ricardo lobo torres curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

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E^k) -Ensino Superior Bmai Juááco RICARDO LOBO TORRES Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (aposentado). Professor de Direito Tributário nos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Gama Filho e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Doutor em Filosofia (UGF) e Lii/re-Docente em Direito Financeiro (UERJ'). Procurador do Estado do Rio de Janeiro (aposentado). CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO 1 7~ edição Atualizada até 31.12.2009 fí€NOVfífí Rio • São Paulo • fiecife 2010 Curitiba *í?soG*l/>CGS Respeite <> ifiretftoaufaraí

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E^k) - Ensino Superior Bmai Juááco

R IC A R D O L O B O T O R R E SProfessor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (aposentado). Professor de Direito Tributário nos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Gama Filho e da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro. Doutor em Filosofia (UGF) e Lii/re-Docente em Direito Financeiro (UERJ'). Procurador do Estado do Rio de Janeiro (aposentado).

CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO

17~ edição Atualizada até 31.12 .2009

fí€NOVfífíRio • São Paulo • fiecife

2010Curitiba *í?soG*l/>CGS

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Ensino Superior Bureau Jurídico

Ex. 12 19/04/2010NF 3143 54722

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Conselho Editorial: 0737Arnaldo Lopes Süssekind — Presidente Caio Tácito {in memoriam)Carlos Alberto Menezes DireitoCelso de Albuquerque Mello (in memoriam)Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.Nadia de Araújo Ricardo Lobo Torres Ricardo Pereira Lira

Reirisão Tipográfica: Ma de Fátima Cavalcante

Capa: Sheila Neves

Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda.

CIP~Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Torres, Ricardo Lobo C109p Curso de direito financeiro e tributário — 17a edição, atualizada até

31.12.2009 / Ricardo Lobo Torres. — Rio de Janeiro: Renovar, 2010. 470p. ; 21 cm.

ISBN 978857147-774-2

1. Tributário e financeiro. — Brasil. I. Título.

CD D 346.81052

Proibida a reprodução (Lei 9.610/98) Impresso no Brasil Printed in Brazil

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ES8J - Ensino Superior Burasu J&íáco

SUM ÁRIO

I a Parte - Introdução e Princípios Gerais

I - Atividade Financeira..................................................................................................3II - Direito Financeiro...................................................... .................... ....11III - Fontes do Direito Financeiro.................................. .............................. . 35IV - Os Direitos Fundamentais e as Finanças P úblicas................ ,...63V - Os Princípios Gerais do Direito Financeiro............................. ....87VI - Eficácia da Legislação Financeira.......................... .................... .. 133VII - Interpretação e Complementação do Direito Financeiro.... 143

2â Parte - O Orçamento

VIII - Aspectos Gerais do O rçam ento.......................................................... 171DC - A Receita e a D e sp e sa ...................................................................... 185X - Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária...................199

3a Parte - O Crédito Público

X I - O Empréstimo Público............................................................................. 215XII - O Banco Central....................................................... ................................ 223

4a Parte - Teoria da Tributação

XIII- Relação Jurídica Tributária.................................... ................................ 231X IV - Nascimento da Obrigação Tributária................ ................................ 241X V - O Crédito Tributário........................................................... ...... . 273XVI - Infrações e Sanções em Matéria Tributária..................................... 325XVII - Processo Tributário............................................... .............................. . 339XVIII - Sistem as Tributários........................................... ................................ 355X IX - Os Tributos.............................................................. .............................. . 369

índice de A utores....................................... ................................................429índice de A ssun tos............. ...................................................................... 433índice Sistem ático...................................................................................... 445

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£§BJ-&tsino Superior BureaiJuásfe

NOTA PRÉVIA À I a ED IÇÃO

Este livro tem finalidade didática. Destina-se precipuamente aos alunos dos cursos de bacharelado em Direito. Por isso mesmo foi escrito em linguagem direta, sem notas de rodapé e com o mínimo de citações no texto, deixando-se para as notas complementares a cada capítulo a indicação da bibliografia pertinente e as referências ao direito positivo e à jurisprudência. Seguiu-se aproximadamente o programa adotado na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, elaborado de início por Amilcar de Araújo Falcão, primeiro professor titular da cadeira de Direito Financeiro, que coin­cide em sua quase totalidade com os programas de outras Faculdades brasileiras.

Não posso deixar de registrar aqui os meus agradecimentos às pessoas que colaboraram, direta ou indiretamente, na elaboração do livro. A Flávio Bauer Noveili, que traçou a orientação pedagógica para o ensino do Direito Financeiro na Faculdade de Direito da UERJ. A Rosália Axminda Barbosa da Fonseca, que digitou os originais. A esta­giária Silvia Faber Torres, pelas pesquisas realizadas. As eficientes funcionárias das bibliotecas da Procuradoria Geral do Estado e da Faculdade de Direito da U ERJ, pelo auxílio prestado. A bibliotecária Sonia Regina Faber Torres, como sempre, por tudo.

Rio de Janeiro, janeiro de 1993.

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- Ensino S^erior Bureaj Júáíco

Para Leonardo e Mariana Torres Vannier, netos queridos.

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ES8J • Enáio Si$etor Bieeaa JidSca

I a P A R T E

INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS GERAIS

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ES8J - Ensmo S w b r Bure® âtó&o

CAPÍTULO i

Atividade Financeira

1. C O N C EIT O DE ATIVIDADE FINANCEIRA

Atividade financeira é o conjunto de ações do Estado para a ob­tenção da receita e a realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas.

Os fins e os objetivos políticos e econômicos do Estado só podem ser financiados pelos ingressos na receita pública. A arrecadação dos tributos — impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsó­rios — constitui o principal item da receita. Mas também são impor­tantes os ingressos provenientes dos preços públicos, que constituem receita originária porque vinculada à exploração do patrimônio públi­co. Compõem, ainda, a receita pública as multas, as participações nos lucros e os dividendos das empresas estatais, os empréstimos etc.

Com os recursos assim obtidos, o Estado suporta a despesa neces­sária para a consecução dos seus objetivos. Paga a folha de vencimen­tos e salários dos seus servidores civis e militares. Contrata serviços de terceiros. Adquire no m ercado os produtos que serão em prega­dos na prestação de serviços públicos ou na produção de bens públi­cos. Entrega subvenções econômicas e sociais. Subsidia a atividade econômica.

A obtenção da receita e a realização dos gastos se faz de acordo com o planejamento consubstanciado no orçamento anual.

Todas essas ações do Estado, por conseguinte, na vertente da re­ceita ou da despesa, direcionadas pelo orçamento, constituem a ativi­dade financeira.

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2. PO DER FINANCEIRO

A atividade financeira emana do poder ou da soberania financeira do Estado, O poder financeiro, por seu turno, é uma parcela ou ema­nação do poder estatal (ou da soberania), ao lado do poder de polícia, do poder penal, do poder de domínio eminente.

O poder financeiro se separa vertical e horizontalmente. Do pon­to de vista vertical identificam-se os poderes financeiros da União, dos Estados e dos Municípios, dos quais emanam as atividades financeiras federais, estaduais e municipais. Horizontalmente separam-se os po­deres financeiros de administrar, legislar e julgar, pelo que a atividade financeira será uma específica atividade administrativa vinculada à lei e controlada pelo Judiciário.

3. FAZENDA PÚBLICA

A atividade financeira envolve a constituição e a gestão da Fazen­da Pública, isto é, os recursos e as obrigações do Estado e a sua admi­nistração. Fazenda Pública é conceito que deve ser examinado do pon­to de vista objetivo e subjetivo.

A Fazenda Pública, objetivamente considerada, é o complexo dos recursos e obrigações financeiras do Estado. Constitui-se pelos recur­sos públicos, que compreendem assim os direitos criados pela legisla­ção e consignados no orçamento (créditos tributários, direitos deriva­dos da emissão de títulos da dívida pública, direitos patrimoniais) como os ingressos, isto é, os fundos que efetivamente afluem ao Te­souro (prestações tributárias, produtos da dívida pública, rendimen­tos-patrimoniais). Abrange também as obrigações financeiras, assumi­das de acordo com a permissão da lei ou a prévia autorização do orça­mento.

A Fazenda Pública, subjetivam ente considerada, confunde-se com a própria pessoa jurídica de direito público, tendo em vista que a responsabilidade do Estado é apenas financeira. Demais disso, aproxi­ma-se do conceito de Administração Financeira, com os seus órgãos incumbidos de realizar á atividade financeira, entre os quais, nos ter­mos do art. 37, X X II, da CF, as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essen­ciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carrei­ras específicas, que terão recursos prioritários para a realização de suas

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atividades e atuarão de form a integrada, inclusive com o com parti­lhamento de cadastros e de inform ações fiscais, na form a da lei ou convênio.

4. ATIVIDADE INSTRUM ENTAL

Característica importantíssima da atividade financeira é a de ser puramente instrumental. Obter recursos e realizar gastos não é um fim em si mesmo. O Estado não tem o objetivo de enriquecer ou de aumentar o seu patrimônio. Arrecada para atingir certos objetivos de índole política, econômica ou administrativa.

Apesar de instrumental, a atividade financeira não é neutra frente aos valores e princípios jurídicos, senão que a eles se vincula fortemen­te. A liberdade necessita das finanças do Estado para que possa se afirmar, ao mesmo tem po em que limita o exercício da atividade fi­nanceira. A justiça na sociedade moderna passa pela fiscalidade e pela redistribuição de rendas. Princípios como os da capacidade contribu- tiva, economicidade, legalidade, publicidade, irretroatividade e trans­parência informam permanentemente a atividade financeira.

Do seu caráter instrumental resulta que a atividade financeira está sempre relacionada com dinheiro, posto que este, como ser de relação que é, constitui o instrumento por excelência para a consecu­ção dos objetivos econômicos. O conceito de dinheiro é mais amplo que o de moeda, não se restringindo aos recursos que se expressem de acordo com o padrão monetário legal. Abrange todos os direitos e obrigações de natureza pecuniária, neles incluídos os bens patrimo­niais suscetíveis de exploração pelo Estado através de preços ou rendi­mentos. Só se excluem do seu conceito, não fazendo parte da ativida­de financeira, os bens públicos de uso comum.

A natureza instrumental da atividade financeira é que a distingue das atividades econômicas, políticas e administrativas, com as quais tem íntimo relacionamento. A atividade financeira se aproxima da econômica porque também é forma de obter recursos escassos; mas dela se distingue porque a atividade econômica, praticada por particu­lares, tem finalidade própria. Relaciona-se com a atividade política na medida em que ambas incorporam o momento autoritário da decisão; mas dela se afasta porque não tem o objetivo de manter o equilíbrio dos poderes do Estado nem o de realizar as políticas públicas. Aproxi­ma-se da atividade administrativa por ser uma específica forma de

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administração das finanças do Estado; mas dela se distancia porque a atividade administrativa persegue objetivos claros representados pela prestação de serviços públicos.

Observe-se, finalmente, que a natureza instrumental da atividade financeira está presente assim no campo da fiscalidade como no da ex- trafiscalidade. Os objetivos intervencionistas e regulatórios do Estado se instrumentalizam através do fenômeno da extrafiscalidade, não possuin­do esta uma finalidade em si mesma, seja no aumentar, seja no diminuir o valor dos tributos para inibir ou incentivar a atividade econômica.

5. EXTENSÃO DA ATIVIDADE FINANCEIRA

A atividade financeira é a exercida pelos entes territoriais (União, Estados e Municípios) e respectivas autarquias, que se enquadram na noção de Fazenda Pública. A obtenção de receita para suprir as neces­sidades públicas, nota característica da atividade financeira, visa à prestação de serviços públicos e à defesa dos direitos fundamentais, missão precípua das pessoas jurídicas de direito público.

Exclui-se do conceito de atividade financeira a que é exercida pelos órgãos da administração indireta dotados de personalidade jurí­dica de direito privado. As sociedades de economia mista, as empresas públicas, as fundações e demais sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público não se integram à Fazenda Pública e as ações que desen­volvem não se compreendem no conceito de atividade financeira. E bem verdade que a partir da Constituição de 1988 (arts. 70 e 165) tais fundações e empresas estatais sofrem o controle do Tribunal de Con­tas e têm o seu orçamento incluído na lei orçamentária anual, ao lado do orçamento da seguridade. Mas esse controle se faz de modo global e indireto, sem retirar a agilidade negociai e a autonomia dessas pes­soas de direito privado e sem confundir-lhes os interesses com o com­plexo de direitos e obrigações que constitui a Fazenda Pública. A ati­vidade do Estado-Empresário não se subsume no conceito de ativida­de financeira do Estado, no sentido rigoroso da expressão. A exceção passou a constituí-la a “super-receita”, que unifica a Secretaria da Re­ceita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária, transformando- as em Secretaria da Receita Federal do Brasil (Lei n° 11.457, de 16.03.2007), tudo o que encontrou justificativa na confusão feita pela Constituição entre tributos e ingressos parafiscais.

Estrema-se também do conceito de atividade financeira o conjun­to de ações exercidas pelo sistema financeiro privado, representado

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ES8J - Ereino Sup@to Bimau Jt^fce

pelos bancos, seguradoras, corretoras e demais instituições financei­ras. Há entre as duas atividades um certo relacionamento, servindo de elo de ligação o Banco Central, que é ao mesmo tempo o detentor do monopólio da emissão de moeda e o órgão fiscalizador do sistema fi­nanceiro nacional (arts. 164 e 192 da CF 88). A expressão atividade financeira tem a mesma extensão do termo “finanças0 que, surgindo na Idade Média por derivação da palavra latina finare, é sinônimo de finanças públicas, e não se aplica às finanças privadas.

6. ESTADO FINANCEIRO

A atividade financeira configura e delimita uma certa faceta do Estado Moderno, que é a do Estado Financeiro, que se desenvolve desde o fenecimento do feudalismo até os nossos dias, exibindo con­torno diferente em suas várias fases: Estado Patrimonial, Estado de Polícia, Estado Fiscal e Estado Socialista.

O Estado Patrimonial aparece, na Europa, em duas vertentes dis­tintas: a inglesa e a holandesa, em que já desde o século XVI emergem os interesses da burguesia e na qual não se formam os monopólios estatais; e a que predominou na França, Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal, com os monopólios e os rígidos privilégios jcorporativos. O Estado Patrimonial, que surge com a necessidade de uma organização estatal para fazer a guerra, agasalha diferentes realidades sociais — políticas, econômicas, religiosas etc. Mas a sua dimensão principal — que lhe marca o próprio nome — consiste em se basear no patrimonia- lismo financeiro, ou seja, em viver fundamentalmente das rendas pa­trimoniais ou dominiais do príncipe, só secundariamente se apoiando na receita extrapatrimonial de tributos. A característica patrimonialis- ta, porém, não decorre apenas dos aspectos quantitativos, posto que o fundamental é que o tributo ainda não ingressava plenamente na esfe­ra da publicidade, sendo apropriado de forma privada, isto é, como resultado do exercício da jurisdictio e de modo transitório, sujeito à renovação anual. No Estado Patrimonial se confundem o público e o privado, o imperium e o dominium} a fazenda do príncipe e a fazenda pública.

O Estado de Polícia sucede o Estado Corporativo, de Ordens ou Estamental, especialmente no século XVIII, e antecede o Estado de Direito, de cujos adeptos recebe o apelido pejorativo. Alguns o subsu- mem ainda no conceito de Estado Patrimonial, em seu momento mo-

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dernizador. Floresce principalmente na Alemanha e na Áustria e M transmigra com certo atraso para a Itália, para a Espanha e para Portu- M gal na época pombalina. Mas não penetra na Inglaterra, na Holanda e ffi em algumas cidades italianas, nas quais já começam a prevalecer os J| interesses burgueses; nem na França, onde a passagem do patrimonia- |t lismo ao liberalismo se faz revolucionariamente. O Estado de Polícia é j | modernizador, intervencionista, centralizador e paternalista. Baseia-se m na atividade de “polícia”, que corresponde ao conceito alemão de Po- f| lizei, e não ao de política no sentido grego ou latino, eis que visa sobre- | tudo à garantia da ordem e da segurança e à administração do bem-es- Í! tar e da felicidade dos súditos e do Estado. f|

O Estado de Polícia, com o seu absolutismo político e a sua eco- S nomia mercantil ou comercial, foi historicamente substituído pelo Es- || tado Fiscal, com a sua estrutura econômica capitalista e o seu liberalis- J§ mo político e financeiro. O que caracteriza o surgimento do Estado §1 Fiscal, como específica figuração do Estado de Direito, é o novo perfil Jl da receita pública, que passou a se fundar nos empréstimos, autoriza- m dos e garantidos pelo legislativo, e principalmente nos tributos — in- Ij gressos derivados do trabalho e do patrimônio do contribuinte — ao | | revés de se apoiar nos ingressos originários do patrimônio do príncipe, j j Deu-se a separação entre o ius eminens e o poder tributário, entre a J§ fazenda pública e a fazenda do príncipe e entre política e economia, j| fortalecendo-se sobremaneira a burocracia fiscal, que atingiu um alto jl grau de racionalidade. Só o capitalismo resolveu a crise financeira dos J| Estados, pois garantiu os empréstimos com a receita de impostos e |§ permitiu o aumento da arrecadação através do aperfeiçoamento da t| máquina burocrática, da extinção dos privilégios e isenções do antigo § regime e da reforma dos sistemas tributários, estas últimas favorecidas f| pelos novos instrumentos jurídicos criados pela burguesia, como as f| sociedades anônimas e diversos contratos nominados que passam a § servir de base racional aos impostos, mormente o de renda. Com o f| Estado Fiscal se aperfeiçoam os orçamentos públicos, substitui-se a | tributação do campesinato pela dos indivíduos, minimiza-se a inter- 1 venção estatal, tudo o que representa uma nova Constituição Finan- | ceira. O Estado Fiscal, projeção financeira do Estado de Direito, co- | nheceu três fases distintas: a do Estado Fiscal Minimalista, a do Estado f Social Fiscal e a do Estado Democrático e Social Fiscal: |

a) O Estado Fiscal Minimalista, que se estende do final do séc. §XVIII ao início do séc. XX , aproximadamente, corresponde à fase do | Estado Guarda-Noturno ou Estado Liberal Clássico, que se restringia f

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ES8J - Ensino Si©6fior Bureau Judács

ao exercício do poder de polícia, da administração da justiça e da pres­tação de uns poucos serviços públicos, não necessitando de sistemas tributários amplos, por não assumir demasiados encargos na via da despesa pública e por não ser o provedor da felicidade do povo, como acontecera no patrimonialismo;

b) o Estado Social Fiscal corresponde ao aspecto financeiro do Estado Social de Direito (ou Estado de Bem-estar Social, ou Estado Pós-liberal, ou Estado da Sociedade Industrial), que floresce no Oci­dente no curto séc. X X (de 1919a 1989, aproximadamente). Deixa o Estado de ser o mero garantídor das liberdades individuais e passa à intervenção na ordem econômica e social. A atividade financeira con­tinua a se fundamentar na receita de tributos, proveniente da econo­mia privada, mas os impostos deixam-se impregnar pela finalidade social ou extrafíscal, ao fito de desenvolver certos setores da economia ou de inibir consumos e condutas nocivas à sociedade. Pela vertente da despesa a atividade financeira se desloca para a redistribuição de ren­das, através do financiamento da entrega de prestações de serviços públicos ou de bens públicos, e para a promoção do desenvolvimento econômico, pelas subvenções e subsídios. O orçamento público se ex­pande exageradamente e o Estado Social Fiscal entra em crise finan­ceira e orçamentária a contar do final da década de 70;

c) A partir da queda do muro de Berlin (1989), que, com o seu simbolismo, marca o início do processo de globalização, a crise dos socialismo e dòs intervencionismos estatais e a mudança dos paradig­mas políticos e jurídicos, fortalece-se o Estado Democrático e Social Fiscal, que coincide com o Estado Democrático e Social de Direito (ou Estado Subsidiário, ou Estado da Sociedade de Risco, ou Estado de Segurança). Mantém características do Estado Social, mas passa por modificações importantes, como a diminuição do seu tamanho e a restrição ao seu intervencionismo no domínio social e econômico. Vive precipuamente dos ingressos tributários, reduzindo, pela privati­zação de suas empresas e pela desregulamentação do social, o aporte das receitas patrimoniais e parafiscais. Procura, na via da despesa pú­blica, diminuir as desigualdades sociais e garantir as condições neces­sárias à entrega de prestações públicas nas áreas da saúde e da educa­ção, abandonando a utopia da inesgotabilidade dos recursos públicos. Nele se equilibram a justiça e a segurança jurídica, a legalidade e a capacidade contributiva, a liberdade e a responsabilidade. Entra em séria crise financeira mundial no ano de 2008, em decorrência de fa­lhas regulatórias, que passam a ser corrigidas pelos órgãos cosmopoli­

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tas em 2009 (FMI, Banco Mundial, O C D E e G -20) e pelos Tesouros nacionais de diversos países.

Quanto ao Estado Socialista, é neopatrimonialista. Vive precipua- mente do rendimento das empresas estatais, representando o imposto papel subalterno e desimportante. Entrou em rápida deterioração nos últimos anos, após a reunificação da Alemanha e a extinção da União Soviética, subsistindo apenas em poucos países (China, Cuba, etc.). Pretendia ser o momento final do Estado Financeiro, substituindo o Estado Fiscal. Hoje retorna rapidamente à economia de mercado e à atividade financeira lastreada nos impostos, reaproximando-se do Es­tado Fiscal.

NOTAS COM PLEM ENTARES

í. Bibliografia: BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004; DEODATO, Alberto. M anual de Ciência das Finanças. São Paulo: Saraiva, 1984; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007; RODRIGUES BEREIJO, Alvaro. Introduccion a l Estú­dio dei Derecho Financiero. Madrid: Instituto de Estúdios Fiscales, 1976; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Sistema de Derecho Financiero. Madrid: Universidade Complu- tense, 1977, v. I.

II. Direito Positivo: Constituição Federal de 1988 — arts. 145 a 169 e 192; Constitui­ção dos Estados Unidos da América — art. I a, Seção 8; Constituição da República Federal da Alemanha — arts. 105 a 114; Lei 4.320, de 17.3.64. Lei Complementar n° 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

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E&J * EfisÁo Superior 8uraau JtaSSeo

CAPITULO II

Direito Financeiro

1. CO N C EITO DE DIREITO FINANCEIRO

O Direito Financeiro deve ser estudado sob duas óticas diferen­tes, conforme seja entendido como ordenamento e como ciência. Da mesma forma que qualquer outro sistema jurídico (Direito Civil, Pe­nal, Comercial etc.), o Direito Financeiro se abre para a classificação que distingue entre o sistema objetivo e o científico (ou sistemas inter­no e externo). O sistema objetivo compreende as normas, a realidade, os conceitos e os institutos jurídicos. Sistema científico é o conheci­mento, a ciência, o conjunto de proposições sobre o sistema objetivo, o discurso sobre a própria ciência.

Tendo em vista que a característica básica de qualquer sistema jurídico é o pluralismo, o Direito Financeiro também se pluraliza, di­vidindo-se em inúmeros ramos e disciplinas, que por seu turno convi­vem com as outras ordens jurídicas parciais no ambiente da interdisci- plinaridade, como veremos adiante.

O problema das relações entre o ordenamento e a ciência, entre o sistema objetivo e o subjetivo, bem como o da supremacia de um deles sobre o outro, é de índole filosófica e escapa ao interesse imediato deste compêndio. Importante observar, todavia, que o relacionamen­to deve se desenvolver sempre de modo crítico e sob a perspectiva da teoria e da prática.

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2. O DIREITO FINANCEIRO CO M O ORDENAMENTO

O Direito Financeiro, como sistema objetivo, é o conjunto de nor­mas e princípios que regulam a atividade financeira. Incumbe-lhe dis­ciplinar a constituição e a gestão da Fazenda Pública, estabelecendo as regras e procedimentos para a obtenção da receita pública e a realiza­ção dos gastos necessários à consecução dos objetivos do Estado.

Discute-se muito a respeito da autonomia do Direito Financeiro e da possibilidade de consistir em um sistema com normas e institutos próprios. De um lado autores como Amilcar de Araújo Falcão e D. Jarach negam a independência fenomênica do Direito Financeiro,, que se dilui no Direito Administrativo, no Processual, no Constitucional etc. D e outra parte aparecem os autonomistas, como Baleeiro, Trota- bas e Griziotti, que defendem a independência dogmática do Direito Financeiro, dando-lhe, porém, status meramente formal, a ser com­plementado pela economia financeira e pela política. Mas a verdade está na tese do pluralismo, segundo o qual o Direito Financeiro, embo­ra autônomo, está em íntimo relacionamento com os demais subsiste- mas jurídicos e extrajurídicos: é autônomo porque possui institutos e princípios específicos, como os da capacidade contributiva, economi- cidade, equilíbrio orçamentário, que não encontram paralelo em ou­tros sistemas jurídicos; mas, sendo instrumental, serve de suporte para a realização dos valores e princípios informadores dos outros ra­mos do Direito.

O Direito Financeiro se divide em vários ramos:

Í Direito Tributário Direito Patrimonial Público Direito do Crédito Público

Direito da Dívida Pública Direito das Prestações Finan­ceiras

Direito Orçamentário

O Direito Tributário ou Fiscal é o ramo mais desenvolvido, que oferece normas melhor elaboradas, em homenagem à segurança dos direitos individuais. Já está codificado em diversos países. Quanto à denominação, as expressões Direito Tributário e Direito Fiscal podem ser tomadas quase como sinônimas, dependendo principalmente do gosto nacional: no Brasil vulgarizou-se a referência ao Direito Tributá­rio, enquanto os franceses preferem Direito Fiscal (Droit Fiscal); há,

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Direito Financeiro Despesa Pública

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entretanto, vozes que pretendem atribuir ao Direito Fiscal conteúdo mais extenso a abranger todas as atividades do Fisco, inclusive as per­tinentes aos gastos públicos. O Direito Tributário é o conjunto de nor­mas e princípios que regulam a atividade financeira relacionada com a instituição e cobrança de tributos: impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. O Direito Tributário se subdivide em m a­terial e formal: aquele, a compreender as normas e princípios sobre a instituição e a disciplina jurídica dos tributos; o direito tributário for­mal cuida dos deveres instrumentais e dos procedimentos de arreca­dação dos tributos.

O Direito Patrimonial Público é o ramo do Direito Financeiro que disciplina a receita originária do próprio patrimônio do Estado. O pre­ço público cobrado pela prestação de serviço inessencial, as contra- prestações financeiras pela utilização de bens do Estado, os aluguéis e as demais fontes da receita originária fornecem o conteúdo do Direito Patrimonial Público.

O Direito do Crédito Público é o ramo do Direito Financeiro que regula a emissão dos títulos públicos e a captação de empréstimo no mercado aberto de capitais ou diretamente nos estabelecimentos ban­cários nacionais e estrangeiros.

O Direito da Dívida Pública, pulverizado em inúmeras normas não codificadas, compreende a disciplina da dívida do Estado, desde o empenho até o pagamento das obrigações.

O Direito das Prestações Financeiras é o conjunto de princípios e normas sobre as transferências de recursos do Tesouro Público, que não representem contraprestação de aquisição de bens e serviços. Abrange as subvenções a governos e a particulares, as participações sobre o produto da arrecadação, os incentivos fiscais e as despesas invisíveis, como os subsídios e as isenções. O Direito das Prestações Financeiras é complementar ao Direito Tributário: este não pode ser compreendido nem medido em seu grau de centralismo e de magna­nimidade sem a consideração dos mecanismos financeiros que o com­plementam, especialmente as participações dos entes políticos meno­res sobre a arrecadação de tributos alheios e a distribuição de benefí­cios a terceiros.

3. O DIREITO FINANCEIRO CO M O CIÊN C IA

A Ciência do Direito Financeiro estuda as normas e os princípios que regulam a atividade financeira. Elabora o discurso sobre as regras da constituição e da gestão da Fazenda Pública.

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O sistema científico do Direito Financeiro é normativo. É sistema do dever-ser no sentido deontológico e axiológico. A recuperação do equilíbrio entre ser e dever-ser ou entre juízos de realidade e de valor só a produzirá a ciência normativa, superando o neutralismo e a utopia cientificista. Esse aspecto da Ciência do Direito Financeiro é deveras importante, pois, aqui e no estrangeiro, contrasta com posições positi­vistas antagônicas e radicais: l â — a do normativismo, que apresenta o Direito Financeiro como ciência “do” normativo, descritiva do dever- ser lógico e formal, na linha do pensamento de Kelsen e de seus segui- S dores; 2â — a do formalismo, que separa rigidamente a Ciência das i | Finanças do Direito Financeiro, cabendo a este o estudo da essência | | dos impostos ou a exposição dos princípios e das normas referentes à imposição (A. D. Giannini, A. A. Falcão); 3â — a do causalismo, que, sob a inspiração da sociologia e da economia utilitarista, examina a norma financeira como reflexo de causas sociais e históricas (Griziotti |

nn , 1 'xe IrotabasJ.A Ciência do Direito Financeiro é aberta. Vai buscar fora de si, na

ética e na filosofia, os seus fundamentos e a definição básica dos valo­res. Temas como o da justiça fiscal, da redistribuição de rendas, do federalismo financeiro, da moralidade nos gastos públicos voltam a ser examinados sob a perspectiva da Ética, da Filosofia Política e da Teoria | da Justiça, que recuperam o seu prestígio nos últimos anos.

A Ciência do Direito Financeiro é pluralista. Abre-se para o plu- | ralismo metodológico, apoiando-se em vários m étodos — racionais e empíricos, dedutivos e indutivos, explicativos e normativos. Admite o pluralismo de doutrinas e a crítica permanente, pois a sua identifica­ção com uma só doutrina conduz ao fechamento totalitário e ao absur- |g do de se aceitar o sistema científico global; não há nenhuma proposta §f teórica pronta e acabada sobre o Direito Financeiro, mas uma perma- |§ nente, democrática e aberta discussão sobre os valores fundamentais jj do Estado Social de Direito. Com preende uma pluralidade de subsis- | temas científicos, orgânica e coerentemente agrupados, a estudar as Jj normas e os princípios reguladores da receita e da despesa pública. jj

Com respeito ao problema da autonomia didática do Direito Fi- I nanceiro, várias são as posições. D e um lado colocam-se os que defen- § dem a tese do fraccionamento, segundo a qual o Direito Financeiro | não tem existência autônoma, diluindo-se na Ciência do Direito Ad- | ministrativo, na Teoria da Constituição e em outras disciplinas jurídi- j cas. Outros defendem-lhe a autonomia científica, unificando-a, em- | bora, com a Ciência das Finanças (Griziotti e Trotabas). Mas a tese §

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mais coerente é a da interdisciplinaridade, em que a Ciência do Direi­to Financeiro aparece em permanente diálogo com as outras discipli­nas jurídicas e extrajurídicas, mercê do coeficiente de normatividade que a todas informa: tanto o Direito Financeiro quanto as ciências próximas (Economia, Finanças e Política) apresentam um núcleo co­mum de normatividade, ou seja, contêm elementos para a programa­ção da vida social e para o estabelecimento de regras do dever-ser, o que se traduz em interdisciplinaridade.

A Ciência do Direito Financeiro pode ser dividida em tantos sub- sistemas quantos são os do fenônemo do Direito Financeiro, que vi­mos antes (p. 12). Do lado da receita pública vamos encontrar a Ciên­cia do Direito Tributário, a Teoria do Direito Patrimonial Público e a Teoria do Crédito Público. Na vertente da despesa, a Teoria da Dívida Pública e a Teoria do Direito das Prestações Públicas. Com o síntese, a Teoria do Orçamento. D e todas elas foi a Ciência do Direito Tributá­rio a que conseguiu maior grau de aperfeiçoamento doutrinário.

A Ciência do Direito Financeiro é relativamente recente no pano­rama do sistema jurídico externo. Surge na primeira década do século X X , com o livro do austríaco Myrbach-Rheinfeld traduzido para o francês (p. 32). Desenvolve-se extraordinariamente na Alemanha, ini­cialmente pelo trabalho de Enno Becker, autor do Código Tributário de 1919; depois afirma-se pela obra de juristas do porte de Hensel, Nawiasky e O. Bühler; sofre, mais tarde, a influência perversa do na­cional socialismo, que atinge inclusive o grande jurista E. Becker; re­cupera o seu prestígio após a 2- Guerra Mundial, sendo hoje os seus mais importantes representantes os professores K. Tipke (Universida­de de Colônia, aposentado) e Paul Kirchhof (Universidade de Heidel- berg). Na Itália o Direito Financeiro e a Ciência das Finanças tiveram notável progresso nas décadas de 30 e 40 (A.D. Giannini, B. Griziotti, E. Vanoni, Einaudi, A. Berliri), embora em parte prejudicados pela emergência do facismo; nas últimas décadas vem perdendo o seu vigor teórico. Ao m esmo tem po em que perdia prestígio o Direito Financei­ro na Itália crescia o interesse pelo seu estudo na Espanha, que tem hoje uma brilhante geração influenciada por Sainz de Bujanda. Nos Estados Unidos os estudos financeiros se diluem na Ciência das Finan­ças e na Economia (Musgrave, Pechman, Surrey, Buchanan) ou no D i­reito Constitucional (Tribe). A Argentina tem tido juristas importan­tes (Giuliani Fonrouge, D. Jarach). No Brasil a meditação jurídica so­bre as finanças públicas encontra o seu momento mais alto, do ponto de vista constitucional, na obra de Rui Barbosa, nosso primeiro Minis­tro da Fazenda republicano; importante foi a geração liberal surgida

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com a queda do Estado Novo (A. Baleeiro, Bilac Pinto, A. Deodato e, mais tarde, Amilcar Falcão, Flávio Bauer Novelli e Ruy Barbosa No­gueira); grande brilho alcançou, pelo trabalho interdisciplinar, a Co­missão que elaborou o Código Tributário Nacional (Rubens Gomes de Souza, Gilberto de Ulhoa Canto e Gerson Augusto da Silva); nos últi­mos anos a Ciência do Direito Financeiro, especialmente em seu ramo tributário, derivou para o positivismo formalista e normativista, em nítido contraste com a doutrina estrangeira, com raras exceções, como é o caso de Ives Gandra da Silva Martins.

4. RELAÇÕES COM OUTROS RAMOS DO DIREITO E COM OUTRAS DISCIPLINAS JURÍDICAS

4.1. Direito Constitucional

A Constituição brasileira regula minuciosamente a matéria finan­ceira. Cria o sistema tributário nacional, estabelece as limitações ao poder tributário, proclama os princípios financeiros básicos, faz a par­tilha dos tributos e da arrecadação tributária, dispõe sobre o crédito público, desenha todo o contorno jurídico do orçamento e disciplina a fiscalização da execução orçamentária (arts. 70 a 75 e 145 a 169). Só a Constituição da Alemanha é que se aproxima da brasileira, pelo ca­suísmo de sua regulamentação. As normas e princípios financeiros in­cluídos no texto básico são formalmente constitucionais, posto que aparecem explicitamente e deflagram o controle judicial da constitu- cionalidade se contrariados pelas normas ordinárias; mas também são constitucionais do ponto de vista material, eis que constituem um certo tipo de organização estatal — o Estado Social Fiscal — e algumas delas têm eficácia meramente declaratória, por emanarem diretamen­te dos direitos fundamentais e dos valores jurídicos (as normas de imunidade, de proibição de privilégios odiosos e dos princípios da jus­tiça e da segurança jurídica). Pode-se, portanto, falar de um Direito Constitucional Financeiro, com a prevalência da dimensão constitu­cional das normas financeiras. Mas o leitor encontrará também opi­niões no sentido da existência de um Direito Financeiro Constitucio­nal (A. Baleeiro), em que apenas formalmente as normas teriam digni­dade constitucional, mantendo o seu conteúdo financeiro.

Os estudos sobre as normas e os princípios financeiros da Consti­tuição compõem o corpo de doutrina da Teoria da Constituição Finan­ceira ou da Ciência do Direito Constitucional Financeiro, expressões

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que já denotam a opção em termos metodológicos. A disciplina tem por objeto o estudo do Direito Financeiro sob o prisma da Constitui­ção, isto é, preocupa-se com os aspectos constitucionais das finanças públicas, e não meramente com os aspectos financeiros da Constitui­ção. Essas duas linhas de raciocínio é que marcam todos os estudos sobre o tema, dando lugar à Ciência do Direito Constitucional Finan­ceiro ou à Ciência do Direito Financeiro Constitucional. Os constitu- cionalistas costumam dar mais atenção aos aspectos constitucionais das finanças; entre os tributaristas e financistas muitos privilegiam os aspectos financeiros da Constituição.

O Direito Financeiro se relaciona também com os outros aspectos do Direito Constitucional ou com as outras Subconstituições. Com o Direito Constitucional Político as relações são estreitas, pois questões como a da democracia, do autoritarismo, do federalismo e do equilí­brio entre os poderes envolvem sempre aspectos financeiros. A mes­ma coisa acontece com o Direito Constitucional Econômico, mor­mente em assuntos básicos como os do intervencionismo, do mercado social, da livre iniciativa e da extrafiscalidade.

4.2. Direito Civil

Importantíssimas as relações entre o Direito Financeiro, princi­palmente o seu ramo tributário, e o Direito Civil, que, inclusive, se colocam em perfeita simetria e paralelismo com outros conjuntos de problemas: o da interpretação do Direito Tributário, especialmente no que concerne à problemática da interpretação econômica; o das san­ções e da ilicitude da elisão, que é abuso de forma jurídica. As escolas e as correntes, que ofereceram as principais respostas, podem ser agrupadas em três direções diferentes, não obstante o fato de haver profunda divergência entre alguns de seus membros. Uma das respos­tas enfatiza a importância do Direito Tributário, a outra, a do Direito Civil, e a última defende a interdisciplinaridade.

a) Autonomia do Direito Tributário. A primeira orientação afir- ma-se no sentido da autonomia do Direito Tributário, que formaria os seus conceitos independentemente do Direito Civil; sendo um ramo mais jovem, não estaria jungido aos conceitos elaborados pela Ciência do Direito Civil, podendo buscar com mais liberdade as definições básicas para a incidência tributária. A tese da autonomia coincide, no plano dos sistemas objetivos, com a concepção de que o Direito Tribu­tário é uma relação de poder, na qual o momento da publicidade ou da

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estatalidade ocupa um lugar de muita relevância. Coincide, no plano da teoria da interpretação jurídica, com o movimento da consideração econômica do tributo, desenvolvida pelos juristas alemães sob o rótulo geral de “Wirtschaftliche Betrachtungsweise”, do que resultava um conceito dilargado de elisão.

A tese autonomista defenderam-na, entre outros, E. Becker, au­tor do Código Tributário Alemão de 1919; Trotabas, o francês que defendia que “as regras do direito civil não influem necessariamente nas modalidades de aplicação da lei fiscal” (op. cit.f p. 53); Vanoni, o italiano que se sensibilizou com a doutrina da interpretação econômi­ca, aceitando a coincidência dos conceitos na maioria dos casos, mas recusando a identidade absoluta entre os objetivos do direito privado e do direito tributário. O Modelo de Código Tributário para a América Latina, por influência dos argentinos, filiou-se à mesma orientação: “ArL 8a — Quando a norma relativa ao fato gerador se referir a situa­ções definidas por outros ramos do direito, sem se remeter nem se apartar expressamente delas, o intérprete pode atribuir-lhe o signifi­cado que mais se adapte à realidade considerada pela lei ao criar o tributo”.

b) Primado do Direito Civil. A tese oposta é a do primado do Direito Civil, defendida pelos juristas de índole positivista, que se apegam ao maior poder de conceptualização do Direito Civil e que desenvolvem o argumento de que o Direito Tributário não deve se afastar das definições elaboradas pelos civilistas, com o que descuram da consideração da capacidade contributiva e se mostram menos aten­tos à justiça e à igualdade. Essa teoria reduz o poder tributário à rela­ção jurídica de natureza obrigacional, em tudo semelhante ao vínculo de direito privado. Do ponto de vista hermenêutico, a tese do primado do direito civil desemboca na defesa da interpretação literal e na recu­sa da teleológica.

Integram essa corrente de ideias, entre outros: Geny, que enten­de deva o juiz respeitar os conceitos do direito civil, quando a lei tri­butária não os tenha modificado expressamente; A. D. Giannini, que dá especial ênfase à extrapolação das disposições sobre o nascimento, a modificação e a extinção da relação de direito privado para a relação tributária (rapporto d'imposta) .

No Brasil, onde a corrente positivista sempre foi predominante, deu-se a adesão à teoria do primado do direito civil, especialmente pela influência dos italianos. Rubens Gomes de Souza (op. cit., p. 35) entende que “já estando certos conceitos definidos e denominados

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pelo direito civil, comercial etc. cuja elaboração precedeu à do direito tributário, compreende-se que este último, ao se referir àqueles mes­mos conceitos, adote, por uma questão de clareza e precisão, as mes­mas denominações e definições já conhecidas”, manifestando-se con­trário à interpretação econômica. A.R. Sampaio Dória chegou a escre­ver monografia sobre o conceito de evasão e elisão, concluindo pela “legitimidade jurídica da elisão fiscal” (op. cit., p. 141). A. A. Becker afirma que as "expressões têm dentro do Direito Tributário o mesmo significado que possuem no outro ramo do direito, onde originalmen­te entraram no mundo jurídico” (op, cit., p. 111). Até mesmo o CTN contém uma norma — a do art. 110 — que só não imobilizou o direito brasileiro sob a regência do direito civil porque as regras sobre inter­pretação não têm eficácia jurídica e porque o citado art. 110 é uma norma confusa e que carece ela mesma de interpretação.

c) Equilíbrio. A terceira posição, que advoga a interação das disci­plinas jurídicas, parece-nos ser a que melhor resolve o problema, representando ainda um ponto de equilíbrio entre as duas teses extre­madas. Os conceitos de direito tributário, sobre os quais repousa o tributo, são os mesmos elaborados pelo direito civil, em homenagem à unidade que deve imperar na formação do direito, \a menos que os ditos conceitos de direito civil sejam objeto de deformação, de abuso ou de excesso de formalismo, o que levaria a se caracterizar a elisão tributária abusiva. A tese está em íntima relação com a apreciação sistêmica, pois, além de manter a unidade com os conceitos dos outros ramos da ciência jurídica, o direito tributário deve se abrir também para as ciências extrajurídicas, especialmente a Economia e as Finan­ças. Demais disso, no plano da hermenêutica, a tese da unidade leva à valorização da interpretação teleológica e a novo conceito da interpre­tação literal, bem como permite seja repensada a analogia em matéria fiscal, eis que aproveita as colaborações mais recentes da teoria da interpretação, da hermenêutica filosófica, da tópica e da lingüística. No que concerne aos sistemas objetivos, a tese da interdisciplinarida­de se aproxima da compreensão do tributo como emanação da sobera­nia tributária e, ao mesmo tempo, como relação jurídica obrigacional sujeita ao império da lei. Entre os mais distintos representantes dessa corrente está K. Tipke, que já tem obra extensa sobre os sistemas tributários e sobre a analogia, e que se socorre do argumento de que o conceito dos civilistas é apto para expressar todas as situações econô­micas sobre as quais incide a tributação, pelo que só deve ser deixado de lado nos casos de abuso de forma jurídica (Missbrauch von Gestal- tungsmõglichkeiten), nos quais estará quebrada a unidade do direito pela contradição teleológica entre as disciplinas.

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4.3. Direito Administrativo

As relações entre o Direito Financeiro e o Administrativo são muito estreitas,, mas se afirmam no sentido inverso ao das relações entre aquele e o Direito Civil: quem é autonomista na problemática das relações entre Direito Tributário e Direito Civil tende a defender o primado do Direito Administrativo; os que apregoam a prioridade do Direito Civil defendem a autonomia frente ao Direito Administra­tivo. Tudo porque o relacionamento entre Direito Tributário e Direito Administrativo gira em torno dos problemas da relação jurídica obje­tiva e da interpretação jurídica. Também aqui podem ser indicadas três direções principais: a do primado do Direito Administrativo, a da autonomia do Direito Tributário e a da interdisciplinaridade e equilí­brio.

a) Primado do Direito Administrativo. Os juristas que defendiam a ideia de que a relação tributária é uma relação de poder teriam que concluir, para guardar a coerência, que o Direito Tributário se diluía no Direito Administrativo. Myrbach-Rheinfeld, por exemplo, falava de um Direito Administrativo Financeiro que, ao lado do Direito Constitucional Financeiro, regulava a totalidade da relação tributária.

b) Autonomia do Direito Financeiro. A tese oposta é a da autono­mia do Direito Financeiro frente à Ciência do Direito Administrativo. Quando o pensamento jurídico se encaminhou no sentido de definir a relação tributária como um vínculo de natureza obrigacional, a relação de poder passou a um segundo plano, transformada em mera “potestade administrativa” de lançamento. A Ciência do Direito Financeiro queria se preocupar apenas com o Direito Civil, deixando ao Direito Adminis­trativo o aspecto secundário do lançamento, algumas vezes até transferi­do para o Direito Processual. Amilcar de Araújo Falcão (op. cit,, p. 15) insistiu em que a autonomia era uma conseqüência do fato de o lança­mento representar "apenas o aspecto formal da relação jurídica tributá­ria”, que “há de pressupor a preeminência lógica e estrutural do direito substantivo que disciplina a relação jurídica indicada".

c) Equilíbrio. Também aqui a melhor solução é a da interdiscipli­naridade, que representa uma posição de equilíbrio. O Direito Finan­ceiro se relaciona intimamente com o Direito Administrativo, posto que o fenômeno da tributação emana do poder tributário contempla­do em sua divisão tripartida, na qual se inclui o poder administrativo. Demais disso, os conceitos de Direito Administrativo utilizados pelo legislador coincidem com os do Direito Tributário, salvo nos casos de

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abuso da forma jurídica. Necessário não se perder de vista que o obje- tivo e o método do Direito Financeiro e do Administrativo são dife­rentes: a atividade de administração da Fazenda Pública, própria do Direito Financeiro, é puramente instrumental e totalmente vinculada à lei, enquanto o Direito Administrativo opera com maior discriciona- riedade e cuida de atividade finalista.

4.4. Direito Penal

Estreito também é o relacionamento entre o Direito Financeiro — e especialmente o Direito Tributário — e o Direito Penal. Há, toda­via, uma distinção fundamental: a pena, inclusive a penalidade pecu­niária ou multa fiscal, emana do poder de punir, atribuído ao Estado no pacto constitucional, e não do poder tributário, do qual procedem o tributo e a obrigação de contribuir para as despesas do Estado, com fundamento no dever de solidariedade. Daí por que a doutrina hodier- na defende a existência de um Direito Penal Financeiro, nele incluído o Direito Penal Tributário, deixando de lado a concepção do Direito Financeiro Penal.

Dedicaremos um capítulo ao Direito Penal Tributário (p. 327 e seguintes), com o estudo das infrações e das sanções em matéria fiscal.

4,5- Direito Internacional

Difícil e controvertido também é o relacionamento entre o Direito Finaiiceiro e o Direito Internacional, a depender das diversas teorias acerca das relações entre o Direito Interno e a ordem internacional.

A maior parte da doutrina e, no Brasil, também a legislação e a jurisprudência defendem a existência do Direito Internacional Finan­ceiro, nele compreendido o Direito Internacional Tributário, que aponta para a prevalência da ordem internacional sobre a interna. Com a obra de Kelsen a teoria do primado do Direito Internacional chega ao seu paroxismo: o Direito Estatal existe por mera delegação do Direito das Gentes; o fundamento de validade do sistema jurídico interno encontra-se na ordem internacional, assim do ponto de vista espacial que temporal; só a ordem internacional, e não a ordem esta­tal, é soberana (Reine Recktslehre. Viena: Franz Deuticke, 1967, p. 334 e 336). Assim sendo, o Direito Financeiro interno sofre a influên­cia direta dos tratados e convenções internacionais, desde que aprova­dos pelo Congresso Nacional. O CTN diz, no art. 98, que "os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tri­butária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha".

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Os adeptos do primado do Direito Interno, hoje em franca deca­dência, defendem a existência do Direito Financeiro Internacional. Fica inexplicado, entretanto, como a ordem interna pode condicionar a internacional.

Há certas correntes doutrinárias que defendem a teoria dualista, pregando a separação entre a ordem jurídica internacional e a nacio­nal, que compõem dois sistemas específicos, embora comunicantes. Chegam, coerentemente, à dualidade de teorias, reconhecendo uma Ciência do Direito Internacional Financeiro ao lado de uma Ciência do Direito Financeiro Internacional, cada qual com o seu campo espe­cífico de estudo.

E fenômeno dos nossos dias a cooperação internacional entre os países, que juridicamente radica nas próprias Constituições nacionais. As regras de harmonização de sistemas tributários e financeiros sobe­ranos, especialmente no que concerne aos tributos incidentes sobre o comércio exterior, começam a ganhar papel de relevo no Direito Constitucional Financeiro, que passa a se colocar como vértice do re­lacionamento entre o Direito Internacional e o Nacional. A mesma coisa acontece com o imposto de renda, que, conceituado e regulado pela Constituição, conhece a harmonização de suas regras por inter­médio dos tratados para evitar a bitributação.

Nas últimas décadas vai crescendo o direito cosmopolita ou direi­to dos povos, de inspiração kantiana, que se afirma no espaço suprana­cional e transnacional e não se esgota nas relações diretas entre as soberanias. Compreende o direito comunitário (União Européia, Mercosul, Alca, etc.), o direito das entidades supraestatais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE) e o direito das empresas, da cidadania mundial e das organizações não-estatais (O N G S).

4-6. Direito Processual

As finanças públicas — especialmente as questões tributárias — necessitam da garantia jurisdicional. Cabe, assim, falar de um Direito Processual Financeiro, nele compreendido o Direito Processual Tribu­tário, com normas e princípios formal e materialmente processuais. O Código de Processo Civil e a legislação processual extravagante ofere­cem diversos meios para a garantia do crédito tributário, da atividade financeira e dos direitos fundamentais dos cidadãos: a execução fiscal para a cobrança da dívida ativa; a ação anulatória, para a declaração de nulidade do lançamento tributário; a ação de repetição do indébito fiscal, para a restituição da cobrança indevida etc.

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Direito Processual e Direito Financeiro relacionam-se também no plano teórico. Há certas correntes doutrinárias que pretendem diluir o Direito Tributário no Processual, dando ao lançamento fiscal a eficá­cia de constituir a própria obrigação tributária (vide p. 277).

Quanto ao processo tributário administrativo, que se desenvolve perante as instâncias administrativas (auditorias e Conselhos de Con­tribuintes) no exercício da autotutela da legalidade, entende melhor com o Direito Administrativo que com o Processual.

4.7. Direito Previdenciário e Assistência!

O Direito Previdenciário e Assistencial se subsume, em larga es­cala, no Direito Financeiro. Os problemas do pagamento de benefí­cios, da entrega de prestações financeiras às camadas mais pobres da população, da garantia da aposentadoria e da assistência médica estão todos eles relacionados com a atividade financeira.

Na vertente da receita, todavia, o relacionamento é mais discutí­vel, pois se controverte a respeito da questão da parafiscalidade diante do poder tributário do Estado. No regime de 1967-69 entendia-se que as contribuições sociais integravam-se ao fenômeno da parafíscalida- de, destinando-se ao parafisco, isto é, aos órgãos que, não pertencendo ao núcleo da administração do Estado, são paraestatais, incumbidos de prestar serviços paralelos e inessenciais; distinguiam-se dos tribu­tos, definidos c.omo as prestações com destinação essencialmente pú­blica, arrecadada para a defesa dos direitos fundamentais. A CF 88, todavia, incluiu as contribuições sociais no bojo da Constituição Tribu­tária (art. 149), em opção tipicamente intervencionista, o que tem levado a maior parte da doutrina brasileira e o STF a defender a tese de que tais contribuições adquiriram natureza tributária, com o que o fenômeno da parafiscalidade se dilui no da fiscalidade e o Direito Pre­videnciário e Assistencial se confunde em grande parte com o Direito Tributário. Uma das conseqüências da confusão entre fiscalidade e parafiscalidade foi, no plano institucional, a criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil (Lei n° 11.457/2007), que congrega a Secre­taria da Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária.

4.8. Política do Direito

O Direito Financeiro está em íntima relação com a Política do Direito. Melhor, talvez, falar de Política do Direito Financeiro, estrei­tamente conectada à Política Fiscal ou Financeira, tendo em vista que

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;a j*ígidà separação entre Direito, Política e Economia era opinião posi­tivista;-íH M ú ito próximo desse conceito de Política do Direito estão os de polícia e de policy, que projetam a problemática das políticas públicas (econômica, social, financeira etc.) e das policies (Public Policy, Social Policy, Science Policy).

Mas a verdade é que a Política do Direito não constitui nenhuma disciplina autônoma extrajurídica, senão que é um aspecto, uma dire­ção ou um problema dentro da Filosofia do Direito e da própria Ciên­cia do Direito. Não se trata, todavia, de projeção de mera política em torno do Direito, nem de decisões políticas que dão origem à ordem estatal, nem de manipulação do poder. Cuida-se antes da instituciona­lização do poder, da transformação do ato político em ato de produção de normas jurídicas.

4.9. Direito Comparado

É importantíssimo o estudo do Direito Comparado, a ver as in­fluências recebidas pelo nosso Direito Financeiro dos textos positivos de outras nações cultas. Advirta-se que não se trata de subserviência cultural ou de cópia de textos positivos, mas de diálogo indispensável entre experiências jurídicas semelhantes, servindo a ciência estrangei­ra de pretexto para o início do processo de crítica ou de ensaxo-e-erro.

Merece consideração também o problema dos tipos nacionais, ou seja, da tendência para a formação de determinados tipos de pensa­mento nas nações cultas, que acabam por dominar o sistema científico de outros povos. Contribuiu sensivelmente para o fortalecimento do positivismo na Teoria Constitucional Tributária brasileira o entusias­mo pela teoria italiana, escancaradamente positivista. A influência do Direito Constitucional americano sobre a obra de Rui Barbosa permi­tiu-lhe arrostar por alguns anos o predomínio positivista. O francesis- mo positivista e estruturalista também tem prejudicado o progresso da cultura brasileira. O diminuto conhecimento da obra dos grandes constitucionalistas alemães do após-guerra, marcadamente antipositi- vista, bem como a dos financistas, orientada para a Política Fiscal, blo­queia o desenvolvimento da Teoria da Constituição Tributária no sen­tido da abordagem de temas como os da liberdade, das limitações do poder tributário, do federalismo e da justiça. O afastamento das fon­tes norte-americanas e inglesas, tão importantes no Império e na 1~ República, constitui também motivo para o entorpecimento do Direi­

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to Financeiro, mormente quando se considera que os constitucionalis- tas americanos estão conseguindo superar o realismo e o positivismo, e os financistas desenvolvem cada vez mais a Fiscal Policy.

A influência do Direito Constitucional Financeiro estrangeiro é irrecusável, porque os problemas constitucionais e humanos são uni­versais. A Constituição Tributária brasileira mantém até hoje a in­fluência americana no campo das imunidades e das proibições de desigualdade. A Constituição Orçamentária no texto de 1988 de­nota a inspiração na Constituição de Bonn. O Banco Central ganhou estatura constitucional, como já acontecia no estrangeiro (Alemanha e Portugal).

E absolutamente indispensável a comparação de sistemas, inclusi­ve para a recepção de novos tributos ou novas técnicas, objeto da elu- cubração da ciência alienígena. O imposto sobre o valor acrescido, por exemplo, produto da elaboração dos teóricos franceses e alemães, in- corporou-se ao nosso sistema sob a forma do ICMS e do IPI. O impos­to de renda, surgido na Inglaterra e, após, na Alemanha ingressou em todas as legislações tributárias.

O correto manejo dos instrumentos do Direito Comparado serve também à crítica da recepção de tributos e doutrinas. A transplanta­ção do imposto sobre o valor acrescido da França para o Brasil, sem maiores cuidados no que concerne à organização unitária daquela e ao federalismo brasileiro, levou a inúmeros impasses na aplicação do tri­buto, pela falta de harmonia entre o sistema tributário nacional e o federado. A influência dos tipos nacionais científicos deve ser conside­rada com atenção: a exagerada admiração dos tributaristas brasileiros e latino-americanos pela ciência cultivada na Itália, de índole positi­vista, que reproduzia com equívocos certa doutrina alemã, inspirou a codificação do sistema tributário de diversos países da América Latina.

O estudo do Direito Comparado serve também para quebrar cer­to sentido mágico que adquirem os sistemas estrangeiros, tanto obje­tivos que científicos, ao aparecerem como modelos de perfeição. Bas­ta que se leiam atentamente os juristas mais lúcidos para ver que os sistemas tributários da Alemanha, da Itália, da França e dos Estados Unidos, por exemplo, vêm sendo acusados de complicados, caóticos, excessivamente casuísticos, injustos e ineficientes, enquanto a respec­tiva teoria é taxada de incoerente e irracional.

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5. RELAÇÕES COM OUTROS FENÔMENOS E DISCIPLINAS

5.1. Filosofia

Houve no pensamento ocidental uma longa tradição filosófica em torno das questões financeiras de caráter geral. De Santo Tomás de Aquino até Suarez predominou a meditação sobre o justo tributário. Hobbes e Montesquieu escreveram páginas profundas sobre o assun­to. Bodin disse que as finanças eram o nervo do governo.

Com a onda positivista, que tentava o cientificismo no conheci­mento do jurídico e do social, a Filosofia do Direito perdeu a impor­tância e abdicou, em favor da Economia e da Ciência das Finanças, do exame do problema do justo tributário.

Sucede que, de uns anos a esta parte, talvez mais precisamente depois do término da 2- Grande Guerra, houve o renascimento da Filosofia do Direito, com a retomada da meditação sobre a natureza das coisas e sobre o método jurídico, o que repercutiu intensamente sobre o Direito Financeiro. Dentre os assuntos que passaram a ocupar a atenção dos filósofos do direito e dos tributaristas com preocupações filosóficas sobressai a teoria da justiça, com especial atenção para o aspecto tributário; nos últimos anos publicaram-se alguns livros fun­damentais, com a recuperação da abordagem filosófica da justiça fis­cal. Já se fala em uma Filosofia do Direito Tributário.

A Filosofia Política se relaciona de modo muito intenso com o Direito Financeiro. Novas ideias sobre a essência do político, das for­mas de governo e das instituições públicas passam necessariamente pela fiscalidade.

O Direito Financeiro se aproxima também da Ética, posto que o Estado Ético tem como uma de suas dimensões o Estado Social Fiscal.

A Filosofia das Ciências também trouxe novas luzes para o estudo do Direito Financeiro, especialmente no que concerne ao pluralismo metodológico e à superação das teses da neutralidade científica.

5.2. Política

O Direito Financeiro guarda o relacionamento o mais íntimo com a Filosofia Política, como açabamos de ver. Até porque, no plano obje­tivo, problemas como os da democracia ou do totalitarismo envolvem opções financeiras.

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Pequena, todavia, é a influência da Ciência Política em seus as­pectos gerais. Pretendendo ser uma ciência de realidade e neutra, fal­ta-lhe o coeficiente axiológico que lhe permita se relacionar com a disciplina essencialmente normativa que é o Direito Financeiro. Onde as relações se tornam mais próximas é na imposição dos tributos pela lei ordinária, especialmente quando se trata de tributação dos entes menores; o estudo do processo eleitoral, da demanda: de serviço públi­co e da resistência às imposições fiscais, objeto da Ciência Política, pode trazer subsídios para a complementação dos sistemas tributários. Outro assunto que tem merecido a atenção da Ciência Política é o das atividades dos grupos de pressão e a configuração do lobby. Certas disciplinas modernas próximas da Ciência Política, como a Public Choice, permitem a reestruturação do arranjo da discriminação de rendas em função das escolhas e dos desejos dos contribuintes em torno dos serviços públicos essenciais.

5.3. Sociologia

O que se disse da Política vale também para a Sociologia, até porque aquela costuma revestir a forma de Sociologia Política. A So­ciologia não projeta influência de monta sobre o Direito Financeiro, por já trazer em si a visão positivista e pretensamente neutralista do Estado Fiscal. Pode merecer alguma consideração no que pertine à pesquisa concreta sobre tópicos dos sistemas tributários, sob a égide da Sociologia Financeira.

5.4. Economia

Da maior relevância as relações entre o Direito Financeiro e a Economia, tanto do ponto de vista científico como dò fenomêriico.

Desde os seus primórdios a Economia Política influenciou o pen­samento acerca da Constituição Financeira. Já se encontra em Adam Smith o exame da importância da fiscalidade para a problemática do Estado.

Com o posterior predomínio do positivismo ei do utilitarismo, que rejeitavam os julgamentos de valor, a importância da Economia só fez crescer, trazendo para o seu campo de estudo o que antes consti­tuía objeto da meditação jurídica e constitucional.

Presentemente a Teoria Econômica está conseguindo superar o positivismo, eis que se torna uma ciência voltada para a Ética, empe­nhada em emitir juízos de valor e destituída de neutralidade.

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Intuitivo que assumindo a Economia a postura de ciência valora- tiva, teria que se abrir à pesquisa interdisciplinar e se relacionar mais estreitamente com o direito, até como conseqüência da superação da dicotomia antes existente no plano objetivo entre Direito e Economia ou da consideração daquele como superestrutura desta. E assunto dos nossos dias o estudo da Teoria Econômica do Direito, que desborda o método e o objeto da Teoria Jurídica da Economia.

Essas ideias no campo da Economia trouxeram um novo enfoque da fiscalidade — que sempre foi considerada como fenômeno econô­mico. Da história do pensamento dos grandes economistas, inclusive dos contemporâneos, extrai-se uma autêntica “Filosofia dos Tributos". Novas disciplinas econômicas como a Public Choice, a New Public Economic e a New Public Finance encontram nos tributos e na reparti­ção dos custos dos serviços públicos o seu tema principal. A teoria da justiça econômica passa a ter na justiça tributária um de seus aspectos mais controvertidos.

A toda evidência que o denominador axiológico comum faz com que o Direito Financeiro mantenha com a Economia Política um vín­culo muito estreito. Desde os problemas especificamente econômi­cos, como os da extrafiscalidade, do desenvolvimento e dos impostos conjunturais, passando pelos temas gerais do federalismo fiscal, do sistema tributário, da redistribuição de rendas, até as perguntas bási­cas sobre a legitimidade e a reforma da Constituição Financeira, tudo depende da integração e do relacionamento entre as duas disciplinas.

A construção jurídica do sistema tributário nacional tem que se fazer sob a perspectiva do seu relacionamento com os principais pro­blemas estudados pela Economia, como sejam o pleno emprego, a re­distribuição de rendas, a fixação de preços, a conservação dos recursos nacionais, a saúde das empresas, o controle da inflação etc.

As relações com a Economia são igualmente relevantes no plano do federalismo financeiro. O problema do equilíbrio entre a alocação de recursos aos entes públicos e a eficiência e o dinamismo da econo­mia deve ser resolvido pela pesquisa interdisciplinar. O desenvolvi­mento econômico e o intervencionismo estatal são temas comuns às duas disciplinas, que nem a economia nem a teoria do constituciona- lismo fiscal conseguem, sozinhas, responder às indagações básicas do federalismo financeiro.

O difícil problema do equilíbrio orçamentário é também interdis­ciplinar, dependendo da colaboração entre Economia e Direito Finan­ceiro.

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Em síntese, as opções básicas da Economia, assim do ponto de vista objetivo que científico — intervencionismo, mercado livre, eco­nomia social de mercado, socialismo, liberalismo etc. — envolvem sempre aspectos financeiros e fiscais.

5.5. Ciência das Finanças

Depois de algumas tentativas no sentido de dar autonomia à Ciência das Finanças, retornou essa disciplina ao convívio com a Eco­nomia Política, como conseqüência da interação entre os fenômenos financeiros e econômicos no plano objetivo.

De modo que a Ciência das Finanças, como a Economia Política, também ostenta a característica de ciência normativa e valorativa, em íntima ligação com o Direito Financeiro. A tese da incomuriicabilidade ou do reducionismo entre Ciência do Direito Tributário e Ciência das Finanças, defendida com tanto ardor pelos positivismos, que negavam à ciência jurídica a função valorativa reservada às Finanças, ficou pre­judicada pelo coeficiente de normatividade em ambas presente.

Com efeito, tomou-se insustentável a teoria causalista da tributa­ção, que reduzia a Ciência do Direito Tributário à descrição das nor­mas reguladoras das relações jurídicas privadas, que forneceriam as­sento aos tributos, na forma proposta pela Ciência das Finanças ou pela Política Financeira. Trotabas (Finances Publiques, cit., p. 6) colo­cava o direito financeiro e fiscal em pé de igualdade com a economia financeira e com a política financeira, eis que as três compunham, cada qual sob o seu âmbito próprio de estudo, o conjunto maiòr da Ciência das Finanças (Science des Finances). Griziotti (op. cit., p. 6) estabelecia entre a Ciência das Finanças e o Direito Financeiro a rela­ção de complementariedade, cabendo à primeira estudar a essência, as funções e os efeitos da atividade financeira, enquanto o Direito Finan­ceiro estuda as normas legais que governam a atividade financeira e os princípios para sua aplicação. Explicitavam aqueles juristas e financis­tas que a Ciência do Direito Financeiro não emite juízos de valor nem tem propósitos políticos, já que toda a valoração política deve ser re­servada à Política Financeira, disciplina que ora colocavam no conjun­to maior da Ciência das Finanças ao lado da Ciência do Direito Finan­ceiro, ora colocavam paralelamente à Ciência do Direito Financeiro e à Ciência das Finanças. No Brasil Aliomar Baleeiro, jurista por forma­ção, derivou para a Ciência das Finanças em busca de conteúdos axio- lógicos que não encontrava no Direito Financeiro. De observar que a

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separação entre Ciência do Direito Financeiro e Ciência e Política Fi­nanceiras, que esvazia o pensamento jurídico das considerações valo- rativas, traduz, no plano metodológico, a separação que, no plano fáti- co, os positivismos estabelecem entre direito, economia e política, o que transforma o direito em mero subsistema, superestrutura ou pro­jeção do econômico ou do político, independentemente do valor ou desvalor desses sistemas econômicos ou políticos.

Mas a pouco e pouco, com a paulatina superação das posições positivistas, o Direito Financeiro e a Ciência das Finanças retomam, de modo integrado, ao estudo dos grandes temas da tributação, pelo coeficiente axiológico de que são dotados. Assuntos como o da redis- tribuição de rendas pela via de imposto ou o da tributação ótima rein- gressam nas suas cogitações, posto que não se prendem exclusivamen­te à abordagem empírica ou científica, transitando antes pelo campo da ética e da filosofia social. Também são objeto da pesquisa interdis- ciplinar os sistemas de tributação e de discriminação de rendas, bem como os princípios gerais decorrentes da ideia de justiça, segurança ou utilidade.

5.6. Psicologia

A Psicologia Financeira é um ramo de estudo que vem ganhando importância nos últimos anos. Há certas resistências psicológicas ao pagamento dos impostos, algumas das quais se transformam em mani­festações alérgicas e problemas de pele, que devem ser objeto de aná­lise científica para permitir que melhore o relacionamento Fisco/Con- tribuinte.

5.7. História

Importantíssimo é o relacionamento entre o Direito Financeiro e a História do Direito, especialmente a do Direito Constitucional.

Sabendo-se que o Direito Financeiro apresenta o seu grau de his- toricidade, não se pode deixar de considerar, na elaboração de sua Teoria, a História do desenvolvimento do federalismo fiscal, dos siste­mas dos diversos tributos, das relações internacionais fiscais, dos direi­tos fundamentais e da função da propriedade privada.

Nem a História das Ideias Políticas (ou História do Pensamento Constitucional), pela função crítica que exerce, pode ser esquecida. O balanço e a avaliação do positivismo na cultura brasileira, por exem-

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pio, objeto de vários estudos nos últimos anos, fornece subsídios ines­timáveis para a apreciação do papel do positivismo na Teoria do Direi­to Financeiro elaborada no decurso deste século, mero detallhe da­quela tendência global.

Relevante igualmente a história econômica, pois os aspectos fi­nanceiros para a grandeza das nações tem sido objeto de finas análises. Da mesma forma, a história do pensamento econômico, tendo em vista que algumas das ideias financeiras mais brilhantes elaboraram- nas os economistas.

Finalmente, as grandes etapas da história das finanças públicas devem ser levadas consideração: o patrimonialismo, o absolutismo, o cameralismo e o liberalismo.

6. A CODIFICAÇÃO

O Direito Financeiro é pouco codificado. Compõe-se, em sua maior parte, de legislação casuística e pulverizada. As leis que regulam a despesa, o crédito e o patrimônio são esparsas e incoerentes, e só nos últimos anos passam a ser objeto de preocupação do legislador pela sua modernização.

A exceção é o Direito Tributário. O nosso Código Tributário Na­cional, aprovado pela Lei 5.172, de 25.10.66, com a denominação inicial de Sistema Tributário Nacional, teve o seu nome definitivo fi­xado pelo art. 7a da Lei Complementar n& 36, de 13.3.67. Obra de grande mérito, embora já careça de modificações, o Código Tributário Nacional serviu de divisor de águas no estudo do Direito Financeiro no Brasil. Na Alemanha o Código Tributário surgiu em 1919 (Reichsabga- benordnung, depois Abgabenordnung), pelo trabalho do jurista Enno Becker, e foi reformado em 1977 (Abgabenordnung, 77), tendo exer­cido grande influência sobre todas as codificações posteriores, inclusi­ve a nossa. Importante também é a Ley General Tributaria da Espa­nha, de 2003. Trabalho relevante pela influência que projetou sobre as codificações futuras foi o Modelo de Código Tributário para a Améri­ca Latina.

O Direito Tributário brasileiro conhece ainda diversas consolida­ções. As leis formais dos impostos mais importantes (IR, IPI, ICM S, ISS etc.) são consolidadas por decreto, criando-se os regulamentos (RIR, RI PI, RICMS, RISS etc.), com as normas complementares aos diversos dispositivos legais.

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NOTAS COMPLEMENTARES

I - Bibliografia

a) Obras Gerais: BALEEIRO, Aiiomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado porMisabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2006; BECKER, Alfredo Au­gusto. Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: LEJUS, 2007; BERLIRI, Antonio. Princípios de Derecho Tributário. Madrid: Ed. Derecho Financiero, 1971; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987; GENY, François. “O Particularismo no Direito Fiscal” . Revista de Direito Administra­tivo 20: 6-31, 1950; GIANNINI, Achille Donato. Istituzioni di Diritto Tributário. Mi- lano: Giuffré, 1956; GIULIANI FONROUGE, Carlos M. Derecho Financiero. Buenos Aires: Depalma, 1993; GRIZIOTTI, Benvenuto. Princípios de Ciência de las Finanzas. Buenos Aires: Depalma, 1949; JARACH, Dino. Curso Superior de Derecho Tributário. Buenos Aires: Liceo Professional Cima, 1957; M ARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2006, 2 v.; MYRBACH-RHEINFELD, Franz Von. Précis de Droit Financier. Paris: V Giard & E. Brière, 1910; PAULICK, Heinz. Lehrbuck des allgemeinen Steuerrechts. Kõln: Carí Haymanns, 1977; SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: José Bushatsky, 1977; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Sistema de Derecho Financiero. Madrid: Facultad de Derecho de la Universidad Complutense, 1977; TIP- KE, Klaus/LANG, J. Steuerrecht. 20a ed. Kõln: O. Schmidt, 2009; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário V 1 Constituição Fi­nanceira, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; TROTA- BAS, Louis. “Ensaio sobre o Direito Fiscal” . Reinsta de Direito Administrativo 26: 34- 59, 1951;-------- . Finances Publiques. Paris: Dalloz, 1969.

b) Obras didáticas: AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Sarai­va, 2009; BASTOS, Celso. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2002; CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2009; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direi­to Tributário. Rio de Janeiro: Malheiros, 2009; MORAES, Bernardo Ribeiro de. Com- pêndio de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1999; NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1999; ROSA JR., Luis Emygdio. M a­nual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2007; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de Derecho Financiero. Madrid: Facultad de Dere­cho de la Universidad Complutense, 1982; SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Ed, Financeiras, s/d.

c) Periódicos especializados: CIVITAS — Revista Espanola de Derecho Financiero. Ma­drid: Ed. Civitàs; National Tax Journal. Cambridge: National Tax Association; Resenha Tributária. Rio de Janeiro: ABDF; Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo (a partir de 1995); Revista de Direito Tributário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais (até 1991, n2 58) e Malheiros Editores (a partir do na 59); Revista de Finanças Públicas, Rio de Janeiro; Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Publica. Madrid: Ed. Derecho Financiero; Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas (de 1992 a 1999). Passou a se chamar Revista THbutária e de Finanças Públicas a partir de janeiro de 2000 (na 30). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais; Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Finanze. Milano: Giuffrè. Fundada em 1937 teve a sua pu-

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blicaçao interrompida entre 1943 e 1949; Steuer und Wirtschaft. Kõln: O. Schmidt. In ic io u -se em 1922 (nova série em 1971). Dirigida por J. LANG. Trimestral.

d) Repertórios de jurisprudência e legislação: Revista Trimestral de Jurisprudência do Suprem o Tribunal Federal. Brasília: Imprensa Nacional ( até v. 177(1), de julho de 2001) e Brasília Jurídica ( a partir do v. 177 (2), de agosto de 2001 até v. 196 (1), de abril de 2006, quando se transformou em revista digital); ADCOAS; COAD; IOB; Internet: www.stf.jus.br e www.stj.jus.br.

II. Direito Positivo: Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25.10.66); Código Tribu­tário da República Federal da Alemanha (Abgabenordnung, 1977). Há tradução brasi­leira de Alfredo Schmidt e outros. Novo Código Tributário Alemão. São Paulo, Foren- se/IBDT, 1978; Ley General Tributaria da Espanha, de 2003 (Ley 58); Lei 4.320, de 17.3.64: estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orça­mentos e balanços da União, dos Estados e dos Municípios; Códigò de Administração Financeira do Estado do Rio de Janeiro (Lei n2 287, de 4.12.79); Lei de Responsabilida­de Fiscal (LC 101, de 4.5.00): estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

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ggprr' ’ tSBJ * Ensino Superior Buneai Juááeo

CAPÍTULO III

Fontes do Direito Financeiro

I. INTRODUÇÃO

1. O CO NCEITO DE FONTES DO DIREITO FINANCEIRO

Entende-se por fontes do Direito Financeiro o conjunto de nor­mas, preceitos e princípios que compõem o ordenamento positivo das finanças públicas. O problema das fontes do Direito Financeiro é o mesmo das fontes do direito em geral, com as seguintes particularida­des: dá-se ênfase à lei como fonte formal, em virtude do regime de legalidade estrita desse ramo do Direito; os costumes têm diminutís- sima importância.

A fonte superior do Direito Financeiro é a Constituição Financei­ra. Fontes principais são as emanadas do Poder Legislativo: a lei com­plementar, a leí ordinária, os tratados, a medida provisória, os convê­nios ICMS. Fontes secundárias são as de complementação das princi­pais, constituídas pelos atos dos órgãos do Poder Executivo: decreto, regulamento, resolução, portaria. Discutível se a jurisprudência é fon­te do Direito Financeiro. Os costumes secundum legèm completam o quadro das fontes. A doutrina já não é considerada fonte, pois se con­funde com o próprio Direito Financeiro, em seu momento externo, como sistema subjetivo (vide p. 13).

2. A SEPARAÇÃO DE PODERES

A ideologia das fontes do Direito Financeiro se aproxima da ideo­logia da separação de poderes financeiros. As duas questões sempre

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caminharam juntas, correspondendo a teoria das fontes formais à ideia de separação rígida entre os poderes.

Atualmente o problema da separação do poder financeiro ganha enorme relevância. Sendo dotado de extraordinária aptidão para des­truir a liberdade individual, principalmente no que concerne aos as­pectos tributários, deve ser repartido e pulverizado no regime demo­crático.

Segue-se daí que o poder financeiro é objeto de separação verti­cal, distribuindo-se entre a União, os Estados e os Municípios: poder financeiro federal, estadual e municipal.

Mas, dentro de cada esfera de Governo, toma-se objeto também de separação horizontal, em que é considerado em sua acepção for­mal: o poder de legislar, de administrar e de julgar os litígios decorren­tes da atividade financeira do Estado, cada qual com suas formas pró­prias de expressão.

O poder financeiro, assim separado horizontal e verticalmente, equilibra-se em engenhoso sistema criado pela Constituição, em que as diversas fontes se relacionam vis-à-vis (ex. o poder federal de legis­lar exercendo influência sobre o poder estadual de administrar ou de julgar).

3. AS FUNÇÕES DO ESTADO FINANCEIRO

O problema das fontes às vezes se traduz no das funções do Esta­do. Os positivistas do início do século se esforçaram no sentido de desenvolver a teoria das funções. !

O Estado exerce as suas atividades através de três funções: legis­lativa, administrativa e jurisdicional. Cada qual delas exibe os aspectos formai e material. A função, do ponto de vista formal, coincide com o poder ao qual pertence originariamente: a legislativa, ao Congresso Nacional; a administrativa, ao Executivo; a jurisdicional, ao Judiciário. Sob o aspecto material a função legislativa se esgota na edição de re­gras gerais \régles de droit, Rechtsãtze) criadoras de direitos e obriga­ções; a função administrativa é a de aplicar a regra geral a situações particulares; e a jurisdição compreende a aplicação da regra geral ao caso litigioso.

O arranjo entre as funções é extremanente complexo, podendo o mesmo ato, como por exemplo o regulamento, ser formalmente admi­nistrativo e materialmente legislativo.

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É importante guardar na memória esses conceitos, pois no Brasil ainda se discute muito sobre o âmbito material da lei ordinária e da lei complementar, até mesmo pela influência do positivismo.

4. O PROCESSO DEMOCRÁTICO

Mas a melhor abordagem do problema das fontes é a que as vin­cula ao processo democrático. O ordenamento jurídico não é algo pronto e acabado, senão que existe in processu, renovando~se e refa­zendo-se permanentemente. A própria Constituição existe também infieri. A ordem jurídica, portanto, se atualiza pelo processo da nor- matividade, isto é, adquire grau de maior concretude na medida em que pelo processo legislativo, administrativo e judicial os princípios gerais e as normas constitucionais tomam-se suscetíveis de se aplica­rem aos casos individuais.

O processo legislativo, administrativo e judicial, em seus aspectos formais e materiais, estes últimos ligados a valores como os da igualda­de, liberdade e generalidade, é que legitima a própria ordem democrá­tica.

A Constituição de 1988 aderiu, pelo menos em parte, a esse en­foque, com regular o processo legislativo nos arts. 59 a 69.

II. A CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA

5. CONCEITO MATERIAL E FORMAL

O Direito Financeiro brasileiro tem a particularidade de encon­trar na Constituição Financeira a sua fonte por excelência, tão minu­ciosa e casuística é a disciplina por ela estabelecida. Cabe às fontes legislativas, administrativas e jurisdicionais explicitar o que já se con­tém, em parcela substancial, no texto básico.

A Constituição Financeira é simultaneamente formal e material. Os dois aspectos estão indissoluvelmente ligados, formando o concei­to ontológico, porquanto se trata da própria Constituição (constitutio) do Estado Social Fiscal, ou seja, do ato pelo qual o Estado se constitui financeiramente sub specie impositionis. O Estado Social de Direito é impensável sem a Constituição Tributária, subsistema da Constituição Financeira, posto que a sua essência repousa na definição constitucio­

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nal das limitações do poder tributário frente às liberdades individuais e à propriedade privada.

Do ponto de vista formal a Constituição Financeira compreende as normas e os princípios gerais explicitamente inscritos no texto fun­damental. Situa-se, basicamente, no Título VI (Da Tributação e do Orçamento}, que compreende 2 capítulos (Do Sistema Tributário Na­cional; Das Finanças Públicas), que vão do art. 145 até o art. 169. Mas compõe ainda a Constituição Financeira as normas dos arts. 70 a 75, agrupadas sob a denominação D a Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária, em má hora levadas para o capítulo do Poder Legislati­vo, bem como inúmeras outras espalhadas pela Declaração de Direitos (imunidades do mínimo existencial) e por outros capítulos (art. 173, parágrafo 2Q, art. 195 — contribuições sociais, arts. 206, 208 etc.). A Constituição Financeira brasileira, portanto, vista sob o aspecto for­mal, não se contém em limites meramente topográficos, mas abrange todas as normas e princípios que tenham relação com o fenômeno financeiro, independentemente do lugar que ocupem no documento fundamental. A Constituição da Alemanha também é explícita no re­gular a matéria financeira, possuindo um capítulo, o de número X, intitulado O Regime Financeiro (Das Finanzwesen) , o que lhe justifica o apelido de Constituição Financeira (Finanzverfassung), dado pela doutrina. A Constituição americana possui poucas normas, valendo ressaltar a que atribui ao Congresso o poder de instituir tributos e o de gastar, a que veda a cobrança de impostos sobre a exportação (art. II, Seção 10) e a que permite a cobrança do imposto de renda (16â Emen­da). As outras Constituições importantes (Itália, Bélgica, França, Ar­gentina) também são sucintas no dispor sobre finanças públicas.

Mas a Constituição Financeira não se exaure nas normas e dispo­sitivos formalmente inscritos no texto supremo. Há certos princípios que, embora não explícitos, têm natureza constitucional. Toda a maté­ria das limitações ao poder tributário, por exemplo é materialmente constitucional. O poder de tributar já nasce limitado, de modo que à Constituição compete apenas, em forma declarativa, expressar essa realidade. Ainda que a Constituição não traga dispositivos expressos sobre as garantias da liberdade frente à tributação, mesmo assim o legislador ordinário estará vinculado pelos princípios gerais que a asse­guram. A disciplina das imunidades tributárias no direito constitucio­nal americano foi muito mais obra da Corte Suprema, com base em princípios constitucionais implícitos, do que produto da atividade do constituinte. A mesma coisa ocorre com o princípio da legalidade: ainda que inexpresso, tem estatura constitucional no Estado de Direi­

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to. O princípio da capacidade contributiva também é materialmente constitucional; discutiu-se, no Brasil, se aquele princípio havia desapa­recido em virtude da sua omissão na Carta de 1967; concluíram as vozes mais autorizadas, entretanto, que a tributação segundo a capaci­dade contributiva permanecia como um dos pontos cardeais do nosso constitucionalismo, apesar de não se haver repetido expressamente o que se continha no art. 202 do texto de 1946; hoje o problema está superado, diante do art. 145 da CF 88.

6. CARACTERÍSTICAS

As principais características da Constituição Finànceira são a rigi­dez, a abertura e o pluralismo.

A Constituição Financeira é rígida porque a sua reforma se faz segundo os pressupostos e formalidades previamente estabelecidas no texto básico, nomeadamente a emenda constitucional.

E aberta porque não expressa um conjunto completo em si, sem lacunas, mas um sistema incompleto por definição* problemático e lacunoso. A abertura se relaciona com as mudanças, que se não fazem através do órgão dotado de poder constituinte, mas representam um deslimitar do texto constitucional, subordinado às possibilidades ex­pressivas da linguagem e levado a efeito pela interpretação jurídica e pelo trabalho criador da jurisprudência. A abertura, por outro lado, nada tem que ver com a quantidade de normas, mas; com a sua quali­dade e textura.

A Constituição Financeira vive no ambiente do pluralismo. Rela­ciona-se com todas as outras Subconstituições — Política, Econômica, Social etc. Desdobra-se em uma pluralidade de subsistemas — tribu­tário, orçamentário etc.

7. SUBSISTEMAS

A Constituição Financeira, que é uma das Subconstituições do Estado Democrático e Social de Direito, divide-se em uma pluralida­de de subsistemas, sendo os principais o tributário, ò financeiro pro­priamente dito e o orçamentário. Pode-se falar, assim, em:

a) Constituição Tributária, que constitui na via dos tributos o Es­tado Democrático e Social Fiscal e que se inscreve nos arts. 145 a 156, dividindo-se, por seu turno, em inúmeros outros subsistemas;

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b) Constituição Financeira propriamente dita, que disciplina o relacionamento financeiro intergovernamental, o crédito público e a moeda (arts. 157 a 164);

c) Constituição Orçamentária, que regula o planejamento finan­ceiro, o orçamento do Estado e o controle de sua execução (arts. 70 a 75 e 165 a 169).

O quadro geral da Constituição Financeira pode ser assim es­boçado:

Sistema Tributário Nacional (arts. 145 a 149) Limitações Constitucionais ao Poder de Tri­butar (arts. 150 a 152)

ConstituiçãoTributária

Constituição Financeira Propriamente Dita

ConstituiçãoOrçamentária

Sistema Tributário Federado

Sistema de Impostos da União (arts. 153 e 154) Sistema de Impostos dos Estados (art.155)Sistema de Impostos dos Municípios (art. 156).

Sistema de Repartição das Receitas Tributárias (arts. 157 a 162)Sistema dos Empréstimos Públicos (art. 163) Sistema monetário (art. 164)

Sistema dos Orçamentos (arts. 165 a 169) Sistema da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária (arts. 70 a 75).

8. AS CO NSTITUIÇÕES DOS ESTADOS-MEMBROS

A própria Constituição Federal estabelece as regras básicas para a integração vertical do poder financeiro, seguindo-se daí que o poder constituinte financeiro dos Estados-membros já nasce limitado por aquelas regras de harmonização. Demais disso, a formação centrífuga do nosso federalismo faz com quç as Constituições dos Estados conte­nham poucas inovações comparativamente à Federal, ao contrário do que ocorre em outras Federações, como os Estados Unidos e a Alema­nha, em que até a compreensão dos direitos fundamentais está sendo ampliada pela obra dos constituintes locais ou pela interpretação das Constituições Estaduais. Acrescente-se, ainda, que os ciclos de autori­tarismo no País têm desmotivado o afastamento do modelo federal.

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Daí por que algumas Constituições estaduais trataram sucintamente da matéria financeira, limitando-se a declarar que o sistema tributário é o previsto na CF.

O poder constituinte estadual, conseguintemente, é um poder derivado, que deve sujeitar-se às normas constitucionais da União e às normas legais federais. O poder constituinte originário estadual nunca é, numa federação, autônomo, visto que se sujeita aos princípios e ao modelo federal. A autonomia do Estado reside no poder de se consti­tuir, mas de se constituir dentro da Federação.

De modo que o poder constituinte financeiro estadual depara, de início, com três limitações básicas: a) as normas sobre a independência e harmonia dos Poderes insertas na Constituição Federal; b) o sistema tributário nacional e o orçamentário modelados pela União; c) a auto­nomia municipal.

III. O PRO CESSO LEGISLATIVO

9. EMENDA CONSTITUCIONAL

Sendo rígida a Constituição Financeira, a revisão dos seus disposi­tivos deve se fazer sempre por emenda, na forma prevista no art. 60 da CF 88. A proposta de emenda poderá ser feita pelos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (um terço, no mínimo), pelo Presidente da,Republica ou por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

A emenda constitucional não poderá levar à abolição da forma federativa do Estado, da separação de Poderes e dos direitos e garan­tias individuais (art. 60, § 4ã, CF). Assim sendo, não poderá ser objeto de deliberação a proposta de emenda que vise a abolir o sistema de discriminação de rendas, a separação horizontal do poder financeiro ou as imunidades fiscais, que constituem formas de garantia dos direi­tos fundamentais.

Nem sempre se faz necessária a emenda constitucional para que se leve a efeito a reforma tributária. Nos casos de modificações meno­res na ordem legal prescinde-se dela. Porém, quando se aprofunda a reforma, quando se modificam as expectativas, quando se altera a es­trutura dos tributos, torna-se indispensável a revisão do contrato cons­titucional. Ainda mais quando a Constituição Tributária é minuciosa

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como a brasileira. A reforma tributária instituída pelo Código Tributá­rio Nacional (Lei n- 5.172/65), por exemplo, foi precedida da revisão constitucional da Emenda 18/65.

De notar que a reforma tributária pode vir no bojo de uma revisão total da Constituição, sem que isso implique em uma renovação de todo o sistema tributário nacional. A reforma tributária global é utópi­ca: a revolução fiscal há que se fazer dentro da Constituição, respei­tando-lhe os princípios gerais.

As vezes a emenda constitucional serve para corrigir a jurispru­dência firmada pelos Tribunais, quando com ela não concorda o legis­lador. Assim aconteceu entre nós com a Emenda Constitucional ns 23/83, conhecida como Emenda Passos Porto, que corrigiu a eviden­temente errônea jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Fede­ral, especialmente em tema de ICM.

Serão equivalentes às emendas constitucionais os tratados e con­venções internacionais sobre direitos humanos do contribuinte que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois tur­nos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (art. 5o, § 3o, da CF, na redação da EC 45, de 2004).

10. LEI COMPLEMENTAR

A lei complementar, da competência da União, é de fundamental importância para a concretização do direito financeiro, que na Consti­tuição se expressa em normas sucintas e abertas. A referência à lei complementar surgiu na CF 67/69, mas já a CF 46 cogitava de lei federal para dispor sobre normas gerais de direito financeiro. Nos paí­ses em que inexiste a figura da lei de hierarquia superior, a matéria financeira de interesse nacional é regulada pela União com fundamen­to nos poderes implícitos ou na cláusula do comércio interestadual. A lei complementar brasileira não tem paralelo no direito comparado: a Áustria conta com a lei constitucional financeira (Finanzverfassungs- gesetz), de'eficácia superior, destinada a regular a partilha tributária, matéria sobre a qual é omissa a respectiva Constituição; a França pos­sui a loi organique, com processo legislativo próprio, que talvez seja o modelo mais próximo do nosso.

As leis complementares, aprovadas pela maioria absoluta do Con­gresso Nacional (art. 69 da CF 88), têm extraordinária relevância para o direito tributário e orçamentário.

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10.1. Lei Complementar Tributária

A lei complementar tributária não encontra símile no direito es­trangeiro. Na Alemanha o Código Tributário, com eficácia sobre todas as unidades federadas, é lei ordinária, da mesma forma que o é a que cuida da discriminação de rendas. A estruturação das leis complementares tri­butárias representa um avanço para o nosso constitucionalismo, com evitar a fragilidade de outros sistemas fiscais, em que as normas gerais podem ser revogadas por qualquer lei ordinária; mas a experiência dos últimos anos evidenciou algumas desvantagens, como sejam a concen­tração de competência normativa nas mãos da União, enfraquecendo o federalismo brasileiro, e o aumento dos litígios, pela impossibilidade de definição prévia do âmbito material da lei complementar.

O art. 146 da CF enumera, em três itens distintos, a extensão da lei complementar tributária. Cabe-lhe dispor sobre conflitos de com­petência no federalismo, regular as limitações constitucionais ao po­der de tributar e estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. O cuidado da CF no explicitar o objeto da legislação com­plementar tributária teve a finalidade de coarctar as dúvidas infunda­das levantadas por certa parte da doutrina de índole positivista e normativista, que, na leitura do art. 18, § 1-, da CF 67/69, reduzira o âmbito da lei complementar aos conflitos de competência no fede­ralismo e às limitações do poder tributário, aos quais deveriam se re­ferir as normas gerais.

A lei complementar tributária cabe, inicialmente, dispor sobre conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Incumbe-lhe evitar as invasões de competência resul­tantes das insuficientes definições do fatos geradores dos impostos, regular a tributação das mercadorias que circulam entre as diversas unidadesHFederadas ou entre os municípios, evitar a "guerra tributária” provocada pela concessão de incentivos fiscais divorciados do interes­se nacional etc.

Cabe-lhe ainda regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, ou seja, aquelas previstas na Seção II, que tem esse título e que abrange os arts. 150, 151 e 152, compreendendo os predicamen- tos dos direitos individuais (imunidade e proibições de desigualdade) e os princípios vinculados à segurança desses direitos individuais (lega­lidade, anterioridade, irretroatividade etc. ). Assim, é possível a disci­plina normativa do reconhecimento da imunidade, já que é necessário o exame das condições de legitimação ao exercício do direito. A au­sência de normas regulamentares da imunidade, porém, não lhe preju­

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dica a fruição, pois os direitos absolutos independem do sistema legis­lativo infraconstitucional.

Compete-lhe, também, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. A expressão “normas gerais” é ambígua, por falta de prévia definição legal e pela própria dificuldade do seu conceito, o que compromete o princípio da reserva absoluta da lei complementar, eis que tal princípio se apoiaria na existência de um campo material de incidência da norma complementar, o que é problemático [p. 108-109). As normas gerais, fundamentalmente, são aquelas que estampam os princípios jurídicos de dimensão nacional, constituindo objeto de codi­ficação tributária, motivo por que o Código Tributário Nacional, origi- nariamente editado por lei ordinária (n2 5.172 de 1966), ganhou estatu­ra de lei complementar nos julgamentos do S.T.F. (RE 93.850, R.TJ 105/194). O texto do art. 146, III, letras a e b , enumera, exemplificativa- mente, a matéria que consubstancia as normas gerais tributárias: definição de tributo e de suas espécies, obrigação, lançamento, crédito, prescrição, decadência etc. Mas o art. 146, III, c, inclui até a disciplina do ato coope­rativo entre os objetivos da lei complementar, que nada tem que ver com o conceito de normas gerais tributárias. O art. 146, III, d, acrescentado pela EC 42/03, arrola também entre os objetivos das normas gerais de direito tributário a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do ICMS, das contribuições sociais previstas no art. 195 ,1 e §§ 12 e 13, e da contribuição do PIS/PA- SEP (art. 239); segundo o parágrafo único do art. 146, a lei complemen­tar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Esta­dos, do Distrito Federal e dos Municípios, isto é, o regime cognominado de "supersimples”, observado que: I — será opcional para o contribuinte;II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferen­ciados por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condiciona­mento; IV — a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser com­partilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. A competência da União para estabelecer normas gerais de direito tributário não exclui a competência suplementar dos Estados; inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a com­petência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades; a super- veniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei

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estadual, no que lhe for contrário (art. 24, §§ 2~ 3~ e 4a). Mas o Muni­cípio não pode legislar sobre normas gerais no silêncio do legislador fe­deral, eis que a sua competência se esgota nos assuntos de interesse local (art. 3 0 ,1).

O art. 146-A da CF, introduzido pela EC 42/03, prevê que a lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer nomas de igual objetivo.

De notar, ainda, que a lei complementar tributária pode ter ou­tras finalidades não enumeradas no art. 146, como a de instituir em­préstimos compulsórios (art. 148), impostos de competência residual (art. 154, I) e contribuições sociais (art. 195, § 4S).

Quando a Constituição exige lei para regular certas situações (ex: art. 150, VI, c; 153, §§ l s e 42), sem adjetivá-la, bastará a lei ordinária.

O STF, ao julgar o caso da COFINS, criada pela LC 70/1991, declarou a sua demasia e afirmou que, embora apelidada de lei com­plementar, poderia ser considerada como lei ordinária, eis que “só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Consti­tuição expressamente faz tal exigência” (Ação Declaratória de Cons- titucionalidade n° 1, Rei. Min. Moreira Alves, RTJ 156: 745). Mas o STJ, em alguns julgados, passou a divergir da tese do STF (REsp. 383.814, ReL Min. Garcia Vieira, D J 29.04.2002). Ulteriormente o

.STF voltou a apreciar o caso e aceitou como constitucional o art. 56 da Lei 9.430/96, que revogara dispositivo da LC 70/1991, concessivo de isenção, declarando “a inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar” (RE 377.457, Rei. Min. Gilmar Men­des, D J 19.12.08).

10,2. Lei Complementar Orçamentária

A Constituição Orçamentária carece de complementação legislati­va para que possa se concretizar. Cabe à lei complementar, de acordo com o art. 165, § 9Q, (I) dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretri­zes orçamentárias e da lei orçamentária anual e (II) estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.

E tendência universal a complementação da normas constitucio­nais orçamentárias por leis de caráter geral ou leis orgânicas, embora sem grau hierárquico superior. A Alemanha tem a sua Lei do Orça­mento Federal (Bundeshaushaltsordnung — BHO), de 1969, modifi­

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cada em 1971 e 1980, a Espanha possui a Ley General Presupuestaria, e a França, a Loí Organique relative Aux Lois de Finances.

Outra tendência que se firma é a da edição, nas Federações, de leis gerais que disciplinem a atividade orçamentária dos Estados-membros, com vista à criação de um sistema de coordenação e de equilíbrio entre as finanças dos entes públicos. A lei complementar a que se refere o art. 165, § 9a, será obrigatória para Estados e Municípios.

A lei complementar orçamentária não chega a constituir novidade, pois já existia no regime anterior, embutida na ideia de normas gerais de direito financeiro, que se consubstanciavam na Lei n- 4.320, de 17.3.64, até hoje vigente. A edição de normas orçamentárias por lei complemen­tar, como determina a CF, tem a vantagem de torná-las irrevogáveis por lei ordinária, o que não acontece no direito estrangeiro.

10.3. Lei Complementar Financeira

A CF conhece ainda a lei complementar financeira, que tem por objetivo estabelecer normas gerais de finanças públicas, entendidas no sentido que excede as questões orçamentárias e tributárias, com­preendendo, segundo o art. 163: dívida pública externa e interna, in­cluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; concessão de garantias pelas entidades públicas; emissão e resgate de títulos da dívida pública; fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; operações de câmbio reali­zadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Fede­ral e dos Municípios; compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condi­ções operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.

A lei complementar relativa às finanças públicas não se confunde com as leis complementares que regulam o sistema financeiro nacio­nal, que congrega as instituições privadas sob o controle do Banco Central (art. 192 CF, na redação da EC 40/03).

11. LEI ORDINÁRIA

A lei ordinária é a fonte por excelência para a criação de tributos. No taocation without representation. O direito tributário fica inteira­mente, sujeito ao discurso do legislador. Só a lei formal pode estabele­cer a instituição de tributos; a definição do fato gerador da obrigação principal; a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo; a

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cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos; as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de crédi­tos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades (art. 97 do CTN).

Fenômeno interessante que vem ocorrendo aqui e alhures é o da deslegalização, ou seja, a permissão do legislador para que o próprio Executivo, obedecidos os parâmetros e os limites desenhados na lei formal, expeça normas sobre a base de cálculo ou as alíquotas de al­guns impostos, especialmente daqueles que exigem medidas ágeis diante de dificuldades conjunturais de natureza política ou econômi­ca. A CF (art. 153, § l 2) permite ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar Ias alíquotas dos impostos sobre a importação, a exportação, os produtos industrializa­dos (IPI) e as operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativa a títulos ou valores mobiliários (IO F).

Quanto ao orçamento, só a lei formal pode aprová-lo ou modificá- lo. O art. 167 da CF traz a enumeração dos diversos atos sujeitos à prévia autorização legislativa, como sejam a abertura de crédito suple­mentar ou especial; a transposição, o remanejamento ou a transferên­cia de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro; a utilização de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidades ou cobrir déficit de empre­sas, fundações e fundos; a instituição de fundos de qualquer natureza.

12. LEI DELEGADA

As leis delegadas, que são as elaboradas pelo Presidente da Repú­blica por delegação do Congresso Nacional, não constituemJfonte im ­portante do direito financeiro, pois não podem versar sobre matéria reservada à lei complementar nem sobre os planos plurianuais, diretri­zes orçamentárias e orçamentos (art. 68 da CF). Demais disso, a com­petência tributária é indelegável (art. 7a do C T N ).

13. MEDIDA PROVISÓRIA

A medida provisória veio substituir o decreto-lei na nova ordem constitucional, tendo em vista que aquele, por suas conotações autori­tárias, caíra sob crítica violenta da Assembleia Constituinte. Mas a

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medida provisória, embora um pouco menos contundente que o de­creto-lei, ainda é instrumento autoritário, quando utilizado no regime presidencialista. Diante dos abusos cometidos nos últimos anos, com o aumento exagerado do número de medidas provisórias e com as sucessivas reedições, resolveu o Congresso Nacional promulgar a Emenda Constitucional n- 32, de 11.9.2001, que introduziu diversas providências para democratizar o anômalo instrumento legislativo.

Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República po­derá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê- las de imediato ao Congresso Nacional. E vedada a edição de medidas provisórias sobre as seguintes matérias de cunho financeiro: planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3-, CF, isto é, os créditos extraordinários para atender as despesas imprevisíveis e ur­gentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamida­de pública, hipótese em que a medida será adotada de acordo com o art. 62 da CF; detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; reservada a lei complementar, o que vem encerrar a polêmica sobre a possibilidade de a medida provisória alterar a lei complementar se fosse aprovada com o quorum próprio daquela; já disciplinada em projeto aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, XV, V, e 154, II, da CF só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. No regime de 67/69 discutiu-se muito sobre a possibilidade de o decreto-lei criar tributo, matéria decidida afirmativamente pelo Supremo Tribunal Federal, diante da autorização constitucional para que o Presidente da Repúbli­ca o utilizasse para disciplinar as finanças públicas.

As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 do art. 62 da CF, perderão eficácia, desde a edição, se não forem conver­tidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legis­lativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

Embora a necessidade de relevância e urgência seja um conceito indeterminado, pode se subordinar à tutela jurisdicional sempre que for flagrante a inexistência daqueles requisitos, como acontece, por exemplo, com os tributos ̂ sujeitos ao princípio da anualidade que ve­nham a ser objeto de medida provisória publicada no início do ano. O Supremo Tribunal Federal, em casos excepcionais, vem declarando a

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j .............................................

ESEJ - Ensmo Superior Bureâu Juáêeo

inconstitucionalidade de medidas provisórias que desrespeitam a cláusula de relevância e urgência (ADIN 1 .753-2-DF, Ac. de 16.4.98, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D JU de 12.6.98).

14. DECRETO LEGISLATIVO

O decreto legislativo é fonte do Direito Financeiro na medida em que se presta para resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio (art. 59, VI, c.c. art. 49, I, CF). É o decreto legislativo, portanto, que internaliza os tratados e os torna aptos a criar direitos e obrigações na ordem nacional.

15. RESOLUÇÃO

As resoluções das Casas Legislativas, especialmente as do Senado Federal, têm grande importância para o Direito Financeiro. O Senado Federal, de acordo com a CF, através de resolução, dispõe, autoriza ou decide sobre: a) operações externas de natureza financeira, de interes­se da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (art. 52, V); b) limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí­pios, bem como para as operações de crédito e a concessão de garan­tias (art. 52, VI, VII e VIII); c) suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Su­premo Tribunal Federal (art. 52, X); d) alíquotas do imposto sobre a transmissão-causa mortis e doação (art. 155, § I a, IV); e) alíquotas aplicáveis ao ICMS (art. 155, § 2a, IV e V).

16. TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

Os tratados e convenções internacionais assinados pelo Executivo transformam-se em fonte do Direito Financeiro, desde que aprovados pelo Congresso Nacional.

E particularidade do Direito Tributário brasileiro reconhecer a prevalência do tratado internacional sobre a legislação nacional. Diz o art. 98 do C T N que “os tratados e as convenções internacionais revo­

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gam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha". Observe-se que não se trata, a rigor, de revogação da legislação interna, mas de suspensão da eficácia da nor­ma tributária nacional, que readquirirá a sua aptidão para produzir efeitos se e quando o tratado for denunciado.

Essa característica do Direito Tributário brasileiro não se estende a outros ramos do Direito, nem mesmo ao Financeiro, pois o Supremo Tribunal Federal não generalizou a tese do primado do Direito Inter­nacional; admitiu, pelo contrário, que a norma internacional sobre le­tras de câmbio e notas promissórias, incorporada à legislação interna, fosse revogada por lei ordinária federal posterior (RE 80.004, Ac. do Pleno, de 1.6.77, Rei. Min. Cunha Peixoto, RTJ 83/809).

A União pode conceder isenções de tributos estaduais através de tratados e convenções internacionais, nos quais age como titular da soberania, eis que não se aplica a tal hipótese a. vedação de outor­ga de isenções heterônomas prevista no art. 151, III, da Constituição Federal.

Quando os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos do contribuinte forem aprovados, em cada Casa do Congres­so Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (art. 5o, § 3o, da ÇF, na redação da EC 45, de 2004), e como tais revogarão ou mo­dificarão a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevier.

17. CONVÊNIOS INTERESTADUAIS DO ICM S

Figura estranha é a do Convênio ICMS, criado pela reforma, tri­butária que instituiu o imposto não-cumulativo e que perdura até hoje (art. 155, XII, g, CF) para a concessão e a revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais.

O Convênio ICMS foi regulamentado pela Lei Complementar n- 24/75, que exige a sua aprovação por unanimidade. A sua eficácia só se inicia após a notícia de sua ratificação nacional, publicada no Diário Oficial da União.

A União pode conceder isenções de tributos através de tratados e convenções internacionais, nos quais age como titular da soberania, eis que não se aplica a tal hipótese a vedação de outorga de isenções hete­rônomas prevista no art. 151, III, da Constituição Federal.

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A Lei Complementar n~ 24/75, editada em pleno período de au­toritarismo político, dispensou a ratificação pelas Assembleias dos convênios assinados pelos Secretários de Fazenda, atribuindo-a à pró­pria competência dos Governadores. A doutrina, com justa razão, vem denunciando a inconstitucionalidade da medida, por afrontar o princí­pio da legalidade. A EC 3/93 não resolveu a contradição, assim como não a enfrentou a EC 33/2001.

Discutiu-se muito, no regime constitucional anterior, se o convê­nio poderia dispor sobre outras matérias além da isenção. A Lei Complementar 24/75 estendeu-os a qualquer mecanismo de exonera­ção ou de diminuição da carga fiscal. Hoje a CF esclareceu a situação, dizendo que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Mas a EC 33, de11.12.2001, introduziu os §§ 4 - e 5a no art. 155 da CF, determinando que as regras necessárias à aplicação do sistema de incidência única do ICMS sobre os combustíveis líquidos e lubrificantes, qualquer que seja a sua finalidade, inclusive as relativas à apuração] à destinação e à fixação das alíquotas, serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, com o que se ampliou o quadro da competência dos convênios interestaduais; estabeleceu ainda o art. 4o daquela EC 33/01 que os convênios interestaduais poderão regular provisoriamente a matéria, enquanto não entrar em vigor a lei comple­mentar competente.

As isenções concedidas por convênios, ainda que autorizativo, só se revogam por outro convênio, eis que no ato de conceder o benefício se esgota a autorização coletiva.

Os convênios interestaduais concessivos de isenção do ICM S não se confundem com outros convênios que se tornam normas comple- mentares das leis estaduais (art. 100, IV, do CTN), como adiante ve­remos.

Outra questão muito polêmica foi a possibilidade de o convênio regular matéria de lei complementar. O art. 34, § 8-, do Ato das Dis­posições Constitucionais Transitórias estabeleceu que, se no prazo de 60 dias contados da promulgação da Constituição, não fosse editada a lei complementar necessária à instituição do ICMS, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termòs da Lei Complementar 24/75, fixariam normas para regular provisoriamente a matéria. Em conseqüência, foi celebrado o Convênio ICMS 66/88, regulando por inteiro o tributo e substituindo as normas do Decreto-

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lei 406/68, que tinha a natureza de lei complementar. Pareceu-nos legítimo o procedimento dos Estados, assim porque exerciam a com­petência plena se inexistia lei federal sobre normas gerais (art. 24, § 3-, da CF), como porque era problema de interpretação saber se e quais foram as normas do DL 406/68 recepcionadas pelo sistema do novo imposto. Quando, porém, a norma do Convênio ICMS 66/88 vinha a conflitar com expressa disposição do DL 406/68, prevalecia a regra da lei complementar federal (Cf. RE 149922-2, Ac. do Pleno do STF, D JU 29.4.94). A questão hoje perdeu em parte o interesse, pela superveniência da Lei Complementar 87/97.

18. ORÇAMENTOS

Os orçamentos constituem fonte importantíssima do Direito Fi­nanceiro, pois estabelecem o planejamento da vida financeira, a previ­são das receitas e a autorização das despesas.

A regulamentação dos orçamentos na CF 88 é extremamente complexa, mas bem ajustada às necessidades atuais do Estado. Cons­tituem fontes do Direito Financeiro; a) a lei que instituir o plano plu- rianual (art. 165, § l 2); b) a lei de diretrizes orçamentárias (art. 165, § 2Q); c) a lei orçamentária anual, compreendendo o orçamento fiscal referente aos poderes da União, o orçamento de investimento das em­presas estatais e o orçamento da seguridade social (art. 165, § 5-).

A questão mais intrincada na problemática do orçamento como fonte do Direito Financeiro é a de saber se tem ele natureza material­mente legislativa ou se apenas é lei do ponto de vista formal. A doutri­na majoritária, como veremos no capítulo dedicado ao assunto (p. 176), conclui no sentido de que é lei apenas no sentido formal, posto que tem a natureza de ato-condição, que, aprovado pelo Legislativo, circunscreve-se a autorizar a realização de despesa e a prever o mon­tante da receita, sem criar direitos subjetivos para terceiros.

IV— O PRO CESSO ADMINISTRATIVO

19. REGULAMENTO

O regulamento é o conjunto de normas baixadas pelo Poder Exe­cutivo para a complementação da lei.

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Os regulamentos constituem importante fonte secundária do Di­reito Financeiro. Classificam-se em regulamentos de execução e regu- lamentos autônomos. Os regulamentos de execução têm por finalida­de estabelecer as normas complementares à lei formal, permitindo a sua aplicação e esmiuçando-lhe as determinações. Regulamento autô­nomo é o baixado pela Administração na matéria não sujeita ao princí­pio da legalidade.

As normas regulamentares podem ser veiculadas pelos decretos, portarias ou resoluções das autoridades administrativas.

Questão difícil é a do limite do poder regulamentar. O Executivo fica subordinado à lei financeira formal e não pode invadir a compe­tência do legislador. Sucede que, como veremos (p. 109), inexiste o campo material de atuação da lei formal claramente delimitado, o que traz como conseqüência a inexistência de contorno rígido do poder regulamentar. Há uma certa zona de penumbra no relacionamento ventre regulamento e lei, posto que inexiste uma reserva regulamentar a coincidir magicamente com a reserva da lei ordinária. O art. 99 do CTN diz que “o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos”, mas ressalva: “deter­minados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta lei”. Quer dizer: transforma-se em problema de interpretação estabelecer o exato limite do exercício do poder regulamentar. Os regulamentos tipificadores, que vêm preencher os tipos abertos in­cluídos na lei tributária, começam a aparecer no direito brasileiro, como aconteceu com os Decretos n33 356, de 1991, 612, de 1992, e 2.173, de 1997, que regulamentavam as leis instituidoras da contri­buição ao seguro de acidentes do trabalho (SAT) e que receberam o beneplácito do STF (RE 343.446-SC, Ac. do Pleno, de 20.03.03, Rei. Min. Carlos Velloso, RDDT 93-167, 2003), embora sob o rótulo de "regulamento delegado intra legem, condizente com a orgem jurídico- constitucional”.

Em face do fenômeno da deslegalização ou do afrouxamento do princípio da legalidade (vide p. 106), passou à competência regula­mentar, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, a faculdade de alterar as alíquotas dos impostos de importação e expor­tação, IPI e IOF (art. 153, § l s, da CF).

