revista a3:03

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1 A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013 REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA Novos nacionalismos da América do Sul modificam equilíbrio geopolítico do continente UFJF adquire banco de acervos digitais e tablets para consulta NÚMERO 03 - OUT / 2012 Pesquisadores usam plantas e nanotecnologia para sintetizar o segredo do rejuvenescimento

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Page 1: Revista A3:03

1A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURALDA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

Novos nacionalismos da América do Sul modificam equilíbrio geopolítico do continente

UFJF adquire banco de acervos digitais e tablets para consulta

NÚMERO 03 - OUT / 2012

Pesquisadores usam plantas e nanotecnologia para sintetizar o segredo do rejuvenescimento

Page 2: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20132

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3A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

O desafio de aprimorar o jornalismo de qualidade, tratando com clareza a informação científica

Todos nós, diariamente, frente à

enxurrada de informações que nos são

apresentadas, deparamo-nos com

indagações frequentes: O que realmente

importa? O que muda a nossa vida? O que

interfere na nossa vizinhança, na cidade, no

país e mesmo no mundo? Qual o limite entre

aquilo que nos informa e o que apenas nos

diverte? Por que a violência vende mais jornal

do que a solidariedade? Por que as vilãs são

hoje tão mais sedutoras do que as moças de

boa vontade?

Quando a equipe da “A3” se reúne para discutir

a produção da revista, que você lê agora, não é

diferente. O que o leitor quer ver impresso? O

que lhe interessa? O que é importante na vida

dele? E não temos como responder isso, sem

levar em conta nossos próprios interesses,

nossa subjetividade e nossos valores. Para

ampliar a análise sobre a seleção dos fatos que

vão virar notícia, debatemos nossa pauta com

o Conselho Editorial, que reúne especialistas de

várias áreas do conhecimento. Mas, ainda

assim, ficam dúvidas: conseguimos fazer a

revista que nosso leitor quer ler? Conseguimos

também ajudar na formação de leitores e, neste

caso, de leitores mais críticos?

Nas aulas da Faculdade de Comunicação

(Facom) da Universidade Federal de Juiz de

Fora (UFJF), todo aluno começa a entender o

complexo processo de construção da notícia,

que leva em conta fatores tão variados quanto

a proximidade, o impacto, a atualidade, a

notoriedade, a amplitude, o exotismo, o

inesperado, entre outros. Fatores que não têm

mudado muito nos últimos séculos. Mesmo

sabendo que a máxima “o homem que morde o

cão” tem um valor-notícia maior do que a

afirmativa inversa, debatemos sobre os

artifícios que podem fazer com que a matéria-

prima de uma Universidade, isto é, a produção

de conhecimento, a ciência, a cultura, torne-se

atraente para cativar o interesse do leitor.

Nossas questões vão além. É preciso dialogar

com os pesquisadores e convencê-los de que,

para atrair o leitor, devemos “embalar” a

informação de forma a ganhar a competição

com outras centenas de atrações que insistem

em “roubar” a sua atenção. Este é um processo

lento, que exige confiança de ambas as partes.

E resultados de excelência. Na era da

instantaneidade e do conforto, certamente é

grande o desafio para ganhar o tempo e a

reflexão do leitor, a sua parceria, mas sem isso,

nada vale.

Outra grande preocupação da “A3” é valorizar

a produção local da UFJF, mostrando como ela

está inserida no cenário contemporâneo, isto é,

como as pesquisas, os produtos e as práticas

de inserção social estão fazendo com que a

Universidade ganhe credibilidade, expressão e

conquiste reputação. Frente à inevitável

internacionalização e à necessidade de

transparência na prática pública, a comunicação

é um instrumento de inestimável valor para

promover resultados mais democráticos, dar

mais visibilidade à instituição, torná-la mais

respeitada e, assim, contribuir para a cidadania

plena da população brasileira.

Nesta terceira edição, procuramos aprimorar

ainda mais o conceito de jornalismo de

qualidade, tratando a informação científica

com clareza, mas também com atrativos que

convidem o leitor a compreender melhor o que

a nanotecnologia, a partícula de Deus, os

nacionalismos sul-americanos ou a crise

europeia têm a ver com a vida de cada um de

nós. Mais que isso, de que maneira a informação

de qualidade, indissociável da educação, pode

colaborar para que nos transformemos numa

Universidade, cidade e país de menos

desigualdade e de mais humanidade.

Boa leitura!

Christina Ferraz Musse

Editora-chefe

EdiTORial

Page 4: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20134

6 - VOZ DO LEITORLeitores avaliam a última edição e dão sugestões para a Redação da

“A3”

7 - INOVAÇÃOPrograma da Petrobras fortalece a formação de alunos da Engenharia

Elétrica

8 - GEOPOLÍTICAGovernos com tendência esquerdista reacendem debate sobre nacio-

nalismo na América do Sul

12 - PESQUISADocumentos, drogas ilícitas, produtos alimentícios e matérias de

origem marinha são alguns dos produtos analisados pelo Núcleo de

Espectroscopia e Estrutura Molecular da UFJF, referência na área

16 - ENCONTROS POSSÍVEISO sociólogo francês Michel Maffesoli, em entrevista a docentes da

UFJF, fala sobre a crise da concepção vertical das universidades euro-

peias, pós-modernidade e ecosofia

19 - INTERNACIONALIZAÇÃO

Graduação a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e

convênios interinstitucionais aproximam a África do Brasil

24 - POLÍTICAProfessor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da

Uerj, Frédéric Vandenberghe, analisa a crise na Europa

26 - GRADUAÇÃOEnsino jurídico é o tema do artigo do diretor da Faculdade de Direito

da UFJF, Marcos Vinício Chein Feres

27 - INICIAÇÃO CIENTÍFICAPrograma de Educação Tutorial (PET) comemora 20 anos de atuação

na UFJF

REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

REITORHenrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITORJosé Luiz Resende Pereira

CONSELHO EDITORIALAlexander Moreira (Faculdade de Medicina)Anderson Ferrari (Faculdade de Educação)Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design)Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação)Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras)Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas)Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia)Marcelo do Carmo (Instituto de Ciências Humanas)Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas)Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia)Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação)Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia)Suzana Quinet (Faculdade de Economia)

COMISSÃO EDITORIALAnne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII)Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa)Cláudio Soares (Fapemig)Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University Middlesex, UK)Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA)Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais)

EXPEDIENTEEditora-chefe Christina Ferraz MusseEditoraOseir CassolaReportagensBárbara Duque, Carolina Nalon, Fernando Lobo, Flávia Lopes, José Renato Lima, Raul Mourão, Valéria Borges CostemalleColaboradoresAlice Bettencourt; Cícero Inácio da Silva; Fernando Hernández; Franciane Moraes; Frédéric Vandenberghe; Guilherme Côrtes Fernandes; Jorge Arbach; José Nalon de Queiroz; Leandro Ramos de Araujo; Marcela Matamoros; Marcos Vinício Chein Feres; Nathália Corrêa; Prisca Agustoni; Wendell Guiducci; Wilson CidCoordenador de CriaçãoFred BelcavelloProjeto GráficoCléber “Kureb” HortaDiretor de FotografiaMarcelo ViridianoFotógrafosAlexandre Dornelas; Frederico Boza; Tiago GandraIlustraçãoCléber “Kureb” Horta; Joviana Marques; Phillip DouglasCapaRaruza Schiavi - estudante do Mestrado da Faculdade de ComunicaçãoProduçãoRenata Botti, Taís MarcatoMarketingValéria Borges CostemalleRevisãoRafael Costa Marques

REVISTA A3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus UniversitárioBairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MGTelefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997E-mail: [email protected]ão: Gráfica AméricaTiragem: 10 mil exemplares

03 ÍNdiCE

BEM COMUM,RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

DCAMPUS

A UFJF

Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.

BEM COMUM,RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

DCAMPUS

A UFJF

Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.

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5A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

www.ufjf.br/secom/A3

28 - PESQUISAA UFJF é uma das quatro instituições brasileiras que buscam

soluções para o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), no

experimento Atlas

31 - MEIO AMBIENTEProfessores da UFJF participam da elaboração do Primeiro Relatório

de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas

34 - PESQUISADe olho na inovação, pesquisadores investem em novas tecnologias

para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados

que mais cresce no mundo

38 - SAÚDEO professor da Faculdade de Medicina e delegado do CRMMG, José

Nalon, analisa os riscos dos estágios extracurriculares

39 - OLHAR ESTRANGEIROA cultura visual é o tema abordado pelo professor da Universidade

de Barcelona, Fernando Hernández

41 - REPENSAR A UNIVERSIDADEEspecialistas das mais diversas áreas participam de seminário da

Pró-reitoria de Graduação, em sua segunda edição, e refletem so-

bre o tradicional fazer universitário

43 - EXPANSÃOCom a criação do campus avançado em Governador Valadares,

UFJF impulsionará o resgate econômico e cultural do município

46 - TESES E DISSERTAÇÕES

Premiada pela Capes, tese sobre samba defendida na UFJF en-

trelaça histórias de músicos, jornalistas e gravadoras em uma

análise sócio-histórica da música popular urbana brasileira

49 - MUNDO DIGITALNo artigo do professor e pesquisador Cícero Inácio, a irreverência

da série Black Mirror, da rede pública de TV Britânica Channel 4,

sobre o poder das redes sociais

50 - ALÉM DA PALAVRAA comunicação visual é o tema abordado pelo designer gráfico

Jorge Arbach no artigo “Ilustração descritiva e ilustração

interpretativa”

52 - TESES E DISSERTAÇÕESDissertação sobre literatura marginal e periférica, defendida na

UFJF por Carolina de Oliveira Barreto, conquista o 2º lugar do Prê-

mio Anpoll 2012

55 - LITERATURAO jornalista Wilson Cid ressalta a importância de se preservar a

memória do rádio e da TV na resenha sobre o livro “Cariocas do

brejo entrando no ar: o rádio e a televisão na construção da identi-

dade juiz-forana”, dos docentes Flávio Lins e Cristina Brandão

56 - LANÇAMENTOSEntre os lançamentos da Editora UFJF, livros sobre sociologia, es-

porte e odontologia

57 - MÚSICAGlitter Magic, banda de rock que começou como brincadeira, vira

coisa séria, conquista público em países como Grécia, Holanda,

França e Reino Unido, e assina com selo italiano Heart of Steel

58 - BIBLIOTECAPara facilitar o acesso às bases digitais adquiridas recentemente,

a Universidade será a primeira instituição federal a disponibilizar

tablets e e-readers para os alunos. Investimento em bases e equi-

pamentos  chega a R$ 600 mil

61 - ENSAIO FOTOGRÁFICOAs belezas arquitetônicas das galerias são reveladas nas fotos de

Gleice Lisboa, presentes no livro “Passagens em rede: a dinâmica

das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de

Fora e de Buenos Aires”, do docente Frederico Braida

66 - LEIA-MEPrisca Agustoni, mestre em Letras Hispânica, presenteia o leitor

com o conto “Bésame mucho”, extraído do livro “A neve ilícita”

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20136

Esta seção é reservada para ser o seu espaço. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicação. Envie sugestões, críticas e temas de pesquisas, dissertações e teses que gostaria de ver nas nossas páginas. aguardamos a sua contribuição. E-mail: [email protected]

Seu EspaçoVOZ dO lEiTOR

4ª CapaO desenho da 4ª Capa, intitulado “Espaço Interno do ICE”, é da ex-aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, Bárbara Botelho. Utilizando a técnica nanquim sobre cartão, reproduz um detalhe do Instituto de Ciências Exatas (ICE), localizado no campus.

“Recebi um exemplar do número 2 da revista “a3”. Parabéns pelo trabalho primoroso desenvolvido pela equipe. Estou encantado com o trabalho.

Mauro lovatto

(assessoria de Comunicação da Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ)

“Parabéns a toda equipe pela excelente revista. a “a3” é uma janela do conhecimento científico produzido na Universidade para a comunidade. Nas próximas edições sugiro que os autores disponibilizem referências bibliográficas, sites e links de artigos científicos para aprofundamento da leitura.”

Sérgio Crisóstomo dos Reis

(Bibliotecário-documentalista da Faculdade de direito da UFJF)

“acredito ser muito importante para a nossa cidade e região a existência da “a3”, um veículo de comunicação que divulga os trabalhos desenvolvidos pela UFJF, referência nacional de universidade. a “a3” está desempenhando um ótimo papel nesta missão, abordando ricos e diversos conteúdos em suas matérias, colaborando efetivamente para a democratização ao acesso à cultura e

para o desenvolvimento econômico e social do estado de Minas Gerais. Parabenizo pelo sucesso que a revista está alcançando junto ao meio acadêmico e à sociedade como um todo. desejo à equipe muito sucesso à frente de mais este desafio.”

Francisco Campolina

(Presidente da Fiemg Regional Zona da Mata)

“Parabéns à equipe pelo belo trabalho que tem realizado através da revista “a3”. Um espaço dedicado à divulgação científica e cultural produzida na Uni-versidade que há tempos era necessário.”

Fábio Fortes

(Professor adjunto de latim e Grego Clássico da UFJF)

“agradeço a gentileza de ter recebido a excelente revista “a3”, nº 2. Eu já a havia lido no site. a revista, além de ser perfeita no conteúdo, tem também uma beleza física que desperta o interesse de colecioná-la. acho que ela atendeu a todos os propósitos para os quais foi criada.”

ana Miranda

(Juiz de Fora)

“Gostaria de parabenizar a todos os atores envolvidos na redação da revista “a3”, pela iniciativa, pelo em-penho e desempenho demonstrado na divulgação científica, fator impre-scindível para a motivação de novos talentos determinados a alcançarem inovação, mudanças e consciências novas. Parabéns UFJF!”

Márcia Gonçalves da Silva Cunha

(Tutora presencial do curso de administração Pública

na modalidade Educação a distância da UFJF do Polo

de Bicas-MG)

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7A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

UFJF e Petrobras: formação diferenciada para futuros engenheiros eletricistas

Atualmente, a questão da qualidade da

formação é uma grande preocupação

nas áreas de engenharias no Brasil,

uma vez que erros cometidos em projetos e

empreendimentos, especialmente na área de

tecnologia, por recursos humanos com baixa

qualificação, aumentam muito os custos, além

de poder trazer problemas de segurança

humana ou de equipamentos. Procurando

aumentar a eficiência e a segurança e melhorar

a utilização dos recursos, torna-se imperativo

a boa qualificação dos recursos humanos.

Com essa visão, a Petrobras lançou o Programa

de Formação de Recursos Humanos (PFRH)

para ampliar e fortalecer a formação de

recursos humanos voltados ao atendimento

da demanda por profissionais qualificados na

indústria de petróleo, gás, energia e

biocombustíveis com os principais objetivos:

possibilitar a realização de atividades de

aprimoramento contínuo e atualização de

professores e alunos; formação de recursos

humanos em atendimento às necessidades da

cadeia produtiva do setor da energia;

fortalecer o intercâmbio e o compartilhamento

de conhecimentos entre instituições de ensino

e a Petrobras; reduzir a taxa de evasão,

incentivando o aluno, desde o início do curso, a

se dedicar exclusivamente aos estudos e às

atividades de desenvolvimento, por meio de

concessão de bolsas; contribuir com o

processo de ensino-aprendizagem, por meio

dos dados e das conclusões obtidos a partir de

estudos que serão desenvolvidos pelos alunos

bolsistas ao longo de sua formação; produção

científica nas linhas de pesquisa, na forma de

trabalhos em eventos, periódicos e até

patentes.

Para participar do PFRH, a instituição deve

trabalhar com áreas de conhecimento de

atuação estratégica da indústria de petróleo,

gás, energia e biocombustíveis, bem como as

demais áreas de apoio necessárias às

atividades do setor e possuir reconhecido

potencial de desenvolvimento em áreas de

conhecimento da indústria da Energia.

O curso de Engenharia Elétrica da Universidade

Federal de Juiz de Fora (UFJF) participa do

PFRH na formação especializada de recursos

humanos na área de Sistemas Elétricos

Industriais. Os bolsistas do projeto têm

formação diferenciada, participam de

palestras, cursos de formação complementar,

visitas técnicas e desenvolvem projetos de

interesse da indústria de energia.

Com isso, espera-se que esses bolsistas entrem

no mercado de trabalho com uma sólida base

de conhecimento e boa qualificação. Os outros

alunos da Engenharia Elétrica também se

beneficiam do PFRH na faculdade, pois

algumas atividades são abertas a todos, além

do programa gerar melhorias de infraestrutura

para o curso de Engenharia Elétrica.

O PFRH na Engenharia Elétrica da UFJF possui

24 bolsistas de graduação. O coordenador do

projeto é o professor Leandro Ramos de

Araujo e a comissão gestora é formada pelos

professores José Luiz Resende Pereira (vice-

reitor da UFJF) e Débora Rosana Ribeiro

Penido Araujo.

O aluno recebe atualmente uma bolsa no valor

de R$ 450 como incentivo, mas para a sua

permanência no programa PFRH, não pode ser

reprovado em nenhuma disciplina.

Leandro Ramos de Araujo*

* Professor do curso de Engenharia Elétrica; coordenador do Programa de Formação de Recursos Humanos da Petrobras na UFJF

iNOVaÇÃO

7A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 8: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/20138

A América para os sul-americanos

Na recepção de um museu, no deserto

de sal do Uyuni, a 552 quilômetros de

La Paz, na Bolívia, a foto do presiden-

te Evo Morales aparece afixada ao lado de

dois cartazes com o rosto dele e a frase “Povo

constituinte, Evo presidente”. Em frente ao

museu, bandeiras de vários países estão has-

teadas, mas falta a dos Estados Unidos (EUA),

embora haja turistas americanos frequentes.

O retrato, o lema e a ausência da bandeira são

sinais de um movimento que tomou conta da

América do Sul: governos de tendência à es-

querda em ascensão com discurso de revalori-

zação nacional. O primeiro a chegar ao poder

foi Hugo Chávez, em 1999, na Venezuela; e o

mais recente é Ollanta Humala, no Peru (ver

quadro na página 11).

Para o coordenador do Centro de Estudos Es-

tratégicos da Universidade Federal de Juiz de

Fora (UFJF), Ricardo Vélez, colombiano natu-

ralizado brasileiro, o surgimento desses gover-

nos relaciona-se à globalização, que suscitou

um refluxo: os nacionalismos. “A ´esquerdiza-

ção` é resultado da falência do modelo neoli-

beral e tem mais sentido com o movimento do

próprio capitalismo do que com relações mais

longínquas na história”, completa o professor

de História Americana do Departamento de

História da UFJF, Luiz Antônio Arantes.

O processo de internacionalização, intensifica-

do na década de 90, flexibilizou e expandiu

fronteiras, relações de trabalho, transporte,

comunicação e tecnologias. E questionou sím-

bolos nacionais. “O Equador aboliu sua moeda,

o sucre, e passou a usar o dólar”, lembra o dou-

tor em Ciência Política e professor da Faculda-

de de Comunicação da UFJF, Paulo Roberto

Figueira Leal. A política econômica seguiu os

preceitos do Consenso de Washington. Pro-

posto por instituições financeiras, como o Fun-

GEOPOlÍTiCa

RAUL MOURÃOTexto e fotos

Movimento que tomou conta da américa do Sul, com governos de tendência à esquerda em ascensão, reacende o debate sobre nacionalismos

Na Argentina, faixas de protesto próximo à Casa Rosada, em Buenos Aires, e pichação em prol de Cristina Kirchner em bairro portenho

Em Copacabana, na Bolívia, cholas, senhoras com traços indígenas e roupas tradicionais, e bandeira do país em Uyuni

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9A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

do Monetário Internacional (FMI) e o Banco

Mundial, o consenso, ampliado, recomendava o

Estado com pouco peso na economia, discipli-

na fiscal, reforma tributária, câmbio de merca-

do, privatização de empresas estatais e aber-

tura comercial. “Teoricamente, os países esta-

riam numa situação de bem-estar superior

quanto mais aberta fosse a economia, porque

teriam condições de explorar seus pontos for-

tes, de vantagens comparativas. Quando se

quebra a barreira da proteção, tende a haver

mais competição”, diz o especialista em eco-

nomia internacional e professor da Faculdade

de Economia da UFJF, Cláudio Vasconcelos.

Ao mesmo tempo em que ocorria a entrada de

bens tecnológicos e barateamento de custo

em produtos, houve aumento da pobreza e da

crise econômica em países latinos. A Argenti-

na, de 1999 a 2002, teve queda de 19,5% no

Produto Interno Bruto (PIB), e viu, de 2001 a

2003, cinco presidentes passarem pela Casa

Rosada. “O fracasso das políticas públicas as-

sociadas a esse ideário neoliberal talvez tenha

fortalecido a volta a um discurso nacionalista

como estratégia de proteção contra o mundo

globalizado”, afirma Paulo Roberto. A América

do Sul assistiu ao recrudescimento de movi-

mentos sociais. “Na medida em que se organi-

zam, reivindicam elementos que permitam

mais autonomia”, ressalta o professor de Geo-

grafia Política do Departamento de Geociên-

cias da UFJF, Vicente dos Santos. Evo Morales

ascende com a revolta de indígenas contra a

exploração de gás e limitações no cultivo da

folha de coca.

“Uma das variantes concretas do nacionalismo

é a estatização, com o discurso de que fomos

despojados por estrangeiros, ricos e elites”,

contrapõe Ricardo Vélez. Evo retomou o

controle estatal sobre o gás, Chávez sobre a

PDVSA, e Cristina Kirchner reassumiu a

petrolífera YPF. Espelham-se na Petrobras. “É

um contrassenso a Argentina - grande

produtora de hidrocarbonetos no passado -

não ter mantido peso do Estado na área.

Houve febre privatizante que vendeu as joias

da coroa. Depois fizeram falta”, argumenta

Paulo Roberto. Segundo Vélez, em momentos

modernizadores do continente, incluindo

privatização, a mentalidade dos dirigentes não

mudou. “Foi uma privatização com cabeça

patrimonialista, em benefício de amigos.” A

justificativa para reestatizações e outros

patriotismos inclui o período de colonização. É

o caso da extração de prata em Potosí (Bolívia),

a 540 quilômetros de La Paz. “A prata

transportada para a Espanha, em pouco mais

de um século e meio (1503 a 1660), excedia

três vezes o total das reservas europeias”,

relata o uruguaio Eduardo Galeano, no clássico

“As Veias Abertas da América Latina”, entregue

por Chávez a Barack Obama em 2009. Outro

escritor e político liberal, o peruano Mario

Vargas Llosa, Nobel de Literatura, reconhece

que há fatores externos alheios ao controle dos

países, mas alerta que a “esquerda latino-

americana insiste em promover a ‘transferência’

freudiana da responsabilidade dos problemas”

do subcontinente.

Para analisar a culpa e desatar os nós

geopolíticos, os novos divãs têm sido os

assentos em órgãos regionais próprios, pelos

quais o posicionamento em bloco e projetos

nacionais seriam revalidados. Após a rejeição,

em 2005, da proposta da Área de Livre

Comércio das Américas (Alca), encabeçada

pelos EUA, são criados o Banco do Sul e a

União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e

ampliado o Mercosul. A entrada da Venezuela,

GEOPOlÍTiCa

Na Bolívia, manifestação folclórica em Potosí; no Chile, painel em estação de metrô de Santiago sobre a conquista da independência chilena

Em frente ao palácio da Moeda, em Santiago, no Chile, apresentação da dança nacional, a “cueca”; em Lima, no Peru, a Guarda Nacional

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201310

GEOPOlÍTiCa

terceira economia regional, no bloco trouxe o

receio de o novo membro minar os parceiros

com ideologia contrária ao mercado e reduzir

as relações externas do Mercosul. Para

Vasconcelos, há risco de Hugo Chávez tornar

as negociações mais complexas, mas não a

ponto de enterrá-las, pois o Brasil e a Argentina

são os dois principais jogadores da união

aduaneira, permeada de exceções. Já a Unasul

“representa um contrato, no sentido

geopolítico, de reforçar essa escala regional

nas relações internacionais; uma resposta à

Organização dos Estados Americanos (OEA),

muito influenciada pelos EUA”, afirma Santos.

Pelo Twitter, o presidente do Equador, Rafael

Correa, defende que a Unasul representa um

“novo tempo: do Consenso de Washington ao

consenso sem Washington. Nossa América

não recebe mais ordens de ´certas`

embaixadas”. O aviso reforça o entendimento

de que, conforme a docente de História

Americana do Departamento de História da

UFJF, Beatriz Domingues, “a afirmação da

identidade latina passa por uma crítica ferrenha

ao modelo americano”.

A professora da Faculdade de Letras da UFJF,

Rose Mary Nascif, entende que é preciso

“buscar um caminho intermediário, que

pulverize a visão maniqueísta de ´inocentes` e

´culpados`, revestida de uma simplicidade

reducionista e equivocada, agrupando os bons

colonizados de um lado e os maus

colonizadores de outro, ou as mulheres

bondosas e os homens malvados de outro”. A

pesquisadora comparou, em seu doutorado, a

situação da mulher na literatura com a da

América Latina no mundo. “O espaço de

mediação confere uma interface de

entremundos”, completa.

Ecos caudilhistas

“Nessa trilha do nacionalismo sul-americano, o

populismo entra de carona. ´Eu represento a

nação`. O líder carismático é o que o sex

appeal representa para o cinema”, compara

Vélez. Para ele, os mandatários locais encarnam

a nação, adotam postura messiânica e relações

ambíguas com instituições – partidos políticos,

sindicatos, imprensa e judiciário. Casos de

mensalão, coligações e fechamento de

emissoras são notórios. O jornal “Clarín” acusa

o Executivo argentino de tentar calar a

imprensa e cooptar outros periódicos,

financiando-os com propaganda oficial. “Se

alguém critica os Kirchner, isso se deve ao fato

de ser reacionário, fascista, atrasado; de estar a

serviço do neoliberalismo e do capitalismo

selvagem”, alerta uma das principais vozes

críticas, o secretário geral de Redação do

diário “La Nación”, Carlos Reymundo Roberts,

no livro “Aguanten los K” (“Aguentem os K”). O

governo contra-argumenta que há oligopólio

na mídia, cobertura enviesada e oposição

fraca. Situações semelhantes ocorrem na

Venezuela, na Bolívia, no Brasil e no Equador.

“Por que temos que seguir enchendo os bolsos

de meia dúzia de famílias que manejam a

comunicação a nível nacional?”, questiona

Rafael Correa.

Vélez percebe o messianismo em Chávez,

quando o presidente usa outdoors com a

palavra “Ressuscitei”, anunciando sua cura

contra o câncer. Néstor Kirchner, morto em

2010, também é adorado. “São inauguradores

de um tempo, de uma salvação que vem com

essa nova época. Nunca antes na história desse

país...”, diz, referindo-se ao chavão do ex-

presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

O professor Paulo Roberto ressalva que o

personalismo é um fenômeno mundial,

amplificado nos meios de comunicação,

sobretudo na TV, pela esquerda ou pela direita.

