observatório social em revista 10

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EM REVISTA S O C I A L Nº 10 maio 2006 ISSN 1678 -152 x C&A vende roupas feitas por imigrantes em malharias clandestinas Setor calçadista lucra com precariedade na costura doméstica Um terço da força de trabalho feminina está em situação precária C&A vende roupas feitas por imigrantes em malharias clandestinas Setor calçadista lucra com precariedade na costura doméstica Um terço da força de trabalho feminina está em situação precária C&A vende roupas feitas por imigrantes em malharias clandestinas Setor calçadista lucra com precariedade na costura doméstica Um terço da força de trabalho feminina está em situação precária C&A vende roupas feitas por imigrantes em malharias clandestinas Setor calçadista lucra com precariedade na costura doméstica Um terço da força de trabalho feminina está em situação precária Que moda é essa? Que moda é essa?

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Faz pouco, decidimos investigar o trabalho migrante na cidade de São Paulo. Encontramos outra grande empresa multinacional, a holandesa C&A, que se beneficia de um trabalho executado em condições extremamente precárias ou em regime de semi-escravidão, por trabalhadores, em sua maioria, oriundos da Bolívia. O conteúdo desta revista é extremamente grave e a posição da C&A, nas poucas vezes em que seus prepostos se pronunciam, é, no mínimo, contraditória. Está mais que na hora de a sociedade exigir, pelo menos, coerência destas empresas em relação ao que elas mesmas se comprometeram a fazer. Não podemos mais aceitar propaganda enganosa. Responsabilidade Social Empresarial tem que ser tratada com seriedade.

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REVISTA

S O C I A L

Nº 10 maio 2006

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C&A vende roupas feitas porimigrantes em malharias clandestinas

Setor calçadista lucra comprecariedade na costura doméstica

Um terço da força de trabalhofeminina está em situação precária

C&A vende roupas feitas porimigrantes em malharias clandestinas

Setor calçadista lucra comprecariedade na costura doméstica

Um terço da força de trabalhofeminina está em situação precária

C&A vende roupas feitas porimigrantes em malharias clandestinas

Setor calçadista lucra comprecariedade na costura doméstica

Um terço da força de trabalhofeminina está em situação precária

C&A vende roupas feitas porimigrantes em malharias clandestinas

Setor calçadista lucra comprecariedade na costura doméstica

Um terço da força de trabalhofeminina está em situação precária

Que modaé essa?

Que modaé essa?

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EMREVISTA

S O C I A L

ISSN 1678 -152 x

CONSELHO DIRETOR

PRESIDENTE - Kjeld A. JakobsenCUT - João Vaccari NetoCUT - Rosane da SilvaCUT - Artur Henrique da Silva SantosCUT - Maria Ednalva B. de LimaCUT - José Celestino LourençoCUT - Antonio Carlos SpisCUT - Gilda AlmeidaDieese - Mara Luzia FeltesDieese - Wagner Firmino SantanaUnitrabalho - Francisco MazzeuUnitrabalho - Silvia AraújoCedec - Maria Inês BarretoCedec - Tullo Vigevani

DIRETORIA EXECUTIVAKjeld A. Jakobsen - presidenteArthur Henrique da Siva SantosAri Aloraldo do Nascimento - tesoureiroCarlos Roberto HortaClemente Ganz LúcioMaria Ednalva B. de LimaMaria Inês Barreto

SUPERVISÃO TÉCNICAAmarildo Dudu Bolito Supervisor Institucional

Supervisor TécnicoMarques Casara Supervisor de Comunicação

SEDE NACIONALRua São Bento, 365 - 18º andarCentro - São Paulo SPFone: (11) 3105-0884 Fax: (11) [email protected]

-João Paulo Cândia Veiga -

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CAPA:de :Foto Marcello Vitorino - Fullpress

Sem carteira assinada,grávida e sem máscarade proteção, mulherusa cola tóxica naFabricação de calçado

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EDITORESDauro Veras (SC-00471-JP) eMarques Casara (RJ 19821)

REDAÇÃOAdriana FrancoAlexandre de Freitas BarbosaDaniela Sampaio de CarvalhoDauro VerasJoão Paulo VeigaLuciana HachmannMarques CasaraCOLABORAÇÃOCláudia Maria Cirino de OliveiraRonaldo BaltarWalter André Pires

FOTOGRAFIAGlauber FernandesMarcello Vitorino (capa)Marques CasaraRosane LimaSérgio VignesYan Boechat

EDITORAÇÃO DE FOTOGRAFIAAna Iervolino

ARTEFrank Maia

PROJETO GRÁFICOMaria José H. Coelho (Mtb 930Pr)

DIAGRAMAÇÃOSandra Werle (SC-00515-JP)

EDITORAÇÃO ELETRÔNICAPRIMEIROplanowww.primeiroplano.org.bMaio 2006 - Nº 10São Paulo - SP - Brasil10.000 exemplaresGráfica BANGRAF

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4QUE MODA É ESSA?C&A vende roupas fabricadas por imigrantes emmalharias clandestinas.

16PRECARIZAÇÃO DA VIDAIndústria de calçados fatura com a terceirização deserviços.

24PANORAMA DO TRABALHO PRECÁRIOA situação no mundo, na América Latina e no Brasil.

36MINERADORAS SOB INVESTIGAÇÃORepercussões da denúncia sobre trabalho infantil nacadeia produtiva do talco.

39ARTIGO: RUBENS NAVES, FUNDABRINQEsforços pelo fim do trabalho infantil.

40AGENDA HEMISFÉRICA DA OITAs metas das Américas para 2015.

42QUEM FAZ A REDLATA Rede Latino-Americana de Pesquisa em EmpresasMultinacionais.

44DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVELConferência internacional debate sindicalismo e meioambiente.

45CONEXÃO SINDICALAmbiente interativo facilita integração de sindicalistas.

46MONITOR DE EMPRESASProjeto de pesquisa em multinacionais encerra segundafase.

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CEM REVISTA

Com satisfação tomamos conhecimento que o número de empregos com carteira de tra-balho continua em crescimento, revertendo, aos poucos, a realidade que vivíamos durante oajuste neoliberal dos anos 1990 e início da presente década. Também nos anima o recenteanúncio da previsão do crescimento da economia para 2006.

Da mesma maneira, simpatizamos com os sucessivos anúncios de empresas que bus-cam introduzir códigos de conduta e políticas de responsabilidade social na gestão de seusnegócios. No entanto, ainda falta muito para que tenhamos um crescimento de empregos emnúmero suficiente para atender a mais de um milhão de jovens que procuram seu lugar no merca-do de trabalho todos os anos.

Também nos preocupam os sucessivos anúncios de empresas multinacionais, como aVolkswagen, que pretende reduzir seu quadro de trabalhadores nos próximos anos. Ou como aUnilever, que prossegue com suas políticas de aquisição de fábricas e marcas, para simples-mente extingui-las, eliminando milhares de empregos em todo o mundo, conforme foi denunciadoem maio no Tribunal Permanente dos Povos durante a Cúpula Europa – América Latina emViena.

É preciso colocar as pessoas em primeiro lugar. Isso passa pelo crescimento econômicosustentável, geração de empregos decentes e respeito aos direitos dos trabalhadores.

Porém, a realidade não é bem assim. Na edição anterior, fomos verificar o setor da mine-ração rudimentar de pedra-sabão na região de Ouro Preto e encontramos crianças trabalhandona coleta de rochas destinadas à produção de talco e artesanato. Três importantes empresasmultinacionais se beneficiavam desta matéria-prima.

Faz pouco, decidimos investigar o trabalho migrante na cidade de São Paulo. Encontra-mos outra grande empresa multinacional, a holandesa C&A, que se beneficia de um trabalhoexecutado em condições extremamente precárias ou em regime de semi-escravidão, por traba-lhadores, em sua maioria, oriundos da Bolívia.

O interessante é que as quatro empresas declaram seguir políticas de responsabi-lidade social, mas algumas têm enormes dificuldades em garantir que seus compromissos secumpram corretamente em toda a cadeia produtiva, apesar da responsabilidade subsidiária quepossuem.

O conteúdo desta revista é extremamente grave e a posição da C&A, nas poucasvezes em que seus prepostos se pronunciam, é, no mínimo, contraditória. Está mais que na horade a sociedade exigir, pelo menos, coerência destas empresas em relação ao que elas mesmasse comprometeram a fazer. Não podemos mais aceitar propaganda enganosa. ResponsabilidadeSocial Empresarial tem que ser tratada com seriedade.

Conselho Editorial

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a sala de um aparta-mento residencial naregião central de SãoPaulo, Ramón empur-ra sua caixa de brin-

quedos por entre máquinas industri-ais, bancadas, ferramentas e montesde roupas que esperam para seremcosturadas. Outras 12 pessoas ocu-pam o espaço. Com a fiação elétricaexposta, o risco de incêndio é perma-nente.

As janelas estão lacradas. Obarulho das máquinas pode denunci-ar a oficina clandestina e trazer a po-lícia. Faz um calor infernal, o ar estápesado no ambiente, sem ventilação.

Que modaé essa?

Marques Casara*

C&A vende roupasproduzidas em

malhariasclandestinas,

mediante exploraçãode mão-de-obra de

imigrantesirregulares

Na Bolívia, afalta detrabalho é aprincipalcausa doêxodo para oBrasil

Sentada há mais de 16 horas dianteda máquina de costura, a mãe deRamón tem pressa. Maria Diaz cos-tura uma peça de roupa atrás da ou-tra, intensamente. Ela tem uma agen-da para cumprir. Só pára quando pre-cisa comer ou ir ao banheiro. A mãedo pequeno Ramón é uma mulherexausta.

Desde que chegou ao Brasil em2003, trabalha do amanhecer até tar-de da noite. Não tem carteira assina-da, equipamento de proteção, assis-tência médica. Ela não existe nos re-gistros de imigração. Oficialmente, ogoverno brasileiro não sabe de suapresença. Tampouco sua saída da

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Bolívia, em 2003, foi registrada pelogoverno daquele país. Maria foi trazi-da para São Paulo por intermediáriosconhecidos como “coiotes”, que ga-nham dinheiro contrabandeando gen-te de um país para outro. Em SãoPaulo, pelo menos 100 mil bolivianosestão nesta situação. Deixaram a re-gião andina para tentar a sorte emmalharias clandestinas instaladas emdiversos pontos da cidade.

Maria Diaz faz parte de um gru-po de dezenas de milhares de pesso-as que vivem em São Paulo anonima-mente, sob o risco da extradição, víti-mas do preconceito e sem nenhumtipo de garantia social ou trabalhista.Ela não pode se dar ao luxo de exporsua imagem nesta revista. Seria de-mitida pelo simples fato de relatar oproblema, quem sabe terminaria ex-pulsa do país. No Brasil, o único di-reito desta mulher é não ter nenhumdireito.

Os imigrantes são exploradospor uma indústria bilionária e multina-cional. Na ponta desta cadeia produ-tiva clandestina e precária está umadas mais tradicionais e conhecidasmagazines do mundo. As lojas C&A

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Loja da C&A em São Paulo: operações no Brasil estão entre as mais rentáveis da multinacional

vendem roupas costuradas por pes-soas forçadas a atuar à margem daLei, gente que não tem respeitadossequer os direitos fundamentais dapessoa humana.

A C&A sabe do problema hápelo menos um ano. Mesmo assim,continua se beneficiando, por intermé-dio de dezenas de malharias, de umamão-de-obra extremamente precariza-da. O importante é que as roupas che-guem ao consumidor de forma rápidae barata. Os imigrantes? Nem exis-tem oficialmente. Não podem sequerreclamar, pois do contrário serão pre-sos e podem até ser deportados.

Tempos modernosCom vendas que chegaram, em

2005, a 5,2 bilhões de euros na Euro-pa, a C&A registrou, segundo apura-ção da agência Bloomberg, um lucrode mais de 500 milhões de euros.Reportagem do jornal Valor Econômi-co, de São Paulo, mostra que as lo-jas da empresa no Brasil estão entreas mais rentáveis operações da C&Aem todo o mundo, “se não forem as

maiores”.Fundada na Holanda em 1841,

a rede chegou ao Brasil em 1976 epossui 113 unidades no país. De acor-do com pesquisa do banco CreditSuisse feita em março, os preços daC&A costumam ser, em média, entre10% e 15% mais baixos que os daRenner, uma de suas principais con-correntes. Os preços desta, por suavez, são 50% a 60% mais baratos doque os da Zara, empresa espanholaque também atua no Brasil.

Qual o segredo da C&A? Umade suas principais armas é o preço. Aempresa adota uma estratégia quealia preços baixos a um marketing dealto impacto. Não mede custos paradivulgar a marca. Entre suas garotas-propaganda está uma das modelosmais caras mundo, a brasileira Gise-le Bündchen.

O pequeno Ramón, que empur-ra sua caixa de brinquedos na oficinacaótica e abafada, não tem a mínimaidéia do que sua mãe faz durante maisde 16 horas por dia à frente daquelemonstro barulhento. Sua própria vidatem sido um tanto confusa. Aos cin-co anos de idade, veio para o Brasil

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em um ônibus lotado de imigrantesirregulares que deixaram para trás, nointerior da Bolívia, a fome, a miséria eo desemprego. Chegaram a São Paulocheio de dívidas com seus contratan-tes, em busca de trabalho e de umavida melhor. Por isso, para fugir dafome, sua mãe consome o tempo namáquina onde costura roupas para aC&A. Todo tipo de roupa, blusas, ca-sacos, calças. Ganha 20 centavos porcada peça costurada. Por isso ela tempressa. Precisa trabalhar muito paraapurar algum dinheiro e atender a in-tensa demanda de seus contratantes.Afinal, a C&A está entre as lojas quemais vendem roupas no país.

O processo funciona da seguin-te maneira: a C&A precisa costurarsuas roupas. Para isso, contrata ma-lharias legalmente instaladas em SãoPaulo. Estas malharias, por sua vez,repassam o trabalho para oficinas clan-destinas. Com isso, as roupas vendi-das pela C&A entram num círculo vicio-so de trabalho precário e ilegalidade.

Monitoramento zeroO Ministério Público do Traba-

lho tem uma lista com todos os forne-cedores da C&A em São Paulo. A pro-curadora Vera Lúcia Carlos disse aoObservatório Social que podem che-gar a 80 os fornecedores suspeitosde usarem as malharias clandestinaspara costurar as roupas: “A investiga-ção está no começo. Encontramoscentenas de etiquetas da C&A emmalharias clandestinas”. Segundo aprocuradora, o objetivo é identificartodos os elos da cadeia produtiva daroupa. “O que está acontecendo aí éum trabalho proibido. Como todo tra-balho proibido, produz efeitos jurídi-cos. Nossa atuação é para saberquem é o beneficiário final dessa irre-gularidade”, diz a procuradora.

Qual é a responsabilidade daC&A nisso tudo? Responde o pesqui-sador do Centro de Estudos Sindicaise de Economia do Trabalho da Uni-versidade de Campinas, José DariKrein: “Se a C&A contrata ou subcon-trata empresas que não respeitam a

Etiquetas da C&A apreendidasem malharias clandestinas

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Os imigrantes vivem,trabalham e se alimentam nomesmo espaço.

