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A mensagem política na campanha das eleições presidenciais: análise de conteúdo dos slogans entre 1976 e 2006 * Paula do Espírito Santo Universidade Técnica de Lisboa Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Índice 1 Introdução ........................ 2 2 Ressalva metodológica ................. 4 3 O slogan e a sua importância política e comunicacional 7 4 Representações discursivas nos slogans das eleições pre- sidenciais ........................ 9 5 Representações sócio-políticas, políticas e ideológicas nos slogans das eleições presidenciais ......... 19 6 Considerações finais ................... 23 7 Referências bibliográficas ................ 25 * Texto publicado na revista Comunicação & Cultura: Espírito Santo, Paula (2006), "A mensagem política na campanha das eleições presidenciais: análise de conteúdo dos slogans entre 1976 e 2006", revista Comunicação & Cultura, n o 2, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Quimera, pp. 83-101.

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Page 1: A mensagem política na campanha das eleições ... · a análise de conteúdo, suportada na vertente qualitativa e infe-rencial, ... Segundo Bardin, pelo menos até à década de

A mensagem política na campanhadas eleições presidenciais: análise deconteúdo dosslogansentre 1976 e

2006∗

Paula do Espírito SantoUniversidade Técnica de Lisboa

Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

Índice

1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Ressalva metodológica. . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Oslogane a sua importância política e comunicacional 74 Representações discursivas nosslogansdas eleições pre-

sidenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Representações sócio-políticas, políticas e ideológicas

nosslogansdas eleições presidenciais. . . . . . . . . 196 Considerações finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . 25

∗Texto publicado na revistaComunicação & Cultura: Espírito Santo, Paula(2006), "A mensagem política na campanha das eleições presidenciais: análisede conteúdo dos slogans entre 1976 e 2006", revistaComunicação & Cultura,no 2, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Quimera, pp. 83-101.

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Resumo

O estudo presente tem como objectivo a análise das representa-ções discursivas, políticas e dos valores contidos nosslogansdaseleições presidenciais portuguesas, a partir de 1976, data das pri-meiras eleições presidenciais pós-revolução de 1974, até 2006.Os resultados do estudo incidirão na análise da diferenciação dis-cursiva, política, ideológica e dos valores contidos nosslogansdecampanha. Do ponto de vista metodológico, este estudo utilizaa análise de conteúdo, suportada na vertente qualitativa e infe-rencial, direccionada para os conteúdos informacionais conside-rados.

Abstract

The main objective of the present study is the analysis of a setof discursive and political representations as well as the analysisof the values contained on the slogans of the Portuguese presiden-tial elections, from 1976, when the first presidential election, afterthe 1974 revolution, occurred, till 2006. The results of the studywill focus the analysis of the discursive, political and ideologicaldifferentiation contained in the campaign slogans. In methodolo-gical terms, the present study is based on the technique of contentanalysis, supported in a qualitative and inferential view, focusedon the considered informational contents.

1 Introdução

As eleições presidenciais, realizadas em Portugal, entre 1976 e2006, constituem o átrio da análise presente. Em Portugal, o pe-ríodo logo após 1976 caracterizou-se pela institucionalização de-mocrática, a qual, do ponto de vista político, centrou-se, forte-mente, na figura do primeiro Presidente da República, eleito noperíodo pós-revolução. Ou seja, o sistema político português àépoca reviu-se e relevou-se, em grande medida, na capacidade de

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gestão política de António Ramalho Eanes. A partir deste pri-meiro mandato presidencial, renovado num segundo, após cincoanos, Portugal percorreu um caminho de consolidação política eeconómica, o qual assentou, do ponto de vista institucional, na im-portância da figura do Presidente da Republica, configurada numregime semi-presidencialista.

O projecto de gestão política presidencial, iniciado com Ra-malho Eanes, em 1976, contribuiu, fortemente, para que o sis-tema político português ganhasse credibilidade política do pontode vista interno e internacional. Os mandatos presidenciais su-cessivos aos dois mandatos do primeiro Presidente da Repúblicaportuguês eleito, no pós revolução de 1974, consolidaram essagarantia de credibilidade. Lembre-se que, por limitação consti-tucional, os mandatos para o cargo de Presidente da RepúblicaPortuguesa têm a duração de cinco anos cada e a limitação dedois por cada Presidente eleito. Num contexto socio-político quese saldou por uma evolução sustentada do ponto de vista políticoe social, pautada pelo pluralismo partidário e pela integração esustentabilidade económica, Portugal vivenciou, a partir de 1976,um clima de crescimento e de evolução democrática. No plano daintegração europeia, houve etapas fundamentais neste percurso doEstado Português, de onde se destaca a adesão de Portugal às Co-munidades Europeias em 1986, concretizada sob a Presidência deMário Soares ou a adesão à moeda única europeia formalizada em1 de Janeiro de 2002, sob a Presidência de Jorge Sampaio.

