revista plano b #01

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ANO 1 N° 1 Abril 2012 O ARTISTA INQUIETO Rumpilé Ancestralidade expressa em forma de música Circo Picolino O papel transformador das artes circenses na capital baiana De política a incentivos culturais, Gerônimo tem opinião formada para tudo

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Na primeira edição da Revista Plano B, um bate-papo com o polêmico, e sempre irreverente, cantor Gerônimo. Além disso, o papel transformador do Circo Picolino, a ancestralidade do Rumpilé e muito mais.

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ANO 1 N° 1 Abril 2012

O ARTISTA INQUIETO

RumpiléAncestralidade expressa

em forma de música

Circo PicolinoO papel transformador

das artes circenses na

capital baiana

De política a incentivos culturais, Gerônimo tem opinião formada para tudo

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A idea surgiu em 2006, a partir de inquietações comuns a

vários profissionais do meio cultural baiano. Porque nem to-

dos os artistas dessa terra abençoada conseguem ter acesso

as mídias e consequentemente ao grande público? Por que,

apesar da nossa multiplicidade cultural, apenas algumas

poucas manifestações artistícas conseguem ser pautadas

na imprensa? Um ponto de partida no mínimo instigante,

que deu ao produtor Bruno Cássio e seu amigo, o designer

Lauro Jr., embasamento suficiente para criar a Plano B.

E por que Plano B? É a alternativa, é o trunfo dessa classe ar-

tística oculta, quase desconhecida, de alcançar novos ares e

invadir novos territórios. Os artistas, produtores, apoiado-

res e técnicos que (sobre)vivem das suas artes terão espaço

para narrar suas estórias. E o grande público ficará saben-

do da existência de musicalidades e manifestações até en-

tão desconhecidas, de traços seculares e contemporâneos.

O objetivo maior da Plano B é propagar a diversidade cul-

tural da Bahia de forma isenta. Em pouco tempo temos a

pretensão de sermos mais que um veículo de comunicação.

CONsElhO EDitORiAl GUAxE PRODUçõEs E PiPA COMUNiCAçãO COORDENAçãO DE PRODuçãO GUAxE PRODUçõEs E PiPA COMUNiCAçãO

AtENDiMENtO COMERCiAl BRUNO CÁssiO E JULiANA ROsA (71) 3381-4656 | [email protected] RElAçÕEs PÚBliCAs KAUANNA ARAÚJO

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ALvARiNDO, MAiARA BONFiM E FABiO FRANCO REvisãO PiPA COMUNiCAçãO EDiçãO DE tExtOs PiPA COMUNiCAçãO FOtOs ERiCK OLivEiRA

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REAliZAçãO PAtROCÍNiO

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ED

ITO

RIA

LQueremos ser o centro de lançamen-

to e um agregador de possibilidades

para o que está acontecendo de novo.

inclusive quando outras linguagens

forem apropriadas, como o uso das re-

des sociais, para quebrar fronteiras,

chegando a todo o mundo.

A Plano B será uma referência na di-

vulgação da arte baiana. Estaremos

no mercado para propagar o que está

acontecendo de melhor na cena cultu-

ral, sem modismos, sem continuísmos.

sem anarquia contra os artistas midiá-

ticos ou contra governos. Apenas com

ideias originais e vontade de mostrar

ao mundo a força daqueles que fazem

uma das culturas mais admiradas do

nosso tempo.

Boa leitura!

ExPEDiENtE

EDiçãO ABRiL 2012

tirAGEM 5.000 ExEmPLAREs

DistRiBUiçãO GRAtUitA

*A PlanoB não se responsabiliza pelos conteúdos dos artigos assinados e as opiniões e conceitos emitidos não refletem necessariamente a opinião da revista.

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CAPAAs inquietações sempre bem-humoradas do compositor, cantor e folclórico

Gerônimo, o criador da música 'É D'Oxum'.

ARTES CÊNICASPicolino garante a continuidade das artes

circenses na Bahia.

PATRIMÔNIORumpilé, a sonoridade que saiu dos terreiros.

MÚSICAO resgate do samba

baiano por Juliana

Ribeiro.

PROFISSÃOEntre a Arquitetura

e as Belas Artes, o

cenógrafo.

MODABata: de veste

sagrada a roupa

casual.

ENTREVISTAJoilson santos

descreve a atuação

do Feira Coletivo.

TURISMOOs encantos quase

esquecidos de

maragogipe.

OPINIÃOGica Nussbaumer

explica o mercado da

cultura.

OPINIÃOmalu Fontes fala

sobre a "ditadura" do

pagode.

MUSEUirmã Dulce, o legado

e a obra da 'mãe dos

Pobres'.

ARTES VISUAISO outro olhar de Alice

Ramos através da

fotografia.

CIDADANIAProjeto resgata traços

culturais brasileiros

em cantigas e

brincadeiras.

OPINIÃOmanno Góes nega a

acomodação da zona

de conforto.

planoB indicaConfira nossas

sugestões sobre o que

rola pela Bahia.

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Picolino ARTES CÊNICAS

Quem passa pela orla de Salvador e observa a lona do Picolino reinando solitária naquela região, duvida do seu funcionamento e, mais que isso, desco-nhece a preciosidade do trabalho que ali acontece diariamente e a luta para mantê-lo ativo.

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Uma escola de circo que não prepara palhaços? isso mesmo.

O Picolino é uma escola voltada para o trabalho com o corpo,

onde os participantes aprendem artes como equilíbrio, saltos,

voos e malabares. Debaixo daquela lona, já foram prepara-

dos inúmeros instrutores e artistas – exportados até para o

Cirque du soleil. Além disso, ainda existe a grande força do

trabalho social: mais de 2.000 pessoas já passaram por ali.

segundo Anselmo serrat, um dos fundadores do Picolino,

infelizmente o circo ainda é visto como uma arte menor. “É

só olhar os editais e as leis de incentivo. Cinema é elite. Na

sequência, teatro, dança... O circo fica com a migalha da mi-

galha. isso é discriminação”, lamenta. E ainda sugere: “O cir-

co precisa de uma campanha de reparação do governo como

acontece com os índios e os negros”.

O universo do circo teve um ganho muito grande com a

fundação das escolas. Há 25 anos eram somente três em todo

o Brasil, hoje, mais de cem. Assim, passaram a ser exigidas po-

líticas públicas para o circo, que sai dos limites do picadeiro e

ganha a cidade. “O circense agora deixa de ser apenas o filho

do dono do circo e passa a ser um jovem de qualquer camada

social que aprecia essa arte”, relata o fundador do Picolino.

O sustento do circo vem, hoje, dos inúmeros trabalhos que

acontecem fora das lonas, como inaugurações e festas, assim

como do aluguel do espaço. A Companhia do Circo que reali-

za as apresentações é outra forma de angariar fundos. “A pa-

lavra é sobrevivência. temos uma linha de produção que dá

para pagar a manutenção. Além disso, há os alunos particula-

res e a parceria com uma instituição que financia o trabalho

social”, enumera serrat.

sem dúvida, as apresentações têm maior força no interior

do Estado. A tv chega na maioria das casas, mas o circo é a

opção de entretenimento ao vivo. “Os cirquinhos costumam

preparar dublagens das atrações do momento e encantam

a molecada por estarem ali perto, presentes em centenas de

pequenas cidades”, argumenta.

Em salvador, são mais de dez companhias de circo estruturadas e em atividade, contudo, os circos com lona são apenas dois. Entre eles, o resistente Picolino.

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Picolino ARTES CÊNICAS

Em 1985, foi criada a Escola Picolino para fornecer aulas de circo particula-

res. já em 1997 nasceu a Organização Não Governamental sem fins lucrati-

vos, chamada Associação Picolino de Artes do Circo, voltada para o traba-

lho com arte-educação, disseminando a magia do circo e contribuindo para

o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

um dos grandes dese-

jos de Anselmo serrat

é a realização de um

encontro e uma mos-

tra com importantes

nomes do mundo cir-

cense, que seja ca-

paz de lançar a pedra

fundamental para a

criação de um centro

de memória do circo

na Bahia. Ele sonha

ainda em levar o circo

para as universidades

como uma disciplina

acadêmica.

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PAPEL TRANSFORMADOR

sempre em busca de renovação, o circo tem vida própria e foi

pioneiro no trabalho com arte-educação. “você não vê isso

tão forte nos outros seguimentos de arte”, alfineta Anselmo.

O circo costuma assumir o papel de transformar a socieda-

de. A vertente social no Picolino foi implantada no começo da

década de 1990. Desde aquela época, o picadeiro funcionou

como catalisador do desenvolvimento do potencial artístico

nos jovens das mais diversas classes sociais.

mas por conta das dificuldades, desde 2010 a população

do entorno do Picolino, que vive em situação de risco social,

deixou de ser beneficiada pelos projetos desenvolvidos pela

trupe. “Não podemos desenvolver um trabalho de formação

ou alfabetização porque não temos certeza se vamos poder

continuar. O único trabalho social que está sendo feito é

através da parceria com o programa Conexão vida”, explica

o fundador. A maior tristeza dele é que a oportunidade de

participar do circo seja oferecida para tão poucas crianças.

“Aí deixa de ser transformação social para ser assistência

social. Gostaria de atender todas as crianças, comunidades

inteiras”, sonha.

A falta de dom, no caso do circo, não

impede o aprendizado. Circo é técni-

ca. são coisas que qualquer pessoa

pode fazer com treino. É preciso de-

senvolver concentração, domínio cor-

poral e equilíbrio. Muita gente procu-

ra o circo por estar com dificuldades

na vida pessoal. Conseguir equilíbrio

no arame, por exemplo, ajuda a criar

equilíbrio em sua vida. O palco ajuda

a vencer a timidez, a vergonha. você

trabalha também o psicológico.

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Picolino ARTES CÊNICAS

ENDEREçOS

A lembrança da primeira casa, o Circo troca de segredos,

em Ondina, traz brilho nos olhos. sobre o período no Espaço

xis (segundo endereço), as lembranças já não são tão doces: “Aquilo era um porão abandonado, cheio de entulho, e nós o

transformamos em um espaço habitável”, conta serrat. Con-

tudo, após a participação em um festival infantil na França, a

trupe não pôde retornar para o xis. “voltamos de viagem fe-

lizes e famosos, tínhamos saído em vários jornais franceses...

