revista papo reto - 2ª edição

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O rapper MV Bill confessa que foi criado por uma “pãe” ENTREVISTA EXCLUSIVA OUT/2013 2 Professora conta sua experiência no seminário PAPO RETO Conheça a história de três alunos da rede municipal PERFIL CUFA percebe a ausência dos pais no ambiente escolar MATÉRIA ESPECIAL

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Material da CUFA-RS referente ao Projeto Papo Reto 2013 - outubro

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Page 1: Revista Papo Reto - 2ª Edição

O rapper MV Bill confessa que foi criado por uma “pãe”

ENTREVISTA EXCLUSIVA

OUT/20132

Professora conta sua experiência no seminário

PAPO RETO

Conheça a história de três alunos da rede municipal

PERFIL

CUFA percebe a ausência dos pais no ambiente escolar

MATÉRIA ESPECIAL

Page 2: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Inaugurada no dia 3 de setembro, a República Junto atende 24 usuários em tempo integral. O intuito é proporcionar serviços que ofereçam proteção, apoio e moradia subsidiada a grupos de pessoas entre 18 e 59 anos em estado de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem condições de moradia.

Distribuído em espaços escolares e instituições de ensino desde 2009, o livro O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra é uma ferramenta importante e pertinente na luta contra as drogas. Por meio de uma linguagem simples aborda assuntos delicados de forma natural, provocando a reflexão dos leitores quanto às formas de abordagem e educação necessárias para a conscientização e prevenção ao uso de drogas.

Criada a partir de uma brincadeira em uma cesta de lixo, a Liga Internacional de Basquete de Rua (LIIBRA) é o maior evento de cultura de rua da América Latina. São dez anos de basquete embalado com o break, os MC’s e o hip hop, que compõem o espírito do torneio. Realizada em diversos estados do Brasil, a atração conecta esporte e música, estimulando a criatividade dos jogadores e explorando suas habilidades físicas.

Com o objetivo promover a integração das comunidades por meio do esporte, a CUFA-RS criou o Torneio Bola Comunitária. O projeto consta em um torneio de futebol entre jovens de 15 a 17 anos, todos moradores de comunidades da região metropolitana. A intenção também é de levar debates e serviços para estes locais, garantindo novas oportunidades para os jovens que as integram e dando visibilidade aos talentos esportivos.

Projetos

Papo Reto |02| outubro

Acesse o nosso site: www.cufars.org.br

Page 3: Revista Papo Reto - 2ª Edição

03

Editorial

Onde está o super herói?Foi-se o tempo em que o pai estava sempre presente na vida das crianças.

Foi-se o tempo em que ele era o símbolo da casa, o chefe da família. Foi-se o tempo em que o homem era visto como super-herói dos seus filhos. Hoje, vemos muitas mulheres exercendo esse papel que há alguns anos era masculino. Durante as palestras, seminários e oficinas do Projeto Circuito Papo Reto 2013, percebemos como a figura paterna está ausente na vida dos jovens. Além disso,

dados comprovam essa afirmação.

Pensando nisso, esta edição foi focada neste tema que, infelizmente, faz parte da vida de muitas pessoas, mesmo que indiretamente. Nas páginas a seguir, você verá uma entrevista exclusiva com o rapper MV Bill, que conta como foi sua infância após a separação dos seus pais e como foi a experiência de ser criado por uma “pãe”. E ainda, uma matéria especial que fala sobre a ausência do pai

e mostra uma escola que usou esse problema para encontrar soluções.

Page 4: Revista Papo Reto - 2ª Edição

O que vem por aí

p.6

PerfilConheça Bruna, Ana Pâmela e Peterson, alunos da rede municipal de educação da cidade de Porto Alegre

Entrevista com o mestreA professora Renata Carvalho dá o seu parecer sobre o que lhe chamou a atenção no Seminário Papo Reto

Você sabia que a figura do pai é algo raro no ambiente escolar? A equipe da CUFA foi atrás desse fato

Matéria Especial

MV BillO rapper e ativista social fala, exclusivamente, sobre sua vida sem a presença do pai

Expediente

Manoel Soares/Coordenador da CUFA-RSIvanete Pereira/Coordenadora InstitucionalLisandra Félix/Coordenadora do Papo RetoDinora Rodrigues/Coordenadora AdministrativaMariana Soares/Coordenadora de ComunicaçãoDanilo Santos/Coordenador de AudiovisualPaulo Daniel Santos/Pres. Conselho Estadual CUFA-RS

Alexandre Bertolazi/FotografiaAiran Albino/Diagramação e RevisãoEduardo Bertuol/Reportagem, Foto e RevisãoIgor Grossmann/Reportagem e FotoBianca Oliveira/ReportagemCarolina Reck/Reportagem

Papo Reto |04| outubro

p.13

p.30p.8

Page 5: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Um dos fundadores da Central Única das Favelas,

Celso Athayde nasceu na Baixada Fluminense, no Rio

de Janeiro, onde viveu até os 7 anos. Aos 16, já havia

morado em três favelas diferentes, em abrigos públicos

e na rua. Autodidata, Celso assina três livros que tiveram

ampla comercialização no Brasil: é coautor dos livros

“Falcão - Mulheres e o tráfico”, “Falcão - Meninos do

Tráfico” e “Cabeça de Porco”. Os dois primeiros assina

com o rapper e também fundador da CUFA MV Bill, e o

último com MV Bill e o sociólogo Luiz Eduardo Soares.

Envolvido com comunidades periféricas e sem nunca

perder a esperança, Celso Athayde criou o CineCufa,

um festival de cinema internacional de produções

audiovisuais realizadas por moradores de favelas. Criou

também o BRADAN, festival brasileiro de Break e o RPB,

Rap Popular Brasileiro, festival nacional de rap, que

busca fazer o estilo musical dialogar com as músicas

regionais. Celso ainda produziu e dirigiu o documentário

“Falcão - Meninos do Tráfico”, co-dirigido por MV Bill.

“A trajetória da Cufa e a minha se confundem o

tempo todo, pois a criação dela era o retrato das

minhas apostas diárias, das minhas convicções e

conflitos. Não criei a instituição para mim, criei esse

sonho para ser compartilhado e hoje sei que o maior

dos acertos não foram as ações que conseguimos, mas

a garantia da sobrevivência da Cufa a partir do quadro

que formamos. Hoje, eu tenho certeza que a Cufa não

vai retroceder jamais”, garante Celso, que no começo

de 2013 deixou a presidência nacional da Cufa. Aos

50 anos, ele busca empreender o desenvolvimento das

favelas e seus moradores, com foco na capacitação,

empregabilidade, desenvolvimento desses territórios e

dessas pessoas.

“Ficar na Cufa depois de tanta conquista não pode

ser uma forma de descanso remunerado, mas uma

passagem para outro nível de luta, pois estar fora da

Cufa fisicamente e do seu cotidiano, não significa estar

longe das suas realizações e conquistas”, conclui.

Alexandre Bertolazi/FotografiaAiran Albino/Diagramação e RevisãoEduardo Bertuol/Reportagem, Foto e RevisãoIgor Grossmann/Reportagem e FotoBianca Oliveira/ReportagemCarolina Reck/Reportagem

05

Especial

Celso Athayde acredita no ativismo social

Tudo começou com eleArquivo Pessoal | Celso Athayde

Page 6: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Papo Reto |06| outubro

Crônica do Professor

É impressionante como algumas vezes em nossas vidas

temos a percepção de que algo foi feito especificamente

para nós, ou que o lugar onde deveríamos estar é

onde exatamente estamos. E foi assim que me senti

ao participar do Seminário Papo Reto. Era véspera

do feriado do dia 20 de setembro e ganhei feriadão

na Escola Municipal de Ensino Fundamental Gabriel

Obino. Tentada a ficar em casa e curtir os quatro dias

de descanso, optei por investir, me doar um pouco

mais, cedendo a este compromisso de participar do

seminário na quinta-feira dia 19/08, e graças a Deus

que fiz esta sábia escolha.

Lembro-me que, alguns dias depois, quando

cheguei à sala dos professores algo me chamou a

atenção naquele cartaz do Seminário Papo Reto. Ali,

olhando atentamente para aquele informativo soube

que era para mim. Que faria parte da minha história

receber aquelas informações que o seminário iria

abordar. Depois, durante um almoço no refeitório, uma

professora elogiou muito a palestra e vi novamente que

era um sinal, mais um indício que era pra eu assisti-lo.

No dia em que participei da palestra, já de início

percebi que o auditório estava um pouco vazio,

compreensível devido à data, véspera do feriado.

Mas ainda assim me surpreendi. Porém, aquela

palestra foi especial mesmo com poucas pessoas.

Tinha um homem que assistia e declarou-se ali como

dependente químico. Percebi que ele apreciava muito

as informações que recebíamos. Os demais professores

se envolviam nitidamente em cada tópico trazido pelos

palestrantes.