Com este pano de fundo, o objectivo central deste estudo é aanálise da mensagem política, concretizada nos elementos cons-tantes nosslogansdas campanhas presidenciais, de 1976 a 2006.De modo específico, este estudo tem como objectivo a sistemati-zação e inferência das representações discursivas, políticas, ideo-lógicas e valorativas contidas nas mensagens de propaganda, sob aforma deslogan. O corpusde análise é constituído pelosslogansproduzidos no âmbito das candidaturas presidenciais, ao longo dolapso de tempo de trinta anos referido.

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2 Ressalva metodológica

Em termos metodológicos, na investigação presente optámos pelautilização da análise de conteúdo, técnica que nos propusemosaplicar, tendo com consideração a sua adequação e tradição naanálise descritiva e também inferencial de conteúdos comunica-cionais como os materiais de propaganda. A técnica de análisede conteúdo - com raízes teóricas nos desenvolvimentos norte-americanos das décadas de 30 e, sobretudo, de 40 em diante -teve múltiplos contributos impulsionadores pioneiros, de entre osquais se destacou o de Bernard Berelson (Berelson, Salter, 1946;Berelson, Grazia, 1947; Berelson, 1952). Este autor é conside-rado um dos principais mentores daquela técnica nos EUA. Berel-son produziu contributos no plano conceptual e empírico que mar-caram a investigação social e política, não só no âmbito da técnicade análise de conteúdo como também nos estudos de propaganda,e nos estudos com base em sondagens e inquéritos sociológicos li-gados aos primeiros desenvolvimentos na área do comportamentoeleitoral.

O impacto do modelo conceptual e metodológico de Berelsonfoi significativo, durante várias décadas, não apenas nos EUA,mas conforme assinalou Bardin, em contextos como o francês.Segundo Bardin, pelo menos até à década de 70, os raros manu-ais que abordavam a técnica, obedeciam de modo rígido ao mo-delo de Berelson (Bardin, 1977, 1991). A partir dos anos 80, aperspectiva qualitativa da análise de conteúdo passa a ser alvo demaior destaque conceptual assim como de desenvolvimento em-pírico. Múltiplos contributos de referência posteriores têm contri-buído para a renovação dos enfoques técnicos da análise de con-teúdo (Krippendorf, 1980; Weber, 1990; Romero, 1991; Altheide,1996).

Na aplicação presente da técnica de análise de conteúdo utili-zamos a sua tipologia categorial baseada, sobretudo, na inferên-cia dos resultados, incidindo, assim, na sua vertente qualitativa.Pretende-se, do ponto de vista categorial e inferencial, a desmon-

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tagem das tendências de comunicação constantes docorpusse-leccionado. Neste estudo não temos como objectivo o levanta-mento e inferência de natureza iconográfica dos materiais de pro-paganda, na base deste trabalho. Como referido, este estudo temem consideração uma matriz sociológica, baseada na análise deconteúdo e, como tal, não se enquadra na matriz teórica linguís-tica que a análise textual e discursiva podem fornecer.

No que se refere ao processo de codificação procedemos aorecorte das unidades de análise, compostas pela palavra e pelotema. Ainda no âmbito do processo de codificação, a regra deenumeração utilizada é de ordem qualitativa. Ou seja, a escolhadas unidades de enumeração é concretizada no levantamento eanálise da presença ou ausência de ocorrências com significadoanalítico, face aos objectivos propostos.

Para além da codificação, a outra operação técnica presenteé a categorização. Nesta optou-se por um sistema de classifica-ção semântico, aliado a um procedimento designado ‘por milhas’(Bardin, 1977). Optámos por este procedimento tendo em con-sideração a natureza rica, diversificada e extensa do material emanálise. Em concreto, este procedimento consiste no desenvolvi-mento do quadro categorial à medida em que se desenvolve todoo processo de investigação e amadurecimento das potencialidadesde análise do material seleccionado. Ou seja, o processo de cate-gorização é ditado, sobretudo, pelos contornos e especificidadesdo corpus, e procura um alinhamento analítico, de acordo coma sua natureza comunicacional e significados simbólicos. Destemodo, as operações de codificação e categorização foram con-cebidas pela autora do estudo, com base no quadro contextual,temático e metodológico atinente ao estudo presente e de acordocom o objectivo de análise proposto. O tratamento dos dados foiefectuado, tal como referido, com base numa vertente categoriale qualitativa da análise de conteúdo.

Do ponto de vista da validade do estudo investimos na cla-rificação dos procedimentos metodológicos utilizados, conscien-tes da especificidade da análise de conteúdo em termos técnicos,

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à semelhança do que é perfilhado por outros contributos que sededicam à investigação social e a esta técnica (Bringberg, Mac-Grath, 1985; Bowen, Petersen, 1999). O interesse e investimentoda autora nos temas da persuasão e propaganda políticas (EspíritoSanto, 1997) assim como a sua actividade docente, de orienta-ção e também de investigação, com recurso à análise de conteúdo(Espírito Santo, 2004), contribuíram para que o caminho percor-rido pudesse ser delineado, com recurso a um suporte técnico eteórico, previamente, amadurecido.

