revista plano b #01
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Na primeira edição da Revista Plano B, um bate-papo com o polêmico, e sempre irreverente, cantor Gerônimo. Além disso, o papel transformador do Circo Picolino, a ancestralidade do Rumpilé e muito mais.TRANSCRIPT
ANO 1 N° 1 Abril 2012
O ARTISTA INQUIETO
RumpiléAncestralidade expressa
em forma de música
Circo PicolinoO papel transformador
das artes circenses na
capital baiana
De política a incentivos culturais, Gerônimo tem opinião formada para tudo
A idea surgiu em 2006, a partir de inquietações comuns a
vários profissionais do meio cultural baiano. Porque nem to-
dos os artistas dessa terra abençoada conseguem ter acesso
as mídias e consequentemente ao grande público? Por que,
apesar da nossa multiplicidade cultural, apenas algumas
poucas manifestações artistícas conseguem ser pautadas
na imprensa? Um ponto de partida no mínimo instigante,
que deu ao produtor Bruno Cássio e seu amigo, o designer
Lauro Jr., embasamento suficiente para criar a Plano B.
E por que Plano B? É a alternativa, é o trunfo dessa classe ar-
tística oculta, quase desconhecida, de alcançar novos ares e
invadir novos territórios. Os artistas, produtores, apoiado-
res e técnicos que (sobre)vivem das suas artes terão espaço
para narrar suas estórias. E o grande público ficará saben-
do da existência de musicalidades e manifestações até en-
tão desconhecidas, de traços seculares e contemporâneos.
O objetivo maior da Plano B é propagar a diversidade cul-
tural da Bahia de forma isenta. Em pouco tempo temos a
pretensão de sermos mais que um veículo de comunicação.
CONsElhO EDitORiAl GUAxE PRODUçõEs E PiPA COMUNiCAçãO COORDENAçãO DE PRODuçãO GUAxE PRODUçõEs E PiPA COMUNiCAçãO
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ED
ITO
RIA
LQueremos ser o centro de lançamen-
to e um agregador de possibilidades
para o que está acontecendo de novo.
inclusive quando outras linguagens
forem apropriadas, como o uso das re-
des sociais, para quebrar fronteiras,
chegando a todo o mundo.
A Plano B será uma referência na di-
vulgação da arte baiana. Estaremos
no mercado para propagar o que está
acontecendo de melhor na cena cultu-
ral, sem modismos, sem continuísmos.
sem anarquia contra os artistas midiá-
ticos ou contra governos. Apenas com
ideias originais e vontade de mostrar
ao mundo a força daqueles que fazem
uma das culturas mais admiradas do
nosso tempo.
Boa leitura!
ExPEDiENtE
EDiçãO ABRiL 2012
tirAGEM 5.000 ExEmPLAREs
DistRiBUiçãO GRAtUitA
*A PlanoB não se responsabiliza pelos conteúdos dos artigos assinados e as opiniões e conceitos emitidos não refletem necessariamente a opinião da revista.
CAPAAs inquietações sempre bem-humoradas do compositor, cantor e folclórico
Gerônimo, o criador da música 'É D'Oxum'.
ARTES CÊNICASPicolino garante a continuidade das artes
circenses na Bahia.
PATRIMÔNIORumpilé, a sonoridade que saiu dos terreiros.
MÚSICAO resgate do samba
baiano por Juliana
Ribeiro.
PROFISSÃOEntre a Arquitetura
e as Belas Artes, o
cenógrafo.
MODABata: de veste
sagrada a roupa
casual.
ENTREVISTAJoilson santos
descreve a atuação
do Feira Coletivo.
TURISMOOs encantos quase
esquecidos de
maragogipe.
OPINIÃOGica Nussbaumer
explica o mercado da
cultura.
OPINIÃOmalu Fontes fala
sobre a "ditadura" do
pagode.
MUSEUirmã Dulce, o legado
e a obra da 'mãe dos
Pobres'.
ARTES VISUAISO outro olhar de Alice
Ramos através da
fotografia.
CIDADANIAProjeto resgata traços
culturais brasileiros
em cantigas e
brincadeiras.
OPINIÃOmanno Góes nega a
acomodação da zona
de conforto.
planoB indicaConfira nossas
sugestões sobre o que
rola pela Bahia.
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Picolino ARTES CÊNICAS
Quem passa pela orla de Salvador e observa a lona do Picolino reinando solitária naquela região, duvida do seu funcionamento e, mais que isso, desco-nhece a preciosidade do trabalho que ali acontece diariamente e a luta para mantê-lo ativo.
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Uma escola de circo que não prepara palhaços? isso mesmo.
O Picolino é uma escola voltada para o trabalho com o corpo,
onde os participantes aprendem artes como equilíbrio, saltos,
voos e malabares. Debaixo daquela lona, já foram prepara-
dos inúmeros instrutores e artistas – exportados até para o
Cirque du soleil. Além disso, ainda existe a grande força do
trabalho social: mais de 2.000 pessoas já passaram por ali.
segundo Anselmo serrat, um dos fundadores do Picolino,
infelizmente o circo ainda é visto como uma arte menor. “É
só olhar os editais e as leis de incentivo. Cinema é elite. Na
sequência, teatro, dança... O circo fica com a migalha da mi-
galha. isso é discriminação”, lamenta. E ainda sugere: “O cir-
co precisa de uma campanha de reparação do governo como
acontece com os índios e os negros”.
O universo do circo teve um ganho muito grande com a
fundação das escolas. Há 25 anos eram somente três em todo
o Brasil, hoje, mais de cem. Assim, passaram a ser exigidas po-
líticas públicas para o circo, que sai dos limites do picadeiro e
ganha a cidade. “O circense agora deixa de ser apenas o filho
do dono do circo e passa a ser um jovem de qualquer camada
social que aprecia essa arte”, relata o fundador do Picolino.
O sustento do circo vem, hoje, dos inúmeros trabalhos que
acontecem fora das lonas, como inaugurações e festas, assim
como do aluguel do espaço. A Companhia do Circo que reali-
za as apresentações é outra forma de angariar fundos. “A pa-
lavra é sobrevivência. temos uma linha de produção que dá
para pagar a manutenção. Além disso, há os alunos particula-
res e a parceria com uma instituição que financia o trabalho
social”, enumera serrat.
sem dúvida, as apresentações têm maior força no interior
do Estado. A tv chega na maioria das casas, mas o circo é a
opção de entretenimento ao vivo. “Os cirquinhos costumam
preparar dublagens das atrações do momento e encantam
a molecada por estarem ali perto, presentes em centenas de
pequenas cidades”, argumenta.
Em salvador, são mais de dez companhias de circo estruturadas e em atividade, contudo, os circos com lona são apenas dois. Entre eles, o resistente Picolino.
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Picolino ARTES CÊNICAS
Em 1985, foi criada a Escola Picolino para fornecer aulas de circo particula-
res. já em 1997 nasceu a Organização Não Governamental sem fins lucrati-
vos, chamada Associação Picolino de Artes do Circo, voltada para o traba-
lho com arte-educação, disseminando a magia do circo e contribuindo para
o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.
um dos grandes dese-
jos de Anselmo serrat
é a realização de um
encontro e uma mos-
tra com importantes
nomes do mundo cir-
cense, que seja ca-
paz de lançar a pedra
fundamental para a
criação de um centro
de memória do circo
na Bahia. Ele sonha
ainda em levar o circo
para as universidades
como uma disciplina
acadêmica.
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PAPEL TRANSFORMADOR
sempre em busca de renovação, o circo tem vida própria e foi
pioneiro no trabalho com arte-educação. “você não vê isso
tão forte nos outros seguimentos de arte”, alfineta Anselmo.
O circo costuma assumir o papel de transformar a socieda-
de. A vertente social no Picolino foi implantada no começo da
década de 1990. Desde aquela época, o picadeiro funcionou
como catalisador do desenvolvimento do potencial artístico
nos jovens das mais diversas classes sociais.
mas por conta das dificuldades, desde 2010 a população
do entorno do Picolino, que vive em situação de risco social,
deixou de ser beneficiada pelos projetos desenvolvidos pela
trupe. “Não podemos desenvolver um trabalho de formação
ou alfabetização porque não temos certeza se vamos poder
continuar. O único trabalho social que está sendo feito é
através da parceria com o programa Conexão vida”, explica
o fundador. A maior tristeza dele é que a oportunidade de
participar do circo seja oferecida para tão poucas crianças.
“Aí deixa de ser transformação social para ser assistência
social. Gostaria de atender todas as crianças, comunidades
inteiras”, sonha.
A falta de dom, no caso do circo, não
impede o aprendizado. Circo é técni-
ca. são coisas que qualquer pessoa
pode fazer com treino. É preciso de-
senvolver concentração, domínio cor-
poral e equilíbrio. Muita gente procu-
ra o circo por estar com dificuldades
na vida pessoal. Conseguir equilíbrio
no arame, por exemplo, ajuda a criar
equilíbrio em sua vida. O palco ajuda
a vencer a timidez, a vergonha. você
trabalha também o psicológico.
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Picolino ARTES CÊNICAS
ENDEREçOS
A lembrança da primeira casa, o Circo troca de segredos,
em Ondina, traz brilho nos olhos. sobre o período no Espaço
xis (segundo endereço), as lembranças já não são tão doces: “Aquilo era um porão abandonado, cheio de entulho, e nós o
transformamos em um espaço habitável”, conta serrat. Con-
tudo, após a participação em um festival infantil na França, a
trupe não pôde retornar para o xis. “voltamos de viagem fe-
lizes e famosos, tínhamos saído em vários jornais franceses...
Quando chegamos, encontramos todo nosso material do lado
de fora. Fomos expulsos”, narra ainda com mágoa.
