revista jurídica edição 2011

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Page 1: Revista Jurídica Edição 2011
Page 2: Revista Jurídica Edição 2011

CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

ENTIDADE MANTENEDORA:INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA

Diretoria:Sra. Ana Maria Moraes Gomes ................................. PresidenteSra. Edna Virgínia C. Monteiro de Mello ................. Vice-PresidenteSr. Edson Aparecido Moreti............................................. Secretário

Sr. José Severino ...................................................... TesoureiroDr. Osni Ferreira (Rev.) ............................................ ChancelerDr. Eleazar Ferreira .................................................. Reitor

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REVISTA JURIDICA DA UNIFILANO VIII – NO. 8 – 2011

Órgão de divulgação científica do Curso de Direito da UNIFIL – Centro Universitário Filadélfia

COORDENADOR DO COLEGIADO DO CURSO DE DIREITOProf. Ms. Henrique Afonso Pipolo

PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIALProf. Dr. Osmar Vieira da Silva

SUPERVISORA EDITORIALProf. Ms. Luciana Mendes Pereira

REVISORAProf. Ms. Juliana Kiyosen Nakayama

BIBLIOTECÁRIAThais Fauro Scalco

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Marcos Antonio Striquer SoaresProf. Dr. Osmar Vieira da SilvaProf. Dra. Rozane da Rosa CachapuzProf. Dr. Adilson Vieira de AraújoProf. Ms. Antonio Carlos LovatoProf. Ms. Deborah Lidia Lobo MunizProf. Ms. Demetrius Coelho SouzaProf. Ms. Douglas Bonaldi MaranhãoProf. Ms. Henrique Afonso PipoloProf. Ms. Luciana Mendes PereiraProf. Ms. Maria Eduvirge MarandolaProf. Ms. Mario Sergio LepreProf. Ms. Renata Cristina Oliveira Alencar SilvaProf. Ms. Sandra Cristina M. N. Guilherme de Paula

CONSELHO CONSULTIVO

Min. José Augusto Delgado (UFRN) Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer (UFSC)Prof. Dr. Arnaldo de Moraes Godoy (UCB-DF)Prof. Dr. Gilberto Giacóia (UNESPAR)Prof. Dr. Luiz Fernando Bellinetti (UEL) Profª. Drª. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (USP) Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira (UEL)Profª. Drª. Maria de Fátima Ribeiro (UEL)

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

REITOR:Dr. Eleazar Ferreira

COORDENADORA DE PROJETOS ESPECIAIS Josseane Mazzari Gabriel

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO Prof.º Ms.Lupércio Fugantti Luppi

COORDENADOR DE CONTROLE ACADÊMICO Alexsandra Pires Lucinger

COORDENADORA DE AÇÃO ACADÊMICA Laura Maria dos Santos Maurano PRÓ-REITORA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO Profª. Dra. Damares Tomasin Biazin

COORDENADORA GERAL DA UNIFIL VIRTUAL Ilvili Werner COORDENADOR DE PUbLICAÇõES CIENTíFICAS Prof. Dr. Leandro Henrique Magalhães

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO:

Administração Profª Denise Dias Santana Agronomia Prof. Fábio Suano de Souza Arquitetura e Urbanismo Prof. Ivan Prado Junior Biomedicina Prof. Karina Gualtieri Ciências Biológicas Prof. João Antônio Cyrino Zequi Ciências Contábeis Prof. Eduardo Nascimento da Costa Ciência da Computação Prof. Sérgio Akio Tanaka Direito Prof. Henrique Afonso Pipolo Educação Física Prof. Joana Elisabete Pinto GuedesEnfermagem Profª. Rosângela Galindo de Campos Engenharia Civil Prof. Paulo Adeíldo Lopes Estética e Cosmética Profª. Mylena C. Dornellas da Costa Farmácia Profª. Lenita Brunetto Bruniera Fisioterapia Prof. Fernando Kenji Nampo Gastronomia Profª. Claudia Diana de Oliveira HintzGestão Ambiental Prof. Tiago Pellini Medicina Veterinária Profª Maíra Salomão Fortes Nutrição Profª. Nilcéia Godoy MendesPedagogia Profª. Ana Claudia Cerini Trevisan Psicologia Profª.Denise Hernandes Tinoco Sistema de Informação Prof. Rodrigo Duarte Seabra Teologia Prof. Mario Antonio da Silva

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430Fone: (43) 3375-7401 - Londrina - Paraná

www.unifil.br

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Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Revista jurídica da UniFil / Centro Universitário Filadélfia.ColegiadodoCursodeDireito.–v.1n.1 (2004) – Londrina : UniFil, 2011. 1 v. : il.

Anual. Descrição baseada em: v. 1 n.1 (2004). ISSN 1087-1627

1. Direito – Pesquisa – Periódicos. 2. Pesquisa jurídica – Periódicos. 3. Direito – Estudo e ensino – Periódicos. I. Centro UniversitárioFiladélfia. CDU 34(05)

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SUMÁRIO

A SAÚDE DO TRAbALHADOR E A QUESTÃO DO AMIANTO NO bRASIL .............. 13 Aline Cristina Salles LopesAna Paula Sefrin Saladini

CONSIDERAÇõES SObRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS MUNICIPAIS – ANÁLISE DE CASO – MUNICíPIO DE LONDRINA ............................ 29Ana Karina Ticianelli MollerSandra Márcia Sbizera

A TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS: UMA ANÁLISE DA COISA JULGADA NAS AÇõES COLETIVAS À LUZ DA CONCEPÇÃO NORMATIVISTA DE RELAÇÃO JURíDICA ............................................................................................................. 39Anderson de AzevedoIndianara Pavesi Pini Sonni

COMISSõES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA: DA ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA ObRIGATORIEDADE DA SUbMISSÃO DO DISSíDIO INDIVIDUAL À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA ....................................................................................................... 51Cristiane Carla Claro FrassonSandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO DIREITO DAS ObRIGAÇõES ................................................................................................................. 67Demétrius Coelho Souza

CONSIDERAÇõES SObRE A AUDIÊNCIA UNA TRAbALHISTA E OS PRINCíPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ....................................................................... 75Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula

bREVES CONSIDERAÇõES A RESPEITO DO ESTATUTO DA CIDADE E A RESPONSAbILIDADE PELA SUA APLICAÇÃO ............................................................... 89Marília Barros Breda

A INFILTRAÇÃO DE AGENTES NO COMbATE À CORRUPÇÃO PÚbLICA E À CRIMINALIDADE ORGANIZADA .................................................................................... 103Patrícia Carraro Rossetto

A ADVOCACIA E A PROPAGANDA PELO ADVOGADO .............................................. 123Rodrigo Brum SilvaJuliana Kiyosen Nakayama

MEDIDAS DE SEGURANÇA ............................................................................................... 133Romulo de Aguiar AraújoDouglas Bonaldi Maranhão

COMENTÁRIOS DE JURISPRUDÊNCIAS ....................................................................... 146

COMENTÁRIO À DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NOS AUTOS DE Nº 035.11.100108-5 DA COMARCA DE IGUATEMI –MS ...................................................... 147Osmar Vieira da Silva

COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO TRT-PR PROFERIDO NOS AUTOS DE Nº 00772.2009.655.09.00-6 ........................................................................................................... 153Ana Paula Sefrin Saladini

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EDITORIAL

Praticar ciência significa trabalhar incessantemente para gerar conhecimentos. O 8º

VolumedaRevista JurídicadaUnifil retratade formaprecisaessa incessantebuscadenovos

horizontes descortinados através do ensino e da aprendizagem constante.

Nessa edição tornamos públicas as inquietações próprias daqueles que não se acomodam

diante do desconhecido e, em suas pesquisas desenvolvidas, revelam à comunidade jurídica todas

as suas descobertas.

Não se pode falar em ensino sem que haja pesquisa, e esta não cumpre sua função se

não for divulgada, socializada. Consequência dessa responsabilidade – enorme satisfação do

Conselho Editorial – são as publicações, um espaço para a divulgação científica dos nossos

docentes,empenhadoseminvestigaçõesafinadascomaslinhasdepesquisa(DogmáticaJurídica,

Desenvolvimento e Responsabilidade Social e Teorias do Direito, do Estado e Cidadania) e dos

nossos alunos de Graduação e Pós-Graduação.

Nesse 8º volume da Revista iniciamos a veiculação de jurisprudências, com ênfase na

atividadejurisdicional,comvistasaofimsocial,nomomentodaaplicaçãodanorma.

Congratulamo-nos com os autores e reiteramos nosso convite para que o leitor venha

fazerpartedahistóriadaRevistaJurídicadaUnifil,participandodopróximovolume,pormeio

da elaboração de artigos jurídicos ou de resenhas críticas das obras de terceiros.

Conselho Editorial

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MENSAGEM DA REITORIA

Diante da grandeza e complexidade dos problemas que enfrentamos no nosso dia a dia,

é comumficarmos perplexos e, numprimeiromomento, imobilizados. Porém, a esse tipo de

tentação cumpre-nos resistir com todas as forças.

A sociedade em que vivemos é basicamente mal organizada de muitos pontos de vista.

Às vezes nos sentimos levados a duvidar da utilidade de iniciativas que visem à melhoria da

situaçãoemsetoresespecíficosou,piorainda,empontosisolados.Seriacomoseestivéssemosa

disfarçar futilmente, com a aplicação de cosméticos, as rugas do rosto de um doente terminal. Não

faltará quem repute inócuo, senão contraproducente, qualquer esforço para resolver este ou aquele

problemaparticular:merodesperdíciodeenergias.Afinal, seosalicercesmesmosdoedifício

estão em causa, não valeria a pena preocuparmo-nos com o mau funcionamento da bomba d`água

oucomadeficienteiluminaçãodagaragem.Semelhanteatitude,encontradiçaemespíritosque

se julgam Progressistas é, na verdade a melhor aliada do Conservadorismo. Apostar tudo no ideal

significa,puraesimplesmente,condenarorealàimobilidadeperpétua.

Disse um grande estadista que é muito difícil sabermos o que precisaríamos fazer para

salvar o mundo, mas é relativamente fácil sabermos o que precisamos fazer para cumprir o nosso

dever. Se começarmos por aí, não direi que cheguemos a salvar o mundo, mas talvez possamos

contribuir, e não será pouco, para torná-lo menos inóspito.

É com esse espírito que apresentamos à comunidade acadêmica mais uma edição da

RevistaJurídicadaUnifil,cumprimentandooConselhoEditorialeatodososarticulistaspelos

belos trabalhos apresentados e sempre acreditando que, com o desenvolvimento intelectual que

os artigos proporcionam, poderemos contribuir para um mundo menos inóspito, onde a felicidade

do ser humano seja o alvo e, portanto, o centro de todas as nossas aspirações e realizações diárias

aqui na academia.

Numa fria manhã do inverno do ano de 2011

Dr. Eleazar FerreiraReitordaUnifil

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REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano VIII - nº 8

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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini

A SAÚDE DO TRABALHADOR E A QUESTÃO DO AMIANTO NO BRASILAline Cristina Salles Lopes1*

Ana Paula Sefrin Saladini2*

RESUMO

O presente artigo analisou aspectos de segurança e saúde do trabalhador com relação aos possíveis problemas de saúde causados em razão do contato com o mineral amianto, uma vez que os que trabalham com esse elemento estão sujeitos a desenvolver doenças como a asbestos, câncer do pulmão e câncer da pleura, dentre outras. Perpassou a questão das medidas preventivas de segurança para o trabalho com esse elemento, delimitando conceitualmente o que vem a ser o amianto e quais as possíveis consequências na saúde do trabalhador. Ao final, fez uma análise do enfrentamento do Supremo Tribunal Federal em relação às alegações de inconstitucionalidade das leis estaduais que aos poucos têm limitado a utilização desse perigoso elemento nas indústrias.

PALAVRAS-CHAVE: Doença profissional. Pneumoconiose. Meio Ambiente do Trabalho. Asbesto. Medicina do trabalho.

HEALTH WORKERS AND THE QUESTION OF ASBESTOS IN BRAZIL

ABSTRACT

This article has examined aspects of worker health and safety with respect to potential health problems caused due to contact with the mineral asbestos, as those who work with this element are likely to develop diseases such as asbestosis, lung cancer and cancer of the pleura, among others. Pervaded the issue of preventive security measures to work with this element, delimiting conceptually what comes to asbestos and the possible health consequences of the employee. In the end, did an analysis of the confrontation of the Supreme Court relating to allegations of unconstitutional state laws that have gradually limited the use of this dangerous element in the industries.

KEYWORDS: Occupational disease. Pneumoconiosis. Environment Work. Asbestos. Occupational medicine.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. 2.1 Insalubridade. 2.2 Medidas Preventivas de Medicina do Trabalho. 2.3 Condições de Segurança para Trabalhar com o Amianto. 3 O AMIANTO. 3.1 O que é o Amianto. 3.2 A Saúde do Trabalhador e o Amianto. 3.3 Supremo Tribunal Federal e o Amianto. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 * Graduada em Direito (UNIFIL)2 * Mestranda em Ciências Jurídica (UENP – Jacarezinho PR), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL). Professora

(UNIFIL), Juíza do Trabalho (Jacarezinho PR)

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A Saúde do Trabalhador e a Questão do Amianto no Brasil

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho tem a finalidade de demonstrar os grandes riscos que os trabalhadores enfrentam ao lidar com o amianto, substância cujos resultados danosos podem demorar até 15 (quinze) anos para aparecer, caso haja contaminação. Embora de latência prolongada, quando causa o adoecimento do trabalhador acarreta problemas físicos graves, que afetam principalmente o pulmão, implicando moléstias como asbestose ou fibrose pulmonar.

É inquestionável que o amianto é substância de natureza insalubre, tendo em vista que é considerada insalubridade qualquer atividade que implique contato com agente nocivo externo que tenha potencial lesivo à saúde do empregado. Entretanto, não obstante seu alto risco para a saúde do trabalhador, esse produto continua sendo utilizado no Brasil. A continuidade na exploração desse agente traz potencial prejuízos aos empregados, questão que precisa ser discutida no contexto jurídico-trabalhista.

Para propiciar o esclarecimento do assunto, o presente artigo irá abordar questões de segurança e medicina do trabalho, inclusive medidas de caráter preventivo. Também será analisado o conceito de meio ambiente de trabalho, observada a perspectiva do principio da prevenção e dos instrumentos de proteção, analisando ainda o aspecto da competência da justiça do trabalho quando se trata de assunto atinente à defesa do meio ambiente do trabalho. Na parte final será abordada especificamente a questão do amianto, esclarecendo-se no que consiste esse agente, sua relação com a saúde do trabalhador e o meio ambiente do trabalho, e perpassando o enfrentamento no Supremo Tribunal Federal a respeito da manutenção do uso do amianto no Brasil.

2 SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO

2.1 Insalubridade

O art. 189 da CLT dispõe que são consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. É insalubre, pois, qualquer agente nocivo externo que prejudique o empregado caso haja contato por um determinado período e acima de um determinado nível, chamado de limite de tolerância.

O Ministério do Trabalho é quem aprova o quadro das atividades e operações insalubres e adota normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes, conforme o Art. 190 da CLT. Nesse ponto, a NR 15 da Portaria nº 3.214/78 especifica as condições de insalubridade em seus vários anexos.

Conforme Oliveira, para que se evitassem discussões infindáveis sobre o enquadramento da atividade ou operação como insalubre, e uma vez que esse enquadramento depende de análise técnica, ficou a cargo do Ministério do Trabalho aprovar o quadro de atividades ou operações insalubres, conforme determina o art. 190 da CLT. Assim, não basta a conclusão do laudo pericial de que está presente agente nocivo à saúde do trabalhador: é necessário, conforme a jurisprudência, que essa atividade também esteja relacionada como insalubre pelo Ministério do Trabalho (2002, p. 177-178).

No ordenamento jurídico nacional não existe vedação ao trabalho em condições insalubres, mas a solução encontrada pelo legislador foi estabelecer para o empregado o direito à

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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini

percepção de um adicional de caráter salarial, como espécie de indenização tarifada pelo potencial risco à saúde. Assim, nos termos do art. 192 da CLT, em uma interpretação sistemática com o art. 7º da Constituição, o trabalhador urbano ou rural terá direito ao adicional de insalubridade em grau mínimo, médio ou máximo, conforme o potencial de prejuízo à sua saúde. Preleciona o art. 192 da CLT que:

O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional, respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo (Redação dada pela lei n 6.514/77).

Oliveira, num viés crítico, afirma que o legislador optou pelo critério da monetização do risco, e que essa postura legal transformou-se num permissivo para expor o trabalhador ao agente nocivo, porque é bem menos oneroso pagar o adicional do que investir para tornar o ambiente de trabalho saudável (2002, p. 179).

Esse investimento para tornar o ambiente de trabalho mais saudável é possível e propicia ao empregador que deixe de pagar o adicional respectivo, porque faz cessar a condição especial de trabalho que gera o direito ao pagamento. Sergio Pinto Martins (2009, p.643) esclarece que a eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá nas seguintes hipóteses: (a) com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; (b) com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância (art. 191, CLT).

As medidas coletivas de prevenção dos riscos ambientais são prioritárias; somente excepcionalmente é que se deve admitir o uso de Equipamentos de Proteção Individual, enquanto ainda estão sendo implementadas as medidas coletivas de prevenção (MELO, 2004, p. 110). Assim, o EPI deveria ser algo subsidiário à adoção de instrumentos de proteção coletiva, e usado apenas temporariamente.

Os Equipamentos de Proteção Individual são os dispositivos ou produtos de uso individual pelo trabalhador destinado à proteção dos riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho. São de fornecimento obrigatório e gratuito por toda empresa, que deve fornecê-los em perfeito estado de conservação e funcionamento, como adverte Melo, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde do empregado (2004, p. 110).

O que se observa no cotidiano das empresas brasileiras, entretanto, é que o empregador limita-se, no maior percentual das vezes, a fornecer os equipamentos de proteção individual, quando o faz, sem preocupar-se com a neutralização dos riscos à saúde do trabalhador, o que ratifica a opinião expressada por Oliveira, acima transcrita, de que o sistema propicia uma monetização do risco e não estimula a sua eliminação.

Quanto à base de cálculo da parcela, a questão, atualmente, é objeto de profunda controvérsia. O dispositivo infraconstitucional (art. 192 da CLT) refere-se ao salário mínimo como base de cálculo; já o inciso XXIII do art. 7º da Constituição faz referência a adicional de remuneração para atividades insalubres, o que causa a controvérsia. A posição adotada pelo TST, inicialmente, foi que o dispositivo constitucional não visara alterar a base de cálculo, e que o adicional deveria ser calculado sobre o salário mínimo, como previsto na CLT. A discussão ganhou maior dimensão quando o STF votou a redação da Súmula Vinculante no. 43, e, na esteira,

3 Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser utilizado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.

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A Saúde do Trabalhador e a Questão do Amianto no Brasil

o TST revisou a redação de sua Súmula 228, modificando seu entendimento a respeito da base de cálculo do adicional de insalubridade, que até então era o salário mínimo4.

O STF terminou por determinar a suspensão da aplicação da Súmula 228 do TST, em sua nova redação, na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade, atendendo reclamação proposta pela Confederação Nacional da Indústria5.

Conforme Sérgio Pinto Martins, o adicional deve ser calculado sobre o salário básico, não havendo omissão na legislação para se aplicar a analogia. A justificativa do autor funda-se no argumento que o inciso XXIII do art. 7º da Constituição Federal não dispõe que o adicional de insalubridade deva ser calculado sobre a remuneração, mas sim que se trata de um adicional de remuneração. Logo, não teria modificado a legislação infraconstitucional para estabelecer que o adicional deveria ser sobre a remuneração ou sobre o salário contratual do empregado. Para ele, o cálculo do adicional de insalubridade deve ser feito sobre um determinado valor previsto na legislação ordinária – ou seja, o salário mínimo, mas não sobre a remuneração. O sentido da palavra remuneração a que se refere a Lei Fundamental deve ser entendido como o verbo remunerar e não propriamente a remuneração de que trata o art. 457 da CLT (2009, p. 239/240).

Com a suspensão da aplicação da Súmula 228 do TST, a opinião que prepondera na doutrina é que deve ser calculado o adicional sobre o salário mínimo. Assim, para Martinez, “ao menos temporariamente o adicional continuará a ser regido pela CLT” (2011, p. 261). Klippel, no mesmo sentido, argumenta que atualmente impera o salário mínimo como base de cálculo para esse adicional, posicionamento que deve permanecer até que seja editada lei prevendo nova base de cálculo, que não poderá ser o salário mínimo, observado o entendimento do STF na Súmula 4, e que até poderá ser o salário básico, como quis o TST através da nova redação da Súmula 228 (2011, p. 291).6

2.2 Medidas Preventivas de Medicina do Trabalho

As empresas devem contar com órgãos de segurança e saúde do trabalhador, entidades que integram a estrutura patronal com o propósito de garantir um meio ambiente laboral livre de riscos ocupacionais ou minimamente ofensivos (MARTINEZ, 2011, p. 250). Esses órgãos, como os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT) e as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) visam a atuar de maneira preventiva, evitando o acidente ou a doença antes que eles venham a ocorrer.

Uma das principais medidas preventivas da medicina do trabalho é o exame médico, que, além de obrigatório, será sempre por conta do empregador. O empregador estará sujeito, quando solicitado, a apresentar ao agente de inspeção do trabalho os comprovantes de custeio de todas as despesas com os exames médicos. Os exames devem ser feitos na admissão, na dispensa e periodicamente (art. 168 da CLT, com redação da Lei nº 7.855/89).

Existem algumas regras a serem seguidas para a realização do exame periódico, quais sejam: (1) para trabalhadores expostos a riscos ou situações de trabalho que

4 A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.

5 Medida Cautelar em Reclamação no. 6.266-0, Distrito Federal.6 VAtualmente, tramitam no Congresso Nacional os seguintes projetos: PLS (Projeto de Lei do Senado) no. 448 de 2008, de autoria

do Senador Marconi Perillo, que visa alterar o art. 192 da CLT, modificando a base de cálculo do adicional de insalubridade, de modo a adequá-lo à Súmula Vinculante no. 4 do STF, estabelecendo como base de cálculo o salário básico do empregado; e PL 4.133/08, visando estabelecer a remuneração do empregado como base de cálculo do adicional de insalubridade.

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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini

impliquem o desencadeamento ou agravamento de doença ocupacional, ou ainda, para aquele que sejam portadores de doenças crônicas, os exames deverão ser repetidos: (1.1) a cada ano ou intervalos menores, a critério do médico encarregado, ou se notificado pelo médico agente da inspeção do trabalho, ou ainda, como resultado de negociação coletiva de trabalho; (1.2) de acordo com a periodicidade especificada no Anexo nº 6 da NR 15, para os trabalhadores expostos a condições hiperbáricas7; (2) para dos demais trabalhadores: (2.1) anual, quando menores de 18 anos e maiores de 45 anos de idade; (2.2) a cada dois anos, para os trabalhadores entre 18 anos e 45 anos de idade. Quando o trabalhador se ausentar do trabalho por período igual ou superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente, de natureza ocupacional ou não, ou parto, o exame medico de retorno deverá ser feito obrigatoriamente no primeiro dia da volta ao trabalho. Ainda, é importante frisar que todo estabelecimento deverá ser equipado com material necessário à prestação de primeiros socorros, considerando-se as características da atividade desenvolvida, sendo que o material deverá ser guardado em local adequado e aos cuidados de pessoa treinada para esse fim (MARTINS, 2009, p. 631/632).

O anexo 12 da NR 15 do MTE estabelece os limites de tolerância para poeiras minerais. Em relação aos trabalhadores expostos ao asbesto, também denominado amianto, no exercício do trabalho, estabelece que todos os trabalhadores que desempenham ou tenham funções ligadas à exposição ocupacional a esse agente serão submetidos aos exames médicos previstos no subitem 7.1.3 da NR 7 (Programa de Controle Médico da Saúde Ocupacional – PCMSO), que deverão ser realizados por ocasião da admissão, demissão e anualmente, obrigatoriamente, exames complementares, incluindo, além da avaliação clínica, telerradiografia de tórax e prova de função pulmonar (espirometria). As empresas ficam, ainda, obrigadas a informar aos trabalhadores examinados, em formulário próprio, os resultados dos exames realizados. Após o término do contrato de trabalho envolvendo exposição ao asbesto o empregador deve manter disponível a realização periódica de exames médicos de controle dos trabalhadores durante 30 (trinta) anos. Estes exames deverão ser realizados com a seguinte periodicidade: a) a cada 3 (três) anos para trabalhadores com período de exposição de 0 (zero) a 12 (doze) anos; b) a cada 2 (dois) anos para trabalhadores com período de exposição de 12 (doze) a 20 (vinte) anos; c) anual para trabalhadores com período de exposição superior a 20 (vinte) anos.

Importante lembrar que a empresa deverá encaminhar o empregado imediatamente ao INSS se for constatada doença profissional ou produzida em virtude de condições especiais do trabalho. Tanto a doença profissional quanto a doença do trabalho são consideradas acidentes de trabalho por equiparação, e o art. 22 da Lei 8.213/91 estabelece que a empresa deve comunicar a ocorrência de acidente até o primeiro dia útil seguinte à ocorrência.

Conforme a NR 6, aprovada pela Portaria nº 3.214/78, que especifica regras sobre EPIs (equipamentos de proteção individual), as empresas devem fornecer obrigatória e gratuitamente aos empregados os equipamentos de proteção individual necessários, de maneira a protegê-los contra os riscos de acidentes do trabalho e danos a sua saúde. Em se tratando de trabalhadores expostos ao amianto, inclui-se o fornecimento de vestimenta de trabalho que poderá ser contaminada, que não poderá ser utilizava fora do local de trabalho e que deverá ser trocada com freqüência mínima de duas vezes por semana; o empregador deverá criar, também, condições para troca de roupa e banho do empregado ao final do expediente diário, nos termos do item 15, Anexo 12, da NR 15.

7 Superior à pressão atmosférica.

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O dimensionamento do SESMT depende da gradação do risco da atividade principal e do número total de empregados existentes no estabelecimento. Sérgio Pinto Martins (2009, p. 634) esclarece que:

As empresas estão obrigadas a manter serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho, nos quais será necessária a existência de profissionais especializados exigidos em cada empresa (médico e engenheiro do trabalho). Suas regras são especificadas na NR 4 da Portaria nº 3.214/78.

As empresas que atuam com fabricação de produtos de minerais não metálicos, como é o caso do amianto, enquadram-se no grau de risco 4, e devem manter em seu quadro os seguintes profissionais, nos termos do Quadro II da NR 4: técnico de segurança do trabalho, quando contem com ao menos 50 empregados; engenheiro de segurança do trabalho e médico do trabalho a partir de 101 empregados; auxiliar de enfermagem do trabalho, a partir de 501 empregados; enfermeiro do trabalho, a partir de 3.501 empregados.

De acordo com o Art. 163 da CLT, é obrigatória a constituição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), conforme as instruções do Ministério do Trabalho que estão contidas na NR 5 da Portaria nº 3.214/78. Os objetivos da CIPA são explicitados no item 5.1 dessa NR: prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador. As empresas que trabalham com fabricação de artefatos de fibrocimento, que utilizam como matéria prima o amianto, são enquadradas no CNAE 23.30-3 do Grupo C-12, e devem manter desde 1 membro titular da CIPA e 1 suplente, a partir de 20 empregados, até 10 titulares e 8 suplentes, se contar entre 5.001 e 10.000 empregados, aos quais devem ser acrescentados mais 2 titulares e 2 suplentes para cada grupo de 2.500 empregados acima de 10.000 empregados, nos termos do Quadro 1 da NR 5.

2.3 Condições de Segurança para Trabalhar com o AmiantoNo Brasil, a Lei 9.055, de 1º de junho de 1995, disciplina a extração,

industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais, de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim.

Essa lei veda a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização da actinolita, amosita (asbesto marrom), antofilita, crocidolita (amianto azul) e da tremolita, variedades minerais pertencentes ao grupo dos anfibólios, bem como dos produtos que contenham estas substâncias minerais; veda ainda a pulverização (spray) de todos os tipos de fibras, tanto de asbestos/amianto da variedade crisotila e a venda a granel de fibras em pó. A única variedade ainda permitida de exploração é o asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco). Em seu art. 4º estabelece que os órgãos competentes de controle de segurança, higiene e medicina do trabalho deverão desenvolver programas sistemáticos de fiscalização, monitoramento e controle dos riscos de exposição ao asbesto/amianto da variedade crisotila.

Sergio Pinto Martins ((2009, p. 642) afirma que em todos os locais de trabalho em que há contato com o amianto da variedade permitida devem ser observados os limites de tolerância fixados na legislação e, em sua ausência, serão fixados com base nos critérios de controle de exposição recomendados por organismos nacionais ou internacionais reconhecidos cientificamente.

Os órgãos competentes de controle e segurança, higiene e medicina do trabalho foram incumbidos do desenvolvimento de programas sistemáticos de fiscalização, monitoramento

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e controle dos riscos de exposição ao amianto/asbesto tratadas no Art. 2º da Lei 9.055/95. Paulo de Bessa Antunes (2008, p.666) esclarece que tal atribuição pode ser exercida diretamente ou através de convênios com instituições públicas ou privadas, credenciadas para tal fim pelo Poder Executivo.

Estabelece a Lei 9.055/95, ainda, que caso constatadas infrações à lei, devem ser encaminhadas informações pelos órgãos fiscalizadores, no prazo máximo de setenta e duas horas, ao Ministério Público Federal, através de comunicação circunstanciada, para as devidas providências.

A Convenção nº 162 da OIT, de 1986, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 51 de 25 de agosto de 1989, e promulgada pelo Decreto nº 126, de 22 de maio de 1991. Essa Convenção trata da utilização do amianto com segurança, estabelecendo, dentre outras diretrizes, as seguintes: a) a legislação nacional deverá determinar a prevenção ou controle da exposição ao asbesto mediante a submissão de todo trabalho em que o trabalhador possa estar exposto ao asbesto a disposições que prescrevam medidas técnicas de prevenção e práticas de trabalho adequadas, incluída a higiene no lugar de trabalho; ou através do estabelecimento de regras e procedimentos especiais, incluídas as autorizações, para a utilização do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham asbesto ou para determinados processos de trabalho (artigo 9); b) quando for necessário para proteger a saúde dos trabalhadores e seja tecnicamente possível, a legislação nacional deverá estabelecer uma ou várias das medidas seguintes: quando for possível, determinar a substituição do asbesto, ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham asbesto, por outros materiais ou produtos ou a utilização de tecnologias alternativas, cientificamente reconhecidas pela autoridade competente como inofensivos ou menos nocivos; ou estabelecer a proibição total ou parcial da utilização do asbesto ou de certos tipos de asbesto ou de certos produtos que contenham asbesto em determinados processos de trabalho (art. 10); c) proibir, com regra geral, a utilização da crocidolita e dos produtos que contenham essa fibra (art. 11); d) proibir, como regra geral, a pulverização de todas as formas de asbesto.

Considerando o cerco mundial em relação à vedação da utilização do amianto, as empresas que atuam nesse ramo, no Brasil, vêm desenvolvendo mecanismos para garantir a segurança de seus trabalhadores. Uma das maiores empresas no Brasil que atuam nessa área, líder no mercado nacional na fabricação de telhas e caixas-d’água de fibrocimento, conforme informações de seu sítio eletrônico, o Grupo Eternit informa que adotou as seguintes medidas preventivas: a) despoeiramento: conjunto complexo de medidas de controle para eliminar partículas no ar que envolve coifas para captação, tubulações, ventiladores e filtros; os recortes de telhas de fibrocimento são feitos em cabines enclausuradas com exaustão negativa, sem qualquer exposição do operador; b) adoção de moinho de filler nas fábricas, com recuperação e recliclagem total dos resíduos de fibrocimento; c) orientação do trabalhador sobre os riscos da operação e demais medidas de controle, incluído o uso de EPI’s; d) o armazenamento e a distribuição do amianto crisotila são feitos em embalagens de ráfia resistentes, paletizadas e recobertas com plástico termorretrátil para proteção; e) a limpeza das estruturas e máquinas pode ser feita a úmido ou por aspiração, com utilização de aspiradores de pó portáteis ou mangueiras flexíveis ligadas a um sistema central de exaustão; as áreas industriais são limpas com varredeiras mecânicas, evitando a geração de poeiras.

Utilizando medidas preventivas, as indústrias que utilizam o amianto como matéria-prima buscam elastecer a permissão para sua utilização.

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3 O AMIANTO

3.1 O que é o Amianto

Amianto ou asbesto são nomes genéricos de mineral encontrado naturalmente no meio ambiente, em mais de 30 variedades, sendo que somente seis possuem valor econômico ou comercial. A palavra asbesto é de origem grega que significa “o que não é destrutível pelo fogo”. A palavra tem origem latina (amianthus), com significado de incorruptível, sem mácula. Existem dois importantes grupos de rochas amiantíferas, os anfibólios e as serpentinas. A principal variedade de serpentina é a crisotila ou amianto branco, correspondendo a quase 98,5% de todo o amianto utilizado no mundo. Os anfibólios são fibras duras, retas e pontiagudas, das quais são extraídas cinco variedades principais: amosita (amianto marrom), crocidolita (amianto azul), antofilita, tremolita e actinolita; do ponto de vista econômico os dois primeiros são os mais importantes (ANTUNES, 2008, p. 662).

Em razão de suas múltiplas propriedades físico-químicas, o amianto tem tido uma grande gama de aplicação ao longo da história. Entretanto, pelo tamanho do risco à saúde pública, atualmente tais aplicações estão reduzidas a cerca de uma centena. Paulo de Bessa Antunes (2008, p. 662) traz as principais utilizações do amianto:

a) cimento-amianto: mais de 80% do consumo mundial de amianto é realizado por este segmento. Anualmente, produzem-se, mundialmente, cerca de 30 milhões de toneladas de telhas onduladas, placas de revestimento, painéis, divisórios, tubos, caixas-d’água e outros artigos necessários para a construção civil. No Brasil, o cimento-amianto responde por quase 90% do amianto consumido. Registra-se que mais de 50% dos telhados no Brasil são de cimento-amianto; b) produto de fricção: utilização na indústria automobilística e ferroviária para a confecção de pastilhas, lonas de freio e discos de embreagem; c) indústria têxtil: é utilizado para a confecção de mantas para isolamento térmico de caldeiras, motores, automóveis, tubulações e equipamentos diversos, em particular para as indústrias química e petrolífera, e também na produção de roupas especiais (macacões, aventais e luvas) e biombos de proteção contra fogo; d) produção de filtros: serve para a produção de filtros especiais que são utilizados nas indústrias farmacêutica e de bebidas (cervejas e vinhos) e na fabricação de soda cáustica, dentre outros; e) indústria de papéis e papelões: laminados de papel ou papelão utilizados como isolante térmico e elétrico de fornos, caldeiras, estufas, tubulações de transporte marítimo e embalagens especiais; f) material de vedação: é utilizado em combinação com outros produtos para a produção de juntas de revestimento e vedação, guarnições diversas, além de mástiques e massas especiais, usadas em setores como a indústria automotiva e a de extração; g) isolantes térmicos para as indústrias aeronáuticas e aeroespacial; h) revestimentos de piso.

O uso do amianto já era conhecido pelo homem primitivo, que o misturava com barro para conferir propriedades de refratariedade aos utensílios domésticos. Na atualidade, é utilizado principalmente como matéria-prima na produção de artefatos de cimento-amianto para a indústria de construção civil e em outros setores e produtos, como guarnições de freios (lonas e pastilhas), juntas, gaxetas, revestimentos de discos de embreagem – no setor automotivo, tecidos, vestimentas especiais, pisos, tintas, revestimentos e isolamentos térmicos e acústicos, entre outros (CASTRO et al., 2003, p. 904).

3.2 A Saúde do Trabalhador e o Amianto

No Brasil, o amianto tem sido usado em larga escala há décadas, especialmente na indústria de exploração e transformação (mineração, cimento amianto, materiais de fricção,

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isolantes térmicos e outros); não obstante, não existe um levantamento exato acerca do quantitativo de trabalhadores e pessoas expostas a esta substância (CASTRO et al, 2003, p. 904).

Paulo de Bessa Antunes (2008, p. 663) faz uma relação entre o amianto e a saúde humana:

Os principais problemas relacionados com os asbestos dizem respeito à sua presença no ar atmosférico e conseqüente inalação. [...] De fato, as repercussões do amianto sobre a saúde humana são a principal discussão sobre o produto, pois ninguém desconhece a sua importância econômica. Toda a polêmica teve início na década de 1960, quando veio a público um estudo de casos de doenças em uma mina de amianto anfibólio na África do Sul. [...] O amianto pode estar relacionado com três doenças principais: a asbestose, o câncer do pulmão e o mesotelioma. As doenças eram decorrentes de uma intensa exposição dos operários à poeira do amianto, sobretudo nas minas e quando da aplicação por jateamento de isolantes térmicos em navios, casas e prédios.

As conclusões científicas a respeito dos problemas causados pelo amianto implicam em reconhecer que o amianto é nocivo aos pulmões, gerando como moléstias a asbestose, o câncer no pulmão e o mesotelioma, males de latência prolongada, que demoram de quinze a quarenta anos para se manifestar. O que se observa é que normalmente estão sob risco os trabalhadores expostos, durante longos períodos, a altas concentrações de fibras.

As principais profissões atingidas pela asbestose incluem aqueles que trabalham com a extração, trituração, transporte e armazenamento de cimento, construção civil e naval, manufatura de vestimentas refratárias ao calor, fabricação de freios de veículos, fabricação de materiais de fibrocimento e de isolantes elétricos e térmicos (MARANO, 2007, p. 172).

As doenças causadas pelo amianto são diversas, porém, na grande maioria das vezes, o órgão contaminado é o pulmão; as principais doenças são (ANTUNES, 2008, p. 664):

a) Fibrose Pulmonar: é chamada de asbestose porque a fibra de amianto que invade os pulmões tem o nome de asbesto. A doença progressiva e leva lentamente o paciente à morte, após anos de sofrimento por recorrência de uma pneumonia. Esta relacionada com a prolongada inalação de poeira contendo alta concentração de fibras de amianto. As fibras alojam-se nos alvéolos pulmonares, e, para se defender, o organismo deposita sobre elas uma proteína semelhante a um cimento, que cicatriza o alvéolo, impedindo que se encha de ar. Esse processo, repetindo-se intensamente ao longo dos anos, pode tornar o pulmão fibrosado e em elasticidade, com dificuldades respiratórias; b) Câncer do pulmão: é semelhante ao câncer causado pelo fumo. Do início da exposição às fibras de amianto até o aparecimento do câncer, passam-se em média 20 anos; c) Mesotelioma: forma muito rara de tumor maligno que se desenvolve no mesotélio (peritônio). O período médio de aparecimento da doença, desde o início da exposição, é de trinta a quarenta anos.

A asbestose é um tipo de pneumoconiose produzida pelo asbesto ou amianto. Para seu desenvolvimento é preciso que estejam presentes cinco condições: a) necessidade de um certo número de partículas em suspensão no ar, que para o amianto é de 5 milhões de partículas por metro cúbico de ar; b) existência de certa porcentagem de substância nociva nas partículas, sendo que a possibilidade de moléstia será tanto maior quanto maior for o percentual da substância; c) que as partículas tenham tamanho suficiente para serem inaladas e retidas; quanto menor a partícula, nesse caso, maior será a retenção alveolar dessas partículas; d) tempo de exposição:

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maior tempo implica em maior risco de instalação de lesão pulmonar; e) susceptibilidade do indivíduo, sendo que a preexistência de afecções pulmonares predispõe o trabalhador à instalação de uma pneumoconiose. Também é de se ressaltar que quanto mais pesado for o trabalho do indivíduo, maior a facilidade da instalação da doença, porque exige uma maior freqüência respiratória, facilitando a inalação de uma maior quantidade de poeira (MARANO, 2007, p. 167-168).

A Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (ABREA), localizada em Osasco, interior de São Paulo, reúne ecologistas e a entidade que reúne as vítimas do uso do amianto. Essa associação afirma que são mais de três mil produtos no Brasil que usam o amianto, e adverte que esse elemento mineral provoca males terríveis: asbestose (endurecimento lento do pulmão que causa falta de ar progressiva), câncer de pulmão, mesotelioma de pleura e peritônio (mata em até dois anos após o diagnóstico), doenças pleurais (placas, derrames, espessamentos, distúrbios ventilatórios), câncer de faringe e do aparelho digestivo; essas moléstias atingem não só os operários das fábricas, mas também as famílias dos trabalhadores, os vizinhos das fábricas e o consumidor que adquire produtos à base deste material ou que se expõe à poeira liberada por este material (GIANNASI, s/d, p. 2-3).

Quando se faz análise mais ampla, envolvendo outros atores sociais, como familiares, usuários e habitantes do entorno da mineração e das usinas de beneficiamento (indireta, paraocupacional e ambientalmente expostos) a questão alcança dimensão ainda mais grave. Considerando-se a longa latência das doenças atribuídas ao amianto e a sua produção em larga escala no país a partir da década de 1970, estima-se que o pico do adoecimento no Brasil se dará entre 2005-2015, como ocorreu na Europa e nos Estados Unidos a partir do final dos anos 60 (CASTRO et al., 2003, p. 904).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a crisotila/amianto está relacionada a diversas formas de doença pulmonar (asbestose, câncer pulmonar e mesoteliona de pleura e peritônio), não havendo nenhum limite seguro de exposição para o risco carcinogênico de acordo com o Critério 203, publicado pelo IPCS (Internacional Programme on Chemical Safety) / WHO (Organização Mundial da Saúde). A OMS recomenda, complementarmente, que o uso do amianto seja substituído, sempre que possível, da mesma forma que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) já o fizera em sua Convenção nº 162, 1986. (CASTRO et al., 2003, p. 904).

A proteção requerida nas atividades com amianto, segundo o Quadro III da Instrução Normativa nº 01/94, está condicionada à quantidade de fibras presentes no ambiente. Porém, não se dispõe de um órgão de referência que municie diretamente a fiscalização e que dê suporte aos seus processos, ficando então dependentes e limitadas à avaliação ambiental, dados que no mais das vezes acaba por serem apresentados de forma unilateral pelas empresas.

3.3 O Supremo Tribunal Federal e a Questão do Amianto

A constitucionalidade de leis estaduais dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul que buscam restringir o uso e exploração do amianto no âmbito dessas unidades federativas foi enfrentado pelo STF em dois ciclos distintos: o primeiro compreendeu o julgamento das ADIs nº 2.396 e nº 2.656; e o segundo, envolveu o julgamento das ADIs nº 3.355, 3.356, 3.357, 3.406, 3.470, 3.937 e ADPF nº 109. O julgamento das ADIs nº 2.396 e 2.656 marca a primeira ocasião na qual a exploração do amianto foi objeto de julgamento no STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. O julgamento da ADI nº 2.396 iniciou-se em setembro de 2001, quando

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foi apreciado o pedido de medida cautelar. Em maio de 2003, o julgamento foi retomado, ocasião na qual foram julgados os méritos da ADI nº 2.396 e da ADI º 2.656 (MEDINA, 2008, p. 45).

Na ADI nº 2.396 o governador do Estado de Goiás impugnava a constitucionalidade da Lei nº 2.210/01, do Estado do Mato Grosso do Sul, que veda a fabricação, o ingresso, a comercialização e a estocagem de amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil, no território do Estado. Em suas razões, sustentava que a lei estadual teria invadido competência da União para legislar sobre mineração, segurança e medicina do trabalho (Art. 22, I e XII, e 25, § 1º da Constituição Federal), competência essa que já teria sido exercida com a edição da Lei nº 9.050/95. Argumentava ainda que havia violação dos princípios da iniciativa privada, da livre concorrência e da propriedade (Art. 170, caput, e incisos II e IV, da Constituição Federal), bem como ofensa ao princípio federativo, visto que um Estado não poderia discriminar produtos provenientes de outro. Aduziu, por fim, violação ao princípio da proporcionalidade (inexistência do binômio necessidade/adequação). A Assembléia Legislativa e o governador do Estado do Mato Grosso do Sul, sustentaram a constitucionalidade do ato normativo impugnado, apoiando-se fundamentalmente nas seguintes razões: ausência de invasão de competência (a norma versa sobre saúde, que é direito social, e não sobre mineração ou direito do trabalho); é dever do Estado discriminar produtos nocivos à saúde de sua população; ponderação de princípios, dignidade da pessoa humana; caráter interventivo da ação, conforme art. 34, VII, da Constituição Federal; de caráter protetivo ambiental. (MEDINA, 2008, p. 45).

Em 29 de setembro de 2001 a medida liminar foi concedida, e aproximadamente três anos depois, em 08 de maio de 2003, quando na apreciação do mérito, o STF confirmou a liminar deferida, declarando a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 2.210/01, julgando a ADI nº 2.396 parcialmente procedente. Nessa ocasião preservaram-se apenas os dispositivos que determinavam a adoção de medidas que visassem à proteção da saúde do trabalhador que tivesse sido exposto ao amianto. No julgamento da medida cautelar, a questão constitucional foi analisada exclusivamente sob o prisma da competência concorrente da União e dos Estados para legislar. Em seu voto, a Relatora, Ministra Ellen Gracie, afastou expressamente todos os outros supostos vícios pelo governador de Goiás, apontando à fls. 616 que: “Só encontro inconsistência do texto da legislação estadual com a Constituição Federal se analisá-lo sob a óptica da repartição das competências legislativas, tal como definida nos Arts. 22 e 24 da Carta Maior”. No julgamento da medida cautelar na ADI nº 2.396, o voto da Relatora foi acompanhado pela unanimidade dos Ministros presentes à sessão. Para declarar a inconstitucionalidade da norma estadual na ADI nº 2.396, a Ministra Ellen Gracie se pautou nos fundamentos da Representação nº 1.153-4 (DJ 25/10/85), que julgou a constitucionalidade de diversos atos normativos do Estado do Rio Grande do Sul, que versavam acerca do controle de agrotóxicos e biocidas, em exame que foi procedido sob égide da Constituição anterior (MEDINA, 2008, p. 46).

O segundo ciclo é marcado por uma série de ADIs (nº 3.355, 3.356, 3.357, 3.470 e 3.937) e a ADPF nº 109, totalizando sete ações, propostas coordenadamente pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria – CNTI, com o objetivo de ver declaradas inconstitucionais as leis dos Estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo, todas normas estaduais (no caso da ADPF, municipal) que procuram restringir o uso do amianto no âmbito de suas respectivas unidades federativas. As ADIs nº 3.355, 3.356, 3.357, 3.406 e 3.470 fundamentam a inconstitucionalidade dos diplomas estaduais impugnados em violação ao princípio da livre concorrência (Art. 170 da Constituição Federal), visto que se estaria a impor restrições desarrazoada ao comercio de produtos à base de amianto. As ações arrimam-se, ainda em usurpação de competência legislativa da União: concorrente (extrapolação do limite

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supletivo reservado aos Estados pela Lei Federal nº 9.055/95 – Art. 24, V e § 1º da Constituição Federal) e privativa (as normas disciplinariam matéria concernente a direito do trabalho – Art. 22, XI e XII). As ADIs nº 3.356 e 3.406 articulam também vicio formal dos diplomas estaduais impugnados, consistentes no exercício da iniciativa legislativa pela Assembléia Legislativa em matéria procedimental da Administração Pública, cuja regulação apenas se faria possível por intermédio de Lei de iniciativa privativa do governador do Estado. Portanto, nesse segundo ciclo as inconstitucionalidades argüidas situam-se na invasão, pelos Estados, da competência concorrente da União para legislar, na linha dos fundamentos lançados pelo STF nos procedentes acima indicados, ADI nº 2.396 e ADI nº 2.656. Nesse segundo ciclo, intervieram a ABREA – Instituto Brasileiro do Crisotila e a Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidores de Produtos de Fibrocimento – ABIFIBRO, a fim de possibilitar o exame e a sua repercussão (MEDINA, 2008, p. 47-48).

A ADI nº 3.356/PE foi de Relatoria do Ministro Eros Grau. Em 26/10/05, em suas informações, o governador e a Assembleia Legislativa de Pernambuco sustentaram a constitucionalidade da lei estadual e a sua convergência com a lei federal nº 9.055/95; a necessidade de ponderação entre os princípios, no sentido de dar prevalência ao direito à vida (saúde), e ao princípio da dignidade da pessoa humana, em detrimento da livre iniciativa; a legislação do banimento do amianto, inclusive a Convenção nº 162/OIT. A ABREA sustentou a constitucionalidade da lei estadual impugnada, requerendo o seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae. O Instituto Crisotila pediu intervenção, sustentando a inconstitucionalidade da norma estadual. Iniciando o julgamento, após as sustentações orais da CNTI, da ABREA e da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, o Ministro Eros Grau julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da lei estadual, entendendo que a lei em questão invadia a competência da União para legislar sobre normas gerais sobre produtos e consumidores, meio ambiente e controle de poluição, proteção e defesa da saúde, bem como que extrapolava a competência legislativa suplementar dos Estados-Membros (CF, Art. 24, V, VI e XII, p. 2º). Ressaltou que a legislação federal em vigor (Lei nº 9.055/95), que troca as normas gerais a esse respeito, nos termos do Art. 24, p. 1º, da Constituição Federal, não veda a comercialização nem o uso do referido silicato. Alem disso, considerou que a norma, ao obstar que os órgãos públicos estaduais adquiram materiais que contenham o amianto, usurpa a área de atuação do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe a direção, a organização e o funcionamento da Administração (Constituição Federal, Art. 84, II e VI, a) (MEDINA, 2008, p. 48).

A ADI nº 3.937/SP, da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, teve fundamento na invasão de competência privativa da União para legislar sobre normas gerais em matéria concorrente, argumento que norteou a peça exordial da CNTI. A ABIFIBRO atuou como amicus curiae, analisando um peculiar viés econômico da questão constitucional em debate. A associação trouxe breve relato acerca de sua criação, explicitando que, em suas origens, congregava todas as 17 fábricas instaladas nos 10 Estados da Federação, que utilizavam o amianto como matéria-prima para a fabricação de telhas, caixas d’água, placas de revestimento, painéis e divisórias, esclarecendo que vem empreendendo esforços em busca de novas tecnologias que viabilizassem a substituição progressiva do amianto, considerando a enorme pressão sofrida em decorrência do reconhecido caráter danoso da fibra para a saúde humana. Como resultados dessas pesquisas, foram desenvolvidos os polialcoolvinílico (PVA) e o polipropileno (PP), utilizados no Brasil desde 2001 como substitutos de sucesso do amianto na indústria do fibrocimento. A nova tecnologia fez com que uma das associadas (Brasilit) abandonasse o uso do amianto, mas as demais associadas, em vez de se unirem no esforço de banimento, viram nessa atitude uma oportunidade de aumentarem

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sua margem de lucro, já que a substituição do amianto representa um acréscimo de 15% no custo final do produto (MEDINA, 2008, p. 50).

Iniciado o julgamento em 20/08/07, a despeito do panorama constitucional, os votos proferidos pelos Ministros do STF continuaram a ater-se ao vício formal da norma estadual, em invasão de competência concorrente da União. Portanto, o Ministro Marco Aurélio, Relator, julgou procedente a ação, no que foi acompanhado pela Ministra Carmen Lúcia e pelo Ministro Lewandowski. O julgamento caminhava para o mesmo desfecho traçado nas ADIs nº 2.396 e nº 2.656, até que o Ministro Eros Grau se pronunciasse, mudando radicalmente seu entendimento para declarar a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 9.055/95, mantendo incólume a legislação estadual, e acenando já com a mudança de seu voto na ADI nº 3.356/PE. O tema acerca da suposta inconstitucionalidade das leis estaduais que restringem o uso do amianto assumiu contornos e complexidades distintas do enfrentamento travado no primeiro ciclo (MEDINA, 2008, p. 50).