Do ponto de vista da fidelidade da análise perfilhamos a im-portância de se clarificar o conjunto de estratégias metodológicasseguidas para a sua concretização. No que se refere ao instru-mento conceptual de base deste estudo, que se consubstancia nascategorias, conduzimos a sua formulação de modo a que as mes-mas obedecessem às cinco regras fundamentais que lhe conferema sua fidelidade. São estas a exclusão mútua, a homogeneidade,a pertinência, a objectividade e a produtividade. Ou seja, tendosido construída num sistema que promoveu a sua flexibilidade eadaptação às particularidades e riqueza docorpusem análise, aconcepção das categorias de análise obedeceu, igualmente, nosvários momentos da sua construção, às regras acima referidas.

A recolha do material em análise ficou a dever-se aos recur-sos de arquivo fornecidos pela Comissão Nacional de Eleições(CNE), cujo espólio propagandístico apresenta-se como bastanteextenso e rico, ainda que não sistemático, em particular, quandoremontamos às primeiras eleições pós revolução de 19741.

1É de referir que apesar do rico espólio de propaganda que Portugal temproduzido, em particular, desde as primeiras eleições pós revolução de 1974,as preocupações de recolha histórica de materiais desta natureza não ponti-ficam como prioridade científica ou técnica. Verifica-se haver, contudo, uminteresse de ordem pessoal e pontual de alguns responsáveis e técnicos da Co-missão Nacional de Eleições, que, desde a criação deste organismo, no períodorevolucionário, têm vindo a recolher, por sua iniciativa, cartazes, material denatureza propagandística em geral, com recurso, inclusivamente, a fotos.

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3 O slogane a sua importância política ecomunicacional

Como elemento essencial da mensagem em propaganda política,o sloganconstitui a base analítica deste estudo. Em termos demensagem, a propaganda política assenta, fortemente, no valordossloganse dos símbolos políticos, como elementos catalisado-res da acção política e eleitoral. Como tal, oslogandeve contercaracterísticas que desencadeiem a sua rápida memorização, doponto de vista auditivo ou visual. O êxito dosloganpassa poraspectos como a simplicidade, a graça, a graciosidade, a fonética.Por outras palavras, “oslogantem de conter um apelo, suficien-temente, simples, facilmente, compreendido e susceptível de seruma senha de coesão do grupo. Este grupo, o dos apoiantes daforça política quer-se o mais alargado possível, tanto quanto possapermitir o acesso ao Poder” (Espírito Santo, 1997: 115).

A origem etimológica da palavraslogan não é, suficiente-mente, clara e a sua fundamentação revela-se complexa, pois asua raiz não se encontra nas principais línguas antigas que ori-ginaram os diferentes idiomas europeus, como sejam o grego e olatim. De acordo com Reboult (1975), a expressãosloganviria dogaélico, sendo que a expressão original, ou seja,scluagh chairmsignificaria, na antiga Escócia, o grito de guerra dos clãs.

O nosso interesse nas origens da cultura europeia e na comu-nicação conduziu-nos a uma reputada especialista2 em sânscrito3

e a encontrar uma provável resposta, ainda mais longínqua, doque a de Reboult, para as origens e o significado etimológicoda expressãoslogan. Concluímos que existe uma forte possibi-lidade de a expressãosloganter a sua origem no sânscrito, língua

2Referimo-nos à Professora Doutora Maria Margarida Lacerda, especialistaem Sânscrito, reputada Professora Jubilada do Instituto Superior de CiênciasSociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.

3Língua da família hindo-hitita que é a forma mais antiga do indo-europeu.Esta língua conservou-se durante cerca de um milénio na tradição oral e passouà escrita somente no II milénio D.C. Esta língua não é falada nem escrita, hojeem dia.

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indo-europeia ancestral, raiz e base originária de todos os ramoslinguísticos, situados no quadro do amplo contexto cultural indo-europeu. Do sânscrito faz parte a expressãošloka4 que traduz aideia de dístico, ou seja, de dois versos formando sentido com-pleto, os quais poderiam estar inseridos em cânticos que ditos,repetidamente, constituíam um apelo à concretização de boas re-alizações por parte dos seus emissores e, em última análise, paratoda a comunidade. Neste sentido consideramos altamente prová-vel que a expressãoslogantenha raiz no sânscrito, na expressãošloka, sendo que a fonética e o significado associado à expres-são original naquela língua clássica apontam, fortemente, nessesentido.

Tecnicamente, oslogan traduz-se numa frase curta, a qualcontem uma componente promocional destinada a captar o in-teresse do eleitorado, sendo que oslogan, para além disso, podeconter também palavras de ordem dirigidas à acção. Nem todosossloganscontêm palavras de ordem. Para além doslogan, pro-priamente dito, há ainda uma componente da mensagem ligadaàquele, mas distinta, que se concretiza no apelo ao voto, o qual écomposto pelas frases que contêm o nome do candidato e o impe-rativo verbal do voto neste. No que se refere a estes três elementosapresentados, a título de exemplo, com base nosslogansrecolhi-dos no estudo presente, refira-se o caso da mensagem de GarciaPereira, nas eleições presidenciais de 2006. Na frase ‘A Cora-gem de Mudar de Rumo Vota Garcia Pereira O Povo Vencerá’,o sloganpropriamente dito é ‘A Coragem de Mudar de Rumo’,sendo que ‘Vota Garcia Pereira’ constitui o apelo ao voto e ‘OPovo Vencerá’ constitui um conjunto de palavras de ordem. Naapresentação que fazemos do corpus de análise não nos debruça-remos nos apelos ao voto, apesar de os apresentarmos na tabela1, uma vez que, por vezes, aqueles estão incluídos nas mensagensapresentadas.

