revista terra e cultura nº 58

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

ENTIDADE MANTENEDORA:INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA

Diretoria:Sra. Ana Maria Moraes Gomes ................................. PresidenteSr. Getulio Hideaki Kakitani .................................... Vice-PresidenteSra. Edna Virginia Castilho Monteiro de Mello ....... SecretáriaSr. José Severino ....................................................... TesoureiroDr. Osni Ferreira (Rev.) ............................................ ChancelerDr. Eleazar Ferreira .................................................. Reitor

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Revista & Cultura: cadernos de ensino e pesquisa/Centro UniversitárioFiladélfia.–Londrina,PR,v.1,n.1(1985-).v.30,n.58,jan./jun.2014

Semestral.

ISSN1004-8112

1.Educaçãosuperior-Periódicos.I.UniFil–CentroUniversitárioFiladélfia.

CDD378.05

Bibliotecária Responsável ErmindadaConceiçãoSilvadeCarvalhoCRB9/1756

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

REITOR Dr. Eleazar Ferreira

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃOProf.º Ms. Lupercio Fuganti Luppi

PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOSProf.º Dr. Mario Antônio da Silva

PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO E INICIAÇÃO A PESQUISAProfª. Dra. Damares Tomasin Biazin

Coordenadores de Cursos de Graduação

Administração Prof.º Dr. Edgard José Carbonell Menezes Prof.ª Esp. Denise Dias Santana Agronomia Prof.º Dr. Fabio Suano de Souza Arquitetura e Urbanismo Prof.º Ms. Ivan Prado Junior Biomedicina Prof.ª Ms. Karina de Almeida Gualtieri Ciência da Computação Prof.º Ms.Sergio Akio Tanaka Ciências Contábeis Prof.º Ms. Eduardo Nascimento da Costa Direito Prof.º Dr. Osmar Vieira Educação Física Prof.ª Ms. Joana Elisabete Ribeiro Pinto Guedes Enfermagem Prof.ª Ms. Rosângela Galindo de Campos Engenharia Civil Prof.ª Carolina Alves do Nascimento Alvim Estética e Cosmética Prof.ª Ms. Mylena C. Dornellas da Costa Farmácia Prof.ª Fabiane Yuri Yamacita Borim Fisioterapia Prof.º Ms. Luiz Antonio Alves Gastronomia Prof.ª Esp. Cláudia Diana de Oliveira Logística Prof.º Esp. Pedro Antonio Semprebom Medicina Veterinária Prof.ª Drª. Mariana Cosenza Nutrição Prof.ª Esp. Lucievelyn Marrone Psicologia Prof.ª Dra. Denise Hernandes Tinoco Sistema de Informação Prof.º Ms.Sergio Akio TanakaTeologia Prof.º Dr. Mário Antônio da Silva

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430Fone: (43) 3375-7401 - Londrina - Paraná

www.unifil.br

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ISSN 0104-8112

TERRA E CULTURAAno XXX - nº. 58 - Janeiro a Junho de 2014

CONSELHO EDITORIAL

PRESIDENTEProf.ª Drª. Damares Tomasin Biazin

CONSELHEIROS

Conselho Editorial Interno

Prof.ª Ms. Ana Claudia Cerini TrevisanProfª. Drª. Damares Tomasin BiazinProf.ª Drª. Denise Hernandes TinocoProfª. Ms. Elen Gongora MoreiraProf.º Dr. João JulianiProf.º Dr. Leandro Henrique MagalhãesProf.º Ms. Marcos Roberto GarciaProf.ª Ms. Maria Eduvirge MarandolaProf.ª Drª. Miriam Ribeiro Alves MaiolaProf.ª Drª. Mirian Cristina MarettiProfª Ms. Mirian Maria Bernardi MiguelProf.ª Ms. Patricia Martins C. BrancoProf.º Ms. Sérgio Akio TanakaProf.ª Ms. Silvia do Carmo Pattarelli FachinelliProf.ª Drª. Suzana Rezende LemanskiProf.º Drº. Tiago Pellini

Conselho Editorial Externo

Prof.º Ms. Adalberto BrandalizeProf.ª Ms. Angela Maria de Souza LimaProf.º Ms. Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fo.Profº Dr. Fábio Suano de SouzaProf.ª Drª. Gislayne Fernandes L. Trindade Vilas BoasProf.º Dr. João Antonio Zequi Prof.º Ms.José Antônio BaltazarProf.º Ms. José Augusto Alves NettoProf.º Dr. José Miguel Arias NetoProf. ª Ms. Karina de Toledo AraújoProf.º Dr. Laurival Antonio Vilas BoasProf.º Ms. Marcelo Caetano de Cernev RosaProf.ª Ms. Maria Elisa PachecoProf.ª Ms. Patricia QueirozProf.º Ms. Pedro Lanaro Filho Prof.º Dr. Rovilson José da SilvaProfª. Drª. Selma Frossard CostaProf.ª Ms. Silvia Helena Carvalho

REVISORESProfª. Priscila Tomasin Biazin

SECRETARIAFernanda Mayara Gonçalves Maistrovicz

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EDITORIAL

A Revista Terra e Cultura: Cadernos de Ensino e Pesquisa publica sua edição de número 58, mantendo sua tradição multidisciplinar, publica artigos de três núcleos: o Núcleo de Ciências Biológicas e da Saúde, o Núcleo de Ciências Humanas e Sociais e o Núcleo de Ciências Sociais Aplicadas. No que se refere ao núcleo de ciências biológicas e da saúde, apresentamos artigos que abordam a controle biológico, contaminação alimentar, entre outros. Já no âmbito das ciências humanas e das sócias aplicadas, temos artigos da área de gastronomia, logística, teologia, dentre outros.

Espero que gostem e que aproveitem a leitura. Lembramos ainda que o envio de artigos para a revista é contínuo, e podem ser encaminhado para o e-mail [email protected], respeitando-se as normas do periódico, que podem ser encontradas no final da mesma.

Boa Leitura.

Prof. Dr. Fernando Pereira dos Santos Editor da Revista Terra e Cultura

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SUMÁRIO

NÚCLEO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE – NCBS

CARACTERIZAÇÃO GENÉTICA DE NOVOS ISOLADOS BACTERIANOS COM POTENCIAL ENTOMOPATOGÊNICOAmanda Lunardelli Martins, Rosália Hernandes Fernandes Vivan, Fernando Pereira dos Santos ......... 11

SALMONELLA: ATUALIZAÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS E DE CONTROLE NA TRANSMISSÃO DOS ALIMENTOS EM UAN´SNathalia Gabriela de Souza, Vanessa Cordeiro Torres, Maira Salomão Fortes ......................................... 19

ENFERMAGEM NAS URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS: O ESTRESSE DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO NA UNIDADE E ATENDIMENTO DE URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS, UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICAMarcelo Marques Ferreira, Heliane Moura ............................................................................................. 27

IDENTIFICANDO AS QUEIXAS DOLOROSAS DA EQUIPE DE ENFERMAGEM E IMPLEMENTANDO ESTRATÉGIAS PARA MINIMIZÁ-LASEdmilson de Oliveira, Ricardo Castanho Moreira ...................................................................................... 39

INDÚSTRIA DE RAÇÃO A PARTIR DO BAGAÇO DE LARANJARafael Jefferson Borges .............................................................................................................................. 49

O ESTUDO DAS MOSCAS NA RESOLUÇÃO DE CRIMES VIOLENTOSMunicky Izabelle Rodrigues, Profª. Drª. Fabiana Maria Ruiz Lopes Mori ................................................... 61

NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – NCHS E NÚCLEO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – NCSA

A MULTIPLICIDADE DE DENOMINAÇÕES EVANGÉLICAS À LUZ DA TEOLOGIA DOS REFORMADORES DO SÉCULO XVI E DAS CONFISSÕES DE FÉ PROTESTANTESCarlos Jeremias Klein ................................................................................................................................ 67

A COMUNIDADE COMO GESTORA DO ESPAÇO URBANOSergio Rugik Gomes ................................................................................................................................... 73

2014 NO BRASIL: COPA PARA TODOS, COZINHA PARA ALGUNS?Agnaldo Kupper ......................................................................................................................................... 79

CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM LOGÍSTICAProf.Pedro Semprebom, Sueli Aparecida Castanhera, Valdeci Flamia .................................................... 91

ÁLVARO DE CAMPOS: POESIA DE PROTESTO E INCONFORMISMO EM FERNANDO PESSOAMiréia Aparecida Alves do Vale, Sheila de Oliveira Lima ........................................................................ 95

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OS REQUINTADOS E SABOROSOS CARDÁPIOS DO CINEMALaudicéia de Lucena, Lindsey Caroline Valelongo, Sonia Aparecida da Silva Pinto, Leandro H. Magalhães ............................................................................................................................................... 105

PSICOLOGIA ESCOLAR NA ATUALIDADE: POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA A INTERVENÇAOPatrícia Vaz de Lessa, Marilda Gonçalves Dias Facci ........................................................................... 117

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NÚCLEO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE - NCBS

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CARACTERIZAÇÃO GENÉTICA DE NOVOS ISOLADOS BACTERIANOS COM POTENCIAL ENTOMOPATOGÊNICO

Amanda Lunardelli Martins1 Rosália Hernandes Fernandes Vivan2

Fernando Pereira dos Santos 3

RESUMO:Uma nova alternativa para controle de pragas e insetos é a utilização de bioinseticida a base de Bacillus thuringiensis. A atividade larvicida desta linhagem está relacionada com a produção de inclusão parasporal que é sintetizada durante a esporulação. Estas formam posteriormente toxinas citolítica a base de proteínas. A ação destas toxinas causa a paralisia do aparelho digestório. Diante de diversas vantagens apresentadas pelos bioinseticidas, vários trabalhos são desenvolvidos com o intuito de isolar novas linhagens bacterianas com potencial de controle biológico. Uma das técnicas mais utilizadas é a Reação de Cadeia da Polimerase (PCR) que envolve a síntese enzimática in vitro de um segmento específico de DNA. Esta técnica permite estudos de diversidade de linhagens propiciando o isolamento de novos agentes biológicos com potencial entomopatogênico. A forma de teste in vivo da real atividade tóxica sobre o inseto é a metodologia de bioensaio, que consiste em expor os seres vivos alvo a uma determinada substância, sob condições controladas. O presente trabalho visa descrever as etapas de desenvolvimento de pesquisa de caracterização genético de microrganismo e fornecer informações seguras sobre o uso de Bacillus Thuringiensis no controle biológico.PALAVRA-CHAVE: Controle de biológico, PCR, Bioensaio, B. Thuringiensis.

ABSTRACT:A new alternative to control pests and insects is to use the base bioinsecticide B. thuringiensis. The larvicidal activity of this strain is related to the production of which is synthesized parasporal inclusion during sporulation. These subsequently form the basis for cytolytic toxin proteins. The action of these toxins cause paralysis of the digestive system. Given the many advantages presented by biopesticides, several studies have been conducted in order to isolate new bacterial strains with biocontrol potential. One of the most used techniques is the Polymerase Chain Reaction (PCR) involving the in vitro enzymatic synthesis of a specific segment of DNA. This technique allows for studies of diverse lineages providing the isolation of novel agents with potential biological entomopathogenic. The way to test the actual in vivo toxic activity on the insect is the bioassay method, which involves exposing the living target a particular substance under controlled conditions. This paper aims to describe the stages of research and genetic characterization of microorganisms provide reliable information on the use of Bacillus thuringiensis in biological control.KEYWORD: Control of biological, PCR, bioassay, B. Thuringiensis.

INTRODUÇÃO

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (2012) a dengue é a doença viral mais comum transmitida por mosquitos, que nos últimos anos tornou-se um importante problema de saúde pública internacional. Globalmente, 2,5 bilhões de pessoas vivem em áreas onde o vírus da dengue pode ser transmitido (WHO, 2012).

Aedes aegypti (Linnaeus, 1762) é responsável pela manutenção do ciclo virótico da febre dengue e febre amarela, em áreas urbanas. A falta de educação ambiental e consequente o aumento dos lixos jogados nas ruas ou acumulados nos domicílios têm favorecido a proliferação de criadouros desse mosquito nas regiões tropicais, e essas condições tem contribuído com o número de doenças causadas pelo agente etiológico veiculado por esses mosquitos (GUBLER, 1998).

De acordo com Kroeger et al. (1995), o conhecimento fragmentado sobre a doença, transmissão e prevenção, é um importante fator para falta de ações antrópicas na prevenção da doença. Pelo fato de não haver vacinas ou drogas para o tratamento

1 Aluna de Graduação em Farmácia do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, bolsista PIBIC da Fundação Araucária: [email protected]

2 Docente do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, coorientadora: rosá[email protected]

3 Docente do Centro Universitário Filadélfia – UniFil, orientador: [email protected]

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Amanda Lunardelli Martins, Rosália Hernandes Fernandes Vivan, Fernando Pereira dos Santos

da dengue, Batra et al. (2000) aponta o controle do vetor como a melhor escolha para o combate da doença.

O controle químico é o mais utilizado no mundo todo e alguns produtos merecem destaque como o Dicloro Difenil, Dicloroetano, Methoprene, Diflubenzuron e o mais utilizado, o organofosforado Temephos (CUNHA, 2001; LOZOVEI, 2001). Eles são muito eficientes contra estes insetos vetores, porém não são específicos, podendo atuar em insetos benéficos, assim como em outros animais, inclusive em humanos. Também podem facilitar o aparecimento de populações resistentes de insetos, diminuindo assim a eficiência dos produtos (VILARINHOS et al. 1998; WIRTH et al. 2007).

Uma das formas de controle deste vetor envolve o uso de controle biológico, que consiste em utilização de produtos cujo princípio ativo são microrganismos, que podem ser aplicados de maneira similar a um inseticida químico (MELO e AZEVEDO, 1998). Dentre as bactérias que possuem atividade entomopatogênica, o uso do Bacillus thuringiensis vem ganhando espaço anteriormente dedicado aos inseticidas químicos. É uma bactéria Gram-positiva que tem a capacidade de produzir, durante o processo de esporulação, uma inclusão protéica denominada δ-endotoxina (proteínas Cry). Diferentes variedades desta espécie produzem diferentes tipos de cristais que são altamente específicos para diferentes ordens de insetos (HABIB e ANDRADE, 1998).

Por ser um microrganismo promissor, diversos laboratórios em todo o mundo buscam novos isolados de B. thuringiensis que produzam diferentes toxinas ou que estejam mais adaptados às condições locais, para que tenham melhor eficácia em campo e possam ser usados no manejo da resistência de insetos (MONNERAT e BRAVO, 2000).

A variabilidade genética existente entre diferentes isolados de B. thuringiensis está sendo estudada, principalmente através da utilização de técnicas que tem como base a PCR (Reação em Cadeia da Polimerase). Estas técnicas apresentam aplicações práticas, tais como a previsão da especificidade tóxica de uma linhagem através da determinação do conteúdo de genes cry, muitas vezes evidenciando a presença de genes pouco conhecidos e, direcionando os trabalhos de bioensaio (CAROZZI et al., 1991; BRAVO et al., 1998; IBARRA et al., 2003; OTIENO-AYAYO et al., 2008).

O presente trabalho visa descrever as etapas de desenvolvimento de pesquisa de caracterização genético de microrganismo e fornecer informações seguras sobre o uso de Bacillus Thuringiensis no controle biológico.

Bacillus Thuringiensis

Bacillus thuringiensis foi descrito em 1915 na Alemanha, isolado a partir de traça de farinha (Anagasta kuehniella). No entanto, a comercialização de produtos a base desta bactéria só se iniciou em 1938 na França, com o bioinseticida comercializado sob o nome de “Sporeine” (BRAR et al., 2006; CAPALBO et al., 2004; VIDAURRE, 1996). Bacillus thuringiensis é uma bactéria gram positiva que ocorre naturalmente no solo, água, insetos mortos e ambientes onde se armazenam grãos.

O cristal protéico típico de B. thuringiensis é, em geral, produzido durante a esporulação e constitui o principal ingrediente ativo dos bioinseticidas à base dessa bactéria. Este cristal é tóxico para várias espécies de insetos, destacando-se no controle de Lepidoptera, Diptera e Coleoptera. Porém, há subespécies de B. thuringiensis que apresentam cristais tóxicos contra insetos das Ordens Hymenoptera, Hemiptera, Ortoptera, Phthraptera e também para alguns nematóides, protozoários e ácaros.

Os cristais de B. thuringiensis são formados principalmente por proteínas

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Caracterização genética de novos isolados bacterianos com potencial entomopatogênico

denominadas Cry, também conhecidas como δ-endotoxinas, e por proteínas citolíticas (Cyt). A proteína Cry, principal constituinte deste cristal, e a Cyt que caracterizam a espécie, são codificadas por genes que geralmente se localizam em plasmídios e, com menor freqüência, no cromossomo bacteriano (BRAVO et al., 2007).

As delta endotoxinas são sintetizadas na forma de pró-toxinas que quando ingeridas pelo inseto são solubilizadas e convertidas proteoliticamente em fragmentos tóxicos de aproximadamente 650 aminoácidos. Esses fragmentos ligam-se especificamente, e com alta afinidade, os receptores protéicos na membrana das células epiteliais do intestino, criando poros na membrana celular. Essas lesões levam ao dilatamento e lise do epitélio intestinal, causando a morte do inseto (Gill et al. 1992, Visser et al. 1990, Li et al. 1991).

BIOENSAIO

Um dos parâmetros mais importantes no estudo com B. thuringiensis é o seu potencial tóxico ante o inseto-alvo. O bioensaio pode ser entendido como um teste onde seres vivos são expostos a uma determinada substância, sob condições controladas. No caso de B. thuringiensis, o bioensaio é feito com larvas de insetos alvos segundo protocolos da Organização Mundial da Saúde (OMS) (MORAES, et al., 2001; WHO, 2005).

Para B. thuringiensis subesp. israelensis, o teste é feito com larvas de dípteros dos gêneros Aedes. Nesse ensaio, larvas entre terceiro ou quarto instar são colocadas em diferentes recipientes, nos quais são aplicadas diferentes concentrações do produto a uma determinada temperatura. É realizado o teste de concentração letal para 50% (CL50) e 90% (CL90) das larvas por meio de uma regressão linear log-probit, a qual pode ser feita com o uso de programas de computador adequados (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).

Muitos fatores podem influenciar um bioensaio, destacando-se a espécie de inseto, o instar, a densidade de larvas, qualidade da água e a temperatura, desse modo é crucial a padronização do teste. Estudos revelam que A. aegypti é uma das espécies mais sensíveis à B. thuringiensis subesp. israelensis, isto ocorre devido a fatores intrínsecos dessa espécie, tais como sua alta velocidade de filtração da água (JARIC´-PERKUSIC et al, 2008; OTIENO-AYAYO et al., 2008).

Técnica de PCR – Reação em cadeia da polimerase

A técnica de PCR envolve a síntese enzimática in vitro de milhões de cópias de um segmento específico de DNA na presença da enzima DNA polimerase. A reação de PCR se baseia no pareamento e extensão enzimática de um par de oligonucleotídeos (pequenas moléculas de DNA de fita simples) utilizados como iniciadores (“primers”) que delimitam a seqüência de DNA de fita dupla, alvo da amplificação. Estes iniciadores são sintetizados artificialmente de maneira que suas seqüências de nucleotídeos sejam complementares a seqüências específicas que ligam-se a região alvo (FERREIRA e GRATAPAGLIA, 1998). Com a caracterização genética, é possível discriminar isolados de B. thuringiensis (FRUTOS et al., 1994). São conhecidas várias aplicações da tecnologia do DNA recombinante no controle biológico de insetos, sendo que a maioria dos exemplos provém de bactérias, principalmente empregando B. thuringiensis e espécies correlatas (AZEVEDO, 1998).

A técnica de PCR permite comparar geneticamente, isolados pouco conhecidos, além de indicar o potencial inseticida de uma determinada toxina (LIMA et al., 2002;

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PORCAR e JUARÉZ-PÉREZ, 2003), o que a torna uma ferramenta de trabalho indispensável. É uma forma de caracterizar isolados de B. thuringiensis e é amplamente utilizada na detecção de genes cry em novas linhagens de bactérias (VALICENTE et al., 2000; VILAS BOAS e LEMOS, 2004) onde os “primers” podem ser desenhados a partir de regiões conservadas destes genes.

A técnica requer quantidades pequenas de DNA na ordem de picogramas, e permite uma rápida e simultânea caracterização de muitas amostras. Todavia, o procedimento normal de PCR não pré-determina exatamente a atividade inseticida do isolado, assim como outros fatores, como, por exemplo, o nível de expressão dos genes cry presentes que estão envolvidos no potencial inseticida de cada isolado (MARTINEZ et al., 2005).

Produção de Bacillus Thuringiensis

Nas décadas de 1970 e 1980, com o isolamento de novas linhagens e a possibilidade da manipulação gênica, o interesse por B. thuringiensis aumentou bastante, principalmente no setor privado (CAPALBO et al., 2004).

Em geral, os produtos à base de B. thuringiensis são compostos por uma mistura de cristais, esporos, poucas células vegetativas e ingredientes secundários da formulação (CAPALBO et al., 2004).

A produção de B. thuringiensis, assim como de outros produtos microbianos, envolve as seguintes etapas: seleção da linhagem, estocagem, processo fermentativo, recuperação do princípio ativo (esporos e cristais), formulação do produto e análise da qualidade (MORAES et al., 2001). Os principais critérios para seleção de uma subespécie bacteriana para produção de bioinseticidas são: espectro de ação, potência por unidade de volume da cultura, requerimentos nutricionais, facilidade de produção, estabilidade genética e facilidade de estocagem.

A forma mais comum de produção de B. thuringiensis é por fermentação submersa (líquida) descontínua, também conhecida como processo em batelada. Nesta fermentação, um recipiente contendo meio de cultura líquido é inoculado com o microrganismo, não havendo acréscimo ou retirada significativa do meio fermentado. Portanto, ocorre todo o desenvolvimento da cultura, sendo retirado o produto apenas no final do processo. Em geral, as proteínas Cry de B. thuringiensis são formadas no fim da fermentação, quando as condições do meio se tornam desfavoráveis, sendo o processo em batelada satisfatório para tal produção (MORAES et al., 2001).

Antes de ser comercializado, o produto formulado deve passar por testes de análise de qualidade que atestem principalmente sua potência tóxica. Para B. thuringiensis, a toxicidade é geralmente analisada por meio de bioensaio com o inseto-alvo (MORAES et al., 2001).

Os produtos encontrados no mercado são de difícil acesso aos consumidores, quer pelo preço, pela falta de informação ou devido às condições legais estabelecidas pelo país. O desenvolvimento de produções locais pode ser uma solução para tal situação. Neste caso, a produção pode ser feita em um volume menor, escala piloto, utilizando-se materiais alternativos e abundantes na região a ser atendida (SALAMA e MARGALIT, 1993).

Considerações Finais

São necessários investimentos na prospecção de isolamento de novas linhagens de patógenos que possam ser utilizados, diretamente ou substâncias por eles sintetizadas, na produção de inseticidas biológicos, corresponde ao passo inicial para o desenvolvimento

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Caracterização genética de novos isolados bacterianos com potencial entomopatogênico

de novos métodos e ou técnicas na formulação de produtos comerciais. Pode também, estes Bancos de isolados bacterianos servirem de fonte de genes para transferência em diversos microrganismos aquáticos, que possam vir a ser empregado no controle biológico de insetos.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, J. L. Engenharia genética aplicada ao controle microbiano de insetos. In: ALVES, S. B. (Ed.). Controle microbiano de insetos. Piracicaba: FEALQ, 1998. p.239-268.

BRAR, S. K.; VERMA, M.; TYAGI, R.D. & VALÉRO, J.R. Recent advances in downstream processing and formulations of Bacillus thuringiensis based biopesticides. Process Biochemistry, Kansas, v.41, n.2, p.323-342, fev. 2006.

BRAVO, A.; SARABIA, S.; LOPEZ, L.; ABARCA, C.; ORTIZ, A.; ORTIZ, M.; LINA, L.; VILLALOBOS, F.J.; PEÑA, G.; NUÑEZ-VALDEZ, M.E.; SOBERÓN, M.; QUINTERO, R. Characterization of cry genes in a mexican Bacillus thuringiensis strain collection. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v.64, n.12, p.4965-4972, dez. 1998.

BATRA, C.P.; MITTAL, P.K.; ADAK, T. Control of Aedes aegypti breeding in desert coolers and tires by use of Bacillus thuringiensis var. israelensis formulation. Journal of American Mosquito Control Association. Mount Laurel, v.16, n.4, p.321-323, dez. 2000.

CAPALBO, D. M. F.; BOAS, G.T.V.; ARANTES, O.N. Bacillus thuringiensis: formulações e plantas transgênicas. In: BORÉM, A. (ed.). Biotecnologia e meio ambiente. 1ªed. Viçosa: Folha de Viçosa, 2004. p.309-350.

CAROZZI, N.B.; KRAMER, V.C.; WARREN, G.W.; EVOLA, S.; KOZIEL, M.G. Prediction of insecticidal activity of Bacillus thuringiensis strains by polymerase chain reaction product profiles. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v.57, n.11, p. 3057-3061, nov. 1991.

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Amanda Lunardelli Martins, Rosália Hernandes Fernandes Vivan, Fernando Pereira dos Santos

IBARRA, J.E.; DEL RINCÓN, C.; ORDÚZ, S.; NOIEGA, D.; BENINTENDE, G.; MONNERAT, R.; REGIS, L.; DE OLIVEIRA, C.M.F.; LANZ, H.; RODRIGUEZ, M.H.; SÁNCHEZ, J.; PENA, G.; BRAVO, A. Diversity of Bacillus thuringiensis Strains from Latin America with Insecticidal Activity against Different Mosquito Species. Applied and Environmental Microbiology, Washington, v.69, n.9, p.5269-5274, set. 2003.

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LOZOVEI, A.C. Culicideos (mosquitos). In – MARCONDES, C.B. Entomologia Médica e Veterinária, 1 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2001. p.59-103.MARTÍNEZ, C.; PORCAR, M.; LÓPEZ, A.; EXSUDERO, I.R.; CABALLERO, P. Characterization of the Bacillus thuringiensis strain with a broad spectrum of activity against lepidopteran insects. Entomologia Experimentalis et Applicata, Holanda, v.11, n.1, p.71-77, jan. 2004.

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SALMONELLA: ATUALIZAÇÃO DE MEDIDAS PREVENTIVAS E DE CONTROLE NA TRANSMISSÃO DOS ALIMENTOS EM UAN´S

SALMONELLA: UPDATE OF PREVENTIVE AND CONTROL THE TRANSMISSION OF FOOD IN UAN’S

Nathalia Gabriela de Souza1 Vanessa Cordeiro Torres2

Maira Salomão Fortes3

RESUMO:Dentre as doenças veiculadas por alimentos a Salmonella tem sido a de maior prevalência, no Brasil e no mundo, apresentando um aumento acentuado e contínuo no número de casos relatados a cada ano. Isto se deve a facilidade do microrganismo em adaptar-se ao meio ambiente, ao grande consumo dos alimentos que frequentemente se encontram entre os mais contaminados por parte dos humanos, que normalmente são os alimentos de origem animal. Por conta da praticidade e qualidade das refeições, os restaurantes alimentícios, e UAN´s tem um alto índice de crescimento nos últimos anos, justificando assim, a importância cada vez maior de profissionais qualificados neste ramo. Dessa forma, torna-se possível oferecer alimentos de qualidade nutricional e sanitária, e consequentemente reduzir os surtos de Salmonella por alimentos contaminados no Brasil. Tendo em vista presente tema, o presente artigo científico, objetivou levantar informações atuais a respeito do gênero Salmonella, com relação às principais características deste microrganismo, epidemiologia e medidas de prevenção e controle da transmissão nos alimentos dentro das UAN´s. A metodologia utilizada foi fundamentalmente a pesquisa bibliográfica, com base em autores de obras publicadas durante os quatro últimos anos, a partir da atual data. Por meio da presente revisão podemos afirmar que apesar do crescente número de surtos por Salmonella, aplicando as medidas de controle e preventivas, o risco de danos a saúde do cliente diminui consideravelmente. O Brasil sendo um País em desenvolvimento necessita investir em profissionalização na área da alimentação e no conhecimento desta bactéria como os citados neste artigo, são aliados para a formulação de efetivas medidas de prevenção e combate desse patógeno nos alimentos.PALAVRAS-CHAVE: Salmonella; Surtos alimentares; Prevenção; Controle dentro das UAN´s.

ABSTRACT:Among the diseases foodborne Salmonella has been the most prevalent in Brazil and worldwide, with a marked increase in the number and continuous cases reported each year. This is due to the ease of the organism to adapt to the environment, the large consumption of foods that often are among the most contaminated by humans, who usually are the foods of animal origin. Because of the convenience and quality of the food, the restaurants food and UAN’s has a high rate of growth in recent years, thus justifying the increasing importance of skilled professionals in this field. Thus, it becomes possible to offer food and nutritional quality of health and consequently reduce outbreaks of Salmonella contaminated foods in Brazil. Given this theme, this scientific paper, aimed to get current information about the genus Salmonella, with respect to the main features of this organism, epidemiology and prevention and control of transmission in food within the UAN’s. The methodology used was essentially a literature search based on authors of works published during the last four years from the current date. Through this review we can say that despite the increasing number of Salmonella outbreaks by applying the measures of control and prevention, the risk of damage to the client’s health decreases considerably. The Brazil is a country needs to invest in developing professionalism in the field of nutrition and knowledge of this bacterium as cited in this article, are allied to formulate effective measures to prevent and combat this pathogen in food.KEYWORDS: Salmonella; Salmonellosis outbreaks; Prevention and control of UAN’s inside.

INTRODUÇÃO

As Doenças Veiculadas por Alimentos (DVA’s) são consideradas um crescente problema de saúde pública no mundo todo, sendo responsáveis por expressivas perdas

1 Graduada em Nutrição pelo Centro Universitário Filadélfia – UniFil e Aluna do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Unidades de Alimentação e Nutrição com Ênfase em Gastronomia pelo Centro Universitário da Filadélfia – UniFil. Email: [email protected].

2 Graduada em Nutrição pelo Centro Universitário Filadélfia – UniFil e Aluna do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Unidades de Alimentação e Nutrição com Ênfase em Gastronomia pelo Centro Universitário da Filadélfia – UniFil. Email: [email protected].

3 Coordenadora Doutora do Curso de Medicina Veterinária – Centro Universitário da Filadélfia- UniFil. Email: [email protected].

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econômicas. Atualmente, há uma grande diversidade de doenças de origem alimentar, e frequentemente este grupo está associado à presença de microrganismos patogênicos nos alimentos como a Salmonella.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula-se que todos os anos mais de um terço da população mundial, em diversos países, apresentam casos de doenças veiculadas por alimentos patogênicos Oliveira (2010) e Santos et al. (2011). De acordo com Oliveira (2010), este aumento se deve principalmente ao crescimento da população; grupos populacionais mais carentes e utilização de alimentos sanitariamente inadequados.

Segundo Aplevicz et al. (2008), no Brasil, 20% das refeições feitas durante uma semana, são realizadas em estabelecimentos comerciais, e nos Estados Unidos o número encontrado é ainda maior, cerca de 50%. Esses dados são referentes a estabelecimentos de Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN´s) e restaurantes comerciais, restaurantes de hotéis, lanchonetes, lojas de comidas prontas e cozinhas hospitalares (APLEVICZ, 2008).

De acordo com Martins (2010), grande parte dos surtos decorrentes de alimentos contaminados, estão totalmente interligados a erros durante a produção, como manipulação inadequada, falta de higiene dos manipuladores e a higiene dos alimentos, equipamentos e utensílios. São também comuns algumas falhas durante o preparo dos alimentos ao não atingir a temperatura correta para cocção (MARTINS, 2010).

Devido o crescente número de intoxicações pela Salmonella, bactéria que oferece sérios riscos à saúde, pode ser de vários tipos e espécies, responsáveis por quadros clínicos bem diferentes. A maioria dos surtos é causada especificamente pelo consumo de ovos ou maionese caseira contaminados, principais meios de veiculação da bactéria, ANVISA (2009). O presente trabalho teve como objetivo levantar informações atuais a respeito do gênero Salmonella, com relação às principais características deste microrganismo, epidemiologia e medidas de prevenção e controle da transmissão nos alimentos em UAN´s.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Agente Etiológico

O gênero Salmonella corresponde a uma bactéria pertencente a família Enterobacteriacea, e de acordo com Franco (2008), no Brasil a Salmonella typhimurium é a espécie que mais acomete o homem. Esta pode causar toxinfecções alimentares afetando o intestino quando ingeridos aproximadamente a 108 unidades formadoras de colônia (UFC) (FRANCO, 2008; SOUZA, 2010).

De acordo com Bau (s.d.), a Salmonella spp foi considerada o agente etiológico causador de surtos mais frequentes em um período de estudo de 9 anos.

Segundo Luca (2009), a espécie enteritides é a espécie no mundo, com mais número de casos de afecção no homem, devido comumente aos ovos crus.

A Salmonella é uma bactéria que não produz esporos, a grande maioria das espécies são móveis, tem característica morfológica de bastonetes gram-negativos, lactose e sacarose negativos. É anaeróbico facultativo, e, portanto fermenta glicose de sua célula (BAU; BREYER, 2009; LUCA, 2009).

No Brasil, a Salmonella enteridis e a Salmonella typhimurium são as mais frequentemente associadas a surtos alimentares. Cavalcanti (2010). No Estado do Paraná aproximadamente 36% dos surtos de Salmoneloses são ocasionados por ovos, e produtos

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cárneos em uma frequência de 45% e 35% respectivamente Kottwitz et al. (2010). Na região Norte do Paraná no ano de 2008, houve relatos de surtos alimentares envolvendo em 15% a Salmonella typhi, e 10% a Salmonella typhimurium (LOUREIRO, 2008).

Esta bactéria é uma das mais citadas quando ocorrem surtos alimentares, pois apesar das pesquisas realizadas e conhecimentos adquiridos, sua facilidade de adaptação ao meio externo e sua preferência por diferentes alimentos, principalmente os protéicos, lhe permite liderar os surtos alimentares a cada ano (SHINOHARA, 2008).

Epidemiologia

No Brasil, tem ocorrido um aumento contínuo do número de casos vinculados a determinados sorotipos, que não tem nenhuma distribuição geográfica estabelecida. Entretanto Salmonella typhimurium é o sorotipo mais encontrado nos surtos alimentares (CARDOSO; TESSARI, 2008; FRANCO, 2008).

De acordo com Loureiro (2008), no Brasil, a febre tifóide e as enterocolites ocorrem sob a forma endêmica na região norte e nordeste, devido a principalmente baixos níveis socioeconômicos e de saneamento básico.

No mundo a Salmonella é considerada a bactéria predominante citada nas DVA´s já registradas. Na Europa quase o total de casos, cerca de 90% são causados por Salmonella, e a previsão é que as Salmoneloses aumentem a cada ano (FRANCO, 2008).

Sintomatologia

A Salmonella é capaz de atravessar a camada epitelial do intestino, aonde se movem até a lâmina própria, se multiplicam, atingem a corrente sanguínea e podem alcançar diversos órgãos. Acreditava-se que, para um individuo adquirir enterocolite por Salmonela de origem alimentar, era necessário o consumo de no mínimo108 células viáveis de Salmonella no alimento, Souza (2010), colocando crianças, idosos e imunodeprimidos em grupo de risco (PANIZZA, 2011).

As doenças causadas pela Salmonella podem ser subdivididas em três grupos de acordo com o quadro clínico e diferentes sorovares: febre tifóide desenvolvida pela Salmonella typhi; a febre entérica causada pela Salmonella paratyphi, e as enterocolites (salmoneloses), causadas por diferentes espécies (FRANCO, 2008).

Nesses três grupos a forma de transmissão pode ocorrer através de qualquer tipo de alimento, no entanto, os surtos têm sido associados a ovos crus, carnes cruas e muito manipuladas, produtos derivados de ovos crus, legumes e verduras sem cozimento, cereais, oleaginosas como pistache e nozes, frutas e seus sucos, leite fresco e mariscos. CDE (2010) e Davis (2012). A transmissão pode ocorrer pela água contaminada por fezes de reservatórios no trato intestinal de humanos e animais, além dos vegetais lavados e sucos utilizados com esta água.

Os panos de prato são considerados fômites, de importância epidemiológica dentro das UAN´s, além de equipamentos, utensílios, toalhas e torneiras de banheiros.

Os animais domésticos e de granja também são reservatórios, o maior número de casos ocorre quando o animal infecta-se, a bactéria se propaga pelo intestino, e a longo prazo vai sendo eliminada pelas fezes.

A febre tifóide se caracteriza por sintomas graves, que incluem septicemia, febre alta, diarréia e vômito. Na febre entérica os sintomas são considerados mais brandos e a duração das manifestações ocorrem normalmente até três semanas (FRANCO, 2008).

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Prevenção e Controle da Transmissão por Alimentos

Os alimentos devem ser produzidos de forma a garantir a segurança e controle em todas as etapas da cadeia produtiva para que chegue ao consumidor com qualidade nutricional e excelentes características higiênicas e sanitárias (ALVES, 2011).

Todas as etapas dentro da escala de produção em UAN´s devem ser realizadas de modo a oferecer segurança ao consumidor final, por esta razão uma cozinha industrial deve seguir normas especificas para assegurar um local de trabalho com planejamento da área física, equipamentos e utensílios necessário a produção, manipuladores qualificados, e instalações sanitárias adequadas em número de área física para os funcionários (ALVES, 2011).

Para assegurar uma excelente qualidade do produto final o responsável técnico da cozinha industrial deverá realizar treinamento periódico junto aos manipuladores e outros funcionários que têm acesso ao locar de preparo dos alimentos. Deverão ser abordados nos treinamentos manipulação adequada dos alimentos; hábitos pessoais e lavagem correta das mãos, exposição prolongada dos alimentos à temperatura ambiente e temperaturas inadequadas de armazenamento e refrigeração, também o cozimento insatisfatório do meio interno nos alimentos (OLIVEIRA, 2010).

Assim como os treinamentos periódicos, o responsável técnico deve observar os hábitos de saúde e higiene dos funcionários; correta higienização das mãos e em qual frequência ocorre, higienização correta dos alimentos em água corrente, com desinfecção em solução de hipoclorito de sódio a 200 ppm; verificar se os manipuladores não estão mantendo no mesmo ambiente ou utilizando os mesmos utensílios de alimentos crus aos já prontos para o consumo, evitando a contaminação cruzada (SÃO PAULO, 2011).

Dentre as ferramentas existentes para realização da inspeção, se destacam as Boas Práticas de Produção (BPP), Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), e Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) (CARDOSO; TESSARI, 2008; FRANTZ, 2008).

Existe grande importância da contaminação das mãos por meio de um aperto de mão com o individuo contaminado, ou o contato em secreções, espirros, saliva (SILVA, 2010; BARDAQUIM, 2011; BARANCELLI, 2012).

A higienização das mãos deve ser feita em água corrente, durante aproximadamente 10 segundos, esfregando com sabonete por todas as áreas, e após está ação secá-la e utilizar antisséptico, Health Home (2010). De acordo com Souza (2010), a Salmonella pode persistir até 15 minutos depois da adequada lavagem das mãos contaminadas, feita com água e sabão, podendo sobreviver na ponta dos dedos e unhas por até 3 horas, por está razão, é imprescindível a disponibilização e uso do antisséptico na unidade de produção.