A ação direta de inconstitucionalidade ainda não foi julgada pelo Supremo, como se verifica de consulta ao sítio eletrônico daquela Corte8. Entretanto, foi proferida decisão na medida cautelar proposta, visando a suspensão da eficácia da lei. Nessa medida cautelar foi proferido acórdão, datado de 04 de junho de 2008, e publicado em 10/10/08, em que se acabou negando o pedido da CNI. O fundamento (incidental) do Ministro Eros Grau foi que a própria Lei Federal 9.055, que autoriza o comércio de amianto no Brasil, padece de inconstitucionalidade, porque agride o preceito disposto no art. 196 da Constituição (direito à saúde).

Conforme as informações do sítio eletrônico do STF, publicadas por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, em 05 de junho de 2009, observa-se que a tendência atual do STF é de vedar o uso desse material de grande nocividade (Brasil, STF, 2009):

Amianto: Já em 22 de abril deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski indeferiu o pedido de liminar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109. Na ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contesta lei municipal de São Paulo que proíbe o uso do amianto na construção civil. O ministro Lewandowski fundamentou sua decisão no julgamento do Plenário na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI 3937), no qual a Corte decidiu que, por uma questão de saúde, a lei que proíbe o amianto estava de acordo com a Constituição Federal. Esse julgamento ocorreu em 4 de junho de 2008. O Supremo manteve por 7 votos a 3 a vigência da Lei paulista 12.684/07, que proibiu o uso de qualquer produto que utilize o amianto no estado.

Constata-se, dessa evolução jurisprudencial, a tendência do Judiciário em cercear o uso do amianto no Brasil, em razão da garantia constitucional de proteção à saúde e ao meio ambiente. Isso representa um avanço, mormente se considerarmos que a posição inicialmente adotada pelo STF foi de declarar a inconstitucionalidade das leis estaduais que proibiam a fabricação de produtos com esse mineral.

No âmbito trabalhista, a mais recente confirmação de condenação de empregador em razão de doença decorrente do trabalho em contato com o amianto foi noticiada no sítio eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho no dia 16 de maio de 2011: a 4ª Turma do TST manteve uma indenização que havia sido concedida pelo Tribunal Regional do Trabalho da

8 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2544561

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A Saúde do Trabalhador e a Questão do Amianto no Brasil

2ª Região (São Paulo): R$ 300.000,00 reais de indenização por danos morais e pensão mensal vitalícia por ter adquirido câncer pulmonar decorrente da aspiração constante de pó de amianto, utilizado na fabricação dos produtos que ele vendia9.

4 CONCLUSÃOO presente artigo trouxe ao debate um tema sério, que envolve interesse não

apenas de parte da classe trabalhadora, mas abrange questões envolvendo o meio ambiente em geral e a saúde pública. O amianto não é um tema do qual a sociedade tenha ampla ciência, sendo que muitas pessoas desconhecem o fato de se tratar de um material extremamente poluente ao meio ambiente e com alto potencial lesivo para aqueles que têm contato, podendo levar trabalhadores à morte precoce e com alto grau de sofrimento, devido aos graves problemas de saúde que causa, como o câncer de pulmão, a asbestose e o mesotelioma.

Quando se faz uma ampla análise sobre a contaminação que o amianto pode causar, constata-se por meio de pesquisas de institutos conceituados, entre eles OIT, OMS e a ABREA, que o usuário final também corre riscos de se contaminar a longo prazo.

Apesar de a reação do organismo quanto à contaminação ser demorada, devido à latência prolongada do agente, a questão deve ser discutida a fim de se eliminar o uso desse material na indústria brasileira. Existem pesquisas que indicam que o amianto pode ser substituído por outros materiais com menor grau de toxicidade, embora de custo mais elevado.

Os Estados que baniram o uso amianto tomaram uma postura em consonância com o princípio da proteção à saúde: melhor banir o uso do amianto agora, mesmo que se passe a utilizar matéria-prima de custo mais alto, do que posteriormente ter trabalhadores e famílias doentes. A postura atual do STF, de declarar a constitucionalidade dessas leis, indica que existe um avanço da questão no Brasil, embora ainda lento.

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9 A notícia completa esta disponível em <http://ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIAS.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=12279&p_cod_area_noticia=ASCS&p_txt_pesquisa=amianto>.

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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera

CONSIDERAÇÕES SOBRE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS MUNICIPAIS – ANÁLISE DE CASO – MUNICÍPIO DE LONDRINA

Ana Karina Ticianelli Moller10*

Sandra Márcia Sbizera11*

RESUMO

O presente artigo trata da supremacia da Constituição Federal no ordenamento jurídico brasileiro e das formas previstas para controle de constitucionalidade dos atos do Poder Público, visando à defesa dessa Constituição. Analisa os tipos de inconstitucionalidade e os momentos de possibilidade de controle. Explica as formas de controle difuso e controle concentrado. Analisa o controle efetuado em leis municipais em face da Constituição Estadual e da Constituição Federal. Analisa caso concreto de declaração de inconstitucionalidade de Lei do Município de Londrina.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de constitucionalidade. Controle difuso. Controle concentrado. Leis Municipais. Município de Londrina.

CONSIDERATIONS ON CONSTITUTIONAL CONTROL OF ORDINANCES - CASE STUDY – Londrina City

ABSTRACT

This article is about the supremacy of the Constitution in the Brazilian legal system and of the ways provided to control the constitutionality of the Government, aiming to defend that Constitution. It analyzes the types of unconstitutionality and the moments of possibility of control. Explains the ways of diffuse control and concentrated control. Analyzes the control is made in the municipal laws in the face of the State Constitution and the Federal Constitution. Analyzes case of unconstitutionality of Law in Londrina.

KEYWORDS: Control of constitutionality. Diffuse control. Concentrated control. Municipal Laws control.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3 TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE. 4 MOMENTOS DO CONTROLE. 4.1 Controle Difuso e Controle Concentrado. 5 CONTROLE CONSTITUCIONAL DE LEIS MUNICIPAIS. 6 ANÁLISE DO CASO CONCRETO – LEI Nº 6.825, DE 22 DE OUTUBRO DE 1996 – CÂMARA MUNICIPAL DE LONDRINA. 6.1 A Declaração de Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

10 * Mestre em Direito Negocial (UEL). Especialista em Direito Empresarial (UEL). Professora (UNIFIL). Advogada.11* Graduada em Letras (UEL), Graduada em Direito (UNIFIL)

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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina

1 INTRODUÇÃO

A compreensão do ordenamento jurídico está intimamente ligada às idéias de Constituição e de norma fundamental. Tendo em vista a possibilidade de múltiplos sentidos atribuídos à expressão “norma fundamental”, para o presente estudo, esclarecemos o entendimento de norma fundamental, no ensinamento de Inocêncio Mártires Coelho, como “aquela norma que, numa determinada comunidade política, unifica e confere validade às suas normas jurídicas, as quais, e razão e a partir dela, se organizam e/ou se estruturam em sistema”. (COELHO in MENDES, 2010, p. 45).

Para melhor entendimento sobre controle de constitucionalidade, é preciso a análise de dois pressupostos essenciais: a existência de um sistema hierárquico de normas com a supremacia da Constituição Federal, e a presença de um sistema rígido constitucional.

Um sistema hierarquizado, ou seja, de escalonamento normativo é estrutural para a supremacia constitucional, pois é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo (MORAES, 2011, p 729).

O reconhecimento da supremacia da Constituição e de sua força vinculante em relação aos Poderes Públicos torna inevitável a discussão sobre as formas e modos de defesa dessa Constituição, bem como da necessidade de controle de constitucionalidade dos atos do Poder Público, tanto em âmbito federal, como estadual e municipal.

Essa condição de supremacia do texto constitucional exige que todo arcabouço normativo por ele legitimado se compatibilize com a Lei Maior, sob pena de lhe retirar a força normativa (DONIZETTI, 2010, p. 137).

2 CONCEITO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A inconstitucionalidade das leis é expressão designativa, no mais amplo sentido, da incompatibilidade entre atos e fatos jurídicos e a Constituição (TAVARES, 2010, p. 212). Ressalta o mesmo autor que o ato jurídico pode também ser um ato administrativo, contrário à Constituição, como, por exemplo, um decreto presidencial, que contrarie diretamente a Constituição.

Controle de constitucionalidade significa “verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais” (MORAES, 2011, p. 731).

Tornando aos ensinamentos de Hely Lopes Meireles (2008, p.744), temos que o cumprimento de leis inconstitucionais tem suscitado dúvidas e perplexidades na doutrina e na jurisprudência. Contudo, já se firmou o entendimento de que o Executivo não é obrigado a aceitar normas legislativas contrárias à Constituição ou a leis hierarquicamente superiores.

Ainda, o mesmo autor, lembra que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo salientou que o dever de velar pela Constituição compete ao Executivo, que não somente pode, como até deve, negar cumprimento à lei que considere inconstitucional, até que o Poder Judiciário, provocado por quem de direito, decida a respeito (MEIRELES, 2008, p.744).

Significa dizer que o chefe do Executivo pode se negar ao cumprimento de ato legislativo inconstitucional, desde que declare sua recusa, formal e expressamente, apontando a inconstitucionalidade a que se opõe.

Além disso, como titular da ação, cumpre-lhe impetrar Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Poder competente para julgar definitivamente o feito.

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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera

Segundo Alexandre de Moraes (2011), a idéia de controle de constitucionalidade está vinculada à supremacia da Constituição Federal sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à idéia de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, o controle de constitucionalidade configura-se como garantia de supremacia dos direitos e garantias previstos na Constituição Federal, que limita o poder do Estado, ao mesmo tempo em que lhe confere legitimidade para exercer seus deveres.

3 TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE

Constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação, nas palavras de Jorge Miranda, que “se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido” (1981, p. 273 e 274).

Essa relação de índole normativa (MIRANDA, 1981, p. 274) é que qualifica a inconstitucionalidade, pois somente assim logra-se afirmar a obrigatoriedade do texto constitucional e a ineficácia de todo e qualquer ato normativo contraveniente (MENDES, 2010, p. 1156).

Uma norma poderá sofrer de um vício de inconstitucionalidade em virtude da ação ou da omissão de ato do Poder Público. Por ação (positiva ou por atuação) quando ensejar a incompatibilidade vertical dos atos inferiores (leis ou atos do Poder Público) com a Constituição. Por omissão, quando por inércia legislativa na regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada (LENZA, 2011, P. 230).

A inconstitucionalidade por ação pressupõe a existência de normas inconstitucionais, enquanto a inconstitucionalidade por omissão a violação da lei pelo silêncio legislativo (CANOTILHO, 1993, p. 982 apud LENZA, 2011).

O vício de inconstitucionalidade por ação verifica-se de duas maneiras: formal e material. A primeira decorre da não observância, na formação do ato, do devido processo legislativo. A segunda entende-se como um vício de substância, de matéria, de conteúdo.

Quanto ao processo legislativo ressalta-se o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II da Constituição Federal que determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Lembra Alexandre de Moraes (2011, p. 1362) que:

O processo legislativo´é verdadeiro corolário do princípio da legalidade, que deve ser entendido como ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada de acordo com as regras de processo legislativo constitucional (Art. 59 a 69, da Constituição Federal).

De acordo com o mesmo autor, a consequência da inobservância das normas constitucionais de processo legislativo será a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato normativo produzido, proporcionando o controle repressivo por parte do Judiciário, tanto pelo método difuso, quanto pelo método concentrado (MORAES, 2011, p. 1363).

Os vícios formais afetam o ato normativo singularmente considerado, sem atingir seu conteúdo, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formação da lei (MENDES, 2010, p. 1170).

Acerca do vício material de inconstitucionalidade, é importante ressaltar a necessidade de observância da supremacia dos princípios direitos e garantias fundamentais

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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina

previstos na Constituição Federal, para que não haja incongruência entre o conteúdo da lei e o conteúdo da Constituição.

A inconstitucionalidade material envolve não só o contraste direto do ato legislativo como parâmetro constitucional, como a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo (MENDES, 2010, p. 1172).

4 MOMENTOS DE CONTROLE

A análise a seguir diz respeito ao momento em que será realizado o controle, ou seja, o momento preventivo, antes do projeto virar lei, e o repressivo, já sobre a lei inserida no ordenamento.

O controle preventivo, também chamado prévio, realiza-se durante o processo legislativo da formação do próprio ato legislativo. Esse controle pode ser exercido pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário.

O Legislativo age por meio de suas comissões de justiça na análise do projeto de lei, incorrendo, portando, sobre projetos de medidas provisórias, resoluções de Tribunais e decretos.

O Executivo participa do controle preventivo ao vetar projeto de lei que considere inconstitucional, impedindo-o de transformar-se em lei.

O controle pelo Judiciário fundamenta-se na idéia de que os parlamentares têm o direito de não deliberar emenda constitucional tendente a abolir os bens assegurados no § 4º do art. 60 da Constituição Federal, ou seja, considerados como cláusula pétrea. Nesse caso veda-se a deliberação, pois a Mesa estaria praticando uma ilegalidade se colocasse em pauta tal tema (LENZA, 2011).

Já o controle repressivo realiza-se não mais sobre o projeto, mas sobre a lei já inserida no ordenamento. Essa forma de controle é exercida, em regra, pelo Poder Judiciário, mas também pode ser exercida, excepcionalmente, pelo Poder Legislativo.

A exceção vem prevista nos arts. 49,V e 62 da CF/88. O primeiro prevê a possibilidade de sustação dos atos normativos do Poder Executivo que exorbitarem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa, enquanto o segundo trata das medidas provisórias consideradas inconstitucionais pelo Congresso Nacional.

Como visto, como regra, o controle posterior é realizado pelo Poder Judiciário, que no Brasil é considerado misto, com previsão tanto do controle difuso (americano), quanto do controle concentrado (europeu/austríaco), explicados a seguir.

4. 1 Controle Difuso e Controle Concentrado

O controle difuso, também chamado de controle pela via de exceção ou defesa, ou ainda controle aberto, é realizado por qualquer juízo ou tribunal do Poder Judiciário, observadas as regras de competência processual, na análise de um caso concreto, quando a declaração da inconstitucionalidade se dá de maneira incidental.

A decisão da declaração de inconstitucionalidade da lei no controle difuso vale somente para as partes litigantes, tornando-a nula de pleno direito e produzindo efeitos pretéritos, ou seja, terá efeitos inter partes e ex tunc.

Por meio de recurso extraordinário a questão poderá chegar ao Supremo Tribunal Federal, que exercerá o controle difuso, de forma incidental, observadas as regras do art. 97 da CF

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Ana Karina Ticianelli Moller, Sandra Márcia Sbizera

(LENZA, 2011), conhecida como cláusula de reserva de plenário. Declarada pelo STF, em maioria absoluta do pleno do tribunal, a inconstitucionalidade da lei, será feita a comunicação da decisão à autoridade ou órgão interessado e, após o trânsito em julgado, ao Senado Federal, conforme o art. 52, X da CF, para que este suspenda, por meio de resolução, a execução da referida lei.

O controle concentrado, também de chamado de via de ação, é assim denominado por ser função precípua do Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua competência originária, conforme art. 102 da Constituição Federal. Assim, somente ao STF compete processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade, genéricas ou interventivas, as ações de inconstitucionalidade por omissão e as ações declaratórias de constitucionalidade (MORAES, 2011, p. 1360).

Ensina Alexandre de Moraes (2011, p. 755) que o controle concentrado visa obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto. Busca-se a invalidação da lei como garantia da segurança das relações jurídicas que não podem fundamentar-se em normas inconstitucionais.

Assim, ainda do mesmo autor “a declaração da inconstitucionalidade, portanto, é o objeto principal da ação” (2011, p. 756).

5 CONTROLE CONSTITUCIONAL DE LEIS MUNICIPAIS

A Constituição Federal de 1988 contemplou expressamente a questão do controle abstrato de normas nos âmbitos estadual e municipal em face da respectiva norma suprema.

Assim a CF dispõe em seu art. 125, § 2º, “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.”

Ensina Gilmar Ferreira Mendes (2010) que todas as Constituições Estaduais disciplinaram, sem exceção, o instituto, com maior ou menor legitimação. Além do controle abstrato, algumas unidades federadas também instituíram também a ação direta por omissão.

Isto posto, tem-se que a competência para julgar Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo proposto pelo legitimado no âmbito municipal, e que contrarie a Constituição Estadual, recai ao Tribunal de Justiça do Estado.

Pedro Lenza (2009) afirma que, com relação à lei ou ato normativo municipal que contrarie a Constituição Federal, inexiste o controle concentrado por Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nessa situação, o controle se dá via sistema difuso, podendo a questão alcançar o STF por meio de recurso extraordinário, de forma incidental.

Se, contudo, a norma federal em debate tiver sido repetida na Constituição Estadual, ainda que se trate de norma de repetição obrigatória e redação idêntica à norma constitucional, será possível o controle concentrado perante o Tribunal de Justiça local, abrindo-se também a possibilidade de cabimento de recurso extraordinário a ser submetido ao STF.

Importante salientar que tratando-se de lei municipal em face da Lei Orgânica do Município, não será considerado controle de constitucionalidade, mas controle de legalidade.

6 ANÁLISE DO CASO CONCRETO — Lei nº 6.825, de 22 de outubro de 1996 — Câmara Municipal de Londrina

No ano de 1996 foi protocolado na Câmara Municipal de Londrina o Projeto de Lei nº 372/1996, por iniciativa de um parlamentar, que propunha a isenção do pagamento

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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina

da pavimentação asfáltica aos proprietários de imóveis localizados nos Conjuntos Habitacionais Armindo Guazzi e Giovani Lunardeli, e também aos proprietários de imóveis localizados nas ruas Osny Muniz e Tanganica, do Conjunto Habitacional Hilda Mandarino, todos daquele Município.

Para justificar sua iniciativa, o autor se pautou no aspecto econômico da população, alegando que a maioria dos moradores daquelas localidades não teria condições de efetuar o pagamento pela obra realizada.

Seguindo os pressupostos regimentais daquela Casa Legislativa e da Lei Orgânica do Município de Londrina, a matéria foi despachada em Sessão Ordinária, pelo Presidente da Mesa Executiva, à Comissão de Justiça, Legislação e Redação e à Comissão de Finanças e Orçamento.

Deixando a análise de mérito a critério do Plenário, a Comissão de Justiça apontou que a concessão do benefício proposto importaria em desembolso financeiro por parte do Município, esbarrando nas vedações impostas por sua própria Lei Orgânica, que atribui ao Poder Executivo a competência exclusiva para iniciar processos legislativos de tal natureza.

Assim dispõe a Lei Orgânica:

Art. 103. Os projetos de lei relativos ao Plano Plurianual, às DiretrizesOrçamentárias, ao Orçamento Anual e aos créditos adicionais, de iniciativa exclusiva do Prefeito, serão apreciados pela Câmara Municipal na forma de seu Regimento Interno e desta Lei Orgânica. (grifo nosso)

A esse respeito nos ensina Hely Lopes Meirelles:

Todo ato do prefeito que infringir prerrogativa da Câmara — como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito — é nulo, por ofensivo do princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, Art. 2º, c/c o Art. 31), podendo ser invalidado pelo Judiciário. (MEIRELLES, 2008. p. 727)

Apontou ainda a Comissão de Justiça que a proposta feria o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei. Assim, se todos são iguais perante a lei, igualmente todos deveriam pagar o benefício da pavimentação ou deveriam ser isentados do pagamento, uma vez que a Contribuição de Melhoria — tributo a ser cobrado no caso em tela — incide sobre os imóveis de todos os beneficiados por obras públicas que lhes proporcionem uma especial valorização.

Preliminarmente, a Comissão de Finanças, emitiu parecer solicitando maiores esclarecimentos sobre a matéria à Secretaria Municipal da Fazenda, que não se pronunciou no prazo regimental. Diante dessa omissão, a Comissão de Finanças, em seu parecer, reproduziu informações do autor da matéria, indicando que a isenção pretendida não representaria, mensalmente, quantia significante aos cofres públicos. Alegando ainda a Comissão que, sem dados oficiais, não dispunha de informações suficientes para se manifestar tecnicamente, remeteu a matéria ao crivo exclusivo do Plenário, sem qualquer fundamentação que pudesse sustentar as discussões para sua aprovação ou rejeição, sob o aspecto financeiro.

Segundo Alexandre de Moraes (2011), o princípio da igualdade consagrado pela constituição e invocado no parecer da comissão de justiça, opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos

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abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e os atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social. (grifo nosso)

Finalmente, submetida a três discussões, a despeito dos apontamentos técnicos, a matéria restou aprovada pelo Legislativo e foi encaminhada ao Executivo para sanção, na forma do Substitutivo nº 01/96.

Sobre a atuação das Comissões permanentes e a decisão final dos parlamentares, Helly Lopes Meirelles afirma:

Os pareceres das comissões permanentes [...] não obrigam o plenário, e seu desacolhimento não infringe qualquer princípio informativo do procedimento legislativo, mesmo porque a proposição pode ser inatacável sob o prisma técnico, e ser inconveniente ou inoportuna do ponto de vista político — e este aspecto é reservado à consideração e deliberação dos vereadores. (MEIRELLES, 2008. p. 665)

Em verdade, as comissões permanentes têm atribuições exclusivamente internas e, em nenhum momento, representam a Casa Legislativa. Seus pareceres são exarados de acordo com suas especialidades e as matérias a elas submetidas são analisadas sob a ótica eminentemente técnica, jamais política. Vale dizer que esses pareceres são instrumentos de suma importância no processo técnico-legislativo, eis que norteiam e esclarecem os legisladores quanto ao que enseja a proposição em análise.

No uso de suas atribuições, o Prefeito Municipal vetou integralmente o projeto e fundamentou sua decisão apontando ter havido ofensa ao princípio da separação dos poderes, disposto no Art. 7º, parágrafo único da Constituição Estadual, em reprodução ao disposto no artigo 2º da Constituição Federal, bem como ao Art. 12 da Lei Orgânica do Município de Londrina. Apontou ainda afronta aos artigos 87, IV e 133, caput e seu § 2º, da Constituição do Estado do Paraná, que atribui exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que digam respeito ao Plano Plurianual, às diretrizes orçamentárias anuais e aos orçamentos anuais do Estado e dos Municípios.

A esse respeito, o artigo 31, parágrafo 1º da LOM, em consonância com o artigo 231 do Regimento Interno da Câmara Municipal, preconiza:

Art. 31. Concluída a votação do projeto de lei, o Presidente da Câmara Municipal o enviará ao Prefeito que, aquiescendo, o sancionará e encaminhará cópia original da lei à Câmara Municipal no prazo máximo de 3 (três) dias após a sanção.§ 1º Se o Prefeito julgar o projeto de lei, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente dentro de 15 (quinze) dias úteis, contados da data em que o receber e comunicará ao Presidente da Câmara Municipal, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, as razões do veto.

Seguindo a formalidades inerentes a tais processos, o Chefe do Executivo encaminhou o veto à Câmara Municipal dentro do prazo regulamentar, qual seja, quinze dias úteis.

Recebido o veto, o mesmo foi submetido à Comissão de Justiça, que manteve seu posicionamento anterior.

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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina

Apreciado em discussão única e submetida à votação nominal aberta, o veto foi rejeitado pelo plenário da Câmara Municipal com o voto contrário da maioria absoluta dos seus membros.

Relativamente aos procedimentos advindos da rejeição do veto aposto pelo Executivo, o artigo 31, parágrafos 4º, 6º, 7º, 8º e 9º da LOM, também em consonância com o artigo 231 do Regimento Interno da Câmara Municipal, determina:

Art. 31. [...]§ 4º Comunicado o veto, a Câmara Municipal apreciá-lo-á dentro de 30 (trinta) dias, contados da data do seu recebimento, em discussão única e votação nominal aberta, mantendo-se o veto quando este não obtiver o voto contrário da maioria absoluta dos membros da Câmara.[...]§ 6º Rejeitado o veto, o projeto de lei retornará ao Prefeito para promulgação.§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de 48 (quarenta e oito) horas, pelo Prefeito Municipal, nos casos dos parágrafos 3º e 5º, o Presidente da Câmara Municipal a promulgará e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente fazê-lo.§ 8º Quando se tratar de rejeição de veto parcial, a lei promulgada tomará o mesmo número da original.§ 9º A publicação de leis, decretos legislativos e resoluções dar-se-á no prazo máximo de 15 (quinze) dias após a sua promulgação.

Comunicado formalmente da rejeição do veto, manteve-se inerte o Prefeito Municipal, restando ao Presidente do Legislativo a promulgação da matéria, que se converteu na Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996, publicada no Jornal Oficial do Município, edição nº 13.544, de 26.10.1996, fls. 7.

6.1 A declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996

Em fevereiro de 2007, o Prefeito do Município de Londrina, na condição de legitimado ativo, propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, com pedido de medida liminar inaudita altera pars em face da Câmara Municipal de Londrina, postulando a suspensão dos efeitos da Lei Municipal nº 6.825/96, até o julgamento final da ação.

Em maio de 2007, o Desembargador Ivan Bortoleto deferiu a medida liminar pleiteada e encaminhou cópia dos autos à Câmara Municipal para que fossem prestadas as informações que julgasse necessárias.

Finalmente, em maio de 2008, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná proferiu o acórdão nº 8650, que por unanimidade de votos julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996, editada e promulgada pela Câmara Municipal de Londrina, conforme abaixo:

Acórdão 8650.Julg. 30/05/2008, decisão unânime, DJ 7639. DECISÃO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em

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julgar procedente a presente ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.825, de 22 de outubro de 1996, editada e promulgada Câmara Municipal de Londrina. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO LEGISLATIVO - LEI MUNICIPAL DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - USURPAÇÃO PELO PODER LEGISLATIVO - VÍCIO DE INICIATIVA ISENÇÃO DE PAGAMENTO DE TRIBUTOS MUNICIPAIS - OFENSA AOS ARTIGOS 7º E 87, INCISO IV C/C 133, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 1. A teor do disposto no artigo 133 da Constituição Estadual, a iniciativa para apresentar projetos de lei à Câmara Municipal que versem sobre finanças e orçamento do município está reservada ao Prefeito Municipal, ficando a cargo do Poder Legislativo da municipalidade exercer o controle externo do Executivo, e não se imiscuir em matérias que fogem à sua competência. 2. Ação direta de inconstitucionalidade procedente.

Assim, por meio do controle repressivo do Poder Judiciário, foi declarada eivada do vício da inconstitucionalidade formal a Lei Municipal nº 6.825/1996, restabelecendo as devidas competências dos Poderes Executivo e Legislativo, preservando a norma superior concernente à separação dos poderes.

7 CONCLUSÃO

O ordenamento jurídico brasileiro, que tem a Constituição Federal como norma fundamental, estabeleceu mecanismos suficientes para coibir à afronta do texto supremo por normas infraconstitucionais, sejam federais, estaduais, distritais ou municipais.

Nesse sentido, o Princípio da Supremacia da Constituição Federal se apresenta como um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, pois ao submeter às normas infraconstitucionais aos preceitos constitucionais, efetivamente está realizando a premissa máxima da Constituição Federal como norma fundamental.

O estudo do caso concreto objeto deste artigo demonstra que os mecanismos legais necessários ao controle a ser exercido sobre os atos que pretendam se sobrepor aos princípios constitucionais constituem-se em ferramentas adequadas e eficientes.

Contrariamente ao que se apregoa a respeito da morosidade do Poder Judiciário, o administrador público que, mesmo plenamente consciente dos vícios constantes na Lei nº 6.825/96 — até porque apôs seu veto ao projeto que lhe deu origem — demorou mais de dez anos para propor ação declaratória de inconstitucionalidade à matéria, que foi julgada em pouco mais de um ano.

Relativamente ao processo legislativo, o estudo demonstrou que, em nome de uma suposta “soberania” atribuída ao Plenário das Casas Legislativas, estudos técnicos de fundamental importância, desenvolvidos para subsidiar as discussões das matérias em pauta, por muitas vezes são desprezados pelos legisladores, onerando os cofres públicos, assoberbando os órgãos judiciais e promovendo o inchaço do ordenamento jurídico infraconstitucional, com a aprovação de diplomas legais maculados por vícios insanáveis.

Mais preocupante ainda se apresenta tal situação quando verificamos que inúmeros projetos de lei aprovados e convertidos em leis contrariam dispositivos editados pelas próprias Casas Legislativas.

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Considerações Sobre Controle De Constitucionalidade De Leis Municipais – Análise De Caso – Município De Londrina

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Anderson de Azevedo, Indianara Pavesi Pini Sonni

A TUTELA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS: UMA ANÁLISE DA COISA jULGADA NAS AÇÕES COLETIVAS à LUZ DA CONCEPÇÃO NORMATIVISTA DE

RELAÇÃO jURÍDICAAnderson de Azevedo12*

Indianara Pavesi Pini Sonni13*

RESUMO

Devido ao caráter de imprescindibilidade dos interesses transindividuais, cuja presença é notória diante das características reinantes na sociedade hodierna, o processo civil vem se remodulando no sentido de atribuir aos direitos coletivos uma tutela hábil e efetiva. Nesse traslado (do individual para o coletivo) desponta uma série de celeumas, principalmente no que tange a alguns institutos como a legitimidade e a coisa julgada. Todavia, vislumbrando tais assuntos sob a ótica da estrutura da relação jurídica normativista de direito material, restam pacificadas todas as discussões suscitadas, vez que, não há o que se falar em regime diferenciado, mas sim, em uma análise adequada, de acordo com a concepção da relação jurídica que engloba a norma jurídica, a qual impõe o dever ser e o sujeito do direito. De toda a sorte, ao estudar a tutela jurisdicional coletiva, deve-se direcionar a sua disciplina visando à concretização da instrumentalização do processo na seara dos interesses transindividuais, uma ferramenta que viabiliza os escopos da Jurisdição.

PALAVRAS-CHAVE: Transindividuais; Coisa Julgada; Relação Jurídica Normativa.

THE TUTELAGE OF TRANSINDIVIDUAL INTERESTS AND THE ACCESS TO jUSTICE: An analysis of res judicata in the collective actions from the viewpoint of

normative conception of juridical relationship

ABSTRACT

Due to the nature of the indispensability of transindividual interests, whose presence is remarkable before the prevailing characteristics in today’s society, the civil case has been remodeling in order to assign to the collective rights a skilled and effective tutelage. In this transfer (individual to the collective) emerge a series of uproars, especially in regard to some institutes such as the legitimacy and res judicata. However, glimpsed such matters from the viewpoint of the structure of the normative juridical relationship of substantive law, remain pacified all the raised discussions, since, there is nothing to speak of differentiated regime, but in a proper analysis, according to conception of the legal relationship which includes the legal rule, which imposes an “ought”, and the subject of law. Of any sort, studying the collective jurisdictional tutelage, one should be directed to your discipline aimed at the implementation of the instrumentalization of the process in the harvest of transindividual interests, is a tool that enables the scopes of jurisdiction.

KEYWORDS: transindividual; Res judicata; Normative Juridical Relationship.

12* Mestrando em Direito (UEL). Professor (UNIFIL). Advogado.13* Mestranda em Direito (UEL). Especialista em Direito (PUC). Advogada.

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A Tutela dos Interesses Transindividuais: Uma Análise da Coisa Julgada nas Ações Coletivas à Luz da Concepção Normativista de Relação Jurídica

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL TRANSINDIVIDUAL. 3 A CONCEPÇÃO DO PROCESSO TRADICIONAL E A CONJUNTURA DO PROCESSO COLETIVO. 4 O REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA À LUZ DA PERSPECTIVA NORMATIVISTA DE RELAÇÃO JURÍDICA. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃORudolph von Jhering, inaugurando a clássica obra A Luta pelo Direito, registrou

que a paz é o fim que o direito tem em vista,a luta é o meio de que se serve para o conseguir (JHERING, 1986, p. 01). Desde os tempos arcaicos da civilização helênica, quando a Lei Draconiana suprimiu a vindita pessoal14, ao Estado é atribuída a tarefa de proporcionar eqüidade e justiça ao corpo social. E assim, sob diferentes concepções, o direito vem se adaptando, como instrumento de organização social, às diversas formas de exercício de poder.

Modernamente, esse incessante combate tem dentre seus principais objetivos garantir aos integrantes da sociedade uma forma segura da construção do Estado Democrático de Direito. As cartas constitucionais têm procurado inserir instrumentos que propiciem a consecução dessa finalidade, geralmente com remédios processuais que passaram a fazer parte do rol de direitos e garantias individuais e coletivos, como ocorreu no art. 5º do nosso Texto Constitucional de 1988.

Conforme ensina Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (CARNEIRO, 2003, p. 48-49), a Constituição Federal de 1988, “consagrando e alargando o âmbito dos direitos fundamentais, individuais e sociais, prevendo a criação de mecanismos adequados para garanti-los”, e, especificamente no que se refere ao acesso à justiça previu a (...) “criação de novos instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos”, por exemplo, o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), o mandado de injunção (art. 5º, LXXI), a ação civil pública (art. 129, III), dentre outras conquistas, como a “reestruturação do Ministério Público, como órgão essencial à função jurisdicional do Estado, conferindo-lhe atribuições para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses coletivos e sociais (art. 127, caput, e 129).”

Além desses dispositivos constitucionais, o inciso XXXV, do mesmo art. 5º, reza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito,” abrindo as portas institucionais para a proteção da mais ampla gama de interesses.

Assim, a tutela dos interesses transindividuais coletivos é um dos pressupostos para consecução dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito. E, pragmaticamente, a eficácia da sentença proferida em uma demanda coletiva é um dos mais poderosos instrumentos para a consecução dessa finalidade, já que propiciará a um maior número de interessados (legitimados individuais), o benefício da decisão judicial.

Dessa forma, denota-se a relevância do estudo dos efeitos da coisa julgada das ações envolvendo interesses transindividuais, como expressão à instrumentalidade do processo, ao que esse excerto se propõe.

14 8 As Leis de Drácon, de 621 a.C, no início do período de formação da cidade-Estado ateninense, trouxeram profundas transformações ao direito antigo. Dentre essas inovações, vemos a eliminação da possibilidade do ofendido exercer pessoalmente a vingança pessoal como forma de sancionamento da conduta infracional. É uma fase de institucionalização da jurisdição, que no modelo grego foi extremamente participativa, contando com juízos e tribunais populares.

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2 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA TUTELA jURISDICIONAL TRANSINDIVIDUAL

O desenvolvimento de pesquisas sobre as relações jurídicas, envolvendo os interesses transindividuais, isto é, aqueles que transcendem ao individual e atingem uma ampla gama de indivíduos, que pela simples análise do seu conceito se diferem dos interesses individuais, vem exigindo, paralelamente, uma releitura e uma reformulação do processo, como forma de atender às suas peculiaridades. Como consectário da sociedade de massa, reinante no século XXI, mais competitiva, padronizada e globalizada, faz-se imprescindível pesquisar e compreender os novos paradigmas de tutela desses interesses, mais suscetíveis das lesões ocorrentes nessa sociedade contemporânea.

Marinoni e Arenhart (MARINONI/ARENHART, 2006, p.719) prescrevem que o surgimento dessa nova categoria de direitos exigiu que o processo civil fosse remodelado para atender adequadamente as necessidades da sociedade contemporânea. No mesmo sentido preleciona Mancuso (2007, p.08):

O limiar do terceiro milênio exibe uma sociedade massificada, competitiva, espraiada por um mundo globalizado, o que acarreta alterações profundas no tripé do Direito Processual – ação, processo e jurisdição – e de outro lado vai tornando defasadas antigas concepções, ligadas a um outro tempo.

O processo, de acordo com os ensinamentos de Candido Rangel Dinamarco, (2008, p.177) é um instrumento, sendo que “todo instrumento como tal é meio; e todo meio é tal e se legitima em função dos fins que se destina”. O processo é uma ferramenta a serviço da jurisdição, sendo os seus escopos, sociais, políticos e jurídicos.

Moacyr Amaral Santos (2004, p.269-270) também concebe o processo dentro dessas duas vertentes: “processo é a operação por meio da qual se obtém a composição da lide, é o meio de que se vale o Estado para exercer a sua função jurisdicional”, e como operação, “o processo se desenvolve em uma série de atos”.

Nessa esteira, sendo o processo um instrumento de concretização dos fins jurisdicionais, destacando, nesse momento, a pacificação das lides, tais escopos se concretizam, com muito mais ênfase, no âmbito coletivo, onde os conflitos a ser solucionados e pacificados pelo processo são mais ostensivos, e como já frisado, extrapolam a esfera do individual.

Mencionam Didier e Zaneti que os processos coletivos servem a “litigação de um interesse público,” eis que se destinam às demandas que englobam “para além dos interesses meramente individuais, aqueles referentes à preservação da harmonia e à realização dos objetivos constitucionais da sociedade e da comunidade” (DIDIER/ZANETI, 2009, p.28).

O subsistema do processo coletivo possui objetivos e instrumentos inerentes aos interesses tutelados, como defende Zavascki (2007, p.24):

Trata-se de um subsistema com objetivos próprios (a tutela de direitos coletivos e a tutela coletiva de direitos) que são alcançados a base de instrumentos próprios (ações civis públicas, ações civis coletivas, ações de controle concentrado de constitucionalidade, em suas várias modalidades), fundados em princípios e regras próprios, o que confere ao processo coletivo uma identidade bem definida no cenário processual.

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A Tutela dos Interesses Transindividuais: Uma Análise da Coisa Julgada nas Ações Coletivas à Luz da Concepção Normativista de Relação Jurídica

Diante da “proliferação ou multiplicação dos direitos,” fenômenos difundidos por Norberto Bobbio (2004, p.83), o processo se consagra como uma forma efetiva de solucionar conflitos, atribuindo os mais diversos “direitos” aos seus respectivos detentores, de acordo com os postulados de Justiça.

Ainda, o processo, além de ser um instrumento de concretização dos escopos jurisdicionais, é um meio de consubstanciar o preceito fundamental, previsto na Constituição da República, do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), o qual indica, além do direito de aceder aos tribunais, a prerrogativa de alcançar a efetividade da tutela, norteado pela garantia do devido processo legal. Mauro Cappelletti (1988, p.20), em seu estudo sobre o acesso à Justiça, identificou como as “soluções práticas para os problemas de acesso à Justiça”, além da assistência judiciária e da representação em juízo, a “representação dos interesses difusos”.

Assim, denota-se que, além do processo coletivo ser um meio de efetivação da tutela jurisdicional transindividual, é um instrumento, ainda mais dinâmico e efetivo, de consolidar os escopos da jurisdição, devido às peculiaridades dos interesses metaindividuais, que, como já frisado, se constituem por ser mais abrangentes e complexos. Trata-se, também, de um meio de ampliar e aprimorar a efetividade da tutela jurisdicional.

3 A CONCEPÇÃO DO PROCESSO TRADICIONAL E A CONjUNTURA DO PROCESSO COLETIVO

A estrutura do processo clássico (individualista), cujo assunto e interesses pertencem exclusivamente à tradicional conjuntura triangular (autor, juiz e réu) e à concepção de relação de direito material pelo ordenamento adotado, não se coadunam com as particularidades dos interesses transindividuais, o que suscita uma inadequação de alguns institutos processauis com a solução das lides de cunho coletivo.

Acerca dessas disparidades, é interessante transcrever o posicionamento de Mauro Cappelletti (1988, p.49-50):

A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes que se destinava a solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencem a um grupo, ao público em geral ou à um segmento do público não se enquadrava bem nesse esquema. As regras determinantes de legitimidade, normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.

Mancuso, em nota introdutória de uma de suas obras, apresenta uma análise da sistemática dos sistemas, individual e coletivo, fazendo uma contraposição entre ambos. Segundo o mencionado autor, na jurisdição singular, o juiz sopesa, inicialmente, se há identidade entre o autor e o sujeito que, “no plano material, aparece em situação de vantagem, bem como se coincide o réu e aquele em situação de sujeição.” Posteriormente a tal juízo de admissibilidade, procura no ordenamento jurídico a fórmula para a solução do conflito. Contudo, esse clássico método não se coaduna com os conflitos de caráter coletivo. Prossegue o autor (MANCUSO, 2007, p.20):

Esse tradicional sistema, provindo das fontes romanas, todavia, hoje já não se acomoda confortavelmente aos mega-conflitos que assomam ao

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Anderson de Azevedo, Indianara Pavesi Pini Sonni

judiciário concernindo a um número importante ou até indeterminado de sujeitos que, não raro, agitam interesses não especificamente positivados, inviabilizando a redução do caso aos esquemas tradicionais de litisconsórcio, notadamente ante a sinalização de que este não pode ser muito numeroso (parágrafo único do art. 46 do CPC).

Dessa forma, a tutela dos interesses transindividuais exige uma nova postura do ordenamento jurídico, para que, também no que tange aos direitos coletivos, o processo possa ser um instrumento efetivo de concretização dos objetivos jurisdicionais.

Luiz Fernando Bellinetti (2000, p.125) tem o seguinte entendimento:

A concepção tradicional de relação jurídica enfoca o Direito como uma forma de proteger direitos subjetivos individuais, tendo sido o supedâneo para o desenvolvimento de todo o direito processual civil moderno.Essa circunstância tem levado a inúmeros problemas relativamente às ações coletivas, pois parece-me que quando se trata de tutela jurisdicional coletiva, essa concepção de relação jurídica é absolutamente inadequada para enfrentar as questões existentes, o que induz, consequentemente, a inadequação dos institutos e conceitos processuais tradicionais para solucionar os litígios de índole coletiva.

O autor acima aludido, no artigo direcionado às ações coletivas (BELLINETTI, 2000, p.125), desenvolve uma ideia distinta de relação jurídica material da preponderante no ordenamento pátrio, a qual está mais adequada aos interesses individuais, vigorando a preocupação com os direitos subjetivos das pessoas envolvidas. Para o autor, as normas não devem ser dirigidas aos sujeitos, mas sim a “preservar determinados bens ou valores que interessam a um grupo (determinado ou indeterminado) de pessoas, estatuindo o dever jurídico de respeito a esses bens ou valores”.

Essa concepção de relação jurídica foi difundida há um tempo longínquo por Hans Kelsen (1881-1973). Kelsen define a relação jurídica como decorrência do dever-ser imposto pela norma (KELSEN, 2003, p. 67). A relação jurídica é estabelecida entre a norma jurídica e o sujeito do direito, quando impõe o dever ser. Quando esse indivíduo não observa a condição jurídica imposta pela norma, nasce a consequência jurídica (ou consequência antijurídica), as quais são entrelaçadas por meio da imputação “reconhecida pela Teoria Pura do Direito como legalidade particular do direito”.

Kelsen (2003, p. 67) deixa bem claro a sua concepção de relação jurídica transcendental no seguinte trecho: “A conseqüência jurídica (antijurídica) será atribuída à condição jurídica. Este é o sentido do enunciado: alguém é punido “por causa” de um delito, a execução ao patrimônio de alguém é “por causa” da falta de pagamento da dívida”.

Para Kelsen, o conteúdo das normas jurídicas não é formado pelas pessoas ou pelos indivíduos, mas sim, por suas condutas, por suas ações ou por suas omissões, de maneira que, essas ideias de norma tem efeito na definição de relação jurídica, “não como relação entre o sujeito do dever e o sujeito do direito, mas como relação entre um dever jurídico e o direito reflexo que lhe corresponde” (KELSEN, 2003, p.183).

Essa percepção de relação jurídica, na seara dos interesses transindividuais, sanaria algumas divergências existentes no exame de alguns institutos do processo coletivo, como, por exemplo, as questões sobre os limites subjetivos da coisa julgada, eis que aqui, o

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processo não engloba apenas um sujeito em cada polo, mas sim, uma coletividade indeterminada ou determinável de partes, bem como a questão da titularidade dos direitos e a legitimidade ativa.

A cominação do dever jurídico pelo ordenamento jurídico acarretaria em uma perspectiva distinta dos conceitos de titularidade e legitimidade. Como preleciona BELLINETTI (2000, p.129) na difusão dessa tese, no âmbito dos interesses transindividuais, “titular é quem pode exigir o cumprimento do dever jurídico”, ao passo que a legitimidade, a qual é decorrente do sistema jurídico (imposição de um dever), é “o poder conferido pelo ordenamento jurídico para influir na criação ou aplicação da norma (ativa), ou para sujeitar-se ao poder jurídico nela estatuído (passiva)”.

Nessa esteira, o dissenso concernente a legitimidade ativa nas ações coletivas, (legitimidade extraordinária15 ou mesmo substituição processual16) resta sanado. Analisando a estrutura da relação jurídica, propagada inicialmente por Kelsen, e resgatada por Bellinetti, os detentores da legitimidade nas ações coletivas serão aqueles previstos pela norma para o implemento da obrigação jurídica (passiva) ou para participarem da incidência da norma (ativa). Isso porque, a legitimidade no âmbito dos interesses transindividuais não será definida através da relação jurídica, vislumbrada com um sujeito ativo e sujeito passivo em torno de determinada obrigação (ou dever). No caso da tutela coletiva a legitimidade ativa e passiva será decorrente do próprio ordenamento, isto é, a relação será caracterizada pelo “ordenamento impondo o dever jurídico de respeito a determinados interesses do grupo social” (BELLINETTI, 2000, p.128).

Desta feita, não há o que se falar em legitimidade extraordinária ou substituição processual. Através da incidência da concepção de relação jurídica ora abordada, no âmbito da tutela coletiva, denota-se que terão legitimidade ativa aqueles a quem o ordenamento confere poder para promover a criação ou subsunção da norma, ao passo que, a legitimidade passiva, se traduz na sujeição ao dever jurídico prelecionado pela norma.

Importante ressaltar, todavia, que a perspectiva de relação jurídica, tratada nesse apanhado, refere-se à relação de direito material, e não a relação processual, cuja estrutura permanece a mesma no âmbito das ações coletivas.

4 O REGIME jURÍDICO DA COISA jULGADA à LUZ DA PERSPECTIVA NORMATIVISTA DE RELAÇÃO jURÍDICA

Uma ação é coletiva quando, entre outros aspectos, engloba os interesses de membros ausentes ao processo. A sentença nas ações coletivas deve ter efeitos obrigatórios para além das partes. O caráter abrangente da coisa julgada é um elemento essencial do procedimento de uma ação coletiva e uma nota diferenciadora desse sistema em relação ao processo, em sua concepção clássica. Assim, a doutrina da coisa julgada é, provavelmente, o elemento mais importante de qualquer legislação sobre ação coletiva.

A ideia que se propala é que uma sentença limitada aos sujeitos processuais, presentes no tribunal, seria um obstáculo à essência fundamental do processo coletivo.

Nesse sentido, pondera Mancuso (2004, p.266) que, quando as situações que transcendem a esfera do individual exigem uma tutela do ordenamento jurídico, o direito

15 Marinoni preleciona que a lei processual brasileira concebe para as ações coletivas, um sistema de legitimação extraordinária atribuindo a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos a determinados organismos que supõe-se tenham condições de adequadamente protegê-los.

16 Zavascki, por sua vez, difunde que tratando-se de direitos difusos ou coletivos (sem titular determinado), a legitimação ativa é exercida, invariavelmente, em regime de substituição processual.

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processual tradicional “parece carecer de instrumentos hábeis e eficazes, servindo de exemplo o que se passa com a coisa julgada nos conflitos intersubjetivos, a qual opera como ‘lei entre as partes’, o que a torna inadequada para imunizar a decisão de mérito proferida nos conflitos metaindividuais”.

A questão que instiga o debate é a seguinte: o art. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor17 modificou, efetivamente, o regime dos limites subjetivos da coisa julgada do art. 472 do Código de Processo Civil? Será que a fixação dos sujeitos processuais como limites da autoridade da sentença são efetivos óbices para o alcance das finalidades das ações coletivas e, em última instância, um obstáculo para a garantia da instrumentalização do processo e do atingimento das finalidades da jurisdição coletiva?

Apesar de serem relativamente recentes as alterações promovidas no sistema processual brasileiro acerca das ações coletivas, contando aproximadamente com 21 (vinte e um) anos (lei n.º 8.078/90 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor), as transformações no modelo de organização social, e os reflexos dessas transformações no processo, vêm atraindo o olhar sensível de notáveis juristas.

Antonio Gidi, em sua obra Coisa Julgada e Litispendência nas Ações Coletivas, faz uma citação (LIEBMAN apud GIDI, 1995, p. 13) de Liebman, reputando-a profética. Segundo registrou o jurista italiano, em sua obra Eficácia e autoridade da sentença, datada de 1945:

O princípio que limita às partes a autoridade da coisa julgada sempre comportou exceções, que a doutrina procurou justificar com maior ou menor acerto. Nestes últimos tempos, importantes correntes da doutrina esforçaram-se por alargar o âmbito de extensão da coisa julgada e, em alguns casos, até por quebrar o clássico princípio, invalidando praticamente os seus efeitos. Não estaria, talvez, errado quem visse, nessas correntes, um reflexo, provavelmente inconsciente, da tendência socializadora e antiinvidividualista do direito, que vem abrindo caminho em toda parte. O homem já não vive isolado na sociedade. A atividade do indivíduo é de maneira crescente condicionada pelas atividades dos seus semelhantes; aumenta a solidariedade e a responsabilidade de cada um e seus atos se projetam em esfera sernpre maior.

Em análise ao estudo da disciplina da coisa julgada nas ações coletivas, a primeira indagação que exsurge é: há um novo regime jurídico da coisa julgada? É possível dizer que a coisa julgada produzida no processo coletivo obedece a uma sistemática diferenciada em relação à coisa julgada conseqüente da tutela individual?

Visualizando um novo regime jurídico para a coisa julgada no âmbito metaindividual, Ronaldo Lima dos Santos (2006, p. 43) asserta que:

A imbricação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública, conferiu uma sistematização aos diversos aspectos da tutela coletiva, e, com o Código de Processo Civil operando como pano de fundo e fonte subsidiária formaram um verdadeiro circuito

17 Dispõe o art. 103 do CDC: “Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada: I – ‘erga omnes’, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;II – ‘ultra partes’, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;III – ‘erga omnes’, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

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de integração e complementaridade, delineando um “microssistema processual coletivo”, cujas normas e princípios são aplicáveis a qualquer demanda cujo objeto consista na tutela de interesses transindividuais.

Realmente, além de conferir contornos mais precisos à ação civil pública, o Código de Defesa do Consumidor redefiniu a regulamentação de uma série de institutos processuais, disciplinados, ordinariamente, pelo Código de Processo Civil, adaptando-os às peculiaridades dos conflitos de massa.

Assim, para alguns doutrinadores, o CDC concedeu um regime específico à coisa julgada, o que, para um segmento considerável da doutrina, afastou-o da tradicional regra do art. 472 do CPC. Há quem afirme, de forma exagerada, como, por exemplo, Luciana de Oliveira Leal, em seu artigo Coisa Julgada nas Ações Coletivas, que a sistemática do Código de Processo Civil é incompatível com direitos desta natureza, tendo cedido lugar à disciplina própria da matéria, pelo Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Civil Pública, dadas a relevância e a amplitude dos direitos coletivos.

Contudo, tal posicionamento, ao que consta, não é uníssono. Ada Pelegrini Grivover, que coordena os estudos para elaboração de um dos anteprojetos do Código de Processo Civil Coletivo, é mais comedida quando comenta a amplitude das regras relativas à coisa julgada nas ações coletivas. Para a jurista (GRINOVER, 2002, p. 903):

O regime da coisa julgada oferece peculiaridades nas ações coletivas, E isso porque, de um lado, a própria configuração das ações ideológicas — em que o bem estar pertence a uma coletividade de pessoas — exige, peb menos até certo ponto, a extensão da coisa julgada ultra partes; mas, de outro lado, a limitação da coisa jutgada às partes é princípio inerente ao contraditório e à ampla defesa, na medida em que o terceiro, juridicamente prejudicado, deve poder opor-se à sentença desfavorável proferida inter, aliás, exatamente porque não participou da relação jurídico-processual.

