revista f - nº 03

48
maio 2014 : : ano 2 : : nº 03 Os interesses por trás das leis que regulamentam a terceirização pág 26 Federação dos Trabalhadores no Serviço Municipal no Estado do Ceará - FETAMCE fetamce.org.br A precarização das relações de trabalho através da terceirização Neoescravismo Mais de 25% dos trabalhadores já estão com emprego precário, num processo que está degradando os direitos trabalhistas Pág 04 Pág 34 Pág 40 ENTREVISTA A luta contra o PL 4330 ENTREVISTA O combate do Ministério Público à terceirização no Estado ARTIGO A Terceirização e o Serviço Público Pág 31

Upload: fetamce

Post on 25-Mar-2016

220 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Revista F - Nº 03

maio 2014 : : ano 2 : : nº 03

Os interesses por trás das leis que regulamentam a terceirizaçãopág 26Fe

dera

ção

dos

Trab

alha

dore

s no

Ser

viço

Mun

icip

al n

o Es

tado

do

Cea

rá -

FET

AM

CE

fet

amce

.org

.br

A precarizaçãodas relações

de trabalho atravésda terceirização

Neoescravismo

Mais de 25% dos trabalhadores já estão com emprego precário, num processo que

está degradando os direitos trabalhistasPág 04

Pág 34

Pág 40

ENTREVISTA

A luta contrao PL 4330

ENTREVISTA

O combate do Ministério Público à

terceirizaçãono Estado

ARTIGO

A Terceirização eo Serviço PúblicoPág 31

Page 2: Revista F - Nº 03

CAMPANHA SALARIAL ESTADUALUNIFICADA 2014

Page 3: Revista F - Nº 03

3 Revista FETAMCE

EDITORIAL

Aluta dos trabalhadores do serviço público municipal contra o avanço do capitalis-mo nos direitos trabalhistas

é meta da Federação dos Trabalha-dores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce).

Todo semestre, renovamos nos-sas principais lutas por meio da ação sindical, que hoje está cada vez mais ancorada em uma forte política de comunicação, exempli-ficada por esta revista. E a cada período esta luta se mostra ainda mais necessária. Várias categorias, entre elas os ser-vidores municipais, enfrentam uma nova batalha no Con-gresso Nacional, com a discussão do PL da Terceirização, que pretende ampliar a nefasta e retrógrada interferência da subcontração, que avança sob os contratos entre empre-gadores e empregados.

Não deixaremos que o avanço do capital financeiro der-rube nossas trincheiras. É por esta razão que nos mobili-zamos contra o braço neoliberal nos governos, nos parla-mentos, nas entidades sindicais, que empobrece e explora pessoas na perspectiva de aumento dos lucros.

É hora de união de esforços, de semear o debate, de pro-curar aliados, de trabalhar em sintonia a fim de garantir tudo aquilo que foi conquistado pela classe trabalhadora, preservando a memória de muitos de nós que tombaram lá atrás nesta militância, abrindo as portas para que hoje estejamos aqui.

Mais do que nunca é tempo de afirmar o trabalho de-cente. Vamos juntos levantar as nossas bandeiras e dizer que terceirização é gol contra! Adiante companheiros, rumo ao futuro de igualdade de direitos e segurança no trabalho.

Enedina Soares - Presidenta da FETAMCE

Hoje os trabalhadores se unem para pedir avanços

E X P E D I E N T EUma publicação da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (FETAMCE)

Diretoria ExecutivaEnedina Soares da Silva - Presidenta - Caucaia

José Valter Alves Saraiva - Vice-Presidente - Piquet Carneiro e RegiãoMaria Ozaneide de Paula - Secretária Geral - Aquiraz

Luciene de Oliveira Alves - Sec. de Administração e Finanças - Quixadá e RegiãoAna Claudia de Melo Pereira - Sec. de Organização e Política Sindical - Pentecoste

Nadja Carneiro de Souza - Secretária de Formação - UbajaraDjan Carlos Lopes Pinheiro - Secretário de Política Social - MilhãÉdila Maria Vasconscelos - Sec. de Assuntos Jurídicos - Irauçuba

Maryane Costa Correia - Sec. de Juventude - OcaraMagnaldo Barros Franco - Sec. de Comunicação - Várzea AlegreIvaneiça Vieira da Costa - Sec. da Mulher Trabalhadora - Eusébio

Francisco de Matos Junior - Sec. de Saúde do Trabalhador - CratoCarla Pricila Gomes - Sec. de Combate ao Racismo - Quixeramobim

José Airton da Silva - Sec. do Meio Ambiente - IbiapinaAntônio Marcos P. Santos - Sec. de Relações do Trabalho - Tabuleiro do Norte

Rafael Fernandes Ferreira - Sec. de LGBT - Jaguaribe

Suplentes da Dir. ExecutivaVilani de Souza Oliveira - Maracanaú

José Quirino de Oliveira - Antonina do NorteFrancisco Barroso de Paulo - Umirim

Oziel da Costa Cabral - Santana do AcaraúCarmem Silvia Ferreira Santiago - Barreira

Maria das Graças Costa - QuixadáSebastiana Rodrigues Faustino - Itapipoca

Conselho FiscalEFETIVOS

Edimilria do Nascimento Cruz - BeberibeFrancisca Neiva Esteves da Silveira - Quixadá e Região

Terezinha G. Barros Ferreira - Ipaumirim

SUPLENTESFrancisco Rubinildo de Lavor - Itapipoca e Região

Antônia Gonçalves Paiva - IpaporangaLuzimar Ferreira Ribeiro - Trairi

Circula semestralmente, no estado do Ceará

Jornalista Responsável:Rafael Mesquita - (MTb CE 2432 JP)

Redação e Edição: Rafael Mesquita

Alan Rodrigues (MTb CE 2625 JP)

Projeto Gráfico:Maherle

85 [email protected]

APOIO EDITORIAL:Alan Rodrigues – Assessoria de Comunicação

Messias Moreira – Assessoria Institucional Rosilene Cruz – Subseção do Departamento Intersindical

de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

www.fetamce.org.brR. Padre Barbosa de Jesus, 820, Fátima - Fortaleza/Ce | CEP 60040-480

Fone/Fax: 3226.1788 E-mails: [email protected] / [email protected]

Page 4: Revista F - Nº 03

NeoescravismoA precarização das relações de trabalho atravésda terceirização

Mais de 25% dos trabalhadores já estão com emprego precário, num processo que está degradando os direitos trabalhistas

C A PA

O discurso adotado por vários se-tores, como empresas, governos e meios de comunicação é de

que a terceirização permite a otimização da produção, seja na empresa ou órgão público. O aumento de produção, por sua vez, acarretaria em um aumento da qualidade do trabalho com garantias de mais direitos sociais e melhores salários.

Hoje, o trabalho terceirizado está mais presente em ocupações de menor remuneração e maior descontinuida-de contratual. Os empregos nesta mo-dalidade atendem fundamentalmente a mão de obra de salário-base. Desta

4 Revista FETAMCE

Page 5: Revista F - Nº 03

Na prática, existem dois modelos de terceirização: o primeiro diz res-peito a uma estrutura administrativa em que a grande produção própria seja orientada apenas para a ativida-de-fim daquela empresa. Dessa for-ma, outras atividades como limpeza, alimentação e segurança são terceiri-zadas de outras companhias que rea-lizam apenas aquele tipo de serviço. De acordo com tal visão, portanto, a terceirização é uma ferramenta as-sessória. Tais atividades, como segu-rança, alimentação, vigilância, con-servação e limpeza são chamadas de atividade-meio, e são subcontratadas em boa parte das empresas.

O segundo modelo rompe com essa barreira e libera a terceirização para todas as atividades, sendo assim, adota-se a contratação de terceiros na chamada atividade-fim (aquela

forma, as ocupações geradas em tor-no do processo de terceirização do trabalho tendem a se concentrar na base da pirâmide social brasileira. O uso da terceirização da mão de obra tem se expandido fundamentalmente pelo setor de serviços, embora esteja presente em todos os ramos do setor produtivo.

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e do De-partamento Sindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no Brasil há entre 12 e 13 milhões de terceirizados, quase um quarto da for-ça de trabalho com carteira assinada.

considerada a principal de uma em-presa). Ou seja, uma fabricante de aparelhos eletroeletrônicos poderia terceirizar a atividade-fim que está relacionada à produção do produ-to (celular, televisão, geladeira), por exemplo. Porém, a prática para ativi-dades-fim é proibida. Ainda que não haja lei no país sobre terceirização no setor privado, a Súmula 331 do Tribu-nal Superior do Trabalho (TST) traz a restrição. Este é o tema do projeto de lei (PL) 4.330, que está em vigoroso debate na Câmara dos Deputados. O texto propõe a regulação da terceiri-zação no Brasil. A proposta original, feita em 2004 pelo deputado Sandro Mabel, modificada nos debates dos últimos anos, é alvo de oposição de todo o movimento sindical brasileiro.

Fot

o: M

arco

s A

dega

sFotos da IV Marcha Estadual do Trabalho Decente, realizada pela Fetamce, no dia 11 de outubro de 2013, com apoio da Central Única dos Trabalhadores e dos sindicatos filiados. Nesta edição, o tema foi “Basta de Precarização no Serviço Público Municipal”, uma referência aos riscos que a terceirização representa aos direitos trabalhistas e à sociedade.

Page 6: Revista F - Nº 03

C A PA

Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce).

Para Rosilene Cruz, técnica da subseção do Dieese instalada na Fe-tamce, “esse mecanismo transforma em custos variáveis o que antes eram custos fixos, ou seja, a empresa prin-cipal deixa de ser a responsável pela tutela dos trabalhadores, excluindo--se demandas pontuais, como cor-reções de uniformes, ou as grandes demandas, como multas por aci-dente de trabalho. Tal mecanismo se acentuou nos últimos 30 anos, como frente das transformações do capita-lismo contemporâneo”, avalia.

Mesmo sem ser regulamentada, a subcontratação de trabalhadores ultrapassa 25% dos contratos de tra-balho formais. De acordo com pes-quisa do Dieese, o que se desenha em torno da terceirização é um cenário de precarização do trabalho. Para se ter uma ideia, em 2010, os terceiriza-dos receberam um salário 27,1% me-nor que os contratados diretamente, e trabalharam 43 horas em média, ante 40 horas dos diretamente con-tratados. Além disso, o tempo médio de permanência dos terceirizados no mesmo emprego foi de apenas 2,6 anos, ante 5,8 dos setores não sub-contratados.

“O velho Karl Marx fala, em ‘O Capital’, sobre a relação contraditória entre produção e realização no capi-talismo. A subcontratação de empre-gados é a pura representação destas contradições, produto deste sistema, evidenciando o que ele chamou de ‘alienação universal’, quando as tecno-logias capitalistas transformam a mão de obra em algo cada vez mais redun-dante e opressor. A terceirização nada mais é que o crescimento da doutrina neoliberal e suas investidas de recu-peração das taxas de lucro, colocando os trabalhadores como, mais uma vez, escravos do sistema produtivo”, ques-tionou Enedina Soares, presidenta da Federação dos Trabalhadores(as) no

O que chama atenção é que tra-balhadores de uma mesma categoria possam a ter direitos diferenciados, com acesso distinto a convênio mé-dico, vale-alimentação e vale-trans-porte. Isto é, quando gozam de tais direitos.

Outro dado preocupante que a pesquisa do Dieese evidenciou, é que o número de acidentes de tra-balho é muito maior entre os em-pregados terceirizados. Um levanta-mento mostra que 80% dos acidentes acontecem com terceirizados. Em casos de morte, quatro entre cinco ocorrem em empresas prestadoras de serviços. A lógica do processo de subcontratação vai na contramão do desenvolvimento dos direitos traba-lhistas e das conquistas, como segu-rança de trabalho e adicionais. “O que importa é baixar o custo. Custe o que custar. Está longe da ideia que

Danos da terceirização

O velho Karl Marx fala, em ‘O Capital’, sobre a relação contraditória entre produção e realização no capitalismo. A subcontratação de empregados é a pura representação destas contradições.

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

6 Revista FETAMCE

Page 7: Revista F - Nº 03

defendemos de trabalho decente, que seria o trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna. O que vemos hoje com a terceirização se aproxima mais exatamente de um neoescravismo, travestido de traba-lho formal”, destaca Enedina Soares.

Os desafios desse modelo se ca-racterizam de várias maneiras, como o fato da perda de referencial de organização sindical, já que se lida com opção de se organizar no sin-dicato da categoria do trabalhador, ou no sindicato dos terceirizados ou no sindicato da empresa contratan-te da pessoa jurídica prestadora de serviços. Com trabalhadores desor-ganizados, sem representação clara e desordenados, as apropriações e opressões se desenvolvem com mais facilidade.

Outro elemento desafiador é a dificuldade de ter várias categorias dentro de uma mesma empresa que terceiriza mão de obra. O sentimen-to coletivo dentro deste organismo também é precário. “Os efeitos ne-gativos que a questão exerce sobre as condições de trabalho, em vez de provocarem reflexão e discussão, incorporaram-se ao cotidiano das empresas”, revela o estudo do Dieese.

Rosilene Cruz explica ainda que “o panorama para o contratante é de que pode modificar a sua estrutura de terceirização a hora que quiser, definindo-a como um custo a mais ou um custo a menos, totalmente flexível, tornando a força de trabalho o mais claro exemplo da mercadoria sobre o que se debruçou a literatura socialista. O trabalhador é mais uma variável da empresa na busca pelo lucro”.

De acordo com a pesquisa, na hora de encerrar o contrato de tra-balho o empregado encontra mais problemas. Essa prática tem sido mais comum no setor público, onde a terceirização avança com força em todas as esferas do poder, e nas empresas estatais, como Petrobras e Banco do Brasil.

Em Brasília, cidade com o maior número de terceirizados no País, por conta de ser sede de toda a estrutura do Governo Federal e do universo de estatais, são 20 mil subcontratados, que trabalham no setor público, a maioria nas áreas de limpeza e setor administrativo. “Aqui, todo dia, che-ga um trabalhador reclamando que a empresa sumiu, fechou, faliu”, re-sume a sindicalista Maria Isabel Ca-etano dos Reis, presidente do Sindi-cato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho Temporário, Prestação de Serviços

e Serviços Terceirizáveis do Distri-to Federal. Somente neste sindicato, há cerca de mil processos na Justiça do Trabalho pedindo a responsabi-lização da União ou do Governo do Distrito Federal no caso de terceiri-zados que deixaram de receber seus direitos, como salários, 13º, férias ou vale-transporte.

