revista jurídica da fa7. fortaleza, v. vii, edição especial temas de direito privado

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Revista Jurídica da Fa7. Edição especial em homenagem ao Prof. Agerson Tabosa.

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  • TEMAS DE DIREITO PRIVADOUma homenagem ao professor Agerson Tabosa

    Edio Especial da Revista Jurdica da FA7Volume VII - N 1 - Abril/2010

    EDITORFelipe dos Reis Barroso

    CONSELHO EDITORIALAgerson Tabosa Pinto, Alcio Saraiva Diniz ngela Teresa Gondim Carneiro,

    Danilo Fontenelle Sampaio, Ednilo Gomes de Sorez, Fernando Antnio Negreiros Lima,Ionilton Pereira do Vale, Joo Luis Nogueira Matias, Jos Feliciano de Carvalho,

    Luiz Dias Martins Filho e Maria Vital da Rocha

    CONSELHO INTERNACIONALAntonio Fernndez de Bujn

    (Universidade Autnoma de Madri, Espanha)Lus Rodrigues Ennes

    (Universidade de Vigo, Espanha)Maria Jos Bravo Bosch

    (Universidade de Vigo, Espanha)

    PROJETO EDITORIAL

    SUPERVISO EDITORIALSolange Gomes

    REVISOFernando Filgueiras

    CAPACludio Queiroz

    EDIO DE TEXTOEdwaldo Junior

    Tiragem: 500 exemplares

  • NOTA DO ORGANIZADOR

    MATRE DE PHILOSOPHIE: Ce sentiment est raisonnable: nam sine doctrina vita est quasi mortis imago. Vous entendez cela, et vous savez le latin sans doute.MONSIEUR JOURDAIN: Oui, mais faites comme si je ne le savais pas: expliquez-moi ce que cela veut dire.

    Molire em Le Bourgeois Gentilhomme (I, 4)

    Ele foi meu professor de Direito Romano, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cear, nos idos de 1980. Tempo em que ainda tnhamos um governo militar, tempo em que a universidade pblica andava (e infelizmente continua) em penria, tempo em que a esttua de Clvis Bevilqua defronte Faculdade quedava-se (e continua) cabisbaixa, decerto envergonhada com estripulias de uma dona Tmis hoje menos pudorosa. Tempo em que datilografvamos os trabalhos, tomvamos caipirinha na Volta e paquervamos cocotas vestindo blusinha frente nica, ao som da Blitz (no falo de Clvis nem de Agerson, mas dos alunos).

    Ele era diretor da Faculdade e eu, diretor de Imprensa do Centro Acadmico Clvis Bevilqua e editor do Jornal do CACB. Por a, percebe-se que podia haver certa animosidade no ar. Hoje ensinamos no curso de Direito da FA7. Ingressamos juntos para lecionar na primeira turma, em 2002. Colegas, compartilhamos gentilezas e ideias sobre livros, viagens e avaliao de alunos.

    Os colaboradores desta obra uns colegas, outros ex-alunos do professor Agerson prontamente juntaram-se para prestar tributo a um docente que, com competncia, seriedade e inquietude, dignifi ca a carreira acadmica. Aqui h professores brasileiros e estrangeiros, e alunos da graduao e da ps-graduao que trataram de relevantes temas de Direito Privado, cujo estudo deve interessar a qualquer profi ssional do Direito.

    Ao comemorar dez anos de sua fundao, a FA7 homenageia um professor que se dedicou exclusivamente ao magistrio, diferentemente de tantos outros da rea jurdica. Um professor que publicou seus livros e artigos e que, ainda hoje, septuagenrio, ministra aula na graduao e participa de eventos jurdicos mundo afora.

    Que a dedicao profi ssional do professor Agerson sirva de exemplo aos que vm por a.

    Vale!Comecinho das chuvas em Fortaleza, em 2010.

    FB

  • Muita gente boa para agradecer: aos colaboradores, pela pronta resposta e disponibilidade; professora Maria Vital da Rocha, pelo apoio; diretoria da FA7, que patrocinou a publicao; aos meus pitaqueiros de planto, sempre alertas; e ao pessoal da BookMaker, pelo empenho profi ssional.

    O Organizador

  • FACULDADE 7 DE SETEMBRORua Alm. Maximiano da Fonseca, 1395

    Bairro Eng. Luciano Cavalcante CEP 60811-024 - Fortaleza, Cear, Brasil

    Fone: (+55.85) 4006.7600www.fa7.edu.br

    Diretor-GeralEdnilton Gomes de Sorez

    Diretor AcadmicoEdnilo Gomes de Sorez

    Vice-Diretor AcadmicoAdelmir de Menezes Juc

    Secretria-GeralFani Weinschenker de Sorez

    Coordenadores de CursoAdministrao: Herclio Brito

    Cincias Contbeis: Emlio CapeloComunicao Social: Juliana Lotif

    Direito: Maria Vital da RochaPedagogia: Selene Penaforte

    Sistemas de Informao: Marum Simo

  • PREFCIO

    Invadiu-me uma dupla sensao ao ser convidado para escrever este prefcio, fruto de uma feliz iniciativa do prof. Felipe dos Reis Barroso para reverenciar este que o mestre de todos ns, o prof. Agerson Tabosa Pinto.

    Sinto simultaneamente a alegria de poder participar dessa justa homenagem e a enorme responsabilidade de escrever o prefcio de uma obra que rene competentes operadores de Direito que, nas ltimas cinco dcadas, tiveram o privilgio de ser discpulos do mestre homenageado.

    Prof. Agerson iniciou sua formao superior no conceituado Seminrio da Prainha, em Fortaleza, quando lanou os alicerces que lastrearam sua slida formao humanstica.

    Ao perceber sua pouca inclinao para o exerccio do sacerdcio, deixou o seminrio e dedicou-se aos estudos do vernculo e da cincia jurdica, graduando-se, respectivamente, em Letras Neolatinas e Direito pela UFC.

    Prosseguindo sua jornada busca de conhecimentos mais aprofundados, cursou o mestrado em Cincia Poltica (Instituto Universitrio de Pesquisa do Rio de Janeiro, IUPERJ) e o doutorado em Direito do Estado (USP).

    Com essa aprimorada formao acadmica, pde exercer com maestria a sua verdadeira vocao o magistrio.

    A partir da, ministrou a milhares de alunos conhecimentos em Direito Romano, em nvel de graduao, na Faculdade de Direito da UFC e na Unifor; em Sociologia no curso de Economia na Faculdade de Economia da UFC; e em Sociologia Jurdica no mestrado em Direito da UFC.

    Durante dez anos, foi diretor da Faculdade de Direito da UFC.Professor por vocao, pode-se dizer dele o que Ea de Queirs dizia de Ramalho

    Ortigo: No ensina apenas por ensinar, ensina por fi lantropia.Publicou os seguintes livros: Noes de Sociologia. 1. ed. (1970) 4. ed (2000). Fortaleza: UFC. Estudos de Sociologia Especial. Fortaleza: UFC, 1976. O Banco do Nordeste e a Modernizao Regional. Fortaleza: UFC, 1977. Da Representao Poltica na Antiguidade Clssica. Fortaleza: UFC, 1987. Teoria Geral do Estado. Fortaleza: UFC, 2002. Sociologia Geral e Jurdica. Fortaleza: Qualigraf, 2005. Direito Romano. 3. ed. Fortaleza: FA7, 2007.

    Aposentado da UFC em 1993, recusou ao otium cum dignitate e continuou exercendo o magistrio na Unifor (1994 a 2003), e, desde 2002, ministra a disciplina de Direito Romano na FA7.

    Tive a feliz oportunidade de participar, como convidado, de um tribunal de doutorado (nome dado na Espanha nossa banca examinadora de doutorado), na Faculdade de Direito de Ourense (Universidade de Vigo). A banca compunha-se de cinco doutores em Direito, dos quais dr. Agerson era o nico estrangeiro. Senti orgulho, como brasileiro, de assistir sua participao, impressionando a todos os presentes por seus comentrios, pertinentes e judiciosos, em que demonstrava seus profundos conhecimentos em Direito Romano.

    Prof. Agerson participa das seguintes instituies e entidades profi ssionais:

  • Membro do Conselho de Representantes da Associao dos Professores de Ensino Superior do Cear (APESC);

    Diretor do Colgio Brasileiro da Faculdade de Direito; Membro Diretor da Associacin Ibero-Americana de Derecho Romano, com sede

    em Oviedo (Espanha); Membro do International Institute for Sociology of Law (ISL), com sede em Oati

    (Pas Basco, Espanha).

    Com o mestrado em Cincia Poltica, desejou sentir o que Cames defi niu como o saber de experincia feito, aceitando o honroso convite do governador Virglio Tvora para dirigir a Casa Civil no seu segundo mandato, quando coordenou as atividades de todas as secretarias do estado do Cear. Naquela poca, pde vivenciar o difcil funcionamento dos rgos pblicos, muitas vezes emperrados por uma asfi xiante burocracia cartorial.

    No exerccio da cidadania, aceitou a indicao feita pelo deputado estadual Roberto Pessoa para presidir o Instituto Tancredo Neves (ITN), que visa conscientizao da populao, especialmente de jovens, em relao realidade poltica nacional e na busca de solues dos endmicos problemas que tm emperrado o desenvolvimento socioeconmico de nosso pas.

    Prof. Agerson pode ser, como ningum, classifi cado como polivalente face s suas atividades no Rotary Club International e nos esportes.

    Foi presidente do Rotary Club Alagadio, governador do Distrito 4490 (englobando os estados do Cear, Piau e Maranho) e presidente da Comisso Distrital da Fundao Rotria (desde 1990), tendo sido agraciado com a Medalha do Mrito Rotrio Raimundo Oliveira Filho.

    Ostenta o ttulo de ser o brasileiro que mais participou das Convenes Internacionais do Rotary, com mais de vinte atuaes ao redor do mundo.

    Nos esportes, sempre disputou animadas partidas de futebol, religiosamente, aos sbados tarde, no Azevedo. Quando mais jovem, caracterizou-se por ser um veloz ponta-esquerda e, com o tempo, achou mais prudente jogar na defesa, em que sempre foi um vigoroso e combativo lateral-esquerdo.

    Participou tambm do Tribunal Esportivo do Cear como juiz e exerceu a presidncia da Federao Cearense de Voleibol durante dois mandatos.

    Integrou, por diversas vezes, como dirigente, as delegaes de acadmicos cearenses na disputa de Jogos Universitrios Brasileiros.

    casado com a dra. Maria Vital da Rocha, pai de duas fi lhas, Ana Cristina e Adriana Flvia, e av de quatro netos.

    Concluo, afi rmando que o dr. Agerson, por sua competncia profi ssional na rea do Direito e por sua importante participao nos diversos segmentos sociais de nosso Estado, j no se pertence.

    um autntico patrimnio que engrandece a terra de Iracema. uma lenda viva e um exemplo a ser seguido pelas geraes psteras.Rogamos a Deus, de quem o prof. dr. Agerson Tabosa Pinto um fi el seguidor, que

    continue a derramar, sobre ele e seus queridos, copiosas bnos, concedendo-lhe generosos e dilatados anos sobre a Terra para que possamos continuar a usufruir de sua companhia sempre edifi cante e agradvel.