Marinoni e Arenhart, destacando que a disciplina da coisa julgada em relação às ações coletivas no direito brasileiro é dada, seja para direitos coletivos, seja para difusos ou ainda individuais homogêneos, pelos artigos 103 e 104 do CDC, com consonância com as regras previstas na Lei da Ação Civil Pública, registra que não é possível afirmar que perdura um novo regime da coisa julgada. Partindo da premissa que, a autoridade da coisa julgada, tecnicamente, não opera efeitos erga ornnes, mas são os efeitos da sentença que atingem terceiros para beneficiá-los em caso de procedência do pedido do autor coletivo, os doutrinadores são reticentes no sentido de destacar a coisa julgada coletiva como uma nova categoria, sob um novo regime, registrando apenas a existência de particularidades do instituto, quando inserido no contexto da tutela coletiva. Por fim, anotam que (MARINONI/ARENHART, 2006, p. 743-744):

Na verdade, bem observada a disciplina da questão, nota-se que nenhuma particularidade (exceto pela questão da possibilidade de propor nova ação mediante prova nova, em caso de improcedência por falta de prova) tem ela em relação ao trato comum da coisa julgada no direito brasileiro. Em essência, não é a coisa julgada que opera efeitos erga omnes, e sim os efeitos diretos da sentença. (..) Sabendo compreender corretamente a disciplina da coisa julgada da ação individual, a disciplina da coisa julgada coletiva é, praticamente, intuitiva.

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Em complemento, quanto ao registrado pelo insigne jurista, não se trata de atribuir, em caráter excepcional, um efeito erga omnes à coisa julgada, como propalado ordinariamente por considerável segmento da doutrina, e sim compreender que a decisão judicial na ação coletiva, uma vez transitada em julgado, beneficia a todos os titulares dos interesses em jogo: a) como consectário do efeito natural da sentença, que repercute na esfera jurídica desses indivíduos; b) e como expressão da autoridade da decisão judicial que vincula o réu.

O que muda em relação ao que se tem ordinariamente proferido é a perspectiva da análise do objeto. Se a análise da relação jurídica base envolver os interesses coletivos sob o espectro tradicional, concebendo-a como um liame intersubjetivo que vincula o titular do direito violado ao seu ofensor, os problemas a superar na seara processual serão muitos, como, por exemplo, a inadequação do regime jurídico da coisa julgada prevista no art. 472, do Código de Processo Civil. Esse “problema” é desconstruído a partir da análise da relação jurídico sob o prisma normativista.

Em outras palavras, o dissenso sobre os limites subjetivos da coisa julgada material nas ações coletivas resta apaziguado com a adoção da estrutura da relação jurídica propagada inicialmente por Kelsen, e difundida, na seara dos direitos transindividuais por Bellinetti.

Adotando-se essa postura, o detentor da legitimidade passiva será aquele a qual é destinado o dever jurídico. Assim, os efeitos subjetivos da coisa julgada se estendem a quem é destinado o dever jurídico, imposto pela norma, ou seja, o réu da ação. Por conseguinte, se o sujeito passivo da relação jurídica processual tornou-se, definitivamente, vinculado ao comando sentencial, por força da autoridade da coisa julgada material, há um lógico impedimento que ele volte a discutir a mesma matéria em outro feito. O efeito natural da sentença, portanto, será o benefício que todos os titulares daquele mesmo interesse em juízo terão com a sentença propalada.

Portanto, nenhum regime jurídico novo há em relação ao sistema adotado pelo Código de Processo Civil, quando analisamos os limites subjetivos da coisa julgada coletiva sob a ótica normativista kelseniana. Esse parece também ser o entendimento de Eduardo Talamini (TALAMINI, 2004):

O fundamental é que o réu da ação coletiva em questão não se possa subtrair da autoridade da coisa julgada da sentença de procedência, inclusive quando demandado subseqüentemente pelo legitimado individual. Mas para se assegurar tal resultado, basta o regime normal da coisa julgada: o réu da ação coletiva foi parte naquele processo; portanto, mesmo pelos parâmetros tradicionais, já está adstrito à coisa julgada lá formada, ainda quando ela seja invocada pelo legitimado individual que não participou do processo coletivo.

Nesse sentido, têm-se entendido, até com relativa univocidade, que o regime jurídico da coisa julgada coletiva foi concebido atendendo-se a essa necessidade de propiciar ao maior número de pessoas possíveis, os benefícios de uma sentença de procedência que envolva interesses transindividuais. Assevera-se que os modelos propostos para disciplinar as ações coletivas preceituam uma regulamentação diferenciada, a qual gera divergências no que tange a subsunção de tais preceitos ao caso concreto. Melhor seria, talvez, em uma análise mais aprofundada, adotar a estrutura de relação jurídica propagada por Kelsen, abalizada na imposição do dever jurídico ao sujeito passivo, e se perfaz entre o ordenamento jurídico e o sujeito.

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Mais uma vez, reitera-se a concepção de relação jurídica do referido autor:

Do ponto de vista de uma concepção que encare o Direito como norma ou sistema de normas, porém, o direito subjetivo não pode ser um interesse – protegido pelo Direito – mas apenas a proteção ou tutela deste interesse, por parte do direito objetivo. E esta proteção consiste no fato de a ordem jurídica ligar a ofensa desse interesse a uma sanção, quer dizer, no fato de ela estatuir o dever de não lesar o interesse. (KELSEN, 1998, p. 148-149)

Assim, não significa afirmar, necessariamente, que o regime jurídico da coisa julgada foi recriado. A questão é de ordem científica e acadêmica: o posicionamento aqui defendido objeta com a tese de que o Código de Defesa do Consumidor instituiu um regime novo da coisa julgada e que o instituto, conforme regulado pelo Código de Processo Civil, previsto no sistema tradicional, clássico ou individual, é insubsistente para regular as relações jurídicas de natureza coletiva.

Esse excerto demonstra que a teoria da coisa julgada, consubstanciada nas disposições do Código de Processo Civil, é exatamente a mesma teoria que explica esse fenômeno no plano coletivo, o qual, vislumbrado sob a ótica da relação jurídica normativista, não acarreta quaisquer celeumas, inclusive, especificamente, no que diz respeito aos seus limites subjetivos, bastando um redimensionamento, sob a ótica normativista kelseniana, segundo a qual, os benefícios da coisa julgada da decisão judicial proferida nas ações coletivas, atingirão os interessados por intermédio dos efeitos naturais da sentença.

Como defendido, e já exposto neste trabalho, disciplinar as ações coletivas, principalmente no que tange a doutrina da coisa julgada, de modo a dotá-las de eficácia é de salutar importância, para que, também na seara dos interesses transindividuais, devido as suas peculiaridades já mencionadas nesse trabalho, seja efetivado o acesso à Justiça, em sua mais ampla acepção.

5 CONCLUSÃO

Por todo o exposto, denota-se que a regulamentação das ações coletiva, especialmente no que tange ao regime da coisa julgada, de forma a consubstanciar os mais diversificados interesses transindividuais, revela-se imprescindível. De toda a forma, ao adotar qualquer disciplina dos interesses metaindividuais, deve-se ter como premissa fundamental o acesso à Justiça, isto é, a tutela mais adequada dos interesses que transcendem a esfera do individual é aquela que consubstancia, de forma efetiva, a disposição do art. 5º, XXXV da Constituição da República, como pondera Mancuso (2004, P. 268) ao afirmar que “esta última proposta – a ‘adaptação criativa’ do arsenal processual existente às novas exigências surgidas com o Acesso à Justiça dos interesses metaindividuais – parece-nos o melhor rumo a seguir”.

Disciplinar a tutela dos interesses transindividuais de forma a concretizar a garantia fundamental do acesso à Justiça representa não apenas a possibilidade de alcançar a Justiça enquanto órgão estatal, mas, também, possibilitar o acesso à ordem jurídica justa, efetiva, pela instrumentalidade processual. Assim, Pedro Lenza (LENZA, 2003, p.), ao iniciar o capítulo que trata da identificação dos obstáculos “ondas renovatórias e pontos sensíveis” utiliza a expressão “acesso a ordem jurídica justa” e não “acesso a Justiça”.

Alguns autores já defenderam que, para regulamentar os interesses transindividuais de forma efetiva, deve-se fazer uma análise sistemática dos dispositivos, os quais

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Aline Cristina Salles Lopes, Ana Paula Sefrin Saladini

prescrevem os institutos processuais, com os artigos da Constituição Federal, que resguardam o acesso à Justiça e o devido processo legal (due processo of law). Como exemplo, cita-se Kazuo Watanabe (WATANABE/GRINOVER, 1984, p.91), que, especificamente no que tange a legitimidade, preconizou a possibilidade de uma interpretação aberta do art. 6º do Código de Processo Civil com o inciso XXXV do art. 5º da Lei Maior.

Há um caminho bastante extenso a ser percorrido para disciplinar, de forma efetiva, os direitos transindividuais, seja por meio do microssistema, seja com a introdução de um código brasileiro de processo coletivo. Deve-se asseverar que, muito embora haja acentuadas divergências no que concerne à disciplina dos interesses transindividuais, diante de sua acentuada relevância e do seu crescimento notório na sociedade atual, a sua regulamentação, de forma a atribuir eficácia ao processo coletivo, é de extrema urgência, não só para consubstanciar tais direitos, o que seria o escopo imediato, mas para, também, consagrar a instrumentalização do processo e a sua efetividade.

REFERÊNCIAS

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito (tradução João Baptista Machado). 6. ed. São Paulo; Martins Fontes, 2003.

________, Hans. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito; tradução de J. Cretella Jr., Agnes Cretella. 3º ed.rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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A Tutela dos Interesses Transindividuais: Uma Análise da Coisa Julgada nas Ações Coletivas à Luz da Concepção Normativista de Relação Jurídica

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LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. Revista dos Tribunais, 2003.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada. Teoria geral das ações coletivas. 2. ed.rev., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

___________Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MARINONI, Luiz Guilherme, e Sérgio Cruz Arenhart. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª Edição, rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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TALAMINI, Eduardo. Partes, Terceiros e Coisa Julgada (os limites subjetivos da coisa julgada). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: RT, 2004.

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WATANABE, Kazuo. Tutela jurisdicional dos interesses difusos: a legitimação para agir/

GRINOVER, Ada Pellegrini (coordenadora). São Paulo: Max Limonad, 1984.

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Cristiane Carla Claro Frasson, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula

COMISSÕES DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA: DA ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA OBRIGATORIEDADE DA SUBMISSÃO DO DISSÍDIO INDIVIDUAL à COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO

PRÉVIA Cristiane Carla Claro Frasson18*

Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula19*

RESUMO

As Comissões de Conciliação Prévia foram instituídas por força da Lei nº 9.958 de 12 de Janeiro de 2000. Elas se apresentam como uma outra forma para a solução dos conflitos individuais do trabalho, cujo objetivo principal é o desafogamento da Justiça do Trabalho, que se encontra sobrecarregada quanto ao número de processos não liquidados. Assim, criou-se uma discussão acerca da obrigatoriedade da submissão dos dissídios individuais trabalhistas à Comissão de Conciliação Prévia antes de impetrar a própria Reclamação Trabalhista. Tem-se alguns entendimento que o direito de ação fica restringido por essa obrigatoriedade, baseando-se no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, e não poderia desta forma ser considerado como condição da ação. De outro lado, estão os doutrinadores que relatam ser apenas uma forma extrajudicial de solução desses conflitos e conseqüentemente ocorreria a diminuição das ações trabalhistas na Justiça do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVES: solução de conflitos; conciliação; comissão de conciliação prévia; mediação.

COMMISSIONS OF PREVIOUS CONCILIATION: of the constitutional analysis of the compulsory nature of the submission of the individual salary agreement to the

Commission of Previous Conciliation.

ABSTRACT

The Commissions of Previous Conciliation were instituted by force of the Law no. 9.958 of January 12, 2000. They come with an alternative form for the solution of the individual conflicts of the work, whose main objective is to drawn off the Justice of the Work, that one find overloaded comparing to the number of processes unliquidated. Like this, begins a discussion concerning the compulsory nature of the submission of the individual labor salary agreements to the Commission of Previous Conciliation before petitioning the own Labor Complaint. It is had some understanding that the right action is restricted by that compulsory nature, basing on the article 5th, XXXV, of the Federal Constitution, and it would not be able to this way to be considered as condition of the action. On another side, there are the masters telling that it’s just a form out side the law to the solution of those conflicts and consequently it would happen the decrease of the labor actions in the Justice of the Work.

KEYWORDS: solution of conflicts; conciliation; commission of previous conciliation; mediation.

18* Especialista em Direito do Trabalho (IDCC).19* Mestre em Direito (UEL). Professora (UNIFIL). Advogada.

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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de Conciliação Prévia

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. 2.1 Histórico. 2.2 Conceito. 3 DO DIREITO DE AÇÃO E A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. 3.1 Submissão da Causa Trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia: Faculdade ou Obrigatoriedade? 3.2 A Relevância da Forma de Conciliação Extrajudicial. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃOA Comissão de Conciliação Prévia foi criada pela Lei nº 9.958, de 12 de Janeiro

de 2000, e têm como objetivo a solução de uma forma mais ágil e rápida, por meio da conciliação, dos conflitos trabalhistas individuais existentes entre os empregados e seus empregadores, sendo considerada um meio alternativo “privado” extrajudicial, para a solução desses conflitos.

Ocorre atualmente um grande número de acordos que estão sendo homologados perante as Comissões de Conciliação Prévia e em sua grande maioria, os jurisdicionados não têm muito conhecimento do funcionamento, vantagens e desvantagens desses acordos.

A necessidade de submeter os conflitos individuais de trabalho à Comissão de Conciliação Prévia é considerada como condição da ação. Dentro deste contexto, afirma-se que estaria contrariando o direito de ação, capitulado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. No entanto, trata-se de um tema que merece um maior aprofundamento, sob pena de negar a própria existência de novos institutos que vêem ao encontro das necessidades da sociedade, razão pela qual trata-se de um tópico relevante a ser tratado ao longo deste trabalho.

A obrigatoriedade da submissão do dissídio individual perante a Comissão tem sido vista como uma norma ditatorial, e não como justificativa para amenizar o volume de reclamações trabalhistas na Justiça do Trabalho, assim se estabelece uma questão: Comissão de Conciliação Prévia, solução ou coação? O que há na Constituição Federal do Brasil acerca da Comissão de Conciliação Prévia?

No decorrer do presente trabalho, após a individualização do objeto, foi feita a apresentação das formas extrajudiciais de solução dos conflitos individuais trabalhistas, com suas características, um breve histórico, suas formas de constituição e a natureza jurídica das Comissões de Conciliação Prévia, e finalizando o trabalho, foi discorrido acerca do direito de ação e a Comissão de Conciliação Prévia, sobre a submissão da demanda trabalhista à esta, ser uma faculdade ou obrigatoriedade, o entendimento jurisprudencial, e a relevância da forma de conciliação extrajudicial.

A presente pesquisa ocupou-se do método dedutivo, tendo sido utilizadas obras acadêmicas referentes ao tema, pesquisas jurisprudenciais e outras técnicas próprias da pesquisa jurídica.

2 DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA

2.1 Histórico

Comissão é derivada do latim “commissio”, de “commitere”, significa não somente a ação de unir, concurso, como também a ação de confiar, de entregar.

E, neste duplo sentido de união ou concurso para um fim determinado ou de auxílio ou cooperação na execução de determinados misteres, que possui o vocábulo, na linguagem jurídica, uma variedade de acepções.

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O termo conciliação também provém do latim “conciliatio”, de “conciliare”; significando, harmonizar, compor, ajustar, segundo De Plácido e Silva (2001, p.183):

Na Justiça do Trabalho, entende-se por conciliação, aquele ato, onde o Juiz oferece ao Reclamante e ao Reclamado as bases para a composição de seus interesses em conflito.Dos textos mais antigos que se tem notícias, tem-se a Recomendação n.º 94, de 1952, da antiga Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Onde Barros, F. (2009) pronuncia-se acerca de tal tema:

[...] conforme bem informa o Min. João Oreste Dalazen (1), que prescrevia, àquela época, a criação de organismos de consulta e colaboração entre empregadores e trabalhadores, no âmbito da empresa, para prevenir ou conciliar as respectivas controvérsias, excluindo de suas atribuições apenas as questões compreendidas no campo da negociação coletiva, por se tratarem estas de competência dos Sindicatos. Além do mecanismo antes mencionado, outro, mais recente, veio a demonstrar, pela letra das orientações da OIT, o reflexo da necessidade de se criarem meios de solução de dissídios e controvérsias trabalhistas por meio da negociação extrajudicial. Assim, a OIT, através da Convenção 154/81, estabeleceu como princípios o reconhecimento mútuo da representatividade, a aceitação da legitimação e o reconhecimento da predisposição das partes de estabelecer um processo de comunicação fundado no diálogo franco, leal e objetivo, orientado para o fim de se conciliar.

Em 1994, nos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista Rural (VASCONCELOS, 1995, p.99), na cidade histórica de Patrocínio/MG, as Comissões de Conciliação Prévia começaram as suas atividades, e, em quatro anos de funcionamento atenderam mais de 44.000 mil causas, fazendo desta forma, com que a Justiça do Trabalho notasse a grande necessidade da legalização de tal instituto, para que ocorresse a diminuição dos processos que tramitavam na Justiça do Trabalho.

Segundo Alice Monteiro de Barros (2002, p.936):

[...] esses projetos previam a obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia, como requisito para o ajuizamento da ação, a qual não representa ineditismo, mesmo porque desde a Constituição do 1824 (art. 161) já se preceituava que os juízes de paz estavam investidos da função conciliatória prévia, a qual constituía condição obrigatória para o exercício de qualquer processo.

Dessa forma, o Presidente da República enviou à Câmara dos Deputados a mensagem n.º 500, de 28 de julho de 1998, que posteriormente foi transformada no Projeto de Lei n.º 4.694/98, que acrescentava dispositivos à CLT, dispondo sobre as Comissões de Conciliação Prévia em empresas privadas, públicas e entes públicos que admitirem trabalhadores sob o regime da CLT, (para empresas com mais de 50 (cinquenta) empregados). Tal Projeto de Lei, após sofrer várias modificações, originou à Lei n. 9.958/2000, conforme Maciel (2002, p.178) o anteprojeto, que ensejou a referida lei, teve origem em sucessivos trabalhos existentes sobre a matéria, dentre

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eles o de comissão, criada pela Academia Nacional de Direito do Trabalho, composta por Arnaldo Süsselind, Segadas Vianna e Haddock Lobo.

A Comissão de Conciliação Prévia foi introduzida pela Lei nº 9.958, de 12 de Janeiro de 2000, que passou a vigorar em 12 de abril, do mesmo ano, acrescentando o Título VI-A à Consolidação das Leis do Trabalho, podendo ser instituída por empresas ou sindicatos, com composição paritária, integrando representantes dos empregados e dos empregadores, com atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. A criação das Comissões de Conciliação Prévia, assim como dos Juizados Especiais de Pequenas Causas Trabalhistas, é uma reivindicação antiga da doutrina, de forma a diminuir o grande volume de ações trabalhistas na Justiça do Trabalho, apesar deste último ainda não ter sido concretizado.

E assim conclui Altamiro J. dos Santos (2001, p.164):

conclui-se que a projeção dos antecedentes históricos do instituto da conciliação trabalhista é altamente relevante para melhor compreensão de seu alcance nas dimensões da vida pessoal, familiar, profissional, econômica, social, cultural e científica na conviviologia e harmonia social entre os sujeitos da relação de emprego. Defende-se a criação da Comissão de Conciliação Prévia, sob a denominação ‘Conselho de Conciliação Prévia Extrajudicial’, com o perfil, a sistematologia, os princípios e as características adotadas na Lei n. 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que acrescentou o Título VI-A, arts. 625-A usque 625-H, deu nova redação ao art. 876 e ainda acrescentou o art. 877-A à Consolidação das Leis do Trabalho.

Para Melhado (2005), os antecedentes históricos que ensejaram às negociações para as Comissões de Conciliação Prévia foram conseqüências das organizações sindicais que eram precárias e da crise mundial, conforme expõe:

[...] a história de nossas organizações de trabalhadores confunde-se com a sombria história do autoritarismo do Estado brasileiro e das forças conservadoras que o dominam e dominaram ao longo deste século que se esvai. Os sindicatos brasileiros ostentam até hoje a feição obtusa do fascismo. Não foram forjados como resultado concreto das lutas operárias do início do século. Ao contrário, nasceram no Estado Novo fundamentalmente para inibir a eclosão o movimento operário autônomo e libertário. Sofreram intervenções diretas no regime militar de 64 e, ao lado de toda a sociedade civil, padeceram o exílio da liberdade, a ausência de debate político, o embrutecimento da vida institucional, a castração dos partidos políticos. Com os mesmos defeitos atávicos, baseados na contribuição sindical compulsória e na unicidade artificial, passaram pela Constituinte incólumes e defrontam-se com a crise hodierna do capitalismo da mundialização: perda da centralidade do trabalho, novas formas de organização da produção, toyotização da indústria, e-commerce, teletrabalho, desemprego, fusões, incorporações, gigantismo empresarial e os novos monopólios, o depauperamento do poder do Estado nacional e o fim do seu perfil de bem-estar do ideário keynesiano e social-democrata. Exatamente neste

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contexto de precariedade das organizações sindicais e crise mundial de paradigmas, exsurge a Lei no 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que retira do aparelho de Estado a conciliação dos conflitos oriundos das relações entre capital e trabalho, confiando-os aos sindicatos e aos próprios atores sociais, no interior da empresa. Cuida-se de proposta que deve ser analisada sem preconceitos, que contém méritos importantes, mas em última análise corresponde à realização de um projeto ideológico em que a hegemonia do neoliberalismo se evidencia.

E por fim, a análise de Giglio (1982, p.11), conforme a legislação brasileira:

Os termos ‘conciliação’ e ‘acordo’, este no sentido daquele, vêm consignados em mais de uma dezena de artigos da Consolidação do Trabalho, em cerca de vinte incisos legais, o que revela não só a importância que o legislador vota ao assunto, com também a origem da CLT, amálgama de textos esparsos, sem muita coerência lógica, estrutural ou científica. [...] A importância dada à conciliação é tanta que Mozart Victor Russomano chega a qualificá-la de característica do processo trabalhista, e Eduardo Gabriel Saad a eleva à condição de princípio orientador desse ramo processual.

Assim, com essa grande conquista dos empregados e empregadores, a Justiça do Trabalho foi uma das partes mais privilegiadas, pois conforme acima descrito diminuiu o número de ações trabalhistas que são proposta na Justiça do Trabalho. Empregados e empregadores comemoram o fim de uma grande batalha, que era a lentidão que acompanhava os conflitos individuais de trabalho, tendo desta forma, uma solução rápida e satisfatória para tais conflitos.

2.2 ConceitoO conceito dado pela CNI – Confederação Nacional da Indústria (CARTILHA,

2000, p.9), é a seguinte: “A Comissão de Conciliação Prévia é um organismo de conciliação extrajudicial, de composição paritária, no âmbito das empresas ou grupos de empresas e no âmbito dos sindicatos, não possuindo qualquer relação administrativa ou jurisdicional com o Ministério do Trabalho e não estando subordinados a qualquer registro ou reconhecimento de órgãos públicos”.

Para Giglio (2003), a conciliação tem um conceito mais amplo do que o acordo, significando entendimento, recomposição de relações desarmônicas, desarme de espírito, compreensão, ajustamento de interesse, e, o acordo é apenas a conseqüência material.

Benedetti Junior (2009), explica:

[...] a Comissão de Conciliação Prévia é um organismo de conciliação extrajudicial, de composição paritária, no âmbito das empresas ou grupo de empresas e no âmbito dos sindicatos, não possuindo qualquer relação administrativa ou jurisdicional com o Ministério do Trabalho e Emprego ou com a Justiça do Trabalho e não estando subordinados a qualquer registro ou reconhecimento de órgão públicos. [...] a conciliação não é, propriamente, uma técnica para solução de conflitos, assim, como não é o julgamento. As técnicas são: a mediação, a arbitragem e o processo. A conciliação é uma solução para o conflito, aceita pelas partes, que tanto

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pode ocorrer em uma das técnicas criadas para a solução de conflitos quanto fora delas.Em síntese, pode-se concluir que, a Comissão de Conciliação Prévia é um instituto privado e facultativo, onde se busca a conciliação de empregado e empregador sem a interferência do poder estatal, podendo ser constituída no âmbito sindical ou no âmbito das empresas. Sendo que, conciliado as partes, privilegiou a autonomia da vontade destas, impossibilitando, assim, que um terceiro proferisse uma decisão para o conflito.

Segundo diz o artigo 625-A, in fine, da CLT, as Comissões de Conciliação Prévia tem a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho entre patrões e empregados, buscando desta forma, a solução extrajudicial dos conflitos individuais do trabalho, sempre ao lado da função jurisdicional do Estado, e não como substituto desta.

Mello (2009) ensina que está implícita outra finalidade paralela das Comissões de Conciliação Prévia, que é, diminuindo-se o número de ações individuais, propiciar a concreção do procedimento sumaríssimo, pois este, embora razoavelmente estruturado pela Lei 9957/2000, só terá eficácia quando se tiver um número menor de reclamações; aliás, como se sabe, os dois projetos de lei – das Comissões e do procedimento sumaríssimo – foram discutidos conjuntamente, cujo objetivo final de ambos era encontrar fórmulas para permitir à Justiça do Trabalho atuar de forma célere e eficaz...

Desta forma, buscou-se uma maior atuação das Comissões de Conciliação Prévia para que a mesma consiga diminuir o número de processos que tramitam perante a Justiça do Trabalho.

Neste mesmo sentido Robortello (1997, p.206) alerta sobre a lentidão da Justiça do Trabalho:

[...] outrora o empregado ameaçava o patrão com uma reclamação na Justiça do Trabalho; na atualidade, o patrão é que o ameaça com a demorada solução judicial, fruto das deficiências do sistema judiciário, levando o empregado reclamante a aceitar acordos judiciais irrisórios, motivados pela premente necessidade de sobrevivência e pela expectativa de longa demora na solução judicial do conflito...

Já o professor-doutor Souto Maior (2002, p.18) afirma que:

a conciliação não é, propriamente, uma técnica para a solução de conflitos, assim, como não é o julgamento. As técnicas são: a mediação, a arbitragem e o processo. A conciliação é uma solução para o conflito, aceita pelas partes, que tanto pode ocorrer em uma das técnicas criadas para a solução de conflitos quanto fora delas.

As Comissões de Conciliação Prévia buscam sempre o diálogo entre as partes, e consequentemente estão sempre abertas as negociações.

Pode se dizer que, a Comissão de Conciliação Prévia é um instituto “privado e tem sua constituição facultativa”, onde se busca a conciliação de empregado e empregador sem a interferência do poder estatal, podendo ser constituída no âmbito sindical ou no âmbito das empresas. Sendo que, conciliado as partes, privilegiou a autonomia de vontade das partes, impossibilitando, assim, que um terceiro proferisse uma decisão para o conflito, ao contrário do que acontece na Arbitragem.

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3 DO DIREITO DE AÇÃO E A COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA

3.1 Submissão da Causa Trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia: Faculdade ou Obrigatoriedade?

Conforme o art. 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho, delineado pela Lei 9958/2000, esboça que:

Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.(CARRION, 2001)

A discussão mais relevante acerca do aludido dispositivo legal é sobre a sua inconstitucionalidade. Ao defrontar-se com o direito de ação, surge a dúvida sobre estar ou não restringindo aquele direito, pelo fato de entender-se obrigatória a submissão do pleito primeiramente à Comissão de Conciliação Prévia.

Estabelece o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (CAHALI, 2003): “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.”

Tal dispositivo visa garantir a todos o direito de ação. Assim, é sabido que a Magna Carta assegura a inafastabilidade do direito de ação em caso de lesão ou ameaça de direito. Pois se trata de um direito absoluto, sendo seu exercício condicionado a certos requisitos, como já ocorre na Teoria Geral do Processo, no seu art. 267, VI do Código de Processo Civil (CAHALI, 2003):

Art. 267- Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.O entendimento mais plausível, respeitando-se opiniões contrárias, é que o art. 625-D da CLT, não guarda inconstitucionalidade, uma vez que não institui obrigatoriedade de submissão à Comissões de Conciliação Prévia antes da propositura da ação no foro judicial.

Na interpretação literal do art. 625-D, pode-se notar que o legislador usou o termo “será”, caracterizando, desta forma, a faculdade. No entanto se o mesmo buscasse a obrigatoriedade, teria utilizado o termo “deverá ser”, para caracterizar a obrigatoriedade de submissão.

Segundo Ribeiro (2009):

Soa incongruente a afirmação de que o empregado seria obrigado a encaminhar sua pretensão à Comissão de Conciliação, mas não seria obrigado a comparecer à sessão de conciliação. E mais esta: se o empregado tem a faculdade de comparecer à sessão de conciliação (a ausência não é cominada), não pode o exercício desta faculdade rivalizar com a pretensa obrigatoriedade de encaminhamento da pretensão à Comissão... Como o empregado pode negociar uma solução conciliatória, ele também pode não a desejar. E, não a desejando, exteriorizará essa sua vontade, esse seu interesse, encaminhando ao Estado-Juiz a sua pretensão.

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O entendimento de Lopes (2000, p. 92):

A exigência da tentativa prévia de conciliação perante órgão extrajudicial mediador, de forma nenhuma macula o princípio constitucional do acesso ao Judiciário, e nem pode ser comparada a uma instância administrativa prévia, já que não há qualquer julgamento por órgão administrativo, mas mera mediação por representantes dos litigantes. Ademais, todo esse procedimento que vai da apresentação da demanda perante a Comissão e a reunião de conciliação, encontra-se nos lindes do razoável, já que não consome mais de 10 dias (art. 625-F da CLT), não causando prejuízo ao direito de acessar o Judiciário.

O § 1º do art. 764 da CLT, como também os arts. 846 e 847 da CLT, estabelecem que: “...aberta a audiência, o juiz proporá a conciliação...”.

Com isso, apenas se não houver acordo, o reclamado será instigado a apresentar sua defesa, com todas as exceções e preliminares cabíveis.

Desta forma, antes mesmo de ser possível à arguição defensiva de eventual não submissão à Comissão de Conciliação Prévia, o juiz terá que provocar as partes à conciliação judicial, de modo que, havendo êxito, sequer a defesa será oferecida, uma vez frustrada a tentativa judicial de ajuste. Fica demonstrado como seria infrutífera, novamente a submissão ao órgão extrajudicial.

O conceituado professor Martins Filho (2009, p.166) cita que:

A pretensa inconstitucionalidade, vislumbrada por alguns, na obrigatoriedade da passagem prévia da demanda perante a Comissão de Conciliação, não tem qualquer procedência. As Comissões de Conciliação Prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, na medida em que são apenas instâncias prévias conciliatórias, em que a comissão deve dar resposta à demanda em 10 dias (CLT, art. 625-F), o que, de forma alguma, representa óbice ao acesso ao Judiciário. O próprio Supremo Tribunal Federal, em questão análoga, referente à imposição, por lei, da necessidade do postulante de benefício comunicar ao INSS a ocorrência do acidente, como condição da ação indenizatória, com vistas a uma possível solução administrativa da pendência, entendeu que não há inconstitucionalidade na criação da condição (cf. RE 144.840-SP, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 02.04.96, informativo nº 25 do STF). Assim, a nova lei exige que, nas localidades ou empresas onde houver comissão de conciliação prévia instituída, o empregado apresente sua demanda à comissão para apreciação prévia (CLT, art. 625-D), constituindo a exigência pressuposto processual para o ajuizamento da ação trabalhista, caso não seja bem sucedida a conciliação. A negociação prévia passará a ser exigida tanto para os dissídios coletivos quanto para os dissídios individuais, como forma de se prestigiar as soluções autônomas dos conflitos trabalhistas.

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Da mesma forma ensina Alexandre Nery de Oliveira (2003, p.195):

Ilógico, a todo modo, portanto, que o juiz deixasse de provocar as partes à conciliação judicial, ou de homologar acordo perante o Juízo manifestado, como determina a Lei, apenas pelo fato de não haver sido a questão submetida à prévia conciliação de órgão extrajudicial, se nada houver estabelecido estar a mesma como efetiva condição para a ação trabalhista. Seria, mas que tudo, divorciar-se na realidade social e impor às partes uma obrigação não estabelecida por Lei, e mais ainda, declarar, indiretamente, nulidade na propositura da demanda quando desta suposta (mas não efetiva, frise-se) nulidade não resultaria qualquer prejuízo, à luz do artigo 794 e seguintes da CLT, já que se há o ânimo algum para a conciliação judicial, igualmente não estarão presentes às condições para a conciliação perante a Comissão de Conciliação Prévia.

Desta feita, o entendimento mais aceitável, é de que o art. 625-D não traz nenhuma inconstitucionalidade, porquanto não institui obrigatoriedade de submissão dos conflitos individuais do trabalho a tais Comissões de Conciliação Prévia.

Conclui o magistrado Melhado (2005):

Em princípio, a interpretação literal da norma constitucional do art. 5º, inciso XXXV, acima transcrita, em cotejo como o novel art. 625-D, da Consolidação, inspira uma conclusão imediata. É inconstitucional a subordinação do processo judicial à conciliação prévia, por representar inibição do exercício do direito de ação e portanto ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, consagrado como cláusula pétrea da Carta de 1988.Sem embargo, o direito deve ser visto como uma ciência (será?) aberta a dialética da realidade humana. Não seria insensato, com efeito, que a norma constitucional inscrita no inciso XXXV do art. 5º fosse interpretada em outros termos. Poder-se-ia dizer, por exemplo, que a Lei 9.958 não está excluindo a apreciação de qualquer matéria pelo Poder Judiciário: apenas condiciona-o através de medida singela, acessível a qualquer cidadão, que além de tudo poderia evitar a tentativa de conciliação prévia por qualquer “motivo relevante” (§ 3º do art. 625-D).

A passagem do empregado pelas Comissões Conciliação Prévia representa, acima de tudo, um ato pedagógico na busca do diálogo direto entre empregado e empregador, visando a concretização de importante paradigma para as modernas relações de trabalho.

Mas alguns juristas possuem entendimento diferenciado, e relatam que a passagem primeiramente à Comissão de Conciliação Prévia é obrigatória.

Martins (2001, p. 38) descreve:

Emprega o art. 625-D da CLT o verbo ser, no imperativo. Isso indica que o empregado terá de submeter sua reivindicação à comissão antes de ajuizar a ação na Justiça do Trabalho. O § 2º do mesmo artigo também usa o verbo dever no imperativo para efeito de juntar com a petição inicial da reclamação trabalhista a declaração frustrada da tentativa de conciliação.

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Nota-se que o procedimento instituído representa condição da ação para o ajuizamento da reclamação trabalhista. Trata-se de hipótese de interesse de agir, que envolve o interesse em conseguir o bem por obra dos órgãos públicos.Reza o inciso VI do art. 267 do CPC que o processo é extinto sem julgamento de mérito quando não concorrer qualquer das condições da ação, “como...”. Isso demonstra que as condições da ação não são apenas a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual, sendo a determinação legal exemplificativa e não exaustiva. A lei poderá estabelecer outras condições para o exercício do direito de ação.

E ainda prossegue:

O procedimento criado pelo art. 625-D da CLT não é inconstitucional, pois as condições da ação devem ser estabelecidas em lei e não se está privando o empregado de ajuizar a ação, desde que tente a conciliação. O que o inciso XXXV do art. 5º da Constituição proíbe é que a lei exclua da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito, o que não ocorre com as comissões prévias de conciliação.

O autor deixa visível a sua posição com relação à obrigatoriedade da tentativa de conciliação, antes do ingresso na Justiça do Trabalho, mas também esclarece acerca da inconstitucionalidade. Pois como vários outros juristas, menciona que o art. 625-D não é inconstitucional, apenas é uma condição da ação, que por sua vez está estabelecida em lei, e não está privando o empregado de ajuizar a ação, desde que tente antes a conciliação nas Comissões de Conciliação Prévia.

O professor Mello (2009) ensina:

[...] não há falar em qualquer inconstitucionalidade, porque, como é preciso ressaltar, a negociação coletiva foi prestigiada pela Constituição, que para sua validade, promoveu o sindicato como partícipe obrigatório do seu processo, como condição de validade da avença (art. 8º, inciso II). Assim, se as partes negociam coletivamente a criação da Comissão Conciliatória, como instrumento prévio para tentativa da solução do conflito individual fora do Judiciário (e não obrigação), nenhuma inconstitucionalidade existe capaz de macular a sua efetivação.

Assim fica explícito que a criação das Comissões de Conciliação Prévia é uma faculdade dos próprios empregados, e não há como caracterizar a inconstitucionalidade neste processo.

Conforme o já citado art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, a lei proíbe a exclusão da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, mas o fato, é que isso não ocorre nas Comissões de Conciliação Prévia, pois somente é feita uma tentativa de conciliação.

Ainda segundo o professor Mello (2009), não há inconstitucionalidade, como ensina:

A pretensa inconstitucionalidade, vislumbrada por alguns, na obrigatoriedade da passagem prévia da demanda perante a Comissão

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de Conciliação Prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, na medida em que são apenas instâncias prévias conciliatórias, em que a comissão deve dar resposta à demanda em 10 dias (CLT, art. 625-F), o que, de forma alguma, representa óbice ao acesso ao Judiciário...Assim, não há que se pretender que seja inconstitucional a passagem obrigatória dos litigantes na Comissão Conciliação Prévia. A nova lei exige que, nas localidades ou empresas onde houver comissão instituída, o empregado apresente sua demanda à Comissão para apreciação prévia (CLT, art. 625-D), constituindo a exigência pressuposto processual para o ajuizamento da ação trabalhista, caso não seja bem sucedida a conciliação. A negociação prévia passará a ser exigida tanto para os dissídios coletivos quanto para os dissídios individuais, como forma de se prestigiar as soluções autônomas dos conflitos trabalhistas.

Da ausência do Termo Tentativa de Conciliação, fornecido pelas Comissões de Conciliação Prévia, segundo Martins (2001, p. 40):

Se o empregado não passar pela Comissão de Conciliação antes de ajuizar a ação, o juiz irá devolver os autos à comissão para que esta proceda à conciliação, mas irá extinguir o processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI, do CPC), por não atender à condição da ação estabelecida na Lei (tentativa de conciliação pela comissão).

Desta forma, alguns autores admitem a extinção do processo sem julgamento de mérito, e outra parte não acha necessário tal procedimento, devendo a reclamação trabalhista seguir seus trâmites normais. Muitos são os entendimentos acerca da ausência do Termo de Tentativa de Conciliação, conforme será analisada no tópico seguinte.

3.2 A Relevância da Forma de Conciliação ExtrajudicialO art. 625-A da CLT relata que as Comissões de Conciliação Prévia têm a

atribuição de tentar a conciliação dos conflitos individuais trabalhistas. Essa atribuição é extremamente importante na busca da solução extrajudicial

dos conflitos individuais de trabalho, ao lado da função jurisdicional do Estado, e não como substitutivo desta.

Um dos maiores benefícios que as Comissões de Conciliação Prévia podem trazer é a diminuição dos números de ações trabalhistas, que serão propostas na Justiça do Trabalho, visto que, as Comissões de Conciliação Prévia irão buscar a solução do litígio individual trabalhista, através da conciliação. Ocorrendo uma melhora na prestação jurisdicional.

Com essa tentativa de conciliação, que é proposta pelas Comissões de Conciliação Prévia, haverá consequentemente um maior estímulo com relação ao diálogo entre empregadores e empregados, que terão como incentivo a melhor alternativa para a solução do litígio, visando à exclusão de despesas adicionais para ambos.

Uma vez conciliado perante as Comissões de Conciliação Prévia, o empregador não precisará dispor de numerários para a contratação de um profissional da área do direito para apresentação de sua contestação. Já o empregado pagará para o seu advogado, quantia menor, pois não necessitará de submissão da reclamação trabalhista à Justiça do Trabalho, e as audiências que ocorrem na Comissão de Conciliação Prévia são informais, não tendo a necessidade de um maior preparo.

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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de Conciliação Prévia

Quando o litígio individual trabalhista, é submetido a Comissão de Conciliação Prévia, o empregador será apenas notificado pela Comissão, da data da audiência de conciliação. Nesta audiência será proposta a conciliação pelos conciliadores, não tendo, o empregado, a necessidade de apresentar defesa, também não será preciso a presença de advogado. Tendo assim o empregador, a faculdade de comparecer ou não.

Mas essas facilidades não são observadas por muitos, que desprezando essa forma de conciliação, não se apresentam para a tentativa de conciliação.

Se o empregado não passar primeiramente pela Comissão de Conciliação Prévia, são inúmeras as jurisprudências que extinguem o processo sem julgamento de mérito, ou pode ocorrer situações que o magistrado dá prosseguimento ao feito sem qualquer penalidade, visto que na Lei 9958/2000 não previu nenhum tipo de sanção.

Há desta forma, uma grande divergência a esse respeito, não seria sensato a constituição de um órgão que visa garantir os direitos dos empregados e empregadores, com maior celeridade de processo e menor custo, que não seja utilizado, questionando-se a vantagem desta lei.

Assim, segue os doutrinadores e magistrados, buscando uma solução pacífica e equilibrada acerca da obrigatoriedade de submissão do dissídio individual trabalhista perante as Comissões de Conciliação Prévia.

A exigência do pressuposto de submissão às Comissões de Conciliação Prévia, não significa, no entanto, privação ao direito de ação, conforme relata Mello (2009):

A exigência desse pressuposto, no entanto, não significa vedação ao direito de ação, porque o legislador infraconstitucional será reservada a competência para criar pressupostos processuais, desde que os mesmos não impeçam o exercício do direito de ação. No caso, a juntada da certidão Negativa de Conciliação corresponde a um pressuposto processual de validade da relação processual, que é a petição inicial apta para o conhecimento da demanda.

Contudo seguem os conflitos sobre as Comissões de Conciliação Prévia, pois com o aumento do número de ações trabalhistas e a demora da solução jurisdicional, fica explícito a necessidade de uma solução rápida para amenizar tal problema.

Sendo as Comissões de Conciliação Prévia um órgão privado que visa somente a conciliação, em processos de menor complexidade, de forma simples, rápida e barata, que busca a parceria, ao invés da conflitualidade que prevalece na Justiça do Trabalho.

Desta forma, a discussão sobre a inconstitucionalidade alegada por alguns poderá ser sobreposta pela necessidade de uma solução rápida e barata, uma vez que, a Previdência Social ainda não está fiscalizando as negociações realizadas perante as Comissões de Conciliações Prévia.

Assim demonstra Mello (2009):

As Comissões de Conciliação Prévia representam importante paradigma para o Direito do Trabalho, não somente no tocante à solução dos conflitos individuais de trabalho, mas em especial com relação à efetivação de um dos mais importantes aspectos da liberdade sindical, que é a representação rela dos trabalhadores nos locais de trabalho.

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Segundo o entendimento do autor acima citado, poderá não somente diminuir as ações trabalhistas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, como por outro lado, fazer com que os empregados percebam que possuem uma maior representação frente aos empregadores.

4 CONCLUSÃO

1. O aumento dos números de conflitos individuais laborais e a demora da solução jurisdicional são fatos indiscutíveis que reclamam por alterações imediatas nas formas de solução de tais conflitos, mediante ruptura da dogmática enraizada no sistema pátrio de relações de emprego, voltada para a atuação estatal como solução ideal.

2. Surgem 2 (duas) formas extrajudiciais de conciliação; a mediação ou conciliação e a arbitragem. Mediação ou conciliação, é a forma extrajudicial de solucionar conflitos, sem a imposição de qualquer forma de acordo. Arbitragem é uma forma extrajudicial, que possui como características a celeridade, o informalismo, o confidencialismo ou sigilo, a confiabilidade e a flexibilidade, tendo como ponto marcante à imposição da solução apresentada pelo árbitro.

3. A Comissão de Conciliação Prévia é um organismo de conciliação extrajudicial privada, de entes independentes com função conciliatória, formada a partir de uma composição paritária de empregados e empregadores, no âmbito das empresas ou grupo de empresas ou ainda sindicatos, que tem como objetivo aproximar as partes que se encontram em conflito de natureza trabalhista, não se estendendo aos conflitos coletivos, buscando sempre a conciliação.

4. Não há espaço para a alegação de inconstitucionalidade da norma legal do art. 625-D, da CLT, que exige a conciliação prévia como pressuposto processual ao ajuizamento da reclamação trabalhista individual. Inconstitucional afigura-se o sistema processual atual, que possibilita a eternização das demandas judiciais, como obstáculo ao verdadeiro direito de ação.

5. O direito de ação, e o acesso ao Judiciário, conforme art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, não fica lesionado com a Comissão de Conciliação Prévia, pois somente se procede, com uma tentativa conciliatória que poderá ser ou não aceita pelas partes.

6. As Comissões de Conciliação Prévia visam somente à conciliação, de forma simples, rápida e atualmente com baixo custo, que busca a parceria, ao invés da conflitualidade que prevalece na Justiça do Trabalho. Trata-se de um procedimento que descarta a forma impositiva, caminhando para a forma da conjugação de interesses.

7. A Comissão de Conciliação Prévia implica em um amadurecimento do poder de representação tanto por parte dos empregados como dos empregadores.

8. Na análise jurisprudencial, nota-se que os entendimentos são variáveis acerca da ausência do termo de conciliação. Alguns se posicionam pela extinção do processo sem julgamento de mérito, visto a ausência dos requisitos do art. 267, VI do CPC. Outros, pelo suprimento da ausência da tentativa conciliatória perante as Comissões de Conciliação Prévia, em razão da conciliação feita em juízo.

9. Existe a necessidade do aperfeiçoamento do referido instituto, principalmente no que diz à forma de sua criação e constituição, a fim de que não se promova através das Comissões de Conciliação Prévia a fraude à Lei.

10. Assim tornou-se conclusivo que as Comissões de Conciliação Prévia não gera inconstitucionalidade, apesar de ser uma condição da ação, não obstrui o direito de impetrar a Reclamação Trabalhista perante a Justiça do Trabalho. Pode-se dizer que as Comissões de

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Comissões de Conciliação Prévia: da Análise Constitucional da Obrigatoriedade da Submissão do Dissídio Individual à Comissão de Conciliação Prévia

Conciliação Prévia são um elo de ligação entre a Justiça do Trabalho e o conflito individual trabalhista.

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Demétrius Coelho Souza

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

Demétrius Coelho Souza20*

RESUMO

O presente artigo objetiva esclarecer alguns aspectos em torno do que se convencionou chamar de constitucionalização do direito civil. Analisa-se a aplicabilidade dos valores constitucionais no âmbito do direito das obrigações, apresentando, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, os pontos tidos como mais importantes nesse ramo do direito civil.

PALAVRAS-CHAVE: Valores. Constitucionalização. Direito Civil. Obrigações.

THE CONSTITUTIONALIZATION OF CIVIL LAW AND ITS CONSEQUENCES IN THE LAW OF OBLIGATIONS

ABSTRACT

The present essay aims to point out some aspects involving what is called constitutionalization of civil law. After that, the essay analyses the applicability of constitutional values concerning the civil law, more specifically in the field of obligations. Not intending to run out of the theme, the essay points out the most relevant issues in this very important branch of civil law.

KEYWORDS: Values. Constitutionalization. Civil Law. Obligations

SUMÁRIO

1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL. 2 O CONSTITUCIONALISMO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO CIVIL. 3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS CONTRATOS. 4 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

A constitucionalização do direito civil no Brasil “é um fenômeno doutrinário que tomou corpo principalmente a partir da última década do século XX, entre os juristas preocupados com a revitalização do direito civil e sua adequação aos valores que tinham sido consagrados na Constituição de 1988, como expressões das transformações sociais” (LÔBO, 2008, p.18)21 Esses valores, desnecessário dizer, devem nortear todo o ordenamento jurídico e refletir em todas as suas normas.

20* Mestre em Direito (UEM). Especialista em Direito Empresarial (UEL). Especialista em Filosofia Política e Jurídica (UEL) e Especialista em Direito Civil e Processual Civil (UEL). Professor (PUCPR, UNIFIL). Advogado.

21 No mesmo sentido, manifesta-se Luis Roberto Barroso: “Ao longo do século XX, com o advento do Estado social e a percepção crítica da desigualdade material entre os indivíduos, o direito civil começa a superar o individualismo exacerbado, deixando de ser o reino soberano da autonomia da vontade. Em nome da solidariedade social e da função social das instituições como a propriedade e o contrato, o Estado começa a interferir nas relações entre particulares, mediante a introdução de normas de ordem pública. Tais normas se destinam, sobretudo, à proteção do lado mais fraco da relação jurídica, como o consumidor, o locatário, o empregado. É a fase do dirigismo contratual que consolida a publicização do direito privado”. In: Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 368.

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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações

Melhor explicando, o Código Civil de 1916, eminentemente patrimonialista, já não se mostrava suficiente para atender as mudanças sofridas pela sociedade brasileira, notadamente após o advento da Constituição Federal de 1988, que, com acerto, estabeleceu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF/88, art. 1º, inc. III).

Sob essa perspectiva, pode-se afirmar, com base nas lições de Eugênio Facchini Neto, que “a constitucionalização do direito civil decorre a migração, para o âmbito privado, de valores constitucionais, dentre os quais, como verdadeiro primus inter paris, o princípio da dignidade da pessoa humana. Disso deriva, necessariamente, a chamada despatrimonialização do direito civil. Ou seja, recoloca-se no centro do direito civil o ser humano e suas emanações. O patrimônio deixa de estar no centro das preocupações privatistas [...], sendo substituído pela consideração com a pessoa humana. Daí a valorização, por exemplo, dos direitos de personalidade, que o novo Código Civil brasileiro emblematicamente regulamenta já nos seus primeiros artigos, como a simbolizar uma chave de leitura para todo o restante do estatuto civil” (FACCHINI NETO, 2006, p.34-35).

A constitucionalização do direito civil representa, pois, o regramento da vida à luz do que se considera de suma importância para um bom e adequado convívio social, a lembrar que “de todos os ramos jurídicos são o direito civil e o direito constitucional os que mais dizem respeito ao cotidiano de cada pessoa humana e de cada cidadão, respectivamente. As normas constitucionais e civis incidem diária e permanentemente, pois cada um de nós é sujeito de direitos ou de deveres civis em todos os instantes da vida, como pessoas, como adquirentes e utentes de coisas e serviços ou como integrantes de relações negociais e familiares. Do mesmo modo, em todos os dias exercemos a cidadania e somos tutelados pelos direitos fundamentais. Essa característica comum favorece a aproximação dos dois ramos [...]” (LÔBO, 2008, p.19).

Dito de outro modo, o Direito Civil como um todo deixa de voltar seus esforços apenas para o patrimônio, passando a alocar a pessoa no centro de suas atenções, dando guarida, especialmente, à igualdade, à integridade física e moral (psicofísica), à liberdade e à solidariedade.22 Daí a importância de serem observadas as normas contidas na Constituição Federal de 1988, principalmente arts. 1º e 3º, que tratam, respectivamente, dos fundamentos e dos objetivos da República Federativa do Brasil, pois a ideologia social, traduzida em valores de justiça social ou de solidariedade, passou a dominar o cenário constitucional do século XX, como já observado.

