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Revista PsicologAno 2, Volume 2, Número 1

EditorCarlos Henrique da Costa Tucci

Ribeirão Preto - SP - Brasil 2009

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Lilo e Stitch: ensinando o “mau” comportamento?Lauriane dos Santos Moreira 1 Ana Beatriz Dupré Silva 2

1Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRAAv. Teotônio Segurado, 1501 sul, Prédio 2

Coordenação do Curso de Psicologia do CEULP/ULBRACEP 77054-970 – Palmas/TO

2Universidade de Brasília - UnBFundação Universidade do Tocantins – UNITINS

Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ ULBRA

[email protected]

Resumo. A influência da literatura, de filmes e de programas de televisão navida das pessoas vem sendo discutida há algum tempo. Os desenhos animadosdos últimos anos têm trazido temas importantes para o ambiente familiar,além de mostrarem algumas maneiras perturbadoras de comportamento. Nesteartigo, baseado na perspectiva analítico-comportamental, o desenho animadoLilo e Stitch (EUA, 2002) teve suas contingências consequenciais analisadas,mostrando a sua influência sobre os comportamentos das crianças que oassistem e o papel fundamental dos pais como mediadores, podendo fazer dessaatividade uma ocasião de divertimento e também de educação.

Palavras-chave: Análise do Comportamento, contingências de reforçamento,desenhos animados.

Há muitas gerações é tradição o hábitode contar e ouvir histórias. A cultura temperpetuado essa atividade ao longo dos sé-culos, principalmente em relação às his-tórias infantis. Os Irmãos Grimm (Jacob1785/1863 e Wilhelm 1786/1859) contri-buíram para uma maior difusão da literaturapara crianças, pois escreveram o livro Con-tos de Fadas para Crianças e Adultos (1812– 1822), compilando as histórias conserva-das por séculos através da tradição oral eque hoje são as mais conhecidas ao redordo mundo (COELHO, 1991).

Atualmente, além dos contos de fadastradicionais, a indústria cinematográficatem investido em desenhos animados in-fantis que abordam temas diversos e vêmganhando cada vez mais espaço no coti-diano das famílias. Essas histórias, sejamelas em formato de livros, filmes, quadri-nhos ou desenhos animados,possibilitam

a discussão dos temas os quais abordam,combinando momentos de lazer e educa-ção. Alguns estudos na área da psicologia jáforam realizados buscando compreender ainfluência dessas histórias na vida das crian-ças (ver BETTELHEIM, 1980/2002; GO-MIDE, 2000; GOMIDE; SPERANCETTA2002; BATISTA; FUKAHORI; HAYDU,2004; VASCONCELOS et al. 2006), par-tindo da premissa que o ler, o ouvir e/ou oassistir são, em alguma medida, influenci-adores do comportamento que as criançasvenham a apresentar.

A análise aqui pretendida está atreladaà aquisição de novos comportamentos porparte das crianças através do assistir dese-nhos animados e do contexto em que essaatividade acontece, mostrando o que prova-velmente determina a alteração e/ou inclu-são de comportamentos. Além disso, serádemonstrada a importância do monitora-

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mento das atividades dos filhos pelos pais ea relação dessas atividades com os compor-tamentos dos filhos. Segundo Baum (1999,p. 258) “uma criança pode bater em ou-tra, imitando um comportamento agressivovisto na TV, mas a continuidade da agres-são vai depender de o comportamento serreforçado ou punido”, o que mostra o pa-pel fundamental dos pais como mediadores,supervisionando as atividades às quais seusfilhos estão submetidos.

O desenho animado Lilo e Stitch (EUA,2002), produção da Walt Disney Pictures ecom duração de 85 minutos, despertou o in-teresse em elaborar esse trabalho a partir daqueixa formulada durante atendimento clí-nico em relação a esse filme. Ao assisti-loas crianças parecem se comportar de ma-neira semelhante aos personagens que dãotítulo a essa obra. Dentre tais comporta-mentos, destaca-se gritar, agredir, fugir, ba-bar e colocar o dedo no nariz. Apesar de odesenho ter um final em que os personagensnão apresentam comportamentos perturba-dores, ainda assim as crianças parecem serinfluenciadas pelo modo de se comportaranterior tanto de Lilo quanto de Stitch. Poroutro lado, o filme também oportuniza adiscussão de temas comuns no cotidiano,como o valor da família, o abandono, a ado-ção, dentre outros, facilitando a discussãode assuntos muitas vezes delicados tantona clínica quanto no contexto familiar. Di-ante disso, surgiu a proposta de se fazeruma Análise Comportamental desse dese-nho animado, com vistas a esclarecer comoas crianças podem aprender esse modo dese comportar e quais contribuições podetrazer.

