revista fortaleza 21 - edição 01 - 2015

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REVISTA ELETRÔNICA #01 2015

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Primeira edição da revista eletrônica do Projeto Fortaleza 21, PROJETO PREMIADO PELO I EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO PROGRAMA DE RESIDÊNCIAS E INTERCÂMBIO 2013 - PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA - SECULTFOR.

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REVISTA ELETRÔNICA #01

2015

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FORTALEZA 21

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TODOS OS TEXTOS DESTA EDIÇÃO SÃO COPYRIGHT DE SEUS RESPECTIVOS AUTORES

CARLOS EMÍLIO CORREIA LIMA

FERNANDA MEIRELES

FREDERICO RÉGIS

MÁRCIO MOREIRA

O POETA DE MEIA TIGELA

SILAS FAÇANHA

PROJETO PREMIADO PELO I EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO PROGRAMA DE RESIDÊNCIAS E

INTERCÂMBIO 2013 - PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA - SECULTFOR

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CARLOS EMÍLIO CORREIA LIMA 9O LIVRO DA NUVEM, 11

MÁRCIO MOREIRA 17OS TRÊS NOMES DE JOSEFINE, 19FOSSEM REAIS OS PIXELS, 21

O POETA DE MEIA-TIGELA 23O A E O Z, 25PRIMAVERA, 26CONCERTO, 28

SILAS FAÇANHA 29ARESTAS, 31DE MÃO, 32UNGIDO, 33

FREDERICO RÉGIS 35INADIMPLENTE 37OCEANIA 38CURATELA 39

FERNANDA MEIRELES 41MISSIVA PARA MIGUEL LEOCÁDIO, NÃO ENVIADA, 43DO CADERNIM DE VIAGEM, VÁRIAS DATAS NESSA SOJOURN, 44

SUMÁRIO

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RESPONSÁVEIS PELA PRODUÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA FORTALEZA 21

NATHAN MATOS (COORDENADOR DO PROJETO)

MADJER DE SOUZA PONTES (PESQUISADOR)

TALLES AZIGON (PESQUISADOR)

REVISOR: CAMILA ARAUJO

PROJETO GRÁFICO: NATHAN MATOS

DIAGRAMAÇÃO: TALLES AZIGON

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A CRIAÇÃO DO PROJETO FORTALEZA 21 NASCEU EM UM DOMINGO A TARDE, ENQUANTO A REDE ERA BALANÇADA POR UM DEDO À DISTÂNCIA DO SOFÁ. QUANDO FINDAVA UMA LIGAÇÃO DE TALLES AZIGON PARA NATHAN MATOS, UM NOVO MUNDO SE ABRIA PARA PERSPECTIVAR NO-VAS POSSIBILIDADES PARA OS AUTORES NASCIDOS EM FORTALEZA. ASSIM, NASCEU O FORTALEZA 21, DE UMA AMIZADE QUE ENVOLVE, DESDE SEM-PRE, A LITERATURA.

DESSA FORMA, SENDO PREMIADO PELO I EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO PROGRAMA DE RESIDÊNCIAS E INTERCÂMBIO 2013 - PREFEITURA MUNI-CIPAL DE FORTALEZA - SECULTFOR É QUE FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DO PROJETO DURANTE OS MESES DE OUTUBRO A JANEIRO NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DOLOR BARREIRA. LÁ, VÁRIOS DIAS E HORAS LENDO OBRAS DE AUTORES NASCIDOS EM FORTALEZA PUDEM SER VERTIDOS EM 7 ÓTIMAS ENTREVISTAS NO ESPAÇO DA BIBLIOTECA CONHECIDO COMO “GIBITECA”.

ASSIM, AO LADO DE MADJER PONTES, NATHAN MATOS E TALLES AZIGON CRIARAM UM ESPAÇO PARA SER POSSÍVEL CONVERSAR SOBRE LITERATU-RA, EDITORAÇÃO, AUTORIA E DIFICULDADES DE PUBLICAÇÃO DENTRO DO ESTADO DO CEARÁ. COM UM PÚBLICO PEQUENO, PORÉM FIEL, ÀS QUAR-TAS-FEIRAS, QUASE SEMPRE, SE ENCONTRAM COM OS ESCRITORES PARA INICIAR UM PROJETO QUE TEM POR FIM A SUA PRIMEIRA EDIÇÃO, MAS QUE DEIXA EVIDENTE A NECESSIDADE DE SE REPENSAR OS ESPAÇOS PARA A LITERATURA EM NOSSA CAPITAL.

QUE ESSA FORTALEZA DIGITAL POSSA SER UM PRIMEIRO REPOSITÓRIO DE TEXTOS DE AUTORES QUE NÃO POSSUEM AINDA O RECONHECIMENDO DEVIDO SIMPLESMENTE POR NÃO POSSÍREM ESPAÇO ENTRE OS DEMAIS.

QUE ASSIM SEJA E QUE O FORTALEZA 21 NASÇA FORTE FEITO FORTALEZAS QUE SE ERGUEM E PERMANECEM DURANTE SÉCULOS...

