revista raído v 8 n 15

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  • UNIVERSIDADE FEDERALDA GRANDE DOURADOS

    Coordenadoria Editorial

    Revista Semestral do Programa de Ps-Graduao em Letrasda Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD

    Dourados, v.8, n.15, jan./jun. 2014.

    RADOv.8, n.15

  • UFGDReitor: Damio Duque de Farias

    Vice-Reitor: Wedson Desidrio Fernandes

    COEDCoordenador Editorial da UFGD: Edvaldo Cesar Moretti

    Tcnico de Apoio: Givaldo Ramos da Silva Filho

    FACALEDiretor da Faculdade de Comunicao

    Artes e Letras: Rogrio Silva Pereira

    Conselho Editorial ConsultivoAdair Vieira Gonalves (UFGD-Brasil)

    Andr Luiz Gomes (UnB-Brasil)Amrica Lucia Csar (UFBA-Brasil)

    Carmen Mejia Ruiz (Universidad Complutense de Madrid-Madrid)Edgar Czar Nolasco dos Santos (UFMS-Brasil)

    Eneida Maria de Souza (UFMG-Brasil)Idelber Avelar (University of Tulane-New Orleans-USA)

    Leon Astride Barzotto (UFGD-Brasil)Lisa Block de Behar (Universidad de la Repblica-Uruguay)

    Luiz Gonzaga Marchezan (UNESP-Brasil)Luiz Roberto Velloso Cairo (UNESP-Brasil)

    Manuel Fernando Medina (University of Louisville-USA)Marcelo Marinho (Universidade de Quebec-UQAM-Montreal)

    Miguel Angel Fernndez (UNA-Asuncin-PY)Norma Wimmer (UNESP-Brasil)

    Pablo Rocca (Universidad de la Republica Montevidu /Uy)Paulo Srgio Nolasco dos Santos (UFGD-Brasil)

    Rita de Cssia Aparecida Pacheco Limberti (UFGD-Brasil)Wander Melo Miranda (UFMG-Brasil)

    Rado: Revista do Programa de Ps-Graduao em Letras da UFDG / Universidade Federal da Grande Dourados (v.8, n. 15, jan./ jun. 2014) -. Dourados, MS : UFGD, 2014 -.

    Semestral

    ISSN 1984-4018

    1. Lingustica Aplicada. 2. Estgios Supervisionados. 3.Escrita do professor.

  • Rado: Revista do PPG em Letras | Dourados, MS | v.8 n. 15 | p. 1 - 288 | jan./jun. 2014

    UNIVERSIDADE FEDERALDA GRANDE DOURADOS

    Coordenadoria Editorial

    RADOv.8, n.15

  • RADOv.8, n.15, jan./jun. 2014

    EditoresAdair Vieira Gonalves e Wagner Rodrigues Silva

    RevisoA reviso gramatical de responsabilidade dos(as) autores(as).

    Editorao Eletrnica, Produo Grfica,Fabrcio Trindade Ferreira ME

    Correspondncias para: UFGD/FACALERua Joo Rosa Goes n. 1761, Vila ProgressoCaixa Postal 322CEP 79825-070 - Dourados-MSFones: +55 67 3410-2015 / Fax: +55 67 3410-2011

  • SUMRIO

    APRESENTAO ......................................................................................................7

    LETRAMENTO

    1. O estgio supervisionado e a voz social do estagirio / Trainees social voice in a teaching internship program .......................................................................................................... 13Marlia Curado Valsechi (UNICAMP/CAPES)Angela Bustos Kleiman (UNICAMP/CNPq)

    2. A professora regente disse que aprendeu muito: a voz do outro e o trabalho do professor iniciante no estgio / The school teacher said she learned a lot: voice of the other and prospective teachers work in the practicum ........................................................................................ 33Carla Lynn Reichmann (UFPB)

    3. Projees como prticas acadmicas de citao na escrita reflexiva profissional de relatrios de estgio supervisionado / Projections from academic citation practices in the professional reflective writing of supervised teacher training reports ...................................... 45Lvia Chaves de Melo (UFT)Adair Vieira Gonalves (UFGD/CNPq)

    4. Investigao cientfica na docncia universitria: reescrita como uma atividade sustentvel na licenciatura / Scientific research in undergraduate teaching: rewritten as a sustainable activity in teacher training course ..................................................................... 71Wagner Rodrigues Silva (UFT)Janete Silva dos Santos (UFT)Aliny Sousa Mendes (UFT/CAPES)

    PRTICA ESCOLAR DE LINGUAGEM

    5. Mobilizando olhares de estagirios em letras sobre as aulas de portugus e literatura na escola / Mobilizing the views of teacher trainees in letras about portuguese and literature classes in school ................................................................................................................ 97Clara Dornelles (UNIPAMPA)

    6. Olhares sobre as prticas de linguagem na aula de lngua inglesa em contexto de estgio supervisionado ............................................................................................ 117Cristiane Carvalho de Paula Brito (UFU)

    7. Estgio de docncia supervisionado: um caminho para desenvolvimento da compreenso leitora e da conscincia textual / Supervised teaching practice: a way to reading comprehension and textual consciousnes development ........................................................ 135

  • Vera Wannmacher Pereira (PUC/RS)Leandro Lemes do Prado (PUC/RS)

    POLTICA DE FORMAO INICIAL

    8. Dilogo entre teoria e prtica: a pesquisa em estgio / Dialogue between theory and practice: the research in teacher training ......................................................................... 155Antonio Francisco de Andrade Jnior (UFRJ)

    9. Estabelecendo parmetros enunciativos para a avaliao de Relatrios de Estgio Supervisionado em Lngua Portuguesa / Establishing enunciative parameters to Portuguese Supervised Stage reports .................................................................................................. 175Silvana Silva (UNIPAMPA)

    10. Textos de estagirios e o professor observado: relaes entre um ser genrico e um profissional efetivo / Texts of trainees and the teacher observed: relations between an idealistic and an effective professional ............................................................................................ 191Luzia Bueno (USF)

    11. Estgio supervisionado e ensino de lngua portuguesa: reflexes no curso de Letras/portugus da UFPB / Supervised practice and portuguese language teaching: Reflections in the letters/portuguese course in UFPB ................................................................................... 205Socorro Cludia Tavares de Sousa (UFPB)Josete Marinho de Lucena (UFPB)Daniela Segabinaz (UFPB)

    TECNOLOGIA NO ENSINO

    12. O mundo l fora, o da escola: interao em frum digital no estgio supervisionado sob a perspectiva da sociossemitica / The world out there, the schools one: interaction in digital forum on supervised internship in the perspective of sociosemiotic ............................ 227Luiza Helena Oliveira da Silva (UFT/CAPES)

    13. A formao pr-servio do professor de lngua estrangeira em curso de licenciatura: crenas e reflexes em experincias de estgio supervisionado em diferentes contextos (sala de aula e teletandem) / Pre-service education of foreign language teachers: beliefs and rflections in initial teaching practices in different contexts (classroom and teletandem) ........ 249Marta Lcia Cabrera Kfouri Kaneoya (UNESP/S.J.Rio Preto)

    INCLUSO

    14. Estgio supervisionado em educao de surdos na perspectiva da educao inclusiva: relato de experincia / Teacher training in deaf education from the perspective of inclusive education: experience report ............................................................................................ 267Michelle Nave Valado (UFV)Carla Rejane de Paula Barros Caetano (UFV)Juliana da Silva Paula (UFV)15. Estgio supervisionado e a docncia indgena: um caso Karaj / Supervised traineeship and the indigenous teaching: a Karaj case ...................................................................... 283Caroline Pereira de Oliveira (UFMS)Rogrio Vicente Ferreira (UFMS)

  • Rado, Dourados, MS, v.8 , n.15, jan./jun. 2014

    Universidade Federal da Grande Dourados

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    APRESENTAO

    ESTGIO SUPERVISIONADO NAS LICENCIATURAS

    A organizao deste volume da Revista Rado, destinado ao Estgio Supervisionado nas Licenciaturas, mostrou-nos a consolidao deste peridico no domnio acadmico nacional e a configurao dos estgios supervisionados como uma rea emergente de estudos cientficos em Lingustica Aplicada (LA)1. Esses fatos so evidenciados a partir da quantidade de artigos com os quais trabalhamos na organizao do peridico: 47 (quarenta e sete) artigos foram recebidos em resposta chamada amplamente divul-gada para o volume temtico; 15 (quinze) artigos foram aprovados, aproximadamente 32% dos textos recebidos; 24 (vinte e quatro) artigos no foram selecionados, ou seja, 52% dos trabalhos recebidos; 8 (oito) artigos foram enviados fora da temtica, perfa-zendo 17% de textos no avaliados por nossos pareceristas.

    Foram recebidos artigos de todas as regies do Brasil, o que pode ser ilustrado pe-las universidades aqui representadas (PUC/RS; UFPB; UFG; UFGD; UFMS; UFT; UFU; UFV; UNESP; UNICAMP; UNIPAMPA; USF), sendo os autores dos traba-lhos reunidos em cinco sees intituladas, conforme o enfoque de pesquisa apresenta-do nos artigos: Letramento; Prtica Escolar de Linguagem; Poltica de Formao Inicial; Tecnologia no Ensino; Incluso. Esses ttulos evidenciam que os estgios supervisio-nados funcionam como pontes mais seguras para as pesquisas cientficas alcanarem as salas de aula do Ensino Bsico, o que, conforme j revelaram inmeras pesquisas acadmicas (cf. LDKE CRUZ, 2005; LDKE e BOING, 2012), configura-se como um enorme desafio para diferentes disciplinas ou campos do conhecimento que lidam com o ensino e a formao de professores, a exemplo da LA2.