A ABORDAGEM ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL

A Análise do Comportamento, ciênciaproposta por Skinner (1904-1990), emba-sada na filosofia behaviorista radical, evi-dencia a importância do contexto ambiental

em detrimento de causas mentalistas paraexplicação do comportamento. Skinner(1953/2000, p. 33) coloca que “o hábito debuscar dentro do organismo uma explica-ção do comportamento tende a obscureceras variáveis que estão ao alcance de umaanálise científica. Estas variáveis estão forado organismo, em seu ambiente imediato eem sua história ambiental”.

Além disso, neste tipo de análise sãoconsideradas as variáveis filogenéticas(evolução da espécie), ontogenéticas (his-tória de reforçamento) e culturais para adeterminação do comportamento (BAUM,1999) Os comportamentos operantes são oprincipal foco de estudo dessa abordagem e,segundo Matos (1993a, p. 143), é operanteaquele comportamento que “afeta (atua so-bre) o ambiente e, mais importante, que éafetado pelas consequências dessa atuaçãosobre o ambiente”. Conforme Pinto e Fer-reira (2005, p. 7), “a capacidade de seleci-onar operantes por parte de um organismoem função de sua consequência, garanteque comportamentos irão ser efetivamenteadicionados ao repertório do organismo”.

A aquisição de novos comportamen-tos operantes se dá de diversas maneiras,destacando-se os processos de modelagem,modelação e comportamento controladopor regras.

A modelagem é um procedimento capazde gerar novas respostas no sujeito atravésde aproximações sucessivas do comporta-mento final por meio de reforçamento dife-rencial, em que apenas as respostas que seassemelham ao comportamento que se de-seja modelar são reforçadas e as outras não(CATANIA, 1999). Skinner (1953/2000,p.101) acrescenta que “um operante não éalgo que surja totalmente desenvolvido nocomportamento do organismo. É o resul-tado de um contínuo processo de modela-gem”.

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A imitação (ou modelação) é outraforma de aquisição de novo comportamentoe, segundo Baum (1999, p. 249) a existên-cia de uma cultura seria praticamente inviá-vel sem a imitação. “Em outras palavras,os indivíduos que imitam têm maior chancede se comportar de maneiras novas que re-sultem em sobrevivência e reprodução noambiente existente (...)”. A imitação estána base do condicionamento operante, poisum comportamento tendo sido induzido pormeio de imitação pode ser reforçado e mo-delado até atingir formas mais evoluídas.

Além disso, Skinner (1989/1991, p. 73)coloca que “o comportamento operanteé imitado porque existe possibilidade deocorrência das mesmas consequências re-forçadoras”.

Skinner (1989/1991, p. 61) diz aindaque “os membros de um grupo imitam-seuns aos outros e servem como modelos.Reforçam conformidade e punem desvios.Em algum ponto da história do grupo, po-rém, comportar-se de forma parecida comos outros apareceu sob o formato de umaregra.”

Segundo Baum (1999, p. 156), “o com-portamento controlado por regras dependedo comportamento verbal de outra pessoa(o falante), enquanto que o comportamentomodelado por contingências não requer ou-tra pessoa, requer somente interação comcontingências”.

As pessoas estão sujeitas a aprendiza-gem por meio de regras, ordens e conselhosde outros. Em geral, essas regras disponibi-lizam ao sujeito um modo de se comportarmais aceitável no âmbito social. Exemplosdisso podem ser percebidos em diversasplacas normativas espalhadas pelas cida-des, como “proibido uso de celular”, “nãofume”, dentre outras. Os comportamentoscontrolados por regras têm uma caracterís-tica peculiar, onde o sujeito é capaz de se

comportar adequadamente em uma situaçãopela qual nunca passou antes, sem ter sidomodelado por contingências consequenci-ais (SCHIMIDT; SOUZA, 2003). Contudo,o sujeito só terá assimilado o significado deuma regra se houver engajamento no com-portamento que ela especifica, passando porsuas conseqüências, que por sua vez deter-minarão o seu cumprimento futuro (SKIN-NER, 1989/1991).