Com a fiação elétrica exposta,o risco de incêndio épermanente

legislação, fica sujeita à chamada res-ponsabilidade subsidiária, ou seja, aC&A, como principal beneficiária, podeser responsabilizada. A Justiça temdado ganho de causa a esse tipo dedemanda”.

O envolvimento da C&A commalharias clandestinas chegou a serdebatido em uma Comissão Parla-mentar de Inquérito (CPI) da CâmaraMunicipal de São Paulo, instauradapara apurar a exploração de trabalhoescravo na cidade. Apesar de não tersido citada no relatório final, elabora-do pela vereadora Soninha (PT), aempresa foi convocada para explicarseus processos de produção. O re-presentante da C&A, Vlamir AlmeidaRamos, explicou que a empresa fazvisitas aos fornecedores para identifi-car as condições do maquinário e sehá condições técnicas para suportara produção: “Se nesse momento háalgo gritante em relação ao desvio dotrabalho, alguma coisa, é identificadoe naturalmente isso pode se tornarempecilho para evolução da negocia-ção”. Para Ramos, então, a existên-cia de trabalho clandestino “pode” setornar empecilho.

Indagado pela vereadora Soni-nha se existe uma visita a cada umdos fornecedores, o porta-voz respon-deu que nem todos os fornecedoressão visitados. E disse mais: “Nós nãofazemos nenhum acompanhamentoda subcontratação, não temos, vamosdizer, nenhuma ingerência em relaçãoà subcontratação que ele (fornecedor)faz. Desconhecemos os contratos quesão feitos com terceiros, por ele, as-sim como os preços que são pratica-dos por ele com terceiros. A nossanegociação é com o fornecedor quefoi selecionado.” Em resumo, a pró-pria C&A admite que não tem contro-le sobre a cadeia produtiva das rou-pas que vende.

O procurador do Ministério Pú-blico Federal, Sérgio Suiama, partici-pou de diligências em malharias clan-destinas nos bairros do Pari, VilaMaria e Bom Retiro. Ele avalia que acondição de irregularidade dos bolivi-anos é o principal motivador para in-seri-los em condições de trabalho de-

gradante. “Na última fiscalização quefizemos nós pegamos uma etiquetada C&A numa oficina irregular. Então,o que acontece? Da mesma formacomo a Nike, aquelas denúncias en-volvendo a exploração de crianças esuperexploração da mão-de-obra detrabalhadores em países da Ásia,acontece a mesma coisa com as con-fecções aqui de São Paulo. Elas mui-tas vezes terceirizam ou quarteirizamo serviço e essa quarteirização ou ter-ceirização acaba recaindo justamen-te em mão-de-obra irregular.”

ContradiçõesEm suas andanças com a cai-

xa de brinquedos pelo cubículo ondesua mãe se entrega à costura de rou-pas, o pequeno Ramón se torna, en-tão, uma figura globalizada. Um típi-co filho de uma estrutura produtiva queinveste bilhões em novas tecnologi-as, mas que emprega relações traba-lhistas comparáveis às da primeirarevolução industrial, quando, no sécu-lo 18, os trabalhadores eram explora-dos ao limite nos teares manuais.

Em São Paulo do século 21,quando as máquinas são desligadasna oficina, já no começo da madruga-da, Ramón finalmente vai para o coloda mãe. Tarde demais. Maria Diaz éuma mulher acabada, sem condiçõesfísicas ou emocionais de fazer qual-quer coisa além de se atirar no col-chonete que usa para dormir, umaespuma suja que é colocada ao ladoda própria máquina onde passou o diacosturando. Porque aqui, as pessoasvivem e trabalham no mesmo espa-ço. Comem, dormem e sonham com ofuturo em cubículos superlotados, pe-quenas celas de onde sequer podemver a luz do dia pela janela. Costuramas roupas que jamais irão vestir.

As etiquetas da C&A, coleta-das pela Polícia Federal em diversasoficinas, são as principais provas desua relação com essas malharias, seé que se pode chamar esses locaisde malharias. Os depoimentos cole-tados pelo Ministério Público, cujoteor é prometido para breve, deverão

desvendar novos detalhes sobre comoas coisas acontecem.

A C&A não aceitou o convite doObservatório Social para expor suaversão dos fatos. A empresa não tempor hábito atender jornalistas. “Deci-são da matriz para toda a rede, nun-ca atendemos jornalistas pessoal-mente”, anuncia o assessor de comu-nicação, Guilherme Gaspar, da em-presa Gaspar e Associados Comuni-

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Em São Paulo, oficinas clandestinasfuncionam em imóveis residenciais e semnenhum equipamento de segurança

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cação Empresarial. A C&A se pronti-ficou apenas a responder perguntaspor escrito, nas quais afirma que zelapara que sua cadeia de fornecedorestrabalhe na mais estrita legalidade. Aíntegra das respostas está no finaldesta reportagem.

A empresa diz o seguinte, emresumo: “A C&A atua em total con-cordância com a legislação vigente epromove contratos que contêm cláu-

sulas de proteção e de adesão a com-promissos sociais. Através destas cláu-sulas, o fornecedor e seus subfornece-dores se comprometem a não utilizarmão-de-obra escrava, ou análoga à es-crava, infantil, de grupos vulneráveis, ouem condições degradantes”.

Esta resposta é incompatívelcom o que disse, na CPI, o porta-voz,Vlamir Almeida Ramos. Vale repetir:“Nós não fazemos nenhum acompa-

nhamento da subcontratação, não te-mos, vamos dizer, nenhuma ingerên-cia em relação à subcontratação queele (fornecedor) faz. Desconhecemosos contratos que são feitos com ter-ceiros, por ele, assim como os pre-ços que são praticados por ele comterceiros. A nossa negociação é como fornecedor que foi selecionado”.

Em sua resposta por escrito, aempresa também afirma: “Ressalta-mos que os todos os fornecedores,por exigência da C&A, formalizaramo seu compromisso de não utilizaçãode mão-de-obra ilegal, assim comotambém afirmaram desconhecer quesubcontratados assim estariam agin-do”. A resposta também não bate.Isso porque a empresa foi formalmen-te comunicada de problemas em suacadeia produtiva, pela Câmara Muni-cipal, em outubro de 2005, ou seja,sete meses atrás. Foi inclusive infor-mada da apreensão de etiquetas poragentes da Polícia Federal. Em suaresposta por escrito, dada ao Obser-vatório Social mais de 180 dias apóso depoimento à Câmara, a empresanão cita sequer uma medida contrafornecedores que descumpriram con-tratos. No texto, contudo, a C&A dizque “prima pelo total respeito para comos seus stakeholders e valoriza o ca-pital humano”.

A presidente do Sindicato dasCostureiras de São Paulo e Osasco,Eunice Cabral, que representa 70 miltrabalhadores, não concorda com asafirmações da empresa: “Os empre-sários do setor formalizado reclamammuito é que a C&A só falta tirar o san-gue deles. Às vezes, eles nem têmcondições de produzir. Se não quiser,eles pegam e levam para outro lugar”.Segundo Eunice, é aí que entram asmalharias clandestinas, com trabalha-dores sem carteira assinada, sem pla-no de saúde, sem nenhum direito le-gal atendido.

O preço cobrado pela produçãoclandestina, então, se torna imbatível.Eunice disse ao Observatório Socialque a C&A foi informada do problemaem maio de 2005, ou seja, há maisde um ano. E agora?

*Colaborou - João Paulo Veiga

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Qual é a definição de “responsabilidade social empre-sarial” adotada pela C&A no que diz respeito à relaçãocom os fornecedores e/ou subcontratados?A responsabilidade social empresarial é valorizada e prati-cada pela empresa em todos os seus âmbitos de atua-ção. No que diz respeito mais precisamente às relaçõescom os seus fornecedores, a C&A atua em total concor-dância com a legislação vigente e promove contratos quecontêm cláusulas de proteção e de adesão a compromis-sos sociais. Através destas cláusulas, o fornecedor e seussubfornecedores se comprometem a não utilizar mão-de-obra escrava, ou análoga à escrava, infantil, de gruposvulneráveis, ou em condições degradantes.A C&A, em seus 30 anos de atuação empresarial no Bra-sil, sempre se relacionou com o seu público interno e ex-terno em plena sintonia com sua Missão, Valores e Estra-tégia Empresarial e com base no seu Código de Ética.

2) Quais são as ações, programas, práticas e/ou políti-cas adotadas pela C&A no que se refere ao controle daRSE na sua cadeia produtiva?O principal instrumento de controle é o seu Código de Éticae as cláusulas contratuais de proteção e adesão assinadascom os seus fornecedores. Paralelamente promove interna eexternamente a adesão irrestrita à sua Missão, Valores eEstratégia Empresarial. Prima pelo total respeito para comos seus stakeholders e valoriza o capital humano.

A C&A sabe que malharias contratadas por ela utili-zam imigrantes ilegais, que trabalham de forma clan-destina, nos serviços de costura de roupas que poste-riormente são vendidas nas lojas C&A?A C&A mantém cláusulas contratuais com os seus forne-cedores vedando a utilização de mão-de-obra escrava ouilegal, portanto, espera que os seus fornecedores aten-

Íntegra da resposta enviada pela C&A

dam ao estipulado contratualmente. Quando a empresasoube desta situação, por ocasião da CPI instalada naCâmara Municipal de São Paulo, imediatamente solicitouexplicações e esclarecimentos do fornecedor, estipulan-do prazo para resolução da situação e dando ciência daposição da C&A. Ressaltamos que os todos os fornece-dores, por exigência da C&A, formalizaram o seu com-promisso de não utilização de mão-de-obra ilegal, assimcomo também afirmaram desconhecer que subcontrata-dos assim estariam agindo.

Qual é a posição da empresa em relação ao uso des-ses trabalhadores na costura de roupas vendidas pelaempresa?Os valores, princípios e missão da C&A são incompatí-veis com este tipo de situação. A C&A não pode, no en-tanto, se sobrepor ao papel do Estado e conseqüente-mente exercer papel de polícia, mas pode, deve e assimo faz, ser um coadjuvante deste, zelando para que suacadeia de fornecedores trabalhe na mais estrita legalida-de com relação à utilização de mão-de-obra.

A empresa estuda a adoção de ações, programas, oupolíticas específicas para que os fornecedores/subcon-tratados tenham suas condições de trabalho melhora-das? Quais são estas ações?Sim. A empresa, sem, contudo, assumir um papel de fis-calização que compete ao Estado, entende que deve, ematenção aos seus próprios valores e missão, trabalhar emprol do aspecto social, e desta forma esta empenhada nodesenvolvimento de um projeto que visa à orientação, cons-cientização e acompanhamento de seus fornecedores. Talprojeto deverá estar sendo implementado em breve e aju-dará a garantir que situações ilegais de utilização de mão-de-obra sejam controladas.

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João Paulo Veiga, supervisortécnico do Observatório Social, eLuciana Hachmann, pesquisadorado Observatório Social

Observatóriovai estudar a

empresa

O mercado devarejo de moda é umdos mais competiti-vos do mundo. Umavariedade de marcase empresas disputampalmo a palmo cadacliente. Inovam, bus-

cam alternativas de reduzir custos efazem o possível, quase o impossível,para chegar junto ao consumidor. AC&A faz parte dessa história toda. Éuma antiga empresa holandesa quedespontou no mercado a partir de1841 como empresa varejista de ves-timenta. A marca representa as inici-ais de Clemens e August Brennink-meijer, os irmãos fundadores da com-panhia, cujos descendentes controlama empresa até hoje.

A C&A está no segmento demoda para mulheres, homens e cri-anças na Europa, Ásia e Américas.Em 1976, implantou no Brasil sua pri-meira loja no Shopping Ibirapuera, em

São Paulo. Hoje são 115 lojas espa-lhadas em 56 cidades. Disputa comas outras cadeias de lojas especial-mente a atenção de mulheres de 15 a39 anos da classe B, preocupadascom moda. Para atingir esse público,divulga sua coleção em amplas cam-panhas de publicidade, com muitobarulho na mídia.

Além de participar no segmen-to de vestuário, a C&A também dis-põe no Brasil de produtos e serviçosfinanceiros como seguros, títulos decapitalização, empréstimos para pes-soas físicas e jurídicas, cartão de cré-dito e até agências de viagens. A ten-dência é que a oferta de serviços fi-nanceiros seja ampliada nas grandesredes de lojas, já que têm significadoaté 50% dos ganhos no Brasil.

Na Europa a participação daC&A também é muito expressiva.Está presente em 13 países, distribu-ídos em 835 lojas das quais cerca de145 delas são especializadas em moda

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Fachada deloja da C&Ano centro deSão Paulo

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infantil, e ainda 23 outras de sua mar-ca própria, Clockhouse. Para manteresse número elevado de estabeleci-mentos, a empresa emprega 32 miltrabalhadores.

Não é uma obra do acaso quea C&A se destaque neste mercado.Possui uma estratégia que parece sermuito focada e eficaz, dispõe de umagrande variedade de marcas em suaslojas e utiliza grandes campanhas pu-blicitárias para chamar atenção dosclientes. A empresa é conhecida porofertar produtos baratos e acessíveis,por meio de financiamento direto den-tro das próprias lojas. Em outras pa-lavras, roupa barata com pagamentofinanciado.

Só que os produtos disponibili-zados para os clientes não são pro-duzidos pela C&A. São compradosde subcontratados em muitas partesdo mundo, ou seja, empresas forne-cedoras de roupas prontas que com-pram os tecidos, empregam mão-de-obra e costuram as peças para en-trega à C&A. É dessa forma que aempresa holandesa C&A articulauma grande cadeia global de produ-ção, venda e distribuição de roupas.

Pela sua importância no mer-cado mundial de vestuário, e pela suapresença no Brasil, o Instituto Obser-vatório Social (IOS) deu início a umapesquisa sobre a empresa cujo obje-tivo é acompanhar o comportamentosocial e trabalhista da C&A no país.A pesquisa está sendo conduzida emparceria com a Confederação Naci-onal dos Trabalhadores do Comércioe Serviços (Contracs) e os Sindica-tos dos Empregados no Comércio fi-liados à Central Única dos Trabalha-dores (CUT).

É consenso no movimento sin-dical que a C&A tem grande impor-tância no setor de varejo de modas,seja pelo número de empregos, sejapela estratégia agressiva com que aempresa opera no Brasil. Por essarazão se faz necessário o mapeamen-to da conduta social, trabalhista eambiental da empresa, mesmo queseus executivos afirmem existiremcompromissos sociais nos quais a em-presa não admite a utilização, na ca-deia produtiva, de trabalho degradan-te.

Estudo doObservatório Social

vai mapear ocomportamento

social e trabalhistada empresa

Para contemplar o viés sociale trabalhista, a pesquisa será feita soba ótica da atuação da C&A em rela-ção à liberdade sindical, à negocia-ção coletiva, ao trabalho infantil e for-çado, à discriminação, além dos as-pectos de saúde e segurança no tra-balho e meio ambiente. Todos os di-reitos fazem parte das referênciasutilizadas pela Organização Interna-cional do Trabalho (OIT), pelas dire-trizes da Organização para Coopera-ção e Desenvolvimento Econômico(OCDE) e pelos dez princípios doPacto Global.