Quando chegamos, encontramos todo nosso material do lado

de fora. Fomos expulsos”, narra ainda com mágoa.

A próxima parada foi no Bar vagão, localizado no Rio ver-

melho. De lá, ficaram instalados no Aeroclube até 1996. Desde

então, o Picolino está em Pituaçu e quem pensa que o cami-

nhão de mudanças já foi aposentado se engana. Em setembro

de 2009, Anselmo serrat foi informado pela prefeitura que o

circo precisaria trocar a lona de endereço mais uma vez, por

conta do processo de revitalização da orla de salvador - vide

Decreto municipal nº 19.251, que deter-

minou que 41 imóveis situados na Av.

Octávio mangabeira passariam a ser

de utilidade pública.

A previsão era que em alguns meses

fosse feita a transferência para o Parque

da Cidade, no itaigara, onde haveria uma

nova estrutura. A promessa já fez aniver-

sário e o fundador do Picolino está com-

pletamente descrente: “Nessa história eu

já nem acredito mais!”. Nesse período,

ficaram impossibilitados até de alugar o

espaço para eventos. “Passamos um ano

muito difícil em 2010. tivemos que parar

os shows e as apresentações por pressão

da prefeitura, mas em 2011 retomamos

com força total até eles resolverem".

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MÚSICA Juliana Ribeiro

“se você tem verdade no que faz - seja o trabalho que for - e pri-

ma pela qualidade, as pessoas vão acreditar nisso e comprar

sua ideia. Não existe fórmula para o sucesso, e sim verdade,

amor e dedicação”, defende a cantora Juliana Ribeiro. Perso-

nagens como a soteropolitana surgiram nos últimos anos com

o propósito maior de vivifi car o espaço do samba de raiz, com

suas matrizes africanas, na cultura contemporânea brasileira.

O samba é mais uma mistura bem-sucedida entre África e Brasil. Novos cantores, como Juliana Ribeiro, defendem, estudam e acredi-tam no samba.

Aos 32 anos, Juliana é historiadora por formação, foi

aluna da Faculdade de Canto Popular da UNiCAmP, em

são Paulo, e tem formação técnica em canto lírico pela

Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora nata, re-

centemente ela conquistou o título de mestre pelo Pro-

grama multidisciplinar em Cultura e sociedade da Fa-

culdade de Comunicação da UFBA, com uma dissertação

sobre o samba.

A sambista defende a música como objeto de estudo e

apropriação: “interpretar é dar vida a uma canção, para tan-

to é preciso saber de onde a canção veio, quem foi seu pai ou

sua mãe (compositores), e, através de sua ‘história de vida’,

tornar aquilo orgânico”.

JULIANA RIBEIROSAMBA cOM ReFeRÊNciA

Léo de Azevedo

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Juliana Ribeiro MÚSICA

A qualidade da voz, o timbre mar-

cante, a presença de palco e a potência

vocal são algumas das características

que encantam o público e a crítica. Gran-

de prova do reconhecimento da jovem ar-

tista, que já trabalha com música há dez

anos, foi sua indicação à categoria Cantora

Revelação do troféu Caymmi 2007.

Em 2010 participou do projeto Origem

da terra, cujo objetivo principal era revelar

artistas e bandas locais sem inserção direta

no circuito comercial e pouco conhecidos pelo

grande público. O projeto culminou com a gra-

vação de um CD com a participação dos artistas

revelados. “A troca nesse caso é o maior saldo. E

trocar vivências musicais, além de prazeroso, é

extremamente gratifi cante”, relata.

De lá pra cá, a sambista também se apresentou

no Conexão vivo, evento que valoriza a riqueza cul-

tural do Brasil, e lançou o seu primeiro CD solo, “Ama-

relo”, na consagrada arena do Parque da Cidade, em

salvador, que já recebeu grandes nomes da música,

como Belchior e Nana Caymmi. O álbum harmoniza

variações rítmicas como maxixe, lundu, jongo, umbiga-

da e ijexá. “Precisamos lembrar que não somos mais ‘Co-

lônia’ e que podemos escolher nosso próprio repertório.

Adoro manifestações culturais como caboclinho, samba

de roda, nego-fugido, a barquinha etc.”, afi rma.

« Conquistar o público local é algo único e de que não abro mão »

« Sinto que o samba ainda é visto como algo ‘menor’ no Brasil »

juliANA RiBEiRO

As referências e a inspiração para a realização desse disco

vêm da pesquisa realizada por ela. E não poupa o conselho:

“É hora de acordar para o que é belo no nosso cotidiano, an-

tes que virem relíquias de museu”. Em “Amarelo” estão im-

pressas marcas de três séculos de manifestações musicais.

“tudo que está ali me emociona. Ouvir cânticos de louva-

ção e manifestações feitas nas senzalas me faz vibrar e

me move como artista”, conta. A baiana explica que é

preciso muita entrega para cantar a ancestralidade e,

nesse ponto, sua doação é completa: de corpo e alma.

se o cenário parece abraçar os novos talentos do

samba como aconteceu com a conterrânea mariene

de Castro, Juliana faz um alerta: “Ainda temos mui-

to que conquistar. sinto que o samba, ainda é visto

como algo ‘menor’ no Brasil. É nosso ranço colonia-

lista de pensar que ‘o que vem de fora’ é melhor.

mas isso é um processo identitário, cultural, logo

passível de mudanças. E percebo que estamos ca-

minhando para uma melhor aceitação”.

Quando o assunto é cantar fora do País,

Juliana é categórica: “Ao que parece, há um

maior respeito à música brasileira lá fora do

que aqui, mas conquistar o público local é

algo único e de que não abro mão. A Bahia é

minha ‘régua e compasso’ e possui um pú-

blico quente, participativo”. E arremata, “Co-

nheço muitos artistas estrangeiros que são

loucos para tocar aqui”.

Léo de Azevedo

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MODA

Ela é peça indispensável no guarda-roupa dos que gostam de

looks confortáveis, mas que não abrem mão da identidade no

estilo. vendidas aos mais diversos preços, as batas ganharam

releituras diversas e se adaptaram também aos mercados de

compras mais populares. seja com traços e estampas africa-

nas ou com tecidos popularmente denominados “indianos”,

as batas desfilam sem restrição de horário e local. mas o uso

da bata vai muito além. você sabia que ela é indumentária

de algumas festas da nossa cultura popular e indicativo da

hierarquia no candomblé?

O antropólogo Raul Lody, uma das maiores referências em

estudo da cultura e religião afro-brasileira, diz em seu Dicio-

nário de Arte sacra e técnica Afro-Brasileira que a peça “é no

candomblé um distintivo de alta hierarquia, sendo prerroga-

tiva das iniciadas que tenham cumprido sete anos de obriga-

ções específicas”. O babalorixá José Raimundo de Ogum, res-

ponsável pelo terreiro ilê Axé Obá Nirê, ratifica: “A bata indica

respeito e sabedoria para quem está vestido. são pessoas que

têm idade e formação na cultura africana”. A origem da vesti-

menta é outra questão interessante. “O

traje que costumamos chamar de ‘baia-

no’ reflete a influência da cultura afri-

cana no Brasil, aliada à supremacia da

cultura islâmica predominante do norte

da África”, explica.

Nos folguedos, festas populares que

fazem parte do folclore brasileiro, as batas

compõem o repertório visual de congadas

e maracatus, como cita Raul Lody em seu

dicionário. tanto no candomblé como nos

folguedos, a presença das batas nos faz

imaginar que sua origem é mesmo inspi-

rada nos trajes de sacerdotes e reis.

Fora dos armários reais, santos ou

dos artistas de nosso folclore, a bata,

tal como conhecemos hoje, é uma ves-

timenta para todos. Feita com tecidos

leves, estampas e adereços inspirados

na cultura africana ou indiana, as peças

fazem parte das coleções de lojas de de-

partamento a alta costura. “A moda hoje

é mais democrática. Alguns criadores

escolhem a produção em massa, outros

prêt-a-porter e alta costura. Porém, mui-

tos bebem na referência étnica e são ob-

jetos de campanhas publicitárias. É cla-

ro que as classes A e B provavelmente

usam marcas que fazem a releitura das

batas, transformando-as em objeto de

desejo”, diz Goya Lopes, designer têxtil,

referência dentro e fora do país por seu

trabalho com foco nas raízes africanas.

Goya acredita que o gosto contem-

porâneo pela vestimenta é sinal de

identificação e afirmação. “vejo o uso

da bata como uma apreciação dos va-

lores e estética de uma cultura. O uso

dos afrodescendentes com seu orgulho

étnico e consciência social e os criado-

res de moda com uma releitura da bata

para o mercado”. Dona de uma grife

que produz peças étnicas para moda

e decoração, Goya faz um desenho de

quem procura por batas em sua loja:

“são profissionais liberais, professores...

Principalmente aqueles que se vestem

de branco às sextas-feiras. E também os

que frequentam a religião dos orixás”.

Traje que veste homens e mulheres indistin-tamente é peça que compõe a indumentá-ria de folguedos e vestuário específico para membros do povo de santo.

Santa, festeira, charmosa e democrática,

A BATA

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MODA

Com o passar do tempo a bata se tornou uma peça cada vez mais versátil. Ela pode desfilar por aí,

compondo os mais variados estilos. Dos mais simples aos mais sofisticados, pode ser usada na praia ou

balada. tudo vai depender do tecido da bata e dos acessórios que compõem o look. veja algumas dicas:

PrAiA

A bata de tecido de algodão é mais leve e pode

ser utilizada como saída de praia. Proporcionan-

do elegância e conforto. Nesse ambiente podem-

-se explorar bem as cores e estampas.

trABAlhO

Por ser uma peça democrática, vai perfeitamente ao ambiente de trabalho

tanto em homens quanto em mulheres. Podem ser lisas, em estampas discre-

tas, em tecidos com pouca transparência e fazem ótima parceria com o jeans.

