de vinte e um anos, permaneçam em contato com delinquentes, ainda mais na presente situação, posto ter direito constitucional subjetivo de responder ao presente processo em liberdade.

É descabível e até incoerente a permanência do paciente no cárcere, sofrendo patente e manifesto constrangimento ilegal, convivendo com marginais de toda a espécie, sujeito aos mais variados constrangimentos físicos e morais, o que também é defeso pelo texto constitucional.

Registre-se que sequer o auto de prisão em flagrante deveria ter sido homologado, por não estar lastreado em elementos de convicção justificadores da instauração de um processo de criminal, ante a evidente ausência de flagrante, assim como pela ausência de depoimentos imparciais.

Como ficará sobejamente demonstrado, as acusações constantes do auto de prisão em flagrante, mercê de sua vacuidade e imprecisão, deveriam ter sido melhor investigadas antes de compor uma imputação contra o paciente. A autoridade policial, desatenta à gravidade de um processo criminal e infiel aos princípios constitucionais e processuais que legitimam qualquer procedimento acusatório, presidiu o flagrante em desfavor do paciente, fundamentando sua peça tão somente nos depoimentos dos policiais e da vítima, que nem ao menos reconheceu o paciente.

Por se encontrar órfã de provas ou mesmo de indícios que o corroborem, o auto de prisão em flagrante encontra-se completamente despido de elementos comprobatórios e divorciado da realidade dos fatos, devendo assim ser rejeitado.

Meras suposições, informações anônimas, indícios de suspeitas, sombras de possibilidades mantém o paciente preso, violando claramente seus direitos constitucionais, violando, finalmente, o próprio ordenamento jurídico, à imagem do que acontecia durante os períodos autocráticos de nossa história, mas, o que é pior, violando a Constituição em pleno sopro democrático, aniquilando todas as conquistas obtidas ao longo de séculos de história.

IV – DA INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE

É cediço que o auto de prisão em flagrante, como peça inquisitória, só deve ser chancelado pelo Poder Judiciário quando atender rigorosamente aos comandos previstos no texto constitucional e no diploma processual penal.

A manifestação jurisdicional no momento em que se recebe a comunicação de um cidadão que se encontra preso em flagrante, não é, portanto, um ato desobrigado de qualquer fundamentação. Em um Estado Democrático de Direito, impossível continuar silente a eufemismos e tergiversações tais como tratar aquilo que é uma verdadeira decisão como um simples despacho homologatório, sem maiores necessidades de fundamentação, sofismando-se assim, com a liberdade do ser humano que, por razões multifárias, viu-se envolvido nas malhas do Processo Penal.

O respeito à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, impende que se deixe de ler o texto constitucional com os olhos cansados do

autoritarismo, ainda não de todo insepulto no imaginário de muitos operadores do Direito, exigindo-se que o Estado-Juiz, após a prisão em flagrante e no primeiro momento em que é convocado a dizer sobre a quebra da regra que é a liberdade, sendo a prisão uma exceção, atue com desvelado esmero, sempre com a preocupação de que um incomensurável bem está sendo atingido.

O Processo Penal é garantia, é anteparo fornecido ao acusado contra os eventuais abusos do Estado. O juiz criminal é um custus libertatis e não um guardião da sociedade, como alguns ainda estão, equivocadamente, a se portar.

Neste diapasão, surge o Processo Penal como um instrumento de liberdade, arredando as pretensões fascistas da prisão a qualquer custo e a todo o momento, para reforço do entendimento de que esta é a última opção do processo, jamais a primeira, devendo, pois, o julgador ter redobrada atenção ao momento primeiro em que irá atuar como protetor do status libertatis dos cidadãos.

A continuidade da prisão em flagrante é medida de cunho jurisdicional, e não mais medida de urgência administrativa. Desde que comunicada a prisão ao juiz, é este quem vai decidir sobre aquela. Se o juiz mantém a prisão, ele o faz por decisão e ato seus, devendo ser motivada tal manutenção (art. 93, IX, CRFB/88) na medida em que se reveste de ímpar importância tal ato decisório, que trata diretamente a respeito da legalidade desta prisão e do status libertatis do cidadão.