As pesquisas do IOS são ela-boradas a partir de uma metodologiaprópria que dispõe de três etapas bá-

sicas. No primeiro momento, é feitaa análise das fontes secundárias - le-vantamento de informações divulga-das publicamente em sítios, jornais,etc. Com isso, é possível obter seuhistórico, denúncias já existentes emrelação ao meio ambiente e questõestrabalhistas, a presença empresa nopaís, dados econômicos e financeiros.

A etapa seguinte correspondeàs entrevistas com trabalhadores, di-rigentes sindicais e representantes daempresa. Essas entrevistas são exe-cutadas através de oficinas sindicaisonde se reúnem os dirigentes e tra-balhadores para discutir os problemassociais, trabalhistas e ambientais daempresa. Será um ótimo momentopara dialogar com os trabalhadores daempresa e levantar dados que serãodepois sistematizados pelos pesquisa-dores do IOS em um relatório.

A empresa também é chama-da a colaborar com o estudo. Caso aC&A aceite o convite, iniciar-se-á oprocesso de coleta de dados e infor-mações diretamente dos documentosdisponibilizados pela empresa. Alémdisso, é possível aplicar questionáriosjunto aos trabalhadores de lojas, e daárea administrativa, elaborados pelopróprio IOS, com autorização da em-presa. Nesta etapa, também se apli-cam questionários específicos paragerentes, diretores de recursos huma-nos e da área de responsabilidadesocial.

Ao final do processo, seráapresentado um relatório, isto é, oregistro sistematizado de todo o pro-cesso de pesquisa. Este trabalho, umavez concluído, será enviado para ossindicatos e para a empresa a fim devalidá-lo.

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Política nacional é legalizarpela via do trabalho

Dauro Veras

assessor especial do Ministério do Traba-lho, Nilton Freitas, preside desde 2004 oConselho Nacional de Imigração – órgãointegrado por representantes do governo,

trabalhadores, empregadores e comunidade científica,encarregado de formular a política nacional de imigra-ção. Ele conta que, quando assumiu, o Conselho não tra-tava da informalidade e no Ministério a imigração irregularera vista como caso de polícia. A rigor ainda é, pois a atrasa-da Lei dos Estrangeiros, de 1980, continua em vigor.

Ele propôs ao então ministro Ricardo Berzoini umamudança de enfoque e recebeu sinal verde. “Legalizaçãopela via do trabalho é a nossa política imigratória”, diz.“A Espanha tem tido êxito estrondoso com essa políti-ca, que fez crescer abruptamente a formalização depequenas empresas e regularizou a situação de quase700 mil trabalhadores. A Argentina está buscando o

mesmo caminho”.A mudança viabilizou a retomada da articulação

com o Ministério Público Federal, o Ministério Público doTrabalho, a Polícia Federal, Delegacias Regionais do Tra-balho e prefeituras, que existia até 2002 e havia sido in-terrompida, conta Freitas. Foram inseridas no processo aFederação dos Cidadãos Bolivianos Residentes no Brasile a Pastoral dos Imigrantes.

“Em vez de centrar na deportação das vítimas,passou-se a coibir a prática da exploração”, relata. Hoje,quando se descobre uma oficina clandestina, as vítimassão notificadas a deixar o país – porque a lei exige –, masnão são mais deportadas. “O estrangeiro irregular no Bra-sil está totalmente vulnerável, porque não pode ter em-prego formal, convive com a ameaça de deportação eestá sempre sujeito a achaques. Isso contribui enorme-mente para a situação de trabalho degradante”.

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Propostas de mudança

No começo de 2005 foi submetido a consulta pú-blica um anteprojeto de lei que prevê tratamento menosrigoroso aos imigrantes irregulares. A iniciativa é de umacomissão coordenada pelo Ministério da Justiça, com re-presentantes dos ministérios de Relações Exteriores e doTrabalho e Emprego. No fim do ano a comissão se reu-niu novamente para adequar o texto e deve encaminhá-lo em breve ao Congresso. Uma iniciativa anterior, se-melhante, ficou dez anos em tramitação.

Freitas informa que vai apresentar ao ConselhoNacional de Imigração uma proposta de Resolução Nor-mativa visando regularizar a situação do imigrante quetenha feito investimento em equipamento de produção –por exemplo, máquina de costura. A idéia seria debatidaem junho, mas a crise do gás boliviano deve provocar oadiamento. Recentemente o Ministério do Trabalho ree-ditou 10 mil exemplares do Guia de Promoção do Traba-lho Decente para Estrangeiros, em edição bilíngüe foca-da na comunidade boliviana.

Cadeia produtiva

“As grandes empresas têm a obrigação de nãopermitir que esse tipo de exploração ocorra entre seusfornecedores”, comenta, em relação à denúncia sobre aC&A. “O controle da cadeia produtiva, que nos outrospaíses é mais freqüente, é essencial”. Ele afirma que asfiscalizações do Ministério do Trabalho são de pouco efeitono caso das malharias ilegais, pois é difícil identificá-las eas vítimas costumam se calar.

Em dezembro de 2002, Argentina, Brasil, Uruguaie Paraguai assinaram um acordo que prevê livre circula-ção de pessoas naturais desses países em seus territó-rios. Os parlamentos dos três primeiros já o ratificaram,mas o do Paraguai ainda não, o que impediu que entrasseem vigor. Tal tratado poderia ser um instrumento parainclusão da Bolívia como membro associado do Merco-sul, pondera Freitas. Em dezembro de 2003 foi firmado oacordo para criação do Visto Mercosul, mas este tam-bém depende de ratificação dos parlamentos de todos ospaíses signatários.

Nesta página e na anterior: encontro cultural da comunidade boliviana em São Paulo

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Em Franca, SP, o cheirode cola de calçados fazparte do cotidiano detrabalhadora grávida

MULHER

A presença de crianças brin-cando na rua, mulheres que conver-sam no portão e um campinho de fu-tebol de terra batida são alguns doselementos que dão ar bucólico aobairro de Pinheiros II, na periferia deFranca (SP). A constatação de queeste é um bairro pobre vem do movi-mento quase inexistente de automó-

veis em suas ruas e também dascasas com paredes de tijolos

nus, que envelhecem semnunca serem acabadas.Assim é a casa de Meire e

José, que começou a ser er-guida há 13 anos e até hoje

não ganhou pintura, sempre à es-pera de melhores dias no mercado detrabalho das indústrias de calçadosda cidade.

Por trás do muro de tijolos àvista, sem numeração e sem campa-inha (retoma-se o velho ritual de baterpalmas), a varanda é de longe o cô-modo mais espaçoso da casa. Enso-larada, reúne de um lado promessas– na churrasqueira vistosa, no brasãogigante do Palmeiras pintado na pa-rede, sublinhado com um passional‘Dio, como ti amo’, e de outro a reali-

dade: o tanque, a máquina de lavar, e,numa posição central, a bancada detrabalho em torno da qual, não raro,toda a família se encontra.

Nessa bancada Meire – e ago-ra também José, desempregado – con-somem seus dias colando e pespon-tando calçados para uma das mais de700 fábricas de Franca. Começampouco depois das cinco da manhã eàs vezes vão até depois das oito danoite, numa rotina onde churrascos ejogos do time do coração ganham con-tornos de quase sonhos.

Não que Meire, há mais de 10anos nessa rotina de trabalho operá-rio em casa, reclame, pelo contrário.Para ela, não seria possível imaginaruma outra realidade que não fosseimpregnada do cheiro de couro e cola,da costura que segue o traçado sinu-oso dos recortes nos modelos da es-tação. Meire, 39, praticamente cres-ceu entre os sapatos.

Sem infânciaMineira de Sacramento, Meire

Afonso Almeida Silva chegou a Fran-ca na década de 70 com os pais e asquatro irmãs. Mesmo antes da morte

A precarizaçãoFo

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Niva Bianco eMarcello Vitorino (fotos)

prematura do pai, alcoólatra, ela, airmã mais velha e a mãe já trabalha-vam para sustentar a família. A mãefazia bicos colando palmilhas e co-lhendo café em época de safra, en-quanto as filhas faziam enfeites emcouro para sapatos femininos, comotrabalhadoras ‘quarteirizadas’ – rece-biam o material de uma vizinha, quepor sua vez trabalhava para uma ban-ca, como são chamadas as oficinasque prestam serviços à indústria,muitas vezes de forma precária. Mei-re tinha então oito anos.

- Quando a minha mãe tevenossa irmã caçula fui eu que paguei otáxi do hospital para casa, com o di-nheiro ganho com os enfeites -, re-corda, com um sorriso triste.

Agora é ela que está grávida,de seis meses. É o terceiro filho, ummenino, depois de duas meninas,uma com cinco e outra com dois anos.O parto, como das outras vezes, serána Santa Casa de Franca. O que Meirenão sabe é como ficará sua rotina detrabalho depois do nascimento dobebê. Sem creche e sem qualquer be-nefício, ela terá que cuidar da casa edos dois filhos menores enquanto amais velha freqüenta a escola do Sesi.

É um dos melhores colégios da re-gião, vaga conquistada graças ao es-forço da mãe, que vê na educação aúnica saída para que o ciclo do tra-balho precário não torne a se re-petir na família.

DescartáveisA própria Meire estu-

dou até a sexta série. Aos13 já estava registrada emseu primeiro emprego for-mal, na fábrica da N. Mar-tiniano, como passadei-ra de cola, a ocupaçãomenos qualificada em todo olongo ciclo da produção de um cal-çado. Aos 18 conheceu José Eurípe-des da Silva, operário da mesma ida-de, natural de Rifaina. Casaram-se enunca mais se separaram, na alegriae na tristeza, na saúde e na doença.Oficialmente ambos têm 25 anos deprofissão e, no caso de Meire, 15 anosde carteira assinada e quase o mes-mo número de contratações e demis-sões, conseqüência da alta sazonali-dade do mercado calçadista, cuja pro-dução se concentra nos meses demarço a maio e de agosto a dezembro.

da vida

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Entre abril de 2005 e março de2006, por exemplo, foram admitidos23.110 operários na indústria de cal-çados de Franca, enquanto outros24.780 tiveram seus contratos rescin-didos, segundo o Departamento Inter-sindical de Estatísticas e EstudosSócio-Econômicos (Dieese).

Na opinião de Paulo AfonsoRibeiro, presidente do Sindicato dosSapateiros de Franca, (por onde sóno mês de dezembro passaram 3.500rescisões de operários com mais deoito meses de carteira assinada), tra-ta-se de uma estratégia cruel e deli-berada para desvalorizar a mão-de-obra e desmobilizar os trabalhadores.Esse processo se intensificou a par-tir dos anos 80, com a terceirizaçãoespúria do processo produtivo, quebusca a redução dos custos por meioda exploração de relações precáriasde trabalho.

O processo de terceirização, noqual centenas e centenas de bancaslegalmente constituídas ou irregularescumprem etapas da fabricação docalçado como corte, colagem e pes-ponto, contribuiu para reduzir à meta-de o número de trabalhadores contra-tados pelas indústrias em pouco maisde 10 anos. Eles eram 36 mil em 1984e passaram a 17 mil em 1999. A pro-dução de pares por trabalhador no ano,no entanto, cresceu de 888 para 1.941no mesmo período.

Pressão por produtividadePara quem permaneceu na in-

dústria sobraram a insegurança, apressão pela produtividade, os baixossalários (média de R$ 656,00 para oshomens e R$ 478,00 para as mulhe-res). Para quem foi trabalhar em casa,inicialmente a promessa era de gan-hos maiores, em troca da perda dosdireitos trabalhistas.

Foi assim com Meire, que em1994 aceitou a proposta porque pre-cisava do dinheiro da rescisão paraadiantar a construção da casa. Até oinício deste ano, quando a varanda fi-nalmente ficou pronta, Meire trabalhouconfinada em um quartinho, em con-tato direto com o cheiro de cola e opó do couro, inclusive durante as duas

primeiras gestações.– Quando fui ganhar a primei-

ra filha, cheguei ao hospital com asmãos ainda sujas de cola –, diz ela,que na terceira gravidez sofre com asdores nas costas, decorrentes doslongos períodos curvada sobre a ban-cada, sentada em um desconfortávelbanquinho de madeira.

Meire conta que de início asempresas até pagavam bem pelo parde sapato costurado, mas que logo otrabalho terceirizado virou ‘carne devaca’, com preços cada vez mais bai-xos. Com décadas de experiência, im-portantes para dar conta do padrão dequalidade dos produtos destinados àexportação, ela recebe em média R$2,50 por par costurado, no máximo R$3,60 nos modelos cheios de detalhesdos tênis femininos. Isso porque pres-ta serviço diretamente para a fábrica,

sem atravessadores, uma precarieda-de supostamente ‘menos precária’que aquela vivida por boa parte dosseis mil trabalhadores terceirizadosem Franca.

Sozinha, Meire precisava darconta de várias etapas – passar cola,colar, pespontar. Um dia inteiro é ne-cessário para concluir 12 pares desapato, que chegam praticamenteprontos à fábrica, onde a rigor seriamnecessários quatro trabalhadores parafazer o mesmo serviço. Lá, os calça-dos recebem o solado e a palmilha,além de passar por uma rigorosa ins-peção de qualidade.

“Uma fábrica divertida”Agora, com José desemprega-

do, o casal forma uma pequena linhade produção e é possível chegar a 24

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pares por dia, o que resulta em umarenda quinzenal média de R$ 600,00.Todo o tempo é precioso. José calcu-la que as duas idas semanais de Mei-re à ApaeE com a filha de dois anos,que é portadora da síndrome de Down,representem quase 100 pares de cal-çados a menos da receita da família.Mas eles nem sonham em abandonaros cuidados com a pequena, que aosdois anos já começa a falar e correpela casa inteira, um pequeno furacãolouro que necessita de atenção cons-tante, mas acabou unindo ainda maisa família.

José, que tem nove irmãos tra-balhando na indústria de calçados (sótrês com carteira assinada), conhecede perto a realidade das bancas e dostrabalhadores terceirizados, pois nosúltimos anos trabalhou como supervi-sor de qualidade para a mesma em-

presa que agora toma seus serviçossem qualquer vínculo. Na época elevenceu mais de 30 candidatos parareceber um salário bruto de R$750,00 e passou mais de dois anospercorrendo cerca de 60 bancas deprestação de serviços. Eram 140empregados com carteira assinadana fábrica e mais de 200 nas ban-cas, sem qualquer vínculo formal coma empresa, que em seu site trilíngüevende-se como “uma fábrica diverti-da, de pessoas alegres, apaixona-das, e passionais”.

Quando foi mandado embora,José fez um acordo para aumentar acota de calçados que chega diaria-mente à sua casa. Em meio a tantadificuldade, sem conseguir pagar pre-vidência, plano de saúde ou mesmoo IPTU da casa pela qual tanto bata-lharam, ele e Meire ainda se sentem

‘sortudos’ por ter trabalho quase con-tínuo graças à sua experiência, porreceber os pares em casa, por con-seguir uma remuneração média e re-ceber os pagamentos em dia.