Diante disso, é percebido que os ana-listas do comportamento observam um or-ganismo se comportar de maneiras novase procuram entender seus determinantes,em que os processos de aquisição de novoscomportamentos são frutos de condiciona-mento operante, ou seja, são mantidos pelaconseqüência do comportamento (SKIN-NER, 1989/1991). Nesse sentido, acredita-se que essa abordagem fornece embasa-mento suficiente para a análise aqui pre-tendida, dando destaque para os processosde imitação (modelação) e de controle porregras, pois são os que mais apresentamelementos para uma interpretação compor-tamental de Lilo e Stitch.

RESUMO DA HISTÓRIA DE LILO eSTITCH

626 é fruto de uma experiência genéticade um cientista maluco, e foi criado como único objetivo de destruir tudo que vêpela sua frente. Apesar de possuir inteli-gência e força acima do normal, 626 nãopossui nenhuma tendência à bondade. Porcausa desse seu jeito nada sociável, ele foiobrigado a passar por um julgamento noQuartel General da Federação Galática noplaneta Turo, onde foi condenado à exter-minação e, seu criador, à prisão. No en-tanto 626 usa diversos artifícios na tentativade fugir: morde, baba, atira, rouba, gar-galha, grita, dentre outras coisas. Conse-gue, então, fugir e vai parar acidentalmenteno Havaí. Como é um foragido interga-lático e pouco se conhece sobre sua na-

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tureza, Plinky (“profundo” conhecedor doplaneta Terra) e Jumba (criador de 626) sãoindicados para trazer o alienígena de volta.Tentando fugir da equipe encarregada decapturá-lo, o alienígena se faz passar porcachorro e fica escondido em um canil.

Lilo é uma garotinha de cinco anos deidade, órfã criada pela irmã mais velha,Nani. Não tem amigas e as colegas comas quais tenta se relacionar nunca querembrincar com ela. Lilo costuma desobedecerà irmã e tem várias brigas em função disso,onde grita, baba, corre e morde. Alémdisso, Nani é sobrecarregada com as tare-fas de cuidar da irmã e trabalhar ao mesmotempo para sustentá-las, não sobrando es-paço para cuidar de si nem namorar. Liloestá a ponto de ser levada por um assistentesocial que questiona a qualidade dos cuida-dos que recebe, pois fica sozinha em casaboa parte do tempo ou na rua. Para conti-nuar com a guarda de Lilo, Nani tem quepassar uma boa imagem para o assistentesocial, tarefa que fica difícil de ser cum-prida com a chegada de 626.

Lilo, ao ver uma suposta estrela cadentefaz um pedido de ter um amigo, pois dizprecisar de alguém que fique com ela. Naniouve o pedido de Lilo e no dia seguinteresolve levá-la ao canil para comprar umcachorro. Lilo escolhe 626 e lhe dá o nomede Stitch. Apesar da irmã e da veterináriado canil não concordarem que Lilo fiquecom Stitch, ela insiste e as duas acabamcedendo. A convivência entre Stitch, Liloe Nani não é harmoniosa e Nani decidemandar o cachorro ir embora. Lilo, paradefender o seu “cão” fala para a irmã so-bre o’hana, palavra ensinada pelo seu paique significa família e que família significanunca mais abandonar ou esquecer. A irmã,diante da lembrança dos ensinamentos dopai, resolve aceitar Stitch.

Lilo começa a perceber a tendênciade Stitch em destruir tudo o que toca e,

conforme a exigência do assistente socialpor um comportamento adequado do “ca-chorro”, resolve educá-lo de maneira queimite o cantor Elvis Presley, que é alguémromântico, gentil, canta e, para ela, é umcidadão modelo. Stitch, após aprender oscomportamentos de Elvis, vai à praia parase apresentar, mas uma multidão fica ao seuredor tirando fotos e gritando. Ele, então,rasga as próprias roupas, quebra o violãoe ataca as pessoas. Nani, mais uma vez,perde o emprego que havia acabado de con-seguir como salva-vidas por culpa de Stitch.David, candidato a namorado de Nani, re-solve chamar ela e Lilo para surfar. Stitchtem densidade molecular muito alta, o queo impede de ter contato com a água poiscorre risco de não sobreviver, mas mesmoassim vai surfar também. Plinky e Jumba,vendo nessa ocasião uma oportunidade decapturar Stitch, o puxam para o fundo domar, derrubando Nani e Lilo, que quase seafogam. Stitch consegue se livrar da duplaque tenta pegá-lo e volta para praia auxili-ado por David.