Foi então que fui transformada durante aquelas

horas. Certa de minha vocação e defensora declarada

da família, fiquei maravilhada ao saber que

por Renata Carvalho

“A cada nova informação meu coração batia mais forte”

Renata é grata pela experiência no Seminário Papo Reto

Alexandre Bertolazi | CUFA-RS

Page 7: Revista Papo Reto - 2ª Edição

07

famílias monoparentais são um fator de risco para

a drogadição. Fiquei ainda mais consciente do meu

papel na docência quando descobri também que os

adolescentes precisam de um exemplo, alguém para

se espelhar. E este alguém pode ser eu. Cheia de

limitações e falhas, mas tenho um dever nas mãos: o

dever de influenciar. A cobiça, o querer ter é o que na

maioria das vezes conduz esses jovens e crianças ao

mundo das drogas, como vimos numa das palestras.

Porém o que mais friso aqui, é o que eu pensava:

por dar aula para crianças de 7 anos de idade, não

era necessário que eu abordasse o tema de prevenção

às drogas e criminalização, que isso era para ser feito

na pré-adolescência. Mas saber que esta prevenção é

muito necessária desde cedo foi chocante. As drogas

estão nas mídias e acessíveis a qualquer idade. O

mais curioso é que dias antes fiz um trabalho sobre

alimentos com meus alunos onde descobrimos que dois

deles já tinham experimentado álcool, aferindo então

a necessidade de prevenção sim. E consegui receber

ideias de como fazer isto de uma maneira propícia a

idade deles.

Outra informação que causou um grande confronto

foi aprender que é historicamente comprovado que

o maior rigor nas penas criminais não irá melhorar

a situação da criminalidade no que diz respeito ao

tráfico. Eu pensava que sim, pensava que era necessário

aumentar as penas porque então o indivíduo pensaria

duas vezes antes de se envolver com o tráfico. Porém,

num falho sistema penitenciário, que não consegue

reabilitar pessoas, esta tese se mostra falível. Apostar

e investir em prevenção e educação, ao longo das

décadas foi muito mais eficaz e as estatísticas revelaram

isto. Devo ao Seminário Papo Reto esta certeza que

adquiri e que agora defendo.

A cada nova informação, meu coração batia mais

forte. Pois, como descrevi no início, ia tendo a certeza

de que eu deveria estar exatamente ali ouvindo aquelas

palavras transformadoras e que minha vocação como

professora poderia fazê-las multiplicar nas escolas

onde eu atuar. Faço parte de um maravilhoso projeto

social nomeado Fundação de Educação e Cultura do

Esporte Club Internacional (FECI) que tem por objetivo

esta formação de cidadãos atuando nas Escolas

Municipais, o que vai ao encontro de tudo que aprendi

no Seminário Papo Reto.

Foram horas deliciosamente leves. Nem vi o tempo

passar. Nos intervalos para o delicioso coffee break

conversávamos e nos conhecíamos, era bárbaro! Era

como num espetáculo onde me sentia emocionada

com cada atração. O teatro, os cases trazidos e os dois

rapazes egressos do sistema criminal abrilhantaram

trazendo a nós seus testemunhos de vida. A música que

Mano Lenne cantou arrancou lágrimas emocionando

a todos.

Como uma professora bem mais informada após o

Seminário, quero ser esta “Salvadora de Vidas” como

definiu bem a psicóloga Fernanda Bassani. Descobrir e

investir nos talentos dos alunos, amá-los, mesmo que

pareça difícil devido a rebeldia de alguns, que no fundo

é uma carência. O meu papel acima de tudo é amá-

los, e amar é doar-se. É olhar para eles, sair um pouco

da zona de conforto, transpor as dificuldades do dia a

dia e fazer a minha parte, fazer a diferença. Por fim,

deixo aqui este depoimento agradecendo a equipe da

CUFA e a todos que promoveram e ajudaram para que

este Circuito Papo Reto acontecesse, tenho certeza que

mudou não somente minha história, mas a de muitos.

“A cada nova informação meu coração batia mais forte”

Page 8: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Papo Reto |08| outubro

alunos

Nessa segunda edição, a revista Papo Reto decidiu abrir espaço não só para os professores, mas também para os alunos. Confira a seguir três histórias diferentes da geração que, infelizmente, está mais perto das drogas do que as passadas, mas que não se deixa levar e sabe distinguir o que faz bem ou não para o seu futuro.

Page 9: Revista Papo Reto - 2ª Edição

09

A tranquilidade e interesse de Peterson Alves Apolinário

de Andrade são dignos de exemplo para outros alunos.

Com onze anos, o futuro cientista acredita que a

solução para os problemas do mundo deve partir de

cada um, e começou a fazer sua parte repensando o

espaço urbano em que vivemos e se empenhando nos

estudos.

EM TRÊS CIDADES

Seu trajeto escolar foi em três cidades: Soledade,

Alvorada e Porto Alegre. Para cada cidade uma escola

nova e em cada escola a participação além da sala

de aula. Na primeira fez a pré-escola, e se mostrou

disciplinado ao ajudar os professores em tarefas com

outros alunos. Capoeira e banda também fazem parte

do histórico escolar de Peterson. Hoje estuda na EMEF

Victor Issler, onde faz parte do LIAU, um laboratório

que trata de temas relacionados ao meio ambiente

e urbanismo. Empolgado com o projeto, o aluno

informa que tudo que aprende leva para casa. “Minha

mãe planta salsinha e tomate. O que aprendo com ela

em casa uso aqui e o que aprendo aqui uso em casa.

É muito bom”, explica. Para o jovem, fazer parte do

projeto o auxilia nas aulas e no cotidiano.

FAMÍLIA

Filho de família grande e pais presentes, o jovem

tem dois irmãos mais novos e dois mais velhos. A

importância familiar no crescimento das crianças é

um reflexo da fala de Peterson. “Sempre que tenho

dúvidas meus irmãos mais velhos me ajudam”, conta.

Com fome de aprender e tornando parte do seu dia-a-

dia o aprendizado de casa e da sala de aula, Peterson

manifesta o seu espírito de solidariedade e a vontade de

levar o conhecimento adiante. “O pai nunca estudou,

mas ano que vem ele começa a estudar, acho muito

bom isso. Quando eu precisar de ajuda vou pedir pra

ele, e enquanto ele não se formar eu que vou ajudar

ele nos estudos”, ressalva cheio de felicidade.

DROGAS

Quanto à temática das drogas, o jovem também

tem opinião formada. “Acho muito importante falar das

drogas, pode ajudar no nosso futuro. A gente tem que

ter conhecimento que o crack é um vício burro, porque

o usuário procura sempre o mesmo gosto da primeira

fumada e nunca vai encontrar e fica doente. Muitos

sofrem com seus filhos nas ruas”, expõe. Ressaltando a

importância das medidas de prevenção e discussão do

tema, ele também elucida que para um futuro melhor

é necessário o aprendizado e a busca pelo fim do uso

das drogas.

LIÇÕES

As lições que Peterson aprende e ensina vão além

dos temas de casa e produções em sala de aula.

Mirando no futuro e lembrando do passado, resgata

a ideia de que todos podemos fazer a diferença, basta

querer. “Temos que olhar os três lados: como é agora,

como foi e como acabará. O futuro tem que ser melhor

que o presente, e isso depende de nós”, afirma.

Sonho de tornar o mundo melhorpor Carolina Reck

Peterson sabe que o crack só piora a vida do usuário

Carolina Reck | CUFA-RS

Page 10: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Papo Reto |10| outubro

Com apenas onze anos de idade, Ana Pâmela Alves,

teve o seu primeiro namorado. Por motivos pessoais

esse namoro veio a ter um final trágico. Após o término,

a menina entrou em depressão e não queria mais saber

de nada, passou a comer e deitar sem sequer sair para

olhar a luz do dia.

A MUDANÇA

Depois de algum tempo, os pais de Ana acharam

que seria melhor mudar-se para Restinga, onde

moram atualmente. Porém, a mudança não foi muito

confortável. A menina sofreu bullying no primeiro

colégio que estudou. Lá, recebeu um apelido pelo fato

de estar acima do peso. Sem suportar as brincadeiras

maldosas, ela resolveu sair da instituição e foi para

a Escola Municipal de Ensino Fundamental Alberto

Pasqualini, onde estuda atualmente. “Eu não aguentava

mais todos os dias ser criticada por pessoas piores que

eu e não poder falar nada”, conta Ana.

NOVA ESCOLA

Logo que ingressou no novo colégio, não falava com

ninguém, mas com o decorrer do tempo foi fazendo

“amizades” e foi através destes amigos que ela teve

o seu primeiro contato com drogas. “Tudo começou

com um cigarro de maconha depois experimentei

outros tipos de drogas, mas nunca me viciei”, revela a

jovem. Passado alguns meses, a estudante começou a

achar que usar drogas já não tinha graça e começou

a vender. Para isso, matava aula para traficar na

pracinha Argentina, a uma quadra da escola.

MÃE NÃO DESISTIU

Quando sua mãe descobriu o problema, muitos

colegas afirmavam que já era tarde para conseguir

reverter a situação. Porém a mãe não desistiu de ajudar

Ana, e foi atrás da filha. Tirou a menina da praça,

trouxe para a casa e com a assistência de uma vizinha,

a levou para a igreja. “No início, eu só ia para agradar

a minha mãe, até que chegou um dia em que eu ouvi

o próprio Deus falando comigo. Em pensamento, ele

dizia que eu ainda pudia mudar de vida e que bastava

eu querer essa mudança”, afirma.