Como medida pré-cautelar que é, a prisão em flagrante é sempre precária, dependendo, a sua continuidade, de urgencial valoração judicial. Nesse diapasão, afirma Aury Lopes Júnior “a prisão em flagrante é – não só no Brasil, mas também nos mais evoluídos sistemas processuais penais – uma medida pré-cautelar, cuja precariedade impõe uma curta duração e o imediato juízo de valor judicial. Ela não pode subsistir após o prazo de 24h, lapso máximo de tempo para que o auto de prisão em flagrante seja formalizado e submetido à apreciação judicial”.

Finalmente, “o processo penal é, antes e acima de tudo, um preito de homenagem à dignidade humana, pois o Estado, dotado de poder, não necessitaria das formalidades que o caracterizam para prender, acusar, condenar e executar a pena que deseja impor a alguém”, mas em respeito aos mais valiosos princípios consagrados na CRFB/88, exige-se do magistrado que o decreto de homologação de flagrante seja devidamente fundamentado.

Neste sentido, demonstrada a ausência de flagrância por parte do acusado, urge seja relaxado o flagrante que pesa em desfavor do paciente e expedido o competente alvará de soltura.

V – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na linha de equilíbrio que deve haver entre acusação e defesa, assume realce o direito à contraprova oferecida em face de uma prova apresentada para lastrear imputação certa e determinada contra si formulada. Qualquer acusação

vaga, imprecisa e desprovida de elementos de convicção dificulta sobremodo o exercício do direito de defesa por parte dos acusados, quer para negar a sua existência, quer para justificar a eventual ocorrência do fato que lhes são atribuídos.

Assim, os procedimentos de natureza acusatória devem ser precedidos de concretos dados que lhes deem um embasamento ao menos indiciário. É preciso que o procedimento venha a ser instaurado após a coleta de informações, que ensejem ao paciente o pleno conhecimento da imputação que lhes é feita, e em que elementos ela se encontra fundada.

A autoridade policial agiu incorretamente, com açodamento, em desrespeito aos princípios constitucionais, em descumprimento dos exatos termos do artigo 6.º e seguintes do Código de Processo Penal, especialmente do inciso III. Na verdade, não foi observado o precioso escólio de Vélez Mariconde: “quien no investiga lo necesário, para reclamar la protecion jurisidicional, empreende una aventura eticamente censurable y logicamente injustificable”.

É deveras difícil a elaboração de uma defesa pontual, apta a destruir a acusação que atinge o paciente. Como oferecer contra prova a uma acusação desprovida de prova? Como contestar, se a imputação é vaga, aleatória e imprecisa? Como, enfim, fazer prova do fato negativo? Na verdade, estamos assistindo a uma inexplicável e absurda inversão do ônus da prova.

Bastou que os populares não identificados nos autos afirmassem ter visto o paciente nas proximidades de um veículo, para que o paciente devesse provar sua improcedência, a despeito de não estarem minimamente respaldadas por dados concretos. O que justifica a credibilidade emprestada às suas declarações dos populares anônimos? Que estranho e insondável poder possuem suas palavras, para que se lhes emprestem foros de verdade absoluta?

Existe uma verdadeira ordenação de exigências para cada passo processual. Para as investigações é necessária a notícia do ato ilícito (notitia criminis), para o oferecimento de uma acusação formal, como a ação penal, é preciso mais, a suspeita do crime (opinio delicti), fundada em indícios verossímeis e elementos reais, que não se confunde com meras presunções, e para uma condenação final exige-se a prova do fato (corpus delicti).

Conforme magistério de José Frederico Marques, “do nominativo notitia, para opinio e deste para corpus, há uma graduação ascendente do elemento determinado em relação ao complemento determinativo do genitivo criminis ou delicti. Essas variações de grau traduzem o escalonamento ascendente da forma de cognição (notícia, suspeita e prova) da existência do fato típico”.

A avaliação da presença desses graus de convicção deve ser alvo de criteriosa análise por parte da autoridade processante. Uma perfunctória análise dos depoimentos prestados pelos policiais que conduziram o paciente à Delegacia leva à conclusão da absoluta inconsistência de seus conteúdos, ineptos para a instauração do presente processo criminal.

