revista jurídica edição 2015 - unifil

80

Upload: hahanh

Post on 10-Jan-2017

232 views

Category:

Documents


10 download

TRANSCRIPT

Page 1: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil
Page 2: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

Diretoria:

Sra. Ana Maria Moraes Gomes .................................................................................................................................................................................................. PresidenteSr. Getúlio Hideaki Kakitani ....................................................................................................................................................................................... Vice-PresidenteSra. Edna Virginia Castilho Monteiro de Mello ............................................................................................................................................. SecretáriaSr. José Severino ............................................................................................................................................................................................................................................... Tesoureiro

Dr. Osni Ferreira (Rev.) .......................................................................................................................................................................................................................... Chanceler

Dr. Eleazar Ferreira ..................................................................................................................................................................................................................................................... Reitor

ENTIDADE MANTENEDORAINSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA

Rua Alagoas, 2050 • CEP 86020-430 • Fone: (43) 3375-7401 • Londrina • Paranáwww.unifil.br

Revista Jurídica 12.indd 1 04/09/2015 10:27:57

Page 3: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Revista jurídica da UniFil / Centro Universitário Filadélfia. Colegiado do Curso de

Direito. – v. 12 n.12 (2015) – Londrina : UniFil, 2015.

1 v. : il.

Anual.

Descrição baseada em: v. 1 n.1 (2004).

ISSN 1807-1627

1. Direito – Pesquisa – Periódicos. 2. Pesquisa jurídica – Periódicos. 3.

Direito – Estudo e ensino – Periódicos. I. Centro Universitário Filadélfia.

CDU 34(05)

REVISTA JURIDICA DA UNIFILANO XII – No. 12 – 2015

Órgão de divulgação científica do Curso de Direito da UNIFIL Centro Universitário Filadélfia

COORDENADOR DO COLEGIADO DO CURSO DE DIREITOProf. Dr. Osmar Vieira da Silva

COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICAProf. Ms. Henrique Afonso Pipolo

PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIALProf. Dr. Osmar Vieira da Silva

SUPERVISORES EDITORIAISProf. Dr. Artur Cesar de Souza

Prof. Ms. Antonio Carlos LovatoProfª. Ms. Ana Paula Sefrin Saladini

REVISORAProfª. Ms. Cíntia Patrícia Romanholi

BIBLIOTECÁRIAErminda da Conceição Silva de Carvalho

CONSELHO EDITORIAL

CONSELHO CONSULTIVOMin. José Augusto Delgado (UFRN)Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer (UFSC)Prof. Dr. Arnaldo de Moraes Godoy (UCB-DF)Prof. Dr. Gilberto Giacóia (UNESPAR)Profª. Dra. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (USP)Profª. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira (UNIPAR)Profª. Dra. Maria de Fátima Ribeiro (UNIMAR)Prof. Dr. Luiz Fernando Bellinetti (UEL)

Prof. Dr. Artur Cesar de SouzaProf. Dr. Osmar Vieira da SilvaProfª. Dra. Bernadete Lema MazzaferaProf. Dr. Adilson Vieira de AraújoProfª. Dra. Francielle CalegariProf. Ms. Antonio Carlos LovatoProfª. Ms. Ana Karina Ticianelli MöllerProfª. Ms. Ana Paula Sefrin Saladini Prof. Ms. Douglas Bonaldi MaranhãoProf. Ms. Henrique Afonso PipoloProf. Ms. Ivo Marcos de Oliveira TauilProfª. Ms Ana Caroline N. G. Okazaki

Prof. Ms. Anderson de AzevedoProf. Ms. Mario Sergio LepreProfª. Ms. Renata Cristina O. Alencar SilvaProfª. Ms. Cintia Patricia RomanholiProfª. Ms. Sandra Cristina M. G. de PaulaProfª. Ms. Denise Américo de SouzaProf. Ms. Rodrigo Brun SilvaProfª. Ms. Schirley HeritProf. Ms. José Valdemar JaschkeProf. Ms. Adyr Garcia Ferreira NettoProfª. Ms. Loreanne Manuella de C. FrançaProf. Ms. Sergio Aziz Ferraneto Neme

Revista Jurídica 12.indd 2-3 04/09/2015 10:27:57

Page 4: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

REITORDr. Eleazar Ferreira

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO Prof. Ms. Lupércio Fuganti Luppi

PRÓ-REITOR DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Prof. Dr. Mario Antônio da Silva

PRÓ-REITORA DE PÓS-GRADUAÇÃO E INICIAÇÃO CIENTÍFICA Prof.ª Dra. Damares Tomasin Biazin

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO:

Administração Prof.ª Esp. Denise Dias Santana

Agronomia Prof. Dr. Fabio Suano de Souza

Arquitetura e Urbanismo Prof. Ms. Ivan Prado Junior

Biomedicina Prof.ª Ms. Karina de Almeida Gualtieri

Ciência da Computação Prof. Ms. Sergio Akio Tanaka

Ciências Contábeis Prof. Ms. Eduardo Nascimento da Costa

Direito Prof. Dr. Osmar Vieira da Silva

Educação Física Prof.ª Ms. Rosana Sohaila T. Moreira

Enfermagem Prof.ª Ms. Thaise Castanho da S. Moreira

Engenharia Civil Prof. Ms. Carolina Alves do Nascimento Alvim

Estética e Cosmética Prof.ª Esp. Mylena C. Dornellas da Costa

Farmácia Prof.ª Ms. Fabiane Yuri Yamacita Borin

Fisioterapia Prof. Ms. Heloisa Freiria Tsukamoto

Gastronomia Prof.ª Esp. Cláudia Diana de Oliveira Hintz

Logística Prof. Esp. Pedro Antonio Semprebom

Medicina Veterinária Prof.ª Dra. Katia Cristina Silva Santos

Nutrição Prof.ª Ms. Lucievelyn Marrone

Psicologia Prof.ª Dra. Denise Hernandes Tinoco

Sistema de Informação Prof. Ms. Sérgio Akio Tanaka

Teologia Prof. Dr. Mário Antônio da Silva

Revista Jurídica 12.indd 4-5 04/09/2015 10:27:57

Page 5: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

EDITORIAL

Apreender e multiplicar conhecimento são mais do que um direito fundamental; acima de tudo corresponde a um dever de todos os cidadãos para a consolidação de uma sociedade mais justa e solidária. A construção de uma sociedade livre, igualitária e democrática é fruto do constante aprendizado e da multiplicação do saber. Sem o permanente compartilhamento do conhecimento não há democracia, sem conhecimento não há liberdade, muito menos igualdade.

A UniFil, ciente do seu papel na sociedade brasileira, oferece esse espaço cultural e científico para todos aqueles que desejam compartilhar aprendizado e conhecimento, a fim de cumprir com o seu papel de cidadão.

A Revista Jurídica da UniFil é um importante instrumento de disseminação e frutificação do conhecimento, possibilitando o intercâmbio da ciência jurídica com as demais ciências afins. Por meio desse intercâmbio da construção do conhecimento, permite-se que os diversos ramos cognitivos de uma Universidade possam sedimentar-se num conhecimento amplo e global, corrigindo rumos e acertando marcos divisórios, sem nunca perder a autopoiese de cada centro de multiplicação do saber.

Venha participar você também dessa construção e multiplicação do conhecimento, cumprindo com o seu papel de cidadão e contribuindo para a sedimentação de uma sociedade brasileira mais democrática.

Conselho Editorial

Revista Jurídica 12.indd 6-7 04/09/2015 10:27:57

Page 6: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

MENSAGEM DA REITORIA

No mês de julho deste ano, o Curso de Direito da UniFil completou 14 anos e a Revista Jurídica da UniFil, com o lançamento desse volume, completa sua 12ª edição. Esse tempo de amadurecimento efetivamente tem consolidado mais um importante veículo de divulgação e socialização do conhecimento na UniFil.

Sempre fiel à Missão Institucional da Mantenedora e às suas Linhas de Pesquisa que norteiam a Revista, os artigos publicados nesses doze anos trataram de vários temas, das mais variadas áreas do Direito, de forma a permitir ao leitor uma didática e contextualizada análise dos assuntos propostos.

Com essa edição, a UniFil, através do seu Curso de Direito, mais uma vez, cumpre seu relevante papel institucional de fomentar a cultura jurídica, permitindo que seus alunos e a comunidade jurídica em geral tenham acesso a textos jurídicos da mais alta qualidade, lembrando que a Revista tem divulgação simultânea por meio impresso e eletrônico na Internet, em modo de acesso aberto, dando maior visibilidade à Revista Jurídica da UniFil.

Cumprimentando os Conselhos Editorial e Consultivo, os Supervisores e Revisores, os professores convidados para a Avaliação Cega, o Departamento de Marketing, o Departamento de Tecnologia em Informação – TI, a Editora UniFil e os Autores que figuram nessa Revista, por tão esmerada elaboração, agradecemos a efetiva participação e desejamos uma excelente leitura a todos.

Londrina, setembro de 2015.

Dr. Eleazar Ferreira - Reitor

Revista Jurídica 12.indd 8-9 04/09/2015 10:27:57

Page 7: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

SUMÁRIO

DECLARAÇÕES ANTECIPADAS DE VONTADE: autonomia da vontade e o direito à vida 13Adriano Alves Gouveia PavanAna Karina Ticianelli Moller

A FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO TERRITORIAL E A INFLUÊNCIA NO ACESSO À JUSTIÇA TRABALHISTA 29Alexandra Clara Botareli CesarAna Paula Sefrin Saladini

A LEI 11.719/2008 E A AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO 39Aline Mara Lustoza Fedato

DA ANTINOMIA ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO E AS METAS IMPOSTAS ÀS DECISÕES JURISDICIONAIS 49Ana Caroline Noronha Gonçalves OkazakiAnderson de Azevedo

UM PARADIGMA ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA RETRIBUTIVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 67Enio Seiji SatoJaqueline Canha GonçalvesJoão Ricardo Anastácio da Silva

OS IRMÃOS DA DOAÇÃO DE SEMÊN: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental 79Geala Geslaine FerrariRita Tarifa Resquetti Espolador

A (IN) APLICABILIDADE DE LIMITAÇÃO À RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE À SEGURADA EMPREGADA 93Janaina Moreira BarbozaJoão Alves Dias Filho

AGROTÓXICOS: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário 105Luiz Gonzaga Tucunduva de Moura

O REFLEXO DA INVISIBILIDADE SOCIAL DO ADOLESCENTE: invisíveis na vida e na morte 119Rita de Cássia Santana KohatsuRomulo de Aguiar Araújo

COMO O PROCON ESTABELECE O VALOR DE UMA MULTA? (dosimetria da pena de multa) 129Tatiane Boneto PinheiroRodrigo Brum Silva

BOLSA FAMÍLIA NO BRASIL E OPORTUNIDADES NO MÉXICO: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade 137Rogério Piccino Braga Sérgio Aziz Ferrareto Neme

Revista Jurídica 12.indd 10-11 04/09/2015 10:27:57

Page 8: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

13

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli moller

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

12

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

DECLARAÇÕES ANTECIPADAS DE VONTADE: autonomia da vontade e o direito à vida

Adriano Alves Gouveia Pavan1

Ana Karina Ticianelli Moller2

RESUMOO artigo tem como objetivo verificar as questões que garantem ao ser humano a possibilidade de escolher quais os tratamentos que poderão incidir ou não, quando lhe for diagnosticado doença grave capaz de cessar sua vida ou até mesmo reduzir a capacidade de ter uma vida digna. Ressalta a relevância de quais princípios devem prevalecer diante da situação mencionada acima, visto que o direito à vida, em determinados momentos, deve ser ultrapassado para que se garantam outros princípios de suma importância, como a autonomia da vontade e a autodeterminação do paciente. Analisa a aprovação da Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, com receptividade ao testamento vital no Brasil, o qual proporciona a possibilidade de, através de um documento denominado Declaração Antecipada de Vontade, o paciente escolher ser submetido, ou não, a determinado tratamento quando portador de doença grave capaz de reduzir sua capacidade ou até mesmo interromper sua vida.PALAVRAS-CHAVE: autonomia da vontade; declaração antecipada de vontade; dignidade da pessoa humana.

ABSTRACTThe objective of this article is to discuss questions that grant human beings with the possibility to choose which treatments they may or may not be submitted to after being diagnosed with a serious disease that can take their life away or even reduce their capacity to lead a dignified life. It emphasizes the relevance of the principles that must prevail before the situation at hand, considering that the right to life, in certain moments, must be overlooked to guarantee principles of extreme importance such as autonomy of the person’s will and the patient’s self- determination. It analyzes the enactment of Resolution 1.995/2012 from the Federal Council of Medicine, with receptivity by the Living Will in Brazil that offers patients, through a document entitled Anticipated Will Declaration, the possibility to choose not to undergo a specific treatment when diagnosed with a serious disease capable of reducing his/her capacities or even interrupting his or her lifeKEYWORDS: will autonomy; anticipated will declaration; human dignity.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 DIREITO À VIDA. 3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 3.1 AUTONOMIA DA VONTADE. 4 DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE VONTADE E CONSENTIMENTO INFORMADO. 4.1 FORMAS DE DECLARAÇÃO EXPRESSA DE UMA VONTADE. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

A relevância do assunto abordado neste trabalho gira em torno da vida com dignidade, especialmente nos casos em que há necessidade de não prolongá-la para que o indivíduo possa preservar essa dignidade. Portanto, relevante é o estudo do tema que trouxe ao Brasil a possibilidade, por meio de um documento denominado Declaração Antecipada de Vontade, de se declarar expressamente a vontade de não ser realizado qualquer tratamento que torne a condição humana indigna.

Antecipar uma vontade no sentido de querer ou não submeter-se a determinado tipo de tratamento envolve questões que vão além da simples vontade do paciente. Ainda, cumpre esclarecer a necessidade do consentimento, ou seja, aceitação do declarante, haja

1 Advogado.Ex-alunodoCentroUniversitárioFiladélfia.E-mail:[email protected]

2 Advogada. Professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos no Centro Universitário Filadélfia. E-mail:[email protected]

Revista Jurídica 12.indd 12-13 04/09/2015 10:27:57

Page 9: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

14 15

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

seu surgimento, o qual não está necessariamente ligado ao fato da existência do homem, mas sim aos mecanismos de proteção dos direitos individuais em relação ao Estado, detentor do poder outorgado pelo povo na formação de grupos sociais.

Na Grécia, após o ano 500 a.C, de maneira mais organizada surgiram estudos que buscavam enquadrar a participação dos cidadãos na política visando a igualdade e liberdade destes, a pretensão ora mencionada compreendeu mais tarde os direitos individuais que passaram a integrar as diversas declarações de direitos humanos fundamentais. Todavia, o percursor de um ordenamento que buscou assegurar a tutela dos cidadãos face os arbítrios estatais foi o direito romano, através da Lei das doze tábuas, que previu os direitos do homem de maneira consagrada.

Durante este período é que se destacou a noção de igualdade entre os seres humanos, garantia esta que veio atrelada à lei escrita fazendo com que sua aplicabilidade se desse de maneira igualitária a todos.

No mesmo sentido, Fábio Konder Comparato, afirma que:

[...] essa convicção de que todos os seres humanos têm direito a ser respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada. (COMPARATO, 2008, p. 12).

Conhecidas também como “leis comuns”, as leis não escritas harmonizaram-se com as leis escritas ao passo que aquelas, enquadradas na noção grega, adotaram o significado da expressão ius gentium, ou seja, o direito comum a todos os povos, que por sua vez coaduna com a ideia de Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Considerando a adoção dos direitos humanos fundamentais pelo Brasil, mister se faz a demonstração no contexto histórico, o qual, pode-se dizer que teve início com a Constituição Política do Império do Brasil, jurada em 25 de março de 1824, onde de forma indireta previa a abolição dos açoites e da tortura, previsões estas que visavam garantir a vida do povo constituinte.

A repetição de um rol de garantias foi novamente expressa pela 1ª Constituição republicana em 24 de fevereiro de 1891, sendo seu título III nominado como Declaração dos Direitos. Novamente, na Constituição 16-7-1934, verificou-se em seu artigo 113 o extenso rol destes direitos, que foram mais uma vez mantidos pela Constituição de 18 de setembro de 1946, que de acordo com Alexandre de Moraes, consagrou em seu artigo 141 a seguinte redação:

A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes (...). (MORAES, 2003, p. 33).

A Constituição de 24 de janeiro de 1967 também seguiu a mesma linha prevendo os direitos e garantias individuais, apesar da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que trouxe mudança significativa que previu até mesmo a possibilidade de excepcionais restrições nas garantias e direito individuais, constatou-se que não houve alteração formal que pudesse influir no rol de direitos humanos fundamentais.

Ultrapassado o contexto histórico brasileiro acerca do surgimento da tutela do

vista que este poderá não ser capaz para tanto quando da necessidade de aplicação de suas vontades.

Não restam dúvidas quanto às cautelas a serem tomadas quando se trata de dispor de tal direito objetivando uma morte com dignidade embasada no documento também conhecido como testamento vital. Por isso, a pesquisa em tela buscou tratar de questões acerca da vida do ser humano que dão aporte para o documento em questão, pois envolve princípios e situações vividas por aquele que entende seguro para si possuir sua vontade expressa buscando antever situações que possam causar-lhe uma diminuição como pessoa.

Ademais, há diversos assuntos que resguardam a vontade do declarante para que haja uma segurança jurídica tanto para o paciente quanto para o profissional de saúde, tendo em vista que não se trata de uma simples cirurgia, mas sim da prática ou não de procedimentos que podem interromper a vida humana.

E tudo isso, juntamente com a evolução em pesquisas e tratamentos que garantiram a sobrevivência por mais tempo, ainda que de forma degradável, procrastinando a morte ao passo que o paciente sobrevivia alimentado por equipamentos, fez com que se acentuasse a necessidade de poder escolher previamente viver em tais condições ou não.

No Brasil, o tema foi recentemente regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina, através da publicação da Resolução nº 1.995/12. No entanto, ainda que a discussão venha de longa data, alguns aspectos dificultam a clareza do assunto quando se confronta o direito à vida com o direito à dignidade da pessoa humana, pois, não se sabe ao certo quais são os casos em que uma deve se sobrepor à outra.

Assim, alguns aspectos são de suma importância para que se compreenda quando e de que forma a elaboração do testamento vital pode auxiliar os brasileiros, diagnosticados em fase de doença terminal, buscando uma morte com dignidade, evitando submeter-se a tratamentos considerados invasivos e poupando seus familiares de sofrimentos e ainda, de gastos exorbitantes que podem não dar-lhe a cura e acabar por comprometer o patrimônio familiar.

O questionamento gira em torno da incerteza de qual princípio deve prevalecer, o direito à vida ou a autonomia de vontade do paciente, na perspectiva de uma vida que entenda como digna quando acometido por doença ou situação que o torne incapaz.

Assim, a presente pesquisa tem como objetivo verificar as bases em que se funda a vontade do paciente quando da elaboração do testamento vital, visto que sua criação nem sempre se dá pura e simplesmente com vistas a evitar o sofrimento demasiado se diagnosticada doença em fase terminal.

Outrossim, analisar até que ponto o direito à dignidade da pessoa humana pode sobrepor-se ao direito à vida, visto que tratam-se de direitos fundamentais inseridos na Constituição Federal de 1988, não podendo ser ignoradas ao passo que compreendem-se como direitos naturais oriundos independentemente da vontade do homem.

2 DIREITO À VIDA

Considerando a vida como bem maior de todo ser humano, tendo sua inviolabilidade consagrada no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, e tutelado em grande parte dos ordenamentos jurídicos, é importante adentrar, mesmo que de maneira superficial, na história do Direito buscando explicitar alguns aspectos acerca de

Revista Jurídica 12.indd 14-15 04/09/2015 10:27:58

Page 10: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

16 17

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Para os professores Rui Nunes e Maria Helena Pereira, tem-se que:

Ao permitir-se um amplo campo de manobra à autodeterminação e à auto-realização individuais, acaba por consentir todas ou quase todas as manifestações da vontade pessoal, ainda que contrárias à intuição moral generalizada. (NUNES; DE MELO, 2011, p. 30).

Desta forma, para o enfrentamento da questão fundamental da ética e dos valores sociais, os autores supracitados, com base na ética, bem como a lógica e a categoria norteadora do pensamento humano, explanam suas ideias e, por conseguinte, propõem sua alternativa:

É hoje pacificamente aceite a dualidade que o homem social se impõe a ele mesmo: conflito persistente entre os diversos membros de uma comunidade, por um lado, e a necessidade de estes viverem conjuntamente, por outro. A dignidade humana, através do estabelecimento dos direitos e de deveres, parece ser uma solução viável para mediar este conflito. Como princípio fundante na ética social, a dignidade humana deve ser distinguida de lei, ou leis, da natureza, dado que estas não têm relação directa com a ética, embora, por vezes, a possam influenciar. (NUNES; DE MELO, 2011, p. 31).

Tal apontamento reside no fato de que as leis da natureza são apenas descritivas, pois se fundamentam em observações científicas enquanto que os valores residem na secular convivência social, o que por sua vez desemboca no conceito de dignidade humana que confere ao indivíduo a denominação de sujeito e, nunca podendo ser este tratado como objeto, visto que possui sua finalidade própria e livre no plano ético, razão pela qual não se admite sua manipulação e, nem mesmo, que seja objeto de desejos por terceiros.

Ao valer-se da dignidade da pessoa humana como fundamento da questão ética ocorre-se a possibilidade de mudança de axiomas tidos como imutáveis, pois o avanço das ciências biológicas, consequentemente, aponta dúvidas que outrora eram inexistentes. Com isso, a visão antropológica atual do ser humano sofre mudanças gradativas que dão aporte à necessidade de reavaliação da dignidade de tempos em tempos.

No mesmo sentido vejamos o entendimento doutrinário que embasa o disposto acima:

Pretender que a dignidade humana, e os direitos humanos a ela associados, sejam considerados irrevogáveis, é não apenas um erro conceptual, como também uma tarefa difícil de alcançar. A fortiori toda a visão da dignidade humana deve ser periodicamente revista, não no sentido de uma total substituição, mas no sentido de uma reavaliação conceptual. Esta caducidade dos critérios operativos associa-se, também, à característica intercultural da humanidade. Quando se interpõem diversas contribuições culturais, a noção de ser humano e de direitos humanos fundamentais pode variar substancialmente. Logo, torna-se decisivo usar uma considerável capacidade de adaptação de modo a que a dignidade humana se possa difundir plenamente a todos os membros da humanidade. (NUNES; DE MELO, 2011, p. 32).

Na mesma seara, demonstrando a importância do princípio da dignidade da pessoa humana, por diversas vezes, foi invocado na Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 – ADPF 54 –, interposta junto ao Supremo Tribunal Federal, na qual discutiu-se a antecipação terapêutica do parto na gravidez diagnosticada anencefalia do feto. Tendo em vista a repercussão do caso, cumpre destacar a explanação

direito à vida, a Constituição brasileira de 1988, atual realidade do século XXI, manteve-se sólida quanto ao assunto em seu Título II, que trouxe em seu texto a previsão Dos Direitos e Garantias Fundamentais em seu artigo 5º.

Também importante ressaltar a abordagem do assunto tratado em Portugal, estado percursor do tema no presente trabalho. Em que pese a vida ser um direito prioritário de cada ser humano, constatou-se uma dimensão negativa e positiva de acordo com o professor Rui Nunes e Maria Helena de Melo, senão vejamos:

Significa desde logo o direito a não ser morto, constituindo expressões deste direito a proibição do homicídio, ainda que a pedido da vítima, e a proibição da pena de morte. Associado ao direito a não se ser privado da vida encontra-se ainda o direito à protecção e ao auxílio em caso de grave necessidade que ponha em perigo a vida. O bem jurídico vida humana é, pois, e em regra, indisponível para terceiros, impondo-se, como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, “contra todos perante o Estado e perante os outros indivíduos”. Jurídico constitucionalmente não existe, portanto, um direito ou dever de matar. (NUNES; DE MELO, 2011, p. 178-179).

Aqui, ainda que o suicídio se estabeleça como ato ilícito é notório que este não se traduza como um direito, pois, desde que não haja intervenções alheias em se cometimento estaremos diante de uma tolerância jurídica pelo fato de que a pessoa não possui obrigação de viver quando essa for sua vontade.

Com relação ao lado positivo, defendem os doutrinadores acima citados, que o direito à vida:

[...] se traduz no direito à sobrevivência i.e., no direito a dispor das condições de subsistência mínimas. Quanto ao problema de saber se este direito implica um dever de viver, tende a entender-se que não. Com efeito, e como refere Manuela Valadão e Silveira, ainda “ninguém demonstrou que o dever constitucional de proteção da vida se imponha ao próprio titular”. O bem jurídico vida é disponível para o próprio titular, situando-se o suicídio consciente e livre num espaço vazio de direito, pelo que não configura um acto ilícito. (NUNES; DE MELO, 2011, p. 178-179).

Diante do exposto, conclui-se que a tutela do direito à vida está atrelada a diversos fatores, tendo como aspecto principal as condições em que se encontra o detentor de sua própria vida ao passo que carece de condições que lhe possam proporcioná-la da maneira como está prevista nos diversos documentos jurídicos que a tutelam.

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Convém destacar que uma única sociedade possui diversos valores predominantes, os quais não são evidentes, pois a diversidade cultural, religiosa e as crenças acabam por formar um relativismo ético que impede a constatação de como devem ser comandadas as políticas protetivas dos direitos individuais para assegurar a dignidade da pessoa humana.

Pois, em uma sociedade onde o conhecimento e a informação são dissipados sem que haja muitas dificuldades, de maneira universal, o conceito de dignidade da pessoa humana encontra forte barreira quando se põe em estudo a relação do homem com o meio social. Mesmo que se obtenha um consenso acerca de sua definição, a dificuldade permanece quando necessário se faz saber o modo de como este conceito será transmitido à sociedade.

Revista Jurídica 12.indd 16-17 04/09/2015 10:27:58

Page 11: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

18 19

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

declaração antecipada de vontade pode lhe causar a morte. Ainda, a dignidade humana e a autonomia de vontade,

[...] têm um denominador comum: a Dignidade Humana, valor supremo que confere sentido e unidade a todos os Direitos do Homem, que nele assentarão. A sua amplitude permite que seja interpretada de várias formas e invocada para justificar as várias posições doutrinárias que existem em torno das Declarações Antecipadas de Vontade. Assim, a posição tradicional afirma que pôr fim a um tratamento que cause a morte do paciente, mesmo que tal acto tenha sido requerido e consentido pelo próprio, é uma ofensa insuportável à dignidade humana, pois violará o direito à vida (bem como o direito à integridade física e à saúde), direito esse inviolável, por respeito, precisamente, à dignidade humana. O direito à vida é logicamente um direito prioritário, essencial à existência do Homem e de qualquer outro direito, absoluto e indisponível. (REGO, 2011, p. 168).

Embora se sustente a indisponibilidade do direito à vida, o que por sua vez é defendido pela maioria dos doutrinadores quando da necessidade de dispor da própria vida, devemos nos ater ao princípio da autonomia da vontade do ser humano com vistas ao embasamento da possibilidade de que tal ato ocorra para garantir diversos outros princípios, os quais compõem os direitos fundamentais.

Assim, não há que se falar em consciência certa ou errada, pois o que para uns significa atentar contra a vida e a dignidade humana, para outros pode ser a única forma de alcançar o fim da vida de maneira digna. Pois qualquer tratamento invasivo pode trazer ao paciente o sofrimento desmedido para que ao final sua vida fosse cessada, mas da pior maneira possível por atentar contra sua dignidade.

Considerando que a autonomia de vontade garante ao homem a proteção intrínseca de seus direitos particulares, estes interesses estão intimamente ligados ao direito de se autodeterminar fazendo com que haja um direito de escolha diante daquilo que se entende como digno tornando a vida humana como o bem maior nos ordenamentos que a protegem.

O direito de autodeterminação no fim da vida está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana quando surgir a recusa de qualquer tratamento capaz de ferir o conceito de vida digna, pois essa recusa baseada em conceitos pessoais, como o religioso e econômico encontra amparo na Constituição Federal sob à luz do princípio da autonomia de vontade.

Com base nos diversos conceitos pessoais, para que se possa alcançar uma conclusão entre direito e dever de viver, o trabalho Ágape bioético desenvolvido pelo Centro Universitário São Camilo dispõe que

Direitos são prerrogativas inerentes à autodeterminação do sujeito. Ninguém passa a ter direitos que antes não possuía. Eles podem ser consagrados e reconhecidos, mas não outorgados, pois são constitutivos da dimensão ética da condição humana e da realidade política da existência histórica. Assim também, quando são negados, não são anulados, mas suspensos pela força e pela violência. Todo sujeito é essencialmente titular de direitos, e o direito à vida é certamente o primeiro, posto que é condição dos demais.

Mas a vida como objeto do direito pode ser degradada quando não acompanhada de requisitos essenciais. Assim, o senhor do escravo, na medida em que o mantém vivo, não poderia dizer que respeita, no escravo, o direito à vida, já

do Ministro relator Marco Aurélio, a saber:

Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme ressaltado na inicial, os valores em discussão revestem-se de importância única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida, sobressaindo o sentimento maternal. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processual Penal. Constrangimento Ilegal. Habeas Corpus n. 345789, da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba. Brasília. Lex: Jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais Federais. Rio de Janeiro, v.11, n. 178, pp.236-242, março 1998. (GRIFOU-SE).

O mesmo jurista Ministro Marco Aurélio expõe as razões que afrontam a dignidade humana, afirmando que:

A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde – o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processual Penal. Constrangimento Ilegal. Habeas Corpus n. 345789, da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba. Brasília. Lex: Jurisprudência do STJ e Tribunais Regionais Federais. Rio de Janeiro, v.11, n. 178, pp.236-242, março 1998.

Nota-se aqui a maleabilidade da dignidade humana ao passo que diversos fatores são analisados quando é posta em discussão uma possível afronta a tal princípio. As questões suscitadas pelo Ministro acentuam a posição de Nunes e Melo (2011, p. 33), os quais afirmam que “[...] deve reafirmar-se a convicção de que a dignidade humana se impõe ao próprio indivíduo, nomeadamente através da indisponibilidade de alguns bens essenciais, tal como o corpo humano e partes dele”.

Não se pretende aqui criar uma falsa impressão de que todos são iguais, pelo contrário, o que se busca é demonstrar que cada ser humano possui sua individualidade a nível biológico e intelectual demonstrando que não se pode pretender uma igualdade a nível social, cabendo tão somente a busca de uma estruturação social para que todos possam ter ao menos as garantias mínimas que abrangem os direitos humanos fundamentais.

3.1 AUTONOMIA DA VONTADE

Considerando que o direito à vida engloba diversos princípios fundamentais, tais como os abordados acima e, principalmente, a autonomia de vontade, que neste contexto entra em colisão quando o paciente opta por não ser submetido a determinados tratamentos caso seja diagnosticado alguma doença grave que possa lhe causar sofrimento. Diante disso é que recai a pergunta sobre qual princípio deve prevalecer, o direito à vida ou a autonomia de vontade do paciente, na perspectiva de uma vida que entenda como digna.

Essa indagação é importante pelo fato de que a escolha do paciente através de uma

Revista Jurídica 12.indd 18-19 04/09/2015 10:27:58

Page 12: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

20 21

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

oriente da maneira mais adequada, como é o caso do Brasil, que por meio da Resolução n.º 1805/2006, determinou que:

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao medico limitar ou suspender procedimentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006, S/N).

Em conferência nacional de consenso sobre suspensão e abstenção de tratamento em doentes terminais – realizada no dia 11 de Janeiro de 2008, Porto, Portugal, – com a participação pública estabeleceu-se:

[...] um conjunto de guidelines de orientação ética/clínica para que os profissionais de saúde disponham de mais um instrumento que os auxilie nas complexas decisões no final da vida humana. Nesta primeira reunião apenas se abordaram as decisões em doentes terminais, pelo que foram deliberadamente excluídos outros grupos de pacientes, tal como as doenças neurológicas crónicas ou mesmo o Estado Vegetativo Persistente (excepto em fase terminal). Também clínicas a prática da eutanásia foi excluída deste debate preliminar dada a falta de consenso social nesta matéria, que se traduz nomeadamente pela sua ilegalidade (...). (FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO, 2008, p. 32).

Tal conferência resultou em vinte orientações, as quais o Estado português e as entidades envolvidas na sua elaboração pretendem sua inserção, através da via legislativa, no ordenamento daquele país.

4 DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE VONTADE E CONSENTIMENTO INFORMADO

Para uma conclusão acerca da responsabilidade médica dentro do contexto do testamento vital é necessário deixar claro que a declaração antecipada de vontade difere do consentimento informado, mas é importante notar que ambas se completam quando o paciente passa a necessitar de tratamento nos casos de doença grave capaz de leva-lo à morte.

Primeiramente, a declaração antecipada de vontade se baseia em uma vontade prévia na qual o paciente pré-determina as diretrizes de um tratamento futuro. Segundo Fabiana Rego, as declarações antecipadas de vontade são

[...] instruções proferidas por uma pessoa capaz, em relação aos cuidados de saúde que deseja receber ou recusar numa futura e eventual situação de incapacidade, que a impeça de exprimir ou de tomar decisões autonomamente e por si própria. Podem ter lugar através de um documento escrito – o testamento de paciente – ou através de um representante – o Procurador de Cuidados de Saúde. (REGO, 2011, p. 161).

Tanto a forma de testamento do paciente quanto o procurador de cuidados de saúde buscam assegurar a autodeterminação do paciente, deixando de lado as decisões externas à vontade do ser humano, ou seja, aquelas baseadas em costumes, religião, entre outras.

que obriga o outro a viver uma vida que não lhe pertence, porque pertence ao senhor. (LEOPOLDO E SILVA, 2011).

Com o nascimento o ser humano possui o direito maior – a vida – podendo assim, de acordo com o exposto acima exercer o direito à autodeterminação, portanto, este pode dispor de seu direito apoiando-se no referido princípio que embasa sua diretiva antecipada de vontade buscando garantir a plenitude como cidadão quando o curso da vida desviar-se para o lado que impossibilite a preservação da dignidade.

Já com relação ao dever de viver, o entendimento descrito pelo Centro Universitário São Camilo baseia-se no fundamento de que

A manutenção da vida biológica não é um dever, mas um fato natural. O dever aparece quando a manutenção da vida está ligada ao direito de viver livre e dignamente. Portanto, aquele que vive em condições infames não deve renunciar à vida, mas tem o dever de transformar as condições para que o direito à liberdade e à dignidade se identifique com o direito à vida. Deve-se reconhecer aqui todo o peso das condições históricas que tornam difícil, ou mesmo impossível, a realização dessa tarefa – que é a de voltar a ser sujeito. (LEOPOLDO E SILVA, 2011).

A partir do momento em que não é possível resgatar a qualidade de vida devido às circunstâncias trazidas pelo agravamento do estado de saúde de qualquer pessoa que seja se torna plausível o exercício de autodeterminação através da diretiva antecipada de vontade, sendo que isso passa a resguardar a liberdade e dignidade daquele que não está obrigado a viver já que postergar a sobrevivência poderá implicar em um sofrimento demasiado pelo qual a pessoa não pretende passar. Assim, na medida em que há recusa a determinado tratamento que possa ser considerado coercitivo, consequentemente, o paciente está exercendo seu direito de liberdade e ao mesmo tempo protegendo o bem jurídico liberdade de agir em face do próprio corpo e da vida da maneira que lhe convier.

Com isso, surge a necessidade de aplicação dos cuidados paliativos, que compreendem a busca de uma vida saudável sem o direcionamento da cura de determinada doença, mas que evite o sofrimento desnecessário daquele que possui um testamento vital, ou seja, uma declaração antecipada de vontade.

Diante disso, ocorre também a necessidade de treinamento dos aplicadores da medicina para enfrentarem situações análogas, pois o paciente, ainda que em fase terminal, pode estar em condições de decidir determinado assunto baseando-se no juízo de valores formado ao longo de sua vida, facilitando a atuação do médico até mesmo porque este não deve agir visando somente a vontade do doente sob pena de ir contra sua lex artis, que para Luciana Mendes Pereira,

À liberdade ou autonomia do exercício de qualquer profissional de saúde corresponde deveres éticos e jurídicos, quais sejam, a indispensável competência, a necessária diligência e a absoluta seriedade ao lidar com as técnicas e juízos de avaliação próprios da arte de cada profissão, a lex artis. (PEREIRA, 2005, p. 222).

Com relação à preparação de médicos e equipes de enfermagem, já existem meios que os auxiliam nesse mesmo sentido que se baseiam em normas que orientam os profissionais, as quais são chamadas de guidelines, normas orientadoras produzidas com base nas ciências sociais que circunscrevem a sociedade fazendo com que cada Estado se

Revista Jurídica 12.indd 20-21 04/09/2015 10:27:58

Page 13: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

22 23

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

que

Estes elementos são blocos de construção para que o consentimento seja considerado válido. O agente presta um consentimento informado se for competente para agir, receber a informação completa, compreender essa mesma informação, decidir voluntariamente, e, finalmente, se consentir a intervenção. O conceito de “competência” refere-se à capacidade para decidir autonomamente. Isto é competência decisional. Pressupõe que o doente não apenas compreende a informação transmitida, mas é também capaz de efetuar um juízo independente de acordo com o seu sistema de valores. A competência na esfera da decisão deve ser considerada, como veremos, como um elemento de consentimento. (BEAUCHAMP, CHILDRESS, apud NUNES, DE MELO, 2004, p. 116) GRIFOU-SE

Seguindo a necessidade do profissional de saúde em obter o consentimento informado do paciente, veja-se que devem estar presentes determinados requisitos, que são para PEREIRA (2005, p. 108) “O primeiro pressuposto de admissibilidade é a capacidade; o segundo é a informação; e o terceiro e último é consentimento propriamente dito, livre e esclarecido”.

Esmiuçando o disposto acima, inicia-se o preenchimento de tais pressupostos com a capacidade para consentir, onde

Para que a manifestação de vontade seja “relevante e eficaz”, deve ser prestada por um agente capaz. A capacidade é a aptidão das pessoas para realizar atos com valor jurídico. No Brasil, conforme o Código Civil Brasileiro, entende-se que a capacidade é a regra e a incapacidade é a exceção, pois os considerados incapazes estão elencados nos arts. 3º e 4º do citado Código. (PEREIRA, 2005, p. 109).

O segundo requisito trata-se da informação que de acordo com a mesma autora (2005, p. 121) “é o dever de informar por parte do profissional de saúde. A informação consiste em obrigação do prestador do serviço de saúde”. Por último, encontra-se o Consentimento livre, que

Cabe ao profissional de saúde a obtenção do consentimento informado de seu paciente, anteriormente a qualquer procedimento. As explicações e esclarecimentos que serão dados ao paciente deverão ser de forma clara e no seu nível de compreensão, devendo o profissional de saúde evitar o uso de expressões técnicas. O paciente deve ser informado dos riscos mais importantes ou substanciais e das possíveis complicações que poderão advir de seu tratamento ou cirurgia. Além disso, não poderá ser coagido ou ameaçado para consentir. A documentação deve ser completa e minuciosa. (PEREIRA, 2005, p. 136-137).

O consentimento informado difere-se da declaração antecipada de vontade justamente no ato da necessidade de se submeter a um tratamento, haja vista que este advém de um estado totalmente diferente de quando é necessário o consentimento informado, o qual surge na hora em que o paciente está doente cabendo ao médico esclarecer-lhe todas as consequências na busca de sua concordância ou não.

O exercício do consentimento informado envolve em primeiro lugar, uma relação humana dialogante, o que elimina uma atitude arbitrária ou prepotente por parte do médico. Este posicionamento do médico manifesta o reconhecimento do paciente ou sujeito da pesquisa como um ser autônomo, livre e merecedor de respeito. (CLOTET, 2009, S/N).

Por ser uma vontade oriunda de uma antecipação esta deve cumprir determinados requisitos de validade para que possam alcançar sua eficácia sob pena de serem invalidadas quando observadas contrariedades que impeçam o alcance de seu fim.

Assim, na busca de uma efetividade da expressão de vontade antecipada do paciente deve observar-se, de acordo com Rego, os seguintes requisitos:

[...] sejam formuladas por um adulto e que a vontade expressa seja uma vontade autónoma e livre de qualquer força coactiva e previamente informada e esclarecida. Deverão ser redigidas de forma clara, concreta e nunca ambígua (...). Fixam também um prazo de validade (...), bem como algum formalismo para assegurar a certeza e seriedade da decisão tomada. (REGO, 2011, p.162).

Diante da constatação acima, ainda que de maneira superficial, é possível notar os elementos essenciais à criação de uma declaração capaz de tornar válida a vontade expressada pelo paciente quando este se encontrava em condições para tanto.

Em se tratando do consentimento informado, este surge no ato em que o paciente necessita ser submetido a determinado tratamento diferenciando-se do testamento que se trata de uma vontade antecipada.

No sentido de embasar tal afirmação é o entendimento de Joaquim Clotet, a saber:

O Código de Ética Médica e as Normas de Pesquisa em Saúde vigentes no Brasil fazem alusão ao consentimento informado. Daí o interesse crescente das Faculdades de Medicina, dos Conselhos Regionais de Medicina, das Associações Médicas regionais e de alguns Comitês de Ética e Comitês de Ética na Pesquisa, funcionando já em alguns hospitais do país, no uso e na prática correta do consentimento informado.

O reconhecimento da autonomia da pessoa, paciente ou sujeito de experimentação, e a insistência em que ela seja respeitada, constituem mais uma contribuição para o aperfeiçoamento da prática médica no país, no interesse pelo diálogo e respeito exercitados em nível de profissão e pela melhora do relacionamento médico-paciente baseado no princípio da justiça. (CLOTET, 2009, S/N).

Partindo do pressuposto de que é vedado ao médico deixar de informar o paciente acerca dos riscos que poderá sofrer em razão do tratamento adequado, verifica-se aqui a suma importância do consentimento informado, pois este, que deve ser de forma esclarecida e de linguagem acessível tem o condão de criar uma segurança na relação médico-paciente ao passo que de um lado possibilita o exercício da plena decisão e de outro resguarda a boa prática médica, já que de acordo com Luciana Mendes,

Não há como proceder um tratamento de saúde, sem que haja uma intervenção no corpo ou na mente do paciente. Para que esta intervenção aconteça de forma legítima, há que ter o consentimento do paciente, considerando que consentimento (do latim consentire) significa a concordância entre as partes, a opinião uniforme. (PEREIRA, 2005, p. 80).

No entanto, como o testamento vital, o consentimento informado também deve preencher alguns requisitos de validade que o torne capaz de gerar efeitos. Os requisitos são denominados elementos estruturais do consentimento informado, que na perspectiva de Tom Beauchamp e James Childress, para Rui Nunes e Helena Pereira de Melo, tem-se

Revista Jurídica 12.indd 22-23 04/09/2015 10:27:58

Page 14: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

24 25

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

A definição de declaração prévia de vontade dada por Dadalto está intimamente ligada às definições delineadas acima, pois entende que

A declaração prévia de vontade para o fim da vida é um documento de manifestação de vontades pelo qual uma pessoa capaz manifesta seus desejos sobre suspensão de tratamentos, a ser utilizado quando o outorgante estiver em estado terminal, em EVP ou com uma doença crônica incurável, impossibilitado de manifestar livre e conscientemente sua vontade. (DADALTO, 2013, p. 89).

Embora já se possa ter uma noção acerca da declaração antecipada de vontade, é importante ressaltar que o declarante, nesta modalidade, estará sempre à frente da situação visto que o disposto em seu testamento de vida é baseado em questões que este considerou ao longo de sua trajetória como ser humano como necessárias para garantir um final de vida, ou seja, uma morte garantidora de princípios e valores tidos como intocáveis pelo paciente.

A outra forma de antecipar uma vontade no sentido de determinar ou não o tratamento a ser ministrado ao paciente é através da nomeação de um procurador de cuidados da saúde, ou seja, um representante escolhido previamente pelo paciente.

Neste caso, o declarante, ao elaborar seu testamento de vida, nomeia uma pessoa denomina “procurador” que será responsável pelas diretivas que melhor convier ao estado do paciente com relação ao tratamento caso este não seja capaz de realiza-la. Torna-se uma espécie de segundo plano, pois ao passo em que há aptidão e discernimento para decidir o próprio paciente o fará, no entanto, em se tratando de uma incapacidade a ponto de impedir a manifestação do paciente, o procurador de cuidados da saúde assume essa posição para orientar os médicos da maneira que entender necessário para proteger os princípios que o próprio declarante faria se estivesse em condições para tanto.

Para alguns autores esta forma de declaração antecipada é denominada também como mandato duradouro, cujo conceito delineado por Luciana Dadalto consiste em

[...] um documento no qual o paciente nomeia um ou mais “procuradores” que deverão ser consultados pelos médicos, em caso de incapacidade do paciente – definitiva ou não, quando estes tiverem que tomar alguma decisão sobre recusa de tratamento. (DADALTO, 2013, p. 86).

Nesta modalidade o problema gira em torno da escolha da pessoa ideal para se outorgar um poder de extrema relevância para o outorgante, eis que a vida é vista como o bem jurídico maior. A pessoa a ser nomeada não deve ser um desconhecido, porque é necessário que haja um liame de conhecimento entre eles para que o procurador não delibere as questões atinentes ao tratamento com base em seu pensamento, podendo ocorrer assim, a ineficácia deste ao passo que os princípios do paciente sequer foram respeitados.

Diante da possibilidade de uma inversão de valores, surge-se a necessidade de garantir o que for mais benéfico para o paciente. Assim, Beauchamp e Childress apud Dadalto, 2013, p. 88, “afirmam que o modelo dos melhores interesses pode ser usado para invalidar decisões do substituto que sejam claramente contrárias aos melhores interesses do paciente”. Daí surge ao poder do responsável legal ou curador para o cuidado da saúde (PRCS), conforme denomina Joaquim Clotet, a atribuição de três funções primárias na área de saúde:

Sendo assim, aquele que opta por uma declaração antecipada de vontade a faz em um momento anterior ao da necessidade de tratamento, o qual acaba se enquadrando em uma hipótese, visto que o declarante não saberá se algum dia será diagnosticado doença grave, mas mesmo assim elabora sua declaração na busca de resguardar o que considera princípios essenciais.

4.1 FORMAS DE DECLARAÇÃO EXPRESSA DE UMA VONTADE

Em se tratando dos tipos de declaração antecipada de vontade os países que adotaram esse procedimento, bem como os doutrinadores que tratam do assunto abordam duas formas, sendo o testamento vital e a nomeação de procurador de cuidados de saúde. No entanto, embora não muito comum entre aqueles que versam sobre a matéria em questão, Joaquim Clotet fala em uma terceira forma, – A Decisão ou Ordem Antecipada para o Cuidado Médico (DACM) – que consiste em uma mistura entre os dois tipos utilizados nesse contexto.

O testamento vital possui várias nomenclaturas, tais como declaração antecipada de vontade, testamento biológico, testamento de vida (living will) e diretivas antecipadas de vontade, tendo o Brasil adotado esta última nomenclatura. Na primeira forma – diretivas antecipadas de vontade –, o paciente, através de um documento escrito no qual expressa um desejo intrínseco caso seja necessária a utilização de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos quando acometido por doença grave capaz de reduzir ou impossibilitar sua capacidade de decisão.

Através da diretiva antecipada de vontade o paciente pratica um ato que depende tão somente de sua vontade sem que haja a necessidade de outra pessoa para tanto, pois declara expressamente uma vontade própria que poderá ser revogada caso seus conceitos não sejam os mesmo a posteriori, já que o conteúdo do documento não versa sobre questões imutáveis, mas sim questões de cunho moral, ético e religioso que embasam sua vontade.

Rui Nunes vai além, eis que enquadra a declaração antecipada de vontade como,

[...] um documento escrito no qual uma pessoa consigna as suas vontade quanto aos cuidados médicos que pretende ou não pretende receber se perder a capacidade de exprimir ou se se encontrar em estado de já não ser capaz de tomar ela própria uma decisão. À semelhança do que ocorre na sucessão testamentária, o testamento de paciente é um acto pessoal, unilateral e revogável pelo qual a pessoa expressa claramente sua vontade. No entanto, as disposições nele inseridas são, ao contrário do que ocorre naquela forma de sucessão, apenas de caráter não patrimonial e destinam-se a ser válidas no período anterior à morte do testador. (NUNES; DE MELO, 2011, p. 158).

Para Joaquim Clotet, que adota a nomenclatura Manifestação Explícita da Própria Vontade (MEPV):

A MEPV abrange o tratamento médico que seria desejado, assim como a recusa de possíveis tratamentos específicos, em estados de inconsciência ou de demência irreversíveis, ou na situação de paciente terminal por causa de doença ou acidente. Esta é a forma mais generalizada para fazer, manter e tomar efetivas decisões sobre futuros estados de saúde com incapacidade de decisão. (CLOTET, 1993).

Revista Jurídica 12.indd 24-25 04/09/2015 10:27:58

Page 15: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

26 27

adriano alves gouveia pavan, ana karina ticianelli mollerdeclarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

legislação específica nesse sentido para que as discussões acerca da validade das diretivas antecipadas de vontade não se tornem um emaranhado de embates jurídicos quando a vontade do paciente se confrontar com entendimentos diferentes, oriundos de grupos médicos que se prendam a uma medicina paternalista já que não se pode ter a certeza de que há um pensamento uníssono com relação às diretivas antecipadas de vontade visto que muitas vezes sua aplicação possa interromper a vida do paciente.

Sendo assim, a prevalência da autonomia de vontade deve ser posta como primazia quando se tratar de uma escolha feita pelo paciente para que sejam respeitadas todas suas vontades, eis que estes desejos não surgem apenas base em uma vontade pura e simples de não passar por qualquer procedimento tido como degradante, mas sim em conceitos baseados na qualidade de vida que envolve aspectos religiosos, financeiros, pessoais e éticos formados de acordo com a vida percorrida ao longo dos anos colocando o detentor de tal direito como um ser queira viver de forma justa, sem lhe ser imposto o dever de viver, imposição esta que pode se tornar ofensiva.

REFERÊNCIASBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento Processual. ADPF 54 - argüição de descumprimento de preceito fundamental (Processo físico). abr. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954>. Acesso em: 14 abr. 2014.CLOTET, Joaquim. O consentimento informado nos comitês de pesquisa e ética médica: Conceituação, origens e atualidade. 2009. Disponível em: <http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/430/498>. Acesso em: 20 abr. 2014.CLOTET, Joaquim. Reconhecimento e institucionalização da autonomia do paciente: Um estuda do the patient self-determination act. 1993. Disponível em: <http://www.portalbioetica.com.br/adm/artigos/reconhecimento_clotet.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2014.COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. VI ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.805/2006. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 07 abr. 2014.CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 1.995/2012. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2014.DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.E SILVA, Franklin Leopoldo. Ágape bioético - viver: Um direito? Um dever? 2011. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/96/10.pdf>. Acesso em: 03 mai. 2014.LIMA, C. V. (31 de Agosto de 2012). Resolução CFM nº 1.995/2012. Disponível em Conselho Federal de Medicina: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf>. Acesso em: 09 jun de 2013.MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2003.PEREIRA, Luciana Mendes. Responsabilidade civil do profissional de saúde & consentimento informado. Curitiba: Juruá, 2005.

a) verificar que a escolha do paciente, sendo ela conhecida, está sendo respeitada; b) fazer um julgamento substitutivo, fundado na crença de que seria a opção do paciente, na medida em que esta pudesse ser conhecida; c) decidir o que é considerado ser de maior interesse para o paciente. (VEATCH, apud CLOTET, 1993, S/N).

Por fim, Luciana Dadalto ao afirmar que a o mandato duradouro em alguns países é tido como parte integrante da declaração antecipada de vontade, coaduna com o pensamento de Clotet na existência de uma terceira forma de vontade antecipada, que é A Decisão ou Ordem Antecipada para o Cuidado Médico (DACM), definida como:

[...] uma mescla das duas opções precedentes. Por meio de uma DACM é a pessoa que, depois de consulta com seu médico, familiares ou outras pessoas, decide de forma precisa a classe de atendimento ou cuidados que quer ou não quer receber num futuro estado de paciente terminal. O mesmo indivíduo pode, também, indicar um curador ou pessoa responsável a fim de que este possa ajudar na interpretação e aplicação das decisões já tomadas ou na resolução de novos problemas. Essas determinações devem ser acrescentadas ao prontuário do paciente. (CLOTET, 1993, S/N).

Nesta última forma há uma junção de dois tipos de declaração antecipada de vontade que podem, por sua vez, proporcionar ao paciente uma segurança maior, pois as vontades dispostas no testamento de vida deverão ser confrontadas com as decisões tomadas pelo procurador possibilitando uma aproximação do tratamento no que tange à proteção dos valores do indivíduo declarante.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todas as ponderações mencionadas ao longo do presente trabalho é possível constatar que o paciente acometido por doença que lhe reduza a capacidade enquanto pessoa detentora de direitos resguardados pelo ordenamento jurídico e pela ética social emergente, originária de um processo de globalização onde o conhecimento é alcançado de forma ampla por milhares de pessoas, deve ter preservada sua autonomia de vontade, no sentido de manter a dignidade da pessoa humana, pois ainda que a vida seja um bem jurídico de alta relevância, não se pode querer impor a qualquer pessoa que seja o dever de viver quando isso tudo seguir na contra mão daquilo que reduza a condição da pessoa.

No caso da existência de uma diretiva antecipada ou de um procurador de cuidados de saúde o paciente e o médico juntamente com sua equipe alcançam uma posição privilegiada ao passo que todos encontram amparo no sentido de respeitar uma vontade, bem como de garantir os princípios fundamentais que envolvem a situação para que estes não sejam feridos simplesmente pelo fato de querer prolongar-se a vida de alguém a ponto de minorar todos os valores construídos pelo homem, os quais devem ser tomados com importância significativa pelos operadores da medicina.

Se o ideal de uma existência digna compreende para o ser humano o desejo de não ser submetido a tratamentos considerados como invasivos, essa vontade deve ser respeitada mesmo que o tratamento possa garantir sua sobrevivência em desconformidade com o conceito de uma vida com qualidade. No entanto, é preciso que o país que passe a adotar o testamento vital como uma forma garantidora de direitos fundamentais busque elaborar

Revista Jurídica 12.indd 26-27 04/09/2015 10:27:58

Page 16: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

29

alexandra clara botareli cesar, ana paula sefrin saladini

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

28

declarações antecipadas de vontade: autonomia da vontade e o direito à vida

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

A FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO TERRITORIAL E A INFLUÊNCIA NO ACESSO À JUSTIÇA TRABALHISTA

Alexandra Clara Botareli Cesar3

Ana Paula Sefrin Saladini4

RESUMOO artigo traz como tema central o critério territorial da competência da Justiça do Trabalho e sua aplicabilidade em âmbito judicial. Partindo-se dos princípios que norteiam o processo do trabalho, definindo o amplo acesso ao Poder Judiciário e a proteção do trabalhador hipossuficiente para que se coloque em condições igualitárias ao empregador, defende a possibilidade da flexibilização da norma positivada estabelecida pela Consolidação das Leis Trabalhistas pelo magistrado, no exercício da jurisdição estatal. Com a aplicação dos princípios é possível melhor atender à necessidade das partes, sem que isso corresponda a um tratamento desigual ou acarrete insegurança jurídica.PALAVRAS-CHAVE: poder judiciário; competência territorial; hipossuficiente.

ABSTRACTThe essay brings up as the main theme the territorial criterion of the Labor Court and its applicability in the legal framework. Heading from the principles that guide the labor procedural law, defining the open access to the Judiciary and the underdog employee protection so that it is put to equality level with the employer, it defends the possibility of easing the written law established by the Labor Law Consolidation by the magistrate, in the exercise of the state’s jurisdiction. It allows, that way, that the principles are made present and comply to the needs of each part, without it being correspondent to unequal treatment or juridical insecurity.KEYWORDS: judiciary power; territorial criterion. underdog employee.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 COMPETÊNCIA TERRITORIAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO. 3 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO HIPOSSUFICIENTE. 4 PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA. 5 RELATIVIZAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL FACE AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO TRABALHISTA. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho aqui desenvolvido tratará da flexibilização do critério territorial da Justiça do Trabalho que vem sendo adotada pelo Poder Judiciário em todas as suas instâncias.

Para que essa atividade seja possível, os magistrados, na análise do caso concreto, se pautam em princípios basilares do direito processual do trabalho, como o Princípio da Proteção ao Hipossuficiente e o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição.

Também analisará conceitualmente o que se entende por acesso à Justiça, partindo da perspectiva da proteção ao hipossuficiente, e de que forma isso influencia na mudança do entendimento na análise do texto legal que disciplina a regra de competência territorial na Justiça do Trabalho.

O acesso à Justiça é uma das garantias constitucionais, buscando possibilitar o direito de ação a todo e qualquer indivíduo na busca da prestação do Estado, a quem compete dizer a quem pertence o direito e quem deverá cumpri-lo. Para tanto, o legislador

3 Advogada. Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pelas Faculdades Integradas de Ourinhos-FIO/FEMM; Bacharel em Direito, formada pelas Faculdades Integradas de Ourinhos-FIO/FEMM.

4 Juíza do Trabalho. Professora do Curso de Direito – UniFil. Especialista em Direito e Processo Civil pela UEL – Londrina. Especialista em Direito do Trabalho pela Unibrasil – Curitiba. Mestre em Ciências Jurídicas pela UENP – Paraná.

FACULDADE DE MEDICINA DO PORTO. Conferência: “Consenso sobre Suspensão de Tratamento em Doentes Terminais”. 11 de jan. 2008. Disponível em:http://www.apbioetica.org/fotos/gca/12726499671198314549conferencia_consenso.pdf> Acesso em: 12 abr. 2014.REGO, Fabiana. A força jurídica das declarações antecipadas de vontade. Revista Portuguesa de Direito na Saúde Lex Medicinae, Coimbra, ano. 8, n. 18, p. 159-178, jul./dez. 2011.RUI, Nunes; DE MELO, Maria Pereira. Testamento vital. Coimbra: Edições Almedina S.A, 2011.

Revista Jurídica 12.indd 28-29 04/09/2015 10:27:58

Page 17: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

30 31

alexandra clara botareli cesar, ana paula sefrin saladinia flexibilização do critério territorial e a influência no acesso à justiça trabalhista

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Essas tantas possibilidades são meios efetivos de se garantir o acesso à Justiça, de forma que o empregado não tenha dificuldade em buscar o que lhe é de direito, o que está em consonância com as disposições da Constituição Federal de 1988. Porém, em alguns casos, todas essas previsões não são suficientes para possibilitar o acesso amplo e irrestrito à jurisdição estatal, motivo pelo qual novas interpretações têm sido adotadas pelo Poder Judiciário, conforme será abaixo analisado.

3 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO HIPOSSUFICIENTE

Além do tratamento isonômico defendido pelo direito processual brasileiro, que impõe ao magistrado um comportamento imparcial para o exercício de suas atividades, o processo do trabalho traz uma diferenciação em relação ao empregado, para que isso seja possível.

Na grande maioria das relações trabalhistas os empregados não estão em pé de igualdade com seus empregadores. De acordo com Schiavi, “o trabalhador, quando vai à Justiça postular seus direitos, se encontra em posição desfavorável em face do tomador de seus serviços, nos aspectos econômico, técnico e probatório”; isso porque “o empregado dificilmente consegue pagar um bom advogado, não conhece as regras processuais, e tem maior dificuldade em produzir provas em juízo” (2014, p. 121).

Em razão disso, a legislação prevê algumas vantagens processuais ao trabalhador, como inversões do ônus da prova e presunções em favor do trabalhador, a gratuidade processual e a assistência judiciária gratuita.

Porém, essas medidas não são suficientes para alterar o que se convencionou chamar de “princípio da paridade das armas do Processo do Trabalho”, segundo o qual devem ser “garantidas às partes e aos intervenientes não só as mesmas oportunidades de atuação no processo, com alegações e requerimentos, mas também os mesmos instrumentos de ataque e de defesa para que o juiz possa, ao final, proclamar a solução mais justa e equânime da causa” (LOPES apud SCHIAVI, 2014, p. 123).

Mais uma vez, então, esbarra-se em previsões que trazem modos de se preservar o acesso à Justiça, assim como garantir a prestação jurisdicional imparcial e isonômica, diminuindo a distância entre os empregados e seus empregadores, mas que ainda não são suficientes para que se afirme, por unanimidade, que essa situação é visualizada no âmbito judiciário.

4 PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA

Constante na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição é direito fundamental que tem como preceito precípuo, como o nome já diz, que ninguém tenha mitigado o acesso à Justiça. Assim, ao indivíduo é dada a possibilidade de requerer do Estado a prestação jurisdicional capaz de promover os direitos que lhe foram negados.

Levando-se em conta a tripartição dos poderes, que corresponde ao modo pelo qual se organiza o Estado brasileiro, o Poder Judiciário tem como função típica a jurisdição, que corresponde a:

cria complementos normativos para que isso seja possível, a exemplo da assistência judiciária gratuita. Mas, para que esses esforços sejam suficientes, é necessário também que a informação seja do conhecimento dos cidadãos comuns.

A proteção ao hipossuficiente é constante da relação de emprego, que defende a criação de meios de se dar tratamento isonômico ao trabalhador e ao empregador, para que a evidente distância entre eles não possibilite a discriminação ou o tratamento desumano ao primeiro.

A pesquisa levará em conta a possibilidade de que a flexibilização da lei se dê em face dos princípios, mas desde que analisado o caso concreto, para que a ampliação do exercício do direito de uma das partes não interfira na isonomia inerente ao processo, nem no cerceamento do direito de ação.

Determina-se, então, que a atuação estatal ao dizer o direito corresponda aos parâmetros pré-estabelecidos pelos princípios e pelas leis, não deixando que uma dosagem desproporcional de ambos acarrete insegurança jurídica às partes.

2 COMPETÊNCIA TERRITORIAL NA JUSTIÇA DO TRABALHO

A competência territorial das Varas do Trabalho é definida na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 651, da seguinte forma:

Art. 651. A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento [hoje Varas do Trabalho] é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. §1º Quando for parte no dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima. §2º A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário. §3º Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

Tem-se então que, em regra, a competência da Justiça do Trabalho é definida pela local da prestação de serviços, conforme dispõe o caput do artigo. Porém, essa regra não é absoluta, sendo que os parágrafos esclarecem hipóteses excepcionais nas quais a competência pode pertencer a outra localidade que não a do local da prestação dos serviços, conforme a natureza e as condições dos serviços a serem prestados. O parágrafo primeiro, por exemplo, refere-se ao agente ou viajante comercial, que possui quatro possibilidades para o ajuizamento de uma reclamação trabalhista: local da agência da empresa a que esteja subordinado; local de quaisquer das filiais da empresa a qual esteja subordinado; local do domicílio do empregado; localidade mais próxima de seu domicílio.

O artigo também estende a regra de jurisdição aos brasileiros que trabalham em território estrangeiro, desde que não estejam sob a égide de convenção internacional em sentido contrário. Abrange ainda a possibilidade de se promover ação no local da celebração do contrato de trabalho, no caso de empregados que prestam serviços em localidade diversa dessa.

Revista Jurídica 12.indd 30-31 04/09/2015 10:27:58

Page 18: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

32 33

alexandra clara botareli cesar, ana paula sefrin saladinia flexibilização do critério territorial e a influência no acesso à justiça trabalhista

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

ao menos, não conseguem – superar essas barreiras na maioria dos tipos de processos (1988, p. 22).

O mesmo autor também afirma que:

Mesmo consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta de que sua assinatura num contrato não significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias. Falta-lhes o conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de objeção. (...) Na medida em que o conhecimento daquilo que está disponível constitui pré-requisito da solução do problema da necessidade jurídica não atendida, é preciso fazer muito mais para aumentar o grau de conhecimento do público a respeito dos meios disponíveis e de como utilizá-los (CAPPELLETTI, 1988, p. 23).

As observações feitas acima são de fácil verificação na relação trabalhista, podendo se tomar como exemplo as relações entre as usinas de cana-de-açúcar e seus trabalhadores rurais. Apesar do desconhecimento jurídico inicial, alguns trabalhadores passaram a exigir seus direitos em juízo, informando, com o tempo, um grande número de colegas – por se tratar de uma atividade com grande rotatividade – da possibilidade de se obter seus direitos em âmbito judicial. Uma vez conhecendo essa possibilidade, buscaram também saber as obrigações que têm os empregadores para com eles, tornando-se forma eficaz de acesso à informação e, consequentemente, à Justiça.

Verifica-se, pois, que para a garantia do princípio da inafastabilidade da jurisdição não bastam as previsões normativas, mas a implementação do conhecimento entre os indivíduos que virão a se utilizar do Poder Judiciário para a solução da lide, para que não fiquem adstritos à ideia de que os recursos econômicos são indispensáveis para quem visa assegurar a tutela jurisdicional do Estado.

5 RELATIVIZAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL FACE AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO TRABALHISTA

Como já exposto anteriormente, a Justiça do Trabalho se vale de alguns critérios para o exercício de sua jurisdição, tendo como regra o local da prestação de serviços. Apesar da regra e das exceções constantes na CLT, esses critérios têm sido reconsiderados pelo Poder Judiciário para que alguns princípios que regem a Justiça do Trabalho não sejam restringidos em face de uma atuação puramente legalista.

É incontestável que, nos dias atuais, dispõe-se de uma grande quantidade de normas positivadas. Porém, antes mesmo que essas possam surtir efeitos, é necessária a observância dos princípios que lhes devem ser inerentes.

Um ponto que deve ser levado em consideração é a hipótese do empregado que não tem condições de arcar com os custos de deslocamento até a localidade que a lei indica como competente para a propositura da ação. O fato de não ter condições econômicas de deslocamento não deve ser causa para que se veja cerceado em seu direito de requerer (e obter) a prestação jurisdicional do Estado. A vedação por questão econômica seria incondizente com o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Os princípios devem ser respeitados para a preservação dos direitos de todo e qualquer indivíduo, o que justifica a relativização dada ao critério territorial, na Justiça

[...] uma das funções do Estado, mediante a qual se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre por meio do processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada) (LENZA, 2013, p. 750).

É assim, pois, que as lesões ou ameaças de lesões ao direito de outrem são solucionadas pelo Estado, fazendo justiça. É por meio de um processo que o Poder Judiciário é provocado para se manifestar sobre as irregularidades cometidas e solucionar o conflito que atinge as partes.

Conforme Miguel Reale, a justiça faz valer os valores tidos como verdadeiros para os homens. Não é inflexível ou gratuita, mas uma forma do Estado restabelecer a ordem imposta como correta a partir dos acontecimentos históricos, que geraram imposições legais e a formação do discernimento que tem a sociedade em suas relações cotidianas (1987, p. 317 e 318).

No mesmo sentido, afirma Watanabe que “a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso à ordem jurídica justa” (apud LENZA, 2013, p. 1075).

Importante mencionar, ainda, que a Constituição de 1988 incluiu no ordenamento jurídico a proteção à ameaça a direito no inciso citado acima, cujo texto traz que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

No âmbito trabalhista a jurisdição “passou a ser constituída de três subsistemas: a) o subsistema de acesso individual (dissídios individuais e plúrimos); b) o subsistema de acesso ao Poder Normativo (dissídios coletivos); c) o subsistema de acesso metaindividual (ação civil pública)” (LEITE, 2014, p. 63 e 64).

Sob o aspecto que preza esse princípio, vê-se que o acesso à Justiça, hodiernamente, é dado de maneira ampla como resposta à regra pré-estabelecida na Constituição Federal, atingindo todas as esferas jurídicas e obtendo a concretização de “dizer o direito” às partes. Isso se deve não só em razão das previsões legais, mas também pela atuação dos órgãos judiciários, que devem realizar atos nos processos visando não privar quaisquer das partes de suas garantias.

Há, porém e ainda, no que tange ao acesso à Justiça, um entrave que por vezes impossibilita as demandas judiciais. Conforme sugere Mauro Cappelletti, há um acanhamento de se ir a juízo daqueles que não o fazem com habitualidade, sendo o Poder Judiciário um órgão mais utilizado por aqueles que acumulam experiências que lhes possibilitem planejar e se preparar para possíveis litígios. Essa condição acaba envolvendo as empresas que têm maior poder econômico para tanto, enquanto é deixada de lado pelo cidadão comum (1988, ps. 25 e 26). Cappelletti esclarece ainda que:

A “capacidade jurídica” pessoal, se se relaciona com as vantagens de recursos financeiros e diferenças de educação, meio e status social, é um conceito muito mais rico, e de crucial importância na determinação da acessibilidade à justiça. Ele enfoca as inúmeras barreiras que precisam ser pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado através de nosso aparelho judiciário. Muitas (senão a maior parte) das pessoas comuns não podem – ou,

Revista Jurídica 12.indd 32-33 04/09/2015 10:27:58

Page 19: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

34 35

alexandra clara botareli cesar, ana paula sefrin saladinia flexibilização do critério territorial e a influência no acesso à justiça trabalhista

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

se pode exigir do obreiro que somente apresente reclamatória trabalhista no local da contratação ou da prestação de serviços, pois ao não observar a opção legal feita pela reclamante para pleitear seus direitos trabalhistas perante determinado Juízo, estar-se-ia negando acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV, da CR/88.). Recurso da reclamante a que de dá provimento (TRT-PR-20707-2013-005-09-00-8-ACO-06949-2014, Relator: Cássio Colombo Filho, Data de Publicação: DEJT 07/03/2014).

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA – AÇÃO AJUIZADA NO FORO DE DOMICÍLIO DO RECLAMANTE – POSSIBILIDADE – Ainda que o art. 651 da CLT tenha adotado o critério do local onde o contrato esteja sendo de fato executado como marco de competência territorial, é certo que não se verifica, na prática, essa facilidade ao trabalhador, não atingindo, a regra legal, a sua finalidade. Assim sendo, o dispositivo celetário em comento deve ser aplicado em consonância com o art. 5°, XXXV, da Magna Carta, ou seja, assegurando ao empregado o fácil acesso ao Poder Judiciário e, por conseguinte, à prestação jurisdicional efetiva, o que se cumpre ao manter a competência da Vara do Trabalho originária, localizada na cidade de domicílio do reclamante. Precedentes do C.TST (TRT-SP-1413-70.2012.5.15.0071-ACO-23016-2014, Relator: Hélio Grasselli, Data de Publicação: DEJT 04/04/2014).

A modificação, pelas instâncias superiores, de seu entendimento a respeito da questão é reflexo de decisões proferidas em primeiro grau, e, em círculo virtuoso, influenciam a tomada de posição pela instância ordinária. Assim, em sentença prolatada pela juíza titular da Vara do Trabalho de Arapongas, foi mantida naquela localidade ação proposta por empregada que não tinha condições de se deslocar até a cidade que seria territorialmente competente, em uma análise econômica da questão do acesso à Justiça. Naqueles autos, se decidiu da seguinte maneira:

[...] Nos termos do caput art. 651 da CLT, a regra geral é que a competência da Vara do Trabalho é determinada pelo local da prestação de serviços pelo obreiro, ainda que tenha sido contratado no estrangeiro ou em outra localidade. Ainda que na interpretação do dispositivo legal em comento, observando-se o princípio protecionista que impera no processo do trabalho quando se trata da interpretação da lei, os Tribunais venham prestigiando a facilidade de acesso do empregado à Justiça Obreira, permitindo que seja proposta a reclamação no local da contratação, quando o trabalhador é contratado em um local e presta serviços em outro, essa não é a situação configurada no presente caso. [...] Evidencia-se da leitura da petição inicial que a reclamante foi contratada por empresa de limpeza e manutenção para trabalhar como auxiliar de serviços gerais, percebendo remuneração pouco superior ao salário mínimo legal (fl. 4). Firmou declaração de pobreza (fl. 14). A reclamada/excipiente não impugna sua declaração de que não dispõe de meios econômicos para se deslocar a São José dos Pinhais para ajuizamento da reclamação. Efetivamente, um dos obstáculos do acesso à Justiça é o econômico (CAPELLETTI, Acesso à Justiça). Com remuneração pouco superior ao salário mínimo legal é difícil crer que a reclamante tenha condições de se deslocar para ajuizar a demanda em outra localidade. E, nessas condições, a jurisprudência tem permitido exceções à regra prescrita no art. 651 da CLT [...]. Ressalte-se, ainda, que a reclamada é empresa de grande porte, com capital social subscrito de quase vinte milhões de reais (fl. 30), e também não tem sede em São José dos Pinhais, mas sim em Taubaté, interior de São Paulo, onde contratou advogados (fl. 27). Logo, não lhe causará maior prejuízo o deslocamento de Taubaté para Arapongas, distante cerca de 694km, do que o deslocamento de Taubaté para São José dos Pinhais, cuja distância é de 547km (Fonte: GoogleMaps). Ante os fundamentos expostos, e de forma excepcional, considerando a incontroversa hipossuficiência econômica

do Trabalho, para que isso seja possível. É de se lembrar que o critério de competência territorial é um critério de natureza relativa, e, portanto, admite a alteração e a prorrogação.

De acordo com Racy, o processo não pode afastar juiz e sociedade, mas deve ser o meio pelo qual o poder estatal é exercido pelo Judiciário. Através do Poder Judiciário que a jurisdição será prestada para direcionar as condutas sociais, levando a sociedade para onde o Estado desejar (2010, p. 27).

Dinamarco esclarece ainda que o “bom processo” é aquele que é capaz de oferecer justiça efetiva ao maior número de pessoas, universalizando-se tanto quanto possível para evitar resíduos ilegítimos não jurisdicionalizáveis e “aprimorando-se internamente para que a ideia de ação não continue sobreposta à de tutela jurisdicional” (apud RACY, 2010, p. 27).

A interpretação tradicional que se faz do art. 651 da CLT vincula a competência territorial ao local de prestação de serviços, não admitindo exceções que não as previstas expressamente em lei, como se vê da seguinte decisão:

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. APRESENTAÇÃO DA RECLAMATÓRIA TRABALHISTA EM FORO DIVERSO DAQUELE ONDE O RECLAMANTE FOI CONTRATADO E PRESTOU SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE. No caso, o reclamante trabalhou como auxiliar de produção na indústria têxtil da cidade de Brusque/SC e após sua demissão passou a residir na cidade de Pelotas/RS, onde apresentou a reclamatória trabalhista. Tem-se, pois, que o egrégio Tribunal Regional proferiu julgamento em estrita obediência ao artigo 651 da CLT, o qual não assegura ao trabalhador a possibilidade de ajuizar a ação no local onde reside, mas tão somente no lugar onde prestou serviços. Recurso de revista não conhecido (RR 420-37.2012.5.04.0102, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 02/10/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/10/2013).

A mera análise refratária do dispositivo legal que estabelece a regra de competência, porém, vem sendo substituída recentemente por decisões que priorizam o acesso do trabalhador à justiça, nas hipóteses em que não tem condições econômicas de se locomover para demandar, ou nas situações em que está impedido fisicamente de se locomover, em razão de doença grave ou sequela de acidente. A exemplo, transcrevem-se as seguintes ementas do Tribunal Superior do Trabalho-TST, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9) e do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15):

RECURSO DE REVISTA - COMPETÊNCIA TERRITORIAL - LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - FORO MAIS ACESSÍVEL AO EMPREGADO. Em regra, tem-se que a competência para o ajuizamento de reclamação trabalhista é da localidade em que o empregado presta os serviços, consoante o disposto no art. 651, caput, da CLT. Todavia, em observância às normas protetivas do empregado - princípio basilar do Direito do Trabalho - deve-se privilegiar o juízo da localidade que seja mais acessível ao trabalhador, assegurando-lhe o amplo acesso aos órgãos judiciários, princípio estabelecido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Logo, as regras de competência em razão do lugar, no âmbito do processo trabalhista, devem beneficiar o hipossuficiente. Recurso de revista não conhecido (RR - 285-24.2011.5.03.0058 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 25/06/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2014).

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. Não

Revista Jurídica 12.indd 34-35 04/09/2015 10:27:58

Page 20: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

36 37

alexandra clara botareli cesar, ana paula sefrin saladinia flexibilização do critério territorial e a influência no acesso à justiça trabalhista

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Saliente-se, porém, que a análise do caso concreto será determinante para se possibilitar a flexibilização da norma. Essa possibilidade deve manter em vista tanto o acesso à Justiça quanto a proteção do trabalhador hipossuficiente, mas, principalmente, a isonomia entre as partes do processo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito e o processo do trabalho são constituídos não só pelas normas positivadas, mas por princípios nos quais se pautam. Os princípios são levados em conta não somente na elaboração das leis, mas também na interpretação da lei e na análise das relações entre trabalhadores e seus empregadores. Princípios servem como critério de interpretação e aplicação da lei, pelo magistrado, no processo judicial.

A análise fria da lei, divorciada de uma análise contextualizada no caso concreto e nos princípios e normas derivadas da Constituição, pode acarretar em denegação de acesso à Justiça.

O empregado que busca a Justiça do Trabalho muitas vezes está sem renda e trabalho, e não consegue buscar seus direitos em âmbito judicial, sem que isso prejudique seu próprio sustento e/ou de sua família.

Como forma, então, de garantir o atendimento amplo às partes, o Poder Judiciário vem flexibilizando a norma legal que diz respeito à competência territorial da Justiça do Trabalho. Pautado nos princípios do acesso à Justiça e na proteção do trabalhador hipossuficiente, possibilita que o ajuizamento da ação não se dê apenas nas localidades estabelecidas pelo artigo 651 da CLT, mas permite que um empregado possa, por exemplo, ajuizar a ação no local do seu domicílio, quando o deslocamento para outro local seja fato que dificulte muito ou mesmo impossibilite o acesso ao Judiciário.

Tal medida é uma forma eficaz de se garantir o acesso à Justiça, mas deve levar em consideração cada caso concreto, para que a lei não deixe de ser a forma reguladora dos atos processuais. Essa afirmação se pauta na idéia de que, ao adotar novo comportamento não previsto em lei, mas com base nos princípios, há também uma abertura de precedentes para que a lei não seja respeitada como deveria, ocasionando uma insegurança jurídica.

Esse pensamento está enraizado no sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, que possui as características do direito romano, dando prioridade à lei para a organização das relações jurídicas. Em sentido oposto, porém, há o sistema americano, do qual o Brasil se aproxima ao se falar em flexibilização, porque passa a assumir um comportamento que tomará por base não mais a lei, inicialmente, mas os usos e costumes. Esse comportamento diferenciado, portanto, é que poderia dar margem à insegurança jurídica, vez que a lei não está mais sendo tomada como base fundamental para o julgamento de uma lide.

Como forma de se evitar a situação descrita, é necessário que se analise a posição em que está o trabalhador, bem como o empregador, para que nenhuma das partes seja prejudicada pelo teor da decisão.

Conclui-se, pois, que a flexibilização da norma deve ser medida adotada para se proporcionar não só o acesso à Justiça, mas garantir o exercício da justiça em si, considerando as situações pretéritas e recorrentes da relação de emprego. Se dada dessa forma, é possível que os princípios norteadores do processo do trabalho sejam garantidos em âmbito judicial,

da trabalhadora diante da ampla capacidade econômica da reclamada, rejeita-se a exceção declinatória de foro (RTOrd – 00295-2014.653.09.00.3).

Vê-se, pois, que a Justiça do Trabalho, em todos os seus graus de jurisdição, tem se valido não só do texto legal trazido pela CLT, mas também dos princípios que lhe dizem respeito, quando da análise da competência territorial, buscando possibilitar a aplicação da justiça de maneira mais ampla.

Assim, embora o Brasil adote um modelo romano em relação ao seu ordenamento jurídico, onde a lei tem primazia em relação às demais fontes do direito, a flexibilização da norma aproxima o Judiciário brasileiro do sistema de common law, o costumeiramente não é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Para que a lei não deixe de fazer valer sua carga valorativa, portanto, a análise do caso concreto é determinante para que se permita ou não a flexibilização da norma. Pode-se exemplificar com situações hipotéticas.

Um primeiro caso seria da empresa paranaense contrata um empregado com domicílio na Bahia, quando este estava de passagem pelo Paraná e se propôs a participar de uma entrevista de emprego, sendo admitido. Futuramente é mandado embora, sem que suas verbas rescisórias sejam pagas corretamente, ocasião em que o empregado retorna ao seu estado de origem. Lá propõe uma reclamação trabalhista, alegando não ter meios necessários para se deslocar e exercer seu direito no local competente, requerendo a flexibilização da lei para que a empresa responda em juízo na Bahia. Ainda que o trabalhador seja parte hipossuficiente na relação de trabalho, da mesma forma em que se submeteu à entrevista e a prestar serviço em local diverso do seu domicílio, deveria também exercer seu direito de ação no local competente, onde esteve durante todo o curso do contrato de trabalho, sem que a empresa corra o risco de ter suas atividades prejudicadas com gastos extraordinários decorrente da ação judicial.

Diferentemente, porém, deve ser a interpretação da lei quando foi o empregador que se locomoveu à Bahia para buscar mão-de-obra, situação comum em alguns ramos de atividade econômica. Demonstrada a disponibilidade de deslocamento pelo empregador, o que também indica que tem condições financeiras para tanto, ele não poderia alegar o critério territorial definido pela CLT ao seu favor, pois já deixou comprovada sua capacidade de se deslocar para local diverso, conforme os interesses da empresa.

Por fim, desconsiderando as hipóteses acima e partindo para uma nova, como uma distância consideravelmente pequena entre o domicílio do trabalhador e o empregador. Se o exercício dos atos processuais não será capaz de provocar dispêndio econômico razoável ao empregador, mas a mesma atividade impossibilitaria o próprio sustento do obreiro, é aceitável que se aplique entendimento favorável ao empregado, para que requeira seus direitos em juízo.

Outra situação que merece especial atenção é do empregado que não tem condições físicas de se deslocar de sua residência ao local de prestação de serviços para ajuizamento da demanda. Cita-se, como exemplo, situação em que o empregado sofre acidente de trabalho e se vê confinado a cadeira de rodas, voltando a residir com a família em local distante do local da contratação porque necessita de cuidados diários. Nesse caso, afrontaria a própria dignidade da pessoa humana exigir que se deslocasse, com grande esforço físico, para cidade distante daquela em que reside, a fim de ver valer seus direitos de natureza alimentar.

Revista Jurídica 12.indd 36-37 04/09/2015 10:27:58

Page 21: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

39

aline mara lustoza fedato

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

38

a flexibilização do critério territorial e a influência no acesso à justiça trabalhista

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

A LEI 11.719/2008 E A AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO

Aline Mara Lustoza Fedato5

RESUMOA presente pesquisa objetiva analisar as medidas cautelares reais do processo penal – seqüestro, hipoteca legal e arresto – como forma de assegurar o patrimônio do réu para possibilitar posterior reparação à vítima. As alterações trazidas pela Lei 11.719/2008 permitem ao julgador fixar, já na sentença penal condenatória, um valor mínimo de indenização à vítima, por prejuízos que esta, eventualmente, tenha experimentado. No entanto, se de um lado a lei protege o direito da vítima à reparação, inclusive acautelando o patrimônio do réu, de outro ofende as garantias fundamentais do acusado, quando não cria um momento processual adequado para que este se defenda do quantum indenizatório que poderá, ao final do processo, ser fixado de ofício pelo magistrado. Essa decisão adquire a liquidez de um título executivo, e não poderá mais ser discutida na esfera cível. Em que pese sua roupagem de norma processual trata-se, em verdade, de norma com caráter heterotópico, sendo vedada sua aplicação imediata em face do princípio da irretroatividade da lei penal.PALAVRAS-CHAVE: arresto; heterotópica; hipoteca legal; indenização; irretroatividade da lei penal; lei 11.719/2008; seqüestro.

ABSTRACTThis research aims to analyze the actual pre-trial supervision measures in criminal proceedings – kidnapping, sequestration and legal mortgage – as a way to ensure the defendant’s patrimony to enable subsequent repair to the victim. The changes brought by the 11.7192/008 law allows the judge to fix the penal sentence of conviction, a minimum amount of compensation to the victim for losses that this eventually has experienced. However, if on the other hand the law protects the right of the victim to compensation, including the wealth of the defendant, while offends fundamental guarantees accused, when does not create a moment of procedure suitable to defend the compensation which may, quantum at the end of the process, be fixed by the magistrate. This decision acquires the liquidity of an enforceable decision, and can no longer be discussed in the civil sphere. Despite your procedural standard garb in true, standard with Heterotopic character, being prohibited its immediate application in the face of the principle of not retroactivity of the criminal law.KEYWORDS: attachment; heterotopic; indemnification; kidnapping; legal mortgage; not retroactivity of the criminal law; 11.719/ 2008 law.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 CAUTELARES REAIS DO PROCESSO PENAL. 2.1 SEQÜESTRO. 2.2 HIPOTECA LEGAL. 2.3 ARRESTO. 3 GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 3.1 REFLEXOS PATRIMONIAIS DO DELITO. 3.2 LEI 11.719/2008 E A AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 4 CARÁTER HETEROTÓPICO DA NORMA. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

A Lei 11.719/2008, ao introduzir o inciso IV do artigo 387 do CPP, conferiu ao juízo criminal, o dever de, por ocasião da sentença condenatória, fixar o valor mínimo para reparação de danos causados pela infração penal cometida, considerando, para tanto, os prejuízos experimentados pela vítima.

Contudo, mesmo quando tais valores não sejam facilmente mensuráveis, exigindo, para sua apuração, ampla instrução probatória, a lei adjetiva não cuidou de criar mecanismos adequados que permitissem às partes a discussão acerca do quantum indenizatório, de

5 Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina. Professora de ProcessoPenaldoCentroUnversidadeFiladé[email protected]

sem que isso resulte em insegurança jurídica ou na ausência de tratamento isonômico às partes.

REFERÊNCIAS

BRASIL, 1ª Vara do Trabalho de Arapongas-PR. Sentença de Exceção de Incompetência em Razão do Lugar. Autos n.º RTOrd-295/2014. Disponível em <http://www.trt9.jus.br/internet_base/publicacaoman.do?evento=Editar& chPlc=6087667&procR=AAAS5QABvAAHshqAAC&ctl=295>. Acesso em 24/07/2014.

_______, Acórdão: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR, TRT-PR-20707-2013-005-09-00-8-ACO-06949-2014 – 2ª. TURMA. Relator: CÁSSIO COLOMBO FILHO. Publicado no DEJT em 07-03-2014, disponível em <http://www.trt9.jus.br/internet_base/ jurisprudenciaman.do?evento=Editar&chPlc=5896929>. Acesso 24/07/2014.

_______, Acórdão: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - AÇÃO AJUIZADA NO FORO DE DOMICÍLIO DO RECLAMANTE - POSSIBILIDADE, TRT-SP-1413-70.2012.5.15.0071 – 6ª. TURMA. Relator: HÉLIO GRASSELLI. Publicado no DEJT em 04-04-2014, disponível em <http://www.trt15.jus.br/voto/patr/2014/023/02301614.rtf>. Acesso 24/07/2014.

_______, Acórdão: EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. APRESENTAÇÃO DA RECLAMATÓRIA TRABALHISTA EM FORO DIVERSO DAQUELE ONDE O RECLAMANTE FOI CONTRATADO E PRESTOU SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE, TST-RR- 420-37.2012.5.04.0102 – 5ª Turma. Relator: GUILHERME AUGUSTO CAPUTO BASTOS. Publicado no DEJT em 30-10-2012, disponível em <http://aplicacao5.tst.jus.br/ consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numero Formatado=RR%20-%20420-37.2012.5.04.0102&base =acordao&rowid= AAANGhAA+ AAA MlBAAQ&dataPublicacao=11/10/ 2013&local Publicacao=DEJT &query=crit%E9rio% 20and % 20territorial%20and%20art%20and %20651>. Acesso 24/07/2014.

_______, Acórdão: RECURSO DE REVISTA - COMPETÊNCIA TERRITORIAL - LOCAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - FORO MAIS ACESSÍVEL AO EMPREGADO, TST-RR-285-24.2011.5.03.0058 – 7ª Turma. Relator: LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO. Publicado no DEJT em 01-07-2014, disponível em <http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/ inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20 -%20285-24.2011 .5.03.0058&base= acordao&rowid =AAANGhAA+ AAAN42AAW&data Publicacao=01/07/2014&localPublicacao= DEJT&query=compet%EAncia%20and%20territorial>. Acesso 24/07/2014.

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 12ª ed. São Paulo: LTr, 2014.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

RACY, Vivien. A função do Poder Judiciário no Estado contemporâneo. Revista da USCS, ano XI, n. 19, jul/dez 2010, p. 25-50. Documento eletrônico disponível em: <http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_direito/article/viewFile/1092/897> Acesso em 31 de agosto de 2014.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014.

Revista Jurídica 12.indd 38-39 04/09/2015 10:27:58

Page 22: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

40 41

aline mara lustoza fedatoa lei 11.719/2008 e a afronta às garantias constitucionais do acusado

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

No processo penal, o seqüestro poderá ser decretado pela autoridade judicial, tanto na fase de investigação preliminar, quanto na ação penal e poderá incidir sobre bens – móveis ou imóveis – que sejam produto de crime, ou que tenham sido adquiridos com proventos da prática delitiva, ainda que já tenham sido transferidos a terceiros (artigos 125 a 132 do CPP).

O seqüestro poderá ser decretado de ofício pelo juiz, a requerimento do Ministério Público e do ofendido ou mediante representação da autoridade policial, sendo que o incidente será autuado em apartado e, em se tratando de bem imóvel, uma vez determinada a medida, deverá ser procedida sua inscrição no Registro de Imóveis.

A constrição poderá ser embargada pelo acusado ou pelo terceiro de boa-fé, a quem o bem tenha sido transferido a título oneroso. Os embargos ficarão suspensos até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 130, parágrafo único do CPP) oportunidade em que incumbirá ao juízo criminal decidi-lo.

O seqüestro será levantado caso a ação penal onde se decretou a medida assecutatória, não seja intentada no prazo de 60 (sessenta) dias; se o terceiro a quem o bem tenha sido transferido, prestar a devida caução; ou, ainda, caso o réu seja absolvido ou tenha extinta sua punibilidade, por sentença transitada em julgado.

2.2 HIPOTECA LEGAL

A hipoteca legal é direito real de garantia que incidirá sobre bens imóveis do acusado, tendo função idêntica à penhora civil, na medida em que objetiva resguardar o patrimônio lícito do réu para eventual reparação do dano sofrido pelo ofendido, bem assim para custear as despesas processuais e as penas pecuniárias a que, porventura, venha o réu a ser condenado.

A doutrina não é uníssona quanto ao momento adequado para a decretação da hipoteca. Ainda que alguns doutrinadores sustentem a possibilidade de decretação tanto na fase de investigação preliminar, quanto na ação penal, predomina, atualmente, o entendimento de que tal medida não poderá ser determinada na fase pré-processual.

A medida assecuratória em comento poderá ser requerida pelo ofendido, seus representantes legais e herdeiros, ou pelo Ministério Público caso haja interesse da Fazenda Pública ou se o ofendido for pobre e assim o requerer (art. 142 do CPP).

Destaque-se, ainda, que referida medida somente poderá ser autorizada diante da certeza do crime e indícios suficientes de autoria.

Muito se discute acerca da natureza jurídica da hipoteca legal. Isso porque, se de um lado a medida visa resguardar eventual pagamento de pena pecuniária e, em sendo esta uma das conseqüências do processo penal, não se pode afastar o caráter penal da medida. De outro, no entanto, se esta busca prevenir eventual direito de ressarcimento da vítima, cujo objeto nunca foi próprio das ações penais, certo é que a hipoteca legal ganha contornos de um provimento civil e não mais penal, “o que lhe garante uma espécie de caráter híbrido.”8

A especialização da hipoteca se dará em autos apartados, devendo o requerente estimar o valor de eventual responsabilidade civil, bem assim dos bens que deverão ser, especificamente, hipotecados.

8 MACHADO, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal. SãoPaulo:Atlas,2014.P.732.

modo que, sua fixação, ficou a critério exclusivo do magistrado, sem que, para tanto, a lei lhe fornecesse qualquer parâmetro objetivo.

Em que pese o caráter heterotópico da norma em comento, o dispositivo legal, passou a ter aplicação imediata, abarcando demandas cujos fatos teriam ocorrido antes do advento da lei, em total desrespeito ao principio da irretroatividade.

Na incessante busca de se garantir uma futura reparação à vítima, observa-se, atualmente, a utilização desmedida dos institutos cautelares de arresto, seqüestro e hipoteca legal, mesmo quando a próprio ofendido não manifeste qualquer interesse em eventual ressarcimento.

Assim, o sistema penal, dogmaticamente fragmentário, transforma-se em mero instrumento de reparação civil e, mesmo diante de sua severidade, não garante, ao acusado, o contraditório e a ampla defesa, corolários do devido processo legal.

Embora louvável a iniciativa do legislador de privilegiar a vítima com a possibilidade de reparação do dano experimentado, certo é que o instituto tratado exige, ainda, certo amadurecimento, a fim de se evitar que sua aplicação continue a ferir os direitos e garantias fundamentais.

2 CAUTELARES REAIS NO PROCESSO PENAL

A dinâmica natural do processo pode, algumas vezes, tornar inócua a prestação jurisdicional, na medida em que, ao final da demanda, ainda que se tenha uma sentença favorável, a vítima pode não conseguir a reparação do dano experimentado com a prática do delito.

Considerando a complexidade e a demora razoável do processo, o legislador vê-se obrigado a criar mecanismos que permitam assegurar que o provimento definitivo possa, posteriormente, ser perseguido com eficácia por aquele que foi prejudicado com a prática criminosa.

Diante disso, conclui-se que as medidas cautelares não se encerram em si mesmas, ao contrário disso, representam, apenas, um meio de se assegurar uma futura execução.

As medidas assecuratórias são, portanto, tidas como “as providências de natureza cautelar levadas a efeito no juízo penal que buscam resguardar provável direito da vítima ao ressarcimento do prejuízo causado pela infração penal”6.

Assim, diante da probabilidade de uma decisão judicial favorável a quem a medida, em tese beneficiaria – fumus boni iuris – bem assim diante do risco do acusado vir a dilapidar seu patrimônio a ponto de tornar inócua referida decisão –periculum in mora – o julgador poderá determinar, antecipadamente, o resguardo dos bens do réu, como forma de assegurar, futuramente, o juízo executório.

2.1 SEQUESTRO

O seqüestro é o “depósito de coisa litigiosa em mãos de alguém, estranho ao litígio”7 (o sequester do direito romano).6 BONFIM. Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal.5ª.edição.SãoPaulo:EditoraSaraiva,2010.P.320.

7 H.Tornaghi.Curso de Processo Penal. 8ª. edição. V. 1, p. 213.

Revista Jurídica 12.indd 40-41 04/09/2015 10:27:58

Page 23: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

42 43

aline mara lustoza fedatoa lei 11.719/2008 e a afronta às garantias constitucionais do acusado

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

numerário apurado. Se os bens arrestados produzirem renda poderá o juiz arbitrar um montante a ser destinado à manutenção do réu e de sua família, quando estes, comprovadamente, não puderem subsistir por outros meios.

Caso o réu seja absolvido ou tenha extinta sua punibilidade, o arresto será levantado. No entanto, em sendo o acusado condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática delitiva, os autos de arresto serão encaminhados ao juízo cível (art. 143 do CPP) para eventual execução.

3 GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Os princípios jurídicos fundamentais traduzem-se em verdadeiros alicerces do sistema jurídico, de modo que, por compreenderem o real fundamento da ciência jurídica, deles e, por eles, devem emanar as normas e as leis que estruturam o Estado Social e Democrático de Direito.

Amparada neste axioma, a Constituição Federal de 1988, assegura a todo cidadão submetido ao poder impositivo do Estado, o devido processo legal, compreendendo-se aqui, todas as demais garantias processuais que dele decorrem.

Assim, ampla defesa e contraditório, enquanto corolários do devido processo legal, regem a processualística penal, a bem de oportunizar à parte acusada, igualdade processual, relativa à proposição de medidas e recursos cabíveis para propiciar sua defesa, em virtude de que, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, todos serão considerados inocentes (art. 5º. LVII da CF/88)10.

Portanto, a persecução penal não é apenas o instrumento pelo qual se viabiliza a aplicação da reprimenda penal ou da responsabilidade civil, antes de tudo, é a salvaguarda do regime de liberdades vigente, assegurando a todo cidadão, que ninguém será privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal.

Antonio Scarance afirma que “ampla defesa deve ser o cerne ao redor do qual se desenvolve o processo penal” 11.

3.1 REFLEXOS PATRIMONIAIS DO DELITO

Certo é, que a prática de um delito poderá ter reflexos na esfera cível, porém, também é certo que, o efetivo dano passível de ressarcimento, deve ser provado e devidamente mensurado, caso contrário, possibilitaria o enriquecimento sem causa.

Até porque, se de um lado, em algumas espécies delitivas, é fácil se quantificar o dano provocado à vítima, de outro, há delitos que sequer atingem sua esfera patrimonial ou, ainda, outros que, por ser de difícil mensuração, exigem ampla dilação probatória.

E não se pode afastar que o principal escopo da persecução penal é se apurar a culpabilidade e responsabilidade penal, não a civil e, justamente por isso, o ordenamento jurídico pátrio já disponibilizava ao ofendido a ação civil ex delicto, medida reparatória a ser proposta no juízo cível, objetivando a recomposição dos efeitos patrimoniais causados

10 PEREIRA.PedroH.S. In.AREPARAÇÃODEDANOSCAUSADOSPELODELITO(art.387, IVdoCPP)EOSCOROLÁRIOSDAAMPLADEFESAECONTRADITÓRIO.http://jusvi.com/files/document/pdf_file/0004/4044/A_REPARA__O_DOS_DANOS_CAUSADOS_PELO_DELITO_E_OS_COROLÁRIOS_DA_AMPLA_DEFESA_E_DO_CONTRADITÓRIO.pdfconsultarealizadaemdatade06jun2012.

11 In.ProcessoPenalConstitucional,2005,pg.294.

A inicial se fará instruir com documentos comprobatórios da estimativa do requerente quanto à responsabilidade do dano, bem assim de documentos que atestem o domínio dos bens apontados. Não sendo possível instruir o incidente com os documentos acima referidos, deverá o requerente indicar ao juízo como e onde tais provas poderão ser conseguidas.

O juiz, de plano, arbitrará o valor da eventual responsabilidade e procederá a avaliação do bem hipotecado. Após ouvidas as partes, poderá o juiz corrigir o valor do arbitramento, sempre que o considerar excessivo ou deficiente.

A fim de impedir eventual inscrição de hipoteca junto ao Registro de Imóveis, o réu poderá substituí-la por uma caução que seja suficiente para assegurar o montante inicialmente arbitrado.

A hipoteca legal será cancelada sempre que o réu for absolvido ou tiver extinta sua punibilidade por sentença irrecorrível.

Somente após a condenação, o valor da responsabilidade poderá ser liquidado definitivamente, haja vista que, antes disso, não se poderá conhecer, com clareza, a real extensão dos danos experimentados pela vítima.

2.3 ARRESTO

Ao contrário do que ocorre com o seqüestro, poderão ser objeto de arresto os bens de origem lícita do acusado. Se forem imóveis, o arresto surge como uma providência preparatória da hipoteca legal; se móveis, atua como antecedente da penhora e será decretada quando o eventual responsável pela reparação não possuir bens imóveis ou quando estes não forem suficientes para garantir uma futura reparação.

O arresto objetiva acautelar eventual prejuízo à vítima, razão pela qual exibe um caráter predominantemente civil9, tanto assim que o próprio Código de Processo Penal, ex vi art. 139, determina que a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos ao regime do processo civil, o que significa dizer que o acusado deixa a administração de seus bens, que ficarão sob a guarda e conservação de um terceiro nomeado pelo juiz.