Na areia da praia, observando tudo issoestá o assistente social, que avisa que bus-cará Lilo no dia seguinte. Durante a noite,Stitch resolve ir embora, levando consigo olivro do Patinho Feio. Lilo insiste para queseu “cachorro” fique e relembra o signifi-cado de o’hana, mas aceita a sua decisão.Stitch vai para floresta e abre o livro napágina em que o patinho feio diz estar per-dido, e permanece ali esperando sua “ver-dadeira” família aparecer. Jumba aparecee diz para Stitch que ele não tem família,pois ele o criou. Até o momento, ninguémconseguiu capturar Stitch e diante deste fra-casso a Federação Galática designa Gantupara pegá-lo.

Na manhã seguinte, David vai à casa deNani dizendo que lhe arranjou um emprego.Nani pede a Lilo que fique em casa e quenão abra a porta para ninguém, pois ela

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terá de ir atrás de algo muito importante.Enquanto isso, Stitch, acuado por Jumbae Plinky, volta para casa de Lilo para seesconder e, na perseguição, destróem todaa casa. Lilo liga para o assistente socialpedindo ajuda. Nani, ao chegar encontraa casa em ruínas e percebe que Lilo estásendo levada pelo assistente social. Con-tudo, Lilo foge do carro do assistente sociale é capturada junto com Stitch por Gantu.Stitch consegue fugir, mas Lilo não. Então,Nani, Stitch, Jumba e Plinky, influenciadospelo significado de o’hana, se unem parasalvar Lilo. Em meio a uma perseguiçãoque passa pelo céu, vulcão, terra e mar,Stitch consegue impedir que Lilo seja le-vada para outra galáxia.

Todos falharam na tentativa de captu-rar Stitch. Então a conselheira responsávelpelas ordens de busca resolve vir pessoal-mente capturar a experiência genética 626.No entanto, ao encontrar Stitch, ela percebeque seus comportamentos haviam mudado,pois ele conversa calmamente, diz que seunome agora é Stitch e não mais 626, apre-senta a “família” que ele encontrou e per-gunta se pode se despedir. A conselheirafica surpresa e comovida com a mudança eresolve que a sentença de Stitch será cum-prida na Terra, sob a responsabilidade deLilo e sua irmã e protegidas pela Federa-ção das Galáxias Unidas, possibilitando quecontinuassem juntos.

ANÁLISE DE CONTIGÊNCIAS CON-SEQUENCIAIS EM LILO E STITCH

De acordo com Sidman (1989/2003, p.50) “o comportamento não ocorre no vá-cuo. Eventos precedem e seguem cada umade nossas ações. O que fazemos é forte-mente controlado pelo que acontece a se-guir”. Na análise dos comportamentos daspersonagens Lilo e Stitch não é diferente,pois as consequências operantes do que fa-zem é que determinam a probabilidade deum comportamento ser emitido novamente,

além dos fatores filogenéticos e culturais.

No caso de Stitch, o nível filogenéticoinfluencia fortemente seu comportamento,pois ele foi criado para destruir e comporta-se quase que invariavelmente agredindo, fu-gindo e gritando. Já Lilo emite vários com-portamentos perturbadores semelhantes aosde Stitch, mas as variáveis que determi-nam suas ações são fruto de reforçamento,pois vive em um contexto aversivo de per-das e agressões. No entanto, “o fato de umcomportamento ter sido produzido por umprocesso (filo ou ontogenético) não signi-fica que esteja ‘protegido de’ ou ‘imune a’qualquer alteração ou regulação pelo outroprocesso (...)” (NETO; TOURINHO, 2001,p. 3). Sendo assim, apesar do tipo de deter-minante de um comportamento, ele aindaestá sujeito a alterações frente à influênciados três níveis citados.