A acusação está completamente desprovida de amparo probatório. Possuem a respaldá-la apenas as palavras dos policiais condutores, maculadas por uma forte carga de ressentimento, mal disfarçados rancores e frustrações, capaz de influenciar o espírito mais sereno e equilibrado, como é possível vislumbrar no depoimento ofertado à autoridade policial por ocasião do Auto de Prisão em Flagrante.

As prévias investigações, com o condão de transformar a notitia em opinio, não se constituem em uma exigência descabida, perfumaria jurídica, formalismo anacrônico. Ao contrário, a persecução representada pela instauração de procedimento como o presente atinge, por suas características e efeitos, o status libertatis do paciente, razão pela qual deve estar lastreada por bases sólidas, razoáveis e fundadas.

Conhecedoras da necessidade de colher elementos viáveis, decorrentes da natureza punitiva do próprio processo, nações do mundo todo se empenham em regulamentar a fase investigatória, cuidando dela em capítulos próprios, nos quais vem ganhando destaque a preocupação em se respeitar os princípios democráticos, como o da ampla defesa e o da presunção de inocência.

Não é de hoje e não é privilégio nosso a preocupação em colher bases seguras antes de se submeter alguém aos dissabores de uma acusação formal. Ao contrário, é um interesse antigo, comum a todos os países democráticos, que vem ganhando relevância com o passar do tempo. E não é agora, com a consagração da democracia nacional, que esta preocupação pode ser esquecida.

VI – IMPRESTABILIDADE DOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE SUSTENTAM O AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE

À evidência, os únicos elementos de prova, constantes da denúncia, são as transcrições dos depoimentos dos policiais que abordaram e conduziram o paciente à Delegacia de Polícia. A prova carreada aos autos é, pois, exclusivamente oral, não existe elemento algum que confirme a materialidade do suposto crime imputado ao paciente.

Salta aos olhos a imprestabilidade de tais depoimentos. A parcialidade é evidente. É cediço que, em processos criminais, os testemunhos parciais têm pouquíssima ou nenhuma eficácia probante. Registre-se que nenhuma das demais testemunhas presentes a indigitada abordagem policial foram convocadas à Delegacia de Polícia para prestar seus depoimentos, pois, evidentemente, iriam contrariar com a engenhosa manobra empreendida.

No momento da ocorrência, diversos populares se encontravam presentes, podendo de forma livre e espontânea, testemunhar a inverdade dos fatos trazidos à colação no auto de prisão em flagrante, sustentada apenas nos depoimentos dos policiais condutores. Exsurge, às escâncaras, a imprestabilidade dos depoimentos em testilha, prestados contra o paciente.

Condutas como a perpetrada pelos policiais que abordaram o paciente e o conduziu à Delegacia de Polícia têm como motivação, nas palavras de Enrico Altavilla, um sentimento violento, como o ódio, o desejo de vingança, “verdadeiros estados mono-ideísticos, que alteram os processos perceptivos e de atenção” ou o ciúme, que age como um “ácido corrosivo que desagrega a personalidade ética e lhe altera a melhor parte, enquanto todos os processos psíquicos se concentram numa busca ansiosa, em cujo substracto germinam os mais estranhos erros de julgamento”.

Tais circunstâncias não podem ser ignoradas a ponto de se concluir que referidos depoimentos são, só por si, legitimadores da instauração de um procedimento criminal. Não o são. Suas nódoas profundas, sérias, impõem o reconhecimento de que as acusações lançadas, se não merecem imediata repulsa, estão a exigir apurada e serena investigação quanto aos procedimentos adotados por aqueles depoentes, qual seja, de imputar aos acusados a prática do tipo penal previsto no art. 155, do Código Penal Brasileiro, com o objetivo de lhes restringir a liberdade.

Pelo exposto, torna-se inevitável o reconhecimento da inépcia do auto de prisão em flagrante, tendo em vista a sua evidente indigência probatória, que induz ao reconhecimento da falta de justa causa para a instauração do presente processo crime.

Em arremate, “o importante, nesse assunto”, como leciona Edgard de Moura Bittencourt, “é que o juiz não se contente com a afirmação grave, sem apurar sua real consistência, nem se deixe impressionar pelo rótulo social ou funcional do depoente, porque neste, não obstante sua qualificação, pode abrigar-se a mentira consciente ou inconsciente, maldosa, covarde ou inocente. Mas de qualquer modo mentira” (Crime, p. 234).