Assim, na correta colocação de Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p. 1), “o direito civil ressurge como sistema jurídico fundamental de realização cotidiana da dignidade da pessoa humana23, que passa a ter primazia sobre as relações patrimoniais, que eram hegemônicas nas

22 Melhor explicando, “O substrato material da dignidade desse modo entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não ver a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica –, da liberdade e da solidariedade”. MORAES, Maria Celina Bodin de. O Conceito de Dignidade Humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.119 .

23 “A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana”. In: Recurso Especial nº 869843-RS, 1ª Turma do STJ, relator Ministro Luiz Fux, julgado em 18.09.2007, publicado no Diário da Justiça de 15.10.07, p. 243. Luiz Antônio Rizzato Nunes, de sua parte, observa que “a dignidade é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo”. In: O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46.

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Demétrius Coelho Souza

codificações liberais. Sua unidade não está mais enraizada nos códigos civis, mas no conjunto de princípios e regras que se elevaram à Constituição e aos tratados internacionais, em torno dos quais gravitam os microssistemas jurídicos que tratam das matérias a ele vinculadas”.

Sob essa perspectiva, pode-se afirmar que: a) a constitucionalização é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, devendo o Código Civil ser interpretado à luz dos valores e princípios constitucionais; b) o jurista deve interpretar o Código Civil segundo a Constituição Federal, até porque a constitucionalização do direito civil “é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil. É nesse ambiente que se dá a virada axiológica do direito civil, tanto pela vinda de normas de direito civil para a Constituição como, sobretudo, pela ida da Constituição para a interpretação do direito civil [...]”. (BARROSO, 2010, p. 369).

Por outras palavras, constitucionalizar o direito civil, assim como outros ramos do Direito, significa aplicar as normas constitucionais às normas infraconstitucionais, fazendo incidir os valores consagrados pelo texto constitucional, contribuindo, por conseguinte, para a unidade de todo o sistema.

Em termos mais precisos, “ao situar o princípio da dignidade da pessoa humana no ápice do ordenamento jurídico, a Constituição de 1988 conduziu a uma verdadeira inversão de valores no sistema de direito civil, já que a tutela do patrimônio, que era antes a principal preocupação do civilista, dá lugar à proteção da pessoa, objetivo que deverá conformar o conteúdo de cada um dos institutos jurídicos. Em virtude da necessidade de se tutelar tal princípio de forma precípua, tudo mais se tornou relativo e ponderável em relação à dignidade da pessoa humana, onde quer que ela, ponderados os interesses contrapostos, se encontre”. (SILVA, 2005, p.82).

Nessa medida, afirma-se que “O Código Civil cumprirá sua vocação de pacificação social se for efetivamente iluminado pelos vetores maiores que foram projetados nas normas constitucionais, notadamente nos princípios” (LÔBO, 2008, p.23), observando-se, desde já, que nada pode conflitar com o espírito constitucional, sob pena de a Constituição Federal cair em um vazio sem fim, ou se tornar, na conhecida expressão de Ferdinand Lassalle, uma “folha de papel”, em branco. Destarte, “De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos de poder”. (LASSALLE, 2004, p.68). Por mais essa razão deve-se observar o princípio da dignidade da pessoa, presente, como já se percebeu, em todo o Direito Civil.

2 O CONSTITUCIONALISMO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO CIVIL Com propriedade, afirma Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p.4) que “O

constitucionalismo e a codificação (especialmente os códigos civis) são contemporâneos do advento do Estado liberal e da afirmação do individualismo jurídico. Cada um cumpriu seu papel: um, o de limitar profundamente o Estado e o poder político (Constituição), a outra, o de assegurar o mais amplo espaço de autonomia aos indivíduos, nomeadamente no campo econômico (codificação)”.

E, como já anotado, “Os códigos civis tiveram como paradigma o cidadão dotado de patrimônio, vale dizer, o burguês livre do controle ou impedimento públicos. Nesse sentido é que entenderam o homem comum, deixando a grande maioria fora de seu alcance”. (LÔBO, 2005, p.4).

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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações

Esse pensamento, entretanto, sucumbiu ao que se convencionou chamar de “função social dos direitos”, ocasião em que ocorreu o surgimento de outros ramos do direito, conforme observa o mesmo Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p.5):

O Estado social, no plano do direito, é todo aquele que tem incluído na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limitam-se os poderes econômicos e sociais e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o trabalho, a moradia, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil.

Nesse passo, houve no Estado Social um aumento de responsabilidade solidária das partes e uma maior concretude, por porte do Poder Judiciário, de rever negócios jurídicos. Constatou-se, pois, a valorização da função social, o incremento de valores éticos e um recuo ao (extremo) formalismo então existente antes do advento do atual Código Civil.

E, mais especificamente no que diz respeito ao direito das obrigações, pode-se afirmar que o princípio da função social “é o que impõe a observância das consequências sociais das relações obrigacionais, tendo como pressuposto a compreensão de que direitos e faculdades individuais não são imiscíveis às necessidades sociais, dado que o indivíduo só pode construir a sua vida em sociedade”. (SILVA, 2006, p.132)

Em outras palavras, o patrimônio, tão enraizado no Código Civil de 1916, deu lugar a valores éticos e sociais24, ocasião em que se passou a privilegiar a pessoa humana25, em sua plenitude. Daí a afirmação de Paulo Luiz Netto Lôbo: “A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, no sentido de primazia, é incompatível com os valores fundados na dignidade humana, adotados pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (art. 1º, III)” (LÔBO, 2005, p. 7).

Não se pretende, com a transcrição supra, afirmar que as obrigações não devem ser cumpridas. Ao contrário, o cumprimento das obrigações traz tranquilidade e paz a toda a sociedade, sendo de extrema importância para um bom convívio social que todas as obrigações sejam cumpridas, até porque todos somos, em menor ou maior grau, credores e devedores de obrigações, contraindo diuturnamente obrigações das mais diversas.

A diretriz trazida pelo Código Civil, salvo melhor juízo, é no sentido de dar guarida à ética, à boa-fé e à pessoa26 que figura como credora e devedora de obrigações,

24 Para Carlos Roberto Gonçalves, o Código Civil de 2002 tem como princípios básicos os da socialidade, eticidade e operabilidade. O princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana, a lembrar que o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contraste com o sentido individualista que condicionava o código anterior. O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou eqüitativa. Neste sentido, é posto o princípio do equilíbrio econômico dos contratos como base ética de todo o direito obrigacional. Reconhece-se, assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes excessiva-mente onerosa. O princípio da operabilidade, por fim, leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado, executado. No bojo do princípio da operabilidade está implícito o da concretitude, que é a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, mas sim para o indivíduo situado: para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. In: Direito Civil Brasileiro: parte geral. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 24-25.

25 “Hoje, sabemos que de nada adianta a forma perfeita se o conteúdo do instituto não for direcionado ao fim último do direito, que é a tutela da pessoa humana, onde quer que ela melhor se desenvolva”. SILVA, Roberta Mauro e. In: op. cit., p. 72.

26 Sobre o tema, a nota de Miguel Reale: “Eticidade e socialidade: eis aí os princípios que presidiram a feitura do novo Código Civil, a começar pelo reconhecimento da necessária indenização de danos puramente morais, e pela exigência de probidade e boa-fé tanto na conclusão dos negócios jurídicos como na sua execução. Estabelecidos esses princípios, não foi mais considerada sem limites a fruição do próprio direito, reconhecendo-se que este deve ser exercido em benefício da pessoa, mas sempre respeitados os fins ético-sociais da comunidade a que o seu titular pertence. Não há, em suma, direitos individuais absolutos, uma vez que o direito de um acaba onde o de outrem começa”. In: Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 36.

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colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme anseios preconizados pela própria Constituição Federal de 1988 (art. 3º, inc. I).

Acrescente-se ao tema o entendimento de que a assunção de uma obrigação ou até mesmo uma execução forçada não pode levar o devedor a uma situação incompatível com a dignidade humana, pois “O conteúdo básico, o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade [...]. Uma proposta de concretização do mínimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, deverá incluir os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça”. (BARCELLOS, 2002, p.305) .

Portanto, “A proteção do patrimônio mínimo não está atrelada à exacerbação do indivíduo. Não se prega a volta ao direito solitário da individualidade suprema, mas sim do respeito ao indivíduo numa concepção solidária e contemporânea, apta a recolher a experiência codificada e superar seus limites” (FACHIN, 2006, p.167). Aliás, seria muito difícil, quiçá impossível para o devedor, criar “ânimo” para cumprir uma obrigação se o mínimo existencial não lhe fosse garantido. A afirmação, entretanto, não pode servir de subterfúgio para descumprimentos obrigacionais imotivados, pois este não é, evidentemente, o desejo da sociedade.

De qualquer sorte, mais especificamente em relação ao direito das obrigações, “o paradigma liberal de prevalência do interesse do credor e do antagonismo foi substituído pelo equilíbrio de direitos e deveres entre credor e devedor, não apenas na dimensão formal, da tradição dos juristas, mas, sobretudo, na dimensão da igualdade ou equivalência material, fundado no princípio da solidariedade social” (LÔBO, 2005, p.8).

O direito das obrigações, por conseguinte, passou a ter conotação mais social27 em razão de o ordenamento jurídico brasileiro não mais se limitar, como outrora, à análise obrigacional pura e simples, mas também às pessoas do credor e do devedor e as nuanças sociais que os circundam, garantindo-se ao devedor um mínimo necessário para que possa ter uma vida digna e, consequentemente, reunir condições para cumprir suas obrigações, pois eventual descumprimento obrigacional pode gerar inquietude social.

3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DOS CONTRATOS

O Código Civil encontra-se dividido em duas partes: a geral e a especial. A primeira cuida das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos e a segunda, a parte especial, cuida do direito das obrigações, do direito de empresa, do direito das coisas, do direito de família e do direito das sucessões. O direito das obrigações constitui, portanto, o primeiro dos cinco livros da parte especial, no que andou bem o legislador, pois um contrato é, substancialmente, formado por obrigações28 e não há como elaborar um contrato sem um prévio conhecimento do direito das obrigações.29

27 Nesse sentido, transcreve-se lição de Thiago Rodovalho dos Santos: “Desse modo, é preciso que o intérprete atual tenha em mente as profundas transformações por que passou o Direito das Obrigações no século XX, passando a ter uma conotação mais social. E isto é especialmente verdadeiro em nosso ordenamento jurídico, posto que o novo Código Civil teve com [sic] um de seus princípios basilares a socialidade (ao lado da eticidade e da operabilidade). In: Algumas Considerações sobre o Perfil atual do Direito das Obrigações. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 37, jan./mar. 2009, p. 260.

28 “A ordem econômica realiza-se, principalmente, mediante contratos. A atividade econômica é um complexo de atos negociais direcionados a fins de produção e distribuição dos bens e serviços que atendem às necessidades humanas e sociais. É na ordem econômica e social que emerge o Estado social, sob o ponto de vista jurídico-constitucional, e caracteriza-se a ideologia constitucionalmente estabelecida”. In: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 9.

29 Lê-se em José Ricardo Alvarez Vianna que “o Direito das Obrigações representa a autêntica parte geral dos contratos e da responsabilidade civil”. In: Manual de Direito das Obrigações. Curitiba: Juruá, 2010, p. 27.

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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações

Deve-se destacar, igualmente, que os contratos não são mais vistos com o rigor da “pacta sunt servanda”, isto é, considerados “lei entre as partes”. Ao revés, “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (CC, art. 421). Nessa medida, “Quando o julgador concluir que um contrato no todo ou em parte desvia-se de sua função social, deverá extirpar sua eficácia ou, se for o caso, adaptá-lo às necessidades sociais, tal como o faria com cláusulas abusivas” (VENOSA, 2010, p.429).

Nesse contexto, afirma-se que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art. 170), reduzindo as desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º e inc. VII do art. 170). Essa afirmação demonstra, por exemplo, a aplicabilidade das normas constitucionais ao direito das obrigações, revestindo-se de sua função social.30 É o que ocorre, por exemplo, com o instituto da lesão (CC 157), prevendo o ordenamento jurídico a possibilidade de a pessoa requerer a anulação do negócio jurídico caso tenha se submetido, por premente necessidade ou inexperiência, à prestação manifestamente desproporcional à prestação oposta.

A esse quadro acrescente-se, novamente, a lição de Paulo Luiz Netto Lôbo (2005, p.11):

Talvez uma das maiores características do contrato, na atualidade, seja o crescimento do princípio da equivalência material das prestações, que perpassa todos os fundamentos constitucionais a ele aplicáveis. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. Esse princípio conjuga-se com os princípios da boa-fé objetiva31 e da função social, igualmente referidos no Código Civil.

O trecho supra transcrito encontra terreno fértil no direito das obrigações, até mesmo porque a confiança constitui um dos núcleos propulsores da boa-fé objetiva (SILVA, 2006, p.142), que importa em interpretar os contratos em consonância com uma

30 “Por ter natureza de princípio – que não se vale da lógica do tudo ou nada, da aplicação completa ou da não aplicação –, a função social convive com os demais princípios de direito obrigacional, não os excluindo ou sendo excluída. Também em razão disso, somente no caso concreto é que se verificará o seu peso em contraposição aos demais”. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. In: op. cit., p. 132.

31 O art. 422 do Código Civil faz referência ao princípio da boa-fé objetiva. Eis o seu teor: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidades e boa-fé”. O artigo contém o que se denomina cláusula geral, conduzindo o intérprete a um padrão de conduta geralmente aceito no tempo e no espaço. A idéia central é no sentido de que, em princípio, contratante algum ingressa em conteúdo contratual sem a necessária boa-fé. Em cada caso, o juiz deverá definir quais as situações nas quais os partícipes de um contrato se desviaram da boa-fé. Nesse sentido, manifestam-se Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “O novo sistema jurídico de direito privado impõe às partes que resguardem, tanto na conclusão quanto na execução do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé (CC 422). A norma prevê, como cláusula geral, a boa-fé objetiva. Igualmente, nas disposições finais e transitórias, prescreve que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos pelo CC para o resguardo da função social da propriedade e da função social dos contratos (CC 2035 par.ún.). Ao intérprete, por sua vez, incumbe a exegese do negócio jurídico em consonância com a principiologia do sistema. A boa-fé subjetiva é técnica de interpretação contratual (CC 113)”. In: Código Civil Comentado. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 534. Mais adiante, escrevem os autores: “A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade”. In: op. cit., p. 536. Na boa-fé subjetiva, por sua vez, o manifestante de vontade crê que sua conduta é correta, regular.

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conduta proba, correta, leal e confiável, privilegiando, assim, os direitos fundamentais e os valores constitucionais.

Daí o porquê afirmar-se que os direitos fundamentais encontram plena aplicabilidade no direito privado, o que já foi objeto de estudo de doutrinadores de escol, dentre os quais se destaca Claus-Wilhelm Canaris (2003, p.36), para quem “os direitos fundamentais vigoram imediatamente em face das normas de direito privado”, sendo este, aliás, o entendimento doutrinário dominante.

4 CONCLUSÃO

Brevemente, pode-se afirmar que as normas constitucionais devem refletir sobre todas as normas infraconstitucionais, pelo que plenamente aplicáveis os valores e as diretrizes estabelecidas pelo texto constitucional às normas de direito privado. Sob essa perspectiva, conclui-se que os valores constitucionais devem nortear todo o direito civil, aí incluído o direito das obrigações, razão pela qual não mais se admite prestações ou obrigações desproporcionais ou iníquas, contraídas em desatenção aos princípios que regem a matéria, com manifesto desprestigio ou desatenção à dignidade da pessoa.

Com isso, não se quer dizer que as obrigações não devam ser cumpridas. Ao contrário, as obrigações devem sempre ser cumpridas, sob pena de gerar inquietude social. O que não mais se admite, entretanto, é que obrigações sejam contraídas em descompasso com os valores e diretrizes preconizadas pela Constituição Federal, pois este não é, por óbvio, o espírito da lei maior nem tampouco representa os anseios da sociedade.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra: Almedina, 2003.

FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

LASSALLE, Ferdinand. O que é uma Constituição? Trad. De Hiltomar Martins de Oliveira. Belo Horizonte: Cultura Jurídica Ltda., 2004.

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A Constitucionalização do Direito Civil e seus Reflexos no Direito das Obrigações

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A constitucionalização do direito civil brasileiro. In:TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005.

MORAES, Maria Celina Bodin de. O Conceito de Dignidade Humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

REALE, Miguel. Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no Novo Código Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). O Novo Código Civil e a Constituição. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

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VENOSA, Silvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2010.

VIANA, José Ricardo Alvarez. Manual de Direito das Obrigações. Curitiba: Juruá, 2010.

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Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula

CONSIDERAÇÕES SOBRE A AUDIÊNCIA UNA TRABALHISTA E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti32*

Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula33*

RESUMO

Traça considerações sobre a audiência una trabalhista e os princípios do contraditório e ampla defesa, sem, contudo, esgotar o tema. Neste diapasão, num primeiro momento traz a baila alguns dos princípios que norteiam os processos de uma maneira geral e especificamente o processo do trabalho. À luz destes princípios, traz a justificativa da adoção da audiência una pela Consolidação das Leis do Trabalho quando de sua criação. Traça considerações sobre o Título X, Capítulo II, Sessão VIII, artigos 813 a 817 e Capítulo III, do mesmo título, na Sessão II, artigos 843 a 852 da CLT, que tratam das audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho e da audiência de julgamento. Dá enfoque especial e traça considerações sobre os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa em contraposição à realização da audiência una. Traça considerações sobre a realização da audiência una atualmente, trazendo a assertiva de que esta pode prejudicar o empregado e poder levar a violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Finalmente, trata da possibilidade e das vantagens de realização de ao menos três audiências (audiência inicial, audiência de instrução e audiência de julgamento) e destaca ser esta a forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas e de promover a busca da Justiça perfeita.

PALAVRAS-CHAVES: Audiência una; princípio do contraditório; princípio da ampla defesa.

CONSIDERATIONS FOR UNA AUDIENCE AND LABOR PRINCIPLES AND WIDE DEFENSE CONTRADICTORY

ABSTRACT

Draws considerations about the audience una labor and the principles of contradictory and ample defense, without, however, exhaust the subject. In this vein, at first brings to the fore some of the principles that guide the process in general and specifically the labor process. The light of these principles, brings the justification of the adoption of the audience una the Consolidation of Labor Laws at creation. Draws considerations on Title X, Chapter II, Section VIII, Articles 813 to 817 and Chapter III of the same title, in Section II, Articles 843 to 852 of the Labor Code which deal with audiences of the organs of the Labour Court and the audience trial. Gives focus on special considerations and outlines the constitutional principles of contradictory and full defense as opposed to holding the hearing una. Draws considerations una the hearing today, bringing the assertion that this could harm the employee and may lead to violation of constitutional principles of the contradictory and full defense. Finally, comes the possibility and advantages of conducting at least three hearings (initial hearing, the hearing of instruction and the trial) and highlights that this is the best way to solve the labor disputes and promote the pursuit of perfect justice

32 * Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (IDCC). 33* Mestre em Direito (UEL). Professora (UNIFIL). Advogada.

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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa

KEYWORDS Audience una; adversarial principle, the principle of ample defense

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS. 3 A AUDIÊNCIA UNA NA CLT. 4. A AUDIÊNCIA UNA E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 5 FRACIONAMENTO DAS AUDIÊNCIAS: POSSIBILIDADES E VANTAGENS. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃOA Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1º de maio de 1943, no Título X,

Capítulo II, Sessão VIII, nos artigos 813 a 817, trata das audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho e no Capítulo III, do mesmo título, na Sessão II, trata da audiência de julgamento, nos artigos 843 a 852.

O presente artigo procura abordar alguns aspectos sobre audiência no Processo do Trabalho, sem, porém, esgotar o tema e trazer algumas considerações sobre a forma una da audiência e os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Neste sentido, num primeiro momento, procura-se trazer a baila alguns dos princípios que norteiam os processos de uma maneira geral e especificamente o processo do trabalho, para assim, entender o porquê da adoção da audiência una pela Consolidação das Leis do Trabalho quando de sua criação.

Após, traz-se a tona a forma como a Consolidação das Leis do Trabalho trata da audiência, traçando-se algumas considerações sobre os artigos 813 a 817 e 843 a 852.

Em seguida, dá-se um enfoque especial e se traça considerações sobre os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa em contraposição à realização da audiência una, concluindo que a realização de audiência de forma una pode prejudicar o empregado e poder levar a violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não se mostrando a forma mais adequada e, tampouco, a mais justa para solucionar as lides trabalhistas.

Por fim, trata-se da possibilidade e das vantagens de realização de ao menos três audiências, sendo uma para tentativa de conciliação e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência de instrução) e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), como forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas e de promover a busca da Justiça perfeita.

2 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS

Princípio, como define Amauri Mascaro Nascimento (1997, p.96), “é um ponto de partida. Um fundamento. O princípio de uma estrada é seu ponto de partida, ensinam os juristas. Encontrar os princípios do direito processual do trabalho corresponde, portanto, à enumeração de idéias básicas nele encontradas”.

Pois bem, para que se possa entender a forma adotada pela Consolidação das Leis do Trabalho quanto à audiência una, interessante se faz colacionar alguns dos princípios que norteiam os processos de uma maneira geral e especificamente o processo do trabalho.

A doutrina enumera vários princípios que são aplicáveis ao processo do trabalho. Ives Granda da Silva Martins Filho (2001, p.134), de uma forma didática, apresenta o que denomina princípios constitucionais de processo e princípios do processo do trabalho.

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Gisele Andréa Martins Nogueira Buzetti, Sandra Cristina Martins Nogueira Guilherme de Paula

Entre os princípios constitucionais de processo, destaca: a) due process of law (CF art. 5º, XXXV), abrangendo o juiz natural, como aquele previamente instituído pela ordem jurídica (CF art. 5º, LIII) o contraditório (CF art. 5º, LV) e a observância do procedimento regular (CF art. 5º, LIV); b) a publicidade dos atos processuais (CF art. 5º, LX e 93, IX), que assegura a possibilidade de qualquer pessoa presenciar a realização dos atos do processo, a obrigatoriedade de que o ato das partes e do juiz sejam comunicados à parte contrária e, ainda, a garantia de presença, ao menos dos advogados, quando o processo correr em segredo de justiça; c) motivação das decisões, ou seja, o convencimento motivado do juiz (CF art. 93, IX); d) garantia da assistência judiciária gratuita ao economicamente impossibilitados de arcar com as despesas processuais (CF art. 5º, LXXIV); e) duplo grau de jurisdição, que é a possibilidade de revisão da decisão de primeira instância por um órgão colegiado (CF art. 5º, LV).

Quanto aos princípios do processo do trabalho, o mesmo autor, resume estes como sendo os seguintes: a) subsidiariedade, ou seja, aplicação subsidiária do direito processual civil ao direito processual do trabalho nos casos omissos e desde que haja compatibilidade (CLT, art. 769); b) concentração de recursos, de forma que são irrecorríveis as decisões interlocutórias, sendo cabível a interposição de recursos apenas quando esgotada a discussão da matéria nas instâncias inferiores (CLT, art. 893, § 1º); c) dispositivo, que significa que o processo deve ser iniciado pelo autor, não cabendo ao juiz ou tribunal conhecer de ofício de qualquer causa (CPC, art. 2º); d) instrumentalidade das formas, que significa que os atos serão considerados válidos se atingida a finalidade a que se destinavam, ainda que realizados de forma distinta (CPC, arts. 154 e 244); e) oralidade, ou seja, predominância da forma oral sobre a escrita (CLT, art. 847 e 850); f) livre convicção do juiz, que importa na ampla liberdade de apreciação da prova pelo magistrado (CPC, art. 131); g) celeridade e economia processual (CLT, art. 765); h) concentração, que busca da solução do litígio em uma única audiência (CLT, art. 849); i) conciliação (CLT, arts. 846 e 850); j) lealdade processual, que significa que as partes devem colaborar para a busca da verdade, sem alterar a realidade dos fatos, opor resistência injustificada ao andamento do processo ou usar deste para obter fins ilegais (CPC, arts. 14, Ie 17); k) eventualidade, que importa na necessidade de que todas as alegações sejam apresentadas na oportunidade processual própria (CPC, art. 303); l) indisponibilidade de direitos (CLT, art. 9º); m) identidade física do juiz34, de forma que o juiz que tomou os depoimentos pessoais e testemunhas deverá julgar a causa (CPC, art. 132); n) non reformatio in pejus, ou seja, proibição de julgamento que piore a situação daquele que recorreu (CPC, arts. 505 e 515); o) aplicação imediata das leis processuais (CPC, art. 132) e p) aplicação da lei do local da execução do contrato, ou seja, aplicação à controvérsia da lei do país onde será cumprido o contrato e não de onde ele foi celebrado (Súmula nº 207 do C. TST).

Pois bem, uma vez traçados os princípios que norteiam o direito processual do trabalho, parecia restar justificável a adoção, pela Consolidação das Leis do Trabalho, da forma una para as audiências trabalhistas, mormente pela aplicação dos princípios da celeridade, concentração e da oralidade.

Quando da criação da CLT, em 1º de maio de 1943, a adoção da forma una de audiência atendia as necessidades dos jurisdicionados à época, dada a simplicidade deste ramo do direito, tanto que, inicialmente, sequer a Justiça do Trabalho era órgão do poder judiciário, o que somente veio a ocorrer com a Constituição Federal de 1946.

Todavia, a utilização, nos dias atuais, da forma una para realização das audiências parece não mais atender as necessidades dos jurisdicionados. Ao contrário, parece

34 A Súmula nº 136 do C. TST, porém, reza que “não se aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física do juiz”.

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Considerações sobre a Audiência Una Trabalhista e os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa

ferir o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, mormente se considerarmos a existência de relações de trabalho mais complexas, bem como a gama de processos que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para processar e julgar, em razão das alterações introduzidas no art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

3 A AUDIÊNCIA UNA NA CLT

Como já se disse acima, após traçados os princípios que norteiam o direito processual do trabalho e verificada à época de criação da CLT, justificável se mostra a adoção da audiência una pela legislação trabalhista quando da criação da Consolidação das Leis do Trabalho.

Porém, a utilização, atualmente, da forma una para realização das audiências parece não mais atender as necessidades dos jurisdicionados, além de poder importar em violação ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Antes, porém, de se traçar considerações a este respeito, é necessário verificar a forma como a Consolidação das Leis do Trabalho trata da audiência.

Primeiramente, cabe dizer aqui que audiência, nas palavras de Sergio Pinto Martins (2006, p.264), “vem do latim audientia, que é o ato de escutar, de atender. A audiência consiste no ato praticado sob a presidência do juiz a fim de ouvir ou de atender às alegações das partes”.

A audiência, conforme o ilustre autor Eduardo Gabriel Saad (2008, p.534), é tida como “o ponto alto do processo, quando: o Juiz entra em contato com as partes, ouvindo-as e interrogando-as; aprecia os meios de prova oferecidos pelo Reclamante e pelo Reclamado e, finalmente, decide proferindo sentença”.

A CLT, no Título X, Capítulo II, Sessão VIII, nos artigos 813 a 817, trata das audiências dos órgãos da Justiça do Trabalho. No Capítulo III, do mesmo título, na Sessão II, trata da audiência de julgamento, nos artigos 843 a 852.

Estabelece o art. 813 que as audiências serão públicas e que serão realizadas na sede do Juízo ou Tribunal, em dias úteis previamente fixados, entre 8 (oito) e 18 (dezoito) horas, não podendo ultrapassar 5 (cinco) horas seguidas, salvo se houver matéria urgente.

As audiências, porém, podem ser realizadas em outro local, em casos especiais, sendo necessário, nesta hipótese, que seja afixado edital com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas na sede do Juízo ou Tribunal (art. 813, § 1º).

É possível, também, sempre que necessário, a realização de audiências extraordinárias, desde que também seja observado o prazo mínimo de antecedência de 24 (vinte e quatro) horas (art. 813, § 2º).

À hora marcada, o juiz declarará aberta a audiência, sendo apregoadas as partes, testemunhas e demais pessoas que devam comparecer (art. 815). Todavia, se até 15 (quinze) minutos após a hora marcada, o juiz não houver comparecido, os presentes poderão retirar-se, devendo o ocorrido constar de termo a ser juntado aos autos (art. 815, parágrafo único).

Ao juiz cabe manter a ordem nas audiências, incumbindo-lhe, inclusive, o poder de mandar retirar-se do recinto os assistentes que a perturbarem (art. 816). Esta faculdade trata-se, nos dizeres de Carlos Henrique Bezerra Leite (2003, p.303), do “exercício do poder de polícia pelo juiz, também chamado de poder de polícia processual, que é princípio elementar para manutenção da ordem, do decoro e da segurança nos recintos destinados às audiências e sessões dos tribunais”.

O registro das audiências é feito em livro próprio, conforme art. 817 da CLT,

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podendo ser fornecidas certidões de tais registros as pessoas que os requererem (art. 817, parágrafo único). Atualmente tais registros são digitados em meio eletrônico.

À audiência deverão estar presentes o reclamante e reclamado, salvo quando tratar-se de ações plúrimas ou de cumprimento, em que os empregados poderão fazer-se representar pelo Sindicato de sua categoria (art. 843).

É possível que o reclamado faça-se substituir por gerente ou preposto que tenha conhecimento dos fatos, cujas declarações obrigarão o proponente (art. 843, § 1º)35. Também é possível que o empregado faça-se representar por outro empregado que pertença a mesma profissão ou pelo seu sindicato, caso não possa comparecer pessoalmente, por motivo de doença ou outro motivo poderoso, devidamente comprovado (art. 843, § 2º).

O não comparecimento das partes à audiência traz conseqüências diferentes, acaso se trate de reclamante ou reclamado. O art. 844 da CLT estabelece que o não comparecimento do reclamante importa em arquivamento da reclamação e o não comparecimento do reclamado importa em revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. O parágrafo único do mencionado artigo, porém, prevê a possibilidade do juiz suspender o julgamento e designar nova audiência, acaso ocorra motivo relevante.

As partes deverão comparecer à audiência acompanhadas de suas testemunhas, apresentando, também nesta oportunidade, as demais provas que pretendem produzir (art. 845).

Aberta a audiência, o juiz proporá a conciliação (art. 846). A conciliação, como já se disse outrora, é princípio do direito processual do

trabalho. Nos dizeres de Eduardo Gabriel Saad (2001, p.570), “no Direito Processual do Trabalho, a figura da conciliação projeta-se de maneira impressionante, pois é um instituto de grande alcance na instauração da paz social”.

A conciliação é forma de solução de conflito muito prestigiada na Justiça do Trabalho. Nos dizeres de Cleber Lucio de Almeida (2009, p.169-177) a “solução negociada do conflito de interesses é a mais democrática forma de colocar fim ao processo judicial e atende aos princípios da celeridade, economia e da efetividade da decisão judicial”.

É tamanha a importância da conciliação na Justiça do Trabalho que a CLT estabelece a obrigatoriedade de sua tentativa em dois momentos distintos, quais sejam, quando aberta à audiência (art. 846) e quando terminada a instrução processual, após as razões finais (art.850).

Havendo acordo, será lavrado termo, assinado pelo juiz e pelas partes, consignado-se neste todas as condições estipuladas para seu cumprimento (art. 846, § 1º).

Caso não haja acordo, o reclamado contará com vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada pelas partes (art. 847). Todavia, “na prática, porém, a peça de defesa do reclamado é escrita e entregue ao juiz que, incontinenti, a entrega ao reclamante (ou a seu representante), não havendo leitura alguma das peças processuais” (LEITE, (2003, p. 303).

Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo haver interrogatório das partes (art. 848), sendo após ouvidas as testemunhas, peritos e os técnicos, se houver (art. 848, § 2º).

A audiência de julgamento será contínua, nos termos do que estabelece o art. 849 da CLT, podendo ser concluída em outra oportunidade, por motivo de força maior, sendo a continuação marcada para a primeira data da pauta desimpedida, independente de nova notificação.

35 A Súmula nº 377 do C. TST estabelece que “exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, ou contra micro ou pequeno empresário, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado”.

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Uma vez terminada a instrução, poderão as partes, no prazo não excedente de dez minutos cada uma, aduzir razões finais. Em seguida, o juiz renovará a proposta de conciliação e, caso esta não se realize, será proferida a decisão (art. 850).

Todos os trâmites da instrução e julgamento da reclamação trabalhista serão resumidos em ata, constando também desta a decisão na íntegra (art. 851), devendo referida ata se junta ao processo no prazo improrrogável de 48 (quarenta e oito) horas (art. 851, § 1º).

Os litigantes, conforme dispõe o art. 852 da CLT, serão notificados da decisão proferida no feito de forma pessoal ou por seus representantes, na própria audiência ou, em caso de revelia, serão notificados por edital (art.841, § 1º).

4 A AUDIÊNCIA UNA E OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

O art. 849 da CLT, como já se disse, dispõe que a audiência de julgamento será contínua, ou seja, todos os atos são concentrados numa única audiência, com a realização de proposta conciliatória, apresentação de defesa, manifestação, colheita de provas, razões finais, nova proposta conciliatória e prolação de sentença.

Na prática, porém, o que se verifica é que os próprios magistrados não observam essa determinação, pois raramente proferem sua sentença na própria audiência.

Neste sentido, vale a pena transcrever aqui as considerações do advogado Alberto de Paula Machado (2010):

[...] Já no que toca a concentração dos atos, há muito tempo a audiência deixou de ser una, posto que mesmo concentrando-se os atos de entrega de defesa, manifestação e coleta de provas, os magistrados optam, invariavelmente, por designar nova audiência para prolação e publicação da sentença. É certo que tal procedimento é recomendável e louvável, pois garante ao magistrado tempo de dedicação para o estudo do processo e para a profunda análise das teses e argumentos de cada parte, longe do calor do debate.

Também a oralidade deixou de fazer parte do cotidiano do processo trabalhista, mesmo em audiências unas, pois a leitura da reclamação em audiência, nos termos do artigo 847 da CLT, é sempre dispensada e a defesa, em quase a totalidade dos casos, é entregue de forma escrita, já acompanhada dos documentos.

Portanto, o que se verifica, usualmente, é que os próprios magistrados não observam, estritamente, os termos do art. 849 da CLT, que dispõe que a audiência de julgamento será contínua, pois raramente proferem sentença em audiência.

Da forma como se apresenta, mais uma vez citando Alberto de Paula Machado, a audiência una constitui-se em um indisfarçável instrumento de cerceamento de direito da parte reclamante. Segundo o Machado (2010):

[...] a audiência una, na prática tem demonstrado que esta além de nada contribuir com a celeridade processual, oralidade e concentração dos atos, também se constitui em indisfarçável instrumento de cerceamento de defesa da parte reclamante, que fica em posição processual desfavorável diante da parte reclamada, caracterizando nítida violação a princípios constitucionais de isonomia e da ampla defesa.

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Ora, quando a audiência é realizada de forma una, não havendo a conciliação, a reclamada apresenta sua defesa e documentos e, então, num curto prazo de poucos minutos, o reclamante tem que analisar todas as argumentações de defesa, os documentos acostados, manifestar-se sobre os mesmos e verificar quais os pontos controvertidos sobre os quais será necessária a realização de prova.

Neste sentido, como assevera José Affonso Dallegrave Neto (2010), “é humanamente impossível que o reclamante consiga defender-se a contento num exíguo prazo de minutos em manifestação oral acerca da complexa prova documental”. Para o professor e advogado, pior que isso, “é a prática de impor ao Reclamante uma manifestação apressada e incompleta de documentos sem a concessão de tempo hábil para o exame acurado da peça de defesa”.

O reclamado, contrariamente, tem prazo suficiente para analisar a reclamação trabalhista e os documentos juntados pelo autor, elaborar a sua defesa, organizar as provas que apresentará no feito e reunir as testemunhas, acaso entenda necessário a produção de prova oral, já que, nos termos do art. 841 da CLT, recebida e protocolada a petição, o reclamado deverá ser notificado para comparecer à audiência que será a primeira desimpedida depois de 5 (cinco) dias.

Dessa feita, a realização de audiência una pode constituir-se em instrumento de cerceamento de defesa da parte reclamante, por ficar em uma posição processual desfavorável diante da reclamada, em completa violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV).

De mais a mais, atualmente, diversamente do que ocorria há época da elaboração da CLT, as relações de trabalho tem se apresentado de forma mais complexas e os empregados, na quase totalidade das vezes, fazem-se acompanhar por advogados, o que torna mais técnica e até mais complexas as demandas. Aliado a isso, após a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a Justiça do Trabalho teve enormemente ampliada a sua competência para processar e julgar feitos.

Com efeito, nos termos da atual redação do art. 114 da Constituição Federal, compete a Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II - as ações que envolvam exercício do direito de greve; III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

Neste sentido, vale a pena transcrever aqui as considerações de Fernanda de Abreu Pirotta (2010):

é imprescindível lembrar que à época da elaboração da Consolidação das Leis Trabalhistas as relações de trabalho e de emprego ocorriam de forma mais restrita e simples, motivo por que a solução dos litígios também se dava de modo mais facilitada. Basta perceber que, em meados do século passado, o principal

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instrumento de trabalho do advogado não era o computador ou o notebook, mas a máquina de escrever que não possui a tecla delete nem backspace, nem as funções de “recorta e cola” do word.Na prática atual, a linguagem da informática traduz-se juridicamente pelo fato de que o profissional do direito é capaz de produzir muitas mais petições trabalhistas em um menor espaço de tempo. As petições, além de mais variadas, tornaram-se mais extensas pela facilidade em obter informações via internet. Ora, a tecnologia pode ser fantástica quando bem utilizada, o problema ocorre quando o advogado da parte demandante é surpreendido pelo conteúdo da contestação ao qual só tem acesso naquele momento, e dispõe de apenas 10 (dez) minutos para impugnar as alegações contidas nas incontáveis laudas e documentos colacionados à defesa. O resultado é que, sem conhecer quais fatos serão realmente controvertidos na lide em questão, muitas vezes são levadas testemunhas desnecessárias, e, em outras ocasiões, sequer é possível conhecer e analisar todos os documentos com a amplitude necessária. O mais grave, contudo, é que o exíguo tempo para conhecer do conteúdo da contestação e para realizar a impugnação dos fatos e documentos trazidos em Juízo o que dificulta a defesa técnica adequada e embaraça substancialmente a instrução em prejuízo do contraditório. [...]O que se vivencia hoje é um cenário de diversas metamorfoses econômicas, sociais e políticas no qual é inevitável constatar que as relações de trabalho adquiriram uma complexidade muito maior do que aquela antes experimentada nos sistemas de produção taylorista e fordista, exigindo dos operadores do direito uma conduta muito mais atenta para alcançar a justiça no caso concreto.Corolário lógico de relações mais complexas é que os conflitos resistidos de valores tornam-se também mais abstrusos, bem como a instrução processual decorrente deles.A tendência é a de que os gêneros diferenciados de relações jurídicas recorram à Justiça do Trabalho para obter a tutela de seus direitos, principalmente em razão da ampliação da competência da Justiça Trabalhista promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Também e nesta ordem de ideias, André Luiz Amorim Franco (1999, p.9), juiz do trabalho substituto na Região de Ribeirão Preto, São Paulo, mantém posicionamento contrário à audiência una por entender que esta viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Afirma o magistrado:

[...] A CLT, de 1943, ao prever a audiência una, não contava com o avanço tecnológico e a diversidade das lides trabalhistas, aliado a presença cada vez mais frequente dos advogados, como patronos das partes, tornando técnico um procedimento simplório no início, quase administrativo. Na verdade, o universo laboral perdeu sua simplicidade absoluta e ganhou contornos forenses de um dos ramos mais dinâmicos

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do Direito. O crescimento econômico, as conquistas dos trabalhadores, os sindicatos, contribuíram para tornar mais complexo os atos do processo, exigindo cada vez mais dos advogados e Juízes. Demais, extremamente prejudicada fica a posição do reclamante, que tem imediato contato com a defesa do adversário, às vezes longa e com preliminares, seguida de documentos, sem tempo de formar uma estratégia para o restante que o aguarda. Não se pode falar em celeridade em detrimento da qualidade, mormente com o advento da Constituição da República de 1988 que exalta o contraditório e a ampla defesa.

Diante deste atual cenário, portanto, é possível afirmar que a realização de audiência de forma una pode prejudicar o empregado e poder levar a violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não se mostrando a forma mais adequada e, tampouco, a mais justa para solucionar as lides trabalhistas.

5 FRACIONAMENTO DAS AUDIÊNCIAS: POSSIBILIDADES E VANTAGENS

Como já se disse acima, o Direito do Trabalho perdeu sua simplicidade absoluta e ganhou contornos forenses de um dos ramos mais dinâmicos do Direito. Dessa feita, a realização de audiência una pode prejudicar o empregado e pode levar a violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, de modo que não se mostra como forma mais adequada ou mais justa para solucionar as lides trabalhistas.

O fracionamento das audiências, que já vem sendo utilizada por alguns juízos, com adoção da prática de realização de três audiências, ou seja, uma para tentativa de conciliação e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência de instrução) e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), parece ser a forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas.

Nem se diga que com a segmentação das audiências estar-se-ia violando os princípios da celeridade, concentração e da oralidade, que também são informadores do processo trabalhista. Ora, não se pode admitir, sob o manto da aplicação de referidos princípios, que outros, mais importantes, por terem status constitucional, como o do contraditório e da ampla defesa, deixem de ser aplicados.

Ademais e como já se disse, as relações de trabalho tem se apresentado de forma mais complexa; os empregados, na quase totalidade das vezes, fazem-se acompanhar por advogados, o que torna mais técnica e até mais complexas as demandas; além da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, ter ampliado enormemente a competência da Justiça do Trabalho.

Dessa feita, os princípios da celeridade, concentração e da oralidade devem continuar ser aplicados na medida do possível, desde que não importem violação a outros princípios mais importantes, como o do contraditório e ampla defesa.

Outrossim, cumpre destacar que mesmo sem qualquer alteração na CLT, seria possível e vantajoso o fracionamento das audiências.

Isso porque, como já se disse anteriormente, o próprio art. 849 da CLT, que reza que a audiência será contínua, traz a possibilidade desta não ser concluída no mesmo dia em caso de ocorrência de motivo de força maior. Aliás, os próprios magistrados normalmente fracionam as audiências, ao menos quando da prolação da sentença, pois estas raramente ocorrem no mesmo dia da audiência de julgamento.

Ademais, a própria Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 765

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estabelece que “os juízes e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”.

Portanto, mesmo sem qualquer alteração da CLT, mostra-se juridicamente possível o fracionamento das audiências.

Aliás, e seguindo esta tendência, o próprio Tribunal Superior do Trabalho, pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, através da atual Consolidação do Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 28 de outubro de 2008, no Título VII, intitulado “Das Audiências — Normas Procedimentais no Dissídio Individual”, quando trata das audiência, reza a possibilidade de seu fracionamento.

Com efeito, reza o art. 46 de referida Consolidação do Provimento:

Art. 46. Adotada audiência una nos processos de rito ordinário, cabe ao Juiz:I – [...]II - adiar ou cindir a audiência se houver retardamento superior a uma hora para a realização da audiência;III - conceder vista ao reclamante na própria audiência dos documentos exibidos com a defesa, antes da instrução, salvo se o reclamante, em face do volume e complexidade dos documentos, preferir que o juiz assine prazo para tanto, caso em que, registrada tal circunstância em ata, cumprirá ao juiz designar nova data para a audiência de instrução (grifo nosso).

Ademais, o fracionamento das audiências somente traria benefícios ao bom andamento do processo e a solução da lide.

Com efeito, como afirma Sergio Pinto Martins (2006, p.265) “a experiência mostra que, quanto mais forem realizadas audiências, maior a probabilidade de as próprias partes se conciliarem”.

Além disso, com o fracionamento da audiência, certamente o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa seriam observados, pois a parte reclamante teria a possibilidade de, com calma, verificar os argumentos defensivos da reclamada e analisar os documentos por esta trazidos ao feito, manifestando-se sobre este e, inclusive, demonstrando matematicamente eventuais incorreções de pagamento de verbas.

Ademais, seria possível o magistrado sanear o feito, com a apreciação de preliminares e requerimentos, determinando alguma providência que entendesse necessária para o melhor andamento da demanda.

Seria possível, ainda, fixarem-se os pontos controvertidos, facilitando, assim, a produção de prova no feito.

Ademais, com a segmentação da audiência, seria possível uma melhor adequação das pautas, já que o magistrado teria condições de melhor avaliar a complexidade da causa e, assim, estimar o tempo razoável para instrução de cada feito.

Portanto, o fracionamento da audiência somente traria benefícios, tanto às partes, como ao próprio magistrado e a própria Justiça do Trabalho, propiciando, verdadeiramente, a justa solução da lide. Nos dizeres do advogado Alberto de Paula Machado (2010):

[...] é imprescindível, para se fazer Justiça e colocar as partes em igualdade no processo, a segmentação da audiência, realizando-se

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um ato inicial para tentativa de conciliação (artigo 846/CLT) e, se ausente esta, entrega da defesa, seguindo-se com concessão de prazo hábil para o reclamante se manifestar sobre seus termos e documentos apresentados, para, só então, designar-se nova audiência para instrução e coleta de provas (artigo 849/CLT), onde não só o magistrado, mas também reclamante e reclamado poderão comparecer sabedores e com absoluta segurança do que é controvertido, bem como das provas que competirão a cada um produzir, empregando celeridade ao processo, mas sempre em busca da Justiça perfeita, com atenção inafastável à isonomia e à garantia da ampla defesa das partes.

Assim, a realização de ao menos três audiências, sendo uma para tentativa de conciliação e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência de instrução) e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), salvo opiniões contrárias, parece ser a forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas e, verdadeiramente, promover a busca da Justiça perfeita.

6 CONCLUSÃO

Procurou-se no presente artigo trazer algumas considerações sobre a audiência no Processo do Trabalho, sem, porém, esgotar o tema, dando um enfoque especial e traçando considerações sobre princípios processuais de uma maneira geral, a forma una da audiência, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa em contraposição à realização da audiência contínua e as possibilidade e vantagens do fracionamento da audiência.

Demonstrou-se que o art. 849 da CLT estabelece que a audiência será contínua, o que significa que todos os atos são concentrados numa única audiência, como a realização de proposta conciliatória, apresentação de defesa, manifestação, colheita de provas, razões finais, nova proposta conciliatória e prolação de sentença.

Asseverou-se que quando da criação da CLT, em 1º de maio de 1943, a adoção da forma una de audiência atendia as necessidades dos jurisdicionados à época, dada a simplicidade das relações laborais, além de prestigiar os princípios processuais da celeridade, concentração e da oralidade.

Todavia, destacou-se que a utilização, nos dias atuais, da forma una para realização das audiências parece não mais atender as necessidades dos jurisdicionados, além de poder ferir o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, diante do atual cenário, marcado pela existência de relações de trabalho mais complexas, e diversas, e, ainda, diante da gama de processos que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para processar e julgar, em razão das alterações introduzidas no art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Dessa feita, trouxe-se a tona o fracionamento das audiências, já adotada por alguns juízos, com adoção da prática de realização de três audiências, sendo uma para tentativa de conciliação e apresentação de defesa (audiência inicial), outra para colheita de provas (audiência de instrução) e, uma terceira, para prolação de sentença (audiência de julgamento), como sendo uma forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas.

Destacou-se, ainda, que mesmo sem qualquer alteração na CLT, seria possível o fracionamento das audiências, considerando que o próprio art. 849 da CLT, estabelece que a

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audiência pode não ser concluída no mesmo dia em caso de ocorrência de motivo de força maior, além do próprio art. 765 estabelecer que os magistrados terão ampla liberdade na direção do processo, podendo determinar qualquer diligência necessária ao seu esclarecimento.

Aliado a isso, destacou-se o posicionamento adotado pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, através da atual Consolidação do Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, de 28 de outubro de 2008, que em seu art. 46 trouxe a possibilidade da segmentação das audiências.

Por fim, destacaram-se as vantagens do fracionamento das audiências, acabando por concluir que a realização de ao menos três audiências, (audiência inicial, audiência de instrução e audiência de julgamento), salvo opiniões contrárias, parece ser a forma mais adequada para a solução dos conflitos trabalhistas e, verdadeiramente, promover a busca da Justiça perfeita.

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Marília Barros Breda

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BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTATUTO DA CIDADE E A RESPONSABILIDADE PELA SUA APLICAÇÃO

Marília Barros Breda36*

RESUMO

O presente artigo objetiva tecer algumas considerações a respeito do Estatuto da Cidade, apresentando seu conceito e objetivo, de forma a esclarecer a importância dessa lei para a implementação da Política de Desenvolvimento Urbano insculpida na Constituição Federal de 1988. Analisa-se, outrossim, a responsabilidade pela aplicação do Estatuto da Cidade, de forma a resguardar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a concretização da cidade sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Cidade. Responsabilidade. Desenvolvimento urbano.

SHORT THOUGHTS ON THE STATUS OF THE LAW CITY AND THE RESPONSIBILITY FOR ITS IMPLEMENTATION

ABSTRACT

The present essay aims to highlight some aspects concerning the City Statute, mainly related to its notion and purpose. It points out the importance of this law for the implementation of the Urban Development Policy foreseen in the Federal Constitution of 1988. It will be seen, moreover, the responsibility for implementing the City Statute in order to safeguard the full development of the city’s social functions and the achievement of sustainable city.

KEYWORDS: City Statute. Responsibility. Urban development.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 CONCEITO, OBJETIVO E IMPORTÃNCIA DO ESTATUTO DA CIDADE. 3 O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO. 3.1 Principais Instrumentos da Política de Desenvolvimento urbano. 3.2 Função social da propriedade urbana. 4 RESPONSABILIDADE PELA APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

Segundo relatório publicado recentemente pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais da metade da população mundial vive nas cidades. Essa realidade não é diferente no Brasil. Na década de 40, cerca de 30% da população brasileira residia em área urbana. Na década de 60, esse número subiu para 45%. Em 1970, para mais de 50% e alcança, atualmente, o percentual de 77%. Aliás, há previsão de que esse patamar alcance 88% até o ano de 2030, haja vista que, atualmente,

36* Pós-Graduanda em Teoria e Prática de Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina. Membro da Comissão de Jovens Advogados da OABPR, subseção de Londrina. Advogada.

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a migração não objetiva mais o abandono do campo (em busca de melhores condições de vida nas cidades), mas sim a troca de cidades em busca de trabalho e qualidade de vida, fazendo com que as pequenas e médias cidades cresçam de forma mais acelerada do que as megalópoles.

Este acelerado processo de urbanização exige a adoção de medidas que visem resguardar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas, especialmente aquelas que residem nos centros urbanos, onde a concentração populacional é cada vez maior.

Ademais, destaca-se, que o meio ambiente é considerado um direito difuso, pois seus titulares são indetermináveis, e encontram-se ligados por uma situação de fato. É também um direito indivisível, pois não se pode quantificar qual parcela pertence a cada um de seus titulares, e a maioria dos doutrinadores, como Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2009, p.20), por exemplo, o classifica em quatro aspectos: natural, cultural, do trabalho e artificial.

O meio ambiente artificial, intimamente ligado ao tema em apreço, é composto pelo espaço urbano construído. É aqui que se estudam as práticas de direito urbanístico, com destaque à função social da cidade. Nesse contexto, insere-se o Estatuto da Cidade.

O conteúdo relativo ao meio ambiente artificial está intimamente ligado à dinâmica das cidades, não sendo possível “desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida, assim como do direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida” (FIORILLO, 2009, p.340) .

E foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que a cidade passou a ter natureza jurídica ambiental, ou seja, passou a ser disciplinada em razão da estrutura jurídica do bem ambiental (art. 225 da CF) e em decorrência das diretrizes constitucionais advindas dos arts. 182 e 183 da Carta Magna (meio ambiente artificial), tendo a Carta Magna reservado, ainda, vários dispositivos alusivos ao desenvolvimento urbano (arts. 21, XX, e 182), planos urbanísticos (arts. 21, IX; 30, VIII; e 182) e função urbanística da propriedade urbana.

Destarte, marcado pela necessidade de acomodar quase 193 milhões de seres humanos, o Brasil convive com a formação de uma cidade irregular ao lado da regular, obrigando a considerar, nos dias de hoje,

[...] uma realidade no campo jurídico que nasce com o regramento constitucional [...] visando superar discriminações sociais da cidade pós-liberal e dar a todos os brasileiros e estrangeiros que aqui residem os benefícios de meio ambiente artificial cientificamente concebido. (FIORILLO, 2009, p. 348)

Devido ao crescente aumento populacional nas cidades, exige-se do Poder Público, com a participação de toda a coletividade, a observância de regras no sentido de viabilizar esse crescimento urbano, justamente para que problemas como trânsito urbano, poluição sonora, visual etc. e crescimento desordenado sejam evitados e/ou minorados.

Atenta a essa realidade, a Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo exclusivo ao meio ambiente, definindo a política ambiental brasileira. Este capítulo notabiliza-se pela sua importância e avanço, inclusive se comparado a Constituições de outros Estados, estando na vanguarda de seu tempo, além de estabelecer, mais especificamente em seu art. 182, diretrizes voltadas para a política de desenvolvimento urbano, com o fim principal de dar guarida às funções sociais das cidades, proporcionando uma melhor qualidade de vida e bem-estar para os habitantes da “urbe”.

Para dar cumprimento às diretrizes supramencionadas, editou-se a Lei Federal nº 10.257/2001, autodenominada “Estatuto da Cidade”, que prevê, em seu art. 4º, uma série de instrumentos voltados ao pleno desenvolvimento da política urbana e das funções sociais das cidades.

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O Estatuto da Cidade, portanto, deve cumprir esse importante papel, proporcionando bem-estar e uma melhor qualidade de vida aos habitantes da “urbe”, através da aplicação dos instrumentos ali previstos, pois sem eles, desnecessário dizer, restará inviabilizada por completo a vida nas cidades, colocando em xeque as diretrizes fixadas pela Constituição Federal de 1988. Sob essa perspectiva, a proteção da cidade significa proteger, também, a dignidade da pessoa humana. Com isso, restará atendido um dos principais objetivos delineados pela Carta Magna.

Ante ao exposto, o presente texto, ainda que de forma breve, apresentará o conceito, objetivo e importância do Estatuto da Cidade, bem como a sua relação com a efetivação da política de desenvolvimento urbano, insculpida nos já mencionados arts. 182 e 183 da Constituição Federal, abordando, também, a responsabilidade do administrador municipal pela aplicação do referido Estatuto, tudo para que seja possível vivenciar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a concretização da cidade sustentável, de forma a dar guarida ao direito fundamental de se viver em uma cidade ecologicamente equilibrada.

2 CONCEITO, OBjETIVO E IMPORTÂNCIA DO ESTATUTO DA CIDADE

Atualmente, o processo migratório tem ocorrido de maneira diversa dos tempos pretéritos, pois não mais objetiva o abandono do campo em busca de melhores condições de vida nas cidades, mas sim a troca de cidades em busca de trabalho e qualidade de vida. E atenta a essa nova realidade, a Constituição Federal, em seu art. 182 estabeleceu diretrizes voltadas para a política de desenvolvimento urbano.

Para dar cumprimento às diretrizes supramencionadas, o Estatuto da Cidade trouxe em seu art. 4º uma série de instrumentos voltados ao pleno desenvolvimento da política urbana e das funções sociais das cidades, haja vista a necessidade das cidades estarem preparadas para o crescente aumento populacional, além de ter por objetivo regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, pois toda cidade deve se valer de instrumentos que viabilizem o morar bem, o trabalho, o transporte e o lazer, além de possuir 58 artigos distribuídos em cinco capítulos: I - Diretrizes Gerais; II - Dos Instrumentos da Política Urbana; III - Do Plano Diretor; IV - Da Gestão Democrática da Cidade; e V - Disposições Gerais.

Élida Séguin (2006, p.18), ao apresentar um conceito do que seria o Estatuto da Cidade, tece considerações a respeito do ramo do Direito no qual esta lei está situada. A referida autora, apesar de reconhecer que a Lei 10.257/2001 demonstra preocupação não apenas com o meio ambiente construído, mas também com o rural, verifica que seus institutos técnicos, políticos e jurídicos são todos urbanos, razão pela qual ela o classifica como pertencente ao Direito Ambiental Construído.

Assim, o Estatuto da Cidade seria “[...] o conjunto de normas, princípios, políticas públicas e diretrizes que visam, com a participação da comunidade, atingir uma qualidade de vida urbana e disciplinar o Meio Ambiente Construído [...]”, (SÉGUIM, 2006, p.18), ficando vinculado aos princípios que regem o Direito Ambiental.

Neste sentido, vale ressaltar as lições de Odete Medauar, para quem

O Estatuto da Cidade vem disciplinar e reiterar várias figuras e institutos do Direito Urbanístico, alguns já presentes na Constituição de 1988, que parece ter sido lembrada ou relembrada, nesse aspecto,

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com a edição do Estatuto da Cidade. Fornece um instrumental a ser utilizado em matéria urbanística, sobretudo em nível municipal, visando à melhor ordenação do espaço urbano, com observância da proteção ambiental, e à busca de solução para problemas sociais graves, como a moradia, o saneamento, por exemplo, que o caos urbano faz incidir, de modo contundente, sobre as camadas carentes da sociedade. (MEDAUAR, 2004, p. 17)

Esta lei, segundo Paulo de Bessa Antunes, tem por objetivo “regular o uso da propriedade urbana em benefício da coletividade, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e, também, do equilíbrio ambiental” (ANTUNES, 2005, p. 289) Tal objetivo encontra-se expressamente definido no art. 2º da Lei 10.257/01: “Art. 2o. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...]” (BRASIL, 2011).

Desta forma, tem-se que o Estatuto da Cidade estabelece as diretrizes gerais da política urbana através de normas e instrumentos que exigem, sobretudo, a participação direta da sociedade no planejamento e gestão da cidade, conforme explica Maria Auxiliadora de Moraes Moreira (2008), pois toda cidade necessita de instrumentos que viabilizem o morar bem, o trabalho, o lazer e o transporte.

Segundo Maria Luiza Machado Granziera, a referida lei traz para o direito brasileiro:

[...] alguns princípios relativos a necessidade de planejar de forma séria e concreta as cidades, [...] garantir que a cidade, na implantação dos planos, alcance efetivamente a desejada sustentabilidade. [...] O planejamento, pelo município deve levar em conta sua expansão proporcionalmente à quantidade de recursos naturais disponíveis, além da capacidade financeira do Poder Público para fazer frente às demandas de equipamentos urbanos, transporte, saúde, educação, etc.(GRANZIERA, 2007, p.185)

Como inovação, o Estatuto da Cidade traz a participação da sociedade, principalmente no plano diretor e em audiências públicas nos processos de implantação de empreendimentos, pois se os moradores cobrarem do Poder Público as medidas necessárias ao equilíbrio ambiental, o Município terá mais chances de aproximar-se da sustentabilidade.

Para Cyntia da Silva Almeida Willeman, o Estatuto da Cidade cria outro sistema de proteção do meio ambiente, resultando na formação de “um direito urbano-ambiental, ramo do Direito que de forma interdisciplinar busca contemplar a dimensão urbanística com os princípios de proteção ao meio ambiente.” (WILLEMAM, 2009).

Sobre o tema, Vanêsca Buzelato Prestes entende que

O estatuto da cidade é a expressão legal da política urbano-ambiental, norma originadora de um sistema que interage com os diversos agentes que constroem a cidade, e a reconhece em movimento, em um processo que precisa, de um lado, avaliar e dar conta das necessidades urbanas e de ouro, estabelecer os limites para a vida em sociedade, considerando que essa sociedade está cada vez mais dinâmica, exigente e com escassez de recursos naturais. ( PRESTES, apud WILLEMAN, 2009)

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A importância desta lei reside no fato de que fez renascer o interesse pela questão urbana, além de impor aos Municípios e ao setor privado muita atenção à matéria, até porque, com a Medida Provisória 2.180-35/2001, a ordem urbanística passou a fazer parte do objeto da ação civil pública, o que torna imprescindível conhecer, divulgar, discutir e aplicar o Estatuto da Cidade, para melhoria da qualidade de vida de toda a população. (MEDAUAR, 2004, p.18).

Ademais, como bem explica Toshio Mukai,

Podemos destacar como um dos aspectos relevantes da referida Lei o fato de constituir-se em um instrumento que permitirá a efetiva concretização do plano diretor nos Municípios brasileiros, sendo, como dito, obrigatório para aqueles de mais de vinte mil habitantes, na cidade. (MUKAI, 2007, p. 40)

Diante disso, verifica-se que o Estatuto da Cidade busca criar uma política e uma consciência popular para a sustentabilidade das cidades, garantindo a todos os direitos à terra urbana e à moradia, pois traz instrumentos que podem ser considerados inovadores para a gestão das cidades, não tratando apenas do meio ambiente urbano e sua qualidade, mas abordando, inclusive, as exigências ambientais presentes na Constituição e na Política Nacional do Meio Ambiente.

Ao estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, o referido estatuto representou um passo importante e até mesmo histórico em matéria urbanística, pois viabiliza a construção de uma política urbana objetivando o desenvolvimento ordenado das cidades, de forma a permitir que sejam cumpridas as suas funções sociais, possibilitando, desta forma, que seja vivenciado o conceito de cidade sustentável.

Entretanto, segundo as lições de Odete Medauar, para que o Estatuto da Cidade possa ter eficácia, não basta apenas a previsão de uma série de instrumentos que podem ser utilizados em prol da política urbana. É necessário, outrossim, que tais instrumentos sejam operacionalizados e adaptados a realidade das cidades, haja vista que cada cidade possui uma vocação, um modo de ser. Para isso, “[...] em todo Município serão tomadas as decisões para efetivar as diretrizes fixadas no Estatuto da Cidade, com a ouvida, com a participação da coletividade, segundo prevê o próprio Estatuto” (MEDAUAR, 2004, p.17).

Por fim, ressalta-se que o art. 2º do Estatuto da Cidade traz em seus incisos os princípios da política urbana, cujo objetivo é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, conforme se verá a seguir.

3 O ESTATUTO DA CIDADE E A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO

A Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo exclusivamente à política urbana (Título VI, Capítulo II), trazendo ali os parâmetros mínimos a serem adotados por toda a municipalidade,37 vez que tal política encontra-se diretamente ligada à dinâmica das cidades. Os dois artigos que compõem este capítulo (arts. 182 e 183) estão voltados para o estabelecimento

37 A esse respeito, Paulo de Bessa Antunes observa que o “[...] próprio texto constitucional definiu os contornos, mínimos, a serem observados pelo legislador ordinário ao dispor sobre a matéria.” (ANTUNES, op. cit., p.291).

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de uma disciplina para a ocupação do solo urbano e para as políticas públicas, “cujo objetivo é assegurar uma ocupação racional e socialmente justa dos territórios de nossas cidades.” (ANTUNES, 2005, p.91)

Em sede constitucional ficou estabelecido que a política de desenvolvimento urbano deve ser executada principalmente pelo Poder Público Municipal, de acordo com as diretrizes gerais fixadas em lei. Tal política tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, sendo o plano diretor o seu principal instrumento, pois, conforme explica Paulo de Bessa Antunes, é ele “[...] quem definirá quando a propriedade privada estiver, ou não, cumprindo com as suas funções sociais, mediante o atendimento das ‘exigências fundamentais’ de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor” (ANTUNES, 2005, p.291).

Ressalta-se, ainda, que, segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, a competência material para a consecução dos objetivos de desenvolvimento da política urbana foi atribuída à União, inclusive no que tange à habitação, saneamento básico e transportes urbanos, de forma a delimitar através de normas gerais as diretrizes que servirão como parâmetros no desenvolvimento da política urbana que os Estados e Municípios deverão adotar (FIORILLO, 2009, p.342-343).

Os objetivos da política urbana, portanto, consistem em ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, garantindo o direito a cidades sustentáveis, bem como assegurar o bem-estar dos seus habitantes. Essa política deve ser traçada de acordo com as necessidades do Município, nos moldes do Estatuto da Cidade.

O referido Estatuto, inclusive, apresenta as diretrizes a serem observadas para que possa haver a efetivação da política de desenvolvimento urbano, de forma a evitar, de maneira geral, o crescimento desordenado das cidades e as externalidades negativas que podem ser causadas por ele. Tais diretrizes encontram-se previstas nos incisos do art. 2º da Lei. 10.257/2001 e consistem, em síntese, na garantia do direito a cidades sustentáveis, na gestão democrática das cidades, na cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, no planejamento do desenvolvimento das cidades, na oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados, na ordenação e controle do uso do solo, na proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; na regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, dentre outras.

Da análise do dispositivo legal acima citado, infere-se que as diretrizes disciplinadas pela lei para a efetivação da política urbana são obrigatórias para os Municípios, que deverão incluí-las, guardadas as devidas peculiaridades, em seus planos diretores, leis de uso e ocupação do solo e de parcelamento do solo, como oportunamente observa Toshio Mukai (2007, p. 42).

Entretanto, para que uma política urbana seja efetiva, ela deve ser coerente com seu território e exequível, conferindo diretrizes e bases legais às ações relativas à busca da sustentabilidade urbana. Porém, por causa da inércia da Administração Pública na solução dos problemas relativos à política urbana,38 tem sido cada vez mais difícil atingir a sustentabilidade. Assim, para que tais problemas sejam solucionados, inclusive o relacionado à inércia da

38 Maria Luiza Machado Granziera cita os seguintes problemas: descontinuidade dos programas a cada mudança do executivo municipal; falta de preparo administrativo para fazer frente às necessidades da população; falta de vontade política séria e efetiva de melhorar a qualidade de vida da população urbana, inclusive a carente (GRANZIERA, op. cit., p.188).

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Administração Pública, é fundamental que haja a participação popular na elaboração de projetos voltados para tal finalidade, sendo o plano diretor o principal instrumento para o desenvolvimento dessa política ambiental urbana.

3.1 Principais Instrumentos da Política de Desenvolvimento Urbano

O Estatuto da Cidade, ao atribuir uma função ambiental à cidade, estabeleceu os instrumentos para que seja possível a sua realização e, como visto, ele tem por objetivo regular o uso da propriedade urbana em favor do equilíbrio ecológico e da sadia qualidade de vida. Para isso, a referida lei fornece um instrumental a ser utilizado em matéria urbanística, sobretudo em nível municipal, visando a melhor ordenação do espaço urbano, com observância da proteção ambiental e à busca de soluções para os problemas apresentados pela sociedade.

O art. 4º do Estatuto da Cidade enumera extenso rol de instrumentos a serem utilizados em prol da efetivação da política urbana brasileira. Tais instrumentos podem ser classificados em instrumentos de planejamento, tributário, jurídicos e ambientais (MEIRELES, 2005, p.157-158).

São considerados instrumentos de planejamento os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; e o planejamento municipal.

Os instrumentos tributários e financeiros encontram-se previstos no inc. IV, do art. 4º do Estatuto da Cidade e são: imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU); contribuição de melhoria; incentivos e benefícios fiscais e financeiros.

Por sua vez, a desapropriação, servidão administrativa, limitações administrativas, tombamento de imóveis ou de imobiliário urbano, instituição de unidades de conservação, instituição de zonas especiais de interesse social, concessão de direito real de uso, concessão de uso especial para fins de moradia, parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, usucapião especial de imóvel urbano, direito de superfície, direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir e de alteração do uso, transferência do direito de construir, operações urbanas consorciadas, regularização fundiária, assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos, são considerados instrumentos jurídicos e políticos previstos no inc. V, art. 4º do referido Estatuto, e objetivam auxiliar o Poder Público, a sociedade e o mercado na construção de “uma cidade mais justa e solidária, minimizando os transtornos que naturalmente advêm da ausência de planejamento.” (SOUZA, 2010, p.71).

Por fim, os instrumentos ambientais estão previstos no art. VI, art. 4º da Lei 10.257/01, e são representados pelo estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) e o estudo prévio de impacto de vizinhança (EPIV).

Dentre os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, cujo rol é meramente exemplificativo, pois não impede que os Municípios façam uso de outros instrumentos que possibilitem uma participação mais ampla da comunidade, o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana é o plano diretor, obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes, pois, para que a propriedade urbana cumpra com sua função social, é necessário que ela atenda às exigências de ordenação das cidades previstas no plano diretor.

Segundo Marcus Alexsander Dexheimer,

A problemática ambiental é de notória gravidade em virtude do agravamento do efeito estufa, da ameaça à biodiversidade, da redução

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da cobertura florestal do planeta, da escassez de água, do crescimento demográfico nos países pobres, entre muitos outros. E as cidades sofrem e reproduzem esses problemas. (DEXHEIMER, 2004, p.421).

Para que essas questões sejam solucionadas é necessário que os projetos, em regra elaborados pelo Estado, estejam em consonância com os anseios da população afetada, sendo fundamental a efetiva participação popular. E o plano diretor é o principal instrumento para o desenvolvimento dessa política ambiental, pois a racionalização de gastos e planejamento bem efetuado é uma condicionante do equilíbrio ambiental e da sustentabilidade urbana. Planejar o desenvolvimento da cidade significa conduzir o crescimento urbano de forma a evitar impactos sobre o meio ambiente e distorções de cunho econômico e social.

3.2 Função Social da Propriedade Urbana

A propriedade é um direito real, garantido constitucionalmente,39 que confere ao seu titular a faculdade de usar, gozar dispor e reaver a coisa daquele que a estiver exercendo injustamente a posse ou a detenha, conforme dispõe o art. 1228 do Código Civil,40 e tem por característica a plenitude, exclusividade, perpetuidade, relatividade e elasticidade (MARQUESI, 2009). Contudo, nenhuma dessas características é absoluta, em razão do princípio da função social da propriedade.

Constitucionalmente, o princípio da função social da propriedade está presente no inc. XXIII do art. 5º, art. 182 e art. 183, que estabelecem as diretrizes da política urbana brasileira, o que faz com que a propriedade não seja vista apenas como um direito, mas também como um dever, em razão da função social a qual ela está vinculada.

Segundo José Afonso da Silva (2008, p.77), o “[...] direito de propriedade não pode mais ser tido como um direito individual. A inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica sua natureza”.

Em relação à propriedade urbana, José Afonso da Silva (2008, p.80) entende que seu regime jurídico é fundamentalmente de direito urbanístico e a considera como um direito planificado, por ser predeterminado por planos urbanísticos, instrumentos básicos de atuação urbanística do Poder Público.

Diante disso, a função social da propriedade urbana encontra-se disciplinada pelo art. 182 da Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade e está diretamente vinculada à ordenação da cidade expressa no plano diretor, conforme dispõe o § 2º, do art. 182 da Carta Magna,41 o que significa que a propriedade urbana cumpre com sua função social quando realiza as funções urbanísticas de proporcionar habitação, condições adequadas de trabalho, recreação e circulação humana, ou seja, quando ela é exercida de forma a atender as funções sociais da cidade.

O Estatuto da Cidade, ao se preocupar com a questão ambiental nos centros urbanos procura-se, também, em conferir uma conotação social à propriedade privada, passando a propriedade urbana exercer uma função social, nos termos do inc. XXIII, do art. 5º e art. 182 da Constituição Federal.

39 Art. 5º, inc.XXII – é garantido o direito de propriedade. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit.).

40 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011).

41 Art. 182. [...] § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, op. cit.).

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Desta forma, a utilização do solo urbano está sujeita às determinações de leis urbanísticas e do plano diretor, principalmente em razão do disposto no § 4º do art. 182 da Lei Maior, que permite ao Poder Público Municipal,

[...] mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 2011)

Destarte, assim como qualquer outro bem privado, a propriedade urbana pode ser objeto de desapropriação. Na realidade, a Constituição prevê dois tipos de desapropriação, conforme explica José Afonso da Silva:

Um deles é a desapropriação comum, que pode ser por utilidade ou necessidade pública ou por interesse social, nos termos dos arts. 5º, XXIV e 182, §3º, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Outro é a desapropriação-sanção que é destinada a punir o não-cumprimento de imposições constitucionais urbanísticas, fundadas na função social da propriedade urbana, pelo proprietário de terrenos urbanos, onde a indenização em dinheiro é substituída pela indenização mediante títulos da dívida pública, como se estatui no art. 182, §4º, III. (SILVA, 2008, p.78)

Luís Paulo Sirvinskas, por sua vez, ao tratar da função social da propriedade urbana entende que

Essa exigência social deve estar consignada no plano diretor. Assim, o ‘plano diretor da cidade não poderá se afastar dos princípios constitucionais atinentes a defesa e preservação do meio ambiente e da ordem econômica, a fim de evitar que a atividade urbanística seja lesiva aos interesses da coletividade.’ (SIRVINSKAS, 2010, p.705)

Diante disso, pode-se concluir que para que a propriedade urbana cumpra com sua função social, ela deve atender as exigências previstas no plano diretor, “instrumento de gestão pública e ambiental, processo compreensivo e participativo no qual pode se dar o enfrentamento dos diversos conflitos existentes acerca do uso e ocupação do solo urbano e de seus recursos”. (GRANZIERA, 2007, p.186).

A propriedade, portanto, não pode mais ser vista como um direito absoluto, pois, não apenas o Estatuto da Cidade, mas principalmente a Constituição Federal, impõe ao proprietário o dever de exercer seu direito de propriedade em benefício de toda a coletividade, observando as exigências fundamentais de ordenação da cidade constantes no plano diretor.

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4 A RESPONSABILIDADE PELA APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE

A Constituição Federal de 1988 reserva um significativo espaço para a matéria urbanística e estabelece ser competência da União “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos.”42 Assim, cabe à União fixar as diretrizes, ou seja, os preceitos basilares, para proporcionar o desenvolvimento urbano, “nele incluídas as questões atinentes à moradia, ao saneamento básico e transportes urbanos”. (MEDAUAR, 2004, p.20)

Além dessas competências, a Constituição estabeleceu ser competência comum entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, legislar sobre normas para a cooperação no que tange à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (inc. II), sendo essa competência fundada no parágrafo único, art. 23 da Lei Maior, que, aliás, prevê a necessidade de edição de leis complementares para a cooperação em geral entre todos os entes da federação (BRASIL, 2011).

Ainda em matéria urbanística, o inc. I do art. 24 da Carta Magna fixa como competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre direito urbanístico. E, por força do § 1º deste artigo, a competência da União, quanto à legislação concorrente, se expressa em normas gerais, sem que isso importe em excluir a competência suplementar dos Estados.43.

Em relação aos Municípios, Odete Medauar ressalta que

[...] a Constituição Federal lhe atribuiu a competência para suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (art. 30, II). No caso das diretrizes fixada no Estatuto da Cidade, o Município, na sua legislação, deverá, assim, absorvê-las e suplementá-las, no que for compatível com a sua realidade e com os seus objetivos. (MEDAUAR, 2004, p.23)

O Estatuto da Cidade, por sua vez, estabeleceu no art. 3º a competência da União para as atribuições de interesse da política urbana, repetindo em parte o disposto na Constituição, conforme pode ser observado nos incisos I (legislar sobre normas gerais de direito urbanístico); IV (instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos); e V (elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social) do referido dispositivo legal, correspondentes, respectivamente, ao inc. I do art. 24, inc. XX do art. 21, e inc. IX do art. 21 da Constituição Federal. (CARVALHO FILHO, 2009, p.17)

Ademais, o inc. III do mesmo art. 3º do Estatuto conferiu à União a competência para promover, por iniciativa própria e em conjunto com as demais entidades federativas, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, competência, diga-se por oportuno, fixada com base no inc. IX do art. 23 da Constituição Federal.44.

42 Art. 21. Compete à União: [...] XX- instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 jun. 2011.

43 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. (Ibid.)

44 Art. 3o Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: [...] III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. (BRASIL. Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. op. cit.).

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Entretanto, de acordo com Odete Medauar (2004, p.22), é certo que “[...] o Estatuto da Cidade destina-se precipuamente aos Municípios, aplicando-se também ao Distrito Federal e seu governador, com fulcro no seu art. 51”, pois, apesar de estarem na lei federal as diretrizes gerais, cabe ao governo municipal

[...] a implantação e a execução dos planos urbanísticos, a iniciar pelo plano diretor, aprovado por lei, que é realmente um instrumento fundamental da ordem urbanística municipal. Acresce que os Municípios têm competência própria sobre matéria urbanística, como se observa nos arts. 30 e 182 da CF, não se limitando a apenas suplementar a legislação federal e estadual. (CARVALHO FILHO, 2009, p.18)

Diante disso, verifica-se a inegável responsabilidade política e administrativa do Município para dispor sobre política urbana, não sendo possível admitir a inércia do administrador municipal em relação à ordem urbanística, pois esta é necessária para o desenvolvimento econômico e social das cidades e bem-estar das populações. Odete Medauar observa, ainda, que

[...] quer as diretrizes gerais do Capítulo I , quer os demais preceitos, todos se impõe à legislação municipal, inclusive aos planos diretores e aos projetos e planos decorrentes do plano diretor. Vinculam também a legislação urbanística dos e do Distrito Federal. (MEDAUAR, 2004, p.22)

Desta forma, pode-se dizer que o Estatuto da Cidade fornece os parâmetros a serem observados pelo Poder Executivo e Legislativo dos Municípios quando da elaboração de suas leis e planos urbanísticos.

Uma observação interessante a ser feita diz respeito ao conteúdo do art. 52 do referido Estatuto, que prevê a possibilidade de aplicação de sanção ao prefeito, por improbidade administrativa quando:

[...] II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4o do art. 8o desta Lei;III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com o disposto no art. 26 desta Lei;IV – aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;V – aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordo com o previsto no § 1o do art. 33 desta Lei;VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4o do art. 40 desta Lei;VII – deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;VIII – adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25 a 27 desta Lei, pelo valor da proposta apresentada, se este for, comprovadamente, superior ao de mercado. (BRASIL, 2011)

Tal dispositivo legal serve para deixar ainda mais claro que a responsabilidade pela aplicação das disposições contidas no Estatuto da Cidade não pertencem apenas à União e aos Estados,

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mas, e principalmente, pertence aos Municípios e seus gestores, tanto que os agentes políticos podem responder por improbidade administrativa, caso não apliquem o Estatuto da Cidade.

Como bem observa José dos Santos Carvalho Filho (2009 p.285), o inc. VI, do art. 52 do Estatuto da Cidade, dispõe que o prefeito incorrerá em improbidade administrativa caso impeça ou deixe “de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4º do art. 40 desta Lei,” (BRASIL, 2011) sem prejuízo da aplicação de sanções de outras naturezas.

Por fim, ressalta-se que os prefeitos não podem deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do § 3º do art. 40 do Estatuto da Cidade, o qual determina que o plano diretor seja revisto, pelo menos, a cada dez anos, ou então deixar de elaborar a referida lei até o prazo estabelecido no art. 50 do Estatuto. Caso essas iniciativas não sejam tomadas pelo Executivo, o Prefeito pode ser responsabilizado por improbidade administrativa, conforme prevê o art. 52 da Lei 10.257/01, ficando sujeito às sanções da Lei 8.429/92, como a perda da função pública, a obrigação de ressarcimento de dano, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa, indisponibilidade de bens, por exemplo,45 mediante ação apropriada a ser intentada pelo Ministério Público.

5 CONCLUSÃO

O Estatuto da Cidade é a lei federal que estabelece as diretrizes gerais da política urbana brasileira e representa um avanço importante em matéria urbanística, haja vista que institucionalizou diversos instrumentos que possibilitam uma atuação mais eficaz do Poder Público na busca pela concretização da cidade sustentável.

Hoje, há a consciência de que a qualidade do meio ambiente é um bem, um patrimônio, e sua preservação, recuperação e revitalização são um imperativo do Poder Público, de forma a assegurar a saúde, bem-estar e condições de desenvolvimento do homem. E a forma que o Poder Público possui para alcançar tais objetivos é através da aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, tanto que a responsabilidade pela aplicação das regras contidas no referido Estatuto pertence principalmente aos Municípios, podendo o administrador municipal responder por improbidade administrativa caso deixe de aplicá-lo, ficando sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/92.

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45 BRASIL. Lei n. 8.429 de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L8429.htm>. Acesso em 10 jun. 2011.

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A INFILTRAÇÃO DE AGENTES NO COMBATE à CORRUPÇÃO PÚBLICA E à CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Patrícia Carraro Rossetto46*

RESUMO

No presente trabalho pretende-se traçar os aspectos essenciais dos fenômenos sociais da corrupção pública e da criminalidade organizada, com vistas à análise da legitimidade e eficácia de alguns dos instrumentos legais de investigação previstos na Lei 9.034, de 03 de maio de 1995. A questão nodal (e polêmica) da utilização desses mecanismos de persecução criminal repousa, sem dúvida, na ideia de como o Direito Processual Penal pode consubstanciar um instrumento repressivo eficiente, consonante com os princípios constitucionais penais e processuais penais, sem que esses âmbitos de liberdade historicamente reconhecidos pelo Estado sirvam como amparo a práticas delitivas.

PALAVRAS-CHAVE: Corrupção. Agentes públicos. Crime organizado. Infiltração de agentes e ação controlada.

THE INFILTRATION OF AGENTS IN FIGHTING public CORRUPTION AND ORGANIZED CRIME

ABSTRACT

The purpose has the present work the essential aspects of public corruption and organized crime, with a view to examining the legitimacy and effectiveness of some of the legal instruments referred to in the 9.034 Act of May 3, 1995. The nodal point of the use of such mechanisms prosecution rests in the idea of how the Criminal Procedure Act could be an effective instrument of repression, in accordance with the constitutional principles of criminal law and criminal procedure, without these areas of freedom historically recognized by the State to serve as support to criminal behavior.

KEYWORDS: Organized criminality. Organized crime. Special investigation method. Agents infiltration and controlled action.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTOS ELEMENTARES DA CORRUPÇÃO PÚBLICA. 3 A CORRUPÇÃO PÚBLICA E A CRIMINALIDADE ORGANIZADA. 4 OS MEIOS PROCESSUAIS PRÓPRIOS DE INVESTIGAÇÃO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA: A INFILTRAÇÃO DE AGENTES. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

Nesse início de Século XXI, intensifica-se o debate doutrinário e político acerca da evolução da criminalidade organizada e da corrupção pública, cuja tônica principal seria a construção de um sistema repressivo eficiente voltado a garantir o regular funcionamento do

46 * Mestre em Direito (UEM). Professora (UEL, Pitágoras). Advogada.

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Estado democrático e social de direito, a fomentar a probidade administrativa e a tutelar liberdade individual do cidadão.

Em face da insuficiência dos meios de investigação tradicionais frente à expansão da delinquência organizada e da sistêmica e generalizada corrupção pública, a doutrina especializada e as convenções internacionais que tratam do tema propugnam a utilização de medidas de natureza processual, dentre as quais sobreleva a utilização de técnicas especiais de investigação, notadamente a infiltração de agentes, estando esta prevista na ordem normativa brasileira no art. 2º, inciso V e parágrafo único, da Lei 9.034, de 03 de maio de 1995.

A questão nodal (e polêmica) da utilização desse mecanismo de persecução criminal repousa, sem dúvida, na ideia de como o Direito Processual Penal pode consubstanciar um instrumento repressivo eficiente, consonante com os princípios constitucionais penais e processuais penais, sem que os âmbitos de liberdade historicamente reconhecidos pelo Estado sirvam como amparo a práticas delitivas.

Nesse sentido, nas linhas que se seguem, proceder-se-á à análise crítica e racional acerca da corrupção pública e sua intima relação com a criminalidade organizada e, após, sobre a infiltração de agentes, com a finalidade de contribuir para a que tutela da Administração Pública possa se dar de forma efetiva.

2 ASPECTOS ELEMENTARES DA CORRUPÇÃO PÚBLICA

O vocábulo corrupção encontra sua origem no termo latino corrumpere, que, por sua vez, desenvolveu-se a partir da partícula cum e outra forma verbal latina: o verbo rumpo, rumpis, rupsi, ruptum, que literalmente significa ‘romper’. Em uma tradução literal rígida corrumpere significaria ‘romper com’; ‘romper com a união de’, no sentido de servir-se de um acompanhante na ação (SIMONETTI, 1995, p. 176). Entrementes, com o desenvolvimento semântico do vocábulo, atribuiu-se ao mesmo o sentido de apodrecimento, deterioração, degradação ou menosprezo, seja natural ou valorativo (PRADO, 2006, p. 371), tendo havido, portanto, um afastamento de sua origem etimológica.

O fenômeno “corrupção” assume inúmeras roupagens, entremeando-se nos mais diversos setores da vida social. Trilha seus caminhos tanto na esfera privada, notadamente na ordem econômica, quanto na esfera pública, em especial a ordem política, transformando-se numa patologia do sistema social, cujos efeitos transcendem os limites territoriais dos Estados de forma a atingir a comunidade internacional. Inserida no contexto político, a corrupção pública age como uma forma de aniquilamento das estruturas democráticas, na medida em que frustra o exercício do direito subjetivo dos cidadãos, verdadeiros detentores da soberania, de participação no processo político e nos órgãos governamentais. Essa degradação atinge o direito de sufrágio em seu aspecto ativo, com especial relevância ao direito de ser reconhecido a cada cidadão o mesmo peso político e a mesma influência, qualquer que seja sua idade, suas qualidades, sua instrução e seu papel na sociedade; bem como, atinge sua vertente passiva, impossibilitando que o cidadão comum possa competir em pé de igualdade no processo eleitoral com os candidatos já corrompidos pelo sistema de corrupção.47

47 Sobre o tema, aduz Carlos Castresana Fernandes (2004, p. 214-215) que a incidência do financiamento ilegal dos partidos políticos nos países mais desenvolvidos teria alcançado níveis que permitem por em dúvida a igualdade de oportunidades no acesso à função pública e a efetividade do sufrágio eleitoral. Em boa medida, ter-se-ia produzido um deslocamento do centro das decisões das instituições democráticas para o mercado, de forma que as decisões políticas estão cada vez mais condicionadas e predeterminadas pelo financiamento privado das campanhas eleitorais, que se distancia muito da teórica transparência consagrada pelos diferentes ordenamentos.

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A corrupção pública reverte-se em altíssimos custos sociais, políticos e econômicos para a sociedade em geral (CUESTA ARZAMENDI, 2003, p. 11). É um fator de desagregação do sistema que, agindo como uma força de influência privilegiada reservada àqueles que possuem meios de exercê-la, muitas vezes exclusivamente financeiros, conduz ao desgaste do mais importante recurso do sistema: sua legitimidade (PRADO, 2002, p. 442).48 Além disso, a corrupção pública encontra-se estreitamente ligada ao crime organizado, à criminalidade econômica, ao narcotráfico e à lavagem de dinheiro, práticas estas que representam um salto qualitativo na evolução da própria criminalidade, pois detentoras de uma ofensividade particularmente pungente a bens jurídicos de transcendental importância, tais como a saúde pública e o sistema financeiro nacional.49

Sob o aspecto exclusivamente jurídico-penal, a corrupção pública pode ser analisada sob os ângulos restritivo e ampliativo, segundo se tome como objeto de estudo o agente público individualmente considerado ou contextualizado em uma rede de corrupção, ou seja, no seio de uma organização criminosa.

Em sentido restrito, a essência da corrupção pública (corruptios, bribery, Bestechung, coecho, corruzione) é a venalidade em torno da função pública (HUNGRIA, 1958, p. 365), a cupidez do ganho, a venalidade, que é incriminada e punida independentemente da justiça ou injustiça do próprio ato (FARIA, 1959, p. 101).50 Em que pese à dificuldade na limitação de seus contornos conceituais, é possível concebê-la como a exigência, aceitação, oferta ou prestação, direta ou indireta, ao agente público, de vantagens indevidas, pecuniárias ou de outro gênero, com a finalidade de induzi-lo a praticar atos contrários aos deveres de seu cargo, ou para executar ou omitir ato devido (CAPARRÓS, 2004, p. 228), gerando, assim, a alteração ou desnaturação da função pública pelo desprezo ao interesse público (BARACHO, 1998, p. 37, 40).51

Trata-se de fenômeno pelo qual determinado agente público age “[...] de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de benefício ou recompensa”. Corrupto é o agente que se vale da função estatal para atender finalidade diversa do interesse público (PRADO, 2002, p. 441). A propósito, Robert Klitgaard (1995, p. 252) aduz que a corrupção seria o uso indevido dos âmbitos oficiais, mediante atos comissivos ou omissivos, para a obtenção de vantagens não oficiais, geralmente pessoais, ainda que frequentemente percebidas em favor de determinada empresa ou partido político.

Sob esse enfoque, a corrupção pública compreende uma complexa diversidade tipológica, na medida em que remete à prática do nepotismo, a um grande número de injustos administrativos e penais que, nesse último caso, podem estar alocados tanto no Código Penal (RODRÍGUEZ, 1998, p. 9) quanto em leis extravagantes decorrentes da tutela de bens supra individuais, tais como os crimes contra a administração ambiental52 e os crimes praticados no procedimento de licitação pública.53

Esta perspectiva, no entanto, a despeito de sua precisão, não alcança o fenômeno em toda sua plenitude (GONZÁLEZ PÉREZ, 2000, p. 21). A conduta corrupta do agente público, em sentido figurativo, nada mais é do que a ponta de um iceberg onde as partes submergidas correspondem a uma rede social, a uma estrutura sistematizada de corrupção,

48 A propósito: LEITE, 1987a, p. 41.49 Sobre o tema: GORDILLO, 1997, p. 33-34; IGLESIAS RÍOS; MEDINA ARNÁIZ, 2005, p. 51; CUESTA ARZAMENDI, 2003, p.

07; ESPINA RAMOS, 2004, p. 286.50 Nesse sentido: SOARES, p. 410.51 Acrescenta o autor que �o agente público utiliza, indevidamente, de sua função, quando busca obter benefício privado, que se

constitui em valor, presente ou futuro, monetário ou não� (p. 37).52 Artigos 66 a 69-A da Lei 9.605/9853 Artigos 89, 91 a 94, 96 a 98 da Lei 8.666/93.

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detentora de regras paralelas àquelas concebidas pelo Estado. Tais regras são dotadas de forte imperatividade para os adeptos de uma organização, corporação, grupo, partido político ou facção, cuja representatividade desempenha no exercício da função pública. Isto porque, no seio de tais grupos opera-se a distribuição de benefícios indevidos, bem como, a discriminação ou marginalização dos que se negam a cooperar, o que proporciona a ampliação do círculo daqueles que participam do esquema para se locupletarem às custas do erário ou para não serem destituídos dos cargos que ocupam (PEGORARO, 1999, p. 20-21).

Portanto, em linhas gerais, os pontos convergentes a todos os atos abarcados pela corrupção pública são: a violação de um dever funcional, a inexistência de vítimas, a confusão entre o público e o privado, a finalidade de se alcançar benefícios injustificados, sejam eles patrimoniais ou não, a bilateralidade e a obscuridade de sua realização, seu caráter sistemático e a impunidade.

A violação de dever funcional corresponde à afronta a um determinado sistema de regras (MALÉM SEÑA, 1996, p. 190-191) que, no caso em análise, seria o sistema jurídico, em especial, a Constituição.54 Segundo Gianfranco Pasquino (1992, p. 292), a corrupção pública deve ser examinada em termos de legalidade e ilegalidade e não de moralidade e imoralidade. Para o autor, “[...] deve-se levar em consideração as diferenças que existem entre práticas sociais e normas legais e a diversidade de avaliação dos comportamentos que se revela no setor privado e no setor público”.

Os agentes públicos exercem um complexo de atribuições que deve estar orientado à satisfação dos interesses públicos e à defesa dos direitos dos cidadãos, os quais surgem como fundamentos de justificação política da existência do Estado. Dessa forma, concebida a corrupção pública como a violação de deveres funcionais, resta evidente que sua prática vulnera todo o arcabouço legal construído para a satisfação daqueles interesses e direitos, o que atravanca o funcionamento da Administração Pública, visto estarem os mesmos relegados a um segundo plano pela prática corrupta.

Outro aspecto de importante relevo se refere ao fato de que a relação corrupto-corruptor não é diretamente lesiva ou vitimogênica, ou seja, o suborno, a fraude, o peculato só atingem terceiros através da categoria denominada “bem-comum”. Na realidade, o juízo de censurabilidade da corrupção pública é curiosamente arrefecido. Isto se deve ao fato de que a assunção a cargos públicos tem sido utilizada, historicamente, como meio para que o cidadão faça uso da coisa pública como se sua fosse. Construiu-se no Estado brasileiro uma concepção de que a coisa pública é mera extensão do patrimônio particular dos agentes públicos ou como algo a se incorporar ao mesmo (RIOS, 1990, p. 96).55 Por conseguinte, a confusão entre a esfera do público e do privado, na órbita da Administração Pública, que gera a corrupção passiva, o peculato e a concussão, reflete-se no vulgo, que não sente a perda da coisa pública como algo que o afete verdadeiramente (FELICIANO, 2000, p. 76).

54 Isto não significa que a �corrupção� está adstrita aos agentes públicos, uma vez que se pode diferenciar uma corrupção que se apresenta no campo das ações privadas. Sobre o tema: REÁTEGUI SÁNCHEZ, 2005, p. 296.

55 Para o autor essa “[...] mentalidade patrimonialista não parece, ao longo da história luso-brasileira, uma característica da classe. Todos os indivíduos, qualquer que seja sua origem social, dela participam. Separam-se apenas como excluídos ou incluídos nas benesses do poder. A extensão da mordomia e seu usufruto é a linha divisória nos patamares e escalões da estrutura social”. Sobre o tema, pontua Sérgio Habib (1994, p. xiv-xiv) que a maneira como os cidadãos encaram os bens públicos �[...] faz lembrar a relação Metrópole-Colônia, ou seja, dominante-dominado, em que se praticava subtração ou desvio de bens ou de rendas pertencentes ao Reino. A corrupção no Brasil apresenta, pois, essa particularidade, decorrente do longo período de dominação, fosse do colonialismo português � durante a fase colonial -, fosse da dependência inglesa � na época do Império -, fosse do imperialismo norte-americano, durante quase toda fase republicana.

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A corrupção pública, na realidade, funda suas raízes na própria sociedade, de tal maneira que uma sociedade corrupta corresponde a uma Administração Pública corrupta e um tecido empresarial corrupto. Em consequência, enquanto a sociedade segue sendo corrupta, serão inevitáveis as práticas de corrupção, por mais que estas sejam combatidas pelo poder público (GARCÍA, 2004, p. 457). Nesse sentido, leciona Wallace Martins Paiva (2001, p. 02) que o fenômeno está tão arraigado na cultura popular brasileira, que acabou por produzir a imagem do malbaratamento da coisa pública como regular alicerce do Estado, “[...] periclitando a democracia e a existência do próprio Estado de Direito, com nocivos efeitos que amesquinharam os valores éticos tão caros à nação, incorporando valores antiéticos, imorais e amorais ao ambiente social”.56

Da afirmação extrai-se outra peculiaridade da corrupção pública, a existência de uma confusão atuante sobre o limite entre o público e o privado. De acordo com José Maria Simoneti (1995, p. 182), em sentido estrito, a corrupção consiste em converter em privado o que é público, porque existe uma apropriação do que deve ser de todos, o que geralmente ocorre como resultado do abuso de uma prerrogativa. “Se privatiza o que, por definição, não pode ser privado; ou se utilizam em situações públicas os procedimentos privados, o que significa simplesmente um afastamento dos modos e comportamentos socialmente exigíveis para a situação da qual se trate.”

Outra característica irrefutável corresponde à finalidade de se alcançar benefícios injustificados, sejam eles patrimoniais ou não. Ora, a relação que se desenvolve entre os agentes envolvidos nas malhas da corrupção e cujos laços se fortalecem ao longo do tempo, detém como finalidade precípua um importante fator criminógeno, qual seja: “[...] o interesse de uma parte em propiciar dádiva à outra, visando, por sua vez, obter alguma coisa em troca” (MORAES FILHO, 1987, p. 34).

Todavia, não se pode reduzir a finalidade dos atos de corrupção à utilidade econômica, sendo necessário incluí-la na rede de relações sociais entretecidas com a vida política e com a arte de governar, enfim, com a dinâmica da luta pelo poder (PEGORARO, 1999, p. 16). Assim, o objeto da corrupção pública pode ser identificado tanto com vantagens materiais dotadas de conteúdo econômico, como sói ocorrer nos ilícitos de corrupção passiva e concussão, quanto com vantagens imateriais ou subjetivas, as quais corresponderiam à manipulação do processo de tomada de decisão do agente público (DEMETRIO CRESPO, 2003, p. 115).57

A corrupção, outrossim, caracteriza-se pela bilateralidade. Em geral, o fenômeno pressupõe a presença de pelo menos dois partícipes, dois espaços ou esferas: o corruptor e o corrompido (ou corrupto), ou seja, a força que corrompe e aquela pessoa sobre a qual recai essa força, e que definitivamente se deixa levar, se apodrece, se corrompe (SIMONETTI, 1995, p. 176; REÁTEGUI-SÁNCHEZ, 2005, p. 294). Essa característica determina uma peculiar dificuldade na persecução dessas atividades, pois ambos os agentes da relação corrupta encontram-se igualmente implicados pela lei penal. Por isso, a decorrência imediata da bilateralidade é a obscuridade, ou seja, o fato de que a corrupção pública se desenvolve “[...] à míngua de testemunhas, mesmo porque o segredo atende às conveniências das partes. Esse sigilo cria condições extremamente propícias à impunidade do crime, o que estimula sua prática” (MORAES FILHO, 1987, p. 22).

O corruptor e o corrupto agem nos bastidores, às escuras, sem que ninguém saiba ou veja, criando fortes laços de confiabilidade, de forma que, não raras vezes, a credibilidade

56 Diante dessa realidade, afirma-se que o clamor público para o combate à corrupção pública não se origina da prática corrupta em si, mas sim por sua exaltação por parte de grupos sociais determinados. (GUERRERO, 1996, p. 114).

57 Nesse sentido, assevera Cuesta Arzamendi (2003, p. 10) que a intervenção corrupta distorce os mecanismos ordinários de tomada de decisões no plano econômico e gera atuações administrativas inadequadas e decisões públicas incorretas, inclusive no plano político, afetando, portanto, de um modo importante, o bom governo dos países, a própria segurança a estabilidade e, obviamente, de maneira muito decisiva, a legitimidade do discurso de legitimação do Estado a respeito de seus cidadãos.

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dos corruptores em não denunciar o corrupto é garantida a este por outros corruptores e vice-versa. “Essa teia de relações que vai se formando, torna praticamente inacessível o alcance das leis no caso de corrupção, tornando-os invisíveis à sociedade” (MASSUD, 2005, p. 448-449).58 Trata-se, portanto, de uma criminalidade sofisticada e silenciosa, porém imbuída de grande perversidade diante das consequências advindas de sua execução, “[...] afetando populações inteiras, por intermédio do desvio de verbas públicas para finalidade particulares, envolvendo comportamento por ação ou omissão” (LIMA, 2001, p.1299-1300).59

Por fim, a confluência das particularidades acima mencionadas resulta nas duas últimas características da corrupção pública: seu caráter sistêmico e a consequente impunidade dos agentes corruptos.

Sustenta Eduardo Demétrio Crespo (2003, p. 105-106), que a natureza sistêmica do fenômeno vincula-se a elementos da organização política ou administrativa, que se consolidam e se perpetuam no tempo mediante códigos paralelos de conduta, tramados ao amparo de uma série de conivências direta ou indiretamente aceitas, o que obriga a situar o comportamento individual em uma rede de cumplicidades de diversos tipos e amplitudes. O primeiro ato de corrupção pode gerar uma cascata de atos irregulares subsequentes, dando lugar a uma cadeia de atos ilícitos, cuja finalidade é levar até o fim o objetivo proposto

Enfim, como já suscitado alhures, a corrupção não corresponde apenas “[...] a atos ou condutas autônomas, mas sim a condutas que respondem a uma organização verticalizada, unida pela disciplina ou pela participação em um grupo da sociedade, partido político, a ‘facções’, a ‘príncipes dentro do reino’” (PEGORARO, 1999, p. 15, 18-19). Toda essa trama de relações acaba por fomentar e sustentar a mais completa impunidade, a qual se lastreia na verticalidade da corrupção e que atravessa os poderes executivo, legislativo e judiciário do Estado (OLIVEIRA, 2004, p. 424).

Tendo em vista os motivos expostos, entende-se que na construção de um sistema penal apto a servir como aparato persecutório do Estado contra os atos de corrupção pública, deve-se levar em consideração os pontos de vista acima examinados, ou seja, os aspectos restritivo e ampliativo da corrupção pública. Isto porque, de um lado, a lesão ao erário público e o desvirtuamento da função pública pela conduta individual do agente público prejudicam o sistema de organização social, na medida em que a eficácia funcional do Estado depende da honestidade e transparência com que tais agentes atuam em seu mister. Nesse passo, o poder punitivo do Estado deve, com lastro na magnitude do injusto praticado, na culpabilidade do autor e em critérios de prevenção geral e especial, coibir e reprimir de forma eficaz essas condutas desvirtuantes. Por outro lado, na seleção do arcabouço repressivo do sistema penal, o legislador deve atentar-se para

58 José María Simonetti (1995, p. 171) preconiza que esse caráter obscuro da corrupção determina a dificuldade das ciências sociais em assimilar e analisar o fenômeno, bem como, em formular explicações e desenvolver o conhecimento acerca do mesmo, pois nem a busca estatística, nem sequer a aplicação de modelos matemáticos pode ser construido a partir de uma �cifra negra�. Para o autor, a investigação do fenômeno pelas ciências sociais se depararia com o problema de certas ataduras metodológicas, já que os acadêmicos estariam habituados à cópia irreflexiva do paradigma triunfante das ciências naturais.

59 Para ilustrar esta afirmação, toma-se, por exemplo, o delito de corrupção passiva. De acordo com Luiz Regis Prado (2006, p. 375), a concepção bilateral deste delito pressupõe que o agente público e o particular devem engendrar “[...] a prática de um ato a ser executado por aquele, em razão de sua função pública, mediante a obtenção de vantagem ou promessa de obtê-la, havendo, portanto, uma necessária convergência de vontades”. Essa peculiaridade torna a corrupção passiva um delito de elevada cifra negra, cuja ocorrência se deu ao longo dos séculos e “[...] que se agrava nos últimos anos, com casos de grande transcendência social e com elevados benefícios obtidos ilicitamente pelas autoridades ou funcionários públicos, pela comissão de delitos ou, ao menos, de atos injustos no exercício de seus cargos” (SERRANO GÓMEZ, 1999, p. 739-740). Desse modo, em que pese a gravidade da corrupção passiva, trata-se de ilícito cuja indagatória é escassa nas sedes judiciais, tendo em vista a dificuldade em se obter a prova do ilícito máxime que a vontade maliciosa entre o particular e o agente público corrupto impede ainda mais prová-lo. Nesse sentido: PREZA RESTUCCIA; ADRIASOLA; GALAIN PALERMO, 2004, p. 327-328.

