revista sesctv - fevereiro 2013

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1 Fevereiro/2013 - edição 71 sesctv.org.br Foto: divulgação CARNAVAL A VIDA DOS MORADORES DA MANGUEIRA CINEMA FILMES COM NARRATIVA NÃO LINEAR INSTRUMENTAL A BOSSA NOVA DE ROBERTO MENESCAL

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Em artigo inédito, o jornalista e crítico de cinema Luiz Carlos Merten escreve sobre o cinema estético. Na entrevista, Raquel Hallak, organizadora da Mostra de Cinema de Tiradentes

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Fevereiro/2013 - edição 71sesctv.org.br

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Carnavala vida dos moradores

da mangueira

CinemaFilmes Com narrativa

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Dança contemporâneaquartas, às 24h

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destaques da programação 4

entrevista - Raquel Hallak 8

artigo - Luiz Carlos Merten 10

Experiências singulares do cotidiano inspiram artistas para criar e tornar viva sua obra – seja ela uma escultura, uma pintura, um texto literário, seja um filme. Uma história vivida, uma cena flagrada, até mesmo uma situação rotineira pode ser ponto de partida para um projeto. Ao dar novo sentido a essa experiência e torná-la universal, o autor da obra dialoga com seu público e abre possibilidades infinitas de ressignificação de seu trabalho.

Foi a partir de uma experiência pessoal, vivida na infância, que a diretora Georgia Guerra-Peixe definiu o tema para realizar o documentário O Samba que Mora em Mim, que o SescTV exibe neste mês. Quando criança, Georgia era levada pelo pai, Fernando, para os ensaios da escola de samba Mangueira, no Rio de Janeiro, onde atuava como diretor cultural. Ela cresceu com a curiosidade de descobrir como vivem e o que pensam esses foliões, cuja rotina é ao mesmo tempo tão diferente e tão próxima a dela.

Em algumas ocasiões, é o desejo de se pautar exclusivamente pelo senso estético que mobiliza o artista, levando-o a embaralhar conceitos, romper regras, des-construir narrativas, proposta que o cineasta Tiago Mata Machado apresenta no longa-metragem Os Residentes, com estreia neste mês. A vocação de subverter a linguagem cinematográfica convencional, partindo de um olhar sensível e de um espírito questionador, também é encontrada na obra de José Agrippino de Paula, cujos filmes são destaque da programação do canal.

A série Instrumental Sesc Brasil traz espetáculo inédito com Roberto Menescal. O músico e compositor relembra o início da bossa nova, interpretando, na guitarra, algumas das canções que se tornaram mundialmente conhecidas.

A Revista do SescTV deste mês entrevista Raquel Hallak, organizadora da Mostra de Cinema de Tiradentes. Ela analisa o cenário cinematográfico brasileiro atual, comenta sobre o crescimento dos festivais no País e fala sobre o papel da TV para disseminar o cinema brasileiro. O artigo do jornalista Luiz Carlos Merten aborda o enfoque estético e a narrativa não linear no Cinema. Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do Sesc São Paulo

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CAPA: Documentário O Samba que Mora em Mim, de Georgia Guerra-Peixe.

Foto: Divulgação

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Instrumental

A nova batida do samba

roBerto menesCal apresenta sua Bossa nova e relemBra o iníCio de sua Carreira, em espetáCulo inédito

INSTRUMENTAL SESC BRASIL

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Final da década de 1950, as praias da zona sul carioca como cenário. Um grupo de jovens músicos brasileiros começa a buscar uma sonoridade nova, que traduzisse um País em transformação, que se modernizava com otimismo e euforia. As letras das músicas não lamentavam mais os amores impossíveis, mas exaltavam as belezas naturais e celebravam a própria alegria de viver. Os traços da bossa nova desenhavam uma nova paisagem musical, que logo se espalharia pelo Brasil e pelo mundo, ganhando notoriedade, tornando-se imortal.