    Todos os artigos divulgados neste volume trazem pesquisas desenvolvidas nas Li-cenciaturas em Letras, envolvendo o ensino e a formao de professores de lnguas, o que nos deixa em dbito com o leitor no tocante s pesquisas a respeito de usos da linguagem em outras licenciaturas, o que fora focalizado em trabalhos recebidos, mas, lamentavelmente, no selecionado para publicao. Como rea de investigao na LA, as pesquisas a respeito dos estgios das diferentes licenciaturas possibilitam a constru-o de objetos de pesquisa diversos, envolvendo a escola e a universidade (cf. SILVA, 2012; SILVA; BARBOSA, 2011). So nos estgios supervisionados obrigatrios das licenciaturas que tais instituies de ensino inevitavelmente se encontram, podendo 1 Provavelmente, h leitores que apresentaro restries ao fato de reunirmos todos os trabalhos aqui sob o guarda-chuva da Lingustica Aplicada. Nossa opo se configura como uma resposta antiga prtica de situar as pesquisas em Lingustica Aplicada como uma subrea da Lingustica. Nesta situao, por que o inverso no seria uma resposta audvel dos linguistas aplicados aos linguistas que, oportunamente, vislumbram percorrer caminhos no comumente por eles trilhados? 2 Na dcada de 1990, Moita Lopes (1996, p. 32) j destacava que uma questo de grande interesse na comunidade brasileira de LA tem sido a da formao do professor. Acredita-se que os desenvolvimentos tericos e prticos dos programas de LA no conseguiram ir alm do mundo acadmico e alcanar o mundo relativamente distante da sala de aula de lnguas, onde a prtica de ensinar e aprender lnguas se desenvolve.

  • desencadear o encontro demandado por anos entre teoria acadmica e prtica profis-sional, tanto do ponto de visto do ensino, como no da pesquisa cientfica.

    De alguma forma, os artigos reunidos neste volume sinalizam o caminho promis-sor dessa rea de investigao emergente na LA, cujo percurso pode ser visualizado em diferentes fontes de investigao cientfica, todas geradas no complexo contexto das disciplinas de estgio, requerendo tratamento terico e metodolgico diversificado (cf. SILVA, 2013; PEREIRA, 2014).

    Em Letramento, so reunidos os seguintes artigos, cujas pesquisas apresentadas envolvem o letramento do professor em formao inicial: O estgio supervisionado e a voz social do estagirio, de Marlia Curado Valsechi (UNICAMP/CAPES) e An-gela Bustos Kleiman (UNICAMP/CNPq); A professora regente disse que aprendeu muito: a voz do outro e o trabalho do professor iniciante no estgio, de Carla Lynn Reichmann (UFPB); Projees como prticas acadmicas de citao na escrita refle-xiva profissional de relatrios de estgio supervisionado, de Lvia Chaves de Melo (UFT/CAPES) e Adair Vieira Gonalves (UFGD/CNPq); e Investigao cientfica na docncia universitria: reescrita como uma atividade sustentvel na licenciatura, de Wagner Rodrigues Silva (UFT), Janete Silva dos Santos (UFT) e Aliny Sousa Men-des (UFT/CAPES).

    Em Prtica Escolar de Linguagem, encontram-se os seguintes artigos, cujas pes-quisas apresentadas focalizam a construo de objetos de ensino por professores em formao inicial, para regncias de aulas de lngua do ensino bsico: Mobilizando olhares de estagirios em letras sobre as aulas de portugus e literatura na escola, de Clara Dornelles (UNIPAMPA); Olhares sobre as prticas de linguagem na aula de lngua inglesa em contexto de estgio supervisionado, de Cristiane Carvalho de Paula Brito (UFU); e Estgio de docncia supervisionado: um caminho para desenvolvi-mento da compreenso leitora e da conscincia textual, de Vera Wannmacher Pereira e Leandro Lemes do Prado (PUC/RS).

    Em Poltica de Formao Inicial, os textos tratam de pesquisas que investigam usos de diferentes instrumentos de mediao na formao inicial do professor na Licenciatura em Letras, os quais podem contribuir para uma formao terica estritamente articulada a demandas da prtica de ensino na educao bsica: Dilogo entre teoria e prtica: a pesquisa em estgio, de Antonio Francisco de Andrade Jnior (UFRJ); Estabelecendo parmetros enunciativos para a avaliao de Relatrios de Estgio Supervisionado em Lngua Portuguesa, de Silvana Silva (UNIPAMPA); Textos de estagirios e o professor observado: relaes entre um ser genrico e um profissional efetivo, de Luzia Bueno (USF); e Estgio supervisionado e ensino de lngua portuguesa: reflexes no curso de Letras/portugus da UFPB, de Socorro Cludia Tavares de Sousa et al (UFPB).

    Em Tecnologia no Ensino, h artigos cujas pesquisas focalizam usos de tecnologias como instrumentos de mediao em situaes de ensino, instauradas em contextos

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    complexos dos estgios das licenciaturas: O mundo l fora, o da escola: interao em frum digital no estgio supervisionado sob a perspectiva da sociossemitica, de Luiza Helena Oliveira da Silva (UFT/CAPES); e A formao pr-servio do professor de lngua estrangeira em curso de licenciatura: crenas e reflexes em experincias de estgio supervisionado em diferentes contextos (sala de aula e teletandem), de Marta Lcia Cabrera Kfouri Kaneoya(UNESP).

    Em Incluso, esto dois relatos de experincia de estgio supervisionado realizado em contextos de ensino de grupos minoritrios, os quais so invisibilizados em pes-quisas da LA a respeito da referida disciplina acadmica obrigatria nas licenciaturas: Estgio supervisionado em educao de surdos na perspectiva da educao inclusiva: relato de experincia, de Michelle Nave Valado et al (UFV); e Estgio supervisio-nado e a docncia indgena: um caso Karaj Caroline Pereira de Oliveira (UFMS) e Rogrio Vicente Ferreira (UFMS).

    Finalmente, desejamos dilogos produtivos aos leitores deste volume temtico da Rado. Agradecemos a colaborao de todos os autores responsveis pelas pes-quisas divulgadas e, inclusive, aos autores que no tiveram seus textos selecionados. Esperamos novas colaboraes dos referidos autores e, inclusive, dos leitores com os quais iniciamos um novo dilogo a partir deste ponto que, ironicamente, precisamos identific-los como final.

    REFERNCIAS

    LDKE, Menga; BOING, Luiz A. Do trabalho formao de professores. In: Cader-no de Pesquisa. So Paulo: Fundao Carlos Chagas. v. 42, n. 146, p. 428-451, 2012.

    _____; CRUZ, Giseli B. da. Aproximando universidade e escola de educao bsica pela pesquisa. In: Caderno de Pesquisa. So Paulo: Fundao Carlos Chagas. v. 35, n.125, p. 81-109, 2005.

    MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Oficina de Lingustica Aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

    PEREIRA, Bruno G. Professores em formao inicial no gnero relatrio de estgio supervisionado: um estudo em licenciaturas paraenses. Dissertao de Mestrado. Pro-grama de Ps-Graduao em Letras: Ensino de Lngua e Literatura. Araguana: UFT, 2014 (em andamento).

    SILVA, Wagner R. Escrita do gnero relatrio de estgio supervisionado na formao inicial do professor brasileiro. Revista Brasileira de Lingustica Aplicada. Belo Horizon-te: UFMG/ALAB, v. 13, n. 1, p. 171-195, 2013.

    _____. (O rg.). Letramento do professor em formao inicial: interdisciplinaridade no estgio supervisionado da licenciatura. Campinas: Pontes Editores Editores, 2012.

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    _____; BARBOSA, Selma M. A. D. Desafios do estgio numa licenciatura dupla: fla-grando demandas e conflitos. In: Adair V. Gonalves; Alexandra S. Pinheiro; Maria E. Ferro (Orgs.). Estgio supervisionado e prticas educativas: dilogos interdisciplinares. Dourados: Editora da UEMS, 2011. p. 179-202.

    Dourados (MS) / Araguana (TO), 24 de abril de 2014.Adair Vieira Gonalves (UFGD/CNPq)

    Wagner Rodrigues Silva (UFT)

  • LETRAMENTO

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    O ESTGIO SUPERVISIONADO E A VOZ SOCIAL DO ESTAGIRIO

    THE SUPERVISED TRAINEESHIP AND THE SOCIAL VOICE OF THE TRAINEEIN A TEACHING INTERNSHIP PROGRAM

    Marlia Curado Valsechi*Angela Bustos Kleiman**

    RESUMO: Neste artigo, analisamos um pequeno recorte de um corpus gerado para uma pesquisa de doutorado em andamento que tem por objeto o estgio supervisio-nado do curso noturno de Licenciatura em Letras de uma instituio pblica paulista. Procuramos apresentar uma voz social do estagirio a fim de entendermos a sua con-cepo do estgio supervisionado e como a organizao dos estgios supervisionados pela instituio de ensino superior forja seu olhar para a prtica do estgio. Inserido no campo transdisciplinar da Lingustica Aplicada, nosso estudo fundamenta-se nos Estudos de Letramento e na teoria scio-enunciativa do Crculo de Bakhtin. A meto-dologia utilizada na pesquisa qualitativo-interpretativista de cunho etnogrfico, visto que busca compreender seu objeto constitudo na prtica social, a partir da lgica in-terna dos seus sujeitos: os estagirios. A anlise discursiva de dois documentos oficiais, um dado de interao em sala de aula e uma entrevista mostra que os eixos de sentido articulados pela palavra enunciada no texto do documento oficial e na fala do sujeito de pesquisa, atualizada pelas apreciaes valorativas dos enunciatrios, desvelam a his-trica situao de desvalorizao dos estgios supervisionados no contexto acadmico e de anulao da agncia do estagirio.

    Palavras-chave: estgio supervisionado; letramento; formao do professor; aprecia-es valorativas.

