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Código ISSN: 2358-0690 ano 03 Fevereiro 15 Crise Internacional, Dogmas Econômicos e o Brasil 14 Antonio Prado | Daniela Magalhães Prates | Frederico G. Jayme Jr. | Luiz Fernando de Paula | Maryse Farhi Série Especial AUSTERIDADE ECONÔMICA E RETROCESSO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D REVISTA

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Revista Política Social e Desenvolvimento

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  • Cdigo ISSN: 2358-0690ano 03 Fevereiro 15

    Crise Internacional, Dogmas Econmicos e o Brasil

    14Antonio Prado | Daniela Magalhes Prates | Frederico G. Jayme Jr. | Luiz Fernando de Paula | Maryse Farhi

    Srie Especial AUSTERIDADE ECONMICA E RETROCESSO SOCIAL Em Parceria com BRASIL DEBATE E REDE D

    REVISTA

  • Revista eletrnica idealizada e produzida pela rede Plataforma Poltica Social que rene cerca de 300 pesquisadores e profissionais de mais de uma centena de univercidades, centros de pesquisa, rgos do governo e entidades da sociedade civil e do movimento social.

    plataformapoliticasocial.com

    revistapoliticasocialedesenvolvimento.com

    EDITOR Eduardo Fagnani

    EDITOR ASSISTENTE Thomas Conti

    JORNALISTA RESPONSVEL Davi Carvalho

    REVISO Caia Fittipaldi

    PROJETO GRFICO Renata Alcantara Design

    DIREO DE ARTE E EDITORAO Coletivo Vaidap

    CONSELHO EDITORIAL Ana Fonseca NEPP/UNICAMP

    Andr Biancarelli Rede D - IE/UNICAMP

    Erminia Maricato USP

    Jorge Abraho de Castro Ministrio do Planejamento

    Lena Lavinas UFRJ

    APOIO PARCERIA

    www.fes.org.br

    Cdigo ISSN: 2358-0690

  • 08Perspectivas das economias avanadasLuiz Fernando de Paula

    16Gesto macroeconmica e desenvolvimentoAntonio Prado

    12Gesto macroeconmica em contexto de globalizao financeiraLuiz Fernando de Paula

    24A restrio externa, mais uma vez!Frederico G. Jayme Jr.

    ndice

  • 5C R I S E I N T E R N A C I O N A L , D O G M A S E C O N M I C O S E O B R A S I L

    Fragilizado pelas foras da direita derrotadas nas urnas, que tramam

    o impeachment da presidenta demo-craticamente eleita, o governo optou pela austeridade na conduo da poltica econmica. Essa opo interdita a agenda de reformas estruturais que o pas precisa adotar para se enfrentar, dentre outros temas, as diversas faces da crnica desigualdade social brasi-leira. Alm disso, a possibilidade da recesso poder colocar em risco as importantes conquistas sociais recentes.

    Apresentao

    Andre Biancarelli R E D E D

    Eduardo FagnaniP L ATA F O R M A P O L T I C A S O C I A L

    Pedro Rossi B R A S I L D E B AT E

    Thomas Conti P L ATA F O R M A P O L T I C A S O C I A L

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    Diante disso, a Plataforma Pol-tica Social, em parceria com o Brasil Debate e a Rede Desenvol-vimentista, traz ao leitor a Srie Especial Austeridade Econmica e Retrocesso Social que disponi-biliza um conjunto de artigos de especialistas no estudo da macroe-conomia e da questo social que alertam para os perigos da estra-tgia adotada. Esta segunda edio da srie contempla quatro artigos que sintetizam brevemente o debate internacional e os dilemas atuais sobre a gesto macroecon-mica no Brasil.

    No artigo Perspectivas das Economias Avanadas, Maryse Farhi e Daniela Prates sintetizam as anlises contemporneas das agncias multilaterais acerca da conjuntura econmica mundial. Sob a ideia do novo normal (new normal), cresce a perspectiva de que o baixo crescimento ser a tendncia dos prximos anos. Esse fato tem gerado movimentos no sentido de mudar o paradigma histrico das medidas apoiadas por essas agncias, at ento grandes defensoras da austeri-dade. O artigo estaca o posiciona-mento recente do FMI acerca dos riscos associados ao baixo poten-cial de crescimento e estagnao secular nas economias de alta renda, chamado de nova medio-cridade pela diretora executiva do rgo. As autoras concluem que

    sem polticas arrojadas, o novo normal, a estagnao secular ou nova mediocridade continuaro sendo denominaes utilizadas para descrever a evoluo da economia mundial nos prximos anos.

    Em Gesto Macroeconmica em Contexto de Globalizao Finan-ceira, Luiz Fernando de Paula discute justamente os problemas desses paradigmas superados que emergiram a partir do Consenso de Washington e prope um conjunto de medidas que poderiam dar maior flego para as polticas econmicas nacionais. O autor sublinha a importncia da propo-sio de uma agenda macroe-conmica pr-crescimento que contribua para superar uma gover-nana excessivamente ortodoxa. Para impulsionar o debate, prope medidas voltadas para o aperfei-oamento do regime de metas de inflao; a utilizao de um instru-mental mais amplo para poltica anti-inflacionria; a adoo de um regime de bandas fiscais; a adoo de um regime de cmbio flutuante administrado; e a continuidade do processo de reduo da dvida pblica indexada taxa Selic.

    Em Gesto macroeconmica e Desenvolvimento, Antonio Prado mapeia as economias da Amrica Latina mostrando que na dcada passada os governos souberam aproveitar o forte crescimento

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  • 7C R I S E I N T E R N A C I O N A L , D O G M A S E C O N M I C O S E O B R A S I L

    do comrcio internacional para acumular reservas, pagar dvidas, ampliar o espao fiscal e, simul-taneamente, promover a incluso social. A melhoria dos funda-mentos macroeconmicos foi fundamental para o enfrenta-mento da crise financeira interna-cional deflagrada em 2007-2008. Para o autor, a Amrica do Sul recuperou-se em 2010 e no o fez seguindo o Consenso de Washin-gton - nesta altura, j bastante desmoralizado e a ortodoxia neoclssica e monetarista. No obstante, com a segunda onda da crise internacional, a taxa de crescimento da Amrica Latina vem desacelerando. Essa reverso cclica tem sido enfrentada por polticas ortodoxas que terminaro por comprometer a trajetria de longo prazo das economias do continente e limitar as possi-bilidades de se enfrentarem os problemas estruturais histricos da regio. O regime macroecon-mico para enfrentar essas lacunas no deve ser o do austericdio, sustenta Prado.