CAsuAl

Acompanhadas de shorts ou bermudas vão bem para ir ao cinema ou num

passeio de fim de tarde. Para as meninas, os modelos mais longos podem

ganhar um ar mais moderno e ficar com cara de vestido se utilizadas com

um cinto marcando a cintura. Para finalizar o look, uma sapatilha ou san-

dália rasteira. Os meninos podem abusar das bermudas e sandálias para

compor a produção.

BAlADA

Para a balada as opções ganham glamour com

aplicações de bordados, pedrarias, paetês e teci-

dos nobres como a seda. Cores e estampas estão

liberadas. são permitidas as combinações com

short, legging, jeans e o queridinho das mulhe-

res, o salto alto.

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TURISMO Maragogipe

Preciosidade esquecida no

RecôncavoHabitada inicialmente pelos índios da tribo maraj-jip, que significa “braços invencíveis”, o município de Maragogipe resiste ao descaso e ao esquecimento.

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19

Jr. d

e M

ajo

r

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TURISMO Maragogipe

ECONOMIA

maragogipe viveu ciclos econô-

micos distintos: cana-de-açúcar,

café, fumo e, atualmente, sobre-

vive dos mariscos.

O FUMO

superstições que alimentaram

o ciclo do fumo por mais de

duas décadas, a exemplo dos

“poderosos” charutos enrolados

nas coxas das charuteiras, con-

siderados afrodisíacos, hoje, es-

tão esquecidas nas ruínas das

edificações da suerdick – antiga

fábrica de fumo – e deterioram-

-se ao longo dos anos, desmoro-

nando junto com os fatos que se

tornaram lenda.

VIRADA CULTURAL

O sucesso da “virada Cultural”

de maragogipe, evento de músi-

ca que misturou atrações locais e

nacionais, em novembro de 2011,

dá uma pequena mostra da força

que a cidade possui para aden-

trar o cenário turístico brasileiro.

A pérola do Recôncavo, maragogipe, situada a 133 km da ca-

pital baiana, ainda está no fundo das águas do rio que a es-

preita, à espera de exploradores destemidos e hábeis ao re-

conhecimento do seu inesgotável potencial. De uma riqueza

histórica inquestionável, suas terras estavam incluídas no ter-

ritório da Capitania do Paraguaçu, que foi doada a D. Álvaro

da Costa, filho do Governador-geral D. Duarte da Costa. Poste-

riormente foi desmembrada e elevada à categoria de cidade,

com a denominação de “Patriótica Cidade de maragogipe”.

Um de seus visitantes mais ilustres foi D. Pedro ii, que a apeli-

dou de “Cidade das Palmeiras” pela imponência das árvores que

a circundavam. Contudo, a falta de orientação levou os morado-

res a dizimarem essa parte da história sob a alegação de que as

plantas comprometiam a estrutura de suas casas.

A indiferença daqueles que, ano após ano, negligenciam o

resgate dos valores históricos, tolhem o desenvolvimento da

autoestima do seu povo, necessária ao florescimento de um

turismo sustentável capaz de restituir os tempos áureos de

crescimento e opulência outrora experimentados. seu acervo

histórico está entregue ao abandono e infortúnio.

Nem mesmo a grafia do seu nome foi poupada. Pelo acor-

do ortográfico de 1943, as palavras de origem tupi que eram

grafadas com a letra “g” passaram a ser escritas com “j”, alte-

ração apenas para os nomes comuns, o que excluiria o nome

da cidade. todavia, o grafema “j” do nome maragojipe foi im-

posto de forma autoritária para a população, por desconhe-

cimento do acordo, ocasionando insegurança sobre a correta

nomenclatura.

seu carnaval passou a ser considerado Patrimônio ima-

terial da Bahia após tombamento da festa em fevereiro de

2009, contudo, seu potencial vai além dos festejos momescos.

O Rio Paraguaçu, que banha suas terras, propicia o turismo

Náutico. As fazendas, remanescentes de uma região de enge-

nhos, possibilitam o turismo Histórico.

Já a religiosidade do seu povo e suas tradições seculares, a

exemplo da Festa de são Bartolomeu, são chamarizes para o

turismo Religioso. vale ressaltar, ainda, o Alto do Cruzeiro, as

Cascatas do Guimarães e da mutuca, Gruta do Cantagalo, man-

guezal, Parque da Cidade, Praia de Coqueiros, Praias de Pina e

Ponta de souza, dentre outros que compõem seu patrimônio.

Atrativos naturais e culturais não lhe faltam, porém, os

equipamentos de hospedagem apresentam um serviço de-

ficiente e obsoleto que não acompanharam a evolução dos

tempos e que representam a decadência financeira que o mu-

nicípio vem experimentando, com exceção apenas do recém-

-inaugurado “Hotel maragojipe”.

A união da “natureza e sua biodiversidade” e “história edi-

ficada” constitui uma junção perfeita para o desenvolvimento

turístico e sua reversibilidade em prol daqueles que habitam o

município e seu entorno. No entanto, os

setores público e privado necessitam pro-

mover uma ação conjunta de cooperação,

no intuito de empreender os esforços ne-

cessários à consolidação de maragogipe

como um forte e atraente polo turístico.

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21

FICA A DICA

Lorena magalhães, de 24 anos, é filha de uma maragogi-

pana e adora visitar a terrinha. Ela não perde a festa do

padroeiro são Bartolomeu em agosto e, nos últimos anos,

está trocando o carnaval de salvador pelo de maragogipe.

Para quem é marinheiro de primeira viagem ela deixa a

dica: “Não pode deixar de visitar a ponte do Cajá e Ponta

de souza”, paisagens que misturam praias e manguezais

e, para perdição dos turistas, uma culinária rica, regada a

moquecas, bobós, caldos e farinha da melhor qualidade.

Carnaval

maragogipano

resgata o clima

poético dos antigos

bailes de máscara,

tão comuns nos

festejos realizados

em salões nos

séculos XIX e XX.

Jr. de Major

Page 22: Revista Plano B #01

22

Page 23: Revista Plano B #01

23

Page 24: Revista Plano B #01

24

Bem-humorado, polêmico, irreverente - Gerô-nimo fala sobre arte, carreira e política. Um passeio pela história da música através do testemunho de uma personalidade da Bahia.

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Gerônimo CAPA

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CAPA Gerônimo

Ele garante: o extinto Balé Brasileiro da Bahia foi a porta de

entrada para o estudante de composição e regência da UFBA

iniciar a sua vida profissional como artista. Em meio a uma

fechada ditadura política, a notícia de que o Balé estava agen-

ciando músicos para compor a orquestra durante uma turnê

na Europa espalhou-se. Gerônimo não teve dúvidas - inscre-

veu-se e embarcou numa viagem que mudaria a sua vida.

Foi assim que começou a carreira daquele que viria a ser

um dos mais brilhantes compositores do Brasil. Autor de hi-

nos como “É D’Oxum” e “Eu sou Negão”, o artista foi descrito

por Jorge Amado como “completo e único na criação”. Após a

viagem, foi dada a largada para um caminho repleto de sur-

presas e desafios. voltou com novas ideias, com outra visão de

mundo. infelizmente, havia perdido a vaga na universidade,

pois seu pedido de trancamento da matrícula foi indeferido,

talvez por seu envolvimento com movimentos estudantis.

“muitos amigos meus, que continuaram na escola, hoje são

bons compositores e também professores. A profissão de mes-

tre, de professor, é muito legal, mas quando a pessoa gosta de

ser. Eu não sei se todos gostam de ser professores”, explica,

garantindo que foi convidado até para dar uma aula pública

na universidade sobre ritmos brasileiros.

A trajetória de sucessos, sempre ligados a temas baianos,

ganhou projeção e suas músicas passaram a ser gravadas

por artistas reconhecidos. “Eu fui para a ilha (itaparica) para

fazer uma música para Alcione. Não tinha ideia que música

faríamos para ela (eu e vevé Calazans). Ficamos a noite toda

chupando manga, olhando pra salvador... Lá pra quatro e

meia da manhã demos o primeiro acorde e, em quinze minu-

tos, nós fizemos ‘É D’Oxum’. E amanhecemos o dia cantando

a música", narra.

infelizmente, a cantora achou que o estilo da composição

parecia com as canções de Clara Nunes, que havia falecido há

pouco tempo, e decidiu não gravá-la. A fita com a obra, segun-

do sabe-se, ficou perdida pelos balaios da gravadora som Li-

vre até a produção da minissérie global ‘tenda dos milagres’.

A fita foi encontrada por Dori Caymmi, na época responsável

pela seleção da trilha sonora, que encantado, levou a canção

para uma avaliação do pai. Ao ouvir, Dorival Caymmi disse

ao filho que se tratava de uma música que tinha tudo a ver

com salvador. O próprio Caymmi havia composto uma canção

para a cidade, mas achou “É D’Oxum” melhor. "Para mim, foi

uma honra ter sido escolhido por Caymmi", orgulha-se.

A música entrou para a minissérie, na voz de mPB4, e foi

um sucesso. Desde então, passou a ser gravada por nomes da

música nacional - como Gal Costa e Elba Ramalho. “É a música

que me sustenta até hoje. toca no mundo inteiro. Eu só sei

disso porque recebo as planilhas de direitos autorais”, revela.

Quando perguntado sobre qual foi o momento mais mar-

« Para mim, foi uma honra ter sido escolhido por Caymmi »

Page 27: Revista Plano B #01

27

cante de sua carreira, ele não vacila: "Estava em casa ino-

cente, puro e besta, quando recebi um telefonema de maria

Bethânia, a artista mais completa do Brasil, querendo ouvir

minhas músicas. Eu fui humildemente para a casa dela, um

pouco nervoso, é claro – quando a gente é fã de uma pessoa, a

gente fica com medo de espirrar fora do penico – (risos). E, de

cara, ela gravou duas músicas minhas!”.

AXé E CARNAVAL

“A Bahia sempre foi apartheid, sempre foi racista”, fala sobre o

contexto carnavalesco. E na sequência, ironiza: “Aí fazem os

camarotes para as pessoas estarem ali olhando a arena. você

se debruça e vê aquela plebe suja, mijada, tomando porrada

da polícia. É uma diversão”.