José tenta pleitear melhoriasjunto à fábrica, como fazer com queesta banque ao menos os custos commatéria-prima, responsabilidade quetambém foi transferida para os pres-tadores de serviços. “Com esse di-nheiro daria para a gente pagar oINSS”, calcula. Não teve sucesso atéagora, da mesma forma que Meire natentativa de obter um salário-materni-dade do INSS para poder dedicar-seao filho que está chegando. E assimvão vivendo, ‘pelejando’, como diz ela,que vive um dia de cada vez, “comodeve ser, sem pensar muito, senão agente não faz nada”.

Meire e José recebem em médiaR$ 2,50 por par de calçadocosturado e mal têm tempo dedar atenção à família

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12 milhões de mulheresCruzando os dados de 2004

da Pesquisa Nacional por Amostrade Domicílio (Pnad) do IBGE, oObservatório Social concluiu que,das 37 milhões de mulheres inseri-das no mercado de trabalho no país,12,7 milhões (34,4)%, se encontramem condição de extrema precarie-dade, trabalhando na informalidadeou vinculadas a atividades com bai-xa ou nenhuma remuneração. Elasestão em toda parte: nas casas defamília, nas bancas de calçados, nasruas das grandes cidades, em ofici-nas de costura, na agricultura.

Para a diretora executiva daSecretaria Nacional sobre a MulherTrabalhadora da CUT, Maria Ednal-va Bezerra de Lima – que tambémintegra o Conselho Diretor do Ob-servatório Social –, várias questõescontribuem para esse quadro de de-sigualdade de gênero: as funçõesexercidas pela mulher ainda são me-nos qualificadas, a maioria, ligadasao universo doméstico ou de cunhosocial, notadamente mais precárias;a ideologia patriarcal que perpassao capitalismo e faz as mulheres, mes-mo com maior escolaridade e em al-tos cargos, ganharem em média 30%menos que os homens na mesma fun-ção; e, por fim, um componente sub-jetivo: “As mulheres, para sustentarsuas famílias, aceitam qualquer tra-balho, elas se submetem mais do que

Curvada na bancada de trabalhoimprovisada em sua casa, Meire não

está sozinha. A mistura de capitalismotardio e predatório, baixo crescimento

econômico e políticas sociais ineficientesfazem do Brasil uma tragédia emtermos trabalhistas, especialmente

para as mulheres.

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os homens”, opina Ednalva. Ela tra-balha para organizar as mulheres nomovimento sindical (elas ainda sãominoria) e sensibilizar os próprios sin-dicatos para as questões de gênero.

MitosSegundo a diretora da OIT

(Organização Internacional do Tra-balho) no Brasil, Laís Abramo, a de-sigualdade também se alimenta demitos. Um deles é aquele segundo oqual o custo do trabalho feminino saimais caro às empresas por conta daspolíticas de proteção à maternidade.

Laís coordenou um estudo emcinco países da América Latina (Bra-sil, México, Argentina, Chile e Uru-guai) com o objetivo de estabelecer

em condição precáriao custo real de direitos como o salá-rio-maternidade, atenção médica du-rante a gravidez e o parto, estabili-dade, horário de lactância, creche edireito a licença em caso de doençada criança.

Realizado nos anos de 2001e 2002, o levantamento mostrou queos custos diretos para o emprega-dor no Brasil não passam de 1,2%da remuneração bruta mensal da tra-balhadora, um percentual ínfimo, quenão justifica a desvantagem na horada contratação ou a política salarialdiferenciada para homens e mulhe-res. Outro mito apontado pela dire-tora da OIT é a percepção de queas mulheres continuam a ser uma for-ça de trabalho secundária nas famíli-as. Elas já chefiam 25% dos domicí-lios brasileiros, segundo o IBGE.

“Cada vez mais sua renda éfundamental para a sobrevivência dafamília e para a superação da pobre-za de um contingente importante dapopulação”, diz Laís. Ela vê na ori-gem desta idéia, entre outros fato-res, um problema de qualificaçãoprofissional inadequada, que nãopermite à mulher sair dos chamados

“nichos do trabalho feminino”. Esses“nichos” são normalmente associa-dos às funções de cuidado e repro-duzem a própria visão (e o precon-ceito) da sociedade.

A questão da eqüidade de gê-nero e de raça é um dos pontos cen-trais da Agenda Hemisférica pela Promoção do Trabalho Decente,proposta na XVI Reunião RegionalAmericana da OIT, realizada emmaio no Brasil (leia mais na página40). O objetivo da agenda é incenti-var políticas públicas em quatro áre-as básicas: promoção de empregosde qualidade, respeito aos direitosfundamentais do trabalhador, exten-são da proteção social a todos ostrabalhadores e trabalhadoras, prin-cipalmente os que estão em situaçãoprecária, além de um maior diálogosocial.

Maria Ednalva:trabalho para organizaras mulheres domovimento sindical

O livro “Questionando ummito: Custos do trabalho dehomens e mulheres” podeser adquirido no sítiowww.oitbrasil.org.br

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Além de “capital nacional docalçado”, Franca poderia receber otítulo de “capital nacional da terceiri-zação”. Não aquela na qual umaempresa repassa a outra funções quenão estão em sua atividade-fim, masa que reafirma a estrutura de podervigente e retira dos trabalhadores suadignidade. Nos últimos 20 anos, parapoder trabalhar e sustentar suas fa-mílias, muitos dos sapateiros de Fran-ca tiveram que reproduzir em suascasas a estrutura da fábrica.

A cidade de 315 mil habitan-tes possui 760 fábricas de calçados,das quais 552 são microempresas,com até 19 funcionários. A capaci-dade instalada é de 37 milhões depares de sapato ao ano, mas em 2005a produção foi de 27 milhões de pa-res, uma queda de 24% em relaçãoao ano anterior. Os empresários cul-pam a queda do dólar e a concorrên-cia de países como a China, onde,como se sabe, a mão-de-obra valemuito pouco.

Na opinião de Paulo AfonsoRibeiro, presidente do Sindicato dosSapateiros, entidade criada em 1941,“o operário de Franca trabalha hojemais que o chinês”. Isso é resultadodas demissões e das contínuas pres-sões por aumento de produtividadeque têm gerado um número crescen-te de afastamentos por problemas desaúde.

Trabalhadoraterceirizada montacalçado em Franca, SP

Capital daterceirização

Capital daterceirização

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Essa é a realidade dos 15.767homens e mulheres contratados pe-las fábricas (dados de abril do Sindi-cato da Indústria de Calçados deFranca). Como a economia da cida-de gira em torno da indústria calça-dista, é de se imaginar o contingentede trabalhadores que estão em suascasas ou em bancas, contratados ounão, cortando, colando, pespontando,chanfrando, aparando.

Gato que riEm 2000 o Tribunal Superior

do Trabalho expediu o Enunciado 331,segundo o qual nenhuma empresapode terceirizar a sua atividade-fim.Após pressão do Sindicato dos Tra-balhadores para que fosse intensifi-cada a fiscalização da ProcuradoriaRegional do Trabalho da 15ª região(Campinas), cerca de 100 entre asmaiores empresas tomadoras de ser-viço de Franca firmaram um Termode Ajustamento de Conduta pelo qualassumem responsabilidade “solidária”pelos compromissos trabalhistas dasprestadoras de serviços contratadas.

Segundo o diretor administra-tivo do Sindicato da Indústria de Cal-çados de Franca, Américo Pizzo Jú-

nior, elas representam mais de 80%das fábricas que se utilizam de mão-de-obra contratada. Paulo Afonso Ri-beiro concorda que houve um avan-ço e cita como exemplo a gigante Sa-mello, que reduziu de 80 para cercade 18 as prestadoras de serviço en-volvidas no processo produtivo. Noentanto, os dois sindicatos afirmamnão ter a relação das empresas que

assinaram o TAC, e o Ministério doTrabalho ainda não realizou nenhumafiscalização para verificar o cumpri-mento das mais de 20 cláusulas docompromisso assinado.

Uma delas, por exemplo, proí-be a figura do “gato”, o atravessadorque distribui trabalho às quase três milcostureiras manuais (este número éresultado de um levantamento feitopela Prefeitura em 2002), historica-mente as trabalhadoras mais explo-radas em todas as etapas de produ-ção do calçado.

A notícia sobre o Termo deAjustamento de Conduta ainda nãochegou a gente como Rosângela Ra-imundo, que nos últimos 20 anos gas-tou muitos e muitos dias sentada nacalçada de sua casa costurando sa-patos femininos e masculinos. E setivesse chegado, provavelmente se-ria recebida com uma risada cética.“Isso aqui não vira não”, diz. Ela sabefazer 12 pontos diferentes e recebeR$ 0,60 por par costurado – o queresulta em uma renda de R$ 160,00ao final do mês.

Rosângela nem sabe para qualfábrica está costurando, só sabe queo “gato” pega cerca de 200 pares pordia e recebe pelo menos o dobro dovalor sobre cada par de sapato. Nes-se pé, a costureira diz que já pensaem aposentar a agulha que tanto ma-chuca a mão e voltar ao trabalho defaxineira, que paga cinco vezes mais.

“O operário deFranca trabalhahoje mais que o

chinês.”

Paulo Afonso Ribeiro,presidente do Sindicato dosSapateiros, de Franca

Pizzo, doSindicatoPatronal:“avanço”

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Maria deLourdes da Silva,mãe de sete filhos,aplica fertilizantena lavoura

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O Trabalho Precáriono Mundo, na América

Latina e no Brasil

O Trabalho Precáriono Mundo, na América

Latina e no BrasilAlexandre de Freitas Barbosa e Daniela Sampaio

de Carvalho - Pesquisadores do Observatório Social

O cenário perverso da globa-lização na década de 90 caracteri-za-se pela expansão desregulada docapital financeiro, pela manutençãodo protecionismo nos países desen-volvidos e pela crescente defasagemtecnológica. Isso afetou de formamais pronunciada os países da peri-feria que implantaram as reformasneoliberais e programas radicais deabertura.

Transformaram-se estes paí-ses em consumidores de tecnologia,vendedores de ativos para as multi-nacionais e especialmente vulnerá-veis a ataques especulativos. Comoconseqüência, a dinâmica do mer-cado de trabalho ficou comprometi-da e aguçou-se o quadro de concen-tração da renda e da riqueza. Aspolíticas sociais universais, nestecontexto, ficam cada vez mais ques-tionadas num contexto de precari-zação generalizada do emprego.

Das dez nações com maiornúmero de desempregados, oito en-

contram-se fora da tríade do poderglobal. São elas: China, Índia, Bra-sil, Rússia, Indonésia, África do Sul,Colômbia e Filipinas, segundo o Atlasda Exclusão Social (volume 4, 2004).Mas uma boa parte do problema domercado de trabalho nestes paísesse revela sob a forma do trabalhoprecário e de baixa renda.

Crescimento dainformalidade

Ao todo, 520 milhões de pes-soas no mundo em desenvolvimentorecebem uma renda inferior a US$1,00 diário. O setor informal nestaseconomias torna-se cada vez maisvultoso. Predominam os trabalhado-res autônomos eventuais, emprega-dos domésticos e trabalhadores fa-miliares sem remuneração, geral-mente excluídos da legislação traba-lhista. Nas grandes cidades dos pa-íses periféricos, metade dos empre-gos urbanos é preenchida por tra-

balhadores autônomos.Em termos absolutos o total de

trabalhadores que recebe uma rendainferior à linha de pobreza vem cain-do, o que se deve à contribuição dedois países – China e Índia – em vir-tude da sua expansão econômica vi-gorosa e do modelo de inserção ativano cenário internacional.

Por outro lado, também nospaíses desenvolvidos, têm sido eli-minadas as instituições econômicase sociais reguladoras dos mercados,o que acarreta a expansão da infor-malidade e do desemprego. No casoda Europa, as taxas de desempregoaberto mostram-se maiores, de cer-ca de 9%, que os 5,5% apurados nosEstados Unidos (Organização paraCooperação e DesenvolvimentoEconômico - OCDE, 2005). Para-lelamente, o desemprego de longoprazo – pessoas com mais de umano nesta situação - atinge 42% dosdesempregados na Europa, contra13% nos Estados Unidos.

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Os Estados Unidos possuemuma maior concentração de empre-gos de baixos salários, uma elevadarotatividade no emprego, destacan-do-se ainda por apresentarem a mai-or taxa de pobreza do mundo desen-volvido. Neste país, 27% dos traba-lhadores possuem contratos atípicosde trabalho, os quais se caracterizampor jornadas de trabalho irregularese acesso limitado a benefícios soci-ais. Para completar, a taxa de sindi-calização deste país não supera acasa dos 13%, sustentada neste ní-vel apenas por conta do emprego pú-blico (EPI, 2005).

Em 2004, segundo dados daOCDE, 15% dos empregos nestespaíses já são por tempo parcial, o queindica a crescente precarização dosmercados de trabalho mesmo naseconomias avançadas. Em paísescomo a Espanha, França, Itália e noReino Unido, a taxa de desempregojuvenil chega a ser pelo menos duasvezes superior à taxa média nacio-nal. O novo panorama global convi-ve, portanto, com a ampliação daexclusão social e a disseminação dediversas formas de trabalho precárioe informal, geralmente sem acesso adireitos trabalhistas e a organizaçãosindical. Esta tendência ocorre em to-dos os países do mundo, ainda queem diferentes graus e mantendo dis-tintas configurações. Se esta situa-

Trabalho precário entre 2003 e 2005

Mundo América Latina

Trabalho forçado¹ 12,3 milhões 1,3 milhão

Trabalho infantil² 190,7 milhões 5,7 milhões

Desempregados jovens 88,2 milhões 9,5 milhões

Trab. pobres (menos de US$ 1,00 diário) 520 milhões 28 milhões

Fonte: OIT1. Calculado a partir das seguintes modalidades: exploração econômica; trabalhoforçado imposto por Estado ou por militares e exploração sexual comercial.

2. Crianças economicamente ativas de 5 a 14 anos.

ção não é propriamente nova para ospaíses em desenvolvimento, no casodos países desenvolvidos, trata-se deuma redescoberta.

Desemprego,mulheres e jovensEm termos globais, nos últimos

dez anos houve uma elevação no es-toque de desempregados de cerca de35 milhões de pessoas, segundo aOrganização Internacional do Traba-lho (OIT). Nem mesmo o crescimentoda economia mundial, acelerado du-rante a segunda metade da décadade noventa, foi capaz de suavizar acrise global do desemprego, já quemuitos países da periferia sofreram

com os efeitos colaterais das crisesfinanceiras.

Em 2005, havia cerca de 192milhões de desempregados em todoo mundo. No ano de 2004, após umcrescimento do PIB mundial de cer-ca de 5%, houve tão-somente umaredução de 1,5 milhão no total de de-sempregados, resultante não tanto daelevação do nível de emprego global,mas da saída de pessoas da popula-ção economicamente ativa mundial,que já supera a casa dos 3 bilhões.

O desemprego mundial afetaem maior grau as mulheres e os jo-vens, sendo a taxa de desempregofeminino 1,4 vez superior à masculi-na e a taxa de desemprego dos jo-vens o dobro da taxa de desempregototal em 2005. As desigualdades ra-ciais e de gênero são ainda mais ele-vadas, especialmente quando se ana-lisam as diferenças de renda, nos se-tores mais precários do mercado detrabalho.