FALTAVA ALGUMA COISA

Hoje com 15 anos, a aluna conta que sentia falta

de alguma coisa em sua vida. “Eu sempre amei fazer

teatro e quando soube que havia aberto vagas na

escola corri e me inscrevi. Hoje, posso dizer que sou

completa, pois a CUFA trouxe o que faltava”, diz a

menina. Ao encerrar a matéria, Ana agradeceu, com

um lindo sorriso no rosto, à instituição pela realização

do projeto Papo Reto.

por Bianca Oliveira

A hora da superação

Ana encontrou, no teatro, a força para encarar sua vida

Bianca Oliveira | CUFA-RS

Page 11: Revista Papo Reto - 2ª Edição

11

Bruna Stein de Abreu está no nono e último ano do

ensino fundamental. Em dezembro, ela completa

15 primaveras e irá se formar. Ela pretende cursar o

ensino médio na escola Protásio Alves. Seu desejo se

dá porque sua irmã estudou neste colégio e, segundo

ela “pode ser muito bom pois fica perto de vários

cursos”. Bruna estuda na Escola Municipal de Ensino

Fundamental (EMEF) Carlos Pessoa de Brum, na

Restinga, onde também mora.

SITUAÇÃO DRAMÁTICA

A menina de um belo sorriso já passou por uma

situação dramática na família. Um dos tios já se

ennvolveu com drogas. Após ser internado em uma

clínica de tratamento, ele se recuperou. Este episódio

familiar vacinou Bruna sobre os efeitos devastadores

das drogas na vida de uma pessoa. “Se usar, você

ficam em paz por alguns minutos mas após isso,

Futuro nas artes cênicaspor Igor Grossmann

irá sofrer pelo resto da vida”, fala com propriedade

arrebatadora. E completa: “eu sempre repito pra mim

mesma que nunca vou me envolver com essas coisas

porque tive o exemplo na minha família. Eu sei que

na hora é bom, mas depois não se sabe o que vai

acontecer. Tu vai ter problemas e pode até morrer”.

EXEMPLO

Com 14 anos, Bruna é exemplo e incentivo para os

colegas, palavras da sua professora de teatro Tatiana

Baptista Greff. Bruna quer estudar artes cênicas. Ela

foi cativada pela professora Tatiana, que se sente

orgulhosa e feliz por despertar o interesse de uma

aluna em fazer um curso superior. “A Bruna se destaca

por ser responsável e participativa. Ela tem potencial

e maturidade para conseguir o que quer”, relata a

professora.

CONSCIENTE DAS TAREFAS

Tatiana não é a única educadora a rasgar elogios

para a aluna. Lígia Savio, professora de português e

literatura, afirma que Bruna é consciente das tarefas

e sempre busca fazer além do que se pede. “Ela fez

um conto nas férias e escreve porque gosta. Se todos

fossem como ela… Mas o trabalho do professor é com

as ovelhas desgarradas”, reflete Lígia. Bruna também

pensa em estudar letras. Mas ainda tem pelo menos

mais três anos para se decidir.

APROVEITAR OPORTUNIDADES

Na sua escola, Carlos Pessoa de Brum, a aluna

busca aproveitar todas as oportunidades que lhe são

oferecidas. Ela participa da Rádio Brum, que organiza

e cobre eventos escolares, além de sonorizar o recreio

da escola. Bruna já fez parte da oficina de robótica

mas hoje gosta mesmo é de participar do Cinemundo,

uma oficina com três professores - teatro, português

e inglês - na qual os alunos recriam cenas de filmes

conversando na língua inglesa.

Bruna tem consciência do poder destrutivo das drogas

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 12: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Lisandra Félix Coordenadora-Executiva Papo Reto

Papo Reto |12| outubro

O Projeto Circuito Papo Reto Porto Alegre visa

contribuir para o processo de prevenção ao crack e

outras drogas nas escolas municipais. Um de seus

principais aliados é a ferramenta literária desenvolvida

pela CUFA RS, o livro “O Escudeiro da luz em: Os

zumbis da Pedra”. Na primeira edição do projeto, em

2012, percebemos que os professores necessitavam de

informações sobre a temática do crack. Pensando em

preencher esta lacuna na formação dos educadores,

na segunda edição do projeto, em 2013, resolvemos

organizar um seminário para contemplar as escolas

municipais. O tema gerador do debate é: Prevenção

às drogas: Qual o papel da escola?

Iniciamos o processo convidando os palestrantes

e definindo um formato de explanação que viesse de

encontro com as expectativas dos professores. Com

a duração de oito horas, cada seminário traz falas

significativas de especialistas das áreas da psiquiatria,

psicologia, direito, Brigada Militar, representante da

Fundação de Assistência Social e Cidadania e os

relatos de dois egressos do sistema penal.

No desenrolar dos seminários Papo Reto

percebemos que apesar da similaridade de cada

realização, que consta com o mesmo quadro de

palestras, diferentes resultados eram moldados. A

cada grupo de participantes acontecia uma renovação

sob a ótica de novos olhares, novos questionamentos

e novas trocas de experiências. Repletos de conteúdos

explícitos e implícitos, aprendizados foram surgindo.

Em relação à adesão dos professores, compreendemos

que o calendário de formações da rede municipal de

ensino é intenso e delineado no início de cada ano

letivo. Desta forma, quantitativamente, o resultado não

é expressivo. Porém, qualitativamente, o resultado tem

sido excelente em função dos relatos dos professores

que usufruíram dos seminários. A CUFA RS parabeniza

os profissionais da rede municipal de ensino por não

desistirem de acreditar em cada aluno, cada família e

cada comunidade, contemplando os funcionários da

limpeza, cozinha e secretaria. Vale a pena registrar

que um guarda municipal participou ativamente de

um dos seminários, afinal, a missão de educador não

é apenas para o professor que atua na sala de aula.

Todos nós somos fontes de aprendizado e devemos

fazer do dia-a-dia uma lição para a vida.

Palavra

Page 13: Revista Papo Reto - 2ª Edição

13

A importância dos pais no ambiente escolar

Um levantamento da Superintendência de Serviços

Penitenciários (Susepe) mostra a ausência de pais

nas visitas autorizadas no Presídio Central, em Porto

Alegre. Até outubro de 2013, cerca de 7 mil visitas

foram feitas aos apenados, sendo 2205 de mães/

madrastas; 2110 de crianças/adolescentes; e 2069

de companheiras(os). Mas o número que salta aos

olhos é o de pais/padrastos visitantes: 597. Outra

estimativa, feita pela Corregedoria Nacional de Justiça

(CNJ), indica que 4,8 milhões de estudantes brasileiros

não têm o pai em seus registros. E que as certidões

de nascimento sem o pai respondem por 15% a 20%

dos registros feitos no Brasil. Estas duas pesquisas

evidenciam que o pai que abandonou o filho quando

criança, abandona o filho preso.

Atuando como professora da SMED e

acompanhando famílias por meio da FASC (Fundação

de Assistência Social e Cidadania), a pedagoga Patrícia

Schuler Mônaco prefere destacar o papel da família

e não focar no gênero masculino. Ela lembra que o

afastamento dos pais com a escola é algo histórico.

“Até meados dos anos 60 era comum que os pais

sequer soubessem o nome da professora de seus

filhos. As funções maternas/paternas e escolar eram

muito distintas entre si. Pai e mãe educavam e a escola

ensinava a ler e escrever”, explica Patrícia.

Ela conta que esses papéis foram se remodelando.

“A mãe trabalha e os jovens são treinados na escola

para o mercado de trabalho, assumindo assim uma

função de adequar este jovem às exigências impostas”.

Além disso, os cargos na família também se alteraram

com o tempo. “As mudanças na base familiar, como

texto: Eduardo Bertuol e Igor Grossmannfotos: Danilo Santos

Page 14: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Papo Reto |14| outubro

quem cuida e sustenta, sofreram alterações e a escola

passou a cuidar também da educação primária da

criança - aquela que antes era sustentada pela família”,

esclarece a pedagoga.

ONDE ESTÃO OS PAIS

Na EMEF Senador Alberto Pasqualini, localizada

na bairro Restinga, a diretora Sueli da Silva relata que

muitos pais esquecem seu papel e preferem deixar

a educação das crianças de lado. “Nestes casos a

responsabilidade fica para outros familiares, como tios

ou avós do aluno, que se comprometem a apoiar e

acompanhar o estudante na escola”, explana Sueli.

Ela afirma que a desestruturação familiar prejudica

os estudos. “Muitas das crianças têm essa carência,

pois as famílias são desestruturadas já que não há

uma participação da figura paterna. O sentimento de

abandono na infância vira revolta na adolescência, isso

atrapalha e compromete os estudos e o comportamento

do jovens”, acredita Sueli.

Há quatro anos como diretora da instituição, a

irresponsabilidade de um pai vem incomodando Sueli.

Ela conta que a mãe possui a tutela da criança, mas

aos 10 anos o menino preferiu morar com o pai por

ter mais liberdade e conforto para fazer o que quiser.

Contudo, o responsável não comparece na escola e

não acompanha o filho no ambiente escolar. “Entramos

em contato com a mãe para falar do caso, mas ela diz

ter medo do pai da criança”, afirma. Sem as regras, o

menino não faz os temas e vai para a escola quando

quer. Ao contrário do que acontecia quando morava

com a mãe, que possui regras para fazer as lições de

casa, horário para dormir e comer.