OS PESQUISADORES

EDITORIAL

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CARLOS EMÍLIO CORREIA LIMA

Carlos Emilio Corrêa Lima é escritor, poeta, editor, ensaísta, antidesigner, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente faz doutorado em Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Editor da revista o Saco Cultural, a revista Cadernos Rioarte, o jornal Letras & Artes (prêmio da APCA para melhor divulgação cultural do país em 1990), a revista triangular Arraia Pajéurbe. Cor-respondente da revista espanhola El Passeante no Brasil, co-editou o número especial sobre a cultura de nosso país. Crítico literário do inesquecível Jornal do Brasil. Publicou os roman-ces A Cachoeira das Eras, A Coluna da Clara Sarabanda (editora Moderna, 1979), Além Jericoacoara, o observador do Litoral (Nação Cariri editora,1982), Pedaços da História Mais Longe, 1997, com prefácio de José J. Veiga e apresentação de Braúlio Tavares (editora Impressões do Brasil, 1997), Maria do Monte, O romance inédito de Jorge Amado (Tear da memória editora, 2008). os livros de contos Ofos (Nação Cariri,1984), O romance que explodiu (editora da Universidade Federal do Ceará, 2006, com orelha de Uilcon Pereira). O livro ensaístico Virgilio Varzea: os olhos de paisagem do cineasta do Parnaso (coedição da Editora da Fundação Cultural de Santa Catarina e da Universidade Federal do Ceará, 2002). Tem ainda inéditos os livros Culinária Venusiana (poesia), Delta do rio suspenso (ensaios), A outra forma da Lua (contos fantásticos) -, Teatro submerso (dramaturgia para o fundo do mar), Solário (contos infantis).

E-mail: [email protected]

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E então ele me dizia que só havia uma única nova forma de narrar ao que eu refutava invariavelmente com todas as outras formas variáveis e ainda não tentadas que boiavam no ar, saindo, em orvalho rarefeito, escapando de nossas janelas mentais, indo para o mar e que era preciso busca-luzes, busca-lãs, era preciso buscá-las, com a força da luz em sumérias induções o que custasse procurá-las com gestos lentos e rebuscados na manhã. E eu afirmava ainda que havia descoberto cinco novos ele-mentos, intrusivos elementos de condução a acrescentar às prateleiras submarinas da química. E a apalavra “tarrado” aparecia nas nuvens mecânicas das conversações. Tentava fechar a porta de meu quarto o qual situava-se em muitas outras partes su-perpostamente, - Z me ajudava - empurramos juntos com força geológica a porta do meu quarto que sempre ficava loucamente aberta: eram os dois irmãos, sempre pró-ximos, aproximativos, sempre surgindo nos meus sonhos, em sucessões de sequências herméticas. Havia mulheres na combustão das conversações que se avizinhavam do círculo da discussão e a quem de quando em vez eu dirigia a palavra em busca de apoios tonais às minhas fluentes afirmações. Mas o que seguia sempre aquela força de uma certeza magnética é que eu sabia que havia outras formas novas de narrar que não tinham apenas começo meio e fim. Serão formas seráficas, isto é, gráficas formas des-sitiadas e destiladas do intenso incomum. Eu gritava para M, baixinho e sempre à deriva, sempre me virando as costas e sempre à beira de uma explosão de nervos, - não importa a nossa opinião, o que achemos, sempre haverá coisas de que não sabemos e das quais não participamos, ainda ou nunca. Há inúmeras maneiras diferentes de contar estórias que fogem evasivamente dessa sua lógica A nossa opinião nada tem com o verdadeiro real dessas novas manifestações literárias.

Podemos imaginar um livro de palmas sobre uma pedra num jardim com frases escritas nele ao modo de caligrafia humana, porque há outras caligrafias não ne-cessariamente humanas, não feitas com as mãos, os pés, a boca, o pênis e podemos perceber o livro ali aberto ao sol a cintilar seus verdores ao olhar das nuvens e de qual-quer coisa inovando as tonalidades no céu, no espaço situado num jardim japonês que construímos com método sugado de tardes lentas e recessivamente flutuantes O que se lê no livro é exatamente este manuscrito que eu mesmo escrevo aqui com

O LIVRO DA NUVEM

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a caligrafia de água de irrigação, este conto em forma de diário , ensaio, essa anota-ção geográfica que fiz simplesmente após um sonho do qual me esqueci de todas as outras partes, parcelas que não ocorrem aqui em forma de texto escrito ou arado no solo antigo da manhã praiana em língua esquisa entre conchas, caramujos e pocinhas d’água salgada, estrias de vento, água fluente enrugada; há diversos outros livros dis-postos em diferentes lugares do jardim com continuações sincopadas dessa estóriaa, como poços de orvalho de historias, lagos móveis de histórias com suas flutuações, em barcaças, em versos escondidos dispostos em diferentes lugares do jardim, digamos que luzes levitadas indicado com seus focos , com seu prismas os outros trechos em outros quase livros todos dispostos unânimes em diversos recantos da paisagem, uma frase curva e bem grande na cumeeira da casa baixa ao lado do jardim escrita numa telha com carvão, algumas frases enterradas em caixas debaixo de pedras meditativas, escritas com grãos de arroz, gramíneas. Alguns percursos interlocados da historia lo-calizam-se nitidamente nas paredes ocas de madeira corrediça, às vezes uma única palavra em tintas vermelhas de asas loucas jogadas de um balde que centraliza em tinta o mistério contra uma porta muito grande . Fulano chega e abre esta porta que se abre para o mar..

– Vim procurar o livro que foi disposicionado, mimetizado no jardim e nos re-cantos arquitetônicos desse sítio aqui, minha tarefa é encontrar todos os relances do livro. Sanfoná-lo.