    Por fim, em A Restrio Externa, mais uma vez!, Frederico G. Jayme Jr. aponta que, desde 2011, a situao das contas externas no Brasil tem-se deteriorado conti-nuamente. Apesar das melhoras ocorridas na dcada passada, a restrio externa assombra a economia brasileira. O autor

    analisa o desempenho do balano de pagamentos nos ltimos anos e sintetiza as principais e preocu-pantes concluses sobre as pers-pectivas dos prximos anos, caso no se consiga promover mudanas estruturais. Conclui assinalando a importncia de um projeto que consiga superar a restrio externa estrutural e recuperar o papel do setor industrial. Em sua viso, a submisso da poltica pblica de longo prazo s vicissitudes do curto prazo pode ser fatal para a superao da restrio externa estrutural na economia brasileira.

    Com um conjunto amplo de contri-buies para debates atuais, com grande prazer que convidamos a todos a uma tima leitura!

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    Passados mais de sete anos do incio da crise financeira global em meados de 2007, a economia internacional est muito longe de mostrar sinais de recuperao sustentada. Por vrios anos, as instituies multi-laterais reiteraram seu otimismo, que tal recuperao estava prxima, embora apontassem acentuados

    riscos para sua concretizao. Estas instituies foram sendo confrontadas com a realidade de uma economia internacional sem dinamismo. O fato mais notvel dos recentes relatrios e pronun-ciamentos dos dirigentes do Fundo Monetrio Internacional (FMI) e da Organizao para a Coope-rao e Desenvolvimento Econ-mico (OCDE) a maior cautela e a mudana de postura frente s perspectivas econmicas de mdio prazo.

    Assim, no por acaso que o rela-trio de outubro de 2014 do FMI foi intitulado Heranas, Nuvens, Incertezas. A hiptese mais

    Maryse Farhi Professora doutora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas.

    Daniela Magalhes PratesProfessor Doutor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Poltica Econmica (Cecon/Unicamp)

    Perspectivas daseconomias avanadas

  • 9C R I S E I N T E R N A C I O N A L , D O G M A S E C O N M I C O S E O B R A S I L

    admitida, agora, que a economia internacional pode continuar enfrentando perodo prolongado de baixo crescimento.

    Esta hiptese esteve na base das discusses econmicas da reunio do G20 na Austrlia em novembro de 2014. Os lderes das principais economias mundiais anunciaram a adoo de reformas, que, segundo a OCDE, poderiam acrescentar US$ 2 trilhes economia mundial, 2,1% anuais taxa de crescimento em cinco anos e criar milhes de novos postos de trabalho. Estas medidas foram acolhidas com grande ceticismo devido acen-tuada divergncia das polticas macroeconmicas, notadamente a insistncia dos pases da rea do euro de prosseguir na contrao fiscal e da oposio da Alemanha a uma poltica monetria expansio-nista semelhante praticada nos EUA, Japo e Inglaterra.

    Cronologicamente, o primeiro a apontar a possibilidade de, passada a crise, o mundo enfrentar um prolongado perodo de baixo crescimento, foi Mohamed El-E-rian, poca executivo chefe da PIMCO, maior gestora de recursos do mundo. Em maio de 2009, ele cunhou a expresso novo normal para definir as perspectivas econ-micas aps a crise.

    O novo normal se caracterizaria

    por baixo crescimento, elevado desemprego, quedas nas rendas do trabalho e do capital e dvidas pblicas elevadas. Segundo ele, tal perodo estender-se-ia por trs a cinco anos. Seu raciocnio basea-va-se na perspectiva de que so necessrios muitos anos para que uma economia se recupere total-mente de um perodo de excessiva alavancagem financeira, endivida-mento extremo, acmulo irrespon-svel de risco e imensa ampliao de crdito.

    Os fundamentos analticos desta definio foram desenvolvidos por Reinhart e Rogoff e por Spence, prmio Nobel de economia. De acordo com El Erian inicialmente, o conceito provocou controvrsias. Muitos optaram por ignor-lo, por achar que era excessivamente

    Assim, no por acaso que o relatrio de outubro

    de 2014 do FMI foi intitulado Heranas, Nuvens, Incertezas.

    A hiptese mais admitida, agora, que a economia

    internacional pode continuar enfrentando

    perodo prolongado de baixo crescimento.

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    pessimista e no levava em conta recuperaes cclicas historica-mente robustas. Outros conside-raram o conceito fatalista demais, dizendo que a poltica anticclica no usual, incluindo grandes pacotes de incentivos governamentais, bem como medidas no convencionais dos bancos centrais combinando taxas de juros excepcionalmente baixas e compras diretas de ttulos pblicos, poderiam impedir sua erupo. Infelizmente, ambas as crticas estavam erradas.

    Em novembro de 2013, num discurso em homenagem a Stanley Fischer na Organizao das Naes Unidas (ONU), foi a vez de Lawrence Summers, ex-secretrio do Tesouro americano, ressuscitar o conceito de estagnao secular para descrever essa configurao.

    A diferena entre sua abordagem e a de El-Erian que Summers foca-liza a queda do nvel das taxas de juros reais como principal fator explicativo para a impossibilidade de manter, concomitantemente, um alto nvel de crescimento e estabili-dade financeira.

    Nesta anlise, a criao de uma espiral de deflao de dvidas considerada uma possibilidade. A descrio do ciclo vicioso que recebe este nome se deve a Irving Fisher, conhecido por sua abor-dagem quantitativista da moeda,

    que posteriormente deu origem teoria monetarista. Ele descreve a ntima relao entre o colapso dos mercados financeiros, os efeitos devastadores da relao entre a deflao de preos dos ativos e a queda dos preos das mercado-rias, o processo de desalavancagem das famlias e das empresas e a contrao da atividade econmica. Fisher aponta os fatores que se encadeiam e interagem uns com os outros em condies de excesso de endividamento e deflao de preos dos ativos e dos bens e levam a economia a uma insuficincia crnica de demanda.