VII – DO DIREITO À LIBERDADE

os acusados da prática de delito, em regra, devem responder ao processo em liberdade, exceto quando presentes os pressupostos ensejadores da prisão preventiva, que, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, apenas “poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da Lei Penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”, desde que obedecidos os critérios recentemente estabelecidos no art. 313, CPP.

Realmente, “a liberdade é a regra do Estado de Direito Democrático; a restrição à liberdade é a exceção, que deve ser excepcionalíssima, aliás. Ninguém é culpado de nada enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória; ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o causado continuará presumidamente inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu direito à ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao que o Juiz decidir sem fundamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação; logo não

pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando na decisão a eficácia pretendida pelo Juiz se amalgamadas com suficientes razões”. (STJ, 5ª Turma, HC n. 3871/RS, Rel. Ministro Edson Vidigal, DJ 13/11/1995).

A propósito, a jurisprudência dos tribunais pátrios é uníssona no sentido de que a simples suposição de que os acusados permanecerão com o agir criminoso não justifica, com fundamento na preservação da ordem pública, a imposição de uma medida restritiva do jaez da custódia preventiva dos réus, hipótese apenas aplicável se a sociedade viesse, por força da liberdade do mesmo, a se sentir desprovida de garantias para a sua tranquilidade.

A prisão preventiva é “medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, concebida com cautela, face ao princípio constitucional da inocência presumida, deve fundar-se em razões objetivas, indicativas de motivos concretos susceptíveis de autorizar a medida constritiva da liberdade. A mera invocação de reiteração de prática delituosa não consubstancia fundamento suficiente para a manutenção de custódia processual” (STJ, 6ª Turma, HC n. 15858/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJ 18/06/2001).

Necessário esclarecer que deve haver provas ou pelo menos indícios suficientemente fortes que permitam a conclusão de que os acusados prejudicarão a instrução criminal ou mesmo frustrarão eventual e futura aplicação da lei penal, mormente quando possuírem domicílio certo no qual poderão ser encontrados e ocupação lícita.

Ausentes os requisitos elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, impõem-se a concessão da liberdade provisória dos acusados de prática de crime de menor potencial ofensivo mediante promessa de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação do benefício, nos termos do art. 310, parágrafo único, da Lei Adjetiva, sendo desnecessário o pagamento de fiança.

Não merece respaldo resposta negativa ao presente pleito carreada na garantia da ordem pública, pois, como restou demonstrado, o paciente, além de possuir residência e emprego fixos, necessita retornar ao seu serviço o mais rápido possível, a fim de honrar a subsistência de sua família, e compromete-se, desde já, a comparecer a todos os atos do processo para os quais venha a ser intimado.

O paciente não coloca em risco as testemunhas e muito menos a instrução criminal, sua manutenção no ergástulo público, além de violar regra fundamental insculpida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, acarreta gastos para o Estado.

É certo que a ordem pública não será burlada e nem afetada com a soltura do paciente, pois não se justifica o argumento de que solto voltará à suposta prática delitiva, uma vez que seria fundamentação meramente de ordem subjetiva.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tratando de tema semelhante já se manifestou do seguinte modo:

Habeas Corpus n. 2004.018767-0, da Capital. Rel.: Des. Jaime Ramos. HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - ORDEM CONCEDIDA. Se o paciente é primário, tem antecedentes somente por infrações de menor potencial ofensivo em processos já extintos (um arquivado e outro com extinção da punibilidade), e não estando presente qualquer dos motivos da prisão preventiva, deve ser concedida a liberdade provisória, independentemente de fiança, mediante compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, mesmo no caso de crime inafiançável, desde que não seja hediondo.

No corpo do acórdão da mesma decisão mencionada acima, encontra-se o seguinte texto:

“Comprovando residência, ocupação e família, o paciente não se encontra, pelo menos por ora, em nenhuma das situações que autorizam a prisão preventiva, uma vez que esta é desnecessária, seja para garantia da ordem pública ou econômica, seja por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal”.