Gerônimo admite não ser carnavalesco e diz que só toca por

necessidade. “Carnaval pra mim é sofrimento. se eu pudesse

tocava o ano todo e no carnaval eu ia curtir igual a Caetano, ir

para camarote, subir no trio, dançar, beijar na boca. Carnaval

é sinônimo de consumição. tenho de ver se eu estou na escala,

se eu tenho trio para tocar, discutir com os músicos qual é o

cachê. Eu sou igual a Osmar (macedo), quando começa o car-

naval, eu fico doido para que chegue quarta-feira de cinzas”. O

cantor ainda cita que para artistas bem assessorados, as coi-

sas são mais fáceis. “Eles até choram de emoção no carnaval.

Eu não, as minhas lágrimas são de sangue!”, desabafa.

Então, Gerônimo sonha: “Eu quero ver o carnaval pacífi-

co daqui a dez anos: os Afoxés Filhos de Gandhy desfilando,

os trios elétricos pequenos tocando na rua, bandas com ins-

trumento de sopro, uma volta às raízes”. E sentencia. “O Axé

music é um senhor que está morto”, explicando que a proje-

ção do gênero hoje é fora da Bahia, tornando o carnaval uma

mera vitrine. “Por isso aquela briga de bloco de artista querer

passar na frente da televisão”, critica.

Quando indagado sobre seu mais novo projeto, no qual

toca para "patricinhas" e "mauricinhos" em um barzinho vol-

tado para a classe alta soteropolitana, ao lado de axezeiros

como Durval Lelys, explica: “Aquela galera, toda fofinha, bo-

nitinha que está lá... coitados! Eles precisam enriquecer a ca-

beça deles. E Gerônimo tá lá pra isso! vou lá para pregar uma

forma de música que eles desconhecem. Estão acostumados

com muito ‘beijo na boca’ e muito ‘sai do chão’. Eu quero que

todo mundo fique com o pé no chão!”.

« Carnaval pra mim é sofrimento. Se eu pudesse tocava o ano todo e no carnaval eu ia curtir »

Page 28: Revista Plano B #01

28

CAPA Gerônimo

POLíTICA VERSUS ARTE

Nesta história de talento e sucesso, nem

tudo são flores. Hoje, Gerônimo vive

uma espécie de entresafra de visibili-

dade - está fora da mídia e questiona

o porquê. insatisfeito com a falta de

apoio à cultura e a falta de espaço na

mídia, ele vive desafios diários. mesmo

assim, o cantor faz, todas as terças-fei-

ras, o show “O Pagador de Promessas”,

na escadaria da igreja do santíssimo

sacramento (Rua do Passo), no Pelô. E

questiona um fato curioso sobre a sua

atuação no atual cenário artístico baia-

no: a invisibilidade.

“Estou nessas escadas há oito anos e

ninguém sabe que eu existo. É uma coisa

que eu até brinco: se alguém conhece o

secretário de Cultura, manda ele vir aqui

ver a gente; se alguém conhece o secre-

tário de turismo, manda ele vir aqui, tem

turistas aqui”, desafia. “Eu não sei por

que eu não tenho patrocinador, eu gos-

taria de saber. talvez porque eles não

façam o fomento necessário. talvez seja

uma culpa minha por não fazer papel...”,

referindo-se ironicamente aos projetos. E

sugere: “você coloca um bocado de coi-

sa no papel, aí o cara vai na última folha

e vê quanto custa o projeto. Ele não lê.

Bote bastante figurinha, bastante foto e

pouca letra, porque aí talvez convença”.

sete, dos oito CDs gravados por Ge-

rônimo, são produções independentes.

sobre esse tema, profetiza: “Gravadora,

para mim, é um projeto em extinção.

Desde sempre, já existia a artimanha da

pirataria. Fazer CD é o mesmo que fazer

massa de pão”. mas pondera. “Claro, eu

não vou dizer que estar em uma gra-

vadora é ruim. Não é. Estar com uma

gravadora levanta o status, mas isso

vai morrer. Hoje, veio para nos salvar,

nos derrotar e matar, a internet. O cara

pode virar sucesso, com um som que ele

fez no violão e colocou na internet".

E anuncia candidatura nas próxi-

mas eleições. "Eu quero estimular as

« Estou nessas escadas há oito anos e ninguém sabe que eu existo »

pessoas que não querem se envolver na política a entrar nela também”. Quando

questionado se não seria perigoso canalizar o seu prestígio artístico para o meio

político, um campo cheio de vícios e corrupções, ele rir-se: "Eu quero saber qual a

diferença entre o meio artístico e o meio político. Uma vez eu tinha conseguido um

trio elétrico para tocar no carnaval e eu estava na boca de cena para entrar na Bar-

ra, quando eis que, de repente, me vem um coronel tenente capitão e manda parar

e dar passagem a outro artista. Não há diferença".

E acrescenta: “Eu não tenho medo da pobreza. Eu vim de uma família pobre, sou

um artista pobre. E não tenho medo também do sucesso. O sucesso veio e se saiu

de mim que eu nem senti. Eu não enlouqueci, não tirei onda, não caguei na cabeça

das pessoas. Estamos tentando algo diferente na Bahia. Para o artista não morrer é

que eu decidi fazer esses shows aqui. E estou aqui resistindo. vamos ver o que vai

acontecer", conclui.

Page 29: Revista Plano B #01

29

OPINIÃO

Quando se trata de falar criticamente de qualquer produto

cultural, hoje, no Brasil, todo cuidado é pouco. Este é o país do

elogio, das relações de comadre e de aplaudir sempre o famo-

so do bairro, mesmo que a sua música seja um lixo auditivo,

seu filme seja uma sequência filmada de clichês e sua obra

escrita provoque vergonha alheia. Quando se vive em salva-

dor e o assunto da conversa é música, todo cuidado deve ser

multiplicado à enésima potência.

Na verdade, se você é baiano, tem nível superior, tem

uma rendinha razoável para não precisar recorrer aos em-

préstimos financeiros da moça do balcão da propaganda da

tv e não é muito chegado aos ritmos onipresentes do axé e

do pagode, uma advertência: se em qualquer espaço públi-

co onde estiverem mais de duas pessoas lhe pedirem sua

opinião sobre os ritmos baianos, não pense duas vezes: diga

que não tem opinião, que gosta de tudo e saia da conver-

sa como entrou, como um peixe ensaboado. somente assim

você poderá livrar-se da pecha de arrogante, intelectualói-

de e, principalmente, de ser uma pessoa com forte pensa-

mento de classe.

vAlãO – Em salvador, não há outra opção entre gostar

de axé e pagode ou ficar calado. todas as outras equivalem a

atrair desaforos. Para piorar o desconforto, nos últimos anos

emergiu e se fortaleceu uma certa associação entre correntes

culturais que privilegiam o relativismo (cultural e de tudo) e

os movimentos sociais afirmativos que, juntos, atiram toda e

qualquer declaração crítica sobre algo considerado popular

no valão comum do preconceito contra os mais pobres. O que

A gente não quer só pagode

há de errado, esteticamente feio ou desqualificador no axé e

no pagode? Absolutamente nada. Cada um produz, consome

e apega-se afetivamente à cultura que pode e sabe fazer. O

que está por trás da maioria das críticas feitas à hegemonia

desses ritmos nos meios de comunicação é o modo massivo

como ambos são privilegiados em detrimento de outros rit-

mos musicais. Para além do Arrocha e do Arrocha Universitá-

rio, que fique claro.

O problema (nem tampouco a solução) da música baiana

não é o axé, o pagode, o arrocha ou seus semelhantes, mas

o fato de haver toda uma geração de baianos abandonada

em termos de formação cultural a quem sequer foi dado o

direito de fazer escolhas estéticas. O sistema educacional na

terra de todos os santos não tem conseguido suprir sequer

as necessidades mais elementares da escolarização formal.

imagine-se, então, proporcionar esclarecimento suficiente

para que a população trafegue por diferentes ramos e corren-

tes estéticas, musicais, artísticas e possa fazer suas escolhas

culturais em leques mais amplos. Há quem ache que o pagode

é a mais linda das manifestações musicais do século xxi de

uma cidade que tenta, há uma dúzia de anos, e não consegue

colocar um metrô nos trilhos. mas será que, mesmo o gênero

sendo tudo isso, dá para falar da dominação dele sem ser lin-

chado por aqueles que consideram essa crítica um sinônimo

de intolerância contra a cultura dos mais pobres? Não é. só

pede-se um pouquinho de chance para as pessoas aprende-

rem a gostar não apenas do que já gostam, mas também de

outras formas de fazer música. A gente não quer só pagode...

Malu FontesJornalista, doutora em Comunicação e Cultura e

professora da Facom-UFBA.

[email protected] | @malufontesTayse Argôlo / Labfoto

Page 30: Revista Plano B #01

30

PATRIMÔNIO

madeira de lei, couro de boi curtido e argolas de metal - são estes os elementos res-

ponsáveis pela composição da maioria dos instrumentos percussivos. ingredien-

tes simples que, somados, representam um dos itens mais marcantes da cultura

baiana. Em princípio, eles podem parecer todos iguais, mas possuem sons e repre-

sentações simbólicas diferentes. Entre os mais importantes, está o conjunto de três

tambores tipicamente usados nos rituais de Candomblé e Umbanda, o rumpilé.

trata-se de três tambores de tamanhos diferentes, cada um com um timbre: o

maior deles é o rum, mais grave e solista, responsável em dar o tom à canção entoada

durante a cerimônia religiosa; o rumpi é o médio, que mantem a marcação iniciada

pelo rum, e o lé é o agudo. Considerados sagrados pelas nações Nagô e Ketu, os três

instrumentos são responsáveis pela convocação dos deuses durante as cerimônias,

representando órixas distintos em cada terreiro. A importância é tamanha que chega

ao ponto de se interromper o ritual caso um dos instrumentos venha a cair ao chão.