Há crise do sistema político-partidário, com

crescente identificação do eleitor com

supostos atributos do candidato em vez do

projeto programático. “Se isso aconteceu em

lugares com longa consolidação do sistema,

como Inglaterra, imagine onde não houve essa

consolidação. Nosso continente tem um

personalismo indicativo do século XIX.”

Talvez sempre na história da formação das

nações sul-americanas o caudilhismo estivesse

presente, principalmente, na América

espanhola. Durante a colonização, com vice-

reinados, e nos países pulverizados, após as

independências, poucos cidadãos detinham

grandes propriedades e exerciam controle

sobre grupos da população pobre e agrária,

explica a docente Beatriz. “Desenvolveu-se

uma estrutura de poder em que a ideia do

chefe se sobrepôs à da nação, com a política

muito baseada no carisma dele”, afirma o

professor Arantes. A lista inclui Símon Bolívar,

Gaspar de Francia, Fidel Castro, Juan Domingo

Perón e sua mulher, Evita, a “mãe dos pobres”,

entre outros. No Brasil, Getúlio Vargas e Lula

seriam os poucos carismáticos, pois a

transferência do poder no país ocorreu mais

pela tradição, entre imperadores e oligarquias.

De modo geral, esses governantes distribuíram

renda, criaram estatais, partidos e

estabeleceram contato direto com as massas.

O forte apoio popular recente também se

baseia no crescimento econômico da América

do Sul: 5,3%, de 2002 a 2010, ante 3,9% da

média mundial.

O processo caudilhista tem forte influência

sobre o tipo de democracia que será executada

nos países. Embora tenham se inspirado na

filosofia republicana dos EUA e no liberalismo

da França, a versão latina das constituições

sofreu interferência dos grupos de poder

locais, ressalta o cientista político e professor

do Departamento de Ciências Sociais da UFJF,

Rubem Barboza Filho. “Prevaleceu a linguagem

dos afetos. Tivemos déficit teórico e prático

para criar democracia.” A história mostra

sucessão de golpes de Estado e o controverso

impeachment constitucional no Paraguai em

junho de 2012. “Sem dúvida, houve um golpe

inaceitável. Acreditávamos que esse tipo de

situação estava superado na região”, lamenta

Cristina Kirchner. Segundo o professor Paulo

Roberto, Chávez “reverbera grande parte dos

traços mais atrasados” da esquerda caudilhista

latino-americana. “Mas daí a pintá-lo como o

antidemocrata é não olhar a realidade

venezuelana, pois ele disputou eleições,

ganhou, fez reformas dentro da norma

constitucional. Ele contrariou interesses

econômicos de grandes grupos, inclusive os de

conglomerados midiáticos. Criar instituições

sólidas talvez seja o desafio dos governos

latinos à direita ou à esquerda”, completa. Para

o bem da nação.

“Uma das variantes concretas do nacionalismo é a estatização, com o discurso de que fomos despojados pelos estrangeiros, ricos e elites”

(Ricardo Vélez - coordenador do Centro de Estudos Estratégicos/UFJF)

Page 11: Revista A3:03

11A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

GEOPOlÍTiCa

“O código Morse. Ensaios sobre Richard Morse”

Beatriz Domingues e Peter Blasenheim (org.), Editora UFMG, 2010, 283 p.

“Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe”Emir Sader e Ivana Jinkings (coord.), Boitempo Editorial, 2006, 1.472 p.

www.clarin.com

www.pagina12.com.ar

MAIS

ARGENTINAPIB: US$ 445,98 bilhõesIDH 2011: 45ºPopulação: 40,7 milhões

Presidente: Cristina Kirchner(Partido Justicialista- peronista), desde 2007, reeleita em 2011

Orientação: esquerda

Sucede seu marido, Néstor Kirchner, morto em 2010, que anulou leis de anistia da ditadura e estatizou sistemas de aposentadoria. Cristina combateu a concentração de grupos de comunicação, reestatizou a petrolífera YPF e reivindica soberania sobre as Ilhas Malvinas, sob domínio do Reino Unido. O casal assumia a retirada do país da crise de 2001 e 2002. É acusada de maquiar índices de inflação

BOLÍVIAPIB: US$ 24,4 bilhõesIDH 2011: 108ºPopulação: 10,1 milhões

Presidente: Evo Morales (Movimento ao Socialismo), desde 2006; reeleito em 2009

Orientação: esquerda

Conseguiu aprovar nova Constituição com apoio da população indígena. Estado passou a controlar exploração de petróleo, gás e o sistema de telecomunicações. Promulgou legislação da reforma agrária. Argumenta que retira a Bolívia da condição histórica de país superexplorado

BRASILPIB: US$ 2,48 trilhõesIDH 2011: 84ºPopulação: 192,4 milhões

Presidente: Dilma Rousseff (PT), desde 2011

Orientação: esquerda

Sucede governo Lula (2003-2010), que se aproxima de países como Irã e Síria, e cria nova estatal Petro-Sal para explorar petróleo na camada pré-sal. Dilma cria a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes contra os direitos humanos de 1946 a 1988 e privatiza terminais de aeroportos. Defende que a classe C se ascendeu como maioria, o país alcançou estabilidade financeira e reconhecimento internacional. O PT é criticado por se afastar de seus ideais de fundação

CHILEPIB: US$ 248,6 bilhõesIDH 2011: 44ºPopulação: 17,3 milhões

Presidente: Sebastián Piñera(Coalizão pela Mudança), desde 2010

Orientação: direita

Substitui a socialista Michelle Bachelet, que criou pensão básica universal. Piñera enfrenta protestos de estudantes a favor de reforma na educação em 2011. É o primeiro presidente de direita desde o fim da era Pinochet em 1990. O Chile possui tratados de livre-comércio com EUA, China e Japão

COLÔMBIAPIB: US$ 331,7 bilhõesIDH 2011: 87ºPopulação: 46,9 milhões

Presidente: Juan Manuel Santos(Partido Social da Unidade Nacional)Desde 2010

Orientação: direita

Ministro da Defesa de Álvaro Uribe (2002-2010), reconhecido pelo combate, com apoio dos EUA, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). De 2008 a 2010, rompeu relações com Equador por ter atacado guerrilheiros no território vizinho e, em 2009, com a Venezuela, acusada de fornecer armas às Farc. Em 2011, elimina o líder das Farc e sela acordo com os EUA

EQUADORPIB: US$ 67,0 bilhõesIDH 2011: 83ªPopulação: 14,7 milhões

Presidente: Rafael Correa(Aliança País, liderada pelo Movimento País), desde 2007. Reeleito em 2009

Orientação: esquerda

Consegue aprovação de nova Constituição, decreta moratória de parte da dívida externa, retoma base miltar americana, nacionaliza o setor de hidrocarbonetos (petróleo e gás), expulsa a embaixadora dos EUA por ter acusado o governo de fomentar a corrupção. Correa sustenta o argumento de o país não sofrer com as crises internacionais e crescer 6,5% em 2011

PARAGUAIPIB: US$ 23,4 bilhõesIDH 2011: 107ºPopulação: 6,6 milhões

Presidente: Frederico Franco(Partido Liberal Radical Autêntico), desde junho de 2012

Orientação: direita

Tomou posse após processo de impeachment sumário de Fernando Lugo, de orientação à esquerda, cujo governo iniciou programa de reforma agrária, teve conflitos com agricultores, fazendeiros e “brasiguaios”. Lugo reabriu processos da ditadura

PERUPIB: US$ 176,7 bilhõesIDH 2011: 87ºPopulação: 29,4 milhões

Presidente: Ollanta Humala(Nacionalista Peruano), desde 2011

Orientação: esquerda

Concorreu à eleição de 2006 em forte ligação política e ideológica com Hugo Chávez. Em 2011, apresenta-se moderado, próximo à linha brasileira, mas ainda contra regras do modelo neoliberal. Sucedeu Alan García, que abrigou dissidentes do governo venezuelano

URUGUAIPIB: US$ 46,7 bilhõesIDH 2011: 48ªPopulação: 3,4 milhões

Presidente: José Mujica(Coalizão Frente Ampla), desde 2010

Orientação: esquerda

Consegue aprovação de nova constituição, Primeiro ex-guerrilheiro na Presidência, José Mujica sucede Tabaré Vazquez (2005-2010), primeiro presidente de esquerda. Cancelam lei de anistia, e responsáveis são julgados

VENEZUELAPIB: US$ 316,5 bilhõesIDH 2011: 73ªPopulação: 29,3 milhões

Presidente: Hugo Chávez (Partido Socialista Unido da Venezuela), desde 1999. Reeleito em 2000 e em 2006. Disputa eleições em 2012

Orientação: esquerda

Defendeu nova Constituição, aprovada em referendo. Estatiza extração de petróleo, direitos de pesca, siderúrgicas e indústria do cimento. Desapropria latifúndios. Apoia o ´socialismo do século XXI`. Não renova concessão para TV e rádio. Diz que o país avançou em indicadores sociais e de renda. Em 2002, oposição tenta golpe. Em 2004, eleitores reafirmam permanência de Chávez. Opositores boicotam eleições parlamentares

Suriname, Guiana e Guiana Francesa não foram analisados

PIB: Produto Interno Bruto indica a soma de todos os bens produzidos no país em um ano

IDH: Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para avaliar a qualidade de vida da população, considerando três indicadores: renda (PIB per capita), educação (média de anos de educação dos adultos acima de 25 anos e a expectativa de escolaridade de crianças) e saúde (expectativa de vida)

Onda vermelha na América do Sul

Fontes: Banco Mundial, Cepal, CIA - The World Factbook, Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe, “Folha de S. Paulo” e IBGE

Page 12: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201312

CAROLINA NALONRepórter

De queijos a obras de arte

PESQUiSa

Sob a luz do espectrômetro, departamento de Química da UFJF desenvolve projetos que beneficiam diversos setores. No caso da ciência forense, por exemplo, as análises têm sido uma alternativa promissora para detecção de fraudes em documentos

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201312

Page 13: Revista A3:03

13A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

De queijos a obras de arte, o universo de

materiais pesquisados pelo Núcleo de

Espectroscopia e Estrutura Molecular

da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

demonstra a competência dos integrantes do

Departamento de Química nesta área. Dentre

as centenas de artigos e outras publicações do

grupo, destacam-se as análises produzidas por

meio da espectroscopia Raman. A técnica, uma

das possíveis para se estudar a interação entre

radiação eletromagnética e matéria, tornou-

se especialidade do professor Luiz Fernando

Cappa de Oliveira, fazendo da Federal de Juiz

de Fora uma referência neste campo.

A espectroscopia Raman não é novidade.

Foi descoberta no final da década de 1920,

pelo indiano C. V. Raman, que ganhou o

prêmio Nobel de Física pelo feito, e também

observada por outros pesquisadores da época.

Sua principal característica é possibilitar o

espalhamento de luz a partir da incidência

de um feixe monocromático de radiação

eletromagnética (como um laser) sobre

qualquer matéria, orgânica ou inorgânica.

Parte da luz dispersada apresentará frequência

exatamente igual à incidida, não gerando

informação relevante.

Já outra parte, terá sua frequência alterada em

razão da interação provocada. Essa alteração,

conhecida como espalhamento inelástico

ou efeito Raman, permite obter informações

sobre a composição química e estrutural

daquela matéria posta sob análise.

O entendimento sobre a organização e

arquitetura molecular de uma dada composição

de matéria tem sido fundamental para os

avanços da química moderna e, de acordo com

o professor Cappa, a utilização da metodologia

vem crescendo em todo mundo. “Não estamos

PESQUiSa

Trabalho dos pesquisadores (da esquerda para a direita) Rodrigo Sthephani, Luiz Fernando Cappa, Lenize Maia e Nelson de Souza. torna a UFJF referência na área

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13A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 14: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201314

“Considero importante esse tipo de trabalho,

porque mostra de maneira mais compreensível

para a sociedade o valor do que fazemos.”

Curadores, colecionadores e museus recorrem

à técnica antes de fazer uma restauração para

determinar com precisão as tintas e outros

materiais utilizados na obra, permitindo,

dessa forma, que os traços dos autores sejam

fielmente respeitados. Conforme Cappa, os

museus mais importantes do mundo possuem

hoje avançados laboratórios. “Podemos

dizer que muita pesquisa é feita antes do

anúncio de uma descoberta como aconteceu

recentemente no caso da Mona Lisa do Museu

do Prado, na Espanha.” A nova Mona Lisa,

encontrada nos depósitos do Museu do Prado,

foi feita muito provavelmente por um dos

alunos de Da Vinci enquanto ele pintava sua

obra prima, exposta no Museu do Louvre, na

França.

Do fundo do mar

A chegada da pós-doutoranda Lenize

Fernandes Maia à UFJF trouxe ao Núcleo

de Espectroscopia e Estrutura Molecular a

oportunidade de explorar uma nova linha

de pesquisa. Com formação em Ecologia

Química Marinha pela University of California

(Estados Unidos), Lenize iniciou em Juiz de

Fora estudos sobre organismos marinhos

da costa brasileira. Seus trabalhos adotam

a espectroscopia Raman como ferramenta

complementar na identificação de substâncias

químicas presentes em corais.

querendo reinventar a roda, mas esta é uma

forma mais rápida e simples de descobrir,

por exemplo, qual é o tempo adequado de

prateleira para um queijo parmesão.” Isso

porque o espectrômetro mostra com exatidão

as diferenças entre a composição química do

produto fresco e do vencido.

Outra grande vantagem da técnica é a

conservação da amostra, pois, em muitas

outras, é preciso diluí-la ou pulverizá-la. Em

outras palavras, a técnica é não-destrutível.

Isso faz com que seja extensa a aplicabilidade

da espectroscopia Raman, o que, por outro

lado, não significa a solução de todos os

problemas do mundo científico. “Para cada

trabalho publicado, existem inúmeros outros

sem sucesso.”

Os 21 alunos, entre pós-doutorandos,

doutorandos, mestrandos e bolsistas de

iniciação científica, orientados pelo professor,

têm contribuído no desenvolvimento de

pesquisas nos mais diversos campos. O

ex-aluno de iniciação científica e agora

doutorando, Rodrigo Stephani, estreitou as

relações mantidas pelo laboratório de Cappa

com a empresa do ramo alimentício Gemacom

Tech. Gerente técnico da companhia, ele

tem a sorte de conciliar o interesse pela vida

acadêmica com o trabalho. Uma parte de sua

tese envolve a produção e a caracterização

de proteínas lácteas em pó provenientes

do soro de leite, ainda não fabricadas no

país. “Atualmente, o Brasil importa estes

produtos e já existe um grande movimento

no sentido de desenvolvermos tecnologia

nacional para a produção local. Para isso, a

caracterização do produto é fundamental, e

“Entendemos que uma das funções da pesquisa é dar suporte ao desenvolvimento econômico. Estamos antecipando essa tendência e trabalhando para uma pesquisa aplicada, porém, com embasamento científico”

(Rodrigo Stephani - doutorando em Química)

as técnicas espectroscópicas, como Raman

e Infravermelho, estão mostrando grande

potencial, pois fornecem informações valiosas

sobre os produtos.”

Stephani ressalta que o sucesso das pesquisas

realizadas entre a empresa e o Departamento

de Química possibilitou levar esse modelo de

parceria para outras instituições, entre elas, a

Universidade Federal de Viçosa (UFV), e, ainda,

para outros departamentos da própria UFJF.

Ele também mantém trabalhos em conjunto

com o professor do Departamento de Nutrição,

Paulo Henrique Fonseca da Silva. “Entendemos

que uma das funções da pesquisa é esta, dar

suporte ao desenvolvimento econômico.

Estamos antecipando essa tendência e

trabalhando para uma pesquisa aplicada,

porém, com embasamento científico.”

Luz sobre a arte

Mas há muito mais do que produtos lácteos

no laboratório de Cappa. Têm sido objeto de

seus estudos: documentos, drogas ilícitas,

pinturas, esculturas, móveis, produtos naturais,

alimentos e matérias de origem marinha. No

caso da ciência forense, as análises têm sido

uma alternativa promissora para detecção

de fraudes em documentos. Os resultados

da espectroscopia mostram as diferenças

na qualidade e na quantidade das tintas

utilizadas para a impressão de uma carteira

de motorista, por exemplo. As demandas que

chegam ao laboratório são muitas vezes dos

próprios pares - ou seja, pesquisadores, não

necessariamente da área de Química, que

precisam dos dados para prosseguirem com

suas investigações -, de instituições ou mesmo

de empresas e pessoas físicas.

O fato de a amostra poder ser de qualquer

tamanho e permanecer intacta durante o uso

de espectrômetro beneficia bastante as artes.

Hoje, o local de referência para essas pesquisas

é o Laboratório de Espectroscopia Molecular

da Universidade de São Paulo (USP), o que,

entretanto, não tem impedido Cappa de atuar

nesse ramo. O professor desenvolve trabalho

em parceria com outros pesquisadores sobre

peças do acervo do Museu de Arte de Stuttgart,

na Alemanha. No início de sua carreira na UFJF,

na década de 1990, foi solicitado a analisar um

quadro de Portinari, identificando os tipos de

tintas usados pelo pintor e também em uma

restauração até então desconhecida na obra.

“Considero importante esse tipo de trabalho (análise de obra de arte), porque mostra de maneira mais compreensível para a sociedade o valor do que fazemos”

(luiz Fernando Cappa de Oliveira - coordenador da Pós-Graduação em Química/UFJF)

PESQUiSa

Page 15: Revista A3:03

15A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

espectroscópico de metano, é porque existe

uma grande possibilidade de termos material

orgânico fossilizado naquela região”, ressalta

Cappa. Os resultados desta pesquisa são

usados pelas empresas petrolíferas como um

indicativo indireto da presença de petróleo

abaixo da camada de rocha, na direção da

perfuração do poço.

Química Supramolecular

O Núcleo de Espectroscopia e Estrutura

Molecular é composto ainda pelos doutores

Antônio Carlos Sant’Ana, Alexandre Cuin,

Renata Diniz, Maurício Antônio Pereira da Silva,

Hélio Ferreira dos Santos e Flávia Cavalieri

Machado, todos professores do Departamento

de Química. Outras formas de interação

entre radiação e matéria, além da Raman,

são utilizadas por eles, como no caso da

difração de raios X. Esta metodologia tem sido

aplicada especialmente em projetos ligados à

Química Supramolecular - linha de pesquisa de

destaque no meio científico e relacionada ao

entendimento da estrutura de sólidos.

Os raios X podem ser usados para se obter

informações sobre a distribuição dos átomos

Luiz Fernando Cappa de Oliveira

Doutor em Físico-Química pela Universidade de São Paulo (USP); estágio de pós-doutorado na Universidade de Bradford (Reino Unido); especialista em Espectroscopia Molecular, tendo sido convidado, em agosto de 2012, como palestrante da 23ª Conferência Internacional de Espectroscopia Raman, na Índia; professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); coordenador do Programa de Pós-Graduação em Química da UFJF (conceito 5 pela Capes).

[email protected]

http://lattes.cnpq.br/1912197785087128

MAIS

Lenize explica que mudanças climáticas, como

o aquecimento das águas oceânicas, e infecções

por fungos e bactérias estão causando a

expulsão das zooxantelas, microorganismos

unicelulares que vivem nos recifes de corais e

são responsáveis pela sua nutrição por meio da

fotossíntese. A consequência da expulsão das

zooxantelas é o branqueamento e a morte dos

corais.

Analisando a espécie brasileira Phyllogorgia

dilatata, ela conseguiu, junto a Cappa,

resultados que corroboram dados da literatura

sobre outra espécie: a Gorgonia ventalina,

localizada nos recifes do Caribe. Esse coral

parece ter desenvolvido um mecanismo de

proteção contra o espalhamento de infecções

por meio da produção de pigmentos arroxeados

em torno da região danificada, fazendo da

espectroscopia Raman a metodologia ideal

para sua identificação.

Mas não é só esta a vantagem no uso da técnica

em organismos marinhos. Segundo Lenize, a

caracterização de substâncias in situ, ou seja,

na própria amostra, sem precisar separar os

componentes, elimina etapas de extração,

purificação e isolamento de substâncias já

conhecidas. “Isso gera economia de material de

laboratório, tempo de investigação e utilização

de outros instrumentos analíticos.”

Do fundo do mar também chegam amostras

para outro projeto de Cappa. A Petrobras

solicita ao seu laboratório, que trabalha em

cooperação com o Centro de Tecnologia

Mineral, no Rio de Janeiro, a identificação da

presença de metano em inclusões fluidas

aquosas de rochas. A inclusão fluida é

uma cavidade na rocha que possui solução

aquosa contendo sal, principalmente cloreto

de sódio, e uma bolha de gás preso durante

seu processo de formação. “Conhecer as

características de tais inclusões significa obter

informações sobre a gênese da região de onde

se extraiu a amostra. Se por acaso temos sinal

em um sólido cristalino. Associados a outras

metodologias, evidenciam, ainda, as interações

entre moléculas e dentro delas. Na vida

cotidiana, a cristalização do açúcar dentro

de um pote é um exemplo de interação entre

moléculas.

Com a Química Supramolecular, portanto,

é possível conhecer como as moléculas se

ligam formando novas estruturas. Entender

mais a fundo esses mecanismos faz com

que o pesquisador seja capaz de criar novos

materiais, como pretendem Antônio Carlos

Sant’Ana e Gustavo Andrade. Eles desenvolvem

estudos com sistemas metálicos estruturados

numa escala nanométrica, ou seja, da grandeza

de um milionésimo de milímetro.

Em outro exemplo, o aluno de doutorado de

Cappa, Nelson Luis Gonçalves Dias de Souza,

está combinando polímeros orgânicos e

inorgânicos para criação de um sistema que

permite o controle das doses de determinado

medicamento dentro do organismo. O projeto

desenvolve-se em parceria com a Embrapa

e sua aplicação será em bovinos. A ideia é

fazer com que a digestão dos ruminantes seja

auxiliada pela substância liberada aos poucos

através da cápsula criada pelo doutorando. A

cápsula de cerca de 5 cm de diâmetro será

colocada no cocho e misturada junto ao sal

usado para alimentar os animais. Como não

existe no mercado material semelhante, os

pesquisadores estudam a possibilidade de

patentear o produto. Essa não seria a primeira

das inovações geradas no departamento.

Cappa e Maurício Silva, especialista na área

de materiais vítreos, criaram em temperatura

ambiente um novo tipo de vidro com potenciais

usos tecnológicos, e já registraram sua patente.

PESQUiSa

Em cooperação com o Centro de Tecnologia Mineral, no Rio de Janeiro, o Departamento de Química da UFJF realiza estudos, para a Petrobras, para identificar a presença de metano em inclusões fluidas aquosas de rochas

Page 16: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201316

“A universidade precisa aceitar que educar não é conduzir e sim acompanhar”

VALÉRIA BORGES COSTEMALLE

Repórter e tradutora

As universidades europeias vivem hoje

uma crise da concepção vertical. A

constatação é do sociólogo francês

Michel Maffesoli que, em visita recente

à Universidade Federal de Juiz de Fora

(UFJF), concedeu entrevista a professores

da instituição. Diretor do Centro de Estudos

sobre a Atualidade e o Cotidiano (Ceaq) da

Universidade Sorbonne (Paris II) e autor de

mais de 40 livros, falou sobre temas como pós-

modernidade e ecosofia e a concepção do Brasil

como laboratório da contemporaneidade.

Confira a entrevista a seguir.

- Christina Musse (professora da Faculdade de Comunicação): A Europa vive um momento de ruptura. As tentativas feitas, há 50 anos, de criação de uma unidade econômica e cultural vivem hoje um momento de crise. A

União Europeia se questiona sobre os rumos a serem tomados pelo velho continente. Gostaria que o senhor fizesse uma apreciação sobre o momento atual, especialmente, no que concerne à educação e à cultura.- Michel Maffesoli: A Europa vive um momento

de crise. E uma crise é sempre benéfica.

Uma boa maneira de renovar as energias. Eu

considero que existe uma crise da concepção

de uma Europa estática. Da minha perspectiva

pessoal, estou muito mais interessado no

que chamamos de “oficioso” do que aquilo

que é considerado como “oficial”. Existe uma

crise das instituições, mas ao mesmo tempo,

encontramos uma grande vitalidade nas

novas gerações. Um exemplo, como professor

universitário, há 15 anos eu dispunha de várias

bolsas de estudos para meus estudantes.

Bolsas para Roma (Itália), Barcelona (Espanha),

Lisboa (Portugal), e a demanda era baixa.

Hoje existe uma grande quantidade de jovens

universitários que circulam nas universidades

europeias. É esta a garantia do futuro. Eu não

tenho nenhum temor pelo futuro da Europa,

porque ele está sendo construído com e pelas

novas gerações. Observo, hoje, este movimento

de estudantes como uma sedimentação

do futuro. Quanto à educação, existe uma

verdadeira crise nas universidades europeias.

As universidades estavam acostumadas a

receber ajuda do Estado, unicamente, de

uma maneira vertical. Hoje temos que achar

outras fontes de financiamento. O que gera

uma certa dificuldade das instituições a se

habituar, e a se ajustar à esta nova concepção

do mundo. Posso dar o exemplo da Franca,

pois fui conselheiro da ministra do Ensino

Superior, Valerie Pecrèsse, do governo do

ENCONTROS POSSÍVEiSF

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A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201316

Page 17: Revista A3:03

17A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

presidente Nicolas Sarkosy, . A ministra

criou uma lei interessante chamada Lei da

Autonomia, mostrando que, além de receber

investimentos do Governo Federal, existia

uma necessidade de se criar novas parcerias,

novas fontes de recursos, seja com a iniciativa

privada ou outras instâncias e instituições. O

que existe é a crise da concepção vertical das

universidades. Este momento é frutífero no

que concerne à criação de novas bases que

sedimentarão o futuro das universidades como

instituições mais permeáveis e abertas às

comunidades que as acolhem. Eu não tenho

medo. Aliás, não devemos nunca ter medo. A

palavra crise é muito usada hoje, em vários

setores, inclusive no meio universitário. A crise

não é um problema econômico nem financeiro.