Um dos criadores desse movimento, Roberto Menescal tinha 17 anos quando realizou seus primeiros shows como músico profissional, incentivado pela cantora Silvinha Teles. “Eu assistia tanto aos shows dela, nas sessões de matinê, que um dia ela me chamou para uma conversa. Disse que estava saindo para uma turnê e me convidou para acompanhá-la. Eu disse que tinha pouco tempo de violão, só um ano, mas ela falou: ‘A gente ensaia e você toca’”, relata Menescal.

Logo ele se integrou ao grupo de jovens músicos que passavam as tardes na casa de Nara Leão, compondo e experimentando novas propostas ao violão. “Em 1957, a gente já começou a encontrar algumas coisas, porque o samba canção era lindo, mas as letras eram muito pesadas para a gente: ‘Se eu morresse amanhã de manhã não faria falta a ninguém’. Imagine, eu com 17 anos! Então, nós começamos a criar outras letras mais alegres, saudáveis, mais natureza”, lembra Menescal. “Começamos a procurar uma batida para fazer essas músicas. Como a gente poderia tocar o nosso samba? João Gilberto chegou com a síntese do

que a gente procurava.”A gravação de Chega de Saudade, em interpretação

de Elizeth Cardoso, oficializa o novo gênero para o público, que passa a lotar as casas de shows, interessado em conhecer e apreciar a novidade. “Todas as meninas queriam aprender aquela batidinha, queriam estar naquele meio”, lembra Menescal. O nome do gênero surgiu quase por acaso. “A gente chamava de samba moderno. Um dia, a Silvinha Teles nos convidou para dar uma canja num show dela. Quando a gente chegou, viu anunciado num cartaz: ‘Hoje show Silvinha Teles e um grupo bossa nova’. Pensei que fosse outro grupo e, ao perguntar, o rapaz me respondeu que não sabia nosso nome e, por isso, colocou esse. A gente já saiu de lá falando em bossa nova. E ficou.”

O SescTV exibe, neste mês, o espetáculo de Roberto Menescal na série Instrumental Sesc Brasil. Gravado no Sesc Consolação, em agosto de 2012, o programa apresenta o repertório da bossa nova interpretado por Menescal, na guitarra. Ele é acompanhado por: Adriano Giffone, no contrabaixo; João Cortez, na bateria; Adriano Souza, no teclado; e Jessé Sadoc, no trompete. Dentre as canções apresentadas, Wave, Samba de uma Nota Só, Só Danço Samba e O Barquinho. Em entrevista, ao longo do programa, Menescal relembra o início de sua carreira e conta como algumas dessas músicas foram criadas. O programa tem direção artística para TV de Max Alvim.

Segundas, às 22h

pablo diasDia 4/2

duo nazárioDia 11/2

daniel murrayDia 18/2

roberto menescalDia 25/2

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doCumentário inédito O Samba que mOra em mim integra programação que CeleBra o Carnaval

Na cadência do samba

Todos os anos, uma multidão de carnavalescos desce o morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, para apresentar seu samba enredo e defender seu estandarte, tingindo de verde e rosa a passarela da Sapucaí. Por trás dos carros alegóricos e das fantasias, pessoas de diversas idades e perfis se dedicam a essa festa, reafirmando, a cada Carnaval, sua paixão a uma das mais tradicionais escolas de samba do País. Mas, que histórias guardam esses foliões? Do que se ocupam, quando não estão mergulhados nos preparativos para o desfile? Qual sua rotina?

Essas eram perguntas que instigavam a cineasta Georgia Guerra-Peixe. Introduzida ao Carnaval por seu pai, ainda menina ela frequentava as quadras da escola de samba, acompanhando ensaios, ouvindo os batuques. “Desde que eu era pequenininha aprendi que o Carnaval era muito mais do que folia, feriado, muito mais do que festa”, afirma a diretora. “A gente acompanhava meu pai nessa paixão pelo samba. E nesse frequentar, nesse estar junto, até para agradá-lo, cada um, do seu jeito, transformou essa experiência. Meu irmão aprendeu a tocar vários instrumentos. Minha mãe, descendente de alemã, aprendeu a sambar. E eu fiquei com o olhar”, conta.