Co-idealizador da Orkestra Rumpilezz - nome que vem da junção da palavra

rumpilé com a adição do termo “zz”, em referência ao jazz, o percussionista Gabi

Guedes pontua que os três tambores são instrumentos seculares importantíssi-

mos dentro do terreiro, seja pela evocação do orixá ou pela marcação dos cânti-

cos entoados durante cada cerimônia. “são os instrumentos mais significativos

da cultura afro. Os três sempre estão presentes em qualquer terreiro, além do

gã, que é mais conhecido como agogô”, conta o músico. O rumpilé também é usa-

Oferecer ritmo e marcação às canções ou abrir um canal de comunicação com os deuses: os tambores têm uma função essencial na arte e na religião. Entre eles, um conjunto de ataba-ques possui um papel de destaque: o rumpilé.

do na capoeira, sendo tocados com as

mãos ou com uma baqueta de madeira

fina, erguidos de pé em estruturas com

bases de aço.

Nos cultos afros, os tambores pos-

suem papéis fundamentais, sendo o

principal deles a manuntenção de uma

sonoridade única no ambiente para

que todos os membros permaneçam em

sintonia. Devido a seu valor simbólico,

os atabaques somente podem ser ma-

nejados pelo *Alabê. “O alabê é escolhi-

do pelo orixá. O cara tem que começar

a tocar, aprender os cânticos, a sonori-

dade. E em certo momento o orixá vai

apontar se ele será ou não alabê. Acima

de tudo isso, o cara precisa ter vontade

de aprender, de praticar, porque todo

o conhecimento é passado de maneira

oral”, revela Gabi.

a musicalidade sagrada do rumpilé

Page 31: Revista Plano B #01

31

PATRIMÔNIO

Como diferenciar o rumpilé de ata-

baques comuns? Este tem sido o

desafio de muitos religiosos: zelar

pela divindade destes tambores e

evitar que sejam confundidos com

simples instrumentos percussivos,

usados em festas e eventos de entre-

tenimento. sobre a utilização “profa-

na” do instrumento, em festas como

o carnaval, Gabi Guedes não avalia

que seja um problema. Para ele, o

atabaque utilizado dentro do terrei-

ro tem uma conotação religiosa que

remete a ancestralidade dos cultos

afro. “O atabaque que está no terrei-

ro não será utilizado em festa pro-

fana e o de festa não participa dos

rituais. O rumpilé passa por uma in-

tensa preparação antes de ser usa-

do no candomble”.

De acordo com o pesquisador e es-

critor mário D. Frungillo, em seu

‘Dicionário de Percussão”, a palavra

atabaque deriva-se do termo ará-

be “at-tabaq”, que significa tambor.

Esse vocábulo teria sido incorpora-

do pelos negros africanos, a partir

da influência da cultura arábe na

África, para designar os instrumen-

tos utilizados em seus rituais, inclu-

sive o trio rumpilé. Contudo, por sua

conotação sagrada, esses atabaques

passam por algumas etapas diferen-

tes de contrução: em alguns casos

determina-se o dia do corte da ár-

vore para a sua fabricação e o couro

passa por uma solução oleosa para

dar mais resistência e timbre ao pro-

duto final.

*Nota do editor: Na ‘Enciclopédia

Brasileira da Diáspora Africana’,

a palavra Alabê significa “músico

ritual da orquestra do Candomblé.

É necessariamente um Ogã sub-

metido aos rituais de iniciação”.

Page 32: Revista Plano B #01

32

ARTES VISUAIS Alice Ramos

A combinação do olhar sensível com o domínio

da técnica já rendeu a Alice o Prêmio Nacional de

fotografia da funarte (o mais importante do País

no gênero) em 1997. suas fotografias também

foram selecionadas para o acervo particu-

lar de Gilberto Chateaubriand, Coleção Pi-

relli/MAsP, Museu Afro-Brasil e Museu

da fotografia da América latina. suas

exposições viajaram pelo Brasil, ho-

landa, EuA e frança.

Confiante, versátil, polêmica, apaixonada e bem-humorada: a fotógrafa baiana Alice Ramos surpreende a cada novo click.

AlicePELAS LENTES

DE

“No meu caso, é 99% inspiração e apenas 1% transpiração”,

com essa frase intrigante que Alice Ramos descreve o seu

trabalho. Fotógrafa autônoma desde 1992, ela explica que

as ideias para suas produções vêm de experiências pessoais.

“sou motivada pela paixão”, pontua sorridente.

Realização é uma palavra que ajuda a descrever o encan-

tamento com que Alice fala sobre sua profissão. E nas páginas

do seu trabalho mais recente, o seu primeiro livro autoral,

“Alice de Passagem”, estão algumas provas que revelam a ale-

gria que ela sente em fotografar.

A maneira como surgiu a proposta para esse projeto é um

curioso capítulo à parte. No fatídico dia 12 de junho de 2007,

data em que é comemorado o Dia dos Namorados no Bra-

sil, Alice foi presenteada com o término do relacionamento

amoroso. Arrasada, procurou isolda, uma amiga astróloga, e

foi aconselhada a passar seu próximo aniversário em Ams-

terdam, já que uma ‘revolução solar’ (seja lá o que isso quer

dizer) melhoraria a situação.

Alice partiu. E desde então continuou partindo. Foi a sua

primeira investida fora dos estúdios, descobrindo o prazer

em registrar o espontâneo e o imprevisto. As fotografias di-

vulgadas são apenas um recorte de

quatro anos de lembranças e curiosi-

dades. No livro, a fotógrafa reúne belas

imagens dos registros em nove países:

Bélgica, Brasil, Espanha, França, Holan-

da, inglaterra, itália, Panamá e tailân-

dia. Os títulos das fotos, apenas eles, já

são capazes de expressar o cuidado e

dedicação dispensados a esse projeto.

A obra, realizada pela Guaxe Pro-

duções, é fruto de um edital de apoio à

publicação de ensaios fotográficos da

secretaria de Cultura do Estado da

Bahia. “Fotografia é um produ-

to muito caro e o livro é mais

acessível”, pondera Alice,

ressaltando a importân-

cia do material.

32

Page 33: Revista Plano B #01

33

R. A

lon

so

Page 34: Revista Plano B #01

34

MulhEREs

GirAfAs/

REFuGiADAs

PADAuNG

Chiang mai

tailândia | 2009

EstACiONAMENtO

CENtRAl

Amsterdam

Holanda | 2007

ARTES VISUAIS Alice Ramos

34

Page 35: Revista Plano B #01

35

PrOjEçãO

se hoje é tímido o número de cursos superiores de fotografi a

na capital baiana, há duas décadas o cenário era ainda mais

difícil. O despertar do interesse por essa área vinha de cursos

como jornalismo e desenho industrial. Assim aconteceu com

Alice Ramos. seu primeiro contato com a fotografi a foi no curso

de Design da Escola de Belas Artes da UFBA, onde se apaixo-

nou pela mágica da revelação. Posteriormente, adquiriu expe-

riência em estúdios e laboratórios, além de atuar como repór-

ter fotográfi ca.

O destaque no meio artístico veio como resposta ao tino

para desenvolver projetos autorais que põem em xeque valores

sociais e estéticos. seu nome passou a ser conhecido ainda nos

idos de 1995, com o trabalho intitulado “Redondamente Enga-

nado”. Nesse ensaio, poses de mulheres rechonchudas pesando

entre 70 e 130 quilos, todas nuas, provocando e provando que a

sensualidade não está perdida nos corpos volumosos.

“Alice de Passagem” expõe uma nova etapa da vida e da

carreira de Alice Ramos, recheada de desafi os pessoais e pro-

fi ssionais. “Foi um parto. Agora é uma felicidade muito grande

ver o trabalho se espalhar”, arremata.

livrO

Alice de Passagem

(115 páginas)

Editora » Romanegra

vendas » Livraria

Cultura (salvador

shopping)

Preço sugerido » R$

40,00

Alice Ramos ARTES VISUAIS

livrO

Page 36: Revista Plano B #01

36

PROFISSÃO

você já parou para se perguntar como surgem aqueles belos ambientes que ilus-

tram os palcos das peças de teatro ou as cenas nas telas do cinema? A profissão do

cenógrafo é pouco conhecida pelo público, mas chama atenção de quem se depara

com o resultado do trabalho.

Basicamente, o cenógrafo é o profissional responsável pela concepção e pelo

projeto de criação de ambientes e atmosferas para espetáculos artísticos tais como

filmes, shows, peças, desfiles de moda, teledramaturgia (novelas e séries televisi-

vas), entre outros. Cabe ao cenógrafo o gerenciamento da realização e montagem

de todos os espaços necessários à percepção cênica, a partir de pesquisas e criação

de um conceito artístico sobre a obra que será representada.

O cenógrafo idealiza, elabora, supervisiona e acompanha todo o processo de

construção de projetos cenográficos. E como trabalha por demanda, o cenógrafo

Para saber um pouco mais sobre profissão de cenógrafo, des-conhecida até pelos arquivos que não vão além de explicar que essa atividade surgiu na Grécia antiga, entrevistamos Zuarte Júnior, que atua na área há quase três décadas.

TRABALHODISPENSÁVEL?

pode faturar entre R$ 3 mil e R$ 8 mil.

De acordo com especilistas da área, os

melhores salários são pagos pelo cine-

ma. Há casos em que os profissionais

mais reconhecidos ganham até R$ 50

mil pela criação de um único projeto.

Quem atua no meio artístico revela

que o cenógrafo é aquele profissional

inserido entre as artes e a arquitetura. É

um meio termo. “Dizem que o cenógrafo

é aquele cara que não foi macho o sufi-

ciente para fazer arquitetura e nem gay

o bastante para fazer decoração. sem-

pre ouvíamos isso lá em Belas Artes. Não

diante do cenógrafo, mas perante o cara

que optava por Arquitetura ou por Artes

Plásticas. Claro que é uma brincadeira”,

descontrai Zuarte Júnior, o baiano de

Page 37: Revista Plano B #01

37

PROFISSÃO

morro do Chapéu que é considerado o

“mago” da cenografia na Bahia.

Em meio à descontração, Zuarte dei-

xa clara sua indignação sobre a forma

com que os investimentos são designa-

dos à sua área: “Acho que o sistema dos

editais e o vício orçamentário e de mídia

é que não contemplam com mais consi-

deração esse ser chamado cenógrafo”.