    ABSTRACT: In this paper we analyze a small segment of an on-going thesis project that has as its research object a guided internship program for a language teacher training night course in a public state university in the State of So Paulo. Our objective is to present the trainees social voice in order to understand his conception of the supervised traineeship and the manner in which the structure of the internship program determines how they view the program. The work follows a transdisciplinary approach characte-ristic of Applied Linguistic studies and is supported theoretically by the New Literacy Studies and the Bakhtin Circle approach to discourse studies. The methodology used is qualitative and interpretive, aimed at the construction of ethnographic descriptions revealing the social practices involved in the traineeship from the trainees perspective. * Doutoranda em Lingustica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem (UNICAMP). E-mail: [email protected]**Professora titular colaboradora do Instituto de Estudos da Linguagem (UNICAMP). Email: [email protected]

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    We analyze the discourse of two official documents and the oral texts produced by one trainee in classroom interaction and in an interview with the supervisor of the internship program. The analysis shows that both the text in the documents and the trainees spe-ech reveal the historical evaluative response to guided internship programs in academic contexts and the negation of the trainees potential for social agency.

    Keywords: internship program for language teachers; literacy studies; teacher educa-tion; evaluative accent.

    INTRODUO

    Na rea de pesquisas voltadas para a formao do professor, parte-se do pressupos-to de que o estgio curricular supervisionado de extrema relevncia para a formao docente, por ser considerado o lugar privilegiado para a almejada articulao teoria e prtica na formao inicial. Em decorrncia, consensual tambm a ideia de que o estgio no se constitui como a parte prtica da licenciatura em detrimento de refle-xes tericas, realizadas em disciplinas consideradas tericas; por essa razo tambm o estgio no pode mais ser considerado como o nico componente responsvel pela formao do docente para a efetiva prtica em sala de aula. Na literatura da rea da Educao, alguns pesquisadores o concebem como atividade terica instrumenta-lizadora da prxis (cf. PIMENTA e LIMA, 2011); outros o definem como ponto nevrlgico no processo de formao de nossos futuros professores (LDKE, 2009).

    Por muito tempo objeto das pesquisas da Educao, o estgio supervisionado passou a ser, mais recentemente, objeto de investigao da Lingustica Aplicada (cf. BUENO, 2007; MACHADO, 2007; MELO, 2011; REICHMANN, 2012; SILVA, 2013), campo em que esta pesquisa se insere.

    A centralidade na linguagem, a sua relevncia social, o compromisso tico com os participantes, a transdisciplinaridade definem nosso trabalho como uma pesquisa em Lingustica Aplicada. Gostaramos tambm de ter um impacto na realidade social de modo a transform-la (FABRCIO, 2006), porm, considerando as rgidas normas (quase leis) impostas pela tradio na universidade brasileira, sabemos ser isso ainda uma utopia, pois, como Kleiman (2013, p. 56) afirma em relao aos complexos problemas da universidade, todos eles viram insignificantes, de fcil soluo, frente questo de mudanas curriculares que no obedeam ao cnone estabelecido ao longo de dcadas de tradio cientfica.

    A transformao da disciplina do estgio certamente depende de uma transfor-mao anterior organizao disciplinar fragmentada, que separa os saberes prticos dos analticos e tericos. Entretanto, como mostraremos neste artigo, essa continua sendo a concepo dos cursos de licenciatura, mesmo daqueles comprometidos com a mudana, e de seus alunos, sujeitos histricos responsivos a essa concepo.

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    Mesmo com essas limitaes, no entanto, as reflexes crticas oriundas de nossa pesquisa podem fornecer subsdios para as disciplinas de estgio na universidade que abre suas portas para a pesquisa sobre o assunto, tal como acontece em outras pesqui-sas que assumem a perspectiva1 dos estudos da linguagem e do letramento em contex-tos educacionais. Tais reflexes crticas justificam a relevncia social do nosso trabalho no contexto da formao inicial do professor.

    Neste artigo, analisaremos um pequeno recorte de um corpus gerado para uma investigao maior de Doutorado. Sero examinados o Projeto Poltico Pedaggico e o Projeto de Estgio do curso de Licenciatura em Letras, a fim de conhecermos o con-texto institucional em que os estagirios estavam envolvidos, e dados de interao em sala de aula e de entrevista com um dos sujeitos participantes da pesquisa. Procuramos apresentar uma voz social do estagirio a fim de entendermos como esse participante v o estgio supervisionado a partir da sua vivncia e como a organizao dos estgios supervisionados pela instituio de ensino superior forja seu olhar para essa prtica.

    ESTUDOS DE LETRAMENTO E PERSPECTIVA SCIO-ENUNCIATIVA DA LINGUAGEM NUMA ABORDAGEM

    ETNOGRFICA DO ESTGIO

    A pesquisa visa analisar os textos produzidos pelos sujeitos de pesquisa, dentre outros documentos, com o objetivo geral de entender como se d a insero de estagi-rios na situao especfica do estgio supervisionado do curso noturno de Licenciatura em Letras de uma instituio de ensino superior pblica paulista. A escolha do estgio supervisionado nesse contexto est relacionada trajetria profissional de uma das autoras deste artigo, que atuou, por trs anos e meio consecutivos, como professora substituta na referida instituio, trabalhando com as disciplinas de estgio em lngua materna e que foi, ela mesma, egressa da Licenciatura em Letras da mesma instituio.

    Quando aluna de graduao, chamava-lhe ateno e a comovia a intensa atuao da sua professora de estgio em lngua materna na luta por mudanas nos estgios supervisionados do curso de Letras e das licenciaturas da instituio de modo ge-ral. Por exemplo, o compromisso dessa docente com a educao no ensino superior levou-a a reivindicar abertura de concurso especfico para um profissional que atuaria com estgios supervisionados em lngua estrangeira, aps o argumento das instncias superiores da universidade de que qualquer professor do Departamento de Educao poderia realizar esse trabalho. Atuando como professora substituta alguns anos mais tarde na mesma instituio, o envolvimento com uma nova realidade dos estgios supervisionados, em virtude das modificaes curriculares realizadas e tambm do lugar social que passou a ocupar de aluna para professora , despertou na ex-aluna

    1 Essa a perspectiva do Grupo de pesquisa Letramento do Professor, do qual as autoras participam, que investiga prticas de leitura e escrita do professor e de outros agentes de letramento em uma perspectiva identitria.

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    o desejo de transformar a situao dos estgios supervisionados em lngua materna da Licenciatura em Letras, o que a impulsionou para a pesquisa do tema, j mencionada.

    O foco da pesquisa a prtica social do estgio, tal qual evidenciada nas diversas atividades realizadas pelos estagirios e investigada por meio de uma metodologia de cunho etnogrfico, entendida como perspectiva intelectual que envolve uma forma de olhar e que busca compreender de dentro a lgica interna dos prprios participan-tes2 (ZAVALA, 2013).

    A escolha metodolgica, no paradigma qualitativo-interpretativo, se justifica em um estudo que tem por objeto a prtica social e cujos dados so gerados no seu con-texto natural de produo. De carter longitudinal, a pesquisa analisa textos produ-zidos pelos sujeitos ao longo de quatro semestres em que a pesquisadora ministrou a disciplina de estgio.

    Para alcanarmos a viso holstica de uma pesquisa qualitativa, realizamos a trian-gulao de dados provenientes de diversas fontes: aqueles produzidos pelos sujeitos de pesquisa no contexto da prtica social acadmica e profissional, tais como relatrios de estgio, planos de aula, dirios reflexivos, questionrio de avaliao da disciplina de estgio; aqueles provenientes de textos de outros enunciadores, tais como os dirios de campo da professora do estgio, produzidos em funo das aulas na universidade; planejamento das disciplinas de estgio; transcrio de aulas udio gravadas na uni-versidade; transcrio de reunies realizadas entre docentes responsveis pelas discipli-nas de estgios supervisionados das licenciaturas da instituio3; documentos oficiais, como o Projeto Poltico Pedaggico e o Projeto de Estgio. A esse amplo espectro de dados, acrescentam-se entrevistas semiestruturadas realizadas com alguns alunos for-mados (ex-estagirios atuando como professores de Lngua Portuguesa na escola).

    A abordagem metodolgica etnogrfica na gerao dos dados complementada com uma perspectiva analtica lingustico-enunciativo-discursiva. Para essa anlise, a perspectiva dialgica do Crculo de Bakhtin teoricamente relevante, pois o dialo-gismo est diretamente ligado alteridade: em funo do outro que o enunciado formulado, tanto o outro a quem o enunciador fornece a rplica que, ao mesmo tempo em que responde, suscita outras respostas , quanto o outro que lhe fornecer a rplica, antecipada pelo enunciador. A duplicidade de orientao do enunciado na cadeia comunicativa define a natureza da permanente interao com os enunciados dos outros, nos quais imprimimos nossa apreciao valorativa (VOLOCHINOV/ BAKHTIN, ([1929] 1995).

    Para compreendermos como se d a insero do estagirio no estgio supervisiona-do, realizamos uma microanlise dos textos que o estagirio produz e das interaes de que participa a fim de determinar que sentidos e valores so construdos nos seus textos 2 Traduo do espanhol. Esta e as demais tradues pertencem s autoras. 3 Participavam destas reunies, em mdia, seis professores de um total de treze docentes do departamento responsveis pelos estgios supervisionados de diversas licenciaturas.

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    bem como os modos de apropriao dos enunciados do outro, o professor universitrio. Nos dados de interao, o destinatrio a voz da academia e, portanto, para o enun-ciador, essa voz pode coincidir com a pessoa a quem o estagirio se dirige, a professora substituta pesquisadora. Tambm analisamos textos produzidos por outros enunciado-res, em que a relao intersubjetiva acontece entre o enunciatrio autor do documento a voz de professor de estgio e o destinatrio constitudo pela voz do corpo docente da Licenciatura em Letras , e o objeto da enunciao sendo construdo o estgio. A anlise dos documentos oficiais, para compreendermos a apreciao valorativa do est-gio da instituio de ensino superior envolvida, deixa, portanto, vislumbrar aquilo que Blommaert apud Zavala (2013) denomina de contexto macroscpico.