A temperatura que os alimentos quentes devem atingir durante a distribuição é de no mínimo 600 C no interior do alimento, sendo que podem ficar expostos em balcão térmico por até 6 horas. Quando a temperatura atingida for abaixo do recomendado, o alimento deve ficar no balcão térmico por 1 hora apenas. Para os alimentos refrigerados, o recomendável é que fiquem expostos a uma temperatura de 100 C, por 4 horas (SÃO PAULO, 2011).

A temperatura adequada para o armazenamento em câmera refrigerada dos ovos e hortifrútis é de 60 C, para os frios, laticínios e alimentos semi-preparados a 40 C, carnes bovinas de aves e suínas refrigerados a 20 C e peixes 00 C. Para os alimentos congelados a temperatura deverá ser inferior a - 180 C (LOUREIRO, 2009).

De acordo com Souza (2010), deve-se enfatizar o uso de luvas descartáveis para

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manipulação de alimentos que não passaram pelo processo de cocção, para evitar uma possível contaminação cruzada aos alimentos prontos para o consumo.

É de grande importância a verificação da procedência do fornecedor de ovos pela provável presença de Salmonella em suas cascas, e em condições inadequadas de armazenamento, a bactéria pode atingir a gema. O correto armazenamento é realizado em temperaturas de refrigeração, dando preferência a um local fixo.

Segundo Health Home (2007), o consumo de água tratada é de extrema importância, pois a água de rios, lagos, podem estar contaminadas com fezes contendo variados microrganismos, e ainda, se o individuo não tiver acesso a água potável, é indicado ferver a mesma a no mínimo 550 C antes do consumo para eliminar a bactéria.

Além do uso de água quimicamente tratada, é imprescindível seguir as etapas criteriosas de lavagem e desinfecção para o consumo dos vegetais crus. A imersão por aproximadamente 15 minutos em solução desinfetante, como hipoclorito de sódio a 200ppm de cloro ativo, e por fim efetuar o corte e montagem do prato com o uso de luvas descartáveis de polietileno com armazenamento do prato final em geladeira a no máximo 100 C até o momento de distribuição (DSE, 2010; HEALTH CANADÁ, 2010).

Existem três meios de contaminação na parte de utensílios em UAN´s, considerados muitos significativos na transmissão da Salmonella. O primeiro é a condição em que a esponja é utilizada para a lavagem das louças, recomendando-se a troca da esponja por nova, quando a mesma iniciar a liberação de pequenos pedaços. Para manutenção diária, é recomendável a lavagem da bucha em água e sabão e deixá-la secar ao sol, sendo aconselhável efetuar, em curtos períodos de tempo, a sanitização, inserindo-a em solução de hipoclorito de sódio a 200ppm, ou colocá-la em água fervente durante 5 minutos (ETCHEPARE, 2011).

A correta higienização dos utensílios é de grande importância, pois os talheres, panelas, louças em geral que podem servir de contaminação de diversos microrganismos. Deve-se lavar sempre após o uso ou conforme a necessidade, enxaguando em água tratada, de preferência quente, e após o procedimento de lavagem, borrifar desinfetante, como álcool 70%, e aguardar a secagem natural ou em máquina de secadora (LOUREIRO, 2009).

A tábua de corte deve ser feita de material com característico de superfície lisa, onde não existam brechas para entrada de microrganismos, que impeçam a completa sanitização da tábua, sendo mais indicadas as tábuas de polietileno e vidro. O uso de tábuas de madeira é inadequado porque a madeira suga a água para o seu interior, facilitando a proliferação de microrganismos. A higienização deve ser realizada sempre após o uso, com água e sabão (detergente), e para a manutenção a utilização de desinfetante, o álcool 70% na tábua. É importante salientar que a tábua utilizada para o corte de produtos de origem vegetal deve ser diferente da utilizada nos produtos de origem animal (KOSHANSKI, 2009).

Panos de prato, não são recomendados em UAN´s, são considerados fômites por serem de material de fácil adesão de microrganismos. Estes fazem retenção de restos alimentares, que aliados a umidade e temperatura ambiente, tornam-se ambiente perfeito para o crescimento bacteriano. Considera-se aceitável sua utilização na cozinha industrial, desde que estejam integras e seja realizada troca constante e higienização correta após o uso, com água e detergente/sabão, enxague em água tratada, e esterilização em água fervente durante 10 minutos ou colocá-lo em solução de hipoclorito de sódio a 1% por 10 minutos (ETCHEPARE, 2011).

Com algumas medidas como estas citadas, diminui significativamente o risco de surtos (LUCA, 2009; BARANCELLI, 2012).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O alimento contaminado com Salmonella causa variados danos à saúde e consequente prejuízos aos empregadores dos indivíduos infectados. Como a maior parte das pessoas se alimenta fora de casa, é importante assegurar a qualidade nutricional e microbiológica do alimento preparado.

São fatores que proporcionam risco aumentado dentro das UAN´s: grande número de refeições, funcionários em contato direto com o alimento e a fácil adaptação da bactéria ao meio externo.

Pela facilidade de contaminação, deve haver grande cuidado com alimentos fontes de proteínas animais como ovos crus, carnes cruas e muito manipuladas, produtos derivados de ovos crus, e também legumes e verduras in natura, oleaginosas, frutas e seus sucos, leite fresco que são os frequentemente associados aos surtos de toxinfecção.

Oferecer constante treinamento relacionados a manipulação e higienização inadequada de alimentos, contaminação cruzada, hábitos pessoais e lavagem correta das mãos, exposição prolongada dos alimentos à temperatura ambiente e de refrigeração, higiene de equipamento e utensílio, e também o cozimento insatisfatório do meio interno nos alimentos são considerados importantes medidas preventivas a Salmonella.

Profissionais qualificados podem minimizar consideravelmente os riscos de contaminação do alimento, tornando possível oferecer um produto final com excelência ao consumidor, implementando medidas preventivas que mostram-se eficazes para redução dos níveis de ocorrência a Salmonella nas UAN´s.

As boas práticas de manipulação, programas específicos para a prevenção e correção das falhas devem ser colocadas em prática constantemente.

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ENFERMAGEM NAS URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS: O ESTRESSE DO PROFISSIONAL ENFERMEIRO NA UNIDADE

E ATENDIMENTO DE URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS, UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

NURSING IN URGENCIES AND EMERGENCIES:THE STRESS OF PROFESSIONAL NURSES IN THE UNIT OF CARE AND

URGENCY AND EMERGENCY CARE, A LITERATURE REVIEW

1 FERREIRA, Marcelo Marques 1

2 MOURA, Heliane 2

RESUMO: A enfermagem é muito citada pelo fato de trabalhar com enfermidades críticas e com situações de morte, em paralelo a isso esta o enfermeiro que trabalha na unidade de urgência e emergência no qual se depara em situações de alta complexidade e precisa tomar decisões rápidas e concretas com o objetivo de prevenir a morte de paciente, nesse sentindo o estresse pode estar presente no cotidiano deste profissional. O objetivo dessa é pesquisa é saber quais os destaques dados pelos pesquisadores sobre o tema estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgência e emergência e conhecer quais as publicações realizadas utilizando como metodologia a revisão de literatura. Apenas dez das pesquisas foram utilizadas para este estudo. Importante afirmar que o número total de autores na pesquisa foi vinte e quatro. Destes dois eram médicos, dezoito enfermeiros, duas psicólogas e dois estudantes de enfermagem. As pesquisas mostram que o atendimento a pacientes em unidade de urgência e emergência expõe o profissional enfermeiro a situações extremamente estressantes e desgastantes, Tivemos também como resultado dos artigos que a sobrecarga de trabalho, relacionamento e comunicação, as características da instituição e a poluição ambiental estão como agentes estressores organizacionais segundo alguns artigos. Concluímos que existem poucos estudos sobre o estresse e enfermeiros. Conseguimos compreender que são muitas as fontes que estresse, porém a identificação de estressores em atendimentos de urgência e emergência corresponde a um dos grandes agentes de mudança, uma vez que desenvolvidas haverá possíveis soluções para minimizar os efeitos, estas podem tornar o cotidiano do profissional enfermeiro e da equipe de enfermagem mais produtivo, menos desgastante e, possivelmente, valorizá-la mais no que se refere aos aspectos humanos e profissionais. DESCRITORES: Enfermeiro; urgência e emergência; estresse.

ABSTRACT:Nursing is often cited for working with critical illness and death situations, in parallel to this is the nurse who works in the urgency and emergency care unit in which it faces in situations of high complexity and need to make quick decisions and concrete In order to prevent the death of the patient, in that sense the stress may be present in everyday life of this professional.The objective of this research is to know which feature data by researchers on the subject stress the professional nurse in the unit andurgency and emergency care unit and know which publications made using the methodology of literature review. Only ten of the surveys were used in this study. Important to state that the total number of authors in the study was twenty-four. These two were doctors, eighteen nurses, two psychologists and two nursing students. Research shows that caring for patients in urgency and emergency care unit exposes the nurse to extremely stressful situations, we also had as a result of the articles that the overload of work, relationships and communication, the characteristics of the institution and environmental pollution are as organizational stress agents according to some articles. We conclude that there are few studies on stress in nurses, we understand that there are many sources of stress, but the identification of stressors on emergency and urgent care represents a major change, since there will be developed possible solutions to minimize effects, these can make the routine of professional nurses and nursing staff, less stressful and possibly give it more weight when it comes to professional and human aspects.KEYWORDS: Nurse, urgency and emergency, stress.

INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema surgiu a partir de uma vivência, durante plantões, em uma unidade atendimento de urgências e emergências, na qual tive conhecimento da existência

1 Discente do curso de pós – graduação em urgências e emergências pela Faculdade Estadual de Paranavaí, 2011, enfermeiro funcionário público do município de Rolândia e docente do curso de enfermagem do Centro Universitário Filadélfia – UNIFIL – Londrina – Paraná. E-mail: [email protected]

2 Doutora e docente da Faculdade Estadual de Paranavaí, E-mail- [email protected].

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de profissionais enfermeiros com estresse em decorrência deste tipo de trabalho. Esta constatação associada às minhas experiências nos atendimentos de urgência e emergência, que desencadeavam em mim e em minha equipe emoções e reações diversificadas, acentuou o interesse e necessidade de conhecer o impacto que o serviço de urgência e emergência provoca nos profissionais de saúde que prestam atendimento.

Decidimos então realizar um levantamento bibliográfico a respeito do tema, identificando os destaques dados pelos autores e pesquisadores sobre o tema estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgência e emergência.

As pesquisas relacionadas ao estresse tiveram início no final da década de 70, quando este foi considerado como uma resposta não específica do corpo a qualquer exigência feita a ele (MARTINS, 2000). E cada vez mais é crescente a preocupação referente ao assunto estresse, antes, vinculado à abordagem de auto-ajuda.

Tal preocupação hoje, talvez, deva-se ao fato de o estresse estar tão presente em nosso cotidiano. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, “90% da população mundial é afetada pelo estresse, tomando aspectos de uma epidemia global”. (BAUER, 2002 apud BATISTA; BIANCHI, 2006).

É importante afirmar que enfermeiro presta assistência em setores considerados desgastantes, tanto pela carga de trabalho, como pelas especificidades das tarefas e nesse panorama, encontra-se a unidade de urgência e emergência.

Busca-se, com este estudo, determinar quais as publicações realizadas sobre o estresse dos enfermeiros em atendimentos de urgências e emergências, identificar conteúdos tratados dos autores de estudo da área pesquisada, conceituar revisão bibliográfica e considerar parâmetros na consideração dos títulos pesquisados.

A partir deste estudo conclusões e alternativas poderão ser elaboradas para melhor atender as necessidades dos profissionais que trabalham com esse serviço.

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 conceito de estresse

Há diferentes posições sobre o tema e, sendo assim, selecionamos alguns autores para embasar o referido estudo.

Afinal, o que vem a ser estresse? Segundo o dicionário Aurélio, (1993) “estresse é um conjunto de reações do organismo a agressões de diversas origens, capazes de perturbar-lhe o equilíbrio interno”.

A Síndrome Geral da Adaptação ou estresse foi descrita por Azevedo (2000) apud Neto; Garbaccio (2008) e é dividida em três fases:

• Alarme – Fase inicial equivalente a uma reação de emergência, podendo durar de alguns dias até semanas.

• Adaptação ou Resistência – Quando a exposição do indivíduo aos fatores causadores do estresse é duradoura, adaptando esse indivíduo às situações que o levam ao estresse. Pode durar desde alguns meses até vários anos.

• Exaustão ou Esgotamento – Caracteriza-se pela incapacidade dos mecanismos responsáveis pela busca da adaptação do organismo aos efeitos dos estressores permanecerem por tempo prolongado, podendo conduzir o organismo à morte.

Porém é importante afirmar que, há várias definições para o estresse. Para Bianchi; Batista (2006) o estresse é:

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Enfermagem nas urgências e emergências: o estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências, uma revisão bibliográfica

[...] qualquer evento que demande do ambiente externo ou interno e que taxe ou exceda as fontes de adaptação do indivíduo estabelecendo, assim, as bases do modelo interacionista de estresse. Nesse modelo, a pessoa realiza a avaliação primária do “estressor”, na qual ocorre a ponderação sobre o valor do evento, enquanto algo positivo (desafio), ou negativo (ameaça), e até mesmo se é algo irrelevante, o que não provoca estresse. Na avaliação secundária, para os eventos considerados como desafio e ameaça, o indivíduo avalia suas fontes de enfrentamento e as estratégias disponíveis, com a perspectiva de manter o equilíbrio dinâmico de sua saúde.

Nesse mesmo sentindo, outro autor concorda e faz uma definição sobre o estresse, diz que atualmente a palavra “estresse tem sido muito recorrida, associada a sensações de desconforto, sendo cada vez maior o número de pessoas que se definem como estressadas ou relacionam a outros indivíduos na mesma situação” (JEANE; STACCIORINI; TRÓCCOLI, 2001, grifo nosso). Portanto podemos afirmar que o estresse é quase sempre visualizado como algo negativo que ocasiona prejuízo no desempenho global do indivíduo.

Alguns autores como Calderero; Miasso; Webster (1981), apud Martins et al., (2000) conceituam estresse como “sendo uma resposta adaptativa, mediada por características individuais ou processos psicológicos, sendo uma conseqüência a qualquer evento externo que identifica demandas físicas ou psicológicas em um indivíduo”.

O trabalho deve ser prazeroso, na sua atuação e na qualidade de vida dos indivíduos, possibilitando desenvolvimento, mudanças, identificação e autonomia pessoal, porem pode causar problemas de insatisfação, desinteresse, apatia e irritação (BATISTA; BIANCHI, 2006).

Importante afirmar que vários teóricos mostraram que estresse está presente diariamente em nossas vidas, desde a execução de tarefas simples do cotidiano, até aquelas mais complexas, as quais exigem maiores demandas físicas e emocionais, podendo nos expor ao risco de graves doenças.

1.2 Fatores que geram estresse do profissional enfermeiro

Diversos fatores de estresse podem afetar o profissional enfermeiro, em um estudo realizado por Bianchi; Menzani (2007) mostra que:

[...] problemas pessoais de ordem emocional, afetando diretamente a comunicação e o desempenho do profissional; a ansiedade causada pela expectativa de um desempenho adequado; questões éticas; stress do paciente e do familiar agravados pela alta demanda, impondo maior habilidade do profissional para controlar a situação; condições de trabalho inadequadas relacionadas ao ambiente, recursos materiais e tecnológicos.

Algumas ocupações oferecem mais riscos ao estresse e, dentre estas, “a enfermagem é citada, pelo fato de trabalhar com enfermidades críticas e com situações de morte” (stACCIArInI; tróCCOLI, 2001), alem disso esse mesmo referencial teórico afirma que se “acatarmos estes elementos como estressores no trabalho do enfermeiro possivelmente os mais propensos seriam os profissionais assistencialistas.

Nesse mesmo parâmetro foi realizada uma revisão de algumas publicações verificou-se “que muitas vezes que o enfermeiro depara-se com uma situação de alta complexidade no atendimento, onde os recursos materiais disponíveis não estão compatíveis com a dimensão da atuação requerida, sendo mais um fator de stress”. (BIANHI; MENZANI, 2007).

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È importante afirmar que “o profissional enfermeiro esta em vivencia direta no processo de dor, morte, sofrimento, desespero, incompreensão, irritabilidade, e tanto outros sentimentos e reações desencadeadas pelo processo doença”. (BATISTA; BIANCHI, 2006, apud, HARBS; RODRIGUES; QUADROS, 2008).

Lidar com a morte e o sofrimento no ambiente de trabalho e em atendimentos de urgência e emergência exige muito do enfermeiro, principalmente no aspecto emocional (CAMELO; ANGERAMI, 2006 apud NETO; GARBACCIO, 2008).

O trabalho realizado em condições insalubres e inseguras influencia diretamente no bem-estar físico e psíquico do indivíduo. Nesse sentindo a enfermagem foi classificada pela Health Education Authority, como a quarta profissão mais estressante, no setor publico.

Segundo Stacciarini; Troccoli,, (2001), apud Harbs; Rodrigues; Quadros (2008) mostram que:

[...] são poucas as pesquisas que procuram investigar os problemas associados ao exercício da profissão do enfermeiro no Brasil. A historia da enfermagem revela que desde sua implementação no Brasil ela é uma categoria marginalizada e assim, o enfermeiro vem tentando afirmar-se profissionalmente sem contar com apoio e compreensão de outros profissionais.

Ser enfermeiro significa ter como agente de trabalho o homem, e, como sujeito de ação, o próprio homem e há uma estreita ligação entre o trabalho e o trabalhador, com a vivência direta e ininterrupta do processo de dor, morte, sofrimento, desespero, incompreensão, irritabilidade e tantos outros sentimentos (BATISTA; BIANCHI, 2006).

O enfermeiro submetido a ciclo de trabalho noturno geralmente possuem sono diurno de má qualidade, podendo experimentar aumento da sonolência durante o trabalho, o que gera, por sua vez, além de ansiedade, risco de acidentes (BALLONE, 2007; MARTINO; MISKO, 2004 apud NETO; GARBACCIO, 2008).

É importante afirmar que, o estresse quando esta relacionado ao trabalho do profissional enfermeiro no atendimento ao paciente este pode ser categorizado em seis grupos, segundo Stacciarini; Tróccoli, (2001):

[...]fatores intrínsecos para o trabalho (condições inadequadas de trabalho, turno de trabalho, carga horária de trabalho, contribuições no pagamento, viagens, riscos, nova tecnologia e quantidade de trabalho), papéis estressores (papel ambíguo, papel conflituoso, grau de responsabilidade para com pessoas e coisas), relações no trabalho (relações difíceis com o chefe, colegas, subordinados, clientes sendo diretamente ou indiretamente associados), estressores na carreira (falta de desenvolvimento na carreira, insegurança no trabalho devido a reorganizações ou declínio da indústria), estrutura organizacional (estilos de gerenciamento, falta de participação, pobre comunicação), interface trabalho-casa (dificuldade no manejamento desta interface).

Portanto vários teóricos mostram que o estresse relacionado ao trabalho é gerado de varias situações, mas acreditamos que a identificação de estressores no trabalho corresponde a um dos grandes agentes de mudança, uma vez que desenvolvidas as possíveis soluções para minimizar seus efeitos, estas podem tornar o cotidiano do profissional enfermeiro mais produtivo, menos desgastante e, possivelmente, valorizá-lo mais no que se refere aos aspectos humanos e profissionais.

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2 MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão de literatura, por meio de pesquisa bibliográfica, retrospectiva de natureza descritiva, com abordagem quantitativa, enfatizando o tema estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências.

Para Figueiredo (2006, p. 83) a “revisão bibliográfica deve permitir uma compreensão adequada de qual é o estado atual e o que já tem sido feito na área da pesquisa estudada”.

A população do estudo foi constituída por artigos sobre o estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências, publicados na literatura nacional no período de janeiro de 2000 a agosto de 2009, indexados nas bases eletrônicas: literatura latino americana de ciências da saúde (LILACS) e scientific library online (SCIELO). Foram considerados também periódicos impressos, monografias, dissertações e teses.

Os artigos que comporam a base de estudos foram definidos a partir dos seguintes critérios de inclusão: Publicados em periódicos nacionais, na língua portuguesa, no período de jan/2000 e dez/2009 e Indexados nas bases de dados referidas anteriormente, por meio dos descritores: estresse, enfermeiro, urgências, emergências.

2.1 Procedimentos para coleta de dados

Para a coleta sistemática de dados foi elaborado um instrumento específico (Apêndice A), composto de três partes: identificação do periódico, dos pesquisadores (autores) e dos dados referentes à pesquisa.

Os dados referentes ao periódico foram: titilo da pesquisa, nome do periódico, ano, base de dados no qual foi localizado e finalmente sobre o acesso ao artigo na íntegra ou ao resumo. Quanto aos pesquisadores: número de autores, profissão e titulação. Os dados referentes à pesquisa serão: objetivos, tipo de pesquisa, resultados e conclusões.

2.2 Análise dos dados

Após a leitura analítica das pesquisas selecionadas e do preenchimento do instrumento elaborado para tal finalidade, os dados obtidos foram agrupados em tabelas e quadros e a distribuição analisada através de freqüência simples e relativa.

3 RESULTADO E DISCUSSÃO

A busca de pesquisas sobre o estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências, nas bases de dados citadas e no período estabelecido, evidenciou o total de dez artigos, ou seja, dez “pesquisas” que constituíram o material de análise deste estudo.

Os resultados são apresentados em relação ao periódico, ao pesquisador e à pesquisa, de acordo com o objetivo proposto para o estudo. As pesquisas selecionadas encontram-se distribuídas nos últimos10 anos, do ano de 2000 a 2009, com a base de dados eletrônica, artigos e outras formas de publicação indexadas nas bases de dados propostas.

Foram encontradas com o unitermo “enfermeiro” “965 artigos”; “Urgência e Emergência” “31 artigos” e “estresse” “695 artigos”, entretanto ao cruzar-se com os descritores propostos, apenas dez das pesquisas foram utilizadas para este estudo.

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Nesse sentindo já conseguimos entender que a quantidade de trabalhos desenvolvidos, conforme os descritores revelam poucos resultados sobre os atendimentos de urgência e emergência e um número mais expressivo de trabalhos exclusivamente sobre enfermeiros e estresse.

TABELA 1 – Autores dos artigos analisados, selecionados por categoria profissional.

Profissão Número de autores segundo os artigos

Médico 2

Enfermeiro 18

Psicólogo 2

Estudante de Enfermagem 2

Importante mostrar que o número total de autores na pesquisa foi vinte e quatro. Destes dois eram médicos, dezoito enfermeiros, duas psicólogas e dois estudantes de enfermagem.

Percebe-se pelo quadro acima que além dos próprios enfermeiros, existem outros profissionais preocupados em pesquisar sobre o tema, que interfere na saúde do trabalhador enfermeiro.

TABELA 2 – Autores dos artigos selecionados segundo a titulação.

Titulação Número de autores dos artigos

Doutor 6

Mestre 10

Especialista 4

Graduado 2

Estudante de Enfermagem 2

Quanto à titulação, entre os que apresentaram, seis eram doutores, dez mestres, quatro especialistas, dois graduandos e dois estudantes de enfermagem.

Quanto ao tipo de estudo, três são de revisão de literatura e sete descritivos exploratórios transversais. Ou seja, existem menos pesquisas por revisão de literatura em comparação a pesquisas de campo. Para analise das pesquisas a seguir resolvemos destacar cada titulo do artigo com um número.

Os inúmeros artigos publicados sobre o estresse no trabalho do enfermeiro nessa pesquisa ainda não responderam se há alguma função ocupacional ou especialidade mais estressante do que outra

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Enfermagem nas urgências e emergências: o estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências, uma revisão bibliográfica

QUADRO 1 – Títulos dos artigos encontrados, periódico, ano e nome dos autores.

Titulo do artigo Periódico Ano Nome dos autores

Processo de trabalho em setor de emergência de hospital de grande porte: a visão dos trabalhadores de

enfermagem.

Revista Rene 2009

BARBOSA, K. P, SILVA, L, M, S, FERNANDES,

M. C, TORRES, R. A. M, SOUZA, R. S.

Estresse do enfermeiro em unidade de emergência.

Revista Latino Americana

Enfermagem2006 BATISTA, K. M;

BIANCHI, E. R. F.

Estresse e estratégias de enfrentamento em uma equipe

de enfermagem de Pronto Atendimento.

Revista eletrônica de Enfermagem 2008

CALDEIRO, A. R. L, MIASSO, A. I,

CORRADI-WEBSTER, C. M.

Estresse da equipe de enfermagem de um centro de urgência e

emergência.

Boletim de Enfermagem 2008

HARBS, C. T, RODRIGUES, S. T, QUADROS, V. A. S.

Informações de unidade de pronto atendimento, possibilidade de uso como sentinelas da atenção básica

a saúde.

Revista de Informática pública. 2003 JUNIOR, G. D,

FERREIRA, J. M.

Agentes estressores no trabalho e sugestões para amenizá-los:

opiniões de enfermeiros de pós – graduação.

Revista Latino América de

Enfermagem.2000

MARTINS, L. M. M, BRONZATTI, J. A. G, VIEIRA, C. S. C,

PARRA, S. H. B, SILVA, Y. B.

Stress dos enfermeiros de pronto socorro dos hospitais brasileiros.

Revista Eletrônica de Enfermagem 2010 MENZANI, G,

BIANCHI, E. R. F.

O estresse ocupacional no serviço de enfermagem hospitalar:

reconhecimento e minimização.Revista Interseção 2008 NETO, N. M. C,

GARBACCIO, J. L.

O estresse na atividade ocupacional do enfermeiro

Revista Latino América de

Enfermagem.2001 STACCIARINI, J. M. R,

TRÓCCOLI, B. T.

O enfermeiro de unidade de emergência de hospital privado:

algumas considerações.

Revista Latino América de

Enfermagem.2008 WEBHE, G. GALVÃO,

C. M. O

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QUADRO 2 – Objetivos, metodologias e conclusões dos artigos encontrados.

Titulo do artigo Objetivo Metodologia Conclusão

Processo de trabalho em setor de emergência de hospital de grande porte: a visão dos trabalhadores de

enfermagem.

Conhecer a visão dos trabalhadores de

enfermagem acerca do aporte estrutural e do processo de trabalho

desenvolvido no setor de emergência de um hospital

de grande porte.

Descritivo exploratório

Nota-se que estes profissionais realmente percebem os riscos de adoecimento e de falta de

segurança que o ambiente hospitalar e em especial a

emergência apresenta. É comum a ausência de intervenções por parte

dos órgãos fiscalizadores e que são responsáveis pela segurança

dos profissionais de enfermagem.

Estresse do enfermeiro

em unidade de emergência.

Determinar o nível de estresse dos enfermeiros

DescritivoExploratório

Constata-se que, para o enfermeiro de emergência,

apesar de sua pronta e efetiva atuação frente à instabilidade da

situação do paciente, as condições externas a essa situação são mais estressantes. Cabe às instituições analisarem esses requisitos para

possibilitar a diminuição do estresse.

Estresse e estratégias de enfrentamento em uma equipe de enfermagem

de Pronto Atendimento.

Verificar entre a equipe de enfermagem do Pronto

Atendimento de um Centro de Saúde Escola, a ocorrência e as fontes de estresse, as estratégias de enfrentamento utilizadas.

DescritivoExploratório

Faz-se necessária adoção, pela referida instituição, de estratégias

sadias de redução de estresse voltadas para estes profissionais.

Estresse da equipe de enfermagem de um centro de urgência e emergência.

Identificar a exposição ao estresse nos trabalhadores

de enfermagem em um serviço de urgência e

emergência.

Revisão de Literatura

A pesquisa mostrou que o estresse esta presente na atuação do enfermeiro nesta unidade de

urgência e emergência, porem, foi contraditório com os auxiliares de enfermagem. Os resultados

reforçam que esses profissionais têm que redimensionar os níveis

de demanda psicológica.

Informações de unidade de pronto

atendimento, possibilidade de uso como sentinelas da

atenção básica a saúde.

Demonstrar a identificação de desvios de fluxos de

um sistema de informação em unidades de pronto atendimento utilizando indicadores de saúde.

Revisão de Literatura

O sistema de informação é um fator importante no sentindo de acompanhar populações especificas. Recomenda-

se a implantação de todo o sistema nas redes de atenção as emergências dos SUS municipal.

Agentes estressores

no trabalho e sugestões para amenizá-los: opiniões de

enfermeiros de pós – graduação.

Analisar o nível de estresse no trabalho de enfermeiras americanas

que atuam em saúde pública e hospitais.

Descritivo Exploratório

A sobrecarga de trabalho, relacionamento e comunicação, as características da instituição

e a poluição ambiental foram os agentes estressores organizacionais mais citados

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Enfermagem nas urgências e emergências: o estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências, uma revisão bibliográfica

Titulo do artigo Objetivo Metodologia Conclusão

Stress dos enfermeiros de pronto socorro dos hospitais brasileiros.

Levantar os estressores dos enfermeiros atuantes em unidades de pronto

socorro nas cinco regiões brasileiras.

Descritivo Exploratório

Pode-se inferir que a estrutura organizacional da instituição

hospitalar tem responsabilidade no nível de stress dos enfermeiros

de pronto socorro, assim precisamos incentivar estratégias de enfrentamento para minimizar

os efeitos do stress.

O estresse ocupacional no serviço de enfermagem hospitalar:

reconhecimento e minimização.

Levantar os estressores dos enfermeiros atuantes em unidades de pronto

socorro nas cinco regiões brasileiras.

Descritivo Exploratório

Pode-se inferir que a estrutura organizacional da instituição

hospitalar tem responsabilidade no nível de stress dos enfermeiros

de pronto socorro, assim precisamos incentivar estratégias de enfrentamento para minimizar

os efeitos do stress nestes profissionais.

O estresse na atividade

ocupacional do enfermeiro

Analisar o que é estresse para o enfermeiro,

identificar os elementos estressores em diferentes atividades ocupacionais

deste profissional e averiguar se a atividade

ocupacional exercida pelo enfermeiro,

Revisão de Literatura

Não temos dúvida de que pesquisas desta natureza possam colaborar no sentido de prevenir doenças ocupacionais e auxiliar na busca de soluções para alguns

problemas desta categoria profissional.

O enfermeiro de unidade de emergência de hospital

privado: algumas considerações.

Este estudo teve como objetivo apresentar as

atividades do enfermeiro de emergência de um

hospital privado e tecer considerações

sobre a liderança como estratégia para a melhoria

do gerenciamento da assistência de enfermagem

prestada ao paciente/cliente.

Descritivo Exploratório

Procurando oferecer uma contribuição aos enfermeiros que atuam em unidades de

emergência apresentamos este relato, no qual descrevemos as

principais atividades assistenciais, administrativas e de ensino

desenvolvidas no hospital que trabalhamos. Assim, apontamos a necessidade destes profissionais

repensarem a sua prática profissional e tecemos algumas considerações as quais indicam a liderança como uma estratégia

que pode possibilitar as mudanças requeridas no gerenciamento da assistência de enfermagem prestada ao paciente/cliente.

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Marcelo Marques Ferreira, Heliane Moura

As pesquisas mostram que o atendimento a pacientes em unidade de urgência e emergência expõe o profissional enfermeiro a situações extremamente estressantes e desgastantes, pois estão diretamente envolvidos nestas condições, pois além de lidar com o sofrimento e morte, trabalham, normalmente, em condições longe de ideais.

Na tentativa de relacionar os agentes mais estressores durante os atendimentos do profissional enfermeiro, Menzani; Bianchi (2009), realizaram um estudo descritivo exploratório:

A população do estudo constituiu-se de amostra de 143 enfermeiros atuantes em unidades de pronto socorro das 5 regiões brasileiras, Os dados foram coletados entre 2005 e 2006, utilizando-se a Escala Bianchi de Stress, constituída por caracterização sócio-demográfica e por 51 itens, divididos em seis domínios, que englobam o relacionamento(A), funcionamento da unidade(B), administração de pessoal(C), assistência de enfermagem(D), coordenação da unidade(E) e condições de trabalho(F) (MENZANI, BIANCHI, 2009).

Os autores dos artigos chegaram à conclusão que a estrutura organizacional da instituição hospitalar tem responsabilidade no nível de estresse dos enfermeiros de pronto socorro, assim precisamos incentivar estratégias de enfrentamento para minimizar os efeitos do estresse nestes profissionais.

Porém é importante afirmar que o conjunto de artigos apresentados nessa pesquisa reforça a difundida idéia na comunidade científica de que se acumulam as evidências que o profissional enfermeiro vive sob condições estressantes de trabalho, pois dos dez artigos encontrados seis tinham como objetivo identificar a exposição do estresse do profissional enfermeiro em um serviço de urgência e emergência. E tiveram como conclusão que o estresse esta presente na atuação deste profissional.

Mas podemos destacar também que duas pesquisas tiveram como resultado que o profissional enfermeiro realmente percebe os riscos de adoecimento (estresse) e da falta de segurança que o ambiente trabalho e em especial a emergência apresenta (WEBHE ; GALVÃO, 2008 ; STACCIARINI ; TROCOLLI, 2001).

As pesquisas demonstram “que é comum a ausência de intervenções por parte dos órgãos fiscalizadores que são responsáveis pela segurança dos profissionais de enfermagem” (BARBOSA et al.; 2009).

Cabe às instituições analisarem esses requisitos para possibilitar a “diminuição do estresse vivido pelos enfermeiros” (BATISTA 2006). Todos os artigos tiveram como idéia central que pesquisas desta natureza podem colaborar no sentido de prevenir doenças ocupacionais e auxiliar na busca de soluções para alguns problemas desta categoria profissional.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso contribuiu para ampliação de nossos conhecimentos a respeito do estresse do profissional enfermeiro em unidade e atendimento de urgências e emergências.

Acreditamos que a identificação de estressores em atendimentos de urgência e emergência corresponde a um dos grandes agentes de mudança, uma vez que desenvolvidas haverá possíveis soluções para minimizar os efeitos, estas podem tornar o cotidiano do profissional enfermeiro e da equipe de enfermagem mais produtivo, menos desgastante e, possivelmente, valorizá-la mais no que se refere aos aspectos humanos e profissionais.

Importante afirmar que conseguimos entender que apesar do estresse não ser uma forma de adoecimento exclusiva de trabalhadores de enfermagem (ela atinge grande parte

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Enfermagem nas urgências e emergências: o estresse do profissional enfermeiro na unidade e atendimento de urgências e emergências, uma revisão bibliográfica

da população trabalhadora ou não e tem sido considerada como a doença do século), faz-se necessário direcionar estudos para minimizar o problema.

Além disso, essa pesquisa mostrou que apesar de muitos estudos, o estresse ainda necessita ter maior importância em pesquisas de campo, pois percebemos que são poucos em vista do amplo aspecto de abrangência que existe sobre essa temática. Importante afirmar que se tem um baixo número de pesquisadores com doutorado e mestrado que tenham interesse em escrever sobre o assunto.

O autor deste trabalho preocupado com tema apresentado nessa pesquisa, afirma que, pretende iniciar uma pesquisa de campo, com a atenção especial ao enfermeiro que atua em serviços de urgência e emergência, o projeto se encontra em fase de estruturação para futura pesquisa de tese de mestrado.

As reflexões e indagações sustidas merecem um maior aprofundamento para que haja a abertura de novas possibilidades a respeito do tema o que não se encerra apenas com este estudo.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, K. P, SILVA, L, M, S, FERNANDES, M. C, TORRES, R. A. M, SOUZA, R. S. Processo de trabalho em setor de emergência de hospital de grande porte: a visão dos trabalhadores de enfermagem. Rev. Rene. Fortaleza, v. 10, n. 4, p. 70-76, out./dez.2009.

BATISTA, K. M; BIANCHI, E. R. F. Estresse do enfermeiro em unidade de emergência. Rev. Latino – Americana. Enfermagem vol. 14 nº 4, Ribeirão Preto, jul/agos. 2006.

CALDEIRO, A. R. L, MIASSO, A. I, CORRADI-WEBSTER, C. M. Estresse e estratégias de enfrentamento em uma equipe de enfermagem de Pronto Atendimento. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2008; 10 (1): 51-62. Acesso em agosto|2010: http://www.fen.ufg.br/revista/v10/n1/v10n1a05.htm.

HARBS, C. T, RODRIGUES, S. T, QUADROS, V. A. S. Estresse da equipe de enfermagem de um centro de urgência e emergência. Boletim de enfermagem ano 2, vol 1, São 2008.

JUNIOR, G. D, FERREIRA, J. M. Informações de unidade de pronto atendimento, possibilidade de uso como sentinelas da atenção básica a saúde. Rev. Informática pública. Vol 5 (1): 23 – 45, Belo Horizonte, 2003.

MARTINS, L. M. M, BRONZATTI, J. A. G, VIEIRA, C. S. C, PARRA, S. H. B, SILVA, Y. B. Agentes estressores no trabalho e sugestões para amenizá-los: opiniões de enfermeiros de pós – graduação. Rev. esc. Enfermagem. USP vol.34 n.1 São Paulo Mar.2000.

MENZANI, G, BIANCHI, E. R. F. Stress dos enfermeiros de pronto socorro dos hospitais brasileiros. Rev. Eletr. Enf. [Internet]. 2009;11(2):327-33. Acesso em: dezembro|2010. http://www.fen.ufg.br/revista/v11/n2/v11n2a13.htm.

NETO, N. M. C, GARBACCIO, J. L. O estresse ocupacional no serviço de enfermagem hospitalar: reconhecimento e minimização. Rev. Interseção, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 71-81, abr. 2008.

STACCIARINI, J. M. R, TRÓCCOLI, B. T. O estresse na atividade ocupacional do enfermeiro. Rev. Latino-Am.Enfermagem vol.9 n.2 Ribeirão Preto Mar./Apr. 2001.

WEBHE, G. GALVÃO, C. M. O enfermeiro de unidade de emergência de hospital privado: algumas considerações. Rev. Latino-Am. Enfermagem vol.16 n.3 Ribeirão Preto May/June 2008.

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IDENTIFICANDO AS QUEIXAS DOLOROSAS DA EQUIPE DE ENFERMAGEM E IMPLEMENTANDO

ESTRATÉGIAS PARA MINIMIZÁ-LASIDENTIFYING PAINFUL COMPLAINTS OF NURSING STAFF AND IMPLEMENTING STRATEGIES TO MINIMIZE THEM

Edmilson de Oliveira1

Ricardo Castanho Moreira2

RESUMO:O presente estudo teve como objetivo avaliar os sinais e sintomas osteomusculares que mais acometem a equipe de enfermagem e desenvolver um plano de trabalho onde o enfermeiro foi o ator principal para minimizar os riscos ergonômicos que os procedimentos representam na saúde da equipe de enfermagem, através de comunicados informativos, orientação direta no ato da manipulação dos pacientes e ginástica laboral. Trata-se de uma pesquisa exploratória e de intervenção, o instrumento escolhido para coleta de dados foi um questionário semi estruturado, composto por perguntas abertas e fechadas, por variáveis sócio-demográficas e queixas dolorosas, tendo como base o questionário nórdico adaptado. O período de coleta de dados foi dezembro de 2006 e maio de 2007. Das participantes 89% referiram queixas dolorosas nos últimos sete dias. As áreas de maior incidência foram: região lombar inferior (53%), tornozelo e pés (50%), pescoço (47%), lombar superior (47%), joelho (34%), ombro (31,5%), quadris e coxas (18%), pulso (13%). Foi separado um grupo controle com 22 funcionários que participaram das implementações e obtivemos uma diminuição das queixas dolorosas em 53,3%. PALAVRAS-CHAVE: ergonomia, enfermagem, queixas osteomusculares.