    O relatrio de outubro do FMI (IMFa, 2014) enfatiza os riscos de mdio prazo associados ao baixo potencial de crescimento e estag-nao secular nas economias de alta renda. Logo aps a conferncia de lanamento deste relatrio, sua diretora executiva, Christine Lagarde, chamou de nova medio-cridade o atual perodo em que embora a economia global continue se recuperando, ela permanece excessivamente frgil e desigual; fraca demais para efetivamente lidar com as dificuldades de 200 milhes de pessoas desempregadas ao redor do mundo.

    As razes da nova mediocri-dade decorreriam do fato que os pases ainda esto lidando com as heranas da crise, incluindo o alto

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    endividamento e desemprego. Ademais, apontou a existncia de algumas nuvens ameaadoras no horizonte, como elevado desem-prego e baixas taxas de inflao na rea do euro, excessos financeiros se acumulando nos mercados das economias avanadas e riscos de liquidez. Em concluso, Lagarde apontou que a economia global est em um ponto de inflexo: pode se arrastar com um crescimento baixo, o novo medocre, ou pode-se buscar um caminho melhor, no qual polticas arrojadas aceleram o crescimento, aumentam o emprego e conseguem um novo impulso.

    O FMI defende que as polticas arrojadas para ultrapassar a nova mediocridade passam pela elevao do investimento pblico em infraestrutura. Dadas as atuais circunstncias de crescimento fraco e taxas reais de juros ultrabaixas, este

    tipo de projeto pagaria por seus custos e, com isso, reduziria, ao invs de elevar, a dvida pblica.

    As convices conservadoras de prio-rizar a busca de ajuste fiscal, domi-nantes na rea do euro e no partido republicano americano (que acaba de conquistar a maioria nas duas casas do Congresso), so radicalmente opostas a este tipo de poltica macroeconmica preconizada pelo FMI.

    Sem polticas arrojadas, na melhor das hipteses, novo normal, estag-nao secular ou nova mediocri-dade continuaro, por muito tempo, sendo denominaes utilizadas para descrever a evoluo da economia mundial. Na pior hiptese, a espiral de deflao de dvidas provocar nova e profunda recesso.

    O FMI defende que as polticas arrojadas para ultrapassar a nova mediocridade passam pela elevao do investimento pblico

    em infraestrutura. Dadas as atuais circunstncias de crescimento fraco e taxas reais de juros ultrabaixas, este tipo de projeto pagaria

    por seus custos e, com isso, reduziria, ao invs de elevar, a dvida pblica. As convices conservadoras de priorizar a busca de ajuste fiscal,

    dominantes na rea do euro e no partido republicano americano (que acaba de conquistar a maioria nas duas casas do Congresso), so radicalmente opostas a este tipo de poltica macroeconmica preconizada pelo FMI.

    Sem polticas arrojadas, na melhor das hipteses, novo normal, estagnao secular ou nova mediocridade continuaro,

    por muito tempo, sendo denominaes utilizadas para descrever a evoluo da economia mundial. Na pior hiptese, a espiral de deflao de dvidas provocar nova e profunda recesso.

    R E F E R N C I A

    IMF (2014 a) Legacies, Clouds, Uncertainties, World Economic Outlook, October 2014 Washington D.C.: Interna-tional Monetary Fund. Disponvel em: http://www.imf.org.

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    Desde o fim do sistema de Bretton Woods no incio dos anos 70, a economia mundial deu incio a um processo de globalizao financeira, com maior integrao entre sistemas financeiros domsticos e intensifi-cao nos fluxos de capitais entre

    pases. Este processo se intensificou com a adoo de polticas neoliberais pelo governo britnico e americano a partir do final da dcada de 70, que posteriormente se alastrou para as economias avanadas, ocasionando uma liberalizao nos fluxos de capitais. Neste contexto, desenvol-veu-se um regime de acumulao, o chamado capitalismo dominado pelas finanas, que tem como atri-buto central o desenvolvimento de um processo chamado de financeiri-zao, definido de forma ampla como

    Gesto macroeconmica em contexto de

    globalizao financeira

    Luiz Fernando de PaulaProfessor Titular de Economia da FCE/UERJ e autor do livro Sistema Financeiro, Bancos e Financiamento da Economia (Campus).

    Picture Allience/Zum Apress

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    C R I S E I N T E R N A C I O N A L , D O G M A S E C O N M I C O S E O B R A S I L

    o aumento do papel de mercados financeiros e instituies financeiras na operao de economias nacionais.

    Na Amrica Latina, este processo veio a ocorrer a partir do final dos anos 80, no contexto do que ficou conhe-cido como Consenso de Washington. curioso que este, na concepo original de John Williamson, defendia polticas liberalizantes (abertura comercial, privatizao, etc.), mas no em relao aos fluxos de capitais; na verso das agncias multilaterais (BIRD e FMI) tal Consenso incor-porou a abertura da conta capital em suas polticas.

    O Brasil desde o incio dos anos 90 realizou um processo de liberalizao financeira, tanto no que se refere aos fluxos de entrada (aplicaes em portflio) quanto de sadas de capitais. Na primeira metade dos anos 2000, este processo atingiu seu pice com a consolidao das normas cambiais. Aps a crise cambial do incio de 1999, o governo brasileiro adotou o chamado trip econmico, constitudo de um regime de cmbio flexvel, regime de metas de inflao e supervits fiscais primrios. Este trip inspirado no Novo Consenso Macroeconmico (NCM), que esta-belece que uma taxa de inflao baixa e estvel condio sine qua non para o crescimento de longo prazo; que no h trade-off no longo prazo entre inflao e desemprego; e, consequen-temente, a discricionariedade na

    conduo da poltica monetria deve ser limitada.

