observatório social em revista 14

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A peleja do eucalipto A peleja do eucalipto Catadoras de mangaba estão com a atividade ameaçada Instituto promove cidadania para pessoas com deficiência EM REVISTA SOCIAL Nº 14 setembro 2008 ISSN 1678 -152 x O polêmico avanço da celulose sobre o Pampa gaúcho

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Esta décima-quarta edição de Observatório Social Em Revista, a busca de relações igualitárias de gênero e raça é abordada nas reportagens sobre os movimentos em defesa das mulheres trabalhadoras e de combate à discriminação racial. Entre avanços, recuos e desafios, fica evidente a importância de aprofundar o debate no cotidiano das organizações sindicais. Lucídio Bicalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alerta: o programa de erradicação do trabalho infantil está em risco por causa do corte de recursos federais. Também nesta edição fazemos um balanço do CUT-Multi, projeto de cooperação da CUT com a FNV que chega ao sétimo ano com 32 redes sindicais organizadas.

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A peleja do

eucalipto

A peleja do

eucalipto

Catadoras de mangaba estãocom a atividade ameaçada

Instituto promove cidadaniapara pessoas com deficiência

R

EMREVISTA

S O C I A L

Nº 14 setembro 2008

ISS

N1

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x

O polêmico avanço da

celulose sobre o Pampa gaúcho

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EMREVISTA

S O C I A L

ISSN 1678 -152 x

Conselho Diretor

Diretoria Executiva

Presidente - Artur Henrique da Silva Santos

Diretor Administrativo Financeiro - Valeir Ertle

CUT - Denise Motta Dau

CUT - Jacy Afonso de Melo

CUT - João Antônio Felício

CUT - Quintino Marques Severo

CUT - Rosane da Silva

CUT - Valéria Conceição da Silva

Dieese - João Vicente Silva Cayres

Dieese - Mara Luzia Feltes

Unitrabalho - Francisco Mazzeu

Unitrabalho - Silvia Araújo

Cedec - Maria Inês Barreto

Cedec - Tullo Vigevani

Presidente -

CUT - Jacy Afonso de Melo

CUT - João Antônio Felício

Cedec - Maria Inês Barreto

Supervisor Institucional - Amarildo Dudu Bolito

Supervisor do Sistema de Informação - Ronaldo Baltar

Artur Henrique da Silva Santos

Diretor Administrativo Financeiro - Valeir Ertle

Unitrabalho - Carlos Roberto Horta

Dieese - João Vicente Silva Cayres

EDITOR RESPONSÁVELMarques Casara (RJ 19126)

EDITORDauro Veras

REDAÇÃODanilo Namo, Emanuel OliveiraPereira, João Werner Grando, LiviaMotta, Paola Bello

PESQUISAAna Iervolino

FOTOGRAFIAJoão Werner Grando, RaquelCamargo, OWINFS, Tatiana Cardeal,Banco de Imagens IOS

DIAGRAMAÇÃOSandra Werle

PROJETO GRÁFICOMaria José H. Coelho

ARTEDaniel Barros, Frank Maia

EDITORAÇÃO ELETRÔNICAPRIMEIROPlanowww.primeiroplano.org.br

REALIZAÇÃOPapel Social Comunicaçãowww.papelsocial.com.br

Setembro 2008 – Nº 14São Paulo – SP – BrasilISSN 1678 – 152 x10.000 exemplaresNova Letra Gráfica e Editora

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6A PELEJA DO EUCALIPTOTrês empresas pretendem investir US$ 4 bilhõespara produzir celulose no pampa gaúcho;ambientalistas denunciam o risco de gravedesequilíbrio no ecossistema.

27TRADIÇÃO DIZIMADAEm Sergipe, as catadoras de mangaba e suacultural tradicional estão ameaçadas de extinçãopor causa da especulação de terras e da criaçãode camarão em cativeiro.

38MULHERES E TRABALHOCom mais de três décadas de luta, osmovimentos em defesa dos direitos da mulher nomercado profissional ainda enfrentam resistênciase discriminação.

41BARREIRA SINDICALRosane da Silva, dirigente da Secretaria Nacionalsobre a Mulher Trabalhadora da CUT, fala sobre odesafio de construir relações políticas igualitárias.

42RACISMO NO TRABALHOA população negra vem conquistando mais vagasno mercado brasileiro, mas ainda é minoria, temsalários inferiores e condições de trabalhodiscriminatórias.

47TRABALHO INFANTILLucídio Bicalho, do Instituto de EstudosSocioeconômicos (Inesc), alerta que o corte deverbas pelo governo federal ameaça o programade erradicação do trabalho de crianças.

50EDUCAÇÃO INCLUSIVAO Instituto Paradigma desenvolve ações paraampliar a participação econômica e educacionaldas pessoas com deficiência, ajudando-as aconquistar a cidadania plena.

55CUTMULTIProjeto de cooperação entre a CUT e a FNVchega aos sete anos de existência com um saldode 32 redes sindicais de trabalhadores emempresas transnacionais.

58NOTASRodada de Doha. Redes. Formação sindical.Tráfico de pessoas. África do Sul. BibliotecaVirtual. Trabalho Escravo. Marco lógico.Metodologias de pesquisa.

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EM REVISTAEsta décima-quarta edição de Observatório

Social Em Revista continua fiel ao nossocompromisso de compartilhar com os leito-res informações relevantes para a transfor-

mação da sociedade brasileira. Temas relacionados ameio ambiente e a discriminação – por motivo de gêne-ro, raça, origem social e deficiência – estão em foconas próximas páginas. Consideramos um privilégio a opor-tunidade de provocar reflexão sobre estes e outros direi-tos fundamentais dos trabalhadores, em especial no con-texto em que o poder econômico das corporações ga-nha cada vez mais força.

Na nossa reportagem de capa, João Werner Gran-do conta sobre uma polêmica bilionária no Rio Grandedo Sul. De um lado, três gigantes do setor papeleiro pre-tendem investir 4 bilhões de dólares em plantações deeucalipto para produzir celulose no Pampa. De outro,pesquisadores, ambientalistas e trabalhadores ruraissem-terra alertam para o risco de graves danos a esseecossistema, habitado por 3 mil espécies de plantas,385 de aves e 90 de mamíferos. A questão envolve pres-sões políticas e tem acirrado os ânimos, com denúnciasde frouxidão nos regulamentos ambientais.

Em Sergipe, a repórter Paola Bello e a fotógrafaTatiana Cardeal conviveram uma semana com as mu-lheres catadoras de mangabas, cuja atividade tradicio-nal está ameaçada. Com sensibilidade e rigor profissio-nal, as jornalistas documentaram o cotidiano de umacomunidade extrativista que está sendo privada de seumeio de vida, por causa da especulação de terras e dascriações de camarão em cativeiro. Árvore símbolo doEstado, a mangabeira já foi eliminada em 90% dos ter-ritórios nativos.

A busca de relações igualitárias de gênero e raçaé abordada nas reportagens sobre os movimentos emdefesa das mulheres trabalhadoras e de combate à dis-criminação racial. Entre avanços, recuos e desafios, ficaevidente a importância de aprofundar o debate no cotidi-ano das organizações sindicais. Lucídio Bicalho, do Ins-tituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), alerta: o pro-grama de erradicação do trabalho infantil está em riscopor causa do corte de recursos federais. Também nestaedição fazemos um balanço do CUT-Multi, projeto decooperação da CUT com a FNV que chega ao sétimoano com 32 redes sindicais organizadas.

Boa leitura!

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A pelejaNos pampas gaúchos,

o duelo entredesenvolvimento

econômico epreservação

ambiental

“Pampa - matambre esverdeadodos costilhares do prataque se agranda e se dilatade horizontes estanqueados,couro recém pelechadoque tem pátria nas raízesaos teus bárbaros matizes,os tauras e campeadoresmisturam sangue às corespra desenhar três países.”

Payador, Pampa e Guitarra,de Jayme Caetano Braun

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Antes dos recentes escândalosque fazem do governo de Yeda Cru-sius (PSDB), no Rio Grande do Sul,um dos mais conturbados do país,plantações de árvores foram respon-sáveis por desencadear a primeiracrise entre a alta cúpula da governa-dora. Poucos meses após a posse, noinício de maio de 2007, interlocutoresdo primeiro escalão davam como cer-ta a demissão da secretária estadualdo Meio Ambiente, Vera Callegaro.Na imprensa, as notícias eram de queum substituto fora sondado e confir-mado. Um pedido de demissão foianunciado na seqüência, o qual, noentanto, rompia com as expectativas.O afastamento era do segundo nomedo governo na área ambiental, IrineuSchneider, o presidente da FundaçãoEstadual de Proteção Ambiental (Fe-pam). Buscando desmentir supostaspressões e insatisfação com o setor,a governadora reforçou seu apoio àsecretária, mantendo-a no cargo. Sósaía se quisesse. E apesar do “sim,eu fico”, a permanência de Vera du-rou somente mais um dia. No final datarde de sexta-feira, dia 4 de maio,pediu demissão. Após conversa comYeda, de quem é amiga, comunicouque se afastava devido à cirurgia querealizaria em dez dias, mas a saídada pasta do Meio Ambiente era defi-nitiva. Encerrava-se uma semanaencurtada pelo feriado do dia 1º demaio, na qual, em três dias úteis, duas

Por João Werner Grando*

do eucalipto

* Reportagem produzida como Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O trabalho será publicado em livro nos próximos meses. Contato com o autor pelo e-mail [email protected] fotos são de João Werner Grando e as ilustrações e mapas, de Daniel Barros.

baixas eram registradas. O desfechodo caso estampou as capas dos jor-nais do Estado no dia seguinte. “Cri-se dos eucaliptos afasta secretária doMeio Ambiente”.

Na origem da crise que levou àsdemissões está uma polêmica que sedesenrola no Rio Grande do Sul hácerca de quatro anos. Entre 2004 e2005, três empresas anunciaraminvestimentos que somam cercade 4 bilhões de dólares para aconstrução de um pólo produtorde celulose no Estado. O projetoseria implantado em duas etapas. Naprimeira, desenvolveriam a atividadede silvicultura (nome técnico para ocultivo de árvores), formando a cha-mada base florestal, com cerca de 400mil hectares de plantações de euca-liptos. Posteriormente, com a fonte dematéria-prima estabelecida, cadauma das empresas construiria umafábrica para produção de polpa de ce-lulose. Para estabelecer os empreen-dimentos, foi escolhida a chamadaMetade Sul do Estado, porção maispobre do território gaúcho e histori-camente carente de investimentos.De imediato, as empresas conquista-ram o apoio das prefeituras da regiãoe também do governo do Rio Grandedo Sul.

Conforme avançaram as nego-ciações, e as primeiras plantaçõesforam formadas, uma oposição aosempreendimentos articulou-se. Gru-

pos constituídos principalmente pormovimentos ambientalistas e pesqui-sadores de universidades do Estadoarmaram-se de argumentos. Contes-taram principalmente a escolha de seplantar na Metade Sul, devido às ca-racterísticas do ecossistema da região,formado pelo bioma Pampa. A paisa-gem composta predominantementepor campos e vegetação rasteira se-ria frágil demais para suportar plan-tações de árvores, especialmente oeucalipto, considerado um agressordo meio ambiente. Os protestos con-seguiram barulho suficiente para tra-var a expansão dos empreendimen-tos, e o governo estadual deparou-secom um impasse. De um lado, as res-trições aos cultivos poderiam seracentuadas caso fosse aprovado oZoneamento Ambiental para Ativida-de de Silvicultura no Estado, um es-tudo que determina a redução dasáreas consideradas próprias paraplantações de eucalipto. Do outrolado, as empresas, diante das novasregras, que consideram demasiada-mente restritivas, pressionavam comameaças de tirar o time de campo,juntamente com seus bilhões de dó-lares.

O que se viu naquela primeirasemana de maio de 2007 foi o mo-mento mais grave dessa polêmica,que está longe de terminar. As em-presas haviam engrossado as amea-ças de desistir dos projetos devido à

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atitude de Schneider de tentar vali-dar o zoneamento ambiental antes deaprová-lo nas instâncias cabíveis.Apesar de o presidente da Fepam tervoltado atrás em sua decisão, dentroe fora do governo ampliavam-se aspressões sobre ele e sobre a secretá-ria do Meio Ambiente. Schneider eVera caíram.

Embora se possam traçar limi-tes geográficos, esse conflito não éum embate exclusivo do Estado doRio Grande do Sul. Os aspectos emquestão são os mesmos das principaispolêmicas presentes na agenda dediscussões, no Brasil e no mundo, noinício do século XXI: o enfrentamen-to entre desenvolvimento econômicoe preservação do meio ambiente.Entre os conflitos de característicassemelhantes, enumeram-se o alertasobre o aquecimento global e o em-bate sobre a liberação de obras deusinas hidrelétricas no rio Madeira,em Rondônia. O próprio setor de pro-dução de celulose é protagonista deum dos principais conflitos em cursoentre países da América do Sul. Des-de 2005, quando empresas finlande-sas iniciaram a construção de duas

fábricas de celulose na margem uru-guaia do rio Uruguai, os argentinosda cidade do outro lado do rio não dãosossego. Trancam pontes e fazem pi-quetes na briga para evitar a instala-ção das fábricas que, de acordo comsuas denúncias, poluiriam o rio. Ogoverno uruguaio, por sua vez, diz quenão abre mão dos investimentos, lo-calizados em uma das porções maispobres do país. Em 2006, a chamadaGuerra das Papeleiras foi levada aoTribunal Internacional de Haia, quepreferiu não se pronunciar, num ges-to de “os vizinhos que se entendam”.

Na origem de todos esses con-flitos está o interesse ou a necessida-de do desenvolvimento de atividadeseconômicas. No caso da polêmicados eucaliptos no Rio Grande do Sul,os planos de investimentos das em-presas inserem-se no contexto decrescimento mundial do consumo decelulose. A matéria-prima, provenien-te da madeira, é a principal compo-nente dos diversos tipos de papel, des-de os usados em embalagens até ospara impressão. Acompanhando aexpansão da economia mundial, o con-sumo de papel não pára de crescer,

puxando consigo a demanda por ce-lulose. Apesar de parecer contradi-tório, a massificação dos meios digi-tais é um dos fatores que mais con-tribui com essa tendência. Na análi-se da Associação Brasileira de Celu-lose e Papel (Bracelpa), a populari-zação dos microcomputadores e im-pressoras impulsionou o consumo dospapéis para impressão. O comércioeletrônico também age nesse sentin-do por ampliar a necessidade de pa-pel para fabricação de embalagens.

O Brasil ocupa a sexta posiçãoentre os maiores fabricantes de celu-lose do mundo. O desempenho do se-tor, que registrou crescimento de 7,6%,em 2006, está ligado a condições na-turais que conferem ao país uma van-tagem competitiva crucial. Enquantonas plantações do hemisfério norteuma árvore de eucalipto demora de50 a 70 anos para atingir o ponto decorte, em países da porção sul daAmérica do Sul esse período é deapenas sete anos em média. Por con-seqüência, obtém-se custo de produ-ção até 50% inferior ao dos paísesdo norte, o que tem atraído gruposinternacionais para a região e refor-çado a vocação exportadora da pro-dução nacional.

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Empresas,ambientalistas e

fantasmasDe olho na tendência de expan-

são do setor de celulose, as três em-presas interessadas no Rio Grande doSul, duas nacionais e uma estrangei-ra, buscam implantar no Estado pro-jetos para ampliar sua capacidadeprodutiva. A brasileira VotorantimCelulose e Papel (VCP), integrantedo Grupo Votorantim, um dos maio-res do país, tem nesse empreendi-mento seu carro-chefe para execu-ção de um plano de quadruplicar o

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faturamento até 2020. A empresa es-tabeleceu-se na região de Pelotas,porção mais setentrional do Estado.A outra brasileira, a Aracruz Celulo-se, é a maior produtora mundial decelulose proveniente de eucalipto. Pro-prietária de uma fábrica no Estado,no município de Guaíba, na GrandePorto Alegre, planeja aumentar emquatro vezes a produção na região. Aterceira interessada é a Stora Enso,empresa de origem sueco-finlandesa,entre as líderes mundiais do setor decelulose e papel. Seu empreendimen-to faz parte de uma estratégia decrescimento global, que conta com in-vestimentos em outras fábricas noBrasil e no Uruguai. O local escolhi-do para sua instalação foi a região deRosário do Sul, próxima à fronteiraOeste do Estado.

Os projetos das três empresasapresentam semelhanças em seusprincipais aspectos. Constam nos pla-nos de cada uma a formação de plan-tações de eucaliptos de aproximada-mente 120 mil hectares e a constru-ção de uma fábrica com capacidadede produzir cerca de 1 milhão de to-neladas de celulose por ano. Todasderam início à formação da base flo-restal e devem ter as fábricas em fun-cionamento por volta de 2011. Coin-cidência ou não, as três empresas tam-bém estão interligadas pela composi-ção do seu capital. A Votorantim de-tém 28% do controle acionário daAracruz, que por meio de outro ne-gócio está ligada à Stora Enso – asduas empresas são sócias na Vera-cel Celulose, fábrica localizada no sulda Bahia, inaugurada em 2005.

Inseridas no centro da crise doeucalipto, as empresas são acusadasde causar impactos negativos ao meioambiente e às comunidades locais. Emsua defesa, alegam que seus negó-cios têm viabilidade econômica, soci-al e também ambiental. Reúnem da-dos científicos e análises de especia-listas de universidades do Estado para

comprovar o desempenho responsá-vel de suas atividades. Mas, apesarda relevância dessas informações, seuprincipal aliado é mesmo o poder pú-blico, seja no governo estadual ou nasprefeituras das regiões dos empreen-dimentos. Em 2006, o ex-governadorGermano Rigotto (PMDB) reuniuprefeitos e executivos das empresaspara assinatura de um protocolo deintenções que garantisse a instalaçãodos investimentos. A governadora YedaCrusius, nas semanas seguintes à suaposse em janeiro de 2007, reafirmou ocompromisso. “O governo fará todosos esforços para que os investimentosdas empresas de celulose sejam reali-zados”, declarou em reunião com a di-retoria da Votorantim.

O anúncio da instalação dasempresas de celulose coincide com omomento de uma crise sem preceden-tes na história do Rio Grande do Sul.O endividamento estadual chega a R$34 bilhões, o que o coloca como quar-to colocado no ranking dos maioresdevedores, atrás apenas de Estadosmaiores. Quando se compara dívidacom receita, porém, o Rio Grande doSul assume a primeira posição. Ascontas do governo fecham todo anono vermelho, e o Estado não conse-gue cobrir as despesas correntes,como vinculações orçamentárias, fo-lha de pagamento e serviços da dívi-da, somando déficit anual de 15% dareceita, calcula o consultor e auditorfiscal aposentado Darcy Francisco

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Carvalho dos Santos. Como, no en-tanto, não é cumprida parte dos gas-tos exigidos pela constituição, o valoré reduzido a 8%, o que, mesmo as-sim, representa um acréscimo de R$1 bilhão ao total da dívida a cada ano.“Não há mais onde cortar, a únicasaída é aumentar a receita, e isso sóserá possível com investimentos”,analisa Darcy.

A situação é ainda mais gravena região em que se instalarão asempresas, a chamada Metade Sul doEstado. No Rio Grande do Sul, con-vencionou-se dividir o território emduas grandes regiões conforme suascaracterísticas socioeconômicas. Adivisão pode ser feita tomando comoreferência a BR-290, que corta oEstado de leste a oeste. A porçãosetentrional, conhecida como Meta-de Norte, concentra a maior parte dapopulação e das riquezas, com a pro-dução vinícola na Serra, a de grãosno Planalto e pólos industriais comoPorto Alegre e Caxias do Sul. Naporção meridional, localiza-se a Me-tade Sul, menos industrializada e deeconomia mais pobre. Baseada ematividades rurais, como a pecuária decorte, apesar de abranger metade doterritório, a região concentra um quar-to da população e é responsável porapenas 21% do PIB do Estado.

Em um cenário de crise estadu-al e carência da região dos empreen-dimentos, uma oferta de investimen-tos de 4 bilhões de dólares parece ir-recusável. Mas, por vias das dúvidas,nas eleições de 2006, as empresas decelulose doaram cerca de R$ 2 mi-lhões para campanhas eleitorais. Me-tade desse valor foi destinada a can-didatos a deputado estadual e fede-ral, e a outra metade aos candidatosa governador. Yeda, a vencedora dopleito, foi a maior beneficiada, comR$ 505 mil. O ex-governador Rigot-to, terceiro colocado, recebeu meta-de desse valor, e Olívio Dutra (PT),que foi para o segundo turno, R$ 185

mil. A Aracruz, que já é dona de umafábrica na região, doou o maior valor,cerca de R$ 1,2 milhão – mais dametade do que doou, por exemplo, aCompanhia Petroquímica do Sul (Co-pesul), empresa instalada há 30 anosno Estado. Em segundo lugar, veio aVotorantim, com R$ 600 mil, e emseguida a Stora Enso, ainda uma no-vata na economia nacional, com ape-nas R$ 150 mil.

Jogando a seu favor, as empre-sas também contam com um fantas-ma presente na memória dos gaú-chos: a desistência da Ford em cons-truir uma montadora de carros na re-gião da grande Porto Alegre em 1999.

íba. A empresa, de origem noruegue-sa, lançava resíduos sem tratamentono lago Guaíba e exalava mau cheiroque atingia toda a região da capital.A fábrica foi fechada algumas vezes,até que a empresa abandonou o ne-gócio, assumido pelo Estado e depoispelo grupo Klabin. Em 2003, foi com-prada pela Aracruz, sendo esse o em-preendimento que está no foco daexpansão da empresa no Estado. Ocaso Borregaard foi também o mar-co inicial da articulação de movimen-tos ambientalistas no Rio Grande doSul, com destaque para a atuação doagrônomo José Lutzenberger, líder eco-logista reconhecido nacionalmente.

Na polêmica do eucalipto, osambientalistas do Estado articulam-se mais uma vez. O Núcleo Amigosda Terra (NAT) destaca-se como umadas principais ONGs atuando na po-lêmica, trabalhando na coleta e divul-gação de análises de especialistas, da-dos de pesquisas e opiniões pinçadasdas discussões que ocorrem em todoo Rio Grande do Sul. Os integrantesdo grupo, que tem sede em Porto Ale-gre, realizaram diversas atividades nasua luta contra os eucaliptos: viaja-ram 4 mil quilômetros pelo interior doEstado para divulgar os danos da plan-tações; organizaram dois semináriossobre o assunto, um na capital e ou-tro em Pelotas; e publicaram a carti-lha “O pampa em disputa – a biodi-versidade ameaçada pela expansãodas monoculturas de árvores”, escri-to em português e espanhol, com 66páginas e mil exemplares impressosem papel reciclado. A ONG, que teveorigem no movimento feminista dePorto Alegre nos anos 60, atua hojena área ambiental integrada à redeinternacional Friends of the Earth. Nosúltimos dois anos, recebeu da entida-de, que tem sede na Holanda, cercade R$ 100 mil para executar seus pro-jetos de combate às monoculturas deeucalipto. A maior conquista do NATfoi a proibição na justiça, em junho

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Nas eleiçõesde 2006, asempresas de

celulose doaramcerca de R$ 2milhões paracampanhaseleitorais.

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No ano anterior, o então governadorAntônio Britto (na época do PMDB)havia dado garantias de isenções fis-cais para instalação da fábrica, maso governo estadual que assumiu naseqüência, sob o comando de OlívioDutra, quis rever as condições donegócio a fim de reduzir os incenti-vos. Resultando em um dos casosmais conhecidos de guerra fiscal en-tre Estados no país, a Ford acabouinstalando-se na Bahia, onde recebeuas isenções desejadas. O assuntovem à tona a cada eleição e toda vezem que se discute a instalação deempresas no Rio Grande do Sul.

Os ambientalistas, por sua vez,também recorrem a um fantasma dopassado em sua luta contra as em-presas. O caso relembrado é o dafábrica de celulose Borregaard, ins-talada em 1972 no município de Gua-

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de 2006, da circulação de panfletosde propaganda de financiamento paraplantação de eucaliptos, produzidospela CaixaRS, banco de fomento doEstado.

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O mapado eucalipto

O embate jurídico em torno dasilvicultura teve início em maio de2006. O Ministério Público Estadual(MPE) entrou em cena colocando oprimeiro obstáculo às empresas, queaté então progrediam na formaçãodos plantios sem maiores problemas.A ação movida por meio da Promo-toria de Defesa do Meio Ambiente re-formulou as regras para as plantações.As empresas ficaram impedidas deutilizar apenas uma licença para to-dos os plantios, como permitia a leiaté o momento. O chamado Termode Ajustamento de Conduta (TAC)determinou que fosse exigida licençaambiental para todas as áreas supe-riores a 1 mil hectares ou em zonasde risco ambiental. O TAC tambémcolocou em cena o Zoneamento Am-biental para Atividade de Silvicultura,que vinha sendo elaborado pela Fe-pam. A determinação era de que ozoneamento fosse concluído até 31 dedezembro de 2006, para ser votadoe, em seguida, tomado como referên-cia para elaboração de novos planti-os. Até a data limite, as empresaspuderam continuar a plantar em no-vas terras. A partir do dia seguinte, 1ºde janeiro de 2007, iniciou-se a fasemais grave da crise dos eucaliptos.

