revista da escola de administração pública do amapá

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ISSN 1984-2635 REVISTA DA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO AMAPÁ Teorias Políticas e Gestão Pública Uma Revista para o Servidor Macapá – Amapá 2009

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Revista da Escola de Administração Pública do Amapá: Teorias Políticas e Gestão Pública - Ano 1 - 2009.

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ISSN 1984-2635

REVISTA DA ESCOLADE ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA DO AMAPÁ

Teorias Políticas e Gestão Pública

Uma Revista para o Servidor

Macapá – Amapá

2009

Escola de Administração Pública do Amapá

Missão da Revista: Divulgar as experiências e as pesquisas dos servidores públicos ao longo de suascarreiras, visando o desenvolvimento do Estado e a promoção da qualidade do servidor público.

Diretora Presidente: Maria Goreth da Silva e Sousa

Assessora de Desenvolvimento Institucional: Neirian Santos de Quadros

Coordenadora de Planejamento e Articulação Institucional: Camille Chaves de Oliveira da Fonseca

Coordenadora Administrativo-Financeira: Keuliciane Moraes Baia

Revista da Escola de Administração Pública do Amapá/ Escola de Administração Pública doAmapá. __v.01, n.01 (jan/dez. 2009) __Macapá: Escola de Administração Pública do Amapá,2009.

Anual (2009 -)ISSN: 1984-2635

1. Administração Pública – Periódicos. 2. Gestão Pública. I. Escola de Administração Pública doAmapá.

CDD (21.ed. ) 350.005

Permitida a reprodução total ou parcial desde que citada a fonte.

Conselho editorial: Maria Goreth da Silva e Sousa (Presidente); Gilberto Ken-Iti Yokomizo(Conselheiro); Maura Leal da Silva (Conselheira e Secretária Executiva); Mercedes Campos deFigueiredo (Conselheira e Secretária Adjunta); Raimunda das Graças Viana Jucá (Conselheira)

Consultores Editoriais: Dina do Socorro Paiva Borges, Eliane Leal Vasquez, Gerson Nei Lemos Schulz

© EAP, 2009

Tiragem: 2000 exemplaresAssinatura anual: GratuitaEste número da Revista da Escola de Administração Pública do Amapá está disponível também no siteda EAPwww.eap.ap.gov.br

Editoração e impressão: Editora OikosArte-finalização: Jair de Oliveira Carlos

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO AMAPÁRua: Amazonas, 20 – B. Central – CEP: 68908-330 – Macapá/AP

Tel.: (096) 3312-1950 / 1954 – Fone/Fax: (096) 3312-1963e-mail: [email protected]

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................ 4INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 5Capacitação de Servidores Públicos no Amapá: lucidez e ousadia ............................ 10

Maria Celeste Magalhães Cordeiro

A liderança do Príncipe na sociedade contemporânea .............................................. 16Maria Goreth da Silva e Sousa e Ruimarisa Monteiro Pena Martins

Nicolau Maquiavel: (re)visitando “O Príncipe” ............................................................ 22Mauro Gutenbergue Nascimento Branch e Odanete das Neves Duarte Biondi

Maquiavel, o estado moderno e a fundação da ciência política .................................. 28Randolph Frederich Rodrigues Alves

Educação e princípios de governo: honra, virtude e medo no cenárioeducacional brasileiro ....................................................................................................... 34

Edilson Afonso Mendes Pereira, Márcio Moreira Monteiro e Robério Aleixo Anselmo Nobre

A teoria da separação dos poderes: princípio consagrado na ConstituiçãoBrasileira de 1988? ............................................................................................................ 40

Armando Alves Júnior

Os princípios de governo, a natureza das leis e a tripartição de poderessegundo Montesquieu ...................................................................................................... 46

Iolanda Lúcia Gonçalves Bastos, Jucinete Carvalho de Alencar e Sandra Elisa Pereira Souza

O “Emílio” de Rousseau: uma reflexão sobre a política educacional ....................... 51Helder José Freitas de Lima Ferreira, Maria Aparecida Nascimento da Silva eMaria da Conceição da Silva Cordeiro

Alexis Tocqueville: os desvios da igualdade .................................................................. 57Kátia Paulino dos Santos e Maria Anésia Nunes

John Locke e a teoria do estado liberal: algumas reflexões a partir de os “DoisTratados Sobre o Governo Civil” ................................................................................... 63

Ethiene Cavalléro da Silva, Karla Cristina Andrade Ferreira e Oliene Isabel Sarmento Corrêa

A teoria do conhecimento de John Locke ..................................................................... 70Marcos Wagner Queiroz Mendes e Cleineide Moreira Batista

“O Federalista”: gênese de uma nova forma de governo ............................................. 74Job Duarte Morais, Eliete Nascimento Borges e João Nascimento Borges Filho

A gênese do pensamento político nas colônias inglesas da América do Norte ....... 85Elizeu Corrêa dos Santos, Hermon Santos da Silva e Ney Oliveira da Costa

Normas para envio de artigos ......................................................................................... 91

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APRESENTAÇÃO

É com imensa satisfação que apresentamos o primeiro número da Revista daEscola de Administração Pública do Amapá.

Esta publicação, que pretende ser anual, objetiva ultrapassar o limite institucio-nal e prosseguir com a divulgação e o debate de temas discutidos, inicialmente, emsala de aula, durante a disciplina Teoria Política I, do Curso de Mestrado Profissio-nal em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará, que está sendo realiza-do pelo Governo do Estado do Amapá e interveniência do Instituto de Estudos,Pesquisas e Projetos da Universidade Estadual do Ceará, por meio da Escola de Ad-ministração Pública do Amapá.

A pretensão é lançar uma revista que possibilite um espaço de discussão detemas relacionados à administração pública, à gestão governamental e às políticaspúblicas, além de permitir, também, que experiências bem sucedidas, vivenciadaspelo servidor público, possam ser conhecidas, avaliadas e, assim, contribuam efeti-vamente para o processo de transformação dos serviços públicos.

A revista é instrumento importante na tentativa de aumentar o diálogo sobretemas que estão diretamente ligados à proposta arrojada de se fazer governo parti-cipativo tendo como meta tornar o Estado do Amapá uma referência em desenvol-vimento com justiça social.

Assim, o servidor público do Estado do Amapá que desejem compartilharconhecimentos, experiências, técnicas e tecnologias desenvolvidas, está convidado aentrar em contato com o Conselho Editorial e integrar-se à revista, que foi criadapara estimular o desenvolvimento dos servidores e o compromisso com a cidadania.

Maria Goreth da Silva e SousaPresidente do Conselho Editorial da

Revista da Escola de Administração Pública do Amapá

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INTRODUÇÃO

Com esta revista, o Curso de Mestrado Profissional em Planejamento e PolíticasPúblicas, realizado pelo Governo do Estado do Amapá em convênio com a Universi-dade Estadual do Ceará e executado por meio da Escola de Administração Pública doAmapá, sente-se orgulhoso pela iniciativa. O lançamento de uma comunicação desseporte, que requer maior maturidade reflexiva, é um acontecimento significativo. Elanasce com o objetivo de “contribuir para o desenvolvimento do Estado e para apromoção da qualidade do serviço público”. Repleta de artigos sobre a teoria polí-tica e a sua prática na gestão pública, a obra também está ligada às pessoas quetrabalham tanto no meio acadêmico, quanto na administração do Estado.

Ao valorizar a reflexão e socializar o debate de ideias, a revista qualifica nãoapenas o meio acadêmico, mas a própria administração do Estado do Amapá. Suaspreocupações, portanto, não abrangem somente a administração pública, mas aspráticas políticas democráticas, incluindo aí as políticas públicas e a sua qualidade,visando atingir a própria população local. As pesquisas realizadas e as reflexõesreproduzidas neste espaço trarão, sem dúvida, maior competência pública na admi-nistração do Estado.

O significado de ser produzida num dos mais novos estados da federaçãobrasileira, o Amapá, torna esta reflexão ainda mais importante. Outros estados, commais tempo nessa prática acadêmica, têm tido resultados eficazes no retorno daqualidade da administração pela capacidade de autocrítica e de mudança de rumopromovida pelo próprio Estado.

Há outro ponto relevante. É impossível imaginar uma prática política sem umpensamento hegemônico, isto é, sem a teoria. É na práxis que o processo democrá-tico ganha força. Como justificar, por exemplo, uma atitude ética de seus governan-tes se não for motivado pelo temor de Deus ou pelo temor dos homens. Esse dife-rencial demarca respectivamente uma sociedade tradicional de uma sociedade mo-derna. Não que um tipo superará o outro, mas a sua dominância caracterizará quetipo de política dominará na sociedade e por qual modelo a elite dirigente assumirápara conduzir o povo e garantir-lhe “qualidade de vida”.

A ética tradicional é religiosa, e a imagem é de que nossos dirigentes devemter uma dose de santidade. Já na sociedade democrática, laica, são os partidos polí-ticos que devem ter um quê de santidade. A ética estará na capacidade de o Estadoagir de forma republicana, combatendo com rigor a impunidade. Há um dito popu-lar que diz: “A ocasião faz o ladrão”. É o retrato da ética liberal. Se o Estado nãogarantir que a impunidade seja minimizada, o “estado de natureza” se instalará, e o

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medo dos homens ganhará o cenário de normalidade. E o sentido da existência doEstado moderno é garantir um novo pacto de solidariedade numa sociedade de basematerial para garantir a paz, como teorizou Hobbes que, segundo Rousseau, é ofundador da religião civil.

Com o sentimento republicano e liberal, essa ética traz os valores iluministasde igualdade e liberdade que orientam a prática cidadã. Os artigos deste número darevista são frutos de um esforço coletivo para penetrar na teoria moderna do Esta-do a partir dos seus fundamentos. Como os autores atuam na administração públi-ca, exercendo algumas funções-chave, eles fazem paralelos com sua prática e, comisso, potencializam as ações públicas do governo.

O Amapá surge como Estado no momento em que o Brasil toma consciênciade que o sucesso de sua administração está associado aos valores do laicismo e nãoà santidade de seus governantes, como anteriormente era a regra. Respeitando suasbases de legitimação na soberania popular, e não apenas nos “donos do poder” ouno “espírito das leis”, o eleitor vai ganhando cada vez mais importância, com maisconsciência política, e cidadania. O poder político e sua administração correspon-dente advêm dessa matriz.

Maquiavel, no século XVI, percebeu a novidade política que chegava com o Re-nascimento e já destacava que o Príncipe deve ter poder com glória. Essa característicasignifica exatamente governar para o povo, pois a glória indica que a sua legitimação estábaseada na soberania popular e não mais na representação da vontade divina.

Essa novidade chega tardiamente ao Brasil e aparece quando o patrimonialis-mo e o nepotismo, típicos da sociedade tradicional, são cada vez mais substituídospela competência racional e pelo mérito. E isso lhe dá uma responsabilidade e, aomesmo tempo, uma marca de progresso material associado à inclusão social, típicodos estados mais modernos, e estruturado pelo mercado.

A competitividade da economia traz, contudo, a dinâmica da modernidade. Elaafeta não apenas as relações econômicas, mas transcende para as relações sociais, aointroduzir o individualismo na sua dinâmica, e contamina as relações políticas, atravésdos partidos políticos como uma organização com legitimidade para buscar exercer opoder político. Esses partidos têm sua razão de existir na representação política dessadiversidade de opinião da sociedade, a fim de que se expresse civilizadamente.

O fortalecimento dos partidos políticos aparece, nessa nova correlação deforças, como uma necessidade: é um divisor de águas, uma marca da passagem dotradicional para o moderno. A racionalidade própria da modernidade contamina aadministração do Estado que almeja tornar-se impessoal, republicana e liberal. ComoHobbes também chamou a atenção no seu clássico livro sobre o Leviatan: o poderpolítico deve ser uma máquina que funcionará independe de quem governa.

A apresentação dos trabalhos tem uma lógica nesses parâmetros dos funda-mentos de poder político no Estado moderno. Depois do excelente estudo de casoque a Professora Dra. Celeste Cordeiro realiza sobre a “capacitação de servidores

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públicos no Amapá: lucidez e ousadia”, fazendo uma avaliação positiva do empre-endimento e da capacidade dessa equipe, uma série de artigos irá mostrar o debatedos mestrandos e militantes políticos na administração pública, que exercitam suacapacidade de fazer um contraponto da teoria clássica com a contemporaneidade.

Os trabalhos começam com um diálogo com Nicolau Maquiavel. RuimarisaMartins e Maria Goreth Sousa discutem a atualidade dos seus estudos refletindo sobre“a liderança do príncipe na sociedade contemporânea”. As autoras levantam questio-namentos sobre que habilidades são importantes para o líder e qual é o melhor estilode liderança, sempre baseadas no estudo que Maquiavel realizou no momento em quea modernidade começava a incomodar com uma nova classe, a burguesa.

Textos, contudo, são para serem reinterpretados. Nessa perspectiva, MauroBranch e Odanete Biondi se aventuram a fazer uma revisão do pensamento doPríncipe e apresentar sua singularidade. Esta equipe mostra que ele funda um novotipo de pensamento, estabelecendo a separação entre religião e política, voltadopara a consolidação do Estado moderno.

Vivendo também em época de transição lenta do feudalismo para o capitalis-mo, Maquiavel fora considerado como autor maldito por incomodar a nobreza comideias burguesas, mas passa a ser considerado visionário da modernidade na medidaem que o mercado passa a ser o elemento estruturador da sociedade, chegando aconsolidar sua hegemonia no Ocidente no século XIX. Randolph Rodrigues tambémrevisita Maquiavel para rematar o papel desse pioneiro do pensamento político comuma reflexão sobre “Maquiavel, o Estado Moderno e a fundação da Ciência Política”.

O realismo político volta a contaminar o debate político, e o século XVIII é omomento de muita mobilização. Montesquieu terá um papel importante como es-truturador do poder numa democracia com ênfase na liberdade. Ele também mere-ceu reflexão acurada. Três trabalhos buscam discutir o tema. O primeiro reflete emcima da tipologia de poder político do “espírito das leis” a partir da separação deprincípio norteado de cada sociedade. “Educação e princípios de governo: honra,virtude e medo no cenário educacional brasileiro”, da equipe formada por EdilsonPereira, Márcio Monteiro e Robério Nobre, toma a educação brasileira como instru-mento de mudança. Os autores partem do pressuposto de que na história da socie-dade brasileira é possível observar ideários identificados com a honra (o Império), omedo (Estado Novo e Regime Militar) e a virtude (Nova República). É uma refle-xão que incorpora elementos para se pensar nossa história. Mesmo que se possa teroutro olhar dos acontecimentos aventados, são considerações sobre as quais mereceser dialogado.

A crise do Estado brasileiro é um dos temas mais atuais neste período detransição por que passa a sociedade brasileira. Ressalta que o judiciário está toman-do o lugar do legislativo ao criar jurisprudência nos espaços em que o legislativo nãotomou a devida posição. E mesmo naquelas jurisprudências em que há dúvidas éeste poder que assume o vazio. E isso se repete nas eleições brasileiras. O Congres-

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so Nacional é tímido em reforma, com os deputados receosos de que, com a repre-sentação se expressando com mais realismo, eles sejam eliminados daquela casa dopovo. Como o legislativo não fortalece partidos políticos, o judiciário o faz.

Qual é mesmo a competência de cada poder? Nada como ir às fontes, e Mon-tesquieu é o grande inspirador desse debate, preocupado que estava, junto com suageração, com o receio de que a maioria dominasse a minoria e vice-versa. Essapreocupação está no trabalho de Armando Júnior, que vai ao topo do pensamentode Montesquieu e reflete sobre a especificidade do federalismo brasileiro. Seu traba-lho sobre “a teoria da separação dos poderes: princípio consagrado na ConstituiçãoBrasileira de 1988?” não quer esgotar o tema, mas introduzir algumas consideraçõespara marcar o aniversário dos vinte anos de vigência da Constituição que UlissesGuimarães chamou de “Cidadã”.

Iolanda Bastos, Jucinete Alencar e Sandra Souza formam a equipe que tam-bém discute “os princípios de governo, a natureza das leis e a tripartição de poderessegundo Montesquieu”. A equipe ressalta que a teoria da tripartição dos poderesassegura a moderação, em que um poder refrearia os abusos e as arbitrariedades deoutro, com os chamados freios e contrapesos. Destaca ainda que a teoria de Mon-tesquieu “alimenta” o constitucionalismo e permanece como uma das condiçõespara o funcionamento do Estado Moderno.