De tanto observar, Georgia decidiu subir o morro da Mangueira com câmera e equipe, registrando o cotidiano de seus moradores, confrontando essa experiência com suas memórias e referências pessoais. O resultado desse trabalho está no documentário O Samba que Mora em Mim, que o SescTV exibe neste mês. O filme apresenta um retrato da comunidade da

ESPECIAL CARNAVALdocumentário: o samba que mora em mim (2011)Direção: Georgia Guerra-PeixeDia 8/2, às 21h.

temporal: o Choro da CuícaDia 8/2, 22h15.

musical: Comunas do samba – tias Baianas paulistasDia 6/2, 22h

Comunas do samba – pagode do CafofoDia 13/2, 22h

Comunas do samba – KolomboloDia 20/2, 22h

Comunas do samba – samba autênticoDia 27/2, 22h

Coleções: especial Carnaval sambas: samba enredoDia 7/2, 21h30

patrimônios da Humanidade: Centro Histórico de olindaDia 14/2, 21h30

ritmos: FrevoDia 21/2, 21h30

Festas Brasileiras: CarnavalDia 28/2, 21h30

especIal

Mangueira a partir da história de sete personagens: Timboca, Cosminho, Lili, Vó Lucíola, Helvacy, Mestre Taranta e DJ Glauber. A obra tem trilha sonora original, assinada por Dimi Kireeff, interpretada pela cantora Vanessa Trielli.

O documentário integra a programação especial que o canal apresenta para celebrar o Carnaval. Também serão exibidos quatro musicais da série Comunas do Samba, às quartas-feiras, 22h; episódios da série Coleções que abordam o tema, às quintas, 21h30; e o episódio O Choro da Cuíca, da série Temporal, no dia 8/2, às 22h15. Confira programação completa no quadro.

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Ensaios sobre a morte

Questões universais da humanidade, como a vida e a morte e as complexidades das relações interpessoais, atraem e inspiram os cineastas, que levam para as telas as mais diversas histórias, tanto em ficção quanto em documentário. Reflexões sobre a efemeridade da vida, sobre o tempo e a memória, sobre o legado deixado por alguém quando morre, sobre o que de fato é eterno. Dois curtas-metragens da Mostra Feminino Plural que o SescTV exibe neste mês têm como foco central esse assunto.

Realizado em primeira pessoa pela diretora Maria Camargo, o curta-metragem Se Meu Pai Fosse de Pedra (2009) traça um perfil do escultor carioca Sergio Camargo, morto em 1990, partindo de dois fatos: o restauro de uma de suas obras, feita em mármore e eleita como a preferida pela cineasta, e a exumação de seus restos mortais. As duas atividades são acompanhadas pelos netos do artista, que lançam perguntas e olhares curiosos sobre a personalidade e a trajetória do avô. “As coisas que amamos / as pessoas que amamos / são eternas até certo ponto. / Duram o infinito variável / no limite de nosso poder / de respirar a eternidade”, resume Maria Camargo, ao citar trecho de poema de Carlos Drummond de Andrade.

A morte como fim e como opção, sem deixar rastros, é retratada no curta-metragem Solitário Anônimo (2007), de Debora Diniz. O filme acompanha os bastidores de um caso que esteve presente na mídia brasileira em 2006, quando um idoso foi internado num hospital de Goiânia disposto a tirar a própria vida, ao deixar de se alimentar. Durante 40 dias, ele recebeu tratamento médico contra sua vontade e se recusava

mostra Feminino plural exiBe Curtas-metragens que têm a eFemeridade da vida Como tema Central

mostra Feminino plural

a se identificar. A única informação disponível era um bilhete encontrado no bolso de sua calça, no qual ele escreveu: “A quem interessar possa, meu nome: Solitário Anônimo. Não tenho familiares nem parentes nesta região do País”. Para esse homem, o futuro é uma hipótese; o presente, o real; e o passado, uma montanha de lixo.