Apesar de ter apenas cinco anos deidade, a menina Lilo já sofreu várias per-das: seus pais morreram, sofre dificulda-des financeiras e não tem amigos. Lilo,apesar do esforço para se aproximar de ou-tras meninas de sua idade, sempre é rejei-tada por seus comportamentos perturbado-res. Exemplo disso é que ao ser chamadade “louca” por uma colega de escola, Lilomorde e bate na menina e como consequên-cia é repreendida pelo professor e as colegasse afastam dela. Em seguida, ao perceberque as colegas vão brincar de boneca, elase oferece para brincar junto e as meninas adeixam falando sozinha. Noutro momento,Lilo pede desculpas para a colega que mor-deu e esta não aceita. Podemos perceberque as tentativas de Lilo de fazer amizadesempre são frustradas, mesmo quando elausa sentenças verbais que geralmente cau-sam aceitação, como pedir desculpas, porexemplo. Neste caso, os comportamentostidos como adequados que Lilo emitiu, temmenor probabilidade de ocorrer novamente,pois as consequências não foram reforçado-

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ras para ela.

Lilo também não tem um relaciona-mento agradável com sua irmã, pois amenina não costuma seguir as ordens desua tutora. Diante da não colaboração deLilo, a irmã grita, briga, ameaça e Lilo re-age do mesmo modo. Segundo Sidman(1989/2003, p. 241), “esgotada a nossapaciência por uma criança mal compor-tada, gritamos, estapeamos e espancamos”.Além disso, ambas vivem sob as pressõesde um Assistente Social que exige respon-sabilidade e emprego de Nani para que nãoperca a guarda de Lilo, o que traz aindamais conflito para essa interação.

Obviamente, não parece esperado, di-ante deste contexto, acreditar que compor-tamentos mais adequados seriam emitidos,pois concorda-se com Sidman (1989/2003,p. 241) quando coloca que

"é demais esperar de nós mesmos quesaibamos reagir o mais efetivamente pos-sível em cada situação, que saibamos agirsempre sabiamente não importa quais aspressões do momento. E, assim, nós sem-pre cometemos erros, fazendo aquilo quetraz alívio imediato, a despeito, ou na igno-rância, do que possa acontecer mais tarde."

Contudo, não está aqui sendo pregadoque devemos aceitar a vida tal com ela é,mas ter o conhecimento de que as rela-ções entre eventos ambientais e as açõesdas pessoas estão profundamente ligadas.E é a partir da compreensão dessa relaçãoque as pessoas podem tentar modificar ascontingências às quais estão submetidas, vi-sando obter melhor interação e conseqüen-temente, melhores sentimentos.

Lilo e Stitch se encontram em funçãode Lilo querer um bicho de estimação porse sentir muito sozinha. Stitch, um ser cri-ado para destruir, é confundido com umcachorro e passa a fazer parte dessa famí-lia. O contexto familiar, com a chegada

de Stitch, torna-se ainda mais conflituoso,pois ele não colabora para facilitar a convi-vência, já que tem como único interesse seesconder de seus perseguidores e encontrarformas de fugir, enquanto Lilo quer que elefaça parte da família.

Para os adultos que assistam ao filme,essa pode ser uma ocasião de esclarecer àscrianças sobre os diversos tipos de famíliaexistentes e que o padrão pai-mãe-filhinhosé só mais um modelo de família. Alémdisso, é uma boa oportunidade de falar dasdificuldades que muitas crianças enfrentamem relação à tutela.

Stitch é sempre agressivo em suas intera-ções com outros sujeitos e se diverte diantede situações onde alguém se machuca ousofre. Como exemplo, temos o episódio emque David queima um palco e Stitch batepalmas e dá gargalhadas. Outro momento équando Stitch atira uma bola no rosto de umrapaz na praia e novamente gargalha frenteà dor do outro.

Conforme Gomide (2000, p. 4), “partici-pantes aprendem a se comportar agressiva-mente a partir de observação de um modeloque é reforçado pelo seu comportamentoagressivo”. A idéia defendida neste artigoé consonante com essa afirmação, pois seacredita que ao assistir as cenas de com-portamentos perturbadores, as crianças es-tão sujeitas a imitá-los. O próprio filmeexemplifica tal relação, pois na cena emque Stitch assiste na televisão uma aranhagigante destruir uma cidade, ele começa aimitá-la, gritando e fazendo movimentoscom os braços como se estivesse prontopara atacar. Noutro momento, Stitch cons-trói uma cidade de brinquedos e livros paraem seguida destruí-la, mais uma vez imi-tando a cena que havia visto anteriormentena televisão.