ABSTRACT:The present study aimed to evaluate the musculoskeletal symptoms and signs that more nursing staff attack and develop a work plan where the nurse was the lead actor to minimize ergonomic risks that procedures represent nursing staff health, through informative, direct guidance on patient handling Act and gymnastics. This is an exploratory research and intervention, the chosen instrument for data collection was a semi structured questionnaire, composed of open and closed questions, by socio-demographic variables and painful complaints, based on the Nordic questionnaire adapted. The data collection period was December 2006 and May 2007. 89% of the participants reported painful complaints over the past seven days. The areas of greatest incidence were: lower lumbar region (53%), ankle and feet (50%), neck (47%), upper lumbar (47%), knee (34%), shoulder (31.5%), hips and thighs (18%), wrist (13%). A control group was separated with 22 employees who participated received a reduction in deployments and painful complaints in 53.3%. KEYWORDS: ergonomics, nursing, musculoskeletal Complaints.

INTRODUÇÃO

A equipe de enfermagem é uma classe de trabalhadores que apresentam alto risco para doenças ocupacionais, pois estão expostos diretamente a riscos relacionados a agentes físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes, que o ambiente oferece como os aspectos penosos de atividades peculiares à assistência de enfermagem, entre os quais se destacam o desrespeito aos rítmos biológicos, dimensionamento de pessoal inadequado, falta de planejamento, intensa atividade durante a jornada de trabalho, mobiliários fora das recomendações ergonômicas, posturas comprometedoras para a realização das técnicas e a inexistência, insuficiência ou inadaptação de materiais, que se reflete em problema de saúde, entre eles os problemas osteomúsculares.

Os problemas osteomúsculares, pois as dores musculares não impedem o funcionário de realizar sua função, se tornando um problema crônico e penoso com

1 Mestrando da Universidade Estadual de Maringá (UEM); Especialista em Oncologia pelo Centro Universitário Filadélfia (UNIFIL); Graduado em Enfermagem pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) Campos Bandeirantes. Endereço: Rua Hideo Gunji, 228, Jardim Campos Verdes, CEP 86080-000. Londrina PR. E-mail: [email protected]; [email protected]

2 Doutorando do programa de doutorada da Universidade Federal do Paraná; Mestre em Enfermagem pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Professor da Universidade Estadual do Norte do Paraná., Maringá PR.E-mail: [email protected]

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Edmilson de Oliveira, Ricardo Castanho Moreira

um prognóstico sombrio que o levará muitas vezes a uma vida com queixas dolorosas ou a aposentadoria por invalidez.

Esses profissionais desenvolvem funções de alto índice de exigências físicas e em contrapartida a grande maioria não tem um preparo adequado, a movimentação de paciente é uma das atividades de enfermagem mais citadas por autores que desenvolve pesquisa nessa linha.

Vários trabalhos citam a equipe de enfermagem como vítima de doenças osteomúsculares, entre eles, em um trabalho realizado com 105 trabalhadores de enfermagem, 93 % apresentaram sintomas osteomusculares(1).

Ao analisar o absenteísmo na equipe de enfermagem, as queixas osteomusculares apresentam as maiores ocorrência entre os motivos com 23% dos afastamentos, enquanto o segundo lugar atingiu 15%, apresentando um diferencial de 7%(2).

O enfermeiro é o líder da equipe de enfermagem, ele tem o papel de direcionar a assistência e avaliar sua eficácia, o cuidado de enfermagem é norteado por ele, que também tem a função de desenvolver programas preventivos não só para os clientes, mas também para sua equipe, oferecendo condições de realizar o cuidado e gerenciando o ambiente de trabalho para melhorar a satisfação profissional.

Esse trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar os sinais e sintomas osteomusculares que mais acometem a equipe de enfermagem e desenvolver um plano de trabalho onde o enfermeiro possa atuar para minimizar os riscos ergonômicos do processo de trabalho da equipe de enfermagem.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo quase experimental, sendo o mesmo grupo avaliado em momentos diferentes. A pesquisa foi realizada em uma instituição hospitalar na cidade de Bandeirantes-Pr, em um hospital de porte médio, contando 71 leitos de internação e mais 8 no pronto socorro, sendo um total de 79 leitos, divididos em sete alas: clinica médica, centro cirúrgico, maternidade, pediatria, pronto socorro, UTI e serviço de diagnóstico e imagem. Funciona em caráter filantrópico, atendendo tanto à pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), como particulares.

Fazem parte do corpo de enfermagem 46 funcionários, sendo entrevistados 38, o grupo foi selecionado naturalmente com uma mostra de 22 profissionais que aderiram às atividades e 18 responderam ao questionário que avaliou as implementações.

Utilizamos formulário semi-estruturado, composto por perguntas abertas e fechadas, elaborada com base na literatura pesquisada, composto por variáveis sócio-demográficas e queixas dolorosas, tendo como base o questionário nórdico adaptado. Foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Curso de Enfermagem da FALM, para análise e parecer conforme a resolução 196/96 CNS. Obtendo o parecer favorável número: 126/2006. Mediante o consentimento livre e esclarecido dos participantes da pesquisa, iniciou-se o estudo.

A coleta de dados ocorreu no período de quatorze e quinze de dezembro de 2006, os dados foram agrupados no programa Microsoft Excel para tabular e em seguida calculado a incidência do evento e o risco relativo (RR) que a população em estudo apresentou para desenvolver queixas dolorosas. Na segunda etapa foi realizada a intervenção em um período de 45 dias com ações educativas através de orientação direta ao movimentar e transportar o paciente, folhetos informativos e ginástica laboral compensatória, posteriormente realizou-se a avaliação dos resultados.

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Identificando as queixas dolorosas da equipe de enfermagem e implementando estratégias para minimizá-las

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Reconhecimento do Perfil das Queixas Dolorosas e Fatores Associados

Entrevistou-se um total de 38 funcionários, que representou 82,6% de participação na pesquisa. Desses 7,9% eram enfermeiros, 89,5% eram auxiliares e técnicos de enfermagem e 2,63% atendentes. A idade variou entre 21 a 52 anos e a média de idade foi de 36,5 anos.

O sexo foi predominantemente feminino, o estado civil casada foi de 63,1%, 5,7% se caracterizaram como branca 18,4% negra, 23,7% mestiça e nenhuma amarela, 15,8% disseram ser fumantes, 10,5% ingerem bebida alcoólica, 28,9% faz caminhada, 2,6% faz academia e 10,5% anda de bicicleta.

Quanto à carga horária de trabalho, 86,8% dos trabalhadores se ocupam em média de 36 horas semanais, 5,3% 40 horas semanais, 2,6% 30 horas semamais.

O gráfico abaixo mostra a porcentagem de queixas dolorosas relacionada ao tempo de exercício profissional (figura 1).

GRÁFICO 1: Queixas dolorosas relacionadas ao tempo de trabalho na Enfermagem, Bandeirantes-Pr, 2007.

0-5a>5a

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Série1

83%

100%

A equipe de enfermagem apresentou 89% de queixas dolorosas, quanto ao tempo de trabalho na enfermagem (42,1%) dos profissionais trabalham de 0 a 2 anos, (21%) de 2 a 5 anos, (15,8%) de 5 a 10 anos e (21%) acima de 10 anos. O Risco Relativo (RR) de funcionários que trabalham na área acima de cinco anos de apresentarem queixas dolorosas é de 1,2 vezes a mais comparada aos que tem menos de cinco anos de trabalho na enfermagem.

Esses dados demonstram que existe uma rotatividade muito grande na profissão, isso prejudica a qualidade do cuidado e perde de certa forma o trabalho do enfermeiro em ter uma equipe integrada, também mostra-nos que as queixas dolorosas na equipe de enfermagem são freqüentes e cumulativas com o passar dos anos de atividade profissional, tornando-a uma profissão de risco para problemas osteomusculares.

O próximo gráfico apresenta a porcentagem de queixas dolorosas relacionadas ao setor de trabalho dos participantes (figura 2).

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Edmilson de Oliveira, Ricardo Castanho Moreira

GRÁFICO 2: Distribuição de queixas dolorosas segundo a unidade de trabalho. Bandeirantes-Pr, 2007.

100% 100% 100% 100% 83% 75% 75%

0,0%10,0%20,0%30,0%40,0%50,0%60,0%70,0%80,0%90,0%

100,0%

Centro cirúrgicoClinica m

édicaUTI

SDI

Pronto socorroMaternidadePediatria

Os índices de acidentes relacionados com a coluna vertebral segundo a unidade de trabalho foram em primeiro lugar a unidade de internação, equivalendo ao pronto socorro de nossa pesquisa, seguido pelo centro cirúrgico(8).

Sobre absenteísmo, a ausência no trabalho não programada, um dos setores que apresentaram maiores números de ausência no trabalho foram o centro cirúrgico e o centro de material(4).

Constatamos que o hospital em estudo apresenta um elevado índice de queixas dolorosas em todos os setores, destacando o centro cirúrgico, clínica médica, seviço de diagnóstico e imagem e unidade de terapia intensiva, seguido pelo pronto socorro, maternidade e pediatria. A estrutura arquitetônica é formada por desníveis resultando em rampas e escadas.

O quadro de funcionários reduzido do centro cirúrgico obriga o funcionário a despender esforço físico além de sua capacidade, levando ao desgaste osteomuscular, pois esse tem que passar a maca para dentro do centro cirúrgico com o paciente, transferir o mesmo para a mesa de operação e voltá-lo sob efeito de anestesia para a maca encaminhando-o novamente para o setor, além da falta de um carrinho para retirar os materiais da autoclave que obrigar a realização de uma postura incorreta aumentando a sobrecarga sob a coluna vertebral.

Já na clinica médica devido ao grande número de pacientes com mobilidade física prejudicada, os funcionários sofrem um desgaste físico devido aos procedimentos a serem realizados como; transporte de pacientes de maca ou de cadeira, banho de leito e longas caminhadas.

A UTI é um setor crítico onde os pacientes recebem cuidados integrais com apenas um funcionário por período, que presta cuidados a pacientes totalmente dependentes e realiza atividades; mudança de decúbito, banho de leito em pacientes em ventilação mecânica, curativos complexos.

O Serviço de Diagnóstico e Imagem é um setor onde o paciente deve ser posicionado pelos funcionários levando-os a realizar posturas inadequadas. Além de ser um setor em que o fluxo de pacientes não é contínuo, e o profissional deve deslocar-se para outro setor para ajudar a equipe.

No Pronto Socorro (PS), o maior problema são as grandes distâncias percorridas

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Identifi cando as queixas dolorosas da equipe de enfermagem e implementando estratégias para minimizá-las

pela equipe para buscar medicamentos e levar o paciente para o internamento, pois esses procedimentos causam grande desgaste físico e em especial nos membros inferiores desses profi ssionais, pois o (PS) tem uma rampa que mede 36,16 metros de distância e 2,30 metros de altura, que obriga os funcionários a desprenderem esforços físicos acima do recomendado.

Na maternidade está locada apenas uma funcionária que fi ca responsável pelo transporte e transferência de gestantes, parturientes e puérperas, como no PS neste setor tem uma rampa de 8,25 metros que obriga a funcionária a realizar um esforço físico que leva a problemas osteomusculares, além de realizar posturas inadequadas para auxiliar na realização do parto normal.

O problema encontrado na pediatria é a postura inadequada que a funcionária deve fazer para realizar os procedimentos de enfermagem, pois os berços são baixos e para realizar os procedimentos a profi ssional transfere uma sobrecarga na coluna vertebral, o acesso a esse setor se dá através de uma escada que mede 5 metros e contém 22 degraus, obrigando a funcionária a subir e descer várias vezes ao dia.

Através desses resultados podemos afi rmar que a equipe de enfermagem está em alto risco ocupacional para desenvolver problemas osteomusculares que causarão danos à saúde do trabalhador, pois apresentam um dimensionamento de pessoal inadequado e inconformidades ergonômicas.

O gráfi co abaixo apresenta a porcentagem de queixas dolorosas relacionada às atividades desenvolvidas pela equipe de enfermagem (fi gura 3).

GRÁFICO 3: Fatores ocupacionais indutores de queixas dolorosas referidos pelos participantes da pesquisa. Bandeirantes-Pr, 2007.

As respostas revelam que a transferência de pacientes da cama para maca é o principal indutor de queixas dolorosas na equipe de enfermagem seguidas por, longo período em pé caminhando, banho de leito, transferência de pacientes da cama para

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Edmilson de Oliveira, Ricardo Castanho Moreira

cadeira, transporte com cadeira, transporte com maca, mudança de decúbito, número de leitos ocupados com capacidade máxima e desinfecção de leito.

Para a realização dessas atividades o profissional de enfermagem realiza um esforço físico intenso e ao se adequar ao ambiente adotam posturas inadequadas. A postura mais adotada pelos trabalhadores de enfermagem é em pé, parada com a coluna inclinada (48,9%), seguida pela postura em pé, parada com a coluna ereta (40,0%). Considerando a adoção de posturas penosas com estiramento da coluna vertebral (6).

Estudos confirmam que as atividades relacionadas a transporte e movimentação de pacientes requerem muito esforço para a coluna vertebral, igualando ou excedendo as recomendações, exigindo muitas vezes, posturas inadequadas e ainda que esse esforço seja muito semelhante ao processo de envelhecimento da coluna, quando há um encurtamento dos discos intervertebrais e consequentemente a instalação de uma lesão (5-1).

Esses dados se tornam muito importante para a formulação de estratégias para prevenção de lesões osteomusculares, pois a transferência de pacientes da cama para a maca é um procedimento muito comum e realizado em todas as instituições hospitalares, como foi comprovado em nossa pesquisa e em bibliografias pesquisadas, o esforço físico despendido para essa atividade prejudica a saúde do profissional da equipe de enfermagem facilitando a causa de problemas osteomusculares. Pesquisadores recomendam a utilização de equipamentos mecânicos e materiais auxiliares para minimizar a força compressiva na coluna vertebral como; utilização de pranchas de madeira ou lonas deslizantes, camas e macas com altura ajustável e o preparo da equipe de enfermagem (1).

O gráfico abaixo apresenta em porcentagem as queixas dolorosas relacionadas às regiões acometidas nos participantes da pesquisa (figura 4).

GRÁFICO 4: Região corporal mais acometida por queixas dolorosas na equipe de enfermagem, Bandeirantes-Pr, 2007.

1

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

(%)

Região corporal mais acometidas

Pulso

Quadris/Coxas

Ombro

Joelho

Costas Superior

Pescoço

Tornozelo/pés

Costa Inferior

Ao analisarmos os trabalhadores que apresentaram sintomas osteomusculares nos últimos sete dias, independente da região corporal, obteve-se um resultado de 89,5% de queixas dolorosas. Esses resultados mostram que os trabalhadores relatam uma elevada ocorrência de sintomas osteomusculares, independentes da área afetada. Procurou-se comparar os resultados desta pesquisa com outras nas quais também foi avaliada a prevalência de sintomas osteomusculares e verificou que, segundo Célia e Alexandre

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Identificando as queixas dolorosas da equipe de enfermagem e implementando estratégias para minimizá-las

(2004), 82% dos trabalhadores de enfermagem apresentaram sintomas osteomusculares. Esse dado mostra que os resultados apresentados nessa pesquisa estão maiores que o encontrado na literatura.

O grupo pesquisado apresentou uma ocorrência elevada de sintomas osteomusculares em diversas regiões corporais, principalmente na coluna vertebral, sendo que a região lombar ficou em primeiro lugar nos dois períodos analisados (diurno e noturno). Um acidente típico na equipe de enfermagem são as lesões de coluna vertebral, pois estudos biomecânicos e anatômicos esclarecem que devido a especial mobilidade das regiões lombar e cervical, as lesões e comprometimentos da coluna vertebral nas referidas áreas são maiores que em outras regiões. Dessa forma os levantamentos que foram feitos condizem com os resultados de outras pesquisas enfocando os problemas osteomusculares(7).

Sobre o questionamento quanto à procura do serviço de saúde ou afastamento do trabalho durante os episódios de queixas dolorosas, obtivemos um resultado preocupante onde o funcionário mesmo com dor desenvolve suas atividades laborais e extra-laborais. somente 10% dos profissionais que apresentam queixas dolorosas solicitam benefícios(3).

O medo da exclusão do mercado de trabalho, é a causa da demora a procura do seviço de saúde, e quando procura o serviço apresenta mais de uma entidade específica e a combinação de sintomas levando ao questionamento do sucesso terapêutico(8).

Dessa forma visualizamos esse problema com sendo crônico, e como todo agravo desse nível, ele acarreta sofrimento aos trabalhadores e um futuro sombrio quanto ao seu estado de saúde.

Implementação Educativa

Foram distribuídos em todos os setores comunicados informativos com o objetivo de proporcionar ao funcionário conhecimento sobre métodos preventivos na transferência de pacientes, para evitar problemas osteomusculares na equipe de enfermagem.

Essa ação atingiu todos os funcionários da instituição independente de período de trabalho, tendo como objetivo conscientizar o profissional sobre a importância em promover o cuidado a si e aos outros.

A orientação direta no ato da manipulação do paciente foi realizada no período da manhã e tarde, durante este período foram acompanhados 16 procedimentos em todos os setores da instituição equivalendo a 96 orientações diretas. Transferência da ambulância para a maca 5, transferência da maca para a cama 6, transferência com cadeira de rodas 10, mudança de decúbito 8, arrumação de cama 10, transporte de maca 12, banho de leito 5, posicionar o paciente para exame de endoscopia 1, transporte de pacientes da maca para a cama 8, verificação de sinais vitais 11, banho de cadeira 3, movimentar o paciente para cima no leito 3, irrigar com soro fisiológico o sítio cirúrgico 1, transporte de paciente de maca para maca 8, desinfecção de maca 1, transportar o paciente da maca para mesa operatória 4.

Os principais problemas observados foram problemas posturais e ergonômicos, na transferência da ambulância para a maca; coluna inclinada, transferências da maca para a cama: coluna inclinada e espaço diminuído, transferência com cadeira de rodas: coluna inclinada, mudança de decúbito; coluna inclinada, arrumação de leito: coluna inclinada e hiperextensão de membros superiores (MMSS), transportar pacientes com maca; coluna inclinada, banho de leito; coluna inclinada e dificuldade em movimentá-lo, posicionar o paciente para exame de endoscopia; hiperextensão de coluna e alto esforço físico, transporte de paciente da maca para cama; coluna inclinada e dificuldade em movimentar o paciente, verificação dos sinais vitais;

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coluna inclinada, banho de cadeira; coluna inclinada, movimentar o paciente para cima no próprio leito; coluna inclinada, irrigar com soro fisiológico o sítio cirúrgico; coluna inclinada e hiperextensão de MMSS, transporte de pacientes de maca para maca; coluna inclinada, desinfecção de maca; coluna inclinada, transportar o paciente da maca para a mesa operatória; coluna inclinada.

Através desses resultados observamos que apenas em um procedimento a inclinação de coluna vertebral não foi citada como problema e em todos os outros notamos sobrecarga nessa região. Realizou-se orientação ao profissional imediatamente após os procedimentos e estimulado a realizá-los novamente para que eles pudessem perceber que a melhora em sua postura, refletiria na melhora de seu desempenho.

Avaliação das Implementações:

Foram realizadas durante o período da pesquisa 23 sessões de ginástica laboral compensatória onde participaram pelo menos uma vez os 22 funcionários, pois as atividades eram realizadas diariamente das 13:00 às 13:15. Esse horário foi definido pela supervisão de enfermagem e o pesquisador.

TABELA 1: Distribuição comparativa da incidência de queixas dolorosas de acordo com a região corporal antes e após as intervenções de enfermagem. Bandeirantes-Pr, 2007.

Antes Após

Pescoço 38,9% 16,7%

Ombro 27,8% 5,5%

Costas Superior 38,9% 27,7%

Pulso 11% 5,5%

Quadris e Coxas 11% 11%

Joelho 38,9% 16,7%

Tornozelo/Pés 50% 11,1%

Costas inferior 33,3% 22,2%

Tabela 1. Apresenta as queixas dolorosas referidas por regiões do grupo antes e após as implementações.

Ao analisarmos a tabela acima podemos afirmar que a equipe de enfermagem está apresentando um alto índice de queixas dolorosas, na primeira coluna visualizamos as queixas dolorosas do grupo controle antes das implementações e na segunda coluna após as implementações.

Comparando o total de queixas dolorosas antes e após as implementações obtemos uma redução de 45 queixas dolorosas para 21 equivalendo a uma redução de 53,3%.

Realizando a comparação de regiões referidas de queixas dolorosas pelos participantes da pesquisa antes e após as implementações obtemos os seguintes

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Identificando as queixas dolorosas da equipe de enfermagem e implementando estratégias para minimizá-las

resultados sucessivamente; ombro reduziu em 80%, tornozelo e pés reduziu 77,8%, joelho 57,1%, pescoço 57,1%, pulso 50%, costas inferior 33,3%, costas superior 28,6%, quadris e coxas mantiveram as queixas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As literaturas revisadas durante a pesquisa enriqueceram o estudo, já que foi possível conhecer a realidade das condições de trabalho dos profissionais de enfermagem por meio dos próprios trabalhadores. O fato de esses profissionais serem, em sua maioria, do sexo feminino, ter duas ou mais jornadas de trabalho, nível sócio-econômico baixo, além de outras características da profissão, determina suas formas de adoecer.

Através dos resultados da pesquisa realizada, pode-se observar que os trabalhadores apresentam uma ocorrência elevada de sintomas osteomusculares em diversas regiões corporais, convergindo com dados de outras literaturas.

As variáveis avaliadas foram relacionadas aos hábitos de vida e regiões mais afetadas pela carga física, que nos permitiu caracterizar as queixas dolorosas.

Esses dados permitiram criar estratégias para minimizar o impacto do trabalho sobre a saúde do trabalhador de enfermagem, sendo implementados folhetos informativos, orientação direta e um programa de ginástica laboral compensatória.

Neste momento gostaríamos de tecer reflexões sobre a trajetória percorrida, apontando as dificuldades, facilidades e crescimento proporcionado. Não foi fácil escolher e prosseguir esse caminho, o desinteresse e também a resistência esteve sempre presente o que suscitou na flexibilidade e compreensão do pesquisador.

A maior dificuldade encontrada para realização das atividades foi quanto à organização dos grupos que iriam participar das atividades, estes deveriam deixar o seu setor e muitas vezes isso não foi possível devido à demanda de trabalho.

Contamos com a participação e o apoio dos auxiliares e técnicos de enfermagem, que demonstraram dispostos, interessados a aprender e realizar as atividades.

Em relação à continuação do cuidado a si, é difícil julgar a continuidade de todos, mas já era visível o interesse de alguns participantes em realizarem as atividades em seus períodos de descanso, pois estavam dispostos a conhecer, valorizar, respeitar e amar-se através do próprio cuidado.

Os resultados obtidos nessa pesquisa foram positivos, porque além de diminuir as queixas dolorosas e consequentemente melhorar a condição do profissional para o desenvolvimento do cuidado, pude compartilhar junto com a equipe a importância em vivenciar o relacionamento interpessoal e transpessoal, conhecer melhor, respeitar e valorizar, ter mais consciência sobre nós mesmos e sobre nosso papel enquanto enfermeiros que para mim foi ir além dos limites técnico-científico e adentrar na condição do ser humano através do cuidado.

Esperamos que essa pesquisa desperte o interesse aos pesquisadores sobre esse tema, e que os enfermeiros que estão em campo de trabalho se envolvam cada vez mais com esse tipo de atividade, porque será dessa forma que ofereceremos condições para que os trabalhadores desenvolvam a prática da enfermagem de forma segura, saudável e com dignidade, pois a equipe de enfermagem é de responsabilidade do enfermeiro e se este oferecer o cuidado a sua equipe, ela terá condições melhores de prestar o cuidado de enfermagem aos seus clientes.

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Edmilson de Oliveira, Ricardo Castanho Moreira

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INDÚSTRIA DE RAÇÃO A PARTIR DO BAGAÇO DE LARANJAINDUSTRY AS OF INSIGNIFICANCE OF CITRUS PULP

FROM THE BERRY FROM THE AMBER

Rafael Jefferson Borges

RESUMO:O presente trabalho trata da realização do Projeto de Criação de Empresas. O negócio escolhido foi uma indústria de farelo de polpa cítrica, com o diferencial da assistência nutricional aos pecuaristas da região de Londrina. Na primeira fase do projeto foi analisada a viabilidade mercadológica do empreendimento, onde além da fundamentação teórica do trabalho, foram estudados temas pertinentes ao empreendedorismo. Foram realizadas pesquisas de campo para verificar o perfil do consumidor, aceitação do produto na região e as necessidades e preferências do mercado. A segunda fase do trabalho é composta pelos estudos das viabilidades técnica e financeira, além da realização do plano organizacional da indústria. Os resultados obtidos com a realização dos estudos na primeira fase do projeto, comprova a viabilidade mercadológica perante as necessidades e preferências dos consumidores, e na segunda fase, comprova-se também a viabilidade técnica, pois há disponibilidade de recursos materiais, tecnológicos, humanos e liberação ambiental para instalá-la, porém a viabilidade financeira ficou comprometida devido aos altos custos para a instalação e manutenção da indústria, acarretando um retorno do investimento menor que a taxa de atratividade.PALAVRAS-CHAVE: Indústria; Bagaço, Ração; Projeto.

ABSTRACT:The present paper treated about the realization of the Project of Creation of Companies. The business choice was an industry of insignificance of pulp citric, with the differential of the assistance nutritional to farmers from region of Londrina. On the first phase of the project was analyzed the viability commercial of the enterprise, that beyond theoretical foundation of the paper were studied themes pertinent to entrepreneurship. They were realized research of field to verify the profile of the consumer, acceptability of the product on the region and the necessities and preferences of the market. The second stage of the paper is composed by studies of the viability technique and financial, beyond realization of organizational plan of the industry. The results obtained with the realization of the studies on the first phase of the project verify the viability commercial according to the necessities and preferences of the consumers, and on the second phase, verify also the viability technique, because there is availability of resources materials, technological, human and liberation environmental to install it, however the viability financial was compromised on account of high costs of installation and conservation of the industry causing a return of the investment lesser than the rate of attractivity.KEYWORDS: Industry ; Crushed sugarcane , insignificance of citrus pulp; Project.

INTRODUÇÃO

É oportuno nesta época, aproveitar do momento bom que vive a agricultura no Paraná - Diante do momento favorável pelo qual passa a citricultura, a procura por parte de produtores interessados em ampliar seus pomares ou iniciar a atividade tem sido bem maior do que a expectativa conforme está noticiado em matéria da revista rural de número 105 Ano 2006.

Hoje há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de alimentos que se dá em função do crescimento explosivo nos consumos nos países em desenvolvimento e da consequente diminuição dos estoques por conta da queda da oferta. A demanda aumentou porque os países asiáticos, Latino- americanos e até os africanos, que eram emergentes e com renda per capta muito baixa, registraram crescimento importante de renda nos últimos dois anos, passaram a comer mais e aumentaram o consumo de origem agrícola, como alimento, fibras, energia, entre outros.

A oferta não acompanhou a demanda por questões diversas, inclusive pela seca no Brasil ocorrida em 2007 segundo notícias no globo.com. Também, o preço dos fertilizantes duplicou nos últimos dez meses e triplicou nos últimos três anos; o petróleo também subiu muito e isso reflete no preço final, porque ninguém vai produzir abaixo do custo. A especulação financeira também fez sua parte. Especuladores do mundo inteiro migraram para alimentos na certeza de que haveria ganhos imediatos e isso fez com que os preços subissem ainda mais.

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O custo da safra 2008/2009 da produção de laranja já está, em média 7% maior que na safra anterior. A realidade do mercado, com redução da produção na Flórida (EUA) e aumento do consumo mundial, exige-se que haja fortes investimentos em estratégias de comercialização da fruta.

Outro fator que corrobora o fortalecimento da agricultura é que o Brasil é o único país do mundo que tem uma área gigantesca para explorar agrícolamente, com 72 milhões de hectares agricultáveis e perto de 180 milhões de hectares de pastagem, sendo que, destes, 71 milhões estão aptos para agricultura, ou seja, tem - se a chance de dobrar a área agricultável do país. Esse fato chama atenção do mundo inteiro que vem investir no Brasil, por isso as perspectivas são muito boas, porque há um mercado demandador e ofertante de produtos agrícolas, segundo Flávio Viegas Presidente da Associtrus na p. 3 do Informativo de Julho 2008 dessa mesma associação.

1. OBJETIVO GERAL

Realizar a análise de Viabilidade Técnica, Mercadológica e Econômico – Financeira da Instalação de uma Indústria de Ração a partir do Bagaço de Laranja.

2. CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA A SER CRIADA

Será uma Indústria de ração parceira de duas indústrias de suco de laranja para aproveitamento do Subproduto Bagaço, que se destaca como necessidade aparente de aproveitamento e não desperdício do mesmo, a fazer uso consciente de toda a Matéria - Prima Laranja.

3. DEFINIÇÃO E CONCEITO DO NEGÓCIO

Promover o crescimento econômico e social na região, da prestação de serviços com qualidade, agregando valor à produção e atuando de forma socialmente responsável.

O conceito do negócio deve claramente identificar grupo de clientes que se pretender atender e suas necessidades, com um produto ou serviço no qual os clientes estão dispostos a comprar (DEGEN, 1989, p. 54).

4. SUBPRODUTOS

Da laranja processada sobram óleos voláteis que são retirados da casca das frutas cítricas. Durante o processo de extração do suco, as bolsas de óleo da casca se rompem, liberando o produto, que é então removido por meio de jatos de água. Em seguida ele é separado por meio de centrifugação e depois é resfriado.

Para outros fins, esses óleos têm maior aplicação nas indústrias alimentícia e farmacêutica e também podem ser usados diretamente para dar o sabor em bebidas, sorvetes e outros alimentos, e na fabricação de medicamentos e cosméticos, como sabonetes e perfumes. São usados ainda pelas indústrias fabricantes de produtos de limpeza.

Há, contudo, ainda subprodutos do óleo essencial, que são obtidos com a remoção de compostos oxidantes, como o d’limonene, e com a concentração das suas frações aromáticas. Os óleos essenciais concentrados também são usados basicamente pelas indústrias alimentícias e farmacêuticas.

Este óleo chamado d’limoneno é incolor, tem leve odor cítrico, obtido da

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destilação do licor cítrico. Este licor advém da prensagem do resíduo úmido da laranja (casca, bagaço, sementes) após a extração do suco.

Na medida em que o óleo no licor é removido durante a evaporação e condensado separadamente, o d’limoneno será a fração oleosa que é considerada uma das mais puras fontes de terpeno monocíclico.

Em suma, há várias aplicações para esse produto, dentre elas: como solvente industrial, componente aromático, matéria prima para a fabricação de outros compostos químicos.

Essa fonte de terpeno é usada, como exemplo, em solventes de resinas, borracha, pigmentos, tintas, na fabricação de adesivos etc. Entre outras utilidades encontradas há também interesse pelas indústrias farmacêuticas e alimentícias pelo d’limoneno como componente aromático e saboroso, sendo usado, por exemplo, na obtenção de sabores artificiais de menta e hortelã na fabricação de doces, balas e gomas de mascar.

O farelo de polpa cítrica peletizado ou farelo de casca de laranja é obtido por meio do tratamento de resíduos sólidos e líquidos remanescentes da extração do suco. Entre esses resíduos estão cascas, sementes e polpas de laranjas. Este material equivale a 50% do peso de cada fruta e tem uma umidade de aproximadamente 82%. Após passar pelo processo de industrialização onde a polpa é triturada e seca até chegar a 12% de umidade, o produto é peletizado permanecendo rica em pectina, um carboidrato altamente degradável no rúmen, que em comparação ao amido, promove um padrão de fermentação ruminal com maior relação acetato: propionato e reduzida produção de ácido lático, portanto, o fornecimento de PCP que possui fibra de elevada digestibilidade, provavelmente ocasionou maior digestibilidade desse nutriente nas dietas mistas.

O farelo de polpa cítrica peletizado é usado principalmente como complemento para a ração animal, principalmente na pecuária. Tem boa aceitação como insumo na ração de rebanhos bovinos (leite e corte). Sua utilização deve restringir-se a no máximo 30% da matéria seca para cada animal adulto.

No entanto é indispensável que o pecuarista consulte um veterinário, agrônomo ou zootecnista especializado para adaptar a polpa cítrica à dieta de cada tipo de rebanho.

Por tratar-se de um produto que absorve a umidade, é muito importante que o farelo seja transportado e armazenado em locais muito secos, ventilados e totalmente cobertos. Do contrário podem surgir microorganismos causadores de fermentação e bolor. Neste caso o produto não poderá ser utilizado na composição da ração. Recomenda-se não armazenar este produto por mais de 60 dias.

4.1 Características do Farelo de Polpa Cítrica

De acordo com Menezes Jr. et al (2000) Apud Pinto (2006, p. 19) “a polpa cítrica peletizada (PCP) é rica em pectina, um carboidrato altamente degradável no rúmen, que em comparação ao amido, promove um padrão de fermentação ruminal com maior relação acetato: propionato e reduzida produção de ácido lático, portanto, o fornecimento de PCP que possui fibra de elevada digestibilidade, provavelmente ocasionou maior digestibilidade desse nutriente nas dietas mistas”.

Em consequência disso como caracteriza Schalch et al (2001) Apud Pinto (2006, p. 20) “o uso de polpa cítrica resulta em menor risco de acidose do que os alimentos com alto teor de amido, que induzem o animal a acidose porque favorecem a produção de ácido propiônico no rúmen”.

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“A rápida fermentação e posterior degradação do bagaço, ou polpa úmida de laranja, cujo efl uente é um dos piores poluentes ambientais Ashbell (1992) apud Pinto (2006, p.20), gerou a necessidade de se desenvolver alternativas de utilização deste subproduto. A polpa cítrica fresca é de difícil manejo e distribuição, além de ser onerosa devido ao transporte e ser um sério disseminador de moscas na propriedade, apodrecendo rapidamente” exemplifi ca Gohl, (1973) apud Pinto (2006, p.20).

Veja no quadro as características que o farelo deve ter após totalmente processado:

QUADRO 1 – Características do farelo de polpa cítrica peletizada

Propriedades Valor

Umidade (máximo) 12,0%

Proteína Bruta (mínimo) 5,0%

Extrato Etéreo (mínimo) 1,5%

Fibra Bruta (máximo) 14,0%

Matéria Mineral (máximo) 8,0%

Dioxinas/Furanos (máximo) Expresso em Grau de Detecção Mínimo-Upperbound 500 pg/kg I - TEQ

Afl atoxinas (máximo) 20 ppb

Fonte: ABECITRUS - Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos

O bagaço de laranja costuma ser peletizado antes de ser comercializado, entretanto, a indústria de sucos ainda gera um volume muito grande de bagaço de laranja in natura com alto teor de umidade segundo corrobora Cruz et al (1998) apud Pinto (2006, p.20).

Todavia, o custo de secagem é elevado, fazendo com esta tecnologia se torne antieconômica, despertando o interesse das empresas em desenvolver mercados para o bagaço de laranja in natura.

4.2 Rendimentos Industriais

A seguir fi gura demonstra detalhadamente todos os rendimentos teóricos de produtos e subprodutos da laranja a partir de 100 kg:

Figura 1 – Rendimento teórico de produtos e subprodutos da laranja a partir de 100 kgFonte: (RODRIGUES; OLIVEIRA, 2006, P. 3083)

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Conforme mostra a figura acima, praticamente 50% do fruto é bagaço que poderá se tornar farelo de polpa cítrica após industrialização.

5. VANTAGENS COMPETITIVAS

As principais vantagens advindas desta proposta são a redução do impacto ambiental causado pelo descarte de material in natura no ambiente e a agregação de valor às atividades agropecuárias.

Cada empresa que compete em uma indústria possui uma estratégia competitiva, seja ela explícita ou implícita. Esta estratégia tanto pode ter se desenvolvido explicitamente por meio de um processo de planejamento com ter evoluído implicitamente através das atividades dos vários departamentos funcionais da empresa (PORTER, 1986, p. 13).

6. CONSUMIDOR PRINCIPAL

São os produtores de leite ao optarem pela polpa cítrica peletizada como alimento energético na dieta de rebanhos leiteiros.

7. DIFERENCIAIS

Este mercado é pouco explorado na região, a demanda de mercado é grande por ração deste tipo que se mostra concorrente ao farelo de milho hoje (alimentação mais comum para vacas leiteiras) num estado agropecuarista como o Paraná, no qual há diversas cooperativas de leite, que em contrapartida são dependentes de pecuaristas que precisam em grandes quantidades de farelo de polpa cítrica, onde se fecha um ciclo de necessidades atendidas, no qual o consumidor final será o maior beneficiado.

O milho grão pode ser substituído em 100% por polpa cítrica peletizada em rações concentradas, para vacas produzindo, em média, 20 kg de leite, sem alterar a digestibilidade aparente dos nutrientes, como também, a substituição do milho pela polpa cítrica não afetou os parâmetros ruminais, pH e concentração de amônia.

O período de coleta de fezes para estimativa da digestibilidade aparente pode ser diminuído para dois dias sem afetar a confiabilidade dos resultados, assim confirma a Sociedade Brasileira de Zootecnia Universidade Federal de Viçosa / Departamento de Zootecnia.

8. A IMPORTÂNCIA DO SETOR AGRÍCOLA NA OCUPAÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

A agricultura é uma das principais ocupações de mão-de-obra dentre todos os setores de atividade da economia. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), somente a agricultura e a pesca correspondem a mais de 20% da população ocupada no Brasil. Estima-se que o agronegócio, envolvendo todas as atividades correlatas às agrícolas, responde por cerca de 40% dos empregos existentes no Brasil.

Além da grande quantidade de empregos gerados, cabe ressaltar que o custo de geração de empregos na agricultura é bem mais baixo que em outros setores. Os custos

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médios de geração de um emprego na agricultura são, a grosso modo, metade dos custos de geração de um emprego na indústria.

8.1 A importância das cooperativas paranaenses na assistência técnica

Os gastos com assistência técnica podem ser definidos como os pagamentos feitos pelos produtores por projetos técnicos para obtenção de financiamento de custeio, bem como, do acompanhamento técnico da produção.

O Número de profissionais de assistência técnica com nível superior experimentou um crescimento de 46,4%, passando de 649 em 2001 para 950 em 2007. O número de profissionais na área técnica com nível médio teve um crescimento menor de (30,5%), saindo de 279 em 2001 para 364 em 2007.

É possível afirmar também, que neste período ocorreu significativa profissionalização do quadro funcional da assistência técnica nas cooperativas. O total de treinamentos realizados em 2001 foi de 602. Já no ano de 2007 o número de treinamentos cresceu 165,8% em relação a 2001, atingindo um total de 1.600 eventos para a assistência técnica.

O faturamento das cooperativas agropecuárias paranaenses em 2007 foi da ordem de R$16,5 bilhões. Dividindo-se este número pelo total de funcionários da área técnica (1.314), obtém-se uma receita de R$12,55 milhões por funcionário da área técnica.

Em 2007 existiam 92 produtores cooperados para cada profissional de assistência técnica das cooperativas.

O crescimento dos departamentos técnicos nas cooperativas agropecuárias paranaenses é refletido tanto nos resultados cada vez melhores atingido pelos cooperados, como nos ganhos de participação no mercado das cooperativas paranaenses.

8.2 As principais características do agronegócio brasileiro e paranaense

O Brasil é uma potência agrícola mundial, sendo um dos países que possui maior disponibilidade de terras para aumento da área plantada, sobretudo na região centro-norte, onde existe grande potencial para o crescimento do setor agrícola.