O zoneamento ambiental foi en-tregue pela Fepam ao governo comodeveria, mas encontrou um obstácu-lo para ser colocado em prática: a in-satisfação das empresas com o do-cumento. Os estudos que resultaramno zoneamento iniciaram-se cerca detrês anos antes de sua publicação. A

Fepam, ao se deparar com o interes-se das empresas de celulose no Es-tado, optou por realizar o trabalho parasuprir as lacunas da legislação vigen-te, considerada insuficiente para pre-servar os pampas. As próprias em-presas interessaram-se pela propos-ta por acreditarem que pudesse seruma alternativa à necessidade de ob-ter licenciamentos para cada um deseus plantios. Para elaborar o zonea-mento, compôs-se um grupo com pes-quisadores de três órgãos estaduais,a Fepam, a Fundação Zoobotânica(FZB) e o Departamento de Flores-tas e Áreas Protegidas (Defap). Otrabalho resultou em um mapa da vi-abilidade ambiental de se plantar eu-caliptos em cada região do Rio Gran-de do Sul.

O território foi dividido em 45Unidades de Paisagem Natural(UPN), áreas com vegetação, faunae relevo homogêneos, classificadasem três graus de restrição: alta, comapenas 2% da área liberada paraplantio; média, de 30% a 40%; e bai-xa, até 50% da área. Do total de 8,3milhões de hectares analisados, 6,2milhões estão classificados nas uni-dades de média restrição, 2 milhõesnas de baixa e 127 mil nas de alta.Outra determinação foi estabelecerdistância mínima dos plantios no en-torno de rochas, banhados e zonas dearenização – fenômeno que ocorreem locais da região da Fronteira Oes-te (ver “Com areia nos olhos”).

Durante o processo de elabora-ção, integrantes dos grupos ambien-talistas levantaram suspeitas sobre alisura do trabalho. Devido a algumaslimitações, a equipe que elaborou ozoneamento teve de contratar, paraexecução de uma das etapas, umaempresa privada, a qual não pôde serpaga por eles por falta de recursos.Quem acabou por bancar o serviçofoi a Associação Gaúcha de Empre-sas Florestais (Ageflor), direta inte-ressada na liberação dos plantios e

instalação das empresas. Ao final, odocumento acabou por agradar osambientalistas e frustrar as empresase a própria Ageflor, que se queixa-ram de que as restrições impostas in-viabilizariam a implantação dos em-preendimentos. Assim, o zoneamen-to ambiental, ao ser entregue, em vezde resolver problemas, como se pre-tendia, contribuía para deixar a situa-ção ainda mais conturbada.

O governo estadual, diante dasreclamações, retardou o processo devalidação do documento, causandoum novo problema. A validade do Ter-mo de Ajustamento de Conduta, queditava as regras até então, havia ex-pirado. Assim se tornava necessáriosubstituí-lo pelo zoneamento. A partirdo dia 1º de janeiro de 2007, o Estadoencontrava-se sem marco legal quedefinisse regras para as plantaçõese, por conseqüência, as empresas fi-cavam impedidas de seguir plantan-do e continuar sua expansão. Nos me-ses seguintes, culpando as restriçõesimpostas pelo zoneamento, as produ-

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toras de celulose passaram a pressi-onar o governo estadual, inclusivecom ameaças de abandonar os inves-timentos. “Desde que viemos pra cáas regras já mudaram duas vezes”,reclamava o gerente de meio ambi-ente da Votorantim, Fausto de Camar-go. Ele garante que a empresa não écontra um zoneamento ambiental,mas alega que, da forma como foifeito, torna qualquer projeto inviáveleconomicamente. Entre suas críticas,afirma que bases de dados utilizadasestão defasadas e que as regiões fo-ram consideradas como intocadas,sendo que recebem outras atividades.Outro erro seria ter se avaliado ape-nas aspectos ambientais, sem consi-derar a relevância social e econômi-ca das atividades.

As pressões também aparece-ram na forma de ameaça de demis-sões. Três empresas produtoras demudas anunciaram que estavam pres-tes a dispensar cerca de 2 mil funcio-nários. O motivo era o encalhe dasmudas devido ao congelamento daexpansão dos plantios. Em situaçãosemelhante, técnicos da Stora Enso,antes que fossem demitidos, tentavamarranjar o que fazer. “Temos de in-ventar serviço. Estamos mandando ospeões roçar até de baixo de cercas,coisa com que nunca iríamos preo-cupar se estivéssemos tocando novosplantios”, explicava José Luís Mene-zes. De acordo com o técnico flores-tal, se a situação não melhorasse, po-deriam reduzir de 500 para 60 pesso-as o quadro de funcionários contra-tados para os serviços nas plantações.

Outro técnico da Stora Enso,Isaías de Oliveira, trabalhou em plan-tações no interior de São Paulo porvinte anos e diz jamais ter visto impo-sições como as que estão colocadasno Rio Grande do Sul. “Nunca fiqueitanto tempo parado por uma coisadessas. Isso aqui parece outro país”.Na camionete da empresa, pela ja-nela observava as terras à margem

da estrada, onde três vacas pastavamsolitárias no imenso campo. “Querempreservar o pampa... Olha aí o pam-pa”, ironizava diante do que pareciaser uma fazenda praticamente aban-donada.

O Rio Grande do Sul é o primei-ro Estado a estabelecer um zonea-mento ambiental para a plantação deárvores. Em outros locais onde a ati-vidade é disseminada, como EspíritoSanto, São Paulo, Bahia ou SantaCatarina, seguem-se normas estabe-lecidas por leis estaduais e federais.“É como se a gente estivesse forman-do um plano diretor para esta ativida-de. Enquanto o zoneamento é umolhar macro para o nosso Estado in-teiro, os licenciamentos se focam napropriedade em que se pretende plan-tar”, argumenta a promotora respon-sável pela determinação de utilizar ozoneamento, Ana Maria Marchesan,da divisão de Defesa do Meio Ambi-ente do MPE. Os grupos contráriosàs empresas também saem em defe-sa do documento. Para um dos espe-cialistas mais atuantes na polêmica,o professor Ludwig Buckup, do De-partamento de Zoologia da UFRGS,respeitar o estudo é a única forma deminimizar os impactos ambientais.“Só o zoneamento pode responder àsprincipais questões sobre essa ativi-dade: onde; como; quando; e quantose pode plantar”. O especialista pro-testa diante das tentativas das empre-sas em desqualificar o trabalho. “En-tram aqui como elefantes em loja delouça.”

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Fatoconsumado

Sem legislação que definisse orumo dos negócios, no início daqueleano de 2007, pressões de ambos oslados intensificaram-se nos mesesseguintes, mas uma mudança no ce-

nário só foi ocorrer no final de abril.Formado pela então secretária doMeio Ambiente, um grupo de traba-lho para analisar o zoneamento am-biental apresentava suas conclusões.A equipe indicou imposições legais àsregras estabelecidas pelo zoneamen-to, que, na sua avaliação, deveria seradequado às legislações federais eestaduais. Se anteriormente eram ossetores interessados nos investimen-tos que reclamavam, alegando que ozoneamento fora carregado de ideo-logização e preconceito sobre as em-presas e a atividade de silvicultura,agora quem protestava era o outrolado, os ambientalistas. Os indicadospela secretária para compor o grupode trabalho foram somente entidadescom interesse direto nos investimen-tos, como a Ageflor, o Sindicato dasIndústrias Madeireiras, a Federaçãodos Trabalhadores na Agricultura e aFederação das Indústrias do RioGrande do Sul (Fiergs), além de re-presentantes de secretarias estadu-ais.

As críticas do grupo foram in-cluídas no processo de adequação evalidação do zoneamento, que, até sercolocado em votação, é obrigado apassar por uma seqüência de análi-ses. A primeira avaliação ocorre emaudiências públicas realizadas em ci-dades do interior do Estado. Em se-guida, as chamadas câmaras técnicasdo Conselho Estadual de Meio Ambi-ente (Consema) fazem a avaliação dodocumento. Por último, é levado àvotação no Conselho, órgão máximopara determinações na área ambien-tal do Estado. O Consema é formadopor representantes do governo, enti-dades do setor empresarial, institutosde pesquisa e movimentos ambienta-listas e sociais. Dos 29 integrantescom direito a voto, apenas quatro eramde ONGs ambientalistas.

A demissão do ex-presidente daFepam, Irineu Schneider, e a crisegerada em seu entorno foram causa-

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das pela tentativa de encurtar esseprocesso de validação. Antes mesmodo início da série de audiência públi-cas, Schneider conseguiu junto aoMPE, em 19 de abril de 2007, umadeterminação para se adotar o zone-amento. Imediatamente, as empresasresponderam com protestos, amplian-do as pressões sobre o governo eapresentando contestações jurídicassobre a decisão. Arrependidos, 15 diasdepois, Schneider e o MPE substituí-ram o documento por outro que con-dicionava a liberação de licenças tantoao zoneamento como aos apontamen-tos do grupo de trabalho de análisedo estudo. O desgaste para o setorambiental do governo, no entanto, forairreparável. No mesmo dia em que sepublicou a nova determinação, o pre-sidente da Fepam demitiu-se. No diaseguinte, a secretária do Meio Ambi-ente, Vera Callegaro, também pediuafastamento.

A governadora ganhou assim achance de aliviar as pressões ao se-lecionar os substitutos. Na Fepam,Schneider, que integrava a área am-biental desde o governo anterior, foisubstituído por Ana Maria Pellini, lo-tada até então na Secretaria Estadu-al de Segurança. Na Secretaria doMeio Ambiente, ocorria a sexta subs-tituição em cinco anos. A vaga de VeraCallegaro, bióloga e ex-presidente doConselho Regional de Biologia, foiocupada pelo promotor de justiça da

área criminal Carlos Otaviano Bren-ner de Moraes. A escolha foi critica-da por se tratar de um representantedo Ministério Público assumindo umafunção no poder executivo.

Na seqüência, restabeleceu-sea normalidade no processo de valida-ção do zoneamento. As audiênciaspúblicas foram realizadas, no mês dejunho, nos municípios de Pelotas, Ale-grete, Santa Maria e Caxias do Sul.Com um total de aproximadamente 3mil participantes, todas reuniões fica-ram lotadas e em algumas delas asdiscussões avançaram por mais decinco horas. A maior parte das mani-festações, de um público composto emsua maioria por representantes dosetor florestal e do poder público lo-cal, reclamava dos empregos que po-dem deixar de ser gerados se o zone-amento ambiental for adotado. Criti-caram o documento, principalmente,por não agregar os aspectos socioe-conômicos das regiões. No entanto,como indica Liliam Ferraro, técnicada Fepam que acompanhou todas asaudiências, esse não poderia ser o es-copo de um trabalho realizado pelafundação ambiental. Ao final das reu-niões, as queixas foram enviadas àFepam, que então anunciou pedido àFundação de Economia e Estatísticado Estado para elaboração de um es-tudo socioeconômico sobre a Meta-de Sul.

Com as adequações solicitadas,o zoneamento ambiental só ficariapronto no final de 2007, conformeprevisão da Fepam. Enquanto isso, tra-vada desde janeiro, a liberação de li-cenças para novos plantios foi reto-mada com a posse da nova presiden-te da Fepam. Ao assumir, Ana MariaPellini emitiu portaria determinando aconcessão de autorizações sem se-guir integralmente as regras do zone-amento. “Usamos os dados do estu-do para identificar zonas de riscoambiental e solicitar monitoramentodelas às empresas. Mas estamos proi-bidos de utilizar as normas de distân-cias e de ocupação determinadas pelozoneamento”, explica Marta Labres,técnica responsável pela emissão delicenças. Após a portaria entrar, emtrês meses, 258 licenças foram emi-tidas, cobrindo uma área de aproxi-madamente 50 mil hectares.

A nova presidente da Fepamparecia esforçada em cumprir o de-ver que lhe foi encarregado. “Esta-mos montando uma força tarefa paraque os investimentos não sofram re-tardamento por qualquer razão ambi-ental”, anunciou. Na avaliação daassociação das empresas florestais,o cenário ainda não garante total se-gurança às empresas. “Para fazer osinvestimentos precisamos de regras

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estáveis e claras, não esse ambientede incertezas”, explicou Roque Jus-tem, presidente da Ageflor. Mas a si-tuação deve melhorar, ele arrisca.“Nossas expectativas sobre esse go-verno são positivas”. A trajetória quea polêmica dos eucaliptos assumianesses últimos episódios, com libera-ção de licenças e previsão de apro-var o zoneamento apenas no final doano, remete a um alerta feito profes-sor Ludwig Buckup. “Meu maiormedo é de que essa questão acabetratada como um fato consumado.Com as plantações prontas é capazde deixarem tudo por isso mesmo, domesmo jeito que aconteceu com a li-beração da soja transgênica há algunsanos”. A promotora Ana Maria Mar-chesan não vacila em sua previsãosobre o caso. “Que a atividade vem,e vem com força total, eu não tenhonenhuma dúvida”. A única alternati-va, indica a promotora, será tentarconciliar o interesse econômico comcompromissos de minimizar os impac-tos ao ecossistema dos pampas.

No entanto, na definição maisrecente sobre a silvicultura o fatoreconômico prevaleceu. Com um novoZoneamento, elaborado para garan-tir a expansão dos plantios, o Conse-ma queria votá-lo no dia 9 de abrildeste ano. O grupo de conselheirosformado por ONGs ambientalistas epesquisadores contrários ao novo for-mato do estudo pediu, por meio de li-minar na justiça, vistas ao processo.

Com a segurança de que teriam maisquinze dias para articular sua oposi-ção, foram para casa. Dezenove dos29 conselheiros não deixaram o locale esperaram até a noite uma autori-zação para votar.

E a autorização chegou, expedi-da pelo desembargador Arminio JoséAbreu Lima da Rosa, presidente doTribunal de Justiça do Rio Grande doSul. Conforme o entendimento do ju-rista, mais um retardamento na apro-vação do Zoneamento causaria “es-tancamento de investimentos previs-tos no Estado do Rio Grande do Sul,que podem significar prejuízos imedi-atos da ordem de R$6.000.000.000,00 (seis bilhões de re-ais)”, como escreveu no documentoque suspendia a liminar obtida pelosambientalistas.

Os que permaneceram para avotação aprovaram o novo Zonea-mento. Os eucaliptos ficavam autori-zados a se espalhar sem limite de áreapor unidade de paisagem e sem res-trições prévias, com o argumento deque cada caso seria analisado emseparado. A reação foi imediata. Osplantios para este ano foram estima-dos em 70 mil hectares, 40% a maisque em 2007. A VCP anunciou, nodia seguinte, a retomada do estudo deimpacto ambiental para construçãode sua fábrica. A Aracruz, na sema-na seguinte, em cerimônia com a go-vernadora Yeda, confirmou a constru-ção de sua nova planta industrial. AStora Enso, em menos de um mês,recebeu liberação, que estava trava-da até então, para plantar 100 milhectares, número com o qual a Ara-cruz também foi contemplada.

Os ambientalistas tentam con-tra-atacar. Juntamente com o MPE,conseguiram excluir das áreas permi-tidas para o plantio quatro das 45 uni-dades de paisagem natural que for-mam o território gaúcho. Agora, ten-tam reverter a aprovação do novoZoneamento. A peleja não termina.

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Pastos cobrindo campos planosque se estendem até a linha do hori-zonte, sol, céu e grupos esparsos demenos de dez bovinos ou ovinos épraticamente tudo que se vê nos pam-pas gaúchos. De Pelotas a Bagé, oude Alegrete a Rosário do Sul, estra-das em retas intermináveis cortam apaisagem, que pouco muda apesar dascentenas de quilômetros percorridos.Os pampas são vistos por algunscomo local pobre, deserto, carente deinvestimentos que atraiam indústrias

e dinamizem sua economia. Para ou-tros, são áreas protegidas da destrui-ção do homem e que, por isso, aindaabrigam um ecossistema rico, quedeve ser preservado. Quando AracruzCelulose, Votorantim Celulose e Pa-pel (VCP) e Stora Enso anunciaramque se instalariam na região, esseembate veio à tona como nunca an-tes.

O governo estadual e as prefei-turas da região estão de olho no de-senvolvimento econômico que os em-preendimentos prometem gerar. Deacordo com análise da Secretaria doDesenvolvimento e dos Assuntos In-ternacionais (Sedai), aproximadamen-te 16 mil empregos diretos serão cri-ados com as fábricas em funciona-mento e aproximadamente 75 mil fa-mílias devem trabalhar com o plan-tio. Na geração de impostos, com todacadeia produtiva estabelecida, a arre-cadação do Estado deve crescer de15% a 20%, conforme calcula a secre-taria. A qualquer um esses números

Batalha de argumentos e foicesBatalha de argumentos e foicesBatalha de argumentos e foicesBatalha de argumentos e foicesBatalha de argumentos e foices No pampa pobre em

dinheiro e rico embiodiversidade, ciência e

carência regional sãojustificativas para

opiniões e atuação dedefensores e opositores

das plantações.Enquanto isso, oMST parte para o

combate físico

“Restrito ao Rio Grandedo Sul em sua porçãobrasileira, o BiomaPampa possui área de180 mil km2,abrangendo os camposda Metade Sul e daregião das Missões.Dados preliminarescomprovam a riquezade espécies em seuconjunto de vegetaçãode campos em relevo deplanície. São cerca de3.000 espécies deplantas vasculares, 385de aves e 90 demamíferos, entre outrosgrupos.”

Ibama e Ministériodo Meio Ambiente

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pareceriam expressivos, mas eles setornam ainda mais atraentes ao seanalisar o cenário econômico da re-gião para a qual irão se destinar, achamada Metade Sul, onde se locali-zam os pampas gaúchos.

Apesar de abranger metade doterritório, o local concentra um quar-to da população e é responsável porapenas 21% do PIB do Estado. Apaisagem de campos praticamentevazios é representativa de sua eco-nomia. A pecuária de corte ainda é aprincipal atividade rural, sendo feitade forma extensiva. A prática, que nopassado proporcionou as maiores ri-quezas do Estado e forjou a identida-de do gaúcho, está estagnada há dé-cadas. Nas estradas da região, tam-bém praticamente desertas, a presen-ça mais constante é a de caminhõestransportando arroz produzido naCampanha. As lavouras do grão fo-ram introduzidas como uma alternati-va para a agricultura, mas possuemlimites em sua expansão devido à ne-cessidade de grandes volumes deágua para irrigar os cultivos.

Ao escolher a Metade Sul, asempresas de celulose afirmam quepesou a existência de condições na-turais adequadas, especialmente asemelhança de latitude em relação àAustrália, de onde o eucalipto é nati-vo. Não escondem, porém, que a po-breza local foi uma das principais ra-zões para se instalarem na região. Acarência econômica, de acordo comos executivos, reflete-se em boa re-ceptividade da população aos empre-endimentos. Mas as maiores vanta-gens estão mesmo nos baixos custosde produção, representados nessecaso pelo valor pago pelas terras. Asfazendas dos pampas, algumas prati-camente abandonadas, custam nomínimo a metade do valor que seriapago no norte do Estado pelas terrasem que se produzem grãos, confor-me avaliação do Incra (Instituto Na-cional de Colonização e ReformaAgrária). A Stora Enso, por exemplo,estabeleceu um teto de R$ 3 mil porhectare para a compra de terras paraseus plantios na Fronteira Oeste.“Algumas fazendas não tinham nem

mais as cercas inteiras, para você vercomo os donos estavam quebrados”,conta o técnico José Luís Menezes.

No que toca a população local,as empresas indicam que os benefí-cios trazidos seriam principalmente nageração de empregos. Os negóciosda Votorantim na região de Pelotasdevem gerar cerca de 30 mil postosde trabalho entre diretos e indiretos,calcula o gerente de meio ambienteda empresa, Fausto de Camargo.Desse total, 2 mil ficariam ocupadosna manutenção dos plantios e outros2,5 mil trabalhariam na fábrica a serconstruída. Além disso, a região ga-nharia com uma atividade alternativapara ser desenvolvida por produtoresrurais da região.

O agricultor José Luís Lucas,dono de uma propriedade em Cerri-to, região de Pelotas, presenciou vá-rias tentativas de revitalização da Me-tade Sul. Dessa vez, plantando euca-liptos, acredita que salva sua lavou-ra. Lucas é um dos cerca de 300 agri-cultores que até o ano passado havi-am aderido ao programa de fomentoflorestal da Votorantim. Nesse con-vênio, realizado de forma similar pelaAracruz e futuramente também pelaStora Enso, mudas de eucaliptos sãorepassadas aos proprietários e as plan-tações financiadas via Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES) ou pelo sistema demicrocrédito rural. A contrapartida éa obrigação de vender a madeira àsempresas. Na fazenda de 171 hecta-res, Lucas plantou 52 deles com eu-calipto.

Para conciliar a nova atividadecom a pecuária de leite e de corte, oagricultor desenvolve o sistema deagrossilvicultura, no qual mantém en-tre as árvores espaços para pasta-gem. Durante o plantio, em 2005,empregou 12 pessoas por oito meses,mantendo quatro após o período. Emum balanço da situação atual, diz quesuas principais rendas são em primei-

Lucas: Investimentos das empresas decelulose vêm para salvar a Metade Sul

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ro lugar o leite, depois o eucalipto e,por último, o gado de corte. Ele expli-ca que, enquanto garante um rendi-mento mensal com o leite, obterá umganho extra com a madeira, em lon-go prazo.

____________________Parecer

sustentávelAlém de atentas em demonstrar

os efeitos positivos na economia daregião, as empresas tentam provarque suas atividades não colocam emrisco o meio ambiente. O argumentocentral é que suas ações são baliza-das pelas práticas da sustentabilida-de. Ao se declararem seguidores des-se modelo, procuram desenvolver prá-ticas de responsabilidade ambiental esocial e receber distinções que com-provem seu desempenho sustentável.Para as produtoras de celulose, es-sas práticas são requisitos para ob-tenção da certificação florestal, es-pécie de selo de sustentabilidade dosnegócios, que garante a aceitação deseus produtos no mercado internaci-onal. As três empresas chegadas ao

Rio Grande do Sul possuem, na mai-or parte de seus outros empreendi-mentos, certificações emitidas porduas instituições reconhecidas inter-nacionalmente, o Forest Sterwar-dship Council (FSC) e o SistemaBrasileiro de Certificação Florestal(Cerflor). Entre as produtoras de ce-lulose, a Aracruz destaca-se por tam-bém possuir outras distinções. A em-presa é a única do setor de produtosflorestais, em todo o mundo, a inte-grar o Índice Dow Jones de Susten-tabilidade 2008, e, no Brasil, é umadas duas do setor no Índice de Sus-tentabilidade Empresarial da Boves-pa. Por outro lado, a Aracruz é tam-bém a empresa com atuação maiscontroversa, tendo se envolvido emconflitos com indígenas, quilombolase o Movimento dos TrabalhadoresSem Terra (MST) no Espírito Santo,onde se localiza sua matriz, e no RioGrande do Sul.

As contestações sobre as ativi-dades das produtoras de celulose sãoprincipalmente sobre os impactos am-bientais. Pesa contra o plantio de eu-caliptos a fama de que a árvore ab-sorve grande volume de água, sendo

comum ouvir de agricultores que nãohá nada melhor para fazer a secagemde banhados nas fazendas do queplantar meia dúzia de eucaliptos. Asplantações também causariam a re-dução da biodiversidade por substitu-írem as diversas espécies existentesnos campos dos pampas apenas poresse tipo de árvore. As empresas, ali-nhadas em seus discursos, rebatemdizendo que tudo isso não passa demitos e preconceitos. Sobre os impac-tos na biodiversidade, argumentamque não seriam diferentes dos cau-sados por qualquer outro tipo de la-voura, como trigo, soja ou milho. So-bre o consumo de água, defendem-se dizendo que o entendimento é an-tigo e ultrapassado. De acordo comelas, a combinação de manejo ade-quado das plantações e espécies se-lecionadas resultaria em taxas de con-sumo de água plenamente aceitáveis.

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Pamparico

No lado oposto na crise dos eu-caliptos, movimentos ambientalistas epesquisadores firmam posição contraa liberação dos plantios. Para cadadado, informação ou pesquisa cientí-fica favorável aos investimentos, di-vulgam outros para combatê-los. Ofoco de sua briga é a preservação dobioma Pampa. O ecossistema é umdos seis biomas continentais brasilei-ros na classificação realizada peloInstituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE) e pelo Ministériodo Meio Ambiente em 2004, junta-mente com Amazônia, Cerrado, Ca-atinga, Mata Atlântica e Pantanal. Detodos, o Pampa é o único restrito so-mente a um Estado, entretanto, suaextensão também chega a partes doUruguai e da Argentina. No Rio Gran-de do Sul, a área coincide com a daMetade Sul, sendo cerca de 17,5 mi-

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lhões de hectares cobrindo 63% doterritório total do Estado. Sua vege-tação é predominantemente de este-pes, na região da Campanha e doExtremo Sul, e de savanas estépicas,nos locais mais áridos da FronteiraOeste. A paisagem de campos pla-nos encontra apenas algumas inter-rupções, com árvores e arbustos lo-calizados próximos aos rios e comelevações breves e agudas do terre-no, as chamadas coxilhas – termooriginário do espanhol cuchillo, quesignifica faca.

De acordo com especialistas,registra-se no Pampa uma riqueza bi-ológica sem precedentes no mundoentre os ecossistemas de campos. Onúmero de espécies vegetais chegaa 3 mil, indica a professora Ilsi Bol-drini, baseada em levantamentos doDepartamento de Botânica da Uni-versidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS). Para se ter uma idéiado que isso representa, a biodiversi-dade vegetal encontrada nas flores-tas do Rio Grande do Sul, incluídos aíos remanescentes de Mata Atlânticado Estado, é de 519 espécies. A pro-fessora explica que o pampa supera

com folga a diversidade de outrosecossistemas de campos por estarem região subtropical, contando as-sim com a coexistência de espéciesde clima tropical e temperado.