    H uma ampla literatura que avalia as causas e efeitos dos fluxos de capitais em economias em desenvolvimento, e muitos trabalhos mostram que tais fluxos so marcadamente pr-c-clicos e tendem a exacerbar os booms econmicos, quando no os causam, fazendo com que o processo de libe-ralizao financeira exponha pases a vicissitudes associadas com as mudanas nas circunstncias econ-micas de fora do pas. Consequente-mente, tais economias podem ficar expostas a mudanas repentinas na percepo dos emprestadores e inves-tidores estrangeiros e na conduo da poltica monetria externa ao pas. Assim, fluxos de capitais podem ter efeitos disruptivos sobre os pases, diminuindo a autonomia das pol-ticas econmicas voltadas para objetivos domsticos (estabilidade financeira, crescimento econmico e do emprego, etc.).

    No que se refere ao grau de autonomia da poltica monetria, um estudo do BIS (Saxena, Capital flows, exchange rate regime and monetary policy, BIS Papers n. 35, 2008), ao avaliar o impacto dos fluxos de capitais e do regime cambial (se mais flexvel ou mais fixo) sobre a poltica mone-tria, encontrou que as taxas de juros domsticas de curto prazo so signi-ficativamente afetadas pelas taxas de juros externas (em particular do

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    FED), especialmente em pases com alta mobilidade de capitais.

    Neste sentido, de forma quase premo-nitria, James Tobin, economista keynesiano americano, escreveu, ao final dos anos 70, que: Eu acredito que o problema bsico hoje no o regime cambial, se fixo ou flutuante. O debate sobre regime cambial evita e obscurece o problema essencial, que () a excessiva mobilidade interna-cional do capital financeiro privado.

    Mais recentemente, at mesmo economistas do mainstream e insti-tuies multilaterais, como o FMI, reconhecem que, sob certas circuns-tncias, a regulao da conta capital pode ser parte do instrumental da poltica econmica, contribuindo para resolver alguns trade-offs de poltica e diminuir as presses causadas pelos fluxos de capitais.

    Acrescente-se, ainda, que h uma literatura recente que reavalia a conduo da poltica econmica no ps-crise global, colocando a necessi-dade de no se utilizar uma meta de

    inflao excessivamente baixa, de se usarem polticas macroprudenciais para evitar bolhas de ativos, de se incorporar uma nova meta ao regime de metas de inflao (estabilidade financeira) e, ainda, a necessidade de que haja um espao fiscal para que se possa adotar uma poltica fiscal anti-cclica (ver Blanchard e DellAriccia, Rethinking macro policy II, 2013).

    Quanto ao regime de metas de inflao, cabe destacar que a maioria dos pases, no que se refere definio do horizonte da meta perodo no qual se espera que o BC alcance sua meta de inflao , utiliza um prazo mdio (dois anos ou mais, ou um perodo mvel) que permite divergncias de curto prazo entre a meta e os choques que afetam a economia, j que choques no previsveis tm efeitos defasados na economia. Deve-se destacar que o Brasil, neste particular, dos poucos pases que utilizam a meta anual (ano calendrio) como horizonte da meta.

    A partir da anlise acima, podem-se extrair algumas lies para avaliar alguns dilemas da economia brasi-

    leira: em um pas com conta capital aberta, um regime de metas de inflao relativamente rgido e um sistema financeiro sofisticado, os graus de liberdade para conduo de uma gesto mais autnoma da poltica econmica ficam bastante restringidos.

    verdade que a experincia

    Mais recentemente, at mesmo economistas do mainstream e instituies multilaterais,

    como o FMI, reconhecem que, sob certas circunstncias, a regulao

    da conta capital pode ser parte do instrumental da poltica

    econmica, contribuindo para resolver alguns trade-offs

    de poltica e diminuir as presses causadas pelos fluxos de capitais.

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    malsucedida da chamada nova matriz macroeconmica (2011-2014) tambm no ajudou, em particular no que se refere poltica fiscal utili-zada, privilegiando desoneraes fiscais (que serviram para a inds-tria recompor sua margem de lucro) em vez de aumento em investimentos pblicos (de maior efeito multipli-cador de renda) e sendo opaca nas suas sinalizaes. A poltica de desonera-es no logrou xito em aumentar a j crtica produo industrial, e seu relativo fracasso contribuiu para a deteriorao fiscal, j que os gastos pblicos aumentaram ao mesmo tempo em que o crescimento do PIB despencou.

    Embora a situao fiscal tenha piorado recentemente est longe de ser uma situao catastrfica como se tem veiculado na mdia. O mercado, entretanto, passou a exigir um ajuste fiscal mais forte para conter o aumento da dvida pblica bruta e o dficit fiscal, praticamente obri-gando o governo a realiz-lo. Embora tenha sido escolhido um certo gradua-lismo, h dvidas quanto ao impacto do ajuste sobre o crescimento da economia brasileira no curto e no mdio prazo.

    Assim, para alm de uma viso curto-prazista, de fundamental importncia fazer uma discusso acerca de uma agenda de poltica macroeconmica pr-crescimento que contribua para superar uma

    governana que possa ser excessiva-mente rgida e ortodoxa. A ttulo de concluso, sugerimos que tal agenda deva incluir a avaliao das seguintes propostas:

    (i) aperfeioamento do regime de metas de inflao com adoo de um horizonte de deciso mais amplo (dois anos, por exemplo) para dar espao para que a poltica de juros acomode mais suavemente os choques de oferta;

    (ii) utilizao de um instrumental mais amplo para poltica anti-in-flacionria para alm da poltica de juros (poltica de rendas, reviso de alguns preos administrados, etc.);

    (iii) adoo de um regime de bandas fiscais ajustado ao ciclo (com limite de tolerncia para permitir o uso de poltica anticclica em perodos de desacelerao);

    (iv) adoo de um regime de cmbio flutuante administrado (que pode requerer regulao da conta capital);

    (v) continuidade do processo de reduo da dvida pblica indexada a taxa Selic (LFTs), de modo a acabar com a contaminao perversa entre mercado de reservas bancrias e mercado de dvida pblica, com efeitos deletrios sobre o desen-volvimento do mercado financeiro domstico.