As normas regulamentares vinculam as autoridades administrati­vas, inclusive aquelas que as expedem. Quando se tratar de Direito Tributário, a sua observância pelo contribuinte exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor mo­

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netário da base de cálculo, se vierem a ser posteriormente modificadas ou revogadas, ainda que por conflitarem com a lei; tal solução sempre foi muito discutida na doutrina, pois envolvia certo enfraquecimen­to do princípio da legalidade tributária, mas prevaleceu na redação do CTN (art. 100, parágrafo único).

20. DECRETO

Decreto é o ato normativo baixado pelo Chefe do Poder Executivo: Presidente da República, Governador do Estado e Prefeito Municipal.

Os regulamentos dos principais impostos (RIR, RIPI, RICMS, RISS) são aprovados por decreto.

E imenso o campo de aplicação dos decretos em matéria financei­ra, estendendo-se da interpretação de dispositivos da legislação tribu­tária até a abertura de créditos suplementares ou especiais, desde que precedida de prévia autorização legislativa.

21. RESOLUÇÕES E OUTROS ATOS NORMATIVOS

Há inúmeros outros atos normativos das autoridades administra­tivas que constituem fonte secundária ou complementar do Direito Financeiro.

As resoluções do Ministro da Economia ou dos Secretários de Fazenda nos Estados são instrumentos para o exercício do poder regu­lamentar, cabendo-lhes estabelecer normas no âmbito da autorização ou do espaço aberto pela lei e pelo decreto.

Descendo na escala hierárquica encontram-se ainda as portarias, as instruções normativas, as ordens de serviço e diversos outros atos emanados de autoridades menos graduadas, todos subordinados à lei, ao decreto e à resolução.

22. DECISÕES NORMATIVAS

As decisões dos órgãos singulares ou coletivos, de jurisdição admi­nistrativa, a que a lei atribua eficácia normativa, também constituem fonte secundária do Direito Financeiro (art. 100, II, do CTN).

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23. PARECERES NORMATIVOS

Os pareceres normativos, especialmente os exarados pelos órgãos da Receita Federal, constituem igualmente fonte secundária do Direi­to Financeiro.

Parecer normativo, a rigor, é uma contradictio in terminis, eis que a sua característica é a de ser apenas opinativo. De qualquer forma, o parecer normativo fixa a orientação, da Fazenda Pública e protege o contribuinte que o adota contra as ulteriores modificações na inter­pretação da matéria.

24. CONVÊNIOS

Os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distri­to Federal e os Municípios são também normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos (art. 100, IV do CTN). Tem por objetivo o auxílio mútuo na fiscalização das rendas públicas e servem de instrumento pára a adoção de normas comuns tributárias, principalmente no campo das chamadas obriga­ções acessórias.

Esses convênios, quando complementares das leis estaduais, não se confundem com os convênios interestaduais concessivos de isenção do ICMS, que antes examinamos (vide p. 50).

V — O PRO CESSO JU D ICIAL

25. A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS

A sentença judicial não é fonte "do Direito Financeiro, pois só produz efeitos inter partes. Kelsen atribui-lhe a característica de nor­ma, mas de norma individual, aplicável unicamente à questão aprecia­da pelo juiz!

Nem mesmo a jurisprudência estável dos Tribunais, entendida como conjunto das decisões proferidas pelos órgãos judiciais coletivos de julgamento, é fonte do Direito Financeiro. Não vincula os juizes de grau inferior e não se integra à legislação. O positivismo de cunho sociológico, representado no Direito Tributário pelos causaUstas e pe­los adeptos da consideração econômica do fato gerador (Enno Becker, Trotabas e Griziotti), é que defendia ser a jurisprudência fonte do

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Direito Financeiro, exercendo o juiz função criadora, tudo o que era conseqüência de as normas jurídicas surgirem dos fatos.

A Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, embora repositório de grande utilidade para uniformizar a prestação jurisdicional e para guiar a atividade do juiz singular, tam ­bém não era fonte do Direito Financeiro. Não vinculava os juizes e tribunais inferiores e nem mesmo o próprio Supremo Tribunal Fede­ral. Era revogável, como já acontecera com diversos verbetes sobre matéria financeira: repetição de indébito (números 71 e 546); nature­za da penalidade pecuniária (números 191, 192 e 565). Por se expres­sar em linguagem normativa, carecia ela própria de interpretação. A partir de Io de janeiro de 2005, por força do art. 103-A da CF, intro­duzido pela EC 45, de 2004, ficou o Supremo Tribunal Federal auto­rizado a aprovar, por 2/3, súmula que vincule o Poder Judiciário e a Administração, bem como a fazer a sua revisão. A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determina­das, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciais ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questões idênti­cas (art. 103-A, § I o, da CF). Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, ca­berá reclamação ao STF que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso (art. 103-A, § 3o, da CF). As súmulas de jurisprudência se espa­lharam por outros Tribunais e instâncias (ST J e CARF), embora sem eficácia vinculante.

Se a jurisprudência pacífica não constitui fonte do Direito Finan­ceiro, nem por isso pode ter minimizada a sua importância. A Fazenda Pública deve, em homenagem à segurança jurídica e à economia pro­cessual, seguir a orientação dos Tribunais, sempre que lhe pareça sufi­cientemente estável a jurisprudência: são inúmeros os casos, na práti­ca jurídica brasileira, em que o Presidente da República e os Governa­dores de Estados aderiram às decisões, para evitar conflitos entre o Fisco e os contribuintes em questões massificadas (vide p. 60). O mesmo deve acontecer com o Legislativo, que editará a lei interpreta- tiva ou revogará a que for objeto de crítica judicial intensa, não con­substanciada em declaração formal de inconstitucionalidade.

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Há, todavia, dois casos em que a jurisprudência se transforma em fonte formal do Direito Financeiro, como a seguir veremos: na ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou es­tadual e na ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato nor­mativo federal. A reforma do Judiciário, trazida pela Emenda Consti­tucional 45, de 2002, deu a seguinte redação ao art. 102, § 2o, da CF: "As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade ou nas ações dire­tas de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta ou indireta, na esfera federal, estadual ou municipal”. As súmulas vinculantes do STF podem ser incluídas tam­bém entre as fontes formais (art. 103-A da CF, acrescentado pela EC 45/2004).

26. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALLDADE

A declaração de inconstitucionalidade da lei federal, estadual ou municipal proferida pelo Supremo Tribunal Federal no bojo de um qualquer processo judicial não é fonte do Direito Financeiro, pois só vale inter partes.

Pàra que adquira generalidade e passe a valer erga omnes é neces­sário que o Senado Federal com ela concorde e suspenda a execução da lei declarada inconstitucional (art. 52, X, da CF). Mas, aí, a fonte do Direito Financeiro será a resolução do Senado Federal e não a deci­são do Supremo Tribunal Federal, posto que aquela Casa do Congres­so não está obrigada a adotar a orientação jurisprudencial. A modula­ção dos efeitos das decisões do STF pode se aplicar também no con­trole incidental (RE 559.882-9, Ac. do Tribunal Pleno de 12.06.08, Rei. Min. Gilmar Mendes, D J 14.11.2008).

27. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NAAÇÃO DIRETA

O Supremo Tribunal Federal pode também declarar a inconstitu­cionalidade da lei ou do ato normativo federal ou estadual na ação direta proposta pelas pessoas indicadas no art. 103 da Constituição.

A decisão, nesse caso, tanto que publicada no Diário Oficial, se torna fonte do Direito Financeiro, por adquirir eficácia erga omnes e

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efeito vinculante. Duas teorias explicam a eficácia da declaração de inconstitucionalidade: a alemã, derivada dos ensinamentos de Kelsen, de que só um ato da mesma natureza da lei pode anular uma lei for­mal, donde resulta que se a decisão judicial anula a lei estadual ou federal é porque age como se fosse lei; a americana, de que a decisão opera ipso jure, declarando a ineficácia ab initío da lei que nunca che­gou a existir, por inconstitucional.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido, na linha da tradição americana, que a eficácia da declaração de inconstitucionalidade é ex tunc, anulando a lei desde o seu nascimento (p. 138). Em conseqüên­cia, a lei anterior que regulava a matéria e que fora revogada pela norma declarada inconstitucional tem restaurada a sua eficácia. Mas a Lei n -9869, de 10.11.99 (art. 27), introduziu a possibilidade de se separar a declaração de inconstitucionalidade da decretação de invali­dade da lei, como faz o direito alemão, autorizando o STF a modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou a decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro mo­mento que venha a ser fixado (vide p. 60). Mesmo quando dotada de eficácia ex tunc a decisão do STF encontra limite na coisa julgada e na prescrição.

28. AÇÃO DECLARATÓRLA DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO FEDERAL

A Emenda Constitucional nâ 3, de 1993, trouxe uma novidade que não encontra paralelo no constitucionalismo contemporâneo: a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo fede­ral. Ao revés de controlar a lei inconstitucional, que é uma das garan­tias processuais da liberdade mais importantes das democracias oci­dentais, o Supremo Tribunal Federal pode ser convocado para procla­mar a constitucionalidade da lei, em decisão com eficácia declaratória positiva. A nova ação tem por objetivo evitar a multiplicidade dos processos contra o Governo Federal, máxime as relativas às questões tributárias, como aconteceu após a CF 88 em decorrência do caos legislativo que se criou no Faís. Mas é flagrantemente prejudicial à defesa dos direitos fundamentais, pois elimina a possibilidade de aces­so dos contribuintes à Justiça em busca da anulação das leis inconsti­tucionais; demais disso, reflete uma contradição insuperável, pois o próprio Presidente da República, que sanciona a lei sob a presunção de

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sua legitimidade constitucional, ou o Senado e a Câmara dos Deputa­dos, que a elaboram, é que estão legitimados a solicitar a confirmação da constitucionalidade do ato de que participaram.

As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tri­bunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, constituem autêntica fonte do Direito Finan­ceiro, eis que possuem atributo típico da lei formal: "produzirão eficá­cia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo", como já dizia o art. 102, § 2o, da CF, na redação da EC 3/93, agora ampliada pela EC 45/04.

29. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POROMISSÃO

O Supremo Tribunal Federal pode também declarar a inconstitu- cionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma consti­tucional. Dará, então, ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (art. 103, § 2S, CF).

A decisão judicial, nessa hipótese, não é fonte do Direito Finan­ceiro, pois não cria a norma aplicável.

30. MANDADO DE IN JUN ÇÃO

Figura de difícil compreensão é o mandado de injunção, que será concedido “sempre que a falta de norma regulamentaçiora torne inviá­vel o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerroga­tivas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art, 5Q, LXXI, CF).

Nos Estados Unidos, de onde transmigrou para a Constituição brasileira, a structural injunction, também chamada administrative injunction, é fonte do Direito Financeiro. Lá o juiz, através de normas casuísticas estabelecidas na sentença, determina a realocação de re­cursos orçamentários e a manipulação das verbas, a fim de que sejam garantidos os direitos fundamentais das pessoas sujeitas à tutela do Estado nas prisões e nos hospitais para doentes mentais, bem como

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para garantir a integração racial nas escolas públicas. A Suprema Cor­te, entretanto, não reconhece a possibilidade de o juiz criar tributos, para a defesa daqueles direitos constitucionais.

No direito brasileiro o mandado de injunção não poderá consti­tuir fonte do Direito Financeiro, pois tanto o orçamento quanto a cria­ção de tributos estão sob a reserva da lei formal. Seja como for, o Supremo Tribunal Federal praticamente inviabilizou a aplicação do mandado de injunção, ao assimilá-lo à declaração de inconstitucionali­dade por omissão; é bem verdade que posteriormente o STF utilizou o novo instrumento para estabelecer a norma para o caso concreto, se o Congresso Nacional não editasse a lei no prazo concedido (vide p. 60-61), com o que passou o mandado de injunção a contrastar com o princípio da legalidade e a se posicionar como fonte de normatividade.

VI — OS COSTUM ES

Os costumes, como prática reiterada da comunidade, são tam­bém fontes do Direito Financeiro. Mas os costumes devem ser secun- dum legem, isto é, não podem contrariar dispositivo expresso de lei. Os costumes têm importância pequena no Direito Financeiro atual, todo ele construído sobre o princípio da legalidade.

Os costumes também podem aparecer sob a forma de "práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas” (art. 100, III, do CTN ), e serão igualmente fontes do Direito Financeiro.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: ATALIBA, Geraldo^Lei Complementar na Constituição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tribu­tário. Rio de Janeiro: Forense, 1987; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Pro­cesso Legislativo. São Paulo: Saraiva, 1984; LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo Pro­cedimento. Brasília: E.U.B., 1980; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucio­nalidade. São Paulo: Saraiva, 1990; Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996; NOVELLI, Flávio Bauer. "O Congresso e o Processo Legislativo na Emenda nQ 1 à Constituição de 1967". In: CAVALCANTI, Themistocles Brandão (Coord.). Estudos sobre a Constituição de 1967 e sua Emenda nfi 1. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1977, pp. 67-68; SOUTO MAIOR BORGES, José. Lei Complementar Tributá­ria. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1975; TÁCITO, Caio. "Medida Provisória”. Reinsta de Direito Administrativo 176: 1-8, 1989; TORRES, Ricardo Lobo. “O Manda­

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do de Injunção e a Legalidade Financeira". Revista de Direito Administrativo 187: 94- 110,1992.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 59 a 69, 102, 103, 146 e 162; CTN: arts. 97 a 100; Decreto 1601, de 23.8.95: dispõe sobre a dispensa de recursos em ações judiciais na esfera de competência da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, em virtude de pre­cedentes judiciais; art. 77 da Lei 9430, de 27.12.96: “autoriza o Poder Executivo a disciplinar as hipóteses em que a administração tributária federal, relativamente aos créditos tributários baseados em dispositivo declarado inconstitucional por decisão de­finitiva do Supremo Tribunal Federal, possa: I — abster-se de constituí-los; II — retifi­car o seu valor ou declará-los extintos, de ofício, quando houverem sido constituídos anteriormente, ainda que inscritos em dívida ativa; III — formular desistência de ações de execução fiscal já ajuizadas, bem como deixar de interpor recursos de decisões judi­ciais"; Lei na 9.704, de 17.11.98: institui normas relativas ao exercício, pelo Advogado- Geral da União, de orientação normativa e de supervisão técnica sobre os órgãos jurídi­cos das autarquias federais e das fundações instituídas e mantidas pela União; Lei nfi 9868, de 10.11.99 - art. 27: "Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normati­vo, e tendo em vista razões de segurança ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".

III. Jurisprudência: MI 232 — I-RJ, Ac. do Pleno, de 2.8.91, Rei. Min. Moreira Alves, D. J. 27.3.92: "Mandado de injunção. Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 72 do art. 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7fi, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida”. AJDIN 513, Ac. do Pleno, de 14.6.91, Rei. Min. Célio Boija, RTJ 141/739: “IV —- Alegação de só poder ter efeito ex nunc a decisão que nulifica lei que instituiu ou aumentou tributo auferido pelo Tesouro e já aplicado em serviços ou obras públicas. Sua inaplicabilidade à hipótese dos autos que não cogita, exclusivamente, de tributo já inte­grado ao patrimônio público, mas, de ingresso futuro a ser apurado na declaração anual do contribuinte e recolhido posteriormente. Também não é ela atinente à eventual restituição de imposto pago a maior, porque está prevista em lei e terá seu valor reduzi­do pela aplicação de coeficiente menos gravoso.” RE 224.285-CE, 17.3.99, Rei. Min. Maurício Corrêa, Informativo do STF no 142: "Entendeu-se que a lei exigida pelo art. 153, § Ia, da CF (“E facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V"), é lei ordinária, uma vez que lei complementar só será exigida quando a CF ex­pressamente assim determinar”; RE 559.882-9, Ac. do Pleno, de 12.06.2008, Rei. Min. Gilmar Mendes, D Je 14.11.2008: "PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadên­cia tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1 da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, b, III, da CF de 1988). Interpreta­ção que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea,

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em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria pre­juízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurífica... V- MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURAN­ÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamen­to”; Súmula Vinculante n° 8/2008: "São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5o do Decreto-Lei n° 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da L e in °8 .212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.

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CAPÍTULO IV

Os Direitos Fundamentais e as Finanças Públicas

I. INTRODUÇÃO

1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PODER FINANCEIRO

Os direitos fundamentais — ou direitos da liberdade, ou direitos naturais, ou direitos individuais — são os inerentes à pessoa humana e, portanto, inalienáveis, imprescritíveis e preexistentes ao pacto consti­tucional. Estão catalogados, em enumeração não exaustiva, no art. 52 da CF 88, dispositivo de natureza meramente declaratória.

Alguns dos direitos fundamentais se abrem ao poder financeiro do Estado. O livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5a, XIII), que produz riqueza, pode ser objeto de tributação. Também o direito de propriedade (art. 52, XXII e XXIII), que deverá atender a sua função social, suporta a incidência dos tributos. Mas- essas liberdades são ambivalentes: ao se autolimitarem, abrindo-se à tributação, criam também limitações ao exercício do poder financeiro do Estado, que não as poderá sufocar nem aniquilar.

Mas os outros direitos fundamentais são insuscetíveis de tributação.

2. AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DETRIBUTAR

O poder financeiro ou soberania financeira do Estado, pois, radica no próprio art. 5S da CF, ou seja, no direito de propriedade. A sobera-

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nia financeira, que é do povo, transfere-se limitadamente ao Estado pelo contrato constitucional, permitindo-lhe tributar e gastar. Não é o Estado que se autolimita na Constituição, como querem os positivis­tas, senão que já se constitui limitadamente, no espaço aberto pelo consentimento.

O tributo, por conseguinte, sendo embora o preço e a garantia da liberdade, já nasce limitado pela própria autolimitação da liberdade.

A CF, nos arts. 150 a 152, cuida das limitações ao poder de tribu­tar. São normas de caráter declaratório, que aparecem como contra­ponto fiscal da declaração de direitos do art. 5-. Todo esse capítulo versa a respeito da proteção da liberdade, nada tendo que ver com a justiça ou a utilidade.

As limitações constitucionais ao poder de tributar abrangem:

a) as imunidades (art. 150, itens i y V e VI);b) as proibições de privilégio odioso (arts. 150, II, 151 e 152);c) as proibições de discriminação fiscal, que nem sempre aparecem explicitamente no texto fundamental;d) as garantias normativas ou princípios gerais ligados à segurança dos direitos fundamentais, como sejam a legalidade, a irretroatividade, a anterioridade e a transparência (art. 150, I, III e §§ 52 e 6~), que estu­daremos no Capítulo V.

II. AS IMUNIDADES FISCAIS

3. HISTÓRICO

No Estado Patrimonial as imunidades fiscais eram forma de. limi­tação do poder da realeza e consistiam na impossibilidade absoluta de incidência tributária sobre o senhorio e a Igreja, em homenagem a direitos imemoriais preexistentes à organização estatal e à transferên­cia do poder fiscal daqueles estamentos para o Rei.

Com õ advento do Estado Fiscal a mesma expressão "imunidade” ganha novo conteúdo. E limitação absoluta do poder tributário, agora pertencente ao Estado e não mais ao Rei, ditada pelos direitos indivi­duais pré-constitucionais. Ingressa explicitamente na Constituição americana, que proclama .no art. 4S, seção 2 (1 ) , que "os cidadãos de cada Estado serão titulares de todos os privilégios e imunidades dos cidadãos de outros Estados”; posteriormente a 14â Emenda (1868)

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declara que nenhum Estado pode prejudicar “os privilégios ou imuni- dades dos cidadãos dos Estados Unidos”. No Brasil a imunidade, sob a inspiração americana, só aparece na Constituição de 1891, por obra de Rui Barbosa.

4. CONCEITO

As imunidades consistem na intributabilidade absoluta ditada pe­las liberdades preexistentes. A imunidade fiscal erige o status negati- vtts libertatis, tornando intocáveis pelo tributo ou pelo imposto certas pessoas e coisas; é um dos aspectos dos direitos da liberdade, ou uma sua qualidade, ou a sua exteriorização, ou o seu âmbito de validade. Pouco ou nada tem que ver com a ideia de justiça ou de utilidade econômica. Está inteiramente superada, no constitucionalismo con­temporâneo, salvo no Brasil, a orientação positivista segundo a qual a imunidade seria proibição imanente à própria Constituição ou autoli- mitação do poder tributário (vide p, 84). Mas o STF, que aderia à tese positivista de que a imunidade é qualquer não-incidência constitucio­nal qualificada, já procura estabelecer a vinculação com os direitos humanos, donde resulta a impossibilidade de revogação da imunidade, até mesmo por emenda constitucional, como ocorreu com o IPMF (ADIN 939-7, Rei. Min. Sidney Sanches, RTJ 151/755).

5. CLASSIFICAÇÃO

As imunidades protegem os direitos fundamentais contra a inci­dência dos tributos em geral (art. 150, IV e V), dos impostos (art. 150, VI), das taxas (art. 5a, itens XXXIV, LXXIII, LXXIV, LXXVI e LXXVII; art. 206, IV; art. 208, § l 2) e das contribuições (arts. 195, § 7- e 203). Podem ser explícitas, como as acima mencionadas, ou im­plícitas, como as que protegem o mínimo existencial e os repre­sentantes diplomáticos estrangeiros e como acontece no direito cons­titucional americano. São, ainda: objetivas, quando se referem a coisas (art. 150, VI, d ); subjetivas, quando excluem das imposições certas pessoas, o que é a regra geral; na hipótese de imunidades subjetivas, nada obsta a que o imposto indireto incida sobre bens ou mercadorias produzidos pela pessoa imune, sendo certo, também, que a imunidade do comprador não se estende ao produtor (Súmula do STF — 591).

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6. IMUNIDADES AOS TRIBUTOS

A CF declara a imunidade aos tributos nos itens IV e V do art. 150. Nenhum imposto, taxa, contribuição ou empréstimo compulsó­rio pode incidir sobre a totalidade da propriedade privada, o direito de ir-e-vir e a liberdade de comércio. Também o mínimo existencial está livre de tributos, embora a Constituição nem sempre o afirme explici­tamente.

6.1. Proibição de Confisco (art. 159, IV)

A CF, no art. 150, IV, veda à União, aos Estados e aos Municípios “utilizar tributo com efeito de confisco”. A Constituição espanhola de 1978 estabelece que todos contribuirão de acordo com sua capacidade econômica mediante um sistema tributário justo, inspirado nos princí­pios da igualdade e progressividade, mas que “en ningún caso tendrá alcance confiscatorio’' .

No Estado Patrimonial admitia-se largamente o confisco, que em Portugal e no Brasil incidiu inúmeras vezes sobre os bens dos judeus e da Igreja. No Estado de Direito a propriedade privada ganhou o status de direito fundamental e a proibição de confisco passou a ser a regra. Nas Constituições em que não aparece explicitamente, o princípio está contido na norma que assegura o direito de propriedade.

A proibição de confisco é imunidade tributária de uma parcela mínima necessária à sobrevivência da propriedade privada. Entende, pois, com os direitos da liberdade. Não emana da ideia de justiça, pois se afirma para além da capacidade contributiva.

A relação entre o direito de propriedade e o direito tributário é dialética. A propriedade privada fornece o substrato por excelência para a tributação, já que esta significa sempre a intervenção estatal no patrimônio do contribuinte. Mas está protegida qualitativa e quantita­tivamente contra o tributo; não pode ser objeto de incidência fiscal discriminatória, vedada pela proibição de privilégio (art. 150, II); nem pode sofrer imposição exagerada que implique na sua extinção, em vista da proibição de confisco (art. 150, IV).

A vedação de tributo confiscatorio, que erige o status negativus libertatis, se expressa em cláusula aberta ou conceito indeterminado. Inexiste possibilidade prévia de fixar os limites quantitativos para a cobrança, além dos quais se caracterizaria o confisco, cabendo ao cri­tério prudente do juiz tal aferição, que deverá se pautar pela razoabi-

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lidade. A exceção deu-se na Argentina, onde a jurisprudência, em cer­ta época, fixou em 33% o limite máximo da incidência tributária não- confiscatória.

6.2. Tráfego de Pessoas (art. 150, V)

O art. 150, item V da CF proíbe as limitações ao tráfego de pes­soas por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalva­da a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Po­der Público.

A vedação surgiu em 1934 e se manteve explícita desde então, acrescida, nas Constituições de 1946 e 1967, da ressalva da cobrança do pedágio.

O fundamento da imunidade é a liberdade de ir-e-vir, que no Estado de Direito é absoluta e prioritária. Nada tem que ver com as ideias de justiça ou utilidade.

A imunidade protege contra a incidência de qualquer tributo e, também, contra a cobrança de ingressos não-tributários que possam ferir a liberdade de locomoção. Mas não abrange, por exemplo, o im­posto sobre os serviços intermunicipais de transportes de passageiros ou de turistas ou as taxas de embarque em aeroportos, que não ferem direitos individuais.

O pedágio pode ser cobrado porque não é tributo, mas preço públi­co. A sua ressalva no texto constitucional é meramente didática ou cau- telar da hipótese em que o poder público lhe atribua o regime da taxa.

6.3. Tráfego de Bens

a) Comércio Interno (art. 150, V)

A CF proíbe, ainda, no art. 150, V, as limitações ao tráfego de bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais.

A vedação surgiu explicitamente no texto de 1891 e se manteve nas sucessivas reescrituras constitucionais. Recebemos a influência di­reta da jurisprudência americana, que inicialmente elaborou a doutri­na da “embalagem original” (original packagé), segundo a qual não poderia haver tributação enquanto a mercadoria se encontrasse em seu envoltório e, portanto, fora do ciclo da comercialização.

A imunidade aos tributos sobre o tráfego de bens tem o seu fun­damento precípuo na proteção da liberdade de comércio. Também é importante para a sua conceituação o princípio do federalismo.

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A imunidade veda a incidência de qualquer tributo: imposto, taxa, contribuição ou empréstimo compulsório. Mas não exclui a do ICMS, que é cobrado depois que a mercadoria proveniente de outro Estado se incorporar definitivamente à massa de bens do Estado des­tinatário. Nem proíbe as taxas verdadeiramente contraprestacionais.

A CF, ao contrário dos modelos anteriores, refere-se a “bens" e não mais a “mercadorias". O objetivo é deixar claro que é imune tam­bém a circulação interestadual de gases e de outros bens que, por não serem “empacotados”, poderiam oferecer resistência à conceituação como mercadorias.

b) Comércio Exterior (art. 155, § 2o, X, a; art. 149, § 2o, I)

Superando a velha orientação mercantilista de tributar aspera­mente as exportações, que nos veio dos tempos coloniais e perdurou até recentemente, o direito constitucional tributário aderiu à ideia de imunidade das exportações à incidência de tributos, principalmente o IPI, o ICM S, o ISS e as contribuições sociais e econômicas.

O art. 153, § 3o, III, da CF prevê a não-incidência do IPI sobre produtos industrializados destinados ao exterior, garantindo a legisla­ção ordinária o direito à manutenção dos créditos fiscais relativos às operações anteriores.

O art. 155, § 2°} X, a, na redação dada pela EC 42/03, estabece que o ICMS não incidirá “sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exte­rior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”. O dispositivo supre o déficit de legitimidade constitucional da Lei Kandir (LC 87/96), que já havia introduzido idêntica providência, ampliando o rol das exportações imunes, que no texto originário da CF 88 só protegia as referentes aos produtos industrializados e aos semi-in- dustrializados.

O art. 156, § 3o, inciso II, da CF, segundo a dicção da EC 37/02, diz que cabe à lei complementar excluir da incidência do ISS “expor­tações de serviços para o exterior". Embora deixada à competência da lei complementar, essa não-incidência constitucional do ISS é autên­tica imunidade, pois se justifica pelo princípio da liberdade de comér­cio internacional e pelos direitos fundamentais e consona com a imu­nidade garantida no campo dos serviços sujeitos ao ICM S (art. 155, §2o, X, d).

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O art. 149; § 2o, I, na redação da EC 33/2001, estabeleceu que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico ... "não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação". O dispositivo atinge sobretudo as contribuições sociais exóticas, que são aquelas com as características dos impostos com destinação especial (CO- FINS, PIS, CSLL) e que vinham tirando as condições de competitivi­dade das mercadorias brasileiras no comércio exterior e causando o desemprego.

A nova disciplina das exportações constitui vera imunidade tribu­tária; porque encontra fundamento na liberdade de comércio. E bem verdade que o STF já havia apelidado de imunidade a não-incidência do ICMS sobre a exportação de produtos industrializados (Súmula 536); mas aquela medida era conjuntural e parcial e se justificava por argumentos de utilidade; sem relação com os direitos fundamentais.

A imunidade às exportações está declarada em diversos dispositi­vos da Constituição dos Estados Unidos (art. I o, 8; 3; art. Io, 9, 5; art. 1°; X; 2). E tem sido apontada como fator de progresso e desenvolvi­mento da economia americana, devendo a interpretação lá adotada influenciar a compreensão do tema no Brasil.

6,4. Mínimo Existencial

O problema do mínimo existencial se confunde com a própria questão da pobreza. Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de incidência fiscal e que ainda exige prestações estatais positivas.

O mínimo existencial não tem conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originariamente não-fundamental (direito à saúde, à alimentação etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável.

Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liber­dade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimO; do qual nem os prisioneiros; os doentes mentais e os indigentes podem ser privados. O fundamen­to do direito ao mínimo existencial, por conseguinte, reside nas condi­ções para o exercício da liberdade, que alguns autores incluem na li­berdade real, na liberdade positiva ou até na liberdade para ao fito de diferençá-las da liberdade que é mera ausência de constrição.

O mínimo existencial, que não tem dicção normativa específica, está compreendido em diversos princípios constitucionais. O da

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igualdade assegura a proteção contra a pobreza absoluta, eis que esta resulta da desigualdade social. A igualdade, aí, é a que informa a liber­dade, e não a que penetra nas condições de justiça, tendo em vista que esta vai fundamentar a política orçamentária dirigida ao combate à pobreza relativa. O direito ao mínimo existencial está implícito tam­bém na proclamação do respeito à dignidade humana, na cláusula do Estado Social de Direito e em inúmeras outras classificações constitu­cionais ligadas aos direitos fundamentais.

O direito às condições mínimas de existência digna inclui-se en­tre os direitos da liberdade, ou direitos humanos, ou direitos indivi­duais, ou direitos naturais, formas diferentes de expressar a mesma realidade. O mínimo existencial exibe as características básicas dos direitos da liberdade: é pré-constitucional, posto que inerente à pes­soa humana; constitui direito público subjetivo do cidadão, não sendo outorgado pela ordem jurídica, mas condicionando-a; tem validade erga omnes, aproximando-se do conceito e das conseqüências do esta­do de necessidade; não se esgota no elenco do art. 5a da Constituição nem em catálogo preexistente; é dotado de historicidade, variando de acordo com o contexto social. Mas é indefinível, aparecendo sob a forma de cláusulas gerais e de tipos indeterminados.

O mínimo existencial, como condição da liberdade, postula as prestações positivas estatais de natureza assistencial e ainda exibe o status negativus, das imunidades fiscais: o poder de imposição do Es­tado não pode invadir a esfera da liberdade mínima do cidadão repre­sentada pelo direito à subsistência.

Algumas imunidades no mínimo existencial estão implícitas no texto maior. A Constituição de 1946 (art. 15, § l 2) garantia a imuni­dade ao mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica; hoje desapareceu o dispositivo e a proteção se efetiva sob a forma de isenções do IPI e do ICMS, asseguradas nas respectivas legislações. O imposto de renda não incide sobre o mínimo imprescindível à sobrevi­vência do declarante, nem sobre as quantias necessárias à subsistência de seus dependentes, dedutíveis da renda bruta; cuida-se de imunida­de do mínimo existencial, embora apareça na lei ordinária, posto que materialmente remonta às fontes constitucionais.

Outras imunidades do mínimo existencial aparecem explicita­mente no texto constitucional.

O art. 5â, item XXXTV; da CF de 1988 assegura, para a defesa de direitos independentemente do pagamento de taxas, o direito de pe­tição aos poderes públicos e a obtenção de certidões.

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O art. 5S, itens LXXII e LXXIII prevê a gratuidade da ação popu­lar, do habeas-corpus e do habeas-data.

O art. 5Q, item LXXIV diz que "o Estado prestará assistência jurí­dica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recur­sos”. O dispositivo da Constituição de 1967, na redação da Emenda ns1, de 1969 (art. 153, § 32), declarava que seria “concedida assistência judiciária aos necessitados, na forma da lei”. A extensão das normas é a mesma, pois presume-se a necessidade da assistência gratuita, só se exigindo a prova se houver impugnação. A imunidade compreende a não-incidência da taxa judiciária, e se estende também ao tributo ex­cessivo que possa prejudicar o direito de ingresso em juízo, como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal (RTJ 112/34).

O art. 5a, item LXXVI, estabelece que “são gratuitos para os re­conhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nasci­mento; b) a certidão de óbito".

O art. 150, item VI, letra c proíbe os impostos sobre as institui­ções de educação e de assistência social. Trata-se de imunidade do mínimo existencial, a proteger as entidades filantrópicas que prestem assistência social ou eduquem pessoas pobres, em ação substitutiva do Estado (vide p. 75).

O art. 153, § 42 assegura a imunidade do imposto sobre proprie­dade territorial rural incidente sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel.

O art. 198 garante a assistência médica preventiva e o atendimen­to nos hospitais do governo, independentemente do pagamento de taxa ou de contribuição para o sistema previdenciário.

O art. 203 prevê, também independentemente de contribuição à seguridade social, a assistência social a quem dela necessita.

O tema da educação mereceu especial atenção por parte do Constituinte. O art. 206, IV garantiu a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, revogando a norma anterior, mais afina­da com proteção aos pobres e a imunidade do mínimo existencial, que estabelecia a gratuidade “para quantos, no nível médio e no superior, demonstrarem efetivo aproveitamento e provarem falta ou insuficiên­cia de recursos” (art. 176, § 3-, item III, da CF de 1967, com a Emen­da de 1969). O art. 2 0 8 ,1, estatui como dever do Estado a garantia de “ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria”, o que constitui uma das mais importantes formas de proteção da pobreza; e o parágrafo l 2 desse

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mesmo art. 208 acrescenta que “o acesso ao ensino obrigatório e gra­tuito é direito público subjetivo”, que não pode ser violado pela “co­brança de taxa de matrícula nas universidades públicas" (Súmula Vin­culante do STF n° 12). O art. 212, § 42 prevê ainda que os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde do educando no ensino fundamentai serão financiados também com recursos prove­nientes do orçamento.

6.5. Imunidades Implícitas a Tributos

Há outras imunidades a tributos qúe não aparecem expressamen­te na CF, mas que nem por isso ficam prejudicadas, pois, como já examinamos, a intributabilidade não é criada pelo pacto constitucio­nal, mas apenas declarada.

Assim, o exercício da profissão, direito fundamental garantido no art. 52, XIII, da CF, é imune à tributação que a possa aniquilar ou extinguir. Da mesma forma que se proíbe o confisco da propriedade, veda-se a incidência excessiva sobre o exercício da profissão, que se situe além do limite da capacidade contributiva.

A fam ília, que "tem especial proteção do Estado” (art. 226 da CF), é imune a tributos que a desestruturem ou que desestimulem o casamento, atingindo a faixa de renda situada além da capacidade con­tributiva.

O acesso à justiça, sendo também direito fundamental (art. 5â, incisos XXXV, LIII, LV), não pode ser pirejudicado pela incidência de tributos excessivos.

7. IMUNIDADE AOS IMPOSTOS

As imunidades do art. 150, VI protegem certas pessoas e coisas contra a incidência dos impostos, mas não dos tributos contrapres- tacionais, que não ferem os direitos da liberdade garantidos naquela norma.

7.1. Imunidade Recíproca

A imunidade recíproca é a que protege as pessoas jurídicas de direito público umas contra as outras, no que concerne à incidência dos impostos. A União não pode cobrar impostos dos Estados e Muni­cípios, sendo verdadeira a recíproca: nem os Estados nem os Municí­pios podem exigir impostos da União ou uns dos outros.

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Deve-se à Suprema Corte americana a construção da doutrina da imunidade recíproca. No famoso caso McCulloch v. Maryland (1819), de que foi relator o Juiz Marshall, ficou decidida a impossibilidade de incidência de impostos estaduais sobre o banco pertencente à União. Posteriormente a jurisprudência americana se alargou, para proteger as instrumentalidades do governo federal, os juizes, os funcionários públicos etc.; apenas no século X X é que a pouco e pouco se restringiu o âmbito da imunidade recíproca. Sofremos no Brasil a influência do direito americano, principalmente a partir da Constituição de 1891 e dos trabalhos de Rui Barbosa; só que ainda não houve o refluxo da jurisprudência e da legislação, mantendo-se exageradamente abran­gente o âmbito da garantia constitucional.

O fundamento da imunidade recíproca é a liberdade, sendo-lhe estranhas as considerações de justiça ou utilidade. Os entes públicos não são imunes por insuficiência de capacidade contributiva ou pela inutilidade das incidências mútuas, senão que gozam da proteção constitucional em homenagem aos direitos fundamentais dos cida­dãos, que seriam feridos com o enfraquecimento do federalismo e da separação vertical dos poderes do Estado (contra: F. B. NOVELLI, op. cit., p. 25).

A imunidade recíproca protege o patrimônio, a renda e os servi­ços da União, dos Estados e dos Municípios, sendo extensiva às autar- qúias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que concerne ao patrimônio, renda ou serviços vinculados às suas finalida­des essenciais ou às delas decorrentes (art. 150, § 22). Mas não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a explo­ração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a em­preendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou paga­mento de preços ou tarifas pelo usuário, ou seja, não se aplica às con­cessionárias de serviço público, salvo as que exercem o monopólio de certos serviços públicos, como a Empresa Brasileira de Correios e Te­légrafos (ACO 765, Ac. do Pleno do STF, D Je 4.09.2009). A imuni­dade igualmente não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativo ao bem imóvel, o que representa a incorpo­ração ao texto constitucional de profusa jurisprudência do STF, que, revogando a Súmula 74, excluiu da imunidade da autarquia aquelas promessas, não obstante o fato de o imóvel continuar no patrimônio do ente público. A imunidade, por conseguinte, só protege as pessoas de direito público contra os impostos incidentes sobre o patrimônio, a renda ou os serviços, o que significa que impostos incidentes sobre a produção e a circulação de riquezas (IPI, ICM S) não estão compreen­didos na garantia constitucional (Súmula do STF-591).

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7.2. Templos

A CF declara, no art. 150, VI, b a imunidade dos templos de qualquer culto à incidência de impostos. O conceito de templo abran­ge não só o prédio onde se pratica o culto, mas também os seus anexos, os conventos e os demais imóveis necessários ao fortalecimento da religião, inclusive “os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso” (RE 578.562, Ac. do Pleno do STF, Rei. Min. Eros Grau, D Je 12.09.2008). A imunidade se estende ao patri­mônio, à renda e aos serviços vinculados às finalidades essenciais do templo, o que exclui do seu manto protetor os impostos incidentes sobre a produção e a circulação de riquezas (IPI, ICM S).

O fundamento da imunidade é a liberdade religiosa. No Estado Patrimonial luso-brasileiro apenas a Igreja Católica era imune, No Es* tado Fiscal a imunidade se estendeu a todos os cultos, tendo em vista que a liberdade de religião se transformou em um dos pilares do libe­ralismo. De modo que a interpretação do conceito religião deve ser o mais amplo possível, para agasalhar também as religiões das minorias.

A CF proíbe, no art. 19, à União, aos Estados e aos Muncípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar- lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes re­lações de dependência ou aliança. Essa norma não conflita com a imu­nidade tributária porque o objetivo da Constituição é impedir a ativi­dade discricionária dos entes públicos em assuntos ligados às religiões, o que acontece com as subvenções e não com as imunidades.

7.3. Partidos Políticos

A CF assegura, no art. 150, VI, c a imunidade dos partidos políti­cos à incidência de impostos. Abrange o patrimônio, a renda e os ser­viços vinculados a suas atividades essenciais. Estende-se às-fundações por eles instituídas ou mantidas.

O fundamento da imunidade é a liberdade política que não sub­siste sem o pluralismo partidário. A tributação dos partidos políticos enfraqueceria a democracia.

A imunidade fiscal dos partidos políticos se complementa com as subvenções e as participações em fundos, vedado, entretanto, o rece­bimento de recursos financeiros de entidade ou governos estrangeiros (art. 17).

7.4. Entidades Sindicais dos Trabalhadores

A CF 88 trouxe a novidade de considerar imunes aos impostos o

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patrimônio, a renda ou os serviços das entidades sindicais dos traba­lhadores. A medida faz parte da exacerbação do sindicalismo observa­da na Assembleia Constituinte, de que já resultara a inclusão das con­tribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas no elenco dos tributos (art. 149).

O fundamento dessa imunidade está nos direitos sociais e econô­micos, inconfundíveis com os direitos da liberdade, o que distorce o conteúdo e a finalidade da garantia constitucional.

7.5. Instituições de Educação e de Assistência Social

O art. 150, VI, letra c garante a imunidade ao patrimônio, à renda e aos serviços das instituições de educação e de assistência social; sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. O conceito de institui­ções de educação abrange assim as que se dedicam à instrução formal, como as que promovem a formação extracurricular, bem como as ins­tituições de fins culturais. As instituições de assistência social são as que socorrem a maternidade, a infância, a velhice e a pobreza.

Os requisitos para a fruição da garantia constitucional, previstos no art. 14 do CTN, foram ampliados pelo art. 12, §22, da Lei n2 9i532, de 1997: a) não remunerar, por qualquer forma, seus;dirigentes pelos serviços prestados; b) aplicar integralmente seus recursos na manu­tenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; c) manter escri­turação completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão; d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial; e) apre­sentar, anualmente, Declaração de Rendimentos em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal; f) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condi­ções para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão públiço. Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente superávit em suas contas ou caso o apresente em determinado exercício, destine referi­do resultado integralmente à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais (art. 12, § 32 , da Lei 9.532/97, com a nova redação dada pelo art. 10 da Lei 9.732/98).

O fundamento da imunidade é a proteção das condições da liber­dade. Trata-se da imunidade do mínimo existencial, a proteger as en­

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tidades filantrópicas que prestem assistência social ou eduquem pes­soas pobres, em ação substitutiva do Estado. Pouco tem que ver com o problema da justiça social ou da capacidade contributiva. O Supre­mo Tribunal Federal, todavia, assim não entendeu e disse que o direito à imunidade prescinde da gratuidade do serviço e do estado de pobre­za dos beneficiados, o que dilargou a garantia constitucional até alcan­çar a defesa dos direitos sociais e econômicos (RTJ 57/274); e ainda estendeu a imunidade às entidades e fundações mantidas por empre­sas (RTJ 8 7 /6 8 4 ) e às entidades de previdência privada (RTJ 124/853) que atuam exclusivamente em favor de seus associados; mas após a Constituição de 1988, fazendo-se forte na distinção entre assis­tência social e previdência social estabelecida nos arts. 201 e 203, reformulou o seu entendimento, para excluir do âmbito da imunidade a entidade de previdência privada mantida por expressiva contribui­ção dos empregados, ao lado da satisfeita pelos patrocinadores (RE 1363321/210, D J 25.6.93; RE 202.700-DF, Informativo STF na 249/01). Desvirtuou-se, em parte, a imunidade das instituições de educação e assistência social, com proteger ricos e pobres, ao contrá­rio do que acontece em outras nações, mais ricas que a nossa, situação que não se m odificou substancialm ente com o advento da Lei 9.532/97, citada acima.

A imunidade se restringe ao patrimônio, à renda e aos serviços liga­dos às atividades essenciais das entidades, dela se excluindo os impostos incidentes sobre a produção e a circulação de riquezas (IPI, ICMS),

A isenção das contribuições para a seguridade social garantida às entidades beneficentes de assistência social (art. 195, § 7Ô, CF), que na realidade é imunidade, foi regulamentada pela Lei n2 9.732, de11.12.98, em parte suspensa liminarmente pelo STF (ADIN 2.028-5, D JU 23.11.99). A L e in ° 12.101, d e 2 7 .ll.2 0 0 9 , dispõesobreacerti- ficação das entidades beneficentes e exige gratuidade nas prestações de saúde (60% dos serviços prestados ao SU S), de educação (20% da receita anual efetivamente recebida nos termos da Lei 9.870/99) e de serviços e ações assistenciais, de forma continuada e planejada, para os usuários e a quem deles necessitar, sem qualquer discriminação, tudo o que representou sensível avanço no campo da proteção dos direitos fundamentais.

7.6. Livros, Jornais, Periódicos e o Papel Destinado à sua Impressão

A CF declara no art. 150, VI, letra d a não-incidência sobre os livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. Protege

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aqueles bens contra os impostos que incidem sobre as mercadorias (IPI, ICM S). Mas o STF ampliou exageradamente a interpretação: a) estendeu a intributabilidade ao ISS incidente sobre as fases interme­diárias da elaboração de livros e periódicos (RTJ 115/267); b) incluiu entre os livros as listas telefônicas (RTJ 126/210); c) subsumiu no conceito de papel de imprensa os filmes e os papéis fotográficos (DJ 12.12.97). Discute-se intensamente sobre a extensão da vedação constitucional ao livro eletrônico e aos produtos da informática, que nos parece incabível, por não se extrapolar a disciplina jurídica típica da media impressa ao mundo eletrônico e ao espaço cibernético (cy- berspace) .

A proteção constitucional não é vera imunidade tributária. Falta- lhe o traço característico: ser atributo dos direitos fundamentais e constituir garantia da liberdade de expressão. O seu fundamento está na ideia de justiça ou de utilidade, consubstanciada na necessidade de baratear o custo dos livros e das publicações. A proteção da liberdade de expressão pode ser utilizada como argumento subsidiário, eis que ao se diminuir o preço das publicações se estará facilitando a manifes­tação do pensamento. Categoriza-se melhor, portanto, como privilé­gio constitucional, podendo em alguns casos, como no dos jornais, as­sumir o aspecto de privilégio odioso, tanto mais que em outros países apenas se protege o jornal contra as incidências discriminatórias.

III. A ISONOM IA FISCAL

8. DIREITOS FUNDAMENTAIS E IGUALDADE

Vimos que o direito de propriedade e o livre exercício das profis­sões, declarados nq art. 5a, incisos XIII, XXII e XXIII da CF, são a sede constitucional do poder tributário, posto que se abrem, pelo con­sentimento, à incidência fiscal. Mas, ao mesmo tempo em que se au- tolimitam, esses direitos estabelecem duas limitações ao poder de tri­butar: as imunidades, que vedam a incidência sobre as liberdades pú­blicas (locomoção, comércio, religião, manifestação do pensamento); as proibições de desigualdade, que impedem o tratamento desigualitá- rio ou discriminatório.

A proibição de desigualdade aparece no art. 150, II, da CF, que veda “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profis­sional ou função por eles exercidas, independentemente da denomina­

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ção jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos". É o contraponto fiscal, sob forma negativa, do princípio proclamado afirmativamente no caput do art. 5a: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu­rança e à propriedade”. Projeta-se para o texto constitucional, com o sinal invertido, a definição que alcançou a sua melhor expressão pela pena de Rui Barbosa (Oração aos Moços. Rio de Janeiro: Org. Simões, 1951): "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigual­mente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.

Sucede que o princípio da igualdade é vazio, pois recebe o con­teúdo de outros valores, como a justiça, a utilidade e a liberdade. As­sim sendo, só será proibida a desigualdade na apreciação da capacida­de contributiva do cidadão ou da necessidade do desenvolvimento econômico se não tiver fundamento na justiça ou na utilidade social, hipótese em que estará ferida a liberdade alheia. Em outras palavras, as desigualdades só serão inconstitucionais se não conduzirem ao cres­cimento econômico do País e à redistribuição da renda nacional ou se discriminarem em razão de raça, cor, religião, ocupação profissional, função etc., entre pessoas com igual capacidade contributiva, tudo o que implicará em ofensa à igual liberdade de outrem.

9. A PROIBIÇÃO DE DESIGUALDADE

A proibição de desigualdade, genericamente proclamada no art. 150, II, da CF, pode se expressar de duas formas principais; a) proibi­ção de privilégios odiosos; b) proibição de discriminação fiscal.

Qualquer proibição de privilégio odioso traz embutida a de discri­minação. Mas a recíproca não é verdadeira: nem sempre da discrimi­nação odiosa resulta um privilégio para outrem.

Essas proibições abrangem qualquer instrumento fiscal, assim na vertente das renúncias de receita (isenção, diminuição de alíquota ou base de cálculo, deduções etc.), quanto na dos gastos públicos (subsí­dios, subvenções ou restituições de tributo). O art. 150, II deve ser combinado com os arts. 70 e 165, § 6a, da CF.

Na interpretação do direito tributário a presunção milita sempre contra os privilégios e as discriminações, que, no Estado Democrático Fiscal, se encontram sob suspeita de odiosidade.

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10. A PROIBIÇÃO DE PRIVILÉGIOS ODIOSOS

10.1. Conceito

Privilégio é a permissão para fazer ou deixar de fazer alguma coisa contrária ao direito comum. Pode ser negativo, como o privilégio fiscal con sisten te nas isenções e reduções de tributos, que implicam sempre uma concessão contrária à lei geral. Pode ser positivo, como o privilé­gio financeiro representado pelos incentivos, subvenções, subsídios e restituições de tributo, que consubstanciam a concessão de tratamen­to preferencial a alguém.

A CF 88 deu novo e mais adequado tratamento à questão dos privilégios fiscais, no art. 150, II, proibindo genericamente os odiosos e permitindo os não-odiosos. Nos arts, 151 e 152 a CF cuida ainda das vedações específicas de privilégios por parte da União ou dos Estados e Municípios.

Os escolásticos já haviam definido oprivilegium odiosum, concei­to no qual não subsumiam o tratamento preferencial do clero e da nobreza, que entendiam plenamente justificado. Com o advento do Estado Fiscal, odioso passou a ser o privilégio consistente em pagar tributo menor que o previsto para os outros contribuintes ou não pagá- lo (isenção), tudo em virtude de considerações pessoais, como sejam as circunstâncias de o beneficiário ser membro do clero, da nobreza ou de outros estamentos. A Constituição brasileira de 1824 extinguiu os privilégios odiosos: “Ficam abolidos todos os privilégios que não forem essenciais e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pública” (art. 179, item 16).

O art. 150, II estampa o princípio genérico da proibição de privi­légios odiosos. Qualquer discrime que leve à diminuição ou à exclusão da carga tributária, e que signifique desigualdade entre contribuintes, independentemente da forma ou denominação jurídica, está proibida. O texto constitucional, ao retomar uma antiga preocupação liberal, foi motivado em boa parte pelos privilégios odiosos concedidos no regime de 1967/69, especialmente as isenções do imposto de renda para mi­litares, magistrados, deputados e senadores.

Conseguintemente a proibição de privilégios fiscais odiosos é uma das garantias da liberdade. Embora atue contra as desigualdades na consideração da capacidade contríbutiva, do custo/benefício ou do desenvolvimento econômico, isto é, na defesa dos princípios vincula­dos às ideias de justiça e utilidade, a proibição constitucional visa a proteger sobretudo os iguais direitos da liberdade (art. 5a, caput), que

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seriam afinal atingidos pelo privilegium odiosum e pela desigual repar­tição da carga tributária,

A proibição de privilégios odiosos, em suma, garante o status ne- gativus libertatis. As leis que os instituem são nulas de pleno direito.

A CF 88 traz explicitamente, no art. 150, II e nos arts. 151 e 152 diversas proibições de privilégio odioso.

10.2. Privilégio das Profissões (art. 150, II)

O art. 150; II veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, bem como “qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, inde­pendentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos” .

Ficou extinta, assim, a isenção outorgada a militares, juizes e po­líticos no regime autoritário de 1967/69.

Nenhum privilégio pode ser concedido a qualquer profissão, nem mesmo a jornalistas, professores e escritores, como aconteceu em pas­sado recente.

10.3. Privilégios Geográficos Federais (art. 151, I)

O art. 151,1 veda à União “instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferên­cia em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detri­mento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País”.

Essa proibição de privilégio significa que o tributo deve ser geo­graficamente uniforme, ou seja, deve incidir pela mesma alíquota e base de cálculo e sobre idênticos fatos geradores em qualquer ponto do território nacional.

A concessão de incentivos para as regiões pobres, por ser justo, não prejudica o princípio da igualdade.

10.4. Renda das Obrigações da Dívida Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 151, II)

O art. 151, II veda à União “tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios... em níveis superiores aos que fixar para as suas obrigações”.

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A norma proíbe a discriminação contra os entes públicos menores na incidência do imposto de renda, ou, o que é a mesma coisa, veda à União estabelecer privilégio odioso para as suas obrigações. A isenção é admitida, desde que também não seja discriminatória.

10.5. Remuneração e Proventos dos Agentes Públicos (art. 151, II)

O citado art. 151, II proibiu ainda a União de tributar a remune­ração dos agentes públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu­nicípios em níveis superiores aos que fixar para seus agentes.

Durante muito tempo o constitucionalismo americano e o brasi­leiro negaram a possibilidade de incidência do imposto de renda so­bre os vencimentos dos agentes públicos, com base em interpreta­ção extensiva da imunidade recíproca das pessoas jurídicas de direito público.

Hoje apenas está vedada a incidência discriminatória sobre os proventos dos funcionários dos entes menores e, conseguintemente, o privilégio odioso em favor dos servidores federais.

10.6* Isenção de Tributos Estaduais e Municipais pela União (art. 151, III)

O art. 151, III veda à União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".

A CF, modificando a orientação anterior, que conduzira a muitos abusos e à concessão indiscriminada de privilégios odiosos quanto a tributos estaduais e municipais, resolveu vedar totalmente a compe­tência da União na matéria.

10.7. Comércio Interestadual e Intermunicipal

A CF diz, no art. 152, que “é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”.

E o mesmo princípio da uniformidade tributária que vincula tam­bém a União (art. 151, I).

Cuida-se de proibição de privilégio em favor de bens e serviços produzidos no Estado ou Município tributante ou, o que é a mesma coisa, de vedação de discrime contra os bens e serviços produzidos fora dos limites territoriais da entidade titular da competência impo- sitiva.

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10.8. Empresas Públicas (art. 173, § 2e)

A CF 88 proíbe explicitamente a concessão de privilégios em fa­vor das empresas públicas e, reciprocamente, veda as discriminações contra as empresas privadas, com dizer, no art. 173, § 2-: “as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de pri­vilégios fiscais não extensivos às do setor privado”.

XI. AS PROIBIÇÕES DE DISCRIM INAÇÕES ODIOSAS

11.1. Conceito

As discriminações fiscais odiosas são desigualdades infundadas que prejudicam a liberdade do contribuinte. Qualquer discrime de~ sarrazoado, que signifique excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não-odioso, constituirá ofensa aos direitos humanos do contribuinte, posto que desrespeitará a igualdade assegurada no art. 5e da CF, caindo sob a vedação do art. 150, II.

Insista-se em que apenas a discriminação infundada ou desarra- zoada é odiosa, tendo em vista que o direito tributário, sendo essen­cialmente discriminatório, deve sempre introduzir distinções entre contribuintes, com base na capacidade econômica de cada qual.

As discriminações, como já vimos, podem ocupar a face oculta dos privilégios odiosos, pois no privilegiar alguém a lei sempre discri­mina terceiro. Mas podem ocorrer também nos privilégios não odio­sos, como nas hipóteses em que se excluem das isenções e de outros benefícios socialmente úteis e justos, pessoas ou coisas que se encon­tram em situação assemelhada.

As discriminações infundadas são nulas de pleno direito. A decla­ração da nulidade traz a incidência plena da regra geral igualitária às pessoas e coisas discriminadas (vide p. 317).

11.2. Algumas Proibições de Discriminação

Inexiste um elenco fechado de proibição de discrime. As discri­minações odiosas serão tantas quantos forem os direitos humanos sus­cetíveis de ofensa pela tributação. Encontram-se entre as mais comba­tidas as que se fundam em razões ligadas a:

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a) raça ou cor;b) religião;c) sexo, principalmente pela tributação gravosa dos rendimentos

da mulher casada;d) profissão;e) ideologia;f) domicílio;g) situação do bem;h) nacionalidade, das coisas ou das pessoas.

IV. AS IMUNIDADES E AS DESIGUALDADES FISCAIS

12. AS RELAÇÕES ENTRE AS IMUNIDADES E ASDESIGUALDADES FISCAIS

As imunidades e as desigualdades fiscais produzem o mesmo re­sultado econômico: a ausência de tributação.

Cumpre verificar de que forma se desenvolve esse relacionamen­to, especialmente no que concerne aos privilégios odiosos e aos não- òdiosos, nestes compreendida a figura principal da isenção,

13. IMUNIDADES E PRIVILÉGIOS O D IO SO S

Enquanto as imunidades, como forma de intributabilidade abso­luta, são garantidas em homenagem à liberdade, os privilégios odiosos são proibidos porque ofendem o direito fundamental à igualdade de tratamento.

Mas a distinção muitas vezes é difícil e depende de circunstâncias históricas. As imunidades do senhorio e da Igreja Católica, plenamen­te justificadas no patrimonialismo, transformaram-se em privilégios odiosos no Estado de Direito e foram proibidas.

Algumas imunidades que aparecem garantidas no art. 150, VI, da CF têm características muito próximas dos privilégios odiosos, como

. acontece com a intributabilidade dos jornais.

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14. IMUNIDADE, PRIVILÉGIO NÃO-ODIOSO (= ISENÇÃO) E NÃO-INCIDÊNCIA

Os positivistas tentaram estabelecer a diferença entre as três figu­ras tributárias com base em argumentos formais: a imunidade seria qualquer não-incidência constitucional; a isenção se confundiria com a exclusão do crédito tributário; a não-incidência corresponde­ria à inocorrência do fato gerador (cf. RUBENS GOM ES DE SO U ­ZA, op. cit., p. 69).

Com o refluxo do positivismo, entretanto, outras explicações de­vem ser buscadas.

A imunidade, como vimos, é limitação do poder de tributar fun­dada na liberdade absoluta, tendo por origem a natureza das coisas e por fonte a Constituição, escrita ou não; possui eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal que a acessória.

A isenção (ou o privilégio não-odioso) é a limitação fiscal derroga- tória da incidência, fundada na ideia de justiça, tendo por origem o direito positivo e por fonte a lei ordinária; possui eficácia constitutiva, é revogável com efeito restaurador da incidência e abrange apenas a obrigação principal (vide p. 306).

A não-incidência, em sua acepção ampla, compreende a imunida­de, a isenção e a não-incidência propriamente dita, que as três trazem a conseqüência de evitar a incidência do tributo. No sentido estrito ou técnico, é a limitação fiscal decorrente da falta de definição do fato gerador, tendo por fundamento razões lógicas (ex. o imposto sobre produtos industrializados não incide “logicam ente” sobre os bens imóveis) ou teleológicas — justiça ou conveniência (ex. o IW C L G não incidia sobre o óleo diesel) — , por origem o direito positivo, e por fonte a Constituição, a lei complementar ou a ordinária; possui eficácia declaratória, é revogável sem efeito repristinatório nem res­taurador da eficácia e abrange a obrigação principal e a acessória (vide p. 309). A não-incidência, que prescinde de declaração nor­mativa expressa, será, quando ingressar explicitamente na legisla­ção, ou não-incidência didática ou não-incidência qualificada ( ~ isenção imprópria).

Oferecemos, a seguir, o quadro sinóptico dessas distinções:

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Imunidade Isenção Não -incidência

Natureza Limitação do poder fiscal

Autolimitação do poder fiscal

Autolimitação do poder fiscal

Conceito Incompetênciaabsoluta

Derrogação da incidência

Delimitação do fato gerador

Fundamento Liberdade Justiça Lógica ou justiça

Origem Natureza das coisas

Direito positivo Direito positivo

Fonte Constituição (Escrita ou não)

Lei ordinária Constituição,lei

complementar ou ordinária

Eficácia Declaratória Constitutiva Declaratória

Vigência Jrrevogável Revogável (com efeito

restaurador da incidência)

Revogável (sem efeito

restaurador da incidência)

Extensão Obrigação principal e acessória

Obrigaçãoprincipal

Obrigação principal e acessória

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malhei- ros, 2009; BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Atua­lizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1998; BARBOSA, Rui. Impostos Interestaduais. Obras Completas, vol. XXIII, 1896, tomo II. Rio de Ja­neiro: MEC, 1950; BRENNAN, Geoffrey & BUCHANAN, James. “The Logic of Tax

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Limits: Aitematxve Constitutional Constraints on the Power to Tax”. National Tax Joum al32 (2): 11-22, 1979; GUNTHER, Gerald. Constitutional Law. New York: The Foundation Press, 1985; HELLERSTEIN, Jerome R. & HELLERSTEIN, Walter. State and Local Taxation. St. Paul: West Publishing Co., 1988; LINARES QUINTANA, Se­gundo. El Poder Impositivo y la Libertad Individual. Buenos Aires: Ed. Alfa, 1951; MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Imunidade Tributária do Livro Eletrônico. São Paulo: IOB, 1998; NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidades Contra Impostos na Consti­tuição Anterior e sua Disciplina mais Completaria Constituição de 1988 . São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1990; NOVELLI, Flávio Bauer. “Norma Constitucional Inconstitu­cional?” Revista da Faculdade de Direito da UERJ 2:11-53, 1994; SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Direito Constitucional Tributário e "Due Process of Law”. Rio de Janeiro: Forense, 1986; SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributá­ria . Rio de Janeiro: Ed. Financeira, s/d; TIPKE, Klaus & LANG, Joachim. Steuerrecht. Kõln: O. Schmidt, 2009; TORRES, Ricardo Lobo. A Ideia de Liberdade no EstadoPatrimonial e no Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1 9 9 1 ;----- . O Direito aoMínimo Existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2 0 0 9 ;----- . Os Direitos Humanos e aTributação: Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2005; TRIBE, Lauren- ce. American Constitutional Law. New York: The Foundation Press, 2000; ULHOA CANTO, Gilberto de. "Algumas Considerações sobre a Imunidade Tributária dos Entes Públicos”. Reinsta de Direito Administrativo 52: 34-41, 1958.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 150, II, IV, Y VI, 151 e 152; CTN — art. 14; Constituição dos Estados Unidos — art. I 2, Seção 8 ,1; art. Ia, Seção 9, 4, 5 e 6; art. Ia, Seção 10, 2; art. 42, Seção 2, 1; 14â Emenda; Constituição da Argentina — arts. 10, 11, 12 e 16.

III. Jurisprudência: Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Fe­deral: "324. A imunidade do art. 31, Y da Constituição Federal (1946), não compreen­de as taxas”; “539. E constitucional a lei do município que reduz o Imposto Predial Urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro”; “583. Promitente comprador de imóvel residencial transcrito em nome de autarquia é contribuinte do IPTU”; "589: E inconstitucional a fixação de adicional progressivo do IPTU em função do número de imóveis do contribuinte”; "591. A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do IPI”; “667 ~ Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”. ADIN 939-7, Ac. do Pleno do STF, de 15.12.93, Rei. Min. Sydney Sanches, RTJ 151/755: “A Emenda Constitucional nQ 3, de 13.03.1993, que, no art. 22, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucio- nalidade, ao dispor, no parágrafo 2a desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica o art. 150, III, b e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): l 2....; 2a — o princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 42, inciso I, e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 32 — a norma que, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

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CAPÍTULO V

Os Princípios Gerais do Direito Financeiro

I. INTRODUÇÃO

1. O CO NCEITO DE PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO FINANCEIRO

Os princípios do direito financeiro são os enunciados genéricos que informam a criação, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas financeiras. No dizer de Miguel Reale (op. cit., p. 300): “Princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicio­nam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a aplicação e interpretação, quer para a elaboração de novas normas”.

Os princípios financeiros aparecem em grande número na Cons­tituição, principalmente no texto de 1988, muito rico em sua expres­são principiológica; o art 145, § 1- e o art. 150, I e III, por exemplo, estampam explicitamente os princípios da capacidade contributiva, da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade tributária, en­quanto o art. 167 proclama diversos princípios fundamentais do orça­mento (universalidade, não-afetação etc.). Outras vezes surgem dire­tamente no Código Tributário ou na legislação infraconstitucional (ex. proibição de analogia — art. 108, § l 2, do CTN ). Podem também existir implicitamente no ordenamento jurídico, sem dicção normati­va, como acontece com o princípio da proteção da confiança do con­tribuinte ou da boa fé, sem que por isso percam a sua eficácia.

Incluem-se também no tema ora estudado os conceitos de direti­vas e objetivos, que alguns escritores preferem utilizar (DWORKIN, op. cit., p. 22), eis que constituem o aspecto prático, voltado para a

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policy, dos princípios financeiros. A mesma coisa pode ser dita sobre as normas programáticas, que, segundo certa parte da doutrina, con­substanciam os princípios financeiros dirigidos ao legislador.

Os princípios gerais de direito financeiro podem ser classificados de diferentes maneiras. Há princípios de criação (ex. legalidade, ante- rioridade, irretroatividade, capacidade contributiva) e de interpreta­ção e complementação do direito (unidade, interpretação conforme a Constituição, proibição de analogia etc.). Alguns são princípios tribu­tários (anterioridade, capacidade contributiva) e outros, orçamentá­rios (não-afetação, universalidade etc.). Preferimos classificá-los con­forme estejam vinculados a uma das ideias básicas do direito — justiça (e equidade) e segurança jurídica — ou à própria legitimidade da or­dem financeira.

Oferecemos adiante o quadro geral dos princípios do direito financeiro.

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO FINANCEIROVALOR

JUSTIÇA

EQÜIDADE

SEGURANÇAJURÍDICA

PRINCIPIOEconomicidadeCusto/benefícioCapacidade contributivaRedistribuição de rendasDesenvolvimento econômicoSolidariedadeTerritorialidadePaís de destinoPaís de fonteNon oletEquidade entre regiões Equidade vertical no federalismo Equidade entre geraçõesProibição de analogia Legalidade Tipicidade tributária ClarezaIrretroatividadeAnterioridadeAnualidadeProteção da confiança do contribuinte Irrevisibilidade do lançamento Publicidade Unidade do orçamento Universalidade do orçamento Exclusividade orçamentária Não-afeíação da receita Especialidade do orçamento

( Destinação pública do tributo

SUBPRINCEPIOProgressividadeProporcionalidadePersonalizaçãoSeletividade

Superlegalidade Reserva da lei Primado da lei

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LEGITIMIDADE

Equilíbrio orçamentário IgualdadeDevido processo legal Transparência fiscal Responsabilidade fiscal Ponderação Razoabilidade

2. VALOR, PRINCÍPIO, SUBPRINCÍPIO E REGRAS

Os princípios, sendo enunciados genéricos que quase sempre se expressam em linguagem constitucional ou legal, estão a meio passo entre os valores e as regras na escala da concretização do direito e com eles não se confundem.

Os valores jurídicos são ideias inteiramente abstratas, supracons- titucionais, que informam todo o ordenamento jurídico e que jamais se traduzem em linguagem normativa. A justiça e a segurança ou paz jurídica são as ideias básicas do Direito. De nada adiantaria a Consti­tuição proclamar que a República Federativa do Brasil é justa e segura, eis que tais valores só se concretizam pelos princípios, subprincípios e regras que se afirmam na prática constitucional.

Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos valores jurídicos a que se vinculam. A justiça e a segurança jurídica começam a adquirir concretude normativa e ganham expressão escri­ta. Mas os princípios ainda comportam grau elevado de abstração e indeterminação. Alguns se subordinam à ideia de justiça (capacidade contributiva, economicidade etc.) e outros, à de segurança (legalida­de, irretroatividade etc.). Abrem-se para a ponderação, conseqüência da dimensão de peso que possuem.

Os. subprincípios vinculam-se diretamente aos princípios e se si­tuam na etapa seguinte da concretização dos valores. Já possuem maior concretude e menor abstração que os princípios e aparecem quase sempre por escrito no discurso da Constituição ou da lei. Mas ainda não criam direitos e deveres para quem quer que seja. O princí­pio da capacidade contributiva (art. 145, § l â, da CF), por exemplo, vinculado à ideia de justiça, tem a sua concretização aumentada atra­vés dos subprincípios da progressividade (art. 153, § 2S, I), da seletivi­dade (art. 153, § 32, I e art. 155, § 2fi, III).

A regra jurídica — ou norma de direito, como preferem outros — ocupa o lugar seguinte no processo de concretização do direito finan­ceiro, subordinando-se sucessivamente ao subprincípio, ao princípio e

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ao valor. Tem grau maior de concretude e pouca abstração e é atribu- tiva de direito e deveres. A regra de direito financeiro, como qualquer outra, é geral, coercitiva, bilateral e se desdobra em hipótese e conse­qüência, a permitir a subsunção direta de casos específicos.

O grau máximo de concretude do direito financeiro surge quando o juiz, pela sentença, reconhece e fixa os direitos e as obrigações das partes, com o que realiza a justiça e garante a paz.

3. CARACTERÍSTICAS DOS PRINCÍPIOS FINANCEIROS

Os princípios financeiros, além das características de abstração e concretude intermediárias entre os valores e as regras, possuem outras que convém examinar e que são comuns também aos valores.

Assim é que há um pluralismo de princípios. A ordem jurídica não fica sujeita a um só princípio, senão que existe uma pluralidade de enunciados genéricos sempre carentes de descoberta e proclamação.

Os princípios financeiros devem operar em equilíbrio. Da mesma forma que é dramático o equilíbrio entre os valores da justiça e da segu­rança jurídica, também a ponderação entre os princípios, embora difícil, é absolutamente necessária ao aperfeiçoamento da ordem jurídica. O princípio da capacidade contributiva deve se equilibrar com o da legali­dade: não basta que o tributo seja justo por incidir sobre o rico, pois é preciso que seja simultaneamente legal. As contradições e as antinomias entre os princípios, quando não superadas pela interpretação ou pelos instrumentos institucionalizados de correção (vide p. 165), podem levar à desestruturação da ordem jurídica e à revolta fiscal.

Os princípios são abertos à interpretação e podem ser obtidos por dedução ou indução. Chega-se ao princípio por dedução a partir dos valores. Mas a ele se chega igualmente por indução, a partir do caso concreto; nada obsta a que o juiz, com base na solução que lhe pareça a mais justa e segura para a controvérsia sob o seu exame, procure, por indução, o princípio adequado, escrito ou não na Constituição.

A polaridade é outra característica marcante dos valores e dos princípios. Quando exacerbados ou levados ao seu exagero produzem o efeito contrário, pois já trazem em si o germe de sua negação. Sum- mum jus summa injuria. A exacerbação do princípio da capacidade contributiva, com a tentativa de fazer com que a lei apreenda todas as situações individuais, conduz inevitavelmente à prática da injustiça, pois há situações particulares insuscetíveis de discrime: como distin­guir entre o cidadão rico da região pobre e o indivíduo pobre da região

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rica? A preocupação exagerada com a legalidade conduz ao preciosis- mo, ao casuísmo e à inflação das normas financeiras, com o prejuízo da clareza e da segurança jurídica.

Os princípios são dotados ainda de historicidade e têm a sua com­preensão ajustada às tendências do seu tempo, sem que daí se possa concluir que estejam em crise. Os princípios da progressividade e do equilíbrio orçamentário, por exemplo, têm hoje um significado bem diferente do que possuíam há 30 anos, no auge do intervencionismo estatal na economia.

4. EFICÁCIA DOS PRINCÍPIOS FINANCEIROS

Os princípios financeiros são dotados de eficácia, isto é, produ­zem efeitos e vinculam a obra do legislador, do administrador e do juiz. Mas produzem a eficácia principiológica, conducente à normati­vidade plena, e não a eficácia própria da regra concreta, atributiva de direitos e obrigações.

No que concerne à atividade do juiz a eficácia dos princípios se faz sentir principalmente através dos atos constitutivos negativos com re­lação aos outros poderes, eis que lhe não compete criar casuisticamen- te regras de positivação dos princípios.

A eficácia — ou a normatividade — da Constituição se dá através do processo legislativo, administrativo e judicial, isto é, pela práxis constitucional.

Os princípios, portanto, vão projetar efeitos sobre a criação e a interpretação do direito financeiro, e não apenas sobre a integração, nos casos de lacuna, como quis o art. 108 do CTN.

De notar, finalmente, que os princípios não informam nem influen­ciam a legislação financeira e tributária de modo unívoco, senão que se abrem para uma “pluralidade de possibilidades de concretização” (K. LARENZ, op. cit., p. 22), ou seja, permitem que se elejam regras de conteúdos diferentes sem que se lhes comprometa a inteligibilidade.

II. PRINCÍPIOS VINCULADOS À IDEIA DE JU STIÇA

5. A JUSTIÇA FINANCEIRA

A ideia de justiça, em suas projeções para o campo das finanças públicas, teve extraordinária importância na época da constituição do

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Estado de Direito e da vitória do liberalismo (final do séc. XVIII). Antes, ao tempo do Estado Patrimonial, o tributo era cobrado com fundamento na só necessidade do Príncipe e a justiça, comutativa ou privada, apenas lhe servia de justificativa periférica. Com o advento do Estado Fiscal as finanças passaram a se basear no tributo, cobrado agora com fundamento na justiça distributiva e no seu princípio maior da capacidade contributiva, sobre os quais se desenvolveu importante literatura.

Com a supremacia dos positívismos, a partir de meados dos séc. X IX até a metade do séc. XX, aproximadamente, enfraqueceu-se a reflexão sobre a justiça financeira, substituída pelas preocupações com a utilidade.

De uns 40 anos para cá retornou, com redobrado vigor, a medita­ção sobre a justiça fiscal e a orçamentária. As crises financeiras mun­diais de 1967, 1973, 1979 e 2008, o arrefecimento da ideologia da inesgotabilidade dos recursos públicos, a descrença no socialismo real e na utopia do Estado sem tributos, o aumento das demandas sociais pela melhor distribuição dos bens públicos, tudo conduziu à volta da preocupação com a justiça financeira. Alguns livros admiráveis, como os de John Rawls e Klaus Tipke (citados na bibliografia final) deram novo impulso à questão.

A justiça financeira, portanto, é basicamente distributiva, carac­terística do regime publicístico, consistindo em tratar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigualam; mas, às vezes, é comu­tativa, própria das relações de troca, como ocorre com as taxas e as contribuições. Compreende a justiça tributária, a parafiscal, a extra- fiscal e a orçamentária e se concretiza através dos princípios que pas­samos a examinar.

6. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

6.1. Histórico

A transição do patrimonialismo para o capitalismo, como vimos, se caracterizou justamente pela ideia de que o imposto deveria se ba­sear na capacidade contributiva de cada cidadão, princípio que se transformou em um dos pontos cardeais do liberalismo na obra de Adam Smith e nos textos jurídicos fundamentais, como a Declaração dos Direitos do Homem.

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Posteriormente, ainda no séc. X IX e até quase os nossos dias, o princípio da capacidade contributiva ficou algum tanto obscurecido pela exsurgência dos positivismos, transferindo-se a reflexão sobre ele do campo do direito para o da ciência das finanças. A justificativa dos impostos passou a se cifrar na legalidade ou na vontade do dirigente, revestindo a relação entre o Estado e o cidadão as características de relação de poder ou de relação ex lege.

Nas últimas décadas reacendeu-se a preocupação com o princí­pio. As Constituições da Itália (1947) e da Espanha (1978) fizeram remissão explícita à capacidade econômica. Alguns escritos do maior valor foram lançados nesse período. As reformas tributárias realizadas nos Estados Unidos (Governo Reagan), na Inglaterra e na Alemanha denotam a preocupação de ajustar os respectivos sistemas tributários ao princípio da capacidade contributiva.

No Brasil as vicissitudes da ideia de capacidade contributiva acompanharam as do pensamento universal. Ingressou com a consti­tuição do nosso Estado Fiscal no início do século passado, cabendo ao Visconde de Cairu captar os princípios lançados na obra de Adam Smith. Hibernou longamente ao depois, pela nossa vocação para o positivismo. Ressurgiu explicitamente na Constituição de 1946 e me­receu considerações judiciosas por parte da doutrina liberal, especial­mente através da obra de Aliomar Baleeiro. Dasapareceu da letra das Cartas outorgadas pelo regime autoritário (1967/69) e, também, do discurso da doutrina sua contemporânea, que retornou ao positivismo normativista. Reapareceu, vigorosamente, no texto do art. 145, § l 2, da CF 88, o que provocou a ressurgência da meditação sobre o tema.

6.2. Conceito

A capacidade contributiva se subordina à ideia de justiça distribu- tiva. Manda que cada qual pague o imposto de acordo com a sua rique­za, atribuindo conteúdo ao vetusto critério de que a justiça consiste em dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere) e que se tornou uma das "regras de ouro” para se obter a verdadeira justiça distributi- va. Existe igualdade no tributar cada qual de acordo com a sua capaci­dade contributiva, mas essa tributação produz resultados desiguais por se desigualarem as capacidades contributivas individuais.

Capacidade contributiva é capacidade econômica do contribuin­te, como, aliás, prefere a CF/88, mantendo a tradição da CF/46 e

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coincidindo, também, com a da Espanha. É capacidade de pagar {abi- líty to pay] como dizem os povos de língua inglesa. Significa que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, inde­pendentemente de sua eventual disponibilidade financeira.

6.3. Subprincípios: Progressividade, Proporcionalidade, Personalização e Seletividade

A capacidade contributiva é um princípio constitucional aberto e indeterminado, servindo de orientação para o ulterior processo de concretização normativa. Pode aparecer explicitamente no texto constitucional, como agora acontece no Brasil, ou sobreviver implici­tamente, como aconteceu na Carta de 1967/69. Abre-se para uma pluralidade de possibilidade de concretização, inicialmente através de subprincípios, para alcançar grau maior de concretude nas normas de imposição.

O subprincípio da progressividade significa que o imposto deve ser cobrado por alíquotas maiores na medida em que se alargar a base de cálculo. Aplica-se ao imposto de renda (art. 153, § 2-, I). Quanto ao IPTU, a sua progressividade é instrumento de extrafiscalidade e não emana do princípio da capacidade contributiva (art. 156, § l 2 e art. 182, § 4S, da CF), conforme já disse o STF (vide p. 131); mas a EC 29/2000, deu nova redação ao art. 156, § la, da CF, para admitir a progressividade também em razão do valor do imóvel.

O subprincípio da proporcionalidade não se tornou explícito na CF. Indica que o imposto incide sempre pelas mesmas alíquotas, inde­pendentemente do valor da base de cálculo, o que produzirá maior receita na medida em que o bem valer mais. É objeto de legislação infraconstitucional e pode ser aplicado a ..todos os tributos não sujeitos aos princípios da progressividade e da personalização, como, por exemplo, ao imposto de transmissão inter vivos (vide p. 131).

O subprincípio da personalização, estampado junto com o princí­pio da capacidade contributiva (art. 145, § I a), já havia aparecido no texto do art. 202 da CF 46. A personalização do imposto causa mortis, representada pelo aumento de sua incidência de acordo com os qui­nhões ou grau de parentesco dos herdeiros, que é uma das conquistas da tributação moderna, ficou bloqueada pelo art. 155, § Ia, IY que prevê a fixação de alíquotas máximas pelo Senado Federal.

O subprincípio da seletividade, que informa o IPI e o ICMS, ins­crito nos arts. 153, § 32, I e 155, § 2S, III, aponta para a incidência na

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razão inversa da essencialidade do consumo. Representa um elemento de personalização agregado a um tributo que originalmente se defini­ria como imposto real. A EC 29/00, ao modificar o art. 156, § I2, da CF 88, permitiu tenha o IPTU “alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”, o que significa que o imposto municipal passa a ser seletivo em função do bairro ou região da cidade, ou da finalidade comercial, atendendo à pretensa variaçã.o da capacidade contributiva.

6.4. Limitações

Diz o art. 145, § l 2, que, para conferir efetividade ao princípio da capacidade econômica, é facultado à administração tributária, respei­tados os direitos individuais e nos termos da lei, identificar o patrimô­nio, os rendimentos e as atividades econômicas do còntribuinte.

O comando não se dirige apenas ao Executivo, mas também ao Legislativo, pois a CF estabelece, aqui, importante limite à capacidade contributiva, estremando-a, enquanto princípio de justiça fiscal, dos direitos da liberdade. As relações e limites entre a capacidade contri­butiva e os direitos individuais se firmam com a intermediação do princípio da igualdade, que, como já estudamos, é vazio e constitui apenas uma proporção para medir valores diversos.

Quando a CF diz que a efetivação da capacidade contributiva não pode prejudicar os direitos individuais, quer significar que a igualdade ínsita nesse princípio de justiça não pode ofender a igualdade consubs­tanciada nos direitos da liberdade (garantias constitucionais da imuni­dades e dos privilégios) e nos princípios da segurança jurídica (legali­dade, irretroatividade, anterioridade etc.).

De feito, o legislador não pode, a pretexto de fázer justiça fiscal, captar a riqueza das pessoas declaradas imunes pelos arts. 52 e 150 da CF. A eventual desigualdade na capacidade econômica da União, dos Estados, dos Municípios, dos templos, das instituições de assistência social é insuscetível de tributação, pois a CF imuniza o patrimônio e a renda dessas pessoas em homenagem à igual liberdade. O princípio da capacidade contributiva não justifica a incidência sobre o mínimo ne­cessário à vida nem sobre a totalidade da riqueza, eis que está contido entre as imunidades do mínimo existencial (art. 5S, itens XXXIV, LXXIV; LXXVI) e a proibição de confisco (art. 150; IV), que consti­tuem direitos individuais do cidadão.

A lei não pode, por outro lado, havendo igual capacidade contri­butiva, tratar desigualmente os brasileiros, pois estará infringindo a

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proibição genérica de privilégios odiosos (art. 150, II) e as proibições específicas (art. 151). Assim, é defeso ao legislador discriminar entre contribuintes com situação econômica equivalente em razão da raça, cor, sexo, profissão, ideologia política etc.

O princípio da capacidade contributiva encontra limites também nos princípios da segurança dos direitos individuais. A igualdade pre­sente na capacidade contributiva deve se compatibilizar com a igual­dade que informa os princípios da legalidade, irretroatividade, ante- rioridade etc. A justiça fiscal não sobrevive sem a segurança jurídica. De modo que, a pretexto de captar eventual excesso de riqueza ou súbito incremento na capacidade contributiva, o legislador não pode instituir imposto com eficácia retrooperante, nem desrespeitar o prin­cípio da anterioridade, dando eficácia imediata às novas tributações, ainda que o aconselhe o sentimento de justiça. A capacidade contribu­tiva há que informar a tributação nos quadros estritos da legalidade democrática.

6.5. Possibilidade

Reza o art. 145, § 1-, da CF 88: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econô­mica do contribuinte...”. A CF 46 dizia também que os tributos te­riam “caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. A referência à “possibilidade” já aparecia em A. Smith. A ressalva constitucional tem dois objetivos principais: a) adequar o princípio da capacidade contri­butiva à natureza do imposto e à técnica de sua incidência; b) compa­tibilizar esse princípio de justiça com a extrafiscalidade.

De feito, a capacidade contributiva e os seus diversos subprincí­pios são mensurados de forma diferente em cada imposto, a depender das respectivas possibilidades técnicas. O subprincípio da personaliza­ção aplica-se ao imposto de renda, não sendo "possível" a sua extensão ao imposto de importação ou de transmissão de bens imóveis. A ex­pressão “sempre que possível” permite que a capacidade contributiva e os seus subprincípios se ajustem às várias espécies de impostos, mas não admite que deixem de ser aplicados quando isso for possível: o IR não será regressivo, pois atua sob a orientação do subprincípio da pro­gressividade; os impostos reais não seguirão o subprincípio da persona­lização, pois até a progressividade, quando admitida (ex. IPTU), é refratária a critérios subjetivos.

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De outra parte, a ressalva constitucional visa a compatibilizar a capacidade contributiva com a extrafiscalidade. Sempre que possível o legislador observará o princípio da capacidade econômica; mas, em certos casos, a seu prudente critério, poderá utilizar o imposto para atingir objetivos extrafiscais relacionados com o desenvolvimento eco­nômico, a proteção do meio ambiente, a inibição de consumo de mer­cadorias nocivas à saúde etc. Todavia não é possível ao legislador bus­car finalidades extrafiscais que impliquem em privilégios odiosos ou que subvertam a capacidade contributiva e os seus subprincípios, tor­nando, por exemplo, regressivo o IR.

6.6. Eficácia

A capacidade contributiva, como princípio aberto e indetermina­do, oferece ao legislador a orientação para o processo de concretização da justiça fiscal. Não tendo núcleo muito claro nem contorno rígido, deixa à discricionariedade do legislador o preenchimento do conteúdo valorativo.

Mas a capacidade contributiva, embora princípio de interpreta­ção do direito tributário, não autoriza o juiz a buscar, no caso concreto, de forma positiva ou negativa, o justo fiscal, nem a controlar in abs- tracto a atividade discricionária do legislador, reputando-a injusta. Sal­vo naqueles casos em que a lei tenha ofendido os direitos individuais, desbordado as possibilidades técnicas dos impostos e exacerbado a extrafiscalidade, tudo o que acabamos de examinar.

6.7. Extensão

Segundo o art. 145, § l s, da CF de 1988 apenas o imposto deverá seguir o critério da capacidade contributiva. A CF 1946 falava generi­camente em tributos. As Constituições estrangeiras que contemplam o princípio se referem à cobertura dos gastos públicos e às necessida­des do Estado. A Ley General Tributária da Espanha (2003) se refere a tributos (art. 3.1).

O imposto é realmente a categoria a que, por excelência, se dirige o princípio da capacidade contributiva. Definindo-se como o tributo pago sem qualquer relação com serviços públicos prestados, o imposto tem como único parâmetro a riqueza do contribuinte.

Mas parece-nos que as taxas e as contribuições de melhoria tam­bém sofrem a influência desse princípio de justiça fiscal, pelo menos

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no que concerne às isenções e à entrega de serviços e obras públicas às populações carentes.

Quanto aos incentivos fiscais, é preciso distinguir sobre a sua na­tureza. Os que operam na via da receita, como as isenções, se subordi­nam ao princípio da capacidade contributiva nos aspectos que trans­cendem à finalidade extrafiscal. Aqueles que atuam na vertente da despesa pública — subvenções, subsídios etc. — nada têm que ver com a capacidade contributiva, eis que se orientam pelos princípios do desenvolvimento econômico, da igualdade entre as regiões etc.

7. CUSTO/BENEFÍCIO

O princípio do custo/benefício expressa a adequação entre o cus­to do bem ou serviço público e o benefício auferido pelo cidadão.

Em um primeiro sentido informa os tributos vinculados (taxas e contribuições de melhoria).

As taxas são cobradas de acordo com o princípio do custo/benefí­cio porque à prestação de serviços públicos deve corresponder a renu- meração equivalente, isto é, cada cidadão despenderá a título de paga­mento de serviços específicos e divisíveis uma soma de dinheiro equi­valente ao seu custo para a Administração e ao beneficio público que receber. Mas não há necessidade de exata e aritmética equivalência entre o custo e o benefício.

A contribuição de melhoria tem o seu fundamento no binômino realização da obra pública / mais-valia, em que ambos os elementos se posicionam dialeticamente, sem corte ou contradição, o que corres­ponde exatamente à ideia de custo/benefício. A valorização do imóvel que não decorra de obra pública ou lhe exceda o custo, bem como a obra pública que não valoriza (ou desvaloriza) o imóvel não justificam o pagamento do tributo. A nova redação constitucional (art. 145), que retirou a referência à valorização e à despesa do ente público, nem por isso eliminou o princípio do custo/benefício como fundamento da contribuição de melhoria.

Em um segundo sentido o custo/benefício é princípio orçamentá­rio, a significar que deve haver adequação entre receita e despesa, de modo que o cidadão não seja obrigado a fazer maior sacrifício e pagar mais impostos para obter bens e serviços que estão disponíveis no mercado a menor preço. Aproxima-se do conceito de economicidade.

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8. ECONOMICIDADE

O princípio da economicidade informa simultaneamente o orça­mento e o controle de contas.

Como princípio orçamentário significa que os orçamentos devem conter o minímo de receita capaz de produzir o máximo em bens e serviços.

Do ponto de vista do controle, a economicidade entende com o exame e fiscalização material da execução orçamentária, em contra­ponto com o formal, que é o da legalidade. Aparece pela primeira vez na Constituição do Brasil (art. 70), por influência da Constituição ale­mã (art. 114, 2). Controle da economicidade significa controle da efi­ciência na gestão financeira e na execução orçamentária, consubstan­ciada na minimização de custos e gastos públicos e na maximização da receita e da arrecadação. Transcende o mero controlei da economia de gastos, entendida como aperto ou diminuição de despesa, pois abran­ge também a receita e principalmente, a justa adequação e equilíbrio entre as duas vertentes das finanças públicas.

9. REDISTRIBUIÇÃO DE RENDAS

Princípio fundamental do orçamento é o da redistribuição de ren­das, aspecto particular da justiça distributiva, que atua simultanea­mente sobre as vertentes da receita e da despesa. Enquanto a justiça distributiva opera sobre os tributos mediante o princípio da capacida­de contributiva (art. 145, § 1-, da CF), tirando de cada qual segundo a sua riqueza, e sobre a despesa através da distribuição de bens e servi­ços públicos a quem deles carece, atualiza-se, no plano orçamentário, pelo princípio da redistribuição de rendas, pelo qual se procura, gene­ricamente e sem intuito personalista, tirar de quem tem mais para dar a quem tem menos. No Estado Democrático e Social de Direito a redistribuição de rendas encontra a sua mais expressiva fonte no orça­mento público, e só depois que se lhe esgotam as possibilidades é que se inicia a reflexão sobre a redistribuição na via do salário e dos preços.

10. DESENVOLVIMENTO ECONÔM ICO

Desenvolvimento econômico é conceito cultural e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como proclama o art. 3-, II, da CF, pelo que transcende o campo da Constituição Financeira.

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Mas, do ponto de vista do direito financeiro, o desenvolvimento econômico influencia assim a receita como o orçamento. Os tributos devem ser cobrados de modo a não criarem obstáculos ao desenvolvi­mento econômico. Os incentivos fiscais têm na ideia de crescimento econômico a sua principal justificativa. O orçamento deve prever os investimentos estatais necessários para desenvolver o país.

O princípio do desenvolvimento econômico volta a se vincular, nos dias atuais, à ideia de justiça financeira: autoriza um mínimo de intervencionismo estatal direto na economia (empresas públicas), re- direciona os investimentos para as obras de infraestrutura, coloca sob suspeita de ilegitimidade a política de concessão de incentivos fiscais e se equilibra com outros princípios de justiça, como a redistribuição de rendas e a capacidade contributiva. Já não mais prevalece a visão utilitarista, tão ao gosto dos economistas, segundo a qual a política desenvolvimentista deveria conduzir ao intervencionismo do Estado e ao sacrifício da justiça financeira.

11. SOLIDARIEDADE

O princípio da solidariedade, ou, como preferem alguns, o princí­pio do benefício do grupo é o que informa a cobrança das contribuições econômicas e sociais. Não se aplica aos impostos nem aos tributos contraprestacionais (taxas e contribuições de melhoria).

Muito para notar que a solidariedade cria o sinalagma não apenas entre o Estado e o indivíduo que paga a contribuição, mas entre o Estado e o grupo social a que o contribuinte pertence, considerado este às vezes em função do trabalho e da profissão e outras vezes em razão de situações existenciais (velhice, doença, gravidez, morte etc.). Porém a solidariedade não se esgota em ser uma atitude frente ao Estado, senão que também opera dentro do próprio grupo: o princípio da igualdade e da proporcionalidade devem ser respeitados; os subgru­pos, como os dos patrões e dos empregados, seguem diferentes sub­princípios derivados do princípio maior da solidariedade, como sejam os do equilíbrio de riscos e do dever de assistência.

12. TERRITORIALIDADE

O princípio da territorialidade é típico do Direito Internacional Tributário e se aplica principalmente aos impostos sobre a circulação

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de mercadorias (ICMS e IPI). Significa que o país produtor da merca­doria tem o direito de tributá-la totalmente nas saídas de seu territó­rio e, ao mesmo tempo, carece do direito de gravá-las em território estrangeiro. Esse princípio está em refluxo nas finanças internacionais, substituído pelo princípio do país de destino.

No que concerne aos demais impostos o princípio da territoriali­dade significa que as suas normas se aplicam igualmente a todas as pessoas residentes no país, ainda que estrangeiras, posto que se supe­rou a antiga tendência de se tributar pela nacionalidade.

No imposto de renda, inclusive no Brasil, o princípio da territoria­lidade vai sendo substituído pelo da universalidade, quanto à extensão de incidência (princípio da renda mundial — world-wide income].

13. PRINCÍPIO DO PAÍS DE DESTINO

O princípio do país de destino, que os alemães chamam de Bes- timmungslandprinzip, está em íntima correlação com o princípio da territorialidade, com o qual deve se harmonizar ao fito de evitar a dupla imposição sobre o comércio internacional. Significa, sob a inspi­ração da ideia de justiça e do princípio maior da capacidade contribu­tiva, que a tributação deve ser deixada para o país onde serão consu­midos os bens. O princípio do país de destino opera através dos se­guintes mecanismos: na vertente da exportação, pela isenção do im­posto com a anulação de todas as incidências internas anteriores ou pela cobrança do tributo com a restituição das importâncias pagas em todas as etapas do processo de circulação; na vertente da importação, pela incidência do imposto compensatório, capaz de igualar o preço da mercadoria estrangeira ao da nacional.

14. PRINCÍPIO DO PAÍS DE FONTE

É típico da incidência internacional do imposto de renda. Prevale­cia entre nós por beneficiar as economias importadoras de capital. Aponta para a tributação pelo país onde se encontra a fonte do rendi­mento.

Contrapõe-se ao princípio do país de residência ou domicílio da empresa que aufere o rendimento, mais apropriado às economias ex­portadoras de capital.

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A tendência atual é no sentido do equilíbrio entre os dois princí­pios.

15. PRINCÍPIO DO N O N O LET

O princípio do non olet (= não cheira) ingressou no direito tribu­tário por influência de Vespasiano, que, defendendo-se da crítica for­mulada por seu filho Tito, insistiu na cobrança de imposto sobre os mictórios públicos, pois o dinheiro "não cheira”.

Significa, modernamente, que o tributo deve incidir também so­bre as atividades ilícitas ou imorais. E princípio de justiça cobrar o imposto de quem tem capacidade contributiva, ainda que proveninen- te do jogo, do lenocínio ou de outra atividade proibida, sob pena de se tratar preferencialmente os autores dos ilícitos frente aos trabalhado­res e demais contribuintes com fontes honestas de rendimentos. O princípio do non olet é admitido na legislação brasileira e defendido pela maior parte da doutrina, embora em alguns países haja reserva sobre a sua legitimidade, por contrastar com os princípios do direito penal.

III. PRINCÍPIOS VINCULADOS À EQUIDADE

16. A EQUIDADE FINANCEIRA

A equidade é princípio extremamente importante no direito fi­nanceiro. Pode aparecer na interpretação, sendo forma de adoçar a aplicação das normas de natureza penal (p. 160), na integração, ser­vindo para a criação do justo concreto se houver lacuna (p. 160), e na correção, levando à superação da lei escrita que se toma iníqua no caso emergente (p. 165).

Mas a equidade tem enorme importância também para a criação legislativa. Significa que na elaboração das normas de direito financei­ro deverá ser observada a maior discriminação possível entre as situa­ções individuais, a fim de que os princípios abstratos de justiça (capa­cidade contributiva, custo/benefício, redistribuição de rendas etc.) al­cancem o máximo de concretude já na fase da promulgação da norma geral. Não basta que a legislação financeira seja justa; é necessário que seja também equitativa, tributando ou beneficiando as pessoas de for­

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ma bem individualizada, a fim de apreender as singularidades e as excepcionalidades. A equidade, como princípio válido para a criação legislativa, é quase privativa dos direitos especiais, não encontrando ressonância no direito privado nem no direito penal. A equidade no processo legislativo se consubstancia precipuamente nas regras a res­peito do fato gerador, do sujeito passivo, das alíquotas, da base de cálculo, das isenções e dos subsídios, atuando pela técnica das enume­rações casuísticas, ao fito de obter a maior igualdade possível entre as regiões do País, os entes federados e as gerações.

A equidade vertical está vinculada à justiça distributiva e consiste em tratar desigualmente aos desiguais na medida em que se desigua- lam, para se alcançar a maior igualdade final possível. A equidade ver­tical postula o casuístico discrime na tributação e nos gastos públicos. Do lado dos tributos chegou ao seu paroxismo no Estado de Bem-Es­tar Social, com o princípio da progressividade, especialmente a do imposto de renda.

De alguns anos para cá a equidade vertical perde o prestígio. Ju­ristas e financeiros começam a defender o ponto de vista de que se torna necessário preservar a equidade horizontal, que consiste em tra­tar igualmente os iguais, do que resulta que a imposição equitativa deve se aproximar da proporcional, reduzindo-se as faixas da progres­sividade.

17. EQUIDADE ENTRE REGIÕES

Compete ao orçamento e à legislação tributária garantir e promo­ver a equidade entre as regiões do País. E princípio de suma relevância no constitucionalismo hodierno. Aparece explicitamente no art. 165, § 7S, que reza que os orçamentos fiscal e das estatais, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigual­dades inter-regionais, segundo critério populacional. Mas se concreti­za também em outros dispositivos da CF 88, como o art. 23, parágrafo único, que se refere à lei complementar para fixar normas para coope­ração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e Municípios, ten­do em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar, em âm­bito nacional; o art. 151,1, que exclui da proibição de discrime a con­cessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do de­

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senvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País; o art. 163, VII, que recomenda a compatibilização das funções das ins­tituições oficiais de crédito da. União, resguardadas as características e condições operacionais plenas voltadas ao desenvolvimento regional; o art. 170, item VII, que coloca entre os princípios gerais da atividade econômica a redução das desigualdades regionais e sociais.

Os tributos, os estímulos fiscais, as participações sobre a arreca­dação e os investimentos das estatais, necessariamente incluídos no orçamento, devem corresponder ao princípio da equidade, assim en­tre cidadãos que entre pessoas de direito público. Existe certo consen­so em torno da necessidade de tratamento desigual conforme as dife­renças existentes entre regiões, pelo que os benefícios maiores para as áreas pobres ficam plenamente justificados.

18. EQUIDADE VERTICAL NO FEDERALISMO

O problema da equidade entre União, Estados e Municípios se diversifica conforme se trate de receita ou de despesa.

Do lado da receita a solução é de Direito Constitucional Tributá­rio, pouco influindo o orçamento. As leis materiais dos tributos, baixa­das de conformidade com a discriminação constitucional de rendas, é que fazem a equitativa distribuição da riqueza nacional. A CF de 1988 aquinhou melhor os Estados e Municípios no que concerne a impostos e participações na arrecadação, enfraquecendo a excessiva centraliza­ção ocorrida no período autoritário.

De lado dos gastas públicos o problema é basicamente orçamentá­rio, pois inexiste uma clara e minuciosa discriminação das despesas públicas. A CF declara da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a execução da inúmeros serviços, desde a saúde pública _até a proteção do meio ambiente (art. 23). A discrimi­nação constitucional de rendas não corresponde a discriminação de despesas, que possa levar à justa partilha de responsabilidade adminis­trativa, a permitir o equilíbrio fiscal e financeiro. Porém a dificuldade não ocorre apenas no Brasil. Nos Estados Unidos e na Alemanha os financistas vêm denunciando a impossibilidade de se chegar ao equilí­brio financeiro se inexiste a justa repartição de encargos. Na Suíça a

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possibilidade de uma discriminação constitucional de despesas públi­cas tomou-se tema polêmico por ocasião da revisão total da Constitui­ção. Nos últimos anos já se nota no Brasil a tendência de se incluirem na Constituição normas sobre a divisão de responsabilidades financei­ras concernentes às políticas públicas de educação (EC 14/96), saúde (EC 29/00) e combate e erradicação da pobreza (EC 31/00), que ainda carecem da legislação complementar.

Embora não haja um sistema constitucional de discriminação de despesas, é certo que os entes públicos exibem vocação para assumir determinados encargos, alguns até mesmo previstos na CF. A União assume os encargos da segurança nacional e dos investimentos na in- fraestrutura econômica. Os Estados garantem a administração da jus­tiça, a polícia de segurança, a saúde pública e a educação primária. Aos Municípios, finalmente, incumbe a prestação de serviços locais.

A equidade no federalismo depende, portanto, da política orça­mentária e da opção por certos princípios constitucionais. A política intervencionista e desenvolvimentista leva à concentração de recursos e tarefas no Governo Federal, enquanto a política de bem-estar e de atendimento às necessidades imediatas do cidadão privilegia o Muni­cípio. A CF atribuiu a Estados e Municípios fatia maior do bolo tribu­tário; resta que se redistribuam as despesas na via orçamentária à luz da equidade.

19. EQUIDADE ENTRE GERAÇÕES

A equidade entre gerações significa que os empréstimos públicos e as despesas governamentais não devem sobrecarregar as gerações futuras, cabendo à própria geração que deles se beneficia arcar com o ônus respectivo. Outrora prestigiado, o princípio perdeu em parte a sua importância. E que a translação de compromissos financeiros para as gerações futuras se compensa com a transmissão de bens culturais e de equipamentos e obras públicas criados pelas gerações precedentes. Mas é inegável que o endividamento excessivo repercurte sobre o fu­turo, transferindo a carga fiscal para outra geração, motivo por que o art. 167, III, vedou, em homenagem à equidade, os empréstimos que excedam o montante das despesas de capital.

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IV. PRINCÍPIOS VINCULADOS À IDEIA DE SEGURANÇA JURÍDICA

20. A SEGURANÇA FINANCEIRA

O direito financeiro, como acabamos de ver, se deixa informar por diversos princípios vinculados às ideias de justiça e de equidade. Mas também se subordina a outros princípios derivados da ideia de segurança jurídica, que muitas vezes se equilibram dramaticamente com os da justiça. Não basta a lei financeira justa, senão que é neces­sário ser ela também segura.

Segurança jurídica, portanto, é uma das ideias fundamentais do direito. Abstrata como qualquer valor, a segurança jurídica não apare­ce diretamente no discurso normativo, eis que vai ganhar positividade através de inúmeros princípios constitucionais. A segurança jurídica é a própria paz social. Não se confunde com a segurança nacional (do Estado) nem com a segurança social (= seguridade social). Visa à ga­rantia dos direitos fundamentais do cidadão e do contribuinte.

A segurança jurídica no direito financeiro adquire concretitude através de princípios tributários (tipicidade, anterioridade etc.) ou or­çamentários (exclusividade, não-afetação etc.). Alguns deles vincu­lam-se à interpretação e complementação (proibição de analogia), en­quanto outros dirigem-se à criação das normas (anterioridade, publici­dade etc.).

21. LEGALIDADE

O princípio da legalidade é um dos pontos cardeais do Estado Financeiro. Aparece na vertente tributária e na orçamentária.

A legalidade tributária vem expressamente consagrada no art.150 ,1. Ao tempo do patrimonialismo estamental a tributação, tempo­rária e esporádica, estava sujeita aos pedidos do rei às cortes, na medi­da das necessidades públicas eventuais, com a renovação anual, não constituindo vera legalidade, pois expressava muito mais o ajuste de interesses entre a realeza, a nobreza e o clero. No absolutismo e no Estado de Polícia do séc. XVIII o tributo passa a ser exigido com fun­damento na Razão de Estado. Só com o liberalismo afirma-se em sua plenitude a legalidade tributária, descolada do princípio da anualida- de, identificando-se com a representação: no taxation without re-

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presentation. A legalidade deve estar em equilíbrio permanente com outros princípios constitucionais tributários, especialmente os vincu­lados à ideia de justiça, como a capacidade contributiva. Mas a legali­dade não é um princípio absoluto e fechado, posto que a lei tributária opera também através de cláusulas gerais, princípios indeterminados e tipos, tornando-se aberta à interpretação e à complementação judi­cial. O princípio da legalidade do orçamento se afirmou com maior intensidade a partir da instauração da ordem liberal e do Estado de Direito, desde quando se deu a bifurcação entre a legalidade tributária e a orçamentária. Antes o orçamento servia mais à autorização anual para cobrança de tributos que de instrumento legislativo de controle da Administração.

Três subprincípios auxiliam a concretização do princípio da legali­dade: a superlegalidade, a reserva da lei e o primado da lei.

21.1. Superlegalidade

O subprincípio da superlegalidade coincide com o da supremacia da Constituição. Significa que todo o direito financeiro se subordina às nor­mas constitucionais, tomando-se suscetível de controle jurisdicional o contraste entre as régras financeiras e as do texto fundamental.

Superlegalidade tributária é o subprincípio que indica estar a lei formal vinculada às normas superiores da Constituição Tributária, de­vendo o legislador respeitar o sistema de discriminação de rendas e os princípios gerais da imposição fiscal.

Superlegalidade orçamentária é o subprincípio que exige a ade­quação entre o orçamento e a Constituição. Assim, inúmeros princí­pios estruturais do ordenamento jurídico devem ser por ele respeita­dos. A separação de poderes, por exemplo, é princípio que governa a elaboração da lei de meios, não podendo o Legislativo minimizar o papel constitucional dos outros Poderes ou arvorar-se em coexecutor do orçamento.

21.2. Reserva da Lei

O subprincípio da reserva da lei tributária significa que só a lei formal (ou a medida provisória, quando cabível) pode exigir ou au­mentar tributo. A linguagem constitucional brasileira emprega como sinônimos os termos exigir, instituir e decretar. O CTN, ao explicitar o princípio, coloca sob a reserva da lei, no art. 97, a definição do fato

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gerador, a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, a cominação de penalidades e as hipóteses de exclusão, suspensão e ex­tinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalida­des. O princípio da reserva da lei não é absoluto; os positivismos ten­taram, através da teoria da lei material, dar conteúdo específico às normas baixadas pelo legislador, mas não o conseguiram, pois o di­reito tributário, utilizando as cláusulas gerais, princípios indetermi­nados e tipos, não pode ter na lei formal o fechamento total dos seus conceitos.

O subprincípio da reserva da lei orçamentária significa que ape­nas a lei formal pode aprovar os orçamentos e os créditos especiais e suplementares. O art. 167, em seus 9 itens, cuida exaustivamente da matéria reservada à lei. As medidas provisórias não têm aptidão para esse mister, tendo em vista que, de acordo com o art. 62 da CF, só a urgência as justifica, o que obviamente não ocorre com o orçamento, salvo nos casos de guerra, comoção interna ou calamidade pública (art. 167, §32).

O subprincípio da reserva da lei se estende também à lei comple­mentar orçamentária e tributária (vide p. 45). O art. 165; § 9fi, da CF colocou sob a reserva da lei complementar as normas gerais sobre o plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias e a gestão financeira e patrimonial. Igualmente, toda a matéria tributária enumerada, entre outros, nos arts. 146, 148, 155, XII, fica reservada à competência do Congresso Nacional e será decidida pelo quorum especial do art. 69, tornando-se inconstitucional a lei ordinária que sobre elas dispuser. Da mesma forma, só deve ser objeto de lei complementar tributária a matéria indicada em tais dispositivos constitucionais, cabendo a lei ordinária quando a Constituição não adjetivar a fonte. Sucede que inexiste uma reserva absoluta, pela própria ambigüidade da expressão “normas gerais de direito tributário”, o que transforma em lei comple­mentar as normas que o legislador federal tenha elaborado de acordo com o processo constitucional, ainda que originariamente não mere­cessem tal status, como excelentemente demonstrou Flávio Bauer Novelli, ao afirmar que “fora dos casos especiais indicados na lei fun­damental, o conceito de lei complementar em sentido material é um conceito doutrinário que, enquanto tal, não vincula o legislador” (O Congresso e o Processo Legislativo na Emenda nâ 1..., cit., p. 83). Essa abertura da lei complementar,transparece do próprio texto do art. 146, III, que lhe atribui a incumbência de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, “especialmente” sobre os temas

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que a seguir enumera; ora, o “especialmente” não se confunde de for­ma alguma com “exclusivamente” ou “apenas”, do que decorre que continua ambíguo o conceito de “normas gerais”. O posicionamento positivista de alguns autores brasileiros em defesa de um conceito ma­terial ou de uma reserva absoluta da lei complementar tributária (cf.; entre outros, SOUTO MAIOR BORGES, JOSÉ. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais/ EDUC, 1975, p. 80) influenciou o STF (vide p. 132).

21.3. Primado da Lei

O subprincípio do primado da lei tributária expressa que a ativi­dade normativa da Administração se vincula ao império da lei formal. O CTN, no art. 99, complementa-o, ao estabelecer que “o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de inter­pretação” nele estabelecidas. Em virtude da impossibilidade de uma reserva absoluta da lei, como vimos, é que decorre também a abertura do princípio do primado da lei, que não pode ser entendido de modo absoluto, eis que a norma legal é sempre suscetível de interpretação e complementação, inclusive na via do decreto.

O subprincípio do primado da lei orçamentária expressa que o poder regulamentar da Administração apenas se manifesta nos espa­ços deixados pelo legislador na aprovação dos orçamentos e dos crédi­tos especiais e suplementares. O art. 167 autoriza o Executivo a prati­car diversos atos (realização de despesas, assunção de obrigações, transposição, remanejamento ou transferência de recursos etc.), des­de que nos termos da autorização da lei formal.

22. PROIBIÇÃO DE ANALOGIA

O princípio da proibição de analogia é corolário da legalidade tri­butária e dele cuidaremos no item 20 do cap. VTI (p. 160).

23. TIPICIDADE TRIBUTÁRIA

O princípio da tipicidade tributária é outro corolário da legalida­de. Pode ter três sentidos distintos, conforme se vincule à criação do tipo, à definição do fato gerador ou à interpretação e aplicação.

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A tipicidade na acepção germânica de Typizitãt significa a quali­dade do tipo tributário, que é uma das configurações lógicas do pensa­mento jurídico, quando existe a escolha de formas abrangentes. En­quanto o conceito jurídico torna-se objeto de definição da lei e tem caráter abstrato, o tipo é apenas descrito pelo legislador e tem simul­taneamente aspectos gerais e concretos, pois absorve características presentes na vida social. Os tipos jurídicos, inclusive no direito tribu­tário (ex. empresa, empresário, indústria) são necessariamente elásti­cos e abertos, ao contrário do que defendem alguns positivistas (cf. A. XAVIER, op. cit., p. 92).

A tipicidade tem correspondido no Brasil ao princípio da deter­minação do fato gerador (Grundsatz der Bestimmtheit), que sinaliza no sentido de que o fato gerador deve vir exaustivamente definido na lei. Deve-se às fontes ibéricas e aos penalistas tal confusão, devida à errônea tradução da palavra alemã Tatbestand (que significa fato gera­dor) por tipo. A tipicidade apenas poderia ser assimilada à determina­ção do fato gerador (Tatbestandbestimmtheit) na hipótese em que o antecedente da regra de incidência contivesse um tipo, e nessa cir­cunstância teria que ser necessariamente aberta.