Isso gerou um impasse entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que levou à paralisação, no começo de 2012, de milhares de processos trabalhistas que tratam da “responsabilidade solidária” da Ad-ministração Pública em relação aos direitos de funcionários de empre-sas terceirizadas. Por esse critério, se a empresa privada não pagar seu empregado, o órgão público que a contratou é o responsável. Os casos estão parados até que o Supremo de-cida se é válida ou não a Súmula 331 do TST, que prevê também a respon-sabilização dos entes públicos.

O argumento da Advocacia Ge-ral da União, que questionou no Su-premo a responsabilização do poder público, é de que a Lei de Licitações prevê que a empresa contratada deve ser responsável pelos direitos dos trabalhadores.

Não para por aí, ainda que os terceirizados tenham direito, mui-tas empresas não depositam o FGTS e o INSS. Foi o que aconteceu nos ministérios da Fazenda, da Justiça e da Integração e também no Ban-co do Brasil. As empresas Adminas Administração, com sede em Belo Horizonte, e a Delta Locação de Ser-viços e Empreendimentos, baseada em Lauro de Freitas (BA), receberam os recursos para honrar os salários de seus funcionários, mas deixaram centenas de trabalhadores de mãos abanando, ou seja, deram um calote. Os órgãos, agora, terão de garantir o pagamento dessas pessoas, que não têm outra fonte de renda.

Os efeitos negativos que a questão exerce sobre as condições de trabalho, em vez de provocarem reflexão e discussão, incorporaram-se ao cotidiano das empresas, revela o estudo do Dieese.

7 Revista FETAMCE

Page 8: Revista F - Nº 03

C A PA

Precarizar para crescer?A terceirização no Brasil assumiu quase o

papel de uma reforma trabalhista, pois permi-tiu a flexibilização de direitos conquistados por anos de organização dos trabalhadores, é o que afirma Márcio Pochmann, economista, profes-sor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Ele completa: “em sínte-se, a terceirização do trabalho transformou-se num dos principais elementos de modificação do mundo do trabalho, capaz de equivaler qua-se a uma reforma trabalhista, visto que o País não passou por uma reforma trabalhista de cor-te neoliberal, conforme verificado em outros países. Mesmo assim, várias ações em direção à desregulamentação do mercado de trabalho foram adotadas, especialmente nos anos 1990, quando as políticas neoliberais estiveram em maior evidência no país”.

Já o procurador Rafael de Araújo Gomes, do Ministério Público do Trabalho em Araraquara, destaca que tal felixibilização da legislação tra-balhista está presente nas tentativas de regu-

lamentação em discussão hoje no Congresso Nacional. Ele cita os projetos de lei (PLs) do Código do Trabalho (PL nº 1.463/2011), apre-sentado pelo Deputado Federal Sílvio Costa, e o projeto do deputado Sandro Mabel (Pl nº 4330/2004) sobre terceirização. Caso proje-tos assim sejam aprovados e convertidos em lei, o que poderá acontecer em breve, serão atingidos quase todos os direitos trabalhistas reconhecidos atualmente. Desaparecerão os limites ao número de horas-extras por dia, os intervalos mínimos para descanso e alimenta-ção, os 30 dias de férias anuais, a integralidade das verbas rescisórias e as normas de saúde e segurança do trabalho, entre outros. Jornadas de trabalho diárias de 11 horas ou mais se tor-narão comuns. Até a anotação da carteira de trabalho pretendem, na prática, abolir. “A ter-ceirização de mão de obra poderá ser amplia-da, abrindo espaço para se terceirizar todos ou a maior parte dos postos de trabalho em uma empresa, sem qualquer ofensa à lei”, aponta Rafael de Araújo Gomes.

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

Page 9: Revista F - Nº 03

Terceirização é estratégia empresarial para ampliar lucros

Hoje, em vários setores, a pejotização (proces-so de crescimento do vínculo de trabalho como Pessoa Jurídica - PJ) já predomina. Ao longo da dé-cada de 1990, muitas empresas demitiram funcio-nários que tinham salários mais altos e os recon-trataram como PJ. Ao fim da relação de trabalho, a pessoa entrava com ação de reconhecimento de vínculo empregatício e recuperava os direitos e valores perdidos com a manobra patronal.

Para a economista Patrícia Pelatieri, diretora--executiva do Dieese, o PL 4330/2004 é uma for-ma de precarização do trabalho, que provoca dis-criminação e desigualdade entre trabalhadores terceirizados e diretos. “No Brasil, a terceirização é utilizada pelas empresas como uma estratégia de otimizar seus lucros e reduzir os preços, em

especial, através de rebaixamento de salários, altas jornadas e pouca melhoria das condições de trabalho”, destaca Pelatieri, que reforça que ele também “não estabelece diretamente a res-ponsabilidade solidária, com relação às respon-sabilidades trabalhistas e previdenciárias, e não garante o acesso à informação para as entidades sindicais”.

“Temos demonstrado que somos contra a este projeto, pois a nossa demanda enquanto organização sindical é garantir uma regulamen-tação que promova a igualdade de direitos entre os trabalhadores, sejam eles terceirizados ou di-retos e não autorizar a precarizacão das relações de trabalho”, argumenta Enedina Soares, presi-denta da Fetamce.

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

9 Revista FETAMCE

Page 10: Revista F - Nº 03

10 Revista FETAMCE

C A PA

Terceirização na Administração Pública

“Os órgãos públicos não podem delegar a terceiros a execução inte-gral de atividades que constituem a sua própria razão de ser”, destaca a presidenta da Confederação dos Tra-balhadores no Serviço Público Mu-nicipal (Confetam), Vilani de Souza.

A dirigente da organização mag-na dos trabalhadores das prefeituras brasileiras destaca a posição dos Tri-bunais de Contas, que, em processos em várias cidades, concluíram ser inaceitável a terceirização de todos os serviços de órgão do Executivo, pois a subcontração, também no se-tor público, deve ser apenas daqueles serviços de natureza auxiliar. “Não pode o município terceirizar serviços que abrangem sua atividade-fim, tra-duzindo atribuições típicas de cargos permanentes que só podem ser pre-enchidas por concurso público”, rati-fica Vilani.

Além da apresentação tradicio-nal de empresas privadas de terceiri-zação de mão de obra, os municípios têm recorrido a outras formas de contrato, admitindo a possibilidade de transferir funções ou atividades desenvolvidas pela Administração

Pública a cooperativas de trabalho ou instituições sem fins lucrativos.

No caso das cooperativas de tra-balho, o modelo de terceirização en-volveu contratações, ou convênios, na maior parte, feitos sem licitação. Como exemplo mais comum, temos as cooperativas de médicos, que se multiplicam em cidades de grande e médio porte, muitas delas foram até criadas especialmente para assumir os serviços públicos de saúde.

Outro caso comum é o das Or-ganizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Públi-co. As Organizações Sociais foram instituídas a partir da Lei Federal 9.637/1998 e correspondem a uma forma de propriedade não-estatal, constituída pelas associações civis sem fins lucrativos, impedidas de ser propriedade de qualquer indivíduo ou grupo, e estão orientadas direta-mente para o atendimento do inte-resse público. Sendo assim, acordos

Não pode o município terceirizar serviços que abrangem sua atividade fim, traduzindo atribuições típicas de cargos permanentes que só podem ser preenchidas por concurso público.

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

10 Revista FETAMCE

Page 11: Revista F - Nº 03

No âmbito do movimento sindical a terceirização também apresenta algumas consequências à nossa organização, como a dificuldade de aplicar a representação sindical dos terceirizados.

No Brasil, há entre 12 e 13 milhões de terceirizados; quase um quarto da força de trabalho com carteira assinada

permitem contratos de gestão, pelo qual o Estado transfere às Organi-zações Sociais as respectivas atribui-ções, responsabilidades e obrigações a serem cumpridas com trabalhado-res subcontratados. A legislação bra-sileira garante a participação dessas organizações no processo de tercei-rização na Administração Pública a partir da Lei 9.790/1999.

A presidenta da Confetam desta-ca o efeito da terceirização no setor, pois, da mesma forma como aconte-ce no setor privado, a terceirização, adotada na administração pública brasileira tem acarretado alterações na remuneração, ou causado impacto sobre a isonomia salarial do traba-lhador do setor público, uma vez que, “na maioria dos casos, tudo isso vem acompanhado de salários mais bai-xos”, sentencia.

“No âmbito do movimento sin-dical, a terceirização também apre-senta algumas consequências à nossa organização, como a dificuldade de aplicar a representação sindical dos terceirizados, pois, muitas vezes, eles ficam fora da área de abrangência dos sindicatos que representam os traba-lhadores do serviço público e se oca-siona um grande processo de frag-mentação sindical”, adverte Vilani.

11 Revista FETAMCE

Page 12: Revista F - Nº 03

C A PA

Responsabilização pelos direitos negados ao subcontratado

De acordo com a assessora do Superior Tri-bunal de Justiça (STJ), a advogada Antonieta Lúcia Maroja Arcoverde, no caso da terceiriza-ção ocorrida na Administração Pública, o Exe-cutivo deverá responder subsidiariamente por débitos trabalhistas da empresa que lhe forne-ceu mão de obra, em face da inconstitucionali-dade da Lei ordinária de n.º 8.666/93, cujo art. 71,§1º, isenta o órgão público dessa responsa-bilidade. “O fundamento desse entendimento é a responsabilidade objetiva do Estado, ado-tada pelo Texto Constitucional em seu art. 37,

§ 6º, reconhecendo as presumíveis culpas da Administração Pública no caso da responsabi-lidade com o empregado”, destaca Antonieta.

Na avaliação da assessoria do Tribunal, por-tanto, vale para a subcontratação no serviço público também o item IV, do Súmula 331 do TST, que citamos acima. “Indistintamente, os tomadores são responsáveis pelo trabalhador, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, de di-reito público ou privado, ou ainda, neste último caso, se exerçam atividades próprias do Poder Público”, finaliza a advogada.

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

12 Revista FETAMCE

Page 13: Revista F - Nº 03

Indistintamente, os tomadores são responsáveis pelo trabalhador, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, ou ainda, neste último caso, se exerçam atividades próprias do Poder Público.

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

13 Revista FETAMCE

Page 14: Revista F - Nº 03

ENTREVISTA

Nesta edição, a Revista F se debruçou sobre os ele-mentos gerais que caracterizam o sistema produtivo contemporâneo e especialmente as condições histó-

ricas dos trabalhadores no Brasil. Para nos ajudar nesta descrição minuciosa das relações de trabalho no curso da história, conversamos com a historiadora e professora Silvia Maria Vieira dos Santos, que também é especialista em Juventude e em Metodologias do Ensino de História; mestre e doutoranda em Educação Brasileira pela Univer-sidade Federal do Ceará (UFC).

O renascimentoda escravidãoPesquisadora cearense explica como o sistema produtivo, especialmente no caso da terceirização, reprojeta a condição do trabalhador como escravo

Em entrevista ao jornalista Rafael Mesquita, a histo-riadora afirma que os trabalhadores brasileiros do último século conquistaram a igualdade de direitos, a proteção do Estado, e o reconhecimento do papel na sociedade, pelo menos oficialmente. Mas ainda hoje a classe operária é vítima do mandonismo, do coronelismo, da ideologia escravista, que, conforme Silvia, “está impregnada nas re-lações sociais, seja no público ou no privado”, tendo como exemplo mais nefasto o ataque às conquistas na legislação trabalhista nos últimos 80 anos.

Fot

o: R

afae

l Mes

quit

a

14 Revista FETAMCE

Page 15: Revista F - Nº 03

Revista F: Como é que se dava o trabalho escravo histórico no Bra-sil, o trabalho escravo colonial, e quais as principais referências des-te modelo?

Silvia Maria Vieira dos Santos: Pri-meiro, para se escravizar alguém não era só uma questão econômica, tinha que ter algo ideológico por trás disso para poder justificar essa escravidão, então, antes mesmo dessa questão cultural, do etnocen-trismo, tinham as justificativas bio-lógicas, em que os negros e os in-dígenas eram inferiores, inferiores no sentido de uma capacidade cra-niana, de inteligência, comparados com os europeus. Depois nós cons-tatamos que essa ideologia bioló-gica, o Darwinismo Social, caiu por terra. E é até contraditório. Então, a escravidão se justificou depois dessa questão biológica, através da tese da superioridade e inferio-ridade, uma nova ideologia para se justificar essa escravidão que era a questão cultural. Passavam a ideia de que essas pessoas tinham uma cultura inferior, portanto, tinham que adquirir uma cultura, a cultura européia, porque o restante não era cultura. Como se fosse uma política salvacionista, aqueles que eram cris-tãos, aqueles que tinham uma boa intenção, que na verdade de boa não tinha nenhuma, salvariam aque-las pessoas que tinham uma cultura inferior. Eles iam dar um Deus ver-dadeiro para negros e índios, eles iam dar uma língua verdadeira, por-que o resto era dialeto. Tratavam a língua dos indígenas, dos africanos e dos asiáticos como inferiores, como se a língua fosse algo univer-sal. Então, essa ideia de universal foi aos poucos sendo imposta sobre essas pessoas. Tinham o trabalho

1 A Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353), sancionada em 13 de maio de 1888, foi a lei que extinguiu “oficialmente” a escravidão no Brasil. Foi assinada por Dona Isabel, princesa imperial do Brasil, filha do Imperador D. Pedro II.

2 As Leis do Sexagenário, do Ventre Livre, e Eusébio de Queiroz compõem o movimento abolicionista brasileiro e precedem a assinatura da Lei Áurea. A Lei nº 3.270, dos Sexagenários, foi promulgada a 28 de setembro de 1885, garantia liberdade aos escravos com mais de 651 anos de idade. A Lei do Vento Livre, nº 2040, considerava livre todos os filhos de mulher escravas nascidos a partir da data da lei, promul-gada em 28 de setembro de 1871. E a Lei Eusébio de Queiroz, Lei nº 581 de 4 de setembro de 1850, proibiu o tráfico interatlântico de escravos.

como a dignidade para o ser huma-no, então quem trabalha era digno, ia pro céu, mesmo que fosse escra-vo, mas se essa pessoa trabalhasse, ela fazia parte do sistema também, sistema capitalista. A escravidão do Brasil se coloca nesses moldes, na ideia de colonialidade, onde você não coloniza só a terra ou você tira só os recursos naturais e a riqueza daquele povo. Você tira muito mais, você tira as ideologias, os mitos, as tradições, a língua, a religião, você pega tudo isso e diz que não serve, só serve aquela outra e aquela ou-tra é simplesmente a eurocêntrica.

RF: Dá pra diferenciar esse recorte cultural do recorte econômico? A gente pode afirmar que nesse mo-mento da história eles já tinham consciência de que operavam, de fato, a escravidão com pretensões econômicas e utilizavam para isso as justificativas culturais ou é o in-verso, eles foram chegando à con-clusão? Essa elite sempre acredi-tou que existia uma raça superior e inferior e que essa raça inferior teria que ser subalterna a outra?