A mulher que me abriu a porta estava mascarada, não tinha proporções hu-manas esta máscara, era uma máscara imensa de mascar, nela estava escrito que eu deveria primeiro comê-la, sentar-me num banco disposto logo à entrada da delicada sala – chamada de turíngia, num esboço – para meu leve pasmo. Ela retirou a más-cara numa gargalhada prismática, pois imediatamente ao retirá-la vi que havia outra máscara dentro da outra máscara, todas estas outras já com palavras escritas por galhos de árvores de montanhas sobre o que eu deveria fazer em seguida, com indicações de meus gestos posteriores num relance sequencial imediato, escritos ríspidos por estas folhagens de altura.

Sentei-me no banco primevo enquanto a mulher desaparecia no interior da casa com certeza indo atirando-se para o mar ao redor da ilha ao redor. Eu estava no Cei-lão, seus halos dourados, não sabia bem, pois o jogo indicativo narrativo era de que eu não soubesse onde exatamente tudo isso estaria a ocorrer, escorrer, Eu pegara o avião em minha cidade natal e lera as instruções que só podiam ser abertas nas alturas mais vastas sobre o envidraçado mar de porcelana enquanto bebericava um uísque quase celestial, ouro líquido de pequenas bolhas de ambivalências que na certa continham narrativas efervescentes dissolvidas para meu sonho de viagem até chegar a este lugar desconhecido em viagem pelo ar-recanto hieroglífico, que me estava sendo preparado desde muito tempo atrás. Abri o envelope num estalo críptico com o endereço da casa onde estariam os cosméticos, os pedaços loucos e tranquilos da historia previamente instalados à minha espera. O vôo durou quase uma noite que desapareceu fusionada numa mancha incandescente. Chegara a uma cidade de um outro continente, pou-sara numa aeroporto sagrado, indescritível e remoto. Esperava-me no aeroporto em

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frente ao mar epigramático um homem que tinha quase a minha face, a minha idade e que falava exatamente como eu. Ele me levou até um táxi díspare, depois de cuidar da papelada com halos de arco-íris e dos passaportes na alfândega e me levou para um hotel quieto e sossegado, cabana temporária de madeira, às margens de um penhasco rochoso bem próximo ao mar lento e simbólico daquele lugar. Percebi que estava mesmo na Ásia, em seu apêndice de ilhas inquantificáveis, mas não tinha uma certeza de sol com raízes do nome daquele lugar, primeiro porque fui levado muito rapida-mente ao passarmos com o veiculo por zonas urbanas muito imprecisas, de dificultoso contorno, zonas mais de exalação de formas evaporantes do que topográficas e não pude ler as placas de sinalização, os letreiros nas lojas. Talvez mesmo o Ceilão fosse ali, mas não perguntei nada sobre isso aos meus herméticos e solícitos interlocutores. O motorista do carro não se via pois entre o banco traseiro e o banco da frente havia um tapume de cascas de uma talvez medicinal, mediúnica e inebriante arvore perfu-mada ali disposto para me provocar aquelas visões, posta ali para talvez compor aquela paisagem toda ao meu redor e que me levou á frente, sempre à frente, e logo mais a sentir uma tranquilidade profunda herdada de uma floresta ainda desconhecida, mas que provavelmente estava atada em algum lugar daquela possível ilha, pousada tam-bém temporariamente do céu.

O que eu lera no papel contido no envelope também inebriador, em minha viagem aérea fora apenas uma frase que me indicava o que eu agora estava a experi-mentar através daquele novo espaço. O encontro com o meu sósia que falava com sua voz de portões abertos ao mar uma linguagem de ondas, como eu falava português. A única diferença era que seus olhos eram mais escuros, micromapeados de uma cora-gem escura e poderosa, um pouco maiores do que os meus, gemas extraídas de uma encosta granítica poderosa.

Depois de deixarmos minhas coisas no quarto de hotel e de comermos uma refeição quase acrobática de estames de linho, gravetos tintos, pequenos fusos cro-máticos e de grãos alados fomos logo para a casa indicativa da história-proa que eu apreciaria deslindar ao conhecê-la.

Enquanto mastigava a máscara comestível, preenchendo-me de seu conteúdo indentitário eu me preparava para penetrar no jardim desconhecido e procurar quase como um âncora, seu xamã, todas as escritas, os pedaços fofos do livro ali escondidos, lembrando-me de tudo o que ainda não vira ali.

Fui para o pátio de chão de pedrinhas esmigalhadas aonde logo percebi o livro em estado invisível de jardim de meditação com suas pedras bastas, orquestradas em silêncio predisposto .retinindo em seus, brilhos, faíscas cantadas, pelo sol toda a escri-ta amarela povoada. Depois de dar alguns passos narrativos em sua direção, um outro pequeno livro-borboleta ruflou de seu oratório balouçante, de um arbusto ,sua escrita eram gotas de orvalho em linhas ,salteadas. Agora borrifadas sobre a pedra náutica do jardim mental. sentado na pedra cinzente e pura, granulosa que repensava a terra, comecei a ler o seguinte:

Você está sentado nesta pedra para conhecê-la por dentro, mais e mais. No principio, há muitos milhares de eras e anos, não havia principio. Tudo o que você

