revista papo reto - 2ª edição
DESCRIPTION
Material da CUFA-RS referente ao Projeto Papo Reto 2013 - outubroTRANSCRIPT
O rapper MV Bill confessa que foi criado por uma “pãe”
ENTREVISTA EXCLUSIVA
OUT/20132
Professora conta sua experiência no seminário
PAPO RETO
Conheça a história de três alunos da rede municipal
PERFIL
CUFA percebe a ausência dos pais no ambiente escolar
MATÉRIA ESPECIAL
Inaugurada no dia 3 de setembro, a República Junto atende 24 usuários em tempo integral. O intuito é proporcionar serviços que ofereçam proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas entre 18 e 59 anos em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia.
Distribuído em espaços escolares e instituições de ensino desde 2009, o livro O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra é uma ferramenta importante e pertinente na luta contra as drogas. Por meio de uma linguagem simples aborda assuntos delicados de forma natural, provocando a reflexão dos leitores quanto às formas de abordagem e educação necessárias para a conscientização e prevenção ao uso de drogas.
Criada a partir de uma brincadeira em uma cesta de lixo, a Liga Internacional de Basquete de Rua (LIIBRA) é o maior evento de cultura de rua da América Latina. São dez anos de basquete embalado com o break, os MC’s e o hip hop, que compõem o espírito do torneio. Realizada em diversos estados do Brasil, a atração conecta esporte e música, estimulando a criatividade dos jogadores e explorando suas habilidades físicas.
Com o objetivo promover a integração das comunidades por meio do esporte, a CUFA-RS criou o Torneio Bola Comunitária. O projeto consta em um torneio de futebol entre jovens de 15 a 17 anos, todos moradores de comunidades da região metropolitana. A intenção também é de levar debates e serviços para estes locais, garantindo novas oportunidades para os jovens que as integram e dando visibilidade aos talentos esportivos.
Projetos
Papo Reto |02| outubro
Acesse o nosso site: www.cufars.org.br
03
Editorial
Onde está o super herói?Foi-se o tempo em que o pai estava sempre presente na vida das crianças.
Foi-se o tempo em que ele era o símbolo da casa, o chefe da família. Foi-se o tempo em que o homem era visto como super-herói dos seus filhos. Hoje, vemos muitas mulheres exercendo esse papel que há alguns anos era masculino. Durante as palestras, seminários e oficinas do Projeto Circuito Papo Reto 2013, percebemos como a figura paterna está ausente na vida dos jovens. Além disso,
dados comprovam essa afirmação.
Pensando nisso, esta edição foi focada neste tema que, infelizmente, faz parte da vida de muitas pessoas, mesmo que indiretamente. Nas páginas a seguir, você verá uma entrevista exclusiva com o rapper MV Bill, que conta como foi sua infância após a separação dos seus pais e como foi a experiência de ser criado por uma “pãe”. E ainda, uma matéria especial que fala sobre a ausência do pai
e mostra uma escola que usou esse problema para encontrar soluções.
O que vem por aí
p.6
PerfilConheça Bruna, Ana Pâmela e Peterson, alunos da rede municipal de educação da cidade de Porto Alegre
Entrevista com o mestreA professora Renata Carvalho dá o seu parecer sobre o que lhe chamou a atenção no Seminário Papo Reto
Você sabia que a figura do pai é algo raro no ambiente escolar? A equipe da CUFA foi atrás desse fato
Matéria Especial
MV BillO rapper e ativista social fala, exclusivamente, sobre sua vida sem a presença do pai
Expediente
Manoel Soares/Coordenador da CUFA-RSIvanete Pereira/Coordenadora InstitucionalLisandra Félix/Coordenadora do Papo RetoDinora Rodrigues/Coordenadora AdministrativaMariana Soares/Coordenadora de ComunicaçãoDanilo Santos/Coordenador de AudiovisualPaulo Daniel Santos/Pres. Conselho Estadual CUFA-RS
Alexandre Bertolazi/FotografiaAiran Albino/Diagramação e RevisãoEduardo Bertuol/Reportagem, Foto e RevisãoIgor Grossmann/Reportagem e FotoBianca Oliveira/ReportagemCarolina Reck/Reportagem
Papo Reto |04| outubro
p.13
p.30p.8
Um dos fundadores da Central Única das Favelas,
Celso Athayde nasceu na Baixada Fluminense, no Rio
de Janeiro, onde viveu até os 7 anos. Aos 16, já havia
morado em três favelas diferentes, em abrigos públicos
e na rua. Autodidata, Celso assina três livros que tiveram
ampla comercialização no Brasil: é coautor dos livros
“Falcão - Mulheres e o tráfico”, “Falcão - Meninos do
Tráfico” e “Cabeça de Porco”. Os dois primeiros assina
com o rapper e também fundador da CUFA MV Bill, e o
último com MV Bill e o sociólogo Luiz Eduardo Soares.
Envolvido com comunidades periféricas e sem nunca
perder a esperança, Celso Athayde criou o CineCufa,
um festival de cinema internacional de produções
audiovisuais realizadas por moradores de favelas. Criou
também o BRADAN, festival brasileiro de Break e o RPB,
Rap Popular Brasileiro, festival nacional de rap, que
busca fazer o estilo musical dialogar com as músicas
regionais. Celso ainda produziu e dirigiu o documentário
“Falcão - Meninos do Tráfico”, co-dirigido por MV Bill.
“A trajetória da Cufa e a minha se confundem o
tempo todo, pois a criação dela era o retrato das
minhas apostas diárias, das minhas convicções e
conflitos. Não criei a instituição para mim, criei esse
sonho para ser compartilhado e hoje sei que o maior
dos acertos não foram as ações que conseguimos, mas
a garantia da sobrevivência da Cufa a partir do quadro
que formamos. Hoje, eu tenho certeza que a Cufa não
vai retroceder jamais”, garante Celso, que no começo
de 2013 deixou a presidência nacional da Cufa. Aos
50 anos, ele busca empreender o desenvolvimento das
favelas e seus moradores, com foco na capacitação,
empregabilidade, desenvolvimento desses territórios e
dessas pessoas.
“Ficar na Cufa depois de tanta conquista não pode
ser uma forma de descanso remunerado, mas uma
passagem para outro nível de luta, pois estar fora da
Cufa fisicamente e do seu cotidiano, não significa estar
longe das suas realizações e conquistas”, conclui.
Alexandre Bertolazi/FotografiaAiran Albino/Diagramação e RevisãoEduardo Bertuol/Reportagem, Foto e RevisãoIgor Grossmann/Reportagem e FotoBianca Oliveira/ReportagemCarolina Reck/Reportagem
05
Especial
Celso Athayde acredita no ativismo social
Tudo começou com eleArquivo Pessoal | Celso Athayde
Papo Reto |06| outubro
Crônica do Professor
É impressionante como algumas vezes em nossas vidas
temos a percepção de que algo foi feito especificamente
para nós, ou que o lugar onde deveríamos estar é
onde exatamente estamos. E foi assim que me senti
ao participar do Seminário Papo Reto. Era véspera
do feriado do dia 20 de setembro e ganhei feriadão
na Escola Municipal de Ensino Fundamental Gabriel
Obino. Tentada a ficar em casa e curtir os quatro dias
de descanso, optei por investir, me doar um pouco
mais, cedendo a este compromisso de participar do
seminário na quinta-feira dia 19/08, e graças a Deus
que fiz esta sábia escolha.
Lembro-me que, alguns dias depois, quando
cheguei à sala dos professores algo me chamou a
atenção naquele cartaz do Seminário Papo Reto. Ali,
olhando atentamente para aquele informativo soube
que era para mim. Que faria parte da minha história
receber aquelas informações que o seminário iria
abordar. Depois, durante um almoço no refeitório, uma
professora elogiou muito a palestra e vi novamente que
era um sinal, mais um indício que era pra eu assisti-lo.
No dia em que participei da palestra, já de início
percebi que o auditório estava um pouco vazio,
compreensível devido à data, véspera do feriado.
Mas ainda assim me surpreendi. Porém, aquela
palestra foi especial mesmo com poucas pessoas.
Tinha um homem que assistia e declarou-se ali como
dependente químico. Percebi que ele apreciava muito
as informações que recebíamos. Os demais professores
se envolviam nitidamente em cada tópico trazido pelos
palestrantes.
Foi então que fui transformada durante aquelas
horas. Certa de minha vocação e defensora declarada
da família, fiquei maravilhada ao saber que
por Renata Carvalho
“A cada nova informação meu coração batia mais forte”
Renata é grata pela experiência no Seminário Papo Reto
Alexandre Bertolazi | CUFA-RS
07
famílias monoparentais são um fator de risco para
a drogadição. Fiquei ainda mais consciente do meu
papel na docência quando descobri também que os
adolescentes precisam de um exemplo, alguém para
se espelhar. E este alguém pode ser eu. Cheia de
limitações e falhas, mas tenho um dever nas mãos: o
dever de influenciar. A cobiça, o querer ter é o que na
maioria das vezes conduz esses jovens e crianças ao
mundo das drogas, como vimos numa das palestras.