Por aplicação extensiva ao artigo 134 do CPP, o arresto se condiciona aos mesmos requisitos da hipoteca legal – quais sejam a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria – e poderão ser requeridos pelo ofendido ou pelo Ministério Público, quando aquele for pobre e assim o requerer ou quando houver interesse da Fazenda e, em se tratando de um incidente processual, o pedido tramitará em autos apartados.

Em se referindo a bens móveis, só poderão ser arrestados aqueles suscetíveis de serem penhorados, ficando, assim, excluídos os considerados impenhoráveis, cujo rol encontra-se listado no artigo 649 do Código de Processo Civil. Não sofrerá arresto, ainda, o imóvel destinado à moradia da família, conforme assegura a Lei 8.009/90.

O arresto recairá apenas sobre os bens daquele que, eventualmente, puder ser responsabilizado em futura reparação, não havendo que se falar em arresto de bens de terceiros, salvo se forem estes solidariamente responsáveis pela reparação dos danos causados pelo crime.

Caso seja constatado o risco de depreciação ou deterioração dos bens arrestados, o juízo criminal poderá determinar a alienação antecipada dos bens, depositando-se o 9 MACHADO,AntônioAlberto.Curso de Processo Penal. SãoPaulo:Atlas,2014,p.730.

Revista Jurídica 12.indd 42-43 04/09/2015 10:27:58

Page 24: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

44 45

aline mara lustoza fedatoa lei 11.719/2008 e a afronta às garantias constitucionais do acusado

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de modo a indicar o valor diverso ou mesmo apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida a infringência ao princípio da ampla defesa.13

Seguindo a linha de entendimento do doutrinador supracitado, julgado proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Apelação criminal. Lesão corporal de natureza grave. Art. 129, § 1º, inciso I, do CP. Dolo eventual. Reparação dos danos causados pela infração. Art. 387, IV CPP. Necessidade de observância ao princípio da ampla defesa e do devido processo legal. [...] A fixação do valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração também deve observar os princípios do contraditório e ampla defesa, revelando-se imperiosa sua exclusão quando não foi oportunizado ao recorrente o direito de produzir eventuais provas que pudessem interferir na convicção do julgador no momento da fixação. (TJMG – Ap. Crim. 1.0720.05.021238-3/001 Rel. Des. Renato Martins Jacob – Publicação em 03/08/2009) (grifou).14

A matéria também já foi apreciada pela Corte Superior:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA. ART. 387, IV, DO CPP. PEDIDO FORMAL E OPORTUNIDADE DE PRODUÇÃO DE CONTRAPROVA. AUSÊNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. RECURSO DESPROVIDO. I. O art. 387, IV, do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, estabelece que o Juiz, ao proferir sentença condenatória fixará um valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. II. Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a aplicação do valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima porque a questão não foi debatida nos autos. III. Se a questão não foi submetida ao contraditório, tendo sido questionada em embargos de declaração após a prolação da sentença condenatória, sem que tenha sido dada oportunidade ao réu de se defender ou produzir contraprova, há ofensa ao princípio da ampla defesa. IV. Recurso desprovido. (Quinta Turma, REsp 1185542/RS, Relator(a) Ministro GILSON Dipp, publicado em DJe 16/05/2011.

E de se trazer a colação parte do voto proferido pelo ilustre Desembargador Federal Elcio Pinheiro de Castro do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, em sede de apelação criminal:15

(..) Todavia, no ponto, o arbitramento de ofício, não pode ser considerado mero efeito genérico. É sanção civil, não podendo ser entendido como uma simples tarifação quantitativa ou uma ampliação da competência do Juízo criminal, exigindo a regularidade da prova e que esteja preconcebida na denúncia ou queixa.

13 InCódigodeProcessoPenalComentado:SãoPaulo,RT2006eversão2008,atualizadacomasreformasdoCPP,p.691.

14 Nomesmosentido:TJMGAC1.0699.08.089264-8/001(1).RelatorDes.EduardoMachado,DJUem17demaiode2010.

15 TRF4-AC0040329-38.2006.404.7100/RS

pelo delito.Neste contexto, a edição da lei 11.719/2008, introduziu o inciso IV, no artigo 387,

do CPP, conferindo ao julgador o dever de fixar, já na sentença penal condenatória, o valor mínimo a ser restituído pelo réu, à vítima, a título de reparação de dano, eventualmente, causado pela prática do delito.

Assim, o que antes somente tornava certo o dever de reparar o dano causado pelo crime, devendo ser liquidado perante o juízo cível, com a possibilidade de ampla dilação probatória, passou a ser interpretado como efeito automático da sentença penal condenatória, sem que haja critérios objetivos e parâmetros legais definidos na norma em comento, para se apurar a existência ou o efetivo dano causado pelo delito a ensejar reparação.12

A conseqüência maior disto, é que com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o ofendido ou quem lhe faça vezes, terá um título líquido, passível de ser exigido em execução de titulo judicial, onde a defesa do devedor (réu da ação penal) será restrita aos limites desta espécie de execução.

Não há dúvidas de que a norma em análise prestigia e beneficia a vítima, todavia é mais gravosa ao réu, exigindo instrução específica para oportunizar ao acusado, o devido processo legal, no que diz respeito à apuração da existência de dano e fixação do quantum reparatório.

Afinal, não se pode negar ao acusado, o direito de produzir provas e refutar aquelas que, porventura, sejam produzidas contra ele, a fim de que possa, com isso, influir na livre convicção do julgador. Tal garantia, por questões óbvias, deverá ser observada antes mesmo da entrega da prestação jurisdicional com a prolação da sentença, a fim de se evitar qualquer sorte de nulidades.

Este é o teor da Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta.”

3.2 ALTERAÇÕES DA LEI 11.719/2008 E A AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Entendendo que a reparação do dano, com a alteração legislativa, passou a fazer parte integrante da persecução penal, tal como ocorre para apuração da materialidade, autoria e culpabilidade relacionadas à prática do crime, deve então, esta eventual reparação, conformar-se com as regras e ditames postos na Constituição Federal, não sendo possível afastar, para apuração de sua existência, quantificação e fixação do dano – ainda que, considerado, como valor mínimo – as garantias e princípios constitucionais que norteiam o direito e o processo penal.

E por força da igualdade substancial, que tem assento constitucional, o quantum, ainda que, considerado como o mínimo a título de reparação, somente poderá ser estipulado pelo julgador, quando houver pedido expresso de indenização, oportunizando-se, ainda, ao acusado, o pleno exercício da ampla defesa.

Guilherme de Souza Nucci sustenta que se deve

12 TAVORA. Nelson. Curso de Direito Processual Penal.3.ed.Salvador:Juspodium,2009.p.182.

Revista Jurídica 12.indd 44-45 04/09/2015 10:27:58

Page 25: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

46 47

aline mara lustoza fedatoa lei 11.719/2008 e a afronta às garantias constitucionais do acusado

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

atinentes ao direito substantivo e não ao adjetivo, sendo, pois, regido pelo princípio penal da retroatividade benéfica, e não da aplicação imediata, de modo que, por esta razão, suas disposições somente poderão alcançar os crimes ocorridos após o advento da lei.

5 CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo analisar as medidas cautelares reais do processo penal – seqüestro, hipoteca legal e arresto – demonstrando a natureza predominantemente civil de duas delas, haja vista que mais do que acautelar o processo penal, intentam, em verdade, assegurar o patrimônio do réu para possibilitar posterior reparação à vítima por danos que, eventualmente, tenha experimentado pela prática do delito.

A Lei 11.719/2008 que, ao introduzir o artigo 387 do Código de Processo Penal, possibilitou ao julgador fixar, já na sentença penal condenatória, um valor mínimo de indenização à vítima, cuja decisão, após o trânsito em julgado, torna-se título executivo judicial que poderá ser perseguido na esfera cível.

Com o trânsito em julgado da decisão, o título adquire liquidez e certeza, não sendo oportunizado ao condenado, qualquer discussão acerca do valor mínimo fixado na sentença penal.

Considere-se, no entanto, que se de um lado a lei protege o direito da vítima à reparação – inclusive possibilitando a decretação de medida cautelar para assegurar seu futuro crédito – de outro ofende os direitos e garantias fundamentais do acusado, na medida em que não cria um momento processual adequado para que se defenda do quantum indenizatório que poderá, ao final do processo, ser fixado de ofício pelo magistrado.

Não bastasse a evidente inconstitucionalidade da lei que não permite ao réu, durante o processo de conhecimento, qualquer defesa quanto a eventual valor indenizatório, certo é que, ainda que a nova norma tenha caráter heterotrópico, tem sido aplicada aos processos já em curso, ao arrepio do princípio da irretroatividade da lei penal.

Os direitos e garantias fundamentais representam verdadeira limitação ao poder estatal, resguardando os cidadãos de atitudes totalitárias e arbitrárias que, porventura, possam sofrer. Assim, não basta que o legislador constitucional e infraconstitucional crie normas limitadoras ao poder do Estado, faz-se necessário que este mesmo Estado assegure a todo e qualquer cidadão submetido a processo judicial, o direito ao contraditório e a ampla defesa, a fim de que não venha a ser privado de seus bens sem o devido processo legal.

REFERÊNCIASASSIS, Araken de. Eficácia Civil da Sentença Penal. São Paulo: Atlas, 2007.

BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. A sentença penal de acordo com as leis de reforma. In NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8 ed. RT: São Paulo, 2008.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MACHADO, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

MOUGENOT, Edilson Bonfim. Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. RT: São Paulo, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

(...) Ademais, ainda que mínimo, tenho que ao Juiz não é facultado fixar livremente o montante que entenda cabível. O magistrado deve cotejar os elementos probatórios do processo sob a égide do contraditório, apurando a indenização efetivamente devida.(...).

De modo que, é possível concluir que a alteração legislativa não permite ao julgador arbitrar ex officio o valor da reparação do dano, sem antes, haver pedido expresso do ofendido e a demonstração da existência do dano e sua extensão, além de oportunizar ao acusado, que suportará todas as consequências da sentença penal, o direito de apresentar contraprova e as razões para a improcedência do pedido de reparação de dano ou de valor diverso da pretensão deduzida em Juízo.

4 CARÁTER HETEROTÓPICO DA NORMA

Se de um lado, em matéria de direito penal substantivo, o início da vigência das normas pode demandar algumas discussões, de outro, no campo processual, esta questão não encerra maiores dificuldades.

Por tratar-se de norma de cunho processual, e não incriminador, em regra, sua aplicação deve ser imediata, pois

o direito processual penal pátrio consagra, no artigo 2º. do CPP, o princípio do tempus regit actum, de forma que as normas de natureza eminentemente processual não retroagem e os atos processuais realizados sob a égide da lei anterior são considerados válidos16.

A problemática quanto à eficácia da lei no tempo, reside, então, nas normas de caráter heterotópico que, embora sejam formalmente consideradas processuais, têm conteúdo, eminentemente, material.

A importância na identificação de uma norma heterotópica transcende o campo doutrinário, para se tornar relevante, também, no plano prático, a fim de que se possa perquirir acerca da possibilidade, ou não, de sua imediata aplicação nos processos já em curso.

Assim, em que pese a Lei 11.719/2008, tenha alterado algumas disposições do Código de Processo Penal, o que poderia levar à falsa conclusão de tratar-se de norma de natureza processual, de aplicação imediata, certo é que, seu conteúdo eminentemente material, confere-lhe a característica de norma heterotópica.

Isto porque, a despeito de estar inserido no diploma processual penal, o artigo 387, IV do CPP, possui conteúdo material, na medida em que, a conseqüência maior de sua aplicação, será influir, diretamente, no patrimônio do acusado.

Deste modo, não seria crível admitir que em processos inaugurados antes do advento da Lei 11.719/2008, pudesse o magistrado, amparando-se nas disposições do artigo 387, IV do CPP, estabelecer o quantum a ser reparado à vítima, pelos danos que suportou em decorrência da prática delituosa, haja vista que, ao acusado, não teria sido, sequer, possibilitada a discussão acerca de seu eventual cabimento.

Assim, dado o caráter heterotópico da norma disposta no artigo 387, IV do Código de Processo Penal, para sua aplicação, deverão ser observados os princípios

16 STJ.HCn.35.603-CE.5ª.Turma.RelatorMinistroFélixFischer.Julgadoem19/04/2005.

Revista Jurídica 12.indd 46-47 04/09/2015 10:27:59

Page 26: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

49

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedo

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

48

a lei 11.719/2008 e a afronta às garantias constitucionais do acusado

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

DA ANTINOMIA ENTRE OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO E AS METAS IMPOSTAS ÀS DECISÕES

JURISDICIONAIS

Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki17

Anderson de Azevedo18

RESUMOA pesquisa, pelo método dedutivo, verificou a formatação das decisões proferidas pelo poder judiciário frente ao crescimento dos litígios oriundos de uma sociedade globalizada. Observou-se a constante imposição de metas para a concessão de decisões imediatas e ‘céleres’ na contramão dos princípios constitucionais do processo. Ocorre que, decisões formadas pelo imediatismo processual tendem a violar os princípios processuais constitucionais. Sob tal impasse, é que foi analisado tais antinomias com o fim de alcançar respostas aptas a visualizar o processo garantista, que é concebido tanto pelo modelo atual, quanto pelo novo Código de Processo Civil.PALAVRAS-CHAVE: antinomias; decisões judiciais; metas; princípios processuais constitucionais.

ABSTRACTThe study, by the deductive method, found the formatting of the decisions made by the judiciary against the growth of litigation arising from a globalized society. There was the constant imposition of targets for the provision of immediate decisions against the constitutional process principles. It is that decisions formed by procedural immediacy tend to violate the constitutional procedural principles. Under such an impasse, that was analyzed such antinomies in order to achieve answers able to view the garantista process, which is designed by both the current model, as the new Civil Procedure Code.KEYWORDS: antinomies; judicial decisions; justice; targets; constitutional principles of the process.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 DOS PRINCÍPIOS FRENTE O PODER DE DECISÃO. 2.1 DO ACESSO À JUSTIÇA. 2.2 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL: MOTIVAÇÃO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 2.3 DOS PRINCÍPIOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 3 A TENDÊNCIA DAS DECISÕES NA CONTEMPORANEIDADE E A (IN)OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade globalizada é marcada por uma diversidade cultural, econômica, étnica, religiosa, constante aumento populacional, mesclada pela miscigenação de valores pessoais e pelas facilidades que a tecnologia proporciona. Esse cenário é perfeito para a ocorrência de situações deflagradoras de litígios.

Como meio de dirimir tais litígios, ao cidadão é assegurado direito de acesso à justiça. No entanto, essa prerrogativa não compreende apenas o ato de propor ou de provocar atividade jurisdicional, mas consiste em participar e interferir pessoalmente na ordem jurídica justa, com mecanismos processuais que permitam a mais ampla defesa.

É notório também que para que seja assegurada a consecução de tal desiderato, princípios constitucionais e processuais como do devido processo legal, da motivação, do contraditório devem ser observados e cumpridos.

No entanto, surge um impasse frente ao poder de decisão conferido ao magistrado. Pois, como assegurar tais princípios frente uma sociedade que reclama por decisões

17 MestreemDireitoNegocialpelaUniversidadeEstadualdeLondrina(UEL).ProfessoradoCentroUniversitárioFiladélfia(UniFil).Email:[email protected]

18 Mestre emDireito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor da Universidade Estadual deLondrina(UEL)edoCentroUniversitárioFiladélfia(UniFil).Email:[email protected]

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: RT, 2008.

TAVORA. Nelson. Curso de Direito Processual Penal. 3.ed. Salvador: Juspodium, 2009. p. 182.

Revista Jurídica 12.indd 48-49 04/09/2015 10:27:59

Page 27: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

50 51

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

regras” (CAMBI, 2009, p. 87).Quanto aos princípios, Eduardo Cambi expõe que (2009, p. 88):

[...] por conterem normas imediatamente finalística (sendo que apenas, mediatamente, preocupam-se com as condutas), estabelecem fins a serem atingidos pela promoção de bens jurídicos (estados da coisa), que impõem condutas necessárias para a sua preservação ou realização. Logo, possuem caráter deontológico (porque estipulam razoes para a existência de obrigações, permissões ou proibições) e teleológico (porque a obrigações, permissões e proibições decorrem dos efeitos advindos de determinado comportamento que preservam ou promovem determinado bem jurídico). Os princípios não se dissociam dos valores, porque representam o seu aspecto deontológico, posto que, além de demonstrarem que algo é bom e vale a pena ser buscado (caráter axiológico das normas), como fazem os valores jurídicos, também determinam que esse estado de coisas deve ser preservado ou promovido.

Portanto, são alçados no centro do sistema jurídico, uma vez que “irradiam ou se expandem” por todo o ordenamento, condicionando a interpretação e a aplicação das normas, permitindo a leitura moral do direito.

Neste diapasão, é certo que os princípios, na fase mais normativista do Direito, detinham uma feição e um tratamento meramente “privatístico”, passando, portanto, a ingressar definitivamente no campo do Direito Público no século XX. Nessa nova etapa, os princípios passaram a integrar as Constituições contemporâneas cuja matéria passou a contar com um conteúdo dotado de “supremacia” frente à legislação ordinária e complementar e, para a qual, o ordenamento constitucional criou um “sistema de freios”, com o intuito de não ver seu conteúdo atingido de forma igual àquela com que se modifica qualquer outro mandamento da legislação infraconstitucional.

Contudo, o aspecto central desta pesquisa e de relevo exponencial perante a sociedade, é a verificação de que valia alguma compreende o estabelecimento de tais ditames, bem como a exultação dos princípios (conseqüências do neopositivismo e o neoconstitucionalismo), se não observados pela sociedade jurídica bem como pelos tribunais em um resguardo de sua eficácia e alcance. Assim, é indubitável que devem ser perseguidos pelos julgadores, para que não incidam na pecha do descaso, retirando, desse modo, da Constituição seus valores basilares (BARROSO, 2009, p, 321).

É irrefragável que a efetividade da jurisdição se encontra intimamente relacionada à eficácia concreta dos direitos constitucionais, pois, sem uma efetiva tutela impossível conquistar a assegurada proteção estatal. No entanto, para que seja efetivo, o processo deve ser visto como uma real participação democrática, mediante a existência de um “diálogo” entre o julgador e as partes demandantes, visando o encontro de decisões pacificadoras (GRECO, 2005, p. 225).

Conforme Duarte (2013), o juiz passa a ter um relevante papel pois, imprescindível um agir orientado por princípios que orientam efetivamente os comportamentos adotados, buscando, assim, tornar o processo um “instrumento ético de realização da justiça e de pacificação social” por intermédio deste e “não um mero jogo entre as partes” (CALAMANDREI, 1950, p.31).

Sujeitos ou partes processuais, envoltos na celeuma formal da controvérsia, mas que violem as diretrizes constantes dos princípios orientadores de suas condutas, desvirtuarão a finalidade do processo. Nessas circunstâncias, ocorrerá a deturpação do

imediatas e que tem como conjetura que justiça retardada é justiça denegada?O sistema judiciário-processual atual prima muito pela rápida solução de litígios,

a partir de uma postura muito mais quantitativa do que qualitativa das proposições sentenciais. Isto porque, impulsionados por metas, pelo anseio de uma produção ágil para a conquista de promoções, os julgadores, valendo-se de decisões na maioria das situações padronizadas, com rasas motivações, conferem aos demandantes tutelas que além de não observar princípios comezinhos do processo, não proporcionam o devido acesso à justiça.

Assim, será observado na presente pesquisa que, embora a sociedade tenha a necessidade de receber provimentos judiciais céleres, estes, simultaneamente, para que atendam aos anseios de efetividade, jamais podem primar unicamente pelo aspecto quantitativo, ainda que imposto por meio de metas, pois, cada litígio deve ser observado como único, diverso de qualquer outro, por maior semelhança que contenha, o que importa no respeito dos princípios constitucionais e processuais para o alcance do fim maior.

2 DOS PRINCÍPIOS FRENTE O PODER DE DECISÃO

Segundo Eduardo Cambi (2009, p. 83), o neopositivismo, como consequência filosófica do neoconstitucionalismo, concebe-se como uma nova forma de interpretação e de aplicação do direito. Isto porque, embora parta das bases do positivismo jurídico, procura encontrar uma outra forma de compreensão do fenômeno jurídico, que exige o ato de interpretar, compreendendo, assim, o “significado objetivo” de um texto, pois, antes da interpretação não há norma mas tão somente um texto. Assim, não há um significado interno ou intrínseco ao texto que prescinda da interpretação. Interpretar não é declarar algo que já existe, mas compreende a construção de “versões de significado” (MARINONI, 2006, p. 93).

É certo que o texto, ainda que constitucional concebe-se como apenas um ponto de partida do processo de interpretação-concretização normativa (CAMBI, 2009, p. 85-86). Desse modo, o “texto ou a letra da Constituição ou da lei não contém, antecipada e automaticamente, a decisão do problema a ser resolvido concretamente”. A razão a obtenção do “conteúdo semântico” do texto é atividade da hermenêutica jurídica, pautada em três pressupostos que concebem a metodologia dedutivo-positivista:

i) a letra da lei ou da Constituição não dispensa a averiguação de seu conteúdo semântico; ii) a norma não se identifica com o texto; iii) o âmbito normativo da norma está relacionado com elementos de concretização relacionados com o problema dependente de decisão (CANOTILHO, 2003, p. 1216).

Portanto, o direito nunca está concluído nos textos legislativos, já que não se concebe como obra exclusiva ou monopólio daquele que é o autor da regra jurídica. O “processo de produção jurídica” não se encontra encerrado em sua elaboração, mas, inicia-se com os legisladores e termina quando devidamente efetivado mediante a força de uma decisão administrativa ou judicial (ZAGREBELSKY, 2008, p. 133).

Nesse contexto, a Constituição não compreende apenas limite para o legislador, mas prevê um “programa positivo de valores” que devem ser por estes concretizados (MAIA, 2007, p. 02). Diferentemente da concepção constante no modelo positivista de direito, que conferia caráter secundário e subsidiário aos princípios jurídicos, a Constituição se caracteriza como uma “ordem objetiva de valores ou um sistema aberto de princípios e de

Revista Jurídica 12.indd 50-51 04/09/2015 10:27:59

Page 28: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

52 53

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

As reformas acima mencionadas proporcionaram aos indivíduos novos direitos, o direito ao acesso efetivo à justiça também ganhou uma nova atenção. No entanto, se mostrou necessária a implantação de mecanismos para sua efetiva concretização.

Constatou-se que o acesso à justiça correspondia a um requisito fundamental, o mais básico dos direitos humanos, existente num sistema jurídico moderno e igualitário (do ponto de vista universalista ocidental, obviamente) que pretende garantir, não apenas apresentar, os direitos a todos. Porém, para que tal função seja cumprida, necessário que os juristas reconheçam que as técnicas processuais servem às funções sociais. Logo, o acesso não é somente um direito fundamental, ele é o ponto ápice da moderna processualística, de modo que seu estudo pressupõe uma dilatação dos objetivos e métodos da hodierna ciência jurídica.

Dinamarco (2003, p. 372) sobre o contexto, se pronuncia arguindo que “acesso à justiça é mais do que um princípio, é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial”.

Marcacini (1996, p. 20-21), citando Kazuo Watanabe, leciona:

Por acesso à justiça, assim, não se resume o mero ingresso em juízo. Outros fatores mais se fazem necessários, a fim de que, ingressando em juízo, do processo resulte uma solução justa para o conflito. Dando maior dimensão a esta garantia, conclui Kazuo Watanabe que: “O direito de acesso à justiça é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa; são dados elementares desse direito: 1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do País; 2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; 3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; 4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características.

Não há mais quem possa suscitar, na academia, que a garantia de acesso à justiça compreende tão somente a possibilidade de se ajuizar uma ação judicial, o desenvolvimento processual e a garantia das decisões judiciais.

O “acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2003, p. 35). Como exposto por Xavier (2002), nos dias atuais, fazer tal afirmação é incorrer em equívoco uma vez que restringe o gênero a apenas uma de suas espécies, pois, obviamente o acesso à justiça representa uma garantia de acesso ao Poder Judiciário, mas não somente isto.

Assim, surge a noção pela qual acesso à justiça encontra-se diretamente ligada à busca do valor de Justiça pela sociedade, que, segundo Horácio Wanderlei Rodrigues, compreende o “acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano” (1994, p. 28).

E então, partindo destas premissas, advém o que compreende a ordem jurídica justa, que, nas palavras de Teori Albino Zavascki (1997, p. 32):

O direito à efetividade da jurisdição – que se denomina também, genericamente,

“caráter instrumental do processo, impedindo-o de realizar seus escopos jurídicos, políticos e sociais que em muito extrapolam a visão mesquinha de um mero jogo, onde o mais astuto é quem vence” (GOMES, 1995, p. 40).

Conforme exposto pela Carta Magna Brasileira, em seus artigos XXXV, LIV e LV, do artigo 5°, as garantias fundamentais do processo compreendem um dos pilares mais sólidos do Estado Democrático de Direito. Como tal, englobam todos os ramos do direito ante imposição suprema das normas constitucionais. Assim, representam regramento multidisciplinar de observância compulsória.

Nesse diapasão, Comoglio (2011, p. 137), apresenta uma classificação inerente às garantias fundamentais em: individuais e estruturais do processo. Para tanto, menciona que as garantias individuais compreendem o acesso à justiça, a imparcialidade do julgador, a ampla defesa, a assistência dos pobres, o juiz natural, a inércia, o contraditório, a oralidade e a coisa julgada. E, as estruturais, a impessoalidade da jurisdição, a permanência da jurisdição, a independência dos juízes, a motivação das decisões, a inexistência de obstáculos ilegítimos, a efetividade qualitativa, o procedimento legal, a publicidade, o prazo razoável, o duplo grau de jurisdição e o respeito à dignidade humana.

Importa analisar nesta pesquisa, considerando a relevância para o objeto sub examine, embora de modo sucinto, cinco destas garantias/princípios, quais sejam: Acesso à justiça, devido processo legal, a motivação e o contraditório e ampla defesa.

2.1 DO ACESSO À JUSTIÇA

Em meados da década de 70, Cappelletti já afirmava que o conceito de acesso à justiça vinha sofrendo uma transformação correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos Estados onde predominava a “burguesia” - séculos XVIII e XIX, os procedimentos utilizados para a resolução dos litígios civis refletiam numa situação individualista dos direitos. Desse modo, o direito ao acesso a uma tutela judicial significava o direito apenas “formal” do indivíduo de propor ou contestar uma ação, pois embora o acesso à justiça tratasse de um direito natural, estes não necessitavam de uma ação do Estado para serem efetivamente protegidos (CAPPELLETTI; GARTH, 1978, apud NORTHFLEET, 2002, p. 09).

Tal proceder ocorria pelo fato desses direitos serem considerados anteriores ao Estado, de modo que sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros, ou seja, detinham um estado passivo em relação aos problemas referentes ao reconhecimento dos direitos das pessoas, e na sua defesa adequada no sentido prático (NORTHFLEET, 1988, p. 09).

No momento em que as ações e relacionamentos passaram a assumir um caráter mais coletivo que individual, devido à transformação do conceito de direitos humanos, as sociedades modernas foram, aos poucos, abandonando a visão individualista dos direitos e passaram a reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. De modo que, estes novos direitos humanos eram necessários para “tornar efetivos”, e “realmente acessíveis a todos”19 os direitos antes proclamados. Assim, foi observado que a atuação positiva do Estado era necessária para assegurar o gozo de todos os direitos sociais básicos (CALAMANDREI, 1968, apud NORTHFLEET, 1988, p. 11).

19 Preâmbulo da Constituição Francesa de 1946, que foi incorporada ao Preâmbulo da atual Constituição de 1958,reconhecendo o acréscimo de direitos sociais e econômicos aos direitos civis tradicionais.

Revista Jurídica 12.indd 52-53 04/09/2015 10:27:59

Page 29: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

54 55

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

que for proposta uma demanda, formulado um pedido e ou requerido uma providência por alguma das partes, deverá ser concedido à outra a oportunidade de se manifestar, assegurando com isso, a paridade. Com isso assegura-se o desenvolvimento do processo em discussão dialética e a fiscalização recíproca das alegações das partes (GONÇALVES, 1992, p. 127).

Alexandre de Moraes (1999, p.113), sobre o tema, traduz o princípio do contraditório como “a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente”.

A concepção tradicional do princípio do contraditório evoluiu21 por influência do direito alemão, de modo que, ganhou contornos mais extensos, fazendo com que atualmente, seja entendido como a garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o trâmite da demanda, mediante a possibilidade de influírem, com condições de igualdade, em todos elementos relacionados com o objeto da causa e que, em qualquer situação do processo, figurem relevante para o convencimento do órgão julgador. Assim, é possível afirmar que o ápice do contraditório deixou de ser a defesa, na acepção negativa de oposição ou resistência à atuação da parte adversa, para ser a influência, no sentido positivo do direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

No que se refere ao juiz, em decorrência do seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, todavia, equidistantes destas, de modo que:

[...] ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas as possibilidades de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz. Somente pela soma da parcialidade das partes (uma representante a tese e a outra, a antítese) o juiz pode corporificar a síntese, em um processo dialético. É por isso que foi dito que as partes, em relação ao juiz, não têm papel de antagonistas, mas sim de “colaboradores necessários”: cada um dos contendores age no processo tendo em vista o próprio interesse, mas a ação combinada dos dois serve à justificava na eliminação do conflito ou controvérsia que os envolve (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2004, p. 55).

Bedaque (2002, p. 13-52) alude que “não se concebe contraditório real e efetivo sem que as partes possam participar da formulação do convencimento do juiz, mesmo tratando-se das questões de ordem pública, cujo exame independe de provocação”.

Diante disto, adentrando-se à ampla defesa, abstrai-se que esta consiste na possibilidade que detêm as partes à disposição para arguírem sobre os fatos que possam lhes convir, de todas as formas admitidas e, consequentemente, provar seus direitos (MONTENEGRO FILHO, 2005, p. 60). Assim, trata-se da garantia de valerem as partes de quaisquer provas lícitas e moralmente legítimas para ratificar a existência do direito que sustentam. Observando, no entanto, que tal defesa apenas de ampla, não é ilimitada, motivo pelo qual é passível que haja convenção sobre tal dimensão.

Conforme Hoffman (2006, p. 33), a ampla defesa coloca à disposição das partes – não somente do réu- uma vasta possibilidade de alegações e de produção de provas mediante um sistema procedimental lógico e coerente para que suas alegações e defesas sejam trazidas a juízo, permitindo, desse modo, a disputa e o diálogo entre as partes para propiciar a mais justa e adequada decisão.21 “a ideia de participação, como elemento integrante do contraditório, já era antiga. Mas o conceito de contraditório desenvolveu-se em uma dimensão mais ampla. Já não é mera participação ou a participação efetiva das partes no processo. O contraditórioéagarantiadaparticipaçãodaspartes,emsimétricaigualdade,noprocesso”[...].(GONÇALVES,1992,p.127).

direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa – consiste no direito de provocar a atuação do Estado, detentor do monopólio da função jurisdicional, no sentido de obter, em prazo adequado, nao apenas uma decisão justa, mas uma decisao com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.

Horácio Wanderlei Rodrigues (1994, p. 28-31) também entende o acesso à justiça como a promoção a uma ordem jurídica justa, que não se limita ao ingresso aos órgãos do Poder Judiciário, mas que corresponde à afluência de valores e direitos fundamentais do homem e dos meios materiais e processuais para a efetivação da justiça.

Abstrai-se que o acesso à justiça compreende efetiva garantia constitucional, pois, abarca a denominada ordem jurídica justa. Portanto, não se traduz somente à busca por tutelas perante um órgão jurisdicional, mas, a obtenção de um provimento adequado, em tempo razoável e assegurado para todos os que necessitam.

2.2 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL: motivação. Contraditório e ampla defesa.

Dado o conjunto de garantias constitucionais que asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais indispensáveis ao exercício da jurisdição, é que se apresenta o devido processo legal como o direito ao procedimento adequado, não conduzido tão somente por um pálido contraditório, mas, em observância à realidade social e acima de tudo consentâneo a relação de direito material analisada (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2004, p. 82).

Portanto, desdobra-se o devido processo legal na “dúplice garantia do juiz natural, não mais restrito à proibição de bills of attainder e juízes ou tribunais de exceção, mas abrangendo a dimensão do juiz competente” e, nas garantias compreendidas expressamente no processo civil, dentre as quais, se mostra aqui pertinente a motivação, o contraditório e a ampla defesa.

Tradicionalmente a motivação das decisões judiciais era visualizada como garantia das partes, possibilitando a função de impugnação para efeito de reforma. Logo, a necessidade de fundamentação restringia-se a tal funcionalidade. Modernamente, mediante o ressalte da função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não se limitam às partes e ao juiz competente para julgar eventual recurso, mas quisquis de populo, com o objetivo de aferir-se a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões, a motivação passou a ter uma acepção mais abrangente, inclusive constitucionalmente20 explícita, indicando o rumo correto da aplicação do direito.

Assim, porque o juiz não ser simplesmente um aplicador da lei, mas verdadeiro intérprete e, portanto, responsável pela efetivação e aplicação da norma posta pelo legislador perante os jurisdicionados que buscam a efetiva prestação jurisdicional, é que denota seu dever de motivação.

Nesse interim se mostra a relevância do princípio do contraditório e da ampla defesa: o primeiro, caracterizado como da audiência bilateral, encontra expressão no brocardo romano audiaturet altera pars (FREITAS, 1996, p. 96). Consagrado no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, é compreendido como a determinação de que, sempre

20 Art. 93, inciso IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas asdecisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.Disponívelem:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.Acessoem20dejulhode2014.

Revista Jurídica 12.indd 54-55 04/09/2015 10:27:59

Page 30: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

56 57

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

“valores e princípios constitucionais”, demonstra o propósito de acolher a teoria do direito processual constitucional. Ou seja, àquela que visa um processo justo e que acarrete, consequentemente, uma decisão justa. Isto porque, o direito ao justo processo embora seja condição necessária, não é suficiente para a prolação de uma decisão em conformidade com o direito.

É imprescindível, como expõe Cássio Scarpinella Bueno (2012, p. 92), que o direito processual civil seja lido e interpretado de maneira a realizar os direitos fundamentais, oriundos da determinação constitucional. Assim, tais direitos devem ser de forma concreta realizados, não sendo meras normas programáticas, mas direito fundamental à efetiva jurisdição.

Como interessa a análise dos princípios acima expostos, convém analisar os artigos 4° a 9°22, considerando justo o processo cujo referencial é a dignidade da pessoa humana, o respeito ao devido processo legal, o contraditório participativo, além das garantias de igualdade, publicidade e duração razoável do processo.

Isto porque, a tutela dos direitos deve ser prestada por meio de uma adequada jurisdição, em prazo razoável, a fim de extirpar-se a ineficiência estatal gerada por entraves que ferem o regular andamento processual e postergam a integral solução da lide (MARINONI, 2011, p. 229-230).

Por outro lado, o Código revela-se sensível ao problema da morosidade processual, caracterizada pelos inúmeros recursos, empregando esforço para reduzi-los e dinamizar o procedimento, com enfoque garantístico. Assim, visa a celeridade (não a qualquer custo), mantendo vinculação às garantias de efetivação de um processo adequado (FUX, 2011, p. 01).

De fato, é incontroversa a necessidade de determinado tempo para que o processo se desenvolva de modo a abrigar valores constitucionais.

Aqui, o ponto: o processo não pode ser célere-imediatista, porque será inapto para satisfazer os anseios dos demandantes, violando, ainda, a própria Constituição Federal (direitos fundamentais, regras e princípios). Nem demasiada moroso, pela manifesta injustiça que reside na demora da aplicação do direito.

É preciso que perpetue na sociedade e na mente dos envolvidos pelo processo que o procedimento não é um problema, mas sim, como um meio de solução que se encontra a serviço da sociedade. Logo, processo justo, como expõe Pinheiro Carneiro (2003, p. 69) é inimigo das metas matemáticas e do modo de pensar que pretende seu extermínio a todo custo, violando o que quer que seja.

Especificamente no artigo 5° do Novo Código de Processo Civil, é ditada a regra da boa-fé e lealdade. Sem dúvidas, a postura dos envolvidos no processo deve sempre ter como fim a busca de solução para o conflito mediante um adequado comprometimento com o resultado. E para tanto, imprescindível a postura ética das partes comprometidas com os valores do processo constitucional e justo (CARNEIRO, 2003, p. 63-64).

No entanto, tal postura estende-se também ao juiz (o artigo 5º registra Aquele que de qualquer forma participa do processo...) que deve conduzir o processo de forma eficaz e comprometida com os ditames do Estado Democrático de Direito, aproximando, dessa forma, as partes e buscando soluções compatíveis com o pleito. Ingressar efetivamente

22 Disponívelem:<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97249>.Acessoem30dejulhode2014.

Pelo fato do contraditório não estar reservado tão somente ao direito do réu, mas sim de todas as partes envoltas ao processo, até o sujeito imparcial (juiz), deve ser assegurado tais direitos e, acima de tudo velar pela realização efetiva destes no âmbito processual. Isto porque, a efetividade dos direitos fundamentais depende do desenvolvimento dos princípios acima elencados. Assim, qualquer situação diversa a esta possibilita a incidência de retrocesso não aceitável na esfera jurídica.

Nesse sentido, são as palavras de Andrade (1987, p. 310-311):

[...] A cláusula de proibição de retrocesso social está ligada a proteção dos direitos fundamentais econômicos, sociais e culturais. Serve para limitar a liberdade de conformação e a possibilidade de arbítrio do legislador, a fim de que se evite a destruição do mínimo de garantias necessárias à realização desses direitos fundamentais.

Cambi (2009, p. 229), sobre o tema, também expõe que:

O princípio de proibição de retrocesso, no direito brasileiro, além de poder ser retirada da garantia fundamental do devido processo legal em sentido substancial, também encontra fundamentação na noção de Estado Democrático de Direito (art. 1°, caput, CF) e no princípio da segurança jurídica (art. 5°, caput, CF). Também pode ser extraída da cláusula pétrea contida no art. 60, § 4°, IV, da CF, pela qual não pode ser objeto de emenda constitucional proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Tal proibição de retrocesso não é absoluta, não servindo para engessar a argumentação e os espaços democráticos, mas apenas para assegurar condições materiais básicas para o exercício democrático de todos.

Como se abstrai, dado o caráter fundamental ínsito aos princípios acima elencados, qualquer nova medida, seja no âmbito legislativo, administrativo ou judicial que implicar espécie de retrocesso, deve ser motivada pela comprovação da existência de alternativas ou compensações, bem como que todos os recursos públicos foram aplicados.

Ou seja, imprescindível que seja evidenciado que a não implementação de determinados direitos justifica-se pela realização de outros considerados prioritários, mediante realização de necessidade concreta. Isto porque, deve incidir presunção de inconstitucionalidade para qualquer norma ou medida que incida em tal retrocesso, transferindo-se, desse modo, ao poder público o ônus de provar a razoabilidade-proporcionalidade da decisão ante a exposição de justificativas da medida adotada (BONTEMPO, 2008, p. 229).

2.3 DOS PRINCÍPIOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Ante a relevância inerente aos princípios e, o novo Código de Processo Civil, necessário de forma concisa analisar os princípios de maior relevo para esta pesquisa junto ao aludido Código.

Pois, conforme Marinoni e Mitidiero (2010, p. 60) o novo Código desponta como verdadeiro Diploma da Contemporaneidade ou da Pós-modernidade, com regras adequadas à estrutura constitucional, visto que, firma suas concepções em eixos oriundos do Estado Constitucional, da tutela de direitos e do processo justo.

Ao contemplar o artigo 1°, verifica-se que o legislador, ao expor a expressão

Revista Jurídica 12.indd 56-57 04/09/2015 10:27:59

Page 31: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

58 59

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

No entanto, para que tal amparo estatal seja efetivo, nao importa tão somente no cumprimento dos requisitos processuais, constantes no Código de Processo Civil, é imprescindível que todos os princípios, dentre estes, os elencados acima, sejam observados, respeitados e cumpridos por todos os envolvidos no litígio, a incluir, o julgador.

Todavia, dificuldades expressivas são encontradas na sociedade pós-moderna para em integridade ser fiel à realização desta tutela jurisdicional, e consequentemente, garantir um processo justo e em consonância a ordem jurídica justa.

Isto porque, é indubitável que a sociedade encontra-se em constantes transformações e com ela, o Direito. Assim, vislumbra-se a necessidade de simultaneamente atender os anseios de todos que buscam do Poder Judiciário uma solução apta a satisfazer suas necessidades e, em velocidade que acompanha a realidade social.

Diante deste cenário em que as pessoas não têm disposição de tempo, mas ao contrário, urgem pela eliminação imediata de seus conflitos, há uma antinomia entre o valor real e o valor atual do que consiste a efetividade processual, latente pelo mau gerenciamento da administração da justiça e pela proliferação dos litígios (frutos da sociendade contemporânea).

Neste contexto, dois pólos são aparentemente antinômicos: o primeiro atinente a necessidade de se concretizar a ordem jurídica justa, consistente na efetividade das garantias fundamentais processuais e, a segunda, intensificada pela sistemática de acesso à justiça, compreendida pela inércia dos demais Poderes em zelar pela consecução dos direitos fundamentais, que, embora expresso na Constituição não raras vezes são ignorados pelos responsáveis de sua implementação.

Com isto nasce a problemática: relacionar a efetividade das garantias fundamentais constitucionais e do processo com a massa de demandas que aguardam por julgamentos. Não há dúvidas que com tal situação, forma-se um contrapasso oriundo de sobrecarga e imobilização. No entanto, é certo que a eficiência do sistema processual não pode sobrepor-se a sua legitimidade, mas deve apartar a visão exclusivamente utilitarista e de eficiência do sistema como fim a ser realizado (NUNES; FRANCO BAHIA, 2009, p. 117-139).

Nesse diapasão são as palavras de Santos, Marques e Pedroso, in “Os Tribunais nas sociedades contemporâneas”:

[...] Por um lado, as medidas mais inovadoras para incrementar o acesso das classes mais baixas em breve foram eliminadas, quer por razões políticas, quer por razões orçamentais. Por outro lado, questionou-se o âmbito da tutela judicial, pois muitas vezes, apesar do seu alargamento, os tribunais continuaram a ser seletivos na eficiência com que responderam à procura da tutela judicial. Nuns países mais do que noutros, o desempenho judicial continuou a concentrar-se nas mesmas áreas de sempre. Além disso, o aumento da litigação agravou a tendência para avaliação do desempenho dos tribunais em termos de produtividade quantitativa. Essa tendência fez com que a massificação da litigação desse origem a uma judicialização rotinizada, com os juízes a evitar sistematicamente os processos e os domínios jurídicos que obrigassem a estudo ou a decisões mais complexas, inovadoras ou controversas.

Como se verifica, os tribunais das sociedades contemporâneas tendem a ter uma seletividade no que concerne à eficiência, mediante uma judicialização dotada de rotina, e que, infelizmente, acarreta a descaracterização da essência da finalidade.

Conforme exposto em tópicos anteriores, tal modelo infelizmente demonstra

no feito, apenas na audiência de instrução ou na decisão homologatória de sentença dos juizados especiais é violar esse dispositivo.

Ainda neste diapasão, o artigo 6°, inciso II, exige não apenas uma exposição da verdade, mas um agir pautado na cooperação e lealdade. Tal mecanismo compreende não apenas uma exposição do objetivo pleiteado, mas um lineamento subjetivo do provimento. Isto porque, o magistrado deve conferir uma solução que não se subsuma em totalidade ao previsto na norma, mas que elenque a busca criativa na resolução da questão, que se dá mediante participação direta na formação e na produção do direito, ante aplicação e integração de seus valores e escolhas.

Tal situação demonstra a necessidade inafastável de decisões (ainda que concisamente) fundamentadas, visto que, além de fundamentar é preciso que esta seja analítica e não sintética. Leonardo Greco (2005, p. 226) sobre tal proceder, expõe que o princípio da eficiência aponta relevo ao reforçar o papel do juiz-gestor. Pois, não tem apenas a função de julgar, mas de gerir e buscar o comprometimento administrativo da serventia.

Percebe-se que é latente a preocupação do legislador com os princípios constitucionais (advindos do pós positivismo). E quanto a tal, com o intuito de encerrar esta explanação, cumpre expor as menções de Sarmento (2006, p. 100) ao se posicionar quanto o dever de fundamentar:

Muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta “euforia” com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras “varinhas de condão”: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser.

Diante disto, observando a exultação dos princípios processuais tanto pela Constituição Federal, quanto pelo atual e pelo novo Código de Processo Civil, é imprescindível a indicação das razões do convencimento do julgador, mediante uma atuação clara e precisa. Pois, sem tal motivação, os princípios da boa-fé, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa podem também, como consequência, serem violados.

Ocorre que, como será analisado no tópico seguinte, nem sempre estes princípios tão exultados e de evidente preocupação pelo legislador são observados. Como infeliz conseqüência, resta dificultada e ou inalcançada a concretização dos direitos e do acesso à ordem jurídica justa pelos litigantes por imposições atinentes ao próprio sistema.

3 A TENDÊNCIA DAS DECISÕES NA CONTEMPORANEIDADE E A (IN)OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Dinamarco (2003, p.104) descreve a tutela jurisdicional como o amparo que o Estado ministra através dos juízes para quem tem razão num litígio inferido em processo. De modo que, tal tutela funda-se na obtenção de um bem pretendido ou a um fato imaterial desejado ou indesejado.

Revista Jurídica 12.indd 58-59 04/09/2015 10:27:59

Page 32: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

60 61

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

cada situação específica deve contar com uma análise individualizada. Nesse contexto, importa destacar a decisão abaixo a fim de fomentar esta pesquisa:

PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - META 2 - NÃO CONFIGURAÇÃO DO ABANDONO DE CAUSA PELO AUTOR - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL - CERCEAMENTO AO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA CONFIGURADO - SENTENÇA QUE SE ANULA. 1. A Meta 2, estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça, não constitui imposição ao magistrado de prolação de sentença, mas mera recomendação, sob pena de incorrer em inúmeras inconstitucionalidades formais e materiais. 2. Decerto, a denominada Meta 2 do CNJ, à luz da garantia de duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CRFB), preza a celeridade na tramitação dos feitos judiciais, não a extinção dos processos a qualquer custo. 3. É inaceitável que tal ato sirva como subterfúgio para a prolação de sentenças padronizadas, destinadas apenas a diminuir o acervo do Judiciário, melhorando suas estatísticas, sem que se tenha verdadeira, adequada e eficiente prestação jurisdicional. 4. Inobservância da norma do §1º. do art. 267 do CPC. Não houve intimação pessoal do demandante para dar andamento ao processo, sob pena de extinção, motivo pelo qual não restou configurada a falta superveniente do interesse de agir. 5. Nesse passo, não resta alternativa senão anular a sentença para determinar o prosseguimento do feito. DOU PROVIMENTO AO RECURSO, NA FORMA DO ART. 557, § 1º-A DO CPC .BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão na sentença no recurso de apelação n. 0007984-07.2003.8.19.0202- Relator DES. Marcelo Lima Buhatem. Publicado no DJU de 02-08-2011. Disponível em: <http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201100149649>. Acesso em 25 de julho de 2014.

Assim, ainda que as demandas submetidas ao judiciário se mostrem semelhantes, carecem de fundamentação que respeite as regras da Constituição e do Código de Processo Civil, a englobar os direitos fundamentais e os princípios, sob pena de incidir em grave violação.

No entanto, certo é também que compete aos advogados uma participação próxima do litígio para que seja oferecido ao juízo maior substrato apto a contribuir para a formação da convicção do julgador na construção da decisão. Conforme Barbosa Moreira (1988, 391-392), a atuação do advogado pode interferir diretamente na ação do magistrado.

Ante o exposto, é indubitável que a sociedade atual clama por decisões céleres que satisfaçam anseios imediatamente a apresentação das necessidades. No entanto, para que haja uma superabundância do acesso à justiça é necessário o aperfeiçoamento do sistema, mediante o binômio quantidade e qualidade.

Não basta aumentar a massa de decisões produzidas se estas além de não observarem princípios e garantias fundamentais não são capazes de atender as expectativas e anseios dos demandantes por meio de uma tutela que efetivamente caracterize o que corresponde à ordem jurídica justa. Considerando os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, essas decisões serão tão inócuas quanto o vácuo jurisdicional, abrindo espaço para o autoritarismo judiciário.

um retrocesso, em que empreende-se esforços com a finalidade de corresponder ao demandismo por meio de criação de mecanimos caraterizados como súmulas vinculantes, uniformização de jurisprudência, jurisprudencias defensivas, sentenças-padrão, julgamento por amostragem, enunciados de turmas recursais, dentre outros. Abstrai-se que a efetividade passou a ser compreendida (não acertadamente) como um fim, e não como um meio de se fazer justiça.

Além desta postura, o processo passa a ter uma avaliação em consonância ao seu desempenho, e a ética passa a ter seu lugar furtado pelas relações entre os elementos do sistema. A técnica passa a ser desfigurada por uma concepção de eficiência.

Essa concepção sobre o processo traz à sociedade um efeito inconsciente de que algo é bom se se mostra adequado ao seu fim e desde que este fim seja desejável por produzir resultados que satisfaçam a uma finalidade mais geral, como, por exemplo, a celeridade, pouco importantando a condição pessoal e particular dos envolvidos em causa. Neste sentido, o acesso à justiça não mais se desenvolve em conformidade com as garantias fundamentais, mas absorve desafagens, dentre as quais se observa a fundamentação sentencial sintética e desmotivada (THEODORO JUNIOR; NUNES. BAHIA, 2009, p. 09-46).

Verifica-se que o discurso de socialização processual encontra-se pautado na preocupação do acesso à justiça de forma quantitativa, tal qual o modelo de uma sociedade baseada na alta escala produtividade, sem se preocupar com o impacto decisório que a visada rapidez processual gera nos sujeitos do processo, mediante a condução de decisões distantes da realidade constitucional (e pessoal das partes impactadas pela sentença).