Em um estudo mais localizado,a Embrapa (Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária) de Bagé, naregião da Campanha, identificou noscampos do município a ocorrência de17 ecossistemas, cada um abrigandoum conjunto diferente de vegetação.Um dos participantes desse trabalho,o pesquisador aposentado José Otá-vio Gonçalves, preocupa-se com osimpactos das plantações de eucalip-tos sobre esses ecossistemas. “Digopara meus colegas já irem pensandoem projetos de recuperação dessasterras, que daqui a 14 anos estarãoestragadas pelos eucaliptos”, diz opesquisador, que estuda os campos daregião desde os tempos do Departa-mento Nacional de Pesquisa Agrope-cuária, órgão que precedeu a criaçãoda Embrapa, na década de 70.

A degradação, de fato, ocorre,mas não é de hoje. Números do IBGEmostram que nas últimas décadas opaís perdeu a cada ano em média 130

mil hectares de campos nativos, ocu-pados principalmente por lavouras.Entre 1970 e 1996, a área foi reduzi-da de 14 milhões de hectares para 10milhões. Apesar de não haver dadosmais recentes, o professor CarlosNabinger, da Agronomia da UFRGS,estima que atualmente restem poucomais de 6 milhões de hectares. “Sefosse uma floresta, seria um escân-dalo, o Greenpeace estava aqui e tudomais”, protesta.

Na polêmica dos eucaliptos, bri-gando para que as árvores não ocu-pem os pampas gaúchos, destaca-secomo um dos especialistas mais atu-antes o professor Ludwig Buckup, doDepartamento de Zoologia da UFR-GS. O pesquisador publicou artigossobre o assunto e é referência paraONGs ambientalistas na apresenta-ção dos argumentos contrários aosempreendimentos. Suas principais crí-ticas são sobre os impactos das plan-tações de eucaliptos no consumo deágua e na biodiversidade, o que seria

Nabinger: restam pouco mais de 6 milhõesde hectares de campos nativos

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Ecossistema degrande riqueza

biológica, oPampa tem 3 milespécies vegetais.____________________

agravado no caso do Rio Grande doSul por o Pampa ser um ecossistemade vegetação campestre, que não su-portaria o crescimento de árvores.Sobre os danos aos recursos hídricos,o professor calcula que o índice deágua liberado pelos eucaliptos em suarespiração, a chamada evapotranspi-ração, seria três vezes maior do quea quantidade que pode ser repostapela chuva. A disponibilidade de águaé uma preocupação presente na re-gião. Em Bagé, onde a Votorantimpossui plantações, entre 2006 e 2007,

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durante dez meses, a população vi-veu racionamento de 18 horas por diasem abastecimento de água.

Nas críticas sobre o impacto nabiodiversidade, Buckup explica que aformação dos plantios de eucaliptossignificaria a substituição de milharesde espécies vegetais por apenas uma.Devido a essa condição, os movimen-tos ambientalistas gostam de se refe-rir às plantações como “desertos ver-des”. O professor prefere falar em“lavouras de eucaliptos”. Ele explicaque as plantações não se tratam deflorestas, pois isso implicaria a exis-tência de diversas espécies vegetais.Também não admite falar em reflo-restamento, pois na região não existi-am florestas anteriormente. Ao abor-dar o assunto indica o que parece seruma das maiores contradições nessecaso: enquanto no Rio Grande do Sulocorre a ocupação dos campos de pas-tagens para plantações de árvores, naAmazônia a floresta está sendo derru-bada para o avanço da pecuária.

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Pampapobre

Além dos fatores ambientais,também são questionados os aspec-tos econômicos e sociais relativos aosempreendimentos. Entre as principaiscontestações está o tipo de desenvol-vimento que será gerado na região.Para o pesquisador Marcos Borba, daEmbrapa de Bagé, as empresas decelulose e seus bilhões de dólares nãopromoverão o progresso da MetadeSul. Apesar de representar um au-mento no (Produto Interno Bruto(PIB), a produção de riquezas seráconcentrada, sem integrar a maiorparte da população. Doutor em Soci-ologia e Desenvolvimento Sustentá-vel, ele considera os planos de inves-timentos uma tentativa de se desen-volver uma região carente por meiode práticas fora de seu contexto. “Tra-

Sem-terra: Basílio não come eucaliptos,por isso, luta contra as empresas

ta-se de se importar um modelo quedeu certo em outros lugares para apli-cá-lo em um local pobre”, explica.Implantar um modelo exógeno de de-senvolvimento poderia extinguir par-ticularidades regionais, como as pai-sagens, a organização social e a cul-tura do homem dos pampas, alertaBorba.

Ao falar nesse assunto, JânioLima, presidente da Fundação RioIbirapuitã, ONG ambientalista de Ale-grete, conta sua história sobre os“milagreiros” que de tempos em tem-pos aparecem para salvar a MetadeSul. “Em outros anos, as mágicas fo-

ram a revolução verde, que fortale-ceria a produção agrícola, mas aca-bou por degradar nossos solos. De-pois foram os incentivos à lavoura doarroz, que causaram danos irreversí-veis aos banhados”, afirma. Outro dos“milagres” introduzidos no Estado, elerelata, foi o capim annoni, hoje umadas maiores pragas da agricultura daregião. Nos anos 60, trazido do sudo-este da África, de onde é nativo, essetipo de pastagem deveria ser a salva-ção dos campos de pecuária. Entre-

tanto, mais tarde descobriram seusdefeitos: baixo teor nutricional, libe-ração de substâncias que inibem ocrescimento de outras plantas e umacapacidade de se disseminar peloscampos jamais vista. Antes que pu-desse ser extinto, o annoni espalhou-se pelos campos, chegando atualmen-te a todas as regiões do Estado. Jâ-nio alerta que as plantações de euca-liptos, já disseminadas entre os quasefalidos produtores rurais, são a pro-messa da vez.

Apesar de todas as críticas, en-tre os ambientalistas atuantes na po-lêmica prevalece a posição de que os

plantios de eucaliptos não precisamser totalmente banidos do Estado, masque sejam adequados a normas queminimizem seus impactos. A saída in-dicada por eles é a adoção do primei-ro Zoneamento Ambiental para Ati-vidade de Silvicultura, elaborado pelaFepam, mas que as empresas e ossetores interessados em seus investi-mentos se recusam a aceitar.

Outro grupo na oposição aosempreendimentos, no entanto, discor-da dos demais e gostaria realmente

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de expulsar as empresas. Tratam-sedos integrantes do Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem-Terra, queem diversas ocasiões entraram emconflitos com as empresas produto-ras de celulose. Em março de 2006,a Via Campesina, grupo ligado aoMST, reuniu 1,2 mil pessoas para des-truir o viveiro de mudas da Aracruz,em Barra do Ribeiro, município pró-ximo à fábrica da empresa em Guaí-ba. O caso teve repercussão nos no-ticiários nacionais, com destaque paraas queixas da empresa, que, além dasinstalações, diz ter perdido pesquisasde 15 anos, numa referência a mu-das selecionadas e aperfeiçoadaspara uso nos plantios. Em seu cálcu-lo, considerando que o Rio Grande doSul será o foco de sua expansão, oprejuízo projetado é de 20 milhões dedólares. Após o ataque, os manifes-tantes declararam que seu objetivo

era despertar a sociedade para “osmales que as monoculturas do agro-negócio multinacional, em especial osnovos latifúndios de eucalipto e pínus,causam ao povo e ao meioambiente”.

Em 2007, as demais empresastambém foram alvo de protestos. NaFronteira Oeste, terras da Stora Ensoforam ocupadas por mulheres da ViaCampesina, mas a manifestação, semagressões nem estragos, durou pou-cas horas. No Extremo Sul, o MSTconseguiu atrair mais atenção. Inte-grantes do movimento fizeram muti-rão para arrancar os eucaliptos plan-tados por ex-sem-terra em seus as-sentamentos, por meio do programade fomento da Votorantim. Os planti-os haviam sido considerados irregu-lares pelo Incra, que discorda do usodas terras concedidas pela reformaagrária para fins que não sejam a pro-dução de alimentos. “A gente faz o

papel do pobre, que é esse de sair narua e no campo para a luta”, explicaBasílio Lopes, integrante do movimen-to, em frente à faixa “Eu não comoeucalipto, e você? Fora ‘Estora’Enso”, pendurada na entrada do as-sentamento Fidel Castro, em Santa-na do Livramento.

Uma das líderes do movimentono Estado, Neiva Viviam, acompa-nhou os colegas para arrancar os eu-caliptos plantados nos assentamentos.Os protestos, ela explica, são porqueos ideais de sociedade defendidospelo MST são inconciliáveis com asempresas “transnacionais”, como sereferem os integrantes do movimen-to às três produtoras de celulose.“Nossa posição não é como a dessepessoal que está falando apenas emmeio ambiente. Para nós, essas em-presas transnacionais têm que serextintas”, afirma.

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Com areia nos olhosCom areia nos olhosCom areia nos olhosCom areia nos olhosCom areia nos olhos

Stora Enso: impedida de plantarnas áreas de arenização

Além de estar imersa na polêmica dos eucaliptos comoas demais empresas, a Stora Enso encontra-se em meio adois outros embates. Um deles de ordem legal, sobre propri-edade de terras, que acabou colocando-a sob investigaçãoda Polícia Federal, e o outro relacionado a um problemaambiental específico da região em que se instalou.

O problema legal está na regularização das fazendascompradas pela empresa. Uma lei federal coloca empecilhospara uma companhia de capital estrangeiro adquirir terrasem zonas de fronteira – faixa de 150 quilômetros de distân-cia das divisas. A Stora Enso, de origem sueco-finlandesa,atua no Rio Grande do Sul em uma região próxima à frontei-ra com a Argentina. A legislação, que foi criada no séculoXIX, não proíbe a compra das terras, mas exige que umasérie procedimentos sejam adotados. Entre eles, há uma de-terminação para que a Stora Enso apresente a lista dos títu-los dos proprietários das fazendas desde 1850, ano da pri-meira lei de propriedade de terras instituída pelo Impériono Brasil. Após reunir esses e outros documentos solicita-dos, a empresa deverá submetê-los ao Conselho de DefesaNacional (CDN), órgão de consulta do presidente da Repú-blica nos assuntos relacionados à soberania e à defesa doEstado.

Esse processo, entretanto, pode levar anos para serconcluído, e, por isso, a Stora Enso buscou uma alternativapara seguir com os plantios. Constituiu, em 2006, uma em-presa de propriedade de brasileiros residentes no país, aAzenglever Agropecuária Ltda., com objetivo de registrar asfazendas em seu nome. “O contrato social desta empresaprevê que as propriedades sejam repassadas para a StoraEnso assim que houver decisão do CDN. A criação da Azen-glever e seus objetivos foram prontamente informados aoIncra, ao Ministério Público e à Fundação Estadual de Pro-teção Ambiental (Fepam)”, afirma João Borges, diretor flo-restal da Stora Enso para a América Latina.

Há, no entanto, suspeitas de irregularidades no proce-dimento. Os proprietários da Azenglever são também execu-tivos da Stora Enso, o que pode ser considerado crime defalsidade ideológica, cometido com objetivo de burlar a leide fronteira, conforme denúncia da Procuradoria da Repú-blica do Estado do Rio Grande do Sul. A Polícia Federalinstaurou inquérito e está investigando o caso.

A Stora Enso também lida com um problema ambientaldos mais graves encontrados no Estado: a arenização. Ofenômeno transforma os campos da região da Fronteira Oes-te em áreas cobertas pelo solo arenoso característico dolocal, resultando em paisagens semelhantes a desertos. Es-ses areais são formados em um processo natural, que ocorrequando se conjugam fatores como condições climáticas, soloe vegetação favoráveis, como explica o pesquisador JoséPedro Trindade, autor de tese sobre o assunto. A chuva atuacomo agente deflagrador ao abrir brechas na vegetação edeixar o solo exposto ao vento, que age em seguida espa-

lhando a areia e ampliando a área descoberta. “Isso tudoocorre sem a ação do homem, mas atividades como a criaçãode gado nesses locais potencializam e aceleram a formaçãodos areais”, diz Trindade.

A arenização atinge uma área total de aproximada-mente 3,5 mil hectares, com maior ocorrência em Alegrete,Manoel Viana e São Francisco de Assis, municípios onde aStora Enso possui plantações de eucaliptos. A empresa éobrigada a interromper as linhas dos plantios nos areais,devido a uma determinação da Fepam que proíbe plantarnuma faixa de 150 metros em torno dessas áreas. Os eucalip-tos agravariam o problema da arenização, explicam os téc-nicos da entidade. A Stora Enso alega, no entanto, que asárvores podem colaborar com o controle do fenômeno. Ci-tam como exemplo o caso do chamado Deserto de São João,área no interior de Alegrete, em que o plantio de eucaliptos,estabelecido no final da década de 70, conseguiu conter oavanço da arenização. O local tornou-se o mais famoso focodesse problema ambiental por conta de sua extensão de 200hectares.

Pesquisadores como José Trindade contestam esse ar-gumento. Apesar de ajudar na redução da incidência dosventos, responsáveis pelo avanço da mancha de areia, a plan-tação de árvores não contribui para recuperação da vegeta-ção rasteira que anteriormente cobria o solo. “Se retirar asárvores, o areal ainda estará ali”, indica o pesquisador. Paraele, o problema dever ser tratado de dois modos. Por meio daprevenção, evitando a pastagem do gado em locais propí-cios à ocorrência da arenização, e com a reversão do proces-so nos areais existentes, formando uma faixa de preservaçãono entorno para que a vegetação se recupere naturalmente.“O processo é lento, pode levar dezenas de anos, mas é omais eficiente”, pondera.

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StoraEnso, de origem sueco-finlandesa, enfrenta problemas legais e ambientais

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do – por ingenuidade, falta de alter-nativas ou traição mesmo – a um con-vênio para plantar árvores e venderà Votorantim Celulose e Papel, umasdas empresas que investem na cons-trução de um pólo produtor de celu-lose no Estado. Como fizera nas ma-nhãs anteriores, até as 8h, tinha os38 companheiros dentro do ônibuspara o que seria o último dia de mo-bilização.

A alguns quilômetros de distân-cia, Adelar Pretto cumpria sua res-ponsabilidade de líder regional doMST organizando a recepção aosmanifestantes. Com telefonemas nanoite anterior, articulou as equipes dacomida, da bebida e da música paraa chegada dos companheiros da

“A opção da VCP pelopampa se deu apósanálise da viabilidade deinstalação do projeto emvárias partes do mundo edo Brasil. A altaqualificação da mão-de-obra e a boa infra-estrutura local foramdeterminantes para aescolha. Além disso,oferece clima, topografiae disponibilidade de terrae água adequadas parao plantio do eucaliptoque irá suprir aprodução de celulose.”

Relatório deSustentabilidade 2006,Votorantim Celulose ePapel.

Cortando o mal pela raizCortando o mal pela raizCortando o mal pela raizCortando o mal pela raizCortando o mal pela raiz O dia em que sem-terra

foram presos porarrancar eucaliptos em

assentamentos. Paraabalar as estruturas

das empresas, trabalhoduro, churrasco e festa

dos manifestantes

Dia de mobilização do Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) começa cedo. Antes das7h da manhã, Gilson Rodrigues esta-va de pé. Tomou uma ducha gelada,bebeu café, comeu seu pão e ajudoua acordar os colegas. Ele estava acargo de coordenar a ação de arran-car eucaliptos plantados em assenta-mentos de municípios da região dePelotas, no Rio Grande do Sul. Com-panheiros assentados haviam aderi-

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mobilização no assentamento Con-quista da Luta, em Piratini, onde al-moçariam e arrancariam os últimoseucaliptos. Às 10h da manhã, trazen-do mandioca, batata-doce, arroz e trêscompanheiros para descascar tudo epôr na panela, chegou o Professor.Logo depois, o Mico, com a carne doporco que acabara de carnear no as-sentamento de um companheiro vizi-nho. A Neiva cuidou de preparar o

Pelotão Especial: armados de escopetasbrigadianos acompanham sem-terras

chimarrão e a caipirinha, feita comgomos de bergamota e açúcar sufici-ente para disfarçar o gosto da cacha-ça de garrafa de plástico. Do porta-malas do Gol, Miltinho tirou sua gaita– que em outros lugares chamariamde acordeom ou sanfona –, mas nãoa desensacou. O som, por enquanto,estava a cargo do rádio do carro, sin-tonizado na 103,3 FM, a estação co-munitária dos sem-terra. Pelo menosoutros dez colaboravam com o pre-paro do almoço ou em manter a pro-sa animada.

Após arrancar eucaliptos emmais um assentamento, Gilson coor-

denou a retirada e os manifestantesestavam de volta ao ônibus. Contan-do com o trabalho daquela manhã,haviam liquidado cerca de 100 hecta-res de plantios ao todo nos três diasde mobilização. Em alguns trechos, ospés tinham menos de seis meses epodiam ser arrancados com as mãos,enquanto em outros, mais crescidos,às vezes eram necessárias duas pes-soas com foices para derrubá-los.

Cansados com o trabalho acumula-do, sentiam-se aliviados com o ôni-bus indo em direção ao almoço quecompanheiros preparavam para suachegada. Mas na saída, ao pegar arodovia principal, o veículo brecou. Vi-ram pela janela duas viaturas e umcamburão da Brigada Militar (a PMgaúcha), com homens armados de es-copetas apontadas para o ônibus.

No Conquista da Luta, de olhona carne que assava na churrasquei-ra improvisada com tijolos, Adelaratendeu ao telefone celular.

– Prenderam o ônibus.– O que aconteceu?

– Os documentos tavam irregu-lares. Tão levando pra delegacia.

– Tá, então é só buscar o pes-soal lá e resolver o problema do ôni-bus.

– Acho que não. Parece quetem quatro de menor. Vão ter que in-terrogar todo mundo na delegacia dePinheiro Machado.

Mudança de planos. Na chur-rasqueira, afastaram a carne do fogo,e na panela colocaram apenas umaparte da mandioca e da batata-doce,pois os companheiros não chegariamtão cedo. Adelar, com o reforço dedois outros colegas, telefonava agoraem busca de advogados para acom-panhá-los à delegacia do municípiovizinho.

– Tem aquele que nos ajudou naocupação ano passado.

– Sim, e o outro que também tra-balha com ele.

– Ah, mas esse não sei se tá nonosso lado, não.

Ligaram para um, que tinha onúmero de outro, que conhecia maisuns, e assim, em meia hora, tinhamtrês advogados escalados. Dois de Pi-ratini e um de Pelotas. Adelar tinhade acompanhá-los na delegacia, “mascom essa roupa não dá, se não é ca-paz de me prenderem também”. En-tregou sua camisa pólo cheia de fu-ros, a calça gasta e as sandálias ha-vaianas para Miltinho. Pegou dele acamisa de cor salmão, os sapatos e acalça jeans que ficava folgada no gai-teiro, mas que apertava na bunda deAdelar. Antes de partir, ainda deu paratirar umas lascas do churrasco, e, emvolta do fogo, apesar do incidente, obom-humor ainda dava o tom das con-versas.

O assunto era a visita do papaBento XVI ao Brasil, que ocorria na-quela semana.

– Vocês viram o cálice de ouroque o Papa bebeu vinho?

– Sim, dava pra desapropriaruma fazenda inteira!

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– E aquela cadeira em que elesentou, então?

Ao chegar a Pinheiro Macha-do, Adelar viu o que era a atração dodia no município de 20 mil habitantes.A rua em frente à delegacia estavatrancada pela Brigada nas duas es-quinas. O ônibus estacionado serviacomo cadeia para 34 manifestantessem-terra. O sol do início de tarde,num dia quase sem nuvens, pioravaainda mais a atmosfera dentro doveículo, cheio de homens suados esujos do trabalho na terra. Gilson aomenos escapou dessa. Tratava doassunto na delegacia, juntamente comos quatro menores, todos de 17 anos,que integravam o grupo preso. A Bri-gada encrencara com eles porque,não sendo maiores de idade, necessi-tariam de autorização dos pais paraviajar. Além disso, integrar um grupocomo aquele poderia ser interpreta-do como aliciamento.

Com a chegada de Adelar e osadvogados, deu-se início ao procedi-mento para apuração do ocorrido. Osmenores foram acompanhados porum conselheiro tutelar até o posto de

saúde para exame de corpo-delito.Não havia incidentes a registrar. Nasaída, Adelar percebeu que os jovensnão haviam comido nada desde o iní-cio da manhã. Passavam das 3h datarde, e ele correu à lanchonete maispróxima para comprar dois pastéis decarne para cada. Pela primeira vez,o líder Adelar e Jéferson, um dos jo-vens sem-terra, se encontravam. Ape-sar das posições distintas dentro domovimento, suas histórias de vidapossuem semelhanças.

Jéferson, nascido na região nor-te do Rio Grande do Sul, cresceu emacampamentos dos sem-terra acom-panhando os pais até que fossem as-sentados em um lote próximo a Pelo-tas, no sul do Estado. Mas agora queé quase um adulto a terra não dá paratodos, e o jovem mudou-se para umacampamento dos sem-terra a fim deobter um lote para si. Estava lá quan-do foi convidado a integrar a mobili-zação para o corte de eucaliptos.“Não sabia direito para onde ia, massabia que queria ajudar”.

Adelar também nasceu na re-gião norte do Estado e da mesma for-

ma acompanhou os pais sem-terra. Adiferença na sua trajetória é que seupai é Adão Pretto, um dos fundado-res do MST e deputado federal peloPT desde 1991. Na adolescência,Adelar acompanhou o pai nas reuni-ões que deram origem ao movimentoe mais tarde ingressou na luta, tor-nando-se acampado até receber umlote de terra em assentamento da re-gião de Pelotas e integrando a lide-rança do MST no Estado. A geraçãoseguinte da família começa a traçarrumos diferentes, beneficiada porconquistas do movimento. Um deseus filhos, que é agricultor, esteveestudando no País Basco, por meiode convênio, e outro, que pretende sermédico, é um dos dezenas de sem-terra recebidos por Fidel Castro paraestudar em Cuba.

No posto de saúde, depois dosmenores, foi a vez dos demais sem-terra passarem pelo exame de corpodelito. Em grupos de dez, foram trans-portados no camburão da Brigada eacompanhados na entrada e na saídapelos policiais do pelotão de opera-ções especiais de Pelotas, que segu-

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Líderes: Gilson (E) e Adelar, acusação decrime ambiental por arrancar eucaliptos

ravam escopetas, vestiam coletes àprova de balas e uniformes com ar-madura nas pernas e braços. Cum-prida a formalidade, ninguém ferido,retornaram, mas não ficaram maispresos no ônibus, agora livres paraaguardar no ginásio de esportes, lo-calizado em frente à delegacia.

A resolução do conflito se deulogo em seguida. O motorista do ôni-bus chegou à delegacia algemado pe-los policiais, o que deixou o momentotenso pela primeira vez naquele dia.Adelar e Gilson foram ter com o de-legado para resolver aquilo tudo deuma vez. Explicaram que as planta-ções de eucaliptos em assentamen-tos haviam sido consideradas ilegaispelo Incra. Para o órgão, as terras dareforma agrária são destinadas ape-nas para a produção de alimentos,além disso o convênio com a Voto-rantim podia ser considerado arren-damento, o que também é proibido.O Incra poderia até suspender as con-cessões dos lotes aos assentados. Aoarrancar os pés de eucaliptos, o MST,explicaram os líderes, estava livran-do os colegas desse problema, aomesmo tempo em que marcava suaposição contrária às empresas de ce-lulose. Sem enrolar mais, pois já eraquase noite, o delegado liberou todomundo, mas abriu processo de inves-tigação. A acusação soava como iro-nia: crime ambiental, devido à destrui-ção das plantações de eucalipto.

Com um novo ônibus, pois o ou-tro fora apreendido, os manifestan-tes chegaram finalmente ao assenta-mento Conquista da Luta. O churras-co, programado para o almoço, vira-ra jantar. Espetos feitos de ferro tor-cido eram cravados no chão, e facaspassavam de mãos em mãos para ti-rar lascadas da carne de porco, queera acompanhada por pedaços demandioca cozida e comida com asmãos. Os mais exigentes faziam umprato, com arroz e batata-doce tam-bém. Miltinho havia tirado a gaita de

dentro da capa e puxava o canto,acompanhado por um violão e um per-cussionista que improvisava batendoem um balde.

Ao final da festa, por volta das10h da noite, Gilson pediu a atençãodos companheiros. No terreno em de-clive, posicionou-se na parte mais altapara falar a eles.

– Essa semana, nessas ativida-des, vocês abalaram as estruturas daVotorantim.

Mas Gilson, ainda um líder jo-vem, não domina muito bem as pala-vras, se enrola e finaliza logo. “Algu-ma pergunta?”. Um acampado, deseus 20 anos, questiona sobre a par-ticipação de mais companheiros naluta, principalmente os que já são as-sentados. Adelar toma a palavra paradizer que irão tentar mais apoio, masexplica que deveriam entender quepara quem já trabalha na terra é difí-cil encontrar tempo para as manifes-tações. O líder domina a retóricacomo um político no palanque. Mas ojovem acampado insiste no questio-namento.

– Não sei se me expliquei direi-to, mas queria saber se apenas osacampados vão continuar vindo praluta e...

O Professor corta, para dar umfim ao assunto.