Conforme se verifica, o paciente não se enquadra em nenhum dos requisitos para a configuração do periculum libertatis, que justifique sua prisão cautelar senão vejamos:

O primeiro requisito, garantia da ordem pública, não se faz presente uma vez que não há qualquer indício de que o paciente, uma vez em liberdade, continuará a praticar ilícitos penais, com a consequente perturbação da ordem pública.

Com relação ao segundo requisito, garantia da ordem econômica, é o mesmo totalmente inaplicável ao caso, tendo em vista a natureza do suposto delito, motivo pelo qual não se alongará em seu exame.

No atinente à decretação da prisão cautelar com base na conveniência da instrução criminal, esta somente ocorrerá quando houver indícios suficientes de que o paciente, em liberdade, ameaçará testemunhas, tentará subornar peritos, ameaçará o juiz ou membro do Ministério Público, entre outros casos. Conforme se pode extrair do auto de prisão em flagrante, não existem quaisquer indícios ou início de prova material que comprovem a necessidade da manutenção da prisão provisória do paciente com base em tal requisito.

Quanto à decretação da medida cautelar tendo como subsídio para assegurar a aplicação da lei penal, dos autos não é possível deduzir tal ordem de coisas, pois o paciente, em momento algum, deu mostras de intentar escapar à aplicação das regras de índole penal, não devendo, portanto, servir como fundamento para o indeferimento do pleito ora apresentado.

Registre-se, por derradeiro, o escólio do mestre Heleno Cláudio Fragoso, de que “A prisão constitui realidade violenta, expressão de um sistema de justiça desigual e opressivo, que funciona como realimentador. Serve apenas para reforçar valores negativos, proporcionando proteção ilusória. Quanto mais graves são as penas e as medidas impostas aos delinquentes, maior é a probabilidade de

reincidência. O sistema será, portanto, mais eficiente, se evitar, tanto quanto possível, mandar os condenados para a prisão nos crimes pouco graves e se, nos crimes graves, evitar o encarceramento demasiadamente longo” (Lições de direito penal, p. 288).

VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O paciente está absolutamente tranquilo da correção de sua conduta diante dos fatos narrados no Auto de Prisão em Flagrante. Não desconhece, no entanto, que as acusações assacadas contra si, assumiram contornos de verdade sabida, especialmente pela desmesurada pretensão do jus puniendi despido de qualquer elemento probatório.

O fato que lhe é imputado, como exaustivamente demonstrado, não passa pelo crivo de uma verificação prévia. Houvesse sido realmente investigado, ter-se-ia a comprovação de que a imputação é absolutamente carecedora de fundamento.

Em virtude da completa ausência de elementos probantes a dar embasamento e credibilidade à acusação, toda ela calcada nas suspeitas e inverossímeis declarações dos policiais condutores, a defesa aguarda a rejeição do auto de prisão em flagrante, em razão de sua nulidade, decorrente da inépcia flagrante, que retira a indispensável justa causa para a propositura do presente processo.

A matéria preliminar arguida mantém íntima ligação com o mérito da acusação. Ao se analisar a increpação aduzida em desfavor do paciente mostrou-se, embora com as dificuldades decorrentes das imprecisões e vagueza constante do auto de prisão em flagrante, sua completa e total improcedência, assim como algumas inclusões falsas. São elas, portanto, ineptas para o fim colimado, qual seja o de processar criminalmente o paciente.

IX – DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO

Em face de todo o acima exposto e com fundamento nos dispositivos constitucionais e legais mencionados, além dos demais dispositivos que regem a espécie, requer-se, em favor do paciente, qualificado no preâmbulo desta peça, o direito à liberdade, sendo-lhe confeccionado liminarmente o competente alvará de soltura e, posteriormente, forte nos argumentos constitucionais e legais acima desenvolvidos, o trancamento do processo penal contra si instaurado, posto estar o paciente sofrendo inaceitável constrangimento ilegal e permanecendo preso sem a devida e exigível justa causa.

É o que, com o devido respeito, se deixa requerido.

Nesses termos,

Pede deferimento.

Florianópolis, 19 de setembro de 2014.

Antonino Nonato Orozimbo Advogado – OAB XXXXX