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sonhou ate aqui em toda a sua vida, muito longe daqui, veio habitar em mim. Todos os seus sonhos estão aqui, vaporizados de um modo que você desconhece em minha superfície, em meus halos, em meu interior, tudo eu povoo ao meu redor, sonhando, todas a minhas visões são esta paisagem que você preenche com seu corpo escrevente que aqui chegou em minha região. O que significa que a maior parcela de sua alma esta aqui. Você gostaria de esmagar-me, de bater com fortes martelos em mim, de triturar-me ate o longínquo? De me fazer ganir o infinito? Não aconselharia tal ação pois você com isso destruiria toda a sua memória. Este é um fato ardente, máximo que lhe conto. Você não pode quebrar- me, dissolver-me, o melhor é continuar lendo nas gotas de orvalho em minha superfície o conteúdo de nuvem do que tenho a lhe dizer. Mas o que vou lhe dizer não está nesta pagina vibratória de água e neblina, não esta mais aqui, evaporou-se a tênue e provisória escrita. Implanta-se em outra parte desse terreno, em algum por mãos invisíveis afagado lugar desse jardim você deve procurar a continuação dessa hidroestória volátil com serena volição. Permaneça ainda em pouco sentado e encostado sobre mim. Algo de seus sonhos voltará a você, pouco a pouco, pouso a pouso, você não tem prazos restritos para continuar com sua tarefa lúdica e exponencial. Caso deseje, você pode voltar ao seu hotel à beira-oceano e continuar sua tarefa na manhã seguinte, quando estivar mais tranquilo e permanente, escutando sons de pássaros fluviais Quem sabe possamos sonhar em uníssono e so-brevoarmos em sopros de silêncios as muitas partes da ilha em busca dos contares dos seus segredos mágicos contidos sem sua geografia.

Eu olhava para o céu calorífico do lugar quando terminei todo o texto que exista em outra parte do texto repartido pelo lugar, agora num pequeno ziguezague do livro retrátil de cabaças azuladas, duras descascas como cartões enviesados pelo sol, em suas couraças vegetais meio nodosas deserenhando-se quase móveis os traços incisos da topografia rítmica do jardim a ser solucionada com meus passos e meus movimen-tos de caminhada através de suas páginas terrestres e líquidas, pequenos lagos, cantei-ros e rochas com inscrições as mais diversas de rupestres. .As outras centenas centená-rias de páginas de linho aromático do livro escreviam-se numa linguagem inumerável que me pareceu ser muito semelhante à escrita da ilha da Páscoa com seus pássaros pequenos em constante metamorfose fluvial por todas as síncopes formais dos organis-mos terrestres, Era uma linguagem orgânica que nunca se petrificava em seu discurso fluente decisivo. Há muitas formas de escrita no mundo ainda não descobertas, era o que antevia enquanto folheolhava as páginas de vento daquela escrita mutante onde nenhum símbolo se repetiria jamais, como se transportado num interior de um rio imenso, veloz e invisível.

Elevei a cabeça e o divisei, observando-me num sorriso de enseada, desde a va-randa da casa leve de madeira, a meu jovem sósia. Quando entreabri a boca para vê-lo melhor, constatei que ele estava com uma cartão de bronze redondo que levantara com as mãos na altura de seus ombros, encobrindo momentaneamente a sua cabeça e que dizia inscrito em sua superfície esférica em nítido e giratório português alfabé-tico, aqui não se deve falar halos em voz alta, aqui somente se usam recursos outros bem mais que sutilíssimos da linguagem aérea mas nunca mesmo da voz, esta é a

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primeira regra desse jogo a que você foi convidado. A fala fica para depois, quando ela for escrita por voz que se imprime na superfície de certos rios escolhidos, sobre eles se escreve respirando muito rente a sua tona a relatar escultoricamente todos os seus passos tipográficos e procedimentos realizados neste lugar-jardim das novas formas narrativas. Retive na mente aérea a enorme, a frase do cartaz redondo tridimensional, perola grande de bronze com letras pretas inscritas e que de repente se elevou como um satélite que era na direção de sua órbita originária, mas fiquei ali feliz com essa quebra das convenções festivais do enigma paisagístico e logo me adaptei como um fi-losófico mergulhador daquele silencio jardinado, mergulhando internamente minha cabeça ao espaço, ajustando minha mente àquele todo. Fiquei horas evaporadas ali pensando leves pulsações, recebendo conselhos das sonoras ondas do mar ao longe.

Olhei para todos os lados, Girei a cabeça ao meu redor: o homem já havia su-mido de meu campo de visão, e eu me sentia absolutamente sozinho agora naquele lugar, as forças ignotas da viagem aérea muito longa, que eu fizera sobre mares e placas geológicas mudas da terra, ainda me inebriavam com suas forças ainda mais subsequentes como um halo de rotores tênues à volta de minha cabeça latente agora, Eu estava, presenciei, quase falando em voz alta respiratória, mas logo me contive recordando do lembrete escrito no satélite portátil visto na varanda, que pousara nas mãos de meu ser-elo, satélite particular daquela casa leve- eu ali na casa da nuvem instalada (dessa forma chegara aquele livro à Terra, em dispersão paisagística, aquele livro viera do céu, eu pressentira). Fazia muito calor no silencio daquele recanto, mas sendo um calor discursivo, escorrendo minúcias de alumbramentos distantes em mi-nhas mentes perdidas, em minhas mentes imotas, em diferentes partes do mundo, eu pressentia cada vez mais essa porejada mensagem e dessorria meu sorriso climático que parecia abrir as chaves de linho e chuva, linguísticas daquele lugar desenhado há séculos que novamente se abria para esse jogo secreto e recorrente, escorrente