    Ednilo SorezDiretor Acadmico da FA7

  • AUTORES BRASILEIROS

    A Proteo Legal do Nome da Pessoa Natural no Direito BrasileiroArthur Maximus Monteiro

    Direito Fundamental Social Sade e a Relaoentre ParticularesAruza Albuquerque de Macedo

    Danos a um Projeto de Vida?Denise S Vieira Carr e Bruno Leonardo Cmara Carr

    Cultura Livre: Colaborao e CompartilhamentoEdvaldo de Aguiar Portela Moita

    A Constitucionalizao da Funo Social da Propriedade: Alterao na Dogmtica do Direito CivilEmanuel de Abreu Pessoa

    A Prescrio e a Decadncia no Cdigo CivilEneas Romero de Vasconcelos

    A Infl uncia Perene do Processo Civil Romano nas Instituies Processuais ContemporneasFernando Antnio Negreiros Lima

    Sociedade Limitada: Evoluo e Funo EconmicaJoo Luis Nogueira Matias

    Reinvestigando a Natureza Jurdica da PropriedadeJos Vander Tomaz Chaves

    Direito Fundamental Educao e Home Schooling: a Educao Domstica na Lei de Diretrizes e Bases da Educao NacionalJuliana Cristine Diniz Campos

    13

    143

    27

    53

    39

    77

    119

    65

    105

    91

    SUMRIO

  • Monitoramento de Correio Eletrnico Corporativo no Ordenamento Jurdico Brasileiro: Estudos JurisprudenciaisLgia Maria Saraiva Barroso

    Responsabilidade Patrimonial dos Scios na Execuo TrabalhistaLucas de Brando e Mattos

    Responsabilidade Civil e Contratos de Locao Predial UrbanaMarcelo Sampaio Siqueira

    A Teoria Econmica da Propriedade no Neoliberalismo Nathalie de Paula Carvalho

    Estudo Dogmtico do Contrato de Comodato no Cdigo Civil Alemo Otavio Luiz Rodrigues Junior

    A Clusula Penal do Contrato de Trabalho Desportivo no BrasilRafael Teixeira Ramos

    Usufruto: do Direito Romano aos Direitos Portugus e BrasileiroRaimundo Chaves Neto

    Relao de Trabalho x Relao de Consumo: Uma Anlise Sobre a Limitao da Competncia da Justia do Trabalho Saulo Nunes de Carvalho Almeida e Antonia Morgana Coelho Ferreira

    Obstculos Epistemolgicos: o Ceticismo PirrnicoSrgio Borges Nery

    AUTORES ESTRANGEIROS

    Consequncias da Ruptura Ilcita do Contrato de Trabalho Desportivo na Lei Portuguesa Uma M Soluo Albino Mendes Baptista

    159

    173

    187

    223

    243

    279

    265

    253

    217

    203

  • El Derecho Romano como Elemento de Armonizacin del Nuevo Derecho Comn EuropeoAlfonso Murillo Villar

    Clasicidad del Derecho Fiscal RomanoAntonio Fernndez de Bujn y Fernndez

    A Administrao da Justia no Direito RomanoA. Santos Justo

    La Tabula Heracleensis: Organizacin MunicipalCarmen Lpez-Rendo Rodriguez

    Ser que o Direito um Fenmeno Natural? Uma Crtica da Posio de Pontes de MirandaGnther Maluschke

    Posiciones Romansticas en Torno a la Solidaridad Natural y Jurdica de la Prestacin de Alimentos entre HermanosJuan Miguel Alburquerque

    El Derecho Romano en un Supuesto de Bigamia, fechado en 1639 Justo Garca Snchez

    Derecho Romano y Etica Convergente Luis Anbal Maggio

    Eclipse y Renacimiento de la Adopcin en su Devenir HistricoLuis Rodrguez Ennes

    El Edictum de ConvicioMara Jos Bravo Bosch

    Notas Sobre la Abogaca en el Mundo RomanoModesto Barcia Lago

    287

    357

    381

    393

    415

    439

    457

    369

    315

    299

    335

  • AD Ao Direta de InconstitucionalidadeBGB Brgerliches Gesetzbuch (Cdigo Civil alemo)CC Cdigo Civil brasileiroCDC Cdigo de Defesa do ConsumidorCF/88 Constituio FederalCLT Consolidao das Leis do TrabalhoCPC Cdigo de Processo CivilCPP Cdigo de Processo PenalFA7 Faculdade 7 de SetembroJECC Juizados Especiais Cveis e CriminaisOAB Ordem dos Advogados do BrasilOIT Organizao Internacional do TrabalhoONU Organizao das Naes UnidasPIB Produto Interno BrutoRE Recurso extraordinrioRevJurFA7 Revista Jurdica da FA7STF Supremo Tribunal FederalSTJ Superior Tribunal de JustiaTJ/CE Tribunal de Justia do Estado do CearUFC Universidade Federal do CearUFPE Universidade Federal de PernambucoUnB Universidade de BrasliaUnifor Universidade de FortalezaUSP Universidade de So Paulo

    LISTA DE ABREVIATURAS

  • A Proteo Legal do Nome da Pessoa Natural no Direito Brasileiro

    Arthur Maximus MonteiroMestrando em Direitos Fundamentais pela Univer-sidade de Lisboa. Ps-graduado em Direito Pro-cessual Civil pela UECE/FESAC. [email protected]

    Sumrio: Introduo. 1. Direito ao nome. 2. Proteo jurdica do nome. Referncias.

    Resumo: Neste artigo procuraremos analisar os principais aspectos relacionados ao nome da pessoa natural no direito brasileiro. O primeiro problema diz respeito prpria delimitao da matria: o que se entende por direito ao nome? Afastando fi gu-ras correlatas que possuem a mesma origem a personalidade , a pesquisa centrar-se- no exame dogmtico da matria. Sero defi nidos: 1 os elementos constitutivos do nome; 2 o que se entende por pseudnimo; 3 qual a proteo jurdica dispensada pelo nosso ordenamento ao nome, seja no campo penal, seja no campo civil.

    Palavras-chave: Direito privado. Direitos da personalidade. Direito ao nome.

    INTRODUO

    A cincia jurdica possui natureza intrinsecamente conservadora. Entenda-se: seja-se organicista ou contratualista, inequvoco concluir que o Estado existe para manter e conservar um determinado status quo. E o instrumento utilizado para man-ter e conservar uma determinada ordem das coisas precisamente o Direito.

    Cuida o Direito de estabelecer regras de conduta que permitam aos seres hu-manos conviverem com um mnimo de harmonia. Da porque, se h um s sujeito, no h Direito; o Direito pressupe o mnimo de dois sujeitos a se relacionarem para ento surgir e aplicar-se.

    O estabelecimento, a conservao e a reparao de relaes sociais a funo ltima do sistema jurdico. Seu pressuposto , pois, a existncia de uma sociedade ou, mais espe-cifi camente, de uma pluralidade de indivduos cujas relaes o Direito pretende regular.

  • Temas de Direito Privado14K

    Mas, para que os indivduos possam relacionar-se, indispensvel que se iden-tifi quem. natural que busquem diferenciar-se uns dos outros no somente por sinais fsicos, mas tambm por sinais distintivos. parte da natureza humana, portanto, atribuir-se um nome1.

    o nome o primeiro bem jurdico associado pessoa. por ele que o sujeito se individualiza perante os demais. o smbolo grfi co e fontico pelo qual a pessoa ser conhecida por toda sua existncia, e mesmo depois dela. , talvez, aquilo que lhe mais prprio e caro, a tal ponto que no exageraramos se dissssemos que chega a se confundir com a prpria personalidade individual.

    Embora intuitivamente j se pudesse pensar que a ordem jurdica protegia o nome como verdadeiro bem jurdico da pessoa, foi com o Novo Cdigo Civil que esse direito foi defi nitivamente incorporado ao ordenamento nacional.

    1 DIREITO AO NOME

    Antes de entrarmos na controvrsia doutrinria acerca do direito ao nome, necessrio estabelecer precisamente do que se trata.

    O direito ao nome no o mesmo que o direito de dar um nome. O primeiro prprio do indivduo; o segundo, dos pais. Como lembra Venosa, ao nascermos, ganhamos um nome que no tivemos a oportunidade de escolher (Venosa, 2006, p. 185). E no o tivemos porque o direito de escolha do nome , em princpio, dos pais, e no do indi-vduo. Este tem o direito de receber e possuir um nome; mas a escolha do nome algo que,

    1 A necessidade de identif icar-se problema que no escapa sequer aos poetas. o caso, por exemplo, de Joo Cabral de Melo Neto, clebre poeta pernambucano, autor do clssico da literatura brasileira Morte e Vida Severina: um auto de natal pernambucano. No primeiro captulo, logo em seu incio, a personagem principal Severino indaga-se como apresentar-se plateia:

    O meu nome Severino, no tenho outro de pia. Como h muitos Severinos, que santo de romaria, deram ento de me chamar Severino de Maria; como h muitos Severinos, com mes chamadas Maria, fi quei sendo o da Maria do fi nado Zacarias. Mas isso ainda diz pouco: h muitos na freguesia, por causa de um Coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como ento dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? Vejamos: o Severino da Maria do Zacarias l da Serra da Costela, limites da Paraba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos amais cinco havia, com nomes de Severino, fi lhos de tantas Marias, mulheres de outros tantos, j fi nados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.

  • A Proteo Legal do Nome da Pessoa Natural no Direito Brasileiro 15K

    em princpio, no lhe cabe, mas aos seus ascendentes. Tanto assim que somente nos casos autorizados em lei o sujeito pode alterar seu nome. A escolha dos pais, em princ-pio, defi nitiva e insusceptvel de mudana.

    A rigor, cuida-se no somente de um direito, mas tambm de um dever. Tem-se, na verdade, um poder-dever dos pais quanto escolha do nome do fi lho. Mas no se trata, obviamente, de um direito absoluto. A prpria lei estabelece balizas para a es-colha do nome no ordenamento brasileiro. Os pais no podem, por exemplo, atribuir ao fi lho um nome que o sujeite ao ridculo. A despeito de essa posio no ser pacfi ca (Pontes de Miranda, 2000, p. 305), cremos ser ela mais consentnea com o regramento positivo existente no direito brasileiro.

    importante destacar, tambm, que o direito ao nome no se confunde com o direito honra, reputao e ao bom nome (Dray, 2006, p. 41/42). Conquanto os demais tambm sejam direitos da personalidade, com ele no se confundem. Tratam, na ver-dade, de aspectos diversos da personalidade do indivduo, relativos ao conceito que a sociedade e o prprio indivduo faz de si mesmo. No cuidam, propriamente, do direito de individualizar-se perante os demais (Carvalho, 1972, p. 37).

    1.1 CONCEITO DE NOME

    As defi nies de nome so to variadas quanto o prprio tema. Afi rma-se, com frequncia, que o nome um sinal distintivo do sujeito, que serve para diferenci-lo de seus semelhantes (De Cupis, 1950, p. 139; Venosa, 2006, p. 185). H ainda os que rela-cionam o nome identifi cao da ascendncia materna, paterna ou ambas do ser humano (Pereira, 1998, p. 155). Mas isso ainda no nos diz precisamente o que o nome.