Estima-se que 103,1 milhões de hectares ou 12,1% do território brasileiro são compostos por áreas agricultáveis inexploradas, o que reafirma a capacidade do país em aumentar a sua produção agrícola sem avançar sobre áreas protegidas ou sobre a floresta amazônica.

Dados oficiais apontam que 42,3% ou 360 milhões de hectares da área brasileira é coberta pela floresta amazônica. A área total com pastagens é de 24,7%, correspondendo a 210 milhões de hectares. As culturas anuais ocupam 6,6% do território nacional, enquanto as culturas permanentes ocupam 0,8%, totalizando, 48 respectivamente 55,9 e 6,5 milhões de hectares. A área de florestas plantadas, por sua vez, corresponde a 0,7% do território brasileiro, ou 6 milhões de hectares.

O Brasil destaca-se como o maior produtor mundial de suco de laranja, açúcar, café, álcool e tabaco, o segundo maior no complexo soja e carne bovina, o terceiro maior em carne de frango, milho e frutas e o quarto em suínos.

Conforme pode ser visto no quadro abaixo o Brasil ocupa papel de destaque na exportação de diversos produtos.

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QUADRO 2 – Posição do Brasil no ranking mundial de produção agrícola eprincipais produtos da pauta de exportação brasileira.

Principais ProdutosBrasil – Ranking Mundial

Produção Exportação

Suco de laranja 1º 1º

Álcool 1º 1º

Açúcar 1º 1º

Café 1º 1º

Tabaco 1º 1º

Complexo Soja 2º 2º

Carne Bovina 2º 2º

Carne de Frango 3º 3º

Milho 3º 3º

Frutas 3º 3º

Carne suína 4º 4º

Fonte: Elaborada a partir de dados da Companhia Nacional de abastecimento(CONAB) do ministério da Agricultura, Pecuária e abastecimento (MAPA), da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e do United states Department of Agriculture (USDA).

8.3 Distribuição Territorial de Lavouras Permanentes

Abaixo localização espacial de plantações de laranjas distribuídas pelo Brasil, por estados e regiões periféricas:

Figura 3: Localização espacial de plantações de laranjas Fonte: IBGE (2007)

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Nitidamente, a região detentora da produção de laranja é o estado de São Paulo, mas denota-se uma descentralização deste plantio indo do sudeste para a região mais próxima onde se localiza o norte do Paraná, região específica do estudo de setor citrícola em questão, e em alguns territórios estanques como estados do Rio Grande do Sul e Pará.

8.4 PR: Expansão da área de laranja na região norte

“A laranja ocupa hoje mais de 5.800 hectares das propriedades ligadas a COROL na região. O município com maior área é Rolândia (25,82%), seguido por Cambé (11,83%), Arapongas (7,14%), Jaguapitã (6,08%) e Londrina (5,89%). A colheita é realizada de julho a dezembro. A laranja pêra é a variedade mais utilizada pelos produtores, encontrada em 55% da área”, segundo IAPAR.

Atualmente, são quase 6 mil hectares com a fruta, que devem ser ampliados para 7 mil num prazo de dois anos. Devido à crise internacional, repercutiu no bolso do agricultor, pois nesta safra, deve receber R$ 6,50 pela caixa de laranja, um valor que chegou a R$ 8,80 no ano anterior e ultrapassaram os R$ 9,00 na safra 2006/2007.

Outra vantagem apontada pelo produtor é que a área utilizada pela laranja ainda pode ser usada para outras culturas nos primeiros anos de implantação. No caso dele, os pomares estão plantados com milho e soja em espaços intercalados. “Com isso, amenizo, o custo de implantação do pomar. Na mesma área, posso plantar soja e milho e ainda ter uma opção de renda mais na frente”, comenta Arabori.

O cooperado também destaca outras vantagens do projeto, como a qualidade das mudas e a garantia de comercialização. “Tudo é feito de forma planejada e segue um cronograma de plantio e manejo. Não tenho a menor preocupação de onde entregar e onde vender minha laranja, pois sei que a cooperativa se encarrega disso”, ressalta. Essa informação encontra-se em informativo Integrada Cooperativa Agroindustrial.

9. CONCLUSÃO DA PESQUISA MERCADOLÓGICA

Após analisar todas as questões levantadas na pesquisa, pode-se concluir que o mercado é favorável à abertura de uma indústria nos moldes do proposto, devido ao fato de existir demanda pelos serviços relacionados à disponibilização de mais um complemento animal no mercado, altamente nutritivo e com boa aceitação entre os pecuaristas que já o conhecem, e também, a necessidade de assistência nutricional a um baixo custo.

O mercado norte paranaense que tem Londrina como uma capital regional fortemente voltada a agropecuária deixa a desejar em alguns aspectos, como prazo de entrega e preço, o mercado atual tem alto preço em relação ao farelo de polpa cítrica que se mantém em torno de 20% mais baixo, mostra-se como uma alternativa a mais para alimentação do gado e déficit de assistência nutricional, entre outros, o que será favorável ao proposto devido a sua demasiada preocupação com estes quesitos apontados.

Para um mercado aberto aos novos entrantes da laranja e preocupado com os impactos ambientais, a indústria proposta poderá proporcionar aos clientes nova oportunidade de complementação da alimentação animal bovina e um conforto maior na compra, desde o prazo de entrega reduzido até a assistência nutricional direta na propriedade. Por estes motivos acredita-se que a abertura seria viável do ponto de vista mercadológico.

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10. ANÁLISE COM CENÁRIOS

Como abordado anteriormente, inúmeros cenários interferem no resultado de um investimento, para esta análise foram mantidos o período de 15 anos, mesmo valor residual e investimento. Veja resumo a seguir:

Quadro 3 – Resumo – Cenários

Dados de análise CENÁRIOS

Pessimista Mais Provável Otimista

Taxa requerida 12,00% 10,00% 8,00%

Receitas $ 2.687.296 $ 2.985.884 $ 3.284.473

Custos ($ 2.626.067) ($ 2.387.333) ($ 2.148.600)

Fluxo de Caixa $ 184.404 $ 641.128 $ 1.097.851

VPL ($ 8.135.304) ($ 3.664.252) $ 2.412.546

TIR -0,65% 5,24% 10,60%

VP 1.502.563,96 5.973.615,66 12.050.413,58

ILL 0,16 0,62 1,25

No quadro acima, o cenário pessimista demonstra um índice de lucratividade líquida 84% menor que a requerida, e no cenário mais provável um índice de lucratividade líquida de 38% inferior ao esperado, porém no cenário otimista tem-se um ILL 25% superior ao requerido, caracterizando uma lucratividade considerável.

O cenário mais provável é o constante do fluxo de caixa, a partir desse cenário foram estabelecidos mais 2 (dois), sendo o Otimista e o Pessimista.

Para o Pessimista foram aumentadas a taxa do custo de oportunidade em 2%, as receitas foram diminuídas em 10% e as despesas aumentadas em 10%. Como o resultado mais provável já era inviável esse cenário torna o investimento ainda pior.

Para o cenário Otimista foram projetados o inverso, taxa menor em 2% (significa economia mais estável, com juros reduzindo) aumento da receita em 10% e diminuição das despesas em 10%. Nesse caso os resultados são favoráveis, viabilizando o projeto á uma taxa de 10,60% ao ano, superior ao custo de oportunidade de 10% ao ano.

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim que o projeto foi descrito e todos os estudos foram feitos para a implantação da indústria, e também, realizado a fundamentação teórica, as análises de viabilidade mercadológica, técnica e econômico-financeira, foram importantes para esclarecer sobre sua aplicabilidade e aceitabilidade diante do mercado a atuar.

Foi possível concluir, através da realização dos estudos, que o setor citrícola está em crescente movimento no estado do Paraná, muitos produtores rurais estão mudando suas lavouras de grãos diversos para a fruta laranja, uma vez que está em voga – a laranja é mais que duas vezes mais rentável que outros grãos, exceto em relação ao café, também um dos produtos mais cultivados ainda nesse estado. Nessa região a que se pretende instalar a indústria que parte da cidade Uraí até um raio de 80 km de distância desta cidade, está se moldando, uma vez que muitos órgãos públicos e privados têm incentivado essa cultura, dentre eles, IAP, EMATER, (públicos) e Cooperativas Integrada e COROL

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(privados). Essa crescente expansão poderá tornar esse tipo de indústria uma necessidade regional de controle de impactos ambientais.

Nas pesquisas de campo, observou-se a grande aceitação do farelo de polpa cítrica entre os pecuaristas, os quais alegam não comprar apenas porque não há para vender a um preço baixo ou pelo mesmo preço na região, uma vez que a produção desse tipo de complemento alimentar é bastante produzido a longas

distancias, no estado de São Paulo e em segundo lugar na região de Maringá/PR.Um dos motivos da grande aceitação citada pelos pecuaristas se dá ao fato de o

gado gostar, ter um baixo custo e ser bem nutritivo, proporcionando rica nutrição quando manipulada com outros ingredientes na propriedade.

Os resultados obtidos com a realização da pesquisa mercadológica constataram que a instalação do empreendimento, com as características do modelo proposto, na cidade de Jataizinho/PR teria 100% da aceitação, pois atenderia a necessidade das cooperativas e outros pecuaristas dessa região, visto que a maioria dos entrevistados confirmou apreciar tal projeto.

Durante os estudos alguns fatores importantes ficaram caracterizados com relação aos impactos ambientais, já que na produção de suco de laranja quando não há destinação para fabricação de ração, sendo vendida in natura para silagem na propriedade pecuária, gera-se odor fétido, problemas respiratórios, contaminação de solo e de águas subterrâneas e outros. Ademais, o transporte para esse tipo de resíduo úmido, é precário no Paraná. Todavia, já se ouve rumores na mídia de que poderão surgir regulamentações para esses tipos de indústrias, sendo assim, o projeto torna-se viável no curto prazo do ponto de vista socioambiental.

Nessa região há indústrias que necessitam de um empreendimento nesse molde de forma a captar o descarte das mesmas, a evitar impactos ambientais, e por isso, a idéia foi bem aceita pelas maiores cooperativas regionais produtoras de sucos, da qual se aproveita para fazer parcerias.

A análise da viabilidade técnica demonstrou todos os fatores necessários para o funcionamento da indústria proposta, como localização, como mão-de-obra, instalações, equipamentos, utensílios, entre diversas outras necessidades. Contudo, realizaram-se os levantamentos referentes às características dos bens necessários, assim como seus referidos custos para a implantação da mesma. Concluiu-se que há a disponibilidade dos elementos estudados no mercado e que é possível manter, tecnicamente, o bom funcionamento do estabelecimento.

No estudo da viabilidade financeira todas as vantagens do empreendimento são aparentemente consideráveis para aplicá-lo, porém mostram se pequenas perante o grande prazo para recuperar todo o investimento. Os resultados financeiros alcançados pela empresa são pouco satisfatórios no curto prazo do ponto de vista daqueles que irão investir seu capital na abertura e funcionamento da mesma. Esse projeto é bem atrativo aos pecuaristas, às indústrias da região, ao estado e órgãos ambientais, com isso foram analisados vários métodos que visam comprovar a viabilidade financeira do negócio, como lucratividade líquida (ILL), prazo de retorno, bem como projeções de demonstração de projeções do fluxo de caixa detalhado ano a ano e acumulados anualmente para os 25 anos consecutivos a sua abertura, e ficou caracterizado um longo prazo para começar a lucrar.

Através dessa análise é possível afirmar que esse empreendimento proporciona resultados financeiros satisfatórios e atrativos no longo prazo, considerando o grande investimento feito.

A análise conjunta dos itens acima estudados mostra que o empreendimento é Inviável do ponto de vista tempo e independência sendo indústria de farelo de polpa

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Indústria de ração a partir do bagaço de laranja

cítrica sem ter a posse do bagaço gratuitamente, ou seja, tem que ser uma indústria de suco que já tenha anexo uma indústria de farelo para agregar valor no próprio descarte. Assim como qualquer negócio, apresenta riscos e dúvidas, impossíveis de serem calculados, mas que através de uma administração competente e dedicada, podem ser superados através de parcerias com outras empresas de forma a baixar os custos totais aqui calculados. E por fim, nada impede que os estudos de viabilidade continuem, uma vez que há muitos interessados podendo ser viável no curto prazo se modificado sua estrutura.

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O ESTUDO DAS MOSCAS NA RESOLUÇÃO DE CRIMES VIOLENTOS

Municky Izabelle Rodrigues Profª. Drª. Fabiana Maria Ruiz Lopes Mori1

RESUMO: A entomologia forense é comumente utilizada para associar os insetos e outros artrópodes a casos de crimes violentos. Trata-se de um setor que tem ganhado a atenção dos estudiosos, agentes policiais e grandes centros de investigações da área forense. O objetivo deste trabalho é realizar um levantamento bibliográfico sobre o estudo das moscas na resolução de crimes violentos. Os insetos são usados como provas, ajudando a determinar o local e quando as mortes ocorreram devido aos seus estágios de desenvolvimento. A Entomologia Forense pode ser divida em duas subcategorias: urbana e médico-legal. No começo, a utilização dos insetos para os procedimentos legais era difícil, com o passar dos anos foram-se comprovando que eles contribuíam muito nos processos. Hoje em dia um dos principais centros de investigações do mundo, o Federal Bereau Investigation (F.B.I), conta com entomologistas. Com relação aos exames periciais em casos de morte violenta, cinco questionamentos básicos devem ser respondidos: Quem é o morto? Como a morte ocorreu? Onde ocorreu? Quando ocorreu? e A morte foi natural, acidental ou criminal? A entomologia forense pode solucionar os quatro primeiros quesitos, e ajudar a desvendar o quinto, porém, ela é utilizada mais para o intervalo pós-morte.PALAVRAS-CHAVE: Entomologia, Larvas, Forense, Morte.

ABSTRACT:Forensic entomology is commonly used to associate insects and other arthropods to cases of violent crimes. It is a sector that has gained the attention of scholars, police officers and major centers of forensic investigations. The aim of this work is a literature on the study of flies in solving violent crimes. The insects are used as evidence, helping to determine where and when the deaths occurred due to its development stages. The forensic entomology can be divided into two subcategories: urban and medicolegal. At first, the use of insects to legal procedures was difficult over the years were up proving that they contributed a lot in the process. Nowadays one of the leading research centers in the world, the Federal Bereau Investigation (FBI) has entomologists. With respect to forensic examination in cases of violent death, five basic questions must be answered: Who is dead? As the death occurred? Where did it occur? When it occurred? And the death was natural, accidental or criminal? Forensic entomology can solve the first four questions, and help unravel the fifth, however, it is used more for the postmortem interval.KEYWORDS: Entomology, Larvae, Forensic, Death.

A entomologia forense é o estudo dos insetos em procedimentos legais. As pesquisas nessa área ocorrem desde 1850 (CATTS; HASKELL,1991), mas há indícios de que os insetos são utilizados nas resolução de crimes desde os meados do século XIII. Não é de hoje que os estudiosos vêem essa importância, antes não se tinha muita confiança, pareciam meras coincidências, mas com o passar dos anos os estudos foram se aprofundando, confirmando o que já imaginava, os insetos podem ajudar a resolver casos criminais. As moscas sentem o cheiro do sangue a quilômetros de distância, e são as primeiras a habitar o cadáver, podendo assim com o estudo de suas larvas determinarem o tempo de morte, ou seja, a estimativa de Intervalo pós-morte (IPM) (OLIVEIRA-COSTA, 2011).

Segundo pesquisas nem todos os artrópodes que habitam os cadáveres se alimentam dele, alguns fazem da carne em decomposição o repasto, porém outros estão acidentalmente, pode-se classificá-los, os necrófagos: São aqueles que usam o cadáver em decomposição para sua alimentação e oviposição; onívoros: São os insetos que se alimentam dos corpos e da fauna associada; parasitas e predadores: Os parasitas são os que se utilizam da reservas dos colonizadores oficiais e os predadores se alimentam dos insetos necrófagos; acidentais: São aquelas que por extensão do seu habitat normal, acabam invadindo os cadáveres (DALY, 1998).

Quando ocorre a morte, a putrefação causa uma mudança físico-química nos corpos, então a partir do momento em que há a morte até completar toda a degradação, os

1 Orientadora – Centro Universitário Filadélfia – UniFil

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Municky Izabelle Rodrigues, Profª. Drª. Fabiana Maria Ruiz Lopes Mori

insetos “testemunham” esse processo, e a cada estágio da putrefação atrai um determinado tipo de insetos, que vai fazer do corpo o seu habitat. No Brasil devido ao clima tropical e a extensão territorial, os dados entomológicos periciais não podem ser utilizados com tanta segurança, mas no exterior elas são levadas muito a sério, com um grande banco de dados sobre a sucessão dos insetos nos corpos. No Brasil esse banco de dados está sendo feito, a região norte é a que mais se tem conhecimento de espécies diferentes de insetos, devido a sua floresta amazônica que é um habitat excelente para os artrópodes, o clima tropical, úmido, bem arborizado, favorece que os animais e os vegetais possam viver lá (MORAES; MELLO, 2009).

A entomologia forense urbana é usada para ações que envolvem a presença de insetos em imóveis, prejudicando-os; também há os crimes contra os produtos estocados, quando se encontram carunchos junto as sacas de feijões por exemplo. Já a entomologia forense médico-legal se trata se assuntos criminais, na maioria mortes violentas (LORD; STEVESSON, 1986).

Essa é uma área que só tem a nos ajudar, pois a maioria dos crimes são de difíceis resoluções, os suspeitos na maioria das vezes tentam apagar os vestígios, limpando a cena do crime, escondendo a arma do crime, mudando o cadáver de local, várias tentativas que se não contarmos com todos os recursos possíveis pode ser que o crime não seja resolvido, e podendo acontecer do caso ser fechado devido a falta de provas, então os insetos entram e nos auxiliam nessa parte, detectando sangue, ou se o caso for envenenamento, ao se alimentar do cadáver em decomposição as larvas ingerem o tecido que pode conter a substância causadora da morte, e estudando as larvas encontradas na cena do crime podemos detectar vestígios da substância (OLIVEIRA-COSTA, 1999).

É pelo tempo de vida que a larva tem que fazemos a estimativa do tempo que a morte pode ter ocorrido, as larvas tem muito a nos revelar se soubermos o que procurar (CAMPOBASSO; INTRONA, 2001).

Em casos de sequestro a identificação tanto do autor quanto da vitima é dada pelo DNA, muitas das vezes o DNA tem que ser extraído do sistema digestivo do inseto. Repogle (1994) identificou o autor de um crime pelas fezes de insetos hematófagos (piolhos), outros estudos mostram que pode-se obter DNA humano de fêmeas de mosquitos Culicidae, podendo comparar com o DNA do autor, pois o repasto sanguíneo só pode ser sido feito na vítima ou no responsável pelo crime (KREIRE; KAMPER, 1999).

Conclui-se que as larvas encontradas nos corpos, são grandes aliadas e um quesito a mais para a resolução dos crimes violentos, não há indução de erro para com elas, não se tem como induzi-las a conter substâncias a mais, podendo assim levar em conta a sua veracidade (FRANÇA, 2001).

REFERÊNCIAS

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O estudo das moscas na resolução de crimes violentos

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NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – NCHS

E NÚCLEO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS - NCSA

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A MULTIPLICIDADE DE DENOMINAÇÕES EVANGÉLICAS À LUZ DA TEOLOGIA DOS REFORMADORES DO SÉCULO XVI

E DAS CONFISSÕES DE FÉ PROTESTANTESTHE MULTIPLICITY OF EVANGELICAL DENOMINATIONS IN LIGHTON REFORMER’S THEOLOGY ON THE SIXTEENTH CENTURY AND

PROTESTANT CONFESSIONS OF FAITH

Carlos Jeremias Klein1

RESUMO:O modelo denominacional de igrejas desenvolvido no protestantismo a partir do século XVII assumiu proporções desmesuradas nos séculos XX e XXI nas Américas, particularmente no Brasil. Este artigo pretende provocar uma reflexão sobre essa realidade à luz da teologia dos principais reformadores do século XVI, e das Confissões de Fé protestantes. PALAVRAS CHAVES: Multiplicidade denominacional, Teologia dos reformadores, Confissões de Fé

ABSTRACT:The denominational model of churches developed in Protestantism from seventeenth century took inordinate proportions in the twentieth and twenty-first centuries in the Americas, particularly in Brazil. This article intends to provoke reflection on this reality in light on the Reformer’s Theology of the sixteenth century and Protestant Confessions of Faith.KEY WORDS: Denominations multiplicity, Reformer’s Theology, Confessions of Faith.

INTRODUÇÃO

A revista Terra e Cultura número 56 de janeiro a junho de 2013 publicou meu artigo “A multiplicidade de denominações evangélicas. Algumas considerações teológicas à luz da Bíblia e da Patrística”. Este trata do mesmo tema, porém, à luz da teologia dos reformadores do século XVI e das Confissões de Fé no campo protestante no século da Reforma e no século seguinte.

A Reforma protestante não se constituiu na primeira grande divisão do cristianismo. No século V, o não reconhecimento do Concílio de Éfeso (431) deu origem à Igreja Assíria do Oriente (nestoriana) e a não aceitação do Concílio de Calcedônia (451) às Igreja chamadas erroneamente chamadas monofisitas2, como a Igreja Copta, no Egito, à Igreja Sirian Ortodoxa e Sírian Malankar (esta na Índia), à Igreja Etiope e à Igreja Apostólica Armênia. Mas o Cisma principal ocorreu em 1054, entre a Igreja do Ocidente e a do Oriente.

1. VERTENTES PRINCIPAIS DO PROTESTANTISMO

A Reforma protestante do século XVI apresentou, desde os primórdios, quatro vertentes: Luterana, Reformada, Anglicana e a Reforma Radical, cuja ala principal, a anabatista, consolidou-se com Menno Simons.

O fenômeno da divisão no protestantismo, na perspectiva do teólogo norte-americano John H. Leith, em parte “ocorreu por causa do isolamento geográfico e do surgimento de poderosas nações-estados. Em parte, foi devido à convicção protestante, que preferia o risco da divisão a submeter-se a qualquer instituição ou autoridade com

1 Mestre e Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Docente do Curso de Teologia do Centro Universitário Filadélfia de Londrina – UniFil.

2 Antonio Nakkoud, clérigo sírio-ortodoxo, observa que as antigas Igrejas orientais ensinam “a unidade total de Jesus Cristo, como Pessoa, Natureza, vontade e ação. Isto é, que Jesus Cristo é Deus perfeito e um homem perfeito e sua divindade e humanidade se uniram no ventre virginal de Maria” (Identidade da Igreja Sirian Ortodoxas de Antioquia, 2011, p. 77). Essa Cristologia é também chamada miafisismo.

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poder para decidir como a Bíblia deveria ser lida”.1 Leith observa, ainda, que “A ênfase na orientação do Espírito Santo, através das Escrituras, como autoridade final e na obrigação de todos os crentes serem sacerdotes diante de Deus, a fim de assumirem responsabilidade pela própria fé, foi a fonte da força do protestantismo e também de suas divisões”.2

A divisão no protestantismo tornou-se maior nos séculos XVII e XVIII, com a “emergência do modelo denominacional” e o desenvolvimento da liberdade religiosa “A combinação do modelo denominacional com a liberdade religiosa fez com que o antigo conceito que dizia que uma comunidade era igual a uma igreja, fosse ultrapassado. A colonização da América do Norte e os desafios da vida na fronteira providenciaram uma condição excelente para o desenvolvimento de igrejas voluntárias, numa sociedade livre e secular”.3

2. A UNIDADE E A DIVISÃO DA IGREJA NA PERSPECTIVA DE LUTERO, MELANCHTHON E DA CONFISSÃO DE AUGSBURGO

“Nenhum protestante, anglicano, reformado ou luterano dataria a origem da Igreja no século XVI. Segundo uma ilustração, quando se perguntava a um luterano onde estava a sua Igreja antes de Lutero, ele replicava com a questão: onde estava o seu rosto antes de você lavá-lo?”4

O reformador Martinho Lutero (1483-1546) posicionou-se contrariamente aos grupos que propunham comunidades cristãs separadas, de modo particularmente enfático dos chamados anabatistas. No escrito “Carta do Dr. Mart. Lutero sobre os Intrusos e Pregadores clandestinos”, endereçado a Eberhard Von der Tannen, administrador de Wartburgo, o autor argumenta: “O primeiro ponto em que se pode apanhá-los facilmente é o seguinte: quando se pergunta por sua vocação, quem os teria enviado para cá sorrateiramente a pregar na clandestinidade, eles não têm resposta, nem são capazes de apresentar sua credencial [...] Da mesma forma, também a autoridade espiritual deve perguntar ao hospedeiro: Quem te ordenou hospedar esse intruso, ouvir sua pregação clandestina? De onde sabes que ele tem a ordem de instruir-te e que tens que aprender dele? Porque não informaste ao pastor e a nós? Por que abandonas tua Igreja, na qual foste batizado, instruído e recebeste a comunhão? [...] Quem te deu poder para dividir esta paróquia e provocar tumultos entre nós?”5

Filipe Melanchthon (1497-1560), o segundo personagem da Reforma na Alemanha, escreveu Locci communes rerum theologicarum (1521), a Confissão de Augsburgo (1530 e a Apologia da Confissão de Augsburgo, além de outros escritos teológicos e filosóficos.

A Confissão de Augsburgo, em seu Artigo VII: Da Igreja, reza que “sempre permanecerá uma santa igreja. E a Igreja é a congregação dos santos [...] E para a verdadeira unidade da igreja basta que haja acordo quanto à doutrina do evangelho e à administração dos sacramentos”.6 A expressão “congregação dos santos” pode ser colocada em correspondência com a “comunhão dos santos”, do Credo apostólico. Na literatura paulina, principalmente, os fieis ou crentes são chamados santos. “Coerentemente CA 8

1 Leith, John H. A Tradição Reformada, 1996, p. 22.

2 Idem.

3 Ibidem, p. 24-25.

4 Schaff, Philip. “Creeds of Christendom, Confissão Escocesa de 1560, artigo” in Leith, John H., Op. cit., p. 35.;

5 Lutero, Martinho. “Sobre os intrusos e pregadores clandestinos”, in “Obras Selecionadas”, Vol. 7, 2000, p. 117-118.

6 Confissão de Augsburgo, in “Livro de Concórdia”, 1980, p. 66.

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A multiplicidade de denominações evangélicas à luz da teologia dos reformadores do século XVI e das confissões de fé protestantes

[Confissão de Augsburgo, 8] denomina a igreja “uma reunião de todos os fieis e santos” (congregatio sanctorum et vere credentium). Essa interpretação também já se encontra em teólogos escolásticos, de modo que não constituiu nenhuma inovação na Reforma”.7

Melanchthon, em sua Apologia da Confissão, reitera o conceito de Igreja da Confissão de Augsburgo, refere-se à Igreja como “reino de Cristo” e alerta contra aqueles que provocam cismas: “Cristo nos advertiu, nas parábolas sobre a igreja, que, ofendidos pelos vícios privados, quer de sacerdotes, quer do povo, não provoquemos cismas, como fizeram criminosamente os donatistas. Àqueles, porém, que provocaram cismas porque negaram fosse lícito aos sacerdotes terem possessões julgamo-los inteiramente sediciosos”.8

3. ZWINGLIO, CALVINO E A UNIDADE DA IGREJA

Ulrico Zwinglio (1484-1531), o Pai da Tradição Reformada, foi ordenado sacerdote em 19 de setembro de 1506. A partir de 1519, assumiu a Catedral de Zurique como “sacerdote do povo”, iniciando a Reforma na cidade que vai se consolidar na Páscoa de 1525.

Em janeiro de 1525, um grupo que veio a ser denominado “anabatistas” promovia discussões em Zurique sobre o batismo infantil, negando sua vralidade. Zwinglio refere-se aos anabatistas como sectários. “[...] eles dizem: Nós somos a Igreja, e aqueles que não pertencem a nossa Igreja não são cristãos”9. Com relação à pratica do rebatismo pelos anabatistas, o reformador afirmou: “Se a qualquer cabeça-dura que tem uma nova e estranha opinião se permite reunir uma seita em torno de si, divisões e seitas se tornariam tão numerosas que o corpo de Cristo se quebraria em pedaços [...] A Igreja de Cristo nunca autorizou rebatizar, pois não há justificação para o rebatismo”.10

João Calvino (1509-1564) foi, juntamente com Guilherme Farel (1489-1565), reformador de Genebra. Farel dedicava-se à pregar a Reforma na Suiça de língua francesa, desde fins de 1516, Calvino, a partir de 1536, em Genebra, a convite de Farel.

Calvino considera a Igreja como mãe: “Porque não é lícito a ninguém separar o que Deus uniu; a saber, que a Igreja seja mãe de todos aqueles de quem Deus é Pai”.11

Em uma carta ao arcebispo Cranmer, da Igreja da Inglaterra, deplorou a falta de unidade da igreja: “[...] estando os membros da igreja divididos, o corpo sangra. Isso me preocupa tanto que, se pudesse fazer algo, eu não me recusaria a cruzar até dez mares, se necessário fosse, por essa causa”.12

John H. Laith observa que o modelo denominacional da igreja, “que se desenvolveu no protestantismo, não poderia ter sido imaginado por Calvino. Pelo amor da unidade cristã, ele estava disposto a tolerar não somente inconveniências, mas até erros doutrinários. Além disso, é certo que Calvino considerava a infidelidade um pecado tão grande quanto a falta de unidade.13

7 Pannenberg, Wolfhart, Teologia Sistemática, Vol. 3, 2009, p. 150.

8 Melanchthon, Filipe. Apologia da Confissão de Augsburgo, 1969, p. 95.

9 Zwingli, H. Huldreich Zwinglis Sämliche Werke (Corpus Reformatorum, p. 254.

10 Zwingli, H. Huldreich Zwinglis Sämliche Werke (Corpus reformatorum), p. 254.

11 Calvino, J. Institución de la Religión Cristiana, 1968, p. 803.

12 Bonnet, Jules, Ed. Letters of John Calvin, Philadelphia, Presbyterian Board Publication, 1858, 2.348, Apud Leith, Op. cit., p. 61.

13 Leith, Op. Cit, p. 61.

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Em sua exposição da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, Calvino observa que “onde as divisões predominarem na religião, inevitavelmente sucederá que o que se acha na mente dos homens logo se irromperá em verdadeiro conflito [...] Paulo condena aqueles que atraem seguidores após si, de modo a dividir a Igreja em seitas”.1

A liturgia eucarística de Calvino coloca aqueles que provocam a quebra da unidade da Igreja juntamente com idólatras e blasfemos: “em nome e pela autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, excomungo todos os idólatras, os que blasfemam, desdenham a Deus, heréticos e todos os que formam denominações particulares, que quebram a unidade da Igreja [...] advertindo-os que se abstenham desta Mesa, para que não poluam e contaminem o alimento sagrado que nosso Senhor Jesus Cristo dá somente a seus fiéis”.2

4. A UNIDADE DA IGREJA NAS PRINCIPAIS CONFISSÕES DA TRADIÇÃO REFORMADA

John Knox (Ca. 1510-1572) e mais cinco pessoas escreveram a “Confissão Escocesa”, em 1560, a pedido do Parlamento Escocês. No Capítulo XVI dessa Confissão lê-se:

Assim como cremos em um só Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, assim também firmemente cremos que houve desde o princípio, há agora e haverá até o fim do mundo uma só Igreja, isto é, uma sociedade e multidão de homens escolhidos por Deus, que corretamente o adoram e aceitam, pela verdadeira fé em Jesus Cristo, o qual, só é a cabeça da Igreja.3

A Confissão Escocesa condena o que considera erros dos anabatistas, que não aceitam o batismo infantil.

A Segunda Confissão Helvética (Confessio Helvetica posterior) foi elaborada por Heinrich Bullinger (1504-1575), sucessor de Zwinglio em Zurique, em 1561. Essa Confissão adverte para não se alimentar cismas na Igreja e afirma que “a unidade não consiste em cerimônias e ritos externos, mas antes na verdade e unidade da fé católica. A fé católica não nos é transmitida pelas leis humanas, mas pelas Santas Escrituras, das quais é um resumo o Credo apostólico”.4

O Catecismo de Heildelberg foi redigido por Caspar Olevianus e Zacarias Ursinus e publicado em 1563. A resposta à pergunta 54 “Que é o que crês a respeito da ‘santa Igreja católica?” é: “Creio que, desde o princípio do mundo até o fim, e de entre toda raça humana, o Filho de Deus, pelo seu Espírito e pela sua Palavra, reúne, protege e preserva para si mesmo, na unidade da verdadeira fé, uma congregação escolhida para a vida eterna”.5

A Confissão de Fé de Westminster foi elaborada, com outros documentos litúrgico-catequéticos, pela Assembleia de Westminster, convocada pelo Parlamento da Inglaterra e reunida de 1643 a 1647. Um dos objetivos dessa Assembleia, a unidade e uniformidade doutrinária e litúrgica entre a Igreja da Inglaterra e a Igreja da Escócia não foi alcançado, em vista do restabelecimento, em 1661, do episcopado na Inglaterra.

1 Calvino, João. Comentário à Sagrada Escritura. Exposição de 1 Coríntios, 1996, p. 44-45.

2 Baird, Charles W., A liturgia reformada. Ensaio histórico. Santa Bárbara d’Oeste, SOCEP, 2001, p. 44-45.

3 “A Confissão Escocesa”, in Livro de Confissões, 1969, 3.16.

4 Livro de Confissões, 1969, 5.141.

5 Ibidem, 4.054.

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A multiplicidade de denominações evangélicas à luz da teologia dos reformadores do século XVI e das confissões de fé protestantes

A Confissão de Westminster refere-se à Igreja católica ou universal invisível, que consta do número total dos eleitos, e à Igreja visível

que também é católica ou universal sob o Evangelho, consta de todos aqueles que no mundo inteiro professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, pela qual os homens são normalmente salvos [...] A essa Igreja católica visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos, até o fim do mundo.6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Friedrich Schleiermacher (1768-1834) expressou uma fórmula que se tornou famosa: “A antítese entre protestantismo e catolicismo pode ser conceituada provisoriamente da seguinte forma: o primeiro torna a relação do indivíduo com a Igreja dependente de sua relação com Cristo; o segundo, ao contrário, faz a relação do indivíduo com Cristo dependente de sua relação com a Igreja”.7 A fórmula descreve um tipo de visão individualista da Igreja, esta seria secundária, no protestantismo, ao passo que a Igreja é fundamental na teologia católica. Não obstante, o teólogo luterano Gustaf Aulén (1879-1977) observa que a afirmação é contrária à eclesiologia de Lutero e o próprio Schleiermacher afirma, em outra passagem, a saber, “que a diferença entre as interpretações evangélica e romana do cristianismo não deve ser colocada em termos tais que dêem a entender que a romana dá ênfase à prioridade da comunhão e a protestante destaque a vida individual na fé, porque a antítese está nos diferentes conceitos de natureza do indivíduo e da vida da Igreja”.8

É difícil não perceber, não obstante o comentário de Gustaf Aulén, uma relação entre o “individualismo” protestante e uma eclesiologia relegada a um segundo plano. No século XIX o historiador protestante Jorge Fisher fez interessante análise: “Como os protestantes rechaçam os critérios exteriores em que insistem os católicos romanos, como prova de que sua Igreja é a verdadeira, alguns têm tirado com pressa demasiada a conclusão de que um pequeno grupo de cristãos tem o direito de organizar-se em uma nova Igreja”.9 O historiador conclui que essa atitude denota a perda do “verdadeiro desígnio da organização visível da Igreja, que não é outro senão a imagem e semelhança da invisível”.10 Se a observação de Fisher foi legítima há mais de um século, quanto mais em nosso tempo! Lamentavelmente.

Concluo com uma afirmação do teólogo reformado J. de Senarclens: “As igrejas cristãs não estão divididas por causa de sua fidelidade, e sim de sua infidelidade”.11

6 Ibidem, 6.126-5.127.

7 Schleiermacher, Friedrich, Christian Faith, p. 103.

8 Aulén, Gustaf, A fé cristã, 1965, p. 303-304.

9 Fisher, Jorge P. História de la Reforma, 1984, p. 485-486.

10 Ibidem, p. 486.

11 Senarclens, J. de. Herdeiros da Reforma, 1970, p. 15.

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REFERÊNCIAS

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A COMUNIDADE COMO GESTORA DO ESPAÇO URBANO

Sergio Rugik Gomes1

RESUMO:Nas metrópoles contemporâneas, à medida em se multiplicam seus problemas, o poder público se vê impossibilitado de atender a demanda por gestão. Um novo olhar sobre a cidade, a partir das pequenas comunidades urbanas, pode se constituir em uma ferramenta útil na difícil tarefa de gerir as metrópoles. O presente artigo propõe a discussão do papel destas comunidades, com vistas a estudos futuros sobre a criação de canais de participação da população na gestão urbana. PALAVRAS-CHAVE: Cidade - Comunidade - Gestão do Espaço.

ABSTRACT:At contemporary cities, while their problems multiply, the public administration can’t find a way to solve all demands for stewardship. A new look over city, through small urban communities, can turn into a important tool for the challenging task of city administration. This paper investigates the role of this small urban communities in this task, towards future studies on the creation of means of participation on urban administration. KEY-WORDS: City - Community - Space administration.

INTRODUÇÃO:

As cidades contemporâneas, na medida em se multiplicam suas dimensões, têm demonstrado grande dificuldade na gestão e planejamento do espaço urbano. Jane Jacobs, em seu cáustico “ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes”2, expressa um desconforto com os resultados obtidos pelo que chama de “princípios e objetivos que moldaram o planejamento urbano e a reurbanização modernos e ortodoxos”. Jacobs revela acreditar que:

a maneira de decifrar o que ocorre no comportamento aparentemente misterioso e indomável das cidades é, em minha opinião, observar mais de perto, com o mínimo de expectativa possível, as cenas e os acontecimentos mais comuns, tentar entender o que significam e ver se surgem explicações entre eles. 3

Por observar mais de perto os acontecimentos mais comuns, a autora se refere aos eventos cotidianos resultados do planejamento e da gestão da cidade, como “quais ruas são mais seguras e quais não são, quais parques são maravilhosos e quais são armadilhas que levam ao vício e à morte”4. David Harvey traduz este pensamento quando explica a transição que ocorre entre o modernismo e o pós-modernismo na arquitetura e no planejamento urbano e confirma uma insatisfação na forma vigente de se planejar e gerir as cidades:

No campo da arquitetura e do projeto urbano, considero o pós-modernismo no sentido amplo como uma ruptura com a ideia modernista de que o planejamento e o desenvolvimento devem concentrar-se em planos urbanos de larga escala, de alcance metropolitano (...) O pós-modernismo cultiva, em vez disso, um conceito do tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um “palimpsesto” de formas passadas superpostas umas às outras e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser efêmeros. Como é impossível comandar a metrópole exceto aos pedaços, o projeto urbano deseja somente ser sensível às tradições vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares…5

1 Sergio Rugik Gomes é arquiteto graduado e especialista pela Universidade Estadual de Londrina, mestre pela USP Universidade de São Paulo e professor do curso de arquitetura e urbanismo da Unifil.

2 JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 01

3 Ibid., p. 12

4 Ibid., p. 01

5 HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 1992. p. 69

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Este olhar fragmentário da cidade, dentre outras perspectivas, nos leva inevitavelmente às pequenas comunidades urbanas, onde se pode como que por uma lupa, observar com mais precisão estas “histórias locais” e estes “desejos, necessidades e fantasias particulares”. Estas comunidades se constituem assim em uma importante ferramenta na observação do espaço urbano.