A crise é um problema societal. Uma mudança

de fundo que está acontecendo, hoje, em

várias sociedades. A palavra crise, que vem

do grego Krisis, significa julgamento, ou

seja, o julgamento do que está nascendo em

relação ao que está morrendo. Referente às

universidades, nós podemos compreender

uma sociedade, em geral, a partir do

topos, onde ela se situa. Assim podemos

compreender a crise da universidade a partir

do topos, ou seja, da crise da sociedade em

que ela se situa. A modernidade é um período

fundado a partir de uma topografia vertical. Ou

seja, um saber e um poder que vem do alto,

de cima para baixo. A verticalidade do saber e

do poder. O saber levando ao poder. Foi dessa

maneira que a sociedade moderna concebeu a

universidade, a educação, o conhecimento. Eu

penso que existe uma crise de toda a estrutura

vertical. Eu acredito que o topos da sociedade

pós-moderna é a horizontalidade. Saber dividir

não somente um simples poder, mas uma

potência societal. A passagem da verticalidade

à horizontalidade, da modernidade à pós-

modernidade é o sinal da crise. Quando

observamos um fenômeno como a Wikipedia,

notamos que não existe somente a verticalidade

do saber, mas uma forma de horizontalidade.

É isso que nossas universidades devem aceitar:

a ideia de horizontalidade. Não é somente a

educação que é importante mas, também,

a iniciação. A educação conduz, educare em

latim, a iniciação acompanha. Essa é a grande

mudança de fundo, o grande desafio da nossa

universidade: passar da educação à iniciação.

- Marcelo do Carmo (professor do curso de Turismo): Qual é a sua percepção sobre a universidade brasileira? - Maffessoli: Como estrangeiro não me sinto

confortável para opinar sobre a universidade

brasileira . Acho que um pesquisador brasileiro

estaria mais apto a dissertar sobre o tema.

O que mais me fascina nas universidades

brasileiras é o que vocês chamam de Extensão.

Essa ligação entre a universidade e o exterior,

a vida social, a comunidade em suas diversas

formas. Essa visão da extensão está em acordo

com o que era denominado Universitas, na

Idade Media, onde existia um saber orgânico.

O que o filósofo e cientista político italiano

Antonio Gramsci definia como o intelectual

orgânico. Uma organicidade entre uma

instituição acadêmica e a vida social. Essa

forma de extensão sempre me fascinou nas

universidades brasileiras.

- Euler David de Siqueira (professor do curso de Turismo e do mestrado em Ciências Sociais): Desde os anos 80, nós temos uma série de intelectuais que debatem sobre a relação entre a sociedade e a natureza. Alguns antropólogos, como Bruno Lacourt ou Eduardo Ribeiro de Castro, discutem a possibilidade de um multinaturalismo. Esta proposta de ampliar essa relação com a natureza interage com a sua proposta de Ecosofia?- Maffesolli: Toda cultura judaico-cristã

ocidental moderna é baseada num principio

de separação, numa dicotomia do mundo: o

corpo e o espírito; a natureza e a cultura; o

material e o espiritual. Esse é o fundamento

da “performatização do modelo ocidental. O

filósofo americano Thomas Kuhn demonstrou

que justamente porque existe essa separação

é que houve o triunfo dos valores ocidentais.

Estamos no fim desse modelo. O homem

dominou o mundo, dentro de uma visão

heideggeriana e devastou o mundo. Existe

hoje outra relação com a natureza. Desde o

começo das minhas pesquisas tento mostrar

a importância do espaço. Não simplesmente

o tempo, mas o espaço. Atualmente, continuo

explorando o mesmo tema, através da noção

de Ecosofia. Essa noção leva a uma nova

“Eu não tenho nenhum temor pelo futuro da Europa, porque ele está sendo construído com e pelas novas gerações”

ENCONTROS POSSÍVEiS

relação com a natureza. Uma relação reversível,

e não mais de simples dominação sobre o

mundo. Para lembrar ao animal humano que

ele é também um animal. Acredito que, pelo

fato de o ser humano ter “esquecido” essa

animalidade, é que nosso comportamento se

direcionou para a bestialidade.

- Euler: Gostaria que o senhor nos falasse sobre a noção de festa. Qual é a natureza da festa na sociedade contemporânea? Nós podemos ter uma relação de festa na natureza e com a natureza?- Maffesoli: Quando Thomas Kuhn teorizou

sobre o que ele chama de estrutura de

revolução científica, ele mostrou que o que

levou à “performatização” do modelo ocidental

foi o fato de termos seguido a linha reta da

razão. Ele disse, em latim, la via recta, o que

significa direto ao ponto. Para irmos direto ao

ponto, o ocidente deixou à beira da estrada,

ainda segundo Kuhn, em latim, toda uma série

de impedimenta inutile, ou seja, todo tipo de

bagagem inútil: o sonho, o afeto, o jogo. E isso

foi eficaz. O ocidente, digamos, viajou com

menos peso e foi direto ao ponto. Isso é a

modernidade, ou seja, a performatização do

mundo ocidental, mais uma vez. Atualmente,

estamos descobrindo que ir direto ao ponto

nos levou direto contra o muro. Nós estamos,

agora, recuperando essas bagagens deixadas

à beira da estrada: a bagagem festiva, a

lúdica, a onírica, que foram parâmetros da

humanidade. Para mim, esta é uma concepção

mais ampla da natureza humana, que também

é, simplesmente, uma natureza. O que eu

proponho é uma visão de um ser humano

inteiro, holístico, não só em pedaços, ou seja,

um cérebro que, de certa maneira, é uma

concepção um tanto esquizofrênica. Pois

todo o valor é colocado na cultura. Essa ideia

de ser humano inteiro, holístico, é a de um

ser humano que recuperou essas bagagens

e, para mim, isso é muito mais natural. Este

é o fundamento dessa relação que, na minha

opinião, caracteriza a pós-modernidade. Eu

desenvolvi essa noção através da ideia de

razão sensível. Não defendo uma abdicação

da razão, mas também não acredito no ser

puramente racional, pois existem todos os

outros sentidos. Pessoalmente, essa é a ideia

deste ser humano inteiro. O fato de que todo

mundo participe desse saber coletivo.

- Nelma Fróes (in memorian - professora da Faculdade de Comunicação e pró-reitora adjunta de Cultura): O nome da minha tese

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de doutorado, defendida em 2002, é “Do humanismo ao transhumanismo, um guia de sobrevivência”, onde rechaço a ideia da palavra pós-modernidade, seguindo a linha do professor Paulo Vaz que prefere chamar estes tempos de contemporaneidade. Eu acredito que os jovens não podem mais pensar no passado como exemplo, nem no futuro como uma ideia de progresso. O que o senhor considera como estratégia para atravessarmos estes tempos?- Maffesoli: Nos anos 60, escrevi um livro

intitulado “La conquête du present” (em

português, “A conquista do presente”). O

presente era um condensado do passado, e

de certa forma, ele predeterminava o futuro.

Mas existem certas civilizações que valorizam

o presente, outras, o passado. Para eles, a pós-

modernidade é uma sociedade centrada no

presente. Eu propus que chamássemos esse

fato de presenteísmo. O que chamamos em

francês de l’air du temps, ou seja, a atmosfera

mental, e em particular, a temporalidade

das jovens gerações. Então, acredito que

sim. Devemos refletir sobre o presente. Eu

penso que a intelligentzia em geral, ou seja,

os universitários, os jornalistas, os políticos,

continuam obcecados pelos valores modernos.

Os valores do século XVII ao século XIX. E é

essa intelligentzia que tem medo do que está

acontecendo, ou seja, a pós-modernidade e,

por isso, eles falam de contemporaneidade, de

modernidade segunda, de modernidade tardia.

A casa está pegando fogo, mas eles querem

salvar os móveis. Não. A casa tem que pegar

fogo. Nosso trabalho, no mundo acadêmico,

é o de pensar o que estamos vivendo, o

presente. E não o que nós gostaríamos que

fosse o presente. Pensar as práticas jovens, as

práticas sociais. Todo o problema é de achar

as palavras pertinentes, no sentido científico

do termo. Que essas palavras estejam em

pertinência com o que está acontecendo. E

eu digo, mais uma vez, que a noção de pós-

modernidade, e não o conceito, porque eu não

gosto do termo conceito, me parece estar em

relação direta com o que estamos vivendo e

com o que devemos pensar, ou refletir sobre.

Agora, a estratégia é uma estratégia do laisser

être, em francês, algo como deixar existir,

deixar acontecer, e não de dominar tudo,

controlar tudo. Ao contrário, o que me parece

ser um dos elementos da pós-modernidade é

o deixar existir, acontecer. Fazer confiança à

vitalidade do ser e da sociedade.

- Aloizio Trinta (professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação): Os propósitos do senhor têm uma coloração muito especial, poética, dominando de uma maneira invejável as metáforas. O senhor fala de beira de estrada, horizontalidade, verticalidade. Eu conheço suas reflexões sobre a Brasilomania. O senhor vê o Brasil como um país eminentemente icônico?- Maffesoli: Existe uma dicotomia entre o

pensamento e o saber. O que levou a uma

concepção racionalista, conceitual. Eu penso

que deva existir uma sinergia entre a poesia

e o pensamento. A metáfora é a figura de

linguagem que faz essa sinergia entre os

dois. Outra vez, voltamos ao conceito de

homem inteiro ou holístico. Eu tentei mostrar

em um dos meus livros, como a Europa foi

o laboratório da modernidade, porque ela

sempre valorizou o racionalismo, o conceitual.

E isto levou a certa abstração, no sentido

etimológico do termo, e de certa forma nós nos

desgarramos do concreto. Então, eu disse que

o Brasil, em contrapartida, seria o laboratório

da pós-modernidade. E por quê? Porque aqui

os valores barrocos são mais valorizados, bem

como o papel dos ícones. Eu falo do Brasil

como o laboratório da pós-modernidade,

porque se valoriza a dimensão barroca. Eu

falo de ícones como imagens, ou totens, em

torno dos quais o povo se reúne. O Brasil tem

ícones como Lula, Gilberto Gil, Chico Buarque.

Eu penso que existe certo barroquismo na

atmosfera brasileira e este barroco é um dos

marcos da pós-modernidade. Este barroco

pós-moderno brasileiro seria uma concepção

mais inteira, interativa, e o ícone é uma das

formas que traduz esse conceito.

ENCONTROS POSSÍVEiS

MAIS

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elas

Michel Maffesoli

Membro do Instituto Universitário da França; professor da Sorbonne; diretor do Centro de Estudos sobre Atualidades e Cotidiano (Ceaq) e do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário (CRI); redator chefe da revista “Sociétés”

Para saber mais acesse: www.michelmaffesoli.org

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Page 19: Revista A3:03

19A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

O olhar, ainda tímido, para o outro lado do

Atlântico, contribui para que o Brasil figure en-

tre os primeiros destinos de estudantes das ex-

colônias portuguesas, segundo o último rela-

tório da Organização das Nações Unidas para

a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), publi-

cado em 2009. Os jovens africanos tornam-se

alunos locais por meio de curso a distância,

intercâmbio, vagas para refugiados políticos

e convênios interinstitucionais. Em 2013, a in-

tegração deve se expandir, a partir do acordo

firmado entre a UFJF e a Universidade Agosti-

nho Neto, de Angola, a fim de não só promo-

ver a mobilidade de estudantes como também

Até 2014, em cada 60 alunos de gradua-

ção presencial e a distancia da Univer-

sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

um será africano. Atualmente, a proporção

está em torno de 125 estudantes. Dos 16.200

universitários matriculados, 130 são de Ango-

la, Cabo Verbe, Gana, Guiné-Bissau, República

Democrática do Congo, Mauritânia e Moçambi-

que. Caso se mantenha a expansão de gradu-

andos, serão 315 africanos daqui a dois anos.

O acréscimo ocorre por meio da política de

internacionalização da UFJF, em consonância

com medidas nacionais de aproximação entre

Brasil e África.

a de professores e a realização de pesquisas,

eventos e publicações. O país está interessado,

também, em ampliar este vínculo para a for-

mação de profissionais de Direito, segundo a

secretária de Relações Internacionais da UFJF,

Rossana Melo, que esteve em Angola em maio.

A África é o foco ainda de livros, seminários,

Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e

festa organizada por intercambistas.

O maior contingente de alunos estrangeiros

na UFJF é de Moçambique, na África Orien-

tal. Noventa estudantes estão matriculados no

quarto período da graduação a distância em

RAUL MOURÃORepórter

UFJF intensifica aproximação com continente africano

iNTERNaCiONaliZaÇÃO

além de intercâmbio, a Universidade oferece graduação a distância em Moçambique e produz estudos sobre diáspora

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201320

Administração Pública, oferecida pela Facul-

dade de Administração e Ciências Contábeis

da UFJF e pela universidade moçambicana

Eduardo Mondlane (UEM). As instituições se

revezam no oferecimento de 54 disciplinas e

pretendem abrir nova turma a cada ano. Para

isso, recebem suporte tecnológico do Centro

de Educação a Distância (Cead) da instituição

mineira e o apoio da Universidade Aberta do

Brasil. “Aprendemos muito com nossos par-

ceiros. Compreender a realidade econômica,

social, política e cultural deles é determinante

para gerir um programa entre duas nações”,

afirma o coordenador do curso na UFJF, Mar-

cos Tanure. O diploma será expedido pelas

duas universidades, válido para seleção em

pós-graduação no Brasil.

Os outros 40 estudantes africanos matricula-

dos na UFJF podem ser vistos em salas de aula

no campus de Juiz de Fora. A maioria chega

pelo Programa Estudantes-Convênio de Gra-

duação (PEC-G) dos ministérios da Educação

e das Relações Exteriores, voltado para países

em desenvolvimento. Os critérios de seleção

variam conforme a embaixada. O congolês

Aaron Winter, 25 anos, aluno do 8º período

de Engenharia Civil, participou de seletiva e

interrompeu o penúltimo ano do mesmo cur-

so, na capital Kinshasa, para fazer a graduação

brasileira. O conceito das instituições federais,

o porte médio de Juiz de Fora, a presença de

africanos na cidade e a posição do Brasil como

potência continental foram alguns dos fatores

para a escolha do país pelo jovem, em vez de

Canadá ou Estados Unidos. O ensino gratuito

foi preponderante. Em Kinshasa, Winter pa-

gava taxa semestral de, em média, R$ 800 e

tarifa por serviços. O custo é alto para o país

ocupante da última posição no Índice de De-

senvolvimento Humano (IDH), a 187ª, e onde

80% da população vivem com menos de US$

2 por dia, segundo a Organização das Nações

Unidas (ONU). No Brasil, este índice chega a

10%.

“Na República Democrática do Congo, a

estrutura da universidade é pública, mas tudo

é pago. Os alunos brasileiros têm o que a gente

não tem e, às vezes, não sabem aproveitar.

Lá, quando o professor está em sala de aula,

ninguém conversa, e, se quiser sair de sala,

tem que pedir permissão. Percebo que os

estudantes aqui são menos envolvidos nas

atividades da universidade, como assembleias”,

ressalta Winter. “Não é que essa atitude não

exista (nos países africanos). Mas, ainda que o

aluno tire nota 60 ou cem, o comportamento

importa. Isso é cultura mesmo”, completa

o aluno de Ciências Contábeis Leandro

Aldair, 22, de Guiné-Bissau. Os estudantes de

Economia Jailson Pires, 26, e Keven Brito, 23,

e o de Arquitetura Eulices Cardoso, 22, todos

de Cabo Verde, confirmam a relevância de se

qualificarem no Brasil.

Vivência de culturasAlém da habilitação, o intercâmbio pressupõe

a vivência de culturas diferentes e a percepção

sobre os hábitos de uma sociedade. Para o

congolês Winter, o idioma foi o início. No seu

país, o francês é a língua oficial e existem

dialetos. Ao mesmo tempo, o estudante

deparou-se, em solo brasileiro, com costumes

que seriam repreendidos na terra natal por

destoarem das “metas culturais” congolesas.

“Se você está fora do padrão, leva chicotadas.

Se falar palavrão em público, também. Lá, só

se namora para casar. Se casam e se separam,

têm que mudar de cidade.” A jornalista

Jaqueline Harumi, formada pela UFJF, precisou

se adaptar às condições de Gana, na África

Ocidental, para se manter nos seis meses de

intercâmbio em 2010. Faltaram água e energia

elétrica, houve semelhança no preparo da

refeição, mas sobraram carros mal conservados

em ruas sem asfalto e o calor de Acra, a

Os jovens africanostornam-se alunos locais por meio de curso a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e convênios interinstitucionais

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Aaron Winter, da República Democrática do Congo; Jailson Pires, Keven Brito e Eulices Car-doso, de Cabo Verde; e Leandro Aldair, de Guiné-Bissau

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capital ganense. No entanto, o contraste foi

insuficiente para antecipar o retorno ao Brasil.

“Conheci pessoas de diferentes faixas etárias

de Gana, de diversas nacionalidades e até

mesmo brasileiros. Visitei lugares maravilhosos,

que jamais pensei existissem por lá.” Jaqueline

apareceu, inclusive, em rede nacional de TV

ganense como torcedora da seleção local na

Copa do Mundo, realizada na África do Sul.

A Copa, aliás, mostrou uma imagem

desconhecida sobre a África, assim como o

intercâmbio pode permitir o questionamento

de estereótipos. Os países africanos, de fato,

possuem os piores indicadores sociais, ainda

sofrem com guerra civil, doenças que podem

ser prevenidas (ver box na página 22), mas

compõem sociedades complexas que não

se reduzem a poucas definições, conforme

ressaltam os estudantes Keven Brito e Jailson

Pires. Cabo Verde possui expectativa de vida

próxima à do Brasil. Gana foi classificado como

o terceiro país que mais cresceu no mundo

em 2011. Kinshasa, a capital do Congo, tem 8,3

milhões de habitantes. “Falta informação. E

também de nossa parte. Quando saí de meu

país, disseram-me que me tornaria jogador de

futebol e não iria estudar por querer vir para

o Brasil. No avião, quando olhei São Paulo

com aqueles prédios...”, relata Winter, com um

pingente dourado no formato do continente

africano, destacando-se no peito.

O voo de volta será obrigatório para os alu-

nos estrangeiros obterem o diploma somente

na embaixada brasileira do país de origem. A

cabo-verdiana Zuleica Eveline Semedo retor-

nou, em 2011, após se formar em Comunicação

Social pela UFJF. Trabalhou em uma emissora

brasileira, na capital Praia, e atualmente está

na China, cursando mestrado. O retorno nem

sempre é carregado de certezas. “Será que,

quando eu voltar, terei os mesmos recursos

que tenho aqui para trabalhar? Chego a me

perguntar sobre isso”, revela Eulices Cardo-

so, com tom de angústia e sinceridade. “Em

Cabo Verde, tudo é importado”, completa. O

Produto Interno Bruto (PIB) do país, de US$

1,9 bilhão, somado ao de Guiné-Bissau, de US$

973,4 milhões, não alcança o de Juiz de Fora,

acima de US$ 3,6 bilhões. Já Leandro Aldair

é categórico sobre o regresso ao repetir três

vezes: “Nosso objetivo é ajudar o país”. Guiné-

Bissau precisa, pois está próximo de se tornar

o primeiro Estado sob domínio do narcotráfico.

Hoje ele pode ser considerado o primeiro país

do mundo onde a disputa pelo poder se dá en-

tre traficantes. “A Polícia não tem força lá”, diz

o estudante. Atualmente, alguns países da Áfri-

ca se tornaram entrepostos da droga que vem

da América Latina, destinada à Europa.

A violência, o contato entre culturas tradicio-

nais, herança colonial e pensamento contem-

porâneo - inclusive o de intercambistas - além

da situação de refugiados estão expostos em

obras de escritores africanos, estudados por

pesquisadores da UFJF. “A literatura moçam-

bicana faz emergir esses conflitos. Traz para a

escrita todas as questões que a colonização

gerou em termos sociais, culturais, históricos

e que estão presentes na contemporaneida-

de. Mia Couto, renomado escritor moçambi-

cano, vai escamar esses palimpsestos”, afirma

a professora do Departamento de Letras Es-

trangeiras Modernas da Faculdade de Letras,

do Programa de Pós-graduação em Estudos

Literários e da especialização em História e

Cultura Afro-brasileira e Africana, Enilce Ro-

cha. A docente analisa, ainda, a inserção da

oralidade moçambicana nas obras do escri-

tor, com declarada influência de autores bra-

sileiros, como Guimarães Rosa e João Cabral

de Melo Neto. “Por que é importante para nós

toda essa aproximação com Moçambique e

outros países de língua portuguesa? Porque o

Brasil quer ser prioritariamente ocidental. Os

brasileiros reconhecem como distinção social

as referências do mundo ibérico, da Europa, do

homem branco. Só recentemente aprovaram

a lei que obriga o ensino da história e cultura

afro-brasileira.”

No sentido de pesquisar e divulgar o quanto

o Brasil é africano, surgem núcleos de estudos

sobre os vínculos do país com o continente em

universidades. Na UFJF, cada vez mais africa-

na, o Neab oferece especialização lato sensu,

promove seminários e publicações sobre a

área, e pretende implantar o curso a distância

de aperfeiçoamento em Educação para as Re-

lações Étnico-raciais. “O Neab é constituído a

partir da percepção de que somos sim, africa-

nos. Trazemos conosco as marcas da diáspo-

ra”, afirma o coordenador do núcleo, Robert

Daibert Júnior.

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iNTERNaCiONaliZaÇÃO

“Visitei a África pela primeira vez em

2000, para a Aids Conference - da

Sociedade Internacional de Aids

-, em Durban, África do Sul. A conferência

engloba atividades científicas e político-sociais,

sendo palco habitual de manifestos com

engajamento da comunidade internacional.

O evento foi histórico: a principal conferência

mundial em Aids, e no continente africano,

o mais afetado pela epidemia. A atenção de

cientistas e governantes, voltava-se, enfim,

para o epicentro do problema.

Na abertura do evento, autoridades locais

sugeriam nos discursos que o grande causador

da epidemia não seria o vírus HIV, virando

motivo de ironia entre alguns palestrantes.

Porém, a ideia compreendida no discurso das

autoridades era que o HIV talvez não fosse o

principal determinante para a dimensão que a

epidemia tomava na África, mas sim os fatores

inerentes à complexidade social, econômica e

cultural do continente, que formavam ambiente

propício para que a curva e o impacto da

epidemia na África subsaariana tomassem as

catastróficas características atuais.

Essa conferência explicitou a necessidade

de soluções, estratégias e políticas para se

desenvolver pesquisas e intervenções de

controle da epidemia conforme a realidade

do continente africano. Mais do que isso, a

concepção de que sob a liderança de ações

de cuidados à saúde para pacientes com

HIV/Aids poderiam ser trilhados caminhos

para melhorar a saúde global da população;

que indicadores como coberturas vacinais,

mortalidade infantil e materna e programas

de assistência à criança e à mulher tirassem

proveito indireto da estrutura assistencial; e de

pesquisas com financiamentos relacionados à

epidemia HIV/Aids.

Em 2001, passei um mês em Uganda, no

Hospital Mulago, da Universidade Makerere

em Kampala, referência nacional, e que ficou

conhecido mundialmente no filme “O último rei

da Escócia”, estrelado por Forester Whitaker.

Ali vi o duro cotidiano da saúde na África

subsaariana. Países com estrutura rural, onde a

maioria da população vive distante de postos

de saúde, com coberturas vacinais, expectativa

de vida, mortalidade infantil e perinatal muito

aquém do esperado. O hospital, superlotado,

não possuía estrutura e recursos, com

pacientes dormindo em esteiras, lavando

suas roupas nos jardins e sem, muitas vezes,

receberem remédios ou exames necessários.

Os da enfermaria de clínica médica tinham

doenças infecciosas e preveníveis. Incontáveis

deles com complicações de Aids, febre

reumática e malária grave. Muitos morriam no

principal hospital do país como morreriam se

estivessem em suas casas. E a realidade era

culturalmente aceita: familiares não esperavam

que os entes queridos internados com doenças

graves, como complicações de Aids, saíssem

vivos.

A sensação pessoal era de impotência e

perplexidade ao perceber que um filme

de ficção poderia ser real. A fragilidade da

“onipotência médica” se impôs. Não havia

maneira de empregar ou exercer minhas

habilidades e conhecimentos médicos. O

conhecimento científico parecia pouco útil.

Como indivíduo, não havia ações suficientes

para mudar o curso da realidade, mesmo

que tenuamente. Certo dia, na emergência

pediátrica, atendia a uma criança de 6 anos

que morria nos braços da desesperada mãe.

Quando fazia manobras de ressuscitação, o

médico-chefe do setor chegou ordenando

que parasse e declarasse óbito. Talvez aquela

criança morresse de qualquer forma naquele

dia, daquela doença, afinal era malária grave.

Porém, certamente, não precisava morrer. Se

tivesse nascido em outra realidade, não teria

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201322

“A sensação pessoal era de impotência e perplexidade ao perceber que um filme de ficção poderia ser real”

Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz; chefe do Serviço de Infectologia e coordenador do Centro de Epidemiologia, Estatística e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora; ganhador do Prêmio Capes de Teses 2011 na área de Saúde Coletiva

GUILHERME CÔRTES FERNANDES

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23A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

morrido, e nem seria encarada pela equipe de

emergência como um caso sem possibilidades

terapêuticas.

Mas uma coisa seria igual, mesmo se ela tivesse

nascido em outra realidade: o desespero de

uma mãe que acabou de perder o filho. O

determinante médico que levou ao desfecho

do caso vinha das orientações, preconizadas

pelo Ministério da Saúde, de que a chance de o

tratamento de malária não funcionar era maior

que 60%, devido à elevada resistência primária

a cloroquina. Já o determinante econômico

era as autoridades locais não terem recursos

e financiamentos para recomendar uso de

medicamentos mais efetivos e caros como

a mefloquina. Isso era tão relevante que foi

tema da tese de doutorado de um amigo

ugandense: esquemas terapêuticos efetivos

e mais baratos para malária resistente à

cloroquina. O determinante social e cultural

era a aceitação da realidade, por profissionais

de saúde, de que crianças morrem sim

de malária. É assim na África. A dose de

mefloquina necessária para tratar aquela

criança era a que muitos estrangeiros, como

eu, tomavam semanalmente como profilaxia

de malária. Em 2009, voltei à Cidade do

Cabo, África do Sul, para outra conferência da

Sociedade Internacional de Aids. Fiquei feliz

em vislumbrar que as coisas estavam andando,

além de avanços nas Ciências Biológicas e

novos medicamentos. Muitos estudos estavam

sincrônicos para compreender a complexa

estrutura social e cultural relacionada a

doenças negligenciadas como malária, HIV e

tuberculose na África subsaariana.

Nessa conferência foi apresentado um estudo

magnífico, o Dart trial, depois publicado na

“The Lancet”, mostrando ser possível mudar

a sobrevida das pessoas com HIV na África

subsaariana. Eram estratégias simples para

maior acesso à terapia antirretroviral, sem

necessidade de muitos e complexos exames

laboratoriais. Foi um dos maiores ensaios

clínicos em HIV, revelando mudanças enormes

na sobrevida de pacientes em Uganda

comparado à coorte histórica e com a realidade

que havia vivenciado há oito anos. Em 2011, a

convite da Universidade de Pittsburgh (EUA),

fui à Beira, em Moçambique, participar do

projeto de organização da infraestrutura

necessária para realização de pesquisas

em HIV, principalmente de estratégias de

prevenção ao HIV em cooperação com a

Universidade Católica de Moçambique.