    Dizer-se que o nome serve para identifi car o sujeito, ou mesmo para indicar sua origem familiar, no propriamente um conceito de nome2, mas a sua funo. Alm disso, h ainda de se lembrar que o nome designa no somente pessoas, mas coisas inanimadas, animais, lugares e mesmo apenas ideias (Coelho, 1953, p. 168).

    2 Sobre esse aspecto, inevitvel no recordar Julieta, uma Capuleto, a expressar sua frustrao pelo fato de no poder amar um integrante da casa dos Montecchios, em razo do dio existente entre as duas famlias:

    Tis but thy name that is my enemy; Thou art thyself, though not a Montague. Whats Montague? it is nor hand, nor foot, nor arm, nor face, nor any other part belonging to a man. O, be some other name! Whats in a name? That which we call a rose by any other name would smell as sweet; So Romeo would, were he not Romeo calld, retain that dear perfection which he owes without that title. Romeo, doff thy name, and for that name which is no part of thee take all myself. SHAKESPEARE, William. Romeo and Juliet. Act II, Scene 2.

  • Temas de Direito Privado16K

    Antes de mais nada, o nome um sinal grfi co ou fontico3. Grfi co, porque nor-malmente expresso na forma escrita. Fontico, porque escrita corresponde um certo modo ou forma de pronncia, a identifi car oralmente o indivduo4. Estabelecido o sinal, atribui-se-lho a um sujeito. E dessa atribuio que, ento, o nome passa a mani-festar seu trao distintivo. O conceito, pois, precede a funo, e no o contrrio.

    Os hebreus costumavam ter apenas um nome (Moiss, Jac, Davi). Com o tempo, com a pluralidade de indivduos, foram acrescentando outros nomes para diferenciarem-se uns dos outros. Esses nomes ordinariamente designavam ou a origem topogrfi ca ou mes-mo a profi sso do sujeito. Da Iesus Nazarenus Jesus de Nazar, porque provindo de famlia radicada em Nazar, na Judeia. Pela mesma razo, Joo tornou-se Batista, para designar o ofcio que lhe fora encarregado por Deus: batizar toda a gente5.

    Os gregos, por sua vez, identifi cavam os seus com dois nomes, mas foram pioneiros ao acrescentar um terceiro nome ao nome da pessoa. O primeiro prenome, como nome prprio; o segundo, o nome patronmico, identifi cando a origem familiar; e o terceiro, gentlico, identifi cando o nome de toda a gens. Como tudo na sociedade romana remetia Grcia, os romanos tambm adotaram o estilo de identifi cao com trs nomes.

    Com a invaso dos brbaros e a queda de Roma, retornou-se ao costume do nome nico. Na Idade Mdia, por infl uncia da Igreja Catlica, passou-se a atribuir s pessoas nomes de santos. Da porque o calendrio catlico atribua a cada dia um santo, de modo a orientar os fi is quanto escolha dos nomes dos fi lhos (Venosa, 2006, p. 187/188).

    Mas, evidentemente, o tempo trouxe consigo novamente a necessidade de diferen-ciao dos nomes dos sujeitos. Voltou-se, pois, a precisar de sobrenomes para diferenciar uns dos outros. As referncias eram as mesmas da antiguidade: origem de nascimento (Borgonha) e profi sso (Ferreiro) (Baudry-Lancatinerie e Houques-Fourcade, 1907, p. 278). O expurgo dos judeus e o aparecimento dos cristos novos fez surgir os sobrenomes ligados a animais (Coelho) e plantas (Pinheiro) (De Cupis, 1950, p. 145).

    3 A partcula alternativa justifi ca-se na medida em que a escrita nem sempre acompanhou a humanidade. Hodiernamente, fato que na maioria das sociedades a todo nome corresponde uma representao grfi ca, cuja forma designada pelo alfabeto ao qual o povo do indivduo est vinculado (grego-romano, cirlico, ideogramtico etc). Mas nem sempre assim o foi. Alm disso, a escrita a ltima forma de inter-relaciona-mento humano. Precedem-na a expresso corporal e, obviamente, a expresso oral.

    4 O carter fontico possui ainda mais relevo do que o grfi co especialmente nos idiomas tonais, como o mandarim, o coreano e o japons. Uma mesma representao ideogramtica pode ter n possibilidades de pronunciao, e a cada qual corresponder uma ideia ou, mais apropriadamente, um nome diferente.

    5 curiosa, nesse aspecto, a anlise da Bblia. No Velho Testamento, especialmente nos livros do Pen-tateuco, aos sujeitos atribudo um nico nome: Ado, Eva, Abrao, Sara, Moiss etc. J no Novo Testamento, abundam os casos de sujeitos com dois nomes: Jesus de Nazar, Joo Batista, Saulo de Tarso etc. evidente que esse acrscimo no deriva unicamente da Providncia Divina, mas retrata mesmo a evoluo histrica da identifi cao dos sujeitos.

  • A Proteo Legal do Nome da Pessoa Natural no Direito Brasileiro 17K

    Atualmente, existem trs grandes sistemas de denominao das pessoas (Car-valho, 1972, p. 19): o sistema rabe e eslavo, no qual, alm do prenome, predominam designaes de qualidade e procedncia da pessoa (Raynaud, 1976, p. 798); o sistema europeu, no qual h apenas a obrigatoriedade de um nico nome prprio e outro, fa-miliar (em geral o paterno); e o sistema peninsular, adotado na pennsula ibrica e em grande parte dos pases colonizados por Portugal e Espanha, no qual, ao lado do nome prprio, fi guram os nomes familiares materno e paterno.

    No Brasil, como se sabe, adota-se o sistema peninsular: a par do prenome, seguem-se normalmente os nomes familiares indicativos da ascendncia materna e paterna.

    Surge, ento, o problema da classifi cao e identifi cao das partculas integran-tes do nome. O que se entende por nome propriamente dito? O que sero o prenome, o sobrenome, o nome patronmico e o agnome? o que veremos a seguir.

    1.2 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO NOME

    Por nome entende-se o conjunto de vocbulos gramaticais que representam, grfi ca ou foneticamente, determinado indivduo (Capelo de Sousa, 1995, p. 250). Na Antiguidade e em grande parte da Idade Mdia, como vimos, o nome era composto por uma nica partcula: o nome prprio. O acrscimo de designaes de famlia, ofcio ou lugar foram integrando-se ao nome e ganhando as mais diversas denominaes. Todavia, h sria divergncia quanto s defi nies precisas dos elementos constitutivos do nome. O prprio Cdigo Civil de 2002 estabelece a distino6, sem, contudo, defi nir precisamente quais so os elementos do nome. necessrio, portanto, procurar sistematizar e defi nir de forma clara tais elementos a fi m de no nos confundirmos na anlise da matria.

    O primeiro desses elementos constitutivos o chamado prenome. talvez o nico dos elementos integrantes do nome sobre o qual no pairam grandes dvidas.

    Prenome o primeiro nome, o vocativo pelo qual normalmente designa-se o sujeito. a parte do nome que efetivamente lhe prpria e destinada a identifi c-lo e diferenci-lo como indivduo, diferena dos demais elementos constitutivos, des-tinados a identifi car a sua origem familiar ou gentlica. No por outra razo que o prenome tambm conhecido por nome prprio.

    6 Cf. Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

  • Temas de Direito Privado18K

    Em Jos Ferreira da Silva, por exemplo, Jos o prenome ou nome prprio. Enquanto Ferreira da Silva designa a sua origem familiar e isso estava posto antes mesmo de o sujeito ser concebido Jos o elemento que o distingue dentre os seus. Pode haver muitos irmos, tios, sobrinhos e primos, mas, na famlia Ferreira da Silva, somente ele Jos7.

    Os romanos adotavam estrutura semelhante (Coelho, 1953, p. 169). Em Marcus Tulius Ccero, isso representava um indivduo chamado Marcos, da gente dos Tlio, da famlia Ccero8. Cada partcula do nome servia a um propsito, e o propsito do prenome no era outro seno de diferenciar o sujeito dentre os mem-bros de sua prpria famlia.

    O prenome pode ser simples ou composto. Simples, quando constitudo por uma nica partcula; composto, quando a este se sobrepuserem uma ou mais de uma9. Nos exemplos acima, temos claramente prenomes simples: Jos e Marcos. Mas abundam casos de prenomes compostos: Jlio Csar, Joo Luiz, Ana Maria, Maria Paula etc. E mais que isso no so raros os casos de prenomes compostos por nomes que, individualmente, representam gneros diferentes: Jos Maria, Maria Joo etc.

    No entanto, para alm de sua funo primria de distino do indivduo o nome tambm possui a funo de relacionar o sujeito famlia de que provm (Coelho, 1953, p. 169). Da a importncia do sobrenome.

    Por sobrenome entende-se tudo aquilo que se acresce ao prenome. Costuma-se tam-bm designar o sobrenome de apelido, nome patronmico ou mesmo nome de famlia.

    Verdadeiramente, o sobrenome precede o prenome em sua origem. Desde antes de sua concepo, o sujeito est destinado a levar consigo o nome de seus pais. , na verdade, uma decorrncia natural de pertencer a uma famlia. A atribuio do pre-nome pressupe, antes, a determinao do nome familiar (Raynaud, 1976, p. 798).

    7 Registre-se que aqui se cuida de trao distintivo relativo diferenciao do sujeito dentro da prpria famlia. No se pretende com isso defender ou entender que h um direito exclusividade do nome. Tal direito no h, nem poderia haver.

    8 Mas isso era privilgio dos patrcios. Os escravos e a plebe tinham um nome, ou no mximo dois, quando o segundo decorria do prenome do dono.

    9 Era costume nos sculos XVIII e XIX atriburem-se uma quantidade imensa de prenomes aos sujeitos, especialmente quando membros da nobiliarquia. clssico o exemplo de Dom Pedro I (ou Dom Pedro IV, em Portugal), cujo nome completo era Pedro de Alcntara Francisco Antnio Joo Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim Jos Gonzaga Pascoal Cipriano Serafi m de Bragana e Bourbon. Talvez por isso mesmo a legislao portuguesa tenha restringido a quantidade de nomes a serem atribudos a uma pessoa: dois, no caso de nome prprio; quatro, no caso de sobrenome. Cf. art. 128, n. 1, do Cdigo de Registo Civil Portugus.

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    H doutrinadores que preferem chamar o sobrenome de nome patronmico. A rig-or, a identidade falsa, porque patronmicos so somente os sobrenomes que se formam com desinncia de genitivo para indicar a fi liao do sujeito (Pontes de Miranda, 2000, p. 304). o caso, por exemplo, de Domingues, para identifi car o fi lho de Domingos; Fernandes, para identifi car o fi lho de Fernando; Henriques, para identifi car o fi lho de Henrique10. No entanto, a associao ganhou curso, e hoje no raro tem-se doutrina-dores e operadores do direito a apontar como patronmico todo e qualquer vocbulo que designe a ascendncia familiar do indivduo.

    Fala-se, alm do sobrenome, na existncia do agnome. Por agnome, entende-se todas as partculas que vm aps o nome familiar, com o

    fi m de designar alguma qualidade particular ou caracterstica do sujeito, ou ainda, nos casos de homonmia familiar, a diferenciar sujeitos dentro de sua prpria famlia. So agnomes, pois: Magno, Grande, Jnior, Filho, Neto, Sobrinho, Segundo etc. Foram os romanos os primeiros a adot-lo. Sua funo ia alm da individualizao do sujeito, mas quase sempre servia exaltao de imperadores ou comandantes militares. Da Alexandre, o Grande e Cipio, o Africano.