No campo da aplicação do direito tributário a tipicidade aparece às vezes como subsunção do fato à norma e ao conceito. E fruto da confusão já assinalada entre fato gerador e tipo. No sentido de princí­pio de adequação do fato gerador concreto ao abstrato (Grundsatz der Tatbestandmàssigheit para os alemães) o termo tipicidade só poderia ser utilizado quando a autoridade administrativa ou judicial procedes­se à ordenação dos elementos do tipo existente na realidade social para compatibilizá-lo com a tipificação procedida pelo legislador.

24. CLAREZA

24.1. Lei Tributária

O brocardo in claris cessat interpretatio não pode ser elevado à categoria de princípio jurídico, embora tenha recuperado em parte o seu prestígio. A sua validade era grande para os que defendiam teses formalistas, voltadas para a interpretação literal. A posição oposta, de que a lei sempre carece de interpretação, ainda que clara, também já se tornou insustentável. Procura-se hoje o meio-termo, reconhecen­do-se que a zona de clareza existente na lei enfraquece a atividade do

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intérprete, o que, todavia, não significa reduzir a interpretação ao só método literal.

O princípio da clareza da lei, prevalecente na metodologia do direito tributário atual, informa a elaboração das nórmas tributárias. Coincide, em parte, com o princípio da plena determinação do fato gerador [Tatbestandbestimmtheit para os alemães). Sinaliza para a ter­minologia clara e unívoca, para a correção vernacular, para os concei­tos determinados e as enumerações taxativas, que devem predominar na imposição fiscal. Mas o ideal de clareza e fechamento normativo é inatingível, pela presença dos tipos e pela ambigüidade da própria lin­guagem jurídica.

24.2. Orçamento

O princípio da clareza recomenda que o orçamento organize as entradas e as despesas com transparência e fidelidade. Condena as classificações tortuosas e distanciadas da técnica e os incentivos enco­bertos ou camuflados. A CF determina, no art. 165, § 6S, que o proje­to de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionali­zado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tri­butária e creditícia, medida que se complementa com o controle in­terno e externo de aplicação das subvenções e renúncias de receitas (art. 70). Esse princípio da transparência é importantíssimo para o equilíbrio orçamentário e abrange qualquer benefício, ainda que sob a forma de renúncia de receita (ex. restituições de impostos por anula­ção da receita), de subvenções ou de restituição-incentivo. Modemi- zou-se, assim, a Constituição brasileira, não permitirido mais que pai­rem dúvidas, como acontecia aqui e no estrangeiro, sobre a necessida­de da inclusão no orçamento fiscal de subsídios, subvenções e outros benefícios, relativos aos impostos ou embutidos nos juros, alguns dos quais antes se incluíam no orçamento monetário.

25. IRRETROATIVIDADE

O princípio da irretroatividade é fundamental para a segurança dos direitos individuais. Significa que a lei nova não pode atingir, no presente, os efeitos dos fatos ocorridos no passado. A proibição de retroatividade não implica em impedir o retorno da lei ao passado para

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lá, no mundo das coisas que não mais existem, anular relações aconte­cidas, eis que isso constituiria absurdo lógico e ontológico. A irretroa- tividade aparece por diversas vezes na CF: proíbe o art. 150, III, a, a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; garan­te o art. 5a, XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Recorde-se que a regra geral do direito tributário brasileiro é a da eficácia imediata da lei nova sobre os fatos geradores futuros e pen­dentes (art. 105 do CTN). Há casos, porém, em que a eficácia pode ser retroativa: lei interpretativa, lei penal benigna e declaração de in- constitucionalidade (vide p. 137).

25.1. Direito Adquirido

A lei nova não poderá prejudicar o direito adquirido (art. 5a, XXXVI). O conceito de direitos adquiridos é o mesmo que prevalece na teoria jurídica geral: "consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabeleci- da inalterável, a arbítrio de outrem” (art. 6a, § 2a, da Lei de Introdução ao Código Civil). O melhor exemplo, no direito tributário, de proibi­ção de retroatividade em homenagem aos direitos adquiridos é o das isenções a prazo certo e condicionadas a encargos dos beneficiários (art. 178 do CTN), que, uma vez reconhecidas pela Administração, não podem ser revogadas pela lei superveniente.

25.2. Ato Jurídico Perfeito

A lei nova também não prejudicará o ato jurídico perfeito (art. 5a, XXXVI, da CF), assim entendido "o já consumado segundo a lei vi­gente ao tempo em que se efetuou” (art. 6a, § Ia, da Lei de Introdução ao Código Civil). O princípio tem larga aplicação no direito tributário, e aparece genericamente proclamado no art. 144 do CTN: “o lança­mento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada”.

Nesse contexto é que deve se inserir a proibição, estampada no art. 150, III, da CF, de cobrança de tributos “em relação a fatos gera­dores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver insti-

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ESSJ - Ensino Superior Bureau Juáátes

tuído ou aumentado”. O princípio já poderia ser extraído, a contrario sensu, da regra do art. 105 do CTN, que limita a eficácia imediata aos fatos geradores futuros e pendentes, com o que se excluem os fatos e os atos pretéritos. O grande problema sempre foi o da irretroatividade da lei do imposto de renda, como veremos a propósito do fato gerador periódico (p. 254).

25.3. Coisa Julgada

A proibição de retroatividade estende-se ainda à coisa julgada (art. 5a, XXXVI da CF ). “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso” (art. 6-, § 3-, da Lei de Introdução ao Código Civil). A coisa julgada no direito tributário im­pede a incidência da lei nova ou a reapreciação judicial:I — relativamente ao tributo devido no exercício sobre o qual houve a manifestação do judiciário, quando se tratar de cobrança periódica (IPTU, ITR), pois, como consta de Súmula 239 do STF: “Decisão que declara indevida a cobrança imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores";II — relativamente aos fatos geradores que tenham constituído o obje­to do pedido, quando se tratar de tributos instantâneos (ICMS, IPI).

O princípio da intangibilidade da coisa julgada, por conseguinte, não protege o contribuinte com relação aos fatos geradores futuros, que poderão ser livremente modificados pela lei, porque, se assim não fosse, teria obtido o sujeito passivo em bill de indenidade permanen­te, contrário ao princípio da isonomia. Nem retira da Fazenda Pública o direito de rediscutir, em juízo, sobre os outros fatos geradores futu­ros e idênticos ao protegido pela res juâicata, seja porque será possível a dúvida sobre a permanência da mesma legislação contemporânea à anterior decisão judicial, seja porque nem sempre as decisões são pro­feridas pelos Tribunais Superiores. De qualquer forma, em nome da paz social e da economia processual, deve a Fazenda Pública dar gene­ralidade aos julgados, desde que a jurisprudência se torne mansa e tranqüila.

Observe-se, ainda, que a coisa julgada resiste à eficácia retrope- rante da declaração de inconstitucionalidade na via direta ou indireta ou da lei interpretativa.

Juntamente com o fenômeno da flexibilização da legalidade (vide p. 107), assiste-se hoje à discussão sobre a relativização da coisa julga­da, de que se cogita nas hipóteses em que os litígios de massa venham a agasalhar soluções díspares na aplicação das mesmas normas jurídi­

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cas, gerando insegurança jurídica (cf. DÍNAMARCO, Cândido Ran­gel. “Relativizar a Coisa Julgada Material”. Revista de Processo 109: 9-38; 2003).

26. ANTERIORIDADE

26.1. Tributária

Segundo o princípio constitucional da anterioridade tributária expressamente proclamado no art. 150; III, b} o tributo não pode ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou. A redação, ao se referir à publicação, é melhor que a do texto anterior (art. 153, § 29); que proibia a cobran­ça do tributo se a lei não estivesse em vigor antes do início do exercício financeiro, o que provocou longa controvérsia judicial. As leis publica­das dentro do exercício têm a sua eficácia diferida para l 2 de janeiro do ano seguinte.

O princípio da anterioridade tributária sofreu uma certa inflexão com o advento da EC 42/03, que introduziu a letra c no art. 150, III, da CF, criando a noventena, isto é, a proibição de cobrança de tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Mas o STF equiparou a noventena ao prazo nonagesimal aplicável às contribuições sociais, reconhecendo o início da eficácia da lei nova, se publicada até 31 de dezembro; somen­te após noventa dias da sua publicação (ADI 3694, do Pleno, de 20.09.2006, Rei. Min, Sepúlveda Pertence, D.J. 06/11/2006). A me­dida se justificou diante dos abusos do legislador, que, não raro, modi­ficava a legislação nos últimos dias do exercício, ferindo a segurança jurídica do contribuinte.

A anterioridade surgiu entre nós por derivação do princípio da anualidade tributária, que exigia a prévia autorização orçamentária para a cobrança dos tributos. No regime de 1946 o STF aceitou a lei que, embora posterior à aprovação do orçamento anual, tivesse a sua publicação efetuada antes do dia 31 de dezembro (Súmula 66). Poste­riormente, a partir da Emenda n2 1, de 1969, à Carta de 1967, o princípio da anterioridade substituiu, com vantagem, o da anualidade tributária, que desapareceu, subsistindo apenas o da anualidade orça­mentária, como adiante se verá.

A própria CF estabelece, no art. 150; § l 2, algumas exceções aos princípios da anterioridade e da noventena; em conjunto: a) não se aplicam aos impostos de importação e exportação, produtos industria­

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lizados e operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. A justificativa da norma excepcional está em que tais impostos exigem política ágil, a fim de compatibilizá-los com as necessidades conjunturais da economia ou com as vicissitudes do comércio internacional; b) nem se aplicam ao empréstimo compulsó­rio para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamida­des públicas ou de guerra externa ou sua iminência (art. 148 ,1), bem como ao empréstimo compulsório para investimento público de cará­ter urgente e de relevante interesse nacional (art. 148, II ), este último quando for instituído sob a forma de adicional a um dos tributos fede­rais aos quais não se aplica a vedação constitucional; c) deles também se excepcionam os impostos extraordinários instituídos pela União na iminência ou no caso de guerra externa (art. 154, II). Mas se aplica o princípio da anterioridade (art. 150, III, &), desacompanhado da no- ventena (art. 150, III, c), ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza (art. 153, III) e à fixação da base de cálculo do IPVA (art. 155, III) e do IPTU (art. 156, I). A EC 3, de 1993, que autorizou a instituição do IPMF, também excepcionou a necessidade de obediên­cia ao princípio constitucional do art. 150, III, b, mas foi declarada inconstitucional pelo STF (vide p. 130); mas o Supremo declarou constitucional a EC 21, que prorrogou a CPMF, fazendo-se forte no argumento de que a prorrogação não está sujeita à anterioridade, apli­cável somente às novas imposições (ADIN 2031, DJ 28.06.02). A anterioridade da CIDE do petróleo foi relativizada pela EC 33/2001, que, ao introduzir o § 4o no art. 177 da CF, autorizou o Poder Execu­tivo a reduzir e restabelecer a alíquota da contribuição, não se lhe aplicando o art. 150, III, b, da CF, O STF também já declarou que norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade (Súmula 669).

As contribuições sociais de que trata o art. 195 seguem o regime da anterioridade nonagesimal: só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o dispositivo no art. 150, III, b (art. 195, §6°).

A anterioridade protege o cidadão contra a eficácia imediata das leis que instituem ou majorem os tributos ou revoguem ou reduzam isenções fiscais, como proclama o art. 104 do CTN. Neste último caso estariam abrangidas inclusive as revogações das isenções do ICMS, eis que o CTN se referiu aos impostos sobre o patrimônio e a renda por­que só eles estavam ao abrigo do princípio da anterioridade na Emen­da 18, de 1965, sob cuja égide foi promulgado; a partir da CF 1967 o

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princípio constitucional se dilargou e por isso abrange também os im­postos sobre a circulação, embora assim não pense o STF (Súmula 615).

26.2. Orçamentária

O orçamento deve ser aprovado antes do início do exercício fi­nanceiro. A exceção se abre para os créditos adicionais, que com­preendem os suplementares (destinados a reforço da dotação orça­mentária, e que podem ser autorizados também na lei orçamentária), os especiais (destinados a despesa para as quais não haja dotação orça­mentária específica) e os extraordinários (destinados a despesas im­previsíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção inter­na ou calamidade pública), abertos na forma prevista no art. 165, 8-, e no art. 167, V e 2S e 3Q.

27. ANUALIDADE

Há que se distinguir, quanto ao princípio constitucional da anua­lidade, entre a anualidade orçamentária e a tributária* Aquela subsiste plenamente nas Constituições dos países adiantados. A anualidade tri­butária perdeu a importância no Estado de Direito e foi substituída, entre nós, pelo princípio da anterioridade.

27.1. Orçamentária

O princípio da anualidade orçamentária indica que o Legislativo deve exercer o controle político sobre o Executivo pela renovação anual da permissão para a cobrança dos tributos e a realização dos gastos, sendo inconcebível a perpetuidade ou a permanência da auto­rização para a gestão financeira.

Embora se tenha estremado do princípio da anualidade tributária, a anualidade orçamentária ainda é fundamental ao Estado Democráti­co, consagrada nas mais importantes Constituições, ainda que, às ve­zes, combinada com a plurianualidade.

27.2. Tributária

Coisa diferente ocorre com o princípio da anualidade tributária.

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A regra da autorização anual, que surgiu com o Estado Patrimo­nial, visava principalmente aos tributos, que eram episódicos e transi­tórios. As Cortes e as Assembleias atendiam os pedidos do príncipe para a imposição temporária, necessariamente renovável.

Com a superveniência do Estado de Direito e com a inde­pendência e o primado da lei formal, dá-se a bifurcação entre a anua­lidade tributária e a orçamentária, desfazendo-se a conexão entre o direito de consentir os impostos e o direito do orçamento. A segurança do cidadão passa a ser garantida pela representação e pela lei na impo­sição de tributos permanentes, e não mais pela renovação anual da autorização para a cobrança. O princípio da anualidade tributária, de cuja desobediência decorria a ineficácia da lei do imposto, de início proclamado nos grandes textos constitucionais, ausentou-se das Cons­tituições da Alemanha (1949), França (1958), Portugal (1976) e Es­panha (1978).

Entre nós a anualidade tributária desapareceu a partir da Emenda de n- 1, de 1969, à Carta de 1967, sendo substituída, com vantagem, pelo princípio da anterioridade, que impede a criação ou o aumento de tributos no ano da execução orçamentária. E bem verdade que autores de prestígio, como Flávio Bauer Novelli [op. cit., p. 19 e se­guintes), ainda defendem a existência da anualidade tributária, ao lado da orçamentária, apoiados na doutrina que atribui ao orçamento a natureza de lei material. Mas nos parece que o problema depende dos dispositivos constitucionais de cada País, pouco influindo a ques­tão da natureza formal ou material do orçamento, da qual se tira qual­quer das conclusões acerca da anualidade tributária (p. 177).

28. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA DO CONTRIBUINTE

O princípio da proteção da confiança do contribuinte emana do próprio princípio da boa-fé. Significa que a Administração não pode prejudicar os interesses do contribuinte, se este agiu na conformidade das regras então vigentes (art. 100, parágrafo único). Mescla-se tam­bém com o princípio da inalterabilidade do critério jurídico com rela­ção aos fatos ocorridos anteriormente à introdução de nova interpre­tação (art. 146 do CTN).

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29. IRREVISIBILIDADE DO LANÇAMENTO

O lançamento tributário, tanto que notificado ao contribuinte, torna-se insuscetível de revisão na esfera administrativa. Se houve erro de interpretação da autoridade lançadora, não pode ela voltar atrás posteriormente para prejudicar o sujeito passivo.

O lançamento só pode ser revisto nas hipóteses do art. 145 do CTN: se houver impugnação do contribuinte, recurso da Fazenda ou se ocorrerem os fatos mencionados no art. 149, isto é, erro material, fraude ou falta funcional, simulação, falsidade na declaração do con­tribuinte etc. (vide p. 278).

30. PUBLICIDADE

Outro importante princípio constitucional do orçamento é o da publicidade, isto é, o da divulgação na imprensa oficial da íntegra da lei orçamentária, bem como dos relatórios sobre sua execução. Constitui pedra angular de toda a ordem democrática e não obsta à existência de sigilo para as despesas militares e outras assemelhadas, que podem receber dotações globais.

Esse princípio se concretiza no art. 165, § 3-, que obriga o Poder Executivo a publicar, até trinta dias após o encerramento de cada bi­mestre, relatório resumido da execução orçamentária.

Também a lei orçamentária deverá ser publicada para que possa entrar em vigor, na forma das regras do processo legislativo (art. 166, § 7a).

31. UNIDADE DO ORÇAMENTO

O orçamento é uno. O princípio da unidade já não significa a existência de um único documento, mas a integração finalística e a harmonização entre os diversos orçamentos. A CF 88 modernizou so­bremaneira a disciplina orçamentária, ao unificar o orçamento fiscal, o de investimento das estatais e o da seguridade social, segundo a orien­tação hoje prevalecente em oútros países. Retornaremos ao assunto no capítulo do orçamento.

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32. UNIVERSALIDADE D O ORÇAMENTO

Segundo o princípio da universalidade, o orçamento deve conter todas as receitas e despesas da União, de qualquer natureza, proce­dência ou destino, inclusive a dos fundos, dos empréstimos e dos sub­sídios. E princípio da maior importância para o equilíbrio financeiro, que se concretiza na norma do art. 165, § 5-, da CF 88 e que informa diversas Constituições modernas.

33. EXCLUSIVIDADE ORÇAMENTÁRIA

Segundo o princípio constitucional da exclusividade o orçamento não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa (art. 165, § 8a) . Vedam-se, pois, as caudas Orçamentárias, os riders, os cavaliers budgetaires, os omnibiís, o Bepackung (empacota­mento), os orçamentos rabilongos, isto é, quaisquer dispositivos de lei material que não impliquem em previsão de receita õu autorização de despesa e que foram comuns na antiga prática constitucional no Brasil e no estrangeiro.

Excetua-se do princípio da exclusividade a autorização para aber­tura de créditos suplementares e a contratação de operações de crédi­to, ainda que por antecipação de receita (art. 165, § 8fi, in fine). A autorização para a abertura de créditos suplementares tem a mesma natureza dos da despesa respectiva, pelo que não constitui elemento estranho no orçamento.

Quanto às operações de crédito, também não desnaturam a lei de meios, eis que os empréstimos, ainda que a médio ou longo prazo, têm a natureza de uma antecipação da receita orçamentária e embora com ela não se confundam, perderam o caráter de medida extraordinária e ingressam no orçamento fiscal,

34. NÃO-AFETAÇÃO DA RECEITA

O princípio da não-afetação tem por enunciado á vedação, dirigi­da ao legislador, de vincular a receita pública a certas despesas. Apare­ce explicitamente no art. 167, item IY que, na redação de EC 42/03, proíbe a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos (arts.

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158 e 159), a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde (art. 198, § 2o), para manutenção e desenvolvimento do en­sino (art. 212 ) e para realização de atividades da administração tribu­tária (art, 37, XXII), a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita (art, 165, § 82) e a prestação de garantia ou contragarantia à União ou o pagamento de débitos para com esta com a vinculação da receita própria gerada pelos impostos dos Estados e Municípios (arts. 155 e 156). As vinculações das receitas de impostos têm a desvantagem de engessar o orçamento público, e, se não reser­vadas à garantia de direitos fundamentais, tomam-se meras políticas públicas indevidamente constitucionalizadas, como aconteceu com boa parte das despesas com a saúde e a educação nos últimos anos.

A EC 42/03 acrescentou o parágrafo único ao art. 204 da CF, facultando aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no paga­mento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviços da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada direta­mente aos investimentos ou ações apoiados”. Acrescentou, ainda, o §6° ao art. 216 da CF, autorizando, com as mesmas ressalvas feitas no art. 204, paragráfo único, que Estados e Distrito Federal vinculem a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida.

A EC 31/2000 já havia instituído, para vigorar até o ano de 2010, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, com a vinculação de parcelas da arrecadação de diversos tributos federais (arts. 79 e 80 do ADCT). Os Estados e Municípios estão autorizados a criar também Fundos de Combate à Pobreza, com a vinculação de até dois pontos percentuais na alíquota do ICMS incidente sobre os produtos e servi­ços supérfluos ou de até meio ponto percentual na alíquota do ISS, respectivamente (art. 82 do ADCT, com a redação da EC 42/03). A EC 53/2006 autorizou a criação, no âmbito de cada Estado e do Dis­trito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil, com a vinculação de diversos tributos estaduais e distritais.

Há regras transitórias no direito constitucional financeiro brasileiro que têm desvinculado parcelas da arrecadação federal com o objetivo de garantir o superávit primário e sustentar o pagamento da dívida externa, nos termos dos compromissos assumidos pelo Brasil com os órgãos mo­netários internacionais (FMI, Banco Mundial, etc.). Criou-se, de início, o Fundo Social de Emergência (Emenda Constitucional de Revisão n° 1,

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de 1994], depois apelidado de Fundo de Estabilização Fiscal (EC 10/96). Instituiu-se, mais tarde, a DRU (desvinculação das receitas da União), que, em sua última versão, trazida pela EC 56/07, deu nova redação ao art. 76 do ADCT, para desvincular de órgão, fundo ou despe­sa, no período de 2008 a 2011, vinte por cento da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados no referido perío­do, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

O princípio da não-afetação se restringe aos impostos, ao contrá­rio do que ocorria no regime de 1967/1969, quando abrangia todos os tributos. Está permitida, portanto, a vinculação, a órgãos ou fundos, da receita proveniente:

a) das taxas, sendo que o próprio art. 98, § 2o, da CF, na redação da EC 45/04, determina que “as custas e emolumentos serão destina­dos exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades especí­ficas da justiça”;

b) das contribuições sociais e econômicas, nas quais a destinação ao grupo de que faça parte o contribuinte compõe a própria finalidade desses tributos causais.

35. ESPECIALIDADE DO ORÇAMENTO

Os orçamentos devem discriminar e especificar os créditos, os ór­gãos a que tocam e o tempo em que se deve realizar a despesa. Esse é o princípio da especialidade, que pode ser: a) quantitativa — determina a fixação do montante dos gastos, proibidas a concessão ou utilização de créditos ilimitados (art. 167, VII) e a realização de despesas que exce­dam os créditos orçamentários ou adicionais (art. 167, II); b) qualitativa— veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, VI); c) temporal — limita a vigência dos créditos especiais e extraordinários ao exercício financei­ro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for pro­mulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites dos seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subsequente (art. 167, § 2Q).

36. DESTINAÇÃO PÚBLICA DO TRIBUTO

Outro importante princípio é o da destinação pública do tributo, que vem a significar que a arrecadação de impostos, taxas e contribui­

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ções deve se destinar exclusivamente a atender às necessidades públi­cas. A receita tributária visa precipuamente a financiar os gastos gerais e especiais de Administração, o que não impede que tenha o tributo conotações extrafiscais, isto é, que atenda a objetivos políticos ou eco­nômicos do Estado, inibindo ou estimulando as atividades de empre­sas e cidadãos.

O princípio da destinação pública pode também levar à conclusão de que só é tributo a prestação pecuniária que se destine a suportar os gastos essenciais do Estado ou as despesas relacionadas com as ativida­des específicas do Estado de Direito. Do conceito de tributo se estre­mam os ingressos que não tenham finalidade fiscal, como o preço pú­blico, que renumera serviço não essencialmente estatal. Mas há certa indefinição sobre o que seja a essência da estatalidade, de modo que as contribuições sociais e econômicas, às vezes, como acontece na CF 88, podem ser incluídas entre os tributos, realçando o aspecto interven- cionista do Estado.

Não se deve confundir, entretanto, a destinação pública do tribu­to com a destinação específica em favor de órgãos, fundos ou despe­sas, que lhe não desnatura o conceito, como proclama o art. 4â do CTN.

V. OS PRINCÍPIOS GERAIS E A LEGITIMIDADE DO ESTADO FINANCEIRO

Questão extremamente controvertida é a da legitimidade, objeto de abordagens da sociologia, da ciência política, da filosofia e do direi­to. Entendemos por legitimidade o consenso, a aceitação e a justifica­tiva do próprio Estado. Tem base na harmonia, na ponderação e no equilíbrio entre os valores jurídicos e entre os princípios gerais do direito.

A legitimidade do Estado Financeiro, por conseguinte, se funda no equilíbrio entre a justiça e a segurança e entre os princípios delas derivados. A harmonia entre capacidade contributiva e legalidade, por exemplo, é fundamental para a sobrevivência do Estado Fiscal. Se há contradição entre princípios financeiros, deve o aplicador da lei elimí- ná-los, pela interpretação ou pela correção; se, entretanto, a antino­mia for inconciliável, torna-se ilegítima a própria ordem financeira e fenece o Estado que nela se apoia, na via da revolução fiscal ou da desobediência (vide p. 164).

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O tema entrou formalmente na CF 88: o art. 70 prevê a fiscaliza­ção contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial quanto à legalidade, legitimidade e economicidade. O controle da le­gitimidade é o que se exerce sobre a legalidade e a economicidade da execução financeira e orçamentária. As finanças públicas do Estado Democrático de Direito não se abrem apenas ao exame formal da legalidade, senão que exigem também o controle de gestão, a análise de resultados e a apreciação da justiça e do custo/benefício, a ver se o cidadão realmente obtém a contrapartida de seu sacrifício econômico. O aspecto da legitimidade, portanto, engloba os princípios constitu­cionais orçamentários e financeiros, derivados da ideia de segurança jurídica ou de justiça, que simultaneamente são princípios informati­vos do controle. A análise do exato cumprimento do princípio da ca­pacidade contributiva, que manda cobrar impostos de acordo com a situação de riqueza de cada um, do princípio da redistribuição de ren­das, que proclama a necessidade da justiça redistributiva, do princípio do equilíbrio financeiro, que postula a adequação entre receita e des­pesa para a superação das crises provocadas pelo endividamento públi­co, por exemplo, participam do controle de legitimidade.

A legitimidade do Estado Financeiro baseia-se em grandes princí­pios formais, destituídos de conteúdo, que impregnam todos os valo­res e harmonizam todos os outros princípios: o equilíbrio orçamentá­rio, a igualdade e o due process of law, transparência fiscal, responsa­bilidade fiscal, ponderação e razoabilidade.

Esses princípios de legitimidade se transformam em: a) princípios de legitimação ou justificação, quando visualizados como princípios formais que viabilizam a positivação dos valores morais e jurídicos (li­berdade, justiça e segurança jurídica) e a irradiação pelo ordenamento financeiro dos princípios fundamentais declarados no art. Io da CF (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana,! trabalho e livre iniciativa e pluralismo político); b) princípios de aplicação, quando voltados para o sopesamento dos princípios dotados de conteúdo diante dos interesses emergentes.

37. EQUILÍBRIO ORÇAMENTÁRIO

O princípio do equilíbrio orçamentário significa que a lei anual deve ser equalizada em suas receitas e despesas. A CF não o consigna expressamente, embora o recomende em diversos dispositivos.

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O princípio do equilíbrio orçamentário, ainda quando inscrito no texto constitucional, é meramente formal, aberto e destituído de eficá­cia vinculante: será respeitado pelo legislador se e enquanto o permitir a conjuntura econômica, mas não está sujeito ao controle jurisdicional. Não pode a Constituição determinar obrigatoriamente o equilíbrio orça­mentário, pois este depende de circunstâncias econômicas aleatórias. Alguns economistas, entretanto, defendem a eficácia do princípio.

Nada obstante, a CF fez a opção pelo princípio do equilíbrio eco­nômico, sob a reserva do possível. O princípio era clássico nas finanças públicas. A teoria econômica de Keynes é que passou a recomendar os orçamentos deficitários nas épocas de recessão, para possibilitar o ple­no emprego e a conquista do equilíbrio econômico geral. Com a crise financeira dos últimos anos e o excessivo endividamento das nações, voltam juristas e economistas a defender o equilíbrio econômico, o controle do déficit público, a contenção de despesas e a limitação dos empréstimos. A CF, induvidosamente, aderiu à ideia da necessidade do equilíbrio econômico, a se viabilizar através da legislação ordinária; mas não lhe pretendeu atribuir eficácia vinculante, pois permitiu o endividamento, ainda que limitado.

Sobre já não haver a explícita previsão de déficit, desaparecida em 1969, a CF contém inúmeras normas que induzem o equilíbrio orçamentário, como a unificação dos orçamentos (art. 165, § 5-), a transparência dos incentivos (art. 165, § 6S), a proibição de o Banco Central conceder empréstimos ao Tesouro (art. 164, § 2S), a reserva da lei específica para as renúncias de receita e para a concessão de subsídios (art. 150, § 62, na redação da EC 3/93) e a limitação de gastos dos municípios e percentuais indicados pela própria CF (arts. 29 e 29-A, na redação da EC 58/2009).

38, IGUALDADE

O princípio da igualdade, como vimos diversas vezes (cap. IV, item III), é vazio. Informa todos os outros princípios constitucionais, assim os vinculados à justiça que os vinculados à segurança. Penetra, ainda, nos direitos da liberdade. E necessário que o tributo seja cobrado de acordo com a igual capacidade contributiva, da mesma forma que o juiz deve assegurar às partes a igualdade dé tratamento e as imunidades são reco­nhecidas em função de igual liberdade dos cidadãos. Em virtude dessa característica formal é que a igualdade se transforma ela própria em di­reito fundamental (art. 5S, CF), passando a ser uma das condições essen­ciais para a legitimidade do Estado Financeiro.

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39. DEVIDO PROCESSO LEGAL

Aclaúsula do áueprocess oflaw, do direito americano (14â Emen­da), é princípio de legitimidade do Estado, com extensão semelhante ao do nosso princípio da igualdade, que informou a história constitu­cional do Brasil. De sorte que a transmigração dessa cláusula para a CF 88 (art. 5a) representa uma demasia.

Devido processo legal, do ponto de vista da segurança jurídica, era, na Inglaterra, o direito que o cidadão possuía de ser ouvido pelo juiz e de obter julgamento imparcial de acordo com as leis. Nos Esta­dos Unidos esse princípio, de natureza tipicamente processual (proce- durai dueprocess oflaw), passou a servir também de meio de controle do Legislativo e da Administração.

Ulteriormente a cláusula estendeu-se para permitir o controle substancial da lei, vale dizer, a possibilidade de a jurisdição controlar não só a forma como o conteúdo do discurso do legislador. Era o subs­tantive due process oflaw ,

Fala-se hoje no structural due process. Os órgãos da jurisdição não controlam apenas a forma ou o conteúdo de justiça ou liberdade, se­não que exercem a vigilância sobre a própria estrutura do Governo e sobre o processo de decisão legislativa e de partilha dos bens públicos.

40. TRANSPARÊNCIA FISCAL

A transparência fiscal é um princípio constitucional implícito. Si­naliza no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se as­sim ao Estado que à sociedade, tanto aos organismos financeiros su­pranacionais quanto às entidades não-governamentais. E princípio de legitimidade do Estado Democrático e Social de Direito e às vezes se inclui como subprincípio do princípio da responsabilidade (vide p. 127). Cresceu de importância nos últimos anos em decorrência da globalização e da formatação do Estado Subsidiário.

A globalização, como processo eminentemente econômico e polí­tico, vem trazendo extraordinárias vantagens para a humanidade no campo do desenvolvimento tecnológico, da afirmação da democracia e do respeito aos direitos humanos. Mas, sendo ambivalente, produz desvantagens à sociedade e ao Estado em escala planetária, principal­mente sob a forma de aumento da pobreza e do incremento dos riscos

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ambientais, das drogas, do crime organizado, do terrorismo e, sem dúvida, dos riscos fiscais. Estes últimos, que são os riscos do desequi­líbrio do orçamento e das contas públicas, apresentam uma dupla face: são provocados tanto pelo próprio Estado (irresponsabilidade na gestão dos recursos públicos, desrespeito aos direitos fundamentais do contribuinte, corrupção dos agentes públicos e opacidade nas in­formações financeiras) quanto pelos cidadãos e pelas empresas (elisão abusiva, sigilo fiscal para encobrir atos delituosos, corrupção ativa). Cumpre ao direito, nesta fase, minimizar os riscos fiscais, criando me­canismos, sob a inspiração do princípio ético e jurídico da transparên­cia, para coarctar as práticas abusivas e fortalecer os direitos funda­mentais. A reforma, como não poderia deixar de ser em época de globalização, é universal: iniciou-se em outros países e começa a che­gar, com muita resistência, ao Brasil.

Na vertente dos riscos provocados pelo contribuinte são impor­tantíssimas a norma antielisiva trazida pela LC 104/01 (vide p. 161) e as normas antissigilo bancário estatuídas pela LC 105/01 (vide p. 323).

Quanto aos riscos provocados pela própria Fazenda Pública inú­meros são os instrumentos para evitá-los ou minimizá-los.

Já adotamos a importante Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que, inspirada na legislação da Nova Zelândia e de outros países membros da OCDE, tem defeitos grandes no plano das medi­das macroeconômicas, mas apresenta elogiável esforço no controle da gestão do dinheiro extraído do bolso do povo. A transparência se defi­ne no art. I2 e será assegurada por instrumentos de gestão fiscal (art. 48), inclusive mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas.

Está em andamento no Congresso Nacional o Código de Defesa do Contribuinte, que, inspirado na Declaração de Direitos do Contri­buinte publicada nos Estados Unidos em 1996 ('Taxpayer BiU of Rights) e na Lei de Direitos e Garantias do Contribuinte, de 1998, da Espanha, visa a fortalecer os direitos fundamentais do contribuinte e resguardá-lo contra a ação irresponsável da Fazenda credora (Projeto inicial: 646/1999; Projeto em andamento: PLP 38/2007).

O combate à corrupção dos agentes do Fisco se insere também no quadro das medidas tendentes a assegurar a transparência. No Brasil o problema é particularmente grave, tendo em vista que não consegui­mos, nem mesmo com as reformas constitucionais da década de 90, proceder ao desmonte do Estado Patrimonial; e, como se sabe, o patri-

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monialismo gera uma ética própria, preocupada com a salvação da alma e com a felicidade garantida pelo Estado, inteiramente divorcia­da das questões da fiscalidade e do orçamento. Algumas medidas de defesa da transparência administrativa e de combate à corrupção co­meçam a ser adotadas, como acontece com as normas sobre a ética na Administração e o Código de Conduta da Alta Administração (RDA 221:343,2000).

A CF traz outra novidade no art. 150, § 5a, ao incorporar o princí­pio da transparência fiscal, obrigando a lei a determinar medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que inci­dem sobre mercadorias e serviços. A providência é da maior importân­cia e servirá para coarctar abusos do legislador, que muita vez prefere aumentar os impostos indiretos, que são invisíveis e causam pequena reação popular, do que majorar os tributos diretos e progressivos, que incidem sobre pessoas de maior capacidade contributiva mas ficam sujeitos a lobby e a resistência de interessados; agora, com a informa­ção sobre a carga tributária incidente sobre as mercadorias, haverá maior controle por parte do contribuinte e eleitor.

O princípio da transparência fiscal se complementa com o da transparência ou clareza orçamentária, também proclamado pela CF, segundo o qual o orçamento será acompanhado de demonstrativo re­gionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza finan­ceira, tributária e creditícia (art. 165, § 62), medida que se compagina com o controle interno e externo das subvenções e renúncias de recei­tas (art. 70) e com a regra de que qualquer subsídio ou isenção, redu­ção de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser concedidos mediante lei específica, federal, estadüal ou municipal, que regule exclusivamente tais matérias ou o correspondente tributo ou contribuição (art. 150, § 62, da CF, na redação da EC 3/93). A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) destaca a importância do princípio da transparência na gestão orçamentária (vide p. 182).

41. RESPONSABILIDADE FISCAL

O princípio da responsabilidade, de longa tradição no direito fi­nanceiro anglo-americano, adquire extraordinária relevância nos últi­mos anos na legislação da Nova Zelândia e de outros países da OCDE.

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Começa a ingressar no Brasil por intermédio da Lei de Responsabilida­de Fiscal.

O princípio da responsabilidade, ou, mais especificamente, a res­ponsabilidade fiscal corresponde ao conceito de accountability, de di­ficílima tradução para o português. Aproxima-se do sentido de uma responsabilidade pela eficiente gerência de recursos públicos.

O princípio da responsabilidade está presente nos vários momen­tos da vida orçamentária do País, desde a elaboração da lei de meios até a gestão dos recursos orçamentários e o controle de contas.

O princípio da responsabilidade encontra-se em permanente ten­são com o do desenvolvimento econômico. A sua exacerbação nos últi­mos anos, principalmente no modelo da Nova Zelândia, tem sido visto pelos desenvolvimentistas como vitória da política neoliberal recessiva.

O princípio da responsabilidade, no modelo da Nova Zelândia, se desdobra em alguns subprincípios: prudência e transparência, O prin­cípio da prudência foi proclamado em diversas passagens do Fiscal Responsability Act e transmigrou para o sistema da LRF. O outro sub­princípio, o da transparência, que já examinamos antes (vide p. 125), aparece na lei neozelandesa como abertura (disclosure) e influenciou também a nossa LRF.

A desobediência ao princípio da responsabilidade fiscal gera a res­ponsabilidade penal. A Lei ns 10.028, de 19.10.2000, em comple- mentação à LRF, alterou diversos dispositivos da legislação penal. As­sim é que se tipificam novos crimes contra as finanças públicas: con­tratação de operação de crédito; inscrição de despesas não empenha­das em restos a pagar; assunção de obrigação no último ano do manda­to ou legislatura; não divulgação de declaração de gestão fiscal respon­sável; ordenação de despesa não autorizada; prestação de garantia gra­ciosa; não redução de despesa relativa a pessoal; não cancelamento de restos a pagar; aumento de despesa relativa a pessoal no último ano do mandato ou legislatura.

42. PONDERAÇÃO

Já vimos antes (p. 90) que o que caracteriza os princípios jurídicos e os distingue das regras é a possibilidade de entrarem no jogo de ponderação, no qual o princípio com maior peso diante do interesse emergente tem preponderância sobre o de menor peso.

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Mas a ponderação desborda o campo específico da metodologia e da aplicação do direito para ganhar foros de princípio jurídico. Come­ça a doutrina a se preocupar não só com a ponderação de princípios mas também com o princípio da ponderação.

O princípio da ponderação tem subida relevância ria temática do orçamento, eis que permite que se sopesem todos os outros princípios jurídicos pertinentes à lei de meios, tanto os princípios fundantes quanto os vinculados às ideias de liberdade, justiça e segurança jurídi­ca. O princípio da ponderação conduz à escolha dos princípios que devem prevalecer diante dos interesses sociais em ebulição, assim no momento da elaboração do orçamento e da alocação de verbas, que na fase da gestão discricionária e do próprio controle da execução orça­mentária. O Estado Orçamentário, além de Estado Subsidiário, é também Estado de Ponderação.

43. RAZOAJBILIDADE

O princípio da razoabilidade, de inspiração americana, ancorado no due process of law, tem grande relevância na temática da interpre­tação e da aplicação do direito financeiro.

Mas transcende esse aspecto hermenêutico para se situar no pla­no abstrato de uma lógica do razoável.

A razoabilidade, da mesma forma que o princípio da ponderação, perpassa todos ós princípios constitucionais vinculados à liberdade, à justiça e à segurança jurídicas.

ímanta os princípios tributários da capacidade contributiva, cus­to/benefício e solidariedade, bem como as imunidades e as proibições de desigualdade, que todos devem ser razoáveis. Influi na elaboração do orçamento, ao governar as escolhas trágicas e as opções pela aloca­ção de verbas. Informa a própria legitimidade orçamentária, que deve resultar do equilíbrio razoável entre legalidade e economicidade.

44. SIMPLIFICAÇÃO

No mundo nosso contemporâneo, com a emergência da globaliza­ção, da informática e da Sociedade de Risco, cresce a massificação do direito tributário, que passa a necessitar de novos instrumentos para a preservação da igualdade e para a promoção, nos limites do razoável, da desigualdade entre contribuintes e atividades econômicas.

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Os vários instrumentos legítimos de desigualação se sintetizam no princípio da simplificação fiscal.

A simplificação fiscal está em íntimo relacionamento com a tipi­ficação e com a quantificação. Pode-se até falar em simplificação tipi- ficadora e quantificadora. A simplificação depende da elaboração do tipo e do aproveitamento das suas características principais, ainda que com a perda de aspectos periféricos e não essenciais (vide p. 110): microempresa, por exemplo, é um tipo, que compreende o universo de empresas situadas abaixo de um certo patamar de receita fixado por lei, possuidoras de características que possibilitam a sua aglutina­ção para idêntico tratamento fiscal, ainda que com a injusta exclusão de algumas poucas empresas que exibam as mesmas características e se situem acima do limite estabelecido em lei. Problema simétrico ao da tipificação é o da quantificação, que consiste em estabelecer limi­tes para a base de cálculo dos impostos ou para outras determinações legais, inclusive por intermédio de estimativas ou pautas fiscais; as barreiras quantificadoras podem resvalar para a arbitrariedade, se não forem dosadas pelo Legislativo; sendo também mecanismo de simpli- cação fiscal, devem ser aplicadas segundo a proporcionalidade e a pon­deração.

No direito tributário brasileiro a tipificação e a quantificação têm encontrado o seu maior desenvolvimento nas temáticas da substitui­ção tributária, do "Simples”, da seletividade do IPI e da graduação dos riscos fiscais das contribuições sociais.

A substituição tributária "para frente” ou progressiva é também instrumento de simplificação, tipificação ou quantificação fiscal, que tem por objetivo facilitar a arrecadação das receitas públicas sob os parâmetros essenciais da segurança dos direitos. E largamente utiliza­da no ICMS (vide p. 264).

No Brasil a simplificação fiscal por excelência veio com o sistema que recebeu o sugestivo apelido de Simples. Regulamentado pela Lei 9.317/96, o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contri­buições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte consis­tia no pagamento unificado de inúmeros tributos federais: IRPJ, PIS/PASEP, COFINS, CSLL, IPI e Contribuições do INSS.

A Lei Complementar 123, de 14/12/2006, criou o sistema de Supersimples ou Simples Nacional, estabelecendo normas gerais rela­tivas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às mi­croempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Unificou, com ressalvas, a arrecadação dos seguintes tributos: imposto de renda da pessoa jurídica - IRPJ; imposto sobre produtos industrializados -

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IPI; contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL; contribuição para o financiamento da Seguridade Social - COFINS; contribuição para o PIS/PASEP; imposto estadual sobre circulação de mercadorias- ICMS; imposto municipal sobre serviços - ISS (art. 13). Criou o Comitê Gestor, com amplo poder regulamentar.

E claro que o sistema simplificado, como qualquer outra tipifica­ção legal, abrange a quase totalidade do universo a que se destina, mas nele alguns casos periféricos e não essenciais são incompatíveis com a igualdade almejada pela simplificação e devem ser tolerados. Quando, todavia, os casos de incoerência, incompatibilidade e desigualdade se avolumam, em quantidade ou qualidade, a tipificação perde a sua ra- zoabilidade, passa a ser discriminatória e se torna; por conseguinte, inconstitucional.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro; Forense, 2001; CRETTON, Ricardo Aziz. "O Princípio da Irretroativi- dade e o Fato Gerador do Imposto de Renda''. Revista de Direito Administrativo 201: 11-27, 1995; DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007; DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1980; LARENZ, Karl. Richtiges Recht. München: C. H. Beck, 1979; LEHNER, Moris. “Consideração Econômica e Tributária Conforme a Capacidade Contributiva. Sobre a Possibilidadde de uma Inter­pretação Teleológica de Normas com Finalidades Arrecadatórias”. In: SCHOUERI, Luiz Eduardo & ZILVETI, Fernando Aurélio (Coord.). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Ed. Dialética, 1998, p. 143-154; MA­CHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991; NOGUEIRA, Alberto. O Devido Processo Legal Tributário. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1995. NOVELLI, Flávio Bauer. “O Congresso e o Processo Legislativo na Emenda n2 1 à Constituição de 1967”. In: CALVALCANTI, Themistocles Brandão (Coorà.').-Estudos -sobre a Constituição de 1967 e sua Emenda nã 1. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1977, p. 67-94; —. “Segurança dos Direitos Individuais e Tributação". Revista de Direito Tributário 25/26: 159-175, 1983; —. “Anualidade e Anterioridade na Constituição de 1988”. Revista de Direito Administrativo 179/180: 19-50, 1990; OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Capacidade Contributiva. Conteúdo e Eficácia do Princípio. Rio de Janeiro: Renovar, 1998; RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Brasília: Ed. Univ. Brasília, 1981; REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987; TIPKE, Klaus. Steuer- gerechtigkeit in Theorie und Praxis. Koln: O. Schmidt, 1981; —:. "Sobre a Unidade da Ordem Jurídica Tributária”. In: SCHOUERI, Luis Eduardo/ZILVETI, Fernando Auré­lio (Coord.). Direito Tributário. Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Pau­lo: Ed. Dialética, 1998, p. 60-70; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitu­cional Financeiro e Tributário. V 2. Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; UCKMAR, Vítor. Princípios Comuns de Direito Constitu­cional Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 1999; XAVIER, Alberto. Os Princí­

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pios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1978.

II. Direito Positivo ~~ CF 88: arts. 145, § l s; 150, I, III e §§ 5a e 6a; 153, § 2a, I e § 3a, I; 155, § 2a, III; 156, § Ia, na redação da EC 29/00; 165, §§ 6S, 7a e 8a; 167; Constitui­ção da Itália — arts. 23 e 53; Constituição da Espanha — art. 31; CTN — arts. 97, 98, 99; 104 e 106; Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 4.5,00) estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal; Lei na 10.028, de 19.10.00 — altera o Código Penai.

III. Jurisprudência: Súmula da Jurisprudência Predominante do STF: "615. O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da Constituição Federal) não se aplica à revogação da isenção do ICM”; “656 — E inconstitucional a Lei que estabelece alíquo­tas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel”; “668 - É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000/alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”; “669 - Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”. ADIN 939-7, Ac. do Pleno do STF, de 15.12.93, Rei. Min. Sydney Sanches, RTJ 151/755: "A Emenda Constitucional ns 3, de 13.3.1993, que, no art. 2a, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2S desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, b e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): l s — o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5S, § 2a, art. 60, § 4a, inciso IV, e art. 150, III, b da Constituição).” RE 153.771/MG, Ac. do Pleno do STF, de 5/9/97, Rei. Min. Moreira Alves, RTJ 162: 720: “Ementa: IPTU. Progressi­vidade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, Ia, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do con­tribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § l s, (específico). A interpretação sistemática da Constituição con­duz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4a do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusiva com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo. Portanto, é inconstitu­cional qualquer progressividade, em se tratanto de IPTU, que não atenda exclusiva­mente ao artigo 156, § l fl, aplicado com as limitações expressamente constantes do §§ 2a e 4a do artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de. 22.12.89, no município de Belo Horizonte." RE 234.105-3-SP Ac. do Pleno do STF, de 8.4.99, Rei. Min. Carlos Velloso, DJU 31.03.00: “Constitucional. Tributário. Imposto de Transmissão de Imóveis Inter Vivos — ITBI. Alíquotas Progres­sivas. CF, art. 156, II, 2a; Lei 11.154, de 30.12.91, do Município de São Paulo. I - ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquo­tas, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda”; Emb. Decl. no RE 592.148, Rei. Min. Celso de Mello, Informativo do STF n° 558, de 17.09.09: "Inexistência de vínculo hierárquico-normativo entre a Lei Com­plementar e a Lei Ordinária. Espécies legislativas que possuem campos de atuação ma­terialmente distintos”; cf. tb. RE 377.457, Ac. do Pleno, de 17.09.08, Rei. Min. Gilmar Mendes, DJ 19.12.08.

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CAPÍTULO VI

Eficácia da Legislação Financeira

I. EFICÁCIA NO TEMPO

1. VIGÊNCIA E EFICÁCIA

Ê necessário que se estabeleça, de início, a distinção entre vigên­cia e eficácia, conceitos que se incluem no problema geral da validade da lei. Miguel Reale, em conceituação lapidar, diz que a validade das normas de direito abrange o aspecto da “validade formal ou técnico- jurídico (vigência), o da validade social (eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento)” (op. cit.f p. 105). O problema da válida- de ética ou do fundamento não nos preocupa neste capítulo, pois já foi objeto das lições precedentes sobre os direitos fundamentais e os prin­cípios. A vigência envolve a existência ou a inserção da norma no mun­do jurídico e está em permanente contacto com a eficácia, que enten­de com a aplicabilidade ou com a aptidão para produzir efeitos na ordem jurídica.

Deve ser observado que a nossa legislação não é muito clara na terminologia. O CTN fala em “vigência” e em “entrar em vigor" para se referir ora à validade formal (vigência), ora à eficácia.

A distinção entre vigência e eficácia no Direito Financeiro é im­portante porque nem sempre aparecem e atuam concomitantemente. Há casos em que a vigência vem colada à eficácia que se segue ao período da vacatio legis. Em outras hipóteses a vigência se descola da eficácia, de modo que a norma poderá ter vigência sem eficácia (eficá­cia diferida e suspensa).

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2. VACATIO LEGIS

O período da vacatio legis é aquele em que a norma jurídica não tem vigência nem eficácia. A regra geral da Lei de Introdução ao Có­digo Civil estabelece que a lei entra em vigor e se torna eficaz no prazo de 45 dias contados da data da sua publicação. Esse interregno entre a publicação e o início da vigência e da eficácia é o da vacatio legis.

Se o prazo em branco ocorrer relativamente à Constituição, diz- se que há vacatio constitutionis. A Constituição de 1967; por exem­plo, promulgada em 24 de janeiro, só adquiriu vigência e eficácia a partir de 15 de março. A Constituição de 1988, quanto ao sistema tributário, teve a vacatio estendida até fevereiro de 1989, pois só ad­quiriu vigência a partir do l e dia do 52 mês seguinte ao da sua promul­gação, diferida a eficácia de alguns impostos estaduais e municipais para o 3 O0 dia a partir da lei que os tivesse instituído ou aumentado (art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Tributárias).

Embora no período da vacatio legis ou da vacatio constitutionis a norma não tenha vigência nem eficácia, nem por isso se estará diante de uma situação absolutamente inócua. Algumas conseqüências jurí­dicas podem ser tiradas. A Constituição de 1988 autorizou, desde a sua publicação, a União, os Estados e os Municípios a editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional que só entraria em vigor em l 2 de março de 1989 (art. 34, § 3S, do Ato das Disposi­ções Constitucionais Transitórias). Esse dispositivo, aliás, veio evitar as discussões que se seguiram à Constituição de 1967, quando houve a necessidade de o Supremo Tribunal Federal dar pela legitimidade da legislação editada no período da vacatio constitutionis. Surgiu tam­bém um caso muito controvertido em que o S.T.F. disse que certa lei publicada no mês de dezembro, com a declaração de que entraria em vigor em l 2 de janeiro seguinte, teve a sua eficácia iniciada juntamente com a vigência, apesar da antiga redação do princípio da anterioridade, pois algumas conseqüências se produziram no período da vacatio legis; (RE 96.000, RTJ 107/290); esse foi o motivo, aliás, para que o princí­pio da anterioridade tivesse a sua redação modificada pela CF 88, passando a se referir à lei “publicada” no mesmo exercício financeiro da cobrança do tributo (art. 150, III, b), em substituição à exigência de que a lei estivesse “em vigor” antes do início do exercício financeiro (art. 153, §29, CF 67/69).

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3. VIGÊNCIA

Vigência da norma jurídica financeira, como vimos, é a sua valida­de formal, a sua inserção no ordenamento jurídico.

O inicio da vigência ocorre, geralmente, em 45 dias contados da publicação da lei, segundo prevê o art. 1- da Lei da Introdução ao Código Civil, incorporado ao art. 101 do CTN. Mas há inúmeros ou­tros termos iniciais;a) a data indicada expressamente na lei;b) a data da publicação dos atos normativos expedidos pelas autorida­des administrativas (art. 1 0 3 ,1, CTN);c) 30 dias após a data da publicação das decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, quanto aos seus aspectos normativos (art. 103, II, CTN);d) a data prevista nos convênios que entre si celebram a União, os Estados e os Municípios sobre matéria tributária (art. 103, III, CTN);e) 30 dias depois de publicada no Diário Oficial da União a notícia da ratificação do Convênio ICMS (art. 6a da LC 24/75);f) a data da troca de notas pelas chancelarias dando ciência da ratifica­ção dos tratados internacionais;g) o dia l 2 de janeiro de cada ano, quando se tratar da lei orçamentária.

O término da vigência ocorre pela revogação. As regras são as estabelecidas da Lei de Introdução ao Código Civil. A revogação pode ser expressa ou tácita. Será tácita quando a lei posterior regular intei­ramente a matéria contida na anterior ou com ela for incompatível. Mas a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. O término da vigência pode decorrer também da declaração de incònstitucionalida- de proferida pelo STF, como vimos antes (p. 57).

4. EFICÁCIA IMEDIATA

É imediata a eficácia colada à vigência da norma financeira^ Na mesma data em que adquire vigência a norma passa a produzir efeitos, aplicando-se a todos os fatos futuros e pendentes, se não houver regras especiais em contrário. Por fatos pendentes são entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa (art. 105 do CTN), como acontece com os sujeitos a condição suspensiva (art. 117 do CTN).

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5. EFICÁCIA DIFERIDA

Dá-se o diferimento da eficácia quando a norma financeira, em­bora vigente, tem os seus efeitos adiados para uma certa data no futu­ro. Ocorre principalmente em conseqüência dos princípios da anterio­ridade e da noventena (art. 150, III, b e c, CF), que, como vimos (p. 114), transferem para o ano seguinte ao da publicação os efeitos da lei tributária.

Assim sendo, tornam-se eficazes, a partir de Ia de janeiro do ano seguinte ao da sua publicação, as normas que: instituem ou majoram tributos, salvo os empréstimos compulsórios, os impostos de importa­ção e exportação, o IPI, o IOF e os impostos extraordinários instituí­dos pela União na iminência ou no caso de guerra externa (art. 150, §1-, da CF, na redação da EC 42/03); definem novas hipóteses de incidência; extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte. A matéria está regulamentada no art. 104 do CTN, que, como já examinamos (p. 115), foi alterado em parte pelos textos constitucionais posteriores que redefiniram o princípio da anterioridade, para estendê-lo também aos impostos so­bre a produção e a circulação de mercadorias. Continua, por isso mes­mo, discutível a questão da reaquisição de eficácia da norma do ICMS, quando revogada a isenção, que alguns pretendem seja diferida para o dia l fí de janeiro seguinte, enquanto o STF entende ser imediata (Súmula 615), como tudo já foi estudado no capítulo da anterioridade (p. 115).

Quando se tratar de contribuição social, a lei nova só produzirá efeitos após decorridos 90 dias da data de sua publicação (art. 195, §62, CF).

6. EFICÁCIA SUSPENSA

Acontece às vezes que a norma continua vigente mas tem a sua eficácia suspensa. Embora existente no mundo jurídico, torna-se inca­paz de produzir efeitos. Entre as hipóteses mais importantes de sus­pensão da eficácia encontram-se a isenção, o tratado internacional e, para alguns, a lacuna orçamentária.

A isenção fiscal (vide p. 309) é forma de suspensão da eficácia da norma impositiva. Atua no plano normativo e impede a incidência da regra que define o fato gerador do tributo. A norma isencional não

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E$8J - Ensino Superior Burasu Juááfce

revoga a impositiva, senão que a derroga, suspendendo-lhe tempora­riamente a eficácia. Tanto que revogada a isenção, a norma impositiva readquire a sua eficácia qualificatória, sem que isso signifique repristi- nação. Está inteiramente superada (vide p. 309) a teoria de que a isenção implica na exclusão do crédito tributário, deixando incólume a obrigação tributária.

O mesmo mecanismo é deflagrado pelo tratado internacional aprovado pelo Congresso. Derroga a legislação interna que com ele conflite, ou seja, suspende-lhe a eficácia. Uma vez denunciado o trata­do, a lei nacional recupera a eficácia, independentemente de qualquer outro ato normativo.

Há algumas correntes teóricas, com as quais não concordamos (p. 117), que entendem haver sobrevivido na CF 88 o princípio da anua­lidade tributária. A lei orçamentária adquiriria, assim, natureza mate­rial. Se nela não for incluída a previsão para a cobrança de determina­do tributo, terá ele suspensa a sua eficácia e só poderá voltar a ser exigido quando vier a ser reincluído no orçamento.

7. RETROEFICÁCIA

A retroeficácia também pode ocorrer no Direito Financeiro. A eficácia retrooperante não significa a volta ao passado para anular os fatos e os atos lá praticados, o que constitui uma impossibilidade jurí­dica e um absurdo metafísico. A retroatividade atinge, no presente, os efeitos de fatos ocorridos no passado. A CF (art. 52, item X X X V I) diz que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (vide p. 112). Tirante essas três limitações, a lei finan­ceira nova atingirá, no presente e no futuro, todas as conseqüências dos fatos passados. Há algumas leis a que o próprio direito positivo atribui a eficácia retrooperante: a lei interpretativa, a lei financeira de natureza penal e a declaração de inconstitucionalidade, que atua como lei (vide p. 57).

A lei interpretativa retroage (art. 106 ,1, CTN), pois tem eficácia meramente declaratória. Não cria direito novo nem tributo, senão que apenas fixa o sentido da norma financeira preexistente. A partir de sua edição as conseqüências dos fatos ocorridos no passado passam ao seu império, salvo se houver coisa julgada, direito adquirido ou ato jurídi­co perfeito surgidos ao tempo de lei interpretada. Para que a lei possa ser considerada interpretativa é necessário que disponha no mesmo

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sentido das decisões judiciais (cf. P. ROUBIER, op. cit., p. 259); se vier resolver conflito jurisprudencial ou estabelecer orientação contrária à da jurisprudência vitoriosa, não será interpretativa, mas lei de nature­za constitutiva; quando a Emenda Constitucional n2 23/83 se pôs de través com a orientação jurisprudencial até então firmada a respeito de alguns problemas do ICM, o Supremo Tribunal Federal recusou-se a atribuir-lhe natureza interpretativa e eficácia retroativa, reconhe­cendo-lhe apenas a incidência sobre os fatos geradores futuros (RE 101.963, Ac. 6.4.84, RTJ 109/ 1279). O STJ recusou-se a aplicar retroativamente o disposto nos arts. 3o e 4° da LC 118/05 (AgRG no REsp 727.200, AC de I o T , Rei. Min. Luiz Fux, DJ 28.11.2005).

A norma penal tributária de natureza benigna também retroage. Diz o CTN, no art. 106, II, que a lei se aplica a ato ou fato pretérito, “tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido frau­dulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vi­gente ao tempo da sua prática”. Não obstante restrinja o CTN a retro- atividade ao “ato não defitivamente julgado", parece-nos que a eficá­cia retrooperante da lex mitior, sendo princípio de Direito Penal, deve se aplicar inclusive nos casos de existência de decisão definitiva admi­nistrativa ou de coisa julgada, salvo para o efeito de restituição da multa, eis que sempre se entendeu entre nós ser aquele princípio de justiça superior ao da res judícata; aliás, o próprio Código Penal decla­ra: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica- se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

Possui também eficácia retroativa a declaração deinconstitucio- nalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal na via da ação dire­ta, que opera com as mesmas características da lei. Retroage igual­mente a decisão do STF proferida na via da exceção, desde que o Senado Federal suspenda a execução da lei estadual ou federal (vide p. 57). A declaração de inconstitucionalidade, no nosso sistema jurídi­co, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, opera ex tunc, atin­gindo os efeitos dos atos praticados sob o império de lei anulada. Mas o art. 27 da Lei n2 9868, de 10.11.99, passou a permitir que o Supre­mo Tribunal Federal, tendo em vista razões de segurança ou de excep­cional interesse social, restrinja os efeitos da declaração de inconstitu­cionalidade ou decida que ela só tenha eficácia a partir de seu tânsito

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era julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. A declaração de inconstitucionalidade encontra alguns outros limites em seu efeito ex tunc, eis que prevalecem certas preclusões como a coisa julgada, a decadência e a prescrição; esses temperamentos adotam-nos as legislações da Alemanha e da Itália e são plenamente compatíveis com o nosso sistema jurídico.

8. EFICACIA PRORROGADA

Uma última hipótese é a eficácia prorrogada, também caracteri­zada como ultra-atividade ou sobrevida da norma jurídica. Assim acontece, por exemplo, com a lei tributária revogada, que continua a produzir conseqüências quanto aos fatos ocorridos durante a sua vi­gência, mesmo que não tenham sido tempestivamente apurados. Diz o CTN (art. 144) que “o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada".

Dá-se a prorrogação da eficácia, também, quando o projeto da lei orçamentária não é aprovado pelo Congresso Nacional antes do início do exercício financeiro. Prorroga-se, então, a eficácia do orçamento anterior, na razão de 1/12 das dotações, até que o novo seja publicado. Esta solução, que é a mais democrática, foi adotada pela Lei de Dire­trizes Orçamentárias (Lei nQ 7.800, de 10.7.89 — art. 50). A outra saída, no sentido de considerar aprovado o projeto de lei do Executivo, adotou-se no Brasil ao tempo do autoritarismo (vide p. 180).

II. EFICÁCIA NO ESPAÇO

9. O PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE

O princípio fundamental para traçar a eficácia das normas finan­ceiras no espaço é o da territorialidade (vide p. 100). A lei incide no território de jurisdição do ente público, independentemente de consi­derações subjetivas a respeito do contribuinte ou do obrigado, como sejam a nacionalidade ou o lugar do nascimento dentro do País. O critério para a eficácia da lei no espaço é o da residência, do domicilio, do lugar em que se produzem os rendimentos ou do local da situação dos bens.

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10. LEI FEDERAL

A lei federal produz efeitos em todo o território nacional e corta a eficácia da lei estadual que com ela contrastar, respeitados os repec- tivos campos de competência. Mas, como já vimos a propósito do con­ceito material de lei (p. 108), há uma certa zona de penumbra em torno da competência concorrente dos entes públicos no federalismo, o que conduz a solução do problema para o campo da interpretação. Não existe uma reserva de competência federal que coincida magica­mente com o limite de igual reserva em favor de Estados e Municípios.

Quando a lei federal tem por objetivo regular matéria de interes­se comum da União, dos Estados e dos Municípios recebe a denomi­nação de lei nacional. O Código Tributário Nacional e a Lei 4.320/64, sobre a atividade financeira, são os melhores exemplos*

A lei federal financeira se aplica a todos os brasileiros e aos estran­geiros aqui residentes (CF — art. 52) e não pode discriminar entre Estados e Municípios (CF — art. 151 ,1).

11. LEI ESTADUAL OU MUNICIPAL

A lei estadual ou municipal financeira se aplica nos limites terri­toriais do Estado ou do Município, respectivamente. Só pelos convê­nios pode adquirir extraterritorialidade (CTN — art. 102). Subordi­na-se ao princípio da uniformidade geográfica, não podendo estabele­cer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino (CF — art. 152).

A pessoa jurídica de direito público, que se constituir pelo des­membramento territorial de outra, sub-roga-se nos direitos desta, cuja legislação tributária aplicará até que entre em vigor a sua própria (C T N — art. 120).

Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos munici­pais (CF — art. 147).

12. LEI ESTRANGEIRA

A lei estrangeira não se aplica no território brasileiro.

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Só o tratado internacional, desde que aprovado pelo Congresso Nacional, passa a produzir efeitos internos, suspendendo, inclusive, a eficácia da lei tributária nacional (CTN — art. 98).

Mas o Direito Tributário Internacional conhece diversos princí­pios e instrumentos para eliminar a dupla imposição da renda e para permitir a justa tributação das mercadorias no comércio internacional. Não só os tratados e as convenções, mas também as leis de diversos países, buscam, no âmbito das respectivas jurisdições, harmonizar a tributação da renda ou do comércio externo. Assim é que as legisla­ções modernas procuram, quanto aos impostos sobre o valor acresci­do, aliviar a incidência na exportação, para permitir que o país de destino capte uma parcela da riqueza em circulação internacional. No imposto de renda ora prevalece a incidência de acordo com a fonte, o que beneficia os países mais pobres, ora a incidência pelo domicílio das empresas, o que é melhor para os países ricos.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: NOVELLI, Flávio Bauer. "Anualidade e Anterioridade na Constituição de 1988”. Revista de Direito Administrativo 179/80: 19-50, 1990; REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2002; ROUBIER, Paul. Le Droit Transitoire. Paris: Dalloz & Sirey, 1960; SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Da Lei Tributária no Tempo. São Paulo: Ed. Obelisco, 1968; XAVIER, Alberto. Direito Tributá­rio Internacional do Brasil. São Paulo: Forense, 2005.

II. Direito Positivo: Lei de Introdução ao Código Civil — arts. 12 a 7a; CTN — arts .101 a 106; Ley General Tributária da Espanha — 2003, arts. 10 a 11.

III. Jurisprudência: Súmula da Jurisprudência Predominante do STF n2 615: "O princí­pio constitucional da anualidade não se aplica à revogação da isenção do ICM". RE 138.284, Ac. do Pleno, de 1.7.92, Relator Min. Carlos Velloso, RTJ 143/313: "Incons­titucionalidade do art. 82 da Lei nã 7.689/88, por ofender o princípio da irretroativida- de (CF, art. 150, II, a) qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro do prazo de noventa dias da publicação da lei (CF, art. 195, parágrafo 62). Vigência e eficácia da lei: distinção.”

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CAPÍTULO VII

Interpretação e Complementação do Direito Financeiro

I. INTRODUÇÃO

1. A HERMENÊUTICA

A interpretação do Direito Tributário foi considerada durante muitos séculos como excepcional, a coincidir com as próprias normas fiscais, que se afastariam do direito comum. Ora prevalecia o princípio do in dubio contra fiscum, ora o do in dubio pro fisco. Essas posições hoje estão inteiramente superadas, da mesma forma que o direito fis­cal já não pode ser considerado excepcional.

A interpretação do Direito Financeiro é igual a qualquer outra, embora possa conter algumas particularidades em decorrência da es­trutura de suas normas, mas não da especificidade dos seus métodos, posto que até a interpretação econômica e a funcional se inserem na interpretação teleológica presente em qualquer ramo do Direito. As­sim, a sua interpretação deve se fazer à luz das mesmas ideias e princí­pios que informam a interpretação do Direito Civil, do Penal, do Constitucional etc.

Demais disso, a interpretação do Direito Tributário, junto com a interpretação jurídica em geral, se insere no conjunto da atividade hermenêutica, ao lado da interpretação histórica, fiíológica, artística etc. Embora incipiente, já se nota a influência da hermenêutica, de­senvolvida principalmente por Betti (op. cit.), e Gadamer {op. cit.), no campo do Direito Tributário. A hermenêutica, como ciência do espíri-

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to, busca a compreensão dos objetos culturais (lei, texto sagrado, par­titura musical, pintura, obra literária etc.), e nela a interpretação jurí­dica ocupa lugar paradigmático.

2. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO

A interpretação e a aplicação se integram e se co-implicam mu­tuamente. Coube a Gadamer (op. cit., p. 291), principalmente, inte­grar na hermenêutica os momentos da compreensão, da interpretação e da aplicação: interpreta-se para aplicar, constituindo a aplicação, muito mais que um momento posterior de concretização do genérico interpretado, a própria compreensão da totalidade. Nem se aplica o Direito sem interpretá-lo (a não ser em casos excepcionais de regras técnicas, como o sinal de trânsito), nem se interpreta a norma sem aplicá-la, salvo em casos especialíssimos como o do controle da consti­tucionalidade in abstracto.

Essas ideias ingressaram, como não poderia deixar de acontecer, no Direito Financeiro, e vieram mostrar a equivocidade das posições adotadas pelo Código Tributário Nacional, que contraditoriamente se­parou a interpretação da aplicação, colocando-as em capítulos dife­rentes (III e IV do Título I do Livro Segundo) e depois diluiu a inter­pretação na aplicação (art. 118), ao cuidar da interpretação do fato gerador.

3. INTERPRETAÇÃO E NORMA

A interpretação jurídica está intimamente vinculada à norma in­terpretada, compreendida a palavra norma na acepção geral que en­globa a regra e o princípio.

A interpretação depende, por um lado, do texto , da norma. A hermenêutica filosófica recuperou-lhe a importância, ao insistir em que o intérprete não tem liberdade para dele se afastar, eis que se expõe à “coisa” do texto. Mas como o próprio texto é aberto, recusa- se a postura servil diante de sua letra, o que conduziria ao fechamento através da interpretação gramatical ou histórica. Segue-se, daí, que a clareza do texto enfraquece a atividade do intérprete, embora não a elimine. Também nos casos de enumerações casuísticas, conceitos de­terminados e fatispécies exclusivas a participação do intérprete se re­

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trai. Sucede que a clareza do texto da norma, com os seus conceitos determinados e enumerações taxativas nem sempre é possível no Di­reito Tributário.

Mas a interpretação, embora se vincule ao texto da norma nele não se deixa aprisionar, eis que o texto da norma não se confunde com a própria norma. Fundamental para a interpretação é a norma em sua estrutura, extensão, sentido e conteúdo. Interpretar nada mais é que dar normatividade à Constituição e às leis, ou seja, concretizar, atuali­zar e tomar eficazes as respectivas normas. Há muito tempo os juristas vêm afirmando que a qualidade, os métodos e os resultados da inter­pretação dependem da qualidade da norma.

A interpretação jurídica não está ligada apenas ao texto, mas tam­bém ao problema, pois a interpretação do texto depende da aprecia­ção de problemas jurídicos concretos.

4. INTERPRETAÇÃO E TEORIA

íntimo o relacionamento entre a interpretação e a doutrina, a dogmática e a metodologia do Direito. As teorias jurídicas fundamen­tais do realismo, normativismo, pandetismo, finalismo etc., vão dire­cionar a interpretação — e a sua teoria — por caminhos divergentes. Recebe, ademais, a interpretação jurídica a influência das diversas orientações da teoria econômica e das teorias sociais, assim como de todas as outras ciências do espírito ou da natureza.

A interpretação do Direito Tributário também não refoge à in­fluência ideológica. As posições básicas e contraditórias do positivis­mo e do jusnaturaiismo são decisivas para colorir a atitude do intér­prete. A concepção autonomista do Direito Tributário produzirá re­sultados diferentes daqueles projetados pelos civilistas ou formalistas, pelo que o grave problema da elisão pertence antes à Teoria Geral do Direito que propriamente à temática da interpretação.

A teoria da interpretação do Direito Tributário empobreceu-se pelo radicalismo que a dividiu em duas grandes e antagônicas posições básicas: a) as teorias conceptualistas, que abrangem a gama variadíssi- ma das doutrinas normativistas e do positivismo legal; pretendem a interpretação unívoca dos conceitos jurídicos, defendem a unidade fechada da ordem jurídica, recusam a autonomia do Direito Tributário frente ao Direito Privado e cultivam os métodos lógicos sistemáticos e literais, b] as teorias reducionistas, que, influenciadas pelo positi­

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vismo sociológico, traduzem-se na interpretação econômica e na fun- cionalista; defendem a autonomia do Direito Tributário frente ao Di­reito Privado, pregam a separação entre o Direito e os outros fenôme­nos sociais e cultivam o método teleológico.

A atual teoria da interpretação do Direito Tributário procura su­perar o ranço ideológico e o maniqueísmo do formalismo e do sociolo- gismo, abrindo-se para o pluralismo, a interdisciplinaridade e a juris­prudência dos valores. Sofre a influência das ideias de Larenz, que, originariamente voltadas para a metodologia jurídica, repercutiram sobre os trabalhos dos tribunais fiscais alemães e sobre a doutrina, inclusive a produzida fora da Alemanha. Já se deixa impregnar pelas ideias da hermenêutica.

As normas de interpretação contidas no CTN evidenciam a ori­gem positivista e a trivialidade ideológica, pois pretendem infrutifera­mente cristalizar certas orientações jurídicas.

5. INTERPRETAÇÃO E POLÍTICA

Claro que a interpretação do direito se deixa sensibilizar pela po­lítica, desde que não entendida no sentido de manipulação do poder ou de influência dos interesses meramente partidários sobre a ativida­de do intérprete, mas no de jurisfacção do poder e de justiciabilidade da política. Particularmente estreitas as relações entre a política e a interpretação da Constituição, em seus múltiplos aspectos de ideolo­gias fundamentais [liberalismo, positivismo, socialismo etc.), de prin­cípios políticos, de política constitucional e de teorias. A interpretação do Direito Tributário também sofre a influência desses aspectos polí­ticos, desde as posições básicas em torno do liberalismo ou do socialis­mo até os problemas dos princípios vinculados ao federalismo, à de­mocracia ou à república.

As normas sobre a interpretação jurídica, por seu turno, denotam forte influência das ideologias políticas. A Lei de Adaptação Tributária da Alemanha, de 1934, recomendava, no art. 1-, I, que as leis fiscais fossem interpretadas de acordo com a visão do mundo nacional-socia- lista. As estampadas no CTN vieram a lume no início do regime auto­ritário de 1964 e visavam a conservar e manter na via interpretativa a orientação política então inaugurada.

Só com o pluralismo político desaparece a banalidade ideológica na interpretação e, por conseqüência, a própria necessidade de nor­mas sobre a interpretação e a integração.

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6. ARTE

A interpretação do Direito é uma arte, embora a dimensão artís­tica não elimine os aspectos técnicos e científicos presentes na ativida­de do intérprete.

O Direito também possui características de árte, aparecendo como poiesis, ou ars inveniendi, o que vai exigir que a sua interpreta­ção, para alcançar a plena normatividade, se desenvolva de modo artís­tico e "astucioso”, no sentido hegeliano do termo.

Os segredos da arte da interpretação do Direito não se transmi­tem nem se comunicam. Como dizia Savigny (op. cit., v. 1, p. 206) "a arte da interpretação, como todas as outras artes, não se ensina com regras”.

7. VALORES

A interpretação jurídica está inteiramente vinculada aos valores e aos princípios gerais do Direito e, ao mesmo tempo; é um dos cami­nhos para a concretização desses valores.

A legitimidade da interpretação depende do equilíbrio entre os valores jurídicos, equilíbrio esse que fundamenta a própria legitimida­de do Direito, mercê do paralelismo existente entre hermenêutica e ontologia jurídica.

Mas nem sempre a harmonia entre os valores tem sido observada. O primado da segurança jurídica — e do discurso do; legislador — foi defendido pelo positivismo cientificista, pela Escola da Exegese, pelo pandetismo e, no direito tributário, pelos tribunais alemães no perío­do de 1955 a 1965 e pelos brasileiros a partir de 1975, aproximada­mente, data da aposentadoria de Aliomar Baleeiro nó STF. A preemi- nência da justiça e da utilidade é tese dos positivismòs reducionistas, do sociologismo e do vitalismo, que as procuram mágica e casuistica- mente, como emanação do fato ou da coisa em si.

8. PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO

Os Princípios Gerais do Direito se situam na região intermediária entre os valores jurídicos abstratos e as regras do ordenamento positi­vo, pouco importando que sejam escritos ou implícitos, positivos ou

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suprapositivos, podendo ser apreendidos pela doutrina, pelo legisla­dor e pela jurisprudência, por indução ou dedução a partir da natureza das coisas ou da ideia do direito (vide p. 90). Informam a interpreta­ção, a integração e a correção do Direito Financeiro.

9. INTERPRETAÇÃO E COMPLEMENTAÇÃO

A atividade hermenêutica ou interpretativa abrange a interpreta­ção jurídica, propriamente dita, e a sua complementação (Rechtsfort- bildung para os alemães), que se faz através da integração (= preen­chimento de lacunas) e da correção (= superação das antinomias). É, todavia, extremamente difícil estabelecer o exato limite entre cada qual daquelas atividades, como se verá oportunamente (p. 164).

10. CONCRETIZAÇÃO

O Direito se concretiza pela sua aplicação, que postula a interpre­tação e a complementação, tendo em vista que a concretização é a própria realização ou normatividade do direito, obtida pela dialética entre a norma e o fato, a legislação e a jurisprudência, o ser e o dever- ser, a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência dos interesses, o direito e a realidade, os valores e o processo, a forma e o conteúdo, o geral e o concreto.

A atividade é de criação, que se não confunde com o direito livre. Há criação porque o Direito se completa através da atividade que si­multaneamente é arte e ciência, conhecimento e valoração.

Enfim, concretiza-se o Direito pela procura ou descoberta secun- dum, praeter ou contra legem.

11. NORMAS DE INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DODIREITO FINANCEIRO

O CTN dedica um capítulo, inteiro às normas de interpretação e integração da legislação tributária. Outras codificações procedem da mesma forma. O Código alemão de 1919, com as adaptações de 1934, continha diversas regras para a interpretação, que muito influencia­ram o nosso CTN; o Código de 1977, entretanto, revogou quase total­

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mente aquelas normas, conservando apenas a que proíbe o abuso da forma jurídica (art. 42). A Ley General Tributaria da Espanha (2003) possui também diversos dispositivos (arts. 12 a 16). O Código Tribu­tário da Áustria (art. 21, 1) e as legislações da Itália e da Argentina contêm algumas regras.

Já vimos que as normas de interpretação e integração possuem pro­funda conotação ideológica. Procuram cristalizar certas orientações dou­trinárias radicais ou determinadas posições políticas, quase sempre au­toritárias. Subvertem o processo democrático, pois pretendem privile­giar um dos poderes do Estado — não raro o Executivo — minimizando a importância dos demais. Introduzem a desarmonia no sistema de valo­res, dando preeminência ora à justiça, com a sinalização para a procura casuística do justo, ora à segurança, com a exacerbação do formalismo e do legalismo. Por tudo isso tais normas se tomam ilegítimas e não conse­guem produzir os efeitos pretendidos pelos seus autores.

Demais disso, as normas de interpretação e integração do Direito Tributário necessitam elas próprias de interpretação, como veremos adiante. São ambíguas, contraditórias e insuficientes, trazendo mais perplexidade ao intérprete do que orientação para resolver os casos concretos. Mesmo a escolha de métodos de interpretação ou de racio­cínios de integração se mostra arbitrária, eis que na doutrina predomi­na a divergência sobre o seu conteúdo e alcance.

11. INTERPRETAÇÃO

12. CONCEITO

A interpretação busca a compreensão e o alcance do sentido do texto normativo. Na formulação brilhante de Larenz (op. cit., p. 330) a fronteira da interpretação está na capacidade expressiva da lingua­gem ou no sentido possível da letra da lei (“mõgliche Wortsinn”).

O objetivo básico da interpretação é garantir a unidade do Direi­to, mercê da harmonia entre os seus princípios, categorias e palavras.

13. PROCESSO

A interpretação do Direito Financeiro se faz através do processo formal, que se desenvolve perante os órgãos do Estado, ou do processo informal.

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A problemática da interpretação jurídica está intimamente ligada à da separação de poderes do Estado, das fontes do Direito ou dos processos — legislativo, administrativo e judicial. O ideal seria a har­monia entre os diversos processos. O Direito Tributário, que se estru­tura sobretudo a partir do discurso do legislador, necessita da comple- mentação harmoniosa do trabalho da interpretação administrativa ou judicial.

São formais as interpretações autêntica, judicial e administrativa. Autêntica é a levada a efeito pelo próprio legislador, e que, como vimos (p. 137), tem eficácia retroativa. A interpretação judicial, produzida pe­los órgãos do Poder Judiciário, é a mais importante, por ser a única dotada de eficácia definitiva, mercê dos atributos da coisa julgada. A interpretação administrativa, consubstanciada nos atos normativos da Administração ou nas decisões dos órgãos que participam do processo tributário administrativo, é também relevante e auxilia a atividade jurisdicional, principalmente nas questões técnicas.

A interpretação informal resulta do trabalho da doutrina, das agências não-govemamentais ou dos planejadores fiscais. A interpre­tação doutrinária, fixada nas obras dos juristas, embora muito comba­tida pelo formalismo legalista, assume grande importância atualmen­te, pois representa a visão neutra e científica das questões controver­tidas; às vezes se confunde com a própria Ciência do Direito Financei­ro, que em grande parte tem caráter interpretativo. De especial rele­vância para o Direito Tributário é a interpretação dos advogados, con­tadores e planejadores fiscais, a quem incumbe orientar as empresas no cumprimento das obrigações tributárias e aconselhá-las na econo­mia de impostos.

14. PRINCÍPIOS GERAIS

Na interpretação do Direito Financeiro deve-se recorrer também aos princípios gerais do Direito, escritos ou não, e aos princípios cons­titucionais explícitos ou implícitos, que, a par de sua importância na criação do Direito, desempenham papel relevante também na aplica­ção. Exercem considerável influência sobre a interpretação do Direito Tributário os princípios da boa-fé, da igualdade, da legalidade, do Es­tado Democrático de Direito, da democracia, da liberdade de iniciati­va e da propriedade privada, da capacidade contributiva.

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Merecem especial atenção os princípios da interpretação, que se aproximam dos princípios gerais do Direito porque estes em parte exercem função interpretativa; mas deles se afastam porque têm um âmbito menor e específico de atuação, que se não extrapola para a fase de formação do direito. Entre eles podem ser citados: a) o princípio da unidade, a significar que o intérprete deve buscar sempre a harmonia, a integração e a sintonia entre as normas e os princípios jurídicos; b) o princípio da interpretação conforme a Constituição, que nada mais é que a presunção de constitucionalidade da lei ordinária, a que deve recorrer o intérprete em caso de dúvida. O brocardo in claris cessat interpretatio não pode ser elevado à categoria de princípio de interpre­tação, embora tenha recuperado em parte o seu prestígio, coincidindo com o mandamento de clareza das normas jurídicas, a ser observado especialmente no Direito Tributário, em virtude da necessidade de plena determinação dos fatos imponíveis. Mas os princípios in dubio contra fiscum e in dubio pro fisco, que tiveram outrora algum prestí­gio, já não podem influenciar a interpretação do Direito Financeiro.

15. MÉTODOS

A melhor e mais duradoura classificação dos métodos de inter­pretação forneceu-a Savigny [op. cit., p. 208), que os reduzia a 4: gra­matical, lógico, histórico e sistemático. Posteriormente o positivismo e a jurisprudência dos interesses acrescentaram o teleológico, que se traduziu, no campo do Direito Tributário, na consideração econômica do fato gerador. Modernamente a doutrina passa a rejeitar a autono­mia do método teleológico, pois a finalidade e a ratio legis participam dos outros 4 métodos, tendo em vista que “gramática, sistema e histó­ria são apenas meios para alcançar a finalidade da lei" (K. TIPKE, op. cit.,p. 135).

A interpretação do Direito Tributário se subordina ao pluralismo metodológico. Inexiste a prevalência de um único método. O que se observa é a pluralidade e a equivalência, sendo os métodos aplicados de acordo com o caso e com os valores ínsitos na norma; ora se recorre ao método sistemático, ora ao teleológico, ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas se complementam e intercomunicam. No direito tributário os métodos variam de acordo até com o tributo a que se aplicam: os impostos sobre a propriedade postulam a interpretação sistemática, porque apoiados em conceitos de Direito Privado; os im­

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postos sobre a renda e o consumo abrem-se à interpretação econômi­ca, porque baseados em conceitos tecnológicos. Os métodos de inter­pretação, por conseguinte, devem ser estudados dentro da visão plura­lista. Entre eles não existe hierarquia.

De notar que o problema dos métodos de interpretação se rela­ciona intimamente com o das fontes do Direito e com o do equilíbrio entre o Direito Tributário e Direito Privado, bem como com o da liei- tude da escolha das formas jurídicas ou da ilicitude da elisão.

Nem o CTN, que estabelece diversas normas de interpretação (arts. 109, H O e 111), consegue hierarquizar os diversos métodos.

15.1. Literal

A interpretação literal gozou de muito prestígio ao tempo da pan- detística e do positivismo formalista, confundindo-se com a interpre­tação restritiva.

Hoje o conceito de interpretação literal abre-se a três abordagens diferentes, conforme se cuide de início, limite ou resultado da inter­pretação.

O método literal, gramatical ou lógico-gramatical é apenas o iní­cio do processo interpretativo, que deve partir do texto. Tem por ob­jetivo compatibilizar a letra com o espírito da lei. Depende, por isso mesmo, das próprias concepções da lingüística acerca da adequação entre pensamento e linguagem.

A interpretação literal, em outro sentido, significa um limite para a atividade do intérprete. Tendo por início o texto da norma, encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüística. E a fór­mula brilhante de K. Larenz, antes referida, para quem a interpreta­ção literal é a compreensão do sentido possível das palavras (mõgliche Wortsinn), servindo este sentido de limite da própria interpretação, eis que além dele é que se iniciam a integração e a complementação do direito.

A interpretação literal no Direito Tributário, do ponto de vista do resultado, pode também ter o sentido de interpretação restritiva ou de interpretação subjetiva, que são dois aspectos do mesmo problema, como adiante analisaremos.

O art. 111 do CTN, ao estabelecer que se interpreta literalmente a legislação tributária que disponha sobre suspensão ou exclusão do crédito tributário, outorga de isenção ou dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias, deve ser entendido no sentido de

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que admite a interpretação extensiva, que se situa dentro da possibili­dade expressiva da letra da lei, proibida, entretanto, a analogia.

15.2. Histórico

Pelo método histórico o intérprete procura compreender a ori­gem e o desenvolvimento das normas e dos institutos jurídicos. Ba­seia-se, em parte, nos trabalhos parlamentares e doutrinários prepara­tórios da lei. Tem diminuta importância no Direito Financeiro, que é instável e sujeito a permanente renovação de suas normas.

O método histórico envolve também o problema da interpretação objetiva ou subjetiva, que adiante estudaremos (vide p. 155).

15.3. Lógico

O método lógico não chega a ter autonomia. Ora aparece como interpretação lógico-gramatical, apontando para a pura análise sintáti­ca do texto da lei. Ora surge como interpretação lógico-sistemática, em que a visão sistêmica do Direito se torna formalista.

15.4. Sistemático

De acordo com interpretação sistemática os conceitos e institutos jurídicos devem ser compreendidos em consonância com o lugar que ocupam ou com o sistema de que promanam, com vistas à unidade do Direito, o que eqüivale a dizer que os conceitos do sistema do Direito Privado empregados no Direito Tributário conservam o sentido origi­nário. Essa interpretação às vezes se chama lógico-sistemática, pela importância que nela adquirem os elementos lógicos e até lingüísticos. A interpretação lógico-sistemática do Direito Tributário conduz às te­ses de que a lei tributária não pode modificar os conceitos de Direito Privado e de que é impossível juridicizar .os conceitos econômicos, donde resulta a licitude da elisão e a prevalência da segurança jurídica e da legalidade.

Mas a doutrina hodierna vem demonstrando que o método siste­mático não é apenas lógico. Possui dimensão valorativa, pois visa a compreender a norma dentro do sistema jurídico, que é aberto, dire­cionado para os valores — especialmente a justiça e a segurança — e dotado de historicidade. O método sistemático, enfim, incorpora o critério teleológico, donde se conclui que do sistema jurídico emana a dimensão econômica e finalista.

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O art. 109 do CTN, profundamente ambíguo, díz que “os princí­pios gerais do Direito Privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários". Se esse dispo­sitivo for lido em conjunto com o art. 110 e se a expressão “respecti­vos efeitos tributários” tiver o significado de efeitos jurídico-formais (ex. solidariedade, compensação, mora etc.), poder-se-á concluir que sinaliza para a interpretação sistemática; em caso contrário, como ve­remos a seguir, apontará para a interpretação teleológica. O STF, ulti­mamente, por influência do Min. Marco Aurélio, vem aderindo à tese do primado dos conceitos do direito do trabalho e do direito civil na interpretação da Constituição (vide p. 168).

15.5. Teleológico

O método teleológico leva em conta a finalidade e o objetivo da norma. Traduz-se, no campo tributário e em outros ramos do Direito, na interpretação econômica (ou consideração econômica — urirtschaf- tliche Betrachtungsweise para os alemães) ou na interpretação funcio­nal dos italianos. Defendida pelo positivismo causalista, a interpreta­ção econômica levou à insegurança jurídica e à defesa da liberdade de criação do juiz tributário, ao escravizar o direito tributário à economia e à ciência das finanças e ao exacerbar a preocupação com a justiça fiscal e a capacidade contributiva, apreendidas por métodos mecani- cistas.

Hoje a doutrina pluralista vem deixando claro que a interpretação teleológica não vive da só consideração da finalidade. O finalismo pressupõe o sistema, assim interno que externo, pois os valores jurídi­cos, os princípios constitucionais tributários e a Ciência do Direito também se organizam em sistema. A finalidade econômica afirma-se a partir do sistema de normas e valores, de conceitos e tipos jurídicos, de proposições e enunciados científico-tributários. O critério teleoló­gico e a consideração econômica, portanto, se orientam pelo próprio sistema tributário. Ressalte-se que essa depuração metodológica em tema de interpretação do Direito Tributário resultou em grande parte da influência da obra de Larenz, que se projetou também sobre o tra­balho dos tribunais alemães nos últimos anos, permitindo o retorno às considerações econômicas e finalísticas, sem os exageros da jurispru­dência dos interesses. (c£ BEISSE, op. cit., p. 19).

Se o confuso e ambíguo art. 109 do CTN fosse lido isoladamente e se a expressão “efeitos tributários” tivesse o significado de efeitos

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econômicos suscetíveis de tributação, apontaria para a proibição do abuso da forma jurídica e até para a analogia, invalidando a parte ini­cial da proposição legal.

16. RESULTADOS

Quanto aos resultados, ou, como preferem outros, quanto aos câ­nones ou aos objetivos do conhecimento, a interpretação pode ser res­tritiva ou extensiva e subjetiva ou objetiva. Esses problemas guardam íntimo contacto com os métodos da interpretação literal e histórica.

16.1. Interpretação Restritiva

Interpretação restritiva é a que restringe o sentido que se contém no texto da lei, porque o legislador disse mais do que queria (plus dixit quam voluit). A defesa da interpretação restritiva no Direito Tributá­rio, favorável ao contribuinte, que hoje caiu de moda, fundava-se no argumento da excepcionalidade desse ramo do Direito e no brocardo in dubio contra fiscum, típicos do liberalismo individualista.

16.2. Interpretação Extensiva

Interpretação extensiva é aquela que estende a compreensão do texto da lei até o limite máximo de sua possibilidade expressiva. Ado- ta-a o intérprete quando chega à convicção de que a lei disse menos do que queria (minus dixit quam voluit). Emprega-se no Direito Tributá­rio até mesmo no reconhecimento das isenções (art. 111 do CTN), pois se aproxima do próprio conceito de interpretação literal.

A diferença básica entre interpretação extensiva e analogia con­siste nisso: a interpretação extensiva opera nos limites da possibilida­de expressiva da palavra da lei; a analogia atua além daquele limite, nos casos de lacunas que reclamam o preenchimento. Este é um dos problemas mais árduos da teoria da interpretação, pois inexiste clare­za na zona fronteiriça, e será examinado com mais vagar no capítulo da analogia (vide p. 159).

16.3. Interpretação Subjetiva

Interpretação subjetiva é a que procura alcançar a vontade do le­gislador histórico, coincidindo com a interpretação restritiva — a que

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visa a restringir o sentido da lei também em homenagem à vontade do legislador. Absorve, sob certo aspecto, os métodos histórico e grama­tical, pois pretende apreender o sentido original das instituições e das palavras da lei. A teoria subjetiva dominou no séc. XIX, especialmente na pandetística alemã, e continuou com os seus adeptos até os últimos anos, embora já em posição minoritária.

16.4. Interpretação Objetiva

Interpretação objetiva é aquela em que o intérprete procura apreender a vontade da lei, o sentido das normas em seu desenvolvi­mento histórico, a finalidade que o texto pode atingir agora, a visão diacrônica da linguagem da lei. A mais conspícua formulação da teoria objetiva deve-se a Radbruch: “a interpretação jurídica não é um repen­sar de algo já pensado, mas um pensar o pensado até o seu extremo”; “o intérprete pode entender a lei melhor do que a entenderam os seus criadores e a lei pode ser mais inteligente que o seu autor” . (Rechtsphí- losophie. Stuttgart: K. F. Koehler, 1963, p. 211). No Direito Tributário a interpretação objetiva coincide com a econômica e a histórico-evolu- tiva e encontrou a sua tradução legal no art. I-, II, da Lei de Adaptação Tributária da Alemanha, que recomendava a consideração do desen­volvimento das circunstâncias [die Entwicklung der Verhàltnísse],

Nos últimos anos a teoria da interpretação vem defendendo a síntese entre as visões subjetivista e objetivista, até mesmo em virtude da imprecisão de seu contorno.

III. INTEGRAÇÃO

17. CONCEITO

A integração consiste no preenchimento das lacunas do texto nor­mativo. Inicia-se onde já não há palavra a ser interpretada, isto é, ope­ra além do sentido possível da letra da lei.

A integração tem por objetivo alcançar a plenitude do ordenamen­to jurídico, permitindo que o Direito se aplique sem vazios.

A grande diferença entre interpretação e integração, portanto, está em que, na primeira, o intérprete visa a estabelecer as premissas para o processo de aplicação através do recurso à argumentação retó­

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rica, aos dados históricos e às valorações éticas e políticas, tudo den­tro do sentido possível do texto; já na integração o aplicador se vale dos argumentos de ordem lógica, como a analogia e o argumento a contrario, operando fora da possibilidade expressiva do texto da norma.

Sucede que a interpretação e a integração apresentam uma zona fronteiriça de pouquíssima nitidez, de forma que a separação é fluídi- ca e imprecisa. A distinção entre analogia e interpretação extensiva ou entre analogia e interpretação analógica, por exemplo, é fugidia. A própria afirmativa da existência de lacuna ou do espaço ajurídico e da possibilidade do emprego da analogia ou do argumento a contrario constitui um problema de interpretação.

18. LACUNA

A primeira grande dificuldade do tema da integração está em de­finir a lacuna jurídica, em saber quando realmente aparece um claro na regra de direito. Defendia-se, no séc. XIX, a plenitude da norma jurídica, que não teria claros nem vazios. Ela era plena e se não regu­lasse certos fenômenos e situações nem por isso seria lacunosa, já que os fatos emergentes estariam no espaço ajurídico. Tal ideia foi defen­dida principalmente pela jurisprudência dos conceitos. Só a partir do início do século X X começa-se a perquirir sobre a existência de lacu­na. Firma-se a ideia de que a norma jurídica pode ter lacunas suscetí­veis de preenchimento pelo intérprete e pelo juiz. E realmente uma grande modificação no pensamento jurídico, em que se parte de um total fechamento da normatividade jurídica dentro do pandetismo para a sua abertura na jurisprudência dos interesses.

A tese da existência da lacuna teve dificuldade de aclimatação no Brasil. Rubens Gomes de Souza (op. cit., p. 368), por exemplo, escre­veu muito sobre o problema e entendia que não poderia haver lacuna em Direito Tributário, pela sua rigída subordinação ao princípio da legalidade. Se o legislador não disse alguma coisa é defeso ao aplicador elaborar a norma, devendo simplesmente fazer a aplicação a contrario sensu. Se a norma não disse é porque não quis. O seu silêncio foi intencional. Outros autores chegam a conclusão semelhante, quando defendem a tipicidade absoluta, fechada, que não permite a comple- mentação pelo trabalho do intérprete. Portanto, é um tema realmente muito difícil; dele decorre o problema da analogia e dos demais argu­mentos para o seu preenchimento.

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Lacuna é uma ausência de normatividade. Mas qualquer falta de normatividade é lacuna? Não; pode haver ausência à espera de uma regulamentação futura. A lacuna de lege ferenda não é a rigor uma lacuna, não pode ser preenchida pelo intérprete. Diz K. Engisch {op. cit., p. 223) que a lacuna é uma incompletude da norma jurídica, mas uma incompletude insatisfatória. E preciso que se sinta aquela carên­cia frente aos valores e aos princípios gerais. Em caso contrário há um espaço ajurídico que o legislador não quis preencher.

19. MÉTODOS DE INTEGRAÇÃO

O problema do preenchimento de lacunas e do processo de inte­gração no Direito Tributário brasileiro foi mal resolvido pelas normas do Código Tributário Nacional. O art. 108 prevê quatro métodos de integração, estabelecendo que nos casos de lacuna o intérprete recorra sucessivamente à analogia, aos princípios do Direito Tributário, aos princípios gerais do Direito Público e à equidade.

A primeira inconsistência do art. 108 é ter criado uma hierarquia de raciocínios para o preenchimento de lacunas. Inicialmente o aplica- dor utiliza a analogia; depois, se a analogia não resolver, recorre aos princípios gerais do Direito Tributário, aos princípios gerais do Direito Público e finalmente à equidade. Nada garante, entretanto, que a ana­logia venha antes dos princípios gerais do Direito ou que o intérprete possa primeiro aplicar a analogia e só depois chegar aos princípios ge­rais. Essa hierarquia decorreu da preocupação positivista de se dita­rem regras para o aplicador e para o juiz. O grande modelo foi a Lei de Introdução ao Código Civil italiano, que dizia que a integração poderia ser feita recorrendo-se aos princípios gerais do ordenamento jurídico positivo da Itália, pois lá prevalecia a corrente que não via valores fora do ordenamento positivo.

Aliás todo o tema da integração é problemático. A analogia legis, na qual o intérprete procura o símile com outra norma, se comple­menta com a analogia juris, em que se busca a similitude na totalidade do ordenamento e que, por isso mesmo, acaba por se confundir com os princípios gerais do direito e com a própria equidade. Por outro lado, inexiste distinção clara entre o processo de integração e a própria interpretação. Onde termina a interpretação jurídica com seus méto­dos — literal, histórico, sistemático, teleológico — e onde começa a integração, com seus raciocínios — analogia, princípios gerais do Di­

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reito, argumento a contrario sensu? Bobbío (op. cit, p. 606) chama a atenção, no que é secundado por diversos outros autores, para a possi­bilidade de o próprio juiz escamotear o processo que utiliza, apelidan­do de interpretação o que na realidade é integração.

19.1. Analogia

A analogia pode ser empregada em Direito Tributário, mas nele não tem importância maior, por viver esse ramo do Direito sob o im­pério do princípio da legalidade. Pela analogia não se pode criar tribu­to nem fixar nenhum dos seus aspectos. A influência da analogia se restringe às normas secundárias, processuais e administrativas. Nesse sentido é que aparece no art. 108. Aplica-se a analogia quando o caso emergente não encontra uma norma de Direito em que possa se sub- sumir. O intérprete recorre então a uma norma aplicável a caso seme­lhante. E argumento de similitude (ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio) .

A analogia no Direito Tributário deve observar alguns parâmetros importantes: só se utiliza quando insuficiente a expressividade das palavras da lei; é necessário que haja semelhança notável entre o caso emergente e a hipótese escolhida para a comparação; beneficia assim o fisco que o contribuinte.

O argumento analógico tanto pode se expressar pela analogia le­gis, em que a comparação se faz com outra norma do ordenamento, como pela analogia juris, em que se busca a ratio presente em várias normas, aproximando-se dos princípios gerais do direito.

A analogia às vezes não se estrema com muita clareza da inter­pretação extensiva, inexistindo fronteira clara entre a extensão dos sentidos possíveis da letra da lei e a complementação além daqueles sentidos.

19.2. Princípios Gerais do Direito

Os princípios gerais do Direito, importantíssimos na temática da interpretação (vide p. 150), voltam a mostrar a sua relevância no capí­tulo da integração do Direito Tributário. Para o preenchimento de lacunas o aplicador deve recorrer a princípios como os da capacidade contributiva, legalidade, tipicidade, boa-fé etc.

Observe-se, ainda, que é impossível a distinção clara entre os princípios gerais do Direito e os outros argumentos para o preenchi­

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mento de lacunas, porque nem a analogia legis nem a equidade são infensas às valorações e à intermediação de princípios como os da igualdade e da capacidade contributiva.

A hierarquia que o CTN pretende estabelecer entre princípios gerais do Direito Tributário e do Direito Público (art. 108, II e III), como já vimos (p. 158), é inteiramente destituída de fundamento.

19.3. Equidade

A integração pode ser feita ainda através da equidade (CTN — art. 108, IV), que é um conceito complexo, que absorve os princípios gerais do direito e que aparece diversas vezes no CTN. O art. 112, por exemplo, prevê que as normas tributárias de natureza penal devem ser interpretadas sempre de forma favorável ao contribuinte, no caso de dúvida, o que constitui equidade na interpretação. Retorna o conceito no art. 172, em que se autoriza a remissão se o aplicador da lei sentir que o caso emergente merece um tratamento especial, o que constitui equidade na correção do direito legislado. A equidade tem importân­cia decisiva no momento da elaboração da norma de Direito Tributá­rio, que deve ser minuciosa, detalhada, casuística, separando as situa­ções e apreendendo as diferentes capacidades contributivas. Como instrumento de integração, todavia, tem diminuto emprego, pois o Direito Tributário pouco se utiliza de conceitos indeterminados, cláu­sulas gerais, discricionariedade administrativa ou judicial, campos propícios ao argumento fundado na equidade.

20. A PROIBIÇÃO DA ANALOGIA GRAVOSA

No Brasil predominou sempre a ideia da proibição da analogia desfavorável ao contribuinte. O princípio da legalidade (art. 150 ,1, da CF), o princípio da reserva da lei na definição do fato gerador (art. 97 do CTN) e a regra expressa de que o “emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei” (art. 108, 1-, do CTN) são claros na vedação da integração analógica. A doutrina, em sua esmagadora maioria, também se manifestou nesse sentido.

Ultimamente surgiram, principalmente na doutrina estrangeira, algumas vozes favoráveis à analogia gravosa. Os seus argumentos prin­cipais são os de que: a) a tese da proibição da analogia é fruto do positivismo e do liberalismo individualista; b) inexiste critério seguro

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para separar a interpretação extensiva da analogia; c) o princípio da tipicidade não implica no total fechamento da norma; d) o princípio da legalidade deve ser contrabalançado com o da capacidade contribu­tiva e com a ideia de justiça e igualdade. Essas teses, embora tenham arejado a teoria da integração, devem ser vistas com desconfiança, pois os seus próprios adeptos reconhecem que a analogia só deve ser apli­cada quando possa ser reconhecida com certeza, sendo a solução mais correta a procura da clareza e da segurança metodológicas.

21. AS NORMAS ANTIELISIVAS

A LC 104, de 10.01.01, introduziu no art. 116 do CTN a norma geral antielisiva: “Parágrafo único - A autoridade administrativa pode­rá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalida­de de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos na lei ordinária". A nova regra surge, sob a inspiração do princípio da transparência, simultaneamen­te com outros instrumentos de combate aos riscos fiscais, principal­mente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) e as normas an~ tissigilo bancário (LC 105/01) (vide p. 248/250 e 322).

A norma geral antielisiva visa a combater as distorções na inter­pretação do direito tributário pelo abuso de forma sobre o conteúdo jurídico da operação sujeita ao imposto ou pela manipulação da forma societária da empresa sob o manto da liberdade de iniciativa. E um dos problemas mais difíceis do direito tributário, em razão da precarieda­de da linguaguem jurídica para prever na lei geral todas as circunstân­cias que podem ocorrer na vida prática. Mas as normas antielisivas, com a sua natureza contra-analógica, objetivam combater a analogia inconsistente praticada pelo contribuinte e se impõem como forma de dar transparência às relações jurídico-tributárias e garantir a igualdade entre a classe média e os assalariados, que nada têm a elidir, e aqueles que vêm obtendo por planejamento fiscal abusivo o alívio na sua carga fiscal. De modo que a novidade encontra, a nosso ver, pleno respaldo no princípio da transparência, na ideia de justiça e nos direitos funda­mentais. Consona também com o direito financeiro estrangeiro que nos últimos anos adotou a legislação antielisiva, mediante diversas so­luções: proibição de abuso de forma jurídica (art. 42 do Código Tribu­tário da Alemanha, de 1977, alterado em 2008, que define o abuso como a escolha de uma forma jurídica inadequada — eine unangemes-

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gerais sobre o fato gerador que resvalavam para a analogia (art. 51 da Lei 7.450/85 e art. 32 , § 42, da Lei 7.717/88) e que agora foram incorporadas ao art. 43 do CTN pela LC 104/01: “§ 1- - A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma da percepção”. A legislação sobre os preços de transferên­cia (Lei n- 9430, 27.12.96) introduziu o princípio arm's length, que sinaliza no sentido de que tais preços devem ser os de concorrência ou de mercado, sem superfaturamento nem subfaturamento, isto é, iguais àqueles praticados por empresas independentes, ou, metafori­camente, por pessoas situadas “à distância do braço" (arm’s length). A própria LC 104/01 introduziu outra norma antielisiva referente ao imposto de renda, ao acrescentar o § 2o ao art. 43 do CTN: “na hipó­tese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabele­cerá as condições e o momento em que se dará sua , disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”; a nova regra, que segue modelo adotado em outros países e foi complementada pelo art. 74 da Medida Provisória 2.158-34/01, visa a coarctar o abuso praticado por empresas multinacionais que postergam o pagamento do tributo federal ao deixarem de disponibilizar para a empresa no Brasil os lucros auferidos pela controlada ou coligada no exterior.

IV. CORREÇÃO

22. CONCEITO

A correção (ou interpretação contra legem ) é o modo de supera­ção das antinomias do Direito, embutindo-se, juntamente com a inte­gração, entre as formas de complementação jurídica: atua além da possibilidade expressiva da letra da lei. As antinomias são erros, incor­reções ou contradições entre normas ou princípios do Direito.

O objetivo da correção é dar coerência ao ordenamento jurídico, extirpando-lhe as antinomias.

A diferença maior entre a correção e a integração está em que aquela opera negativamente, excluindo a antinomia, enquanto a inte­gração age positivamente, colmatando as lacunas. Mas há certa impre­cisão entre os respectivos limites, podendo as contradições inconciliá­veis se transformar em lacunas.

São igualmente fluídicas as fronteiras entre a correção e a inter­pretação, pois a primeira não é apenas processo lógico, mas também

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valorativo. Demais disso, a antinomia, que decorre sempre da incom­patibilidade entre textos interpretados, pode desaparecer quando se adota uma outra interpretação. O princípio da interpretação confor­me a Constituição evita o diagnóstico das antinomias.

23. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

Diversos são os métodos para a superação das antinomias.A contradição, por exemplo, existente entre normas de igual hie­

rarquia é sanada com a revogação da norma anterior pela posterior, na forma prevista no Código Civil {lex posterior derogat legi priori). Se a antinomia se der entre normas de diferentes graus de hierarquia, a norma superior revogará a inferior {lex superior derogat legi inferiori).

Outra forma de correção do Direito é a dos erros de expressão da lei, que se faz mediante a republicação no Diário Oficial, desde que se trate realmente de erro de publicação, e não dos próprios autógrafos.

A equidade também corrige o direito legislado. O Código Tributário alemão continha uma autorização permanentemente aberta ao Ministro da Fazenda para conceder a remissão por equidade nos casos em que o pagamento do imposto, fosse desaconselhável, injusto ou iníquo diante da posição da pessoa. O Código Tributário Nacional transplantou para cá esse dispositivo (art. 172, IV) e abriu também a possibilidade de o Mi­nistro da Fazenda conceder a remissão, faculdade que se estende aos Secretários de Estado de Fazenda e até aos Prefeitos. Ocorre quando há uma injustiça muito grande na aplicação da lei ao caso emergente. A norma tributária abstrata não seria injusta, mas a sua incidência concreta tomar-se-ia iníqua, em virtude da situação especialíssima do sujeito pas­sivo. Essa hipótese de equidade para a correção do direito foi indicada por Aristóteles, na Retórica. Observe-se que o juiz não pode aplicar a remissão por equidade, reservada que foi a competência ao Ministro da Fazenda ou ao Secretário de Estado de Fazenda quando, pela interpreta­ção, chegar à conclusão de que, realmente, aquele é um caso que merece uma proteção especial.

24. DIREITO DE RESISTÊNCIA, ANTINOMIAS DEPRINCÍPIOS E PONDERAÇÃO DE INTERESSES

Np campo da complementação do Direito Tributário aparecem também os grandes problemas relacionados com a correção das anti­

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nomias entre os princípios. É um capítulo doloroso que tem surgido sucessivas vezes na história do nosso País e na de outras nações. Hoje se procura interpretar a história universal também sob o prisma da resistência à opressão fiscal. Embora não se dê prioridade a esse fator, deve ele ser levado em conta na compreensão da história moderna. Há épocas em que os princípios tributários estão em agudo contraste e por não se equilibrarem harmoniosamente dentro da Constituição fa­zem com que desapareça a própria ordem constitucional. A Constitui­ção de Weimar foi um exemplo: muito bonita, muito justa, mas con­traditória; alguns de seus artigos foram redigidos pela direita, outros pela esquerda; quando aquela Constituição começou a ser aplicada trouxe os maiores problemas, porque realmente não tinha possibilida­de de atuar, em vista da contradição de seus princípios. A nossa CF 46 também era contraditória e por isso mesmo durou pouco. Temos ain­da, no Brasil, evidentemente, sérias antinomias de valores e princípios, como as que ocorrem entre segurança e justiça, entre capacidade con­tributiva e desenvolvimento econômico. Problema que se coloca há muitos anos: devemos primeiro deixar o País crescer, para depois divi­dir o bolo da riqueza, ou, pelo contrário, vamos desde logo fazer a justiça, aplicando os princípios da capacidade contributiva e da redis- tribuição de renda, para depois pensar no desenvolvimento econômi­co? A Constituição de 1988 procurou oferecer saída para algumas contradições. O art, 150, item II, proibiu claramente os privilégios fiscais, o que não chega a ser novidade porque os privilégios odiosos sempre foram proibidos; mas como não havia uma expressão constitu­cional dessa vedação de desigualdade, o princípio ficava obscurecido, pois temos uma tradição positivista no País de só reconhecer a existên­cia dos princípios quando eles aparecem formalmente no texto básico. De modo que a proibição de privilégios e a isonomia fiscal previstas no art. 150, II, abrem o caminho para o controle judiciai dos incentivos e das renúncias de receita, que, não raro, afrontam a justiça em nome do desenvolvimento econômico.

Há formas institucionalizadas de resistência à injustiça. A via da ação direta de inconstitucionalidade e os demais processos constitu­cionais para a defesa dos direitos fundamentais passaram a assumir especial relevância depois de 1988. As emendas e as revisões constitu­cionais também podem contribuir para a superação das antinomias, seja pela correção das contradições do texto básico, seja pela correção da jurisprudência constitucional, que, muitas vezes, introduz antino­mias no sistema tributário (exemplo de correção constitucional foi a

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Emenda na 23/83, conhecida como Emenda Passos Porto, que corrigiu a errônea interpretação dada pelo STF a inúmeros dispositivos refe­rentes ao ICM ).

Alguns outros meios de resistência à injustiça fiscal são informais. A sonegação, por exemplo, surge às vezes como reação ao excessivo rigor das incidências tributárias e à própria falta de legitimidade da ordem fiscal. A economia informal, com o conseqüente descumpri- mento das obrigações fiscais, expressa não raro o inconformismo com as antinomias entre os princípios e valores. O lobby, organizado em torno do Legislativo e do Judiciário, embora nem sempre recomendá­vel, é outro sintoma da desarmonia entre os princípios tributários. Mas é muito difícil detectar a injustiça suscetível de resistência por meios informais, que pode se aproximar do argumento cínico e resul­tar da fragilidade da própria noção de cidadania fiscal.