Conforme Greco (2005, p. 306-327) a eficiência do sistema processual conta com duas perspectivas: a quantitativa e a qualitativa. O panorama mais adequado ao Estado Democrático é o equilíbrio entre esses vetores, mediante a utilização de técnicas que prestigiam o processo justo e a participação democrática das partes. Todavia, conforme explanado, esta não é a visão de eficiência que perpetua junto ao sistema processual contemporâneo brasileiro.

Theodoro Junior, Nunes e Bahia (2010, p. 11-52) aludem que sob a perspectiva quantitativa, a eficiência compreende a velocidade dos procedimentos, os baixos custos, deixando ao esquecimento a qualidade do sistema processual e das decisões desse oriundo. Ainda, Pinheiro (2008, p. 561) aduz que “o importante não é utilizar a técnica processual simplesmente para a produção de uma grande quantidade de sentenças, mas sim visar a qualidade delas, ou seja: produzir sentenças justas”.

Nesse sentido, tanto a eficiência como a celeridade devem ser fins buscados pelo magistrado. Todavia, ante a cobrança que suporta tanto pelo Conselho Nacional de Justiça como pelo próprio Tribunal a que é vinculado (para fins de promoção na carreira), cria-se mecanismos catalizadores da atividade jurisdicional, mas que infelizmente, não atendem aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Theodoro Junior, Nunes e Bahia (2010, p. 11/52), sobre o contexto, trazem situação dos tribunais que, com intenção à uniformização da jurisprudência criam teses que são aplicadas indistintamente a situações semelhantes, mas que, dificilmente são idênticas. Aludem ser tal situação apta a ferir frontalmente direitos fundamentais, uma vez que aplicam decisões padronizadas ou “modelos” para casos distintos.

Assim, por ser a garantia de fundamentação das decisões um direito individual,

Revista Jurídica 12.indd 60-61 04/09/2015 10:27:59

Page 33: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

62 63

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em 28 de julho de 2014.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 13 de julho de 2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Acórdão na sentença no recurso de apelação n. 0007984-07.2003.8.19.0202- Relator DES. Marcelo Lima Buhatem. Publicado no DJU de 02-08-2011. Disponível em: <http://www4.tjrj.jus.br/ejud/ConsultaProcesso.aspx?N=201100149649>. Acesso em 25 de julho de 2014.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol 01. 5ª edição. Ed Saraiva, 2012.

CALAMANDREI, Piero. Il Processo come Giòco, In:Riv. DirProc., 1950, 1ª parte, p. 23-51 (trad. El Proceso como Juego, por Santiago Sentis Melendo, in Estudios sobre el Proceso Civil, Buenos Aires: Ejea, 1986.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas protagonismo judiciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

_______. Direito constitucional e a prova no processo civil. São Paulo: RT, 2001.

_______. Verdade processual objetivável. Revisa de Processo. Vol. 96, out-dez. 1999.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998.

_______. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 5ª e 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2002 -2003.

CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Briant. Acesso à justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública, 2 edição. Editora Forense. 2003.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo de Andrade. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19 e 20 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003 - 2004.

COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado, TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile, 5 ed. Bologna: Il Mulino, 2011.

DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Os Princípios e as Garantias Fundamentais no Projeto de Novo Código de Processo Civil: Breves Considerações acerca dos Artigos 1 a 12 do PLS 166/10. Revista Eletrônica de Direito Processual. Vol. VI. Jul-dez 2010.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

DUARTE, Antonio Aurelio Abi Ramia. Os princípios no projeto do novo Código de Processo Civil: visão panorâmica. In: Revista Justiça e Cidadania. Editora Jac.Jan/fev/mar, Ano 2013. Disponível em: <http://www.editorajc.com.br/2013/03/os-principios-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil-visao-panoramica>. Acesso em 20 de julho de 2014.

FREITAS, José Lebre de. Introdução ao processo civil: conceito e princípios gerais. Coimbra: Editora Coimbra, 1996.

GOMES, Sergio Alves. Os poderes do juiz na direção e instrução do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

GONÇALVES, Plínio Aroldo. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.

GRECO, Leonardo. Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo. In: Estudos de

4 CONCLUSÃO

Verificou-se que a alocução da socialização processual encontra-se pautada principalmente na preocupação do acesso à justiça e de tutelas jurisdicionais quantitativas, mediante a concretização de uma justiça de alta produtividade, sem se ater com o impacto decisório que a visada rapidez processual pode gerar, diante de uma condução distante da realidade dos princípios constitucionais do processo (acesso à justiça, devido processo legal, motivação, contraditório e ampla defesa).

Constatou-se que principalmente pela imposição social oriunda da globalização, decorrentes do aumento do acesso ao Judiciário, são impostas metas aos julgadores para que confiram decisões céleres aos demandantes.

No entanto, estas devem atender a efetividade que urge ao processo (mediante observância e aplicação dos princípios constitucionais processuais), concretizando, assim, o real acesso à justiça e a ordem jurídica justa, visto que somente se mostrará virtuosa quando não colocar no limbo tais valores adstritos ao processo.

Assim, percebe-se que o verdadeiro acesso à justiça somente poderá se concretizar e, portanto, conferir a efetividade almejada pelos demandantes, quando o magistrado se propuser a entregar soluções adequadas e hábeis ao jurisdicionado, com a concessão de uma tutela célere, mas, sobretudo, constitucional.

REFERÊNCIASANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre a “Participação do Juiz” no Processo Civil. In: Participação e Processo. GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido; WATANABE, Kazuo (Org.).. São Paulo: Ed. RT, 1988.

BARROSO, Luis Roberto (Org). Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In: A Nova interpretação Constitucional – Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

_______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista Eletrônica da Reforma do Estado (RERE), Salvador,Instituto Brasileiro de Direito Público, Edição 09, jan/fev/mar, Ano 2007, disponível em <http://www.direitodoestado.com.br/artigo/luis-roberto-barroso/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direitoo-triunfo-tardio-do-direito-constitucional-no-brasil>. Acesso em 20 de julho de 2014.

_______. Diferentes, mais iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. In:Revista Diálogo Jurídico, n. 16, mai-ago. 2007.

_______. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, Rio de Janeiro: Saraiva, 2009.

BEDAQUE, Jose Roberto Dos Santos. Causa de Pedir e Pedido no Processo Civil: questões polêmicas. Coord. de José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.

BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos sociais. Eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2008.

BRAGA, Antonio Pereira. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Max Limonad.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 24 de julho de 2014.

Revista Jurídica 12.indd 62-63 04/09/2015 10:27:59

Page 34: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

64 65

ana caroline noronha gonçalves okazaki, anderson de azevedoda antinomia entre os princípios constitucionais do processo e as metas impostas às decisões jurisdicionais

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. Ed. São Paulo: RT, 2008.

WATANABE, Kazuo.Da cognição no processo civil. São Paulo: RT, 1987.

_______.Acesso à justiça e sociedade moderna.Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

XAVIER, B. R. Um novo conceito de acesso à justiça: propostas para uma melhor efetivação de direitos, in Revista Pensar. Ano VII, vol. 07, Fortaleza, 2002. Disponível em: <http://www.unifor.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=188&textCode=3675&date=currentDate>. Acesso em 29 de julho de 2014.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. 8. Ed. Trad. Maria Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2008.

ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Prazo Razoável – Direito à Prestação Jurisdicional sem Dilações Indevidas. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil 22, mar-abr, 2003.

ZAVASCKI, Teori Albino Medidas cautelares e medidas antecipatórias: Técnicas diferentes, função constitucional semelhante. In: Inovações do Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

ZUCKERMAN, Adrian A. S. Justice in crisis: comparative dimensions of civil procedure. In: Civil Justice in crisis. Oxford: Ed. Zuckerman, 1999.

Direito processual. Vol I. Rio de Janeiro: Ed Faculdade de Campos. Coleção José do Patrocínio. 2005.

HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro. São Paulo: Loyola, 2002.

HOFFMAN, Paulo. Razoável duração do processo.São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2006.

FUX, Luiz. O Novo Processo Civil Brasileiro. Direito em expectativa. São Paulo: Ed Forense, 2011.

MAIA, Antônio Cavalcanti. As transformações dos sistemas jurídicos contemporâneos: apontamentos acerca do neoconstitucionalismo. Revista Diálogo Jurídico, n. 16, mai-ago, 2007.

MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2006; 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 7. Ed. São Paulo: RT, 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC. Crítica e propostas. São Paulo: RT. 2010.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Vol. I. São Paulo: Atlas, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5ª. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 1999.

MORAES, Guilherme Peña. de. Instituições da Defensoria Pública. 1ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O neoprivatismo do processo civil. Revista de processo, vol. 122, abr. 2005.

PINHEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. A Ética e os personagens do processo. In: JAYME. Fernando; FARIA. Juliana Cordeiro de; TERRA, Mairo (Coord) Processo Civil:novas tendências: estudos em homenagem ao Professor Humberto Theodoro Junior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994.

SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lumen Juris. 2006.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES. Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os Tribunais nas sociedades contemporâneas. Disponível em: <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm> Acesso em 29 de julho de 2014.

SUDATTI, Ariani Bueno. Raciocínio Jurídico e a nova retórica. São Paulo: QuartierLatin, 2003.

STRECK. Lênio Luiz. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Porto Alegre: Lumen Iuris, 2006.

TARUFFO, Michele. Narrazioni processual. Revista de Processo. Vol. 155, jan. 2008.

TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993.

THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. In: Revista de Processo. Revista dos Tribunais: São Paulo, nº 177, ano 34, nov/2009.

THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações sobre a politização do judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre civil Lawe o common Law e dos problemas de padronização decisória. In: Revista de Processo. Revista dos Tribunais: São Paulo, nº 189, ano 35, novembro/2010.

Revista Jurídica 12.indd 64-65 04/09/2015 10:27:59

Page 35: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

67

enio seiji sato, jaqueline canha gonçalves, joão ricardo anastácio da silva

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

66

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

UM PARADIGMA ENTRE JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA RETRIBUTIVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Enio Seiji Sato23

Jaqueline Canha Gonçalves24

João Ricardo Anastácio da Silva25

RESUMOO estudo teve por objetivo buscar as leis e princípios da execução penal brasileira e estabelecer o tipo de justiça pretendido e o alcançado pelo poder público, sendo essa a justiça retributiva, bem como apontar as principais diferenças entre elas. Após o estudo dessas informações ficaram evidenciadas as consequências das medidas atualmente adotadas, como o número de reincidentes, e a não ressocialização do condenado. Foram expostos diferentes meios que podem ser adotados para maior eficiência do processo judiciário e da suma importância da participação da sociedade o qual é abordado pela justiça restaurativa.PALAVRAS-CHAVE: justiça retributiva; justiça restaurativa; reincidentes; ressocialização.

ABSTRACTThe study aimed search the laws and principles of the Brazilian criminal enforcement and establish the desired type of justice and the achieved by the public power, this being the retributive justice, and to identify the main differences between them. After studying this information were highlighted the consequences of the measures currently adopted, as the number of repeat offenders, and no rehabilitation of the convict. They were exposed different instruments to be adopted for greater efficiency of the judicial process and the extremely importance of participation of society which is covered by restorative justice. KEYWORDS: retributive justice; restorative justice; repeat offenders; rehabilitation.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 JUSTIÇA PENAL BRASILEIRA. 3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU RAZOABILIDADE. 4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. 5 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 6 DA ASSISTÊNCIA AOS DETENTOS E AOS INTERNADOS. 7 A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL. 8 JUSTIÇA RETRIBUTIVA VERSUS JUSTIÇA RESTAURATIVA. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. ANEXO.

1 INTRODUÇÃO

Segundo o instituto Avante Brasil, uma pesquisa realizada pelo PNDU (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) revelou que o índice de reincidência no Brasil chega a ser quase de 70%. Isso é uma prova de que o encarceramento em massa não tem produzido os efeitos esperados no controle da criminalidade.

O país, hoje, tem leis que regulam as formas em que devem acontecer as punições para que de fato alcancem o objetivo desejado. No entanto, a falta de políticas públicas (e até mesmo interesse político) em favor da população carcerária faz com que não sejam respeitadas as leis criadas pelo próprio Estado.

Os princípios basilares do direito penal brasileiro, bem como sua natureza de ultima ratio, constroem (na teoria) um sistema, ainda que não perfeito, em face da responsabilização da sociedade, que contribui para uma punição limitada pelos direitos inerentes a pessoa humana. Contudo, (na prática) o desrespeito a essas normas dificultam a realização do seu objetivo, e contribui para a construção de uma comunidade carcerária cada vez maior e mais violenta.

Dessa forma, vê-se ferida a dignidade da pessoa humana, tanto do detendo 23 AcadêmicodeDireitodoCentroUniversitárioFiladélfia.

24 AcadêmicadeDireitodoCentroUniversitárioFiladélfia.

25 Coordenador Adjunto do Curso de Direito da UNIFIL e Professor Universitário

Revista Jurídica 12.indd 66-67 04/09/2015 10:27:59

Page 36: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

68 69

enio seiji sato, jaqueline canha gonçalves, joão ricardo anastácio da silvaum paradigma entre justiça restaurativa e justiça retributiva no processo penal brasileiro

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Porém, Nucci (2015) diz que o princípio da proporcionalidade não é aplicado da maneira como deveria. Em suas palavras, dispõe que: “o legislador brasileiro, por falta de uma adoção de uma política criminal definida, comete vários deslizes no cenário da proporcionalidade, ao cominar penas muito brandas ou excessivamente severas a determinados casos.” (NUCCI, 2015, p. 29).

Pode-se concluir que a proporcionalidade é o meio pelo qual as penas devem ser cominadas para a prática do ato delitivo, visando uma harmonia entre a infração penal cometida e a pena a ela imposta.

4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Tem como escopo a ideia de que o direito penal não deve interferir na vida do indivíduo, e consequentemente não deve retirar-lhe a sua autonomia e a sua liberdade de maneira errônea.

A lei penal deve ser utilizada em última opção (ultima ratio) pois, “é, a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação da lei penal incriminadora, impondo sanção penal ao infrator.” (NUCCI, 2015, p. 25).

Sendo assim, pode-se dizer que havendo outros meios para a proteção do bem jurídico, é preciso buscar outro que não o legislativo penal. É necessário utilizar-se de outras medidas além da punição, pois sua natureza é a de ultima ratio. Não se deve interferir na vida e liberdade humana como única ou primeira forma de punição, havendo a necessidade de visar a solução pacifica dos conflitos sociais.

5 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Inicialmente, faz-se necessário identificar quem são os sujeitos passivos deste princípio. Segundo a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, em seu artigo 1º, “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Ao analisar este artigo, é possível retirar o primeiro requisito para identificar os sujeitos passivos do princípio da dignidade da pessoa humana, que são “todos os homens”. Ou seja, todos os homens nascem em condição de igualdade, merecendo, desta maneira o mesmo tratamento em questão de direitos.

A dignidade da pessoa humana também está elencada no artigo 1° da nossa Magna Carta que dispõe:

Art. 1º “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III. a dignidade da pessoa humana.

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida. Traz a ideia de que se deve ter o mínimo de respeito por parte das demais pessoas, ou seja, não menosprezar a necessária estima que as pessoas merecem por gozarem da condição de

quanto da vítima, essa especialmente, por não ser parte atuante do processo judiciário, caracterizando assim a chamada justiça retributiva. Em contrapartida, a justiça restaurativa surge com o intento de promover essa aproximação da sociedade, para que atue de forma ativa no combate à criminalidade, e se responsabilize de forma objetiva na prevenção dos delitos.

Este artigo irá tratar dos direitos assegurados pelas normas constitucionais, bem como os princípios que regem o direito penal, e então irá analisar que a deficiência de sua aplicação torna a punição um ato de caráter retributivo.

2 JUSTIÇA PENAL BRASILEIRA

A justiça, no processo penal brasileiro, tem como objetivo o equilíbrio da interação social e dos interesses coletivos. No entanto, existem regras que promovam esse objetivo, de forma que não cause um dano maior àqueles que são submetidos a ela. Essas regras visam, ao punir o individuo causador de um dano, não lhe trazer prejuízos com penas definitivas ou incontornáveis, para que dessa forma possa ser reinserido à sociedade, respeitando-se acima de tudo sua integridade física e moral.

De acordo com o artigo 5º, inciso XLIX da magna carta:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIX. É assegurando aos presos o respeito à integridade física e moral.

Da mesma forma, deve-se respeitar os princípios basilares do direito penal que dispõe a respeito da proporcionalidade da pena imposta, da intervenção mínima do direito penal, e o respeito à dignidade da pessoa humana, entre outros. No entanto, serão abordados princípios que interferem de maneira mais objetiva na execução da pena, conforme exposto a seguir.

3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU RAZOABILIDADE.

Este princípio tem a característica de se sobrepor a outros princípios devido a sua grande incidência nas esferas do direito, sendo que o princípio da proporcionalidade é tido na posição de Mougenot como um princípio dos princípios, visto a sua importância no âmbito jurídico.

Segundo o supracitado autor, “em caso de conflito de princípios funciona como método hermenêutico para dizer qual deles e de qual forma prevalece sobre o outro princípio antagônico.” (MOUGENOT, 2015; pag. 110).

Pode-se dizer que o princípio da proporcionalidade, de fato, serve como um método de interpretação jurídica, pois a partir dela que se busca qual é o princípio que se encaixa de maneira mais adequada a determinado caso concreto.

É também conhecido como princípio da razoabilidade, pois visa estabelecer uma ponderação para a solução dos litígios, utilizando os princípios fundamentais e aplicando-os no caso concreto.

Revista Jurídica 12.indd 68-69 04/09/2015 10:27:59

Page 37: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

70 71

enio seiji sato, jaqueline canha gonçalves, joão ricardo anastácio da silvaum paradigma entre justiça restaurativa e justiça retributiva no processo penal brasileiro

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

A assistência material consiste naquilo em que o preso necessita para manter-se no presídio, tais como alimentação, vestuário e as instalações higiênicas. A alimentação, os vestuários e as instalações higiênicas devem ser de qualidade, haja vista deva haver um respeito com relação aos detentos. Condições mínimas para que se respeite o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme dispõe o artigo 12 da lei 7.210/84:

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Há também a assistência à saúde que está disposta no artigo 14 da lei 7.210/84:

Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

É evidente que o condenado necessita de assistência para suprir as necessidades na questão da saúde, pois assim como qualquer pessoa, o condenado é humano e suscetível de contrair doenças. Segundo Mirabete “não há dúvidas de que é fundamental [...] a existência de serviço médico eficiente e adequadamente equipado” (MIRABETE, 2007, p. 69).

Dessa forma, a assistência à saúde engloba também o atendimento odontológico e farmacêutico, e devem ter equipamentos, local e pessoas capacitadas para dar atendimento aos detentos. Os locais devem ter instalações médico-sanitárias com instrumentos adequados para a prestação do serviço.

Outra assistência que é prestada aos detentos é a assistência jurídica. É de grande importância para os detentos, pois existem casos em que há um processo em andamento e, além disso, a maioria dos detentos não possui condições financeiras para arcar com as despesas para constituir um advogado. Assim, disciplina o artigo 15 da lei 7.210/84:

Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir um advogado.

Uma das assistências mais importantes inerentes aos detentos é a assistência educacional que ajuda o detento a ter uma instrução escolar e ajuda em uma formação profissional. Segundo Mirabete, a assistência educacional é “um elemento do tratamento penitenciário como meio para reinserção social”. (MIRABETE, 2007, p.75). Dessa forma, visa também a ressocialização do indivíduo.

Já a assistência social, objetiva dar ao detento uma sensação de bem-estar, busca a solução de problemas humanos que levam a infelicidade do sujeito. Está prevista no artigo 22 da lei 7.210/84, que dispõe:

Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à sociedade.

Por fim, a assistência religiosa é um dos direitos inerentes à pessoa que se encontra internada em estabelecimento coletivo. Sendo assim, é papel do Estado, nos termos da Constituição e também da lei de prestar condições para o exercício da religião.

Prevê a Constituição em seu artigo 5°, VII:

seres humanos (BOBBIO, 2004).Este princípio está intimamente ligado aos direitos humanos, buscando a

solução pacífica dos conflitos e baseando-se nos direitos inerentes ao homem, em âmbito internacional, ao passo que a dignidade da pessoa humana é um fundamento moderno e atual dos direitos humanos.

Para Bobbio (2004) aliar a democracia com os direitos humanos no âmbito das sociedades nacionais criam condições para a possibilidade da paz mundial. O direito é “uma construção, um artefato humano fruto da política que produz o Direito Positivo. Requer a razão para pensar, projetar e ir transformando este artefato em função das necessidades da convivência coletiva.” (BOBBIO, 2004,p.VII).

Seguindo este entendimento, de que o direito positivado e a justiça são artefatos criados pelo homem, moldados para que a sociedade possa ter condições de se agrupar em coletividade, poderia buscar meios que respeitem a dignidade da pessoa humana e consequentemente os direitos humanos em sentenças prolatadas pelo judiciário, fazendo com que, a longo prazo, possa ser um meio para reduzir a criminalidade.

6 DA ASSISTÊNCIA AOS DETENTOS E AOS INTERNADOS

A assistência prestada ao preso e ao internado é dever do Estado. Com a assistência prestada ao preso, tenta-se alterar o comportamento do indivíduo encarcerado para que tenha condições de retornar à sociedade. Fica clara a ideia de ressocialização, sendo a finalidade do sistema da execução penal, conforme preceitua o artigo 10 da Lei de Execuções Penais (7.210/94):

Art.10 A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Ao tratar-se de reabilitação dos detentos, visando a ressocialização, Mirabete, “constitui a finalidade precípua do sistema da execução penal, é evidente que os presos devem ter direitos aos serviços, [...] devem ser-lhes obrigatoriamente oferecidos.” (MIRABETE, 2007, p. 62).

Existem seis formas de assistência que estão dispostas no artigo 11 da Lei de Execuções Penais (lei 7.210/84):

Art.11 A assistência será:

I – material

II – à saúde

III – jurídica

IV – educacional

V – social

VI – religiosa

Revista Jurídica 12.indd 70-71 04/09/2015 10:27:59

Page 38: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

72 73

enio seiji sato, jaqueline canha gonçalves, joão ricardo anastácio da silvaum paradigma entre justiça restaurativa e justiça retributiva no processo penal brasileiro

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

Dessa forma, deve ser realizada uma individualização entre os detentos, para evitar o cometimento de novos delitos quando retorne à sociedade. Este é um dos inúmeros dispositivos fundamentais que visam resguardar os direitos dos detentos e preservar à sua dignidade.

As penas no Brasil consideradas cruéis como exemplo a tortura, a pena de morte, banimento ou até mesmo trabalhos impostos de maneira forçada não poderão ser admitidas em nosso ordenamento jurídico por força do artigo 5°, XLVII da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII – não haverá penas:

De morte, salvo em caso de guerra declarada nos termos do art. 84 XIX;

De caráter perpétuo;

De trabalhos forçados;

De banimento;

Cruéis.

As penas privativas de liberdade não estão, por óbvio, na relação de penas que não são aceitas em nosso ordenamento jurídico, porém, cabe destacar a real situação dos presídios, e do sistema carcerário da maioria das comarcas brasileiras.

É de notório conhecimento público a real condição da maioria dos presídios brasileiros. Vários estabelecimentos penitenciários não estão de acordo com a legislação, fazendo com que hoje, a prevenção e a ressocialização do indivíduo torne-se um papel cada vez mais difícil.

Além das condições precárias dos presídios, existem outros fatores, como o aumento da violência, que fazem com que a população carcerária esteja fora do controle do poder público. Além disso, a violência e a criminalização em massa das condutas praticadas por determinados grupos sociais fazem com que haja um crescimento da população carcerária.

Dessa forma, a superpopulação dos presídios é uma afronta aos direitos fundamentais elencados pela Constituição Federal, especialmente ao artigo 5°, XLIV, que assegura aos presos, o respeito à integridade física e moral.

É de conhecimento de todos a situação precária dos presídios, principalmente o tratamento desumano com a população carcerária, sendo que, tal situação configuraria pena cruel, logo, inconstitucional, totalmente fora daquilo que a lei e a Constituição preceituam.

8 JUSTIÇA RETRIBUTIVA VERSUS JUSTIÇA RESTAURATIVA

Esse caráter desumano dos presídios brasileiros, que fere os direitos dos

Art. 5°: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VII- é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

É certo que, por estarmos em um Estado laico, onde existe uma posição de neutralidade quando se trata de religião, é necessário que esta assistência religiosa seja multiforme, ou seja, várias religiões para atender os internos. Também não é possível obrigar os internos a seguir uma religião, em face da liberdade religiosa.

Segundo Alexandre de Moraes “a ideia do legislador constituinte foi fornecer um maior amparo espiritual às pessoas que se encontram em condições menos favorecidas, afastadas do convívio familiar e social.” (MORAES, 2003, p. 131).

Além do previsto na Constituição, a Lei de Execuções Penais (lei 7.210/1984) também trata, em seu artigo 24 sobre a assistência religiosa:

Art. 24 A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

Tanto a Constituição, quanto a legislação infraconstitucional, tratam do culto religioso e da assistência religiosa, assegurando aos detentos e aos internados a sua livre manifestação de vontade, por se tratar de um direito e não de um dever. Além de proporcionar a assistência com serviços organizados, o estabelecimento prisional também deverá propiciar um local adequado para a prestação dos cultos religiosos.

Dessa forma, é possível observar que, os direitos à assistência que é prestada aos detentos pelo Estado visam de maneira geral à ressocialização do individuo a sociedade, pois esta é a intenção do Estado para com o indivíduo que retorna a sociedade.

Diante o exposto, é possível observar que em nossa legislação estão presentes dispositivos que dão ensejo a ressocialização do condenado, dando-lhes apoio enquanto estão nos presídios para o retorno à sociedade. Porém, muitas vezes, não é o que acontece, por falta de políticas públicas ou até mesmo de interesse político, contribuindo com a reincidência.

7 A EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL

A aplicação da sanção por parte do Estado não configura, modernamente, uma vingança social, mas tem como finalidades a retribuição e a prevenção do crime, buscando, além disso, a ressocialização do sentenciado.

Dispõe o artigo 5º, inciso XLVIII da Constituição da República:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVIII – a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com

Revista Jurídica 12.indd 72-73 04/09/2015 10:27:59

Page 39: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

74 75

enio seiji sato, jaqueline canha gonçalves, joão ricardo anastácio da silvaum paradigma entre justiça restaurativa e justiça retributiva no processo penal brasileiro

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

dos outros modos motivados por interesses, a justiça restaurativa assume a mais ampla variedade de formas, estabelecendo um vínculo jurídico entre a satisfação racional do sentimento de justiça e as garantias básicas de cidadania democrática (NETO, 2004).

A ideia é reunir o infrator e a vítima no contexto do processo, visando a reintegração de ambos à comunidade de forma conciliadora e orientadora. Permite-se dessa forma que seja determinado o grau apropriado de restituição a vitima e de reparação à comunidade (NETO, 2004).

Seria uma forma de ver os próprios envolvidos colaborando para a solução do conflito, não monopolizando o poder nas mãos do Estado, dando maior atenção às necessidades da vítima, e mais do que a imposição de sanções, superar a situação conflituosa (SILVA; SALIBA, 2008).

A ‘justiça restaurativa’ tem o condão de aproveitar, com máxima e concreta eficácia, superando o ‘dialogo entre surdos’ que o tradicional paradigma punitivo, sem sucesso, insistem perpetuar nas suas relações com o autor da infração penal. (SILVA; SALIBA, 2008, p. 174).

É uma justiça condicionada ao compromisso de restaurar, não objetivando apenas a proteção da sociedade e restituir a vitima, como também prevenir a violência e criminalidade, reabilitando o infrator pela compreensão do dano causado pelo seu ato (NETO, 2004).

Para Silva e Saliba (2008), ao trazer vítima e sociedade na participação do processo decisório, de forma ativa, propicia-se a construção da solução e do reconhecimento da autonomia e dignidade do ser humano. É uma forma também de compreenderem o procedimento judicial e de dar ao acusado a chance de perceber a própria conduta e não o distanciar da finalidade do processo.

Conforme discorre Ramirez (2005 apud SILVA; SALIBA, 2008,) ao tornar o acusado alheio às consequências dos seus atos para a vítima, faz com que ele crie um sentimento de vitimização construindo responsabilidades adversas a sua pessoa para a motivação de seu ato (vítima, família, sistema, condições sociais e etc.). Ao buscar a responsabilização completa do acusado, deve haver o reconhecimento do mal que fez, e tentar repará-lo, explicar sua conduta à vitima e à sociedade, para assim, dar seu primeiro passo para a reparação.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo estudo exposto, observa-se que as leis e princípios normativos brasileiros visam a ressocialização do preso, bem como determinam direitos à assistência que lhes deviam ser respeitados.

No entanto, ao não praticar o que lhe é determinado, o Poder Judiciário acaba fornecendo uma justiça retributiva, a qual, ao invés de recuperar o condenado, o torna ainda mais agressivo e propenso ao cometimento de novos delitos. Além disso, afasta a vítima dos propósitos do processo, o que o desumaniza e faz com que perca sua credibilidade.

O fato é que a punição por si só não previne o aumento da criminalidade. É necessário que fique claro ao condenado o motivo de estar lá, e principalmente, quais foram as consequências do seu ato delitivo. Por isso a justiça restaurativa visa muito além

condenados, é característica da chamada justiça retributiva. A esse respeito, a punição, ou justiça retributiva tem como característica ser violenta em suas penas, arbitrária em suas decisões, direcionar-se apenas para a pessoa do infrator, não considerando as causas do delito. Como medida, utilizava-se impor como punição de um mal, outro mal.

A sociedade está sempre voltada à ação; ela é pragmática, e, por isso, aplica à delinquência a mais simples das estratégias: ignora as causas e encara o problema como se fosse uma caixa preta, fechada, inviolável, cujo conteúdo não se conhece, a não ser por meio de terminais de entrada e saída, a partir dos quais pode-se deduzir o conteúdo do problema através do registro de suas manifestações observáveis (número de ocorrências, características dos infratores, das vítimas etc.). (NETO, 2004, p.32).

A sociedade produz e reproduz o crime e a violência, promovendo desigualdade e exploração, e ao intensificar as diferenças promove condições que levam as pessoas ao cometimento de infrações (NETO, 2004).

A pena privativa de liberdade é desprovida de efeito sobre o público, é cara e mantém os presos na ociosidade, multipicando os seus vícios. No entanto, cobre todo o espaço das punições, se tornando uma espécie essencial de castigo. “Quer em nome dos efeitos da prisão que já pune os que ainda não estão condenados, que comunica e generaliza o mal que deveria prevenir e que vai contra o princípio da individualização da pena [...]” (Foucault, 2004, p.99).

Dessa forma, a pena privativa de liberdade nem sempre se mostra eficaz, pois o número de reincidentes demonstra que não remedia nem previne novos cometimentos de delitos. Muito pelo contrário, torna o preso frustrado com o encarceramento de condições desumanas, formando um sentimento de retribuição, tornando-se um ciclo entre a sociedade e o agente delinquente.

A busca pela satisfação e anseio popular leva a uma justiça rápida, um comportamento hostil dirigido à pessoa, grupos ou objetos. O descontentamento com o processo judiciário faz com que a sociedade busque esse sentimento de justiça que visa mais do que propriamente a vítima. Se tornando uma ação violenta e vingativa (NETO, 2004).

Segundo Foucault (2004) o povo aprende rápido a cultura de vingança exercida pelo poder, no entanto ressalta, “É preciso que a justiça criminal puna em vez de se vingar” (Foucault, 2004, p.63). Deve ser respeitado quando da punição, a humanidade, usando-a como medida do castigo, não podendo torná-lo definitivo ou ainda incontornável.

O intuito é saciar a sede de justiça da sociedade, como um remédio imediato e rígido. Nesse sentido “[...] há a questão da eficácia da pena: vários autores, normalmente sociólogos, assinalam que, se aplicado de forma continuada, até mesmo o castigo mais rigoroso torna-se ineficaz [...]” (Neto, 2004, p.30).

Conclui-se que a justiça retributiva é uma forma de retaliação, na qual consiste em reparação que equipara o mal cometido ao mal sofrido. O agente delitivo ao ser condenado será punido de maneira intimidadora, e sob o controle do poder público, ocupando um papel marginalizado, objetivando apenas a punição e não sua ressocialização, ou a sua responsabilização social.

Por outro lado, a justiça restaurativa é aquela que visa a correspondência entre a sentença judicial e o sentimento de justiça dos atores afetados pela infração. Diferente

Revista Jurídica 12.indd 74-75 04/09/2015 10:27:59

Page 40: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

76 77

enio seiji sato, jaqueline canha gonçalves, joão ricardo anastácio da silvaum paradigma entre justiça restaurativa e justiça retributiva no processo penal brasileiro

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

ANEXO

TABELA COMPARATIVA

MODO DEJUSTIÇA RETRIBUTIVA DISTRIBUTIVA RESTAURATIVA

SANÇÃO PENA TRATAMENTO COMPROMISSO

INFRATOR

Você não presta, preferiu cometer uma infração,e será punido na proporção do que fez

Você é um coitado, pessoa problemática que não tem toda a culpa pelo que fez. Vamos cuidar de você, para o seu próprio bem

O que fez teve conseqüências, causou prejuízos. Você é capaz de reparar o que fez

VÍTIMA

Ao fazer justiça punimos o infrator e beneficiamos você também

As necessidades do infrator e da justiça, não as suas, são a nossa maior preocupação

Precisa fazer o possível para que o infrator repare o dano que causou

COMUNIDADE

Intimidar é a melhor forma de obrigar o infrator a entender que seu ato é inadmissível e a controlar sua conduta

O infrator deve ser, na medida do possível, reabilitado por especialistas

A comunidade deve contribuir para que as partes assumam e cumpram o compromisso

(NETO, 2004, p. 275)

da mera condenação da privação de liberdade. Ao fazer da vítima e do acusado partes ativas do processo judicial, traz um meio alternativo para o reconhecimento do ato por parte do agente, e a vítima como sociedade participa do processo de recuperação do delinquente.

Conclui-se que a criminalização em massa de condutas não repele o agente de cometê-las. E ainda no tocante aos detentos e internados, há a real necessidade de fornecer-lhes meios de voltar à sociedade de forma que possa recuperar sua dignidade e conquistar sua independência de forma lícita. A condenação deve acabar no cumprimento de sentença, e não estender-se à sua vida em sociedade. Deve também utilizar-se de outras formas de punição que de fato atinjam o objetivo pretendido, a ser o não cometimento de novos delitos.

REFERÊNCIASFOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 29. Ed. Petrópolis : Vozes, 2004.

MIRABETE, J. F. Execução Penal: comentários à lei n°7.210, de 11-7-1984. – 11.ed. – revista e atualizada – 6. reimpr – São Paulo ; Atlas, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed. São Paulo : Atlas, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 11. ed. revista, atualizada e ampliada – Rio de Janeiro: forense, 2015.

SCURO NETO, Pedro. Sociologia geral e jurídica : manual dos cursos de direito. 5. ed. Reform. – São Paulo : Saraiva, 2004.

SILVA, E. G. da; SALIBA, M. G. Justiça Restaurativa, Sistema Penal, Direito e Democracia – Intercessões Ético-Discursivas. Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v.9, n.52, p.171-198, out./Nov. 2008.

Revista Jurídica 12.indd 76-77 04/09/2015 10:27:59

Page 41: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

79

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

78

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

OS IRMÃOS DA DOAÇÃO DE SEMÊN: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

Geala Geslaine Ferrari26

Rita Tarifa Resquetti Espolador27

RESUMOO presente ensaio trata sobre as regras da doação de material genético masculino nas clínicas de reprodução humana assistida, e sua regulamentação contratual. Também assevera analisar se há o reconhecimento da família multiparental quando há reconhecimento de paternidade biológica e quais as possíveis consequências destas no mundo jurídico como também no mundo dos fatos. Justifica-se a análise do tema pois trata-se de um assunto de intensa repercussão no meio social.PALAVRAS-CHAVE: biodireito; doação de sêmem; multiparentalidade.

ABSTRACTThis essay deals with the rules of the male genetic material donation in assisted human reproduction clinics, and your contractual regulations. Also asserts examine whether there is recognition of multiparental family when there is recognition of biological paternity and what the possible consequences in the legal world as well as in the world of facts. Justifies the theme of the analysis because it is a subject of intense impact on the social environment.KEYWORDS: biolaw; semen donation; multiparentalidade.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 O PARENTESCO. 3 A SOCIOAFETIVIDADE COMO LIAME DAS RELAÇÕES FAMILIARES. 4 O CONTRATO DE DOAÇÃO DE SÊMEN. 5 A BUSCA DA VERDADE BIOLÓGICA-POSSIBILIDADE. 6 A MULTIPARENTALIDADE. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 INTRODUÇÃO

O presente ensaio trata sobre as regras da doação de material genético masculino nas clínicas de reprodução humana assistida, e sua regulamentação contratual, analisando através da ótica dos filhos gerados por este procedimento quais são seus direitos em relação ao doador do material genético.

Através de uma análise da resolução do Conselho Federal de Medicina pode-se chegar à conclusão de que predomina o direito ao anonimato, mas observando o caminhar da doutrina e jurisprudência pode-se ver que tal direito está sendo relativizado cada vez em detrimento do direito da verdade biológica, ou direito a identidade.

Sendo assim começa a surgir um movimento na sociedade que clama por regulamentação jurídica ou melhor proteção jurídica, os filhos da doação de sêmen, a família estendida e a multiparentalidade, que será tratada nesse breve ensaio.

Também assevera analisar se há o reconhecimento da família multiparental quando há reconhecimento de paternidade biológica e quais as possíveis consequências destas no mundo jurídico como também no mundo dos fatos. Justifica-se a análise do tema, pois trata-se de um assunto de intensa repercussão no meio social, principalmente com a organização de famílias que possuem filhos gerados por esta técnica se reunindo 26 Especialista pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania-IDCC, aluna especial do Mestrado em Direito Negocial daUniversidadeEstadualdeLondrina-UEL,graduadaemDireito,[email protected]

27 Doutora pela Universidade Federal do Paraná, Mestre pela Universidade Estadual de Londrina, Especialista pela UniversidadeestadualdeLondrina,GraduadaemDireito,DocentenaUniversidadeEstadualdeLondrinaePontificaUniversidadecató[email protected]

Revista Jurídica 12.indd 78-79 04/09/2015 10:27:59

Page 42: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

80 81

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

O caráter psicológico da família, conforme Maria Helena Diniz “um elemento espiritual que une os componentes do grupo, que é o amor familiar”.(DINIZ, 2010, p.14).

Sérgio Gischkow Pereira diz:

A paternidade é conceito não só genético ou biológico, moral e sociocultural. Em grande números de ocasiões o vínculo biológico não transcende a ele mesmo e revela-se completo e patológico fracasso da paternidade sob o mesmo prisma humano, social e ético. Em contrapartida, múltiplas situações de ausência de ligação biológica geram e mostram relação afetiva em nível de afinidade saudável, produtiva e responsável.(PEREIRA, 1992, p.65).

O critério socioafetivo para o estabelecimento do vínculo parental é fundado no melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai ou mãe são aqueles que exercem a função, mesmo que não haja vínculo de sangue.

E foi com o adentrar da doutrina e jurisprudência neste caminho, visando aconchegar o aspecto biológico ao lado do socioafetivo, que a paternidade passou a não ser mais vista somente como uma possibilidade genética e biológica, mas também afetiva e emocional. E o art. 1593 do Código civilista, norma aberta, deixada pelo legislador para ser usada pelo operador do direito, como forma de instrumento de justiça, buscou aproximar a realidade social da jurídica, a existência comprovada de um modo civil de paternidade baseado nas emoções.

Edson Fachin define que “o liame biológico que liga um pai a seu filho é um dado, já a paternidade socioafetiva é aquela que se adapta juridicamente na expressão do estado de posse de filho”. (FACHIN, 2003, p.20).

A filiação passa a ter sua essência voltada para o afeto que une pais e filhos, tendo ou não vinculação biológica entre eles, é o aspecto psicológico do direito de família, tal concepção permeou primeiramente o instituto da adoção, e hoje se faz presente regulando todo ordenamento jurídico familiar. Fato este que pode se comprovar através das jornadas de Direito civil, organizadas pelo Conselho de Justiça Federal, nestas buscou-se trazer esclarecimentos sobre o tema, e de acordo com o enunciado n° 103 aprovado na I jornada, o Código Civil de 2002, reconhece no seu art. 1593 outras espécies de parentesco civil, além da proveniente da adoção.

Foi aprovado também o enunciado n°108, e neste esclareceu-se que o art. 1603 do Código civil ao referir-se à prova da filiação pela certidão de nascimento, não estaria fazendo menção apenas à filiação consanguínea, mas também a socioafetiva.

Por fim, para aclarar o assunto, o enunciado n ° 256 aprovado na III Jornada de Direito Civil esclarece que a posse de estado de filho, também denominada paternidade socioafetiva, nada mais é do que uma forma de parentesco civil. Dando com isto, fim a toda contrariedade relacionada com tal tipo de paternidade e filiação.

A família socioafetiva, surge como sendo aquela que emerge da construção em afeto, da convivência diária, do conceito mais atual de família sociológica, unida pelo amor, não desprezando o liame biológico da relação paternal, que faz nascer o pai social, o pai do afeto, aquele que constrói uma relação com seu filho biológico ou não, moldado pelo amor, atenção, dedicação e carinho.

através de sites de buscam na internet o assunto ficou ainda mais acalorado, sendo assim se torna necessário uma pesquisa para entender e trazer esclarecimento sobre a temática.

2 O PARENTESCO

Na Grécia era a religião doméstica que constituía o parentesco, dois homens podiam se dizer parentes se compartilhassem os mesmos deuses, o mesmo fogo doméstico, o mesmo repasto fúnebre (CASSETARI, 2015, p.5).

O parentesco em Roma era estabelecido nas formas de agnação e cognação, sendo que na primeira as pessoas estavam vinculadas em razão do mesmo pater, este detinha o poder sobre a família independente dos laços sanguíneos, já na cognação as pessoas se vinculavam pela consanguinidade, parentesco de sangue (WALD, 2004, p.32).

Sílvio Meira (1971, p. 106) ensina que o parentesco romano, para efeitos civis não se baseava nos laços de sangue, mas no poder do potestas.

No Código Civil de 1916, prevalecia a cognação, dizendo ser parentes as pessoas que descendem de um mesmo tronco. Já no Código atual o art.1593 define-se que do casamento derivam duas ordens de relações, a conjugal e as de parentesco, e esta se dá por consanguinidade ou por afinidade, e quando se refere à outra origem, está se referendando a posse do estado de filho, situação fática prolongada de convivência e afetividade que conduz a paternidade.

O choque existente entre a verdade afetiva e a realidade biológica impôs o alargamento do conceito de filiação e parentesco, sendo que ao aplicar-se o princípio da afetividade à filiação, tem-se como resultado o entendimento de que a relação paterno-filial é mais que uma ligação genética, é formada por laços de carinho e por isso faz-se possível existir parentesco que não seja só o natural.

A priorização da afetividade dá-se em função da desbiologização da verdade sanguínea, ao considerar-se o fator socioafetivo e psicológico, como sendo primordial à constituição da família.

Sendo assim o conceito de parentesco alargou-se com as novas formas de família, onde não é mais laços biológicos somente que determinam quem são os indivíduos pertencentes aquela família, mas principalmente os vínculos sociaoafetivos que surgem pelo elo do carinho e do animus de constituição de família.

3 A SOCIOAFETIVIDADE COMO LIAME DAS RELAÇÕES FAMILIARES

A mudança na visão jurisprudencial a partir da década de 60, sobre os princípios pertencentes ao direito familiar, deu-se como forma de valorizar uma postura que viesse a trazer igualdade entre membros da família, digo, homem e mulher, pais e filhos. O reconhecimento da sociafetividade na relação paterno-filial foi extremamente importante para sedimentar à base desta nova realidade familiar, a família afetiva.

A legitimidade dos filhos, reconhecida exclusivamente por fator biológico é confrontada pelo surgimento de um vínculo até mais forte que o primeiro, e reiterado pela prática contínua da paternidade emocional ou socioafetiva, aquela construída com bases fixadas no cotidiano familiar, nos comparecimentos às reuniões escolares e na unidade presente à mesa das refeições.

Revista Jurídica 12.indd 80-81 04/09/2015 10:28:00

Page 43: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

82 83

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Neste sentido, os Tribunais já vinham, há tempos, desenvolvendo entendimentos no sentido de que, nas hipóteses em que o contrato se verificasse inadequado e impossível de ser cumprido, poder-se-ia alterar o seu conteúdo.

Começaram, então, a ser aplicados aqueles que hoje são denominados princípios contemporâneos.

A boa-fé objetiva, bem como a função social e a equivalência material dos contratos passaram a servir de fundamento para revisões contratuais, vez que passou a se prestigiar a conservação do negocio jurídico. Ou seja, a preservação dos contratos passou a ser prestigiada, ainda que se verificasse necessário alterar alguns termos da convenção. Princípios clássicos e contemporâneos passaram a coexistir, por exemplo, a autonomia da vontade, significa, em geral, atividade e poder de dar-se um ordenamento, de dar ordem às próprias relações e interesses, definida pelo próprio ente ou sujeito a quem aquelas e estes respeitem.(LOBO, 2002, 189).A liberdade contratual depende conceitualmente da chamada autonomia privada, ou autonomia da vontade, a qual, por sua vez, é o reflexo da liberdade econômica .(PINTO, 1996, p.81).

A função social do contrato, que quer dizer, outrossim, que o contrato deve ser socialmente útil, de maneira que haja interesse público na sua tutela. (GRAU, 1988, p.255).

A equidade, ou o equilíbrio nas relações contratuais, há de se constituir num dos princípios de que se valerá o sistema para alcançar aqueles escopos traçados na Carta Magna.

Inadequadamente, muitos hermeneutas relegaram a plano secundário os princípios tradicionais, principalmente a forca obrigatória dos contratos, o que gerou uma deturpação desta visão negocial contemporânea. Passaram a prestigiar a necessária revisão de alguns contratos, como se fosse regra geral. Por isso, o desafio tem sido conciliação a visão atual com a imperiosa necessidade de manter vínculos previamente estabelecidos, mormente a relação de confiança entre os contratantes. Dentre os princípios atuais, a boa-fé objetiva tem se revelado dotada de importância singular má solução de descumprimentos contratuais, vícios nos negócios, dentre outros.

Segundo Francisco Amaral (2003, p. 212), a boa-fé é um princípio que deve ser entendido sob duas óticas: psicológica e ética. Pelo ponto de vista psicológico, entende-se a boa-fé como a lealdade, a certeza relacionada à existência de um determinado direito. Já pelo ponto de vista ético, entende-se a boa-fé como um dever de comportamento, a necessidade de consideração, pela parte, dos interesses da outra, ao realizar um certo negócio.

No sistema do Código Civil de 1916, a boa-fé era tratada apenas como um princípio geral de direito. No entanto, com o advento do Código Civil de 2002, o artigo 422 passou a estabelecer que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Desse modo, o sistema jurídico passou a prever a boa-fé não somente como princípio geral de direito, mas como uma cláusula geral, a ser obedecida em todo e qualquer contrato (NERY JUNIOR, 2006, p. 413).

De acordo com as concepções acima citadas, a boa-fé pode ser subdivida em objetiva e subjetiva. A boa-fé objetiva é a correspondente à visão ética; já a boa-fé subjetiva é a correspondente à visão psicológica.

Consoante leciona Nelson Nery Junior (2006, p. 114), a boa-fé subjetiva traduz-se

4 O CONTRATO DE DOAÇÃO DE SÊMEN

O contrato de doação de gametas é definido como um contrato gratuito, formal e confidencial acordado entre o doador e o centro autorizado. Possui três requisitos que são a gratuidade, onde a doação deve ser um ato altruísta e gratuito, nunca visando remuneração, a formalidade, onde o contrato entre os doadores e o centro autorizado deve efetuar-se por escrito e sempre entre doador e o centro médico, e por fim o anonimato, pois a doação é anônima, devendo garantir-se a confidencialidade dos dados de identidade dos doadores.

Os filhos nascidos de reprodução assistida, têm o direito à informações gerais dos doadores, tais como a altura, o peso, o grupo sanguíneo, mas nunca incluirá a sua identidade, e isto se dá por uma razão simples, a doação do sêmen é diferente da doação de outros materiais biológicos, como, por exemplo, do sangue.

As diferenças entre uma e outra doação se iniciam no fim a que se destinam. A de sangue visa à manutenção da vida de uma pessoa, já a de sêmen tem por objetivo a criação de um novo ser humano.

A resolução do Conselho federal de Medicina 2013/2013 determina que para ser doador é necessário boa saúde e ter faixa etária até 50 anos, e que o mesmo de maneira livre esclarecida entenda que o seu material coletado será usado para formar uma nova vida.

Que seu ato deve ser altruísta e gratuito acredita-se que tal impedimento se dá para que tal ato de doação não se torne habitual, evitando assim a multiplicidade de descendentes.

Eduardo de Oliveira Leite (1995, p.34) “a doação de esperma como qualquer doação de órgãos deve ser uma doação gratuita e benévola, sem possibilidade de se pagar o doador”.

E por fim recomenda a resolução sobre o anonimato do doador, mas determina que deve ser feito pela clínica um banco de dados do doador, para que na região de localização da unidade e coleta evite a gestação de mais de duas crianças de sexos diferentes.

A disciplina jurídica dos contratos, no Brasil, tem sofrido significativas alterações, mormente no que se refere a principiologia. Isso se deve as alterações verificadas no seio social e aos novos modos de contratar, como os negócios a serem analisados neste artigo, envolvendo o Biodireito. Até a legislação civil de 1916, tínhamos princípios tradicionais, coroados pela máxima do pacta sunt servanda, prestigiando-se a manutenção do conteúdo dos contratos. A principiologia que se destacava era a autonomia da vontade, a forca obrigatória dos contratos e a relatividade de seus efeitos, prestigiando-se, portanto, a liberdade das partes e a rigidez das convenções.