O sloganfunciona mais pelo seu significante do que pelo seusignificado. Do ponto de vista das representações discursivas o

4Lê-seshlôca.

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sloganassenta mais no seu carácter mobilizador e instrumentale menos na sua capacidade de esclarecimento, do ponto de vistainformacional. Oslogancontem em si, geralmente, a ideia dotodo do produto político (no caso político) que procura promovermas isso não significa que tenha, necessariamente, que remeterpara o ideário político e ideológico da força política em causa.Como lembra Lasswell (1949, 1979: 22), oslogan“é o grito deguerra” e, como tal, oslogandeve apelar às emoções e levar à co-esão. Osloganfunciona como um promotor de esperança, alentoe empenho, em prol de uma causa e, como tal, gera uma adesãocujo carácter incondicional é, geralmente, perfilhado pelos seuspromotores. Neste sentido, para além da simplicidade, outra dascaracterísticas que confere funcionalidade aoslogané a sua fa-cilidade de reprodução oral, a qual, em última análise procura apromoção da unidade do grupo, grupo este que pode ser tão amploquanto a dimensão do Estado.

O sloganconstitui um elemento natural à comunicação hu-mana, com lugar no espaço social e político, desde tempos ime-moriais. A funcionalidade doslogan, do ponto de vista da co-municação, reservou-lhe lugar cativo e pouco alterado ao longode, pelo menos, cerca de dois milénios, a crer na sua antiguidadeindo-europeia. À entrada do terceiro milénio, osloganmantém-se no seu formato original, curto e pragmático mas, simultanea-mente, catalizador, emotivo e aglutinador de massas.

4 Representações discursivas nosslogansdaseleições presidenciais

A nível conceptual, por representações discursivas procuramostraduzir todos os elementos de discurso que contenham expres-sões significativas, do ponto de vista da propaganda política, comvista a provocar a adesão dos cidadãos ao ideário político-ideológi-co, e concretamente, ao projecto personificado pelo candidatopresidencial. As representações discursivas contêm, deste modo,um valor simbólico que procura gerar a adesão dos cidadãos ao

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produto político, a ser promovido e a desencadear a acção de es-colha no momento de voto.

As representações discursivas que consideramos repartem-seem três grandes categorias que são os motivos político-ideológicos,as características e motivações do candidato e o apelo ao voto. Naprimeira categoria temos como indicadores a ideologia, o com-bate aos valores do antigo regime e a defesa dos valores democrá-ticos. Nas características e motivações do candidato consideram-se como indicadores os traços de personalidade, o pragmatismonas acções e o passado político do candidato. Por último, na cate-goria apelo ao voto consideram-se expressões onde o imperativoverbal do voto é utilizado, associado ao nome do candidato. Aapresentação de todos ossloganstratados na tabela 1 permite fa-zer o paralelismo directo da categorização realizada na tabela 2.A categorização construída foi concebida pela autora procurandoobedecer a critérios semânticos de sistematização que sobressaís-sem a variedade comunicacional e política apresentada nocorpusdeslogans.

Do conjunto deslogansproduzidos, ao longo de cerca de 30anos, no âmbito das eleições presidenciais portuguesas, a partirde 1976, como é de esperar, verifica-se uma interessante e variadautilização de recursos discursivos. Osslogansproduzidos variamentre os que contêm componentes do tipo descritivo das ideias docandidato, da sua acção ou características pessoais, até aosslo-gansque, além daquelas componentes, contêm também palavrasde ordem. Estes últimos, em função da sua dimensão, são me-nos eficazes em termos de memorização, interesse e selecção, porparte do eleitorado, em relação ao candidato. Pela sua dimensão,estesslogans, geralmente, aparecem partidos em várias frases. Écorrente ainda que as candidaturas tenham mais do que umslo-gan. Com a variedade deslogans, para a mesma candidatura,procura-se oferecer adequação da mensagem a públicos-alvo di-ferentes e também divulgar várias ideias-força da candidatura.

Nem todos ossloganssão eficazes em termos de réplica. Noentanto, os que não o são podem ser funcionais em termos de

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informação política acerca do candidato, pois não se destinandoa ser repetidos e gritados, podem, no entanto, antecipar deta-lhes e expectativas quanto ao seu modo de actuação, caso esteseja eleito. Estesslogansdestinam-se, sobretudo, à sensibilizaçãodo eleitorado. Exemplo deste tipo deslogané ‘Muitos prome-tem. . . Eanes cumpre Vota Eanes O candidato de Portugal’; ‘ParaPresidente um Homem de palavra Vota Zenha’; ‘A coragem demudar de rumo Vota Garcia Pereira O Povo vencerá’; ‘FranciscoLouçã rigor solidariedade’. ‘Mário Soares sempre presente nosmomentos difíceis Soares 2006’. Estesslogansoferecem um re-sumo das ideias mais marcantes que traduzem o ideário político,o passado ou a personalidade do candidato, procurando, por isso,ser informativos quanto ao candidato.