Diante de menor recanto de retângulo do jardim não havia grama, mas areia branquíssima de praia distante varrida com ancinhos cobertos de rugosas inscrições ge-ométricas curvas alongadas. Não sabia se ainda voltaria o meu duplo para renovantes instruções gestuais sobre o livro disperso e suas indicações topográficas naquele lugar de alojamento simultâneo de escritas, e escutas do olhar. Ele há pouco sumira no in-terior da casa de paredes brandas como uma ventania de caniços de papiro dirigida de longe. Era a casa de paredes móveis, corrediças, levemente suspensa sobre o solo por pequenas finas estacas, curtos pilotis, ali parecia mais pousada do que erigida, pois fora trazida, pulsada, implantada por nuvem , baixada do céu. Tudo que fora ali estava ao meu redor, do que eu participava, fora proporcionado pela máscara expansiva da ampla mente que eu mastigara suas proporções invisíveis com ritmos imprecisos e arcaicos das mandíbulas, lenta e ritmiticamente, atilando-me. Bem, eu havia me desprendido dele na porta do muro da casa hermética. Ele prometera voltar em uma hora ao acaso, de-pendendo do que acontecesse comigo no interior daquele ambiente de sensibilidades aleatórias reunidas, no jardim da história camuflada na paisagem.

Onde estaria uma outra sequência dispersa daquelas frases que acabara há pou-co de ler? Eu estava a aprender todas as outras escritas da natureza, e além. Levantei-

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-me da pedra da nuvem que se aclarara e caminhei em linha reta até o muro de ardó-sia onde por trás de bambus ancestrais a ondular mensagens com a brisa vislumbrei escritas mais densas intercaladas entre seus finos caules também com escritas tímidas e caligrafias a decifrar, algumas úmidas palavras-manchas, como regiões enormes desmanchadas, sinuosas as nódoas chuvosas verticais ali empurradas com toda força acumulada desde os céus. Eram mapas de folhagens impressomânticas, cor de timo as marcas em relevo, levedo, graxa fértil das âncoras farfalhantes antigas de nuvem de toda aquela casa difusa e antiga, ali, lodosas mesmo no muro de ardósia, manchas do livro da casa das nuvens volumosas, impressões narradas arranhadas de cachoeira-mãe do céu, com suas filigranas nas bordas estreladas, cuneiformes. Aproximei-me e ven-do que eram configurações de deltas de rios, de terraços aéreos pluviosos, escrita de musgo, aromática, densa, do céu. Uma delas indicava as conformações afluentes de um Nilo, mas de um Nilo suspenso no espaço, ao seu lado havia conflormações, das mais intricadas, dos meandros narrativos do rio Amazonas em sua foz celeste e, em todas as outras, mapas-mantos mágicos em linguagem de deltas, em séries escritas de artérias oculares dos mais diversos deltas, estuários estelares de transmissíveis filetes, fios, cordões de rios refolhando tinidas ilhas remotíssimas em conchas ofertas, atentas, marajós raiados do universo.

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MÁRCIO MOREIRA

É escritor, designer gráfico e editor. Nasceu em 1989, com um pé em Fortaleza e o outro no Aracati. Estreou na literatura aos 11 anos com o conto Dragão (oito páginas, frente e verso, folha pautada), sobre um dragão mesmo. Depois disso, descobriu que encher tantas laudas dá muito trabalho e passou a escrever em fanzines, fins de caderno e diários virtuais na rede mundial de computadores. Seu primeiro livro, a coletânea de contos Odisseu, foi lançado em novembro de 2013, seguido de perto por seu primeiro título como editor, Pânico no José Walter, quadrinho-reportagem de Talles Rodrigues. Também faz parte do corpo de editores do site sobre tv Spoilers .

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No fim da vida, mudou de nome para Josefine, porque queria morrer francesa. Como as cantoras de cabaré que escutava escondido na casa das amiguinhas do colé-gio. Como as atrizes de filmes preto-e-branco de cabelo curtinho que podiam beijar e andar de moto em Paris. E, principalmente, francês como o primeiro beijo que trocou com seu marido, num tempo tão longe que já parecia a lembrança de outra pessoa.

A família não tinha dizer. Josefine podia fazer o que lhe desse na telha. Claro, desde que não abandonasse sua função de criado-mudo na casa do filho do meio. Nos últimos cinco anos, saltara de casa em casa, de filho em filho, um móvel antigo que ninguém tinha coragem de jogar fora. Mas esse era apenas, ela descobriria depois, um estágio intermediário, um casulo onde os velhos entravam para sair metamorfoseados em crianças de 2 anos. Não bastassem as fraldas e a baba que teimava em escorrer do canto da boca, ainda havia a última afronta: os diminutivos. Está com fominha? Quer ir pra caminha? Vamos tomar um banhinho? Muito devagar. E em voz alta.

Como foi que ficou tão velha?Desde a morte de Reginaldo (sentado no sofá, às 9h da manhã), as pernas não

funcionavam direito. Ela já era velha naquele dia, claro. Mas o cheiro dele despegava da casa e era como se a levasse junto, evaporando devagarinho até deixar para trás só um punhado de sais minerais e flúor. Depois disso, vieram a diabetes, palavras cruza-das, pressão alta, literatura espírita, saudade e falhas de memória.