Diante das perturbações causadas porStitch e da exigência por parte do assis-

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tente social para que seja “um cidadão mo-delo”, Lilo começa a treinar Stitch para quese comporte como o cantor Elvis Presleyque, para ela, é um cidadão modelo. Atra-vés de imitação, Lilo vai inserindo novoscomportamentos em Stitch, como dançar,tocar violão e ser romântico. Stitch imitatodos os novos comportamentos, mas du-rante sua primeira apresentação agride aspessoas, rasga suas roupas e grita em fun-ção dos flashs e do tumulto em torno dele.Assim como Lilo, Stitch também não temconsequências reforçadoras para seus com-portamentos tidos como adequados.

No entanto, gradualmente, Lilo e Stitchvão deixando de emitir os comportamentosperturbadores. Lilo, tendo Stitch como seubicho de estimação, começa a perceber quecuidar de alguém “terrível” não é fácil eque as pessoas tendem a se afastar de quemsempre age de modo anti-social.

Lilo não precisou experimentar todos oscomportamentos de Stitch que resultaramem consequências aversivas para aprenderque aquele não era o modo mais adequadode agir. Sendo assim, pode-se constatarque os organismos estão sujeitos a apren-der com os outros por meio da observação,aonde o comportamento de um permite queo outro atue com base nos estímulos dispo-níveis apenas para o primeiro (CATANIA,1999).

Além disso, Stitch passa por mudançasainda mais drásticas que Lilo, pois inicial-mente ele não possuía um nome, não tinhafamília e tampouco comportamentos sociá-veis. A convivência em um ambiente fami-liar que, apesar de ser conturbado, valorizaseus membros e emana afeto, que pareceter sido o principal fator dessa mudança. Osignificado que esta família atribui à pala-vra havaiana o’hana foi fundamental paraeste processo de adaptação de Stitch, poissegundo ensinado pelo pai de Lilo, o’honasignifica família e família significa nunca

mais abandonar ou esquecer.

De acordo com Skinner (1953/2000, p.335), “as palavras ‘simbolizam’ ou ‘expres-sam’ idéias ou significados, os quais en-tão são ‘comunicados’ ao ouvinte” e, mui-tas vezes, aparecem como regras verbais,onde os comportamentos necessários e suasconsequências são descritos. No caso deo’hana não se pode emitir comportamentosde abandonar ou esquecer, tendo como con-seqüência um melhor relacionamento entreos membros da família. Stitch experimen-tou essa regra em dois momentos: quandoLilo tenta impedi-lo de ir embora e quandoo próprio Stitch decide fazer o resgate deLilo, sendo suficiente para que ele a assimi-lasse.

Skinner (1989/1991, p. 61) diz que“descobrimos o significado de uma regraquando nos engajamos no comportamentoespecificado por ela e quando somos afe-tados pelas consequências”, sendo exata-mente isso o que ocorreu com Stitch. Elefoi submetido às consequências dessa regraao não ser abandonado nem esquecido e re-agiu do mesmo modo quando Lilo estavaem perigo. A história do Patinho Feio quehavia lhe indicado que ele era alguém sozi-nho não fez mais sentido.

Stitch é um sujeito diferente de Lilo eNani, veio de um lugar também diferentee suas ações, apesar de haver semelhançacom as de Lilo, não condiziam com muitosvalores presentes nessa família. No entanto,apesar das divergências, ele foi acolhido,aceito, amado e, na convivência, se adaptouàquele estilo de vida. Essa situação podeser proveitosa para famílias que têm filhosadotivos, mostrando que mesmo não tendolaços consanguíneos e apesar de histórias devida pouco semelhantes (no caso de adoçãode crianças maiores), eles são queridos.

Ao final do desenho animado, Lilo, Nanie Stitch formam uma família e o que se

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vê são apenas comportamentos não pertur-badores, uma vez que há a ampliação derepertório. É um final emocionante quechega a gerar lágrimas no público que oassiste. Contudo, não há demonstração deaprovação explícita como as gargalhadasque acompanham o início do filme. É inte-ressante constatar que diante dos compor-tamentos “bons” a platéia chora e diantedos comportamentos “ruins” a platéia sorri.Daí, os comportamentos que tiveram refor-ços positivos imediatos através das risadasforam o gritar, o babar, o fugir, o agredir,passando a ter mais probabilidade de ocor-rer, ao contrário dos comportamentos queaparecem no final do filme que geralmentenão recebem nenhum reforçamento positivopor parte dos telespectadores, por se tratarde cenas menos empolgantes.