A insatisfação demonstrada na crítica do planejamento urbano reflete as insatisfações manifestadas pela população em relação às metrópoles do nosso país. Recentemente o Brasil vivenciou um fenômeno onde centenas de milhares de pessoas, aparentemente sem um motivo claro, saíram às ruas em uma onda de protestos que percorreram todo o país. Pesquisas apontaram para possíveis razões como o distanciamento dos canais de participação política, frustrações em relação a representantes e a queda de prestígio das instituições políticas nos últimos dez anos1.

Estes episódios demonstram claramente uma crescente insatisfação da sociedade em relação à gestão pública e esta insatisfação é sentida no viver cotidiano de sua relação com o espaço urbano. Eles também demonstram que muito ainda se deve avançar no que se refere aos métodos de planejamento urbano. O presente artigo pretende portanto, discutir a participação da comunidade na gestão das cidades e a importância da criação de canais para que esta participação se torne uma realidade efetiva.

O REAL PAPEL DA COMUNIDADE

Como já posto, tendo em vista que estas comunidades contém em si uma riqueza de dados e informações, estas mesmas comunidades devem se constituir em algo mais do que simples objetos de observação, mas em agentes ativos na gestão de seu próprio espaço. Se comandar a metrópole como uma unidade de larga escala, como diz Harvey, se constitui em uma tarefa impossível, como seria possível então gerir este “palimpsesto” urbano sem a participação de seus maiores protagonistas? Estas comunidades, representadas por seus cidadãos, tem papel determinante na gestão do espaço e devem, com limite de autonomia pré-determinado, participar de forma mais direta das decisões relacionadas a sua segurança, manutenção, fiscalização, dentre outras, em uma parceria com o poder público, contribuindo com este em sua pesada tarefa de gerir a cidade.

Este envolvimento e suas consequências benéficas tem passagem marcada na história das cidades. Estudando as origens da urbanística moderna na Inglaterra, Benévolo afirma que “como sempre, a ação das autoridades é precedida por algumas associações privadas, de natureza filantrópica” 2 e explica que sua ação apesar de quantitativamente insignificante, é importante porque suscita o interesse da opinião pública e ajudaram a “mostra que o melhoramento dos bairros insalubres é realizado com os meios contemporâneos existentes.”

No que tange à legitimidade desta participação, Campos Filho afirma que, como já existe uma ordenação legal estabelecida, cabe aos cidadãos contribuir para que o planejamento urbano seja traduzido em “normas estabelecidas para o nosso bem.” 3

1 PAULINO, Mauro e JANONI, Alessandro. Manifestações refletem crises de representação e representatividade. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 jun. 2013. Caderno Cotidiano, p. C5. É importante esclarecer que apesar da pesquisa publicada pelo Datafolha em relação ao prestígio das instituições políticas nos últimos dez anos ter sido realizada apenas na cidade de São Paulo, entende-se que este resultado deve refletir um pensamento presente no país de uma forma geral.

2 BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. p. 74

3 CAMPOS FILHO, Candido Malta. Reinvente seu Bairro. Caminhos para você participar do planejamento de sua cidade.

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Além disso, o envolvimento destes grupos urbanos pode potencializar melhorias nas cidades, pois é dentro das pequenas comunidades que florescem os sentimentos de pertinência, de posse e seu consequente desejo de cuidado e zelo por aquilo que lhe pertence. Sentimentos também de pertencimento a um grupo e de responsabilidade pelo que é coletivo, que podem levar a mais ações de cidadania por uma melhoria do espaço urbano.

Este anseio por engajamento e cuidado pelo coletivo só pode ser gerado dentro das comunidades, dado seu aspecto intrínseco de lar. Ao discorrer sobre o conceito de “lar”, Mônica McGoldrick exemplifica este potencial:

Passei a entender que “lar” é muito mais do que o lugar onde vivemos fisicamente. Não é apenas o lugar onde dormimos, e não é apenas o lar nostálgico da nossa infância ou da infância que desejávamos. É um local espiritual e psicológico de libertação. O lar é um espaço ao qual todos poderíamos pertencer, um com o outro - fortalecidos pelo que extraímos daqueles que vieram antes de nós, criando um porto seguro para aqueles que estão conosco em nosso tempo, e garantindo que deixaremos um espaço seguro para nossos filhos e para todos aqueles que virão depois de nós. Estou passando a entender que preciso agir para criar um lugar seguro, não apenas para meu próprio filho, mas para os filhos de todos nós, que são, como disse Jorge Luís Borges, “nossa imortalidade” na terra. 4

O desejo de criar um lugar seguro reflete o anseio primário da maioria dos seres humanos na tentativa de construir um lar. Este anseio pode ser canalizado de forma a gerar ações organizadas dentro da comunidade.

Estas ações podem ser iniciadas por um pequeno grupo ou até mesmo por apenas um indivíduo dentro de sua localidade. Seus próprios membros, em sua contribuição individual, podem dar início a um novo processo de desenvolvimento desta comunidade. A arquiteta Brenda Vale, ao tratar sobre as “comunidades sustentáveis” destaca a necessidade da iniciativa individual como agente potencializador:

…desenvolvimento sustentável da comunidade envolve uma visão holística de comunidade, envolvendo natureza, cultura e política, bem como economia. Estas questões são temporais e complexas com múltiplas possibilidades de resultado. Porém, é claro que o nível de sustentabilidade está ligado à atividades na comunidade. Cada indivíduo é responsável por suas próprias ações na formação da comunidade e de seu futuro. Isto significa que o desenvolvimento começa em um nível individual. (…) uma comunidade sustentável nunca poderá acontecer se os membros da comunidade ignoram a relação entre homem e comunidade bem como homem e natureza.5

O conceito de “unidade de vizinhança” apresentado por José Garcia Lamas traduz claramente este potencial das pequenas comunidades urbanas. O autor define unidade de vizinhança como um lugar onde os moradores se conhecem pessoalmente e tem o hábito de se visitar e realizar coisas em conjunto, “um grupo territorial no qual os membros se encontram em terreno conhecido, no seio de sua área própria, para resolver atividades sociais primárias e contatos sociais espontâneos ou organizados.” 6 Celson

São Paulo: Editora 34, 2003. p. 10

4 MCGOLDRICK, Monica. Pertencimento e Libertação. Encontrando um lugar chamado “Lar”, In Novas Abordagens da Terapia Familiar. Raça, cultura e Gênero Na Prática Clínica. São Paulo: Roca, 2003, p.245

5 VALE, Brenda; CHANSOMSAK, Sant. The Role of Architects in Sustainable Community Development. Jornal of Architectural/Planning Research and Studies. Volume 6. Issue 3. 2009. p. 111

6 Definição dada por Queen Carpenter. (apud LAMAS, 2044 p.317)

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Ferrari define a “unidade de vizinhança” como uma área caracterizada “por intensa atividade de cooperação e associação entre seus componentes”. 1

Contudo, um problema permanece. Mesmas razões que fizeram fracassar as tentativas dos urbanistas na criação das “unidades de vizinhança” através do desenho urbano, continuam presentes na cidade contempoânea. 2 Lamas afirma que “as relações sociais entre vizinhos, que existiam nos antigos bairros, tendem a desaparecer nas novas urbanizações e grandes metrópoles”, dando lugar a um enfraquecimento nas ligações sociais, sendo substituídas por relações indiretas entre os cidadãos, dentro de “matrizes mais alargadas e complexas que a proximidade dentro do bairro; os transportes e as comunicações alargam os horizontes destas relações, onde também pesam outros meios de comunicação, como a rádio, a televisão, etc.;”3 Com o passar dos anos e o enfraquecimento destas relações, as pessoas também foram se eximindo da responsabilidade de cuidar do coletivo.

Esta questão torna inda mais clara a necessidade de se realizarem movimentos no sentido de ajudar estas comunidades a assumir a responsabilidade por seu próprio espaço. Faz-se necessário uma interferência externa à comunidade no sentido de potencializar e facilitar este processo para que estes pequenos grupos se organizem e assumam um papel ativo na gestão do espaço urbano, motivando de forma inclusiva a intervenção do poder público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fato que atualmente, diante dos desafios que tem se apresentado diante das cidades contemporâneas, há uma insatisfação generalizada quanto à gestão e o planejamento das metrópoles. Esta insatisfação pode ser claramente observada nos protestos que percorreram o Brasil no ano de 2013. Entretanto, este desconforto é notório não apenas nas populações das cidades mas também na atual crítica aos métodos de planejamento vigentes.

A crítica contemporânea tem reclamado uma visão fragmentária das cidades como alternativa para a solução de seus problemas. Esta visão não pode se concretizar senão com a ajuda das pequenas comunidades, que vivenciam os dramas da cidade cotidianamente. Todavia, a participação destas comunidades deve ir além da simples observação de suas realidades, mas no seu profundo envolvimento na gestão de seu próprio espaço. Dado o poder transformador que estas comunidades podem imprimir ao espaço urbano, torna-se portanto evidente a importância de uma parceria comunidade/estado na gestão e planejamento urbano.

Sendo assim, diante do distanciamento das relações experimentado pelas sociedades contemporâneas em suas relações como comunidade, fica claramente demonstrada a necessidade de se criarem por parte do estado ou de outras instituições, canais de participação e movimentos que promovam o engajamento destas comunidades com as questões que envolvem a gestão de seu próprio espaço.

1 FERRARI, Celson. Dicionário de Urbanismo. São Paulo: Disal Editora, 2004. p. 369-370.

2 Lamas afirma que após alguns anos de experimentação das “unidades de vizinhança”, verificava-se que “a ambicionada vida social não tinha sido conseguida, nem tal processo implicava necessariamente o bem estar e satisfação dos habitantes.” (LAMAS, 2004. p.322)

3 LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenvolvimento da cidade. 3. Ed. Porto: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2004. p. 322

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REFERÊNCIAS

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2014 NO BRASIL: COPA PARA TODOS, COZINHA PARA ALGUNS?

Agnaldo Kupper

RESUMO:A reconstrução da história brasileira passa pela compreensão das lutas políticas entre grupos subalternos. O avanço do futebol enquanto prática social, esportiva e política ganhou o mundo trazendo eventos gigantescos como a Copa do Mundo de Futebol. O Brasil já foi sede de uma Copa. Foi no distante ano de 1950. Será sede de outra, desta vez em 2014. Para quem e a quem serve um evento desta grandiosidade em um país com tantos problemas estruturais? Estamos preparados para tal? Os investimentos poderiam ser direcionados para outras áreas que não para a organização deste evento? Seria o evento uma festa para todos ou para alguns? Ou podemos crescer a partir da organização do maior encontro do mundo de seleções de futebol?UNITERMOS: futebol; Copa de 2014; problemas estruturais; investimentos. ABSTRACT:The reconstruction of Brazilian History involves the understanding of political struggles among subaltern groups. The improvement of football as a social, political and sport discipline throughout the world has made a breakthrough concerning events such as FIFA World Cup. Brazil has hosted the 1950 World Cup and it will be the host country for the next event in 2014. For whom will this magnificent event be organized in a nation with so many structural problems? Are we really prepared for that? Should the investments be directed to other areas not concerned with the event? Should the World Cup be a football party for all of us or just a few citizens? Could we make any progress from the organization of the world´s largest tournament of teams?KEY WORDS: football; World Cup 2014; structural problems; investments.

O ADVENTO DO FUTEBOL ENQUANTO A bola já rolava em Florença ao final da Idade Média. Disputava-se o cálcio,

termo ainda usado nos dias atuais para designar futebol.William Shakespeare chegou a citar a prática do futebol em sua Comédia dos

Erros, onde pergunta: “(...) tomais-me por uma bola de futebol? Vós me chutais para lá, e ele me chuta para cá. Se devo durar neste serviço, deveis forrar-me de couro”. Já em Rei Lear, a marginalização social desse esporte fica clara na fala insultuosa de um personagem: “Tu, desprezível jogador de futebol!”.

Mas foi no século XVIII, com a consolidação do parlamentarismo e a Revolução Industrial, representando a vitória do capitalismo na sociedade inglesa, que começaram a ocorrer mudanças no jogo da bola. Aos dirigentes da aristocracia interessava reformular a educação então dominante no país. O futebol, esporte que vinculava disciplina e solidariedade, serviria ao propósito. Para tanto, regras fixas deveriam ser criadas. Em 1823, na Rugby School, a discussão se deu: deveria a prática permitir também o uso das mãos? Com a aceitação, nasceu o chamado ruggby1.

Em 1863, surgiu o chamado football association, o conhecido futebol atual, quando representantes de onze clubes e escolas reuniram-se e fundaram a Football Association, em Londres. Neste mesmo ano, a prática foi codificada em apenas quatorze regras, tornadas públicas em livros e cartilhas distribuídas pelo país. Como as discussões mantinham-se, foi necessária a introdução de um árbitro. Decidiu-se, também, que os jogos deveriam ser decididos por gols, com prorrogações até que houvesse desempate.

A última década do século XIX teve como uma de suas características o crescente fortalecimento das paixões nacionalistas, sobretudo nas sociedades capitalistas centrais, empreendedoras de vigorosa expansão imperialista.

Muito antes de se disseminar pelas fábricas, o futebol disseminou-se pelos

1 Duílio Martins. Nacionalidade de uma paixão universal. História do Futebol. São Paulo: Cosespe, 1997

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ambientes escolares ingleses, em especial devido à intensa urbanização da segunda metade do século XIX. Tornou-se a válvula de escape de um processamento opressor.

Mas foi mesmo entre os operários que fez grande sucesso, ao ponto de Hobsbawn (1987) classificá-lo como a “religião leiga da classe operária”.

Surgiram resistências à adoção do futebol. Mas por pouco tempo. A prática proliferou-se, chegando à França em 1872, à Suíça, em 1879, à Bélgica, em 1880, à Holanda, Dinamarca e Alemanha, em 1889, à Itália, em 1893, ao Brasil, em 1895 (de forma oficial). Na América Latina, a rápida propagação da modalidade foi facilitada pelo fato de existirem no continente comunidades inglesas ligadas a empresas e empreendimentos do capitalismo inglês1.

Acredita-se que os ingleses foram os primeiros a praticar futebol no Brasil. Uma das primeiras menções ao futebol no Brasil data dos anais de 1746 da

Câmara Municipal de São Paulo, que proibia o jogo da bola, pois o considerava causador de agrupamentos de vadios e desordeiros.

Crê-se, no entanto, que os ingleses foram os primeiros a jogar bola nas praias e capinzais existentes no litoral brasileiro. Informações dão conta de que, por volta de 1875, trabalhadores ingleses e brasileiros pertencentes a empresas britânicas, enfrentaram-se em partidas de futebol no campo do Payssandu Cricket Club, no bairro Laranjeiras, cidade do Rio de Janeiro.

O futebol association, com suas regras, foi trazido para o Brasil por Charles Miller (1874-1953), filho de pais ingleses, nascido no Brasil que, com nove anos de idade, foi enviado para estudos no Banister Court Scholl, em Southampton, Inglaterra. Ao retornar a São Paulo, em 1894, trazia em sua bagagem duas bolas de couro, camisas, chuteiras e calções, passando a divulgar a prática. Fontes indicam que as primeiras pelejas foram disputadas na Várzea do Carmo. A historiografia assinala a data de 14 de abril de 1895 para a realização da primeira partida de futebol no país. O ano de 1898 assistiu à criação do primeiro clube destinado ao futebol no Brasil: Associação Atlética Mackenzie College. Em 1900 foi criado o Clube Atlético Paulistano. Os dois clubes organizaram, em seguida, a Liga Paulista de Futebol.

O caráter da prática era elitista, com agremiações fechadas. Tal elitismo pode ser demonstrado nos preços cobrados aos que desejassem se associar aos clubes familiares que foram sendo formados: altíssimos, para a época. Ao serem anunciados para uma partida (escalação), os jogadores tinham os nomes antecedidos por “senhor”2

No Rio de Janeiro, a prática do futebol ganhou projeção após a reurbanização da cidade no início do século XX, com organização de Francisco Pereira Passos. Nesta modernização da cidade, centenas de habitações de segmentos sociais menos favorecidos foram colocadas abaixo para dar lugar, entre outros, a grandes avenidas. A grande parcela da população prejudicada pelas obras não tardou a revoltar-se, fazendo surgir a primeira grande revolta urbana da história brasileira: a Revolta da Vacina (1904), reprimida com a força da polícia e, quem sabe, com o estímulo ao futebol nos terrenos baldios e nas praias, em especial entre os maltas.

O jogo com bola, seja em São Paulo, seja no Rio de Janeiro, perdeu rapidamente o seu caráter elitista, ganhando força, enquanto modalidade, entre os “cabras”.

No Brasil, nomes como Afrânio Peixoto chegaram a alardear as vantagens da prática do futebol como forma de “curar os males sociais do Brasil a partir da disciplina e do desenvolvimento do espírito de grupo”.

1 Rubim Aquino. Futebol uma paixão nacional. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002

2 Tomás Mazzoni. História do Futebol no Brasil. São Paulo: Leia, 1950.

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O futebol é um esporte de fácil assimilação e improviso. Diria anárquico. Joga-se como quiser. O campo de jogo pode ser adaptado, assim como as metas (gols). Dois pares de chinelas podem ser o bastante para delimitar o objetivo. O campo pode ser um pedaço de calçada ou de rua. O piso pouco importa: regular, irregular, íngreme. O tempo é livre. Pode até ser por número de tentos marcados, tal qual “vira a seis, termina a doze”. Oficialmente, onze jogadores de cada lado, mas podem ser unidos quantos jogadores se desejar ou se tiver à disposição. Com goleiro, sem goleiro, com goleiro-linha. Até a bola pode ser adaptada. Pode-se apitar por consenso. A tática pode existir ou ser traída.

A princípio, com o futebol ganhando fôlego no Brasil, as empresas passaram a criar seus times (até mesmo clubes de futebol!). Na década de 1920, difícil apontar uma grande indústria que não tivesse seu time principal. Ou seja, o esporte de elite entregou-se aos trabalhadores. Muitos times fabris passaram por um processo de profissionalização, fazendo surgir o “operário-jogador”.

Os anarquistas e comunistas, por dominarem os principais sindicatos trabalhistas, não viam com bons olhos a proliferação da prática fubebolística, torcendo o nariz para sua popularização. Pelo menos a princípio. Denominavam-no de esporte burguês, apontando os males dos times em fábricas, o que desvirtuava a luta de classes ao defender-se o nome da empresa.

Mas mesmo os anarquistas e comunistas renderam-se, dando o braço a torcer e estimulando a prática, desde com fins educacionais e de solidariedade.

A entrega se deu. O futebol, ao que parece, prevaleceu e venceu, passando a ser visto como estímulo para atrair trabalhadores para as reuniões sindicais..

Heloísa Bruhns (2000)3 afirma que a trajetória do futebol, “introduzido no país há mais de cem anos por uma elite, até se tornar o esporte mais popular do Brasil, ao longo de uma série de episódios e processos que se desenrolaram com o desenvolvimento industrial e urbano, envolveu a classe operária, empresários, camadas populares e, especialmente, a população negra. Os industriais brasileiros perceberam que o futebol praticado pelos operários poderia funcionar como um ótimo veículo publicitário”.

Bruhns já nos dá uma pista e deixa uma indagação: teria sido a prática do futebol um instrumento quase imperceptível usado para esvaziar o movimento sindical impressionantemente influenciado pela ideologia anarquista e anarcosindicalista? E continua: “(...) o processo de difusão do futebol entre a classe trabalhadora não pareceu estranho a anarquistas e comunistas, durante as primeiras décadas do século. A questão ocupou alguns sindicatos, recebendo a denominação de ‘esporte burguês’, poderoso ‘ópio’, capaz de minar a união e a organização de classes” E fecha dando-nos mais uma dica: “(...) tanto anarquistas quanto comunistas assistiram à derrota de suas resistências, reconhecendo a popularização do esporte e sua adoção pela classe trabalhadora como irreversível”.

Já Murilo de Carvalho4 afirma que “A partir da virada do século, o anarquismo fez incursões entre os operários (...), trazendo propostas políticas e sociais que seguramente confrontavam as tradições. (...) A rejeição da idéia de pátria e de nacionalismo, a oposição ao serviço militar, era a nova ênfase na criação de uma cultura operária própria, de uma educação alternativa, de relações igualitárias entre os sexos. Os anarquistas (...) mostravam sua intolerância com certas tradições populares, como o carnaval, o futebol, o jogo”.

Carvalho aponta o temor de certos anarquistas em relação à prática futebolística. Para alguns seguidores desta ideologia, o futebol poderia agregar trabalhadores e servir

3 Heloísa Turini Bruhns. Futebol, Carnaval e Capoeira: entre as gingas do corpo brasileiro. Campinas: Papirus, 2000

4 José Murilo de Carvalho. Pontos e Bordados. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998

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como instrumento para reuni-los para os embates contra as opressões. Neste último sentido, anarquistas, anarcosindicalistas e comunistas teriam sido divulgadores do futebol no Brasil, mais especificamente no Estado de São Paulo Por outro lado, indústrias paulistas começaram a criar seus clubes. Na década de 1920, difícil era apontar uma indústria da capital que não tivesse um time de futebol. Talvez porque, em outro sentido, a classe empresarial via na proliferação do esporte uma forma de retirar os operários das discussões e organizações sindicais.

Teria sido por isto - a partir desta nova visão - que anarquistas e comunistas teriam começado a torcer o nariz para o futebol, provavelmente por começarem a perceber que o esporte poderia elevar o nome da fábrica, além de gerar confrontos ente os times e, consequentemente, entre os trabalhadores, desvirtuando a luta de classes? Algo a se aprofundar...

O jornal A Plebe, de cunho anarquista, em uma de suas edições, chegou a afirmar: “Atualmente, são três os meios infalíveis que os ricos exploradores das misérias e necessidades do povo empregam para tornar a classe operária uma massa bruta: o esporte, o padre a política. Não existe nenhuma vila ou aglomerado de casas de operários que não tenha o campo de futebol, a igreja e os gorjetados incitadores políticos. Nos campos de futebol, os operários de ambos os sexos tornam-se aficionados e torcedores e brutalizam-se a ponto de só viverem discutindo entre os seus companheiros os lances e proezas dos campeões”1.

Outros anarquistas e comunistas, ao invés de simplesmente só criticarem o esporte, começaram a organizar o futebol como lazer, se contrapondo à cultura burguesa do futebol. Propunham uma espécie de auto-gestão do futebol pelos trabalhadores. Era a “proletarização do esporte”. O jornal O Trabalhador Gráfico, chegou a afirmar: “A necessidade do esporte para a juventude é um fato incontestável. A burguesia se aproveita desse fato para canalizar todos os jovens das fábricas para os seus clubes. Que fazem os jovens nos clubes burgueses? Defendem as cores desses clubes. Se o clube é de uma fábrica é o nome e a cor da fábrica que defendem; a burguesia cultiva neles a paixão e a luta contra a juventude das outras empresas. Todo operário footbailer deve ingressar nos clubes proletários. No mundo obreiro ninguém mais ignora que o esporte bretão tem sido útil ao capitalismo para desviar a atenção das massas trabalhadoras dos seus sindicatos profissionais”2.

Já o jornal Nossa Voz, fez o seguinte comentário: “Trabalhadores que somos, organizaremos os nossos clubes, as nossas ligas, feitos e dirigidos por nós mesmos, sem interesses de dinheiro, mas só animados pelo espírito de solidariedade proletária”3.

A dicotomia estava escancarada e, enquanto tendências anarquistas e comunistas discutiam o futebol, capitalistas pareciam estar mais convictos do que queriam do “jogo da bola”.

A proliferação do futebol no Brasil, quando incentivada por anarquistas, comunistas e capitalistas, têm defesas: “Algumas discussões apontavam o futebol como um elemento positivo e unificador de um país miscigenado, que pode promover a educação e a solidariedade (...) Outros viam o futebol como expressão do atraso e do subdesenvolvimento”4 . Já Renato Pompeu5, afirma que com o futebol “(...) foi descoberto

1 Jornal A Plebe, 28 de Janeiro de 1933.

2 Jornal O Trabalhador Gráfico, 25 de Maio de 1928.

3 Jornal Nossa Voz, 0l de Julho de 1934.

4 José C. do Rego, Mário Filho e N. Rodrigues. Com brasileiro não há quem possa. São Paulo: Ed. Unesp, 2004

5 Renato Pompeu. Memórias de uma bola de futebol. São Paulo: Escrituras Editora, 2002

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que o lazer não é preguiça, que o lazer é o descanso após o trabalho e é uma espécie de reconciliação com a vida natural”. Certamente, tal visão foi muito bem explorada pelos defensores do esporte bretão.

Exemplos vindos de fora dos quatro cantos do Brasil também podem ser aqui citados rapidamente. Na Argentina, a história do futebol é bem parecida com a de nosso país: socialistas e anarquistas criaram clubes como o ‘Mártires de Chicago’, em homenagem aos operários enforcados nos Estados Unidos da América por lutarem pela jornada de oito horas de trabalho. O Mártires foi o núcleo do ‘Argentino Júniors” e do ‘Newell Old Boys’ (fundado em homenagem a Newell, anarquista). O mesmo ocorreu na Croácia, com a fundação do Clube ‘Anarco’ e em Barcelona e Bilbao.

Não há como desconsiderar que o fim da República Velha, em 1930, quando o Brasil partiu para seu projeto de industrialização, fez a política e o futebol se aproximarem em definitivo, talvez pela ênfase dada ao esporte no primeiro quarto do século. Já na sua segunda Copa do Mundo, disputada na Itália, a seleção brasileira teve como chefe da delegação Lourival Fontes, um dos mais próximos colaboradores de Getúlio Vargas. O próprio presidente tratou de colocar o futebol dentro do palácio do governo, quando afirmou que “a missão do time não é somente de caráter esportivo, mas envolve o desempenho de um dever cívico”, talvez inspirado por Benito Mussolini, que transformara o Mundial de 1934 em evento para consolidar o regime fascista.

A entrega se deu. O futebol, ao que parece, prevaleceu e venceu, passando a ser visto como estímulo para atrair trabalhadores para as reuniões sindicais.

A partir de então, a prática do futebol tem sido utilizada como instrumento ideológico para acalmar as massas, como ocorreu durante o período ditatorial militar brasileiro (1964-1985), em especial durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), que lançou mão do futebol para atenuar conflitos políticos e sociais.

Pensado enquanto esporte, o futebol praticado nas peladas de ruas ou em campos de várzea, pode refletir a singularidade da cultura nacional. Pensado enquanto negócio, a prática tem sofrido um processo de mercadorização, com o uso de patrocinadores, com a venda de direitos de imagens de jogadores e da própria comercialização dos direitos de transmissões pelos canais de televisão.

O fato é que o futebol representa as formas de viver de uma sociedade, colaborando para distinguir as classes sociais, desmobilizando resistências e colaborando para a estabilidade social em nosso país.

Para quê e para quem serve e já serviu o futebol? Como esta prática enraizou-se tão violentamente na alma do povo brasileiro? Alguns prontamente responderiam: alienação, prática simbólica da socialização, teatralização da vida social, encenação abstrata da guerra... Parece-me pouco.

E para que e para quem serve uma copa do mundo realizada no Brasil, como esta a ser realizada neste 2014?

EIS QUE SURGE A COPA DO MUNDO DE FUTEBOL

Em 1928, Jules Rimet, presidente da FIFA, propôs ao Uruguai a organização do primeiro campeonato mundial de futebol. Pela proposta, seria uma competição independente dos Jogos Olímpicos da era moderna, iniciados em 1908.

Além das dificuldades para a organização (em especial financeiras), a idéia encontrou mais um obstáculo: a Crise de 1929, marcada pela quebra da economia norte-americana e simbolizada no Crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque. O mundo todo,

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como se sabe, foi atingido com a crise capitalista, que trouxe falências de empresas, desemprego e grave crise política.

Mesmo assim, o Uruguai manteve sua intenção.Com a situação, apenas quatro países europeus participaram da primeira Copa do

Mundo de Futebol: Romênia, Iugoslávia, Bélgica e França. Os demais países participantes foram todos americanos: Bolívia, Brasil, Chile, Argentina, Estados Unidos da América, Peru, Paraguai, México e, claro, Uruguai.

A participação brasileira foi ruim e a final reuniu Argentina e Uruguai, com vitória do país sede.

O fracasso brasileiro na Copa de 1930 coincidiu com o fim da República Velha e o início do governo Getúlio Vargas. Este, ao iniciar seu governo, percebeu ser o futebol um ótimo “gancho” para sua política.

A segunda Copa do Mundo de Futebol foi realizada na Itália, em 1934 (vitória do país sede). O chefe da delegação brasileira foi Lourival Fontes, um dos homens mais próximos de Vargas, que tratou de colocar o futebol dentro do palácio do governo (então cidade do Rio de Janeiro). Antes do embarque da delegação brasileira para solo italiano, o presidente brasileiro recebeu seus componentes, afirmando que “a missão que embarca não tem apenas caráter esportivo, mas envolve o desempenho de um dever cívico”. Mas tudo estava apenas no começo e a composição da delegação brasileira contou apenas com dezessete jogadores, já que o profissionalismo da prática ainda estava longe. O Brasil foi eliminado já na primeira partida e Getúlio não pode capitalizar politicamente com o evento.

A terceira, na França, em 1938. Nova vitória da Itália. Devido à eclosão da II Grande Guerra Mundial (1939-1945), não tivemos

a realização do torneio em 1942 e 1946. Em 1950, o evento ocorreu no Brasil. Vale lembrar que, fora de campo, o período foi marcado pela elevação da tensão entre EUA e URSS, reflexo do pós-II Guerra, refletida na Guerra da Coréia (1951-1953), quando os dois países dividiam a península coreana ao meio: capitalistas no sul e socialistas ao norte. Na África, a participação das colônias em favor dos Aliados durante a Segunda Guerra fortaleceu o sentimento independentista no continente. Nesse período, diversos agrupamentos políticos surgiram na África Ocidental Francesa, inicialmente buscando relações mais igualitárias com a metrópole, mas já traziam o desejo de independência. Na África do Sul, o apartheid política oficial de segregação racial evoluía. Com grande carga ideológica e de propaganda, o presidente brasileiro Getúlio Vargas associava o futebol ao Estado Novo (1937-1945). A influência do presidente teve até lances folclóricos como a indicação de sua filha, Alzira, para o cargo de “madrinha” da seleção. Nesta Copa, até o jogo decisivo, tudo correu dentro dos planos de Vargas. Com a Europa ainda se reestruturando da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), coube ao Brasil abrigar esta quarta edição da Copa. A FIFA não tinha alternativa, já que o único candidato era o Brasil (fora do eixo europeu). O presidente não era mais Getúlio, mas Eurico Gaspar Dutra, que fez do mundial uma das vitrines do seu governo. Dutra não economizou na construção de estádios e se transformou numa espécie de fiscal da construção do estádio do Maracanã. Acusações de corrupção envolvendo a Prefeitura do Rio de Janeiro não impediram que o maior estádio do mundo fosse construído especialmente para o evento. No país sede, Brasil, o clima era de conquista, do “já ganhou”. Em um momento histórico, com o Maracanã com cerca de duzentos mil torcedores, o Brasil perdeu para o Uruguai .

Na Em 1954, na Suíça, o triunfo coube à Alemanha. Em 1958, na Suécia, a primeira conquista brasileira. Em 1962, Chile, bicampeonato do Brasil. Quatro anos mais

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tarde, na Inglaterra, vitória do país sede. Em 1970, no México, tricampeonato brasileiro. Em 1974, Alemanha, vitória, novamente, do país sede. Em 1978, na Argentina, Argentina campeã. Em 1982, na Espanha, vitória da Itália. Em 1986, a Argentina tornou-se bicampeã; novamente o evento ocorreu no México. Em 1990, na Itália, nova vitória alemã. Em 1994, nos EUA, tetracampeonato do Brasil. Em 1998, na França, vitória francesa. Em 2002, organização conjunta entre Japão e Coréia: vitória brasileira; concretizara-se o pentacampeonato para o Brasil. Quatro anos mais tarde, em 2006, a Itália consagrou-se. Em 2010, o palco do maior evento de futebol do mundo foi a África do Sul. Vitória espanhola.

Para a Copa de 2014, a sede escolhida foi novamente o chamado país do futebol: o Brasil.

NOVAMENTE A COPA NO BRASIL

Em junho de 2010, a empresa de Consultoria Erns & Young, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), estimou que os investimentos para a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil injetariam R$142,3 bilhões de reais na economia brasileira entre os anos de 2010 e 2014. De acordo com o estudo, o valor estimado seria composto pelos investimentos diretos em organização e infraestrutura (29,6 bilhões de reais), somados aos impactos indiretos na produção de bens e serviços (R$112,7 bilhões). O levantamento estimou, também, que 3,6 milhões de empregos seriam criados. O impacto dos investimentos para a realização da Copa de 2014 representaria, ainda pelos estudos, o equivalente a 2,17% do Produto Interno Brasileiro (PIB) previsto para 2010. Finalmente, o setor que deveria ser mais amplamente contemplado seria o da construção civil.

Sem dúvidas, um grande investimento que, segundo os mais críticos, poderia ser revertido para outros fins, afinal as sedes determinadas (doze) para a realização das partidas, apresentam problemas sociais que podem ser considerados graves. Salvador, por exemplo, é uma capital que sofre, há muito, com surtos de dengue, Recife é uma das cidades mais violentas do país, Cuiabá padece com secas e queimadas, Brasília apresenta problemas com a taxa de desemprego (17,5% em 2012, 2,4% a mais que em outras regiões metropolitanas do Brasil), Fortaleza apresenta o segundo pior índice de saneamento entre as regiões de metrópole do país, Manaus sofre com a malária, a cidade do Rio de Janeiro não consegue solucionar os problemas de poluição da Baía da Guanabara e praias como Botafogo e Flamengo, a capital de São Paulo apresenta trânsito caótico, Porto Alegre têm problemas com abastecimento de água, Curitiba agoniza com os aterros sanitários, próximos do limite suportável, Natal não apresenta estrutura hospitalar e Belo Horizonte não consegue ter controle sobre o tráfico de drogas e a violência.

Os gastos dos Jogos pan-americanos realizados na cidade do Rio de Janeiro nos anos 2000 não foram divulgados claramente. A princípio, fez-se previsão de investimentos para o evento da ordem de 410 milhões de reais. Estima-se que tenham sido investidos 3,7 bilhões de reais. Caso confirmadas estas despesas, os investimentos teriam sido 793% a mais do que o esperado. Auditoria do Tribunal de Contas da União constatou indícios de irregularidades (superfaturamento e não fornecimento dos serviços prestados após contratos). Um bom exemplo do esbanjamento e falta de gerenciamento do Pan do Rio foi a edificação do Estádio João Havelange (Engenhão): a previsão orçamentária era de setenta e quatro milhões de reais. Custou cento e oitenta. Em 2016, a cidade do Rio abrigará as Olimpíadas Modernas. Montreal, após organização dos Jogos (1976), “quebrou”, embora Barcelona (1992) tenha virado centro cosmopolita.

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Em 20 de julho de 2012, foi divulgado o montante que saiu dos cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para os financiamentos dirigidos para as cidades-sede da Copa do Mundo. Até a data, São Paulo, Belo Horizonte, Manaus, Recife e Rio de Janeiro receberam 400 milhões de reais cada, Cuiabá, 393 milhões, Fortaleza, 351,5 milhões, Natal, 396,5 milhões e Salvador 323,7 milhões. Apenas Curitiba e Porto Alegre ainda aguardavam a liberação de recursos do órgão de fomento, que já havia liberado 3,4 bilhões para as demais cidades.

O Tribunal de Contas da União apontou, no mês de julho de 2012, a condição das obras dos estádios que estão sendo preparados para o evento. A Arena da Baixada (Curitiba), amargava a pior colocação no ranking : apenas 11,2% das obras estariam terminadas (em março do mesmo ano era de 8,5%). Mas o atraso não estava concentrado apenas no Paraná, mas generalizado pelas demais praças.

A previsão de gastos com as obras só se amplia: em 2011, estimava-se que a recuperação do Maracanã (RJ) consumiria 957 milhões de reais, que a construção do Estádio Nacional de Brasília absorveria 670 milhões, que o custo para preparação do Mineirão seria de 666 milhões e do Castelão (Fortaleza) de 519. Para o erguimento da Arena Amazônia (Manaus), seriam destinados 499,5 milhões de reais, e para a edificação da Arena Pantanal (Cuiabá) de 355 milhões. O custo para implantação da Arena Pernambuco (São Lourenço da Mata) estava orçado em 532 milhões e a preparação do Estádio Beira-Rio (Porto Alegre) em 290 milhões. Já a Arena das Dunas (Natal) consumiria 400 milhões.

Todas as cifras já foram superadas, conforme dados da Confederação Brasileira de Futebol e do Ministério dos Esportes do Brasil (agosto de 2013). E quanto maior é o atraso das obras, mais os valores se alteram. Para maior.

Segundo fontes governamentais, por ocasião da realização da Copa das Confederações (realizada em junho de 2013, como um “ensaio” para o Mundial de 2014), o estádio do Maracanã foi entregue. Custo final: 1,2 bilhão de reais (custo inicial previsto era de 600 mil reais). O custo de outras obras, tais como o entorno do estádio Mário Filho, passarela para acesso ao estádio, reforma do aeroporto do Galeão, entre outros, foi orçado em 3,3 bilhões. O estádio Mané Garrincha (Brasília), com custo inicial previsto de 745,3 milhões, teve um custo final de 1,2 bilhão, mesmo com falta de pontos de energia elétrica, conexão deficitária com a internet, vestiários com água fria e entorno de obras incompleto, além da estrutura do gramado, que não atende aos padrões da Fifa (que deve exigir sua troca, trazendo novos investimentos). O estádio de Belo Horizonte também foi entregue reformado. Seu custo inicial estava orçado em 426,1 milhões. Foi entregue com custo final de 666,3 milhões, com previsão de gastos de cerca de mais 2 bilhões de reais para obras como ampliação do aeroporto de Confins e criação de sistemas de corredores de ônibus (BRT)1. Já o estádio reformado de Fortaleza (Castelão), com custo inicial de 623 milhões, foi entregue com 518,6 milhões de reais, porém com ruas do entorno do estádio em obras e com interdições e desvios. O novo estádio de Manaus (Arena da Amazônia), até junho de 2013, apresentava custo final previsto de 550 milhões reais (como já citado, o custo inicial era de 499,5 milhões); outras obras, segundo previsão orçamentária, devem consumir mais 330 milhões de reais (embora o monotrilho e o sistema de corredores exclusivos para ônibus tenham sido abortados). A Arena Pantanal (Cuiabá) teve seu custo ampliado para 525 milhões de reais, com o custo de outras obras orçado em 1,6 bilhão ( ampliação do aeroporto). A revitalização do porto foi descartada. A Arena Pernambuco (estádio novo), com previsão de entrega em dezembro de 2013,

1 Na reabertura do estádio, falta de água e bares fechados demonstraram falhas organizacionais.

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tem seu custo final orçado em 680 milhões de reais, ou seja, cerca de 150 milhões a mais do que o previsto inicialmente. Outras obras de adequação têm custo de mais 1,6 bilhão (sistema de corredores de ônibus, terminal de metrô e obras no aeroporto do Recife). Com 71% das obras concluídas em junho de 2013, o reformado Beira-Rio (Porto Alegre), com custo inicial de 130 milhões, teve ampliação orçamentária para 330 milhões de reais, com custo de outras obras orçado em 1,2 bilhão (complexo viário, duplicação de avenidas, instalação de corredores de ônibus, reforma e ampliação do aeroporto Salgado Filho e edificação de trilhos ligando aeroporto aos trens). O estádio novo de Natal (RN) teve seu custo ampliado para 420 milhões, com custo de demais obras de 1,8 bilhão de reais (construção de aeroporto e prolongamento e construção de avenidas). O estádio da Fonte Nova (Salvador) foi entregue por ocasião da Copa das Confederações com custo final de 689,4 milhões de reais (previsão inicial era de 590 milhões), com despesas estimadas para outras obras de 4,3 bilhões de reais (metrô, aeroporto e entorno da arena)2. O estádio reformado de Curitiba (Arena da Baixada), tinha 68% de suas obras finalizado. O custo inicial estabelecido fora de 184,5 milhões de reais, ampliado para 234 milhões como custo final e o gasto de 506 milhões para outras obras de adequação ao evento (reforma da rodoviária, acesso aeroporto-rodoviária, ampliação do aeroporto Afonso Pena e requalificação de avenidas). Já o estádio Itaquerão (SP), com custo inicial de 600 milhões, teve reavaliação dos custos: 820 milhões de reais, com custo de outras obras orçado em mais 3,1 bilhões (intervenções viárias, obras no aeroporto de Cumbica e Viracopos e monotrilho – este só será entregue após a realização da Copa de 2014)3.