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o caráter sistêmico da corrupção, ou seja, para a existência de uma trama de relações sociais e políticas muito bem articulada, que se vale da inoperância do sistema legal e da impunidade para fixar profundas raízes na estrutura institucional do Estado e cujo objetivo é angariar vantagens econômicas, influência política e exercício de poder para seus adeptos. Em outras palavras, deve considerar que a corrupção pública detém íntima relação com a criminalidade organizada.

Entrementes, verifica-se que a legislação penal, encarregada de sancionar a corrupção pública, tem sido inoperante, determinando absolvições escandalosas (SOLER, 1976, p. 204-205) que, não raras vezes, se fundam na prescrição desses delitos, já que a cominação da pena in concreto se dá com base no mínimo legal. Diante dessa realidade, defende-se que o combate à corrupção somente poderá ser concretizado por meio de vias preventivas e repressivas, as quais atuam numa relação de complementaridade, sendo suscetíveis a um simultâneo desenvolvimento (NALINI, 1999, p. 443). Se de um lado, seria contraproducente ao Estado fundar sua política persecutória exclusivamente no direito penal e processual penal, já que o mero aumento das escalas penais ou a desconsideração de princípios constitucionais na investigação ou no processo criminal configuraria uma receita de política simbólica inapta para alterar o quadro de forma satisfatória e eficaz (HASSEMER, 1995, p. 151)60; por outro, o discurso do “direito penal simbólico” não deve ser manipulado a esmo.

Tecidas essas considerações, resta traçar os pontos de intersecção entre a corrupção pública e a criminalidade organizada.

3 A CORRUPÇÃO PÚBLICA E A CRIMINALIDADE ORGANIZADA

No Brasil são escassos os estudos criminológicos e político-criminais acerca do fenômeno da criminalidade organizada, o que determina uma especial dificuldade em se conceber um sistema preventivo-repressivo adequado ao quadro social brasileiro. No entanto, é possível inferir que no país esta forma de criminalidade está intimamente relacionada com o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e a corrupção pública, configurando esta última nada mais do que um elemento do sistema, de forma que o fenômeno consistiria em um salto qualitativo na evolução da própria criminalidade funcional.

Prefacial ao enfrentamento da problemática proposta faz-se necessário construir, sem ambiguidades, a noção jurídico-penal das expressões criminalidade organizada, organização criminosa, crime organizado e crime de participação em organização criminosa, as quais, não raras vezes, e de forma equivocada, são tratadas como sinônimas pela dogmática penal61, o que dificulta a sistematização da matéria.

A criminalidade organizada, segundo Jorge Figueiredo Dias (2008, p. 14). constitui um fenômeno social, econômico, político, cultural, fruto da sociedade contemporânea, tal como ocorre com demais fenômenos sociais de análoga natureza, sendo eles: a criminalidade terrorista, a criminalidade política e econômico-financeira. Consiste, portanto, num fenômeno sócio criminológico específico que, tendo em vista sua relevância jurídico-penal demanda apreciação valorativa pelo legislador na construção de um efetivo sistema repressivo estatal. Assim, pode-se dizer que as Tríades Chinesas, a Yakuza Japonesa, a Máfia italiana e, no Brasil,

60 De acordo com Hassemer (1995, p. 151), a criminologia ensina que há tempos o puro aumento das escalas penais não detém muita utilidade, pois o possível autor não se pergunta, através de um cálculo de risco, se vai receber dois ou três anos no caso de ser surpreendido: pelo contrário, pondera quais as possibilidades de ser descoberto.

61 Sobre o assunte vide: MAIA, 1997, p. 13; SILVA, 2003, p. 33; GOMES; CERVINI, 1995, p. 70; BARBATO JUNIOR, 2002, p. 30, FERNANDES, 1995, p. 03; MOREIRA, 2003, p. 488; FREITAS, 2003, p. 178; DIAS, 2008, p. 12-13; PITOMBO, 2009, p. 107.

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o Cangaço, quando inseridas e valoradas no contexto social, configurariam manifestações da criminalidade organizada (SILVA, 2003, p. 20; FERNANDES, 1995, p. 23, 25).

A organização criminosa, por sua vez, costuma ser conceituada a partir da enumeração de suas características elementares, as quais seriam: estrutura hierárquico-piramidal e funcionamento nos moldes de uma genuína empresa; divisão direcionada de tarefas; administração profissional; disponibilidade de meios materiais e humanos para a execução de tarefas distintas e escalonadas; restrição dos membros que venham a integrar o grupo; participação ou envolvimento de agentes públicos; orientação para obtenção de dinheiro e poder; domínio territorial, persistência das atividades ilícitas; clandestinidade; possibilidade de substituição de membros mediante uma rede de substituição (ou recrutamento); possibilidade de desenvolvimento de um plano delitivo de maneira independente das pessoas individuais.62 “De modo simplificado, é possível definir organizações criminosas como verdadeiras estruturas ‘empresariais’ determinadas pelo agrupamento de indivíduos hierarquicamente organizados e com funções claramente definidas, cuja finalidade é a prática delituosa reiterada” (PRADO; CASTRO, 2010, p. 375).

Seguindo estes moldes, o art. 02 da Convenção de Palermo define grupo criminoso organizado como sendo o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves, voltadas à obtenção de benefícios econômicos ou outro benefício material.

A locução participação em organização criminosa corresponderia à figura delitiva propriamente dita, ou seja, à conduta proibida pela norma penal de associar-se com outros indivíduos em uma organização criminosa, com vistas à prática de crimes, a qual poderia ser prevista em um tipo penal autônomo ou derivado. Vale mencionar que esta figura delitiva não encontra previsão no ordenamento jurídico brasileiro e que sua criminalização foi sugerida pelo art. 5º da Convenção de Palermo.63

Por fim, o termo crime organizado, corresponderia aos crimes praticados pelos agentes da organização criminosa (crimes de catálogo), os quais podem estar ou não enumerados, exemplificativa ou exaustivamente na legislação pertinente.

62 Nesse sentido: FERNANDES, 1995, p. 244; MENDRONI, 2007, p. 13-17; MACEDO, 2006, p. 93-94, MIRANDA, 2008, p. 476. Estudo realizado pelo Instituto Andaluz Interuniversitario de Criminología – Sección de Sevilla, dentro do Projeto de Cooperação Europeu sobre investigação policial em matéria de delinqüência organizada, concluiu que os principais elementos identificadores do crime organizado, segundo opinião dos membros das Unidades de Droga e Crime Organizado da Andaluzia e de Madri, são: a) a existência de uma estrutura hierarquizada (84,61%); b) a existência de duas ou mais pessoas na organização (56,41%); c) a repartição de tarefas (41,02%); d) a intenção de lucro; e) atividade internacional ou interprovincial (25,64%); e, f) a utilização de meios técnicos sofisticados (23,07%) (CAFFARENA, 2001, p. 24).

63 Artigo 5 Criminalização da participação em um grupo criminoso organizado 1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando

praticado intencionalmente: a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a tentativa ou a consumação da

atividade criminosa: i) O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com uma intenção direta ou indiretamente

relacionada com a obtenção de um benefício econômico ou outro benefício material e, quando assim prescrever o direito interno, envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um grupo criminoso organizado;

ii) A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em: a. Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado; b. Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima referida;

b) O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.

2. O conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo a que se refere o parágrafo 1 do presente Artigo poderão inferir-se de circunstâncias factuais objetivas.

3. Os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações referidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo ao envolvimento de um grupo criminoso organizado diligenciarão no sentido de que o seu direito interno abranja todas as infrações graves que envolvam a participação de grupos criminosos organizados. Estes Estados Partes, assim como os Estados Partes cujo direito interno condicione a incriminação pelas infrações definidas no inciso i) da alínea a) do parágrafo 1 do presente Artigo à prática de um ato concertado, informarão deste fato o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à presente Convenção.

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Fixadas estas considerações, mostra-se salutar a análise dos aspectos jurídico-penais da atuação repressiva estatal no trato da criminalidade organizada, previstos na Lei 9.034/1995, dentre os quais se destaca as técnicas especiais de investigação, sendo elas: a infiltração de agentes e a ação controlada.

4 OS MEIOS PROCESSUAIS PRÓPRIOS DE INVESTIGAÇÃO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA: A INFILTRAÇÃO DE AGENTES

A infiltração de agentes está prevista no art. 2º, inciso V, da Lei 9.034/199564, consistindo em técnica especial de investigação criminal ou de obtenção de prova em que o agente da polícia ou de serviço de inteligência, após devidamente autorizado pelo Poder Judiciário, embrenha-se no seio de uma organização criminosa, com vistas a obter informações a respeito de seus membros, em especial os mais graduados; sua estrutura; forma de funcionamento e seu âmbito de atuação.65 Suas principais características são a dissimulação, o engano e a interação, pois o agente não revela sua condição funcional criando “uma situação fictícia para angariar a confiança do suspeito, como quem mantém relação direta e pessoal” (SOBRINHO, 2009, p. 44-45).

Em que pese sua enunciação em lei, o legislador infraconstitucional brasileiro não disciplinou convenientemente tal técnica investigativa, deixando de arrolar de forma clara os requisitos para seu deferimento; os legitimados a requerê-la; seu tempo de duração e a possibilidade de eventual prorrogação; a necessidade de intervenção ou acompanhamento da diligência pelo Ministério Público; a indispensabilidade de um relatório circunstanciado da diligência, etc. Por isso, parte da doutrina sugere a aplicação, por meio do argumento analógico e no que couber, do procedimento previsto para a decretação da interceptação das comunicações telefônicas, previsto na Lei 9.296/1996. (SILVA, 2003, p. 87-88; SOBRINHO, 2009, p. 45; FERNANDES, 1995, p. 253). Dessa forma, partindo-se do disposto naquele diploma legal, da jurisprudência correspondente e do disposto no art. 2º, inciso IV e parágrafo único da Lei 9.034/1995, faz-se necessário traçar algumas considerações.

A infiltração de agentes pode ser autorizada no bojo de investigação criminal, configurando, neste caso, medida cautelar preparatória ou em instrução processual penal, cuja natureza será de medida cautelar incidental. Como o art. 1º da Lei 9.296/199666 não faz menção à necessidade de instauração de inquérito policial, de forma que a providência cautelar será admitida em investigação criminal realizada antes de formalmente instaurado o inquérito policial, bem como na instrução criminal, depois de instaurada a ação penal.

O deferimento da medida constitui cláusula de reserva de jurisdição, devendo sua realização ser precedida de ordem de juiz competente para o julgamento da ação principal, competência essa que será fixada conforme os critérios (ratione personae, ratione materiae, ratione loci) previstos na Constituição Federal e legislação infraconstitucional. A regra de

64 Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001) [...] V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial. (Inciso incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001).

Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001)

65 Consiste na “permissão a um agente de Polícia ou de serviço de inteligência para “infiltrar-se no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse -, na verdade como se novo integrante fosse” (MENDRONI, 2007, p. 53-54).

66 Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

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competência prevista no art. 1º da Lei 9.296/96 não suscita dúvidas quando a autorização para a interceptação telefônica se dá no curso de processo penal, pois apenas ao juiz da ação penal caberá deferir a medida cautelar incidente. Todavia, quando a infiltração de agentes constituir medida cautelar preventiva, o ponto de partida para a determinação de competência deverá ser o fato suspeitado atribuído à organização criminosa. Assim, a competência do juízo será fixada segundo dados objetivos existentes no momento em que ordenado o meio de prova. Nesse caso, o dado objetivo seria justamente o objeto dos procedimentos investigatórios em curso e não o fato imputado na denúncia, o qual resultará do apurado nessas investigações.

No art. 2º, inciso I a III, da Lei 9.296/9667, interpretado contrario sensu, estão enumerados os requisitos a serem observados para a autorização da medida acautelatória, aos quais devem ser somados aqueles pertinentes à lei do crime organizado.

O primeiro dos requisitos arrolados pelo dispositivo refere-se à necessidade de comprovação do fumus boni iuris, ou seja, o deferimento da infiltração policial dependerá da existência de indícios coerentes e firmes de autoria ou participação em fato delituoso de membros de uma organização criminosa, não bastando a mera suspeita para que a autoridade judiciária autorize a medida. O segundo pertine ao fato de que a diligência deve ser entendida como uma medida excepcional, que somente poderá ser autorizada frente à inexistência de outros meios de prova. Por fim, faz-se necessário que o fato investigado constitua ilícito penal e que a pena cominada ao mesmo seja de reclusão.68 Entrementes, este critério de seleção de infrações não se mostra o mais acertado, havendo a necessidade de se ponderar a respeito dos bens jurídicos envolvidos, não sendo razoável sacrificar o bem jurídico da magnitude do direito à privacidade para a investigação ou instrução de crime em que não estejam envolvidos bens jurídicos de igual ou superior relevância.

O art. 3º da Lei 9.296/96, por sua vez, determina que os legitimados para requerer a infiltração de agentes são a autoridade policial e o Ministério Público, silenciando o art. 2º, inciso IV, da Lei 9.034/1995 a respeito do tema. Assim, a medida poderá ser decretada a pedido da autoridade policial, durante a investigação criminal, e do Ministério Público, tanto durante a investigação criminal como no bojo da ação penal. Se a medida for requerida pela autoridade policial não há necessidade de prévia manifestação do Ministério Público, embora seja recomendável tal procedimento. Em qualquer caso, uma vez deferida, caberá à autoridade policial conduzir a diligência, sendo o Ministério Público cientificado acerca dos progressos obtidos. A lei também fala em autorização de ofício pelo juiz. Ocorre que tendo em vista a natureza da infiltração de agentes e o princípio acusatório que permeia o processo penal brasileiro, tal não seria possível, pois apenas aqueles que estão diretamente ligados à colheita da prova serão capazes de aferir a viabilidade de execução da medida.

O pedido de infiltração deve demonstrar sua necessidade e a existência dos pressupostos autorizadores acima mencionados. Admite-se que seja feito por escrito e, excepcionalmente, na forma verbal, desde que reduzido a termo. Em seu bojo deverá haver

67 Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação

e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.68 Da mesma forma como ocorre com a interceptação telefônica, defende-se que uma vez realizada legalmente a infiltração de agentes,

as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade da medida para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção.

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a descrição clara do objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. Além disso, deverão ser arrolados os agentes públicos envolvidos na diligência, sendo eles, obrigatoriamente agentes da polícia federal ou das polícias estaduais, ou ainda, agentes de serviço de inteligência, tais como os vinculados à receita federal e às secretarias da fazenda estaduais, ABIN, etc., sempre que o objeto da investigação tenha pertinência temática com as atividades desenvolvidas por estes órgãos.

Ato contínuo, de acordo com o art. 5º, da Lei 9.296/199669, o juiz deverá decidir sobre o pedido no prazo de 24 horas, em despacho devidamente fundamentado em dados concretos que indiquem os pressupostos autorizadores da medida, sob pena de nulidade. A decisão deverá, ainda, determinar a forma de execução da diligência e as cautelas a serem observadas pelos agentes infiltrados, a qual não excederá 15 dias, prorrogáveis por igual período.70

A propósito, faz-se necessária a reflexão sobre uma das questões mais nebulosas e delicadas que envolvem o deferimento da infiltração de agentes, e que não pode ser negligenciada pelo juiz quando de sua decisão: prática de crimes pelo agente infiltrado.

Uma vez engendrado no seio de uma organização criminosa, o papel do agente estatal se limita à busca de provas capazes de comprovar as atividades delituosas desenvolvidas pelos membros da agremiação e a descoberta de seus membros, mormente os que desenvolvem atividades de liderança, sendo vedada, a priori, a provocação da prática de crimes (SOBRINHO, 2009, p. 46). Ocorre que, como aspirante a membro ou uma vez já inserido no grupo, suas atividades serão constantemente monitoradas pelos demais integrantes e, inarredavelmente, tal agente ver-se-á frente a circunstâncias que o impelem à prática de uma série de delitos.71

Quanto ao crime de quadrilha ou bando, previsto no art. 288, do Código Penal brasileiro, não haverá maiores perquirições, visto que defensáveis duas teses distintas: a que a conduta do agente não pode ser qualificada como típica uma vez inexistente o elemento subjetivo do injusto para o fim de cometer crimes, já que a finalidade perseguida pelo agente será a colheita de provas; ou ainda, como prefere Marcelo Mendroni, a de que autorização judicial afasta a ilicitude da conduta.72 No presente trabalho, privilegia-se o primeiro entendimento, pois concebida a tipicidade e a ilicitude como estruturas dogmáticas estruturadas axiologicamente em uma relação lógica, excluída a primeira (tipicidade), em virtude da inexistência do elemento subjetivo do injusto, inviabiliza-se à averiguação dos elementos da segunda categoria (ilicitude).73

69 Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

70 “Esse prazo, embora obtido por analogia, parece insuficiente para atingir a finalidade do emprego desse meio de prova perante a gravidade do crime que o justificou, podendo invocar-se a proporcionalidade para ampliá-lo por tempo suficiente, desde que motivadamente” (SOBRINHO, 2009, p. 45).

71 “O agente infiltrado realiza atividade de grande risco e, por isso, atua de forma oculta para que não seja descoberto. Ingressando na organização, pode ser levado ao cometimento de infrações a fim de ser por ela acolhido, adquirir prestígio e chegar aos seus líderes. Por outro lado, participará da vida de outras pessoas, nem sempre ligadas à atividade delituosa, como parentes do membro da organização. Importante, por isso tudo, que a sua atuação seja regulada, especificando-se o que pode ou não fazer o agente infiltrado, como preveem outras legislações” (FERNANDES, 1995, p. 252).

72 Para Marcelo Mendroni (2007, p. 55) seria evidente e inafastável a exclusão da antijuridicidade “[...] pois, havendo autorização para a infiltração do agente, que significa integrar o bando, mas para fins de investigação criminal, que serve aos fins dos órgãos de persecução, ele não estaria na verdade integrando a organização criminosa, mas sim dissimulando a sua integração com a finalidade de coletar informações e melhor viabilizar o seu combate”. Por outro lado, de acordo com Eduardo Araújo Silva (2003, p. 89), não haverá na conduta do policial infiltrado tipicidade em relação às condutas de quadrilha ou bando e de associação criminosa, em razão da falta de vontade livre e consciente para a prática desses crimes. Tal tese, no entanto, não seria defensável visto que o autor equivoca-se ao definir o dolo, tido como vontade e consciência de realização dos elementos do tipo objetivo. A questão da liberdade na manifestação da vontade se perquire apenas na apreciação da culpabilidade, não afastando, dessa forma, este elemento subjetivo do tipo. Portanto, excluídos os casos de erro, o agente infiltrado, ao cometer um crime em nome da organização criminosa, agirá com plena consciência e vontade de realização dos elementos do tipo objetivo, ficando excluída a tipicidade da sua conduta, no caso do art. 288, CP, em virtude da inexistência do elemento subjetivo diverso do dolo, qual seja: o fim de cometer crimes.

73 Vale ressaltar que a redação original do art. 2º, inciso I, da Lei 9.034/1998, a qual fora vetada pelo Presidente da República, trazia expressamente a hipótese de exclusão da antijuridicidade da conduta do agente policial infiltrado no que respeita ao crime de quadrilha ou bando, ao passo em que impedia expressamente sua participação em outras formas delitivas.

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Todavia, quanto à prática de outros crimes, como tráfico de drogas, extorsão mediante sequestro, falsificação, ou até mesmo homicídio a questão demanda análise mais detida, sendo possível no presente momento, traçar apenas algumas singelas considerações.

Para Marcelo Mendroni (2007, p. 57), a solução deste impasse demandaria aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual dispõe que numa situação real de conflito entre dois princípios ou bens jurídicos tutelados pelo ordenamento (por ex.: vida e privacidade), deve-se decidir pela tutela daquele que detiver maior peso. Para o autor, o afastamento da ilicitude da conduta típica praticada pelo agente infiltrado depende da magnitude do bem jurídico salvaguardado, ou seja, se for de maior relevância quando comparado ao bem jurídico sacrificado, afasta-se a ilicitude. No caso de dúvida sobre a hierarquia dos valores atribuíveis a cada um dos bens jurídicos, a interpretação deve caberá “ao Juiz ou, acreditamos, na medida do possível e conforme a urgência ao Promotor de Justiça, ou na situação urgentíssima ao Delegado de Policia ou mesmo ao próprio agente infiltrado, seguindo-se essa ordem de preferência”.

Não obstante, a circunstância mencionada pelo autor pode enquadrar-se, desde que presentes todos os requisitos, na hipótese de aplicação da excludente de ilicitude denominada estado de necessidade, cuja característica central é, justamente, a situação de conflito entre bens jurídicos frente à situação de perigo não provocada pelo agente. Não configurado o estado de necessidade, restaria ainda a possibilidade de afirmação da inexigibilidade de conduta diversa, a qual teria por consequência a exclusão da culpabilidade do agente infiltrado. Ocorre que a aplicação de ambas as excludentes somente pode ser aferível post factum, no contexto da ação penal condenatória respectiva, consideradas todas as circunstâncias que envolvem o caso concreto.

Além disso, a interpretação quanto à escala de valores de bens jurídicos constitucionais frente a determinadas circunstâncias concretas caberá, exclusivamente, ao Poder Judiciário, e não a qualquer membro do Poder Executivo, de forma que, havendo tempo, caberá ao juiz competente apreciar e decidir (ainda que em regime de urgência), a pedido da autoridade policial ou do representante do Ministério Público, qual a melhor postura a ser adotada pelo agente infiltrado. De outro giro, não sendo viável a manifestação judiciária, e encontrando-se o agente impelido a conformar sua conduta em qualquer das espécies delitivas, tal circunstância deverá ser devidamente considerada em ação penal correspondente. A partir dessa construção, afasta-se a possibilidade de se assegurar aos agentes infiltrados a mais completa impunidade pelos atos praticados em nome do “sucesso nas investigações”.

O que provoca maiores indagações e perplexidades, no entanto, é justamente o fato de se o juiz pode autorizar a prática de crimes pelo agente estatal infiltrado. Para solucionar tal impasse, sugere Eduardo Araújo da Silva (2003, p. 90) que se proceda à “análise da proporcionalidade entre a conduta do policial infiltrado e o fim buscado pela investigação”, pois não seria razoável que, por meio de um discurso de repressão eficiente à criminalidade organizada, estivesse o Estado-polícia autorizado a praticar “quaisquer infrações penais, que até eventualmente podem ser mais gravosas que as cometidas pela organização criminosa”.

Feitas as ponderações necessárias, o juiz deverá estabelecer os limites claros da atuação policial, sendo possível a autorização para a prática de atos delitivos vinculados ao cotidiano da organização criminosa investigada que sejam extremamente necessários ao êxito das investigações (ex: transporte de substâncias entorpecentes), e desde que tais atos não coloquem em risco a vida ou integridade física do agente infiltrado, integrantes do grupo ou de terceiros, nem imponham aos mesmos graves sofrimentos físico ou moral (VILARDI; GÍDARO, 2009, p.

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80).74 Isto não significa, contudo, alçar o agente público a uma situação de completa impunidade, visto que o mesmo deverá agir conforme os ditames legais nos casos não abrangidos pela decisão judicial, mesmo que tal conduta coloque em risco a continuidade das investigações. Além disso, estaria terminantemente vedada a autorização para o cometimento de crimes onde o bem jurídico tutelado seria a vida, a incolumidade física ou a liberdade individual, etc., seja comissiva ou omissivamente. Em casos como estes, será necessária uma avaliação a posteriori da conduta praticada, em correspondente ação penal, por meio da qual se avaliará se no momento da pratica delitiva estava o agente acobertado por qualquer das causas justificantes ou dirimentes admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Finalmente, de acordo com o parágrafo único do art. 2º da Lei 9.034/1995, a autorização judicial, assim como toda a diligência deverá ser mantida no mais estrito sigilo, permanecendo nesta condição “enquanto perdurar a infiltração, devendo ter acesso aos autos apenas o juiz e o representante do Ministério Público, para o qual o elemento de prova é produzido (SILVA, 2003, p. 89).75

5 CONCLUSÃOO presente trabalho pretendeu abordar de forma racional alguns aspectos

dogmáticos penais e processuais penais relacionados ao fenômeno da corrupção pública e criminalidade organizada.

Ao longo do texto, buscou-se construir a noção jurídico-penal das expressões criminalidade organizada, organização criminosa, crime organizado e crime de participação em organização criminosa, as quais, não raras vezes, e de forma equivocada, são tratadas como sinônimas pela dogmática penal, o que dificulta a sistematização da matéria.

Assim, a criminalidade organizada, constituiria um fenômeno sócio criminológico específico que, tendo em vista sua relevância jurídico-penal demanda apreciação valorativa pelo legislador na construção de um efetivo sistema repressivo estatal.

A organização criminosa, por sua vez, corresponderia à empresa criminosa, a qual costuma ser conceituada a partir da enumeração de suas características elementares, tais como: estrutura hierárquico-piramidal e funcionamento nos moldes de uma genuína empresa; divisão direcionada de tarefas; administração profissional; etc. Como visto, o legislador pátrio optou por não estabelecer o conceito de organização criminosa, o que tem gerado inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Diante do lapso legislativo, concluiu-se que tendo em vista as implicações legais relacionadas com este conceito, que vão desde a afirmação de condutas delitivas até a mitigação ou negação de certas garantias processuais e de execução penal, seria mais condizente com os princípios e garantias penais consubstanciados na ordem normativa que o legislador pátrio enfrentasse a problemática, de forma a dar uma definição legal que refletisse a realidade social brasileira.

74 De acordo com os autores, a infiltração de agentes foi regulamentada na Argentina pelos artigos 31 bis a 31 sexies da Lei 23.373/1988, os quais foram introduzidos pela Lei 24.424/1995, sendo aplicável apenas ao crime de tráfico de tráfico de entorpecentes. Interessante para o presente estudo é que este diploma legal prevê a possibilidade de o juiz “autorizar que agentes das forças de segurança em atividade, atuando de forma encoberta, introduzam-se como integrantes das organizações delitivas e/ou participem da realização de alguns crimes” (p. 78), desde que preenchidos determinados requisitos. Ademais, esclarecem os autores que “no que se refere à execução propriamente dita da medida, a lei prevê a imediata comunicação ao Poder Judiciário e o afastamento da responsabilidade penal do agente em eventual cometimento de crimes”.

75 De acordo com o autor, “a justificativa para tanto é a necessidade de não apenas assegurar o sucesso das investigações em curso, mas sobretudo preservar a vida do agente que atua de forma infiltrada, pois, se sua condição for descoberta pelos integrantes da organização criminosa, sua vida estará em risco” (p. 89). “O sigilo do procedimento autorizativo da infiltração policial é exigível para permitir o sucesso da investigação e, sobretudo, preservar a vida do agente. Manter absoluto sigilo do expediente cujo acesso é permitido ao juiz e ao Ministério Público não afronta a garantia da publicidade” (SOBRINHO, 2009, p. 46).

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A locução participação em organização criminosa corresponderia à figura delitiva propriamente dita, ou seja, à conduta proibida pela norma penal de associar-se com outros indivíduos em uma organização criminosa, com vistas à prática de crimes, a qual poderia ser prevista em um tipo penal autônomo ou derivado. A este respeito, entende-se que, na eventual criminalização da figura na ordem jurídica pátria, deve-se considerar que o fato de o agente vincular-se a uma organização criminosa somente poderia ser valorado após a prática do crime, de forma que tal circunstância deveria consistir em uma causa especial de aumento de pena, cuja majoração dar-se-ia em virtude de um maior desvalor da ação, influindo assim na magnitude do injusto, a qual seria aplicável a certo um número de infrações penais selecionadas a partir de determinados critérios.

Por fim, o termo crime organizado, corresponderia aos crimes praticados pelos agentes da organização criminosa (crimes de catálogo), os quais podem estar ou não enumerados, exemplificativa ou exaustivamente na legislação pertinente.

Fixadas estas considerações, abordou-se a legitimidade e as características de duas técnicas especiais de investigação previstas na Lei 9.034/1995: a ação controlada e a infiltração de agentes. Após a análise da constitucionalidade da restrição de garantias fundamentais impostas pela utilização desses métodos investigativos pelo Estado, concluiu-se que o combate eficaz da criminalidade organizada depende do manejo de tais métodos, sem os quais resultaria praticamente ineficaz a atuação desenvolvida pelos órgãos estatais. Para tanto, defende-se a necessidade de se regulamentar de forma mais coerente os pressupostos e requisitos para seu deferimento pelo Poder Judiciário, sob pena de tornar ilegítima a persecutio criminis.

Por fim, defendeu-se que a defesa de meios eficientes de repressão estatal da criminalidade organizada não significa a priori a propagação de um discurso antigarantista, pautado em preceitos próprios do discurso do direito penal (ou processual penal) do inimigo, dado que a premissa essencial para a legitimidade da implementação dos meios especiais de investigação atrela-se à necessária ponderação dos valores colidentes e à racional construção de diplomas normativos, onde estejam asseguradas aos órgãos da persecução penal formas de fazer atuar o direito punitivo estatal e aos indiciados e acusados as garantias de um processo penal justo e célere.

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A Infiltração de Agentes no Combate à Corrupção Pública e à Criminalidade Organizada

REVISTA JURÍDICA da UniFil, Ano VIII - nº 8

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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama

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A ADVOCACIA E A PROPAGANDA PELO ADVOGADORodrigo Brum Silva76*

Juliana Kiyosen Nakayama77*

RESUMO

O presente artigo analisa a possibilidade de realização de propaganda pelo advogado ou pela sociedade de advogados, assim como as permissões e proibições, quanto ao conteúdo e o meio a ser utilizado, existentes no ordenamento jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: advocacia, advogado, propaganda.

THE ADVOCACY AND THE ADVERTISEMENT BY THE LAWYER

ABSTRACT

This article analizes the possible realization of an advocacy advertisement by an individual lawyer or a law firm, so as the permission or prohibitions on the content and the mean to be used, existents in the legal system.

KEYWORDS: advocacy, lawyer, advertising.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 A PROPAGANDA E SUA ADOÇÃO PELO ADVOGADO. 3 FUNDAMENTOS DA PROPAGANDA NA ADVOCACIA. 4 A PROPAGANDA PELO ADVOGADO. 4.1 A propaganda permitida. 4.2 Proibições: a) quanto ao conteúdo; b) quanto ao meio. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

Uma das dúvidas mais frequentes, entre os profissionais da área jurídica é sobre a possibilidade ou não de se realizar propaganda, divulgando seus serviços, seja para o público em geral, seja para a clientela já existente.

Por um lado, face ao crescimento do número de profissionais habilitados e qualificados, lutando por um lugar no mercado, há o desejo de se anunciar, de se apresentar, de se mostrar presente. Por outro, há o fundado temor de que confundam sua profissão com um mero negócio comercial, ou uma atividade vulgar, ordinária, sem qualquer compromisso com a Justiça, com a sociedade e a Democracia.

Não bastasse isso, ainda há o receio de punição, tanto pela Ordem dos Advogados do Brasil, quanto pelo Poder Judiciário, visto que certas práticas, ao menos em tese, podem constituir ofensa aos deveres inerentes à profissão, bem como crimes, contra economia popular, concorrência desleal, e contra as relações de consumo.

76 * Mestre em Direito (UEL). Professor (UNIFIL). Advogado77 * Mestre em Direito (UEL) Especialista em Educação à distância (SENAC). Professora (UEL). Advogada.

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Desse modo, o presente estudo tem por objetivo apenas esclarecer e informar, de forma breve, o modo ou a forma como o assunto é tratado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB (Lei nº 8.904/96), e pelo Provimento nº 94/2000, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que regulamentam a propaganda na advocacia, sugerindo formas de se realizar propaganda, mas sem incorrer nos desvios a ética, da probidade, e com total respeito à concorrência.

2 A PROPAGANDA E SUA ADOÇÃO PELO ADVOGADO

A propaganda é um modo específico de apresentar a informação sobre um produto, serviço, marca, empresa ou política, que visa influenciar ou direcionar a atitude de uma audiência para uma causa, posição ou atuação. (PROPAGANDA, 2011)

No Brasil existe uma certa confusão entre os termos “propaganda” e “publicidade”, por um problema de tradução, visto que estas expressões provêm originalmente da língua inglesa. De modo geral, as traduções, dentro da área de negócios, administração e marketing utilizam a palavra propaganda para o termo em inglês advertising. (PUBLICIDADE, 2011) E a palavra publicidade para o termo em inglês publicity. O termo “publicidade” refere-se exclusivamente à propaganda estritamente empresarial, ou seja, é uma comunicação de caráter persuasivo, que visa defender os interesses econômicos de uma indústria ou empresa. Já “propaganda”, tem um significado mais amplo, pois se refere a qualquer tipo de comunicação tendenciosa (as campanhas eleitorais são um exemplo, no campo dos interesses políticos). (PROPAGANDA, 2011)

Verifica-se, na prática, que as designações “agência de propaganda” e “agência de publicidade” são usadas indistintamente, o mesmo acontecendo, no Brasil, com os termos propaganda e publicidade. (PUBLICIDADE, 2011)

Não obstante, como se observa, a propaganda constitui um meio, ou instrumento, pelo qual as empresas e empresários divulgam seus produtos e serviços, sendo considerada indispensável às suas atividades econômicas.

Nesse sentido, é uma ferramenta do marketing78, o que significa dizer, de maneira ampla, que a propaganda tem vinculação direta com as operações realizadas por empresários, envolvendo todo o processo de introdução de um produto ou serviço no mercado, até a aquisição pelo consumidor. (LIMEIRA, 2011)

Muito embora a propaganda constitua uma prática típica da atividade comercial, agora dita empresarial, o fato é que está sendo absorvida, dia-a-dia, cada vez mais, na atividade profissional do advogado, pessoa física ou jurídica.

Apesar do advogado (ou do escritório), não ser comerciante ou empresário, mas prestador de imprescindível serviço civil, essencial à administração da Justiça, conforme consignado, inclusive, no art. 133, da Constituição Federal, o profissional sente a necessidade,

78 Marketing é uma palavra em inglês derivada de market, que significa mercado. É utilizada para expressar a ação voltada para o mercado. Assim, entende-se que a empresa que pratica o marketing tem o mercado como a razão e o foco de suas ações. O conceito moderno de marketing surgiu no pós-guerra, na década de 1950, quando o avanço da industrialização mundial acirrou a competição entre as empresas, e a disputa pelos mercados trouxe novos desafios. Já não bastava desenvolver e produzir produtos e serviços com qualidade e a custo competitivo para que as receitas e lucros fossem alcançados. O cliente passou a contar com o poder de escolha, selecionando a alternativa que lhe proporcionasse a melhor relação entre custo e benefício. (LIMEIRA, 2011)

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cada vez maior, de realizar a propaganda de seus serviços, seja para entrar, permanecer ou se estabelecer, neste ramo de atividade.

Dúvidas não permanecem, e é de conhecimento público, de que o ingresso na profissão é árduo, e a permanência e estabelecimento, no mercado profissional, são mais árduos ainda, fatos que vêm levando, cada vez mais, os advogados a adotarem medidas e atitudes tipicamente realizadas no meio empresarial, seja em administração, economia, gestão e logística. (FRANCESCHINI, 2011)

Mesmo sem levar em consideração a difícil e problemática discussão sobre a validade ou não dessa absorção, ou o seu alcance e influência, é preciso constatar que em um mercado extremamente competitivo (BERTOZZI, 2007, p.25), concorrencial e dinâmico, como o é, invariavelmente, o da advocacia na atualidade, é absolutamente natural que o advogado e o escritório se profissionalizem, utilizando, inclusive, assim como ocorre nas outras áreas, das ferramentas disponíveis para a correta divulgação de suas atividades.

Daí, a necessidade do estudo sobre o tema, de forma a tentar revelar a possibilidade ou não do advogado ou do escritório, de realizarem propaganda, como fazer, como implementar, de que maneira, de que forma, tudo a fim de não se incorrer em qualquer quebra dos deveres inerentes à profissão, de não realizar concorrência desleal, de não faltar com a ética, probidade, boa-fé, indispensáveis e indissociáveis do exercício da atividade advocatícia.

3 FUNDAMENTOS DA PROPAGANDA NA ADVOCACIA

Ao contrário do que ocorre normalmente no mercado, no qual as empresas e profissionais buscam, de todas as formas possíveis, persuadir o consumidor para que adquira seus produtos e serviços, a propaganda na advocacia não tem esta natureza persuasiva, ou seja, não é, apenas e tão-somente, um meio para convencer, influenciar e direcionar o público, buscando uma futura contratação, ou a consolidação de uma marca, negócio etc. (KOTLER, 1996, p.30)

Muito mais do que isso, mesmo buscando atingir, de certa forma, o mercado, a propaganda na advocacia é puramente informativa (MAMEDE, 2003, p.332), tendo por objetivo levar ao conhecimento da sociedade em geral, ou da clientela já existente, em particular, dados e informações, objetivos e verdadeiros, acerca da atividade realizada pelo advogado ou sociedade de advogados, suas características, qualificações, objetivos, áreas de atuação etc. (v. art. 1º e 2º, do Provimento OAB nº 94/2000, bem como arts. 5º e 28, do Código de Ética e Disciplina).

Assim, o que se objetiva não é apenas proporcionar o contato do advogado com o mercado consumidor, a fim de promover e divulgar seus serviços, mas a necessidade de que este contato com o público ocorra em um ambiente negocial estritamente honesto e ético, em pleno respeito ao consumidor, à concorrência, e à dignidade da profissão, objetivo que se liga a ideia de imprescindibilidade do advogado para a administração da Justiça. (art. 133, CF).

Como se observa pelo Código de Ética, e pelo Provimento OAB nº 94/2000, não há qualquer proibição absoluta de propaganda pelo advogado ou pela sociedade de advogados, muito contrário, há uma permissão explícita, desde que este princípio informativo, que deve ser o objetivo da divulgação, seja integralmente seguido (LOBO, 2008, p.195), em respeito à profissão, que não é empresarial, aos consumidores, que necessitam de informações para defesa e proteção de seus direitos e de seus interesses, e em respeito a todos os demais advogados, cujo acesso ao mercado, em igualdade de condições, é livremente franqueado.

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O respeito à profissão é imprescindível, isto porque o advogado não pratica mercancia79, mas uma atividade singular no seio social, como defesa não só de seus clientes, mas de toda a sociedade, da justiça e da democracia (NALINI, 2008, p.256), sendo-lhe atribuídos deveres essenciais que não são oponíveis, por expressa definição legal, a qualquer outra atividade profissional (art. 2º, do Código de Ética e Disciplina).

De outro lado, o respeito ao mercado consumidor é absolutamente indispensável, não só em razão dos deveres inerentes à profissão, mas porque o consumidor, por expressa disposição legal, tem o direito de ser correta e completamente informado de todos os aspectos, características, natureza, riscos etc., do serviço que pretende contratar, responsabilidade que até antecede a contratação, e é oponível em todos os planos da atividade, conforme art. 6º, inc. III, todos da Lei nº 8.078/90.

A defesa da concorrência é algo indissociável também, pelos mesmos propósitos, de qualquer propaganda a ser realizada pelo profissional, isto porque não se poderia permitir qualquer manifestação pública, de qualquer natureza, que permitisse o estabelecimento de uma vantagem, seja qual for, em detrimento de todos os outros protagonistas do mercado (FRANCESCHINI, 2011).

É justamente buscando a consolidação desses fundamentos, que a Ordem dos Advogados do Brasil, através do o Código de Ética e do Provimento OAB nº 94/2000, possibilita que o advogado ou sociedade de advogados realizem propaganda, mas fixando conteúdos mínimos de informação ao público, observadas certas regras e proibições, e as peculiaridades da profissão.

É digno de nota, nesta ordem de ideias, que a observância ou inobservância destes fundamentos, quando da realização da propaganda, pode ocasionar efeitos benéficos ou deletérios ao advogado, ou à sociedade de advogados, do ponto de vista da sociedade, da carreira e da profissão.

Os efeitos positivos são até bem óbvios, pois além de informar corretamente o público, granjeando credibilidade, respeito e consideração no seio social, também redundam na solidificação de uma imagem profissional de honestidade, honra, competência e ética, que são bens imateriais de valor absoluto, impossíveis de aferição econômica, e imprescindíveis para qualquer profissional (BIZZATO, 2000, p.115).

Por outro lado, a propaganda realizada de forma incorreta, superficial ou apressada, em má ou boa-fé, pode ocasionar diversos efeitos prejudiciais, valendo destacar não apenas a punição disciplinar pela OAB, o que é algo de gravíssimo em uma carreira jurídica (v. art. 33, 34 e segs., Lei nº 8.906/94, Estatuto da OAB), mas também a possibilidade de condenação criminal, visto que certos comportamentos podem constituir crime contra ordem econômica e concorrência desleal, nos termos dos arts. 20, 21 e 23, da Lei nº 8.884/94, além de crime contra as relações de consumo, conforme art. 66, da Lei nº 8.078/90 (Código do Consumidor).

Por último, é preciso dizer que talvez a pior das punições seja o descrédito do profissional junto da própria clientela, ou do mercado, por assim dizer, que enxerga naquele advogado, um mero corretor de interesses econômicos próprios, tendo no lucro fácil, ou na captação indiscriminada de clientes, a razão de sua atividade.

79 Art. 5º. O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização. (Código de Ética e Disciplina).

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4 A PROPAGANDA PELO ADVOGADO

Tecidas as considerações básicas sobre o tema, indispensável a análise das permissões e proibições sobre propaganda na advocacia, à luz das normas que regulamentam a matéria, especialmente o Código de Ética e Disciplina da OAB (Lei nº 8.904/96), e o Provimento nº 94/2000, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

4.1 A Propaganda Permitida

A propaganda deve realizar a identificação pessoal do advogado ou da sociedade de advogados, que deve ser em português, e com a citação dos profissionais a ela vinculados ou integrados, caso existentes. Essa informação deverá ser acompanhada, obrigatoriamente, do número da inscrição ou registro na OAB (alíneas “a” e “b”, art. 2º, Provimento OAB nº 94/2000, e art. 29, §6º, do Código de Ética e Disciplina).

A identificação do advogado ou da sociedade, e em português, acompanhada com o número de ordem ou registro, é indispensável, pois serve para fixar a vinculação da propaganda a determinado titular, que por ela se obriga, sob pena de responsabilidade, sobre tudo que fizer divulgar.

Dessa forma, não é admitida a publicidade vazia, vinculada apenas a uma marca, logotipo ou ideia.

Entretanto, a utilização de logotipos, marcas, desenhos ou algo do gênero, não é proibida na advocacia, mas deve estar vinculada, quando da propaganda, ou seja, na atuação de junto ao público, ou à clientela, com a identificação pessoal correta do advogado ou da sociedade de advogados a que pertence.

Respeitada esta diretriz, poderá o advogado realizar também a sua identificação curricular, completa ou não, desde que mencione dados verdadeiros e corretos sobre sua titulação acadêmica ou qualificações profissionais, mas que devem ter sido necessariamente obtidas em estabelecimentos de ensino reconhecidos pela autoridade educacional brasileira.

O anúncio poderá ainda conter dados sobre associações culturais ou científicas de que faça parte o advogado ou a sociedade (alíneas “a”, “e” e “f”, art. 2º, Provimento OAB nº 94/2000, art. 29, §1º, do Código de Ética e Disciplina);

É interessante notar que no referido regramento, infelizmente, não existe qualquer disposição sobre a indispensabilidade de identificação geográfica da atuação na advocatícia. Contudo, nada impede que se faça a inserção do endereço do escritório e de suas filiais, assim como telefones, fax, localização na internet, e-mail, blogs, bem como os horários de atendimento, além dos idiomas utilizados para isto (alíneas “c”, “f”, “h” e “i”, art. 2º, Provimento OAB nº 94/2000);

A propaganda poderá conter, ainda, dados sobre as áreas de atuação profissional do advogado ou sociedade. Em verdade, apesar de a especialização ser uma tendência moderna, não existe norma determinando, como acontece em outras profissões, que só especialistas possam advogar sobre determinadas matérias ou disciplinas jurídicas.

Assim, poderá o profissional divulgar, em sua propaganda, tantas áreas de atuação quantas deseje laborar, desde que versem sobre disciplinas reconhecidas pela doutrina ou pela norma jurídica, constituindo verdadeiros ramos do direito (alínea “d”, art. 2º, Provimento OAB nº 94/2000, art. 29, §2º, do Código de Ética e Disciplina, e art. 29, §2º, do Código de Ética e Disciplina).

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Interessa verificar que não há qualquer proibição de que o advogado realize manifestações públicas, seja através de rádio, televisão, jornais ou outros meios de comunicação, sobre assuntos jurídicos, desde que para fins exclusivamente educacionais, instrutivos, pedagógicos, de informação ao público, sobre seus direitos e deveres, mas tudo sem fim de autopromoção, ou de mensagem publicitária (RAMOS, 2003, p.44).

De outro lado, o advogado deve se abster de comentar, nos meios de comunicação, sobre situações jurídicas específicas, casos concretos, limitando-se a responder sobre hipóteses fáticas ou legais, ou quando esteja envolvido diretamente como advogado constituído, resguardado o sigilo profissional, a fim de realizar a defesa pública de seu cliente.

4.2 Proibições

a) quanto ao conteúdoEm síntese, os conteúdos acima mencionados são os principais, e únicos

admitidos dentro da publicidade na advocacia, existindo diversas proibições expressas contra outros conteúdos, que podem levar o cliente a contratar de modo equivocado, e ainda realizar concorrência desleal, captação de clientela, e até configurar crime.

Nesse aspecto, são as seguintes as proibições existentes, no que pertine ao conteúdo da mensagem vinculada:

1) usar ou utilizar o nome, direta ou indiretamente, de clientes já atendidos em sua atividade profissional, seja individualmente, seja através de listas (alínea “a”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);

2) mencionar publicamente assuntos profissionais ou demandas sobre seu patrocínio (alínea “a”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);80

3) fazer referência, direta ou indireta, a qualquer cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha exercido (alínea “b”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);

4) utilizar expressões de comparação a outras atuações profissionais, ou expressões de auto engrandecimento e persuasão, ou outras que possam iludir ou confundir o público, a fim de fazer captação de causa ou de clientes (alínea “c”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e arts. 31, §1º, e 32, do Código de Ética e Disciplina);

5) divulgar valor de honorários, formas de pagamento ou gratuidade no atendimento (alínea “d”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, art. 31, §1º, do Código de Ética e Disciplina);81

6) oferecer serviços para casos concretos, ou seja, para determinadas demandas, ou para postular em defesa de determinados interesses (alínea “e”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);

80 Ementa 052/2001/SCA. Advogado acusado de angariar e captar causas, mediante propaganda escrita que confessa haver distribuído a terceiros. Fato que, por si, configura o ilícito previsto no inc. 4º do art. 34 do Estatuto da OAB. Infração de natureza formal, que independe da ocorrência do resultado para a sua consumação. (Recurso nº 2299/2001/SCA- SP. Relator: Conselheiro Evandro Paes Barbosa (MS), julgamento: 07.05.2001, por unanimidade, DJ 01.06.2001, p. 628, S1e). ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.

81 RECURSO Nº 0291/2004/SCA. Recorrente: J.C.C. (Advogado: José Carlos Capuano OAB/SP 88749). Recorridos: Conselho Seccional da OAB/São Paulo e A.J.S. (Advogado: Alfredo José Salviano OAB/SP 52997). Relator: Conselheiro Federal Marcelino Leal Barroso de Carvalho (PI). EMENTA Nº 130/2004/SCA. Divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade. Vedação. Comete infração advogado que permite ou não impede que cliente veicule propaganda com garantia de seus serviços advocatícios. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO: Acordam os membros da 2ª Câmara em conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, na conformidade do relatório e voto do relator. Brasília, 13 de setembro de 2004. Sergio Ferraz, Presidente “ad hoc” da Segunda Câmara. Marcelino Leal Barroso de Carvalho, Relator. DJ, 18.10.2004, p. 561, S1 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.

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7) realizar promoção pessoal ou profissional, ao se posicionar, nos meios de comunicação, sobre questão jurídica, com fins de autopromoção (art. 32, Parágrafo Único, do Código de Ética e Disciplina);

8) oferecer serviços de advocacia em conjunto com qualquer outra atividade econômica (alínea “f”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e art. 28, do Código de Ética e Disciplina);82

9) prestar informações sobre a estrutura física do escritório, seja através de fotos, escritos, etc. (alínea “g”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e art. 31, §1º, parte final, do Código de Ética e Disciplina);

10) prometer resultados, de forma direta ou indireta, com ou sem contraprestação , art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000);83

11) utilizar imagens, fotografias, logotipos, marcas ou símbolos, que sejam incompatíveis com a sobriedade da advocacia (alínea “k”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000, e arts. 31, do Código de Ética e Disciplina);

82 RECURSO Nº 0419/2004/SCA - 02 volumes. Recorrente: E.F.S. (Advogados: Osvaldo Peruffo OAB/RS 2920, Sâmia El Hawat Dalla´ Agnol OAB/RS 30768 e Daciano Accorsi Peruffo OAB/RS 30762). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul. Relator: Conselheiro Federal Newton Cleyde Alves Peixoto (BA). EMENTA Nº 026/2005/SCA. Publicidade - anúncios em jornal - omissão do nome e inscrição na OAB - mala direta - promessa de resultados - referência a valores de serviços e consultas, ou gratuidade destes - informações de serviços jurídicos susceptíveis de captação de causa ou de clientes - infringência dos arts. 29, caput, 31 §§ 1º e 2º e 32 do Código de Ética. Incorre em violação a preceito do Código de Ética e Disciplina o advogado responsável por anúncio publicado em jornal, ofertando serviços advocatícios, fazendo ainda constar no anúncio o valor dos serviços ou a gratuidade destes. A publicidade dos serviços profissionais nos meios de comunicação deve ser feita com absoluta discrição e moderação com finalidade apenas informativa da especialização. A remessa de correspondência sob forma de propaganda a uma determinada coletividade considera-se anúncio imoderado porque visa a captação de causa ou de cliente. O anúncio, nos meios de comunicação, vedada a sua veiculação advogado e o número de inscrição na OAB, não bastando as suas iniciais. A propaganda deverá ser restrita às qualificações profissionais, especializações técnico-científicas em determinados ramos do direito, mencionando o endereço e horário de expediente, nunca prometendo resultados favoráveis. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Conselheiros integrantes da Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB, por maioria rejeitar as preliminares de nulidade e no mérito, também, por maioria, conhecer e dar provimento ao recurso, na conformidade do relatório e voto do relator para converter a pena de censura em advertência. Brasília, 15 de março de 2005. Ercílio Bezerra de Castro Filho, Presidente da Segunda Câmara. Newton Cleyde Alves Peixoto, Relator.

DJ, 06.04.2005, p. 552, S1 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.