Silvia: Depende, para os teóricos, àqueles que construíram as ideolo-gias nessa época, estava muito cla-ro que a questão ideológica estava totalmente ligada à questão econô-mica, então se precisava justificar essa escravidão que era desumana, porque na África já existia escravi-dão, mas a escravidão da África era totalmente diferente da escravidão que foi feita no Brasil, do mesmo jeito que já existia escravidão na Grécia, mas não se comparava com a do Brasil.

RF: Quais são as diferenças e seme-lhanças entre esses tipos de escra-vidão: grego, africano e colonial?

Silvia: Por exemplo, tanto a es-cravidão grega como a escravidão dentro do interior africano conser-vavam minimamente os valores daquele povo considerado escravo. Então aquele povo continuava ten-do seus valores, sua religião, sua língua, não inferiorizavam a cultura dessas outras pessoas. Em contra-posição, a escravidão no Brasil se dá exatamente por conta desse viés ideológico, inferiorizando a cultu-ra desse ser escravizado. A pessoa escravizada era resumida a coisa e essa ideologia era passada de pai para filho, então, por mais que essas pessoas nascessem em uma família escravocrata e tentassem mudar es-ses valores, não por ter aprendido outros valores, mas por achar que aquilo ali estava errado, ela era re-criminada dentro daqueles valores. Valores onde o negro era pra ser escravizado, onde o negro era pra ser o macaco, onde a religião negra e religião indiana eram erradas. Sen-do assim, tal processo de inferiori-zação e repressão não era algo que podia se mudar do dia para a noite e nem só com a assinatura da Lei Áurea . Isso resiste até hoje e mar-ca uma forte característica contem-porânea do regime de opressão no mercado de trabalho brasileiro.

RF: Num determinado momento da história do Brasil a escravidão não podia mais se justificar pelo paradigma clássico, que é este que você colocou. Outros conceitos foram colocados, muitos pesqui-sadores argumentam que essas tentativas de mudança meio que camuflavam a continuação do mo-delo escravista e essa classe traba-lhadora que nascia, já nascia pre-carizada e com as relações muito próximas ao do modelo escravista.

15 Revista FETAMCE

Page 16: Revista F - Nº 03

Silvia: Exatamente, por exemplo, antes da Lei Áurea existiam outras leis que estavam em processo para acabar com a escravidão no Brasil, como a Lei do Sexagenário, Lei do Ventre Livre, a própria Lei Eusébio de Queiroz , e essas leis eram leis de papéis, como todas as outras, e por que ficava só nos papéis? Por-que não existiam interesses por par-te das elites, que foram forçadas a receber ou estabelecer aquelas leis de mudança. Então, se a expressiva maioria da elite no Brasil naquele momento era a elite escravocrata, era a elite fundiária, não havia inte-resse de perder os seus escravos, pois sabiam que nunca iriam ser ressarcidos por isso. Por mais que se entendesse a questão fundiária, o Brasil, até o século XX, era um país agrário. O Brasil começa a se modificar na década de 1930, e só na década de 1960 é que ele vai ter um impulso mesmo industrial. Se o país era um país agrário e não um país industrial, não se tinha esse in-teresse de acabar com a escravidão,

porque a elite era escravocrata e fundiária. Não se tinha intenção de acabar com a escravidão para colo-car essas pessoas no mercado de trabalho, tanto é que a escravidão acabou, teve a proclamação da Re-pública e esses mesmos que foram “livres” não tinham espaço no mer-cado de trabalho, porque não havia interesse em colocar essas pessoas no mercado. Foi neste contexto que aconteceu o impulso de imigração, então chegou ao momento de ter cotas nas empresas para os brasilei-ros terem vagas de empregos junto com italianos, com os portugueses, com as outras nações que vinham pra cá.

RF: Pelo que eu entendi houve, portanto, uma substituição da mão de obra escrava pela mão de obra estrangeira, sendo a negra “liberta” entregue à própria sorte?

Silvia: Exatamente, e outra, essa mão de obra escravizada foram para onde, já que eles não tinham oportunidade de trabalho, porque o governo teoricamente dizia serem incapazes para trabalhar em uma in-dústria, por isso não tinham espaço no mercado de trabalho. Então eles foram pra onde? Foram para o mer-cado informal, vender coisas na rua, foram para a marginalidade, foram construindo favelas, periferias, por-que as pessoas não tinham acesso.

RF: As favelas seriam esses qui-lombos 3 contemporâneos?

Silvia: Exatamente! E hoje os des-cendentes dessas pessoas que vi-veram nessas condições continuam do mesmo jeito. Por mais que você diga que a educação melhorou, mas quantos jovens, adultos e crianças

3 Historicamente, em nosso país, os quilombos eram os locais de refúgio dos escravos no Brasil, em sua maioria afrodescendentes, haven-do minorias indígenas. O mais famoso na História do Brasil foi o de Palmares. A palavra “quilombo” tem origem nos termos “kilombo” (Quimbundo) ou “ochilombo” (Umbundo), presente também em outras línguas faladas ainda hoje por diversos povos Bantus que habitam a região de Angola, na África Ocidental. Originalmente, designava apenas um lugar de pouso utilizado por populações nômades ou em deslocamento; posteriormente passou a designar também as paragens e acampamentos das caravanas que faziam o comércio. Entretan-to, aqui, quilombo é empregado no sentido de que as favelas são os espaços por excelência de maires concentrações hoje de afrodescen-dentes, negros e filhos, descendentes de pessoas escravizadas. E são nas favelas que cotidianamente as africanidades estão expressas, notadamente no corpo, nas relações, na arte e na religiosidade.

estão fora da escola? Muitos! Esse negócio de dizer que a educação é para a maioria das pessoas, ainda não é, ainda tem muito jovem anal-fabeto, criança analfabeta. Muitos entram e saem da escola, alguns terminam o ensino fundamental e saem no ensino médio, ou porque tem que trabalhar ou porque vai para a criminalidade, porque é mais vantajoso, não é?

RF: Então você avalia que desse conjunto de trabalhadores es-cravizados, a partir do momento que eles se tornaram, de fato, ci-dadãos do ponto de vista legal, as referências da escravidão perma-neciam até na legislação?

Silvia: Sim, e nas relações sociais.

RF: Esse período de transição do regime escravo ao regime de igualdade no Brasil, não aconte-ceu ainda? Das relações sociais e do ponto de vista da população que hoje forma a maior parte da classe trabalhadora?

Silvia: Já existem indícios de mu-dança por uma parcela da popu-lação, população que mesmo não sendo letrada, luta e sabe que tem direitos e os quer exigir, mas a maio-ria da população ainda age na base do favor, do mandonismo, do coro-

O Brasil começa a se modificar na década de 1930, e só na década de 1960 é que ele vai ter um impulso mesmo industrial.

ENTREVISTA

16 Revista FETAMCE

Page 17: Revista F - Nº 03

nelismo, do senhor, doutor, ainda existem pessoas que conseguem empregos por favores, troca o voto por favores, ainda existem muitos. Acham que porque estão receben-do um vale transporte ou um vale alimentação, que é um direito, de-vem agradecer ao patrão. Então ain-da existem pessoas subservientes e essas subserviências, esse corone-lismo, vem da época da escravidão, essa ideologia está impregnada nas relações sociais, seja no público ou no privado.

RF: Do ponto de vista da macro-economia, a gente observa cla-ramente a participação desses trabalhadores, negros, caboclos nos postos mais inferiores ou de exploração, ou seja, ainda con-siderados como subalternos. Os negros e pardos, como constata o IBGE, são a maioria dos traba-lhadores que recebem apenas o salário mínimo, ou seja, a popula-ção de baixa renda, isso quando estes trabalhadores são legaliza-dos. Gostaria de entender por que eles ainda estão em relações que beiram a escravidão, como no caso do trabalho doméstico ou em al-guns exemplos de trabalhadores terceirizados? Você utilizou uma referência anterior de que anti-gamente essa teoria cultural da civilização justificava a escravidão. E hoje o que justifica essa “nova” escravidão?

Silvia: Eu acho que ainda é a mesma coisa, só que camuflada pela ques-tão da educação, das informações, pela questão da boa aparência, pela experiência, eu acho que está camu-flado nisso. É muito parecido, pois a maioria dos negros está em ser-viços subalternos ou que ganha no máximo um salário mínimo, ou es-tão desempregados ou até mesmo fazem bicos por ai. É a grande par-cela que há fora da escola, ou que só chegou ao final do Ensino Funda-mental. Então, dizer que hoje existe uma universalização da educação é

uma inverdade, melhorou bastante, mas ainda não é o suficiente para abarcar a quantidade de pessoas que temos no Brasil. E essa popula-ção não está na escola porque não goste de estudar, é porque eles não têm oportunidade de trabalhar e es-tudar, como é que vai fazer? Como uma mãe vai trabalhar, estudar e cuidar de uma criança, já que à noi-te não existem creches, não existe uma política de suporte para essas mães que querem estudar e traba-lhar? Quanto menos escolaridade

as pessoas têm, maior é o índice de serviços subalternos. No caso da experiência, como um jovem vai ter experiência se ele não faz um curso, ou não faz um estágio, ou se não dão um primeiro emprego a ele? E quando tem é aquele emprego que você tem que trabalhar 16h ou 12h por dia para ganhar um salário, meio salário.

RF: Com relação ainda a essa ques-tão, a gente assistiu nos últimos 50 anos um avanço, do ponto de vista do trabalhado formal, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), essa mesma CLT que está sendo feita a discussão do relaxa-mento dela, ou seja, pontos da CLT seriam revistos a favor do patrão, como por exemplo, o fim da multa do FGTS paga pelo patrão ao seu empregado demitido sem justa causa, a questão da carga horária de 40h semanais, os patrões lutam pelo aumento desta carga-horá-ria, os trabalhadores para reduzir. Você até apontou que saímos de um regime escravocrata, mas a maioria da população trabalhado-ra ainda não é reconhecida como cidadã, de fato, porque está im-pregnado na cultura e na socieda-de uma série de preconceitos. Ao mesmo tempo em que ela acessa o trabalho formal, ela é subalter-nizada e ao ser subalternizada há um relaxamento dos direitos que ela conquistou nos últimos anos. O que é isto tudo? Estamos crian-do um neoescravismo?

Silvia: Na verdade, é um retrocesso das garantias trabalhistas, tantas pessoas morreram, tombaram e lu-taram para garantir essas leis, os di-reitos dos trabalhadores, e agora a gente não consegue mais nem fazer greves para manter direito, aquilo que a gente conquistou com mui-to suor, com muita luta. E eu vejo que essa flexibilização do trabalho em nada vai ajudar a vida desses trabalhadores, porque se ao menos a gente diminuísse as horas de tra-

Quanto menos escolaridade as pessoas têm, maior é o índice de serviços subalternos. No caso da experiência, como um jovem vai ter experiência se ele não faz um curso, ou não faz um estágio, ou se não dão um primeiro emprego a ele?

17 Revista FETAMCE

Page 18: Revista F - Nº 03

balho, mas aumentasse o salário, ou diminuísse a carga horária, mas mantivesse o mesmo salário, mas não, eles querem simplesmente aumentar essa hora e diminuir o salário, é voltar a ser escravo, é per-der os direitos, e o mais interessan-te é que no Brasil a ideia de direito ainda está muito cristalizada nos direitos do homem e do cidadão, como se fosse uma coisa bem lon-ge da gente, construído nos outros países que veio pra cá, mas nem influem e nem contribuem, para a maioria das pessoas. Ter direitos ou não, não é algo concreto, então quando você consegue o que é de direito se relaxa, agora eu quero ver como essas pessoas vão fazer para não perder isso, para garantir o mínimo, pois nós estamos tentan-do garantir o mínimo.

RF: E a terceirização hoje tem sido uma tentativa em que os traba-lhadores são colocados, cada vez mais, na situação de subalternos. Hoje a gente tem terceirização para as atividades paralelas à em-presa, por exemplo: uma empresa que hoje é do ramo de alimentos tem trabalhadores terceirizados para as áreas administrativa, fi-nanceira, segurança e limpeza. Porém, se discute agora a hipóte-se de se regulamentar a terceiri-zação das “atividades fins” da em-presa, a razão de existir daquele negócio. Geralmente, a empresa que contrata a terceirização se descredencia e se desresponsa-

biliza pelas questões imediatas ao trabalhador, como os direitos trabalhistas ou mesmo a questão da carga horária, ou a multa con-tratual. Nesse modelo, o traba-lhador não tem nenhuma relação direta com a empresa que de fato ele trabalha, ele se reporta a um outro ator, tendo até mais difi-culdade de se organizar. Numa mesma empresa você tem três outras empresas paralelas que terceirizam aquela mão de obra. A interlocução é mínima. Como você enxerga a terceirização nes-se paralelo que estamos fazendo com o regime escravo?

Silvia: Bem, primeiro, na escravi-dão, existia claramente o “inimigo”. Lutar contra quem? Os escravocra-tas, a elite, etc. Hoje não consegue se identificar contra quem é que a gente deve lutar. Por quê? Porque o próprio governo assina em baixo, quer fazer essa desregulamenta-ção das leis, apóia a flexibilidade trabalhista. Uma outra coisa, isso claramente mostra que o neolibe-ralismo queria que o governo se eximisse de determinadas políticas e principalmente quanto à ques-tão econômica, que deixassem a economia minimamente fluir. Se auto-regulamentar. Eu acho que a flexibilização do trabalho com a terceirização é o pior que tem do neoliberalismo, por outro lado essa terceirização causa a desmo-bilização do movimento operário, porque se existem várias empresas

dentro de uma mesma empresa, como é que esses trabalhadores irão se organizar? Em que momen-to? Em que categoria? Como vai se dar essa luta? Vai ser a cada dia que passa mais fracionada? Primeiro, não se entende quem é o inimigo, não se sabe contra quem lutar, se com a empresa que me contratou, se com a empresa que contratou a outra empresa ou se é com o gover-no. Como nós vamos nos organizar, compreender-se enquanto classe trabalhadora? Não dá. Tudo estaria tão fracionado que ninguém sabe-ria em qual categoria se encontra-ria. Você perde a identidade, então, pra mim é mais latente o problema, além de um modelo que nega qual-quer alternativa de efetivação de direitos e neoescraviza o pobre, é um processo de desmobilização do movimento também.

RF: A alienação sobre a qual Karl Marx falava era essa?

Silvia: É pior. Porque quando se fala de trabalho alienado é quan-do você trabalha, produz e não se reconhece naquilo que você pro-duz, ou você não goza daquilo que você produz. E é pior do que isso, porque além de você não se reco-nhecer naquele trabalho que você produz, você não sabe quem você é como trabalhador. Porque você pode estar aqui hoje e daqui a dois meses pode ser demitido ou ir para outra empresa. Esse é o extermínio da fração dignidade e a vitória do regime de exploração.