Segundo relatos da mãe do aluno para a diretora,

o pai tem ligação com o tráfico da região e já foi preso

na frente do menino. “Depois de solto, a criança voltou

para o pai, pois ele faz todas as vontades do guri”,

conta Sueli. “Nós já pedimos para mãe entrar com um

recurso, mas não tem jeito. O estudante quer apenas

o pai, e a mãe prefere não intervir na relação dos dois

por medo de represália”, completa.

A diretora conta que o menino tem muitas faltas

e dificuldade de relacionamento dentro da escola.

“Ele não demonstra problemas para aprender o que

ensinado em aula, mas por faltar demasiadamente

possui alguns fatores externos que atrapalham o

desenvolvimento dele na escola”. Ela acredita que

para que ocorram mudanças é necessário o menino

ir morar com a mãe. Sueli afirma que faz o que pode

para ajudar, mas neste caso é necessário mais do que

o apoio escolar.

Patrícia Mônaco, como pedagoga, afirma que o

acompanhamento dos pais ou de um superior protetivo

da família sobre um aluno é importante, como um

controle externo, para dar suporte à criança. “A escola

é uma construção social criada com a finalidade de

prover os conhecimentos necessários para vida adulta

e os conhecimentos que a família não pode prover”,

observa.

O PAI DE TODOS

Ênio Rafael Vaz, 33 anos, cresceu na vila Cohab, em

Porto Alegre. Em sua infância e juventude teve contato

com diversas drogas. Nunca usou nenhuma. Seu grande

vício sempre foi a endorfina, hormônio produzido pela

atividade física e que provoca prazer, despertando uma

sensação de euforia e bem-estar. “Eu vivia correndo”,

relembra. Hoje, Ênio é responsável pelos projetos de

esportes na EMEF Moradas da Hípica, onde estudam

seus dois filhos: Rafael Henrique, 13 anos, e Maicon

Alexandre, 9.

A oportunidade para Ênio trabalhar na escola

surgiu no dia em que ele foi matricular seus filhos.

Na fila da matrícula, a diretora Maria do Carmo de

Souza perguntou aos pais se alguém teria interesse em

trabalhar no colégio, visto que as atividades estavam

começando naquele ano e ainda não havia sido

Pai/PadastroMãe/MadastraCompanheira (o)Crianças/Adolescentes

597

2205

2069

2110

VISITAS AUTORIZADAS - 2013

Page 15: Revista Papo Reto - 2ª Edição

15

preenchido o corpo de funcionários. Como Ênio estava

desempregado, aceitou a oportunidade. Começou

auxiliando em serviços gerais, mas logo passou a

fazer o que tinha experiência: cozinhar. Certo recreio,

observando um jogo de futebol na quadra, surgiu uma

dúvida entre os alunos se havia ocorrido falta em um

lance ou não. Ênio disse que foi. “Então, me pediram

para cuidar o jogo. Estou cuidando até hoje”, relata

sorridente. Desde agosto de 2009, ele é responsável

pelos projetos escolares no âmbito esportivo e faz o

que ama.

Para ele, o ideal para o jovem é ter um suporte

equilibrado, tanto do pai quanto da mãe. Seu filho mais

novo, Maicon, não teve um bom desempenho escolar

em 2012. Com o pai presente e atuante na escola,

o aluno conseguiu evoluir e alcançar boas notas. “As

professoras comentaram que nem parece o mesmo

menino. O contato do pai tem que ser delicado, assim

como é a mãe com o filho. Não podemos usar apenas

o lado bruto, pois o filho acaba fugindo e aí mora o

maior erro paterno”, argumenta. Na escola, que possui

cerca de mil alunos, Ênio percebe a ausência dos

pais quando é hora de deixar ou buscar os filhos. Ele

inclusive arrisca um chute para ilustrar essa percepção:

“No pátio, por exemplo, tu vês 400 mães e nem 10

pais”, diz.

Recentemente, um aluno da escola passou a

se envolver com drogas. Sabendo do fato, Ênio

convidou o jovem a integrar uma equipe para disputar

competições. Os pais temiam alguma relação maliciosa

deste estudante com os seus filhos. O tio Ênio, como é

chamado pela garotada, tratou de acalmar os ânimos.

“Se eu não der esse espaço para ele, nós iremos perdê-

lo para sempre. Hoje, após essa oportunidade, ele

passou a trabalhar”, conta.

Ele pensa que o envolvimento do pai na educação

do filho é fundamental. “Trabalho com 140 garotos.

Vejo no olhar e no sorriso dos meus filhos o brilho e a

alegria que faltam nos outros meninos”, diz. Sempre

apoiado pela direção, Ênio foi eleito e reeleito para

o cargo de presidente do conselho escolar. “Os guris

adoram ele. Como presidente do conselho, era o

meu braço direito”, relata a diretora Maria do Carmo.

Desde 2009, a política de seleção dos funcionários da

escola leva em consideração o fato do pretendente

ter filho matriculado. Hoje, as contratações ocorrem,

quase que em sua maioria, por recomendações dos

próprios servidores, que indicam outros pais e mães de

estudantes.

A pedagoga Patrícia Mônaco finaliza exaltando como

fundamental que a escola reveja suas bases curriculares

e a família seja o fator externo de cuidado, observação

e incentivo as crianças. “Sem este suporte familiar que

vai dar a primeira educação, a que vem de casa, e

após dar sustentação para a perfeita manutenção da

vida escolar da criança”, conclui Patrícia.

A falta de estrutura familiar afeta a vida escolar do jovem, pois o sentimento de abandono se transforma em revolta

Page 16: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Entrevista com o mestrepor Carolina Reck

Papo Reto |16| outubro

A lata velha de achocolatado agora é preenchida com

novos significados. Com dois pequenos orifícios na

parte superior e inferior, encarregados de sustentarem

uma mola que de cima para baixo atravessa a estrutura,

produz um ruído distinto. Com movimentos, a espiral,

localizada dentro de um corte retangular na frente da

conjuntura de alumínio, faz música. Em companhia

de outros instrumentos, o som emitido pelo reco-reco

ocupa os corredores da Escola Municipal de Ensino

Fundamental Deputado Victor Issler. As vozes cantantes

que acompanham as batidas de tambores se esvaem

no vão de salas durante algumas aulas de arte.

Presente de um aluno para a professora de artes

Cláudia Elis Costa do Nascimento, o reco-reco

manifesta a importância do trabalho da educadora.

Eleita a princesa do Maracatu pelos alunos do projeto

“Pé na Dança Pé no Mundo”, Cláudia atua na área

da educação desde os 18 anos. São 23 anos de

experiência, destes, oito na Victor Issler, onde atende

doze turmas. Para ela é fundamental estabelecer um

elo de confiança com os alunos, e para isto utiliza

elementos que geram interesse para abordar temas

pertinentes à escola e à sociedade. Como música é

arte, a turma B34 é contemplada com ensinamentos de

capoeira, samba e técnicas musicais. Em contrapartida,

a turma B33 produz máscaras que representam a

identidade de diferentes países da África. E são mais

dez turmas, com diferentes experiências que levam ao

entendimento sobre a arte e a sociedade em que estão

inseridas.

ESCOLHA DE MÉTODOS

A escolha dos métodos fica a critério de cada

turma. No começo do semestre a professora questiona

quais os interesses dos alunos, conforme a resposta

se inicia o trabalho. No caso das máscaras africanas,

Cláudia explica que a produção é complementada por

discussões de etnia e apontamentos da diversidade

na cultura africana. Pesquisas, esboços e desenhos

em diferentes superfícies aprimoram o trabalho até o

momento de confeccionar a máscara. Nestes processos

residem ensinamentos de vida. “Usaram giz de cera

para os traços no esboço, para dominar melhor a

O saber vem da arte

Os alunos assistem filmes sobre problemas na escola

Arquivo Pessoal | Cláudia do Nascimento

Page 17: Revista Papo Reto - 2ª Edição

17

fórmula e conseguirem compor a máscara depois. Um

dos motivos é porque o giz é ruim de apagar. Usar a

borracha o tempo todo apaga marcas, destrói o erro.

Os alunos devem aprender a construir algo em cima do

erro, não a apagá-lo. A questão é construir e aprender

com os nossos erros”, expõe Cláudia.

Além das rodas de capoeira e produções artísticas,

filmes também são uma alternativa de ensino. Um

exemplo é “Michel Basquiat – Traços de uma vida”

que revela as consequências do uso de drogas. Com

o audiovisual debates que instigam a superação, a

determinação, o crescimento individual e as mudanças

são alimentados. “A professora passou o filme ‘Os

escritores da Liberdade’, no começo teve risadinhas,

depois choro. Nele vimos que a professora ensinou

que é bom conviver e crescer juntos, ela acreditava nos

alunos. A prof. Cláudia é assim também, acredita na

gente”, revela Ingrid Silva, aluna do 6º ano.