Embora a tecnologia esteja tomando

grande parte do espaço dos construto-

res de cenários, com programas de com-

putadores que barateiam os custos com

mão-de-obra e material, Zuarte acha

que tudo pode ser casado, combinado e

integrado, sem que a profissão do desig-

ner necessariamente tenha que anular

a do cenógrafo. isso porque, hoje em

dia, a cenografia exige do profissional conhecimento em programas para a elabo-

ração de projetos em 3D, cálculos matemáticos e desenho técnico.

Quando questionado se a invasão das peças no formato stand-up comedy podem

ser um problema na vida de quem sobrevive da construção de cenários, Zuarte

Júnior faz uma declaração sincera: “Não vejo como ameaça. A cenografia (e eu

sempre digo isso para meus alunos) é dispensável. O que não pode faltar é o ator.

sem ele, nada. O cenógrafo precisa ter essa humildade, do não necessário”, explica.

Um de seus trabalhos mais aclamados pelo público foi a criação do cenário para

o show do cantor Luíz Caldas, em 2010, que remete ao inesquecível clipe triller, de

micheal Jackson. Ele garante que não tinha a pretensão de copiar nada e completa

que a analogia é um grande elogio, já que a sua criação contou com recursos muito

menores que os do vídeo.

E será que “dói” ao final de uma temporada ter que acabar com cenários que

encantaram o público? “sim. isso é cruel. É a pior parte. Eu confesso que não

tenho um pensamento formado e desprendido sobre o que fazer: reciclar tudo?

transformar? Fica no nosso imaginário, já que não podemos ter um museu da

Cenografia (ou Podemos?). Pelo menos, guardamos algumas peças, objetos...”,

conforta-se o artista.

Yuri do Val / Centro Técnico TCA

Page 38: Revista Plano B #01

38

A gestão pública não dá conta da crescente demanda cultural da Bahia. Ano após ano, grupos de diversas linguagens artísticas criam uma série de produtos que carecem de oportunidades para serem vistos. Nesta en-trevista, a PlanoB traz a experiência do Feira Coletivo, que está dando palco para os artis-tas de Feira de Santana mostrarem sua arte. Ligados ao Circuito Fora do Eixo, rede artísti-ca brasileira que atualmente atua na Amé-rica Latina, o Coletivo desenvolve trabalhos com base na economia solidária e cooperati-vismo, entre outros. Joilson Santos, músico e membro do Feira Coletivo, é quem traça um panorama das atividades na cidade.

FeiRA

COlEtivO PROMOvE CultuRA EM

Foto divulgação Feira Coletivo

Page 39: Revista Plano B #01

39

Feira Coletivo ENTREVISTA

Como eram as condições de trabalho para os artistas do

município antes do feira Coletivo? E o que mudou com a

adesão ao fora do Eixo?

Feira de santana sempre teve altos e baixos na produção

independente, mas sempre foi importante no circuito alterna-

tivo. Com a formação do Coletivo, começamos a nos organizar

melhor. montamos uma equipe que pensa a comunicação, pro-

dução e circulação de artistas. Conseguimos crescer muito em

pouco tempo. Fazer parte do Fora do Eixo foi fundamental, pois

vários coletivos já haviam passado por essas mesmas dificul-

dades. Além disso, o Fora do Eixo (FDE) viabilizou a vinda de di-

versos artistas da cena independente nacional e internacional

para Feira, o que vem dando grande visibilidade ao nosso tra-

balho e aos artistas locais que participam de nossas produções.

“O feira Noise festival” que oportuniza a apresentação

de diversos segmentos artísticos, acontece anualmente

com o objetivo de fortalecer a cadeia produtiva local e in-

centivar o trabalho em rede. Como se dá esse processo?

Ele é construído durante o ano inteiro, é a aglutinação

de tudo que produzimos nos meses anteriores e é realizado

com a cara e a coragem. temos uma enorme dificuldade de

captar recursos. são raras as empresas interessadas em as-

sociar sua marca com eventos culturais na cidade. Ele é fruto

deste trabalho colaborativo. E só é possível por conta de uma

carência muito grande de eventos como esse na cidade. sem-

pre abrimos inscrições para o Festival. Em 2011, por exemplo,

foram 236 artistas inscritos, de todo o Brasil.

ficamos intrigados em saber sobre a questão do coopera-

tivismo entre os artistas. Como funciona esse conceito em

meio a profissionais de diferentes áreas de atuação e às

vezes com propósitos artísticos diferentes?

Na verdade a grande dificuldade dos artistas independen-

tes sempre foi a falta de grana. Então o Fora do Eixo veio e

pensou na troca de serviços, que é algo que todo mundo já

fez em algum momento de sua carreia artística, mas com uma

diferença. Por exemplo, o artista é músico e design gráfico, en-

tão ele faz a logomarca de um estúdio em troca de horas para

ensaiar com sua banda. O Fora do Eixo organizou e sistema-

tizou essas trocas, parou de ser “brodagem” e começou a ser

uma troca com valores definidos. E isso foi primordial para o

crescimento da rede e para viabilizar a execução de vários

projetos. Essa forma de trabalhar foi compartilhada por toda

rede e, graças a ela, em 2011 o Fora do Eixo investiu mais de

40 milhões na cultura brasileira só em moeda complementar,

que é toda pautada nestas trocas de serviços.

Como foi dito, o trabalho é baseado no colaborativismo.

todos que se encontram envolvidos nessa perspectiva de tra-

balho entendem que atualmente somos um coletivo de tec-

nologia social. Quando deixamos de entender cultura como

uma única e exclusiva linguagem artística, tentamos estabe-

lecer em cada um dos agentes a noção de construtor de uma

série de linguagens, que não necessariamente precisa estar

dentro do campo da arte. Com isso, aumentamos o número de

serviços e produtos circulando dentro da rede, diversificamos

esse cardápio e tornamos cada vez mais viável a realização

de ações culturais no município.

Muito mais que fomentar a cultura, as propostas do Circui-

to fora do Eixo têm o objetivo de formar agentes culturais.

feira de santana e região têm essa necessidade suprida?

Não. investir na formação desses agentes é um passo im-

portante a ser dado. são poucas pessoas empenhadas, este

número é tão reduzido justamente porque são poucos os es-

tímulos e investimentos. Em Feira de santana só temos o Pró

Cultura, que é uma Lei de incentivo e fomento a cultura, mas

que pouco incentiva e muito menos fomenta. É algo que pre-

cisa ser revisto, necessita de mais clareza. Não sabemos como

os projetos são analisados, quais critérios são aplicados, o

que é prioridade ou não.

você citou o fato de haver uma única lei de apoio a cultu-

ra em feira de santana. Mas quanto às esferas estadual

e federal?

Na verdade o maior empecilho para que se cheguem in-

vestimentos no município é a política cultural que temos em

vigor na cidade, que não estimula e nem fortalece esse mer-

cado de economia criativa. Algumas verbas chegam, mas não

são investidas em ações que ampliem e estimulem este nosso

mercado. Não temos nenhum edital que tenha um repasse

direto de verbas, a Lei de incentivo (Pró Cultura) é de dedu-

ção em impostos, mas é burocrática e de difícil captação dos

recursos. Não temos um conselho de cultura ativo, estamos

atrasados em relação à implementação do Plano municipal

de Cultura que tanto foi discutido no ano passado nas confe-

rências municipais e também estamos atrasados em relação

à criação do Fundo municipal de Cultura.

« São raras as empresas interessadas em associar sua marca com eventos culturais na cidade »

jOilsON sANtOs, MÚSICO E MEMBRO DO FEIRA COLETIVO

Page 40: Revista Plano B #01

40

Participei da comissão que estava discutindo a minuta de

lei para implementação do fundo e não tivemos a presença

do secretário em nenhuma das vezes. Acabou ficando empa-

cada. Ou seja, a visão ainda é aquela de cultura de massa, a

secretaria acaba funcionando como uma produtora de even-

tos sem nenhuma preocupação social, sem preocupação com

a democratização do acesso a cultura, sem planejamento de

médio e longo prazo, etc. Feira de santana tem uma verba

para investimentos em cultura, usada apenas em três even-

tos anuais: micareta, são João e no ExpoFeira. Enquanto isso,

o resto do ano a população fica carente de atividades cultu-

rais e pior, a classe artística fica sem incentivo nem espaço

para apresentações. A nossa secretaria de Cultura, Esporte

e Lazer, não abre diálogo com a sociedade, o que é outro pro-

blema sério.

Em sua opinião, enquanto militante do movimento cultu-

ral, os recursos não chegam aos artistas do município por

não estarem na capital ou por que também falta buscar

informação sobre outros meio de fomento, tais como edi-

tais disponibilizados por órgãos governamentais?

Em relação aos editais federais e estaduais, do jeito como

vem sendo feito, de forma bem mais democrática é algo muito

recente. A própria divisão de recursos estaduais é muito re-

cente e eu ainda acho injusta, mas é melhor do que era há 15

anos. Então é muito complicado ainda encontrar pessoas com

essa habilidade para elaborar projetos, apesar dos esforços

do Governo do Estado e Federal para ensinar e preparar as

pessoas para apresentarem projetos nestes editais. Estamos

passando por um processo de facilitação e estamos apren-

dendo a transitar no espaço burocrático dos editais públicos.

Não é fácil, nem tampouco simples, porém, justo e necessário,

principalmente por se tratar de Brasil, onde qualquer brecha

é motivo para desvio de recursos públicos e/ou corrupção.

Como vocês do feira Coletivo viabilizam as ações sem a

ajuda financeira do poder público e da iniciativa privada?

você acredita que o projeto se sustente a longo prazo sem

essa injeção de verbas?

viabilizamos as ações da mesma forma que todos os cole-

tivos do Circuito Fora do Eixo fazem, de forma colaborativa,

com horizontalidade, ou seja, ninguém é mais especial que

ninguém, do bilheteiro ao artista que se apresenta no even-

to, todo mundo de alguma forma contribui para que o even-

to seja realizado. O fator desse êxito é precisamente porque

adotamos, em nosso trabalho e cotidiano, valores e lógicas

contra-hegemônicas. Colaboração, ao invés de competição.