Porém o que mais friso aqui, é o que eu pensava:
por dar aula para crianças de 7 anos de idade, não
era necessário que eu abordasse o tema de prevenção
às drogas e criminalização, que isso era para ser feito
na pré-adolescência. Mas saber que esta prevenção é
muito necessária desde cedo foi chocante. As drogas
estão nas mídias e acessíveis a qualquer idade. O
mais curioso é que dias antes fiz um trabalho sobre
alimentos com meus alunos onde descobrimos que dois
deles já tinham experimentado álcool, aferindo então
a necessidade de prevenção sim. E consegui receber
ideias de como fazer isto de uma maneira propícia a
idade deles.
Outra informação que causou um grande confronto
foi aprender que é historicamente comprovado que
o maior rigor nas penas criminais não irá melhorar
a situação da criminalidade no que diz respeito ao
tráfico. Eu pensava que sim, pensava que era necessário
aumentar as penas porque então o indivíduo pensaria
duas vezes antes de se envolver com o tráfico. Porém,
num falho sistema penitenciário, que não consegue
reabilitar pessoas, esta tese se mostra falível. Apostar
e investir em prevenção e educação, ao longo das
décadas foi muito mais eficaz e as estatísticas revelaram
isto. Devo ao Seminário Papo Reto esta certeza que
adquiri e que agora defendo.
A cada nova informação, meu coração batia mais
forte. Pois, como descrevi no início, ia tendo a certeza
de que eu deveria estar exatamente ali ouvindo aquelas
palavras transformadoras e que minha vocação como
professora poderia fazê-las multiplicar nas escolas
onde eu atuar. Faço parte de um maravilhoso projeto
social nomeado Fundação de Educação e Cultura do
Esporte Club Internacional (FECI) que tem por objetivo
esta formação de cidadãos atuando nas Escolas
Municipais, o que vai ao encontro de tudo que aprendi
no Seminário Papo Reto.
Foram horas deliciosamente leves. Nem vi o tempo
passar. Nos intervalos para o delicioso coffee break
conversávamos e nos conhecíamos, era bárbaro! Era
como num espetáculo onde me sentia emocionada
com cada atração. O teatro, os cases trazidos e os dois
rapazes egressos do sistema criminal abrilhantaram
trazendo a nós seus testemunhos de vida. A música que
Mano Lenne cantou arrancou lágrimas emocionando
a todos.
Como uma professora bem mais informada após o
Seminário, quero ser esta “Salvadora de Vidas” como
definiu bem a psicóloga Fernanda Bassani. Descobrir e
investir nos talentos dos alunos, amá-los, mesmo que
pareça difícil devido a rebeldia de alguns, que no fundo
é uma carência. O meu papel acima de tudo é amá-
los, e amar é doar-se. É olhar para eles, sair um pouco
da zona de conforto, transpor as dificuldades do dia a
dia e fazer a minha parte, fazer a diferença. Por fim,
deixo aqui este depoimento agradecendo a equipe da
CUFA e a todos que promoveram e ajudaram para que
este Circuito Papo Reto acontecesse, tenho certeza que
mudou não somente minha história, mas a de muitos.
“A cada nova informação meu coração batia mais forte”
Papo Reto |08| outubro
alunos
Nessa segunda edição, a revista Papo Reto decidiu abrir espaço não só para os professores, mas também para os alunos. Confira a seguir três histórias diferentes da geração que, infelizmente, está mais perto das drogas do que as passadas, mas que não se deixa levar e sabe distinguir o que faz bem ou não para o seu futuro.
09
A tranquilidade e interesse de Peterson Alves Apolinário
de Andrade são dignos de exemplo para outros alunos.
Com onze anos, o futuro cientista acredita que a
solução para os problemas do mundo deve partir de
cada um, e começou a fazer sua parte repensando o
espaço urbano em que vivemos e se empenhando nos
estudos.
EM TRÊS CIDADES
Seu trajeto escolar foi em três cidades: Soledade,
Alvorada e Porto Alegre. Para cada cidade uma escola
nova e em cada escola a participação além da sala
de aula. Na primeira fez a pré-escola, e se mostrou
disciplinado ao ajudar os professores em tarefas com
outros alunos. Capoeira e banda também fazem parte
do histórico escolar de Peterson. Hoje estuda na EMEF
Victor Issler, onde faz parte do LIAU, um laboratório
que trata de temas relacionados ao meio ambiente
e urbanismo. Empolgado com o projeto, o aluno
informa que tudo que aprende leva para casa. “Minha
mãe planta salsinha e tomate. O que aprendo com ela
em casa uso aqui e o que aprendo aqui uso em casa.
É muito bom”, explica. Para o jovem, fazer parte do
projeto o auxilia nas aulas e no cotidiano.
FAMÍLIA
Filho de família grande e pais presentes, o jovem
tem dois irmãos mais novos e dois mais velhos. A
importância familiar no crescimento das crianças é
um reflexo da fala de Peterson. “Sempre que tenho
dúvidas meus irmãos mais velhos me ajudam”, conta.
Com fome de aprender e tornando parte do seu dia-a-
dia o aprendizado de casa e da sala de aula, Peterson
manifesta o seu espírito de solidariedade e a vontade de
levar o conhecimento adiante. “O pai nunca estudou,
mas ano que vem ele começa a estudar, acho muito
bom isso. Quando eu precisar de ajuda vou pedir pra
ele, e enquanto ele não se formar eu que vou ajudar
ele nos estudos”, ressalva cheio de felicidade.
DROGAS
Quanto à temática das drogas, o jovem também
tem opinião formada. “Acho muito importante falar das
drogas, pode ajudar no nosso futuro. A gente tem que
ter conhecimento que o crack é um vício burro, porque
o usuário procura sempre o mesmo gosto da primeira
fumada e nunca vai encontrar e fica doente. Muitos
sofrem com seus filhos nas ruas”, expõe. Ressaltando a
importância das medidas de prevenção e discussão do
tema, ele também elucida que para um futuro melhor
é necessário o aprendizado e a busca pelo fim do uso
das drogas.
LIÇÕES
As lições que Peterson aprende e ensina vão além
dos temas de casa e produções em sala de aula.
Mirando no futuro e lembrando do passado, resgata
a ideia de que todos podemos fazer a diferença, basta
querer. “Temos que olhar os três lados: como é agora,
como foi e como acabará. O futuro tem que ser melhor
que o presente, e isso depende de nós”, afirma.
Sonho de tornar o mundo melhorpor Carolina Reck
Peterson sabe que o crack só piora a vida do usuário
Carolina Reck | CUFA-RS
Papo Reto |10| outubro
Com apenas onze anos de idade, Ana Pâmela Alves,
teve o seu primeiro namorado. Por motivos pessoais
esse namoro veio a ter um final trágico. Após o término,
a menina entrou em depressão e não queria mais saber
de nada, passou a comer e deitar sem sequer sair para
olhar a luz do dia.
A MUDANÇA
Depois de algum tempo, os pais de Ana acharam
que seria melhor mudar-se para Restinga, onde
moram atualmente. Porém, a mudança não foi muito
confortável. A menina sofreu bullying no primeiro
colégio que estudou. Lá, recebeu um apelido pelo fato
de estar acima do peso. Sem suportar as brincadeiras
maldosas, ela resolveu sair da instituição e foi para
a Escola Municipal de Ensino Fundamental Alberto
Pasqualini, onde estuda atualmente. “Eu não aguentava
mais todos os dias ser criticada por pessoas piores que
eu e não poder falar nada”, conta Ana.
NOVA ESCOLA
Logo que ingressou no novo colégio, não falava com
ninguém, mas com o decorrer do tempo foi fazendo
“amizades” e foi através destes amigos que ela teve
o seu primeiro contato com drogas. “Tudo começou
com um cigarro de maconha depois experimentei
outros tipos de drogas, mas nunca me viciei”, revela a
jovem. Passado alguns meses, a estudante começou a
achar que usar drogas já não tinha graça e começou
a vender. Para isso, matava aula para traficar na
pracinha Argentina, a uma quadra da escola.
MÃE NÃO DESISTIU
Quando sua mãe descobriu o problema, muitos
colegas afirmavam que já era tarde para conseguir
reverter a situação. Porém a mãe não desistiu de ajudar
Ana, e foi atrás da filha. Tirou a menina da praça,
trouxe para a casa e com a assistência de uma vizinha,
a levou para a igreja. “No início, eu só ia para agradar
a minha mãe, até que chegou um dia em que eu ouvi
o próprio Deus falando comigo. Em pensamento, ele
dizia que eu ainda pudia mudar de vida e que bastava
eu querer essa mudança”, afirma.