Jean J. Rousseau, contemporâneo de Montesquieu, foi o primeiro revolucio-nário na França, embora tenha morrido um ano antes da Revolução Francesa. Eledesenvolveu a ideia da soberania popular com base na influência da democraciagrega no mundo moderno. Mas Rousseau foi mais do que um teórico da política ede alguém que reconheceu que o Estado moderno criara a religião civil para garantira cidadania. Ele debateu sobre a educação nesse novo ambiente. E é esse o debateque a equipe formada por Helder Ferreira, Maria Aparecida Nascimento da Silva eMaria da Conceição Cordeiro fez com a obra “Emílio”. Nela, Rousseau mostra quea educação deveria ser desenvolvida no cotidiano dos afazeres laborais, sem restri-ções ou métodos preestabelecidos. A liberdade e a igualdade, propostas por ele,evidenciavam o sonho de construir uma sociedade democrática que só poderia serconcretizada com o desenvolvimento de uma educação plena.

O artigo de Kátia Santos e Maria Anésia Nunes discute o século XIX. Elasescolhem a preocupação de Alex de Tocqueville, dando nova abordagem aos valo-res da igualdade e da liberdade a partir de sua observação sobre a América do Norte.Tocqueville buscava a novidade do federalismo e descobriu que os valores burgue-ses, igualdade e liberdade, eram realidades que trariam mudanças significativas nasociedade. Sendo a igualdade inexorável, o desafio era a liberdade, isto é, que asminorias sobrevivessem à forte massificação da sociedade moderna.

Nesse contexto da revolução burguesa inglesa, foi John Locke quem teorizousobre o seu momento. Hobbes não deixava espaço para a revolução, pois era funda-mentalista, no sentido de ir aos fundamentos da submissão do cidadão ao Estado.Locke, ao contrário, ao enfatizar a segurança e não a paz como estímulo para se sair

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do “estado de natureza” para a sociedade civil, propunha que, quando o príncipenão garantir esta segurança, o cidadão tem o direito de destroná-lo e de substituí-lopor outro. Essa atitude era inimaginável em Hobbes, pois apenas quando o sobera-no pedia que ele morresse é que o cidadão poderia se insubordinar e desobedecer.

A equipe formada por Ethiene Cavalléro, Karla Andrade e Oliene Corrêadiscute o liberalismo de John Locke para entender suas principais ideias. Porém, otrabalho de Marcos Mendes e Cleineide Moreira opta por discutir a teoria do conhe-cimento no pensamento de Locke. Esse dado é também significativo, pois naquelemomento as ciências sociais buscavam alcançar o status das ciências naturais. O grandecorte epistemológico está exatamente em substituir o pensamento revelado pelosobrenatural, que está na Bíblia, pelo conhecimento da natureza, que se revela pelosmétodos científicos. É uma postura nova que corresponde na política à substituiçãoda submissão teocrática pela submissão cidadã.

Job Morais, Eliete Borges e João Borges Filho formam uma equipe que sepreocupou em entender o sistema de poder político liberal que se instalou em umgrande território, a América do Norte. Essa novidade é apresentada no trabalho “‘OFederalista’: gênese de uma nova forma de governo”. A equipe percebe uma experi-ência inédita de administrar, e o seu segredo está resumido na observação de Madi-son, um dos federalistas mais importantes, ao observar que “as causas da facção nãopodem ser removidas e o remédio a ser buscado se encontra apenas nos meios decontrolar os seus efeitos”. Os Federalistas radicalizaram os pesos e contrapesos paraevitar as tentações autocráticas e imperiais.

Falando em América do Norte, a equipe formada por Elizeu Santos, Hermon Silvae Ney da Costa discute “a gênese do pensamento político nas Colônias Inglesas da Améri-ca do Norte”. Sem dúvida, a Inglaterra foi o berço de ideias propagadas na modernidade,pois foi, entre as potências emergentes no Renascimento, aquela que primeiro fez suarevolução burguesa, no século XVIII, e iniciou a revolução industrial no século XIX.

Para encerrar a introdução desta revista, pela qual no momento você passa osolhos e tenta descobrir que novidades ela oferece, reafirmamos que este trabalho depesquisa é o esforço de uma equipe que não quer ficar vendo a história se realizar eficar de braços cruzados. Ela toma contato com a teoria e com a realidade concreta,buscando na política, via administração pública, exercitar sua prática cidadã. Socia-liza seus primeiros passos nesse campo da teoria e busca nas políticas públicas aeficácia necessária para trazer mais qualidade de vida ao cidadão amapaense, mesmoque não tenha nascido nessa região.

Francisco Josênio Camelo ParenteDoutor em Ciência Política pela USP, Professor Adjunto da

Universidade Estadual do Ceará e professor da disciplinaTeoria Política I do Curso de Mestrado Profissional

em Planejamento e Políticas Públicas da UECE,em convênio com o Governo do Estado do Amapá

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Capacitação de Servidores Públicosno Amapá: lucidez e ousadia1

Maria Celeste Magalhães Cordeiro*

“Não daremos margem ao improviso. Seremos consequentes em toda deci-são, em toda análise, em todo investimento. O Amapá sabe muito bem o que quer eassina embaixo dos projetos em que acredita”. Esta afirmação feita pelo governadordo Estado do Amapá na apresentação ao Plano Amapá Produtivo: Vocação para oDesenvolvimento expressa a determinação em conjugar gestão e conhecimento,única forma de fugir ao improviso e conferir consistência à tomada de decisõesadministrativas. Ser consequente na gestão implica a atitude de investir na qualifica-ção de seu corpo funcional, através do fortalecimento da Escola de Administraçãoe da implementação do Curso de Mestrado em Planejamento e Políticas Públicas,hoje em sua aula inaugural. Gostaria, nesta oportunidade, representando aqui a ins-tuição parceira do governo do estado nesse empreendimento – a Universidade Es-tadual do Ceará –, de enfatizar o acerto estratégico desse investimento, e passo,portanto, a seguir, a fundamentar a tese de que, sem funcionalismo qualificado doponto de vista técnico e político, não pode haver governança moderna e justa.

A diversidade e a complexidade do mundo atual exigem um novo governo,para além do perfil das burocracias hierárquicas e centralizadas. Já nem se trata maisda polêmica por mais ou menos governo, mas a realização de melhor atividade go-vernamental, tanto em eficácia quanto em eficiência. Os governos vêm se transfor-mando e não estão sozinhos nessa busca, pois tanto organizações do mercado comoda sociedade, também se esforçam para adaptar-se a um mundo global em intensoprocesso de mudança.

O interesse crescente pela descentralização de instituições de governança e aexpansão de sua capacidade local, além da ênfase no comportamento ético do go-verno e na transparência da administração pública, acrescidos aos recorrentes pro-blemas sociais e econômicos que afligem a nação, sobretudo o acentuado grau dedesigualdade da nossa sociedade, vêm colocando responsabilidades maiores sobre a

1 Aula inaugural do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadualdo Ceará, em convênio com o Governo do Estado do Amapá. Fev. 2008.

*Doutora em Sociologia e Professora Titular de Sociologia Política na Universidade Estadual do Ceará/UECE. Étambém vinculada ao Curso de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UECE.

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boa gestão, nos levando a revisitar uma ideia já antiga: o serviço público comoresponsabilidade cívica.

Constatamos o aumento do número de questões públicas com as quais osgovernos precisam lidar mais frequentemente, e sua crescente complexidade, fazen-do parecer que não há soluções simples ou respostas certas ou erradas para muitosdeles. E problemas públicos complexos requerem esforço conjunto e coordenadode grupos díspares e de atores diversos. Quando se ampliam problemas e interessesenvolvidos, além de demandas de representação direta de interesses distintos, nosprocessos da administração pública, o primeiro desafio é construir padrões de umagestão efetivamente pública e não meramente estatal.

E gestão pública implica articular os três grandes modelos de coordenação dosindivíduos e suas ações na sociedade moderna: Estado, Mercado e Sociedade Civil.Afinal, como já alertou Alan Wolfe, depois de analisar exaustivamente experiênciashistóricas no século XX, comparando a expansão do mercado no Ocidente com aexpansão do Estado no leste, e as transformações advindas após a queda do Muro deBerlim, “a única mensagem que se mantém coerente é a impossibilidade de se confiarao governo a tarefa de solucionar todos os problemas sociais” (2002, p. 140).

Se desafios de inovação institucional desse porte, na gestão pública, são per-seguidos internacionalmente, carga extra de dificuldades se impõe em sociedadescom altos níveis de desigualdades como nosso país, em que se complicam muitomais as interrelações entre crescimento econômico e desenvolvimento social, comas desigualdades vistas, nesse caso, como agudização perversa da diversidade.

Podemos vislumbrar essa carga extra de dificuldades quando percebemos quea efetiva gestão pública possui irrecorrível vocação democrática, pois governar umasociedade plural demanda facilitar a construção de grupos e redes de interessesvariados que possam atuar na resolução dos problemas públicos. Como se não bas-tassem esses embaraços adicionais, temos que encarar também o padrão autoritáriode sociabilidade que ainda predomina nas práticas de governo no Brasil, tanto emseu perfil interno quanto externo, isto é, seja entre ocupantes de cargos de chefia eseus chefiados, seja entre o governo como um todo e a sociedade. No mais dasvezes, temos – nas três esferas de poder da Federação – uma arraigada cultura deorganização hierárquica, centralizadora e personalista.

Quando nos convertemos à ideia de que a cooperação é imprescindível numcontexto de complexidade, concluímos que um dos papéis mais importantes daliderança pública é criar oportunidades para a discordância produtiva, oferecendooportunidades para que grupos diversos compartilhem a definição dos caminhosfuturos para a comunidade, inclusive facilitando a pronta disponibilidade e o livrefluxo de informações necessárias e indispensáveis à promoção da discussão pública.Este papel da liderança pública no mundo de hoje – operar em redes compartilha-das com atores sociais de índole distinta – reclama habilidades sociais bem especiais,e um novo caldo de cultura no ambiente do Estado.

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Na literatura internacional, observamos atualmente novas habilidades sendopropostas à formação de um líder de governo, como, entre tantas outras: criar ecomunicar visão de futuro; liderar pelo exemplo; motivar pessoas; saber lidar com adiversidade e estimular a cooperação intergovernamental, negociar e gerenciar acor-dos entre diferentes atores envolvidos, ter consciência dos limites, ter capacidade deouvir a sociedade.

Se o Estado é um agente absolutamente central para pensar e impulsionar asgrandes linhas da política que podem vir a fazer do Brasil um país decente, e se deveser ele o catalisador das demais forças sociais, é urgente a requalificação de seucorpo de servidores. Faz parte do investimento em políticas públicas a preparaçãodo pessoal apto a vivificá-las e, neste intento, cinco conceitos constituem senhaspara ultrapassar portais de saber-ver e saber-fazer: visão estratégica, desconcentra-ção/descentralização, desenvolvimento humano ou integrado, sustentabilidade apartir do capital social, transparência e controle social.

Para a formação de governantes sintonizados com o futuro, é fundamental,primeiramente, fortalecer a visão estratégica das questões sociais, percebendo-a comoa função orientadora da navegação, distinta do trabalho de remar, do fazer aconte-cer propriamente dito, nos ensinam Osborne et al. (1994, p. 26). O produto desteesforço concreto do dia-a-dia de governos só pode ser avaliado como resultado apartir do mapa de navegação proposto. Ilustração do quanto temos a aprender nestesentido diz respeito às tarefas de regulação de prestação de serviços públicos, trans-ferida a particulares em contratos de concessão, portanto operacionalmente inde-pendentes da direção estatal: cotidianamente, nos noticiários, conferimos o despre-paro dos governos para tal.

Se o Estado constitui a grande referência para a ação coletiva, isto não tem aver apenas com atribuições técnicas específicas, mas principalmente com uma visãopoderosa e significativa da missão política lato sensu, devidamente compartilhadacom todos os membros da organização governamental e com as diversas represen-tações da sociedade, a partir da qual se constroem as bases para uma gestão demo-crática e produtiva. Somente desta forma, num aprendizado conjunto, governo esociedade começarão a distinguir autonomia de isolamento e, assim, a abandonar ospadrões atitudinais da mera concessão, manipulação, denúncia ou reivindicação.

Nesta linha, um farol para os governos poderiam ser os Compromissos doDesenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela ONU em 2000, num robusto pac-to entre todos os 189 países-membro, desdobrando-se em 8 objetivos e 18 metas aserem perseguidas até 2015, nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e cidada-nia. O oitavo objetivo – “Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimen-to” – indica a relevância do conceito de cooperação nesta sofisticada engenhariainstitucional. Seu quarto princípio preconiza que “serão essenciais as parcerias comos governos e também com as organizações da sociedade civil e do setor privado”,aclarando o papel e as responsabilidades comuns e individuais de cada uma destas

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partes-chave ao processo. É, sem dúvida, um poderoso exemplo de rede de coope-ração global no século XXI.

A partir da visão estratégica, assoma o desafio da descentralização, coroláriodo empenho democratizante da cooperação, e aí também é preciso instigar a habili-dade para desenvolver interinstitucionalidade e intersetorialidade, de modo a se chegara uma gestão realmente compartilhada das políticas públicas. A desconcentraçãoterritorial é aspecto importante, e especial atenção deve ser dirigida a inovaçõesquanto à inclusão das regiões como entes parceiros e quanto a modelos de gestãoregional de políticas de desenvolvimento integrado.

Outros dois pontos importantes que nossos gestores públicos necessitam tra-tar com segurança dizem respeito à questão do desenvolvimento e da sustentabili-dade, percebendo as novas conotações destas palavras gastas, e o quanto é precisoalargar nossa visão depois de tantos erros e fracassos nas últimas décadas.

Em primeiro lugar, incorporando a visão estruturante que integra o econô-mico ao social, na direção do conceito formulado por Amarthya Sem do “desen-volvimento como liberdade” (2000). Em segundo lugar, preocupando-se com odesafio da sustentabilidade (econômica, política e ambiental), e entrevendo o ca-ráter decisivo da existência (ou não) de capital social no desenvolvimento de polí-ticas públicas de toda ordem, ao lado de outros capitais importantes, do pessoalao financeiro, passando pelo intelectual, ambiental, etc. Como nos diz Kliksberg(2002, p. 43), fatores ligados ao capital social “atuam sobre o desenvolvimentoeconômico, o desenvolvimento social, a estabilidade política e a governabilidadedemocrática”.

Finalmente, devemos inserir o problema da transparência da atividade gover-namental, englobando diagnósticos, objetivos, recursos, processos e resultados. Tam-bém é crucial incutir no servidor público a aptidão para implementar procedimen-tos públicos para avaliação de políticas, propiciando o controle social.

Portanto, capacitação voltada para quadros de governança é imprescindível,no sentido de fazer valer o conhecimento como a chave para a inovação e a melho-ria da gestão pública, ao lado da mobilização do talento e da inteligência dos servi-dores públicos para o alcance do significado da missão governamental de construiruma sociedade mais justa e feliz.

Visão estratégica, capacidade de implementar processos de descentralização etransparência político-administrativa e compreensão atualizada da questão do de-senvolvimento integrado e da sustentabilidade como sua contrapartida não podemser incorporadas pelos servidores em arremedos livrescos que apenas modernizamos discursos sem quaisquer consequências na prática da gestão.

Formação permanente baseada em tutorias e/ou estágios, a partir da realida-de cotidiana do serviço, com metodologia problematizadora e facilitação de cons-tante troca de experiências entre servidores de territórios, setores e níveis diferen-tes, é condição para o sucesso da empreitada. Há que se vincular teoria e conheci-

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meno empírico, insistindo na discussão ampla dos temas, estudos de casos e oficinaspara análise de situações práticas.

Tais exercícios precisam ter a moldura dos grandes objetivos traçados parauma determinada gestão ou para um determinado prazo. A partir dos diagnósticosdisponíveis, já tendo claro onde queremos chegar, é possível delinear as melhorestécnicas de navegação para levar o barco ao destino almejado. Daí a importância dosplanos de governo deixarem de ser documento burocrático para se transformaremnum pujante instrumento de comunicação e mobilização institucional, socializando asresponsabilidades de cada setor, e mesmo de cada um, com a melhoria das qualidadesde vida.

A lucidez do governante em relação à correspondência real entre desejos econdições de viabilizá-los deverá conduzi-lo à coragem de estabelecer prioridades,mesmo correndo o risco de parecer insensível ou acanhado. E, a partir dessas prio-ridades firmes, devem surgir metas, as quais representam insubstituível ferramentapara impulsionar a intersetorialidade, favorecer monitoramento e avaliação de polí-ticas, propiciar o acompanhamento e a participação da sociedade.