Quando as contradições entre princípios tributários se aguçam e se tornam insuperáveis, presencia-se a sua correção através da revolta fiscal ou das revoluções. São inúmeros os exemplos históricos de mo­dificação da ordem jurídica em razão das injustiças fiscais, como acon­teceu com o advento do Estado Fiscal e com as grandes revoluções do séc. XVIII, especialmente na França e nos Estados Unidos.

Mas as antinomias entre princípios tributários nem sempre exi­gem a correção, eis que às vezes a contradição é aparente, sendo sana­da com a ponderação. Na análise do caso emergente o intérprete dará maior peso ao princípio que melhor resolva o problema do ponto de vista valorativo, sem que daí resulte que o princípio de menor peso esteja revogado ou excluído do sistema; legalidade e capacidade con­tributiva, por exemplo, princípios em permanente tensão, devem ser ponderados diante dos interesses em jogo, a ver qual, em cada circuns­tância, deve exibir o maior peso. Volta-se, dessa forma, ao campo da interpretação, tomando-se desnecessária a correção, reservada às anti­nomias irreconciliáveis.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: BEISSE, Heinrich. "O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente Jurisprudência Alemã”. In: BRANDÃO MACHA­DO (Coord.). Direito Tributário: Estudos em Homenagem ao Prof Ruy Barbosa No­gueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 1-39; BETTI, Emílio. Teoria Genercde delia Inter- pretazione. Miiano: Giuffrè, 1955; BOBBIO, Norberto. "Analogia”. In: Novíssimo Di- gesto Italiano. Torino: UTET, 1957, V I (1), p. 601-607; ENGISCH, Karl. Introdução

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ao Pensamento Jurídico. Lisboa: Fundação C. Gulbenkian, 1968; FALCÃO, Amilcar de Araújo. "Interpretação e Integração da Lei Tributária”. In: —. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 55-76; GADAMER, Hans Georg. Wahr- heit und Methode. Tubingen: J. C. B. Mohr, 1975; GRECO, Marco Aurélio. Planeja­mento tributário. São Paulo: Ed. Dialética, 2008;------- . “Constitucionalidade do Pará­grafo Único do Art. 116 do CTN'’. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). O Plane­jamento Tributário e a Lei Complementar n° 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 181- 204; LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissensckaft. Berlin: Springer-Veriag, 1983; MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947; MORAES, Bernardo Ribeiro e outros. Interpretação no Direito Tributário. São Paulo: EDUC/Saravia, 1975; NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Da Interpre­tação e da Aplicação das Leis Tributárias. São Paulo: José Bushatsky, 1974; PEREL- MAN, Chaim (Ed.). Les Antinomies enDroit. Bruxelles: Emíle Bruylant, 1965; PIRES, Adilson Rodrigues. Contradições no Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1996; SAVIGNY, M. F. C. Traité de Droit Romain. Paris: Firmin Didot Frères, 1840; SOU­ZA, Rubens Gomes de. “Normas de Interpretação no Código Tributário Nacional”, In: MORAES, Bernardo Ribeiro e outros. Interpretação no Direito Tributário, cit., p. 361- 382; TIPKE, Klaus. “Über teleologische Auslegung, Lückenfeststellung und Lücke-nausfullung”. Festschrift für Hugo von Wallis, 1985, p. 133-150;------- . (Coord.).Grenzen der Rechtsfortbildung durch Rechtspreckung und Verwaltungsvorschriften im Steuerrecht. Kõln, O. Schmidt, 1982; TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpreta­ção e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2006;------- . "A Proibi­ção de Analogia no Direito Tributário”. Revista de Informação Legislativa 100: 261-268, 1988;___. Normas Gerais Antielisivas. In:____ . (Org.). Temas de Interpretação doDireito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.261-330; VANONI, Ezio. Nature­za e Interpretação das Leis Tributárias. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, 1952; XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dalléti- ca, 2001.

II. Direito Positivo: CTN — arts. 43, §§ Io e 2o, 107 a l l 2 e l l 6 , parágrafo único; Ley General Tributaria (Espanha) — Lei 58, de 17.12.2003 — arts. 12 a 16; Código Tribu­tário Alemão (1977) — art. 42, com a redação de 2008; Lei de Introdução ao Código Civil — arts. 42 e 52.

III. Jurisprudência: RE 75.952, Ac. da 2â Turma do S.T.F., de 29.10.73, Rei. Min. Thompson Flores, RTJ 68/198: "A lista a que se refere o art. 24, II, da Constituição, e 8Ô do DL 834/69 é taxativa, embora cada item da relação comporte interpretação am­pla e analógica”; RE 166.772-RS, Ac. do Pleno do STF, de 12.5.94, Rei. Min. Marco Aurélio, RTJ 156: 667: "Contribuição Social. Tomador de serviços. Pagamentos a admi­nistradores e autônomos - Regência. A relação jurídica mantida com administradores e autônomos não resulta de contrato de trabalho e, portanto, de ajuste formalizado à luz da Consolidação das Leis do Trabalho. Daí a imprecibilidade de se dizer que o tomador de serviços qualifica-se como empregador e que a satisfação do que devido ocorra via folha de salários. Afastado o enquadramento no inciso I do art. 195 da Constituição Federal, exsurge a desvalia constitucional da norma ordinária disciplinadora da maté­ria"; RE 116-121-3-SP, Ac. do Pleno, de 11.10.00, Rei. Min. Marco Aurélio, DJU 25.5.01: "Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável — artigo 110 do Códi­go Tributário Nacional’1.

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O ORÇAMENTO

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CAPÍTULO VIII

Aspectos Gerais do Orçamento

L INTRODUÇÃO

1. CONSTITUIÇÃO ORÇAMENTÁRIA

A disciplina básica do orçamento público estabelece-a a Consti­tuição, que estampa os princípios e as regras que tratam da receita e da despesa, desde a autorização para a cobrança de impostos até a previsão para os gastos.

Pode-se, por isso/ falar de uma Constituição Orçamentária, que é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado das Constitui­ções Tributária e Monetária. Do ponto de vista formal a Constituição Orçamentária brasileira não se esgota na seção II do cap. II do títuloVI, denominada "Dos Orçamentos” (arts. 165 a 169), pois abrange também as normas sobre o controle da execução orçamentária (arts. 70 a 75), o orçamento do Poder Judiciário (art. 99) e a fiscalização orçamentária dos Municípios (art. 31).

A Constituição Orçamentária “constitui” o Estado Orçamentário, que é a particular dimensão do Estado de Direito apoiada nas receitas, especialmente a tributária, como instrumento de realização das des­pesas. O Estado Orçamentário surge com o próprio Estado Moderno. Já na época da derrocada do feudalismo e na fase do Estado Patrimo­nial e Absolutista aparece a necessidade da periódica autorização para lançar tributos e efetuar gastos, primeiro na Inglaterra (Magna Carta de 1215) e logo na França, Espanha e Portugal. Com o advento do liberalismo e das grandes revoluções é que se constitui plenamente o

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Estado Orçamentário, pelo aumento das receitas e despesas públicas e pela constitucionalização do orçamento na França, nos Estados Uni­dos e no Brasil (art. 172 da Constituição de 1824).

2. ORÇAMENTO E PLANEJAMENTO

2.1. O Planejamento

O Estado Orçamentário, que procura através do orçamento fixar a receita tributária e a patrimonial, redistribuir rendas, entregar pres­tações de educação, saúde, seguridade e transportes, promover o de­senvolvimento econômico e equilibrar a economia, baseia-se no plane­jamento. A receita pública, os investimentos e as despesas se fazem segundo planos anuais ou plurianuais.

A CF 88 prevê, no art. 165, três planejamentos orçamentários: o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anuaL Os três se integram harmoniosamente, devendo a lei orçamentária anual respeitar as diretrizes orçamentárias, consonando ambas com o orça­mento plurianual (arts. 165, § 7fí, 166, § 4S, 167, § Ia). E têm os três que se compatibilizar com o planejamento global — econômico e so­cial (art. 165, § 4*).

A tripartição do planejamento orçamentário, adotada pela Cons­tituição brasileira, denota a influência recebida da Constituição da Alemanha, que prevê o plano plurianual (eine mehrjahrige Finanzpla- nung— art. 109, 3), o plano orçamentário (Haushaltsplan — art. 110) e a lei orçamentária (Havshaltsgesetz — art. 110); só que lã se discute se o plano orçamentário é realmente distinto da lei orçamentária.

2.2. O Plano Plurianual

O plano plurianual tem por objetivo estabelecer os programas e as metas governamentais de longo prazo. E planejamento conjuntural para a promoção do desenvolvimento econômico, do equilíbrio entre as diversas regiões do País e da estabilidade econômica.

Deve conter principalmente a previsão das despesas de capital. Mas a CF de 88 ressalva que, além das despesas de capital, nele se incluem outras delas decorrentes, bem como as relativas aos progra­

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mas de duração continuada, com o que modificou a legislação anterior (Ato Complementar n- 43, de 1969), que o restringia às despesas de capital.

A Lei Complementar referida no art. 165, § 9- disporá sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do piano plurianual. Até que sobrevenha a legislação complementar, aplicar-se-á a regra do art. 35, § 2a, I, do Ato das Disposições Consti­tucionais Transitórias.

O orçamento plurianual deve se compatibilizar com os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição (art. 165, § 4a).

O plano plurianual é lei formal, dependendo do orçamento anual para que possa ter eficácia quanto à realização das despesas. Constitui mera programação ou orientação, que deve ser respeitada pelo Execu­tivo na execução dos orçamentos anuais, mas que não vincula o Legis­lativo na feitura das leis orçamentárias. Nada obstante, o orçamento fiscal e o orçamento de investimento das empresas estatais devem se compatibilizar com o plano plurianual (art. 165, § 7a), e nenhum in­vestimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão (art. 167, § Ia).

Nos países membros da OCDE, principalmente Inglaterra, Sué­cia, Dinamarca e Nova Zelância, assiste-se nos últimos anos à renova­ção do interesse pelo plano plurianual, utilizado agora sobretudo como mecanismo de estabilidade econômica e de controle do déficit públi­co. Na Nova Zelândia a reforma surge com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Fiscal Responsability Act), de 1994, que prevê diversas variá­veis para atingir os objetivos de longo termo e integra o sistema contá­bil com o orçamentário, ao proclamar o princípio do “resultado res­ponsável”, levando em consideração nas previsões de longo prazo as despesas pelo critério da competência e não do pagamento. No Brasil tentou-se imitar a solução neozelandesa no Projeto de Lei Comple­mentar na 18, de 1999, de autoria do Poder Executivo, que encami­nhou a proposta da LRF e que previa, no art. 33, a apresentação de um cenário prospectivo para um período de pelo menos oito exercícios financeiros; o substitutitivo da Câmara dos Deputados, entretanto, modificou o projeto, dando ao PPA a finalidade de estabelecer metas plurianuais compatíveis com as políticas econômica nacional e de de­

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senvolvimento social; o Presidente da República, afinal, vetou o dispo­sitivo (art. 3fi) do projeto aprovado pelo Congresso Nacional.

Diante do impasse entre a orientação desenvolvimentista e o ob­jetivo de longo prazo evidenciado no veto presidencial, optou-se pela solução casuística de programas específicos de ação governamental. Assim aconteceu no Governo Fernando Henrique, que adotou o plano Avança Brasil (Lei n° 9989, de 21.07.2000), com programas voltados para atividades, projetos e operações especiais. O Governo Lula man­teve a mesma orientação, com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançado em janeiro de 2007 (Leis n°s. 11.469 a 11.491 de 2007), com programas de estímulo ao crédito, ao financiamento e aos investimentos.

2.3. As Diretrizes Orçamentárias

A CF 88 introduziu uma novidade, inspirada em parte nas Cons­tituições da República Federal da Alemanha e da França: a lei de dire­trizes orçamentárias, que compreenderá as metas e prioridades da ad­ministração pública federal, incluindo as despesas de capital, para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orça­mentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (art. 165, § 2e).

A lei de diretrizes orçamentárias tem, como o próprio orçamento anual, natureza formal. E simples orientação ou sinalização, de caráter anual, para a feitura do orçamento, devendo ser elaborada no primeiro semestre (art. 35, II, do Ato das Disposições Transitórias). Não cria direitos subjetivos para terceiros nem tem eficácia fora da relação en­tre os Poderes do Estado. Da mesma forma que o plano plurianual, não vincula o Congresso Nacional quanto à elaboração da lei orçamen­tária, nem o obriga, se contiver dispositivos sobre alterações da lei tributária, a alterá-la efetivamente, nem o impede, no caso contrário, de instituir novas incidências fiscais, que isso significaria o retomo da reserva de iniciativa das leis que criam tributos ao Poder Executivo e conflitaria com o princípio da anterioridade definido no art. 150, III, b; (contra: IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, op. cit., p. 199). Não sendo lei material, não revoga nem retira a eficácia das leis tribu­tárias ou das que concedem incentivos. A lei de diretrizes é, em suma, um plano prévio, fundado em considerações econômicas e sociais, para a ulterior elaboração da proposta orçamentária do Executivo, do

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Legislativo (arts. 51, IV e 52, XIII), do Judiciário (art. 99, § 1-) e do Ministério Público (art. 127, § 3-). Trouxe mais distorções e desajus­tes que vantagens. Transplantada de países de sistema parlamentarista não poderia se adaptar com facilidade ao presidencialismo brasileiro.

Surgiu outra distorção com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que transforma a LDO em instrumento de planejamento trienal, segundo o modelo neozelandês. Com efeito, o art. 4ã, l s, da LRF prevê que a LDO conterá um Anexo de Metas Fiscais em que serão estabelecidas as metas anuais a serem implementadas no exercício financeiro a que se refere a lei e nos dois seguintes. Essas providências previstas na LRF se inspiraram na Lei de Política Orçamentária (Budget Policy State- ment), que na Nova Zelândia se publica até 3 meses antes de a propos­ta orçamentária ser enviada ao Parlamento e tem por finalidade fixar as intenções fiscais para os próximos três anos e os seus objetivos de longo prazo. A ideia de um plano trienal vem sendo adotada em inú­meros países membros da OCDE, mas constitui um planejamento de médio prazo completado por outro de longo prazo, muito superior a 5 anos. Transplantado para o Brasil, seria um adendo à anômala LDO e se completaria com o plano plurianual e a sua prospectiva para 8 anos, que foi recusado pelo Congresso Nacional (vide p. 174). Só a martelo essas ideias se encaixaram no figurino constitucional brasi­leiro.

2.4. A Lei Orçamentária

Além do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias, a CF dispõe sobre a lei orçamentária anual, que compreenderá o orçamento fiscal, o de investimentos das empresas estatais e o da seguridade social.

Em decorrência do princípio constitucional da unidade, como já vimos (p. 118), o orçamento é uno, embora possa aparecer em três documentos diferentes, que se harmonizam e se integram finalistica- mente.

O orçamento fiscal contém todas as receitas e despesas da União. Abrange os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como os fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusi­ve fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.

Integra-se também à lei anual o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto. E ponto da maior significação na CF, que contribuirá para o equilíbrio financeiro, ao impedir as transfe­

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rências de recursos e as emissões inflacionárias para suprir a ineficiên­cia das empresas estatais.

Compõe, ainda, a lei anual o orçamento da seguridade social, compreendendo as receitas (art. 195) e despesas destinadas a assegu­rar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, garantidos pela União. Abrange todas as entidades e órgãos vinculados à seguridade social, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Não há mais lugar, conseguintemente, para o orçamento monetá­rio, que vigia antes da CF 88 paralelamente ao orçamento fiscal, sendo um dos responsáveis pelos desacertos da atividade financeira no Bra­sil, eis que nele se incluíam as despesas com subsídios e serviço da dívida da União, financiadas com o confisco cambial e até com a emi- são inflacionária.

3. OS PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS

Dos princípios constitucionais do orçamento já cuidamos no capí­tulo dedicado aos princípios financeiros (p. 87 e seguintes). Aparecem eles nos arts. 165 e 167 da CF e se classificam segundo a vinculação:a) à ideia de justiça: economicidade, redistribuição de rendas e desen­volvimento econômico;b) à equidade: entre regiões, entre os entes federados e entre gerações;c) à ideia de segurança: legalidade, clareza, anterioridade, anualidade, publicidade, unidade, universalidade, exclusividade, não-afetação, es­pecialidade e equilíbrio.

II. NATUREZA

4. A NATUREZA DO ORÇAMENTO

Problema que há mais de um século preocupa a ciência jurídica é o da natureza do orçamento. Cumpre determinar se é uma lei mate­rial, com conteúdo de regra de direito e eficácia inovadora, ou se é mero ato-condição, que só do ponto de vista formal reveste as caracte­rísticas da lei.

Antes, porém, torna-se necessário averiguar se a questão da natu­reza do orçamento tem importância prática. Alguns autores enten­

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dem-na como um problema aparente ou falso. Às vezes, é realmente inócua e confusa, como acontece, por exemplo, no seu relacionamen­to com o princípio da anualidade tributária, que pode ser afirmado ou negado a partir de qualquer das teorias: Duguit (op. cit., p. 438) atri­buía ao orçamento a natureza de ato-condição, exceto quando as leis do país proclamassem a necessidade da renovação anual da autoriza­ção para a cobrança dos impostos, caso em que seria ato materialmen­te legislativo; Sainz de Bujanda (op. cit., p. 453) filia-se à corrente que considera o orçamento lei material, mas averba que daí não exsurge o princípio da anualidade tributária, que se estremou do princípio da legalidade, hoje o único exigível para a cobrança de atributos. Parece- nos que, apesar desses desencontros, o problema da natureza do orça­mento continua relevante, eis que dele dependem outras questões: a da obrigatoriedade de o Executivo realizar as despesas previstas; a da criação de direitos subjetivos para terceiros; a da revogação das leis financeiras materiais,

A teoria de que o orçamento é lei formal foi desenvolvida inicial­mente na Alemanha, por Laband, que entendia tratar-se de simples autorização do Parlamento para a prática de atos de natureza adminis­trativa, pois, “embora do ponto de vista formal seja estabelecido como lei, não é entretanto uma lei, mas um plano de gestão” (op. cit., p. 289). Pode-se afirmar que até hoje, passando pelo regime de Weimar, continua preponderante na doutrina germânica a teoria da natureza formal do orçamento. As ideias iniciais de Laband influenciaram os autores franceses, sendo de notar que entre eles sobressaiu a figura de Gaston Jèze (op. cit., p. 24), que defendia o ponto de vista de que o orçamento jamais é uma lei: quanto à receita pública, é, nos países que adotam a regra da anualidade tributária, um ato-condição, pois “preenche a condição exigida pelo direito positivo pâra o exercício da competência dos agentes administrativos”, e, nos países que abando­naram a regra da anualidade dos impostos, não tem significação jurídi­ca; quanto à despesa pública, ou é um ato-condição — que preenche a condição necessária para o agente administrativo realizar o gasto — ou não tem significação jurídica, como acontece com as despesas relativas a serviços públicos não criados por lei. A teoria de qüe o orçamento é lei formal, que apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, sem criar direitos subjetivos e sem modificar as leis tributárias e finan­ceiras, é, a nosso ver, a que melhor se adapta ao direito constitucional brasileiro; e tem sido defendida, principalmente sob a influência da obra de Jèze, por inúmeros autores de prestígio, ao longo de muitos anos e sob várias escrituras constitucionais.

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A teoria oposta, segundo a qual o orçamento tem natureza mate­rial, criadora de direitos e inovadora quanto às leis financeiras, defen­deu-a inicialmente, entre outros, Myrbach-Rheinfeld (op. cit., p. 33). Adotou-a também parte da doutrina italiana que conceituou o orça­mento como instrumento jurídico para a atuação integral das leis fi­nanceiras, já que nem as leis de impostos e taxas nem as da despesa têm por si mesmas a idoneidade para atingir o seu objetivo. Mas é na Espanha contemporânea, mercê de dispositivo da Constituição de 1978 que autoriza a lei orçamentária a modificar tributos quando uma lei tributária substantiva assim o preveja (art. 134, 7), que se fortale­ceu essa corrente doutrinária: Sainz de Bujanda (op. cit., p. 453) con­sidera o orçamento como "uma lei em sentido pleno, de conteúdo normativo", com “eficácia material constitutiva ou inovadora" e com todas as características de valor e força de lei, como sejam “a impossi­bilidade de que suas normas sejam derrogadas ou modificadas por simples regulamentos e a possibilidade de modificar a até derrogar normas precedentes de hierarquia igual ou inferior”. No Brasil esse modo de pensar não teve seguidores de prestígio.

Numa terceira corrente podem ser incluídos aqueles que enten­dem não ser o orçamento material nem formal, mas lei sui generis. Também Duguit (op. cit., p. 445) tem posição especial, ao defender que o orçamento tem natureza administrativa ou de ato-condição no que respeita à despesa, sendo lei material quando autoriza a cobrança de tributos, que sem ela não poderia ser exigido se prevalecente a regra da anualidade.

5. AS FUNÇÕES DO ORÇAMENTO

O orçamento hodierno tem duas funções precípuas: a política e a econômica.

Do ponto de vista político o orçamento do Estado de Direito sem­pre constituiu forma de controle da Administração, que por seu inter­médio fica adstrita à execução das despesas no período e nos limites estabelecidos pelo Legislativo.

A função econômica do orçamento se acentuou nas últimas déca­das, principalmente por influência dos keynesianos. Buscou-se, atra­vés das finanças funcionais e dos orçamentos cíclicos, muito mais o equilíbrio econômico que o orçamentário, adotando-se a técnica do déficit nos períodos de crise, para possibilitar investimentos na econo­

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m ia, e do superávit nos períodos de crescimento. A partir de 1970/1980, aproximadamente, como conseqüência do excessivo en­dividamento dos Estados, voltou-se a recomendar o equilíbrio orça­mentário, como ponto de partida para o equilíbrio econômico. Após a crise mundial de 2008, entretanto, evidenciou-se o desequilíbrio orça­mentário e financeiro dos grandes Estados ocidentais (Estados Uni­dos, Inglaterra e demais países europeus), pela necessidade de inter­venção na economia e de melhor regulação das atividades bancárias. O Brasil foi pouco afetado, pela eficiente regulação promovida nos Go­vernos Fernando Henrique e Lula sobre o setor financeiro privado. Nos últimos anos, como conseqüência do excessivo endividamento dos Estados, volta-se a recomendar o equilíbrio orçamentário, como ponto de partida para o equilíbrio econômico.

IIL ELABORAÇÃO

6, PROCESSO LEGISLATIVO

Caberá à lei complementar a que se refere o art. 165, § 92 dispor sobre a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plu­rianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual.

Até que sobrevenha a Lei Complementar serão obedecidas as normas do art. 35, § 2a, do Ato das Disposições Constitucionais Tran­sitórias, que estabelecem os prazos para encaminhamento do projeto de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e da lei orça­mentária da União.

Os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentá­rias e do orçamento anual seguirão as normas do processo legislativo estabelecidas no art. 59 e seguintes. Exceto no que conflitarem com as regras especiais traçadas no próprio art. 166, como sejam aquelas so­bre a Comissão Mista, as emendas e as modificações do projeto pelo Presidente.

7. A COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orça­mentárias e ao orçamento anual são de iniciativa do Presidente da República (art. 165 da CF).

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Compete-lhe também enviar mensagem ao Congresso Nacional para propor modificação nos projetos das leis do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, enquanto não iniciada a votação, na Comissão Mista, da parte cuja alteração é proposta.

Pode ainda o Presidente da República vetar as emendas aprovadas pelo Congresso. Sobrando receita em decorrência do veto, poderão elas ser aproveitadas para outras finalidades, mediante a abertura de créditos especiais ou suplementares, com prévia e específica au­torização legislativa.

8. A COMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL

Compete às duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regi­mento comum, apreciar o projeto enviado pelo Presidente da República.

A Comissão Mista, que recebeu especial destaque na CF 88, ca­berá examinar e emitir parecer sobre os projetos de lei do plano plu­rianual, das diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e dos crédi­tos adicionais, bem como sobre os planos e programas nacionais, regio­nais e setoriais previstos na CF.

As emendas serão apresentadas na Comissão Mista, que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas pelo Plenário das duas Casas do Congresso Nacional. Duas condições cumulativas exige a CF para a aprovação das emendas: l 2 — que sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; 22 — que indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluída a que incida sobre dotações para pessoal e seus encargos, serviços da dívida e transferências tributárias constitucio­nais para Estados, Municípios e Distrito Federal. A emenda pode se relacionar, ainda, com a correção de erro ou omissão ou com os dispo­sitivos do texto do projeto de lei (art. 166, § 32, CF).

9. LACUNA ORÇAMENTÁRIA

E se o orçamento não for votado até o início do exercício seguinte?Duas são as soluções adotadas pelo direito constitucional positivo: a

prorrogação do orçamento do ano anterior (CF 1934, art. 50, § 52; CF 46, art. 74) ou a aplicação do orçamento constante do projeto de lei ainda não aprovado (CF 1937, art. 72, letra d; CF 67/69, art. 66).

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Silente a CF 88, veio a Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei n- 7.800, de 10.7.89 — art. 52] optar pela primeira solução, que é a mais democrática, admitindo a prorrogação do orçamento anterior, na ra­zão de 1/12 das dotações, até que o novo seja publicado,

IV — A GESTÃO DO ORÇAMENTO

10. A GESTÃO ORÇAMENTÁRIA RESPONSÁVEL

A Constituição Federal e as leis compíementares não se preocu­pavam com o problema da gestão do orçamento. Traziam apenas re­gras sobre o controle da execução orçamentária, mas não dedicavam espaço às questões ligadas à gestão. Nos últimos anos o assunto ganhou destaque no direito constitucional orçamentário brasileiro.

As referências à gestão do orçamento aparecem no contexto maior da reforma administrativa e da necessidade de ise adotarem mé­todos da empresa privada no trato da coisa pública; As novas regras sobre a gestão do orçamento se inserem na temática da reforma do Estado e da administração pública gerencial.

A gestão orçamentária deve se fazer de acordo com os princípios da descentralização, da eficiênica e da responsabilidade (account- ability) e dos seus subprincípios da prudência e da transparência.

A Lei de Responsabilidade Fiscal constitui importante passo para o aperfeiçoamento da gestão orçamentária. Apresentada pelo Execu­tivo ao Congresso Nacional pelo Projeto de Lei Complementar 18/99, continha inúmeras imperfeições, por constituir mimetismo do Fiscal Responsability Act da Nova Zelândia (1994). Denotava anglicismo exagerado, conflitando com a estrutura presidencialista de governo e com o equilíbrio federativo. Na Câmara dos Deputados o projeto so­freu profunda reformulação, que lhe extirpou os principais defeitos acima apontados. Sancionada em 4.5.00, transformou-se na Lei Com­plementar nü 101, e pode contribuir para a melhor disciplina da gestão orçamentária no Brasil. Diz a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. I2 , § l õ ): “A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o Cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geráção de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mo­

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biliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar".

1 1 .0 CONTROLE DAS DESPESAS COM O PESSOAL

Um dos aspectos mais importantes da gestão orçamentária é o do controle das despesas com o pessoal. Inúmeros textos legislativos sur­giram nos últimos anos para regular a matéria.

O art. 169 da CF, como já vimos, foi inteiramente reformulado pela EC 19/98 e exibe diversas regras para a limitação das despesas com o funcionalismo.

A Lei Complementar 96/99, ao regulamentar o art. 169 da CF, estabeleceu limites para os gastos com o pessoal. A Lei de Responsabi­lidade Fiscal substituiu tais regras e revogou a LC 96/99.

A EC 25/00 trouxe várias inovações para o controle das despesas com vereadores e funcionários das câmaras municipais.

A EC 19/98, que cuidou da reforma administrativa, regulou di­versos aspectos da remuneração dos servidores públicos que influem também sobre os gastos com pessoal.

A LRF trouxe, sob a inspiração do modelo autoritário da Nova Zelândia, inúmeras previsões de controle de gastos com o pessoal, algumas delas de duvidosa constitucionalidade por promoverem a centralização vertical (no Governo Federal) ou horizontal (no Poder Executivo). Assim é que:

a) o art. 19 estabeleceu limites de gastos com pessoal para cada ente da Federação e o art. 20 repartiu tais gastos entre o Judiciário, o Legislativo, o Executivo e o Ministério Público;

b) o § 3- do art. 9- prescreveu que “no caso de os Poderes Legisla­tivo e Judiciário e o Ministério Público não promoverem a limitação no prazo estabelecido no caput, é o Poder Executivo autorizado a limi­tar os valores financeiros segundo os critérios fixados pela Lei de Di­retrizes Orçamentárias” (o dispositivo foi suspenso por liminar conce­dida pelo STF em 22.02.02, na ADIN 2.238).

c) os arts. 21, 22 e 23 estabelecem normas para o controle total do pessoal.

12. GESTÃO ORÇAMENTÁRIA E SEPARAÇÃO DE PODERES

A CF instituiu a autonomia financeira entre os poderes, estabele-

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E 8 J ♦ Ensmo Su^fbr Buresu Astíbo

cendo, no art. 168, que “os recursos correspondentes às dotações or­çamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Minis­tério Público ser-lhes-ão entregues até o dia vinte de cada mês, na forma da lei complementar, a que se refere o art. 165, § 9a”.

A gestão orçamentária pelo Legislativo, Judiciário e Ministério Público não fortaleceu em nada a autonomia dos poderes e ainda trou­xe grandes desvantagens do ponto de vista gerencial. Políticos e juizes não estão habilitados tecnicamente a gerir o orçamento, fazer licita­ções e pagar despesas. A CPI instalada em 1999 demonstrou o desa­certo na realização de inúmeros gastos, principalmente a construção de sedes e palácios suntuosos, como ocorreu no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004; DUGUIT, L. Traité de Droit ConstitutionneL Paris: Boccard, 1924, v. IV; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987; JEZE, Gaston. Cours Élémentaire de Science des Finances et de Législation Financière Française. Paris: Giard & Brière, 1909; LABAND, Paul. Le Droit Public de UBmpire Áílemand. Paris: Giard & Brière, 1900, v. VI; MARTINS, Ives Gan­dra da Silva. In: BASTOS, Celso Ribeiro & —. Comentários à Constituição do Brasil. Sâo Paulo: Saraiva, 1991, v. 6% tomo II; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Con­siderações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Finanças Públicas Democráticas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; MYRBACH-RHEINFELD. Précis de Droit Financier. Paris: Giard & Brière, 1910; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de Derecho Finan­ciero. Madrid: Universidad Complutense, 1982; SILVA, José Afonso. Orçamento-pro- grama no Brasil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973; TORRES, Ricardo Lobo."O Orçamento na Constituição". In :___. Tratado de Direito Financeiro e Tributário.Rio de Janeiro: Renovar, 2008. V 5.

II. Direito Positivo'. CF 88 — art. 165; Lei n- 4.320, de 1964; Constituição da República Federal da Alemanha (1949, revista em 1969) — art. 110; Constituição da Espanha (1978) — arts. 134 e 135; Constituição dos Estados Unidos, art. Ia, seção 9; Constitui­ção de Portugal (1976, revista em 1982 e 1989) — art. 108; Constituição da França (1958) — art. 34; Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 4.5.00) — estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

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CAPÍTULO IX

A Receita e a Despesa

I. A RECEITA PÚBLICA

L CONCEITO

Receita é a soma de dinheiro percebida pelo Estado para fazer face à realização dos gastos públicos.

Assim sendo, o conceito de receita, embora fundamentalmente baseado no de ingresso, dele se estrema, pois o ingresso corresponde também à entrada.de dinheiro que ulteriormente será restituído, como ocorre no empréstimo e nos depósitos. Por isso mesmo Aliomar Baleeiro definiu: “receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspon­dência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo” (op. cit., p . 116).

Por outro lado, a receita não se confunde com o patrimônio públi­co nem com os direitos da Fazenda Pública (vide p. 4). Há ingressos provenientes da exploração dos bens dominiais do Estado, que com­põe a atividade financeira, mas o tema do patrimônio público perten­ce ao Direito Administrativo, e não ao Financeiro.

2. CLASSIFICAÇÃO

Há vários critérios para a classificação da receita pública.

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Podem ser ordinárias ou extraordinárias. Aquelas são periódicas e compõem permanentemente o orçamento do Estado. As outras são as que se produzem excepcionalmente, como as doações e os impostos extraordinários.

Porém a classificação mais utilizada é a que separa as receitas de­rivadas das originárias. Derivadas são as provenientes da economia privada, representadas pelo tributo, pelos ingressos parafiscais e pelas multas. Originárias são as que decorrem da exploração do patrimônio do Estado, compreendendo os preços públicos, as compensações fi­nanceiras e os ingressos comerciais.

II. RECEITA DERIVADA

3. INGRESSOS TRIBUTÁRIOS

O mais importante dos itens da receita pública é o dos ingressos tributários, derivados da economia dos cidadãos. Deles cuidaremos destacadamente no cap. XIX, dedicado aos tributos.

4. INGRESSOS PARAFISCAIS

Enquanto a fiscalidade se caracteriza pela destinação dos ingres­sos ao FISCO, a parafiscalidade consiste na sua destinação ao PARA- FISCO, isto é, aos órgãos que, não pertencendo ao núcleo da adminis­tração do Estado, são paraestatais, incumbidos de prestar serviços pa­ralelos e essenciais através de receitas paraorçamentárias. Demais disso, o fenômeno da parafiscalidade não se fundamenta na capaci­dade contributiva, como acontece com os tributos, mas na solida­riedade social e no interesse de grupos sociais. O conceito de parafis­calidade firmou-se após a 2â Guerra Mundial para abarcar os ingressos destinados à previdência social e a outros encargos intervencionistas do Estado.

A parafiscalidade, portanto, não se confunde com a fiscalidade, nem as prestações parafiscais se identificam com os tributos, eis que constituiria autêntica contradictio in terminis falar em “tributos para- tributários” ou em “fiscalidade parafiscal”: o que é paratributário não pode ser tributário e o que é fiscal não pode ser ao mesmo tempo parafiscal. Há, entretanto, juristas que defendem ponto de vista con­

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trário, como é o caso de Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasilei­ro. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 586): “As contribuições parafis- cais, em resumo, são tributos, e, como tais, não escapam aos princípios da Constituição".

A CF 88 trouxe para o bojo do sistema tributário (art. 149) todas as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais e econômicas, inclusive aquelas a que a Emenda Constitucional n- 8, de 1977, havia dado tratamento não-tributário (vide p. 410). Deu-lhes, portanto, a mesma natureza do tributo e lhes estendeu os mesmos princípios deste, em atitude tipica­mente intervencionista. Assim, sendo, desapareceu das finanças brasi­leiras a figura dos ingressos parafiscais; a não ser que se reserve a ex­pressão para qualquer entrada destinada aos órgãos da seguridade, in­dependentemente de sua justificativa jurídica, como fez Aliomar Ba­leeiro no trecho acima transcrito.

5. INGRESSOS EXTRAFISCAIS

A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na econo­mia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não-tribut árias.

A extrafiscalidade, diluída na fiscalidade, exerce variadíssimas ta­refas de política econômica, competindo-lhe, entre outras: o desestí- mulo ao consumo de certos bens nocivos à saúde, como o álcool e o fumo, objeto de incidência seletiva do IPI e do ICMS; o incentivo ao consumo de algumas mercadorias, como o álcool carburante após a crise do petróleo; a inibição da importação de bens industrializados e o incentivo à exportação, através dos impostos aduaneiros etc.

Além de significar a dimensão finalista e intervencionista do tri­buto, a extrafiscalidade também pode revestir a forma de ingressos não-tributários, de conteúdo exclusivamente econômico, sem o obje­tivo de contribuir para as despesas gerais do Estado. Falta-lhe a desti­nação pública, principal ou acessória. No Brasil as prestações extrafis- cais desapareceram com a Emenda Constitucional n- 1, de 1969, que incorporou as contribuições econômicas ao rol dos tributos, atitude intervencionista que se manteve na CF 88 (art. 149).

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6. MULTAS E PENALIDADES

Compõem ainda o quadro das receitas derivadas as multas e as penalidades, fiscais ou não.

Veremos oportunamente (p. 327) que as multas e as penalidades pecuniárias aplicadas pelo descumprimento da legislação fiscal têm natureza penal.

Também têm natureza penal as multas administrativas e discipli- nares, impostas pelo juiz ou pela autoridade do Poder Executivo.

Todas essas multas e penalidades, somando-se às previstas no Có­digo Penal, estas últimas aplicadas exclusivamente pelo juiz, consti­tuem receita derivada do Estado, eis que são provenientes da econo­mia do cidadão.

III. RECEITA ORIGINÁRIA

7. INGRESSOS PATRIMONIAIS

Os ingressos patrimoniais são os que provêm diretamente da ex­ploração do patrimônio público. Ocupam papel subalterno no Estado Liberal, que vive precipuamente da receita derivada representada pe­los impostos. Floresceram no Estado Patrimonial, que se desenvolveu desde o colapso do feudalismo até o advento do Estado Fiscal, no final do séc. XVIII, constituindo-lhe a principal fonte de receita.

Os ingressos patrimoniais são obtidos através da exploração dos bens dominiais do Estado, como sejam as florestas, as ilhas, as estra­das, os imóveis residenciais ou comerciais etc. As suas principais for­mas são o preço público, as compensações financeiras e participações especiais e as partilhas.

7.1. Preço Público

a) Conceito

Os termois preço público e tarifa usam-nos a doutrina e a jurispru­dência como sinônimos, para significar o ingresso não-tributário devi­do ao Estado Administrativo Intervencionista como contraprestação por benefício recebido.

O conceito de preço público, embora muito complexo, pode ser sintetizado como a prestação pecuniária, que, não sendo dever funda-

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mental nem se vinculando às liberdades fundamentais, é exigida sob a diretiva do princípio constitucional do beneficio, como remuneração de serviços públicos não essenciais, com base no dispositivo constitu­cional que autoriza a intervenção no domínio econômico.

O princípio fundamental é o da proporcionalidade ou do benefí­cio, pelo qual cada cidadão deve despender recursos idênticos ao be­nefício total recebido pela entrega dos serviços públicos. Com a co­brança das tarifas e preços públicos devem as empresas e os órgãos estatais garantir a justa remuneração do capital investido através do igual tratamento dos utentes do serviço, o que se conseguirá pela pro­porção entre serviço consumido e preço pago. A tendência atual, por conseguinte, é eliminar a distinção entre categorias de preços cobra­dos pelo Estado (preço público, preço quase privado e preço privado), para reconhecer a finalidade financeira na exploração do patrimônio público ou na prestação de serviços públicos, compondo tais recursos, ao lado dos tributos, com os seus valores e motivações específicos, o quadro geral dos ingressos necessários à manutenção do Estado Inter- vencionista, No Brasil, todavia, alguns setores atrasados da economia (ex.: energia elétrica) ainda vivem sob a inspiração do princípio da modicidaâe tarifária .

O preço público tem caráter vinculado ou contraprestacional, pois visa a remunerar o Estado pela prestação de serviços públicos inessenciais. A não essencialidade do serviço é a característica mais marcante do ingresso e que o estrema da taxa. O preço público não tem o objetivo de fornecer recursos para as atividades gerais do Esta­do, nem remunera a prestação de serviços vinculados à soberania ou à essencialidade do exercício do poder público. Remunera, isto sim, o serviço público não essencial, que pode ser atribuído a empresas pri­vadas e que não tem a finalidade de garantir os direitos fundamentais.

Irrelevante para a natureza do preço público que o seu pagamento se faça a órgãos da Administração Direta ou a autarquias ou empresas públicas. O órgão da Administração Centralizada que preste serviços públicos não essenciais pode cobrar preço público, bem assim os órgãos da Administração Indireta; a diferença está em que estes últimos não podem cobrar taxa, até porque não prestam serviços de tutela de direi­tos, como adiante veremos, enquanto os órgãos da Administração Direta podem exigir pelos serviços inessenciais taxas ou preços públicos.

As tarifas admitem certos adminículos que conservam a natureza do preço público. No caso da eletricidade, por exemplo, cobram-se a CCC (conta de consumo de combustíveis fósseis), ã CDE (conta de

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desenvolvimento energético) e a RGR (reserva global de reversão), que são encargos setoriais não gerenciáveis. Não constituem eles pró­prios um preço público autônomo, senão que se caracterizam e se definem como componentes ou custos do preço público em que se consubstancia a tarifa de energia elétrica.

Outras tarifas ou preços públicos, alguns inominados, passaram a ser cobrados. A Lei 9.984/2000 (art. 28) criou um pagamento inomi- nado pelo uso de recursos hídricos da União, que tem a natureza de preço público, distinto da compensação financeira por não ser indeni- zatório. Na Espanha tais ingressos se chamam cânones, e na Alemanha criaram-se tributos especiais sobre a água (Abwasserabgaben) que até hoje não tiveram a sua natureza jurídica fixada pela doutrina ou pela jurisprudência (vide R. L. TORRES, op. cit., p. 198).

b) A distinção entre preço público e taxa

A distinção entre preço público e taxa é um dos assuntos mais tormentosos do Direito Constitucional Tributário. Entre os dois in­gressos há uma identidade básica material, qual seja a de que são am­bos devidos pela prestação de serviços públicos divisíveis. As diferen­ças, de ordem valorativa, são apreendidas de modo diferente pelos juristas, conforme a posição teórica a que se filiam. Os positivistas apegados ao comando da lei, recusam, de um modo geral, a diferença. Mas a verdade é que a distinção, embora difícil, encontra sólidos fun­damentos jurídicos, pois se baseia sobretudo no grau de proteção aos direitos fundamentais e no próprio papel do Estado Social de Direito. O problema surge da ausência de dispositivos constitucionais de voz afirmativa, que obriguem a cobrança de taxa e de preços públicos con­forme se complete a definição de cada um desses ingressos e que proí­ba a remuneração de serviços públicos específicos através de impos­tos; como inexiste tal norma, sempre pode o legislador cobrar taxa quando deveria impor o preço público, ou remunerar o serviço pela arrecadação geral dos impostos e não pela taxa, embora lhe seja veda­do cobrar taxa em lugar de imposto e preço público em vez de taxa.

Uma primeira distinção entre preço público e taxa cifra-se no relacionamento mantido com os direitos fundamentais: enquanto a taxa remunera o serviço público de tutela da liberdade, o preço públi­co é devido pela prestação de serviço público de apoio aos direitos sociais e econômicos. A maior dificuldade advém da circunstância de que nada obsta a que seja cobrada taxa pelos serviços relacionados

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com os direitos econômicos, embora seja vedado cobrar-se preço pú­blico pela tutela dos direitos fundamentais.

Importante é a distinção que se faz com base na essencialidade do serviço frente aos objetivos do Estado: se o serviço se vincular à sobe­rania será remunerado por taxa; em caso contrário, pelo preço públi­co. Mas ainda aí a questão apresenta dificuldades, pois inexiste obriga­toriedade de cobrar preço público pelos serviços inessenciais, que po­dem ser remunerados por taxas, se assim determinar a lei. O serviço de fornecimento de água, deveria dar ensejo à cobrança de preço pú­blico; mas nada obsta a que a lei crie a obrigação do pagamento da taxa.

A doutrina e a jurisprudência insistiram, durante muito tempo, em firmar a diferença entre taxa e preço público a partir da compulso- riedade daquela e da facultatividade deste. Sucede que a compulso- riedade, como vimos oportunamente, não é elemento indispensável à definição de tributo. Quanto ao preço público, também não se pode caracterizar como prestação não compulsória, eis que no Estado Social o cidadão não pode prescindir das prestações estatais relacionadas com a higiene, a saúde e o conforto doméstico. A compulsoriedade com relação ao preço público só tem importância negativa: não se pode cobrá-lo se não houve utilização do serviço. A distinção com base na compulsoriedade se toma tautológica e injusta: tautológica porque não é a facultatividade que determina o preço público, mas o apelido legal de preço ou tarifa que leva à facultatividade, da mesma forma que o nome de taxa conduz à compulsoriedade; injusta porque o con­tribuinte teria que pagar taxa pelo serviço público que tivesse a natu­reza de tarifa, ainda que o não consumisse.

7.2. Compensação Financeira e Participação Governamental

Estabelece o art. 20, § l ü, da CF que é assegurada aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgão da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plata­forma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

São, portanto, mais dois tipos de ingressos patrimoniais previstos na CF, sem natureza tributária e com a justificativa na indenização pelo desfalque do patrimônio ambiental e pelas despesas necessárias à manutenção do bem (cf. RE 228.800, p. 198).

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Podem a União, os Estados e os Municípios receber participação representada pelas importâncias calculadas sobre o resultado da explo­ração de petróleo ou gás natural ou de outros bens públicos. No que concerne à exploração de petróleo são as seguintes as receitas prove­nientes de participações governamentais de acordo com o art. 45 da Lei 9.478, de 6.8.1997: a) bônus de assinatura, proveniente do pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão; b] royalties, calcula­dos sobre a produção de petróleo ou gás natural; c) participação especial aplicada nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabi­lidade, a ser regulamentada em Decreto do Presidente da República, devendo ser deduzidos os royalties, os investimentos e os custos opera­cionais; d) pagamento pela ocupação ou retenção de área, a ser feito anualmente.

Ou podem receber compensações financeiras, que têm o caráter in- denizatório pela utilização de recursos naturais situados em seus territó­rios, justificando-se como contraprestação pelas despesas que as empre­sas exploradoras de recursos naturais causam aos poderes públicos, que se vêem na contingência de garantir a infraestrutura de bens e serviços e a assistência às populações envolvidas em atividades econômicas de grande porte, como ocorreu com o Estado do Rio de Janeiro, que é o maior produtor de petróleo no Brasil, e com os seus municípios da região de Campos, obrigados a investir recursos substanciais em políticas públi­cas de apoio à exploração de plataforma marítima. A compensação fi­nanceira foi disciplinada pela Lei nâ 7.990, de 28.12.89, que a fixou, nos casos de utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, em 6% sobre o valor da energia produzida, a ser paga pelos con­cessionários de serviço de energia elétrica aos Estados, ao Distrito Fede­ral e aos Municípios, em cujos territórios se localizarem instalações des­tinadas à produção de energia elétrica, ou que tenha áreas invadidas por águas dos respectivos reservatórios (art. 2fi); quando se tratar de explo­ração de recursos minerais para fins de aproveitamento econômico, a compensação será de 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante de venda do produto mineral; a exploração de óleo bruto, xisto betumi­noso e gás extraído dos territórios dos Estados e dos Municípios, onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou ter- restes de embarques ou desembarques de óleo bruto ou de gás natural, operado pela Petrobrás, sujeitar-se-á à compensação financeira de 5% (art. 72). As compensações financeiras são rateadas, na forma da lei, en­tre Estados e Municípios, delas participando também o Ministério da Marinha.

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8. INGRESSOS COMERCIAIS

A receita originária se compõe ainda dos ingressos comerciais. O Estado Fiscal continuou a praticar certas formas dei intervencionismo direto na economia, principalmente em meados do séc. XX. Empre­sas, fábricas, monopólios e indústrias cresceram sob a proteção esta­tal, o que constituía um ranço do patrimonialismo em plena economia capitalista. A partir da década de 80 houve o refluxo dessas ideias, aqui e no estrangeiro, iniciando-se uma época de privatizações.

8.1. Monopólios e empresas estatais

Inúmeros são os ingressos provenientes da exploração de mono­pólios e da manutenção de empresas estatais.

Os correios e telégrafos ainda constituem monopólio do Estado e lhe fornecem ingressos originários, se bem administrados.

Vários serviços industriais e comerciais da Administração Direta, principalmente os ligados aos insumos para a agricultura e aos medica­mentos, também podem ser fonte de receita.

Mas o tipo mais importante de intervencionismo econômico se faz através das empresas estatais, que podem ter a forma de empresas públicas ou de sociedades de economia mista, com a participação ma­joritária do Estado. Essas empresas, quando não deficitárias, contri­buem para a receita com os dividendos distribuídos. Gozaram de gran­de prestígio entre nós nas últimas décadas, mas presentemente pas­sam por integral reformulação, por se terem mostrado ineficientes e deficitárias. A CF 88 regulou-lhes o orçamento (art. 165, § 5Q).

8.2. Loteria

O Estado pode também explorar o negócio de loterias ou conce­der a sua exploração a terceiros. A arrecadação daí proveniente se classifica entre os ingressos comerciais. Nos últimos;anos desenvolve- ram-se acentuadamente no Brasil as lotos e os concursos de prognósti­cos, gerando receita substancial.

O produto da arrecadação das loterias é partilhado entre entida­des assistenciais, previdenciárias e de seguridade (art. 195, III, CF), depois de pagas as despesas de administração, os prêmios e os impos­tos incidentes sobre a atividade.

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IV. A DESPESA PÚBLICA

9. CONCEITO

A despesa pública é a soma dos gastos realizados pelo Estado para a realização de obras e para a prestação de serviços públicos.

Duas são as características principais da despesa pública: os gastos envolvem sempre dinheiro; as obras e os serviços devem ser realizados para o funcionamento da Administração Pública e para a consecução dos objetivos do Estado.

10. AS RELAÇÕES ENTRE DESPESA E RECEITA

A despesa e a receita são as duas faces da mesma moeda, as duas vertentes do mesmo orçamento. Implicam-se mutuamente e devem se equilibrar.

A partir da década de 30 predominou a ideologia keynesiana, que admitia os orçamentos deficitários e o excesso da despesa pública, ao fito de garantir o pleno emprego e a estabilidade econômica.

Essa política foi ultrapassada na década de 80 pelo discurso do liberalismo social, que sinalizou no sentido da contenção dos gastos públicos e dos privilégios e do aumento das receitas, para o equilíbrio financeiro do Estado. A CF 88 traz no capítulo do orçamento inúme­ros dispositivos no sentido da transparência e do controle da despesa pública (vide p. 117 e seguintes), embora, contraditoriamente, crie despesas incontroláveis na área social e na econômica.

11. DESPESA E RENÚNCIA DE RECEITA

Importante observar que, para o equilíbrio orçamentário, toma- se necessário não só diminuir a despesa pública como também evitar as renúncias de receita.

A expressão "renúncia de receita”, equivalente a “gasto tributá­rio” (tax expenditure), entrou na linguagem orçamentária americana nas últimas décadas e adquiriu dimensão universal pelos trabalhos de Surrey [op. cit.). Gastos tributários ou renúncias de receita são os mecanismos financeiros empregados na vertente da receita pública (isenção fiscal, redução de base de cálculo ou de alíquota de imposto,

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depreciações para efeito de imposto de renda etc.) que produzem os mesmos resultados econômicos da despesa pública (subvenções, sub­sídios, restituições de impostos etc.).

A CF 88, nos arts. 70 e 165, § 6a, estabelece o controle sobre as renúncias de receita (vide p. 123), com o nítido objetivo de promover o equilíbrio financeiro. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) define e regula as renúncias de receita no art. 14 (vide p. 314).

12. CLASSIFICAÇÃO DA DESPESA PÚBLICA

A Lei n- 4.320, de 7.3.64, que estabeleceu normas gerais para a elaboração e execução do orçamento, classifica a despesa pública por um critério preponderantemente econômico, ao estremar as despesas correntes das despesas de capital.

As despesas correntes, por seu turno, se dividem em despesas de custeio e transferências correntes. As despesas de custeio compreen­dem as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis (art. 12, § Ia), nelas se incluindo as despesas de pes­soal, de material, de consumo, de serviço de terceiros etc. Classifi- cam-se como transferências correntes as dotações para despesas às quais não Corresponde contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à ma­nutenção de outras entidades de direito público ou privado (art. 12, § 2a), nelas se incluindo as subvenções sociais e econômicas, as despesas com inativos, as pensões, as transferências intergovemamentais e os juros da dívida contratada.

As despesas de capital se classificam em investimentos, inversões financeiras e transferências de capital. Investimentos são as dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis a elas destinados (art. 12, § 4a). Classificam-se como inversões financeiras as dotações destinadas à aquisição de imó­veis ou de bens de capital já em utilização ou à aquisição de títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer es­pécie (art. 12, § 5a). São transferências de capital as dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contra­prestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferên­

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cias auxílios ou contribuições, segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especial anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública.

Além dessa classificação econômica, a despesa pública pode tam­bém ser classificada segundo: a) critério institucional, que leva em conta o órgão ou a instituição a quem se atribui a realização do gasto (Ministério, Secretaria, Departamento etc.); b) critérioprogramático, que toma em consideração o programa governamental nas diversas áreas de atuação (ensino, saúde, transporte etc.).

13. OS CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS

Para que se realize a despesa pública é necessário que haja dota­ção orçamentária ou créditos adicionais aprovados previamente pelo Legislativo, que não poderão ser excedidos (art. 167, II, CF),

Crédito orçamentário é a dotação incluída no orçamento para atender às diversas despesas do Estado.

Sendo insuficiente ou inexistente o crédito orçamentário, o Le­gislativo pode autorizar os créditos adicionais, que compreendem os suplementares, os especiais e os extraordinários.

Os créditos suplementares destinam-se ao reforço das dotações orçamentárias. São autorizados pelo Legislativo e abertos por ato do Executivo, com a indicação dos recursos correspondentes (art. 167, V, CF). Mas o próprio orçamento pode autorizá-los (art, 165, § 8a, CF).

Os créditos especiais se destinam às despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica. Estremam-se perfeitamente dos créditos suplementares porque estes reforçam a dotação existen­te, enquanto os créditos especiais autorizam despesas não computadas no orçamento. Exigem prévia autorização do Legislativo e são abertos por ato do Executivo.

O crédito extraordinário destina-se a despesas urgentes e impre­vistas, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Ao contrário dos suplementares e dos especiais, podem, ten­do em vista o seu objetivo, ser abertos pelo Executivo através de me­dida provisória (art. 167, § 32, CF).

Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em

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ESEJ-EnsmoSt̂ sriorB̂ aiJiáto

que, reabertos nos limites do seus saldos, serão incorporados ao orça­mento do exercício financeiro subsequente (art. 167, § 22).

A CF, atenta ao princípio da legalidade orçamentária, proíbe a concessão ou utilização de créditos ilimitados.

14. REALIZAÇÃO DA DESPESA PÚBLICA

A realização da despesa passa por três fases distintas: o empenho, a liquidação e o pagamento. Quando se tratar de obras, serviços e compras a realização da despesa será precedida de licitação.

A licitação se impõe em nome da moralidade pública. A aquisição de bens e a adjudicação de serviços deve sempre ser precedida de consulta e oferta à sociedade, em busca da igual oportunidade para os agentes econômicos e do melhor preço e qualidade para a Administra­ção. O princípio básico da licitação é o da economicidade (art. 70 da CF), segundo o qual deve ser obtido o maior benefício possível com o menor custo. As obras e os serviços só podem ser licitados quando houver projeto básico aprovado pela autoridade competente. As mo­dalidades de licitação, que dependem do valor estimado da contrata­ção previsto em lei, são as seguintes: a) concorrência, que se dá entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para a execução de seu objetivo; é cabível na compra ou aliena­ção de bens imóveis, na concessão de direito real de uso e na concessão de serviço ou de obra pública; b) tomada de preços, que ocorre entre interessados previamente cadastrados, observada a necessária qualifi­cação; c) convite, que se dirige a, no minímo, três interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos pela unidade administrativa; d) concurso, empregado para a escolha de tra­balho técnico ou artístico, mediante a instituição de prêmios aos ven­cedores.

Empenho da despesa é o ato pelo qual se reserva; do total da dota­ção orçamentária, a quantia necessária ao pagamento. Permite à Ad­ministração realizar ulteriormente o pagamento e garante ao credor a existência da verba necessária ao fornecimento ou ao cumprimento de responsabilidades contratuais. A lei torna necessária a expedição de nota de empenho para cada despesa, salvç quando há empenho global (por exemplo, nas despesas de pessoal). E vedada a realização de des­pesa sem prévio empenho, o que significa que o empenho antecede a compra e a prestação do serviço.

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Liquidação da despesa é o estágio seguinte. A Administração ve­rifica o direito adquirido pelo credor, tendo por base os documentos comprobatórios dos respectivos títulos. Examina se houve a entrega dos bens adquiridos ou a realização da obra, a ver da sua adequação aos termos da licitação prévia. Calcula a importância exata a pagar e iden­tifica o credor. Durante a liquidação torna-se indispensável, portanto, o confronto entre o contrato, a nota de empenho e os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.

Pagamento é o momento final da realização da despesa pública. Efetuam-no as tesourarias ou os estabelecimentos bancários autoriza­dos. Mas precede-o a ordem de pagamento, que é o despacho proferi­do pelo ordenador da despesa — a autoridade indicada na legislação federal, estadual ou municipal para a prática do ato.

A despesa empenhada mas não paga até o término do exercício financeiro se transforma em restos a pagar, devendo o pagamento se fazer no ano seguinte. O projeto da LRF, seguindo o modelo neozelan­dês de controle de despesas pelo critério de disponibilidade de caixa e não de competência (data da assunção da obrigação de pagar), resol­veu eliminar a figura dos restos a pagar; o Congresso Nacional rejeitou a proposta, que era ofensiva aos direitos dós credores da Fazenda Pú­blica, e manteve a sistemática dos restos a pagar; o Presidente da Re­pública, entretanto, vetou os arts. 5S, inciso III, a , e 41, que os regula­vam, sob o argumento de que ferem o princípio do equilíbrio fiscal os "compromissos assumidos sem a disponibilidade financeira necessária para saldá-los”, com o que permanece vigente a Lei 4.320, exceto na parte modificada pelo art. 42 da LRF.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibligrafia: BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1998; NASCIMENTO, A. Theodoro. Preços, Taxas e Parafiscalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1977; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de Derecho Financiero. Madrid: Universidad Complutense, 1982; SURREY, Stanley/Mc DANIEL, Paul R. Tax Expenditure, Cambridge; Harvard University Press, 1985; TORRES, Ricar­do Lobo. A Físcalidade dos Serviços Públicos no Estado da Sociedade de Risco. In: TORRES, Heleno Taveira. Serviços Públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 121.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 20, § l 2, 165, 167 e 173; Lei n2 4.320, de 7.3.64 (estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos

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e balanços da União, dos Estados e dos Municípios); Lei ns 8.666, de 21.6.93, alterada pela Lei ns 8,883, de 8.6.94 (dispõe sobre licitações e contratos da administração fede­ral). Lei na 7.990, de 28.12.89 (institui, para os Estados, Distrito Federal e Municípios, compensação financeira pelo resultado de exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica ex­clusiva, e dá outras providências); Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101, de 4.5.00) — estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

III — Jurisprudência: RE 228.800, Ac. da Ia T-, de 25.09.01, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 180: 365: “1. O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não fax necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da com­pensação financeira previstos no art. 20, § Io, CF, que configuram receita patrimonial”. RE 226.942-SC, Rei. Min. Menezes Direito, Informativo do STF n° 546, de 21.05.09: "Tributário. Parcela do solo criado. Lei Municipal n° 3.338/89. Natureza jurídica. 1 — Não é tributo a chamada parcela do solo criado que representa remuneração ao Municí­pio pela utilização de área além do limite da área de edificação. Trata-se de forma de compensação financeira pelo ônus causado em decorrência da sobrecarga da aglomera­ção urbana”.

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Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária

CAPÍTULO X

I. FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA

L A CONSTITUIÇÃO FINANCEIRA

O art. 70 da CF 88 serve de introdução às demais normas que compõem a Seção IX, intitulada “Da Fiscalização Financeira e Orça­mentária”.

E matéria que se integra à Constituição Orçamentária, que, por seu turno, faz parte da Constituição Financeira. A elaboração, a apro­vação, a execução e a fiscalização do orçamento constituem um todo, do ponto de vista material.

Respeito ao aspecto formal, entretanto, a CF colocou a fiscaliza­ção financeira e orçamentária no capítulo Do Poder Legislativo (Tít.IV, Cap. I), quando, a nosso ver, estaria melhor situada no capítulo Das Finanças Públicas (Tít. VI, Cap. II), para o qual foram transporta­dos os dispositivos sobre o orçamento. No texto atual, portanto, fi­caram separadas formalmente a elaboração do orçamento e a sua fiscalização. Na Carta anterior o orçamento e a sua íiscalização obe­deciam topograficamente ao critério orgânico, incluindo-se no capí­tulo dedicado ao Poder Legislativo e mantendo a tradição que vinha de 1946.

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2. CONCEITO DE FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA

O art. 70 diz que "a fiscalização contábil, financeira, orçamentá­ria, operacional e patrimonial... será exercida pelo Congresso Nacio­nal mediante o controle externo e pelo sistema de controle interno de cada um dos poderes”.

A fiscalização financeira se faz por meio do controle, de modo que os dois conceitos se tornam amplamente coincidentes e impreci­sos. A mesma coisa acontece no alemão (.Kontrolle e Revision), no francês (Controle e Verification) e no inglês (Control e Supervision),

Mas o conceito de controle desborda, em certa medida, o de fis­calização. Esta última representa a fase final de um ciclo que se inicia com a elaboração do orçamento pelo Legislativo. Já o controle, além de se inserir na fiscalização financeira, pode também se ligar às fases anteriores de exame e aprovação do orçamento, quando o Legislativo controla o Executivo.

O conceito de fiscalização financeira, por seu turno, ultrapassa, em outra direção, o de controle, para abranger também o trabalho das comissões de inquérito do Legislativo (art. 58-, § 3a) e das comissões para acompanhar a atividade genérica de fiscalização e controle do Executivo (art. 49, X).

3. MODALIDADES DE FISCALIZAÇÃO

Fala o art. 70 em “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial", que será exercida pelo Congresso Nacio­nal e pelo controle interno de cada um dos poderes. Essas modalida­des de fiscalização se integram e se implicam mutuamente. A intenção da CF foi, mediante enumeração algum tanto pleonástica, não deixar sem controle qualquer tipo de atividade financeira do Estado.

A fiscalização contábil é a que se faz através dos registros contá­beis, dos balanços, da escrituração sintética, da análise e interpretação dos resultados econômicos e financeiros. Abrange as outras modalida­des de fiscalização, pois a contabilidade pode ser financeira, orçamen­tária, operacional ou patrimonial.

A fiscalização financeira tem por objeto o controle da arrecada­ção das receitas e da realização das despesas.

A fiscalização orçamentária é a que se exerce sobre a execução do

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orçamento. Tem por fim precípuo, através da contabilidade, das análi­ses e das verificações, mensurar o nível de concretização das previsões constantes da lei anual,

A fiscalização operacional (ou de resultados, ou de desempenho) visa ao controle de programas governamentais específicos (ex. Fome Zero, Bolsa Família) sob os aspectos da economicidade e eficiência.

A fiscalização patrimonial, que se exerce pela contabilidade ou pelas inspeções e verificações,, tem por objetivo o controle da situação e das modificações dos bens móveis e imóveis que constituem o patri­mônio público. Mas o conceito de patrimônio público se dilarga no direito constitucional moderno e passa a abranger, além dos bens do- miniais, os bens públicos de uso do povo (res communes omniuní], neles incluído o próprio meio ambiente, que de interesse difuso se transforma em direito subjetivo público da Administração, agora su­jeito à tutela do Tribunal de Contas, competente para fixar o valor do ressarcimento dos prejuízos causados por dolo ou culpa dos responsá- vies pela utilização ou guarda daqueles bens.

4. OBJETO DA FISCALIZAÇÃO

O art. 70 diz ainda que “a aplicação das subvenções e renúncias de receitas” será também objeto de controle interno e externo.

A medida se insere na preocupação da CF de estender o controle, inclusive o prévio e o parlamentar, às subvenções e aos subsídios, que, indiscriminadamente concedidos no sistema constitucional anterior, foram em boa parte a causa da gravíssima crise econômica do País. Combina com o art. 165, § 6-, como já examinamos a propósito do princípio da transparência (vide p. 127).

As subvenções são transferências de receita para cobrir despesas de custeio de órgãos públicos ou privados e estão definidas na Lei 4.320, de 1964 (art. 32). No conceito de subvenção, que é indetermi­nado e multissignificativo, pode-se subsumir, pelas semelhanças que com ela guarda, o de restituição-incentivo, isto é, a devolução de tribu­to como mecanismo de estímulo fiscal. Também se tornam objeto do controle financeiro os subsídios, que muitas vezes se confundem com as subvenções, com as isenções e com as restituições a título de incen­tivo e que constituem instrumento de transferência de recursos do governo para os particulares independentemente do fornecimento de bens ou serviços, mas vinculados a certa “performance” econômica pelo beneficiário.

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O art. 70 estende o controle à “renúncia de receita”, que, como já vimos (p. 194), são gastos que operam na via da receita. A fiscalização abrange, por conseguinte, as isenções, os créditos fiscais, as deduções, as reduções de base de cálculo e de alíquotas de impostos, que produ­zem o mesmo efeito econômico de figuras e despesas públicas como as subvenções.

O controle externo e interno se aplica, obviamente, não só às renúncias de receita, mas a todas as receitas e despesas, assim como aos bens e às operações de crédito. A referência explícita e redundante às subvenções e às renúncias de receita denota apenas a necessidade de clareza e de complementação dos novos dispositivos constitucio­nais que, tornando obrigatória a inclusão no orçamento de todos os itens que impliquem em gasto público ou desgravação fiscal (art. 165, § 6S), criaram valiosos instrumentos de controle para evitar as manipu­lações e o encobrimento dos incentivos fiscais, tão comuns na prática constitucional anterior, que abusava dos benefícios que não transita­vam pelo orçamento fiscal (isenção e anistia) ou que apenas freqüen­tavam o orçamento monetário (subsídios).

II. CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA

5. CONCEITO

A palavra controle, que não é portuguesa (em Portugal usa-se con­trolo), ingressou na linguagem constitucional brasileira a partir de 1964, após a sua universalização no direito orçamentário francês (con­trole), espanhol (control), americano (control) e alemão (Finanzkon- trolle). O controle financeiro compreende:

a) o controle externo exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas (arts. 70 a 73);

b) o controle interno mantido pelos poderes Legislativo, Executi­vo e Judiciário (art. 74).

O controle financeiro, no constitucionalismo moderno, é sistêmi­co. Dele participam, integradamente e em harmonia, o Congresso Na­cional e o Tribunal de Contas, o Executivo e o Judiciário, cada qual nos limites previamente traçados. O sistema interno estendeu-se, pelo art. 74 da CF, à competência de cada um dos poderes, representando um progresso frente à Carta anterior, que se referia apenas ao Poder Executivo. No sistema externo há controle integrado e vis-à-vis entre

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ES8J - Ensaio Süp&íof Biseas Juááco

os diversos órgãos: o Tribunal de Contas fiscaliza não só os atos do Executivo como também a gestão financeira do Judiciário e do Legis­lativo, ao mesmo tempo em que sofre o controle do Legislativo e do Judiciário.

6. EXTENSÃO

O controle financeiro e orçamentário, do ponto de vista objetivo, vem se dilargando extraordinariamente nos últimos anos, aqui e alhu­res. A Constituição anterior só o estendia explicitamente às autar­quias (art. 70, § 5a). Mas o texto atual, acompanhando o constitucio- nalismo moderno e a doutrina, realça que “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que em nome desta, assuma obriga­ções de natureza pecuniária” (art. 70, parágrafo único, com redação da Emenda Constitucional 19, de 4.6.98.

6.1. Administração Direta

As entidades da administração direta, diz o art. 70 da CF, estão sob permanente controle, interno ou externo. O conceito de adminis­tração direta é o do Decreto-lei 200, de 25.2.67, constitucionalizado pela superveniência do texto maior: compreende os serviços integra­dos na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Mi­nistérios. Mas abrange, também, até por força da nova sistematização do controle, as atividades financeiras exercidas pelo Judiciário, pelo Legislativo e até mesmo pelo Tribunal de Contas.

6.2. Administração Indireta

A Administração Indireta compreende, também nos termos da legislação constitucionalizada (DL 200/67), as autarquias, as empre­sas públicas e as sociedades de economia mista, que são entidades dotadas de personalidade jurídica própria, sujeitas ao controle externo e interno. A fiscalização financeira se estende às fundações instituídas ou mantidas pelo poder público, como a CF deixa claro em diversas passagens (art. 71, II e III), tornando inócuas as divergências doutriná­rias sobre a natureza de direito público ou privado que se atribui àque-

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Ias entidades. Subordinam-se ao controle financeiro, outrossim, as en­tidades de direito privado que manipulem bens ou fundos do Governo ou que recebam contribuições parafiscais ou transferências à conta do orçamento da União, bem como as empresas não controladas em que haja investimentos da União. Construiu-se, especialmente com base na teoria da desconsideração da personalidade jurídica formal (disre- gard doctrine), o arcabouço jurídico que permite o enquadramento no sistema de controle financeiro inclusive das entidades que de modo encoberto se utilizam de bens ou dinheiro público.

6.3. Responsáveis

A obrigação de prestar contas se estende igualmente às pessoas físicas que, por qualquer título, utilizem, arrecadem, guardem, geren- ciem ou administrem dinheiros, bens ou valores públicos. Não só os órgãos da administração direta ou indireta se sujeitam ao controle, mas também os tesoureiros, os cobradores e os servidores de um modo geral, que manipulem valores públicos.

7. CONTROLE EXTERNO

O controle externo, diz o art. 71 da CF, "a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas”. Com­pete, pois, ao Congresso a responsabilidade final pelo controle exter­no. Só ele libera de responsabilidade o Presidente da República pela execução do orçamento. Mas o controle externo exerce-o o Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas, a quem incumbe o exame inicial e o parecer prévio e não-vinculante sobre as contas de Administração. O Tribunal de Contas é o braço, a “longa manus” do Congresso Nacional.

Há diversos tipos de controle externo.Controle “a posteriori” é o tipo comum no nosso constitucionalis-

mo. Inicia-se depois de praticado o ato administrativo ou de encerrado o exercício financeiro. Predomina também na Alemanha, na França e na Espanha.

Controle contemporâneo é o que se faz quase ao mesmo tempo da execução orçamentária. Realizam-no o Congresso Nacional e o Tribu­nal de Contas através das comissões e das auditorias.

Controle prévio é o que se exerce antes da prática do ato de exe­cução orçamentária, participando de sua formação e sendo necessário

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ao seu aperfeiçoamento. Desapareceu do direito constitucional brasi­leiro a partir da Constituição de 1967, a exemplo do que aconteceu em outros países. O controle prévio implica em interferência do Le­gislativo e do Tribunal de Contas sobre a ação do Executivo, retarda a execução dos contratos, é perfunctório e incompleto, motivo por que foi substituído, com vantagem, pelo sistema de sustação dos atos ile­gais, adotado pela Constituição anterior (art. 72, 5 521 e mantido na atual (art. 7 1 ,ÍX e X ) .

Há, também, um controle simultâneo, que é quase um ato de co- execução do orçamento, e que a CF só admite, no art. 72, quando se tratar de realização de despesas não autorizadas que possa acarretar dano irreparável ou grave lesão à economia pública.

Compete ao Tribunal de Contas, no exercício do controle externo e em auxílio ao Congresso Nacional, entre outras atribuições (art. 71, CF):

a) apreciar as contas do Presidente da República. Melhor seria falar em contas da República ou do Estado, pois não se esgotam nos atos praticados diretamente pelo Presidente da República;b) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por di- nheiros, bens e valores públicos. E importante observar que o julga­mento é das contas e não do responsável, vale dizer, versa a respeito da regularidade contábil e não sobre a responsabilidade penal. As deci­sões de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo, prescindindo de inscrição como dívida ativa;c) apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias. O registro dos atos de pes­soal se faz pelo exame casuístico dos processos de nomeação, aposen­tadoria, reforma etc., e os torna, como atos complexos que são, insus­cetíveis de revisão pela autoridade administrativa de que emanaram sem audiência do Tribunal de Contas. Recusado o registro, reputa-se incompleto e ineficaz o ato;d) realizar inspeções e auditorias e fiscalizar as contas nacionais das empresas multinacionais;e) fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo ou ajuste, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município. A fiscalização abrange apenas os repasses discricionários, não se estendendo às transferências do produto da arrecadação de tributos a que têm direito os entes políticos menores, que, mesmo no regime da Carta de 67/69, já havia sido revogada;

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f) aplicar aos responsáveis as sanções previstas em lei, servindo o acór­dão de título para a execução;g) sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado.

8. CONTROLE INTERNO

A expressão controle interno, apesar da resistência de alguns juris­tas, ingressou no vocabulário constitucional brasileiro, como já havia antes penetrado no direito francês (controle interne), italiano (con- trollo interno), espanhol (control interno) e alemão (interne Selbst- kontrolle).

Controle interno é o que exerce cada um dos Poderes na missão de autotuleta da legalidade e da eficácia da gestão financeira. A CF explicitou que não só o Executivo, mas também o Legislativo e o Judi­ciário devem manter sistema de controle interno, até mesmo como decorrência da autonomia administrativa e financeira de que gozam (art. 99).

Ao contrário do controle externo, minuciosamente regulado pela CF e solidamente estruturado em torno do Tribunal de Contas e das Comissões de Congresso, o controle interno recebe diminuta atenção constitucional e legal, se pulveriza através de órgãos nem sempre bem organizados e conta com escassa bibliografia.

O controle interno é simétrico ao externo no que concerne às finalidades, objetivos e métodos.

Incumbe-lhe avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União (art. 7 4 ,1). E controle do bom andamento da gestão econômica e financeira e se exerce, à diferença do controle externo, durante a própria execução orçamentária.

Cabe-lhe, ainda, comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado (art. 74, II). A CF repete, aqui, o que já havia dito no art. 70.

O controle interno deve ser exercido ainda sobre as operações de crédito, avais e garantias, bem como sobre direitos e haveres da União (art. 74, III), ou seja, sobre todos os direitos e responsabilidades não previstos no item anterior, pois a CF não admite espaços livres de fiscalização e controle.

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9. AS RELAÇÕES ENTRE O CONTROLE EXTERNO E O INTERNO

O controle da gestão financeira, orçamentária e patrimonial é sis­têmico, e compreende o controle interno e o externo de forma inte­grada e interdependente.

O controle interno deve “apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional” (art. 74, IV}. E preparatório do ulterior controle externo, que sem ele não pode ser eficientemente exercido. Mas não se esgota na preparação do controle externo, pois tem a sua própria finalidade no âmbito da Administração.

A recíproca é verdadeira: o Tribunal de Contas e demais órgãos do controle externo também auxiliam o controle interno do Legislativo, Executivo e Judiciário. Para isso “os responsáveis pelo controle inter­no, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegali­dade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária” (art. 74, § l fí).

III. O TRIBUNAL DE CONTAS

10. A RELEVÂNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS

No Brasil não havia Tribunal de Contas na época do Império, em­bora dele tivessem cogitado inúmeros projetos e juristas do renome de Pimenta Bueno e Barbacena. Ingressou na Constituição a partir de 1891 (art. 81) e dela não mais saiu, Foi criado inicialmente pelo De­creto nâ 966, de 17.12.1890, por inspiração de Rui Barbosa.

O Tribunal de Contas é órgão de relevância constitucional: a pró­pria CF estabelece as suas funções e lhe determina a competência.

Mas não é orgão constitucional, eis que não foi criado pela Cons­tituição, não constitui o Estado, não lhe mantém a unidade nem pro­fere decisões vinculantes.

Próxima da teoria de que o Tribunal de Contas é um órgão cons­titucional está a de que forma um 4S Poder, defendida por alguns ju­ristas alemães. Mas a ideia não prosperou na Alemanha nem poderia prosperar entre nós, pois a CF define claramente que “são Poderes da União, independentes e harmônios entre si, o Legislativo, o Executivo

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e o Judiciário” (art. 22), não havendo, aí, lugar para o Tribunal de Con­tas.

11. O TRIBUNAL DE CONTAS E OS PODERES DO ESTADO

O esquema da separação de poderes tornou-se falho e insuficien­te para fundamentar a classificação orgânica do Tribunal de Contas. Indispensável e necessário para a garantia das liberdades, nem sempre a rígida separação de poderes se presta pára classificar órgãos de Esta­do, principalmente porque a noção de poder não absorve a função estatal em seus aspectos materiais e formais. A caracterização orgâni­ca do Tribunal de Contas dependerá da respectiva ordem constitucio­nal e da elaboração doutrinária, controvertida e confusa.

O Tribunal de Contas como órgão do Executivo aparecia no Esta­do Patrimonial. A Corte de Contas, hoje, auxilia o Executivo, mas a ele não se subordina.

Ao Judiciário também não pertence o Tribunal de Contas. Não obstante o art. 73 da CF lhe atribua a mesma competência traçada pelo art. 96 para os tribunais, ou seja, a competência para organizar os seus serviços, prover os seus cargos e elaborar os seus regimentos in­ternos, nem por isso lhe foi outorgada a função jurisdicional formal.

O Tribunal de Contas, embora dele cuide a CF no Capítulo dedi­cado ao Legislativo, não é um órgão subordinado àquele Poder. Ne­nhum dispositivo constitucional lhe retira a independência ou lhe cria vínculos de obediência e subordinação. O Tribunal de Contas é órgão auxiliar do Legislativo, que não pratica atos de natureza legislativa. Grande parte da doutrina brasileira, todavia, utilizando inclusive o argumento topográfico, filia-o ao Congresso Nacional (cf. A. BALEEI­RO, op. cit., p. 11; PONTES DE MIRANDA, op. cit., p. 249).

O Tribunal de Contas, a nosso ver, é órgão auxiliar dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como da comunidade e de seus órgãos de participação política: auxilia o Legislativo no controle exter­no, fornecendo-lhe informações, pareceres e relatórios; auxilia a Ad­ministração e o Judiciário na autotutela da legalidade e no controle interno, orientando a sua ação e controlando os responsáveis por bens e valores públicos; auxilia a própria comunidade, eis que a CF aumen­tou a participação do povo no controle do patrimônio público e na defesa dos direitos difusos. O Tribunal de Contas, por conseguinte, tem o seu papel dilargado na democracia social e participativa e não se deixa aprisionar no esquema da rígida separação de poderes.

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ES8J - Ensine St$eiiof Btffeau Juágeo

12. A NATUREZA DAS FUNÇÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS

A improdutividade da rígida tripartição de poderes conduz ao exame das funções de Estado para melhor compreender o papel de Tribunal de Contas. Mas também aí reina grande controvérsia na dou­trina.

O Tribunal de Contas não exerce a função legislativa formal. Os seus atos carecem da eficácia genérica da lei e não vinculam os Poderes do Estado.

Mais difícil é o problema da função jurisdicional. Não há dúvida de que o Tribunal de Contas, autorizado pela CF a elaborar o seu regimento com a mesma autonomia do Poder Judiciário, exerce alguns atos típicos da função jurisdicional em sentido material, eis que julga as contas dos administradores e responsáveis com todos os requisitos materiais da jurisdição: independência, imparcialidade, igualdade pro­cessual, ampla defesa, produção plena das provas e direito a recurso. Mas do ponto de vista formal, não detém qualquer parcela da função jurisdicional, tendo em vista que as suas decisões não produzem a coisa julgada e podem ser revistas pelo Judiciário, ainda quando ver­sem sobre matéria contábil (vide p. 213). Registre-se, porém, que inúmeros juristas, pelo menos com relação ao julgamento das contas dos responsáveis, admitiram e admitem a prática de atos formalmente jurisdicionais pelo Tribunal de Contas, no Brasil (PONTES DE MI­RANDA, op. cit., p. 254). A "jurisdição em todo o território nacional" assegurada no caput do art. 73 não tem o sentido técnico de jurisdic- tio, mas apenas o de competência territorial.

O Tribunal de Contas, a nosso ver, pratica atos de natureza for­malmente administrativa e, excluído o julgamento das contas dos ad­ministradores e responsáveis, também materialmente administrati­vos. São pareceres, informações, relatórios, registros e decisões susce­tíveis de aprovação ou de reforma pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Executivo, conforme o caso.

13 ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO

A CF traça minuciosamente as normas básicas para a organização do Tribunal de Contas, inspirada no princípio da independência do órgão. Tem quadro próprio de pessoal, distinto de funcionalismo dos outros poderes. Os seus servidores devem apresentar alto grau de pre­

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paro intelectual e de profissionalização, aferidos em concurso público, em face da delicada missão que lhes incumbe. E organizado segundo as mesmas regras aplicáveis aos Tribunais do Poder Judiciário.

O Tribunal de Contas da União é integrado por nove Ministros, que serão nomeados dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, com o que se evitarão as aposentadorias compulsórias com menos de 5 anos de exercício do cargo. Dos Ministros de Tribu­nal de Contas da União 2/3, isto é, 6 deles serão escolhidos pelo Congresso Nacional, enquanto os outros 3, correspondentes a 1/3, serão escolhidos pelo Presidente da República, com aprovação do Se­nado Federal.

A organização e a composição dos Tribunais de Contas dos Esta­dos e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, devem seguir as mesmas regras constitucio­nais estabelecidas para o Tribunal de Contas da União.

14. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O TRIBUNAL DE CONTAS

A CF trouxe a novidade de declarar expressamente que "qual­quer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades peran­te o Tribunal de Contas da União" (art. 74, § 2a).

A medida se insere na moderna concepção de que o Tribunal de Contas é órgão auxiliar tanto da Administração e do Legislativo quan­to da própria comunidade. A democracia hodierna é representativa e participativa, como deixa claro a CF de 1988, assegurando às associa­ções e demais órgãos da comunidade a possibilidade de defesa dos direitos públicos, coletivos e difusos.

A CF, em outras passagens, reforça o relacionamento entre a co­munidade e o controle financeiro. Assim é que “as contas dos Municí­pios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qual­quer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar- lhe a legitimidade" (art. 31, § 32) e “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade admi­nistrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural" (art. 5S, LXXIII).

O Tribunal de Contas, que está essencialmente ligado aos direitos fundamentais, pela dimensão financeira que estes exibem, aparece

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na CF 88 como uma das garantias institucionais da liberdade, a que o cidadão tem acesso através das garantias processuais. Pode a comuni­dade invocar a proteção do Tribunal de Contas para o combate à cor­rupção, para o controle dos incentivos fiscais, para promover a fiscali­zação sobre as entidades financeiras privadas que, cáusando prejuízos a terceiros, possam atingir o Tesouro, para fixar o valor do dano am­biental causado por funcionário público ou terceiros etc.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: BALEEIRO, Aliomar. “O Tribunal de Contas e o Controle da Execução Orçamentária”. Revista de Direito Administrativo 31: 10-22, 1953; BANDEIRA DE MELLO, C.A. "O Tribunal de Contas e sua Jurisdição”. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro 13: 119-135, 1982; BRANDÃO, Luciano. “A Constituição de 1988 e o Tribunal de Contas da União”. Revista de Direito Administrativo 175: 36-46, 1989; BUZAID, Alfredo. "O Tribunal de Contas no Brasil”; Revista da Faculda­de de Direito da Universidade de São Paulo 62 (2): 37-62, 1967; LYRA FILHO, João. Controle das Finanças Públicas. Rio de Janeiro: Grafica Editora; Livro, 1966; MIRI- MONDE, A. R La Cour des Comptes. Paris: Sirey, 1947; PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda na 1, de 1969. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1970, tomo III ; TORRES, Ricardo Lobo. "O Tribunal de Contas e o Controle da Legalidade, Economicidade e Legitimidade”. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro 22: 37- 44, 1991; —. “Os Direitos Fundamentais e o Tribunal de Contas”. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro 23: 54-63, 1992; —. “A legitimidade Democrática e o Tribunal de Contas". Revista de Direito Administrativo 194: 31-45, 1993.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 70 a 75; Lei n2 8.443, de 16.7.92 (dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União); Constituição da República Federal da Ale­manha (1949) — art. 114; Constituição da Itália (1947) — art. 60; Constituição da Espanha (1978) — art. 31.

III — Jurisprudência: Súmula Vinculante 3, do STF: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, re­forma e pensão”.

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3& pa R T F

O CRÉDITO PÚBLICO

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CAPÍTULO XI

O Empréstimo Público

1. EMPRÉSTIMO PÚBLICO E TRIBUTO

No Estado Patrimonial, que vivia precipuamente das rendas do- miniais do Príncipe, nem o empréstimo nem o tributo ocupavam lugar de destaque na estrutura da receita. Pesava ainda sobre o empréstimo a condenação moral, tendo em vista que se baseava na cobrança de juros, não raro confundida com a usura.

Com o advento do Estado Liberal e da estrutura capitalista modi­fica-se inteiramente a ideologia financeira. A receita pública passa a se fundamentar principalmente nos impostos — ingressos provenientes do patrimônio do cidadão —, e os Governos lançam mão também dos empréstimos, que assumem a função de antecipar a arrecadação tribu­tária e de sustentar os investimentos de longo prazo. Países como a Inglaterra, a Holanda e, posteriormente, os Estados Unidos sacam os empréstimos nas praças financeiras mais fortes, pagam-nos com pon­tualidade, obtêm juros menores e conseguem se desenvolver rapida­mente. Nações em que o patrimonialismo era mais arraigado, como o Brasil, Portugal e Espanha, encontram dificuldades em administrar a dívida pública e a se valer dos empréstimos como antecipação da re­ceita.

A partir da década de 30 do século XX, aproximadamente, houve uma certa exacerbação na política dos empréstimos, sob o influxo das ideias de Keynes. Recomendava-se o aumento da dívida, para que se mantivessem o pleno emprego e a intervenção estatal na economia. No Brasil Aliomar Baleeiro (op. cit., p. 401) introduziu e defendeu tais

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ideias. Mesmo em países ricos como os Estados Unidos, mas, princi­palmente, nos mais pobres, como o Brasil, elevou-se extraordinaria­mente o volume dos empréstimos públicos e a execução dos orçamen­tos tornou-se permanentemente deficitária,

A reação veio a partir da década de 80, com o repúdio ao keyne- sianismo e a procura do equilíbrio orçamentário e do controle do en­dividamento. A CF 88 sinaliza nitidamente nesse sentido. Nos Esta­dos Unidos o prêmio Nobel de Economia J. Buchanan e o Prof. R. Wagner (op. cit., p. 45) chegaram a dizer: “...a constituição fiscal efe­tiva dos Estados Unidos se viu transformada pelos princípios econômi­cos keynesianos. A religião fiscal dos velhos tempos já não existe".

2. EMPRÉSTIMO E RECEITA

Os empréstimos, embora a rigor não sejam receita pública, perde­ram o caráter de medida extraordinária e ingressam no orçamento fiscal, juntamente com a previsão para o pagamento dos juros e das amortizações, sem que se prejudique o princípio constitucional da ex­clusividade (vide p. 119). O art. 165, § 82, da CF diz que a lei orça­mentária não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para "contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei”. A referência no texto constitucional às operações de crédito “por antecipação de receita” tem o objetivo de deixar claro que os empréstimos de curto prazo — dívida do Tesouro e não do Estado — que devam ser saldados com recursos do próprio exercício financeiro ou até a data prevista na lei orçamentária, tam­bém passam a ingressar no orçamento, ao contrário do que ocorria anteriormente (Lei 4.320, de 17.3.64 — art. 3a).

Aliás essa é a tendência universal diante da crise financeira das últimas décadas. A Constituição da Alemanha diz, no art. 115, que a prestação de garantias que possam dar lugar a gastos em exercícios futuros necessitam de autorização por lei federal, que poderá ser o próprio orçamento. A Constituição da Espanha estabelece que os cré­ditos para satisfazer o pagamento de juros e amortização da dívida pública devem ser incluídos no orçamento e que há necessidade de lei para as operações de crédito, entendendo-se por lei também a orça­mentária.

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3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Diversos princípios constitucionais, que já examinamos no capí­tulo próprio (p. 87), repercutem sobre os empréstimos públicos.

Assim acontece com o princípio da legalidade. O subprincípio da reserva da lei complementar deve ser respeitado no que concerne às normas gerais sobre a dívida pública externa e interna, sobre a conces­são de garantias pelas entidades públicas e sobre a emissão e resgate de títulos da dívida pública (art. 163, II, III e IV da CF). O Senado Fede­ral dispõe sobre os limites do endividamento e autoriza as operações externas de natureza financeira (art. 52, V, VI, VII, VIII e IX).

Esse regime de legalidade rígida tem por objetivo principal o equi­líbrio orçamentário, que é princípio constitucional importante e que depende da contenção dos empréstimos públicos. A vedação de ope­rações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou espe­ciais com finalidade precisa, aprovadas pelo Poder Legislativo por maioria absoluta (art. 167, III, CF), tem por objetivo igualmente evitar o desequilíbrio orçamentário.

O princípio da transparência cria a obrigatoriedade de inclusão no orçamento de todos os empréstimos, até mesmo daqueles por anteci­pação de receita (art. 165, § 8a, CF).

O princípio da seriedade ou da irretratabilidade da promessa de restituição do empréstimo, subprincípio da própria legalidade, é im­portantíssimo para o equilíbrio das contas nacionais e sem ele inexiste o crédito público, que é sinômino de credibilidade e de confiança.

O princípio da equidade entre gerações sinaliza no sentido de que a geração atual não deve exceder o limite da razoabilidade no endivi­damento, a fim de não sobrecarregar as gerações faturas, às quais ca­berá suportar o ônus do resgate.

4. CONCEITO DE DÍVIDA PÚBLICA

O conceito de dívida pública, no direito financeiro, é restrito e previamente delimitado. Abrange apenas os empréstimos captados no mercado financeiro interno ou externo, através de contratos assinados com os bancos e instituições financeiras ou do oferecimento de títulos ao público em geral. Estende-se, ainda, à concessão de garantias e avais, que potencialmente podem gerar endividamento.

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Excluem-se, portanto, do conceito de dívida pública aquelas que se caracterizam como dívida da Administração, como sejam as relativas a aluguéis, aquisição de bens, prestação de serviços, condenações judiciais etc. Também está fora do conceito de empréstimo a emissão de papel- moeda, que só no sentido econômico dele pode se aproximar.

5. NATUREZA

A doutrina diverge muito a respeito da natureza dos empréstimos públicos. As principais teorias são as seguintes:a) ato de soberania. Para alguns autores o empréstimo público é um ato de soberania, constituindo obrigação de direito público unilateral- mente criada pelo Estado. A doutrina Drago, defendida pelo ministro argentino que lhe deu o nome, apoiava-se nessa teoria, ao recusar a possibilidade de invasão pelos países credores do território das nações devedoras que não conseguissem saldar os seus compromissos.b) contrato de direito privado. Alguns juristas mais antigos (Laband, Graziani) entendiam que os empréstimos feitos pelo Estado tinham a natureza de contratos de direito privado, eis que seguiam a disciplina jurídica do mútuo traçada pelo Código Civil.c) contrato de direito administrativo. A teoria que goza de maior pres­tígio e que realmente tem o melhor fundamento é a que considera os empréstimos públicos como contratos de direito administrativo, de natureza semelhante à das demais relações contratuais estabelecidas pelo Estado. Defendem-na inúmeros juristas antigos e modernos (Jèze, Waline, Trotabas, Bielsa, Sainz de Bujanda), que anotam estre­mar-se o contrato de direito administrativo do de direito privado por­que nele a Administração, dotada de poder de império, jamais assume a posição de plena igualdade com o particular.

6. TIPOS

Há diversas classificações da dívida pública e dos empréstimos.

6.1. Dívida Interna e Externa

Dívida pública interna é a contraída diretamente com as institui­ções financeiras no País ou através da colocação de títulos do Governo

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no mercado anônimo de capitais, incumbência do Banco Central (art. 164 CF).

Externa é a dívida contraída com Estados Estrangeiros, com insti­tuições financeiras mantidas pela ONU e por outros Organismos inter­nacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento Econômico — BIRD), com bancos estrangeiros ou através de títulos colocados nos mercados interna­cionais de capitais.

6.2. Dívida Voluntária e Forçada

Dívida forçada ou involuntária é a assumida em razão de ato de império do Estado. Pode ter diversas formas: a) empréstimos compul­sórios, que hoje se classificam melhor como tributo (art. 148 CF); b) depósitos compulsórios feitos pelos bancos junto ao Banco Central; c) títulos de curso forçado emitidos pelo Governo, como os Certificados de Privatização. As vezes os empréstimos involuntários aparecem camufladamente, como ocorre com a inflação, que, do ponto de vista econômico, opera como se fosse imposto, pois diminui o valor real das obrigações do Estado.

Dívida voluntária é a assumida espontaneamente pelos investido­res e instituições financeiras. Dela diz-se que é: a) flutuante, quando, sendo dívida de curto prazo, deva ser paga no mesmò exercício finan­ceiro; b) fündada ou consolidada, quando seja inscrita nos livros da Fazenda Pública para pagamento em data previamente determindada (empréstimo amortizável) ou sem prazo fixado para a amortização (empréstimo perpétuo).

7. EMISSÃO

A emissão da dívida pública está inteiramente vinculada pelo princípio da legalidade.

A lei complementar deverá dispor sobre a emissão e resgate dos títulos da dívida pública e a concessão de garantias; pelas entidades públicas (art. 163, III e XV, CF).

As operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, deverão ser autorizadas por lei ou pelo orçamento (art. 165, § 82, CF).

Os limites e condições do endividamento serão estabelecidos pelo Senado (art. 52, itens X VI, VII, VIII e IX, CF) ou pelo orçamen­to (art. 167, III, CF).

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Medida da maior importância para o equilíbrio orçamentário é a que proíbe ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente, em­préstimo ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira (art. 164, § 1~ CF).

8. EXTINÇÃO

A dívida pública se extingue de diversos modos.A amortização é a forma escorreita de extinção dos empréstimos.

Pode ser feita por compra no mercado, por sorteio ou diretamente junto ao credor.

A conversão também extingue o empréstimo. Acontece quando o Estado modifica as condições anteriores do empréstimo público, es­pecialmente pela redução unilateral dos juros devidos. Se houver con­cordância do credor poderá se legitimar no sistema jurídico. A conver­são forçada, entretanto, constitui empréstimo compulsório mascarado e a sua constitucionalidade dependeria da competência do ente públi­co para a imposição fiscal e do respeito às disposições constitucionais relativas aos tributos e às normas gerais do direito tributário.

A compensação com os créditos tributários do Estado também extingue a dívida, mas depende de lei específica (art. 170 do CTN).

Dá-se a confusão quando o ente público recebe títulos de sua dí­vida por herança ou os adquire no mercado de capitais, o que a União faz através do Banco Central com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros (art. 164, § 2a, CF).

A bancarrota ou falência do Estado também extingue a dívida. Ao tempo do colonialismo levava às invasões e anexações de território. Após a Doutrina Drago e hoje, diante dos novos organismos interna­cionais, já não se admite esse tipo de coerção.

O repúdio pode extinguir também a dívida assumida pelos regi­mes políticos não-consolidados ou mediante atos de corrupção. Não se confunde com a bancarrota.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004; BUCHANAN, James & WAGNER, Richard. Déficit dei Sector

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publicoy Democracia. Madrid: Ed. Rialp, 1983; DOLLINGER, Jacob. A Dívida Exter­na Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1988; FERREIRO LAPATZA, J. J. “Dívida Pública". Revista de Direito Público 84: 10-28, 1987; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de Derecho Financiero. Madrid: Universidad Complutense, 1982.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 52, X VI, VII, VIII e IX; 163, II, III, IV, VI e VII; 165, § 82; 167, II; Constituição da Alemanha — art. 115.

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CAPÍTULO XII

O Banco Central

1. O BANCO CENTRAL NA CONSTITUIÇÃO

O Banco Central aparece pela primeira vez na Constituição do Brasil, a exemplo do que já acontecia na Constituição da Alemanha (art. 88) e de Portugal (art. 105, 2). Ocupa lugar privilegiado no siste­ma das finanças públicas (art. 164) e no sistema das finanças particu­lares, denominado sistema financeiro nacional (art. 192).

Nem por isso o Banco Central se transforma em 4- poder ou em órgão constitucional, pois não foi criado pela Constituição nem dela re­cebeu diretamente a sua competência, não elabora com autonomia a política financeira e não foi incluído entre os Poderes do Estado.

A lei complementar disporá sobre a organização, o funcionamen­to e as atribuições do Banco Central, bem como sobre os requisitos para a designação dos membros-de sua diretoria (art. 192, CF). Certa­mente a lei complementar, na linha da legislação de outros países, atribuir-lhe-á maior autonomia na condução da política financeira e creditícia e garantirá a independência de seus diretores, nomeados pelo Presidente da República (art. 84, IY CF), frente aos órgãos do Executivo.

2. AS FINANÇAS PÚBLICAS

O Banco Central ocupa lugar importantíssimo nas finanças públi­cas, especialmente em razão do monopólio da emissão da moeda, da

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compra e venda de títulos do Tesouro Nacional e dos depósitos das disponibilidades de caixa da União.

2.1. Emissão de Moeda

A principal tarefa do Banco Central, de caráter monopolístico, é a de emitir a moeda. Entende-se por moeda a metálica ou o papel- moeda que expressem nominalmente, com efeito liberatório, certas quantidades da unidade do sistema monetário definida em lei, isto é, que sirva de meio de pagamento pelo valor nela estampado. Não se incluem no conceito de moeda os bilhetes e os títulos de crédito, ainda que emitidos pelo Governo, nem os depósitos e reservas bancárias, que, embora componham a base monetária, não são moeda para o efeito do art. 164 da CF. Por emitir compreende-se também o cunhar a moeda metálica.

O Banco Central exerce a competência que, pelo art. 21, VII, é atribuída à União. Há um regime de coparticipação: o Banco Central não tem independência, estando reservado ao Congresso Nacional dis­por sobre os limites da emissão (art. 48, XIV); em contrapartida, não pode ser destituído do monopólio, que é de origem constitucional.

A cunhagem da moeda metálica desde a antiguidade é monopólio estatal. Os bilhetes e títulos lastreados em ouro ou prata ou em títulos do Governo é que puderam, em certas épocas, ser emitidos por parti­culares. Hoje os Bancos Centrais exercem com exclusividade a função de emitir moeda, o que aconteceu no Brasil a partir de 1965.

2.2. Empréstimos ao Tesouro Nacional

O art. 164, § l fi, da CF veda ao Banco Central conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira.

A medida é importantíssima para o combate à inflação. O Banco Central, como órgão que emite a moeda, não pode utilizá-la para fi­nanciar o déficit público ou emprestá-la ao Tesouro Nacional e às em­presas do Governo, pois isso implicaria sempre em mais emissão e, conseguintemente, na desvalorização da unidade monetária.

A vedação se estende aos empréstimos diretos e aos indiretos. Proibidas estão, portanto, medidas como a imputação ao Banco Cen­tral da responsabilidade pelo pagamento do serviço da dívida da União.

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£S8J * Ensino Superior Bumau Juááfce

2.3. Compra e Venda de Títulos do Tesouro Nacional

O art. 164, § 2- autoriza o Banco Central a comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros, jã que há muita proximidade, do ponto de vista econômico, entre a emissão de títulos de dívida e a emissão de dinheiro. A dívida pública, como vimos antes (p. 219), pode consistir em empréstimos tomados diretamente junto aos ban­cos e órgãos públicos ou captados no mercado anônimo de capitais. A referência constitucional é à dívida da União colocada através do Ban­co Central no mercado aberto (open market).

A competência do Banco Central, todavia, não se esgota na com­pra e venda de títulos do Governo, eis que o mercado aberto pode funcionar também com outros papéis.

O objetivo primordial do open market, como define a própria Constituição, não é financiar o déficit público, mas regular a oferta da moeda ou a taxa de juros, pelo que a política fiscal não deve se confun­dir com a monetária. Quando houver muito dinheiro em circulação incumbe ao Banco Central enxugar o mercado, vendendo títulos; na hipótese inversa, coloca mais dinheiro em circulação, comprando os títulos e favorecendo a expansão do crédito.

2.4. Depósito dos Poderes Públicos

As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central e as dos Estados, Municípios e outros órgãos ou entidades do Poder Público, em instituições financeiras oficiais (art. 164, § 3a, CF). A Constituição da Alemanha tem dispositivo semelhante (art. 109, 4, 2), que autoriza a lei a criar a obrigação de a União e os Estados man­terem depósitos sem juros no Banco Central.

Esses depósitos no Banco Central permitem-lhe regular a oferta da moeda e o giro do dinheiro, contribuindo para a política de estabi­lização econômica. Além disso, têm grande alcance para o próprio equilíbrio orçamentário, para o controle da dívida pública e para a política de empréstimos via open market, pois abrem ao Banco Central a possibilidade de ajustar a compra ou a venda de títulos do Tesouro Nacional às reservas da União.

As disponibilidades de caixa dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas serão depositadas em instituições financeiras ofl-

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ciais (art. 164, § 32; CF). É providência ditada pela moralidade na administração da coisa pública e já positivada em diversas normas do direito infraconstitucional. Mas a legislação ordinária autoriza que os depósitos também sejam feitos nos bancos privatizados (MP 2-139- 62; de 29.01.01).

3. O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

A CF disciplina o sistema financeiro nacional, assim entendido o sistema das finanças privadas e do seu controle pelo governo. E novi­dade no nosso constitucionalismo. O termo finanças sempre foi utili­zado no sentido de finanças públicas (vide p. 7), como o faz a própria CF no art. 163. Mas tem, modernamente, a acepção de finanças priva­das, consistindo na utilização, pelo povo, do dinheiro e outros instru­mentos criados pelo Governo, o que permite ao Estado legislar sobre tais ativos, como aconteceu no Plano Collor (1990). A CF separa cla­ramente o sistema das finanças públicas, que abrange os subsistemas tributário, orçamentário, dos gastos públicos e monetário (arts. 145 — 169), do sistema das finanças nacionais, a compreender as institui­ções privadas, inclusive os bancos pertencentes aos poderes Públicos que operem sob a forma de pessoa jurídica de direito privado.

Nesse contexto é que aparece o Banco Central como órgão estatal controlador e disciplinador da atividade financeira privada. Exerce a competência atribuída à União para fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização (art. 21, VIII). Sendo a sua missão precípua a de emitir a moeda nacional não poderia faltar ao Banco Central a incumbência de controlar a ve­locidade de circulação do dinheiro, o que fará através da fiscalização permanente dos bancos e demais instituições financeiras, zelando pelo bom funcionamento do sistema.

A CF, em sua redação originária, trazia, no art. 192, extensa, de­feituosa e desnecessária regulamentação do sistema financeiro nacio­nal, dispondo até sobre as taxas de juros reais. A EC 40/03 reformulou inteiramente o citado art. 192, do qual só restou o caput, com a se­guinte dicção: “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interes­ses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que

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disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas ins­tituições que o integram".

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: JANSEN, Letácio. A Norma Monetária. Rio de Janeiro: Forense, 1988; LAMY, José Alfredo. Política Monetária e Mercado Aberto. Rio de Janeiro: Andima, 1985; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. “A Reforma Monetária e a Retenção dos Ativos Líquidos no Plano Brasil Novo". Revista de Informação Legislativa 108: 49-66, 1990; NUSSBAUM, Arthur. Derecho Monetário Nacional e Internacional. Buenos Ai­res: Arajú, 1954; WALD, Amold, “Sistema Financeiro Nacional na Constituição de 1988”. Revista de Direito Público 94: 283-293, 1990.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 21, VIII; 22, VI; 84, IV; 164; 192; Constituição da Alemanha — art. 88; Constituição de Portugal — art. 105, 2.

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4a PARTE

TEORIA DA TRIBUTAÇÃO

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CAPÍTULO XIII

Relação Jurídica Tributária

L CONCEITO DE RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

A relação jurídica, genericamente considerada, é a que une dois su­jeitos em torno de um objeto (prestação). A relação jurídica tributária, conseguintemente, é a que, estabelecida por lei, une o sujeito ativo (Fa­zenda Pública) ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável) em tor­no de uma prestação pecuniária (tributo) ou não-pecuniária (deveres instrumentais). Por exemplo: em decorrência de uma lei formal o con­tribuinte (sujeito passivo) deve pagar à União (sujeito ativo) determina­da importância a título de imposto calculado sobre a renda auferida em certo período, instaurando-se uma relação jurídica de crédito de tributo (= obrigação principal); mas, além de pagar o imposto, o contribuinte ainda está obrigado a prestar à Fazenda Federal declarações e informa­ções sobre os seus rendimentos, consubstanciando-se uma relação jurí­dica instrumental (— obrigação acessória), de natureza não-pecuniária. Podemos assim representá-la graficamente.

Relaçao Jurídica Tributária

Sujeito Ativo Sujeito Passivo

Relação tributária material Relação tributária formal(= relação de crédito tributário ou obrigação (= deveres instrumentais ou obrigação

principal — art 113, § l2, CTN) acessória — art. 113, § 2a, CTN)

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A causa (capacidade contributiva ou lei), que durante muitos anos foi apontada como elemento constitutivo da obrigação tributária, está hoje inteiramente afastada da cogitação da doutrina, pois repre­sentava a mera extrapolação de um problema do direito civil para o campo das relações de direito público, que se formam sempre ex lege.

A relação jurídica tributária é complexa, pois abrange um conjun­to de direitos e deveres do Fisco e do contribuinte. A Fazenda Pública tem o direito de exigir do contribuinte o pagamento do tributo e a prática de atos necessários a sua fiscalização e determinação; mas tem o dever de proteger a confiança nela depositada pelo contribuinte. O sujeito passivo, por seu turno, tem o dever de pagar o tributo e de cumprir os encargos formais necessários à apuração do débito; mas tem o direito ao tratamento igualitário por parte da Administração e ao sigilo com relação aos atos praticados. Podemos assim representar graficamente o complexo de direitos e deveres:

Relação Jurídica Tributária

Direitos

não-pecuqiários pecuniários pecuniários

Relação de crédito de tributo

(obrigação principal)

Relação instrumental

(obrigação acessória)

Deveres

não~pecuniários

Na relação jurídica tributária podem-se distinguir os seus aspec­tos substantivos (materiais) e administrativos (formais), o que consti­tui projeção da distinção, antes examinada (p. 13), entre o Direito Tributário Material e o Direito Tributário Formal. A relação jurídica tributária material compreende os vínculos surgidos das leis que dis­põem sobre os tributos. A relação formal abrange os vínculos decor­rentes das leis sobre os deveres instrumentais e os procedimentos ad­ministrativos necessários à exigência do tributo. Uma certa parte da doutrina defende a concepção unitária da relação jurídica, aparecendo cada qual daquelas relações como aspectos de uma só unidade (A. D. GIANNINI, op. cit., p. 125); prevalece, porém, a tese da dualidade das relações, com as suas conseqüências específicas.

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De observar, ainda, que a relação jurídica tributária envolve sem­pre a figura do tributo. De modo que como tal não pode se considerar a relação jurídica correspondente a ingressos não-tributários, como sejam as multas e os juros, ainda que esses adminículos sejam cobra­dos em conjunto com o tributo.

As relações jurídicas tributárias são múltiplas. O mesmo cidadão pode estar ligado às diferentes esferas da Fazenda Pública (Federal, Estadual e Municipal) por inúmeras relações jurídicas. Se o imposto for exigido periodicamente, a relação jurídica tributária dir-se-á perió­dica (ex. IPTU); se o tributo for cobrado de modo duradouro, como o imposto de renda, a acompanhar o contribuinte durante toda a sua existência, haverá relação jurídica tributária permanente, embora lan­çada anualmente.

2. NATUREZA DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

Diversas teorias procuram explicar a natureza da relação jurídica tributária.

2.1. Relação de Poder

Nas primeiras décadas deste século, época da fundação do Direi­to Tributário, prevaleceu a tese de que o vínculo entre o Fisco e o contribuinte decorria de uma relação de poder tributário (Abgabenge- waltverhãltnis). O tributo se definia quase que exclusivamente em função da lei: era a prestação “que a lei impõe em vista de certas hipóteses determinadas, sem que haja necessidade de qualquer outro título para dar nascimento à obrigação” (MYRBACH-RHEINFELD, op. cit., p. 115). Alguns juristas positivistas chegavam a dizer que “o dever geral de o sujeito pagar impostos é uma fórmula destituída de sentido e valor jurídico” (O. MAYER, op. cit., p. 178).

2.2. Relação Obrigacional ex lege

Posteriormente outros autores procuraram diminuir o relevo que a legalidade havia adquirido, mesclando-a com o momento da forma­ção do vínculo obrigacional. Chegou-se, assim, ao conceito de tributo còmo objeto de uma relação obrigacional criada por lei. O núcleo da definição passou a ser o vínculo obrigacional, pois a relação jurídica se

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firmava entre dois sujeitos — credor e devedor do tributo — que se subordinavam à lei em igualdade de condições. O tributo, portanto, tinha na lei a sua fonte ou causa, mas se definia principalmente em função do fato gerador que dava nascimento à obrigação tributária, nova estrela na constelação financeira. Essa teoria foi defendida pelo jurista alemão A. Hensel (op. cit., p. 72) e pelo italiano A. D. Giannini (op. cit., p. 124), tendo influenciado a redação do nosso Código Tribu­tário Nacional e a maior parte da doutrina brasileira, como foi o caso de Rubens Gomes de Souza (op. cit., p. 57) e Amilcar de Araújo Fal­cão (op. cit., p. 25): “ define-se como uma obrigação ex lege de Direito Público a relação jurídica através da qual a prestação de tributos é exigida pelo Estado ou outra pessoa de direito público"). Corolário da tese central é a exacerbação formalista do poder tributário, com a sua redução ao momento legislativo, vedada à Administração qualquer parcela de discricionariedade; A. D. Giannini dizia: “a potestade fi­nanceira (potestà finanziaria) do Estado se manifesta, não na relação creditícia derivada da lei tributária, mas apenas na emanação dessa lei, a qual, quando entra a fazer parte do ordenamento jurídico, vincula o ente público tanto quanto o devedor” (op. cit., p. 48).

A teoria da relação obrigacional trouxe, contudo, algumas perple­xidades. Não explicava, diante da questão da soberania, como o Esta­do poderia, no ato de legislar, se colocar em relação de igualdade com o contribuinte. Além disso, confundia o plano da norma e da definição abstrata do fato gerador com o plano do contingente e da ocorrência concreta do fato gerador (vide p. 244). Finalmente, afastava o fenô­meno tributário de suas matrizes constitucionais, reduzindo-o ao cam­po da legislação ordinária e confundindo-o com outras figuras de direi­to privado, mercê de sua absorção na ideia de vínculo obrigacional.

2.3. Relação Procedimental

Quando o autor alemão Nawiasky (op. cit., p. 69) se opôs à ideia de relação tributária como relação de poder (Gewaltverhãltnis), redu­zindo o problema da soberania à fase da criação legislativa do tributo, acabou por privilegiar o momento da concreção do vínculo entre os sujeitos ativo e passivo, que se dá no ato administrativo de lançamen­to, em que a Fazenda e o contribuinte se encontram em igualdade de condições.

Essa doutrina transmigrou para a Itália e se ampliou pela ênfase dada por diversos autores ao lançamento na estrutura da tributação.