Reginaldo, o homem mais cheiroso que já conhecera. O único que conhecia seu nome secreto, sussurrado na cama ou, muitos anos depois, no meio de um cheiro no cangote enquanto lavava a louça. O outro nome, de batizado, ela nem lembrava mais. Com os filhos e o tempo, foi sendo conhecida pela profissão: Mãe, Vó, Minha Senhora. Como se fosse o Zé do Leite.

Josefine era quem ela era o tempo todo e, pensando bem, não era um bom negócio. A decisão não cabia a ela. Para o mundo e, secretamente, para uma parte de si mesma de que tinha medo, ela era apenas um restinho de nada. Talvez agora, a dois passos da não-existência, valesse a pena já ir treinando. Ser o não-ser. Ser Josefine.

OS TRÊS NOMES DE JOSEFINE

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Ela se surpreendeu como era simples não ser. Enquanto viver sua própria vida parecia muito com andar em direção a uma parede, o outro lado se estendia como uma longa estrada ladeada por florestas. Josefine ainda tinha uma vida inteira pela frente, como se chegasse no fim do caminho e simplesmente virasse para o outro lado.

E talvez, ela suspeitava, isso não fosse apenas uma metáfora.A família tomou seu tempo, mas eventualmente percebeu as diferenças. A avó

havia virado do avesso. Agora, sorria pela manhã, saía à tarde e, às vezes, voltava à noite. A filha mais velha não tinha dúvidas: “É a chama da vela ardendo mais forte antes de apagar”. Todos concordavam em silêncio, balançando a cabeça. Todo pa-ciente terminal tinha seu dia de vigor antes de se deixar ir. Mamãe estava velha e não se pode ser mais terminal que isso. E, enquanto seus descendentes vestiam preto e procuravam os boletos no lote do cemitério, o mundo ao redor mudava sutilmente. O jardim de Josefine botava flor, o louro do feijão parecia ter mais gosto e a bisneta, de repente, desistiu de chupar bico por vontade própria.

Josefine lembrava antigas danças arrumando a casa, pegando ônibus para o Centro (gostou de ir sentada) e pintando o cabelo de acaju. Aprendeu novos passos, também. Viu um filme muito bonito em 3D (recomendou para as amigas), aprendeu a usar o Facebook e procurar festas da terceira idade na internet. Tentou andar na praia, mas só tentou. A juventude, ela descobriu, só vai até onde os joelhos aguentam.

Queria que Reginaldo estivesse ali. À noite, enquanto a família dormia inquieta, esperando a velha dar seu último suspiro, ela pensava em seu amado. Lembrava dele com tanta força que sentia o calor entre as pernas. Às vezes, via a silhueta dele parada ao pé da cama, observando-a dormir, com ternura. Talvez os velhos estivessem mais próximos dos fantasmas e ela pudesse passar uma noite com ele antes de se despedir das carnes. Por via das dúvidas, armava uma rede todas as noites para que ele pudesse descansar da viagem.

A Mãe, a Avó, a Digníssima, essa vivia sempre à espera. Preocupada com os filhos, com o marido, tudo sentia à perda. Josefine, não. Pela primeira vez em muito tempo (desde sempre), ela era de si mesma. A saudade, o medo, a velhice, era tudo dela. É uma coisa tão besta, Reginaldo. Josefine, além da alcunha que tomara para si, tinha um nome dado pelo pai e outro, um terceiro nome secreto. Que fora batizada em amor por seu homem nu, numa cama baixa sem colcha. Essa Josefine, no fim da vida, escapou às garras da Morte, que nunca conseguiu encontrar seu nome.

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Não era sua intenção. De verdade. Nem achava uma coisa assim possível, gostar tanto de uma estranha. Um ícone na tela. Existia mais em sua cabeça que no mundo físico. Quis pôr a culpa na suposta sincronicidade que lhe guiou por acaso o olhar até a foto dela, maldizer a vontade de conhecê-la que o assaltou naquele instante. Mas não pôde. A ânsia que doía no peito era dor boa. Sofrer lento de amor apenas imagi-nado, que chega dava arrepio no avesso.

De qualquer forma, era culpa do sorriso. Um sorriso de rosto inteiro (boca, olho, queixo) que puxava desapiedado o olho dos desavisados pra nunca mais. Tudo se per-dia ali, tudo se resumia- alínea ao lado do ponto final, com todo o infinito no meio- no sorriso. Feito o Big-bang.

Quando se falaram a primeira vez (ele fingiu que a conhecia de algum lugar, mas era desculpa), era nada ainda. Frases soltas para passar o tempo. Porém, logo se acostumou àquelas conversas, a enviar galanteios velados e a conferir som aos risos somente escritos- e ela ria muito. Agradava-lhe o escudo da tela, a fascinação de cri-á-la aos pedaços. Gostar dela, concluiu, era como escrever um romance. Cada linha enviada criando um pouco de vida. Foi se apaixonando aos poucos.

Agora já nem sabia mais que era aquilo, mistura de vontade de vê-la com medo. Medo de quê? De sabê-la gente, mostrar-se gente. Era mais inteligente escrevendo, tinha certeza, saía tudo mais fácil. Frente a frente, meio esquisito, não ia saber o que falar, decerto a perderia. Perder o quê, homem de Deus?! Era qualquer coisa de eter-no. Era toda possibilidade, não mais que isso: uma expectativa perpétua, um enigma sem resposta. O gato morto e vivo ao mesmo tempo.