Percebeu-se, no entanto, que muitos negócios jurídicos, principalmente aqueles com clausulas pré-estabelecidas, traziam considerável disparidade entre as partes, gerando um desequilíbrio insustentável para uma delas. Esta abusividade impulsionou a necessidade de uma releitura das formas de contratar, passando-se a considerar interesses nao mais apenas individualizados, mas que prestigiassem a ordem publica.

Nesta linha, veja se:

Ocorre que, com o desenvolvimento das relações contratuais e a percepção das abusividades cometidas pelas partes economicamente mais fortes reconheceu-se a necessidade de se impor restrições a liberdade das partes por meio do Estado intervencionista (CUNHA, 2004, p.14)

Revista Jurídica 12.indd 82-83 04/09/2015 10:28:00

Page 44: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

84 85

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

O consentimento livre e esclarecido pode ser conceituado como sendo:

A obtenção do consentimento do paciente após a informação médica resultante do seu direito de autodeterminação, ou seja, de tomar decisões relativas à sua vida, à sua saúde e á sua integridade físico-psíquica, recusando ou consentindo proposta de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico. (DINIZ, 2001, p.534).

Esse direito de autodeterminação dá origem ao dever erga omnes de respeitá-lo, alicerçado no princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Também pode ser conceituado como um ato de decisão voluntário baseado numa informação médica revelada de modo claro, simples, preciso, honesto e inteligível. (DINIZ, 2001, p.535).

Antonio Jeová Santos esclarece que:

A ausência de consentimento livre e esclarecido seria um delito de negligência profissional do médico se ocasionada dolosamente art. 146 §3 I CP e a informação deficiente por ele dada ao paciente o tornará responsável pelo resultado danoso oriundo de sua intervenção, mesmo que esta tenha sido correta tecnicamente pouco importando se o dano derive do risco comum em qualquer prática médica. ( SANTOS, 1999, p.289 ).

Carlos Nelson Konder conceitua o consentimento livre e esclarecido como:

[...] é possível conceituar o consentimento livre e esclarecido como a anuência, livre de vícios, do paciente, após explicação completa e pormenorizadamente sobre a intervenção médica, incluindo sua natureza, objetivos, métodos, duração, justificativa, possíveis males, riscos e benefícios, métodos alternativos existentes e nível de confidencialidade dos dados, assim como de sua liberdade total para recusar ou interromper o procedimento em qualquer momento; tendo o profissional a obrigação de informá-lo em linguagem adequada (não técnica) para que ele a compreenda” (KONDER, 2003, p.61).

É fundamental que no termo de consentimento haja uma linguagem acessível, com todos os procedimentos ou terapêuticas que serão utilizadas, bem como seus objetivos e justificativas. Também os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados e métodos alternativos existentes.

O Consentimento livre esclarecido só será dispensável diante da necessidade inadiável de prática médica de urgência, impossibilidade ante a emergência da situação de perigo de obter o consenso do paciente, ou de uma situação especial que leva o médico a dar informação sobre o estado clínico deste a seu representante legal para obter o consenso para o exercício do ato médico. (DINIZ, 2001, p.540).

Importante é ressaltar que a liberdade de recusar ou anuência do paciente deve estar expressa, e que em hipótese nenhuma pode estar acordado algum tipo de sanção punitiva pela desistência do paciente. Exceto se trouxer prejuízo à assistência médico-hospitalar.

O termo de deve ser assinado pelo médico, paciente ou seu representante legal.

no agir consciente daquele que ignora estar prejudicando interesse alheio tutelado pelo direito: “Implica a noção de entendimento equivocado, em erro que enreda o contratante. Ele acredita que a situação seja regular e essa sua ignorância escusável reside no próprio estado (subjetivo) da ignorância”.

Por sua vez, “a boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade” (NERY JUNIOR, 2006, p. 414). É essa espécie de boa-fé, agora classificada como cláusula geral, que pois impõe uma regra de conduta aos sujeitos que realizam um negócio jurídico.

Antes mesmo de ser contemplada no Código Civil, a boa-fé objetiva já havia sido mencionada no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 4°, inciso III.

Nessa seara, Luiz Antonio Rizzatto Nunes, entende que:

[...] a boa-fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como sendo um regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, já um desequilíbrio de forças.

Entretanto, para chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser abusivo ou exagerado para um não o será para outro. A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standard, que não depende de forma alguma da verificação de má-fé subjetiva do fornecedor ou mesmo do consumidor (NUNES, 2008, p. 132).

A manipulação da vida humana ou de partes do corpo humano deve ser alvo de estudo jurídico para indicar os limites a serem considerados na relação entre o médico que realizará os procedimentos e o paciente, assim como a análise da autonomia da vontade deste, no qual se insere a boa-fé objetiva, isto é, se a obediência a esse princípio terá alguma interferência na autonomia da vontade do paciente ou impedirá a realização do negócio jurídico.

De acordo com a doutrina majoritária, as relações regidas pelo direito civil devem levar em conta o elemento intencional, pois a norma interpretativa dos contratos exige que seja considerada a intenção das partes contratantes.

Observando-se que os contratos de manipulação da vida humana ou de disposição de partes do corpo humano são realizados, nos casos mais correntes, apenas por um desejo dos pacientes, observa-se que a boa-fé objetiva é obedecida, com o fim de o contrato não se configurar como um ato ilícito, mas sem trazer grandes implicações para as partes, já que significa somente o modo de comportamento que deve ser guardado entre as partes, ou seja, uma regra de conduta que impõe aos contratantes um modo de agir conforme certos parâmetros de lealdade e honestidade.

O informe de consentimento para técnicas de reprodução assistida, na verdade deveria ser considerado um contrato em anexo ao contrato médico, pois traz consigo informações relativas ao procedimento que será realizado, suas particularidades e riscos.

Antes de adentrar ao informe em si, é necessário mesmo que brevemente conceituar o consentimento livre esclarecido.

Revista Jurídica 12.indd 84-85 04/09/2015 10:28:00

Page 45: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

86 87

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir a paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes biológicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artificial heteróloga. (LÔBO, 2004, p.13).

Mas existe o outro lado da moeda, a intimidade do doador de gametas também é protegida pela Constituição de 1988 como um direito fundamental, previsto no art. 5°, inc. X.

A intimidade é um direito inviolável e, portanto, passível de indenização. Refere-se à vida privada do indivíduo, do seu viver em si, aspectos relacionados aos seus gostos, hábitos, segredos, pudores e relacionamentos íntimos e afetivos.

O elemento fundamental do direito à intimidade, manifestação primordial do direito à vida privada, é a exigibilidade de respeito ao isolamento de cada ser humano, que não pretende que certos aspectos de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros. Em outras palavras, é o direito de estar só. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010) (Grifos dos autores).

A intimidade do doador de gametas deve ser preservada, pois este realiza uma doação de parte de seu corpo licitamente, pois não compromete sua integridade física, para uma clínica de reprodução assistida, não visando ao lucro e a fins comerciais, independente do motivo, seja por caráter ideológico, como perpetuação, ou por solidariedade, para ajudar casais ou homens e mulheres solteiros a terem filhos. Ressalta-se, por conseguinte, a importância do termo de consentimento livre e esclarecido.

Mas como este anonimato não é absoluto e a busca pela identidade genética torna-se algo importante para alguns dos filhos da doação de sêmen através do número constante do banco de dados da clínica alguns destes tem se encontrado e descobertos meios-irmãos espalhados por ai.

Sendo assim iniciou-se uma busca pelos meios irmãos através de um banco de dados online criados nos Estados Unidos, onde pudesse cadastrar crianças filhos de um mesmo doador, Cynthia Daily fez isso para que seu filho pudesse conhecer seus meios irmãos.

Em alguns países este anonimato tem sido cada vez mais relativizado, por exemplo, na Alemanha um filho oriundo de doação de material genético teve o direito de conhecer seu pai biológico. O tribunal Alemão decidiu que a pedido dos filhos, médicos encarregados da inseminação são obrigados a revelar dados até então sigilosos, gerando possíveis obrigações alimentares e sucessórias.

A sentença alegou que “ o interesse da pleiteante, de saber sobre sua origem, coloca- se acima do direito do acusado ou do doador ao sigilo dos dados da doação”, baseando-se no direito de livre desenvolvimento da personalidade, garantido na Lei Fundamental (Constituição) alemã. A decisão não é passível de revisão.

No Brasil a Resolução 2013/2013 assegura o direito ao anonimato do doador de material genético, que só poderá ser aberto em situações especiais, exclusivamente para médicos. Segundo a Resolução, além do consentimento informado de pacientes inférteis e doadores, “as informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico”. Também diz que os doadores não devem conhecer a identidade dos

5 A BUSCA DA VERDADE BIOLÓGICA-POSSIBILIDADE

Mas o direito a verdade biológica é algo que muitos desses filhos de doação de sêmens buscam, pois além de não incorrer em incesto muitos desejam ter sua identidade genética conhecida.

O direito á identidade genética tem seu fundamento com base na dignidade da pessoa humana, conforme preceitua o art.1°, inc. III da Constituição da República de 1988.

De acordo com Maria de Fátima Freire de Sá e Ana Carolina Brochado Teixeira:

Saber de onde vem, conhecer a progenitura proporciona ao sujeito a compreensão de muitos aspectos da própria vida. Descobrir as raízes, entender seus traços (aptidões, doenças, raças, etnia) socioculturais, saber quem nos deu a nossa bagagem genético-cultural básica são questões essenciais para o ser humano, na construção da sua personalidade e para seu processo de dignificação.(SÁ; TEIXEIRA, 2005, p.64).

Por meio do art.5°, inc. XIV e LXXII a) da Constituição Federal seria possível os filhos oriundos da reprodução assistida heteróloga requererem o acesso aos dados pessoais dos seus pais biológicos, doadores de gametas; no caso da primeira norma, por solicitação ao médico, e, para o habeas data, para que o hospital ou órgão público que detenha as informações do doador possa fornecê-las em juízo.

Ainda que a Resolução n. 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina proíba aos receptores o conhecimento dos doadores e vice-versa, salvo em casos excepcionais, por motivação médica, que mesmo assim, resguarda o sigilo da identidade dos doadores, seria questionável, pois referida resolução é ato administrativo, que vincula somente a classe médica e não tem força de lei.

Sendo assim, com base no art. 5° inc. II da Constituição, haveria a possibilidade do conhecimento dos doadores, já que não há vedação legal para tanto.

Ademais, o direito à identidade genética é consagrado pela doutrina como um direito de personalidade, ainda que não disposto taxativamente no Código Civil de 2002, pois este direito é necessário para a formação da identidade do indivíduo e sua construção biográfica.

Coadunam Maria de Fátima Freire de Sá e Ana Carolina Brochado Teixeira:

Deflagra-se o biológico como o primeiro fator a compor a pessoa humana, que carrega consigo o dado correspondente à herança genética. Portanto, ele é inegável na composição de sua ontologia. O direito ao conhecimento da origem genética, que ora denominamos de fundamental, traz consigo a revelação da memória genética, que pode coincidir - ou não - com a memória familiar, componente indelével da historicidade pessoal” (SÁ; TEIXEIRA, 2005, p. 64-65).

Como direito de personalidade, o direito à identidade genética é permeado pelo melhor interesse da criança, para proteção da saúde e conhecimento de possíveis doenças genéticas que o menor possa estar predisposto.

Paulo Luiz Netto Lóbo afirma que:

O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar

Revista Jurídica 12.indd 86-87 04/09/2015 10:28:00

Page 46: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

88 89

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

os outros atributos da personalidade, dentro da sociedade. É pelo nome que a pessoa fica conhecida no seio da família e da comunidade em que vive. Trata-se da manifestação mais expressiva da personalidade.”

Depois de reconhecida a existência da multiparentalidade, o nome do filho, sem qualquer impedimento legal, poderia ser composto pelo prenome e o apelido de família de todos os genitores. Vale lembrar que a Lei dos Registros Públicos 6015/73 , em seu artigo 54, não impossibilitou isso, portanto, a alteração do nome em decorrência da multiparentalidade não gera conflito com nenhuma disposição expressa em nosso ordenamento jurídico.

Também vale observar as consequências da multiparentalidade entre pai socioafetivo e pai biológico doador de sêmen, no que diz respeito a obrigação alimentar, esta será aplicada tanto ao pai biológico quanto ao pai afetivo, observando o disposto no artigo 1.696, do Código Civil.

Ou seja, os pais biológicos e afetivos seriam credores e devedores de alimentos em relação ao filho, respeitando, obrigatoriamente, o binômio possibilidade/necessidade artigo 1.694, § 1°, do Código Civil.

Desta forma, igualmente em relação à verba alimentar estipulada em um processo no qual não haja a existência do reconhecimento da multiparentalidade, são aplicadas as regras ordinárias já previstas, estendendo-as de forma a abranger os múltiplos genitores.

Por fim, é importante ressaltar que a legislação vigente assegura que a prestação de alimentos é recíproca entre pai e filho, portanto, todos os pais poderão prestar alimentos ao filho, bem como este poderá prestar alimentos a todos os pais.

Sobre a guarda de filho menor, este problema será resolvido através do Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, caput, e no Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 4°, caput, e 5°.

Neste caso, é imprescindível analisar caso a caso, observando sempre o princípio do melhor interesse da criança. No caso em que a criança é considerada suficientemente madura, os Tribunais tendem a considerar sua preferência, desde que consoante com o princípio supramencionado.

Atente-se para o fato de que a ordem de prioridade de interesses foi invertida, posto que antigamente, se houvesse algum conflito decorrente da posse do estado de filho, entre a filiação biológica e a filiação socioafetiva, os interesses dos pais biológicos se sobrepunham aos interesses do filho, porque se primava os vínculos sanguíneos e biológicos, ou seja, a hegemonia da consanguinidade.

Desta forma, é nítido que o critério mais adequado a esses casos é o da afinidade e afetividade, sendo, portanto, que os pais afetivos levam sensível vantagem na obtenção da guarda dos menores.

Vale ressaltar que em muitos casos os que os filhos buscam é somente o conhecimento da sua verdade biológica, e não o reconhecimento de uma paternidade, por já possuírem um pai socioafetivo e com este um laço de amor paternal, mas nos casos que há reconhecimento da paternidade, o liame afetivo na constituição da guarda será o divisor de águas para a declaração da guarda.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina proferiu sentença, acerca de caso de

receptores e vice-versa. Prevê ainda que “na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um doador tenha produzido mais que duas gestações, de sexos diferentes, numa área de um milhão de habitantes.”

Uma das defesas para não se quebrar o anonimato do doador de material genético está no endeusamento da biologia, na valorização do laço biológico, sendo que cada vez mais ele tem menos importância no direito de família, mas também sabe-se que a identificação dos doadores pode trazer outras consequências como ninguém mais querer doar seu material com medo das consequências jurídicas e filhos indesejados.

Sobre a possibilidade de casamentos entre consanguíneos os conselheiros do CFM alegam que a Resolução do próprio conselho prevê que não se pode utilizar o sêmem do mesmo doador mais de duas vezes numa determinada área. A possibilidade de casamento de consanguíneos é remota e não é maior do que a entre parentes gerados por relação sexual. Quanto ao direito de a pessoa saber quem é seu pai biológico, a forma como se faz inseminação hoje no Brasil não impede que isso seja possível no futuro. O laboratório ou clínica têm de preservar, sob sigilo, a identidade do doador. Se algum dia um juiz solicitar essa identificação, o médico deverá apresentar.

Um possível reconhecimento de paternidade por parte dos doadores trará consequências na ordem jurídica, como por exemplo, a multiparentalidade, e sobre ela que será tratado no capítulo abaixo, desvendando suas consequências e modificações na estrutura família atual.

6 A MULTIPARENTALIDADE

Trata-se da possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e ou do genitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais ( ALMEIDA, 2013, p.24).

A multiparentalidade é o reconhecimento no campo jurídico o que ocorre no mundo dos fatos, uma convivência familiar harmônica entre paternidade biológica em conjunto com a paternidade socioafetiva.

O reconhecimento da verdade biológica do doador de sêmen possibilitará a paternidade biológica com todos os seus efeitos.

A coexistência de vínculos biológicos e afetivos é perfeitamente viável, mostrando- se não apenas como direito, e sim como obrigação, de forma a preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos.

Como efeitos da multiparentalidade no parentesco, após o reconhecimento da paternidade biológica do doador de sêmen, este é inserido no assento de nascimento da criança juntamente com o pai socioafetivo que não perderá sua paternidade, e será produzidos efeitos patrimoniais e jurídicos pertinentes, englobando toda a cadeia familiar, por exemplo, surtirá os efeitos de impedimentos matrimoniais e sucessórios.

Sobre o tema, insta colacionar os ensinamentos do professor Sílvio Venosa:

O nome é, portanto, uma forma de individualização do ser humano na sociedade, mesmo após a morte. Sua utilidade é tão notória que há exigência para que sejam atribuídos nomes a firmas, navios, aeronaves, ruas, praças, acidentes geográficos, cidades etc. O nome, afinal, é o substantivo que distingue as coisas que nos cercam, e o nome da pessoa a distingue das demais, juntamente com

Revista Jurídica 12.indd 88-89 04/09/2015 10:28:00

Page 47: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

90 91

geala geslaine ferrari, rita tarifa resquetti espolador,os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Resta o acórdão:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA. Revalando o estudo social e psicológico que a menor, hoje com nove anos de idade, prefere a guarda do pai, com quem já se encontra desde o ajuizamento da ação, em 2004, internalizando o pai e a madrasta como casal parental, é de se manter a decisão, impondo-se, entretanto, preservar os vínculos com a mãe e irmãos (filhos desta) através de regulamentação de visitas. Recurso desprovido”. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do RS, Apelação Cível N° 70018995241, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 25/04/2007.

O direito de visitas tem a finalidade de estreitar vínculos afetivos, portanto deve ser conferida, a menos que haja algum impedimento ou motivo suficiente para impor essa restrição.

Sobre os direitos sucessórios , no caso de multiparentalidade, são reconhecidos entre pais e filhos, observada a ordem de preferência e vocação hereditária disposta nos artigos 1.829 a 1.847, do Código Civil.

Como não existem regras em Biodireito que determinam sobre esta temática, caberá ao juiz no caso concreto analisando por analogia nas normas já preexistentes determinar as consequências jurídicas que este assunto ainda tão novo trará.

CONCLUSÃO

O presente ensaio buscou analisar um assunto muito polêmico que atualmente com a organização promovida pelos filhos da doação de sêmen e sua organização em sites de busca pela internet promoveu uma discussão em torno do tema.

Na verdade se fez necessário entender as regras existentes sobre a doação de material genético masculino nas clínicas de reprodução humana assistida, e sua regulamentação contratual, analisando através da ótica dos filhos gerados por este procedimento quais são seus direitos em relação ao doador do material genético.

Através de uma análise da resolução do Conselho Federal de Medicina pode-se chegar à conclusão de que predomina o direito ao anonimato, mas observando o caminhar da doutrina e jurisprudência pode-se ver que tal direito está sendo relativizado cada vez em detrimento do direito da verdade biológica, ou direito a identidade. Sendo assim o filho do doador de sêmen possui direitos sim, e alguns países já vem objetivando de maneira posta tais direitos.

Sendo assim começa a surgir um movimento na sociedade que clama por regulamentação jurídica ou melhor proteção jurídica, os filhos da doação de sêmen, a família estendida e a multiparentalidade, e isto foi tratado nesse breve ensaio.

Com este novo momento surgiu também direitos advindos da multiparentalidade, conceito que tem cada vez mais se firmado não só na esfera familiar, mas também no Biodireito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

ALMEIDA, Priscila Araújo de. Efeitos da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico

disputa de guarda de menor entre pai afetivo e o pai biológico, no qual prevaleceu a guarda para o primeiro, conforme demonstra emenda a seguir:

Ementa: PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - MANTENÇA DA GUARDA COM O CASAL QUE VEM CRIANDO A MENOR - ARTIGOS 6° E 33 DO ECA - PEDIDO INICIAL PARCIALMENTE PROCEDENTE - ÔNUS SUCUMBENCIAIS MODIFICADOS - RECURSO PROVIDO. Tendo como foco a paternidade socioafetiva, bem como os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do melhor interesse do menor, cabe inquirir qual bem jurídico merece ser protegido em detrimento do outro: o direito do pai biológico que pugna pela guarda da filha, cuja conduta, durante mais de três anos, foi de inércia, ou a integridade psicológica da menor, para quem a retirada do seio de seu lar, dos cuidados de quem ela considera pais, equivaleria à morte dos mesmos. Não se busca legitimar a reprovável conduta daqueles que, mesmo justificados por sentimentos nobres como o amor, perpetram inverdades, nem se quer menosprezar a vontade do pai biológico em ver sob sua guarda criança cujo sangue é composto também do seu. Mas, tendo como prisma a integridade psicológica da menor, não se pode entender como justa e razoável sua retirada de lugar que considera seu lar e com pessoas que considera seus pais, lá criada desde os primeiros dias de vida, como medida protetiva ao direito daquele que, nada obstante tenha emprestado à criança seus dados genéticos, contribuiu decisivamente para a consolidação dos laços afetivos supra-referidos (destaque no original).” SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de SC, Apelação Cível n. 2005.042066-1, de Ponte Serrada, Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, julgada em 1°-6-2006.

Em determinadas situações, quando o magistrado entender necessário, este poderá aplicar o disposto no artigo 1.616 do Código Civil:

Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.

Mas àquele que não tiver a guarda será lhe dado o direito de visitas, e tal direito não é somente a ele também é estendido aos avós, com a promulgação da Lei n° 12.398/2011, o direito de visita, que até então era permitido apenas aos genitores, foi estendido aos avós.

Desta feita, fora acrescentado um parágrafo único ao artigo 1.589 do Código Civil, o qual passou a ter o seguinte teor:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende- se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.

Depois de definida a guarda, desde que não se aplique ao artigo 1.616 do Código Civil, já transcrito anteriormente, cabe a fixação do direito de visita em relação aos outros pais.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou uma ação na qual, embora determinado que o menor devesse ficar com o pai e sua madrasta, com os quais possuía fortes vínculos afetivos, foi assegurado á mãe biológica o direito de visitas, sob o argumento que havia grande importância no contato entre o infante, seus irmãos e a mãe biológica.

Revista Jurídica 12.indd 90-91 04/09/2015 10:28:00

Page 48: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

93

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

janaina moreira barboza, joão alves dias filho

92

os irmãos da doação de semên: as regras desta doação e seus reflexos na formação da família multiparental

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

A (IN) APLICABILIDADE DE LIMITAÇÃO À RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE À SEGURADA

EMPREGADA

Janaina Moreira Barboza28

João Alves Dias Filho29

RESUMOO presente artigo tem por objetivo o estudo sobre o valor da renda mensal do benefício do salário-maternidade devido à segurada empregada. De acordo com a Constituição Federal e a lei de benefício, o respectivo valor devido é exatamente igual à remuneração da segurada. Ocorre que, após a edição da Emenda Constitucional n° 20, de 1998, todos os benefícios pagos pela previdência social tiveram sua renda mensal limitada ao valor correspondente ao teto do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, através do presente, ponderou-se a aplicabilidade da referida norma limitadora ao benefício em comento, considerando a garantia constitucional de pagamento integral da remuneração da segurada empregada.PALAVRAS-CHAVE: discriminação; limitação; renda mensal; salário-maternidade; segurada empregada.

ABSTRACTThis article aims to deepen the study of the monthly income of the benefit of maternity pay due to insured employee. According to the Federal Constitution, its value is exactly the same the remuneration of the insured. It happens that, after the enactment of Constitutional Amendment No. 20, 1998, all benefits paid by social security had their monthly income limited to the amount corresponding to the ceiling of the compensation of the Justices of the Supreme Court. In this sense, through the present, pondered the applicability of that provision limiting the benefit comment, considering the constitutional guarantee of full payment of the remuneration of the insured employee.KEYWORDS: discrimination; limitation; monthly income; maternity pay; insured employee.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 BENEFÍCIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE. 2.1 DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS. 2.2 TETO PREVIDENCIÁRIO. 2.2.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°. 1.946-5. 2.2.2 ARTIGO 248, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 3 PAGAMENTO INTEGRAL DO BENEFÍCIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE À SEGURADA EMPREGADA. 3.1 REMANESCENTE PAGO PELO EMPREGADOR. 3.2 PAGAMENTO INTEGRAL PELO INSS. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o artigo 248, da Constituição Federal de 1998, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS apenas se responsabiliza pelo pagamento de seus benefícios até o valor correspondente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal-STF.

Todavia, o salário-maternidade, especificamente devido à segurada empregada, corresponde ao valor integral da remuneração da trabalhadora, conforme disposição do artigo 7°, inciso XVIII, da Constituição Federal. No mesmo sentido o art. 94 do Dec. n. 3.048/99 e o art. 72 da Lei n. 8.213/91.

Alguns doutrinadores entendem que no caso exposto deve o empregador se responsabilizar por eventual diferença. Contudo, outros autores entendem que a limitação feita, editada através do poder constituinte derivado, não possui força suficiente para alterar a previsão constitucional de integralidade da remuneração, fruto do poder constituinte originário, razão pela qual se entende que o benefício é inteiramente de responsabilidade 28 AlunadeGraduaçãodocursodeDireitodaUNIFIL.Endereçoeletrônico:[email protected]

29 Professor (UNIFIL). Especialista em DireitoAplicado (EMAP). Pós-graduado em Direito Empresarial (UEL). Pós-graduadoemDireitoPrevidenciário(UEL).Advogado.Telefone:(43)33451792.Endereçoeletrônico:[email protected]

brasileiro. Disponível em: <www.ibdfam.org.br/artigos/autor/PriscilladeAraujodeAlmeira> Acesso em Março de 2015.

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: efeitos jurídicos. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2015.

CUNHA, Andréa. Direito dos Contratos.Curitiba: Juruá, 2004.

DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8.ed.rev.atual.ampl.São Paulo: RT, 2011.

DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Direito de Família. 25.ed.São Paulo: Saraiva, 2010.

FACHIN. Luis Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do Novo Código Civil Brasileiro. 2.ed.rev e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: RT, 1995.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do contrato no Estado Social. Maceió: Edufal, 1983.

MEIRA, Silvio. Instituições de Direito Romano. 4.ed. São Paulo: Max Limonad, 1971.

NERY JUNIOR, Nelson. Código civil comentado. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2006. p. 413.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 3 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1996.

PEREIRA.Sérgio Gischkow. Algumas considerações sobre a nova adoção. Revista dos Tribunais. São Paulo,v.682, p.65,1992.

KONDER, Carlos Nelson. O consentimento no Biodireito: o caso dos transexuais e dos wannabes. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v.15, p. 41-71, jul-set 2003.

SÁ, Maria de Fátima Freire de; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Filiação e biotecnologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil Parte Geral. 4a ed., São Paulo: Atlas, 2004. Direito Civil. Direito de família. 5a edição. Editora Atlas, 2006.WALD, Arnaldo. O novo direito de família. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

Revista Jurídica 12.indd 92-93 04/09/2015 10:28:00

Page 49: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

94 95

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

janaina moreira barboza, joão alves dias filhoa (in) aplicabilidade de limitação à renda mensal do benefício do salário-maternidade à segurada empregada

Segundo Martins (2013, p. 181), “O salário-maternidade é o benefício previdenciário consistente na remuneração pelo INSS à segurada gestante durante seu afastamento [...]”. Logo, tem-se que o INSS figura como sujeito passivo da presente relação previdenciária.

No que tange ao salário-maternidade devido às seguradas empregadas, determina o art. 72, da Lei de Benefício, que o benefício consistirá numa renda mensal exatamente igual a sua remuneração integral, assim como dispõe o art. 7°, inc. XVIII, da CF/88, que prevê como direito dos trabalhadores urbanos ou rurais a licença à gestante, concedida sem nenhum prejuízo para a trabalhadora, tanto do emprego como do salário.

Quanto às demais seguradas, excetuando-se a empregada e a trabalhadora avulsa, os valores que devem ser pagos a cada uma são descritos no art. 73, da LB:

Assegurado o valor de um salário-mínimo, o salário-maternidade para as demais seguradas, pago diretamente pela Previdência Social, consistirá:

I - em um valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica;

II - em um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual, para a segurada especial;

III - em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses, para as demais seguradas.

É importante destacar o que é observado o disposto no art. 201, §2°, da CF/88, o qual determina que nenhum benefício substituto do salário ou rendimento do trabalhador, ou trabalhadora, poderá ser inferior a um salário mínimo, o que se vislumbra no caso presente, pois, não obstante os critérios para cálculo do valor devido a cada uma, está assegurado o pagamento de valor correspondente ao salário mínimo vigente para todas as seguradas.

No que diz respeito ao pagamento, estabelece o art. 72, §1°, da LB, que cabe à empresa pagar o benefício devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se, posteriormente, a compensação junto ao INSS, diferentemente do pagamento das demais seguradas, feito diretamente pela previdência social.

Importante destacar que o dispositivo legal, que trata do pagamento e da compensação do benefício, determina que seja observado o disposto no art. 248, da CF/88, limitando-se valor do benefício ao teto do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

2.2 TETO PREVIDENCIÁRIO

Conforme exposto anteriormente, cada espécie de segurada irá receber um valor de benefício quando do salário-maternidade, sendo que cada uma terá um modo específico para o cálculo da renda mensal a ser percebida.

Todavia, cumpre destacar que, para fins de pagamento de benefício, a previdência social estipulou um teto limite para o valor a ser concedido à segurada. Isto é, cada segurada terá seu benefício calculado de acordo com os requisitos e critérios determinados. O resultado final do valor a ser pago, no entanto, não pode ultrapassar o limite máximo estipulado pela previdência, pois, em regra geral, o Instituto Nacional do Seguro Social

da previdência social, independentemente de seu valor.Diante da tal situação, o presente tratará de eventuais soluções para o caso de

a segurada empregada fazer jus a um benefício em valor superior ao suportado pela previdência social. Ou seja, um valor superior à remuneração do Ministro do STF.

2 BENEFÍCIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE

Primeiramente, antes de adentrar-se ao tema propriamente dito, é importante compreender o benefício do salário-maternidade concedido pela previdência social, de igual forma suas principais características, para que, posteriormente, sejam abordados os valores devidos e as limitações existentes, especialmente quanto à segurada empregada.

2.1 DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Quanto à natureza jurídica do benefício do salário-maternidade, Ibrahim (2005, p. 555) pontua que “O salário-maternidade não é benefício tipicamente previdenciário, pois não há necessariamente incapacidade a ser coberta [...]”, no entanto, considerando que é a própria previdência social quem realiza seu pagamento, a inexistência de incapacidade é irrelevante, sendo possível afirmar que o salário-maternidade “Possui natureza de benefício previdenciário individual [...]” (HORVARTH, 2010, p. 304).

Sua finalidade é a proteção do trabalho feminino, uma vez que busca igualar o tratamento entre o trabalho realizado pelo homem e pela mulher, pois, diante da possibilidade de ter que arcar com o salário de uma empregada durante meses sem o efetivo trabalho, em caso de uma gravidez, o empregador optaria pela mão de obra masculina, para não ter sob sua responsabilidade referida despesa.

A respeito da disposição legal sobre o benefício salário-maternidade, a Lei de Planos de Benefícios (LB), n° 8.213/91, prevê em seu art. 71:

O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Assim, quanto ao período em que a segurada, seja gestante ou adotante, irá receber o salário maternidade, bem como ao início do respectivo pagamento, o art. 7°, inc. XVIII, da CF/88, determina que a licença à gestante terá duração de 120 dias, de igual forma, o art. 71, da LB, prevê a mesma duração para o benefício, podendo o início se dar em até 28 dias antes da ocorrência do parto.

Com relação ao sujeito ativo do salário-maternidade, insta salientar que inicialmente somente as seguradas empregadas, empregadas domésticas, avulsas e especiais faziam jus ao benefício, todavia, com o advento da Lei n° 9.876/99, as seguradas individuais e facultativas também foram beneficiadas (HORVATH JÚNIOR, 2010).

Quanto ao sujeito passivo, em que pese a questão levantada sobre a falta de incapacidade no caso em comento, tem-se claro a natureza previdenciária do benefício, considerando que é a própria previdência social quem realiza seu pagamento, nos termos do parágrafo primeiro do art. 71-A, da LB.

Revista Jurídica 12.indd 94-95 04/09/2015 10:28:00

Page 50: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

96 97

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

janaina moreira barboza, joão alves dias filhoa (in) aplicabilidade de limitação à renda mensal do benefício do salário-maternidade à segurada empregada

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

Foi então que o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade requerendo, em suma, a declaração da inconstitucionalidade do art. 14 da EC n° 20/98, para que fosse afastada a sua aplicação ao direito constitucional dada às seguradas gestantes.

Assim, em julgamento da respectiva ADI, os nobres ministros do STF que participaram do processo entenderam que o artigo da EC n° 20 em discussão não é aplicável para o caso previsto no art. 7, inc. XVIII, da CF/88, de modo que o salário-maternidade devido à segurada empregada e avulsa, necessariamente, deve ser pago pelo INSS em sua integralidade, não se submetendo ao teto previdenciário.

Como fundamentos para a referida decisão, o Excelentíssimo Ministro Relator Sydney Sanches levantou vários pontos de extrema relevância para entendimento sobre o assunto, dentre eles a natureza jurídica do salário-maternidade, conclusivo para o julgamento da ADI em questão, uma vez que, pelo fato de restar incontroversa a sua natureza previdenciária, foi determinada a não aplicação do teto para o benefício, pois, caso contrário, o empregador é quem teria que arcar com a diferença, desvirtuando a sua finalidade.

Adiante, no julgamento da ADI foi destacado que, signatário de vários tratados internacionais, o Brasil promulgou, através do Decreto n° 58.820, de 14/07/1966, a Convenção n° 103, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual prevê através de seu art. IV, 8, que, em hipótese alguma, o empregador deve ser tido como responsável pelo pagamento das prestações devidas às mulheres que ele emprega.

Na mesma linha de raciocínio, é demonstrado que o empregado ou empregada não recebe, no sentido estrito da palavra, salário quando se encontra afastado de seu serviço, quando não se vislumbra prestação de trabalho, de modo que, afastada do trabalho, a segurada empregada não está recebendo salário, mas sim um benefício, o que descaracteriza a natureza trabalhista do salário-maternidade.

O Ex-Ministro Sydney Sanches pontuou que, assim como muitos poderiam entender, para ser cumprido o estabelecido constitucionalmente, caso a previdência somente se responsabilizasse pelo salário-maternidade devido à segurada empregada e avulsa até o teto previdenciário, o remanescente deveria ser arcado pelo empregador. Porém, se assim fosse determinado, muito estaria se retroagindo quanto aos direitos e garantias conquistados pela mulher durante toda a história do Brasil.

Nas palavras do Ministro Relator Sydney Sanches (ADI 1946/DF, fl. 62):

Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7°, inc. XXX, da C.F./88), proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direito, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5° da Constituição Federal.

Assim, considerando todos os pontos destacados, o STF, por unanimidade, deferiu o pedido exposto na ADI 1946-5, a fim de se deixar expresso a sua não aplicação à licença maternidade prevista no art. 7°, inc. XVIII, da CF/88, razão pela qual a previdência social é quem dever arcar com a sua totalidade, nos termos da decisão proferida.

(INSS) somente irá arcar até o montante estipulado.Foi no ano de 1988, através da Emenda Constitucional (EC) n° 20, que restou

estabelecido o teto previdenciário para os benefícios descritos no art. 201, da CF/88, concedidos pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS.

Prevê o art. 14, da EC n° 20, de 1988:

O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal é fixado em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), devendo, a partir da data da publicação desta Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

Assim, a EC n° 20/98, por meio de seu art. 14, limitou, ainda que de forma genérica, todos os benefícios do RGPS a um mesmo teto, inicialmente no valor de R$1.200,00.

Em nível infraconstitucional, o limite máximo (leia-se: teto previdenciário) está disposto no art. 28, parágrafo 5, da Lei n. 8.212/91 (Lei de Custeio). Atualmente, atendendo-se ao descrito no próprio dispositivo legal, que prevê o reajuste do valor periodicamente, através da Portaria Interministral n° 13, de 09 de janeiro de 2015, o valor máximo dos referidos benefícios não podem ultrapassar o total de R$ 4.663,75 (art. 2°).

Excetua-se da regra disposta no artigo supracitado o valor pago a título de aposentadoria por invalidez no caso em que se vislumbre a chamada grande invalidez, quando se faz necessária a presença de acompanhante permanente para o aposentado, sendo acrescidos 25% ao benefício, podendo ultrapassar, então, o teto da previdência. De igual forma, o pagamento referente ao benefício salário-maternidade devido às seguradas empregadas e às trabalhadoras avulsas também não se submete ao referido teto, considerando recente julgado do STF (IBRAHIM, 2005).

Com efeito, existem dois limites-tetos, um em nível infraconstitucional (R$ 4.663,75) e outro em nível constitucional (R$ 33.763,00), este com previsão no art. 37, XI, da Carta Magna.

Assim, o teto previdenciário deve ser respeitado em todos os benefícios ofertados pelo RGPS, todavia, a respeito do benefício concedido à segurada gestante, cumpre esclarecer que o respectivo valor poderá ser superior ao limite máximo em razão do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), através da qual restou determinado a não aplicação do art. 14, da EC n° 20, ao salário-maternidade devido à segurada empregada, tendo em vista o disposto no art. 7°, XVIII, CF/88.

2.2.1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°. 1.946-5

Após a edição da EC n° 20/98, gerou-se um grande inconformismo quanto à sua aplicação ao art. 7°, inc. XVIII, da CF/88, que trata sobre a licença à gestante sem prejuízo do emprego e do salário.

Dispõe o art. 7°, inc. XVIII, da CF/88:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

Revista Jurídica 12.indd 96-97 04/09/2015 10:28:00

Page 51: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

98 99

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

janaina moreira barboza, joão alves dias filhoa (in) aplicabilidade de limitação à renda mensal do benefício do salário-maternidade à segurada empregada

3 PAGAMENTO INTEGRAL DO BENEFÍCIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE À SEGURADA EMPREGADA

Em obediência ao preceito constitucional e o disposto na lei de benefício, o valor do benefício do salário-maternidade pago à segurada empregada deve ser exatamente igual a sua remuneração integral, sem o limitador do teto previdenciário.

Em outras palavras, o benefício do salário-maternidade da segurada empregada é a remuneração da gestante sem o limite dos R$ 4.663,75.

Diz a doutrina:

Para a servidora, empregada, temporária e avulsa, o montante é exatamente a remuneração mensal bruta, deduzida a contribuição pessoal até o limite do salário de contribuição. Nesse sentido, não tem teto (MARTINEZ, 2014, pág. 906).

O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral, cabendo contribuição sobre estes valores, já que o salário-maternidade é, também, salário de contribuição. (NEVES, 2012. pág. 231).

A renda mensal do salário-maternidade da segurada empregada não está sujeita ao limite máximo do salário de contribuição. (SANTOS, 2011 pag. 260).

Todavia, existe a disposição do art. 248, da CF/88, que prevê a limitação dos benefícios previdenciários ao teto do subsídio recebido pelos ministros do STF, atualmente no valor de R$ 33.763,00.

Em um primeiro momento, diante de tal limitação, o cumprimento da disposição constitucional supracitada estaria prejudicado, pois não é possível efetuar o pagamento integral para todos os casos se existe uma limitação, ainda que em um valor alto, pois pode ser que em algum momento alguma segurada tenha seu direito barrado em razão desta limitação.

Diante dessa situação, como forma de efetivamente dar cumprimento à garantia constitucional de não prejuízo ao salário da segurada empregada, pode-se dizer que existem dois caminhos, ou posicionamentos, acerca do assunto.

3.1 REMANESCENTE PAGO PELO EMPREGADOR

Considerando a limitação feita pelo legislador no art. 248, da CF/88, incluído através da EC N° 20/98, o INSS somente estaria obrigado a arcar com o benefício do salário-maternidade até o valor dos subsídios percebidos pelos ministros do STF, inclusive se a remuneração da segurada ultrapassasse o estabelecido.

A partir daí, tendo em vista a previsão constitucional de não prejuízo do salário em razão de licença à gestante, alguns autores têm entendido que, se a segurada empregada receber salário superior ao teto estipulado, o empregador deve se responsabilizar pela diferença, pagando à empregada o valor necessário para alcançar a integralidade de sua remuneração enquanto afastada do serviço.

Sobre a aplicação da limitação em questão, Ibrahim (2005, p. 558) menciona:

O art. 37, XI da Constituição prevê a limitação dos valores pagos pelo Poder

2.2.2 ARTIGO 248, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Através da mesma EC n° 20 de 1998, foi acrescentado à Constituição Federal o art. 248, que dispõe sobre os valores máximos dos benefícios pagos pelo RGPS.

Prevê o art. 248, CF/88:

Os benefícios pagos, a qualquer título, pelo órgão responsável pelo regime geral da previdência social, ainda que à conta do Tesouro Nacional, e os não sujeitos ao limite máximo de valor fixado para os benefícios concedidos por esse regime observarão os limites fixados no art. 37, XI.

O mencionado art. 37, inc. XI, da CF/88, regulamenta o limite máximo da remuneração e do subsídio de alguns cargos, limitando-os ao subsídio mensal, em espécie, dos ministros do STF. Assim, de acordo com o art. 248, tem-se que os benefícios pagos pela previdência social, não sujeitos ao teto previdenciário, deverão observar o subsídio mensal percebido pelos ministros do respectivo Tribunal.

Partindo-se dessa premissa, seria possível concluir que o benefício do salário-maternidade estaria subordinado ao dispositivo constitucional supracitado, considerando sua não sujeição ao teto previdenciário previsto no art. 14, da EC n° 20/98.

Contudo, se assim for entendido, se o salário-maternidade for, de fato, limitado ao valor percebido pelos ministros do STF a título de subsídios, o art. 7°, XVIII, da CF/88, não estaria sendo integralmente cumprido, pois sua redação é clara quanto ao não prejuízo do salário durante o afastamento.

A recente Lei n° 13.091, de 12 de janeiro de 2015, dispõe sobre o subsídio dos ministros do STF e, em seu art. 1°, determina que o valor mensal será de R$ 33.763,00 (trinta e três mil, setecentos e sessenta e três reais), contado desde o dia 1o de janeiro do ano corrente.

Nesta linha de raciocínio, em linhas gerais, todos os benefícios pagos pelo RGPS não podem ultrapassar o valor total de R$ 33.763,00.

Contudo, há que se destacar, novamente, a disposição do art. 7°, XVIII, da CF/88. Assim, não é possível simplesmente afastar a disposição constitucional e aplicar-se a limitação em questão ao benefício do salário-maternidade. Neste sentido, existem doutrinadores e juristas que entendem que, se a segurada receber salário superior ao limite estipulado, qual seja R$33.763,00, em caso de afastamento em razão de gravidez, quando do pagamento do salário-maternidade, o empregador é quem deve arcar com a diferença existente.

Por outro lado, pode-se dizer, também, que, de acordo com toda a fundamentação exposta na ADI 1946-5, referida limitação também não poderia ser aplicada ao benefício em estudo, pois estaria, de igual forma, violando o artigo constitucional e toda a legislação que visa à proteção ao trabalho da mulher.

Portanto, resta a dúvida: quando a segurada empregada receber salário superior ao subsídio percebido pelos ministros do STF, se a previdência social somente se responsabilizar por este teto, quem deve arcar com o remanescente?

Revista Jurídica 12.indd 98-99 04/09/2015 10:28:00

Page 52: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

100 101

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

janaina moreira barboza, joão alves dias filhoa (in) aplicabilidade de limitação à renda mensal do benefício do salário-maternidade à segurada empregada

foi afastado do salário-maternidade, a limitação em questão também não seria aplicável ao benefício, uma vez que faz as vezes daquele, limitando o valor a ser pago, apenas diferenciando-se no valor.

Ao tratar sobre a decisão da ADIN 1946-5, Martins (2013, p. 190) menciona:

[...] Entende o STF que o salário-maternidade não está sujeito ao teto do benefício, devendo o INSS pagar o benefício integralmente, independentemente do valor do salário da trabalhadora gestante. Os ministros do STF afirmaram que a limitação contraria a Constituição, em razão de que a gestante tem garantido o direto à licença-maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias (art. 7°, XVIII).

Diante de tal afirmação, tem-se que, por indução, o limite estabelecido pelo art. 248 da Constituição não deve se aplicar, também, ao benefício, pois se entende pelo pagamento integral pelo INSS, sem nenhuma outra limitação.

No julgamento da ADI 1946-5, a decisão proferida pelo STF deixou expresso que o art. 14, da EC n° 20/98 não se aplica à licença maternidade, de modo que a previdência social se responsabiliza pelo pagamento da integralidade da referida licença, disposta no art. 7°, inc. XVIII, da CF/88. Analisando exatamente os termos da decisão, tem-se que a previdência deve responder pela integralidade do benefício, e não até o teto do subsídio dos ministros do STF, pois, de qualquer forma, está sendo novamente limitado o direito da gestante segurada.

No julgamento da ADI supracitada, foi destacada a evolução das constituições federais, que sempre se atentaram para a proteção do emprego e do salário da empregada, atribuindo ao INSS o dever de efetuar o pagamento do benefício destinado a estas. Inclusive, a Convenção n° 103 da OIT, ratificada pelo Brasil, dispõe sobre a vedação de responsabilidade do empregador pelas prestações devidas às suas empregadas mulheres, independentemente da situação, sustentando ainda mais a responsabilidade da previdência social.

Sobre o assunto, descreve Martins (2013, p. 180):

[...] As prestações devidas à empregada gestante tanto antes como depois do parto, devem ficar a cargo de um sistema de seguro social ou fundo público, sendo que a lei não pode impor ônus ao empregador, inclusive com o objetivo de evitar a discriminação do trabalho da mulher.

Neste sentido, resta incontroverso a natureza previdenciária do benefício em tela, não podendo ser, desta forma, atribuída ao empregador eventual responsabilidade de seu pagamento.

Como dito, alguns autores entendem pela responsabilidade subsidiária da empresa contratante quanto ao pagamento do benefício do salário-maternidade, no entanto, é importante frisar que essa situação pode ocasionar eventual discriminação no trabalho feminino, considerando que, diante de um provável gasto adicional que poderá ter na contratação de uma empregada mulher, o empregador dará preferência para o trabalho masculino.

Na decisão proferida na ADI 1946-5, ficou consignado que, se o empregador se tornasse responsável pelo pagamento da diferença do benefício em questão, estaria propiciada a discriminação do trabalho feminino, que a Constituição Federal busca

Público, em âmbito federal, ao subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Assim, o art. 248 da CRFB/88 adota, por analogia, o teto da remuneração de servidores públicos federais nas situações em que o limite do RGPS não é aplicável. Em razão disso, o salário-maternidade tem atualmente como limite o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Neste raciocínio, com relação ao pagamento integral que deve ser garantido à segurada empregada, de acordo com Ibrahim (2005, p.558):

Caso alguma segurada empregada venha a perceber valores superiores ao previsto supra, caberá à empresa o pagamento da diferença, pois à beneficiária é sempre assegurado o pagamento da integralidade da remuneração (art. 7°, XVIII da CRFB/88).

Assim sendo, seguindo esta linha de raciocínio, de fato o INSS somente se responsabilizaria pelo pagamento do benefício à segurada até o limite estabelecido no art. 248, da CF/88 e, se o valor devido ultrapassasse este montante, o empregador ficaria responsável por completar o pagamento do benefício, a fim de garantir a integralidade da respectiva remuneração.

Em linhas gerais, existem dois dispositivos constitucionais tratando basicamente do mesmo assunto. Em um extremo, o art. 7°, inc. XVIII, prevê a integralidade da remuneração da segurada empregada em caso de licença à gestante; em outro, o art. 248 delimita o valor dos benefícios concedidos pelo RGPS ao valor do subsídio dos ministros do STF. Neste sentido, para os referidos estudiosos do Direito, devem as duas normas ser respeitadas, atribuindo a um terceiro o dever de fazer valer o contido nelas.

Isto é, considerando que, diferentemente do teto previdenciário geral, a limitação do art. 248, da CF/88, não foi afastada do salário-maternidade por meio de decisão do Poder Judiciário, entendem estes autores que deve ser respeitada em todos os benefícios, de modo que o INSS somente será responsável até este limite. No entanto, o disposto no art. 7°, inc. XVIII, da CF/88 também deve ser atendido, de modo que, se a segurada receber remuneração maior do que o valor garantido pelo INSS, o empregador deve complementar o benefício até a sua integralidade.

3.2 PAGAMENTO INTEGRAL PELO INSS

Não obstante os ensinamentos dos autores supracitados, pode-se ainda entender pela responsabilidade integral do INSS, uma vez que o art. 248, da CF/88, delimita a responsabilidade do INSS ao pagamento do salário-maternidade até o teto do subsídio dos ministros do STF, todavia, não esclarece qual procedimento será adotado caso a segurada que fizer jus ao benefício perceba salário superior ao dos referidos ministros, pois à segurada empregada é garantida a integralidade de sua remuneração.

Há de se ressaltar que o dispositivo constitucional limitador não cita a referida possibilidade de responsabilização do empregador, pois não atribui a ele a responsabilidade de completar o beneficio se necessário, muito pelo contrário, não atribui a ninguém tal encargo.

Considerando o teor do art. 248, da CF/88, de igual forma o do art. 14, da EC N° 20/98, pode-se chegar à conclusão de que, da mesma forma que o teto previdenciário

Revista Jurídica 12.indd 100-101 04/09/2015 10:28:00

Page 53: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

102 103

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

janaina moreira barboza, joão alves dias filhoa (in) aplicabilidade de limitação à renda mensal do benefício do salário-maternidade à segurada empregada

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista a limitação existente quanto à responsabilidade da previdência social pelos seus benefícios, ainda que em elevado valor, existe a possibilidade de alguma empregada encontrar seu direito barrado ao se deparar com tal limitação, pois, caso seu salário seja em valor superior ao teto estipulado, a princípio, somente receberia o benefício salário-maternidade até o valor fixado.