    Mas, como dito, os agnomes podem servir no s para designar qualidades na acepo positiva da palavra. Podem tambm indicar traos negativos da personali-dade (Pedro, o Cruel, rei de Portugal), ou mesmo a baixa estatura de um governante (Pepino, o Breve).

    Nos termos da redao do art. 16 do Novo Cdigo Civil, podemos afi rmar que a lei reconhece trs elementos: nome, prenome e sobrenome. H quem possa entender que, em verdade, apenas os dois ltimos so reconhecidos como partculas integrantes do nome, sendo este entendido apenas em seu conjunto. No negamos que se possa dar sentido global ao termo nome, de modo a abarcar todo o direito a ele referido. Por outro lado, regra elementar de hermenutica que a lei no contm palavras inteis. Assim, alm de o termo nome constituir a designao pela qual o legislador refere-se ao conjunto de vocbulos gramaticais representativos do nome do sujeito, podemos tambm afi rmar que o nome, como tal, um elemento do nome em seu conjunto. Desse modo, com base no que h no art. 16 do Cdigo Civil e as disposies da Lei n. 6.015/73, entendemos que a sistematizao pode dar-se da seguinte forma:

    1 Prenome, ou nome prprio: vocbulo que identifi ca e diferencia o sujeito perante a sua prpria famlia e gente;

    2 Sobrenome: vocbulo que se segue ao prenome, a identifi car a ascendncia familiar materna;

    10 E como no nos lembrarmos dos patronmicos anglo-saxes? Mc, no caso da lngua inglesa Douglas McArthur, Douglas fi lho de Arthur; e Von, no caso da lngua alem Friedrich Carl Von Savigny.

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    3 Nome, nome familiar, ou nome patronmico: vocbulo que se segue ao sobrenome, a identifi car a ascendncia familiar paterna.

    4 Agnome: partcula que se segue s demais, a designar uma caracterstica ou qualidade particular do sujeito, ou, ainda, a diferenciar, em casos de homonmia, sujeitos de uma mesma famlia.

    Alm da classifi cao dos elementos integrantes do nome, a ordem de apario dos vocbulos tambm gera confuses. Na tradio europeia havia uma ordem de apario dos nomes indicativos da ascendncia materna e paterna. Entendia-se, ento, que, quanto mais prximo do prenome, mais honroso o lugar. Da porque, poca, o primeiro nome indicado era o do pai. me restava o ltimo assento (Carvalho, 1972, p. 93). Com o passar dos tempos, essa tradio foi invertendo-se, passando o nome do pai a ocupar o ltimo lugar. A mudana tpica deu-se por obra da disseminao dos costumes ingls e francs, segundo os quais somente o ltimo nome era transmitido aos descendentes. Logo, a manter-se a ordem at ento adotada, os fi lhos passariam aos seus descendentes somente nome materno, e no o paterno, como se entendia que deveria ser.

    Com a Constituio Federal de 1988 e as novas disposies da Lei de Registros Pblicos (6.015/73), permitiu-se que os pais escolhessem quais dos nomes de suas respectivas ascendncias desejavam passar adiante. A ordem tambm passou a ser desimportante: tanto o nome do pai como o nome da me poderiam vir em ltimo lugar. Cabe aos pais a escolha dos nomes e sua ordem de apario do nome do fi lho.

    A despeito do interesse terico, importante destacar que o nome todo ele, seja em que ordem for juridicamente protegido, independentemente da classifi cao ou sistematizao que se venha a adotar. passvel, pois, de tutela em caso de violao.

    1.3 PSEUDNIMO

    Mas no somente o nome que objeto de proteo pela norma. H outro elemento de identifi cao que se associa pessoa, mas que constitui elemento integrante do nome em seu sentido estrito. Trata-se do pseudnimo.

    A etimologia da palavra traduz o seu sentido: do grego pseudo = falso; nomos = nome. Ou seja: pseudnimo um nome falso. Falso entenda-se no no sen-tido pejorativo do termo, mas porque no integra o nome stricto sensu, o seu nome de registro. Trata-se de um vocbulo representativo do indivduo, atribudo por si ou por outrem, pelo qual o indivduo diferencia-se no seu meio social.

    Com efeito, o pseudnimo serve ao indivduo como substituto do prprio nome, e no como partcula ou elemento a ser-lhe somado (Coelho, 1953, p. 177). Como, em regra, o prprio indivduo que escolhe seu pseudnimo (Voirin, 1970, p. 22), comum que a ele se afeioe mais do que ao seu prprio nome. s vezes por

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    razes estticas; outras, por razes sentimentais. Mas o caso mais comum que o su-jeito adote um pseudnimo por razes puramente comerciais11.

    Por tais razes que, no raro, o pseudnimo sobrepe-se ao prprio nome do indivduo no que toca identifi cao do sujeito. Os casos so inmeros: desde atletas (Pel dson Arantes do Nascimento), passando por atores (Lima Duarte Ariclenes Venncio Martins; Susana Vieira Snia Maria Vieira Gonalves; Fernanda Mon-tenegro Arlette Pinheiro Esteves da Silva); e tambm autores (Stendhal Henri-Marie Beyle; George Orwell Eric Arthur Blair), e tantos outros.

    Os pseudnimos artsticos so, talvez, a hiptese mais comum de pseudnimos protegidos juridicamente. Mas no so os nicos. H casos em que no h propria-mente um pseudnimo, mas um heternimo.

    Heternimo constitui, primeira vista, um nome como outro qualquer. Seu trao distintivo que ao heternimo no corresponde uma pessoa factual. Trata-se de nome atribudo por um sujeito que j possui nome prprio a um alter ego seu. No passa, portanto, de um nome fi ctcio atribudo a uma personagem12.

    diferena do pseudnimo, o heternimo no associado diretamente pessoa. Em regra, a natureza etrea do heternimo mantm-se sigilosa, muitas vezes por razes pessoais; em outras, por questes de segurana13. Mas, nem por isso as obras criadas pelos heternimos esto margem de proteo jurdica. O criador do heternimo pode perfeitamente exercer os direitos de seu alter ego como direitos seus. Basta revelar e com-provar que o heternimo no existe e que ele o verdadeiro autor das obras.

    O pseudnimo, desde que adotado para atividades lcitas, goza da mesma proteo conferida pela lei ao nome14. Trata-se de extenso natural da proteo do direito ao nome. Ora, se o direito ao nome implica a proteo aos smbolos grfi cos e fonticos pelo qual a pessoa identifi cada, da mesma forma deve assim se proceder quanto a outros vocbulos pelos quais se identifi ca a pessoa. Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio.

    Mas, para que tenha lugar a proteo ao pseudnimo, no basta simplesmente us-lo uma vez. indispensvel que seja notrio, de modo que toda gente saiba e relacione o pseudnimo verdadeira pessoa que se oculta por trs dele (Gonalves, 1929, p. 222).

    11 Talvez a indstria fonogrfi ca entendesse difcil produzir discos de um grego cujo nome Gergios Kyricos Panayitou. Mais fcil seria comercializar sua msica adotando-se um nome de raiz inglesa: George Michael.

    12 Fernando Pessoa era prdigo em atribuir a pessoas imaginrias obras suas. Algumas de suas mais belas passagens tm a autoria de lvaro de Campos, Ricardo Reis ou mesmo Bernardo Soares, pessoas que jamais existiram factualmente, seno na prpria mente de seu criador.

    13 Da porque Chico Buarque, perseguido pela ditadura militar no Brasil e praticamente impedido de comercializar sua msica, criou o heternimo Julinho dAdelaide, com o qual escreveu sucessos como Joana Francesa, at que o heternimo foi revelado e a msica, censurada.

    14 Cf. Cdigo Civil de 2002: Artigo 19. O pseudnimo adotado para atividades lcitas goza da proteo que se d ao nome.

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    Convm no confundir o pseudnimo com os popularmente conhecidos apelidos15, tambm chamados de alcunha, epteto ou hipocorstico (Carvalho, 1972, p. 76). Estes so formas afetivas ou pejorativas de se tratar algum. Muitas vezes, o apelido nasce de uma desinncia diminutiva ou aumentativa do nome (Zezinho, Marco etc.). Outras vezes, o apelido surge em razo de alguma caracterstica fsica do sujeito (Careca, Baleia, Nego) ou mesmo de algum episdio marcante da vida do indivduo (Fujo).

    Em certos casos, especialmente quando o sujeito adquire notoriedade, o apelido tambm pode ser objeto de proteo tanto quanto o nome. No Brasil, tem-se o exemplo de J Soares ( Jos Eugnio Soares), humorista e apresentador de renome, cujo primeiro vocbulo deriva da abreviao afrancesada de seu primeiro nome.

    Postas essas consideraes introdutrias, passemos a analisar qual a natureza jurdica do direito ao nome.

    2 PROTEO JURDICA DO NOME

    O nosso ordenamento, seguindo a linha clssica da tripartio dos poderes16, concedeu a um rgo especfi co a funo de exercer, preponderantemente, a atividade jurisdicional. Esse rgo , pois, o Judicirio.

    A Constituio Federal, rompendo com paradigmas inaceitveis de restrio de tutela de direitos existentes no ordenamento anterior fruto de regime de exceo , estabeleceu o amplo e ilimitado acesso dos indivduos ao Poder Judicirio. Garante-se no somente a atuao punitiva e reparatria, decorrente da inobservncia de regras de conduta, mas, tambm, a prpria garantia de impedir que a leso se consume, mediante atuao preventiva e inibitria. Ou, nas palavras do legislador constituinte originrio, o Poder Judicirio pode e deve atuar para reparar a leso, mas tambm deve impedir que se concretize a ameaa a direito17.

    Vendo-se o ordenamento como uma sucesso de crculos concntricos, cujo cen-tro de irradiao a dignidade da pessoa humana, evidente que a tutela dos direitos dela decorrentes assume posio de destaque (Viana e Monteiro, 2009, p. 53). E assim tambm deveria ocorrer com o nome. Mas no isso o que se v no ordenamento jurdico brasileiro.

    15 No confundir com o termo apelido adotado pelo ordenamento portugus , e o apellido, do ordenamento espanhol. Em ambos, o termo serve a designar o que ns chamamos de nome familiar ou patronmico. No h razo para confundir o termo com outras designaes constantes no direito comparado.

    16 Mais apropriadamente, tripartio das funes estatais, dado que o poder uno.17 Cf. Artigo 5, inciso XXXV, da Constituio Federal de 1988.

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    Na sua redao original, o Cdigo Penal previa um tipo especfi co de usur-pao de nome ou pseudnimo alheio. Neste crime incorreria quem atribusse falsa-mente a algum, mediante o uso do nome, pseudnimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literria.

    Cuidava-se, como se v, no de verdadeira proteo ao nome, mas de proteo ao direito autoral. Posteriormente, esse equvoco legislativo foi corrigido com a Lei n. 10.695/03, suprimindo-se esse tipo penal.