O quadro de crescente exclu-são social nos países do Sul, a ausên-cia de regulação e a gestação de re-des globais de comércio e aliciamen-to de mão-de-obra fazem com que abusca por alta rentabilidade leve a si-tuações de extrema exploração. AOIT estima em 12,3 milhões o núme-ro de pessoas vivendo em situação detrabalho forçado, dos quais quase10% se situam na América Latina.

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Quanto aotrabalho infantil, são 5,7milhões de crianças trabalhado-ras na América Latina, o que repre-senta cerca de 3% do to-tal mundial, de pouco me-nos de 200 milhões. Valeressaltar ainda que a maiorqueda do trabalho infantil entre2000 e 2004 se deu justamentenesta região.

Na América Latina, o quadroeconômico e social durante a décadade 90 não foi diferente. A regiãobuscou um outro modelo de in-tegração à ordem econô-mica mundial atravésda combinação deliberalizaçãoeconômi-ca comreformas estruturais, dando prioridadea políticas de estabilidade fiscal e deredução da participação do Estado naeconomia. Como resultado, as taxas decrescimento foram pífias e o setor in-formal expulsou mão-de-obra, aprofun-dando-se o quadro de já elevada desi-gualdade social.

O cenário econômico e social daregião reflete-se no mercado de traba-lho, pois é dele que as famílias obtêmseus meios de vida. A região conta comuma população de 551 milhões, dos quaispelo menos 213 milhões são pobres.Mais da metade da sua população eco-nomicamente ativa vive em situação dedesemprego ou trabalha na informali-dade. São 23 milhões de pessoas emcondição de desemprego aberto, en-quanto aproximadamente 103 milhõestrabalham na informalidade, conformeestudo da OIT.

Mesmo com o aumento nos ín-dices da presença das mulheres no mer-cado de trabalho regional, de 43% em1990 para 49% em 2002, elas não par-ticipam em condições de igualdade com

relação aos homens. Recebem remu-nerações inferiores e necessitam de qua-tro anos a mais de estudo para obter omesmo nível de rendimento. A discri-minação é ainda mais acentuada para40% da população da região compostapor povos indígenas e pelos afro-des-cendentes, grupos que apresentam ospiores indicadores econômicos e soci-ais.

Como conseqüência da flexibili-zação da legislação trabalhista que atin-giu vários países da região – especial-mente Argentina, Colômbia e Peru – opercentual de trabalhadores com pro-teção social reduziu-se nesse período de66,6% para 63,6%. Os trabalhadoresmenos protegidos concentram-se nasmicro e pequenas empresas e em seto-res como agricultura, mineração, pescae na construção civil.

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Trabalhador em carvoaria

O caso brasileiroA partir dos anos noventa, o

Brasil passou a conviver com o de-semprego enquanto fenômeno demassa. As taxas de desempregoelevaram-se para homens e mulhe-res, negros e brancos, analfabetose “doutores”, pobres e indivíduos daclasse média. Paralelamente, a taxade informalidade elevou-se a pata-mares impressionantes. Os empre-gos mais dinâmicos na década fo-ram os sem carteira, seguidos dotrabalho doméstico e dos autôno-mos.

O Brasil não chegou a fazeruma reforma trabalhista, como ou-tros países latino-americanos, ten-do estabelecido algumas poucas no-vidades contratuais. Porém, umareforma precarizadora foi feita naprática pelo mercado que passou aterceirizar, desassalariar e dessin-dicalizar parte crescente da força

de trabalho, mesmo nos setoresmais dinâmicos e de maior produti-vidade. Um excedente expressivode força de trabalho, associado àfúria redutora de custos por partedas empresas oprimidas pelos jurose pela concorrência estrangeira, fezcom que os trabalhadores se tornas-sem o elo mais frágil deste ciclo decompetitividade espúria.

O Brasil tem pela frente umenorme desafio se quiser assumir ocompromisso pelo trabalho decen-te. Dos cerca de 85 milhões de tra-balhadores brasileiros - de acordocom a Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílio (Pnad) do IBGEpara o ano de 2004 - mais da meta-de não concluiu o 1º. grau ou nãocontribuía com a previdência. Adi-cionalmente, mais de 1/3 dos ocu-pados são obrigados a realizar o so-bretrabalho, acumulando horas ex-tras e riscos de doenças e aciden-tes de trabalho, para obter uma ren-da minimamente aceitável. Um emcada três trabalhadores brasileirosou recebe uma renda inferior a umsalário mínimo ou então se enqua-dra na categoria de não-remunera-dos e de ocupados no setor de sub-sistência.

Estes números se aproximam,já que a baixa renda e a informali-dade avassaladora levam à não con-tribuição para previdência, além dedificultar a continuidade dos estu-dos, forçando muitos dos trabalha-dores brasileiros a realizar horasextras ou acumular “bicos” no ho-rário que deveria ser reservado aolazer.

Finalmente, quando se con-centra a análise sobre as desigual-dades raciais e de gênero, observa-se que a renda média dos negros é50% inferior à dos brancos, enquan-to as mulheres auferem uma rendamédia 36% abaixo da percebidapelos trabalhadores ocupados dosexo masculino.

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Déficit de trabalho decenteem números absolutos (milhões) e em % dos total de trabalhadores ocupados - 2004

Fonte: Pnad/IBGE.

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O Brasil possuía 23 milhões de pesso-as com inserção extremamente precária nomercado de trabalho em 2004, segundo a Pes-quisa Nacional por Amostra de Domicílios, re-alizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (Pnad/IBGE). Isso equivale a 26,9%da população economicamente ativa.

Contudo, ainda que este percentual te-nha caído em relação aos 27,8% apurados em2002, o país se situa bastante aquém do po-tencial de geração e qualidade de empregosque permitiria a sua estrutura produtiva, casose optasse por um modelo de crescimentomais dinâmico e justo. A situação das mulhe-res é ainda mais grave. Pouco mais de umterço da força de trabalho feminina está emsituação de extrema precariedade no trabalho.

O desemprego responde por apenas36% da precariedade, enquanto a vinculaçãoa atividades com baixa ou nenhuma remune-

ração, ou com insuficiência em horas traba-lhadas, representa quase 2/3 do nosso déficitde trabalho decente. Em síntese, possuímosuma combinação de alto desemprego com ele-vada proporção de trabalhadores informais esubempregados.

Distribuição geográficaEm torno de 9,7 milhões destes traba-

lhadores vivem no Nordeste, onde o percentu-al de trabalho precário sobre a População Eco-nomicamente Ativa (PEA) chega a 43,2%. OSudeste possui o menor nível de precarieda-de, mas ainda assim elevado, de 20% da PEA.

Juntas estas duas regiões respondempor ¾ das pessoas em situação trabalhistamarcada pela extrema precariedade. Os esta-dos que apresentam o melhor e o pior índice

Alexandre de Freitas Barbosa, pesquisadordo Observatório Social, e Cláudia MariaCirino de Oliveira, técnica do Dieese

Costureiras em empresa de confecções

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Quantos são, ondeestão e quem são

Quantos são, ondeestão e quem são

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30

são, respectivamente, São Paulo (17,6% daPEA) e Piauí (57,7% da PEA).

A precariedade atinge de forma maismarcante as áreas rurais, onde 47,3% da PEAencontram-se nesta situação. Porém, em vir-tude das altas taxas de urbanização, verifica-se que 70% dos trabalhadores em situaçãoprecária vivem nas áreas urbanas (16,2 milhõesao total), que possuem um índice de precarie-dade de 22,7%.

Mulheres em desigualdadeAs desigualdades de gênero aparecem

com toda a sua força. Do total da força de tra-balho feminina, 34,4% estão na condição deextrema precariedade, totalizando 12,7 milhõesde pessoas. Entre os homens a precariedadedo trabalho é de 20,8%. Ou seja, enquanto asmulheres respondem por apenas 43% da PEA,elas possuem uma participação de 55% no to-tal de pessoas inseridas de forma precária nomercado de trabalho.

Dos cerca de 23 milhões de trabalhado-res precários, 58% são negros, contra umaparticipação de 48% deste grupo racial naPEA. Paralelamente, 32% dos negros encon-tram-se numa situação de extrema precarie-dade no mercado de trabalho, percentual quese reduz muito para os brancos: 21,8% daPEA. Os resquícios da escravidão são assimreprocessados no âmbito do capitalismo des-regulado do Brasil na aurora do século XXI.

A avaliação do índice de precariedadepor faixa etária também não traz novidades,mas aponta como o trabalho infame das crian-ças, adolescentes e jovens de até 24 anos res-ponde por 45% do déficit de trabalho decenteno Brasil. Percebe-se também como o índicede precariedade para as faixas etárias de até15 a 24 anos oscila entre 30% e 56%, enquan-to para os adultos com mais de 25 anos deidade situa-se na casa de 20%.

Em síntese, o trabalho precário se con-centra nas regiões Nordeste e Norte e nas áre-as rurais em termos relativos, ainda que cres-centemente disseminado pelas áreas urbanas.As maiores vítimas são mulheres, negros, jo-vens e crianças. Estes números comprovamque a precariedade aparece como traço cons-titutivo do mercado de trabalho brasileiro, jus-tamente quando palavrinhas mágicas comoglobalização, empregabilidade e competitivida-de ficaram tão na moda.

A MetodologiaCritério

adotado incluiapenas

trabalhadoresem situação-

limite deprecariedade

Os dados aqui apre-sentados para se mensuraro trabalho precário no Bra-sil pertencem à Pnad/IBGE,para 2004. Eles foram ta-bulados a partir de critéri-os definidos pela equipe depesquisadores responsávelpelo Atlas da Exclusão So-cial, volume 5, organizadopor Marcio Pochmann eequipe (São Paulo, EditoraCortez, 2004).

De acordo com estametodologia, foram levadosem consideração, além dostrabalhadores desemprega-dos e dos não-remunera-dos, os trabalhadores autô-nomos, domésticos e semcarteira assinada que rece-bem menos de meio salá-

Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração: Observatório Social.

Percentual de trabalho precário em relação à PEAe total de trabalhadores precários por gênero

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rio mínimo ou que traba-lham menos de 14 horas nasemana.

No cômputo daPEA, foram eliminados osempregadores e os traba-lhadores na produção parao próprio consumo e os tra-balhadores na construçãopara o próprio uso. A apli-cação desta metodologiapara o ano de 2004 foi de-senvolvida pela equipe téc-nica do ObservatórioSocial.

O critério de preca-riedade aqui utilizado incor-pora várias dimensões dainserção social no merca-do de trabalho. Além da si-tuação de desemprego,consideram-se os não-re-munerados, ou seja, aque-les que trabalham em ativi-dades familiares de baixaprodutividade, e os traba-lhadores de atividades in-formais ou domésticas querecebem menos da meta-de do salário mínimo e rea-lizam jornadas de trabalhocaracterizadas pela eventu-alidade.

Portanto, estamosnos referindo a trabalhado-res que se encontram numasituação-limite. Se conside-rássemos outros critérios –trabalhadores com jornadaacima do teto constitucio-

Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração: Observatório Social.

Percentual de trabalho precário em relação à PEA e total de trabalhadoresprecários segundo o critério de região censitária

Percentual de trabalho precário em relação à PEA e total detrabalhadores precários para as grandes regiões brasileiras

Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração: Observatório Social.

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32

nal, sem contribuição à pre-vidência, ou recebendo ren-da inferior a um salário mí-nimo – encontraríamos umuniverso bem superior detrabalhadores, que apresen-tariam apenas uma ou ou-tra destas fontes de preca-riedade.

No caso, por exem-plo, de um trabalhador au-tônomo, que possui rendade dois salários mínimos,mas não contribui para aprevidência, ainda que asua inserção possa ser ava-liada como precária, nós oexcluímos do cômputo, demodo a compreender a si-tuação apenas daquelesque se encontram numa si-tuação de precariedadeextrema.

Percentual de trabalho precário em relação à PEAe total de trabalhadores precários por raça/cor

Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração: Observatório Social.

Percentual de trabalho precário em relação à PEAe total de trabalhadores precários por faixa etária

Fonte: Pnad/IBGE. Elaboração: Observatório Social.

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Brasil nasce sob osigno do trabalho pre-cário, para não dizerinfame. Grande plan-tação para saciar lu-

cros em outras plagas, eis a colôniatransformada num negócio para pou-cos. Quatro milhões de escravos fo-ram enviados nos tumbeiros para vi-talizar o capitalismo de lá. Os nos-sos escravos ajudando a criar os ope-rários deles. Jornadas extensas,péssimas condições de higiene e ha-bitação, elevada mortalidade, no má-ximo 15 anos de vida útil. Com 30anos já eram velhos, transformadosno bagaço do próprio açúcar que ex-traíram.

Também havia os escravos nocharque do sul e nas minas de ouro,nas pequenas plantações de man-dioca, ou como carregadores, ferrei-ros, vendedores e lavadeiras nas ci-dades. Estes eram os negros deganho. Houve também os seringuei-ros do Amazonas, afogados em dívi-das, presos eternamente ao fardo dotrabalho. E os construtores da Ma-deira-Mamoré. Ou ainda os trabalha-dores dos engenhos “modernos” doséculo XX, vivendo às custas do co-ronel, respirando o vapor do diabo.E os caipiras do interiorzão, possei-ros expulsos de terras que não eramsuas, à medida que o café avança-va. Depois os negros pós-escravosperambulando desclassificados pela

ARTIGO

Gênese e fim docapitalismo brasileiro

“É nosso papel fazer acrítica do sistema

institucional,notadamente a

propriedade fundiária eo regime de trabalho, noâmbito do qual o povo

brasileiro surgiu ecresceu, constrangido e

deformado” (Darcy Ribeiro,

O Povo Brasileiro:a formação e o

sentido do Brasil,1995).

paulicéia repleta de modernidades.Mais aqueles italianos que não vira-ram empresários das novelas da Glo-bo e proletarizaram suas famílias atéo talo. Ou então a Brasília dos mi-lhares de retirantes nordestinos embusca de ocupação, de progresso,de um pedaço de pão. Por aqui ja-mais acabaria a acumulação primi-tiva de capital, com seu séquito degrileiros, atravessadores e represen-tantes comerciais de todas vilezaspossíveis.

Depois da Revolução de 30, aindustrialização expandiu-se alvissa-reira com projetos, utopias e algu-mas ditaduras pelo caminho. No seubojo veio uma classe operária e umaclasse média de vulto, mas a má-quina econômica se mostrou inca-paz de assimilar toda a mão-de-obradisponível. O emprego formal cres-ceu de forma substantiva, mais de6% ao ano entre 1940 e 1980. Nes-te longo período, a ocupação na in-dústria de transformação expandiu-se em 423%, e de forma ainda maisrápida o emprego nos serviços go-vernamentais, atingindo 527%. Ain-da assim, 30% dos assalariados nãopossuíam carteira assinada em1980.