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    A Amrica Latina e Caribe so conti-nente em permanente redemoinho econmico. Aqui, mesmo a bonana tema complexo. Assim que a dcada que inaugura o sculo XXI nessa regio foi particularmente atpica. O chamado epteto do casillero vazio,

    forjado por Fernando Fajnzylber nos anos 1980 que registrava a ausncia em nossa histria econmica da coin-cidncia entre crescimento do PIB e distribuio de renda viu-se supe-rado pela novidade de um perodo em que crescemos em mdia mais que nas duas dcadas anteriores, quase-perdidas, diminuindo a fome e a pobreza intensamente; e, de forma incipiente, mas claramente obser-vada, tambm a desigualdade na distribuio pessoal da renda. Alguns pases, at com queda na desigualdade

    Gesto macroeconmica e desenvolvimento

    Antonio PradoSecretrio executivo adjunto da Cepal. Professor licenciado da FEA-PUC-SP. Foi economista do Dieese, Senado Federal e BNDES.

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    C R I S E I N T E R N A C I O N A L , D O G M A S E C O N M I C O S E O B R A S I L

    na distribuio de salrios e outras rendas do capital.

    Esse um perodo notvel, mais pelo avano social que pelas trans-formaes estruturais. Os governos souberam aproveitar a coincidncia entre preos de commodities em forte crescimento, a expanso da liquidez internacional e do crdito, o forte crescimento do comrcio interna-cional, das remessas de imigrantes, o influxo de gastos de turistas e de investimentos diretos estrangeiros, para acumular reservas, pagar dvidas e ampliar o espao fiscal. Tal foi o afluxo de divisas que mesmo liquidando dvidas com o FMI, Clube de Paris e recomprando ttulos da

    renegociao de moratrias dos anos 1990, a taxa de cmbio se apreciou nos pases da regio, independente do regime cambial adotado.

    O acmulo de reservas foi um tema em debate. A teoria convencional estabelece que em um regime de cmbio flutuante pleno com livre fluxo de capitais no seria neces-srio acumular reservas e carregar os custos envolvidos nesta opo. Nas recomendaes de poltica baseadas em observaes empricas, o volume de reservas deveria situar-se entre 3 a 4 meses de importaes, a depender das condies de crdito interna-cional e de dvida de curto prazo. Os pases da regio mesmo os que

    Fonte: Comisin Econmica para Amrica Latina y el Caribe (CEPAL), sobre la base de cifras oficiales.

    AMRICA LATINA E CARIBEComparao entre o PIB Per Capta e a Incidncia da Pobreza 1980-2013

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    adotam regimes de metas de inflao e cmbio flutuante administrado foram muito alm de qualquer parmetro conhecido, havendo os que hoje chegam a ter 48% do PIB em reservas (Bolvia, 2014, p.ex.). Fizeram mal?

    Essa opo no parece ser nonsense, e o teste foi o da crise financeira inter-nacional deflagrada em 2007-2008. O default dos crditos subprimes na economia norte-americana iniciou uma crise sistmica que terminou por fulminar as casas de crdito imobilirio e por fim, quebrar as duas grandes instituies estatais de seguro imobilirio, Freddy Mac, Fanny Mae e outras grandes institui-es super alavancadas naquele pas, como o Lehman Brothers e Merril Lynch, dentre outros. Em momento de total incerteza sobre a solvncia das instituies financeiras, o sistema de crdito paralisou em escala plane-tria, afetando o nvel domstico de produo dos pases e o comrcio internacional, drasticamente.

    Essa considerada a maior crise econmica desde os anos 1930, e uma das maiores da era do capital. A velha e conhecida frase de que quando a economia norte-americana sofre um resfriado, Amrica Latina fica com pneumonia, voltava a assombrar nosso horizonte. Mas no foi o que ocorreu. De fato, em 2009, tivemos uma recesso continental, com efeitos muito heterogneos por sub-regies,

    mais dramtica em Mxico e Amrica Central que na Amrica do Sul, e trgica no Caribe. Mas a capacidade de recuperao foi surpreendente, apesar de tambm assimtrica.

    Mxico e Amrica Central, por sua maior exposio comercial economia de Estados Unidos da Amrica do Norte, sofreram mais, no primeiro caso, por exportar 80% de bens e servios para os EUA e por adotar um regime ortodoxo de poltica econmica; e no segundo, tambm pela concorrncia chinesa e por no ser exportador das commodi-ties mais valorizadas no mercado, na verdade vulnerabilizados por serem importadores lquidos de energia e alimentos.

    A Amrica do Sul recuperou-se em

    A Amrica do Sul recuperou-se em 2010 e no o fez seguindo o

    Consenso de Washington, nesta altura j bastante

    desmoralizado, e tampouco a ortodoxia neoclssica

    e monetarista. Os pases dessa sub-regio,

    sem exceo, adotaram, em doses diferentes,

    polticas anticclicas1.

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    2010 e no o fez seguindo o Consenso de Washington, nesta altura j bastante desmoralizado, e tampouco a ortodoxia neoclssica e moneta-rista. Os pases dessa sub-regio, sem exceo, adotaram, em doses dife-rentes, polticas anticclicas.

    Alguns dando mais peso ao instru-mento fiscal, outros ao creditcio e at s instituies do mercado de trabalho, como o salrio mnimo e os rendimentos de funcionrios pblicos, e/ou combinaes diversas dessa caixa de ferramentas. No houve corte generalizado de gastos pblicos e muito menos de gastos sociais; pelo contrrio, os gastos sociais aumen-taram. No houve aumento dos juros e corte de crditos; pelo contrrio, os bancos centrais ampliaram a liquidez e ofereceram crdito direto ou garantias s operaes de comrcio internacional. Houve estmulos aos setores produtivos mais relevantes

    e ao comrcio varejista. Operou-se um estmulo aos gastos de consumo e investimentos, apesar de menos efetivos nesse ltimo caso, por razes institucionais e de gesto.

    As polticas de enfrentamento da crise na China, mediante pacotes de gastos em infraestrutura, permitiram que esse pas continuasse absorvendo grandes importaes de minrios e alimentos, o que permitiu a volta do nosso comrcio internacional a pata-mares anteriores aos da crise, nos anos 2010, 2011. A Amrica Latina voltou a crescer, mas a trajetria nos anos ps-crise revelou que nossa resi-lincia tem limites.