    H, ainda, o caso do tipo de falsa identidade, previsto no artigo 307 do Cdigo Penal. No entanto, aqui tambm no h propriamente uma proteo ao nome, mas apenas uma punio a quem no utilizar de seu prprio nome para identifi car-se. Privilegia-se, assim, somente o aspecto publicstico do nome, mas no o seu aspecto privado.

    O mesmo raciocnio aplica-se ao tipo previsto no artigo 309 do CPB (fraude de lei sobre estrangeiro). Nesse tipo, prev-se ser crime usar o estrangeiro, para entrar ou permanecer no territrio nacional, nome que no o seu. Novamente aqui se sobressai o interesse pblico, sem que se manifeste qualquer proteo ao nome no aspecto privado.

    Talvez o dispositivo que mais toque ao direito ao nome no mbito penal seja o tipo que descreve a falsidade ideolgica. Previsto no art. 299 do Cdigo Penal, cometer crime aquele que Omitir, em documento pblico ou particular, declarao que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declarao falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fi m de prejudicar direito, criar obrigao ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Para isso, a lei comina pela pena de recluso, de um a cinco anos, e multa, se o documento pblico, e recluso de um a trs anos, e multa, se o documento particular. Mas h mais. O pargrafo nico estabelece que se o agente funcionrio pblico, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsifi cao ou alterao de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

    Ou seja: quando a falsidade ideolgica implicar falsifi cao ou alterao do registro civil, o legislador estabelece uma causa de aumento da pena. Ressalta-se, portanto, a maior ofensa ao bem jurdico tutelado (a f pblica) quando presente esta causa de aumento, cominando-se pena maior do que a normal para o delito.

    No que toca ao aspecto civil, a proteo mais ampla. Em relao ao aspecto publicstico, a proteo est dada com a regra geral de

    imutabilidade do nome (Planiol e Ripert, 1925, p. 101). Somente nas hipteses legais pode-se alterar o nome de registro, assegurando-se uma perfeita individualizao dos sujeitos.

    No seu aspecto privatstico, o prprio Cdigo Civil estabelece, em seu art. 17, que o nome da pessoa no pode ser empregado por outrem em publicaes ou representaes que a exponham ao desprezo pblico, ainda quando no haja inteno difamatria. Desse modo, aquele que tiver seu nome veiculado em publicaes ou representaes sem sua devida autorizao, poder acionar judicialmente quem o veiculou.

    No entanto, convm destacar que, como tudo na ordem jurdica, esse direito no absoluto. H de sopesar-se sua aplicao no caso concreto para que no se conduza o

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    intrprete a concluses absurdas. Por exemplo: um poltico que tenha seu nome associado a um rumoroso caso de corrupo. evidente que se trata de um fato jornalstico. Portanto, merece a ateno da imprensa, e dever dela dar conhecimento do fato ao distinto pblico. fato, tambm, que a prpria Constituio Federal assegura expressamente a liberdade de imprensa (art. 220, caput, CF/88), vedando qualquer forma de embarao ou censura ao seu exerccio. Desse modo, o poltico em questo jamais poderia, sob o pretexto de inexistncia de autorizao, buscar judicialmente proibir a circulao de revistas e jornais que noticiassem o fato (Viana e Monteiro, 2009, p. 51).

    Outra hiptese prevista no Cdigo Civil acerca da proteo ao nome diz res-peito imposio de que, sem autorizao, no se pode usar o nome alheio em propa-ganda comercial (art. 18).

    Aqui, diferena do que ocorre no art. 17, tem-se uma proteo mais ampla. Com efeito, difcil imaginar que algum possa, sem autorizao, utilizar licitamente o nome de outrem para promover determinado produto ou servio. Ainda que se trate de produto ou servio de renome, ainda que se imagine que o produtor ou fornecedor poderia pagar vasta soma em dinheiro pela utilizao do nome veiculado, o titular do nome pode, potestativa-mente, no querer ver seu nome vinculado a nada, por maior que seja a recompensa em pecnia. Trata-se de direito potestativo do sujeito: dado a ele e somente a ele decidir se aceita ou no ter seu nome veiculado a certa propaganda comercial.

    Tambm aqui, diferena do artigo anterior, pode-se pensar que o sujeito que tenha seu nome vinculado indevidamente poderia pleitear judicialmente a suspenso da veiculao da propaganda, alm, claro, de indenizao pela sua utilizao indevida (Viana e Monteiro, 2009, p. 52).

    Destaque-se, ainda, que a proteo jurdica do nome engloba no somente este em sentido estrito. Tambm os pseudnimos gozam da mesma proteo. o que infere do art. 19 do Novo Cdigo, quando afi rma que o pseudnimo adotado para atividades ilcitas goza da proteo que se d ao nome.

    Exemplifi cativamente, pode ser que pouco efeito comercial tenha a vinculao de determinado suplemento alimentar ao fato de um certo Edson consumi-lo. Entretanto, a questo muda de fi gura quando esse mesmo produto defi nido como o suplemento que o Pel usa.

    importante destacar, no entanto, que a proteo ao pseudnimo somente se d quando sua violao ocorrer dentro do mesmo ramo de atividade (Carvalho, 1972, p. 71). H casos em que um pseudnimo idntico a outro, embora seus portadores sejam pessoas diferentes. Um caso emblemtico o de Xuxa, apelido originalmente designativo de uma apresentadora de televiso, mas hoje tambm alcunha conhecida de um famoso nadador brasileiro. Embora o pseudnimo deste tenha se originado do primeiro, evidente que a apresentadora de televiso no poder promover ao contra o nadador por ter usado o seu pseudnimo na promoo de um material esportivo qualquer.

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    Todavia, o ordenamento ptrio ressente-se de uma tutela mais detalhada e especfi ca, destinada a coibir eventuais violaes ao direito ao nome. Assim como aos demais direitos de personalidade, deveria ser dispensada maior ateno do legislador, impedindo-se que todas as questes resolvam-se somente pela invocao de princpios da ordem constitucional.

    Poder-se-ia pensar, de lege ferenda, em alterar-se a redao do artigo 17 do Cdigo Civil, para englobar no s os casos em que a reproduo ou emprego do nome alheio exponha ao desprezo pblico. Conviria alargar o dispositivo legal para todo e qualquer caso em que o uso do nome alheio d-se de forma abusiva.

    Mas, a despeito de eventuais omisses, pode-se dizer que o novo paradigma estabelecido pelo Novo Cdigo Civil tem o mrito de positivar o direito ao nome como direito da personalidade e representa um primeiro passo em direo excelncia no tratamento dogmtico da matria.

    REFERNCIAS

    BAUDRY-LANCATINERIE, G.; HOUQUES-FOURCADE, M. Trait Thoriqueet Pratique de Droit Civil. 3. ed. Paris: Sirey, 1907.

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    DE CUPIS, Adriano. I Diritti della Personalit. Milano: Giuffr, 1950.

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    PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. v. I. Forense: Rio de Janeiro, 1998.

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  • Temas de Direito Privado26K

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    VOIRIN, Pierre. Manuel de Droit Civil Tome I. 17. ed. Paris: Librairie Gn-rale de Droit et Jurisprudence, 1970.

    THE LEGAL PROTECTION OF THE NAME OF THE NATURAL PERSON IN BRAZILIAN LAW

    Abstract: In this article we will try to analyze the main aspects related to the name of the natural person in Brazil. The fi rst problem concerns the very defi nition of the matter: what is meant by the right to a name? Departing related fi gures that have the same origin the personality the research focus on an examination of the dogmatic issue. It will be defi ned: (1) the constituent parts of the name; (2) what is meant by pseudonym; (3) what is the legal protection given to the name by our legal system, whether in the criminal or in the civil area.

    Keywords: Private Law. Rights of Personality. Right to a Name.

  • Direito Fundamental Social Sade e a Relao entre Particulares

    Aruza Albuquerque de MacedoBacharela em Direito pela [email protected]

    Sumrio: Introduo. 1. Evoluo histrica e conceito dos direitos fundamentais sociais. 2. Incidncia dos pre-ceitos constitucionais e dos princpios fundamentais do contrato nos planos privados de sade. 3. Reco-nhecimento da efi ccia horizontal do direito social sade. 4. Apreciao jurisprudencial. Consideraes fi nais. Referncias.

    Resumo: Os direitos fundamentais surgiram para defender o cidado do arbtrio do Estado. Com a evoluo da sociedade, est cada vez mais presente a participao do indivduo na atuao que antes se restringia ao ente estatal. Diante desta evoluo percebe-se que as relaes no mbito privado podem ser desequilibradas ao ponto que violem direitos constitucionais. com essa fi nalidade que se procurou estudar sobre a problemtica da aplicao do direito fundamental sade na relao entre os particu-lares, a fi m de saber se a ordem fundamental exposta na Constituio deve ser aplicada aos entes pblicos e privados, ainda que as relaes particulares sejam regidas pelo regime jurdico privado.

    Palavras-chave: Direito fundamental sade. Princpio da boa-f. Efi ccia horizontal.

    INTRODUO

    Os direitos fundamentais sociais desempenham importante papel nas relaes pblicas e privadas. No mbito pblico, seu reconhecimento no gera grandes contro-vrsias, haja vista que cabe principalmente ao Estado buscar por sua proteo, respeito e promoo, conforme preceitua a Constituio Federal. J no que tange s relaes en-tre particulares, o assunto no pacifi cado. esse ponto que ser discutido no presente artigo, a insero no mbito privado da efetivao dos direitos fundamentais sociais.

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    Especifi camente no que diz respeito ao direito fundamental sade, faz-se necessrio abord-lo do ponto de vista de sua efetivao realizada por particulares, no sendo estes apenas os seus titulares, como acontece quando ao Estado cabe sua prestao, mas tambm, de ser o indivduo tratado como sujeito passivo das aes necessrias na aplicao desse direito.

    Sabe-se que a prestao do servio pblico de sade no Brasil defi ciente, tendo em vista a grande demanda que necessita do servio em contraposio m distribuio dos recursos pblicos destinados a este fi m. na defi cincia ou insufi cincia da prestao deste servio que os planos privados atuam. Hoje, boa parte da populao possui este tipo de plano, so pessoas que carecem do servio e quando recorrem ao Estado no logram xito na sua prestao. Por tratar-se de um direito intrinsecamente relacionado vida, a demora na sua prestao poder ocasionar um maior gravame quele indivduo.

    Percebe-se com isso a necessidade de debater em torno do problema exposto, a fi m de buscar uma maior efetivao do direito fundamental social sade, ainda que seja prestado por particulares atravs do servio de plano privado.

    Desta forma, patente afi rmar que se o particular estiver prestando este tipo de servio atravs de plano de sade, dever faz-lo do mesmo modo que o Estado, obedecendo s prescries constitucionais e legais quanto a sua aplicao. Ainda que se trate de uma relao contratual entre particulares, e que o regime jurdico aplicvel seja de direito privado, reconhece-se a infl uncia das normas de direito pblico, espe-cifi camente Constituio Federal. Tal alegao tem por fundamento a presena do direito fundamental social sade, sendo este o objeto primordial desta relao que, considerando a sua natureza constitucional, possui normatividade potencializada.

    O trabalho iniciado com uma abordagem sucinta acerca da evoluo e do con-ceito dos direitos fundamentais sociais para, assim, justifi car a importncia do direito fundamental social sade e a necessidade da sua efetivao por particulares.