Rota de fuga, ele bem sabia. Coisa de maluco mesmo. Mas sentia-se desengana-do. Às vezes, dava-se conta de que moravam os dois na mesma cidade e, de repente, ela era a cidade inteira. Em cada rosto havia um pouco do sorriso da tela, em cada transeunte, a presença possível e irreal certeza. Sabia lá onde ela morava, se pegavam o mesmo ônibus (ou andaria de carro?), se freqüentavam os mesmos lugares… Prova-velmente já a perdera de vista olhando para o outro lado no sinal fechado.

Procurava instintivamente por cima dos ombros um sorriso que o afogasse.

FOSSEM REAIS OS PIXELS

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Quando conversavam (ele se conectava para esperá-la e fingir ser o acaso), pergunta-va sobre ela, afim de absorvê-la. Fazia-se amável, compreensível, até deslizar sorratei-ramente a intimidade. Contava o tempo que ela demorava a responder, enciumado. Perguntava-se quantas outras janelas a esperavam, para quem mais ela se exibiria, para quem mais riria em letras maiúsculas, sem pudor. Como podia simplesmente não ser só dele? Não percebia nada?

Até que, uma noite, ela não apareceu. Esperou-a por muito tempo, consciência acesa na madrugada, olhando sem ver as miudezas que acessava só para ter o que fa-zer. Conjurou demônios, imaginou impropérios, quis esquecê-la, matá-la, possuí-la à exaustão. Imaginava- a, vestido preto, cabelo solto, um vício qualquer na mãos, saindo a noite, vivendo uma implausível, imperdoável vida onde ele não aparecia. Insônia mortal, cravejada de ódio. Quando a viu conectar-se, o nome piscando as 3 da ma-nhã, quis puní-la. Foi frio.

“oi.”“oiiii.”“tô saindo.”Arrependeu-se na mesma hora. E se… não sei. E se ela fosse mesmo inocente,

se não fizera nada demais? Fosse coisa da cabeça dele, estaria sendo um tirano. Ela poderia estar simplesmente vendo TV, estudando, dormindo. Decerto sentiria falta dele e, sem saber de que era culpada, se magoaria. Claro. Ele que era um imbecil.

Para se redimir, criou coragem e marcou um encontro. Dia tal, hora tal, ele de camisa verde, ela usando um par de covinhas no rosto. Era uma terça-feira, acho, e os dois se viram ao mesmo tempo. Ao ver o sorriso nervoso, ele quis falar de seu amor, de seu ódio, das noites insones e quilos perdidos. Mas conteve-se. Conversaram longo tempo de banalidades, sem saber o que fazer com as mãos ou onde pousar os olhos. Quando se despediram, tardezinha (“te mando um scrap”), sentia-se leve como há muito não sentia.

Naquela noite, viu o nome dela piscar na tela. “Just signed in”. Clique. Block contact. Clique. Ela teria que entender, não dava certo. Ela não era bem o que ele imaginava.

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O POETA DE MEIA-TIGELA

O Poeta de Meia-Tigela nasceu Aves de Aquilino a 08 de agosto de 1968 em Brejo Santo, Ceará. Publicou em 2008 o Memorial Bárbara de Alencar & Outros Poemas. Em 2010 o Concerto N. 1Nico em Mim Maior para Palavra e Orquestra — 1º. Movimento e em 2011 a reedição revista, ampliada e desmelhorada do Memorial. Este não foi tra-duzido para várias línguas: dentre as quais o espanhol italiano francês inglês alemão rus-so nepalês e náuatle. Em 2011 o Concerto não ganhou o Prêmio Jabuti apesar de não ter concorrido. Nos derradeiros anos a obra d’O Poeta de Meia-Tigela tem sido aclamada pela crítica nacional e internacional com es-trondoso silêncio

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O mais que nos dizemos são veredasquasefala que exulta e silenciao gemido de espasmo em que segredaso sulco o sumo oculto da lalia

Com a força milenar de um Rigvedanossa semipalavra se irradiao grunhido a mudar-se em labaredase a fervilhar em Verbo em Parusia.

O amor que te sussurro em afoniae que decodificas e desvelasserá cedido a outrens algum dia

Desaparecerá a maladiaque ora devasta o mundo e o desmantela

Seremos todos Um, na PoeSIa

O A E O ZO Poeta de Meia-Tigela

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Tiveste corpo carne e osso deveras?Formas de mulher lânguidas melíferas?O sumo das maçãs peras ou nêsperas?Ousaste desejar dores puérperas?