– Vocês têm que entender quetodos devem estar satisfeitos com oque foi feito nessa semana. Aquelesque têm um nível de compreensão deque precisam somente de sua terrapodem estar felizes, porque atingindouma empresa como essa estamosacelerando as desapropriações e areforma agrária. Os que têm umacompreensão mais elevada tambémpodem ficar felizes, porque nessamobilização abalamos as estruturas daconjuntura econômica vigente.

O jovem ainda pede a palavra.“Ah, sim, só pra dizer então que euentendi. Tudo isso aí é pela reformaagrária, né?” Todos concordam, poisera hora de encerrar a conversa. Àsaída, Adelar puxa o grito:

– M-S-T.Em coro, respondem.– A luta é pra valer!

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Com a extinção das mangabeiras em 90% do território deSergipe e o crescimento das áreas de terras privatizadas,

catadoras e suas tradições estão com a existência ameaçada

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Tradição dizimadaTradição dizimadaPor Paola Bello - Fotos de Tatiana Cardeal

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Quando as primeirasflores da mangabeira come-çam a desabrochar na res-tinga sergipana, não é so-mente uma nova estaçãoque se aproxima. A cada sa-fra, a incerteza e a angústiade três mil famílias se multi-plica. Liderada por mulheresde pele negra e causas no-bres, a catação ou colheitada mangaba, embora lucra-tiva, é a razão pela qual todauma comunidade tradicionalnordestina está com a exis-tência ameaçada.

A árvore símbolo deSergipe já foi eliminada em90% dos territórios nativosno Estado. Nos 10% que res-tam, a coleta da mangaba épalco de um cabo de guerraonde estão, de um lado, opoder público e grandes in-vestidores, e do outro, comu-nidades de baixa escolarida-de, sem terras ou reservaseconômicas, cuja maior ri-queza é a cultura e a tradi-ção que carregam há gera-ções.

Há anos, os governosestadual e federal constro-em discursos sobre os in-vestimentos feitos na região.São milhões aplicados naconstrução de pontes e ro-dovias, na monocultura e noincentivo à vinda de gruposestrangeiros de turismo ecriação de camarão. Ao mes-mo tempo em esses investi-mentos valorizam as terrase trazem desenvolvimento àsáreas que antes apenasexalavam o enxofre do man-gue e o calor das areias darestinga, a modernidadeameaça de extinção ativida-des que ajudaram a cons-truir a identidade brasileira.

“A valorização da terrae a privatização dos espa-ços de trabalho tornam aspopulações extrativistas ain-da mais vulneráveis”, lamen-ta Jane Velma dos Santos,presidente do Movimentodas Catadoras de Mangaba,em carta enviada à Procura-doria da República em mar-ço. “O Estado não observa aexistência dessas popula-

ções extrativistas e esquecede promover políticas públi-cas efetivas e favoráveis aosinteresses das populaçõeslocais, entregues à própriasorte”, completa.

Com o aumento dosinvestimentos e da ocupa-ção de áreas até então aban-donadas, essas comunida-des tradicionais começa-ram a perder, inclusive, omangue e a restinga, áreasque deveriam ser protegidasambientalmente e que sem-pre lhes representaram op-ções de refúgio. Não restouaos povos tradicionais outraopção que não a luta pelaterra. “No passado, a pres-são sobre os recursos des-terrava populações que aliviviam, mas que migravampara outros espaços aindanão cobiçados pela agricul-tura. Mais recentemente, noentanto, as populações jánão têm para onde ir”, expli-ca Dalva Maria Mota, pesqui-sadora da Embrapa.

E quando a luta pelasobrevivência ganhou rostose vozes, a situação, que jáestava crítica, ficou aindapior. Com a mobilização e oinício da organização de gru-pos de catadoras, donos deterras esquecidas temeraminvasões e desapropriações.Os sítios de mangabeira,que garantiam o sustento demilhares de famílias, foramcercados. Capangas ganha-ram casas nas fazendas emtroca da vigilância contra ascatadoras. A fruta ganhouvalor no mercado e o núme-ro de catadoras aumentousignificativamente, enquan-to a modernidade se encar-regava de continuar a derru-bada das mangabeiras narestinga.

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A tradiçãoMuito antes da manga-

ba ganhar o status de frutaexótica nas prateleiras dossupermercados nordesti-nos, o uso da fruta e do látexda mangabeira já era difun-

dido entre as comunidadestradicionais locais. Da fruta,fazia-se o suco típico da Se-mana Santa. Do látex, medi-cina popular contra descon-fortos digestivos e estoma-cais. A fruta também era co-mida, pura ou com farinha,quando homens e mulheressaíam para a roça e para apesca.

“Sempre teve muitamangaba por aqui, mas opovo não sabia que vendiana feira. A gente comia vez ououtra, quando estava nomato, ou na Semana Santa.A mangaba é uma fruta mui-to boa, muito docinha, masa gente não tinha o costumede comer sempre e nempensava que dava pra ven-der. Até que um dia uns vi-ram gente vendendo man-gaba no mercado de Araca-ju. Aí a gente também come-çou a catar e a vender. Issojá faz uns 35 anos”, contaMaria Zita dos Santos, 65anos, moradora do povoadode Alagamar, em Pirambu,norte do estado.

“Quando cheguei aquina Barra dos Coqueiros, nin-guém sabia que dava pracomer a mangaba”, contaMaria Plácida de Jesus, 76anos, considerada pelo povoa primeira vendedora da fru-ta no mercado público de Ara-caju. “Eu tinha aprendidocom minha mãe que davapra comer e como a gentedeveria tirar, sem quebrar agalha, sem tirar verde. Quan-do cheguei aqui, vi manga-ba por todo lado, e o povoachando que era uma coisavenenosa. Então, comecei aapanhar a mangaba, junteium cesto e fui vender em Ara-caju”. Mas até conquistar aclientela, dona Pracida,como é chamada, enfrentoumuita resistência. “As pri-meiras vezes que fui, nãovendi nem uma mangaba sequer; tive que voltar com ocesto cheio. Mas aí o povoexperimentou, gostou e eucomecei a vender. Não de-morou muito, o povo daquiviu que dava dinheiro e co-

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meçou a catar e a vendertambém. Hoje, mangaba éfruta de rico, e sustenta qua-se todo mundo aqui”, co-menta.

Assim como o suces-so de venda, o manejo daplanta e da fruta foram dis-seminados entre as comu-nidades e passados de ge-ração a geração. Com amangaba, dona Maria Zitacriou 12 filhos, que cresce-ram ajudando na catação.“Aqui, filho com cinco anosjá começa a ajudar a catarmangaba. Desde antiga-mente, a gente saía pra ca-tar às cinco da manhã e vol-tava só quando enchia osbaldes. Pra vender, é assimtambém. Tem que sair cedode casa e só voltar quandovende tudo”, conta. Apesarde alguns meninos ajuda-rem quando pequenos, acatação é uma atividade pre-dominantemente exercidapor mulheres. “Mulher traba-lha com mangaba porque émais leve. Homem trabalhana roça, com caranguejo. Mu-lher cata mangaba, trançachapéu, vende na feira”, ex-plica.

De fácil, porém, a ativi-dade não tem nada. Antesmesmo de o sol nascer, asmulheres catadoras saemde casa, equipadas com bal-des e varas com um gancho

na ponta. Em geral, como asmangabeiras foram corta-das na área urbana para aconstrução de casas, as ca-tadoras caminham longostrechos até chegarem àsáreas mais fartas. Com ogrande número de mulheresexercendo a mesma ativida-de, cata mais quem conse-gue chegar mais cedo. “Nos-sa mãe ensinou a ver quan-do a mangaba está verde,quando está de vez [madu-ra], e eu já ensinei minha fi-lha. Minha mãe ensinou agente a tirar a mangaba semquebrar a galha, a lavar, aencapotar pra amadurecer, ea vender na feira. Agora queela está mais velha, a gentecata e ela vende”, explicaSônia dos Santos, 40 anos,filha de Maria Zita.

“A vida toda eu cateimangaba e levei meus filhosjunto. Saía cedo de casa evoltava com o sol alto, cui-dando dos filhos e carregan-do os baldes na mão e nacabeça. Quando os filhossão maiorzinhos, até aju-dam a gente a catar as quecaem no chão depois que agente tira com a vara, e àsvezes ajudam a trazer pracasa. Mas quando são pe-quenos, não dá, não. Temque cuidar os filhos das co-bras, dos mosquitos. Mas agente tinha que comer todo

dia, não é mesmo? Se a gen-te come todo dia, tem que tra-balhar todo dia pra ter o quecomer”, conta Maria Zita.

Em épocas de início efim de safra, em dezembro emaio, cada catadora colhe,em média, um ou dois bal-des de mangaba. O balde decinco litros é a medida de re-ferência e, cheio, pesa apro-ximadamente 4,5 quilos.Quando a safra está no ápi-ce, cada catadora junta emtorno de dez baldes por dia.Para ter mais segurançaquando saem para a cata-ção e para reduzir os custoscom a venda, as catadorastrabalham em pequenosgrupos, de três a sete mu-lheres, em geral, da mesmafamília ou vizinhas. Ao menosuma vez por semana, a co-lheita é vendida em feiras emercados municipais. Umaou duas mulheres, depen-dendo da quantidade cata-da, se responsabiliza por le-var a fruta à feira e só voltarquando o último balde forvendido.

“Quando a gente vaivender no mercado, a gentevai com o dinheiro contadoda passagem. Sai de casaàs 4h da manhã e só volta àtarde. A gente não comenada lá, deixa pra comer emcasa, se não, não sobra di-nheiro”, conta Sônia. “Na

No ápice da safra, cada catadora junta até dez baldes por dia

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época que tem muita man-gaba, dá até tristeza de ir ven-der, porque não pagam nada.Tem vezes que a gente malconsegue o dinheiro pra vol-tar. Ontem mesmo, levei 45baldes de mangaba pra ven-der em Aracaju, tive que dei-xar 20 lá, no corredor domercado mesmo, porqueninguém comprou. Disse-ram que estavam ruins, queeu tinha catado muito verde,que boa é a caída do pé. Mascom tanta gente catando, sóconsegue vender da caídaquem tem sítio. Se a gentefor esperar amadurecer, ficasem nada”.

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A jornadaMesmo antes de ama-

nhecer, um pequeno grupode mulheres sobe nas jan-gadas que cruzam o rioReal, divisor dos estados deSergipe e Bahia. Munidas deganchos, varas e baldes,elas saem do povoado dePontal, em Indiaroba (SE),em direção ao único lugarque ainda lhes dá algumsustento. Após três horas deremo, já com o sol forte so-bre a cabeça e os pés emsolo baiano, elas começama primeira atividade de umalonga jornada de trabalho.

Atentas às cores e formaspouco diferenciadas da fo-lhagem, escolhem os frutosque serão tirados e, um aum, são puxados dos galhoscom o gancho preso na pon-ta da vara. Cada uma colhede uma árvore diferente, e,rapidamente, o chão se en-che dos pequenos frutos re-dondos e leitosos. A vara éescorada, e, aos poucos, osbaldes ficam cheios dos fru-tos derrubados. Cada man-gaba colhida deixa uma gotade látex na pele negra e quei-mada de sol. Em poucosminutos, a substância bran-ca transforma-se em umamancha escura na pele, difí-cil de ser retirada. Colhidosos frutos, uma nova manga-beira é abordada, e a ativi-dade de retirada e cataçãose repete até que todos osbaldes levados estejamcheios.

Outras três horas deremo, com os baldes chei-os, os corpos marcados e osrostos exalando cansaço, eas mulheres retornam aopovoado. Cada uma levaseus baldes para casa, ondecomeça o “capote” ou a “ca-potagem”, segunda etapa dajornada. Após lavadas, asmangabas são deixadas emengradados de cerveja atéque toda a água da lavagemescorra e seque. No dia se-guinte, são colocadas emcaixas, de madeira ou pape-lão, encapadas com jornal,papel ou plástico. Como umtrabalho artesanal, as cama-das de mangaba são alter-nadas por camadas de pa-pel ou plástico, até a bordada caixa. Após dois dias na-quela pequena estufa impro-visada, os frutos já estãoprontos para ser comerciali-zados.

Às sextas, sábados edomingos, a peregrinaçãode catadoras de mangabaàs feiras e mercados muni-cipais é mais intensa. A par-tir da meia noite, a movimen-tação já é visível. Aos pou-cos, elas tomam as calça-das em torno do mercado

municipal de Aracaju, dolado de fora do Ceasa e nasbancas improvisadas nasfeiras livres de Estância, In-diaroba e demais cidadesdo estado. Ainda há as quemontam barracas na beiradas rodovias e que, apesardo conforto de levantaremcom o nascer do sol, depen-dem da sorte do movimentonas estradas.

“Na época que temmuita mangaba, a gente cataum dia, no outro ‘encapota’e cata mais um pouco, praconseguir vender mais nafeira”, conta Eliane dos San-tos, 42 anos, catadora emPontal. “Pra vir pra feira, temque sair, no mais tardar, às5h da manhã. Como eu nãotenho sítio, eu cato na rua,na beira das estradas, nosterrenos que ainda não cer-caram. Comecei a catar e avender mangaba com 13anos. Aprendi com minhamãe. Agora, meu marido emeus filhos me ajudam. Édifícil catar o dia todo e vir prafeira no outro dia, mas pelomenos com o dinheiro damangaba a gente conseguecomprar pão e comida prosfilhos”, completa.

“As mulheres aqui dePontal trabalham só commangaba e pesca. Quandotem mangaba, a gente con-segue comprar alguma coi-sa, guardar um dinheiro.Mas de uns tempos pra cá,como a mangaba vendemuito fácil, todo mundo de-cidiu catar também. Aí aca-ba indo criança e gente quenão sabe como tirar do pé, edeixam pra nós só galhaquebrada e mangaba verdeno chão. Por isso a gentetem que ir catar do outro ladodo rio, que tem mais man-gaba e menos gente catan-do”, explica Alicia Santos Sal-vador Moraes, que, aos 21anos, carrega nos ombros aresponsabilidade de mantera casa e alimentar quatro fi-lhos e um marido. “Comeceia catar mangaba ainda cri-ança. Meu pai criou eu e mi-nha irmã na mangaba e naMulheres cruzam o ria para vender mangaba na Bahia

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pesca. Agora que tenho mi-nha família, tem que traba-lhar mais ainda. A gente saipra catar mangaba quandoestá chovendo, com sol for-te, quando está doente,menstruada. Não tem outraescolha. Ou é a mangaba oué a pesca, e quando tem, amangaba dá mais dinheiro”,afirma.

“A mangaba é o jeitomais fácil da gente ter dinhei-ro na mão”, explica MariaDomingas da Anunciação, aNinha, 52 anos, moradora doassentamento São Sebasti-ão, no povoado de Alagamar,em Pirambu. “Com o artesa-nato, a gente passa um mêsou 15 dias fazendo a trançapro chapéu de palha, depoistem que costurar e esperarvender por um real cada. Amangaba, não. Se a gentequer comprar um sal ama-nhã, cata mangaba hoje esabe que amanhã tem umdinheirinho. Geralmente éassim, mas anda ficandomais difícil, porque tem maisgente catando”, lamenta.

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A importânciaAtualmente, Sergipe é

maior produtor de mangabano Brasil. A Secretaria da Agri-cultura estima que, em 2007,foram colhidas mais de 280toneladas da fruta, comerci-

alizadas quase que total-mente no mercado interno.Dados do IBGE referentes àProdução Extrativa Vegetalde 2005 confirmam a lide-rança do estado na produ-ção, apontando colheita de497 toneladas, o que repre-senta mais de 60% da pro-dução nacional, que naque-le ano atingiu 811 toneladas.Apesar da aparente quedana produção, Sergipe produzmais mangaba que todos osdemais estados nordestinosque também comercializama fruta.

A coleta é a segundamaior economia do estado,ficando atrás somente docultivo de laranja. Pesquisastambém apontam que 90%de toda a mangaba comer-cializada provêm de áreasnativas, nas quais as popu-lações tradicionais praticamo extrativismo há séculos.Embora exerçam outras ati-vidades, como coleta de pro-dutos dos manguezais, pes-ca, agricultura e artesanato,a mangaba representa 60%de todo o rendimento anualdessas populações.

Reconhecidas comopovos tradicionais, as comu-nidades que se dedicam àcatação da mangaba emSergipe representam umapeça-chave na manutençãoe preservação de todo umeco-sistema. “São grupos

que historicamente cuida-ram do território, conservan-do e interferindo minima-mente na sua transforma-ção”, explica a pesquisado-ra da Embrapa, Dalva MariaMota. “Eles são fundamen-tais para a conservação dabiodiversidade e dos recur-sos genéticos, porque acu-mularam práticas e saberessobre os recursos ao longodos anos, e dependem de-les para sua sobrevivência.Infelizmente, são popula-ções pobres em um contex-to em que a inserção socialé uma prioridade”, explica.

“Cada povo e cada co-munidade tradicional temidentidade própria, mas elescompartilham de elementosfundantes que são identida-de diferenciada dentro domosaico que compõe a iden-

tidade brasileira; relaçãocom o território e seus recur-sos naturais, essencial parasua identidade cultural; e fra-gilidade frente aos avançosdo modelo de desenvolvi-mento hegemônico no país”,afirma Muriel Saragoussi,diretora de Extrativismo doMinistério do Meio Ambien-te. “A estes elementos seagregam a contribuição paraa proteção e o uso sustentá-vel dos ecossistemas, es-sencial como prevenção emitigação das mudançasclimáticas e como serviçosambientais, e seu potencialde contribuição para a defi-nição e implantação de alter-nativas sustentáveis e inova-doras, ampliando o leque deprodutos e formas de usodos recursos da biodiversi-dade brasileira”, completa.

As cercas dificultam cada vez mais o trabalho das mulheres extrativistas

Muriel: comunidades tradicionais contribuempara o suo sustentável dos ecossistemas

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Segundo Muriel, cadapovo tradicional é importan-te não só para a preserva-ção dos recursos, mas tam-bém para a preservação daprópria identidade brasileira.“As catadoras podem ser in-seridas numa categoriamais abrangente de extrati-vistas, assim como os serin-gueiros, castanheiros, andi-robeiras, pescadores e ou-tros. Elas se inserem, tam-bém, com característicaspróprias, na enorme diversi-dade cultural, social, econô-mica e religiosa que com-põem os povos e comunida-des do nosso país, tornan-do-o megadiverso não so-mente em biodiversidade,mas também em sociodiver-sidade”, explica.

Muriel reforça que,mesmo que as catadorasainda estejam num estágioinicial de organização e auto-reconhecimento, para que aatividade e a cultura individu-al desse grupo não se extin-ga, é necessário garantir oacesso ao território e aosrecursos naturais que cons-truíram sua identidade.

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Os entravesO primeiro grande con-

flito que envolve as catado-ras é fruto da valorização dosterrenos onde há árvores na-tivas. Se o acesso às man-gabeiras em Sergipe, nopassado, era livre, a valori-

zação do fruto no mercado re-gional e a privatização dosespaços onde há manga-beiras vêm dificultando aprática do extrativismo. Tor-nou-se comum, da noitepara o dia, sítios e fazendasnos quais era permitida acatação aparecerem cerca-dos. “Antes, elas tinham todaa área de produção de man-gaba nativa para explorar; ti-nham livre acesso às áreas,sem pressão do proprietá-rio. Hoje, a coisa mudou.Essas áreas são particula-res, e a visão econômica quenão havia por parte do pro-prietário, agora há”, explicaFrancisco Cassundé, enge-nheiro agrônomo da Secre-taria Estadual de Agriculturae do Desenvolvimento Agrá-rio. Cassundé ressalta ain-da que, pelo fato de a man-gabeira exigir quatro anos decuidados até que dê os pri-meiros frutos, as áreas ex-ploradas são predominante-mente nativas e, para que odono da área tenha lucro,também deve reter toda aprodução. “A situação iriachegar a esse ponto, porquea terra é particular. Alguémdevia ter alertado elas queisso iria acontecer”.

O engenheiro agrôno-mo também afirma que oestado tem incentivado oplantio de mangabeiras ebusca a ampliação de mer-cado consumidor da fruta.“Há uma cooperativa no nor-te do estado que já está no

terceiro ano desde o plantiodas primeiras mudas demangabeiras. Eles percebe-ram a aceitação da manga-ba no mercado e investiram.Em pouco tempo, vai acon-tecer que quem plantoumangaba vai ter muito maisespaço no mercado. As co-munidades tradicionais nãovão perder o mérito, mas,uma hora ou outra, as cata-doras também terão que setornar produtoras. Elas nãopodem simplesmente seacomodar”, alerta.

Por outro lado, a tenta-tiva de organização das man-gabeiras em busca de terrasonde possam continuar o ex-trativismo abriu os ouvidosdos latifundiários para a re-forma agrária. Com medo deperder as terras, fazendasque até então não passavamde uma grande área abertarepleta de mangabeirastransformaram-se em sítioscercados, com caseiroscontratados para manterlonge as catadoras e qual-quer outra pessoa em bus-

ca de explicações. “No anopassado, depois de uma ini-ciativa de mobilização, osditos proprietários de terracomeçaram a cercar ou cor-tar as plantas para evitar aentrada das catadoras quepraticavam o extrativismo alihavia muitos anos. Um con-flito social pela disputa dorecurso está instalado e omovimento das catadorastenta se organizar para apoi-ar. Mas esse não é um em-preendimento simples, por-que elas estão dispersas enão têm uma tradição demobilização política”, explicaa pesquisadora Dalva.

Nossa equipe de re-portagem tentou, por váriasvezes, o contato com Fer-nando Felizola, dono da mai-or fazenda de mangabeirasem Barra dos Coqueiros. Naprimeira tentativa, os capa-tazes da fazenda se nega-ram a dar qualquer tipo deinformação sobre o proprie-tário. Na segunda, repassa-ram um número de celularinexistente. Também foram

Francisco Cassundé: uma hora ou outra, ascatadoras também terão que se tornar produtoras

Ponte para a barra dos Coqueirosacelerou a especulação de terras

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feitas tentativas através donúmero fixo informado noprocesso de desapropriaçãodas terras. Em nenhumadas vezes o telefone foi aten-dido.

“Depois do encontrodas catadoras, o Felizolamandou cercar a área toda.Agora, ninguém mais podeentrar lá pra catar mangabasem a autorização dos ca-seiros. As que catam lá têmque dar metade do lucro damangaba pro caseiro. Masas mulheres que participa-ram do encontro e que esta-vam querendo o sítio pra re-forma agrária não entrammais lá, nem pagando”, con-ta a catadora Edilma AlvesMoura, sobre a situação emBarra dos Coqueiros. “Hoje,o povo ficou com medo quea gente invadisse as terrase mandou cercar. Tem muitafazenda em que a mangabaestraga e não deixam a gen-te catar, com medo de inva-são. Tem uma ou outra cata-dora que acaba indo assimmesmo, mas é perigoso de-mais. Eu já vi caseiro corren-do a cavalo atrás de catado-ra, com laço, com chicote,com faca”, afirma Ninha so-bre as áreas de Pirambu,confirmando o problema si-

milar em todo o estado.Ainda há uma terceira

questão envolvendo a valo-rização das terras. Com osplanos de desenvolvimentolocal, construção de pontes,estradas e estruturas capa-zes de atender à população,áreas até então remotas ede difícil acesso aumenta-ram significativamente devalor. A especulação imobili-ária nunca foi tão forte, e oêxodo rural nunca se tornoutão provável na região. Oexemplo mais nítido dessarealidade está na capital doestado. Há menos de doisanos, o trajeto entre Aracajue Barra dos Coqueiros, ci-dades separadas pelaságuas do rio Sergipe, só po-dia ser feito por balsas. Otransporte dependia do ho-rário e da capacidade de lo-tação desses barcos. Haviauma segunda alternativa,por terra, que levava aproxi-madamente uma hora emeia de carro. No segundosemestre de 2006, a inau-guração da ponte ligando asduas cidades reduziu essadistância a 1,8 quilômetro.Menos de dois anos depois,Barrados Coqueiros já pos-sui um resort de bandeirainternacional e um conjunto

habitacional de alto padrãoem construção.

“Até 2006 tínhamospouco mais de sete mil lei-tos no estado. Hoje, temosdez mil leitos e, com a con-clusão das obras dos hotéisque estão sendo construí-dos ou reformados nestemomento, no final de 2009teremos 15 mil leitos em Ser-gipe, 80% concentrados emAracaju”, comemora o secre-tário estadual de turismo,João Augusto Gama. O que osecretário parece ignorar éque o número de leitos nosetor hoteleiros aumenta namedida em que a área nativade mangabeiras reduz. So-mente o grupo Starfish, queem setembro de 2007 inau-gurou resort na Ilha de SantaLuzia, em Barra dos Coquei-ros, orgulha-se por seus seisquilômetros de praias inabi-tadas. Grande parte dessesseis quilômetros eram áre-as de mangabeiras.

“O estado estimula oturismo, as rodovias, o de-senvolvimento, e não lembraque aquelas pessoas exis-tem. A população vai sendoacuada, e pouco a pouco vãoficando sem terra e sem mei-os de sobrevivência. Do jeitoque estão sendo empurra-

das, ou irão para favelas, oupro interior do estado, oupara grandes capitais do Bra-sil. A longo prazo, essa ocu-pação desenfreada não sesustenta”, alerta o pesquisa-dor e engenheiro agrônomodo Incra, Emanuel OliveiraPereira.