    Em seguida, trata-se da aplicao dos preceitos constitucionais no direito civil, constitucionalizando esse ramo do direito e vinculando-o primordialmente ao princpio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana. Aborda-se ainda, os princpios fundamentais dos contratos.

    Logo adiante, centraliza-se no reconhecimento da efi ccia horizontal dos direi-tos fundamentais sociais. Esses direitos no devem ser observados apenas pelo Estado frente ao cidado, mas devem ser direcionados tambm aos agentes privados.

    Com o intuito de demonstrar exemplifi cadamente a relevncia prtica do assunto examinado no presente trabalho, reserva-se espao para a apreciao de jurisprudncia que, em respeito ao consumidor, afaste clusulas contratuais que no respeitam os preceitos constitucionais e legais.

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    1 EVOLUO HISTRICA E CONCEITO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

    O sculo XIX marcou a presena dos direitos fundamentais sociais na vida do cidado. A Revoluo Industrial foi palco para a consagrao desses direitos, pois, apesar de trazer desenvolvimento econmico, sacrifi cou a classe trabalhadora e aqueles que se encontravam margem da sociedade, fazendo com que fosse preciso a interveno estatal na prestao de mecanismos capazes de realizar a justia social.

    Para que esses direitos fossem assegurados se fez necessria a sua positivao nos textos constitucionais, como forma de alcanar fora e possibilitar a sua exigibilidade inicialmente perante o ente estatal. E essa foi a tendncia durante o sculo XX. As nor-mas que defi nem os direitos sociais foram primeiramente previstas nas Constituies Mexicana (de 1917) e de Weimar (de 1919), que, por representarem uma verdadeira revoluo no campo dos direitos humanos, tornaram-se verdadeiros marcos na positi-vao desses direitos (MEIRELES, 2008).

    Os direitos sociais foram inscritos e positivados internacionalmente na Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, colaborando assim para a efetivao do Estado Democrtico de Direito. Foi a partir da Declarao Universal que o humanismo poltico da liberdade alcanou seu ponto mais alto do sculo XX. Trata-se de um documento de convergncia e ao mesmo passo de uma sntese (BONAVIDES, 2007, p. 574).

    A Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado, j aprovada pelos franceses, ganha status internacional, com sua aprovao pela Assembleia Geral das Naes Unidas, em 1948, sendo esta a nica prova atravs da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova o consenso geral acerca de sua validade (BOBBIO, 1992, p. 26).

    Em 1966, os direitos de segunda dimenso foram disciplinados em um nico documento, o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. A norma foi adotada pela XXI Sesso da Assembleia Geral das Naes Unidas. O pacto abrangeu um rol mais extenso de direitos que os elencados na Declarao Universal. O Brasil promulgou esse diploma, atravs do Decreto n 591, em 1992.

    Para Meireles, os direitos sociais podem ser defi nidos como:

    [....] aqueles direitos advindos com a funo de compensar as desigualdades sociais e econmicas surgidas no seio de sociedade seja ela de uma forma em geral, seja em face de grupos especfi cos; so direitos que tm por escopo garantir que a liberdade e a igualdade formais se convertam em reais, mediante o asseguramento das condies a tanto necessrias, permitindo que o homem possa exercitar por completo a sua per-sonalidade de acordo com o princpio da dignidade humana (2008, p. 88).

    So normas jurdicas diferenciadas, visto que apresentam um poder normativo potencializado. E a fora jurdica tida como potencializada por se tratar de norma de hierarquia superior, tanto por ter status de norma constitucional quanto pela sua importncia axiolgica (contedo material do direito).

  • Temas de Direito PrivadoK30

    O contedo das normas defi nidoras de direitos sociais privilegia a igualdade material, ao consider-la condio essencial para o exerccio pleno de outros direitos. Bonavides refora essa ideia afi rmando que os direitos sociais nasceram abraados ao princpio da igualdade, do qual no se podem separar, pois faz-lo equivaleria a desmembr-los da razo de ser que os ampara e estimula (2007, p. 564).

    Os direitos fundamentais sociais possuem um contedo essencial de direitos inerentes dignidade da pessoa humana (fundamentalidade material), tendo-a como ncleo intangvel. A dignidade da pessoa humana expressamente positivada na Constituio brasileira tida como fundamentalidade e fundamentao dos direitos sociais, pois a mesma representa o valor maior vinculante de toda ordem jurdica.

    Ainda que inicialmente tenham sido criados com o intuito de limitar o poder e arbtrio estatal, os direitos fundamentais sociais funcionam tambm nas relaes entre particulares, pois diante de sua relao com o princpio da dignidade da pessoa humana, no podem os indivduos, para atender os seus interesses, violar os preceitos constitucionais em suas relaes.

    O Brasil acompanhou a tendncia mundial em relao ao prestgio dado aos direitos fundamentais sociais aps a Segunda Guerra. A Constituio Federal de 1988 simboliza essa novidade, reservando espao especial para cuidar do direito sade e dos demais direitos sociais.

    1.1 DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL SADE NA CONSTITUIO FEDERAL DE 1988

    A Constituio cidad elencou a sade em seu artigo 6, no ttulo reservado aos direitos e garantias fundamentais, reconhecendo-o como um direito estendido a todos. A este direito assegurado todas as benesses dos direitos fundamentais, tais como: apli-cabilidade direta e imediata (artigo 5, 1, CF); normatividade potencializada (norma de hierarquia superior); irrevogabilidade (clusula ptrea).

    O direito fundamental sade tem intrnseca relao com o direito vida e dignidade da pessoa humana. O texto constitucional fez previso expressa de que o sujeito passivo dessa relao de consagrao do direito sade no somente o Estado. Ao particular, de forma facultativa, pode ser requerida a efetivao deste direito.

    Ainda que o artigo 196 da CF assegure que o direito sade dever do Estado, o artigo 199 do texto constitucional franqueou iniciativa privada a assistncia sade de forma complementar. O 1 deste artigo atesta a complementaridade do servio: as instituies privadas podero participar de forma complementar do sistema nico de sade, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito pblico ou convnio [....].

    Desta forma, os planos de sade podero contratar com os particulares para prest-los a assistncia que a Constituio Federal previu. Entretanto, conforme dita o

  • Direito Fundamental Social Sade e a Relao entre Particulares K 31

    1 retromencionado, a atuao dos entes privados dever ser regida pelos princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade (artigo 7, Lei 8.080/90), dentre os quais esto: universalidade do acesso a servios; integralidade de atendimento; preservao da autonomia das pessoas; igualdade da assistncia sade.

    Ainda que deva seguir os princpios determinados pelo SUS, as empresas de plano de sade no vm respeitando os direitos dos consumidores, causando-lhes danos e sofrendo a interferncia do Poder Judicirio para que sejam afastadas as prticas abusivas e desleais e inseridas medidas que apliquem a proteo do direito fundamental sade.

    No intuito de melhor atender aos interesses dos consumidores de plano e seguro de sade, instituda a Lei 9.656/98, que regulamenta os contratos-padro. A legislao estabelece trs modalidades de planos: plano-referncia, plano-mnimo e plano-ampliado. Como o estudo da lei no objeto do artigo, restringe-se a sua meno.

    2 INCIDNCIA DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E DOS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS DO CONTRATO NOS PLANOS PRIVADOS DE SADE

    Com a chegada do Estado Social, a Constituio (documento que estabelece limitao do poder estatal) e o Cdigo Civil (institui as regras relacionadas de direito privado) no puderam mais ser dissociados, sendo constitudo o direito civil constitucional.

    O direito civil fundado em princpios constitucionais e s ter tutela do Estado se houver obedincia constitucional. As relaes jurdicas privadas so pautadas em trs princpios constitucionais: dignidade da pessoa humana, solidariedade social e igualdade substancial.

    Sob a infl uncia do texto constitucional de 1988, esse ramo do direito privado insere a pessoa humana nas relaes entre particulares, os valores existenciais se sobrepem aos valores patrimoniais enraizados no Cdigo Civil de 1916. O indivduo est no centro do sistema jurdico, os demais ramos do direito gravitam em torno da tutela da pessoa humana.

    As relaes privadas no so mais relaes de direitos opostos, onde as partes contratantes divergem nos interesses presentes no objeto do contrato. Pelo contrrio, os interesses presentes nesta relao so de cooperao. Em qualquer relao privada as partes devem ser iguais na forma e substncia. No pode haver desequilbrio entre as partes. Esses trs princpios fundamentam as relaes civis como um todo.

    Diante da presena desses princpios, v-se que as pessoas no esto livres para pactuarem da forma que desejam sem que se respeitem os limites tico-jurdicos. Com isso, no deve prosperar a ideia de que o princpio do pacta sunt servanda (o que est no contrato deve ser cumprido) seja absoluto, pois diante do caso concreto, devem ser observadas as clusulas contratuais e s podero ser cumpridas aquelas que no violarem os direitos fundamentais.

  • Temas de Direito PrivadoK32

    Os contratos no podem atender somente os interesses das partes, devem cumprir tambm sua funo social. A funo social do contrato tem como escopo promover a realizao de uma justia comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre con-tratantes (GONALVES, 2004, p. 4). A funo social presente na legislao civil decorre da funo social da propriedade presente no artigo 5, inciso XXIII da CF de 1988.

    O Cdigo Civil de 2002 faz previso expressa acerca da funo social. O artigo 4211, anuncia que a liberdade de contratar dever se dar em razo e nos limites da funo social. V-se que o legislador no restringiu o contrato como veculo guiador das partes contratantes. Assim como no o fez no artigo 4 do Cdigo de Defesa do Consumidor2, que prev [....] nas relaes de consumo se atender ao princpio da harmonizao dos interesses dos participantes, sempre com base na boa-f e no equil-brio nas relaes entre consumidores e fornecedores (RODRIGUES, 2004, p. 60).

    Os contratos de plano de sade tambm devem atender funo social. necessrio que haja uma adequada ponderao na aplicao dos princpios regentes dos contratos: autonomia da vontade, boa-f objetiva e o equilbrio contratual. As partes presentes no contrato devem ser livres para pactuarem da melhor forma, nesse sentido que Gonalves aduz que a autonomia privada, elemento nuclear do contrato:

    [....] se alicera exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurdica. Tm as partes a faculdade de celebrar ou no contratos, sem qualquer interferncia do Estado (2004, p. 20).

    Entretanto, sofrendo a incidncia da aplicao dos direitos fundamentais, este princpio relativizado, no estando os particulares livres para expressar sua vontade con-tratual atravs de clusulas que no respeitem o exposto na Constituio. O artigo 4223 do Cdigo Civil traz a boa-f como princpio de presena obrigatria na execuo e concluso dos contratos. O princpio da boa-f um conceito tico, moldado nas ideias de proceder com correo, com dignidade, pautando sua atitude pelos princpios da honestidade, da boa inteno e no propsito de ningum prejudicar (RODRIGUES, 2004, p. 61).

    1 Art. 421, CC: A liberdade de contratar ser exercida em razo e nos limites da funo social do contrato.2 Art. 4, CDC: A Poltica Nacional das Relaes de Consumo tem por objetivo o atendimento das

    necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo, atendidos os seguintes princpios: (Redao dada pela Lei n 9.008, de 21.3.1995).