Um novo balanço geral do andamento das obras divulgado pelo Comitê Organizador local (COL), divulgado em 25 de Novembro de 2013, apontou que as contas relativas a gastos, estimadas em 7,107 bilhões de reais ao final de 2012, subiram para 8,005 bilhões, ou seja, uma diferença de 898 milhões. O estádio mais caro, construído do zero (Itaquerão, cidade de São Paulo), passou a ter previsão orçamentária que chega à casa dos 850 milhões de reais (vale lembrar que os custos devem ser revistos, uma vez que um acidente ocorrido em 27 de novembro de 2013 - tombamento de um guindaste - comprometeu o cronograma das obras)4. Para complementação das obras do Mané Garrincha (Brasília), mais 200 milhões devem ser gastos (como já citado, o estádio foi entregue com obras de seu entorno incompletas).

A falta de planejamento é considerada a principal razão para o atraso das obras na maioria dos estádios e nas melhorias de infraestrutura nas cidades que serão palco das rodadas do torneio em 2014. Porém, outras razões podem ser apontadas: a) a indicação de doze sedes, quando é considerado que apenas oito seriam suficientes; b) a demora na liberação das verbas por parte de investidores e mesmo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); c) a provável intenção do estabelecimento de investimentos emergenciais por parte dos gestores das obras; d) os projetos originais mal-planejados, que requerem constantes adaptações; e) a falta de gerenciamento e fiscalização na execução dos projetos estabelecidos para as obras.

2 Parte da cobertura do estádio, há dezenove dias da abertura da Copa das Confederações (15/06/2013), desabou por causa das fortes chuvas que atingiram Salvador em 27 de maio de 2013.

3 A princípio, houve indicação do Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Morumbi) como sede paulista. A promessa era de investimento do São Paulo F.C., sem envolvimento de dinheiro público. Posteriormente, o estádio foi preterido, decidindo-se pela construção do Itaquerão.

4 Não foi o primeiro acidente no processo de construção e adequação de estádios para o evento Copa 2014. Em junho de 2012, o operário José Afonso de Oliveira morreu na construção do estádio Mané Garrinha, em Brasília; em 29 de março de 2013, o operário Raimundo Nonato morreu na obra da arena Amazônia. Em 27 de maio de 2013, apesar do acidente que rompeu a lona de parte da cobertura da Arena Fonte Nova, em Salvador, não houve mortes e ferimentos. No acidente de 27 de Novembro de 2013 no Itaquerão, morreram os operários Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos.

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Agnaldo Kupper

Vale lembrar que, por ocasião da Copa das Confederações (2013), uma série de manifestações populares invadiu o país. Além das várias reivindicações, o custo elevado para a organização do evento foi questionado. Afinal o país carece de investimentos em vários outros setores, seja na saúde, educação, no sistema de transporte, entre outros, chegando a FIFA a colocar em dúvida a viabilidade da realização da Copa 2014 no país.

Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha nos dias 27 e 28 de junho de 2013, indicou que 65% da população brasileira mostrou-se favorável à realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, 26% contra, 8% indiferente e 1% que afirmaram não saber (em 2008, os números apresentados por pesquisa realizada pelo mesmo Instituto mostraram 79% favorável, 10% contra e 5% indiferentes, com 6% afirmando não saber responder à questão). Ainda segundo a pesquisa de junho de 2013, 48% dos pesquisados afirmaram que a Copa traz mais benefícios do que prejuízos, 44% afirmaram trazer mais prejuízos do que benefícios e 8% afirmaram não saber responder à questão.

CONCLUSÕES

Na busca de significados e do funcionamento das sociedades, as mais diversas linguagens tornaram-se objetos privilegiados para as análises, vistas, cada vez mais, como metáforas da realidade. Os variados discursos (orais, rituais, escritos, musicais, arquitetônicos) passaram a ser codificados com maior freqüência, procurando apreender seus elementos de tensão social e seus sentidos históricos, sua produção e sua circulação num dado meio social. Ou seja, faz-se necessária a identificação de elementos da “micro história” e sua valorização diante da tradicional “macro história”.

O futebol, nascido dentro de um quadro elitista, ganhou o mundo, tornando-se a Copa do Mundo da prática um evento gigantesco e de grande visibilidade.

Um grande evento como uma Copa do Mundo, se mal organizado, não transparente em seus custos e investimentos e que não deixa como herança para a população do país sede benefícios, pode causar impactos que podem prolongar-se por gerações. Mesmo a forma com que se conduz a organização de um evento do porte de uma Copa do Mundo de Futebol, pode nos dar pistas do caráter geral dos agentes envolvidos no processo, assim como do próprio Estado e seu gerenciador: o Governo.

Um dos impactos do obscurantismo organizacional pode envolver a juventude, que tem grandes possibilidades de se desencantar com os assuntos políticos e mesmo com a prática esportiva envolvida, no caso o futebol Outra conseqüência pode ser a prática dos atos de corrupção, a ser vista como um mal enraizado e sem solução.

A primeira Copa do Mundo organizada no Brasil ocorreu em 1950. Os tempos eram outros. Estávamos sob o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), ninguém conhecia Pelé e os anos de desenvolvimentismo de JK ainda não haviam chegado. Tudo era mais modesto e as exigências da FIFA eram outras. Denúncias de corrupção e de capitalização política foram, no entanto, jogados ao ar.

O Brasil aprendeu a ganhar fora de seus redutos. Foi assim em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. As comemorações foram em solo externo. Não havia tanto comprometimento social, político, mercadológico e sentimental como nos dias atuais. Agora é diferente: em terras brasileiras, cria-se a o jargão de que “não podemos aceitar um novo revés como ocorrera em 1950”.

Tal revés recai sobre a idéia de que devemos ganhar em campo de jogo. Porém, o revés pode ser outro, e fora do campo de jogo.

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2014 No Brasil: Copa para todos, cozinha para alguns?

A Copa de 2014 sairá. Porém, não sabemos quais as conseqüências que serão deixadas ao país.

A vitória pode encobrir os mandos e desmandos, assim como os gastos duvidosos e desnecessários. A vitória pode trazer conquistas políticas para governantes brasileiros e dirigentes nacionais e internacionais. Caso percamos na bola, certamente os questionamentos sobre os investimentos realizados e a viabilidade do evento no país estarão sob suspeita. Talvez, como já o fizemos, poderíamos ganhar fora de nossos domínios, sem que toda uma “dinheirama” fosse derramada, sempre sob suspeitas de superfaturamento ou de enriquecimento alheio.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, C; REBELO, A. A corrupção no futebol brasileiro.In: Revista Motrivivência. Florianópolis: Editora da UFSC, 201.

FAUSTO, Boris. Negócios e Ócios. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.

FLOREAL, Sílvio. A Ronda da Meia-Noite – Vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem Patrão. São Paulo: E-VUNESP, 2002.

NOGUEIRA, Armando. Bola na rede. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.

PATUSCA, Araken. Os reis do Futebol. São Paulo, 1976 (sem editora).

PINHEIRO, Paulo César de M. Sarmento. Cultura e Sociedade no Brasil (1900-1914). In História do Século XX. São Paulo: Abril, 1975, vol. 3.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Futebol e Palavra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

WISNIK, José M. Veneno Remédio – o futebol e o Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.

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CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM LOGÍSTICADiagnóstico da Exposição Agropecuária e Industrial de Londrina,

Aspectos de Segurança e Transporte público

Prof.Pedro Semprebom1

Sueli Aparecida Castanhera2, Valdeci Flamia2

RESUMO:Este trabalho traz como tema principal a logística como um papel fundamental na avaliação do desempenho da infra-estrutura envolvida na maior feira agropecuária do norte do Paraná. O presente estudo também almeja colaborar para a crítica de alguns aspectos na questão da logística no sistema de transporte e segurança pública, sempre buscando prezar, em primeiro lugar, pela segurança. Assim, tem por finalidade descrever as atuações e avanços alcançados, por cada um dos órgãos envolvidos neste ano de 2012 na Feira Agropecuária do Norte do Paraná, ocorrida durante o período de 05 a 15/04/2012, com base em entrevistas realizadas com os órgãos de segurança e transporte público urbano para verificar o planejamento estratégico de cada um deles. Ao longo da feira foi possível acompanhar o desenvolvimento do trabalho de cada um, verificar a realização das propostas apresentadas durante o evento da feira, com a grande circulação de pessoas e veículos. PALAVRAS-CHAVE: Planejamento de segurança, feira agropecuária, infra-estrutura.

ABSTRACT:This work brings as main subject the logistic one as a basic paper in the evaluation of the performance of the involved infrastructure in the biggest farming fair of the north of the Paraná. The present study also it longs for to collaborate for the critical one of some aspects in the question of logistic in the system of transport and the public security guard, always searching to prezar, in first place, for the security. Thus, it has for purpose to describe the performances and advances reached, per item of the involved agencies in this 2012 in the Farming Fair of the North of the Paraná, occured during the period of 05 15/04/2012, on the basis of carried through with the security agencies urban public transport and interview year to verify the strategical planning of each one of them. Throughout the fair it was possible to follow the development of the work of each one, to verify the accomplishment of the proposals presented during the event of the fair, with the great circulation of people and vehicles.KEYWORDS: Planning security, agricultural fair, infrastructure.

INTRODUÇÃO

A SRP (Sociedade Rural do Paraná) está localizada na BR 369 no entroncamento com a PR 445, envolvendo o trânsito urbano e o trânsito rodoviário, com pouquíssimas opções de desvio. Motivo pelo qual seu funcionamento torna-se complexo em época do evento Exposição Agropecuária de Londrina.

Há um PLANO DE SEGURANÇA que a Sociedade Rural elabora através de uma consultoria, para tanto, realizam-se reuniões preliminares com os órgãos de segurança envolvidos, estudos de situações já vivenciadas. Sendo autorizada sua viabilização pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagem). É um trabalho conjunto com a Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, Guarda Municipal e a CMTU. O objetivo é dar suporte, buscar estratégias no intuito de amenizar os transtornos com congestionamentos e facilitação do trânsito nas vias de acesso ao parque nos dias do evento, prezando sempre pela segurança em primeiro lugar.

Assim, o presente artigo, tem por finalidade descrever as atuações e avanços alcançados, por cada um desses órgãos, durante a Feira Agropecuária do Norte do Paraná, ocorrida no período de 05 a 15/04/2012.

1 Orientador

2 Autores

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Prof. Pedro Semprebom, Sueli Aparecida Castanhera, Valdeci Flamia

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL

O fluxo de veículos estimado nos dois sentidos em movimento normal, sem o evento da Exposição, é de 68 mil veículos/dia ordinariamente. Sendo aproximadamente 30 mil veículos leves mais cerca 6 mil veículos pesados (caminhão/ônibus) totalizando 34.172 veículos/dia, em cada sentido.

O efetivo de policiais da Polícia Rodoviário Federal disponibilizado para atender o evento “EXPOSIÇÃO” é composto por duas equipes, sendo que cada uma é formada por uma viatura e dois policiais, no chamado PADRÃO DE ATENDIMENTO ORDINÁRIO.

O trecho abrangido pelo atendimento do evento compreende desde a Avenida Brasília até a Avenida Tiradentes. Ressalta-se que a rodovia atende tanto a população da região, que tem o conhecimento da expo-rural, quanto a população que faz uso da rodovia sem o conhecimento desse grandioso evento, ao chegar nas proximidades se depara com o congestionamento e não tem opções de desvio.

Informação e Planejamento são fundamentais

A informação é tudo, pois dependendo do show pode ser traçado o perfil de trânsito. Com essa informação é possível prever o impacto, qual o público alvo, por exemplo, se adolescentes, haverá mais fluxo de ônibus e vans e, também, maior freqüência de EMBARQUE E DESEMBARQUE, então a equipe se prepara de maneira a receber e atender essa demanda.

A Polícia Rodoviária Federal começou a atuar na EXPORURAL no ano de 2010, sendo que em 2012 participa de sua terceira atuação. No primeiro ano foi feita uma pequena intervenção em cima do que vinha sendo realizado anteriormente.

Há uma constância na busca de aperfeiçoar o trabalho, sendo que em 2010 havia 200 policiais nos 11 dias de exposição. Com as melhorias baseada nos dados do ano de 2011, em 2012 trabalhou-se com um efetivo de 174 policiais, não significando que a redução do número de policiais possa influenciar em sua atuação.

Com investimento em planejamento e engenharia de tráfego é possível a redução de pessoal e obter, também, mais eficiência com a otimização deste efetivo. Para o próximo ano, 2013, há, já, um planejamento para se trabalhar com um contingente de 154 policiais.

Com investimentos em planejamento estratégico consegue-se essa redução com a mesma eficácia, não significa que quanto maior o número de policiais na rua melhor será o rendimento.

Este ano, por exemplo, muito se investiu em sinalização reflexa (placas e faixas de orientação) direcionada ao pedestre, conduzindo-os a atravessar somente na faixa, pois o semáforo enfrente ao portão central da EXPO tem o foco no pedestre. Houve uma campanha da mídia que envolve a Exposição, muito incisiva em cima da sinalização. Pôde-se perceber uma redução de acidentes com relação ao ano passado.

O PLANO DE SEGURANÇA elaborado pela Sociedade Rural passa por reuniões preliminares, estudos de situações já vivenciadas e o DER autoriza. É um trabalho conjunto com a CMTU, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e a Guarda Municipal.

De acordo com o art. 95 “todo evento às margens da rodovia, a responsabilidade é do organizador do evento” e os órgãos (Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, CMTU, Guarda Municipal) entram para viabilizar. Então tudo é o organizador do evento (SRP) quem disponibiliza, como também materiais necessários (cones, faixas, placas).

Em Londrina, a Polícia Rodoviária Federal, tem também o setor de Logística, dividido em dois seguimentos, o GESTOR DE FROTA, que trabalha somente com viaturas durante o evento. Ele tem conhecimento de quantas viaturas têm e quantas precisarão ter. Estas viaturas

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Curso superior de tecnologia em Logística

têm que estar, todos os dias, em condições de atender o trabalho exigido, seja a parte mecânica, abastecimento de combustível, troca de óleo, e, a própria lavagem da frota. E o INSPETOR DE LOGÍSTICA, que é responsável por todo trabalho de execução do pessoal efetivo durante o evento, todo o material que irão precisar para desempenhar seu trabalho, desde blocos de multa até equipamentos de informação (computadores, por exemplo), nada poderá faltar nestes 11 dias de feira, tudo tem que ser planejado buscando o pronto atendimento.

Está em trâmite no Ministério Público Federal a CONSTRUÇÃO DA PASSARELA (a exemplo da cidade de Maringá), na rodovia 369, enfrente ao portão principal do parque Ney Braga, o que é uma necessidade para atender a temática do evento, no sentido de buscar melhorias no sistema de trânsito durante o evento. O público ganhará muito com essa construção, seja em qualidade, segurança, agilidade, rapidez e fluência no trânsito local.

Para o ano de 2013 está em estudos, também, um ponto de ônibus, durante o evento, em sentido crescente – vindo das cidades de Cambé e Rolândia.

POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ

A Polícia Militar do Paraná durante o evento Expo-Londrina trabalha de acordo com um planejamento antecipado com uma estimativa de público para as visitações no parque, tanto no seu interior como também no entorno do parque e bairros vizinhos verificando questões de segurança pública e transito. Durante o evento utiliza um efetivo de 150 a 160 policiais por dia em 4 turnos de revezamento, observando que não são alteradas as funções normais de atendimento à cidade.

De acordo com informação da Polícia Militar a aproximadamente quatro anos, não foi registrado nenhuma ocorrência grave, apenas pequenas incidências que foram solucionadas no local. São colocadas as situações anualmente, podendo ser corrigidas as possíveis falhas e buscando melhorias para os trabalhos futuros. A SRP é responsável pelo evento e em reuniões são decididas as áreas de abrangência de todos os setores que atuarão no parque, uma vez que este trabalho é feito em conjunto com os demais órgãos: Polícia Rodoviária Federal Guarda Municipal, CMTU.

A atuação da Polícia Militar do Paraná, durante o evento Expo-Londrina é feita de maneira satisfatória, pois nos últimos anos a ordem foi mantida praticamente sem ocorrências.

GUARDA MUNICIPAL

Atua próximo aos locais onde são instalados os Órgãos Públicos, ou seja, Prefeitura, Sercomtel, CMTU e auxilia os órgãos de segurança envolvidos na parte externa: CMTU, PRF e PM. É feito patrulhamento interno 24h, buscando coibir furtos, brigas, etc.

Com o efetivo de 50 guardas municipais, atuando 24h durante todo o evento, a Guarda Municipal trabalha visando três focos:

• Auxílio a Polícia Rodoviária Federal, na manutenção da ordem e Segurança em pontos próximos a BR 369;

• Apoio a CMTU, coibindo a atuação de ambulantes, e;• Patrulhamento na área interna, principalmente nos locais onde há concentração

maior de pessoas.Foram registradas duas ocorrências graves, uma em 12/04/12, onde dois indivíduos

consumiam bebida alcoólica na parte externa do parque entram em conflito resultando na agressão física com arma branca, sendo o agressor preso no local, e em 15/04/12 dois menores foram apreendidos com posse de droga na parte interna do parque.

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Prof. Pedro Semprebom, Sueli Aparecida Castanhera, Valdeci Flamia

A atuação da Guarda Municipal no acontecimento da Feira Agropecuária e Industrial de Londrina foi considerada um sucesso, pois atuam em turnos de revezamento e em locais estratégicos com autonomia suficiente para executar suas tarefas.

Observou-se que para melhorar ainda mais a atuação da Guarda Municipal em Londrina há uma necessidade de aumentar o número de policiais, devido a grandeza da cidade o efetivo ainda é muito pequeno.

São realizadas campanhas de orientação aos usuários do parque por meio de uma cartilha com dicas de segurança, como se prevenir contra furtos, orientação para que não comprem objetos de vendedores ambulantes, além de constar as atribuições da Guarda Municipal compreendidas em Leis.

CMTU – TRANSPORTE DE MASSAS

Para o transporte de massas com destino ao parque Ney Braga e região, a população conta com quatro linhas em dias normais: a 309 (Parque Ney Braga), 901 (Cacique), 810 (São João – Tiradentes) e 902 (Milton Gavetti – Tiradentes), porém, durante o evento Exposição Agropecuária, há um aumento de linhas contando com dois coletivos extras para atender a demanda que tem um aumento de 1.000% (mil por cento) no fluxo de pessoas com destino ao parque a partir das 19h30min e no retorno após as 23h00min.

Segundo a CMTU, algumas possíveis melhorias poderiam agilizar o fluxo dos coletivos como faixas exclusivas para o tráfego de ônibus, sistema de semáforo inteligente projetado para priorizar os ônibus, subsídio das gratuidades do sistema com o fim de baratear a tarifa e ainda, a criação de linhas diametrais que ligam uma região à outra da cidade.

CONCLUSÃO

As entrevistas realizadas com os órgãos ligados a Segurança na EXPORURAL de Londrina de 2012 foram frutíferas, conforme presente estudo, alcançando assim o seu propósito, apresentando pontos relevantes a respeito das estratégias adotadas com o objetivo de prezar a segurança pública.

Outros aspectos relevantes percebidos foram a importância da gestão estratégica, em atingir os objetivos propostos, principalmente quando se trata do fator segurança, pois o foco – o público - não pode estar sujeito a falhas ou erros, colocando assim em risco sua própria segurança.

Pôde-se perceber também um índice decrescente de acidentes, se comparado aos anos anteriores, pois com investimento em planejamento e engenharia é possível a redução de pessoal e também, mais eficiência com a otimização do trabalho conjunto.

Estes órgãos entrevistados estão, já, trabalhando com planejamento estratégico para o próximo ano, 2013, sempre na busca de otimização e preservação da segurança do público, não só daqueles que freqüentam a feira agropecuária, mas também dos que se utilizam das rodovias de entorno ao Parque de Exposição Nei Braga.

REFERÊNCIAS

Dados obtidos através de entrevistas elaboradas por professores e alunos do terceiro ano do Curso de Logística, UniFil, realizadas com os órgãos responsáveis pelo transporte urbano e segurança pública da EXPO LONDRINA de 2012.

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ÁLVARO DE CAMPOS: POESIA DE PROTESTO E INCONFORMISMO EM FERNANDO PESSOA

ÁLVARO DE CAMPOS: POETRY OF PROTESTAND NONCONFORMITY IN FERNANDO PESSOA

Miréia Aparecida Alves do Vale1

Sheila de Oliveira Lima2

RESUMO: O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de analisar a linguagem utilizada por um dos famosos heterônimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos. Sendo assim, aqui foram trazidas as origens do Modernismo em Portugal, bem como o estilo único do poeta português, além da criação de seus heterônimos e o estilo de cada um. Em se tratando de Álvaro de Campos, há a abordagem do ponto de vista da crítica que o mesmo faz diante da sociedade em que vive e com a qual não concorda e não se encaixa, além de traços marcantes existentes na sonoridade dos poemas escolhidos: Poema em linha reta, Lisbon revisited (1923) e Bem sei que tudo é natural, exemplificando esse discurso inflamado e cheio de inconformismo com a superficialidade do mundo, afastando tudo aquilo que não está de acordo com as aparências, não admitindo erro, portando-se, todos, como semi deuses; também a estranheza do poeta ao reencontrar seu lugar de origem, mas não mais o reconhecer e, por fim, com a corrupção que existe no ser humano, já que o dinheiro tudo pode comprar.PALAVRAS-CHAVE: Álvaro de Campos, crítica, inconformismo, sociedade, discurso.

ABSTRACT: The present study was designed with the objective of analyzing the language used by one of the famous heteronyms of Fernando Pessoa , Alvaro de Campos . So here were brought the origins of Modernism in Portugal , as well as the unique style of Portuguese poet , and the creation of his heteronyms and style of each. In the case of Álvaro de Campos, there is the approach from the point of view of the critique that it makes to society in which he lives and which does not agree and does not fit as well as distinguishing features in existing sonority of selected poems : Poema em linha reta, Lisbon revisited ( 1923 ) and Bem sei que tudo é natural, exemplifying this inflamed and full of dissatisfaction with the superficiality of the world speech away everything that is not according to appearances , not admitting error , carrying up , all as demigods , also the strangeness of the poet to rediscover their place of origin but no longer recognize and finally , with the corruption that exists in humans , since money can buy everything.KEYWORDS: Álvaro de Campos, criticism, nonconformity, society, discourse.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de analisar o estilo presente na poesia de Álvaro de Campos, um dos mais famosos heterônimos de Fernando Pessoa. Para tanto foram trazidos o contexto histórico e como o surgimento do Modernismo em Portugal aconteceu, além de um breve resumo da biografia do mais importante poeta português da época e as características presentes em cada uma das pessoas por ele inventadas. Para tanto trouxemos o conceito de heterônimo que se difere de pseudônimo.

Abordamos, também, com mais detalhes Álvaro de Campos e sua poesia, um discurso inflamado, cheio de crítica e protesto diante da sociedade em que vivia, não sentindo-se parte dela, não se encaixando nos moldes pré estabelecidos fingindo perfeição, como fica claro no primeiro poema analisado Poema em linha reta. Temos também a estranheza do poeta ao voltar à sua cidade de origem em Lisbon revisited (1923), mas sem reconhece-la, e mais uma vez protestando contra essa sociedade, esbravejando contra aqueles que o querem segurar pelo braço, ditando-lhe regras que devem ser seguidas independente de seus desejos e sonhos.

E, finalmente, percebemos um poeta mais contido, trazendo consigo o mesmo inconformismo, porém pasmo diante da situação exposta em Bem sei que tudo é natural,

1 Autora do trabalho (Mestranda em Letras: Estudos Literários – UEL) [email protected]

2 Professora orientadora (Doutora em Linguagem e Educação – USP) [email protected]

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onde o ser humano se torna mais uma mercadoria que pode ser paga por uma boa quantia em dinheiro; onde a morte, o crime, tudo pode ser justificado quando se trata do poder exercido pelo dinheiro e da corrupção que existe nas pessoas por esse dinheiro, que não importa a forma como venha, desde que venha e seja o suficiente para adquirir bens materiais.

Ao final do trabalho nos propomos a responder basicamente duas perguntas de pesquisa: “Como Fernando Pessoa se utiliza do heterônimo Álvaro de Campos para protestar contra a sociedade portuguesa?” E “como essa poesia se apresenta de maneira inflamada, raivosa e inconformada?”

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Aqui pretendemos apresentar basicamente as origens do Modernismo em Portugal e seu contexto histórico, bem como trazer a importância do escritor Fernando Pessoa nesse momento da literatura e suas muitas faces, demonstradas através da criação de seus heterônimos. Além disso, pretendemos abordar brevemente o conceito de heterônimo e nos aprofundarmos em deles, já que iremos tratar a questão da linguagem usada por um deles, Álvaro de Campos e como este, por sua vez, traz consigo toda a representação da sociedade portuguesa do início do século XX.

MODERNISMO EM PORTUGAL E A IMPORTÂNCIA DE FERNANDO PESSOA O início do século XX na Europa se deu como uma continuação das transformações

culturais e estéticas que haviam começado a aparecer ainda no século anterior. Portugal diante desse momento buscou se adaptar a tais transformações de modo que seu progresso cultural fosse beneficiado, no entanto existiu grande insatisfação da população em relação ao regime monárquico que estava instaurado, causando tamanha tensão, que em 1908, o Rei D. Carlos foi assassinado por um cidadão.

A partir desse assassinato, onde faleceu também o príncipe herdeiro D. Luís Felipe, fazendo com que o trono fosse assumido por D. Manuel II, que embora fosse ainda muito jovem, conseguiu manter-se no cargo até 04 de outubro de 1910, quando se instalou a República em Portugal. Diante desse novo momento no país, formaram-se dois grupos opostos, um que estava satisfeito e conformado com a República e outro, que insatisfeito, assumiu caráter revolucionário.

Porém, o grupo que acabou tendo maior relevância, foi aquele a que pertenciam os conformados, fazendo com que em 1910 fosse criada a revista Águia, com publicações mensais sobre literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social e que em seguida se tornaria órgão da Renascença Portuguesa e que seria tida por esse grupo dos conformados como expressão diante da cultura portuguesa, tendo como principais nomes: Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão e Leonardo Coimbra e que deixa deixou de existir em 1930. Durante o período em que foi publicada a Águiadespertou interesses de jovens como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, que chegaram a colaborar com suas publicações entre 1912 e 1915.

Em 1915 ainda sobre a influência do Saudosismo trazido por Pascoaes, surgiu a revista Orpheu, que embora tenha tido apenas duas publicações, já que seu terceiro volume não foi lançado por consequência do suicídio de Sá-Carneiro, conseguiu atingir seu objetivo de introduzir o Modernismo em Portugal.

O Modernismo trouxe consigo o rompimento daquilo que estava estabelecido

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Álvaro de Campos: poesia de protesto e inconformismo em Fernando Pessoa

até então, deixando de lado o estilo classicista e utilizando-se da poesia para expressar um estilo desprendido da estética, com traços irrelevantes e provocativos ao burguês da época, como traz Moises:

“Por outros termos, corresponde a um momento em que as consciências se elevam para planos de universal indagação, para a verificação de uma angústia geral, fruto da crise que engolfa a Europa e o Mundo”. (MOISES, 1977, p. 294)

Nesse momento existe o questionamento do homem diante de sua própria existência, seu olhar diferente diante do mundo e de si mesmo, uma ausência de Deus ou de qualquer verdade absoluta, causando instabilidade:

“Nasce o desespero, a instabilidade total, porquanto os padrões estão em mudança ou devem ser mudados. Nessa atmosfera, a poesia substitui os mitos, transformando-se, ela própria, num mito”. (MOISES, 1977, p. 295)

Diante do cenário em que acontece o Modernismo em Portugal e como a figura de Fernando Pessoa se faz presente, seja na contribuição com a revista Águia, na fundação da revista Orpheu ou com toda a grandeza de sua obra, que o tornou conhecido no mundo inteiro, o fato é que falar de Fernando Pessoa é algo complexo e que dificilmente pode ser compreendido em sua totalidade:

“Fernando Pessoa é dos casos mais complexos e estranhos senão único dentro da literatura Portuguesa, tão fortemente perturbador que só o futuro virá a compreendê-lo e julgá-lo como merece”. (MOISES, 1977, p. 296)

Portanto, aqui pretendemos nos ater a um breve resumo de sua biografia, expondo traços característicos do poeta, bem como dos heterônimos por ele criados, nos aprofundando mais especificamente em Álvaro de Campos, como dito inicialmente.

FERNANDO PESSOA E SUAS MUITAS FACES ATRAVÉS DE SEUS HETERÔNIMOS

Nascido em 1888, na cidade de Lisboa, Fernando Pessoa se tornou órfão de pai ainda jovem, aos cinco anos de idade e se mudou com sua mãe e seu padrasto para a África do Sul, onde passou boa parte de sua infância e juventude, retornando à Lisboa em 1905 e se matriculando na Faculdade de Letras, cursado Filosofia por algum tempo.

Logo após o fechamento da revista Orpheu, da qual foi um dos fundadores, Pessoa passa a viver recluso e solitário, iniciando a produção de uma obra rica e densa, publicando uma pequena parte em algumas revistas como Centauro, Athena, Contemporânea e Presença.

Nesse momento começa a ter seu vício pela bebida acentuado, vindo a falecer de cirrose hepática em 1935. Porém durante seus anos de vida, ainda que muitas vezes aparentemente frustrada, foi responsável por um novo momento no contexto literário de Portugal, trazendo influências de clássicos de sua terra natal como Camões, Bocage, Antero, João de Deus, Cesário Verde, Camilo Pessanha, entre outros.

Utilizando uma linguagem nova, trazia consigo novos rumos dentro da poesia, buscando temas inspirados na crise vivida pela humanidade, como nos apresenta Moises (1977, p. 297) “Com suas sensíveis antenas, captou as várias ondas que traziam de

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pontos dispersos a certeza de que a Humanidade vivia uma profunda crise de cultura e valores do espírito”.

Fernando Pessoa traz consigo muito mais do que a expressão de um poeta, pois se multiplica em seus muitos heterônimos, que ao contrário de pseudônimos, que são basicamente outros nomes utilizados na assinatura de uma obra; esses, por sua vez, são pessoas, com uma vida, com personalidade, sonhos, fraquezas e frustrações e dentre os quais se destacam três dos mais importantes: Alberto Caeiro, considerado mestre dos demais e com estilo simples de escrever, vivendo no campo, acreditando na simplicidade das coisas da vida; Ricardo Reis, tido como o “clássico” por seu estilo de escrever e tendo como temática um estilo voltado para o paganismo e temas da antiguidade e, por último, Álvaro de Campos que era poeta moderno, engenheiro naval, mas que trazia consigo toda uma revolta diante das coisas do mundo, das injustiças, com uma poesia inflamada e carregada de revolta, podendo ser entendida como o grito de uma alma aflita e inconformada com a vida:

“Álvaro de Campos é o poeta moderno, século XX, engenheiro de profissão, que do desespero extrai a própria razão de ser e não foge de sua condição de homem sujeito à maquina e à cegueira dos semelhantes, tudo transfundido numa revolta a um tempo atual e perene, própria dos espíritos inconformados”. (MOISES, 1977, p. 300)

Um homem complexo, uma personalidade apresentada em tantas faces, mas ao mesmo tempo nos enredando em um universo tão amplo e fascinante da poesia, fazendo com que nos deparemos com suas dúvidas, temores e revoltas. Esse estilo único que nos coloca diante de um homem que ao mesmo tempo refletia toda uma vida de fracassos e não realizações, sem sucesso amoroso ou profissional e, em contrapartida, um poeta denso, completo, único e praticamente impossível de ser explicado em palavras:

“Tudo, portanto, que se disser hoje como análise e julgamento de sua poesia, não passa duma tentativa provisória no sentido de compreender uma insólita personalidade literária e uma obra carregada e densa problemática”. (MOISES, 1977, p. 296)

ÁLVARO DE CAMPOS E SUA POESIA INFLAMADA O heterônimo Álvaro de Campos nasceu em 15 de outubro de 1889 em Tavira,

estudou na Escócia, se formando em engenharia naval em Glasgow. A primeira poesia assinada por ele é datada de 1914 e as últimas no ano de 1935, ou seja, pouco antes de sua morte, Fernando Pessoa ainda se utilizava da assinatura e do estilo desse heterônimo.

Durante umas férias fez uma visita ao Oriente Médio, onde se decepcionou e acabou escrevendo Opiário. Embora após essa viagem tenha retornado a Portugal e encontrado com Alberto Caeiro, sua poesia, em muito, se difere do mestre. Campos é o único dos heterônimos de Pessoa que teve várias fases em sua poesia, sendo a primeira chamada de Decadentista, trazia influências do Simbolismo, porém logo em seguida adere ao Futurismo, escrevendo poesias de exaltação ao mundo moderno e cheias de euforia. Sua terceira fase, conhecida como Abúlica acontece após uma série de desilusões amorosas, onde assume um estilo mais intimista e pessimista, se assemelhando às poesias escritas e assinadas pelo próprio Fernando Pessoa, o chamado ortônimo. Nessa fase sua temática reflete as dores diante da desilusão com o mundo em que vive, tristeza e cansaço.

Nessa última fase Campos sente-se vazio, incompreendido, frustrado, vislumbrando

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toda a possibilidade de uma vida que poderia ter sido completa de realizações, mas que não foi. Em suma Álvaro de Campos é o poeta das sensações, que trata sua poesia como um grito expressando o que sente.

Se tratava do poeta da verdade dita sem pudores, jogada diante de uma sociedade sem se importar com o que iriam pensar, há quem diga que ele era o que mais trazia os traços de Fernando Pessoa, embora todos refletissem algum aspecto de sua personalidade, vendo o mundo de maneiras diferentes, Álvaro de Campos seria o mais parecido com seu criador:

“Mais ainda: se pudesse o falacioso problema da sinceridade, dir-se-ia que através de Álvaro de Campos o poeta se revelaria ‘sincero’ e despojado; Álvaro de Campos seria o ‘Fernando Pessoa’ de quem Fernando Pessoa seria heterônimo, como se, na verdade, tivéssemos um poeta, Álvaro de Campos, e um heterônimo, Fernando Pessoa”. (MOISES, 1977, p. 301)

Nesse sentido, vamos nos voltar para o estilo da linguagem usada por Álvaro de

Campos, refletindo uma sociedade portuguesa que, assim como ele e Fernando Pessoa, poderia ter chegado ao apogeu, porém não obtiveram sucesso. O poeta refletia o meio em que estava inserido, sua visão daquele momento em Portugal, se isso acontece, como explica Candido:

“Devido a um e outro motivo, à medida que remontamos na história temos a impressão duma presença cada vez maior do coletivo nas obras; e é certo, como já sabemos, que forças sociais condicionantes guiam em grau maior ou menor”. (CANDIDO, 1985, p. 25)

Dessa maneira, o poeta se rebelava contra coisas que não aceitava, porém se via impotente, sem poder mudar a situação, restando a ele, apenas, sua expressão através de sua poesia refletindo aquilo que tanto o angustiava, conforme diz Candido (1985, p. 30) “a obra depende estritamente do artista e das condições sociais que determinam a sua posição”.

Para exemplificar o que foi dito até aqui e reforçar a ideia de poesia inflamada e histérica de Álvaro de Campos, trataremos da análise em forma de comparação de três de seus poemas: Poema em linha reta, Lisbon revisited (1923) e Bem sei que tudo é natural.

ANÁLISE DE CORPUS Pensando primeiramente nas semelhanças existentes entre os três poemas,

podemos perceber com clareza a crítica à sociedade, seja quando o eu lírico assume não se encaixar em uma sociedade onde todos se consideram deuses, ou então quando ele se depara com sua cidade natal, mas não a reconhece e, também, quando se revolta com o capitalismo existente na sociedade, onde tudo pode ser comprado, onde o dinheiro apaga qualquer coisa, por mais suja que tenha sido. Essas características semelhantes também se evidenciam no aspecto sonoro dos poemas, pois em todos eles percebemos repetições de determinadas palavras, que no contexto em que estão inseridas reforçam a ideia que o poeta pretendia passar diante de determinada situação, conforme trataremos mais adiante.

Nos voltando para uma análise de cada texto em particular, começando pelo Poema em linha reta percebemos já no título uma crítica com tom de ironia à sociedade e aqueles que tentam passar uma ideia de perfeitos, sem máculas, sem erros, sendo que na verdade a vida é feita por altos e baixos, dias bons e ruins, alegrias e tristezas, ou

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seja, se fossemos imaginar um gráfico marcando a vida e seus acontecimentos o mesmo não poderia ser uma linha reta, seria na verdade marcado por oscilações, assim como nossa existência. Observando a linguagem usada pelo heterônimo Álvaro de Campos, percebemos sua ira, seu grito diante de uma sociedade onde ele não se enquadra por ser autêntico, onde sente-se diferente “Eu verifico que não tenho parte nisto tudo”. Ele ainda nos traz a imagem das pessoas que o cercam, presas em uma vida irreal, escondendo suas falhas, buscando aparentar perfeição, esquecendo-se de ser humano, como nos versos: “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana / Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia”. Aqui o eu lírico reforça a ideia de que está cercado por hipocrisia, já que ninguém assume uma infâmia, um erro, uma desilusão que é o que o faz de fato humano, oscilante não mantendo uma linha reta em suas ações e sentimentos, que comete erros, peca, uma vez que o pecado faz parte da natureza humana.

Temos também uma quantidade enorme de palavras pejorativas usadas pelo poeta para se auto ofender, porém nos dando a impressão de que ele é ofendido dessa maneira pelos outros, pelo mundo social onde ele não se encaixa, como vemos em trechos como: “Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”. Nesse verso, o eu lírico também se utiliza de uma maneira não convencional na organização da frase, reafirmando a ideia de que ele é diferente, que comete erros em um mundo onde todos são perfeitos, como acontece também em: “Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas”. Dessa maneira podemos compreender o poeta utilizando a emoção, pura, extravasando de maneira crítica em relação a sua posição diante do mundo onde as linhas retas são mantidas por seres imperfeitos, fingindo perfeição.