Tabela 1.Slogansdas candidaturas presidenciais entre 1976e 2006

Ano da

Eleição

Candidatos Slogans

1976

A. RamalhoEanes

‘Muitos prometem. . . Eanes cumpre Vota Ea-nes O candidato de Portugal’; ‘Vota EanesPela Liberdade Pela Independência Pela In-dependência Nacional’

Pinheiro deAzevedo

‘Pinheiro de Azevedo Candidato à Presidên-cia da República’

Otelo S. deCarvalho

‘Otelo Na Presidência um Amigo’; ’50 anosde luta contra o Fascismo Povo TrabalhadorUnido para o Socialismo’

Octávio Pato ‘Pela Democracia e pelo Socialismo OctávioPato’; ‘Para Garantir uma Solução Democrá-tica o Voto Útil Octávio Pato’; ‘Votai em Oc-távio Pato Pela Democracia Pelo Socialismo’

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Ano da

Eleição

Candidatos Slogans

1980

A. SoaresCarneiro

‘Maioria Governo Presidente Soares Car-neiro’; ‘Segurança no Futuro, um Presidentepara Portugal Soares Carneiro’; ‘Soares Car-neiro para Presidente’; ‘Soares Carneiro umaVida ao Serviço de Portugal e dos Portugue-ses’

A. PiresVeloso

‘Pires Veloso Vota Portugal’

Otelo S. deCarvalho

Informação não disponível

A. RamalhoEanes

‘Eanes na Presidência é a nossa Independên-cia’; ‘Sim, Vota Eanes’,

C. Galvão deMelo

‘Galvão de Melo Conciliação’; ‘Galvão deMelo Candidato de Portugal’

A. AiresRodrigues

Informação não disponível

1986

M. LourdesPintassilgo

‘A Força do Diálogo Pintassilgo Presidente’;‘Votar em Janeiro p’rá vitória em FevereiroMaria de Lourdes Pintassilgo Presidente’

Mário Soares ‘Os Portugueses Conhecem-me’; ‘SoaresPresidente’; ‘Vota Soares Presidente Eu tam-bém’

Salgado Zenha ‘Nova Democracia Nova República Zenha àPresidência’; ‘Para Presidente um Homemde Palavra Vota Zenha’; ‘Justiça TolerânciaConfiança no Futuro Vota Zenha’

D. Freitas doAmaral

‘P’rá Frente Portugal’; ‘Freitas do AmaralPresidente’; ‘Os Jovens com Freitas do Ama-ral’

1991

Mário Soares ‘Soares é fixe’; ‘Vota fixe Vota Soares’; ‘Quefazes dia 13 de Janeiro à Tarde’

CarlosCarvalhas

‘Educação para um Portugal Melhor’

Basílio Horta ‘Basílio91 um Homem às direitas’

CarlosMarques

‘Ser Solidário A Política não é uma Chatice’;‘Carlos Marques A Coragem de Ser Solidá-rio’

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Ano da

Eleição

Candidatos Slogans

1996

Alfredo Matos ‘A Escolha de um lado Alfredo Matos UDP’,Presidenciais 96 Novo Rumo, Presidenciais96 Não lhes dês Cavaco”

A. CavacoSilva

‘Em Nome de Portugal’; ‘Estabilidade eEquilíbrio em Nome de Portugal’; ‘Boas Fes-tas’

Jerónimode Sousa

‘Jerónimo de Sousa Candidato à Presidênciada República Vencer a Direita Lutar pela Mu-dança’

Jorge Sampaio ‘Um por Todos Jorge Sampaio Presidente’;‘Todos por Portugal Jorge Sampaio Presi-dente Um por Todos’; ‘Todos Jorge SampaioPresidente’

2001

A. GarciaPereira

‘Ousar semear Ousar lutar Ousar vencer!Vota Garcia Pereira’

António Abreu ‘Razões de Esquerda para Portugal Presiden-ciais 2001 António Abreu’

FernandoRosas

‘Esquerda com Rosto’, ‘Fernando Rosas paraque não fique tudo na mesma’; ‘Justiça doa aquem doer’, ‘Cada queijo seu Preço’, ‘VotaFernando Brocas’

J. Ferreirado Amaral

‘Juntos Conseguimos Ferreira do AmaralPresidente’; ‘Um Presidente Próximo de siFerreira do Amaral Presidente’

Jorge Sampaio ‘Por Todos Nós Sampaio Presidente’

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14 Paula do Espírito Santo

Ano da

Eleição

Candidatos Slogans

2006

A. Garcia Pe-reira

‘A Coragem de Mudar de Rumo Vota GarciaPereira O Povo Vencerá’

Jerónimo deSousa

‘Jerónimo de Sousa Determinação Confi-ança’; ‘Vota Jerónimo com Toda a Confi-ança’

Manuel Alegre ‘Portugal de Todos Livre, Justo, Fraterno’;‘O Poder dos Cidadãos Vota Manuel Alegre’