    3 Art. 422, CC: Os contratantes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como em sua execuo, os princpios de probidade e boa-f.

  • Direito Fundamental Social Sade e a Relao entre Particulares K 33

    As clusulas contratuais que violem a boa-f so consideradas abusivas, conforme preceitua o artigo 51, IV do CDC4. Entende-se por clusula abusiva, aquela notoriamente desfavorvel parte mais fraca na relao contratual, que, no caso de nossa anlise, o consumidor, alis, por expressa defi nio do art. 4, n I, do CDC (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 142). As clusulas abusivas so consideradas invlidas.

    As empresas de sade privada, visando sempre o lucro excessivo, no prestam como deveriam o servio contratado, alm de restringir o consumidor de uma srie de necessidades que em determinadas situaes se fariam imprescindveis para a manuteno da sade. Entretanto, tendo em vista a falncia do sistema pblico de sade, o cidado se submete s clusulas contratuais que so impostas pela assistncia privada.

    Nos contratos de adeso, como o caso dos contratos de plano privado de sade, comum o desequilbrio entre as partes contratantes. As clusulas presentes na avena, em sua maioria so abusivas ou desleais, por exemplo, quando o consumidor no pode realizar determinada interveno cirrgica tendo em vista que seu plano possui restrio de cobertura. O contratante se submete ao exposto no contrato, aos perodos de carncia, aos reajustes exorbitantes, ao acrscimo pela faixa etria do paciente, excluso de enfermidades adquiridas antes da assinatura do contrato, enfi m, possibilita a vulnerabilidade do consumidor, encontrando evidente desequilbrio nessa relao contratual.

    Quanto ao poder privado, de fato manifesto que entre o particular e o plano de sade h uma forte relao de poder estabelecida, no apenas de natureza econmica, mas tambm tcnica. O que, todavia, no tem como conseqncia direta e necessria a afi rmao de que, neste caso h efi ccia direta em funo desta relao de poder. O que se pode afi rmar que haver uma maior intensidade de interveno do direito fundamental sade (MATEUS, 2008, p. 140).

    O direito constitucional sade, ainda que prestado por particular, dever ser regido pelo respeito dignidade da pessoa humana e aos demais preceitos constitu-cionais. Dessa forma, no pode a empresa privada de plano de sade visar somente o lucro do negcio jurdico estabelecido, ela dever primar pela efetivao do direito fundamental que resguarda.

    Conforme visto, a aplicao dos direitos fundamentais no existe somente em uma relao vertical, onde o Estado encontra-se em patamar superior ao indivduo. Os particulares tambm esto vinculados a efetivao destes direitos.

    4 Art. 51, CDC: So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que: IV - estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatveis com a boa-f ou a equidade;

  • Temas de Direito PrivadoK34

    3 RECONHECIMENTO DA EFICCIA HORIZONTAL DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL SADE

    Os valores presentes nos direitos fundamentais esto projetados igualmente nas relaes entre particulares. Atualmente, os entes privados devem se guiar pelos pre-ceitos presentes na Constituio, em especial aqueles de contedo fundamental como o direito sade, pois os particulares tambm podem gerar gravame aos indivduos, violando direitos fundamentais, e se exceder na sua atuao assim como o Estado.

    Os direitos fundamentais se apresentam como valores bsicos que irradiam para todo o ordenamento jurdico infraconstitucional, no servindo somente como instrumento de limitao do poder estatal. Na sua dimenso objetiva, estes so base do ordenamento jurdico do Estado brasileiro. Essa dimenso objetiva apresentada pelos direitos funda-mentais faz com que a interpretao jurdica seja realizada de acordo com a Constituio, os direitos fundamentais passam a ocupar uma funo estratgica de fundamentao e de legitimao do sistema normativo como um todo (MARMELSTEIN, 2008, p. 328).

    A efi ccia horizontal dos direitos fundamentais foi inicialmente aplicada em 1958, no caso Lth, pelo Tribunal Constitucional Alemo. Em sntese, o caso tratava de um boicote realizado pelo Erich Lth (presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo) contra o fi lme Unsterbliche Geliebte, do diretor Veit Harlan, apoiador do nazismo. Lth defendeu a no distribuio do fi lme de Harlan. A produtora e distribuidora do fi lme ingressaram com ao judicial a fi m de impedir o boicote, alegando prejuzos em decorrncia do pedido de Lth. A Corte Estadual deferiu o pleito em favor da produtora e distribuidora do fi lme, condenando Lth a reparao dos danos causados a estas, conforme previa o artigo 826 do Cdigo Civil da Alemanha. O presidente do Clube de Imprensa recorreu da deciso, invocando a liberdade de expresso, pois no poderia ser proibido de se manifestar acerca de um assunto. O TFC decidiu a favor de Lth, considerando o boicote legtimo, j que decorria do exerccio legtimo de um direito fundamental. O Tribunal confrontou esse entendimento com a ideia de que as clusulas gerais do direito privado deveriam ser interpretadas de acordo com os valores previstos na Constituio (MARMELSTEIN, 2008).

    A efi ccia dos direitos fundamentais no mbito privado pode ser conceituada como a vinculao dos particulares aos direitos fundamentais, os princpios de direito privado quando contrapostos com preceitos fundamentais relevantes no devem pros-perar. Os direitos fundamentais tm efi ccia irradiante, estabelecendo uma ordem de valores para que estes sejam aplicados no confronto entre particulares.

    Os direitos fundamentais tm como fi m originrio proteger o indivduo da inter-ferncia do Estado. Entretanto, estes direitos so dirigidos tambm sociedade como um todo, estando os indivduos vinculados a buscarem pela sua efetivao. Conforme visto no caso alemo, no confronto direto entre princpios de direito privado e os direi-tos fundamentais, por sua ntima relao com a dignidade da pessoa humana, este deve se sobrepor quele. Vale ressaltar que a soluo para o entrave se dar luz do caso concreto, sendo adotada a tcnica da ponderao de valores.

  • Direito Fundamental Social Sade e a Relao entre Particulares K 35

    No que importa aos direitos fundamentais, em situaes onde os indivduos se encontram em desigualdade, ao poder privado devem ser aplicadas as mesmas obrigaes sujeitas ao Estado. Em relao aos planos de sade, o desequilbrio entre as partes presentes no contrato evidente, por isso nas relaes estabelecidas entre os desiguais, aquele que detm o poderio econmico estaria vinculado diretamente a direitos fundamentais (MATEUS, 2008, p. 125).

    Quando o Poder Judicirio afasta as clusulas presentes nos contratos de planos de sade tidas como abusivas ou desleais e aplica medida que assegure melhor o direito do consumidor, demonstra que as relaes privadas e a autonomia que as orienta no so absolutas. Os princpios contratuais so relativizados em respeito ao exposto na Constituio e nas legislaes que sofreram infl uncia dos valores fundamentais, con-forme visto anteriormente.

    4 APRECIAO JURISPRUDENCIAL

    Na maioria das vezes, o Poder Judicirio tem se manifestado a favor do con-sumidor. O Tribunal de Justia do Estado do Cear, na Apelao Cvel de n 2007.0003.4156-6/1, em votao unnime decidiu:

    EMENTA. APELAO CVEL. OBRIGAO DE FAZER. CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E LEI DOS PLANOS E SEGUROS DE SADE. MIOCARDIOPATIA DILATADA. CONTRATO QUE PREV A EXCLUSO DO USO DE PRTESES E RTESES DE QUALQUER NATUREZA EM CIRURGIA. RESTRIO ILEGTIMA. ART. 10, V, DA LEI 9.656/98 EM COLISO COM O ART. 51, IV, DA LEI 8.078/90. O RESTABELECIMENTO DA SADE DO BENEFICIRIO DEVE SER A FINALIDADE PRIMORDIAL DO PLANO DE SADE CONTRATADO, DE FORMA QUE A CLUSULA CONTRATUAL E O DISPOSTIVO LEGAL QUE VEDAM A UTILIZAO DE MATERIAL NECESSRIO NA INTERVENO CIRRGICA VIOLAM ESSA FINALIDADE E PREJUDICAM O BEM ESTAR DO CONTRATANTE. APELO CONHECIDO, MAS NO PROVIDO.

    A parte apelada, contratante durante vinte anos do plano de sade, ora ape-

    lante, pleiteou por via administrativa o fornecimento de instrumentos necessrios para a realizao de cirurgia a qual se fazia imprescindvel diante de sua enfer-midade. Entretanto, sob o argumento de ausncia de cobertura, o plano de sade negou-se a fornecer o que fora pedido.

    Recorrendo via judicial, a consumidora teve seu pedido julgado procedente. O Magistrado a quo, alegou que, por fora do artigo 51, IV, 1, II, do CDC, as clusulas sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor.

    O plano de sade ento apresentou recurso de apelao, onde sustentava ser em virtude da clusula nona do contrato celebrado entre as partes, que faz previso

  • Temas de Direito PrivadoK36

    das condies no cobertas pelo contrato, expressamente se encontram os instrumentos necessrios para a cirurgia da contratante. Afi rmou ainda que no se pode atribuir ao ente particular obrigaes que originariamente so do Estado ou do prprio benefi cirio. O recurso foi julgado improcedente, sendo mantida a deciso de primeiro grau e o ente privado compelido a fornecer as prteses necessrias.

    Diante do exposto, v-se que, ainda que no tenha previso expressa no contrato estabelecido entre as partes, quando necessrio e visando o benefcio do consumidor e o respeito aos preceitos constitucionais, as clusulas contratuais que no obedeam a princpios basilares sero afastadas e aplicar-se- a melhor medida que assegure ao consumidor a efetivao dos seus direitos. No que tange aos planos de sade, busca-se pela consagrao do direito sade.

    CONSIDERAES FINAIS

    O presente artigo procurou tratar da problemtica da efetivao do direito fun-damental social sade nas relaes entre particulares, a fi m de discutir a possibilidade da supremacia dos direitos fundamentais com sua dimenso objetiva serem aplicados nos contratos de plano de sade.

    Os valores constitucionais regem os demais ramos do direito, auxiliando-os na resoluo de confl itos entre os particulares. Entretanto, em relao aos direitos fun-damentais, sabe-se que, anteriormente, o particular era apenas detentor dos direitos e nunca sujeito passivo. A realidade mudou, est cada vez mais aceita a possibilidade de insero destes direitos nas relaes contratuais privadas.

    No que tange ao direito sade, viu-se que este trata de garantia fundamental com estreita relao ao direito vida e dignidade da pessoa humana. Ainda que a relao pactuada entre o plano de sade e o indivduo submeta-se a regime jurdico de direito privado, este sofre infl uncia de regime jurdico de direito pblico devido ao objeto avenado tratar-se de norma de hierarquia superior.

    Reconhece-se que os direitos fundamentais geram efeitos nas relaes privadas, que sofreram incidncia dos preceitos constitucionais. Como os direitos fundamentais correspondem s normas supremas do texto constitucional, as relaes privadas devem buscar sempre a efetivao destes direitos, especialmente o direito sade. Contudo, deve-se considerar que, ainda que no estejam hierarquicamente em um patamar mais elevado, os princpios de direito privado que regem as relaes contratuais devem ser observados, de forma equilibrada e ponderada, juntamente com os princpios de direi-tos presentes na Constituio Federal.