Ou nem vieste a — logo posta às feras?O que te veste agora, o halo de EtéreasEstrelas? Sentes frio ou te incineras?Quando soube de ti tu já não eras

Talvez chegaste a(o) ser — além das Eras —Habitante de Altíssimas EsferasImune ao tempo sem após ou vésperas?Passas entre, através das coisas meras

(E nós outros aqui em meio às herasE sós em nós de acérrimas QuimerasE vãos nos vãos das mais fundas crateras)Sombra sonho o que foste? ...Primaveras

PRIMAVERA/ PARA LIA TERCEIRO

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A. O poema esse compostoDe palavras e vaziosMas ocos que em seus estiosMuito dizem. Como um rosto

B. O poema é intervaloSenda estreita entre a pronúnciaE a sua própria renúnciaOutro dizê-lo é calá-lo

C. O sentir que se adivinhaNas palavras é silêncioO dizer se cala: vence-oO não-dito em entrelinha

D. Dizer é guardar-se em ventreE também expor-se ao ventoÉ — num único momento —Mostrar-se e esconder-se entre

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Pode ser romano ou púnicoDo Pará PiripiriCada qual Concerto em SiMaior e Número 1nico

CONCERTO

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SILAS FAÇANHA

Nasceu em 20 de maio de 1999. Escreve desde crian-ça, quando ganhou a obra completa de Drummond e achou que era uma Bíblia. Lançou seu primeiro livro de poesia,“Travessia”, na X Bienal Internacional do Livro do Ceará e foi um dos cinquenta autores que participaram da Coletânea de Poemas Ideal Clube de 2013. Silas ganhou alguns prêmios literários na sua escola e no Grupo Chocalho de Literatura, faz parte do Abraço Lite-rário e da Associação Cearense dos Escritores.

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Odeio estas roupas Tanta alça tanta gola

Tanto pano tanto bolso Permaneço nu se não me vestem

Se hesito Despem-me Se desisto

Queimam-os Se calado fico

Enlatam-os Se me pronuncio

Enlatam-me

ARESTAS

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Pétalas no raloFormigas no talo

Nenhum ouro pesaO que me pesa às costas

Não vejo metalA corcunda é que brilha

As ações crescemAs ações pesam

As vértebras inclinamEstralam e partem

Nenhum ouro valeO que me estrala às costasNenhum ouro compraria

O que levo no casco

Em lucidez nãoMas em desespero

Seria o movimento primeiroQue eu faria

Pétalas no raloFormigas no taloAtlas nas costas

DE MÃO

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Indico, se passo, não andoNão cruzo o centro

Adaga, de folha caulosa Sendo o que sendo Não corta o vento

Indico, se ouço, não noto Se posso, não olho pra dentro

O fogo, da praga pintada Qualquer comburente

Não queima o momento

Indico, de pouco, eu ganho Não aponto o firmamento Recolho, fuligem em parte

Combustão freqüente Intacto sentimento

Ungido, vem do cheiro, o cantoRindo os limites do pensamento

Escondo, o resto de sortePresente do santo

Levanta-me que eu tento

UNGIDO

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FREDERICO RÉGIS

Cearense nascido em 1973, Frederico Régis Pereira, como o próprio se percebe exteriormente, é engenheiro de formação, bancário por sobrevivência e poeta por necessidade. Sua atividade literária iniciou em 1988 com a escrita dos primeiros poemas.

Desde então, participou de inúmeras antologias de poesia, recitais e prêmios, além de integrar grupos culturais de Fortaleza, como Ceia Literária, Coral Conterrâneo e Poetas de Quinta.

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Para cada verso que me vemEu fico devendo um dia no mundoPara cada beijo dadoGanho quatro minutos de vidaVivo entre esses milagres Então me proponhoA escrever coisas de amorPra ver se desse jeito morroCom menos vinagreEntre os lábios 

INADIMPLENTE

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HumanoNa dispersãoDe milhares de homens Água no copoNo barco cercado de águasPor todos os lados E não há um siÀs ilhas na dispersãoDe milhares de ilhas Água no corpoNos olhos salgados de águasPra todos os lados Gagas gírias gritosManifestas e contidasNo coração Pousos no marPitadas de marromNo múndi azul da bola(girando na mesa) Grãos gotas grotasEscondidas e emersasNa imaginação 

OCEANIAFrederico Régis

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Repouso no marNa aula de amarFrente ao azul e ao alarde(girando o planeta)

 Continente que não se contémVive no exílioHabitante das tardes IncontinenteVagando nos temposQuem juntará suas partes?

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E aí, meu amor, vamos mexer com coisas sagradas?O que há de mais puro dentro de nós.Por esses dias não posso viajar para Barcelona,Tenho que cuidar das fraldas de papai.E mamãe tá meio perdida com suas plantas e gatos.Quanto àquele projeto de trocar de apartamento,Vamos deixar para os outros;A grana do fundo de garantia já está acabandoE não tenho mais nem para o cotidiano. Ei, meu amor, sabe aquele projeto de deitar cedo,Dormir até as nove e ir para academia antes do almoço?Vamos deixar descansar por uns tempos,Que a barra não tem me permitido dormir todo dia.É que essas enfermeiras cobram horrores.Então, amorzinho, perdoe pelos cochilosNo percurso do trabalho para o posto de saúde. Pois é, querida, peço mil desculpas, pois não é desta vezQue experimentarei fondue com vinho do Porto.Preciso recolher para a sopa as sobras do almoço.Fique você com a fruta e dê as cascas aos pobres,Que eu fico por aqui mesmo roendo o caroço. 

CURATELAFrederico Régis

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FERNANDA MEIRELES

Escreve e publica em zines, postais, garrafas, camisas, jornais, cartas e fotografias e cruza es-paços com a Loja sem Paredes. Estudou Letras, Arte-Educação e Comunicação Social. Trabalha, aprende e vive da mistura de formas e conteúdos. Faz da cidade de Fortaleza um dos principais temas de sua arte. Foi responsável por organização de coletâneas e publicou em 3 delas: Mas-sanova (poesias, 2007), Metrópolis (contos, 2010) e Contos de Travessia (2014).

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