EXPERIÊNCIA NO SEMINÁRIO PAPO RETO

Depois de participar dos seminários Papo Reto a

profissional alega que começou a trabalhar com mais

ênfase a temática das drogas. Pensando em discutir

diversos temas ao mesmo tempo, levou o seu pai

para a escola. Figura masculina que muitos não têm

em casa, expressão em forma de música e por viver

em um ambiente cercado de drogas no meio musical,

estimularia questionamentos e reflexões. “Logo os

alunos perguntaram sobre as drogas, meu pai disse:

‘ofereciam pedindo se eu não queria fazer a cabeça,

eu respondia que minha cabeça estava feita desde os

meus 16 anos, feita pela música’. É incentivo para eles,

de mostrar que existem outros caminhos, que o barato

é outro”, informa.

A admiração dos alunos pela professora fica clara no

comportamento destes nas aulas. Apesar de eufóricos

nas rodas de capoeira e ao tocarem instrumentos e

cantarem, conseguem manter o respeito e a harmonia.

“Na real, depois que a sora começou a fazer tarefas

que trabalhamos todos juntos, aprendemos a conviver

um com o outro. Aprendemos a fazer mais coisa, a

colaborar”, indica a aluna Helena Soares. Estimulando

e produzindo atividades que proporcionam aos alunos

a participação, a parceria e o afeto, Cláudia os faz

perceber seu potencial como indivíduos e como parte

de um todo. “A sora nos faz ir mais longe”, sintetiza a

aluna Paloma Aquino Soares.

Cláudia mostra a diversidade da cultura africana nas aulas

Carolina Reck | CUFA-RS

Page 18: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Mural do Professor

Aqui é o espaço onde o professor pode dar a sua opinião sobre o Circuito Papo Reto. Nos seminários, os docentes tem um espaço para preencher avaliando as palestras. Essa é a hora de se expressar e mostrar como é válida essa troca de experiência. E de que maneira essa iniciativa mudou a sua forma de pensar.

Papo Reto |18| setembro

A sociedade normatiza ações de violência e as pune depois.

Nos emocionou e nos deu esperança pra recuperação de jovens no mundo do crime.

Rica troca de experiências. Continuar com esse tipo de formação com temas pertinentes que fazem parte da realidade dos alunos.

Depoimentos significativos e cheios de significados.

Ótimo! A presença de alguém que esteve no crime e que hoje está investindo na sociedade, produzindo, é muito bom para a nossa prática na sala.

Mostrou um lado que nós não conhecíamos.

Relatos ricos e emocionantes, sempre é possível mudar Lenne e Rodrigo. Parabéns.

A CUFA nos trouxe uma rica partilha de vida através do Rodrigo e do Lenne. A partilha dos dois me faz acreditar ainda mais na educação e ver que é possível criar métodos de ensino e formação de valores que previna.

Linguagem informal, acessível e atraente. Estabelece vínculo com o público.

Papo Reto |18| outubro

A palestra foi bastante importante por resgatar o papel social da família e ressaltar a estrutura da assistência social e das redes de atenção e cuidado.

São projetos como este que, cada vez mais, nos ajudam e nos estimulam a continuar nosso trabalho.

Eu acho que o Papo Reto tem que invadir todas as escolas do Estado. As crianças e os adolescentes tem que ter a prevenção.

Page 19: Revista Papo Reto - 2ª Edição

escolasolução

Em Porto Alegre, a iniciativa de prevenção ao crack nas escolas foi pioneira. Abrangendo os alunos de 51 escolas municipais da capital, a CUFA-RS realiza desde 2012 o Projeto Circuito Papo Reto Porto Alegre, projeto em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre através da Secretaria Municipal de Saúde e Educação e que neste ano ganhou outro parceiro importante: o Hospital Divina Providência. Em 2013 o objetivo é superar em 30% o número de atendimentos dos ano passado, através das ações realizadas nos pátios e salas de aula, com palestras, oficinas e atividades culturais inspiradas na ferramenta de prevenção “O Escudeiro da Luz em os Zumbis da Pedra“. Nesta edição, destacamos as seguintes escolas:

19

Page 20: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Rincão por Igor Grossmann

Após mais de uma década de luta dos moradores do

Belém Velho no Orçamento Participativo da cidade,

em 2009 foi inaugurada a Escola Municipal de Ensino

Fundamental (EMEF) Rincão.

Como a escola era nova, a direção foi indicada pela

secretaria de educação. Dóris Helena de Souza é a

diretora da instituição desde a sua inauguração, tendo

sido reeleita para um segundo mandato. Na EMEF

Rincão ela, juntamente com suas colegas, resolveu pôr

em prática um plano pedagógico “maluco”, segundo

suas palavras. Na escola estudam 470 alunos.

“MIXTURANDO”

Nascia o “Mixturando”, hoje já agregado ao

planejamento político-pedagógico da escola, que

congrega os alunos de diferentes ciclos e séries

conforme seus interesses. Todas as quintas-feiras,

os alunos deixam suas turmas regulares para se

reagruparem conforme a oficina que mais lhes

desperta atenção, não importando a idade. A cada

trimestre, as temáticas são reajustadas. Desde 2010,

já foram abordados temas como prevenção às drogas,

sexualidade, espiritualidade, por exemplo. Quando o

ano letivo inicia, o corpo docente faz uma pesquisa

para ter uma noção daquilo que os alunos têm interesse

ou não em desenvolver no projeto Mixturando. A

abordagem é transversal e a inscrição se dá pela

vontade do estudante. Em geral, são desenvolvidas

entre 10 e 14 oficinas a cada trimestre. Sabores do

Rincão, mitos e crenças, customização de roupas e

objetos, confecção de bonecos, teatro são exemplos de

oficinas desenvolvidas no segundo trimestre de 2013.

PAIS DEVEM SE ENVOLVER NO AMBIENTE ESCOLAR

A CUFA-RS também marca presença desenvolvendo

oficina de teatro com foco na prevenção às drogas,

principalmente o crack. A diretora da escola, Dóris ,

entende que toda parceria é bem-vinda, mas a mais

importante é com o pais, que devem se envolver

no ambiente escolar e acompanhar de perto o

desenvolvimento dos filhos. Ela afirma que os pais se

fazem presentes nesta escola. “Aqui, a comunidade tem

característica específica, por ser uma zona rururbana.

Sempre vem alguém, o pai ou a mãe. Já trabalhei em

escolas, onde passei sem conhecer pai nem mãe de

alunos”, conta.

Papo Reto |20| outubro

Com o projeto Mixturando a escola cria um ambiente de integração com seus 470 alunos, que vão até o nono ano

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 21: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Moradas da Hípicapor Igor Grossmann

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Moradas

da Hípica, no bairro Aberta dos Morros na zona sul

de Porto Alegre, recebe pelo segundo ano a parceria

com a CUFA-RS. Em 2012, foram realizadas oficinas

de fotografia, grafitti e teatro. Neste ano, a instituição

recebe semanalmente um oficineiro que trabalha artes

cênicas com uma turma de alunos.O colégio, que

também possui educação infantil, atende cerca de mil

alunos em dois turnos.

RELAÇÃO COM OS PAIS

De acordo com a diretora da escola, Maria do

Carmo de Souza, a relação dos pais no ambiente

escolar é ótima, pois eles conseguiram aliar um

fator importante: todos os funcionários são pais de

alunos. “Isso ajuda a pensar em conjunto”, afirma a

diretora. No local, há pai-monitor, pai-coordenador,

pai-treinador de futebol, entre outros. Todos eles são

contratados como funcionários terceirizados. A direção

acredita que aproximar do ambiente escolar é o que

vale a pena.

RECEITA INFALÍVEL

“Combater a ociosidade é o que nos leva a buscar

parcerias”, conta a diretora da escola, Maria do Carmo.

Ela dá a receita com a propriedade de quem já dirigiu

o Conselho Municipal de Entorpecentes, hoje Conselho

Municipal de Drogas de Porto Alegre. “A escola não

pode ficar sozinha. A força do diálogo e da união entre

educadores, familiares e comunidade garante um

futuro digno para estes jovens”, assegura Maria.

PREVENÇÃO IMPORTANTE

Compartilhando a visão da CUFA, a direção da

escola entende que é mais importante prevenir o uso

de drogas e proporcionar atividades que desenvolvam

a personalidade do aluno do que puni-lo quando este

comete algum erro ou se envolve com entorpecentes.

Na escola são desenvolvidas grupos de protagonismo,

nos quais os estudantes trabalham projetos sobre

sexualidade, educação ambiental, autoconhecimento e

mediação de conflitos. Como diz a diretora, é preciso

vencer a ociosidade.

21

A EMEF Moradas da Hípica estabelece uma boa ligação dos pais com a escola dando-lhes funções na instituição

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 22: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Prof. Gilberto Jorge por Bianca Oliveira

Quem passa na Escola Municipal de Ensino Fundamental

Gilberto Jorge não imagina a diversidade de alunos

que frequentam a instituição de ensino. “Temos alunos

altistas, cadeirantes, com diversas dificuldades, mas

para nós é um prazer lidar com todos, pois passamos

a ver que não temos limites e que eles são a razão de

Papo Reto |22| outubro

O ambiente na escola Larry José Ribeiro Alves, localizada

na Restinga, é encantador. O diretor, Carlos Henrique

de Oliveira, acredita que o contato dos alunos com

a CUFA tem sido muito importante. “Essa parceria é

muito positiva. Eu vi muitos alunos melhorarem depois

que começaram as atividades na escola”.