  • Direito Fundamental Social Sade e a Relao entre Particulares K 37

    REFERNCIAS

    BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

    BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14 ed. So Paulo: Malheiros, 2007.

    CAVALIERI FILHO, Srgio. Programa de direito do consumidor. So Paulo: Atlas, 2008.

    GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2 ed. V. 3. So Paulo: Saraiva, 2004.

    MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. So Paulo: Atlas, 2008.

    MATEUS, Cibele Gralha. Direitos fundamentais sociais e relaes privadas: o caso do direito sade na Constituio brasileira de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

    MEIRELES, Ana Cristina Costa. A efi ccia dos direitos sociais. Salvador: Editora Podivm, 2008.

    RODRIGUES, Slvio. Direito civil: dos contratos e das declaraes unilaterais de vontade. 30 ed. V. 3. So Paulo: Saraiva, 2004.

    FUNDAMENTAL RIGHT TO HEALTH

    Abstract: Fundamental rights have emerged to defend the citizen. With the evolution of society, private companies are increasingly present in the daily business activities, previously restricted to the state. Given this trend, it is observed that relations in the private sector may be unbalanced to the point to violate constitutional rights. The problem focused here concerns the application of the fundamental right to health in the relationship between individuals in order to ascertain whether the underlying order set out in the Constitution should apply to public and private entities, although private relations are governed by private law regime.

    Keywords: Fundamental right to health. Principle of good faith. Brazilian constitution.

  • Danos a um Projeto de Vida?

    Denise S Vieira CarrMestre em Direito pela UFC. Professora da [email protected]

    Bruno Leonardo Cmara CarrMestre em Direito pela UFC. Juiz Federal no [email protected]

    Sumrio: 1. Dignidade Humana e Responsabilidade Civil. 2. A Vontade como Bem Indenizvel: O Projeto de Vida. 3. Projeto de Vida e Dano Moral. Referncias.

    Resumo: A valorizao dos direitos humanos contribuiu, sob muitos aspectos, para a reformulao da prpria ideia de Responsabilidade Civil ao longo do Sculo XX. Leses pessoais que difi cilmente seriam passveis de repercusso jurdica no passado atualmente gozam de plena proteo legal, e at mesmo possuem tratamento ideolgico superior aos chamados danos materiais. Dentro dessa contextura que se analisa a existncia dos danos a um projeto de vida. Em sua estrutura conceitual encontra-se a defesa da liberdade do ser humano sob um enfoque que supera a noo esttica de liberdade tal como defi nido tradicionalmente nos Cdigos ocidentais. Se bem que a eventual falta de nomeao explcita por parte da legislao em vigor no possa ser oponvel como impedimento ao reconhecimento desses danos, sua compreenso sistemtica medida que se impe para dar-lhes adequada fundamentao epistemolgica.

    Palavras-chave: responsabilidade civil. Danos pessoa. Liberdade e vontade. Exis-tencialismo. Projeto de vida. Reparao. Danos morais.

    1 DIGNIDADE HUMANA E RESPONSABILIDADE CIVIL

    Em sua conhecida tese sobre a era dos direitos, que constitui o marco epistemolgico no qual estamos situados, Norberto Bobbio defende o carter materialista histrico das conquistas jurdicas dos ltimos sculos, as quais tiveram comeo j algum tempo atrs. O autor peninsular deixa claro que, desde as lutas revolucionrias que culminaram com a criao do Estado Moderno, houve uma mudana irreversvel na dinmica das relaes de poder, que passaram a ser projetadas no mais sob a

  • Temas de Direito PrivadoK40

    perspectiva do soberano e sim do cidado (BOBBIO, 1996. pp. 15-25). Naturalmente, o Estado Moderno j no existe mais como estrutura ideolgica. Sem embargo, sua tradio libertria foi no apenas guardada como transmitida para os sculos vindouros que, talvez por terem vivenciado convulses de intensidade ainda maior, souberam conserv-la e principalmente ampli-la sob nova dinmica.

    No mbito do Direito Civil, para alm dos campos como o Direito de Famlia e naturalmente dos Direitos da personalidade, esse complexo cenrio importou tambm a reformulao da prpria ideia de Responsabilidade Civil, pois, como assinala Patrice Jourdan, a valorizao da pessoa humana conduziu os cidados a demandar cada vez mais do Estado-providncia (JOURDAN, 2003. p 10).

    Somado a esse contexto sociopoltico, ou mesmo at infl uenciando-o, destaca Jorge Mario Galds que a trplice revoluo (digital, informtica e gentica) acontecida ao longo de todo o sculo XX terminou por, a despeito de todos os imensos benefcios que possibilitou, impactar negativamente sob muitos outros aspectos sob a pessoa hu-mana, dando origem a uma convergncia inescindible de nuevas causas de daosidad, nuevas tcnicas y procedimientos cientifi cos para identifi car otros daos, nuevos bienes jurdicos tutelados, todo lo que amplifi ca el elenco de las garantas y derechos que tute-lan al individuo espiritual (GALDS, 2005 p. 160).

    Atualmente, com efeito, eventos que um sculo atrs difi cilmente seriam passveis de repercusso jurdica hoje no apenas gozam de pronta proteo, como possuem, ade-mais, dimenso valorativa nitidamente superior aos chamados danos materiais, at al-gum tempo atrs os nicos indenizveis pelos ordenamentos jurdicos de tradio liberal1. Num simples e feliz arremate, Jorge Mosset Iturraspe diz que a Responsabilidade Civil, que foi construda a partir da noo da culpa, hoje se qualifi ca a partir do dano, que por sua vez refl ete uma inteno no encoberta de privilegiar a vtima no lugar do agressor (ITURRASPE, 2004, p. 37).

    Por isso mesmo, ainda de acordo com outros autores, as principais diretrizes da Responsabilidade Civil nos dias presentes podem ser observadas nas seguintes orientaes cardiais: a) a extenso dos danos reparveis; b) a objetivao da responsabilidade civil; c) a preveno dos danos; d) o aumento da relao de fatores de atribuio; e) a ampliao da legitimidade passiva e ativa em demandas indenizatrias; f) a diminuio para a vtima dos nus probatrios; g) a socializao gradual dos riscos por meio do seguro obrigatrio e da seguridade social (GUTIRREZ, 1997, p. 18).

    No que diz respeito proteo da dignidade humana, tal expanso pde ser sentida, por exemplo, na consolidao daqueles que poderamos chamar genericamente danos morais, aplicados na Frana desde o acrdo da Corte de Cassao datado de 25 de junho de 1833. Seja a partir de sua manifestao inicial como danos decorrentes

    1 Sobre o assunto cf.: BAPTISTA, 2005; GUTIRREZ, 1997; TUNC, 1989.

  • Danos a um Projeto de Vida? K 41

    de um abalo psicolgico, seja na sua atual concepo objetiva de qualquer agresso a algum direito da personalidade, do inegvel testemunho da mudana ideolgica sofrida pelas sisudas regras da Responsabilidade Civil.

    Mais recentemente, os danos decorrentes do abuso de direito, do dano por ricochete, do dano de ordem gentica (ou ao patrimnio gentico), do dano esttico (quer se reconhea ser ele autnomo ou no ao dano moral), o dano por perda de uma chance e tantos outros representam, igualmente, exemplos cotidianos da crescente expanso de bens juridicamente protegidos tendo como base no respeito pessoa humana (JOURDAN, 2003. p. 121).

    , assim, possvel afi rmar com segurana que toda construo legislativa, doutrinria e jurisprudencial acontecida no Sculo passado em relao aos danos orientou-se no sentido de contextualizar as defi nies clssicas com as novis experincias de uma sociedade de massas, o que, por outro lado, tambm ocasionou em certos casos algum exagero, at mesmo ao limite do rompimento de certos padres morais2.

    O exagero, inegvel em muitos casos, no pode servir, entretanto, de argumento para sustentar qualquer postura ideolgica que defenda uma estagnao, ou mesmo o retrocesso da reconfi gurao da Responsabilidade Civil em vista a uma mais efi caz e plena defesa das vtimas.

    Se existe o problema da propagao irracional dos danos, como tambm observam Guildo Alpa e Mario Bessone, ele dever ser resolvido reconhecendo-se que o progresso tecnolgico e humanitrio vivenciado dentro do sculo XX produziu uma modifi cao irreversvel no mbito da reparao civil de modo que se bem nem todo dano possa ser indenizvel, pelo menos e cada vez mais os danos e dentre eles os danos sofridos diretamente pelos seres humanos tornam-se bens juridicamente tutelados (ALPA; BESSONE, 2001. p. 5). Para a soluo racional e razovel do assunto, portanto, deve medrar uma necessria harmonizao entre as normas de responsabilizao civil e esses novos bens jurdicos que continuam a surgir, cada vez mais e mais, em uma sociedade cada vez mais dinmica.

    2 Destaca-se, especifi camente, o caso da jurisprudncia que se formou na respeitadssima Corte de Cassao francesa a partir do chamado Arrt Perruche (Court de Cassation, Assemble Plnire, 17/11/2000), quando se aceitou a possibilidade de responsabilizao civil por erro mdico consub-stanciado na ausncia de informao aos pais de um nascituro que era portador de rubola. Sendo a interrupo da gravidez admitida na Frana e havendo o casal Perruche expressamente afi rmado que desejaria interromper a gravidez nessas circunstncias, a Corte de Cassao entendeu que deveriam ser indenizados pelos prejuzos resultantes dessa defi cincia, em funo de no terem podido evitar o nascimento da criana. A questo, pela sua intrnseca dimenso moral, ensejou ainda uma srie de re-percusses legislativas que foram parar na Corte Europia dos Direitos do Homem. Para uma leitura do caso Perruche sob o enfoque multidisciplinar, consultar o dossier Perruche. Disponvel em: Acesso em: 25 jan. 2010).

  • Temas de Direito PrivadoK42

    Da porque assistir razo a Carlos Alberto Ghersi quando afi rma que a noo de dano juridicamente reparvel vai sofrendo uma ampliao diria, sobretudo por fora da realidade socioeconmica e que, em tempos atuais, seria necessria uma reviso das regras da responsabilidade civil para melhor adapt-la ao momento histrico que vivenciamos, onde tais normas jurdicas precisariam estar fundamentadas em srias projees de anlise econmica sobre a produo, circulao e comercializao de bens e servios para no deixar frustradas vtimas em um mundo globalizado (GHERSI, 1996, pp. 29-37).

    Dentro dessa complexa contextura (contexto) que se mostra interessante analisar o predicado dano a um projeto de vida. Em sua estrutura conceitual encontra-se a defesa da liberdade do ser humano, conceito esse que sempre mereceu a ateno dos ordenamentos jurdicos desde o Cdigo Napoleo e que, particularmente no Direito brasileiro, sempre teve sua privao direta indenizvel tanto pelo Cdigo Civil de 1916 (art. 1550), embora se discutisse em um primeiro momento a natureza jurdica da reparao, como pelo vigente Cdigo Civil de 2002 (art. 954), agora j sob o manto tambm do dano moral.

    Nada obstante, a ideia de projeto de vida e as consequncias psicossomticas que nele so predicadas superam em muito ao esttico conceito de pri