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Micheli (op. cit., p. 59 e 112), ao distinguir entre a potestade norma­tiva e a potestade de imposição, isto é, entre a postestade de “editar normas jurídicas tributárias” e de “aplicá-las", faz repousar a noção de tributo nesta última, que se converte afinal nos meios procedimentais para a cobrança do crédito definido pelo ato emanado da potestade normativa. A teoria procedimentalista tem grande importância na problemática do lançamento, pois vai defender a sua natureza consti­tutiva (vide p. 278).

No Brasil essa teoria tem poucos adeptos, podendo ser indicado entre eles Aurélio Seixas Filho (op. cit,)

2.4. Relação Obrigacional e Constituição

A doutrina mais moderna e mais influente estuda a relação jurídi­ca tributária a partir do enfoque constitucional e sob a pespectiva do Estado de Direito, estremando-a das relações jurídicas do direito pri­vado: a sua definição depende da própria conceituação do Estado. As­sim pensam, entre outros, K. Tipke (op. cit., p. 29) e Birk (op. cit., p. 79) na Alemanha e F. Escribano (op. cit., p. 156) na Espanha.

Claro que, apesar da abordagem constitucional do problema, a relação jurídica tributária continua a se definir como obrigação ex lege. Mas a sua origem legal se complementa e se equilibra com os momen­tos ulteriores do exercício do poder de administrar e do poder de julgar as controvérsias surgidas da aplicação da lei, sem os quais não se forma, na vida real, o vínculo de direito. O esquecimento do poder judicial na estrutura da relação tributária, sobre contrastar com os pressupostos constitucionais da separação formal e material dos pode­res do Estado, ainda conduzia à exacerbação do formalismo normati- vista ou procedimentalista.

A imbricação constitucional da relação tributária orienta a sua problemática para o campo das conexões entre a receita e os gastos públicos, dado importantíssimo na atual fase das finanças públicas.

A relação jurídica tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais declarados ha Constituição. Nasce, por força da lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal. E rigidamente: controlada pelas garantias dos direitos e pelo sistema de princípios da segurança jurídi­ca. Todas essas características fazem com que se neutralize a supe­rioridade do Estado, decorrente dos interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a publicidade do vínculo jurídico.

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Demais disso, não se esgota na lei formal, senão que deve buscar o seu fundamento na ideia de justiça e nos princípios constitucionais dela derivados, máxime os da capacidade contributiva, do custo/bene­fício e da solidariedade social.

Os tríbutaristas alemães K. Tipke e J. Lang (op. cit., p. 29) assim resumem a doutrina: “A relação jurídica tributária é uma relação legal de direito público. Daí resulta que na relação jurídica tributária se desenvolvem os direitos fundamentais como defesa do cidadão contra o Estado e como princípios legais fundamentais de ju stiça/

3. RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA MATERIAL

3.1. A Obrigação Tributária Principal

A obrigação tributária principal é o vínculo jurídico que une o sujeito ativo (Fazenda Pública) ao sujeito passivo (contribuinte ou res­ponsável) em tomo do pagamento de um tributo.

A prestação objeto da obrigação principal será, portanto, ou um imposto, ou uma taxa, ou uma contribuição ou um empréstimo com­pulsório, que constituem as quatro espécies do gênero tributo.

3.2. Penalidade Pecuniária

O Código Tributário Nacional diz, no art. 113, § l 2 que "a obriga­ção principal tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.”

Se com relação ao tributo como objeto da obrigação tributária inexiste qualquer dúvida, o mesmo não se pode dizer da penalidade pecuniária.

São inconfundíveis o tributo e a penalidade. Aquele deriva da incidência do poder tributário sobre a propriedade privada. A penali­dade pecuniária resulta do poder penal do Estado e tem por objetivo resguardar a validade da ordem jurídica. O próprio art. 32 do CTN, ao definir o tributo, exclui do seu conceito a prestação "que constitua sanção de ato ilícito". Logo, o art. 3S estaria em aparente conflito com o art. 113, § l 2.

Sucede que a penalidade pecuniária é cobrada junto com o crédi­to de tributo. Daí porque o CTN, impropriamente, assimilou-a ao próprio tributo. Mas é irretorquível que tem ela uma relação de aces-

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soriedade com referência ao tributo e nesse sentido deve ser interpre­tado o art. 113, § l fi. O Código Tributário Alemão diz, no art. 37, que derivam da relação de crédito de imposto (Steuerschuldverhãltnis) as pretensões ao tributo, aos incentivos fiscais, à restituição do indébito e a uma prestação fiscal acessória (auf eine steuerlich N ebenleistung), nesta última compreendida a penalidade pecuniária.

3.3. Crédito Tributário

A obrigação tributária principal, que tem por. objeto prestação pecuniária, é o vínculo jurídico que compreende o crédito e o débito. São dois aspectos da mesma realidade. A Fazenda Pública tem o direi­to ao crédito tributário e o contribuinte tem o dever de entregar a prestação patrimonial em que consiste o tributo, isto é, está obrigado a pagar o débito tributário.

O CTN diz, no art. 113, § 1-, que a obrigação tributária “extin­gue-se juntamente com o crédito tributário”. A obrigação e o crédito não só se extinguem como também nascem juntamente. Nada obstan­te, o Código reserva o termo “crédito” à obrigação que adquire con- cretitude ou visibilidade e passa por diferentes graus de exigibilidade; assim, o "crédito” se “constitui” pelo lançamento (art. 142), toma-se definitivamente constituído na esfera administrativa tanto que decor­rido o prazo de3 0 dias do lançamento ou da decisão irrecorrível (arts. 145, 174) e se transforma em dívida ativa, adquirindo a presunção de liquidez e certeza pela inscrição nos livros da dívida ativa (art. 204 CTN). A técnica utilizada pelo Código deve ser empregada com cau­tela, pois obrigação e crédito não se distinguem em sua essência, como declara o próprio CTN no art. 139: “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza deste".

3.4. Nascimento e Extinção da Obrigação Tributária

O CTN cuida exaustivamente da fenomenologia da obrigação tri­butária. O seu surgimento dá-se com a ocorrência do fato gerador (art. 114). A declaração de sua existência e a constituição do crédito ocor­rem com o lançamento (art. 142). O crédito tributário tem as causas de sua suspensão e de sua extinção reguladas nos arts. 151 e 156. Toma-se líquido e certo pela inscrição nos livros da dívida ativa (art. 201). Examinaremos todos esses tópicos nos capítulos XIV e XV

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4. RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA FORMAL

4.1. Deveres Instrumentais

A relação jurídica tributária formal compreende os deveres ins­trumentais a cargo do sujeito passivo, instituídos por lei, para possibi­litar e assegurar o cumprimento da obrigação principal.

O contribuinte está obrigado a praticar inúmeros atos e condutas de ordem formal ou burocrática. Deve prestar declarações ao Fisco, emitir notas fiscais, manter livros fiscais à disposição dos agentes pú­blicos, fornecer informações econômicas sobre suas atividades, inscre­ver-se no cadastro fiscal. Todos esses deveres são meramente instru­mentais, sem conteúdo patrimonial.

4.2. Obrigação Acessória

A expressão “deveres instrumentais” é a preferida da doutrina mais moderna, brasileira ou estrangeira. O Código Tributário alemão de 1977 refere-se à “relação de dever fiscal” (Steuerpflichtverhãltnis).

O Código Tributário Nacional optou pelo conceito de "obrigação acessória”, que “decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arre­cadação ou da fiscalização dos tributos” (art. 113, § 2S). Deixou-se influenciar pela doutrina sua contemporânea, principalmente pela obra de Rubens Gomes de Souza (op. cit., p. 58), integrante da comis­são que o elaborou. A Ley General Tributaria da Espanha também se refere à obrigação tributária; depois de definir como obrigação princi­pal a de pagar a dívida tributária, acrescenta que o sujeito passivo ainda está “obrigado" a formular quantas declarações e comunicações se exijam para cada tributo”, obrigações que têm o “caráter de acessó­rias” (art. 35, §§ l 2 e 3 s).

A expressão “obrigação acessória" vem sendo severamente criti­cada pela doutrina. Em primeiro lugar, porque, por lhe faltar conteú­do patrimonial, não pode se definir como obrigação, vínculo sempre ligado ao patrimônio de alguém. Em segundo lugar, porque nem sem­pre o dever instrumental é acessório da obrigação principal, tendo em vista que pode surgir independentemente da existência de crédito tri­butário, como acontece na declaração de renda. Em terceiro lugar, porque o termo deveria ser reservado para aquelas obrigações que se colocam acessoriamente ao lado da obrigação tributária principal,

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ES8J * Ensino Siçencí Ekreau Juááce

como sejam as penalidades pecuniárias e os juros e acréscimos mora- tórios.

4.3. Penalidade Pecuniária

Reza o CTN, no art. 113, § 32, que “a obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.”

Esse dispositivo é conseqüência da inexata caracterização do dever instrumental como obrigação acessória. Sendo ele impropriamente con­siderado pelo CTN como obrigação de fazer, do seu descumprimento resulta uma obrigação de dar, ou seja, o não-fazer é punido com multa fiscal, que se transforma, também impropriamente (vide p. 234), em obrigação principal. O esquema aqui coincide com o do direito civil: o descumprimento de uma obrigação de fazer se resolve em pagamento de perdas e danos, convertendo-se em obrigação de dar,

NOTAS COMPLEMENTARES

L Bibliografia: BERLIRI, Antonio. Princípios de Derecho Tributário. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1964; BIRK, Dieter. Steuerrecht. Munique: C.H. Beck, 1988, v. 1; CARVALHO, Paulo de Barros. “A Relação Jurídica Tributária e as Impropriamente chamadas Obrigações Acessórias”. Revista de Direito Público 17: 381-386, 1971; ES- CRIBANO, Francisco^ La Configuración Jurídica dei Deber de Contribuir. Madrid: Ed. Civitas, 1988; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1971; GIANNINI, Achüie Donato. I. Concetti Fondamentali dei Diritto Tributário. Turim: UTET, 1956; HEN5EL, Albert. Diritto Tributário. Milano: Giuffrè, 1956; MAYER, Otto. Le Droit Administratif Allemand. Paris: Giard & Brière, 1904; MICHELI, Gian Antonio. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1978; MYRBACH-RHEINFELD, Franz von. Précis de Droit Financier. Paris: Giard & Brière, 1910; NAWIASKI, Hans. Guestiones Funda- mentales de Derecho Tributário. Madrid: Instituto de Estúdios Fiscales, 1982; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de Derecho Financiero. Madri: Universidad Com­plutense, 1982; SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário. A Função Fiscal. Rio de Janeiro: Forense, 2003; SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Ed. Financei­ras, s/d; K. TIPKE/LANG, J. Steuerrecht. Kõln: O. Schmidt, 2002.

II. Direito Positivo: Código Tributário Nacional — art. 113; Ley General Tributaria da Espanha — arts. 17 a 34; Código Tributário da Alemanha (1977) — arts. 33 e 37.

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CAPÍTULO XIV

Nascimento da Obrigação Tributária

I. O FATO GERADOR DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

1. CONCEITO

Fato gerador é a circunstância da vida — representada por um fato, ato ou situação jurídica — que, definida em lei, dá nascimento à obrigação tributária. O CTN define: “o fato gerador da obrigação prin­cipal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência” (art. 114).

O fato gerador da obrigação tributária pode ser, portanto, um qualquer fato jurídico ou um conjunto de fatos jurídicos. A morte do de cujus é um fato jurídico previsto no direito civil que se transforma em fato gerador tributário, deflagrando a obrigação principal do im­posto causa mortis.

O ato jurídico stricto sensu também dá nascimento à obrigação tributária. Transforma-se, para efeitos tributários, em fato gerador, não obstante tenha, para o direito privado, a natureza de ato de vonta­de ou de negócio jurídico. O ITBÍ, por exemplo, tem como fato gera­dor diversos atos jurídicos: compra-e-venda, permuta, dação em paga­mento etc.

Finalmente, o fato gerador pode se consubstanciar em uma situação jurídica, entendida no sentido estrito de complexo de direitos e deveres protegidos pela ordem jurídica. Assim, a propriedade de um bem imóvel situado na zona urbana do município é uma situação jurídica suficiente para deflagrar periodicamente a obrigação de pagar o IPTU.

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Para que surja a obrigação tributária é necessário que o fato gera­dor seja perfeita e exaustivamente definido na lei formal. Já estuda­mos que o princípio da legalidade vincula inteiramente a criação do tributo (p. 106). Mas só a lei formal não é o bastante para dar nasci­mento à obrigação tributária, que está vinculada também, como vimos antes (p. 93), aos princípios constitucionais, especialmente ao da ca­pacidade contributiva, e aos direitos fundamentais.

2. ESTRUTURA NORMATIVA

2.1. Fato gerador abstrato e concreto

A mesma expressão “fato gerador” designa dois fenômenos dis­tintos, conforme seja apreciado no plano abstrato ou no concreto, isto é, no plano da norma ou no da experiência.

Fato gerador, no plano da norma, é a definição abstrata da situa­ção necessária ao nascimento da obrigação tributária, com todos os seus elementos, que são o objeto (= núcleo), os sujeitos, o tempo, o espaço e a quantidade. A norma tributária, em virtude do princípio da legalidade, deve, de acordo com o art. 97 do CTN, descrever a cir­cunstância da vida apta a deflagrar a obrigação principal, indicar o sujeito passivo e fixar a alíquota e a base de cálculo. O fato gerador, portanto, é extremamente complexo, pois não se esgota em um só artigo legal, senão que abrange uma pluralidade de normas espalhadas em uma ou em várias leis formais. O fato gerador do imposto de ren­da, por exemplo, definido em diversas leis federais, é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza (objeto) por pessoa física ou jurídica (sujeito passi­vo) no território nacional ou estrangeiro (espaço) e incide anualmente (tempo) sobre o montante real, arbitrado ou presumido da renda ou dos proventos (base de cálculo), pelas percentagens de 15 ou 25% (alíquota).

O fato gerador abstrato pode se tomar concreto no mundo fático ou na experiência histórica. Se todos os elementos do fato descrito na norma abstrata acontecerem na realidade nascerá a obrigação tributá­ria. Se, por exemplo, João da Silva (sujeito passivo) auferiu, no Rio de Janeiro (espaço), durante o ano passado (tempo), rendimentos de sa­lário e de capital (objeto) no valor de R$ 100.000,00, sofrerá a inci­dência do imposto pelo percentual de 27,5% (alíquota) e deverá pagar

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à Fazenda Federal (sujeito ativo) a quantia de R$ 27.500,00 com as deduções e abatimentos autorizados por lei (prestação tributária).

A fenomenologia do fato gerador segue as regras do silogismo jurídi­co, do qual o exemplo clássico é o seguinte: todo homem é mortal (pre­missa maior); Sócrates é homem (premissa menor); logo, Sócrates é mortal (conclusão). Assim, o fato gerador abstrato é a premissa maior, o fato concreto, a premissa menor e a conclusão resulta da subsunção do fato individual na situação abstrata. De observar que a subsunção não é puramente lógica, pois depende da interpretação e da compreensão do fato descrito na norma e da qualificação do fato concreto (inexiste inter­pretação do fato), pelo que a inferência ou conclusão não chega a trazer qualquer novidade que não se contenha nas premissas previamente in­terpretadas e qualificadas. Assim sendo, se o fato gerador abstrato (FG) cria a obrigação tributária (OT) e se o fato gerador concreto (fg) se sub- sume no abstrato (FG), segue-se que nascerá a obrigação de pagamento do tributo (OT), o que assim se pode representar:

PQ ------- - OT (premissa maior)

fg = FG (subsunção)

fg -------► OT (conclusão)

A falta da distinção entre o plano da norma e o da experiência pela doutrina contemporânea à elaboração do CTN levou a inúmeros equívocos no campo da interpretação e da aplicação do direito tribu­tário, bem como no da isenção e da não-incidência, como oportuna­mente veremos (p. 309).

2.2. Antecedente e conseqüente da regra de incidência

Mas a análise a que se procedeu no item anterior é insuficiente, pois se toma necessária a decomposição da regra de incidência na qual se inclui o fato gerador, para identificar os diversos elementos de sua estrutura normativa.

A expressão fato gerador deve ser reservada ao antecedente da regra de incidência, isto é, à descrição ou à definição da situação ne­cessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, que abran­ge o objeto, o sujeito e o tempo do fato gerador. Corresponde ao que os alemães chamam de Tatbestanâ.

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A regra de incidência contém ainda o conseqüente, ou seja, a es- M

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tatuição do dever de pagar o tributo, representada pelos dados quan­titativos, geralmente base de cálculo e alíquota. Os alemães se refe- |§|i: rem à Rechtsfolge.

Tanto o antecedente quanto o conseqüente podem conter conceitos jurídicos determinados ou indeterminados, cláusulas gerais e tipos.

Os autores espanhóis e portugueses e os penalistas em geral em- burilharam o fato gerador (Tatbestand) com o tipo (Typus), o que con­duziu a insuportável confusão em torno da tipicidade, que chegou a ser considerada fechada (A. XAVIER, op. cit., p. 92/94), como já exa­minamos (vide p. 110).

De modo que a estrutura silogística do fato gerador e da obrigação tributária admite também a seguinte perspectiva: a premissa maior é constituída pelo fato gerador (antecedente — sujeito, objeto e tempo) e pela respectiva conseqüência (base de cálculo e alíquota); a premissa -|| menor surge com o fato gerador concreto suscetível de se subsumir no fato gerador abstrato (João da Silva auferiu rendimentos no Rio de -J|| Janeiro no ano passado); a conclusão do silogismo consistirá na obriga- -|| ção de João da Silva pagar o IR correspondente a 27,5% sobre o rendi- fff mento de R$ 100.000,00, isto é, R$ 27.500, 00. O silogismo tributá- j§ rio pode ser lido esquematicamente assim:

Premissa maior antecedente (— FG) 4- conseqüente

Premissa menor fg = FG

Conclusão ou inferência fg ------- ► conseqüência (OT)

De notar que, quando o antecedente e o conseqüente da regra de incidência contiverem tipos jurídicos não se deflagrará o mecanismo da subsunção, mas o da tipificação administrativa ou judicial ou da coorde­nação tipológica (vide p. 110). Nos raros casos em que houver conceitos indeterminados acoplados a cláusulas discricionárias, a aplicação do di­reito tributário se fará pela discricionariedade (vide p. 161).

3. TERMINOLOGIA

O CTN e a maior parte da doutrina brasileira empregam a expres­são “fato gerador” para designar assim a situação abstrata definida em

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lei como a sua ocorrência no plano concreto. Em língua portuguesa não há expressões que indiquem, sem ambigüidade, a dimensão nor­mativa e a concreta do fato gerador. Geraldo Ataliba (op. cit., p. 75) propôs a expressão “hipótese de incidência” para a descrição genérica e "fato imponível” para o fato concretamente ocorrido no mundo fenomênico; mas, sem prévia convenção, o "fato imponível” pode ser tomado na acepção abstrata, o que não resolve o problema lin­güístico.

Mas em outros idiomas a expressão também é ambígua: fait géné- rateurem francês, hecho impônible em espanhol efattispecie em italia­no compreendem simultaneamente o abstrato e o concreto. Só o ale­mão, pela sua opulência vocabular, possui dois termos distintos: Tat- bestand, que é a situação genérica, e Tatsache, que corresponde ao fato concreto; mas a legislação e a doutrina germânicas, apesar disso, con­fundem muitas vezes os dois conceitos (cf. TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 307).

Por outro lado a doutrina e a jurisprudência brasileiras confundi­ram o fato gerador com o antecedente (Tatbestand) e o conseqüente (Recktsfolge) da regra de incidência, gerando inúmeras improprieda- des em tomo dos conceitos indeterminados, da claúsulas gerais e dos tipos, bem como entre a subsunção e a coordenação dos tipos. Exce­ção é a obra de Paulo de Barros Carvalho (Direito Tributário. Funda­mentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 80 e se­guintes) e de seus discípulos, que distinguem claramente entre regra matriz de incidência e fato gerador.

4. ESPÉCIES

O CTN, tendo adotado os conceitos de obrigação principal e acessória, teria que concluir no sentido da existência de fato gerador da obrigação principal e da acessória.

Fato gerador da obrigação principal, define o art. 114, “é a situa­ção definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”.

Fato gerador da obrigação acessória, segundo o art. 115, “é qual­quer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”.

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5. EVASÃO, ELISÃO, SONEGAÇÃO, SIMULAÇÃO E FRAUDE

Diversos problemas difíceis do direito tributário decorrem da de­finição do fato gerador. A interpretação, a aplicação, a isenção e a não-incidência, como já vimos (p. 244), estão vinculadas às duas di­mensões básicas do fato gerador.

Outras figuras importantes estão ligadas também à ocorrência do fato gerador: a evasão, a elisão, a sonegação, a simulação e a fraude. Há dificuldades semânticas com relação a cada um desses conceitos em português e nos outros idiomas, além de desencontros teóricos sobre a sua licitude.

A evasão lícita e a elisão (lícita ou ilícita) precedem a ocorrência do fato gerador no mundo fenomênico. A sonegação e a fraude (= evasão ilícita) dão-se após a ocorrência daquele fato.

Evasão (tax saving em inglês; Steuervermeidung em alemão) é a economia de imposto obtida ao se evitar a prática do ato ou o surgi­mento do fato jurídico ou da situação de direito suficientes à ocorrên­cia do fato gerador tributário. Deixar alguém de fumar para não pagar o IPI ou o ICMS é o exemplo clássico de evasão. É sempre lícita, pois o contribuinte atua numa área não sujeita à incidência da norma impo- sitiva. O termo evasão, com tal significado, é cultivado pela ciência das finanças e aparece no direito financeiro francês. Quando tomada no sentido da expressão inglesa tax evasion, como veremos adiante, da preferência de alguns autores brasileiros, é ilícita.

Elisão {tax avoidance em inglês; Steuerumgehung em alemão; elu- sione em italiano) pode ser lícita (= planejamento fiscal consistente) ou ilícita (= planejamento fiscal abusivo). No primeiro caso, é a eco­nomia de imposto alcançada por interpretação razoável da lei tributá­ria; no segundo, é a economia do imposto obtida pela prática de um ato revestido de forma jurídica que não se subsüme na descrição abs­trata da lei. Os adeptos da interpretação lógico-sistemática e do pri­mado dos conceitos do direito civil defendem a licitude da elisão: será lícita qualquer conceptualização jurídica do fato sujeito ao imposto, eis que à aptidão lógica do conceito para revestir juridicamente certos fatos repugna a ideia de abuso de forma jurídica; figura de prestígio nessa corrente teórica foi Sampaio Dória. A tese da ilicitude da elisão, hoje em refluxo, defenderam-na os adeptos da consideração econômi­ca do fato gerador e da autonomia do direito tributário, já que consti­tuiria abuso da forma jurídica qualquer descoincidência entre a roupa­gem exterior do negócio e o conteúdo econômico que lhe correspon­

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de; entre os seus defensores destacou~se Amilcar de Araújo Falcão. Posições teóricas atuais como a jurisprudência dos valores e o pós-po- sitivismo aceitam o planejamento fiscal, como forma de economizar imposto, desde que não haja abuso de direito; só a elisão abusiva ou o planejamento inconsistente se tornam ilícitos; autores estrangeiros como K. Tipke defendem esse ponto de vista, que aos poucos vai che­gando ao Brasil e se positivou no art. 116, parágrafo único, do CTN, na redação da LC 104/01 (vide p. 161). No direito comparado encon­tram-se dois testes principais para detectar a elisão abusiva: o teste do propósito negociai (business purpose test), desenvolvido nos Estados Unidos, que sinaliza no sentido de que não devem produzir efeitos contra o Fisco os negócios jurídicos que tenham por finalidade única a obtenção da economia do tributo; o teste da proporcionalidade, adota­do pelo art. 42 do Código Tributário alemão, na reforma de 2008, que considera ter havido abuso da forma (Missbrauch von rechtlichen Ges- taltungsmõglichkeiten) quando for escolhida uma forma jurídica ina­dequada, que resulte numa vantagem não prevista em lei sem que o contribuinte comprove o fundamento não tributário da escolha, signi­ficativo de acordo com o quadro geral das circunstâncias. A elisão ilí­cita, por conseguinte, se restringe ao abuso da possibilidade expressiva da letra da lei e dos conceitos jurídicos abertos ou indeterminados; inicia-se com a manipulação de formas jurídicas lícitas para culminar na ilicitude atípica ínsita ao abuso de direito (art. 187 do Código Civil de 2002); mas é sempre dificil de se caracterizar e o combate à ilicitu­de redunda, não raro, no emprego da analogia, inclusive pela jurispru­dência, disfarçadamente, ou da contra-analogia e da redução teleoló­gica inerente às normas gerais antielisivas (vide p. 161), se não se faz na via legislativa por meio de conceitos determinados e cláusulas espe­cíficas.

A evasão ilícita (tax evasion em inglês; Steuerhinterziehung em alemão) dá-se após a ocorrência do fato gerador e consiste na sua ocul- tação com o objetivo de não pagar o tributo devido de acordo com a lei, sem que haja qualquer modificação na estrutura da obrigação ou na responsabilidade do contribuinte. A palavra evasão,: com sentido de ilícito fiscal, largamente empregada nos países de lingua inglesa, en­trou no Brasil pela obra de Sampaio Dória (Elisão e Evasão Fiscal, cit., p. 230) e foi adotada por grande parte da doutrina. Compreende a sonegação, a simulação, o conluio e a fraude contra a lei, que consis­tem na falsificação de documentos fiscais, na prestação de informa­ções falsas ou na inserção de elementos inexatos nos livros fiscais, com

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o objetivo de não pagar o tributo ou de pagar importância inferior à devida (Lei 4.502/1964 — art. 71, 72 e 73). É, também, crime defini­do pela lei penal (vide p. 328). Não se confunde com a fraude à lei, que é forma de elisão abusiva, a fraude contra legem, que é evasão ilícita.

6. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS: OBJETIVO E SUBJETIVO

O fato gerador se constitui de elementos objetivos e subjetivos.O elemento objetivo é o fato (= ato, fato ou situação jurídica)

sobre o qual incide o tributo, considerado em todas as suas dimensões, ou seja, em seus aspectos materiais, temporais, espaciais e quantitati­vos. Esses aspectos se combinam entre si em relacionamento de extre­ma complexidade e devem obrigatoriamente ser indicados por lei (art* 97 do CTN).

O elemento subjetivo compreende as pessoas que participam da relação tributária — sujeito ativo e sujeito passivo — indicados por lei e vinculadas ao fato objetivo.

II. O ELEMENTO OBJETIVO DO FATO GERADOR

7. ASPECTO MATERIAL

Aspecto material ou núcleo do fato gerador é a substância do ato, fato ou situação jurídica sobre a qual incide o tributo. Por exemplo: o negócio de compra-e-venda de imóveis (ITBI), a morte do de cujus (imposto de sucessões) ou a propriedade imobiliária situada na zona urbana do município (IPTU).

O aspecto material determina as diversas espécies de fato gerador da obrigação tributária.

7.1. Fato Gerador Simples e Complexo

O fato gerador simples é o que se constitui de um único ato ou fato jurídico. Exemplo: a saída da mercadoria do estabelecimento do comerciante (ICM S). Cada operação de saída é um fato autônomo e gera uma obrigação tributária independente, o que terá importância na questão da eficácia da coisa julgada, que se restringirá às operações levadas à apreciação do juiz.

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Fato gerador complexo é o que abrange inúmeros atos, fatos ou situações jurídicas da mesma espécie. Complexo é o fato gerador do imposto de renda, representado pela disponibilidade financeira obtida em certo período.

A problemática do fato simples e complexo se transforma, vista sob o aspecto temporal, na do fato instantâneo e complexivo.

7.2. Fato Gerador Genérico e Específico

Há fatos geradores genéricos, definidos em cláusulas gerais e ti­pos, que se abrem para a interpretação e que não se esgotam na enu­meração da lei, que é meramente exemplificativa. O ITBI, por exem­plo, incide sobre qualquer transmissão onerosa de bens imóveis por natureza ou acessão física, inclusive sobre os negócios assim conside­rados que não tenham sido mencionados na definição do fato gerador.

Fato gerador específico é o que vem previsto de modo determina­do na lei, preferentemente através da enumeração taxativa. O ISS incide sobre prestação de serviços de qualquer natureza, assim consi­derados exclusivamente aqueles indicados na lista aprovada por lei complementar federal; qualquer outra prestação de serviços não in­cluída na lista fica fora do âmbito de incidência do ISS, mesmo que a não alcancem outros impostos do mesmo sistema de tributos sobre a circulação de riquezas (ICMS e IOF).

7.3. Fato Gerador Condicional e Incondicional

Fatos geradores incondicionais são aqueles sobre os quais não pesa qualquer conditio juris.

Os fatos condicionais podem estar sujeitos a condição suspensiva ou resolutiva.

O fato gerador sujeito a condição suspensiva só se completa com o implemento da condição (art. 117, I, do CTN ). O imposto só será devido quando sobrevier o evento futuro e incerto. Se houver aquisi­ção de mercadoria em estabelecimento comercial sujeita a condição suspensiva só incidirá o ICMS quando se implementar a condição.

Quando resolutória a condição, o fato gerador ocorre desde o mo­mento da prática do ato ou da celebração do negócio (art. 117, II, CTN ). Enquanto a condição não se realizar vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabe­lecido (art. 127 do Código Civil de 2002). Por isso dizem os civilistas

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que condicional não é a obrigação, mas, sim, a sua solução. Donde se conclui que o ÍTBI incide sobre a aquisição de bem imóvel sujeita a condição resolutória e não caberá a restituição do tributo se, pelo im­plemento da condição, for rescindido o contrato.

7.4. Fatos Geradores baseados em Atos Válidos e Inválidos

Na cobrança dos seus tributos a Administração deve prescindir do exame da validade do ato jurídico em que se baseia o fato gerador da in­cidência, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos (art. 118 do CTN ). Não lhe compete, por exemplo, investigar se a compra- e-venda do imóvel, sobre a qual incide o ITBI, é simulada ou não.

Mas, tanto que declarada a invalidade do negócio jurídico pelo Judiciário e desde que não tenha tido eficácia econômica, a Fazenda estará obrigada a restituir o indébito.

7.5. Fatos Geradores baseados em Atos Lícitos e Ilícitos

Descabe, por outro lado, distinguir entre atos lícitos ou ilícitos para o efeito de tributação. Se no fato gerador do tributo descrito na lei se subsumir alguma atividade ilícita ou imoral, ainda assim poderá ser co­brado o tributo. Depreende-se também do art. 118 do CTN essa inter­pretação. A renda auferida com o jogo proibido ou com a prostituição é fato gerador do imposto de renda. O aparente conflito entre o direito penal e o direito tributário se resolve com a consideração da justiça, que aponta para a igualdade de tratamento no pagamento de impostos pelos contribuintes que praticam atos lícitos e ilícitos. Já examinamos o prin­cípio jurídico do non olet, que prevalece na hipótese.

7.6. Fato Gerador Formal e Causai

Fato gerador formal é o que se consubstancia em documentos ou atos sem conteúdo econômico. O sistema tributário nacional anterior à Emenda n2 18, de 1965, conhecia vários tributos formais, como o imposto do selo, que incidiam sobre documentos e papéis que não continham qualquer substância econômica.

O fato gerador causai ou concreto expressa circunstâncias de con­teúdo econômico e de significação jurídica. Não se trata de mero cau- salismo econômico, mas de consideração jurídico-econômica, que os dois aspectos são inseparáveis. A tendência dos sistemas tributários

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que atingem alto grau de racionalidade é de vincular cada fato gerador a um conteúdo jurídico-econômico específico. O IR; o ICMS, o IPI, o ISS e alguns outros tributos brasileiros consideram-se causais, pois intimamente ligados à capacidade contributiva do cidadão.

7.7. Fato Gerador Típico e Complementar

Diz-se típico o fato gerador que se desenvolve de acordo com o tipo ou a descrita da lei. Ex. a importação de mercadoria é fato gerador típico do ICMS, porque assim o prevê a legislação competente.

Fato gerador complementar ou acessório é o que se agrega ao fato típico, imprimindo-lhe certas características que o tipo comum não possui. Toma-se importante na temática das isenções e dos incentivos fiscais. Por exemplo: a saída do produto industrializado do estabeleci­mento do fabricante é fato gerador do ICMS e do IPI, salvo se se destinar ao estrangeiro, hipótese em que prevale a não-incidência constitucional. O Supremo Tribunal Federal, depois de muita discus­são, considerou legítima a revogação de determinada isenção do ICMS, por entender que o fato acessório da destinação da mercadoria para a projeto de interesse nacional era uma especialização do fato gerador, e não uma condição onerosa da isenção, que a tomasse irrevo­gável (RTJ 121/1.290).

8. ASPECTO TEMPORAL

O aspecto temporal é o balizamento, no tempo, feito pela lei for­mal, do núcleo do fato gerador, ou seja, do seu aspecto material. Qual­quer fato gerador, simples ou complexo, tem umas certa duração e ocorre necessariamente entre determinados marcos temporais. Essa característica é particularmente importante para o problema da retro- atividade da lei fiscal.

O fato gerador da obrigação tributária pode ser, sob o ponto de vista temporal, instantâneo ou periódico.

8.1. Fato Gerador Instantâneo

Fato gerador instantâneo é o fato simples que ocorre em certa fração de tempo e que nela se esgota totalmente. Por exemplo: a saída da mercadoria do estabelecimento comercial é fato gerador instantâ-

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neo do ICMS, pois cada uma daquelas operações é independente das demais. A lei nova não poderá incidir, portanto, sobre os fatos instan­tâneos já ocorridos.

8.2. Fato Gerador Periódico

Fato gerador periódico (complexivo foi o neologismo proposto por AMILCAR DE ARAÚJO FALCÃO, op. cit., p. 126, com base na palavra italiana complessivo) é o que ocorre em certo período de tem­po, repetidamente, abrangendo diversos fatos geradores ou o fato ge­rador que sob o aspecto material se define como complexo. Por exem­plo: o fato gerador do imposto de renda das pessoas físicas é periódico porque incide anualmente sobre o total dos rendimentos obtidos no período de 12 meses; o IPTU é periódico, pois cobrado também anualmente.

Problema extremamente difícil consiste em determinar o mo­mento em que efetivamente ocorre o fato gerador periódico, para fi­xar os efeitos do princípio da irretroatividade e para balizar temporal- mente o estatuto do contribuinte. A doutrina e a jurisprudência vêm indicando duas soluções possíveis:

a) o fato gerador periódico só se aperfeiçoa no último minuto do ano, pelo que a lei nova publicada até 31 de dezembro poderá incidir sobre todos os fatos já ocorridos desde janeiro. Essa posição foi defen­dida, relativamente ao imposto de renda, por Amilcar de Araújo Fal­cão (op. cit., p. 128) e pelo Supremo Tribunal Federal, na Súmula 584: A o imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresen­tada a declaração". Prevalece também na Espanha (cf. SAINZ DE BU­JANDA, op. cit., p. 191);

b) o fato gerador periódico ocorre no dia l ü de janeiro do ano- base, coincidindo com o início do exercício financeiro. Assim acontece com o IPTU e, para alguns, com o imposto de renda, pois o total dos rendimentos obtidos no período anual expressa a base de cálculo e não a hipótese de incidência. A legislação aplicável, conseguintemente, é a publicada até o término dó ano financeiro anterior. Essa teoria, defen­dida por A. Sampaio Dória (op. cit., p. 140) e por Brandão Machado (op. cit., p. 275), tornou-se vitoriosa no Supremo Tribunal Federal com a superveniência do art. 150, III, b, da CF 88 (vide p. 271); mas, posteriormente, o STF voltou à tese anterior, seguindo a Súmula 584 (vide RE 194.612-1, p. 271).

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9. ASPECTO ESPACIAL

O aspecto espacial entende com o lugar onde ocorre o fato gera­dor da obrigação tributária. É matéria sujeita ao princípio de reserva legal. Há um aspecto espacial também no que concerne ao elemento subjetivo (domicílio do contribuinte).

Os tributos, do ponto de vista espacial, podem ser nacionais, esta­duais ou municipais, conforme o seu fato gerador ocorra no território de cada ente público titular da imposição.

Se o fato gerador ocorrer nos territórios de mais de uma pessoa jurídica de direito público, deverão ser invocados os princípios da ter­ritorialidade ou do lugar de destino, que já examinamos antes (p. 101). Assim, o ICMS devido nas importações e exportações segue o princí­pio do país de destino. O ICMS cobrado internamente incide reparti- damente, pela diferenciação das alíquotas, no Estado produtor e no consumidor. O ISS relativo a serviços prestados em outro município é devido ao município onde se encontra o estabelecimento, salvo no caso da construção civil.

10. ASPECTO QUANTITATIVO

O aspecto quantitativo do fato gerador é o que, indicado na lei formal, permite o cálculo do quantum debeatur ou a fixação do valor da prestação tributária. E complexo e em geral compreende a base de cálculo e o gravame ou alíquota, podendo aparecer também sob a for­ma de tributo fixo. A rigor já não compõe o fato gerador, mas o conse­qüente da regra de incidência.

10.1. Base de Cálculo

A base de cálculo é a grandeza sobre a qual incide a alíquota indi­cada na lei.

A base de cálculo está intimamente ligada ao aspecto material do fato gerador, com o qual às vezes se confunde. O imposto de renda, por exemplo, tem como base de cálculo o total dos rendimentos obti­dos em certo período de tempo. Uma base de cálculo inadequada pode desvirtuar o próprio núcleo do tributo, motivo por que a CF proíbe que as taxas tenham base de cálculo própria de impostos.

A base de cálculo pode se expressar em dinheiro ou em qualquer outra grandeza.

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Na tributação pela alíquota ad valorem a base de cálculo é sempre representada por dinheiro. De acordo com a lei específica do imposto, poderá ser o valor do bem (valor venal, fundiário ou locativo), que é uma cláusula geral suscetível de ser mensurada pela Administração. Poderá também ser o preço de uma mercadoria, assim entendida a referência pecuniária constante da nota fiscal. Sobre o valor ou o pre­ço indicado em dinheiro incidirá a alíquota percentual.

A base de cálculo técnica é a que se expressa em uma grandeza diferente de dinheiro. Assim, a quantidade (grosa, dúzia etc.), o peso (quilo, tonelada etc.) e a extensão (centímetros, metros etc.) podem servir de referencial para a aplicação de uma alíquota específica, fixa­da em dinheiro. Um tributo sobre a importação, por exemplo, pode ser cobrado aplicando-se a cada tonelada de mercadoria importada a alíquota específica de R$ 1,00, o que produzirá o quantum debeatur de R$ 100,00 se a tonelagem chegar à casa da centena.

10.2. Alíquota

A alíquota constitui o outro elemento de quantificação da dívida tributária, a incidir sobre a base de cálculo. O CTN não dá tratamento sistemático à matéria, que depende da lei de cada imposto.

As alíquotas dizem-se específicas ou ad valorem.As alíquotas específicas expressam-se em dinheiro e incidem so­

bre base de cálculo técnica, referida a grandeza diferente de dinheiro (peso, quantidade, extensão etc.), como vimos no item anterior.

As alíquotas ad valorem expressam-se em percentagem (1%, 5%, 20% etc.) e incidem sobre a base de cálculo medida em dinheiro. São o tipo mais comum e se classificam em:

a) progressiva, quando incide ascendentemente na medida em que aumenta a base de cálculo. Ex: imposto de renda, que incide pela alíquota de 15% sobre os rendimentos menores e de 27,5% sobre os maiores;

b) proporcional, quando incide pela mesma percentagem qual­quer que seja o valor da base de cálculo. Ex: ITBI, que recai pela mesma alíquota de 2% sobre qualquer base de cálculo;

c) seletiva, quando varia na razão inversa da essencialidade do produto. Ex: o IPI grava com mais vigor o consumo de álcool e tabaco;

d) regressivaf quando incide minimamente sobre bases elevadas e asperamente sobre pequenas grandezas. Só ocorre quando há distor­ção na lei impositiva;

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£SSJ - Ensino Supariôf Bumay Juááco

e) zero, que corresponde à inexistência de tributação por falta de um dos elementos quantitativos. Aproxima-se da isenção em seus efeitos, mas dela se afasta porque na isenção suspende-se a eficácia de todos os aspectos do fato gerador, enquanto na alíquota zero só há suspensão desse elemento do aspecto quantitativo. Aplica-se no IPI e no imposto de importação.

10.3. Tributo Fixo

Tributo fixo é o que já encontra determinado na lei, em sua ex­pressão pecuniária, o quantum debeatur. Aparece na taxa e em pou­quíssimos impostos, como é o caso do ISS incidente sobre os serviços prestados por profissionais liberais.

Em virtude do agravamento da inflação no País, os tributos fixos passaram a ser indexados às unidades fiscais dos entes públicos — UFIR (União), UFERJ (Estado do Rio de Janeiro), UNIF (Município do Rio de Janeiro) etc.

III. O ELEMENTO SUBJETIVO DO FATO GERADOR

11. ASPECTO PESSOAL

O outro elemento constitutivo do fato gerador é o subjetivo. Cabe falar também em aspecto pessoal, pois os sujeitos envolvidos na relação tributária devem ser indicados na lei que define o fato gerador.

O elemento subjetivo do fato gerador compreende o sujeito ativo e o sujeito passivo. O CTN regula-o exaustivamente (arts. 119-138).

12. SUJEITO ATIVO

O sujeito ativo da obrigação tributária é a “pessoa jurídica de di­reito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”.

Tratando-se de impostos, o sujeito ativo é indicado pela própria Constituição, pela partilha da competência privativa ou residual.

As autarquias também podem ocupar o pólo ativo da relação tri­butária, pois se lhes estende o conceito de Fazenda Pública e se lhes atribui a competência para a cobrança das contribuições especiais.

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Mas as entidades privadas em favor das quais reverte o produto da arrecadação das contribuições sociais, econômicas e profissionais (sin­dicatos de trabalhadores e confederações de empresários) não se con­sideram sujeitos ativos da relação tributária, mas beneficiários de transferência governamental e sujeitos de relação meramente finan­ceira.

Com o monopólio da tributação reservado ao Estado, desapare­ceu, desde a Constituição de 1824, a fiscalidade periférica da Igreja, do senhorio e de qualquer outra pessoa privada. Na Alemanha ainda se admite o imposto da Igreja (Kirchensteuer).

A pessoa jurídica de direito público, que se constituir pelo des­membramento territorial de outra, sub-roga-se nos direitos desta, cuja legislação tributária aplicará até que entre em vigor a sua própria (art. 120 do CTN ). Competem à União, em Território Federal, os impos­tos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumu­lativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais (art. 147 da CF 88).

13. SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo é a pessoa obrigada a pagar o tributo e a penalida­de pecuniária ou a praticar os deveres instrumentais para a garantia do crédito. Deve ser explicitamente indicado na lei que define o fato gerador.

O sujeito passivo da obrigação de pagar o tributo diz-se contri­buinte ou responsável.

Contribuinte é o sujeito passivo que realiza o fato gerador da obri­gação tributária. Dele cuidaremos no item 17 (p. 262).

Responsável é aquele que, não sendo contribuinte, deve pagar o tributo por determinação expressa da lei. Dele trataremos adiante (p. 263).

As diferenças fundamentais entre o contribuinte e o responsável são as seguintes: a) o contribuinte tem o débito (debitum, Schuld), que é o dever de prestação e a responsabilidade (Haftung), isto é, a sujei­ção do seu patrimônio ao credor (obligatio), enquanto o responsável tem a responsabilidade (Haftung) sem ter o débito {Schuld}, pois ele paga o tributo por conta do contribuinte; b) a posição do contribuinte surge com a realização do fato gerador da obrigação tributária; a do responsável, com a realização do pressuposto previsto na lei que regula

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a responsabilidade, que os alemães chamam de fato gerador da res­ponsabilidade (Haftungstatbestanã}.

A responsabilidade pelo pagamento de tributos, objeto de con­venção entre particulares, jamais valerá contra a Fazenda Pública (art. 123 do CTN ). Assim, por exemplo, se locador e locatário acordam em que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU se transfere daquele para o locatário, nem por isso o locador poderá opor à pretensão do Município tal ajuste para se livrar do vínculo obrigacional.

14. SOLIDARIEDADE

O conceito de solidariedade do Direito Tributário coincide com o do Direito Civil, com algumas peculiaridades. A solidariedade no Di­reito Civil é a concorrência, na mesma obrigação, de mais de um cre­dor ou devedor, cada um com direito ou obrigado à dívida toda (art. 264 do Código Civil de 2002).

Há solidariedade no Direito Tributário quando mais de uma pes­soa concorre na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal (art. 124, I). Exemplo: se diversas pessoas adquirem um bem imóvel, são todas elas solidariamente responsáveis pelo ITBI. A solidariedade abrange o pagamento dos tributos e das prestações aces­sórias correspondentes à penalidade e aos juros e acréscimos morató- rios.

No que concerne ao responsável, a solidariedade depende da lei (art. 124, II, CTN) e ocorre em inúmeros casos, tais como os de prá­tica de atos com excesso de poderes ou infração de lei (vide p. 271).

A solidariedade em direito tributário não comporta benefício de ordem (art. 124, parágrafo único, do CTN), isto é, não pode o deve­dor exigir que a dívida seja cobrada antes de outro obrigado.

A solidariedade, embora não o diga claramente o CTN, se esten­de assim à obrigação principal que aos deveres instrumentais.

A solidariedade produz diversos efeitos: o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; a isenção ou remissão exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles; a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obriga­dos, favorece ou prejudica aos demais (art. 125, CTN). A decisão administrativa definitiva e a coisa julgada no processo tributário judi­cial aproveitam a todos os devedores solidários, embora proferida em favor de um só.

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15. CAPACIDADE TRIBUTÁRIA

O conceito de capacidade tributária aproxima-se do de capacida­de civil, definindo-se como ^aptidão de exercer direitos e assumir obrigações relativas a tributos. Toda pessoa natural ou jurídica tem capacidade tributária, desde que tenha a capacidade contributiva e seja indicada na lei.

15.1. Pessoa Natural

Diz o CTN, no art. 126, I, que a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil das pessoas jurídicas. Entenda-se: há certas pessoas naturais, jmencionadas nos arts. 3- e 4a do Código Civil de 20p2; que são absoluta ou relativamente incapazes de exercer pes­soalmente os atos da vida civil; assim acontece com os menores, os loucos que não puderem exprimir a sua vontade, os pródigos, os silví- colas. Mas o próprio Código Civil prevê as formas por que se supre a incapacidade. De modo que nada obsta a que os incapazes sejam sujei­tos passivos da obrigação tributária, desde que representados por seus pais, tutores ou curadores, não pratiquem pessoalmente qualquer ato em procedimento administrativo. O menor que possua bens imóveis ou obtenha rendimentos será contribuinte do IPTU ou do IR.

Não prejudica o nascimento da obrigação tributária, também, o fato de a pessoa natural achar-se sujeita a medidas que importem pri­vação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou pro­fissionais, ou de administração direta de seus bens ou negócios (art. 126, II, CTN). Se, por exemplo, o advogado ou o médico estiverem proibidos de exercer a sua profissão e se, ainda assim, praticarem atos profissionais lucrativos, estão obrigados ao pagamento dos tributos. A mesma coisa vale para a pratica de atos ílicitos 0ogo, prostituição etc.), por prevalecer o princípio do non oletn como já vimos antes.

15.2. Pessoa Jurídica

As pessoas jurídicas também têm a aptidão para exercer o papel passivo na relação tributária, representadas por seus sócios e diretores.

Mas o nascimento de obrigação independe de a pessoa jurídica estar regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional (art. 126, III). Assim, todo o comércio in­formal, que hoje ocupa lugar tão importante na economia brasileira, pode ser sujeito passivo da obrigação tributária.

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15.3. Entes Desprovidos de Personalidade

Embora o CTN não os nomeie, os entes desprovidos de persona­lidade jurídica, como as heranças jacentes ou os espólios, têm capaci­dade tributária e lhes pode ser imputada a obrigação tributária. Se­riam uma “unidade econômica", expressão que o próprio CTN em­prega no art. 126, III. Aliás, em outro dispositivo —- art. 131, III — o Código atribui responsabilidade ao espólio pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.

O problema da sujeição passiva dos entes desprovidos de persona­lidade jurídica já foi muito discutido na doutrina. Prevaleceu, entre­tanto, a solução afirmativa, fundada em considerações de justiça, eis que nada recomendava, a não ser o formalismo exagerado, que se dei­xassem fora da tributação aquelas unidades econômicas. A Ley Gene­ral tributaria da Espanha (Lei 58, de 2003) prevê no art. 35, inciso 4: “serão considerados obrigados tributários, nas leis em que assim se estabelecer, as heranças jacentes, comunidades de bens e demais enti­dades que, carentes de personalidade jurídica, constituem uma unida­de econômica ou um patrimônio separado, suscetíveis de imposição”.

16. DOMICILIO TRIBUTÁRIO

As regras sobre o domicílio tributário estabelecidas no CTN coin­cidem, em larga escala, com as do Código Civil, cujos dispositivos consideram-se complementares aos da legislação fiscal. O problema do domicílio tributário, que entende com o aspecto espacial da sujei­ção passiva, tem grande importância para os atos de gestão fazendária e de fiscalização de rendas; algumas vezes repercute sobre o direito material, como é o caso da incidência dos impostos sobre circulação de riquezas e do imposto causa mortis e doação, se o doador ou o de cujus tinham domicílio no estrangeiro (art. 155, § l 2, III, CF).

A norma geral do CTN é a liberdade de eleição do domicílio pelo contribuinte ou responsável, se a lei específica do tributo não dispõe de outra forma.

Mas o próprio CTN estabelece algumas normas que deverão ser seguidas na ausência ou na impossibilidade de eleição pelo contri­buinte.

Assim, quando se tratar de pessoas naturais, o domicílio será a sua residência habitual ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro

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habitual de sua atividade (art. 127 ,1). Mas quando se tratar de incapa­zes, prevalecerá o do domicílio de seus representantes, na forma pre­vista pelo Código Civil (art. 76, parágrafo único).

As pessoas jurídicas de direito privado e as firmas individuais têm o domicílio no lugar da sua sede (art. 127, II). Se tiverem vários esta­belecimentos cada um será considerado domicílio com relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, como sucede no caso do IPI e do ICMS, que incidem sobre as saídas de cada estabelecimento industrial, comercial ou produtor.

As pessoas jurídicas de direito público, que podem ser contri­buintes dos tributos contraprestacionais (taxa e contribuição de me­lhoria), embora não o possam ser dos impostos, a que estão imunes, têm o domicílio em qualquer de suas repartições no território da enti­dade tributante (art. 127, III).

Quando não couber a aplicação das regras acima mencionadas ou quando a autoridade administrativa recusar o domicílio eleito, consi- derar-se-á como domicílio tributário do contribuinte ou responsável o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos que deram origem à obrigação (art. 127, §§ l fi e 22).

17. CONTRIBUINTE

Já vimos antes as principais diferenças entre o contribuinte e o responsável, que compõem o quadro da sujeição passiva tributária (p. 256).

Cumpre, agora, distinguir entre o contribuinte de direito e o con­tribuinte de fato.

Contribuinte de direito é o solvens, a pessoa que, realizando a situação que constitui o fato gerador, fica obrigada ao pagamento do tributo. O contribuinte de direito tem simultaneamente o débito [Schuld] e a responsabilidade (Haftung).

Contribuinte de fato é a pessoa que sofre o encargo financeiro do tributo mas que não realiza o fato gerador nem participa da relação tributária. O contribuinte de fato é figura típica dos impostos indire­tos, nos quais repercute sobre terceiros o ônus financeiro da incidên­cia. Assim, por exemplo, no ICMS, que é imposto indireto, o contri­buinte de direito é o comerciante que promove a saída da mercadoria e que recolhe a prestação tributária ao Estado, enquanto o contribuin­te de fato é o comprador ou consumidor, que suporta no próprio bolso

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a carga econômica da imposição. Não obstante haja algumas vozes dis­cordantes, a problemática do contribuinte de fato não é simplesmente econômica, mas jurídica também, projetando diversas conseqüências sobre o Direito Tributário, especialmente quanto:

a) à restituição do tributo indireto indevidamente pago, eis que, segundo o art. 166 do CTN, “a restituição de tributos que compor­tem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente au­torizado a recebê-la”;

b) à valoração do sistema tributário sob o aspecto da justiça, que fica prejudicada com a preponderância dos impostos indiretos, como acontece nos países subdesenvolvidos (cf. RICARDO LOBO TORRES, op. d t.t p. 36).

18. RESPONSÁVEL

18.1. Conceito

Como já vimos (p. 259), o responsável é a pessoa que, não partici­pando diretamente da situação que constitua o fato gerador da obriga­ção tributária, embora a ela esteja vinculada, realiza o pressuposto legal da própria responsabilidade ou o seu fato gerador (Haftungstat- bestand). O responsável, ao contrário do contribuinte, tem a respon­sabilidade (Haftung) exclusiva, solidária ou subsidiária, sem ter o dé­bito (Schuld). O CTN oferece a seguinte definição do responsável no art. 128: "Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expressso a responsabilidade pelo crédito tributário a tercei­ra pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.

18.2. Classificação

Problema tormentoso na doutrina e na lei, tanto no Brasil como no estrangeiro, é o da classificação dos responsáveis pela obrigação tributária.

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Entendemos que o art. 128 engloba todas as figuras possíveis de responsável tributário:a) o substituto, que é aquele que fica no lugar do contribuinte, afastan­do a responsabilidade deste;b) os responsáveis solidários ou subsidiários (sucessores e terceiros), que ficam junto com o contribuinte, o qual conserva a responsabilida­de em caráter supletivo.

Rubens Gomes de Souza {op. cit., p. 66), que foi um dos autores do CTN, dizia que "a sujeição passiva indireta se apresenta sob duas modalidades: transferência e substituição; por sua vez a transferência comporta três hipóteses: solidariedade, sucessão e responsabilidade".

A Ley General Tributaria da Espanha (2003) separa o contribuin­te e o seu substituto (art. 36), que são considerados sujeitos passivos, dos demais responsáveis pela dívida tributária.

O Código Tributário alemão de 1977 reserva um capítulo aos res­ponsáveis (arts. 69-77), mas entre eles não inclui o substituto, que é regulado por leis especiais. A doutrina, entretanto, inclui o substituto entre os responsáveis (cf. TIPKE/LANG, op. cit., p. 148).

18.3. Substituto

a) Conceito de substituto legal tributário

Substituto é aquele que, em virtude de determinação legal, fica em lugar do contribuinte, assumindo a responsabilidade pela obriga­ção tributária. O conceito de substituição se subsume na definição do art. 128 do CTN: a lei pode atribuir de modo expresso a responsabili­dade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gera­dor da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contri­buinte.

A distinção principal entre as duas figuras da sujeição passiva é que o contribuinte realiza o fato gerador da obrigação tributária, en­quanto o substituto realiza o fato gerador da substituição prevista em lei.

O substituto se estrema dos demais responsáveis porque fica no lugar do contribuinte, enquanto o responsável fica junto, mantendo-se a responsabilidade supletiva do contribuinte.

O substituto legal tributário tem não só a responsabilidade pela obrigação principal, como também pelas acessórias, incumbindo-lhe

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praticar todos os deveres instrumentais no interesse do Fisco. Assume com exclusividade a responsabilidade do contribuinte, que deixa de participar da relação tributária. Se o substituto não recolher o tributo, nenhuma responsabilidade terá o contribuinte substituído, embora certa parte da doutrina estrangeira veja com reserva tal assertiva. As reclamações e os recursos passam para a iniciativa do substituto, que poderá impugnar os vícios de legalidade ou constitucionalidade da im­posição.

Mas o substituído não é totalmente estranho à relação tributária. Para que haja a substituição é necessário que o contribuinte e o subs­tituto participem do mesmo processo econômico, de modo que entre as suas atividades haja algum nexo. As imunidades e as isenções per­tencem ao substituído, e não ao substituto.

Mas entre o substituído e o substituto não existe nenhum vínculo de natureza tributária. O substituto pode ingressar com ação regressi­va contra o substituído, para recuperar a importância correspondente ao imposto e para manter o equilíbrio da equação financeira da substi­tuição, sem que esteja em jogo qualquer prestação veramente tributá­ria.

A substituição, pela facilidade que oferece para a arrecadação da receita tributária, vem sendo utilizada crescentemente nos últimos anos. Adapta-se a qualquer imposto, direto (IR) ou indireto (ICMS ou ISS). Dois casos, entretanto, merecem exame mais atento, pelas suas peculiaridades— a retenção na fonte e a substituição no ICMS

b) O agente da retenção na fonte

A retenção na fonte é uma das formas de substituição. Ocorre principalmente no IR, mas pode acontecer também no ISS. Consiste na retenção, por uma terceira pessoa vinculada ao fato gerador, do imposto devido pelo contribuinte. Por exemplo: o imposto de renda devido pelos assalariados é retido na fonte pelo empregador, no mo­mento do pagamento do salário, e posteriormente recolhido à Fazenda Federal.

O CTN (art. 45, parágrafo único) permite expressamente que a lei atribua “à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam”, obrigação que pode recair inclusive sobre os entes políti­cos imunes, pois, como vimos, a imunidade se afirma em homenagem ao contribuinte substituído.

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Certa parte da doutrina (c£, por todos, SAINZ DE BUJANDA, op. cit.f p. 238) nega-se a considerar o agente da retenção como subs­tituto, pois o recolhimento do imposto de renda retido na fonte, cons­tituindo mera antecipação do tributo devido pelo contribuinte no con­fronto final feito na declaração, não resolve a obrigação tributária e, por isso, seria mero dever instrumental perante a Administração.

c) A substituição no ICMS

Problema que apresenta aspectos difíceis é o da substituição no ICMS, regulado hoje por lei complementar federal (ns 87, de 13.9.96).

A substituição no ICMS pode se dar “para trás” ou “para frente".A substituição “para trás” ocorre quando o substituto, que é um

contribuinte de direito (comerciante ou industrial) adquire mercado­ria de outro contribuinte, em geral produtor de pequeno porte ou comerciante individual, responsabilizando-se pelo pagamento do tri­buto devido pelo substituído e pelo cumprimento das obrigações tri­butárias. Aproxima-se da figura do diferimento, que implica no adia­mento do recolhimento do tributo. Exemplo de substituição “para trás” é o da aquisição, pela indústria de laticínio, do leite “in natura”, em que o industrial, melhor organizado empresarialmente, se torna substituto do produtor rural, que não tem possibilidade de emitir no­tas fiscais e manter escrituração contábil. A substituição “para trás” não desperta muita controvérsia, desde que o substituto esteja vincu­lado ao substituído pela situação que constitui a obrigação principal.

A substituição “para frente” ocorre quando uma terceira pessoa, geralmente o industrial, se responsabiliza pelo pagamento do tributo de­vido pelo comerciante atacadista ou varejista, que revende a mercadoria por ele produzida. E o caso, por exemplo, da indústria do cigarro, que substitui o comerciante varejista na obrigação principal, recolhendo des­de a saída da mercadoria do estabelecimento industrial o imposto inci­dente na ulterior operação com o consumidor final. A substituição, aí, aproxima-se da antecipação do tributo. Algumas críticas surgem contra tal figura: a) constituiria uma obrigação tributária sem fato gerador, o que contraria a própria fenomenologia do nascimento da relação jurídica tributária no ICMS; b ) importaria em desrespeito ao art. 128 do CTN, pois inexiste vínculo econômico entre o industrial e o varejista; c) have­ria ofensa ao princípio da não-cumulatividade, pois não se sabe o valor real da venda ao consumidor final.no momento prévio da saída da merca­doria do estabelecimento industrial. A tendência dos Tribunais, entre­tanto, foi a de dar pela legitimidade da substituição “para frente”. A EC

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3/93, afinal, encerrou a controvérsia, ao acrescentar o § 72 ao art. 150, cora a seguinte redação: "A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obriga­ção tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. A restituição, aí, para se respeitar o comando constitucional, se fará inclusive pela compensação financeira nos livros de apuração do imposto não-cumulativo, se a Fazenda Pública não deli­berar sobre o pedido de restituição no prazo de 90 dias (LC 87/96), mas se reduzirá à hipótese de não se realizar o fato gerador, tolerando-se as pequenas diferenças para mais ou para menos (vide p. 274), matéria que, entretanto, está sendo reexaminada pelo STF (ADI 2777, Informa­tivo 443/06).

18.4. Sucessor

Há responsabilidade do sucessor quando terceira pessoa, vincula­da ao fato gerador, assume a obrigação tributária em virtude da impos­sibilidade de seu cumprimento pelo anterior proprietário do bem ou pela pessoa jurídica que precedentemente explorava a atividade eco­nômica. A responsabilidade, aí, é subsidiária, já que apenas surge de­pois de comprovada a impossibilidade de seu cumprimento pelo con­tribuinte, e solidária, sempre que possível, por não excluir a do con­tribuinte, .abrangendo todos os créditos constituídos, definitivamente ou não.

Assim é que os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuição de melhoria, sub-rogam-se na pessoa do respectivo adquirente, salvo quando conste do título a prova de sua quitação (art. 130 do CTN ). Daí a necessidade da exibição de certi­dão negativa dos tributos incidentes nos últimos 5 anos sobre os bens transmitidos, para que se acautelem os interesses do adquirente.

Tornam-se também sucessores na responsabilidade tributária (art. 131 do CTN): a) o adquirente ou remitente (aquele que resgata ou redime), pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos, ainda que não sejam imóveis; b) o sucessor a qualquer título e o cônju­ge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do qui­nhão, do legado ou da meação; c) o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data do falecimento do autor da herança.

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A responsabilidade por sucessão pode ocorrer também com rela­ção a empresas e sociedades. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em ou­tra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas fusionadas, transformadas ou incorporadas (art. 132 do CTN ). A responsabilidade se estende ainda aos casos de cisão, figura jurídica que apareceu posteriormente à publicação do CTN. Conside- rar-se-á também sucessor o sócio remanescente, ou seu espólio, quan­do, nos casos de extinção de pessoas jurídicas, continuar explorando a respectiva atividade, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual (art. 132, parágrafo único, do CTN).

Finalmente o CTN, no art. 133, transfere a responsabilidade por su­cessão à pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de ou­tra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comer­cial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma individual. Fundo de comércio é o complexo de instalações, máquinas, utensílios, dívida ativa, e, tam­bém, do acervo imaterial como o ponto, a marca, os emblemas e a clien­tela, conceito coincidente com o do direito comercial. Aliás, é extrema­mente difícil estabelecer distinção entre fundo de comércio e estabele­cimento, pelo que a referência ao fundo de comércio deve ser reservada aos casos em que não há aquisição formal do estabelecimento. Para que haja sucessão tributária é necessária a aquisição da totalidade do estabe­lecimento comercial ou do fundo de comércio, não sendo suficiente a compra de um ou outro bem móvel. O sucessor responde pelos tributos relativos ao fundo ou ao estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato: a) integral e solidariamente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; b) subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de co­mércio, indústria ou profissão.

Em decorrência das profundas modificações trazidas pela nova Lei de Falências (Lei n° 11.101, de 9/2/05), que passou a privilegiar a recuperação das empresas em dificuldades financeiras, o CTN sofreu, pela LC 118, de 9/2/05, diversas adaptações à sistemática superve­niente. Assim é que o § I o, acrescido ao art. 133, excepcionou da regra geral do caput a hipótese de alienação judicial: I — em processo de falência; II — de filial ou unidade produtiva isolada em processo de recuperação judicial. O § 3o, na redação da citada LC 118/2005 esta­beleceu que em processo de falência, o produto da alienação judicial

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de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo da falência pelo prazo de um ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursaís ou de créditos que preferem ao tributário. Outras adaptações à Lei de Falência foram introduzidas nos arts. 155-A, 185, 186, 187, 188 e 191 do CTN.

O sucessor em princípio não se responsabiliza pelas multas (vide p. 337).

18.5. Terceiros

O CTN abre uma seção para a responsabilidade de terceiros, em que cuida do responsável subsidiário (art. 134) e do solidário (art. 135).

a) Responsável subsidiário

No art. 134 o CTN disciplina a responsabilidade subsidiária de terceiros, que surge nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Mas, tanto que o terceiro assuma a responsabilidade, esta se torna solidária, posto que ele se coloca junto ao contribuinte, e não no seu lugar, como acon­tece na substituição.

A conseqüência processual da subsidiariedade é que a Fazenda credora pode dirigir a execução contra o responsável, se o contribuinte não possui bens para a penhora, independentemente de estar indicado o seu nome na certidão de dívida ativa (RE 107.322, RTJ 116/418, cit., p. 241).

A responsabilidade subsidiária de terceiro só se aplica, em maté­ria de penalidades, às de caráter moratório (art. 134, parágrafo único).

Respondem solidariamente com o contribuinte ; nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da íobrigação princi­pal pelo contribuinte: I) os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II) os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III) os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV) o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V} o síndico e o comissário, pelos tributos devi­dos pela massa falida ou pelo concordatário; VI) os tabeliães, escrivães

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e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII) os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoa.

A mais controvertida de todas essas hipóteses é a da responsabili­dade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas (art.134, iy CTN). Indagava-se a respeito da responsabilidade dos sócios da sociedade por cotas. Entendeu-se, de início (A. BALEEIRO, op. cit., p. 447), que a sociedade por cotas de responsabilidade limitada não era uma sociedade de pessoas, pelo que os seus sócios não respon­deriam pela dívida social. Depois de muita discussão o Supremo Tri­bunal Federal admitiu a responsabilidade do sócio da sociedade limi­tada, desde que, exercendo função de gerência, deixasse de pagar re­gularmente os impostos e não providenciasse a extinção da sociedade na forma prevista em lei; o STF conjugou o art. 134, VII com o art.135, III, equiparando o não-recolhimento de tributos à prática de atos com infração de lei, contrato social ou estatutos (Cf. RE 113.854, RTJ 124/365, cit., p. 241). O STJ, que seguia a orientação do STF, ultima­mente vem firmando jurisprudência no sentido contrário, exigindo a prova de dolo e declarando que o simples inadimplemento não carac­teriza infração legal (vide p. 271 - Ag. Rg. no RESP 252-303).

b) Responsável solidário

Outra coisa é a responsabilidade de que cuida o art. 135. Nela existe a solidariedade ab initio, e o responsável se coloca junto do contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Pouco importa, nes­ses casos, que o contribuinte tenha, ou não, patrimônio para respon­der pela obrigação tributária. A Fazenda credora pode dirigir a execu­ção contra o contribuinte ou o responsável.

Do ponto de vista processual, ao contrário do que ocorre nas hi­póteses do art. 134, é necessário que o auto de infração consigne o nome do responsável e que se lhe assegure o direito de defesa.

São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I — as pessoas referidas no art. 134; II — os mandatários, prepostos e empregados;III — os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

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a) Responsabilidade objetiva

O art. 136 do CTN diz que “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e ex­tensão dos efeitos do ato".

Aderiu o CTN, em princípio, à teoria da objetividade da infração fiscal. Não importa, para a punição do agente, o elemento subjetivo do ilícito, isto é, se houve dolo ou culpa na prática do ato. Desimportante também que se constate o prejuízo da Fazenda Pública.

Mas a tese objetiva admite temperamentos, como hoje aceita a maior parte da doutrina, brasileira e estrangeira, e o próprio Supremo Tribunal Federal. Se o contribuinte age de boa-fé não pode ser penal­mente responsável pelo ato. Demais disso, o CTN é conflitante, pois o próprio art. 112 diz que a lei que define infrações, ou lhes consina penalidades, interpreta~se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato ou à natureza ou às circunstâncias materiais do fato ou à natureza ou extensão dos seus efeitos.

b) Personalização

O CTN define no art. 137 as diversas infrações em que a respon­sabilidade é pessoal ao agente.

Assim acontece nas infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções (contrabando, sonegação, adulteração de livros fis­cais, etc.) ainda que praticadas por meio de pessoa jurídica (art. 11 da Lei8.137, de 27.12.90). Mas se o agente as praticou no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumpri­mento de ordem expressa emitida por quem de direito, haverá tam­bém a responsabilidade do contribuinte (art. 137 ,1).

É também pessoal ao agente a responsabilidade por infrações em cuja definição o dolo específico seja elementar (art. 137, II). Constitui uma exceção ao princípio da objetividade e ocorre quando a própria lei, ao definir a infração, se refira ao elemento intencional do dolo. Por exemplo: omitir declaração sobre rendas com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento do tributo (art. 2-, I, da Lei

18.6. Agente da Infração

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8.137, 27.12.90) é crime contra a ordem tributária, recaindo a sanção pessoalmente sobre o agente.

Da mesma forma são pessoalmente responsáveis as pessoas refe­ridas no art. 134 (pais, tutores, curadores, inventariante, síndico, etc.) quanto às infrações cometidas dolosamente contra aqueles por quem respondem (filhos, tutelados, curatelados, espólio, massa falida, etc.), bem como os mandatários, prepostos ou empregados nas infrações contra seus mandantes, preponentes ou empregadores e os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas (art. 137, III). Nessa hipótese exclui-se a responsabilida­de do contribuinte, que já terá sofrido o prejuízo pela infração dolosa­mente cometida pelo agente.

As pessoas jurídicas não podem ser consideradas agentes das in­frações definidas na lei penal como crime. Mas são sujeitos das infra­ções tipificadas na lei tributária.

c) Denúncia espontânea

Exclui a responsabilidade pela infração a denúncia espontanea­mente feita (art. 138). Mas deve ser acompanhada do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou de depósito da importância arbitrada, sendo inócua a mera declaração da prática do ilícito.

A denúncia espontânea exclui apenas as penalidades de natureza penal, mas não as moratórias, devidas pelo recolhimento do tributo a destempo. A legislação dos diversos impostos costuma prever multas moratórias reduzidas para as hipóteses de recolhimento espontâneo do tributo fora do prazo legal, com o que se beneficia em parte o infrator arrependido. O STF, entretanto, já declarou que o pagamento com os juros de mora exclui a multa moratória (RE 106.068-SP, RTJ 115/452) e o STJ eliminou a diferença entre multa penal e moratória, incluindo as duas na proteção da denúncia espontânea (Ag.Rg. no EREsp 169877, Rei. Min. Humberto Gomes de Barros, D J 12/11/01; Ag.Rg. no REsp 905.691, Rei. Min. Castro Meira, DJ 08/05/2007).

Mas não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscali­zação. Se o Fisco já tiver colocado o estabelecimento sob ação fiscal ou lavrado o auto de infração, não poderá o contribuinte valer-se da de­núncia, embora algumas legislações permitam o pagamento da multa com redução, desde que efetuado no prazo nelas previsto (art. 47 da Lei 9.430/96, com a redação dada pelo art. 70 da Lei 9.532/97). Tam­

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E ffij - Ensmo Superior Bffleau JirfSco

bém não se aplica o benefício da denúncia espontânea aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos adestempo (STJ, Súmula 360).

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Ma- lheiros Editores, 1992; BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio Janeiro: Forense, 1993; BARRETO, Aires. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucio­nais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1987; BRANDÃO MACHADO. "Fato G e­rador Complexivo — uma Questão Terminológica”. Suplemento Tributário, Ltr. 73: 273-275, 1982; CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. Fundamentos Jurídi­cos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 1998; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato Gera­dor da Obrigação Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1994; —. Introdução ao Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987; JARACH, Dino. El Hecko Imponible. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1971; JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. São Paulo: CESUP, 1986; MARTINS, íves Gandra da Silva. (Org.). Responsabilidade Tributaria. Caderno de Pesquisas Tributárias n2 5. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1980; SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Lecciones de Derecho Financiero. Madríd: Universidad Complutense, 1982; SAMPAIO DÓRLA, A. R. D a Lei Tributária no Tem­po. São Paulo: Ed. Obelisco, 1968; —. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: José Bushatsky, 1977; SOUZA, Rubens Gomes. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Ed. Financeiras, s/d; TIPKE, Klaus & LANG, Joachim. Steuerrecht. Kõln: O. Schmidt, 2009; TORRES, Ricardo Lobo. Restituição de Tributos. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

II. Direito Positivo: CF 88, com a redação da EC 3/93 — art. 150, § 7Q; Código Tribu­tário Nacional — arts. 114 a 138; Ley General Tributaria da Espanha (2003) — arts. 35 a 48; Código Tributário Alemão de 1977 — arts. 33 a 45 e 69 a 77; Lei Complementar ns 87, de 13.9.96, que dispõe sobre o substituto tributário no ICMS.

III. Jurisprudência'. Súmula do STF: “584. Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração"; contra a Súmula 584 : AJDIN 513, Ac. do Pleno, de 14.6.91, Rei Min. Célio Borja, RTJ 141/739: "II — O parágrafo único, art. 11, da Lei n2 8.134/90 institui coeficiente de aumento do imposto de renda, e hão índice neutro de atualização da moeda. Por isso, ele não pode incidir em fatos ocorridos antes de sua vigência, nem no mesmo exercício em que editado, sob pena de afrontar as cláusulas vedatórias do art. 150, inciso III, alíneas a e b , da Constituição Federal. Assim é, porque a obrigação tributária regula-se pela lei anterior ao fato que a gerou, mesmo no sistema de bases correntes da Lei na 7.713/88 (imposto devido mensalmente, à medida que percebidos rendimentos e ganhos de capital, não no último dia do ano) em vigor quando da norma impugnada. Ainda quando a execução da obrigação tributária se projeta no tempo, ela surge, também nesse sistema, contemporaneamente ao seu fato gerador. III — O ulterior acerto de créditos e débitos não é um novo fato gerador de obrigação tributária, mas expediente destinado a permitir a aplicação da regra de progressividade do imposto direto”; no mesmo sentido da Súmula 584: RE 194.612-1, Ac. da Ia T., de 24.3.98, Rei. Min. Sydney Sanches, DJU 8.5.98 - RDDT 35: 134, 1998: ”3. Com efeito, a pretensão da ora recorrida, mediante Mandado de Segurança, é a de se abster

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de pagar o Imposto de Renda correspondente ao ano-base de 1989, pela alíquota de 18%, estabelecida no inc. I do art. 1° da Lei n° 7.968, de 28.12.1989, com a alegação de que a majoração, por ela representada, não poderia ser exigida com relação ao próprio exercício em que instituída, sob pena de violação ao art. 150, I, "a", da Constituição Federal de 1988. 4. O acórdão recorrido manteve o deferimento ao Mandado de Segu­rança; Súmula do STJ: “360/2008: O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pa­gos a destempo”; RE n2 107.322-RJ, AC. da l âT. do STF, de 22.10.85, Rei. Min. Oscar Corrêa, RTJ 116/418: “Execução fiscal. Bens particulares de sócio de sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Não se exige a inscrição do nome do sócio-gerente, ou responsável, para que contra ele se exerça a ação fiscal. Mas só se admite a responsa­bilização do sócio-gerente ou responsável principalmente se agiu com excesso de pode­res ou infração de lei, contrato sociaí ou estatutos (art. 135, III, do CTN. Orientação da Corte"); RE na 113.854-RJ., Ac. da 2â T. do STF, de 26.8.87, Rei. Min. Carlos Madeira, RTJ 124/ 365: “Nos termos do art. 135, III, do CTN são substituídos na responsabili­dade tributária os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. Se a firma encerrou suas atividades de forma irregular, pode qualquer uma das pessoas referidas na lei ser citada com a penhora de seus bens, para garantia da execução fiscal. Precedentes da Corte”. Ag. Kg. no Recurso Especial n° 252.303-RS, Ac. da 2a T. do STJ, de 5.6.2001, Rei. Min. Eliana Calmon, DJU 4.2.2002, RDDT 80: 237, 2002: “Tributário. Agravo Regimental — Sócio-Gerente - Responsabilidade Tributária. Natu­reza Subjetiva. 1. E dominante no STJ a tese de que o não recolhimento do tributo, por si só, não constitui infração à iei suficiente a ensejar a responsabilidade solidária dos sócios, ainda que exerçam a gerência, sendo necessário provar que agiram os mesmos dolosamente, com fraude ou excesso de poderes"; ADI 1851-4, Ac. do Pleno do STF, de 08.05.2002, Rei. Min. Ilmar Galvão, D.J. 22.11.2002: “O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final".

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CAPÍTULO XV

O Crédito Tributário

I. CONCEITO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO

1. CRÉDITO E OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

Já vimos antes (p. 239) que, a rigor, inexiste diferença entre cré­dito e obrigação tributária. Da obrigação tributária exsurgem um di­reito subjetivo de crédito para o sujeito ativo e uma dívida para o sujeito passivo. O próprio art. 139 do CTN diz que “o crédito tributá­rio decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Se a obrigação tributária tem conteúdo patrimonial não pode se distin­guir do crédito tributário.

2. O PROCESSO DE CONCREÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

A distinção que por vezes faz o CTN deve ser entendida no senti­do didático. Embora o crédito se constitua juntamente com a obriga­ção pela ocorrência do fato gerador, recebe ele graus diversos de trans­parência e concretitude na medida em que seja objeto de lançamento, de decisão administrativa definitiva ou de inscrição nos livros da dívi­da ativa. O crédito tributário passa por diferentes momentos de eficá­cia: crédito simplesmente constituído (pela ocorrência do fato gera­dor) torna-se crédito exigível (pelo lançamento notificado ou pela de­cisão administrativa definitiva) e finalmente crédito exeqüível (pela inscrição nos livros da dívida ativa), dotado de liquidez e certeza.

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Por isso mesmo “as circunstâncias que modificam o crédito tribu­tário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obriga­ção tributária que lhe deu origem" (art. 140 do CTN).

As vicissitudes do crédito tributário — constituição, suspensão, extinção, exclusão — aparecem rigidamente disciplinadas no CTN (arts. 142 a 193), matéria que passamos a examinar.

II. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

3. CONCEITO DE “CONSTITUIÇÃO” DO CRÉDITOTRIBUTÁRIO

O CTN intitula de “constituição do crédito tributário” o capítulo em que cuida do lançamento (arts. 142-150).

Como já advertimos antes (p. 239) e adiante voltaremos a fazê-lo (p. 277), a “constituição” deve ser entendida aí como o primeiro grau de concreção do crédito, eis que este, a rigor, se constitui com a ocorrência do fato gerador e não com o lançamento.

4. O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

4.1. Subsunção

O lançamento, do ponto de vista lógico, coincide geralmente com a subsunção do fato concreto na hipótese de incidência prevista na lei. E ato de aplicação da lei ao caso emergente, na busca da exata adequa­ção entre a realidade e a norma. Mas a subsunção não é meramente formal, eis que envolve a qualificação do fato concreto e a interpreta­ção de todos os aspectos do fato gerador abstrato (núcleo, tempo, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo). Por isso mesmo há casos em que o lançamento opera por aplicação discricionária ou por tipificação ad­ministrativa (vide p. 246).

Como define o art. 142 o lançamento “é o procedimento adminis­trativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”. Por exemplo: se o ICMS, segundo a

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definição da lei, incide pela alíquota de 15% sobre o valor da saída de mercadoria do estabelecimento comercial ou industrial, compete à autoridade administrativa verificar se João da Silva, que promoveu a saída de mercadorias pelo preço de R$ 100,00, é comerciante e, em caso positivo, dele exigir o imposto de R$ 15,00, acrescido das penali­dades pecuniárias.

4.2. Procedimento

O lançamento resulta de um procedimento complexo, durante o qual são praticados inúmeros atos e averiguações. A autoridade admi­nistrativa investiga a ocorrência do fato, procede às avaliações neces­sárias, realiza o exame de livros e documentos fiscais para que possa liquidar o tributo devido. O início desse procedimento ou a prática dos atos preparatórios necessários a sua efetivação já produzem alguns efeitos jurídicos, especialmente o de elidir a espontaneidade da de­núncia da infração (art. 138 do CTN].

4.3. Ato Notificado

Mas só com o ato administrativo consistente na declaração formal da ocorrência do fato gerador, devidamente notificado ao sujeito pas­sivo, é que se considera efetivado o lançamento tributário. Só aí, com a fixação do quantum debeatur e com a sua notificação ao sujeito pas­sivo, estará constituído o crédito tributário.

O lançamento é ato privativo da autoridade fazendária. Excepcio­nalmente, no caso do imposto causa mortis ou de qualquer outro tri­buto apurado em autos judiciais, o lançamento efetiva-o o juiz no exercício de uma atividade administrativa do ponto de vista material, e não de uma função tipicamente jurisdicionaL

5. EFICÁCIA DO LANÇAMENTO

O problema da eficácia do lançamento está intimamente ligado ao da natureza da relação jurídica tributária, que já examinamos antes (p. 235).

Aqueles que defendem a tese de que a relação tributária tem na­tureza obrigacional vão concluir que o lançamento é meramente de- claratório da obrigação preexistente.

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As correntes que entendem ter a relação tributária natureza pro­cedimental vão chegar à conclusão de que a eficácia do lançamento é constitutiva.

5.1. Declaratória da Obrigação

Parece-nos que o lançamento tem eficácia meramente declara­tória, pois que lhe compete declarar a obrigação tributária constituída com a ocorrência do fato gerador. Já vimos que a obrigação tributária— e, conseguintemente, o crédito tributário — nasce com a ocorrên­cia no mundo real do fato hipoteticamente previsto na norma. Mas esse fato é invisível. Necessita, para a produzir efeitos no universo do direito, de sua explicitação em um título. O lançamento, pois, é o ato administrativo que cria esse título necessário à visibilidade e à transpa­rência da obrigação (e do crédito).

O título, em que se consubstancia o crédito tributário, adquire vida autônoma frente à obrigação subjacente. Cria a verdade formal, que poderá ser impugnada pelo sujeito passivo no caso de não coinci­dir com a verdade material da obrigação constituída nos termos da lei. Se o contribuinte não impugnar o lançamento, dar-se-á a preclusão administrativa e o título passará a valer autonomamente, o que tam­bém ocorrerá se a impugnação for rejeitada, constituindo-se definiti­vamente o crédito tributário.

A teoria da eficácia declaratória do lançamento foi defendida ini­cialmente pela doutrina germânica construída após o Código de 1919. Transmigrou para a Itália, onde o seu principal defensor foi A. D. Giannini (op. cit., p. 128). Penetrou no Brasil pela voz da geração con­temporânea à elaboração do Código Tributário Nacional e pode-se afirmar que é majoritária entre nós.

5.2. Constitutiva da Obrigação

A tese oposta, de que o lançamento constitui a obrigação tributá­ria, defenderam~na os adeptos da visão procedimentalista da relação tributária.

O alemão Nawiasky (op. cit., p. 111) entendia que nos impostos sujeitos a lançamento a obrigação tributária apenas surgia com o ato administrativo, eis que da ocorrência do fato gerador previsto na lei resultava simplesmente um direito formativo para a Administração. Essa teoria, sob novas cores, foi desenvolvida posteriormente pelos

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procedimentalistas italianos, principalmente Allorio (op. cit.f p. 66), Mi- chelli (op. cit., p. 112), que, dando ênfase à potestade administrativa ou de imposição, lançaram, dentre outros, os seguintes argumentos: o fato gerador não constitui a obrigação porque, se não se efetuar o lan­çamento, perde-se o crédito tributário; o lançamento pode ser efetiva­do, constituindo a obrigação tributária, sem que tenha ocorrido na realidade o fato gerador; se a obrigação nascesse com o fato gerador, o crédito poderia ser pago independentemente de lançamento, o que não acontece.

5.3. Declaratória da Obrigação e Constitutiva do Crédito

O CTN aderiu, inequivocamente, à teoria declaratória, apesar de, no art. 142, dizer que compete à autoridade administrativa “consti­tuir” o crédito tributário pelo lançamento, acrescentando, no art. 173, que o direito de a Fazenda Pública "constituir” o crédito se extingue em 5 anos. A explicação consiste, como já vimos, em que o Código reserva o termo “crédito" para o aspecto objetivo da obrigação em seus sucessivos graus de eficácia. De modo que a doutrina brasileira procura conciliar a aparente contradição do CTN com afirmar que o lançamento é declaratório da obrigação e constitutivo do crédito tribu­tário.

6. PRINCÍPIOS DO LANÇAMENTO

6.1. Vinculação à Lei

A atividade de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (art. 142, parágrafo único).

Vinculação à lei significa que a autoridade administrativa deve proceder ao lançamento nos estritos termos da lei, sempre que, no mundo fático, ocorrer a situação previamente descrita na norma. Não lhe resta nenhuma dose de discricionaríedade. Daí não se segue, toda­via, que não possa interpretar a lei, eis que a interpretação da hipótese de incidência é fundamental para a qualificação do fato concreto e para a ulterior subsunção. O que distingue a interpretação da discri- cionariedade é que nesta a autoridade administrativa tira conclusões com liberdade, a partir das premissas da lei, enquanto na interpreta­ção simplesmente compreende os conceitos indeterminados constan­

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tes da premissa legal, da qual exsurge uma única conclusão possível. As vezes os conceitos indeterminados aparecem acoplados a cláusulas discricionárias, principalmente para a concessão de isenções ou remis­sões, o que conduz a uma discricionariedade apertadíssima (cf. TOR­RES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 117}.

Da vinculação à lei resulta a obrigatoriedade do lançamento. A autoridade administrativa não pode efetuar o lançamento contra um sujeito passivo e deixar de efetivá-lo, em idênticas circunstâncias, com relação a outra pessoa, movida por critérios subjetivos.

6.2. Irretroatividade

A lei nova, contemporânea à data do lançamento, não retroage para atingir os fatos geradores ocorridos sob o império da lei revogada. O lançamento é sempre retrospectivo, reportando-se à data da ocor­rência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (art. 144 do CTN). Esse caráter retrospectivo do lançamento decorre da sua própria de- claratividade e da ultra-atividade do fato gerador e de sua eficácia no futuro.

Mas a lei que tenha instituído novos critérios de apuração ou pro­cessos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autori­dades administrativas ou outorgado maiores garantias ou privilégios aos créditos tributários aplica-se imediatamente ao lançamento, para a exigência de créditos nascidos sob o império da lei revogada (art. 144, § Ia).

6.3. Irrevisibilidade

O lançamento notificado ao contribuinte torna-se insuscetível de revisão pela Administração, a não ser que ocorra uma das hipóteses previstas no art. 145 do CTN, a saber: I — impugnação do sujeito passivo; II — recurso de ofício; III — iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no art. 149.

Recorde-se que os atos administrativos, genericamente conside­rados, desfazem-se por revogação ou por anulação. Revoga-se o ato por questões de sua inconveniência ou demérito; a revogação opera ex nunc e encontra respeito no direito adquirido. A anulação atinge o ato ilegal; opera ex tunc e desconhece as situações jurídicas constituídas,

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que se não aperfeiçoam ao arrepio da lei. A faculdade anulatória e revocatória, em decorrência do princípio da unidade administrativa, radica na própria ordem hierárquica.

Em direito tributário, todavia, a questão comporta outras conse­qüências. Sendo o lançamento atividade regrada, inadmite-se a revo­gação por motivos de conveniência. E a anulação — ou revisão — refo­ge à competência genérica da Administração, fundada no poder hierá- quico, porque se institucionalizou o processo especial.

Assim sendo, a revisão do lançamento só se torna possível nos casos expressamente previstos em lei, observadas as condições de pra­zo e de forma nela estabelecidas.

As duas primeiras hipóteses de revisão previstas no art. 145 do CTN — impugnação do sujeito passivo e recurso de ofício — ocorrem na seqüência do processo tributário administrativo. Se o sujeito passi­vo impugnar o lançamento no prazo de 30 dias contados da notificação ou se a autoridade fazendária recorrer de ofício contra a sua própria decisão estará suspensa a exigibilidade do crédito e instaurada a ins­tância revisora. Mas se o sujeito passivo não impugnar o lançamento no prazo marcado na lei dar-se-á a preclusão interna ou administrativa, vedando-se qualquer alteração do ato constitutivo do crédito, ainda que a situação por ele criada não coincida com a obrigação subjacente.

A terceira hipótese de revisão refere-se à iniciativa de oficio da autoridade administrativa quando se comprove falsidade ou erro do sujeito passivo nas declarações a que esteja legalmente obrigado, dolo, fraude ou simulação do contribuinte ou de terceiro em favor daquele, dolo ou fraude funcional da autoridade que efetuou o lançamento an­terior ou qualquer outro dos motivos enumerados no art. 149 do CTN.

A regra geral prevalecente no direito tributário, de conseguinte, é a da irrevisibííidade do lançamento. Nem o erro de direito na aplica­ção das leis fiscais, nem a sua injustiça legitimam a revisão do lança­mento, eis que através dele se cria uma situação jurídica bilateral. Só a Administração Judicante pode revê-lo, se houver impugnação do sujeito passivo ou recurso de ofício; ou a Administração Ativa, se ocor­rer uma das circunstâncias previstas no art. 149 do CTN.

6.4. Inalterabilidade

Os critérios jurídicos utilizados para o lançamento pela Adminis­tração são inalteráveis com relação a um mesmo sujeito passivo, ainda

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que haja modificação na jurisprudência administrativa ou judicial. Esse princípio, estampado no art. 146 do CTN, emana da segurança dos direitos individuais e da proteção da confiança do contribuinte. Aplica-se principalmente nos casos de consulta sobre a existência da relação tributária: se a Administração firmar determinado ponto de vista, favorável ao contribuinte, não poderá depois, nem mesmo em virtude de decisões administrativas ou judiciais, voltar atrás para exi­gir daquele contribuinte beneficiado o imposto devido por fatos pre­téritos; apenas os fatos futuros ficarão sujeitos ao novo critério jurídi­co (cf. art. 48, § 12, da Lei 9.430/96).

A hipótese do art. 146 difere da do art. 100, parágrafo único, do. CTN que diz que a observância das normas administrativas comple- mentares (atos normativos expedidos pelas autoridades administrati­vas, decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição adminis­trativa, práticas reiteradamente observadas pelas autoridades admi­nistrativas e convênios) exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. No caso do art. 100, parágrafo único, a mudança do crité­rio normativo incompatível com a lei tributária pode ser aplicada ge­nericamente aos contribuintes, em homenagem ao princípio da legali­dade, excluídas as suas conseqüências penais. Já no art. 146 protege-se contra a mudança, com efeito retroativo, do critério individualmente utilizado no lançamento relativo a um mesmo sujeito passivo.

7. MODALIDADES DO LANÇAMENTO

7.1. Lançamento por Declaração

Ocorre o lançamento por declaração quando o contribuinte de­clara ao Fisco a ocorrência do fato gerador e lhe fornece as informa­ções necessárias à apuração do tributo devido. Dele cuida o art. 147 do CTN.

O exemplo típico do lançamento por declaração era o imposto de renda, em que o contribuinte declarava os rendimentos obtidos no ano-base e procedia aos cálculos das deduções e abatimentos, para que o Fisco efetuasse posteriormente a notificação do lançamento. Hoje a sistemática está alterada, por influência do direito americano, e o con­tribuinte, no mesmo ato em que presta as declarações, considera-se notificado de que deverá recolher o tributo, com o que o sistema do

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1B S U - Ensino Superior f t e & i Ju ize s

lançamento por declaração se mescla, em parte, com o do autolança- mento.

O declarante pode retificar a declaração, por erro de fato, até a notificação. Se o não fizer, os erros cometidos serão revistos de ofício pela autoridade administrativa (art. 147, §§ l 2 e 2a, do CTN).

7.2. Lançamento por Arbitramento

Dá-se o lançamento por arbitramento, nos termos do art. 148 do CTN, quando, nos casos em que o tributo tenha por base ou tome em consideração, o valor ou o preço dos bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, sejam omissos ou não mereçam fé as declarações prestadas ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo. A autoridade admi­nistrativa pode, em tais casos, mediante processo regular, arbitrar aquele valor ou preço. Se o contribuinte não se conformar, far-se-á a avaliação contraditória, na esfera administrativa ou judicial.

O arbitramento é largamente utilizado em direito tributário, má- xime no imposto de renda, no ITBI, no causa mortis e nos demais tributos imobiliários* Eis um exemplo a propósito do imposto inter vivos incidente sobre a compra-e-venda de determinado imóvel: o contribuinte apresenta à repartição a guia com o valor da transmissão; se o Fisco aceitar o dito valor, procederá ao lançamento imediatamen­te; se o não aceitar, arbitrará o valor que lhe pareça compatível com o bem transmitido; se o contribuinte aceitar o valor assim arbitrado, pagará o imposto sobre ele calculado; se o não aceitar, proceder-se-á à avaliação contraditória, nomeando-se perito e assistentes técnicos, na esfera judicial ou administrativa, até que se chegue ao lançamento definitivo.

7.3. Lançamento de Ofício

A autoridade administrativa efetua o lançamento de ofício ou procede à revisão do lançamento anterior, também de ofício, quando assim o determinar a lei ou quando ocorrer uma das hipóteses previs­tas no art. 149 do CTN. O lançamento e a revisão ex officio em geral se fazem através da lavratura do auto de infração. A iniciativa da auto­ridade administrativa constitui uma exceção ao princípio da irrevisibi­lidade do lançamento e apenas se justifica quando o contribuinte age com má fé, dolo ou simulação, ou, na linguagem do art. 149 do CTN:

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I — quando a lei assim o determine;II — quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;III — quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formula­do pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o pres­te satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade.IV — quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qual­quer elemento definido na legislação tributária como sendo de decla­ração obrigatória;V — quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;VI — quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pe­cuniária;VII — quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em be­nefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;VIII — quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;IX — quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu frau­de ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial.

A revisão do lançamento, produzindo os mesmos efeitos deste, só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública, isto é, enquanto não esgotado o prazo de decadência — 5 anos a contar das datas indicadas no art. 173 do CTN.

7.4. Lançamento por Homologação

A doutrina brasileira mais antiga, bem como a estrangeira, se re­feria ao “autolançamento”, que seria aquele realizado pelo próprio contribuinte, como ocorre principalmente nos impostos indiretos (ICMS, IPI etc.). O contribuinte “lançava" em seus livros fiscais o crédito tributário, depois de verificar a ocorrência do fato gerador, e procedia ao recolhimento do quantum debeatur à Fazenda credora. Esse autolançamento, entretanto, padecia de uma contradição funda­mental, eis que o lançamento, sendo atividade privativa da Adminis­tração, não poderia realizá-lo o contribuinte.

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Daí porque o CTN preferiu recorrer à figura do lançamento por homologação — art. 150, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. Opera pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. Se não houver homologação ex­pressa, considera-se tacitamente homologado o lançamento com o de­curso do prazo de 5 anos a contar do fato gerador (art. 150, §42). O pagamento antecipado pelo obrigado extingue o crédito, sob a condição resolutória da ulterior homologação do lançamento (art. 150, § l 2).

A teoria do lançamento por homologação, como averbou Alberto Xavier (op. cit., p. 78], que foi quem melhor escreveu sobre o tema en­tre nós, é artificiosa. A Administração a rigor não pode homologar ato praticado por contribuinte, pois a homologação entende sempre com o próprio ato administrativo. Por outro lado, o caput do art. 150 se refere à homologação da antecipação do pagamento, e não do lançamento. Fi­nalmente, inexiste ato jurídico tácito da Administração, ocorrendo sim­plesmente a preclusão do poder de lançar em virtude da decadência.

Seja como for, no prazo de 5 anos, se tiver ocorrido a antecipação do pagamento, dar-se-á a homologação, expressa ou tácita. Ultrapas­sado o lustro e ressalvados os casos de existência de dolo, fraude ou simulação, o Fisco não mais poderá proceder ao lançamento ex officio, pois se trata de um prazo decadencial. E se não houve ia antecipação do lançamento? Logicamente não se iniciará o prazo de decadência, pois não cabe cogitar de homologação se inexistiu o autolançamento ou o pagamento prévio. O que a Administração controla é o ato do contri­buinte, o pagamento por ele antecipado. Inexistindo este, inexistirá a possibilidade de homologação e, consequentemente, não se iniciará o prazo decadencial. E bem verdade que há vozes discordantes, que de­fendem que a decadência opera independentemente do pagamento antecipado, de acordo com o art. 173 do CTN (cf. RICARDO LOBO TORRES, op. cit., p. 379), ou que o prazo de 5 anos previsto no art. 173 do CTN se inicia após o de 5 anos estabelecido ao art. 150, § 42, perfazendo o total de 10 anos, como foi o caso de alguns julgados do STJ. Mas o art. 3o da LC 118 de 2005, com o objetivo de corrigir a confusa jurisprudência do STJ, estabeleceu: “Para efeito de interpre­tação do inciso I do art. 168 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966— Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocor­re, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no mo­mento do pagamento antecipado de que trata o § Io do art. 150 da referida Lei”; essa interpretação autêntica não terá eficácia retroativa (vide p. 137).

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III. S U S P E N S Ã O DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

8. CONCEITO DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

São hipóteses de suspensão do crédito tributário a moratória, o de­pósito do seu montante integral, as reclamações e os recursos, nos ter­mos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, a conces­são de medida liminar em mandado de segurança, a concessão de medi­da liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial, e o parcelamento (art. 151 do CTN, com a alteração da LC 104/01).

A suspensão do crédito tributário refere-se à sua exigibilidade, como claramente prevê o próprio CTN. Assim sendo, só se suspende o crédito já “constituído” pelo lançamento, eis que a partir daí é que se torna exigível. O art. 154 do CTN, ao cuidar da moratória, diz que, salvo disposição da lei em contrário, o favor somente abrange os crédi­tos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo. O mesmo princípio vale para outras formas de suspensão: nem a concessão de medida liminar em mandado de segurança nem a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial (art. 151, incisos IV e V do CTN) inibem a Fazenda Pública de providenciar a constituição do crédito pelo lançamento, tendo em vista que a suspen­são apenas vai operar após a data em que o crédito se tornar exigível; mas não caberá lançamento de multa de ofício (art. 63 da Lei 9.430/96). A exceção é o depósito (art. 151, II, CTN ), que, no caso de impostos sujeitos a lançamento por homologação pode ser levanta­do pela Fazenda se improcedente a declaratória (CF. Ag. Rg. em Agi 144609-9, Rei. Min. Maurício Correa, D JU I o.9.95; REsp. n° 886.692, Ac. da 2a T., do STJ, de 20.09.2007, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJU 29.10.2007).

A suspensão da exigibilidade do crédito tributário implica que também fiquem suspensos os prazos da prescrição (art. 155, parágrafo único do CTN ). Mas não os da decadência, insuscetíveis de suspensão ou interrupção, o que representa mais um argumento favorável ao lançamento do crédito objeto de liminar em mandado de segurança ou em outras ações judiciais (art. 151, IV e V do CTN), ato pelo qual a Fazenda evita a caducidade do seu direito. O art. 63 da Lei 9.430, de 1996, com a redação da MP 2158-35, de 2001, estabelece que “na constituição do crédito tributário destinada a prevenir a decadência,

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relativo a tributo da União, cuja exigibilidade houver sido suspensa na forma dos incisos IV e V do art. 151 da Lei n° 5.172, de 25.10.1996, não caberá lançamento de multa de ofício”; o § Io acrescenta “o dis­posto neste artigo aplica-se, exclusivamente, aos casos em que a sus­pensão da exigibilidade do débito tenha ocorrido antes do início de qualquer procedimento de ofício a ele relativo".

A suspensão da exigibilidade do crédito, por outro lado, não dispen­sa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes (art. 151, pa­rágrafo único, do CTN). Mas interrompe a incidência da multa de mora desde a concessão da medida judicial até 30 dias após a publicação da decisão que considerar devido o tributo (art. 63, § 2-, da Lei 9.430/96).

9. MORATÓRIA

A moratória é o alargamento dos prazos para o cumprimento da obrigação tributária.

Justifica-se nos casos de calamidade pública, enchentes e catás­trofes que dificultem aos contribuintes o pagamento dos tributos. Também encontra justificativa nas conjunturas econômicas desfavorá­veis a certos ramos de atividade. Segue-se daí que pode se circunscre­ver a determinada região do território da entidade tributante, onde tenham sido mais graves os reflexos da crise provocada pela calamida­de ou pela conjutura econômica.

A moratória pode ser concedida em caráter geral ou individual. Aquela beneficia determinados grupos de contribuintes e independe de reconhecimento. A individual, deferida por lei a todos quantos se encontrem na mesma situação, é efetivada individualmente por des­pacho da autoridade administrativa, desde que comprovado que o be­neficiário satisfaz os requisitos legais.

Aplicam-se, subsídiariamente, ao parcelamento, regulado no art. 155-A do CTN, com a redação dada pela LC 104/01, as disposições relativas à moratória. A LC 118/2005, que adaptou o CTN à Lei de Falências, estabeleceu que lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação ju­dicial (art. 155-A, § 3o).

A moratória, como já se disse, abrange, salvo disposição de lei em contrário, apenas os créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data. Mas não aproveita aos casos de dolo, fraude ou

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similação do sujeito passivo ou de terceiro em benefício daquele (art. 154 do CTN).

A concessão de moratória em caráter individual, assim como acontece com outros favores fiscais (remissão, anistia e isenção), não gera direito adquirido. Será revogada se vier a se comprovar a inexis­tência dos requisitos de legitimação ao favor (as condições estabeleci­das em lei) ou o descumprimento dos requisitos para a sua fruição, como acontece com a falta de pagamento das prestações do parcela­mento. Revogada a moratória cobra-se o crédito tributário acrescido de juros de mora e com a imposição de penalidade, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado ou de terceiro em benefício daquele.

10. DEPÓSITO

O depósito também suspende a exigibilidade do crédito. Há que ser integral, incluindo os acréscimos moratórios e a correção monetá­ria devidos até a data da sua efetivação.

Já não prevalecem no Brasil o princípio do solve et repete, que obrigava o contribuinte a pagar o débito para poder impugnar o seu cabimento, nem a necessidade de garantia da instância administrativa. De modo que hoje o depósito é sempre voluntário, cabendo ao sujeito passivo decidir sobre a sua conveniência. A obrigatoriedade de depósi­to parcial para recurso na esfera administrativa foi considerada incons­titucional pelo STF (vide p. 349).

O depósito pode ser feito na instância administrativa, para evitar a incidência de juros e correção monetária.

Se realizado na esfera judicial, suspenderá a exigibilidade do cré­dito tributário e a fluência dos juros e da correção monetária. Poderá se efetivar com vista às ações declaratórias e anulatórias e ao mandado de segurança, mas não constitui conteúdo da medida liminar nem da cautelar. Se o contribuinte não o providenciar, a Fazenda Pública po­derá prosseguir na cobrança do seu crédito, pois o art. 585, § l 2, do Código de Processo Civil diz que “a propositura de ação anulatória de débito fiscal não inibe a Fazenda Pública de promover-lhe a cobrança”; tanto que penhorados os bens do devedor, todavia, a execução fiscal e a anulatória devem ser apensadas, por conexão processual (art. 105 do CPC), para que sejam objeto de decisão simultânea. O depósito vem sendo muito utilizado em mandado de segurança, ainda que haja me­dida liminar, pois a caducidade desta não resguarda o contribuinte contra a fluência dos juros e da correção monetária.

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11. RECLAMAÇÕES E RECURSOS ADMINISTRATIVOS

Suspendem igualmente a exigibilidade do crédito tributário as reclamações e os recursos interpostos nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo. Tanto as impugnações dirigidas aos órgãos julgadores singulares como os recursos apresentados aos colegiados administrativos (Conselhos de Contribuintes ou Tribunais de Impostos e Taxas) têm a aptidão de suspender o crédito, inde­pendentemente de depósito ou de garantia de instância.

12. MEDIDA LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA

Uma outra hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tri­butário, prevista no art. 151 do CTN, é a da concessão de medida liminar em mandado de segurança. Está regulada pela Lei n° 12.016, de 7*08.09, que entretanto estabelece, no art. ! ° , § 2o: "Não será con­cedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de crédi­tos tributários, a entrega de mercadorias e bens provènientes do exte­rior...M.

Ao deferir a liminar o juiz pode autorizar o depósito para suspen­der a fluência dos juros de mora e da correção monetária. A liminar, como já vimos (p. 284), não inibe a Fazenda de constituir o seu crédito pelo lançamento, para evitar a decadência e para torná-lo exigível quando desaparecerem os motivos da suspensão, o que será feito com os juros de mora, se o contribuinte não providenciar 0 depósito.

13. MEDIDA LIMINAR OU TUTELA ANTECIPADA EM OUTRAS AÇÕES

A LC 104/01 acrescentou o inciso V ao art. 151 do CTN, para deixar claro o que a doutrina e a jurisprudência já vinham reconhecen­do, isto é, que também “a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial” supendem a exigibili­dade do crédito tributário.

A liminar poderá ser concedida em outras ações propostas contra a Fazenda Publica (v. g. ação declaratória) para suspender a exigibilidade do crédito. Apoiado no poder cautelar geral (arts. 798 e 804 do CPC), o juiz a deferirá se houver fumus boni juris e periculum in mora. Pesam sobre tal cautelar e sobre a tutela antecipada as mesmas restrições exis­

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tentes para a concessão de liminar em mandado de segurança (art. 7°, 5o, da Lei 12.016, de 7.08.09) e a proibição de que esgotem, no todo ou em parte, o objeto da ação (Lei ne 8.437, de 30.6.92).

14. PARCELAMENTO

A LC 104/01 acrescentou o inciso VI ao art. 151 do CTN, in­cluindo entre as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário “o parcelamento”. Nenhuma novidade trouxe a lei comple­mentar, eis que sempre se entendeu qúe o parcelamento já estava implícito no conceito de moratória, regulada pelo inciso I do art. 151.

O parcelamento será concedido na forma e condição estabeleci­das em lei específica (art. 155-A do CTN, na redação da LC 104/01). Compete à autoridade administrativa concedê-lo individualmente, fi­xando o número de prestações e exigindo, se for o caso, as garantias necessárias, em geral a fiança.

Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas (art. 155-A, § 1~, do CTN).

IV. EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

15. CONCEITO DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

Tendo em vista a semelhança estrutural entre a obrigação tributá­ria e a obrigação civil, as causas de sua extinção, previstas no CTN e no Código Civil, são aproximadamente as mesmas. Diferem apenas quanto à extensão do princípio da legalidade no direito tributário; as­sim, problemas como os do lugar do pagamento ou da remissão com­portam conseqüências diferentes conforme se trate de obrigação civil ou tributária.

O CTN desenha, no art. 156, o elenco das causas da extinção do crédito tributário. Mas a enumeração não é exaustiva, eis que outras figuras, previstas inclusive no Código Civil, podem extinguir o crédito tributário. A confusão, que extingue a obrigação desde que na mesma pessoa se confundem as qualidades de credor e devedor (art. 381), pode ocorrer no direito tributário, como, por exemplo, nos casos em que o ente tributante tenha recebido a herança jacente ou tenha esta- tizado empresas privadas. A morte do devedor, que não deixa bens, extingue o crédito tributário. Mas a novação, que se dá quando o de­

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vedor contrai com o credor nova dívida para extinguir a anterior, quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o cre­dor ou quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substi­tuído ao antigo, ficando o devedor quite com este (art, 360 do Código Civil de 2002), não se aplica, em virtude do seu caráter dispositivo, ao direito tributário, rigidamente tutelado pelo princípio da legalidade.

16. PAGAMENTO

A primeira e mais importante forma de extinção da obrigação tributária é o pagamento, regulado minuciosamente pelos arts. 157 a 169 do CTN.

16.1. Prova

A prova do pagamento se faz mediante recibo ou documento pas­sado pela repartição fazendária ou pelos estabelecimentos bancários autorizados, em que se indique o nome do devedor, ou de quem por este pagou, e o valor e a espécie de dívida.

O pagamento de um crédito não importa em presunção de paga­mento das prestações em que se decomponha (art. 158, I, do CTN), ao contrário do que ocorre no direito civil (art. 322 do C.C.).

A certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interes­sado, também faz prova da quitação de determinado tributo (art. 205 do CTN).

16.2. Lugar

O pagamento se efetua sempre na repartição competente do do­micílio do sujeito passivo, salvo se a legislação estabelecer o contrário (art. 159 do CTN). A regra é diferente daquela adotada pelo direito civil, segundo a qual o pagamento se efetua no domicílio do devedor (art. 327 do C. C.)-

16.3. Tempo

A fixação do tempo do pagamento é matéria da competência da Administração, que não se encontra sujeita ao princípio da reserva da lei. Não se confunde o tempo do pagamento com o aspecto temporal do fato gerador, este, sim, subordinado à previsão da lei formal (art. 97, III, do CTN).

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A regra geral é a de que, quando a legislação tributária não fixar o tempo de pagamento, o vencimento do crédito ocorre 30. dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamen­to (art. 160 do CTN). Havendo reclamação ou recurso, o prazo de pagamento será também de 30 dias, contados do trânsito em julgado da decisão administrativa.

Nos impostos sujeitos a lançamento por homologação o tempo do pagamento geralmente consta de calendário divulgado pela repartição fazendária.

A legislação tributária pode conceder desconto pela antecipação do pagamento. Isso acontece comumente no IPTU e na exigência de multa através de auto de infração.

Se o crédito não for integralmente pago no vencimento será acresci­do de: a) juros de mora de 1 % ao mês, se a lei não dispuser de forma diversa; b) multa moratória prevista na lei formal; c) correção monetá­ria. Mas esses adminículos não se cobram na pendência de consulta for­mulada pelo devedor dentro do prazo legal para pagamento do crédito.

16.4. Modalidades

De acordo com a definição do art. 32 do CTN, o tributo é uma prestação pecuniária em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. Assim sendo, o crédito tributário pode ser pago:a) em dinheiro de contado;b) em cheque, entregue pro solvendo, o que faz com que o crédito só se considere extinto com o resgate pelo sacado;c) em vale postal, na forma prevista na legislação, quando o contri­buinte tiver domicílio em município não servido por estabelecimento bancário ou órgão fazendãrio arrecadador;d) em estampilha adquirida na repartição fazendária. Essa modalida­de, largamente utilizada até a reforma tributária de 1965, inclusive para o pagamento dos impostos sujeitos a lançamento por homologa­ção (imposto de consumo e imposto de vendas e consignações, substi­tuídos pelo IPI e ICMS), caiu em desuso. Nos casos de opção pela estampilha, só se considera extinto o crédito com a sua inutilização. A perda ou a destruição da estampilha ou o erro no pagamento não dão direito à restituição, salvo nos casos expressamente previstos na legis­lação;e) em papel selado ou por processo mecânico, modalidades que se equiparam ao pagamento em estampilha.

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Sendo prestação pecuniária em moeda ou em valor que nela se expresse, o tributo não pode ser pago com a entrega de bens móveis ou imóveis. Mas nada impede que a lei específica e de vigência transitória da entidade tributante autorize a dação em pagamento, com a entrega de bens do devedor, o que tem ocorrido em épocas de crise econômica setorial, para atender à falta de liquidez dos ativos das empresas. O art. 156, XI, do CTN, introduzido pela LC 104/01,; passou a prever, como forma de extinção do crédito tributário, “a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei”; a nova regra, que apenas veio explicitar o que a legislação ordinária, a juris­prudência e a doutrina já aceitavam, não proíbe que a lei ordinária venha a permitir a dação de bens móveis em norma transitória.

16.5. Imputação

O art. 163 do CTN estabelece diversas regras pára que seja feita a imputação do pagamento. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo sujeito passivo, a autoridade competente para receber o pagamento poderá imputá-lo: a) em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos decorrentes de responsabilidade tributária; b) primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos impostos; c) na ordem crescen­te dos prazos de prescrição; d) na ordem decrescente dos montantes.