Também neste mês, o SescTV exibe outros seis filmes na Mostra Feminino Plural (confira no quadro), sempre aos sábados, às 21h. Com curadoria de Zita Carvalhosa, a mostra reúne curtas-metragens dirigidos por mulheres e integrou o 23º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, em 2011.

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Sábados, 21h

se meu pai Fosse de pedra (2009) de Maria Camargo

solitário anônimo (2007)de Debora Diniz

Dia 2/2

geral (2010)de Anna Azevedo

o nome dele (o Clóvis) (2004)de Felipe Bragança e Marina Meliande

Dia 9/2

teresa (2009)de Paula Szutan e Renata Terra Cunha

olhos de ressaca (2009)de Petra Costa

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Carreto (2009)de Marília Hughes e Cláudio Marques

duelo antes da noite (2010)de Alice FurtadoDia 23/2

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A desconstrução da linguagem

longa-metragem OS reSidenteS aBre mão da linearidade da narrativa e propõe um Cinema essenCialmente estétiCo

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Um grupo de jovens guerrilheiros e intelectuais resolve sequestrar uma artista plástica e invadir uma casa abandonada, como forma de protesto. Não, essa não é a sinopse de um filme que se passa na década de 1960, e a revolução de que ele trata não é política, mas estética. O que importa não é uma narrativa linear, mas a experimentação livre da linguagem cinematográfica, uma desconstrução da história. São esses os elementos presentes no longa-metragem de ficção Os Residentes (2010), que o SescTV exibe neste mês.

O cineasta Tiago Mata Machado propõe uma abordagem estética no cinema brasileiro – não é por acaso que os guerrilheiros sequestram justamente uma artista plástica. “A estética é a ética do futuro”, repete um dos personagens. Machado se apropria de recursos como o uso de cores primárias e de diálogos extremamente conceituais: tudo é ferramenta para o manifesto estético. Algumas cenas de Os Residentes se aproximam da videoarte.

A estreia da obra em festivais, em 2011, causou reações das mais diversas. Houve quem percebesse no trabalho de Machado inspiração nos filmes A Chinesa e Tempos de Guerra, de Jean-Luc Godard, cineasta da Nouvelle Vague francesa, comparação que o diretor dispensa. Os Residentes recebeu o prêmio de melhor filme na Mostra de Cinema de Tiradentes de 2011. Alguns meses antes, porém, o longa dividiu a crítica no Festival de Brasília, com uma projeção cercada de polêmica e gritos de “volta, Bressane!”, em referência ao cineasta Júlio Bressane e ao Cinema Marginal brasileiro dos anos de 1960.

os residentes (2010)Direção: Tiago Mata MachadoDia 17/2, 23h

Ciclo José agrippino de paulaDireção: Lucila MeirellesSextas, 24h

Hitler terceiro mundoDia 15/2

Céu sobre água / Candomblé no togoDia 22/2

movimento de abertura da sinfonia panamérica / maria esther e as danças na áfricaDia 1º/3

Cinema

Também está na programação do SescTV deste mês o Ciclo José Agrippino de Paula, com filmes do poeta e cineasta que subverteu a linguagem convencional e propôs um cinema experimental, considerado precursor da Tropicália. Dentre os filmes, o longa-metragem Hitler Terceiro Mundo, obra-prima de referência do Cinema Marginal. Com Jô Soares no elenco, a película tem como cenário a metrópole paulistana e aborda os resquícios da ascensão e queda de Hitler e sua influência no regime militar do Brasil nos anos de 1960. Produzido com poucos recursos financeiros, a obra é um retrato da criatividade e do espírito crítico e contestador de Agrippino. O Ciclo tem direção e curadoria de Lucila Meirelles.

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entrevIsta

O Cinema “Fora de Centro”entrevIsta

“emBora a indústria CinematográFiCa ainda esteJa

ConCentrada no eixo rio-são paulo, notamos que tem CresCido a partiCipação de outras regiões.

o Cinema está mais aCessível.”