    Nossa concepo de estgio est atrelada perspectiva dos Estudos de Letramen-to, que compreende os usos da lngua escrita como prticas sociais situadas, perme-adas por relaes de poder e de identidade (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995). O estgio uma prtica social letrada. As pesquisas sobre letramentos costumam destacar a centralidade do conceito de prtica para os estudos de letramento, devido a seu carter articulador entre as estruturas abstratas (que seriam os recursos simblicos, co-nhecimentos, valores sociais, identidades) e os eventos concretos realizados em lugares especficos, como a sala de aula na escola, na universidade. Zavala caracteriza adequa-damente essa concepo quando diz que

    nas prticas sociais, as pessoas se comprometem, constroem identidades, desenvolvem relaes sociais com outros membros da comunidade, utilizam artefatos especficos, reproduzem valores implcitos no marco de um sistema ideolgico particular e, desta maneira, constituem a sociedade e a cultura (ZAVALA, 2011, p. 55).

    Para poder participar dessa prtica social letrada, o estagirio deve atender a vrias demandas decorrentes do estatuto do estgio como exigncia curricular acadmica obrigatria: procedimentos burocrticos (como a solicitao de termos de compromis-so, devidamente assinado por alguns agentes envolvidos), preparo terico-prtico a ser realizado na instituio de ensino superior, trabalho pedaggico (no tratamento dos contedos que sero ensinados aos alunos, por exemplo), vivncia na escola dentro e fora da sala de aula. No seu desenvolvimento, tanto a universidade quanto a escola es-to envolvidas: os estagirios desenvolvem relaes sociais com o formador acadmico, os professores supervisores do estgio da escola, o coordenador pedaggico, os alunos da Educao Bsica. Em se tratando de uma prtica situada, as formas especficas de interao com os sujeitos envolvidos e os significados que sero construdos nessas in-teraes se do de maneira particular, de acordo com a forma de insero do estagirio nessa prtica que , simultaneamente, acadmica e profissional e que, como Kleiman e Reichmann (2012, p. 159) afirmam, reflete, refora e transforma os valores culturais e ideolgicos da esfera em que essa prtica se desenvolve.

    Entretanto, para que o estgio possa colaborar para o letramento profissional do professor, que contempla no s os contedos da disciplina a ser ministrada, mas

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    tambm conhecimentos sobre as condies especficas de trabalho, as capacidades e interesses da turma, a disponibilidade de materiais e o acesso que a comunidade tem a eles (KLEIMAN, 2008, p.512), preciso que as prticas acadmicas exigidas nesse espao estejam bem articuladas s prticas exigidas pelo local de trabalho docente.

    DA CONFIGURAO DO ESTGIO NO PROJETO POLTICO PEDAGGICO AOS EIXOS DE SENTIDO NO PROJETO DO

    ESTGIO: DOCENTE RESPONSVEL E ALUNO

    Para entender o contexto macro dos discursos sobre o estgio na instituio, ini-ciaremos a anlise pelo Projeto Poltico Pedaggico (PPP) do curso de Licenciatura em Letras. Embora o documento tenha 114 pginas, 90 delas correspondem aos progra-mas de ensino com as ementas das disciplinas que compem o curso. As 25 pginas do projeto propriamente dito tratam dos objetivos gerais da Licenciatura em Letras, do perfil profissional, dos principais pontos da reestruturao curricular, da estrutura curricular, da transio entre a estrutura curricular vigente e a estrutura curricular pro-posta, da grade horria e da avaliao. O estgio supervisionado abordado na seo A reestruturao curricular proposta: pontos principais, em um pargrafo, no qual se descrevem as mudanas relativas distribuio da carga horria do estgio, havia tempo reivindicadas pelos alunos do curso:

    Na estrutura curricular proposta, adequada contagem dos crditos, a carga horria exigida de 400 horas para o estgio supervisionado eleva-se para 420 horas, que corresponde a 28 crditos, igualmente divididos entre as disciplinas de Estgios Curriculares Supervisionados: Lngua Materna e Estgios Curriculares Supervisionados: Lngua Estrangeira. Diferentemente da estrutura curricular ento vigente, essa carga horria destinada s atividades de estgio permitiu a sua distribuio nos dois ltimos anos do curso, reivindicao j bastante antiga. Como poder ser verificado mais adiante, parte das atividades dessas disciplinas, terica, por assim dizer, ser desenvolvida em sala de aula e figurar, portanto, na grade horria do curso. Principalmente para os alunos do perodo noturno, est garantido espao na grade horria para o cumprimento da parte restante, prtica, por assim dizer, que se desenvolver sob forma de estgio de observao, de regncia, de visita a escolas, minicursos etc. (cf. quadros 8 e 9). [Texto da subseo O Estgio Supervisionado, negrito acrescido]

    A nova distribuio dos estgios supervisionados, em atendimento a uma reivin-dicao j bastante antiga, em mais um ano da licenciatura, constitui um avano real do estgio no curso de formao de professores.

    Entretanto, apesar da mudana, algumas concepes sobre a natureza do fazer cientfico so mantidas. A expresso atenuadora do compromisso dos enunciadores com a justeza da apreciao sobre a teoria e a prtica no estgio, por assim dizer, em

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    parte das atividades dessas disciplinas, terica, por assim dizer, ser desenvolvida em sala de aula e figurar, portanto, na grade horria do curso e, mais adiante, o cum-primento da parte restante, prtica, por assim dizer remete a uma antiga concepo dicotmica da relao teoria e prtica, por um lado, e a uma concepo tradicional, elitista, sobre a produo do saber, por outro: o que se faz no espao da aula universi-tria (excetuando a disciplina de estgio, por assim dizer?) sempre terico, ao passo que a prtica aquilo que se faz nas escolas-campo (estgio de observao, de regn-cia, de visita a escolas, minicursos etc.).

    interessante destacar que, com a reestruturao curricular, houve um acrscimo no prazo mnimo de integralizao do curso noturno da Licenciatura em Letras, que passou de quatro para cinco anos, justamente para possibilitar mais tempo ao aluno para cumprir suas atividades acadmicas fora de sala de aula. No obstante, mudanas na grade curricular de modo a ter espao garantido na grade horria do curso no-turno para o cumprimento da realizao dos estgios nas escolas no so previstas no documento, que parece desconsiderar as condies que impedem sua plena realizao. Obstculos temporais e locais so ignorados, como a dificuldade em conciliar o hor-rio disponvel na grade horria para ida escola e o desenvolvimento do estgio com as demais disciplinas acadmicas do curso. O escasso tempo (duas horas no total) para realizar o estgio durante o perodo de estudo universitrio de fato inviabiliza a sua realizao no mesmo perodo das aulas acadmicas4.

    No documento Projeto de Estgio (PE) definida a estrutura e organizao dos estgios supervisionados do referido curso de Licenciatura em Letras, inclusive a carga horria. De autoria da professora responsvel pelas disciplinas de Estgio Supervisio-nado na rea de lngua materna e assinado por ela e pelo coordenador de curso da poca de produo do documento (2008), o projeto foi apresentado ao Conselho de Curso para fins de normatizao do estgio na Licenciatura em Letras da instituio. Encontramos dois enunciadores no documento, na voz do corpo docente responsvel pela formao do professor de Letras e naquela dos diretamente responsveis pela dis-ciplina do estgio, que coincide com a voz do autor do texto. O documento no tem como destinatrio o estagirio, que desconhece o texto por no ter acesso a ele.

    Trata-se de um documento de 14 pginas, dividido em seis sees: uma introdu-o, seguida da definio do conceito de estgio, distribuio e organizao da carga horria, coordenao e superviso dos estgios, distribuio e carga horria dos estgios, avaliao das atividades e coordenao geral, suporte e apoio s atividades de estgio. O documento finaliza com as referncias bibliogrficas, data e local (cidade) de produo do texto e os nomes e assinaturas da autora do PE e do coordenador do curso.

    4 A grande maioria dos universitrios do curso noturno de Letras depende de transporte coletivo.

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    H, no documento, reiteradas referncias legislao educacional5, o que indica ateno s restries impostas por esta produo de projetos pedaggicos, como o PE, mas tambm sugere uma intencionalidade em destacar a consonncia da voz dos enunciadores com as leis, no que diz respeito ao escopo de possibilidades das ativida-des de estgio na licenciatura.

    Os guias curriculares para a disciplina de Estgio so bastante flexveis. Aprovei-tando essa flexibilidade, o PE define que o estagirio deve cumprir 210 horas de est-gio para cada habilitao. Horas realizadas em sala de aula na Universidade, regncias ministradas a alunos em salas de aula da escola pblica, desenvolvimento de projetos de minicurso ministrado dentro ou fora da Universidade, participao em projetos escolares6, atividades de reflexo so, todas elas, modalidades de estgio possveis de serem vivenciadas.

    A palavra docente ativa um dos eixos de sentido articulados no documento. Responsabilidade, acompanhamento, monitorao, coordenao, superviso esto entre os significados elaborados na discusso do estgio. Assim, o docente universit-rio um docente do Departamento de Educao construdo como o agente que concentra maior poder em relao atividade:

    Caber ao docente do Departamento de Educao preparar o Estagirio para essas atividades, dando-lhe embasamento metodolgico e didtico especficos para o ensino e aprendizagem de LE e suas literaturas e trabalhando, junto a esse futuro profissional, tcnicas e estratgias de ensino e aprendizagem desses componentes curriculares, voltadas para a sala de aula do ciclo II do ensino fundamental e para o ensino mdio, monitorando-o em todas as modalidades de Estgio II (regncias, projeto de 20 horas e minicurso) e instruindo-o, pedagogicamente, no planejamento de atividades para a sala de aula do ensino fundamental e do mdio. [Pgina 11 do PE, grifos no original, negrito acrescido]

    O segundo eixo do sentido ativado pela palavra estagirio, a mais recorrente no documento; h 51 referncias (incluindo as formas pronominais remissivas), que constroem noes com pequenas diferenas entre si: o aspecto profissional, o acad-mico, o identitrio (estagirio, licenciando, futuro profissional, futuro profes-sor, aluno). Entretanto, as noes de protagonismo e agncia no so construdas no desenvolvimento do tema. O estagirio apresentado gramaticalmente na funo de objeto da ao do professor universitrio, que o acompanha, monitora, coordena, orienta, redireciona, prepara, como no trecho abaixo:

    5 Parecer CNE/CP n 1/2002(cinco vezes citado); Parecer CNE/CP n 2/2002 (4 vezes citado); Parecer CNE/CP n 27/2001 (4 vezes); Parecer CNE/CP n 9/2001 (1 vez); Resolues CNE 1 e 2/ 2002 (1 vez); Resoluo da Universidade (2 vezes citada).6 Consta no PE que, caso haja impossibilidade de o licenciando participar de tais projetos, poderia ser combinado com o professor de estgio a substituio desta atividade por anlise de material didtico. Aps a proposta de um professor do Departamento de Estudos Lingusticos e Literrios de realizao de um trabalho interdisciplinar entre as disciplinas ECSII: lngua materna e Semntica da Lngua Portuguesa, envolvendo anlise de material didtico e elaborao de planos de aula, passou-se a utilizar essa carga horria para o desenvolvimento desse trabalho.