O que vi lá não foi diferente do que vi uma

década antes em Uganda: hospital sem

estrutura; elevada prevalência e incidência de

HIV; malária; tuberculose; expectativa de vida

de 40 anos; casos de câncer exclusivamente

em jovens e relacionados à infecção pelo

HIV; comunidades extremamente carentes,

num país que se reestrutura após anos de

guerra civil, submerso em contextos sociais

e econômicos complexos, acometido por

doenças preveníveis e negligenciadas, com

menos médicos do que nossa cidade de Juiz

de Fora (MG). A Universidade Católica de

Moçambique luta para mudar a realidade, com

ações educacionais, assistenciais e pesquisas.

Mas é a única Faculdade de Medicina, tendo

formado sua quinta turma em 2012 com

apenas 35 médicos. O corpo docente ainda é

dependente de estrangeiros e financiamento

externo, e o discente, semelhantemente ao

nosso, tem uma educação básica deficitária.

Um cenário esperado num país que, segundo

o Relatório Mundial de Desenvolvimento

Humano, do Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento, é o quarto menos

desenvolvido do mundo, na 184ª posição entre

os 187 avaliados.

Mas, ao longo desses anos, algumas

diferenças se tornaram evidentes. Hoje já

foram construídos caminhos mais claros para

controlar a epidemia e traçadas estratégias

para continuar o desenvolvimento de novos

conhecimentos e intervenções sociais e de

saúde. Surgiram possibilidades claras de planos

e estratégias para alicerçar o desenvolvimento

de recursos humanos, com financiamentos

e projetos de cooperação internacional.

Inovações na organização e estruturação

de rotinas, obtenção de equipamentos e

treinamentos de recursos humanos em

pesquisa e assistência em HIV/Aids e outras

doenças negligenciadas, com possibilidades

reais de contribuições para o desenvolvimento

humano e reorganização social.

Atualmente, há infinitas possibilidades de ações

assistenciais e pesquisas nas diversas áreas

do conhecimento, sejam Ciências Humanas,

Biológicas, da Saúde ou Engenharias. Questões

e hipóteses a investigar e possibilidades de

financiamentos e cooperações a pactuar. A

carência de recursos humanos capacitados

que enfrentamos em nosso país é muito mais

intensa na África que ainda sofre com doenças

e instabilidades sociais. Se pensarmos em

desenvolvimento sustentável do ponto de vista

humano e social, devemos pensar em ações

conjuntas que permitam, num futuro breve,

um mundo com mais equidade, onde estejam

garantidos a todos as mesmas chances e

direito à vida.”

“Depois, o Atlântico: modos de pensar, crer e narrar na diáspora africana” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.), Editora UFJF, 2010“No berço da noite: religião e arte em encenações de subjetividades afrodescendentes” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.). Editora Mamm, 2012 (no prelo)“Culturas e Diásporas Africanas”Danubia Andrade, Enilce Rocha, Cláudia Lahni, Ignacio Delgado e Elizete Menegat (Orgs.) Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009. 182p .

www.ufjf.br/neabwww.ufjf.br/sriwww.uem.mz

MAIS

23A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

iNTERNaCiONaliZaÇÃO

Page 24: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201324

Frédéric Vandenberghe*Tradução: Marcelo Viridiano

De uma crise a outra

POlÍTiCa

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201324

A atual crise econômica revela uma

contradição sistêmica no coração do

capitalismo industrial. Capitalismo

próspero depende do crescimento contínuo.

No entanto, ao mesmo tempo em que o cres-

cimento é economicamente necessário (sem

crescimento, sem ganho, sem trabalho, sem o

bem-estar), é ecologicamente impossível. Por

quanto tempo podemos sustentar o desenvol-

vimento sustentável? O crescimento pode ser

insustentável a médio e longo prazo; a curto

prazo, no entanto, o retorno do crescimento

econômico parece ser imperativo. Desde que

o regime fordista-keynesiano de crescimen-

to entrou em crise na década de 1970, ele foi

substituído por um modo de acumulação pós-

fordista, pós-industrial, flexível que roda em

princípios neoliberais. Em comparação com as

poucas crises que ocorreram durante os “Trin-

ta Anos de Ouro” do Capitalismo (1945-1973), a

recorrência de crises financeiras em várias par-

tes do mundo desde os anos 1970 indica que a

crise é estrutural.

A “Crise do subprime”, que explodiu em 2007

nos Estados Unidos, e a atual da dívida públi-

ca na Zona do Euro são, na verdade, a mesma

crise. Para compreender sua dinâmica, preci-

samos voltar à década de 1970 e pensar com

os “teóricos da regulação” sobre como o ca-

pitalismo fez para encontrar na “financeiriza-

ção” uma solução ilusória para o problema da

“superacumulação de capital”. Mesmo com os

salários estagnados, vimos surgir, na década

de 1970, em quase todas as linhas da produção

industrial convencional, um regime baseado

na baixa margem de lucro. Para aumentar sua

rentabilidade e estimulá-lo artificialmente, o

dinheiro excedente foi investido em mercados

* Graduado em Ciências Sociais e Políticas - Rijksuniversiteit Gent (Bélgica); mestrado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences

Sociales (Paris); doutorado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris); ministrou aulas nas universidades UCLA,

Manchester University, European University Institute, Brunel University London, Yale University e Université Catholique de Louvain-la-Neuve e

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25A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

POlÍTiCa

25A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

financeiros altamente especulativos. Durante a

década de 1980, os mercados financeiros es-

tavam cada vez mais liberalizados, desregula-

mentados e, desde o “Big Bang” de 1986, tam-

bém globalizados e unificados, atuando como

uma única unidade em tempo real.

O “regime de acumulação puxado pela finan-

ceirização” era altamente lucrativo, mas em

2007, ele explodiu. Em 2011, o epicentro da

crise havia se mudado não só dos EUA para

a Europa, mas também do sistema econômi-

co para o sistema político: a crise no sistema

financeiro transformou-se em uma crise fiscal

do Estado. Sobrecarregado, o sistema político

tornou-se ingovernável. Democracia ou tecno-

cracia? Austeridade ou crescimento? Colapso

da Zona do Euro ou depressão mundial?

Até agora a crise do sistema político evoluiu

para uma alarmante “crise de legitimação”. As

pessoas já não acreditam que o sistema é justo.

Eles sabem que uma “guerra de classes” está

acontecendo - embora não seja uma “luta de

classes” no sentido marxista. Só na Europa, 16

governos foram punidos nas eleições desde o

início da crise. O campo político ficou perigo-

samente polarizado entre partidos xenófobos,

na extrema direita, e partidos populistas, na

extrema esquerda. “O centro não vai suportar”.

Alienados da sociedade, os cidadãos ignoram-

na. No entanto, o afastamento da sociedade

e a rejeição, por princípio, de suas normas e

valores não precisa ser destrutiva. A alienação

pode levar a disputa política e rebelião. Como

uma resposta criativa e inovadora para a crise,

os movimentos interconectados de protesto,

como o 15-M, na Espanha, e o “Ocupar Wall

Street”, inventaram novas formas autônomas

de ação coletiva. Sem uma liderança formal

ou qualquer programa político claramente

definido, movimentos auto-organizados pro-

testaram contra a desigualdade social e a in-

justiça econômica. Em seus alegres e anárqui-

cos protestos contra as potências mundiais do

capitalismo financeiro, os “novos movimentos

sociais” não só inovaram seu repertório de dis-

puta política, com seus novos modos de orga-

nização espontânea, sem líderes (com assem-

bleias gerais, grupos de afinidade, conselhos e

outras metodologias de governo por consen-

so), como também reinventaram e rejuvenes-

ceram as cooperativas, o conceito de bem-co-

mum* e a democracia direta. Eles oferecem o

que é mais necessário: iniciativa e esperança.

Ilustração: Joviana M

arques

instituições brasileiras (UNB, Uffpe, UFRJ, Iuperj); professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Politicos (Iesp) na Uerj; membro do

Conselho Editorial de “Revue du Mauss, Sociological Theory e European Journal of Social Theory”. http://frederic.iesp.uerj.br/

POlÍTiCa

25A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 26: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201326

Uma pedagogia da angústiano ensino jurídicoMarcos Vinício Chein Feres*

Faz algum tempo, percebi que ensinar o

Direito pode ser uma das mais

desafiadoras formas de se ver a

sociedade em que vivemos. No entanto, para

vivenciar esse novo modo de ensinar, foi

preciso abandonar a zona de conforto em que

me encontrava como professor de Direito

Econômico. Com o objetivo de rever meus

conceitos, não só sobre o que é o direito, mas

também sobre como ensiná-lo, resolvi lançar-

me a um projeto desafiador: reconstruir tanto

o conteúdo quanto a metodologia de ensino

das “Instituições de Direito”, disciplina essa

voltada originariamente para vários cursos de

Ciências Sociais Aplicadas, cujo conteúdo

consistia numa miríade de categorias jurídicas

que passavam pelo direito público e pelo

direito privado.

Repensar a disciplina “Instituições” significa

refletir sobre quais são os objetivos a serem

alcançados com o ensino de categorias

jurídicas para universitários. Tal processo de

reflexão exige do educador uma visão crítica,

não só dos conceitos jurídicos, mas também

da forma de apresentá-los e de discuti-los com

os alunos. Não basta ensinar, com imparcial

indiferença, um mundo de informações sobre

direito civil, penal, constitucional etc., cujo

resultado final é uma reprodução e

memorização de estruturas jurídicas, as quais

serão, após algum tempo, esquecidas.

Por isso, foi preciso construir um plano de

ensino com uma proposta pedagógica mais

crítica sobre o conceito, a função e as

estruturas fundamentais do direito (regulação

econômica, criminalidade, Estado

Constitucional, direitos humanos, o conceito

de pessoa, a lógica da responsabilidade

jurídica, a relação entre direito e moral etc.),

apresentados por meio de tecnologias não

convencionais: mídias e internet. O curso tem

por alvo preparar o aluno para lidar com

disciplinas teórico-propedêuticas como

Introdução ao Direito e disciplinas dogmáticas

como Direito Civil, Penal etc. A ideia de revisitar

a estrutura da disciplina “Instituições” consistia

na possibilidade de criar um espaço crítico de

discussões sobre os fundamentos do direito,

tendo por inspiração a obra de MacCormick

(“Institutions of Law”).

O papel convencional do professor-palestrante

resta diminuído. Porém, sua presença se

destaca pelo modo como escolhe as mídias;

como conduz o debate em sala, após

apresentação da mídia; como prepara os

textos prévios de sua autoria disponibilizados

na plataforma “moodle”; como elabora

questões envolvendo o texto-base e a mídia e,

por fim, como, ao fim da aula presencial, é

capaz de sintetizar conteúdos e críticas

essenciais ao tema.

Hoje, apesar de já ter vivenciado alguma

experiência na prática dessa metodologia na

UFJF, ainda me encontro, segundo Bankowski,

“num lugar de angústia” para quem deseja o

melhor para o aluno de Instituições. Questiono-

me, todavia, se não foi essa a minha escolha

primordial: viver plenamente essa angústia na

sala de aula, na qual conflitos e dificuldades

são o espelho da vida, da sociedade e do

mundo em que vivemos.

* Mestre e doutor em Direito; professor associado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

GRadUaÇÃO

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201326

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27A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Grupos PETs da UFJF completam 20 anos de conquistas acadêmicasAlice Bettencourt e Franciane Moraes*

O Programa de Educação Tutorial

(PET) é voltado para a formação de

alta qualidade para alunos de

Instituições de Ensino Superior. Criado pelo

Ministério da Educação (MEC) em 1979,

envolve grupos de diversas áreas por meio de

4.274 alunos bolsistas, os petianos, orientados

por 400 professores tutores, atuando em

pesquisas científicas, práticas de ensino

complementares ao conteúdo curricular e

projetos de extensão.

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

conta com seis grupos, sendo os PETs da

Engenharia Elétrica e da Comunicação os

mais antigos, criados, respectivamente, em

novembro de 1991 e em março de 1992. “Houve

um longo período em que o programa não

lançou editais, por isso, ficamos apenas com

dois grupos até 2009, quando foram

reabertos”, diz o tutor do PET Elétrica,

professor doutor Francisco Gomes. A partir

daí, foram criados os grupos de Psicologia,

Odontologia, Engenharia Civil e Educação

Física e, desde 2008, a Universidade mantém

oito Grupos de Educação Tutorial (GETs), com

funcionamento semelhante.

O PET Elétrica está, desde 1991, sob a tutoria

de Francisco Gomes, que segue a diretriz de

desenvolver profissionais de visão diferenciada:

“Tentamos uma formação ampla, não de um

mero técnico altamente qualificado, mas com

uma visão cidadã da sociedade e dos impactos

de sua atividade”. Para o engenheiro da

Eletrobras e ex-bolsista Carlos Aparecido

Ferreira, o ponto forte do grupo é a atenção

para problemas atuais: “Sempre me lembro de

um estudo que o tutor me pediu sobre a crise

de energia de 2001, pois, até hoje, discuto

questões daquela aparentemente ingênua

apresentação com os colegas da Eletrobras e

do setor elétrico brasileiro”. Arthur Reis, atual

bolsista, destaca que “inúmeras portas foram

abertas, mudando meu rumo na graduação”.

Reis foi um dos que fizeram intercâmbio na

Suécia a partir do doutoramento da ex-petiana

Janaína Gonçalves e dos resultados alcançados

na Uppsala University pelos demais bolsistas.

O grupo da Faculdade de Comunicação

(Facom) também completou 20 anos e se

destaca, além de suas atividades de extensão e

pesquisas, pelos módulos de ensino. Abertos

para a graduação, os módulos semanais

propõem discussões com pouco espaço nas

salas de aula, como as relações da Comunicação

com a Psicanálise ou com a Política. Para o

petiano Cícero Villela, são oportunidades para

aprofundar conceitos e discussões: “Minha

vontade sempre foi ser professor universitário

e posso dizer que o PET me preparou para isso

de uma forma única”. Para Letícia Perani, ex-

bolsista, o PET Facom habilita o aluno para a

excelência, seja na academia ou no mercado.

“Encontrei condições ideais para a minha

formação: excelentes professores orientadores,

atividades variadas, complexas e desafiadoras,

e colegas inteligentes e instigantes.” Segundo

o tutor, professor doutor Francisco Pimenta,

outra vantagem do grupo é o fato de os

bolsistas terem autonomia sobre sua pesquisa

e poderem escolher dentre os diversos projetos

de extensão ou propor novos, como jornalismo,

cinema, internet ou assessoria de imprensa.

* Bolsistas do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação (PET Facom)

iNiCiaÇÃO CiENTÍFiCa

Petianos da Engenharia Elétrica com o tutor Francisco Gomes (ao centro)

Fo

to: M

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iridiano

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201328

UFJF desenvolve soluções em Engenharia Elétrica para pesquisas com a partícula de Higgs

PESQUiSa

Com projetos coordenados pelo professor augusto Cerqueira (foto), instituição se torna uma das quatro do Brasil a participar do maior experimento do Cern

CAROLINA NALONRepórter

Cientistas estão bem perto de confir-

mar definitivamente a existência do

bóson de Higgs ou da partícula de

Deus - até a publicação desta revista talvez já

o tenham conseguido. Novos resultados, ainda

mais significativos do que os anunciados em

julho de 2012, foram divulgados pelos pesqui-

sadores do Centro Europeu de Pesquisa Nu-

clear (Cern) indicando a descoberta. Esta é a

maior contribuição da física para o entendi-

mento sobre a formação da massa das partícu-

las ou, em outras palavras, da origem do uni-

verso.

Até o fim do século XIX, a ciência não conhecia

muito além dos átomos. Sabia-se que a maté-

ria era formada por eles, mas ainda não era

possível identificar sua estrutura. Ao longo do

século XX, pesquisadores foram comprovando

a presença dos elétrons, prótons, nêutrons e,

mais tarde, de outras partículas subatômicas

elementares. Hoje, pelo modelo padrão, há 16.

“O maior objetivo na busca pelo Higgs (a 17ª) é

comprovar a teoria proposta pelo modelo pa-

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201328

Fo

to: M

arcelo V

iridiano

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29A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

PESQUiSa

drão, mostrando como as partículas adquiri-

ram massa para a formação do universo”, ex-

plica o professor do Departamento de Enge-

nharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz

de Fora (UFJF), Augusto Santiago Cerqueira. A

instituição é uma das quatro integrantes do

único grupo brasileiro ligado ao Atlas, o maior

dos experimentos do Cern.

Para se chegar a esse resultado definitivo, é

preciso acelerar e colidir as partículas funda-

mentais já conhecidas. De maneira simplifica-

da, o processo acontece da seguinte forma:

dois feixes cheios de prótons são acelerados

por campos elétricos e curvados por campos

magnéticos, em sentidos opostos, dentro de

um tubo de trajetória circular. Percorrendo o

tubo, eles ganham velocidade até que, em de-

terminado ponto, são postos frente a frente.

Nesse encontro, alguns prótons poderão coli-

dir, transformando-se em outras partículas ou,

como preferem os cientistas, decaindo. Um

dos decaimentos do Higgs resulta em quatro

elétrons (um par e+ e outro e-). Quando obser-

vados esses quatro elétrons, os cientistas re-

criam o momento imediatamente após a coli-

são dos prótons na tentativa de detectar a

nova partícula.

O maior acelerador de partículas já construído

está em funcionamento, desde 2009, no Cern,

a 175 metros abaixo do solo, na fronteira entre

a Suíça e a França, perto da cidade de Gene-

bra. O tubo do Grande Colisor de Hádrons

(LHC), como é chamado, tem 27 quilômetros

de extensão e acelera prótons a uma velocida-

de nunca antes vista. Nele estão dispostas

quatro imensas estruturas de pesquisa, chama-

das de detectores, onde os experimentos são

feitos. Os dois detectores mais importantes, o

Atlas e o CMS, anunciaram, em julho de 2012,

que a massa do bóson de Higgs estaria na casa

dos 126 GeV – unidade de medida de energia.

Na ocasião, o físico britânico Peter Higgs, que

previu a existência da partícula, em 1960, ficou

surpreso por ainda estar vivo, aos 83 anos,

para ouvir o anúncio.

A relevância do resultado é atestada por um

método estatístico que mede o desvio dentro

de um padrão esperado. Se o desvio é grande,

algo foi descoberto. Se pequeno, é entendido

apenas como uma flutuação aleatória dos da-

dos. Assim, para os físicos, um resultado na

faixa de até dois sigma (unidade de medida do

método) não é significante. Acima de três,

pode ser considerado como prova, e, de cinco

em diante, uma descoberta. A publicação da

descoberta da massa do Higgs, no dia 4 de ju-

lho, estava na faixa do cinco sigma, e o mais

recente anúncio, feito em 1º de agosto de 2012,

em 5,9. “Conforme o LHC vai rodando, é natu-

ral obtermos resultados cada vez mais fortes

nos experimentos”, diz Cerqueira. Para ele, as

notícias sinalizam o sucesso do investimento e

do esforço científico aplicado durante mais de

20 anos de pesquisa. “O LHC começou a ser

imaginado no final da década de 1980 e foi

necessário desenvolver tecnologia de altíssimo

nível para se chegar a este estágio de hoje.”

Elétrica como ponto forte

O grupo brasileiro com pesquisas no Cern é

formado pela Universidade de São Paulo (USP)

e as federais de Juiz de Fora, Rio de Janeiro e

São João Del Rei. Elas atuam no experimento

Atlas, contribuindo nas suas respectivas áreas

de excelência. A da UFJF é a Engenharia Elétri-

ca. Estudantes da graduação ao doutorado e

professores do curso compõem uma equipe de

13 pessoas engajada em propor soluções e me-

lhorias para os diversos mecanismos envolvi-

dos na detecção das colisões próton-próton e

na filtragem de dados pelo Atlas.

Para promover a interface entre a UFJF e o

centro europeu, Cerqueira mantém dois de

seus orientandos em Genebra (Suíça), além de

fazer, de forma virtual, reuniões para atualiza-

ção do andamento das pesquisas e apresenta-

ção de resultados. Os trabalhos coordenados

por ele se concentram nas técnicas de proces-

samento digital de sinais, no desenvolvimento

de inteligência computacional e na parte ele-

trônica do Calorímetro Hadrônico de Telhas

(TileCal).

O mestrando Vinícius Schettino passou um

ano no Cern e explica que o acesso à “caverna”

do Atlas é restrito a apenas algumas semanas

por ano, devido aos altos níveis de radiação. E,

por isso, é importante a equipe estar sempre

criando ferramentas cada vez mais rápidas e

eficientes para os reparos de manutenção,

possibilitando o bom desempenho da estrutu-

ra no ano seguinte. Durante sua estadia no

Cern, Schettino desenvolveu um novo sistema,

conhecido como Mobidick, o qual ajudará na

manutenção do TileCal, um dos detectores uti-

lizados no Atlas para absorver e medir, após as

colisões, as energias das partículas hadrônicas

depositadas em seus milhares de canais de

leitura. “Existem planos de melhorias contínuas

no detector até 2021, permitindo que ele man-

tenha sempre uma performance de ponta.

Trabalhamos para que o Mobidick esteja pre-

parado para todas estas futuras etapas de up-

grade.” Em 2022, o centro deverá substituir

toda a parte eletrônica utilizada atualmente no

LHC.

Outro projeto do professor Augusto Cerqueira,

desenvolvido pelo doutorando Davis Barbosa,

estuda modelos computacionais capazes de

aprimorar o desempenho do sistema de filtra-

gem on-line do Atlas. Atualmente, 20 milhões

de colisões acontecem a cada segundo e a

maior parte dos eventos é considerada ruído

de fundo do experimento, desta forma, é indis-

pensável o uso de algoritmos avançados para

selecionar o que deve ser salvo ou não. “Hoje,

para não desperdiçarmos as chances de en-

contrar resultados compatíveis com o que

buscamos, aceitamos muitos dados inúteis,

sobrecarregando os sistemas de armazena-

mento”, explica o docente. Todo processamen-

to e armazenamento de dados provenientes

do LHC é feito de forma off-line por meio de

uma infraestrutura global de computação cha-

mada Grid. Por ano, mais de um milhão de gi-

gabytes em informação são gerados e, por

isso, a capacidade de armazenamento e pro-

cessamento do Grid é um grande desafio.

Projeto de referência

A UFJF começou o trabalho no experimento

Atlas a partir do doutorado de Cerqueira, con-

cluído em 2002, na Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ). A área de pós-gradua-

ção e pesquisa em Engenharia da instituição

fluminense tem uma longa história de colabo-

ração com o Cern, o que levou o pesquisador

por esse caminho. Em sua tese, orientada pelo

professor José Manoel de Seixas, Cerqueira

criou um circuito conhecido como Trigger Bo-

ard ou Somador. Esse dispositivo foi produzido

em larga escala e constitui uma importante

“O maior objetivo na busca pelo Higgs é comprovar a teoria proposta pelo modelo padrão, mostrando como as partículas adquiriram massa para a formação do universo”

(Augusto Cerqueira)

29A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201330

PESQUiSa

parte eletrônica do TileCal. A função dessa pla-

ca é somar os sinais de várias células, permitin-

do reduzir a quantidade de informação a ser

enviada para uma primeira análise, imediata-

mente após cada colisão. Sem esse dispositivo,

o Atlas não seria capaz de processar on-line

toda a informação proveniente do TileCal. “Fa-

zer parte de um experimento como esse nos

dá grande motivação, algo que poucos proje-

tos são capazes de proporcionar”.

Segundo Cerqueira, a intenção é manter a pro-

dutividade do grupo com publicações, teses e

dissertações. Os trabalhos não só resultam em

mais conhecimento científico, mas também

podem se transformar em inovações. “Como

as soluções desenvolvidas para o Atlas são de

alto valor tecnológico, elas podem vir a ser

empregadas pela engenharia em outros seto-

res da indústria.” Para Schettino, cuja disserta-

ção trará o detalhamento do sistema Mobidick,

o aprendizado sobre trabalho em grupo é uma

das mais importantes experiências possibilita-

das pelo Cern. “É uma colaboração gigantesca,

formada por milhares de pessoas trabalhando

para um objetivo comum. E não poderia ser

diferente. É um experimento fantástico, de ex-

trema complexidade e que lida com as mais

diversas áreas de engenharia e física.”

Augusto Santiago Cerqueira

Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; professor adjunto e coordenador do Programa de Pós-Gradu-ação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora; experiência na área de eletrônica e processamento de sinais. de Chimie Des Substances Naturelles. Atualmente é professor associado da UFJF.

[email protected]

http://lattes.cnpq.br/3648221859200471

MAIS

Do fundamento à práticaNo roteiro de uma das séries americanas de maior sucesso

da atualidade questões do mundo científico surgem em

tom de comédia. Em “The Big Band Theory”, veiculada

no Brasil pelo canal Warner, o personagem Sheldon

Copper, físico teórico, ironiza o trabalho dos colegas das

ciências aplicadas por entender que esta não passa de um

desdobramento secundário e sem valor da ciência mãe de

todas as outras. Ao colocar a teoria no mais alto patamar

da hierarquia científica, pode-se dizer que Sheldon reverte

o senso comum, aquele acostumado a perguntar “mas

para quê isso serve?”

Talvez essa tenha sido a pergunta na cabeça de muitos

dos leitores desta matéria. E não poderia ser diferente.

É absolutamente natural que as pessoas queiram ver

o conhecimento se transformar em coisas práticas,

inovações e produtos. Para o físico teórico do mundo real,

o professor da UFJF Ilya Shapiro, “é impossível mudar isso,

e não se precisa tentar”. Na contramão do pensamento do

personagem, Shapiro não gostaria de “viver num mundo

onde todos ou a maioria estão preocupados com ciência

fundamental”. No entanto, sabe que buscar explicações e

entender melhor a natureza é algo essencial para a série

humana. “Sem isso, o progresso para.”

Na pesquisa do Higgs, cientistas estão perto não só de

reproduzir alguns processos que aconteceram na época

do Big Bang, mas também de confirmar a validade do

modelo padrão. Decifrado por Kibble, Englert e Higgs em

1961, o esquema de “mecanismo de Higgs” se fecha em

17 partículas elementares cujas equações não apresentam

qualquer inconsistência matemática, diferentemente do

que havia sido proposto por estudos anteriores. Assim

a física de altas energias mostra que esteve no caminho

certo durante as últimas cinco décadas.

E, apesar de provavelmente não haver outras aplicações

para o Higgs, os esforços do Cern em construir

equipamentos para o projeto permitiram uma das

descobertas mais importantes da contemporaneidade: o

modelo www para a internet.