O desenho é de fato muito divertidotanto para os pais quanto para os filhos.As cenas onde Stitch ou Lilo se compor-tam inadequadamente são as mais engra-çadas. É fácil constatar porque as crian-ças tendem a imitar os comportamentosde gritar, colocar o dedo no nariz, agre-dir e babar das personagens em detrimentoaos comportamentos pró-sociais. Ao ve-rem seus pais/familiares/outras criançasdarem risadas frente às perturbações daspersonagens, as crianças são induzidas aagir do mesmo modo, pois esperam ter amesma consequência de aprovação, risadase atenção. Sendo assim, “embora os paisdemonstrem aos filhos como fazer certascoisas, por exemplo em função do fato deque a criança necessitará de menos ajuda,essa consequência é atrasada” (SKINNER,1989/1991, p.155). Portanto, é possívelperceber influências “boas” e “ruins” nessedesenho animado, o que mostra, mais umavez, a importância da companhia e moni-toramento dos adultos nessa situação e emtantas outras as quais as crianças estão sub-metidas no dia-a-dia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o avanço da tecnologia, muitas cri-anças têm em casa aparelhos de DVD quefacilitam o contato com desenhos animadose, frequentemente, o assistem várias vezesseguidas. No entanto, os pais parecem acre-ditar que, por se tratarem de filmes infantis,seus conteúdos tendem a ser leves, educa-tivos ou inocentes. Um erro, pois o fato deser infantil não confere ao desenho o títulode adequado para a criança assistí-lo semnenhuma ponderação.

Segundo Delgado (2001, p. 01) “a TVencarrega-se de levar ao público a realidadedo mundo exterior; não importa se é ou nãoreal, corresponde ou não à história, mas simo que é o mundo de fato”. Nesse sentido,os pais devem se dispor a assistir o desenhoanimado antes de o apresentarem a criançapara ver que tipo de “realidade” ele mostraou acompanhar a criança nessa atividade,fazendo a mediação da história assistidacom o que acontece no cotidiano daquelafamília e na sociedade a qual pertence.

Vale lembrar que os produtores de dese-nho animado, os desenhistas e animadoresnão devem estar cientes de que determina-das cenas, personagens e situações influen-ciam o comportamento da criança. É utopiapensar que, em função dos avanços tecno-lógicos na área de desenhos animados, elestragam apenas histórias com bons exemplose comportamentos pró-sociais. Entretanto,o que se espera não são animações que mos-trem apenas um padrão socialmente aceitode comportamento, mas que as criançaspossam assistir qualquer tipo de desenhoanimado infantil, tendo contato com diver-sas realidades e contem com a participaçãodos pais para fazerem intermédio das cenasdo desenho com o dia-a-dia.

Por outro lado, os pais também não de-vem ficar como sentinelas frente aos mo-mentos que seus filhos estão assistindo à te-

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levisão, mas diante de um comportamentonovo que a criança emita, não descarte apossibilidade de ela o ter adquirido dos de-senhos animados que costuma assistir antesde rotulá-la como “mal-criada”. A reprodu-ção de falas das personagens são bastantecomuns e, muitas vezes, a criança não con-textualiza se cabe repetir determinada falaou não no seu ambiente social e os paisdevem estar atentos a isso para instruí-lasda melhor maneira, tendo em vista que aspessoas não são iniciadoras de suas ações,mas o palco onde as interações do compor-tamento com o ambiente se dão (MATOS,1993b).

Diante das explanações feitas, não hácomo negar a influência até de transmis-sões voltadas ao público infantil, tanto parao “bem” quanto para o “mal”. De qual-quer maneira, os desenhos animados po-dem funcionar como aliados na educaçãodas crianças, se os pais souberem manejaras contingências ali presentes, e a análisedo comportamento pode elucidar e auxiliaresse processo.

A televisão de modo geral parece pos-suir um poder fantástico frente aos teles-pectadores, conseguindo conferir mudan-ças de comportamentos, opiniões e atitu-des. Sendo assim, seria complementadordeste artigo a realização de uma pesquisaque verificasse a eficácia da mediação dospais em relação aos seus filhos frente a al-gum desenho animado ou outro programatelevisivo que venham a assistir, onde asanálises aqui feitas pudessem ser testadas,comprovadas e/ou refutadas.

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