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    Ao docente do Departamento de Educao competir acompanhar, monitorar, coordenar e intermediar o contato do estagirio com a escola campo de estgio e supervisionar o desenvolvimento de todo o processo de Estgio (I e II) da formao inicial do licenciando em Letras, orientando-o, metodolgica e pedagogicamente, e redirecionando aes especficas nesse campo, sempre que necessrio. [Pgina 13 do PE, negrito acrescido]

    No decorrer do documento, encontramos o uso de agente da passiva para descre-ver as atividades do estagirio, como em

    16 (dezesseis) horas/aula para anlise/reflexo, em sala de aula, sob a superviso direta de docente do Departamento de Educao, que conduzir essa atividade de reflexo com base nas trs modalidades de ESTGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO realizadas pelos estagirios. [Pgina 8 do PE, nfase no original, negrito acrescido]

    Esses usos, quando so contrapostos recorrente posio de objeto das aes rea-lizadas pelos docentes universitrios (os agentes, de fato, na trade estagirio profes-sor supervisor docente universitrio) e seleo lexical usada para construir noes ao longo desse eixo de sentido (dar embasamento, estabelecer planos, acompanhar desenvolvimento, efetivar, avaliar, supervisionar, instruir, monitorar, encarregado res-ponsvel) constituem pistas lingusticas claras da voz do estagirio na trade: poucas vezes caracterizado como um agente humano (aquele que faz ou causa as aes, e que segundo a gramtica de casos ocuparia o papel de sujeito da frase)7. Logo, a palavra estagirio no ativa os eixos de sentido associados ao conceito de agente social (AR-CHER, 2000), especificamente, o de um agente de letramento capaz de articular in-teresses partilhados pelos aprendizes, organizar uma turma na escola para a ao cole-tiva, auxiliar na tomada de decises sobre determinados cursos de ao, interagir com outros agentes (neste caso, o docente universitrio e o professor supervisor na escola), adaptar seus planos de ao segundo as necessidades (KLEIMAN, 2006).

    No documento, a descrio das aes do estagirio se limita ao cumprimento da carga horria dos estgios e realizao e entrega dos instrumentos de avaliao solici-tados (relatrios, projeto de minicurso, artigo, apresentao de seminrios). O concei-to corresponde quele de aluno, que tem de cumprir com suas obrigaes acadmicas, orientado por um professor. No h referncia explcita ou implcita a um agente que, ao atuar na escola bsica, tente experimentar ou levar contribuies para os professores dessa esfera, com metodologias inovadoras ou com diferentes perspectivas na compre-enso de problemas escolares. Nem poderia, porque, como j apontamos, a sua agn-cia na escola no cogitada. A relao entre estagirio e professor da escola campo no contemplada no documento, nem como parceria nem como relao entre aprendiz iniciante e experiente mestre do ofcio.

    Tendo em vista que os leitores do documento so os membros do conselho de curso, a valorao do papel do professor acadmico pode ser compreendida como

    7 Teoria proposta por Fillmore (1968); ver descrio para fins de formao do professor em Kleiman e Sepulveda (2012).

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    uma maneira de projetar a voz do professor da disciplina de estgio, mostrando a necessidade de maior reconhecimento ao trabalho desse profissional, por parte da instituio8 e de um maior envolvimento do corpo docente com a disciplina. O apa-gamento lingustico da voz do enunciador, aqui como em todo o documento, no implica que seu lugar discursivo privilegiado esteja tambm apagado, como indicam as avaliaes subjetivas valorativas (oportuno), o uso da 3 pessoa do presente do indicativo, que marca os dizeres tomados como verdadeiros (, supe, envolve) e as modalizaes denticas (no pode, necessariamente), recuperadas do texto legislativo, que modificam a distribuio de poder na instituio:

    oportuno lembrar que, de acordo com as diretrizes do CNE/CP, o Estgio um processo formativo que supe a atuao conjunta de todos os docentes de um curso de graduao, seja este curso licenciatura ou bacharelado. Sendo assim, o Estgio no pode ficar sob a responsabilidade de um nico professor, mas envolve necessariamente uma atuao coletiva de formadores (Parecer CNE/CP, 9/2001, homologado em 17/1/2002 e publicado no Dirio Oficial da Unio de 18/1/2002, Seo I, p.31) [Pgina 10 do PE, nfases no original, negrito acrescido]

    A articulao do discurso do enunciador autor ao longo de um terceiro eixo de sentido, o de poder, evidencia os conflitos institucionais na sua esfera de ao: a tenta-tiva de combater foras ou vontades sociais mais poderosas revela um posicionamento subordinado do professor da disciplina de estgio em relao s disciplinas acadmi-cas propriamente ditas9.

    O enunciador do documento um docente da disciplina de estgio tentando dialogar com seus colegas no coletivo do Conselho. Seu discurso atua como fora centrfuga tentando mitigar o poder regulador do discurso hegemnico, na concepo discursiva de Bakhtin ( [1934-35/1975] 1988), resistindo construo de uma ima-gem depreciadora do trabalho do professor de estgio supervisionado e, consequente-mente, do prprio estgio.

    A compreenso desse jogo de foras que atuam sobre a palavra permite-nos co-nhecer a apreciao valorativa (VOLOCHINOV/ BAKHTIN, 1995 [1929] inscrita nos enunciados do documento, quais os sentidos imbricados nos enunciados atri-budos pelos prprios interlocutores em relao a si mesmos e ao objeto do discur-so. A palavra, como bem apontam os tericos do Crculo produto da interao do locutor e do ouvinte e expresso a um em relao ao outro e, em ltima anlise, em relao coletividade. (VOLOCHINOV/BAKHTIN, ([1929]/1995), p.113)

    8 Conforme evidencia o relato apresentado na primeira seo do artigo sobre a reivindicao da professora de estgio diante da negao da universidade em abrir concurso para contratao docente sob a alegao de que o trabalho com os estgios supervisionados em lnguas prescinde de profissionais especializados na rea.9 Ao professor responsvel pela disciplina de estgio exigida mais dedicao, pois, alm do preparo das aulas da disciplina, existe o trabalho de superviso de estgios, o que inclui desde visitas escola at atendimento individual (ou em grupos) com os estagirios sob sua responsabilidade. Pimenta e Lima (2011, p.100) consideram precrias as condies institucionais para o exerccio docente no ensino superior. Baseando-se em Alarco (2003), as autoras mencionam o elevado nmero de alunos e dificuldades dos docentes universitrios, que muitas vezes no recebem o devido reconhecimento por essa atividade [de superviso], comum a diversos pases.

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    sempre acompanhada por um acento apreciativo determinado. (VOLOCHINOV/ BAKHTIN, ([1929]/1995).

    Qual o efeito desse acento apreciativo no estagirio? Mesmo que o documento no o contemple como interlocutor, mesmo sem acesso ao texto, a ausncia da agn-cia, por um lado, e o lugar ocupado pelo estgio na grade da licenciatura, por outro, so histricos. Os sujeitos participantes da pesquisa, os estagirios, necessariamente carregam marcas de sua situao histrica (KLEIMAN, 2013), como mostraremos na seo a seguir.

    CONDIO HISTRICA E VOZ DO ESTAGIRIO

    Na disciplina de estgio objeto da pesquisa de doutorado j mencionada foram introduzidas algumas atividades para ouvir a voz do aluno e engaj-lo na sua prpria formao. Visando a esses objetivos, eram realizadas rodas de discusso dos textos pro-duzidos pelos estagirios contando suas experincias, eram identificados os temas que lhes eram relevantes, tambm para discusso e debate, foi elaborado um blog da turma para que os estagirios pudessem realizar atividades, compartilhar textos, notcias e fazer comentrios nas postagens dos colegas.

    Um dos temas que foi recorrentemente abordado, destacando-se nos textos, dizia respeito prpria estrutura do estgio da instituio. Ele foi, por isso, um dos objetos de uma roda de discusso realizada no dia de entrega dos relatrios de regncia, no incio do segundo semestre da disciplina de estgio. Sentados em crculo, os estagirios faziam seus apontamentos medida que se sentiam vontade para isso. Em um dado momento, uma estagiria levanta o problema da insuficincia de tempo para conhe-cer os alunos da educao bsica para quem devem ministrar as aulas e caracteriza o estgio como um espao tumultuado. Em seguida, outro estagirio (Osmar)10 toma a palavra e aponta como principal problema do estgio a sua estrutura, incompatvel com a realidade do aluno do curso noturno de Licenciatura em Letras:

    Osmar: o problema desse estgio que no ltimo ano e a gente tem quarenta horas desse estgio, mais quarenta do outro, mais catorze do outro, mais catorze do outro, os professores do quinto ano exigindo da gente uma postura de um aluno do quinto ano, eles no querem mais aqueles textos de qualquer jeito e a maioria trabalha ento assim acabam que essas quarenta horas elas :: transtornam com as nossas vidas, elas acabam com a nossa vida por qu? porque como que voc tira quarenta horas da sua vida, claro, pensando-se numa pessoa que s vive e faz isso nada mais justo do que voc se preparar pra isso, sabe? s que essa no a realidade do curso de letrasProfessora: uh-humOsmar: a realidade do curso de letras Clara: ((em voz baixa)) [do noturno]

    10 Os nomes so fictcios para preservar a identidade dos sujeitos.

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    Osmar: um pessoal que trabalha bastante, um pessoal que muitos aqui se no trabalhar no tem o que comer, ento como que voc chega no seu servio e fala assim olha, eu preciso de QUARENTA HORAS para dar um estgio, mas a voc resolve uma matriaProfa: uh-hum uh-humOsmar: e voc tem que resolver outra e outra e outra e outra e outra...[Transcrio11 da roda de discusso realizada com a turma de Estgios Curriculares Supervisionados II no dia 13/08/2012]

    Osmar critica o acmulo de atividades acadmicas no ltimo ano do curso: na sua fala, o estgio em questo apenas mais uma obrigao, dentre as muitas exigncias a se-rem cumpridas nessa etapa da formao (a gente tem quarenta horas desse estgio, mais quarenta do outro, mais catorze do outro, mais catorze do outro, os professores do quin-to ano exigindo da gente uma postura de um aluno do quinto ano...). Cria-se um efeito de sentido de exasperao do coletivo (construdo por Omar pelo uso dos pronomes na primeira pessoa do plural nossa(s), a gente) por meio da reiterao dos advrbios mais e outro e da conjuno e com a funo de operadores argumentativos aditi-vos (KOCH, 2003) (apesar de os argumentos no serem sempre explicitados): a voc resolve uma matria /.../ e voc tem que resolver outra e outra e outra e outra e outra.