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201330

Ilustração: Cern

Page 31: Revista A3:03

31A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

A interferência das ações humanas

sobre o ambiente está atingindo

magnitude sem precedentes e há

fortes indícios de que ela esteja prejudicando

o funcionamento natural do sistema climático.

Diante desse cenário, são necessárias reflexões

sobre as causas das mudanças climáticas, seus

impactos ambientais e socioeconômicos e as

possíveis soluções, para embasar as políticas

públicas a serem tomadas neste sentido. Para

isso, foi criado o Painel Brasileiro de Mudanças

Climáticas (PBMC), organismo científico

nacional que tem como objetivo reunir,

sintetizar e avaliar informações científicas

sobre os aspectos relevantes das mudanças

climáticas no Brasil a partir da publicação

de Relatórios de Avaliação Nacional. Um

dos resultados do PBMC é o Volume 1 do

Primeiro Relatório de Avaliação Nacional,

que tem a participação de dois professores

da Universidade Federal de Juiz de Fora

(UFJF), Aline Sarmento Procópio e Fabio

Roland. O documento foi lançado em junho de

2012, durante a programação da conferência

internacional Rio+20.

O estudo alerta, sobretudo, para a

vulnerabilidade da Amazônia, do Nordeste

e das áreas urbanas do Brasil diante dos

efeitos do aquecimento global projetado para

os próximos 90 anos (ver quadro na página

32). O climatologista Tercio Ambrizzi, da

Universidade de São Paulo (USP) e um dos

autores do relatório, chama a atenção para a

vulnerabilidade das áreas urbanas brasileiras,

principalmente, as com mais de um milhão

de habitantes, diante das mudanças nos

padrões de chuva. “A acelerada urbanização

nas últimas décadas não foi acompanhada

dos correspondentes investimentos em

infraestrutura. Por conta disso, as cidades

estão especialmente fragilizadas diante da

ocorrência de chuvas intensas, causadoras de

FLÁVIA LOPESRepórter

Diagnóstico para nortear ações ambientais

Professores da Pós-Graduação em Ecologia e do departamento de Engenharia Sanitária e ambiental da UFJF participam da elaboração de relatório que avalia informações científicas sobre os aspectos relevantes das mudanças climáticas no Brasil

enchentes e deslizamentos de encostas.”

O professor e coordenador do Programa

de Pós-Graduação em Ecologia (PPGEcol)

da UFJF, Fabio Roland, também alerta

para os eventos extremos decorrentes das

mudanças climáticas. “A mudança no regime

de precipitações tem ocasionado maior

frequência de seca e chuvas concentradas,

como as que ocorreram, nos últimos anos,

na região Serrana do Rio de Janeiro, em

Alagoas e em Santa Catarina.” Para ele, o

principal passo para reduzir os efeitos desses

impactos é a formação de recursos humanos e

investimentos em pesquisas. “As universidades

e centros de formação técnica precisam

investir na formação específica de pessoas

para enfrentar as mudanças climáticas que

o país e todo o mundo estão vivenciando.”

O professor contribuiu para a elaboração do

subcapítulo “Ciclos biogeoquímicos, biomas e

sistemas hídricos” do relatório.

A professora do Departamento de Engenharia

Sanitária e Ambiental da UFJF e uma das

convidadas a atuar como autora colaboradora

do documento, Aline Sarmento Procópio,

aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga

e do Cerrado como as mais vulneráveis às

modificações climáticas. “Essas alterações

podem comprometer o equilíbrio desses

biomas, e ainda que não se tenha com extrema

precisão seus valores absolutos, é certo que

elas levarão a uma cadeia de outros eventos

indesejados.” Aline atuou na elaboração do

subcapítulo sobre “Forçante radiativa natural

e antrópica”, que discute o papel da ação

humana e de causas naturais no balanço de

radiação solar: o que impactará na temperatura

da atmosfera, nos ciclos hidrológicos entre

outros fenômenos.

Segundo a pesquisadora, as forçantes

Aline Sarmento Procópio aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga e do Cerrado como as mais vulneráveis às modificações climáticas

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MEiO aMBiENTE

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201332

radiativas, expressam, se positivas, o fluxo

de calor injetado por um agente no sistema

atmosférico (aquecimento), e se negativas, o

fluxo retirado do sistema (resfriamento). Ela

destaca que, no Brasil, não foram encontrados

na bibliografia forçantes devido a aerossóis

urbanos, de poeira do solo ou devido a trilhas

de condensação formadas pelos aviões,

apontando a necessidade de mais estudos

nessa área do conhecimento. “Percebeu-se

que os efeitos mais significativos no Brasil

são os oriundos das queimadas na Amazônia,

seja pelo efeito radiativo direto ou indireto

dos aerossóis, das nuvens, dos gases de

efeito estufa e pela mudança de uso do solo.”

Ainda de acordo com Aline, é consenso que

os aerossóis de queima de biomassa resfriam

a superfície terrestre e aquecem a atmosfera.

“Há outros tópicos, porém, que ainda precisam

ser adequadamente estudados e quantificados

na Amazônia, como o efeito indireto dos

aerossóis, por exemplo, e nas outras regiões

do país, como a avaliação das forçantes

antrópicas em áreas urbanas.”

Para o físico do Instituto de Física da

Universidade de São Paulo (USP) e um dos

revisores do volume 1 do relatório, Paulo

Artaxo, ainda há lacunas referentes ao papel

dos oceanos sobre a regulação do clima. “Não

está claro, por exemplo, como eles podem

impactar os eventos El Niño (fenômeno

de aquecimento) e La Niña (fenômeno de

resfriamento) das águas do Oceano Pacífico

Tropical, que têm grande influência nos

padrões de chuva do Brasil.”

Políticas públicasO grande mérito do Painel Brasileiro de

Mudanças Climáticas (PBMC), na avaliação

da presidente do Comitê Científico, Suzana

Kahn, é a aproximação entre ciência e política

pública. “É importante que a ciência dê suporte

ao estabelecimento de políticas públicas. Essa

é uma das ideias do PBMC: olhar mais próximo

de nossa realidade e contribuir para o painel

internacional.”

Para o secretário de Políticas e Programas

de Desenvolvimento do Ministério da Ciência

e Tecnologia e Inovação e atual presidente

MAIS

AmazôniaPara o período compreendido entre 2011 e 2040 é prevista redução de 10% na dis-tribuição de chuvas na região, além de au-mento de temperatura entre 1ºC a 1,5ºC. Entre 2041 e 2070, a previsão é de que haja redução entre 25% e 30% nas chuvas da região e aumento de temperatura de 3ºC a 3,5ºC. Já no final do século (entre 2071 e 2100), projeta-se um clima ainda mais seco (com redução de 40% a 45% das chuvas) e mais quente (alta de 5ºC a 6ºC). Caso as previsões se confirmem, tais mudanças poderão comprometer o bioma da floresta amazônica. Essas projeções levam em consideração apenas as concentrações de gases de efeito estufa, sem avaliar o desmata-mento da região

Aline Sarmento Procópio

Graduação em Engenharia Civil pela UFJF (1996); mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000); doutorado em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (2005); professora adjunta no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF; experiência nas áreas de Engenharia, com ênfase em Ciências Atmosféricas, atuando principalmente nos seguintes temas: Poluição Atmosférica, Sensoriamento Remoto, Monitoramento Ambiental, Radiação Atmosférica.

Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesAlineProcopio

Mata AtlânticaO bioma abrange áreas do Sul ao Nordeste, com duas situações. No NE, leve aumento na temperatura (0,5ºC a 1ºC) e redução de 10% no índice pluviométrico até 2040. No período seguinte, aquecimento entre 2ºC e 3ºC e redução de chuvas entre 20% e 25%. No final do século, aumento entre 3ºC e 4ºC e redução de 30% a 35% nas chuvas. No Sul/Sudeste, a projeção até 2040 é de alta entre 0,5ºC a 1ºC e aumento das chuvas entre 5% a 15%. No período seguinte, a previsão é de mais calor (1,5ºC a 2ºC) e crescimento dos índices plu-viométricos (15% a 20%). No final do século, mais chuvas, com aumento de 25% a 30% e alta de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC

PantanalProjeção de aumento de 1ºC na temperatura e queda entre 5% e 15% nos padrões de chuva até 2040. Para o período seguinte (2021 a 2070), redução das precipitações entre 10% e 25% e crescimento da temperatura de 2,5ºC e 3ºC. Já entre 2071 e 2100, projeta-se intensifi-cação do aquecimento (entre 3,5ºC e 4,5ºC) e redução acentuada das chuvas (35% e 45%)

MEiO aMBiENTE

Page 33: Revista A3:03

33A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

do Conselho Diretor do PBMC, Carlos Nobre,

o principal desafio foi chegar ao estado da

arte do conhecimento científico, olhando

para dentro do Brasil. “Estamos realizando

um grande esforço, reunindo mais de 300

pesquisadores brasileiros nos três volumes.

Este trabalho já está alimentando uma

série de políticas públicas na direção do

desenvolvimento sustentável.”

Nos moldes do IPCCO PBMC foi estabelecido, nos moldes do Painel

Intergovernamental de Mudanças Climáticas

(IPCC, em inglês). Sua função é disponibilizar

informações técnico-científicas sobre

mudanças climáticas a partir de avaliação

integrada do conhecimento produzido no

Brasil ou no exterior, sobre causas, efeitos

e projeções relacionadas às mudanças

climáticas e seus impactos, de importância

para o país. As informações serão divulgadas

por meio da elaboração e publicação periódica

de Relatórios de Avaliação Nacional, Relatórios

Técnicos, Sumários para Tomadores de Decisão

sobre Mudanças Climáticas e Relatórios

Especiais sobre temas específicos.

O Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação

Nacional (RAN1) é resultado do trabalho

voluntário de mais de 150 autores, tendo

como principal objetivo a avaliação dos

aspectos científicos do sistema climático e de

suas mudanças observadas e projetadas. A

publicação do segundo e terceiro volumes está

prevista para ocorrer em outubro deste ano.

Para Aline, o maior ganho do primeiro relatório

nacional é mostrar o estado da arte sobre as

mudanças climáticas no Brasil. “Apesar das

incertezas existentes nas simulações climáticas,

as análises regionais tendem a ser mais

precisas, e a compilação de estudos recentes

no país é uma contribuição importante para

o conhecimento científico. A identificação

de lacunas e incertezas nos estudos também

é de extrema valia, pois aponta o rumo a

ser seguido nas futuras pesquisas, além de

mostrar a necessidade de ampliação da rede

de observação no país.”

Fabio Roland

Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (1987); mestrado (1991) e doutorado (1995) em Ecologia e Recursos Naturais pela mesma universidade; entre 1996 e 1998, foi pesquisador pos-doc no Institute of Ecosystem Studies, nos EUA; desde 1992, atua como docente da UFJF; atualmente é professor associado 3 na UFJF, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PGEcol), orientador neste programa e professor de Ecologia no Curso de Graduação em Ciências Biológicas; desenvolve pesquisas ecológicas, com ênfase em limnologia, atuando principalmente nas fronteiras entre ecologia de ecossistemas, biogeoquímica e desenvolvimento de métodos, focando mudanças ambientais

Veja o conteúdo completo do Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC): bit.ly/A3_RelatorioPBMC

PampaAté 2040 o tempo poderá ficar 1ºC mais quente e entre 5% e 10% mais chuvoso. No período seguinte, a tendência de aquecimento ficará entre 1ºC e 1,5ºC, com intensificação das chuvas entre 15% e 20%. No final do século, as projeções se agravam, com aumento de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC e intensificação das chuvas entre 35% e 40%

CerradoO relatório prevê aumento de 1ºC na tem-peratura, com redução de 10% a 20% nas chuvas até 2040. Entre 2041 e 2070, espera-se aumento entre 3ºC e 3,5ºC na temperatura e queda das precipitações entre 20% e 35%. Nas últimas décadas do século (2071 a 2100), o aumento de temperatura poderá ficar entre 5ºC e 5,5ºC, com redução entre 35% e 45%

CaatingaO documento aponta, no período entre 2011 e 2040, aumento de 0,5ºC e 1ºC na temperatura e redução de 10% a 20% no volume de chuvas. Entre 2041 e 2070, a projeção é de crescimen-to de 1,5ºC a 2,5ºC na região, com decréscimo de 25% a 35% nos padrões de chuva. No final do século (2071 a 2100), o relatório aponta aumento significativo do calor (entre 3,5ºC e 4,5ºC nas médias) e agravamento da seca no Nordeste, com chuvas caindo praticamente pela metade

MEiO aMBiENTE

Confira o artigo do professor na revista Nature: bit.ly/A3_ArtigoNature

Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesFabioRoland

Page 34: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201334

A luta da ciência contra os efeitos

do tempode olho na inovação, pesquisadores da UFJF investem em novas tecnologias para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados que mais cresce no mundo. Utilizando óleos de plantas brasileiras e nanomoléculas, tentam desvendar o segredo do rejuvenescimento

PESQUiSa

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201334

Fo

to: M

arcelo V

iridiano

BÁRBARA DUQUERepórter

Page 35: Revista A3:03

35A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

A democratização do consumo aliada

ao desenvolvimento tecnológico são

os principais fatores verificados pelos

especialistas para o elevado crescimento da

indústria de produtos cosméticos nos últimos

anos. Segundo estimativas do Euromonitor,

instituto líder mundial em pesquisa em

estratégia para os mercados consumidores,

o Brasil deverá ter, até 2013, o consumo

per capita três vezes maior do que a média

mundial. O crescimento médio do setor no

país em 2010 foi de 10% e em 2011 estimado

em 30%. Esses números são animadores para

a indústria e representam um grande desafio

para a pesquisa, já que o mercado exigente

demanda cada vez mais produtos de alta

qualidade e com fatores inovadores.

A investigação científica e tecnológica tem

se concentrado em minimizar as deficiências

dos produtos que estão no mercado,

apresentando alternativas para os profissionais

especialistas em estética. O mercado brasileiro

de cosmético é o terceiro maior do mundo,

com um faturamento líquido médio de R$ 21,7

bilhões, ficando atrás somente dos Estados

Unidos (EUA) e do Japão. Em produtos para a

pele, estamos hoje em sexto lugar.

A ciência dos cosméticos já é a campeã de

patentes na França há dez anos e no Brasil esse

crescimento também é acelerado. Verificando

um enorme potencial do setor, universidades

e centros de pesquisas nacionais se dedicam

cada vez mais ao desenvolvimento de

produtos inovadores utilizando alta tecnologia.

Novas descobertas moleculares e a utilização

de recursos como a nanotecnologia são os

maiores investimentos para colocar o país na

liderança do setor mundial.

Laboratório de patentes“Atender às demandas do mercado,

transformando a pesquisa em algo que seja

útil à sociedade é o principal foco do Núcleo

de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde

da Universidade Federal de Juiz de Fora

(UFJF)”, diz a pesquisadora e coordenadora

do núcleo, Nádia Raposo. “Nosso trabalho é

feito em rede, nossas pesquisas envolvem um

grande número de pessoas, entre alunos de

iniciação científica, pós-graduação, incluindo

mestrado e doutorado, professores e técnicos

de outros laboratórios da Universidade e

mesmo de outros centros de pesquisa. É uma

construção coletiva, sem atores principais.

Nosso laboratório já depositou dez patentes,

sendo sete delas feitas por alunos.”

Mostra disso foi o trabalho desenvolvido

em parceria com o pesquisador e professor

do Departamento de Química da UFJF,

Adilson David Silva. O Skin Whitening Nano

Complex é um produto inovador, por sua ação

diferenciada e comprovadamente mais eficaz,

com atividade despigmentante e antioxidante.

Além dos pesquisadores, estão envolvidos na

concepção os alunos da UFJF, Larissa Lavorato

Lima, graduanda em Química; Juliana Alves

dos Santos, doutoranda em Química; Annelisa

Farah da Silva, doutoranda em Ciências

Biológicas; Danielle Cristina Zimmermann,

mestranda em Ciências Farmacêuticas; e Paula

Rafaela Rocha, graduanda em Farmácia; além

da doutoranda em Ciências (Fisiopatologia

Experimental) pela USP, Aline Siqueira

Ferreira. Contribuiu também para o processo

o pesquisador da Embrapa Gado de Leite,

Humberto de Mello Brandão.

Alterações da coloração da pele são uma

preocupação constante entre a população.

As hipercromias ou hiperpigmentações são

a terceira causa de problema dermatológico

com ocorrência em latinos. Envelhecimento,

gravidez, distúrbios endócrinos, tratamento

com hormônios e exposição ao sol, em

diferentes graus, são os principais motivos

dessas ocorrências. Com o aquecimento

global a tendência são verões mais quentes

e prolongados e, com isso, as pessoas ficam

mais suscetíveis ao aparecimento de manchas

faciais.

Produto inovadorO Skin Whitening é um produto baseado

em nanotecnologia. A associação de dois

poderosos princípios ativos, um de origem

natural e outro sintético, lhe dá vantagens

competitivas sustentáveis. Uma nanocápsula

de óleo essencial da biodiversidade

brasileira, com propriedades farmacológicas

complementares, envolve e serve como

transportadora de partículas com ativos

antioxidantes e despigmentantes sintetizadas

no Laboratório de Química da UFJF.

As nanocápsulas, por terem um tamanho

subcelular, permitem que as moléculas sejam

levadas até as camadas mais profundas da

pele. “As cápsulas também protegem os ativos,

liberando-os de forma controlada e constante,

atingindo uma área maior com efeito

prolongado. Com isso, tem maior eficácia,

durando de duas a três horas, bem mais do

que os produtos concorrentes. Dessa forma,

é suficiente uma dosagem menor, diminuindo

bastante o valor do produto final”, explica

Nádia, que concebeu o produto. Além de

despigmentante, o Skin Whitening apresentou

em seus testes baixa toxidade e irritação da

“Atender às demandas do mercado, transformando a pesquisa em algo que seja útil à sociedade é o principal foco do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde da UFJF”

(Nádia Raposo - coordenadora do Núcleo de Pesquisa e inovação em Ciências da Saúde/UFJF)

PESQUiSa

Page 36: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201336

PESQUiSa

pele e menores riscos de fotossensibilidade.

Suas características farmacêuticas protegem

as partículas da ação do oxigênio, da umidade,

de microelementos e peróxidos.

A sinergia entre os dois ativos já passou

por diversos testes laboratoriais, todos de

acordo com as agências regulatórias. Com os

resultados, ficou comprovada sua eficiência,

maior estabilidade, ação duradoura, baixas

toxidade e irritabilidade, o que faz dele um

produto competitivo para o mercado de

cosméticos. Outra vantagem detectada com os

testes é sua fácil incorporação em formulações

cosméticas, podendo servir como base de uma

plataforma de produtos, o que o torna ainda

mais apropriado para a comercialização.

Atualmente, o produto está em fase de

negociação com uma indústria para a

transferência da tecnologia. Já foram

registradas duas patentes e estão sendo

realizados os ensaios clínicos. A patente

final do produto já foi requerida e o próximo

passo é conseguir o registro pela Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não

existe hoje no mercado um despigmentante

e antioxidante com estes ativos que utilize os

benefícios da nanotecnologia.

Revolução nanotecnológicaFoi em um dos encontros anuais da Sociedade

Americana de Física, em 1959, realizada no

Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech),

que o físico Richard Feynman apresentou, pela

primeira vez, o conceito de nanotecnologia. A

proposta consistia na manipulação da matéria

em escala atômica, materiais com propriedades

novas, formados a partir de átomos como se

fossem tijolos. A partir daí, muitas descobertas

seriam realizadas com a obtenção de materiais

em escala atômica e molecular.

A partir dos anos 80, a nanotecnologia ganhou

condições tecnológicas para se desenvolver.

Novos pesquisadores, com ideias audaciosas e

criativas, auxiliados por microscópios de alto

desempenho, propiciaram que esta inovação

pudesse representar uma revolução. As

nanoestruturas são verdadeiros reservatórios

que controlam a profundidade de penetração

do cosmético na pele e a velocidade com

que o ativo será liberado. Esta liberação

gradual faz com que o ativo não atinja limites

tóxicos e permite um fornecimento constante

do produto às diferentes camadas da pele.

Quando as moléculas dos princípios ativos

possuem tamanhos maiores, elas atuam

somente na superfície da pele. A consequência

dessa nova forma de ação é uma maior eficácia

com menores doses. A nanotecnologia é

apontada por muitos como uma oportunidade

para o Brasil aumentar de forma expressiva

sua competitividade tecnológica no mercado

mundial.

Equipe empreendedoraApesar de no Brasil as empresas ainda

não investirem muito em pesquisa e

desenvolvimento, essa é uma tendência

mundial e certamente logo atingirá nossas

indústrias. Não resta dúvida de que produzir

com inovação hoje é condição fundamental

para manter-se competitivo no mercado

mundial. O mesmo movimento deve ser

seguido pela Universidade. De olho nessa

tendência, pesquisadores como Nádia Raposo

e Adilson David já desenvolvem seu trabalho

com foco no setor privado.

Alterações da coloração da pele são uma preocupação constante entre a população. As hipercromias ou hiperpigmentações são a terceira causa de problema dermatológico com ocorrência em latinos

Ilustração: P

hillip D

oug

las

Seu tamanho subcelular permite que as moléculas sejam levadas até as camadas mais profundas da pele

As nanocápsulas protegem os ativos liberando-os gradativamente, de forma controlada e constante

Desta forma, a ação do produto atinge uma área maior, com resultados mais rápidos e ação prolongada. Sua ação é mais duradoura que os já disponíveis no mercado

Forma de ação das nanocapsulas

Page 37: Revista A3:03

37A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Na opinião dos pesquisadores, para trabalhar

com inovação é preciso ter um olhar

transformador, o que exige, principalmente,

técnica, recurso, persistência e criatividade. É

necessário desenvolver uma série de produtos

e não focar em uma possibilidade só. Além

disso, uma equipe bem formada é fundamental,

por isso, a necessidade de estimular o

empreendedorismo já entre os estudantes de

graduação.

“Adoro dar aula para a graduação, porque ali

podemos identificar os talentos. Tem aluno

que me acompanha desde o segundo período

da faculdade e já está trabalhando comigo no

doutorado. Fazemos parte de uma rede de

pesquisa, o que é muito produtivo para todos.

Sete alunos meus já registraram suas patentes

e alguns já montaram seu próprio negócio”,

conclui Nádia.

Nádia Rezende Barbosa Raposo

Doutora em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP); colaboradora da USP; professora adjunta da UFJF

www.niqua.ufjf.br

[email protected]

http://lattes.cnpq.br/4958736937529401

Adilson David da Silva

Doutor em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); dois pós-doutoramentos no Centre National de la Recherche Scientifique e um no Institute de Chimie Des Substances Naturelles; professor associado da UFJF

[email protected]

http://lattes.cnpq.br/1118396022753204

MAIS

O Skin Whitening é um produto baseado em nanotecnologia. A associação de dois poderosos princípios ativos, um de origem natural e outro sintético, lhe dá vantagens competitivas sustentáveis

PESQUiSa

Nádia Raposo e Adilson da Silva (ao centro) com a equipe formada por graduandos, mestrandos e doutorandos em Química, Ciências Biológicas, Ciências Farmacêuticas e Farmácia

Fo

to: M

arcelo V

iridiano

Estável Instável

Ação duradoura Não duradoura

Baixa toxicidade Potencial citotóxico e mutagênico

Não irritante Irritante

Nanocomplex X Hidroquinona e Ácido Kójico

Page 38: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201338

Os riscos dos estágios extracurriculares no exercício da Medicina

José Nalon de Queiroz*

A carreira de um

médico, legalmente,

inicia-se com a

conquista do Certificado de

Graduação em Medicina, com o

qual o novo profissional efetuará seu

registro no Conselho Regional de

Medicina do Estado onde pretende

atuar. Os estágios curriculares,

realizados durante o transcorrer do

curso, são essenciais na formação do

futuro profissional.

Entretanto, sob a alegação de que não

conseguiram praticar suficientemente e na

ânsia de buscar treinamentos diversificados,

muitos graduandos, erroneamente, recorrem aos

estágios extracurriculares. Tais iniciativas se fazem

de forma voluntária e aleatória, sem o conhecimento

das unidades formadoras, com a aquiescência de

diretores clínicos, gestores de saúde ou com

desconhecimento dos mesmos e sem a devida

supervisão médica nas unidades prestadoras de

serviços médicos à comunidade.

Dessa iniciativa particular surgem riscos e prejuízos

para alunos, instituições de ensino, instituições

assistenciais, médicos assistentes e comunidade.

Entre os inúmeros prejuízos advindos dessa

prática destacam-se: transgressão aos princípios

éticos e dispositivos legais ao constatar-se que

o aluno incorre em exercício ilegal da Medicina,

sujeito a sanções penais, e os médicos que

lhes delegam atividades assistenciais, sem

supervisão direta, tornam-se seus

cúmplices; riscos para a saúde e

integridade física dos membros da

sociedade ao se entregarem aos

cuidados de pessoas não

habilitadas para o exercício

profissional da Medicina; e

consequente desprestígio da

profissão médica, das unidades

formadoras (faculdades de Medicina) e

unidades assistenciais.

Para que tais práticas possam ocorrer de forma

adequada, sem riscos para quaisquer das

partes, deve-se observar o que existe em

termos de regulação, legislação e/ou

normatização.

Os estágios curriculares são regidos pela Lei nº

11.788/2008, pelo Decreto Lei nº 2080/96, pela

Resolução do Conselho Federal de Educação

de 4 de maio de 2009 e pelo Parecer Consulta

do Conselho Regional de Medicina de Minas

Gerais (CRMMG) nº 3817/2009, de 5 de outubro

de 2009.

Já para os estágios extracurriculares há os

Pareceres CRMMG de números 3478/2008, de

19 de dezembro de 2008; 3414/2008, de 9 de

março de 2008; e 3236/2006, de 11 de

dezembro de 2008.

Mas a regulamentação, possivelmente a mais

importante e útil para os que desejam estagiar

ou oferecer estágios aos graduandos, ocorreu

somente em 11 de fevereiro de 2011. Trata-se da

Resolução CRMMG nº 331/2011.

Portanto, os graduandos em Medicina devem

ficar atentos a essas normatizações para que

exerçam seus estágios de forma correta,

aproveitando ao máximo a experiência que

será essencial para a sua futura atuação

profissional.

Para entender mais essas normatizações, o

estudante pode acessá-las no site do Conselho

Regional de Medicina de Minas Gerais (http://

www.crmmg.org.br/).