A próxima parada foi no Bar vagão, localizado no Rio ver-
melho. De lá, ficaram instalados no Aeroclube até 1996. Desde
então, o Picolino está em Pituaçu e quem pensa que o cami-
nhão de mudanças já foi aposentado se engana. Em setembro
de 2009, Anselmo serrat foi informado pela prefeitura que o
circo precisaria trocar a lona de endereço mais uma vez, por
conta do processo de revitalização da orla de salvador - vide
Decreto municipal nº 19.251, que deter-
minou que 41 imóveis situados na Av.
Octávio mangabeira passariam a ser
de utilidade pública.
A previsão era que em alguns meses
fosse feita a transferência para o Parque
da Cidade, no itaigara, onde haveria uma
nova estrutura. A promessa já fez aniver-
sário e o fundador do Picolino está com-
pletamente descrente: “Nessa história eu
já nem acredito mais!”. Nesse período,
ficaram impossibilitados até de alugar o
espaço para eventos. “Passamos um ano
muito difícil em 2010. tivemos que parar
os shows e as apresentações por pressão
da prefeitura, mas em 2011 retomamos
com força total até eles resolverem".
1414
MÚSICA Juliana Ribeiro
“se você tem verdade no que faz - seja o trabalho que for - e pri-
ma pela qualidade, as pessoas vão acreditar nisso e comprar
sua ideia. Não existe fórmula para o sucesso, e sim verdade,
amor e dedicação”, defende a cantora Juliana Ribeiro. Perso-
nagens como a soteropolitana surgiram nos últimos anos com
o propósito maior de vivifi car o espaço do samba de raiz, com
suas matrizes africanas, na cultura contemporânea brasileira.
O samba é mais uma mistura bem-sucedida entre África e Brasil. Novos cantores, como Juliana Ribeiro, defendem, estudam e acredi-tam no samba.
Aos 32 anos, Juliana é historiadora por formação, foi
aluna da Faculdade de Canto Popular da UNiCAmP, em
são Paulo, e tem formação técnica em canto lírico pela
Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora nata, re-
centemente ela conquistou o título de mestre pelo Pro-
grama multidisciplinar em Cultura e sociedade da Fa-
culdade de Comunicação da UFBA, com uma dissertação
sobre o samba.
A sambista defende a música como objeto de estudo e
apropriação: “interpretar é dar vida a uma canção, para tan-
to é preciso saber de onde a canção veio, quem foi seu pai ou
sua mãe (compositores), e, através de sua ‘história de vida’,
tornar aquilo orgânico”.
JULIANA RIBEIROSAMBA cOM ReFeRÊNciA
Léo de Azevedo
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Juliana Ribeiro MÚSICA
A qualidade da voz, o timbre mar-
cante, a presença de palco e a potência
vocal são algumas das características
que encantam o público e a crítica. Gran-
de prova do reconhecimento da jovem ar-
tista, que já trabalha com música há dez
anos, foi sua indicação à categoria Cantora
Revelação do troféu Caymmi 2007.
Em 2010 participou do projeto Origem
da terra, cujo objetivo principal era revelar
artistas e bandas locais sem inserção direta
no circuito comercial e pouco conhecidos pelo
grande público. O projeto culminou com a gra-
vação de um CD com a participação dos artistas
revelados. “A troca nesse caso é o maior saldo. E
trocar vivências musicais, além de prazeroso, é
extremamente gratifi cante”, relata.
De lá pra cá, a sambista também se apresentou
no Conexão vivo, evento que valoriza a riqueza cul-
tural do Brasil, e lançou o seu primeiro CD solo, “Ama-
relo”, na consagrada arena do Parque da Cidade, em
salvador, que já recebeu grandes nomes da música,
como Belchior e Nana Caymmi. O álbum harmoniza
variações rítmicas como maxixe, lundu, jongo, umbiga-
da e ijexá. “Precisamos lembrar que não somos mais ‘Co-
lônia’ e que podemos escolher nosso próprio repertório.
Adoro manifestações culturais como caboclinho, samba
de roda, nego-fugido, a barquinha etc.”, afi rma.
« Conquistar o público local é algo único e de que não abro mão »
« Sinto que o samba ainda é visto como algo ‘menor’ no Brasil »
juliANA RiBEiRO
As referências e a inspiração para a realização desse disco
vêm da pesquisa realizada por ela. E não poupa o conselho:
“É hora de acordar para o que é belo no nosso cotidiano, an-
tes que virem relíquias de museu”. Em “Amarelo” estão im-
pressas marcas de três séculos de manifestações musicais.
“tudo que está ali me emociona. Ouvir cânticos de louva-
ção e manifestações feitas nas senzalas me faz vibrar e
me move como artista”, conta. A baiana explica que é
preciso muita entrega para cantar a ancestralidade e,
nesse ponto, sua doação é completa: de corpo e alma.
se o cenário parece abraçar os novos talentos do
samba como aconteceu com a conterrânea mariene
de Castro, Juliana faz um alerta: “Ainda temos mui-
to que conquistar. sinto que o samba, ainda é visto
como algo ‘menor’ no Brasil. É nosso ranço colonia-
lista de pensar que ‘o que vem de fora’ é melhor.
mas isso é um processo identitário, cultural, logo
passível de mudanças. E percebo que estamos ca-
minhando para uma melhor aceitação”.
Quando o assunto é cantar fora do País,
Juliana é categórica: “Ao que parece, há um
maior respeito à música brasileira lá fora do
que aqui, mas conquistar o público local é
algo único e de que não abro mão. A Bahia é
minha ‘régua e compasso’ e possui um pú-
blico quente, participativo”. E arremata, “Co-
nheço muitos artistas estrangeiros que são
loucos para tocar aqui”.
Léo de Azevedo
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MODA
Ela é peça indispensável no guarda-roupa dos que gostam de
looks confortáveis, mas que não abrem mão da identidade no
estilo. vendidas aos mais diversos preços, as batas ganharam
releituras diversas e se adaptaram também aos mercados de
compras mais populares. seja com traços e estampas africa-
nas ou com tecidos popularmente denominados “indianos”,
as batas desfilam sem restrição de horário e local. mas o uso
da bata vai muito além. você sabia que ela é indumentária
de algumas festas da nossa cultura popular e indicativo da
hierarquia no candomblé?
O antropólogo Raul Lody, uma das maiores referências em
estudo da cultura e religião afro-brasileira, diz em seu Dicio-
nário de Arte sacra e técnica Afro-Brasileira que a peça “é no
candomblé um distintivo de alta hierarquia, sendo prerroga-
tiva das iniciadas que tenham cumprido sete anos de obriga-
ções específicas”. O babalorixá José Raimundo de Ogum, res-
ponsável pelo terreiro ilê Axé Obá Nirê, ratifica: “A bata indica
respeito e sabedoria para quem está vestido. são pessoas que
têm idade e formação na cultura africana”. A origem da vesti-
menta é outra questão interessante. “O
traje que costumamos chamar de ‘baia-
no’ reflete a influência da cultura afri-
cana no Brasil, aliada à supremacia da
cultura islâmica predominante do norte
da África”, explica.
Nos folguedos, festas populares que
fazem parte do folclore brasileiro, as batas
compõem o repertório visual de congadas
e maracatus, como cita Raul Lody em seu
dicionário. tanto no candomblé como nos
folguedos, a presença das batas nos faz
imaginar que sua origem é mesmo inspi-
rada nos trajes de sacerdotes e reis.
Fora dos armários reais, santos ou
dos artistas de nosso folclore, a bata,
tal como conhecemos hoje, é uma ves-
timenta para todos. Feita com tecidos
leves, estampas e adereços inspirados
na cultura africana ou indiana, as peças
fazem parte das coleções de lojas de de-
partamento a alta costura. “A moda hoje
é mais democrática. Alguns criadores
escolhem a produção em massa, outros
prêt-a-porter e alta costura. Porém, mui-
tos bebem na referência étnica e são ob-
jetos de campanhas publicitárias. É cla-
ro que as classes A e B provavelmente
usam marcas que fazem a releitura das
batas, transformando-as em objeto de
desejo”, diz Goya Lopes, designer têxtil,
referência dentro e fora do país por seu
trabalho com foco nas raízes africanas.
Goya acredita que o gosto contem-
porâneo pela vestimenta é sinal de
identificação e afirmação. “vejo o uso
da bata como uma apreciação dos va-
lores e estética de uma cultura. O uso
dos afrodescendentes com seu orgulho
étnico e consciência social e os criado-
res de moda com uma releitura da bata
para o mercado”. Dona de uma grife
que produz peças étnicas para moda
e decoração, Goya faz um desenho de
quem procura por batas em sua loja:
“são profissionais liberais, professores...
Principalmente aqueles que se vestem
de branco às sextas-feiras. E também os
que frequentam a religião dos orixás”.
Traje que veste homens e mulheres indistin-tamente é peça que compõe a indumentá-ria de folguedos e vestuário específico para membros do povo de santo.
Santa, festeira, charmosa e democrática,
A BATA
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MODA
Com o passar do tempo a bata se tornou uma peça cada vez mais versátil. Ela pode desfilar por aí,
compondo os mais variados estilos. Dos mais simples aos mais sofisticados, pode ser usada na praia ou
balada. tudo vai depender do tecido da bata e dos acessórios que compõem o look. veja algumas dicas:
PrAiA
A bata de tecido de algodão é mais leve e pode
ser utilizada como saída de praia. Proporcionan-
do elegância e conforto. Nesse ambiente podem-
-se explorar bem as cores e estampas.
trABAlhO
Por ser uma peça democrática, vai perfeitamente ao ambiente de trabalho
tanto em homens quanto em mulheres. Podem ser lisas, em estampas discre-
tas, em tecidos com pouca transparência e fazem ótima parceria com o jeans.
CAsuAl
Acompanhadas de shorts ou bermudas vão bem para ir ao cinema ou num
passeio de fim de tarde. Para as meninas, os modelos mais longos podem
ganhar um ar mais moderno e ficar com cara de vestido se utilizadas com
um cinto marcando a cintura. Para finalizar o look, uma sapatilha ou san-
dália rasteira. Os meninos podem abusar das bermudas e sandálias para
compor a produção.