FranciscoLouçã

‘Francisco Louça Geração de Mudança. Es-querda de Confiança.’; ‘Francisco Louçã Ri-gor Solidariedade’; ‘Decisão Vota Louça Dia22 Todos os Votos Contam’

Mário Soares ‘Mário Soares Sempre Presente nos Momen-tos Difíceis Soares 2006’; ‘Por Portugal VoteMário Soares’; ‘Pela Estabilidade Vote Má-rio Soares’; ‘Pela Determinação Vote MárioSoares’; ‘Pela Solidariedade Vote Mário So-ares’

A. CavacoSilva

‘Sei que Portugal Pode Vencer Cavaco SilvaPortugal Maior’; ‘Portugal Maior Vote Aní-bal Cavaco Silva’

Osslogansque ficaram na memória colectiva são curtos masnão, necessariamente, pouco informativos, sendo que a rima, autilização de expressões significativas ou, foneticamente, fortes,são características que contribuem para a retenção do mesmo. Éo caso de ‘Maioria Governo Presidente Soares Carneiro’; ’Ea-nes na Presidência é a nossa Independência’; ‘Os PortuguesesConhecem-me’ (referente a Mário Soares); ‘P’rá Frente Portu-gal’ (referente a Freitas do Amaral); ‘Soares é fixe’. Apesar de oslogannão ser determinante, os exemplos deslogansapresenta-dos estão associados a candidatos ou ganhadores ou que captaramuma expressão de voto significativa.

Em síntese, do ponto de vista do formato da mensagem, não senotam diferenças significativas de construção linguística ao longo

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do tempo de análise de 30 anos, havendo, sempre, paralelamente,slogansmais curtos e funcionais eslogansmais longos, mais in-formativos mas menos susceptíveis de serem memorizáveis e re-petidos.

Já no que se refere aos conteúdos das representações discursi-vas, quando se analisam diferenças entre as mensagens dos diver-sosslogansverifica-se que, em 1976, salientam-se a ideologia,a defesa dos valores democráticos e os traços de personalidade.Ou seja, o traço marcante dos primeirossloganspresidenciais, de1976, é o recurso à enfatização ideológica, como seria de esperar,tendo em consideração a conjuntura revolucionária que se vivia.Este recurso será retomado sempre por candidatos de esquerdae conotados com quadrantes radicais ou mais acentuados de es-querda. Se em 1976 esse foi o caso de Otelo Saraiva de Carvalhoe de Octávio Pato, o mesmo se passaria com Alfredo Matos eJerónimo de Sousa em 1996, por António Abreu e Fernando Ro-sas em 2001 e por Francisco Louçã em 2006. Entre 1980 e 2001demarca-se a categoria características e motivações do candidato,sendo que nesta destaca-se o indicador pragmatismo nas acções,logo seguida do recurso aos traços de personalidade do candidato.

Em termos de palavras de ordem, curiosamente, Garcia Pe-reira continua a utilizar a expressão ‘povo’, na sua mensagem po-lítica, em 2006. Esta expressão, utilizada e a abusada no períodorevolucionário, cairia em desuso no discurso político, sobretudo,a partir dos anos 90, já com a entrada na linguagem política deexpressões menos politizadas e mais neutrais, como ‘opinião pú-blica’ e ‘cidadãos’. A utilização da expressão ‘povo’ no discursopolítico, nos tempos correntes, assume um carácter marcante doponto de vista da acção política, mesmo que não remeta, por si só,para um quadrante ideológico particular. O significante da expres-são povo está associado à acção, à rua e à mobilização presencial,não se compadecendo, este significante, com o da sua congénereopinião pública, grandemente, produto das sondagens, da distân-

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cia e da participação política virtual e passiva, fortemente, assentena televisão5.

Tabela 2. Síntese das representações discursivas nosslogansdas candidaturas presidenciais entre 1976 e 2006

5Sobre a utilização da expressão opinião pública e povo ver Paula EspíritoSanto (2006),Sociologia Política e Eleitoral – Modelos e Explicações de Voto,Lisboa, ISCSP.

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Notas:

1. A sublinhado encontram-se os Presidentes da República por-tuguesa.

2. As unidades de análises utilizadas são a palavra e o tema,tendo em consideração a presença do mesmo. A frequêncianão foi considerada no levantamento presente.

Gráfico 1. Síntese do tratamento por análise de conteúdo dasrepresentações discursivas presentes nosslogans das

candidaturas presidenciais entre 1976 e 2006

Ainda no que se refere às representações discursivas, e nãonos detendo nossloganspropriamente ditos mas na componenteda mensagem de apelo ao voto, verifica-se que esta predomina,naturalmente, como elemento discursivo. As suas expressões sãovariadas. É o caso de ‘Sim, Vota Eanes’; ‘Pires Veloso Vota Por-tugal’; ‘Votar em Janeiro p’rá vitória em Fevereiro Maria de Lour-des Pintassilgo Presidente’; ‘Vota Soares Presidente Eu também’;‘Vota fixe Vota Soares’; ‘Vota Fernando Brocas’; ‘Vota Garcia Pe-reira’; ‘Vota Jerónimo com Toda a Confiança’; ‘Pela Determina-ção Vote Mário Soares’; ‘Pela Solidariedade Vote Mário Soares’;

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‘Portugal Maior Vote Aníbal Cavaco Silva’. Esta componente damensagem política é essencial do ponto de vista da acção de esco-lha eleitoral e pode, pela sua simplicidade, facilmente, ser gritadae escrita em paredes.