* Professor adjunto IV do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Medicina da UFJF; 2º secretário do CRMMG; delegado do CRMMG em Juiz de Fora e Zona da Mata

SaÚdE

A3 - ABRIL A SETEMBRO/201238

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Page 39: Revista A3:03

39A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

OlHaR ESTRaNGEiRO

Durante minha estada na Universidade

Federal de Juiz de Fora (UFJF) em

maio deste ano, um jornalista me

perguntou o que era a cultura visual. Como

acontece nessas ocasiões, tem-se que pensar

em uma resposta rápida e compreensível para

um leitor que você desconhece. No texto em

que me enviou para revisar, traduziu minhas

palavras da seguinte maneira: “Consiste no

O campo da cultura visualFernando Hernández*

Tradução: Marcela Matamoros

resgate dos efeitos das nossas relações com o

que vemos em nós e nos outros. Quando eu

vejo algo ele também vê a mim e me faz de

outro jeito. Significa trabalhar a história da arte

de outra forma: ir além do artista e considerar

outros tipos de obras, também parte da

cultura, como publicidade, objetos de uso

cotidiano, moda, arquitetura, televisão,

arquivos históricos e familiares e tantas

representações visuais quantas o ser humano é

capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano

para a sala de aula, explorando a experiência

dos estudantes e sua realidade”.

Se resgato essa abordagem apressada e

telegráfica é porque ela contém três âmbitos,

os quais considero convergir em três conceitos

diferentes de cultura visual: um campo de

Ilustração: Joviana M

arques

39A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 40: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201340

estudo acadêmico de caráter multidisciplinar;

a denominação genérica que se dá aos objetos

e artefatos que conformam o visual (o que

vemos e como o tempo nos vê); e uma maneira

de entender e abordar as relações com as

representações visuais e técnicas do

observador desde a escola e outras instituições

pedagógicas.

O que tem em comum estas três abordagens é

que nelas a visão (o ato de ver) não é somente

um processo de percepção, mas uma

manifestação cultural e de comunicação.

Manifestação que não é redutível a ser

explicada nos mesmos termos da linguagem

falada e escrita. Pois, aqui, o visual atua como

um espaço de interação social e de constituição

de subjetividades em termos de classe social,

gênero, sexo, etnia, religião.

A partir dessas bases pode-se considerar a

cultura visual como um espaço de práxis

relacional que tem lugar, que se “performatiza”

a partir da construção de relatos que refletem

as visões subjetivas - e, portanto, culturais -

dos visualizadores. O que tem levado a

considerar as imagens e outros artefatos

relacionados com configuração de visão de um

ponto de partida para investigar em torno de

duas questões: as visões culturais que

propiciam as imagens e artefatos da cultura

visual quando se colocam em relação - entre

elas e com os sujeitos -; as experiências de

subjetividade que mediam e possibilitam.

Situar-se a partir dessas premissas supõe um

convite a investigar a cultura visual a partir do

cruzamento entre o que seria uma perspectiva

cultural - o que chamaríamos de visibilidade - e

das práticas de subjetividade que se vinculam

e de como os artefatos da cultura visual tomam

forma e são apropriados por quem vê e é visto.

Pedagogias

Essa perspectiva permite questionar pelo

menos dois pressupostos presentes nas

abordagens da cultura visual de instituições de

ensino. A primeira é a que considera que a

cultura visual são os objetos e artefatos visuais

que nos rodeiam e com os quais interagimos.

Frente a esta posição, o relevante das

pedagogias da cultura visual não são os

objetos que selecionamos e para os quais

vamos, e sim as relações que mantemos com

eles. A segunda posição põe em suspenso –

para problematizá-la a noção de produtores da

cultura visual dos indivíduos na medida em

que não se trata somente de fazer com, mas

sim de ser com as representações e artefatos

da cultura visual.

Isso leva, no campo das pedagogias

relacionadas com as artes visuais, a considerar

uma noção ampliada da arte e da autoria. Há

poucos anos, as referências artísticas que

serviam de exemplos para a educação das

artes apareciam vinculadas a um território

expressivo e plástico que a arte contemporânea

fazia tempo que tinha atravessado. Da mesma

maneira, a noção de artista vinculada nessas

referências tinha sido contestada por práticas

artísticas colaborativas, etnográficas,

relacionais, que não desenham a noção de

autoria e que aportavam estratégias sugerentes

para a educação das artes visuais.

Dessa maneira, as pedagogias da cultura visual

se convertem em uma oportunidade para

gerar relatos alternativos que possibilitem

expandir o sentido da educação das artes

visuais e do que acontece na escola e em

outras instituições educacionais como museus,

os meios de comunicação, nos leva a considerar

as relações como um espaço central para

explorar, debater e gerar relatos visuais e

performáticos que dialogam e respondem aos

hegemônicos. O que reafirma a opção de que

a cultura visual além de falar de outro lugar da

arte - e de outras práticas de visualização -

também impulsa a realização de projetos e

práticas geradas como processos de

investigação e emancipação.

Uma proposta pedagógica desde a cultura

visual assim entendida pode ajudar a

contextualizar os efeitos do olhar, e através de

práticas críticas (questionando os efeitos

sobre nossas subjetividades) explorar as

experiências (efeitos, relações, sentimentos)

em torno de como o que vemos nos conforma:

nos faz ser o que outros querem que sejamos e

poder elaborar respostas emancipadoras

frente ao efeito dessas visões. O que nos abre

para um campo de investigação que nos

convida a encontrar, explorar, investigar e

projetar as vibrações e ressonâncias entre as

imagens (e destas com os sujeitos

visualizadores).

As pedagogias da cultura visual são

configuradas como um espaço para explorar e

produzir alternativas não só sobre o papel das

artes visuais na escola, mas em torno da função

e sentido de aprender em uma escola que

exige uma mudança radical em sua história.

* Professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona (Espanha)

OlHaR ESTRaNGEiRO

Fernando Hernández esteve em Juiz de Fora, em maio de 2012, para participar de evento no Colégio de Aplicação João XXIII

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A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201340

Page 41: Revista A3:03

41A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Seminário leva à reflexão sobre o tradicional fazer universitário

FERNANDO LOBO

Repórter

Desde que foi criado, em 2011, o seminário

Repensar a Universidade, renovar a

prática acadêmica, teve como um

dos objetivos principais propor uma reflexão

sobre as questões mais gerais que desafiam

o tradicional fazer universitário. Idealizado

e realizado pela Pró-reitoria de Graduação

(Prograd) da Universidade Federal de Juiz

de Fora (UFJF), com apoio da Secretaria de

Comunicação (Secom) e da Pró-reitoria de

Extensão (Proex), o seminário procura discutir,

junto à comunidade universitária, temas

que possibilitem a todos pensar uma nova

universidade que vive, pulsa, pensa e existe.

Para o organizador do evento e pró-reitor

de Graduação, Eduardo Magrone, há anos a

UFJF está deixando de ser uma instituição

voltada quase que exclusivamente para a

formação profissional de uma elite técnica em

nível superior e passando a se dedicar mais

à pesquisa e à pós-graduação. Segundo ele,

não faz muito tempo que as atividades de

extensão também marcaram positivamente

um período da história da UFJF. Todo este

movimento, acompanhado da expansão e da

reestruturação da graduação, da presença do

ensino a distância, da mudança nos processos

seletivos para ingresso, entre outros aspectos,

fez com que a UFJF questionasse na prática

procedimentos e valores cristalizados por

décadas de um fazer universitário tradicional.

“Eu não tenho dúvidas que a Universidade

hoje vive, pulsa, pensa e existe. Porém, não sei

se isto está acontecendo na medida em que

o ritmo de nossa época exige. No entanto, é

fato que não estamos parados. Disso, eu tenho

certeza.”

O pró-reitor de Extensão da UFJF, Marcelo

Dulci, ressaltou que a universidade, como

espaço de reflexão crítica, está em uma crise

enorme. Para ele, os problemas do mundo

globalizado se avolumam, mas os rumos a

serem tomados, inclusive pela universidade,

ficam cada vez menos claros. A academia, que

sempre se destacou na discussão dos impasses

e soluções, tornou-se, nas últimas décadas, no

Brasil e no mundo, de alguma forma, em mais

uma fonte de tais problemas, graças, conforme

ele, ao fato de a criação científica e a produção

tecnológica do mundo universitário estarem

instrumentalizadas por uma razão de mercado

“cega” (ou quase isso) aos outros aspectos da

vida social – interesses materiais das maiorias,

a cultura como expressão da diversidade

humana, a sustentabilidade do planeta e o

respeito à democracia. “Todos nós estamos

sendo arrastados para um produtivismo de

qualidade mais do que duvidosa. Faz-se

necessário resgatar e fortalecer aquela parte da

nossa trajetória acadêmica de compromissos

políticos progressistas e populares, assim

como, também, colocar nossa imaginação e

criatividade científicas a serviço da civilização

em sentido amplo e não da barbárie materialista

em sentido restrito.” Ele afirmou, ainda, que a

universidade só tem alcançado esta “meta”

de forma incompleta. Para ele, a comunidade

universitária vive em uma “redoma”, em um

espaço pouco crítico e extremamente elitizado.

Reverter tal “tendência” é o principal desafio

pessoal e institucional, o que torna essencial o

ato de se “repensar a universidade”.

Uma das conclusões do seminário é que, até

hoje, nenhuma universidade conseguiu atender

a todas as classes de maneira igual. E isto ficou

claro com a apresentação do líder indígena

Ailton Krenak e do fundador do curso pré-

vestibular Educafro, Frei David, na segunda

edição do seminário realizada em 2012. Krenak

expôs a relação entre a universidade brasileira e

os índios. Com raras exceções, só recentemente

foram criados cursos voltados às nações

indígenas mas, mesmo assim, a presença de

índios em cursos superiores ainda é mínima e,

na sua visão, a causa é o distanciamento entre

a academia, voltada às questões teóricas, e os

índios, com sua cultura e tradições orais. Ele

defendeu que se deve buscar um meio termo

entre estes dois mundos. Frei David lembrou

que, apesar da melhoria nos níveis médios de

Entre as conclusões de especialistas, está o fato de que, até hoje, nenhuma universidade conseguiu atender a todas as classes de maneira igual

REPENSaR a UNiVERSidadEF

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Do

rnelas

Construção do Campus da UFJF na década de 1960

Page 42: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201342

escolaridade de brancos e negros ao longo

dos anos, o padrão de discriminação, isto é,

a diferença de escolaridade dos brancos em

relação aos negros, mantém-se estável entre as

gerações. Portanto, a solução seria fazer valer,

de fato, o sistema de cotas nas universidades

(o que foi aprovado pelo Congresso em agosto

último).

Magrone indicou que a verdadeira avaliação de

tudo o que a comunidade acadêmica fez, até

agora, será realizada pelas futuras gerações

de professores, funcionários, alunos e pela

sociedade em geral. “É muito difícil afirmar

hoje, com um grau elevado de certeza, que

estamos ou não estamos no rumo certo.” Ele

considerou que, para prosseguir no caminho

proposto por toda essa discussão e errando o

menos possível, faz-se necessário abrir ainda

mais a universidade e favorecer o debate

interno e com a comunidade, desburocratizar

todos os procedimentos de avaliação na e

da instituição, exercer de fato a autonomia

perante o Estado, os agentes econômicos e os

movimentos sociais.

Já a professora da Universidade Paris VIII,

Anne-Marie Autissier - que também participou

da segunda edição do seminário -, disse que a

atual situação do ensino tanto no Brasil (onde

as universidades federais enfrentaram uma

longa greve este ano) como na França, com

a proposta do governo de organizar estudo

sobre o ensino superior, mostra que a maioria

das universidades está ansiosa sobre seu futuro,

principalmente com relação aos recursos para

ensino e pesquisa. Anne-Marie afirmou que,

por meio do Processo de Bolonha, bem como

de diversas reformas realizadas em vários

países europeus, a principal preocupação é

a de se ter um modelo global dominante de

atrair um jovem talentoso para os cursos de

Licenciatura. Não somente a carreira e os salários

são pouco atraentes, mas também o ofício

de ensinar no Brasil parece crescentemente

associado ao fracasso social e profissional do

indivíduo. Para a professora associada da UFJF

e palestrante do seminário, Maria da Assunção

Calderano, o posicionamento da universidade

precisa ser entendido no contexto macro e

micro, ao mesmo tempo, pois pouco ou nada

adianta ter um posicionamento crítico, se este

for inoperante. “Considerando a multiplicidade

de pensamento presente na universidade

- não existe pensamento único - tornam-

se necessárias iniciativas institucionais que

busquem superar os hiatos nas comunicações

entre universidade, escola e políticas

educacionais, de modo a, permanentemente,

exercitarmos a difícil e imprescindível tarefa

de examinarmos com cuidado a vida real

e extrairmos as demandas dessa realidade,

buscando atender aos desafios impostos

e propor alternativas para um processo de

formação docente – inicial e contínua para

professores da escola básica e da universidade.

Nesse processo de formação contínua, deve-se

reconhecer a importância do conhecimento

epistemológico, filosófico e metodológico,

tendo em vista o propósito educacional: a

propiciar-se criticamente do conhecimento

historicamente acumulado e transformar esse

conhecimento a favor da melhoria da condição

humana.” Maria da Assunção ressaltou que a

universidade cumprirá seu papel à medida que

refletir conjugadamente e apresentar subsídios

para as políticas educacionais, conciliando

melhorias das condições de trabalho, ensino e

aprendizagem nos diferentes setores da escola

básica e da própria universidade.

mercado para as universidades, lidando com

entrada de recursos privados para a pesquisa,

cursos fortemente ligados ao mercado de

trabalho e uma capacidade de acolhimento

de estudantes estrangeiros. “Claro que a

universidade tem de mudar, tem que ser mais

eficiente para a preparação de novas gerações.

Mas ela (a universidade) deve também

relacionar a pesquisa com as necessidades

sociais, principalmente no campo das ciências

sociais e humanas. No entanto, este ponto de

mudança necessita de uma discussão de longo

prazo.”

Uma outra preocupação levantada durante

o seminário foi com relação à formação de

professores, principalmente para ensino médio

e que, segundo Magrone, já apresenta um

colapso em algumas áreas de conhecimento.

A verdade, no seu entender, é que à docência

é hoje reservado um lugar simbolicamente

desqualificado no interior das universidades

brasileiras. “Está ficando cada vez mais difícil

“Claro que a universidade tem de mudar, tem que ser mais eficiente para a preparação de novas gerações. Mas ela (a universidade) deve também relacionar a pesquisa com as necessidades sociais, principalmente no campo das ciências sociais e humanas”

(anne-Marie autissier, professora da Universi-dade Paris Viii)

REPENSaR a UNiVERSidadE

Ailton Krenak, Frei David e Anne-Marie participaram da segunda edição do Seminário Repensar a Universidade

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Page 43: Revista A3:03

43A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

abertura de novos negócios e vagas, obrigando

Valadares a se manter sem as remessas men-

sais de dólares. Nos seis primeiros meses de

2012, a variação de emprego no município foi

de 6,16%, contra a média brasileira de 2,76%.

Em comparação ao mesmo período de 2011,

Governador Valadares criou 2.362 vagas a mais

em 2012.

Para o cientista social e pró-reitor de Extensão,

Marcelo Dulci, respeitadas as diferenças, é pos-

sível projetar resultado semelhante ao de Juiz

de Fora em Governador Valadares. “Na década

de 1970, quando enfrentávamos um forte declí-

nio industrial, a UFJF teve papel essencial para

a retomada do desenvolvimento da cidade.”

Segundo ele, a mudança no perfil econômico

de Juiz de Fora, baseada na grande oferta de

serviços, é consequência direta da presença da

instituição. Em Governador Valadares a situa-

“Imagine Juiz de Fora sem a UFJF. O que

seria da cidade sem a instituição?”, su-

gere o diretor da Faculdade de Econo-

mia, Lourival Batista de Oliveira Júnior. Embora

seja um município de porte médio, com 517 mil

habitantes e economia diversificada, a cidade

polo da Zona da Mata Mineira vem percebendo

o impacto da permanência de uma universida-

de pública federal em processo de expansão.

Poderia o Campus Avançado da Universidade

Federal de Juiz de Fora (UFJF) promover algo

semelhante em Governador Valadares?

Localizada a 464 quilômetros de Juiz de Fora,

no Leste Mineiro, a cidade conhecida nacional-

mente como a que mais envia brasileiros aos

os Estados Unidos passa por um período de

transformação da economia. A crise america-

na fez com que o movimento de retorno dos

imigrantes à cidade natal contribuísse para a

ção se difere, pois a região de atividade rural

demorou mais a fazer essa transição para uma

economia urbana, talvez por ter conseguido se

sustentar por algum tempo com os dólares de

quem estava no exterior.

O pró-reitor participou de 20 reuniões com re-

presentantes da sociedade civil do município e

percebeu na população a expectativa de que o

novo campus seja um instrumento de acelera-

ção desse movimento de mudança econômica

e cultural. Para o professor Lourival Júnior, tal

expectativa é bastante plausível. “Só os empre-

gos diretos gerados pela própria Universidade

já são um fator. Compõem o que chamamos

de empregos de qualidade, pois o requerimen-

to mínimo para estar em uma universidade, no

caso de docentes, é ter doutorado ou mestra-

do, e porque esse público possui demandas

específicas, de serviços e outros negócios da

CAROLINA NALON e RAUL MOURÃORepórteres

Campus avançado impulsionará resgate econômico e cultural de Governador Valadares instalação do campus injetará mais de R$ 150 milhões na construção da cidade universitária e na compra de equipamentos. Somente para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões. a nova unidade será erguida na área de antiga fazenda de 533 mil metros quadrados, a quatro quilômetros do Centro

EXPaNSÃO

Reitor Henrique Duque (à esquerda) descerra a placa de lançamento da pedra fundamental do primeiro campus avançado da UFJF

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Page 44: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201344

cidade.” No campus sede, em Juiz de Fora, são

mais de 2.380 professores e técnico-adminis-

trativos efetivos. No avançado, a quantidade

pode chegar a 566 em cinco anos.

A partir dos novos cursos abertos, segundo

Lourival Júnior, estão sendo criadas oportu-

nidades para formar capital humano. “A UFJF

tem uma respeitabilidade construída no ce-

nário nacional, pelo que já conseguiu maturar.

Mesmo sendo de outro campus avançado, nos-

so profissional será certificado pela qualidade.”

A disposição de capital humano é uma das

condições para intensificar a atração de inves-

timentos para uma região e elevar seu desen-

volvimento socioeconômico.

Na via contrária, Governador Valadares tem

também muito a ensinar, garante Marcelo Dul-

ci. “Podemos aprender com a experiência de-

les no setor rural e agrícola e transpor esse co-

nhecimento para nossos projetos, abrindo no-

vas áreas de pesquisa e extensão.” Hoje, a UFJF

já possui cursos que trabalham indiretamente

para o setor, como os de Engenharia Sanitária

e Ambiental, Nutrição e Farmácia. “O campus

avançado nos torna mais cosmopolitas e ar-

rojados em todos os campos do pensamento

científico. Mas, acima de tudo, nos faz repensar

nossa relação com o outro. Essa é uma grande

vantagem porque permite que percebamos,

com mais clareza, os problemas próprios da

Zona da Mata.”

InfraestruturaA instalação do campus injetará mais de R$

150 milhões na construção da cidade univer-

sitária e na compra de equipamentos. Somen-

te para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões.

O campus avançado será erguido na área de

uma antiga fazenda de 533 mil metros quadra-

dos, a quatro quilômetros do Centro, doada à

UFJF. Será preciso construir vias, pavimentar,

iluminar, incluir sistemas de telefonia e fazer

terraplanagem. Estão previstos blocos de sala

de aula, biblioteca e laboratórios, restaurante

universitário, prédio administrativo, lago, cen-

tro de esportes e pista para caminhada. A nova

unidade terá capacidade inicial para quatro mil

alunos e deverá ser concluída em dois anos. “A

implantação do campus é um meio de a UFJF

cumprir não só seu compromisso com a edu-

cação, como também com outros fundamen-

tos sociais inerentes a uma universidade, a fim

de contribuir para o desenvolvimento do Leste

Mineiro e, por conseguinte, Minas Gerais. A ins-

talação da nova unidade é o maior desafio de

meu segundo mandato”, afirma o reitor Henri-

que Duque.

Até o fim das obras, as aulas acontecerão na

sede de uma faculdade na região central de

Valadares. O prédio foi alugado e adaptado

para as necessidades da UFJF: ganhou gabine-

tes para professores; infocentro com 40 com-

putadores, conectados à internet; e laboratório

para cursos de saúde com 40 microscópios

novos. Uma parceria permite a alunos de Me-

dicina utilizar o laboratório de anatomia recém

-equipado de uma universidade local. Foram

investidos R$ 610 mil nas adaptações e aqui-

sições de materiais. As aulas estão a cargo de

33 professores efetivos, acompanhados de 16

técnico-administrativos em educação. Em ja-

neiro e fevereiro de 2013, mais 60 profissionais

serão selecionados, por meio de novos editais

de concursos ou pelo aproveitamento de clas-

sificados em processos anteriores.

Para o pró-reitor de Planejamento, Carlos Elizio

Barral, a instalação e gestão do novo campus

são auxiliadas pela experiência bem-sucedida

da UFJF na execução das metas do Programa

de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (Reuni)

– a Universidade foi a que mais cumpriu o

cronograma orçamentário – e na ampliação da

instituição por meio de recursos obtidos pela

Administração Superior. Um dos objetivos na

coordenação do campus é fazer da palavra

integração um instrumento de sobrevivência

e de manutenção da qualidade. “Vamos fazer

reuniões permanentes, com cronogramas

definidos de negociações e conversas entre

docentes. Professores de Juiz de Fora

manifestaram interesse em ministrar palestras,

minicursos na nova unidade, e os de Valadares

poderão participar de atividades da sede.”

EXPaNSÃO

Campus avançado priorizará sustentabilidade, com coberturas verdes e estação de tratamento de efluentes

Page 45: Revista A3:03

45A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). Ele

foi aprovado em primeiro lugar no grupo A,

de candidatos autodeclarados negros prove-

nientes de escola pública. Oliveira terminou o

ensino médio em 2005 e estudava em uma fa-

culdade particular da cidade. Com a aprovação

na federal, encerrou a matrícula. “Já tinha lido

matérias elogiando bastante o curso. Acho que

vou estar no meio de feras e isso vai ser muito

bom.” A Faculdade de Direito tem o melhor ín-

dice de aprovação do país no exame da Ordem

dos Advogados do Brasil (OAB).

Mas as expectativas não giram apenas em tor-

no da formação intramuros. De acordo com o

“A implantação é um meio de a UFJF cumprir não só seu compromisso com a educação, como também com outros fundamentos sociais inerentes a uma universidade, a fim de contribuir para o desenvolvimento do Leste Mineiro e, por conseguinte, de Minas Gerais”

(Reitor Henrique Duque)

Vagas: 750 anuais, com possibili-dade de aumento para 850.Cursos: Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Farmácia, Fisioterapia,Medicina, Nutrição e Odontologia.Ingresso: Sisu (pelo Enem) e Pism (programa seriado)

Campus AvançadoGovernador Valadares

Mais acessoO ensino superior de Governador Valadares es-

tava concentrado em faculdades privadas, no

campus do Instituto Federal de Minas Gerais

(IFMG) e em opções de graduação a distância.

A chegada da UFJF amplia o acesso da popu-

lação ao diploma, dando uma nova perspectiva

aos estudantes que concluem o ensino médio,

especialmente, aos de condição socioeconô-

mica desfavorecida. “Certamente a política de

cotas da Universidade, na qual é preciso estu-

dar, pelo menos, sete anos em escola pública,

será um dos grandes benefícios para nossos

estudantes”, avalia a secretária municipal de

Educação, Dalva Mendes Marcos Rabelo.

Segundo ela, a Secretaria Municipal de

Educação já iniciou reuniões com as escolas

para incentivar os professores na busca

pela aprovação de seus alunos na federal.

“Queremos que eles concorram com qualidade

e entrem (na Universidade) não como um

favor, mas por direito”. Para Dalva, o novo

campus obriga a prefeitura a aprimorar ainda

mais a educação na cidade.

O estudante Brenno Soares Oliveira, aprovado

no curso de Direito, pensou na possibilidade

de transferência do atual emprego para Juiz

de Fora, para estudar na UFJF. “Com a abertu-

ra do campus em Governador Valadares, nem

precisei”, ressalta o técnico-administrativo do

coordenador do Centro de Informação e As-

sessoria Técnica (Ciaat), Antônio Carlos Linha-

res Borges, há uma demanda por qualificação

profissional, principalmente em pequenos se-

tores de produção que já foram mais impor-

tantes, como o de costura. “Uma das principais

esperanças está na possibilidade de que a

Universidade capacite melhor os profissionais

quanto ao associativismo e ao cooperativismo,

muito importantes para as comunidades rurais

e urbanas atendidas por nós.” A organização

não-governamental, que visa a geração de

renda de forma coletiva e solidária por meio

de projetos sociais, já beneficiou cerca de 500

famílias da cidade e da região. A UFJF preten-

de começar a fazer parte desse movimento e

iniciou contato com a Cooperativa Rio Limpo,

produtora de sabão ecológico. No campus

sede, em Juiz de Fora, a Universidade tem a In-

cubadora Tecnológica de Cooperativas Popu-

lares (Intecoop), uma iniciativa bem-sucedida

na cidade.

O pró-reitor Marcelo Dulci espera que, com as

aulas em andamento, os professores subme-

tam seus projetos e envolvam os alunos nas

atividades, fazendo da extensão parte da cul-

tura do novo campus desde o início. Segundo

Dulci, 20 bolsas serão disponibilizadas ainda

em 2012 com esse objetivo e, para 2013, a ex-

pectativa é abrir de 30 a 40 bolsas, dependen-

do do interesse dos professores.

EXPaNSÃO

Fo

to: A

lexandre D

ornelas

Page 46: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201346

Qual é a classe do samba?Tese de professor da UFJF, premiada pela Capes, analisa a trajetória do samba e do choro, chegando a conclusões curiosas sobre a diversidade de classes sociais e culturais que habitam os gêneros musicais mais representativos da identidade nacional

BÁRBARA DUQUERepórter

Ritmo nacional por excelência, o samba

é amplamente debatido, inclusive no

meio acadêmico. Na busca pela expli-

cação da formação deste símbolo, historiado-

res, jornalistas, músicos, cientistas sociais e

pesquisadores estudam esse gênero transfor-

mador da cultura popular em cultura nacional.

Questões que permeiam esse identificador

nacional nortearam a melhor tese de Sociolo-

gia, segundo a Coordenação de Aperfeiçoa-

mento de Pessoal de Nível Superior (Capes),

defendida em 2010. O autor e professor de

Sociologia das Artes e Introdução à Sociologia

dos cursos de Direito e Economia da Universi-

dade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Dmitri

Cerboncini Fernandes, recebeu o prêmio em

julho de 2012. Intrigado com questões sobre

como um só ritmo é capaz de abrigar persona-

gens tão díspares como o samba, o trabalho “A

Inteligência da Música Popular, a ‘autenticida-

de’ no samba e no choro” desvenda qual é sua

verdadeira classe.