Um setor de baixos saláriosavultava mesmo para aqueles con-tratados de acordo com a lei. Umamassa marginal e oprimida, compos-ta de autônomos, domésticos e tra-

33

Por Alexandre de Freitas Barbosa,pesquisador do Observatório Social.

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desempregados é composta de jovenscom menos de 24 anos. Quatro mi-lhões e meio de jovens no Brasil nãoestudam, trabalham e nem procuramemprego. Temos 2 milhões de crian-ças entre 5 a 14 anos trabalhando.Podemos contar 366 mil empregadasdomésticas de 10 a 17 anos. Duasem cada três são negras. Herdeirasdo passado escravista, mas tambémvítimas de um presente selvagem, quenão depende mais de aprisionar amão-de-obra. Ela agora sobra. Depoisde “liberta” a força de trabalho, “cerca-das” foram as terras para valorizaçãofundiária nas áreas rurais e urbanas.Enfim, para que ninguém vivesse forado mercado de trabalho.

O capitalismo tupiniquim redefi-ne em bases mercantis o mundo casagrande & senzala. Oito por cento dostrabalhadores brasileiros são empre-gados domésticos e destes, menosde 1/3 possui carteira assinada. Nãochegaram ainda ao mundo contratu-al. As mulheres negras, que represen-tam 19% dos trabalhadores nacionais,respondem por mais da metade do em-prego doméstico nacional. Dezesseismilhões de trabalhadores brasileirosrecebem uma renda inferior ao saláriomínimo. Outros 6 milhões são enqua-drados como não-remunerados ematividades familiares de baixíssimaprodutividade e com limitado acessoao crédito e ao mercado. E há aque-les que vivem de uma paupérrima eco-nomia de subsistência. E outros queacumulam horas de labuta em doisou três “empregos”, dormindo nostrens suburbanos e nos ônibus lota-dos, enquanto anseiam por uma opor-tunidade para “vencer na vida”.

Quem se beneficia de tanto tra-balho precário? A classe média lamu-rienta. Os pequenos empregadores

que se fazem competitivos. Os agen-ciadores de mão-de-obra barata. Umaelite que vive do ócio, ostentando otrabalho supérfluo dos outros, seusagregados e capangas. A prostituiçãoinfantil das nossas cidades turísticasé apenas a face mais visível desta re-alidade horrenda. Os seus beneficiá-rios se sentem modernos.

O arcaico não impede a expan-são do moderno. Convive com ele, ex-ponenciando as suas taxas de renta-bilidade. E há quem diga que a previ-dência rural, o Bolsa Família, a LeiOrgânica de Assistência Social pesamcomo um fardo nos cofres do Estado,que por sua vez sustenta o serviço deuma dívida que “come” 40% das re-ceitas da União. Por outro lado, cadapequeno ganho resultante da explo-ração do trabalho pode ser multiplica-do pela fábrica maravilhosa da rique-za usurária.

Na aurora do capitalismo globa-lizado, o Brasil se mantém sob o sig-no do trabalho precário. Vinte e trêsmilhões de pessoas – 27% da popu-lação economicamente ativa – apenastangenciam o sistema econômico, fa-zendo bicos, vivendo numa condiçãode inatividade forçada, numa situaçãode desemprego que sonega a identi-dade social, em empreendimentos fa-miliares – onde o peso recai sobre asmulheres e crianças – ou como autô-nomos cujo lucro é apenas um resí-duo ou uma metáfora de mau gostoque apenas permite o prolongamentodessas existências sonegadas. Hámuito que esta massa fugiu das áreasmais torpes do semi-árido, para com-petir com sua mera força de trabalhobruto nas grandes metrópoles brasilei-ras por um trabalho eventual qualquer.Desperdiçados por um país que perdeuo sentido de futuro. Até quando?

balhadores não-remunerados, incha-va as cidades, fazendo todo o tipo debiscates, barateando o custo de re-produção dos inseridos socialmente.Jamais uma sociedade salarial que as-segurasse um estatuto universal dotrabalho por estas plagas. O nossodiferencial é esta ralé social, que de-limita o espaço da subcidadania navida brasileira. Não, eles não são ex-cluídos sociais, ainda que assim osdenominemos. Estão inseridos de for-ma precária e indigna numa socieda-de injusta e violenta.

O seu volume se adensou nosanos noventa, da abertura econômicae democrática, quando o sistema pas-sou a expulsar gente que estava den-tro. O estoque de desempregadospassa de 2 para quase 8 milhões en-tre 1989 e 2002, uma expansão dequase 13% ao ano. O Brasil transfor-mou-se numa máquina de desfiliaçãosocial. Muitos já nem sequer sãomais funcionais ao capitalismo brasi-leiro. Vegetam na falta de perspecti-vas da nação. A mão-de-obra que nósdesperdiçamos. Tantas esperançaslançadas no vácuo do discurso daempregabilidade. Vidas à deriva. Opleno emprego é uma utopia irrecon-ciliável. Se no século XIX, o nosso di-lema estava na atração de “braçospara a lavoura”, hoje nos esmeramosem gerar trabalhadores subaproveita-dos. Exportamos nosso exército in-dustrial de reserva para os EstadosUnidos e para a Europa. Como se nãobastasse, a grandiosidade de nossaeconomia ainda encontra espaço paramoer força de trabalho da Bolívia, doParaguai e do Peru e de outros her-manos nos suadouros da nossa mais–valia absoluta, no próprio centro deSão Paulo.

A metade do nosso batalhão de

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VAMOS VIRAR ESSE JOGO!

O TRABALHO INFANTIL AINDA EMPATA A VIDADE 218 MILHÕES DE CRIANÇAS NO MUNDO.Fonte: OIT 2006

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sido forjada. Um locutor darádio local, em seu programa,disse que tudo não passavade uma farsa e que as fotostinham sido montadas. A Basfsolicitou uma cópia do pro-grama e distribuiu para meiosde comunicação e organiza-ções não-governamentais emdiversos pontos do país. Di-ante disso, o ObservatórioSocial colocou à disposiçãodo Ministério Público todasas matrizes das mais de 100imagens produzidas pelo fo-tógrafo Sérgio Vignes. O Ob-servatório Social acredita que,em caso de dúvida, as fotosdevem ser periciadas.

A sub-delegada regio-nal do Trabalho, Maria IsabelDacall, declarou que as de-núncias de trabalho infantil naregião chegaram ao seu co-nhecimento há pelo menos 10anos. De acordo com a sub-delegada, desde 1996, visto-rias recorrentes foram feitasna região e constataram a exis-tência do problema. “É impor-tante que se crie meios legaisde trabalho para que os paisnão sintam a necessidade decolocar as crianças para traba-lhar”, disse.

PuniçãoA procuradora do Mi-

nistério Público do Trabalho,Adriana Augusta de MouraSouza, afirmou o seguinte naaudiência pública: “A realida-de é gritante e as crianças nãopodem continuar sendo ex-postas desta maneira. Não es-tamos aqui contra a ninguém,mas isso não pode continuara acontecer. Vamos investigar

Ministério PúblicoMarques Casara

Exploração decrianças na

mineração põeem debate arelação entre

multinacionaise fornecedores

Além de trabalho in-fantil e mineração clandesti-na, também foi identificada aexistência de crimes ambien-tais e tributários. Os desdo-bramentos do caso podem seracompanhados em detalhesno portal de internet do Ob-servatório Social, no endere-ço www.os.org.br

IcebergApós o caso vir à tona,

Faber-Castell e Tintas Coralsuspenderam imediatamente acompra do produto. A Basf fi-cou ao lado da Minas Talco,sua fornecedora. A multina-cional defende a tese de quenão existe trabalho infantil naregião. Menos de dois mesesdepois da denúncia, a Faber-Castell desenvolveu umaação social que atingiu dezescolas da região, para mini-mizar eventuais danos causa-dos por sua participação nacompra do talco. A Coral in-formou que vai aguardar o po-sicionamento do MinistérioPublico do Trabalho.

Em março, a CâmaraMunicipal de Ouro Preto pro-moveu uma audiência públi-ca com o intuito de aprofun-dar as investigações. “O tra-balho infantil é a ponta do pro-blema”, explicou o presidenteda Câmara, Wanderley Kuruzu(PT/MG). “Empresas de facha-da, exploração clandestina, cri-mes fiscais e ambientais preci-sam ser investigados”.

Durante a audiênciapública, diversos depoentes,inclusive pais de crianças ex-ploradas pelas empresas, afir-maram que a reportagem tinha

Repercutiu em diver-sos países a denúncia da exis-tência de trabalho infantil nacadeia produtiva do minériode talco, usado em aplicaçõesque vão da tinta de parede àquímica fina, passando peloartesanato e pela fabricaçãode giz de cera. O caso foi vei-culado na edição 9 da revistado Observatório Social, em fe-vereiro de 2006.

A reportagem mostrouque as multinacionais Basf(Suvinil), Faber-Castell e ICIPaints (Tintas Coral) compra-vam o produto de empresaque explorava mão-de-obrainfantil em jazidas localizadasna cidade histórica de OuroPreto (MG).

O minério era explora-do e processado ilegalmentepelas empresas Minas Talcoe Minas Serpentinito, contro-ladas por uma empresa de fa-chada, a WB Mattos Trans-portes, que foi criada para es-conder a participação de doisalemães clandestinos no país.

TRABALHO INFANTIL NO TALCO

Crianças transportamrochas de minério de talco

Sede da empresa Minas Talcoem Conselheiro Lafayete, MG

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e os culpados serão punidos”.Ela instaurou um pro-

cedimento investigatório quedeverá ser concluído nas pró-ximas semanas. Empresas,pais de crianças e os autoresda reportagem prestaram de-poimento.

Relatório produzidopelo coordenador de Saúde eSegurança do DepartamentoNacional de Produção Mine-ral (DNPM), José Carlos doVale, enviado ao Observató-rio Social em dezembro de2005, confirma a existência dotrabalho de crianças na cadeiaprodutiva das mineradoras detalco.

Conforme a promotoraPaula Ayres Lima, da 4º Pro-motoria de Justiça da Comar-ca de Ouro Preto, as minera-doras não têm a permissão dalavra e, por isso, compram a

rocha dos moradores, que sãoos superficiários das terras:“As empresas, então, expor-tam o material de forma ilegal.O que sobra, os moradoresutilizam no artesanato”.

Em abril, a Cooperati-va de Aproveitamento dosResíduos da Pedra Sabão deMata dos Palmitos (Ouro Pre-to-MG) divulgou um docu-mento no qual pede providên-cias das autoridades em rela-ção ao trabalho infantil exis-tente na região. A cooperati-va é formada por mulheres ar-tesãs que sofrem o impactoda exploração predatória dominério de talco por parte deempresas que operam na clan-destinidade, sem autorizaçãodo Ministério de Minas eEnergia e sem nenhum tipo decontrole sobre os danos am-bientais.

Ao fundo, mãe observa filhoempilhando minério de talcovendido para as multinacionais.

investiga empresas denunciadas

Meios de comunicação da Alemanha e do Rei-no Unido repercutiram o caso e procuraram as matri-zes da empresa para ouvir explicações sobre as de-núncias. Na Alemanha, a matriz da Basf também sus-tenta que não existe trabalho infantil na cadeia produ-tiva do talco.

Em sua edição de maio de 2006, a revista Exa-me, publicação de ampla penetração no meio empre-sarial, fez a seguinte avaliação sobre o caso: “As trêsempresas (Basf, Faber Castell e ICI) envolvidas coma denúncia em Minas Gerais usavam radares de pre-cisão diferentes para monitorar os riscos relacionadosà operação de seus fornecedores. Todos, porém, fa-lharam na ocasião”.

O presidente da Tintas Coral, Alaor Gonçalves,fez a seguinte avaliação sobre o problema: “O episó-

dio foi lamentável, mas serviu para expor uma fraque-za. Tivemos a exata noção de que qualquer parceiro,independente do tamanho, pode fazer um estrago gran-de à nossa marca”.

A Basf, dona da marca Suvinil, afirma que seuprocesso de seleção de fornecedores é adequado eque não fará nenhuma mudança. A postura da multi-nacional foi duramente criticada pela Rede de Traba-lhadores na Basf América do Sul, que divulgou umanota pública criticando a empresa:

“Discordamos dos argumentos utilizados pela em-presa de que não havia provas suficientes, e avaliamosque a Basf perdeu uma boa oportunidade para mostrarque suas normas de conduta e de Responsabilidade So-cial são muito mais do que meras letras no papel, tal qualfizeram as demais empresas envolvidas no caso”.

E agora?

Fotos: Sérgio Vignes

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Entre 2000 e 2004 o número de crianças trabalhadoras nomundo caiu 11%, passando de 246 a 218 milhões. Nos trabalhosperigosos a redução foi de 26%. Os dados são do Relatório Global Ofim do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance, divulga-do em maio pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sefor mantido o atual ritmo, é possível eliminar as piores formas detrabalho infantil em dez anos. Brasil e México são apontados comoexemplos de avanço.

“Esta meta está ao nosso alcance”, disse o diretor-geral daOIT, Juan Somavia. “A luta contra o trabalho infantil continua sendoum desafio de enormes proporções, mas estamos no caminho corre-to e não podemos nos esconder por trás da dificuldade do fenôme-no”. O informe atribui a redução uma maior consciência e vontadepolítica, bem como a medidas de redução da pobreza e educaçãomassiva, que geraram um “movimento mundial contra o trabalhoinfantil”.

Somavia disse que, no caso brasileiro, o crescimento do em-prego formal, os programas de transferência de renda e o aumentoreal do salário mínimo contribuíram bastante para a redução do pro-blema. O trabalho de crianças brasileiras no grupo de idade entrecinco e nove anos caiu 61% entre 1992 e 2004, e 36% na faixaetária, mais numerosa, de dez a 17 anos. Mas ainda há muito a fazer.Existem cerca de 3 milhões de crianças trabalhando no país.

Um dos grandes desafios neste tema é o trabalho infantil nosetor rural, que concentra sete em cada dez crianças trabalhadoras.Outros dois desafios que precisam ser enfrentados são o impactoque as doenças sexualmente transmissíveis e Aids têm sobre o tra-balho infantil e a necessidade de construir elos mais fortes entre aeliminação do trabalho infantil e o emprego de jovens. (DV)

OIT citaBrasil

como exemploRelatório Global da organização

diz que em dez anos é possívelerradicar as piores formas

A íntegra doRelatório Globalestá disponível emwww.oitbrasil.org.br

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ARTIGO

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Por Rubens Naves, advogado, diretor presidente voluntário da FundaçãoAbrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, professor licenciadoda PUC/SP e fundador e conselheiro da Transparência Brasil.

Esforços pelo fim do trabalho infantilodos aqueles que lutampelos direitos das criançase dos adolescentes tive-ram uma boa notícia emmaio: o trabalho infantil,especialmente em suaspiores formas, está em

queda pela primeira vez no planeta. A afir-mação está no relatório “O fim do trabalhoinfantil: um objetivo ao nosso alcance”, daOrganização Internacional do Trabalho(OIT), que indica que, se o ritmo de redu-ção e o momento atual de sensibilizaçãose mantiverem, seria factível, em dez anos,eliminar o trabalho infantil em suas pioresformas.