Como o Cinema surgiu na sua vida? Sou formada em Comunicação e sempre atuei em projetos socioculturais. Eu me especializei em gestão do planejamento e, enquanto trabalhava no Sesi, criei o Ação Global, em parceria com a Rede Globo, voltado para a promoção da cidadania. Nesse período, conheci o Yves Alves, que trabalhava na Globo e desenvolvia projetos em Tiradentes. Ele estava engajado na criação de um centro cultural lá, mas morreu antes da inauguração. Achei que esse projeto não podia acabar e fiz uma proposta de criar uma programação cultural. Como não havia salas de exibição em Tiradentes, decidi criar uma mostra de cinema. Quando apresentei a ideia, comecei a receber comentários como: “até que enfim um festival de cinema em Minas!”. Foi então que percebi o potencial que a Mostra tinha. Eu mesma nunca tinha participado de festivais, o que acabou sendo positivo, porque criei uma Mostra totalmente diferente do que havia até então no Brasil. Desde a primeira edição, a Mostra de Tiradentes já previa um trabalho de difusão, de reflexão e de formação, com a promoção de oficinas, debates e seminários, além das sessões gratuitas dos filmes. Qual a infraestrutura necessária para a realização do evento? A equipe organizadora da Mostra é responsável por tudo. Montamos três espaços para exibição dos filmes – cerca de 120 obras. Também temos de pensar na recepção dos turistas, que chega a multiplicar em sete vezes a população da cidade [de 7 mil habitantes]. Montamos uma estrutura

Raquel Hallak é organizadora da Mostra de

Cinema de Tiradentes, que chega à sua 16ª edição

em 2013. Nascida na cidade mineira de São João

Del Rei e formada em Comunicação, ela desde

cedo se envolveu com projetos socioculturais e

encontrou, no Cinema, a possibilidade de incluir

e de transformar, apresentando a sétima arte a

novos espectadores. A Mostra também se tornou

uma vitrine para promover o trabalho de estreantes

diretores brasileiros.

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de 1,4 mil metros quadrados, com uma sala de cinema de 700 lugares, uma área de convivência, um palco para shows e um café. E também realizamos sessões ao ar livre, com plateia de mil espectadores. No total, 120 pessoas trabalham diretamente na organização do evento, mas geramos outros 2 mil empregos indiretos. A Mostra é realizada em nove dias de programação, sempre no mês de janeiro. No início, nossa principal preocupação era com a quantidade de filmes. Era um reflexo daquele período da História do cinema brasileiro, estávamos no início da retomada e não sabíamos se teríamos filmes para sustentar uma mostra anual. Fomos acompanhando as mudanças do audiovisual no País. E é por isso que também investimos na formação de mão de obra. Todos os anos, cerca de 300 alunos passam por nossas oficinas. Depois, começam a produzir seus curtas-metragens e, em seguida, os longas. A Mostra de Tiradentes tornou a cidade que abriga o evento conhecida em todo o País, dentro do conceito das “cidades criativas”. Sem dúvida, o evento foi precursor na descoberta do potencial turístico e cultural da cidade. Hoje, a Mostra de Tiradentes é a principal atividade do município no ano. Quando a gente chegou a Tiradentes, ela dispunha de 700 leitos para receber os turistas. Hoje, já são 5 mil. Houve um intenso trabalho com a população local para estabelecer um diálogo e firmar parcerias com os empresários, que enxergaram o início de uma nova era. O evento é um case de sucesso nesse sentido, de como a cultura pode transformar. E, de modo especial, o Cinema, porque conjuga todas as artes. O Cinema era totalmente novo para eles. Muitos nunca tinham entrado numa sala de exibição antes. O tema da Mostra deste ano, “Fora de Centro”, propôs o debate sobre uma nova face do cinema brasileiro. Como surgiu essa ideia? Essa temática foi definida a partir de uma observação sobre os filmes que estão sendo inscritos nos últimos anos. Percebemos algumas mudanças nas produções. A primeira delas é geográfica: embora a indústria cinematográfica ainda esteja muito concentrada no eixo Rio-São Paulo, notamos que tem crescido a participação de outras regiões. Isso tem a ver com o surgimento de novas tecnologias, o barateamento das