    A segunda onda da crise interna-cional, agora alimentada pelo colapso de pases na periferia da Europa, Grcia, Portugal, Irlanda, Espanha, se somou onda anterior antes de ela ter sido absorvida. Com o mercado de

    Manuel Diaz / AP Photo

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    EUA ainda sem se recuperar plena-mente, a recesso europeia afetou o comrcio internacional uma vez mais, agora caindo a nveis de estag-nao. China no teve como manter seu nvel de crescimento pr 2007-2008 e o ajustou em vrios pontos, de 11% para 7,5%.

    Desde ento, a taxa de crescimento da Amrica Latina vem desacelerando, primeiro pelos efeitos nos pases mais industrializados da regio, Brasil, Mxico e Argentina, e depois nos mineiros, Chile e Peru, o que se dever ver tambm nos pases petro-leiros, Bolvia e Equador, agora que caem tambm as cotaes do petrleo abaixo dos US$100.

    Essa dinmica no desconhe-cida. Na verdade, repete a de outros momentos histricos e j foi descrita pelos autores cepalinos clssicos. Abundncia de divisas em perodos de booms de preos de commodities seguido por crises cambiais na reverso cclica da economia mundial. A deteriorao dos termos de intercmbio recor-rente. Em perodos de crescimento da economia mundial, os preos de commodities sobem, por razes de demanda e/ou especulao em mercados de futuros, favorecem a entrada de divisas via canal comer-cial que logo seguido por influxos na conta de capitais. H um crescimento do crdito, do PIB, da arrecadao fiscal, seguido de uma apreciao das

    moedas nacionais no convertveis.

    Como nossa elasticidade-renda das importaes superior elas-ticidade-renda das exportaes por razes estruturais, os saldos de contas correntes refluem a dficits crescentes, que se financiam com facilidade, enquanto a economia mundial segue em crescimento. Com uma reverso cclica, agravada quando ocorre uma crise financeira no mago do sistema internacional, os dficits de transaes correntes na periferia j no encontram finan-ciamento, e segue uma crise cambial. Geralmente, o enfrentamento desta situao se d com forte aumento dos juros, para evitar a fuga de capi-tais, e brutal desvalorizao cambial e seus efeitos sobre a inflao, corte nos gastos pblicos e arrocho de sal-rios e desemprego, para diminuir a demanda corrente e o crescimento da dvida pblica e, tambm, para recompor as taxas de lucros das empresas.

    Essa gesto da reverso cclica termina por comprometer a traje-tria de longo prazo de nossas econo-mias, uma vez que os cortes de gastos pblicos ocorrem principalmente em gastos sociais e investimentos. A crise de 2007-2008 no teve esta trajetria, pois encontrou nossos pases com grandes volumes de reservas e contas pblicas saneadas. Ataques especu-lativos contras as moedas da regio no prosperaram e havia espao

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    fiscal para medidas contracclicas, uma resilincia construda durante a bonana dos preos das matrias primas na primeira dcada dos anos 2000. Uma resilincia significativa, mas que no superou os problemas estruturais histricos de nossa regio.

    A heterogeneidade estrutural continua. Na verdade, as brechas internas de produtividade conti-nuaram crescendo e houve um lock-in que favorece o modelo primrio exportador revitalizado, medida que subiram drastica-mente as taxas de lucro dos setores produtores de bens primrios e se reduziram as dos setores produtores de manufaturas.

    A indstria vem sendo desestimulada pelas moedas nacionais valorizadas e pela intensa importao de insumos, partes e produtos finais. crescente o dficit externo lquido deste setor. Esse desestmulo aos investimentos industriais nos leva a outra brecha de produtividade, que a brecha externa.

    Enquanto a sia do Leste tem produ-tividade baixa, mas convergente dos pases desenvolvidos como os EUA, ALC tm uma estagnao relativa nesse processo.

    Continua tambm a debilidade insti-tucional dos pases da regio. A carga tributria baixa como estrutura regressiva, e os quadros de governo

    Fonte: Comisin Econmica para Amrica Latina y el Caribe (CEPAL), sobre la base de cifras oficiales.

    AMRICA LATINA E CARIBE Evoluo do balano na conta corrente e seus componentes, 1990-2013

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    tm capacidade de gesto limitada. H um esforo em andamento para aumentar as cargas tributrias, j ocorridas na Colmbia, Equador, Uruguai, Chile, Nicargua, Guate-mala dentre outros. Mas muito ainda necessita ser feito. Essa baixa tribu-tao somada baixa capacidade de governo termina por frustrar as expectativas da cidadania, que revela alta desconfiana em relao s instituies do Estado. Isso difi-culta processos de desenvolvimento de longo prazo e diminui o ritmo das transformaes sociais e estruturais.

    Ainda a vulnerabilidade externa um tema. No estamos em um perodo ps-Prebisch, como alguns analistas chegaram a antever. O que observamos que com dfi-cits de transaes correntes cres-centes, a vulnerabilidade na regio latente (explcita em vrios pases do Caribe) devido proteo das reservas internacionais que j somam a US$ 900 bilhes e ao fluxo financeiro que continua em direo ao subcontinente. Mas um assunto srio, e pode deixar de ser latente e concretizar-se.

    O regime macroeconmico para enfrentar essas lacunas no deve ser o do austericdio

    e deve ser coerente com as polticas industriais adotadas. Os pases devem construir um padro

    de interveno macroeconmica que lide com as fases descendentes cclicas, sem arruinar

    as tendncias de longo prazo. J observamos que os ajustes fiscais so mais viveis e menos

    dolorosos em momentos de bonana com gradualismo. Que a poltica monetria deve

    procurar a estabilidade nominal, mas tambm a real, sem provocar volatilidade excessiva do PIB, desemprego e queda dos salrios,

    e que o regime cambial mais efetivo de flutuao administrada com regulao restritiva a fluxos especulativos de capitais.