Para estudar as relações sociais que estrutu-

ram o domínio do samba e do choro, desenvol-

veu trabalho rico de histórias que entrelaçam

trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e

críticos em uma análise sócio-histórica da as-

censão da música popular urbana brasileira e

suas contradições.

A sua busca começou no século XIX, resgatan-

do onde e como essa história começou, pas-

sando por personagens que traçaram esses

rumos, levando o samba a um sectarismo do

erudito versus popular. Na década de 30,

quando o amálgama do gênero se formou, ini-

ciaram-se as disputas de quais seriam os artis-

tas e as obras adequados ao desempenho de

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201346

TESES E diSSERTaÇÕESTESES E diSSERTaÇÕESF

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Page 47: Revista A3:03

47A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

representantes do samba. A partir de então, foi

necessário estabelecer padrões para regular o

que seria regional ou nacional; bom ou ruim;

belo ou feio; autêntico ou inautêntico; e quem

seriam as personagens desse elenco de “for-

madores de opinião” que traçaram os rumos

da categorização do samba, gerando, nos anos

90, uma polarização hierarquicamente distinta.

Nacionalização do samba

A delimitação inicial dos gêneros musicais bra-

sileiros se deu desde o último quartel do século

XIX, quando estilos desiguais se fundiram. De

um lado, padrões europeus, como polka, xote,

valsa e habanera e, de outro, estilos nativos, do

meio rural ou urbano, como jongo, modinha,

batuque, cateretê, alguns definidos como rit-

mos da senzala. Essa disparidade geraria um

híbrido que, à frente, seria chamado de samba,

quando canção versificada, e choro, quando

instrumental.

Alguns personagens reformaram os estilos re-

cém-chegados e rejuvenesceram os existentes.

Conferiram ar de distinção às consideradas

baixas manifestações culturais, acrescentando

ornamentação erudita às composições. Esses

nomes ocupavam posições indefinidas na so-

ciedade: nem brancos, nem negros; nem erudi-

tos, nem populares; nem chancelados, nem

deslegitimados; representando um elo neste

cenário. A presença deles nos eventos mais fi-

nos era enobrecedor, pois tinham contato com

figuras mais desprestigiadas. Entre os princi-

pais nomes, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gon-

zaga, Joaquim Calado e Anacleto de Medeiros.

Surgiu, então, nas três primeiras décadas do

século XX, uma cultura popular lato sensu di-

fundida por veículos de comunicação. Novida-

des da época como o rádio e as novas tecnolo-

gias de reprodução de discos, além de teatro

de revista, jornais e revistas, passaram a divul-

gar notícias antes renegadas. Na década de

30, no Governo Getúlio Vargas, o momento

carecia de unificação simbólica. Foi, então,

bem visto um elemento nacional-popular nas

artes como grande conciliador, por isso, a as-

censão do samba, elevado ao status maior.

Porém, essa unicidade geraria discordâncias e

tensões insolúveis. As principais seriam quanto

à forma correta de reprodução, assim como a

natureza territorial das origens dessa arte.

Como bem definiu Fernandes, “estava aberta a

contenda pela paternidade, origem e ‘correta’

manutenção do samba”. Nomes importantes

protagonizariam o debate: os compositores

Noel Rosa e Assis Valente ressaltavam essas

questões em suas letras; e os jornalistas Va-

galume e Orestes Barbosa em livros, como o

“Samba: sua história, seus poetas, seus músi-

cos e seus cantores”, de Barbosa. Naquele

momento estava eleito o Rio de Janeiro, capital

federal, como berço do samba. A grande cisão

ficava por conta do morro versus cidade, “arte-

sanal-autêntico-comunitário” versus “comer-

cial-inautêntico-individualista”. E sobre quem

seriam os legisladores que defenderiam a mú-

sica popular urbana tida como pura e autênti-

ca, para resguardar o legado de ouro, a música

popular, contra distorções menos autênticas.

Além da mídia, personagens como Almirante e

Jacob do Bandolim defenderam a legitimidade

do samba e do choro. Mais à frente, Hermínio

Bello de Carvalho, Tinhorão e Sérgio Cabral,

apoiados por instituições como Funarte e Mu-

seu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,

elegeriam como inimigos a ditadura e as “alie-

nações internacionais” que assombraram nos

anos 60 e 70.

Já no final da década de 70, brancos,

universitários, conhecedores da teoria musical,

de famílias remediadas de São Paulo, marcaram

a modificação do samba paulista,

simbolizando-o como elemento distintivo da

cultura popular. O movimento teve origem

com Adoniran Barbosa, elevado a maior

sambista de São Paulo, e suas parcerias com

compositores da classe média. Apesar disso, o

que poderia se tornar uma produção popular

autêntica em São Paulo não aconteceu no

momento em que deveria por outras razões,

como falta de legisladores especializados em

samba paulista nos anos 30, momento de

definição simbólica do gênero. O samba que

representaria São Paulo ficou geneticamente

vinculado aos meios de reprodução comercial.

A maior preocupação dos chamados represen-

tantes “verdadeiros” da música popular e de-

fensores da autenticidade do samba era reafir-

mar o descompromisso com o sucesso comer-

cial. Apesar das diferenças claras entre um

subgênero do samba e outro, como uso de

instrumentos diferentes, levada rítmica especí-

fica e velocidade característica, quem corrobo-

rava a “autenticidade” eram os críticos e os

especialistas. Apesar de essa taxação já acon-

tecer no florescer do movimento, como no

caso do samba-jóia, de Benito de Paula, desva-

lorizado desde o início, e o partido alto, enalte-

cido, as opiniões sobre os músicos podiam

mudar, havendo promoção de status, desde

que não cometessem sacrilégio.

Quanto mais indefinido um artista se colocasse

no início da carreira, mais fácil obter glamouri-

zação. Entre os músicos que passaram por

essa mudança, Beth Carvalho, Adoniran Bar-

bosa e Clara Nunes. Zeca Pagodinho e outros

mais, afilhados de Beth Carvalho, iniciaram

novo subgênero, evoluindo para o “pagode

comercial”, considerado heterodoxo pela críti-

ca, gerando lucros jamais vistos até então. O

rótulo de invencionice e malandragem visando

lucro sempre estigmatizou o pagode.

O samba que tematizava o papel do negro na

sociedade, fruto de fatores que incluíam ações

afirmativas originadas nos anos 70, teve como

representantes Nei Lopes, Martinho da Vila e

Candeia. Já na década de 80, Fundo de Quintal

foi o precursor de grupos paulistas como Raça

Negra e Negritude Júnior que obtiveram su-

cesso inimaginável, desvirtuando o viés politi-

zado dos pioneiros. Esse novo som obteve as

piores classificações da crítica, acusado de ser

teleguiado por produtores norte-americanos,

reforçando o antigo estereótipo dado a São

Paulo como “o túmulo do samba”. Embora a

rixa entre Rio e São Paulo tenha se reafirmado

com o samba, tanto cariocas, “donos” do au-

têntico samba, e paulistanos, responsáveis

pelo samba comercial, experimentaram recor-

des de vendas, entre 1995 e 2005, como os

cariocas Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e

Molejo; e os paulistanos Art Popular, Exalta-

samba e Negritude Júnior. Mesmo sabendo

Para estudar as relações sociais que estruturam o domínio do samba e do choro, docente desenvolveu trabalho rico de histórias que entrelaçam trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e críticos em uma análise sócio-histórica da ascensão da música popular urbana brasileira e suas contradições

47A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

TESES E diSSERTaÇÕES

Page 48: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201348

que muitos grupos de “neopagode”, represen-

tantes da inautenticidade do samba, eram do

Rio de Janeiro, a crítica taxava o movimento

como oriundo de São Paulo, reforçando que no

samba os grupos se igualam e se separam de

forma radical.

Pesquisa

Para finalizar o trabalho, Fernandes expôs os

resultados do cruzamento de dados da investi-

gação para a tese e informações de pesquisa

Ibope sobre audiência de rádio entre 94 e 99.

Na sua pesquisa foram aplicados 160 questio-

nários em quatro casas de espetáculos no Rio

e quatro em São Paulo. O intuito foi revelar

possíveis tendências dos públicos frequenta-

dores de cada local visitado, estabelecendo

coordenadas importantes às hipóteses nortea-

doras do trabalho.

“Acredito que dei conta de problemas não

atentados pela literatura especializada. Ao

mesmo tempo, revelei aspectos de interesse

para apreciadores desses gêneros. Foi impor-

tante apresentar a constituição histórica e o

funcionamento da linguagem usada pela críti-

ca, que também estrutura a cabeça de músi-

cos, compositores e público. Por outro lado,

relacionei esses achados com suas funções

sociais, como conectar conceitos de ‘autentici-

dade’ e ‘inautenticidade’. Assim, compreendi

porque uma classe média escolarizada tende a

usar como marcador de sua posição social o

amor pelas músicas julgadas mais ‘autênticas’,

como o choro ou o samba tradicional. Já as

camadas subalternas tendem a um gosto mal-

visto pelas superiores, consumindo músicas

erotizadas e sem a tradição do gênero. Espero

ter mostrado que as músicas tidas como as

mais brasileiras, só poderiam ter se conforma-

do no Brasil, país de uma riqueza imensa, em

todos os sentidos, só comparável à sua pobre-

za, em todos os sentidos”, resume Fernandes.

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201348

TESES E diSSERTaÇÕES

Dmitri: “Acredito que dei conta de problemas não atentados pela literatura especializada”

Fo

to: F

rederico

Bo

za

Dmitri Cerboncini Fernandes

Professor Adjunto I do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF (PPGCSO - UFJF); doutor em Sociologia e pós-doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); líder do grupo de pesquisa do CNPq “Música Popular e Intelectuais”

http://www.ufjf.br/ppgcso

Leia a tese na íntegra: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-15092010-171819/publico/2010_DmitriCerbonciniFernandes.pdf

MAIS

Page 49: Revista A3:03

49A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Democracia digitalCícero Inacio da Silva *

Com a realização das eleições

municipais, o mundo digital começou

a aparecer como algo positivo na

pauta dos candidatos. Contudo, a série “Black

Mirror, lançada em 2012 pela rede pública de

TV Britânica Channel 4, vem polemizando

acerca do “poder das redes sociais”. O roteirista

da série, Charlie Brooker, descreve os motivos

que o levaram a elaborar uma das maiores

críticas aos sistemas de redes sociais já

realizadas. Diz ele que estamos nos tornando

zumbis controlados por gadgets que nos

dizem o que comer, como chegamos a algum

lugar e quais as “recomendações” para o nosso

dia a dia. Brooker vai ainda mais longe e critica

os modelos das redes sociais e dos softwares

que, em tese, deveriam nos ajudar a interagir

com o mundo, afirmando, inclusive, que certo

dia teve uma crise de pânico e que chegou a

pedir ajuda para o Siri, o sistema de

reconhecimento de voz do Iphone da Apple,

que é capaz de “conversar” com você, e

realizar agendamentos e ligar para seus

contatos, entre outras funções, tudo ao

comando da nossa voz.

No episódio chamado “The National Anthem”,

uma princesa Inglesa é sequestrada e a única

demanda para soltá-la é que o primeiro

ministro da Inglaterra faça sexo ao vivo com

um porco e que a relação seja televisionada

por todas as emissoras de TV em rede nacional.

O vídeo com a demanda aparece pela primeira

vez no Youtube. O primeiro ministro e o serviço

de inteligência mandam tirar o vídeo do ar

depois de 12 minutos. Contudo, mais de 50 mil

pessoas já haviam assistido ao vídeo e ele se

duplica por servidores ao redor do mundo com

uma velocidade impossível de ser controlada.

As redes sociais ampliam a divulgação do

vídeo, tuítes, posts, likes, entre outras formas

de disseminação da informação prosperam à

velocidade da luz e o governo não consegue

mais controlar a sua propagação.

O que acontece depois eu não vou revelar, mas

o que posso adiantar é que a massa “vota” e

“aprova” que o primeiro ministro britânico,

para salvar a princesa, realize o coito com um

porco em rede nacional. Essa metáfora que o

* Coordenador do Grupo de Estudos do Software; pesquisador e professor adjunto da UFJF

diretor da série usa para nos provocar poderia

ser transposta para os dias de hoje em qualquer

situação. Imagine que um fato parecido com

esse aconteça e que as redes sociais assumam

um papel proeminente na “acusação” ou na

“defesa” da veracidade desse acontecimento.

Parece muito fácil tomar decisões quando a

única coisa que nós temos a fazer é clicar em

um botão e dizer que “gostamos” ou “não

gostamos” de algo. Talvez essa série demonstre

que o mundo digital, com o qual ainda estamos

nos acostumando, tenha regras que não

combinem muito bem com os preceitos

democráticos da tolerância e da divergência,

que levamos tantos séculos para solidificar.

Se você leitor quiser testar o que estou falando,

faça uma votação em uma rede social com

temas polêmicos e veja quão aterrorizante

podem ser as decisões tomadas pela maioria.

Afinal de contas, não foi por acaso que o

nazismo alcançou o poder com uma aprovação

maciça da população alemã.

MUNdO diGiTal

Channel 4

49A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 50: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201350

Aonde quer que estejamos, a

comunicação visual é o meio por

excelência. Mesmo que utilizemos

outros sentidos para absorver o mundo

ao nosso redor, a visão atua como órgão

preponderante, como meio sensorial para

sua percepção. Tanto é que, para melhor

nos comunicarmos e sermos mais bem

compreendidos utilizamos cotidianamente

expressões vinculadas ao universo visual: “Olha

como é bom esse perfume!” (substituindo

o olfato); “Vou ver como ficou o tempero”

(substituindo o paladar); “Fechei os olhos para

a história dela” (substituindo a audição); “Não

enxerguei o motivo para o fato” (substituindo

a compreensão).

Toda representação icônica é, antes de tudo,

o signo de uma ausência. Ausência daquilo

que está sendo representado, pois os olhos só

podem interpretar o que é, não o que foi ou o

que será. E, para tal, é necessária a presença

física do observador junto à imagem. Só o

que não estiver presente é que se realizará

através da imaginação. É o que comumente

* Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, arquiteto e artista gráfico.

Ilustração descritiva e ilustração interpretativaJorge Arbach*

ocorre no campo verbal, por ser a palavra

uma representação simbólica e não analógica.

E, sendo simbólica, a palavra é altamente

permeável à imaginação.

O mecanismo humano de recepção de

imagens utiliza somente o meio visual para sua

compreensão, necessitando, obrigatoriamente,

da presença do receptor para ver, tornando

intensamente subjetivo seu entendimento. E a

comparação é o impulso primordial acionado

para entender qualquer imagem. Portanto, ver

imagens figurativas sempre nos remeterá a

comparações predominantemente analógicas.

Numa ilustração descritiva o processo

imaginativo do espectador não será

estimulado por ser composta de imagens

detentoras de previsibilidade analógica. A

dinâmica imaginativa só será deflagrada diante

de uma metáfora visual, ou seja, por meio de

uma ilustração interpretativa. Aqui, sim, será

rompida a expectativa da semelhança. As

metáforas visuais, operando no inconsciente,

e não mais no raciocínio lógico, conduzirão

mais agilmente ao universo interior, atuando

aléM da PalaVRa

diretamente no subjetivo. Desse modo, a

ilustração interpretativa estimulará mais o

imaginário do receptor do que as palavras,

pois, palavras estão condicionadas a um código

esclarecedor anterior, ou seja, ser alfabetizado,

possuir vocabulário ou conhecer o idioma.

Assim, o objetivo da ilustração não se limita

tão somente a ser ornamento visual da mancha

gráfica do texto ou atrativo para o leitor se

apropriar do discurso escrito. Tampouco

limitado, como ocorre com a ilustração

descritiva, ao revestir-se de redundâncias

narrativas paralelas ao conteúdo do texto. As

Ilustrações interpretativas são detentoras de

conceitos próprios que permitem ao leitor

encontrar novas e variadas leituras. Impregnada

de interpretações, esse tipo de ilustração

permite ao artista se expressar mesmo onde a

palavra não esteja presente, abrindo cada vez

mais espaços para que o discurso não-verbal

consolide seu lugar, elevando a ilustração ao

nível comunicativo de um discurso verbal.

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201350

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51A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013 51A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

aléM da PalaVRaaléM da PalaVRa

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A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201352

O poema “As pedras não falam, mas quebram vidraças”, de Sérgio Vaz, foi um dos estudados por professora da UFJF em dissertação premiada. A docente aponta a subversão da letra do samba de Cartola “As rosas não falam”, por meio da troca da palavra “rosa” (que evoca delicadeza, beleza e romantismo), por “pedra” (símbolo da dificuldade, da dureza, do não vivo).

Da margem para o centro das discussões

FLÁVIA LOPES

Repórter

Produzida há anos, como forma de

expressão de um povo, a literatura

marginal ou periférica só começou a

ganhar atenção de teóricos e estudiosos do

Brasil há pouco mais de uma década. Sempre

contada sob o ponto de vista do intelectual, a

cultura da periferia começa a ser ouvida por

meio de outras vozes, comprometidas com

seus locais de fala e que ecoam experiências

vividas.

Esse foi o cenário que inspirou a professora

Carolina de Oliveira Barreto a produzir a

dissertação “Narrativas da ‘frátria imaginada’:

Ferréz, Sérgio Vaz, Dugueto Shabazz, Allan da

dissertação de Carolina de Oliveira Barreto, defendida no Programa de Pós-graduação em Estudos literários da UFJF, levou o segundo lugar do Prêmio anpoll 2012 com a temática da literatura marginal e periférica

Rosa”, no mestrado em Estudos Literários da

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Ao escolher o tema, a pesquisadora procurou

trazer à tona as tensões entre as questões

políticas e estéticas na literatura

contemporânea e o papel das obras produzidas

por autores das periferias urbanas nesse

contexto.

A falta de uma teoria específica sobre o

assunto não intimidou a então mestranda, que

fez, em um primeiro momento, um exercício de

leitura despido de conceitos e teorias

preestabelecidas, buscando novos caminhos e

percepções. O reconhecimento veio na forma

de premiação. O trabalho da pesquisadora foi

o segundo melhor do país em sua área, na

avaliação da Associação Nacional de Pós-

graduação e Pesquisa em Letras e Linguística

(Anpoll).

Segundo o orientador e também pesquisador

do tema há pelo menos quatro anos, Alexandre

Faria, a emergência das discussões acerca da

literatura marginal no país deu-se a partir de

2000, quando o escritor Ferréz (codinome de

Reginaldo Ferreira da Silva) organizou duas

edições da revista “Caros Amigos” sobre o

tema, abrindo espaço para que escritores da

periferia pudessem divulgar seus trabalhos.

TESES E diSSERTaÇÕES

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Page 53: Revista A3:03

53A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

“Nomes de pessoas completamente

desconhecidas do público e outros já

conhecidos, como o Paulo Lins (autor do livro

“Cidade de Deus”), começaram a emergir.

Houve uma mudança de voz muito significativa,

mas ainda com certas barreiras, pois o crítico

ainda está muito voltado para conceitos

predominantemente estéticos nas obras

literárias.”

Apesar dessas barreiras, o movimento trouxe

um novo discurso às produções literárias, que

passaram a questionar a cultura mainstream. A

realidade da periferia nos textos já não é mais

aceitada de forma idealizada e separada do

asfalto. “O texto da periferia é feito sob outro

padrão, mobiliza outras questões e lança mão

de uma linguagem que não é a formal. Trata-se

de uma outra composição, que aproxima o

texto da oralidade”, explica o professor.

De acordo com Carolina, a disseminação dos

textos de autores vinculados a essa produção

literária ainda é dependente de pequenas

editoras, como as Edições Toró e o Selo Povo,

e realizada de forma paralela às grandes.

Porém, nos últimos dez anos, houve uma

atenção maior por parte das editoras, com o

lançamento de seis volumes da coleção

“Literatura Periférica”, editada pela Global; a

antologia Literatura Marginal, lançada pela

Agir, em 2005; e as oito obras de Ferréz, pela

Objetiva. “As publicações estão muito atreladas

ao mercado. Mas vemos também um interesse

em cativar público leitor dentro e fora das

periferias. Há uma preocupação em se reduzir

o valor do produto final para que não haja uma

barreira econômica que impeça a aquisição

dos livros pelos leitores moradores das

periferias e também para os demais leitores.

Vemos nessas publicações valores variando

entre R$ 5 e R$ 15.”

“Frátria imaginada”

O primeiro contato da pesquisadora com a

literatura periférica ocorreu na época em que

era bolsista de iniciação científica do curso de

Letras da UFJF. O estranhamento inicial com o

texto e a forma fez com que Carolina encarasse

a questão como um desafio. Foi buscando

repensar a relação entre sujeito e objeto, entre

crítica e obra literária que a professora

estruturou seu trabalho, defendido em abril de

2011. “A teoria sozinha não consegue dar conta

de um bom número de obras que vêm sendo

publicadas.” Ao trabalhar com a literatura

periférica, a autora identificou várias tensões.

“Os autores questionam o lugar da literatura, o

conceito, a teoria. Posicionam-se sempre, não

ficam em cima do muro.”

Nos textos estudados, segundo a pesquisadora,

os locais de enunciação são bem marcados.

“Não se trata apenas de uma questão territorial,

mas também das trocas e da relação afetiva

dos autores com o espaço.” Ainda de acordo

com a autora, os textos trazem um

deslocamento do conceito de literatura.

A partir da noção de “frátria imaginada”, a pes-

quisadora buscou trabalhar a questão do con-

temporâneo e dos deslocamentos percebidos

a partir das obras dos autores Ferréz, Sérgio

Vaz, Alan da Rosa e Dugueto Shabbazz. Foram

levantadas possíveis implicações políticas, es-

téticas e sociais inseridas nessa expressão. O

termo “frátria imaginada”, segundo Carolina,

origina-se da leitura de alguns textos, em espe-

cial, “A frátria órfã: o espaço civilizatório do rap

na periferia de São Paulo”, de Maria Rita Kehl, e

“Comunidades Imaginadas”, de Benedict An-

derson. “Na verdade, não procurei fazer uma

fusão de dois conceitos, mas uma atualização

de ambos, a partir da leitura das obras.”

Do texto de Kehl, a docente buscou a ideia das

“identificações horizontais, em contraposição

ao modo de identificação/dominação vertical”.

Já durante a leitura que realizou de Benedict

“Houve uma mudança de voz muito significativa, mas ainda com certas barreiras, pois o crítico ainda está muito voltado para conceitos predominantemente estéticos nas obras literárias” (alexandre Faria)

TESES E diSSERTaÇÕES

53A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 54: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201354

Carolina de Oliveira Barreto

Graduação em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2008); mestrado em Letras - Estudos Literários pelaUFJF (2011); experi-ência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura periférica, narrativa, “frátria imaginada”

Veja o currículo lattes da pesquisadora: bit.ly/A3_lattesCarolinaBarreto

Confira a dissertação premiada: bit.ly/A3_dissertacaoCarolinaBarreto

MAIS

Anderson, questionou a horizontalidade das

relações. O termo “Comunidades Imaginadas” de

Anderson é apropriado, recontextualizado e

atualizado pela autora a partir da ideia de

construção do estado-nação moderno. “O que

chamou minha atenção, foi a possibilidade de

desconstruir e ressignificar o termo, levando em

conta as tensões entre o global e a nação no

interior das cidades, considerando o deslocamento

do local de enunciação. Procurei atualizar o que foi

formulado por Anderson para mapear como essa

frátria se imagina ou é imaginada no panorama

cultural, político e econômico atuais.”

Para a pesquisadora, ao mapear as formas de

resistência por meio da escrita/leitura e por meio

da relação do “sistema” com a cidade ao longo de

seu trabalho, foram percebidas tensões e

contradições perpassando a própria linguagem.

“Isso vai ao encontro da polifonia, uma vez que

vozes e a interação entre elas passam uma

multiplicidade de planos e o caráter contraditório

da realidade social.”

“ As publicações estão muito atreladas ao mercado. Mas vemos também um interesse em cativar público leitor dentro e fora das periferias”

(Carolina Barreto)

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201354

TESES E diSSERTaÇÕES

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55A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Memória do rádio e da TV é preservada em “Cariocas do brejo”Wilson Cid*

Posso dizer que acompanhei de perto o

esforço do professor do curso de Pós-

graduação em TV, Cinema e Mídias

Digitais da Faculdade de Comunicação da

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

Flávio Lins, para transformar em realidade o

sonho que vinha alimentando de mergulhar

nos primórdios do rádio e da televisão em Juiz

de Fora. Lembro-me bem. Ainda estávamos na

Redação do jornal “Panorama”, depois “JF

Hoje”, quando ele descobriu que haviam

ficado comigo alguns filmes produzidos pelo

fotógrafo Jorge Couri, na década de 60, para

um telejornal de cinco minutos diários que

inseríamos na programação vespertina da TV

Tupi. Eu fui o redator dessa experiência

singular, que não podia mesmo ter longa

duração: certamente nunca se soube de outro

telejornal que se utilizava de ônibus

interestadual para sair da redação e chegar ao

estúdio... Pois, ao se interessar por esse

material, Flávio nos fez o favor de colocá-lo

em ordem e recuperar alguns filmes que

estavam ameaçados de perder a qualidade.

Para quem se dedicar a levantar a história de

nossa radiofonia no período 1940-1960, como

propôs o documentário - e, posteriormente, o

livro em parceria com a também professora da

Faculdade de Comunicação, Cristina Brandão

- “Cariocas do brejo entrando no ar: o rádio e a

televisão na construção da identidade juiz-

forana” - , ainda é possível descobrir algum

documento, até mesmo profissionais

sobreviventes para gravar um depoimento. O

mesmo, contudo, não se pode dizer de nossa

televisão naquelas duas décadas. Além de ser

uma passagem brevíssima, dirigentes e

profissionais de então descuidaram da

documentação e dos arquivos. Ficou muito

pouco para se pesquisar, desde a experiência

pioneira de Olavo Bastos Freire, passando

pelas transmissões episódicas da TV Mariano

Procópio, que não sobreviveu e teve suas ações

convertidas para o capital da S/A Diário

Mercantil, até chegarmos à TV Industrial, que

prometia consistência e disposta a se tornar

grande geradora. Essa expectativa era tão viva,

que em 31 de maio de 1963, quando embarquei,

como repórter, no avião que trouxe João

Goulart a Juiz de Fora, recebi orientação no

sentido de convidar o presidente a voltar no

ano seguinte para a solene inauguração da

emissora. Coincidentes, os destinos da TV

estariam alterados, e 1964 acabaria chegando

muito diferente.