83 RECURSO Nº 2007.08.03748-05 - 04 volumes/SCA - 3ª Turma. Recorrentes: N.W.F.R. e A.O.J. (Advogados: Fábio da Costa Vilar OAB/SP 167.078, José Antônio Carvalho OAB/SP 53.981, Adirson de Oliveira Júnior OAB/PR 30.915-A e Outros). Recorridos: Conselho Seccional da OAB/Paraná e IDTL, F.M.T., N.T.L.M., E.R.F., B.S.S., A.R.A, W.C.G., S.B.J., M.D.R.F., J.C.M.P., R.M.S., J.C.O.J., M.A.S. e M.L.C.D. (Advogados: Frederico de Moura Theophilo OAB/PR 8719, Neilar Terezinha Lourençon Martins OAB/PR 9.597, Enrico Rodrigues de Freitas OAB/PR 21.486-B, Bruno Sacani Sobrinho OAB/PR 5.141, Adriano Rodrigues Arriero OAB/PR 29.160, Waldomiro Carvalho Grade OAB/PR 3338, Salvador Biazzono Júnior OAB/PR 3373, Márcia Débora Rodrigues de Freitas OAB/PR 17.382, José Carlos Martins Pereira OAB/PR 12.599, Roberto de Mello Severo OAB/PR 23.046, João Carlos Oliveira Júnior OAB/PR 16.833, Marcelo Augusto da Silva OAB/PR 21.648 e Marcelo de Lima Castro Diniz OAB/PR 19.886.) Relator: Conselheiro Federal Pedro Origa Neto (RO). EMENTA Nº 054/2009/SCA - 3ª T. Representação Disciplinar - Publicidade Imoderada - Sociedade não registrada na Seccional à época dos fatos - Utilização de cores, ilustrações, figuras, marcas e símbolos incompatíveis com a sobriedade da Advocacia - Anúncios de serviços profissionais através de jornais, folders e revistas com promessas de resultados - Conduta reiterada e continuada mesmo depois de condenados em processo anterior sobre o mesmo fato - Reincidência caracterizada para fins de dosimetria da pena - possibilidade de instauração de novo processo e aplicação de nova pena atingindo os advogados não inscritos na Seccional - Infração prevista no artigo 34, incisos I, II e IV do EAOAB e artigos 28, 29 e 31 do CED - Condenação mantida, atendida as circunstâncias agravantes e atenuantes que envolvem individualmente cada um dos representados - Recursos desprovidos. 1 - A publicidade imoderada pelos meios de comunicação, seja em jornais, folders, revistas ou similares, com atrativos e promessa de resultados, caracteriza evidente conotação mercantil e captação de clientela proibidas pelo Estatuto (Lei 8.906/94) e pelo Código de Ética e Disciplina da OAB. 2 - É vedado ao profissional participar de sociedade de advogados que não se enquadre no modelo estabelecido pelo Estatuto, sem inscrição na entidade à época dos fatos noticiados na representação disciplinar, devendo todos os profissionais, integrantes ou não, que se beneficiaram com a propaganda irregular, serem responsabilizados pela infração cometida, vez que não se admite limitação, a teor do artigo 17 do Estatuto. 3 - O fato do advogado já ter sido julgado em razão do mesmo fato praticado em outra localidade, não impede, em caso de conduta reiterada, a instauração de novo processo com aplicação de nova pena agravada, pois havendo informação de condenação anterior, não o julgador deixar de aplicar a regra do artigo 37, II do Estatuto, diante da flagrante reincidência na prática da infração ética, independentemente que a decisão pretérita ainda não tenha trânsito em julgado. Precedentes do Conselho Federal. 4 - Advogados não inscritos na seccional por onde respondem processo disciplinar não ficam isentos de responsabilidade, conforme previsão extensiva do artigo 34, II do Estatuto. 5 - Comprovada a infração ética, a punição dos responsáveis é conseqüência natural, atendendo a individualização da pena, diante de circunstâncias agravantes e atenuantes que envolvem particularmente cada um dos representados na falta cometida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e examinados estes autos, acordam aos Membros da 3ª Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal, por unanimidade, no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento nos termos do voto do relator. Brasília, 15 de setembro de 2008. Alberto Zacharias Toron, Presidente da 3ª Turma da Segunda Câmara. Pedro Origa Neto, Relator. (DJ. 22/04/2009, pág. 349) ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.

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12) utilizar símbolos, logotipos e marcas oficiais, ou utilizadas privativamente pela OAB (arts. 31, do Código de Ética e Disciplina);

13) mencionar informações errôneas ou enganosas, assim como mencionar título acadêmico não reconhecido pela autoridade brasileira (alíneas “h” e “j”, art. 4º, Provimento OAB nº 94/2000).

O que se percebe, pelas proibições, acima transcritas, é não só evitar a vinculação de uma imagem profissional equivocada ou errônea ao cliente, levando-o a contratar, mas também manter a dignidade da profissão, o respeito que deve gozar no meio social, e ainda fazer com que a competição mercadológica, dentro da advocacia, seja pautada pela ética e pelo equilíbrio entre os agentes.

b) Quanto ao meioPara a realização de propaganda, poderão ser utilizados todos os meios e formas

de comunicação existentes, ou que venham a existir, tais como cartões de visita, jornais, revistas, cartas a clientes, listas telefônicas, catálogos, folhetos, placas de identificação de escritório, materiais de escritório (papéis, pastas, adesivos, envelopes etc.), inclusive internet, através de site, blog ou e-mail, desde que seja respeitado o princípio informativo da propaganda advocatícia (art. 5º, Provimento OAB nº 94/2000).

No entanto, é proibida a propaganda em rádio, televisão, painéis, outdoors, faixas, anúncios em via pública84, assim como plotagem de veículos, uso de cartas circulares e panfletos ao público, bem como a utilização de intermediação ou corretagem advocatícia (conhecidos como paqueiros) (art. 6º, Provimento OAB nº 94/2000).

De qualquer forma, ressalvadas as proibições, e realizada de forma discreta e moderada, a propaganda pelo advogado poderá seguir pelos mais diversos meios de comunicação, desde que não se equipare ou se confunda, por sua forma ou modo de realização, com práticas tipicamente comerciais, que são proibidas pelo Código de Ética, e pelo próprio Provimento.

Uma das questões difíceis de ser enfrentada é sobre qual tipo de propaganda seria mais compatível com a sobriedade da advocacia.

Por óbvio, deve-se usar o bom senso ou o senso comum do significado dessas expressões.

Assim, os meios de comunicação devem ser usados com moderação, comedimento, temperança e parcimônia, a fim de mesmo seguindo as ordenações normativas, não haja descumprimento dos princípios e objetivos da norma, não de forma qualitativa, mas em razão da quantidade e frequência da propaganda junto ao público.

5 CONCLUSÃO

Na advocacia, a propaganda é permitida, desde que puramente informativa, tendo por objetivo levar ao conhecimento do público ou da clientela, dados e informações,

84 RECURSO Nº 0281/2006/SCA - 3ª Turma. Recorrente: L.A.R. (Advogado: Margareth Zanardini OAB/PR 9604). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/Santa Catarina. Relatora: Conselheira Federal Maria Avelina Imbiriba Hesketh (PA). EMENTA N° 102/2007/3ªT-SCA. Advogado que se utiliza de empresa agenciadora de causas, com propaganda irregular nos meios de comunicação e distribuição de panfletos à população, mercantiliza a advocacia, além de facilitar o exercício profissional a não inscritos nos quadros da OAB, caracterizando assim infração Ética prevista no inciso III, do artigo 34, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Mantida a pena de censura. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros da 3ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 18 de junho de 2007. Pedro Origa Neto, Presidente “ad hoc” da 3ª Turma da Segunda Câmara. Maria Avelina Imbiriba Hesketh, Relatora. (DJ, 24.10.2007 p. 489, S1) ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Conselho Federal. Ementários propaganda. Disponível em http://www.oab.org.br/rsEmentario.asp, acesso em 17/12/2009.

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Rodrigo Brum Silva, Juliana Kiyosen Nakayama

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objetivas e verdadeiras, sobre a atividade profissional realizada pelo advogado ou pela sociedade de advogados.

A propaganda, além de veicular dados objetivos e verdadeiros, deve ser realizada com moderação e comedimento, a fim de se respeitar a dignidade da profissão, que não pode se vincular ou se aproximar da atividade empresarial, através de conteúdos ou meios de exposição típicos da mercancia, tudo em total respeito à sociedade e aos demais advogados, cujo acesso ao mercado, em igualdade de condições, é materialmente incentivado.

A propaganda irregular pode trazer punição disciplinar pela OAB, além da possibilidade de condenação criminal do profissional, visto que certas atitudes podem constituir crime contra ordem econômica e concorrência desleal, além de crime contra as relações de consumo.

No entanto, a pior das punições para a propaganda ilegal, é o descrédito do profissional junto de sua classe, da clientela e da sociedade, que percebe aquele advogado ou sociedade como meros corretores de interesses econômicos próprios, tendo no lucro, e não na prestação de um serviço seguro e responsável, em conformidade e em defesa da Justiça, a razão do exercício da advocacia.

REFERÊNCIAS

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A Advocacia e a Propaganda Pelo Advogado

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Romulo de Aguiar Araújo, Douglas Bonaldi Maranhão

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MEDIDAS DE SEGURANÇARomulo de Aguiar Araújo85

Douglas Bonaldi Maranhão86

RESUMO

Este trabalho consiste na análise das medidas de segurança dispostas no ordenamento jurídico-penal brasileiro. As duas espécies de medida de segurança existentes são o internamento em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico e o tratamento ambulatorial. Ambas destinadas ao indivíduo inimputável ou semi-imputável que cometa um ilícito penal. Ao contrário da pena, a medida de segurança não visa punir o criminoso em caráter fundado sob uma perspectiva retributiva permeada por aspectos de prevenção geral ou especial, mas sim tem caráter de combate ao indivíduo considerado perigoso pela sociedade, buscando o seu tratamento. O intuito da aplicação da medida de segurança é de que o delinquente-doente tenha constatada a cessação da sua periculosidade através de uma perícia médica especializada e volte ao convívio social.

PALAVRAS-CHAVE: Medida de Segurança. Periculosidade. Tratamento.

ABSTRACT

This work is an analysis of the security measures laid out in the legal-criminal justice. The two species of existing security measures are in hospital inpatient psychiatric treatment and custody or outpatient treatment. Both for the individual or semi-untouchable attributable who commits a criminal offense. Unlike the penalty, the security measure is not intended to punish the criminal in character based on a retributive perspective permeated by aspects of general and special prevention, but has the character of the individual combat considered dangerous by society, seeking the treatment. The purpose of the measure of security is that the offender-patient has found the end of his danger by a medical specialist and return to social life.

KEYWORDS: Security Measure. Hazard. Treatment.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS. 3 SISTEMAS. 4 ESPÉCIES. 4.1 Internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. 4.2 Tratamento Ambulatorial. 5 ESTABELECIMENTOS PRÓPRIOS. 6 CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE. 7 INCIDENTES DA EXECUÇÃO. 8 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa abordar as peculiaridades acerca da aplicação das Medidas de Segurança, tendo em vista os diversos entendimentos doutrinários que pairam sobre o tema. Construindo uma breve consideração histórica, explanando como era trazida no

85 Especialista em Direito e Processo Penal (UEL). Advogado86 Mestre em Direitos Difusos e Coletivos (UEM). Especialista em Direito e Processo Penal e em Filosofia Política e Jurídica (UEL).

Professor (UNIFIL e PUC PR Londrina). Membro do Conselho Penitenciário do Estado do Paraná (Suplente). Advogado.

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Medidas de Segurança

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início pelo Direito Romano e como surgiu e se desenvolveu no Código Penal Brasileiro, até seu desenvolvimento a partir de 1984.

Ainda nesta senda, tendo como fator principal para aplicação da medida de segurança, cumpre ressaltar a condição do agente a que ela é direcionada, tendo este que praticar um fato considerado como típico e ilícito, e que não tenha a plena capacidade para entender o caráter ilícito do seu feito. Deve ser aplicada como forma de prevenção-assistencial vislumbrando o não cometimento de um novo delito, entendendo-se assim cessada a periculosidade do agente.

2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS A aplicação das medidas de segurança tiveram o seu início no Direito Romano

e eram aplicáveis aos menores e aos doentes mentais. Esses indivíduos eram segregados, abandonados ou então internados em casas de custódia, com o intuito de serem afastados da sociedade (RIBEIRO, 1998, p. 10). Bruno de Morais Ribeiro relata como consequência disso que “se os loucos não pudessem ser contidos por seus parentes, seriam encarcerados” (1998, p. 10).

Identificada também como medida aplicada não só aos menores e loucos, tem-se que a medida de segurança era direcionada aos ébrios habituais, aos vagabundos e aos mendigos, como meio preventivo de defesa da sociedade contra aqueles indivíduos indesejados, não havendo, muitas vezes, nenhuma prática delitiva, somente o perigo do mau exemplo que o indivíduo representava à sociedade (FERRARI, 2001, p. 16).

Foi na Inglaterra que surgiu o primeiro manicômio judiciário, em 1800, quando o rei Jorge III foi vítima de uma tentativa de homicídio praticada por um doente mental, que foi absolvido e depois internado por tempo indeterminado. Também foi este país o primeiro a aplicar aos criminosos doentes mentais um tratamento psiquiátrico, a partir do Criminal Lunatic Asylum Act, de 1860 – que determina o recolhimento a um asilo de internados os indivíduos que delinqüissem, desde que penalmente irresponsáveis – e do Trial of Lunatic Act, 1883. (PRADO, 2008, p.621) Posteriormente, as providências contra os ébrios habituais eram tomadas pela Inebriate Act, em 1898 e não deixando de lado os menores, em 1908, com a criação do Children Act (RIBEIRO, 1998, p. 11). Em seguida, o Prevent of Crime Act traz o tratamento curativo e o Preventive Detention o tratamento aplicável aos reincidentes perigosos, após a aplicação da pena (D’URSO, 1993, p. 116).

Seguidamente à Inglaterra, o Código Penal francês, em 1810, também trazia dispositivo de segregação indefinida aos insanos e menores da época e a partir de 1832, incluíram os mendigos e vagabundos, submetendo-os à vigilância especial da polícia, que também passou a fazer parte de alguns códigos surgidos a partir deste momento, tais como o sardo, o toscano e o código penal italiano de 1889, conhecido como Código Zunardeli (PRADO, 2008, p. 621). Este código exerceu forte influência sobre a Europa e América Latina em países como Brasil, Uruguai e Venezuela, pois trazia medidas relativas a menores, ébrios e reincidentes (RIBEIRO, 1998, p. 11).

No final do século XIX, já percebendo que a pena não impedia a reincidência, torna-se duvidosa a eficácia de tal sanção, surgindo assim o clamor de uma resposta jurídica. Devido a esse fracasso da pena e a necessidade da defesa social eficaz, surgiram duas novas correntes de pensamento. A primeira defendia que o homem não precisava de punição e sim de tratamento, determinando penas acessórias para os reincidentes e aumento das penas ao delinquente por hábito, revertendo o caráter da pena de retributivo em preventivo, visando baixar o índice de criminalidade. Enquanto a segunda corrente defendia a tese de criação de uma nova espécie de sanção de cunho preventivo, mas paralelamente continuando a pena de feito retributivo.

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Romulo de Aguiar Araújo, Douglas Bonaldi Maranhão

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Ponto pacífico das duas correntes era a não suficiência do fim retributivista da pena, e que seria necessário um estudo mais específico sobre o criminoso, não somente a aplicação do castigo limitando-se com base no simples ilícito cometido (FERRARI, 2001, p. 17).

Após o declínio da pena e a necessidade da manutenção da tranquilidade social, formou-se a chamada medida de segurança criminal e, legitimada tal sanção, era fundamental que uma escola de pensamento jurídico-penal adotasse a nova modalidade de sanção. Em oposição à visão clássica dos fins retributivistas e intimidação da sanção, os ocupantes da então escola positivista italiana Ferri, Garófalo e Lombroso deram o apoio ideológico necessário ao novo instrumento do direito penal (FERRARI, 2001, p. 19). Assim, tem-se que foi “a Escola Positiva responsável pelo desenvolvimento das medidas de segurança, além de ter dispensado especial atenção ao estudo do delinquente e da vítima e pregado uma melhor individualização das penas” (PRADO, 2008, p. 622).

Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 20) indica a adoção das ideologias de tratamento de caráter preventivista, “selecionando na Defesa Social, no Determinismo, na Perigosidade e no utilitarismo para princípios permanentes a categoria de resposta sancionatória”.

Após a introdução dos positivistas italianos na defesa dos substitutivos penais do século XIX, a partir do século XX a doutrina da Defesa Social surgiu com novas ideias preventivistas que contribuíram para a evolução da medida de segurança. Tal doutrina se dividiu em três correntes: a) Corrente Extrema ou de Gênova, em que o indivíduo era responsabilizado pelo fato antissocial subjetivo e não pelo delito, existia uma medida para cada pessoa e não uma pena para cada delito e pregava a substituição da pena por medida de segurança; b) Corrente Moderada ou de Paris apareceu com uma teoria mais garantista e estruturada preocupada com o livre arbítrio do delinquente, em combater ao delito visando a não produção do dano e proporcionando variedades de medidas de luta contra o delito em face dos delinquentes anormais e aos reincidentes, integrando a pena e a medida de segurança por um sistema unitário de defesa social, sociológico e reduzido e; c) Corrente Conservadora que buscava a unificação da pena e da medida de segurança, mais próxima do direito penal clássico, no qual a pena exigia a prática de um crime e a medida de segurança necessitava apenas de um ilícito típico (FERRARI, 2001, p. 25-28).

Posteriormente à análise das escolas da defesa social e do positivismo italiano e suas influências perante as medidas de segurança, são de suma importância a participação de dois pensadores na evolução das medidas de segurança: Von Listz e Karl Stooss. A punição, na visão de Listz, tinha que se justificar ora pela retribuição pelo mal praticado, ora pela prevenção perante o perigo de reincidência, “legitimando a medida de tratamento com fulcro na recuperação, na intimidação e ou na inocuização” (FERRARI, 2001, p. 29). Mesmo sua teoria tendo sido considerada ampla e vaga, seu maior mérito foi traçar diretrizes político-criminais para futuras ideias de tratamento. Com isso uma ação conjunta entre o direito penal, a antropologia, a psicologia e a estatística criminal permitiu a criação de novas modalidades de sanção.

Trilhando os caminhos de Von Listz, em 1893, Karl Stooss (D’URSO, 1993, p. 114) sistematizou, pela primeira vez, a medida de segurança juridicamente. Anteriormente os instrumentos de prevenção ainda eram conhecidos como pena, concretizando a ideia de pena-fim, constituída por Listz em seu Anteprojeto do Código Penal Suíço:

a) Atribuir-se prioritariamente ao juiz; b) pronunciar-se sob a forma de sentença relativamente indeterminada, com duração condicionada à cessação da periculosidade; c) basear-se na periculosidade do

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delinquente; d) executar-se em estabelecimentos especializados e adequados ao tratamento do periculoso; e) constituir-se em medida complementar, algumas vezes substitutiva à pena, aplicando-se àqueles delinquentes incorrigíveis cuja execução da pena seria ineficaz (FERRARI, 2001, p. 30).

No Brasil, as disposições semelhantes às medidas de segurança apareceram antes até do anteprojeto de Stooss, em 1893. Foi no Código do Império que apareceu pela primeira vez a medida sancionatória, disposta no artigo 12. Os loucos que cometessem crimes seriam recolhidos às casas destinadas a eles ou então entregues às suas famílias. Luiz Regis Prado (2008, p. 622) assevera que o código imperial estabelecia que “os loucos não seriam julgados criminosos, salvo se tivessem praticado o fato durante um intervalo de lucidez”. No artigo 10 §2º e também no artigo 64 estabelecia-se que “os delinquentes que, sendo condenados, se acharem no estado de loucura, não serão punidos enquanto nesse estado se conservarem”. E também no artigo 13, segundo o qual os menores de 14 anos seriam encaminhados à casa de correção, caso cometessem algum crime (RIBEIRO, 1998, p. 12).

O Código Penal de 1890 trazia disposições semelhantes às anteriores. Nele os indivíduos seriam isentos de culpabilidade de acordo com a sua “affecção mental”, segundo o artigo 29 e, caso isso ocorresse, seriam internados em hospitais para alienados ou então entregues as suas famílias (RIBEIRO, 1998, p. 12). A respeito dos menores, estipulou-se um critério de idade um pouco diferenciado, elencando expressamente, no artigo 30, que os delinquentes maiores de nove anos e menores de 14 anos que cometessem algum crime seriam recolhidos a estabelecimento disciplinar industrial. (RIBEIRO, 1998, p. 12)

Bruno de Morais Ribeiro (1998, p. 12) lembra que o Código Penal de 1890 tinha previsão legal para os indivíduos considerados “vadios” e os “capoeiras”, que se condenados e reincidentes nessas condutas, seriam internados em colônias penais, segundo os artigos 400 e 403. Os toxicômanos e intoxicados habituais seriam internados em entidades de tratamento curativo e os ébrios habituais, que fossem nocivos ou perigoso para si para outrem ou para a sociedade, seriam internados em estabelecimento correcional de acordo com as suas necessidades, conforme artigo 398 da Consolidação das Leis Penais.

Vários projetos e anteprojetos surgiram ao longo dos anos seguintes no Brasil. Em 1893, Vieira de Araújo (PRADO, 2008, p. 623), O Projeto de Galdino Siqueira, de 1913, influenciado pelos estudos de Karl Stooss e Von Listz (FERARRI, 2001, p. 33; PRADO, 2008, p. 623). As medidas de tratamento, como eram conhecidas ainda em 1927, ano da criação do projeto de Virgílio de Sá Pereira, influenciado pelos textos do Código Penal Suíço e pelo Projeto Rocco (FERRARI, 2001, p. 33-34).

Pouco antes da instituição do Código Penal de 1940, o projeto de Alcântara Machado “estabeleceu o princípio da legalidade para as medidas de segurança e dividiu-as em medidas de natureza detentiva e não-detentiva” (PRADO, 2008, p. 623).

Divididas em detentivas ou não detentivas, as medidas de segurança pessoais, do artigo 88, eram aplicadas de acordo com a gravidade do crime ou a periculosidade do agente. As detentivas eram aplicadas ao delinqüente, encaminhando-os ao internamento em manicômio judiciário, casa de custódia, colônia agrícola, instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, e as não detentivas eram aplicadas como liberdade vigiada e proibição de frequentar determinados lugares. As medidas de cunho patrimonial puniam o indivíduo pela sua periculosidade social e eram constituídas em confisco, interdição de estabelecimento e interdição de sede de sociedade ou associação, conforme artigo 100 (FERRARI, 2001, p. 35; PRADO, 2008, p. 623).

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A ausência de tempo máximo para o cumprimento da medida de segurança obrigava a manutenção do tratamento do delinquente tendo como desiderato o alcance da proteção social, e o limite mínimo era considerado como o lapso temporal de defesa contra uma postura precipitada que almejasse a colocação do indivíduo novamente junto ao convívio social, demonstrando a preocupação com a periculosidade social do indivíduo e não com a criminalidade do delinquente, sempre sob uma perspectiva de tratamento desse indivíduo. (FERRARI, 2001, p. 37).

O anteprojeto do Código Penal de 1969, de Nelson Hungria, era semelhante ao de 1940, pois permitia a internação em manicômio judiciário ou hospital psiquiátrico, sendo que se o condenado se curasse, cumpriria o restante da pena, caso não se curasse, após o cumprimento do prazo determinado na medida de segurança, o internamento seria por tempo indeterminado (FERRARI, 2001, p. 38). Porém, sofrendo “influência dos problemas políticos internos decorrentes da época, o Código de 1969, apesar de ser promulgado quanto à data de sua vigência, alterado seu texto com a Lei 6.016, de 31.12.1973, e posteriormente revogado em 1975, sem nunca ter entrado em vigência, mantendo-se na íntegra a legislação penal de 1940”. (FERRARI, 2001, p. 39)

Seguindo a premissa do Código de 1969, a legislação de 1984 decidiu revitalizar o sistema vicariante suprimindo o sistema duplo-binário, e também decretou de forma absoluta o uso do princípio da legalidade e da periculosidade criminal a prática de um ilícito-típico. Sendo assim, surgiram duas espécies de medida de segurança: uma de caráter privativo e outra de caráter restritivo, denominadas de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e tratamento ambulatorial (FERRARI, 2001, p. 40).

Imprescindível se faz a referência à Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, que deu nova redação à parte geral do Código Penal Brasileiro, e a Lei da Execução Penal, nº 7.210, de mesma data, devido à alta relevância para evolução legislativa do instituto medida de segurança, ambas a serem abordadas em capítulo posterior.

3 SISTEMAS

Foram três os principais sistemas propostos quanto à aplicação da medida de segurança ao longo da sua evolução histórica, de maneira a melhor adequar às perspectivas finais de sua aplicação: o sistema dualista, sistema monista e o sistema vicariante (PRADO, 2008, p. 625).

O sistema dualista, também denominado duplo-binário, surge com a concepção clássica da pena retributiva e de suas manifestas insuficiências. Apesar de as penas estarem fundadas na culpabilidade do agente como medida aflitiva, aplicável somente ao imputável, as medidas de segurança amparam-se na periculosidade do indivíduo como medida de tratamento, aplicável tanto aos imputáveis quanto aos semi-imputáveis, visando à prevenção especial. Deste modo, caberia a imposição dos dois institutos sancionatórios a um mesmo indivíduo, sucessivamente (PRADO, 2008, p. 625).

Já o sistema monista conjuga três tendências, a saber:

a) absorção da pena pela medida de segurança; b) absorção da medida de segurança pela pena e; c) unificação das penas e das medidas de segurança em outra sanção distinta, com duração mínima proporcional à gravidade do delito e máxima indeterminada, sendo a execução ajustada à personalidade do delinquente e fins de readaptação social. (PRADO, 2008, p. 625)

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Por último, o sistema vicariante, utilizado no Brasil desde que adotado pela atualização do Código Penal em 1984. Neste sistema não se admite a imposição da pena e medida de segurança, sendo possível tão somente a aplicação de um instituto. Como por exemplo, ao semi-imputável, conforme artigo 26, parágrafo único do Código Penal, há a possibilidade de aplicação da pena de forma reduzida de um a dois terços ao indivíduo que tenha perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado ao momento do cometimento do ilícito penal, ou então de acordo com o artigo 98 do mesmo ordenamento, ocorrendo a hipótese do artigo acima, poderá ser aplicada a substituição da pena privativa de liberdade por internação ou tratamento ambulatorial, caso o condenado necessite de tratamento especial curativo (PRADO, 2008, p. 625).

Esses sistemas representam as principais formas de aplicação da medida de segurança identificada ao longo dos tempos, sendo que é de bom alvitre firmar que o ordenamento jurídico penal brasileiro adota o sistema vicariante, de acordo com a sistemática disposta no Código Penal.

4 ESPÉCIES

A medida de segurança tem, atualmente, uma natureza jurídica penal. “A medida de segurança é uma reação criminal, detentiva ou restritiva, que se liga à prática, pelo agente, de um ilícito típico e tem como pressuposto a periculosidade” (DOTTI, 2010, p. 710), sendo que estas reações do ordenamento jurídico são destinadas ao inimputável e ao semi-imputável.

De acordo com o disposto do artigo 96 do Código Penal Brasileiro, são duas as espécies de medida de segurança: “I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição a tratamento ambulatorial”.

4.1 Internação em Hospital de Custódia e Tratamento PsiquiátricoA internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem caráter

eminentemente detentivo. Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 80) perante essa realidade denomina a medida de segurança constante na internação como “privativa de liberdade” devido à impossibilidade de o internado exercer o seu direito de ir e vir.

Tal espécie destina-se obrigatoriamente ao inimputável que tenha cometido ilícito-típico punível com reclusão, e será facultativo quando a pena vier a ser de detenção (art. 97, CP). Porém, pode ser destinada ao semi-imputável, quando da substituição de pena privativa de liberdade por medida de segurança, (art. 98, CP), inclusive a internação, em se tratando de necessidade de especial tratamento curativo (PRADO, 2008, p. 627).

Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 83) ensina que na aplicação da internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico há que ser identificados dois pressupostos: “a) que o indivíduo se revele inteira ou relativamente incapaz de entender o caráter ilícito do fato; e b) que o ilícito-típico seja grave, tanto que apenado com reclusão”.

Em contrapartida, Luiz Regis Prado (2008, p. 627-628) menciona ser oportuno destacar:

O Direito Penal deve organizar um sistema de medidas de segurança desvinculado e independente da culpabilidade e não limitado pelas exigências do princípio da culpabilidade. O fundamento das medidas de segurança é exclusivamente a periculosidade criminal do autor, ou

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seja, a probabilidade de que volte a delinqüir futuramente. Desse modo, sua duração deve ser estipulada em razão dessa periculosidade.

Diante disso, nota-se que as medidas de segurança não devem ser necessariamente proporcionais à gravidade do delito, mas sim à periculosidade do agente, ao contrário das penas. Sendo assim, a gravidade do delito praticado deve ser apenas um quesito a ser analisado para calcular a periculosidade do indivíduo, como pressuposto na formulação do princípio da proporcionalidade. Pois o injusto penal pode não ser de grande gravidade, mas a possibilidade de que ocorra um delito mais grave é ponto que deve ser levado em consideração quando da aplicação da medida (CEREZO MIR apud PRADO, 2008, p. 628).

4.2 Tratamento Ambulatorial

O tratamento ambulatorial tem caráter restritivo, denominado por Eduardo Reale Ferrari (2001, p. 84) como uma medida de segurança “restritiva de direitos”, na qual não há cerceamento de liberdade do indivíduo, ou seja, restringindo-se direito diverso da liberdade. Foi introduzido como inovação com a reforma do Código Penal em 1984, e utilizado para delinquentes com menor grau de periculosidade criminal, visando tornar o indivíduo não-perigoso e buscando alcançar sua cura e a reintegração social (FERRARI, 2001, p. 85).

Disposto no inciso II do artigo 96 do Código Penal, o tratamento ambulatorial é imposto ao inimputável que tenha cometido crime apenado com pena de detenção e também ao semi-imputável (artigo 97 e 98). É visto como uma possibilidade de imposição, a medida que a regra geral é a de internação (PRADO, 2008, p. 628). Não obstante essa diretiva, tem-se que a internação somente poderá ser aplicada quando se mostre necessária para fins curativos. “Sendo o crime punível com detenção e restando provada a compatibilidade das condições pessoais do agente – inimputável ou semi-imputável – com o tratamento ambulatorial, impõe-se a opção por essa medida” (PRADO, 2008, p. 628).

Assim, tal medida restritiva constitui um instrumento alternativo ao internamento, de resultados terapêuticos efetivos, sem tanta aflição e mais em conta, destinada aos delinquentes-doentes menos perigosos, condizente às perspectivas de um Estado Democrático de Direito (FERRARI, 2001, p. 88).

5 ESTABELECIMENTOS PRÓPRIOS

O hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem as sua diretivas dispostas na Lei de Execuções Penais, nos artigos 99 a 101, que asseveram que o referido estabelecimento se destina aos inimputáveis e semi-imputáveis, devendo respeitar as condições básicas de salubridade e fatores de insolação, aeração, e condicionamento térmico adequado à condição humana (artigo 88, LEP). É também obrigatório o exame psiquiátrico, criminológico e de personalidade, conforme dispõem os artigos 100 e 174, bem como os artigos 8º e 9º, todos da Lei de Execuções Penais (PRADO, 2008, p. 627).

Luiz Regis Prado (2008, p. 628) e Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 747) pactuam a opinião referente aos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Eles se referem a tal estabelecimento como local em que devam ser feitas as internações e, a respeito da boa intenção do legislador, que em 1984 tentou definir novo ambiente para a internação daquele submetido à internação, o que restou foi a utilização dos antigos manicômios judiciários, corroborado também pela deficiência dos estados em construir os novos estabelecimentos.

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A Exposição de Motivos da Lei de Execuções Penais, em seu item número 99, faz referência ao hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, bem como quais devem ser as características hospitalares adequadas ao fim terapêutico, da seguinte forma:

Art. 99. Relativamente ao Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico não existe a previsão da cela individual, já que a estrutura e as divisões de tal unidade estão na dependência de planificação especializada, dirigida segundo os padrões da medicina psiquiátrica. Estabelecem-se, entretanto, as garantias mínimas de salubridade do ambiente e área física de cada aposento.

Não só a internação, mas também o tratamento ambulatorial, conforme artigo 99 do Código Penal e 101 da Lei de Execuções Penais, deverá ser realizado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou então em outro local com dependência médica adequada.

Observa a Lei que havendo falta de aparelhos adequados para prover assistência psiquiátrica no caso de internação, conforme artigo 14, parágrafo 2º e artigo 42 da Lei de Execuções Penais, poderá ser prestado o atendimento em local diverso mediante autorização da direção do estabelecimento. Ainda o artigo 43, da mesma lei, garante a liberdade de escolha dos familiares ou dependentes de contratar um médico de confiança pessoal, tanto nos casos de internação quanto nos de tratamento ambulatorial, para acompanhar o tratamento, cabendo ao juiz da execução resolver, caso haja opinião diversa entre os médicos oficial e particular (artigo 43, parágrafo único da Lei de Execuções Penais).

Vale destacar, conforme ensina René Ariel Dotti, que “O STF, em sessão plenária, já decidiu que constitui constrangimento ilegal a execução de medida de segurança detentiva em estabelecimento inadequado (RF 164/318). Sob outro aspecto, a falta de vaga em local de tratamento psiquiátrico, pela desorganização ou imprevidência do Estado, não justifica o recolhimento na Cadeia Pública, sob pena de grave violação ao devido procedimento da execução e intolerável coação ilegal” (2010, p. 721-722).

6 CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE

Como exposto anteriormente, a internação ou tratamento ambulatorial são executados por tempo indeterminado, ou seja, não têm um prazo máximo estipulado, fazendo-se necessária a imposição até o momento em que, mediante perícia médica, for constatada a cessação de periculosidade. Tal perícia deverá realizar-se após o transcurso do prazo mínimo estipulado (MARANHÃO, 2009, p. 131), conforme reza os parágrafos do artigo 97:

§ 1 A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos. § 2 A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

Desta feita, o prazo mínimo estipulado, fixado pelo juiz entre um e três anos, varia conforme a gravidade do crime e o grau de periculosidade do agente. O prazo também deve ser fixado quando houver a conversão de pena e medida de segurança diante da superveniência

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da doença mental ou perturbação do condenado no curso da execução, artigo 183 da Lei de Execuções Penais. Já na conversão de tratamento ambulatorial em internação, o prazo mínimo será de um ano estipulado por força de lei, artigo 184, parágrafo único da Lei de Execuções Penais (MIRABETE, 2007, p. 756).

Terminado o prazo mínimo de duração da internação ou do submetimento a tratamento ambulatorial, será executada a verificação do estado de periculosidade do indivíduo através da perícia médica, a fim de saber se deve ocorrer o desinternação ou a liberação do tratamento. Tal procedimento pode ser direcionado de ofício pela autoridade administrativa da execução, não sendo necessária determinação judicial (MARANHÃO, 2009, p. 131).

O artigo 175 da Lei de Execuções penais reza o que deve ser observado no exame de cessação de periculosidade:

Art. 175. A cessação da periculosidade será averiguada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do agente, observando-se o seguinte: I – a autoridade administrativa, até um mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida; II – o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico; III – juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor, no prazo de três dias para cada um; IV – o juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o tiver; V – o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração mínima da medida de segurança; VI – ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o inciso anterior, o juiz proferirá a sua decisão, no prazo de cinco dias.

Lembra bem Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 756) que o prazo mínimo fixado na lei para as medidas de segurança não são fatais nem improrrogáveis, ou seja, não permite ao submetido à medida de segurança detentiva o retorno ao convívio social enquanto não realizada perícia para averiguação da cessação da periculosidade. “A superação do prazo não gera ao internado o direito de ser solto e muito menos a presunção de que cessou a sua periculosidade”.

O inciso I do artigo 175 determina que a autoridade administrativa da execução, que proceda até um mês antes de expirar o prazo da duração mínima da medida, remeta ao juiz minucioso relatório que habilite resolver a revogação ou permanência da medida. Tal relatório deve transmitir informações sobre o paciente, relativas à conduta do paciente, relacionamento com os colegas e amigos, funcionários, reação ao tratamento imposto e às influências do mundo externo, bem como demonstrar o grau de ajustabilidade social, com sua família, dentre outros (SILVA apud MIRABETE, 2007, p. 759).

O procedimento após o recebimento do relatório instruído com o laudo psiquiátrico é serem ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o Curador ou Defensor, no prazo de 3 dias para cada um, podendo requerer diligências ou, se for o caso, o juiz poderá também de ofício determinar outras medidas que entenda necessárias à decisão (MIRABETE, 2007, p. 760).

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Ao semi-imputável se não possuir Defensor, o Juiz nomeará um dativo que deverá exercer o mandato praticando todos os atos inerentes à defesa do internado. Ao inimputável será nomeado curador que terá por função assistir quem está em condições inferiores em relação aos órgãos técnicos da acusação. Porém, ambos devem zelar pelos interesses do delinquente-doente e sua presença e atuação representam a garantia do princípio da igualdade das partes e observância do contraditório (SILVA apud MIRABETE, 2007, p. 760).

Após o cumprimento de tais diligências o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, e ouvidos o Ministério Público e o Defensor ou Curador, irá proferir a decisão no prazo de cinco dias, concluindo, mediante laudo, relatório e demais provas, sobre a cessação da periculosidade e a desinternação ou a liberação do agente. Caso seja negada, a medida de segurança continuará a ser executada, com renovação obrigatória de exame decorrido prazo de um ano (MIRABETE, 2007, p. 760).

A desinternação ou liberação são condicionais, ficando sujeita a extinção da medida de segurança a uma condição resolutiva pelo prazo de um ano. Caso ocorra a prática de ilícito penal ou fato indicativo de persistência de periculosidade será determinada nova internação ou submissão a tratamento, restabelecendo a situação anterior. (MIRABETE, 2007, p. 763)

O artigo 179 da Lei de Execuções Penais remete a desinternação da medida de segurança detentiva e a liberação do submetido a tratamento ambulatorial ao trânsito em julgado da sentença, constatando a cessação da periculosidade do agente. Transitada em julgado a decisão, o juiz expedirá a carta de ordem de desinternação ou de liberação (MARANHÃO, 2009, p. 132).

7 INCIDENTES DA EXECUÇÃO

O título VII da Lei de Execução Penal trata, juridicamente, os incidentes da execução, sendo que nas palavras de Renato Marcão (2009, p. 272):

O incidente é uma questão superveniente à sentença condenatória ou absolutória imprópria, que atingem o processo de execução da pena ou medida de segurança, impondo ao juiz da execução o dever e resolvê-las dentro do processo executivo.

O incidente da execução ocorre no curso da execução da pena, por atividade jurisdicional acarretando a sua alteração, redução ou extinção. Nele o juiz, diante das situações jurídicas ocorridas durante a execução, é quem determina sua alteração ou extinção. As conversões, o excesso ou desvio, a anistia e o indulto, são os incidentes da execução dispostas na lei (MIRABETE, 2007, p. 765).

A conversão é a substituição de uma sanção penal por outra, sendo pena ou medida de segurança, alterando sua execução, podendo ser favorável ou prejudicial ao condenado, podendo ter caráter liberativo ou detentivo ou constituir-se na conversão-internamento. Será favorável a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direito, artigo 180, ou em medida de segurança, artigo 183, e desfavorável quando houver a conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade, artigos 181 e 182, e da medida de segurança de tratamento ambulatorial em internação, artigo 184 (MIRABETE, 2007, p. 766).

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O capítulo I do título VII da Lei de Execução Penal em seus artigos 180 a 184 trata das conversões das medidas de segurança, estando dispostas nos artigos 183 e 184:

Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança. Art. 184. O tratamento ambulatorial poderá ser convertido em internação se o agente revelar incompatibilidade com a medida. Parágrafo único. Nesta hipótese, o prazo mínimo de internação será de um ano.

Para a aplicação da medida de segurança proveniente da conversão serão utilizadas as normas gerais sobre a imposição da medida de segurança e sua execução, sendo também imprescindível a perícia médica. Em princípio, a conversão da pena privativa de liberdade em medida de segurança deve ser a de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, conforme o artigo 183 da Lei de Execuções Penais, porém se o crime for apenado com detenção, será permitida a conversão em tratamento ambulatorial, artigo 97, caput, e artigo 98 do Código Penal.

A conversão só poderá ocorrer durante o prazo da pena. Terminado este prazo, será inadmissível, pois a conversão e a internação passam a constituir constrangimento ilegal. O prazo mínimo da internação deverá ser fixado entre um e três anos, conforme disposto no artigo 97, parágrafo 2º do Código Penal. Uma vez convertida a pena, não poderá ocorrer a reversão (MIRABETE, 2007, p. 775).

Tratando da conversão do tratamento ambulatorial em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, disposto no artigo 184 da Lei de Execuções Penais, esta se dá quando o agente é incompatível com o tratamento não cumprindo as determinações, não comparecendo ao local fixado pelos médicos, demonstrando periculosidade acentuada, constituindo risco para si e para outrem. Como não há órgão fiscalizador para o tratamento, cabe aos médicos encarregados de tal medida comunicar ao Ministério Público ou ao juiz da execução para que proceda, caso ache necessário, a conversão (MIRABETE, 2007, p. 778).

O prazo mínimo da internação está disposto no parágrafo único do artigo 184 da Lei de Execuções Penais, estabelecido em um ano, devendo ser contato a partir do momento da internação, submetendo o agente ao exame de verificação da cessação de periculosidade no início e no fim da medida.

8 CONCLUSÃO

Tem-se que a medida de segurança, no decorrer dos tempos, desde o início de sua aplicação, foi destinada aos indivíduos com desvio de personalidade, quais sejam, os ébrios habituais, os menores, os vagabundos dentre outros tratamentos adotados para tais pessoas no decorrer da história. No Brasil foi primeiramente adotada no período imperial e destinada aos loucos e aos menores de idade. Tais indivíduos deveriam ser encaminhados às casas de tratamento ou então entregues às suas famílias, ao passo que, nos dias de hoje, a legislação define como inimputáveis e semi-imputáveis os indivíduos que poderão ser submetidos às medidas de segurança.

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Com a passar do tempo, com as inovações no estudo das medidas de segurança e as modificações na sua aplicação, foram utilizados três sistemas de aplicação desta sanção a saber, o sistema dualista, onde havia a possibilidade de aplicação de pena e de medida de segurança sucessivamente; o sistema monista que tinha em seu escopo a absorção da pena pela medida de segurança ou a absorção da medida de segurança pela pena, ou então, em outro caso, a unificação das duas sanções penais levando ao surgimento de uma sanção diferente ajustada à personalidade do agente, e por fim, o sistema vicariante que é o utilizado no Brasil a partir de 1984 no qual só é possível a aplicação de um dos institutos, ou seja, a pena ou a medida de segurança.

Traz ainda a legislação pátria duas espécies de medida de segurança. A primeira, de caráter detentivo, que consiste em internação em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico, destinada aos inimputáveis ou excepcionalmente aos semi-imputáveis, e a segunda, de caráter restritivo, que consiste em tratamento ambulatorial, onde não há privação da liberdade do indivíduo classificado como menos perigoso.

Entretanto, após muitos estudos e relativas melhoras na legislação para delimitar sua aplicação, as medidas de segurança se viram ineficazes ao passo que o Estado não conseguiu disponibilizar estabelecimentos adequados e direcionados para sua efetiva aplicação, impedindo desiderato maior calcado no tratamento e cessação da periculosidade, requisito obrigatório para liberação ou desinternação do delinquente submetido a medida de segurança. Os estabelecimentos destinados, hoje, para tal fim não suprem tais expectativas e dificultam, e muito, que o internado possa alcançar melhoras com o tratamento de maneira a retornar ao convívio social com a periculosidade cessada.

Importante ressaltar a divergência doutrinária acerca da falta de estipulação de prazo máximo na aplicação da medida de segurança, que tem estipulado somente o prazo mínimo de duração entre um e três anos. A doutrina majoritária alega não haver prazo máximo de duração, porém a doutrina minoritária e a Sexta Turma do STJ entendem que seu período não pode ultrapassar a pena prevista para a infração e o Supremo Tribunal Federal, utilizando analogicamente o artigo 75 do Código Penal, que estipula que o prazo máximo não pode ser superior a trinta anos.

Portanto, em se tratando de medidas de segurança, duas providências devem ser tomadas para sua imprescindível aplicação: uma de cunho essencial acerca dos estabelecimentos adequados para que estes tenham condições de individualizar sua aplicação visando a recuperar o delinquente, e outra, de cunho jurídico, acerca da discussão sobre o tempo máximo que o indivíduo submetido a medida de segurança tenha que se submeter para cessar sua periculosidade e demonstrar sua recuperação e distância da seara delitiva.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009.

DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

D�URSO, Luiz Flávio Borges. Medidas de segurança no direito comparado, IBCCRIM. São Paulo, ano 1, nº 3, jul.-set. 1993.

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FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

HAMMERSCHMIDT, Denise; MARANHÃO, Douglas Bonaldi; COIMBRA, Mário. Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. São Paulo: Saraiva, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal. São Paulo: Atlas, 2007.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

_____. Direito penal contemporâneo: estudo em homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

RIBEIRO, Bruno de Morais. Medidas de segurança. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.

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COMENTARIOS DE jURISPRUDÊNCIAS

A Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) enuncia um princípio geral: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

As decisões escolhidas para comentários neste 8º Volume dizem respeito ao princípio geral retro, tendo em vista a importância de decisões que atendem aos fins sociais em referência às repercussões e às consequências que podem alcançar.

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Osmar Vieira da Silva

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COMENTÁRIO à DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NOS AUTOS DE Nº 035.11.100108-5 DA COMARCA DE IGUATEMI –MS

Osmar Vieira da Silva87

A Requerente, indústria do ramo de alimentos, propôs Ação Cominatória de Obrigações de Fazer e de Não Fazer contra a Requerida alegando que esta, embora tivesse efetuado a ligação de energia elétrica da Requerente em cumprimento de ordem judicial, emitia as faturas, não as enviava para pagamento, não oportunizou a contratação de demanda de consumo, não celebrou o respectivo contrato de fornecimento de energia, ainda que obrigatório, segundo a ANEEL e, por último, a notificou para imediato pagamento sob pena de corte de fornecimento de energia.

Pediu a procedência dos pedidos e, em antecipação de tutela, pediu a cominação de não fazer, consistente na determinação judicial para que a Requerida se abstivesse de promover o desligamento do fornecimento da energia e, com a natureza cominatória de fazer, requereu a determinação para que a Requerida procedesse à definição de demanda de consumo e conseqüente celebração de contrato, apresentação das faturas vencidas com a exclusão dos excedentes não pactuados, mas já faturados,

Na decisão, o juiz tece algumas considerações sobre a importância social das atividades econômicas e sua contribuição para a felicidade geral ao criar cerca de 250 empregos diretos em uma pequena cidade. Ainda afirma que são 250 famílias que passaram a ter uma existência digna na comunidade local, isso fora os empregos indiretos. Que toda a sociedade local sentiu mudanças depois que a Autora passou a exercer suas atividades. Que a cidade ficou mais tranqüila, diminuiu a violência, o comércio local passou a vender mais. Que a Ré deveria dar apoio integral à atividade da Autora, pois por certo, também se beneficiaria desta atividade em face do seu consumo de energia elétrica.

Feitas essas considerações como motivação de sua decisão, entendeu pela concessão da tutela específica de forma liminar, em total sintonia com o disposto no art. 5º da LICC, quando estabelece que na aplicação da lei o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, atitude que deve ser aplaudida pela sociedade.

87 Doutor em Direito (PUCSP). Mestre em Direito (UEL). Professor (UNIFIL). Advogado

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Comentário à Decisão Interlocutória Proferida nos Autos de Nº 035.11.100108-5 da Comarca de Iguatemi –Ms

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA NOS AUTOS DE Nº 035.11.100108-5 DA COMARCA DE IGUATEMI –MS

Vistos etc,

AGROINDUSTRIAL IGUATEMI LTDA, devidamente qualificada nos autos, ajuizou a presente ação cominatória de fazer e não fazer em desfavor da EMPRESA ENERGÉTICA DE MATO GROSSO DO SUL S.A. – ENERSUL, também qualificada, aduzindo, em síntese:- que figura como locatária de imóvel pertencente ao Frigorífico Iguatemi Ltda., referente à unidade consumidora nº 90002539;- visando das inicio às suas atividades, procurou a ré para que procedesse a ligação da referida unidade, a qual se recusou a proceder tal ligação enquanto não fossem quitados os débitos deixados pelo antigo ocupante do imóvel;- a fim de garantir seus direitos, propôs perante este Juízo ação cominatória de obrigação de fazer, autos nº 035.10.100335-2, onde foi concedida liminar determinando a ligação da energia no referido prédio, tendo em vista que a atual locatária não é responsável pelos débitos anteriores, conforme disposto no artigo 4º, §2º, da Resolução da ANEEL 456/200, a qual, naquela época, estava em vigência. A requerida cumpriu a determinação judicial e passou a fornecer energia a autora.- ocorre que, desde o início do fornecimento de energia, a ré não enviou as faturas mensais à autora e também não providenciou a assinatura do contrato obrigatório entre as partes, e, ainda, não oportunizou a autora (consumidor) a contratação da demanda necessária, o que seria obrigatório;- entrou em contato com a ré por várias vezes a fim de regularizar a situação, porém, somente através do telefone 0800 é que conseguiu informações acerca do valor da fatura, mas nunca teve acesso ao conteúdo das respectivas faturas para a devida e necessária conferência;- por fim, no mês de abril de 2011, teve acesso à fatura emitida pela ré no dia 18/04/2011, onde pode constatar que foi enquadrada como consumidora do grupo A-3ª, bem como que referida fatura ainda consta como contratante o “Frigorífico Iguatemi Ltda.”, que não funciona mais, e tal fatura ainda faz referência a débitos do ano de 2008, e como se não bastassem tais irregularidades, estão sendo cobradas multas por excesso de demanda e demanda relativa, como já tivesse contratado uma demanda determinada para consumo da autora e essa estivesse excedido tal consumo;- a autora já enviou a documentação solicitada pela ré para que fosse firmado o contrato, como provam documentos juntados aos autos, porém, a ré limita-se a informar que os documentos não chegaram em suas mãos, ainda que o envio tenha sido por AR e a pessoa que o receber seja identificada;- as atividades da autora só tiveram início efetivo no mês de fevereiro do corrente ano, sendo que no mês de janeiro houve apenas a revisão e reparos no prédio e nos maquinários ali existentes. Ou seja, este mês de janeiro não pode ser utilizado para fisn de determinação de demanda, por ter sido mês apenas preparatório para inicio das atividades, que se deu efetivamente em

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fevereiro de 2001. Prova disso e que o consumo de energia no mês de janeiro de 2001 foi de apenas 11.286 Kwh e nos meses seguintes foi de 117.237 Kwh em fevereiro e 173.621 Kwh em março e 163.496 Kwh em abril. Enfim, para a contratação da demanda é imperioso que seja desconsiderado o mês de janeiro de 2011, devendo serem levados em conta os três meses anteriores à data da contratação e de efetiva atividade da empresa, consoante disposto no artigo 134 da Resolução 414 da ANEEL;- a ré procedeu à ligação da energia conforme foi determinado nos autos 035.10.100335-2, porém, até a presente data, não firmou o contrato obrigatório, conforme previsto no artigo 27, I, letra “d”, da Resolução 414/2010 da ANEEL; não enviou as três primeiras faturas à autora e, agora, envia fatura dirigida ao “Frigorífico Iguatemi Ltda.” cobrando multas por excesso de demanda que sequer foi contratada, e, ainda, cobrando débitos anteriores ao período em que ocupa o imóvel;- assim, tendo em vista que não conseguiu efetuar o pagamento das faturas anteriores, está na iminência de sofrer corte do fornecimento de energia, o que causaria enormes e irreparáveis prejuízos à ela.- sustenta, ainda, que, segundo o artigo 27 da Resolução da ANEEL, é obrigatório a celebração do contrato de consumo tão logo seja efetivada a solicitação de fornecimento de energia elétrica, o que não foi cumprido até o presente momento pela ré, e que na celebração deste contrato deve ser levado em conta, para fins de fixação da demanda, o período de três meses anteriores à contratação, consoante determina o artigo 134 da Resolução 414 da ANEEL.- Pede a procedência dos pedidos para o fim de determinar à ré a confecção e assinatura do contrato de fornecimento de energia elétrica referente à UC 90002539, e que na confecção deste contrato seja utilizado como parâmetro para a fixação da demanda os três meses anteriores à data de contratação de demanda para consumo futuro, pois como já dito, o mês de janeiro de 2011 não pode ser utilizado para este fim pois destinou-se apenas à revisão de maquinários e reforma do imóvel, ou seja, neste mês de janeiro não houve atividade efetiva da autora, e por fim, que sejam apresentados os valores devidos por ela (autora), já excluídos aqueles cobrados indevidamente a título de multa por excessos.Pede como tutela antecipada a determinação para que a ré se abstenha (obrigação de não fazer) de promover o desligamento do fornecimento de energia elétrica referente à UC 90002539, até a celebração do contrato com definição de demanda, bem como a regularização e apresentação das faturas vencidas, com a exclusão de quaisquer excedentes não pactuados, a fim de possibilitar que ela, autora, efetue os respectivos pagamentos.É o relatório no essencial. Passo a decidir.Inicialmente cabe dizer que a autora iniciou recentemente atividade empresarial nesta pequena cidade, mas já desempenha função social, gerando muitos empregos, recolhendo tributos e dinamizando a economia local. É sabido por todos que a empresa (como atividade econômica voltada à produção de bens e serviços) tem uma óbvia e nítida função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado,

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que dela retira os impostos necessários ao seu funcionamento. O respeito à função social da empresa resulta que toda a sociedade deve zelar pela sobrevivência e bom funcionamento da empresa, dado a sua importância social. Em todas as sociedades desenvolvidas, a atividade empresarial extremamente protegida e apoiada. Nesta sociedade, zela-se pela vida das empresas, pois se sabe que elas geram empregos, garantem uma existência digna à pessoas, seus empregados, geram tributos, dinamizam a economia e contribuem para a felicidade geral. A empresa (atividade econômica) deve ser vista como um agente da sociedade criado com a finalidade de satisfazer necessidades sociais. Deve ser valorizada pela sociedade a criação e funcionamento de empresas, porque estas são consideradas benéficas à sociedade como um todo, uma vez que têm como missão produzir e distribuir bens e serviços, gerando empregos. Dito isso, sinto-me compelido a externar meu sentimento de que a ré não está agindo de forma adequada com a autora, empresária que tem importante função social na comunidade local. Ao invés de apoiar verdadeiramente a atividade empresarial da autora, facilitando o exercício de seu mister, a ré vem, ao que me parece, dificultando a vida da autora. Tanto tem sido assim que foi necessário um provimento judicial (autos nº 035.10.100335-2) para que a ré providenciasse a ligação da energia elétrica para que a autora pudesse iniciar suas atividades. Ora, a autora já emprega quase 250 trabalhadores diretos. São 250 famílias que passaram a ter existência digna na comunidade local. Isso fora os empregos indiretos. Toda a sociedade local sentiu mudanças depois que a autora passou a exercer suas atividades. A cidade ficou mais tranqüila, diminuiu a violência, o comercio local passou a vender mais. Em países desenvolvidos, a autora estaria sendo protegida pelo Estado e pelos prestadores de serviços. Só aqui no Brasil é que uma empresa tão importante para a economia local de uma pequena cidade fica a mercê da pouca vontade de uma prestadora de serviços. A ré deveria dar apoio integral à atividade da autora, pois por certo, também se beneficiará desta atividade, com o recebimento das faturas de energia elétrica que será consumida.Feitas estas necessárias considerações, fundamentando a decisão que passo a tomar. Consoante o §3º do art. 461 do CPC, sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, o juiz está autorizado a conceder a tutela específica (obrigação de fazer ou obrigação de não-fazer) liminarmente.Discorrendo sobre o tema, NELSON NERY JÚNIOR & ROSA MARIA DE ANDRADE NERY ensinam que “para o adiantamento da tutela de mérito, na ação condenatória em obrigação de fazer e não fazer, a lei exige menos do que para a mesma providencia na ação de conhecimento tout court (CPC 273). É suficiente a mera probabilidade, isto é, a relevância do fundamento da demanda, para a concessão da tutela antecipatória da obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o CPC 273 exige, para as demais antecipações de mérito:a) a prova inequívoca; b) o convencimento do juiz acerca da verossimilhança da alegação; c) o periculum in mora (CPC 273 I) ou abuso do direito de defesa do réu (CPC 273 II)” (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª Ed. RT, pág. 587).