BAlADA
Para a balada as opções ganham glamour com
aplicações de bordados, pedrarias, paetês e teci-
dos nobres como a seda. Cores e estampas estão
liberadas. são permitidas as combinações com
short, legging, jeans e o queridinho das mulhe-
res, o salto alto.
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TURISMO Maragogipe
Preciosidade esquecida no
RecôncavoHabitada inicialmente pelos índios da tribo maraj-jip, que significa “braços invencíveis”, o município de Maragogipe resiste ao descaso e ao esquecimento.
19
Jr. d
e M
ajo
r
20
TURISMO Maragogipe
ECONOMIA
maragogipe viveu ciclos econô-
micos distintos: cana-de-açúcar,
café, fumo e, atualmente, sobre-
vive dos mariscos.
O FUMO
superstições que alimentaram
o ciclo do fumo por mais de
duas décadas, a exemplo dos
“poderosos” charutos enrolados
nas coxas das charuteiras, con-
siderados afrodisíacos, hoje, es-
tão esquecidas nas ruínas das
edificações da suerdick – antiga
fábrica de fumo – e deterioram-
-se ao longo dos anos, desmoro-
nando junto com os fatos que se
tornaram lenda.
VIRADA CULTURAL
O sucesso da “virada Cultural”
de maragogipe, evento de músi-
ca que misturou atrações locais e
nacionais, em novembro de 2011,
dá uma pequena mostra da força
que a cidade possui para aden-
trar o cenário turístico brasileiro.
A pérola do Recôncavo, maragogipe, situada a 133 km da ca-
pital baiana, ainda está no fundo das águas do rio que a es-
preita, à espera de exploradores destemidos e hábeis ao re-
conhecimento do seu inesgotável potencial. De uma riqueza
histórica inquestionável, suas terras estavam incluídas no ter-
ritório da Capitania do Paraguaçu, que foi doada a D. Álvaro
da Costa, filho do Governador-geral D. Duarte da Costa. Poste-
riormente foi desmembrada e elevada à categoria de cidade,
com a denominação de “Patriótica Cidade de maragogipe”.
Um de seus visitantes mais ilustres foi D. Pedro ii, que a apeli-
dou de “Cidade das Palmeiras” pela imponência das árvores que
a circundavam. Contudo, a falta de orientação levou os morado-
res a dizimarem essa parte da história sob a alegação de que as
plantas comprometiam a estrutura de suas casas.
A indiferença daqueles que, ano após ano, negligenciam o
resgate dos valores históricos, tolhem o desenvolvimento da
autoestima do seu povo, necessária ao florescimento de um
turismo sustentável capaz de restituir os tempos áureos de
crescimento e opulência outrora experimentados. seu acervo
histórico está entregue ao abandono e infortúnio.
Nem mesmo a grafia do seu nome foi poupada. Pelo acor-
do ortográfico de 1943, as palavras de origem tupi que eram
grafadas com a letra “g” passaram a ser escritas com “j”, alte-
ração apenas para os nomes comuns, o que excluiria o nome
da cidade. todavia, o grafema “j” do nome maragojipe foi im-
posto de forma autoritária para a população, por desconhe-
cimento do acordo, ocasionando insegurança sobre a correta
nomenclatura.
seu carnaval passou a ser considerado Patrimônio ima-
terial da Bahia após tombamento da festa em fevereiro de
2009, contudo, seu potencial vai além dos festejos momescos.
O Rio Paraguaçu, que banha suas terras, propicia o turismo
Náutico. As fazendas, remanescentes de uma região de enge-
nhos, possibilitam o turismo Histórico.
Já a religiosidade do seu povo e suas tradições seculares, a
exemplo da Festa de são Bartolomeu, são chamarizes para o
turismo Religioso. vale ressaltar, ainda, o Alto do Cruzeiro, as
Cascatas do Guimarães e da mutuca, Gruta do Cantagalo, man-
guezal, Parque da Cidade, Praia de Coqueiros, Praias de Pina e
Ponta de souza, dentre outros que compõem seu patrimônio.
Atrativos naturais e culturais não lhe faltam, porém, os
equipamentos de hospedagem apresentam um serviço de-
ficiente e obsoleto que não acompanharam a evolução dos
tempos e que representam a decadência financeira que o mu-
nicípio vem experimentando, com exceção apenas do recém-
-inaugurado “Hotel maragojipe”.
A união da “natureza e sua biodiversidade” e “história edi-
ficada” constitui uma junção perfeita para o desenvolvimento
turístico e sua reversibilidade em prol daqueles que habitam o
município e seu entorno. No entanto, os
setores público e privado necessitam pro-
mover uma ação conjunta de cooperação,
no intuito de empreender os esforços ne-
cessários à consolidação de maragogipe
como um forte e atraente polo turístico.
21
FICA A DICA
Lorena magalhães, de 24 anos, é filha de uma maragogi-
pana e adora visitar a terrinha. Ela não perde a festa do
padroeiro são Bartolomeu em agosto e, nos últimos anos,
está trocando o carnaval de salvador pelo de maragogipe.
Para quem é marinheiro de primeira viagem ela deixa a
dica: “Não pode deixar de visitar a ponte do Cajá e Ponta
de souza”, paisagens que misturam praias e manguezais
e, para perdição dos turistas, uma culinária rica, regada a
moquecas, bobós, caldos e farinha da melhor qualidade.
Carnaval
maragogipano
resgata o clima
poético dos antigos
bailes de máscara,
tão comuns nos
festejos realizados
em salões nos
séculos XIX e XX.
Jr. de Major
22
23
24
Bem-humorado, polêmico, irreverente - Gerô-nimo fala sobre arte, carreira e política. Um passeio pela história da música através do testemunho de uma personalidade da Bahia.
25
Gerônimo CAPA
26
CAPA Gerônimo
Ele garante: o extinto Balé Brasileiro da Bahia foi a porta de
entrada para o estudante de composição e regência da UFBA
iniciar a sua vida profissional como artista. Em meio a uma
fechada ditadura política, a notícia de que o Balé estava agen-
ciando músicos para compor a orquestra durante uma turnê
na Europa espalhou-se. Gerônimo não teve dúvidas - inscre-
veu-se e embarcou numa viagem que mudaria a sua vida.
Foi assim que começou a carreira daquele que viria a ser
um dos mais brilhantes compositores do Brasil. Autor de hi-
nos como “É D’Oxum” e “Eu sou Negão”, o artista foi descrito
por Jorge Amado como “completo e único na criação”. Após a
viagem, foi dada a largada para um caminho repleto de sur-
presas e desafios. voltou com novas ideias, com outra visão de
mundo. infelizmente, havia perdido a vaga na universidade,
pois seu pedido de trancamento da matrícula foi indeferido,
talvez por seu envolvimento com movimentos estudantis.
“muitos amigos meus, que continuaram na escola, hoje são
bons compositores e também professores. A profissão de mes-
tre, de professor, é muito legal, mas quando a pessoa gosta de
ser. Eu não sei se todos gostam de ser professores”, explica,
garantindo que foi convidado até para dar uma aula pública
na universidade sobre ritmos brasileiros.
A trajetória de sucessos, sempre ligados a temas baianos,
ganhou projeção e suas músicas passaram a ser gravadas
por artistas reconhecidos. “Eu fui para a ilha (itaparica) para
fazer uma música para Alcione. Não tinha ideia que música
faríamos para ela (eu e vevé Calazans). Ficamos a noite toda
chupando manga, olhando pra salvador... Lá pra quatro e
meia da manhã demos o primeiro acorde e, em quinze minu-
tos, nós fizemos ‘É D’Oxum’. E amanhecemos o dia cantando
a música", narra.
infelizmente, a cantora achou que o estilo da composição
parecia com as canções de Clara Nunes, que havia falecido há
pouco tempo, e decidiu não gravá-la. A fita com a obra, segun-
do sabe-se, ficou perdida pelos balaios da gravadora som Li-
vre até a produção da minissérie global ‘tenda dos milagres’.
A fita foi encontrada por Dori Caymmi, na época responsável
pela seleção da trilha sonora, que encantado, levou a canção
para uma avaliação do pai. Ao ouvir, Dorival Caymmi disse
ao filho que se tratava de uma música que tinha tudo a ver
com salvador. O próprio Caymmi havia composto uma canção
para a cidade, mas achou “É D’Oxum” melhor. "Para mim, foi
uma honra ter sido escolhido por Caymmi", orgulha-se.
A música entrou para a minissérie, na voz de mPB4, e foi
um sucesso. Desde então, passou a ser gravada por nomes da
música nacional - como Gal Costa e Elba Ramalho. “É a música
que me sustenta até hoje. toca no mundo inteiro. Eu só sei
disso porque recebo as planilhas de direitos autorais”, revela.
Quando perguntado sobre qual foi o momento mais mar-
« Para mim, foi uma honra ter sido escolhido por Caymmi »
27
cante de sua carreira, ele não vacila: "Estava em casa ino-
cente, puro e besta, quando recebi um telefonema de maria
Bethânia, a artista mais completa do Brasil, querendo ouvir
minhas músicas. Eu fui humildemente para a casa dela, um
pouco nervoso, é claro – quando a gente é fã de uma pessoa, a
gente fica com medo de espirrar fora do penico – (risos). E, de
cara, ela gravou duas músicas minhas!”.
AXé E CARNAVAL
“A Bahia sempre foi apartheid, sempre foi racista”, fala sobre o
contexto carnavalesco. E na sequência, ironiza: “Aí fazem os
camarotes para as pessoas estarem ali olhando a arena. você
se debruça e vê aquela plebe suja, mijada, tomando porrada
da polícia. É uma diversão”.
Gerônimo admite não ser carnavalesco e diz que só toca por
necessidade. “Carnaval pra mim é sofrimento. se eu pudesse
tocava o ano todo e no carnaval eu ia curtir igual a Caetano, ir
para camarote, subir no trio, dançar, beijar na boca. Carnaval
é sinônimo de consumição. tenho de ver se eu estou na escala,
se eu tenho trio para tocar, discutir com os músicos qual é o
cachê. Eu sou igual a Osmar (macedo), quando começa o car-
naval, eu fico doido para que chegue quarta-feira de cinzas”. O
cantor ainda cita que para artistas bem assessorados, as coi-
sas são mais fáceis. “Eles até choram de emoção no carnaval.