Prevalece no direito tributário regra diferente daquela prevista no direito privado, que privilegia a vontade do devedor, O Código Civil (art. 352) estabelece que a pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.

16.6. Consignação

O crédito tributário se extingue também pelo depósito, em juízo, da importância correspondente, desde que a ação de consignação ve­nha a ser julgada procedente.

A relação jurídica tributária, como examinamos (p. 234), é o complexo de direitos e obrigações do Fisco e do contribuinte. O sujei­to passivo, conseguintemente, tem não só a obrigação de pagar a dívida tributária, como o direito de vê-la recebida pela Fazenda no tempo e lugar determinados pela legislação.

O CTN estabelece, no art. 164, os casos em que pode ser consig­nada a importância do crédito, que não coincidem com os previstos no Código Civil de 2002 (art. 335):

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a) recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação aces­sória. Ressalva-se, naturalmente, a possibilidade de imputação do pa­gamento, na ordem estabelecida no art. 163 do CTN;b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências admi­nistrativas sem fundamento legal;c) exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador. Essa hipótese ocorre principalmente com os tributos interestaduais (ICMS) ou intermuni­cipais (ISS). A exigência do tributo por mais de uma entidade tribu- tante pode ser resolvida no foro do domicílio do devedor, posto que não configura conflito entre as unidades federadas, como já declarou o STF na Súmula 503: “A dúvida, suscitada por particular, sobre o direito de tributar, manifestada por dois Estados, não configura litígio de competência originária do Supremo Tribunal Federal.”

Se a consignação for julgada procedente, reputa-se efetuado o pagamento e extinta a obrigação tributária, convertendo-se o depósito em renda. Julgada improcedente a consignação, no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora e correção monetária — salvo se o depósito se efetuou em estabelecimento de crédito da enti­dade tributante — e das multas cabíveis.

A ação de consignação em pagamento segue o rito previsto no art. 890 e seguintes do C.P.C., como adiante veremos (p. 353)*

16.7. Pagamento Indevido

a) Repetição do indébito

O CTN disciplina, nos arts. 165/69, a repetição do indébito, isto é, o pedido de restituição do tributo pago indevidamente. Estabelece que o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio pro­testo, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modali­dade de seu pagamento, nos seguintes casos:a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido, ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;b) erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquo­ta aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;c) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

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O CTN deixou claro, seguindo a doutrina e a jurisprudência já então pacificadas, que o contribuinte tem direito ao reembolso inde­pendentemente de prévio protesto.

A restituição abrange todo e qualquer pagamento em desconfor- midade com a lei, A obrigação de pagar o tributo nasce quando ocorre na vida real um fato que se pode subsumir na hipótese genérica previs­ta na norma jurídica; quando, por qualquer circunstância, de natureza substancial, temporal ou quantitativa, o imposto pago não correspon­de à descrição constante da lei, diz-se que há indébito a repetir. Recor­de-se que o conceito de fato gerador é complexo, pois contém, em torno do núcleo representado pela definição da situação ou ato jurídi­co que justifica a incidência do tributo, os outros elementos relativos à identificação do contribuinte, à base de cálculo e à alíquota. As hipó­teses de restituição previstas no art. 165 se referem a todos os ele­mentos do fato gerador. Tanto será devolvido o imposto pago em desa­cordo com as circunstâncias materiais do fato gerador, como será res- tituído aquele em que houve erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável ou no cálculo do montante do débito. Assim o erro de fato que o erro de direito justificam a devolu­ção. A duplicidade do pagamento é também causa da restituição. A última hipótese prevista no art. 165 — reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória — é de natureza adjetiva, a signi­ficar que a rescisão do lançamento ou da sentença judicial torna-se pressuposto para o pleito de repetição.

O art. 165 e seguintes do CTN cuidam, insista-se, apenas da re­petição da importância que era indevida na data do pagamento, pelo que nele não estão compreendidos:a) a restituição do indébito a causa superveniente, que se estrema pe­los pressupostos, pelo fundamento legal e pelas conseqüências jurídi­cas peculiares. Essa categoria pode se dividir em cinco grandes grupos, conforme a restituição tenha por fundamento: a declaração de invali­dade e ineficácia do negócio jurídico; a declaração judicial de inconsti­tucionalidade da lei tributária; a mudança dos critérios de interpreta­ção do legislador pela incorporação da jurisprudência; o pagamento antecipado; a remissão por equidade;b) a restituição a título de incentivo fiscal, que se encontra regulada em leis esparsas, sem qualquer sistematização, e que vem sendo larga­mente utilizada para promover o desenvolvimento econômico;c) a restituição do empréstimo compulsório, que decorre da promessa ínsita no seu próprio lançamento.

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A obrigação de restituir não é uma obrigação tributária, senão até que lhe constitui o reverso. Caracteriza-se como uma obrigação de direito público idêntica a qualquer outra obrigação passiva do Estado.

O fundamento da repetição de indébito é a ideia de justiça e equi­dade, pois a ação visa precipuamente a restituir o contribuinte à sua anterior capacidade contributiva, e não ao mero controle da legalidade formal dos atos da Administração.

O sujeito ativo da repetitória é quem suportou o encargo financei­ro do tributo, tenha ou não ocorrido a substituição legal da responsa­bilidade, como será examinado adiante, a propósito da restituição dos impostos indiretos.

Sujeito passivo da repetitória é a pessoa jurídica de direito públi­co competente para administrar o tributo, ainda que não detenha o poder de legislar ou de dispor do produto da arrecadação. O problema do ressarcimento entre os entes públicos, pela transferência do indé­bito, não pode afetar o direito do contribuinte.

b) Restituição dos impostos indiretos

Legitimado ativamente a repetir o indébito é aquele que suportou o ônus da cobrança, isto é, aquele que, sem apoio na lei, sofreu a redução em sua capacidade contributiva.

Quando se tratar de tributos diretos, o sujeito ativo da repetitória é quem recolheu o tributo aos cofres públicos.

Nos impostos indiretos, em que repercute o ônus da imposição, distinguindo-se as figuras do contribuinte de jure (aqueie que provi­dencia o recolhimento) e o do contribuinte de fato (o que suporta a carga fiscal), legitimado ativamente é o contribuinte de fato.

O arcabouço do direito à repetição do indébito é de construção nitidamente pretoriana. As normas insertas no CTN constituem mera positivação do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal.

É bem verdade que a jurisprudência consolidada mereceu, e ainda merece, crítica candente de parcela significativa de tributaristas pátrios.

Nem é menos verdade o fato de que a solução brasileira não en­contra paralelo de monta no direito comparado.

De qualquer forma, fundamental é que, não obstante certos as­pectos ainda obscuros na construção jurisprudencial, o problema da repetição de indébito teve solução singular no Brasil, motivada sempre pelo sentimento de justiça e equidade e, conseguintemente, divorcia­da de posições formalistas e de esquemas que se pretendem técnicos ou científicos.

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Antes mesmo da edição do Código Tributário Nacional o Supre­mo Tribunal já fizera incluir, em 13.12.63, para vigorar a partir de março de 1964, o seguinte enunciado na Súmula da Jurisprudência Predominante: "71 — Embora pago indevidamente, não cabe restitui­ção de tributo indireto”.

Dos diversos acórdãos referidos naquele verbete exsurgem dois argumentos principais:

1-) nos impostos indiretos repercute o tributo, pois o solvens ou contribuinte de direito transfere ao contribuinte de fato o ônus finan­ceiro da imposição fiscal, de modo que lhe falta o interesse para agir, se não suportou a carga tributária;

2-] o fundamento ético e jurídico da ação de repetição de indébito é o mesmo da ação de enriquecimento ilícito, a saber, q empobrecimento do solvens, de tal sorte que, sob pena de se ferir o princípio da equidade, carece o contribuinte de direito de legitimidade ad causam para repetir o indébito cujo encargo financeiro transferiu-se a terceiros.

Não é suficiente, portanto, para legitimar a ação de repetição de indébito, o enriquecimento ilícito do ente público, mas o empobreci­mento do contribuinte. Se aquele que recolheu indevidamente o im­posto aos cofres públicos não sofreu o desembolso efetivo do numerá­rio, carece de legitimidade ad causam, porque, do contrário, enrique­ceria ilicitamente. E se alguém há de enriquecer serrí causa, que seja o Estado, que representa a coletividade, como disse o Min. Victor Nu­nes Leal (RE 46.450, de 10.1.61):

“Seria menos justo proporcionar-lhe (ao contribuinte de direito) um sobrelucro sem causa, para seu proveito pessoal, do que deixar esse valor em poder do Estado, que presumivelmente já o terá aplica­do na manutenção dos serviços públicos e na satisfação dos encargos diversos que oneram o tesouro em benefício da coletividade. Se o dilema é sancionar um enriquecimento sem causa, quer a favor do Estado, com a carência ou improcedência da ação, quer em favor do contribuinte, se for julgado procedente o pedido, não há que hesitar; impõe-se a primeira alternativa, pois o Estado representa, por defini­ção, o interesse coletivo, a cuja promoção se destina, no conjunto da receita pública, a importância reclamada pelo particular para sua frui­ção pessoal. Esta solução é que corresponde à equidade, fundamento básico da ação proposta".

O verbete na 71 da Súmula foi posteriormente complementado pelo de n2 546, que lhe temperou o excesso de generalização, com admitir a repetição nos casos em que o solvens comprovasse que assu­mira o ônus financeiro do tributo (vide p. 323).

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O Supremo Tribunal Federal pôs-se, desde então, a pesquisar, casuisticamente, se houve, ou não, a translação do tributo. Pode-se inferir que se firmaram algumas constantes no exame de casos concre­tos. Assim é que:

l 2) inexiste a repercussão se a mercadoria é tabelada e não vem incluído na composição do preço o quantum do imposto;

22) dá-se a repercussão todavia, quando, embora tabelada a merca­doria, em seu preço foi incluído o imposto cuja devolução se postula;

3S) não repercute o tributo se, estando o contribuinte sujeito ao regime de estimativa fiscal, inexiste tabelamento, pois o imposto, nes­se caso, é absorvido na margem de lucro do comerciante, o que eqüi­vale a dizer que o contribuinte de jure suporta o respectivo encargo financeiro;

42) também não repercute o tributo incidente sobre a importação de bens para integrar o ativo fixo, eis que inexiste venda ulterior; nem o ISS, lançado por declaração; nem a taxa pelo exercício do poder de polícia (C f RICARDO LOBO TORRES, Restituição de Tributos, cit., p. 19).

Inclina-se o Supremo Tribunal Federal, por conseguinte, a rejeitar a repercussão indireta, absorvida nos custos empresariais, por enten­der que em tais hipóteses o tributo se dilui na margem de lucro e é suportado pelo solvens.

Se, entretanto, há repercussão direta do ônus financeiro sobre o contribuinte de fato, nega-se a recuperação do indébito ao contribuin­te de jure, para se admitir, embora seja discutidíssima a questão até no STF, a legitimidade ad causam do próprio contribuinte de fato.

O Código Tributário Nacional incorporou a orientação jurispru- dencial. Dispõe o art. 166: "A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro so­mente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”

A posição da doutrina brasileira, em sua quase totalidade, foi con­trária à jurisprudência consolidada assim antes como depois de publi­cado o C.T.N. Fundamentavam7se os juristas, principalmente, na difi­culdade de se conceituar a repercussão dos tributos.

A restituição dos tributos indiretos, sujeitos a lançamento por ho­mologação, prescreve em 5 anos contados do pagamento antecipado de que trata o art. 150, § I o, do CTN (LC 118/2005, art. 3o).

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c) Os acréscimos

Os juros de mora incidem pela taxa de 1% a.m. e só se calculam, na ausência de lei especial, nas restituições obtidas na via judicial e a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva proferida no pro­cesso de conhecimento.

A correção monetária passou a ser devida em decorrência da cons­trução do Supremo Tribunal Federal, calculando-se desde a data do pa­gamento indevido, sendo inaplicável à espécie a Lei nâ 6.899/81, que lhe fixa o termo inicial na data do ajuizamento (RE 111-410, RTJ 121/807].

Restituem-se também as multas moratórias, corrigidas moneta- riamente.

17, COMPENSAÇÃO

A compensação é admitida no direito tributário. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vin- cendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (art. 170, do CTN). Respeito aos tributos da União o art. 74 da Lei 9.430, de27.12.1996, com a redação determinada pela Lei n° 10.637, de 30.12.2002, e. com os acréscimos introduzidos pelo art. 4o da Lei 11.051, de 29.12.2004, autoriza o sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretária da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, a utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições admi­nistrados por aquele órgão.

Há diferenças substanciais entre a compensação no direito tribu­tário e no direito privado. Neste a compensação independe de lei es­pecífica, dá-se no interesse do devedor, ainda que sem a anuência do credor, e não abrange as dívidas vencíveis. A compensação tributária exige sempre lei específica da entidade tríbutante, não pode ser opos­ta pelo devedor sem que a Fazenda examine com certa discricionarie- dade o cumprimento das condições e requisitos estabelecidos na lei e pode abranger créditos vincendos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública, caso em que não poderá haver redução maior que a corres­pondente ao juro de 1 % ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.

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Para que se efetive a compensação é necessário que já esteja cons­tituído o crédito tributário pelo lançamento e que o crédito do contri­buinte seja líquido e certo, isto é, que tenha sido firmemente reconhe­cido por ato administrativo ou que se expresse em títulos da dívida pública, como muitas vezes foi permitido no Brasil.

A compensação tributária não se confunde com a compensação financeira dos impostos não-cumulativos (ICMS e IPI), que ocorre na conta corrente do contribuinte entre os créditos correspondentes às mercadorias entradas e os débitos relativos à incidência do tributo na saída dos bens.

O art. 170-A do CTN, introduzido pela LC 104/01, prescreve que “é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial". A medida se justificou diante do abuso na concessão de medidas cautelares satisfativas.

18. TRANSAÇÃO

O direito tributário conhece também a figura da transação. Defi­ne-a o art. 171 do CTN: "A lei pode facultar, nas condições que esta­beleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em terminação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário”.

A transação tributária, como outras figuras de extinção do crédito previstas no CTN (compensação e remissão), está sujeita ao princípio da reserva legal.

A transação implica no encerramento do litígio através de ato do sujeito passivo que reconhece a legitimidade do crédito tributário, mediante concessão recíproca da Fazenda Pública. O objetivo primor­dial da transação é, por conseguinte, encerrar o litígio, tornando segu­ras as relações jurídicas. O seu requisito essencial é que haja direitos duvidosos ou relações jurídicas subjetivamente incertas. Para que se caracterize a transação torna-se necessária a reciprocidade de con­cessões, com vista ao término da controvérsia. Renúncia ao litígio fiscal sem a correspectiva concessão é mera desistência, e, não, transação.

Embora a transação tenha efeito meramente declaratório (art. 843 do C.C. de 2002), quase sempre encobre um ato jurídico subja­cente à própria concessão, também autorizado por lei. Assim aconte­ce, por exemplo, com o parcelamento da dívida fiscal, com a dação em pagamento, com a remissão parcial. Se a discussão sobre o crédito

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tributário já se tiver projetado para a esfera judicial; a transação con­sistirá no reconhecimento pelo sujeito passivo da liquidez e certeza do direito da Fazenda e na renúncia à interposição de recurso e, por parte do sujeito ativo, na concordância em receber o seu crédito parcelada- mente ou mediante a entrega de bens.

Diz o art. 171, parágrafo único, que a lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada casó. Nos autos judi­ciais, os procuradores das pessoas de direito público, que apenas de­têm poderes ad judicia, necessitam da autorização da autoridade su­perior (Procuradores Gerais da República, do Estado e do Município), que em geral se segue à manifestação do Ministério da Economia ou das Secretarias de Fazenda sobre a conveniência da medida.

19. REMISSÃO

Admite-se excepcionalmente no direito tributário a remissão, que é o perdão do crédito tributário pela Administração, previamente autorizada por lei. O CTN, no art. 172, estabelece os diversos tipos de remissão, que, embora tenha peculiaridades próprias, aproxima-se do instituto previsto no Código Civil (arts. 385 a 388). Não se pode con­fundir, entretanto, remissão com remição; aquele é ato de remitir (= perdoar), enquanto a remição vem de remir (— resgatar) e encontra outra sede no Código Civil.

A remissão abrange assim o tributo como a sanção pecuniária já aplicada. Distingue-se da anistia porque esta implicatno perdão relati­vamente à infração cometida e ainda não descoberta; isto é, ainda não punida com a sanção pecuniária. A remissão da multa aproxima-se da figura do indulto, que, no Direito Penal, é o perdão da pena já imposta.

A remissão vincula-se inteiramente ao princípio da reserva da le­galidade. Só a lei formal da entidade tributante pode autorizar a Ad­ministração, em cada caso em que se configura o pressuposto previsto na norma, a conceder, por despacho fundamentado, a remissão do crédito. Proíbe~se, conseguintemente, a norma em branco, a autoriza­ção legal para que a Administração considere remitido o crédito quan­do vier a ocorrer fato que se possa subsumir na definijção ampla do art. 172 (salvo na hipótese do seu item IV). Em face dos ábusos cometidos por diversas municipalidades, a CF 88 veio repisar na necessidade de estrita obediência ao princípio da reserva da legalidade, com dizer, no art. 150, § 6S, com a redação da EC 3/93, que qualquer remissão — bem como outras renúncias de receita — que envolva impostos, taxas

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ou contribuições, só poderá ser concedida através de lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição. A remissão de créditos do ICMS exige concessão entre os Estados (art. 155, § 2-, X I I ,g e L C 24/75).

Desde que a lei formal específica autorize a remissão, poderá a Fazenda, com certa margem de liberdade (como acontece também na compensação e na transação), concedê-la por despacho fundamenta­do. Anote-se, porém, que aparecem como disposições casadas os con­ceitos indeterminados, que compõem a hipótese legal, e a discriciona- riedade, que entende com a conclusão ou conseqüência jurídica: a au­toridade administrativa emite o juízo de equidade com relação à situa­ção econômica do sujeito passivo ou às características pessoais ou ma­teriais do caso, que é um conceito indeterminado, e concede a remis­são discricionariamente, mas nos limites apertadíssimos em que a dis- cricionariedade é tolerada, o que não permite a discriminação entre contribuintes. Se, por exemplo, a lei autoriza a remissão, em virtude da dificuldade econômica, da dívida da indústria têxtil situada em certa parte do território da entidade tributante, competirá à Adminis­tração verificar se a Empresa X atende aos requisitos indeterminada- mente previstos na norma e, em caso positivo, conceder-lhe o benefí­cio discricionariamente.

O art. 172, itens í, II e V, prevê a remissão para atender à situação econômica do sujeito passivo, a erro ou ignorância quanto à matéria de fato e a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante. São hipóteses que geralmente surgem em razão da equidade, da conjuntura econômica ou da calamidade pública.

O art. 172, item TV, cuida da remissão por considerações de equi­dade em relação com as características pessoais ou materiais do caso. Difere das demais hipóteses. A equidade, aí, entende com a correção do direito tributário, ou seja, implica na superação da antinomia que pode resultar entre a previsão legal genericamente justa e o caso indi­vidual em que a tributação se tomou iníqua em virtude de caracterís­ticas personalíssimas do sujeito passivo. Abre a possibilidade perma­nente de a autoridade administrativa conceder o benefício e se inspi­rou no Código Tributário alemão (art. 227).

O art. 172, item III, refere-se à remissão em decorrência da dimi­nuta importância do crédito. E hipótese anômala e se classificaria me­lhor como extinção do crédito pela própria lei, tendo em vista que prescinde de reconhecimento de Administração por despacho funda­mentado. Justifica-se como medida de economia processual, especial­mente em época de inflação descontrolada.

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20. DECADÊNCIA

Decadência é a perda do direito de constituir o crédito tributário pelo lançamento. Dela cuida o art. 173 do CTN. O direito estrangeiro em geral não atribui antonomia normativa à decadência.

Prescrição, por outro lado, é a perda do direito à ação para a co­brança do crédito.

Assim sendo, as duas formas de extinção do crédito tributário se es­tremam pelas seguintes notas: enquanto a decadência impede o exercí­cio do poder de tributar, a prescrição prejudica a cobrança do crédito já constituído; na decadência perece o direito e na prescrição, a ação; a de­cadência não se suspende nem se interrompe, ao contrário da prescrição, que tem as causas interruptivas previstas no próprio CTN.

O prazo de decadência é de 5 anos e se conta:I. do primeiro dia do exercício^ seguinte àquele em que o lança­

mento poderia ter sido efetuado. E necessário que a Fazenda tenha tomado conhecimento da ocorrência do fato gerador, porque só assim "poderia” efetuar o lançamento. Se o contribuinte ocultar o fato gera­dor, seja na hipótese dos impostos sujeitos a lançamento por homolo­gação (art. 150 do CTN), seja nos casos em que lhe incumbe citar a Fazenda para o processo de inventário, o prazo de decadência só se iniciará com a notícia dada ao credor (c£ RE 98.840, RTJ 110/740);

II. da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anu­lado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. A anula­ção do lançamento por vício formal reabre a possibilidade de a Fazen­da exigir o seu credito, que durante 5 anos permanece incólume quan­to ao seu mérito.

Como inexiste interrupção no prazo decadencial, o CTN (art. 173, parágrafo único) prevê que se a Fazenda inicia a constituição do seu crédito pela notificação ao sujeito passivo de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento, a partir de tal data é que se iniciará a contagem dos 5 anos.

Se for efetuado o lançamento ou lavrado o auto de infração já não se poderá mais cogitar de decadência, ainda que haja impugnação do sujeito passivo e suspensão da exigibilidade do crédito. Tampouco existirá prescrição (vide p. 304).

A decadência prevista no art. 173 não se confunde com a do art, 150, § 4Q, do CTN, referente ao lançamento por homologação (vide p. 284 e 326).

A decadência dos créditos da Seguridade Social ocorria após 10 anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído (art. 45 da Lei 8.212/1991). Aregra

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conflitava com o art. 146, III, b, da C.F.: foi declarada inconstitucional pelo STJ (AI no REsp 616.348, Ac. do Pleno, de 15.08.07, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, DJ. 15.10.07) e pelo STF (RE 559.882-RS, Ac. do Pleno, de 12.06.2008, Rei. Min. Gilmar Mendes, publicado em14.11.2008) e Súmula Vinculante n° 8, de 2008 (vide p. 326).

21. PRESCRIÇÃO

A prescrição retira a possibilidade de a Fazenda promover a co­brança do seu crédito. Vem disciplinada no art. 174 do CTN.

Das distinções entre a prescrição e a decadência já cuidamos an­tes (p. 303).

O prazo da prescrição é de 5 anos contados da constituição defi­nitiva do crédito, isto é, da data marcada para o pagamento no lança­mento notificado ou do decurso do prazo de 30 dias contados da deci­são definitiva. Inexiste prescrição intercorrente no processo tributário administrativo, o que significa que entre o lançamento e a decisão definitiva não corre o prazo prescricional.

A prescrição das contribuições sociais também é de 5 anos, pois a CF 88 voltou a incluí-las no conceito de tributo (art. 149)- No inter- regno entre a Emenda Constitucional n2 8/77 e a CF 88, bem como no período anterior à Emenda Constitucional na 1/69, a prescrição era trintenária, pois a contribuição social se considerava parafiscal, situada fora do campo tributário. A prescrição da contribuição previdenciária também ocorre em 5 anos, tendo em vista que o STF declarou a in­constitucionalidade do art. 46 da Lei 8.212/1991, que a fixava em 10 anos, como acima ficou averbado (RE 559.882-RS; Súmula Vinculan- te n° 8/2008 — vide p. 323).

A prescrição se interrompe, segundo o art. 174 do CTN:I. pela citação pessoal feita ao devedor. A Lei de Execuções Fiscais

(6.830, de 22.9.80), entretanto, estabelece que desde o despacho do juiz que ordenar a citação se interrompe a prescrição, comando que passou a constar também do art. 174, parágrafo único, inciso I, segun­do a redação da LC 118/2005;

II. pelo protesto judicial;III. por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;IV. por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que im­

porte em reconhecimento do débito pelo devedor.Embora dela não cuide sistematicamente o CTN, também ocorre

a suspensão da prescrição. Uma de suas causas é a própria suspensão da exigibilidade do crédito tributário, prevista nos arts. 151 a 155,

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como vimos antes (p. 286). Outra, a inscrição do crédito nos livros da dívida ativa, que suspende a prescrição por 180 dias ou até a distribui­ção da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo (art. 2e, § 32, da Lei 6.830/80). Uma terceira hipótese ainda se dá quando, no curso da execução, não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora; decorrido o prazo máximo de 1 ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens pe- nhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos* mas, se da deci­são que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhe­cer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato (art. 40 da Lei 6830/80, com a alteração da Lei 11.051/2004).

Necessário distinguir entre as conseqüências da suspensão e da interrupção da prescrição. Interrompido o prazo prescricional, reco­meça a fluir, por inteiro, a partir da data do ato que a interrompeu ou do último ato praticado no processo (art. 202 do Código Civil de 2002), eis que a regra de sua redução à metade só se aplica a favor da Fazenda (Decreto n- 20.910/32). Suspenso o prazo computa-se, no reinicio de sua contagem, o tempo decorrido até o momento da sus­pensão, que se soma ao que fluir posteriormente.

A prescrição dos créditos tributários pode ser reconhecida de ofí­cio pela autoridade administrativa (art. 53 da Lei 11.941, de 27.05.09), Verificada a prescrição, o representante judicial da União, das autarquias e das fundações públicas federais não efetivará a inscri­ção da dívida ativa, não procederá ao ajuizamento, não recorrerá e desistirá dos recursos já interpostos (art. 1°-C da Lei n° 9.469, de10.06.1997, na redação do art. 31 da Lei 11.941, de 27.05.2009).

V. EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

22. CONCEITO DE EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O Código Tributário Nacional dedica um capítulo à “exclusão do crédito tributário”, que abrange a isenção e a anistia. A expressão é ambígua no que concerne à isenção (vide p. 309), eis que tanto pode significar que o crédito se constitui com a ocorrência do fato gerador e tem a sua cobrança excluída, quanto pode expressar que se exclui o próprio nascimento do crédito, pela suspensão da eficácia da norma impositiva.

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23. ISENÇÃO

23.1. Privilégio Não-Odioso

Já examinamos antes (p. 82) que os privilégios odiosos ofen­dem a igualdade e os direitos fundamentais e são proibidos pela CF (art. 150,11).

Os privilégios não-odiosos; justificados por considerações de jus­tiça, tornam-se legítimos no nosso sistema jurídico. Entre elas sobres­sai a isenção, que é juridicamente um privilégio, no sentido originário do termo, isto é, uma concessão de lei que estabelece exceção à regra geral. Se a lei geral institui a obrigação tributária, a norma do privilégio permite que alguém não pague o tributo, através do mecanismo da isenção (privilégio negativo) ou de outros instrumentos que nela se podem converter, como as subvenções e as restituições (privilégios positivos).

A isenção, como privilégio fiscal, se aproxima de inúmeros outros que vamos encontrar nos diferentes ramos do direito. Vale a pena re­cordar os privilégios processuais da Fazenda, entre os quais se incluem os da dilatação dos prazos, do duplo grau de jurisdição, de garantia do crédito tributário etc.

23.2. Histórico

O grande problema jurídico consiste em distinguir os privilégios odiosos dos não-odiosos. A questão tem certa dose de historicidade, pois as diversas gerações e épocas políticas têm a tendência de reputar odiosos os privilégios concedidos pelas anteriores. Por isso mesmo há forte carga negativa e pejorativa na palavra privilégio.

No Estado Patrimonial já havia inúmeros privilégios fiscais, não obstante o fato de a renda de impostos ser secundária. Ao lado das imunidades, que eram forma de intributabilidade absoluta dos bens da Igreja e do senhorio, em homenagem a liberdades estamentais pree­xistentes, apareciam os privilégios, como concessão do Governante, geralmente ao clero e à nobreza. O fenômeno ocorre em todos os j>aíses que conhecem a estrutura patrimonialista: Itália, Alemanha, Áustria, França, Espanha e Portugal. Eram considerados privilégios não-odiosos, porque os clérigos faziam a intermediação entre os cida­dãos e a divindade pela oração, enquanto a nobreza empunhava as armas, tudo o que justificava a exoneração dos impostos.

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Com as grandes revoluções do final do séc. XVIII e com a substi­tuição do Estado Patrimonial pelo Estado Fiscal — o que vive preci- puamente de impostos — modifica-se radicalmente o enfoque das isenções. Todos os privilégios do antigo regime passam a ser considera­dos odiosos, na França e nos países que fazem a revolução industrial. Nos Estados Unidos, em que não se conhecia a estrutura de classes presente na França e em outros Estados Patrimoniais, o privilégio en­tra com outro sentido, nitidamente afirmativo; a Constituição ameri­cana garante as imunidades e os privilégios dos cidadãos, e estes se definem como direito ao tratamento igualitário. Mas, no nosso caso, que seguimos o direito francês, os privilégios, por seu caráter odioso, foram extintos pela Constituição de 1824, salvo os do clero, que, em virtude da ligação entre Igreja e Estado, se manteve durante todo o Império, sendo ratificado por inúmeras leis ordinárias.

Com o advento da República modifica-se a questão dos privilé­gios, extinguindo-se os dos padres e da nobreza. A Constituição de 1891, por outro lado, incorpora diversos dispositivos correspondentes às imunidades. Posteriormente passamos por dois períodos de autori­tarismo que agravaram sensivelmente o problema dos privilégios. De 3 0 a 4 5 e d e 6 4 a 7 9 assistimos a uma simbiose entre o Estado e uma certa parcela da burguesia e do empresariado, com o recrudescimento da política de concessão de privilégios. O desenvolvimento do País assumiu o lugar de honra entre os princípios econômicos e jurídicos e as isenções, e demais privilégios fiscais tornaram-se a panacéia para o crescimento econômico.

A Constituição de 1988 começou a sinalizar em outra direção. O abuso na concessão de incentivos e isenções, a falta de controle do em­prego do dinheiro público, o enfraquecimento da utopia da inesgotabili­dade dos recursos do Estado e a crise financeira gravíssima do Tesouro conduzem a ideologia dos privilégios fiscais ao descrédito. Ainda mais em um País como o nosso, que procedeu a enorme transferência de ren­das das classes pobres para as ricas, em período curto. A CF fornece algumas orientações básicas para a política das isenções. O art. 150, II proíbe os privilégios odiosos, que são os destituídos de razoabilidade e de apoio na capacidade contributiva ou no desenvolvimento econômico. O art. 70 determina que o Tribunal de Contas faça o controle da legiti­midade e da economicidade, o que inclui o exame do real proveito das renúncias de receita para o crescimento do País. O art. 165, § 6S, deter­mina que o orçamento seja acompanhado de demonstrativo dos efeitos de todas as renúncias e subvenções, desmascarando, assim, os incentivos camuflados e equiparando os privilégios radicados na receita pública (isenção, dedução, anistia, remissão, isto é, renúncias de receita ou gas-

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tos tributários) aos que operam na vertente da despesa (subvenções, restituições de tributos etc.). O art. 150, § 6Q, na redação da EC 3/93, estabeleceu o combate às renúncias de receita.

E importante observar que a ideologia das isenções entrou em declínio simultaneamente em diversos países. O México, cuja Consti­tuição proibia formalmente as isenções e que, nada obstante, as con­cedera abundantemente com base no argumento de que as onerosas não estavam proibidas, reformulou a sua política. Nos Estados Unidos a reforma do Presidente Reagan em 1985 também diminuiu o número de isenções e demais gastos tributários. Na Alemanha assiste-se ao movimento que a doutrina chama de “derrubada dos privilégios" (Ab- bau der Steuervergunstingungen).

23.3. Natureza

As isenções, como privilégio que são, consistem na autolimitação do poder fiscal, porque objeto de concessão do legislador. Mas sempre foi muito discutida no direito brasileiro a forma por que opera essa limitação.

A doutrina contemporânea à elaboração do Código Tributário Na­cional, capitaneada por Rubens Gomes de Souza (Compêndio... cit., p. 70) inclinava-se pela tese da dispensa do tributo devido. Entendia que, apesar da isenção, ocorria o fato gerador, nascia a obrigação tribu­tária e havia apenas a dispensa, pela lei, do seu pagamento.

A outra explicação, que a meu ver é melhor, defende que na isen­ção ocorre a derrogação da lei de incidência fiscal, ou seja, suspende- se a eficácia da norma impositiva. A isenção opera no plano da norma e não no plano fático. Sabemos que a expressão fato gerador é ambí­gua, podendo tanto se referir à definição hipotética da lei, quanto ao fato que venha a ocorrer no mundo real. Para que nasça a obrigação tributária é necessário que ocorra na realidade aquela circunstância hipoteticamente prevista na norma. Ora, com a isenção o fato abstrato deixa de existir e assim não pode nascer nenhuma obrigação tributá­ria. Essa explicação ingressou no direito brasileiro principalmente por influência de Sainz de Bujanda e foi adotada por Souto Maior Borges, que escreveu competente monografia sobre o tema (op. cit.).

De notar que o próprio Rubens Gomes de Souza, em trabalhos ulteriores ("Isenções Fiscais../ , cit., p. 256), reconheceu que o Códi­go Tributário Nacional permanecera neutro quanto ao problema da natureza da isenção. Realmente, pela leitura do CTN, tanto se pode afirmar que a isenção exclui o crédito tributário porque dispensa o

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pagamento daquele que já se formou pela ocorrência do fato gerador, como se pode dizer que a exclusão decorre da circunstância de que o crédito não chegou a se constituir, porque a norma impositiva estava suspensa. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, continua até hoje a se apoiar na tese de que na isenção ocorre o fato gerador, nasce a obrigação tributária e a lei apenas dispensa o seu pagamento; como diz F. Novelli (op. cit,, p. 40), nasceria uma obrigação que não obriga nem produz qualquer efeito jurídico, o que seria uma demasia.

23.4. Classificação

A classificação das isenções que melhor se coaduna com o Código Tributário Nacional é a que as divide em gratuitas, onerosas, subjetivas e objetivas.

Gratuitas são as isenções concedidas sem qualquer contrapresta- ção por parte do contribuinte. Outorgadas em caráter geral, quase sempre se referem aos impostos indiretos. Não exigem reconheci­mento formal.

Onerosas, contratuais ou contraprestacionais são as concedidas, a prazo determinado, sob a condição de o contribuinte beneficiado pra­ticar certas atividades ou realizar algum investimento. Delas cuida o art. 179 do CTN. Implicam em verdadeiro contrato, pois estabelecem direitos e obrigações para o Fisco e para o contribuinte. Por isso mes­mo não podem ser revogadas unilateralmente. Foram largamente uti­lizadas no Brasil nos últimos anos, a exemplo do que se fazia no Méxi­co e em outros países. A política de incremento do turismo, por exem­plo, encontrou amparo nas isenções de impostos federais e estaduais condicionadas à construção de hotéis.

As isenções podem ser ainda subjetivas ou objetivas, classificação que também se aplica às imunidades. Subjetivas são as que excluem a incidência sobre certas pessoas indicadas na lei e em geral se referem aos impostos pessoais e diretos. Objetivas são as que derrogam a inci­dência sobre coisas ou mercadorias, aplicando-se principalmente aos impostos reais ou indiretos. Mas a isenção subjetiva pode se estender a impostos sobre a produção ou a circulação de mercadorias, quanto a certos tipos de empresa.

Fala-se, também, em isenções impróprias, que se caracterizam melhor como nao-incidência qualificada. Aparecem quando na pró­pria definição do fato gerador se excluem do campo de incidência algumas situações em virtude de considerações de justiça ou de opor­tunidade econômica.

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23.5. Reconhecimento

As isenções outorgadas em caráter geral independem de reconheci­mento expresso e a sua fruição é imediata, prescindindo de autorização.

As onerosas exigem um procedimento específico de reconheci­mento, regulado no art. 179 do CTN. Nele há duas fases perfeitamen­te diferenciadas.

A primeira é a do exame das condições de legitimação ao favor fiscal. O contribuinte apresenta ao Fisco todas as provas sobre as con­dições previstas na lei para a fruição do benefício. Se, por exemplo, se tratar de isenção condicionada para a construção de hotel, o contri­buinte apresentará o projeto da obra, o valor do investimento, o cro- nograma da execução e demais requisitos previstos em lei. Essa fase culmina com o despacho da autoridade administrativa que reconhece a isenção. Nasce, nesse momento, o direito subjetivo do contribuinte, penetrando a isenção no seu patrimônio e tornando-se insuscetível de revogação unilateral. A isenção, portanto, ao contrário da imunidade, tem eficácia constitutiva.

A segunda fase da isenção onerosa é a do exame do cumprimento dos requisitos da lei. No exemplo dado, a Administração, depois de reconhecido o favor, fiscalizará a construção do hotel, a ver se o proje­to aprovado foi rigorosamente respeitado.e se a execução da obra ob­servou o prazo convencionado. Tanto que implementada a condição, o contribuinte terá o direito de não pagar o imposto pelo prazo estipula­do. Se, entretanto, não forem satisfeitas as condições nem cumpridos os requisitos, a isenção poderá ser revogada (art. 179, § 2S, art. 155 do CTN; art. 32, § 10, da Lei 9.430/96) pela Administração.

23.6. Os Princípios Constitucionais da Isenção

A isenção tributária se subordina a diversos princípios constitu­cionais, alguns explícitos no texto fundamental, outros revelados pela doutrina ou pela jurisprudência. Duas ideias básicas fundamentam as isen-ções: a de justiça, à qual se vinculam os princípios da capacidade contributiva, economicidade e desenvolvimento econômico; a de se­gurança jurídica, que informa os princípios da legalidade, anteriorida­de e transparência orçamentária.

a) Princípios vinculados à justiça

Um dos mais importantes princípios constitucionais da isenção é o da capacidade contributiva. O benefício deve ser concedido a quem

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ngo tenha capacidade econômica para suportar o ônus do tributo. Aplica-se sobretudo às isenções genéricas e gratuitas, que procuram amparar as camadas da população de menor poder aquisitivo. Se os beneficiários, entretanto, possuírem forte capacidade contributiva, a isenção perde o seu fundamento jurídico e se aproxima do privilégio odioso proibido pelo art. 150, II, da CF 88, a não ser que encontre justificativa no princípio do desenvolvimento econômico. Discute-se a respeito da presença da consideração da capacidade contributiva na isenção de taxas e contribuições. O art. 145 da CF restringe o princí­pio da capacidade econômica aos impostos, pela óbvia razão de que as taxas e as contribuições de melhoria, sendo tributos contraprestacio- nais, subordinam-se ao princípio do custo/ benefício, isto é, refletem a equação de que o contribuinte deve pagar importância correspon­dente ao custo do serviço ou da obra para a Administração e ao bene­fício por ele obtido. Mas, no que concerne às isenções, parece-nos que a capacidade contributiva se aplica também às taxas e às contribuições de melhoria. E isso porque esses tributos são ambivalentes e dotados de grande carga de perversidade fiscal: justamente a população de baixa renda é a que mais necessita dos serviços e das obras públicas. Não seria justo exigir o pagamento das taxas da população carente, nem seria constitucional deixar a Administração de entregar o serviço ou realizar a obra a pretexto da falta de pagamento do tributo.

Outro princípio importantíssimo para a política das isenções é o do desenvolvimento. A concessão estatal não será um privilégio odioso se se apoiar na necessidade do crescimento econômico do País. Toda a legislação das décadas de 60 e 70 se fundamentou em tal princípio, coincidindo com o próprio predomínio da teoria keynesiana e do in­tervencionismo estatal, segundo os quais a isenção era a panacéia para o desenvolvimento econômico. Hoje duvida-se dessa ideologia e é ne­cessário pesar o efeito da isenção sobre o crescimento econômico, a ver se escapa da suspeita de constituir um privilégio odioso, proibido pelo art. 150, II, da CF 88.

Embutido no princípio do desenvolvimento econômico encontra­mos o do equilíbrio regional. A isenção estará plenamente justificada se contribuir para o equilíbrio econômico entre as diversas regiões do País, como está previsto nos arts. 151 ,1 e 165, § 7a, da CF 88.

O princípio do desenvolvimento econômico deve se compaginar também com o da redistribuição de rendas. Nas décadas de 60 e 70 prevaleceu no Brasil a “teoria do bolo”, elaborada por economistas, que recomendava a concessão de estímulos fiscais a mancheias, dei- xando-se a redistribuição de rendas para o momento ulterior em que fosse alcançada a economia desenvolvida; sucede que não ocorreu o

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esp erado crescimento econômico, o bolo solou e poucos dele se farta­ram. Hoje o princípio do desenvolvimento econômico só justifica as isenções se houver a perspectiva da redistribuição de rendas e da cria­ção de empregos.

O princípio da economicidade é novo na Constituição do Brasil. Aparece no art. 70, por influência da Constituição alemã. Significa que o Estado, em suas finanças, deve obter o maior proveito com o menor gasto. Transportado para a temática das isenções, sinaliza no sentido de que devem elas ser produtivas, isto é, levar ao maior desen­volvimento econômico ou ao melhor resultado possível com o menor emprego de recursos do Tesouro. O princípio da economicidade é re­levante porque permite ao Tribunal de Contas e aos órgãos de controle o exame da produtividade das isenções.

b) Princípios vinculados à segurança jurídica

A isenção está subordinada ao princípio da legalidade. Só a lei formal da entidade tributante, só a norma votada pelo poder legislati­vo pode conceder isenção. O Código Tributário se refere ao princípio no art. 97, explicitando o que se contém no art. 150, I, da CF 88 quanto às isenções. Exceção à regra são os Convênios ICMS; a legisla­ção autoritária (LC 24/75) estabeleceu que as isenções concedidas em reuniões dos Secretários da Fazenda poderiam ser aprovadas pelos Governadores, sem audiência das Assembleias Legislativas; essa disci­plina, que contrasta hoje, depois da redemocratização do País, com o princípio constitucional da legalidade, não foi invalidada ainda pelo Judiciário. A CF 88 proíbe que a União conceda isenção de impostos estaduais e municipais (art. 151, III); é medida que veio coarctar os abusos cometidos no regime anterior, ao amparo do disposto no art. L9, § 2a, da CF 67/69; na vigência das Constituições de 37 e 46 da União concedia isenção de impostos dos entes menores com base na teoria dos poderes implícitos, que lhe outorgava competência para deferir o benefício nos casos necessários à defesa do interesse nacio­nal.

O princípio da anterioridade não se aplica à concessão das isen­ções. Inexiste a obrigatoriedade de que a lei concessiva seja publicada antes do início do exercício. Mas a anterioridade tem grande impor­tância no tema da revogação das isenções. A lei que revoga o favor, segundo o art. 104, III, do CTN só entra em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação. O Supremo Tribunal Federal exclui do princípio da anterioridade a revogação da

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ESSJ - Ensmo Supedor Bueau JisS^oo

isenção do ICMS (Súmula 615), matéria polêmica que examinaremos adiante (p. 315).

A isenção deve ser transparente. Diz a CF 88, np art. 165, § 6S, que o orçamento será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anis­tias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributá­ria e creditícia. Quer dizer: a isenção não pode mai-s ser concedida ocultamente, sem a mensuração dos seus efeitos sobre o Tesouro. De­mais disso, não pode ser camuflada, pois esse dispositivo constitucio­nal (art. 165, § 6a), combinado com o art. 70, que abre à fiscalização do Tribunal de Contas todas as renúncias de receita, tornam transpa­rentes e conversíveis os benefícios concedidos assim na vertente da receita (= gastos tributários) que da despesa pública (= subvenções). Também determina o art. 150, § 6a, da CF, na redação da EC 3/93, que a isenção — assim como qualquer outra renúncia de receita — relativamente a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser conce­dida mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regu­le exclusivamente tais matérias ou o correspondente tributo ou con­tribuição.

23.7. Os Direitos Fundamentais

As isenções têm um relacionamento profundo com os direitos fundamentais, principalmente pela intermediação do princípio da iso- nomia. Hoje a CF proíbe, no art. 150, item II, o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proi­bida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. A norma surgiu como reação aos abu­sos do autoritarismo, que garantira isenções a militares, deputados e juizes.

No tocante às isenções a norma do art. 150, II, estabelece três orientações básicas: a) proíbe os privilégios odiosos, isto é, as isenções e quaisquer outros benefícios que não encontrem fundamento razoá­vel no direito para distinguir entre cidadãos; b) proíbe as discrimina­ções odiosas, representadas por exceções ou por condições inconstitu­cionais criadas no ato concessivo da isenção, como aquelas que ex­cluem certas pessoas ou bens do gozo da exoneração fiscal; c) permite os privilégios não-odiosos, consubstanciados nas isenções outorgadas para manter o equilíbrio econômico regional (art. 151 :J I) ou para res­peitar o princípio da capacidade contributiva.

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Problema de singular dificuldade é a distinção dos limites entre o privilégio odioso e o não-odioso. Decorre da própria análise do princí­pio da igualdade, que é a mais difícil de todas as ideias do direito. A igualdade é um princípio vazio, pois consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Sem conteúdo, a igualdade informa todos os outros princípios jurídi­cos: a capacidade contributiva, o desenvolvimento econômico, o equi­líbrio regional, a legalidade etc. Ao mesmo tempo é um dos direitos fundamentais estampados no art. 5ã da CF. Assim sendo, qualquer isenção que se afaste da consideração isonômica da capacidade contri- butíva ou do desenvolvimento econômico acaba por ferir o direito fundamental à igualdade de tratamento, transformando-se num privi­légio ou numa discriminação odiosa, a atingir o patrimônio alheio. Da mesma forma o discríme baseado em elementos estranhos à incidên­cia fiscal democrática, como a raça, a religião, o domicílio etc. Por evidente que o limite entre o privilégio odioso e o não-odioso é muitas vezes fluídico, dependendo da razoabilidade da distinção. Já dissemos que a tendência atual do direito constitucional tributário é no sentido de considerar odiosas as isenções, a não ser que se comprove robusta­mente a sua necessidade frente aos princípios da capacidade contribu­tiva e do desenvolvimento econômico.

23.8. Renúncias de Receita

Há inúmeras figuras no direito financeiro que produzem os mes­mos efeitos da isenção. Algumas operam na vertente da receita públi­ca, e outras, na da despesa, O resultado econômico será o mesmo no conceder uma isenção ou qualquer outro benefício na receita, e no outorgar uma subvenção, pelo lado da despesa. As isenções foram abu­sivamente utilizadas em diversos países, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, porque permitiam camuflar a concessão, eis que a lei isencional não identifica o beneficiário; a subvenção, ao contrário, exige a identificação do favorecido. A legislação e a doutrina america­nas, esta última com a obra exponencial de Surrey (vide p. 194), insis­tiram, para o controle das finanças públicas, na necessidade de exame dos benefícios concedidos através de instrumentos da receita, que re­ceberam o apelido de gastos tributários (tax expenditures). A CF 88 adotou a mesma orientação: estabeleceu a fiscalização do Tribunal de Contas sobre as renúncias de receita e sobre as subvenções (art. 70); estampou o princípio da transparência, segundo o qual o projeto de lei

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orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenção, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (art, 165, § 6— ); deixou claro, superando as dúvidas sobre a legitimidade da Lei Complementar 24/75, que os Convênios ICMS terão por objeto as isenções, os incentivos e os benefícios fiscais (art. 155, § 2.-, XII, g). O art, 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal define e regula as renúncias de receita.

As isenções têm afinidade, por um lado, em suma, com as figuras que compõem o quadro do que se convencionou chamar de renúncias de receita, despesas virtuais ou gastos tributários (tax expenditures) . São elas, entre outras, a anistia, a remissão, o crédito fiscal ou redução do quantum debeatur, a dedução ou redução da base de cálculo e da alíquota.

Por outro lado, na vertente da despesa, guardam grande afinidade com as restituições de tributo a título de incentivo, as subvenções e os subsídios.

23.9. Isenção e Alíquota Zero

Uma outra distinção que se há de fazer é entre isenção e alíquota zero, tema também muito discutido ultimamente.

A isenção, como já vimos, é uma autolimitação do poder tributário e opera pela suspensão da eficácia da norma de incidência. Na alíquota zero a norma de incidência permanece íntegra e há apenas suspensão de um dos seus elementos quantitativos. O fato gerador, que se compõe de vários elementos (objeto, sujeito, alíquota, base de cálculo) sofre a nuli- ficâção de um desses elementos, a alíquota, que desce a zero. E figura usada principalmente no imposto de importação e no IPI.

Problema que surge da aplicação da alíquota zero é o da possibili­dade de aproveitamento do crédito fiscal dos impostos sobre o valor acrescido. Pode, apesar de não haver incidência, o contribuinte apro­veitar o crédito correspondente àquela fase em que a alíquota era zero? Ou se adota o mesmo critério da isenção, que, nos termos da Constituição vigente (art. 155, § 2a ), não garante a utilização do cré­dito? As opiniões se dividiram. Parece-me que a solução deve ser a mesma da isenção. Os impostos sobre valor acrescido são dotados do efeito de recuperação, que faz com que o Estado recupere nas etapas ulteriores o valor do imposto correspondente à desgravação ocorrida parcialmente na fase inicial, tenha ela o nome de isenção, não-incidên- cia ou alíquota zero. Proíbe-se também o aproveitamento do crédito

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presumido do IPI referente a insumos sujeitos à alíquota zero ou não tributados (RE 350.446-PR, Ac. do Tribunal Pleno, de 18.12.2002, Rei. Min. Nelson Jobim, D J 06.06.2003).

Um outro problema ocorre na área do imposto de importação. A isenção daquele tributo estende-se aos impostos internos que se en­contram no mesmo sistema de tributação, que são o IPI e o ICMS, pois o ingresso aduaneiro é o carro chefe dos impostos sobre o comér­cio exterior. Mas na alíquota zero já há lei dizendo que não implica na extensão de idêntico benefício aos outros impostos-

23.10. Interpretação das Isenções

A interpretação das isenções transcende a questão dos métodos — literal, histórico, sistemático ou teleológico — para se colocar no campo maior do Direito Constitucional ou da dimensão política dos privilégios. Houve nos últimos anos uma modificação sensível na in­terpretação das isenções e dos privilégios.

Nem toda isenção, nem todo incentivo seria inconstitucional ou odioso. Mas a atitude do intérprete deve ser a de presumir odioso o benefício até que se prove que é necessário.

Este novo enfoque das isenções e dos privilégios resulta também da recuperação da importância da crítica jurídica. Os incentivos fiscais deixam de ser objeto exclusivo da análise dos economistas e passam à preocupação dos juristas, pois envolvem aspectos da igualdade, da jus­tiça e dos direitos humanos. De modo que se torna muito importante esse tema da interpretação, principalmente pelos aspectos políticos e econômicos dos privilégios, que passam agora, neste final de século, a ser examinados na estrita consonância com os princípios da igualdade e da justiça, sobre eles pesando a suspeita generalizada de ilegitimida­de, até prova em contrário.

A interpretação das isenções deve ser igual a qualquer outra. O Código Tributário nos diz, no art. 111, que a interpretação das isen­ções deve ser literal, com o que apenas repudia a analogia, que inter­pretação não é. Interpretação literal é a que vai até os limites da ex­pressividade da linguagem jurídica. Enquanto as palavras da lei da isenção forem suceptíveis de interpretação ou de compreensão, o in­térprete poderá estendê-las, desde que não distorça o sentido possí­vel. Quer dizer: interpretação literal é limite para interpretação, mas balizado pela possibilidade expressiva da letra da lei. Nunca a inter­pretação literal poderia ser entendida no sentido de uma redução ou de uma restrição da isenção. E, pois, uma interpretação igual à de

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qualquer outro instituto ou figura de direito tributário, com a ressalva de que aqui não caberá analogia para a dispensa de impostos; quando houver uma lacuna na lei de isenção não pode o intérprete buscar em outra lei semelhante uma disposição para completar aquela lacuna.

A interpretação da isenção também coloca um problema que me parece muito difícil e que tem sido abordado algumas vezes. Quando a isenção ou o incentivo fiscal é odioso o seu controle judicial se fará na via da anulação. Em qualquer tratamento preferencial que se dê a brasileiros, que implique numa discriminação em relação a outros, a conseqüência normal é a anulação daquele ato. Isso aconteceu, por exemplo, com o tratamento preferencial que se deu a militares e a magistrados no regime anterior. Inexiste a possibilidade de, por isono- mia, se estender algo que é odioso. Se, todavia, a isenção for justa e conveniente, mas se deixar fora do seu universo algumas pessoas que mereceriam tratamento igual, nesse caso poderia o intérprete ampliá- la, eis que a interpretação extensiva ainda é uma das possibilidades da interpretação literal, tanto mais que, na hipótese, contribuiria para combater a discriminação infundada ou as condições inconstitucionais criadas para a outorga do favor.

23.11. Revogação das Isenções

Um outro problema que tem sido muito discutivo, inclusive pe­rante o Supremo Tribunal Federal, é o da revogação das isenções.

A isenção, como vimos, é uma autolimitação do poder tributário do Estado, que opera pela suspensão da eficácia da norma impositiva. Na não-incidência, como também já examinamos, Inão ocorre isso, pois a própria delimitação do fato gerador exclui a incidência sobre certas coisas ou pessoas. Quando a lei da isenção é revogada, readquire a lei de imposição a sua eficácia, eis que, como explica o Professor Novelli (op. cit., p. 42), é caso de concorrência de normas e de reaqui­sição da eficácia qualificatória da norma impositiva. Por exemplo: a lei do ICMS prevê a incidência sobre qualquer saída de mercadoria dos estabelecimentos comerciais e produtores; depois outra lei concede isenção à saída de leite, derrogando a norma geral de incidência; se for revogada a norma que concede a isenção do leite, dá-se a reaquisição da eficácia da lei anterior que previa a incidência fiscal, inconfundível com a repristinação, que inexiste no nosso direito.

Se a revogação da isenção implica na reaquisição da eficácia da norma impositiva, essa reaquisição da eficácia se subordina ou não ao princípio da anterioridade? O Supremo Tribunal Federal disse (Súmu-

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Ia 615) que, se se tratasse de ICM, não ficava sujeita ao princípio da anterioridade. Não examinou o Supremo essa questão da concorrên­cia e da eficácia de normas, tendo trabalhado apenas com o art. 104 do CTN. Ora, o art. 104 do CTN foi redigido na vigência da Emenda Constitucional 18, de dicção autoritária, que restringia o princípio da anterioridade aos impostos sobre patrimônio e renda. Posteriormente a Constituição de 1967/69 estendeu o princípio da anterioridade tam­bém aos impostos sobre a produção e a circulação. Logo, todos os impostos, inclusive o ICMS e com a ressalva apenas daqueles excep­cionados pela própria Constituição, estão sujeitos ao princípio da an­terioridade, transferindo-se a eficácia da norma que revoga a isenção para o dia Ia de janeiro do ano seguinte.

Mas a isenção concedida a prazo certo e sob determinadas condi­ções é irrevogável, pois se integra ao estatuto do contribuinte.

Entre isenção, não-incidência e imunidade há uma diferença grande quanto à revogação. Revogada a isenção a norma de incidência readquire a sua eficácia. Revogada a não-incidência torna-se necessária a lei de criação do tributo. Já a imunidade é irrevogável, posto que é qualidade da própria pessoa humana e apanágio dos direitos funda­mentais.

24. ANISTIA

Anistia é o esquecimento da infração cometida à legislação tribu­tária e o perdão da multa ainda não aplicada. Dela cuida o CTN nos arts. 180 a 182. A terminologia empregada pelo legislador nem sem­pre é muito rigorosa e se torna encontradiça a expressão “cancelamen­to de débitos fiscais”, que envolve a remissão do crédito de tributo e a anistia. Mas a distinção entre as duas figuras, como já vimos (p. 299), consiste em que pela remissão extingue-se o crédito correspondente à penalidade pecuniária já aplicada, enquanto a anistia atua sobre a pró­pria infração e suas conseqüências jurídicas ainda não descobertas nem sancionadas.

A anistia se vincula estritamente ao princípio da legalidade. Só a lei formal pode concedê-la ( art. 97, VI, CTN ). Mas a lei há de ser da entidade tributante — União, Estado ou Município — específica para cada caso, vedando-se a autorização em branco (art. 150, § 62, CF, na redação da EC 3/93).

Vincula-se também aos princípios de justiça. Pode se fundar em razões de equidade com relação a determinadas regiões do território da entidade tributante ou em motivos de utilidade, como acontece

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com o perdão de pequenas multas, necessário para aliviar a burocracia dedicada à cobrança. Mas os argumentos de justiça devem ser rigoro­samente desenvolvidos, eis que pesa sobre a anistia a suspeita genera­lizada de iniqüidade, por estabelecer discriminação contra o contri­buinte cumpridor de seus deveres.

A anistia pode ser geral, limitada ou condicional. A geral é conce­dida a todos quantos se encontrem na mesma situação, sem qualquer condição. A anistia pode ser limitada às penalidades até certo valor ou a determinada região do território da entidade tributante; o seu reco­nhecimento dependerá de prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão, mas não gera direitos adquiridos, podendo ser revogado quando se verificar que o beneficiário não atendia às exigências legais. A lei po­derá condicionar a anistia das penalidades ao pagamento do tributo no prazo nela fixado.

VI. GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

25. CONCEITO DE GARANTIAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O direito ao crédito tributário necessita de certas garantias para que possa valer contra os créditos pertencentes a outras pessoas ou sobre o patrimônio das empresas e dos cidadãos. Pelo sistema do CTN as garantias se consubstanciam nos privilégios e preferências, que, en­tretanto, não se esgotam nos dispositivos codificados.

As garantias, sendo forma de proteção do direito, não se confun­dem com o próprio crédito tributário nem lhe alteram a natureza.

26. PRIVILÉGIOS

Privilégio é uma exceção à regra geral criada por lei.O crédito tributário goza do privilégio de por ele responder a to­

talidade dos bens e das rendas do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de impe- nhorabilidade, ainda que o ônus ou a cláusula sejam anteriores ao nas­cimento da obrigação tributária. Excetuam-se unicamente os bens ou rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis, como sejam os bens inalienáveis, as provisões de alimentos, os vencimentos dos fun­cionários públicos e os salários dos trabalhadores (art. 649 do CPC).

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Outro privilégio em favor da Fazenda: cria-se a presunção juris et de jure — não admite prova em contrário — de ser fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa (art. 185 do CTN, na redação daLC 118/2005).

Há ainda outros privilégios previstos do Código de Processo Civil que protegem o interesse público e que se aplicam também ao crédito tributário cuja legitimidade se encontre sob o exame do Judiciário: prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188), duplo grau obrigatório de jurisdição (art. 475) e honorários equitativos (art. 20, § 4-).

27. PREFERÊNCIAS

Preferência de qualquer direito creditório é a sua prioridade para o pagamento, ou seja, a sua força para que em primeiro lugar seja pago, em detrimento de outros créditos de menor hierarquia, preferenciais ou não.

A preferência decorre de dois títulos legais: os privilégios e os direitos reais. O crédito tributário, que goza de privilégios (arts. 184 e 185 do CTN), tem preferência em grau superlativo, o que faz com que seja pago antes de qualquer crédito cuja preferência tenha por título os direitos reais e, obviamente, de qualquer crédito que não tenha título legal à preferência (— crédito quirografário). O crédito tributário só é preterido pelos créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho (art. 186 do CTN, caput, na reda­ção da LC 118/2005). Mas, na falência: I — o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garan­tia real, no limite do valor do bem gravado; II — a lei poderá estabele­cer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho; III — a multa tributária prefere apenás aos créditos subordinados fart. 186, parágrafo único, do CTN, na redação daLC 118/2005).

Por isso mesmo o crédito tributário não se sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. A cobrança do crédito tributário escapa do juízo universal da falência e do inventário e se processa perante as Varas da Fazenda Pública, garantindo-se através da penhora no rosto

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dos autos da falência ou do inventário. A prática judicial tem admiti­do, entretanto, quando não há impugnações, que no próprio processo de falência ou inventário se faça a reserva do numerário para o paga­mento do crédito tributário.

Concurso de preferência somente pode existir entre as pessoas de direito público, E, nesse caso, os créditos tributários da União têm preferência sobre os do Estado ou do Município; os idos Estados e do Distrito Federal são pagos conjuntamente e pro rata, no que sobejar o crédito da Fazenda Nacional; e em último lugar vêm os créditos tribu­tários dos Municípios, que são pagos também conjuntamente e pro rata (art. 187 do CTN). Discutiu-se sobre a legitimidade da ordem de preferência estabelecida pelo art. 187 do CTN, diante da norma supe­rior que veda à União, aos Estados e aos Municípios criar “preferências entre si” (art. 19, III), mas o Supremo Tribunal Federal deu pela cons­titucionalidade do dispositivo (Súmula 563).

São extraconcursais os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de falência (art. 188 do CTN, na redação da LC 118/2005).

São pagos preferencialmente a quaisquer créditos habilitados em inventário ou arrolamento, ou a outros encargos do monte, os créditos tributários vencidos ou vincendos, a cargo do de cujus ou de seu espó­lio, exígíveis no decorrer do processo de inventário ou arrolamento (art. 189 do CTN).

Outra importante garantia do crédito tributário consiste na ne­cessidade da prova de sua quitação para que possam se extinguir as obrigações do falido, conceder-se a recuperação judicial e se encerrar as partilhas e para que sejam celebrados contratos com a Administra­ção Pública (arts. 191 a 193 do CTN).

Mais uma garantia para o crédito tributário foi criada pelo art. 185-A do CTN, na redação da LC 118/2005, que regulamentou a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor tributário, nas hipó­teses em que, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis.

VII — FISCALIZAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

28. FISCALIZAÇÃO

A fiscalização do crédito tributário é um poder-dever da Adminis­tração Fiscal.

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O CTN estampa diversas normas que garantem à Administração exercer a fiscalização das rendas públicas.

Não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, docu­mentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, in­dustriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

A ação dos agentes do Fisco deve ser documentada, lavrando-se o termo do seu início e fixando-se o prazo de sua duração.

29, DEVER DE PRESTAR INFORMAÇÕES AO FISCO

O contribuinte tem o dever de prestar informações ao Fisco com relação aos seus negócios e atividade. Esse dever de informar vem crescendo extraordinariamente nos últimos anos, gerando o aumento dos gastos administrativos das empresas; suas causas são a crescente utilização do mecanismo da substituição tributária, a tendência à cria­ção de impostos não-declaratórios e a necessidade de se obterem da­dos econômicos para a partilha do produto da arrecadação entre os entes públicos.

Há também a obrigação especial de informar, que recai sobre os tabeliães, os bancos, as empresas de administração de bens, os corre­tores e leiloeiros, os inventariantes, os síndicos e quaisquer outras en­tidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão (art. 197 do CTN).

30. SIGILO FISCAL DO CONTRIBUINTE

O contribuinte tem o direito ao sigilo, por parte da Administra­ção, com relação aos dados fornecidos sobre os seus negócios e suas atividades. Os agentes do Fisco não podem divulgar informações que obtenham durante o exercício da fiscalização de rendas.

A LC 104/01 alterou o art. 198 do CTN, para regulamentar me­lhor o sigilo fiscal, do qual se excluem a requisição de autoridade judi­ciária no interesse da justiça e as solicitações de autoridade adminis­trativa no interesse da Administração Pública, desde que seja compro­vada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com ó objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

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A troca de informações sigilosas no âmbito da Administração Pú­blica será feita de forma a preservar o sigilo.

A troca de informações com Estados estrangeiros, autorizada pelo art. 199, parágrafo único, do CTN, na redação da LC 104/2001, tor­nou-se instrumento de grande importância nos últimos anos, diante da nova realidade da globalização econômica, da abertura para o direito cosmopolita e dos abusos das instituições financeiras que geraram a grande crise econômica de 2008. A legislação brasileira vem procuran­do se precaver contra os paraísos fiscais, fonte de evasão através de tributação favorecida e de ocultação de rendimentos tributários. Re­centemente algumas normas jurídicas federais passam a definir e com­bater o paraíso fiscal em função da opacidade da sua conduta e do fechamento à troca de informações relativas à composição societária, titularidade de bens e direitos, ou às operações econômicas realizadas (c£ art. 24 da Lei n° 11.727, de 23.06.2008, que modificou o art. 24 da Lei 9.430/96, introduzindo-lhe o § 4o e acrescentando-lhe o art. 24~A, com a redação dada pela Lei 11.941/90).

31. NORMAS ANTISSIGILO BANCÁRIO

A transparência fiscal é proporcionada também pelas normas an~ tissigilo bancário, que vêm proliferando no direito estrangeiro e que ainda encontram dificuldade de aclimatação entre nós.

Com efeito, no Brasil a doutrina e a jurisprudência vêm fechando a possibilidade de desvendamento do segredo bancário pela própria autoridade fiscalizadora. Qualquer necessidade de conhecimento das transações bancárias do contribuinte só podia ser suprida pelo juiz, sob pena de intromissão na privacidade do cidadão, conforme fixou o Su­perior Tribunal deJustiça ao interpretar restritivamente o art. 38, § 5Q da Lei na 4.595/64 (RESP 37.566-5/RS, Ac. da Ia T., de 2.2.94, Rei. Min. Demócrito Reínaldo, DJ 28.3.94; RDA 197: 174). A doutrina, muita vez, radica o sigilo bancário no art. 5S, inciso XII, da Constitui­ção, que declara ser inviolável o sigilo de dados; a interpretação não se sustenta pelo fato de a CF, naquele inciso, apenas autorizar o levanta­mento do sigilo no caso das comunicações telefônicas, o que inviabili­zaria toda a disciplina infraconstitucional do sigilo bancário. O Supre­mo Tribunal Federal vincula o segredo bancário ao direito à intimida­de proclamado no art. 5a, inciso X, da CF, mas reconhece que não é direito absoluto, podendo ser excepcionado pela lei (RE 219.780, DJ 10.9.99).

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A LC 105, de 10.01.01, porém, veio autorizar a abertura do sigilo em assuntos fiscais a pedido da Administração. A Lei nfi 10.174, de9.01.01, por seu turno, autorizou o levantamento do sigilo no caso de discrepâncias entre pagamentos da CPMF e do IR. O importante, no caso brasileiro, a exemplo do que já acontece no direito de outros povos, é que o sigilo possa ser desvandado pela própria autoridade administrativa indicada na lei, o que permitiria a agilização do proces­so e a eficácia da fiscalização. De notar que não se advoga aqui a exten­são da ação administrativa para o rastreamento generalizado das situa­ções bancárias dos contribuintes, mas a sua limitação aos casos sob supeita de sonegação e que sejam objeto de procedimento administra­tivo. Inexiste razão para se manter o tabu do sigilo bancário e sua elevação a direito da liberdade; o princípio constitucional da intimida­de cede o lugar ao princípio da transparência no jogo de ponderação de interesses. E bem verdade que após o advento da LC 105/2001 e da legislação específica, alterou-se significativamente a jurisprudência do STJ (REsp. n° 687.193, Ac. da 2a T., Rei. Min. Eliana Calmon, DJU 19.12.2005), que começa a fazer a ponderação para excluir da prote­ção do sigilo apenas as situações ligadas ao interesse público da Fazen­da, inconfundível com o objetivo meramente arrecadatório. O STF está examinando a constitucionalidade da LC 105/2001 (Notícias de 18.12.09: http:www.stf.jus.br).

No direito estrangeiro o sigilo bancário frente às questões fiscais perdeu muito do seu status na década de 90. Aliás, nos Estados Uni­dos a matéria jamais foi alçada a direito fundamental e a Administra­ção Fiscal sempre teve a possibilidade de ampla investigação. Na Ale­manha o sigilo bancário não é protegido nem pela Constituição nem pelas leis ordinárias; a abertura da conta pode ser pedida pelas autori­dades fiscais no exercício de atividade fiscalizadora regular, nos proce­dimentos de investigação e nos procedimentos criminais. Na Itália ha­via o tabu do segredo que aos poucos começou a ser desmitificado diante da necessidade de acertar o passo com as outras nações da União Européia e da pressão da opinião pública contra o crescimento da evasão fiscal; as leis 825/1971 e 516/1982, adotaram as primeiras providências; posteriormente a Lei ns 413, de 30.12.1991, e a decisão da Corte Constitucional de 18.2.92, que proclamou não ser o segredo bancário um fim em si mesmo, pelo que não poderia representar um obstáculo às investigações sobre as violações tributárias, permitiram que a abertura do sigilo fosse requerida pelas seguintes repartições e autoridades: departamentos de fiscalização do IVA; departamentos do

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Ministério das Finanças; guarda de Finanças, inspetores centrais; co­missões tributárias regionais e provinciais. Com a crise financeira mundial de 2008 tornou-se dramática a influência das questões de finanças públicas sobre o sigilo bancário e os paraísos fiscais.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: ALLORIO, Enrico. Diritto Processuale Tributário. Turim: UTET, 1969; BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2006; FA- NUCCHI, Fábio. A Decadência e a Prescrição em Direito Tributário. São Paulo: Rese­nha Tributária, 1976; GALLO, Franco. "La Discrezionalità nel Diritto Tributário”. Re­vista de Direito Tributário 74: 8-18j GIANNINI, A. D. Istituzioni di Diritto Tributário. Miiano: Giuffrè, 1948; GUIMARAES, Carlos da Rocha. Prescrição e Decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1984; MACHADO, Celso Cordeiro. Crédito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1984; MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Cadernos de Pesquisa Tributária. São Paulo: Ed. Resenha Tributária: nQ 1 — Decadência e Prescrição (1976); n2 5 — Responsabilidade Tributária (1980); n2 12 — Do Lançamento (1987); MICHE- LI, Gian Antonio. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1978; NAWIASKY, Hans. Cuestiones Fundamentales de Derecko Tributário. Madrid: Instituto de Estúdios Fiscales, 1982; NOVELLI, Flávio Bauer. “Ahualidade e Anteriori- dade na Constituição de 1988”. Reirista de Direito Administrativo 179/180: 19-50, 1990; ROSA, Salvatore La. Egualianza Tributaria ed Esenzioni Fiscali. Milano: Giuf­frè, 1968; SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias. Rio de Janeiro: Forense, 1989; SOUZA, Rubens Gomes. Compêndio de Legislação Tri­butária. Rio de Janeiro: Ed. Financeira, s/d; —. "Isenções Fiscais. Substituição de Tri­butos". Revista de Direito Administrativo 88: 253-269, 1967; SOUTO MAIOR BOR­GES, José. Isenções Tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias; 1980; TORRES, Ri­cardo Lobo. Restituição de Tributos. Rio de Janeiro: Forense, 1983; —. “Decadência. ICM. O prazo decadencial do art. 150, § 42, do CTN”. Revista de Direito da Procura­doria Geral do Estado do Rio de Janeiro 37: 376-380, 1985; TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Compensação do Indébito Tributário. São Paulo: Dialética, 1998; VELLOSO, Carlos Mário da Silva. “O Arbitramento em Matéria Tributária’’. Revista de Direito Tributário 40: 198-214, 1987; XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1977.

II. Direito Positivo: CTN — arts. 142-193; Ley General Tributaria da Espanha (2003) — arts. 58 a 82 e 93 a 96; Código Tributário da Alemanha (1977): 155-184 e 224-232; Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14, § Ia): “A renúncia (de receita) compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado"; LC 104, de 10.01.01 — altera dispositivo do CTN; LC 105, de 10.01.01 — art, 62: "As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósi­tos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou pro­cedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autori­dade administrativa competente”; o dispositivo transcrito foi regulamentado pelo De-

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ereto n2 3.724, de 10.01.01; LC 118/2005, art. 3o: interpretação do art. 168, I, do CTN.

III. Jurisprudência — Súmula do STF: 71: "Embora pago indevidamente, não cabe restituição do tributo indireto”; 546: “Cabe a restituição do tributo pago indevidamen­te quando reconhecido, por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do con­tribuinte “de fato” o “quantum” respectivo”; 544: "Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”; 563: “O concurso de prefe­rência, a que se refere o parágrafo único do art. 187 do Código Tributário Nacional, é compatível com o disposto no art. 9a, I, da Constituição Federal (1967/69)”; 615: "O princípio constitucional da anualidade não se aplica à revogação de isenção do ICM”; Súmula Vinculante do STF: “8 — São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5o do Decreto-Lei n° 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei n° 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”; RE 94.462-SF^ Ac. do Pleno do STF, de 6.10.82, ReL Min. Moreira Alves, RTJ 106/263: “Prazos de prescrição e de decadência em direito tributário. Com a lavratura do auto de infração, consuma-se o lançamento do crédito tributário (art. 142 do CTN). Por outro lado, a decadência só é admissível no período anterior a essa lavratura; depois, entre a ocorrência dela e até que flua o prazo para a interposição do recurso administrativo, ou enquanto não for decidido o recurso dessa natureza de que se tenha valido o contribuinte, não mais corre prazo para deca­dência, e ainda não se iniciou a fluência de prazo para prescrição; decorrido o prazo para interposição do recurso administrativo, sem que ele tenha ocorrido, ou decidido o re­curso administrativo interposto pelo contribuinte, há a constituição definitiva do crédi­to tributário, a que alude o artigo 174, começando a fluir, daí, o prazo de prescrição da pretensão do Fisco. É esse o entendimento atual de ambas as Turmas do STF”; RESP 970.947-SC, Ac. da 2a. T do STJ, de 14.10.2008, Rei. Min. Eliana Calmon, DJ de 7.11.2008: “TRIBUTÁRIO —- IMPOSTO DE RENDA — TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO — AUSÊNCIA DE PAGAMENTO — PRAZO DECADENCIAL — PROCEDIMENTO FISCALI2ATÓRIO INICIADO — LANÇAMENTO DIRETO SUBSTITUTIVO — TERMO INICIAL — CTN, ART. 173,1 — PRECEDENTES.1. Esta Corte tem firmado o entendimento de que o prazo decadencial para a constitui­ção do crédito tributário pode ser estabelecido da seguinte maneira: (a) em regra, se­gue-se o disposto no art. 173,1, ào CTN, ou seja, o prazo é de cinco anos contados “do primeiro dia de exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetua­do”; (b)-nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, cujo pagamento ocorreu antecipadamente, o prazo é de cinco anos contados do fato gerador, nos termos do art. 150, §4°, do CTN.2. Ausente qualquer pagamento por parte do contribuinte, e iniciado o procedimento administrativo de fiscalização, o fisco dispõe de cinco anos, a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, para proce­der ao lançamènto direto substitutivo a que se refere o art. 149 do CTN, sob pena de decadência.3. Recurso especial não provido”.

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CAPÍTULO XVI

Infrações e Sanções em Matéria Tributária

I. DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO

1. PODER DE PUNIR E DE TRIBUTAR

Inconfundíveis o poder de punir e o poder de tributar. Estremam- se pela natureza e objetivo. O poder de punir, atribuído ao Estado no pacto constitucional, destina-se a garantir a validade da ordem jurídi­ca. O poder de tributar, restringindo a propriedade privada, procura garantir ao Estado o dinheiro suficiente para atender às necessidades públicas.

Aproximam-se, entretanto, por terem sede constitucional e por se constituírem no espaço aberto pela liberdade.

2. PENALIDADE E TRIBUTO

Penalidade e tributo, por isso mesmo, têm alguns pontos em co­mum: a punição gera um custo para o Estado, financiado pelos tribu­tos, enquanto estes implicam sempre em perda de uma parcela da liberdade, como também acontece nas sanções.

Mas as penalidades pecuniárias e as multas fiscais não se confun­dem juridicamente com o tributo. A penalidade pecuniária, embora prestação compulsória, tem a finalidade de garantir a inteireza da or­dem jurídica tributária contra a prática de ilícitos, sendo destituída de qualquer intenção de contribuir para as despesas do Estado. O tributo,

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ao contrário, é o ingresso que se define primordialmente como desti­nado a atender às despesas essenciais do Estado, cobrado com funda­mento nos princípios da capacidade contributiva e do custo/benefí­cio. O CTN, como já vimos (p. 238), sentiu a necessidade de excluir as multas do conceito de tributo, ao defini-lo, no art. 32, como a “pres­tação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito”. Porém, no art. 113, § 12, disse o CTN que a obrigação principal tem por objeto o pagamen­to de tributo ou penalidade pecuniária, o que constituiria uma contra­dição jurídica com o art. 3a se não se desse ao enunciado legal o senti­do de que as multas podem ser cobradas conjuntamente com os tribu­tos, em decorrência de sua acessoriedade (p. 241).

3. DIREITO PENAL TRIBUTÁRIO OU DIREITO TRIBUTÁRIO PENAL?

Da dualidade apontada e do relacionamento por vezes íntimo en­tre penalidade pecuniária e tributo decorre a controvérsia sobre a existência de um Direito Penal Tributário ou de um Direito Tributário Penal.

A doutrina mais antiga defendia o conceito de Direito Tributário Penal, que conteria as normas tributárias projetadas para o campo pe­nal (cf. RUBENS GOMES DE SOUZA, op. cit., p. 105).

Hoje, entretanto, prevalece a tese da existência de um Direito Penal Tributário. São normas de natureza penal que produzem conse­qüências na esfera tributária. Desaparecem, portanto, as diferenças entre sanções penais e administrativas e entre multas penais e morató­rias.

Seja como for, a norma sancionatória se apóia em princípios in­cluídos no que se convencionou chamar de Constituição Penal, pois:a) sujeita-se aos princípios constitucionais penais da tipicidade e da legalidade (art. 52, XXXIX).b) aplica-se segundo o princípio da personalização, não podendo pas­sar da pessoa que cometeu o ilícito (art. 5-, XLV),c) não se converte, quando se tratar de multa, em pena privativa da liberdade (art. 5â, LXVII)..d) não retroage, salvo quando beneficiar a situação do réu (art. 5â, XL).

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g g fy - Ensino Superior Bureau JuáSoo

e) não se subordina, para a aplicação pelo Judiciário, à prejudicialida- de do procedimento administrativo (art, 5-, XXXV).f) sujeita-se aos demais princípios constitucionais, expressos ou im­plícitos, que condicionam a aplicação de penas, como os princípios da boa fé, do federalismo, da independência dos juizes, do Estado de Direito etc.

II. INFRAÇÕES

4. CLASSES

As infrações em matéria fiscal podem se classificar em dois gran­des grupos: as que constituem crime definido no Código Penal e as que são previstas simplesmente na legislação tributária.

4.1. Crimes

São consideradas como crime as infrações definidas no Código Penal ou na legislação penal extravagante. O que as caracteriza é a gravidade da falta e o prejuízo maior que acarretam à ordem tributá­ria. Os principais crimes em matéria fiscal são o contrabando ou des­caminho, a falsificação de estampilha, a sonegação, a fraude e os cri­mes praticados por funcionários públicos.

a) Contrabando ou descaminho

O crime de contrabando ou descaminho define-o o art. 334 do Código Penal: “Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria". O § l â diz que incorre na mesma pena quem “vende, expõe à venda, mantém em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeiras que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem”.

Há que se distinguir entre o contrabando e o descaminho.O crime de contrabando consiste precipuamente em importar ou

exportar mercadoria proibida. Como inexiste imposto sobre esse tipo

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de mercadoria, o contrabando não repercute no campo tributário, a não ser quando o produto apreendido possa ser reintroduzido na cor­rente de comércio por leilão feito pelo Ministério da Fazenda, hipóte­se em que incidirão tributos federais e estaduais.

O descaminho, que alguns chamam de contrabando propriamen­te dito, ocorre quando se ilude, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria não proibida ou quando se vende ou mantém em depósito a mercadoria estrangeira introduzida clandestinamente no País. Não se aplica aos bens de pequeno valor, em face do princípio da bagatela (STF, HC 93.072, Rei. Min. Carlos Britto, INFO 550, de 17.06.09}.

b) Falsificação de estampilha

O Código Penal define como crime “falsificar, fabricando~os ou al­terando-os, selo postal, estampilha, papel selado ou qualquer papel de emissão legal, destinado à arrecadação de imposto ou taxa” (art. 293 ,1).

Esse crime quase desapareceu na vida social em decorrência do desuso do pagamento de tributo por estampilha ou papel selado.

c) Sonegação e fraude

Já examinamos antes (p. 248) que a sonegação e a fraude são condutas ilícitas que se dão após ocorrer o fato gerador, o que as estre­ma da evasão e da elisão, que precedem a ocorrência do fato gerador e são lícitas.

A sonegação consiste na ocultação do fato gerador com o objetivo de não pagar o tributo devido de acordo com a lei, sem que tenha havido per interpretationem qualquer modificação na estrutura da ob­rigação ou na responsabilidade do contribuinte.

A fraude consiste na falsificação de documentos fiscais, na presta­ção de informações falsas ou na inserção de elementos inexatos nos livros fiscais, com o objetivo de não pagar o tributo ou de pagar impor­tância inferior à devida.

A Lei na 4,729, de 14.7.65, definia o crime de sonegação fiscal, incluindo no seu conceito também a fraude fiscal.

Hoje a matéria está regulada pela Lei ne 8.137, de 27.12.90, que define os crimes contra a ordem tributária, dividindo-os em crimes praticados por particulares e por funcionários públicos. Constitui cri­me contra a ordem tributária, praticado por particular, suprimir ou

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reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas (art. I2):I — omitir informação ou prestar declaração falsa às autoridades fa- zendárias;II — fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exi­gido pela lei fiscal;III — falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;IV — elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;V — negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

O art. 22 da citada Lei 8.137/90 define ainda outros crimes da mesma natureza, entre os quais “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos" (item II).

A simulação se inclui no rol dos crimes por particulares contra a ordem tributária. Pode ser absoluta ou relativa (— dissimulação). Consiste na falsidade, fingimento ou manipulação do fato gerador ocorrido, e não do fato gerador abstrato, como sucede na elisão abusi­va. Na simulação há desencontro entre a declaração e a vontade e pacto simulatório.

d) Crimes praticados por funcionários públicos

Há outros crimes em matéria tributária praticados por funcioná­rios públicos.

O Código Penal define alguns: peculato (art. 312); excesso de exação (art. 316, § Ia), se o funcionário exige imposto, taxa ou emolu­mento que sabe indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório, ou gravoso, que a lei não autoriza; corrupção passiva (art. 317); facilitação de contrabando ou descaminho (art. 318); pre­varicação (art. 319); advocacia administrativa (art. 321).

Constituem também crimes funcionais contra a ordem tributária os definidos no art. 3Q da Lei 8.137/90, entre os quais se incluem: extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento de que

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tenha a guarda em razão da função; exigir, solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem para deixar de lançar ou cobrar tributo ou con­tribuição social, ou cobrá-los parcialmente.

4.2. Outras Infrações

Há inúmeras infrações definidas na lei de cada imposto, taxa ou contribuição. Algumas coincidem com a própria definição dos crimes que acabamos de examinar e a sua inclusão na lei fiscal tem por obje­tivo permitir também a aplicação de penalidade pela própria Adminis­tração, tendo em vista o sistema de separação de instâncias que adota­mos.

As demais, que aqui nos interessam, são infrações simples, que não constituem crime, infrações formais ou se referem à mora.

a) Infrações simples

Infrações simples são aquelas que, não consubstanciando crime, entendem com o descumprimento da obrigação tributária. Se o con­tribuinte, por exemplo, tiver errado na soma das quantias registradas nos seus livros de apuração do ICMS, terá praticado infração simples, que não constitui crime.

b) Infrações formais

Infrações formais ou administrativas são as que decorrem do não cumprimento das obrigações acessórias ou dos deveres instrumentais. Se o contribuinte deixar de se inscrever no cadastro, se embaraçar a ação fiscalizadora ou se deixar de exibir os livros exigidos pelo Fisco terá cometido esse tipo de ilícito.

c) Mora

Há infrações que se caracterizam pelo não pagamento do tributo no prazo devido, sem que haja a prática de qualquer crime. Se o con­tribuinte, por exemplo, escriturar em seus livros regularmente o valor do imposto devido e se o não recolher a tempo, terá praticado infração punida com multa moratória, que será cobrada juntamente com os juros de mora (art. 61 da Lei 9.430/96).

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5. CARACTERÍSTICAS

As infrações em matéria tributária apenas se configuram se a con­duta apresentar as características da antijuridicidade, tipicidade, pu~ nibilidade e culpabilidade.

5.1. Antijuridicidade

Antijurídica é a conduta contrária ao direito. Qualquer contraste entre a conduta do contribuinte e o comando da lei penal ou da tribu­tária, sancionado com uma pena, caracteriza a ocorrência da infração.

As justificativas ou causas de exclusão da antijuridicidade não as prevê o CTN. O tema da antijuridicidade coincide em boa parte com o da ilicitude da elisão (vide p. 248).

5.2. Tipicidade

A tipicidade é a possibilidade de subsunção de uma conduta no tipo de ilícito definido na lei penal ou tributária. Pode se referir tam­bém à antijuridicidade ínsita no tipo definido por léi (vide p. 109). A Ley General Tributária da Espanha define que "são infrações tributá­rias as ações ou omissões voluntárias e antijurídicas tipificadas nas leis da natureza fiscal e nos regulamentos de cada tributo”.

5.3. Punibilidade

A punibilidade é a circunstância de ser punível determinada con­duta antijurídica. Inexiste infração sem pena previamente definida em lei.

A punibilidade nos crimes contra a ordem tributária se extingue se o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia (art. 34 da Lei 9.249/95). Extingue-se, também, quando se tratar de ilícitos defini­dos na lei tributária, pela denúncia espontânea da infração, acompa­nhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, desde que apresentada antes do início de qualquer procedimen­to administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infra­ção (art. 138 do CTN); as multas moratórias, entretanto, podem ser aplicadas (vide p. 272).

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A culpabilidade é o aspecto subjetivo da infração, referindo-se ao relacionamento entre o agente e a ação.

Nos crimes fiscais o juiz leva em consideração o dolo e a culpa do agente.

Nas infrações definidas na legislação tributária prevalece o crité­rio da objetividade. Não se indaga sobre a intenção do agente ou do responsável, nem sobre a efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato (art. 136 do CTN). Mas a tese objetiva admite temperamentos, como já vimos (p. 271).

6. RESPONSABILIDADE

O problema da responsabilidade pelas infrações já foi examinado no capítulo dedicado ao sujeito passivo e ao responsável (p. 269).

A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária será encaminhada ao Ministério Público após pro­ferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente (art. 83 da Lei 9.430/96). A nor­ma positiva veio confirmar a orientação da doutrina no sentido de que descabe a condenação pelo Judiciário antes de o tributo ser julgado devido pela Administração (vide p. 340).

III. SANÇÕES

7. CLASSES

A doutrina diverge muito no classificar as sanções. Prevaleceu du­rante muito tempo a distinção entre sanções de natureza penal, tribu­tária e moratória. Tendo em vista, porém, que as sanções em matéria tributária têm sempre natureza penal, a melhor classificação é a que as distingue entre sanções não-pecuniárias e penalidades pecuniárias.

7.1. Sanções Não-Pecuniárias

a) Privação de liberdade

As penas de privação de liberdade — reclusão e detenção — esta- belecem-nas exclusivamente o Código Penal ou a legislação penal ex-

5.4. Culpabilidade

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travagante para os casos de crime contra a ordem tributária e apenas o juiz as pode aplicar. Desapareceu, com a CF 88 (art. 5fi, LXI], a possi­bilidade da prisão administrativa, que durante muito tempo pôde ser decretada pelo Ministro da Fazenda e pelos Secretários Estaduais de Fazenda. A prisão do depositário judicial infiel não pode mais ser de­cretada, com a revogação da Súmula 619 do STF (HC 92.566/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, INFO n° 531, de 11.12.2008).

b) Privação de direitos

Algumas penas de privação de direitos ainda podem ser aplicadas. Assim, a proibição de participar de concorrência pública se estende aos contribuintes em débito para com a Fazenda Pública.

Mas as chamadas execuções políticas desapareceram do direito brasileiro. As interdições de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo (Súmula do STF — ns 70), as proibições de aquisição de estampilha, a apreensão de mercadorias para a garantia de débitos fiscais, as vedações de exercício da profissão, largamente admitidas no direito antigo, foram definitivamente proibidas no Bra­sil. Porém, no caso de devedor contumaz, podem ser aplicadas, em defesa do princípio da concorrência (Med. Caut. em Ação Cautelar 1657-6-RJ, Ac. do Pleno do S.T.F., de 27.06.07, Rei. Min. Cezar Pelu- so, D.J. 31.08.2007).

c) Perdimento de bens

A CF (art. 5-, XLVI, b) admite que a lei adote a pena de perda de bens, que poderá ser estendida aos sucessores e contra eles executada, até o limite do valor do patrimônio transferido.

A pena de perdimento de bens é exaustivamente disciplinada nas leis aduaneiras e se refere às mercadorias contrabandeadas ou abando­nadas.

Os Estados-membros e os Municípios não podem incluí-la em suas leis, pois, sendo matéria de direito penal, está reservada exclusi­vamente à União (art, 22, I, C F). A pena de perdimento de bens não se confunde com a de apreensão que as legislações estaduais autori­zam quando as mercadorias transitam sem documentação fiscal; neste caso procede-se ao leilão e o resultado obtido imputa-se ao pagamento do débito fiscal, mas se mantém o saldo à disposição do contribuinte.

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7.2. Penalidades Pecuniárias

a) Multas fixas

As penalidades pecuniárias podem consistir em multas fíxas, ge­ralmente vinculadas à unidade fiscal da União, Estados e Municípios (UFIR, UFERJ, UNIF etc.). Aplicam-se nos casos de prática de infra­ções formais, ou seja, de descumprimento de obrigações acessórias.

b) Multas proporcionais

As multas proporcionais incidem geralmente no descumprimento da obrigação principal. Expressam-se em percentuais aplicáveis ao montante do imposto não pago ou da base de cálculo. As vezes a lei permite à autoridade administrativa escolher o percentual entre o mí­nimo e o máximo previamente fixados.

O Supremo Tribunal Federal vem reduzindo as multas fiscais apli­cadas pela Administração, seja para adaptá-las às circunstâncias obje­tivas e subjetivas do caso, seja para lhes retirar o caráter confiscatório (RE 78.291, RTJ 73/548).

c) Acréscimos moratórios

Nos casos de denúncia espontânea da infração fiscal acompanhada do pagamento as legislações da União e dos Estados costumam prever o cabimento da cobrança de multas ou acréscimos moratórios, que variam de acordo com o tempo decorrido, e que são menores que a penalidade aplicável ex officio (vide p. 272). Embora haja dúvida na doutrina sobre o fundamento de tal imposição, o Judiciário nunca a invalidou.

8. NATUREZA

Não há dúvida sobre a natureza penal das sanções aplicáveis nos crimes contra a ordem tributária.

O problema da natureza das sanções se complica no que concerne às penalidades pecuniárias impostas pela Administração. Há três cor­rentes divergentes, que defendem a natureza civil, tributária ou penal das multas fiscais. Embora se possa afirmar que existe certo consenso em torno da concepção de qúe a penalidade pecuniária não se confun­de com o tributo, na realidade aquela distinção não será muito nítida

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se não se defender a tese da natureza penal das multas. Atribuir às penalidades a característica civil de reparação ou de indenização con­duz, inevitavelmente, a confundi-las com os tributos.

8.1. Civil

A lei italiana ns 4, de 7 de janeiro de 1929, adotou o critério de classificar as sanções conforme o órgão incumbido de aplicá-las e a legislação que as houvesse positivado. Se as sanções estivessem previs­tas no Código Penal, incumbindo ao juiz a sua aplicação, teriam a na­tureza penal. Se incluídas nas leis fiscais, competindo à autoridade administrativa aplicá-las, seriam classificadas como penalidades de na­tureza administrativa ou civil.

A legislação italiana exerceu influência direta sobre a doutrina e a jurisprudência de inúmeros países e o próprio CTN acabou por deno­tar aquela inspiração.

A doutrina que defende a natureza civil das penalidades pecuniá­rias aponta-lhes as seguintes características principais, que as estre­mam da multa aplicada pelo juiz e das demais sanções de natureza penal: a) estão definidas nas leis administrativas; b) aplicam-nas as autoridades administrativas; c) possuem natureza ressarcitória, pois não têm a finalidade ética de garantir a ordem jurídica; d) não se con­vertem em pena privativa de liberdade, como ocorre com as multas de natureza penal, quedando inexigível no caso de não-pagamento; e) a sua aplicação prescinde da culpabilidade do agente; f) não é individua­lizada, do que resulta que o pagamento por um dos obrigados libera os demais; g) independe da personalidade do agente, transmitindo-se causa mortis ou inter vivos, à diferença das multas penais, que se ex- tinguem com a morte.

A conseqüência inevitável desse tipo de pensamento era confun­dir a penalidade pecuniária com o tributo. O nosso CTN se deixou perturbar por essa confusão, como vimos (p. 234), ao declarar, no art. 113, § 3a, que "a obrigação acessória, pelo simples fatõ de sua inobser­vância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.

8.2. Tributária

Alguns juristas defendem a ideia de que a sanção, com o sentido de punição ou ressarcimento, pertence sempre ao Direito Tributário, pois não visa à preservação da ordem, mas a "coagir o contribuinte a

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trazer a sua participação para que as necessidades públicas sejam satis­feitas” (IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, op. cit., p. 14).

Da mesma forma que a corrente civilista, também os adeptos da tese da sanção de natureza tributária acabam por confundir a penalida­de com o tributo.

8.3. Penal

Hoje prepondera a corrente doutrinária que defende a natureza penal das multas fiscais, mesmo daquelas aplicadas pela autoridade administrativa. Assiste-se a um labor intenso da doutrina e da legisla- ção estrangeiras no sentido de atribuir às penalidades pecuniárias a disciplina penal, cuja influência já se começa a sentir no Brasil, espe­cialmente na jurisprudência. A tese da natureza penal das sanções tri­butárias é a única que pode manter separados e distintos os conceitos de tributo e multa. O contato entre ambos é superficial, relacionado com o processo de imposição ou com as garantias para a cobrança. São os seguintes os argumentos que levam à consideração penal das san­ções tributárias:a) é meramente formal a distinção entre a natureza penal e a civil das multas que se baseie na diferença entre os instrumentos legislativos — Código Penal ou leis administrativas — pois o que importa é que subs­tancialmente existe sempre a conduta antijurídica. Pode até haver graus diferentes de antijuridicidade, mas daí não se pode inferir que haja duas naturezas distintas. As sanções tributárias afastam-se tanto do Direito Penal Geral quanto do Direito Administrativo, para com­por o Direito Penal Tributário;b) também é simplesmente formal a diferença que se estabelece em razão do órgão — judicial ou administrativo — competente para apli­cá-las;c) têm natureza punitiva ou intimidativa, destinando-se a garantir a inteireza da ordem jurídica. Falta-lhes a característica indenizatória, pois até mesmo as chamadas penalidades moratórias orçam por cifras que transcendem à reparação do dano;d) nem a penalidade pecuniária aplicada pela Administração nem a multa imposta pelo juiz se transformam em pena privativa da liberda­de;e) a aplicação das sanções tributárias, mesmo as pecuniárias, leva em consideração a culpabilidade do agente. A intenção de cometer o ilíci­to, o dolo, a boa-fé ou a imperícia são todos elementos que devem ser

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examinados quando da aplicação da pena, que não é imposta apenas segundo critério objetivo;f) finalmente, aplicam-se às penalidades pecuniárias fiscais todos os outros grandes princípios do Direito Penal, como o da antijuridicida- de, o da estrita legalidade, o da tipicidade, o da proibição de analogia e o da irretroatividade — salvo o da lei benigna. E necessária a defini- ção prévia da infração e a previsão legai anterior da penalidade pecu­niária aplicável às condutas que se possam subsumir no tipo legal.

A convergência da doutrina em tomo da tese da natureza penal da sanção tributária pecuniária coincide com a intensa elaboração legisla­tiva ocorrida em diversos países a respeito do tema. No Brasil o Supre­mo Tribunal Federal, que havia estabelecido a distinção entre penali­dades de caráter moratório e penal em sua jurisprudência mais antiga (verbetes 191 e 192 da Súmula, transcritos na p. 338), modificou aquela orientação (Súmula 565), donde resulta que não subsiste qual­quer fundamento para a mantença do discrime, em qualquer situação.

9. RESPONSABILIDADE

As penas não passarão da pessoa do condenado — eis um dos princípios fundamentais do Estado de Direito.

Mas a pena de perdimento de bens pode ser estendida, nos ter­mos da lei, aos sucessores e contra eles executada, até o limite do valor do patrimônio transferido (art. 5a, XLY C F).

As penalidades pecuniárias, entretanto, não se transmitem nos casos de sucessão de empresas, salvo quando o transmitente aliena o seu negócio para eximir-se do pagamento da multa (cf. RE 90.834, RTJ 93/862 e RE 83.613, RDA 129/98, transcritos na p. 340).

IV. A TRIBUTAÇÃO PENAL

A penalidade, como acabamos de ver, não é um tributo. E a recí­proca? O tributo pode constituir uma penalidade pela prática de ilíci­to? Parece-nos que não. A ressalva do art. 3- do CTN, de que o tributo é uma prestação pecuniária que não constitui sanção de ato ilícito, serve para as duas situações: nem o tributo sanciona o ato ilícito, nem a penalidade é tributo.

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A rigor não existe a tributação penal, pois o ato ilícito é sanciona­do pela pena e não pelo tributo, sujeito que está à manifestação do poder de punir, muito diferente do exercício do poder tributário, que se fundamenta na capacidade contributiva. O Supremo Tribunal Fe­deral já afirmou que “tributo não é multa nem pode ser usado como se fosse”, ao declarar a inconstitucionalidade de lei municipal que insti­tuiu acréscimo de 20% ao imposto predial quando houvesse constru­ções irregulares (RE 94.001, RDA 150/38).

Outras vezes o ato tributado não constitui um ilícito penal ou administrativo, mas um ato prejudicialà coletividade, que deve ter a sua prática desestimulada pelo aumento das alíquotas ou da base de cálculo do imposto. Nesse caso, porém, se trata de extrafiscalídade. E o que ocorre com o art. 182, § 4-, da CF, que, apesar de facultar ao Poder Público Municipal exigir, mediante lei específica, do proprietá­rio do solo urbano não edificado, subutilizado ou não-utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, “sob pena” de sofrer a inci­dência do IPTU progressivo no tempo, institui na realidade uma inci­dência com finalidade extrafiscal, e não uma tributação penal.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: FERREIRA, Adelmar. Natureza da Multa no Sistema Fiscal Brasileiro. São Paulo: Centro de Estudos dos Agentes Fiscais do Imposto de Consumo, 1949; GIULIANI, Giuseppe. Violazioni e Sanzioni delle Leggi Tributaria. Mílano: Giuffrè, 1981; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da Sanção Tributária. São Paulo: Ed. Saraiva, 1980; — . (Coord.). Sanções Tributárias. Cadernos de Pesquisas THbutárias n2 4. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979; —. (Coord.). Crimes Contra a Ordem Tributária. Pesquisas Tributárias Nova Série nfl L São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995; SIL­VA, Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. São Paulo: Quartier Latiu, 2007; SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janei­ro: Ed. Financeiras, s/d; VTLLEGAS, Héctor B. Kégimen Penal Tributário Argentino. Buenos Aires: Depalma, 1995.

II. Direito Positivo — Constituição Federal — art. 5S, itens XLY XLVI; Lei na 8.137, de 27.12.90 — define crimes contra a ordem tributária.

III. Jurisprudência: Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Fe­deral: 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”; 191: Inclui-se no crédito habilitado em falência a multa fiscal simplesmente moratória” (revogado pelo verbete 565); 192: "Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa”; 560: “A extin­ção de punibilidade, pelo pagamento de tributo devido, estende-se ao crime de contra­bando ou descaminho, por força do art. 18, § 2a, do Decreto-lei n2 157/67”; 565: “A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habili­

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tado em falência"; RE 78.291-SP, Ac. da l â T. do STF, de 4.6.74, Rei. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ 73/548: ‘'Concilia-se com farta jurisprudência do STF o acórdão que reduziu multas, juros etc., pelos quais a dívida de mora, sem fraude, ficou elevada a mais de 400%”; RE 90.834 -MG, Ac. da 2â T., de 11.5.79, Rei. Min. Djaci Falcão, RTJ 93/862: “Tributo e multa não se confundem, eis que este tem o caráter de sanção, inexistente naquele. Na responsabilidade tributária do sucessor não se inclui a multa punitiva aplicada à empresa objeto da incorporação”: RE 83.613, Ac. da 2â T., de 20.8.76, Rei. Min. Cordeiro Guerra, RDA 129/98: "Responde o sucessor pelas multas fiscais no caso de transmitir o contribuinte o seu cabedal a terceiro"; Habeas Corpus 83.353-5-RJ, Ac. da l 3 T. do STF, de 13.9.2005, Rei. Min. Marco Aurélio, DJ 16.12.2005: "Pendente processo administrativo descabe adentrar o campo penal quer considerada a ação propriamente dita, quer inquérito policial — inteligência do artigo 34 da Lei n° 9.249/95”.

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CAPÍTULO XVII

Processo Tributário

I. INTRODUÇÃO

1. CONCEITO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO

O processo tributário no Brasil se desenvolve perante os órgãos da Administração e do Poder Judiciário. Fala-se, por isso, em processo administrativo tributário e processo judicial tributário.

O processo administrativo tributário participa da atividade de au- totutela da legalidade exercida pela própria Administração, isto é, tem por finalidade o controle da legalidade e da legitimidade do lançamen­to levado a efeito pelas autoridades administrativas. Alguns autores preferem caracterizá-lo como simples procedimento, por não revestir as características de definitividade na composição do litígio, tendo em vista ser a Administração simultaneamente juiz e parte interessada. Há certo exagero formalista na tese e a legislação e a jurisprudência brasileira vêm utilizando a expressão “processo administrativo tribu­tário”, fundadas na consideração de que a Administração pratica atos materialmente jurisdicionais.

O processo judicial tributário, que se desenvolve perante os ór­gãos do Poder Judiciário, tem por objeto dirimir as controvérsias entre o Fisco e o contribuinte. Participa do controle jurxsdicional dos atos da Administração, plenamente compatível com o sistema de separação de poderes que adotamos. Em outros países, como na França, em que o Judiciário não interfere sobre a Administração, incumbe ao próprio Contencioso Administrativo exercer o controle da legalidade dos atos tributários com todos os requisitos da prestação jurisdicional.

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2. DIREITO PROCESSUAL E DIREITO ADMINISTRATIVO

Segue-se daí que, em tema de processo tributário, deve-se distin­guir entre o Direito Processual e o Direito Administrativo.

O processo administrativo tributário é regulado pelo Direito Ad­ministrativo, constituindo uma das possibilidades de autotutela da le­galidade, ao lado do processo disciplinar, do processo financeiro etc. As normas que o regulam podem ser baixadas pela União, pelos Esta­dos e pelos Municípios, no âmbito das respectivas competências fis­cais. Quanto ao problema da autonomia normativa e científica, inte­gra-se melhor no Direito Administrativo que no Direito Tributário.

O processo judicial tributário se insere no Direito Processual, constituindo apenas uma especialização ou um detalhe dentro da dis­ciplina geral da composição das lides. Só a União pode sobre ele legis­lar (art. 2 2 ,1, C F ). Cuida-se muito mais, como já vimos (p. 22), de um Processo Judicial Tributário, com a preeminência do aspecto judiciá­rio, que de um Processo Tributário Judicial.

3. CARACTERÍSTICAS

Embora o processo judicial e o administrativo se estremem em função da eficácia da decisão e do órgão que a profere, aproximam-se em diversos outros aspectos. O processo administrativo vem procu­rando adotar as mesmas garantias presentes no processo judicial.

Uma primeira característica do processo tributário é que se inicia ele sempre por provocação do contribuinte. A Administração, com base no seu poder de império, procede ao lançamento sem necessitar da audiência do Judiciário e sem que jamais inicie a discussão com o contribuinte em torno da legitimidade do seu ato. Ao sujeito passivo é que incumbe dar início à controvérsia, seja impugnando o lançamento na esfera administrativa, seja ingressando com a ação judicial cabível; mesmo na execução fiscal, o Fisco apenas depende do Judiciário para poder excutir os bens do contribuinte; mas cabe a este inaugurar o juízo de cognição pela apresentação dos embargos à penhora.

Uma segunda característica consiste nisso: o processo tributário gira sempre em torno do lançamento, implicando em sua ratificação, anulação ou antecipação.

O processo administrativo aproxima-se do judicial no que concerne às garantias constitucionais, pois asseguram aos contribuintes o contradi­tório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A impar­

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cialidade, apanágio da decisão judicial, deve se estender ao processo ad­ministrativo, o que a lei procura alcançar através de criação de instâncias julgadoras independentes da Administração Ativa e da organização pari- tária dos Conselhos de Contribuintes, formados de representantes das classes produtoras e de funcionários da Fazenda. São assegurados a to­dos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5o, inciso 1XXVIII, da CF, na redação da EC 45, de 2004).

4. HARMONIA ENTRE AS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E JUDICIAL

A separação entre as instâncias administrativa e judicial não deve ser levada ao exagero, pois do ponto de vista material há grande simi- litude entre elas. A legislação e a doutrina vêm, por isso, procurando harmonizá-las, a fim de evitar a duplicidade e a simultaneidade dos processos e das decisões.

O dispositivo mais importante sobre a matéria é o art. 38 da Lei n2 6.830, de 22,9.80, que, em seu parágrafo único, estabelece que a propo- situra pelo contribuinte de ação anulatória do débito, ação de repetição de indébito ou mandado de segurança importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e do recurso acaso interposto.

Desapareceu, por outro lado, da legislação brasileira a necessida­de de se exaurir a via administrativa para que se possa ingressar no Judiciário. Hoje é livre a escolha da via em que pretende o sujeito passivo defender o seu direito.

Quanto aos aspectos penais, as instâncias judiciais e administrati­vas são independentes e harmônicas. O Supremo Tribunal Federal vi­nha construindo a doutrina de que-o processo criminal só poderia ser instaurado depois de transitado em julgado na esfera administrativa o lançamento (HC 83.353, Rei. Min. Marco Aurélio); posteriormente passou a distinguir entre os crimes materiais, que se consumam quan­do as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva su­pressão ou redução do tributo, e o crime de sonegação fiscal, que é crime formal, que independe de obtenção de vantagem ilícita em des­favor do Fisco, restando a omissão de informações, para concluir que somente no caso de crime material é necessário o prévio exaurimento da via administrativa (RHC 90532, Rei. Min. Joaquim Barbosa); a última orientação acabou por se transformar na Súmula Vinculante n° 24 (vide p. 358).

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5. UNIFICAÇÃO

As semelhanças materiais entre o processo administrativo e o judi­cial e a conveniência de maior celeridade no seu desenvolvimento des­pertaram algumas tentativas de unificá-lo. Gilberto de Ulhoa Canto, um dos autores do Código Tributário Nacional, chegou a elaborar, em 1964, um anteprojeto de lei orgânica do processo tributário, precedido de es­tudos doutrinários e de direito comparado sobre a matéria (vide p. 357), no qual sugeria que da decisão administrativa de última instância pudes­sem as partes — Fazenda e sujeito passivo — recorrer diretamente à 2- instância judicial através da propositura de uma ação de revisão fiscal. A ideia foi ulteriormente incorporada à Emenda Constitucional n2 7, de 13.4.77, que autorizou a lei a permitir que a parte vencida na instância administrativa requeresse diretamente ao Tribunal competente a revisão da decisão nela proferida; a medida não chegou a ser regulamentada, pois esbarrou na dificuldade incontomável de se suprimir a instância judicial, que é a melhor aparelhada para a produção da prova, ponto fra­co do processo administrativo.

II. O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

6. FONTE

O CTN não disciplinou o processo administrativo tributário. Dele chegou-se a cogitar durante as discussões. Mas concretamente apenas surgiu o anteprojeto de Gilberto de Ulhoa Canto, que, embora não convertido em lei, influenciou toda a legislação da União, dos Estados e dos Municípios sobre a matéria.

O processo administrativo tributário, na órbita dos tributos fede­rais, está disciplinado pelo Decreto n2 70.235, de 6.3.72, baixado por delegação do Decreto-lei ns 822, de 5.9.69, e pela Lei n2 8.748, de 9.12.93. Cada Estado-membro possui a sua legislação específica, sen­do a do Rio de Janeiro o Decreto n2 2.473, de 6.3.79. A mesma coisa acontece com os Municípios.

7. NATUREZA

O processo administrativo tributário é instrumento de revisão do lançamento. Iniciando-se com a impugnação do contribuinte, visa a controlar o lançamento levado a efeito pela autoridade administrativa.

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Muito se tem discutido no direito brasileiro acerca da natureza do processo administrativo tributário. Alguns autores (RUBENS GO ­MES DE SOUZA, op. cit., p. 24) o incluem no próprio lançamento, do qual constituiria a fase litigiosa. Outros, com maior precisão (XA­VIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1977, p. 92), preferem vê-lo como um processo independente do ato de lançamento, embora tenha por obje­tivo o controle de sua legalidade.

Com efeito, pelo lançamento, como já vimos (p. 279), declara-se 0 nascimento da obrigação tributária e constitui-se o crédito respecti­vo, instrumentalizado no documento expedido pela autoridade admi­nistrativa. O contribuinte, notificado, pode impugnar o lançamento, em busca da verdade material e da integral obediência à lei tributária. Pelo processo administrativo assim instaurado compete à Adminis­tração Judicante: a) anular o lançamento, se verificar a sua ilegalida­de; b) ou rejeitar a impugnação do contribuinte, se tiver sido regular a exigência fiscal, com o que se tornará definitivo o lançamento. Anula­do o lançamento por erro formal ou verificada a insuficiência do quan- tum debeatur} não poderá a instância julgadora constituir o crédito, ato que só a Administração Ativa poderá praticar pelo lançamento.

Quando se tratar de consulta, todavia, outra será a natureza do processo administrativo tributário, eis que, embora também conten­cioso, culminará com a decisão proferida pela própria Administração Ativa.

8. CLASSIFICAÇÃO

Há alguns procedimentos específicos em matéria de processo ad­ministrativo tributário: impugnação de lançamento, restituição de tri­buto e consulta.

8.1. Impugnação de Lançamento

O contribuinte pode impugnar, no prazo de 30 dias, o auto de infração ou o lançamento notificado. Instaura-se assim o processo ad­ministrativo tributário, de rito contencioso, durante o qual serão rea­lizadas as perícias e as provas necessárias à ampla defesa.

A impugnação e os recursos serão apreciados pela Administração Judicante.

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8.2. Restituição de Tributo

Diversos são os ritos para a restituição de tributo indevidamente pago.

Algumas legislações estaduais, como a do Rio de Janeiro (Decre­to-lei n2 5, 15.3.75, art. 237, II), incorporaram as ideias de Gilberto Ulhoa Canto, considerando instaurado o litígio tributário com a apre­sentação, pelo contribuinte, de impugnação a indeferimento de pedi­do de restituição de tributos, acréscimos ou penalidades.