O Brasil é citado como um exemplona redução do número de trabalhadoresinfantis – a ocupação das crianças de cin-co a nove anos caiu em 61% de 1992 a2004 e na faixa etária de 10 a 17 anos, 36%- resultado de vontade política, investimen-to, políticas públicas e mobilização social.É neste item que o Programa EmpresaAmiga da Criança (PEAC) da FundaçãoAbrinq é lembrado no relatório como açãoinovadora e bem-sucedida para o decrés-cimo na incidência do trabalho infantil, jun-tamente com o Programa Prefeito Amigoda Criança (PPAC).

A inclusão do PEAC no relatório daOIT é conseqüência do trabalho de 11 anosda Fundação Abrinq de conscientização dasociedade e do empresariado sobre a ne-cessidade de se combater o trabalho in-fantil. O programa surgiu em 1995, no bojode um movimento de sensibilização inicia-do em todo o mundo, quando consumido-res passaram a exigir das empresas umapostura socialmente responsável e deixa-vam de adquirir produtos feitos a partir demão-de-obra infantil. O Brasil, por sua vez,encontrava-se imerso no processo de re-democratização, cuja bandeira era a parti-cipação de todos na formulação das políti-cas públicas.

Neste contexto, o PEAC surgiu com aproposta de prevenir e erradicar o trabalho

infantil nas cadeias produtivas brasileiras.O programa concede um selo de reconhe-cimento para as empresas que se compro-metem a não utilizar mão-de-obra infantil ea promover ações de garantia dos direitosdas crianças. No início do programa, ape-nas 80 empresas aderiram. Hoje são1.010.

Entre 1991 e 1993, foi possível de-tectar trabalho infantil em várias atividadesprodutivas e nos mais diversos estadosdo país. Pela gravidade da situação, qua-tro setores produtivos receberam maisatenção da sociedade: cana-de-açúcar, la-ranja, fumo e calçados. Foram articuladosdez pactos setoriais, sendo que, ao todo,foram mobilizados 120 atores sociais, den-tre os quais 12 associações e sindicatos,44 empresas, 26 organizações do poderpúblico em níveis federal, estadual e mu-nicipal, organizações da sociedade civil eorganismos internacionais.

Apesar de todos esses esforços, otrabalho infantil ainda está presente no co-tidiano de cerca de três milhões de crian-ças. Para a Fundação Abrinq, isto é maisdo que um número: são crianças que es-tão perdendo seu presente e seu futuronos faróis, nas lavouras, nas carvoarias,na prostituição, no tráfico. É por elas queconvocamos todos os setores da socieda-de, em especial o empresariado e os ad-ministradores públicos, a realizar um novopacto pela criança.

Sabemos que a causa deste proble-ma está no combate à pobreza e na me-lhor distribuição de renda, o que requer in-vestimentos e escolhas que nunca foramfeitas no país. Mas sabemos também queesta decisão poderá ser uma realidadequando todos assumirem a tarefa de exer-cer pressão sobre as instituições que de-veriam ter nossas crianças e adolescen-tes como prioridade absoluta. São todosconvidados nesta luta, empresas, sindica-tos, organizações da sociedade civil, cida-dãos e cidadãs preocupados com o futurodo país.

Para a FundaçãoAbrinq, isto é mais

do que umnúmero: são crianças

que estão perdendoseu presente e seu

futuro nos faróis, naslavouras, nascarvoarias, naprostituição, no

tráfico. É por elasque convocamos

todos os setores dasociedade, em

especial oempresariado e osadministradores

públicos, a realizarum novo pacto pela

criança.

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AGENDA HEMISFÉRICA

Na AméricaLatina há 23 milhõesde indivíduos desem-pregados e 103 mi-lhões trabalhando nainformalidade, o quesoma um déficit deemprego formal de

126 milhões de pessoas. Esse núme-ro equivale a mais da metade (53%)da População Economicamente Ati-va (PEA) da região, de 239 milhõesde pessoas.

O documento Trabalho De-cente nas Américas: uma agendahemisférica, 2006-2015, divulgadoem maio pelo diretor-geral da OIT,Juan Somavia, alerta que este déficitde trabalho formal pode atingir 158milhões de pessoas em 2015 se nãoforem adotadas medidas para gerarmais e melhores empregos.

A Agenda Hemisférica propõeaos países do continente um plano detrabalho para o período 2006-2015com recomendações de políticas ge-rais e específicas, incluindo uma sé-rie de metas concretas que podem seradaptadas às distintas realidades decada país.

Crescimento combons empregos

Um dos objetivos é obter cres-cimento com bons empregos, o quenão tem acontecido na atualidade.Para isso a OIT propõe que a gera-ção de trabalho decente seja incor-porada explicitamente às estratégiasnacionais de desenvolvimento. Istoimplica a geração de políticas traba-lhistas específicas e a criação de umaatmosfera favorável aos investimen-

Paísesamericanos secomprometem

a incluirtrabalho

decente emsuas políticasestratégicas

As metas das

www.oitbrasil.org.br

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O representante da CUT na reunião da OIT em que foi lançada aAgenda Hemisférica, Ericson Crivelli, destaca a importância do com-promisso assumido pelos 35 países de adotar políticas estratégicasnacionais de promoção do trabalho decente. Entretanto, diz que aCentral está atenta à pouca conexão existente entre o projeto e osistema de controle de normas da OIT.

“Nossa preocupação é reforçar o sistema de controle por meiodo diálogo social institucionalizado, caso contrário uma política es-tratégica pode ser coisa passageira”, diz o advogado. “O ConselhoNacional de Relações de Trabalho cumpriria esse papel”. Ele consi-dera o documento “muito tênue” em reforçar a necessidade do papeldo Estado: “Em muitos países não há sequer serviço de inspeçãolaboral”.

“O documento contempla preocupações dos trabalhadores so-bre os efeitos perversos da globalização no mundo do trabalho”, co-menta o secretário-geral adjunto da Confederação Sindical das Orga-nizações Sindicais Livres (CIOSL), José Olívio Oliveira. Ele aponta asmigrações como um tema de alta relevância que precisa ser coloca-do em debate quando se fala em trabalho decente: “Falta mais inte-gração entre os países do ponto de vista dos trabalhadores”.

tos e à criação de empresas.Somavia destaca a importân-

cia do diálogo social entre governos,empregadores e trabalhadores comoum fator chave para delinear políti-cas públicas sustentáveis adequadasàs realidades de cada um dos países.“É preciso buscar equilíbrio entre aflexibilidade que as empresas reque-rem e a segurança que os trabalha-dores precisam”, disse em Brasília,durante lançamento da Agenda.

Ele enfatizou a importância vi-tal da inclusão das mulheres nas polí-ticas públicas relacionadas à geraçãode emprego e renda. O diretor-geralda OIT disse que a organização re-conhece os esforços do governo bra-sileiro para redução dos índices dedesemprego e aumento do saláriomínimo real, o que tem impacto posi-tivo em especial sobre mulheres e jo-

vens. O aumento do microcrédito e oapoio à agricultura familiar foram ci-tados como iniciativas importantes.

Quatro desafiosA Agenda apresentada aos

países membros da OIT consideraquatro desafios principais: 1) que ocrescimento econômico seja promo-tor de empregos para to-dos; 2) que os direitos tra-balhistas sejam cumpridose aplicados de maneiraefetiva; 3) que sejam ado-tados novos mecanismosde proteção social adequa-dos à realidade atual, e 4)que, por essa via, se com-bata a exclusão social.

Outros desafios:será necessário uma taxa

Diálogosocial

Diálogosocial

José Olívio Oliveira

média de crescimento sustentado de5,5% anual em nível regional paraevitar o aumento do emprego infor-mal e do desemprego; é preciso apli-car medidas que acelerem o fim dadesigualdade de gênero; é urgenteatacar o flagelo do trabalho escra-vo e indispensável eliminar o traba-lho infantil.

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OIT

Juan Somavia, diretor geral da OIT

Américas até 2015

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Quem faza RedLat

Adriana Franco

CUT (Brasil)Fundada em 1983, a Central Única dos Tra-

balhadores do Brasil tem como finalidade a orga-nização sindical de massas no âmbito nacional einternacional. A instituição é adepta da liberdadede organização e de expressão. Seu caráter é clas-sista, autônomo e democrático. A CUT defende osinteresses imediatos e históricos da classe tra-balhadora ativa e inativa, tanto no setor públicocomo privado. A CUT solidariza-se com os movi-mentos da classe trabalhadora, desde que nãofiram os princípios da entidade, como: defender aorganização independente dos trabalhadores, ga-rantir a democracia em todos os organismos einstâncias, desenvolver atuação de forma inde-pendente do Estado, entre outros.

Site: http://www.cut.org.br/E-mail: [email protected]

Cilas (México)O Instituto de Pesquisa Cilas, do México, documenta,

investiga e analisa fenômenos trabalhistas mexicanos, comênfase nas organizações dos trabalhadores e suas reivindi-cações. Também realiza capacitação e formação e forneceapoio a trabalhadores que enfrentam conflitos. O objetivo doCilas é colocar seus recursos a serviço dos sindicatos edos trabalhadores, já que estes estão sujeitos a políticasque prejudicam suas condições de trabalho e contrariamseus interesses e direitos.

Site: http://www.laneta.apc.org/cilas/index.htme-mail: [email protected]

CTA (Argentina)A Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA) foi cria-

da em novembro de 1992, por integrantes de diversos sindi-catos e novas organizações territoriais, para implementarum novo modelo sindical baseado em três conceitos funda-mentais: afiliação direta, democracia plena e autonomia po-lítica. Ela reúne trabalhadores empregados e também de-sempregados. Pela primeira vez, os trabalhadores argenti-nos puderam filiar-se diretamente a uma central sindical. ACTA não está ligada a grupos econômicos, governos ou par-tidos políticos.

Site: http://www.cta.org.arE-mail: [email protected]

A Rede Latino-Americana de Pesquisa em EmpresasMultinacionais foi criada em outubro de 2005 para colabo-rar com o movimento sindical latino-americano.

Sete países fazem parte da RedLat: Argentina, Brasil,Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai, representadospor 11 instituições.

A rede fornecerá informações sobre o comportamentoe atuações sócio-trabalhista e ambiental de empresas multi-nacionais, por meio de pesquisas comparativas.

As primeiras seis empresas a serem pesquisadas foramanunciadas durante o Fórum Social Mundial, realizado emjaneiro na Venezuela. São elas: Unilever, Shell, Telefônica,Santander, BBVA e Endesa. Além destas, o setor agro-expor-tador também será analisado. Unilever, Telefônica e BBVAserão o foco da primeira etapa, que deve começar em junho.

As duas primeiras reuniões da RedLat – em São Pauloe Caracas – foram apoiadas pela FNV, central sindical ho-landesa.

A pesquisaOs estudos da RedLat devem reunir os elementos co-

muns e divergentes que caracterizam a ação econômica,social e ambiental das empresas nos países atuantes. Parti-cularidades de cada país e de cada instituição envolvidaserão levadas em conta na análise da expansão das empre-sas em nível regional e no conseqüente impacto trabalhistacausado pelos modelos estabelecidos.

Os estudos contarão com a seguinte estrutura básica:• Perfil e estratégia empresarial: visa esclarecer como

se comportam as empresas regionalmente, para que sejamelhorada a condição sócio-trabalhista e fortalecida a ca-pacidade de intervenção dos sindicatos na formulação daspolíticas empresariais.

• Perfil e estratégia sindical: verificação de como – ese – os sindicatos respondem aos problemas inseridos naimplementação das estratégias empresariais.

• Relações e condições de trabalho: verificação documprimento dos direitos fundamentais definidos pela Or-ganização Internacional de Trabalho (OIT), por meio daanálise comportamental das empresas, das condições bási-cas de trabalho, das políticas de ascensão e formação e dadiferença entre os trabalhadores de diversos pontos da ca-deia produtiva.

• Meio ambiente: evolução dos impactos ambientais edos processos produtivos e as conseqüências da implemen-tação da política ambiental da empresa.

• Responsabilidade Social: análise das ações e dosprocessos de gestão das empresas junto aos grupos relacio-nados com a sua atividade produtiva.

As investigações devem servir para o fortalecimentodo poder dos sindicatos e a ampliação de seu reconheci-mento pelas empresas e sociedade. Também devem contri-buir para implementação de acordos globais e promoçãode novas alianças sindicais regionais e internacionais.

Confira as integrantes da RedLat:

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CUT (Colômbia)A Central Única dos Trabalhadores visa a conquista

de melhores condições de vida e trabalho para a classetrabalhadora colombiana, com êxitos econômicos, sociaise políticos. A organização pretende instaurar uma autênticademocracia na qual se garanta a paz com justiça social.Estabelecida em Bogotá, tem um compromisso históricocom os trabalhadores de construir uma Central Sindicalúnica, classista, democrática e progressista.

Site: http://www.cut.org.coE-mail: [email protected]

A Escola Nacional Sindical, sediada em Medellín, naColômbia, foi criada em 1982 por um grupo de profissio-nais, professores universitários e dirigentes sindicais inte-ressados em atuar no cenário social em beneficio dos tra-balhadores. Suas atividades, que antes se resumiam a ta-refas educativas nos sindicatos, hoje abrangem a atuaçãonos setores mais vulneráveis, com raio geográfico de açãoampliado. A ENS promove a negociação coletiva como umaforma racional de defesa dos direitos dos trabalhadores.

Site: http://www.ens.org.co/index.htm

Instituto Cuesta Duarte (Uruguai)A associação civil Cuesta Duarte, criada em 1989 por

iniciativa do PIT–CNT, visa dar apoio técnico aos trabalha-dores organizados em matéria de formação e investigação,para seu melhor desempenho na ação e representação deseus iguais na luta de classes. O nome do instituto nasceuda união do sobrenome de dois personagens (Gerardo Cu-esta e Leon Duarte) considerados mártires da classe tra-balhadora uruguaia. O Instituto conta com um departamen-to de investigação e assessoria sobre os temas aborda-dos pelos sindicatos, tais como emprego, empresas públi-cas, políticas produtivas frente à integração regional e rela-cionamentos sindicais.

Site: http://www.cuestaduarte.org.uyE-mail: [email protected]

Observatório Social (Brasil)Com base nas convenções da Organização Inter-

nacional do Trabalho (OIT), o Observatório Social anali-sa e pesquisa o comportamento de empresas – nacio-nais e estrangeiras, estatais e particulares – em relaçãoaos direitos fundamentais dos trabalhadores. A institui-ção é uma iniciativa da Central Única dos Trabalhadoresem cooperação com o Centro de Estudos de CulturaContemporânea (Cedec), o Departamento Intersindicalde Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) e a Rede Inter-Universitaria de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho(Unitrabalho).

Site: www.os.org.brE-mail: [email protected]

OritA Organização Regional Interamericana dos Tra-

balhadores (Orit) é uma instituição sindical que visa pro-mover o fortalecimento das centrais sindicais indepen-dentes, autônomas, democráticas e éticas que lutempor uma democracia política, social, econômica e quepropaguem a prática dos conceitos internacionais detrabalho. Fundada no México em 1951, atualmente en-globa 33 confederações e centrais de trabalhadores de29 países da região americana.