    O estgio tem sido considerado um entrelugar (BABHA, 1998) socioprofissional na fronteira (REICHMANN, 2012, p.108; SILVA, 2012), um espao hbrido, que envolve, ao mesmo tempo, a esfera acadmica e a profissional pelas quais o estagirio transita. No entanto, o mundo do trabalho no chega a ser abrangido pela disciplina acadmica de estgio, ele inexiste para o estagirio e, nesse sentido, a caracterizao de Fontana (2011) do estgio como um no lugar apta: caberia ao estagirio encon-trar, ou melhor, conquistar, o seu lugar na escola de acordo com os sentidos que vai construindo na interao com os atores da escola. Entretanto, o enunciado de Osmar indica que no h construo de sentidos possvel. Em vez de um no lugar passageiro, temos aqui um no lugar permanente, portanto permanentemente desprovido de sen-tidos e novas significaes. A experincia do estgio no colabora na constituio de sua identidade profissional. Isso porque apenas a disciplina acadmica importante.

    Em vez de funcionar como um entrelugar socioprofissional eficaz o estgio acaba tornando-se algo que transtorna, acaba e tira horas da vida dos estagirios (transtor-nam com as nossas vidas, elas acabam com a nossa vida por qu? porque como que voc tira quarenta horas da sua vida), como j mostrado em trabalho anterior (VAL-SECHI, 2014). O eixo de sentido construdo pela palavra transtorno de vida aponta para uma valorao muito negativa do estgio, magnificada pela hiprbole da morte (acabar com a vida). Isso porque, na opinio do estagirio, no h espao suficiente na grade curricular para a conciliao das prticas de estgio supervisionado com as exigncias das demais disciplinas acadmicas do curso, ao contrrio do que prev o 11 Adotamos as seguintes convenes de transcrio: / interrupo ou corte brusco da fala; ... pausa de pequena extenso; /.../ suspenso de trecho da gravao original; :: alongamento da vogal; discurso reportado; MAISCULA aumento na entonao da voz com efeito de nfase; (( )) comentrio do analista; negrito d mais destaque nos dados para fins analticos.

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    texto do PPP, mas que , de certa forma, esperado nas entrelinhas do texto do PE, conforme anlise na seo anterior.

    A fala do estagirio dialoga com as rplicas do texto do PE que denunciam o jogo de foras em que o estgio supervisionado est envolvido. Da mesma forma que, no discurso do PE, o movimento de valorizao da agncia do professor de estgio evidencia que o componente acadmico era considerado mais relevante pelo des-tinatrio do documento, tambm a fala do estagirio revela que o estgio tambm posicionado em lugar subordinado na grade curricular tendo que competir por espao ou tempo de realizao com as demais disciplinas acadmicas.

    Assim, a condio histrica de desvalorizao do estgio supervisionado (ou dos profissionais envolvidos com essa prtica) e a ausncia de agncia do estagirio rea-centuada em ambos os textos PE e fala do estagirio ainda que de modos diferentes.

    A fala de Osmar tambm parece remeter a algum discurso dos oprimidos, denun-ciando o conflito social existente entre a realidade do aluno da Licenciatura em Letras, que precisa trabalhar para se sustentar (linhas 14-15), e a estrutura curricular do curso, que ignoraria os limites que essa realidade impe ao estagirio. Entretanto, no h dis-curso de resistncia em construo. O sentido ativado pela palavra trabalho no seu texto est baseado em noes de trabalho como necessidade para uma sobrevivncia mnima: o grupo de alunos trabalhadores um pessoal que trabalha bastante, um pessoal que muitos aqui se no trabalhar no tem o que comer. Constri-se, ainda, certo distanciamento do grupo de colegas trabalhadores, pelo uso dos pronomes de 3 pessoa e do discurso citado ento como que voc chega no seu servio e fala assim olha, eu preciso de QUARENTA HORAS para dar um estgio.

    Um semestre aps ter cumprido as atividades de estgio e se formado em Letras, numa entrevista em resposta pergunta da pesquisadora se o relatrio de estgio era visto como uma atividade propiciadora de reflexo, Osmar pondera:

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    Osmar: s que no era o mais importante pra mim ento isso tem uma dif/ isso D um contraste muito grande porque quando voc enxerga e num quer muito enxergar voc tem que ((faz estalo com os dedos indicando pressa)) passar ... voc no tem tempo hoje que voc de certa forma obrigado a vivenciar, obrigado a fazer no com obrigao como uma coisa ruim sabe? mas como parte do processo :: voc talvez , volta aquela conversa, de se posicionar melhor de poder perguntar algumas coisas, sabe assim? porque :: como parte do processo voc no escapa e no no ruim elaborar, voc VAI elaborar, s que a elaborao depois ps-form/ depois que a gente t formado em uma escola, ela no tem presso COmo a gente tem na matria que a gente tem prazo na matria, a gente tem que cumprir e tem que fazer e o prazo cu::rto e... eu sei l eu acho que pra mim particularmente foi um PARto dar todas essas aulas porque a minha vida mu::ito corrida e a gente deixou l pro finalzinho /.../ ento foi tudo de uma vez, ... pensado muito rpido de uma maneira muito assim, vamo cumprir isso aqui, temos que cumprir ento s vezes eu acho que a matria ela tem sido vista com esses olhos sabe assim? ter que cumprir e enquanto que s vezes devi/ deveria ser uma matria um pouco mais disse::minada ao longo de mais anos assim /...//.../ por qu? porque a voc d mais tempo pra fazer eu no sei se ia resolver mas eu acho que ia ser visto como mais:: ((pequena pausa)) com mais nitidez assim ia mais claro na cabea do aluno por exemplo assim o que que eu tenho de muito claro desse processo pouca coisa percebe por qu? porque eu tinha um milho de coisas pra fazer /.../ hoje eu posso hoje talvez eu possa falar assim ah eu vou voltar pra graduao, eu vou fazer mais com calma, eu vou per/ pensar... perguntar... sabe? eu vou refletir o processo porque eu eu acho que uma das propostas do do estgio refletir /.../ ((rindo)) que voc menos faz refletir, e o que voc mais faz cumprir tabela sabe assim? (...)[Trecho da entrevista, realizada em 3 de julho de 2013]

    O enunciado de Osmar ativa dois eixos de sentido contrastantes, passado e pre-sente. A palavra hoje, o momento da enunciao, mas tambm o perodo depois de se graduar, j atuando como professor, acentuada pelas noes de vivncia na profisso (depois que a gente t formado em uma escola, hoje que voc de certa forma obri-gado a vivenciar, obrigado a fazer no com obrigao como uma coisa ruim) e de refle-xo voluntria (voc VAI elaborar, s que a elaborao depois ps-form/ depois que a gente t formado em uma escola, ela no tem presso COmo a gente tem na matria). O uso da expresso contraste muito grande refora a posio axiolgica de Osmar quanto divergncia dos dois momentos sob comparao: o enunciado remete a outro sentido, antes, um momento anterior ao atual, quando ainda cursava disciplinas, no qual sua apreciao valorativa do estgio no se baseava na experincia como professor. Os conceitos que so trazidos nessa construo sobre o passado relativos ao curso, s disciplinas, ao estgio, s exigncias de escrever relatrios reflexivos so todos avaliados negativamente (pra mim particularmente foi um PARto dar todas essas aulas), por serem atividades impostas e pelos prazos exguos para poder cumpri-las. A noo de cumprimento e, a ela associada, de obrigao, recorrente no texto, com base no verbo cumprir reforado pelo verbo modalizador dentico, ter que, listando deveres do estagirio: tem que cumprir, tem que fazer, vamos cumprir isso aqui, temos que

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    cumprir, ter que cumprir. interessante salientar que a sugesto trazida por Osmar a fim de modificar a viso que se tem da disciplina de estgio leva em considerao uma redistribuio do estgio ao longo do curso (deveria ser uma matria um pouco mais disse::minada ao longo de mais anos assim), que acreditamos ser necessria, mas no questiona as demais disciplinas acadmicas, que, numa perspectiva que toma o estgio supervisionado como o eixo da licenciatura, teriam que sofrer modificaes. Esse po-sicionamento parece ser resultante de uma licenciatura distante das questes de ordem prtica que acabam aparecendo especificamente nos estgios supervisionados.

    Por outro lado, a vivncia atual, isto , a experincia como professor, acentuada positivamente no discurso do ex-estagirio, e a reflexo nesse perodo da vida do pro-fessor construda positivamente, como parte do processo, porque permite se posi-cionar melhor, perguntar; elaborar essa reflexo. Na modalizao avaliativa desse processo construda pelo enunciador, a experincia no ruim porque no tem presso. Mesmo a palavra reflexo ressignificada quando usada para se referir a atividades no momento atual. Apesar de ter sido tematizada no estgio, para Osmar, a atividade reflexiva realizada na esfera profissional, quando se assume definitivamente o papel de professor da sala de aula, inerente atividade profissional, faz parte de uma rotina da qual no se escapa, que obrigado a fazer no com obrigao como uma coisa ruim.