EXPECTATIVA DE PARCERIA LONGA

O diretor espera que a parceria entre a escola e a

CUFA dure muitos anos ainda. “Eu posso dizer que eu

quero que essa parceria se alongue por muito mais

tempo porque o que é bonito e deixa as crianças felizes,

tem que durar”, afirma Carlos.

OFICINAS

Ao chegar na sala da oficineira da CUFA, Carolina

de Oliveira, foi possível perceber em seu olhar tamanha

paixão pelas meninas de sua turma. “Elas são muito

Larry J. Alves

tudo”, conta a diretora Maria Rosângela.

A CUFA FAZ A DIFERENÇA.

Ao chegar no local, a diretora conversou com a

nossa equipe e afirmou que a CUFA tem influenciado as

escolas. “A CUFA está na escola desde o ano passado

e, com a sua chegada, muitas coisas mudaram. Os

alunos passaram a acreditar bem mais nos seus

potenciais e a conviver bem mais uns com os outros”,

disse a diretora orgulhosa.

MÃES PARTICIPAM MAIS QUE OS PAIS

De acodo com a orientadoa da escola, Adriana

Lombone, muitos alunos tem pais separados. Segundo

ela, a figura paterna não comparece às reuniões. Alguns

pais participam quando são chamados para encontros

e conversas a respeito dos filhos. A orientadora salienta

que é fundamental a participação dos pais, mas que,

hoje, eles não comparecem.

por Bianca Oliveira

dispostas e muito inteligentes. São uns amores”, afirma

Carol. Com o passar das aulas, as meninas perderam a

inibição e incorporaram o personagem, atuando sem

nenhuma vergonha. “Depois que eu conheci a CUFA passei

a fazer tudo. Hoje sou dramática e misteriosa mas prefiro

ser comediante”, relata Emile, aluna da oficina de teatro.

A CUFA exerce uma influência positiva nos alunos, diz Maria

O diretor da escola espera continuar a parceria com a CUFA

Bianca Oliveira | CUFA-RS

Carolina de Oliveira | CUFA-RS

Page 23: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Chapéu do Solpor Eduardo Bertuol

Há 13 anos na comunidade, a escola municipal de

ensino fundamental Chapéu do Sol, situada na Zona

Sul de Porto Alegre, encontrou dificuldades em seus

primeiros anos após a fundação. “A escola começou

a funcionar em 2000 e naquele período tivemos

momentos críticos em relação a violência”, conta a

vice-diretora Edianie Azevedo Bardoni. A polícia e o

SAMU iam com frequência para a escola devido as

brigas que ocorriam. “O loteamento da Chapéu do Sol

foi construída e constituída entre grupos rivais de vilas

e aqui era o ponto de encontro deles. Hoje, a situação

é mais tranquila e existem poucas ocorrências”,

acrescenta a vice-diretora.

COMPROMETIMENTO COM A EDUCAÇÃO

Comprometida e atarefada, a vice-diretora, Edianie

Azevedo Bardoni, resolvia as questões da escola

enquanto conversava com a CUFA. Há três anos no

cargo de vice-diretora e há 12 como professora da

escola Chapéu do Sol, Edianie mostra comprometimento

com a educação dos alunos. “Tentamos manter os

estudantes aqui dentro com os projetos para deixá-los

longe das ruas”, conta.

MÃES, AVÓS E TIAS COMPARECEM

De acordo com a vice-dietora da escola, Ediane

Bardoni, “muitos dos pais já tem outras famílias,

alguns estão presos. Os poucos pais que participam

são presentes e muito atuantes, mas a presença é mais

matriarcal”. Em conversa com um aluno relembrou que

alguns pais estão presos e que por isso não fazem parte

do cotidiano escolar do aluno. As causas principais da

falta de participação, de acordo com a vice-diretora,

podem ser: a constituição de outra ou outras famílias,

prisão, falta de interesse e principalmente trabalho.

Avós participam consideravelmente.

PAPO RETO

Este é o segundo ano do projeto da CUFA na escola

e Ediane comenta que a procura de alunos de outras

turmas parar participar é grande. “Este ano eu noto

que eles estão mais participativos e que alguns, que

já saíram da escola, queriam fazer parte”, conta. “Ano

passado, tivemos a grafitagem aqui, mas a oficina de

teatro este ano está chamando mais a atenção dos

estudantes e tendo mais repercussão”, revela. “Ter

um trabalho que vá ao encontro com aquilo que eles

estão gostando é fundamental para a escola e para os

próprios alunos”, destaca.

NÃO EXISTE NADA PARECIDO

Como na comunidade não existe projeto parecido

com Papo Reto, a educadora destaca esta iniciativa.

“Acredito que esse passo dado pela CUFA é muito

importante, pois não possuímos algo semelhante

dentro da comunidade e a continuidade desse projeto

é de extrema relevância”, afirma Edianie. Na sala de

aula, o oficineiro Gilmar Collares trabalha através do

hip-hop, rap, dança, teatro, e a leitura e interpretação

do livro “O Escudeiro da Luz em: Os Zumbis da Pedra”.

Os agitados alunos mostram empolgação nos ensaios

da obra e principalmente da coreografia da música

“Thriller”, de Michael Jackson.

23

A oficina de teatro despertou o interesse dos alunos

Eduardo Bertuol | CUFA-RS

Page 24: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Dolores Alcaraz Caldas por Igor Grossmann

Há 42 anos alfabetizando e educando na Restinga,

a Escola Municipal de Educação de Fundamental

Dolores Alcaraz Caldas se orgulha de ter formado

gerações de alunos. Hoje, 1.600 estudantes têm aula

nos três turnos, sendo a noite reservada apenas para

a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Neste 2013, foi

implementada a educação infantil, que a vice-diretora

Evelise Romero classifica como “experiência positiva” e

que deve ter continuidade.

CONTRATURNOS

A escola recebe neste ano novamente a oficina

teatral da CUFA. “É algo que veio para contribuir e

que permite a construção de um novo caminho, uma

abordagem diferente daquela utilizada normalmente

em sala de aula”, analisa Evelise. Na escola Dolores

Alcaraz Caldas trabalham 100 professores, número

que corresponde à alta taxa de estudantes matriculados

na instituição. Com tradição no bairro, que possui

dificuldades reconhecidas, os educadores se envolvem

em projetos que permitem aos alunos desenvolverem

atividades em turno reverso ao da aula.

DIVERSAS ATIVIDADES

No colégio, há coral de alunos, projetos de rádio

e TV, ensino de robótica, clubes de futebol e vôlei,

semana literária e também atividades na Semana da

Consciência Negra, quando os professores trabalham

a história, os heróis, a música, culinária e tem até um

desfile da beleza negra. Isso tudo, segundo a vice-

diretora Evelise, é para enfrentar a competição desleal

com o tráfico de drogas que existe na região. “O

sucesso vem da parceria com as famílias. O papel da

escola é importante, mas sem a família iremos perder

este jogo. O traficante vence quando o pai e a mãe

deixam de assistir o seu filho”, finaliza Evelise.

OS PAIS SÃO PRESENTES

De acordo com a professora Evelise, há um bom

número de pais participantes em momentos de entrega

de avaliação, reunião, eventos para comunidade. Ela

afirma que crianças não apresentam problemas à toa,

sem ter uma ausência familiar por trás. “Com certeza o

pai está mais ausente. Pai muitas vezes é de passagem,

não é algo mais fixo. Esse papel de alguém que segura

a família é feminino, que tá presente na escola”. Mas

isso não é generalizado. Ela afirma que alguns pais

são presentes, que são de famílias mais estruturadas.

“Não é que não exista a figura do pai, mas a mãe é

mais presente”, afirma.

Papo Reto |24| outubro

Os projetos abordam problemas de um jeito diferente

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 25: Revista Papo Reto - 2ª Edição

25

Carlos Pessoa de Brumpor Igor Grossmann

Na Restinga, a Escola Municipal de Ensino Médio

(EMEF) Carlos Pessoa de Brum atende a comunidade

há 25 anos. Hoje, 1350 alunos estão divididos nos três

turnos - sendo a parte da noite reservada apenas para

a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Na escola, há

diversos projetos promovidos pelos professores para

permitir opções de desenvolvimento para os alunos.

OPÇÕES SUSTENTÁVEIS

Com uma cozinha comunitária, os alunos aprendem

a cozinhar e cuidar de uma horta, promovendo a

sustentabilidade. Neste campo, no colégio tem também

um pequeno galpão de reciclagem em parceria com a

Coopertinga.

OFICINAS

Além da parceria com a CUFA, que trabalha

artes cênicas com os alunos, a escola também possui

laboratórios de aprendizagens e oficina de robótica -

além do Mais Educação, programa do governo federal

que desenvolve atividades para os alunos em turno

inverso.

VIOLÊNCIA

O vice-diretor da EMEF Carlos Pessoa de Brum,

Alexandre Bello, trabalha há dez anos na escola. Neste

período, ele contabiliza 12 alunos assassinados. “Aqui

na Restinga, existe uma banalização da violência.

Como consequência das drogas e do tráfico, famílias

são desestruturadas. Isto acaba criando dificuldades de

aprendizagem para as crianças”, diz com pesar.