FALTAVA ALGUMA COISA
Hoje com 15 anos, a aluna conta que sentia falta
de alguma coisa em sua vida. “Eu sempre amei fazer
teatro e quando soube que havia aberto vagas na
escola corri e me inscrevi. Hoje, posso dizer que sou
completa, pois a CUFA trouxe o que faltava”, diz a
menina. Ao encerrar a matéria, Ana agradeceu, com
um lindo sorriso no rosto, à instituição pela realização
do projeto Papo Reto.
por Bianca Oliveira
A hora da superação
Ana encontrou, no teatro, a força para encarar sua vida
Bianca Oliveira | CUFA-RS
11
Bruna Stein de Abreu está no nono e último ano do
ensino fundamental. Em dezembro, ela completa
15 primaveras e irá se formar. Ela pretende cursar o
ensino médio na escola Protásio Alves. Seu desejo se
dá porque sua irmã estudou neste colégio e, segundo
ela “pode ser muito bom pois fica perto de vários
cursos”. Bruna estuda na Escola Municipal de Ensino
Fundamental (EMEF) Carlos Pessoa de Brum, na
Restinga, onde também mora.
SITUAÇÃO DRAMÁTICA
A menina de um belo sorriso já passou por uma
situação dramática na família. Um dos tios já se
ennvolveu com drogas. Após ser internado em uma
clínica de tratamento, ele se recuperou. Este episódio
familiar vacinou Bruna sobre os efeitos devastadores
das drogas na vida de uma pessoa. “Se usar, você
ficam em paz por alguns minutos mas após isso,
Futuro nas artes cênicaspor Igor Grossmann
irá sofrer pelo resto da vida”, fala com propriedade
arrebatadora. E completa: “eu sempre repito pra mim
mesma que nunca vou me envolver com essas coisas
porque tive o exemplo na minha família. Eu sei que
na hora é bom, mas depois não se sabe o que vai
acontecer. Tu vai ter problemas e pode até morrer”.
EXEMPLO
Com 14 anos, Bruna é exemplo e incentivo para os
colegas, palavras da sua professora de teatro Tatiana
Baptista Greff. Bruna quer estudar artes cênicas. Ela
foi cativada pela professora Tatiana, que se sente
orgulhosa e feliz por despertar o interesse de uma
aluna em fazer um curso superior. “A Bruna se destaca
por ser responsável e participativa. Ela tem potencial
e maturidade para conseguir o que quer”, relata a
professora.
CONSCIENTE DAS TAREFAS
Tatiana não é a única educadora a rasgar elogios
para a aluna. Lígia Savio, professora de português e
literatura, afirma que Bruna é consciente das tarefas
e sempre busca fazer além do que se pede. “Ela fez
um conto nas férias e escreve porque gosta. Se todos
fossem como ela… Mas o trabalho do professor é com
as ovelhas desgarradas”, reflete Lígia. Bruna também
pensa em estudar letras. Mas ainda tem pelo menos
mais três anos para se decidir.
APROVEITAR OPORTUNIDADES
Na sua escola, Carlos Pessoa de Brum, a aluna
busca aproveitar todas as oportunidades que lhe são
oferecidas. Ela participa da Rádio Brum, que organiza
e cobre eventos escolares, além de sonorizar o recreio
da escola. Bruna já fez parte da oficina de robótica
mas hoje gosta mesmo é de participar do Cinemundo,
uma oficina com três professores - teatro, português
e inglês - na qual os alunos recriam cenas de filmes
conversando na língua inglesa.
Bruna tem consciência do poder destrutivo das drogas
Igor Grossmann | CUFA-RS
Lisandra Félix Coordenadora-Executiva Papo Reto
Papo Reto |12| outubro
O Projeto Circuito Papo Reto Porto Alegre visa
contribuir para o processo de prevenção ao crack e
outras drogas nas escolas municipais. Um de seus
principais aliados é a ferramenta literária desenvolvida
pela CUFA RS, o livro “O Escudeiro da luz em: Os
zumbis da Pedra”. Na primeira edição do projeto, em
2012, percebemos que os professores necessitavam de
informações sobre a temática do crack. Pensando em
preencher esta lacuna na formação dos educadores,
na segunda edição do projeto, em 2013, resolvemos
organizar um seminário para contemplar as escolas
municipais. O tema gerador do debate é: Prevenção
às drogas: Qual o papel da escola?
Iniciamos o processo convidando os palestrantes
e definindo um formato de explanação que viesse de
encontro com as expectativas dos professores. Com
a duração de oito horas, cada seminário traz falas
significativas de especialistas das áreas da psiquiatria,
psicologia, direito, Brigada Militar, representante da
Fundação de Assistência Social e Cidadania e os
relatos de dois egressos do sistema penal.
No desenrolar dos seminários Papo Reto
percebemos que apesar da similaridade de cada
realização, que consta com o mesmo quadro de
palestras, diferentes resultados eram moldados. A
cada grupo de participantes acontecia uma renovação
sob a ótica de novos olhares, novos questionamentos
e novas trocas de experiências. Repletos de conteúdos
explícitos e implícitos, aprendizados foram surgindo.
Em relação à adesão dos professores, compreendemos
que o calendário de formações da rede municipal de
ensino é intenso e delineado no início de cada ano
letivo. Desta forma, quantitativamente, o resultado não
é expressivo. Porém, qualitativamente, o resultado tem
sido excelente em função dos relatos dos professores
que usufruíram dos seminários. A CUFA RS parabeniza
os profissionais da rede municipal de ensino por não
desistirem de acreditar em cada aluno, cada família e
cada comunidade, contemplando os funcionários da
limpeza, cozinha e secretaria. Vale a pena registrar
que um guarda municipal participou ativamente de
um dos seminários, afinal, a missão de educador não
é apenas para o professor que atua na sala de aula.
Todos nós somos fontes de aprendizado e devemos
fazer do dia-a-dia uma lição para a vida.
Palavra
13
A importância dos pais no ambiente escolar
Um levantamento da Superintendência de Serviços
Penitenciários (Susepe) mostra a ausência de pais
nas visitas autorizadas no Presídio Central, em Porto
Alegre. Até outubro de 2013, cerca de 7 mil visitas
foram feitas aos apenados, sendo 2205 de mães/
madrastas; 2110 de crianças/adolescentes; e 2069
de companheiras(os). Mas o número que salta aos
olhos é o de pais/padrastos visitantes: 597. Outra
estimativa, feita pela Corregedoria Nacional de Justiça
(CNJ), indica que 4,8 milhões de estudantes brasileiros
não têm o pai em seus registros. E que as certidões
de nascimento sem o pai respondem por 15% a 20%
dos registros feitos no Brasil. Estas duas pesquisas
evidenciam que o pai que abandonou o filho quando
criança, abandona o filho preso.
Atuando como professora da SMED e
acompanhando famílias por meio da FASC (Fundação
de Assistência Social e Cidadania), a pedagoga Patrícia
Schuler Mônaco prefere destacar o papel da família
e não focar no gênero masculino. Ela lembra que o
afastamento dos pais com a escola é algo histórico.
“Até meados dos anos 60 era comum que os pais
sequer soubessem o nome da professora de seus
filhos. As funções maternas/paternas e escolar eram
muito distintas entre si. Pai e mãe educavam e a escola
ensinava a ler e escrever”, explica Patrícia.
Ela conta que esses papéis foram se remodelando.
“A mãe trabalha e os jovens são treinados na escola
para o mercado de trabalho, assumindo assim uma
função de adequar este jovem às exigências impostas”.
Além disso, os cargos na família também se alteraram
com o tempo. “As mudanças na base familiar, como
texto: Eduardo Bertuol e Igor Grossmannfotos: Danilo Santos
Papo Reto |14| outubro
quem cuida e sustenta, sofreram alterações e a escola
passou a cuidar também da educação primária da
criança - aquela que antes era sustentada pela família”,
esclarece a pedagoga.
ONDE ESTÃO OS PAIS
Na EMEF Senador Alberto Pasqualini, localizada
na bairro Restinga, a diretora Sueli da Silva relata que
muitos pais esquecem seu papel e preferem deixar
a educação das crianças de lado. “Nestes casos a
responsabilidade fica para outros familiares, como tios
ou avós do aluno, que se comprometem a apoiar e
acompanhar o estudante na escola”, explana Sueli.
Ela afirma que a desestruturação familiar prejudica
os estudos. “Muitas das crianças têm essa carência,
pois as famílias são desestruturadas já que não há
uma participação da figura paterna. O sentimento de
abandono na infância vira revolta na adolescência, isso
atrapalha e compromete os estudos e o comportamento
do jovens”, acredita Sueli.
Há quatro anos como diretora da instituição, a
irresponsabilidade de um pai vem incomodando Sueli.
Ela conta que a mãe possui a tutela da criança, mas
aos 10 anos o menino preferiu morar com o pai por
ter mais liberdade e conforto para fazer o que quiser.
Contudo, o responsável não comparece na escola e
não acompanha o filho no ambiente escolar. “Entramos
em contato com a mãe para falar do caso, mas ela diz
ter medo do pai da criança”, afirma. Sem as regras, o
menino não faz os temas e vai para a escola quando
quer. Ao contrário do que acontecia quando morava
com a mãe, que possui regras para fazer as lições de
casa, horário para dormir e comer.