Site: http://www.cioslorit.orgE-mail: [email protected]

PIT-CNT (Uruguai)O Plenário Intersindical de Trabalhadores e a Con-

venção Nacional dos Trabalhadores são a maior centralsindical uruguaia. Elas reúnem sindicatos que repre-sentam vários ramos de atividade. Em 1964 diversossindicatos uruguaios formaram a CNT, mas em 1973foram proibidos de se organizar. Foi quando surgiu oPlenário Intersindical dos Trabalhadores (PIT). Em 1985as atividades sindicais foram restabelecidas e o PITmudou seu nome para PIT-CNT, unindo membros dasduas organizações. O princípio fundamental da institui-ção é a constante defesa dos interesses de todos ostrabalhadores uruguaios.

Plades (Peru)Desde 1991 o Programa Laboral de Desarollo (Pla-

des) reúne profissionais, técnicos e administradores es-pecializados na problemática social e trabalhista do Perue da região andina (Colômbia, Equador, Venezuela e Bo-lívia). Seu objetivo é promover o fortalecimento das orga-nizações sindicais. O Plades desenvolve programas decapacitação com organizações populares, municipais,institucionais regionais, entre outros. Um diagnósticoeducacional realizado pela entidade permite conheceros pontos fortes e fracos dos membros da equipe detrabalho das organizações. Entre os serviços prestadosestá a assessoria jurídica e econômica aos sindicatosde trabalhadores em empresas transnacionais.

Site: www.plades.org.peE-mail: [email protected]

INSTITU

CIO

NAL

Escuela Nacional Sindical – ENS (Colômbia)

CUT (Chile) - Observatório LaboralCriada em 1953, a Central Unitária de Trabaja-

dores de Chile (CUT – Chile) tem como objetivo aobtenção de melhores condições de vida e trabalhopara os trabalhadores através de remunerações jus-tas, a luta pelo pleno emprego e a aplicação do prin-cípio igualitário de trabalho e salário para mulherese jovens. A CUT defende o regime democrático paraaperfeiçoar e consolidar a organização trabalhista,entre outras questões, tendo como estratégia a lutasindical de caráter nacional baseada na sua capaci-dade de assumir reivindicações comuns presentesnos distintos âmbitos trabalhistas chilenos.

Site: http://www.cutchile.cle-mail: [email protected]

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Conferência Sindicaldebate desenvolvimento

sustentávelMais de 60 sindicalistasde 13 países da América

Latina e Caribedebateram problemas

ambientais e direitos dostrabalhadores

DeclaraçãoA Conferência Sindical sobre Tra-

balho e Meio Ambiente resultou na De-claração de São Paulo, com 16 reso-luções que definem ações e estraté-gias destinada a trabalhadores, gover-nos e sindicatos.

A Declaração resume e define osresultados da Conferência Sindical.Entre as decisões descritas no docu-mento estão:

- estreitar os vínculos entre o meioambiente, o trabalho e a pobreza;- defender os direitos fundamen-tais dos trabalhadores e seus sin-dicatos;- rejeitar a política de "duplo padrão"aplicada por algumas empresas,que "exportam" para a América La-tina e Caribe modalidades produti-vas não aceitáveis em seus paísesde origem;- fortalecer relações estratégicascom outros movimentos sociaise entidades e redes sócio-ambi-entais;- fortalecer o desenvolvimento sus-tentável.

AvaliaçãoJakobsen afirma que o resulta-

do mais importante é a retomada dadiscussão, que estava meio parada."Usualmente só tem havido maior mo-vimentação em torno deste tema du-rante os eventos internacionais, comoa ECO 92 ou a Rio mais 10 em Joha-nesburgo." lembra.

O Observatório Social vai proporque a RedLat (Rede Latino-Americanade Pesquisa em Empresas Multinacio-nais) aplique as conclusões e resolu-ções tomadas pela Declaração de SãoPaulo, principalmente por se tratar deuma rede de atuação na América Latina– foco da Conferência – e por incluirquestões ambientais e Responsabilida-de Social em sua metodologia.

"A constituição de redes é uma boanovidade no meio do movimento social,pois permite uma atuação mais amplae horizontal e menos burocrática", disseo presidente do IOS. Ele ressaltou que apossibilidade de gerar relatórios sobreo comportamento trabalhista e ambien-tal de empresas multinacionais, em ní-vel latino-americano, aumenta o poderde pressão e a capacidade dos sindica-tos frente a essas empresas, com aperspectiva de mudar comportamentosequivocados. (AF)

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Assinam a Declaração de São Paulo as seguintes organizações: CGT-RA(Argentina), CTA (Argentina), CUT (Brasil), CGT (Brasil), Força Sindical(Brasil), CTC (Colômbia), CGT (Colômbia), CTRN (Costa Rica), CEOSL(Equador), CSTS (El Salvador), CUTH (Honduras), UNT (México) CROC(México), CST (Nicarágua), CUT-A (Paraguai), CNT (Paraguai), CUT (Peru),CNUS (República Dominicana), PIT-CNT (Uruguai), Coordenadora deCentrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), Conselho Consultivo LaboralAndino (CCLA), Coordenadora Sindical da América Central e o Caribe(CSACC), Confederation Syndical des Travailleurs du Cameroun (CSTC),Regional Latinoamericana de la Unión Internacional de Trabajadores dela Alimentación, Agrícolas, Hoteles, Restaurantes, Tabaco y Afines (REL-UITA), ISP (Internacional do Serviço Público), Coordenadora dasOrganizações de Agricultores Familiares do Mercosul (COPROFAM).

As questões ambientais estãovinculadas a trabalho e a pobreza.Portanto, fortalecer os direitos dostrabalhadores é também contribuir parao desenvolvimento sustentável. Esta éuma das principais conclusões daConferência Sindical sobre Trabalho eMeio Ambiente, que na segunda quin-zena de abril reuniu em São Paulo maisde 60 sindicalistas de 13 países.

O evento foi organizado pela Or-ganização Regional Interamericana deTrabalhadores (Orit), sediada no Bra-sil, e pela Fundação Sustain Labour,localizada na Espanha. Foram discuti-das estratégias comuns ligadas ao de-senvolvimento sustentável da região eao combate de problemas como des-matamento, uso irracional de recursosambientais e poluição.

Participaram sindicatos de Argen-tina, Brasil, Colômbia, Costa Rica,Equador, El Salvador, Honduras, Méxi-co, Nicarágua, Paraguai, Peru, Repú-blica Dominicana e Uruguai. O presi-dente do Instituto Observatório Social,Kjeld Jakobsen, ressaltou a importân-cia do evento: "O tema ambiental é im-portante para a sociedade e para ostrabalhadores em geral. No entanto, fal-tam informações e consciência, inclu-sive no meio sindical. Conferências

como esta ajudam a suprir esta lacu-na".

Nortearam a conferência as con-clusões da I Assembléia Sindical sobreTrabalho e Meio Ambiente, que ocorreuem janeiro de 2006 em Nairóbi, Quênia,e da Plataforma Laboral das Américas.Entre os presentes estava o ministro doTrabalho, Luiz Marinho, e a ministra doMeio Ambiente, Marina Silva, que tratouda sustentabilidade e dos desafios datransversalidade na política pública.

O Observatório Social contou a coma participação de seu presidente no des-dobramento do tema "relações interna-cionais sindicais e a sustentabilidadeambiental, econômica e social"; e dapesquisadora Regina Queiroz, que fa-lou sobre Responsabilidade SocialEmpresarial.

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INSTITU

CIO

NALO projeto Conexão Sindical,

ambiente interativo na internet criadoem agosto de 2003 para facilitar a tro-ca de informações entre dirigentessindicais cutistas, consolida-se comcrescente sucesso junto a seu públi-co-alvo. Já existem 672 sindicalistasde todo o país cadastrados no siste-ma, que registra uma média de 45 milacessos mensais. Informações sobreempresas multinacionais e sobre di-reitos fundamentais no trabalho sãoos principais temas abordados.

“Até o fim do ano devem serrealizadas mais cinco oficinas de for-mação para uso das ferramentas e,como diversos sindicatos querem setornar multiplicadores, possivelmen-te vamos elevar esses números em2007”, informa o administrador do sis-tema e responsável pelo treinamentodos usuários, Walter André Pires. Eledestaca a importância do projeto parao fortalecimento da organização sin-dical: “Com o uso das tecnologias dainformação estamos criando uma redeinformatizada de sindicatos, confede-rações e organizações”.

Financiado pelo Ministério deCooperação da Alemanha (BMZ) porintermédio dos sindicatos alemães(DGB-Bildungswerk), o projeto é umadas mais promissoras experiências deinclusão digital de líderes sindicais noBrasil. A necessidade do sistema sur-giu diante da crescente presença demultinacionais no país e de novos es-tilos de produção e administração, quedemandam respostas mais rápidas eeficazes da parte dos trabalhadores.

CONEXÃO SINDICAL

Trabalhadores em rede, uni-vosHá três anos o

ambiente interativo nainternet, desenvolvido

pelo ObservatórioSocial, dá suporte adirigentes sindicais.

Reuniões internacionaisJá passaram pelas oficinas de

formação dirigentes sindicais dos se-tores metalúrgico, bancário, químico,papeleiro, comerciário, de vestuário emineração, entre outros. O potencialde articulação vai além das fronteirasbrasileiras. Em fevereiro realizou-seuma oficina virtual dos bancários darede Santander, com participantes noUruguai, Chile, Espanha, Portugal eBrasil.

Os usuários do ambiente po-dem trocar entre si mensagens priva-das, conversar em salas de reuniõesvirtuais, debater em fóruns temáticos,enviar e comentar informes sobre ati-vidades sindicais ou outros temas deinteresse. Estão disponíveis no ambi-ente uma biblioteca virtual com maisde mil documentos e um banco denotícias selecionadas da mídia, comatualização diária.

O cadastramento é gratuito,mediante preenchimento do registrode usuário em:

http://www.os.org.br/conex/

Oficina com o Sindicato dosQuímicos do ABC em maio

Banco de DenúnciasBanco de DenúnciasBanco de DenúnciasBanco de DenúnciasBanco de Denúnciasde Práticasde Práticasde Práticasde Práticasde Práticas

Anti-Anti-Anti-Anti-Anti-SindicaisSindicaisSindicaisSindicaisSindicais

Em resposta ao agravamento da per-seguição a sindicalistas em todo opaís na última década, a direção daCUT lançou um banco de dados so-bre denúncias de perseguições con-tra a organização sindical. Iniciati-va inovadora, o Bando de Denúnci-as é fruto da vontade política da Cen-tral e dos companheiros e compa-nheiras que, mesmo sofrendo todasorte de violências, não se dobra-ram diante dos que atacam o direitolegítimo de representar a classe tra-balhadora.

Esse instrumento de coleta etratamento das denúncias tem comoparceiro o Observatório Social, res-ponsável pela estruturação e supor-te técnico. As representações esta-duais da CUT, ramos (confedera-ções, federações e sindicatos nacio-nais) e fóruns de dirigentes sindicaisdemitidos terão como principal res-ponsabilidade a divulgação, inser-ção de informações e validação dasdenúncias relativas às perseguiçõesque atingem o movimento sindical.

Para a divulgação e treina-mento do uso do Banco de Denúnci-as, já foram realizadas seis oficinascom as Estaduais da CUT, em SãoPaulo, Paraná, Minas Gerais, RioGrande do Sul, Ceará e Distrito Fe-deral. Cada uma delas contou com

uma média de 15dirigentes sindicaiscutistas de váriascategorias. Novasoficinas serão reali-zadas em outros es-tados, visandoabrangência nacio-nal.O endereço é:

www.os.org.br/conex/denuncia/

Uma novaferramentacontra aperseguição asindicalistas

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Concluída etapa doConcluída etapa doConcluída etapa doConcluída etapa doConcluída etapa doMonitor de EmpresasMonitor de EmpresasMonitor de EmpresasMonitor de EmpresasMonitor de Empresas

O projeto Monitor deEmpresas encerrousua segunda fase depesquisas, que teve

início em 2004.

Conheça as Empresas• Banco Real ABN AMRO

• Akzo Nobel

• Philips

• Unilever

Texto em:www.os.org.br/portal/content/view/695/89

Iniciado em 2001, o projeto temcomo objetivo globalizar a luta pelaunificação dos direitos e apoiar a cri-ação de redes entre os trabalhadoresde seis multinacionais de origem ho-landesa: Unilever, Philips, Akzo No-bel, Ahold, banco Real ABN AMRO,e Heineken.

Das empresas pesquisadas noBrasil – Unilever, Akzo Nobel, Phi-lips e banco Real ABN AMRO, háalguns resultados positivos. Os sindi-catos organizaram redes, e algumasdelas conseguiram interlocução comas empresas (Akzo Nobel e ABNAMRO). Aumentou o contato entreos dirigentes dos sindicatos e as em-presas mostram-se mais abertas à in-terlocução. Ao mesmo tempo, as em-presas estão em processo de reestru-turação permanente – o que dificultao diálogo. Elas não informam os sin-dicatos corretamente acerca dos im-pactos de suas operações e ainda nãoos reconhecem como um stakeholderlegítimo.

Com a coordenação do institu-to de pesquisa Somo (Centro de Pes-quisa sobre Corporações Multinacio-nais) e o apoio da central sindical ho-landesa FNV, o projeto conta com aparticipação de organizações de in-vestigação e dos sindicatos de cadaempresa analisada.

Seis países fizeram parte da pri-meira fase: África do Sul, Brasil, Co-réia do Sul, México, Polônia e Repú-blica Tcheca. No Brasil o Observa-tório Social foi o responsável pelosestudos, que tomam como base asconvenções fundamentais da Orga-nização Internacional do Trabalho(OIT).

Pesquisa de fasesA primeira fase aconteceu en-

tre 2001 e 2003 com pesquisas em qua-

tro multinacionais – Unilever, Philips,Akzo Nobel e Ahold – no Brasil, Méxi-co, África do Sul, Polônia, RepúblicaTcheca e Coréia do Sul. Com os resul-tados, constatou-se que não há, nestasempresas, condições desumanas e po-líticas corporativas centralizadas, mashá diferenças nas relações trabalhistas,salários baixos e empregos indiretos.Em nível de redes, existia muito poucocontato entre os sindicatos.

A segunda fase, iniciada em2004, terminou em 2006. Nesta etapa,duas multinacionais foram adicionadasao grupo já existente: banco Real ABNAMRO e Heineken, totalizando seismultinacionais em análise. Entre os pa-íses envolvidos, a Coréia deixou de par-ticipar, mas Peru, Gana, Índia e Indo-nésia entraram nas pesquisas.

Além dos problemas já consta-tados, a etapa contou com uma investi-gação mais complexa de cadeia produ-tiva (Philips e Unilever) e deu continui-dade às análises iniciadas antes a partirda mesma metodologia.

Reunião na FNV para debater o projeto

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Rua São Bento, 365, 18° andarCentro - São Paulo - SP - Brasil -CEP 01011-100Fone: +55 (11) 3105-0884 Fax: +55(11) 3107-0538e-mail:[email protected]:www.observatoriosocial.org.br

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UNITRABALHO

DGB BILDUNGSWERK

APOIO:

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