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Desastreambiental

É nítido que a buscapelo desenvolvimento imedi-ato no estado de Sergipeestá causando danos irre-versíveis aos povos tradicio-nais e, ao lado deles, asagressões ao meio ambien-te tornam-se ainda mais vi-síveis. Porém, o problemaque mais preocupa os am-bientalistas na região atual-mente não está relacionadoà beleza das praias ou àmelhoria nas condições demoradia e acesso às peque-nas cidades. De norte a sul,o governo está engajado nabusca por investidores nacio-nais e estrangeiros em umafrente bastante questionável:a produção de camarão.

“Quando não tem man-gaba, eu vou pro mangue

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Área em processo de desapropriação é território vedado às catadoras de mangaba

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pescar. O problema é que amangaba está cercada e apesca está acabando porcausa do camarão”, denun-cia Alicia, do povoado dePontal, referindo-se ao au-mento de criadouros de ca-marão na região que, alémde derrubarem e cercaremáreas nativas de mangabei-ra, poluem o mangue comsubstâncias utilizadas nocultivo de espécies exóticas.“O pessoal derrubou muitamangabeira pra construir ostanques do camarão. E osprodutos que eles usam estámatando os caranguejostambém”, reforça.

Questionado sobre aregulamentação e as conse-qüências ambientais moti-vadas pela carcinicultura, osuperintendente do Ibamaem Sergipe não foi nada oti-mista. “A carcinicultura, emqualquer lugar do Brasil, nãoé uma atividade nem de in-teresse público nem de in-teresse social, casos nosquais a lei permite a devas-tação”, explica Manoel Re-zende Neto. O superinten-dente também lembrou, ci-

Diversidadesameaçadas

Emanuel Oliveira PereiraEngenheiro agrônomo doIncra/SE, mestre em Agros-sistemas pela UniversidadeFederal do [email protected]

No litoral do pequenoEstado de Sergipe, muitascomunidades rurais tradici-onais se dedicam ao extrati-vismo de produtos vegetaise animais, atividade de gran-de importância sócio-econô-mica e ambiental, por envol-ver um significativo númerode famílias, cuja sobrevivên-cia depende diretamentedos recursos naturais. Ape-sar disso, esses recursosencontram-se ameaçados,pois a região costeira vemsendo ocupada de modo de-sordenado, notadamente emfunção da expansão das ex-plorações com monocultu-ras, carcinicultura (criação decamarões), urbanização e in-corporação de novas áreasturísticas, intensificando a

especulação imobiliária.É o chamado “progres-

so”, que aparece no discur-so oficial como “Desenvolvi-mento Sustentável”, nãoobstante as ameaças quecolocam em risco a reprodu-ção social dessas popula-ções tradicionais, que já en-frentam problemas sócio-econômicos, ambientais eculturais típicos das comuni-dades pobres e fartamenteconhecidos.

Os novos riscos são tra-zidos pelo “progresso” emcurso na região litorânea,cujos símbolos mais visíveissão as modernas pontes eestradas asfaltadas queaproximam terras antes re-lativamente isoladas e dedifícil acesso.

Tais novidades valori-zam as terras em territórioantes assegurado como es-paço de vida e trabalho daspopulações locais e, atual-mente, ameaçado de serperdido. Assim, as formas devida tradicionais apresen-tam-se vulneráveis, buscan-do espaço em um meio cadavez mais desfavorável, tor-nando incerta a reproduçãosocial desses grupos tradici-onais, como é incerta a pre-servação da biodiversidadeque essas populações aju-daram a construir e conser-var.

A expulsão dos antigosmoradores dessas áreas pa-rece ser a conseqüência fa-tal do progresso, aliás, comojá aconteceu e continua em

Alicia: mangaba cercada e pesca acabando

tando países europeus quesofrem as conseqüênciasdo cultivo, que as áreas de-vastadas para esse fim sãopraticamente impossíveis derecuperar. “Para a criação decamarão, modifica-se a ge-omorfologia e derruba-se avegetação. A gente vê o re-sultado desastroso da car-cinicultura em outros paises.Ela acaba com todo o ecos-sistema ao redor dela.”

Pesquisas feitas atra-vés da Universidade Federalde Sergipe indicam que, em2004, havia no estado mais

de 60 criadouros de cama-rão, quase 80% deles de pe-queno porte. Segundo o Iba-ma, essas são as situaçõesmais comuns, e também asmais preocupantes. “Há si-tuações em que uma gran-de empresa acaba investin-do em uma comunidade lo-cal, subsidiando o pequenoprodutor. Nesses casos,quando a comunidade é pri-orizada, pode ser aplicadaessa permissão da lei”, dizRezende. O superintenden-te também lembra que há oscasos, principalmente ante-

ARTIGO

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curso em outros estados doNordeste, onde as alteraçõesdos ecossistemas impossi-bilitam a continuidade daspráticas econômicas anteri-ores e dos saberes a elasassociados.

Os catadores de man-gaba, fruto nativo da manga-beira, é um desses gruposvulneráveis, ao lado de pes-cadores artesanais, coleto-res de caranguejos, maris-queiras, artesãs e apanha-dores de outros frutos nati-vos, ameaçados pela priva-tização crescente da terra edos recursos naturais neces-sários à continuidade dasestratégias de sobrevivênciaque sustentam os seus mo-dos de vida.

Desconsiderando essa

realidade, os processos de-cisórios não envolvem aspopulações tradicionais ex-trativistas, omitindo os impac-tos negativos das novas ati-vidades econômicas sobre oseu meio sócio-econômico ecultural. É como se nos di-agnósticos oficiais, essas po-pulações simplesmente nãoexistissem.

E por não terem sidoconsideradas, seus proble-mas se tornarão visíveis naforma de favelas, desempre-go, prostituição, violência, in-capacidade de atendimentode serviços públicos bási-cos, e toda uma série de ma-zelas típicas das sociedadesurbanas, presentes hoje,também nas áreas rurais.

Vale salientar que o

Estado, aqui entendido comoos poderes públicos, nas es-feras Federal, Estadual e Mu-nicipais, adotando o discur-so consensual e universal dasustentabilidade, é o princi-pal indutor das transforma-ções em curso no litoral. Po-rém, o Estado se omite quan-do se trata de promover polí-ticas públicas favoráveis aosinteresses dos segmentossociais mais frágeis, comoos extrativistas. Nesses ca-sos, submete esses gruposà própria sorte, quando nãodelineia e implementa açõese políticas públicas visandoo envolvimento das comuni-dades tradicionais na buscae na construção de alternati-vas sócio-econômicas e am-bientais para a inserção po-

sitiva das mesmas nos pro-cessos de mudanças.

A articulação das polí-ticas públicas agrárias e am-bientais adequadamenteadaptadas e implementa-das, especialmente quanto àsegurança de acesso à terrae aos recursos naturais, pos-sibilitará o redirecionamen-to de um futuro (já presente)bastante sombrio para a bi-odiversidade e a diversida-de de modos de vida. Numlugar onde antes havia fartu-ra, atualmente “o mar nãoestá para peixe”, “a maré nãoestá para caranguejo” e “aterra em mato não está paramangaba”.

Esse ambiente é sus-tentável para quem?

Manoel Rezende Neto,superintendente do Ibama

riores a 2003, em que mui-tos pequenos produtoresacabaram empolgados comos subsídios das grandesempresas e não se subme-teram a nenhum processode licenciamento. “O proble-ma é que toda intervençãoque o Ibama possa vir a fa-zer e que envolva diretamen-te pequenos produtoressempre causa impacto nasociedade e gera mobiliza-ção. Nessas horas, o povoesquece que os pequenoscausam tanto impacto quan-to os grandes”, lamenta.

“Também há grandesempresas de camarão de-vastando grandes áreas naregião”, complementa o pes-quisador do Incra, EmanuelOliveira Pereira. “A maioriados produtores de camarãoem Sergipe começaram porincentivo do governo estadu-al. O governo fez um progra-ma para estimular o cultivo,e divulgou fora do Brasil,buscando investimento ex-terno. Sergipe sempre foi umlugar de passagem, porqueo litoral não é tão bonitoquanto dos estados vizinhos.

Pra atrair investimentos, ogoverno incentivou o desen-volvimento da carcinicultura.São programas oficiais, di-vulgados fora do Brasil, pratodo mundo ver”, reforça.

Questionado, o supe-rintendente do Ibama reafir-ma o problema causado pelabusca de investidores exter-nos. “O governo do estado re-almente tem incentivado acarcinicultura. O Ibama jádeixou de autorizar algumasobras que vieram com a ale-gação de que era de interes-se público, mas que eramapenas do interesse do go-verno e de grupo de investi-dores. Nós temos tentado ocontato com o estado paraproibir esse tipo de ação”,afirma Rezende. Ele tambémlembra que o Ibama nãopossui autoridade suficien-te para autorizar ou não umaobra. Ele afirma que o deverdo órgão é informar se o em-preendimento resultará emdanos ao meio ambiente ese, com isso, infringirá asleis de proteção ambiental.Segundo Rezende, é o Mi-nistério Público quem auto-

riza ou não a obra, baseadono parecer técnico do Ibama,que nem sempre é respeita-do. “Mesmo que o Ibamaautorize ou proíba, há órgãosque podem nos superar. Asações do Ibama dependemda justiça para ser obedeci-das”, ressalva.

Procuradas pela equi-pe de reportagem do Obser-vatório Social, as maioresempresas de camarão atu-antes em Sergipe e no norteda Bahia não quiseram co-mentar o assunto.

Enquanto isso, as co-munidades tradicionais so-frem com o descaso do go-verno e com a falta de preo-cupação com o meio ambi-ente. “O que a gente sabefazer é catar mangaba, co-lher caju e pescar. Quem temcoco, vive do coco também.A gente sempre viveu traba-lhando bastante, passandodificuldade às vezes. Masdepois que colocaram o vi-veiro de camarão aqui perto,piorou tudo”, conta Maria Ri-valda dos Santos, 66 anos,moradora de Pontal. “Alémde cortar a mangaba, eles

prejudicaram o mangue. Aquímica que eles usam nocamarão já matou muito co-queiro, muita mangabeira,muito caranguejo. A gentepercebe que a pesca dimi-nuiu bastante depois queveio o camarão pra cá. Seacabarem com a mangabae a pesca, do que a gentevive?”

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As mulheres quelutam pelo direito e pelaliberdade de catar man-gaba em Sergipe têmum grande exemplo bra-sileiro de conquista a serseguido. Depois de anosde lutas e reivindicações,o movimento organizadodas mulheres quebradei-ras de coco de babaçu,estimadas em mais de300 mil, conseguiu apro-var no Congresso Nacio-nal o projeto de lei 231/2007, a Lei do BabaçuLivre, que prevê, paratodos os estados envolvi-dos com a cultura (Mara-nhão, Tocantins, Piauí,Goiás, Pará e Mato Gros-so), a proibição da derru-bada das palmeiras. Otexto do projeto foi apro-vado pela Comissão deMeio Ambiente da Câ-mara dos Deputados em8 de agosto de 2007. Emjulho do ano passado,deputados da comissãohaviam se comprometidocom mais de 300 que-bradeiras que estiveramem Brasília para audiên-cia pública sobre o tema.Enquanto a lei não évotada, alguns estados,como Tocantins, já apro-varam a lei localmente.Lá também é proibida aqueima do coco in natu-ra, para qualquer finali-dade, e é garantido oacesso das quebradeirasde coco e das comunida-des tradicionais às terraspúblicas e privadas ondeexista o babaçu.

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O futuro“Com a diminuição do

recurso, todos os conflitosem torno da mangaba, quesempre ocorreram, tendema se agravar”, alerta Dalva. Apesquisadora aponta trêspossíveis tendências, base-adas na realidade em que asmangabeiras se encontrame na movimentação acercado recurso e das terras. Aprimeira delas é que a situ-ação permaneça sem algu-ma mudança significativa afavor das catadoras e o nú-mero de produtores dedica-dos ao cultivo da mangabaaumente, conquistando omercado consumidor da fru-ta e excluindo as catadorasdo processo. A segunda pos-sibilidade é a corrida pelocercamento das áreas ain-da disponíveis para catação.“Como os recursos estãodentro de propriedades pri-vadas, seus donos podemexpropriar as catadoras, semnenhuma iniciativa que con-siga frear esse processo. Navulnerabilidade do recurso,eles também podem sim-plesmente destruí-lo, com oaval da legislação brasilei-ra”, explica, temendo o corteainda mais constante das ár-vores.

O terceiro cenário, es-

perado pela comunidade tra-dicional e pelas entidadesde proteção envolvidas, é amobilização em favor das ca-tadoras, garantindo o aces-so aos recursos com baseem políticas públicas. “Nes-se caso, toda uma orques-tração do uso dos recursosdeve ser posta em prática,visando tanto o extrativismocomo iniciativas de comerci-alização e processamento”,explica Dalva. “Tudo isso de-mandará muito trabalho dosdiferentes atores envolvidosna problemática – catadoras,pesquisadores, técnicos, po-líticos locais, associações,etc. Mas insisto nessa viapelo fato de entender que setrata de populações pobresque devem ser estimuladasnas suas capacidades e in-corporadas a novos desafi-

os que sirvam para melho-rar as suas condições devida. Não se trata apenas deter as frutas, mas de ter aspessoas que coletam as fru-tas vivendo melhor, com dig-nidade”, defende.

A política mais próximado atendimento a essas exi-gências é a criação de reser-vas agroextrativistas. “Essaação deve ser tomada emconjunto pelo Incra e peloIbama, porque há áreas pro-tegidas por lei e áreas queprecisam ser desapropria-das. Com essa articulação,consegue-se atender a es-sas comunidades tradicio-nais que dependem daque-la terra para o sustento. Se-ria feita justiça social e aju-daria a melhorar as condi-ções sociais das comunida-des”, explica o pesquisador

Mulheres levam a produção à feira e sóvoltam quando o último balde for vendido

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O trabalho das catadoras de mangabaé duro e às vezes arriscado

Quebradeiras de babaçu

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do Incra. “A reserva é interes-sante porque é pública e sódesapropria quando neces-sário, ao contrário da refor-ma agrária, que acaba desa-propriando inclusive peque-nas propriedades”, completa.

Como toda ação públi-ca, o processo para a cria-ção da reserva está emconstante análise de viabili-dade e estudos. “A reservaestá entre os interesses doestado e está sendo anali-sada pelo Ministério do MeioAmbiente, pelo Ibama, e de-mais órgãos envolvidos. Adefinição dos limites estásendo estudada, assimcomo os projetos de lei paracriá-la”, explica o superinten-dente do Ibama.

Mesmo em diferentespontos do estado, o desejodas catadoras é o mesmo,resumido por Maria Domin-gas: “O povo da cidade tomao suco da mangaba, que étão bom, mas não sabe oque nós, catadoras, sofre-

A longa caminhada para mais um dia de trabalho e um futuro de incertezas

mos pra levar a fruta até lá.Tudo o que nós queremos éum pedaço de terra pra plan-tar nossas próprias manga-beiras. Nós não podemos fi-car paradas, mas temos queesperar pela resposta”. En-quanto o processo se esten-de, as catadoras de Sergipecontinuam na esperança deque haja mangabeiras forados cercados, que o preçoda fruta melhore no merca-do, que o mangue consigasobreviver à poluição, e que,junto com as flores da man-gaba a nova estação tragatambém o reconhecimentodas comunidades tradicio-nais.

Dona MariaRivalda criou

a famíliacatando

mangaba

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MULHER

Muito além de umaMuito além de umaMuito além de umaMuito além de umaMuito além de umaquestão de gêneroquestão de gêneroquestão de gêneroquestão de gêneroquestão de gênero

Por Paola Bello, com pesquisa de Ana Iervolino

maternidade nuncarefletiu tanto na vidaprofissional das mu-

lheres como nasúltimas décadas.Estudo realizadopelo Centro In-ternacional dePobreza e publi-cado pela Orga-nização dasNações Unidas

(ONU) em abrilmostra que parte

da explicação dossalários menores re-

cebidos pelas mulheresestá no ambiente domésti-

co e na priorização da criaçãodos filhos. Porém, desde que a mulher

começou a entrar maciçamente no mer-cado de trabalho, os problemas relacio-nados a gênero não ficaram restritos àmaternidade. Ao lado da desigualdade

de salários, as oportuni-dades distintas, os pla-nos de carreira diferen-ciados, a falta de esta-belecimento de cotas eos assédios moral e se-xual completam a listados principais desafios a

serem superados.Intitulado Diferenças Salariais por

Gênero ao Longo da Vida Laboral, oestudo publicado pela ONU investigouem 2006 a diferença entre a média sa-larial por hora de homens e mulheres

Com mais de trêsdécadas de luta,movimentos em

defesa dos direitos damulher trabalhadora

ainda enfrentamresistência e

discriminação

AAAAA ao longo da vida profissional em trêspaíses – África do Sul, Brasil e Tailân-dia, já descontados fatores como esco-laridade, localização geográfica e cor.No Brasil e na Tailândia o cenário foibastante parecido: entre os 15 e os 25anos, as mulheres possuem salárioscerca de 10% mais altos que os ho-mens. A partir dos 26, os homens pas-sam a receber mais, e a diferença sóvolta a diminuir a partir dos 46 anos.Na África do Sul, a desvantagem dosalário feminino é constante.

“As mulheres escolhem sacrificaras suas carreiras profissionais quandotêm filhos, o que leva a uma reduçãodos ganhos nas suas profissões”, afir-mam os economistas responsáveis peloestudo. “Assim, as diferenças salariaispor gênero no mercado de trabalho de-rivam da divisão das tarefas em casa,sendo as mulheres as principais respon-sáveis pelo cuidado com os filhos”.

Segundo o Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), a mé-dia salarial das brasileiras em 2007 foide R$ 927,09. Esse valor correspondea cerca de 70% do rendimento recebi-do pelos homens. Mesmo ganhandomenos, o número de mulheres traba-lhadoras já atinge 44,4% do mercado.De acordo com a Pesquisa de Empre-go e Desemprego, elaborada pelo De-partamento Intersindical de Estatísticase Estudos Socioeconômicos (Dieese),os segmentos que mais absorvem a for-ça de trabalho feminina são os mais des-valorizados no mercado de trabalho e

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os que tendem a propiciar remunera-ções mínimas reguladas pelo poder es-tatal. Em 2006, mais de 56% das mu-lheres trabalhavam no setor de servi-ços, e quase 17% estavam restritas aserviços domésticos. Ao mesmo tem-po, as mulheres também ocupam osmaiores índices de desemprego – cor-respondem a mais de 55% do total dedesempregados no Brasil.

De acordo com os autores do es-tudo a ONU, fatores sociais e culturaistambém ajudam a explicar a diferençade salários entre os sexos. “Outra ra-zão para a existência dessa disparidadesalarial tem relação com as distintasescolhas profissionais e acadêmicasfeitas pelos homens e mulheres. Noperíodo escolar, garotos e garotas têmafinidades em disciplinas diferentes,porém aquelas escolhidas pelos garo-tos os direcionam a caminhos profis-sionais bem pagos”, analisa a pesquisa.“Posteriormente, homens e mulheres seespecializam distintamente e trabalhamem diferentes profissões. Como resul-tado, a média salarial por hora paga auma trabalhadora no início e durante suavida profissional tende, em geral, a sermenor do que a de um trabalhador,embora ela provavelmente seja maisqualificada”.

Mas, se hoje o mercado de traba-lho brasileiro começa a se mostrar umpouco menos desfavorável às questõesfemininas, foi graças a décadas de lutapela igualdade de gênero.

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Luta pela igualdade

No início da década de 1970, 18%do total da população feminina acimade dez anos de idade exerciam algumaatividade rentável, representando apro-ximadamente 21% da População Eco-nomicamente Ativa (PEA) brasileira.Em 1990, esse índice aumentou para35,5%, correspondente a 22 milhões demulheres trabalhadoras. Em 2006, elasjá haviam ultrapassado os 42 milhões.

O crescimento da população fe-minina no trabalho assalariado foi re-sultante de um conjunto de fatores, se-

gundo o livro Mulheres na CUT: umahistória de muitas faces, lançado pelaSecretaria Nacional sobre a MulherTrabalhadora da CUT. Entre os cita-dos estão a necessidade de as famíliasaumentarem a renda, a urbanizaçãocrescente, o aumento da escolaridadefeminina, o desejo das mulheres de con-quistar maior autonomia e independên-cia financeira, mudanças culturais e decomportamento, e a redução nas taxasde natalidade, que liberou as mulherespara ocupar outros espaços fora da casae da família.

Ao mesmo tempo em que a parti-cipação da mulher no mercado de tra-balho aumentava, cresciam também asformas de discriminação. As principaisainda preocupam os movimentos quedefendem os direitos das mulheres: di-ferenças salariais entre gêneros, aumen-to do contingente feminino no empregoinformal, dupla jornada de trabalho, fal-ta de reconhecimento das trabalhado-ras rurais e dupla discriminação sofridapor mulheres negras.

Também na década de 1970, mo-vimentos sociais ganharam força noBrasil na busca pela igualdade social epela democracia. Inseridos na luta pelademocratização, os movimentos soci-ais permitiram que a idéia de democra-cia que se esboçava ultrapassasse aformalidade e chamasse a atenção paraas diferentes questões sociais. “Comoparte desse processo, muitas mulheresbrasileiras mostraram-se à sociedade e,rompendo a invisibilidade que até entãomarcava sua participação social, reivin-dicaram seu reconhecimento como su-jeitos”, relata o livro.

Assim, surgiu o movimento femi-nista em defesa da classe trabalhado-ra. O assunto passou a ser pauta deencontros e congressos que movimen-taram as décadas de 1970 e 1980. “Aodenunciar a exploração de mão-de-obrafeminina pelos patrões, a dupla jornadade trabalho, o trabalho doméstico gra-tuito realizado pelas mulheres na famí-lia, a omissão masculina face às tare-fas domésticas e ao cuidado com os fi-lhos, e o assédio sexual nos locais detrabalho, o movimento autônomo de

mulheres contribuiu para fomentar emmuitas trabalhadoras, em particular nasque estavam inseridas no movimentosindical, o desejo de impulsionar nos sin-dicatos uma ação dirigida ao enfrenta-mento desses problemas e ao incremen-to da participação sindical feminina”,documenta o livro. “O sindicato tornou-se então, para as mulheres, mais umespaço onde buscar tanto visibilidadepara as discriminações de gênero, comopoder político para superá-las”.

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Direitos adquiridos

Paralela e anteriormente à forçaencontrada nos sindicatos, as questõesrelacionadas à mulher trabalhadora pas-saram a ganhar espaço nas agendaspolíticas por todo o mundo. Poucos anosapós a constituição da ONU e da Or-ganização dos Estados Americanos(OEA), ao longo da década de 1940,foram realizadas diversas convençõese acordos internacionais sobre temasrelacionados a questões de gênero. Sãoexemplos a Convenção Interamerica-na sobre a Concessão dos Direitos Ci-vis à Mulher (1948); a Convenção In-teramericana sobre a Concessão dosDireitos Políticos à Mulher (1948); aConvenção sobre a Nacionalidade daMulher Casada (1957); a Convençãosobre os Direitos Políticos da Mulher(1953); a Declaração sobre a Elimina-ção da Discriminação contra a Mulher(1967); a Convenção sobre a Elimina-ção de todas as Formas de Discrimina-ção contra as Mulheres (1979); e a De-claração e Plataforma de Ação sobreas Mulheres: Ação para igualdade, De-senvolvimento e Paz (1995). Todos es-ses documentos foram ratificados peloBrasil, no mesmo ano ou pouco depois.

Entre os direitos assegurados àsmulheres por meio desses documentos,e atualmente monitorados e trabalha-dos pelo Fundo de Desenvolvimento dasNações Unidas para a Mulher (UNI-FEM), estão o direito à vida, à liberda-de e à segurança pessoal, à igualdade ea estar livre de todas as formas de dis-criminação, à liberdade de pensamen-

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to, à informação e à educação, à pri-vacidade, à saúde e à proteção des-ta, a construir relacionamento conju-gal e a planejar sua família, à decidirter ou não ter filhos e quando tê-los,aos benefícios do progresso científi-co, à liberdade de reunião e partici-pação política, e a não ser submetidaa torturas e maltrato.

Porém, o reconhecimento da lutae o maior enfrentamento à discrimi-nação contra as mulheres no mundodo trabalho começou a ganhar forçaa partir de documentos criados pelaOrganização Internacional do Traba-lho (OIT). A Convenção 100 trata desalário igual para trabalho de igualvalor (Convenção sobre Igualdade deRemuneração, 1951); e a Convenção111, sobre igualdade de oportunida-des (Convenção sobre a Discrimina-ção, 1958). O princípio da igualdadede remuneração por trabalho de igualvalor é também presente na Reco-mendação 90.

De acordo com um Termo deReferência do Instituto ObservatórioSocial (IOS) produzido em 2004, aOIT já demonstrava preocupação coma igualdade de tratamento entre os tra-balhadores desde a sua constituição,em 1919, quando surgiu como orga-nização tripartite. O documentoacrescenta que essa preocupaçãocom a igualdade entre homens e mu-lheres “como princípio fundamental”para nortear as ações, programas emedidas da OIT “é reafirmada na de-claração da 26ª. reunião de Filadél-fia, em 1944 (EUA), quando sãoenunciados os fins e os objetivos daOIT”. Paola Capelin, autora do capí-tulo que trata do tema de gênero dodocumento citado, frisa que após aSegunda Guerra Mundial detectaram-se aspectos de desigualdade que hojesão considerados tradicionais: “A ten-dência a separar os homens e as mu-lheres em ocupações distintas – aassim chamada segregação horizon-tal” e “a tendência a designar luga-res distintos dentro de uma mesmaocupação ou grupo de ocupações – aassim chamada segregação vertical”.