Para ser uma formação consistente, os novos insights, as novas atitudes e osnovos métodos devem, portanto, estar afinados à missão precípua da instituição eestar alicerçados em:

• formação política em sentido amplo, com a percepção da vinculação pro-funda entre as dimensões pública e ética;

• fundamentação humanística para além do domínio de técnicas;• visão holística, abertura para o novo e criatividade metodológica;• compreensão do papel estratégico do Estado na promoção do desenvolvi-

mento humano;• conhecimento de base científica para estabelecimento de prioridades e to-

mada de decisões com impacto público, visando o interesse geral;• capacidade de proposição de mecanismos de articulação e interlocução

com a sociedade;• aptidão para o desenho de programas com gestão ampliada, desenvolven-

do instrumentos e métodos que facilitem ações interdisciplinares e inte-rinstitucionais;

• habilitação para montagem de sistemas de indicadores e metas, facilitandoo monitoramento e a avaliação de políticas e incentivando a participaçãosocial.

Como afirmamos anteriormente, o conhecimento é fundamental no esforçode formação do servidor público para desenvolver o compartilhamento da gestãopública com outros agentes sociais. Daí a proposta cada vez mais aceita de que só ocapital intelectual não é o bastante. Os servidores terão de ser apoiados a aprimorarsua inteligência emocional para acolher os novos parceiros e o conjunto de desafios

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que trarão. Afinal, não é nada fácil para os servidores públicos – em qualquer nívelou setor – publicizar objetivos, compartilhar informações, dar transparência a pro-cessos, respeitar diferenças (de perspectivas, interesses, saberes, experiências, tem-pos e velocidades institucionais...), facilitar consensos, desburocratizar a comunica-ção.

E provavelmente o maior desafio de todos é sensibilizar os dirigentes para aimportância da exemplaridade: serão as mais expressivas lideranças que terão o po-der de mostrar, na prática, que acreditam na força da horizontalidade, da confiançae mesmo da afetividade, na transformação de que os governos precisam com tantaurgência.

Daí, nossa grande alegria, hoje, nessa abertura do Curso de Mestrado voltadoaos servidores públicos amapaenses, numa prova concreta de que está sendo devi-damente valorizado o incrível potencial da mobilização do conjunto dos servidorespara a construção de um país, um estado, uma cidade mais digna e mais bonita paratodos os seus moradores.

Referências

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A liderança do Príncipena sociedade contemporânea1

Maria Goreth da Silva e Sousa*Ruimarisa Monteiro Pena Martins**

Resumo: Com base em alguns princípios do pensamento político expressos nomaquiavelismo, o presente artigo procura associar O Príncipe ao gestor de pessoas nacontemporaneidade. Assim, foi possível identificar semelhanças entre as habilida-des e os princípios do líder na concepção de Maquiavel e os dos dias atuais, que,porém, precisam ser analisados dentro do contexto histórico, político, econômico esocial em que está inserido o líder.

Palavras-chave: Liderança. Gestão de Pessoas.

The leadership of the Princein contemporary society

Abstract: Based on some principles of political thought expressed in Machiavelli,this article seeks to associate The Prince to the contemporary people manager. Thus,it was possible to identify similarities between the skills and principles of the leaderin Machiavelli’s conception with those of the present day, but they need to beexamined within the historical, political, economic and social context in which theleader is inserted.

Key words: Leadership. Management of People.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Diretora-Presidente da Escola de Administração Pública do Amapá. Graduada em Pedagogia com habilitação emAdministração, pós-graduada em Educação pela Fundação Getúlio Vargas/FGV e MBA em Desenvolvimento eGestão de Pessoas pela FGV. É acadêmica no curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicaspela UECE e professora da Faculdade SEAMA em Macapá.

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará. Servidora Pública, Psicóloga, Assistente Social, Professora Universitária, Consultora Organizacional, Sócia-Proprietária da Empresa ECLIPSI Gestão de Pessoas. Especialista em Saúde Pública, Especialista em PsicologiaJurídica e MBA em Desenvolvimento e Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas. Apresenta experiência emgestão e desenvolvimento de pessoas adquiridas no serviço público e em empresas privadas.

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Na busca de obter resultados dentro da organização, o gestor o faz através daspessoas. Portanto, convive com a missão de liderá-las. Tarefa não muito fácil nosdias de hoje, considerando as exigências e necessidades do ser humano. Diante dis-to, neste artigo, é pretensão das autoras levantar questionamentos diversos, tais como:Quais habilidades são importantes para o líder? O líder nasce pronto ou pode serformado? Qual é o melhor estilo de liderança?

O debate em torno do tema liderança é bastante vasto, ocasionando uma mul-tiplicidade de conceitos e teorias, das quais destacamos: Teorias dos Traços de Per-sonalidade, Teoria sobre Estilos de Liderança e a Teoria Situacional2.

A Teoria dos Traços de Personalidade apresenta o líder como detentor decaracterísticas e atributos pessoais (físicos, mentais, culturais), que o distinguem dasdemais pessoas, com capacidade de influenciar o comportamento de terceiros. Par-te do pressuposto de que algumas pessoas possuem a combinação de traços depersonalidade observados em líderes. Esta teoria sugere que grandes feitos da hu-manidade deveriam ser atribuídos a grandes personalidades da história, reforçandoa tese do “grande homem”. Esta teoria demonstrou equívocos, quando pessoas quenão apresentavam as características definidas mostraram-se grandes líderes.

A abordagem dos Estilos de Liderança sugere estilos de comportamento dolíder com relação a seus seguidores, ou seja, aquilo que o líder faz, como se compor-ta, e apresenta três estilos: o autocrático, em que o líder toma decisões sozinho,independente do grupo; o democrático, em que há consulta da equipe na tomada dedecisão e o liberal (laissez-faire), em que há completa liberdade do grupo para decidir.Alguns autores não consideram o líder laissez-faire, em razão de sua participaçãoínfima no grupo.

Para a Teoria Situacional, não existem um único estilo de liderança ou caracte-rísticas específicas do líder, este se revela diante das situações, ou seja, cada situaçãopede um estilo de comportamento do líder para a obtenção de resultados junto aosseus subordinados. É enfatizada nesta teoria a capacidade do líder em se adaptar acada situação e levar o grupo à obtenção de resultados.

No livro O Príncipe, Maquiavel apresenta uma variedade de princípios que de-vem ser assumidos pelo líder. Apesar de ter sido escrito há mais de cinco séculos, otexto é bastante contemporâneo, tornando-se uma fonte rica de orientação para ocomportamento do líder na gestão de pessoas, dando indícios do que este deve ounão fazer para obtenção e manutenção do poder.

O príncipe, personagem do livro de Maquiavel, pode ser identificado como ogestor de pessoas, alguém que exerce a liderança sobre um grupo. Desta forma, opríncipe/gestor pode ter a sua autoridade reconhecida, não simplesmente pelo cará-

2 Chiavenato se encontra entre os autores com maior aceitação dentro deste debate. Nele nos apoiamos para concei-tuar as teorias sobre liderança referendadas neste artigo. Para um maior aprofundamento sobre o tema, ler: CHIA-VENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. 3. ed. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983.

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3 Segundo Felá Moscovici competência interpessoal “é a habilidade de lidar eficazmente com relações interpessoais, delidar com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cada uma e às exigências da situação”. Ler: Desenvol-vimento interpessoal. Rio de janeiro: José Olympio, 1998, p. 36.

ter normativo/hereditário que o alçou ao poder, mas também pelo temor de seussubordinados à possível ação coercitiva.

Para manutenção da autoridade, Maquiavel levanta a seguinte questão:É melhor ser amado que temido ou o contrário? Responde-seque se quer ser tanto um quanto outro. Mas, como é difícil reu-ni-los, é muito mais seguro ser temido do que amado, no caso deser preciso renunciar a um dos dois. Geralmente, pode-se dizerque os homens são ingratos, volúveis, mentirosos, traiçoeiros,covardes, ávidos por dinheiro. Se lhes fazes o bem, todos estãocontigo. Oferecem-te o sangue, as coisas, a vida, os filhos, comodisse antes, quando a necessidade esteja longe de ti. Mas quandoa necessidade chega perto, eles se rebelam. E o príncipe que ha-via se baseado completamente nas palavras deles, se não tiveroutras defesas, arruína-se. Pois as amizades que se conquistamcom dinheiro e não com grandeza e nobreza de alma não sãocertas, não podem ser usadas. Os homens têm menos pudor emofender alguém que se faça amado do que alguém que se façatemer. O amor é mantido por um vínculo de obrigação, que oshomens, sendo malvados, rompem quando melhor lhes servir.Mas o temor é mantido pelo medo de ser punido, o que nuncatermina (1996, p. 84-85).

Vale ressaltar que, no ambiente político ao qual Maquiavel se reportou paraescrever o livro, o poder era instituído através do regime monárquico. Portanto, opríncipe, que era o rei, assumia uma postura autoritária para exercer o poder e seconservar no cargo. Nas sociedades contemporâneas, em que o poder é estabeleci-do através do regime democrático, a concepção de líder aponta para o indivíduo quesabe desempenhar a autoridade diante de situações diversas.

Nas sociedades contemporâneas, em que o poder é exercido em um ambientede relações democráticas, a competência interpessoal3 do líder passa a ser qualidadefundamental no gerenciamento de pessoas. Entende-se que relações interpessoais eclima de grupo se influenciam reciprocamente, o que caracteriza um ambiente agra-dável, estimulante ao desenvolvimento das relações e das tarefas ou um ambientedesagradável e até mesmo perverso. No entanto, partindo das questões levantadaspor Maquiavel com relação ao ser humano, pode-se afirmar que o conflito nas rela-ções que envolvem poder torna-se inevitável, possibilitando atitudes negativas deambas as partes, o que obriga a flexibilidade do líder no gerenciamento das ques-tões.

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Segundo os autores Macedo, Rodrigues, Johann e Cunha (2007, p. 112-113),“as bases da autoridade são a formalidade e a aceitação. A autoridade formal confe-re poder posicional, mas o poder somente será exercido se seu detentor for aceito etiver a capacidade de exercer influência sobre indivíduos, grupos e situações”. Aliderança está, portanto, na construção de um ambiente organizacional adequado àsnecessidades dos indivíduos que a compõem e na capacidade do líder em exercer asua autoridade, independente de estar ou não em posição de poder. Esta autoridadecaracteriza-se pela habilidade de conseguir levar os outros a fazerem, por livre eespontânea vontade, o que designar. Diferente do poder, que é a capacidade deobrigar à satisfação de sua vontade, por estar em posição superior ou pela força, aautoridade possibilita aos colaboradores o livre arbítrio.

Desta forma, quais habilidades deve possuir o gestor para ser considerado umlíder? Para Maquiavel, uma das principais é a virtude, entendida como a capacidadedo príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar edominar a fortuna. É necessário, porém, que encontre situações favoráveis à mani-festação dessa virtude. No trecho abaixo, Maquiavel ressalta a habilidade mutáveldo líder diante das circunstâncias encontradas.

Sei que todos confessarão que seria extremamente louvável paraum príncipe possuir, de todas as qualidades acima descritas, asque são consideradas boas. Mas como todas não se podem ternem observá-las por completo, pois a condição humana não per-mite, é necessário ser prudente e saber fugir à infâmia dos víciosque podem lhe tirar o Estado. É prudente evitar também os quenão lhe tirariam, se for possível, do contrário, pode-se entregar aele sem muito temor. O príncipe não deve se importar com seexpor à infâmia dos vícios sem os quais seria difícil salvar o po-der. Porque, considerando-se bem tudo, há coisas que parecemvirtude e acarretam a ruína, outras que parecem vícios e, comelas, obtêm-se a segurança e o bem estar (1996, p.78).

Para os autores Macedo, Rodrigues, Johann e Cunha (2007, p. 120-121), exis-tem habilidades que são requeridas ao líder, tais como: “abertura, atenção, coaching,humildade, humor, integração, intuição, mentoring, versatilidade, visão do todo”, jápara Fiorelli (2000, p. 184-191), o líder deve desenvolver principalmente “habilida-de para observar... para escutar... para falar... envolvimento”.

Verifica-se, portanto, que são inúmeras as habilidades e competências para oexercício da liderança, porém, o líder é capaz de exercer influência positiva sobre aspessoas quando está atento para o clima organizacional, conhece as necessidades dogrupo, está focado em resultado, ou seja, tem definido seus objetivos e revela com-petência interpessoal.

Neste ponto, surge um novo questionamento: essas habilidades e competên-cias são inatas ou podem ser formadas no dia-a-dia? Deve-se ter prudência ao afir-

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mar que o líder nasce pronto ou pode ser formado no cotidiano. Não há regras quedefinam se alguém tem ou não a habilidade de liderar, pois existem muitas variáveis,tanto individuais como do ambiente, que devem ser consideradas. Depende não só aque pessoa se está referindo, mas também que situação se está analisando. Maquiavelpondera sobre a união da virtude com a sorte.

Para mencionar os que, por virtude própria e não por sorte, tor-naram-se príncipes, digo que os mais insígnes são Moisés, Ciro,Rômulo, Teseu e outros como eles (...) E examinando as ações ea vida deles, vê-se que da sorte só receberam a ocasião. Deu aeles a matéria para darem a forma que quisessem. Sem esta oca-sião, o valor deles seria perdido. Sem tal valor, a ocasião teriasido em vão (1996, p. 32).

Ou seja, se o indivíduo possuir habilidades de liderança, porém não tiver opor-tunidades para pô-las em prática, a liderança não surge. Por outro lado, com situa-ções adequadas, mas sem habilidades, também não se percebe o fenômeno da lide-rança. É possível, a partir de um diagnóstico da organização que considere as carac-terísticas dos membros do grupo, as tecnologias adotadas, o ambiente e o climaorganizacional, fornecer ao gestor ferramentas para o exercício da liderança querespeite suas características e habilidades na gestão de pessoas.

Segundo Fiedler (apud BERGAMINI, 1996, p. 107),O desempenho da liderança depende então tanto da organizaçãoquanto ela depende dos atributos do próprio líder. Exceto, tal-vez, em casos pouco comuns, é simplesmente insignificante fa-lar-se de um líder ineficaz; pode-se simplesmente falar de umlíder que tende à eficiência numa situação particular e à ineficiên-cia em outra. Se quisermos aumentar a eficácia organizacional egrupal, temos que aprender não apenas a desenvolver líderes maiseficazmente, como também a construir um ambiente organizaci-onal no qual o líder possa desempenhar-se bem.

Na visão de Hunter (2006, p. 32), “o poder pode ser comprado e vendido,dado e tirado. Ou seja: laços de parentesco ou amizade realmente conseguem colo-car uma pessoa numa posição de poder, mas isso já não acontece com a autoridade– ela é a essência da pessoa, está ligada ao seu caráter”. Diante disso, pode-se afirmarque, apesar do uso do poder em algumas situações se fazer necessário, é com aautoridade que ocorre o desenvolvimento do indivíduo, numa clara demonstraçãode que quando há necessidade do uso desse poder, é porque a autoridade foi questi-onada. Isso possibilita ao líder rever sua postura diante do grupo e adotar um novoestilo de liderança.

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Referências

BERGAMINI, Cecília Whitaker. Psicologia aplicada à administração de empresas. São Paulo:Atlas, 1996.CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. 3. ed. São Paulo:McGraw-Hill do Brasil, 1983.FIORELLI, José Osmir. Psicologia para administradores: integrando teoria e prática.São Paulo: Atlas, 2000.HUNTER, James C. Como se tornar um líder servidor: os princípios de liderança de OMonge e O Executivo. Rio de janeiro: Sextante, 2006.ISKANDAR, Jmil Ibrahim. Normas da ABNT: comentadas para trabalhos científi-cos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2005.MACEDO, Ivanildo; RODRIGUES, Denise; JOHANN, Maria Elizabeth; CUNHA,Neisa Maria. Aspectos comportamentais da gestão de pessoas. Rio de Janeiro: FGV, 2007.MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 18. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. 8. ed. Rio deJaneiro: José Olympio, 1998.

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Nicolau Maquiavel:(re)visitando “O Príncipe”1

Mauro Gutenbergue Nascimento Branch*Odanete das Neves Duarte Biondi**

Resumo: O objetivo deste artigo é, por meio do pensamento de Maquiavel – funda-dor da ciência política – a partir de O Príncipe, mostrar aqui a atualidade de suasideias, que fundam um novo tipo de pensamento, estabelecendo a separação entrereligião e política voltadas para a consolidação do Estado, como ente autônomo.

Palavras-chave: Estado. Política. Poder.

Nicolo Machiavelli:(re) visiting “The Prince”

Abstract: The objective of this article is, through the thought of Machiavelli –founder of political science – based on The Prince, to show the contemporaneousnessof his ideas, which founded a new type of thought, establishing the separationbetween religion and politics, aiming at the consolidation of the State as anindependent being.

Key words: State. Politics. Power.

Atualmente, em qualquer discussão sobre O Príncipe, obra de maior perma-nência de Maquiavel, o que temos, de acordo com Paul Strathern (2000, p. 7), “équase o sinônimo do mal”. Algo que personifica a imoralidade, o jogo sujo e semescrúpulos. Talvez isso ocorra em função mais do mito do que do próprio homem e

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará – UECE, Bacharel em História e Pedagogo, especialista em Educação. E-mail: [email protected].