Eu não, as minhas lágrimas são de sangue!”, desabafa.
Então, Gerônimo sonha: “Eu quero ver o carnaval pacífi-
co daqui a dez anos: os Afoxés Filhos de Gandhy desfilando,
os trios elétricos pequenos tocando na rua, bandas com ins-
trumento de sopro, uma volta às raízes”. E sentencia. “O Axé
music é um senhor que está morto”, explicando que a proje-
ção do gênero hoje é fora da Bahia, tornando o carnaval uma
mera vitrine. “Por isso aquela briga de bloco de artista querer
passar na frente da televisão”, critica.
Quando indagado sobre seu mais novo projeto, no qual
toca para "patricinhas" e "mauricinhos" em um barzinho vol-
tado para a classe alta soteropolitana, ao lado de axezeiros
como Durval Lelys, explica: “Aquela galera, toda fofinha, bo-
nitinha que está lá... coitados! Eles precisam enriquecer a ca-
beça deles. E Gerônimo tá lá pra isso! vou lá para pregar uma
forma de música que eles desconhecem. Estão acostumados
com muito ‘beijo na boca’ e muito ‘sai do chão’. Eu quero que
todo mundo fique com o pé no chão!”.
« Carnaval pra mim é sofrimento. Se eu pudesse tocava o ano todo e no carnaval eu ia curtir »
28
CAPA Gerônimo
POLíTICA VERSUS ARTE
Nesta história de talento e sucesso, nem
tudo são flores. Hoje, Gerônimo vive
uma espécie de entresafra de visibili-
dade - está fora da mídia e questiona
o porquê. insatisfeito com a falta de
apoio à cultura e a falta de espaço na
mídia, ele vive desafios diários. mesmo
assim, o cantor faz, todas as terças-fei-
ras, o show “O Pagador de Promessas”,
na escadaria da igreja do santíssimo
sacramento (Rua do Passo), no Pelô. E
questiona um fato curioso sobre a sua
atuação no atual cenário artístico baia-
no: a invisibilidade.
“Estou nessas escadas há oito anos e
ninguém sabe que eu existo. É uma coisa
que eu até brinco: se alguém conhece o
secretário de Cultura, manda ele vir aqui
ver a gente; se alguém conhece o secre-
tário de turismo, manda ele vir aqui, tem
turistas aqui”, desafia. “Eu não sei por
que eu não tenho patrocinador, eu gos-
taria de saber. talvez porque eles não
façam o fomento necessário. talvez seja
uma culpa minha por não fazer papel...”,
referindo-se ironicamente aos projetos. E
sugere: “você coloca um bocado de coi-
sa no papel, aí o cara vai na última folha
e vê quanto custa o projeto. Ele não lê.
Bote bastante figurinha, bastante foto e
pouca letra, porque aí talvez convença”.
sete, dos oito CDs gravados por Ge-
rônimo, são produções independentes.
sobre esse tema, profetiza: “Gravadora,
para mim, é um projeto em extinção.
Desde sempre, já existia a artimanha da
pirataria. Fazer CD é o mesmo que fazer
massa de pão”. mas pondera. “Claro, eu
não vou dizer que estar em uma gra-
vadora é ruim. Não é. Estar com uma
gravadora levanta o status, mas isso
vai morrer. Hoje, veio para nos salvar,
nos derrotar e matar, a internet. O cara
pode virar sucesso, com um som que ele
fez no violão e colocou na internet".
E anuncia candidatura nas próxi-
mas eleições. "Eu quero estimular as
« Estou nessas escadas há oito anos e ninguém sabe que eu existo »
pessoas que não querem se envolver na política a entrar nela também”. Quando
questionado se não seria perigoso canalizar o seu prestígio artístico para o meio
político, um campo cheio de vícios e corrupções, ele rir-se: "Eu quero saber qual a
diferença entre o meio artístico e o meio político. Uma vez eu tinha conseguido um
trio elétrico para tocar no carnaval e eu estava na boca de cena para entrar na Bar-
ra, quando eis que, de repente, me vem um coronel tenente capitão e manda parar
e dar passagem a outro artista. Não há diferença".
E acrescenta: “Eu não tenho medo da pobreza. Eu vim de uma família pobre, sou
um artista pobre. E não tenho medo também do sucesso. O sucesso veio e se saiu
de mim que eu nem senti. Eu não enlouqueci, não tirei onda, não caguei na cabeça
das pessoas. Estamos tentando algo diferente na Bahia. Para o artista não morrer é
que eu decidi fazer esses shows aqui. E estou aqui resistindo. vamos ver o que vai
acontecer", conclui.
29
OPINIÃO
Quando se trata de falar criticamente de qualquer produto
cultural, hoje, no Brasil, todo cuidado é pouco. Este é o país do
elogio, das relações de comadre e de aplaudir sempre o famo-
so do bairro, mesmo que a sua música seja um lixo auditivo,
seu filme seja uma sequência filmada de clichês e sua obra
escrita provoque vergonha alheia. Quando se vive em salva-
dor e o assunto da conversa é música, todo cuidado deve ser
multiplicado à enésima potência.
Na verdade, se você é baiano, tem nível superior, tem
uma rendinha razoável para não precisar recorrer aos em-
préstimos financeiros da moça do balcão da propaganda da
tv e não é muito chegado aos ritmos onipresentes do axé e
do pagode, uma advertência: se em qualquer espaço públi-
co onde estiverem mais de duas pessoas lhe pedirem sua
opinião sobre os ritmos baianos, não pense duas vezes: diga
que não tem opinião, que gosta de tudo e saia da conver-
sa como entrou, como um peixe ensaboado. somente assim
você poderá livrar-se da pecha de arrogante, intelectualói-
de e, principalmente, de ser uma pessoa com forte pensa-
mento de classe.
vAlãO – Em salvador, não há outra opção entre gostar
de axé e pagode ou ficar calado. todas as outras equivalem a
atrair desaforos. Para piorar o desconforto, nos últimos anos
emergiu e se fortaleceu uma certa associação entre correntes
culturais que privilegiam o relativismo (cultural e de tudo) e
os movimentos sociais afirmativos que, juntos, atiram toda e
qualquer declaração crítica sobre algo considerado popular
no valão comum do preconceito contra os mais pobres. O que
A gente não quer só pagode
há de errado, esteticamente feio ou desqualificador no axé e
no pagode? Absolutamente nada. Cada um produz, consome
e apega-se afetivamente à cultura que pode e sabe fazer. O
que está por trás da maioria das críticas feitas à hegemonia
desses ritmos nos meios de comunicação é o modo massivo
como ambos são privilegiados em detrimento de outros rit-
mos musicais. Para além do Arrocha e do Arrocha Universitá-
rio, que fique claro.
O problema (nem tampouco a solução) da música baiana
não é o axé, o pagode, o arrocha ou seus semelhantes, mas
o fato de haver toda uma geração de baianos abandonada
em termos de formação cultural a quem sequer foi dado o
direito de fazer escolhas estéticas. O sistema educacional na
terra de todos os santos não tem conseguido suprir sequer
as necessidades mais elementares da escolarização formal.
imagine-se, então, proporcionar esclarecimento suficiente
para que a população trafegue por diferentes ramos e corren-
tes estéticas, musicais, artísticas e possa fazer suas escolhas
culturais em leques mais amplos. Há quem ache que o pagode
é a mais linda das manifestações musicais do século xxi de
uma cidade que tenta, há uma dúzia de anos, e não consegue
colocar um metrô nos trilhos. mas será que, mesmo o gênero
sendo tudo isso, dá para falar da dominação dele sem ser lin-
chado por aqueles que consideram essa crítica um sinônimo
de intolerância contra a cultura dos mais pobres? Não é. só
pede-se um pouquinho de chance para as pessoas aprende-
rem a gostar não apenas do que já gostam, mas também de
outras formas de fazer música. A gente não quer só pagode...
Malu FontesJornalista, doutora em Comunicação e Cultura e
professora da Facom-UFBA.
[email protected] | @malufontesTayse Argôlo / Labfoto
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PATRIMÔNIO
madeira de lei, couro de boi curtido e argolas de metal - são estes os elementos res-
ponsáveis pela composição da maioria dos instrumentos percussivos. ingredien-
tes simples que, somados, representam um dos itens mais marcantes da cultura
baiana. Em princípio, eles podem parecer todos iguais, mas possuem sons e repre-
sentações simbólicas diferentes. Entre os mais importantes, está o conjunto de três
tambores tipicamente usados nos rituais de Candomblé e Umbanda, o rumpilé.
trata-se de três tambores de tamanhos diferentes, cada um com um timbre: o
maior deles é o rum, mais grave e solista, responsável em dar o tom à canção entoada
durante a cerimônia religiosa; o rumpi é o médio, que mantem a marcação iniciada
pelo rum, e o lé é o agudo. Considerados sagrados pelas nações Nagô e Ketu, os três
instrumentos são responsáveis pela convocação dos deuses durante as cerimônias,
representando órixas distintos em cada terreiro. A importância é tamanha que chega
ao ponto de se interromper o ritual caso um dos instrumentos venha a cair ao chão.
Co-idealizador da Orkestra Rumpilezz - nome que vem da junção da palavra
rumpilé com a adição do termo “zz”, em referência ao jazz, o percussionista Gabi
Guedes pontua que os três tambores são instrumentos seculares importantíssi-
mos dentro do terreiro, seja pela evocação do orixá ou pela marcação dos cânti-
cos entoados durante cada cerimônia. “são os instrumentos mais significativos
da cultura afro. Os três sempre estão presentes em qualquer terreiro, além do
gã, que é mais conhecido como agogô”, conta o músico. O rumpilé também é usa-
Oferecer ritmo e marcação às canções ou abrir um canal de comunicação com os deuses: os tambores têm uma função essencial na arte e na religião. Entre eles, um conjunto de ataba-ques possui um papel de destaque: o rumpilé.
do na capoeira, sendo tocados com as
mãos ou com uma baqueta de madeira
fina, erguidos de pé em estruturas com
bases de aço.