3 Segundo o filósofo Karl Marx, a relação capital, trabalho e alienação promovem a coisificação ou reificação do mundo, tornando-o objeti-vo. É a alienação do homem pelo homem. A tomada de consciência de classe e a revolução “pelas mãos dos trabalhadores” são as únicas formas para a transformação social: “Quanto mais o operário se esgota no trabalho, tanto mais poderoso se torna o mundo estranho, objetivo, que ele cria perante si, mais ele se torna pobre e menos o mundo lhe pertence”.

Além de você não se reconhecer naquele trabalho que você produz, você não sabe quem é como trabalhador. Porque você pode está aqui hoje e daqui a dois meses pode ser demitido ou ir para outra empresa. Esse é o extermínio da fração dignidade e a vitória do regime de exploração.

ENTREVISTA

18 Revista FETAMCE

Page 19: Revista F - Nº 03

PL 4330/2004 representa ruptura com a Constituição de 1988

O Projeto de Lei nº 4.330/2004, cujo rela-tório fora apresentado pelo Deputado Arthur

Maia em 03 de setembro de 2013, ora tramitando na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, e que dispõe sobre o contrato de presta-

ção de serviços terceirizados e as relações de trabalho dele decorrentes, se aprovado, representará séria ruptura com os principios constitucionais consolidados no Texto de 1988.

O cenário empregatício brasileiro está sob grave e séria ameaça aos direitos sociais e do trabalho. O nefasto projeto, ao liberar a prática da terceirização para qualquer atividade da empresa (artigo 2º, I e artigo 4º, PL 4330), afasta-se da estrutura constitucional de proteção da relação de emprego (artigo 7º da Cf/88), da distribuição dos direitos sociais (arti-gos 6º, 7º e 8º, Cf/88) e da valorização do trabalho humano (artigo 170, Cf/88). A Constituição de 1988, ao demarcar o Estado Democrático de Direito, pressupõe bilateral a relação de emprego (artigos 1º, 7º, I e 170 da Cf/88). A terceiriza-ção, como fenômeno de gestão e de estruturação produtiva, não pode atingir as garantias sociais dos trabalhadores, seja no ângulo individual (precarizando para reduzir custos), seja no ângulo coletivo (implodindo a representação sindical por categorias profissionais, pulverizando-as em múltiplas re-presentações por empresas especializadas).

O Substitututivo apresentado em 03 de setembro, se aprovado, deflagrará um processo irreversível de extenua-ção da estrutura do Direito do Trabalho no Brasil, destruindo os pilares da relação de emprego ao considerar lícita toda forma de triangulação da relação de trabalho, permitindo ainda a subcontratação (quarteirização – § 2º do artigo 3º do PL).

Sob o prisma dos Direitos Sindicais, o substitutivo, ao permitir a terceirização da atividade principal (ou atividade--fim) da empresa, quebra a regra constitucional de aglutina-ção por categorias profissionais (artigo 8º, Cf/88), ao trans-formar bancários, metalúrgicos, petroleiros, trabalhadores na construção civil e outros, em “empregados terceirizados”, rompendo a clássica e histórica representação pela catego-ria preponderante, fator decisivo contra a fragmentação e a

fragilização dos trabalhadores nas negociações coletivas e no suporte de seus Direitos, incluindo o direito de greve (ar-tigo 9º, Cf/88).

No tocante às empresas públicas e sociedades de eco-nomica mista, o PL representa ainda grave ameaça à ordem constitucional que prevê como regra o ingresso por concur-so público (artigo 37, Cf/88). Ao admitir a terceirização para qualquer atividade, o PL rompe com a aplicação dos princí-pios da administração pública. Regra refererendada em inú-meras manifestações do Supremo Tribunal Federal. Vislum-bro, portanto, uma verdadeira prostração da qualidade dos serviços públicos brasileiros e o favorecimento da troca de favores nas contratações.

Registre-se, por oportuno, que a ausência de responsa-bilidade solidária (artigo 14 do PL) está na contramão de toda a legislação que se tem produzido em outros países onde o fenômeno da terceirização veio a ser regulamentado.

Além do que, não podemos olvidar que as maiores víti-mas de acidentes de trabalho no Brasil são os trabalhadores tercerizados. Além disso, a tercerização existe para que a pro-dução fique mais barata, o que pode vir a acobertar o traba-lho escravo. Atrás do discurso da modernização da indústria e do campo, podem estar escondidas as piores formas de ex-ploração do trabalho humano. É preciso que fiquemos todos em estado de alerta.

Pelos motivos acima delineados, várias entidades de idoneidade moral indiscutível já se acostaram à luta pela não aprovação do PL, entre elas Conselho Federal da OAB, ANAMATRA e ANPT. Contudo, ante a gravidade dos interesses sociais envolvidos, faz-se imperiosa uma grande mobiliza-ção nacional não somente das entidades representativas dos trabalhadores e das entidades de defesa dos direitos so-ciais do trabalho, mas também, e principalmente, de toda a sociedade brasileira, pela rejeição do PL 4330, conclamando os Senhores Deputados e seus respectivos partidos políticos a assim se posicionarem como única forma de manter ínte-gra a Constituição Federal de 1988 e a distribuição de direi-tos sociais e do trabalho dela emanada.

Katianne Wirna, advogada trabalhista e sindical, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Sindical do Conselho Federal da OAB e

presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-CE.

ARTIGO

19 Revista FETAMCE

Page 20: Revista F - Nº 03

20 Revista FETAMCE

TERCEIRIZAR NÃO É MODERNIZAR

A institucionalização do patrimonialismo na políticaAterceirização, como dito an-

teriormente, rompe com princípios básicos do Estado

brasileiro, previstos na Constitui-ção Federal de 1988. A prática fere a supremacia do interesse público, que implica que o interesse coletivo é superior sobre os demais interesses existentes em sociedade, de tal for-ma que os interesses privados não podem prevalecer sobre o interes-se público. Como também atinge a impessoalidade, enquanto princípio constitucional expresso que rege a administração Pública brasileira (art. 37, caput da CF), que significa a necessária ausência de subjetividade do administrador público no desem-penho de suas tarefas.

Porém, para entender as condi-ções que sustentam a terceirização, mesmo em condições vedadas pela legislação da Democracia de hoje, é preciso percorrer as páginas da his-tória brasileira e observar um traço que se repete, mesmo com a mudan-ça das cadeiras do executivo e do le-gislativo e as revoadas das pessoas de suas funções e cargos.

O fato é que o enredo das mu-danças nos cenários políticos e do poder, quase sempre, guardam mar-cas comuns, frutos genuínos de nosso secular controle do poder político pe-las elites, do patológico resultado da miscigenação, da alma conformista, do paternalismo e do clientelismo.

Tais formas são descritas na li-teratura brasileira do século XX, em estudos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, que foram intelectuais preo-cupados em tratar da formação do Brasil. Nos escritos, é comum a des-crição da tradição profundamente

A verdade é que persiste a fragilidade na estrutura administrativa do Estado brasileiro.

Page 21: Revista F - Nº 03

21 Revista FETAMCE

patrimonialista em que foi montado o Brasil, entendendo por patrimo-nialismo a característica de um Esta-do que não possui distinções entre os limites do público e os limites do pri-vado. E o legado do poder privado, mesmo hoje, ainda sobrevive dentro da máquina governamental com o uso e presença do “jeitinho brasilei-ro” (conceito idealizado por Sérgio Buarque em Raízes do Brasil), quan-do a maioria dos políticos vê o car-go público que ocupam como uma “propriedade privada”, ou de sua família, em detrimento dos interes-ses da coletividade. A verdade é que persiste a fragilidade na estrutura ad-ministrativa do Estado brasileiro e as provas estão sob os nossos olhos, por exemplo, em várias prefeituras do nosso Ceará.

Não apenas a máquina burocrá-tica, mas os cargos de essencial in-vestidura pública, responsáveis pelos serviços técnicos mais diretos, são preenchidos na base da canetada, em princípio, sem qualquer preocu-pação com o mérito do contratado ou do terceirizado.

“O problema da terceirização, além de precarizar diretamente o trabalhador, comumente implica na precarização do próprio serviço prestado pela União, pelo estado ou pelo município. Reside ai uma das possíveis explicações para a inércia social do Brasil no atendimento das demandas imediatas do seu povo”, entende Enedina Soares, presidenta da Fetamce.

A democracia em formação no nosso país precisa, necessariamente, de um salto de condição que possa enfrentar com qualidade elementos essenciais como a diminuição da po-breza, que ainda acumula números absolutos equivalentes à soma dos habitantes de vários países europeus, e possa exterminar o amplo cardá-pio de desigualdades pessoais, por cor, entre sexos, classes e regiões. Um exemplo disto é a taxa de mor-

talidade de menores de cinco anos, em consequência de doenças infec-tocontagiosas, que é de 10% para o Brasil, porém de 21% no Ceará e de 25% em Roraima (IBGE, 2004).

Com a aprovação do PL 4330, que regulamenta a terceirização, estaremos institucionalizando o patrimonialismo, prática comum a um Estado absolutista. Estaríamos homologando os poderes formais e informais destas figuras, que, ba-sicamente por meio de indicações, aparelham o Estado, convertidas em engrenagens do partido ou grupo de partidos no poder.

RompimentoO necessário rompimento des-

te quadro anacrônico (apegado a ideias suplantadas, do passado) seria investir mais e mais em concursos públicos, para, rapidamente, abarcar as necessidades reais de sustenta-ção das políticas públicas, virando a página da história em que existiam exércitos de servidores descartáveis, visando inclusive saciar a sede de correligionários e apoiadores.

“Desmontar essa arapuca é ferir muitos interesses. Mas o único inte-resse que esse modelo administrati-vo arcaico tem atingido, do ponto de vista constitucional e ético, é o do próprio interesse público”, avalia o sociólogo Fernando Cartaxo.

As revoluções da história, como afirma hoje a historiografia moder-

na, podem levar à mudanças comple-tas, mas podem também ocasionar uma volta ao começo. A terceiriza-ção seria, como afirma a consultora jurídica e autora de “A Informalida-de no Direito do Trabalho”, Maria-na Tavares de Melo, uma regressão. “O fenômeno da terceirização em meio à administração de empresas e a economia, de um modo geral, é o causador de muitos efeitos ilusórios. Posto que, a terceirização simboliza uma ruptura no sistema trabalhis-ta, já que ela não gera um maior número de empregos, mas apenas preenche certos postos de trabalho já existentes e que no passado, eram ocupados por empregados formais e, com salários fixos em meio a todas as garantias legais. Dessa forma, a terceirização é a síntese da inversão de valores éticos para valores espo-liadores que incidem diretamente so-bre a classe trabalhadora numa luta cujo vencedor já está predestinado. Em suma, a presente modalidade de reprodução do trabalho é a troca do justo pelo injusto, através da des-construção e destruição dos Direitos Laborais”, completa Mariana.

Moralização

“A terceirização, nos termos que colocamos neste material jornalís-tico, pode até vir a ser legal, mas é imoral e coloca o Estado na linha ténue da barreira do interesse pú-blico, podendo se confirmar como essencial máquina motora do inte-resse particular, político-eleitoreiro do presidente, do governador ou do prefeito. Barrar esta investidura é im-buir a administração pública de espí-rito altruísta, humanitário, visando fazer o bem a seus semelhantes sem almejar, nas próximas eleições, um único votinho em troca da beneme-rência”, finaliza a presidenta da Fe-tamce.

Com a aprovação do PL 4330, que regulamenta a terceirização, estaremos institucionalizando o patrimonialismo, prática comum a um Estado absolutista

Page 22: Revista F - Nº 03

ESTUDO

Terceirizadosganham menos, adoecem mais e são desrespeitados, diz estudoPesquisa constata a diferença entre as condições trabalhistas de terceirizados e trabalhadores diretos

De acordo com um estudo de 2011 da CUT e do Departa-mento Intersindical de Esta-

tísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o trabalhador terceirizado fica 2,6 anos a menos no emprego, tem uma jornada de três horas a mais semanalmente e ganha 27% a menos, com destaque para o fato de que no caso dos Conselhos, essa dife-rença chega a 75% menos em relação aos servidores concursados.

A cada 10 acidentes de trabalho fatais, oito ocorrem entre trabalha-dores terceirizados. O documento afirma que “isso acontece por falta de treinamento e investimentos em qualificação, a terceirização está ma-tando os trabalhadores”.

A cada 10 acidentes de trabalho fatais, oito ocorrem entre trabalhadores terceirizados.

22 Revista FETAMCE

Page 23: Revista F - Nº 03

A terceirização ampla, geral e irrestrita é uma destas normas jurídi-cas que têm ação semelhante a uma bomba de hidrogênio: mantém os prédios em pé, mas acaba com a vida das pessoas. Não é para menos, pois a conclusão do levantamento é cons-trangedora: terceirizados têm maior jornada de trabalho. Segundo a pes-quisa, se a jornada deles fosse igual a dos contratados diretamente, seriam criados 801.383 empregos.

Além disso, são vítimas de um processo de rotatividade nos empre-gos mais intenso. Enquanto a média de tempo de emprego dos trabalha-dores diretos é de 5,5 anos nas em-presas, a dos terceirizados não chega a 3 anos. Ou seja, uma rotatividade que é de 44,9% nas terceirizadas e de 22% entre os diretamente contrata-dos. E o pior: metade dos trabalha-dores terceirizados recebe entre um a dois salários mínimos, enquanto 70% dos que são diretamente contra-tados estão incluídos em uma maior faixa de remuneração.

A conta é simples: para o cliente, pode não mudar muito, mas para o

funcionário significa ficar sem to-dos os seus direitos trabalhistas. Lá se vão FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), auxílios--doença e acidente do trabalho, li-cença-maternidade, vale-transporte, vale-refeição, férias e 13º salário. E também os reajustes e melhorias de condições de trabalho, uma vez que os próprios sindicalistas prevê-em que num cenário como este sua força será atomizada. Em 2011, ape-nas na Bahia, o calote nos impostos, indenizações e salários provocados por quatro empresas terceirizadas de segurança e transporte de numerário foi de R$ 65 milhões.

Tudo isso porque a terceirização não gera postos de trabalho, gera precarização do emprego. Outro gra-ve exemplo é o caso da Zara, em que foram descobertos trabalhadores bo-livianos em São Paulo trabalhando em condições precárias e confeccio-nando peças por R$ 0,14, cada uma, para a marca; e a concentração de parcelas da população mais vulnerá-veis em terceirizadas, como imigran-tes, mulheres, negros e jovens.