    Um terceiro eixo de ativao de sentidos o conceito de tempo, desta vez no ao longo do eixo contrastante passado versus presente, mas como um objeto malevel, que pode passar lenta ou rapidamente. Essa forma de conceber o tempo (uma metfo-ra cognitiva, segundo Lakoff and Jonhson, 1980) traz para o enunciado as noes de encurtamento do tempo decorrente das exigncias das disciplinas do curso, inclusive da disciplina de estgio: existncia de presso, cumprimento de prazo curto, di-ficuldade de dar aulas por causa da vida muito corrida, resultado que foi pensado muito rpido, devido quantidade de trabalho com milhes de coisas para fazer e procrastinao a gente deixou l pro finalzinho. Tambm os gestos do enunciador ajudam a construir a noo de pressa e tempo curto, como os repetidos estalos com os dedos. Uma vez que o curso de Letras noturno constitudo por alunos que geral-mente trabalham em perodo integral, a crtica de Osmar est relacionada novamente oposio entre as condies reais do licenciando em Letras do perodo noturno e a quantidade de exigncias acadmicas curriculares que devem ser cumpridas.

    O objetivo do relatrio de estgio era justamente fomentar a reflexo, mas, para o enunciador, a reflexo s acontece quando se vivencia a situao profissional atual quando se professor. Os sentidos atribudos experincia e aos textos produzidos no contexto do estgio evidenciam que a produo dos relatrios de reflexo ficou longe de funcionar como instrumentos mediadores entre as prticas de letramento acad-mico e as prticas de letramento profissional (KLEIMAN; REICHMANN, 2012, p.161). No h potencial viabilizador do reposicionamento do estagirio enquanto

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    agente do processo em que se encontra inserido, pelo processo de reflexo sobre a sua viso de mundo, sua concepo de ser professor e os processos de ensino e aprendiza-gem. O entrelugar que a experincia de estgio propiciaria lugar privilegiado que per-mitiria, em princpio, mobilizar, atualizar e participar de prticas letradas acadmicas e escolares, no se concretiza na experincia do estagirio, cuja identidade, nessa fase, continua a de um aluno iniciante, com pouca maturidade, com limitadas possibilida-des de assumir-se agente de sua prpria formao.

    Esta observao corroborada em outro contexto estudado por Bueno (2007, p.150). Em relao aos gneros elaborados no estgio, a autora argumenta que en-quanto os dispositivos utilizados para a formao forem os mesmos de avaliao do estagirio, o estgio continuar sendo visto como mais uma disciplina da graduao em que se atribui uma nota.

    A possibilidade de ampliao dos horizontes de dizer do enunciatrio, por meio da interao com um destinatrio real, o docente pesquisador, que traz outras vozes, a partir de outras posies enunciativas, com outras apreciaes valorativas, no se con-cretiza, pelas razes socio-histricas j discutidas. A alteridade construda na interao no chega a prevalecer sobre outros significados socioculturais j construdos. Da que a identidade socioprofissional do professor, a ser constituda no dilogo e na alterida-de, no consiga emergir nesses enunciados, que trazem vozes, concepes de mundo continuamente convocados ao longo dos cinco anos da Licenciatura em Letras. Ela s ser reorganizada quando outras teias de significaes so institudas, ou acentuadas, mesmo que provisoriamente, como em toda construo identitria, na escola.

    CONSIDERAES FINAIS

    O recorte de dados da tese aqui analisado sugere um processo de refrao dos va-lores culturais implcitos no sistema ideolgico da universidade no discurso do estagi-rio, que valoriza as disciplinas da esfera acadmica em detrimento de outras atividades. Se, por um lado, o estgio supervisionado contribui para o letramento profissional do professor, inclusive para o seu desenvolvimento como agente; por outro, a desva-lorizao da prtica de estgio, simultaneamente acadmica e profissional, dificulta a concretizao do potencial reconfigurador de identidades, do ser, sentir e agir aluno para o ser, sentir e agir professor. Isso particularmente evidente quando o estagirio est inserido na cadeia comunicativa do curso universitrio, que apaga a sua agncia nas relaes sociais com membros envolvidos no estgio.

    Por outro lado, h movimentos discursivos que buscam romper com as assime-trias de poder da instituio, que posicionam desfavoravelmente o trabalho do docen-te universitrio responsvel pelo estgio. Essa resistncia representa uma importante luta, na arena discursiva, para melhorar o estgio e reposicionar os profissionais que a exercem suas atividades.

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    Por isso, para alm da mudana na grade curricular, como j efetuada na uni-versidade que forneceu o contexto da pesquisa, e que no parece, como os dados parciais sugerem, ter representado mudanas significativas na concepo do estgio supervisionado, acreditamos ser necessrio o redimensionamento da avaliao axio-lgica do estgio supervisionado e dos agentes envolvidos, principalmente o estagi-rio, que acaba carregando as marcas histricas de sua situao. Assim, as mudanas na grade curricular seriam decorrentes dessa mudana maior e, acreditamos, surtiria efeitos mais positivos nas apreciaes valorativas dos estagirios sobre essa atividade essencial na formao.

    Isso no tarefa fcil. Uma das grandes dificuldades do processo de transformao dos cursos na universidade brasileira a rigidez desta para adaptar-se a uma sociedade em constante mudana e para aceitar formas de construir conhecimentos que no sejam aquelas validadas por anos de tradio, mesmo quando se constata uma ruptu-ra de dilogo com o aluno e um defasado ou insuficiente preparo para o mundo do trabalho. Momentos de subjetividade como os permitidos pela docente pesquisadora do acesso a identidades e sistemas de valores e conhecimentos geralmente apagados na aula universitria.

    As pesquisas do grupo a que pertencemos visam melhorar o ensino e a formao do professor. Pesquisas crticas como esta, em que o objeto de pesquisa no apenas objeto de observao e anlise, mas reacentuado por compromissos ticos e polticos com sujeitos cujas histrias no so ouvidas, constituem um passo importante para admitir a pluralidade de vozes, romper os arcaicos monoplios do saber, intervir na realidade social e, talvez, um dia, mud-la.

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    A PROFESSORA REGENTE DISSE QUE APRENDEU MUITO: A VOZ DO OUTRO E O TRABALHO DO

    PROFESSOR INICIANTE NO ESTGIO

    THE SCHOOL TEACHER SAID SHE LEARNED A LOT: THE VOICE OF THE OTHER AND THE PROSPECTIVE TEACHERS

    WORK IN TRAINEESHIPCarla Lynn Reichmann*

    RESUMO: Levando em conta a relevncia da escrita situada, este trabalho objetiva discutir o trabalho do professor estagirio. O estudo focalizar o professor de lngua inglesa, investigando a voz do profissional professor que ressoa em textos empricos produzidos por cinco acadmicos atuando no ensino mdio (IFPB). A anlise per-mitiu constatar que emergem vozes docentes significativas, convocadas do passado e do presente, ressaltando-se a importncia vital da voz da professora colaboradora na escola-campo.

    Palavras-chave: estgio supervisionado; trabalho docente; letramento acadmico-pro-fissional; vozes enunciativas; Letras.

    ABSTRACT: Taking into account the relevance of the writing situated, this paper aims to discuss the work of the trainee teacher. The study will focus on the English te-acher, investigating the voice of professional teacher that resonates in empirical texts written by five academics acting in high school (IFPB). The analysis enabled to turn out that significant teachers voices arise from theses texts, convoked from the past and the present, stressing the vital importance of the voice of the collaborative teacher at the school-field.

    Keywords: supervised traineeship; teachers work; academic-professional literacy; enunciative voices; languages.

    * Professora Associada da Universidade Federal da Paraba. E-mail: [email protected]

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    INTRODUO

    Este artigo tem como objetivo geral investigar o trabalho do professor iniciante no mbi-to do estgio supervisionado em Letras, com foco especial na voz do outro que ressoa em tex-tos empricos escritos por professores estagirios. Voltado para a formao inicial do professor de lngua inglesa no ensino superior, cabe frisar que o presente recorte decorre de um projeto de pesquisa mais amplo situado na Lingustica Aplicada, aliando os Estudos do Letramento, o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) e as Cincias do Trabalho1.

    Levando em conta que o estagirio se encontra literalmente na fronteira, ou seja, em trnsito entre diversas instncias vinculadas universidade e escola-campo, o estgio aqui entendido como um entrelugar socioprofissional que permite letramentos hbridos (KLEIMAN e REICHMANN, 2012). Considero o estgio supervisionado como um pon-to nevrlgico da licenciatura (LDKE, 2009), enfatizando que a perspectiva do estgio como campo de conhecimentos e eixo curricular central nos cursos de formao de profes-sores possibilita que sejam trabalhados aspectos indispensveis construo de identida-de, dos saberes e das posturas especficas ao exerccio profissional docente (PIMENTA e LIMA, 2009, p.61).

    No Curso de Letras Estrangeiras da UFPB, foi a partir da reforma curricular de 2006 que o eixo do estgio curricular obrigatrio na licenciatura em Letras-Lngua Inglesa passou a ser responsabilidade dos professores de ingls; desde ento, o trabalho docente por mim de-senvolvido tem se direcionado, principalmente, ao trabalho do professor iniciante no estgio. Neste recorte, voltado para uma disciplina de estgio que ministrei em 2011 (direcionada ao ensino mdio em uma escola pblica federal em Joo Pessoa), discutirei especificamente a voz de profissional professor que permeia os textos empricos produzidos pelos estagirios e que incide na a voz do professor iniciante, visibilizando a suma relevncia do professor colabora-dor na experincia vivida pelo estagirio, como j apontado por Ldke (2009).