Nos cultos afros, os tambores pos-
suem papéis fundamentais, sendo o
principal deles a manuntenção de uma
sonoridade única no ambiente para
que todos os membros permaneçam em
sintonia. Devido a seu valor simbólico,
os atabaques somente podem ser ma-
nejados pelo *Alabê. “O alabê é escolhi-
do pelo orixá. O cara tem que começar
a tocar, aprender os cânticos, a sonori-
dade. E em certo momento o orixá vai
apontar se ele será ou não alabê. Acima
de tudo isso, o cara precisa ter vontade
de aprender, de praticar, porque todo
o conhecimento é passado de maneira
oral”, revela Gabi.
a musicalidade sagrada do rumpilé
31
PATRIMÔNIO
Como diferenciar o rumpilé de ata-
baques comuns? Este tem sido o
desafio de muitos religiosos: zelar
pela divindade destes tambores e
evitar que sejam confundidos com
simples instrumentos percussivos,
usados em festas e eventos de entre-
tenimento. sobre a utilização “profa-
na” do instrumento, em festas como
o carnaval, Gabi Guedes não avalia
que seja um problema. Para ele, o
atabaque utilizado dentro do terrei-
ro tem uma conotação religiosa que
remete a ancestralidade dos cultos
afro. “O atabaque que está no terrei-
ro não será utilizado em festa pro-
fana e o de festa não participa dos
rituais. O rumpilé passa por uma in-
tensa preparação antes de ser usa-
do no candomble”.
De acordo com o pesquisador e es-
critor mário D. Frungillo, em seu
‘Dicionário de Percussão”, a palavra
atabaque deriva-se do termo ará-
be “at-tabaq”, que significa tambor.
Esse vocábulo teria sido incorpora-
do pelos negros africanos, a partir
da influência da cultura arábe na
África, para designar os instrumen-
tos utilizados em seus rituais, inclu-
sive o trio rumpilé. Contudo, por sua
conotação sagrada, esses atabaques
passam por algumas etapas diferen-
tes de contrução: em alguns casos
determina-se o dia do corte da ár-
vore para a sua fabricação e o couro
passa por uma solução oleosa para
dar mais resistência e timbre ao pro-
duto final.
*Nota do editor: Na ‘Enciclopédia
Brasileira da Diáspora Africana’,
a palavra Alabê significa “músico
ritual da orquestra do Candomblé.
É necessariamente um Ogã sub-
metido aos rituais de iniciação”.
32
ARTES VISUAIS Alice Ramos
A combinação do olhar sensível com o domínio
da técnica já rendeu a Alice o Prêmio Nacional de
fotografia da funarte (o mais importante do País
no gênero) em 1997. suas fotografias também
foram selecionadas para o acervo particu-
lar de Gilberto Chateaubriand, Coleção Pi-
relli/MAsP, Museu Afro-Brasil e Museu
da fotografia da América latina. suas
exposições viajaram pelo Brasil, ho-
landa, EuA e frança.
Confiante, versátil, polêmica, apaixonada e bem-humorada: a fotógrafa baiana Alice Ramos surpreende a cada novo click.
AlicePELAS LENTES
DE
“No meu caso, é 99% inspiração e apenas 1% transpiração”,
com essa frase intrigante que Alice Ramos descreve o seu
trabalho. Fotógrafa autônoma desde 1992, ela explica que
as ideias para suas produções vêm de experiências pessoais.
“sou motivada pela paixão”, pontua sorridente.
Realização é uma palavra que ajuda a descrever o encan-
tamento com que Alice fala sobre sua profissão. E nas páginas
do seu trabalho mais recente, o seu primeiro livro autoral,
“Alice de Passagem”, estão algumas provas que revelam a ale-
gria que ela sente em fotografar.
A maneira como surgiu a proposta para esse projeto é um
curioso capítulo à parte. No fatídico dia 12 de junho de 2007,
data em que é comemorado o Dia dos Namorados no Bra-
sil, Alice foi presenteada com o término do relacionamento
amoroso. Arrasada, procurou isolda, uma amiga astróloga, e
foi aconselhada a passar seu próximo aniversário em Ams-
terdam, já que uma ‘revolução solar’ (seja lá o que isso quer
dizer) melhoraria a situação.
Alice partiu. E desde então continuou partindo. Foi a sua
primeira investida fora dos estúdios, descobrindo o prazer
em registrar o espontâneo e o imprevisto. As fotografias di-
vulgadas são apenas um recorte de
quatro anos de lembranças e curiosi-
dades. No livro, a fotógrafa reúne belas
imagens dos registros em nove países:
Bélgica, Brasil, Espanha, França, Holan-
da, inglaterra, itália, Panamá e tailân-
dia. Os títulos das fotos, apenas eles, já
são capazes de expressar o cuidado e
dedicação dispensados a esse projeto.
A obra, realizada pela Guaxe Pro-
duções, é fruto de um edital de apoio à
publicação de ensaios fotográficos da
secretaria de Cultura do Estado da
Bahia. “Fotografia é um produ-
to muito caro e o livro é mais
acessível”, pondera Alice,
ressaltando a importân-
cia do material.
32
33
R. A
lon
so
34
MulhEREs
GirAfAs/
REFuGiADAs
PADAuNG
Chiang mai
tailândia | 2009
EstACiONAMENtO
CENtRAl
Amsterdam
Holanda | 2007
ARTES VISUAIS Alice Ramos
34
35
PrOjEçãO
se hoje é tímido o número de cursos superiores de fotografi a
na capital baiana, há duas décadas o cenário era ainda mais
difícil. O despertar do interesse por essa área vinha de cursos
como jornalismo e desenho industrial. Assim aconteceu com
Alice Ramos. seu primeiro contato com a fotografi a foi no curso
de Design da Escola de Belas Artes da UFBA, onde se apaixo-
nou pela mágica da revelação. Posteriormente, adquiriu expe-
riência em estúdios e laboratórios, além de atuar como repór-
ter fotográfi ca.
O destaque no meio artístico veio como resposta ao tino
para desenvolver projetos autorais que põem em xeque valores
sociais e estéticos. seu nome passou a ser conhecido ainda nos
idos de 1995, com o trabalho intitulado “Redondamente Enga-
nado”. Nesse ensaio, poses de mulheres rechonchudas pesando
entre 70 e 130 quilos, todas nuas, provocando e provando que a
sensualidade não está perdida nos corpos volumosos.
“Alice de Passagem” expõe uma nova etapa da vida e da
carreira de Alice Ramos, recheada de desafi os pessoais e pro-
fi ssionais. “Foi um parto. Agora é uma felicidade muito grande
ver o trabalho se espalhar”, arremata.
livrO
Alice de Passagem
(115 páginas)
Editora » Romanegra
vendas » Livraria
Cultura (salvador
shopping)
Preço sugerido » R$
40,00
Alice Ramos ARTES VISUAIS
livrO
36
PROFISSÃO
você já parou para se perguntar como surgem aqueles belos ambientes que ilus-
tram os palcos das peças de teatro ou as cenas nas telas do cinema? A profissão do
cenógrafo é pouco conhecida pelo público, mas chama atenção de quem se depara
com o resultado do trabalho.
Basicamente, o cenógrafo é o profissional responsável pela concepção e pelo
projeto de criação de ambientes e atmosferas para espetáculos artísticos tais como
filmes, shows, peças, desfiles de moda, teledramaturgia (novelas e séries televisi-
vas), entre outros. Cabe ao cenógrafo o gerenciamento da realização e montagem
de todos os espaços necessários à percepção cênica, a partir de pesquisas e criação
de um conceito artístico sobre a obra que será representada.
O cenógrafo idealiza, elabora, supervisiona e acompanha todo o processo de
construção de projetos cenográficos. E como trabalha por demanda, o cenógrafo
Para saber um pouco mais sobre profissão de cenógrafo, des-conhecida até pelos arquivos que não vão além de explicar que essa atividade surgiu na Grécia antiga, entrevistamos Zuarte Júnior, que atua na área há quase três décadas.
TRABALHODISPENSÁVEL?
pode faturar entre R$ 3 mil e R$ 8 mil.
De acordo com especilistas da área, os
melhores salários são pagos pelo cine-
ma. Há casos em que os profissionais
mais reconhecidos ganham até R$ 50
mil pela criação de um único projeto.
Quem atua no meio artístico revela
que o cenógrafo é aquele profissional
inserido entre as artes e a arquitetura. É
um meio termo. “Dizem que o cenógrafo
é aquele cara que não foi macho o sufi-
ciente para fazer arquitetura e nem gay
o bastante para fazer decoração. sem-
pre ouvíamos isso lá em Belas Artes. Não
diante do cenógrafo, mas perante o cara
que optava por Arquitetura ou por Artes
Plásticas. Claro que é uma brincadeira”,
descontrai Zuarte Júnior, o baiano de
37
PROFISSÃO
morro do Chapéu que é considerado o
“mago” da cenografia na Bahia.
Em meio à descontração, Zuarte dei-
xa clara sua indignação sobre a forma
com que os investimentos são designa-
dos à sua área: “Acho que o sistema dos
editais e o vício orçamentário e de mídia
é que não contemplam com mais consi-
deração esse ser chamado cenógrafo”.
Embora a tecnologia esteja tomando
grande parte do espaço dos construto-
res de cenários, com programas de com-
putadores que barateiam os custos com
mão-de-obra e material, Zuarte acha
que tudo pode ser casado, combinado e
integrado, sem que a profissão do desig-
ner necessariamente tenha que anular
a do cenógrafo. isso porque, hoje em
dia, a cenografia exige do profissional conhecimento em programas para a elabo-
ração de projetos em 3D, cálculos matemáticos e desenho técnico.