Segundo relatos da mãe do aluno para a diretora,
o pai tem ligação com o tráfico da região e já foi preso
na frente do menino. “Depois de solto, a criança voltou
para o pai, pois ele faz todas as vontades do guri”,
conta Sueli. “Nós já pedimos para mãe entrar com um
recurso, mas não tem jeito. O estudante quer apenas
o pai, e a mãe prefere não intervir na relação dos dois
por medo de represália”, completa.
A diretora conta que o menino tem muitas faltas
e dificuldade de relacionamento dentro da escola.
“Ele não demonstra problemas para aprender o que
ensinado em aula, mas por faltar demasiadamente
possui alguns fatores externos que atrapalham o
desenvolvimento dele na escola”. Ela acredita que
para que ocorram mudanças é necessário o menino
ir morar com a mãe. Sueli afirma que faz o que pode
para ajudar, mas neste caso é necessário mais do que
o apoio escolar.
Patrícia Mônaco, como pedagoga, afirma que o
acompanhamento dos pais ou de um superior protetivo
da família sobre um aluno é importante, como um
controle externo, para dar suporte à criança. “A escola
é uma construção social criada com a finalidade de
prover os conhecimentos necessários para vida adulta
e os conhecimentos que a família não pode prover”,
observa.
O PAI DE TODOS
Ênio Rafael Vaz, 33 anos, cresceu na vila Cohab, em
Porto Alegre. Em sua infância e juventude teve contato
com diversas drogas. Nunca usou nenhuma. Seu grande
vício sempre foi a endorfina, hormônio produzido pela
atividade física e que provoca prazer, despertando uma
sensação de euforia e bem-estar. “Eu vivia correndo”,
relembra. Hoje, Ênio é responsável pelos projetos de
esportes na EMEF Moradas da Hípica, onde estudam
seus dois filhos: Rafael Henrique, 13 anos, e Maicon
Alexandre, 9.
A oportunidade para Ênio trabalhar na escola
surgiu no dia em que ele foi matricular seus filhos.
Na fila da matrícula, a diretora Maria do Carmo de
Souza perguntou aos pais se alguém teria interesse em
trabalhar no colégio, visto que as atividades estavam
começando naquele ano e ainda não havia sido
Pai/PadastroMãe/MadastraCompanheira (o)Crianças/Adolescentes
597
2205
2069
2110
VISITAS AUTORIZADAS - 2013
15
preenchido o corpo de funcionários. Como Ênio estava
desempregado, aceitou a oportunidade. Começou
auxiliando em serviços gerais, mas logo passou a
fazer o que tinha experiência: cozinhar. Certo recreio,
observando um jogo de futebol na quadra, surgiu uma
dúvida entre os alunos se havia ocorrido falta em um
lance ou não. Ênio disse que foi. “Então, me pediram
para cuidar o jogo. Estou cuidando até hoje”, relata
sorridente. Desde agosto de 2009, ele é responsável
pelos projetos escolares no âmbito esportivo e faz o
que ama.
Para ele, o ideal para o jovem é ter um suporte
equilibrado, tanto do pai quanto da mãe. Seu filho mais
novo, Maicon, não teve um bom desempenho escolar
em 2012. Com o pai presente e atuante na escola,
o aluno conseguiu evoluir e alcançar boas notas. “As
professoras comentaram que nem parece o mesmo
menino. O contato do pai tem que ser delicado, assim
como é a mãe com o filho. Não podemos usar apenas
o lado bruto, pois o filho acaba fugindo e aí mora o
maior erro paterno”, argumenta. Na escola, que possui
cerca de mil alunos, Ênio percebe a ausência dos
pais quando é hora de deixar ou buscar os filhos. Ele
inclusive arrisca um chute para ilustrar essa percepção:
“No pátio, por exemplo, tu vês 400 mães e nem 10
pais”, diz.
Recentemente, um aluno da escola passou a
se envolver com drogas. Sabendo do fato, Ênio
convidou o jovem a integrar uma equipe para disputar
competições. Os pais temiam alguma relação maliciosa
deste estudante com os seus filhos. O tio Ênio, como é
chamado pela garotada, tratou de acalmar os ânimos.
“Se eu não der esse espaço para ele, nós iremos perdê-
lo para sempre. Hoje, após essa oportunidade, ele
passou a trabalhar”, conta.
Ele pensa que o envolvimento do pai na educação
do filho é fundamental. “Trabalho com 140 garotos.
Vejo no olhar e no sorriso dos meus filhos o brilho e a
alegria que faltam nos outros meninos”, diz. Sempre
apoiado pela direção, Ênio foi eleito e reeleito para
o cargo de presidente do conselho escolar. “Os guris
adoram ele. Como presidente do conselho, era o
meu braço direito”, relata a diretora Maria do Carmo.
Desde 2009, a política de seleção dos funcionários da
escola leva em consideração o fato do pretendente
ter filho matriculado. Hoje, as contratações ocorrem,
quase que em sua maioria, por recomendações dos
próprios servidores, que indicam outros pais e mães de
estudantes.
A pedagoga Patrícia Mônaco finaliza exaltando como
fundamental que a escola reveja suas bases curriculares
e a família seja o fator externo de cuidado, observação
e incentivo as crianças. “Sem este suporte familiar que
vai dar a primeira educação, a que vem de casa, e
após dar sustentação para a perfeita manutenção da
vida escolar da criança”, conclui Patrícia.
A falta de estrutura familiar afeta a vida escolar do jovem, pois o sentimento de abandono se transforma em revolta
Entrevista com o mestrepor Carolina Reck
Papo Reto |16| outubro
A lata velha de achocolatado agora é preenchida com
novos significados. Com dois pequenos orifícios na
parte superior e inferior, encarregados de sustentarem
uma mola que de cima para baixo atravessa a estrutura,
produz um ruído distinto. Com movimentos, a espiral,
localizada dentro de um corte retangular na frente da
conjuntura de alumínio, faz música. Em companhia
de outros instrumentos, o som emitido pelo reco-reco
ocupa os corredores da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Deputado Victor Issler. As vozes cantantes
que acompanham as batidas de tambores se esvaem
no vão de salas durante algumas aulas de arte.
Presente de um aluno para a professora de artes
Cláudia Elis Costa do Nascimento, o reco-reco
manifesta a importância do trabalho da educadora.
Eleita a princesa do Maracatu pelos alunos do projeto
“Pé na Dança Pé no Mundo”, Cláudia atua na área
da educação desde os 18 anos. São 23 anos de
experiência, destes, oito na Victor Issler, onde atende
doze turmas. Para ela é fundamental estabelecer um
elo de confiança com os alunos, e para isto utiliza
elementos que geram interesse para abordar temas
pertinentes à escola e à sociedade. Como música é
arte, a turma B34 é contemplada com ensinamentos de
capoeira, samba e técnicas musicais. Em contrapartida,
a turma B33 produz máscaras que representam a
identidade de diferentes países da África. E são mais
dez turmas, com diferentes experiências que levam ao
entendimento sobre a arte e a sociedade em que estão
inseridas.
ESCOLHA DE MÉTODOS
A escolha dos métodos fica a critério de cada
turma. No começo do semestre a professora questiona
quais os interesses dos alunos, conforme a resposta
se inicia o trabalho. No caso das máscaras africanas,
Cláudia explica que a produção é complementada por
discussões de etnia e apontamentos da diversidade
na cultura africana. Pesquisas, esboços e desenhos
em diferentes superfícies aprimoram o trabalho até o
momento de confeccionar a máscara. Nestes processos
residem ensinamentos de vida. “Usaram giz de cera
para os traços no esboço, para dominar melhor a
O saber vem da arte
Os alunos assistem filmes sobre problemas na escola
Arquivo Pessoal | Cláudia do Nascimento
17
fórmula e conseguirem compor a máscara depois. Um
dos motivos é porque o giz é ruim de apagar. Usar a
borracha o tempo todo apaga marcas, destrói o erro.
Os alunos devem aprender a construir algo em cima do
erro, não a apagá-lo. A questão é construir e aprender
com os nossos erros”, expõe Cláudia.
Além das rodas de capoeira e produções artísticas,
filmes também são uma alternativa de ensino. Um
exemplo é “Michel Basquiat – Traços de uma vida”
que revela as consequências do uso de drogas. Com
o audiovisual debates que instigam a superação, a
determinação, o crescimento individual e as mudanças
são alimentados. “A professora passou o filme ‘Os
escritores da Liberdade’, no começo teve risadinhas,
depois choro. Nele vimos que a professora ensinou
que é bom conviver e crescer juntos, ela acreditava nos
alunos. A prof. Cláudia é assim também, acredita na
gente”, revela Ingrid Silva, aluna do 6º ano.
EXPERIÊNCIA NO SEMINÁRIO PAPO RETO
Depois de participar dos seminários Papo Reto a
profissional alega que começou a trabalhar com mais
ênfase a temática das drogas. Pensando em discutir
diversos temas ao mesmo tempo, levou o seu pai
para a escola. Figura masculina que muitos não têm
em casa, expressão em forma de música e por viver
em um ambiente cercado de drogas no meio musical,
estimularia questionamentos e reflexões. “Logo os
alunos perguntaram sobre as drogas, meu pai disse:
‘ofereciam pedindo se eu não queria fazer a cabeça,
eu respondia que minha cabeça estava feita desde os
meus 16 anos, feita pela música’. É incentivo para eles,
de mostrar que existem outros caminhos, que o barato
é outro”, informa.