Nesse sentido, a implantação de uma moeda complementar

será nosso próximo passo para a manutenção consciente

dessa troca de serviços e produtos. Esse tipo de moeda social

tem sido um projeto bem sucedido em todo o país, sobretudo

dentro do Circuito Fora do Eixo, onde já foi criado um banco

solidário pautado na perspectiva de gestão autossustentável

que se tornou referência para os coletivos ligados a rede.

Foto divulgação Feira Coletivo

Page 41: Revista Plano B #01

41

OPINIÃO

O mercado da cultura, apesar de estar na pauta de estu-

diosos e intelectuais há muito tempo, tem se tornado cada

vez mais difícil de ser acompanhado e compreendido devi-

do a sua complexidade e, sobretudo, a velocidade das mu-

danças que ocorrem nas formas de produção, divulgação e

consumo da cultura na contemporaneidade.

Parte significativa de nossa produção cultural depende

essencialmente do mercado (é o caso da Axé music), embo-

ra o Estado hoje em muitos aspectos possa ser considerado

como parte desse mercado e interfira de maneira significa-

tiva no seu modo de funcionamento (com as leis de incenti-

vo e em casos de eventos como o carnaval soteropolitano).

Considerando a complexidade das relações no mercado

da cultura é que, já na década de 1990, o francês Claude

mollard propôs que a cultura fosse analisada sob uma

perspectiva que abrangesse todos os atores sociais envol-

vidos no que ele chama de “sistema cultural”. As mudanças

que vem acontecendo no mercado da cultura nas últimas

décadas refletiriam, segundo ele, a passagem de um “siste-

ma artístico” para um “sistema cultural”, sendo este último

constituído, essencialmente, por “quatro famílias” que de-

terminariam as relações no mercado da cultura: artistas,

públicos, financiadores e mídia.

Para mollard, esse jogo de quatro famílias é ao mesmo

tempo arcaico e simbólico. Arcaico porque remete aos qua-

tro elementos da natureza: fogo, terra, água e ar; simbólico

porque remete também a quatro conceitos do mundo mo-

derno: energia, matéria, tempo e espaço. A energia e o fogo

representariam os artistas; a matéria e a terra os financia-

dores; o tempo e a água os públicos; o espaço e o ar a mídia.

O jogo se estrutura a partir de dois eixos: artistas e públicos

podem jogar juntos, mas financiadores e mídia se nutrem da

presença dos primeiros – daí sua importância fundamental,

nem sempre reconhecida pelos próprios artistas e públicos.

Na “república das artes e das letras”, segundo expres-

são do autor, o sistema cultural poderia se limitar a uma

relação intensa, única, passional, entre artistas e públicos.

A cultura do mercado e o mercado da culturaGica NussbaumerProfessora do Curso de Produção Cultural e do

Programa Pós-Cultura e membro do Centro de

Estudos multidisciplinares em Cultura/CULt da

FACOm/UFBA. [email protected]

Na contemporaneidade, o número de artistas é considera-

velmente maior e todo cidadão é público potencial. Com

isso, em torno dos artistas e dos públicos se estabelece um

conjunto de trocas, competições e transações; e em torno

dos financiadores e da mídia se constrói o conjunto de arti-

culações que condicionam e interferem cada vez mais nas

relações entre artistas e públicos.

Apesar de as relações entre artistas e públicos consti-

tuírem uma espécie de sistema utópico de referência, na

medida em que a intervenção cresce por parte dos finan-

ciadores e mídia, predomina no jogo a lógica de mercado e

surgem novos atores sociais. Assim, além das quatro famí-

lias do sistema cultural já indicadas, podemos incluir pelo

menos outra, a dos agentes ou produtores culturais, que

ampliam cada vez mais sua presença e poder no momento

em que vivemos uma compreensão expandida de cultura e

o reconhecimento de seu potencial e transversalidade.

No entanto, o esquema continua ainda simplificador.

isto porque certos atores chegam a participar de várias

famílias ao mesmo tempo, do jornalista que é também em-

presário; ao financiador ou gestor, que depois de ter sido

artista, aprendeu a utilizar as alavancas do sistema. Esses

são os grandes protagonistas. Em contrapartida, aqueles

que ficam isolados, sem dominar ou refletir sobre as regras

do jogo, o momento em que vivem e sobre suas transforma-

ções, acabam ficando à margem.

O acesso a criação e a circulação de produtos culturais

dá-se mediante um jogo de poder, representação e sedução

no meio. Um jogo no qual é preciso que cada um dos parti-

cipantes esteja consciente de seu papel e de sua posição,

bem como do papel e da posição do outro. Um jogo no qual

artistas e públicos podem vir, cada vez mais, utilizando-se,

entre outras formas, das tecnologias e redes sociais dispo-

níveis, a estabelecer novos modos de relação, passando a

ter mais autonomia e, até mesmo, desestabilizando o que

mais comumente se pensa sobre o mercado da cultura e a

cultura do mercado e seus protagonistas.

Foto divulgação

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43

MUSEU

Fotografias feitas por anônimos, imagens esculpidas por romeiros, objetos doados

por pacientes - este não é um museu como os outros. inaugurado em 1993, um ano

após a morte da freira baiana, o memorial irmã Dulce (miD) possui uma exposição

permanente de peças reunidas por familiares e amigos. mas não é só isso: a cada

ano, são feitas centenas de contribuições de uma multidão de admiradores. Atual-

mente, a coleção já possui mais de nove mil peças - legado que ajuda a manter e

expandir suas obras.

Em geral, a casa recebe doações de pessoas que, em algum momento, convive-

ram com a religiosa – cartas, depoimentos, objetos pessoais, fotografias – ou obras

de artistas devotos, como esculturas em barro, pinturas, composições, livros. Peças

que nem sempre possuem valor comercial, mas são consideradas relíquias cultu-

rais e afetivas, combustível capaz de acelerar o fluxo de visitantes nos portões do

miD e de fazer do espaço um dos museus que mais cresce no estado.

Para Osvaldo Gouveia Ribeiro, museólogo e assessor de memória e Cultura das

Obras sociais irmã Dulce (OsiD), este crescimento é mais que necessário para a

manutenção do complexo. segundo ele, os museus desempenham um papel fun-

damental na formação da identidade de uma sociedade. "Objetos são códigos, a

ação museológica os decodifica. Nada se sabe sobre o que não foi preservado. toda

sociedade vive em função dos seus mitos e heróis. Buenos Aires possui Evita, Pa-

ris possui victor Hugo. Nós não temos a mesma capacidade de consolidar nossos

heróis, até porque os heróis políticos da nossa história são muito questionáveis". E

exemplifica. "Hoje, na Bahia, as pessoas não sabem quem foi Cosme de Farias por-

que há pouco acervo sobre ele. se não houver um museu, elas também não saberão

quem foi irmã Dulce".

Empreendedora, ousada, visionária - quem conhece Irmã Dulce apenas pela sua vocação religiosa e fraterna, ainda sabe muito pouco sobre uma das personalidades mais ca-rismáticas e complexas da história baiana do último século. Responsável por um acervo de forte participação popular, seu legado tem sido preservado e ampliado através do Me-morial Irmã Dulce.

a casa deDULCE

ENDEREçO Avenida

Bonfim, 161 Largo de

Roma, salvador – Ba

FUNCIONAMENTO

de terça a sábado, no

horário das 10h às

17h, e aos domingos,

das 10h às 15h.

ENTRADA

GRATUITA Ace

rvo

cleo

de

Mem

óri

a Ir

Du

lce

Page 44: Revista Plano B #01

44

MUSEU

A preocupação de Ribeiro é funda-

mentada: logo depois da morte da re-

ligiosa, houve um grande recuo de in-

vestimentos e doações. Até voluntários

abandonaram os postos de trabalho,

sem garantias de que as ações iriam

sobreviver com a ausência da freira.

"Houve uma crise de credibilidade que

só foi superada com a criação do mu-

seu. Foi a nossa forma de garantir que

haveria um depois, que a história dela

teria continuidade", explica. Na mes-

ma época, foram dados os primeiros

passos para a beatificação, marco que

elevaria o número de visitantes de 41

mil, em 2010, para 57 mil só no primei-

ro semestre de 2011.

CARISMA APARTIDáRIO

Fundadora de três cinemas sem fins lu-

crativos, do Círculo Operário, do Banco

de Leite, dos bandejões, enfermarias,

hospitais e de muitas outras obras, irmã

Dulce ficou conhecida como referência

de empreendedorismo. segundo o mu-

seólogo, sua obra a coloca ao lado de

personalidades marcantes da cultura

baiana, como mãe menininha e Dona

Canô. “A academia evita citá-la por sua

imagem estar ligada ao catolicismo, que

está vivendo um momento de impopu-

laridade. Não se trata de uma simples

religiosa, mas de uma pessoa que que-

brou dezenas de paradigmas, de uma fi-

gura de importância histórica que deve

e precisa ser estudada", pontua.

De acordo com os documentos do

museu, seu carisma ganhou devotos

entre o povo e, também, entre os po-

derosos. importantes nomes da socie-

dade baiana confessaram sua devoção

à beata, através de visitas e doações.

Nomes como Norberto Odebrecht,

mamede Paes mendonça e Antônio

Carlos magalhães listavam entre os

colaboradores. Existe até um ambula-

tório batizado de José sarney - um dos

maiores patrocinadores desta constru-

ção. Quando questionada sobre este

envolvimento com a política, a irmã

respondia: "Não vou cometer injustiça,

vai ser este nome mesmo. meu partido

são os pobres".

segundo a direção do hospital, hoje

não há nenhuma empresa que seja ‘si-

nônimo de doação’. A ajuda possui ori-

gens diferentes - de pessoas da socieda-

de, da igreja, da política e do comércio

- de maneira equilibrada. mas a impor-

tância do museu é sempre ratificada: "É

a memória da mentora desta obra que

a mantém viva, inclusive, em forma de

doações", garante Ribeiro.