Nos muitos encontros que Flávio e eu tivemos,

ele sempre muito preocupado em me manter

informado sobre o andamento de seu projeto,

que procurei estimular sinceramente, passei a

considerar algo que pela primeira vez vou dizer.

Aqui e agora: penso que essa empreitada a que

ele se dedicou, e com grande êxito concluiu, foi

também passo importante para despertar

entre nós a necessidade de serem pesquisadas

as fontes da história da imprensa, do rádio e da

televisão em Juiz de Fora. Flávio, além de

pioneiro, deu esse passo imenso, e certamente

seu livro ficará como a contribuição maior. Mas

a melhor forma de homenageá-lo é continuar o

trabalho que ele começou.

* Jornalista e editor político

liTERaTURa

55A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 56: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201356

Editora UFJF amplia produção científica e interlocução acadêmica

UMA SOCIOLOGIA INDIGNADA: DIáLOGOS COM LUIZ WERNECk VIANNA(Rubem Barboza e Fernando Perlatto – R$ 40)Barboza e Perlatto mostram que toda sociedade é um enigma, nunca integralmente resolvido. Há constru-

ções intelectuais, entretanto, que nos auxiliam com algumas pistas sobre o significado da experiência co-

mum e a continuidade possível com as realizações dos que nos antecederam. Nesta coleção de intérpretes,

Luiz Werneck Vianna ocupa uma posição de relevo singular, o que os artigos que compõem esta “Sociologia

Indignada” demonstram de modo definitivo. O livro reúne as contribuições dos intelectuais que participaram

do seminário organizado em sua homenagem pela UFJF, em 2010.

HISTóRIAS E MEMóRIAS DO ESPORTE EM MINAS GERAIS (Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior – R$ 27)O livro de Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior reúne trabalhos de pesquisadores que analisam o

esporte em sua dimensão histórica e também é o resultado de projetos de pesquisa contemplados no edital

público nº 16/2009, organizado e financiado pela Fapemig, com o objetivo de apoiar ações científicas na

área da História do Esporte e da preservação de acervos. A obra aborda as práticas esportivas em Minas

Gerais sob o olhar histórico e ajuda a revelar a diversidade de trajetórias e sentidos que esse fenômeno pos-

sui. O leitor terá um bom panorama da importância do fenômeno esportivo e de seu potencial para melhor

compreender nossa sociedade, seus arranjos e construções.

ATLAS DE DIAGNóSTICO POR IMAGINOLOGIA DAS DESORDENS TEMPOROMANDIBULARES (Josemar Parreira Guimarães e Luciano Ambrosio Ferreira – R$ 200)A equipe do Serviço ATM da Faculdade de Odontologia da UFJF reuniu um acervo rico em informações

semiológicas sobre as desordens temporomandibulares. Parte dessa coleção – prontuários clínicos, mode-

los de gesso, fotografias intra e extrabucais e imagens radiográficas, principalmente planigrafias da ATM e

radiografias transcranianas – foi selecionada para a elaboração da obra. O objetivo dos autores é oferecer

uma fonte de pesquisa para as condições clínicas do dia a dia e, dessa forma, auxiliar os profissionais na

elucidação dos diagnósticos e na escolha das condutas terapêuticas mais indicadas.

A Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora (EDUFJF) passa por um momento único em seus 25 anos de história, com a Adminis-tração Superior investindo no fortalecimento não apenas dos cursos de graduação, mas também nos de pós-graduação. O resultado desses investimentos é a ampliação da produção científica e da interlocução acadêmica com instituições nacionais e internacionais.

O objetivo principal é atender ao professor pesquisador, proporcionando uma parceria comprometida com o sucesso da publicação e da divulgação dos trabalhos. Para que isso ocorra, a EDUFJF mantém relações comerciais com inúmeros distribuidores e editoras universitárias, difundindo a produção científica dos docentes. Segundo o diretor administrativo da EDUFJF, Antenor Salzer Rodrigues, em 2011 foram publicados 35 livros e a meta é superar esse número neste ano.

laNÇaMENTOS

A EditorA UFJF Está sitUAdA nA rUA BEnJAmin ConstAnt 790, no prédio do mUsEU dE ArtE mUrilo mEndEs (mAmm) - JUiz dE ForA/mG.

tEl.: (32) 3229-7646 | FAx: (32) 3229-7645. E-mAil: [email protected]

Page 57: Revista A3:03

57A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Glitter Magic: a diferença entre brincadeira e diversãoWendell Guiducci*

Começou como uma brincadeira.

Quando os guitarristas Luqui di Falco

e Mauri Moore e o vocalista Rhee

Charles foram convidados para tocar na festa

de uma amiga, em outubro de 2005, não

imaginavam o que a Glitter Magic se tornaria.

Metaleiros de carteirinha, doutrinados nos riffs

trovejantes de bandas como Sepultura,

Megadeth, Slayer, Iron Maiden, Judas Priest e

Metallica, os três - escoltados pelo baterista

Everton Ton Ton e pelo baixista Thiago Orc,

hoje fora do grupo - foram desafiados a armar

a cabeleira com laquê e se travestir de banda

glam.

Rhee - ex-aluno e membro do Coral da UFJF -,

Mauri e Luqui (aluno de pós-graduação em

Marketing na UFJF) foram surpreendidos pela

força dos hits de Skid Row, Bon Jovi, Scorpions,

Firehouse... Curtiram tanto a receptividade do

público amigo que aceitaram o desafio de

tocar em outra festa. E assim, só por diversão,

decidiram continuar, trocando a sisudez e o

aspecto sombrio do metal pela fanfarronice e

as cores cintilantes do hard rock.

A coisa começou a ficar mais séria no ano

seguinte, quando, convidados a tocar em um

festival que tinha como headliner a banda

carioca Matanza, Rhee Charles sugeriu que

compusessem uma música para incluir no set

list. Assim nasceu a primeira canção, “Snake

blood”. Ainda em 2006, “Love proof” foi

composta, desta vez para que a banda

concorresse no tradicional Festival de Bandas

Novas de Juiz de Fora. “Snake blood” foi

incluída no CD oficial do festival, em 2007, e na

coletânea “Quem toca cover tá fora”, no

mesmo ano. E aí a Glitter Magic entrou em um

caminho sem volta: era hora de deixar de ser

uma banda “de mentirinha” para ganhar

respeito.

Já com quatro anos de vida e sem ver sentido

em lançar um EP ou um CD demo, o quinteto

- que mudou de formação algumas vezes até o

baixista Glux (outro integrante do Coral e aluno

do curso de Psicologia da UFJF) e o baterista

Andy Ravel (discente de Arquitetura na UFJF)

fincarem raízes ao lado de Rhee, Luqui e Mauri

- partiu para a produção do primeiro álbum. As

gravações foram realizadas durante dois anos

e meio, com produção da banda, no estúdio da

Escola de Música Ematech em Juiz de Fora.

Depois da mixagem e masterização,

conduzidas na Suécia pelo produtor Jerry

Torstensson, “Bad for health”, uma mescla de

elementos do hard rock dos anos 80 com

sonoridades do rock pesado contemporâneo,

viu a luz do dia. Já era 2012.

Vinte dias antes de o disco “físico”,

independente, chegar às lojas, Rhee, Luqui,

Mauri, Glux e Andy disponibilizaram na internet

o álbum na íntegra (http://soundcloud.com/

glittermagic), e só então partiram atrás de

quem os lançasse fora do Brasil. O selo italiano

Heart of Steel Records foi seduzido por

canções como “Daring the dawn”, “Living on

addiction” e “Bad for health”, primeiro single e

videoclipe do disco homônimo, e o contrato foi

assinado.

Antes mesmo do lançamento de “Bad for

health” na Europa, em agosto último, a banda

já contabilizava boas críticas em países como

Grécia, Holanda, França e Reino Unido, fruto

do trabalho de assessoria do Heart of Steel.

Também no Brasil, a Glitter tem conquistado

boas resenhas em veículos especializados em

rock pesado como o site Whiplash e a

tradicional revista “Roadie Crew”. Um bom

saldo para uma banda que começou como

uma brincadeira. E que, mesmo trabalhando

muito, continua sendo divertida.

* Jornalista, formado pela UFJF, cantor e ama o rock

MÚSiCaF

oto

: Kiko

Barb

osa

57A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Page 58: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201358

UFJF será a primeira universidade federal a disponibilizar tablets aos alunos

BiBliOTECa

Medida tem o objetivo de facilitar o acesso dos estudantes às bases digitais adquiridas recentemente pela instituição

FLÁVIA LOPES E JOSÉ RENATO LIMARepórteres

As novas tecnologias estão modifican-

do as formas de produção e aquisi-

ção de conteúdo na atualidade. As

mídias digitais estão substituindo o papel em

várias aplicações e em uma velocidade vertigi-

nosa. Nesse cenário, as bibliotecas também

estão passando por transformações. A cada

ano são produzidos no mundo cerca de um

milhão de títulos, com milhares de exemplares

por tiragem. Apesar dos constantes investi-

mentos da Universidade Federal de Juiz de

Fora (UFJF) na aquisição de livros – só no últi-

mo ano foram R$ 5 milhões –, acompanhar

esse crescimento não tem sido tarefa fácil para

as instituições. Soma-se a isso o fato de a in-

formação acadêmica ser produzida em ritmo

maior do que a capacidade dos pesquisadores

em administrá-la, dos editores em publicá-la,

do bibliotecário em coletá-la e dos estudiosos

em consultá-la.

Atenta a esta tendência, a UFJF está adquirin-

do, desde o início de 2012, plataformas on-line

de acervo digital, que contemplam todas as

áreas do conhecimento (ver quadro na página

60). Por meio das bases Atheneu - Livros ele-

trônicos, HeinOnline, Vlex, Jstor, Biblioteca

Virtual 3.0 Pearson, ABNT Coleção e IEEE,

professores, estudantes e servidores têm aces-

so a e-books, normas técnicas, periódicos,

discursos, palestras, teses, dissertações, leis,

entre outros arquivos, de forma gratuita.

Para facilitar o acesso a essas bases digitais no

campus, a UFJF está providenciando a aquisi-

ção de cem tablets e outros cem notebooks.

Os investimentos totais, em bases e equipa-

mentos, são da ordem de R$ 1,5 milhão.

Segundo a coordenadora do Centro de Difu-

são do Conhecimento (CDC), Adriana Apareci-

da de Oliveira, a UFJF será a primeira universi-

dade federal a disponibilizar tablets e e-rea-

ders para a consulta das publicações. “Sere-

mos pioneiros e a Universidade terá um grande

desafio, pois iremos criar todo um sistema de

acesso e empréstimo sem outra referência.”

O objetivo da aquisição das plataformas, se-

gundo Adriana, não é apenas ampliar o acervo

da UFJF e tornar a busca de determinadas

obras mais célere, mas democratizar o acesso

a todos os interessados. “Quando falamos de

inclusão, temos que pensar em todas as for-

mas de atender os estudantes. Com a aquisi-

ção das bases, muitos livros que são caros

podem ser acessados simultaneamente por

todos os alunos e o custo não se torna uma

barreira ao aprendizado.”

Ainda de acordo com Adriana, com essas fon-

tes de informação on-line a Biblioteca também

terá condições de atender vários estudantes ao

mesmo tempo, já que não há limitação de

acesso. “Temos um limite de exemplares na Bi-

blioteca, mas com as plataformas on-line isso

não ocorre. Todos podem acessar um único tí-

tulo ao mesmo tempo.” Para a coordenadora,

as bases digitais quebram barreiras geográfi-

cas, de tempo e espaço. “Mesmo que não seja

horário em que as bibliotecas estejam abertas,

as fontes estarão disponíveis durante 24 horas

por dia, sete dias por semana, com acesso por

meio do login e da senha do Siga.”

Nova metodologia

A discussão acerca da aquisição das bases on-

line teve início há dois anos e contou com o

apoio do diretor da Faculdade de Direito,

Marcos Vinício Chein Feres, que já havia

adquirido a plataforma Vlex, em 2011. Segundo

o professor, as plataformas digitais permitem

Page 59: Revista A3:03

59A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

uma mudança de paradigma não apenas da

forma como os pesquisadores buscam

conteúdo, mas também obriga uma outra

postura por parte do docente, que tem

condições de oferecer um conteúdo mais

amplo e atual a seus alunos. “Até a década de

90, os estudantes que queriam ter acesso fácil

a publicações recentes nos Estados Unidos ou

na Europa, por exemplo, teriam que fazer um

mestrado ou doutorado fora do país. Hoje,

nossos alunos têm condições de acessar o

mesmo conteúdo e participar das discussões

que ocorrem em universidades de ponta pelo

mundo sem sair de casa. Com a disseminação

da internet e digitalização de uma série de

obras e periódicos vamos percebendo que não

é mais necessário suplantar uma barreira de

espaço para ter acesso a esse material.”

Para o diretor, essa nova cultura de acesso já

está interferindo no processo de construção

da metodologia de ensino-aprendizagem.

“Cada vez mais, o papel do professor não é só

transmitir, mas disponibilizar o melhor conteú-

do, quantitativamente e qualitativamente, e

dotar o aluno de meios críticos para lidar com

essas informações.”

Na avaliação do diretor da Faculdade de

Odontologia, Antônio Márcio Resende do Car-

mo, a democratização do acesso às publica-

ções é uma das principais vantagens das bases

digitais. “Na faculdade, trabalhamos com livros,

pois é necessário que os alunos vejam imagens

de boa qualidade. Muitas vezes, essas publica-

ções são caras, com preços de até R$ 600.

Além disso, precisamos que todos os estudan-

tes estejam com a publicação ao mesmo tem-

po e não há como disponibilizar na Biblioteca

tantos exemplares de um mesmo livro. Com as

plataformas digitais isso é possível.” A atualiza-

ção do conteúdo é outro ponto destacado

pelo professor. “Na área de saúde, a atualidade

das informações sobre pesquisas é uma ques-

tão muito importante. O tempo que se perde

entre a produção, a edição e a publicação de

uma obra é muito grande e acabamos perden-

do um pouco com isso.” Segundo a coordena-

dora do CDC, nas plataformas disponibilizadas

pela UFJF há inclusive obras que se encontram

no prelo (antes da impressão).

A estudante do nono período de Direito, Lucia-

na Tasse, que usa bases como a Vlex, HeinOnli-

ne e Jstore, diz que sempre recorre às platafor-

mas durante a elaboração de suas pesquisas.

“Agora não ficamos dependendo das compras

de livros. Há um conteúdo muito grande nas

bases, é só procurar.” Luciana também observa

que muitos periódicos com alto custo estão

disponíveis na rede. “Temos condições de tra-

balhar com o mesmo conteúdo utilizado por

um estudante de uma universidade renomada,

por exemplo.” Para a aluna do décimo período

de Medicina, Gabriela Hinkelmann, a possibili-

dade de baixar o livro e imprimi-lo é outro be-

nefício. “Isso facilita o estudo, pois há discipli-

nas nas quais os livros base são muito concor-

ridos.”

BiBliOTECa

A Universidade está providenciando a aquisição de cem tablets e outros cem notebooks. Os investimentos totais, em bases e equipamentos, sãoda ordem de R$ 1,5 milhão

Professores, estudantes e servidores têm acesso gratuito a e-books, normas técnicas, periódicos, teses, dissertações, leis, entre outros arquivos

Fo

to: F

rederico

Bo

zaBiBliOTECa

Page 60: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201360

A editora disponibiliza, em sua base on-

line, 361 obras. As publicações englobam

as áreas de Educação Física, Enfermagem,

Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional,

Fonoaudiologia, Medicina, Odontologia,

Saúde Coletiva, Nutrição, Biofísica,

Biologia Geral, Bioquímica, Farmacologia,

Fisiologia, Genética, Imunologia, Morfologia,

Parasitologia e Zoologia. Os títulos são

publicados em português e com texto

completo dos capítulos, permitindo download

e impressão de obras.

bit.ly/A3_Atheneu

bit.ly/A3_tutorialAtheneu

A base possui mais de 40 bibliotecas

integradas com grande acervo de fontes

raras e com cerca de cem mil imagens

em PDF de documentos oficiais, incluindo

tabelas, gráficos, fotos, notas escritas à mão,

fotografias e notas de rodapé. O seu conteúdo

é voltado principalmente para a área de

Ciências Sociais. Possui 70 milhões de páginas

da história jurídica. Tanto o download quanto

a impressão são permitidos sem restrições.

bit.ly/A3_HeinOnline

bit.ly/A3_tutorialHeinOnline

A plataforma Vlex é o mais completo banco

de dados sobre assuntos ligados ao Direito.

O seu conteúdo soma de mais de 83 mil

documentos em e-books e periódicos de

direito, incluindo legislação, jurisprudência e

doutrina, em 13 idiomas. O banco de dados

da Vlex ainda inclui mais de 130 jurisdições de

diferentes países. O download e a impressão

de página são permitidos para os usuários.

bit.ly/A3_Vlex

bit.ly/A3_tutorialVlex

A plataforma possui conteúdo

multidisciplinar. A UFJF assinou o acesso ao

conteúdo completo que compreende mais

de mil periódicos acadêmicos e mais de

um milhão de imagens, correspondências

e outras fontes primárias. O Jstor é uma

das bibliotecas virtuais mais completas

do mundo, disponibiliza periódicos e

monografias com permissão para download

e impressão.

bit.ly/A3_Jstor

bit.ly/A3_tutorialJstore

Inclui livros em português de importantes

editoras nacionais em diversas áreas do

conhecimento. Sua aquisição pela UFJF visa

principalmente suprir os cursos de graduação,

já que o acervo Pearson possui os livros que

estão incluídos no currículo dos cursos. Nesta

plataforma os downloads não são permitidos.

É possível imprimir na Biblioteca Universitária

até 50% de cada livro. O acervo reúne 1.400

títulos.

bit.ly/A3_Pearson

bit.ly/A3_tutorialPearson

A coleção reúne as normas técnicas de

todos os comitês da ABNT e Mercosul,

universalizando a consulta rápida a qualquer

uma dessas informações. É necessária a

instalação de um software que permite a

visualização integral da norma.

bit.ly/A3_ABNTColecao

bit.ly/A3_tutorialABNT

BiBliOTECa

Mudança de cultura

Para a coordenadora do CDC, Adriana Apare-

cida de Oliveira, a implantação das bases é

importante para atender não só os cursos pre-

senciais, mas também o ensino a distância da

UFJF e os alunos do Campus de Governador

Valadares, que terão acesso de forma igual às

mesmas plataformas.

Segundo ela, a utilização das plataformas digi-

tais passam por uma mudança de cultura tanto

por parte de professores quanto de alunos,

que muitas vezes reconhecem legitimidade

apenas nos livros impressos. “Mas isso mudou

muito nos últimos anos. Hoje nossos alunos de

graduação já são ‘nativos digitais’, que pos-

suem grande facilidade de leitura nas telas de

computadores e tablets.” Além disso, afirma

Adriana, não há previsão de redução de inves-

timentos por parte da UFJF nos livros impres-

sos. “A aquisição de livros impressos continua.

A Universidade inteira ganha em termos de

pesquisa, pois são bases reconhecidas interna-

cionalmente.”

Para orientar os pesquisadores a utilizar as pla-

taformas on-line, o Centro de Difusão do Co-

nhecimento (CDC) elaborou tutoriais com o

passo-a-passo para o acesso e também treinou

profissionais para o atendimento às demandas.

Segundo a biblioteconomista Ana Carolina Ca-

etano, as vantagens e potencialidades dos li-

vros eletrônicos são muito atraentes, como

maior acessibilidade a uma mesma obra e ao

mesmo tempo, maior interatividade com ima-

gens e vídeos e possibilidade de hiperlinks.

“Tudo isso contribui para a aprendizagem dos

discentes e agrega valor ao processo de ensino

e pesquisa acadêmica. O desafio do bibliotecá-

rio é possibilitar a independência das pessoas

na busca das informações e do conhecimento:

esta deve ser a meta dos bibliotecários da

UFJF, principalmente neste momento de novas

fontes de informação científica.” Para Ana Ca-

rolina, o plano de trabalho a ser desenvolvido

tem de ser a via da educação. “Por meio de

programas de capacitação dos leitores/pes-

quisadores, podemos demonstrar as funciona-

lidades e as potencialidades das novas fontes

de informação.”

Page 61: Revista A3:03

61A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Ritmo frenético da cidade oculta belezas arquitetônicas das galerias Texto de Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla*

Fotos de Gleice Lisboa*

ENSaiO FOTOGRÁFiCO

61A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/2013

Galeria Pio X

Page 62: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201362

Tanto as fotografias quanto as galerias

comerciais apresentam-se como ele-

mentos de uma nova era em que a in-

dústria e a tecnologia são emblemáticas. Em-

bora as imagens fotográficas tenham seus

princípios e processos na câmera escura, já

conhecida há muito tempo, e as galerias en-

contrem seus elementos referenciais nos baza-

res do Oriente Médio, ou até mesmo no Merca-

do de Trajano, em Roma, Itália, elas podem ser

consideradas como inovações do século XIX.

Concebidas primeiramente como uma “máqui-

na de circular”, as passagens europeias torna-

ram-se cenários propícios para toda espécie

de consumo de necessidades, além de ofere-

cerem um lugar para o homem moderno pas-

sear e exibir-se. Não por acaso Walter Benja-

min afirmava ser a galeria parisiense a casa do

flâneur, daquele que passeava sem destino,

fotografando a cidade, entregue ao espetáculo

do momento, cujo objetivo não era outro se-

não ver e ser visto.

ENSaiO FOTOGRÁFiCO

Galeria Constança Valadares

Page 63: Revista A3:03

63A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Entretanto, ao longo dos séculos XIX e XX, su-

cumbidas à transitoriedade inerente à vida

moderna e suas transformações sociais, tecno-

lógicas e urbanas, as galerias europeias acaba-

ram sendo consideradas anacrônicas e entra-

ram em um processo de deterioração e, em

diversos casos, completo abandono. Mesmo

assim, as galerias se espalharam por pratica-

mente toda Europa e Américas.

No contexto da América Latina, as galerias co-

merciais começaram a ser edificadas nas pri-

meiras décadas do século XX. Embora menos

glamourosas, elas têm se mostrado, ainda nos

dias de hoje, como espaços de vitalidade para

consideráveis áreas centrais de muitas cidades,

conforme estudos apresentados no livro “Pas-

sagens em rede: a dinâmica das galerias co-

merciais e dos calçadões nos centros de Juiz

de Fora e de Buenos Aires”, lançado recente-

mente pelas editoras Funalfa e Editora UFJF,

de autoria do pesquisador e professor do De-

partamento de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

Frederico Braida.

ENSaiO FOTOGRÁFiCO

Galeria Constança Valadares

Galeria Francisco Borragi

Page 64: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201364

Em Juiz de Fora, o advento das galerias se deu

com a construção do edifício-galeria Pio X,

pela Pantaleone Arcuri, em 1923, quando a ci-

dade já se encontrava em um momento poste-

rior à pujança industrial que vinha ocorrendo

desde o último quartel do século XIX. A partir

de então, diversos edifícios-galerias têm sido

erguidos. E, para entender o valor desses edifí-

cios, aponta-se: sua quantidade na área central

e o desenho labiríntico que fazem para os per-

cursos na cidade; a arquitetura com uma nave

simples, linear e estreita que cativa o cidadão;

e o aspecto social que, por causa da densidade

e divisão do solo, permite pequenos negócios

estarem no lugar central.

Tais características fazem das galerias comer-

ciais, construções marcantes na imagem do

centro de Juiz de Fora, onde os transeuntes se

deparam com caminhos surpreendentes, não

publicamente planejados. E, são esses cami-

nhos, de exuberantes pisos e tetos, cuja arqui-

tetura muitas vezes fica ocultada pelo acelera-

do ritmo da vida cotidiana, que ganham visibi-

lidade neste ensaio fotográfico, pelas lentes de

Gleice Lisboa.

ENSaiO FOTOGRÁFiCO

A3 - OUTUBRO/2012 A MARÇO/201364

Galeria Pio XGaleria Francisco Borragi

Galeria Pio X

Page 65: Revista A3:03

65A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

* Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla, professores doutores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF

* Gleice Lisboa Marques, professora do Departamento de Artes da UFJF

ENSaiO FOTOGRÁFiCO

Galeria Belford Arantes

Galeria Francisco BorragiGaleria Pio X

Page 66: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201366

abaixo, percorrendo os anos que separavam o

iniciado da iniciação. Também havia, é verdade,

aqueles passos a me seguir, em qualquer canto

da casa.

No entanto, quando os livros perfuraram

o círculo de fogo no qual me joguei, sem

perceber, eles começaram a levar vantagem, e

não houve mais jeito para nada. Eles cercearam

a mesa, calaram as vozes e se tornaram um

enclave de traição entre nós dois. Ou um

paraíso antecipado para a perdição. Um

paraíso de papel e de redemoinhos no fundo

da página.

Apesar da fuligem, as ruas conservavam

uma luz que só uma ilha poderia

suportar e dosar de acordo com a

contração das ondas.

Eu achava aquele ritmo semi-molhado, aqueles

dias todos iguais, quase um vício, como uma

mosca zumbindo ao redor da mesma ideia. A

umidade e as plantas, lá fora, atravessavam em

cheio o cerne da juventude.

Foram os dias em que o amarelo escorreu pelos

cantos da boca. Ainda não levava jeito com a

faca e a fruta, por isso o suco escorreu pelo

pescoço, uma vez, mais vezes, descendo peito

Dizem que as melhores coisas não acontecem

por acaso. Não sei dizer por certo, mais se

isso for verdade, o destino não podia ser

mais generoso comigo, uma vez que me

deixou como herança daquele esconderijo na

memória a faca, a fruta e a livraria, cuja janela

lateral dava de cara para a casa de Lezama

Lima.

Prisca Agustoni*

Bésame Mucho

*Conto extraído do livro “A neve ilícita”, de Prisca Agustoni, mestre em Letras Hispânicas pela Universidade de Genebra (Suíça); doutora em Literatura Comparada pela PUC-MG; professora de Letras Estrangeiras Modernas da Faculdade de Letras da UFJF

Editora Nankin (http://www.nankin.com.br/)

lEia-ME

Ilustração: Jo

viana F

ernan

des M

arqu

es

Page 67: Revista A3:03

67A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/2013

Para gerar conhecimentoPara gerar inovaçãoPara gerar desenvolvimento econômicoPara gerar empregos

Para virar notícia e entrar na história.

Parque CientífiCo e teCnológiCode Juiz de fora

Um espaço para empresas, centros públicos e privados de pesquisa, desenvolvimento e inovação, prestadores de serviços tecnológicos complexos e de apoio às atividades tecnológicas.

Page 68: Revista A3:03

A3 - OutuBRO/2012 A MARÇO/201368

“Esp

aço Interno

do

ICE

” de B

árbara B

otelho