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Desafios que persistem

Embora os reconhecimentos e asconquistas sejam significativas, a mu-lher trabalhadora ainda encontra pre-conceito nos mais diversos ramos eco-nômicos. No meio rural, por exemplo,as mulheres representam hoje cerca de30% dos trabalhadores. Mesmo assim,o trabalho feminino ainda é reconheci-do apenas como um auxílio, e não comouma profissão digna de direitos e políti-cas públicas. “O trabalho realizado pelamulher é invisível no meio rural. Ela nãotem carteira assinada, não comercializao que produz, e, por isso, se mantéminvisível profissionalmente”, lamenta acoordenadora da Comissão Nacional deMulheres da Contag (ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores na Agricul-tura) e vice-presidente da CUT, Car-men Faro. “Há uma grande deficiênciade políticas púbicas no meio rural; equando essas deveriam atender às mu-lheres, são ainda piores. A mulher nocampo não tem garantia de atendimen-to à saúde nem à educação. Para agra-var, não recebe proteção contra a vio-lência, que é muito forte no meio, e, emalguns casos, chega a ser consideradacomo cultura local”, completa Carmen.

Já no ramo metalúrgico, elas re-presentam 15% do total de trabalhado-res e ganham, em média, 27% a menosque os homens. Muitas vezes com qua-lificação superior, elas sofrem discrimi-nação tanto no acesso às vagas quantono oferecimento de promoções e decursos de qualificação profissional. Se-gundo a secretária de Mulheres da Con-federação Nacional dos Metalúrgicos(CNM/CUT), Maria Ferreira Lopes,essa exclusão reflete também no ambi-ente sindical, onde as mulheres repre-sentam apenas 6% do total de dirigen-tes metalúrgicos.

“A metalurgia é uma categoriamais voltada para o trabalho masculinoe, por isso, é uma das que mais apre-senta dificuldades em relação à mulher.A discriminação é muito grande, princi-palmente nas questões de salário e pelo

fato de a mulher não poder engravidarenquanto estiver trabalhando. Há com-panhias que só admitem mulheres quepossuem laqueadura, por exemplo. Asmulheres que conseguem emprego nes-se ramo não conseguem chegar a car-gos de liderança, ficam apenas no se-tor administrativo e de eletro-eletrôni-co”, lamenta. “Mesmo sendo a mino-ria, as mulheres que hoje estão na me-talurgia possuem melhor qualificaçãoque os homens. Em geral, possuemcurso superior e especialização, mas,mesmo assim, recebem salários meno-res e trabalham em condições desfa-voráveis”, completa.

No setor de comércio, a situa-ção não é diferente. Dos cerca de 6milhões de trabalhadores empregadosneste ramo, apenas 39% são mulhe-res, que ganham, em média, 80% daremuneração do homem. Nos cargosde gerência de lojas e supermerca-dos e de vendas em comércio ataca-dista, a diferença nos salários chegaa 30%, agravada pelo fato de as mu-lheres ocuparem somente 39% doscargos gerenciais. Ao mesmo tempo,54% das comerciárias concluíram oensino médio e 10% possuem ensinosuperior, contra 37% e 6% dos ho-mens, respectivamente.

Segundo a presidente da Con-federação Nacional dos Trabalhado-res no Comércio e Serviços da CUT(CONTRACS/CUT), Lucilene Bins-feld, essa realidade poderá mudarsomente através da luta pela igualda-de e da inclusão do tema nas pautassindicais. “Lutar por igualdade é umdesafio constante de entidades quebuscam um mundo do trabalho maishumano, mais justo e igualitário. Essaluta não deve ser isolada em catego-rias”, defende. “Os dirigentes devemparticipar mais nos espaços de dis-cussão sobre gênero e raça, aprimo-rar as intervenções e garantir propos-tas de igualdade. As mulheres tam-bém devem ser capacitadas para me-sas de negociação, para inserir naspautas de Convenções Coletivas deTrabalho cláusulas que garantam a igual-dade de oportunidades”, completa.

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ENTREVISTA ROSANE DA SILVA

Barreira sindical

Observatório Social – Qual a importância de uma Secreta-ria da Mulher dentro da CUT?

Rosane da Silva – As mulheres fizeram parte da criação daCUT. A classe trabalhadora é feita de dois sexos, mas a rea-lidade da mulher dentro do mundo sindical é diferenciadada realidade dos homens. A nós, mulheres, sempre foi re-servado o espaço privado, nunca o espaço público. Quandouma central sindical com papel e os princípios da CUT seconstrói, é necessário que tenha esse olhar em relação aclasse trabalhadora: que é feita de dois sexos e tem diferen-ciações. Isso nos levou a criar, em 86, a Comissão de Mu-lheres na CUT. Em 2003, transformamos a comissão emSecretaria da Mulher, para a nossa central incorporar e as-sumir temas específicos das mulheres, como a descrimina-lização do abordo e a violência contra as mulheres.

OS – Como a Secretaria atua em relação aos sindicatos efederações?

RS – Temos a Secretaria e o Coletivo Nacional. O ColetivoNacional é composto por representação das CUTs estadu-ais e dos ramos. O nosso coletivo reúne em torno de 40mulheres. Os ramos e as CUTs estaduais, por sua vez, têmo coletivo, que é composto de mulheres vindas dos seussindicatos. A relação direta do sindicato se dá através doramo ou da CUT estadual. A CUT nacional tem uma relaçãodireta com as CUTs estaduais e com os ramos.

OS – Há muita discriminação de gênero no movimento sin-dical?

RS – Sim, há muita. Apesar de termos avançado bastante, adiscriminação ainda é muito forte. A Secretaria de Mulheresnão é considerada estratégica para o movimento, nem tãoimportante quanto uma Secretaria de Política Sindical. Oespaço doméstico é considerado secundário, mas é neleque se define a vida do nosso país. Mesmo com a conquista

Em 1991, a participação feminina na direção da CUT começou a ser questiona-da. Dois anos depois, o sistema de cotas foi aprovado, estabelecendo percentuaismínimos de 30% e máximos de 70% de cada sexo nas instâncias de direção da Cen-tral, em todos os âmbitos, como medida inicial para construir relações políticas igualitárias. A proposta foiassumida por sindicalistas de todas as correntes políticas, urbanas e rurais, fator que possibilitou uma atua-ção unificada. Apesar de todas as vitórias já conquistadas em favor da mulher trabalhadora e do reconheci-mento da importância de ações igualitárias, inclusive dentro do movimento sindical, a discriminação ainda éconstante. Em entrevista, a dirigente da Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT desdefevereiro de 2008, Rosane da Silva, fala sobre o problema, os desafios, e a importância do tema.

das cotas dentro da CUT, ela ainda não é implementada eos temas das mulheres não são incorporados na agendageral da central. O debate do aborto, por exemplo, não éconsiderado tão importante quanto a reforma política. Aindasofremos esse tipo de discriminação no interior do movi-mento sindical, sem falar nas piadas – as mulheres nuncaestão nos espaços de poder da nossa central, dos nossos,ramos, dos nossos sindicatos. Na central e nos ramos pro-blema é um pouco menor. A realidade nos sindicatos é bempior. Hoje, são raras as mulheres que estão no espaço depoder dos seus sindicatos.

OS – Na sua opinião o que deve ser feito para diminuir adesigualdade de gênero dentro do movimento sindical?

RS – Retomar, no interior da nossa central, uma política fortede formação. Um dirigente sindical que passa por um pro-cesso de formação, onde o tema de gênero seja transversalao conjunto da política de formação, vai mudar de opiniãosobre o debate das mulheres. A minha sugestão é que hajauma formação pesada dos nossos dirigentes sindicais, in-clusive uma formação voltada para as questões das mulhe-res. Deve haver na planilha do curso de formação a questãodo feminismo, a importância de a central sindical tambémlutar por uma sociedade anti-machista. Isso tem que per-passar os cursos de formação. Nós, mulheres, temos quecolocar cada vez mais os nossos temas no interior da cen-tral. Temos que romper com essa idéia de que esse ou aqueledebate seja só das mulheres. Temos que trazer temas quesão específicos nossos e pautar isso no debate geral domovimento sindical. Isso ainda não acontece. É o nossodesafio, que requer uma mudança cultural. É um processoque estamos iniciando. É vagaroso, temos que ter paciên-cia, mas estamos com uma perspectiva positiva. Temos, nointerior do movimento sindical, companheiros que já têm acompreensão do nosso debate, dos temas que são estraté-gicos para nós, mulheres, e temos que avançar para queisso seja geral no movimento sindical.

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acaco”. Era assim que osoldador Carlos Robertodos Santos era chamado

por seu chefe direto na PrensasSchuler, de Diadema (SP). Em ju-lho, depois de uma ação movidacontra a empresa, a Justiça do Tra-

balho condenou a fábrica aindenizar Carlos Rober-

to com uma quantiaem dinheiro. A

decisão, até en-tão inédita nacategoria, re-presenta ump e q u e n opasso naluta pelaigualdaderacial, quehá temposmarca pre-sença naspautas sindi-

cais.Para o dire-

tor do sindicato emembro da Comis-

são de Combate ao Racis-mo dos Metalúrgicos do ABC, Da-niel Calazans, a ação judicial pro-vocou um efeito positivo pela opor-tunidade de levar o Sindicato a de-bater assunto tão delicado com umaempresa da base. “A prática do ra-cismo deriva de comportamentos e

RAÇA

Discriminação no trabalhoDiscriminação no trabalhoDiscriminação no trabalhoDiscriminação no trabalhoDiscriminação no trabalhoPor Paola Bello, com pesquisa de Ana Iervolino

Depois de séculos deluta pela igualdade,a democracia racial

nos ambientesprofissionais começa

a dar os primeirospassos. O ideal,

porém, ainda soautópico

gestos sutis, nem sempre perceptí-veis pela maioria, mas contunden-tes a quem se sente discriminado.Isso a gente só muda revendo valo-res, nos educando diariamente pormeio de relações respeitosas”, disse.

A empresa informou que aação tramita na Justiça do Traba-lho sob segredo de justiça, o que im-pede às partes qualquer divulgaçãode informação a respeito do anda-mento do processo. Por este moti-vo, não se manifestará sobre o caso.

Quando perguntado qual con-selho daria para um trabalhador quepassasse pelo mesmo problema,Carlos Roberto Santos não hesita.“Ter a coragem que eu tive de en-frentar. Não vale a pena agüentaras ofensas por medo de perder oemprego. Eu mesmo, se soubessedessa possibilidade antes, não teriaesperado tanto tempo”, aconselha.Calazans elogiou a coragem do sol-dador de procurar seus direitos euma reparação na Justiça. Ressal-tou que a atitude pode estimularoutros trabalhadores que se sintamdiscriminados a trilhar o mesmo ca-minho, mas alerta que o papel daComissão é buscar o diálogo e pro-curar meios de implementar nas fá-bricas os conceitos de igualdade ra-cial, para que situações como essasejam banidas do dia-a-dia dos am-bientes de trabalho e na sociedade.

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As estatísticas

Carlos Roberto faz parte de umcontingente cada vez maior nas esta-tísticas do mercado de trabalho nopaís. Embora a população negra ve-nha conquistando mais vagas, aindaé a minoria, com salários inferiores econdições de trabalho discriminatóri-as. Segundo a Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (PNAD), re-alizada em 2006 pelo Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística(IBGE), entre os empregados comcarteira de trabalho assinada no se-tor privado, que têm maior proteçãolegal e melhores remunerações,59,7% eram brancos e 39,8% pretose pardos. A população branca tam-bém era maioria entre os emprega-dos sem carteira assinada (54,5%) eos trabalhadores por conta própria(55%), enquanto pretos e pardos cor-respondiam a 57,8% dos trabalhado-res domésticos.

Em 2005, a mesma pesquisaanalisou, entre as pessoas ocupadascom mais de dez anos, o grupo das10% mais pobres. Neste universo,constatou que 73,5% eram pardas oupretas, e 26,5% eram brancas. Aomesmo tempo, o universo das pesso-as que constituíam o 1% mais rico eraformado predominantemente por tra-balhadores brancos (88,4%).

Outras pesquisas, realizadaspelo Departamento Intersindical deEstatísticas e Estudos Socioeconômi-cos (Dieese) em 2004 e 2005, mos-tram que, no mundo do trabalho, a si-tuação vivida pelas mulheres negrasmerece atenção especial. O estudoA mulher negra no mercado de tra-balho metropolitano: inserção marca-da pela dupla discriminação revelaque a inserção das mulheres negrasno mercado de trabalho brasileiro énitidamente desvantajosa, ainda quesua participação seja mais intensa que

a de mulheres não-negras. Segundoa pesquisa, a presença da discrimi-nação racial é somada à ausência deeqüidade entre os sexos, aprofundan-do desigualdades e colocando as ne-gras na pior situação quando compa-radas aos demais grupos populacio-nais – homens negros e não-negros emulheres não-negras.

De acordo o Dieese, de ummodo geral, as mulheres negras so-frem mais com o desemprego que osdemais trabalhadores e trabalhadoras,sobretudo nas situações de baixo cres-cimento econômico. Alem disto, noperíodo de 2004 e 2005, constatou-seque as mulheres negras proporcional-mente enfrentam mais a situação vul-nerável de trabalho, ou seja, situaçõesde trabalhos assalariados sem cartei-ra assinada, autônomos que traba-lham para o público, trabalhadores fa-miliares não-remunerados ou empre-gados domésticos. Os percentuais demulheres negras nesta situação foramsuperiores aos de mulheres não-ne-gras, de homens negros e de homensnão-negros nas seis regiões metropo-litanas analisadas – São Paulo, Sal-vador, Recife, Porto Alegre, DistritoFederal e Belo Horizonte.

“A coerência dos resultados dasdesigualdades raciais em nível nacio-nal demonstra, sem qualquer sombrade dúvida, que a discriminação racialé um fato presente cotidianamente,interferindo em todos os espaços domercado de trabalho brasileiro”, afir-ma a coordenadora do Centro de Es-tudos das Relações de Trabalho e De-sigualdades, Maria Aparecida SilvaBento. “As informações permitem,ainda, concluir que a discriminaçãoracial sobrepõe-se à discriminação porsexo, e, juntas, constituem o cenáriode aguda dificuldade em que vivemas mulheres negras, atingidas porambas”, completa.

Para agravar o quadro, a jorna-da de trabalho dos negros é, em mé-dia, de 44 horas – duas horas a mais

que a dos brancos. Quando se anali-sam as funções desempenhadas e oscargos ocupados, a situação desvan-tajosa dos negros é ainda pior: a pro-porção de empregadores negros nãochega à metade da proporção de em-pregadores brancos em todas as re-giões metropolitanas, e trabalhadoresnegros têm de duas a três vezes me-nos acesso às funções de direção eplanejamento.

Para completar, estão em maiorproporção em ocupações não qualifi-cadas, nas atividades de execução enas atividades de apoio em serviçosgerais, e o contingente de mulheresnegras em atividades domésticas ésempre muito elevado em todas ascapitais pesquisadas. “Poderia se pen-sar que esses dados refletem diferen-ças educacionais de escolaridade en-tre brancos e negros. Todavia, mes-mo quando se leva esses fatores emconsideração, a situação continuadesfavorável - em todas as capitaispesquisadas, os diferenciais de ren-dimentos entre negros e brancos au-mentam à medida que aumenta a es-colaridade”, ressalta Maria Aparecida.

Carlos Robertoganhou indenização

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Observatório Social – Qual é a situa-ção atual no mercado de trabalho bra-sileiro em relação à discriminação ra-cial?

Marcos Benedito – Atualmente é muitodifícil caracterizar um ato de racismo.Hoje, ele é encarado como algo invisí-vel para a sociedade. Na maioria dasvezes, você se depara com o ato da dis-criminação, mas não se consegue iden-tificar o sujeito que provocou a discri-minação, já que não se assume o ato –no máximo, reconhece como injúria eponto final. Negras e negros são dis-criminados a partir do processo de con-tratação. Um exemplo clássico de dis-criminação racial no Brasil acontece nomercado financeiro, onde negras e ne-gros são discriminados no processo deocupação dos postos de trabalho. Obanco Santander, que adquiriu o Ba-nespa em 2000, reproduz muito bemesta dura realidade. Antes da vendapara o banco espanhol, o Banespa con-tratava trabalhadores através de con-curso público, resultando em uma di-versidade racial e étnica que era cons-tatada em cada local de trabalho, poisa contratação valorizava a capacidadee o esforço pessoal de cada candidato.Após a venda, a contratação passou aser pelo critério de indicação, com umaintensa elevação dos critérios de for-mação acadêmica, resultando em um

forte processo de exclusão daquelesque não se encaixam no perfil impostopelo banco espanhol. Mas isso estácomeçando a mudar, a partir de o atualGoverno reconhecer que existem desi-gualdades raciais no Brasil, criando aSecretaria Especial de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial, com “sta-tus” de ministério.

OS – Dentro da CUT, quando a questãocomeçou a ser trabalhada?

MB – A CUT sempre teve como um dosseus princípios a construção de umasociedade democrática, igualitária esocialista. Desde a fundação, ela vemdesenvolvendo um conjunto de ações,lutas e mobilizações que visam alterara base do padrão de desenvolvimentoeconômico capitalista predominanteforjado nos anos 30, cujas raízes ad-vêm das relações sociais servis, de tra-balho degradante e escravagista quecaracterizaram os quatro primeiros sé-culos do nosso país. Para a CUT, o for-talecimento da unidade da classe tra-balhadora, compreendida como gruposocial que se forja a partir da sua con-dição econômica e de trabalho, passanecessariamente pela construção dasua identidade como classe. Isso nãosignifica a negação das suas diferen-ças físicas e biológicas, mas o enfren-

Distante,porém

possível

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Iguais perantea lei

Essa gama de diferenciaçõesentre negros e brancos está na pautade direitos humanos há mais de umséculo. A busca pela igualdade inicioucom o final dos regimes escravistasno século XIX – no Brasil, em 1888– e o aumento das discussões sobredireitos humanos no século XX. Aorganização de movimentos pelos di-reitos da população negra fez com quesurgissem acordos internacionais, le-gislações e ações dos Estados inte-

ressados em eliminar a discriminação.Entre os documentos publicados e re-conhecidos internacionalmente nabusca pela igualdade racial estão aConvenção Internacional sobre a eli-minação de todas as formas de dis-criminação racial, de 1965; a Decla-ração sobre os princípios fundamen-tais relativos à contribuição dos mei-os de comunicação de massa para ofortalecimento da Paz e da compre-ensão internacional, para a promoçãodos Direitos Humanos e a luta contrao racismo, o apartheid e o incitamen-to à guerra, de 1978; e a Declaraçãosobre a eliminação de todas as for-mas de Intolerância e discriminaçãofundadas na Religião ou nas Convic-

ções, de1981.Acompanhando as discussões

para o combate à discriminação, nor-mas internacionais surgiam buscan-do igualdade também no mundo tra-balho. “A luta pela igualdade nas re-lações do trabalho está intimamentevinculada à trajetória histórica do pró-prio direito que o homem tem paraorganizar sindicatos e a neles ingres-sar para proteção de seus interesses”,afirma Maria Aparecida. Como refor-ço a essa luta, o primeiro documentocriado foi a Convenção Concernenteà Discriminação no Emprego e naOcupação – Convenção 111 – da Or-ganização Internacional do Trabalho(OIT), adotada em 1958.

ENTREVISTA MARCOS BENEDITO

Na coordenação daComissão Nacional Contraa Discriminação Racial(CNCDR-CUT) desdeagosto de 2007, MarcosBenedito acredita que a lutacontra a discriminação ra-cial deve ser a questão pri-oritária para todos os tra-balhadores negros no Bra-sil. Em entrevista ao Obser-vatório Social, ele fala so-bre o cenário atual, as con-quistas e os desafios paraos negros no mercado detrabalho.

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tamento das desigualdades resultan-tes da construção social influenciadapor um determinando modo de produ-ção que se reflete na organização doconjunto da sociedade. A acentuadadesigualdade entre brancos e negrosé fruto de uma construção social quebuscava eliminar a presença significa-tiva dos negros no processo de forma-ção da sociedade brasileira. Constitui-se, portanto, em uma problemática es-trutural do nosso país, e demandavauma ação específica do movimentosindical. Compreendendo isso, a CUTnão apenas incorpora em suas reso-luções as reivindicações dos militan-tes sindicais que atuavam no combateà discriminação racial, como tambémcria espaços para a organização des-ses militantes no seu interior com o in-tuito de fortalecer esta luta do conjuntoda classe trabalhadora.

OS – Em sua opinião, quais foram àsprincipais conquistas alcançadas atéhoje?

MB – Com a sistematização de infor-mações relacionadas ao mundo dotrabalho, a promoção de debates eas ações sindicais, revelaram-se asvárias facetas do preconceito e dadiscriminação. A partir das resolu-ções da 10ª Plenária Nacional da

CUT, a Comissão Nacional Contra aDiscriminação Racial da CUT (CN-CDR) passou a ter “status” de secre-taria. A partir dela foram realizadosestudos e debate sobre o Projeto deLei que propõe a Reforma Universitá-ria, apresentando ao MEC emendasao referido texto. A participação daCNCDR na Conferência Nacional deSaúde do Trabalhador foi importantepara avançar nas discussões de saú-de da trabalhadora e do trabalhadornegros. A Comissão também teve pa-pel importante na definição dos temasa serem abordados nas Conferênci-as Municipais, Estaduais e Nacionaldos Direitos da Criança e do Adoles-cente, nas quais, pela primeira vez, adiscussão do respeito à diversidadede gênero, raça, etnia e orientaçãosexual foi pautada. A CNCDR tambémparticipa de debates, realiza seminá-rios e outros eventos para sensibili-zar patrões e empregados sobre aimportância das políticas para adoçãoda Convenção 111 da OIT, concernen-te ao combate à discriminação emmatéria de emprego e profissão. Tam-bém discutimos a agenda do Traba-lho Decente, um trabalho produtivo eadequadamente remunerado, exerci-do em condições de liberdade, eqüi-dade e segurança, sem quaisquer for-mas de discriminação, e capaz degarantir uma vida digna a todas as

pessoas que vivem de seu trabalho.

OS – O Brasil ainda está longe do idealquanto às relações raciais?

MB – O ideal seria a Cidadania Plenapara todas as pessoas, independen-temente de raça ou cor. Para alcançareste patamar, seria necessário muitoinvestimento em educação. A Lei nº10.639, de 9 de Janeiro de 2003, tor-nou obrigatório o ensino sobre Histó-ria e Cultura Afro-brasileira nos esta-belecimentos de ensino fundamentale médio. O Conselho Nacional deEducação (CNE) estabeleceu as Di-retrizes Curriculares Nacionais paraa Educação das Relações Étnico-Ra-ciais e para o Ensino de História eCultura Afro-Brasileira e Africana, dis-postas no Parecer do Conselho, CNE/CP 003/2004 e CNE/CP Resolução 1/2004. Esses documentos garantemque o tema das relações étnico-raci-ais seja tratado em todos os siste-mas de ensino, incluindo aí a redeparticular, a partir de uma abordagemque promova o valor da diversidadeem nosso país. Essa seria a ferra-menta ideal para a transformação dasociedade brasileira. No entanto, mes-mo diante de uma lei promulgada, nãose realiza o esforço necessário paraque seja implementada e respeitada.

A Convenção tem como esco-po principal a promoção da igualdadede oportunidades e de tratamento emmatéria de emprego e profissão (art.2º.), o que abrange o acesso à for-mação profissional, ao emprego, àsdiferentes profissões, bem como con-dições dignas de trabalho (art. 1º., item3)”. A partir da Convenção, diversasnormas passaram a existir na legisla-ção brasileira na tentativa de coibir oracismo.

A Constituição Federal garanteque todos são iguais e alerta que “aprática do racismo constitui crime ina-fiançável e imprescritível, sujeito àpena de reclusão, nos termos da lei”.Para reforçar e definir os crimes re-

sultantes de preconceito de raça oucor foi criada a Lei 7.716, em 1989,que ficou conhecida como Lei do ra-cismo. Alterado pelas leis 8.081(1990) e 9.459 (1997), o texto atualconsidera diversas formas de discri-minação. Quanto ao acesso ao em-prego ou carreira militar, é conside-rado crime “impedir ou obstar o aces-so de alguém, devidamente habilita-do, a qualquer cargo da Administra-ção Direta ou Indireta, bem como dasconcessionárias de serviços públicos”(Art. 3º); “negar ou obstar empregoem empresa privada” (Art. 4º); e ain-da “impedir ou obstar o acesso de al-guém ao serviço em qualquer ramodas Forças Armadas” (Art. 13).

De acordo o coordenador daComissão Nacional Contra a Discri-minação Racial da CUT (CNCDR/CUT), Marcos Benedito, a questãoracial começou a ganhar força nomundo sindical no Brasil na décadade 1990. “Em novembro de 1992, foicriada a CNCDR, e, no mesmo mês,a CUT formalizou uma denúncia àOIT sobre o descumprimento da Con-venção 111, com base em dados es-tatísticos organizados pelo Centro deEstudos das Relações de Trabalho eDesigualdades [CEERT], da qual re-sultou a vinda de peritos da OIT aoBrasil e a proposta de criação de umorganismo de governo que permitis-se a formulação de políticas públicas

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de combate à discriminação racial”,explica.