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará – UECE, Bacharel em Direito e especialista em Inteligência e Segurança. E-mail: [email protected].

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sua obra. E este mito só pode ser desfeito, primeiro, conhecendo-se a obra e, apartir desse conhecimento, colocando Maquiavel e o que ele escreveu dentro de umcontexto histórico, como observa Diana Pipkin (2000, p. 53).

Como outros personagens da História, a vida e a obra de Maqui-avel estão inscritas em seu tempo. Isto significa que a estrutura dopensamento de Maquiavel corresponde a uma estrutura históricaque lhe serve de sustento e lhe dá sentido. [...] Somente assimpode-se compreender realmente o pensamento de Maquiavel.

Assim, interessa notar que, nossa personagem surge e opera numa formaçãopolítico-histórica e cultural singular. Seu advento vincula-se, é bom lembrarmos, àstransformações ocorridas a partir do século XVI, que abalam as sociedades na Eu-ropa Ocidental. Tais mudanças envolvem as realidades históricas e econômicas, aimagem do mundo, a representação da natureza, a cultura e o pensamento religioso.Maquiavel, portanto, viveu em uma época de profundas mudanças e, a isso, acres-centa-se, na esfera política, a própria questão italiana, com o declínio de cidades-estado e a invasão do país por forças da França e da Espanha.

Nesse mundo em profunda transformação, em que a traição era a norma e opoder volátil, é que Maquiavel produz sua obra. De imediato, queria que seus conse-lhos contribuíssem para a formação de um poder estável e, a partir dele, conseguir aunificação da Itália sob este poder, expulsando os estrangeiros e submetendo todosao poder civil e laico, que deve ser exercido no interesse do Estado, antes de que nopessoal, pois a finalidade maior do príncipe é manter-se e, ao fazê-lo, manter oEstado. Releva notar que, em todas as obras desse autor, considerado um dos maio-res analistas políticos da história, é marcante a preocupação demonstrada com oEstado.

Sua análise sobre o Estado, entretanto, diferenciava-se da visão de Platão, Aris-tóteles e São Tomás de Aquino, por exemplo, que entendiam o Estado como uma“entidade imaginária”, utópica, inviável na prática. Maquiavel tratava do Estado “real”,capaz de impor a ordem e analisado segundo exemplos práticos de seu funciona-mento. Questões como a estabilidade estatal e como o governante deve portar-sediante das dificuldades de manutenção da ordem em seu reino são nucleares na obraO Príncipe, vez que espera, partindo dessa discussão, descobrir como resolver o ine-vitável ciclo de estabilidade e caos social.

Maquiavel desenvolve sua obra com base em preceitos dos quais um príncipedeve utilizar-se para “manter-se no poder”. A ideia de “poder” abordada na obra éexatamente o que fascina os leitores, considerando que a descoberta de modos paraa sua aquisição e manutenção sempre fora uma das principais metas dos homenscomo membros de uma sociedade. Ao desenvolver tal fundamentação, o autor –amado por uns e odiado por outros – incita tanto temor, colocando em foco opoder secular da Igreja, que sua obra O Príncipe, é colada no Index.

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Ao formular e buscar resolver esta questão, Maquiavel provocauma ruptura com o saber repetido pelos séculos. Trata-se deuma indagação radical e de uma nova articulação sobre o pen-sar e fazer política, que põe fim à idéia de uma ordem natural eeterna. A ordem, produto necessário da política, não é natural,nem a materialização de uma vontade extraterrena, e tampoucoresulta do jogo de dados do acaso. Ao contrário, a ordem temum imperativo: deve ser construída pelos homens para se evi-tar o caos e a barbárie, e, uma vez alcançada, ela não será defi-nitiva, pois há sempre, em germe, o seu trabalho em negativo,isto é, a ameaça de que seja desfeita (SADEK, 2006, p. 6).

O poder, para o autor, é justamente algo que todos sentem, mas nem sempreo conhecem. É possível alcançá-lo, todavia, encontra-se em um plano incerto, emvirtude da grande dificuldade de se mantê-lo. Tal dificuldade, proveniente de umasociedade mutável que busca o suprimento de suas necessidades – cada vez maiscrescentes – e que se porta de acordo com seus próprios interesses, deve ser cons-tantemente superada. No entanto, sem perder de vista que “o mundo da políticanão leva ao céu, mas sua ausência é o pior dos infernos” (SADEK, 2006, p. 7).

Para tratar das dificuldades enfrentadas, faz uso do capítulo V, no qual soluci-ona a questão apresentada no título, dizendo que é possível a conservação de umaregião acostumada a viver sob as próprias leis e em liberdade, partindo-se de trêsopções de procedimento: há que se destruir a região, ir nela morar ou deixá-la vivercom suas leis anteriores, mas exigindo-lhe um tributo e nela estabelecendo um go-verno oligárquico que lhe seja fiel, a fim de evitar, assim, a ocorrência de motins.

Ainda no capítulo V, Maquiavel ilustra suas explicações com exemplos deestados reais que tiveram suas histórias estudadas e analisadas sob sua ótica, assimcomo a destruição de Cartago, Cápua e Numância pelos romanos, como técnicautilizada com sucesso pelo príncipe para impor-se nesses territórios, antes livres eregidos sob suas próprias leis.

Teoriza o autor no capítulo XVII, pelo contato mantido com os homens daantiguidade clássica e a própria prática, que os homens de todos os lugares e detodos os tempos apresentam certos traços imutáveis. Sua visão entende o ser hu-mano como sendo ingrato, volúvel, simulador, covarde ante os perigos e ávido delucro.

Estes atributos negativos, considerados como componentes da natureza hu-mana, por se apresentarem reiteradamente em diferentes épocas e sociedades, se-gundo o autor, demonstram a importância do estudo da história como uma fontede ensinamentos. Portanto, é a partir dos fatos passados que Maquiavel acredita serpossível extrair as causas e os meios utilizados para enfrentar os conflitos oriundosda ação humana.

Como a história é cíclica, ou seja, é um conjunto de fatos provocados porações e ambições humanas que tendem a se repetir, criando um ciclo entre ordem

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e desordem, entende-se, consequentemente, que é impossível “domesticar” a natu-reza humana. Dessa forma, surge a política como forma de enfrentar conflitos e“organizar as ambições” humanas, nem que seja provisoriamente, enquanto certogoverno conseguir fazer-se obedecer por uma sociedade.

De acordo com o secretário florentino, ciente da presença de forças sociaisopostas responsáveis pela instabilidade de qualquer governo, no qual “uma das quaisprovém de não desejar o povo ser dominado nem oprimido pelos grandes, e a outrade quererem os grandes dominar e oprimir o povo” (MAQUIAVEL, 2007, cap. XI),a política deve, então, se valer de mecanismos que imponham certa estabilidade nasrelações, estabelecendo, desta forma, a ordem.

O autor – a exemplo de Hobbes – trata da ordem como produto políticoimprescindível para se evitar o caos entre os indivíduos dentro de uma sociedade.Contudo, por entendê-la como algo que não é natural a qualquer sociedade, susten-ta que esta deva ser construída pelo governante, sendo que este deve estar ciente deseu caráter circunstancial e transitório, agindo, portanto, sempre de forma a susten-tá-la, focalizando-a como um dos principais objetivos de sua atitude governamental.

No capítulo XXV, Maquiavel sustenta que a liberdade humana, o livre-arbítrio, écapaz de amenizar o poder incontrastável da fortuna e, muitas vezes, até conquistá-lo:

[...] julgo poder ser verdade que a sorte (fortuna) seja o árbitroda metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar aoutra metade, ou quase. Comparo-a a um desses rios torrenciaisque, quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem asárvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro;todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poderopor-se em qualquer parte. E, se bem assim ocorra, isso nãoimpedia que os homens, quando a época era de calma, tomas-sem providências com anteparos e diques, de modo que, cres-cendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seuímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso (MAQUIA-VEL, 2007, cap. XXV).

Surgem, então, dois conceitos mencionados na obra que são de fundamentalimportância para o entendimento do pensamento de Maquiavel, fortuna e virtú. Par-tindo desses dois conceitos, pode-se dizer que Maquiavel vê a política como formade conciliar a natureza humana com a marca da história, daí o primeiro decorrentede contingências das próprias coisas políticas, não uma manifestação de Deus ou daProvidência Divina. Como tal, ela pode ser se não dominada, prevenida, no sentidode o príncipe não ser pego de surpresa quando venha a ocorrer. Já em relação à virtú,Maquiavel a vê como necessária ao bom exercício do poder e a pressupõe, formadapor força de caráter, coragem militar, habilidade no cálculo, astúcia e inflexibilidadeno trato com os adversários. Usando estes e outros atributos, o príncipe pode desa-fiar e mudar a fortuna (boa sorte).

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Talvez a maior responsável pela associação de Maquiavel a ardiloso, inescrupu-loso e traiçoeiro por aqueles que não conhecem ou não entendem sua obra, seja avisão que manifesta acerca de como um príncipe deva se comportar. Daí lhe impingi-rem máximas, tais como: “os fins justificam os meios”, que nem sequer fazem partede sua obra.

Percebe-se que, para o florentino, o príncipe não é um ditador, mas, sim, umfundador do Estado, um agente forte e lutador que age de maneira a organizar umanação que se encontre ameaçada, pois “se você é um príncipe e governa um Estado,seu principal objetivo é permanecer no poder e dirigir o Estado em seu melhorproveito” (STRATHERN, 2000, p. 8).

Defende Maquiavel que a política tem uma ética e uma lógica próprias e, malinterpretadas, são seguidas, na atualidade, por muitos políticos aspirantes a ditado-res que encontram em sua teoria um falso embasamento para a corrupção e maucaratismo. Demonstra que a moralidade e a política são coisas separadas e que, porisso, não há um juízo universal, mas cada ação deve ser julgada dentro do seu con-texto e sob a ótica da ação tomada e do objetivo em que foi tomada. Acaba porinstituir um novo saber, a política, definindo seu campo de estudo e princípios quea instituíram. A partir dele, o Estado tornou-se estritamente laico e civil, subordi-nando sob o seu poder o próprio poder religioso.

O Príncipe, de Maquiavel, obra clássica da literatura mundial, não pode serdesprezada, mesmo porque adequa-se a qualquer época da história humana. Osconselhos que deu ao príncipe, que não era uma pessoa, mas uma abstração, aindaestão servindo a governantes, em outro contexto, é certo, mas servindo, o que de-monstra a atualidade do pensamento de Maquiavel, sem deixar de considerar o seuavanço histórico.

Conduz-nos a uma visão realista de como o ser humano pode, deve e, de fato,manipula o poder. De forma singular, Maquiavel insistiu em falar da realidade – docomportamento real das pessoas, não de como deveriam se comportar (STRA-THERN, 2000, p. 48-49). Leitura obrigatória para aqueles que pretendem avançarno conhecimento das Ciências Políticas. Todavia, não é suficiente apenas citar Maqui-avel e aparentar erudição. É importante compreendê-lo e deleitar-se com as fímbriasde seu estilo e sua lógica impecáveis, pois, verdade é que seus pensamentos merecemos juízos mais desencontrados e despertam sentimentos contraditórios, no entanto,não há quem queira discorrer acerca de política hoje que possa ignorá-lo.

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Referências

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Maquiavel, o estado modernoe a fundação da ciência política1

Randolph Frederich Rodrigues Alves*

Resumo: O presente artigo trata de uma leitura de O Príncipe do teórico políticoNicolau Maquiavel, a partir do uso do termo maquiavélico como sinônimo de falta deescrúpulos na política e sua extensão a outros campos das relações privadas e nosenso comum. Desta maneira, o texto procura dialogar com estas afirmações e coma obra deste que é considerado fundador da ciência política, contrariando essa inter-pretação ao demonstrar que a referida obra inaugura uma percepção sobre a moralna política.

Palavras-chave: Ciência Política. Maquiavelismo. O Príncipe.

Machiavelli, the stateand the foundation of modern political science

Abstract: This article deals with a reading of The Prince of the political theoristNicolo Machiavelli, based on the use of the Machiavellian term as a synonym forabsence of scruples in politics and its extension to other fields of private relationshipsand common use. In this way, the text tries to dialogue with those statements andwith the text that is considered the founder of political science, countering thatinterpretation by demonstrating that the above mentioned work inaugurates aperception of morality in politics.

Key words: Political Science. Machiavelli. The Prince.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, Mestrado Pro-fissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará-UECE. Bacharel em História pela Universidade Federal do Amapá e professor da rede pública do EstadoAmapá.

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Introdução

Se ensinei aos príncipes de quemodo se estabelece a tirania, ao

mesmo tempo mostrarei ao povo osmeios para dela se defender.

É necessário ser príncipe paraconhecer perfeitamente a natureza

do povo, e pertencer ao povo para conhecer a naturezados príncipes.

(Nicolau Maquiavel)

Maquiavel é um teórico mal compreendido tanto pela crítica quanto pelo sen-so comum. A própria significação que se dá ao termo maquiavélico revela o grau deincompreensão do que foi escrito por este florentino do início do século XVI.

Os termos maquiavélico e maquiavelismo nos fazem pensar em alguém extre-mamente poderoso, perverso, sedutor e enganador, que leva as pessoas a fazeremexatamente o que ele deseja, mesmo que sejam aniquiladas por isso. Estes termossão usados no dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita também ouniverso das relações privadas. Os termos vinculam a identidade com o que é con-siderado em nossa cultura como diabólico. Assim Shakespeare (Apud CHAUÍ, 1995,p. 245) o chamou de “The Murderous”, identificando-o com o diabo. Os jesuítasincriminavam os protestantes considerando-os discípulos de Maquiavel. O maquia-velismo serve a todos os ódios, modifica-se de acordo com os acontecimentos (SA-DEK, 2004).

O principal equívoco sobre Maquiavel é o que vincula a ação inescrupulosa aodesejo do poder pelo poder. Nada mais contrário a Maquiavel do que vinculá-lo àexpressão “os fins justificam os meios”. Ele não desprezava os fins, os objetivos,mas, sim, os colocava em seu devido lugar, no centro do planejamento da açãopolítica: “Toda a ação é designada em termos do fim que se procura atingir” (MA-QUIAVEL, 1996). É neste aspecto que reside a revolução maquiaveliana.

Neste sentido, há de se perguntar sobre quais eram os fins que Maquiavelpropunha. Fundamentalmente, Maquiavel procurava reunificar a Itália e construiruma instituição republicana na qual a vontade do povo fosse respeitada. Esta com-preensão republicana e democrática torna-se clara em dois momentos de suas obras:os comentários sobre a primeira década de Tito Lívio e o último capítulo de OPríncipe, em que se observa que, ao estabelecer um paralelo entre o povo hebreu e opovo italiano, Maquiavel desejou ver a Itália livre dos bárbaros. Para atingir esse fim,seria necessária a disposição de um príncipe munido de fortuna e virtú para realiza-

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ção de tão nobre feito, reunindo em sua pessoa boas ou más qualidades, conformeas exigências das circunstâncias.

Para Maquiavel, virtú é um conjunto de qualidades, sejam elas quais forem,cuja aquisição o príncipe possa compreender como necessária a fim de “manter seuestado e realizar grandes feitos” (GOMES, 2008).

Ainda em O Príncipe, adverte-se que é perigoso ser odiado pelo povo, e quepara um governante que não consegue manter-se em paz com o povo, é inútil aproteção dos exércitos e de fortalezas. Segundo Maquiavel, o principado provém dopovo ou dos grandes, segundo a oportunidade que tiver uma ou outra dessas partes.O ponto de partida da política é a divisão social entre os grandes e o povo: “En-quanto o povo não quer ser oprimido pelos grandes, os grandes desejam oprimir opovo”. Entende Maquiavel que a energia criadora de uma sociedade é derivada des-te sistema de oposição, portanto os conflitos sociais são necessários para consolida-ção do Estado. Cabe ao príncipe com virtú tirar as melhores possibilidades destaoposição.

1 A arte e as metas do florentino

A partir de Maquiavel, elaborou-se uma teoria sobre como constituir o Esta-do moderno. Quatro séculos após, muitos têm lido e comentado a sua obra. Maqui-avel recebe hoje as mesmas acusações que a Igreja e a nobreza lhe impingiram aolongo do tempo. O contrário dessa caracterização preconceituosa de Maquiavel nosé apresentado por Rousseau, que se opõe aos intérpretes “superficiais ou corrompi-dos” do autor florentino. Assim afirma o iluminista francês: “Maquiavel, fingindodar lições aos Príncipes, deu grandes lições ao povo” (apud GRUPPI, 1986, p. 12).Estes são os contrapontos de Maquiavel: mestre da artimanha e da maldade ouconselheiro do povo que alerta os dominados contra a tirania, o fato. A atualidadedo pensamento político precisa resgatar e decifrar este pensador sem preconceitos eem sua verdade fundamental. A Maquiavel, o intelectual de virtú, devemos a reinau-guração da ciência política moderna (GRUPPI, 1986).