A admiração dos alunos pela professora fica clara no
comportamento destes nas aulas. Apesar de eufóricos
nas rodas de capoeira e ao tocarem instrumentos e
cantarem, conseguem manter o respeito e a harmonia.
“Na real, depois que a sora começou a fazer tarefas
que trabalhamos todos juntos, aprendemos a conviver
um com o outro. Aprendemos a fazer mais coisa, a
colaborar”, indica a aluna Helena Soares. Estimulando
e produzindo atividades que proporcionam aos alunos
a participação, a parceria e o afeto, Cláudia os faz
perceber seu potencial como indivíduos e como parte
de um todo. “A sora nos faz ir mais longe”, sintetiza a
aluna Paloma Aquino Soares.
Cláudia mostra a diversidade da cultura africana nas aulas
Carolina Reck | CUFA-RS
Mural do Professor
Aqui é o espaço onde o professor pode dar a sua opinião sobre o Circuito Papo Reto. Nos seminários, os docentes tem um espaço para preencher avaliando as palestras. Essa é a hora de se expressar e mostrar como é válida essa troca de experiência. E de que maneira essa iniciativa mudou a sua forma de pensar.
Papo Reto |18| setembro
A sociedade normatiza ações de violência e as pune depois.
Nos emocionou e nos deu esperança pra recuperação de jovens no mundo do crime.
Rica troca de experiências. Continuar com esse tipo de formação com temas pertinentes que fazem parte da realidade dos alunos.
Depoimentos significativos e cheios de significados.
Ótimo! A presença de alguém que esteve no crime e que hoje está investindo na sociedade, produzindo, é muito bom para a nossa prática na sala.
Mostrou um lado que nós não conhecíamos.
Relatos ricos e emocionantes, sempre é possível mudar Lenne e Rodrigo. Parabéns.
A CUFA nos trouxe uma rica partilha de vida através do Rodrigo e do Lenne. A partilha dos dois me faz acreditar ainda mais na educação e ver que é possível criar métodos de ensino e formação de valores que previna.
Linguagem informal, acessível e atraente. Estabelece vínculo com o público.
Papo Reto |18| outubro
A palestra foi bastante importante por resgatar o papel social da família e ressaltar a estrutura da assistência social e das redes de atenção e cuidado.
São projetos como este que, cada vez mais, nos ajudam e nos estimulam a continuar nosso trabalho.
Eu acho que o Papo Reto tem que invadir todas as escolas do Estado. As crianças e os adolescentes tem que ter a prevenção.
escolasolução
Em Porto Alegre, a iniciativa de prevenção ao crack nas escolas foi pioneira. Abrangendo os alunos de 51 escolas municipais da capital, a CUFA-RS realiza desde 2012 o Projeto Circuito Papo Reto Porto Alegre, projeto em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre através da Secretaria Municipal de Saúde e Educação e que neste ano ganhou outro parceiro importante: o Hospital Divina Providência. Em 2013 o objetivo é superar em 30% o número de atendimentos dos ano passado, através das ações realizadas nos pátios e salas de aula, com palestras, oficinas e atividades culturais inspiradas na ferramenta de prevenção “O Escudeiro da Luz em os Zumbis da Pedra“. Nesta edição, destacamos as seguintes escolas:
19
Rincão por Igor Grossmann
Após mais de uma década de luta dos moradores do
Belém Velho no Orçamento Participativo da cidade,
em 2009 foi inaugurada a Escola Municipal de Ensino
Fundamental (EMEF) Rincão.
Como a escola era nova, a direção foi indicada pela
secretaria de educação. Dóris Helena de Souza é a
diretora da instituição desde a sua inauguração, tendo
sido reeleita para um segundo mandato. Na EMEF
Rincão ela, juntamente com suas colegas, resolveu pôr
em prática um plano pedagógico “maluco”, segundo
suas palavras. Na escola estudam 470 alunos.
“MIXTURANDO”
Nascia o “Mixturando”, hoje já agregado ao
planejamento político-pedagógico da escola, que
congrega os alunos de diferentes ciclos e séries
conforme seus interesses. Todas as quintas-feiras,
os alunos deixam suas turmas regulares para se
reagruparem conforme a oficina que mais lhes
desperta atenção, não importando a idade. A cada
trimestre, as temáticas são reajustadas. Desde 2010,
já foram abordados temas como prevenção às drogas,
sexualidade, espiritualidade, por exemplo. Quando o
ano letivo inicia, o corpo docente faz uma pesquisa
para ter uma noção daquilo que os alunos têm interesse
ou não em desenvolver no projeto Mixturando. A
abordagem é transversal e a inscrição se dá pela
vontade do estudante. Em geral, são desenvolvidas
entre 10 e 14 oficinas a cada trimestre. Sabores do
Rincão, mitos e crenças, customização de roupas e
objetos, confecção de bonecos, teatro são exemplos de
oficinas desenvolvidas no segundo trimestre de 2013.
PAIS DEVEM SE ENVOLVER NO AMBIENTE ESCOLAR
A CUFA-RS também marca presença desenvolvendo
oficina de teatro com foco na prevenção às drogas,
principalmente o crack. A diretora da escola, Dóris ,
entende que toda parceria é bem-vinda, mas a mais
importante é com o pais, que devem se envolver
no ambiente escolar e acompanhar de perto o
desenvolvimento dos filhos. Ela afirma que os pais se
fazem presentes nesta escola. “Aqui, a comunidade tem
característica específica, por ser uma zona rururbana.
Sempre vem alguém, o pai ou a mãe. Já trabalhei em
escolas, onde passei sem conhecer pai nem mãe de
alunos”, conta.
Papo Reto |20| outubro
Com o projeto Mixturando a escola cria um ambiente de integração com seus 470 alunos, que vão até o nono ano
Igor Grossmann | CUFA-RS
Moradas da Hípicapor Igor Grossmann
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Moradas
da Hípica, no bairro Aberta dos Morros na zona sul
de Porto Alegre, recebe pelo segundo ano a parceria
com a CUFA-RS. Em 2012, foram realizadas oficinas
de fotografia, grafitti e teatro. Neste ano, a instituição
recebe semanalmente um oficineiro que trabalha artes
cênicas com uma turma de alunos.O colégio, que
também possui educação infantil, atende cerca de mil
alunos em dois turnos.
RELAÇÃO COM OS PAIS
De acordo com a diretora da escola, Maria do
Carmo de Souza, a relação dos pais no ambiente
escolar é ótima, pois eles conseguiram aliar um
fator importante: todos os funcionários são pais de
alunos. “Isso ajuda a pensar em conjunto”, afirma a
diretora. No local, há pai-monitor, pai-coordenador,
pai-treinador de futebol, entre outros. Todos eles são
contratados como funcionários terceirizados. A direção
acredita que aproximar do ambiente escolar é o que
vale a pena.
RECEITA INFALÍVEL
“Combater a ociosidade é o que nos leva a buscar
parcerias”, conta a diretora da escola, Maria do Carmo.
Ela dá a receita com a propriedade de quem já dirigiu
o Conselho Municipal de Entorpecentes, hoje Conselho
Municipal de Drogas de Porto Alegre. “A escola não
pode ficar sozinha. A força do diálogo e da união entre
educadores, familiares e comunidade garante um
futuro digno para estes jovens”, assegura Maria.
PREVENÇÃO IMPORTANTE
Compartilhando a visão da CUFA, a direção da
escola entende que é mais importante prevenir o uso
de drogas e proporcionar atividades que desenvolvam
a personalidade do aluno do que puni-lo quando este
comete algum erro ou se envolve com entorpecentes.
Na escola são desenvolvidas grupos de protagonismo,
nos quais os estudantes trabalham projetos sobre
sexualidade, educação ambiental, autoconhecimento e
mediação de conflitos. Como diz a diretora, é preciso
vencer a ociosidade.
21
A EMEF Moradas da Hípica estabelece uma boa ligação dos pais com a escola dando-lhes funções na instituição
Igor Grossmann | CUFA-RS
Prof. Gilberto Jorge por Bianca Oliveira
Quem passa na Escola Municipal de Ensino Fundamental
Gilberto Jorge não imagina a diversidade de alunos
que frequentam a instituição de ensino. “Temos alunos
altistas, cadeirantes, com diversas dificuldades, mas
para nós é um prazer lidar com todos, pois passamos
a ver que não temos limites e que eles são a razão de
Papo Reto |22| outubro
O ambiente na escola Larry José Ribeiro Alves, localizada
na Restinga, é encantador. O diretor, Carlos Henrique
de Oliveira, acredita que o contato dos alunos com
a CUFA tem sido muito importante. “Essa parceria é
muito positiva. Eu vi muitos alunos melhorarem depois
que começaram as atividades na escola”.