PAPEL DO PROFESSOR

Mas Bello sabe que o papel do professor vai além

de passar conteúdos programáticos para os alunos.

Professores também são insistentes sociais e sabem

que, ao conquistar um jovem e mudar a sua vida, eles

estão minimamente mudando o mundo também.

NEM PAI NEM MÃE

“A grande maioria dos responsáveis vêm até a escola,

mas não são pais nem mães. São tios, tias, avós que são

os responsávaeis pelos estudantes.”, afirma o vice-diretor

da escola, Alexandre Bello. Em relação especificamente

ao pai, ele afirma que não se vê muito, quase nada.

A EMEF Carlos Pessoa de Brum já teve 12 alunos assassinados, as oficinas da CUFA visam mudar estas estatísticas

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 26: Revista Papo Reto - 2ª Edição

por Eduardo BertuolLidovino Fanton

Na sala da direção da Escola Municipal de Ensino

Fundamental Deputado Lidovino Fanton um computador

registra as imagens das câmeras de segurança do

local. Ao lado da tela, a diretora da instituição, Tirza

Porto Azambuja Verri, diz que é de pouca utilidade,

pois a comunidade acolhe a escola. “Como qualquer

vila de Porto Alegre, existe o problema do tráfico e

da violência, mas fica mais em torno da escola e não

entra”, ressalta. “Nós temos uma excelente relação

com a comunidade e isso faz com que a gente seja

muito respeitado”, enfatiza.

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL NOS INTERVALOS

Tirza conta que existem jovens que pulam o muro

da escola, mas para participar dos intervalos. “As

únicas situações de invasão ocorreram para participar

do recreio para jogar bola ou namorar as meninas”,

destaca. A vice-diretora da escola, Nara Machado,

acrescenta que a escola possui o projeto Brincar durante

os intervalos. “Esta inciativa é um curso de recreação

para as crianças e acaba atraindo a atenção de quem

está de fora”, relata. No primeiro ano como diretora

da escola, duas caixas de som foram roubadas da

instituição. “Este foi o único caso registrado nos meus

cinco anos como diretora e gosto de enfatizar que

graças à comunidade as caixas voltaram, pois quando

a comunidade soube, ela nos ajudou na busca”,

ressalta a diretora.

PROJETOS

A diretora destaca que a escola possui vários

projetos ligados a percussão, letramento, dança,

futebol e hip-hop, todos com oficineiros que não fazem

parte da escola. “Essa ideia funciona como uma justiça

restaurativa que é um momento de encontro das turmas

para resolver conflitos”, conta a diretora. A proposta deu

tão certo que se estendeu não apenas para os alunos,

mas também para funcionários, professores, famílias

de alunos da escola. “É uma prática que vem dando

bons resultados, pois a escola toda abraçou e acaba

se tornando uma costura de coisas porque resolvemos

os problemas a partir da conversa”, ressalta Tirza.

“Nesses três anos de funcionamento do projeto apenas

uma vez tivemos que levar o aluno ao DECA”, conclui.

PAPO RETO

A oficina do projeto Papo Reto realizado pela CUFA

é o único que trata a prevenção de drogas na escola.

Nara Machado relata a importância deste trabalho.

“Tentamos sempre deixar os alunos em alerta sobre o

assunto e agora com o Papo Reto os alunos possuem

uma informação a mais sobre o tema”, destaca a vice-

diretora. “E quanto mais conhecimento eles tiverem

sobre isso, maior será a prevenção”, conclui. E é com

atenção e brincadeiras com o oficineiro Douglas Castro

que as crianças recebem todas as quintas-feiras pela

manhã atividades com o livro “O Escudeiro da Luz em:

Os Zumbis da Pedra”. Entre os trabalhos, os alunos

escolhem ilustrações para imitar e praticam cenas de

capítulos da obra. Tudo isto sob um aquecimento feito

ao estilo do hip-hop.

RELAÇÃO COM PAIS E MÃES

A relação é muito respeitável. Normalmente eram

as mães que buscam as avaliações e iam nas reuniões.

Depois que ocorreu a mudança de turno da entrega de

avaliações e reuniões para a noite, há 6 anos, os pais

começaram a ser mais presentes do que as mães.

Papo Reto |26| outubro

O Papo Reto é o único projeto que fala de drogas na escola

Eduardo Bertuol | CUFA-RS

Page 27: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Mário Quintanapor Igor Grossmann

Nascida de um desejo da comunidade Vila Castelo,

localizada no bairro Restinga Velha, a Escola Municipal

de Ensino Fundamental Mario Quintana está prestes a

debutar. Com 14 anos de história, a instituição conta

com 700 alunos atendidos nos turnos manhã e tarde.

PARCERIA COM A CUFA

Além da parceria com a CUFA, onde há dois anos

são desenvolvidas oficinas de teatro, a escola busca

outras maneiras de abordar a questão do combate às

drogas. Há oito anos na escola, a vice-diretora Cintia

Moser compreende a complexidade de tratar o assunto

em uma região conhecida por ter forte presença do

tráfico de drogas.

OUTROS PROJETOS

No colégio, são desenvolvidas ações como o

Programa Educacional de Resistência às Drogas e à

Violência (Proerd) pela Brigada Militar, além de oficinas

de percussão, teatro, artes plásticas, informática, rádio,

dança, esporte e até yoga através de programas como

o Cidade Escola, da secretaria municipal da educação,

e o Mais Educação, do Ministério da Educação.

CRIAR ALTERNATIVAS

Para Cintia, é preciso criar alternativas para os

jovens desenvolverem suas habilidades e ficarem

menos tempo à toa na rua. Na escola Mario Quintana,

além de todas as atividades já destacadas, desde 2010

acontece a Semana Mojuodara - que significa belo

saber -, que dá visibilidade às diversidades de gênero,

étnico-racial, de orientação sexual, de classe, cultural

e de todo e qualquer tipo de deficiência. As atividades

acontecem na semana do dia 20 de novembro, alusivo

à data da consciência negra.

DIFICULDADE DE ENVOLVER FAMÍLIA

A coordenadora Andreia falou que existe bastante

dificuldade em envolver as famílias com a escola.

“Muitos não estão perto, não são efetivos no

acompanhamento. Apenas quando temos que chamá-

los para conversas em particular”. Ela afirma ainda

que existe uma dificuldade de ver tantos pais quantos

mães acompanhando de perto o filho na escola.

27

O Papo Reto está no seu segundo ano de parceria com a escola localizada em um bairro conhecido pelo tráfico de drogas

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 28: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Nossa Senhora do Carmo por Igor Grossmann

A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Nossa

Senhora do Carmo atende cerca de 800 alunos, durante

os três turnos. Na instituição, localizada na Quinta

Unidade do bairro Restinga, há também a Educação

de Jovens e Adultos (EJA). O colégio foi inaugurado há

onze anos e a vice-diretora Maria Inês Lopes trabalha

lá desde o princípio. Moradora da região, ela conhece

as dificuldades sociais enfrentadas pelos habitantes da

Restinga. Na visão de Inês, a escola é o único braço do

Estado que atua permanentemente no local. Assim, o

colégio é referência para os moradores do bairro.

RESULTADO SATISFATÓRIO

Em 2012, alunos na faixa etária entre dez e onze

anos trabalharam o livro “O Escudeiro da Luz em: Os

Zumbis da Pedra” em uma oficina de teatro promovida

em parceria com a CUFA. Para a vice-diretora Maria

Inês, o resultado foi mais que satisfatório. “Eu adorei,

pois a maioria dos professores tem dificuldade de

abordar este tema das drogas, principalmente em uma

comunidade que tem presença de traficantes, como é

a nossa”. Segundo ela, a abordagem foi trabalhada de

maneira significativa entre os alunos.

MÃES SÃO MAIS FREQUENTES

De acordo com a vice-diretora da escola, Maria Inês,

a relação da escola com os pais é bem pontual, ela só

acontece quando marcam reuniões. “A comunidade

tem várias lideranças e as mães são bem mais

frequentes”, afirma. A vice-diretora diz também que a

relação com a comunidade é diferente, pois quando

os pais não podem, os vizinhos vão até a escola para

buscar. Recentemente, a escola reuniu mais de 300

pais em uma reunião após a instituição de ensino ser

apedrejada.

Papo Reto |28| outubro

Quando a CUFA propõe uma parceria à uma

empresa, instituição ou organização é porque

entendemos que esse tem uma conexão no seu destino

social.

Quando nós chegamos para falar com o Hospital

Divina Providência e com a Secretaria Municipal de

Saúde de Porto Alegre, que faríamos o Circuito Papo

Reto, eles não olharam pra gente com aquele olhar de

preconceito, que naturalmente as gerações anteriores

nos olharam. Pelo contrário, eles decidiram apostar

na ideia, acreditando que o resultado positivo seria

possível. É impossível você fazer uma transformação

social sem essa conexão.