Quando questionado se a invasão das peças no formato stand-up comedy podem
ser um problema na vida de quem sobrevive da construção de cenários, Zuarte
Júnior faz uma declaração sincera: “Não vejo como ameaça. A cenografia (e eu
sempre digo isso para meus alunos) é dispensável. O que não pode faltar é o ator.
sem ele, nada. O cenógrafo precisa ter essa humildade, do não necessário”, explica.
Um de seus trabalhos mais aclamados pelo público foi a criação do cenário para
o show do cantor Luíz Caldas, em 2010, que remete ao inesquecível clipe triller, de
micheal Jackson. Ele garante que não tinha a pretensão de copiar nada e completa
que a analogia é um grande elogio, já que a sua criação contou com recursos muito
menores que os do vídeo.
E será que “dói” ao final de uma temporada ter que acabar com cenários que
encantaram o público? “sim. isso é cruel. É a pior parte. Eu confesso que não
tenho um pensamento formado e desprendido sobre o que fazer: reciclar tudo?
transformar? Fica no nosso imaginário, já que não podemos ter um museu da
Cenografia (ou Podemos?). Pelo menos, guardamos algumas peças, objetos...”,
conforta-se o artista.
Yuri do Val / Centro Técnico TCA
38
A gestão pública não dá conta da crescente demanda cultural da Bahia. Ano após ano, grupos de diversas linguagens artísticas criam uma série de produtos que carecem de oportunidades para serem vistos. Nesta en-trevista, a PlanoB traz a experiência do Feira Coletivo, que está dando palco para os artis-tas de Feira de Santana mostrarem sua arte. Ligados ao Circuito Fora do Eixo, rede artísti-ca brasileira que atualmente atua na Amé-rica Latina, o Coletivo desenvolve trabalhos com base na economia solidária e cooperati-vismo, entre outros. Joilson Santos, músico e membro do Feira Coletivo, é quem traça um panorama das atividades na cidade.
FeiRA
COlEtivO PROMOvE CultuRA EM
Foto divulgação Feira Coletivo
39
Feira Coletivo ENTREVISTA
Como eram as condições de trabalho para os artistas do
município antes do feira Coletivo? E o que mudou com a
adesão ao fora do Eixo?
Feira de santana sempre teve altos e baixos na produção
independente, mas sempre foi importante no circuito alterna-
tivo. Com a formação do Coletivo, começamos a nos organizar
melhor. montamos uma equipe que pensa a comunicação, pro-
dução e circulação de artistas. Conseguimos crescer muito em
pouco tempo. Fazer parte do Fora do Eixo foi fundamental, pois
vários coletivos já haviam passado por essas mesmas dificul-
dades. Além disso, o Fora do Eixo (FDE) viabilizou a vinda de di-
versos artistas da cena independente nacional e internacional
para Feira, o que vem dando grande visibilidade ao nosso tra-
balho e aos artistas locais que participam de nossas produções.
“O feira Noise festival” que oportuniza a apresentação
de diversos segmentos artísticos, acontece anualmente
com o objetivo de fortalecer a cadeia produtiva local e in-
centivar o trabalho em rede. Como se dá esse processo?
Ele é construído durante o ano inteiro, é a aglutinação
de tudo que produzimos nos meses anteriores e é realizado
com a cara e a coragem. temos uma enorme dificuldade de
captar recursos. são raras as empresas interessadas em as-
sociar sua marca com eventos culturais na cidade. Ele é fruto
deste trabalho colaborativo. E só é possível por conta de uma
carência muito grande de eventos como esse na cidade. sem-
pre abrimos inscrições para o Festival. Em 2011, por exemplo,
foram 236 artistas inscritos, de todo o Brasil.
ficamos intrigados em saber sobre a questão do coopera-
tivismo entre os artistas. Como funciona esse conceito em
meio a profissionais de diferentes áreas de atuação e às
vezes com propósitos artísticos diferentes?
Na verdade a grande dificuldade dos artistas independen-
tes sempre foi a falta de grana. Então o Fora do Eixo veio e
pensou na troca de serviços, que é algo que todo mundo já
fez em algum momento de sua carreia artística, mas com uma
diferença. Por exemplo, o artista é músico e design gráfico, en-
tão ele faz a logomarca de um estúdio em troca de horas para
ensaiar com sua banda. O Fora do Eixo organizou e sistema-
tizou essas trocas, parou de ser “brodagem” e começou a ser
uma troca com valores definidos. E isso foi primordial para o
crescimento da rede e para viabilizar a execução de vários
projetos. Essa forma de trabalhar foi compartilhada por toda
rede e, graças a ela, em 2011 o Fora do Eixo investiu mais de
40 milhões na cultura brasileira só em moeda complementar,
que é toda pautada nestas trocas de serviços.
Como foi dito, o trabalho é baseado no colaborativismo.
todos que se encontram envolvidos nessa perspectiva de tra-
balho entendem que atualmente somos um coletivo de tec-
nologia social. Quando deixamos de entender cultura como
uma única e exclusiva linguagem artística, tentamos estabe-
lecer em cada um dos agentes a noção de construtor de uma
série de linguagens, que não necessariamente precisa estar
dentro do campo da arte. Com isso, aumentamos o número de
serviços e produtos circulando dentro da rede, diversificamos
esse cardápio e tornamos cada vez mais viável a realização
de ações culturais no município.
Muito mais que fomentar a cultura, as propostas do Circui-
to fora do Eixo têm o objetivo de formar agentes culturais.
feira de santana e região têm essa necessidade suprida?
Não. investir na formação desses agentes é um passo im-
portante a ser dado. são poucas pessoas empenhadas, este
número é tão reduzido justamente porque são poucos os es-
tímulos e investimentos. Em Feira de santana só temos o Pró
Cultura, que é uma Lei de incentivo e fomento a cultura, mas
que pouco incentiva e muito menos fomenta. É algo que pre-
cisa ser revisto, necessita de mais clareza. Não sabemos como
os projetos são analisados, quais critérios são aplicados, o
que é prioridade ou não.
você citou o fato de haver uma única lei de apoio a cultu-
ra em feira de santana. Mas quanto às esferas estadual
e federal?
Na verdade o maior empecilho para que se cheguem in-
vestimentos no município é a política cultural que temos em
vigor na cidade, que não estimula e nem fortalece esse mer-
cado de economia criativa. Algumas verbas chegam, mas não
são investidas em ações que ampliem e estimulem este nosso
mercado. Não temos nenhum edital que tenha um repasse
direto de verbas, a Lei de incentivo (Pró Cultura) é de dedu-
ção em impostos, mas é burocrática e de difícil captação dos
recursos. Não temos um conselho de cultura ativo, estamos
atrasados em relação à implementação do Plano municipal
de Cultura que tanto foi discutido no ano passado nas confe-
rências municipais e também estamos atrasados em relação
à criação do Fundo municipal de Cultura.
« São raras as empresas interessadas em associar sua marca com eventos culturais na cidade »
jOilsON sANtOs, MÚSICO E MEMBRO DO FEIRA COLETIVO
40
Participei da comissão que estava discutindo a minuta de
lei para implementação do fundo e não tivemos a presença
do secretário em nenhuma das vezes. Acabou ficando empa-
cada. Ou seja, a visão ainda é aquela de cultura de massa, a
secretaria acaba funcionando como uma produtora de even-
tos sem nenhuma preocupação social, sem preocupação com
a democratização do acesso a cultura, sem planejamento de
médio e longo prazo, etc. Feira de santana tem uma verba
para investimentos em cultura, usada apenas em três even-
tos anuais: micareta, são João e no ExpoFeira. Enquanto isso,
o resto do ano a população fica carente de atividades cultu-
rais e pior, a classe artística fica sem incentivo nem espaço
para apresentações. A nossa secretaria de Cultura, Esporte
e Lazer, não abre diálogo com a sociedade, o que é outro pro-
blema sério.
Em sua opinião, enquanto militante do movimento cultu-
ral, os recursos não chegam aos artistas do município por
não estarem na capital ou por que também falta buscar
informação sobre outros meio de fomento, tais como edi-
tais disponibilizados por órgãos governamentais?
Em relação aos editais federais e estaduais, do jeito como
vem sendo feito, de forma bem mais democrática é algo muito
recente. A própria divisão de recursos estaduais é muito re-
cente e eu ainda acho injusta, mas é melhor do que era há 15
anos. Então é muito complicado ainda encontrar pessoas com
essa habilidade para elaborar projetos, apesar dos esforços
do Governo do Estado e Federal para ensinar e preparar as
pessoas para apresentarem projetos nestes editais. Estamos
passando por um processo de facilitação e estamos apren-
dendo a transitar no espaço burocrático dos editais públicos.
Não é fácil, nem tampouco simples, porém, justo e necessário,
principalmente por se tratar de Brasil, onde qualquer brecha
é motivo para desvio de recursos públicos e/ou corrupção.
Como vocês do feira Coletivo viabilizam as ações sem a
ajuda financeira do poder público e da iniciativa privada?
você acredita que o projeto se sustente a longo prazo sem
essa injeção de verbas?
viabilizamos as ações da mesma forma que todos os cole-
tivos do Circuito Fora do Eixo fazem, de forma colaborativa,
com horizontalidade, ou seja, ninguém é mais especial que
ninguém, do bilheteiro ao artista que se apresenta no even-
to, todo mundo de alguma forma contribui para que o even-
to seja realizado. O fator desse êxito é precisamente porque
adotamos, em nosso trabalho e cotidiano, valores e lógicas
contra-hegemônicas. Colaboração, ao invés de competição.
Nesse sentido, a implantação de uma moeda complementar
será nosso próximo passo para a manutenção consciente
dessa troca de serviços e produtos. Esse tipo de moeda social
tem sido um projeto bem sucedido em todo o país, sobretudo
dentro do Circuito Fora do Eixo, onde já foi criado um banco
solidário pautado na perspectiva de gestão autossustentável
que se tornou referência para os coletivos ligados a rede.