A partir de então, diversas ma-nifestações começaram a chamar aatenção para a causa. Entre as quetiveram maior destaque estão a Mar-cha Zumbi dos Palmares Contra oRacismo, pela Cidadania e a Vida, em1995; o 1º Encontro Nacional de Sin-dicalistas da CUT Contra a Discri-minação Racial, em 1995; e o lança-mento do Mapa da População Negrano Mercado de Trabalho, em 1999,que resultou na paralisação das ativi-dades na fábrica da Mercedes Benz,em São Bernardo (SP), para discus-são do tema.

“Por pressão das entidades ne-gras também foram realizadas duasConferências Sindicais Internacionaispela Igualdade Racial, em Salvadore em Washington, e foi fundado o Ins-tituto Interamericano pela IgualdadeRacial, com a participação de cen-trais de outros países”, completaMaria Aparecida. Atualmente, a açãodesse Instituto volta-se prioritaria-mente para a produção, negociaçãoe fiscalização de cláusulas de promo-ção da igualdade nos acordos de tra-balho com foco nos processos de in-serção e mobilidade dos trabalhado-res dentro das organizações.

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Diferentes peranteo mercado

Embora a questão tenha avan-çado e comece a ganhar importânciano mercado de trabalho, na prática, arealidade ainda está longe do ideal.“A questão racial, assim como a degênero, é bem acentuada nas mais di-versas categorias”, afirma a presiden-te da Confederação Nacional dosTrabalhadores no Comércio e Servi-ços da CUT (CONTRACS/CUT),Lucilene Binsfeld. “Uma das ques-tões mais presentes no setor de co-mércio e serviços é a diferença sala-

rial e de cargos. Muitas empresasmantêm pessoas de cor nos locais depouco contato com o público, em de-pósitos”, lamenta. “As funções maisimportantes acabam ocupadas porbrancos”.

“No ramo da metalurgia, seolharmos apenas para dentro dos se-tores, a discriminação é menos visí-vel, pois profissionais que exercem asmesmas atividades tendem a receberos mesmo salários”, diz o presidentedo Sindicato dos Metalúrgicos deMinas Gerais e diretor executivo daCNCDR, Marco Antônio de Jesus.“Mas quando você analisa o ramocomo um todo e a média salarial detodos os trabalhadores, é possível vermelhor essa discriminação e ver queo negro recebe o menor salário dacategoria”, completa. “Isso aconte-ce por que as pessoas negras estãomais no chão de fábrica e os bran-cos, nos escritórios, com saláriosmaiores. Nós entendemos que isso édecorrência da educação recebidapelos trabalhadores, por isso acredi-tamos na importância do estabeleci-mento de cotas para negros nas uni-versidades, para que também possamter uma boa formação profissional econsigam alcançar postos e saláriosmais altos”, defende.

Entretanto, é no setor bancárioonde a discriminação racial mostra-se mais forte. Segundo dados da pes-quisa Os Rostos dos Bancários –Mapa de Gênero e Raça no SetorBancário Brasileiro, realizada peloDieese entre 1998 e 2000, de todosos colaboradores do setor, 82,5%eram brancos. “A partir desse qua-dro, e após várias tentativas de esta-belecer um Termo de Ajustamento deConduta com os bancos, o MinistérioPúblico do Trabalho moveu açõescontra as instituições por discrimina-ção coletiva e incentivou o movimen-to negro a solicitar uma audiênciapública na Comissão de Direitos Hu-manos e Minorias, da Câmara dosDeputados”, explica a secretária de

Políticas Sociais da ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores do RamoFinanceiro (CONTRAF/CUT), Ma-ria Arlene Montanari Leme.

A negociação entre o MPT e aFederação Brasileira de Bancos (FE-BRABAN) iniciou em 2005 e se ar-rasta até hoje, com pequenas evolu-ções. “Nosso desafio é tornar a con-tratação, a ascensão de cargos e aremuneração equânimes, sem, entre-tanto, promover a simples substitui-ção, demitindo brancos para contra-tar negros”, explica Maria Arlene. “Aidéia é que o processo ocorra natu-ralmente, devido à alta rotatividade,mais comum nos bancos privados, eao aumento no quadro funcional dossegmentos, incluindo, também, contra-tações de pessoas com deficiência”,afirma.

“A acentuada desigualdade en-tre brancos e negros é fruto de umaconstrução social que buscava elimi-nar a presença significativa dos ne-gros no processo de formação da so-ciedade brasileira. É uma problemá-tica estrutural do nosso país”, afirmaa diretora do Sindicato dos Trabalha-dores no Serviço Público Federal emSanta Catarina (SINTRAFESC) emembro da CNCDR, Maria das Gra-ças Albert. Para ela, os problemasraciais encontrados no serviço públi-co são similares aos encontrados nasempresas privadas, e ambos os seto-res demandam ações do movimentosindical, que deve criar espaços en-tre os próprios militantes em prol dofortalecimento das ações contra a dis-criminação. “A partir de uma maiorconscientização dos problemas en-frentados por homens e mulheres, dequalquer raça, no mundo do trabalhoé que nós, dirigentes sindicais, come-çamos a buscar o conhecimento dosnossos próprios direitos. Com a im-plementação de algumas PolíticasPúblicas, fica muito mais fácil traba-lhar e discutir coletivamente, apontardiretrizes e propor soluções para osproblemas de discriminação”.

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TRABALHO INFANTILENTREVISTA LUCÍDIO BICALHO

Corte de verbas ameaçacombate ao trabalho infantil

O combate à exploração da mão-de-obra infantil pode ficarprejudicado por causa de cortes sofridos no orçamento do principalprograma do governo federal voltado à resolução do problema, oPrograma de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Levantamentorealizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mos-tra que, em 2007, a dotação inicial, ou seja, o recurso previsto naLei Orçamentária Anual (LOA), foi de R$ 376,8 milhões. Em 2008,

o valor caiu para R$ 286,4 milhões. Mesmo assim, nem todoesse valor foi autorizado pela Presidência da República,

que ainda retirou outros R$ 23,7 milhões do programaeste ano. Para Lucídio Bicalho, assistente de Políti-

ca Fiscal e Orçamentária do Inesc, o corte indicapouca prioridade dispensada ao problema, por-que os recursos estariam sendo remanejadospara outros setores. Em entrevista concedidaao boletim do Programa Na Mão Certa , Bica-lho fala sobre o problema.

ProgramaNa Mão Cer-

ta – Quaisforam as per-

das já contabili-zadas em relação

ao Peti em 2008?

Lucídio Bicalho – Em 2008, o va-lor inicial aprovado para o Peti foi deR$ 335,7 milhões. Esse valor é10,9% menor do que o aprovado em2007, de R$ 376,8 milhões. Isso re-presenta uma perda de R$ 41 mi-lhões, sem considerar a inflação. Atéo dia 27 de junho, o governo federalsó havia liquidado R$ 134,8 milhõesdos R$ 335,7 milhões aprovadospelo Congresso Nacional. Portanto,

a execução foi de apenas 40,3% dovalor inicial. Não é um percentualruim, mas também não é o ideal, jáque estamos na metade do ano.

PNMC – O que esse corte repre-senta para o programa?

LB – A implementação do programaocorre mediante a execução deações (projetos, atividades) que ata-cam as diferentes causas do proble-ma. O corte orçamentário no progra-ma significa que suas ações terãoum impacto menor na sociedade.Haverá um ataque mais tímido doprograma às causas do trabalho in-fantil. O corte implica uma perda decréditos orçamentários para as prin-

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cipais ações que compõem o Peti.O item “Ações Socioeducativas e deConvivência para Crianças e Adoles-centes em Situação de Trabalho”,por exemplo, perdeu R$ 29,9 mi-lhões – o valor inicial era de R$ 316,3milhões em 2007 e passou para R$286,4 milhões em 2008. A ação“Concessão de Bolsa a Crianças eAdolescentes em Situação de Tra-balho” perdeu R$ 12,1 milhões - seuvalor inicial era de R$ 58,7 milhõesem 2007 e passou para R$ 46,6 mi-lhões em 2008. Essas perdas estãoem valores nominais e seriam bemmaiores se os valores de 2007 fos-sem atualizados pela inflação.

PNMC – Como esse corte afeta oprograma de combate à explora-ção de mão-de-obra infanto-juve-nil?

LB – O corte não ameaça o progra-ma como um todo. Mas é claro quesua efetividade será menor. As me-tas físicas, que são os resultadosque o governo planeja alcançar comexecução financeira das ações, fi-cam ameaçadas quando acontecemcortes. Isto é, estamos partindo dopressuposto de que o planejamento

é real e sério. O governo é quemdeve responder se as metas físicasficarão abaixo do previsto. Para asociedade civil, é muito difícil fazero monitoramento de resultados con-cretos. Sabemos o valor que estásendo gasto, mas não temos a mes-ma facilidade para saber quais os re-sultados gerados. Hoje, o públiconão tem acesso facilitado aos resul-tados concretos. As informaçõesestão dispersas.

PNMC – O Peti tem se mostradoeficiente no combate à explora-ção de crianças e adolescentes?Por quê?

LB – Se analisarmos alguns dados,veremos que os índices de trabalhoinfantil têm caído bastante nos últi-mos anos. Isso se deve, principal-mente, à melhora das condiçõeseconômicas do país. Há um impac-to positivo das políticas sociais doEstado, mas insuficiente. Os dadosdisponíveis mostram que houve umasignificativa redução desse fenôme-no desde 1996. A Pnad de 1996 in-dicava que trabalhavam 15% das cri-anças e dos adolescentes entre deze 14 anos. Uma pesquisa posterior

_______________

“Atualmente oPeti atende

883 mil criançase adolescentescom bolsas. O

Estado deixa deatender mais de 4

milhões decrianças e

adolescentes emsituação de

trabalho ilegal”._______________

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“Se o trabalhoinfantil fosseerradicado, a

renda nacionalcairia 1%. O paíslevaria cinco anospara recuperar a

perda, mas, em dezanos, a renda

nacionalaumentaria 35%.”_______________

constatou que esse índice caiu para7% em 2005.Em 2006, de acordo com o IBGE,5,1 milhões de crianças e adoles-centes na faixa de 5 a 17 anos deidade estavam trabalhando. Segun-do o governo, nesse mesmo ano, oPeti atendeu 1 milhão de crianças eadolescentes em 3.388 municípios.Significa que não se atendeu a pre-visão de 3,2 milhões de crianças/adolescentes previstos na Lei Orça-mentária Anual naquele ano. Ouseja, ao fim do exercício 2006, o pro-grama atingiu somente 30% da metafísica planejada. Atualmente, o Petiatende 883 mil crianças e adoles-centes com bolsas. O Estado deixade atender mais de 4 milhões decrianças e adolescentes em situa-ção de trabalho ilegal. Não podemosdesconsiderar outros programas,como o Bolsa Família, que, de for-ma complementar ao Peti, estão aju-dando a combater o trabalho infan-til. Mas estamos muito longe de umasolução para o problema. Nem sem-pre as atividades oferecidas são dequalidade. São desconectas do mun-do da informação, da tecnologia, doconhecimento digital. Se as crian-ças e os adolescentes forem aten-didos com serviços ruins, aumentamas chances de retornarem às situa-ções de trabalho.

PNMC – De que forma o Governopoderia investir melhor os recur-sos para eliminar definitivamen-te esse problema?

LB – O programa precisa contem-plar a criança e o adolescente comosujeitos de direitos indivisíveis. Issosignifica que as ações do programasprecisam trabalhar pelos direitos dacriança e do adolescente na sua in-tegralidade: os direitos humanos,econômicos, sociais, culturais eambientais. Por exemplo, as forma-ções que são oferecidas precisamtrabalhar conteúdos atrativos e queenriqueçam esse público do pontode vista da formação humana. Es-

sas crianças e adolescentes rece-bem uma noção do que é viver cole-tivamente, em sociedade? Aprendemuma noção mínima do que é uma de-mocracia? Quais são seus direitospolíticos e civis? As crianças têmformação em música, dança e tec-nologia? Os cursos oferecidos pos-suem profissionais qualificados paradarem essas aulas? Portanto, alémde triplicar o valor destinado ao pro-grama, o governo deve melhorar aqualidade do serviço prestado. A OIT(Organização Internacional do Tra-balho) defende que a erradicação dotrabalho infantil passa pela educa-ção de qualidade. Isso significa queo governo deve investir mais e me-lhor em educação. É preciso expan-dir a jornada escolar no Brasil e, aomesmo tempo, melhorar a qualida-de do serviço prestado à sociedade.Isso exige qualificar e contratar maisprofessores. A educação deve ser aprincipal prioridade de qualquer go-verno. Isso exige responsabilidade,compromisso e investimento alto.

PNMC – De que forma a erradi-cação do trabalho infantil refle-tiria na sociedade atual?

LB – Segundo estudo da OIT/Uni-camp, se o trabalho infantil fosse er-radicado, isso provocaria uma que-da de 1% na renda nacional. O paíslevaria cinco anos para recuperar aperda, mas, em dez anos, a rendanacional aumentaria 35%. Dados daPNAD de 2001 revelam que, em 37%das famílias urbanas e 47% das ru-rais, a contribuição das criançaspara a renda familiar é de mais de20% e, em mais de 12% das famíli-as, ultrapassa 40%.Veja o exemplo da Coréia do Sul,que era um país pobre há poucomais 50 anos. Hoje, é um país rico.Para chegar a esse resultado, o paísinvestiu muito na educação. Lá, ascrianças e os adolescentes estuda-ram no passado, não estavam emsituação de trabalho. Desenvolvimen-to não é só riqueza. Por isso, nãotem como pensar em desenvolvimen-to se os direitos a um meio ambien-te preservado, à eqüidade de gêne-ro, à educação, à cultura, aos direi-tos políticos e civis estão sendo vio-lados.O trabalho infantil é uma âncora queimpede o Brasil de se desenvolver. Emgeral, a pobreza é a causa para o tra-balho infantil e as crianças operáriasrealimentam o ciclo de pobreza. Issoporque é alta a probabilidade de setornarem a nova geração de pobres. Acriança que trabalha tem mais chan-ce de ser a semente da miséria futu-ra. São gerações expostas a váriostipos de violências e ausências de di-reitos. O país perde. Mas quem per-de mais é quem vive essa situaçãode violação. O país tem a história pelafrente para corrigir esse erro. A crian-ça tem sua vida comprometida, por-que vai receber uma remuneraçãomenor pelo resto da sua vida em rela-ção àquela pessoa que teve oportuni-dade de desenvolver habilidades téc-nicas, matemáticas e humanas duran-te a infância.

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O Instituto Paradigma, Organi-zação da Sociedade Civil de Interes-se Público (OSCIP), desenvolveações de empreendedorismo socialna defesa dos direitos das pessoascom deficiência, especialmente aque-las relacionadas ao acesso à educa-ção e trabalho. Seu compromisso écom a equiparação de oportunidadesde participação, por meio da constru-ção de soluções e serviços para am-pliar o exercício da cidadania. Os ei-xos de atuação são: inclusão educaci-onal, inclusão econômica e desenvolvi-mento social e comunitário inclusivo.

Na inclusão econômica, o Insti-tuto Paradigma elabora projetos cor-porativos, desenvolve cursos de qua-lificação profissional, recruta e sele-ciona pessoas com deficiência paraencaminhá-las ao mercado de traba-lho. Também promove seminários e

INCLUSÃO

Cidadania para pessoas com deficiência

Instituto Paradigma promovea inclusão econômica e educacional

Por Livia Motta

fóruns para a disseminação de infor-mações aos colaboradores e gesto-res das empresas, com o objetivo deprepará-los para contratar, desenvol-ver e manter pessoas com deficiên-cia em seus quadros de funcionários.Os projetos de educação corporativasão construídos para atender às ne-cessidades da empresa. Alinham-seàs especificidades de cada organiza-ção, respeitando seus valores, cultu-ra e direcionamento estratégico.

As sensibilizações e formaçõespara gestores de RH, líderes e cola-boradores promovem a reflexão dosparticipantes sobre seu papel na so-ciedade e sobre como podem colabo-rar para a inclusão social, cultural eeconômica das pessoas com defici-ência. O Instituto também orienta asempresas com relação à acessibili-dade física dos espaços de trabalho.

Projetos de inclusão pro-fissional de pessoas comdeficiência já foram desen-volvidos e implementadosnas seguintes empresas:WalMart, Sun Microsys-tems, Editora Globo, Syn-genta Proteção de Culti-vos, Hotel Renaissence,Elektro, Natura, Tozzini,HP, Claro, Citibank, Pro-mon Engenharia, Ticket,Owens Illinois, Pro-Ativa,DHL, Novotel Jaraguá,Basf e Grupo Abril, dentreoutras.

Educação inclusivaNo eixo de inclusão educacio-

nal, o Instituto elabora e aplica proje-tos de gestão de sistemas educacio-nais inclusivos que contemplam a for-mação de professores e profissionaisda educação; cursos de educaçãoinclusiva a distância; consultoria emacessibilidade para escolas e progra-mas educacionais. O projeto de edu-cação inclusiva, desenvolvido pelo Ins-tituto Paradigma desde 2003, junto àSecretaria de Educação de SantoAndré, atende hoje mais de 800 alu-nos com deficiência. Abrange os se-guintes eixos:

• formação dos professores eassessores do CADE – Centro deAtenção ao Desenvolvimento Educa-cional, abordando tanto os conceitose fundamentos teóricos que susten-tam a educação inclusiva, como asestratégias pedagógicas necessáriaspara sua viabilização com foco na prá-tica de sala de aula;

• gestão da informação – edi-ção e publicação de materiais infor-mativos e formativos para divulgaçãoe aprofundamento dos aspectos dis-cutidos em cursos de formação;

• acessibilidade – demandasde acessibilidade física nas escolase nas salas de aula com o objetivo de

Projetos de inclusão profissionalampliam oportunidades

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remover barreiras arquitetônicas queimpossibilitam a participação plena noambiente escolar;

• acessibilidade pedagógica –discussão sobre as mediações peda-gógicas necessárias para o processode aprendizagem de alunos com defi-ciência;

• atendimento direto aos alunoscom deficiência, o que inclui tanto oencaminhamento para atividades ex-tras no contra-turno como NUPEI -DGD (Núcleo de Práticas Educacio-nais Inclusivas para alunos com dis-túrbios globais do desenvolvimento),NUPEI – DA (Núcleo de Práticas Edu-cacionais Inclusivas para alunos comdeficiência auditiva), CAPSI (Centro deAtendimento Psicopedagógico Infan-til), quanto a logística de deslocamen-to, transporte e alimentação;

• atendimento direto às famí-lias – reuniões de formação para aspessoas que compõem o quadro fa-miliar dos alunos com deficiência ma-triculados na rede, com o objetivo deinformar as famílias sobre a rede deserviços existentes no município parao acesso às políticas públicas. Esseatendimento visa formar e informar asfamílias na linha do protagonismo, paraque possam intervir no contexto soci-al, pela participação mais ativa e bus-ca de acesso aos direitos sociais.

As ações desenvolvidas no eixode desenvolvimento social e comuni-tário têm como foco a defesa dos di-reitos das pessoas com deficiência,assim como a construção de políti-cas públicas inclusivas e sustentáveis.O objetivo é dar visibilidade a temasrelacionados a participação efetivadas pessoas com deficiência e suasfamílias na vida comunitária.

Guia de ServiçosNeste eixo, merece

destaque o lançamento do“Guia de Recursos e Ser-viços da Cidade de SãoPaulo: Atenção ao BebêPrematuro de Alto Risco ecom Doenças Genéticas”,uma publicação que traz858 serviços de atendi-mento gratuitos e subsidi-ados, como assistênciasocial e transporte a ges-tantes e bebês prematurosde alto risco. O principalobjetivo desse material éinformar e orientar familia-res, profissionais da áreada saúde e a comunidade em geralsobre os serviços gratuitos de aten-ção específica ao bebê prematuro dealto risco e com doenças genéticasdisponíveis na cidade de São Paulo.Esses serviços garantam ações deprevenção a seqüelas graves, contri-

A preparação de professores especializados é fundamental para a inclusão de pessoas com deficiência

buindo para o desenvolvimento inte-gral destas crianças.

A importância do guia, lançadoem abril em parceria com o HospitalLeonor Mendes de Barros, é aindamaior quando são conhecidos os da-dos que apontam o número de bebêsque nascem prematuros no Brasil eem São Paulo. Segundo dados do Mi-nistério da Saúde, IBGE e FAPESP,em 2007 nasceram no Brasil 237 milbebês prematuros necessitando decuidados; 16.286 mil somente no Es-

tado de São Paulo.A versão impressa vem sendo

distribuída gratuitamente para todosos locais de saúde inclusos no guia.O download gratuito do material podeser feito no site do Instituto:www.institutoparadigma.org.br.

Profissionais com Síndrome de Downconquistam espaço nas empresas

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O trabalho é um importante ins-trumento emancipador para todas aspessoas, possibilitando a conquistada autonomia e a inclusão na vidasocial. No Brasil, a população comdeficiência sempre esteve em posi-ção de desvantagem no mercado detrabalho, por várias razões, entre elas,sua baixa escolaridade, que trazcomo conseqüência a baixa qualifi-cação profissional, resultado de umasociedade ainda não inclusiva.

Para agravar este quadro, o Bra-sil apresenta um cenário que retrataa desigualdade, no qual as oportuni-dades educacionais ainda estão re-lacionadas à desigualdade social e derenda, efeito que também é observa-do na população com deficiência.Como muitos jovens e adultos, comou sem deficiência, não completaramseus estudos fundamentais, uma so-lução que vem sendo utilizada pelogoverno e organizações não-governa-mentais são os cursos de qualifica-ção profissional, com objetivos con-cretos de possibilitar e ampliar o co-nhecimento e especialização em al-guma ocupação, resgatar a escolari-dade, valores democráticos e de ci-dadania.

Cenário BrasileiroDe acordo com o último censo

que o IBGE realizou, em 2000, o Bra-sil tem 24,5 milhões de pessoas comdeficiência, representando 14,5% dapopulação total do país. Desta par-cela da população, estima-se quenove milhões vivem com uma renda

1 Danilo Namo é doutor em Educação Especial pela USP e diretor técnico do Instituto Paradigma.

INCLUSÃO

Qualificação Profissionalde pessoas com deficiência

Por Danilo Namo1

mensal entre 0 a 5 salários mínimos.Na região Sudeste concentram-se 6%dos 14,5% de brasileiros com algumtipo de deficiência, ou seja, quase ametade desta população.

No Brasil, segundos dados doIBGE, das 66,6 milhões de pessoasacima de 10 anos de idade que com-põem a população ocupada (estudan-do ou trabalhando formal ou informal-mente), nove milhões têm algum tipo

de deficiência.A desvantagem da população

com deficiência, em relação ao aces-so ao mercado de trabalho, fica evi-denciada quando comparamos a pro-porção desta população de trabalha-dores formais em relação ao númerode trabalhadores brasileiros: dos apro-ximadamente 26 milhões de trabalha-dores formais, apenas 537 mil possu-em deficiência.

Distribuição Geográfica das Pessoas com Deficiência

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Pessoas com deficiência nomercado de trabalho formal

Além de apresentarem índices deempregabilidade menor, a populaçãocom deficiência também apresenta sa-lários e rendimentos financeiros meno-res quando comparados às pessoassem deficiência.

Rendimento da população ocupada, com e semdeficiência (Percentual em relação ao total decada grupo) Censo IBGE-2000 - Brasil

No ano de 2000, segundo dadosdo IBGE, o rendimento médio da popu-lação sem deficiência representava18% maior do que das pessoas comdeficiência. Uma das razões que expli-ca a posição de desvantagem das pes-soas com deficiência no mercado detrabalho é sua baixa escolaridade equase nenhuma experiência prévia detrabalho.

Segundo o Censo do Ministérioda Educação de 2005 (INEP), de umtotal de 33 milhões de matriculas noensino fundamental nas escolas públi-cas brasileiras, apenas 2% são de pes-soas com deficiência. Já no ensinomédio e superior, de um total de maisde 9 milhões de estudantes matricula-dos no ensino médio, apenas 0,13%apresentavam algum tipo de deficiên-cia. Seguindo a mesma lógica, dos 4milhões de matrículas nas universida-des brasileiras, apenas 0,12% repre-sentavam alunos com deficiência. Noque se refere à média de anos de estu-do em proporção a população total, aspessoas com deficiência também seencaixam abaixo da média.

Escolaridade - Anos de Estudo- Brasil

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Cenário em São PauloNa cidade de São Paulo, cerca

de 10% da população apresentamalgum tipo de deficiência. As pesso-as com deficiência entre 15 e 29anos representam 48% da popula-ção ocupada.

A escolarização daspessoas com deficiênciana cidade de São Paulotambém é menor se com-parada à das pessoas semdeficiência.

Pessoas com Deficiênciana cidade de São Paulo

Escolaridade - Anos de Estudo - São Paulo

Em contrapartida, algumas estratégi-as e políticas públicas têm sido organizadascom o objetivo de mudar este quadro. Dadosda Delegacia Regional do Trabalho (DRT)apontam que, em função da maior fiscaliza-ção sobre o cumprimento da lei de cotas nosúltimos anos, observa-se um significativo au-mento nas contratações formais de pesso-as com deficiência no Estado de São Paulo.

Esta crescente demanda pela con-tratação de pessoas com deficiência, noentanto, tem enfrentado problemas comoa baixa escolaridade e qualificação daspessoas com deficiência que estão en-trando no mercado de trabalho, não com-patíveis com o perfil exigido pelas vagasdisponíveis nas empresas. SegundoDRT-SP, apesar do crescimento das con-tratações, chegando a mais de 80 mil em2008, ainda há um déficit grande de va-gas que precisam ser preenchidas nacidade de São Paulo.