Na esfera federal, todavia, outra foi a solução. O pedido de resti­tuição não chega a constituir uma das vias do procedimento contradi­tório, pelo que não o examinam os Conselhos de Contribuintes. A legislação de cada imposto estabelece o sistema de recursos para a própria Administração Ativa.

8.3. Consulta

O sujeito passivo poderá formular consulta sobre dispositivos da legislação tributária aplicáveis a fato determinado. Apresentada por escrito, impede a instauração de qualquer procedimento fiscal relati­vamente à espécie consultada. Mas não suspende o prazo para recolhi­mento de tributo, retido na fonte ou autolançado antes ou depois de sua apresentação, nem o prazo para a apresentação da declaração de rendimentos.

A consulta segue o rito contraditório e a resposta a ela dada pode ser objeto de recurso por parte do contribuinte, se divergente (Lei 9.430/96, art. 48, § 52).

A competência para decidir sobre a consulta é da Administração Ativa, tendo em vista que está vinculada à interpretação adotada pelos órgãos fiscalizadores.

9. ADMINISTRAÇÃO JUDÍCANTE

Administração Judicante é a que pratica os atos materialmente jurisdicionais do processo administrativo tributário. Atua com as ca­racterísticas e garantias semelhantes às dos órgãos do Poder Judiciário: imparcialidade, livre convencimento do julgador, ampla defesa do contribuinte, publicidade, recursos etc. Distribui-se entre órgãos de l â e 2- instâncias, coletivos.

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9.1. Julgador de l â Instância

Em l â instância administrativa as impugnações a auto de infração ou a lançamento, bem como a indeferimento de restituição em alguns Estados, são decididas por funcionários da Fazenda investidos na fun­ção de confiança e, no plano federal, pelas Delegacias da Receita Fe­deral de Julgamento.

Da decisão, que conterá relatório resumido do processo, funda­mentação legal e conclusão, caberá recurso voluntário do contribuinte ou recurso ex officio do próprio julgador, se contrária ao Fisco.

9.2. Conselhos de Contribuintes

Em 2- instância, na esfera da União, os recursos de ofício e volun­tários, bem como os especiais, são examinados pelo Conselho Admi­nistrativo de Recursos Fiscais, órgão paritário no qual se unificaram o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Conselhos de Contribuintes e a Câ­mara Superior de Recursos Fiscais (art. 48 da Lei 11.941, de27.05.2009), Os Estados e os Municípios também os adotaram, sendo que o do Estado de São Paulo, de grande prestígio, se denomina Tribu­nal de Impostos e Taxas. Os Conselhos de Contribuintes têm estrutura paritária, sendo os seus membros oriundos das classes produtoras ou da própria Administração Pública.

As decisões finais dos Conselhos de Contribuintes são definitivas, salvo aquelas favoráveis ao sujeito passivo e proferidas contra a ex­pressão literal da lei ou à evidência da prova, hipóteses em que: a) na esfera da União poderá a Fazenda recorrer à Câmara Superior de Re­cursos Fiscais (Decreto n2 83.304, de 28.3.79); b) em alguns Estados e Municípios poderá o representante da Fazenda Pública interpor re­curso hierárquico para o Secretário de Finanças.

Desapareceu o depósito de parcela da multa para recurso ao Con­selho de Contribuintes: o S.T.F. considerou-o inconstitucional, por violar as garantias do direito de petição, do contraditório e da ampla defesa (ADINS 1922 e 1976, Rei. Min. Joaquim Barbosa, Informati­vos 461 e 462; o art. 42 da Lei n° 11.727, de 23.06.2008, em simetria com os julgados do S.T.F., acima referidos, revogou o art. 126, §§1° e2o, da Lei n° 8.213, de 24.07.91, que criara o depósito para recurso nas discussões sobre o crédito previdenciário do INSS. O depósito foi considerado inconstitucional pela Súmula Vinculante n° 21 (vide p. 358).

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Em alguns casos o processo tributário corre perante os órgãos da Administração Ativa, isto é, das repartições e autoridades engajadas na arrecadação e fiscalização dos tributos.

10.1. Recurso Hierárquico

Assim acontece com o recurso hierárquico, que é o interposto pela Fazenda contra a decisão final do Conselho de Contribuintes con­trária à letra da lei ou à prova dos autos. Nessa hipótese a autoridade singular incumbida de administrar os tributos — Secretário Estadual ou Municipal de Fazenda — pode reformar a decisão do colegiado. Esse tipo de recurso vem sendo combatido há muitos anos pela doutri­na e já desapareceu do processo tributário federal, substituído pelo recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais. A única justi­ficativa é que as decisões finais do Conselho de Contribuintes contrá­rias à evidência da prova ficariam sem reexame, eis que a Fazenda, ao contrário do contribuinte, não pode recorrer ao Judiciário para anulá- las; alguns Estados, infrutiferamente, para superar o problema do re­curso hierárquico, criaram em suas legislações a possibilidade de a Fazenda ingressar em juízo para anular a decisão do Conselho de Con­tribuintes, o que se tomou contraditório, pois o órgão colegiado inte­gra a própria Administração; a Procuradoria Geral da Fazenda Nacio­nal passou a defender a tese “da possibilidade jurídica de as decisões do Conselho de Contribuintes, que lesarem o patrimônio público, se­rem submetidas ao crivo do Poder Judiciário, pela Administração Pú­blica" (Parecer PGFN/CRJ 1087/2004, RDDT 109: 131-138, 2004), que a nosso ver não encontra suporte no direito brasileiro.

10.2. Consulta

A consulta é também resolvida pela Administração Ativa, eis que depende da interpretação por ela firmada genericamente para todos os contribuintes.

10. A ADMINISTRAÇÃO ATIVA E O PRO CESSO TRIBUTÁRIO

11. DEFINITIVIDADE

A decisão finai proferida no processo administrativo tributário,

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ou seja, aquela de que não caiba recurso, constitui definitivamente o crédito tributário.

A decisão não faz coisa julgada, porque a Administração não pra­tica atos formalmente jurisdicionais. Torna-se simplesmente definiti­va, com a preclusão interna do processo. O contribuinte poderá rea­bri-lo na esfera judicial, coisa que a Administração não poderá fazer, como vimos acima.

III. O PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO

12. FONTE

O processo judicial tributário tem diversas fontes normativas. A Constituição Federal prevê algumas garantias processuais dos direitos fundamentais, como o mandado de segurança, a ação declaratória de inconstitucionalidade, a ação civil pública e o mandado de injunção, largamente utilizados em matéria fiscal. O Código de Processo Civil disciplina alguns procedimentos em l â instância e os recursos, sendo fundamental para a ação declaratória, a anulatória e a de consignação em pagamento. Leis extravagantes cuidam da execução fiscal (Lei 6.830/80), do mandado de segurança (Lei 1.533, de 31.12.51) e da ação civil pública (Leis n^ 1341, de 24.7.85, e 8.078, 11.9.90) e dos Juiza­dos Especiais da Fazenda Pública (Lei n° 12.153, de 22.12.2009).

13. NATUREZA

O processo tributário judicial tem natureza: declaratória, no que pertine à ação declaratória de existência ou inexistência de relação jurídica tributária; constitutiva negativa, quanto à ação anulatória de débito fiscal; condenatória, na ação de repetição de indébito; manda- mental, no mandado de segurança.

Mas não tem natureza constitutiva. A sentença judicial não cons­titui nem a obrigação nem o crédito tributário. Anulado o lançamento por erro de forma, denegada a segurança ou declarada a existência da relação jurídica tributária deverá a Administração proceder à consti­tuição do crédito mediante o lançamento, que é atividade exclusiva­mente administrativa (art. 142, CTN); por isso mesmo nem a medida

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liminar nem o depósito, que suspendem a exigibilidade do crédito (art. 151, CTN), inibem o lançamento que o constitui.

14. PRIVILÉGIOS

Já vimos que a Fazenda Pública goza de inúmeros privilégios pro­cessuais: contagem em quádruplo do prazo para contestar (art. 188, CPC), reconvir, responder à ação rescisória, qualquer que seja o rito ou a lei especial; prazo em dobro para recorrer (art. 188, CPC), seja o recurso previsto no CPC ou em leis extravagantes; execução por pre­catório requisitório (art. 117, CPC e art. 100, CF); fixação equitativa dos honorários advocatícios (art. 20, § 4Ü, CPC); duplo grau obrigató­rio de jurisdição (art. 475, CPC), com reexame integral pelo Tribunal e proibição de reforma contra a Fazenda.

15. A DUALIDADE DE JURISDIÇÃO

Prevalece no Brasil, a exemplo do direito americano, o sistema de dualidade de jurisdições: os litígios sobre os tributos federais são jul­gados pela justiça federal de l â e 2- instâncias; os que versarem sobre tributos estaduais e municipais são apreciados pela justiça estadual.

Os recursos extraordinários e especiais, que versarem sobre a ma­téria constitucional ou que sejam interpostos contra decisão que con­trariar tratado ou lei federal, julgar válida lei ou ato de governo local, contestado em face de lei federal, e der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal, competem ao Su­premo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça (arts. 102, III e 105, III, CF).

Importante também é observar a competência ratione personae em matéria fiscal, ou seja, a competência originária do Supremo Tri­bunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou dos Tribunais de Justiça dos Estados para julgar os atos praticados por certas autorida­des (Presidente da República, Ministro da Fazenda, Secretário de Es­tado da Fazenda etc.).

16. AÇÃO DECLARATÓRIA

A ação declaratória de existência ou inexistência de relação jurí­

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dica tributária pode ser proposta pelo contribuinte, de acordo com o art. 42 do CPC, antes do lançamento do crédito tributário. Não pode versar sobre a interpretação da lei em tese, mas sobre fato acontecido ou por acontecer. Segue o rito ordinário, pode ser precedida de depó­sito e a sentença tem eficácia declaratória positiva ou negativa.

17. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL

A ação anulatória de débito fiscal, de rito ordinário, deve ser pro­posta depois de já constituído o crédito tributário, posto que visa à anulação do lançamento administrativo. O contribuinte não está obri­gado a efetuar o depósito para ingressar com a ação, embora seja acon­selhável fazê-lo para evitar a fluência dos juros de mora e da correção monetária e para suspender a exigibilidade do crédito; mas, se o não fizer, a Fazenda Pública pode ajuizar a execução fiscal (art. 585, § Ia, CPC), que prosseguirá até a penhora dos bens do devedor, quando, então, em virtude de conexão, o juiz ordenará, de ofício ou a requeri­mento das partes, a reunião da ação e da execução propostas em sepa­rado, a fim de que sejam decididos simultaneamente (art. 105, CPC).

Há uma certa dúvida na doutrina em torno da eficácia da sentença proferida na ação anulatória. Alguns autores, partindo da concepção rígida de separação de poderes, defendem a tese da eficácia declara- tóría, segundo a qual a decisão judicial apenas retira a executoriedade do título criado pela Administração. Mas o pensamento mais aceito é o que defende a eficácia constitutivo-negativa da sentença, com a des- constituição ou anulação do título ilegal de lançamento.

18. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO DE DÉBITOFISCAL

O sujeito passivo pode consignar judicialmente a importância do crédito tributário nos casos de: a) recusa de recebimento, ou subordi­nação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; c) exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador (art. 164, CTN ). O rito da ação de consignação em pagamento é o especial previsto no art. 890 e seguintes do CPC.

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A sentença judicial produz os seguintes efeitos: a) se julgar proce- cente a consignação, reputa-se efetuado o pagamento e converte-se a importância consignada em renda; b) se julgar improcedente a consig­nação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis (art. 164, § 2-, CTN),

19. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO

A restituição do imposto indevidamente pago pode ser pleiteada também através de ação, após ou independentemente do pedido for­mulado na esfera administrativa.

A ação judicial de repetição de indébito segue o.rito ordinário e a sentença nela proferida tem eficácia condenatória. A execução se faz através de precatório requisitório (art. 100 da CF), salvo nos impostos não-cumulativos, em que a lei às vezes permite o creditamento da condenação nos livros fiscais do contribuinte.

20. MANDADO DE SEGURANÇA

A matéria fiscal pode ser discutida também em mandado de segu­rança, desde que não haja necessidade de produção de prova. O man­dado, ainda que preventivo, deve se relacionar com fato gerador espe­cífico, não podendo se dirigir contra a lei em tese (Súmula do STF — 266). A CF 88 passou a admitir o mandado de segurança coletivo (art. 5a, LXX), cabível igualmente para as questões tributárias. O mandado de segurança segue o rito da Lei n2 12.016/2009 e a eficácia da senten­ça é mandamental, declaratória ou constitutiva negativa, eis que vem o ivrit substituindo a ação declaratória e a anulatória, quando há prova pré-constituída.

21. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

A ação direta de inconstitucionalidade é a que pode ser proposta diretamente ao Supremo Tribunal Federal pelas pessoas indicadas no art. 103 da CF. Visa ao controle de lei ou ato normativo da União ou dos Estados, inclusive em matéria tributária, mas não é instrumento hábil para o exame dos atos dos Municípios. Estrema~se da declaração

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de inconstitucionalidade na via da exceção porque a eficácia desta é inter partes, a não ser que o Senado Federal a generalize através de Resolução (art. 52, X, CF), enquanto a decisão na ação direta tem eficácia erga omnes desde a data da publicação do acórdão no Diário Oficial. A declaração de inconstitucionalidade, inclusive na via do controle difuso, desde que generalizada pelo Senado Federal, produz efeitos ex tunc, anulando a lei incompatível com a Constituição ab initio, salvo se o STF restringir os efeitos da declaração ou decidir que a lei só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (Lei na 9868/99, art. 27). Pode dar margem a pleito de restituição de indébito a causa superveniente (cf. RICARDO LOBO TORRES, op. cit., p. 85), se efeitos econômicos não tiverem sido produzidos no período de vigência da lei revogada e se não houver coisa julgada (vide p. 57 e 138); a decadência para repe­tir o indébito ocorrerá depois de cinco anos da data do trânsito em julgado da decisão do STF proferida na ação direta ou da publicação da Resolução do Senado que suspendeu a lei com base na decisão incídenter tantum proferida pelo STF, pois até aquela data o contri­buinte só poderia exercitar o seu direito se, concomitantemente, pos­tulasse a declaração judicial de inconstitucionalidade; mas há preclu- sões processuais a respeitar (coisa julgada e prescrição).

22* AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

Novidade trazida pela EC 3/93 é a ação declaratória de constitu­cionalidade, que pode ser proposta pelo Presidente da República e pela Mesa do Senado e da Câmara. Visa a apressar a uniformização dos julgados, tendo em vista que o caos legislativo implantado no País nos últimos anos multiplicou as ações propostas contra a União e levou ao impasse na arrecadação de receita tributária. A decisão de mérito na declaratória produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante relati­vamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

23. AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação civil pública (art. 129, III, CF) teve a sua disciplina am­pliada pelo Código do Consumidor (Lei 8.078, de 11.9.90) e se clas­sifica entre as ações coletivas (class action do direito americano), des­

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tinando-se à proteção dos direitos difusos. Aplica-se em matéria tribu­tária, de acordo com o art. 81 da Lei 8.078/90, para a proteção: a) dos interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de contribuintes; b) dos interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum, como sejam as lesões causadas pela exigência de tributos inconstitucionais. A senten­ça, se julgada procedente a ação, produzirá efeitos erga omnes e ultra partes.

24. MEDIDA CAUTELAR FISCAL

O procedimento cautelar fiscal, instituído pela Lei n- 8.397, de 6.1.92, pode ser instaurado antes ou no curso da execução judicial da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí­pios e respectivas autarquias. Poderá ser requerida contra o devedor que: “I — sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo fixado; II — tendo do­micílio certo, ausenta~se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adim- plemento da obrigação; III — caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordiná­rias; põe ou tenta pôr seus bens em nome de terceiros ou comete qualquer outro ato tendente a frustrar a execução judicial da Dívida Ativa; IV —j notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao re­colhimento do crédito fiscal vencido, deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se garantida a instância em processo administrativo ou judicial; V— possuindo bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembaraça­dos/de valor igual ou superior à pretensão da Fazenda Pública” (art. 2â) . Duvida-se do efeito positivo da medida, tanto mais que a proteção do crédito tributário já se fazia pelo arresto (c£ FLAKS, Milton. "Me­dida Cautelar Fiscal". Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro 46: 65-76, 1993).

25. EXECUÇÃO FISCAL

A execução fiscal, desde o tempo do Império, era regulamentada por leis especiais. Por mais de 30 anos vigorou o Decreto-lei n- 960, de

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1938, diploma de inspiração autoritária. Em 1973 o Código de Pro­cesso Civil resolveu incorporar a execução fiscal ao capítulo geral das execuções. Mas houve posteriormente o retomo à lei extravagante (nâ 6.830, de 22.9.80), que até hoje vigora.

A execução fiscal é proposta com base na certidão extraída dos livros de inscrição da dívida ativa. A inscrição é o ato administrativo que cria a presunção de liquidez e certeza do crédito tributário, que, sendo juris tantum, pode ser elidida perante o Judiciário. A inscrição só se efetua depois de constituído definitivamente o crédito tributário na esfera administrativa, o que ocorre com o transcurso do prazo fixa­do no lançamento para o pagamento ou com a decisão final das instân­cias julgadoras. Com a inscrição, conseguintemente, o crédito, que era simplesmente exigível, torna-se exeqüível. A criação do título execu­tivo é um privilégio da Fazenda credora, eis que em direito os títulos de crédito são constituídos sempre pelo devedor (nota promissória, duplicata etc.).

A dívida ativa cobrável por execução fiscal compreende, além da tributária (impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsó­rios, multas tributárias, juros e correção monetária), a dívida nao-tri- butária (multas administrativas, renda de imóveis, custas processuais, preços públicos e alcances). Os ingressos não-tributários também de­vem ser inscritos nos livros da dívida ativa, salvo o: alcance, em que basta a conta expedida pelo Tribunal de Contas.

A execução fiscal se desenvolve inicialmente através de atos prati­cados por determinação do juiz: citação, penhora e avaliação dos bens.

Se o devedor oferecer embargos à penhora inaugura-se o juízo de cognição. A Fazenda é intimada para impugná-los e segue-se a fase das provas. A decisão final proferida nos embargos, se favorável ao contri­buinte, tem eficácia constitutivo-negativa, anulando o crédito tributá­rio; se favorável à Fazenda encerra o litígio e, tanto que desapensados os embargos dos autos da execução, volta esta a correr normalmente.

No caso de o devedor não oferecer embargos à penhora, ou rejei­tados estes, inicia-se a fase expropriatória, com o leilão dos bens pe- nhorados ou com a sua adjudicação à Fazenda.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: ALLORIO, Enrico. Diritto Processuale Tributário. Turim: UTET, 1967; ARRUDA ALVIM. "Processo Tributário referente às áreas de Direito Tributário e Di­reito Processual Civil”. Revista de Direito da Procuradoria Geral da Justiça do Estado

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do Rio de Janeiro 4: 79-94, 1976; BONILHA, Paulo Celso B. D a Prova no Processo Administrativo Tributário. São Paulo: LTR, 1992; CAMPOS, Ronaldo Cunha. Execu­ção Fiscal e Embargos do Devedor. Rio de Janeiro: Forense, 1978; FLAKS, Milton. Comentários à Lei de Execução FiscaL Rio de Janeiro: Forense, 1981; ROCHA, Sérgio André. Processo Administrativo Fiscal. Controle Administrativo do Lançamento Tribu­tário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Dos Recur­sos Fiscais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983; SKLAROWSKY, Leon. Execução Fis­cal. Brasília: ESAJF, 1984; SOUZA, Rubens Gomes. “Ideias Gerais para uma Concep­ção Unitária e Orgânica do Processo Fiscal”. Revista de Direito Administrativo 34: 14-33, 1953; TESAURO, Francisco. Profili Sistematici dei Processo Tributário. Pádua: CEDAM, 1980; TORRES, Ricardo Lobo. Restituição de Tributo. Rio de Janeiro: Foren­se, 1983; ULHOA CANTO, Gilberto. "Anteprojeto de Lei Orgânica do Processo Tribu­tário’'. Reinsta do Instituto dos Advogados Brasileiros na 36, v. I e II; XAVIER, Alberto. “Natureza Jurídica do Processo Tributário”. Reinsta de Direito Tributário 17/18: 101- 114, 1981; Princípios do Processo Administrativo e Judicial Tributário. Rio de Janeiro: Forense/ 2005.

II. Direito Positivo: Código de Processo Civil— arts. 4a e 890 e seguintes; Lei n9 6.830, de 22.9.80 — dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública; Decreto n2 70.235, de 6.3.72, alterado pela Lei n2 8.748, de 9.12.93, e pela Lei 11.196, de 21.11.05 — art. 112 e seguintes). — dispõe sobre o processo administrativo fiscal; Decreto nfi 2.473, de 6.3.79, do Estado do Rio de Janeiro — aprova o regulamento do processo administrativo tributário; Lei na 9868, de 10.11.99 — dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitu­cionalidade.

III. Jurisprudência: Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Fe­deral nfi 266: "Não cabe mandado de segurança contra lei em tese"; Habeas Corpus 83.353-5-RJ, Ac. da I a T. do STF, de 13.9.2005, Rei. Min. Marco Aurélio, D J 16.12.2005: “Pendente processo administrativo descabe adentrar o campo penal quer considerada a ação propriamente dita, quer inquérito policial — inteligência do artigo 34 da Lei n° 9.249/95"; RHC 90532 ED/CE, Rei. Min. Joaquim Barbosa, Informativo do STF n° 560, de 30.09.09; Súmula Vmculante n° 24, do STF: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. Io, incisos I a IV, da Lei n° 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”; Súmula Vinculante do STF n° 21: "É in­constitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recursos administrativos”.

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CAPÍTULO XVIII

Sistemas Tributários

I. INTRODUÇÃO

1. CONCEITO DE SISTEMA TRIBUTÁRIO

O sistema poderia ser definido como o conjunto de elementos dotado de unidade interna, coerência lógica, ordem, ausência de con­tradições e independência do todo com relação às partes. Mas essa definição, por se confundir com a totalidade, não permitiria o exame científico do conceito de sistema.

De modo que, em qualquer ramo do saber, a ideia de sistema deve estar ligada à visão pluralista. Há sempre um pluralismo de siste­mas. Na vida social encontramos os sistemas jurídicos, econômicos, financeiros, estéticos etc, O sistema jurídico, por seu turno, com­preende os sistemas do Direito Público e do Direito Privado.. Aquele abrange os sistemas do Direito Penal, do Direito Financeiro, do Direi­to Processual etc. O do Direito Financeiro, contém, ao lado dos siste­mas monetário e orçamentário, o sistema tributário, que também se apresenta no plural.

2. CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS TRIBUTÁRIOS

Impende inicialmente classificar os sistemas tributários, para que se possa melhor estudá-los.

Observação inicial é que os sistemas tributários no Brasil radicam quase que por inteiro na Constituição. No próprio texto fundamental

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aparecem exaustivamente organizados e sistematizados os tributos, de tal forma que ao legislador infraconstitucional compete dar-lhes nor­matividade ou atualização através das normas de nível ordinário. Não há paralelo de monta no direito comparado, salvo no da Alemanha, cuja Constituição também sistematiza os tributos, embora não chegue a adotar o critério de nominá-los.

Classificam-se os sistemas tributários da seguinte forma:a) sistema tributário nacional: conjunto dos tributos cobrados em todo o território nacional, independentemente da titularidade deste ou daquele ente público e considerada exclusivamente a incidência sobre a riqueza, como vem esboçado nos arts. 145, 148 e 149 da CF para o ulterior detalhamento pelo Código Tributário Nacional;b) sistema tributário federado (ou sistema do federalismo fiscal): con­junto de tributos organizado segundo a distribuição do poder tributá­rio à União, aos Estados-membros e aos Municípios, levada a efeito pelos arts. 148, 149, 153 a 156 da CF.c) sistema internacional tributário: conjunto de tributos incidentes sobre a riqueza internacional e partilhados entre os Estados Soberanos segundo princípios e regras estabelecidos na Constituição (arts. 153,1 e II, 155, § l 2, III, b, 155, § 22, X, a, 156, § 32 II) e nos tratados e convenções.

De notar que não se trata de sistemas independentes, mas de subsistemas do mesmo sistema, faces da mesma figura, modos de ver a mesma realidade, que os sistemas tributários são mais heurísticos que normativos. O imposto sobre serviços (ISS), por exemplo, é, ao mes­mo tempo e sob diferentes perspectivas, um tributo sobre a circulação de riquezas no território brasileiro (sistema tributário nacional) ou nas relações internacionais (sistema internacional tributário) e um tributo municipal (sistema tributário federado).

Essa multiplicidade de aspectos do sistema tributário, com a ne­cessidade de coerência e de harmonia entre os diversos subsistemas, é que tornam tão problemáticas as reformas fiscais e as revisões da Constituição Tributária. Combinar a maior racionalidade econômica possível, característica de um bom sistema tributário nacional ou in­ternacional, com a maior autonomia dos entes públicos titulares da competência impositiva, marca de um sólido sistema tributário fede­rado — eis aí o desafio permanente à criatividade jurídica.

Quanto ao tema da classificação dos sistemas tributários, deve ser observado ainda que, do ponto de vista estrutural, podem eles ser considerados como sistemas objetivos ou científicos. Sistemas objeti­vos (ou sistemas internos) são os que abrangem as normas, a realidade,

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ES&J - Ensino Supator B\sm Juááco

os conceitos e os institutos jurídicos referentes aos tributos incidentes sobre a riqueza nacional e internacional e a sua partilha entre as pes­soas jurídicas de direito público. Sistemas científicos (ou sistemas ex-

v I temos) são os que se consubstanciam no conhecimento, na ciência, no: | conjunto de proposições sobre o sistema objetivo, no discurso sobre a

própria ciência, e que se inserem na Teoria da Constituição Tributária, í na Teoria do Sistema Tributário Nacional, na Teoria do Federalismo\ Fiscal ou na Ciência do Direito Internacional Tributário. Não distin-

guiremos, doravante, salvo referência expressa, entre os aspectos ob­jetivo e científico dos sistemas, seja por motivo didático, seja porque devem ser vistos conjuntamente, seja porque as mesmas palavras (ex:

; i Direito Constitucional Tributário) expressam simultaneamente asV I duas visões do sistema.

3. O SISTEMA DE PARTILHA DA RECEITA TRIBUTÁRIA

A CF organiza ainda o sistema de partilha da receita tributária (arts. 157 a 161), colocando-o topografícamente no corpo da Consti­tuição Tributária. Já não se trata de um mero sistema tributário * posto que não cuida de relações entre Fisco e contribuinte, mas de um siste­ma financeiro, por disciplinar as relações intergovernamentais decor­rentes da partilha do produto da arrecadação de tributos.

II. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

4. CONCEITO

O sistema tributário nacional é o que se estrutura de acordo com a base econômica da incidência, independentemente de considerações sobre a pessoa jurídica titular da competência impositiva. Desenha~o inicialmente a CF, que prevê a instituição de impostos, taxas e contri­buições de melhoria (art. 145), de empréstimos compulsórios (art. 148) e de contribuições sociais, econômicas e profissionais (art. 149). Complementa-o o CTN, que, publicado sob a égide da Emenda Cons­titucional n~ 18, de 1965, adotou topografícamente o critério de siste­matizar os tributos de acordo com a sua base econômica. O sistema tributário nacional se completa com a legislação ordinária baixada pela União, Estados e Municípios.

As principais características do sistema tributário nacional são: a) racionalidade econômica consistente no ajustamento a substratos eco­nômicos perfeitamente diferençados, de modo a se evitarem as super-

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posições de incidência sobre fatos econômicos idênticos e a se elimi­narem os vínculos a critérios jurídico-formais ou à técnica de arrecada­ção; b) a facilidade de fiscalização e arrecadação, que minimize os custos da cobrança.

O sistema tributário nacional há que se afinar perfeitamente com os valores e os princípios constitucionais, máxime com os da capacidade con­tributiva, custo/benefício, desenvolvimento econômico e economicidade.

Deve também se harmonizar com o sistema tributário internacio­nal e com o do federalismo fiscal.

5. CLASSIFICAÇÃO

A melhor classificação do sistema tributário nacional, quanto aos impostos, é a levada a efeito pelo CTN, que distingue entre os que inci­dem sobre o patrimônio e a renda e sobre a produção e a circulação.

Podemos oferecer a seguinte classificação geral:

í

ITRITBII. Causa Mortis e Doação

Patrimônio 1 IPTU e Renda IPVA

IRI. Grandes Fortunas

Impostos <

ICMSSISTEMA Produção e I IPI

Circulação 1 IOF ISS

TRIBUTÁRIO Taxas de serviço de polícia

NACIONAL

de intervenção no domínio econômico Contribuições 1 de interesse de categorias profissionais

(OAB, CEM)de interesse de categorias econômicas (contribuição sindical)

umpicsumos l compulsórios

Empréstimos

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6. O SISTEMA TRIBUTÁRIO IDEAL

O sistema tributário nacional brasileiro alcançou razoável grau de racionalidade com a reforma introduzida pela EC 18/65 e pelo CTN. Antes o sistema era caótico, com incidências meramente formais, des­vinculadas dos fatos econômicos. Com a CF 88 perdeu o sistema tri­butário nacional, em parte, a sua racionalidade econômica e o seu ajus­tamento ao princípio da capacidade contributiva, retomando as super­posições de incidências (ex: IR + adicionai IR; ICMS + IW C LG ), situação corrigida pela EC 3/93.

A possibilidade de um sistema tributário ideal é utópica. No Bra­sil temos uma certa tendência para a utopia fiscal, com a defesa do imposto único ou de impostos e contribuições indiretas e invisíveis (imposto sobre transações financeiras, contribuições sobre lucro e fa­turamento). A ciência moderna vem abandonando a pretensão de apresentar um sistema tributário ideal, para se concentrar na idealiza­ção ou otimização de alguns tributos (imposto de renda, imposto so­bre valor acrescido) ou de certos princípios (progressividade, neutra­lidade), com a advertência de que o ótimo fiscal ou o melhor tributo possível é sempre o second best.

III. SISTEMA TRIBUTÁRIO FEDERADO

7. CONCEITO

O sistema tributário federado se estrutura a partir da considera­ção da pessoa jurídica titular da competência impositiva. E o sistema do federalismo fiscal, ou da partilha tributária, ou da discriminação de rendas, expressões que podem ser tomadas como sinônimos. Aparece inteiramente desenhado na Constituição (arts. 153 a 156), que, aliás, desde 1891, com a única exceção da EC 18/65, tem adotado o critério de estruturá-lo topograficamente.

O sistema tributário federado tem entre as suas principais quali­dades: a) a equidade entre os entes públicos, com a distribuição equi­librada de recursos financeiros, em consonância com os serviços e gas­tos que também lhes sejam reservados; b) a autonomia dos entes pú­blicos menores para legislar e arrecadar os seus tributos.

8. SEPARAÇÃO DO PODER TRIBUTÁRIO

A sistematização dos tributos no federalismo fiscal tem, do ponto de vista jurídico, o objetivo de proceder à separação e à pulverização

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do poder tributário. Em face de sua extraordinária aptidão para des­truir a liberdade, o poder tributário já nasce rigidamente limitado pela Constituição, sendo a partilha da receita um dos instrumentos mais eficientes para a garantia dos direitos fundamentais.

O poder tributário — da mesma forma que o poder estatal em geral — se divide verticalmente, segundo os vários níveis de governo no Estado Federal (poder federal, estadual ou municipal), e, também, horizontalmente (poder de legislar, administrar e julgar). Não se cuida de duas questões distintas, mas da integração do critério material com o vertical, pois o Judiciário e os outros Poderes da União colocam-se vis-à-vis aos Poderes dos Estados e Municípios.

8.1. Separação Horizontal

O poder ou soberania tributária, que é uma especial manifestação do poder estatal, ao lado do poder de polícia, do poder monetário, do poder de domínio eminente etc., separa-se horizontalmente em poder de legislar, administrar e julgar.

O poder de legislar sobre tributos se estrema do poder de legislar em geral. A CF distribui a competência para legislar sobre tributos nos arts. 145 a 156, enquanto cuida da competência legislativa genérica nos arts. 48 a 52.

O poder de administrar tributos não aparece explicitamente na CF. É anexo ao poder de legislar competindo à pessoa jurídica titular da competência legislativa, que poderá delegá-lo (art. 1-, CTN). Mas a EC 42/03 introduziu o inciso III no art. 153, § 4o, da CF, prevendo que o ITR será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim opta­rem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal; é o primeiro caso de transfe­rência de competência administrativa no sistema da CF 88.

O poder de julgar os litígios tributários também não aparece ex­plicitamente na CF, que se limita a disciplinar o poder judiciário gené­rico (art. 102 e seguintes). Mas, desde que se admite o controle juris- dicional da constitucionalidade da lei tributária, nenhum motivo sub­siste para se negar o poder tributário do Judiciário. A Constituição da Alemanha prevê o controle judicial financeiro (art. 108, § 62).

O conceito de separação dos poderes tributários de legislar, admi­nistrar e julgar tem a maior importância no constitucionalismo moder­no, pois permite diferentes arranjos entre as competências dos gover­nos federal, estadual e municipal, com o objetivo da justa partilha da

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ESEJ * Ermo Sí̂ snor Buresu Juãelcô

riqueza nacional. E, por isso mesmo, leva à superação da ideia de dis­criminação de rendas ou de partilha de impostos, apegada à só compe­tência impositiva.

8.2. Separação Vertical

O poder tributário se fracciona e se distribui, verticalmente, pelas três órbitas de governo: o da União, o dos Estados-membros e o dos Municípios. No federalismo brasileiro dá-se o tridimensionalismo ver­tical, eis que os Municípios também gozam de autonomia. No consti- tucionalismo hodierno a separação vertical de rendas passa a ser subs­tituída pela integração vertical de competências, fruto do federalismo cooperativo.

A União compete legislar: a) plena e privativamente sobre os seus impostos (arts. 153 e 154, CF), as contribuições sociais e econômicas e os empréstimos compulsórios (arts. 148 e 149); b) em comum com os Estados e Municípios, sobre as taxas e contribuições de melhoria; c) mediante lei complementar, sobre conflitos de competência, limita­ções constitucionais ao poder de tributar e normas gerais em matéria tributária (art. 146, CF); d) sobre alíquotas de alguns impostos esta­duais e municipais como o causa mortis e doação (art. 155, § l 2, IV), o ICMS (art. 155, § 22 IV e V) e o ISS (art. 156, § 32 I). Compete- lhe ainda administrar os tributos que instituir, salvo o ITR, que pode­rá ser fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem (art, 153, § 4o, III), e julgar os litígios que versarem sobre os seus próprios tributos ou sobre os dos Estados e Municípios, estes mediante recurso especial ou extraordinário (arts. 102, III e 105, III).

Aos Estados compete: a) legislar sobre os seus impostos (art. 155, CF), taxas e contribuições de melhoria (art. 145); b) administrar os seus tributos; c) julgar os litígios decorrentes da aplicação dos seus tributos e dos pertencentes aos seus Municípios.

Aos Municípios, que não possuem o poder de julgar, incumbe legislar sobre os seus impostos (art. 156, CF), taxas e contribuições de melhoria e administrá-los, bem como, se assim optarem, fiscalizar e cobrar o ITR, da competência legislativa da União (art. 153, § 4o, III).

9. CLASSIFICAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO FEDERADO

A CF adotou, do ponto de vista topográfico, o critério de repartir a só competência legislativa, sem proceder formalmente à distribuição das competências de administrar e julgar, que ficaram em parte embu­

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tidas naquela. Distribui explicitamente nos arts. 145, 153, 155e 156, a competência de instituir tributos e impostos (as Constituições de 1891 até 1946 falavam em decretar tributos).

Diz o CTN, no art. 6S, que “a atribuição constitucional de compe­tência tributária compreende a competência legislativa plena”. A pala­vra “plena” deve ser vista com desconfiança, pois a plenitude da com­petência dos Estados e Municípios só pode ocorrer dentro das res­trições e definições impostas pelas normas gerais constantes das leis complementares federais, o que eqüivale a afirmar que a dita competência já nasce limitada.

A CF distribui à União, aos Estados e aos Municípios a competên­cia privativa, a residual, a extraordinária e a comum. Quanto à compe­tência concorrente, que autorizava a União e os Estados a decretar simultaneamente os mesmos impostos, desapareceu a partir da refor­ma de 1965.

Competência privativa é a outorgada pela CF à União, aos Esta­dos e aos Municípios para instituírem, por lei ordinária, os impostos elencados nos arts. 153, 155, 156. Enquanto a Constituição reparte a competência legislativa, a lei local a exercita, instituindo o tributo so­bre determinados fatos geradores, fixando-lhe a base de cálculo, de­terminando-lhe a alíquota e regulando-lhe os demais elementos sujei­tos aos princípios da reserva da lei. A competência privativa impede que qualquer outro ente público, que não seja o titular do poder de legislar, possa instituir o tributo discriminado na CF, mesmo no caso de lacuna impositiva, pois estaria caracterizada a invasão de compe­tência. A competência privativa está assim distribuída: a) União: im­postos de importação e exportação, IR, IPI, IOF, ITR e imposto sobre grandes fortunas (art. 153), empréstimo compulsório (art. 148), con­tribuições sociais, econômicas e profissionais (art. 149); b) Estados: imposto causa mortis e doação, ICMS, IPVA (art. 155); c) Municí­pios: IPTU, ITBI, ISS (art. 156).

Competência residual é a outorgada exclusivamente à União para instituir impostos não previstos no elenco dos que lhe foram reserva­dos privativamente no art. 153. A competência residual da União, de acordo com o art. 154, I, se exercerá mediante lei complementar. Só pode ter por objeto imposto não-cumulativo, isto é, impostos sobre o valor acrescido, que são neutros do ponto de vista da incidência eco­nômica. Mas os impostos criados não terão fato gerador nem base de cálculo próprios dos discriminados nos arts. 155 e 156 em favor de Estados e Municípios. A técnica da competência residual, com a exi­gência de lei complementar, estende-se às contribuições sociais que,

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não incidindo sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro (art. 195, I), venham a ser instituídas pela União para garantir a manuten­ção ou expansão da seguridade social com base no art. 195, § 4a, o que não alcança o FINSOCIAL e a contribuição social sobre o lucro, como já decidiu o STF (vide p. 430/431).

Competência extraordinária é a reservada pelo art. 154, II à União para, na iminência ou no caso de guerra externa, instituir impostos ex­traordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos gradativamente, cessadas as causas de sua cria­ção. Não se lhes aplica o princípio da anterioridade (art. 150, § Ia).

Competência comum é a atribuída a cada ente político para impor os mesmos tributos, guardado, entretanto, o vínculo entre o tributo e o serviço prestado ou a atividade exercida. A competência comum se restringe aos tributos contraprestacionais (taxas, contribuições de me­lhoria e contribuições previdenciárias dos servidores públicos) donde se segue que é devido ao ente que houver entregue a prestação. Apa­rece nos arts. 145, II e III e 149, parágrafo único.

Podemos oferecer a seguinte classificação do sistema tributário federado

L Importação e Exportação IR, EPI, IOF

Federal ITR, I. Grandes FortunasEmpréstimos Compulsórios Contribuições econômicas, sociais e profissionais

Privativo

SISTEMA

FEDERADOMunicipal

Residual

Extraordinário

TaxasComum J Contribuições de melhoria

Contribuições previdenciárias dos servidores públicos

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10. O SISTEM A FEDERADO IDEAL

O federalismo fiscal brasileiro está longe do modelo ideal. Na fase republicana vivemos pendularmente entre ciclos de autoritarismo e concentração de recursos nas mãos da União (1930-45 e 1964-88) e de democratismo e descentralização financeira (1891-1930 e 1946- 64). Agora, a partir da redemócratização do País operada em 1988 assistimos ao aumento dos recursos financeiros em favor dos Estados e Municípios e ao empobrecimento da União, sem que tenha havido a redistribuição complementar de serviços e encargos públicos.

Mas a verdade é que, da mesma forma que acontece no sistema tributário econômico, também o sistema federado ideal é utópico. Depara-se hoje com a crítica universal aos sistemas de discriminação de rendas. Lavra o descontentamento da doutrina para com os ordena­mentos dos diversos Estados Federais — Alemanha, Argentina, Esta­dos Unidos etc. Parece que o verdadeiro equilíbrio no federalismo fiscal é inatingível, principalmente em virtude da exagerada concen­tração de receitas em favor da União, decorrente do excesso de inter­vencionismo estatal da exasperação da ideia de desenvolvimento eco­nômico e da desequilibrada distribuição de responsabilidades pelo fornecimento dos serviços públicos.

IV. SISTEMA INTERNACIONAL TRIBUTÁRIO

11. CONCEITO

O sistema internacional tributário compreende as incidências so­bre o patrimônio, a renda e a circulação de bens referidos às relações entre cidadãos e empresas em diversos países ou, sob a perspectiva estatal, entende com a partilha da riqueza universal entre as diversas soberanias.

O sistema internacional tributário não postula uma fonte legisla­tiva superior ou um foco único de irradiação de validade jurídica, que simultaneamente fundamente as duas ordens — a internacional e a interna. Legitimam-no os valores supranacionais como a liberdade, os direitos humanos, a razão, a justiça e os princípios constitucionais tri­butários alcançados e garantidos pela via do processo, do contrato e do consenso. Fundamenta-se não mais em teorias como as do primado do direito internacional, mas no direito de cooperação e na integração

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econômica, entendido como efetiva colaboração e coordenação entre os Estados.

Embora a CF não seja ampla e minuciosa com referência aos sis­temas internacionais, contém as regras e os conceitos básicos para a cooperação e a integração fiscais, para a eficácia dos princípios gerais da tributação e para a garantia da liberdade, além de trazer normas específicas sobre o ajustamento internacional em torno de alguns im­postos (ICMS, causa mortis, ISS).

12. INTEGRAÇÃO FISCAL

A integração internacional entre os diversos sistemas tributários soberanos é obtida, respeitadas as normas fundamentais da Constitui­ção, através dos tratados e convenções que evitem a bitributação (vide p. 49).

Importantíssima para a integração fiscal é a participação em órgãos supranacionais. Os países europeus estão procurando a sua identidade fiscal no âmbito da União Européia, dotada de instrumentos de natu­reza constitucional que vêm conseguindo a unificação de diversos tri­butos, principalmente do imposto sobre o valor acrescido. O Brasil participa do GATT (General Agreement on Tariffs and Tradé], acordo internacional de tarifas e comércio, e da OMC (Organização Mundial do Comércio), criada em 1994, que têm por objetivos principais esta­belecer vantagens aduaneiras para as nações pactuantes e garantir a igualdade de tratamento tributário entre as mercadorias importadas e os produtos similares nacionais, bem como gerenciar os acordos que compõem o sistema multilateral de comércio. O nosso País aderiu ao MERCO SUL, constituído pelo Tratado de Assunção (26.3.91), que visa à integração econômica e fiscal das nações do cone sul da América do Sul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), principalmen­te com vista à eliminação dos direitos aduaneiros e restrições tributá­rias à circulação de mercadorias.

13. CLASSIFICAÇÃO

O sistema internacional tributário pode se classificar segundo o mesmo esquema do sistema tributário nacional. Assim nele vislum­bramos inicialmente o subsistema dos impostos sobre o comércio exte­rior; que abrange os dois tributos aduaneiros da União — imposto de

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importação e de exportação (art. 153, I e II, CF) — e no qual tam­bém podem se inserir o IPI (art. 153, § 3a, III, CF) e o ICMS (art.155, § 2a, IX, a, X, a, XII, f), que incidem igualmente sobre as rela­ções comerciais internacionais; esses quatro tributos funcionam em conjunto e devem observar a mesma política tributária, principalmen­te quanto às isenções. Os impostos sobre o patrimônio e a renda, espe­cialmente o IR e o causa mortis, incidem também nas situações inter­nacionais. O subsistema dos impostos sobre a produção e a circulação abrange, além do IPI e do ICMS, acima referidos, o IOF e o ISS fart.156, § 4a, II).

V. SISTEMA DE REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS

14. CONCEITO

A CF 88 ampliou e refinou o sistema de repartição das receitas tributárias (vide p. 361). Iniciada com a Emenda Constitucional na 18/65, as participações sobre a arrecadação constituem instrumento importante para o equilíbrio financeiro do Estado Federal, desde que estabelecidos os meios de controle para a entrega correta e pontual dos recursos. A nova disciplina assegura aos Estados e Municípios vo­lume maior de recursos e, ao mesmo tempo, alivia o sistema dos con­dicionamentos e das restrições anteriormente aplicáveis.

No direito brasileiro há diversos outros mecanismos de ajusta­mento intergovernamental, alguns deles previstos na própria CF: sub­venções, incentivos, auxílios a fundo perdido e créditos fiscais, estes últimos necessários às compensações entre impostos incidentes sobre a mesma base econômica. Nos Estados Unidos são muito utilizadas as subvenções, condicionadas ou incondicionadas {grants-in-aids) .

15. PARTICIPAÇÕES SOBRE A ARRECADAÇÃO

Do ponto de vista constitucional os ajustes intergovernamentais se fazem principalmente pela repartição das receitas tributárias ou, melhor, pela participação sobre a arrecadação de impostos alheios. É instrumento financeiro, e não tributário, que cria para os entes políti­cos menores o direito a uma parcela da arrecadação do ente maior. As participações podem ser diretas ou indiretas; a diferença consiste em que as indiretas se realizam através de fundos e a lei complementar

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pode estabelecer condições para o rateio, enquanto as outras são en­tregues diretamente aos entes menores ou por eles apropriadas me­diante mera transferência orçamentária. Na CF 88, com as alterações da EC 42/03, as participações estão assim sistematizadas:

Diretas

Indiretas art. 159

— Estados (art. 157)

— Municípios (art. 158)

FundosdeParticipação

IR (incidente na fonte sobre rendimentos pagos a qualquer título)I. Residuais (20%)

IR (incidente na fonte sobre rendimentos pagos a qualquer título)ITR (50%) ou (100% - c.c. art. 153, § 4o, III) IPVA (50%)ICMS (25%)

dos Estados = 21,5% do IR e do IPI (inciso I, a) dos Municípios = 22,5% do IR e do IPI ( inciso I, b)Para Programa de Financiamentoàs Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste = 3%do IR e do IPI (inciso I, c)

Fundo compensatório das exportações: 10% do IPI para Estados e Municípios (inciso II).CEDE do Petróleo: 29% para Estados e Distrito Federal (inciso IU, na redação da EC 44/04)

Acrescente-se, ainda, a participação dos Estados e Municípios na arrecadação do IOF incidente sobre o ouro definido como ativo finan­ceiro (30 e 70%, respectivamente), que está deslocada no art. 153, §5*.

Em substituição ao Fundo de Estabilização Fiscal (EC 17/97), que sucedera o Fundo Social de Emergência (EC 10/96), instituiu a EC 27/00 a desvinculação de arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, prevendo que seria desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2000 a 2003, vinte por cento da arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, já instituídos ou que viessem a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. Posteriormente houve a prorrogação da DRU (des­vinculação da receita da União) para os períodos de 2003 a 2007 (EC 42/03) e 2008 a 2011 (EC 56/07), vedada a redução da base de cálcu­lo das transferências a Estados, Distrito Federal e Município.

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O art. 91 do ADCT, na redação da EC 42/03, prevê a entrega fatura de recursos aos Estados, Distrito Federal e Municípios para a compensação da imunidade do ICMS às exportações e dos créditos correspondentes às aquisições destinadas ao ativo permanente, em substituição ao critério atual da LC 87/96 e da LC 115/02.

Nos Estados Unidos as participações impositivas {revenue sha- ring, tax sharing) passaram a ser largamente utilizadas e se discute a respeito de sua superioridade sobre as subvenções condicionadas (grants-in-aids) . Na Alemanha o poder de dispor sobre o produto da arrecadação (Ertragshoheit) pode ser entregue conjuntamente à União e aos Estados, como acontece com os impostos de renda e de vendas, partilhados meio a meio (art. 106, § 3-, da Lei Fundamental),

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: ALBINANA, Cesar. Sistema Tributário Espanol y Comparado. Madrid; ICE, 1983; AMATO, Angelo. II Nostro Sistema Tributário dopo la Riforma. Pádua: CE­DAM, 1973; ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1968; BELTRAME, Pierre. Les Systèmes Fiscaux. Pa­ris: PUF, 1975; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991; FALCÃO, Amilcar de Araújo. Sistema Tributário Brasileiro. Discriminação de Rendas. Rio de janeiro: Ed. Financei­ras, 1965; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1991; SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Discriminação de Rendas Tributárias. São Paulo: José Bushatsky, 1972; SOUZA, Rubens Gomes. "O Sistema Tributário Federal”. Revista de Direito Administrativo 72: 1-22; TORRES,Ricardo Lobo. Sistemas Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Forense, 1986;___.Tratado de Direito Constitucional Financeiro e THbutãrio. V. 1. Constituição Financei­ra, Sistema Tributário e Estado Fiscal. Rio de Janeiro: Renovar, 2009; ULHOA CAN­TO, Gilberto. “O Sistema Tributário Nacional". In: CRETELIA JUNIOR, José e ou­tros. A Constituição Brasileira 1988: Interpretações. Rio de Janeiro: Forense Universi­tária, 1988, p. 305-310.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 145 a 161; Constituição da República Federal da Alemanha: arts. 105 a 109; CTN — arts. 29 a 95.

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CAPÍTULO XIX

Os Tributos

I. INTRODUÇÃO

1. CO NCEITO DE TRIBUTO

O art. 145 da CF autoriza a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a instituir os tributos que a seguir discrimina. O termo tributo aparece ainda em outros dispositivos constitucionais: o art. 146, III, a reserva à lei complementar a incumbência de estabelecer normas gerais sobre definição de tributos; o art. 150 proíbe a exigência ou o aumento de tributo sem lei (item I] e veda a cobrança de tributos retroativos (item III) ou com efeito confiscatório (item IV); o art. 151 proíbe o tributo não-uniforme e a concessão de isenções de tributos estaduais ou municipais pela União; o art. 162 obriga a divulgação do montante de cada um dos tributos arrecadados. O tributo, noção nu­clear do Direito Constitucional Tributário, é a categoria básica sobre a qual se edificam os sistemas tributários e a partir da qual se firmam as diferenças para com as figuras próximas do preço público, das multas, das custas e emolumentos e de outros ingressos integrantes dos fenô­menos da quase-fiscalidade, da extrafiscalidade, da parafiscalidade ou da não-físcalidade.

A Constituição não define o tributo. O CTN é que oferece a se­guinte definição: “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (art. 3a). Constitucíonalizou-

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se, assim, a definição codificada, até porque a CF 88 já a encontrou em vigor e não seria razoável concluir-se que a não tenha adotado.

Sucede que tal definição se faz apenas pelo gênero próximo, sem atingir as diferenças específicas, donde se conclui que todos os ele­mentos nela contidos são essenciais à noção de tributo, mas se adap­tam também a outras categorias de ingressos públicos (preços públi­cos, custas, contribuições sociais). De modo que as diferenciais carac­terísticas devem ser buscadas na própria Constituição, daí resultando que o tributo: é um dever fundamental, ao lado dos deveres militares e do serviço do júri; limita-se pelos direitos fundamentais, através das imunidades e das proibições de privilégio e de confisco previstos no art. 150, posto que nasce no espaço aberto pela autolimitação da liber­dade; obedece aos princípios da capacidade contributiva (art. 145, § Ia) ou do custo-benefício (art. 145, II e III) — aquele informa princi­palmente os impostos e este, as taxas e as contribuições de melhoria— sendo-lhes a rigor estranhos princípios como os da solidariedade social ou econômica; destina-se a suportar os gastos essenciais do Esta­do ou as despesas relacionadas com as atividades específicas do Estado de Direito, vedado o seu emprego para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações ou fundos (art. 167, VII, CF) e excluí­da do seu conceito a finalidade puramente extrafiscal; emana do poder específico de legislar sobre tributo no marco do poder distribuído pela Constituição (arts. 145, 148, 149, 150 ,1 e § 6a, 153, 154, 155 e 156), inconfundível com o poder genérico de legislar (art. 52, II e 48).

Todas essas diferenças extraídas da CF são essenciais ao conceito de tributo, não se podendo como tal considerar o ingresso que deles careça; os elementos constantes da definição do art. 3a do CTN, cons- titucionalizada, são igualmente essenciais ao tributo, mas inespecífi- cos, de modo que nem todo ingresso (= preço público, custas e emo­lumentos) que os incorpore terá verdadeiramente natureza tributária. Sucede que o art. 149 da CF estendeu demasiadamente a noção de tributo, ao nela incluir as contribuições econômicas, sociais, sindicais e profissionais, o que torna necessário que se considerem alguns ele­mentos que estariam melhor fora do sistema tributário, como sejam o princípio da solidariedade social ou econômica e a finalidade não es­sencialmente pública; mas, desde que o constituinte, afinado com as ideias estatizantes e de ampliação do papel do Estado, colocou topo- graficamente aquelas contribuições especiais no bojo do sistema fiscal, não resta outra solução ao intérprete que dilargar o conceito de tribu­to, que, mesmo amplíssimo, não chega a desestruturar o Estado Fiscal,

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embora o torne obeso e ineficiente. Podemos sintetizar assim a defini­ção: Tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniá­ria, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefí­cio ou da solidariedade do grupo e com a finalidade principal ou aces­sória de obtenção de receita para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição.

2. CLASSIFICAÇÃO DE TRIBUTO

A Constituição de 1988, a exemplo do texto anterior, é confusa no classificar quantitativamente os tributos. A leitura do art. 145 pode levar a se concluir pela classificação tripartida do tributo, que abran­geria os impostos, as taxas e a contribuição de melhoria. A tripartição sempre gozou de grande prestígio entre os tributaristas, Impôs-se através do Código Tributário alemão de 1919, que por inspiração de Enno Becker colocara ao lado do imposto (Steuer), as taxas (Gebüh- reri) e as contribuições (Beitrãge). Todavia, diante das perplexidades causadas pelo fenômeno da parafiscalidade, a Constituição de 1964, a Emenda 18/65, a Constituição de 1967, em sua redação originária e o CTN adotaram apenas parcialmente a divisão tricotômica, reduzindo a categoria das contribuições à de melhoria. A partir da Emenda ns 1, de 1969, outras contribuições ingressaram no rol dos tributos (art. 21, § 2a), critério ratificado pelo texto em vigor. Assim sendo, para a clas­sificação dos tributos terá que se levar em conta o disposto nos arts. 148 e 149. Daí se conclui que a CF adotou a divisão quadripartida: o tributo compreende o imposto, taxa, a contribuição e o empréstimo compulsório. Parece-nos que as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, referidas no art. 149, devem se amalgamar conceptual- mente às contribuições de melhoria mencionadas no art. 145, III, sub- sumindo-se todas no conceito mais amplo de contribuições especiais. O empréstimo compulsório, previsto no art. 148, também compõe o conceito de tributo, como se verá adiante.

A classificação qualitativa permite distinguir os tributos em vincu­lados ou não-vinculados e contributivos ou comutativos. Vinculados são os tributos devidos em decorrência de uma prestação estatal em favor do

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contribuinte; vinculadas são as taxas e as contribuições; não-vincula­dos, os impostos. Tributo contributivo é o que encontra a sua justifica­tiva primordial na capacidade contributiva (= imposto); quando se basear no princípio do custo/benefício ou da equivalência, como acon­tece com as taxas e as contribuições, classificar-se-á como tributo co- mutativo ou retributivo.

II. IMPOSTOS

3. CONCEITO

A CF emprega a palavra imposto em diversas oportunidades, sem contar a enumeração de cada uma de suas categorias no quadro da distribuição do poder tributário desenhado nos arts. 153/156. Assim é que se refere aos impostos por três vezes no art. 145, ao incluí-los no conceito de tributo, ao determinar que serão graduados de acordo com a capacidade econômica e ao vedar que as taxas tenham base de cálculo que dele seja próprio; a seu respeito cuida ainda no art. 147, que dispõe sobre a competência territorial, e no art. 150, VI, que disciplina as imunidades. O CTN, por seu turno, define o imposto como “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao con­tribuinte” (art. 16). Parece-nos que o significado do termo "imposto” utilizado pela Constituição é o mesmo do CTN e que não seria possí­vel ao legislador modificar a definição da lei complementar. Vale, aqui, o que se disse a propósito do conceito de tributo utilizado pela CF e pelo CTN, já que se trata da mesmíssima problemática.

A definição do CTN é insuficiente e abreviada, porquanto não contém os outros elementos característicos dos impostos. Entre eles, o princípio da capacidade contributiva, agora expressamente procla­mado no art. 145, § Ia. Aliás, a capacidade contributiva integra essen­cialmente a noção de imposto, eis que se o cidadão deve pagá-lo de acordo com a sua riqueza, segue-se que o fato gerador dessa categoria tributária não se vincula a qualquer prestação específica por parte do Estado, destinando-se a renumerar as necessidades globais do serviço público indivisível.

Podemos oferecer a seguinte definição de imposto, aproveitando alguns elementos comuns ao conceito de tributo, que já examinamos:

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IS8J - Ensino Bumau Juááoc

é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária, que, limi­tado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio consti­tucional da capacidade contributiva e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receita para as necessidades públicas ge­rais, é exigido de quem tenha realizado, independentemente de qualquer atividade estatal em seu benefício, o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.

4. CLASSIFICAÇÃO

Embora a CF não tenha classificado explicitamente os impostos, tornam-se importantes para a sua interpretação as classificações dou­trinárias, principalmente a que distingue entre impostos pessoais e reais. Impostos pessoais são os que se instituem em função da pessoa do obrigado; reais, os que se cobram em razão do patrimônio ou de considerações objetivas e econômicas independentes da situação do devedor. Essa classificação repercute sobre diversas passagens da Constituição- O art* 145, § l 2 estabelece que os impostos “terão cará­ter pessoal”. O princípio da seletividade do IPI (art. 153, § 32, 1 ) e do ICMS (art. 155, § 2fi, III) em função da essencialidade dos tributos representa úm elemento de personalização agregado ao tributo. A pro­gressividade das alíquotas do IPTU está ligada à natureza real do tri­buto, vedado o critério subjetivo ou pessoal. A outra classificação é a que distingue entre impostos diretos e indiretos. Aqueles incidem so­bre o solvens, que é a pessoa que paga, são permanentes ou periódicos e a própria Administração efetua o lançamento, por declaração ou ava­liação. Os impostos indiretos repercutem economicamente sobre ter­ceira pessoa (contribuinte de fato), são instantâneos e o seu lançamen­to opera por homologação, incumbindo ao próprio contribuinte de direito adiantar o seu pagamento. Esta classificação se aproxima da outra, que separa os impostos pessoais dos reais.

Os impostos podem ser classificados ainda de acordo com o siste­ma em que se inserem. Do ponto de vista do sistema de discriminação de rendas, serão impostos federais, estaduais ou municipais. Segundo o sistema tributário nacional, isto é, segundo a estruturação econômi­ca de sua incidência, serão impostos aduaneiros, sobre o patrimônio e a renda e sobre a produção e circulação de riquezas.

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5. IM POSTO S FEDERAIS

5.1. Imposto de Importação

A União detém a competência privativa para instituir o imposto de importação. Assim tem sido desde 1891, até mesmo em decorrên­cia da vocação nacional do tributo. A mesma coisa acontece em outras Federações.

O tributo incide sobre a importação, que é a entrada da mercado­ria no território nacional. Essa entrada se materializa com o registro, no órgão arrecadador, da declaração reclamada em lei para se proces­sar o despacho aduaneiro de mercadorias.

O imposto incide sobre produto estrangeiro, assim entendido o bem móvel destinado ao consumo, inclusive de energia elétrica, combutíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do país (art. 155, § 3~).

A incidência do imposto de importação se faz concomitantemen- te com a do ICMS, da competência estadual (art. 155, § 2-, IX, a) e a do IPI, também pertencente à União. Os três impostos devem incidir harmoniosamente: o imposto de importação tem a função precipua- mente extrafiscal de atuar sobre a política econômica internacional; o ICMS e o IPI são impostos para a equalização do preço das mercado­rias estrangeiras com as nacionais.

O imposto de importação não está sujeito ao princípio da anterio­ridade (art. 150, §1-), pois necessita de agilidade nas reformulações legislativas. O princípio da legalidade não tem a rigidez observada nos impostos sobre o patrimônio e a renda, dado que o Executivo pode, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar-lhe as alíquotas (art. 153, § 1£).

5.2. Imposto de Exportação

O imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacio­nais ou nacionalizados (art. 153, II), pertence à União, como acontece também em outras Federações, mercê de sua vocação nacional. Mas no período que se estendeu da Constituição de 1891 até a de 1946 foi atribuído aos Estados-membros, o que causou sensível distorção no federalismo brasileiro, com a preeminência das unidades federadas possuidoras de economia de exportação.

O tributo tem função precipuamente extrafiscal, eis que prepon- dera a máxima econômica de que se não exporta imposto. A sua fun­

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ção é harmonizar os conflitos no comércio internacional e influir na formação do preço das mercadorias.

O imposto incide, obviamente, sobre a exportação para o exte­rior, A CF 67/69 falava em exportação para o estrangeiro. O pleonas- mo é reminiscência do regime de 1891, em que os Estados-membros, titulares de competência impositiva, procuraram, infrutiferamente, tributar o que cognominavam de “exportação interestadual”.

A incidência é sobre o produto nacional, ou seja, originário de produção no território brasileiro, ou nacionalizado — o produto es­trangeiro que passa a integrar a mercadoria nacional. Recai também sobre a energia elétrica, combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do País (art. 155, § 3a).

O imposto de exportação incide concomitantemente com o ICMS e o IPI. Aquele grava apenas o fato da exportação; o IPI e o ICMS incidem sobre o processo de comercialização internacional de mercadorias, pelo que postulam o sistema de reembolso dos tributos pagos internamente nos casos de imunidade (arts. 153, § 3a, III e 155, § 2a, X, a).

Ao imposto de exportação não se aplica o princípio da anteriori­dade (art. 150, § l e). O da legalidade é mitigado, podendo o Executi­vo alterar-lhe as alíquotas, atendidas as condições e os limites estabe­lecidos em lei.

5.3. Imposto de Renda

O imposto de renda e proventos de qualquer natureza adquiriu status constitucional em 1934, embora já fosse cobrado anteriormen­te. Sempre pertenceu à competência da União.

O imposto de renda é criação do Estado Fiscal. As primeiras ten­tativas de implantá-lo datam do final do séc. XVIII, na Inglaterra. Mas só vingou no séc. XIX. Nos Estados Unidos, retardou-se a adoção do tributo sobre a renda, sendo necessária a elaboração de emenda cons­titucional — a 16a, de 1913 — que a autorizasse, modificando a orien­tação jurisprudencial.

A renda e proventos são conceitos constitucionais abertos, que devem ser trabalhados pela doutrina e pela legislação. A CF não opta por qualquer das teorias elaboradas sobre a noção de renda nem define o fato gerador do tributo. O legislador tem, portanto, liberdade para a concretização normativa, respeitados os limites do sentido possível do conceito de renda, acrescido da noção residual de proventos, como

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acréscimo de patrimônio em determinado lapso de tempo. O CTN optou pelo conceito amplo, definindo o fato gerador como “a aquisi­ção da disponibilidade econômica ou jurídica: I — de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de am­bos; II — de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior” (art. 43).

A distinção entre imposto de renda das pessoas físicas e das pes­soas jurídicas, assunto da maior relevância para a cobrança do tributo, foi deixada à legislação ordinária, o que permite os periódicos ajusta­mentos entre aquelas incidências sem a necessidade de reforma da CF ou da lei complementar. O imposto de renda das pessoas físicas vem chegando nos últimos anos ao sistema de bases correntes, isto é, a sua cobrança se faz por retenção na fonte (salários e ganhos de capital) e por pagamento mensal, de forma que a declaração anual possa refletir insignificante ajustamento, para mais ou para menos, do que se pagou antecipadamente no ano-base. O imposto de renda das pessoas jurídi­cas também pode ser pago mensalmente, com base em apurações tri­mestrais, consolidando-se os resultados na declaração anual de ajuste (Lei 9.430, de 27.12.96).

A base de cálculo do imposto é o montante real da renda ou dos proventos tributáveis, apurado na forma prevista na legislação, poden­do também ser arbitrado ou presumido (art. 44 do CTN).

A CF aboliu a referência à não-incidência sobre “ajuda de custo e diárias pagas pelos cofres públicos na forma da lei”, constante do texto anterior (art. 21, V) e que servia para a concessão de inúmeros privi­légios odiosos a funcionários públicos.

O imposto de renda será informado pelos critérios da generalida­de, da universalidade e da progressividade (art. 153, 2S, I), que são subprincípios da capacidade contributiva. A ideia de progressividade vem sendo mitigada nos últimos anos e as legislações dos Estados Uni­dos, da Alemanha, do Brasil e de outros países diminuíram as alíquotas do tributo, que nas décadas de 60 e 70 haviam sido exacerbadas.

A CF declarava (art. 153, § 2a, II) a imunidade dos rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social a pessoa com idade superior a 65 anos, cuja renda total fosse constituí­da, exclusivamente, de rendimentos do trabalho. O dispositivo, que era cláusula pétrea, foi revogado inconstitucionalmente pela EC 20/98; mas a imunidade sobrevive implicitamente ao lado de outras que se afirmam em homenagem ao mínimo existencial.

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Compete à União instituir o imposto sobre produtos industriali­zados, denominação criada pela Emenda Constitucional na 18/65 para substituir aquele que ingressara na CF em 1934 como imposto de consumo.

O art. 153, IV não define o fato gerador do tributo. Mas até mes­mo pelo critério nominalista podem ser tiradas algumas conclusões. O tributo incide sobre a produção e a circulação inicial, caracterizando- se, ao lado do ICMS, que possui maior espectro, como imposto sobre a produção e circulação de riquezas. Tanto que industrializado o pro­duto, aqui ou no estrangeiro, a sua circulação, seja pela saída econômi- co~jurídica do estabelecimento industrial, seja pela arrematação em leilão, seja pelo desembaraço aduaneiro, constitui fato gerador do IPI. Mas o conceito constitucional de produtos industrializados não é uní- voco, necessitando das ulteriores definições e enumerações da legisla­ção ordinária, com o que se transformará em conceito legal, aproxi- mando-se tanto quanto possível do conceito tecnológico.

O IPI se subordina ao princípio da seletividadey que é um dos subprincípios da capacidade contributiva, a significar que o tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos: quanto menor a utilidade do produto tanto maior deverá ser a alíquota, e vice-versa.

Subordina-se, também, ao princípio da não-cumulatividade, “compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores" (art. 153, § 3-, II). Atua, portanto, através da compensação financeira do débito gerado na saída com os créditos correspondentes às operações anteriores, que são físicos, reais e con­dicionados. O crédito é físico porque decorre do imposto incidente na operação anterior sobre a mercadoria efetivamente empregada no processo de industrialização. E real porque apenas o montante cobra­do (— incidente) nas operações anteriores dá direito ao abatimento, não nascendo o direito ao crédito nas isenções ou não-incidências. E condicionado à ulterior saída tributada, estornando-se o crédito da entrada se houver desgravação na saída. Essas mesmas características aparecem no ICMS e a CF regula minuciosamente o tributo estadual (vide p. 383); mas o STF recusou a aplicação ao IPI das mesmas regras constitucionais do ICMS (RE 212.484, D J 27.11.98).

O IPI compõe o quadro dos impostos sobre o comércio exterior, juntamente com o imposto de importação, exportação e ICMS. Grava

5.4. Imposto sobre Produtos Industrializados

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a importação do produto estrangeiro, devendo ter incidência mera­mente equalizadora de preços. Mas não recai sobre os produtos indus­trializados destinados ao exterior, segundo a previsão expressa do art. 153, § 32, III, que constitucionalizou a anterior norma de lei ordinária, concessiva também do direito à manutenção dos créditos fiscais rela­tivos às operações anteriores.

A EC 42/03 acrescentou ao art. 153, § 3o, o inciso IVJ prevendo a redução do impacto do IPI sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.

5.5. Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro

Criado pela Emenda Constitucional 18/65 em substituição ao im­posto do selo, que era atribuído à União sob o rótulo de “imposto sobre negócios de sua economia, atos e instrumentos regulados por lei federal", de incidência meramente documental. Surgiu como tributo extrafiscal, destinado a influir sobre o mercado financeiro nas conjun­turas que exigissem o enxugamento do meio circulante.

O imposto incide sobre algumas operações financeiras — atos de circulação de riquezas — abrangendo: a) as operações de crédito, as­sim entendidos os empréstimos, financiamentos e abertura de direito de saque sob qualquer forma; b) as operações de câmbio, com a entre­ga de moeda nacional ou estrangeira ou de documento que a repre­sente; c) as operações de seguro, com a emissão da apólice ou o rece­bimento do prêmio; d) as operações relativas a títulos e valores mobi­liários, que podem compreender desde as promissórias e letras de câmbio até as debêntures e as ações negociadas em bolsa.

O ouro, quando utilizado como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do IOF, devido na operação de origem; quando for objeto de circulação como mercado­ria, cairá no campo de incidência do ICMS. À lei federal competirá diferençar entre as duas situações. No caso de incidência exclusiva do IOF a alíquota mínima será de 1 %, assegurada a transferência do mon­tante da arrecadação nos seguintes termos: 30% para o Estado, o Dis­trito Federal ou o Território, conforme a origem; 70% para o Municí­pio de origem (art. 153, § 5fi, CF).

5.6. Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

Pertence à competência impositiva da União o imposto sobre a propriedade territorial. E tributo com finalidade marcadamente ex-

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trafiscal, possuindo a missão precípua de induzir a reforma agrária e a redistribuição de terras no País. Já pertenceu aos Municípios, que, entretanto, não contavam com o instrumental necessário a sua cobran­ça, pela proximidade dos interesses ligados aos latifúndios. Do produ­to da arrecadação do imposto será entregue aos Municípios a parcela correspondente a 50%. Deve ser utilizado pelo Governo Federal jun­tamente com outros instrumentos não-tributários de política agrária: discriminação de terras devolutas, usucapião, desapropriação etc.

O imposto incidirá sobre a propriedade territorial rural, isto é: a) sobre a propriedade, entendida como direito real, e sobre a posse, eis que, na estrutura fundiária do País, avultam os casos de mera ocupa­ção de áreas devolutas e ainda não discriminadas; b) sobre a proprie­dade territorial, que se esgota no conceito de imóvel por natureza, excluindo o imóvel por acessão como o define o Código Civil (prédios e benfeitorias); c) sobre a propriedade territorial situada na zona rural, que é a situada fora da zona urbana prevista na lei municipal baixada de acordo com as normas gerais da lei complementar, que, presente­mente, optam pelo critério geográfico (art. 32 do CTN) e não pelo critério da destinação econômica do imóvel.

As alíquotas do imposto serão “fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas” (art. 153, § 4a, inciso I). A providência decorre da própria finalidade extrafiscal do tributo e, não obstante só agora tenha adquirido voz constitucional, já era reco­mendada pela doutrina. A Lei na 9.393, de 19.12.96, majorou subs­tancialmente as alíquotas, criando uma dupla progressividade em que o percentual aumenta na razão direta da grandeza da área total do imóvel e na razão inversa do grau de utilização, de tal forma que a menor incidência será de 0,03 (para os imóveis com área total até 50 hectares e grau de utilização maior que 80) e a maior, de 20.00 (área superior a 5.000 hectares e grau de utilização até 30%).

A Lei 9.393, de 19.12.96, incumbiu õ próprio contribuinte de apurar e pagar o ITR independentemente de prévio procedimento da administração tributária, atribuindo-lhe a responsabilidade pela fixa­ção da base de cálculo, que compreenderá o valor da terra nua e o grau de utilização (= relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável). Em caso de desapropriação ou de adjudicação em execução fiscal será considerado o valor declarado pelo contri­buinte, se não superior ao da avaliação da Receita Federal.

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A CF assegura a imunidade quanto à incidência sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore, o proprietário que não possua outro imóvel (art. 153, § 4o, II). Trata-se de imunidade do mínimo existencial. O texto de 1988 excluiu a referência à extensão da gleba, que antes era no máximo de 25 hectares (art. 21, § 6a, CF 1967/69) e que já fora de 20 hectares (art. 19, § 1-, CF, 1946), dei­xando-a para a definição da lei; esta, de nü 9.393, de 19.12.96, consi­derou pequenas glebas os imóveis rurais de área igual ou inferior a 30, 50 ou 100 ha, dependendo de sua localização. A imunidade se estende não só ao proprietário mas também ao possuidor. A EC 42/03 elimi­nou a referência à exploração pelo proprietário “só ou com sua famí­lia”, o que era uma demasia, pois não dependia de haver casamento nem prole legítima.

A EC 42/03 introduziu o inciso III no art. 153, § 4o, estabelecen­do que o ITR será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal. É o primeiro caso no direi­to constitucional tributário brasileiro de transferência de uma parcela do poder fiscal - a competência de administrar — para outro ente da Federação; justificou-se pela maior facilidade que os municípios têm para administrar tributos imobiliários, mas, também, pela insignifi­cância dos recursos financeiros em jogo e pela complexidade da ativi­dade de cobrança, o que tornou a transferência um presente de grego. Optando o Município pela administração do ITR, caber-lhe-à a totali­dade do produto da arrecadação (art. 158, II da CF).

5.7. Imposto sobre Grandes Fortunas

É novidade da CF 88 o imposto sobre grandes fortunas. Compe­tirá à lei complementar definir-lhe o fato gerador, a base de cálculo e demais elementos essenciais. Do critério nominalista do texto consti­tucional resultam poucas orientações, pela extrema ambigüidade da expressão grandes fortunas: o imposto incidirá sobre o patrimônio, e não sobre a renda nem sobre o consumo suntuário. O constituinte brasileiro se deixou influenciar por sistemas fiscais estrangeiros, como os da Espanha e França, que conhecem os impostos sobre o luxo e sobre os grandes patrimônios. Apesar de alguns projetos apresentados no Congresso Nacional, até hoje não foi regulamentado.

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6. IM POSTOS ESTADUAIS

6.1. Imposto “C au sa M ortis" e Doação

O imposto causa mortis é dos mais antigos na história da tributa­ção e já era cobrado em Roma sob a forma de vigésima (5%) sobre heranças e legados. No Brasil havia a décima da herança ou legado (Alvará de 17.6.1809) e, a partir de 1891, coube aos Estados a cobran­ça do imposto causa mortis. A CF 88, a exemplo do que fizera a Emenda n2 5, de 1962, separou o imposto causa mortis do inter vivos, atribuindo este último aos Municípios. A outra novidade do texto em vigor foi unir ao imposto causa mortis o imposto sobre doações, que antes estava embutido no inter vivos, o que se justifica pelo fato de ambos consistirem na transmissão gratuita de bens e pela necessidade de se evitar a evasão fiscal possível na doação de bens de pais para filhos, se o imposto inter vivos fosse menor.

O fato gerador é a transmissão, a causa de morte ou por doação, de quaisquer bens ou direitos. Ampliou-se consideravelmente o cam­po de incidência do tributo, que antes se circunscrevia aos bens imó­veis, a pretexto de que era necessário preservar a integridade do capi­tal das empresas, representado por cotas ou ações.

A regra básica é a de que o tributo pertence ao Estado da situação do bem, quando se tratar de imóveis. No caso de bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arro­lamento, ou tiver domicílio o doador (art. 155, § I® I e II).

Encontra-se sob reserva de lei complementar a competência para a instituição do tributo se o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (art. 155, § l s, III).

A alíquota máxima do imposto será fixada pelo Senado Federal (art. 155, § l-, IV). Pela Resolução ns 9, de 5.5.92, aquela Casa do Congresso resolveu elevá-la para 8%. Mas o art. 2- da citada Resolução disse que "as alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamen­te receber, nos termos da Constituição Federal”. A norma estabeleci­da pelo Senado exibe algumas inconstitucionalidades: desbordou da competência atribuída pela CF, que se restringe à fixação do teto da alíquota, não se estendendo à definição de princípios constitucionais, máxime o da progressividade; desrespeitou o princípio da personaliza­

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ção (art. 145 da CF), ao restringir a progressividade ao valor do qui­nhão, desconhecendo a posição pessoal do herdeiro na linha hereditá­ria; discriminou entre os herdeiros e os legatários e donatários, reser­vando àqueles a incidência progressiva. Sob o aspecto prático, quase inviabilizou a progressividade, insuscetível de justa aplicação em pata­mar tão baixo (8%), quando se sabe que em alguns países as alíquotas máximas, para os quinhões de valor elevado, se situam entre 35% (para os filhos) e 70% (para os legatários). O imposto causa mortis, incidindo sobre o incremento do patrimônio de herdeiros e legatários sem qualquer trabalho ou esforço deles, denota excelente índice de capacidade contributiva e extraordinária aptidão para promover a jus­tiça social, pelo que deve se afinar simultaneamente com os subprincí- pios da progressividade, que recomenda a elevação das alíquotas na medida em que aumentar o bolo tributável, e da personalização, que se expressa pelo agravamento da tributação de acordo com o afasta­mento entre herdeiro e de cujus na linha da sucessão.

6-2. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)

a) Histórico

O imposto sobre circulação de mercadorias, instituído pela refor­ma tributária da Emenda Constitucional n- 18/65, veio substituir o imposto de vendas e consignações, de incidência plurifásica “em cas­cata”. E tributo também plurifásico, mas incide apenas sobre o valor acrescido. Antes, em 1958, já se iniciara no Brasil, com o IPI, a expe­riência com os impostos não-cumulativos. Esse tipo de tributo é hoje adotado em toda a União Européia e facilitou a harmonização tributá­ria dos países que a integram; adotam-no também diversas outras na­ções, inclusive na América do Sul.

Inúmeros foram os argumentos de ordem econômica a justificar o tributo, aqui e alhures: a sua neutralidade na formação dos preços, o desestímulo à integração vertical das empresas, a aptidão para incenti­var as exportações mediante a técnica da restituição do tributo pago internamente e a capacidade para harmonizar as economias dos Esta- dos~membros, através da política de diversificação de alíquotas e ba­ses de cálculo-

O tributo, da competência estadual, apresenta os seus maiores problemas nos aspectos ligados ao federalismo.

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j

b) Fato gerador

O fato gerador do ICMS é definido pela própria CF. Aparece ampliado no texto de 1988, compreendendo não só “as operações de circulação de mercadorias" como também as “prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”, “ain­da que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. Absorveu os fatos geradores dos extintos impostos únicos sobre minerais, ener­gia elétrica e combustíveis líquidos e gasosos.

No que concerne às operações e prestações sujeitas ao ICMS a Lei Complementar n3 87, de 13.9.96, que substituiu o DL 406/68 e o Convênio ICMS 66/88, esmiuçou-lhes a compreensão, incluindo no seu conceito (art. 2-): a) operações relativas à circulação de mercado­rias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, res­taurantes e estabelecimentos similares; b) prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pes­soas, bens, mercadorias ou valores; c) prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; d) fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tribu­tária dos Municípios; e) fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual; f) a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento (o STF excluíra da tributação o bem importado por pessoa física — vide p. 427 — mas a EC 33/01 corrigiu a orientação jurisprudencial ao dar nova redação ao art. 155, § 2o, IX, CF); g) serviço prestado no exterior ou cuja presta­ção se tenha iniciado no exterior; h) entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, exceto lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados (art. 155, § 2®, XII, h, CF), e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrializa­ção, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente. Nesse fato gerador se consubstancia, portanto, a circulação econômica das mercadorias re­vestida obrigatoriamente de uma qualquer forma jurídica. Todo ato jurídico que implique circulação econômica de mercadoria, inde­pendentemente de sua categoria ou de sua natureza gratuita ou onero­

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sa, será fato gerador do ICMS; da mesma forma as situações jurídicas que legitimem a circulação econômica, como, por exemplo, a situação do industrial e do comerciante que promovem as remessas de merca­dorias de um para outro de seus estabelecimentos, bem como o auto- consumo da mercadoria sem a sua circulação física para fora do esta­belecimento, posto que para o ICMS é indiferente que haja, ou não, a transferência de domínio. Essa opinião coincide com a da corrente doutrinária dominante (c£ IVES GANDRA S. MARTINS, op. cit., p. 1343; há, entretanto, alguns autores que reduzem o fato gerador do ICMS às operações que impliquem transferência de domínio (cf. A. BALEEIRO, op. cit., p. 225). A Lei Complementar 87/96 diz com clareza que “a caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua” (art. 2~, § 2a) e o considera ocor­rido no momento <£da saída da mercadoria de estabelecimento de con­tribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” (art. 12, I).

Quanto ao objeto, pode ser qualquer bem suscetível de circulação econômica, pois inexiste um conceito unívoco de mercadoria; o ICMS incide sobre a mercadoria em seu sentido lato, que compreende igual­mente os bens imobilizados no ativo das empresas, o ouro quando não definido como ativo financeiro ou instrumento cambial (art. 153, § 5-), os minerais, a energia elétrica e o petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados.

c) Não* cumulatividade

O ICMS é tributo não-cumulativo de incidência plurifásica, isto é, incide, do ponto de vista econômico, sobre o valor acrescido em cada operação de circulação da riqueza. Distingue-se do imposto plu- rifásico "em cascata” ou cumulativo, como era o IVC, que incidia so­bre o valor total de cada operação, e do imposto monofásico, que inci­de uma única vez sobre o preço final da mercadoria. A EC 33/01, porém, abriu uma exceção ao sistema plurífásico, ao admitir que o ICMS incida uma única vez sobre os combustíveis e lubrificantes, hi­pótese na qual, obviamente, se preserva a não-cumulatividade do tri­buto.

Juridicamente o ICMS atua pelo mecanismo da compensação: incide sobre o valor total de cada operação, dele se abatendo o crédito correspondente ao montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado. O art. 155, § 2-, I, da CF refere-se à compen­

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sação, modificando a redação anterior (art. 23, II, CF 67/69). Não se trata, aí, rigorosamente, de compensação tributária, pois os créditos não são líquidos e certos; cuida-se de compensação financeira, em que apenas “descritivamente” se compensam créditos e débitos.

A não-cumulatividade do ICMS redunda na compensação de im­postos segundo o sistema tax on tax, em que se abate db débito gerado na saída o crédito correspondente ao imposto cobrado na entrada. Di­fere do sistema tax on base, em que se compensam as incidências anteriores pela comparação entre as respectivas bases de cálculo.

d) Crédito fiscal

A não-cumulatividade do ICMS, portanto, atua pela compensa­ção entre débitos e créditos do imposto. O termo crédito fiscal sem­pre foi controvertido e não o utilizavam a CF 67/69 nem o CTN. Por influência da legislação ordinária hoje o art. 155, § 2a, II, a e b empre­ga a palavra crédito, que é físico, real e condicionado.

É físico porque corresponde ao imposto incidente nas operações anteriores (art. 155, § 2a) sobre as mercadorias empregadas fisica­mente na industrialização, comercialização ou prestação de serviços, bem como nas operações de que tenha resultado o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunica­ção. Rejeita-se o sistema do crédito financeiro, no qual se aproveitam outras despesas necessárias à produção do bem (salários, juros etc.); mas com a autorização para a utilização do crédito correspondente às mercadorias adquiridas para uso ou consumo do estabelecimento ou para o seu ativo fixo (LC 87/96) já se percebe uma certà simbiose entre o sistema do crédito físico e do financeiro. Recusa-se também o crédito correspondente à entrada de mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento, como se presume sejam os veículos de transporte pessoal.

O crédito fiscal do ICMS é também real, ou seja, deve correspon­der ao “montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado”. O termo cobrado é ambíguo, pois o crédito pode ser utilizado antes de efetivamente pago ao Estado e independentemente da prova do recolhimento; montante cobrado só pode se referir à obri­gação tributária nascida, mesmo que não extinta pelo pagamento. Co­rolário da característica real é que “a isenção ou não-incidência não implicará crédito para compensação com o montante devido nas ope­

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rações ou prestações seguintes”, como proclama o art. 155, § 2-, II, letra a, da CF 88, ratificando a redação da Emenda Constitucional na 23/83, que veio corrigir o equívoco jurisprudencial cometido pelo STF a partir de 1981 com o reconhecimento do direito à utilização do crédito nos casos de isenção na operação anterior (RE 94.177, RTJ 106/636). Havendo determinação em contrário da legislação, como prevê o art. 155, § 2a, II, pode ser utilizado o crédito correspondente à operação isenta; nesse caso a lei terá concedido incentivo fiscal repre­sentado pelo crédito simbólico ou presumido, ao fito de neutralizar o efeito de recuperação ínsito nos impostos não-cumulativos, pelo qual o Estado se apropria do valor da isenção nas etapas subsequentes da circulação da mercadoria.

Finalmente, o crédito fiscal é condicionado à ulterior saída tribu­tada, isto é, o crédito pela entrada é usufruído sob a condição resolu- tória da ulterior desgravação fiscal. Se vier a ser concedida a isenção na saída, o contribuinte é obrigado a estornar o crédito, pois, como prevê o art. 155, § 2a, II, letra b, da CF a isenção ou não-incidência “acarre­tará a anulação do crédito relativo às operações anteriores”. Da mesma forma se procederá se a mercadoria perecer ou for alienada por preço inferior ao da compra, pois na equação financeira do tributo não-cu- mulativo o crédito só será utilizado até o valor concorrente com o do débito fiscal, já que o tributo, embora plurifásico, incide uma única vez sobre a mercadoria. Mas, como ressalva o art. 155, § 2a, II, confir­mado pelo art. 155, § 2a, item II, letra /, a legislação pode autorizar a manutenção do crédito em certos casos, transformando-o em crédito autônomo ou incondicionado, o que constituirá um incentivo fiscal; assim acontece com os créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior, que se não estornam (art. 21, § 2a, da LC 87/96) e que, se acumulados, podem ser imputados pelo sujeito passivo a qualquer es­tabelecimento seu no Estado ou transferidos, se ainda remanescerem, a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito (art.25, § Ia, da LC 87/96); a mesma regra poderá se aplicar, se houver lei estadual autorizativa, aos demais casos de saldos credores acumulados a partir da LC 87/96 (art. 25, § 2a). Outra exceção à natureza condi­cionada à ulterior saída tributada foi criada pela LC 87/96 com rela­ção à entrada de bens do ativo fixo, cujos créditos só serão estornados se tais bens forem alienados antes de decorridos cinco anos de sua aquisição (art. 21, § Ia).

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e) Seletividade

Diz o art. 155, § 2-, III que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Antes, o tributo es­tadual era uniforme para todas as mercadorias (art. 23, § 5a, CF 67/69). A seletividade se subordina ao princípio maior da capacidade contributiva e significa que o tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos.

f) Alíquotas

A CF regula minuciosamente as alíquotas do ICMS, distinguindo entre as aplicáveis às operações e prestações internas, interestaduais e de exponação.

As alíquotas internas incidem sobre as operações e prestações realizadas dentro do Estado ou nas operações interestaduais que des­tinem bens e serviços a consumidor final não-contribuinte do imposto localizado em outro Estado.

As alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais serão estabelecidas em resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros (art. 155, § 2a, IV). Dilargou-se a competência do Senado, que no regime constitucional anterior só fi­xava a alíquota interestadual máxima (art. 23, § 5a, na redação da Emenda 23/83). A CF 88 disciplinou de modo mais cuidadoso a inci­dência da alíquota nas operações com consumidores finais situados em outros Estados, aperfeiçoando a redação da Emenda na 23/83, que, por sua vez, já corrigira os equívocos da jurisprudência do STF. Recor- de-se que o Pretório Excelso, apegando-se ao só critério geográfico na interpretação do princípio da uniformidade da tributação interesta­dual, entendeu, ao declarar a inconstitucionalidade de inúmeras reso­luções do Senado Federal (Súmula 569, p. 426), que era proibido o discrime entre contribuinte do ICM e não-contribuinte situados no Estado destinatário, com o que garantiu a igualdade naqueles casos mas instituiu a desigualdade econômica entre consumidores finais não-contribuintes do ICM domiciliados em Estados diferentes. Agora com a redação do art. 155, § 2a, VII, da CF 88, adotar-se-á, quanto às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, a alíquota interestadual quando o destinatário for contribuinte do ICMS. Se o destinatário não for con­

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tribuinte do imposto, a alíquota será a interna, do que resultará a igualdade econômica entre consumidores finais não-contribuintes do ICMS, que pagarão sempre o mesmo tributo, calculado pela alíquota maior (= interna), independentemente da situação geográfica do seu domicílio. Em conseqüência da aplicação da alíquota interestadual ao consumidor final contribuinte do ICMS no Estado destinatário, o Fis­co da localização do destinatário captará o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, § 2fí, VIII). E, em contrapartida, o Estado remetente apropriará o tributo correspondente às saídas para o consumidor final não-contribuinte lo­calizado em outro Estado, desaparecendo o injustificável privilégio que em favor deste a jurisprudência do STF havia criado.

Compete, ainda, ao Senado Federal, com exclusividade, fixar as alíquotas aplicáveis às exportações (art. 155, § 2â, IV).

Regras especiais foram introduzidas pela EC 33/01 para as alíquo­tas do ICMS relativas aos combustíveis e lubrificantes sujeitos à inci­dência única, que serão definidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, observando-se o seguinte: a) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto; b) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valo- rem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o pro­duto ou seu simular alcançaria em uma venda em condições de livre concorrência; c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o princípio da anterioridade (art. 155, § 2-, XII, h, combina­do com o § 4S, IV, letras a, b, e c, da CF, na redação da EC 33/01).

g) Importação

O art. 155, § 2-, item IX, letra a, na redação da EC 33/01 deu destaque à importação, com dizer que o ICMS incide também “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domi­cílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”.

O ICMS grava a circulação internacional de mercadorias e servi­ços (vide p. 366). A tributação deve ser vista de modo estrutural, a abranger as incidências fiscais desde a produção inicial em um país até o consumo final em outro. Opera, sob a égide do princípio do país de

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destino, peío reembolso dos impostos pagos internamente no país pro­dutor e pela incidência meramente equalizadora ou compensatória no país destinatário, tendente a eliminar a dupla tributação ou a pluriim- posição e a compatibilizar o preço do bem com o do mercado interno.

A incidência do imposto estadual não-cumulativo sobre a impor­tação no Brasil tem sido tumultuada. Criou-a o Ato Complementar 34/67, depois revogado pelo Ato Complementar 36/67. Restaurou-a o DL 406/68. Com a Emenda Passos Porto (na 23/83} ganhou estatura constitucional, a fim de corrigir a equivocada interpretação judicial.

E que o STF proferiu inúmeros julgados, assim cristalizados na Súmula 570: “O ICM não incide sobre a importação de bens de capi­tal" . Sucede que é justamente nessa importação que se justifica a co­brança do tributo, eis que, com relação às outras mercadorias impor­tadas para emprego no processo de comercialização e industrialização, o imposto compensatório pode ser pago no momento da saída ulterior no território nacional. Daí por que a Emenda 23/83 passou a dispor sobre a incidência do ICM na importação, “inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou ativo fixo do estabelecimento”, cor­rigindo a Súmula 570. A CF 88 repetiu a redação da Emenda 23/83.

O STF, entretanto, apesar da redação da CF 23/83 e da CF 88, continua no que concerne às importações de país signatário do GATT (Súmula 575) a desconsiderar a natureza compensatória do ICMS, aplicando o princípio da não-discriminação entre mercadorias estran­geiras e nacionais à própria operação de importação, ao revés de reser­vá-lo às saídas internas (RE 115.773, RTJ 128/413). Por outro lado, declarou a não-incidência do ICMS sobre o veículo importado por pessoa física, que não é comerciante ou empresário (RE 191.346, D.J. 20.11.98 e Súmula 660), matéria que foi objeto de correção pela EC 33/01 (vide tb. p. 383).

O fato gerador do ICMS nas importações de mercadorias do ex­terior ocorria, segundo o STF (Súmula 577) “no momento de suã en­trada no estabelecimento do importador”. As controvérsias suscitadas em decorrência do processo inflacionário por que passou o País, que corroía a base de cálculo do tributo entre a data do despacho aduanei­ro e a da entrada no estabelecimento, levaram a LC 87/96 a redefinir a matéria, com estabelecer duas regras distintas para os aspectos espa­cial e temporal do fato gerador do ICMS: a) o local da operação ou da prestação, para os efeitos do estabelecimento responsável é, tratando- se de mercadoria ou bem importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física ou o do domicílio do adquirente, quando

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não estabelecido (art. 11, I, d e e); b) considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento do desembaraço aduaneiro das mer­cadorias importadas do exterior (art. 12, IX ].

h) Imunidade e Não-incidência qualificada

O art. 155, § 2o, X, a, na redação trazida pela EC 42/03, dispõe que o ICMS não incide "sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exte­rior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores". O STF (Sú­mula 536, p. 427) apelidou tais hipótese de imunidades, posição a que ora aderimos, diante da profunda reforma trazida pela EC 33/01 e pela EC 42/03, que imunizaram generalizadamente as exportações brasileiras (contra o IPI, ICMS, contribuições socias e econômicas), com fundamento na liberdade de comércio e nos direitos humanos, abandonando a proteção utilitarista e meramente conjuntural antes outorgada (vide p. 65).

A imunidade do ICMS sobre a exportação de mercadorias e ser­viços, etapa intermediária da circulação internacional de riquezas, acompanhada da manutenção e do aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores, vai dar ao tri­buto a mesma função equalizadora que possui na importação, como vimos acima, com os sinais trocados. Em homenagem ao princípio do país de destino, opera mediante a técnica do reembolso, que anula a imposição no país de origem, transferindo-a para o país consumidor. Foi esse mecanismo simples de incentivo à exportação uma das justi­ficativas mais importantes para a adoção do imposto não-cumulativo. Sucede que, até o advento da LC 87/96, o tratamento de matéria estava inteiramente distorcido, eis que: a CF 67/69 declarava a não- incidência do imposto sobre os “produtos industrializados e outros que a lei determinar”, gerando extensa discussão judicial sobre o con­ceito de tais produtos, que passou a abranger até a madeira serrada, a carne equina congelada, os peixes vivos ornamentais etc.; a CF 88, com o objetivo de coarctar essas perplexidades, trouxe emenda pior que o soneto, ao excluir do conceito de produtos industrializados os “semi-elaborados”, que vieram a ser definidos discursivamente pela LC 65/91, em texto de difícil interpretação. Só com a reforma da LC 87/96 foi dada à questão o tratamento racional que há muito se exigia, eliminando-se totalmente a incidência do imposto não-cumulativo so­

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bre as exportações, o que dá aos produtos nacionais competitividade com os estrangeiros e facilitará a integração econômica do País. Hou­ve, todavia, uma certa suspeita de ilegitimidade constitucional do art.3 2 ,1, da LC 87/96, que, ao revés de definir os produtos semi-elabora- dos sobre os quais poderia incidir o imposto, estendeu a intributabili- dade a todos os produtos primários e aos industrializados semi-elabo- rados, outorgando vera isenção de imposto estadual proibida pelo art. 151, III, da CF e antecipando-se à apreciação pelo Congresso Nacio­nal da Proposta de Emenda à Constituição (n2 175, de 1995, mensa­gem 888/95) que previa; "o imposto não incidirá sobre as operações que destinem mercadorias ao exterior, nem sobre serviços prestados a destinatário no exterior” (nova redação do art. 155, V). De qualquer forma, o legislador complementar foi cauteloso e estabeleceu a entre­ga de recursos compensatórios aos Estados, o que fez com que até hoje não tivesse surgido reclamação por parte das unidades federadas pre­judicadas. Agora a EC 42/03 supriu o déficit de legitimidade constitu­cional da LC 87/96 estabelecendo a imunidade do ICMS sobre a ex­portação de mercadorias e serviços, ainda que à custa do pagamento de nova indenização aos Estados-membros, já prevista no art. 91 do ADCT, na redação da EC 42/03.

Já as outras hipóteses de não-incidência do ICMS, previstas nas letras b, c e d do art. 155, § 2o, item X, nada têm que ver com as imunidades, sendo estranho à temática dos direitos fundamentais.

O art. 155, § 2°, item X, letra b diz que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrifi­cantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elé­trica. A não-incidência constitucional se justifica para a proteção do equilíbrio no federalismo fiscal, eis que as fontes produtoras de petró­leo e energia elétrica se concentram em poucos Estados, que seriam exageradamente beneficiados se pudessem tributar esses bens. Des­confiou-se, todavia, da legitimidade do crédito fiscal simbólico atri­buído pelo Convênio ICMS 66/88 (art. 35) para as saídas interesta­duais desgravadas, pois, sendo exceção genericamente estabelecida, contrastava com a regra do crédito real estabelecida no art. 155, § 2a, b, da CF e prejudicava o Estado produtor, ofendendo o princípio cons­titucional da equidade no federalismo, motivo que levou o STF a con­ceder liminar para suspender a aplicação do citado art. 35 do Convê­nio ICMS 66/88 (ADIN 715-7, D .J. 19.10.92); seja como for, a LC 87/96 não repetiu o dispositivo, caindo a hipótese na regra constitu­cional da impossibilidade de utilização de crédito na entrada da mer­

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cadoria não tributada. Outro aspecto importante do tema é que a não- incidência constitucional se restringe às operações interestaduais rela­tivas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustí­veis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industria­lização ou à comercialização (art. 3e, III, da LC 87/96), o que permite a incidência sobre a entrada, no Estado destinatário, daquelas merca­dorias quando não destinadas à comercialização ou à industrialização, decorrente de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente (art. 2â, § l 2, III, da LC 87/96), que é a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade, será o contribuinte do imposto (art. 4-, parágrafo único, IV); de notar que a disciplina trazida pela lei complementar coincide com o sistema da Constituição Tributária, que, corrigindo antiga jurisprudência do STF, distingue entre as remessas para consumidor final e para contribuinte do ICMS (art. 155, § 2a, VII e VIII), ao fito de preservar a igualdade econômica entre consumidores em diferentes Estados e não a igualda­de meramente geográfica entre os destinatários dos bens (vide p. 387). Mas a EC 33/01 acrescentou a letra h ao inciso XII do § 2o do art. 155 da CF, autorizando a lei complementar a “definir os combus­tíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b”.

O ICMS também não incide sobre o ouro (art. 155, § 2~, X, c)} nas hipóteses em que seja definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial (art. 153, § 5-).

O art. 155, § 2o, X , letra d , na redação da EC 42/03, prevê a não-incidência do ICMS nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recep­ção livre e gratuita, hipótese que entende melhor com a não-incidên­cia didática, pois não se compreendia no fato gerador do tributo esta­dual a comunicação através de rádio ou televisão abertos, nos quais não se individualiza a ação comunicativa entre o emitente e o receptor das mensagens.

i) Harmonização sistêmica

A CF possui algumas regras para a harmonização do ICMS dentro do subsistema dos impostos sobre a produção e a circulação de riquezas.

Para evitar conflitos entre o ICMS e o ISS a CF prevê que o tributo estadual incidirá sobre o valor total da operação quando mer­

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cadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na com­petência tributária dos Municípios (art. 155, § 2-, IX, b). Incidirá, portanto, inclusive sobre a parcela de serviços, A norma é semelhante à anterior, na redação da Emenda Constitucional 23/83. Visa a não onerar desnecessariamente as operações intermediárias com a inci­dência de imposto sobre imposto.

A harmonização entre o ICMS e o IPI se apóia na norma constitu­cional (art. 155, § 2-, XI) que estatui não compreender o tributo esta­dual, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos.

j) Reserva de lei complementar

O art. 155, § 2-, XII reserva inúmeras matérias à lei complemen­tar. Os Estados, com fundamento no art. 34, § 8-, do ADCT, assina­ram o Convênio ICMS 66/88, dispondo sobre assuntos que necessita­vam de normas gerais. Surgiu, então, a controvérsia sobre a legitimida­de daquele Convênio, que teria invadido a competência da lei comple­mentar federal ao dispor sobre matérias que, já regulamentadas pelo DL 406/68, teriam sido recepcionadas pela CF 88; os tribunais, entre­tanto, não deram pela inconstitucionalidade do Convênio ICMS 66/88, salvo nos casos em que houvesse conflito com expressa dispo­sição do DL 406/68 (cf. RE 149.922.2, Ac. do Pleno do STF, RTJ 152/966). A Lei Complementar na 87, de 13.9.96, regulamentou inú­meros dispositivos constitucionais, revogando tacitaniente as normas da legislação tributária com ela incompatíveis.

Compete à lei complementar tributária, de acordo com o art. 155, § 2a, XII, da CF, com as alterações da- EC 33/01:a) definir os contribuintes do ICMS. A CF 67/69 incluía entre eles os industriais, os comerciantes e os produtores. O texto atual é omisso. A LC 87/96 reza, no art. 4a, que contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracte­rize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou pres­tações de serviços de transporte intermunicipal e dé comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;b) dispor sobre substituição tributária. E matéria que causa sempre conflitos entre os Estados e entre estes e os contribuintes, pelo que carece de normas gerais federais. A LC 87/96 regulamentou nos arts. 6a a 10 a substituição tributária (vide p. 266);

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c) disciplinar o regime de compensação do imposto. O ICMS segue, como vimos acima, o sistema tax on tax, em que a compensação se faz entre o imposto devido na operação e o pago anteriormente. A LC 87/96 regulou minuciosamente o assunto, dispondo (arts. 19 a 26) sobre a apropriação dos créditos, a obrigatoriedade do estorno quando a saída não for tributada e o período e o regime de apuração dos crédi­tos;d) fixar, para efeito de cobrança do ICMS e definição do estabeleci­mento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços. ,A providência é importante para evitar os conflitos entre os Estados e entre eles e os Municípios e já foi adotada pela LC 87/96 (art. 11);e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X , a. O dispositivo ficou prejudicado com a superveniência da EC 42/03, que estendeu a exclusão do imposto a todas as operações de exportação de mercadorias e serviços para o exterior e supriu o déficit de legitimida­de da LC 87/96, que se apoiara no art. 155, § 2o, XII, e para se ante­cipar na adoção de idêntica providência;f) prever “casos” de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e mercado­rias. Quanto à exportação de mercadorias e serviços para o exterior o dispositivo ficou prejudicado pelo advento da EC 42/03, que ao dar nova redação ao art. 155, § 2o, XII, a, assegurou amplamente a manu­tenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas ope­rações e prestações anteriores. No que concerne à remessa para outros Estados, a lei complementar poderá prever a manutenção de crédito nas hipóteses de não-incidência; mas, como vem afirmando o STF (p. 386), é vedada a manutenção do crédito em todos os casos, porque se assim procedesse neutralizaria a própria regra do art. 155, § 2S, II, b, que condiciona a utilização do crédito à ulterior saída tributada;g) regular a forma como mediante deliberação dos Estados e do Distri­to Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. A nova redação constitucional é melhor que a anterior, que só se referia a isenções (art. 23, § 6-, CF 67/69). O convênio interes­tadual, a fim de evitar a “guerra tributária” entre Estados, disporá sobre qualquer benefício, assim na vertente da receita (isenções e ou­tros incentivos fiscais) como da despesa (restituição e outros incenti­vos fiscais), que possam implicar na diminuição da obrigação; a Lei Complementar 24, de 7.1.75, já dispôs nesse sentido. Os convênios

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são necessários também para revogar os benefícios, eis que no ato de concedê-los se esgota a autorização coletiva. Esses convênios interes­taduais, previstos constitucionalmente, não se confundem com outros convênios que se tornam normas complementares das leis estaduais (art. 100, i y do CTN). Esperava-se que a LC 87/96 compatibilizasse os convênios com as garantias do regime democrático, a que voltamos plenamente com a CF 88, passando a exigir a ratificação pelas Assem- bleias Legislativas, que o autoritarismo político dispensara e que a EC 3/93 recomenda; mas os arts. 27 a 29 do projeto daquela lei comple­mentar introduziam pequenas alterações na LC 24/75, sem, todavia, corrigir o déficit de legitimidade democrática, e foram vetados pelo Presidente da República com fundamento apenas no vício de inicia­tiva.h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b. Observar-se-á o seguinte:I — nas operações com os lubrificantes e combustíveis derivados de petróleo, o imposto caberá ao Estado onde ocorrer o consumo; II — nas operações interestaduais, entre contribuintes, com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, o imposto será repartido entre os Estados de origem e de destino, mantendo-se a mesma proporcionalidade que ocorre nas operações com as demais mercadorias; III — nas operações interesta­duais com gás natural e seus derivados, e lubrificantes e combustíveis não incluídos no inciso I deste parágrafo, destinadas a não contribuin­te, o imposto caberá ao Estado de origem; IV — as alíquotas do impos­to serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Fede­ral, nos termos do § 2o, XII, g. Enquanto não entrar em vigor a lei complementar competente, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio, fixarão as normas para regular provisoriamente a matéria (art. 4- da EC 33/01).i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço.

k) Energia elétrica, combustíveis e minerais

A CF extinguiu os impostos únicos e incluiu seus fatos geradores no campo de incidência do ICM S. Mas declarou que, à exceção do ICM S e impostos de importação e exportação nenhum outro im­

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posto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, servi­ços de telecomunicações, derivados do petróleo, combustíveis e mine­rais do País (art. 155, § 3o, na redação da EC 33/01).

6.3. Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)

Incide sobre a propriedade, nos termos do direito privado, de qualquer veículo automotor, desde que registrado nas repartições do Estado titular da imposição.

O IPVA teve a sua instituição autorizada inicialmente pela Emen­da Constitucional nfi 27, de 1985. Substituindo a taxa rodoviária úni­ca, vedava a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utiliza­ção de veículos. Embora não o diga o texto atual, o IPVA afasta a incidência de qualquer taxa pela prestação de serviço ou exercício do poder de polícia relacionados com a propriedade do veículo (vistoria, licenciamento, placa e plaqueta etc.), mas não impede a exigência de pedágio.

A EC 42/03 introduziu no art. 155 o § 6o, que trouxe a previsão de que o IPVA : “I - terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Fede­ral; II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utiliza­ção”. Pelas discussões ocorridas no Congresso Nacional durante a tra­mitação da EC 42/03, presume-se que o objetivo da novidade é o de ampliar a incidência do tributo estadual para alcançar as aeronaves e as embarcações, o que seria providência de duvidosa constitucionalida­de; evitar-se-ia, entretanto, com a alíquota mínima fixada pelo Senado Federal, a “guerra tributária" entre os Estados provocada pela dimi­nuição exagerada do tributo.

7. IMPOSTOS MUNICIPAIS

7.1. Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)

O IPTU, tributo de vocação municipal, é objeto de sucinta refe­rência constitucional. De sua própria expressão nominal podem se ex­trair algumas diretivas para a ulterior concretização: incide sobre a propriedade nos termos da lei civil, estendendo-se também ao domí­nio útil e a posse; recai sobre a propriedade por acessão física (prédio) ou sobre a propriedade por natureza (terra, sem edificação, inclusive

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w ESBJ • Ensino Supstor Bureau Jüáfeo

a fração ideal do terreno para futura construção); a propriedade deve se situar na zona urbana, definida pela lei complementar.

O IPTU poderá ser progressivo: a) no tempo, alternativa e suces­sivamente, por motivos extrafiscais, quando o contribuinte descum- prir exigência feita pelo Poder Público municipal quanto ao adequado aproveitamento do solo urbano não edificado, subutiíizado ou não uti­lizado (art. 156, § l 2, combinado com o art. 182, § 4S, II, da CF; b) em razão do valor do imóvel (art. 156, § l 2, da CF, na redação dada pela Emenda Constitucional ns 29, de 13.9.2000). O STF havia restringido a progressividade do IPTU à extrafiscalidade cumulativamente pre­vista nos arts. 156, § l 2, e 182,§ 42, II, da CF, vedada a variação das alíquotas em razão da capacidade contributiva do sujeito passivo (vide p. 428). De modo que a modificação trazida pela EC 29/2000 fica sob suspeita de inconstitucionalidade, por implicar correção legislativa da jurisprudência do Supremo por motivo fiscalista e arrecadatário, in­teiramente divorciado da fundamentação ético-jurídica do princípio da progressividade. O STF já declarou inconstituciqnal a fixação de adicional progressivo do IPTU em função do número de imóveis do contribuinte (Súmula 589, p. 430), embora nada obste a que prevale­ça o critério subjetivo para a concessão de benefícios fiscais (Súmula 539, p. 430).

O art. 156, § Ia, da CF, na redação da EC 29/00, introduz ainda o princípio da seletividade no IPTU, ao permitir que o imposto munici­pal tenha “alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”. O tributo poderá variar, portanto, de acordo com o bairro em que se situe o bem ou com o seu uso comercial ou residencial.

A base de cálculo é o valor venal do imóvel (art. 33 do C T N ). Esse valor ou é apurado casuisticamente no lançamento ou é indicado em planta genérica, elaborada de acordo com critérios estabelecidos em lei. Os valores da planta só podem ser majorados, pelo Poder Executi­vo, de acordo com os índices de atualização monetária; apenas a lei formal pode aumentá-los em percentuais superiores; aos da inflação, eis que a matéria está sob a reserva da legalidade (art. 97, §§ l 2 e 22, do CTN).

7.2. Imposto de Transmissão inter vivos

No regime constitucional anterior os impostos causa mortis e in­ter vivos estavam amalgamados em um só tributo — o imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) — de cuja arrecadação o municí­

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pio participava pela metade. A CF 88 preferiu cindir o próprio tribu­to, atribuindo aos Estados o imposto causa mortis e de doação e aos Municípios o inter vivos. Repetiu-se, aproximadamente, a fórmula utilizada pela Emenda Constitucional ns 5, de 1962, de fraccionar o tributo que tradicionalmente pertencia à competência impositiva dos Estados-membros.

O fato gerador do inter vivos vem minuciosamente definido na CF: “Transmissão, inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”. Incide, pois, sobre as transmissões inter vivos, que são os negócios jurídicos — e não a sua transcrição no registro — que envol­vem a transferência da propriedade, conceito no qual não se subsume o usucapião, segundo a jurisprudência formalista e privatista do Su­premo Tribunal Federal, que seria modo originário de aquisição (RE 94.580, RTJ 117/652). A expressão “a qualquer título" veio da reda­ção do art. 23, I, da CF 67/69, em que significava que o ITBI incidia sobre as transmissões de imóveis a título gratuito ou oneroso, por ato entre vivos ou a causa de morte; agora no texto de 1988, é contraditó­ria, eis que o imposto só incide nas transmissões inter vivos onerosas, ficando as doações sujeitas a imposto estadual. Os bens imóveis por natureza ou acessão física, cuja transmissão constitui fato gerador do inter vivos, compreendem o solo e tudo quanto o homem nele incor­porou permanentemente, na forma prevista no art. 79 do Código Ci­vil, excluídos os imóveis por ficção legal, salvo a cessão de direitos hereditários, quando os imóveis por natureza ou acessão forem indivi­dualizados no ato da transferência. Direitos reais sobre imóveis, que ficam sujeitos ao imposto quando transmitidos, são a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação (art. 1.225, I aVI do C.C .), bem como a promessa de compra e venda sem cláusula de arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular e registrada no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.417 do C. C.). O imposto não incide sobre os direitos reais de garantia, isto é, o pe­nhor, a anticrese e a hipoteca (art. 1.225, VIII, IX e X do C.C.), Constitui hipótese de incidência do inter vivos, finalmente, a cessão de direitos à aquisição de bens imóveis por natureza ou acessão física e de direitos reais sobre imóveis, assim entendida a cessão de direitos pessoais, pelo que o tributo incidirá sobre a cessão da promessa de venda e sobre a cessão da promessa de cessão.