EXPECTATIVA DE PARCERIA LONGA
O diretor espera que a parceria entre a escola e a
CUFA dure muitos anos ainda. “Eu posso dizer que eu
quero que essa parceria se alongue por muito mais
tempo porque o que é bonito e deixa as crianças felizes,
tem que durar”, afirma Carlos.
OFICINAS
Ao chegar na sala da oficineira da CUFA, Carolina
de Oliveira, foi possível perceber em seu olhar tamanha
paixão pelas meninas de sua turma. “Elas são muito
Larry J. Alves
tudo”, conta a diretora Maria Rosângela.
A CUFA FAZ A DIFERENÇA.
Ao chegar no local, a diretora conversou com a
nossa equipe e afirmou que a CUFA tem influenciado as
escolas. “A CUFA está na escola desde o ano passado
e, com a sua chegada, muitas coisas mudaram. Os
alunos passaram a acreditar bem mais nos seus
potenciais e a conviver bem mais uns com os outros”,
disse a diretora orgulhosa.
MÃES PARTICIPAM MAIS QUE OS PAIS
De acodo com a orientadoa da escola, Adriana
Lombone, muitos alunos tem pais separados. Segundo
ela, a figura paterna não comparece às reuniões. Alguns
pais participam quando são chamados para encontros
e conversas a respeito dos filhos. A orientadora salienta
que é fundamental a participação dos pais, mas que,
hoje, eles não comparecem.
por Bianca Oliveira
dispostas e muito inteligentes. São uns amores”, afirma
Carol. Com o passar das aulas, as meninas perderam a
inibição e incorporaram o personagem, atuando sem
nenhuma vergonha. “Depois que eu conheci a CUFA passei
a fazer tudo. Hoje sou dramática e misteriosa mas prefiro
ser comediante”, relata Emile, aluna da oficina de teatro.
A CUFA exerce uma influência positiva nos alunos, diz Maria
O diretor da escola espera continuar a parceria com a CUFA
Bianca Oliveira | CUFA-RS
Carolina de Oliveira | CUFA-RS
Chapéu do Solpor Eduardo Bertuol
Há 13 anos na comunidade, a escola municipal de
ensino fundamental Chapéu do Sol, situada na Zona
Sul de Porto Alegre, encontrou dificuldades em seus
primeiros anos após a fundação. “A escola começou
a funcionar em 2000 e naquele período tivemos
momentos críticos em relação a violência”, conta a
vice-diretora Edianie Azevedo Bardoni. A polícia e o
SAMU iam com frequência para a escola devido as
brigas que ocorriam. “O loteamento da Chapéu do Sol
foi construída e constituída entre grupos rivais de vilas
e aqui era o ponto de encontro deles. Hoje, a situação
é mais tranquila e existem poucas ocorrências”,
acrescenta a vice-diretora.
COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO
Comprometida e atarefada, a vice-diretora, Edianie
Azevedo Bardoni, resolvia as questões da escola
enquanto conversava com a CUFA. Há três anos no
cargo de vice-diretora e há 12 como professora da
escola Chapéu do Sol, Edianie mostra comprometimento
com a educação dos alunos. “Tentamos manter os
estudantes aqui dentro com os projetos para deixá-los
longe das ruas”, conta.
MÃES, AVÓS E TIAS COMPARECEM
De acordo com a vice-dietora da escola, Ediane
Bardoni, “muitos dos pais já tem outras famílias,
alguns estão presos. Os poucos pais que participam
são presentes e muito atuantes, mas a presença é mais
matriarcal”. Em conversa com um aluno relembrou que
alguns pais estão presos e que por isso não fazem parte
do cotidiano escolar do aluno. As causas principais da
falta de participação, de acordo com a vice-diretora,
podem ser: a constituição de outra ou outras famílias,
prisão, falta de interesse e principalmente trabalho.
Avós participam consideravelmente.
PAPO RETO
Este é o segundo ano do projeto da CUFA na escola
e Ediane comenta que a procura de alunos de outras
turmas parar participar é grande. “Este ano eu noto
que eles estão mais participativos e que alguns, que
já saíram da escola, queriam fazer parte”, conta. “Ano
passado, tivemos a grafitagem aqui, mas a oficina de
teatro este ano está chamando mais a atenção dos
estudantes e tendo mais repercussão”, revela. “Ter
um trabalho que vá ao encontro com aquilo que eles
estão gostando é fundamental para a escola e para os
próprios alunos”, destaca.
NÃO EXISTE NADA PARECIDO
Como na comunidade não existe projeto parecido
com Papo Reto, a educadora destaca esta iniciativa.
“Acredito que esse passo dado pela CUFA é muito
importante, pois não possuímos algo semelhante
dentro da comunidade e a continuidade desse projeto
é de extrema relevância”, afirma Edianie. Na sala de
aula, o oficineiro Gilmar Collares trabalha através do
hip-hop, rap, dança, teatro, e a leitura e interpretação
do livro “O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra”.
Os agitados alunos mostram empolgação nos ensaios
da obra e principalmente da coreografia da música
“Thriller”, de Michael Jackson.
23
A oficina de teatro despertou o interesse dos alunos
Eduardo Bertuol | CUFA-RS
Dolores Alcaraz Caldas por Igor Grossmann
Há 42 anos alfabetizando e educando na Restinga,
a Escola Municipal de Educação de Fundamental
Dolores Alcaraz Caldas se orgulha de ter formado
gerações de alunos. Hoje, 1.600 estudantes têm aula
nos três turnos, sendo a noite reservada apenas para
a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Neste 2013, foi
implementada a educação infantil, que a vice-diretora
Evelise Romero classifica como “experiência positiva” e
que deve ter continuidade.
CONTRATURNOS
A escola recebe neste ano novamente a oficina
teatral da CUFA. “É algo que veio para contribuir e
que permite a construção de um novo caminho, uma
abordagem diferente daquela utilizada normalmente
em sala de aula”, analisa Evelise. Na escola Dolores
Alcaraz Caldas trabalham 100 professores, número
que corresponde à alta taxa de estudantes matriculados
na instituição. Com tradição no bairro, que possui
dificuldades reconhecidas, os educadores se envolvem
em projetos que permitem aos alunos desenvolverem
atividades em turno reverso ao da aula.
DIVERSAS ATIVIDADES
No colégio, há coral de alunos, projetos de rádio
e TV, ensino de robótica, clubes de futebol e vôlei,
semana literária e também atividades na Semana da
Consciência Negra, quando os professores trabalham
a história, os heróis, a música, culinária e tem até um
desfile da beleza negra. Isso tudo, segundo a vice-
diretora Evelise, é para enfrentar a competição desleal
com o tráfico de drogas que existe na região. “O
sucesso vem da parceria com as famílias. O papel da
escola é importante, mas sem a família iremos perder
este jogo. O traficante vence quando o pai e a mãe
deixam de assistir o seu filho”, finaliza Evelise.
OS PAIS SÃO PRESENTES
De acordo com a professora Evelise, há um bom
número de pais participantes em momentos de entrega
de avaliação, reunião, eventos para comunidade. Ela
afirma que crianças não apresentam problemas à toa,
sem ter uma ausência familiar por trás. “Com certeza o
pai está mais ausente. Pai muitas vezes é de passagem,
não é algo mais fixo. Esse papel de alguém que segura
a família é feminino, que tá presente na escola”. Mas
isso não é generalizado. Ela afirma que alguns pais
são presentes, que são de famílias mais estruturadas.
“Não é que não exista a figura do pai, mas a mãe é
mais presente”, afirma.
Papo Reto |24| outubro
Os projetos abordam problemas de um jeito diferente
Igor Grossmann | CUFA-RS
25
Carlos Pessoa de Brumpor Igor Grossmann
Na Restinga, a Escola Municipal de Ensino Médio
(EMEF) Carlos Pessoa de Brum atende a comunidade
há 25 anos. Hoje, 1350 alunos estão divididos nos três
turnos - sendo a parte da noite reservada apenas para
a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na escola, há
diversos projetos promovidos pelos professores para
permitir opções de desenvolvimento para os alunos.
OPÇÕES SUSTENTÁVEIS
Com uma cozinha comunitária, os alunos aprendem
a cozinhar e cuidar de uma horta, promovendo a
sustentabilidade. Neste campo, no colégio tem também
um pequeno galpão de reciclagem em parceria com a
Coopertinga.
OFICINAS
Além da parceria com a CUFA, que trabalha
artes cênicas com os alunos, a escola também possui
laboratórios de aprendizagens e oficina de robótica -
além do Mais Educação, programa do governo federal
que desenvolve atividades para os alunos em turno
inverso.
VIOLÊNCIA
O vice-diretor da EMEF Carlos Pessoa de Brum,
Alexandre Bello, trabalha há dez anos na escola. Neste
período, ele contabiliza 12 alunos assassinados. “Aqui
na Restinga, existe uma banalização da violência.
Como consequência das drogas e do tráfico, famílias
são desestruturadas. Isto acaba criando dificuldades de
aprendizagem para as crianças”, diz com pesar.