A baixa escolaridade, no entanto,não é o único entrave para a entrada nomercado de trabalho formal. Dados daSecretaria Municipal do Trabalho de SãoPaulo mostram que 40% das pessoascom deficiência inscritas no banco decurrículos on-line da Prefeitura têm ensi-no médio completo, 13% superior incom-pleto e 10% superior completo; em con-trapartida, 66% delas se declaram de-pendentes da família.

Qualificação para inclusãoProgramas de qualificação profis-

sional vêm sendo amplamente utilizadospelos setores públicos e privados comoestratégia para recrutamento, seleção einclusão de pessoas com deficiência nomercado de trabalho. Muitos destes pro-gramas têm se mostrado eficientes, combons resultados de recolocação.

Nos programas similares, na es-fera do governo federal, foram estabele-

cidas prioridades de acessoàs pessoas mais vulnerá-veis, do ponto de vista sócio-econômico, tais como: os tra-balhadores com baixa rendae baixa escolaridade, de-sempregados de longa du-ração, afro e índio descen-dentes, mulheres, jovens,pessoas com deficiência epessoas com mais de qua-renta anos.

Os resultados dessesprogramas federais de qua-lificação profissional, desen-volvidos no período de 1995a 2000, demonstraram quecerca de 40% daqueles quese encontravam na condição de desem-pregados depois da realização dos cur-sos obtiveram emprego após seu térmi-no. Dentre esses, um expressivo grupo(que variou de 45,7% a 56%) se inseriuem postos de trabalho considerados dequalidade: com carteira assinada, nosetor privado e no setor público.

Em pesquisa realizada pelo PALN-FOR, programa de capacitação do gover-no federal, com os egressos de cursossobre a inclusão no mercado de traba-lho, apenas 25% consideraram os cur-sos como fator mais importante para aobtenção do trabalho. Porém, se soma-dos àqueles que apontaram o fato de terrealizado mais de um curso de qualifica-ção como item mais importante na ob-tenção de emprego, a qualificação pro-

fissional passa a se constituir no fatormais valorizado: 33,18% das respostas,seguida pela experiência profissional,com 30,15%.

Atualmente ainda é inexpressiva aparticipação de estudantes com deficiên-cia nos cursos profissionalizantes regu-lares e públicos no estado de São Paulo.Além de desvantagens relacionadas àquestão da escolaridade e baixa renda,as pessoas com deficiência ainda têmde enfrentar obstáculos como a falta deacessibilidade. Também enfrentam odesconhecimento dos profissionais en-volvidos nesses cursos sobre estratégi-as pedagógicas inclusivas. Ainda não sedispõe oficialmente de currículos aces-síveis e adaptados à realidade dessesalunos.

Evolução das contratações no estado de SP

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O nome CUTMulti “Ação Frente às Multinacionais”já diz muito sobre os objetivos do projeto criado em no-vembro de 2001. Incentivar a organização dos trabalha-dores de empresas transnacionais e promover a luta uni-ficada por melhores condições de trabalho são suas pri-oridades básicas.

Os números das empresas multinacionais impressi-onam. São quase 80 mil atuando em todas as regiões domundo, responsáveis por milhares de empregos e bilhõesem faturamento. No entanto, o que mais impressiona é aforma desonesta com que algumas dessas empresas agemno Brasil, desrespeitando leis trabalhistas e ignorando con-venções internacionais. Daí surgiu o CUTMulti, para ten-tar combater o descaso com que essas companhias tra-tam seus funcionários e, ao mesmo, unir os sindicatosque representam os trabalhadores de uma mesma multi-nacional.

CUTMulti

O desafio da criaçãoO desafio da criaçãoO desafio da criaçãoO desafio da criaçãoO desafio da criaçãode redes sindicaisde redes sindicaisde redes sindicaisde redes sindicaisde redes sindicais

Projeto de cooperação entrea CUT e a FNV - Federação

Holandesa de Sindicatoschega ao 7º ano com 32

redes organizadas emempresas multinacionais

Planejamento Estratégico Planejamento Estratégico Planejamento Estratégico Planejamento Estratégico Planejamento Estratégico

Preocupado com o desenvolvimento profissional dos sindicalistas e trabalhadores envolvidos nacriação e organização das redes sindicais, o CUTMulti vem promovendo ao longo dos anos diversasoficinas sobre planejamento. Seminários sobre negociação, avaliação, monitoramento, planos combase em cenários futuros, entre outros temas, fazem parte do programa de formação. “Elas, asmultinacionais, estão sempre elaborando estratégias de crescimento. Não podemos ficar para trás.Também precisamos criar estratégias para garantir que o desenvolvimento dessas companhias nãoseja sustentado à custa de práticas anti-sindicais e do desrespeito às leis trabalhistas. Neste caso, acapacitação de sindicalistas é fundamental para que as negociações com as empresas sejam maisequilibradas”, conclui José Drummond, assessor da secretaria de relações internacionais da CUT ecoordenador do projeto.

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Empresa País de origem

ABN Anro Bank ................ HolandaAkzo Nobel ...................... HolandaAlpargatas – Santista ....... BrasilAmbev – Inbev .................. Brasil – BélgicaArcelor ............................. BélgicaBanco do Brasil ................. BrasilBasf .................................. AlemanhaBayer ................................ AlemanhaBraskem ........................... BrasilBrinks ............................... Estados UnidosC&A ................................. HolandaCarrefour ......................... FrançaDow Chemical .................. Estados UnidosDuPont ............................. Estados UnidosEDP .................................. PortugalGerdau ............................. BrasilHSBC ................................ InglaterraIberdrola .......................... EspanhaItaú .................................. BrasilLanxess ............................ AlemanhaNovartis ............................ SuíçaProsegur ........................... EspanhaRio Tinto ........................... Inglaterra – AustráliaSantander ........................ EspanhaSHV Gás ........................... HolandaSolvay ............................... BélgicaSuzano ............................. BrasilThyssen Krupp .................. AlemanhaUnibanco ......................... BrasilVale .................................. BrasilVotorantim ....................... BrasilWal Mart ........................... Estados Unidos

A experiência, que envolve sindicatos filiados à CUTe às outras centrais sindicais, depende de uma série dequestões políticas, mas apesar das dificuldades muitoscasos de sucesso já foram contabilizados. Diversas açõespráticas devem ser incorporadas pelos sindicatos paraque o funcionamento de uma rede sindical seja concreti-zado. Levantamento de informações sobre a empresa,conhecimento de todas as plantas, criação de um planode ação comum, comunicação integrada, administraçãode recursos financeiros, capacitação de talentos huma-nos e uma constante avaliação são apenas algumas dasatividades que cada grupo deve realizar periodicamente.O projeto colabora com a disseminação do know-howadquirido durante os anos de atuação e com um trabalhode monitoramento permanente.

Ratificado como uma das estratégias da CUT no9º Congresso Nacional da Central, a “Ação Frente àsMultinacionais” – CUTMulti - ensina às redes um novoformato de atuação sindical, que enxerga na busca poracordos de abrangência nacional e internacional uma ma-neira de superar os problemas que não se enquadramnas questões locais. De acordo com o Secretário de Re-lações Internacionais da CUT, João Felicio, a atual es-trutura prejudica as negociações unificadas, já que asempresas podem pagar pisos diferenciados de acordocom a localidade de cada planta. “O projeto ajuda a que-brar essa lógica e propõe soluções que beneficiam ostrabalhadores de forma mais eqüitativa”, analisa.

Durante seus sete anos de atividades, o CUTMulticolaborou com muitas das conquistas obtidas pelos tra-balhadores das multinacionais que operam no país. Al-gumas das redes sindicais criadas até já alcançaram re-presentatividade internacional, como é o caso do comitêformado pelos empregados da alemã Basf, que consti-tuiu uma rede sul-americana para discutir problemascomuns aos países da região. Outro exemplo de sucessoé a rede sindical mundial da Thyssen Krupp. Com a par-ticipação democrática de trabalhadores de diversas re-giões do mundo, o grupo já está negociando com a em-presa a assinatura de um acordo marco internacional

“Ação Frente às Multinacionais” é uma experiên-cia bem-sucedida na consolidação de uma classe traba-lhadora integrada. Para isso utiliza novos artifícios bus-cando a construção de um sindicalismo que se preocupae atua diante da globalização das relações trabalhistas.

As multinacionais do projeto

Redes são novo formato de atuação sindical

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S IOS na Rodada de DohaEntre os dias 18 e 25 de julho, o Instituto

Observatório Social representou a CUT no acom-panhamento da Rodada de Doha, em Genebra. OIOS fez parte do grupo de organizações, entre sin-dicatos, ONGs e entidades campesinas, que re-presentaram e apresentaram os anseios da soci-edade civil na mesa de negociações. O objetivo,segundo o pesquisador do IOS, Felipe Saboya, foipressionar os principais atores da negociação paranão fecharem um acordo que fosse prejudicialpara os trabalhadores e agricultores familiares.

“Fizemos reuniões diárias com equipes denegociação de alguns países-chave, como Brasil,África do Sul, EUA, UE, Argentina, China, Bo-lívia e Venezuela, nas quais se relatava oque estava na mesa de negociações naque-le momento ao mesmo tempo em que seouvia as considerações das organizaçõesda sociedade civil”, explica. A partir da avali-ação do que estava na mesa de negocia-ções, a CUT não concordou com a troca deganhos no mercado agrícola por perdas naindústria, nem com a redução do númerode postos de trabalho, principalmente emsetores como o eletrônico e o automotivo.

“O resultado, como se viu, foi que ospaíses não chegaram a um acordo, princi-palmente pelas posições contrárias e irre-dutíveis da China e da Índia de um lado, e

dos EUA e da União Européia de outro”, completaSaboya. Coordenada pela rede de organizaçõesOur World is Not for Sale (OWINFS, Nosso MundoNão Está a Venda), a atividade também envolveu,entre as entidades sindicais, CSI, CSA, CGT (Ar-gentina), COSATU (África do Sul), UNT (México),APL (Filipinas), UOM (Argentina), TUCP (Filipinas),CONTAG (Brasil), FETRAF (Brasil), entre as ONGs,Oxfam, ActionAid, REBRIP, Third World Network,Institute for Agriculture and Trade Policy, e, entre asorganizações ligadas à agricultura, Via Campesi-na, Rice Watch e entidades de Uganda, Gana, Ín-dia e Indonésia.

Entidades sindicais de diversas regiões dopaís e técnicos do Instituto Observatório Social edo Dieese reuniram-se com representantes dostrabalhadores da multinacional holandesa SHVGás nos dias 22 e 23 de julho, em São Paulo. Oencontro, iniciativa do projeto CUTMulti, teve comoobjetivo discutir as condições de trabalho ofereci-das pela empresa e possíveis soluções conjun-tas. A multinacional, detentora de 24% do merca-do no Brasil e 2º lugar no ranking de distribuidorasde gás de cozinha, vem adotando uma série depráticas anti-sindicais no país. Exclusão dos sin-dicatos nas negociações de PLR, demissões, per-seguição a dirigentes sindicais, assédio moral nolocal de trabalho, problemas de segurança, saú-de, meio ambiente, terceirização e novas tecnolo-gias são as principais reclamações. A criação deum comitê nacional foi avaliada pelos presentescomo uma excelente ferramenta na luta por me-lhores condições de trabalho. Os trabalhadoresda multinacional e seus representantes sindicaiselegeram uma coordenação nacional que irá rea-lizar reuniões periódicas para trocar informaçõese organizar negociações casadas. O grupo deveráse reunir novamente em novembro para avaliar asações e definir os próximos passos do comitê.

Técnicos do IOS participaram do encon-tro da Rede de Trabalhadores da multinacio-nal holandesa C&A, promovido pela Confe-deração Nacional dos Trabalhadores no Co-mércio e Serviços (CONTRACS), através doprojeto CUTMulti “Ação frente às Multinacio-nais”. Além da reavaliação do plano de ação,o grupo também discutiu as práticas anti-sin-dicais adotadas pela empresa no Brasil e aspossíveis estratégias para combatê-las.

Os informes regionais apresentadospelos sindicatos presentes revelaram diver-sos casos de violação, como a proibição dadistribuição do boletim unificado da rede emalgumas lojas, a falta de assentos para ope-radores de caixa, o desrespeito ao piso sala-rial em algumas regiões e a resistência ànegociação de um acordo nacional de partici-pação nos lucros e resultados (PLR). A dire-ção da C&A, previamente convidada a partici-par de um Diálogo Social com os represen-tantes de seus trabalhadores, não compare-ceu ao evento. Uma nova reunião da coorde-nação da rede está prevista para setembro,quando o grupo deverá avaliar suas ações eplanejar novas atividades.

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Trabalhadores acompanham em Genebra asnegociações sobre comércio internacional

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A Biblioteca Virtual do Observatório Socialvoltou a estar disponível para uso público. Pormeio dela os visitantes do site poderão aces-sar estudos, mapas, perfis, artigos e relatóriossobre os temas tratados pelo IOS, como Traba-lho Escravo, Responsabilidade Social, Meio Am-biente, Trabalho Infantil, Discriminação, Saúdee Segurança. Também estão disponíveis repor-tagens, acordos globais, códigos de conduta,leis, decretos e vários outros documentos.Acesse www.os.org.br/biblioteca e confira.

O Observatório Social e a Secretaria Nacionalde Formação da CUT acabam de firmar uma parce-ria que levará mais conhecimento para os progra-mas de formação em todo o país. As escolas sindi-cais da CUT e os cursos de formação de formado-res passarão a incorporar oficinas de inclusão digi-tal, treinamentos para dinamização da rede sindicalem todo o Brasil, disseminação de pesquisas emapas empresariais em todos os setores, e inclu-são da Responsabilidade Social Empresarial (RSE)entre os temas trabalhados pelo programa de for-mação e defendidos pelos sindicatos.

Também será construído um Banco de Dadosda Rede Nacional de Formação, instrumento quepossibilitará o acompanhamento de todos os even-tos de formação nos âmbitos nacional, estadual edos ramos. As ações foram discutidas e elaboradasdurante uma oficina realizada em São Paulo, entreos dias 12 e 14 de agosto. Estiveram presentes noevento representantes das sete escolas sindicaisda CUT (Florianópolis, São Paulo, Belo Horizonte,Goiânia, Recife, Belém e Porto Velho), da SecretariaNacional de Formação e do Observatório Social.

Como forma de englobar todas as ações pro-postas, serão incluídos nos módulos de formaçãotreinamentos específicos sobre RSE e sobre o Co-nexão Sindical, portal criado pelo Observatório paraintegrar e tornar mais dinâmica a rede de discus-sões no ambiente sindical. “É uma ótima ferramentapara a comunicação em rede capaz de ligar os sindi-catos de todo o Brasil”, afirma o diretor administrati-vo financeiro do OS, Valeir Ertle. “A Responsabilida-de Social Empresarial está no auge das discussõese se tornou tendência nas organizações. A inclusãodesses dois temas no Programa de Formação deFormadores da CUT vai preparar ainda mais os nos-sos dirigentes para temas tão atuais”.

IOS e formação sindical

Acervo na internet

O Instituto Observatório Social esteve presen-te no Shop Stewards Summit in South Africa – encon-tro de representantes sindicais de empresas ale-mãs atuantes na África do Sul. O IOS foi a únicainstituição da América Latina convidada para o even-to, e participou com o objetivo de compartilhar a ex-periência em pesquisa de comportamento de sub-sidiárias de multinacionais alemãs alocadas no Bra-sil. A experiência apresentada no encontro foi con-quistada a partir de estudos realizados entre 2002 e2004, com o apoio da DGB, quando o IOS pesqui-sou as relações e condições trabalhistas nas em-presas alemãs Bayer, Bosch e ThyssenKrupp. O prin-cipal interesse demonstrado no encontro foi quantoà atuação do IOS no diálogo com as empresas pes-quisadas, quebrando a resistência da gerência narealização da pesquisa dentro das plantas. Pesqui-sa similar está sendo desenvolvida há dois anos naÁfrica do Sul, onde ainda há barreiras a serem supe-radas. O IOS relatou as formas de adoção das pes-quisas pelos sindicatos envolvidos, como uma ma-neira de ajudar na organização dos trabalhadoresem nível local.

África do Sul

No dia 7 de agosto, especialistas de váriasregiões e entidades brasileiras estiveram reuni-dos na Unicamp, em Campinas (SP), para o Se-minário Gênero no Tráfico de Pessoas. O eventofoi uma iniciativa do Escritório da Organização In-ternacional do Trabalho (OIT ), através do Projetode Combate ao Tráfico de Pessoas no Brasil e doNúcleo de Estudos de Gênero – PAGU, da Univer-sidade de Campinas. O objetivo foi reunir pesqui-sadores brasileiros que possuem atuação e refle-xão reconhecidas sobre este tema para debater otráfico de pessoas e as diferentes formas de ex-ploração a ele associadas. Espera-se assim con-tribuir para a construção de políticas públicas maisefetivas no combate a essa violação dos direitoshumanos.

“O desafio que se coloca hoje para a socie-dade civil e para os organismos internacionais éjustamente a perpetuação de diferentes modali-dades de trabalho forçado que se observa em di-ferentes realidades econômicas”, disse a oficialdo Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas doEscritório da OIT no Brasil, Márcia Vasconcelos.Ana Yara Paulino, do IOS/DIEESE, acompanhou aatividade a convite da OIT, enquanto coordenadorado projeto Monitoramento dos Signatários do Pac-to Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo(IOS/OIT).

Gênero no tráfico de pessoas

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Trabalhadores da multinacional americanaWal-Mart decidiram as próximas atividades do co-mitê durante o encontro promovido através do pro-jeto CUTMulti “Ação Frente às Multinacionais”, nosdias 24 e 25 de julho de 2008, em São Paulo. Oevento também contou com a participação de pes-quisadores do Instituto Observatório Social e doprofessor Scott Martin, da Universidade de Colum-bia, Estados Unidos. Durante os dois dias de reu-nião, foram discutidos os parâmetros de umanova proposta de acordo, que prevê a substitui-ção das metas por lojas por um pagamento unifi-cado, de acordo com o lucro alcançado pela em-presa em todas as unidades no Brasil.

O grupo também debateu as práticas abusi-vas adotadas pelo Wal-Mart, como os casos daeleição do pior funcionário do mês em uma lojado Nordeste e a exposição de listas com os no-

Através do projeto Monitor de Empresas, oIOS esteve presente no V Encontro do Comitê Sin-dical Nacional dos Trabalhadores na AkzoNobel,realizado entre os dias 15 e 17 de julho, em SãoPaulo. Durante o evento, também aconteceu o IIIDiálogo Social com a AkzoNobel, que contou coma presença de três representantes da empresa, ea visita monitorada à unidade em São Bernardodo Campo (SP). O IOS participou através da pre-sença de Ana Yara Paulino, responsável pelo pro-jeto AkzoNobel no Monitor de Empresas. Ela coor-denou a apresentação dialogada das condições detrabalho e relações sindicais nas diferentes unida-des. Regina Queiroz, também pesquisadora do IOS,sistematizou alguns documentos disponíveis na in-ternet sobre Responsabilidade Social Empresarial

Rede no Wal-Mart

Comitê na AkzoNobele Sustentabilidade do grupo AkzoNobel.

O projeto Monitor de Empresas envolve apesquisa contínua sobre as relações de trabalhoe sindicais das unidades da empresa no Brasil.Conta com o apoio da FNV, CUT-Multi, CNQ, ICEMe sindicatos locais envolvidos. Participaram doEncontro os membros eleitos para o Comitê, diri-gido por Sergio Carasso (do Sindicato dos Quími-cos do ABC), dirigentes da CNQ-CUT, da SRI-CUTe representantes sindicais nas unidades AkzoNo-bel de Mauá, Santo André, São Bernardo do Cam-po, Itupeva, São Paulo (SP), São Gonçalo (RJ),Eunápolis, Mucuri (BA) e Recife (PE). O presiden-te da CUT e do IOS, Artur Henrique dos Santos, e osupervisor institucional do Instituto, Amarildo DuduBolito, também compareceram ao Encontro.

mes dos funcionários em licença. O IOS confir-mou a provável realização de uma pesquisa sobrea atuação da empresa no Brasil, com a possívelparticipação de funcionários e dirigentes sindicais.O grupo discutiu os critérios que deverão ser apli-cados no trabalho e deve consultar a empresasobre a possibilidade de participação no proces-so.

A rede agendou uma segunda reunião coma direção do Wal-Mart para dar andamento às ne-gociações e exigir soluções para os problemaslevantados durante o encontro. O segundo encon-tro foi realizado no dia 14 de agosto, com a partici-pação de representantes da Rede, pesquisado-res do Observatório Social e direção da empresa.Durante a reunião, foi colocada em pauta a inten-ção do IOS de realizar uma pesquisa ampla, pro-posta que ainda será analisada pela empresa.

No dia 11 de novembro, o Observatório Soci-al irá apresentar uma nova ferramenta que auxilia-rá no monitoramento do Pacto Nacional pela Erra-dicação do Trabalho Escravo. Trata-se de uma pla-taforma eletrônica em desenvolvimento pelo Insti-tuto que tornará o processo de monitoramentomais eficiente e dinâmico. A plataforma será apre-sentada durante seminário realizado pelo Comitêde Monitoramento do Pacto pela Erradicação doTrabalho Escravo, em São Paulo, composto peloIOS, pela OIT, pelo Instituto Ethos e pela ONG Re-pórter Brasil. Durante o encontro, que tambémcontará com a presença de representantes da so-ciedade civil e do governo, serão discutidos e en-caminhados o diagnóstico e as boas práticas cor-porativas no combate ao trabalho escravo no Bra-sil. Também serão apresentados os resultadosda Pesquisa de Monitoramento dos Signatáriosdo Pacto, encomendada pela OIT ao IOS.

Monitoramento doTrabalho Escravo

Representantes do IOS estiveram pre-sentes no Encontro dos Trabalhadores deRedes Petroquímicas, realizado entre os dias9 e 11 de julho em Salvador (BA). Tambémparticiparam sindicalistas dos estados daBahia, Alagoas, Pernambuco, São Paulo, Riode Janeiro e Rio Grande do Sul, da Argentina,da Venezuela e dos Estados Unidos, e traba-lhadores das empresas Braskem, Quattor,Dupont, Dow Química e Lanxess (Petroflex).O objetivo do encontro foi criar uma rede detrabalhadores capaz de enfrentar as mudan-ças da petroquímica nacional, em especial atentativa de concentrar o setor nas mãos depoucos empresários. Os participantes avali-aram a situação das empresas, definirampropostas conjuntas e aprofundaram o de-bate nacional sobre o setor.

Redes Petroquímicas

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Nos dias 14 e 15 de agosto, equipe depesquisadores do Observatório Social parti-cipou de uma oficina sobre a utilização domarco lógico como ferramenta no planejamen-to de projetos. Coordenada por Patricio Sam-bonino, consultor da FNV (central sindical ho-landesa) para a América Latina, a oficina tevecomo objetivo melhorar a qualidade no pla-nejamento de projetos através do uso domarco lógico, que facilita desde a concepçãode projetos até a coorde-nação e o acompanha-mento das atividades. Autilização dessa metodo-logia também é uma reco-mendação da FNV, LO eSASK a todos os seus par-ceiros.

“Às vezes, os proje-tos empreendidos por or-ganizações sindicais li-dam com problemas orga-nizativos. É necessárioanalisar profundamente aorganização, seus mem-bros, sua estrutura e ne-cessidades, para poderidentificar a maneira maisefetiva para enfrentar osproblemas”, diz Samboni-

Na busca pelo aperfeiçoamento dos mé-todos adotados em suas pesquisas, a equipedo Observatório Social realizou, nos dias 1º e2 de julho, em São Paulo, a 9ª Oficina de Meto-dologia de Pesquisa do IOS. O encontro, queacontece bimestralmente, tem por objetivo dis-cutir e reavaliar a metodologia e os temas uti-lizados pelos pesquisadores, com base naexperiência adquirida através dos estudos re-alizados frente aos desafios permanentes denovas demandas pelo movimento sindical. Osprincipais focos de discussão foram os prin-cípios e objetivos do IOS, os temas aborda-dos e o processo de pesquisa.

A dinâmica adotada para a reunião foibastante participativa: antes do evento, os pes-quisadores receberam previamente algumasquestões-chave para serem objeto de refle-

Metodologias de pesquisaxão e de resposta. Uma vez sistematizadas,deram o ponto de partida para a oficina. Emseguida, adotou-se a técnica do carrossel emtrês pequenos grupos de pesquisadores (queprevê a circulação de todos os participantes)organizados pelos temas principais.

Assim foi possível uma melhor apropri-ação individual e coletiva dos temas e suaretomada na discussão plenária final. Depoisda oficina, quatro documentos foram elabora-dos e circulados internamente: relatos dasatividades, a reafirmação dos princípios eobjetivos do IOS, temas tradicionais e novostemas, e processo de pesquisa. O entrosa-mento e a avaliação do evento pela equipeforam positivos, evidenciando algumas ques-tões prioritárias a serem pautadas nas próxi-mas oficinas de 2008.

Oficina da FNVno. “Outro problema com o qual muitos sindi-catos se vêem confrontados é a elaboraçãode boas propostas de projeto. Para tentar so-lucioná-lo, as centrais sindicais dos paísesnórdicos e da Holanda desenvolveram, jun-tas, algumas diretrizes para seus projetos decooperação internacional”, completa. Na pró-xima oficina, dias 9 e 10 de outubro, serãotrabalhados o monitoramento e a avaliaçãodos projetos.

Marco lógico contribui para melhorar a qualidade dos projetos

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