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No que tange à relevância do fundamento da demanda, a concessão da liminar exige um juízo de probabilidade, respaldado em elementos de prova trazidos com a inicial.Analisando os documentos na inicial, tem-se que esse requisito está preenchido. Há nos autos o contrato social da parte autora, que data de 14.09.2010 (f. 16-19) e toda a documentação referente ao pedido de contratação dos serviços de energia elétrica e envio da documentação solicitada pela ré (fls. 21-31), em especial o AR recebido pela ré (fls. 28), que comprova o envio da documentação necessária a contratação obrigatória entre as partes, bem como a única fatura emitida em desfavor da autora, emitida em nome de “Frigorífico Iguatemi Ltda” (fls. 33), com vencimento em 29/04/2011, ou seja, em data em que já estava em funcionamento a Agroindustrial Iguatemi Ltda. Na referida fatura está clara a cobrança de uma série de excedentes, em valores muito elevados, sem que tenha sido ainda entabulado o contrato obrigatório entre as partes, com definição de demanda. Repito, na fatura de fls. 33 estão sendo cobradas multas por excesso de demanda e demanda reativa, como já tivesse contratado uma demanda determinada para consumo da autora e essa estivesse excedido tal consumo. Ora, o contrato obrigatório não foi ainda disponibilizado pela ré! Como pode ela estar cobrado por excesso de demanda e demanda reativa, sem que tal demanda ainda não tenha sido definida em contrato?!O fundamento da demanda é, prima facie, plausível porque o artigo 27, I, “d”, da Resolução da ANEEL nº 414/2010 é expresso ao dispor que é obrigatória a celebração prévia de contrato tão logo seja efetivada a solicitação de fornecimento de energia elétrica. Como dito pela autora, a ré não disponibilizou ainda referido contrato obrigatório e enviou uma única fatura para cobrança em nome de outra usuária, de maneira arbitrária e unilateral, o que por certo, torna impossível a conferência dos valores cobrados.Cobrar todos os meses as faturas de energia elétrica, inclusive com multas por excesso de consumo, sem que tenha sido firmado contrato entre as parte, consoante dispõe o artigo 27 da Resolução 414/2010 da ANEEL é ato arbitrário e ilegal. É através deste contrato que a autora ficará ciente das condições técnicas e econômicas do fornecimento da energia elétrica. Até o presente momento, a autora está privada deste direito.No que tange ao receio de ineficácia do provimento final (periculum in mora), imperioso acolher os argumentos da parte autora, porquanto o aguardo de decisão final da presente demanda para, caso procedente: “ determinar a celebração do contrato de fornecimento de energia elétrica, com a definição da demanda, utilizando-se como parâmetro os três meses anteriores a data da celebração, com a apresentação das faturas em nome da autora, com exclusão das multas por excesso”, porém sujeitando a autora a suportar já, agora, um iminente corte no fornecimento de energia elétrica, implicará inevitavelmente em prejuízos graves a autora, que se verá muito provavelmente obrigada a suspender suas atividades, dispensar trabalhadores e suspender o pagamento de seus compromissos comerciais, o que gerará problemas não só para a autora, mas também para toda a sociedade local.ANTE O EXPOSTO, com fundamento no §3º do art. 461 do CPC, concedo

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Comentário à Decisão Interlocutória Proferida nos Autos de Nº 035.11.100108-5 da Comarca de Iguatemi –Ms

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a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pleiteada na inicial, para o fim de determinar à parte ré que se abstenha de promover o desligamento do fornecimento de energia elétrica referente à unidade consumidora-UC nº 90002539, localizada no endereço sede da autora, até a celebração do contrato entre as partes, com definição de demanda, bem como a regularização e apresentação das faturas vencidas, a fim de permitir que a autora efetive os pagamentos.Para que não ocorra descumprimento da ordem aqui imposta, que se traduz em obrigação de não-fazer, e objetivando implementar a efetividade da atividade jurisdicional, com fundamento no art. 461, §4º, do Código de Processo Civil, fixo multa diária de R$15.000,00 (quinze mil reais), em favor da autora, para o caso da ré descumprir a presente decisão.Cite-se a ré para que ofereça resposta em petição escrita, no prazo de 15 (quinze) dias, com a advertência de que não sendo contestada a ação, presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pelo autor (art. 285 c/c art. 319, CPC), bem como se proceda a intimação da ré quanto à obrigação de não fazer constantes nesta decisão.Com a resposta, caso haja necessidade, abra-se vista à parte autora para réplica.Após, especifiquem as partes, em 05 dias, quais as provas que efetivamente desejam produzir, justificando sua pertinência, sob pena de indeferimento.Cite-se. Intime-se. Cumpra-se.Iguatemi (MS), 13 de maio de 2011.

Eduardo Lacerda TrevisanJuiz de Direito

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Ana Paula Sefrin Saladini

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COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO TRT-PR PROFERIDO NOS AUTOS DE N° 00772.2009.655.09.00-6

Ana Paula Sefrin Saladini88

O Ministério Público do Trabalho propôs Ação Civil Pública em face pessoa jurídica que estaria fraudando o direito dos empregados à percepção de horas in itinere. As chamadas horas in itinere estão previstas no art. 58, §2º, da CLT, que estabelece que o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para seu retorno será computável na jornada de trabalho quando o local for de difícil acesso ou não servido por transporte público e o empregador fornecer o transporte. Assim, nesses moldes, o empregador deve pagar como horas de trabalho também o tempo de transporte.

A empregadora dos autos está localizada na zona urbana de cidade da região Oeste do Paraná (Palotina), município que não conta com mão-de-obra suficiente para atender à indústria, que é de grande porte. Assim, diversos empregados contratados residem nas cidades vizinhas, inclusive em outro Estado (Mato Grosso do Sul). Ocorre que não existe transporte público intermunicipal regular em horário e quantidade compatível com o trabalho.

No caso em estudo a empregadora não contratava transporte para seus empregados, mas adquiria de entidades diversas (sindicatos, municípios e associações de trabalhadores) “vales-transporte” para seus empregados, sendo que essas pessoas providenciavam o transporte dos trabalhadores. Como não era a empregadora quem fornecia o transporte diretamente, não computava o tempo de transporte como jornada de trabalho, e procedia ao desconto do valor de custeio do vale-transporte de seus empregados, no percentual permitido por lei (6%), arcando com o restante do custo. Para o Ministério Público do Trabalho, essa contratação por entidades interpostas seria ilegal e visava fraudar direitos dos trabalhadores.

O acórdão reconhece que há interesse privado da empregadora em angariar nas outras cidades a mão-de-obra que não lhe é suficientemente disponível em Palotina; mas argumenta também que ao seu proveito privado da empregadora sobrepõe-se o interesse público de toda uma região, de várias centenas de trabalhadores, na busca pelo pleno emprego.

Com base nisso, a decisão reconhece como válida a alternativa utilizada pela empregadora diante da falta de transporte público intermunicipal regular, fazendo a leitura de questão sob a ótica do disposto no art. 5º da LICC, quando estabelece que na aplicação da lei o juiz deve atentar aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. A argumentação utilizada foi que impedir que as entidades mencionadas fornecessem o transporte implicaria em retrocesso econômico e prejuízo imensurável aos municípios vizinhos e aos próprios trabalhadores, até porque não existe lei que obrigue o empregador a fornecer o transporte. Trata-se, assim, de típico caso de sobreposição dos fins sociais da lei e das exigências do bem comum (busca do pleno emprego) aos interesses individuais homogêneos de cada trabalhador (percebimento de horas in itinere).

88 Mestranda em Ciências Jurídica (UENP – Jacarezinho PR), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL). Professora (UNIFIL), Juíza do Trabalho (Jacarezinho PR)

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Comentário ao Acórdão TRT-PR Proferido nos Autos de N° 00772.2009.655.09.00-6

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PODER jUDICIÁRIOjUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃOTRT-PR-00772-2009-655-09-00-6 (RO)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. C. VALE COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL. TRANSPORTE COLETIVO CONTRATADO POR SINDICATOS, MUNICÍPIOS E ASSOCIAÇÕES NO INTERESSE PÚBLICO DE TODA UMA REGIÃO, DE VÁRIAS CENTENAS DE TRABALHADORES, E CUSTEADO PELA EMPREGADORA. LICITUDENão há dúvidas de que efetiva forma de oposição aos atos contrários ao direito se faz através do instituto da tutela inibitória, exercitado com o intuito de imputar aodemandado obrigações de fazer e não-fazer que impeçam condutas futuras írritas ao direito, ao invés de aguardar eventual dano para postular a tutela reparatória. “In casu”, inegável que é interesse dos Municípios e, sobretudo, dos trabalhadores residentes em cada um deles, propiciar o pleno emprego e todos os benefícios que o acompanham, agregados ao crescimento econômico e social de cada localidade.Evidente, ainda, que é interesse da C. Vale angariar a mão-de-obra que não lhe é suficientemente disponível em Palotina; mas, ao seu proveito privado sobrepõe-se ointeresse público de toda uma região, de várias centenas de trabalhadores. A LICC enuncia um princípio geral: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” A CLT é expressa: “Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.” O provimento da pretensão importaria autorizar, a pretexto de uma pseudoproteção, um retrocesso econômico e social de prejuízo imensurável aos municípios e, em última análise, aos próprios trabalhadores. Primordialmente, porque não há base legal para impor à C. Vale que faça, diretamente e por conta própria, o transporte de seus empregados (art. 5.º, II, da Constituição Federal). A ausência desta obrigação legal autoriza reconhecer que ela não fornece a condução - tampouco tenta simular este fornecimento.São as entidades que, licitamente e por interesse social, contratam o transporte, sem se observar ofensa ao art. 9º da CLT. Se o empregador custeia o transporte coletivo público que está disponível ao empregado, lícito à C. Vale custear o transporte coletivo fretado que os municípios, associações, agências e sindicatos, por inegável interesse próprio, disponibilizam aos seus munícipes, sendo autorizado o desconto, a teor dos arts. 4º e 8º da Lei n.º

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Ana Paula Sefrin Saladini

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7.418/85. Recurso do Ministério Públicoa que se nega provimento.

V I S T O S, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da MM. VARA DO TRABALHO DE ASSIS CHATEAUBRIAND - PR, sendo Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e Recorrido C. VALE COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL.

I. RELATÓRIO

Inconformado com a r. sentença de fls. 170/187, que rejeitou os pedidos, recorre o Autor. Através do recurso ordinário de fls. 193/211, postula a reforma da r. sentença quanto aos seguintes itens: a) litigância de má-fé; e b) horas “in itinere”.Custas dispensadas.Contrarrazões apresentadas pela Ré às fls. 221/240.Sendo parte autora o próprio Ministério Público do Trabalho, não lhe foram enviados os autos para intervenção como fiscal da lei.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO do recurso ordinário interposto, assim como das respectivas contrarrazões.

2. MÉRITO

HORAS “IN ITINERE”. TUTELA INIBITÓRIA. DANO MORAL COLETIVOTrata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho em face de C. Vale Cooperativa Agroindustrial com base em procedimento investigatório que se originou do procedimento judicial autuado sob o n.º 00714-2008-655-09-00-1, instaurado pelo Juízo da Vara do Trabalho de Assis Chateaubriand, por meio da Portaria n.º 1 de 2008, para “uniformização de meios de provas documentais sobre a integração do tempo de percurso entre as residências e os locais de trabalho e vice-versa nas jornadas dos empregados da empresa C. Vale Cooperativa Agroindustrial, dentro dos requisitos legais do art. 58, § 2º, da CLT e das Súmulas 90 e 320 do C. TST”. (fl. 09 - volume de documentos) Considerando que a Ré não aceitou proposta de assinatura de Termo de Ajuste de Conduta, o Ministério Público do Trabalho buscou a tutela jurisdicional, pleiteando, em suma, que a empresa: 1 - contrate diretamente os serviços de transporte de seus empregados, por meio de empresas regularmente registradas e licenciadas pelo órgão competente, abstendo-se, por conseguinte, de: a) utilizar instituições públicas ou privadas interpostas para implementar tal

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Comentário ao Acórdão TRT-PR Proferido nos Autos de N° 00772.2009.655.09.00-6

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contratação; b) permitir a condução de empregados por empresas de transporte sem licença válida pelo DER; c) inserir em notas fiscais a rubrica “aquisição de vale-transporte”, porquanto contrata efetivo fretamento de veículo; d) exigir que seus empregados firmem termos de adesão ao sistema de vale-transporte; e) realizar descontos nos salários a título de vale-transporte; e 2 - compute na jornada de trabalho de seus empregados as horas de trajeto entre suas residências e o local de trabalho; devendo, em consequência: a) remunerar como extras as horas excedentes da oitava diária e quadragésima quarta semanal, com os consectários legais e convencionais, computando-se as horas “in itinere”; e b) pagar as diferenças salariais, ante tal realidade.Pugnou, por derradeiro, pela fixação de multa diária ao caso de descumprimento, além da condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.Em defesa, a Ré arguiu preliminarmente ilegitimidade ativa do MPT, ilegitimidade passiva e inépcia da inicial. No mérito requereu pronunciamento da prescrição (quinquenal e bienal) e a improcedência dos pedidos, alegando, em suma, ser incontroverso que somente os municípios de Brasilândia do Sul, Jesuítas, Altônia, Formosa do Oeste, Maria Helena, São Jorge do Patrocínio, Xambrê e Esperança Nova, não são abrangidos pelo transporte público regular. Asseverou que, mesmo para esses municípios, não se cogita de horas “in itinere”, pois ausentes os requisitos legais e jurisprudenciais atinentes à sua configuração, mormente o fornecimento de transporte pelo empregador, responsável apenas pela compra de vale-transporte, junto às empresas contratadas por sindicatos, municípios e associações, e repassados a seus empregados.Aduziu que o direito postulado não é irrenunciável, mas passível de negociação coletiva, pelo que válida a cláusula convencional pactuando a respeito. Invocou, ainda, o princípio da igualdade e o art. 8º da Lei n.º 7.418/85.

Sobre o tema, assim decidiu o Juízo primeiro (fls. 180/187):“HORAS IN ITINERE/ TRANSPORTE PÚBLICO/ TRANSPORTE COLETIVO/ CONTRATAÇÃO/ VALE-TRANSPORTE/ ADESÃO/ INTEGRAÇÃO À JORNADA DO TEMPO DE DESLOCAMENTO/ OBRIGAÇÃO DE FAZER/ PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS E REFLEXOS/ DANO MORAL COLETIVO

Aduz o autor a ré, em prejuízo de seus empregados, tem desrespeitado a legislação de proteção ao trabalho fornecendo transporte coletivo particular sob a indevida aparência de transporte coletivo público, de forma intermediada, com o indevido desconto a título de vale-transporte, sonegando o cômputo das horas de deslocamento casa-trabalho-casa em favor dos trabalhadores e o conseqüente pagamento de horas extras pela extrapolação de suas jornadas normais. Aduz que, segundo o DER/PR, não há transporte público entre Palotina (cidade em que está instalado o complexo industrial da ré) e todas as cidades de origem dos empregados no frigorífico de aves, sendo ilegais os descontos a título de vale-transporte e devida a incidência da regra disposta

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no art. 58, par. 2º, CLT (contagem do tempo de itinerário). Entende ilegal a cláusula de convenção coletiva de trabalho que dispõe a exclusão do direito às horas in itinere.Pretende a imposição à ré das obrigações de contratar diretamente os serviços de transporte oferecidos a seus empregados, abstendo-se de contratação por ente interposto (como Municípios, Sindicatos, Associações, etc), somente com empresas regularmente registradas no DER/PR ou no Ministério dos Transportes; de se abster de inserir nas notas fiscais das empresas contratadas a descrição como `aquisição de vales-transportes’; de se abster de exigir de seus empregados a adesão ao sistema de vale-transporte e de descontar valores a esse dos salários respectivos quando não configurada a hipótese legal; de computar na jornada de trabalho as horas de itinerário dos trabalhadores residentes em cidades não servidas por transporte público regular; de remunerar as eventuais horas extras decorrentes do cômputo desse tempo de deslocamento, inclusive com os reflexos legais; de pagar indenização por dano moral coletivo; de pagar multa diária pelo eventual descumprimento de obrigação de fazer; e publicar edital no Diário da Justiça nos termos do art. 94 da lei 8.078/1990.A ré impugna os pedidos sustentando a existência de transporte público regular, que não contrata fretamento para o transporte de seus empregados, a validade da norma coletiva que exclui o direito a horas in itinere, a inexistência de horas in itinere na concepção legal.Inicialmente, de notar que o próprio órgão ministerial reconhece a existência de transporte coletivo público regular entre as cidades de Palotina (em que está instalada a planta industrial da ré) e Assis Chateaubriand, Iporã, Francisco Alves, Cafezal do Sul, Umuarama, Perobal, Tupãssi, Terra Roxa, Guaíra, Toledo e Maripá, razão pela qual os empregados da ré com residência em tais localidades não têmdireito ao cômputo das horas de itinerário (horas in itinere) em suas jornadas.A demanda, então, a teor do entendimento ministerial, estaria circunscrita ao direito dos trabalhadores da ré originários de Mundo Novo/MS, Japorã/MS, Brasilândia do Sul/PR, Jesuítas/PR, Altônia/PR, Formosa do Oeste/PR, Maria Helena, São Jorge do Patrocínio/PR, Xambrê/PR e Esperança Nova. Pois bem. Nada obstante as ponderosas argumentações exaradas pelo autor e a demonstração de sua preocupação com os direitos dos trabalhadores, aí incluída a própria saúde, não há modo de acolher os pedidos, pois não configuradas as alegadas ilegalidades. Senão Vejamos.O instituto das `horas in itinere’, ou tempo de deslocamento em condução fornecida pelo empregador entre a residência do empregado e o local de trabalho de difícil acesso ou não servido por transporte público, originou-se de construção jurisprudencial assentada nos tribunais a partir da constatação da transferência dos ônus do empreendimento econômico da empresa para os trabalhadores e do alargamento do conceito de tempo à disposição do art. 4º da CLT.Verificou-se que em determinados casos o trabalhador estava sendo penalizado, com a disponibilização de parte significativa de seu tempo no transporte

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para o labor, com a opção da empregadora de instalar-se em local distante e de difícil acesso. Assim, a jurisprudência construiu o entendimento de que esse tempo de deslocamento, em veículo da empresa e quando verificada a hipótese de acesso difícil ao trabalho, por exceção, deveria compor a jornada do trabalhador e, por decorrência, se ao final excedesse a duração normal, ensejar o pagamento destacado do excesso como tempo suplementar.Assim, em primeiro lugar, a jornada in itinere trata-se de exceção, pois a regra é a desconsideração do tempo de deslocamento na contagem da jornada de trabalho. Logo, como regra benéfica de exceção, está a merecer a interpretação restritiva que será dispensada pelo Juízo.Em segundo lugar, o abatedouro da ré não se situa em local de difícil acesso, mas, ao contrário, está em local de fácil acesso, localizada na zona urbana de Palotina/PR, na Av. Ariosvaldo Bitencourt, 2000, Distrito Industrial. Convém observar, a respeito, o ensinamento do Ministro Maurício Godinho Delgado, tratando das horas in itinere, de que “... a prática jurisprudencial tem formulado duas presunções concorrentes, que afetam, é claro, a distribuição do ônus da prova entre as partes processuais: presume-se de fácil acesso local de trabalho situado em espaço urbano; em contrapartida, presume-se de difícil acesso local de trabalho situado em regiões rurais (presunção juris tantum, é claro)” (in Curso de Direito do Trabalho, 4ª ed., São Paulo: LTr, 2005, pág. 841, terceiro parágrafo). Não há nenhuma prova produzida pelo autor de que o local seja de difícil acesso.

Em terceiro lugar, partindo, então, da presunção de que o frigorífico/abatedouro da ré encontra-se em local de fácil acesso, é preciso apontar para o fato de que o instituto das horas in itinere não foi construído para situações como aquelas vivenciadas pelos trabalhadores da C. Vale: veja, a ré não está em local de difícil acesso, ela está em cidade “diversa” daquelas de alguns de seus empregados. A C. Vale não optou por se estabelecer em local longínquo do aglomerado populacional, mas são os trabalhadores de outras cidades que vêm em busca de emprego no citado frigorífico e optam por não transferir suas residências para Palotina/PR. Aqui está o principal motivo pelo qual não configura a jornada de itinerário de que tratam o art. 58, par. 2º, da CLT e a Súmula 90 do TST para os trabalhadores da ré que residem em outras cidades: é a mão-de-obra que está em local de difícil acesso para a empregadora. Preferem tais trabalhadores continuar residindo em suas cidades de origem e a C. Vale apenas lhes provê o meio (transporte) para tanto (mediante a concessão de vales para o transporte). O caminho natural, o lógico seria o trabalhador residir na cidade em que trabalha, de modo que, optando por não o fazê-lo, deve arcar com os ônus daí decorrentes. Assim, não pode a empregadora ser penalizada por algo que não deu causa, nem assumiu os riscos.Diante dessa constatação, então, poderia se aventar de um ônus que a C. Vale teria assumido ao se instalar em uma cidade de pequeno porte como é Palotina/PR, com mão-de-obra insuficiente para a sua demanda e natural necessidade de angariar a complementação dessa mão-de-obra nas cidades da região: ora,

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poder-se-ia raciocinar que, se não pretendia o ônus de pagar horas in itinere, tivesse se instalado em um grande centro. Entretanto, semelhante raciocínio não se sustém diante do notório e atual interesse público da sociedade brasileira: a distribuição da riqueza numa sociedade capitalista como a nossa somente é possível em larga escala com a industrialização, sendo que o desafogamento dos grandes centros somente é viável com a industrialização do interior do país. Assim, o crescimento da indústria em regiões agrícolas, como a região Oeste do Paraná (em que está situada a C. Vale) atende a dois interesses públicos diversos, mas convergentes: obsta a evasão populacional do interior para os grandes centros (no mínimo, assegura o não aumento dos problemas sociais desses grandes centros) e distribui a riqueza às camadas mais carentes no interior do país. Por seu lado, a manutenção dos trabalhadores em suas cidades de origem, ainda que não por intenção da ré (que não é responsável por políticas públicas, como moradia), atende interesse específico de tais municípios: gera riquezas mediante o consumo e circulação dos salários desses trabalhadores no comércio local, como se pode inferir, aliás, dos depoimentos testemunhais colhidos em audiência (ata de fls. 165/166).

Em quarto lugar, é de notar que a ré não mantém contrato de fretamento com as empresas de transporte coletiva apontadas na exordial, sendo que tais contratos são firmados pelos Municípios, Sindicatos, ou mesmo Associações, das localidades de origem dos trabalhadores e que têm interesse nos frutos que o trabalho junto à C. Vale tem gerado para os respectivos Municípios. Nem se argumente que haveria intermediação ilegal da C. Vale junto a tais entes, pois, como visto, a viabilização do transporte dos trabalhadores não atende somente interesse das partes contratuais empregado e empregador: o interesse é muito mais amplo, pois envolve os Municípios (que asseguram o incremento do comércio local e suas conseqüências, tais como o aumento da arrecadação), os Sindicatos (que ampliam sua base de atuação e a própria arrecadação, bem assim fortalecem o sindicalismo), as empresas de transporte (que auferem lucros e empregam outros trabalhadores), as demais cidades dos Estado (que não sofrem com o aumento da população desempregada em busca de trabalho), os entes da Federação (que não desembolsam recursos com programas sociais de amparo aos desempregados), a saúde pública (porquanto o trabalho é fator de dignidade da pessoa humana e o emprego é antídoto para vários dos malefícios do homem, como a depressão), os comerciantes da região (que vendem mais, lucram mais, empregam mais, investem mais), etc. Não há ilegalidade, portanto, em tais contratações. Aliás, é bom observar, mas pende severas dúvidas acerca da competência desta Justiça do Trabalho para tratar de contratos de natureza civil/comercial que envolvem a relação da C. Vale com as empresas de transporte coletivos e os alegados Municípios, Associações e Sindicatos, quanto mais para analisar a regularidade de registros administrativos de tais empresas perante órgãos responsáveis pela concessão de licenças para trafegar em vias terrestres.

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Em quinto lugar, ainda que se conclua que o transporte entre as cidades não é público e que a empregadora é quem fornece essa condução, não procede a tese da autoria de ilegalidade dos descontos realizados a título de vale-transporte dos salários dos empregados que se utilizam do propalado transporte coletivo, notadamente porque a lei expressamente autoriza atribui ao trabalhador o ônus de arcar com até 6% (seis por cento) dos custos com o benefício em questão (art. 8º c/c art. 4º, par. único, lei 7.418/1985), in verbis: “(...) Art. 4º - A concessão do benefício ora instituído implica a aquisição pelo empregador dos Vales-Transporte necessários aos deslocamentos do trabalhador no percurso residência-trabalho e vice-versa, no serviço de transporte que melhor se adequar.Parágrafo único - O empregador participará dos gastos de deslocamento do trabalhador com a ajuda de custo equivalente à parcela que exceder a 6% (seis por cento) de seu salário básico. (...) Art. 8º - Asseguram-se os benefícios desta Lei ao empregador que proporcionar, por meios próprios ou contratados, em veículos adequados ao transporte coletivo, o deslocamento integral de seus trabalhadores”. Como se depreende da literalidade da lei, até mesmo o empregador que fornecer a condução por seus próprios meios, ou mediante fretamento, tem o direito de descontar do empregado o valor equivalente até 6% dos custos respectivos. Por consequência dessa legalidade, também não se pode aventar de ilegal o termo de adesão ao benefício firmado pelos empregados da ré e por conta do transporte entre cidades em questão.

Em sexto lugar, e por fim, não fosse todo o expendido acima, é preciso notar que há expressa negociação a respeito das horas in itinere no caso, dispondo a cláusula 24 da CCT 2008/2010, firmada pelos sindicatos representantes da categoria econômica da ré e profissional de seus empregados que:“(...) 24 - TRANSPORTEO transporte fornecido pela Cooperativa, ou qualquer subsídio a este título, como vale-transporte, passagem, cartão eletrônico, pagamento de quilometragem em veículo próprio do empregado, não será considerado para fins salariais, nem gerarão quaisquer outros efeitos trabalhistas, fiscais ou previdenciários. 24.1 - Visando preservar as condições oferecidas pela Cooperativa, que subsidia ou venha a subsidiar, total ou parcialmente, o transporte de seus empregados, mesmo que a localidade seja servida por linhas regulares de transporte coletivo, nenhuma outra contraprestação poderá ser exigida pelo empregado, nos termos da legislação que institui o vale-transporte, (Leis 7418/85 e 7619/87 e Dec. 95247/87), inclusive horas in itinere” (fls. 525 do volume de documentos em apartado). grifeiObserve, a própria convenção coletiva de trabalho exclui o direito dos trabalhadores ao cômputo das horas de itinerário na jornada de trabalho nos casos em que a Cooperativa/empregadora subsidie o respectivo transporte. E a cláusula convencional em tela há de ser mantida ao menos à luz de dois princípios distintos do Direito do Trabalho: aqueles do reconhecimento da

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negociação coletiva (art. 7º, XXVI, CRF) e da adequação setorial negociada (em se tratando de exceção - contagem do tempo de deslocamento - a limitação, ou mesmo exclusão condicionada ao subsídio do transporte, não compõe o rol de direitos indisponíveis dos trabalhadores). Com efeito, entendo que essa normatização coletiva é plenamente legal, mormente porque não se presta apenas para a supressão de direito dos trabalhadores, mas, ao reverso, desde logo já estabelece a contrapartida aos empregadores, qual seja, o subsídio do transporte que beneficia os empregados.

Dessarte, como é possível concluir, por qualquer ângulo que se contemple o quadro desenhado não é possível atribuir razão ao autor, pelo que, em face de todo o exposto, rejeito todos os pedidos deduzidos na inicial.Em consequência, rejeito o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela de mérito.”O Ministério Público do Trabalho, em suas razões recursais, inicialmente, apresenta ponderações, de cunho econômico, a respeito da origem e/ou razões da expansão do número de estabelecimentos ligados à industria de transformação, notadamente no sentido de produção de alimentos, como é o caso da Ré, no Oeste do Estado, sobretudo nos municípios de Palotina, Marechal Cândido Rondon e Toledo. Assevera, em sequência, que a exploração do trabalho alheio, não obstante juridicamente permitida, encontra limites (garantias trabalhistas e sociais) que devem ser observados, ainda que se reconheça a importância econômica social do empregador.Aduz que, ao instalar-se, por vontade própria, na cidade de Palotina, por lá encontrar o que classifica de condições favoráveis para a lógica evidentemente capitalista de acumulação de capital, a Ré tinha conhecimento de que “ não havia na cidade mão-de-obra suficiente para desenvolver suas atividades “, não se empresariais podendo, admitir, “por óbvio, um sacrifício econômico aos trabalhadores com a justificativa na importância da C. Vale para a região (de Palotina), pois senão o mesmo argumento poderá ser utilizado para não pagar 13º, férias etc.”Sustenta exaustivamente comprovado nos autos OUTR00714-2008-655-09-00-1, de procedimento coletivo de uniformização de meios de prova, que a Ré se utiliza da contratação intermediada de transporte coletivo, por meio de empresas que não operam linhas de transporte público, mas circulam exclusivamente em fretamento contínuo, realidade a retratar, segundo aduz, que o transporte era fornecido pelo empregador e descaracterizar o sistema de vale-transporte apresentado pela Ré. Acrescenta revelada, por este panorama, a “ilegalidade dos descontos efetuados nos salários dos trabalhadores” a tal título. Alega contraditória a r. sentença, pois, inicialmente, reconheceu que o transporte dos empregados não era realizado pela Ré, mas aplicou o art. 8º da Lei nº 7.418/85, disposição legal específica para transporte proporcionado, por meios próprios ou contratados, pelo empregador, defende. Afirma que, mesmo na hipótese de empregados residentes em cidade assistidas por transporte público regular, cabível a condenação, porquanto a Ré não logrou demonstrar a compatibilidade entre os horários de início e término do labor

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dos empregados, ônus probatório que lhe recaía para afastar a condenação.Diz que para a configuração de horas “in itinere” independe o local da residência dos empregados da Ré, circunstância relevante apenas para se averiguar a existência de transporte público regular. Entende que as cláusulas convencionais, das normascoletivas firmadas pela Ré, a respeito do tema, suprimem o direito invocado e, também, a seu ver, não estabelecem uma contraprestação, pois repisam mera obrigação legal, restando nula de pleno direito. Acrescenta que a remuneração das horas “in itinere” alcançou hierarquia legal de garantia mínima, que não pode ser suprimida por norma coletiva, sob pena, ainda, de ofensa ao princípio da intangibilidade salarial e ao art. 7º, VI, da CF que autoriza somente a redução excepcional do direito e não sua supressão.Em contrarrazões a Ré repisa fundamentação lançada no mérito da contestação, à exceção da prescrição.No caso em exame, vislumbra-se, além de pretensão condenatória, provimento jurisdicional específico, alcunhado pela doutrina de tutela inibitória, com vistas a inibir futura prática de ilícito. É próprio desta tutela a coerção através de provimento jurisdicional para que o demandado cumpra os ditames legais, evitando ou cessando a lesão a direitos.Registre-se que a tutela inibitória tem fundamento constitucional, estando assentada na cláusula que impõe ao Poder Judiciário a tutela não apenas de lesão a direito, mas também da simples “ameaça”, voltada a impedir conduta contrária ao direito, nos moldes preconizados no inciso XXXV do art. 5º da “Magna Carta”:“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesãoou ameaça a direito.” (grifos acrescidos).É do escólio de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart a distinção entre ato contrário ao direito e dano, necessária à intelecção da tutela inibitória, voltada ao combate do primeiro, sem pressupor existência de lesão concreta ao direito, “in verbis” (Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2003, p. 475):“A falta de distinção entre ato contrário ao direito e dano levou a doutrina a unificar as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, supondo que a tutela contra o ilícito já praticado sempre seria a tutela da reparação do dano, enquanto que a tutela preventiva sempre configuraria uma tutela que apenas poderia ser concedida quando demonstrada a probabilidade do dano, pouco importando a evidência do ato contrário ao direito. Por outro lado, a alusão à categoria do ilícito contratual acabou por obscurecer a distinção entre tutela contra o ilícito (compreendido como ato contrário ao direito) e a tutela que pressupõe o inadimplemento contratual.É fundamental, entretanto, a distinção entre tais tutelas, uma vez que cada uma delas tem seus próprios pressupostos. O estabelecimento do perfil de

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cada uma dessas tutelas é imprescindível não só para a compreensão da repercussão da tutela final sobre o plano do direito material, mas também para que fiquem dissipadas as dúvidas em torno das diferentes relações da tutela sumária com o direito substancial (a diferença evidente entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar).”.A consagração da chamada tutela inibitória, como corolário da efetividade da prestação jurisdicional (art. 5º , XXXV, da Constituição Federal), põe em relevo o ato contrário ao direito, sem se limitar à existência ou probabilidade de dano.Prosseguem os renomados autores, sustentando a imperatividade da tutela inibitória para efetivo resguardo dos novos direitos decorrentes da sociedade contemporânea (Id. Ibidem, p. 476/477):“Se é imprescindível uma tutela dirigida unicamente contra a probabilidade da prática do ato contrário ao direito, é também necessária a construção de um procedimento autônomo e bastante para a prestação dessa modalidade de tutela. É preciso que se tenha, em outras palavras, um procedimento que culmine em uma sentença que ordene sob pena da multa e que admita uma tutela antecipatória da mesma natureza. Tal procedimento, como será melhor explicado adiante, está delineado pelos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. Além disso, como é necessário isolar uma tutela contra o ilícito (compreendido como ato contrário ao direito), requer-se a reconstrução do conceito de ilícito, que não pode mais ser compreendido como sinônimo de fato danoso. A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinando-se a impedir a prática de umilícito, sua repetição ou continuação. Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade contemporânea, em que se multiplicam os exemplos de direitos que não podem ser adequadamente tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados novos direitos. [...]A tutela inibitória não tem o dano entre seus pressupostos. O seu alvo, como já foi dito, é o ilícito. É preciso deixar claro que o dano é uma conseqüência meramente eventual do ato contrário ao direito. O dano é requisito indispensável para a configuração da obrigação ressarcitória, mas não para a constituição do ilícito. Se o ilícito independe do dano, deve haver uma tutela contra o ilícito em si, e assim uma tutela preventiva que tenha como pressuposto apenas a probabilidade de ilícito, compreendido como ato contrário ao direito. A doutrina mais moderna entende que a inibitória prescinde dos possíveis efeitos concretos do ilícito ou, mais precisamente, que tal espécie de tutela deve tomar em consideração apenas a probabilidade do ilícito.”.Destarte, não constitui requisito para concessão da tutela inibitória o efetivo dano. Basta para demonstração do interesse processual a existência de circunstâncias fáticas que ponham em relevo a probabilidade de ato contrário ao direito a ser tutelado.No caso em tela, inconteste que a Ré conta com empregados residentes tanto em sua cidade sede (Palotina), como de municípios a ela vizinhos: Assis

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Chateaubriand, Iporã, Francisco Alves, Cafezal do Sul, Umuarama, Perobal, Tupãssi, Terra Roxa, Guaíra, Toledo, Maripá, Brasilândia do Sul, Jesuítas, Altônia, Formosa do Oeste, Maria Helena, São Jorge do Patrocínio, Xambrê e Esperança Nova, Mundo Novo/MS e Japorã/MS. Inegável que é interesse dos Municípios e, sobretudo, dos trabalhadores residentes em cada um deles, propiciar o pleno emprego e todos os benefícios que o acompanham, agregados ao crescimento econômico e social de cada localidade. Os depoimentos dos prefeitos de Palotina e de Francisco Alves à fl. 165/166 expressam, de forma contundente, as vantagens da empregabilidade e o empenho em mantê-la. Relatam, inclusive, que a própria procura por tratamento público de saúde diminuiu no âmbito municipal, com significativa redução de custos (públicos, repise-se), por conta dos planos de saúde privados fornecidos pela C. Vale. “Vejamos”:

- O prefeito de Palotina disse:

“1. o município de Palotina não fornece mão de obra para a parte ré; 2. sei que há em torno de 700/800 empregados da C. Vale, no setor de produção da planta industrial, que residem neste município; 3. a parte ré é a maior empregadora neste município de Palotina, sendo que após a instalação do abatedouro pela parte ré, por volta de 1996/1997, o índice de desemprego neste município foi reduzido substancialmente; 4. como a parte ré oferece plano de saúde a seus empregados, houve significativa diminuição da procura pelo fornecimento de tratamento de saúde pelo município, com proporcional redução de custos nessa área;5. igualmente, em face dos empregos gerados, houve também uma diminuição na procura de benefícios sociais oferecidos pela Secretaria de Ação Social do município, notadamente, porque as pessoas estão empregadas; 6. também, há um convênio entre o município de Palotina e a parte ré em que aquele fornece creche para os filhos dos empregados no abatedouro da C. Vale;7. a instalação do complexo industrial da parte ré neste município ainda teve, como consequência, o aumento da arrecadação do município, muito por conta do ICMS gerado, sendo que o município passou a ser visto como um polo regional, com o aumento inclusive da população, instalação de outros órgãos públicos como da Previdência Social, Agência de Rendas, Fórum Eleitoral e a construção de um novoprédio da Justiça Estadual ;8. em decorrência da geração de novos empregos, também para a população deste município, houve um aumento do consumo local e consequente aquecimento do comércio de Palotina, culminando no crescimento do próprio comércio;9. tenho conhecimento, até porque já me foi apresentado um estudo a respeito, de que é possível a mecanização do processo de abate na linha de produção da C. Vale, sendo que isso, se viesse a ocorrer, causaria consideráveis prejuízos sociais, obrigando o município a arcar com parcela das consequências que o

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desemprego geraria, notadamente com ações de cunho social;10. os municípios da região oeste do Estado do Paraná têm discutido, e é uma preocupação desses entes públicos, um plano diretor de expansão da agro industrialização, que envolveria a região de Cascavel, Toledo, Palotina e até Guaíra, para fomentar e dar suporte a essa área da atividade econômica, com previsão, hidrovias, ferrovias e aeroporto de cargas pesadas;11. a preocupação e a discussão referida na resposta 10 acima tem se dado, inclusive, no âmbito da associação dos municípios do oeste do Paraná-AMOP;12. esse setor da agro industria instalado no oeste do Paraná é referencia na região sul do Brasil;13. não somente a C. Vale tem sido considerada nas discussões referidas acima, mas outras importantes cooperativas e empresas também compõem o objeto de preocupação dos municípios da região, como a cooperativa Coopavel e a empresa Globoaves instaladas em Cascavel, a empresa Sadia instalada em Toledo, a cooperativa Lar de Medianeira e a Coopacol de Cafelândia;14. tenho conhecimento que a empresas de transportes públicos Viação Umuarama e Expresso Princesa dos Campos têm concessão de linhas para o transporte público coletivo na região, desde Cascavel, Toledo, Palotina, Francisco Alves, Terra Roxa e Guaíra, inclusive com as chamadas linhas metropolitanas;15. tenho certeza da concessão das linhas de transportes públicos às empresas referidas na resposta 14. Nada mais.;” (grifos acrescidos)

- O prefeito de Francisco Alves declarou:

“1. tenho conhecimento de que há empregados da C. Vale que residem no município de Francisco Alves;2. ao que sei gira em torno de 150/200 empregados da parte ré que residem em Francisco Alves;3. o município de Francisco Alves conta com algo em torno de 230 servidores, sendo que a C. Vale é a empresa privada que tem mais empregados residentes em Francisco Alves;4. entre os benefícios dos empregos gerados pela C. Vale resultam posso elencar a diminuição da procura dos benefícios da assistência social junto á prefeitura, o acréscimo de recursos financeiros no comércio local, com pagamento das contas pessoais e circulação do dinheiro no município;5. algo que também merece relevância é o fato de que até alguns anos Francisco Alves não contava com agência do Banco do Brasil, instituição pela, qual a C. Vale paga seus empregados. Desse modo os empregados residentes em Francisco Alves vinham até Palotina receber seus salários e, por vezes, já consumiam parcela desses salários neste município de Palotina, o que acarretava uma significativa perda para Francisco Alves. Para a solução desse problema, buscamos junto ao Banco do Brasil a instalação de um posto de atendimento em Francisco Alves, o que foi conseguido, resultando no incremento do comércio local; 6. tenho conhecimento de outros municípios do porte de Francisco Alves que

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também fornecem mão de obra para a C. Vale, tais como Cafezal, Iporã, São Jorge do Patrocínio, Icaraíma, Perobal;7. a empresa de transporte público coletivo Viação Umuarama tem concessão de linhas para tanto ligando Francisco Alves e Palotina;8. não sei se é possível a mecanização da linha de produção da parte ré, mas posso afirmar que se isso chegasse a ocorrer ocasionaria prejuízos ao município de Francisco Alves, seja porque com o desemprego diminuiria o aporte de recursos financeiros na economia do município, sobrestando o desenvolvimento econômico, seja pelo acréscimo das ações sociais que seriam exigidos do município de Francisco Alves;9. muitos dos empregados da C.Vale tem conseguido, inclusive, financiamento para aquisição/construção da casa própria;10. tenho conversado com prefeitos das cidades da região, como aquelas referidas na resposta 6 acima, acerca dos aspectos envolvendo a contratação de empregados de até municípios pela C. Vale, sendo preocupação presente nessas discussões a manutenção da politica de contratações pela C. Vale. O prefeito que me é mais próximo e que tenho mais conversado a respeito é o Sr. Cássio Murilo Trovo do município de Iporã;11. o município de Francisco Alves mantém creches para os filhos dos munícipes, mas não mantém convênio diretamente com a C. Vale para o atendimento dos filhos dos empregados da C. Vale;12. a C. Vale já fez doações de brinquedos, material, inclusive pedagógico para as creches do município de Francisco Alves;13. desconheco a razão pela qual a C. vale contrata empregados em outras cidades, que não somente em Palotina, nem se isso representaria diminuição dos custos da Cooperativa com a aquisição de vales-transportes. Nada mais.” Evidente, é interesse da C. Vale angariar a mão-de-obra que não lhe é suficientemente disponível em Palotina; mas, ao seu proveito privado sobrepõe-se o interesse público de toda uma região, de várias centenas de trabalhadores.Veja-se, ainda: a defesa reconhece que os Municípios de Brasilândia do Sul, Jesuítas, Altônia, Formosa do Oeste, Maria Helena, São Jorge do Patrocínio, Xambrê e Esperança Nova, não são atendidas diretamente por nenhuma empresa de transporte coletivo intermunicipal de passageiros (fl. 106). Até que ponto pode-se retirar destes Municípios a iniciativa de, por meio de associações, sindicatos e afins, promover a busca do pleno emprego aos seus munícipes e beneficiar-se do crescimento que ele propicia?A LICC enuncia um princípio geral: “Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”A CLT é expressa: “Art. 8º. As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse

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público.”O provimento da pretensão importaria autorizar, a pretexto de uma pseudoproteção, um retrocesso econômico e social de prejuízo imensurável aos municípios e, em última análise, aos próprios trabalhadores. Primordialmente, porque não há base legal para impor à C. Vale que faça, diretamente e por conta própria, o transporte de seus empregados (art. 5.º, II, da Constituição Federal).É justamente a ausência desta obrigação legal que autoriza reconhecer que ela não fornece a condução - tampouco tenta simular este fornecimento.São as entidades que, licitamente e por interesse social, contratam o transporte. Portanto, o contexto trazido aos autos, não permite dizer que a legislação trabalhista, no aspecto, foi desvirtuada, impedida ou fraudada, a teor do art. 9º da CLT.

III. CONCLUSÃO

Pelo que, os Desembargadores da 1ACORDAM ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DO RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, assim como das respectivas contrarrazões e, no mérito, por igual votação, NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do fundamentado.Custas inalteradas.

Intimem-se.

Curitiba, 23 de novembro de 2010.

UBIRAJARA CARLOS MENDES DESEMBARGADOR FEDERAL DO TRABALHORELATOR

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Normas para publicação de artigos e de resenhas na Revista jurídica da UniFil

A Revista Jurídica da UniFil é uma publicação anual do Curso de Direito da UniFil. É definida como um espaço de divulgação da produção científica dos docentes da Instituição, bem como de docentes e profissionais de outras Instituições, desde que o teor do trabalho esteja relacionado com as linhas de pesquisa do Curso de Direito, com vistas a fornecer, à comunidade local e regional, diagnósticos de problemas sócio-jurídicos que possam contribuir, de alguma maneira, para as políticas jurídicas nas esferas administrativas mais amplas. Os originais, encaminhados para publicação, devem obedecer às seguintes normas:

1.- Estar consoantes com as linhas de pesquisa do Curso de Direito da UniFil, quais sejam: a) Teorias do Direito, do Estado e da Cidadania; b) Dogmática Jurídica, desenvolvimento e responsabilidade social. 2.- Além de artigos científicos originais, também serão publicadas resenhas, que devem conter apreciação crítica do autor, não podendo ser meros resumos.3.- Os artigos científicos deverão ocupar entre 10 e 20 laudas; as resenhas, até 10 laudas. 4.- O material deverá ser enviado ao editor em disquete de 3,5 polegadas, acompanhado de prova impressa. Como fonte, deve-se usar o Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter entrelinhas com espaçamento de 1,5; as margens superior e inferior devem ser iguais a 2,5cm. e as laterais a 3,0cm. O tamanho do papel deve ser A4. 5.- Os artigos deverão apresentar um breve resumo em português (l0 linhas no máximo) e abstract em inglês, bem como as palvras-chave e os key-words. O texto deverá ser precedido de um sumário, no qual constem os itens de desenvolvimento do trabalho, com até 3 dígitos. 6.- As resenhas deverão conter na abertura um breve relato da obra resenhada, a título de introdução. 7.- Com o objetivo de melhorar a legibilidade dos artigos e dinamizar o processo de pesquisa dos leitores, recomenda-se a adoção de alguns procedimentos básicos no que diz respeito às citações e referências bibliográficas: a) As citações devem ser feitas, preferencialmente, pelo sistema numérico, em rodapé, onde as referências são numeradas consecutivamente, em ordem crescente, correspondentemente à ordem de citação no texto; b) Não devem ser incluídas referências bibliográficas completas em rodapé, exceto em casos de citação de citação, em que somente o autor citado deverá figurar em nota de rodapé; o autor que o citou, deverá ser explicitado na lista de referências bibliográficas.c) A bibliografia completa deverá figurar ao final do artigo, organizada segundo a ordem alfabética dos nomes dos autores principais. 8.- Na página inicial deverá ser indicado, através de uma chamada de asterisco, em nota de rodapé, a qualificação técnico-profissional do(s) autor(es) do trabalho, bem como o E-mail do autor ou do coautor que poderá ser contatado pelo público leitor em caso de interesse. 9.- As colaborações deverão ser encaminhadas ao Editor, acompanhadas de uma carta em anexo contendo a autorização para publicação, na qual o autor

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se responsabilize inteiramente pelo teor do seu trabalho e pelas ideias ali expostas. 10.- A publicação de um trabalho encaminhado à Revista dependerá da observância das normas acima fixadas, da apreciação por parte do Conselho Editorial e também dos pareceres emitidos pelos Consultores. Serão selecionados para cada número da Revista os artigos que tragam um tema de relevância e atualidade, desde que também estejam em conformidade com as linhas de pesquisa do Curso de Direito da UniFil. 11. - Os trabalhos que não se adequarem às normas aqui explicitadas serão devolvidos a seus autores, que poderão reencaminhá-los, desde que sejam efetuadas as modificações necessárias.

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