produções, enfim, o Cinema está mais acessível. Para a Mostra deste ano, 44% dos filmes inscritos estão fora do eixo Rio-São Paulo. Outra mudança ocorre no processo de produção. Temos notado a presença cada vez maior da coletividade, ou seja, projetos sendo assumidos por um grupo. Isso altera a própria linguagem das obras. A Mostra abre espaço para novos cineastas, com a premiação para melhor longa-metragem, na Mostra Aurora. Qual a importância de valorizar esses diretores estreantes? A Mostra Aurora foi criada dentro do evento para acolher esses diretores iniciantes. Tivemos essa iniciativa porque o volume de inscritos crescia muito, todos os anos, e começamos a ter de fazer escolhas. Mas, ao mesmo tempo, nós nos sentíamos corresponsáveis por esses jovens cineastas, porque investimos na formação deles; muitos fizeram nossas oficinas, começaram aqui, e nada mais justo do que dar visibilidade a esses talentos. Com essa premiação, estamos valorizando o novo e abrindo espaço para que possa trilhar uma carreira. Curadores de outros festivais, inclusive internacionais, acompanham a Mostra de Tiradentes e firmam parcerias com esses diretores, para projetos futuros. Como você avalia o cenário cinematográfico brasileiro atual? É um cenário diferenciado, de novos paradigmas. Não há uma narrativa predominante definida. Vejo força nos documentários. A animação também ganha espaço. Os curtas-metragens estão bem diversificados. Quanto aos temas, vimos produções que retratam favelas, a periferia, a ditadura militar, o sexo. Os deslocamentos e os regionalismos também estão fortes, especialmente em filmes a partir da década de 1990. Mas o que mudou, com certeza, foi o estilo de fazer Cinema. A própria predominância da coletividade é resultado desse novo jeito de se realizar um filme, das diversas possibilidades de se contar uma história no Cinema. E do ponto de vista do público? O público dos festivais é receptivo ao novo. Ele está aberto ao que está sendo colocado. E o papel do festival é esse mesmo, apresentar essa diversidade. Já nas salas convencionais, prevalece a linguagem da comédia e os filmes com apelos ligados à televisão, com atores globais. E há também boa aceitação para os filmes que mostram o Brasil na tela, como o caso de Tropa de Elite. Qual o papel da televisão para disseminar a sétima arte? Acredito que a TV deva ser uma aliada do Cinema. O sonho de qualquer realizador de Cinema é ter sua obra exibida na televisão. Num país com tanta carência de salas de cinema, a TV é ferramenta fundamental para que a obra chegue ao espectador. Mas não é só como difusora; acho que a TV também pode contribuir para a discussão e para a reflexão sobre o Cinema e sobre os temas que dizem respeito ao nosso país.

“mudou o estilo de Fazer Cinema. a própria predominânCia da

Coletividade é resultado desse novo Jeito de se realizar um Filme,

das diversas possiBilidades de se Contar uma História.”

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O Cinema estético

Luiz Carlos Merten é jornalista de Cinema.

Permitam-me falar na primeira pessoa. Estou escrevendo este texto de Tiradentes, que abriga sua 16.ª Mostra, e dentro dela a Mostra Aurora, que virou, nos quatro ou cinco últimos anos, a grande vitrine do cinema independente brasileiro. Dão-se muitos nomes a esse cinema – autoral, de invenção. Tem tudo a ver com nosso tema – outras possibilidades estéticas e narrativas. Agora mesmo, uma comédia arrebenta nas bilheterias de todo o País. É De Pernas pro Ar 2, de Roberto Santucci, com a impagável Ingrid Guimarães. Os críticos reclamam que o que faz o sucesso do filme é a marca da Globo e a mídia que a emissora líder veicula em sua programação, chamando o público para assistir a De Pernas pro Ar 2. A Globo até reprisou De Pernas pro Ar, reforçando o elo entre os dois filmes e chamando os telespectadores para a sequência (nos cinemas).