Doutrinadores como Fábio Zambitte Ibrahim entendem que, caso a segurada empregada receba remuneração superior ao teto estipulado pelo art. 248, da CF/88, deve o empregador se responsabilizar pelo pagamento da diferença, como forma de dar integral cumprimento ao estabelecido pelo art. 7°, inc. XVIII, também da CF/88.

Por outro lado, existem outros doutrinadores, assim como Barcha Correia, que divulgam a ideia de que o direito constitucional deve ser preservado, sem mencionar a figura do empregador como responsável pelo pagamento de eventual diferença, pelo que, utilizando-se dos argumentos elencados na ADI n° 1946-5, se conclui pela responsabilização integral do INSS, pois, em caso contrário, o trabalho feminino estaria propício à discriminação.

Conclui-se que, assim como feito inicialmente com o teto previdenciário, destinado a todos os benefícios concedidos pela previdência social em geral, a referida limitação dos benefícios até o teto dos subsídios dos ministros do STF também não deve ser aplicável ao salário-maternidade, devendo o INSS responder por sua integralidade, independentemente do valor devido.

REFERÊNCIASBRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Emenda constitucional n° 20, de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1998. Seção 1, p. 1-2.

BRASIL, Lei 13.091, de 12 de janeiro de 2015. Dispões sobre o subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no inciso XV do art. 48 da Constituição Federal; revoga dispositivo da Lei n° 12.771, de 28 de dezembro de 2012; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 jan. 2015. Seção 1, p. 4

BRASIL, Lei 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1991. Seção 1, p. 14809.

BRASIL. Portaria Interministerial n° 13, de 09 de janeiro de 2015. Dispõe sobre o reajuste dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e dos demais valores constantes no Regulamento da Previdência Social – RPS. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 jan. 2015. Seção 1, p. 15.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Direito Constitucional, Previdenciário e Processo Civil. Licença-Gestante. Salário. Limitação. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1946-5 – DF. Requerente: Partido Socialista Brasileiro – PSB. Requeridas: Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Relator: Min. Sydney Sanches. Distrito Federal, 29.04.1999. Lex: Diário de Justiça, 05 mai. 2003, p. 90.

CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da Seguridade Social. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 396 p.

combater através de seu art. 7°, inc. XXX, determinando a vedação de diferença de salários, exercícios de função, assim como de critérios de admissão, seja por motivo de sexo, idade, cor.

Ao fazer menção à ADI n° 1946-5, assim como à limitação feita pelo art. 14, da EC 20/08, Barcha Correia (2011, p. 349) destaca:

Segundo o STF, tal limitação resultaria na discriminação entre homens e mulheres e também ofenderia as disposições contidas no art. 7°, XXX, do texto constitucional, que proíbe a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” [...].

Na referida ADI, o Nobre Ministro Relator fazia menção ao teto previdenciário determinado através do art. 14, da EC n° 20/98, porém, analogicamente, tais fundamentos podem ser aproveitados para a limitação feita pelo art. 248, da CF/88, uma vez que restringe da mesma forma o salário-maternidade e leva ao entendimento inicial de que o empregador é o responsável por eventual diferença.

Ainda, assim como também levantado no julgamento da ADI 1946-5, tal limitação faria com que, independentemente do trabalho realizado e da aptidão da empregada mulher para o exercício de sua função, caso o empregador fosse responsável pela diferença do benefício, nunca atribuiria salário superior ao limite de pagamento pelo INSS, como forma de evitar possível responsabilidade.

Diante de tais fatos, considerando que todos os fundamentos expostos para inaplicabilidade do teto previdenciário ao salário-maternidade podem ser aplicados ao limite do art. 248, da CF/88, tem-se que, de forma analógica, tal limitação deveria ser afastada do benefício em tela, sendo a previdência social responsável pelo seu pagamento integral.

Sobre o assunto, Barcha Correia (2011, p. 349-350) conclui:

Partindo-se da premissa de que o salário-maternidade é benefício previdenciário, substitutivo de salário, a limitação no valor do benefício ocasionaria diminuição em ganhos de natureza alimentar, infringindo o disposto no art. 7°, XVIII, da CF, que assegura à trabalhadora “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias”.

Portanto, ainda que a segurada tenha rendimentos do trabalho superiores ao teto dos ministros do STF, seu benefício não poderá, sob pena de flagrante ofensa ao dispositivo constitucional mencionado, ser inferior ao seu salário.

Cabe destacar que a alteração promovida pela EC n. 20/98, fruto do poder constituinte derivado, não pode, sob pena de ofensa ao princípio de proibição de retrocesso social, limitar a vontade do poder constituinte originário.

Neste sentido, nos termos da ADI em questão, se o poder constituinte derivado quisesse atribuir tal limitação ao salário-maternidade, o teria feito de forma expressa, considerando o disposto no art. 7°, inc. XVIII, da CF/88. Contudo, assim não foi feito, razão pela qual, entende-se pela sua não aplicação ao benefício, devendo o INSS ser o único responsável pelo seu pagamento na integralidade, independentemente do salário percebido pela segurada gestante.

Revista Jurídica 12.indd 102-103 04/09/2015 10:28:00

Page 54: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

105

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Moura

104

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

a (in) aplicabilidade de limitação à renda mensal do benefício do salário-maternidade à segurada empregada

AGROTÓXICOS: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

Luiz Gonzaga Tucunduva de Moura30

RESUMOA crescente demanda universal por alimentos e energia requer o constante aperfeiçoamento de tecnologias voltadas ao aumento da produção e dos índices de produtividade agrícola. No Brasil, disseminou-se a partir dos anos 1970 um modelo agrícola com utilização de agrotóxicos em larga escala que, refletiu em um expressivo aumento desses índices, porém, desencadeou também um “despertar de consciências” para a necessidade de regramento do uso desses produtos, em face de seu grande potencial lesivo ao meio ambiente e à saúde humana. No embate entre os defensores da utilização dos agrotóxicos sob o enfoque da “ética do mercado” tão somente e aqueles que apregoavam a necessidade da utilização racional, pautada em critérios científicos e compromissados com os aspectos biológicos e o conceito de sustentabilidade, surge a figura do “Receituário Agronômico” previsto na Lei Federal n. 7.802/89, regulamentada pelo Decreto 4.074/2002, dispondo sobre responsabilidade administrativa, civil e penal do profissional que subscreve tal documento técnico. Neste contexto, o presente trabalho destaca aspectos da Responsabilidade Civil do Engenheiro Agrônomo em ocorrência de danos ambientais causados por falha do profissional na prescrição de agrotóxicos, visando fazer do esclarecimento sobre a responsabilidade na emissão do receituário agronômico um aspecto relevante à adoção de rigorosas cautelas pelo profissional que o subscreve, para que as recomendações sejam prescritas racionalmente e de maneira a propiciar a consolidação de uma mentalidade voltada à idéia de que o uso do controle químico de pragas e doenças não deve ser exercido nos moldes de simples prática comercial, mas de alternativa que se deve associar a outras medidas, observando-se rigorosamente os parâmetros da ciência agronômica e a preocupação com a preservação dos recursos naturais e a saúde das pessoas.PALAVRAS-CHAVE: agrotóxicos; receituário agronômico; dano ambiental; responsabilidade civil; engenheiro agrônomo.

ABSTRACTThe increasing global demand for food and energy requires the constant improvement of technologies to help increase production and agricultural productivity indexes. In Brazil, an agricultural model including the use of agrochemicals in large scale was largely disseminated in the 70’s, which reflected on an expressive increase of these indexes. However, it also raised the awareness for the need to control the use of these products due to their potentially harmful effects on the environment and human health. In the conflict between those who defend the use of agrochemicals under the “market ethics” approach alone and those who proclaim the need to use them rationally, based on scientific criteria and biological aspects and sustainability concepts, the “Agronomic Prescriptions/Pharmacopoeia”, provided by Federal Law n.7.802/89, and regulated by Decree 4.074/2002 came about to provide for administrative, civil and penal responsibility of the professional who subscribes to such technical document. In this context, the present work highlights aspects of the Agronomic Engineer Civil Responsibility regarding the occurrence of environmental damages caused by professional errors in prescribing agrochemicals, to make this information on agronomic prescriptions responsibility a relevant aspect for the adoption of rigorous cautions by the professional who subscribe them, so that all recommendations are prescribed rationally and in way to consolidate the idea that the use of chemicals to control pests and diseases should not be carried out as a simple commercial practice but as an alternative that must be combined with other measures, observing rigorously agronomic science parameters and the preoccupation with the preservation of natural resources and people’s health.KEYWORDS: agrochemicals; pharmacopoeia/prescriptions; environmental damages; civil responsibility; agronomic engineer.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 REGRAMENTO JURÍDICO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL. 3 DANOS POTENCIAIS NA UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS. 4 RECEITUÁRIO AGRONÔMICO. 5 DANO AMBIENTAL E AGROTÓXICOS. 6 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. 7 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENGENHEIRO AGRÔNOMO POR DANOS AMBIENTAIS NA PRESCRIÇÃO DO RECEITUÁRIO. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

30 Graduado em Direito e Agronomia pela UEL. Juiz de Direto no Estado do Paraná. Especialista em Direito Ambiental pelo InstitutodeDireitoConstitucionaleCidadania–IDCC.E-mail:[email protected]

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 8. ed. Completa, Revista, Atualizada e Ampliada. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2010. 712 p.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 5. ed. Revista, Ampliada e Atualizada. Rio de Janeiro: Editora Impetrus, 2005. 746 p.

KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 8. ed. Revista, Ampliada e Atualizada. Bahia: Editora Jus Podivm, 2011. 680 p.

MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. 6. ed. – São Paulo: LTr, 2014.

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à Lei n° 8.213/91: Benefícios da previdência social. São Paulo: Editora Atlas, 2013. 313 p.

NEVES, Gustavo Bregalda. Manual de Direito Previdenciário. São Paulo: Saraiva, 2012.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

Revista Jurídica 12.indd 104-105 04/09/2015 10:28:00

Page 55: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

106 107

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Mouraagrotóxicos: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

ocasionavam desequilíbrios ambientais e danos à saúde humana.Nesse contexto de evolução, o regramento legal dos agrotóxicos tornou-se

naturalmente necessário como consequência dos debates e questionamentos que se projetaram a partir do cenário internacional, e, no âmbito interno, do círculo restrito dos profissionais e pesquisadores envolvidos na atividade agrícola, para toda a sociedade.

Enfim, surge a previsão legal sobre os agrotóxicos no ordenamento jurídico brasileiro, retratada expressamente no plano infraconstitucional pelos termos da Lei 7.802/89 e do Decreto n. 4074/2002 que a regulamenta, e, no âmbito constitucional, como matéria inserida no campo de abrangência do art. 225, §1º, inciso V, da CF.

2 REGRAMENTO JURÍDICO DOS AGROTÓXICOS NO BRASIL

Do ponto de vista agronômico, os agrotóxicos constituem uma categoria especial de insumos - diferente dos fertilizantes corretivos e sementes melhoradas - que agem como agente repressivo de elementos exógenos à planta ou ao produto colhido, e, não como elemento de influência direta ao metabolismo vegetal. Sua finalidade, em sentido estrito, é de evitar a quebra de safras por ataque de pragas ou doenças às culturas, ou de servir como coadjuvante na preservação das safras armazenadas, contribuindo, assim, de forma indireta para o aumento da produtividade agrícola (PESSANHA, 1982).

No campo jurídico, a potencialidade dos agrotóxicos em causar danos à saúde humana e ao meio ambiente despertou a preocupação com o tema e a consequente constitucionalização da matéria referente a essas substâncias, na medida em que o art. 225, § 1º, V, da Constituição Federal determina ao Poder Público o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportam risco para a qualidade de vida e para o meio ambiente. As técnicas, métodos e substâncias mencionadas no texto constitucional referem-se notadamente aos agrotóxicos, em face da importância da manutenção de um padrão de produtividade, apesar de comprometer à saúde humana de forma direta e, de forma indireta, alterar a biodiversidade do solo e das águas, pela aplicação de agrotóxicos (FIORILLO, 2012).

No plano infraconstitucional, a Lei 7.802/89, regulamentada pelo Decreto 4.074, de 04 de janeiro de 2002, conceitua as substâncias em questão como agrotóxicos e dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização dos agrotóxicos, seus componentes e afins.

O tema está inserido também no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, pois o art. 4º do referido Estatuto, ao traçar a Política Nacional das Relações de Consumo, fixa o atendimento às necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência das relações de consumo, e, assim sendo, tal determinação passa a exigir a preservação do meio ambiente como forma de garantir a qualidade de vida da pessoa inserida no mercado de consumo (FIORILLO, 2012).

Ressalte-se, ademais, que para além dos dispositivos legais expressos o tratamento jurídico dos agrotóxicos, em todos os aspectos (registro, produção, comercialização, importação e exportação, utilização), deve levar em conta os princípios gerais do Direito Ambiental, especialmente os princípios da prevenção e da precaução (MACHADO, 2012).

1 INTRODUÇÃO

Desde que as plantas cultivadas passaram a se constituir a base da alimentação humana, a sua escassez tem sido um problema permanente a preocupar a humanidade. (CARVALHO, 1978).

Acrescente-a isso, a utilização de plantas cultivadas para a produção de combustíveis, matéria prima e energia, idéia crescente com a modernidade, especialmente levando-se em conta a exigência de utilização de matérias primas e fontes energéticas que possibilitem a preservação dos recursos naturais, quer pelo abrandamento da exploração de fontes finitas ou pela redução de poluição do ambiente como resultado do processo produtivo.

Essa realidade implica necessariamente na exigência do aumento da produção e dos índices de produtividade agrícola, fatores que são alavancados pela aplicação de diversas tecnologias, nas quais se inserem os agrotóxicos como fator importante no controle de pragas e doenças que afetam plantas cultivadas em escala comercial.

Ressalte-se que a utilização de substâncias químicas como instrumento de controle das pragas e doenças de plantas cultivadas não é prática iniciada a partir da preocupação recente com a escassez de alimentos ou energia, mas pode ser identificada em registros que remontam a Antiguidade Clássica. O uso de produtos químicos como o Arsênio para controle de insetos tem registro em Escrituras gregas e romanas de mais de 3000 anos, bem como a utilização de compostos orgânicos naturais como a piretrina, que eram utilizados pelos chineses como inseticidas a cerca de 2000 anos atrás (ALVES FILHO, 2000).

É oportuno destacar, porém, que a criação da indústria de agrotóxicos não foi desencadeada pela necessidade de controle químico de pragas e doenças das plantas cultivadas, mas como uma forma de continuidade de pesquisas bélicas desenvolvidas durante a segunda guerra mundial, nas quais se observou que algumas substâncias desenvolvidas para aqueles fins tinham efeito letal para insetos e plantas, resultando daí a produção de inseticidas e herbicidas para uso agrícola (LUTZEMBERGER, 2004).

No Brasil, o panorama histórico do uso de agrotóxicos, segundo Ferreira (2011), apresenta três fases distintas.

A primeira delas, associada com a adoção de intensa mecanização agrícola, foi marcada tão somente pela busca do aumento da produtividade sem que, em contrapartida, houvesse preocupação com a avaliação dos riscos relacionados a tais substâncias na interação com a saúde humana e o meio ambiente. Já na década de 1960, porém, os alertas de Carson sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos não desencadearam apenas o debate sobre este tema, mas deu ênfase à projeção das idéias do movimento ambientalista, com a propagação de uma consciência ecológica no contexto mundial.

Em um segundo momento, com início na década de 1970, os riscos da utilização de agrotóxicos em larga escala começaram a ser evidenciados e propagados com maior destaque, acarretando as primeiras iniciativas para o uso racional desses produtos, como a criação do Manejo Integrado de Pragas (MIP)31.

Na década de 1980, surge um expressivo movimento internacional de reflexão e discussão sobre os benefícios proporcionados pela utilização desses produtos em confronto com os custos sociais envolvidos, diante das crescentes evidências de que tais substâncias

31 Estratégia que associa práticas diversas de controle, levando em conta aspectos ecológicos, econômicos e sociais visando manter as populações de pragas abaixo dos níveis de dano econômico, com a mínima interferência possível nos agroecossistemas.

Revista Jurídica 12.indd 106-107 04/09/2015 10:28:00

Page 56: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

108 109

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Mouraagrotóxicos: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

4 RECEITUÁRIO AGRONÔMICO

A utilização de agrotóxicos na agricultura revela um risco potencial à poluição de praticamente todo o meio ambiente natural, tendo em vista que os efeitos desses produtos se refletem na água, no solo e no ar atmosférico. Não por acaso, então, a preocupação com a efetiva lesão à incolumidade físico-psíquica dos seres humanos viabilizou a constitucionalização da matéria referente às substâncias agrotóxicas e a necessidade da construção de um regramento jurídico que efetivamente controle essa atividade (FIORILLO, 2012).

A criação do chamado Receituário Agronômico, com previsão expressa no art. 13 da Lei 7.802/89, regulamentada pelo Decreto 4.074, de 4 de janeiro de 2002, é reflexo direto dessa preocupação com a construção de um regramento jurídico destinado ao controle do uso de agrotóxicos na atividade agrícola.

Nesse sentido, pondera Alves Filho (2000) que a prescrição técnica formalizada, como instrumento legal obrigatório para a compra desses insumos, representou um dos caminhos institucionais construídos no Brasil para se tentar reverter os graves problemas ambientais e de saúde pública desenhados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas atividades agropecuárias e florestais.

O Receituário Agronômico, em sua essência, consiste em uma metodologia utilizada para diagnóstico do problema fitossanitário que está atacando determinada cultura e a eventual prescrição do agrotóxico adequado, quando necessário o tratamento químico (VAZ, 2006).

Nas palavras de Guerra e Sampaio (apud ALVES FILHO, 2000, p. 125):

A receita agronômica é o documento pelo qual o profissional se identifica, se situa, se apresenta e preconiza o recurso terapêutico, preventivo ou curativo, em função do diagnóstico. É o instrumento utilizado pelo engenheiro agrônomo para determinar, esclarecer e orientar o agricultor sobre como proceder ao usar um agrotóxico ou outra medida alternativa da defesa sanitária vegetal. Constitui a etapa final de toda uma metodologia semiotécnica, da qual o profissional se valeu para tirar suas conclusões relativas ao problema.

Destacando a importância e o caráter público da receita agronômica, Machado (2012, p. 773) assevera que “a aplicação de agrotóxico pode contaminar alimentos e o meio ambiente, atingindo pessoas indeterminadas e bens ambientais de uso comum do povo (art.225, caput, da CF)”. E em razão disso, sugere que o processo de emissão da receita seja permeado por absoluta transparência, de modo que qualquer pessoa ou entidade pública ou privada possa ter acesso a ela através do órgão público onde estiver o documento, para simples exame ou mesmo extração de cópias ou certidão de seu inteiro teor.

Entretanto, não obstante a importância do receituário em função dos motivos que acarretaram sua previsão legal expressa no ordenamento jurídico pátrio, o que vem ocorrendo ao longo do tempo e da prática na atividade agrícola é um nítido distanciamento dos objetivos definidos inicialmente, transformando-se o receituário de um elemento essencial ao controle racional do uso de agrotóxicos, baseado em critérios técnicos e científicos, em uma peça de mero cumprimento burocrático do sistema de comércio desses produtos.

Nesse sentido, assevera ALVES FILHO (2000, p. 189/190) que:

3 DANOS POTENCIAIS NA UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS NA ATIVIDADE AGRÍCOLA

Qualquer abordagem sobre agrotóxicos sob o enfoque do Direito Ambiental deve levar em consideração os aspectos técnicos acerca das potencialidades nocivas do uso de produtos químicos na lavoura, seja para a saúde humana, seja para o meio ambiente, seja para a sociedade como um todo (VAZ, 2006).

A utilização dos agrotóxicos revela, então, um paradoxo entre o necessário aumento da produção de alimentos e energia e o dano potencial e expressivo desses produtos químicos à saúde humana e ao meio ambiente.

Já na década de 1960, os alertas sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos ao meio ambiente e à saúde humana tomaram corpo com a obra intitulada Silent Spring (Primavera Silenciosa) de Rachel Carson, considerada um marco do movimento ambientalista e da formação de uma consciência ecológica planetária. A obra de Carson, apesar de confrontada pela indústria química através de um manifesto da Monsanto intitulado The Desolate Year (O Ano Arrasado), provocou uma investigação do Congresso dos Estados Unidos sobre as informações por ela veiculadas e o início de um processo de reavaliação dos agrotóxicos pelos órgãos governamentais daquele país através da criação da Agência Ambiental Americana (Environmental Protection Agency – EPA), que culminou com o banimento da categoria de agrotóxico denominada organoclorados (FERREIRA, 2011).

Atualmente, sabe-se que as propriedades físico-químicas desses produtos, conjugadas à freqüência de uso, modo de aplicação, características bióticas e abióticas do ambiente e condições climáticas são determinantes ao seu destino e comportamento no meio ambiente, sobre o qual produzem uma série de transtornos e modificações, atingindo a biota, a água e o solo entre outros ecossistemas. Quanto à saúde humana, seus impactos são agudos ou crônicos, principalmente nos processos neurológicos, reprodutivos e respiratórios (RIBAS; MATSUMARA, 2009).

Os efeitos dos agrotóxicos não são restritos à população de pragas, mas, também e, principalmente, às populações de outras espécies que coabitam os mesmos agroecossistemas, irradiando-se, ainda, nas próprias plantas e nos alimentos que dela advém. Além disso, considere-se a ação dos agrotóxicos sobre as próprias pragas, que pode provocar seleção para resistência a produtos químicos e desequilíbrios biológicos, com erupções de pragas e elevação de espécies inócuas à categoria de pragas importantes. Destaque-se, ainda, o fato de que os agrotóxicos, de maneira geral, são muito mais desfavoráveis aos inimigos naturais e competidores que coexistem com as pragas nos agroecossitemas do que às próprias pragas, considerando a estrutura das comunidades nos diferentes níveis tróficos32 das cadeias alimentares (PASCHOAL, 1979).

Nota-se, então, que o potencial de danos decorrentes do uso de agrotóxicos na atividade agrícola é bastante amplo, revelando a perspectiva de uma ampla cadeia de responsabilidades que se desdobram em função da natureza dos danos e dos bens que são afetados. Em outras palavras, a recomendação desses produtos de forma indevida e sem observação de critérios técnicos adequados, pode acarretar desde prejuízos patrimoniais ao produtor rural que sofre perda de safra com a deriva de produtos aplicados em culturas vizinhas, até a intoxicação de pessoas e a contaminação de solos e rios, configurando-se, assim, uma considerável amplitude de lesão a direitos individuais e coletivos.

32 Níveis estabelecidos na cadeia alimentar dos ecossistemas, através dos quais se desenvolve o processo de transferência de energia e matéria entre seres produtores, consumidores e decompositores.

Revista Jurídica 12.indd 108-109 04/09/2015 10:28:00

Page 57: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

110 111

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Mouraagrotóxicos: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

lesões ou alterações nocivas ao meio ambiente quanto o efeito delas em relação à saúde das pessoas e de seus interesses.

E, no tocante à prescrição, doutrina amparada por jurisprudência do STJ aponta entendimento de que a imprescritibilidade pode ser considerada não somente como instrumento capaz de assegurar a reparação integral dos danos ambientais (CF, art.225 § 3º), mas também como consequência prática do princípio da responsabilidade de longa duração (CF, art.225, caput) protegendo o interesse das futuras gerações contra a hipótese de irreversibilidade dos efeitos e prejuízos próprios do dano ambiental (MORATO LEITE & AYALA, 2012).

Portanto, definido um panorama conceitual do dano ambiental e lembrando a já descrita potencialidade dos agrotóxicos em promover alterações prejudiciais no meio ambiente e na saúde humana, pode-se abordar com mais clareza a questão da responsabilidade civil por danos ambientais decorrentes da utilização de tais produtos.

6 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL

A essência do Direito Ambiental e da responsabilidade civil em seu campo é a prevenção, tendo em vista a dificuldade ou impossibilidade de se reparar plenamente e a contento certos danos ambientais (VIANNA, 2004).

O ordenamento jurídico pátrio, em linhas gerais, estabelece no plano constitucional que o dano ambiental acarreta responsabilidade concomitante no campo civil, penal e administrativo (CF, art.225, § 3º).

No âmbito da responsabilidade civil, o Código Civil de 2002, vislumbrando a crescente complexidade das relações presentes na sociedade brasileira, introduziu importantes alterações nas regras que disciplinam a responsabilidade, agregando ao sistema tradicional da culpa (art. 186) o da responsabilidade sem culpa (art. 927, § único), embasada no risco da atividade (MILARÉ, 2011).

No plano específico da matéria ambiental, nosso sistema adota expressamente a responsabilidade civil objetiva, conforme dicção do art. 14, §1º, da Lei 6.938/81, dispositivo que se revela plenamente compatível com o disposto no art. 225, § 3º da Constituição Federal, razão pela qual se pode afirmar, sem qualquer hesitação, que foi por ela recepcionado (VIANNA, 2004).

Ademais, parte expressiva da doutrina brasileira, na linha do trabalho pioneiro de Ferraz, tem consagrado que a responsabilidade objetiva por dano ao meio ambiente deve ser calcada no risco integral e caráter solidário. Esta vinculação mostra a grande preocupação dos doutrinadores brasileiros em estabelecer um sistema de responsabilidade por dano ao meio ambiente o mais rigoroso possível, o que se justifica em face do alarmente quadro de degradação existente no Brasil (BARACHO JÚNIOR, 1999).

Cogita-se ainda na doutrina, que a forma objetiva aplica-se também à responsabilidade do Poder Público, com aplicação da teoria do risco integral e não do risco administrativo, em face da especificidade da matéria ambiental (VIANNA, 2004).

Destaque-se a opinião de Cavalieri Filho (2007), ao afirmar que do texto Constitucional e do sentido teleológico da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.6.938/81) extrai-se que a responsabilidade por dano ambiental é fundada no risco integral, ponderando que se fosse possível invocar o caso fortuito ou a força maior como

A idéia inicial do receituário agronômico como instrumento metodológico para abordagem técnica dos problemas fitossanitários na produção agrícola e florestal vai cada vez mais perdendo espaço. O processo legislativo e as decorrentes medidas administrativas implantadas, tanto no âmbito da fiscalização e uso, sob responsabilidade dos órgãos de defesa sanitária vegetal, como na fiscalização do exercício profissional, sob responsabilidade do sistema CONFEA-CREA, vão caracterizando o instrumento do receituário agronômico como um sistema de controle de vendas [...] o caráter burocrático das discussões supera completamente as questões técnicas básicas em torno da prática do receituário, e os principais pontos das discussões e das ações desenvolvidas dizem respeito aos processos, aos fluxos, aos formulários, à fiscalização, distorcendo o real objetivo do instrumento, com resultados visíveis na efetividade de sua aplicação.

5 DANO AMBIENTAL E AGROTÓXICOS

A utilização de agrotóxicos na atividade agrícola, conforme já destacado anteriormente, revela um expressivo potencial de danos à saúde humana e ao meio ambiente.

O dano, em sua essência doutrinária, é a lesão de um bem juridicamente protegido, que consiste em elemento essencial à pretensão de indenização fundada na responsabilidade civil (CAVALIERI FILHO, 2007).

O dano ambiental, especificamente, não tem conceituação expressa na lei brasileira, porém, na visão da doutrina, pode ser entendido como a lesão aos recursos ambientais descritos no art. 3º, inciso V da Lei 6.938/81 (a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora) com a consequente degradação do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida (MILARÉ, 2011).

Segundo Bessa Antunes (2012) o dano ambiental é o dano ao meio ambiente definido nos termos do art. 2º, inciso I da Lei 6.938/81, ponderando o autor, que o dano ambiental é um conceito abstrato que não se confunde com os bens materiais que lhe dão suporte, sendo, portanto, a ação ou omissão que prejudique as diversas condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permita, abrigue e reja a vida, em quaisquer de suas formas.

A reparação do dano ambiental deve ser integral, com a recomposição plena ao estado anterior do bem ofendido e caso isso não seja possível, deve-se empreender atividade compensatória equivalente ao bem lesado, a cargo do agente causador do dano. Frustradas as hipóteses anteriores, por circunstâncias justificadas, proceder-se-á à indenização monetária dos danos ambientais. A quantificação do dano ambiental propriamente dito, para fins de indenização, será feita mediante prova pericial, que baseada em metodologia e em critérios científicos reconhecidos, poderá avaliar com segurança a lesão sofrida (VIANNA, 2004).

O dano moral está inserido nas modalidades de dano ambiental, e sua quantificação deve seguir, em linhas gerais, os mesmos padrões e critérios utilizados no arbitramento do dano moral individual, com as devidas adaptações para a esfera coletiva, uma vez que a vítima, nesse caso, será a coletividade (idem).

É importante destacar o caráter ambivalente da expressão “dano ambiental” e a questão de sua imprescritibilidade.

O primeiro aspecto é perceptível na medida em que a expressão designa tanto as

Revista Jurídica 12.indd 110-111 04/09/2015 10:28:00

Page 58: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

112 113

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Mouraagrotóxicos: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

No âmbito da jurisprudência, o tema atribuição para a emissão de receituário agronômico revelou-se controvertido num primeiro momento, seguindo-se uma tendência do STJ no sentido de aceitação da emissão de receita também por técnicos agrícolas de nível médio (Nesse sentido: REsp nº 278026-SC, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13/03/2006).

No Estado do Paraná, o rumo da jurisprudência ditada pelo STJ tem sido seguido, sob o fundamento de que o Decreto regulamentador da Lei 7.802/89 autoriza a atribuição em questão aos profissionais de nível médio (Neste sentido: TJPR, 1ª Câmara Cível, Acórdão nº 3326225-6, j. 11.07.2006, Rel. Des. Dulce Maria Cecconi, DJ 7181, 11.8.06).

Há opinião na doutrina, entretanto, a considerar equivocado este entendimento jurisprudencial ponderando que o regulamento, ao conferir tão importante tarefa aos técnicos de nível médio extrapola suas funções meramente regulamentares, dispondo mais do que a lei previa. Ademais, seria oportuna a reflexão sobre a alegação de que uma das causas da nocividade dos agrotóxicos está na inabilitação dos técnicos agrícolas para a emissão do receituário agronômico (VAZ, 2006).

Esta polêmica, todavia, não é o objeto de análise do presente trabalho, sendo mencionada tão somente com o intuito de lembrar a sua existência no campo da doutrina e da jurisprudência e a importância do tema em relação à questão dos agrotóxicos.

No tocante à responsabilidade que se atribui ao Engenheiro Agrônomo por dano ambiental decorrente da emissão do receituário, esclareça-se inicialmente que tal responsabilidade estende-se, concomitantemente, ao campo civil, penal e administrativo, conforme previsão expressa do art. 14 da Lei 7.802/89. E, na alínea “a” do artigo referido, relaciona-se a responsabilidade do profissional na emissão da receita, às hipóteses em que for emitida de forma comprovadamente errada, displicente ou indevida.

Para a correta análise de cada uma dessas figuras, é necessária a prévia abordagem sobre a questão da especificidade da receita e diagnóstico, pois a partir daí é que surge a possibilidade da emissão de receita errada, displicente ou indevida.

Pois bem, conforme dispõe o art.66, caput do Decreto 4.074/2002, a receita agronômica deverá ser específica para cada cultura ou problema, tendo essa especificidade a finalidade de adequar o agrotóxico à cultura, às condições do local onde está implantada e dos locais específicos das infestações de pragas ou ervas daninhas (MACHADO, 2012).

Para tanto, a vistoria técnica no local é indispensável para a emissão da receita, conforme assevera MACHADO (2012, p. 770):

[...] A vistoria do local, isto é, a perícia de campo, é indispensável para qualquer receita. O contato do profissional com o local, dar-lhe-á segurança para avaliar a qualidade do solo e do subsolo, a topografia e possíveis ocorrências de erosão, as culturas vizinhas e a proximidade das mesmas em relação à área objeto da receita, a presença de áreas de preservação permanente do art.2º do Código Florestal dentro do imóvel e o modo como protegê-las; a existência de mananciais, olhos d’água, nascentes e o modo como são captados; os cursos d’água, a proximidade de unidades de conservação (parques, reservas biológicas, estações ecológicas), áreas de proteção ambiental, áreas tombadas, áreas de especial interesse turístico, jazidas arqueológicas, cavernas subterrâneas, habitats para a reprodução e desenvolvimento de determinadas espécies [...].

A importância da vistoria do local pelo profissional é também destacada por Vaz (2006, p. 81), realçando que a metodologia utilizada para o diagnóstico que precede a

causa excludente da responsabilidade civil por dano ecológico, estaria fora da incidência da lei a maior parte dos casos de poluição ambiental, como a destruição da fauna e da flora causada por carga tóxica de navios avariados em tempestades marítimas; rompimento de oleoduto em circunstâncias absolutamente imprevisíveis, poluindo lagos, baías, praias e mar; contaminação de estradas e rios, atingindo vários municípios, provocada por acidentes imponderáveis de grandes veículos transportadores de material poluente e assim por diante.

Definidos em linhas gerais os parâmetros legais e doutrinários da responsabilidade civil por dano ambiental, é de bom alvitre realçar ainda que a relevância da matéria ambiental produz reflexos que adentram ao campo da preocupação com a preservação do planeta e da espécie humana. Assim, a responsabilidade civil por dano ambiental – como qualquer outro tema inerente à matéria – deve ser tratado não apenas sob o enfoque técnico jurídico, mas também à luz da multidisciplinariedade, tanto no campo da doutrina - para uma discussão mais aprofundada da temática jurídica - quanto pelo Judiciário na solução dos casos concretos, a fim de produzir decisões embasadas não apenas no rigor da técnica jurídica, mas com o efeito de criar justiça mais próxima da “realidade ambiental”.

Nesse sentido, destaque-se o pensamento de Morato Leite e Ayala (2012, p. 112/113) ao proporem a introdução da teoria da sociedade de risco no estudo sobre a sanção civil por dano ambiental:

[...] Entende-se que, para a discussão mais profícua da temática jurídica responsabilidade civil por dano ambiental, faz-se necessária uma digressão a pontos que interferem, interagem e irradiam efeitos e conseqüências por meio da complexidade do problema. Pretende-se, nesse caminho, introduzir a teoria da sociedade de risco e a sua influência no Estado e, mais especificamente, no direito e na sanção civil por dano ambiental. A justificativa para a escolha desse tema – abrangente – tem o sentido de demonstrar ao público que a racionalidade jurídica na esfera do ambiente ultrapassa um olhar técnico, dogmático e monodisciplinar, havendo a necessidade de compreender a crise ambiental por uma visão transdisciplinar e de um enfoque mais sociológico do risco. Acredita-se que, escapando da técnica e da racionalidade jurídica tradicional, estar-se-á examinando temas jurídicos de uma forma mais complexa, considerando-se principalmente as novas tendências trazidas pelas peculiaridades do bem ambiental a ser protegido pelo Estado, direito e sociedade [...].

7 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENGENHEIRO AGRÔNOMO POR DANOS AMBIENTAIS NA PRESCRIÇÃO DO RECEITUÁRIO

Antes de abordar a responsabilidade do profissional que prescreve a receita agronômica, é preciso esclarecer alguns aspectos ligados à “competência para receitar”.

Nesse contexto, pondera Machado (2012, p. 769) que as regras legais sobre o conteúdo da receita não se confundem com a regra sobre quem pode receitar, asseverando que:

Legislar sobre o conteúdo da receita é traçar o seu campo de abrangência, os detalhes que a mesma deva conter. Dizer o que é receita e sobre o que cabe receitar não é equivalente a dizer quem pode receitar. A capacitação de quem vai receitar, a designação dos profissionais que receitarão, entram no campo que a Constituição Federal chama de ‘condições para o exercício das profissões’, e esta matéria é de competência privativa da União (art. 22, XVI, da CF).

Revista Jurídica 12.indd 112-113 04/09/2015 10:28:00

Page 59: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

114 115

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Mouraagrotóxicos: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

descumprimento de obrigações de natureza legal, ética e moral, revelando os matizes de dolo no âmbito da responsabilidade civil.

É indevida, por exemplo, a receita que o profissional assina em branco nas comercializadoras (Vaz, 2006), ou aquela em que o profissional empregado de um comerciante receita produtos pertencentes a seu empregador. Neste último caso, embora corriqueira a prática comercial referida, a doutrina adverte que na eventualidade de prejuízos decorrentes da aplicação desta receita, o julgador deverá examinar com rigor se a receita era devida ou se o profissional simplesmente procurou aumentar o lucro de seu empregador (MACHADO, 2012).

No campo da ética na emissão da receita, é de proveito lembrar a possibilidade de um dilema envolvendo a “ética de mercado” a confrontar-se com a ética do correto exercício da profissão. Esse dilema pode ser enfrentado pelo profissional da área de “vendas” de agrotóxicos, ao defrontar-se com a dúvida entre cumprir metas de venda ou aconselhar a desnecessidade da utilização do agrotóxico, ou mesmo o uso de doses menores e com menor frequência, tendo em vista a possibilidade de controle do dano econômico de pragas e doenças mediante a utilização das técnicas de manejo integrado, cuja informação a respeito, aliás, exige-se do emitente da receita (Decreto 4.074/02, art. 66, inciso IV, alínea “g”).

Além dos aspectos conceituais sobre as figuras da receita errada, displicente e indevida, é importante lembrar que conforme a natureza do dano, a dinâmica da responsabilidade civil do emitente da receita prescrita com tais vícios pode ser alterada.

Com efeito, a regra ditada pelo art. 14 da Lei 7.802/89, ao tratar da responsabilidade do profissional que emite receita errada, displicente e indevida, estabelece responsabilidade subjetiva, derivada de culpa ou dolo, isentando-se dela o profissional na ausência de prova desses elementos ou quando comprova que foi o usuário ou prestador de serviço quem descumpriu o receituário agronômico (VAZ, 2006).

Da mesma forma, quando a emissão da receita ocorre no âmbito de uma relação de consumo, por exemplo, numa prestação de serviço pelo profissional liberal de agronomia, a responsabilidade civil é de ordem subjetiva (CDC, art.14), com a possibilidade, entretanto, da inversão do ônus da prova segundo os critérios estabelecidos no art. 6º, inciso VIII do CDC.

Observe-se, porém, que a dinâmica da responsabilidade subjetiva regrada na Lei 7.802/89 e no CDC, aplica-se tão somente aos casos que tratam da ocorrência de dano patrimonial, como nas hipóteses em que agricultores pleiteiam indenização por danos materiais e/ou morais causados por quebra de safra em razão de receita errada, displicente ou indevida.

Porém quando se cogita da ocorrência de dano ambiental, cujos efeitos se irradiam para além dos direitos individuais e adentram ao campo dos direitos difusos e coletivos, a responsabilidade civil deve observar a forma objetiva e solidária com relevo à teoria do risco integral, conforme a ótica doutrinária e jurisprudencial já referidas no item 6, retro.

Enfim, a responsabilidade civil do engenheiro agrônomo ao receitar agrotóxicos, encampa não apenas o dever de indenizar danos patrimoniais aos produtores rurais em face de perdas econômicas causadas por receita errada, displicente ou indevida, mas também de indenizar o dano ao meio ambiente, mediante a dinâmica de aplicação da responsabilidade civil apropriada, de maior rigor e complexidade do que aquela adotada para a reparação dos danos patrimoniais.

emissão da receita “consiste em visita à propriedade para diagnóstico do problema, conversa com o produtor rural, levantamento de todas as informações relacionadas com disponibilidade de equipamentos, nível tecnológico da exploração agrícola, proximidade de mananciais, de águas e matas, etc.”.

Destaca Machado (2012), ainda, que a responsabilidade civil, administrativa e penal do profissional revelar-se-á nítida, caso não mencione os elementos constatados em sua análise do local, bem como as advertências inerentes à proteção do meio ambiente, relacionadas à área em questão.

É importante ressaltar, todavia, que não obstante o rigor exigido à metodologia que precede a emissão da receita, a realidade do cotidiano na agricultura brasileira demonstra uma expressiva inobservância dos preceitos técnicos ditados na Lei 7.802/89 e no Decreto 4.74/02, sendo prática comum a emissão de receituário sem visita técnica à propriedade rural, a receita assinada em branco, a emissão de um número excessivo de receitas por um único profissional. Ademais, é de conhecimento geral, também, que uma pessoa pode adquirir uma receita e comprar qualquer tipo de agrotóxico, mesmo os mais letais, sem a mínima dificuldade, em face do despreparo dos profissionais e da inoperância, tanto dos CREAs, como das autoridades sanitárias em ambientais (VAZ, 2006).

Assim, há que se observar que não há exagero algum na afirmação de Alves Filho (apud VAZ, 2006, p. 82) de que “Nos atuais moldes em que vem sendo praticado, o receituário agronômico somente pode interessar aos setores de produção e comercialização de agrotóxicos, tendo em vista que sua manutenção representa na prática a abolição dos sistemas de controle”.

Voltando à mencionada especificidade da receita, esclareça-se que ela está diretamente ligada ao seu conteúdo, cujos itens obrigatórios estão elencados nos incisos e alíneas do art. 66 do Decreto 4074/02 que tratam, desde questões burocráticas - como o preenchimento de dados sobre o usuário e o emitente – até itens de maior complexidade, como o diagnóstico e recomendações técnicas sobre dosagens, época de aplicação e modalidade, intervalo de segurança, orientações sobre manejo integrado de pragas, precauções de uso, etc.

Ressalte-se que dentre tais itens, o elemento de maior complexidade é o diagnóstico (inciso II), que requer a aplicação da semiotécnica agronômica, definida por Guerra & Sampaio como “um conjunto de procedimentos que, através de informes, sinais, etc. conduzem o profissional ao conhecimento do problema e a sua origem (diagnóstico etiológico)” Guerra & Sampaio (apud ALVES FILHO, 2000, p. 126).

E, uma vez fechado o diagnóstico, o profissional emite a receita, sujeitando-se às penas da responsabilidade civil quando a receita for comprovadamente errada, displicente ou indevida (Lei 7.802/89, art.14, alínea “a”).

A receita errada está relacionada à imperícia do profissional que, ao emiti-la, não emprega corretamente os conhecimentos técnico-científicos próprios de sua formação. Neste contexto, o erro pode ser tanto de diagnóstico quanto relacionado às recomendações técnicas sobre o produto receitado, no que se refere à quantidade, dosagem, periodicidade, modo de aplicação, etc. (VAZ, 2006).

A receita displicente está relacionada à negligência, sendo aquela decorrente do desleixo do profissional no cumprimento das ordens do regulamento, voltada ao objetivo do controle de pragas e doenças ou à produção de alimentos sadios, sem sequelas significativas para o meio ambiente (MACHADO, 2012).

A receita indevida tem significado mais amplo, relacionando-se com o

Revista Jurídica 12.indd 114-115 04/09/2015 10:28:01

Page 60: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

116 117

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Luiz Gonzaga Tucunduva de Mouraagrotóxicos: responsabilidade civil do engenheiro agrônomo por danos ambientais na prescrição de receituário

Baracho Júnior, José Alfredo de Oliveira. Responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasil. Lei 7.802, de 11 de junho de 1989. Dispõe sobre a pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, além da propaganda comercial, utilização, importação e exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.

Brasil. Decreto n.4.074, de 04 de janeiro de 2002. Regulamenta a Lei n.7.802, de 11 de junho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, além da propaganda comercial, utilização, importação e exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.

Brasil. Lei n.6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

Brasil. Lei n.8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Brasil. Lei n.10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

Carvalho, Paulo de Campos Torres de. Manual de Fitopatologia: vol. I. São Paulo: Ed. Agronômica Ceres, 1978.

Cavalieri Filho, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2007.

Ferreira, Maria Leonor Paes Cavalcanti. Dedefensivos agrícolas a agrotóxicos: desafios para a regulamentação dos agroquímicos no Brasil. Florianópolis: Ed. Da UFSC: Fundação Boieux, 2011.

Fiorillo, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012.

Leite, José Rubens Morato; Ayala, Patrick de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial: teoria e prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

Lutzemberger, José. Manual de ecologia: do jardim ao poder: vol. I. Porto Alegre: L&PM, 2004.

Machado, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2012.

Milaré, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Paschoal, Adilson Dias. Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1979.

Pessanha, Bruno Marcus R. in Uso de agrotóxicos e receituário agronômico. Coordenador Franscisco Graziano Neto. São Paulo: Ed. Agroedições, 1982.

Ribas, Priscila Pauly; Matsumura, Aida Terezinha Santos. A química dos agrotóxicos: impacto sobre a saúde e o meio ambiente. Novo Hamburgo: Revista Liberato, v.10, n.14, p.149-158, jul/dez.2009.

Sarlet, Ingo Wolfgang; Fenstersfeir, Tiago. Direito constitucional ambiental: estudos sobre a constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Vaz, Paulo Afonso Brum. O direito ambiental e os agrotóxicos: responsabilidade civil, penal e adminsitrativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

Vianna, José Ricardo Alvarez. Responsabilidade civil por danos ao meio ambiente. Curitiba: Juruá, 2004.

Ressalte-se, ainda, que a responsabilização do profissional não se limita à emissão do receituário, porque suas atribuições não se exaurem neste ato, mas incluem o dever de acompanhar a aplicação do agrotóxico e prestar assistência ao usuário em caso de acidente (VAZ, 2006).

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização dos agrotóxicos na agricultura brasileira, especialmente a partir dos anos 1970, teve papel relevante na obtenção de um expressivo aumento dos índices de produção e produtividade do setor.

Entretanto, a constatação da existência dos efeitos nocivos desses produtos sobre a saúde humana e ao meio ambiente acarretou debates no âmbito da comunidade científica, que se projetaram à sociedade, com a consequente criação de instrumentos legais voltados a equacionar a relação conflituosa entre o aumento de produção/produtividade e a proteção ao meio ambiente e a saúde humana.

Dentre esses instrumentos, surge a figura do receituário agronômico previsto na Lei 7.802/89, como reflexo direto da preocupação com o uso racional dos agrotóxicos.

Ocorre que a ideia inicial do receituário agronômico como instrumento metodológico para abordagem técnica dos problemas fitossanitários na agricultura vem sendo desvirtuada ao longo do tempo, dando lugar à visão de que o receituário é um instrumento voltado tão somente ao sistema comercial, como um item de controle de vendas (ALVES FILHO, 2000).

Essa distorção de conceito do receituário expõe um problema ético da classe agronômica, ao mesmo tempo em que aumenta a possibilidade do erro na emissão da receita, sujeitando o profissional às penas da responsabilidade sobre o ato de receitar.

Por outro lado, a questão ambiental revela-se em nosso ordenamento como valor constitucional relevante, inserindo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no contexto de um direito fundamental, com assento definitivo no conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2011).

A responsabilidade civil ambiental é de fundamental importância na concretização dessa “Constituição Ambiental”, e, por isso, toma contornos próprios e específicos em relação à responsabilidade civil tradicional.

Todos esses aspectos nos levam à reflexão sobre a necessária tomada de consciência do profissional de agronomia em relação ao receituário agronômico, tanto no que se refere à cautela de seus atos tendo em vista os efeitos da responsabilidade civil na emissão da receita, quanto no aspecto de aprimoramento ético do exercício da profissão e consequente valorização profissional, mas, sobretudo, pelo papel importante que tais profissionais desempenham, cotidianamente, na defesa da essência de um direito constitucional assegurado à presentes e futuras gerações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAlves Filho, José Prado. Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvérsia. São Paulo: Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental – Universidade de São Paulo, 2000. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Abramovay.

Revista Jurídica 12.indd 116-117 04/09/2015 10:28:01

Page 61: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

119

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rita de Cássia Santana Kohatsu, Romulo de Aguiar Araújo

118

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

O REFLEXO DA INVISIBILIDADE SOCIAL DO ADOLESCENTE: invisíveis na vida e na morte

Rita de Cássia Santana Kohatsu33

Romulo de Aguiar Araújo34

RESUMOA problemática dos jovens e adolescentes envolvidos em atos infracionais no Brasil está relacionada a diversos fatores sociais. O presente estudo teve como objetivo conhecer e identificar a realidade em que vivem os adolescentes a partir dos contextos da família, da justiça e da sociedade. O modo como a sociedade e as instituições envolvidas têm tratado as questões referentes aos jovens autores de atos infracionais e como são aplicadas as medidas socioeducativas, trazendo uma análise das causas que levam os jovens a entrarem para o mundo do “crime” e quais sãos as perspectivas de vida destes jovens. Foi analisado o aspecto da visibilidade e invisibilidade social dos adolescentes provenientes de famílias de baixa renda. A exclusão social pode ser considerada como o fator preponderante para a inserção destes jovens, no mundo da criminalidade. PALAVRAS–CHAVE: adolescente; ato infracional; exclusão social; família; visibilidade versus invisibilidade.

ABSTRACTThe problem of young teenagers involved in illegal acts in Brazil is related to various social factors. This study aimed to understand and identify the reality in which adolescents live from the contexts of family, justice and society. We attempted to question of the how society and the institutions have handled issues relating to criminal young, bringing an analysis of the causes that lead young people to enter into the world of “crime” and which are the life chances of these young people. Through this study we analyzed the social aspect of visibility and invisibility of adolescents from low-income families. Social exclusion can be considered an important factor for the integration of these young people in the world of crime. KEYWORDS: young people; illegal acts; social exclusion; family; visibility versus invisibility.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO. 2.1 RAÍZES HISTÓRICAS DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ENVOLVENDO A CRIANÇA E O ADOLESCENTE. 2.2 AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ECA. 3 O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E AS MEDIDA SOCIOEDUCATIVAS. 4 A VISIBILIDADE DO ADOLESCENTE NO MUNDO DA VIOLÊNCIA. 4.1 A TRAJETÓRIA DE VIDA DO ADOLESCENTE MARCADA PELA EXCLUSÃO. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

A preocupação sobre a temática central da presente pesquisa surgiu ao verificar que a problemática do jovem infrator não tem uma causa ou solução simples, pois a segregação social em que estes jovens estão inseridos possui um desdobramento de diferentes aspectos, que se inicia na seara familiar, passa pela escola e torna-se mais complexa no contexto social mais amplo.