A visão de Maquiavel é essencialmente estratégica: definir o objetivo, enxer-gar a realidade como ela é, a partir daí, como é possível se chegar à situação desejadano objetivo, rever os objetivos e, por fim, pensar nas táticas que podem ajudar aconcretizar o objetivo através de metas realistas e concretas (GOMES, 2008).

O conceito de risco calculado da estratégia militar contemporânea tem muitode Maquiavel. Ele adverte que, de um lado, o importante é que não se perca oobjetivo de vista e, de outro, que nem toda tática é recomendável. Portanto, não élinear, nem são infinitas as escolhas, porque algumas ampliam o risco admissível, ouainda, os riscos devem ser corridos, pois a sorte auxilia os audazes (CHAUÍ, 1995).

Maquiavel sabe que o Estado que deseja não será obtido enquanto a Itália nãofor unificada. Ela não será unificada a não ser por um príncipe forte e que este

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processo inevitavelmente conduzirá a guerras e violência. Esta centralização so-mente será possível através de um nome forte, porque precisará combater as elitesaristocráticas que impedem a consolidação de um Estado republicano.

2 Maquiavel e o surgimento das teorias modernas de estado e política

Na abordagem que encontramos em O Príncipe, Maquiavel inaugura a ciênciapolítica. A política passa a ter contornos de uma ciência autônoma separada damoral e da religião medievais. A condição da Itália, convulsionada por crises políti-cas, ameaças externas e ausência de unidade nacional, influencia diretamente em OPríncipe. A obra, claramente, deixa transparecer a amargura e descrença do autor emrelação à condição humana. Quando a escreveu, Maquiavel desempenhava funçõespolíticas, administrativas e diplomáticas em Florença. Tinha caído em desgraça ehavia sofrido pena de prisão. A intenção da obra foi encontrar um processo queunificasse a Itália e fundasse um Estado duradouro.

Ao descrever o processo real da formação do Estado moderno, através doabsolutismo, Maquiavel não se ocupa da moral. Trata da política e identifica as leisespecíficas da política enquanto ciência. Com isso, apresenta o seu principal ensina-mento, que é a separação da ética e da moral aristotélica da política.

Diferentemente de Aristóteles, para Maquiavel, o Estado não tem como fun-ção principal assegurar a felicidade e a virtude. Ao contrário do pensamento medi-eval, este Estado não é mais a preparação dos homens para o reino de Deus. OEstado passa a ter a sua própria dinâmica, faz política, segue sua técnica e faz suasleis (GRUPPI, 1986).

Logo no início da obra, Maquiavel nos apresenta a sua distinção sobre a reali-dade efetiva da política e sobre os tipos de Estado:

Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autori-dade sobre os homens são Estados: ou são repúblicas ou princi-pados. Os principados, por sua vez, ou são hereditários, nestecaso o príncipe é por descendência antiga, ou são novos (MA-QUIAVEL, 1996, p. 11).

Mais adiante, no decorrer de sua célebre obra, acrescenta que “muitos imagi-nam repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos realmente [...]”.

E completa afirmando que:Grande é a diferença entre a maneira em que se vive e aquela emque se deveria viver; assim, quem deixar de fazer o que é decostume para fazer o que deveria ser feito encaminha-se maispara a ruína do que para sua salvação. Porque quem quiser com-portar-se em todas as circunstâncias como um homem bom vaiter que perecer entre tantos que não são bons (MAQUIAVEL,1996, p. 43).

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Estes trechos de O Príncipe têm um profundo significado para o que podemoschamar de fundação da ciência política contemporânea e da teoria da formação doEstado moderno. Estas afirmações podem ser feitas em decorrência do seguinte: 1.Embora se imaginem estados ideais, eles de fato não existem, como Platão elaborouna sua “República”. 2. Na política, devemos observar os fatos como eles são e ela-borar o que se pode e é necessário fazer, não aquilo que seria certo fazer. Portanto,é necessário conhecer o homem, a sua natureza e agir na realidade efetiva. 3. Final-mente a política é, portanto, a arte do possível, a arte da realidade que pode serefetivada, que atua a partir das coisas como são e não como deveriam ser. Por outrolado, o centro desta elaboração encontra sua genialidade na separação entre políticae moral, distinguindo-se da elaboração aristotélica, pois é a moral que cuida dodever ser (CHAUÍ, 1995).

Maquiavel ainda descortina sobre o comportamento do príncipeem relação à natureza humana e à necessidade das virtudes: Háuma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice-versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coi-sas, sermos amados e temidos; mas como é difícil juntar as duascoisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais se-guro sermos temidos do que amados [...] pois dos homens, emgeral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, si-muladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e sãoávidos de lucrar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todosseus, oferecem-lhe seu próprio sangue, suas posses, suas vidas,seus filhos. Isso tudo até o momento que você não tem necessi-dade. Mas quando você precisar, eles viram as costas. [...][...] Os homens têm menos escrúpulo de ofender quem se fazamar do que quem se faz temer. Pois o amor depende de umavinculação moral que os homens, sendo malvados, rompem, maso temor é mantido por um medo de castigo que não nos aban-dona nunca (MAQUIAVEL, 1996, p. 17).

A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel nos apresenta umnovo horizonte para se pensar e fazer política, rompendo com o tradicional moralis-mo piedoso. A resistência a esta compreensão é o que dá origem ao termo “maqui-avélico”. O preconceito sobre Maquiavel e sua obra foi fundado como resistência àssuas concepções. Ao longo dos séculos, esta resistência acabou nublando a riquezadas descobertas para as ciências do Estado e da política.

Na obra de Maquiavel, funda-se uma nova moral: a moral do cidadão, típicodestes tempos humanistas: É o homem que edifica o Estado.

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Referências

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1995.GOMES, Alexandre. Maquiavel e a política contemporânea. Disponível em: <http://www.poderdapalavra.com.br/portal/book/export/htlm>. Acesso em: 23 jul. 2008.GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civiliza-ção Brasileira, 1988.GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel: As concepções de Estado em Marx,Engels, Lênin e Gramsci. 11. ed. Porto Alegre: L&PM, 1986.MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna. In: WEFFORT,Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. 14. ed. São Paulo: Ática, 2004.

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Educação e princípios de governo:honra, virtude e medo no cenário

educacional brasileiro1

Edilson Mendes Pereira*Márcio Moreira Monteiro**

Robério Aleixo Anselmo Nobre***

Resumo: Este artigo analisa o contexto educacional brasileiro a partir das ideias deMontesquieu acerca da relação entre as leis educacionais e os princípios de governo.Fundamenta-se no pressuposto de que no decorrer da história de nossa sociedade épossível observar ideários identificados com a honra (Período Imperial), com o medo(Estado Novo e Regime Militar) e também com a virtude (Nova República). Para tanto,utiliza teóricos como: Romanelli (2003), Couto (1998) e Libâneo (2005). Destaca aindaa importância do atual momento da educação nacional em relação ao cenário mundial.

Palavras-chave: Educação Nacional. Honra. Virtude. Medo.

Education and principles of government:honor, virtue and fear in the scenario

of brazilian education

Abstract: This article analyzes the educational context of Brazil based on the ideasof Montesquieu about the relation between the educational laws and the principlesof government. It is based on the presupposition that throughout the history ofour society it is possible to observe the systems of ideas identified with honor

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará. Coordenador do Curso de Educação Física – Faculdade de Macapá/FAMA. Fisioterapeuta/SESA-AP. E-mail: [email protected].

**Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará. Professor da Universidade Estadual do Amapá (UEAP) e da Faculdade de Macapá (FAMA). E-mail:[email protected].

***Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará. Diretor Presidente da Agência de Desenvolvimento do Amapá/ADAP. E-mail: [email protected].

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(Imperial Period), with fear (New State and Military Regiment) and also with virtue(New Republic). For this, theorists such as the following are used: Romanelli (2003),Couto (1998) and Libâneo (2005). Besides this, it also highlights the importance ofthe current moment of the national education in relation to the world scenario.

Key words: National Education. Honor. Virtue. Fear.

A visão montesquiana acerca do espírito das leis no campo educacional remetea uma reflexão sobre o tipo de educação, de cidadão e da própria ideia de cidadaniaque fundamentam a sociedade brasileira. Um recorte histórico da educação nacionalrevela traços marcantes, ora ligados à ideia de honra, ora à ideia de temor/medo e, porvezes, estabelecendo a virtude como ponto principal da formação do cidadão.

Para entendimento da temática, faz-se necessário recorrer, inicialmente, àsideias de Montesquieu2 (1689-1755) sobre a importância das leis educacionais e suarelação com cada forma de governo: monarquia, despotismo e república, destacan-do seus principais aspectos. Em seguida, trazem-se para a discussão os momentoshistóricos da construção da sociedade brasileira que deixam claro em seu contextoos elementos característicos da educação em cada tipo de sociedade (Período Impe-rial, Estado Novo, Regime Militar e Nova República)

Ao longo da história das sociedades, percebe-se o fenômeno educativo comoelemento basilar na construção social de seus sujeitos, assim como das relações quese estabelecem entre estes, e entre estes e as instituições políticas e governamentais.A educação, por estar presente, de maneira formal e informal, em toda a vida do serhumano, e suas leis sendo as primeiras que recebemos (MONTESQUIEU, 2007),funciona como construtora de um cidadão característico de uma forma de governo.Para Montesquieu (2007, p. 44), “as leis da educação, serão, portanto, diferentes emcada tipo de governo. Nas monarquias, terão por objeto a honra; nas repúblicas, avirtude; no despotismo, o medo”.

A monarquia estabelece a honra como pressuposto legal da formação de umcidadão grandioso, relacionando-se a uma educação voltada para o enobrecimentodos sentimentos. Montesquieu (2007, p. 45) diz que “desde que a honra, nas monar-quias, pode encontrar alguma coisa nobre, ela se torna ou o juiz que as torna legíti-mas, ou o sofista que as justifica”.

O Estado despótico busca sua sustentação no medo, justificando-se pela obedi-ência aos preceitos estabelecidos. O medo é o eixo principal da formação do cidadão.Neste caso, a educação assenta-se no temor à figura do déspota que legalmente tem opoder de punir. As leis de educação legitimam a formação de um sujeito domesticadopelo temor, obediente, incapaz de se rebelar diante das relações desiguais.

2 Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu.

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Na república, que prioriza a virtude, entendida por Montesquieu como virtu-de política, observa-se a necessidade de um tipo educacional com seus princípiosvoltados para a defesa do amor às leis e à pátria, em que o interesse público sesobrepõe ao interesse privado. Os princípios idealizados na república devem sertrabalhados e desenvolvidos nas crianças. Porém, para que isso aconteça, faz-se ne-cessário que os pais, as famílias tenham convicção da importância do amor à repú-blica e dos valores republicanos.

1 Honra e Educação no Período Imperial (1822-1889)

A Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, em seu art. 179, § 32,determinava nas que a instrução primária era gratuita a todos os cidadãos. Entretan-to, é importante esclarecer a noção de cidadania que se tinha na época. Cidadão eraaquele que possuía propriedades, terras, muitos bens e tinha participação no gover-no local, sendo agraciado com privilégios, títulos que o diferenciava das outras pes-soas. Fazia parte dos grupos que impunham suas vontades e seus interesses atravésde leis que mantinham privilégios sociais, políticos e econômicos.

A honra representa um sentimento de classe e o amor aos privilégios e prerro-gativas que caracterizam a nobreza. O governo de um só, baseado em leis fixas einstituições permanentes, com poderes intermediários e subordinados – tal comoMontesquieu caracteriza a monarquia –, só pode funcionar se esses poderes inter-mediários orientarem sua ação pelo princípio da honra. É através da honra que aarrogância e os apetites desenfreados da nobreza, bem como o particularismo dosseus interesses se traduzem em bem público. “Se não existir monarca, não existiránobreza, se não existir nobreza, não existirá monarca” (MONTESQUIEU, 2007, p.31). Neste sentido, a nobreza se configura como poder intermediário, sendo a basedo governo monárquico.

2 Medo e Educação no Estado Novo (1937-1945)

O Estado Novo representa um golpe nos movimentos esquerdistas e de direi-ta, além de atropelar os interesses latifundiários, sendo recebido de forma simpáticapela maioria da burguesia e pelos militares que deram a sustentação necessária paraque Vargas, com amplos poderes, pudesse “realizar o remanejamento da estruturado Estado que a revolução de 1930 vinha reivindicando. A política liberal do gover-no é substituída por um dirigismo estatal, que favoreceu a indústria” (ROMANE-LLI, 2003, p. 50).

A Constituição de 1937, claramente com tendências fascistas, aponta os ru-mos da educação para os interesses capitalistas, no sentido de preparar o maiorcontingente possível de mão-de-obra para as novas áreas criadas pelo mercado. Acaracterística principal do modelo educacional é a obediência, que serve de susten-

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tação ao poder estabelecido (ROMANELLI, 2003). A não-obediência é reprimidacom o castigo, aplicado por quem tem o dever de punir, o Estado, com suas mãosfortes e atentas a qualquer fuga da ordem e do progresso. Trata-se de uma referênciaàs ideias positivistas3, com grande influência na educação desse período.

3 Educação e Medo no Regime Militar (1964-1985)

A representação do medo na educação deste período é, de forma marcante,representada no relato de Couto (1998, p. 54):

O golpe de 1964 chegou-me assistindo a aula de matemática naFaculdade de Ciências Econômicas da UFMG, no centro de BeloHorizonte. Eram 7h45min. da manhã de 1º de abril, uma quarta-feira. Francisco Teixeira Dias, o Chiquinho, um desses prodígiosalienados tão comuns nas universidades do país, quadro negrolotado de fórmulas e gráficos, estava concluindo a demonstra-ção de complicado teorema. De repente, batem forte na portade entrada. Um aluno abre. Dois soldados do Exército, roupasde campanha, armados até os dentes, baionetas ameaçadoras.Um deles diz ao professor: “A aula acabou.” Do seu mundo nu-mérico e de trás dos pesados óculos fundo de garrafa, Chiqui-nho olha sem espanto, não se abala. Diz: “Tudo bem, ‘seu guar-da’! Só vou concluir a demonstração que está no finzinho.” Osoldado: “A ordem é fechar tudo aqui. E vamos fechar.” Perple-xos, nos levantamos e saímos.

O golpe militar representa o ajuste da política e da economia nacional rumo àentrada definitiva no modelo e desenvolvimento difundido pelo capital internacio-nal. Este período caracteriza-se de forma sombria sobre os variados campos denossa sociedade, em particular os da educação e da economia que passam a seguir acartilha dos interesses norte-americanos.

No campo educacional, a Lei de Diretrizes e Bases, a partir dos acordos MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International De-velopment), sofre várias alterações que passam a ditar os rumos de nossa educação(Lei nº 5.540/68, Lei nº 5.692/71, 7.044/82). A primeira reforma o ensino superior,a segunda reestrutura o ensino em 1º e 2º graus, tornando o último obrigatoriamen-te profissionalizante nas escolas da rede oficial. Já a reforma final retira a obrigato-riedade do ensino profissionalizante.

3 Sistema filosófico formulado por Augusto Comte tendo como núcleo sua teoria dos três estados, segundo a qual oespírito humano, ou seja, a sociedade, a cultura, passa por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. Aschamadas ciências positivas surgem apenas quando a humanidade atinge a terceira etapa, sua maioridade, rompendocom as anteriores.

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Na realidade, nota-se que as reformas são introduzidas muito mais pelas novasnecessidades de mercado que se instalara no país, do que propriamente pela preocupa-ção governamental com a qualidade educacional vivenciada em nossas terras, já que:

A crise servia de justificativa de intervenção, mas não passava deum pretexto para assegurar ao setor externo a oportunidade parapropor uma organização do ensino capaz de antecipar-se, refle-tindo-a, à fase posterior do desenvolvimento econômico. Omomento era propício para essa intervenção, porque estavamasseguradas as pré-condições políticas e econômicas da retoma-da da expansão e havia, para tanto, uma condição objetiva “jus-tificando-a” (ROMANELLI, 2003, p. 209).

As reformas educacionais implementadas tinham forte conotação política,servindo à nova face do capitalismo mundial e ao processo de industrialização peloqual passava a economia e o mercado brasileiro, necessitando de mão-de-obra qua-lificada a um custo baixo no menor tempo possível.