PAPEL DO PROFESSOR
Mas Bello sabe que o papel do professor vai além
de passar conteúdos programáticos para os alunos.
Professores também são insistentes sociais e sabem
que, ao conquistar um jovem e mudar a sua vida, eles
estão minimamente mudando o mundo também.
NEM PAI NEM MÃE
“A grande maioria dos responsáveis vêm até a escola,
mas não são pais nem mães. São tios, tias, avós que são
os responsávaeis pelos estudantes.”, afirma o vice-diretor
da escola, Alexandre Bello. Em relação especificamente
ao pai, ele afirma que não se vê muito, quase nada.
A EMEF Carlos Pessoa de Brum já teve 12 alunos assassinados, as oficinas da CUFA visam mudar estas estatísticas
Igor Grossmann | CUFA-RS
por Eduardo BertuolLidovino Fanton
Na sala da direção da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Deputado Lidovino Fanton um computador
registra as imagens das câmeras de segurança do
local. Ao lado da tela, a diretora da instituição, Tirza
Porto Azambuja Verri, diz que é de pouca utilidade,
pois a comunidade acolhe a escola. “Como qualquer
vila de Porto Alegre, existe o problema do tráfico e
da violência, mas fica mais em torno da escola e não
entra”, ressalta. “Nós temos uma excelente relação
com a comunidade e isso faz com que a gente seja
muito respeitado”, enfatiza.
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL NOS INTERVALOS
Tirza conta que existem jovens que pulam o muro
da escola, mas para participar dos intervalos. “As
únicas situações de invasão ocorreram para participar
do recreio para jogar bola ou namorar as meninas”,
destaca. A vice-diretora da escola, Nara Machado,
acrescenta que a escola possui o projeto Brincar durante
os intervalos. “Esta inciativa é um curso de recreação
para as crianças e acaba atraindo a atenção de quem
está de fora”, relata. No primeiro ano como diretora
da escola, duas caixas de som foram roubadas da
instituição. “Este foi o único caso registrado nos meus
cinco anos como diretora e gosto de enfatizar que
graças à comunidade as caixas voltaram, pois quando
a comunidade soube, ela nos ajudou na busca”,
ressalta a diretora.
PROJETOS
A diretora destaca que a escola possui vários
projetos ligados a percussão, letramento, dança,
futebol e hip-hop, todos com oficineiros que não fazem
parte da escola. “Essa ideia funciona como uma justiça
restaurativa que é um momento de encontro das turmas
para resolver conflitos”, conta a diretora. A proposta deu
tão certo que se estendeu não apenas para os alunos,
mas também para funcionários, professores, famílias
de alunos da escola. “É uma prática que vem dando
bons resultados, pois a escola toda abraçou e acaba
se tornando uma costura de coisas porque resolvemos
os problemas a partir da conversa”, ressalta Tirza.
“Nesses três anos de funcionamento do projeto apenas
uma vez tivemos que levar o aluno ao DECA”, conclui.
PAPO RETO
A oficina do projeto Papo Reto realizado pela CUFA
é o único que trata a prevenção de drogas na escola.
Nara Machado relata a importância deste trabalho.
“Tentamos sempre deixar os alunos em alerta sobre o
assunto e agora com o Papo Reto os alunos possuem
uma informação a mais sobre o tema”, destaca a vice-
diretora. “E quanto mais conhecimento eles tiverem
sobre isso, maior será a prevenção”, conclui. E é com
atenção e brincadeiras com o oficineiro Douglas Castro
que as crianças recebem todas as quintas-feiras pela
manhã atividades com o livro “O Escudeiro da Luz em:
Os Zumbis da Pedra”. Entre os trabalhos, os alunos
escolhem ilustrações para imitar e praticam cenas de
capítulos da obra. Tudo isto sob um aquecimento feito
ao estilo do hip-hop.
RELAÇÃO COM PAIS E MÃES
A relação é muito respeitável. Normalmente eram
as mães que buscam as avaliações e iam nas reuniões.
Depois que ocorreu a mudança de turno da entrega de
avaliações e reuniões para a noite, há 6 anos, os pais
começaram a ser mais presentes do que as mães.
Papo Reto |26| outubro
O Papo Reto é o único projeto que fala de drogas na escola
Eduardo Bertuol | CUFA-RS
Mário Quintanapor Igor Grossmann
Nascida de um desejo da comunidade Vila Castelo,
localizada no bairro Restinga Velha, a Escola Municipal
de Ensino Fundamental Mario Quintana está prestes a
debutar. Com 14 anos de história, a instituição conta
com 700 alunos atendidos nos turnos manhã e tarde.
PARCERIA COM A CUFA
Além da parceria com a CUFA, onde há dois anos
são desenvolvidas oficinas de teatro, a escola busca
outras maneiras de abordar a questão do combate às
drogas. Há oito anos na escola, a vice-diretora Cintia
Moser compreende a complexidade de tratar o assunto
em uma região conhecida por ter forte presença do
tráfico de drogas.
OUTROS PROJETOS
No colégio, são desenvolvidas ações como o
Programa Educacional de Resistência às Drogas e à
Violência (Proerd) pela Brigada Militar, além de oficinas
de percussão, teatro, artes plásticas, informática, rádio,
dança, esporte e até yoga através de programas como
o Cidade Escola, da secretaria municipal da educação,
e o Mais Educação, do Ministério da Educação.
CRIAR ALTERNATIVAS
Para Cintia, é preciso criar alternativas para os
jovens desenvolverem suas habilidades e ficarem
menos tempo à toa na rua. Na escola Mario Quintana,
além de todas as atividades já destacadas, desde 2010
acontece a Semana Mojuodara - que significa belo
saber -, que dá visibilidade às diversidades de gênero,
étnico-racial, de orientação sexual, de classe, cultural
e de todo e qualquer tipo de deficiência. As atividades
acontecem na semana do dia 20 de novembro, alusivo
à data da consciência negra.
DIFICULDADE DE ENVOLVER FAMÍLIA
A coordenadora Andreia falou que existe bastante
dificuldade em envolver as famílias com a escola.
“Muitos não estão perto, não são efetivos no
acompanhamento. Apenas quando temos que chamá-
los para conversas em particular”. Ela afirma ainda
que existe uma dificuldade de ver tantos pais quantos
mães acompanhando de perto o filho na escola.
27
O Papo Reto está no seu segundo ano de parceria com a escola localizada em um bairro conhecido pelo tráfico de drogas
Igor Grossmann | CUFA-RS
Nossa Senhora do Carmo por Igor Grossmann
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Nossa
Senhora do Carmo atende cerca de 800 alunos, durante
os três turnos. Na instituição, localizada na Quinta
Unidade do bairro Restinga, há também a Educação
de Jovens e Adultos (EJA). O colégio foi inaugurado há
onze anos e a vice-diretora Maria Inês Lopes trabalha
lá desde o princípio. Moradora da região, ela conhece
as dificuldades sociais enfrentadas pelos habitantes da
Restinga. Na visão de Inês, a escola é o único braço do
Estado que atua permanentemente no local. Assim, o
colégio é referência para os moradores do bairro.
RESULTADO SATISFATÓRIO
Em 2012, alunos na faixa etária entre dez e onze
anos trabalharam o livro “O Escudeiro da Luz em: Os
Zumbis da Pedra” em uma oficina de teatro promovida
em parceria com a CUFA. Para a vice-diretora Maria
Inês, o resultado foi mais que satisfatório. “Eu adorei,
pois a maioria dos professores tem dificuldade de
abordar este tema das drogas, principalmente em uma
comunidade que tem presença de traficantes, como é
a nossa”. Segundo ela, a abordagem foi trabalhada de
maneira significativa entre os alunos.
MÃES SÃO MAIS FREQUENTES
De acordo com a vice-diretora da escola, Maria Inês,
a relação da escola com os pais é bem pontual, ela só
acontece quando marcam reuniões. “A comunidade
tem várias lideranças e as mães são bem mais
frequentes”, afirma. A vice-diretora diz também que a
relação com a comunidade é diferente, pois quando
os pais não podem, os vizinhos vão até a escola para
buscar. Recentemente, a escola reuniu mais de 300
pais em uma reunião após a instituição de ensino ser
apedrejada.
Papo Reto |28| outubro
Quando a CUFA propõe uma parceria à uma
empresa, instituição ou organização é porque
entendemos que esse tem uma conexão no seu destino
social.
Quando nós chegamos para falar com o Hospital
Divina Providência e com a Secretaria Municipal de
Saúde de Porto Alegre, que faríamos o Circuito Papo
Reto, eles não olharam pra gente com aquele olhar de
preconceito, que naturalmente as gerações anteriores
nos olharam. Pelo contrário, eles decidiram apostar
na ideia, acreditando que o resultado positivo seria
possível. É impossível você fazer uma transformação
social sem essa conexão.