« Não se trata de uma simples religiosa, mas de uma pessoa que quebrou dezenas de paradigmas, de uma figura de importância histórica que deve e precisa ser estudada »

OsvAlDO GOuvEiA RiBEiRO, MuSEóLOGO E ASSESSOR DE MEMóRIA E CuLTuRA DAS OBRAS SOCIAIS IRMã DuLCE

ACERVO DA SIMPLICIDADE

Um museu que cresce graças à partici-

pação popular: só de pinturas inspira-

das na obra da beata já são 350. Para

o visitante, há a opção de conhecer o

acervo de arte, a história da freira e o

quarto onde ela viveu - o que inclui a ca-

deira de madeira onde a religiosa dor-

miu por 30 anos, graças a uma promes-

sa. Na primeira sala, fotos da infância e

a imagem de um santo Antônio do sécu-

lo xviii, a quem ela chamava "tesourei-

ro da casa". Na segunda sala é possível

conhecer o acordeão que a freira tocava

nas ruas para arrecadar dinheiro e há

também uma maquete que oferece ao

espectador um pouco da dimensão da

obra, que ocupa todo o quarteirão. Nos

demais espaços, depoimentos, frases

autorais e vestígios da vida simples da-

quela que é reconhecida internacional-

mente como o ‘Anjo Bom do Brasil’.

Acervo Núcleo de Memória Irmã Dulce

Page 45: Revista Plano B #01

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Especialista em folclore e cantigas de roda cria projeto que renova o hábito das antigas brincadeiras entre as crianças.

Foto divulgação

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CIDADANIA

Pular corda, jogar gude, brincar de roda. se você acha que isso é do tempo dos

seus avós e que ninguém mais se preocupa com essas coisas, está muito engana-

do! Há mais de 20 anos, a pesquisadora e artista Nair spinelli Lauria, ou simples-

mente Nairzinha, desenvolve o projeto “Cirandando Brasil”, que visa resgatar e

manter as tradições esquecidas, como as brincadeiras antigas e o folclore, pro-

movendo a integração e a autoestima das crianças.

A criança fica

confinada, sujeita

à solidão de jogos

eletrônicos.

Foto divulgação

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CIDADANIA

Com a supressão das condições de ’brincantes’ criativos e simples, surgem divertimentos complexos e caros.

O começo do projeto seria cômico se não fosse trágico.

Um dia, a artista resolveu brincar com as crianças e gritou

“boca de forno”, mas nenhuma delas respondeu. Então, ela

concluiu que era hora de resgatar, atualizar e desenvolver

a identidade multicultural brasileira com as crianças, seus

pais e professores. Assim, nasceu o “Cirandando Brasil”.

Diversos são os bloqueios impostos pela modernidade.

“Na família, longas jornadas de trabalho e ausência dos

pais. Na cidade grande, ruas violentas, barreiras arquite-

tônicas e a falta de áreas seguras. Nas comunidades popu-

lares, ruas estreitas cheias de esgotos, sem falar nas balas

perdidas”, enumera Nairzinha.

Diante desse quadro, a criança fica confinada, sujeita

à solidão de jogos eletrônicos. Com a supressão das con-

dições de “brincantes” criativos e simples, surgem diverti-

mentos complexos e caros. A garotada fica dividida entre os

que têm muitos brinquedos e não sabem brincar, e aqueles

O projeto Cirandando Brasil se uti-

liza de diversas oficinas para trans-

mitir as tradicionais brincadeiras

às crianças. Com cerca de uma hora

de duração, cada oficina se debruça

sobre uma peculiaridade da nossa

cultura – música, teatro, literatura

brasileira e artes plásticas, além de

aulas de capoeira e cultura afro. Se

você quiser saber mais e também

apadrinhar o projeto “Cirandando

Brasil”, acesse o site http://www.

cirandandobrasil.com.br ou li-

gue: (71) 3354-6594.

que não consomem e se frustram. mesmo assim, a pesqui-

sadora afirma que as crianças não mudaram e continuam

se encantando com pequenas coisas, basta provocação.

Quando seu repertório musical é questionado por in-

cluir músicas como “Atirei o pau no gato”, que incita a vio-

lência, conforme alega boa parte dos pedagogos, Nairzinha

é taxativa: “será que os gatos estão extintos? Essa é a can-

çoneta mais cantada em todos os países que falam o portu-

guês. Completando, discordo da ‘maioria dos pedagogos’”.

sobre o antigo problema do consumismo sugerido pela

mídia, a pesquisadora aponta um caminho: “Aí, meu amigo,

vem o papel da família e da escola. O que importa é formar-

mos o senso crítico para que as crianças possam fazer suas

escolhas”. A realização desse trabalho inevitavelmente

traz à tona uma questão: o que leva uma sociedade a es-

quecer a sua própria cultura? “sem querer ser grosseira,

acho que é a ignorância”, finaliza a especialista.

Foto divulgação

Page 48: Revista Plano B #01

48

planoB indica

MÚSICA

O Deus que Devasta Mas Também CuraLucas Santtana

Apontado como uma das maiores reve-

lações da música brasileira, o baiano

Lucas santtana anunciou o lançamen-

to de seu quinto disco, 'O Deus que De-

vasta mas também Cura', e dessa vez

com uma grande novidade para os fãs: o álbum está disponível para downlo-

ad na sua fanpage do Facebook (www.

facebook.com/lucas.santtana.official).

Com participações de Céu, Kassin e da

Orkestra Rumpilezz, o álbum traz relei-

turas e sucesso autorais.

EXPOSIçõES

Pedra da Memória Renata Amaral

Até o mês de maio, a CAixA Cultural

salvador apresenta gratuitamente a

exposição fotográfica ‘Pedra da memó-

ria’, da pesquisadora Renata Amaral.

Composta por 70 painéis em cores, a

mostra traça um ponto de encontro

entre as culturas do Brasil e do Benin,

através de manifestações sociais e ar-

tísticas. A exposição pode ser visitada

de terça-feira a domingo, das 9h às 18h,

na Rua Carlos Gomes, 57. informações

pelo telefone (71) 3241-4200.

ShOw

Cris MendezMPB

A cantora Cris mendez faz show de

mPB tropical todas as quintas-feiras

de abril no sussa Forneria (Barra),

às 21 horas. Nomes da música baiana

como Gerônimo, Luciano salvador

Bahia, Cássio Calazans e tito Bahien-

se são declaradamente as inspirações

da jovem artista, que apresenta re-

pertório com base no seu primeiro CD

de carreira com lançamento previsto

para maio. ingressos a R$ 10. informa-

ções e reservas pelo (71) 3264-3838.

LITERATURA

A primavera do dragão, a juventude de Glauber Rocha Nelson Motta

O escritor Nelson motta quis retribuir uma gentileza que o grande amigo Glau-

ber Rocha fizera a pouco mais de 30 anos atrás. E a homenagem não poderia ser

melhor. Nelson acaba de lançar um olhar sobre uma das mentes mais inquietas

do cinema brasileiro. O livro ‘A Primavera do Dragão - A Juventude de Glauber

Rocha’ descreve com sagacidade a história do cineasta baiano, que revoluciou

toda a estética do cinema brasileiro com criatividade sem igual. “minha meta foi

escrever uma história que ressaltasse a importância do Glauber e pudesse criar

curiosidade mesmo entre aqueles que não têm especial interesse pelo persona-

gem”, disse motta. Editora Objetiva. Preço sugerido: R$ 46.

Foto divulgação Foto divulgação Foto divulgação

Foto divulgação

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50

OPINIÃO

Jean de La Fontaine foi um poeta e escritor francês, criador

de fábulas inesquecíveis da literatura mundial, pequenas

obras-primas que encantaram leitores do mundo inteiro,

através de gerações. Com textos simples, repletos de fanta-

sia e valiosas lições de moral, como, por exemplo, a história

da Lebre e da tartaruga - aquela em que a Lebre cochila, e a

tartaruga, em lentos e curtos passos, vence a corrida.

O grande barato desta fábula não é saber que a Lebre,

segura de sua vantagem, bobeia e perde uma corrida que

era sua, sem chances aparentes de derrota. O barato é per-

ceber que somos, muito mais vezes do que pensamos, mais

parecidos com a Lebre do que com a tartaruga.

Quanto mais nos sentimos seguros, mais cautela, aten-

ção, foco e disciplina devemos ter. muitas vezes, como a ‘Le-

bre de La Fontaine’, vacilamos feio porque entramos no que

chamo de “zona de conforto”.

Zona de conforto é aquele estágio que alcançamos

quando nos acomodamos. Quando achamos que está tudo

muito bem e que a nossa imutável e inexpugnável estabili-

dade jamais será abalada, transformada, virada de cabeça

pra baixo.

Já vi muito time que ganhava de dois à zero perder de

virada porque se acomodou. Já vi muito lutador perder por

nocaute no último round para rivais cambaleantes, porque

se acomodou. Já vi muito artista perder o brilho e a criativi-

dade porque se acomodou.

E é justamente quando nossa “zona de conforto” se ra-

cha, e da noite para o dia o mundo se transforma, e o que

era certo se torna incerto, e o que era fogo vira cinza, que

mais somos tentados a virar Lebres: correr atrás do prejuí-

zo, jogar todas as cartas na mesa e avançar como loucos pra

retomada do jogo, das coisas, da vida de antes. E bem sabe-

mos que sementes que germinam depressa demais custam

a dar frutos.

Em momentos de mudança, o importante é ter calma. Fo-

car. Observar o jogo, ir devagar e sempre, preocupar-se em

prosseguir, em perseverar, em não desistir.

Perseverança é esforço, é dedicação, é paciência. É afei-

ção ao empenho, a coragem, ao comprometimento. É a en-

trega por apego, por fé, por sabedoria.

E a única coisa que nos faz ir em frente, sempre, é o amor.

Ame o que você faz. importe-se com o que você pensa.

Ancore seus pensamentos em portos de paz. A arte de per-

severar, de caminhar, de buscar, é o que nos alimenta de

força, que impulsiona nossa inventividade, nosso poder de

realizar e criar.

Cuidado com sua “Zona de Conforto”. A vida começa, re-

almente, quando ela acaba. melhor se ela nunca existir.

sem entusiasmo, sem paixão, sem ter porque seguir,

nada vale à pena.

“Apague e recomece. É sempre hora de mudar, de virar a

página e se reinventar. mesmo que doa, aprender não é um

processo à toa.” – FERNANDA mELLO

Namastê

manno Góes

Zona de ConfortoManno Góesmúsico e compositor da banda Jammil e Uma

Noites. @_mannogoesFoto divulgação

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