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A CF estabelece que o imposto não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos de­correntes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (art. 156, § 2-, I). Trata-se de não-incidência constitucionalmente qualificada, ditada por motivos conjunturais, in­confundível com a imunidade, que protege os direitos humanos. O objetivo da norma superior é promover a capitalização e o desenvolvi­mento das empresas. O CTN regulamenta o dispositivo constitucional descendo a minúcias (arts. 26 e 37).

O tributo compete ao Município da situação do bem. Quando o imóvel se situar no território de dois ou mais municípios, a tributação deve ser proporcional à área e às benfeitorias em cada qual situadas.

7,3. Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

O imposto sobre serviços substituiu, a partir da reforma de 1965, o imposto de indústrias e profissões, da competência dos municípios.

A CF não lhe define o fato gerador, dizendo apenas que compete ao Município instituir impostos sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”. De sua expressão nominal podem ser extraídas algumas diretivas. O tributo incide sobre o serviço enquanto objeto de circulação econômi­ca, que só se caracteriza com a habitualidade da prestação, a excluir os serviços prestados casualmente, e a lucratividade, assim entendida a intenção de obter vantagens econômicas com a atividade, ainda que o lucro seja invisível ou esteja embutido no rendimento de serviço para­lelo. Mas para que possa o Município cobrar o imposto é necessário que o serviço conste da listagem da lei complementar, que é taxativa em sua globalidade, admitindo, porém, a interpretação extensiva com relação a cada qual dos serviços listados (RE 87.931, RTJ 89/281), de acordo com a LC 116, de 31.07.03, que passou a regular o ISS, a listagem dos serviços enumera-os em itens e subitens, parecendo-nos que a interpretação extensiva a que se refere o STF aplica-se a cada subitem, e não ao item genérico.

O ISS é um imposto residual. Incide sobre os serviços que não estejam essencial e indissoluvelmente ligados à circulação de merca­dorias, à produção industrial, à circulação de crédito, moeda estran­

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geira e títulos mobiliários, pois em todos esses fatos econômicos há parcela de trabalho humano. Em outras palavras, incide sobre os fatos geradores não incluídos na órbita dos outros impostos sobre a produ­ção e circulação de riquezas (IPI, ICMS, IOF) e por essa extrema complexidade carece da enumeração taxativa da lei complementar. A redação da CF 67/69 era melhor, ao atribuir aos Municípios o imposto sobre “serviços de qualquer natureza não compreendidos na compe­tência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei comple­mentar”. O texto atual fala em serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”, isto é, exclui apenas os serviços amalgamados à circulação de mercadorias; daí não se pode concluir, todavia, que os serviços embutidos nas outras etapas da produção ou circulação possam ser tributados pelo IS S. A referência explícita ao ICMS decorre da maior possibilidade de con­flito com esse tributo, o que já havia levado a CF (art. 155, § 2a, IX) a dizer que o tributo estadual incide sobre o valor total da operação quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendi­dos na competência tributária dos Municípios. Agora o art. 2o, incisoIII, da LC 116/03 deixa claro que o ISS não incide sobre o valor inter­mediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depó­sitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.

Estão sob a reserva da lei complementar federal (art. 156, § 3Q, na redação da EC 37/02): I — “a fixação das alíquotas máximas e míni­mas", a fim de evitar os exageros dos legisladores municipais espalha­dos pelo Brasil, seja no aumentar o imposto seja no conceder genero­samente diminuições de alíquotas e bases de cálculo; II — a declara­ção de não-incidência “nas exportações de serviços para o exterior", em plena consonância com idêntica medida no campo dos serviços sujeitos ao ICMS (art. 155, § 2a, XII, letra e) e dentro da política constitucional de aliviar as exportações do peso dos tributos internos (art. 153, § 3a, III e 155, § 2a, X, a ); III — “regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão conce­didos e revogados”, ao fito de evitar a “guerra fiscal" entre os Municí­pios e a exemplo do que já acontece no ICMS. Parece-nos que a com­petência federal dilargada não chega a ofender o art. 60, § 4a, da CF, pois não visa a abolir o federalismo, embora seja prejudicial à cidada­nia e à descentralização fiscal. Diz ainda a EC 37/02 que, enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3a do art. 156 da CF, o ISS: I — terá alíquota mínima de dois por cento,

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exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao DL 406, de 31.12.68 (construção civil); II — não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, a redução da alíquota mínima.

O ISS foi inicialmente disciplinado, mediante enumeração taxa­tiva, pelo Decreto-lei 406/68, modificado pelo Decreto-lei 834/68, que continha 62 itens. Posteriormente a LC 56/87 elevou para 100 os itens da listagem de fatos geradores, ulteriormente acrescidos de ou­tros itens (LC 100/99). Hoje a matéria está regulada pela LC 116/03, com a listagem dividida em 40 itens, que, por seu turno, se subdivi­dem em inúmeros subitens; mas a enumeração, defeituosa e lacunosa, já é objeto de reexame pelo Congresso Nacional (Projeto de Lei da Câmara n° 70, de 2002 - Complementar). De modo que a nova disci­plina do ISS desperta, desde iogo, sérias dúvidas: a) o STF, supreen- dentemente, após trinta anos de prática do tributo municipal, decla­rou inconstitucional a incidência do ISS sobre locação de serviços, prevista no item 79 da Lista de Serviços da LC 56/87 (vide RE 116.121-3, p. 428); o Presidente da República resolveu vetar o item "3,01 - Locação de bens móveis", que viera corrigir, como tantas vezes tem acontecido no direito tributário brasileiro, a equivocada orienta­ção jurisprudencial; o veto, entretanto, provocou insuportável contra­dição no bojo da listagem do item 3, que continuou a agasalhar vários subitens concernentes a “serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres; b) o art. 10 da LC 116/03 revogou alguns dispositivos da legislação anterior, mas deixou de revogar expli­citamente o art. 9o do DL 406/68, que continha as regras básicas sobre a tributação dos profissionais liberais; alguns Municípios, como o do Rio de Janeiro, resolveram adotar a tributação sobre o!preço do servi­ço prestado mediante trabalho pessoal, o que afrontou o princípio da igualdade e invadiu a competência da União, que já exige daqueles profissionais o IR.

Pontos relevantes da mudança operada pela LC 116/03 foram: a) o art. 3o redefiniu o aspecto espacial do fato gerador e, em consonân­cia com várias decisões judiciais, considera o serviço prestado e o im­posto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipó­teses previstas nos incisos I a XXIII, quando o imposto será devido no local da prestação; b) o art. I o, § I o, declarou que o imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja pres­tação se tenha concluído no exterior, parecendo-nos plenamente

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constitucional o dispositivo, eis que é da natureza dos impostos sobre a circulação de riquezas, a exemplo do que já acontece com o ICMS e o IPI, incidirem sobre a etapa final ocorrida no País de destino.

III. TAXAS

8. CONCEITO

A taxa é um tributo contraprestacional, posto que vinculado a uma prestação estatal específica em favor do contribuinte. E cobrada pela prestação de serviços públicos ou pelo exercício do poder de polícia.

A distinção didática facilita discernir entre os elementos que compõem cada qual daquelas categorias. A doutrina há muito tempo vem chamando a atenção para o fato de que a taxa tanto pode ser cobrada por um serviço público querido ou requerido pelo contribuin­te quanto por um ato de soberania estatal que implique até em uma desvantagem ou restrição de direitos para o cidadão. Mas não há sepa­ração substancial entre prestação de serviços públicos e exercício do poder de polícia, pois a taxa só se legitima pela atividade tipicamente estatal presente em ambos.

O serviço público cuja prestação dá ensejo à cobrança de taxa é o serviço público essencial, da competência da Administração Direta, irredutível à obra pública. Mas nada obsta a que a taxa seja cobrada pela prestação de serviços não essenciais, que seriam melhor remune­rados pelo preço público, eis que a cobrança da taxa respeita de modo mais rigoroso os direitos fundamentais do contribuinte; daí é que ad­vêm a dificuldade maior da distinção entre os dois ingressos.

A taxa pode incidir também sobre a prestação de serviços decorren­tes do exercício do poder de polícia. Qualquer ato que constitua emana­ção da atividade estatal de disciplina da liberdade individual em benefí­cio do bem-estar geral, prestado ou posto à disposição do obrigado, cons­tituirá a hipótese de incidência da taxa. Atos relativos à polícia de segu­rança, de saúde, de costumes, de higiene, do meio ambiente etc., forne­cem a matéria sobre a qual incidirá a cobrança da taxa.

9. REQUISITOS CONSTITUCIONAIS

Diz a Constituição, no art. 145, II, que as taxas são instituídas "em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva

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ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Estabelece, portanto, três requisitos essenciais, sem os quais não se configura a taxa pela presta­ção de serviço: a utilização efetiva ou potencial do serviço; a especifi­cidade e a divisibilidade da prestação; a efetividade ou a disponibilida­de do serviço.

A taxa é devida pela utilização efetiva do serviço público: sempre que o contribuinte usufruir de unidades autônomas de serviço público deverá efetuar o pagamento respectivo. Mas o tributo é devido igual­mente pela utilização potencial, Esse conceito está ligado ao de compul- soriedade, comumente distorcido em Direito Tributário. A Súmula da Jurisprudência Predominante no Supremo Tribunal Federal, no verbete 545, estabeleceu a distinção entre taxa e preço público de modo equívo­co, a partir da circunstância de que a taxa é “compulsória". Certa parte da doutrina chegou a entender que a compulsoriedade era do pagamen­to, e não da utilização do serviço. Acontece que a compulsoriedade não tem a importância que se tenta atribuir-lhe na definição de “tributo", e, muito menos, na de taxa. A compulsoriedade do uso há que se restringir ao serviço público essencial de utilização obrigatória, sendo uma conse­qüência da essencialidade, e não uma premissa para a construção do con­ceito de serviço público. A fruição meramente potencial do serviço pú­blico só deve ser tributada pela taxa para evitar que o cidadão se furte ao consumo de serviço essencial ou para permitir o rateio do custo da pres­tação entre todos os beneficiários. O requisito da utilização potencial, conseguintemente, há que sofrer temperamentos, até porque a compul- soriedade aparece também no serviço público não essencial renumerado pelo preço público, haja vista os contratos de adesão e as necessidades do mundo moderno.

O serviço público remunerado pela taxa tem que ser, concomi- tantemente, específico e divisível. Se faltar qualquer daquelas caracte­rísticas, não constitui fato gerador. Específico é o serviço público que pode ser decomposto em unidades autônomas. Divisível, o que pode ser adjudicado individualmente ao contribuinte. Só se justifica o paga­mento da taxa, por conseguinte, quando o serviço seja prestado uti singuli: unidades autônomas entregues a usuários diferenciados.

O serviço público há que ser prestado efetivamente ou posto à disposição do usuário para que possa cobrar o Fisco a taxa correspon­dente. Quando se tratar de serviços essenciais cuja prestação não de­penda de requerimento, ainda aí a utilização potencial deve se subor­dinar à disponibilidade do serviço.

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De notar, finalmente, que esses requisitos constitucionais se apli­cam também às chamadas taxas pelo exercício do poder de polícia. E necessário que a prestação seja específica e divisível, entregue efetiva­mente ou posta à disposição do contribuinte. Em caso contrário tratar- se-ia do poder genérico de polícia, insuscetível de justificar a cobrança da taxa.

10. PRINCÍPIOS DE JU STIÇA FISCAL

A cobrança das taxas se subordina, como já vimos [p. 98), ao prin­cípio do custo/benefício, segundo o qual cada um deve arcar com as despesas provocadas pelo fornecimento de serviços que o beneficiem.

O princípio da capacidade contributiva também se aplica às taxas, embora o não explicite a CF, como faz com relação aos impostos (art. 145, § l 2) e a despeito de algumas opiniões divergentes da doutrina* Ao fixar o valor das taxas o Estado não se limita a repartir custos, senão que deve distribuir equitativamente a responsabilidade fiscal, de modo a não onerar exageradamente aqueles que possuem renda menor. Mas é no capítulo da isenção das taxas que a consideração da capacidade contributiva tem relevância, posto ser paradoxal cobrar o tributo justamente das populações carentes ou de baixa renda, que necessitam de maior oferta de serviços públicos.

11. COMPETÊNCIA COMUM

As taxas, do ponto de vista do sistema tributário federado, per­tencem à competência comum da União, dos Estados e dos Municípios. A competência comum consiste na possibilidade de cada ente político impor os mesmos tributos, guardado, entretanto, o vínculo entre o tributo e o serviço prestado ou a atividade exercida. A competência comum se restringe aos tributos contraprestacionais (taxa e contribui­ção de melhoria), donde se segue que é devido ao ente que houver entregue a prestação.

12. BASE DE CÁLCULO

Reza o art. 145, § 2a, da CF 88 que "as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos". Como o imposto incide sobre situa­

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ções que denotam capacidade contributiva, desvinculadas de serviços prestados, conclui-se que a base de cálculo que o expressa não pode ter relação com a das taxas, que é tributo contraprestacional. O STF vem construindo casuisticamente a sua jurisprudência sobre o tema, declarando inconstitucionais diversas taxas, como as de licença para localização e as de assistência hospitalar, médica ou educacional. A redação atual é melhor, por proibir a base de cálculo própria dos im­postos, e não apenas a que tenha servido para a incidência dos impos­tos, como dizia o texto anterior.

13. NATUREZA DAS TAXAS

Quanto à natureza da taxa inexiste consenso doutrinário. Os po­sitivistas dão extraordinário destaque ao momento da definição nor­mativa, defendendo a ideia de que fica ao arbítrio do legislador esta­belecer o seu regime jurídico. Embora seja incontestável que a taxa tenha a natureza de obrigação legal, o seu conceito hão se esgota nos aspectos formais, posto que se deve considerar também a sua legitimi­dade, que decorre da adesão aos valores e aos princípios constitucio­nais do custo/benefício e da capacidade contributiva.

IV. CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

14. CONCEITO

Contribuição é o tributo devido pela realização de serviço ou obra pública indivisível em favor de determinado grupo social, de que de­corra benefício especial para o cidadão que dele participa, Na contri­buição, por conseguinte, se apresentam dois elementos, em perma­nente interação: a atividade estatal praticada no interesse de determi­nado grupo e a vantagem individual auferida.

A contribuição é um tertium genus de tributo, que se situa a meio passo entre o imposto e a taxa. Aproxima-se do imposto porque os respectivos fatos geradores aperfeiçoam-se tão logo ocorra a situação descrita em lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade do contribuinte; mas dele se estrema porque o imposto não é contraprestacional nem se subordina ao princípio do custo/benefício, mas ao da capacidade contributiva. Assemelha-se à taxa porque ambas

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são renumeratórias de serviço público, refletem uma divisibilidade da vantagem do contribuinte e se subordinam aos princípios do custo/be­nefício; dela se afasta, todavia, porque a taxa renumera a prestação de serviço público específico e divisível, enquanto a contribuição corres­ponde à atividade indivisível da Administração. A contribuição é sem­pre especial, por ser forma contributiva que se não confunde com o imposto nem com a taxa; certa parte da doutrina brasileira, todavia, tem reservado a expressão contribuições especiais, infundadamente, àquelas que não são de melhoria.

15. CLASSIFICAÇÃO

A classificação das contribuições no Brasil se faz sobretudo com ful­cro na CF, mercê da enumeração nela contida. Em outros países não há tratamento constitucional para as contribuições, cabendo à própria dou­trina classificá-las. Esse é um dos assuntos difíceis do nosso direito cons­titucional tributário, pelas sucessivas mudanças introduzidas no texto maior e pela insegurança do Supremo Tribunal Federal.

Desapareceu da versão de 1988 a referência à cota de previdência da União. Reincorporou-se topograficamente à Constituição Tributá­ria a contribuição social, que fora deslocada para o art. 43, X, da Cons­tituição de 1967/69 pela Emenda Constitucional na 8/77. De modo que hoje são as seguintes as contribuições de natureza tributária:

l fi) contribuições de melhoria (art. 145, III);2â) contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e

de interesse das categorias profissionais ou econômicas (art. 149).Inexistem no nosso constitucionalismo, por outro lado, as contri­

buições não-tributárias: as contribuições parafiscais (= sociais) foram reincorporadas ao sistema tributário pelo art. 149 de CF 88; as contri­buições extrafiscais (= econômicas) já haviam penetrado no sistema tributário através do art. 21, § 22,1 da Emenda Constitucional na 1, de 1969, nele permanecendo até agora.

15.1. Contribuição de Melhoria

a) Conceito

A contribuição de melhoria ganhou estatura constitucional no texto de 1934, ausentou-se da Carta de 1937 e retornou à Constitui-

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t & u - u ís s io vspsm s iffe â ü ju a p s o

ção de 1946, que, no art. 30, autorizou-lhe a cobrança quando se veri­ficasse "valorização do imóvel, em conseqüência de obras públicas”, ressalvando que não poderia ser exigida “em limites superiores à des­pesa realizada, nem ao acréscimo de valor que da obra decorresse para o imóvel beneficiado". Com pequenas modificações de redação o tri­buto passou pela Emenda Constitucional n- 18 à Carta de 1946 (art. 19) e pela Constituição de 1967, assim em sua versão original (art. 19, item III e § 3fí) como na Emenda nã 1/69 (art. 18, item II). A Emenda 23/83 atribuiu à União, aos Estados e aos Municípios a competência para instituir "contribuição de melhoria, arrecadada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada”. A CF 88 reduziu ainda mais a redação, autorizan­do a instituição de “contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas” . Resta ver se, ao podar diversos elementos constantes das definições anteriores, a CF modificou substancialmente o conceito do tributo. Parece-nos que não.

A contribuição de melhoria é tributo contraprestacional, devido pela realização de obra pública da qual decorre valorização para o pro­prietário. Subsume-se na categoria maior das contribuições ou, como prefere a doutrina estrangeira, das contribuições especiais.

O conceito e o fundamento da contribuição de melhoria são al­cançados através de três abordagens principais.

Na primeira se privilegia o benefício para o contribuinte ou a va­lorização do seu imóvel. A exacerbação do elemento valorização des­virtua inteiramente o conceito de contribuição de melhoria, que passa a se confundir com o de imposto, desaparecendo a possibilidade da classificação tricotômica dos tributos. A CF não acolhe essa teoria, que preponderou na Itália, onde acabou por desaparecer a contribui­ção de melhoria, diluindo-se no imposto de renda.

Na segunda corrente se leva em conta primordialmente a realiza­ção da obra pela Administração e o seu custo, desconsiderando-se a valorização do imóvel. Seria, segundo algumas interpretações, o siste­ma do direito germânico. Conduz a se confundir a contribuição de melhoria com a taxa, pois a valorização fica em segundo plano. Não a recepcionou, a nosso ver, a CF.

Por isso mesmo é que nos parece não ter a nova redação constitu­cional modificado em sua essência o conceito da contribuição de me­lhoria. Se eliminou a referência à valorização do imóvel, deixou tam­bém de mencionar a despesa realizada. Retirou a menção à base de cálculo, que era tradição antes da EC 23/83, isto é, ao limite indivi­dual do tributo e ao total da despesa realizada, mas manteve o duplo

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fundamento da cobrança: a valorização do imóvel e a despesa decor­rentes “de obras públicas” . Até porque, se assim não fosse, teria desa­parecido a contribuição de melhoria como tertium genus, pela sua di­luição no conceito de taxa ou de imposto, se reduzida à despesa reali­zada ou à valorização decorrente de obra pública; e a tanto não chegou a nova redação constitucional, que preservou a autonomia dessa cate­goria tributária. O objetivo maior da alteração redacional foi o de não fechar exageradamente o conceito de contribuição de melhoria, a fim de permitir que a legislação infraconstitucional discipline de modo mais eficaz a cobrança e o lançamento do tributo, coisa que se tornou difícil pelo casuísmo das definições anteriores. O STF também assim entende (RE 116-148-5, D JU 21.5.93).

b) Princípios de justiça fiscal

A contribuição de melhoria é tributo afinado com a ideia de justiça fiscal e se subordina especialmente ao princípio do custo/benefício, em­bora não lhe seja estranho o princípio da capacidade contributiva. Cui­da-se de custo (para a Administração) e de benefício (para o contribuin­te) integrados na mesma equação, em contato permanente e interação dialética. O princípio do custo/benefício aparece em simetria com a pro­blemática mais-valia/despesa pública, ligada ao fundamento do tributo.

A capacidade contributiva influi negativamente, impedindo que a Administração deixe de realizar obras públicas em favor da população carente em face da impossibilidade do ressarcimento do custo.

c) Competência Comum

A contribuição de melhoria é da competência comum. Pode ser instituída pela pessoa jurídica que realizar a obra de que decorra a valorização imobiliária. Nada obsta a que seja cobrada concomitante- mente pela União, Estado e Município, se os três participarem da execução da obra pública, cada qual no campo de sua competência material específica.

15.2. Contribuições Sociais

a) Fundamentos

A contribuição social é a contraprestação devida pela seguridade social e outros benefícios na área social garantidos pelo Estado a deter­

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minado grupo da sociedade, de que decorra benefício especial para o cidadão que dele participa. A prestação estatal, como em todas as contribuições, é entregue uti universi, e abrange a previdência social, a saúde e a assistência social, parcelas constitutivas do conceito maior de seguridade (art. 195 da CF), assim como a educação e o auxílio no desemprego. A contribuição social é forma de financiamento direto da seguridade e dos direitos sociais, pelos que participam do mesmo gru­po econômico, assim na posição de patrão que na de empregado; mas, nos últimos anos, veio assumindo também a forma de financiamento indireto, à moda dos impostos, como acontece com o PIS/PASEP, a COFINS, a CSLL e a CPMF. Um dos seus fundamentos é a destina- ção constitucional à seguridade social, à educação oü à cultura, o que não se confunde com referibilidade a órgãos ou fundos, pois a contri­buição social é causai ou finalística (Cf. RE 146.733, p. 428).

b) Fato gerador

Guarda alguma semelhança com os impostos e as taxas, como acon­tece com qualquer outra contribuição (vide item 14 deste capítulo). Aproxima-se das taxas porque é contraprestacional ou causai, como aca­bamos de ver, e dos impostos em razão da fenomenològia do respectivo fato gerador, que se aperfeiçoa tão logo ocorre a situação descrita em lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade do contri­buinte. Assim, o seu fato. gerador pode consistir no recebimento do salá­rio em folha de pagamento (contribuição previdenciária), no faturamen­to ou no ingresso de receita (COFINS), no lucro líquido (CSLL), na im­portação (COFÍNS-Importação), etc. Essa proximidade com o imposto abriu no direito brasileiro o caminho para a criação de contribuições so­ciais anômalas (COFINS, CSLL), que substancialmente são impostos com destinação especial. A CPMF (contribuição sobre movimentação financeira), em boa hora extinta pela não prorrogação do seu prazo de vigência estabelecido no art. 90 do ADCT, na redação da EC 42/03 (31.12.2007), era também um tributo exótico.

c) Classificação

São inúmeras as contribuições sociais, incluídas no rol dos tribu­tos (art. 149 da CF), que podem ser classificadas da seguinte forma, levando-se em conta o critério da sua destinação constitucional:

1. contribuições para a seguridade social, compreendendo:

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I — do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendi­mentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro (art. 195 ,1); II — do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribui­ção sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de pre­vidência social de que trata o art. 202; III — sobre a receita de concur­so de prognósticos (art. 195, com a redação da EC 20/98); IV — do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (art. 195, i y com a redação da EC 42/03).

2. contribuições para a educação e cultura:I. contribuição do salário-educação (art. 212, §§ 5o e 6o, alterado

pela EC 53/06);II. contribuições dos empregadores para o sistema sindical (art.

Em síntese, este é o quadro atual das contribuições sociais vistas a partir de sua destinação constitucional:

240);

Contribuições Diretas (previ­denciárias)- art. 195 ,1, a e U

Sobre a receita ou faturamento

Contribuições para a Seguridade Social

Contribuições indiretas (PIS/Pasep e Cofins)(para os sistemas de saú- Sobre o lucro (CSLL)de, de assistência so- Sobre a receita de concurso deciai e de previdência) prognósticos

Do importador de bens ou serviços- art. 195 ,1, b e c, 1H e IV do exterior (COFÍNS-importação)- e art. 239

Contribuições indiretas da competência residual da União (art. 195, § 4o c.c.

L 154,1)

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w

Contribuições para a Educação e Cultura

Salário-educaçao (art. 212, § § 5 ° e 6 ° )

Sistema S (Senaí, Sesi, Senac Sebrae) - art. 240

A classificação ora oferecida aproxima-se da seguida pelo Supremo Tribunal Federal sob a inspiração dos votos do Min. Carlos Velloso, que distingue, para o efeito de determinar a extensão do princípio da ante­rioridade,, entre as contribuições sociais de seguridade e as gerais, da se­guinte forma: “2.1. contribuições sociais; 2.1.1. de seguridade social (CF, art. 195 ,1, II e III); 2.1.2. outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4o); 2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, pa- rág 5o, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, CF, art. 240) — Med. Caut. em Ação Direta de Inconstitucionalidade 2556, Ac. de 9.10.02, Rei. Min. Moreira Alves, RDDT 97: 168, 2003; cf. tb. RE 138.284, Ac. de 1.7.92, Rei. Min. Carlos Velloso, RTJ 143: 320.

d) Natureza

As contribuições sociais readquiriram em 1988 a natureza tribu­tária em decorrência da nova topografia constitucional, eis que estão localizadas formalmente no corpo da Constituição Tributária. Esse, aliás, foi o argumento pelo qual o STF/na vigência da Emenda Consti­tucional ns 8, de 1977, que transferiu a contribuição social do bojo do sistema tributário (art. 21, § 2a, I, da CF 67/69) para o dispositivo que versava sobre a competência legislativa da União (art. 43, X ),, consi­derou que o ingresso havia perdido a natureza tributária para exibir as características de contribuição parafiscal (RE 86.595, Ac. do Pleno, de 7.6.78, Rei. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ 87/271).

Parece-nos que, do ponto de vista da ciência do direito constitu­cional tributário, a contribuição social se conceitua melhor como in­gresso parafiscal do que como entrada fiscal. E a arrecadação do Para- fisco, isto é, dos órgãos paraestatais incumbidos de prestar serviços paralelos aos da Administração, através de orçamento especial, que convive com o orçamento fiscal (art. 165, § 5a, CF). Destina-se a for­necer recursos para atividades não essenciais do Estado ligadas à ga­rantia dos direitos sociais, e não à proteção dos direitos fundamentais.

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Subordina-se ao princípio da solidariedade social, nada tendo que ver com a capacidade contributiva ou o custo/benefício, princípios tipica­mente tributários. Tanto é assim que, de modo ambíguo e contraditó­rio, a própria CF 88, apesar de ter reintroduzido a contribuição social na Constituição Tributária (art. 149), dela ainda cuida extensa e exaustivamente na Constituição Social, ou seja, no título da Ordem Social (art. 195), de onde não deveria ter saído, o que tem levado alguns juristas a defender o ponto de vista de que permanece com a natureza não-tributária (cf. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. C urso de D i­reito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 128). Pior que isso, en­tretanto, foi a miscigenação feita pela legislação ordinária entre a des­tinação das contribuições sociais (especialmente COFINS e contri­buição sobre o lucro) ao Parafisco (INSS) e ao Fisco (Ministério da Saúde), fruto da confusão teórica entre finalidades essenciais e não essenciais do Estado, entre os princípios da capacidade contributiva e da solidariedade social e entre a garantia do mínimo existencial e a dos direitos sociais; esses desencontros provocaram longa controvérsia no Judiciário, afinal dirimida pelo STF (RE 138.284-4, p. 427), que ad­mitiu a cobrança de contribuições sobre o faturamento e o lucro, até porque o defeito era muito mais da CF que da lei ordinária.

Considerando-se, todavia, que a natureza tributária se define no próprio discurso constitucional (se não estão em jogo os direitos fun­damentais, de estatura pré-constitucional), segue-se que deve preva­lecer o argumento topográfico, ainda que formalista e epidérmico. Demais disso, a transformação das contribuições sociais em tributo denota a orientação intervencionista e paternalista presente em diver­sos dispositivos da CF e leva ao aumento do tamanho do Estado Provi­dencial e Assistencialista, sem que, entretanto, desnature o Estado Fiscal, que subsiste, mesmo obeso e ineficiente.

e) Competência

Compete privativamente à União instituir as contribuições so­ciais. Mas os Estados e Municípios podem também cobrar contribui­ções de seus servidores, para o custeio, em benefício deles, de siste­mas de previdência e de assistência social. A União poderá, no exercí­cio de sua competência residual/ criar outras contribuições sociais de seguridade social, para garantir a manutenção ou expansão do respec­tivo sistema, caso em que haverá necessidade de lei complementar e de efeito não-cumulativo no novo tributo (art. 195, § 4o, c.c. art. 154, I, da CF).

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f) Aspectos sistêmicos

As contribuições sociais passaram a ter a mesma disciplina das contribuições econômicas no que concerne ao comércio exterior (não incidirão sobre as receitas decorrentes da exportação e incidirão tam­bém sobre a importação de produtos estrangeiros; ou serviços) e às alíquotas, que poderão ser: a) ad valorem, tendo por base o fatura­mento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso da importa­ção, o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada (art. 149, § 2o, da CF, na redação das EC 33/01 e EC 42/03).

g) Não-cumulatividade

A partir da década de 1970 criaram-se algumas contribuições so­ciais exóticas, genuinamente brasileiras, que não encontram paralelo de monta no direito tributário das nações cultas ou incultas.

Já em 1970 foi instituído o PIS (Lei Complementar n° 7, de 07.09.70), logo após complementado pelo PASEP (Lei Complemen­tar n° 8, de 03.12.70), destinados a financiar fundo de amparo aos trabalhadores e aos funcionários públicos.

Em 1982 criou-se o FINSOCIAL (Fundo de Investimento Social pelo Decreto-lei 1.940, de 25.05.82), destinado a eliminar os bolsões de miséria no País. O tributo se transformou ulteriormente na CO- FINS (Lei Complementar 70, de 30.12.91).

Mas, além desses dois tributos, foram criadas mais tarde, sob o pálio da Constituição Federal (art. 149) e de algumas Emendas Cons­titucionais, outras contribuições anômalas: a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), a contribuição sobre movimentação financeira (CPMF) e a contribuição do importador de bens e serviços dó exte­rior, ou de quem a lei a ele equiparar (PIS/PASEP e COFINS -— Im­portação) .

Algumas causas explicam a anomalia:a) transferia-se a responsabilidade pelo pagamento do tributo

para o empresariado ou para a sociedade em geral, retirando dos om­bros dos beneficiários da seguridade social o ônus financeiro da tribu­tação e tornando-a invisível;

b) ladeava-se a obrigação constitucional do repasse do produto da arrecadação aos Estados e Municípios, pois a União se apossava da totalidade dos recursos.

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Quer dizer: montou-se um perverso sistema de impostos com destinação especial, distorcendo-se inteiramente a natureza e a finali­dade das contribuições sociais. O Supremo Tribunal Federal se recu­sou a dar-lhes a natureza de impostos, declarando que devem observar o regime das contribuições (Cf. RE 138,284, Ac. do Pleno, de 1.7.92, Rei. Min. Carlos Mario Velloso, RTJ 143: 313; ADC n° 1-DF, Ac. do Pleno, de 1.12.93, Rei. Min. Moreira Alves, RTJ 156: 721). Mas, do ponto de vista econômico, é inegável que as exóticas contribuições sociais operam como impostos com destinação especial (Zwecks- teuem, imposte âi scopó), fundado-se em princípios típicos dos impos­tos (capacidade contributiva).

Com o correr dos anos as anômalas contribuições sociais sobre o faturamento, o lucro e a movimentação financeira acabaram por pro­vocar desastrosas conseqüências econômicas. Sendo cumulativas, oneraram o preço das mercadorias brasileiras e atingiram negativa­mente as exportações, com o que diminuiu a oferta de empregos no País e aumentou o nível de pobreza da população.

As soluções arranjadas às pressas foram a desoneração das exportações e a adoção da não-cumulatividade, ambas as medidas in­troduzidas pela EC 33/01 e pela EC 42/03 e posteriormente imple­mentadas pela legislação ordinária (Lei 10.637/02, Lei 10.833/03 e Lei 10.865//04).

De modo que as exóticas contribuições sociais tornaram caótico o sistema tributário nacional. Geraram, nos idos de 1990, o maior con­tencioso fiscal entre os contribuintes e a União já visto na história dos tributos brasileiros.

Nesse marco de falta de sistematicidade, ausência de estofo teó­rico e isolamento no plano do direito comparado é que deverá ser analisado o problema da não-cumulatividade do PIS/PASEP e da CO- FINS.

Duas conclusões são inafastáveis:a) é impossível harmonizar a não-cumulatividade das contribui­

ções sociais com a dos impostos sobre a produção e a circulação de bens, como o ICMS e IPI, pois o PIS/CO FINS incide sobre o fatura­mento e as receitas das empresas e o ICMS e o IPI sobre os valores acrescidos nas diversas etapas da circulação. Daí que já está crescendo o número de litígios entre o Fisco federal e os contribuintes, principal­mente em decorrência da impossibilidade de extrapolação do meca­nismo da não-cumulatividade do ICMS e do IPI para o PIS/COFINS;

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b) é irracional manter-se o sistema do PIS/COFINS com três regimes diferentes : cumulatividade como regra geral da Lei n° 9718 /98 , preservada pelos arts. 8o e 10 das Lei 10 .637/02 e 10.833/03; não-cumulatividade para algumas atividades (arts. 2o e 3o das Leis 10.637/02, 10.833/03 e 10.865/04, na forma da autorização do art. 195, § 12 da CF); e incidência monofásica para diminuto grupo de contribuintes (art. 4o, incisos I, II e III da Lei 9718/98, na redação da Lei 10.865/04).

h) O problema da lei complementar

O conceito geral de contribuições sociais, expresso no art. 149, se irradia para as contribuições específicas para a seguridade social (art. 195 e 239 da CF), para a educação e cultura (arts. 212, § 5o e 240 da CF), para a previdência e assistência dos servidores dos Estados e Mu­nicípios (art. 149, § I o) e para a movimentação financeira (arts. 84, 85 e 90 do A D C T). Dentro dessa moldura constitucional e respeitada a possibilidade expressiva das diversas normas nela contidas, o legisla­dor ordinário está autorizado a instituir e regular as contribuições so­ciais. Fora desse elenco, só a lei complementar pode criar outras contribuições de seguridade social (art. 195, § 4o c.c. art, 154, I). Ao contrário do que acontece com as contribuições econômicas e corpo­rativas, o legislador ordinário não pode sacar diretamente do art. 149 da CF novas contribuições sociais.

A reserva de lei complementar prevalece portanto, no exercício da competência residual da União, de acordo com o art. 154,1, c.c. art. 195, § 4o, quando se tratar de outras contribuições de seguridade não incluídas no art. 195, ficando sujeitas à anterioridade nonagesimal e ao princípio da não-cumulatividade. Como acontece com qualquer outra contribuição, as sociais só exigem também a lei complementar, fora dos casos do art. 195, § 4o, para regulamentar as normas gerais que transcendem a problemática do fato gerador, base de cálculo e contri­buintes (art. 146,111, a da CF). Deve ser observado que a abertura sistêmica que postula o exercício da competência residual da União (art. 195, § 4o c.c. art. 154, I) muita vez decorre da própria abertura da linguagem constitucional, que gera controvérsia sobre o limite da possibilidade expressiva da letra da lei, além da qual se estaria na pre­sença de tributo novo, a exigir a lei complementar. Assim ocorreu, por

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exemplo, com a LC 70/91, que instituiu a COFINS, que não foi con­siderado tributo novo pelo STF e que poderia ter sido criada por lei ordinária; ou, em sentido inverso, sucedeu com a contribuição do au­tônomo, cobrada pacificamente durante mais de 30 anos e subitamen­te considerada inconstitucional pelo STF, o que levou à edição da LC 84/96, afinal incorporada à própria CF (EC 20/98).

Quando o Governo entender de ladear a proibição de cumulati- vidade do art. 154, I, terá que utilizar a emenda constitucional, como aconteceu com a CPMF (EC 12/96, 21/99, 37/02 e 42/03), já extinta.

i) Anterioridade

As contribuições sociais destinadas à seguridade social, previstas no art. 195 da CF, sujeitam-se à anterioridade nonagesimal, isto é, apenas poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b, da CF. A mesma coisa vale para o PIS/PASEP, que, embora regulado pelo art. 239, tem raiz: constitu­cional no art. 1 9 5 ,1, b, por incidir sobre receita ou faturamento, como já disse o STF (RE 138.284, Ac. do pleno, de 1.7.92, Rei. Min. Carlos Velloso, RTJ 43: 320) e como vem sendo tratado pelas legislação con­junta do PIS-COFINS, de que é exemplo a Lei n° 10.865, de 30 de abril de 2004, que criou a incidência daqueles tributos sobre a impor­tação.

As demais contribuições sociais, que o STF com certo exagero chamou de “gerais" (RE 138.284, RTJ 143: 320), estão sujeitas à an­terioridade do art. 150, III, b, da CF. E o caso do FGTS, do salário educação (art. 212, § 5o) e das contribuições para o Sistema S — Senai, Sesi e Sesc (art. 240).

15.3. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE)

a) Fundamentos

A contribuição econômica é devida pelo benefício especial auferi­do pelo contribuinte em virtude da contraprestação de serviço público indivisível oferecida ao grupo social de que participa. Caracterizam-

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- Ensino Bureau Jt?á5co

na, pois, a contraprestação estatal em favor do grupo, que pode ser qualquer ato de intervenção no domínio econômico, de interesse de certa coletividade; a vantagem especial obtida pelo contribuinte que sobreexceda o benefício genérico das atividades estatais.

Outro dos fundamentos da contribuição econômica é a sua desti­nação constitucional às atividades de intervenção no domínio econô­mico, consubstanciadas nas funções de fiscalização, incentivo e plane­jamento do desenvolvimento nacional equilibrado (art. 174 da CF); excluem~se das finalidades da CIDE as intervenções macroeconômi­cas do Estado, no campo monetário, cambial ou de infraestrutura, que são remuneradas pelos impostos em geral. A destinação constitucional não se confunde com a destinação legal aos órgãos ou fundos, que é admitida por não desqualificar o tributo (art. 4o do CTN), como acon­tece também com as contribuições sociais. A finalidade constitucional da CIDE é impostergável, necessária e insuscetível de desvios, sob pena de sua invalidade, como vêm afirmando a doutrina (cf. M. A. GRECO, op. cit.) e a jurisprudência do STF (RE 218.061-5, Ac. do Pleno, de 4.3.99, Rei. Min. Carlos Velloso, Revista Dialética de Direi­to Tributário 70: 180, 2001). Na Alemanha, o tributo especial (Sonde- rabgabe) é cobrado sem a finalidade, principal ou acessória, de obten­ção de receita para as necessidades públicas, como proclamam a dou­trina dominante (cf. TORRES, Ricardo Lobo. “Aspectos Constitucio- nais-Tributários da C ID E do Petróleo". In: RO SADO , Marilda (Coord.). Estudos e Pareceres — Direito do Petróleo e Gás. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 557) e a jurisprudência do Tribunal Consti­tucional (BVerfGE 55: 274: “Os tributos especiais (Sonderabgaben) não podem ser cobrados para a formação de receita destinadas às ne­cessidades gerais financeiras de uma comunidade pública e o seu pro­duto não pode ser empregado para financiar incumbências gerais do Estado; BVerfGE 82: 159: “1 .0 tributo especial (Sohderabgabe) ape­nas é permitido, se e enquanto encontra fundamento nas atividades de financiamento da responsabilidade material do grupo tributado. O le­gislador está obrigado periodicamente a comprovar se uma decisão original para a intervenção, por meio de tributo especial, deve ser mantida”). No Brasil já se nota o desvirtuamento de algumas CIDES (ex. FUST e FUNTTEL), com o entesouramento do produto de sua arrecadação, o que é manifestamente inconstitucional.

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b) Fato gerador

O fato gerador das CIDES tem a sua fenomenologia demarcada pelos mesmos traços presentes nos fatos geradores dos impostos (vide p. 409), como já se viu a propósito das contribuições sociais (vide p. 413). A regra de incidência das CIDES é condicional, ou seja, descre­ve hipoteticamente a situação que, se vier a ocorrer na realidade, de­flagrará por subsunção a obrigação tributária. Assim, por exemplo: a CIDE do petróleo tem como fatos geradores as operações, realizadas pelos contribuintes indicados em lei, de importação e comercialização no mercado interno de gasolinas e suas correntes, diesel e suas corren­tes, querosene de aviação e outros querosenes, óleos combustíveis, gás liqüefeito de petróleo e álcool etílico combustível (art. 3o da Lei 10.336, de 19.12.2001); a contribuição em favor do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico dos Telecomunicações (FUNTTEL) in­cide sobre a receita bruta das empresas prestadoras de serviços de telecomunicação, nos regimes públicos e privados (art. 4o, III, da Lei 9.998, de 17.08.2000).

c) Natureza

A intervenção econômica no Brasil, coincidindo com o movimen­to da globalização, passa por duas fases distintas nas últimas décadas: a do Estado-Empresário ou Estado de Bem-estar Social, até o final dos anos 80, aproximadamente, que promove a intervenção direta ( por suas empresas) ou indireta (por excesso de regulamentação da ativida­de dos particulares); a do Estado Democrático de Direito ou Estado Subsidiário, que simplesmente regula e garante as condições da con­corrência e do consumo e que aparece a contar dos anos 90. Na pri­meira fase, do intervencionismo paternalista, inúmeras foram as con­tribuições econômicas instituídas e que já começam a desaparecer: taxa de renovação da marinha mercante (Lei ns 3.381, de 24.4.58), mais tarde substituída pelo adicional ao frete para renovação da mari­nha mercante (DL 1.142, de 30.12.70); taxa de melhoramentos de portos (DL 8.311/45 e Lei 3.421/58), ulteriormente considerada ver­dadeira taxa pelo STF (RTJ 127/616); contribuição para o desenvolvi­mento da indústria cinematográfica e contribuição ingresso-padrão para cinema (DL 43, de 18.11.66; Lei 6.281/75; DL 1.891/81); adi­cional de tarifa portuária (ATP), criado pela Lei 7.700, de 21.12.88 e já extinto pela Lei 9.309, de 2.10.96, julgado constitucional pelo STF

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(RE 218.061, RDDT 70: 165). Na outra fase, do período da privatiza­ção e da desregulamentação, iniciado no Governo Collor e fortalecido no Governo Fernando Henrique, revogam-se diversas contribuições e criam-se outras, agora destinadas a controlar o abuso do poder econô­mico, zelar pela concorrência, estabilizar preços, transformar em con­sumidores as populações marginalizadas, promover o avanço tecnoló­gico da economia, de que são exemplos: Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações — FU ST (Lei n° 9.998, de 17.8.2000); Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações — FUNTTEL (Lei 10.052, de 28.11.00); Programa de Estímulo à Inte­ração Universidade — Empresa para o Apoio à Inovação (Lei 10.168, de 29.12.00); a CIDE do Petróleo (art. 177, § 4o, da CF, introduzido pela EC 33/01 e Lei 10.336, de 19.12.01).

A contribuição econômica, também pelo argumento topográfico, possui natureza tributária, colocada que está, desde a redação da Emenda Constitucional n- 1, de 1969, na Constituição Fiscal. Mas, do ponto de vista da ciência do direito constitucional, as contribuições econômicas se caracterizam melhor como ingressos extrafiscais ou pa~ rafiscais. Estão além das funções essenciais do Estado de Direito, pos­to que se vinculam à atividade intervencionista, que provoca não raro o endividamento e a crise das finanças públicas e o enriquecimento dos beneficiários. Deveriam estar colocados no capítulo da Ordem Econômica e Financeira (Título VII, Cap. I), e não no bojo da Consti­tuição Tributária, (art. 149); mas apenas a destinação da CIDE do pe­tróleo foi deslocada para o capítulo da Ordem Econômica (art. 177, § 4o, na redação da EC 33/01).

No direito comparado só a Alemanha oferece o exemplo de disci­plina constitucional da matéria. Lá o art. 47, item II, colocado fora da Constituição Tributária, autoriza a legislação sobre o direito econômi­co (das Recht der Wirtschaft) e dá o embasamento à instituição das contribuições econômicas, que a doutrina apelida de tributos espe­ciais (Sonderabgaben) para estremá-las das contribuições (Beitrãge), que têm natureza tributária. Os Sonderabgaben destinam-se a fundos especiais (Sonderfonds), à margem do orçamento do Estado.

d) Competência

E da competência exclusiva da União a instituição de contribui­ções econômicas, que, da mesma forma que as contribuições sociais, não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação (art. 149, §

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2o, I, da CF, na redação da EC 33/01); incidirão também sobre a im­portação de produtos estrangeiros ou serviços (art. 149, § 2o, II, da CF, trazido pela EC 42/03); poderão ter alíquotas ad valorem ou espe­cífica (art. 149, § 2o, III, da CF, introduzido pela EC 33/01). As con­tribuições econômicas e as sociais podem: ter incidência monofásica (art. 149, § 4o, CF; Lei n° 10.637, de 30.12.02, e Lei 10.833, de 29.12.03); ser compensadas por lei (ex.: art. 8o da Lei 10.336/01). A EC 44/04 aumentou a participação dos Estados e Distrito Federal na arrecadação da CIDE do petróleo para 29%.

e) Princípios constitucionais tributários

As contribuições econômicas, em virtude de estarem mal classifi­cadas como tributo, não se subordinam a princípios exclusivamente constitucionais tributários.

O princípio do Estado Fiscal, por exemplo, está em plena contra­dição com as contribuições econômicas tributárias, eis que o que o caracteriza é justamente reservar a fiscalidade para a defesa da liber­dade, tomando-a inconfundível com os ingressos que tenham por ob­jetivo subvencionar a intervenção estatal.

Os princípios decorrentes da ideia de justiça tributária também não se aplicam às contribuições econômicas: nem a capacidade contri­butiva, nem o custo! benefício característico das taxas fundamentam a sua cobrança. As contribuições econômicas se subordinam ao princí­pio do custo/benefício do grupo (gruppenmãssige Âquivalenz). A igualdade, como princípio constitucional, só prevalece com relação aos grupos beneficiados.

Também os princípios vinculados à ideia de segurança pouco se aplicam a esses ingressos. A legalidade deve ser observada, o que, en­tretanto, não é nenhum privilégio dos tributos, eis que sempre se en­tendeu que as contribuições econômicas não poderiam ser criadas por ato administrativo. Mas já se nota ajflexibilização da legalidade quan­to à CIDE do petróleo, pois a Lei n° 10.336, de 19.12.01, devidamen­te fundamentada no art. 177, § 4o, I, b, da CF, permite ao Executivo reduzir e restabelecer alíquotas do tributo, o que coincide com a fle­xibilização do princípio da reserva de lei nos tributos contraprestacio- nais.

O princípio da não-cumulatividade passou a ter grande relevância na temática das CIDES, especialmente na do petróleo. Assim é que o art. 149, § 4o, da CF estabeleceu a possibilidade da incidência única da

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CIDE, o que se efetivou pelo art. 7o da Lei n° 10.336, de 19.12.01, afetando a cum ulatividade do tributo. Permitiu tam bém a Lei 10.336/01, mantendo a política iniciada com a Lei 9.363/96, a unifi­cação da incidência da CIDE, do PIS/PASEP e da COFINS, deduzin- do-se destes últimos o valor da CIDE pago na importação ou na co­mercialização dos produtos referidos no art. 8o.

O princípio da anterioridade sofreu restrição dei duvidosa consti- tucionalidade. O art. 177, § 4o, I, b, n redação da EC 33/01, estabele­ceu que a alíquota da CIDE do petróleo poderá ser “reduzida e resta­belecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b”, isto é, a vedação de que seja cobrada no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que a instituiu ou aumentou. Em caso semelhante o STF declarou a inconstitucionalida- de do dispositivo da EC 3/93 que havia excepcionadò a anterioridade na criação do IPMF.

15.4. Contribuições de Interesse das Categorias Profissionais

As contribuições instituídas no interesse de categorias profissio­nais são devidas pelo benefício especial auferido pelo contribuinte que participa do grupo profissional em favor do qual se desenvolve a ativi­dade indivisível do Estado. Compreendem, entre outras, as contribui­ções para a Ordem dos Advogados, Conselhos Federais de Medicina, de Farmácia, Ordem dos Músicos, que se destinam a financiar a ativi­dade de controle e disciplina do exercício da profissão.

As contribuições profissionais eram cobradas como ingressos pa- rafiscais até a CF 1967. Com a Emenda Constitucional n2 1, de 1969, que as incluiu no art. 21, § 2a, item I, ganharam estatura tributária, situação que permaneceu no texto atual.

Destinando-se à defesa dos direitos fundamentais, entre os quais se encontra o do livre exercício da profissão, e revertendo para os cofres das autarquias federais, a contribuição profissional, ao contrário da social e da econômica, tem natureza tipicamente tributária.

Só à União compete instituir as contribuições profissionais.

15.5. Contribuições de Interesse das Categorias Econômicas

As contribuições de interesse das categorias econômicas são devi­das pelo benefício especial auferido pelo contribuinte que participa do grupo econômico protegido pelo Estado. E o velho imposto sindical agora trazido para o corpo da Constituição Tributária.

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Essas contribuições sindicais, que surgiram no período autoritário do Estado Novo (DL 2.371, de 8.7.1940), classificavam-se, no regime anterior, como contribuições sociais de natureza não-tributária: o art. 43, item X, na redação da Emenda Constitucional n~ 8, de 1977, atri­buía à União a competência para legislar sobre as contribuições sociais para custear, além de outros, os encargos previstos no art. 166, § 1-, que, por seu turno, tinha a seguinte redação: “Entre as funções delega­das a que se refere este artigo, compreende-se a de arrecadar, na for­ma da lei, contribuições para o custeio da atividade dos órgãos sindi­cais e profissionais e para a execução de programas de interesse das categorias por eles representadas”. A CF 88, ao reincorporar ao siste­ma tributário as contribuições sociais, adotou o mesmo procedimento para com as contribuições sindicais (art. 149, caput).

Se, do ponto de vista topográfico, não resta dúvida de que as con­tribuições de interesse de categorias econômicas adquiriram estatura tributária, não é menos verdade que isso constitui um retrocesso do nosso constitucionalismo. Corre por conta do intervencionismo exa­cerbado e da simbiose entre o Estado e o sindicalismo que herdamos do corporativismo estadonovista. As diversas contribuições arrecada­das em benefício de sindicatos nada possuem de essencialmente tribu­tário, pois não visam à defesa dos direitos fundamentais, não têm des­tinação pública e nem se vinculam aos princípios da capacidade contri­butiva ou do custo-benefício. As contribuições sindicais (art. 149) não se confundem com as confederativas (art. 8o, i y da CF), que não têm natureza tributária (vide p. 430).

Compete à União instituir as contribuições de interesse das cate­gorias econômicas.

15.6. Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira

A Emenda Constitucional nâ 12, de 1996, autorizou a União a instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPM F). O tributo, que foi instituído pela Lei n2 9.311, de 25.10.96, modificada pela Lei 9.539, de 12.12.97, teve a sua vigência prorrogada até 31 de dezembro de 2004 pelo art. 84 do ADCT, segundo a redação dada pela EC 37, de 12.6.2002 e até 31 de dezembro de 2007 (art. 90 ADCT, na redação da EC 42/03), quando se extingue por falta de aprovação pelo Senado Federal do Projeto de sua prorrogação. Era, na realidade, o antigo IPMF (imposto provisório sobre movimentação fi­

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nanceira), cuja criação fora autorizada pela Emenda Constitucional n33, de 1993, depois revigorado e travestido de contribuição social.

O tributo sobre a movimentação financeira representou um re­trocesso no sistema fiscal, em vista da sua irracionalidade econômica. Foi copiado de idêntica tributação que havia na Argentina, onde se extinguiu depois de alguns anos de insucesso. Sendo imposto cumula­tivo ou de incidência em cascata, distorcia a composição dos preços na circulação das mercadorias ou na realização dos negócios, principal­mente nas exportações, nas quais, pela ausência do mecanismo da res­tituição das quantias pagas internamente, acabava por comprometer a competitividade dos produtos brasileiros. O único argumento que se encontrava em seu favor era o de atingir a economia informal e os negócios ilícitos, que também geram movimentação bancária.

15.7. Contribuição especial anômala: iluminação pública

A EC 39, de 19.12.2002, autorizou a instituição de uma contri­buição especial anômala, que o STF chama de sui generis (RE 573.675, ReL Min. Lewandowsky — vide p. 431). A justificativa foi a de obter recursos mediante a incidência sobre prestações públicas in­divisíveis, pois o Supremo Tribunal Federal declarara a inconstitucio­nalidade da taxa de iluminação pública por ter por fato gerador “servi­ço inespecífico, não mensurável, indivisível e insuscetível de ser refe­rido a determinado contribuinte” (RE 233.332-RJ, Ac. do Pleno, de 10.3.99, ReL Min. Ilmar Galvão, D J 14.05.99). Trata-se de mais um caso de correção da jurisprudência equivocada do STF.

A COSÍPAnão ofende os princípios da isonomia, capacidade con- tributiva, razoabilidade e proporcionalidade (vide p. 431).

V. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO

16. CONCEITO

Empréstimo compulsório é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária que, vinculada pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva, com a finalidade de obtenção de receita para as necessidades públicas e sob promessa de restituição, é exigida de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especifi­camente outorgada pela Constituição.

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O aspecto estrutural mais significativo é o de consistir em uma prestação pecuniária restituível.

Os empréstimos compulsórios classificam-se em dois grandes grupos: o dos empréstimos ostensivos, autênticos ou puros e o dos em­préstimos mascarados, ocultos ou dissimulados, Os empréstimos os­tensivos podem, ou não, render juros, mas, em regime inflacionário, devem ser indexados à correção monetária. Os empréstimos mascara­dos aparecem na capitalização compulsória, na conversão forçada, nas antecipações arbitrárias de imposto etc.

A CF prevê duas hipóteses em que o empréstimo compulsório pode ser instituído, o que representa um avanço sobre o texto ante­rior, que deixava à lei complementar definir casos excepcionais ou extraordinários que o justificassem.

Em primeiro lugar justifica-se o empréstimo forçado para “aten­der as despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência”. A redação constitucional coinci­de quase que inteiramente com a do art. 15, itens I e II, do CTN. Nesse caso não incide o princípio da anterioridade.

A segunda hipótese é a de "investimento público de caráter ur­gente e relevante interesse nacional”. A urgência e o interesse nacional são objeto de apreciação discricionária do legislador. Prevalece o prin­cípio da anterioridade.

Desaparece, com a CF 88, a última hipótese prevista no art. 15 do CTN, ou seja, a do empréstimo compulsório no caso de conjuntura que exigisse a absorção temporária de poder aquisitivo. A previsão era de duvidosa cientificidade e se atrelava à doutrina de Keynes.

A Constituição Federal não indicou explicitamente o fato gerador do empréstimo compulsório. De modo que a lei pode eleger um fato específico ou escolher a mesma base de imposição dos outros tributos.

17. NATUREZA

As teses acerca da natureza do empréstimo compulsório podem ser agrupadas em três correntes principais: a do empréstimo coativo, a da requisição de dinheiro e a da equiparação aos tributos.

A primeira, a de que se trata de um contrato coativo, se baseia em dois argumentos principais: o da presença da restituição, imanente à ideia de mútuo, e a da coatividade dos modernos contratos de adesão. Defendeu-a entre nós o Supremo Tribunal Federal, no regime de 1946, que fez inserir na Súmula da Jurisprudência Predominante o

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t5BJ * ÜWR9 W W W ouicoa

verbete 418: "O empréstimo compulsório não é tributo, e sua arreca­dação não está sujeita à exigência constitucional da prévia autorização orçamentária ”.

A tese de que o empréstimo forçado é uma requisição de dinhei­ro, em tudo equiparável às requisições militares, desenvolveu-a princi­palmente a doutrina francesa.

A teoria que defende a assimilação dos empréstimos compulsó­rios aos tributos tem duas vertentes principais. A primeira delas com­partilha da teoria mista, segundo a qual o ingresso é uma figura híbrida entre o imposto e o mútuo. A corrente que atribui natureza tributária aos empréstimos compulsórios, sem hibridismo, floresceu especial­mente no Brasil, até mesmo pela necessidade de evitar os constantes abusos do legislador, cercando o ingresso das garantias Constitucionais do tributo; seu principal defesor foi Amilcar de Araújo Falcão (op. cit.). Hoje, em face da regra do art. 148 da CF 88 não subsiste dúvida em tomo da natureza tributária do empréstimo forçado.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Bibliografia: BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Fo­rense, 1999; BERLIRI, Antonio. LImposta Sul Valore Aggiunto. Milano: Giuffrè, 1971; COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1978; FALCÃO, Amilcar de Araújo. “Conceito é Espécies de Em­préstimo Compulsório''. Revista de Direito Público 14: 38-46, 1970; GRECO, MarcoAurélio. Contribuições: uma figura "Sui Generis”. São Paulo: Dialética, 2000; ;___.(Coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e Figuras Afins. São Paulo: Dialética, 2001; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário na Consti­tuição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990; —. (Coord.). O Fato Gerador do ICM. Ca­derno de Pesquisas Tributárias na 3. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1978; NASCI­MENTO, A. Theodoro. Preços, Taxas e Parafiscalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1977; NOVELL!, Flávio Bauer. “Apontamentos sobre o Conceito Jurídico de Taxa”. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro 45: 93-122, 1992; RO­CHA, Valdir de Oliveira (Coord.). ISS e a LC 116. São Paulo: Diaiétrica, 2003; SEI­XAS FILHO, Aurélio Pitanga. Taxa. Doutrina, Prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 1990; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V 4. Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007;___. “Contri­buições Sociais Gerais”. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuaisdo Direito Tributário, v. 6. São Paulo: Dialética, 2002, p. 375-390;__ “A Não-Cumula-tividade do PIS/CO FINS”. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães e FISCHER, Octávio Campos (Coord.). PIS-COFINS. Questões Atuais e Polêmicas. São Paulo: Quartier La- tin, 2004, p. 53-74; ULHOA CANTO, Gilberto. Direito Tributário Aplicado. Riò de Janeiro: Forense Universitária, 1992.

II. Direito Positivo: CF 88 — arts. 145, 148, 149,153, 154, 155 e 156; CTN — arts. 16 a 82; Lei Complementar 24/75 (estabelece normas sobre os Convênios ICMS); Lei

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Complementar 87/96 (dispõe sobre o ICMS); Lei Complementar 102/00 (altera a LC 87/96); LC 116/03 (dispõe sobre o ISS); Constituição da República Federal da Alema­nha: arts. 106 e 107.

III. Jurisprudência: Súmula do Supremo Tribunal Federal — 536: “São objetivamente imunes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias os produtos industrializados, em geral, destinados à exportação, além de outros, com a mesma destinação, cuja isenção a lei determinar”; 539: “É constitucional a lei do município que reduz o IPTU sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possui outro”; 569: 11É incons­titucional a discriminação de alíquotas do ICM nas operações interestaduais, em razão de o destinatário ser, ou não, contribuinte" (prejudicado pelo art. 155, § 22, VII e VIII da CF 88); 589: “É inconstitucional a fixação de adicional progressivo do IPTU em função do número de imóveis do contribuinte"; 595: "É inconstitucional a taxa munici­pal de conservação de estradas de rodagem, cuja base de cálculo seja idêntica à do Imposto Territorial Rural”; 656 - "É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas pro­gressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis ~ ITBI com base no valor do imóvel”; 658 - “São constitucionais os arts. 7°da Lei 7.787/89 e Io da Lei 7.894/89 e da Lei 8.147/90, que majoraram a alíquota do Finsocial, quando devida a contribuição por empresas dedicadas exclusivamente à prestação de serviços”; 659 — “Ê legítima a cobrança da COFINS, do PIS e do FINSOCIAL sobre as operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País"; 660 - “Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto” (prejudicado pelo art. 155, § 2o, IX, a, da CF, na dicção da EC 33/01); 661- “Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro”; 662 - “É legíti­ma a incidência do ICMS na comercialização de exemplares de obras cinematográficas, gravadas em fitas de videocassete"; 663 - "Os §§ I o e 3o do art. 9o do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição”; 664 - “É inconstitucional o inciso V do art. Io da Lei 8.033/90, que instituiu a incidência do imposto nas operações de crédito, câmbio e seguro - IOF sobre saques efetuados em caderneta de poupança"; 665 - "É constitucio­nal a Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários instituída pela Lei 7.940/89”; 666 - “A contribuição confederativa de que trata o art. 8o, IV, da Cons­tituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”; 667 - "Viola a garantia cons­titucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa 668 - “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destina­da a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”; 669 — “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princí­pio da anterioridade”; 670 - "O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa”; RE 138.284-8 — Ceará, Ac. do Pleno do STF, de 1.7.91, Rei. Min. Carlos Velloso, RTJ 143/313: “II — A contribuição da Lei 689, de 15.12.88, é uma contribuição social instituída com base no art. 1 9 5 ,1, da Constituição. As contribuições do art. 195,1, II, III, da Constituição não exigem, para a sua instituição, lei complemen­tar. Apenas a contribuição do § 4a do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (CF, art. 195, § 4a, CF, art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há neces­sidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contri­buintes (CF, art. 146, III, «). III — Adicional ao imposto de renda: classificação desar- razoada. IV — Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88)’’;

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RE 153.771-MG, Ac. do Pleno do STF, de 20.11.96, Rei. Min. Moreira Alves, RTJ 162: 726: "IPTU. Progressividade. No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § Ia, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capa­cidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § l 2 (específico). A interpretação sistemá­tica da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalida­de extrafiscal a que alude o inciso II do § 4a do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § Ia. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § l s, aplicado com as limitações expressamente constantes dos § § 22 e 4a do artigo 182, ambos da Constitui­ção Federal”; RE 185.789-7, Ac. do Pleno do STF, de 3.3.00, Rei. Min. Maurício Cor­rêa, DJU 19.5.00: “A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexígivel o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física”; RE 116.121-3, Ac. do Pleno, de 11.10.00, Rei. Mi n. Marco Aurélio, D JU 25.5.01: "ISS. Contrato de Locação. A termi­nologia constitucional do Imposto Sobre Serviços revela o objeto da tributação. Confli- ta com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerando contrato de locação de bem móvel”. RE 206.069, Ac. do Pleno, de 1°.9.2005, Rei. Min. Ellen Gracie, Infor­mativo n° 399: “ICMS e ‘Leasing' Internacional. Incide ICMS sobre a entrada de mer­cadoria importada independentemente da natureza do contrato internacional que mo­tive a importação"; RE 357.950-9, Ac. do Pleno do STF, de 9.11.2005, Rei. Min. Marco Aurélio, D.J. 15/08/2006: “CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA- NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § Io DO ARTIGO 3o DA LEI N° 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional n° 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as ex­pressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-se à venda de mercado­rias, de serviços ou de mercadorias e serviços. E inconstitucional o § Io do artigo 3o da Lei n° 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.” RE 573.675-0, Ac. do Pleno do STF, de 25.03.09, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 21.05.2009, RDDT 167: 144-157, 2009: I — Lei que restringe os contribuintes da COSIP aos consumidores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II — a progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva;III — tributo de caráter suí generis, que não se confunde com um imposto, porque a sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contra- prestação individualizada de um serviço ao contribuinte; IV — exação que, ademais, se amolda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade"; Súmula Vinculante n° 19 do STF: "A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, III, da Constituição Federal”.

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ÍNDICE DE AUTORES

ALBINANA, Cesar — 372 ALLORIO, Enrico — 279, 325, 357 AMARO, Luciano — 32 AMATO, Angelo — 372 ARISTÓTELES — 165 ARRUDA ALVIM — 357 ATALIBA, Geraldo — 60, 247, 273, 372 ÁVILA, Humberto — 85

BBALEEIRO, Aliomar— 10,12,16,29,32,

85, 93, 131, 147, 183, 185, 198, 210, 213, 217, 222, 270, 273, 325, 388, 429

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio— 213

BARBOSA, Rui — 15, 24, 78, 85, 209 BARRETO, Aires — 273 BASTOS, Celso Ribeiro — 32, 183 BECKER, Alfredo Augusto — 19, 32 BECKER, Enno — 15, 18, 31, 55, 375 BEISSE, Heinrich — 154, 167 BELTRAME, Pierre — 372 BERLIRI, Antonio — 15, 32, 241, 429 BETTI, Emílio — 143, 167 BEELSA, Rafael — 220 BILAC PINTO — 16 BIRK, Dieter — 237, 241 BOBBIO, Norberto — 159, 167 BODIN, Jean — 26 BONILHA, Paulo Celso B. — 358

BRANDAO, Luciano — 213 BRANDÃO MACHADO — 254, 273BRENNAN, GeoffreyBUCHANAN, James h- 15, 85, 218, 222BUHLER, Ottmar BUZAID, Alfredo

— 85

15213

CAMPOS, Ronaldo Cunha — 358 CARVALHO, Paulo de Bairos — 32,241,

247, 273CAVALCANTI, Themistocles Brandão —

60COELHO, Sacha Calmon Navarro — 32,

372COSTA, Alcides Jorge — 429 CRETTON, Ricardo Aziz — 131

DDEODATO, Alberto — 10, 16 DERZI, Misabel de Abreu Machado —

131D IN AM ARCO, Cândido Rangel — 114 DOLLINGER, Jacob -— 223 DUGUIT, Leon — 177, 178, 183 DWORKIN, Ronald — 87, 131

EEINAUDI, Luigi — 15 ENGISCH, Karl — 158, 167 ESCRIBANO, Francisco — 237, 241

433

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FFALCÃO, Amilcar de Araújo — 10, 12,

14, 16, 20, 32, 60, 168, 183, 236, 241, 254, 273, 372, 429

FANUCCHI, Fábio — 325 FERREIRA, Adelmar — 340 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves

— 60FERREIRO LAPATZA, J. J. — 223 FLAKS, Milton — 356, 358

GGADAMER, Hans Georg — 143, 144,

168GALLO, Franco — 325 GENY, François — 18, 32 GIANNINI, Achille Donato — 14, 15,18,

32, 234, 235, 241, 278 GIULIANI, Giuseppe — 340 GIULIANI FONROUGE, Carlos M. —

15, 32GRAZIANI, Augusto — 218 GRECO, Marco Aurélio — 168, 421, 429 GRIZIOTTI, Benvenuto — 12, 14, 15,29,

32, 55GUIMARÃES, Carlos da Rocha — 325 GUNTHER, Gerald — 86

HHELLERSTEIN, Jerome R. — 86 HELLERSTEIN, Walter — 86 HENSEL, Albert — 15, 236, 241 HOBBES, Thomas — 26

JJANSEN, Letácio — 229 JARACH, Dino — 12, 15, 32, 273 JÈZE, Gaston — 177, 183, 220 JUSTEN FILHO, Marçal — 273

KKELSEN, Hans — 14, 21, 55, 58 KEYNES, John Maynard — 124, 228 KIRCHHOF, P. — 15

LLABAND, Paul — 177, 183, 218 LAMY, José Alfredo — 229

LANG, Joachim — 32, 86, 238, 241, 264, 273

LARENZ, KarI — 91, 131, 149, 152, 168 LEHNER, Moris — 131 LINARES QUINTANA, Segundo ~ 86 LUHMANN, Niiclas — 60 LYRA FILHO, João — 213

MMACHADO, Celso Cordeiro — 325 MACHADO, Hugo de Brito — 32, 86,

131MARTINS, Ives Gandra da Silva — 16,

32, 174, 183, 273, 325, 338, 340, 372, 388, 429

MAXIMILIANO, Carlos — 168 MAYER, Otto — 235, 241 MC DANIEL, Paul — 198 MENDES, Gilmar Ferreira — 60 MICHELLI, Gian Antonio — 237, 241,

279, 325 MIRIMONDE, A. P. — 213 MONTES QUIEU — 26 MORAES, Bernardo Ribeiro de — 32,

168MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo

— 183, 229 MUSGRAVE, Richard — 15 MYRBACH-RHEINFELD, Franz von —

15, 20, 32, 178, 183, 235, 241

NNASCIMENTO, A. Theodoro — 198,

429NAWIASKY, Hans — 15, 236, 241, 278,

325NOGUEIRA, Alberto — 131 NOGUEIRA, Ruy Barbosa — 16, 32, 86,

168, 416NOVELLI, Flávio Bauer— 16,60,73,86,

108, 117, 131, 141,309,317,325,429 NUSSBAUM, Arthur — 229

OOLIVEIRA, José Marcos Domingues de

— 131

4349

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FPAUL1CK, Heinz — 32 PECHMAN, J. — 15 PERELMAN, Chaim — 168 PIRES, Adilson Rodrigues — 168 PONTES DE MIRANDA — 210, 211, 213

RRADBRUCH, Gustav — 156 RAWLS, John — 92, 130 REALE, Miguel — 87, 131, 141 ROCHA, Sérgio André — 358 ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.) —

429RODRIGUES BEREIJO, Alvaro — 10 ROSA, Salvatore La — 322 ROSA JUNIOR, Luis Emygdio — 32 ROUBIER, Paul — 138, 141

SSAINZ DE BUJANDA, Fernando — 10,

15, 32, 177, 178, 183, 198, 220, 223, 241, 254, 266, 273

SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto —19, 32, 86, 141, 249, 254, 273, 372

SAVIGNY, M. E C. — 147, 151, 168 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga — 237,

241, 325, 358, 429 SILVA, Gerson Augusto da — 16 SILVA, José Afonso — 183 SILVA, Paulo R. Coimbra — 340 SKLAROWSKY, Leon — 358 SMITH, Adam — 27, 93, 96 SOUTO MAIOR BORGES, José — 60,

109, 308, 325 SOUZA, Rubens Gomes de — 16, 18, 32,

84, 86, 157, 168, 236, 240, 241, 264, 273, 308, 325, 328, 340, 347, 358, 372

SUAREZ, Francisco — 26 SURREY, Stanley — 15, 194, 198

TTÁCITO, Caio — 60 TESAURO, Francisco — 358 TIPKE, Klaus — 15, 19, 32, 86, 92, 131,

151, 168, 237, 238, 241, 249, 264, 273 TORRES, Ricardo Lobo — 32, 60, 86,

131, 168,183, 190, 198, 213, 247, 263, 273,280,285,298, 325, 358, 372,421, 429

TRIBE, Laurence — 15, 86 TROIANELLI, Gabriel Lacerda — 325 TROTABAS, Louis — 12, 14, 18, 29, 32,

55, 220

UUCKMAR, Vitor — 131 ULHOA CANTO, Gilberto — 16,86,346,

348, 358, 372, 429

yVANONI, Ezio — 15, 18, 168 VELLOSO, Carlos Mário da Silva — 325 VILLEGAS, Héctor B. — 340 VOGEL, KL — 15

WWAGNER, Richard — 218, 222 WALD, Amold — 229 WALINE, Mareei — 220

XXAVIER, Alberto — 110, 131, 141, 162,

168, 246, 285, 325, 347, 358

435

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ÍNDICE DE ASSUNTOS

Ação— anulatória de débito fiscal 353— civil pública 355— de consignação em pagamento 353— declaratória 352— direta de inconstitucionalidade 57,

354

Administração— ativa 350— judicante 348

Agente da retenção— como substituto tributário 265

Alíquota Conceito de — 256 Tipos de — 256— zero 256, 315

Analogia— na integração 159 Proibição de — 109, 160

Anistia— e exclusão do crédito tributário

318

Anterioridade— orçamentária 116

— tributária 114

Antijuridicidade— e infração fiscal 333

Antinomias de princípios— e correção do Direito Financeiro 165

Anualidade— orçamentária 116— tributária 116

Aplicação do Direitoi Financeiro— e interpretação 144

Atividade financeira Conceito de — 3— e Estado Financeiro 7 Extensão da — 6 Natureza da — 5

Ato jurídico perfeito— e irretroatividade da lei 112

Banco Central— na Constituição 225— e empréstimo ao Tesouro 226— e finanças públicas 225— e sistema financeiro nacional 228— e venda de títulos do Tesouro 227

437

Page 426: Ricardo lobo torres   curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

Base de cálculo Conceito de — 255

Capacidade contributiva Conceito de — 93 Eficácia da — 97 Extensão da — 97 Histórico da — 92 Limitações da — 95 Possibilidade da — 96 Subprincípios da — 94

Capacidade tributária— e sujeição passiva 260

Causa— da obrigação tributária 234

Ciência das Finanças— e Direito Financeiro 29

Clareza— e interpretação 151— da lei tributária 110 —- do orçamento 111

Codificação— do Direito Financeiro 31

Coisa julgada— e irretroatividade da lei 113

Compensação— e extinção do crédito tributário

299— financeira 191, 388

Competência tributária— comum 366, 408, 412— extraordinária 367— privativa 366— residual 366

Complementação— e interpretação 148

Concretização— e interpretação 148

Confisco Proibição de — 66

Conselho de Contribuintes— e a Administração Judicante 349

Consignação em pagamento Ação de — 353— e extinção do crédito tributário 293

Consulta— no processo administrativo tributário

350

Constituição Financeira

Características da — 39— dos Estados-membros 40— e execução orçamentária 201— formal 37— material 37— propriamente dita 39 Subsistemas da — 39

Orçamentária Conceito de — 171— como subsistema 39

Tributária— como subsistema 39

Contrabando Definição de — 329

Contribuições— especiais 409— de interesse de categorias econômicas

425— de interesse de categorias profissio­

nais 425— de intervenção no domínio econômi­

co 420— de melhoria 410— sociais 412 a 420

Contribuinte Conceito de — 262— de direito 262

438 4

Page 427: Ricardo lobo torres   curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

— de fato 262— e responsável 259, 263

Controle financeiro Conceito de — 204— externo 206— intemo 208— prévio 206

Convênio— ICMS 50, 397— como norma complementar da legis­

lação 55

Costumes— como fonte do Direito Financeiro 60

Correção do Direito Financeiro— e antinomias de princípios 166 Conceito de — 164Critérios de — 165

Crédito— adicional 196— especial 197— extraordinário 197— fiscal do ICMS 389— orçamentário 196— suplementar 196— tributário 275

Concreção do — 275 Constituição do — 276 Exclusão do — 305 Extinção do — 290 Garantias do — 319— e obrigação tributária 275 Preferências do — 320 Privilégios do — 319 Suspensão da exigibilidade do— 286

Crimes— contra a ordem tributária 330— praticados por funcionários 331

Custo/benefício— e justiça financeira 98

Dação em pagamento — e extinção do crédito tributário -— 292

Decadência— e extinção do crédito tributário 303

Declaração de inconstitucionalidade— na ação direta 57, 354 Eficácia da — 58, 139— incidental 57— por omissão 59 Retroatividade da — 136

Decreto— executivo 54— legislativo 49

Denúncia espontânea— e responsabilidade 272

Depósito— e suspensão do crédito tributário 288

Descaminho Definição de — 329

Desenvolvimento econômico— e justiça financeira 99

Desigualdade— e imunidades 83 Proibição de •— 78

Despesa pública— de capital 196 Classificação da — 195 Conceito de — 194— de custeio 194— de pessoal 181 Realização da — 197— e receita 197— e renúncia de receita 194

Destinação pública do tributo Princípio da — 121

Desvinculação das receitas— da União — 120

Deveres instrumentais— e obrigação acessória 240

Devido processo legal— e legitimidade 125

439

Page 428: Ricardo lobo torres   curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

Direito— adquirido 112— administrativo 20, 344— civil 17— comparado 24— constitucional 16— financeiro

— como ciência 13 Codificação do — 31 Conceito de — 11— e Economia 27— e Filosofia 26— como ordenamento 12— e Política 26— e Psicologia 30— e Sociologia 27

— internacional 21— penal 21, 328, 338— previdenciário 23— processual 22, 344— de resistência 165

Direitos fundamentais— e igualdade 77— e isenção 84, 313— e imunidades 64— e limitações constitucionais 63— e Poder Financeiro 63, 364— e Poder Tributário 64, 364— e proibição de desigualdade 78— e Tribunal de Contas 212— e tributo 374

Discriminação Conceito de — 82 Proibição de — 82

Dívida pública Conceito de — 219— externa 221 Extinção da — 222— intema 220 Natureza — 220

Domicílio tributário Conceito de — 261

Economia— e Direito Financeiro 27

Economicidade— e justiça financeira 99

Eficácia— do lançamento 277— da legislação financeira 133— no espaço 139— no tempo 133— dos princípios gerais do Direito Fi­

nanceiro 91— e vigência 133

Elisão Conceito de — 248 Normas contra a — 161

Emenda Constitucional— como fonte do Direito Financeiro 41

Empenho Conceito de — 197

Empresas públicas— e privilégios 82

Empréstimo— compulsório 428— público 217

Equidade— entre gerações 105— e integração do Direito Financeiro

160— entre regiões 103

Princípios vinculados à — 102— Vertical no federalismo 104

Equilíbrio orçamentário Princípio do — 123

Especialidade do orçamento Princípio da — 121

Estado— Financeiro 6— Fiscal 8— Patrimonial 7— de Polícia 7— Socialista 10 6

440

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Evasão Conceito de — 248

Exclusividade orçamentária Principio da — 119

Execução fiscal— e processo tributário judicial 356

Extrafiscalidade Conceito de — 187

Falsificação de estampilha Definição de — 330

Fazenda Pública Conceito de — 4

Fato gerador da obrigação tributária Aspectos do — 250, 253, 254, 255, 257 Conceito de — 243 Elementos constitutivos 250 Tipos de — 250 a 255

Filosofia— e Direito Financeiro 26

Fiscalização financeira Conceito de — 201, 202 Modalidades de — 202 Objeto da — 203

Fontes do Direito Financeiro Conceito de — 35

Fraude Conceito de — 248

Hermenêutica— e Interpretação do Direito Financeiro

143

Igualdade— e direitos fundamentais 77— e legitimidade do Estado Financeiro

124

Imposto Conceito de — 376

Classificação de — 377— causa mortis e doação 385— sobre circulação de mercadorias e

serviços 386— estadual 385— de exportação 378— federal 378— sobre grandes fortunas 384— de importação 378— municipal 400— sobre operações de crédito, câmbio e

seguro 382— sobre produtos industrializados (IPI)

381— sobre propriedade predial e territorial

urbana (IPTU) 400— sobre a propriedade de veículos auto­

motores 400— de renda 379— sobre serviços de qualquer natureza

403— sobre transmissão inter vivos 401

Imunidades fiscais Conceito de — 66— e desigualdades 83— e direitos fundamentais 66— aos impostos 72— e privilégios odiosos 83— aos tributos 66

Infrações fiscais Características das — 333 Classes de — 329 Responsabilidade pelas — 334

Ingressos Conceito de — 185— comerciais 193— extrafiscais 187— patrimoniais 188— parafiscais 186— tributários 186

Instituições de educação e assistência so­cial

— Imunidade a impostos 75

441

Page 430: Ricardo lobo torres   curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

w.

Interpretação do Direito Financeiro— e aplicação 144— e complementação 148— e isenção 316 Métodos de — 151 Normas de — 148 Resultados da — 155

Irretroatividade— e lançamento tributário 280— e segurança jurídica 111

Irrevisibilidade do lançamento Princípio do — 280

Isenção— e alíquota zero 315 Classificação das — 309— e direitos fundamentais 84, 315— e imunidade 84 Interpretação das — 316 Natureza da — 308— e não incidência 84, 309 Princípios constitucionais da — 310— como privilégio 306 Reconhecimento — 310— e renúncia de receita 314— de tributos estaduais e municipais

pela União 81Revogação da — 317

Jornais Imunidades dos — 76

Jurisprudência— como fonte 55

Justiça financeira Ideia de — 91Princípios vinculados à — 91

Lacuna Conceito de — 157 Integração de — 156— orçamentária 180

Lançamento Eficácia do — 277 Modalidades do — 282

Princípios do — 279— e subsunção 276

Legalidade Princípio da — 106 Subprincípios da — 107, 108

Lei— complementar 42

— orçamentária 45, 108— tributária 42, 108

Reserva da — 107— complementar 108— delegada 47— de diretrizes orçamentárias 174— ordinária 46

Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar

Ver Poder de Tributar. Limitações Cons­titucionais.

LivrosImunidades a impostos 76

Loteria— e receita pública 193

Mandado de injunção— como fonte do Direito Financeiro 59

Mandado de segurança— e medida liminar 289— e processo judicial tributário 354

Medida cautelar— contra a Fazenda 289— fiscal 356

Medida provisória— como fonte do Direito Financeiro 47

Mercosul— e Sistema Internacional Tributário

369

Mínimo existencial— e direitos fundafnentais 69— e imunidade a tributos 69 a 72

442

Page 431: Ricardo lobo torres   curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

1

Moeda Emissão da — 226

Mora— e infração 332

Moratória— e suspensão do crédito tributário 287

Multas— fixas 336 Natureza — 336— proporcionais 336

Não-afetação da receita Princípio da — 119

Não-incidência— e imunidade 84— e isenção 309

Non olet Princípio do — 102

Norma— antielisiva 126, 161 a 164, 249— antissigilo bancário 161, 323— e interpretação 144— de interpretação e de integração 148— e princípio 89— e valor 89

Obrigação tributária— acessória 240 Constituição da — 239— e crédito tributário 239, 275 Declaração da — 278 Extinção da — 290— e lançamento 278 Nascimento da — 243— principal 238 Sujeito ativo da — 257 Sujeito passivo da — 256

Orçamento Elaboração do — 179 Especialidade do — 121 Exclusividade do — 119

Equilíbrio do — 123— fiscal 175— como fonte do Direito Financeiro 52 Funções do — 178— como lei formal 177— como lei material 176 Gestão do — 181 Natureza do — 176 Princípios do — 176 Processo legislativo do — 179— da seguridade 176 Unidade do — 118 Universalidade de — 119

Pagamento— do crédito tributário 291— indevido 294

País— de destino 101— de fonte 101

Parafiscalidade Conceito de — 186

Parcelamento— e suspensão do crédito tributário 290

Pareceres normativos— como fonte do Direito Financeiro 55

Participação sobre a arrecadação— e sistema tributário 370

Partidos políticos Imunidades dos — 74

Penalidade pecuniária Natureza da — 336— e obrigação acessória 240— e obrigação tributária 238— como sanção 336— e tributo 339 Ver também Multa

Perdimento de bens— como sanção fiscal 335

443

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Personalização— e capacidade contributiva 94— e responsabilidade por infração 271

Pessoa jurídica— e sujeição passiva 260

Planejamento— e orçamento 172

Plano plurianual— e orçamento 172

Pluralismo— e Constituição Financeira 39— e Princípios Gerais do Direito 90

Poder— Financeiro 4— e atividade financeira 5— e direitos fundamentais 63 Separação do — 4— Tributário 63Limitações constitucionais ao — 63 Separação do — 363

Poderes do Estado— e gestão orçamentária 182— e Tribunal de Contas 210

Polaridade— e princípios financeiros 90

Política— e Direito Financeiro 26— e Interpretação 146

Política do Direito— e Direito Financeiro 23

Ponderação— de princípios 90, 165 Princípio da — 128

Preço público Conceito de — 188— e taxa 190

Preferências— do crédito tributário 320

Prescrição— e extinção do crédito tributário 304

Primado da lei Princípio do — 109

Princípios Gerais do Direito Financeiro Características dos — 90 Conceito de — 87— e correção do direito 164 Eficácia dos — 91— e empréstimo público 218— e integração 159— e interpretação 150— e isenção 310— e lançamento 279— e legitimidade do Estado 122— e orçamento 176— e regras 89— e subprincípio 89— e valor 89— vinculados à equidade 102— vinculados à justiça 91— vinculados à segurança jurídica 106

Privação— de direitos 335— de liberdade 334

Privilégio— do crédito tributário 319— geográfico 80— não-odioso 84, 306— odioso 79

Processo— Administrativo Tributário 346— democrático 37— Judicial 55, 351— como fonte do Direito Financeiro 37— Tributário 343

Profissões Imunidade das— J 2 -— e proibição de discriminação 83— e proibição de privilégio 80

444

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Progressividade— e alíquotas 256, 401— e capacidade contributiva 94

Proporcionalidade— e alíquotas 256— e capacidade contributiva 94

Proteção da confiança do contribuinte Princípio da — 117

Psicologia— e Direito Financeiro 30

Publicidade Princípio da — 118

Punibilidade— e infração fiscal 333

Razoabilidade Princípio da — 129

Receita Pública Conceito da — 185 Classificação da — 185— derivada 186— e empréstimo 218— originária 188 Repartição da — 370

Recurso administrativo— e suspensão do crédito tributário 289

Recurso hierárquico— e processo administrativo tributário

350

Redistribuição de rendas— e justiça financeira 99

Regulamento— como fonte do Direito Financeiro 52

Relação jurídica tributária Conceito de — 233— formal 240— material 238 Natureza da — 235

Remissão— e extinção do crédito tributário 299

Renúncia da receita— e despesa pública 194— e fiscalização financeira 202— e isenção 314

Repetição de indébito Ação de — 354 Cabimento da -— 294— e impostos indiretos 296— no processo administrativo tributário

347

Reserva da lei— complementar 44, 108, 109— orçamentária 108 Princípio da — 107— tributária 108

Resolução— como fonte do Direito Financeiro 53,

54

Responsável Classificação — 263 Conceito — 263— e contribuinte 262— nas infrações 271— solidário 270— subsidiário 269— e substituto 264

Responsabilidade Fiscal Princípio da — 127

Restos a pagar— e execução orçamentária 197, 198

Retroatividade— da legislação financeira 137

Revolução fiscal— e correção do Direito Financeiro 151

Sanções fiscais Classes de — 334 Natureza das — 336— não-pecuniárias 334— pecuniárias 336 Responsabilidade e — 271, 339

445

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Segurança financeira Ideia de — 106Princípios vinculados à — 106, 312

Seletividade— e alíquota 256— e capacidade contributiva 94, 95— no ICMS 391

Sujeito da obrigação tributária— ativo 257— passivo 258

Superlegalidade Princípio da — 107

TaxaConceito de — 406 Natureza da — 409— e preço público 190 a 191 Requisitos constitucionais — 406

Simplificação Princípio da — 129

Sindicato de trabalhadores Imunidade a impostos — 74, 75

Sistema tributário Classificação — 359— Federado 363— Ideal 363, 368— Internacional 368— Nacional 361— e Repetição das Receitas 370

SócioResponsabilidade do — 270

Sociologia— e Direito Financeiro 27

Solidariedade— e sujeição passiva 258, 270

Sonegação Conceito de — 250 Crime de — 330— e correção do Direito Financeiro 167

Substituto tributário— e agente da retenção 265 Conceito de — 264— no ICMS 266

Subsunção— e fato gerador 244, 245— e lançamento 276

Subvenção— e fiscalização financeira 203

Sucessor— e responsabilidade tributária 267 a 269

Templos Imunidade a impostos — 74

Territorialidade— e eficácia das normas no espaço 139— e justiça financeira 100

Tipicidade— e infrações fiscais 333— tributária 109

Tráfego de bens Imunidade a tributos — 67

Tráfego de pessoas Imunidade a tributos — 67

Transação— e extinção do crédito tributário 300

Transparência— e empréstimo público 218 Princípio da — 125, 161, 324, 325

Tratados Internacionais— como fonte do Direito Financeiro 49

Tribunal de Contas Composição do — 211, 212— e direitos fundamentais 212 Funções do — 211,Organização do — 211, 212— e Poderes do Estado 210 Relevância constitucional do — 209

446

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Tributação penal Conceito de — 340

Universalidade— do orçamento 119

Tributo Classificação de — 375 Conceito de — 373— e empréstimo público 217— fixo 257— e penalidade pecuniária 336

Tutela antecipada— e suspensão do crédito tributário 286

Unidade do orçamento Princípio da — 118

Vacatio legis— e eficácia 134

Valor— e interpretação 147— e princípio 89— e regras 89

Vigência— e eficácia 133 Início da — 135 Término da — 135

Uniformidade tributária— e privilégio geográfico 80

Vinculação à lei— e lançamento tributário 279

Page 436: Ricardo lobo torres   curso de direito financeiro e tributário - 17º edição - ano 2010

ÍNDICE SISTEMÁTICO

Ia Parte

INTRODUÇÃO E PRINCÍPIOS GERAISCapítulo I: ATIVIDADE FINANCEIRA

1. Conceito de atividade financeira 32. Poder Financeiro 43. Fazenda Pública 44. Atividade instrumental 55. Extensão da atividade financeira 66. Estado Financeiro 7

Notas Compiementares 10

Capítulo n : DIREITO FINANCEIRO1. Conceito de Direito Financeiro 112. O Direito Financeiro como ordenamento 123. O Direito Financeiro como ciência 134. Relações com outros ramos do Direito e com outras disciplinas jurídica 16

4.1. Direito Constitucional 164.2. Direito Civil 174.3. Direito Administrativo 204.4. Direito Penal 214.5. Direito Internacional 214.6. Direito Processual 224.7. Direito Previdenciário e Assistencial 234.8. Política do Direito 234.9. Direito Comparado 24

5. Relações com outros fenômenos e disciplinas 265.1. Filosofia 26

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5.2. Política 265.3. Sociologia 275.4. Economia 275.5. Ciência das Finanças 295.6. Psicologia 305.7. História 30

6. A codificação 31Notas Complementares 32

Capítulo III: FONTES DO DIREITO FINANCEIROI - Introdução

1. O Conceito de fontes do Direito Financeiro 352. A separação de poderes 353. As funções do Estado Financeiro 364. O processo democrático 37

II - A Constituição Financeira5. Conceito material e formal 376. Características 397. Subsistemas 398. As Constituições dos Estados-membros 40

UI - O Processo Legislativo9. Emenda Constitucional 41

10. Lei Complementar 4210.1. Lei complementar tributária 4310.2. Lei complementar orçamentária 4510.3. Lei complementar financeira 46

11. Lei ordinária 4612. Lei delegada 4713. Medida provisória 4714. Decreto legislativo 4915. Resolução 4916. Tratados e convenções internacionais 4917. Convênios interestaduais do ICMS 5018. Orçamentos 52

IV - O Processo Administrativo19. Regulamento 5220. Decreto 5421. Resoluções e outros atos normativos 5422. Decisões normativas 5423. Pareceres normativos 5524. Convênios 55

V - O Processo Judicial25. A jurisprudência dos tribunais 5526. Declaração incidental de inconstitucionalidade 57

450

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27. Declaração de inconstitucionalidade na ação direta 57 i28. Ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal 58 '29. Declaração de inconstitucionalidade por omissão 5930. Mandado de injunção 59

VI - Os CostumesNotas Complementares 60

Capítulo IV: OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS FINANÇAS PÚBLICASI - Introdução

1. Os direitos fundamentais e o poder financeiro 632. As limitações constitucionais ao poder de tributar 63

II - As imunidades fiscais3. Histórico 644. Conceito 655. Classificação 656. Imunidades aos tributos 66

6.1. Proibição de confisco 666.2. Tráfego de pessoas 676.3. Tráfego de bens 67

a) Comércio Interno (art. 150, V) 67b) Comércio Extemo (art. 155, § 2o, X, a; art. 149, § 2o, I) 68

6.4. Mínimo existencial 696.5. Imunidades implícitas a tributos 72

7. Imunidades aos impostos 727.1. Imunidade recíproca 727.2. Templos 747.3. Partidos políticos 747.4. Entidades sindicais dos trabalhadores 747.5. Instituições de educação e de assistêncial social 757.6. Livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão 76

III - A isonomia fiscal8. Direitos fundamentais e igualdade 779. A proibição de desigualdade 78

10. As proibições de privilégios odiosos 7910.1. Conceito 7910.2. Privilégios das profissões (art. 150, H) 8010.3. Privilégios geográficos federais (art. 151,1) 8010.4. Renda das Obrigações da Dívida Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios (art. 151, II) 8010.5. Remuneração e Proventos dos Agentes Públicos (art. 151,11) 8110.6. Isenção de tributos estaduais e municipais pela União (art. 151, HI) 8110.7. Comércio interestadual e intermunicipal (art. 152) 8110.8. Empresas públicas (art. 173, § 2a) 82

11. As proibições de discriminações odiosas 8211.1. Conceito 8211.2. Algumas proibições de discriminação 82

451

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IV - As imunidades e as desigualdades fiscais12. As relações entre as imunidades e as desigualdades fiscais 8313. Imunidades e privilégios odiosos 8314. Imunidade, privilégio não-odioso (= isenção) e não-incidência 84 Notas Complementares 85

Capítulo V: OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO FINANCEIROI - Introdução

1. O conceito de princípios gerais do direito financeiro 872. Valor, princípio, subprincípio e regras 893. Características dos princípios financeiros 904. Eficácia dos princípios financeiros 91

II - Princípios vinculados à ideia de justiça5. A justiça financeira 916. O princípio da capacidade contributiva 92

6.1. Histórico 926.2. Conceito 936.3. Subprincípios: progressividade, proporcionalidade, personalização e

seletividade 946.4. Limitações 956.5. Possibilidade 966.6. Eficácia 976.7. Extensão 97

7. Custo/benefício 988. Economicidade 999. Redistribuição de rendas 99

10. Desenvolvimento econômico 9911. Solidariedade 10012. Territorialidade 10013. Princípio do país de destino 10114. Princípio do país de fonte 10115. Princípio do non olet 102

m - Princípios vinculados à equidade16. A equidade financeira 10217. Equidade entre regiões 10318. Equidade vertical no federalismo 10419. Equidade entre gerações 105

IV - Princípios vinculados à ideia de segurança jurídica20. A segurança financeira 106 - a21. A legalidade 106

21.1. Superlegalidade 10721.2. Reserva da lei 10721.3. Primado da lei 109

22. Proibição de analogia 10923. Tipicidade tributária 109

452

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24. Clareza 11024.1. Lei tributária 11024.2. Orçamento 111

25. Irretroatividade 11125.1. Direito adquirido 11225.2. Ato jurídico perfeito 11225.3. Coisa julgada 113

26. Anterioridade 11426.1. Tributária 11426.2. Orçamentária 116

27. Anualidade 11627.1. Orçamentária 11627.2. Tributária 116

28. Proteção da confiança do contribuinte 11729. Irrevisibilidade do lançamento 11830. Publicidade 11831. Unidade do orçamento 11832. Universalidade do orçamento 11933. Exclusividade orçamentária 11934. Não-afetação da receita 11935. Especialidade do orçamento 12136. Destinação pública do tributo 121

V - Os princípios gerais e a legitimidade do Estado Financeiro37. Equilíbrio orçamentário 12338. Igualdade 12439. Devido processo legal 12540. Transparência fiscal 12541. Responsabilidade fiscal 12742. Ponderação 12843. Razoabilidade 12944. Simplificação 131 Notas Complementares 129

Capítulo VI: EFICÁCIA DA LEGISLAÇÃO FINANCEIRA I - Eficácia no tempo

1. Vigência e eficácia 1332. Vacatio legis 1343. Vigência 1354. Eficácia imediata 1355. Eficácia diferida 1366. Eficácia suspensa 1367. Retroeficácia 1378. Eficácia prorrogada 139

n - Eficácia no espaço9. O princípio da territorialidade 139

10. Lei federal 14011. Lei estadual ou municipal 140

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12. Lei estrangeira 140 Notas Complementares 141

Capítulo VII: INTERPRETAÇÃO E COMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO FINANCEIRO

I - Introdução1. A hermenêutica 1432. Interpretação e aplicação 1443. Interpretação e norma 1444. Interpretação e teoria 1455. Interpretação e política 1466. Arte 1477. Valores 1478. Princípios Gerais do Direito 1479. Interpretação e complementação 148

10. Concretização 14811. Normas de interpretação e integração do Direito Financeiro 148

II - Interpretação12. Conceito 14913. Processo 14914. Princípios gerais 15015. Métodos 151

15.1. Literal 15215.2. Histórico 15315.3. Lógico 15315.4. Sistemático 15315.5. Teleológico 154

16. Resultados 15516.1. Interpretação restritiva 15516.2. Interpretação extensiva 15516.3. Interpretação subjetiva 15516.4. Interpretação objetiva 156

III - Integração17. Conceito 15618. Lacuna 15719. Métodos de integração 158

19.1. Analogia 15919.2. Princípios gerais do direito 15919.3. Equidade 160

20. A proibição da" analogia gravosa 160 <,21. As normas antielisivas 161

IV - Correção22. Conceito 16423. Critérios de correção 16524. Direito de resistência, antinomia de princípios e ponderação de interesses 165 Notas Complementares 167

454

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ES8J - Ensino Sypste lis s a i JuáSco

2a Parte

O ORÇAMENTOCapítulo vm: ASPECTOS GERAIS DO ORÇAMENTO I - Introdução

1. Constituição orçamentária 1712. Orçamento e planejamento 172

2.1. O planejamento 1722.2. O plano plurianual 1722.3. As diretrizes orçamentárias 1742.4. A lei orçamentária 175

3. Os princípios orçamentários 176

H - Natureza4. A natureza do orçamento 1765. As funções do orçamento 178

m - Elaboração6. Processo legislativo 1797. A competência do Presidente da República 1798. A competência do Congresso Nacional 1809. Lacuna orçamentária 180

IV. A gestão do orçamento10. A gestão orçamentária responsável 1811 1 .0 controle das despesas com o pessoal 18212* Gestão orçamentária e separação de poderes 182

Notas Complementares 183

Capítulo IX: A RECEITA E A DESPESAI - A receita pública

1. Conceito 1852. Classificação 185

n - Receita derivada3. Ingressos tributários 1864. Ingressos parafiscais 1865. Ingressos extrafiscais 1876. Multas e penalidades 188

III - Receita originária7. Ingressos patrimoniais 188

7.1. Preço público 188a) Conceito 188b) Distinção entre preço público e taxa 190

7.2. Compensação financeira e participação governamental 191

455

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8. Ingressos comerciais 1938.1. Monopólios e empresas estatais 1938.2. Loteria 193

IV - A despesa pública9. Conceito 194

10. As relações entre despesa e receita 19411. Despesa e renúncia de receita 19412. Classificação da despesa pública 19513. Os créditos orçamentários e adicionais 19614. Realização da despesa pública 197 Notas Complementares 198

Capítulo X; FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIAI - Fiscalização financeira e orçamentária

1. A Constituição Financeira 2012. Conceito de fiscalização financeira e orçamentária 2023. Modalidades de fiscalização 2024. Objeto da fiscalização 203

II - Controle da execução orçamentária5. Conceito 2046. Extensão 205

6.1. Administração direta 2056.2. Administração indireta 2056.3. Responsáveis 206

7. Controle externo 2068. Controle interno 2089. As relações entre o controle externo e o interno 209

III - O Tribunal de Contas10. A relevância constitucional do Tribunal de Contas 20911.0 Tribunal de Contas e os Poderes do Estado 21012. A natureza das funções do Tribunal de Contas 21113. Organização e composição 21114. Os direitos fundamentais e o Tribunal de Contas 212 Notas Complementares 213

3a Parte

O CRÉDITO PÚBLICO •9-

Capítulo XI: O EMPRÉSTIMO PÚBLICO1. Empréstimo público e tributo 2172. Empréstimo e receita 2183. Princípios constitucionais 2194. Conceito de dívida pública 2195. Natureza 220

456

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6. Tipos 2206.1. Dívida intema e externa 2206.2. Dívida voluntária e forçada 221

7. Emissão 2218. Extinção 222

Notas Complementares 222

Capítulo XII: O BANCO CENTRAL1. O Banco Central na Constituição 2252. As finanças públicas 225

2.1. Emissão de moeda 2262.2. Empréstimos ao Tesouro Nacional 2262.3. Compra e venda de títulos do tesouro Nacional 2272.4. Depósito dos Poderes Públicos 227

3. O Sistema Financeiro Nacional 228 Notas Complementares 229

4a Parte

TEORIA DA TRIBUTAÇÃOCapítulo x m : R E L A Ç Ã O JU R ÍD IC A TR IB U TÁ R IA

1. Conceito de relação jurídica tributária 2332. Natureza da relação jurídica tributária 235

2.1. Relação de poder 2352.2. Relação obrigacional ex lege 2352.3. Relação procedimental 2362.4. Relação obrigacional e Constituição 237

3. Relação jurídica tributária material 2383.1. A obrigação tributária principal 2383.2. Penalidade pecuniária 2383.3. Crédito tributário 2393.4. Nascimento e extinção da obrigação tributária 239

4. Relação jurídica tributária formal 2404.1. Deveres instrumentais 2404.2. Obrigação acessória 2404.3. Penalidade pecuniária 241

Notas Complementares 241

Capítulo XIV: NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIAI - O fato gerador da obrigação tributária

1. Conceito 2432. Estrutura normativa 244

2.1. Fato gerador abstrato e concreto 2442.2. Antecedente e conseqüente da regra de incidência 245

3. Terminologia 2464. Espécies 2475. Evasão, elisão, sonegação e fraude 248

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6. Elementos constitutivos: objetivo e subjetivo 250

II - O elemento objetivo do fato gerador7. Aspecto material 250

7.1. Fato gerador simples e complexo 2507.2. Fato gerador genérico e específico 2517.3. Fato gerador condicional e incondicional 2517.4. Fatos geradores baseados em atos válidos e inválidos 2527.5. Fatos geradores baseados em atos lícitos e ilícitos 2527.6. Fato gerador formal e causai 2527.7. Fato gerador típico e complementar 253

8. Aspecto temporal 2538.1. Fato gerador instantâneo 2538.2. Fato gerador periódico 254

9. Aspecto espacial 25510. Aspecto quantitativo 255

10.1. Base de cálculo 25510.2. Alíquota 25610.3. Tributo fixo 257

III - O elemento subjetivo do fato gerador11. Aspecto pessoal 25712. Sujeito ativo 25713. Sujeito passivo 25814. Solidariedade 25915. Capacidade tributária 260

15.1. Pessoa natural 26015.2. Pessoa jurídica 26015.3. Entes desprovidos de personalidade 261

16. Domicílio tributário 26117. Contribuinte 26218. Responsável 263

18.1. Conceito 26318.2. Classificação 26318.3. Substituto 264

a) Conceito de substituto legal tributário 264b) O agente da retenção na fonte 265c) A substituição no ICMS 266

18.4. Sucessor 26718.5. Terceiros 269

a) Responsável subsidiário 269b) Responsável solidário 270

18.6. Agente da infração 271a) Responsabilidade objetiva 271b) Personalização 271c) Denúncia espontânea 272

Notas Complementares 273

458

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Capítulo XV; O CRÉDITO TRIBUTÁRIOI - Conceito de crédito tributário

1. Crédito e obrigação tributária 2752. O processo de concreção do crédito tributário 275

O - Constituição do crédito tributário3. Conceito de “constituição” do crédito tributário 2764. O lançamento tributário 276

4.1. Subsunção 2764.2. Procedimento 2774.3. Ato notificado 277

5. Eficácia do lançamento 2775.1. Declaratória da obrigação 2785.2. Constitutiva da obrigação 2785.3. Declaratória da obrigação e constitutiva do crédito 279

6. Princípios do lançamento 2796.1. Vinculação à lei 2796.2. Irretroatividade 2806.3. Irrevisibilidade 2806.4. Inalterabilidade 281

7. Modalidades do lançamento 2827.1. Lançamento por declaração 2827.2. Lançamento por arbitramento 2837.3. Lançamento de ofício 2837.4. Lançamento por homologação 284

III ~ Suspensão do crédito tributário8. Conceito-de suspensão da exigibilidade do crédito tributário 2869. Moratória 287

10. Depósito 28811. Reclamações e recursos administrativos 28912. Medida liminar em mandado de segurança 28913. Medida liminar ou tutela antecipada em outras ações 28914. Parcelamento 290

IV - Extinção do crédito tributário15. Conceito de extinção do crédito tributário 29016. Pagamento 291

16.1. Prova 29116.2. Lugar 29116.3. Tempo 29116.4. Modalidades 29216.5. Imputação 29316.6. Consignação 29316.7. Pagamento indevido 294

a) Repetição do indébito 294b) Restituição dos impostos indiretos 296c) Os acréscimos 299

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17. Compensação 29918. Transação 30019. Remissão 30120. Decadência 30321. Prescrição 304

V - Exclusão do crédito tributário22. Conceito de exclusão do crédito tributário 30523. Isenção 306

23.1. Privilégio não-odioso 30623.2. Histórico 30623.3. Natureza 30823.4. Classificação 30923.5. Reconhecimento 31023.6. Os princípios constitucionais da isenção 310

a) Princípios vinculados à justiça 310b) Princípios vinculados à segurança jurídica 312

23.7. Os direitos fundamentais 31323.8. Renúncias de receita 31423.9. Isenção e alíquota zero 31523.10. Interpretação das isenções 31623.11. Revogação das isenções 317

24. Anistia 318

VI - Garantias do crédito tributário25. Conceito de garantias do crédito tributário 31926. Privilégios 31927. Preferências 320

VII - Fiscalização do crédito tributário28. Fiscalização 32129. Dever de prestar informações ao fisco 32230. Sigilo fiscal do contribuinte 322 3L Normas antissigilo bancário 323 Notas Complementares 325

Capítulo XVI: INFRAÇÕES E SANÇÕES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIAI - Direito Penal Tributário

1. Poder de punir e de tributar 3272. Penalidade e tributo 3273. Direito Penal Tributário ou Direito Tributário Penal? 328

aII - Infrações4. Classes 329

4.1. Crimes 329a) Contrabando ou descaminho 329b) Falsificação de estampilha 330c) Sonegação e fraude 330d) Crimes praticados por funcionários públicos 331

460

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4.2. Outras infrações 332 ’a) Infrações simples 332b) Infrações formais 332c) Mora 332

5. Características 3335.1. Antijuridicidade 3335.2. Tipicidade 3335.3. Punibilidade 3335.4. Culpabilidade 334

6. Responsabilidade 334

III - Sanções7. Classes 334

7.1. Sanções não-pecuniárias 334a) Privação de liberdade 334b) Privação de direitos 335c) Perdimento de bens 335

7.2. Penalidades pecuniárias 336a) Multas fixas 336b) Multas proporcionais 336c) Acréscimos moratórios 336

S. Natureza 3368.1. Civil 3378.2. Tributária 3378.3. Penal 338

9. Responsabilidade 339

IV - A tributação penalNotas Complementares 340

Capítulo XVII: PROCESSO TRIBUTÁRIOI - Introdução

1. Conceito de processo tributário 3432. Direito Processual e Direito Administrativo 3443. Características 3444. Harmonia entre as instâncias administrativa e judicial 3455. Unificação 346

II - O Processo Administrativo Tributário6. Fonte 3467. Natureza 3468. Classificação 347

8.1. Impugnação de lançamento 3478.2. Restituição de tributo 3488.3. Consulta 348

9. Administração Judicante 3489.1. Julgador de Ia instância 3499.2. Conselhos de Contribuintes 349

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10. A Administração Ativa e o processo tributário 35010.1. Recurso hierárquico 35010.2. Consulta 350

11. Defmitividade 350

III - O Processo Judicial Tributário12. Fonte 35113. Natureza 35114. Privilégios 35215. A dualidade de jurisdição 35216. Ação declaratória 35217. Ação anulatória de débito fiscal 35318. Ação de consignação em pagamento de débito fiscál 353 19- Ação de repetição de indébito 35420. Mandado de segurança 35421. Ação direta de inconstitucionalidade 35422. Ação declaratória de constitucionalidade 35523. Ação civil pública 35524. Medida cautelax fiscal 35625. Execução fiscal 356 Notas Complementares 357

Capítulo XVffl: SISTEMAS TRIBUTÁRIOSI - Introdução

1. Conceito de sistema tributário 3592. Classificação dos sistemas tributários 3593. O sistema de partilha da receita tributária 361

II - Sistema Tributário Nacional4. Conceito 3615. Classificação 3626. O sistema tributário ideal 363

III - Sistema Tributário Federado7. Conceito 3638. Separação do poder tributário 363

8.1. Separação horizontal 3648.2. Separação vertical 365

9. Classificação do sistema tributário federado 36510. O sistema federado ideal 368

IV - Sistema Internacional Tributário11. Conceito 36812. Integração fiscal 36913. Classificação 369

V - Sistema de Repartição das Receitas Tributárias14. Conceito 370

462

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15. Participações sobre a arrecadação 370 Noías Complementares 372

Capítulo XIX: OS TRIBUTOSI - Introdução

1. Conceito de tributo 3732. Classificação de tributo 375

II - Impostos3. Conceito 3764. Classificação 3775. Impostos federais 378

5.1. Imposto de importação 3785.2. Imposto de exportação 3785.3. Imposto de renda 3795.4. Imposto sobre produtos industrializados 3815.5. Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro 3825.6. Imposto sobre a propriedade territorial rural 3825.7. Imposto sobre grandes fortunas 384

6. Impostos estaduais 3856.1. Imposto causa mortis e doação 3856.2. Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) 386

a) Histórico 386b) Fato gerador 387c) Não-cumulatividade 388d) Crédito fiscal 389e) Seletividade 391f) Alíquotas 391g) Importação 392h) Imunidade e não-incidência qualificada 394i) Harmonização sistêmica 396j) Reserva de lei complementar 397 k) Energia elétrica, combustíveis e minerais 399

6.3. Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) 4007. Impostos municipais 400

7-1. Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana (IPTU) 4007.2. Imposto de transmissão “inter vivos” 4017.3. Imposto sobre serviços de qualquer natureza 403

III - Taxas8. Conceito 4069. Requisitos constitucionais 406

10. Princípios de justiça fiscal 40811. Competência comum 40812. Base de cálculo 40813. Natureza das taxas 409

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IV - Contribuições especiais14. Conceito 40915. Classificação 410

15.1. Contribuição de melhoria 410a) Conceito 410b) Princípios de justiça fiscal 412c) Competência comum 412

15.2. Contribuições sociais 412a) Fundamentos 412b) Fato gerador 413c) Classificação 413d) Natureza 415e) Competência 416f) Aspectos sistêmicos 417g) Não-cumulatividade 417h) O problema da lei complementar 419i) Anterioridade 420

15.3. Contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) 420a) Fundamentos 420b) Fato gerador 422c) Natureza 422d) Competência 423e) Princípios constitucionais tributários 424

15.4. Contribuições de interesse das categorias profissionais 42515.5. Contribuições de interesse das categorias econômicas 42515.6. Contribuição provisória sobre movimentação financeira 42615.7. Contribuição especial anômala: iluminação pública 427

V - Empréstimo compulsório16. Conceito 42717. Natureza 428Notas Complementares 429

ÍNDICE DE AUTORES 433 ÍNDICE DE ASSUNTOS 437 ÍNDICE SISTEMÁTICO 449

464