Fazendo uma leitura sequencial dossloganspresidenciais por-tugueses verificamos ter-se transitado de uma fase, em 1976, queenfatiza motivos político-ideológicos, para uma outra que, a partirde 1980, se focaliza em traços de personalidade, motivações, ati-tudes, acções do candidato. Esta tendência acentuou-se em 2006.A ênfase nos traços de personalidade, motivações e pragmatismodas acções do candidato, verificado em 2006, está associada auma forte competitividade entre os candidatos, aliada não apenasa motivos eleitorais, a curto prazo, de conquista do voto nas elei-ções presidenciais respectivas mas a objectivos, de médio prazo,de promoção política e eleitoral. Neste sentido, a sondagem querealizámos a propósito das eleições presidenciais de 1996, no con-celho de Lisboa, reflecte esta mesma tendência. Quando se per-guntou acerca dos motivos de escolha dos candidatos presidenci-ais, cerca de 78% dos inquiridos declarou privilegiar a maneirade ser e o desempenho do candidato e apenas cerca de 22% es-colheu o partido político, como factor decisivo da sua escolha docandidato presidencial (Espírito Santo, 1997).

Do ponto de vista dosslogans, o maior destaque dos traços depersonalidade e actuação do candidato presidencial, em compara-ção com o partido ou força partidária que o apoia, é uma tendên-cia inerente ao amadurecimento democrático, que Portugal expe-rimentou ao longo dos 30 anos subsequentes à revolução de 1974.Os motivos ideológicos foram cedendo espaço à competição po-lítica e eleitoral, suportada em argumentos atinentes à capacidadede gestão do sistema político, por parte da elite política. É essaa mensagem que as candidaturas procuram passar, cada vez mais,junto do eleitorado, o qual adere, sobretudo, a argumentos base-ados na simplicidade e na capacidade de construção, susceptívelde ser renovada, permanentemente, pela força e vitalidade políticademonstradas pelo candidato político.

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5 Representações sócio-políticas, políticas eideológicas nosslogansdas eleiçõespresidenciais

A componente de análise que se centra nas representações sócio-políticas, políticas e ideológicas distingue, mais concretamente doque a anterior, um conjunto de valores que sobressai três gruposde categorias, que são os valores sócio-políticos, os valores polí-ticos e os quadrantes ideológicos. Estes valores, que concretizamcategorias de análise, repartem-se em indicadores, que foram dita-dos, essencialmente, à semelhança daquelas, pelo enquadramentocontextual que o material em análise forneceu. No âmbito dos va-lores socio-políticos encontramos os indicadores compostos pelajuventude, a confiança, a justiça, a solidariedade. Nos valores po-líticos pontificam o nacionalismo, a mudança, a estabilidade, ademocracia e a liberdade. No âmbito da categoria quadrante ide-ológico, os indicadores são a direita, a esquerda e o socialismo.A construção destes indicadores remete, directamente, para a uti-lização expressa dos mesmos, sob a forma de palavras, ou temas,nosslogans, excepto no caso do nacionalismo. No caso deste úl-timo indicador considerámos que esta expressão seria a que me-lhor poderia traduzir a utilização de unidades de análise, compos-tas por palavras e temas, que incluíam a utilização do nome dePortugal e dos Portugueses.

Entre 1976 e 2006 houve 25 candidaturas presidenciais de es-querda e 8 candidaturas de direita, ou seja, neste último caso,apenas cerca de um quarto das candidaturas totais. Apesar desteaspecto, não se pode afirmar que osslogansem análise apresen-tem uma tendência marcante em termos de ideário de esquerda,excepto, como referido em 1976, em dois dos quatroslogansana-lisados, onde o socialismo é, expressamente, referido.

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Tabela 3. Síntese das representações sócio-políticas, políticase ideológicas presentes nosslogansdas candidaturas

presidenciais entre 1976 e 2006, por ano e candidatura

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Notas:

1. Juventude 2. Confiança 3. Justiça 4. Solidariedade 5. Na-cionalismo e coesão nacional 6. Mudança 7. Estabilidade8. Democracia 9. Liberdade 10. Direita 11. Esquerda 12.Socialismo

2. A sublinhado estão os candidatos da direita. Os não subli-nhados são da esquerda.

3. As unidades de análises utilizadas são a palavra e o tema,tendo em consideração a presença do mesmo. A frequêncianão foi considerada no levantamento presente.