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    O regime macroeconmico para enfrentar essas lacunas no deve ser o do austericdio, e deve ser coerente com as polticas indus-triais adotadas. Os pases devem construir um padro de interveno macroeconmica que lide com as fases descendentes cclicas, sem arruinar as tendncias de longo prazo. J observamos que os ajustes fiscais so mais viveis e menos dolorosos em momentos de bonana com gradualismo. Que a poltica monetriva deve procurar a estabi-lidade nominal, mas tambm a real, sem provocar volatilidade excessiva do PIB, desemprego e queda dos

    salrios, e que o regime cambial mais efetivo de flutuao administrada com regulao restritiva a fluxos especulativos de capitais.

    Muita sintonia fina na macro e sensibilidade social nos gastos o que necessitamos. Sem movimentos bruscos.

    Fonte: Comisin Econmica para Amrica Latina y el Caribe (CEPAL), sobre la base de cifras oficiales.

    SUGESTO DE LEITURA

    www.cepal.org La hora de la igualdad: brechas por cerrar, caminos por abrir (2010, Braslia); Cambio estructural para la igual-dad: Una visin integrada del desarrollo (2012, El Salvador); Pactos para la igualdad: hacia un futuro sostenible (2014, Lima)1 http://www.cepal.org/es/publicaciones/la-reaccion-de-los-gobiernos-de-las-americas-frente-la-crisis-internacional

    AMRICA LATINA Resultado Fiscal Primrio, 2013 . Em porcentagens do PIB

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    Desde 2011 a situao das contas externas no Brasil tem-se deteriorado continuamente. O dficit estimado em Conta Corrente para 2014 de 3,5% do PIB. Aps a recuperao das exportaes em 2010, ano seguinte ao do pior momento da crise interna-cional para o setor externo no Brasil, o

    volume de exportaes praticamente se estagnou (de US$239 bilhes em 2011 para uma estimativa de US$240 bilhes em 2014). De fato, o saldo comercial vem caindo, desde o pico de US$46,5 bilhes em 2006, para um dficit acumulado entre janeiro e novembro de 2014 de US$4,2 bilhes (Ministrio da Indstria e Comrcio Exterior). A estagnao do comrcio mundial, a paulatina perda de participao das manufaturas e a estabilidade do preo das commo-dities, como minrio de ferro e soja,

    A restrio externa, mais uma vez!

    Frederico G. Jayme Jr.Professor do Cedeplar-UFMG

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    responde por boa parte da estagnao das exportaes.

    O perodo 2003-08 foi alvissareiro para o comrcio mundial e, particu-larmente, para os exportadores de produtos primrios, tanto no Brasil, como no resto do mundo. As expor-taes da Amrica Latina, Estados Unidos, Europa e China cresciam a taxas anuais de dois dgitos. O Brasil se beneficiou deste boom, no somente devido aos seus produtos ofertados no mercado, mas tambm atravs de uma poltica externa de maior integrao comercial com Mercosul e Amrica Latina, alm da frica e sia. A estratgia de ampliar mercados internacionais desde o governo Lula contribuiu para o pas se beneficiar do ciclo virtuoso de cres-cimento do comrcio mundial entre 2003 e 2008.

    A crise internacional interrompeu este crescimento, particularmente com uma queda de mais de 25% no comrcio mundial em 2009. Em que pese a recuperao em 2010, de quase 30% entre 2011 e 2013, as importaes

    mundiais caram 9 pontos percen-tuais desde ento. Mesmo a China, cujo crescimento das importaes com origem na Amrica Latina cres-ciam mais de 43% ao ano entre 2003 e 2008, passam a crescer 11,6% ao ano no perodo 2011-13 (BID, 2014).

    Sendo este pas um destino impor-tante para as exportaes brasileiras, particularmente de minrio de ferro, o impacto desta queda significativo e explica parte do comportamento da balana comercial nos ltimos quatro anos. No bastasse, os preos dos produtos exportados caram em quase 6% para a Amrica Latina entre 2011 e 2013, no sendo suficien-temente compensados pelo cresci-mento do volume exportado.

    Este quadro adverso demonstra clara-mente que, no obstante melhoras nos indicadores sociais, maior incluso e crescimento aps 2003, a restrio externa assombra a economia brasi-leira. De fato, o foco no crescimento para o mercado interno central, consequncia de uma economia que, pouco a pouco, melhorou o seu perfil

    Corey Templeton (2013)

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    distributivo e aumentou a incluso social. Se, por um lado, o alvio externo no perodo 2003-08 possibi-litou que o crescimento, ao contrrio de perodos anteriores, ocorresse com desconcentrao de renda do trabalho e acmulo sem precedentes de reservas internacionais, por outro no houve avano na diminuio da restrio externa estrutural. Com efeito, uma economia com um padro de especializao comercial em commodities primrias e bens inten-sivos em recursos naturais, tender a sofrer mais profundamente os efeitos cclicos do comrcio mundial. Este comportamento cclico ainda maior porque, devido estagnao das economias desenvolvidas e do comrcio mundial, a instabilidade se amplifica.

    Obviamente uma crise internacional de grandes propores, com seu impacto sobre o comrcio interna-cional, afeta igualmente todos os produtos exportveis, sejam eles mais intensivos em recursos naturais, ou

    mais intensivos em tecnologia. No entanto, dadas as caractersticas dos bens de maior contedo tecnolgico, a principal delas sendo a maior capaci-dade de diferenciao de produto, os impactos da queda no comrcio inter-nacional so menores, bem como a incerteza em relao penetrao dos produtos no mercado internacional. E este o ponto central na fragili-zao da situao externa brasileira a partir de 2011 e suas consequncias sobre o crescimento da economia e as possibilidades de manuteno do bem-sucedido processo de incluso e distribuio de renda da primeira dcada dos anos 2000.

    No obstante o ciclo de crescimento recente tenha sido dinamizado pelo mercado interno, ainda que centrado em setores com baixa produtividade, o arrefecimento do comrcio mundial e a estagnao das exportaes traduzi-ram-se em diminuio de dinamismo deste setor no pas, gerando maior incerteza e preferncia pela liquidez dos investidores. Neste sentido, no

    EPA

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    obstante os Investimentos Estran-geiros Diretos tenham-se mantido em torno de 3% do PIB desde 2011, o elevado dficit em Conta Corrente e a estagnao do comrcio exterior acabam por contribuir para a estag-nao do PIB. No curto prazo, a capa-cidade de investimento do Estado em Infraestrutura e em Cincia e Tecno-logia esbarra nas dificuldades fiscais decorrentes da estagnao.