A CUFA passou alguns anos da sua vida conversando

com pessoas na porta de beco, conversando com

aqueles que eram os desagraciados e infelizes da

vida. E essa conversa também não trouxe resultados

benéficos por que a gente acabava compartilhando a

nossa miséria, a nossa tristeza, chegando à conclusão

que nós éramos incapazes de fazermos a diferença. Por

outro lado, a CUFA também conversou com pessoas

durante muito tempo, que estavam nas suas estruturas

de poder, víamos que elas que elas tinham seus anseios,

elas tinham, inclusive, boa vontade de fazer, mas o que

A IMPORTÂNCIA DE QUEM É PARCEIRO

O livro da CUFA ajudou na abordagem sobre drogas

Igor Grossmann | CUFA-RS

Page 29: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Sen. Alberto Pasqualinipor Bianca Oliveira

Uma escola grande, com pátio espaçoso e cerca de

1500 alunos. Desses, os vinte que participam da oficina

de teatro do Projeto Papo Reto são muito animados e

dispostos a fazer tudo o que for proposto nas aulas.

TURMA UNIDA

“Gosto muito de quando tem as aulas de teatro

aqui na escola, pois, por mais que sejamos da mesma

turma, só ficamos todos juntos aqui quando estamos

em aula com o professor Aloísio,” afirma o aluno

William Antunes.

MUDANÇA PARA MELHOR

A diretora da escola, Sueli José da Silva, ressalta a

importância que a CUFA tem dentro da escola. “Com

a chegada da CUFA aqui, muita coisa mudou. Hoje eu

posso dizer que os alunos aprenderam a se expressar

da maneira correta. E o que os alunos gostam, eu

gosto muito mais” afirma ela.

FAMÍLIAS DESESTRUTURADAS

Sueli acredita que sempre foi mais difícil trazer os

pais para dentro do ambiente escolar. “Não são muitos

os pais presentes, aparecem mais as avós e as mães.

De acordo com ela, muitas crianças tem essa carência,

que acaba desestruturando a família pois não há uma

participação, de fato, da figura paterna. “Isso é um

problema social. Na primeira infância, o sentimento

de abandono, na adolescência vem a revolta, o que

atrapalha e compromete os estudos e o comportamento

do jovens.”, afirma.

29

os faltava era a linguagem adequada ou, muitas vezes,

o jeito correto de falar com essas comunidades.

Foi por isso que a CUFA resolveu fazer o processo

de conexão. Juntar a expertise da necessidade que

a periferia tem para realizar a transformação com a

capacidade de fazer as coisas que as outras classes

sociais possuem. O resultado é esse que vocês estão

vendo na revista Papo Reto, e que vocês podem

diagnosticar em todo o projeto. Então, a gente fica

muito grato a você que é nosso parceiro e convidamos

você que está lendo essa publicação e quer ser nosso

parceiro a chegar junto, porque o nosso objetivo no

final das contas é dizer que estamos juntos e misturados,

fazendo a diferença.

Animação é a característica da turma que participa da oficina

Bianca Oliveira | CUFA-RS

Page 30: Revista Papo Reto - 2ª Edição

Papo Reto |30| outubro

Seu nome é Alex Pereira Barbosa, mas é conhecido

como MV Bill. Rapper, escritor, cineasta e fundador da

Central Única das Favelas, ele iniciou a carreira na

música em 1988. Paralelamente à carreira de rapper,

MV Bill lançou em 2005, junto com outro idealizador

da CUFA, Celso Athayde, o livro “Cabeça de Porco”.

No ano seguinte, “Falcão - Meninos do Tráfico” ficou

conhecido nacionalmente ao ser exibido no programa

“Fantástico”, da Rede Globo. O documentário narra a

história de 17 jovens que se envolveram com o tráfico

de drogas, onde somente um sobreviveu.

Bill conviveu com a separação dos pais quando

era criança, e viu sua mãe tomando conta da família

quando o pai saiu de casa. A partir desta experiência,

o rapper criou um novo termo: “PÃE”, que é a mistura

de “pai” com “mãe”. Confira a entrevista exclusiva que

o rapper concedeu à revista Papo Reto:

PAPO RETO - O que é Pãe para você?

MV Bill - O assunto de “Pãe” a gente tem utilizado

muito para identificar aquela mulher que acaba sendo

a chefe do lar, mas não só porque ela tem mais dinheiro

e ou porque é a que mais trabalha. É porque ela fica

com a responsabilidade sozinha de cuidar, criar e

ensinar uma cria que ela não fez sozinha, que são os

filhos. E nessa responsabilidade de “pãe”, ela tem que

sustentar, que tentar educar sozinha, tentar orientar.

Acho que é uma nomenclatura muito cruel.

Hoje em dia, infelizmente, a figura da “pãe” é muito

presente nas famílias, principalmente nas camadas

mais pobres. Muitas mulheres de várias idades têm

segurado a onda sozinhas e são verdadeiras guerreiras

que deveriam ser homenageadas e reverenciadas.

Acho que no fundo, não deveria ser assim na realidade.

PAPO RETO - E pela sua experiência, você acredita

que a ausência do pai hoje em dia é uma realidade

nas favelas brasileiras?

MV Bill - Atualmente, ela acontece em vários níveis

sociais, mas nas periferias é uma realidade muito

Fez muita falta a palavra paterna

Alex Bertolazi | CUFA-RS

Page 31: Revista Papo Reto - 2ª Edição

31

presente. Vários parceiros engravidaram as mulheres

e acabam sumindo. Aconteceu isso dentro da minha

casa, é a minha realidade. Quando meus pais se

separaram eu tinha 14 anos. Mas ele se separou não

só dela, mas de mim e dos meus irmãos também,

então durante muito tempo, na minha adolescencia até

a minha fase adulta eu fui criado só pela minha “pãe”.

E fez muita falta a palavra paterna, alguma orientação

masculina que pudesse orientar o meu caminho. Por

outro lado foi bom, porque eu fui desenvolvendo mais

a sensibilidade pelo lado feminino, e hoje, pratico isso

com os meus sobrinhos, já que eu ainda não tenho

filhos. Eu tento trazer um papo maneiro, um tipo de

conversa que eu não tive.

PAPO RETO - Você é filho único?

MV Bill - Não. Tenho duas irmãs, que são filhas do

meu pai e da minha mamãe. Uma delas é a Kamila,

que toca comigo. E tem mais oito irmãos por parte de

pai, tudo com mulheres diferentes, que não se casou

com nenhuma delas. Então eu tenho oito irmãos que

são criados por oito “pães”.

PAPO RETO - No documentário “Falcão, Meninos

do Tráfico”, qual era a relação dos meninos com os

seus pais?

MV Bill - Quase nenhuma com o pai homem.

Tem uma passagem no documentário que o nome é

“Meu pai”. Nela, há uma série de relatos dos jovens

falando do distanciamento da relacão com o pai.

Ao mesmo tempo ocorre uma grande devoção pela

mãe que acabou se tornando a “pãe”. Eu não quero

dizer que sem a figura paterna qualquer jovem vai se

marginalizar, a menina vai virar prostituta e o menino

vai virar traficante, não é isso. Porém, curiosamente, a

maioria dos jovens que a gente conversou dentro do

documentário justamente não tinha a figura paterna

próxima.

PAPO RETO - O que a Dona Cristina representou na

tua vida?

MV Bill - Minha mãe foi muito importante. Porque

ao mesmo tempo que ela me inspira por ter terminado

de criar eu e meus irmãos sozinha, ela também me

inspirou a não gostar de Rap. O fato dela não me apoiar

pesou, por incrível que pareça. Ela tinha o sonho de eu

me tornar funcionário público, por conta da segurança

financeira. Então, foi importante essa dúvida dela para

eu me cuidar mais e para ter mais convicção da minha

escolha. Porque para você escolher um caminho que

a sua mãe é contra, você tem que ter muita certeza

daquilo que você quer. E ela sempre foi uma pessoa

que ditou os meus caminhos e quando chegou na

decisão profissional, eu tive que decidir sozinho, meio

que contrariando a vontade dela. Mas hoje ela respeita

o que eu faço, gosta e se diverte também.

PAPO RETO - Se você encontrasse o seu pai quando

você tivesse 18 anos? Qual conselho você daria para

ele?

MV Bill - Sabendo o desfecho da história, não sei se

eu falaria algo. Acho que não falaria nada não. Se eu

voltasse anos atrás, eu ia voltar já sabendo o que vai

acontecer no futuro e mesmo não sendo o ideal para

mim, não foi mal. Como o meu desfecho não foi um

desfecho que eu considero triste, eu deixaria tudo do

mesmo jeito.

PAPO RETO - Quem você acredita ser um exemplo

de pai perfeito? Quais qualidades ele tem que ter?

MV Bill - Eu sou não pai, mas pelo fato de eu ser

criado por uma “pãe”, eu consigo dar para os meus três

sobrinhos uma atenção que eu não tive. E vejo muitos

amigos meus que são pais e não fazem um terço do

que eu faço pros meus sobrinhos. Não pela questão

financeira, mas pela preocupação. Então às vezes eu

vejo que eu sou quase um pai dentro do padrão que eu

considero o ideal. E as minhas referências de pai são

as coisas que eu faço para os meus próprios sobrinhos.

PAPO RETO - Está nos teus planos ser pai?

MV Bill - Mais para frente sim. Eu faço parte de uma

geração que precisa se programar para ter filhos. Eu

amo crianças, mas ainda tenho que planejar.

Page 32: Revista Papo Reto - 2ª Edição