Fot

os: R

epro

duçã

o In

tern

et

23 Revista FETAMCE

Page 24: Revista F - Nº 03

24 Revista FETAMCE

DIREITOS

Das 100primeiras empresas que respondem processos no TST, 20 são do setor de terceirização de mão de obra

Empresas são responsáveis por acidentes fatais

de trabalho e negam direitos aos

trabalhadores

Acrise gerada pela terceirização já é uma realidade em todo território nacional. O não

pagamento dos direitos trabalhistas tem sido uma das principais queixas na Justiça, assim como a ausência de condições satisfatórias de trabalho nas empresas - o que acaba levando milhares de trabalhadores a óbito. Acontece que muitas dessas presta-doras fecham as portas (decretam falência) e simplesmente deixam os trabalhadores desassistidos, embora tenham recebido pelo serviço. Prova disso é que essas empresas somam 22 posições das 100 empresas que pos-suem mais processos julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros, ain-da sem quitação.

24 Revista FETAMCE

Page 25: Revista F - Nº 03

25 Revista FETAMCE

Entre as 20 primeiras empresas do ranking, seis são ligadas ao seg-mento da atividade agrícola (agroin-dústria e agropecuária); outras cinco pertencem ao setor de terceirização de mão de obra (vigilância, conserva-ção e limpeza); quatro atuam na área de transportes (duas aéreas: Vasp e Sata, e duas rodoviárias: Viplan e Wadel); e duas são bancos públicos (Banco do Brasil/BB e Caixa Econô-mica Federal/CEF). Somente as cin-co empresas de terceirização de mão de obra, vigilância e serviços gerais, listadas entre as 20 mais, aparecem como réus em 9.297 processos; sem falar nas demais prestadoras.

Prova disso é que essas empresas somam 22 posições das 100 empresas que possuem mais processos julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros, ainda sem quitação.

A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público Federal, chegou à conclusão de que existem dois setores com forte inci-dência de irregularidades envolven-do a terceirização. 60% a 70% das denúncias que chegam à Coordena-doria apontam os setores da constru-ção civil e os das atividades de flores-tamento — áreas em que o MPF tem tentado negociar termos de ajuste de conduta.

O procurador do Trabalho, José Lima, que está à frente da Coorde-nadoria do MPF, é contra a terceiri-zação nas atividades-fim, que, segun-do ele, tem resultado em mortes de trabalhadores, principalmente, nos setores elétrico e petrolífero. “Esses trabalhadores não têm o treinamen-to necessário para o exercício da fun-ção. No setor elétrico, por exemplo, a incidência de morte, entre os terceiri-zados, é quatro vezes maior do que as ocorrências entre os funcionários das concessionárias”, relatou o pro-curador. José Lima lembrou ainda que o MPF move ações contra em-presas em sete estados. ‘

25 Revista FETAMCE

Page 26: Revista F - Nº 03

O ministro do Trabalho, Manoel Dias, filiado ao PDT, e o deputado Sandro Mabel, do PMDB, são hoje os maiores defensores do projeto de lei que regulamen-

ta a terceirização das atividades-fins. Um faz coro sobre o tema no Executivo e o outro no Legislativo. Nos dois casos, a filiação política das figuras aponta o movimento impulsivo de organizar a terceirização sob a perspectiva do empresariado. E não podia ser diferente, já que, tanto Dias quanto Mabel são representantes de uma parcela do Executivo e também do Legislativo identificada com o que vem se chamando de bancada empresarial, que prega, en-tre outras coisas, a “flexibilização” da legislação trabalhis-ta, com a criação de leis acessórias ou com tentativas de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de forma a minimizar o impacto econômico do mercado formal de mão de obra para os empresários.

Manoel Dias é figura histórica aliada de Leonel Brizo-la, fundador do PDT, e chegou ao Ministério do Trabalho e Emprego -“capitania hereditária” do seu partido - atra-vés de Carlos Lupi, ex-ocupante do cargo. Lupi deixou o comando do Ministério, em 2011, em meio a denúncias de irregularidades na pasta e de que teria ocupado cargos fantasmas, problemas esses que voltaram a acontecer atual-mente na gestão de Dias. A atuação do partido vem sendo criticada desde o governo Lula, quando a sigla passou a ocupar o MTE. O debate mais comum é de que Dias e seus correligionários implantam na pasta do trabalho os mes-mos mecanismos adotados pela Força Sindical, central de trabalhadores fundada em março de 1991 e mantida por forças políticas pdetistas. A avaliação do pesquisador Vito Giannotti sobre sindicalismo, conclui que o grupo, nas várias trincheiras de atuação (política, sindical e social),

Os INTERESSES POR TRÁS DE LEIS que regulamentam a terceirizaçãoMinistro do Trabalho e deputado autor do projeto que regulamenta a terceirização das atividades-fins acumulam atuações identificadas com organizações de trajetória neoliberal

expressa parte do projeto neoliberal no movimento orga-nizado dos trabalhadores, agora estendido ao alto escalão do MTE e das Superintendências Regionais do Trabalho.

Em sua defesa da terceirização, Dias entoa o ideário neoliberal das eras Collor e Fernando Henrique Cardoso, defendendo a ampliação da subcontratação para todas as atividades da economia, não apenas as atividades meio – consideradas não essenciais na empresa. Em declarações feitas ao Jornal O Globo, o ministro afirma que o recurso da terceirização já está generalizado e, por isso, há ne-cessidade urgente de aprovação de lei para regulamentar

ESTUDO

Fot

os: A

gênc

ia B

rasi

l

26 Revista FETAMCE

Page 27: Revista F - Nº 03

o assunto. E concluiu que “só assim será possível proteger as duas partes: patrões e trabalhadores”.

Ele faz parte do grupo de traba-lho criado pelo governo para tentar fechar com as centrais sindicais um acordo que viabilize a aprovação do projeto que abre a possibilidade de as empresas terceirizarem qualquer atividade. O ministro do Trabalho discorda do argumento de algumas centrais sindicais de que a aprovação do projeto vá resultar em aumento da precarização do trabalho. Ele car-rega consigo o apoio do presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (Ex-PDT, hoje So-lidariedade), que disse que apóia o projeto, mas é a favor do debate, afir-mando que a central não vai defen-der a proposta isoladamente.

Por sua vez, Sandro Mabel não esconde de que é um claro represen-tante dos interesses patronais. Ad-ministrou por anos a empresa da fa-

mília, a Mabel, que hoje é uma das maiores produtoras de biscoitos da América Latina. Sandro, na verdade, tem como sobrenome Antonio Sco-dro, mas adotou a identidade pela forte vinculação com o negócio. O Grupo Mabel se desfez da empresa de biscoitos em 2011, quando foi ad-quirida pelo grupo norte-americano PepsiCo, embora Sandro continue à frente das demais empresas do gru-po, atuando também em atividades agropecuárias. Com dupla atuação, o empresário sempre esteve presente na vida pública e encontra-se no 5° man-dato, representando o estado de Goi-ás, acumulando ainda no currículo a vice-liderança do Governo no primei-ro mandato do presidente FHC.

Desde o início de sua trajetória na política, Mabel prioriza a Refor-ma Tributária, sendo um dos prin-cipais articuladores para a sua con-cretização, articulando estas a outros interesses dos empresários do mer-cado nacional e internacional, tanto que de forma direta a sua biografia na internet marca a sua afiliação ide-ológica como “liberal convicto, de-fensor da livre iniciativa e da econo-mia de mercado”, conforme o texto.

Seus atos mais recentes são a ci-tada defesa da PL 4330, da terceiri-zação, e a lei complementar nº 51, de 2007, que desobriga os empresários

a pagar uma multa de 10% em cima do FGTS, em caso de demissão sem justa causa. A proposta de Sandro Mabel tenta acabar com essa multa criada com o objetivo de repor per-das dos Planos Verão e Collor I; pro-postas estas que também revoltam o movimento sindical.

O deputado defende veemente o projeto e diz que vai lutar até o fim. “Não acabo o meu mandato, não saio desta Câmara dos Deputados como covarde, que eu não protegi, que eu não trabalhei”, concluiu San-dro Mabel.

As críticas acerca do PL 4330 de-nunciam a pretensa precarização do emprego, rotatividade, baixos salários e lucro acima da lei. A Lei estabele-ce a divisão dos trabalhadores entre aqueles contratados diretamente pe-las empresas, chamadas de empresas contratantes, e “com mais direitos”, e aqueles terceirizados, considerados pela lei como trabalhadores de segun-da classe, contratados pelas empresas chamadas de prestadoras de serviços, e “com menores direitos”, mesmo que atuem no mesmo espaço e reali-zem o mesmo tipo de trabalho.

Retórica domovimentosindical

A presidenta da Fetamce, Enedi-na Soares, aposta que os trabalhado-res continuarão unidos e mobilizados para impedir que a Câmara dos De-putados vote o projeto de lei. “Nós fo-mos às ruas denunciar que o projeto pretende destruir as conquistas dura-mente obtidas, graças às lutas da clas-se trabalhadora, organizada através dos sindicatos e das centrais sindicais. O que ob-servamos é que tais repre-sentantes públicos expõem ‘argumen-tos’ em defesa deste assombro aos nossos direitos, o PL 4330, querendo ter apoio dos empresários e ainda dos trabalhadores”, denuncia.

As críticas acerca do PL 4330 denunciam a pretensa precarização do emprego, rotatividade, baixos salários e lucro acima da lei.

Fot

os: A

gênc

ia B

rasi

l

27 Revista FETAMCE

Page 28: Revista F - Nº 03

O aumento da terceirização também tem aviltado proble-mas relacionados à segurança

do trabalho no Brasil, isso porque os acidentes de trabalho são mais co-muns entre trabalhadores registrados em empresas terceirizadas do que entre aqueles que não se encontram nesta situação. Conforme o Depar-tamento de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, os terceirizados são os que estão mais expostos a acidentes.

Acidentes de trabalhoocorrem mais entre terceirizadosEmpresas têm optado por terceirizar atividades de risco e contratadas nem sempre têm plano de prevenção bem elaborado. Número geral de acidentes diminuiu, mas situação ainda é grave

ESTUDO

Exemplo claro desta situação é que profissionais terceirizados têm 5,5 vezes mais chance de morrer em um acidente de trabalho do que os efetivos no setor do petróleo

Fot

os: R

epro

duçã

o In

tern

et

28 Revista FETAMCE

Page 29: Revista F - Nº 03

A explicação é simples: as em-presas têm terceirizado as atividades mais perigosas, fato agravado pela constatação de que as contratadas di-ficilmente têm planos de prevenção bem elaborados. Exemplo claro des-ta situação é que profissionais tercei-rizados têm 5,5 vezes mais chance de morrer em um acidente de trabalho do que os efetivos no setor do petró-leo. E, segundo informações da FUP (Federação Única dos Petroleiros), entre 2012 e 2003, foram registra-dos 110 óbitos de terceiros contra 20 mortes de funcionários da Petrobrás.

Os problemas só se agravam, já que, ainda de acordo com o levan-tamento da FUP, 56 funcionários diretos morreram em acidente de tra-balho do setor elétrico entre 2007 e 2011. Do outro lado, foram registra-dos 315 óbitos envolvendo terceiriza-dos no mesmo período.

Segundo o Ministério do Traba-

Prevenção e diminuiçãoA taxa de mortalidade por acidente de trabalho para cada 100 mil trabalhadores diminuiu de 11,5%, em 2003, para 7,4%,

em 2010. Mas, apesar de ter diminuído, o número ainda é alto, o que levou o Governo Federal a lançar o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. A iniciativa capitaneada pelos Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e Saúde, tem o objetivo de integrar ações para diminuir o número de doenças e acidentes de trabalho.

CausasAs causas dos acidentes de trabalho variam de acordo com atividade e setor econômico, mas em geral estão relacionados

com a falta de planejamento e gestão na área de Saúde e Segurança do Trabalho.

Com base nestas informações, o Governo Federal elaborou regulamentações dinâmicas, de acordo com a realidade do mercado de trabalho. Um exemplo é a Norma Regulamentadora nº 35, que regulamenta trabalho em altura, tendo em vista que 40% dos acidentes estão relacionados com altura e 25% das mortes também, segundo o MTE.

lho e Emprego, os registros oficiais de acidentes do trabalho não incluem a caracterização da empresa da vítima como terceirizada ou não. Porém, o órgão destaca que a experiência de fiscalização e a análise de acidentes do trabalho revelam que os acidentes são mais frequentes nas terceirizadas.

Para o Ministério, duas podem ser as explicações para esses núme-ros: a gestão menos rigorosa dos ris-cos ocupacionais nas terceirizadas e o fato de que as tarefas por eles exer-cidas são, em geral, as que envolvem mais riscos ocupacionais. Esse tipo de problema, afirma o MTE, tem sido observado principalmente nas áreas de construção civil, transportes de cargas e no setor elétrico. O Mi-nistério não informou o número de terceirizados em todo o País.

De acordo com dados mais re-centes do Ministério da Previdência Social, houve diminuição de aciden-

tes de 2009 para 2010, de 733 mil para 701 mil. A região Sudeste, onde a terceirização avança com veloci-dade em setores em que acidentes são recorrentes, como na constru-ção civil, lidera em número de noti-ficações. Foram 378.564 no último levantamento. Em seguida ficam a região Sul, com 156.853, a Nordes-te, com 89.485, a Centro-oeste, com 47.374 e a Norte, com 29.220.

Em 2010, foi na construção civil que aconteceu o maior número de acidentes que têm como consequ-ência incapacidade permanente, ou seja, sequelas que impedem a pessoa de voltar ao trabalho. Foram 454 aci-dentes incapacitantes na construção de edifícios em 2010, número que supera o do setor de transporte rodo-viário de cargas, em segundo lugar com 412. Em termos de acidentes fa-tais, os caminhoneiros são os traba-lhadores que mais morrem no Brasil.

Fot

os: R

epro

duçã

o In

tern

et

29 Revista FETAMCE

Page 30: Revista F - Nº 03

30 Revista FETAMCE

ESTUDO

Subcontrataçãocresce 44% em 13 anos e mercado comemora avanço

Os trabalhadores de serviços terceirizados estão em quase todos os setores produtivos

do mercado de trabalho. Atualmen-te, estima-se que 12 milhões de ope-rários encontram-se espalhados pelo País, numa situação irregular e des-regulamentada, referente a aspectos gerais de contratação e definição de atividades que podem ser tercei-rizadas dentro de um determinado negócio, ou seja, a subcontratação avançou. Somente no Estado de São Paulo, entre 1995 e 2010, o número de terceirizados saltou de 110 mil para 700 mil trabalhadores, segundo

dados do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (IPEA).