No Brasil, a legislação responsável pela proteção da criança e do adolescente é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), previsto pela Lei nº 8.069 de 1990, e a partir de sua criação, crianças e adolescentes passam a ser considerados sujeitos de direitos, em razão da sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

O ECA teve e tem um papel de grande relevância no contexto brasileiro, em acompanhar as conquistas dos instrumentos legais internacionais em termos de Direitos Humanos. 33 Bacharel em Direito.

34 Advogado.ProfessordeProcessoPenalnoCentroUniversitárioFiladélfia.

Revista Jurídica 12.indd 118-119 04/09/2015 10:28:01

Page 62: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

120 121

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rita de Cássia Santana Kohatsu, Romulo de Aguiar Araújoo reflexo da invisibilidade social do adolescente: invisíveis na vida e na morte

2.1 RAÍZES HISTÓRICAS DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ENVOLVENDO A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

No início do século XX, mais precisamente na década de 20, começam a surgir mudanças em relação à condição da criança, tanto mundialmente como aqui no Brasil, assim, novas leis foram criadas trazendo em seu bojo o reconhecimento da condição distinta da criança e adulto. Especificamente em 1922 houve o I Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, que abordou assuntos relacionados à assistência e proteção à infância no Brasil. (SOARES, 2008).

Refletindo as transformações da época surge o primeiro Código de Menores do Brasil, conhecido como Código Mello Mattos (Decreto n° 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), que consolidou as leis de assistência e proteção aos menores. “Assim o país começa a implantar um sistema público de atenção às crianças e aos jovens, sob a égide de proteção e tutela do Estado”. (SOARES, 2008, s/p).

O Código de Menores trouxe uma carga de protecionismo ao menor, porém, na verdade o que se buscava era uma forma de controle total das crianças e adolescentes, unindo a Justiça com a Assistência. “Neste momento, constrói-se a categoria do Menor, que simboliza a infância pobre e potencialmente perigosa, diferente do resto da infância” (SOARES, 2008, s/p).

Nos anos 1970, as discussões em torno do direito do “menor” culminaram com a necessidade da criação de um Novo Código, que surgiu somente no fim da década anteriormente mencionada, o novo Código de Menores com base na Doutrina da Situação Irregular. A lei aqui disciplinou a situação de menores abandonados e delinquentes, no entanto, não fez menção ao reconhecimento dos seus direitos (AZAMBUJA, 2013).

O Novo Código ampliou a autoridade do Juiz de Menores, com poderes definidos em lei para proteção do menor, era o Estado agindo de forma repressiva, não tendo obrigações frente a essa problemática, assim como a própria sociedade. Esta doutrina não envolvia nenhum sistema de proteção à criança e adolescente, no entanto exercia um controle social. Cabia à família o papel de proteger e educar seus filhos, isentando, o Estado de promover programas de atendimentos e apoio a essas famílias.

O Brasil passou pelo período de redemocratização nos anos 1980 e apenas no final desta década, o país deixou para trás a velha Doutrina da Situação Irregular e vai ao encontro da esperada Doutrina da Proteção Integral, que foi adotada pela Constituição Federal de 1988. Este processo teve início com a Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela ONU em 1959, “[...] ratificada pelo Brasil, e que constitui um marco fundamental no ordenamento jurídico internacional relativo aos direitos da criança” (SOARES, 2008, s/p).

Acompanhando esses movimentos internacionais, a Constituição Federal de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, buscou consolidar questões debatidas mundialmente relacionadas aos direitos humanos de todos os cidadãos, procurando dessa forma, garantir a defesa dos direitos dos cidadãos, bem como os direitos das crianças (SOARES, 2008).

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 227, caput, a responsabilidade solidária quanto à proteção integral da criança e do adolescente. Este artigo enumerou os princípios norteadores para elaboração do ECA:

O tema do presente trabalho tem como função específica apresentar a realidade em que estão inseridos os jovens em conflito com a lei e discorrer sobre a importância do ECA, assim como a implementação das medidas socioeducativas, sem contudo esgotar a questão.

A opção metodológica respalda-se em pesquisa bibliográfica basicamente doutrinária com complementação legal e jurisprudencial, a fim de apresentar os principais posicionamentos sobre o tema.

O método científico aplicado é o método dedutivo, respaldado pelo processo histórico pertinente, vindo a utilizar também o método dialético no estudo investigativo da realidade no contexto social, político e econômico.

Como objetivo geral do presente trabalho será explorada a importância da prevenção nas questões que envolvem o adolescente em conflito com a lei, no sentido de promover a sua inclusão, bem como a relevância para definir direcionamentos e mecanismos para uma reestruturação da posição de todos os atores envolvidos nesta cena.

Pretende-se explanar os fundamentos básicos relacionados ao tema, bem como as questões controversas que amparam o percurso lógico do campo teórico. Assim, se faz necessário analisar alguns aspectos dos princípios constitucionais e a garantia do exercício dos direitos do adolescente.

A transformação se dará com o envolvimento efetivo de todos, conhecendo a problemática dos jovens em conflito com a lei, para assim definir rumos com escolhas dos melhores caminhos, primando sempre pela inclusão social, tornando as crianças e adolescentes visíveis perante a sociedade.

A problemática central da presente pesquisa gira em torno do fato da segregação social do adolescente e seus reflexos, portanto, será que tais fatores de exclusão social importam realmente na formação do caráter individual do adolescente enquanto pessoa humana?

Buscar-se-á resposta a esta questão no decorrer do presente trabalho na busca da exploração do tema que demonstra sua pertinência temática e sempre visando à contribuição e fomentação à pesquisa científica.

2 O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: um processo em construção

Antes da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, implementado através da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, em relação às crianças e adolescentes, tínhamos uma realidade diferente do que temos hoje. A criança era vista como propriedade dos seus pais, o Estado não podia interferir na criação que os pais davam aos seus filhos.

Na esfera penal o tratamento entre adultos e menores de idade eram os mesmos, não havia qualquer distinção entre eles, ambos tinham a aplicação de penas privativas de liberdades da mesma maneira, e o cumprimento destas penas se davam no mesmo local inclusive. (SARAIVA, 2013).

Revista Jurídica 12.indd 120-121 04/09/2015 10:28:01

Page 63: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

122 123

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rita de Cássia Santana Kohatsu, Romulo de Aguiar Araújoo reflexo da invisibilidade social do adolescente: invisíveis na vida e na morte

Para Saraiva o ECA trouxe um novo modelo de responsabilização do adolescente em conflito com a Lei:

Há que existir a percepção que o Estatuto impõe sanções aos adolescentes autores de ato infracional e que a aplicação destas sanções, aptas a interferir, limitar e até suprimir temporariamente a liberdade dos jovens, há que se dar dentro do devido processo legal, sob princípios que são extraídos do direito penal, do garantismo jurídico, e especialmente, da ordem constitucional que assegura os direitos de cidadania (SARAIVA, 2013, p.107).

Cabe destacar que, a sanção aplicada ao adolescente autor de ato infracional, possui natureza diferenciada, não sendo a mesma sofrida pela pessoa imputável - maior de 18 (dezoito) anos de idade. Saraiva ressalta que este tratamento é especial e distinto, “[...] próprio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento [...]” (SARAIVA, 2013, p.134). O tratamento diferenciado é resultado de um processo histórico de conquistas dos direitos humanos.

O Estatuto inseriu as medidas socioeducativas em um rol taxativo, medidas estas, que devem ser aplicadas aos adolescentes autores de atos infracionais. Rossato, Lépore e Cunha (2012, p.348) conceituam medida socioeducativa “[...] como uma medida jurídica aplicada em procedimento adequado ao adolescente autor de ato infracional”.

A medida socioeducativa, tem caráter de sanção com uma dimensão coercitiva, uma vez que o adolescente autor de ato infracional é obrigado a cumpri-la, tendo também um caráter educativo visando a ressocialização e a integração social do adolescente (LIBERATI, 2000).

Ao submeter-se o adolescente autor de ato infracional às medidas socioeducativas, deve-se reconhecer todas as garantias próprias de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Todos os seus direitos devem ser assegurados. “[...] estará inserido em um projeto pedagógico, que tem por finalidade buscar sua ressocialização e evitar a sua reincidência” (ROSSATO; LÉPORE, CUNHA, 2012, p.375).

O cumprimento da medida socioeducativa, objetiva levar o adolescente primeiramente a refletir e examinar a sua conduta, percebendo qual o seu papel social na vida em sociedade, assim como identificar e evitar situações que poderão desencadear a reincidência, bem como promover a reinserção social (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2012).

Nesse sentido, destaca o SINASE (2006, p.28), que: “[...] O objetivo da medida é possibilitar a inclusão social de modo mais célere possível e, principalmente, o seu pleno desenvolvimento como pessoa”.

Nesta etapa da vida do adolescente se faz necessário o envolvimento da família nos serviços e bens sociais comunitários, uma maneira de estabelecer os vínculos familiares e vínculos sociais com a sociedade, um resgate da sua cidadania. Desse modo, a participação da rede social, e da sociedade como um todo, é importante para possibilitar ao adolescente a construção do seu espaço na sociedade (BARROS, 2003).

4 A VISIBILIDADE DO ADOLESCENTE NO MUNDO DA VIOLÊNCIA

Os adolescentes na maior parte de suas vidas são deixados de lado, vivendo em um mundo de exclusão, sendo totalmente invisíveis para sociedade e para o Estado. Entretanto,

Art. 227. É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a promulgação no Brasil do Estatuto da Criança e do Adolescente houve uma mudança de paradigma, que nos moldes da Constituição Federal consagrou a Doutrina da Proteção Integral. Foi revogada a ultrapassada concepção tutelar do menor em situação irregular e, portanto ocorreu a substituição do Código de Menores de 1979. Estabeleceu-se que a criança e o adolescente são sujeitos de direito, e não mais objetos de proteção da norma. (BARROS, 2003).

2.2 AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente estendeu seu alcance a todas as crianças e adolescentes, indistintamente, apresentou inovadoras propostas resguardando os direitos da criança e do adolescente, conferindo-lhes prioridade absoluta. Empenhou-se na elaboração e implementação de políticas públicas, estabeleceu princípios norteadores de políticas de proteção, ampliou e dividiu a responsabilidade da família, do Estado e da sociedade na proteção integral. “Estes instrumentos de proteção propiciaram um repensar acerca da adolescência e de como o rumo de suas vidas pode influenciar uma sociedade” (D’AGOSTINI, 2003, p.13).

No que tange a responsabilização do adolescente em conflito com a lei, o ECA dispõe sobre o cumprimento de medidas socioeducativas, que devem ter um caráter de responsabilização e não de punição e são aplicadas somente a adolescentes sentenciados em razão de cometimento de ato infracional. Há uma relação de direito e dever, observada a condição de pessoa em desenvolvimento. “As medidas socioeducativas possuem em sua concepção básica uma natureza sancionatória, vez que responsabilizam judicialmente os adolescentes, [...]” (SINASE, 2006, p.47).

É primordial a articulação dos programas de atendimento, todos precisam estar interligados à rede de atendimento existente no Município. Escolas, Postos de Saúde, Comitês Hospitalares de Proteção à Criança, entidades de atendimento, Delegacias de Polícia, Ministério Público, todos interligados ao Conselho Tutelar (AZAMBUJA, 2013).

O conjunto de todas as ações em prol do adolescente precisa andar junto e estar articuladas para ter um resultado efetivo e satisfatório. Essas políticas de atendimento possuem uma função essencial à reinserção social e cultural do adolescente.

3 O ADOLECENTE EM CONFLITO COM A LEI E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

De acordo com o art. 103 do ECA: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Esta conduta, por sua vez está prevista na lei penal brasileira, seguindo o principio da reserva legal. O adolescente responderá pelo seu ato, na medida de sua culpabilidade. Portanto, se faz necessário demonstrar a ocorrência típica, antijurídica e culpável (ROSSATO; LÉPORE; CUNHA, 2012, p.324-325).

Revista Jurídica 12.indd 122-123 04/09/2015 10:28:01

Page 64: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

124 125

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rita de Cássia Santana Kohatsu, Romulo de Aguiar Araújoo reflexo da invisibilidade social do adolescente: invisíveis na vida e na morte

brasileiro normas que garantem os direitos da criança e do adolescente, vive-se ainda um cenário de violações frequentes contra esses indefesos cidadãos, sendo muitos deles abandonados, expostos a todos os tipos de perigo, sem a proteção de seus pais, do Estado ou da sociedade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente trabalho foi possível perceber a complexidade da questão da criança e do adolescente no contexto social em que vivemos hoje no Brasil.

Inicialmente, constatou-se através da análise das raízes históricas envolvendo crianças e adolescentes que houve o reconhecimento dos seus direitos, fato que culminou com a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que versa sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Neste enfoque, restou claro que o fundamento principal, sustentador da ideia de proteção integral, é a consagração de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos perante a família, a sociedade e o Estado.

Teoricamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente rompeu com o paradigma anterior, onde as crianças e adolescentes eram considerados objetos da norma, possibilitando assim, a construção de um novo modelo, primando pelas garantias constitucionais. Na prática, porém, verificou-se que a realidade ainda está distante dos ideais almejados.

Em relação às medias socioeducativas aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, é possível a constatação que na maioria dos casos tais medidas não alcançam os objetivos almejados.

Observou-se que é primordial assegurar a adoção de medidas verdadeiramente humanas, na busca de cidadania e respeito aos direitos garantidos aos jovens infratores, e será muito mais valioso e, portanto, imprescindível a busca de mecanismos de prevenção para a promoção da inclusão social deste jovem e de sua família, muito antes dele entrar para o mundo do crime.

Verificou-se que o grande aumento das desigualdades sociais possibilita a invisibilidade dos jovens que são marcados pela exclusão social e, portanto são invisíveis perante a sociedade.

É preciso entender como este jovem chegou até onde chegou, onde sociedade e Estado se omitiram, a fim de não se perpetuar a geração de jovens em conflito com a lei.

Assim sendo, diversos são os fatores que atuam em conjunto neste processo complexo onde a família não recebeu a assistência devida, assim como as escolas estão despreparadas, com um modelo desatualizado de educação, que muitas vezes não possui efetividade, e há falha nos programas de atendimentos que são desarticulados e ineficientes.

Por fim, o grande desafio da sociedade, não é simplesmente afastar de seu convívio o adolescente infrator, impondo a este punição, mas reeducá-lo para que possa integrar o meio social, ganhando visibilidade perante a sociedade, bem como colaborando para uma melhor qualidade de vida dos cidadãos.

ficam em evidência quando ocupam uma parte maior das páginas policiais por cometerem “crimes”, ou seja, quando entram para o mundo da violência.

4.1 A TRAJETÓRIA DE VIDA DO ADOLESCENTE MARCADA PELA EXCLUSÃO

A existência do vínculo entre a pobreza e a delinquência se faz presente na vida dos adolescentes que são marcados pela segregação social e pela exclusão. A maioria destes adolescentes não tiveram suas reivindicações mais básicas atendidas pelo Estado e, por conseguinte, a família também, não pode dar a eles o suporte necessário para a promoção da inclusão social (FIRMO, 1999).

A segregação social em que estes jovens estão inseridos possui um desdobramento de diferentes aspectos que se inicia na esfera familiar. Desde a infância estes jovens já viviam às margens da vida social, e ao chegar à adolescência vão buscar na marginalidade “ser alguém”, e é assim, que encontrarão os elementos para a construção de sua subjetividade (BARROS, 2003).

A falta de vínculos consistentes para considerar o outro, o sentimento de fracasso e desvalorização de si mesmo, a vivência de total exclusão social, levam esses jovens a se depararem com situações que eles não sabem como se portar ou como agir. A história de vida desses adolescentes é marcada por ausência de laços sociais, não existe um referencial de vida a ser seguido, não há laços de afetividade, por isso não conseguem perceber o outro, uma vez que também não reconhecem a si mesmo (PELEGRINO, 2013b).

Portanto é nessa trajetória de vida, que o adolescente vai buscar um espaço para ser alguém, um lugar onde sentirá que é importante. Unindo-se assim a um grupo de “criminosos”, irá até as últimas consequências para abafar o sentimento de desvalor que o persegue. Querendo a qualquer preço ser visto e chamar a atenção da sociedade para si.

O adolescente infrator geralmente só conhece a mãe, quase sempre ela é a responsável pelos filhos. A grande maioria não conhece a figura paterna, vive uma ausência do pai. Nem sempre o poder aquisitivo constitui fator determinante para a prática do ato infracional, entretanto as condições precárias de sobrevivência contribuem para o processo de marginalização, assim como a violência a que são submetidos diariamente em seu viver doméstico (BARROS, 2003).

A família, sociedade e Estado precisam trabalhar juntos, cumprir seus papeis, atuar com mais empenho e dedicação frente a esta problemática. A família precisa ser assistida para saber impor limites aos seus filhos, o Estado deve investir em políticas de proteção e prevenção e a sociedade também precisa se responsabilizar, uma vez que ela faz parte da construção social em que estão inseridos os adolescentes e os delitos (FIRMO, 1999). Assim, o ato infracional cometido pelo adolescente aponta para os conflitos existentes no interior da composição de uma sociedade. Bem como, denuncia o fracasso das instituições sociais; como a família, a educação (escola) e os programas de atendimento. É um indício de que o adolescente necessita de atenção e cuidados. Toda a sociedade deve estar atenta a esta demanda de cuidados que carece o adolescente em conflito com a lei (BARROS, 2003).

O Estatuto deveria trazer consequências práticas na vida das crianças e dos adolescentes, entretanto, há uma distância muito grande entre a letra da lei e a realidade social em que estes se encontram. Apesar de estar previsto no ordenamento jurídico

Revista Jurídica 12.indd 124-125 04/09/2015 10:28:01

Page 65: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

126 127

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rita de Cássia Santana Kohatsu, Romulo de Aguiar Araújoo reflexo da invisibilidade social do adolescente: invisíveis na vida e na morte

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual do Direito Penal. São Paulo: Vol.2. ed. Editora Atlas, 2001.

NOGUEIRA, Paulo Lucio. O Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

PELEGRINO, Erika. Jovens Invisíveis na Vida e na Morte . Jornal de Londrina, Londrina, 16 abr. 2013. Geral, p.4.

______, Histórias Marcadas Pela Exclusão. Jornal de Londrina, Londrina, 22 abr. 2013. Geral, p.4

ROCHA, Simone Mariano. O USO DE DROGAS PELOS ADOLESCENTES AUTORES DE ATO INFRACIONAL NA CIDADE DE PORTO ALEGRE: uma questão só de Polícia? 2002. 157 f. Monografia (Pós Graduação em Direito Comunitário) - Fundação Escola Superior do Ministério Público, Porto Alegre, 2002. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/areas/infancia/arquivos/usodrogas.pdf >. Acesso em: 21 maio 2014.

SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em Conflito com a Lei: da indiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 4. ed. ver. e atual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2013.

SOARES, Janine Borges. A construção da responsabilidade penal do adolescente no Brasil: uma breve reflexão histórica. Disponível em: <http:/www.mp.rs.gov.br/infância/doutrina/id186.htm>. Acesso em: 19 Abr. 2014.

REFERÊNCIASAZAMBUJA, Maria Regina Fay de. A criança, o adolescente: aspectos históricos. 2013. Disponível em : <http://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id615.htm>.Acesso em: 24 Fev. 2014.

BARROS, F. O. Tô Fora: O adolescente fora da lei – O retorno da segregação. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

BRASIL, Lei n.8.069, de 13 de julho de 1990.Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm >. Acesso em: 22 abr. 2013.

_____, Constituição(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Texto consolidado até a Emenda Constitucional nº 64 de 04 de fevereiro de 2010. Brasília. 2013. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_04.02.2010/CON1988.pdf >. Acesso em: 20 fev. 2014.

_____, BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE / Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA: Brasília-DF. 2006. Disponível em:

<http://www.condeca.sp.gov.br/legislacao/sinase_integra.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2014.

CAMARGO, João Batista Monteiro. Adolescente em Conflito com a Lei: Educomunicação como Perspectiva de Cidadania. 2013. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/educomsul/2013/com/gt1/6.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ. Panorama Nacional – A Execução de Medidas Socioeducativas de Internação – Programa Justiça ao Jovem. 2012. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/panorama_nacional_doj_web.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014.

CURY, Munir; PAULA, Paulo Afonso Garrido de; MARÇURA, Jurandir Norberto. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2000.

D’ AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em Conflito com a Lei.... & a Realidade. Curitiba: Editora Afiliada, 2003.

DIGIÁCOMO, Murilo José, Estatuto da Criança e do Adolescente anotado e interpretado. 2. ed. São Paulo: FTD, 2012. Disponível em < http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/marista/eca_anotado_digiacomo_2012.pdf> Acesso em: 21 de abril de 2014.

FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A Criança e o Adolescente no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de janeiro: Renovar.1999.

GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Cadernos do IASP - INSTITUTO DE AÇÃO SOCIAL DO PARANÁ. Compreendendo o Adolescente. Curitiba. 2006. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/72609426/CADERNOS-DO-IASP-do-o-Adolescente>. Acesso em: 15 de abr. 2014.

ISHIDA, Valter Kenji, Estatuto da Criança e do Adolescente. Doutrina e Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

INSTITUTO LATINO AMERICANO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA PREVENÇÃO DO DELITO E TRATAMENTO DO DELINQUENTE – ILANUD. Guia Teorico e Prático de Medidas Socioeducativas. Brasil. 2004. Disponível em: http://www.conselhodacrianca.al.gov.br/sala-de-imprensa/publicacoes/Guia-MedidasSocioeducativas.pdf >. Acesso em: 10 maio 2014.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

MAÍLLO, Afonso Serrano. Introdução a Criminologia. Tradução de Luiz Regis Prado. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007.

Revista Jurídica 12.indd 126-127 04/09/2015 10:28:01

Page 66: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

129

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Tatiane Boneto Pinheiro, Rodrigo Brum Silva

128

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

COMO O PROCON ESTABELECE O VALOR DE UMA MULTA? (dosimetria da pena de multa)

Tatiane Boneto Pinheiro35

Rodrigo Brum Silva36

RESUMOO presente trabalho analisa a dosimetria da pena de multa, realizada pelo Procon-LD (Londrina, Paraná, Brasil), após a conclusão do processo administrativo sancionatório, com fundamento no Decreto Municipal nº 436/2007, art. 12, com as alterações trazidas pelo Decreto Municipal 648/2010, que tem como base a Portaria Normativa 26/2006, do PROCON-SP, norma pioneira, adotada pela maioria dos Procons municipais e estaduais do Brasil. PALAVRAS-CHAVE: procon; consumidor; multa; valor; dosimetria.

ABSTRACTThis paper analyzes the dosimetry sanction of pecuniary fine, conducted by Procon-LD (Londrina, Paraná, Brazil), after completion of punitive administrative proceeding, pursuant to the Municipal Decree No. 436/2007, art. 12, with the changes introduced by the Municipal Decree No. 648/2010, which is based on the Regulatory Ordinance No. 26/2006, to the PROCON-SP, a pioneer standard adopted by most consumer protection agencies in Brazil.KEY-WORDS: procon; consumer; fine; value; dosimetry.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 3 DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 INTRODUÇÃO

Há uma grande dúvida dos operadores do direito, fornecedores e da própria população consumidora, de modo geral, sobre de que forma os Procons, municipais e estaduais, estabelecem os valores de multa aos fornecedores, pelo descumprimento do Código de Defesa do Consumidor e das demais normas protetivas e defensivas.

Por outro lado, as dúvidas se tornam maiores quando a imprensa divulga notícias de que determinado Procon, municipal ou estadual, aplicou uma multa, por exemplo, de milhões de reais, a um fornecedor de produtos ou serviços, sem fornecer dados técnicos sobre a penalidade, o que muitas vezes pode passar a impressão de que a opção administrativa por um valor é puramente arbitrária.

Deste modo, o presente estudo, apesar de breve, tendo como objeto de análise a legislação do Município de Londrina, que se embasou, quase que ipsis litteris, na Portaria Normativa nº 26/2006, do PROCON-SP, também modelo seguido por quase todos os Procons brasileiros, tenta explicar a matemática jurídica envolvida na questão, a fim de se esclarecer a matéria, demonstrando toda a discricionariedade envolvida na estipulação do quantum pecuniário sancionatório.

2 SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Com o desenvolvimento econômico e a expansão da sociedade de consumo, naturalmente, conflitos de interesses passaram a despontar entre fornecedores de produtos e serviços e seus consumidores, fazendo surgir a necessidade da intervenção estatal para o 35 Advogada, Assessora Jurídica do Procon-LD.

36 MestreemDireitoNegocial(UEL).

Revista Jurídica 12.indd 128-129 04/09/2015 10:28:01

Page 67: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

130 131

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Tatiane Boneto Pinheiro, Rodrigo Brum Silvacomo o procon estabelece o valor de uma multa? (dosimetria da pena de multa)

3 DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA

Após a autuação pela Gerência de Fiscalização, que é o ato administrativo que aponta o descumprimento, ainda que em tese, de uma ou de várias normas pertencentes ao sistema de defesa do consumidor, ocorre a intimação do fornecedor para que, no prazo de 10 (dez) dias, apresente uma impugnação ao auto (defesa) ou ofereça proposta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Caso não opte pela celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), a impugnação (defesa) do fornecedor deverá ser devidamente analisada, assim como as provas fornecidas e o próprio Auto de Infração, a fim de que seja avaliado, pela Coordenação do Procon, se houve ou não, concretamente, o cometimento de uma ou mais infrações, ou se o auto de infração deve ser julgado insubsistente (improcedente), com a absolvição do fornecedor.

É nesse momento de julgamento do mérito, com a finalização, em primeiro grau, do processo administrativo sancionatório, que cumpre à Coordenação do Procon, caso entenda que estaria demonstrada a infração consumerista, estabelecer uma pena pelo descumprimento das normas jurídicas não observadas.

De acordo com o Manual de Direito do Consumidor38,

As sanções administrativas representam uma das facetas da atuação dos órgãos administrativos de proteção e defesa do consumidor (Procons e DPDC), que vem ganhando relevância com um Sistema Nacional de Defesa do Consumidor cada vez mais fortalecido e integrado.

Genericamente, tais sanções representam todas as reprimendas impostas pela Administração Pública (Procons e DPDC) àquele fornecedor que se comportou de forma contrária ao que está disciplinado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Serve para compensar as consequências danosas do ato ilícito e também para desestimular a repetição de tal comportamento por parte de todos os fornecedores.

Nessa ordem de ideias, cumpre dizer que a pena de multa é apenas uma das várias sanções possíveis nos casos de infração aos direitos do consumidor, conforme art. 56, da Lei nº. 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC)39, bem como art. 6º, do Decreto Municipal nº. 436/200740, sendo possível também a apreensão e inutilização de produtos, a suspensão temporária de atividade, a cassação de licença ou até mesmo a interdição ou intervenção administrativa, nos casos de maior gravidade.

A pergunta recorrente, seja pelos consumidores, seja pelos fornecedores, além da

38 WADA,R.M.(Coord.).Manual do Direito do Consumidor.3.ed.Brasília:SDE/DPDC,2010,p.30

39 Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sançõesadministrativas,semprejuízodasdenaturezacivil,penaledasdefinidasemnormasespecíficas:I-multa;II-apreensãodoproduto;III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissãodeuso;IX-cassaçãodelicençadoestabelecimentooudeatividade;X-interdição,totalouparcial,deestabelecimento,deobraoudeatividade;XI-intervençãoadministrativa;XII-imposiçãodecontrapropaganda.

40 Art.6ºAinobservânciadasnormascontidasnaLeiFederaln.º8.078/90,regulamentadapeloDecretoFederaln.º2.181/97,e das demais normas de defesa do consumidor, constituirá prática infrativa e sujeitará o infrator às seguintes penalidades, previstas nos mencionados diplomas legais, que poderão ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, inclusive de forma cautelar, antecedente, ou incidente no processoadministrativo,semprejuízodasdenaturezacivil,penaledasdefinidasemnormasespecíficas:I–multa;II – apreensão do produto; III – inutilização do produto; IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V – proibição de fabricação do produto; VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviços; VII – suspensão temporária de atividade; VIII – revogaçãodeconcessãooupermissãodeuso;IX–cassaçãodelicençadeestabelecimentooudeatividade;X–interdição,totalouparcial,deestabelecimento,deobraouatividade;XI–intervençãoadministrativa;XII–imposiçãodecontrapropaganda.

regramento dessas relações.De acordo com os ensinamentos de Rizzatto Nunes37

Em função da complexidade das relações nascentes, tornou-se necessário, então, que se estabelecessem normas para que, atendendo-as, os indivíduos e a própria sociedade pudessem caminhar rumo àquilo que se haviam proposto: busca de harmonia e paz social.

Assim, almejando a harmonia e a paz social, bem como buscando restabelecer o equilíbrio da relação existente entre o fornecedor de produtos e serviços e o consumidor, parte mais frágil nesta relação, instituiu-se o Código de Proteção e Defesa do Consumidor e criou-se um sistema de defesa consumerista.

O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC tem por escopo estabelecer uma política nacional de proteção ao consumidor, fazendo com que a proteção e defesa do consumidor se deem de forma cooperativa, solidária e sinérgica, a fim de assegurar mais segurança e maior efetividade na tutela consumerista.

Integram Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, conforme disposições do art. 105, da Lei nº 8.078/90, os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municiais e as entidades privadas de defesa do consumidor. Dentre os integrantes deste Sistema, cumpre destacar os seguintes órgãos especializados na proteção do consumidor: Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC, Ministério Público, Defensoria Pública, Delegacia de Defesa do Consumidor, Juizados Especiais Cíveis, entidades civis de defesa do consumidor, Agências Reguladoras e PROCONs.

Com o advento do Decreto Federal nº 2.181, de 20 de março de 1997, este Sistema foi organizado e foram estabelecidas as normas gerais de aplicação das sanções administrativas.

No entanto, o Sistema Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor - SMPDC organizou-se apenas a partir da vigência da Lei Municipal nº 9.291, de 22 de dezembro de 2003, quando foi criado o Núcleo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON-LD e instituído o seu poder de polícia.

A Lei Municipal nº 9.291/2003, ainda, fixou como atribuições do PROCON-LD, em síntese, a elaboração de uma política municipal de proteção e defesa do consumidor, a harmonização das relações de consumo, a promoção da educação para o consumo, bem como a fiscalização das relações consumeristas.

Ocorre que, durante o desempenho de suas funções, o Procon não raras vezes depara-se com violações aos direitos dos consumidores, seja em ações fiscalizatórias realizadas nos estabelecimentos, seja em virtude de os fornecedores não terem atendido aos pedidos de consumidores que registraram reclamações fundamentadas perante o órgão protetivo, o que demanda uma atuação mais efetiva dos fiscais, acarretando a lavratura de um auto de infração, ato que instaura o processo administrativo sancionatório, o qual, durante todo o seu trâmite, deverá observar todos os princípios constitucionais, em especial, os do contraditório, da ampla defesa, da razoabilidade e da proporcionalidade, conforme será demonstrado a seguir.

37 NUNES, L. A. R. Curso de Direito do Consumidor.7.ed.SãoPaulo:EditoraSaraiva,2012,p.69.

Revista Jurídica 12.indd 130-131 04/09/2015 10:28:01

Page 68: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

132 133

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Tatiane Boneto Pinheiro, Rodrigo Brum Silvacomo o procon estabelece o valor de uma multa? (dosimetria da pena de multa)

comprobatória de sua receita é que esta será arbitrada, por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, no momento do julgamento.

A natureza das infrações (NAT) também foi devidamente definida pelo Decreto Municipal nº. 436/2007, através do § 3º, art. 1244, que estipula fatores de 1 (um) a 4 (quatro), conforme a sua gravidade, de modo que:

I - infrações classificadas no Grupo I = 1;

II – infrações classificadas no Grupo II = 2;

III – infrações classificadas no Grupo III = 3;

IV – infrações classificadas no Grupo IV = 4.

Cumpre mencionar que as infrações foram classificadas em grupos, conforme Anexo Único do Decreto Municipal nº. 436/2007, de acordo com sua natureza e potencial ofensivo, para fins de graduação da gravidade da infração, de modo que as menos graves se encontram nos Grupos I e II, e as mais graves nos grupos subsequentes.

O último elemento trazido pela fórmula, estabelecida pelo referido Decreto Municipal, a fim de se dosar a pena de multa, é a Vantagem auferida (VAN), que segue a seguinte regra, conforme art. 1045, in verbis:

I – vantagem não apurada ou não auferida, assim consideradas, respectivamente, as hipóteses em que não restar comprovada a obtenção de vantagem com a conduta infracional ou a infração, pelas próprias circunstâncias, não implicar na auferição desta;

II – vantagem apurada, assim considerada aquela comprovadamente auferida em razão da prática do ato infracional.

Este último fator estabelecido é a verificação se houve ou não o recebimento de uma vantagem, um benefício, um proveito pelo fornecedor com a realização da prática ou omissão infrativa, sendo que em caso positivo o fator a ser utilizado na fórmula é igual a 1 (um) (inc. I), e, em caso negativo, o fator a ser utilizado é igual a 0,5 (meio)46.

Depois de calculada a pena base, conforme a fórmula acima explicada, cumpre ainda verificar a existência de agravantes ou atenuantes, circunstâncias que podem aumentar ou diminuir o valor da pena de multa, conforme estabelece o Decreto Federal nº. 2.181/97 e

noprocessoadministrativosancionatório,mediantecomprovaçãopordocumentohábil,assimconsiderados:I–GuiadeInformaçãoeApuraçãodeICMS–GIAoudocumentooficialequivalente;II–DeclaraçãodeArrecadaçãodoISSoudocumentooficialequivalente,ou, ainda, na falta destes, Certidão Narrativa emitida pela Secretaria Municipal de Fazenda na qual constem os recolhimentos do ISS nosúltimos3(três)meses,acompanhadodoenquadramentofiscalealíquotaaplicadanoperíodo;III–DemonstrativodeResultadodo Exercício – DRE; IV – Declaração de Imposto de Renda; V – Documento de Arrecadação do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Micro Empresas e das Empresas de Pequeno Porte – DARF SIMPLES; VI – outros documentos, contábeisoufiscais,desdequeoficialmentereconhecidosoudeemissãoobrigatória.

44 Art. 12 (...)§3°O elementoNatureza receberá o fator abaixo rel acionado, determinado pela correspondência comoenquadramentodainfraçãoconformesuagravidade,deacordocomaclassificaçãodequetrataoart.9ºdesteDecreto:I–infraçõesclassificadasnoGrupoI=1;II–infraçõesclassificadasnoGrupoII=2;III–infraçõesclassificadasnoGrupoIII=3;IV–infraçõesclassificadasnoGrupoIV=4.

45 Art.10.Comrelaçãoàvantagem,serãoconsideradasasseguintessituações:I–Vantagemnãoapuradaounãoauferida,assim consideradas, respectivamente, as hipóteses em que não restar comprovada a obtenção de vantagem com a conduta infracional ou a infração, pelas próprias circunstâncias, não implicar na auferição desta. II – Vantagem apurada, assim considerada aquela comprovadamente auferida em razão da prática do ato infracional.

46 Art.12(...)§4°AVantagemreceberáofatorabaixorelacionado,determinadopelavantagemcomapráticainfrativa:I–Vantagemnãoapuradaounãoauferida=0,5II–Vantagemapurada=1.

imprensa e opinião pública, é: como se faz a estipulação do valor a ser pago pelo fornecedor de produtos ou serviços quando a penalidade imposta pelo Órgão é a pena de multa?

Ressalvadas algumas penas específicas para determinadas atividades, em 99% (noventa e nove por cento) das vezes a quantia a ser paga por cada fornecedor é estabelecida conforme critérios absolutamente objetivos, representados pela seguinte fórmula:

PE + (REC. 0,01) . (NAT) . (VAN) = PENA BASE

Nesta fórmula, implantada pelo Decreto Municipal nº 436/2007, art. 1241, que reproduz fórmulas similares, implantadas em vários Procons, as siglas em questão significam:

PE porte econômico do fornecedor

REC receita bruta

NAT representa o enquadramento da infração na classificação por gravidade

Van vantagem econômica auferida ou não aferida

Vale salientar que, pelo referido Decreto Municipal, os termos da equação também seguem critérios objetivos, valendo mencionar, por exemplo, que o Porte Econômico (PE) do fornecedor, conforme §1º, do artigo 1242, é determinado em razão da média mensal de sua receita bruta (REC), preferencialmente com base nos 3 (três) meses anteriores à data da lavratura do auto de infração, recebendo um fator fixo, a saber:

a) Receita bruta mensal até R$ 20.000,00 = 200;

b) Receita bruta mensal de R$ 20.000,01 a R$ 120.000,00 = 300;

c) Receita bruta mensal de R$ 120.000,01 a R$ 200.000,00 = 500;

d) Receita bruta mensal de R$ 200.000,01 a R$ 400.000,00 = 900;

e) Receita bruta mensal de R$ 400.000,01 a R$ 800.000,00 = 1700;

f) Receita bruta mensal de R$ 800.000,01 a R$ 1.600.000,00 = 3300;

g) Receita bruta mensal acima de R$ 1.600.000,00 = 6500

Nesse passo, a receita bruta (REC) deve ser informada pelo próprio fornecedor e devidamente comprovada mediante apresentação de documentos, conforme art. 11, do referido Decreto43. Somente nos casos em que o autuado não fornece a documentação

41 Art.12.Adosimetriadapenademultaserádefinidaatravésdafórmulaabaixo,aqualdeterminaráaPenaBase:“PE+ (REC. 0,01) . (NAT) . (VAN)=PENABASE “Onde: PE– definido pelo porte econômico da empresa;REC– é o valor dareceitabruta;NAT–refere-seànaturezaerepresentaoenquadramentodainfraçãonaclassificaçãoporgravidade;VAN–refere-seàvantagem.

42 Art.12(...)§1°Oporteeconômicodaempresaserádeterminadoemrazãodesuareceitabrutamensal,apuradanaformadoart.11,recebendoumfatorfixo,asaber:a)ReceitabrutamensalatéR$20.000,00=200;b)ReceitabrutamensaldeR$20.000,01aR$120.000,00=300c)ReceitabrutamensaldeR$120.000,01aR$200.000,00=500d)Receitabrutamensal deR$200.000,01aR$400.000,00=900e)ReceitabrutamensaldeR$400.000,01aR$800.000,00=1700f)ReceitabrutamensaldeR$800.000,01aR$1.600.000,00=3300g)ReceitabrutamensalacimadeR$1.600.000,00=6500

43 Art. 11. A condição econômica do infrator será aferida pela média mensal de sua receita bruta, apurada preferencialmente combasenos3(três)mesesanterioresàdatadalavraturadoautodeinfração.§1ºAreceitamédiamensaldeveráserinformadapelofornecedoremsuamanifestação,porocasiãodanotificaçãodoregistrodereclamaçãocontrasi,oujuntodaapresentaçãodedefesa

Revista Jurídica 12.indd 132-133 04/09/2015 10:28:01

Page 69: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

134 135

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Tatiane Boneto Pinheiro, Rodrigo Brum Silvacomo o procon estabelece o valor de uma multa? (dosimetria da pena de multa)

PE + (REC. 0,01) . (NAT) . (VAN) = PENA BASE

REC = 150.000,00

PE = receita bruta mensal de R$ 120.000,01 a R$ 200.000,00 = 500

NAT = infração classificada no item 2 do Grupo I = 1

VAT = não foi auferida vantagem pelo fornecedor com a prática infrativa = 0,5

500 + (150.000,00 x 0,01) x 1 x 0,5 = 1.250,00

Utilizada a fórmula, nesse caso hipotético, a pena base seria de R$ 1.250,00 (um mil duzentos e cinquenta reais), no que é necessário passar à avaliação das circunstâncias agravantes e atenuantes.

Mais uma vez, imagine-se que o referido fornecedor infringiu a legislação consumerista pela primeira vez e, prontamente, realizou as adequações necessárias. Deste modo, há a presença das circunstâncias atenuantes previstas nos incs. I e II, do art. 25, do Decreto Federal nº. 2.181/97, e nas alíneas a e b, do art. 13, inc. I, do Decreto Municipal nº. 436/2007, razão pela qual, a pena base será reduzida pela metade. Assim:

R$ 1.250,00 : 2 = R$ 625,00

R$ 1.250,00 (pena base) – R$ 625,00 (redução em virtude da circunstância atenuante) = 625,00

Portanto, o montante final a ser estabelecido como sanção de multa, será de R$ 625,00 (seiscentos e vinte e cinco reais), valor que se encontra dentro dos valores mínimo e máximo fixados pelo art. 57, Parágrafo Único, da Lei nº. 8.078/90, e foi devidamente arbitrada conforme determina a legislação aplicável. Se, ainda hipoteticamente, o valor tivesse sido inferior ao que determina o art. 57, do CDC, a multa teria que ser de no mínimo o valor em referência pela legislação, que, em junho de 2015, varia de R$ 547,83 (quinhentos e quarenta e sete reais e oitenta e três centavos) e R$ 8.217.524,49 (oito milhões duzentos e dezessete mil quinhentos e vinte e quatro reais e quarenta e nove centavos).

3 CONCLUSÃO

Como se observa, o valor de uma penalidade de multa não é algo escolhido de forma arbitrária, mas sim um valor que segue critérios consignados em fórmula matemática, fixados por norma jurídica, sempre de acordo com a capacidade econômica de cada fornecedor de produtos e serviços, a gravidade da infração, e levando em consideração fatores de aumento ou de diminuição de pena.

Assim, a perplexidade que surge, principalmente na opinião pública, não se justifica, na medida em que, como suficientemente explicitado, à luz da legislação aplicável, quanto maior for o faturamento, ou rendimento mensal do fornecedor, infrator do Código de Defesa do Consumidor, maior será a multa aplicada, que ainda pode ser aumentada em razão da gravidade da infração, além de acrescida ou diminuída, em razão das agravantes ou atenuantes eventualmente existentes.

Por último, é possível verificar a plena observância de princípios constitucionais, ao passo que fornecedores com maior faturamento recebem punição mais severa, enquanto os pequenos e médios fornecedores são punidos com aplicação de multa em menor valor,

do Decreto Municipal nº. 436/2007. As circunstâncias atenuantes, caso estejam presentes, acarretam a diminuição

da pena base de ⅓ (um terço) a ½ (metade), conforme art. 25, do Decreto Federal nº. 2.181/9747, bem como no art. 13, inc. I, do Decreto Municipal nº. 436/200748. As circunstâncias agravantes estão definidas no art. 26, do Decreto Federal nº. 2.181/9749, e no art. 13, inc. II, do Decreto Municipal nº. 436/200750, e levam a um aumento de pena, de ⅓ (um terço) ao dobro.

Seguidos esses critérios objetivos o trabalho ainda não termina, na medida em que na fixação da pena de multa há de ser observado o valor mínimo e o valor máximo estabelecido em lei, de acordo com as disposições do art. 57, Parágrafo Único, da Lei nº. 8.078/9051, de modo que nenhuma multa estabelecida com base no Código de Defesa do Consumidor poderá ser inferior a 200 (duzentas) vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), nem superior a 3.000.000 (três milhões) de Ufir’s. Como a Ufir foi extinta no ano 2.000, mas se mantém no texto do parágrafo único, art. 57, da Lei nº. 8.078/90, e deve ser utilizada como padrão mínimo e máximo de conformidade do valor da pena, em 11/08/2011, através da Portaria PROCON/PR nº 03/2011, pág. 146, do Diário Oficial Executivo nº 852752, restou determinado que os valores mínimo e máximo de multa deverão ser atualizados com base no IPCA-e, que é o índice de correção monetária que substituiu a UFIR, a partir de novembro de 2.000 até a data da cominação da sanção.

A fim de materializar o que foi explicado, vale a pena a utilização de um exemplo: Imagine-se que determinado fornecedor, com receita mensal equivalente a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), deva ser punido, com multa, por ter deixado de precificar os produtos expostos em sua vitrine. Nesse caso, a dosimetria da pena seguiria a seguinte regra para cálculo da pena base:

47 Art.25.Consideram-secircunstânciasatenuantes:I-aaçãodoinfratornãotersidofundamentalparaaconsecuçãodofato; II - ser o infrator primário; III - ter o infrator adotado as providências pertinentes para minimizar ou de imediato reparar os efeitos do ato lesivo.

48 Art.13.APenaBasepoderáseratenuadade1/3(umterço)àmetadeouagravadade1/3(umterço)aodobroseverificadasnodecorrerdoprocessoaexistênciadascircunstânciasabaixorelacionadas:I–Consideram-secircunstânciasatenuantes:a)seroinfratorprimário;b)teroinfrator,deimediato,adotadoasprovidênciaspertinentesparaminimizarourepararosefeitosdoatolesivo.

49 Art.26.Consideram-secircunstânciasagravantes:I -sero infratorreincidente;II - tero infrator, comprovadamente,cometido a prática infrativa para obter vantagens indevidas; III - trazer a prática infrativa conseqüências danosas à saúde ou à segurança do consumidor; IV - deixar o infrator, tendo conhecimento do ato lesivo, de tomar as providências para evitar ou mitigar suas conseqüências; V - ter o infrator agido com dolo; VI - ocasionar a prática infrativa dano coletivo ou ter caráter repetitivo; VII - terapráticainfrativaocorridoemdetrimentodemenordedezoitooumaiordesessentaanosoudepessoasportadorasdedeficiênciafísica,mentalousensorial,interditadasounão;VIII-dissimular-seanaturezailícitadoatoouatividade;IX-seracondutainfrativapraticada aproveitando-se o infrator de grave crise econômica ou da condição cultural, social ou econômica da vítima, ou, ainda, por ocasião de calamidade.

50 Art.13(...)II–Consideram-secircunstânciasagravantes:a)seroinfratorreincidente,consideradaparatantodecisãoadministrativa irrecorrível contra o fornecedor nos cinco anos anteriores à constatação do fato motivador da autuação, observando-se o dispostono§3ºdoart.59daLeinº8.078/90;b)trazerapráticainfrativaconseqüênciasdanosasàsaúdeouàsegurançadoconsumidor,aindaquepotencialmente;c)ocasionarapráticainfrativadanocoletivooutercaráterrepetitivo;d)terapráticainfrativaocorridoemdetrimentodemenordedezoitooumaiordesessentaanosoudepessoasportadorasdedeficiênciafísica,mentalousensorial,interditadasounãoeocorridoemdetrimentodacondiçãocultural, socialeeconômicadoconsumidor;e) seraconduta infrativapraticada em período de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade.

51 Art.57.Apenademulta,graduadadeacordocomagravidadedainfração,avantagemauferidaeacondiçãoeconômicadofornecedor,seráaplicadamedianteprocedimentoadministrativo,revertendoparaoFundodequetrataaLeinº7.347,de24dejulhode1985,osvalorescabíveisàUnião,ouparaosFundosestaduaisoumunicipaisdeproteçãoaoconsumidornosdemaiscasos.Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal deReferência(Ufir),ouíndiceequivalentequevenhaasubstituí-lo.

52 Art.1º-Oslimitesmínimoemáximodovalordasmultasprevistasnoparágrafoúnicodoartigo57daLei8.078/90-Código de Defesa do Consumidor, deverão ser atualizados com base no IPCA-e, índice de correção monetária, em substituição à UFIR,desdenovembrode2000atéadatadacominaçãodasanção.

Revista Jurídica 12.indd 134-135 04/09/2015 10:28:01

Page 70: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

137

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Neme

136

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

como o procon estabelece o valor de uma multa? (dosimetria da pena de multa)

BOLSA FAMÍLIA NO BRASIL E OPORTUNIDADES NO MÉXICO: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

Rogério Piccino Braga53 Sérgio Aziz Ferrareto Neme54

RESUMOInegável o alcance de progresso na efetivação do princípio da igualdade nos últimos anos e, por consequência, o avanço no atingimento do objetivo constitucional previsto no inciso III do art. 3º da Constituição Federal brasileira de 1988, a saber a erradicação da pobreza. Quais fatores ou quais ações seriam responsáveis por proporcionar uma luz no fim do túnel quando o assunto é a justa distribuição de renda ou até mesmo o reconhecimento das diferenças? Ainda que o caminho a percorrer e que a distância entre o ponto de partida – traduzido na sistemática internacional de proteção aos direitos humanos – e o ponto de chegada da efetivação dos direitos dos cidadãos, sejam longos, faz-se necessário não somente um esforço de raciocínio teórico à materialização dos mecanismos de proteção, mas também, um esforço prático de extirpar a segregação entre os três eixos da proteção internacional dos direitos humanos, a saber, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR), já que comum é o objetivo. O presente artigo busca demonstrar que, apesar de vivermos os progressos conquistados pelo movimento do constitucionalismo contemporâneo, ou neoconstitucionalismo, como muitos denominam, é impossível conceber a inclusão de diversas situações sociais excludentes, sem identificarmos os direitos humanos como política social emancipatória e os chamados conditional cash transfer programs como instrumento de redução da desigualdade.PALAVRAS-CHAVE: transferência de rendas; igualdade; direitos fundamentais.

ABSTRACTUndeniable the scope of progress in realization of the principle of equality in recent years and, consequently, the advance in the achievement of the constitutional order laid down in Part III of Art. 3 of the Brazilian Federal Constitution of 1988, namely the eradication of poverty. What factors or what actions would be responsible for providing a light at the end of the tunnel when it comes to the fair distribution of income or even the recognition of the differences? Although the way to go and that the distance between the starting point - translated into the international system of human rights protection - and the arrival point for the realization of the rights of citizens, are long, it is necessary not only an effort to theoretical reasoning to the materialisation of protection mechanisms, but also a practical effort to uproot segregation between the three pillars of the international protection of human rights, namely the International human Rights Law (IHRL), International humanitarian Law (IHL) and International Refugee Law (DIR), as is the common goal. This article seeks to demonstrate that, although we live the progress achieved by the movement of contemporary constitutionalism, neoconstitutionalism or, as many call it, is impossible to conceive the inclusion of various exclusionary social situations without identifying human rights as an emancipatory social policy and so-called conditional cash transfer programs as a tool for reducing inequality.KEYWORDS: transfer incomes; equality; fundamental rights.

SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO. 2 OS EIXOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E AS AÇÕES AFIRMATIVAS. 3 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA; AS AÇÕES AFIRMATIVAS E OS CONDITIONAL CASH TRANSFER PROGRAMS NO CONTEXTO JURÍDICO E SOCIAL BRASILEIRO E MEXICANO. 4 A REDISTRIBUIÇÃO COMO POLÍTICA DE JUSTIÇA SOCIAL O OS TÓPOI DOUTRINÁRIOS. 4.1 PREMISSAS DOUTRINÁRIAS REMOTAS. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

53 Advogado, mestrando em Direito na área de concentração em Sistema Constitucional de Garantias de Direitos pela ITE/Bauru,especialistaemDireitoMunicipal,presidentedaComissãodeDireitoAdministrativoda20ªSubseçãodaOrdemdosAdvogados do Brasil/Jaú-SP. Autor do livro Relações de Sujeição Especial no Direito Municipal.

54 Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino, Especialista em Direito Constitucional pela Universidad de Salamanca(Espanha),EspecialistaemJurisdiçãoConstitucionalpelaUniversistàdiPisa(Itália),ProfessordoCursodeDireitodoCentroUniversitárioFiladélfia(UNIFIl)eAdvogado.

atendendo, assim, à proporcionalidade e razoabilidade, bem como à igualdade material, e garantindo a efetividade do caráter pedagógico da sanção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997.BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.LONDRINA. Decreto nº 436, de 18 de julho de 2007.LONDRINA. Lei nº 9.291, de 22 de dezembro de 2003PARANÁ. Portaria PROCON/PR nº 03, de 03 de agosto de 2011.NUNES, L. A. R. Curso de Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.WADA, R. M. (Coord.). Manual do Direito do Consumidor. 3. ed. Brasília: SDE/DPDC, 2010.

Revista Jurídica 12.indd 136-137 04/09/2015 10:28:01

Page 71: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

138 139

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

proteção do ser humano:

A proteção dos direitos essenciais do ser humano no plano internacional recai em três sub-ramos específicos do Direito Internacional Público: o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIH), o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR). Inicialmente, deve-se evitar segregação entre esses três sub-ramos, pois o objetivo é comum: a proteção do ser humano. Com base nesse valor de interação e não segregação, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é, sem dúvida, o mais abrangente, atuando o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR) em áreas específicas56.

E segue o autor, agora definindo o campo de atuação de cada sub-ramo do Direito Internacional Público, materializando a congregação em prol as proteção do ser humano:

A inter-relação entre esses ramos é a seguinte: ao DIDH incumbe a proteção do ser humano em todos os aspectos, englobando direitos civis e políticos e também direitos sociais, econômicos e culturais; já o DIH foca na proteção do ser humano na situação específica dos conflitos armados (internacionais e não internacionais); finalmente, o DIR age na proteção do refugiado, desde a saída do seu local de residência, trânsito de um país a outro, concessão do refúgio no país de acolhimento e seu eventual término57.

Ronald Dworkin, citado por Álvaro Ricardo de Souza Cruz na obra “O Direito à Diferença”, afirmara com todas as letras, despido de qualquer receio e de forma mais direta impossível que:

se houver mais advogados negros, eles ajudarão a proporcionar melhores serviços para a comunidade negra e, assim, reduzir tensões sociais. Isso poderá até melhorar a qualidade da educação legal para todos os estudantes, ainda mais pelo fato de haver um número maior de negros nas salas de aula, discutindo problemas sociais. Ademais, se os negros forem vistos como estudantes de Direito com sucesso, os outros negros, os quais apresentam esse padrão intelectual, poderiam ser encorajados a dedicar-se para tal e, assim, elevar sua qualidade intelectual58.

Traduzido seu pensamento, verifica-se que o autor jamais imaginaria ser tão atual a observação 34 anos mais tarde, e curiosamente por aqui, num país homenageado por uma miscigenação tão incrível, quanto assustadora é a falta de reconhecimento de suas diferenças sócio-econômicas e culturais. Se considerarmos, por exemplo, que a cultura escravocrata teve fim, ao menos em termos formais, há pouco tempo, e, se aceitarmos que resquícios dessa cultura atravessam gerações até os dias de hoje, veremos que a omissão de políticas públicas inclusivas nos aproxima, e muito, da realidade traçada por Dworkin há mais de três décadas. Mais preocupante que a própria lacuna na produção de tais políticas são os motivos determinantes dela. Muitas vezes mal geridas, ou geridas apartadas da preocupação que as move, as políticas públicas de inclusão não chegam à efetividade. E é exatamente nos motivos determinantes que poderemos encontrar o alicerce necessário

56 Op.Cit.,p.50.

57 Op.Cit.p.50.

58 DWORKIN,Ronald.Takingrightsseriously.Cambridge;HarvardUniversityPres,1978,p.227,apud. CRUZ, Álvaro RicardodeSouza.ODireitoàDiferença,ArraesEditores.2009.

1 INTRODUÇÃO

Não há como imaginarmo-nos alheios às violações cada vez mais frequentes aos direitos fundamentais do ser humano, sem que isso venha a gerar consequências ainda que remotas em nosso cotidiano. Detentores da condição primordial à titularidade – e noutras ocasiões à destinação – dos direitos humanos, ou seja, “sermos humanos”, nos transporta à responsabilidade de nutrir uma visão global e à consciência de que as violações mais distantes, certamente surtirão efeito na (não) efetivação dos direitos fundamentais positivados em nosso ordenamento constitucional.

E no que concerne à não efetivação dos direitos humanos, por consequência – ou por semelhança conceitual, como ponderam os defensores da identidade de tais direitos – dos direitos fundamentais positivados nas cartas Constitucionais democráticas, é imprescindível entendermos o fato de que a sociedade moderna enfrenta hoje uma crise. Crise essa que impõe obstáculos e desafios oriundos de uma sociedade moderna, com bem leciona David Sánchez Rubio55, ainda não enfrentados pelo sistema internacional proteção dos direitos humanos:

Atualmente estamos experimentando processos sociopolíticos e socioeconômicos de transformação e de reestruturação do capitalismo dentro de um contexto de globalização do mundo organizado por diferentes expressões que conferem distintos conteúdos (processo de globalização cultural, militar, econômico, político, etc.). Esta realidade afeta radicalmente o papel, a funcionalidade e o alcance do direito positivo tanto no âmbito interno como em sua relação externa com outras manifestações de poder, de construção de realidade e de criação normativa (fenômeno de pluralidade normativa). Novos atores e novos acontecimentos tanto internacionais, nacionais, como locais reconfiguram as mesmas fontes do direito, tornando-as complexas. O paradigma epistemológico e racional-científico da simplicidade e técnico-formal estatal se mostra carente e insuficiente (RUBIO, 2014, p. 30).

Rotineiramente vislumbramos situações extremas de ruptura com o sistema normativo internacional e com as garantias constitucionais do cidadão brasileiro. Grupos radicais e propulsores de uma nova ordem, que embora não conformada normativamente, impõem ao mundo novos padrões de violência e o sentimento de imunidade frente à falta de agenda punitiva de atuação eficaz, dos organismos internacionais. Por outro lado, se torna cada vez mais comum ao individuo não ver cumpridas as obrigações prestacionais do poder público, quando da efetivação do direito fundamental à saúde, à educação e, dentre outros, as ramificações da efetiva igualdade. Guardadas as devidas proporções, devemos atenção à consequência dessa violação dos direitos humanos e, da mesma forma, dos direitos fundamentais positivados em nossa Constituição, como parte de um mesmo universo de consequências.

2 OS EIXOS DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E AS AÇÕES AFIRMATIVAS

A narrativa de André de Carvalho Ramos, nos apresenta a imprescindibilidade da congregação dos três sub-ramos específicos do Direito Internacional Público à efetiva

55 RUBIO, David Sánchez. Encantos e desencantos dos direitos humanos: de emancipação, libertações e dominações. TraduçãodeIvoneFernandesMorcilhoLixaeHelenaHenkin.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2014.p.30.

Revista Jurídica 12.indd 138-139 04/09/2015 10:28:01

Page 72: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

140 141

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

(leia-se racial) atuam como situações excludentes. A conjugação de condições é tipicamente o cerne do conceito de “inclusão social”. Vai além do que definíamos como uma simples integração - escolar por exemplo. Para não abandonarmos o exemplo sugerido, voltemos nossa análise à pessoa negra com deficiência e sem acesso ao sistema de ensino.

3 AS AÇÕES AFIRMATIVAS NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

Do final da década de 80 para cá, o conceito de inclusão tornou-se de certa forma mais compreendido como a adaptação da sociedade e da escola, às pessoas – e não o contrário. A Constituição Federal brasileira de 1988 proporcionou isso. A partir de então a política de inclusão ingressou no ordenamento jurídico por meio da Lei n.º 7.853/1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes. Sua regulamentação veio dez anos mais tarde, com o Decreto n.º 3.298/1999.

No ano seguinte, a Lei n.º 10.048/2000 estabelecera prioridades a pessoas com deficiência e a Lei n.º 10.098 também de 2000, dispôs sobre as “...normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

A política de inclusão da pessoa com deficiência ganhou, e muito, com a edição do chamado decreto da acessibilidade (n.º 5.296/2004), que regulamentou as duas leis citadas anteriormente. De lá para cá outros tantos diplomas solidificaram a certeza de que a sociedade é que deve se adequar às pessoas com deficiência, com necessidades especiais ou com as duas características e condições (conjugadas). Avanço imensurável se aferiu com a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência realizada em 2006, onde se construiu vigas essenciais à política de inclusão. Exemplo disso está inserto em seu artigo 24 ao tratar da inclusão na educação. E mais próximo dos dias atuais o Decreto n.º 7.612, de 17 de novembro de 2011, instituindo o “Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite”. O diploma revela uma preocupação social significativa com a nova realidade do conceito de inclusão social da pessoa com deficiência. Como a proposta há pouco sugerida em nosso texto é a pessoa negra com deficiência, não podemos deixar de lado a legislação brasileira que busca compensar e extirpar – ainda que árdua a tarefa – situações excludentes nesse sentido.

Vejamos, então, a edição do Decreto n.º 4.886, de 2ª de novembro de 2003, que instituiu a “Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR”, a aprovação do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PLANAPIR, e a instituição de seu Comitê de Articulação e Monitoramento pelo Decreto n.º 6.872, de 4 de julho de 2009. Sacramentando a política de inclusão do negro, instituiu-se em nosso ordenamento jurídico o Estatuto da Igualdade Racial, por meio da Lei n.º 12.888, de 20 de julho de 2010, que alterou, por sua vez as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003.

Merece lembrança especial, ainda, a recente aprovação, mediante a edição do Decreto n.º 8.136, de 5 de novembro de 2013, do “Regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – Sinapir” instituído pela Lei n.º 12.888, de 20 de julho de 2010. Voltando os olhos à políticas sociais não somente de redistribuição, mas

ao reconhecimento das diferenças, ao atendimento das demandas de justiça social e à compensação dos retrocessos praticados por nossos predecessores.

Mais legítimo e viável do que traçar objetivos legais de cumprimento de uma agenda afirmativa, em nítida preocupação simbólica com contornos dispostos na gama de diplomas de uma nação, será a análise das Ações Afirmativas vistas pelos olhos dos “direitos humanos como política emancipatória social”. Atentos ao ponto de partida – sim -, mas conscientes de que o foco no ponto de chegada dos direitos humanos se faz imprescindível, é que respectivas Ações serão legitimadas pelos resultados - não apenas pela obediência a um procedimento. Se não partirmos desse raciocínio, nos veremos forçados a imprimir razão aos pensamentos de Thomas Sowell59, quando, por meio de seus estudos empíricos, traduzidos no trabalho “Ação Afirmativa ao redor do mundo”, rechaça a efetividade de tais instrumentos com fundamento na alegada frustração nos resultados. Frustração essa, proporcionada pela má condução governamental das políticas públicas voltadas à inclusão, por exemplo, na Índia, na Malásia, no Sri Lanka, na Nigéria e nos Estados Unidos.

Eis aí um ponto de vista a ser combatido. Acostumados ao enfrentamento de iniciativas isoladas, visando sanar, recompensar ou algumas vezes redistribuir injustiças sociais, voltamos nossos olhos a situações excludentes comuns e já conhecidas. Deficiência, cor da pele, diversidade sexual, dentre outras enfrentadas isoladamente. Pauta de nossa análise, porém, deve ser a conjugação, num só indivíduo, de duas ou mais situações socialmente excludentes.

Deficiência e necessidades especiais nem sempre caminham juntas. É certo, todavia, que as necessidades especiais que acompanham determinado indivíduo podem originar-se, sim, de uma deficiência, ou de outras situações atípicas, por assim dizer. E como pontuou Romeu Kazumi Sassaki:

Estas condições podem ser agravadas e/ou resultantes de situações socialmente excludentes (trabalho infantil, prostituição, pobreza ou miséria, desnutrição, saneamento básico precário, abuso sexual, falta de estímulo do ambiente e de escolaridade)60.

A título de fundamentação, ouso incluir ao raciocínio do autor citado, o “preconceito” e a “discriminação” que o negro sofre culturalmente, como conceito de “situações socialmente excludentes”. Ao dissertar sobre a inclusão ao sistema de ensino, Sassaki, por fim, conclui com uma observação, que, sem dúvida, poderá nortear a ideia central de nossa abordagem:

Na integração escolar, os alunos com deficiência eram o foco da atenção. Na inclusão escolar, o foco se amplia para os alunos com necessidades especiais (dos quais alguns têm deficiência), já que a inclusão traz para dentro da escola a diversidade humana)61.

Não seria de todo inconveniente, portanto, afirmar que a deficiência é uma característica atípica do indivíduo, num universo onde a discriminação e o preconceito 59 SOWELL, Thomas. Ação Afirmativa ao redor do mundo. Estudo Empírico.RiodeJaneiro:UniverCidade,2004.

60 SASSAKI, Romeu Kazumi, comentário ao artigo 24 da Convenção sobre Direitos das Pessoas comDeficiênciacomentada/CoordenaçãodeAnaPaulaCrosaradeResendeeFlaviaMariadePaivaVital._Brasília:SecretariaEspecialdosDireitosHumanos,2008,p.85-85.61 Idem.

Revista Jurídica 12.indd 140-141 04/09/2015 10:28:01

Page 73: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

142 143

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

em todos os níveis de ensino. Conforme afirma Martins da Silva (2004), há uma compreensão cada vez maior de que a busca de uma igualdade concreta não deve mais ser realizada apenas com a aplicação geral das mesmas regras de direito para todos. Tal igualdade precisa materializar-se também através de medidas específicas que considerem as situações particulares de minorias e de membros pertencentes a grupos em desvantagem [...]63.

É de se levar em consideração que jovens negros entre 18 e 25 anos de idade, por sua vez, praticamente não dispõem do direito de acesso ao ensino superior, visto que 98% deles não ingressaram na universidade64.

Na primeira dimensão dos direitos fundamentais, e assim denomina a doutrina moderna o que antes se chamava de “gerações” dos direitos fundamentais, foi que se estabeleceu a mais estreita relação entre os direitos fundamentais e a democracia. Sarlet nos mostra que os direitos do cidadão, frente ao Estado, são estabelecidos cotidianamente:

Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual de seu poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”. Assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São posteriormente, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc.) e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva, revelando, de tal sorte, a íntima correlação entre os direitos fundamentais e a democracia65.

Não somente a escolha de representantes por meio do voto, mas a inclusão social na expressão mais genuína da participação popular é necessária ao pleno exercício da democracia. Emerge desse ponto a criação de mecanismos destinados a extirpar toda e qualquer discriminação social ou cultural que possa dar origem a segregações tão severas a ponto de não mais ser possível curar uma sociedade pagã, do ponto de vista da inclusividade. A atividade estatal, e aqui incluímos o sistema de ensino superior, na busca do chamado bem comum, se ramifica, e nessas vertentes o desenvolvimento de políticas públicas de inclusão representa não somente um avanço social no dia a dia da relação entre os direitos fundamentais e a democracia, mas também uma necessidade que remonta à, agora, segunda dimensão dos direitos fundamentais.

Antes falávamos em uma “não intervenção do Estado” na liberdade do indivíduo,

63 Idem,p.30.

64 HENRIQUES, R. (2001). Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida nadécadade90.Textoparadiscussãon.807.2001,MinistériodoPlanejamento,OrçamentoeGestão-IPEA.InstitutodePesquisaEconômicaAplicada,p.27-28.

65 SARLET,IngoWolfgang,AeficáciadosDireitosfundamentais:umateoriageraldosdireitosfundamentaisnaperspectivaconstitucional,11.Ed.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2012,p.46-47.

também às de reconhecimento, podemos afirmar que nos dias de hoje, apesar do cabedal legislativo que envolve a inclusão, o sistema de ensino – e aqui falamos do ensino superior também -, ainda não se adaptou por completo às deficiências, às necessidades especiais e às situações socialmente excludentes. O que dizer das hipóteses de conjugação dessas situações excludentes num só indivíduo (pessoa negra com deficiência)?

É, ad exemplum, a situação da. Não é demais afirmar que no Brasil o preconceito e a discriminação racial ainda atuam como uma situação excludente social que agrava uma deficiência. Não há, contudo, um levantamento de dados de inclusão da pessoa negra com deficiência no ensino público de nível superior, por exemplo. Nem mesmo uma reflexão ou um enfrentamento dos motivos que determinam a existência das mais variadas situações sociais excludentes – no caso em tela, o preconceito racial e a falta de escolaridade. Aspectos como a arquitetura, a comunicação, métodos, programas e atitudes, assim como mecanismos jurídicos devem ser analisados quando ao tratarmos de políticas públicas de inclusão da pessoa negra com deficiência ao sistema de ensino. Muitas instituições públicas de ensino superior não se fazem inclusivas, nos moldes do que propõe a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ou até mesmo ao que preceitua a legislação voltada à inclusividade da pessoa negra. É preciso identificar como o sistema de ensino superior pode se adequar legal e socialmente à necessidade de inclusão dessas duas características conjugadas.

Com base na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e na Constituição Federal brasileira de 1988, podemos identificar a necessidade de uma reformulação do conceito de “inclusão social”. Para tanto, imprescindível será olvidar da simples temática de integração escolar e buscarmos a evolução do conceito por meio de esforços para a adequação da sociedade à pessoa com deficiência. Não o contrário.

Valter Roberto Silvério em seu texto Ação Afirmativa: uma política pública que faz a diferença, inserto na obra O negro na universidade: direito a inclusão”, afirma que:

O último Censo realizado pelo IBGE constatou que são cerca de 43,5% dos brasileiros, perfazendo algo em torno de 76 milhões de pessoas, ou seja, a maior população negra fora da África. A exclusão dos negros brasileiros da educação e do trabalho tem sido confirmada em estudos provenientes de diversas áreas do conhecimento. Indicadores socioeconômicos elaborados por instituições de pesquisa, tais como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA, IBGE, Organização das Nações Unidas, etc., descrevem a clara inferioridade dos negros no mercado de trabalho e na educação no Brasil62.

Em 2001, segundo o mesmo estudo, a população afrodescendente (negros e pardos) constituía 46% da população brasileira, e, dentre eles, a taxa de analfabetismo entre pessoas negras de 15 de idade anos ou mais, no Brasil, chegava a 20%, enquanto que entre a população de cor branca, chegava a 8%.

Nesse mesmo ano, pontuou o autor em seu estudo, que a população negra possuía, em média, dois anos a menos de estudo do que a população branca no país:

O enfrentamento do quadro de desigualdades raciais apresentado mostra a importância da criação de políticas públicas de ações afirmativas direcionadas à população negra em todos os níveis de ensino, direcionadas à população negra

62 SILVÉRIO,ValterRoberto.AçãoAfirmativa:umapolíticapúblicaquefazadiferença,insertonoestudoOnegronauniversidade:odireitoainclusão/�Brasília,DF:FundaçãoCulturalPalmares,2007,p.22.

Revista Jurídica 12.indd 142-143 04/09/2015 10:28:02

Page 74: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

144 145

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

conditional cash transfers cash transfers: A successful way to reduce successful way to reduce inequity and to improve health, são categóricos nesse sentido em trabalho apresentado na Conferência Mundial da Saúde:

De 2001 a 2003 o Brasil criou quatro programas de transferência de renda; no entanto, eles não foram articulados, empregaram diferentes critérios de inclusão, utilizaram bases de dados comparativos e dois destes tiveram coberturas muito baixas. No início de 2004 os quatro programas foram fundidos no programa Bolsa Família (PBF) e, desde então, em grande parte expandido. Os novos processos de gestão e implementação de programas combinados foram criados com a finalidade de: (i) promover o acesso à rede de serviços públicos, particularmente na saúde, educação e proteção social; (ii) combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; (iii) estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza; (iv) combater a pobreza; e (v) promover a ação social sinérgica entre os setores governamentais e não governamentais. O PBF procura investir em capital humano, associando as transferências de renda com objetivos educacionais e utilização dos serviços de saúde.

Para o já citado Fagnani, portanto, as Ações Afirmativas que se assemelham aos chamados Programas de transferência de rendas, fazem vozes à imprescindibilidade de uma visão macro sobre o sistema de proteção dos direitos humanos, como ensinou André de Carvalho Ramos e a sugerida integração entre os sub-ramos específicos do Direito Internacional Público:

Assim, os CCT são funcionais para o ajuste macroeconômico. A doutrina liberal transformou a “política social” em compartimento dissociado da estratégia macroeconômica. As almas caridosas do mercado reservaram 0,5% do PIB para os ditos progressistas se divertirem na promoção do “bem-estar”. Além disso, os critérios arbitrados internacionalmente são extremamente baixos para classificar as situações de indigência (indivíduo que recebe até US$ 1,25 por dia) e pobreza (até US$ 2,5 por dia). Não é moralmente aceitável afirmar que um indivíduo que passou a receber pouco mais de US$ 2,5 por dia tenha “saído da pobreza” (...)

A importância desses programas foi reforçada após a crise internacional de 2008.A resposta das lideranças globais foi introduzir a chamadainiciativa do Basic Social Security Floor (OIT,2011).Formou-seumaampla coalizão global em sua defesa, que reúne as principais lideranças mundiais (G-7 e G-20), FMI, Banco Mundial, ONGs e dezenoveagências da ONU71.

4 A REDISTRIBUIÇÃO COMO POLÍTICA DE JUSTIÇA SOCIAL O OS TÓPOI DOUTRINÁRIOS

Nancy Fraser72, no texto “Redistribuição, Reconhecimento e Participação: por Falcão;SOUSA,RomuloPaes.TheBrazilianexperiencewithconditionalcashtransferscashtransfers:Asuccessfulwaytoreducesuccessfulwaytoreduceinequityandtoimprovehealthinequityandtoimprovehealth.In:ConferênciaMundialdaSaúde.RiodeJaneiro,out.2011.Disponívelem:http://www.who.int/sdhconference/resources/draft_background_paper1_brazil.pdf,.Acessoem13nov.2014.

71 Op.Cit.p.50.

72 FRASER,Nancy.Redistribuição,reconhecimentoeparticipação:porumaconcepçãointegradadajustiça.In:SARMENTO,

em seu direito de escolha de representantes, dentre outros. Agora, em sede dos direitos fundamentais de segunda dimensão, deparamos com a obrigação do Estado em propiciar o direito à participação, ao bem estar social. Tratamos aqui de uma “ação”, um comportamento positivo do Estado. É nesse aspecto que as políticas de inclusão alcançam a finalidade proposta em cada dimensão dos direitos fundamentais.

Nessa linha, continua Ingo W. Sarlet:

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo, acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social66.

3.1 AS AÇÕES AFIRMATIVAS E OS CONDITIONAL CASH TRANSFER PROGRAMS NO CONTEXTO JURÍDICO E SOCIAL BRASILEIRO E MEXICANO

A realidade enfrentada no cenário social, político e econômico brasileiro não se confunde com as perspectivas que pesam sobre os programas sociais de transferência de renda do final do século passado e início do atual. A exemplo do que se denominou Bolsa Família, dentre outros, não foi o precursor o que a nível mundial convencionou chamar de programas de redução da desigualdade social, conforme estudo realizado por Roberto Fagnani:

A apologia desmedida que tem sido feita ao Bolsa Família pelas agências internacionais parece ser ação ideológica deliberada para elevar o statusdo programa brasileiro a um case global de sucesso a ser seguido por outros países pela via do Basic Social Security Floor67.

Programas esse, ou a exemplo do México e os “Oportunidades”, integram os denominados conditional cash transfer programs, criados mundialmente há mais de 30 anos, como disse outrora Christine Lagarde68, citada por Roberto Fagnani69:

Apenas como ilustração, observe-se que, para a diretora-gerente do FMI, as “melhoras notáveis” dos indicadores de pobreza, desigualdade e desenvolvimento dos países da América Latina devem-se ao papel desempenhado pelos chamados conditional cash transfer programs (CCT) – núcleos da estratégia internacional orquestrada há mais de três décadas para os países subdesenvolvidos –, com destaque para os programas Bolsa Família (Brasil) e Oportunidades (México), “que conseguiram interromper a transmissão da pobreza de geração para geração e agora servem como modelo para o resto do mundo”.

Leonor Maria Pacheco Santos, Romulo Paes-Sousa, Edina Miazagi, Tiago Falcão Silva e Ana Maria Medeiros da Fonseca70, no estudo The Brazilian experience with 66 Op.Cit.p.47.

67 FAGNANI,Roberto.Brasil:doisprojetosemdisputa.LeMondDiplomatiqueBrasil.Julho2014,p.5.

68 LAGARDE,Christine.RevistaÉpoca,25nov.2011.Disponívelemhttp://revistaepoca.globo.com/Negocios-e-carreira/noticia/2011/11/diretora-do-fmi-elogia-brasil-e-chama-bolsa-familia-de-modelo-para-o-mundo.html.Acessoem13nov.2014.

69 Op. Cit., p. 5.

70 FONSECA, Ana Maria Medeiros da Fonseca; MIAZAGIL, Edina; SANTOS, Leonor Maria Pacheco; SILVA, Tiago

Revista Jurídica 12.indd 144-145 04/09/2015 10:28:02

Page 75: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

146 147

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

de uma política emancipatória, fez dos direitos humanos, a reinvenção da linguagem de emancipação social.

Ressaltando o “dilema da lealdade”, Michael Sandel78 expõe em contexto as características e a concepção de liberdade sob o enfoque dos individualistas morais, os ditames conceituais de justiça e a defesa filosófica desse individualismo moral por parte de Immanuel Kant, para quem, “ser livre é ser autônomo, e ser autônomo é ser governado por uma lei que outorgamos a nós mesmos”, ao lado de John Rawls, para quem a liberdade de escolha traduz-se na reflexão acerca dos princípios de justiça, onde o simples consentimento embasando um acordo social voluntário não é suficiente. Necessário, como dito, o esforço legislativo e a coercibilidade normativa no que tange às políticas públicas de inclusão.

Will Kymlicka79, no texto “Multiculturalismo Liberal e Direitos Humanos”, enfoca a relação entre os direitos das minorias (multiculturalismo) e os direitos humanos, ressaltando a crítica de muitos ao afirmarem um conflito destes com aqueles. Conclui o autor, por fim, que o multiculturalismo é inspirado nos princípios dos direitos humanos e não um contraponto.

Definindo o ser humano como único ente no mundo capaz de amar, descobrir a verdade e criar a beleza, Fábio Konder Comparato80 busca em “Afirmação Histórica dos Direitos Humanos”, mostrar “como se foram criando e estendendo progressivamente, a todos os povos da Terra, as instituições jurídicas de defesa da dignidade humana contra a violência, o aviltamento, a exploração e a miséria”. A tarefa seria árdua, não fosse a habilidade com que o autor percorre o tema, iniciando a abordagem da dignidade da pessoa humana sob o aspecto religioso, filosófico e científico. Visando trazer maior compreensão e sustentabilidade às definições, nos remete ao histórico do período Axial, à relação entre a pessoa humana e seus direitos, fazendo de sua obra única ao citar, nesse ponto, Charles Péguy, quando narrava a unicidade do homem visto sob os olhos de Deus: “Conheço bem o homem, diz Deus, Fui eu que o fiz. É um ser curioso, Porque nele atua a liberdade, que é o mistério dos mistérios”.

Por outro lado, é o período Axial o ponto de partida para considerarmos o ser humano um ser dotado de liberdade e razão, independentemente das “múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais”81. Daí a concluirmos pelo surgimento de expectativas de reconhecimento do ser humano como titular de direitos e da própria afirmação dos direitos universais a ele correspondente.

A afirmação dos direitos humanos nada mais é, então, do que a submissão da vida social ao valor supremo da justiça. Trata-se de um fator da solidariedade humana, que reluz em conjunto com os instrumentos de convivência – de ordem técnica. Esta vertente, por assim dizer, mais se preocupa com a padronização de modos de vida e costumes do que com “as bases para a construção de uma cidadania mundial, onde já não há relações de dominação, individual e coletiva”82. Complementam-se tais formas de solidariedade humana. Já do ponto de vista ético-humanitário ganha oposição a solidariedade – e não poderia ser diferente - do postulado darwiniano, adepto da sobrevivência do mais apto.

78 SANDEL,Michael.J.Justiça–Oqueéfazeracoisacerta.3ed.RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2011,p.257-301.79 KYMLICKA,Will.Multiculturalismoliberaledireitoshumanos.In:SARMENTO,Daniel;IKAWA,Daniela;PIOVESAN,Flávia.(Coord.)Igualdade, diferença e direitos humanos. RiodeJaneiro:LumenJuris,2008,p.217-243.

80 COMPARATO,FábioKonder.Aafirmaçãohistóricadosdireitoshumanos.7ed.SãoPaulo:Saraiva,2010,p.13.

81 Idem, p. 24.

82 Ib. Idem, p. 51.

uma concepção integrada da Justiça”, nos apresenta as demandas redistributivas e de reconhecimento por justiça social, fazendo conclusa sua pretensão à afirmação de que “a justiça requer tanto redistribuição quanto reconhecimento”, e pondera, sobretudo, que “somente olhando para as abordagens integrativas que unem redistribuição e reconhecimento podemos encontrar exigências da justiça como um todo”.

Oferecer tratamento equivalente que assegure a igualdade e tratamento que promova a igualdade é o ponto de partida, ainda, de Walter Claudius Rothenburg:

A menção aos beneficiários da igualdade – inclusive daquela que impõe tratamentos diferenciados – não estaria completa se não abarcasse, além dos particularmente beneficiados, todos nós, que temos direito de conviver com nossos semelhantes/diferentes e partilhar das experiências da diversidade, em espírito democrático (participativo) e solidário73.

Dimitri Dimoulis74, desenvolve e leciona acerca do caráter contrafático do direito, sob a perspectiva de possuir a norma “validade mesmo quando violada, considerada ilegítima ou inadequada”, haja vista que as normas jurídicas, segundo o autor, “são contrárias aos fatos reais” e que “o direito quer mudar a realidade social”. A necessidade de políticas públicas de inclusão é hoje uma realidade social, ainda que necessários determinados esforços legislativos, com imposição de atos normativos a empregarem coercibilidade a essas políticas.

Após dissertar sobre uma comunidade política marcada por ascendência comum, caracterizada muitas vezes pela mesma língua, cultura ou história, o filósofo Jürgen Habermas75, traz no texto “A inclusão do outro” a definição do “Estado” como poder soberano sob o enfoque objetivo, exercido numa área delimitada pelo território (aspecto espacial), confluindo no conjunto de seus integrantes (visão social desse conceito). Seu conceito de “Nação”. Ao agir assim, sugere o Direito como um equivalente funcional integrador ao Estado. Não somente ao Estado, portanto, caberia a sistemática inclusiva do cidadão, mas também ao direito a função de integrar e incluir.

Por uns definida como utopia, por outros como necessidade e por Gregorio Peces-Barba Martinez76 como “punto de partida predicable de todas lãs personas”, a universalidade dos direitos humanos é abordada pelo autor espanhol por meio de divergências terminológicas e sob o prisma do significado atribuído pelos mais variados autores mundo afora. A questão que se forma é: todos os direitos fundamentais estão ao alcance de todos os cidadãos nos dias de hoje? Definitivamente, não.

Com o objetivo de “identificar as condições em que os direitos humanos podem ser colocados a serviço de uma política progressista e emancipatória”, Boaventura de Sousa Santos77 nos convence de que a crise da revolução e do socialismo como objeto da formulação

Daniel;IKAWA,Daniela;PIOVESAN,Flávia.(Coord.)Igualdade, diferença e direitos humanos. RiodeJaneiro:LumenJuris,2008.

73 ROTHENBURG,WalterClaudius.Igualdade.In:LEITE,GeorgeSalomão;SARLET,IngoWolfgang(Coord.).Direitos Fundamentais e estado constitucional. Estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho. SãoPaulo:RevistadosTribunais;Coimbra:Coimbra,2009,p.346-371.

74 DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5.Ed.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2013.

75 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro – estudos de teoria política. 3.Ed.SãoPaulo:Loyola,2007,p.127-182.

76 PECES-BARBAMARTINEZ,Gregorio.Launiversalidaddelosderechoshumanos.Doxa,15-16(1994),p.613-633.In:<<HTTP:descargas.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01361620824573839199024/cuaderno15/volll/doxa1507.pdf>>.

77 SANTOS,BoaventuradeSousa.Porumaconcepçãomulticulturaldedireitoshumanos. In:SANTOS,BoaventuradeSousa(Org.)Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. RiodeJaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2003,p.427-461.

Revista Jurídica 12.indd 146-147 04/09/2015 10:28:02

Page 76: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

148 149

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

internacional de proteção aos direitos humanos, acarreta, por assim dizer, a crise no sistema de efetividade das garantias e dos direitos fundamentais em tais constituições. Assim como a atenção se volta para as violações aos direitos humanos, é preciso que voltemos os olhos às ditas violações silenciosas, reveladas nas discriminações por omissão local. Não atacar a desigualdade faz surgir violações por omissão aos direitos do cidadão, onde políticas sociais de reconhecimento e de redistribuição têm papel de suma importância. Por isso que a implementação adequada e não mal administrada dos Programas de Redistribuição de Rendas, com respaldo na experiência dos chamados Conditional Cash Transfers Programs, há mais de 30 anos desenvolvidos pelo sistema internacional de proteção, é importante aliada na dissipação ou na amenização da desigualdade.

Há nos dias hoje quem sustente ser a democracia apenas um regime de governo. Nessa linha, seria a democracia um modo de vida, um direito fundamental. A exemplo que seria a participação popular na forma de governar e, não somente por meio da iniciativa à edição de leis ou de outros mecanismos dessa natureza. Assim defendeu Fernando de Brito Alves85 e outros mais que vislumbram, por exemplo, nos conselhos de políticas, a genuína expressão do exercício da democracia.

Como reparar violações aos direitos humanos, as injustiças sociais, ou sob qual fundamento fazê-lo e como superar objeções morais traduzidas no conceito de “individualismo moral” – não egoísta, mas meramente definidor de um conceito do “que é ser livre”? Considerando que “ser livre” para John Locke, citado por Sandel86 nada mais é do que responder por obrigações impostas por nosso consentimento e não impostas pelo poder político de outros e que, para Immanuel Kant, ser livre seria desgarrar-se de um simples amontoado de preferências, concebendo um ser autônomo e governado por leis que “outorgamos a nós mesmos”, devemos buscar um equivalente funcional de equilíbrio entre a livre consciência e a coercibilidade de um processo legislativo.

Não nos cabe, no entanto, esperar que o poder público empreenda esforços sobre os quais vê margem espaçosa de discricionariedade para a implementação políticas públicas de inclusão. Imprescindível a existência e a efetividade dos conselhos deliberativos. A inércia perante as situações sociais excludentes é a homenagem à indiferença, a forma mais perniciosa, portanto, de discriminação. Álvaro Ricardo de Souza Cruz87, é preciso em sua obra ao narrar que as formas de discriminação de fato, não direta ou intencional “resulta de uma política de neutralidade e de indiferença do aparato estatal para com as vítimas da discriminação”. E conclui Cruz dizendo que “nesse sentido, as minorias não conseguem fazer com que as mesmas recebam um tratamento diferenciado em razão de suas peculiaridades étnicas, culturais e sociais”:

Muitas vezes, estabelecer uma diferença, distinguir ou separar é necessário e indispensável para a garantia do próprio princípio da isonomia, isto é, para que a noção de igualdade atenda as exigências do princípio da dignidade humana e da produção discursiva (com argumentos racionais de conhecimento) do Direito88

268.

85 ALVES,FernandodeBrito.ConstituiçãoeParticipaçãoPopular.Juruá.2013,p.107-134.86 Op. Cit.

87 Op. Cit. p.16.

88 Idem.

4.1 PREMISSAS DOUTRINÁRIAS REMOTAS

De se reconhecer, que as limitações ao poder político contribuíram para a eclosão da consciência histórica dos direitos humanos, sob um raciocínio de que as instituições governamentais devem ser utilizadas ao bem comum, dos governados – não em benefício dos governantes. E foi no reino davídico, que se instituiu o “reino unificado de Israel”, onde se estabeleceu a figura do “rei-sacerdote” (o delegado de Deus) como reflexo de uma política da humanidade. Essa, então, o “embrião do Estado de Direito”. Os governantes passam a submeterem-se aos princípios e normas provindos de autoridade superior, ao invés de criar o direito para referendar o poder.

Já no século VI a.C, surgem as primeiras instituições democráticas em Atenas (democracia ateniense) com a participação ativa dos cidadãos. Foi na república romana que o sistema de controles entre os diferentes órgãos proporcionou a limitação do poder político, não pela participação ativa popular, como na democracia ateniense. Assim, a monarquia, a aristocracia e a democracia deram a vez a uma combinação dos três regimes “numa mesma constituição, de natureza mista: o poder dos cônsules, segundo ele (Políbio), seria tipicamente monárquico; o do Senado, aristocrático; e o do povo, democrático”.

Nesse processo legislativo misto (romano) a iniciativa concentrava-se, então, nos cônsules ao redigirem os projetos, cujo exame pertencia ao Senado para aprovação, com ou sem emendas, e finalmente submetido a votação pelo povo, “reunido nos comícios”. Genuinamente um “governo moderado” segundo Comparato. Governo moderado da república romana, inspirador da versão de Montesquieu da Separação dos Poderes.

Foi na Idade Média, portanto, que Alexandre Magno e Augusto destruíram a república romana. Cada um em sua época. Dava-se início a uma nova civilização com “instituições clássicas, valores cristãos e costumes germânicos”.

Dividida em dois períodos (século XI e século XII), ainda na Idade Média pôde-se presenciar a volta da ideia de limitação do poder dos governantes, necessário ao reconhecimento (séculos mais tarde), da existência de direitos comuns a todos os indivíduos. De outro lado, foi nessa época que o poder político e econômico deu lugar à instauração do feudalismo. Mas, não tardava a luta pela reconstrução da “unidade política perdida”83. Somente no século XVII, porém, que se instalou a chamada “crise de consciência europeia”, como questionamento de certezas tradicionais que fizeram surgir, por exemplo, na Inglaterra, o sentimento de liberdade fomentado pela resistência à tirania.

É por serem, então, expressão da própria condição humana, que os termos “direitos humanos” e “direitos do homem” comungam de semelhança em significados. Nesse ponto que a diferença terminológica – e doutrinária – entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais” se estabelece no campo da positivação, no campo do sistema normativo, tão somente.

5 CONCLUSÃO

Se considerarmos, então, que os direitos naturais sugeridos pelas leis não escritas assumiram a forma dos direitos humanos e estes, por sua vez, encontram-se positivados nas modernas dos estados democráticos de direito, na expressão do que se convencionou chamar de constitucionalismo moderno84, podemos concluir que a falência do sistema 83 COMPARATO, Op. Cit. p. 51.

84 GIACOIAJUNIOR,Oswaldo.Sobredireitoshumanosnaerabio-política.Kriterion [online].,2008,vol.49,n.º118,p.

Revista Jurídica 12.indd 148-149 04/09/2015 10:28:02

Page 77: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

150 151

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Rogério Piccino Braga, Sérgio Aziz Ferrareto Nemebolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

inequity and to improve health inequity and to improve health. In: Conferência Mundial da Saúde. Rio de Janeiro, out. 2011. Disponível em: http://www.who.int/sdhconference/resources/draft_background_paper1_brazil.pdf,. Acesso em 13 nov. 2014.FRASER, Nancy. Redistribuição, reconhecimento e participação: por uma concepção integrada da justiça. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia. (Coord.) Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM; SECRETARIA DOS DIREITOS DA PESSOACOM DEFICIÊNCIA. Política municipal dos direitos da pessoa com deficiência. São Paulo, 2009. 72p.GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Sobre direitos humanos na era bio-política. Kriterion [online]., 2008, vol. 49, n.º 118.HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro – estudos de teoria política. 3. Ed. São Paulo: Loyola, 2007.HENRIQUES, R. (2001). Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Texto para discussão n. 807. 2001, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão-IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2003.KYMLICKA, Will. Multiculturalismo liberal e direitos humanos. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia. (Coord.) Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.LAGARDE, Christine. Revista Época, 25 nov. 2011. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Negocios-e-carreira/noticia/2011/11/diretora-do-fmi-elogia-brasil-e-chama-bolsa-familia-de-modelo-para-o-mundo.html. Acesso em 13 nov. 2014.PACHECO, Jairo Queiroz, SILVA; Maria Nilza da (orgs.), O negro na universidade: o direito a inclusão /– Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2007PECES-BARBA MARTINEZ, Gregorio. La universalidad de los derechos humanos. Doxa, 15-16 (1994), p. 613-633. In: <<HTTP:descargas.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01361620824573839199024/cuaderno15/volll/doxa15 07.pdf>>RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. Saraiva. 2014.ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos Fundamentais e estado constitucional. Estudos em homenagem a J.J. Gomes Canotilho. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra, 2009.RUBIO, David Sánchez. Encantos e desencantos dos direitos humanos: de emancipação, libertações e dominações. Tradução de Ivone Fernandes Morcilho Lixa e Helena Henkin. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.SANDEL, Michael. J. Justiça – O que é fazer a coisa certa. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.) Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.SASSAKI, Romeu Kazumi. Comentário ao artigo 24 da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Coordenação de Ana Paula Cro sara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital. _ Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008.

É importante que as medidas voltadas à correção de desigualdades, traduzidas em políticas públicas de inclusão, sejam analisadas sob dois aspectos: a criação de normas jurídicas e a aplicação dessas normas ao caso concreto. Só assim poderemos constatar se essa “discriminação”, essa separação, é lícita ou não. Só assim, também, podemos analisar se as políticas públicas de inclusão são eficazes, ou seja, se existem leis locais e se essas leis aplicadas aos casos concretos expressam, realmente, meios aptos à inclusão. Caso contrário só se faz aumentar as situações sociais excludentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Frederico. O Direito de ser humano. Revista de Direito das Faculdades Integradas de Jaú, ISSN 2318-566X, 2013. Disponível: http://revistadedireito.fundacaojau.edu.br/artigos/2.pdf. Acesso em 30 de outubro de 2014.

ALVES, Fernando de Brito. Constituição e Participação Popular. Juruá. 2013.

ARANHA, Maria Salete Fábio. Trabalho e Emprego: Instrumento de construção da Identidade pessoal e social. Série Coleção Estudos e Pesquisas na Área da Deficiência. Brasília: CORDE, 2003.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 168p.

Brasil. Decreto n.º 7.612, de 17 de novembro de 2011. Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite. Brasília, 2011.Brasil. Decreto n.º 8.136, de 5 de novembro de 2013. Aprova o Regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – Sinapir, instituído pela Lei n.º 12.888, de 20 de julho de 2010.Brasília. 2013.Brasil. Lei n.º 12.888, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Brasília, 2010.Brasil. Decreto n.º 4.886, de 2ª de novembro de 2003. Institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR e dá outras providências. Brasília, 2003.Brasil. Decreto n.º 6.872, de 4 de julho de 2009. Aprova o Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PLANAPIR, e institui o seu Comitê de Articulação e Monitoramento.Brasília. 2009.COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência comentada / Coordenação de Ana Paula Cro sara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital. _ Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2008.CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O Direito à Diferença. Arraes Editores, 2009.DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge; Harvard University Pres, 1978.

FAGNANI, Roberto. Brasil: dois projetos em disputa. Le Mond Diplomatique Brasil. Julho 2014.FONSECA, Ana Maria Medeiros da Fonseca; MIAZAGIL, Edina; SANTOS, Leonor Maria Pacheco; SILVA, Tiago Falcão; SOUSA, Romulo Paes. The Brazilian experience with conditional cash transfers cash transfers: A successful way to reduce successful way to reduce

Revista Jurídica 12.indd 150-151 04/09/2015 10:28:02

Page 78: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

153

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

152

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

bolsa família no brasil e oportunidades no méxico: os conditional cash transfer programs como instrumentos da igualdade

SILVÉRIO, Valter Roberto. Ação Afirmativa:uma política pública que faz a diferença, inserto no estudo O negro na universidade: o direito a inclusão /– Brasília, DF: Fundação Cultural Palmares, 2007. SOWELL, Thomas. Ação Afirmativa ao redor do mundo. Estudo Empírico. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2004.

Revista Jurídica 12.indd 152-153 04/09/2015 10:28:02

Page 79: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

154 155

j) As notas de rodapé, quando necessárias, devem ser somente explicativas (NBR 6022/2003);

k) os títulos, subtítulos e sub-subtítulos devem ser alinhados à esquerda, conforme (NBR 6024/2003).

Os autores dos artigos devem autorizar a publicação na Revista Jurídica da UniFil e se comprometem quanto à sua exclusividade. Terão direito a 05 exemplares da Revista, sem direito a qualquer outra modalidade de contrapartida.

III Avaliação

A avaliação dos artigos submetidos ao conselho editorial será efetuada em duas etapas.

Na primeira, os artigos serão avaliados preliminarmente pelo Conselho Editorial da Revista Jurídica da UniFil, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, em conformidade com as linhas de pesquisa da Revista e aos parâmetros quanto à extensão mínima e máxima de laudas. Os artigos que não estiverem adequados serão devolvidos aos autores, com a possibilidade de reapresentação no prazo máximo de 10 dias ou para as próximas edições, desde que atendidas às recomendações, sugestões e/ou ressalvas apresentadas. Será considerada a ordem de chegada para fins de publicação em casos de retorno nos casos de adequações sugeridas pelo conselho editorial na primeira ou segunda etapa.

Na segunda etapa, o artigo será submetido à avaliação por sistema eletrônico por avaliadores ad doc composto por Mestres e Doutores, sem a identificação dos autores (blind review), os quais observarão os seguintes critérios:

a) adequação às normas técnicas da ABNT e àquelas contidas neste regulamento;

b) contribuição do trabalho para o conhecimento científico; c) consistência do desenvolvimento, resultado e conclusões apresentados no

artigo; d) característica inovadora do artigo apresentado.Serão aprovados os 15 primeiros artigos em conformidade com a ordem de

envio, levando-se ainda em consideração a data do retorno, nos casos que tenham recebido indicação para adequação.

Os artigos aprovados antes de seguirem à publicação serão submetidos à supervisão editorial da Revista para edição final e também à revisão técnica. Os autores dos artigos não terão acesso à prova final e assumem a responsabilidade das informações, dados, autoria e opiniões contidas nos artigos.

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS NA REVISTA JURÍDICA DA UNIFIL

I Linha Editorial

Em sua XII edição, a Revista Jurídica da UniFil é uma publicação anual do Curso de Graduação em Direito do Instituto Filadélfia de Londrina – UniFil.

É definida como um espaço de divulgação da produção científica dos docentes e discentes de Direito da UniFil, bem como de profissionais de outras Instituições. Aos alunos são reservados 10% de seu espaço às suas publicações, desde que o teor do trabalho esteja relacionado com as linhas de pesquisa do Curso de Direito: 1. Teorias do Direito do Estado e da Cidadania; 2. A Dogmática jurídica, desenvolvimento e responsabilidade social, com vistas a fornecer à comunidade local e regional, diagnósticos de problemas sócio jurídicos que possam contribuir, de alguma maneira, para as políticas jurídicas nas esferas administrativas mais amplas e para o desenvolvimento da ciência jurídica.

II Normas técnicas

Os trabalhos deverão ser encaminhados por e-mail ao Conselho Editorial: [email protected] em formato PDF.

A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português e em inglês, o nome completo do autor ou autores (até 03 autores), formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico.

Os artigos deverão ser em língua portuguesa, obedecer às regras da ABNT e possuir os seguintes requisitos:

a) ser inédito; b) apresentar resumo na língua portuguesa e inglesa com no mínimo 75 e

máximo 150 palavras;c) os artigos deverão ser enviados com a devida correção ortográfica.d) conter 3 palavras-chave (máximo 5) na língua portuguesa e inglesa (separada

por ponto e vírgula e em ordem alfabética);e) desenvolvimento e conclusão das ideias;f) apresentação das referências bibliográficas de acordo com a norma da ABNT; g) possuir de 10 a 20 laudas no formato Word, A4, posição vertical; fonte: Times

New Roman; corpo: 12; alinhamento: justificado, sem separação de sílabas; entre linhas: espaçamento um e meio; espaçamento simples entre as linhas somente no resumo em língua portuguesa e inglesa; parágrafo 1,5 cm; margem: superior e esquerda – 3 cm; inferior e direito – 2 cm.

h) o texto deverá ser precedido de um sumário, no qual constem os itens de desenvolvimento do trabalho, com até 3 dígitos. As resenhas deverão conter na abertura um breve relato da obra resenhada a título de introdução;

i) as citações e referências bibliográficas, devem seguir o sistema autor-data ou numérico, atendendo às regras da ABNT (NBR 10520/2002 e NBR 6023/2002), respectivamente.

Revista Jurídica 12.indd 154-155 04/09/2015 10:28:02

Page 80: Revista Jurídica Edição 2015 - UniFil

156

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano XII - nº 12

Revista Jurídica 12.indd 156 04/09/2015 10:28:02