Foto divulgação Feira Coletivo
41
OPINIÃO
O mercado da cultura, apesar de estar na pauta de estu-
diosos e intelectuais há muito tempo, tem se tornado cada
vez mais difícil de ser acompanhado e compreendido devi-
do a sua complexidade e, sobretudo, a velocidade das mu-
danças que ocorrem nas formas de produção, divulgação e
consumo da cultura na contemporaneidade.
Parte significativa de nossa produção cultural depende
essencialmente do mercado (é o caso da Axé music), embo-
ra o Estado hoje em muitos aspectos possa ser considerado
como parte desse mercado e interfira de maneira significa-
tiva no seu modo de funcionamento (com as leis de incenti-
vo e em casos de eventos como o carnaval soteropolitano).
Considerando a complexidade das relações no mercado
da cultura é que, já na década de 1990, o francês Claude
mollard propôs que a cultura fosse analisada sob uma
perspectiva que abrangesse todos os atores sociais envol-
vidos no que ele chama de “sistema cultural”. As mudanças
que vem acontecendo no mercado da cultura nas últimas
décadas refletiriam, segundo ele, a passagem de um “siste-
ma artístico” para um “sistema cultural”, sendo este último
constituído, essencialmente, por “quatro famílias” que de-
terminariam as relações no mercado da cultura: artistas,
públicos, financiadores e mídia.
Para mollard, esse jogo de quatro famílias é ao mesmo
tempo arcaico e simbólico. Arcaico porque remete aos qua-
tro elementos da natureza: fogo, terra, água e ar; simbólico
porque remete também a quatro conceitos do mundo mo-
derno: energia, matéria, tempo e espaço. A energia e o fogo
representariam os artistas; a matéria e a terra os financia-
dores; o tempo e a água os públicos; o espaço e o ar a mídia.
O jogo se estrutura a partir de dois eixos: artistas e públicos
podem jogar juntos, mas financiadores e mídia se nutrem da
presença dos primeiros – daí sua importância fundamental,
nem sempre reconhecida pelos próprios artistas e públicos.
Na “república das artes e das letras”, segundo expres-
são do autor, o sistema cultural poderia se limitar a uma
relação intensa, única, passional, entre artistas e públicos.
A cultura do mercado e o mercado da culturaGica NussbaumerProfessora do Curso de Produção Cultural e do
Programa Pós-Cultura e membro do Centro de
Estudos multidisciplinares em Cultura/CULt da
FACOm/UFBA. [email protected]
Na contemporaneidade, o número de artistas é considera-
velmente maior e todo cidadão é público potencial. Com
isso, em torno dos artistas e dos públicos se estabelece um
conjunto de trocas, competições e transações; e em torno
dos financiadores e da mídia se constrói o conjunto de arti-
culações que condicionam e interferem cada vez mais nas
relações entre artistas e públicos.
Apesar de as relações entre artistas e públicos consti-
tuírem uma espécie de sistema utópico de referência, na
medida em que a intervenção cresce por parte dos finan-
ciadores e mídia, predomina no jogo a lógica de mercado e
surgem novos atores sociais. Assim, além das quatro famí-
lias do sistema cultural já indicadas, podemos incluir pelo
menos outra, a dos agentes ou produtores culturais, que
ampliam cada vez mais sua presença e poder no momento
em que vivemos uma compreensão expandida de cultura e
o reconhecimento de seu potencial e transversalidade.
No entanto, o esquema continua ainda simplificador.
isto porque certos atores chegam a participar de várias
famílias ao mesmo tempo, do jornalista que é também em-
presário; ao financiador ou gestor, que depois de ter sido
artista, aprendeu a utilizar as alavancas do sistema. Esses
são os grandes protagonistas. Em contrapartida, aqueles
que ficam isolados, sem dominar ou refletir sobre as regras
do jogo, o momento em que vivem e sobre suas transforma-
ções, acabam ficando à margem.
O acesso a criação e a circulação de produtos culturais
dá-se mediante um jogo de poder, representação e sedução
no meio. Um jogo no qual é preciso que cada um dos parti-
cipantes esteja consciente de seu papel e de sua posição,
bem como do papel e da posição do outro. Um jogo no qual
artistas e públicos podem vir, cada vez mais, utilizando-se,
entre outras formas, das tecnologias e redes sociais dispo-
níveis, a estabelecer novos modos de relação, passando a
ter mais autonomia e, até mesmo, desestabilizando o que
mais comumente se pensa sobre o mercado da cultura e a
cultura do mercado e seus protagonistas.
Foto divulgação
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43
MUSEU
Fotografias feitas por anônimos, imagens esculpidas por romeiros, objetos doados
por pacientes - este não é um museu como os outros. inaugurado em 1993, um ano
após a morte da freira baiana, o memorial irmã Dulce (miD) possui uma exposição
permanente de peças reunidas por familiares e amigos. mas não é só isso: a cada
ano, são feitas centenas de contribuições de uma multidão de admiradores. Atual-
mente, a coleção já possui mais de nove mil peças - legado que ajuda a manter e
expandir suas obras.
Em geral, a casa recebe doações de pessoas que, em algum momento, convive-
ram com a religiosa – cartas, depoimentos, objetos pessoais, fotografias – ou obras
de artistas devotos, como esculturas em barro, pinturas, composições, livros. Peças
que nem sempre possuem valor comercial, mas são consideradas relíquias cultu-
rais e afetivas, combustível capaz de acelerar o fluxo de visitantes nos portões do
miD e de fazer do espaço um dos museus que mais cresce no estado.
Para Osvaldo Gouveia Ribeiro, museólogo e assessor de memória e Cultura das
Obras sociais irmã Dulce (OsiD), este crescimento é mais que necessário para a
manutenção do complexo. segundo ele, os museus desempenham um papel fun-
damental na formação da identidade de uma sociedade. "Objetos são códigos, a
ação museológica os decodifica. Nada se sabe sobre o que não foi preservado. toda
sociedade vive em função dos seus mitos e heróis. Buenos Aires possui Evita, Pa-
ris possui victor Hugo. Nós não temos a mesma capacidade de consolidar nossos
heróis, até porque os heróis políticos da nossa história são muito questionáveis". E
exemplifica. "Hoje, na Bahia, as pessoas não sabem quem foi Cosme de Farias por-
que há pouco acervo sobre ele. se não houver um museu, elas também não saberão
quem foi irmã Dulce".
Empreendedora, ousada, visionária - quem conhece Irmã Dulce apenas pela sua vocação religiosa e fraterna, ainda sabe muito pouco sobre uma das personalidades mais ca-rismáticas e complexas da história baiana do último século. Responsável por um acervo de forte participação popular, seu legado tem sido preservado e ampliado através do Me-morial Irmã Dulce.
a casa deDULCE
ENDEREçO Avenida
Bonfim, 161 Largo de
Roma, salvador – Ba
FUNCIONAMENTO
de terça a sábado, no
horário das 10h às
17h, e aos domingos,
das 10h às 15h.
ENTRADA
GRATUITA Ace
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lce
44
MUSEU
A preocupação de Ribeiro é funda-
mentada: logo depois da morte da re-
ligiosa, houve um grande recuo de in-
vestimentos e doações. Até voluntários
abandonaram os postos de trabalho,
sem garantias de que as ações iriam
sobreviver com a ausência da freira.
"Houve uma crise de credibilidade que
só foi superada com a criação do mu-
seu. Foi a nossa forma de garantir que
haveria um depois, que a história dela
teria continuidade", explica. Na mes-
ma época, foram dados os primeiros
passos para a beatificação, marco que
elevaria o número de visitantes de 41
mil, em 2010, para 57 mil só no primei-
ro semestre de 2011.
CARISMA APARTIDáRIO
Fundadora de três cinemas sem fins lu-
crativos, do Círculo Operário, do Banco
de Leite, dos bandejões, enfermarias,
hospitais e de muitas outras obras, irmã
Dulce ficou conhecida como referência
de empreendedorismo. segundo o mu-
seólogo, sua obra a coloca ao lado de
personalidades marcantes da cultura
baiana, como mãe menininha e Dona
Canô. “A academia evita citá-la por sua
imagem estar ligada ao catolicismo, que
está vivendo um momento de impopu-
laridade. Não se trata de uma simples
religiosa, mas de uma pessoa que que-
brou dezenas de paradigmas, de uma fi-
gura de importância histórica que deve
e precisa ser estudada", pontua.
De acordo com os documentos do
museu, seu carisma ganhou devotos
entre o povo e, também, entre os po-
derosos. importantes nomes da socie-
dade baiana confessaram sua devoção
à beata, através de visitas e doações.
Nomes como Norberto Odebrecht,
mamede Paes mendonça e Antônio
Carlos magalhães listavam entre os
colaboradores. Existe até um ambula-
tório batizado de José sarney - um dos
maiores patrocinadores desta constru-
ção. Quando questionada sobre este
envolvimento com a política, a irmã
respondia: "Não vou cometer injustiça,
vai ser este nome mesmo. meu partido
são os pobres".
segundo a direção do hospital, hoje
não há nenhuma empresa que seja ‘si-
nônimo de doação’. A ajuda possui ori-
gens diferentes - de pessoas da socieda-
de, da igreja, da política e do comércio
- de maneira equilibrada. mas a impor-
tância do museu é sempre ratificada: "É
a memória da mentora desta obra que
a mantém viva, inclusive, em forma de
doações", garante Ribeiro.