Gráfico 2. Síntese das representações sócio-políticas, polí-ticas e ideológicas presentes nosslogansdas candidaturas pre-sidenciais entre 1976 e 2006

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Gráfico 3. Síntese das representações sócio-políticas, políticase ideológicas presentes nosslogansdas candidaturas

presidenciais entre 1976 e 2006, comparação entre esquerdae direita

Quando se compara a utilização de indicadores, das diferentescategorias, verifica-se uma utilização simultânea tanto de catego-rias referentes a valores socio-políticos como a valores políticos.Ou seja, não há uma tendência marcada, do ponto de vista ideo-lógico, tal como atrás se verificou em termos discursivos, sendoque o apelo a valores nacionais assim como à mudança são osindicadores mais utilizados ao longo deste período de 30 anos.

Em termos gerais, o conjunto de indicadores representado per-mite-nos inferir uma interessante riqueza discursiva, em termos deconteúdos dosslogans. Verifica-se também que os valores socio-políticos concretizados na juventude, na confiança, na justiça ena solidariedade predominam sobre os valores políticos. Acresceque os valores políticos apresentados têm um pendor mais co-notado com a esquerda, se atendermos à utilização de categoriascomo a mudança ou a liberdade. O indicador denominado es-tabilidade tanto é utilizado por candidatos de esquerda como de

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direita, o que nos permite inferir a sua importância democráticatransversal, em termos de propaganda política.

Quando comparamos a utilização das representações políticasno corpusapresentado verifica-se que na esquerda predomina autilização da expressão mudança assim como da categoria naci-onalismo. No que se refere à direita, o nacionalismo é tambémuma categoria recorrente, tanto como a confiança que, aliás, é uti-lizada, igualmente, na esquerda. A mudança não é utilizada comoindicador nosslogansdos candidatos de direita, sendo este, pelanegativa, valor distintivo dosslogansde direita. Não existe, porisso, uma utilização, marcadamente, ideológica entre a esquerdae a direita, no que se refere à construção dosslogansdas candida-turas presidenciais.

6 Considerações finais

O contributo presente centrou-se na análise da evolução das can-didaturas presidenciais ao longo dos 30 anos, que decorreram en-tre 1976 e 2006, em termos de efeitos na comunicação política,consubstanciada na representação discursiva e política. Visandoessa finalidade o material recolhido tem por base osslogansdascampanhas presidenciais. O estudo efectuado leva-nos a concluirpela transversalidade da mensagem da propaganda, quer do pontode vista conjuntural quer do ponto de vista ideológico. A mensa-gem política, concretizada nosslogansde propaganda tem comoobjectivo essencial a mobilização, recorrendo, sobretudo, à utili-zação de mensagens simples e com carácter emotivo.

Do ponto de vista discursivo, as categorias de análise de con-teúdo utilizadas apresentam diferenciação em termos de ideáriospolíticos, quando consideramos o período pós-revolução e as elei-ções presidenciais de 1976. A partir de 1980 verifica-se um des-taque dos indicadores referentes às características e motivaçõesdos candidatos, confirmando a tendência que, em termos de re-presentação discursiva, se verifica na actualidade. Esta tendênciadecorre, do nosso ponto de vista, da transversalidade política que

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as eleições presidenciais assumem, no sistema político português,suportada, em concreto, numa visão supra ideológica que estaseleições, tradicionalmente, têm cultivado.

No que diz respeito às representações socio-políticas, políti-cas e ideológicas verifica-se a sobre-utilização das duas primeirasnosslogansem análise, o que confirma a tendência para a perdade importância da ideologia em termos de comunicação política,já referida. Em termos conjunturais, nota-se alguma transversali-dade na utilização dos indicadores respectivos nas categorias re-feridas. Quando se compara esquerda e direita, o padrão de utili-zação de elementos específicos do discurso de esquerda e direitanão é, significativamente, distintivo. No entanto, parece verificar-se que as categorias referentes ao nacionalismo e à confiança sãocomuns à esquerda e direita. A mudança é apanágio da esquerda,não sendo utilizada nosslogansde direita.

No panorama de expressão de forças políticas apoiantes doscandidatos, ou no seu enquadramento no espectro político-ideoló-gico nacional, acresce ainda que, verifica-se um predomínio im-portante dos candidatos apoiados pela esquerda, o que não per-mite que se desenvolva, em termos analíticos, um espaço de refle-xão, suficientemente, exaustivo de modo a consolidar ilações noque se refere aos candidatos situados no espectro da direita.

Os 30 anos de eleições presidenciais abrangidos por esta aná-lise permitem conceber uma base, de algum modo, distintiva,quando se procuram diferenças conjunturais nosslogansdas can-didaturas presidenciais, capazes de indiciar tendências nos con-teúdos da comunicação política. Desta forma, este contributo de-marcou, essencialmente, dois períodos, o das eleições de 1976 eo período após 1980, o primeiro marcadamente ideológico e o se-gundo com um carácter supra-ideológico e motivacional. A partirdos anos 80, do século XX, verifica-se que osslogansdas eleiçõespresidenciais Portuguesas têm vindo a promover um destaque dosvalores centrados nos candidatos, em particular no pragmatismodas suas acções, o que acaba por fazer estabilizar uma tendên-cia de comunicação política ligada aslogansde candidatos presi-

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denciais com perfis dinâmicos, promotores da mudança, voltadospara a identidade nacional e para a confiança aliada, ao seu perfile notoriedade políticos, construídos perante as massas.

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