Em nível nacional, esse volume teria dobrado com um milhão de no-

vas vagas sendo criadas por ano. De acordo com a Federação Nacional dos Sindicatos de Empresas de Recursos Hu-manos, Trabalho Temporário

e Terceirizado (Fenaserhtt), o mer-cado empregava 6 milhões de tercei-ros em 2008, passando para cerca de 12 milhões atuais – o que representa 22% dos 50 milhões de empregados formais do País. Com a segmen-tação, cada vez maior, de tarefas específicas, esses números devem continuar aumentando. Nos Esta-dos Unidos da América (EUA), por exemplo, onde o processo está adian-tado, a terceirização alcança 60% da produção; já na Europa, 90%.

Neste cenário crítico, a insegu-rança jurídica é grande. A terceiri-zação tem ajudado a incrementar o lucro do setor de serviços e gerado muitas batalhas jurídicas provocadas por trabalhadores que não acessam seus direitos. Desta forma, temos uma legião de empresas sendo fecha-das sem pagar dividendos trabalhis-

tas e reabrindo com novas “razões sociais”. Hoje existem aproximada-mente 5 mil processos no Tribunal Superior do Trabalho (TST), aguar-dando julgamento sobre a causa.

Dados das últimas Contas Na-cionais Trimestrais do IBGE mos-tram que, após responder por 66% da atividade econômica do Brasil, entre 2000 e 2008, a participação do segmento na produção nacional sal-tou para 69% até 2012. Consultores indicam que os mercados de terceiri-zação de serviços tiveram expansão de 44% desde os anos 2000.

Conforme a Fenaserhtt, os servi-ços respondem pela maior parte da formalidade entre os trabalhadores de empresas terceirizadas: 80% pos-suem carteira assinada. Na indústria, o segundo maior motor da economia brasileira (26% do PIB), também es-tão muitos terceiros. A Confederação Nacional da Indústria aponta 54% de terceirização em seus quadros.

Page 31: Revista F - Nº 03

31 Revista FETAMCE

ARTIGO

A Terceirização e o Serviço Públicomedida em que, por meio das empresas terceirizadas, caso prospere a ideia, toda sorte de mazelas e vícios podem ser perpetradas contra o interesse do povo, desde a agressão ao princípio do concurso, que propicia o acesso universal da população aos cargos públicos, até a possibilidade de uma retomada de casos de nepotismo e clientelismo, pela contratação pelas prestadoras de serviços de parentes e de pessoas indicadas por chefes políticos.

O projeto ainda contribuiria para aumentar o número de acidentes de

trabalho, como hoje ocorrem com os terceirizados da Petrobrás, e para reduzir a massa salarial brasileira e a arrecadação da previdência, causando danos sistê-

micos e em cadeia. Por essas razões, a sociedade

brasileira não pode admitir que o PL n° 4330/2004 seja aprova-do. Enfim, é de uma reflexão mais aguda pela sociedade e por parte do Governo Federal sobre o pro-jeto 4330, inclusive pelos danos aos cofres públicos.

Que haja disposição de luta da maioria dos brasileiros, que po-dem ser perversamente atingidos por esse projeto, e que o Parla-mento e o Governo estejam sinto-nizados com a vontade da maio-ria e com a Constituição, que não admite proposta tão desastrosa

como a que está sendo forjada no Congresso Nacio-nal com o objetivo de jogar por terra as garantias so-ciais que, ao fim e ao cabo, asseguram aos brasileiros o mínimo de segurança diante dos desconfortos que a ganância cada dia mais se mostra capaz de gerar.

Germano Siqueira, Vice-presidente da Associação Nacional

dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

Caso aprovado o projeto 4.330/2004

teremos o mais duro golpe contra os direitos

dos trabalhadores nesses mais de cem

anos de lutas e conquistas históricas.

Tramita na Câmara dos Depu-tados o Projeto de Lei (PL) nº 4330/2004, que tem o alega-do objetivo de “regulamentar”

a terceirização. “Terceirizar” significa, em palavras simples, comprar o tra-balho humano de um intermediário, geralmente por salários mais baixos, o que tanto pode ocorrer na inciati-va privada quanto nas relações com o Poder Público, já que o projeto ora em debate na Câmara dos Deputados permite a terceirização no âmbito da administração indireta e não a proíbe na administração direta, como deve-ria peremptoriamente fazê-lo.

Caso aprovado o projeto 4.330/2004, no entanto, teremos o mais duro golpe contra os direitos dos trabalhadores nesses mais de cem anos de lutas e conquistas históricas.

Atualmente, só se permite a contratação por intermediários (a terceirização) em atividades de limpeza, segurança e em serviços especializados que atendam às necessidades da atividade-meio do empregador, sendo claro, por exemplo, que uma empresa de transporte coletivo não pode ter seu quadro de motoristas “tercei-rizados”. E não há razões para ser diferente.

O referido projeto, contrarian-do o texto da Constituição e seus princípios, entre eles o da não regressão social, per-mite a terceirização em qualquer setor da atividade empresarial, transformando a terceirização (que deve ser excepcional) em uma forma corriqueira de con-tratação, ao passo que o emprego direto se transfor-maria em uma raridade. Trata-se de uma total inver-são de valores, garantias e responsabilidades!

No que toca às relações com a administração pública, o projeto de lei é ainda mais danoso, na

Page 32: Revista F - Nº 03

32 Revista FETAMCE

ESTUDO

Centrais, federaçõese sindicatosse unem contra projeto de lei que regulamenta terceirização

Para as organizações, o que está em jogo são os princípios constitucionais da dignidade humana e do valor social do trabalho

Fot

os: C

UT

Page 33: Revista F - Nº 03

33 Revista FETAMCE

A Central Única dos Trabalha-dores (CUT), a União Geral de Trabalhadores (UGT), a

Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), a Central dos Tra-balhadores do Brasil (CTB), a Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST) e a União Geral de Trabalha-dores (UGT) convocaram dirigentes e trabalhadores, nos últimos meses, para unirem forças contra a proposta de regulamentação da terceirização. De acordo com as Centrais, o Proje-to de Lei (PL) incluído no relatório do deputado Arthur Maia (PMDB--BA) ao Substitutivo do Projeto de Lei 4.330/2004, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), trata-se de uma “reforma trabalhista disfarçada”, que irá enfraquecer as relações de trabalho no País e legalizar condu-tas não permitidas atualmente, se for aprovado. As mobilizações tiveram ponto alto em abril de 2013, quan-do as organizações sindicais fecha-ram posição e divulgaram uma carta aberta à população brasileira.

Segundo os dirigentes do movi-mento, o documento expressa con-trariedade ao projeto que tramita, em fase final, na Comissão de Cons-tituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC) e representa um imenso retrocesso à organização dos trabalhadores. O texto da matéria prevê a autorização da terceirização na atividade-fim (a principal atividade), precarizando as relações e a organização sindical, desta forma, permitindo que uma empresa possa existir sem qualquer funcionário contratado de maneira direta. “O que está em jogo é o ree-quilíbrio de uma ordem jurídica ma-culada pela terceirização do trabalho na contramão dos princípios consti-tucionais da dignidade humana e do valor social do trabalho”, defende o documento assinado pelas centrais.

O movimento ainda projeta que se lute para que toda e qualquer regulamentação que venha a ser aprovada esteja necessariamente alicerçada nos seguintes pilares: 1. Que vede a locação de trabalhadores e trabalhadoras;

2. Que imediatamente proíba a terceirização nas atividades permanentemente necessárias à tomadora;

3. Que imediatamente assegure a responsabilidade solidária das empresas envolvidas na terceirização, tanto no setor privado quanto no público;

4. Que garanta plena igualdade de direitos e condições de trabalho entre empregados diretamente contratados e trabalhado-res terceirizados, com inclusão de mecanismos que impossibilitem a fraude a direitos;

5. Que assegure a prevalência da norma mais favorável entre os instrumentos coletivos de trabalho que incidam sobre uma mesma empresa;

6. Que assegure a representação sindical pelo sindicato preponderante.

O que está em jogo é o reequilíbrio de uma ordem jurídica maculada pela terceirização do trabalho na contramão dos princípios constitucionais dadignidade humana e do valor social do trabalho

Page 34: Revista F - Nº 03

ENTREVISTA

Com o Projeto de Lei 4.330, “vamos ter empresasSEM EMPREGADOS”

Graça Costa:

Em entrevista, Graça Costa, Se-cretária Nacional de Relações do Trabalho da Central Única

dos Trabalhadores (CUT), comenta a importância da mobilização da clas-se trabalhadora para a derrocada do Projeto de Lei 4.330, que regulamenta a ampliação da terceirização. A diri-gente nacional, representante do Ce-ará na executiva da Central e servido-ra municipal, destaca que o projeto aprofunda a pulverização sindical e cria o contrato de trabalho trilateral, reunindo trabalhador, terceirizada e patrão. Conforme Graça, existirá, com o PL, um futuro de empresas sem empregados. Confira a conversa a seguir.

Secretária Nacional de Relações do Trabalho destaca os aspectos mais nocivos do processo de precarização do trabalho discutido no Congresso Nacional

Fot

os: M

arco

s A

dega

s

34 Revista FETAMCE

Page 35: Revista F - Nº 03

Qual cenário podemos ter caso o PL 4.330 seja aprovado do jeito que está?Será um caos trabalhista?

Vai precarizar o mercado de trabalho brasileiro. Os terceirizaos trabalham em média duas horas a mais que os efetivos, além de terem direitos menores, principal-mente nos avanços das negocia-ções. Por exemplo, não tem parti-cipação nos lucros das instituições, como os têm os efetivos.

Caso o PL seja aprovado, pode terceirizar todo o mercado, colo-cando em risco os mais de 44 mi-lhões de empregos formais que temos no Brasil, pois em pouco tempo esses trabalhadores podem ser substituídos por terceirizados. Isso é o mais grave do projeto. Vai ter uma precarização generalizada.

No México, o setor bancário foi terceirizado. Uma lei lá libera a ter-ceirizações em todas as atividades. Os bancários, que tinham mais de 200 mil trabalhadores efetivos, re-duziram para 80 mil, houve rebaixa-mento de salários. Houve perda de mais de 60% de empregos formais. Hoje, apenas os cargos de alto es-calão dos bancos são efetivos, os demais são terceirizados.

Quais os pontos críticos e perigosos desse projeto?

Todas as atividades das empre-sas serão passíveis de terceirização em todos os setores do mercado de trabalho. Isso provocará uma mu-dança no direito de trabalho brasi-leiro. Hoje, o que foi conquistado e está na lei federal é que o contrato de trabalho no País é bilateral (tra-balhador e o patrão), com aprova-ção do PL, ele vai ser trilateral (tra-balhador, terceirizada e patrão).

Vai ser permitida a subcontra-tação (quarteirização): empresa vai contratar uma terceirizada para prestar um serviço, uma parcela das atividades da empresa. Essa terceirizada está autorizada a con-tratar outra e outra terceirizada. Ou seja, vamos ter uma coisa total-

mente estranha ao que se tem hoje na legislação. Vamos ter empresas sem empregados.

No caso da responsabilidade sobre o empregado, esta pode ser subsidiária ou solidária. Defende-mos que seja solidária: o empresá-rio terceiriza uma parte dos seus serviços, mas é responsável direto do que acontecer com os trabalha-dores daquela terceirizada (aciden-tes, condições de trabalho etc).

Hoje é subsidiária, ou um ou outro é responsável. Quando há o calote, o trabalhador busca na Jus-tiça responsabilizar aquela terceiri-zada. Perde o tempo, pois muitas vezes a terceirizada não existia de fato com condições, não tinha pa-trimônio para cumprir com suas obrigações. Depois de verificada essa situação, o trabalhador volta à Justiça para buscar os seus direitos contra a empresa contratante (em-presário). São muitos anos com o processo tramitando na Justiça.

Na solidária, ele entraria na Justiça contra as duas e a Justiça responsabilizaria quem de direito fosse para cumprir com os direitos negados àquelas pessoas que fo-ram afetadas naquele momento.

O PL diz que a responsabilida-de terá que ser subsidiária. Será solidária se a empresa não cumprir com alguns instrumentos (se a con-tratante provar que a contratada

não cumpriu, a terceirizada vai ser responsabilizada; se a contratante não fiscalizar a terceirizada, ela que será responsabilizada).

No TST (Tribunal Superior do Trabalho) temos 21 mil ações de terceirizados esperando para se-rem julgados (negação dos direitos trabalhistas, condições de traba-lho que não foram cumpridas por aquela empresa).

Como ficarão as negociações salariais e a organização sindical nos locais de trabalho com o que propõe o PL 4330?

Não está escrito que o terceiri-zado vai ter os mesmos direitos da categoria preponderante da em-presa pela qual ele está trabalhan-do. Se não tem igualdade de direi-to, é inconstitucional uma lei que regulamenta o trabalho de uma categoria, mas não garante o que diz na Constituição que normatiza as condições igualitárias.

Como os terceirizados não são efetivos da empresa, eles têm tra-tamento de desigualdade de todas as formas: salários desiguais, discri-minação, não almoçam no mesmo refeitório dos efetivos em algumas empresas.

No TST (Tribunal Superior do Trabalho) temos 21 mil ações de terceirizados esperando para serem julgados (negação dos direitos trabalhistas, condições de trabalho que não foram cumpridas por aquela empresa).

35 Revista FETAMCE

Page 36: Revista F - Nº 03

ENTREVISTA

O projeto aprofunda a pulveri-zação sindical e a divisão entre os trabalhadores. O grande achado da organização sindical é a solida-riedade de classes. Temos dois ti-pos de trabalhadores: 1ª classe e 2ª classe. Quando você tem uma grande divisão e as pessoas são dis-criminadas no seu local de traba-lho; numa mesma empresa, vc tem trabalhadores fazendo o mesmo serviço, com salários diferentes e tratamentos diferentes. Isso gera uma grande discórdia.

Numa empresa, uma catego-ria vai ser preponderante, que é da empresa contratante, com um sindicato. A empresa terceiriza; o sindicato não vai representar os terceirizados. Vai se formar outro sindicato que vai competir com a mesma base, que vai discutir com o mesmo patrão, mas com condições inferiores que o outro sindicato. O PL vai fazer uma reforma traba-lhista e sindical ao mesmo tempo. Enfraquece, assim, a força dos tra-balhadores frente ao patrão.

A CUT foi responsável direta-mente por boa parte da resistência que a classe trabalhadora fez para não consolidar o projeto neoliberal no Brasil. O empresariado quer ti-rar a responsabilidade dele do tra-balho e jogar na mão de uma outra empresa.

Tudo que temos hoje acontece sem regulamentação. Trabalhado-res correm para Justiça hoje em dia para resolver esses problemas (atraso de salários, demissão arbi-trária). Com o PL, vai regulamentar o que está errado hoje e esses pro-blemas vão multiplicar.

Tem uma decisão do TST, na Súmula 331, que diz que só pode ser feita terceirização na atividade--meio e diz que é subsidiária a res-ponsabilidade. Hoje temos uma coisa micro, mas com a legalização do PL tornaria uma coisa macro.