4 Educação e Virtude na Nova República (1986-2008)

Percebe-se, ao longo dos variados períodos históricos, o forte vínculo entre aeducação, as condições político-econômicas e os programas e projetos implementa-dos no país, sob o pretexto do desenvolvimento que, para ser alcançado, necessitaestar atrelado ao modelo econômico mundial. Nesta visão, a educação está a serviçodo capital e não das pessoas. O conhecimento é tratado como produto a ser comer-cializado.

Com essa ideia, a década de 1980, com o fim da ditadura militar e a retomadado processo de reconstrução da democracia, lança as bases para a implantação deuma política econômica e social que tem como meta a privatização de setores estra-tégicos do sistema público. Libâneo (2005, p.138-139) afirma que:

O descontentamento com a deterioração da gestão das re-des públicas, o rebaixamento salarial dos professores, a eleva-ção das despesas escolares pela ampliação da escolaridade semaumento dos recursos, os inúmeros casos de desvios de re-cursos, além de abrirem portas à iniciativa privada, levaram asociedade civil a propor soluções que se tornaram ações po-líticas concretas por ocasião das eleições de 1982.

A partir de 1990, concretiza-se a política educacional de caráter privatista, emespecial com a posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995. Abrem-se as portas de nossa sociedade para a ajuda de órgãos internacionais que passam ainfluenciar diretamente os caminhos e descaminhos de nossa educação, inclusive aLDB promulgada em 1996, que legitima os interesses internacionais em nosso país.

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As ideias de Montesquieu, sobre os princípios e a natureza que sustentam asformas de governo e de como as leis educacionais trabalham para legitimar taismodelos, encontram-se presentes, de forma explícita, nas várias fases da história dasociedade brasileira, estando em conformidade com sua época e seu lugar, privilegi-ando a honra no Período Imperial, o medo como sustentáculo no Estado Novo eno Regime Militar e a virtude como a essência da educação na Nova República,demonstrando seu caráter histórico e atual em um quadro complexo e singular dopoder regente na sociedade.

Referências

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A teoria da separação dos poderes:princípio consagrado na Constituição Brasileira de 1988?1

Armando Alves Júnior*

Resumo: O presente artigo analisa a Teoria da Separação dos Poderes, de Montes-quieu (1689-1755), enquanto teoria consagrada na Constituição Federal Brasileirade 1988, procurando demonstrar a contemporaneidade da teoria em razão de de-fender a equipolência entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, como prin-cípio para garantia do Estado democrático.

Palavras-chave: Estado. Poder. Equipolência.

The theory of the separation of powers:principle enshrined in the Brazilian Constitution of 1988?

Abstract: This article examines the theory of the separation of powers ofMontesquieu (1689-1755) as a theory enshrined in the Brazilian Federal Constitutionof 1988, seeking to demonstrate the contemporaneousness of the theory on thegrounds of defending the equipollence between the executive, legislative and judiciary,as a principle to guarantee the democratic state.

Key words: State. Power. Equipollence.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, Mestrado Pro-fissional em Planejamento em Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual doCeará. Coronel da Polícia Militar do Estado do Amapá. Professor universitário pelo Centro de Ensino Superior doAmapá e professor da Rede Pública Estadual. Exerceu o mandato de deputado federal pelo Amapá de 2003 a 2007.

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No fundo, toda teoria política clássicaé por natureza contemporânea.

J. A. Guilhon Albuquerque

Em 5 de outubro de 2008, a Carta Magna brasileira completa vinte anos devigência. Um bom momento, em todo país, para que as entidades de classes, osórgãos governamentais e as instituições privadas organizem debates visando refle-tir, a partir de vários olhares, as implicações ocasionadas pela lei maior que rege opaís na vida de cada brasileiro. O presente trabalho propõe discutir, de forma sucin-ta, o modelo da tripartição de poderes de Montesquieu, enquanto cláusula consa-grada no artigo segundo da Constituição Brasileira de 1988, buscando demonstrarsua contemporaneidade em razão de apontar, assim como Estado democrático, oequilíbrio entre os poderes como princípio fundamental para a existência de umregime político ideal.

A Constituição de 1988 pôs fim a um longo período ditatorial da políticabrasileira, instituído pelo Golpe de 1964, restaurando no país a democracia. Histori-camente, a reforma constitucional iniciou entre os anos de 1985 e 1986, com orestabelecimento da eleição direta para a Presidência da República, a aprovação dovoto para os analfabetos, a legalização dos partidos políticos, a extinção da censuraprévia e o fim das intervenções nos sindicatos. Em 1986, foi eleita a AssembléiaNacional Constituinte, encarregada de elaborar a nova Constituição. Até o términodas votações em 1° de setembro de 1988, transcorreram intensos debates, marcadospor uma série de conflitos entre os grupos conservadores e progressistas, os primei-ros reunidos no Centro Democrático e os segundos formados pelos partidos deesquerda (PT, PC, PC do B, PDT) e por uma parte do PMDB. Depois de dezenovemeses de trabalho, promulgou-se a nova Carta Magna do país, consagrando comoregime político o estado democrático de direito2.

Entre os princípios políticos presentes na elaboração da Constituição Brasi-leira de 1988, destaca-se a Teoria da Separação dos Poderes, consagrada pelo pensa-dor francês Montesquieu3, na obra Do Espírito das Leis, em que defendeu a ideia daseparação de poderes como forma de evitar a concentração absoluta de poder nasmãos do soberano, através do equilíbrio entre os três poderes: executivo, legislativoe judiciário. Para escrever a Teoria dos Três Poderes, Montesquieu baseou-se na

2 Sobre a história e as mudanças sociais instituídas pela Constituição Brasileira de 1988 ler: Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2008 e BONTEMPO, Alessandra Gotti. DireitosSociais: eficácia e racionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2005.

3 Charles-Louis de Secondat ou simplesmente Charles de Montesquieu, Barão de Montesquieu nasceu no dia 18 dejaneiro de 1689 e faleceu no dia 10 de fevereiro de 1755. Filho de família nobre, cedo teve formação iluminista compadres oratorianos. Revelou-se um crítico severo e irônico da monarquia absolutista decadente, bem como do clerocatólico. Adquiriu sólidos conhecimentos humanísticos e jurídicos, mas também frequentou em Paris os círculos daboemia literária. Wikipedia, 2008.

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obra Política, do filósofo Aristóteles, e na obra Segundo Tratado do Governo Civil, publi-cada por John Locke.

Com base na Constituição Inglesa, Montesquieu (1987, cap. VI) verificou queexistem “em cada Estado três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder exe-cutivo das coisas que dependem dos direitos das gentes, e o poder executivo das quedependem do direito civil”. Cada um dos poderes assume uma função específica,conforme descrição abaixo:

O Legislativo faz as leis para algum tempo ou para sempre, ecorrige ou ab-roga as que estão feitas; o Judiciário pune os cri-mes ou julga as demandas dos particulares; e o Executivo, sendoo restante poder, exerce as demais funções do Estado, a adminis-tração geral do Estado, constituindo-se por isso no executor dasleis em geral (MONTESQUIEU, 1987, Livro 8, cap. XIX, p. 139).

Assim, para que haja a legitimidade de cada poder sem que ocorram excessos,faz-se necessário garantir que um poder não interfira no outro. No entanto, isso nãoquer dizer que, dependendo da natureza de cada poder, isso não possa ocorrer. Notrecho abaixo, Montesquieu exemplifica esta distinção tomando como base a rela-ção entre o poder executivo e legislativo.

O poder executivo, como dissemos, deve participar da legislaçãopela faculdade de vetar; sem o que breve será despojado de suasprerrogativas. Mas se o poder legislativo também participa daexecução, o poder executivo estará igualmente perdido. Se o mo-narca tomasse parte na legislação pela faculdade de estatuir, nãohaveria mais liberdade. Porém, como é preciso, no entanto, quetome parte na legislação para defender-se, é preciso que o façapela faculdade de vetar (Cap. V, 1987).

Portanto, para Montesquieu era preciso assegurar não a independência entreos poderes, mas a liberdade entre eles, permitindo que um poder desafiasse o outro,atuando como instâncias moderadoras, impedindo abusos, principalmente por par-te do executivo. Porém, para que isso ocorresse, era “preciso que a instância mode-radora (isto é, a instituição que proporcionará os famosos freios e contrapesos dateoria liberal da separação dos poderes) encontre sua força política em outra basesocial” (ALBUQUERQUE, 2006). Neste caso, a outra base social a qual Montes-quieu se referia era a “burguesia”. Para Albuquerque (2006).

[...] a estabilidade do regime ideal está em que a correlação entreas forças reais da sociedade possa se expressar também nas ins-tituições políticas. Isto é, seria necessário que o funcionamentodas instituições permitisse que o poder das forças sociais con-trariasse e, portanto, moderasse o poder das demais.

Tomando como base que a moderação dos poderes decorreria da legitimidadedas forças sociais dentro das instituições políticas (ALBUQUERQUE, 2006), pode-

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se afirmar que a teoria de Montesquieu antecipa a base política dos governos demo-cráticos dos Estados atuais, demonstrando a sua contemporaneidade.

Vale ressaltar que Montesquieu escreveu a Teoria da Tripartição dos Poderesem uma época que antecedeu os governos liberais implantados pelas revoluçõesburguesas, em que o poder estava concentrado na figura do monarca: “aristocraciaestá, de certo modo, no senado, a democracia no corpo dos nobres e que o povonão é nada” (MONTESQUIEU, 1987, Cap. III). Apesar de fazer parte da nobreza,não pretendia a restauração do poder à classe à qual pertencia e, sim, tirar proveitodas fragilidades dos regimes monárquicos e assim contribuir para a implantação degovernos que resultassem de revoluções democráticas (ALBUQUERQUE, 2006).

Montesquieu acreditava também que, para afastar governos absolutistas e evi-tar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer a autonomia e oslimites de cada poder. Segundo Albuquerque (2006):

Na sua versão mais divulgada, a teoria dos poderes é conhecidacomo a separação dos poderes ou a equipolência. De acordocom essa versão, Montesquieu estabeleceria, como condição parao Estado de direito, a separação dos poderes executivo, legislati-vo e judiciário e a independência entre eles. A ideia de equivalên-cia consiste em que essas três funções deveriam ser dotadas deigual poder.

Assim, Montesquieu (1987, Cap. IV) defendia a regulamentação do poder, deforma tal que impedisse abusos.

Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela dis-posição das coisas, o poder contenha o poder. Uma constituiçãopode ser tal que ninguém será obrigado a fazer as coisas a que alei não o obrigue nem a não fazer as que a lei lhe permite.

No Brasil, o princípio do equilíbrio dos três poderes prevalece na constituiçãoem vigor, promulgada em 5 de outubro de 1988. No seu art. 2º, diz que “são Pode-res da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e oJudiciário”. No seu título IV, que versa sobre a organização dos poderes, destina umcapítulo a cada poder.

O objetivo colimado pela Constituição Federal (outorgado aos Poderes Legislati-vo, Executivo e Judiciário) é a defesa do regime democrático, dos direitos fundamentaise da própria Separação dos Poderes, legitimando, pois, o tratamento diferenciado fixadoaos seus membros, em face dos princípios da igualdade (MORAES, 2004, p. 54).

Rodrigo Mendonça Curvina (2008) ressalta que a utilização deste princípioveio como porta-voz das revoluções burguesas que instituíram o Estado Liberal.

[...] como técnica para a limitação do poder, a teoria foi posta emprática nas Revoluções Liberais Burguesas dos séculos XVII eXVIII (Revolução Gloriosa – Inglaterra 1688/89, Independên-cia Norte-Americana, e Revolução Francesa) em resposta aos

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abusos da concentração de poderes típica do Absolutismo daIdade Moderna, lembrando que essa era a marca do início doEstado de Direito.

Porém, foi somente na França, em 1791, que o termo “Separação de Pode-res”, surgiu como princípio constitucional, ao defender que: “Não teria Constitui-ção a sociedade que não garantisse a separação dos poderes com vias à proteção dosdireitos individuais” (FERREIRA FILHO apud CURVINA, 2008).

A primeira aplicação prática da doutrina da divisão dos poderes deu-se com aConstituição Norte-Americana de 17 de setembro de 1787, generalizando-se a par-tir de então, sendo adotada pelo constitucionalismo dos dois últimos séculos. Coma queda do Império, em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Consti-tuição Republicana no Brasil, estabelecendo, na consonância dos ensinamentos deMontesquieu, o sistema de três poderes, cuja estrutura básica, no tópico, permane-ceu a mesma nas Constituições subsequentes, com os hiatos decorrentes do regimepolítico corporificado na Carta outorgada em 10 de novembro de 1937 e durante operíodo de excepcionalidade da Revolução de 1964 (RIBEIRO, 2000, p. 215).

A separação dos poderes é uma garantia extraordinária que foi alçada à di-mensão constitucional, fruto do desejo e da intenção constituinte de estabelecerfunções diferenciadas, conjugando princípios por vezes aparentemente contrapos-tos, com escopo de salvaguardar o exercício dos direitos individuais e coletivos. Aseparação dos poderes tornou-se um princípio essencial de legitimação do Estadobrasileiro.

Se, por um lado, as imunidades e as garantias dos agentes políticos, previstasna Constituição Federal, são instrumentos para perpetuidade da separação dos po-deres estatais, independentes e harmônicos, por outro lado, igualmente defendem aefetividade dos direitos fundamentais e a própria perpetuidade do regime democrá-tico (TEMER, 2003, p. 2).

Contudo, no Brasil, as práticas políticas exercidas têm demonstrado que agarantia da equipolência em vários momentos é um ideal ainda a ser alcançado. Atradição política brasileira tem mostrado que não basta a inserção do princípio daseparação dos poderes para que se caracterize a não-concentração em um dos trêsramos do governo. Atualmente, no Brasil, é bastante nítida a concentração de poderno executivo. A própria natureza do regime político, presidencialista, agravada pelatradição personalista, acaba por permitir o excesso de poder na mão de uma sópessoa. Na própria história do país, veem-se inúmeros exemplos, em que preponde-raram um executivo forte e um legislativo fraco – Golpe de 1937 e o Golpe de 1964(CURVINA, 2008).

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Referências

ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Montesquieu: sociedade e poder. In: WEFFORT,Francisco C. Os Clássicos da política. São Paulo: Ática, 2006.BONTEMPO, Alessandro Gotti. Direitos sociais: ofício e racionalidade à luz da Cons-tituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2005.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 5 DE OU-TUBRO DE 1988. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2008.CURVINA, Rodrigo Mendonça. Reflexão sobre a Teoria da Tripartição dos Pode-res Estatais. Sua consonância com o atual Regime Democrático de Direito. In: Revis-ta Jus Vigilantibus, 28 ago. 2008.MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 1987.MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo; Atlas, 2004.RIBEIRO, Antônio de Pádua. O Judiciário como poder político no século XXI.Estudos avançados, São Paulo, v. 14, n. 38, p. 291-306, 2000.TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003.WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da política. São Paulo: Ática, 1997.WIKIPEDIA. Charles de Montesquieu. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_de_Montesquieu> Acesso em 15 jun. 2008.

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Os princípios de governo,a natureza das leis e a tripartição

de poderes segundo Montesquieu1

Iolanda Lúcia Gonçalves Bastos*Jucinete Carvalho de Alencar**Sandra Elisa Pereira Souza***

Resumo: O presente artigo apresenta a teoria política de Montesquieu, que estudaas relações existentes entre as leis, a natureza das coisas e os tipos de governo. Éimportante destacar entre suas teorias a da tripartição dos poderes que permitiaassegurar a moderação do poder político através da convivência harmônica entreeles, em que um poder refrearia os abusos e as arbitrariedades de outro: “Teoria defreios e contrapesos”. As teorias de Montesquieu tornaram-se conceitos da ciênciapolítica e alimentaram as ideias do constitucionalismo e permanecem até hoje comouma das condições para o funcionamento do Estado Moderno.

Palavras-chave: Teoria Política. Tripartição dos Poderes. Moderação do Poder.

The principles of government,the nature of laws and the tripartitionof powers according to Montesquieu

Abstract: This article presents the political theory of Montesquieu, which studiesthe relationship between the laws, the nature of things and the types of government.It is important to emphasize among his theories the tripartite power, which allowed

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/Universidade Estadual doCeará; Especialista em Epidemiologia/ENSP, Especialista em Saúde Pública ENSP/FIOCRUZ; Enfermeira, Co-ordenadora Estadual do Programa de Imunizações do Amapá. E-mail: [email protected].

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/Universidade Estadual doCeará. Especialista em Gestão Fazendária/UNIVALI. Especialista em Magistério Superior IBPEX. Bacharel emAdministração de Empresas CEAP. Bacharel e Licenciada em Geografia/UNIFAP. E-mail: [email protected].

***Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas Universidade Estadual doCeará. Possui complementação do Ensino Superior/FASCINTER. Especialização em Vigilância em Saúde/UEPA.Especialização em Pneumologia Sanitária/UFRJ e é enfermeira/UEPA. E-mail: [email protected].

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assurance of the moderation of political power through the harmonic coexistencebetween them, where one could check the abuses and arbitrariness of another:“Theory of Checks and Balances”; The theories of Montesquieu have become basicpoints of political science and nurtured the ideas of constitutionalism and remainto this day one of the conditions for the functioning of the modern state.

Key words: Political Theory. Tripartite Power. Moderation of Power.

1 Montesquieu e “O Espírito das Leis”

Uma boa maneira de entender a formação do Estado moderno é conhecer oque escreveu Charles de Louis de Secondat Montesquieu em De l’Espírit des Lois, suamais famosa obra, publicada em 1748, em que elabora conceitos sobre formas degoverno e exercícios da autoridade política que se tornaram pontos doutrináriosbásicos da ciência política. Filósofo e pensador iluminista influente na história e nodireito constitucional, foi também um grande prosador. Membro da aristocracia,viveu na época que antecedeu a Revolução Francesa. Proficiente escritor, concebeuobras notáveis e influentes, como Cartas Persas (1721) e Considerações sobre as causas dagrandeza dos romanos e de sua decadência (1734). Em O Espírito das Leis, trabalho de vinteanos, Montesquieu analisa as relações que as leis têm com a natureza e os princípiosde cada governo, desenvolvendo a teoria política que alimentou as ideias do consti-tucionalismo, que, em síntese, buscava distribuir a autoridade por meios legais, demodo a evitar o arbítrio e a violência. Apresentou também a tripartição dos poderesque, além de dar estruturação racional ao Estado, tratava de uma forma natural dedistribuição, controle e limitação do poder político.

Na obra, apresentou três espécies de governo: republicano, monárquico edespótico (MONTESQUIEU, 2007, p.23). Cada um definido por referência a doisconceitos, a natureza e o princípio: “natureza é aquilo que o faz ser tal como é, e oprincípio é aquilo que o faz agir” (MONTESQUIEU, 2007, p. 34). Na república, anatureza é a associação de todos para o bem comum, e o princípio, a virtude, o zelopelo bem público; na monarquia, o poder é de um só, regulamentado por leis funda-mentais. É regido pela honra do governante em ser justo. O despotismo também égoverno de um só, porém, sem as leis regulamentares. Tem o medo como princípio.(MONTESQUIEU, 2007). Tanto a república, quanto a monarquia utilizam-se da leipara governar, e o despotismo se utiliza do arbítrio (VALVERDE, 2008).

Montesquieu compreendia que ninguém pode estar acima da lei, e que as leissão determinadas pelos valores humanos e pelos fatos sociais que consequentemen-te determinam a forma de governo (MONTESQUIEU, 2007). Para o filósofo, oque importava não era julgar os governos existentes, mas compreender a natureza eo princípio de cada espécie de governo, conhecer certas características para dotar demaior estabilidade os regimes (ALBUQUERQUE, 1991).

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Os conceitos sobre as formas de governo elaborados por Montesquieu setornaram conceitos da ciência política moderna. Foi por sua busca em teorizar eexplicar de maneira sistemática as formas de governo existentes em sua época quesuas teorias políticas exerceram profunda influência no pensamento político mo-derno. O estudo das diferentes formas de governo e das leis que as regiam levouMontesquieu a descrever as leis como: naturais, independente da vontade humana, epositivas, criadas pelos homens para governá-los; defendia que as leis “se relacio-nam entre si e também com sua origem, com objetivo do legislador, com a ordemdas coisas sobre as quais estão estabelecidas” (MONTESQUIEU, 2007, p. 22). As-sim, a obra O Espírito das Leis aborda as relações que podem ter as leis com diversosobjetos, a exemplo da educação, do comércio, da religião, do clima, e do solo. Existe,assim, um encadeamento entre as leis, que faz com que determinada forma de gover-no implique uma legislação específica. Na visão de Montesquieu, a morfologia social éque determinaria a forma de governo e as leis que regeriam este governo. Não existemleis justas e injustas, ou ainda, o que existe são leis mais ou menos adequadas a umdeterminado povo e a uma determinada circunstância de época ou de lugar.

2 A influência de Montesquieu na elaboração do Estado Moderno

Montesquieu, segundo Valverde (2007), cria uma teoria fundada na liberdadee na justiça. Uma sociedade que sente haver injustiça e falta da liberdade é umasociedade instável. Montesquieu (2007, p.165) defende a liberdade política e recorreàs leis como instrumento de poder, que rege as relações entre os que são governa-dos e os que governam. Neste contexto, a natureza humana é sujeita a erros e,segundo este filósofo, “todo homem que tem o poder é levado a abusar dele” (MON-TESQUIEU, 2007, p. 164). E, para que não se possa abusar do poder, é preciso quepela disposição das coisas o poder contenha o poder. Por isso, faz-se necessáriodividi-lo em: legislativo, executivo e judiciário, sendo este o fundamento do princí-pio da Tripartição dos Poderes.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpodos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse estes trêspoderes: o de criar as leis, o de executar as resoluções públicas eo de julgar os crimes e querelas dos particulares (MONTES-QUIEU, 2007 p. 166).

Em outras palavras, o objetivo último da ordem política, na visão de Montes-quieu é assegurar a moderação do poder mediante a “cooperação harmônica” entreos poderes do Estado, de forma a conferir uma legitimidade e uma racionalidadeadministrativa a tais poderes estatais, que devem e podem resultar num equilíbriodos poderes sociais. Na contemporaneidade, a Ciência Política reconhece que umdos pressupostos do Estado Democrático de Direito é a existência de três poderesindependentes e harmônicos: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

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Segundo Montesquieu (2007, p. 165):O Legislativo faz as leis para algum tempo ou para sempre, ecorrige ou revoga as que estão feitas; o Judiciário pune os crimesou julga as demandas dos particulares; e o Executivo, sendo orestante poder, exerce as demais funções do Estado, a adminis-tração geral, constituindo-se por isso no executor das leis emgeral.

Embora a obra de Montesquieu O Espírito das Leis tenha sido escrita no séculoXVIII, a atualização do pensamento do filósofo encontra-se no fato de ter reveladouma das fontes do poder político moderno, a lei, tratando-a de forma científica.Supera a tradicional abordagem legalista e estuda as leis como uma expressão danatureza das coisas. Reconhecido já por seus contemporâneos, o trabalho de Mon-tesquieu revela que, independentemente da espécie de governo ou regime políticode um dado país, a ordem social é, em si, heterogênea e sujeita a desigualdadessociais, as mais diversas. A harmoniosa convivência entre os poderes seria uma for-ma de controle, em que um poder refrearia os abusos e as arbitrariedades do outro.É a teoria de freios e contrapesos.

A teoria da tripartição dos poderes inspirou a elaboração da Constituição dosEstados Unidos da América e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.A tripartição dos poderes na Constituição dos Estados Unidos teve o intuito de nãopermitir interferências recíprocas nem a transferência ou delegação de poderes, e naRevolução Francesa encontrou o campo certo para germinar, tendo seu grande mo-mento na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que serviu depreâmbulo à Constituição de 1791, primeira Carta Constitucional da Europa conti-nental.

Diversos países europeus também adotaram a monarquia constitucional como fim do absolutismo, o que permaneceu até o final da Primeira Guerra Mundial,quando a maioria dos Estados adotou a tripartição dos poderes, uma das mais im-portantes teorias das ciências política e moderna, que ainda hoje permanece comouma das condições de funcionamento do Estado Moderno (ALBUQUERQUE,1991).

Conclusão

Montesquieu subsidiou os limites do poder político ao afirmar que existiamleis naturais e leis positivas, as últimas relacionadas ao princípio de governo, e quetodos estão sujeitos a elas. O Estado é vinculado ao poder institucionalizado, que seassenta em uma instituição e não em um indivíduo, assegurando que, no EstadoModerno, não há poder absoluto, pois mesmo os governantes devem se sujeitar aoque está estabelecido na lei.

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Em sua obra, Montesquieu já descrevia que um poder não poderia usurparnem desrespeitar o outro, sob pena de que se instalassem o despotismo e a tiraniacom supressão da liberdade do cidadão e estímulo à corrupção, e que certos gover-nos, cuja constituição objetivasse diretamente a liberdade política, deveriam ter trêstipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. Para queesta liberdade política exista, é necessário que o cidadão jamais se sinta ameaçadopor outro, e só o governo pode garantir tal segurança.

Referências

ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Montesquieu: Sociedade e Poder. In: WEFFORF,Francisco C. (Org.). Os Clássicos na política. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991.ANDRADE FILHO, Francisco Antônio de; HOLANDA, Cristian Charles Oliveirade. Crítica de Montesquieu à cor rupção polít ica. Disponível em:<www.mauricionassau.com.br.> Acesso em: 27 maio 2008.MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat. O Espírito das Leis. São Paulo: Mar-tin Clartet, 2007.PARENTE, Josênio C. A Constituição da Ordem Liberal III. Montesquieu: a insti-tucionalização da liberdade. In: Humanidade e ciências sociais. Revista da UniversidadeEstadual do Ceará. Ano 1, v.1, n. 1, 1999.PASSOS, Leonardo Antônio. A Inversão dos Preceitos Morais no Atual Contexto PolíticoBrasileiro. Disponível em: <www.mundodosfilosofos.com.br> Acesso em: 27 maio2008.VALVERDE, Thiago Pellegrini. A formação do Estado Moderno em Montesquieu. Dispo-nível em: <www.mauricionassau.com.br>. Acesso em: 27 maio 2008.

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O “Emílio” de Rousseau:uma reflexão sobre a política educacional1

Helder José Freitas de Lima Ferreira*Maria Aparecida Nascimento da Silva**

Maria da Conceição da Silva Cordeiro***

Resumo: O presente artigo condensa reflexões sobre a obra Emílio de Jean JacquesRousseau, em que se evidenciam as mudanças que podem ocorrer no processo edu-cativo. Busca analisar o homem enquanto ser político livre, contrapondo-se às expe-riências educativas dogmáticas que tendem a manipular o indivíduo. A educação,para Rousseau, está associada à liberdade, à igualdade e à fraternidade e tem comoeixo norteador o desenvolvimento do aprendizado a partir da realidade e das expe-riências dos indivíduos.

Palavras-chave: Educação. Políticas Públicas. Qualidade. Ensino-Aprendizado.

The “Emilie” of Rousseau:a reflection on educational policy

Abstract: This article condenses reflections on the work Emilie of Jean JacquesRousseau, where it shows the changes that occur in the educational process, seeksto analyze the man as a politically free being counteracting the dogmatic educationalexperiences that tend to manipulate the individual. Education for Rousseau isassociated with freedom, equality and brotherhood and has as its guiding axis thedevelopment of learning based on the reality and experience of individuals.

Key words: Education. Public Policy. Quality. Teaching-Learning.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, do Curso deMestrado Profissional em Planejamento em Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estadodo Amapá.

*Advogado, defensor geral do estado e acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e PolíticasPúblicas da Universidade Estadual do Ceará/UECE.

**Pedagoga, professora de ensino superior, Mestre em Educação. Acadêmica do curso de Mestrado Profissional emPlanejamento e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará/UECE.

***Assistente Social, professora de ensino superior e Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamentoe Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará/UECE.

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Introdução

O presente artigo condensa algumas reflexões sobre a concepção de educa-ção em Rousseau (1712-1778), tendo como referência uma de suas principais obras,denominada Emílio. A obra retrata a experiência vivida no campo por um garotodurante seu processo de formação, em que a educação, enquanto elemento básicoseria uma condição de possibilidades para a manutenção do direito coletivo, tendoem seu caráter integral e homogêneo a essência de um aprendizado difuso e quedeveria estar ao alcance de todos.

Para Rousseau, a função da educação se caracterizava por uma concepção demundo baseada na igualdade, no respeito ao indivíduo, não impondo a este nenhumpadrão institucional de aprendizado que o moldasse ao ambiente social vigente. Aeducação deveria ser desenvolvida no cotidiano dos afazeres laborais, sem restri-ções ou métodos preestabelecidos. A liberdade e a igualdade, propostas no métodode Rousseau, evidenciavam o sonho de construir uma sociedade democrática que sópoderia ser concretizada com o desenvolvimento de uma educação plena.

No entanto, Rousseau estava ligado intimamente ao fenômeno do Iluminis-mo que, por sua vez, estava ligado aos interesses da burguesia em ascensão. Talrelação teve como consequência o surgimento da divisão de classes e sua evoluçãonas diversas sociedades. Então a educação passou a ser organizada com o objetivode atender as classes dirigentes, tornando-se um instrumento com condições funda-mentais para reafirmar a sua existência.

Nesse contexto, a educação passou a funcionar como um investimento privadode uma determinada classe social, perdendo a sua importância como elemento de umprojeto que objetivava a defesa do interesse de todos numa sociedade. Porém, a divi-são social do trabalho, provocada pelas diferenças entre as classes sociais, fez com queas massas, por estarem cada vez mais excluídas dos meios de produção, buscassem oacesso à educação, de forma a contraporem-se às ideologias de dominação às quaisestavam submetidas em todo o seu processo histórico. Ressalta-se que a luta proletáriapela educação foi um processo lento, sendo que foi expressivo em alguns contextoshistóricos como os que marcaram as grandes revoluções, tendo como exemplo a Re-volução Francesa e a Revolução Russa, inspiradas nas ideias de Rousseau.

As reflexões lançadas no presente artigo fazem menção às inovadoras pro-postas de Rousseau sobre uma pedagogia democrática centrada na liberdade, naigualdade e na fraternidade, ou seja, o processo de ensino-aprendizagem tem comoeixo norteador uma relação dialógica que permite desenvolver conteúdos vincula-dos aos interesses reais dos alunos, métodos que proporcionem o desenvolvimentodas competências e habilidades do educador e do educando, diagnosticando seusavanços e dificuldades, tendo em vista o processo pedagógico qualitativo.

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A concepção de educação de Rousseau

O Iluminismo não é o objeto de estudo deste trabalho, mas não tem sentidorefletir sobre Rousseau sem esclarecer que o maior movimento de massas do séculoXVIII foi de caráter político, econômico e ideológico. Ele é a marca do moderno,pois criticou várias concepções medievais em política (criando os Três Poderes),direito (consolidação da propriedade privada), filosofia (racionalismo e empirismo)e contestou boa parte do poder da Igreja ao questionar a monarquia, seu maiorbraço político, ainda que até a ascensão e queda de Napoleão Bonaparte. A lâminada guilhotina caindo sobre a cabeça de Luís XVI e de Maria Antonieta foi o símboloda Revolução Francesa e da ascensão da burguesia ao poder na França.

De acordo com Gadotti,Entre os iluministas destaca-se Jean-Jacques Rousseau que inau-gurou uma nova era na história da educação. Ele se constitui nomarco que divide a velha e a nova escola. Suas obras com grandeatualidade são lidas até hoje. Entre elas citamos Sobre a desigualda-de entre os homens, O contrato social e Emílio. Rousseau resgata pri-mordialmente a relação entre a educação e a política. Centraliza,pela primeira vez, o tema da infância na educação. A partir dele acriança não será mais considerada um adulto em miniatura; elavive em um mundo próprio que é preciso compreender: o edu-cador para educar deve fazer-se educando de seu educando; acriança nasce boa, o adulto, com sua falsa concepção da vida, éque perverte a criança (2005, p. 86).

Rousseau, filósofo, ligado ao Iluminismo francês, reivindicava os direitos in-dividuais e, consequentemente civis, para a burguesia. Embora não estivesse preo-cupado com as classes mais pobres, sua ideologia, de certa forma, também resultouem benefícios a esta. Apesar de propor-se a viver pobre e tendo uma vida simples,Rousseau esteve, quando adulto, ligado a pessoas ricas, sendo até mesmo secretárioda embaixada da França em Veneza. Foi este novo mundo que permitiu surgirempensadores como Rousseau. Em relação à didática, a proposta de Rousseau é inédi-ta porque torna a criança o centro da educação, tal como nunca antes ela fora.

Não se conhece a infância; no caminho das falsas idéias que setêm, quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábiosprendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar oque as crianças estão em condições de aprender. Procuram sem-pre o homem na criança, sem pensar no que ela é antes de sercriança (ROUSSEAU, 2004, p. 4).