A CUFA passou alguns anos da sua vida conversando
com pessoas na porta de beco, conversando com
aqueles que eram os desagraciados e infelizes da
vida. E essa conversa também não trouxe resultados
benéficos por que a gente acabava compartilhando a
nossa miséria, a nossa tristeza, chegando à conclusão
que nós éramos incapazes de fazermos a diferença. Por
outro lado, a CUFA também conversou com pessoas
durante muito tempo, que estavam nas suas estruturas
de poder, víamos que elas que elas tinham seus anseios,
elas tinham, inclusive, boa vontade de fazer, mas o que
A IMPORTÂNCIA DE QUEM É PARCEIRO
O livro da CUFA ajudou na abordagem sobre drogas
Igor Grossmann | CUFA-RS
Sen. Alberto Pasqualinipor Bianca Oliveira
Uma escola grande, com pátio espaçoso e cerca de
1500 alunos. Desses, os vinte que participam da oficina
de teatro do Projeto Papo Reto são muito animados e
dispostos a fazer tudo o que for proposto nas aulas.
TURMA UNIDA
“Gosto muito de quando tem as aulas de teatro
aqui na escola, pois, por mais que sejamos da mesma
turma, só ficamos todos juntos aqui quando estamos
em aula com o professor Aloísio,” afirma o aluno
William Antunes.
MUDANÇA PARA MELHOR
A diretora da escola, Sueli José da Silva, ressalta a
importância que a CUFA tem dentro da escola. “Com
a chegada da CUFA aqui, muita coisa mudou. Hoje eu
posso dizer que os alunos aprenderam a se expressar
da maneira correta. E o que os alunos gostam, eu
gosto muito mais” afirma ela.
FAMÍLIAS DESESTRUTURADAS
Sueli acredita que sempre foi mais difícil trazer os
pais para dentro do ambiente escolar. “Não são muitos
os pais presentes, aparecem mais as avós e as mães.
De acordo com ela, muitas crianças tem essa carência,
que acaba desestruturando a família pois não há uma
participação, de fato, da figura paterna. “Isso é um
problema social. Na primeira infância, o sentimento
de abandono, na adolescência vem a revolta, o que
atrapalha e compromete os estudos e o comportamento
do jovens.”, afirma.
29
os faltava era a linguagem adequada ou, muitas vezes,
o jeito correto de falar com essas comunidades.
Foi por isso que a CUFA resolveu fazer o processo
de conexão. Juntar a expertise da necessidade que
a periferia tem para realizar a transformação com a
capacidade de fazer as coisas que as outras classes
sociais possuem. O resultado é esse que vocês estão
vendo na revista Papo Reto, e que vocês podem
diagnosticar em todo o projeto. Então, a gente fica
muito grato a você que é nosso parceiro e convidamos
você que está lendo essa publicação e quer ser nosso
parceiro a chegar junto, porque o nosso objetivo no
final das contas é dizer que estamos juntos e misturados,
fazendo a diferença.
Animação é a característica da turma que participa da oficina
Bianca Oliveira | CUFA-RS
Papo Reto |30| outubro
Seu nome é Alex Pereira Barbosa, mas é conhecido
como MV Bill. Rapper, escritor, cineasta e fundador da
Central Única das Favelas, ele iniciou a carreira na
música em 1988. Paralelamente à carreira de rapper,
MV Bill lançou em 2005, junto com outro idealizador
da CUFA, Celso Athayde, o livro “Cabeça de Porco”.
No ano seguinte, “Falcão - Meninos do Tráfico” ficou
conhecido nacionalmente ao ser exibido no programa
“Fantástico”, da Rede Globo. O documentário narra a
história de 17 jovens que se envolveram com o tráfico
de drogas, onde somente um sobreviveu.
Bill conviveu com a separação dos pais quando
era criança, e viu sua mãe tomando conta da família
quando o pai saiu de casa. A partir desta experiência,
o rapper criou um novo termo: “PÃE”, que é a mistura
de “pai” com “mãe”. Confira a entrevista exclusiva que
o rapper concedeu à revista Papo Reto:
PAPO RETO - O que é Pãe para você?
MV Bill - O assunto de “Pãe” a gente tem utilizado
muito para identificar aquela mulher que acaba sendo
a chefe do lar, mas não só porque ela tem mais dinheiro
e ou porque é a que mais trabalha. É porque ela fica
com a responsabilidade sozinha de cuidar, criar e
ensinar uma cria que ela não fez sozinha, que são os
filhos. E nessa responsabilidade de “pãe”, ela tem que
sustentar, que tentar educar sozinha, tentar orientar.
Acho que é uma nomenclatura muito cruel.
Hoje em dia, infelizmente, a figura da “pãe” é muito
presente nas famílias, principalmente nas camadas
mais pobres. Muitas mulheres de várias idades têm
segurado a onda sozinhas e são verdadeiras guerreiras
que deveriam ser homenageadas e reverenciadas.
Acho que no fundo, não deveria ser assim na realidade.
PAPO RETO - E pela sua experiência, você acredita
que a ausência do pai hoje em dia é uma realidade
nas favelas brasileiras?
MV Bill - Atualmente, ela acontece em vários níveis
sociais, mas nas periferias é uma realidade muito
Fez muita falta a palavra paterna
Alex Bertolazi | CUFA-RS
31
presente. Vários parceiros engravidaram as mulheres
e acabam sumindo. Aconteceu isso dentro da minha
casa, é a minha realidade. Quando meus pais se
separaram eu tinha 14 anos. Mas ele se separou não
só dela, mas de mim e dos meus irmãos também,
então durante muito tempo, na minha adolescencia até
a minha fase adulta eu fui criado só pela minha “pãe”.
E fez muita falta a palavra paterna, alguma orientação
masculina que pudesse orientar o meu caminho. Por
outro lado foi bom, porque eu fui desenvolvendo mais
a sensibilidade pelo lado feminino, e hoje, pratico isso
com os meus sobrinhos, já que eu ainda não tenho
filhos. Eu tento trazer um papo maneiro, um tipo de
conversa que eu não tive.
PAPO RETO - Você é filho único?
MV Bill - Não. Tenho duas irmãs, que são filhas do
meu pai e da minha mamãe. Uma delas é a Kamila,
que toca comigo. E tem mais oito irmãos por parte de
pai, tudo com mulheres diferentes, que não se casou
com nenhuma delas. Então eu tenho oito irmãos que
são criados por oito “pães”.
PAPO RETO - No documentário “Falcão, Meninos
do Tráfico”, qual era a relação dos meninos com os
seus pais?
MV Bill - Quase nenhuma com o pai homem.
Tem uma passagem no documentário que o nome é
“Meu pai”. Nela, há uma série de relatos dos jovens
falando do distanciamento da relacão com o pai.
Ao mesmo tempo ocorre uma grande devoção pela
mãe que acabou se tornando a “pãe”. Eu não quero
dizer que sem a figura paterna qualquer jovem vai se
marginalizar, a menina vai virar prostituta e o menino
vai virar traficante, não é isso. Porém, curiosamente, a
maioria dos jovens que a gente conversou dentro do
documentário justamente não tinha a figura paterna
próxima.
PAPO RETO - O que a Dona Cristina representou na
tua vida?
MV Bill - Minha mãe foi muito importante. Porque
ao mesmo tempo que ela me inspira por ter terminado
de criar eu e meus irmãos sozinha, ela também me
inspirou a não gostar de Rap. O fato dela não me apoiar
pesou, por incrível que pareça. Ela tinha o sonho de eu
me tornar funcionário público, por conta da segurança
financeira. Então, foi importante essa dúvida dela para
eu me cuidar mais e para ter mais convicção da minha
escolha. Porque para você escolher um caminho que
a sua mãe é contra, você tem que ter muita certeza
daquilo que você quer. E ela sempre foi uma pessoa
que ditou os meus caminhos e quando chegou na
decisão profissional, eu tive que decidir sozinho, meio
que contrariando a vontade dela. Mas hoje ela respeita
o que eu faço, gosta e se diverte também.
PAPO RETO - Se você encontrasse o seu pai quando
você tivesse 18 anos? Qual conselho você daria para
ele?
MV Bill - Sabendo o desfecho da história, não sei se
eu falaria algo. Acho que não falaria nada não. Se eu
voltasse anos atrás, eu ia voltar já sabendo o que vai
acontecer no futuro e mesmo não sendo o ideal para
mim, não foi mal. Como o meu desfecho não foi um
desfecho que eu considero triste, eu deixaria tudo do
mesmo jeito.
PAPO RETO - Quem você acredita ser um exemplo
de pai perfeito? Quais qualidades ele tem que ter?
MV Bill - Eu sou não pai, mas pelo fato de eu ser
criado por uma “pãe”, eu consigo dar para os meus três
sobrinhos uma atenção que eu não tive. E vejo muitos
amigos meus que são pais e não fazem um terço do
que eu faço pros meus sobrinhos. Não pela questão
financeira, mas pela preocupação. Então às vezes eu
vejo que eu sou quase um pai dentro do padrão que eu
considero o ideal. E as minhas referências de pai são
as coisas que eu faço para os meus próprios sobrinhos.
PAPO RETO - Está nos teus planos ser pai?
MV Bill - Mais para frente sim. Eu faço parte de uma
geração que precisa se programar para ter filhos. Eu
amo crianças, mas ainda tenho que planejar.