Em pouco tempo, os trabalha-dores teriam perda de 30% de suas

rendas, com salários menores e em redução de seus direitos. Com essa queda, teríamos um problema no mercado financeiro, baixando o poder de compra dos trabalhado-res. Empresários vão ganhar mais dinheiro e jogar a responsabilidade para outra empresa.

A terceirização desrespeita a Constituição?

A Constituição cidadã avança nas questões democráticas, mas trabalha com o conceito de cida-dão, ampliou o conceito de traba-lhador, que além de ser alguém

com direitos trabalhistas sociais, tem que ser considerado cidadão, o qual tem direitos mais amplos, como habitação, salários dignos, saúde, alimentação.

O PL traz o conceito antigo de que o trabalhador é a mercadoria. Não se identifica mais com a em-presa, não tem uma relação. Com a terceirização, o trabalhador não vai saber nem quem é o dono da empresa para qual presta serviço e isso enfraquece a luta sindical - que é feita assim: o patrão descumpre, o trabalhador paralisa e vai nego-ciar com o patrão.

Como está a batalha do tema no Congresso Nacional?

Há um lobby forte do empre-sariado brasileiro no Congresso Nacional. Mesmo que sofra uma Ação Direta de Inconstitucionali-dade (Adin), os empresários têm defendido o projeto como o mais sagrado para eles no momento. A classe trabalhadora também tem conseguido muitos apoios, mas a maioria no Congresso apoia os empresários. Hoje, os empresários têm a insegurança jurídica, ou seja, defendem uma lei que regulamen-te seus investimentos. Defendem que o desenvolvimento brasileiro só vai vir com a terceirização.

Em 2012, eles entregaram à presidente um documento com 101 propostas para o desenvol-vimento do País. Destas, o carro--chefe é o PL 4330. Isso está re-lacionado com o apoio que os empresários farão para as campa-nhas de 2014.

Bancadas do PT, PSB PT do B e PSOL apoiam os trabalhadores. Isso não dá maioria, porém, tem mi-nado a ação das outras bancadas.

É uma guerra do capital con-tra o trabalho. É uma nova forma de ganhar dinheiro; do capital se reorganizar de suas crises; ganhar dinheiro fácil sem ter responsabili-dade com a classe trabalhadora.

[...] colocando em risco os mais de 44 milhões de empregos formais no Brasil, pois em pouco tempo, esses trabalhadores podem ser substituídos por terceirizados.

36 Revista FETAMCE

Page 37: Revista F - Nº 03

ARTIGO

A terceirização ilimitadaameaça o futuro do País

uma ou mais atividades realizadas por trabalhadores diretamente con-tratados por ela e as transfere para outra empresa.” Hoje, no Brasil, o pro-cesso de terceirização da prestação de serviços é regulado por algumas refe-rências legais exatamente porque a intermitência das relações sociais tra-zida pela terceirização ameaça a or-ganização social, a sobrevivência dos que vivem do trabalho e a qualidade dos produtos e serviços fornecidos à população.

O Projeto de Lei 4330, em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça

da Câmara dos Deputados, viabiliza a generalização e difusão sem amarras da terceirização. Caso seja aprovado no Congresso Nacional, o PL 4330 se tra-duzirá numa ampla retirada de direitos das pessoas que vivem do trabalho, tanto de direitos consagrados em acordos e convenções coletivas, quanto dos que constam em leis. O PL 4330 possibilita, no limite, a contratação apenas de trabalhadores autônomos or-ganizados em uma empresa (isto é, como “PJ” – pes-soa jurídica), o que seria derrubar, de uma vez, toda a CLT e os direitos previstos na Constituição, como salário mínimo, limite da jornada de trabalho e pa-gamento de hora-extra, descanso semanal remune-rado, décimo terceiro e férias, entre diversos outros. A terceirização na prestação de serviços se traduz na transformação de relações de trabalho em relação comercial, entre empresas, em que o bem transacio-nado é o trabalho alheio.

Pelas experiências concretas que temos com a terceirização, não só no Brasil, conforme publicado regularmente em matérias da imprensa, podemos ver que os trabalhadores de empresas terceiras so-frem mais com acidentes e mortes no trabalho, têm remuneração menor, vínculos de emprego mais bre-ves, menos direitos e mais direitos sonegados. É no-tório e reincidente, no Brasil, o uso de trabalhadores bolivianos em situação análoga à escravidão na ca-deia terceirizada de produção de roupas de luxo. Em

Para uma sociedade se estrutu-rar com a mínima segurança necessária, as relações sociais, inclusive as de trabalho, não

podem ser relações periodicamente entrecortadas e, em consequência, esgarçadas. Além de outros efeitos negativos, o processo de terceiriza-ção, na prática, gera exatamente essa inconstância das relações sociais e da possibilidade de se ganhar a vida de modo continuado. Se a terceirização em si já é nefasta, sua generalização e difusão na economia coloca em risco a organização social.

O ser humano é um ser que trabalha e o faz de modo social e histórico. Essa afirmação carrega duas possibilidades de interpretação. Numa perspectiva mais filosófica, ela significa que a humanidade, para sobreviver (se alimentar, proteger, reproduzir), precisa modificar a natureza, o que se efetiva por meio do tra-balho, e significa, ainda, que as formas de conseguir a sobrevivência e a vida são construídas socialmen-te no desdobrar da história. Numa outra perspectiva, mais concreta, sob o capitalismo, ganhar a vida im-plica, para todos aqueles que não controlam algum recurso que gere renda, ter uma ocupação remune-rada (ou depender de alguém que receba um rendi-mento do trabalho). Por meio das relações sociais de trabalho e produção, as sociedades se organizam. Não são apenas as relações sociais de trabalho que estruturam uma sociedade, mas elas ainda são os alicerces principais. Sobretudo em nossa sociedade, que se caracteriza pela invasão crescente, em todas as suas esferas e relações, das práticas e valores mer-cantis, isto é, pela hegemonia totalizante do mercado. Afinal, para consumir (e, assim, realizar a regra mais básica do mercado), a pessoa precisa ter dinheiro; e, em geral, para ter acesso a dinheiro, tem que traba-lhar ou obtê-lo de quem trabalhou e foi remunerado.

O DIEESE, em sua Nota Técnica nº 112, conceitua a terceirização em termos gerais: “Terceirização é o processo pelo qual uma empresa deixa de executar

37 Revista FETAMCE

Page 38: Revista F - Nº 03

38 Revista FETAMCE

ARTIGO

outros países do mundo, também se conhecem as jornadas exaustivas em empresas terceiras, as taxas elevadas de suicídio em terceirizadas da Apple e os menores trabalhadores na indústria de calçados. O desabamento do prédio com oficinas de confecção em Bangladesh, com mais de 1000 mortos, chamou a atenção para os acidentes e mortes na cadeia de subcontratação terceirizada. Mas também no Brasil, como no setor de petróleo e de eletricidade, as mor-tes são bem mais frequentes entre trabalhadores de empresas terceirizadas do que no efetivo próprio das empresas.

Como se não bastasse, também sob a ótica do consumidor, a terceirização significa perda de quali-dade do bem oferecido. Isso é verdade tanto para os serviços de tele atendimento quanto de eletricidade, entre outros.

Apesar de tudo isso, governos e empresários se empenham na aprovação do PL 4330. Os empresá-rios, numa visão imediatista, acreditam que a nova lei trará ganhos financeiros. Os governos (em todas as esferas do Estado), por sua vez, hoje já terceiri-zam setores relevantes da administração direta e das empresas públicas e, assim, pretendem com a apro-

vação do PL legalizar uma situação que, perante a norma atual, é irregular. A terceirização da adminis-tração direta viola a norma de ingresso por concur-so público. Tanto governos quanto empresários não percebem que a generalização da terceirização co-loca em risco o seu futuro, ao ameaçar as condições de trabalho da população e a organização social do país.

O PL 4330 constitui uma reforma trabalhista ampla e irrestrita, legalizando a precarização. Ele altera, para pior, as condições de trabalho, de con-tratação e de remuneração, além de retirar garan-tias de que gozam os empregados nos casos de fe-chamento de empresa e de ameaça a seus direitos sindicais e legais. O PL 4330 é uma ameaça às con-dições de vida e à própria vida dos trabalhadores brasileiros. Coloca em risco o futuro dos jovens que estão ingressando na vida adulta e no mercado de trabalho. Põe em perigo real a organização social e o futuro da nação.

Frederico MeloTécnico do DIEESE na subseção da CUT-MG

CAMPANHA SALARIALNACIONAL UNIFICADA 2014

Terceirizacao e gol contra

Page 39: Revista F - Nº 03

39 Revista FETAMCE

DENÚNCIA

Trabalhadorestestemunham malesda terceirização A onde quer que seja implemen-

tada, a prática de terceirizar os serviços vêm mostrando

mais prejuízos do que vantagens. Essa conclusão é a mesma dos eletri-citários e bancários do Ceará, cate-gorias que, desde a década de 1990, enfrentam problemas com as tercei-rizações.

Os números de acidentes de tra-balho são um dos exemplos. Segun-do dados do Sindicato dos Eletrici-tários do Ceará (Sindeletro), desde a privatização da Companhia Ener-gética do Estado Ceará (Coelce), em 1998, já foram registrados 56 aciden-tes fatais, com 46 casos envolvendo empresas terceirizadas; quantitativo que representa 82% dos acidentes.

A terceirização também infla-mou as portas de bancos federais, como o Banco do Nordeste. Em 2012, o Sindicato dos Bancários do Ceará (SEEB-CE) formalizou uma denúncia no Ministério Público do Trabalho contra a Instituição finan-ceira. Segundo o Sindicato, na época o BNB mantinha o maior percentual de terceirização entre os bancos fe-derais no Ceará, ultrapassando a pa-ridade de um terceirizado para um concursado.

A denúncia do Sindicato ao MPT exigiu um Termo de Ajuste de Conduta da Direção do BNB para enquadrar a terceirização em pata-mares aceitáveis e restringir a con-tratação de serviço às áreas-meio. “É inadmissível tanta terceirização, quando existem milhares de con-cursados aprovados esperando uma

vaga na Instituição”, afirmara na época o coordenador da Comissão Nacional dos Funcionários do BNB, e diretor do Sindicato, Tomaz de Aquino.

Após a denúncia, foi assinado um TAC, no qual o Banco se comprome-tia a realizar concurso para a área.

Além disso, os eletricitários de-nunciam que várias terceirizadas já fecharam suas portas, deixando os trabalhadores abandonados, sem receber férias, FGTS e multa resci-sória. O Sindeletro informou que já buscou acordo com a Coelce (que tinha responsabilidade solidária) e em outros casos precisou recorrer à Justiça para obter os direitos dos tra-balhadores.

As perdas dos direitos trabalhis-tas também foi apontada. Segundo o

Sindeletro, de 1998 até 2005, a cate-goria terceirizada sofreu redução de seu salário bruto. “Apenas em 2005, o Sindeletro conseguiu reorganizar a categoria e celebrar a primeira Con-venção Coletiva de Trabalho, que serve para todas as empresas tercei-rizadas do setor elétrico”, informou a entidade.

Dessa forma, a categoria tem seus direitos regulamentados e tem melhorado seu poder de compra, mas ainda é inferior ao período que antecede a privatização. Apesar dos avanços, o Sindeletro continua en-frentando dificuldades com as tercei-rizadas. Isto porque sempre que há a entrega de um contrato, a empresa terceirizada estabelece dificuldades para não realizar o pagamento dos direitos dos trabalhadores.

Fot

o: S

inde

letr

o

Page 40: Revista F - Nº 03

ENTREVISTA

Natural de Morada Nova, município do Interior do Ceará, Antônio de Oliveira Lima, 45, atua há oito anos na defesa dos direitos trabalhistas no Ministé-

rio Público do Trabalho do Ceará, órgão no qual exerce, atualmente, função de procurador-geral, destacando-se na promoção de uma frente de combate incansável ao tra-balho infantil no Estado.

No âmbito do serviço público, concentra forças na luta do Ministério Público pela efetivação dos princípios da Administração Pública: a legalidade, a eficiência, a im-pessoalidade, a publicização e a moralidade - diretamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana do trabalhador, e do valor social do trabalho.

O combate do MinistérioPúblico à terceirizaçãono Estado

Participou do trabalho do MP no combate às falsas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OS-CIPs), entre 2005 e 2006 e, agora, no combate e às terceiri-zações ilícitas nos âmbitos dos serviços privados e públicos.

A Revista F conversou com o procurador, que infor-mou o empreendimento do Ministério Público em bar-rar o avanço das terceirizações nos municípios do Ceará, dando uma ênfase ao combate ao PL 4330. Em sua aná-lise, ele ressaltou ainda os impasses dos órgãos jurídicos nas resoluções de problemas de terceirizados, fazendo um contraponto com os resultados positivos alcançados pelo MP, por meio do diálogo. Confira a entrevista que tivemos com o procurador-chefe do MPT no Estado.

Fot

o: F

etam

ce

40 Revista FETAMCE

Page 41: Revista F - Nº 03

F - Qual a posição do MPT quanto à terceirização dentro da Admi-nistração Pública?

Que ela seja utilizada em casos ex-cepcionais, e que seja na atividade--meio, como limpeza, conservação e vigilância. Nos demais casos, como atividades burocráticas, que têm a ver com as informações mais sensíveis dos órgãos públicos – exigindo, inclusive, o sigilo -, não pode haver terceirização, pois são inerentes à prestação de serviços do Estado, devendo, portanto, ser contratadas mediante concurso público.

F - Existem normas de terceiri-zação aplicadas para o serviço público?

Tirando o Decreto 2172/97, que regulamenta a terceirização no âmbito do serviço público federal, só temos a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que tra-ta da relação de responsabilidade dos empregadores. A regra geral é, como se trata de empregados, a relação de trabalho é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

F - O Ministério Público vem fir-mando Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com prefeitu-ras, exigindo cumprimento da re-alização de concursos públicos. Eles estão sendo cumpridos?

De modo geral, sim. Mas há alguns resistentes. Por exemplo, havíamos firmado um TAC, em 2011, com o município de Fortaleza, exigindo realização de concurso público na área da saúde, até junho de 2013. No entanto, hoje, ainda há muitos terceirizados nessa área. As pro-vidências não foram adotadas e a gestão atual pediu um novo prazo para realizar o concurso. Está sen-do pactuado o prazo de dezembro de 2014. Estamos buscando um cronograma mais detalhado para acompanhamento deste compro-misso.

Tivemos TACs recentes com o mu-nicípio de Beberibe, que realizou concurso através da Universidade Federal. Foi nomeada a maioria dos concursados, mas ainda há alguns temporários na gestão. Na área da saúde e da assistência, ainda há problemas com terceirizados no Ceará. As administrações não têm solucionado os problemas de car-gos nas áreas essenciais. Esse é um problema urgente que temos que resolver.