Simultaneamente, os cinemas também apresentam O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, que pode ser considerado o emblema do cinema autoral, somando observação social e política a ousadias estéticas que transcendem a imagem e atingem a trilha. Um filme que tem “som” no título não poderia deixar de ter uma trilha elaborada. Ela não é feita só de música, mas de ruídos – e silêncios. É assim que trabalham os autores, estimulando o espectador a reformular no inconsciente o que viu – e a fazer o próprio filme a partir daquele proposto pelo diretor.

Tiradentes e a Mostra Aurora se converteram em referências nacionais e internacionais, criando o paradigma do jovem cinema do Brasil. A mostra contempla novos diretores até o terceiro filme. Este ano, foram mais documentários (cinco) do que ficções (duas). Independentemente dos gêneros e formatos, nenhum filme exibido em Tiradentes, na Mostra Aurora – em toda a sua história –, foi “linear”. Não é o melhor lugar para quem busca histórias com começo, meio e fim. Não que essa maneira clássica de contar esteja realmente, ou necessariamente, morta. Embora o conceito de revolução seja hoje démodé – nesse mundo globalizado –, Jean Luc Godard, nos anos 1960, fazia cinema revolucionário de forma revolucionária; Joseph Losey fazia cinema clássico de forma revolucionária; e Luchino Visconti invertia a equação, fazendo cinema revolucionário da forma mais clássica.

São conceitos que hoje talvez não possuam o mesmo significado para o espectador jovem, até 25 anos, que se constitui no grande consumidor de cinema nas salas. Hollywood faz na atualidade uma produção majoritariamente voltada para esse segmento, mas até o cinemão incorporou as inovações estilísticas aportadas por autores como Godard e Alain Resnais. Em 1961, o segundo fez um filme que em princípio pareceu desconcertante – No ano passado, em Mariebad, com roteiro de Alain Robbe-Grillet, o arauto do nouveau romain. Que história Marienbad contava? Uma de amor, de um homem que encontra uma mulher num imenso

hotel e, usando a persuasão, tenta convencê-la de que estiveram juntos no ano passado. Essa história poderia ser contada de forma clássica. Resnais embaralhou tudo – tempo, espaço – e ainda transformou seus atores em representações de tipos humanos. Delphine Seyrig, por exemplo, parece uma escultura naquele vestido com penas que a transformam numa exótica mulher-pássaro.

Pegue agora Michael Haneke, de Amor, que ganhou a Palma de Ouro no ano passado. O filme sobre o casal de velhos numa casa, que vive uma relação terminal, começa pelo fim e o autor cria cenas muito realistas e detalhadas, mas, de repente, ele quebra a linearidade com uma cena de pesadelo – como num filme de terror – e ainda propõe dois ou três finais que tanto podem confundir quanto simplesmente perturbar o público. A questão é que o espectador que vai hoje a cinema tem uma bagagem muito maior do que aquele que ia há 50 anos.

Havia a maneira de Hollywood contar a história, e ela foi subvertida pela nouvelle vague (na França) e pelo Cinema Novo (no Brasil). Glauber Rocha criava estruturas bipolares – Deus e o Diabo, o Dragão da Maldade e o Santo Guerreiro – para mostrar personagens que, como Manuel e Antônio das Mortes, percorriam trajetórias transformadoras, de forma a que o sertão virasse mar ou o tirano de Jardim das Piranhas fosse destruído. Hoje, é muito provável que o espectador perceba a intenção antes mesmo que ela seja esboçada e, se a maioria continua preferindo a linearidade, como zona de conforto, há um segmento que busca outra forma mais instigante de narrar.