Passando para o segundo poema em questão, Lisbon revisited (1923) temos logo no início do poema, o eu lírico esbravejando, abdicando de tudo, gritando que não quer e não precisa de nada “NÃO: Não quero nada. / Já disse que não quero nada”. Nos deparamos com um homem cansado, que não sente mais ânimo diante da vida: “Não me venham com conclusões! / A única conclusão é morrer”. Ele rejeita a sociedade moderna e suas invenções, querendo manter-se afastado disso tudo: “Tirem-me daqui a metafísica! / Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas / Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) - / Das ciências, das artes, da civilização moderna!”. No decorrer do poema, a ideia de que ele não se encaixa na sociedade, onde querem que ele aceite uma vida de mentiras, fingindo felicidade assim como todos os outros e aceitando tudo que é ditado por essa sociedade: “Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? / Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? / Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade”. O eu lírico também opta pelo isolamento, não quer ser tocado, não quer fazer parte do que está acontecendo a sua volta: “Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.” Além disso, o poema tem o nome de Lisbon revisited (1923), que traduzido do inglês significa “Lisboa revisitada”, nos mostra o olhar estrangeiro do poeta, que teve educação britânica e que viveu por anos fora de seu país de origem. Dessa maneira sabemos que embora a cidade seja conhecida pelo poeta, pois foi o local onde ele passou sua infância, percebemos que ele não reconhece o lugar onde cresceu, tudo parece a mesma coisa, porém diferente: “Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! / Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.” Essa contradição é mais uma das formas do poeta se mostrar crítico à sociedade, tendo seus conflitos interiores. Ao final a ideia do início é reforçada, ou seja, ele deseja que o deixem em paz, pois ele não quer nada, não há lugar para ele no mundo, o que lhe resta é esperar a morte, solitário: “Deixem-me em

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paz! Não tardo, que eu nunca tardo... / E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!”.

Voltando nossa atenção para o último poema escolhido, Bem sei que tudo é natural, logo no início do poema, o eu lírico já deixa clara sua postura diante da vida, não se conformando com a maneira como as coisas acontecem: “Bem sei que tudo é natural / Mas ainda tenho coração...”. Ele continua sua crítica à sociedade nos versos seguintes, expressando sua indignação diante da humanidade que pode ser corrompida com dinheiro, onde tudo tem seu preço, nada tem mais valor do que o bem material: “Bebê igual a X, / Gozam o X neste momento, / Comem e bebem o bebê morto.” Ainda deixa claro que o importante é ter riqueza, não importando o meio para que isso aconteça: “Como tudo esquece quando há dinheiro”. Não há o que ser feito em relação a morte, porém deve-se aproveitar o dinheiro, usufruir do capitalismo, deixando de lado os sentimentos, as coisas simples da vida, como se a felicidade fosse comprável: “Sim, era amado. / Sim, era querido / Mas morreu. / Paciência, morreu!”. Embora o que aconteceu tenha sido triste, o resultado, o valor recebido pela vida que foi perdida é suficiente para aliviar qualquer dor: “(É claro que aquele pobre corpinho / Ficou triturado) / Mas agora, ao menos, não se deve na mercearia. / (É pena sim, mas há sempre um alívio.)”

Considerando os aspectos sonoros trazidos pelos três poemas, podemos perceber que existem semelhanças entre eles, porém cada um tem uma finalidade específica. Sendo assim, no que diz respeito às semelhanças, temos o uso uma linguagem mais cotidiana, diferente daquela utilizada por Ricardo Reis, por exemplo, que aparece como uma declaração de sua insatisfação diante do mundo. Sua fala feita através de versos livres, sem regularidade métrica ou rimas nos traz a ideia de uma fala, um proferir não comedido, raivoso de alguém que fala espontaneamente aquilo que sente e com o qual não se conforma.

Iniciando com o Poema em linha reta, temos como exemplo a frase “nunca conheci quem tivesse levado porrada” onde a sonoridade forte, marcada pela ideia de um golpe violento que foi dado, como o próprio significado desse substantivo “porrada”, nos deixando subtendida a ideia de que o eu lírico tem sido atacado, tem sofrido agressões dessa sociedade onde ninguém assume seus fracassos, apenas exaltam suas qualidades. A palavra escolhida se difere em muito da palavra “soco”, por exemplo, que não tem o mesmo som de agressividade quando pronunciada, ou seja, sua escolha não é aleatória, nos fazendo refletir sobre o sofrimento do eu lírico que tem sido submetido a uma sociedade que o violenta diariamente. Aqui também se fazem presentes repetições, que reiteram esse discurso inflamado e sem nenhuma conformidade diante dos fatos, a exemplo a palavra “eu” que inicia vários versos na segunda estrofe do poema: “Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, / Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, / Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, / Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado / Para fora da possibilidade do soco; / Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, / Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.” O som desse monossílabo nos causa a impressão de uma batida constante, reforçando mais uma vez a ideia de violência a qual tem sido submetido o eu lírico. Mais ao final do poema, em sua última estrofe outra repetição chama atenção, a da palavra “vil”, que se refere novamente a posição que ele ocupa diante do mundo: “Eu, que venho sido vil, literalmente vil, / Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.” Outro ponto importante presente no Poema em linha reta são as frases que mais soam como suspiros diante de sua inconformismo e incapacidade de mudar tudo aquilo que não lhe parece certo: “Arre, estou farto de

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semideuses! / Onde é que há gente no mundo? / Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

Continuando com a importância que o aspecto sonoro exerce na produção de sentido do poema, observando agora Lisbon revisited (1923), temos inicialmente a repetição do “não” em frases curtas e terminadas com ponto final ou ponto de exclamação, novamente marcando a ideia de oralidade existente, de discurso falado, de maneira livre e fluindo em frases curtas, diretas e ditas de maneira natural, como se fossem de fato ditas por alguém que está com raiva, que não mede o que vai dizer e não se prende a grandes explicações ou reflexões, apenas deixando sair de sua boca aquilo que pensa: “NÃO: Não quero nada. / Já disse que não quero nada. / Não me venham com conclusões! / Não me tragam estéticas! / Não me falem em moral! / Não me apregoem sistemas completos, não me enfiem conquistas”. O mesmo acontece em seguida com a palavra “ciência”: Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) - / Das ciências, das artes, da civilização moderna!”. Na décima e última estrofes, percebemos a voz do eu lírico como se falasse diretamente com outra pessoa, em tom de discussão e sem medir palavras, novamente com repetições como “sozinho” e “não” e a mesma marcação nas pontuações usadas nos finais de cada verso: “Não me peguem pelo braço! / Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. / Já disse que sou sozinho! / Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... / E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!”.

No último poema trazido, Bem sei que tudo é natural, logo no início temos a saudação do eu lírico que contrasta uma expressão formal com a palavra “merda”: Boa noite e merda! / (Merda para a humanidade inteira!)”. Dessa maneira, nota-se a mesma sonoridade trazida pelo vocábulo “porrada”, que foi escolhida intencionalmente para causar estranheza quando pronunciada, uma vez que traz som forte e marcante. Esteticamente podemos observar novamente ritmo regular, como o da fala, presente em todo o poema, com versos construídos de maneira mais curta, pontuação excessiva, como se fosse uma reflexão do eu lírico consigo mesmo, pasmo diante do que aconteceu, de como as coisas foram resolvidas e, embora, não possa se conformar com o que vê, ainda assim se sente sem forças para bradar seu discurso sobre o filho morto, aparecendo mais comedido diante de uma situação que em si só o deixa menos eloquente para protestar, justificando para si mesmo a situação: “Com isso se forrou a papel uma casa. / Com isso se pagou a última prestação da mobília. / Coitadito do bebê. / Mas, se não tivesse sido morto por atropelamento, que seria das contas? / Sim, era amado. / Sim, era querido / Mas morreu. / Paciência, morreu! / Que pena, morreu!”. Há tambémrepetições marcantes e o uso de parênteses, para passar a ideia de uma situação que precisa ser camuflada e mantida de fato entre parênteses, ou seja, a vida do bebê teve seu preço. Nessa parte, presente na sexta estrofe, ele novamente justifica o que aconteceu, mas relembrando a realidade a todo momento, a indenização paga pela morte: “Mas deixou o com que pagar contas / E isso é qualquer coisa. / (É claro que foi uma desgraça) / Mas agora pagam-se as contas. / (É claro que aquele pobre corpinho / Ficou triturado) / Mas agora, ao menos, não se deve na mercearia. / (É pena sim, mas há sempre um alívio.)”.

Na última estrofe do poema, a repetição da expressão “dez contos” entre uma lamentação e outra pela morte do bebê reforça a ideia de que tudo pode ser comprado, que no final de tudo o dinheiro é o que importa de fato, é o que vale mais do qualquer outra coisa, porém isso precisa ficar escondido nas entrelinhas, não podendo ser dito claramente, mantendo-se também entre parênteses:

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Bem se sabe é triste

(Dez contos)

Uma criancinha nossa atropelada

(Dez contos)

Mas a visão da casa remodelada

(Dez contos)

De um lar reconstituído

(Dez contos)

Faz esquecer muitas coisas (como o choramos!)

Dez contos!

Parece que foi por Deus que os recebeu

(Esses dez contos).

Pobre bebé trucidado!

Dez contos.

Os três poemas exemplificam aquilo que pretendemos mostrar aqui, a poesia de Álvaro de Campos, como um grito de protesto diante da sociedade em que ele estava inserido, mas sentindo-se excluído, não fazendo parte de um mundo de hipocrisias, onde o dinheiro compra tudo e a todos, um lugar onde ele não se encaixa mais, mesmo sendo sua terra natal, conforme a biografia para ele criada. A maneira utilizada para trazer esse discurso cheio de ira e inconformidade se faz por meio de versos livres, não se prendendo em rimas, transcorrendo de maneira mais natural como a própria oralidade, porém utilizando-se de palavras com sons cheios de força e significado, esbravejando contra o mundo, gritando aquilo que não se pode calar, ou seja, uma poesia cheia de crítica e significado.

Essa poesia crítica, protestando contra aquilo que não concorda nos remete ao que Candido (1999) trata ao abordar a questão da literatura que representa o homem e o sensibiliza: “Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

Isso porque a obra e o poeta refletem o meio social em que essa produção aconteceu e isso é evidenciado na medida em que Álvaro de Campos se opõe ao sistema, se revelando e se contrapondo a tudo o que considera inaceitável e isso de maneira tão intensa e marcante, como um grito de angústia pelas coisas que não podem ser mudadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi proposta a análise do estilo de Álvaro de Campos, sob a perspectiva da crítica à sociedade portuguesa do início do século XX, utilizando uma linguagem mais solta, versos livres, nos remetendo à ideia de um falar cotidiano, porém exaltado e inconformado com essa realidade em que se encontrava.

Para que essa explanação fosse possível, foram escolhidos três poemas, que, embora tenham semelhanças entre si, possuem objetivos distintos, cada um fazendo uma

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crítica específica, seja esbravejando com fúria sobre algo que não lhe é tido como correto, seja quase emudecido diante dos absurdos que podem ser cometidos pelo ser humano.

Para que a posição de Fernando Pessoa, utilizando-se desse heterônimo em particular, pudesse ser compreendida, foram trazidos desde o contexto histórico do Modernismo em Portugal até um breve resumo da sua vida e da obra, afim de que pudéssemos esclarecer o estilo adotado por Álvaro de Campos, fazendo uma abordagem que em nada se compara ao modo clássico de escrever.

Ao início do trabalho, foram apresentadas duas questões fundamentais: “como Fernando Pessoa se utiliza do heterônimo Álvaro de Campos para protestar contra a sociedade portuguesa? E como essa poesia se apresenta de maneira inflamada, raivosa e inconformada?”, as quais pretendíamos responder ao longo do texto. Compreendendo o trabalho, e nos atendo mais especificamente na parte da análise de corpus, percebemos que ambas foram respondidas, uma vez que tratamos da poesia utilizada como forma de protesto e da sonoridade existente com o objetivo de trazer essa imagem de, discussão vigorosa, inconformismo diante dessa sociedade.

Sendo assim, tratamos da abordagem de apenas um dos três famosos heterônimos de Fernando Pessoa, não explorando aspectos linguísticos ou sonoros existentes nos outros dois: Alberto Caeiro e Ricardo Reis, que pudessem nos remeter a mesma ideia de protesto existente na obra de Álvaro de Campos.

Outro ponto importante a ser tratado quando nos propomos à realização de um trabalho voltado para Álvaro de Campos, é a percepção da relação existente entre literatura e sociedade, uma vez que o contexto em que o poeta vive influencia diretamente seu estilo poético que pode se tornar tanto um canto de louvor pelas coisas belas vividas, como um incômodo sentido por ele e manifestado em palavras, ou seja, o que é sentido no ambiente em que se encontra é traduzido através da arte, nesse caso da literatura, como bem apresenta Candido:

“[...]a arte é social nos dois sentidos: depende da ação de fatores do meio, que exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais”. (CANDIDO, 1985, p. 20-21)

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antônio. A literatura e a vida social. In: ___. Literatura e sociedade.São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1985.

http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=80089.Acesso em 20/05/2013 às 21:45

REMATE DE MALES. Departamento de Teoria Literária IEL / UNICAMP, Número Especial Antônio Candido. Campinas, 1999.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 1977.

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OS REQUINTADOS E SABOROSOS CARDÁPIOS DO CINEMA

Laudicéia de Lucena1

Lindsey Caroline Valelongo1

Sonia Aparecida da Silva Pinto1

Leandro H. Magalhães2

RESUMO:Este trabalho procura apresentar como o cinema, meio de comunicação popular, divulga culturas e sabores a partir de cardápios trazidos nos enredos e seus filmes. Para tanto, foram analisados três produções cinematográficas que enfocam o tema, colocando o público ao redor de mesas com cardápios bem diferenciados; sabendo que os filmes foram selecionados de acordo com sua audiência hoje e no tempo passado. Sendo que da análise deles pode-se perceber o quanto variam os cardápios de acordo com as condições econômicas de cada família, povo e país; também apresentando uma mulher como chef de cozinha para equilibrar a realidade que apresenta mais homens nesta profissão; bem como, destacando a suntuosidade da mesa francesa e dos grandes banquetes nos tempos dos reis. Desta forma, concluiu-se que os filmes de cinema colaboram para a popularização da Gastronomia enquanto profissão e dos serviços de mesa, bem como, é através deles que se pode entender a evolução histórica dos pratos e a importância de cada cozinha como fonte de aprendizado cultural.PALAVRAS-CHAVE: Gastronomia. Cinema. Cardápios.

ABSTRACT:This paper seeks to present as cinema, popular media, announces cultures and flavors from menus brought in their plots and movies. Therefore, we analyzed three film productions that focus on the theme, placing the audience around tables with menus well differentiated, knowing that the films were selected according to their audience today and in the past tense. Since the analysis of them can be seen as the menus vary according to the economic conditions of each family, people and country, also featuring a female chef to balance the reality shows that more men in this profession, as well as, highlighting the magnificence of French table and large banquets in the times of kings. Thus, it was concluded that the films cinema collaborate for the popularization of Gastronomy as a profession and tableware as well, it is through them that we can understand the historical evolution of the dishes and the importance of each kitchen as a source of cultural learning.KEYWORDS: Gastronomy. Cinema. Menus.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade nunca esteve tão envolta em imagens e sons quanto nos dias atuais. O os filmes de cinema, por meio da televisão, invadem todas as casas e apresentam a todas as famílias inferências a respeito dos mais diversos temas e assuntos recorrentes, influenciando e modificando hábitos e comportamentos, tornando-se uma referência cultural.

O cinema comunica novos modos de vida, de figurino, de comportamento familiar e social e assim vai alterando o jeito de viver das pessoas durante o andamento da história.

É por essa razão que o tema cinema foi escolhido, por ser fonte explícita do assunto, a partir de inúmeros filmes ou documentários onde são vistas cenas que representam a realidade do mundo da gastronomia. É importante tratar sobre a história da gastronomia, para que se compreenda como, a partir dela, homens e mulheres foram se interessando pela alimentação.

Muitos se dedicaram a falar sobre o tema, mas, somente prestando muita atenção às nuances é que se torna possível refletir sobre as modificações do comportamento da humanidade, inclusive a partir da análise de sua culinária.

Cinema e culinária tem sido uma combinação escolhida por muitos diretores como receita de sucesso. Os amantes de boa mesa se deliciam com os fartos e saborosos banquetes apresentados com requinte pelo enredo do filme, enquanto que os amantes da

1 Alunas do Curso de Pós-Graduação em Alta Gastronomia da UNIFIL. Emails: [email protected]; [email protected]; [email protected].

2 Professor Doutor Orientador da Monografia e Docente do Curso de Pós Graduação em Alta Gastronomia.

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Laudicéia de Lucena, Lindsey Caroline Valelongo, Sonia Aparecida da Silva Pinto, Leandro H. Magalhães

Gastronomia se preocupam em reconhecer os detalhes do preparo de cada prato, tentando perceber seus temperos e acompanhamentos. Mas, será que tudo o que é visto na culinária do cinema pode ser, ou foi realmente preparado conforme a descrição da cena?

“Ao se alimentar o homem revela sua civilização”, disse Henrique S. Carneiro, doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, ele acrescenta que “a comida é a origem da socialização” e, portanto, “é por ela que a espécie humana desenvolveu até a própria linguagem” (CARNEIRO, 2006, p.137).

Sem exageros, este autor oferece a mola que propulsiona o cinema que, adotando a linguagem cultural exposta pelas mesas do mundo, a transfere para a sétima arte fazendo divulgação dos modos de vida, dos temperos e da cultura dos povos, apresentando a alta gastronomia e, em outros casos, a linguagem simples do povo.

Portanto, ao assistir a um filme, sendo capaz de identificar as práticas gastronômicas e suas tendências, é possível compreender também o sentido simbólico dos alimentos e o modo de vida de um povo.

Para estudar essas possibilidades, esta pesquisa analisou, a partir do cardápio de três filmes do cinema, a forma como a culinária vem sendo vista em seus enredos, em especial, como estão sendo apresentados e preparados os pratos e o cardápio. Os filmes escolhidos para análise foram: A Festa de Babette, Ratattouile e Vatel, um Banquete para o Rei.

2 METODOLOGIA Para o desenvolvimento da análise utilizou-se a metodologia de revisão bibliográfica,

investigando qual a possibilidade real da utilização do cardápio apresentado na Gastronomia no cinema. A partir destes três filmes e da culinária de tais enredos foi possível analisar este elemento transformador em uma sociedade; apontando para outros itens incluídos para incrementar o serviço à mesa dos comensais e discutindo a etiqueta das pessoas (atores) à mesa.

Foi utilizado a busca em referencias sobre o período, onde optou-se pelos últimos 10 anos com algumas exceções importantes, e os locais desta pesquisa foram as buscas por: livros, monografias, teses, artigos publicados e TCCs, impressos ou em site de pesquisa, neste universo foram aproveitados materiais nacionais e internacionais, visto que os filmes analisados eram de origem americana e francesa, nas quais as referencias bibliográficas eram em língua portuguesa.

Depois de selecionados os filmes, analisado suas sinopses, os mesmos foram observados para verificar, se realmente, serviriam para a analise. Em seguida partiu-se para a busca por referenciais que falassem sobre gastronomia no cinema, e como o mesmo pode influenciar o interesse pela arte de cozinhar. Foram buscados por referenciais nacionais que contemplassem tais perspectivas. Elaborou-se um projeto onde teve sua aprovação pela disciplina de competência, sendo que nele já constavam os nomes dos filmes e dos autores que seriam utilizados. Nesta sequência, foram feitas mais seleções das obras dos autores referidos para melhorar a argumentação no corpo do texto do artigo que deveria ser desenvolvido, exatamente os autores que acordavam com o tema, posteriormente partiu-se para o desenvolvimento da redação final.

Palavras-Chave: Gastronomia, Cinema, Culinária.

3 CINEMA COMO REFERÊNCIA CULTURAL

Primeiramente, as produções cinematográficas foram baseadas em fatos históricos, mas, aprimoraram-se e partiram para a ficção e foram ascendendo como ferramentas

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Os requintados e saborosos cardápios do cinema

ideológicas. A princípio eram mais imagens e o visual dependia da interpretação do espectador; depois os sons incrementaram ainda mais essa capacidade do cinema em apresentar comportamentos que acabavam alterando o meio social.

Houve muito preconceito contra o cinema, que conseguiu impor-se como prática social, familiar e cultural. É possível dizer que, na atualidade, a indústria do cinema é um mercado que influencia, diferentes áreas do saber.

Desde 1895, a partir de sua invenção pelos irmãos Lumiére, na França, o cinema tem oferecido lazer e conhecimento ao público e foi chamado, desde sempre de Sétima Arte. E, mesmo sendo uma arte temporal, o cinema tem reproduzido a vida como ela é ou como se pretende que ela seja (FANTINI, 2009).

O cinema incorpora pedaços da realidade e outros de representação, o espectador acaba acreditando que esteja participando daqueles acontecimentos, mesmo que apenas como testemunha. O cinema tem um realismo que objetiva mesmo conquistar a credibilidade do público. Entra assim, em um estágio de homogeneização e padronização do que pensa as pessoas a respeito do que ele apresenta.

Diante dessa produção audiovisual cresce o questionamento a respeito do panorama cultural destas últimas décadas e surge a preocupação de perceber, neste plano, os novos elementos que emergem dela e que possam participar da formação da modernização, em meio à racionalização dessa indústria popular.

Nesta produção da cultura de massa existe sempre, no entanto, espaço para as tensões a respeito desse processo ideológico. No entanto, de acordo com Ramos (2004, p.82): “[...] outras inquietações atravessam o campo dos realizadores do audiovisual. A preocupação com a autoria e com o estatuto de ‘arte’ das produções são recorrentes na cultura moderna”.

Este estatuto de arte é o que move os cineastas e militantes de tais recursos em todos os países, desde os primeiros filmes até este século.

É possível dizer que, em todos estes lugares, o cinema é o espelho da cultura de massa, mesmo estando perdendo seu privilégio para os meios eletrônicos, como os computadores, e tendo que competir com a televisão e com os jogos de videogames (BARBOZA, 2007).

Hoje, o cinema se estende à televisão. Mas, nem sempre foi assim. Ele já foi mais Arte e menos globalização, mas, sempre incentivou o imaginário e a cultura popular.

4 A HISTÓRIA DA GASTRONOMIA

É importante tratar sobre a história da gastronomia, para que se compreenda como, a partir dela, homens e mulheres foram se interessando sobre essa forma de estudo que pode revelar sobre populações inteiras e sobre o comportamento da humanidade, tanto social, quanto política e até religiosamente.

De acordo com Ribeiro (2010) a Gastronomia teve início com o homem da pré-história que foi descobrindo que os alimentos poderiam ser modificados, não sem antes tê-los consumidos crus, por muito tempo.

O mesmo autor acrescenta que foi na Idade Antiga que os povos apresentaram os grandes banquetes, para comemorar as guerras e os eventos da família real. Também o povo egípcio inventou a padaria artística, fabricando pães de diferentes formas. E na Idade Média, a gastronomia seguia a mesma linha, e por força da Igreja, servia pães e vinhos baseados na cozinha romana, enriquecendo a qualidade dos alimentos e valorizando o peixe como elemento dos cardápios, bem como, abusando das especiarias como pimenta, noz moscada, gengibre e outros.

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Ribeiro (2010) lembra que a Idade Moderna foi a época de inovações, era o tempo de Renascimento, da descoberta de grandes sensações e a gastronomia também sofreu esta influência, apresentando novos gostos e novos cozinheiros para os reis, valorizando os molhos engrossados com pão e as sopas, dentre as quais se destacaram as de cebola e mostarda. Foi nesta época, da utilização de muitas especiarias, que o Brasil apareceu como fornecedor. E apareceu também o sorvete, revolucionando a ideia de sobremesa na época, bem como, no século XVII os franceses descobrem café e o peru como carne suculenta.

Ribeiro (2010) ainda fala da Idade Contemporânea, que é a idade do aperfeiçoamento da gastronomia, quando a França passa pelos períodos de Napoleão Bonaparte que detestava o requinte da comida francesa, preferindo à italiana, e o período logo após Bonaparte quando a França passa pelo chamado período de restauração e volta aos restaurantes seus menus requintados, espalhando-se por toda Europa, com luxo e arte, quando os chefs de cozinha passam a trabalhar em restaurantes e abrir seus próprios e lucrativos negócios, já que não trabalhavam mais nos palácios da nobreza.

Nesta sequência histórica nascia à cozinha burguesa que era impressionada pela elegância da alta gastronomia, que combinava a gastronomia da terra com a gastronomia dos laboratórios, fazendo com que, nesta época de crise da economia francesa, começassem a atuar os grandes chefs, gourmets, cozinheiros, escritores da mesa, que inventaram serviços e normas da culinária francesa e escolas de ensino, internacionalizando a cozinha e modificando os modos de cozinhar em toda parte do mundo (RIBEIRO, 2010).

Aqui vale recordar o que disse Luís da Câmara Cascudo: “comer é um ato orgânico que a inteligência tornou social” (CASCUDO, 1983, p.44).

Hoje, é possível dizer que a gastronomia é bem conhecida em todas as partes do mundo, devido à globalização. Para Bauman(1998,p.8), no processo de globalização “todos nós estamos, a contragosto, por desígnio ou à revelia, em movimento. Estamos em movimento mesmo que fisicamente estejamos imóveis: a imobilidade não é uma opção realista num mundo em permanente mudança”.

Por meio da globalização o mundo todo tem acesso aos modos de fazer e as grandes redes de produtos alimentícios necessários a elaboração dos cardápios. Enfatizando, no entanto, que as cozinhas regionais são as que preservam as peculiaridades de cada local ou, pelo menos, tentam, preservar o que é inerente a elas e porque é nelas que o indivíduo vai buscar seu sentimento de pertencimento a um local ou a uma etnia.

O Brasil, por exemplo, possui diversos tipos de culinárias espalhadas em sua extensa geografia, e três tendências lhe especificam os pratos: a portuguesa, a indígena e a africana, com características distintas apenas para São Paulo e Rio de Janeiro, que acatam mais as influências estrangeiras. Convém lembrar que certos pratos ajudam a formar a ideia da identidade nacional, a exemplo disso tem-se a paella na Espanha, a massa na Itália, o sushi no Japão e a feijoada no Brasil, fazendo com que a cultura nacional sirva como referencial que pode ser representado pela comida daquele país.

Em todos os cantos do mundo, no entanto, a figura do chef cozinha é reconhecida como sendo a de um grande artista do fogão e responsável pela produção de pratos deliciosos que atraem as pessoas para provas dos mais diferentes e inusitados sabores.

A inspiração culinária é buscada por muitos cozinheiros, em diferentes sociedades ou nas suas próprias, para fortalecer as cozinhas regionais de seus países.

O importante é pensar que a culinária não é estática e sua evolução se dá de

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forma diferente nas áreas geográficas e nas épocas, devido aos fatores que as influenciam como a abundância das colheitas ou as políticas locais. Isto porque as transformações da economia repercutem no processo de distribuição dos alimentos, e consequentemente, na elaboração culinária (FRANCO, 1995).

A história continua e muitos tratam e retratam o assunto, como o cinema, neste caso, que é tema deste artigo.

5 A GASTRONOMIA NO CINEMA

A Gastronomia apresentada no cinema vem se desenvolvendo e sendo incorporada a esse meio com muito mais frequência que em um passado próximo.

Os grandes veículos de comunicação têm reservado um espaço para o tema. E foram os avanços tecnológicos que possibilitaram o tráfego e o acesso de informações do mundo inteiro a quase toda população através das mídias (TORRAS, 2006).

No caso da Sétima Arte, alguns eventos cinematográficos têm retratado com fidelidade a arte de cozinhar, revelando as nuances da culinária que envolvem o espectador e o faz compreender detalhes que, muitas vezes, na vida real, passam despercebidos.

Grandes atores e atrizes já participaram de belíssimas e deliciosas cenas, à mesa, no cinema e foram aplaudidos, ficando famosos por isso.

Muitas cidades são retratadas pela tela do cinema em cenas culinárias, no entanto, dos filmes onde se fala de culinária, Paris é mais comentada, por sua condição de importante espaço para a cultura, a moda e a elegância, sempre somados a efervescência dos champanhes e a suntuosidade de alguns queijos, despertando no espectador um imenso interesse pela degustação.

A lista desses filmes que tem comida como ponto central é longa, nela surgem aromas, temperos, e o ritual muito mágico da gastronomia, alargado por molhos, massas que vão ganhando vida na imaginação a partir do que é vivenciado pelos personagens e ganhando sabor no cotidiano dos caprichosos na cozinha. Esse tipo de cinema prende a atenção de quem assiste e faz a imaginação acreditar no delicioso sabor dos alimentos.

De acordo com Castilho (2003) o filme propicia por si só uma atração especial, envolve e mobiliza a atenção concentrada, inclusive os aspectos emocionais, explora a percepção, valores, julgamentos, paixão e compaixão, opiniões e até desejos, é uma ferramenta didática, é de uma extraordinária valia para se trabalhar com e em grupos. É possível retornar tantas vezes quanto se queira uma cena, para discuti-la.

Pellegrini (2003), por sua vez, enfatiza que a cultura contemporânea é, sobretudo, visual. O cinema é uma das técnicas de comunicação e de transmissão da cultura cuja força reside na imagem e depois no texto escrito.

Por esse motivo é bastante enriquecedor que o público aproveite os filmes onde a comida é apresentada ao longo da história. É importante perceber que em cada filme, em cada mesa posta, em cada serviço ou etiqueta, o telespectador vai sendo introduzido ao mundo da gastronomia. Mesmo os menos interessados por essa arte se pegam envolvidos e, literalmente, com água na boca. A curiosidade do público o leva a pesquisar sobre as cartas de vinho, os ingredientes incomuns a muitos, ao serviço de mesa que demonstra, especialmente, de acordo com o lugar assumido pelos comensais, o reconhecimento de sua posição social.

De forma muito clara o cinema colabora com a divulgação de culturas, de sabores e de especiarias, vindas de lugares onde o sujeito jamais pensaria em poder estar.

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Com isso, o consumidor torna-se mais exigente e acaba desejando um atendimento personalizado, visto poder contar com maior número de produtos e ingredientes para seu preparo; exigindo, portanto, que os profissionais da área unam as exigências técnicas às exigências de consumo, fechando o caminho para amadores.

Por isso, logo abaixo serão analisados o roteiro de três filmes que apresentam a culinária como seu ponto alto. Sendo eles: A Festa de Babette, Ratattouile e Vatel um Banquete para o Rei.

5.1 A Mesa em Vatel: Um Banquete para o Rei

O filme Vatel, de 1999, é ambientado no ano de 1671, quando o rei Luís XIV vive em Versailles. O Príncipe de Condé, totalmente endividado planeja um meio de fazer com que toda a província fique livre das dívidas e, por isso, decide convidar o rei para um fim de semana em iguarias e entretenimento. Isso poderia salvar toda região daquela situação econômica tão difícil. E, apenas um homem poderia preparar um banquete real: François Vatel, o mordomo do Príncipe.

No entanto, em meio a toda preparação para a visita real, Vatel se apaixona pela bela Anne de Montausier o que atrapalhará os planos do Príncipe de Condé.

Trata-se da própria representação da culinária francesa. O filme todo é um banquete aos olhos do espectador com arte de cenário magnífica, onde tudo pode ser “saboreado” (grifo nosso): vestuário, comidas, carruagens, palácios e jardins. Conta uma história de amor enquanto esperam pelo rei, transformando os momentos em celebrações com pratos especialíssimos, requintados, com ingredientes sofisticados, que podiam ser vistos nas toalhas, talheres, candelabros, móveis, etc. para ser impecável ao rei.

Apresenta também a busca obsessiva do cozinheiro para ser perfeito e cuja arte está acima de tudo.

Lebert e Ewald Filho (2007, p.104) lembram que:

foi pelas mãos do chef e maitre d’hotel François Vatel (1635-1671) que a extravagância gastronômica dos nobres franceses do século XVII atingiu o auge da suntuosidade. Enquanto a opulência e a fartura imperavam nas mesas da nobreza privilegiada, o povo passava fome nas ruas, lançando as primeiras sementes da Revolução Francesa.

Vatel teve que cozinhar, para aquele que se intitulava Rei Sol, por isso, o requinte e a suntuosidade que foram produzidos com o que de melhor havia em tecnologia para época.

Os pratos foram servidos um por vez (“serviço à francesa”), seguindo ordem precisa - peixes, carnes, e por fim sobremesas. Sem contar que levou à mesa também o sorvete, o café, o Champagne e o molho bechamel. E Vatel teve que trabalhar 12 dias e 12 noites para dar conta do cardápio, bem como, ensaiar os serviçais na forma como estariam dispostas as mesas, a cozinha (retangular, enorme, cheia de fornos, fogões, panelões, travessas) e a despensa (com ingredientes escolhidos por ele mesmo). Foram os três grandes banquetes, “os maiores de todos os tempos”, em meio a danças, representações, músicas, cenários e fogos de artifício. Cada um com motivo temático específico (CAVALCANTI, 2011).

O que importa é que, pelo filme, é possível compreender que a história apresenta os famosos chefes gastrônomos que tiveram papéis nos negócios, nas finanças, na economia e até na política do mundo em todos os tempos, difundindo a arte e levando a todos os povos os modos diversos de cozinhar.

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5.2 A Mesa da Festa de Babette

Felicidade maior que comer é saber cozinhar. Isto fica latente no filme a Festa de Babette. É o resultado que Babette obtém ao ver os convivas se deliciando à mesa servida com tanto requinte. O filme é ambientado em uma península da Dinamarca no ano de 1871. Trata-se de um roteiro onde se destaca sensibilidade e emoção. O segredo justamente está em um jantar; na comida servida, onde os convidados demonstram o prazer do gosto e do cheiro dos pratos servidos.

Babette que era cozinheira, por profissão, de um sofisticado restaurante francês, o Café Anglais. Neste enredo ela serve a duas irmãs solteironas, pobres, que não podem pagar pelos seus serviços. Ela precisa sobreviver, mas, não perde a sua essência e se redime, cozinhando e gastando uma pequena fortuna em um suculento e elegante jantar onde, sendo ela mesma, prepara com maestria o que de melhor o dinheiro pode comprar.

Cada detalhe do Banquete de Babette é mostrado de forma a culminar em um requintado jantar. Sendo que cada prato a ser servido é mostrado, fazendo com que o espectador pense estar à mesa, sentindo o aroma de cada um deles.

O cardápio do filme se transforma em um enorme momento de cultura e aprendizado para os amantes da gastronomia. Babette serve divinamente, inspirada em tudo o que havia aprendido no famoso restaurante Café Anglais, necessitando importar muitos ingredientes para aquele momento onde gastaria toda sua fortuna.

Ela começa pelo consôme: sopa de tartaruga harmonizada com o Amontillado, vinho espanhol de Jerez de La Frontera. Depois serve Blinis Demidoff (panqueca com creme azedo e caviar), acompanhado do Champagne Veuve Clicquot Brut, safra 1860, para abrir alas ao prato principal: codornas recheadas de foie gras e trufas, ladeadas do celestial tinto da Borgonha, o Clos de Vougeot 1845. Em seguida a salada, os queijos, mais Clos de Vougeot, e para a sobremesa baba ao rum, frutas, café, e, por último, um cálice de Marc Fine Champagne, destilado de uvas viníferas que os franceses apreciam como digestivo (ZANONI, 2010).

Um cardápio que vai muito além da sofisticação, mas que encanta ao mesmo tempo em que assusta os convidados, pois, religiosos que são, temem estarem transgredindo alguma lei divina. O filme também demonstrou que servir comidas é uma forma de servir ao próximo, de suprir outros sentidos humanos, que não seja apenas a fome, agradando ao paladar e indo muito além do simples ato de se alimentar. Também reflete sobre o fato de se ter na tela uma mulher chef de cozinha, universo quase que totalmente ocupado pelos homens.

A Sequência do jantar de Babette foi:

• Soupe de Tortue Géante (Sopa de Tartaruga Gigante)• Blinis Demidoff (Creme Azedo e Caviar, se possível Beluga)• Cailles en Sarcophage (Codornas com Trufas e Foie gras)• Salade de Crudités (Salada de folhas e legumes)• Fromages (Queijos curados variados)• Baba au Rhum (Bolo embebido em calda de rum)• Fruits Frais (Frutas frescas variadas)

5.3 A Mesa de Ratattouile

O ápice do roteiro deste filme está na análise crítica feita pelo personagem ao fato de mulheres quase nunca serem chefs, tratar da valorização desta profissão, bem como, a competição que existe neste mundo da alta gastronomia. O enredo se dá quase todo dentro

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de um restaurante na romântica cidade de Paris, embora se trate de um filme de animação americano. O filme foi lançado em junho de 2007, e ganhou o Oscar como melhor filme de animação em 2008 (SILVA et al., 2012).

O título do filme refere-se a um prato da cozinha do Mediterrâneo. De acordo com Galvão (2007) trata-se de um refogado com ingredientes típicos dessa cozinha, como o azeite de oliva, berinjela, pimentão, abobrinha, cebola e alho; receita típica da Provence e muito popular em toda França, onde é servida como entrada ou acompanhamento de outros pratos.

Ainda, segundo este autor, a receita pode servir de seis a oito pessoas, necessitando de uma ótima escolha dos ingredientes e de um azeite de oliva que pode acentuar, dando um toque diferente ao prato.

Mas, todo enredo converge para dar novamente o status de cinco estrelas ao restaurante, e para isso precisam do aval do grande crítico Anton Ego. Demonstrando como são feitos os “nomes” dos grandes restaurantes ou dos grandes chefs de cozinha.

Impossível não notar a trilha sonora e a letra propícia ao filme que, logo no primeiro estrofe, canta: Les rêves des amoureux sont comme le bon vin/ Ils donnent de la joie ou bien du chagrin/ Affaibli par la faim je suis malheureux (CAMILLE, 2012). Que diria: Os sonhos dos amantes são como um bom vinho/ Eles dão alegria ou mesmo tristeza/ Debilitado pela fome, estou infeliz. Trazendo a própria essencial do que se busca quando se estuda gastronomia (CAMILLE, 2012).

As mesas e os lugares aconchegantes também fazem do filme um vislumbre da culinária francesa e o pedido do crítico Anton Ego para a carta de vinhos, apresenta um dos mais importantes da história: o Château Cheval Blanc 1947, que é descrito pelo château como um “feliz acidente da natureza, fruto de um clima aberrante e vinificação primitiva” (CAMILLE, 2012).

Segundo Copello (2010) o verão de 47 foi tão quente que a colheita ocorreu 15 dias antes do normal, o vinho alcançou 14,4% de álcool (fato raro na Bordeaux daquele tempo) com algum açúcar residual e acidez volátil alta. Foi necessário colocar gelo no mosto para que a fermentação chegasse ao fim. Uma caixa dele pode custar até 147 mil dólares.

Na verdade o efeito principal da direção é colocar o que chef Gusteau dizia todo o tempo: “anyone can cook” (qualquer um pode cozinhar), esclarecendo que talento pode estar em qualquer um, e que “seu limite é a sua alma”.

Assistir a esta produção é muito divertido e serve para a percepção da alta gastronomia da cozinha francesa, suas exigências e seus brilhantes cenários.

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram assistidos três filmes que traziam a alta Gastronomia como tema principal. Os três abordavam a cozinha como tema central e serviam, portanto, ao objetivo proposto, que era o de apresentar o cinema como fonte de pesquisa para a Gastronomia.

A análise de filmes é um procedimento esquemático que pretende relacionar o cinema com outras áreas da vida ou campos do conhecimento, demonstrando sua capacidade de diálogo com outras áreas (ANDREW, 2002).

O roteiro dos três filmes dá ênfase ao serviço de mesa e apresenta os cardápios de forma detalhada, facilitando a compreensão do telespectador. A Festa de Babette descreve os ingredientes e a forma exata de como preparar os pratos e por a mesa. Vatel, um Banquete para o Rei, que apresenta detalhes históricos da suntuosa cozinha francesa.