    Em relao identidade socioprofissional, questo que norteou o referido projeto de ps-doutorado, na contemporaneidade, entende-se a identidade como um construto descen-trado, instvel e situado, como asseveram Hall ([1992] 2011) e Moita Lopes (2006), entre outros. Adoto a definio de identidade como uma condio transitria e dinmica, constru-da na interao, segundo Kleiman (1998, p.280) e proponho que a identidade social do pro-fessor estagirio se constitui por meio de um coro de vozes de outros (interiorizadas) e de si (internas) que ressoam em seus textos empricos, escritos na esfera do estgio supervisionado. Nesse sentido, o presente artigo, focalizando a voz do outro, dialogar com a seguinte questo norteadora: o que revelam as vozes docentes que emergem em textos empricos escritos por professores estagirios?

    Na prxima seo, apresentarei sucintamente alguns conceitos relevantes advin-dos do marco terico embasando este estudo. Posteriormente, descreverei a situao de produo dos trs gneros em foco e, na seo subsequente, analisarei as vozes do-centes que emergem nos textos, constitudas como voz de personagem (BRONCKART

    1 O presente artigo se vincula ao projeto de ps-doutorado intitulado Prticas de letramento e formao de professores de lngua estrangeira, realizado no IEL/UNICAMP (2011-2013) sob superviso da Prof. Dr. Angela Bustos Kleiman, vice--coordenadora do grupo de pesquisa CNPq Letramento do Professor.

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    1999, 2006, 2008). Por fim, tecerei algumas consideraes a respeito da voz do outro e construo identitria do professor iniciante no mbito do estgio supervisionado.

    ANCORAGEM TERICA

    Neste estudo, considero a escrita situada como elemento identitrio de formao (KLEIMAN, 2007), a centralidade da linguagem para a cincia do humano e que as prticas linguageiras situadas (os textos) so os instrumentos principais do desenvolvi-mento humano (BRONCART, 2006), como tambm considero o ensino como traba-lho (MACHADO, 2004).

    Em consonncia com os Estudos do Letramento, de acordo com Street (2003, p.79), prticas de letramento referem-se ampla concepo cultural sobre as manei-ras particulares de se pensar sobre e fazer leitura e escrita em contextos culturais. luz dessa perspectiva, Kleiman (1995, p.11), esclarece que h mltiplas formas de usar a escrita, atreladas a variadas prticas socioculturais e histricas, tambm ressaltando (2007, p.5) que uma situao comunicativa que envolve atitudes que usam ou pres-supem uso da lngua escrita um evento de letramento no se diferencia de outras situaes da vida social, pois tal evento envolve uma atividade coletiva, com vrios participantes que tm diferentes saberes e os mobilizam (em geral cooperativamente) segundo interesses, intenes e objetivos individuais e metas comuns (KLEIMAN, 2007, p.5). Nessa direo, e alinhando-me a Kleiman e Matncio (2005), Gonalves et. al (2011) e Silva (2012), vale esclarecer que na disciplina de estgio em foco foram desenvolvidos eventos de letramento especficos que geraram atividades e gneros situ-ados no mbito da formao docente, como ser visto na prxima seo.

    Em relao ao ensino como trabalho (MACHADO, 2004), apresentarei a seguir os aspectos mais pertinentes a este estudo. Voltadas para uma anlise discursiva do tra-balho docente, pesquisas nesta linha (CRISTVO, 2004; MACHADO et. al, 2011; BUENO et al, 2013, entre outros) tm se debruado sobre textos na esfera da ativi-dade educacional a partir do quadro do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) alia-do s Cincias do Trabalho. Como Machado e Bronckart (2009) asseveram, diversas vertentes tericas pertinentes foram envolvidas, tais como a Filosofia da Linguagem, a Lingustica e a Psicologia do Trabalho. Fundadas nessa perspectiva, as investigaes conduzidas pelo grupo de pesquisa GELIT-UFPB (MEDRADO e PREZ, 2011; FREUDENBERGER e PEREIRA, 2012; REICHMANN, 2012, entre outros), foca-lizam o agir humano em situao de trabalho levando em conta o papel fundador da linguagem, que se materializa em textos orais ou escritos produzidos pelos prprios trabalhadores (antes, durante ou aps a atividade de trabalho). Em outras palavras, de especial interesse o que se revela acerca de textos produzidos no e sobre o trabalho docente, por meio da investigao lingustico-enunciativa voltando-se, por exemplo, para a constituio do professor e seu agir profissional.

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    No presente artigo, sero investigadas as vozes enunciativas em textos empricos escritos por estagirios para dessa forma verificar os pontos de vista docentes inscritos nos textos, ou seja, o que diz, v e pensa o professor na escola. Bronckart (1999, p.326) salienta que as vozes podem ser definidas como as entidades que assumem (ou s quais so atribudas) a responsabilidade do que enunciado. As vozes inscrevem as instncias enunciativas, assumindo a responsabilidade pelo que dito (ou pensado), como tambm a responsabilidade pela interao entre o produtor do texto e destinatrios. Nesta discus-so, sintonizarei em especial com a voz de personagem (do outro, interiorizada) que se faz presente nos textos dos estagirios. Cabe esclarecer que vozes de personagens so entendi-das como as vozes advindas de seres humanos (ou de entidades humanizadas) implicados nos acontecimentos do contedo temtico de um segmento do texto (BRONCKART, 1999, p.327). Como ressalta Bronckart (2006, p.149), essas vozes podem no ser tra-duzidas por marcas lingusticas especficas, podem tambm ser explicitadas por formas pronominais, sintagmas nominais ou, ainda, por frases ou segmentos de frases.

    Ademais, em sintonia com a perspectiva dialgica da linguagem e a partir do conceito bakhtiniano de gnero discursivo, Clot (2007, p.41), situado nas Cincias do Trabalho, define outro conceito relevante neste estudo, a saber, gnero profissional. Este pode ser entendido como um corpo intermedirio entre os sujeitos, um interposto social situado entre eles, por um lado, e entre eles e o objeto de trabalho, por outro. De fato, um gnero sempre vincula entre si os que participam de uma situao, como coatores que conhecem, compreendem e avaliam essa situao da mesma maneira. O autor esclarece que o gnero profissional se fundamenta em uma memria coletiva da atividade, em um falar sobre o trabalho docente, podendo definir-se como o conjun-to de atividades mobilizadas por uma situao, convocadas por ela (CLOT, 2007, p.44). Ou seja, salienta-se a dimenso coletiva e socio-histrica do trabalho, pois como esclarece Souza-e-Silva (2004, p.97), o gnero profissional

    , de algum modo, a parte subentendida da atividade, aquilo que os trabalhadores de um dado meio conhecem, esperam, reconhecem, apreciam; o que lhes comum e o que os rene sob condies reais de vida; o que eles sabem dever fazer sem que seja necessrio reespecificar a tarefa cada vez que ela se apresenta. Existem tipos relativamente estveis de atividades socialmente organizadas por um meio profissional, tipos por intermdio dos quais o mundo da atividade pessoal se realiza, se precisa em formas sociais que no so fortuitas, nem ocasionais, mas que tm uma razo de ser e uma certa perenidade.

    Em consonncia com a perspectiva do ensino como trabalho (MACHADO, 2004), relevante mencionar que o reconhecimento de que o trabalho docente for-ma um corpo organizado de atividades, recursos e rotinas prprias, [...] pode levar a sua caracterizao como um gnero profissional (FREUDENBERGER, 2012, p.125). Nessa linha de raciocnio, procurarei compreender melhor o gnero profissional do professor estagirio e refletir sobre o papel do professor colaborador no estgio. Na prxima seo, apresentarei a situao de produo.

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    RELATO FOTOBIOGRFICO, RELATO PS-OBSERVAO E RELATRIO DE ESTGIO

    Os textos empricos produzidos pelos estagirios se vincularam a diferentes even-tos de letramento, correspondentes s fases vividas na disciplina de estgio em questo, a saber, a fase de memria educativa, a fase de observao e a fase de regncia. Cada evento de letramento mobilizou atividades e gneros situados, a saber, o relato foto-biogrfico, o relato ps-observao virtual (em um blog) e o relatrio de estgio, como pode ser vislumbrado a seguir:

    (i) Fase da memria educativa: esta fase inicial da disciplina envolveu uma visita prpria escola (da poca do ensino mdio), com o objetivo de fotografar o que captasse a ateno do universitrio; seguiu-se a partilha das fotos em for-ma de seminrio e, posteriormente, os estagirios produziram um relato sobre a experincia vivida, aqui denominado relato fotobiogrfico.

    (ii) Fase de observao: nesta fase de entrada na escola-campo, devido disperso dos estagirios nas escolas, solicitei turma que mantivssemos contato por meio de um blog. Os estagirios passaram a postar suas reflexes e relatos ps-observao em um blog especialmente criado para este momento, dessa forma possibilitando a partilha de experincias.

    (iii) Fase de regncia: a etapa final envolveu uma srie de encontros presenciais na universidade, antes e depois da regncia tanto para se preparar para a ministrao de aulas, como tambm para discutir e problematizar o relatrio, promovendo uma anlise reflexivo-crtica da prtica.

    Produzidos em tal contexto, os excertos analisados na prxima seo foram escritos por cinco professores estagirios: discutirei um fragmento do relato fotobio-grfico de Joo, dois fragmentos dos relatos ps-observao de Pedro e Lina e dois fragmentos do relatrio de estgio de Gabi e Eva (especificamente da seo Anlise da prtica de ensino).2

    Como Bronckart (1999, p.93) esclarece, um conjunto de parmetros pode exercer uma influncia sobre a forma como um texto organizado, e fundado em Habermas (1987), aponta para dois grupos de parmetros que se renem, a saber, o mundo fsico e o mundo sociossubjetivo. Os parmetros do mundo fsico situam o comportamento verbal concreto de um agente-produtor em um espao-tempo especfico; os parme-tros do mundo sociossubjetivo, mais complexos, enquadram a produo textual como uma forma de interao comunicativa, isto , em relao a lugares e papis sociais. De acordo com Machado e Bronckart (2009, p. 49-50), tal situao de produo envolve