    Este quadro corrobora a restrio externa estrutural da economia brasi-leira, que encontra na especializao comercial um de seus responsveis. De fato, o dinamismo das exporta-es das economias e da ampliao do comrcio internacional se rela-ciona com quatro caractersticas dos mercados dos produtos exportados.

    A primeira delas a estrutura de mercado dos bens exportados. Quanto mais prximas da estru-tura de oligoplio forem as expor-taes, maior ser a capacidade da

    empresa exportadora para fixar os preos de seus produtos, e, portanto, maiores tendem a ser a rentabili-dade e o valor de suas exportaes. Em segundo lugar, o dinamismo do mercado. Quanto maior for a taxa de crescimento da demanda em um mercado, maior tende a ser o valor das exportaes para este mercado. Em terceiro lugar, o grau de proteo do mercado. Quanto menos sujeito o mercado estiver a prticas prote-cionistas, maior tende a ser o valor das exportaes para este mercado. Finalmente, o valor das exportaes depende tambm da diversificao da base produtiva da economia. Tudo isso deixa a economia menos voltil e menos exposta a movimentos de demanda especficos dos setores.

    De fato, quanto maior for o grau de sofisticao tecnolgica dos produtos, mais prximos estaro seus mercados de estruturas oligopoli-zadas, mais dinmicos devem ser seus mercados, e menos sujeitos a prticas

    Vanderlei Almeira

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    protecionistas. Mais do que isto, a incerteza em relao aos movi-mentos no mercado internacional de produtos com maior sofisticao tecnolgica certamente menor, pois sua dependncia dinmica da demanda internacional tambm menor. Ademais, diversificao produtiva e em setores de maior sofisticao tecnolgica afeta a produtividade de outros setores via efeitos diretos e indiretos, alm de possibilitar uma concorrncia no-preo. Portanto, uma pauta exportadora mais diversificada e com produtos industriais de maior sofisticao tecnolgica pode vir a gerar menores problemas externos, mesmo sob arrefecimento do comrcio mundial. E este um dos ns grdios da economia brasileira.

    A correlao positiva entre grau de sofisticao tecnolgica do produto e grau de oligopolizao do seu mercado se deve ao fato de que um produto que est na fronteira tecnolgica, ou prximo a ela, no pode ser produzido nos pases com menor parque tecnolgico ou com sistemas de inovao imaturos. Assim, no h concorrncia acirrada no mercado mundial desse produto, tornando possveis acordos tcitos ou explcitos sobre a fixao de preos do bem no mercado mundial. A maior autonomia na fixao do preo do produto viabiliza um valor mais elevado das exportaes para um dado crescimento da renda mundial.

    Um projeto que consiga superar a restrio externa estrutural, recuperando o papel do setor

    industrial produtor de bens com maior contedo tecnolgico, no

    se faz de um dia para o outro. Tampouco pode ser submetido s

    intempries da poltica econmica de curto prazo. No fcil, mas fundamental, sob pena de colocar

    em risco o processo de incluso social bem-sucedido dos ltimos anos. Polticas fiscal e monetria excessivamente contracionistas

    no curto prazo, sob o fogo cerrado dos mercados, parecem, longe

    de solucionar, contribuir para a manuteno deste crculo

    vicioso. A submisso de qualquer poltica pblica de longo prazo s vicissitudes do curto prazo pode

    ser fatal para a superao da restrio externa estrutural

    na economia brasileira. Este um dos dilemas a serem resolvidos para garantirmos crescimento

    com distribuio de renda e menor vulnerabilidade.

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    Um dos problemas enfrentados pela economia brasileira nesses ltimos anos a dificuldade em garantir um crescimento sustentvel e com aumento de produtividade, seja devido heterogeneidade da estru-tura produtiva do pas, seja devido demanda no mercado de trabalho estar mais aquecida nos setores de menor produtividade, como o setor de servios. Embora tenha havido uma recuperao, ainda que incipiente, da capacidade de plane-jamento no perodo 2003-2014 e a retomada de polticas industriais verticais aps uma virtual parali-zao entre 1980 e 2002, o fato que o Brasil no logrou fazer o catch up tecnolgico e manteve um padro de especializao comercial muito dependente de bens de menor valor agregado e commodities prim-rias. Parte deste insucesso se deve poltica monetria, em direo oposta aos projetos de longo prazo, ao produzir taxas de juros elevadas e valorizao cambial.

    Com efeito, em perodos de bonana dos preos internacionais e cresci-mento do mercado internacional, alm de um comportamento supe-ravitrio da Conta Financeira, foi possvel garantir um balano de pagamentos superavitrio e acmulo de reservas internacionais. No entanto, a poltica econmica de curto prazo, principalmente a poltica monetria com forte valori-zao do cmbio real at 2013, foi de

    encontro aos projetos de longo prazo de diminuio da restrio externa.

    Um projeto que consiga superar a restrio externa estrutural, recu-perando o papel do setor indus-trial produtor de bens com maior contedo tecnolgico, no se faz de um dia para o outro. Tampouco pode ser submetido s intempries da poltica econmica de curto prazo. No fcil, mas fundamental, sob pena de colocar em risco o processo de incluso social bem-sucedido dos ltimos anos. Polticas fiscal e monetria excessivamente contra-cionistas no curto prazo, sob o fogo cerrado dos mercados, parecem, longe de solucionar, contribuir para a manuteno deste crculo vicioso. A submisso de qualquer poltica pblica de longo prazo s vicissitudes do curto prazo pode ser fatal para a superao da restrio externa estrutural na economia brasileira. Este um dos dilemas a serem resolvidos para garantirmos crescimento com distribuio de renda e menor vulnerabilidade.

    REFERNCIA

    BID (2014) Giordano, Paolo (coordinador). Intrade BID: Monitor de comercio y integracion 2014. Vientos Adversos: Polticas para Relanzar el Comrcio en Post-crisis. http://publications.iadb.org/bitstreamhandle/11319/6662/Monitor_2014.pdf

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    plataformapoliticasocial.com

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