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Ratatouille, por sua vez, converge para a discussão política de como são feitos os grandes nomes dos chefs do mundo da Gastronomia. Enquanto que para os espectadores e fanáticos por cozinha fica a mensagem explícita que diz: “qualquer um pode cozinhar”. Este filme pode ser comercial, mas, apresenta importantes reflexões especialmente sobre como elevar um restaurante a um nome na alta gastronomia. A técnica e a produção impecável do filme aproxima o público do mundo gastronômico demonstrando o funcionamento de uma cozinha em um restaurante e a hierarquia dentro dela: chef, subchef, saucier, chef de partier e demi chef.

A gastronomia em Ratatouille é vista como arte pelo protagonista que tem necessidade de transformação enfatizando que a “natureza é mudança”, acabando por dar novos ares ao restaurante o que o leva a ser considerado pelo crítico Anton Ego que teve seu modo de pensar transformado a partir da receita e comportamento do protagonista. Sabendo que também é muito difícil ser um crítico, pois, incentivar o novo nem sempre é bem aceito na prática. O que importa é que a tradicional receita, batizada de Ratatouille, trata-se da Caponata italiana, que é uma simples e comportada mistura de legumes com berinjela e azeite, servida como antepasto ou petisco e perfeitamente possível de ser executada pelas mais simples cozinheiras.

Sobre a atuação dos chefs, o filme demonstra que a atuação deles tem ultrapassado os limites da cozinha e vem conquistando diferentes meios de comunicação, tendo espaço em novelas, programas e revistas. De acordo com Veiga (2001) os grandes chefs de cozinha agora são alvos de fotógrafos e promoters. Com a gastronomia em alta, estar perto de uma figura de um chef famoso ou frequentar seus restaurantes remete a status social.

Na análise do drama de Vatel, um banquete para o Rei, é possível vivenciar o luxo e riqueza da corte do Rei Sol, no século XVII, onde na suntuosa corte de Versailles, é servido um banquete para o rei.

Em meio as tramas políticas, Vatel o mordomo do palácio de Chantilly prepara uma primorosa recepção para o príncipe. E como um artista, emprega sua criatividade para o deleite e apreciação da corte francesa, exalada na cozinha e no preparo dos alimentos. São aromas e sabores exóticos que vão arrancando suspiros dos convivas

É possível perceber, desde o início do filme, as relações de poder entre nobreza e rei, aquela em busca do prestígio. Vatel ,que é conhecedor das artes culinárias e muito criativo na elaboração dos espetáculos artísticos e teatrais, deve entreter os convidados, enquanto os jogos políticos acontecem durante o banquete.

Dentre as cenas nas quais Vatel está na cozinha, acontece de faltar ovos, visto que a metade estava podre, e ele deveria fazer o creme. O improviso dele, ao misturar nata e açúcar, para terminar a mesa e agradar ao rei, dá origem ao Chantilly. Vatel improvisa um creme para substituir outro que seria usado nas tortas, criando um creme branco, adocicado e agradável.

Esta cena demonstra a realidade dos chefs que devem saber lidar com situações inesperadas, onde devem ser os regentes e dar conta de orquestrar todos os ingredientes necessários. Fica clara a importância do chef de cozinha para os bons resultados à mesa.

Sobre o filme a Festa de Babette o maior destaque poderia ser dado ao prazer de cozinhar e a um encontro que põe frente a frente a religião e a culinária, o passado recluso e o presente com a arte da cozinha, onde é apresentada uma boa mesa, a preservação dos costumes enquanto se avalia o desprendimento de Babette, que como retribuição ao bem recebido, faz o que melhor sabe, cozinhar.

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Neste filme a comida não é tratada apenas como satisfação da fome, mas, elevada a categoria de arte, realçando o papel da Gastronomia e dos valores estéticos a ela inerentes. É uma história gastronômica por sua natureza, como arte interativa a gastronomia mistura os cinco sentidos e passa a criar e fazer com tais sentidos sejam relacionados no momento em que a comida é posta a mesa, e até antes quando Babette compra os ingredientes, que são apresentados como que em um desfile de iguarias.

No momento do jantar, os que estão ali demonstram, em algum momento, semblantes desconfiados que ao ter prazer à mesa, estariam pecando. As câmeras filmam exatamente os semblantes de cada conviva ao experimentarem cada prato ou sorverem cada gole da vinho da mais tradicional carta de vinhos que é servida aos convidados. Babette demonstra total habilidade entre a arte e a técnica e apresenta tal domínio desde a escolha dos ingredientes até o serviço de mesa.

7 CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao desenvolver a revisão bibliográfica sobre os cardápios servidos nos três filmes apresentados, levantam-se as expectativas gastronômicas e muitos outros temas vão surgindo no decorrer das cenas.

Pensa-se na economia de cada país, na cultura local e na globalização, enquanto nobres especiarias e vinhos famosos vão sendo servidos à mesa dos comensais. Bem como, reflete-se sobre o papel do chef e a presença da mulher nesta profissão.

A partir dos três filmes foi possível perceber que ao consumir alimentos o sujeito vai além da sobrevivência, o ato de se alimentar têm muitos significados, dentre eles os sociais, culturais e simbólicos, que vão apresentando uma linguagem própria da sociedade onde é praticado.

Os restaurantes e grandes banquetes se tornam, portanto, locais onde a refeição é um ato simbólico que exibe o que nem sempre possui em suas próprias casas, parecendo-se mais com um desfile e exibição não apenas dos pratos, mas, também de um sistema cultural historicamente elaborado que transmitem mensagens e valores que, supostamente, devem ser incorporados no dia a dia.

O objetivo de tratar do cinema apresentando a gastronomia e seus maravilhosos e reveladores cardápios foi atingido na medida em que foi possível constatar que, inegavelmente, o cinema tem sido capaz de chamar a atenção para a Gastronomia e repercutir para o público a ponto dele mesmo compreender que “qualquer um pode cozinhar”.

A análise dos filmes, relacionados ao tema Gastronomia, foi bastante significativa, pois, a partir dela foi possível verificar o quanto a mídia cinematográfica pode colaborar e influenciar a respeito de temas como este provendo os telespectadores com elementos que nem sempre estão presentes em seu cotidiano

Foi preciso, portanto, considerar o conhecimento e a compreensão das características do discurso cinematográfico, para vestir-se de sua narrativa e poder, então, interpretar os enredos.

Os filmes revelaram questões do âmbito cultural e socioeconômico, fornecendo uma dimensão abrangente da gastronomia que envolveu desde o momento histórico de cada enredo, até os detalhes do preparo dos pratos, atraindo a atenção dos profissionais da área, dentre outros. Isso tudo se considerando que a linguagem dos filmes, a visual, por meio da qual a mensagem é consumida.

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Patrícia Vaz de Lessa1

Marilda Gonçalves Dias Facci2

RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir sobre algumas possibilidades e desafios para a atuação do psicólogo escolar. Inicialmente apresentaremos, a título de exemplificação, as práticas desenvolvidas pelo Psicólogo Escolar na atualidade, através dos dados coletados na pesquisa “A atuação do Psicólogo no Ensino Público do Paraná: contribuições da Psicologia Histórico-Cultural” de 2008 a 2010, a qual buscou identificar e analisar, entre outros aspectos, as práticas desenvolvidas pelos psicólogos escolares e compreender em que medida essas práticas vêm apresentando elementos de criticidade pertinentes às discussões recentes na área de Psicologia Escolar e Educacional. Discorreremos brevemente sobre a constituição histórica da atuação do psicólogo escolar, pautado inicialmente por uma visão tradicional, a qual foi alvo de críticas por volta de 1980, culminando com uma atuação baseando-se em pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. Levantamos a discussão de autores que defendem a intervenção em um enfoque crítico o qual questiona a culpa imposta ao aluno pelo fracasso e direciona sua análise para questões mais amplas, considerando o sujeito histórico, síntese das múltiplas determinações. Para finalizar, apresentamos algumas possibilidades e desafios para a atuação do Psicólogo escolar em nossa sociedade atual. Concluindo compreendemos que a prática deve ser fundamentada teoricamente e que um grande desafio na intervenção na escola é trabalhar com a coletividade.PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Escolar - Atuação do psicólogo – Psicologia Histórico- Cultural

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é discutir sobre algumas possibilidades e desafios para a atuação do psicólogo escolar. Geralmente, nas escolas, os psicólogos lidam com as queixas escolares – compreendida como problemas de aprendizagem ou de comportamento, conforme Souza (2000) – e estas tem sido, historicamente, objeto de estudo e intervenção dos psicólogos no Brasil. Proença (2002), ao se referir sobre as queixas escolares afirma que, em sua grande maioria, estas vêm carregadas de afirmações que indicam a culpa às crianças como, por exemplo, “São elas que trocam letras, não aprendem, brigam com os colegas, desobedecem às regras estabelecidas, são nervosas ou choram muito, não sabem se defender ou se defendem até demais” (Proença, 2002, p 183).

Machado (2010) afirma que “estamos produzindo sujeitos que nos mostram que se tornou necessário, em nossa sociedade, ser doente” (p. 24) e aí o perigo de intensificar a produção dos sintomas focalizando a intervenção neles, ao invés de agir “naquilo que o fez ser dessa forma (a forma doente)” (p. 24). Essa forma de patologizar os problemas escolares consequenciando uma automática medicalização vem sendo postura muito frequente nos meios educacionais e foram produzidas no decorrer da história da Psicologia.

Podemos afirmar que convivemos hoje com uma visão mais tradicional da Psicologia, que se baseia na psicometria, em atendimento clínico, com uma análise que naturaliza e individualiza os problemas, assim como com uma visão crítica de intervenção, entendendo essa visão crítica como àquela que tem condições de:

1 Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. Doutoranda do Programa de Pós- Graduação em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano – USP e Docente do Departamento de Psicologia do Centro Universitário Filadélfia – Unifil. E-mail: [email protected]

2 Pós-doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, no Instituto de Psicologia da USP; Doutorado em Educação Escolar pela UNESP-Araraquara; professora do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. E-mail: [email protected].

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...transformar o imediato em mediato; negar as aparências sociais e as ilusões ideológicas; apanhar a totalidade do concreto em suas múltiplas determinações e articular essência/aparência, parte/todo, singular/universal e passado/presente, compreendendo a sociedade como um movimento de vir a ser (Meira, 2000, p. 40).

Ainda podemos observar, na intervenção de muitos profissionais, a transição entre uma visão e outra, conforme podemos observar, a título de exemplo, a pesquisa realizada por Lessa (2010) e Lessa e Facci (2011), que teve como objetivo analisar, entre outros aspectos, as práticas desenvolvidas pelos psicólogos frente às queixas escolares e compreender em que medida essas práticas vinham apresentando elementos de criticidade pertinentes às discussões recentes na área de Psicologia Escolar e Educacional em busca de um ensino de qualidade para todos. A investigação foi realizada em dois momentos – por meio da aplicação de questionários em 95 psicólogos que atuavam no Ensino Público no Estado do Paraná e a realização de entrevistas com nove profissionais, que nas respostas dos questionários, demonstravam uma visão crítica de intervenção.

Fazendo uma síntese geral dos dados obtidos por meio dos 95 questionários, as autoras chegaram às seguintes informações: as respostas dadas evidenciam um discurso não crítico, com 54,3% das respostas, seguidas do discurso crítico e não crítico, com 27,2%. Em último lugar, aparece o discurso crítico, com 18,5% das respostas, evidenciando que muitas discussões realizadas na área, com destaque para uma visão que entende os fatores escolares como multideterminados, ainda não estão presentes na atuação dos psicólogos. Quanto à modalidade de atuação institucional e clínica, aparecem 54,3% das respostas dos participantes, seguida da institucional, com 26,6% e, em último lugar, aparece a variável clínica, com 19,1% das respostas.

A partir das respostas dos questionários, foram entrevistados, em um segundo momento, nove psicólogos que denotavam uma concepção e prática crítica. Os dados revelaram no tocante aos procedimentos para a avaliação das queixas escolares, que oito profissionais entrevistados mencionaram em empregar, de alguma forma, os testes, sendo que dois destacaram que só utilizam esse instrumento como último recurso da avaliação. Os profissionais relatam que além desse instrumento, usam outras formas de intervenção como, por exemplo, ir até a escola, acompanhar o trabalho dos professores, ouvir a família a respeito das dificuldades do aluno, desenvolver outras atividades com a criança, consideradas pelos profissionais, estratégias que também trazem bons resultados. Consideramos que, com essa visão mais crítica e contextualizada, a avaliação apresenta-se como o início de uma intervenção que deve contribuir para o processo de humanização. Esses fatos podem ser observados nas declarações dos profissionais que sinalizam uma nova postura ao avaliar, buscando outros recursos que não apenas os testes formais, indicando o momento de transição pelo qual os profissionais estão passando.

Sobre as respostas ao questionamento do motivo pelo qual os alunos não aprendem, foi maciça a resposta de que „são vários fatores que estão influenciando a dificuldade de aprendizagem do aluno‟. Neste sentido, encontramos nos relatos, aspectos quanto a fatores individuais internos até aqueles que consideramos externos ao aluno, os de ordem pedagógica e tantos outros que configuram intraescolares, assim como foram mencionados, em quatro entrevistas, os fatores sociais.

Quatro psicólogos relatam fatores extraescolares, considerando que algum problema ocorre no desenvolvimento individual do aluno (deficiências, déficits cognitivos, psicomotores, neurológicos, emocionais etc.) ou referente à forma que a

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família está estruturada. Neste último aspecto, os profissionais apresentaram os seguintes elementos para justificar o não aprendizado dos alunos: a forma como as crianças estão sendo educadas em sua família, a educação dos pais, os modelos que essas crianças se espelham em ser alguém; crianças que têm uma configuração familiar muito precária; crianças que estão em situação de risco tendo pais traficantes, parentes traficantes, mães prostitutas; crianças que não têm um mínimo de incentivo para os estudos, algumas não querem estudar, não se sentem acolhidas. Com relação aos fatores intraescolares, identificamos: relação professor-aluno, metodologias inadequadas, currículos e programas que são atravessados pela própria falta de investimento na educação e a forma como o ensino está organizado também se fizeram presentes em sete entrevistas.

Interessante notar que, o fator relacionado à forma como a sociedade está organizada, considerando a estrutura de classes, também foi elencado por três profissionais, configurando- se nos seguintes aspectos: a forma como o conhecimento está sendo valorizado nessa sociedade; a forma como o professor está sendo valorizado e informado; falta de acesso de todos os alunos aos conhecimentos; a escola que não está conseguindo cumprir com a sua função social de ensinar. Realmente não é possível afirmar que seja apenas um fator preponderante para os problemas de aprendizagem.

Lessa (2010) discute que pode-se perceber, neste grupo de psicólogos entrevistados, de forma geral, o avanço na compreensão e encaminhamento as queixas escolares, no entanto, quando analisados os questionários respondidos por 95 psicólogos, o mesmo não pode ser afirmado, assim como nas respostas dadas na entrevista sobre o motivo pelo qual os alunos não aprendem. Os fatores extraescolares mencionados como causa do não aprender são justificados a atribuídos às famílias. Entendemos que esse pode ser um exemplo da intervenção de muitos profissionais da área escolar, o que demonstra que muitos desafios ainda são postos para a atuação.

Esses desafios foram e fazem parte das contradições da nossa sociedade, na qual percebemos concepções calcadas por uma visão ideológica que referenda a defesa de que sucesso e fracasso escolar dependem somente do indivíduo, defesas que não consideram as condições histórico-sociais que produzem o fracasso escolar, assim como forma de análise que tentam superar este entendimento. Avanços e recuos podem ser percebidos, também, na forma como a Psicologia foi se inserindo na escola.

2. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ESCOLAR: CAMINHOS TRILHADOS

Desde os tempos da colônia no Brasil os fenômenos psicológicos foram preocupação presente nas diferentes áreas do saber, presente nas produções advindas de instituições como faculdades de medicina, hospícios, escolas e seminários, fato esse que, segundo Antunes (2007), contribuiu para o desenvolvimento da Psicologia no seio dessas áreas, dentre elas a medicina e a educação, fundamentalmente importantes para absorção dos avanços dos estudos psicológicos na Europa. A Psicologia, portanto, nasceu atrelada à medicina, herdando desta o modelo clínico, como também teve sua origem nas Escolas Normais, em disciplinas preocupadas com o desenvolvimento humano. Na gênese da Psicologia em nosso país já havia uma preocupação em compreender e avaliar alunos que estavam com dificuldades no processo de escolarização.

Historicamente, a relação da Psicologia com a Pedagogia tem implicações fundamentais no Brasil, pois, conforme afirma Antunes (2007), estão intimamente ligadas ao pensamento escolanovista iniciado no Brasil no século XIX, com sua efetiva explicitação e consolidação no século XX. Nesta mesma direção, encontramos

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Yazlle (1997) ao anunciar claramente as duas vertentes que contribuíram para as práticas exercidas pelos psicólogos nas instituições escolares no Brasil: o Movimento da Escola Nova e a Medicina com sua concepção higienista.

No campo da Psicologia, em sua versão tradicional no tocante à intervenção na escola, até a década de 1970, foi influenciada pela psicometria e medicina. Maluf (1994) sinaliza que o papel tradicionalmente desempenhado pelo psicólogo escolar tinha dois enfoques. O primeiro seria do psicometrista que, para a autora, patologiza os problemas escolares atribuindo-os exclusivamente ao aluno. O segundo seria o papel de clínico em que o Psicólogo “[...] trata o baixo rendimento escolar do aluno fora do seu contexto, reduzindo-o a pretenso resultado de anomalias existentes na criança ou em sua família” (p. 173).

Segundo Patto (1990), guiado por um modelo médico, o profissional concederia explicações para o fracasso escolar centrado no aspecto psicológico no qual o olhar se volta para o diagnóstico dos problemas dos alunos e esses são considerados culpados. No caso da Educação, até a década de 1930 os pressupostos da Epistemologia Genética de Piaget, juntamente com as idéias do estadunidense John Dewey, fundamentavam a legislação e a organização do Ensino, por meio da defesa da Escola Nova. Essa tendência pedagógica ganhou força como uma forma de contraposição ao modelo tradicional de ensino, centrado no professor e no aluno. Os fundamentos da Psicologia foram incorporados á educação e serviram de mote para a proposição de uma escola calcada no aprender-a-aprender, com ênfase no aluno.

Ao considerar os aspectos de influência da Psicometria, da Medicina e da Educação para a história da Psicologia Escolar, observamos a manutenção desta até os dias atuais. A Psicometria com sua perspectiva de avaliação aos distúrbios de aprendizagem, a Medicina com seu diagnóstico e medicalização e a Educação com suas propostas metodológicas que direcionam sua ação para os pressupostos construtivistas – que na sua base epistemológica, retomam as idéias de Piaget, já difundida na Escola Nova.

Pautada nas premissas de um modelo biológico, a Psicologia foi entrando na escola para explicar como a criança aprende, e o psicólogo por sua vez foi pautando sua ação, guiado pela medicina e pela psicometria. A partir dos anos de 1980, encontramos a psicologia focalizando a constituição de uma perspectiva crítica de atuação, na busca da superação dessa visão tradicional. Por meio desse discurso da crítica, foi possível reconhecer o caráter ideológico das práticas anteriores, reconhecidamente permeadas pela inapropriação à realidade social e, de acordo com Maluf (2006), os ensinos equivocados dessas práticas geraram ações que abusaram da Psicometria, diagnósticos e prognósticos mal fundamentados, transformando os indivíduos em problemas, levando à compreensão e ao atendimento das queixas escolares, enviesados por uma visão tradicional. O ideário liberal explicava o fato das crianças das escolas públicas não aprenderem colocando nas mesmas, ou em suas famílias, a culpa por não estarem se apropriando dos conhecimentos. Essas explicações não consideravam o contexto histórico-social que produziam o fracasso escolar.

Segundo Maluf (1994), as mudanças que ocorreram ao longo dos anos entre 1984-1994 demonstram a intenção da psicologia voltada mais para uma “[...] visão crítica, contextualizada e comprometida com a construção de uma sociedade mais justa” (p. 194). Para a autora, essa nova perspectiva foi sendo observada nas reformulações de cursos de psicologia, bem como na prática dos profissionais. Tal movimento de crítica continua em desenvolvimento, embora convivamos ainda hoje com uma visão tradicional, que busca subsídios em uma psicologia de cunho positivista.

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Concordando com as defesas de Maluf (1994), encontramos Checchia e Souza (2003) que seguem nessa direção reflexiva e afirmam que:

[...] é importante destacar que, na análise crítica que sustenta a reflexão teórica em Psicologia Escolar, o contexto é entendido de maneira diferente da concepção clínica. Não é a análise psicológica que passa a incluir o contexto social, mas passa, sim, a considerar que o contexto histórico, social e institucional em que a escola é produzida precede e inclui a análise psicológica dos processos e relações institucionais escolares que produzem o fracasso ou o sucesso escolar. Ou seja, a dimensão social e histórica inclui a dimensão psicológica, e não o contrário (Checchia e Souza, 2003, pp. 119-120).

Machado e Souza (1997) defendem que a intervenção com um enfoque crítico questiona a culpa imposta ao aluno pelo fracasso e direciona sua análise para as questões mais amplas, incluindo a qualidade do ensino e os preconceitos e estereótipos existentes no contexto escolar com relação às crianças pobres. Para as autoras, se assim não for, estaremos contribuindo para a exclusão de crianças, adolescentes e adultos do universo escolar. Machado (1997) critica as práticas que atribuem o fracasso à criança e não consideram sua rede de relações, restringindo sua atuação apenas a perguntar: “o que a criança tem; qual seu problema”, desta forma as crianças são tidas como “incapazes, com dificuldades específicas de aprendizagem e problemas emocionais” (p. 78).

Machado (2010) enfatiza que a postura do profissional em uma atuação crítica pode produzir outros efeitos, pois:

[...] ao agir nas relações estabelecidas na escola, trabalhar com as representações dos professores e somar, com os saberes da psicologia, no levantamento de hipóteses em relação à produção das dificuldades de leitura e escrita e das questões atitudinais pode ampliar o campo de análise e, portanto, as possibilidades de intervenção em relação aos problemas presentes no processo de escolarização (Machado, 2010, p. 29).

O foco, portanto, passa a ser o processo de escolarização e não o aluno. Nesta mesma direção, encontramos Proença (2002) ao se referir às queixas escolares, afirmando que as avaliações e intervenções realizadas, na grande maioria das vezes, culpabilizavam as crianças por não aprenderem, não considerando o processo de escolarização que produz a queixa. Na perspectiva de um olhar crítico, considera-se que os rótulos impostos aos alunos como aqueles que são desinteressados, apáticos, entre outras adjetivações, e que os acompanham vida afora, podem provocar a cristalização dos personagens na escola não possibilitando conhecer os fatores multideterminantes que levam ao não–aprendizado.

Souza (2007) complementa que a escola deve ser incluída na investigação e na intervenção da queixa ampliando a compreensão da construção desta e considera que as críticas na área da Psicologia Escolar necessitam buscar a superação de uma atuação pautada na visão psicométrica com as contribuições de laudos psicológicos; as explicações ao fracasso baseadas na teoria da carência cultural e ao modelo clínico de atuação no atendimento à queixa escolar.

Diante dessas defesas, podemos observar o movimento de mudanças e transformações teórico-metodológicas que a psicologia vem promovendo ao longo de sua história: de um modelo tradicional, baseado em uma intervenção clínica, medicalizante, utilizando a psicometria como instrumento de avaliação, parte para uma visão mais ampla do processo de escolarização e da sociedade.

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Esse movimento de crítica, iniciado após os anos de 1970, foi muito importante e, mais recentemente, paralelo a esse movimento, são incorporados pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural que se fundamenta no materialismo histórico e dialético para compreender a atuação dos psicólogos e a intervenção junto às queixas escolares e que busca respaldar nossos estudos na área de Psicologia e Educação. Nessa concepção, encontramos autores como Barroco (2007), Meira (1997, 2000, 2003), Tanamachi e Meira (2003), Tanamachi, Proença e Rocha (2000), Tuleski (2004), Eidt e Tuleski (2007), Facci, Eidt e Tuleski (2006), Proença (2002), Duarte (1993, 1996), Facci, Tessaro, Leal et al (2007), cujos pressupostos partem da idéia de que o psiquismo humano e a educação se constituem a partir de determinantes histórico-sociais.

Como enfatiza Meira (2003), o momento de emancipação da Psicologia na direção de uma postura crítica se deu da necessidade de analisar e compreender a educação escolar no Brasil, a partir das condições histórico-sociais, e assumir um novo posicionamento político, bem como o papel social da Psicologia. A defesa, segundo Saviani (2003), é que compete à escola socializar os conhecimentos produzidos pela humanidade.

Pautados nesse referencial teórico, o objetivo do psicólogo é desenvolver estratégias para que as ações sejam concretas e com propostas contextualizadas, comprometendo-se com a construção de um processo educacional que prime pela apropriação do conhecimento científico por todos os indivíduos que passam pela escola, pois, segundo Vigotski (2000), é a apropriação dos conhecimentos científicos que provoca o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tais como a memória lógica, raciocínio abstrato, atenção concentrada, entre outras funções.

Quanto à atuação do Psicólogo diante da queixa escolar e da avaliação, Tanamachi e Meira (2003) analisam a situação e mencionam que essa queixa deve ser entendida como uma síntese das múltiplas determinações, ou seja, está envolvida nesse processo de queixa a família, os amigos, o contexto social e escolar. Portanto a superação dessa condição depende do comprometimento e da ação consciente dos envolvidos, bem como a ação mediadora que o psicólogo pode promover.

Fundamentalmente, o que se espera dos profissionais que têm uma perspectiva crítica de atuação, a partir dos pressupostos vigotskianos, é que rompam com as explicações pseudocientíficas, que buscam a origem dos problemas educacionais no aluno ou em sua família e professores. O objetivo é sair de uma compreensão que foca no indivíduo a causa dos problemas e adentra para uma analise histórica, pautada na forma como os homens se relacionam para transformar a realidade por meio do trabalho. Nessa análise fundamentada no materialismo histórico e dialético, interessa entender a produção das queixas escolares em uma sociedade desigual, que não oferece as mesmas condições de apropriação ao conhecimento aos filhos da classe trabalhadora. Interessa entender, ainda, a totalidade dos fatos e as contradições que permeiam o ensinar e o aprender.

Assim, entendemos que os processos tradicionais de avaliação e diagnóstico centralizados no aluno não dão conta de responder aos aspectos que estão por trás do problema. Normalmente, esse tipo de procedimento aceita a queixa como um dado real e verdadeiro, sem se atentar para a compreensão do contexto e das relações que a produzem, o que para uma perspectiva crítica é considerado limitante. É importante compreender que as funções psicológicas superiores – tais como atenção concentrada, memória lógica, raciciocínio abstrato, entre outras – conforme destaca Vygotski (2000), são construídas na relação com outros homens, são mediadas e exigem voluntariedade.

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Nesse sentido, na avaliação das dificuldades no processo de escolarização, é fundamental explicar e não descrever o comportamento das crianças; analisar a origem do problema, como se constituiu a queixa escolar e, principalmente, partir do pressuposto de que todos os indivíduos podem aprender, quando mediações adequadas são realizadas. Desta forma, defendemos que, é essencial, no processo de avaliação, analisar o que se encontra no nível de desenvolvimento próximo, isto é, aquilo que a criança consegue realizar com a intervenção de alguém mais experiente, conforme anuncia Vigotski (2000). Nesta perspectiva, se compreende que aprendizagem promove desenvolvimento, por isso é importante investigar como foi realizado o processo pedagógico e até que ponto o aluno teve condições objetivas para se apropriar do conhecimento e, desta forma desenvolver as funções psicológicas superiores.

Compreendemos que, como profissionais da Psicologia, estamos inseridos em processos de desenvolvimento e aprimoramento, além disso, lidamos com o que é mais precioso: o ser humano. Portanto, a reflexão sobre as formas como utilizamos nosso saber e a compreensão sobre esses processos devem ser constantes em nossa prática. Neste sentido, o exercício de análise histórica é fundamental na tentativa de compreender e analisar a Psicologia Escolar em cada contexto social-histórico.

Consideramos que os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural podem ajudar na superação de uma visão tradicional que, muitas vezes, dirige a prática dos psicólogos, influenciados por uma visão calcada no ideário liberal. Ao considerar o homem como um sujeito histórico, que produz e é produzido pelas condições materiais, essa vertente da Psicologia pode ser uma grande aliada na defesa da compreensão da formação humana no processo educativo.

3. POSSIBILIDADES E DESAFIOS

Considerando a história da relação entre Psicologia e educação, entendemos que existem várias possibilidades de atuação e que cada atividade tem desafios que precisam ser superados. O Conselho Federal de Psicologia lançou em 2012 as Referencias Técnicas para Atuação de Psicólogas (os) na Educação Básica (CFP, 2012), que trazem importantes discussões a esse respeito. Além disso, nossa prática como psicólogas escolares e professoras e supervisoras de estágio na área de Psicologia Escolar tem demonstrado que existem várias possibilidades de ações que colaboram para o processo ensino-aprendizagem.

Uma das possibilidades refere-se á intervenção no Projeto Político-Pedagógico. Asbahr (2005) apresenta em sua pesquisa que o momento de elaboração desse Projeto pode ser um espaço no qual professores podem pensar e organizar o trabalho pedagógico, sendo que o psicólogo pode ter uma participação ativa nessa atividade. O Projeto pode fortalecer o trabalho realizado na escola, contribuindo para o desenvolvimento das potencialidades dos professores e equipe pedagógica, traçando objetivos para a educação que possibilitem a socialização dos conhecimentos científicos, conforme destaca Saviani (2003). O desafio nesta prática está em transformar essa elaboração em espaço para a reflexão e proposição de metas a serem atingidas na escola, ultrapassando o cumprimento de tarefas impostas pelas secretarias de educação. O documento deve refletir, realmente, o posicionamento da escola em relação aos seus objetivos, fundamentos teóricos que guiam a prática em sala de aula, propostas de avaliação e encaminhamento da prática pedagógica.

A formação continuada também pode se constituir em rico espaço de intervenção. Nesse sentido, caberá aos psicólogos instrumentalizar os professores em relação ao

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processo de desenvolvimento e aprendizagem, como já anunciava Vigotski (2001). A importância da mediação do professor para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores foi enfatizada por Vigotski (2000) e o professor necessita conhecer acerca do desenvolvimento do psiquismo humano para que sua prática colabore com a humanização dos alunos. No entanto, conforme anuncia Mazzeu (1998), para que o professor humanize, ele precisa também ser humanizado, isto é, ele também precisa ser enriquecido com a apropriação dos conhecimentos já produzidos pelas várias ciências. O desafio dessa prática da Psicologia se refere a ultrapassar visões ideológicas que culpabilizam o professor pelas mazelas da educação, sem analisar as condições objetivas que pouco oferecem de qualidade para uma formação adequada e para o desenvolvimento da prática docente de qualidade. Facci (2004) destaca que a atividade docente necessita ser valorizada, uma vez que na atualidade, devido ao esvaziamento dos conteúdos, devido ao grande destaque do aprender-a-aprender, proposto pelo Construtivismo, cada vez mais o professor está sendo retirado do processo pedagógico. O desafio é propor uma formação que valorize o conhecimento do professor, a apropriação dos conceitos científicos pelo aluno e um currículo composto por conteúdos que contribuam para a transformação da consciência dos alunos.

Um trabalho com os pais também pode ser muito profícuo em uma intervenção da Psicologia preocupada com uma escola que ensina. Trazer os pais para a escola para discutir sobre a relação desenvolvimento e aprendizagem, sobre a periodização do desenvolvimento humano conforme propõe Vygotski (1996), levando-os a compreender que a formação da personalidade ocorre durante todo o desenvolvimento ontogenético do indivíduo, pode potencializar a ação dos pais no processo educativo. O psicólogo pode ter duas frentes de trabalho: uma relacionada à explanação acerca da forma que o aluno pode se apropriar dos conhecimentos na escola e outra sobre o desenvolvimento do psiquismo, focalizando a importância da mediação dos adultos para que o aluno possa desenvolver sua capacidade de pensar, de abstrair, de ter atenção concentrada entre outras funções psicológicas. O desafio é superar a visão, decorrente desde a importação dos Estados Unidos, da Teoria da Carência Cultural, que culpabiliza os pais pelo não aprender dos filhos, desfazendo o mito de que os pais não se interessam pela vida escolar dos mesmos.

Já que tocamos na Teoria da Carência Cultural, outro foco de trabalho refere-se à compreensão, avaliação e encaminhamento das queixas escolares. Essa Teoria tem destacado que os alunos não aprendem porque são imaturos, são desnutridos, são carentes afetivamente, tem baixo QI, por exemplo. A análise fica restrita ao indivíduo sem investigar, conforme propõe Patto (1990) como ocorre a produção social do fracasso escolar. O desafio para tal intervenção é, segundo Tanamachi e Meira (2003), amparada nos pressupostos vigotskianos, contribuir para uma visão que ultrapasse mitos que cristalizam explicação dos problemas educacionais como decorrentes dos próprios alunos, de seus pais, psicologizando problemas educacionais. As autoras analisam que a queixa escolar de que os alunos não estão se apropriando da leitura e da escrita deve ser entendida como uma síntese das múltiplas determinações, como produzidas em uma sociedade dividida em classes antagônicas. Portanto a superação dessa condição depende do comprometimento e da ação consciente dos envolvidos, bem como a ação mediadora que o psicólogo pode promover.

Nesse sentido, quando se trata de avaliar as queixas escolares, tem-se que superar a visão psicométrica. Vygotski e Luria (1996) destacam que é importante analisar, no processo de avaliação, como as crianças utilizam os recursos mediadores para resolver as tarefas cognitivas. Os autores russos demonstram várias possibilidades de avaliar a

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memória, abstração, atenção, por exemplo, utilizando recursos mediadores. Eles comentam o seguinte: “Consideramos que o grau de desenvolvimento cultural de uma pessoa expressa-se não só pelo conhecimento por ela adquirido, mas também por sua capacidade de usar objetos em seu mundo externo e, acima de tudo, usar racionalmente seus próprios processos psicológicos” (Vygotski e Luria, 1996, p. 237). Fazem uma crítica aos testes psicológicos afirmando que estes geralmente avaliam o grau de conhecimento da criança e não o seu talento.

Nessa linha de crítica aos testes Patto (1997), afirma que varias críticas podem ser feitas aos testes. Estas podem ser feitas em relação aos conteúdos, à definição de inteligência e de personalidade que se respaldam, quanto o critério estatístico, de padronização, da situação de testagem propriamente dita, assim como da teoria de conhecimento a partir da qual os testes são gerados. A autora ressalta o caráter ideológico dos testes, que não questionam o porquê das crianças não terem acesso a determinados conteúdos que conduziriam a um melhor desempenho nas avaliações de inteligência.

As autoras Facci, Eidt, Tuleski (2006) coadunam com a defesa de que, historicamente, os testes padronizados serviram como instrumento de medição de aprendizagem visando a estabelecer igualdade entre as pessoas, ideologia pregada pelo capitalismo que, embora pregue a igualdade, é promotora e se mantém pela legitimação da exclusão social. Esses instrumentos marcaram a tendência de explicar a inteligência e a aprendizagem humana pelo fator hereditário e, segundo as referidas autoras, contrapuseram-se à formulação de que as funções mentais são formadas no processo de desenvolvimento histórico-social, por meio da apropriação da cultura. Este seria o grande desafio para os psicólogos que atuam com base na matriz marxista: compreender o porquê das crianças não estarem tendo acesso ao conhecimento, propondo uma avaliação que possa analisar as potencialidades das crianças, não investigando somente o que está no nível de desenvolvimento real dos alunos. O mais importante, segundo Vigotski (2000) é compreender o que se encontra no nível de desenvolvimento próximo dos alunos, é analisar a gênese da constituição da dificuldade que o aluno está enfrentando na escola, entendendo que cognição e afeto caminham juntos.

Além desses desafios, no que se refere às queixas escolares, temos ainda que superar explicações orgânicas e diagnósticos de distúrbios de aprendizagem como o TDAH, que estão sendo tratados a partir da utilização de medicamentos. As autoras Eidt e Tuleski (2007) apresentam dados atuais quanto à venda

1 de medicamentos2 para o

diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Crianças comumente são encaminhadas para atendimento com esse diagnóstico, o que serve de justificativa para o fracasso escolar, atribuindo a elas a responsabilidade por não conseguir aprender, isentando, assim, toda e qualquer análise do contexto escolar e social em que estão inseridas. Diante do exposto, entendemos que essas explicações das patologias pela via do biológico centralizam sua ênfase na medicação, deixando para segundo plano as relações sociais estabelecidas na sociedade e, no caso das crianças indisciplinadas ou falta de controle, as autoras enfatizam que esses acompanhamentos muitas vezes desconsideram “[...] a sala de aula, a relação professor-aluno, as questões

1 Ler em www.redebrasilatual.com.br

2 Para maiores detalhes, recomendamos a leitura de EIDT, N; TULESK, S.C. (2007) Discutindo a medicalização brutal em uma sociedade hiperativa. In: MEIRA, E. M.; FACCI, M. G. D; (Orgs.). Psicologia histórico-cultural: Contribuições para o encontro entre a subjetividade e a educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 221-243.

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pedagógicas e as influências da sociedade que perpassam o contexto escolar” (Eidt e Tuleski, 2007, p. 236).

Apresentamos aqui algumas propostas e desafios para atuação do psicólogo no âmbito educacional, mas temos certeza que muitas outras atividades estão sendo produzidas e sistematizadas na área.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Levando-se em conta dados da inserção do psicólogo na escola e algumas possibilidades de intervenção, com os desafios que essas possibilidades demandam, cabe agora, neste capítulo, apresentar algumas considerações gerais.

Todas essas propostas, embasadas em pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, para serem efetivadas necessitam de uma fundamentação teórica consistente. A tomada de consciência acerca de qual a visão de homem, de sociedade, de escola, perpassa a atuação dos profissionais e no caso dessa corrente da Psicologia, entende-se o homem, como propõe Saviani (2004), como síntese das relações sociais. Portanto, o aluno, o professor, os pais precisam ser compreendidos a partir das relações de trabalho da sociedade, da base material. Nessa compreensão, a historicidade deve ser levada em conta. Não se trata de uma descrição de fatos cronológicos, como diria Shuare (1990), mas sim de compreender como os homens se organizaram e se organizam para transformar a realidade. O foco deve ser o sujeito concreto, e não o sujeito abstrato.

Toda ação deve, portanto, criar subsídios que colaborem para a proposição de políticas públicas que assegurem a todos o direito a uma escola que realmente ensine, que cumpra com sua função de transmissão e apropriação das produções humanas nas várias ciências.

Finalizando, pensamos que o maior desafio é fortalecer e desenvolver o espírito de coletividade. Pensar no bem comum foge aos ditames do capital, que querem indivíduos competitivos, ensimesmados, lutando para sobreviver em uma sociedade que destaca, a todo instante, que temos que ser espertos, pensar individualmente, de forma a não contribuir para a transformação da realidade posta. A busca deve ser pela liberdade de todos, o desenvolvimento máximo das potencialidades daqueles que ocupam e fazem do espaço escolar uma possibilidade, como diria Meira (1997), de encontro entre a subjetividade e a educação.

Concluindo, concordamos com Vigotski (1930, p. 12) que somente a “[...] elevação de toda a humanidade a um nível mais alto de vida social – a libertação de toda a humanidade – pode conduzir à formação de um novo tipo de homem.” É no investimento desse novo homem que a Psicologia deve trabalhar.

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Metodologia – descrição dos passos principais de seleção da amostra, escolha ou elaboração dos instrumentos, coleta de dados e procedimentos estatísticos de tratamento de dados;

Resultados e Discussão - apresentação dos resultados de maneira clara e concisa, seguidos de interpretação dos resultados e da análise de suas implicações e limitações.

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