Cortes abruptos, inserções de tempos (e espaços) diversos – não o velho flashback –, diálogos espertos. Quem vê Django Livre, de Quentin Tarantino, absorve, mesmo que inconscientemente, a experiência do spaghetti western. Pode nem ter visto os filmes de Sergio Leone nem do outro Sergio, o Corbucci, mas curte o estilo operístico, diferenciado, diferente mesmo. A cinefilia hoje não é só do público. Há uma quantidade muito grande de diretores (autores) que filmam para reinventar e subverter códigos tradicionais. O próprio Tarantino não matou Adolf Hitler em Bastardos Inglórios? Fez isso com a liberdade de sonhar que o cinema dá. Mesmo as sagas clássicas, como O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, incorporam as rupturas temporais, espaciais e estilísticas. Sair da zona de conforto envolve certo risco, mas nós, o público, gostamos de corrê-lo. O que ninguém aguenta é o filme desinteressante, mas até isso é relativo. Um conhecido crítico achou que Holy Motors, de Leos Carax, é uma tortura. Na verdade, é um filme interessantíssimo – claro, depende do que cada um quer no cinema e de quão aberto está para compartilhar experiências novas.

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para sintonizar o sesCtv: anápolis, Net 28; aracaju, Net 26; araguari, Imagem Telecom 111; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; goiânia, Net 30; João pessoa, Big TV 8, Net 92; maceió, Big TV 8, Net 92; manaus, Net 92; natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; porto velho, Viacabo 7; recife, TV Cidade 27; rio de Janeiro, Net 137 (Digital); são luís, TVN 29; são paulo, Net 137 (Digital). uberlândia, Imagem Telecom 111. no Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

Esta revista foi impressa em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas.A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

O SescTV exibe, neste mês, três espetáculos da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo. Sob regência do maestro João Maurício Galindo, a Orquestra faz um panorama da obra de compositores consagrados, passando pelo jazz norte-americano e pela música brasileira. Sobre Duke Ellington, dia 4/2; Miles Davis e Gil Evans, dia 11/2; Sobre Stan Kenton: Fuego Cubano, dia 18/2; e Moacir Santos, dia 25/2, sempre às 19h.

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Sincronize seu celular no QR Code e assista ao vídeo com os destaques

da programação.

O trabalho de compositores brasileiros pode inspirar a criação de espetáculos de dança nos quais as coreografias têm, como base, a Música Popular Brasileira. Neste mês, o SescTV exibe três espetáculos com esse recorte, sempre às 24h. Mistura e Manda, da Cia. Aérea de Dança, no dia 13/2, homenageia Paulo Moura; Bossa Nova, do Ballet Stagium, no dia 20/2, festeja os 50 anos do gênero, comemorados em 2008; Meu Prazer, de Márcia Milhazes, no dia 27/2, celebra as obras de Heitor Villa-Lobos, Ernesto Nazareth e Francisco Alves.

músiCa Brasileira Como inspiraçãoAs criações de companhias teatrais que rompem com os conceitos tradicionais e pesquisam novas linguagens estão em quatro episódios inéditos da série Teatro e Circunstância, na temporada Experiências e Experimentações. Os programas mostram o trabalho de grupos de várias regiões brasileiras que pesquisam modos não convencionais de encenação, experimentando novos caminhos. Todas as quartas-feiras, às 22h. Direção de Amilcar M. Claro e roteiro de Sebastião Milaré.

O trabalho dos tradutores na Literatura é o foco de quatro episódios da série Tertúlia, que o SescTV exibe às quartas-feiras deste mês, sempre às 19h. Nos programas, escritores são convidados para comentar a obra de autores consagrados. A tradução da obra de Franz Kafka é abordada por Modesto Carone, no dia 6/2. No dia 13/2, Mamede Mustafa Jarouche analisa As Mil e Uma Noites. No dia 20/2, é a vez de Leonardo Fróes comentar Virgínia Wolf. E Sérgio Molina fala sobre Miguel de Cervantes no dia 27/2.

experimentações teatrais

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Redação Adriana Reis e Fernanda Fava Divulgação Jô Santina e Jucimara Serra

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passeio pelo Jazz

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Page 12: Revista SescTV - Fevereiro 2013

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