F – Como tem-se dado os encami-nhamentos dos TACs?

No âmbito da Justiça, o Supremo acabou criando muitas dificulda-des. Um dos fatores que dificultou bastante a luta contra a precariza-ção na relação trabalhista pública foi decorrente da interpretação que o Supremo deu ao artigo 114 da Constituição Federal (CF).

Quando houve a reforma do Judi-ciário, em 2004, a expressão “rela-ção de trabalho” entrou no texto constitucional em substituição de “relação de emprego”. A compre-ensão que nós tínhamos é de que,

Tivemos TACs recentes com o município de Beberibe, que realizou concurso através da Universidade Federal. Foi nomeada a maioria dos concursados, mas ainda há alguns temporários na gestão.

a partir daí, a Justiça de Trabalho teria competência para todas as questões relacionadas ao trabalho humano, seja na administração pú-blica ou privada.

No entanto, entre 2005 e 2006, uma Ação Direta de Inconstitucio-nalidade (Adin), ajuizada pela As-sociação dos Juízes Federais, recla-mou que essa competência deveria voltar à Justiça Comum, federal e estadual. O Supremo acolheu a re-clamação, entendendo que a rela-ção de trabalho com a administra-ção pública não era uma “relação de trabalho”, mas de “direito admi-nistrativo”, concluindo, portanto, que a Justiça do Trabalho não tinha competência para isso. Isso foi um prejuízo muito grande.

As interpretações dos ministros do Supremo têm dado efeito elastici-do a essa decisão da Adin, de forma que os Municípios entram muito com reclamação com relação a isso, por isso que temos construído mui-tos diálogos com os gestores para realizar concursos, porque no âm-bito do Judiciário temos tidos mais decisões que travam as soluções do que de efetiva solução. O Judi-ciário não tem sido muito eficien-te no combate às terceirizações ilícitas e contratações precárias da

41 Revista FETAMCE

Page 42: Revista F - Nº 03

ENTREVISTA

Administração Pública, porque tem debatido muito questões de com-petência e legitimidade e pouco tem buscado solução. Quem tem buscado solução mesmo é o MP no diálogo direto com os gestores e temos obtido bons resultados com os TACs. Os processos que estão na Justiça estão travados há anos.

F – E quem aprecia ação contra terceirizadas hoje?

Hoje, quando se trata de terceiriza-ção, quando tem um ente privado na relação, nós (MP) ajuizamos a ação com tranquilidade. Mas quan-do se trata de um ente público, a Justiça do Trabalho não tem com-petência para questões de servido-res estatutários.

F – Muitas soluções são alcança-das mediante os TACs?

No Ceará, mais de 90% das solu-ções são dadas nos TACs.

F – E quanto ao caso de empre-sas terceirizadas criarem cargos genéricos, como “consultor téc-nico”, exercendo o consultor, no entanto, uma atividade de um servidor?

Isso é muito usado para disfarçar o verdadeiro objetivo da atividade.

Observamos que os contratos de terceirização utilizam esses termos genéricos como forma de esconder o real objeto do contrato para dizer que não está terceirizando a ativi-dade-fim, pois seria uma consulto-ria. Mas o que é feito é o trabalho que um analista e técnico adminis-trativo do órgão faz, que é o traba-lho essencial para o ente público.

Não se pode pensar um ente pú-blico com terceirizados nessas si-tuações, pois não fica história no órgão se não há continuidade, e terceirizados mudam a cada instan-te. Às vezes, o gestor pensa somen-te nos quatro anos de sua gestão.

F – Quais os principais desvios de normas cometidos pela terceiri-zação no setor público?

A primeira é o descumprimento do artigo 37, inciso II da CF, que deter-mina que a regra de contratação de servidores tem que ser por concur-so público - exceção para cargos de comissões, para direção, chefia e assessoramento, e as contratações temporárias para necessidade ex-cepcional de interesse público.

Observamos que os contratos de terceirização utilizam esses termos genéricos como forma de esconder o real objeto do contrato para dizer que não está terceirizando a atividade-fim, pois seria uma consultoria.

Outro ponto importante de se des-tacar é que, se a atividade é uma atividade-meio, mas não há a ob-servância dos direitos trabalhistas, também é ilegal. Quando a admi-nistração terceiriza, mas não adota medidas para uma boa seleção e boa fiscalização da empresa ter-ceirizada no tocante às obrigações constitucionais, ela passa a ter a responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas inadimpli-das pela empresa contratante.

F - Algumas empresas ou gesto-res já sofreram sanções na Justi-ça, mas, mesmo assim, criam uma nova empresa sob novo CNPJ. Eles podem fazer isso?

As ações começam contra as em-presas, de modo geral. Em alguns casos, contra os responsáveis, quando evidenciado a má gestão. Quando isso acontece, ele fica condenado da mesma forma. Tam-bém nas ações por dano moral e coletivo.

F - Existe alguma porcentagem de restrição da terceirização de-terminada por lei?

42 Revista FETAMCE

Page 43: Revista F - Nº 03

Não existe. Não há lei que regu-lamente a terceirização no Brasil. Falta regulamentação e limites para a terceirização. A proposta de regulamentação que está sen-do apresentada (PL 4330) piora a situação, pois amplia para todas as atividades (fim ou meio). O limite que temos hoje é na compreensão da jurisprudência do que seja ativi-dade-meio e atividade-fim.

F- Qual o entendimento dos ór-gãos jurídicos para o que seja atividade-fim?

Existem controvérsias entre enti-dades e órgãos. A mais controver-sa hoje é a de Tecnologia da Infor-mação (TI). Todos os processos e informações sensíveis aos órgãos passam por TI. Na Justiça, por exemplo, os processos são eletrô-nicos; dependem 100% de TI. Em regra é para ser terceirização de serviços e não de mão de obra. Os produtos são para o ente público. Se se contratar um serviço para ob-ter um produto para que se tenha a gestão sobre ele, isto está per-feito. Mas se eu quiser os técnicos que vão operar no dia a dia as ope-rações deste programa, e eu que vou dizer o que ele vai inserir ou

não, essa relação passa a ser inter-mediação de mão de obra. A ope-racionalização dos sistemas e das informações internas dos órgãos não dá para se pensar na atividade--meio. Se eu entro nos programas e dou despacho, isso gera conse-quências no mundo jurídico. Como vou pensar nisso como atividade--meio? Para limpeza, conservação e vigilância não há controvérsias.

Outro ponto controverso é o des-vio de finalidade na forma de con-tratação de consultorias, que é efetivamente desempenhado uma atividade burocrática. Alguém que é da essência do órgão, mas o co-loquei como um produto genérico. Há muito desvio para se utilizar desses contratos para as funções de assessoramento, que poderia ser um cargo de comissão. Tan-to a terceirização como os cargos de comissão são extremamente precários. Mas se for atividade de servidor efetivo, entendemos que deva ser feita mediante concurso público.

F - A representação sindical vai ser comprometida com o PL 4330?

A terceirização compromete de forma muito intensa a representa-ção sindical. Essa representação é forte quando os trabalhadores es-tão unidos e têm objetivos comuns. Com as terceirizações, passa-se a ter várias categorias no mesmo am-biente de trabalho, com objetivos diferenciados, e isso enfraquece a luta dos trabalhadores.

Outro ponto que dificulta: do pon-to de vista quantitativo, quanto menos trabalhadores tiverem os seus direito violados, mais fraca ficará a atuação dos sindicatos na defesa desses direitos. Se há dez sindicatos, cada um postulando o direito de dois, três trabalhadores naquele ambiente, é diferente de ter o mesmo sindicato postulando o direito de 50 trabalhadores. En-

tão, a terceirização fragiliza a força dos sindicatos.

F - Para as categorias de traba-lhadores em que há concursados e terceirizados, a luta fica mais enfraquecida?

Normalmente as lutas não se con-vergem. Não costumam ter uma pauta comum. O sindicato dos terceirizados luta pelos direitos básicos: salário, carteira, FGTS... direitos trabalhistas básicos. O sin-dicato dos servidores luta por con-cursos públicos e pela efetivação de servidores.

F - E quando há uma luta contra o assédio moral imposto pelo mes-mo patrão?

Nesse caso eles precisam se unir, mas continua na mesma situação. De modo geral, a empresa tercei-rizada é responsável direta pelos seus empregados, enquanto que a responsabilidade do ente público é subsidiária. Embora o ambiente de trabalho seja único, não dá para ti-rar a responsabilidade da empresa terceirizada, pois ela é o emprega-dor direito e, por isso, em primeiro lugar, tem que assegurar os direitos trabalhistas. O sindicato da empre-sa terceirizada tem uma luta contra a empresa terceirizada para que ela também assegure esse direito.

F - Um dos maiores problemas do PL 4330 seria a quarteirização. Quem é o responsável pelos di-reitos de um funcionário quartei-rizado?

Não há lei que regulamente a terceirização no Brasil. Falta regulamentação e limites para a terceirização. A proposta de regulamentação que está sendo apresentada (PL 4330) piora a situação, pois amplia para todas as atividades (fim ou meio).

Outro ponto controverso é o desvio de finalidade na forma de contratação de consultorias, que é efetivamente desempenhado uma atividade burocrática.

43 Revista FETAMCE

Page 44: Revista F - Nº 03

O nível de vinculação está dentro das relações com que ele firma o contrato. A primeira reclamação de um empregado quarteirizado é contra o empregador que o con-tratou; depois vêm os outros, na sequência, no caso, a terceirizada e o tomador.

Estar no mesmo ambiente com trabalhadores com relações jurídi-cas diferentes, com sindicatos di-ferentes, com tomadores diferen-tes, deixa tudo muito confuso. Em algum momento, os interesses vão ser conflitantes entre os próprios trabalhadores de sindicatos.

F – Se um funcionário terceiriza-do é demitido sem justa causa, contra quem ele deve ajuizar uma ação na Justiça?

Tem que se incluir no polo passivo (réu), primeiro, aquele que assinou a carteira. Depois, incluir o toma-dor. Se entre o tomador e a empre-sa que o contratou há uma outra empresa (quarteirização), deve-se incluir todas.

F – Como o MP se posiciona com a relação ao PL 4330?

Normalmente as lutas não se convergem. Não costumam ter uma pauta comum. O sindicato dos terceirizados luta pelos direitos básicos: salário, carteira, FGTS... direitos trabalhistas básicos. O sindicato dos servidores luta por concursos públicos e pela efetivação de servidores.

Contrário à terceirização sem limites, que é a proposta pelo PL. As terceirizações devem-se restringir a casos somente de atividades-meio, e em todos eles devem ser assegurados os direitos trabalhistas, com responsabilidade subsidiária ou solidária, conforme for o caso.

ENTREVISTA

Contrário à terceirização sem limi-tes, que é a proposta pelo PL. As terceirizações devem-se restringir a casos somente de atividades--meio, e em todos eles devem ser assegurados os direitos trabalhis-tas, com responsabilidade subsi-diária ou solidária, conforme for o caso. Sempre que houver culpa na contratação, ou por falta de vigilân-cia da contratação, há uma respon-sabilidade subsidiária. Se houver, para além disso, uma contratação ilícita, que seja solidária. Se a tercei-rização foi lícita, foi permitida, que a responsabilidade seja subsidiária quando não cumprir com as obriga-ções trabalhistas; e que seja solidá-ria sempre que houver algum tipo de ilicitude. Por exemplo: contratar empresa que o tomador sabia que não cumpria com as obrigações trabalhistas (não assinava carteira, usava falsos PJs, falsos coopera-dos). Sempre que houver fraude trabalhista, com conhecimento do ente público, a responsabilidade deve ser solidária. Sempre que hou-ver violação do direito trabalhista, sem fraude ou má fé, subsidiária.

44 Revista FETAMCE

Page 45: Revista F - Nº 03
Page 46: Revista F - Nº 03

46 Revista FETAMCE

Uma luta do capitalcontra o trabalho

Oavanço do neoliberalismo mundial, marca da década de 1990, nos deu uma lição que não esqueceremos: a fome dos empresá-rios por lucros aumenta cada vez mais, e

com voracidade, não importando as formas a serem utilizadas para saciar essa necessidade. Das fontes lucrativas aos patrões, as terceirizações se apresen-tam como o carro-chefe, impulsionando avanço do capital mundo afora, modificando as relações de trabalho, e deixando saldo negativo para o traba-lhador. Isso porque, sabidamente, cairá sob esse a injusta tarefa de gerar os lucros aos patrões, tendo que, para isso, sacrificar a sua própria saúde, ante a um sistema em que as reivindicações de seus direitos são fragilizadas.

Nós, da Confetam, que representamos os tra-balhadores do serviço público municipal de todo o País, temos travado inúmeras batalhas contra o avanço das terceirizações na Administração Pública. De Norte a Sul, mostramos a nossa força de luta, junto às federações dos mu-nicipais e à Central Única dos Traba-lhadores, para repelir as tentativas de regulamentação da terceirização sem restrições, que tramitam no Congresso Nacional.

Projetos como PL 4330 de 2004, do deputado federal Sandro Mabel, e o PLS 87 de 2010, do ex-senador Edu-ardo Azeredo, visam derrubar direitos que nós, trabalhadores, conquistamos ao longo de vários anos de luta, com nossas mobilizações. Agora, em nome do capital, querem que o Congresso Nacional aprove normas que abrem as terceirizações, sem restrição algu-ma, no mercado de trabalho, chegan-do, inclusive, à Administração Pública, o que fere gravemente a nossa Carta Magna, que determina que o ingresso na Administração Pública se dê, so-mente, por concurso público.

O prato de direitos que hoje é servido ao servidor público é fruto de históricas lutas empreendidas por tra-

balhadores e trabalhadoras em todo o País. Os empresários, no entanto, entendem como números aqueles que constroem a sua organização e querem regulamentar a mão de obra como mercadoria. E é essa indigesta refeição que querem empurrar para os servidores públicos.

Temos mobilizado todos os com-panheiros na luta contra a tercei-rização no País. Juntos com a CUT, ganhamos o apoio da Anamatra, do Ministério Público e de outras entida-des. Não descansaremos enquanto o lobby empresarial para a aprovação do PL 4330 e do PLS 87 ainda tiver força e enquanto não tivermos a cer-teza de que os direitos trabalhistas já assegurados não corram o risco de se-rem desregulamentados.

Vilani Oliveira, presidenta da Confetam

ARTIGO

De Norte a Sul, mostramos a nossa força de luta, junto às federações dos

municipais e à Central Única dos

Trabalhadores, para repelir as tentativas de regulamentação

da terceirização sem restrições,

que tramitam no Congresso Nacional

Page 47: Revista F - Nº 03
Page 48: Revista F - Nº 03