« Não se trata de uma simples religiosa, mas de uma pessoa que quebrou dezenas de paradigmas, de uma figura de importância histórica que deve e precisa ser estudada »
OsvAlDO GOuvEiA RiBEiRO, MuSEóLOGO E ASSESSOR DE MEMóRIA E CuLTuRA DAS OBRAS SOCIAIS IRMã DuLCE
ACERVO DA SIMPLICIDADE
Um museu que cresce graças à partici-
pação popular: só de pinturas inspira-
das na obra da beata já são 350. Para
o visitante, há a opção de conhecer o
acervo de arte, a história da freira e o
quarto onde ela viveu - o que inclui a ca-
deira de madeira onde a religiosa dor-
miu por 30 anos, graças a uma promes-
sa. Na primeira sala, fotos da infância e
a imagem de um santo Antônio do sécu-
lo xviii, a quem ela chamava "tesourei-
ro da casa". Na segunda sala é possível
conhecer o acordeão que a freira tocava
nas ruas para arrecadar dinheiro e há
também uma maquete que oferece ao
espectador um pouco da dimensão da
obra, que ocupa todo o quarteirão. Nos
demais espaços, depoimentos, frases
autorais e vestígios da vida simples da-
quela que é reconhecida internacional-
mente como o ‘Anjo Bom do Brasil’.
Acervo Núcleo de Memória Irmã Dulce
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Especialista em folclore e cantigas de roda cria projeto que renova o hábito das antigas brincadeiras entre as crianças.
Foto divulgação
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CIDADANIA
Pular corda, jogar gude, brincar de roda. se você acha que isso é do tempo dos
seus avós e que ninguém mais se preocupa com essas coisas, está muito engana-
do! Há mais de 20 anos, a pesquisadora e artista Nair spinelli Lauria, ou simples-
mente Nairzinha, desenvolve o projeto “Cirandando Brasil”, que visa resgatar e
manter as tradições esquecidas, como as brincadeiras antigas e o folclore, pro-
movendo a integração e a autoestima das crianças.
A criança fica
confinada, sujeita
à solidão de jogos
eletrônicos.
Foto divulgação
47
CIDADANIA
Com a supressão das condições de ’brincantes’ criativos e simples, surgem divertimentos complexos e caros.
O começo do projeto seria cômico se não fosse trágico.
Um dia, a artista resolveu brincar com as crianças e gritou
“boca de forno”, mas nenhuma delas respondeu. Então, ela
concluiu que era hora de resgatar, atualizar e desenvolver
a identidade multicultural brasileira com as crianças, seus
pais e professores. Assim, nasceu o “Cirandando Brasil”.
Diversos são os bloqueios impostos pela modernidade.
“Na família, longas jornadas de trabalho e ausência dos
pais. Na cidade grande, ruas violentas, barreiras arquite-
tônicas e a falta de áreas seguras. Nas comunidades popu-
lares, ruas estreitas cheias de esgotos, sem falar nas balas
perdidas”, enumera Nairzinha.
Diante desse quadro, a criança fica confinada, sujeita
à solidão de jogos eletrônicos. Com a supressão das con-
dições de “brincantes” criativos e simples, surgem diverti-
mentos complexos e caros. A garotada fica dividida entre os
que têm muitos brinquedos e não sabem brincar, e aqueles
O projeto Cirandando Brasil se uti-
liza de diversas oficinas para trans-
mitir as tradicionais brincadeiras
às crianças. Com cerca de uma hora
de duração, cada oficina se debruça
sobre uma peculiaridade da nossa
cultura – música, teatro, literatura
brasileira e artes plásticas, além de
aulas de capoeira e cultura afro. Se
você quiser saber mais e também
apadrinhar o projeto “Cirandando
Brasil”, acesse o site http://www.
cirandandobrasil.com.br ou li-
gue: (71) 3354-6594.
que não consomem e se frustram. mesmo assim, a pesqui-
sadora afirma que as crianças não mudaram e continuam
se encantando com pequenas coisas, basta provocação.
Quando seu repertório musical é questionado por in-
cluir músicas como “Atirei o pau no gato”, que incita a vio-
lência, conforme alega boa parte dos pedagogos, Nairzinha
é taxativa: “será que os gatos estão extintos? Essa é a can-
çoneta mais cantada em todos os países que falam o portu-
guês. Completando, discordo da ‘maioria dos pedagogos’”.
sobre o antigo problema do consumismo sugerido pela
mídia, a pesquisadora aponta um caminho: “Aí, meu amigo,
vem o papel da família e da escola. O que importa é formar-
mos o senso crítico para que as crianças possam fazer suas
escolhas”. A realização desse trabalho inevitavelmente
traz à tona uma questão: o que leva uma sociedade a es-
quecer a sua própria cultura? “sem querer ser grosseira,
acho que é a ignorância”, finaliza a especialista.
Foto divulgação
48
planoB indica
MÚSICA
O Deus que Devasta Mas Também CuraLucas Santtana
Apontado como uma das maiores reve-
lações da música brasileira, o baiano
Lucas santtana anunciou o lançamen-
to de seu quinto disco, 'O Deus que De-
vasta mas também Cura', e dessa vez
com uma grande novidade para os fãs: o álbum está disponível para downlo-
ad na sua fanpage do Facebook (www.
facebook.com/lucas.santtana.official).
Com participações de Céu, Kassin e da
Orkestra Rumpilezz, o álbum traz relei-
turas e sucesso autorais.
EXPOSIçõES
Pedra da Memória Renata Amaral
Até o mês de maio, a CAixA Cultural
salvador apresenta gratuitamente a
exposição fotográfica ‘Pedra da memó-
ria’, da pesquisadora Renata Amaral.
Composta por 70 painéis em cores, a
mostra traça um ponto de encontro
entre as culturas do Brasil e do Benin,
através de manifestações sociais e ar-
tísticas. A exposição pode ser visitada
de terça-feira a domingo, das 9h às 18h,
na Rua Carlos Gomes, 57. informações
pelo telefone (71) 3241-4200.
ShOw
Cris MendezMPB
A cantora Cris mendez faz show de
mPB tropical todas as quintas-feiras
de abril no sussa Forneria (Barra),
às 21 horas. Nomes da música baiana
como Gerônimo, Luciano salvador
Bahia, Cássio Calazans e tito Bahien-
se são declaradamente as inspirações
da jovem artista, que apresenta re-
pertório com base no seu primeiro CD
de carreira com lançamento previsto
para maio. ingressos a R$ 10. informa-
ções e reservas pelo (71) 3264-3838.
LITERATURA
A primavera do dragão, a juventude de Glauber Rocha Nelson Motta
O escritor Nelson motta quis retribuir uma gentileza que o grande amigo Glau-
ber Rocha fizera a pouco mais de 30 anos atrás. E a homenagem não poderia ser
melhor. Nelson acaba de lançar um olhar sobre uma das mentes mais inquietas
do cinema brasileiro. O livro ‘A Primavera do Dragão - A Juventude de Glauber
Rocha’ descreve com sagacidade a história do cineasta baiano, que revoluciou
toda a estética do cinema brasileiro com criatividade sem igual. “minha meta foi
escrever uma história que ressaltasse a importância do Glauber e pudesse criar
curiosidade mesmo entre aqueles que não têm especial interesse pelo persona-
gem”, disse motta. Editora Objetiva. Preço sugerido: R$ 46.
Foto divulgação Foto divulgação Foto divulgação
Foto divulgação
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50
OPINIÃO
Jean de La Fontaine foi um poeta e escritor francês, criador
de fábulas inesquecíveis da literatura mundial, pequenas
obras-primas que encantaram leitores do mundo inteiro,
através de gerações. Com textos simples, repletos de fanta-
sia e valiosas lições de moral, como, por exemplo, a história
da Lebre e da tartaruga - aquela em que a Lebre cochila, e a
tartaruga, em lentos e curtos passos, vence a corrida.
O grande barato desta fábula não é saber que a Lebre,
segura de sua vantagem, bobeia e perde uma corrida que
era sua, sem chances aparentes de derrota. O barato é per-
ceber que somos, muito mais vezes do que pensamos, mais
parecidos com a Lebre do que com a tartaruga.
Quanto mais nos sentimos seguros, mais cautela, aten-
ção, foco e disciplina devemos ter. muitas vezes, como a ‘Le-
bre de La Fontaine’, vacilamos feio porque entramos no que
chamo de “zona de conforto”.
Zona de conforto é aquele estágio que alcançamos
quando nos acomodamos. Quando achamos que está tudo
muito bem e que a nossa imutável e inexpugnável estabili-
dade jamais será abalada, transformada, virada de cabeça
pra baixo.
Já vi muito time que ganhava de dois à zero perder de
virada porque se acomodou. Já vi muito lutador perder por
nocaute no último round para rivais cambaleantes, porque
se acomodou. Já vi muito artista perder o brilho e a criativi-
dade porque se acomodou.
E é justamente quando nossa “zona de conforto” se ra-
cha, e da noite para o dia o mundo se transforma, e o que
era certo se torna incerto, e o que era fogo vira cinza, que
mais somos tentados a virar Lebres: correr atrás do prejuí-
zo, jogar todas as cartas na mesa e avançar como loucos pra
retomada do jogo, das coisas, da vida de antes. E bem sabe-
mos que sementes que germinam depressa demais custam
a dar frutos.
Em momentos de mudança, o importante é ter calma. Fo-
car. Observar o jogo, ir devagar e sempre, preocupar-se em
prosseguir, em perseverar, em não desistir.
Perseverança é esforço, é dedicação, é paciência. É afei-
ção ao empenho, a coragem, ao comprometimento. É a en-
trega por apego, por fé, por sabedoria.
E a única coisa que nos faz ir em frente, sempre, é o amor.
Ame o que você faz. importe-se com o que você pensa.
Ancore seus pensamentos em portos de paz. A arte de per-
severar, de caminhar, de buscar, é o que nos alimenta de
força, que impulsiona nossa inventividade, nosso poder de
realizar e criar.
Cuidado com sua “Zona de Conforto”. A vida começa, re-
almente, quando ela acaba. melhor se ela nunca existir.
sem entusiasmo, sem paixão, sem ter porque seguir,
nada vale à pena.
“Apague e recomece. É sempre hora de mudar, de virar a
página e se reinventar. mesmo que doa, aprender não é um
processo à toa.” – FERNANDA mELLO
Namastê
manno Góes
Zona de ConfortoManno Góesmúsico e compositor da banda Jammil e Uma
Noites. @_mannogoesFoto divulgação