Segundo o próprio autor na obra Emílio ou da Educação, “tudo está bem quan-do sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem” (2004,p. 7). Portanto a educação do aluno imaginário “Emílio”, rico e órfão, é inspirada na

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natureza (essa natureza não é somente o ambiente, mas também o próprio ser emdesenvolvimento). Logo, a realidade natural, o mundo como se apresenta, é a gran-de escola para o homem, pelo menos dos 0 aos 12 anos de idade. Assim, Rousseauinicia a transformação da sociedade medieval (que não permitia espaço para o indi-víduo fora da comunidade, dos costumes, entendendo até que um modelo de ho-mem autossuficiente era pecado, porque tal homem não precisaria de Deus nem daIgreja para se orientar) para a sociedade moderna em que o Emílio tem o objetivo de:“[...] formar um homem livre, capaz de se defender contra todos os constrangimentos.E, para formar um homem livre, há apenas um meio: tratá-lo como um ser livre,respeitar a liberdade da criança.” (LAUNAY, 2004, p. XX). Sendo assim,

A obra se apresentou de fato como um romance psicológico ecomo um manifesto educativo [...], mas ao mesmo tempo é umtratado de antropologia filosófica, enquanto expõe uma concep-ção precisa do homem natural, racional e moral, além do itinerá-rio da sua formação, e um texto político relevante. O tema fun-damental do Emílio consiste na teorização de uma educação dohomem enquanto tal (e não do homem como cidadão) atravésde seu “retorno à natureza”, ou seja, à centralidade das necessi-dades mais profundas e essenciais da criança, ao respeito pelosseus ritmos de crescimento e à valorização das característicasespecíficas da idade infantil (CAMBI, 1999, p. 345).

Interessante é observar que o sentido da palavra natureza assume três possí-veis significados ao longo de sua obra. O primeiro opõe-se àquilo que é social. Osegundo, como tudo o que é valorização das necessidades espontâneas das crian-ças e dos processos livres de crescimento. O terceiro, como exigência de um con-tínuo contato com um ambiente físico não urbano e, por isso, considerado maisgenuíno. Rousseau queria, com sua proposta, levar Emílio para fora dos ambien-tes urbanos da época, para que ele não se deixasse influenciar por aquilo que oautor chamava de corrupção, a saber, a forma como era praticada a religião, espe-cialmente o cristianismo católico e a política, para ele tirânica, pré-revolucionária,da corte de Luís XVI.

Com uma educação livre, no campo, sob os auspícios da natureza e, principal-mente, sob suas condições adversas e sob intempéries, Rousseau esperava que sur-gisse em Emílio a vontade pela educação, isto é, o personagem rousseauniano nãodeveria ser ensinado de forma dogmática, como era na escola tradicional, por pre-ceptores tradicionais que ensinavam lições com planos preestabelecidos. Para Rous-seau, este tipo de aula era tediosa, especialmente para as crianças, mas sua didáticacompreendia o ensino a partir da necessidade: “[...] vede que raramente cabe a vóspropor o que ele deve aprender; cabe a ele desejá-lo, procurá-lo, encontrá-lo; cabe avós colocá-lo ao seu alcance, fazer habilmente nascer esse desejo e fornecer-lhe osmeios de satisfazê-lo” (ROUSSEAU, 2004, p. 235-6).

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Rousseau era contra as aulas em forma de discurso, como aparece em seu Ter-ceiro Livro (p. 236ss.), no Emílio, em que narra uma aula de geografia, analisando que,durante as lições sobre os pontos cardeais, de repente, em meio à sua explicação, oaluno poderá interrompê-lo perguntando: “Para que tudo isso?”. Ao que ele reflete:

De quantas coisas aproveitarei a oportunidade para instruí-loem resposta à sua pergunta, sobretudo se tivermos testemunhaspara nossa conversa. Falar-lhe-ei sobre a utilidade das viagens,sobre as vantagens do comércio, [...] sobre os costumes dos di-ferentes povos, sobre o cálculo do retorno das estações para aagricultura, sobre a arte da navegação, sobre a maneira de seguiar no mar seguindo exatamente a rota, quando não se sabeonde se está [...] (Ibid., p. 236-7).

Neste trecho, o autor propõe sua didática. Quando o aluno está perdendo ointeresse pela aula, deve-se parar e refletir com ele se aquela aula não serve paranada. Mas Rousseau não abandona simplesmente a lição, ele cria então uma situaçãoreal em que Emílio precisará da geografia para se orientar, com esperanças de queele entenda o sentido dos estudos de orientação.

Observávamos a posição da floresta de Montmorency quandoele me interrompeu com sua inoportuna pergunta: Para que ser-ve isso? Tens razão, disse-lhe eu, precisamos pensar bastante nis-so; e, se acharmos que este trabalho não serve para nada, nãovoltaremos a ele [...] Ocupamo-nos com outra coisa e não se falamais de geografia pelo resto do dia (Ibid., p. 236).

Observa-se que Rousseau não obriga seu discípulo a continuar os estudosquando não há interesse neles por parte do aluno, nem demonstra qualquer aborre-cimento por causa disso. Ao contrário, traça estratégias para que o aluno se interessee que, enfim, ele possa construir seus próprios conceitos, neste caso, de geografia edos pontos cardeais.

Uma grande lição de vida, para o garoto Emílio, é quando seu mestre simulaque estão perdidos em plena floresta e lhe pergunta: “Meu caro Emílio, como fare-mos para sair daqui? Emílio: Não sei, estou cansado; estou com fome; estou comsede; não aguento mais” (Ibid., p. 237-9).

No desfecho da história, preceptor e mestre encontram com sucesso o caminhode casa para o almoço. Portanto, a didática rousseauniana consiste em não propria-mente ensinar ao aluno o que não lhe interessa aprender, mas criar condições para queele aprenda pela necessidade natural, de acordo com a realidade/dificuldade que seapresenta diante dele, para, deste modo, aprender o valor das lições que os mestresensinam, sem que seja obrigado, sem que tenha que memorizar o conhecimento.

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Conclusão

Para Rousseau, importante era não confundir aprendizagem com aquisição deconhecimentos (método natural), pois o conhecimento deve ser construído, e todospossuem conhecimento. “Fazei com que o vosso pupilo esteja atento aos fenôme-nos da natureza e, em breve, o tornareis curioso” (2004, p. 178).

Finalmente, o método natural consiste em que a criança “aprenda por si só,que a razão dirija a própria experiência [...] Se o vosso educando não aprender nadaconvosco, aprenderá com os outros [...] A falta da prática do pensar, durante a in-fância, retira dela essa faculdade para o resto da vida” (2004, p. 114-5). O autor deEmílio entende razão no mesmo sentido dos iluministas, a saber, que ela é o estabe-lecimento do raciocínio lógico, considerado conhecimento inteligente, única facul-dade que poderá, efetivamente, possibilitar a existência de um homem livre, que,criado na liberdade e na igualdade, não suporte a tirania ou a injustiça, nem aquelesque a pregam. Emílio é o modelo por excelência de homem moderno, um homemque odeia a servidão sob todas as suas formas.

De acordo com os pressupostos de Rousseau, o homem deveria ser livre,sendo protagonista de sua própria história, tendo o poder de criar, recriar e cons-truir uma nova realidade social. Nesse prisma, verifica-se a necessidade, no contex-to atual, de o homem pensar políticas públicas que garantam seus direitos e deveres,para o pleno exercício de sua cidadania. Assim, faz-se necessário implantar políticaspúblicas educacionais eficientes para a erradicação do analfabetismo e a redução dareprovação e da evasão, na busca de transformar a sociedade. Nesse sentido, a esco-la atual precisa vivenciar uma gestão democrática, que permita a todos, coletiva-mente, participarem ativamente do processo de transmissão, assimilação e produ-ção de conhecimentos que perpassam a realidade escolar, considerando que é atra-vés da escola que o sujeito aprendiz se liberta da alienação e, assim, poderá tomaruma nova atitude enquanto agente político, mudando a sua realidade social.

Referências

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 2005.LAUNAY, Michel. Introdução ao Emílio ou da Educação. In: Emílio ou Da Educação.São Paulo: Martins Fontes, 2004.ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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Alexis Tocqueville:os desvios da igualdade1

Kátia Paulino dos Santos*Maria Anésia Nunes**

Resumo: Este artigo analisa os ideais de liberdade, igualdade e democracia traba-lhados por Alexis Tocqueville no séc. XIX, com foco especial para as ilustraçõesacerca dos desvios de igualdade, os quais poderiam interferir na manutenção ou noalcance da liberdade, preocupação constante do autor, enfatizada notoriamente emsua obra A Democracia na América.

Palavras-chave: Alexis Tocqueville. Igualdade. Liberdade. Democracia.

Alexis tocqueville:the deviations from equality

Abstract: This article analyzes the ideals of equality, freedom and democracy workedby Alexis Tocqueville in the 19th century, with special focus given to his illustrationsabout the deviations from equality, which could interfere with the maintenance orgrasp of freedom, a constant concern of the author, notoriously emphasized in hisbook The Democracy in America.

Key words: Alexis Tocqueville. Equality. Freedom. Democracy.

1 Alexis Tocqueville e seu contexto

Alexis Tocqueville nasceu em Paris em 1805 e morreu em 1859. Liberal con-victo e politicamente atuante, tanto na teoria como na prática, não deixou de ofere-cer sua parcela de contribuição para construção da nova sociedade democrática.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE.

*Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/UECE, Especialista em Políti-cas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda/UNICAMP e Socióloga/UNIFAP. E-mail: [email protected].

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. Especialista em PolíticasPúblicas de Emprego, Trabalho e Renda/UNICAMP e Assistente Social/UFPA. E-mail: [email protected].

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Como teórico, deixou duas obras políticas que se tornaram clássicas, e, como ativis-ta no mundo da política, atuou como magistrado, depois, como membro do parla-mento e, ainda, como secretário de assuntos estrangeiros. Descontente com os no-vos rumos políticos da França no período da Restauração e em protesto ao golpe deEstado de Luís Bonaparte (1808-1873), Tocqueville abandonou a vida política epassou a se dedicar ao estudo da vida social, particularmente, aos estudos históricos.Entre sua produção intelectual, duas obras importantes têm acentuado destaque: ADemocracia na América, publicada em 1835 e O Antigo Regime e a Revolução, publicadaem 1856.

Tocqueville destaca-se como importante teórico das questões da igualdade,da liberdade e da democracia. Sua preocupação central, em foco em suas princi-pais obras, é a manutenção da liberdade, num contexto em que a igualdade é irre-futável em seu processo histórico irrefreável (QUIRINO, 1982, p. 193). Atravésde análises sobre a igualdade e a liberdade, estudou o desenvolvimento sociopolí-tico de sua época, o que originou a obra A Democracia na América (1830), umatentativa de conceber um conceito definidor de democracia, traçando o desafiode desvendar quais as condições concretas que favoreceram, na América, o apare-cimento da liberdade.

Não tinha a pretensão de ilustrar uma organização política ideal, que esboças-se as formas de se alcançar o poder e receitasse um modelo ideal de contrato social.Apesar da clara influência das obras de Montesquieu nos escritos de Tocqueville,suas compreensões estão voltadas para a análise de uma realidade sociopolítica, quebuscou explicar o desenvolvimento das sociedades.

A democracia, para Tocqueville, estava associada ao processo igualitário, quenão pode ser freado, desenvolvendo-se de formas diferentes em distintas nações,conforme as variações culturais. Contudo, é a ação política dos povos que define aexistência da democracia com liberdade ou a democracia tirânica.

Minha finalidade, afirma Tocqueville, tem sido mostrar, peloexemplo da América, que as leis e, sobretudo, os costumes po-dem permitir a um povo democrático permanecer livre (MÉLO-NIO, 1993, p. 35).

2 “A Democracia da América”: Sobre os desvios da igualdade

A Democracia na América fora publicada em 1835 e 1840, primeiro e segundovolumes, respectivamente. A obra evidencia a visão de democracia concebida a par-tir de minuciosa pesquisa realizada por Tocqueville nos Estados Unidos durante operíodo aproximado de um ano. É uma obra substancialmente detalhada, que anali-sa os pormenores da sociedade americana, relatando hábitos, costumes e valorescontidos em instituições sociais e políticas do povo, com o objetivo central de com-preender a democracia florescente no país e compará-la com as realidades democrá-ticas de países europeus. Ainda na introdução da obra, o autor afirma:

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Educar a democracia, reanimar, se possível, as suas crenças, pu-rificar seus costumes, regular os seus movimentos, pouco a pou-co substituir a sua inexperiência pelo conhecimento dos negóci-os de Estado, os seus instintos cegos pela consciência dos seusverdadeiros interesses; adaptar o seu governo às condições detempo e de lugar, modificá-lo conforme as circunstâncias e oshomens – tal é o primeiro dos deveres impostos hoje em diaàqueles que dirigem a sociedade. Precisamos de uma nova ciên-cia política, para um mundo inteiro novo (TOCQUEVILLE,1987, p. 104).

A obra é dividida em dois volumosos livros, ambos apresentados em duaspartes, sendo a primeira parte do primeiro livro destinada à apresentação geográficanorte-americana, à descrição dos costumes, dos hábitos, das leis, dos aspectos polí-ticos e do funcionamento dos poderes no país. Na segunda parte do primeiro livro,o autor dedica-se a responder ao seguinte questionamento: Como se pode dizerque, nos Estados Unidos, é o povo quem governa? É aí que descreve instituiçõescomo partidos políticos, associações e religião, e fatores como liberdade de impren-sa, leis eleitorais, funcionalismo público, corrupção e vícios de governo, analisandoainda as causas e os feitos da tirania da maioria. No segundo livro, Tocqueville des-tina a primeira parte à reflexão da influência da democracia sobre o movimentointelectual nos Estados Unidos, e por fim, na segunda, dedica-se à análise da influ-ência da democracia sobre os sentimentos dos cidadãos americanos.

Ao apresentar a democracia americana como uma sociedade de homens maisiguais, Tocqueville demonstra, no desenvolver de sua obra, que os cidadãos ameri-canos se encaram como iguais não apenas perante a lei, mas também ao exercerqualquer atividade social.

É a própria igualdade que torna os homens independentes unsdos outros, que os faz contrair o hábito e o gosto de seguir ape-nas a sua vontade em suas ações particulares, e esta inteira inde-pendência de que gozam, em relação a seus iguais, os predispõea considerar com descontentamento toda autoridade e lhes su-gere logo a idéia e o amor da liberdade política (TOCQUEVIL-LE, 1987, p. 295).

2.1 Os perigos da igualdadeO grande desafio para Tocqueville em A Democracia na América foi como

manter, na democracia, o processo igualitário com liberdade. A possibilidade de ademocracia vir a ser uma tirania é a sua principal preocupação. Segundo ele, oprocesso de crescente igualdade das sociedades pode encontrar desvios perigo-sos, que podem levar à perda da liberdade, que deve ser observada e zelada atravésdas ações políticas.

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Segundo o teórico, a perda da liberdade pode acontecer através do apareci-mento de uma sociedade massificada, em que se tem a exarcebação do processo deigualização, viabilizando a tirania da maioria, ou através do surgimento de um Esta-do autoritário-despótico.

A principal característica do processo de massificação da sociedade é a faltade preocupação com os interesses das minorias ou de grupos diferenciados em de-trimento dos interesses da maioria. Nesse processo, chamado por Tocqueville detirania da maioria, as minorias tornam-se impotentes na luta por suas causas, tendoseus interesses subjugados aos ditames da maioria.

O que mais reprovo no governo democrático, tal como foi orga-nizado nos Estados Unidos, não é, como na Europa muita genteimagina, a sua fraqueza, mas, ao contrário, a sua força irresistí-vel. E o que mais me repugna na América não é a extrema liber-dade que aí reina, mas o pouco de garantia que se tem contra atirania (TOCQUEVILLE, 1987, p. 194).

Ainda no processo de massificação avaliado por Tocqueville, é ressaltado operigo do individualismo para o processo de liberdade, chamado por ele de indivi-dualismo pernicioso, uma vez que faz com que os indivíduos busquem apenas a satis-fação de seus interesses particulares, como o aumento de suas posses, descuidando-sedas causas políticas, permitindo, assim, o acesso de um governo despótico.

2.2 Participação política para a manutenção da igualdadeTocqueville destina um capítulo da obra A Democracia na América para a análise

da formação das associações políticas nos Estados Unidos, iniciando o mesmo coma afirmação de que “a América é o país do mundo onde mais se tirou partido daassociação e onde este poderoso meio de ação se aplicou a uma grande diversidadede objetivos” (TOCQUEVILLE, 1987, p.146).

A implementação de associações destaca-se como importante mecanismo deluta pela manutenção da liberdade, uma vez que são entidades legais de controle efiscalização das ações governamentais, bem como de defesa de interesses pela legi-timação e pelo fortalecimento das minorias.

Para Tocqueville, a manutenção da liberdade demanda sacrifícios por partedos cidadãos. Alerta-os quanto à necessidade de atenção e atuação política por partede cada indivíduo nos governos democráticos, sendo que a falta de preocupação ede vigilância pode culminar na perda da liberdade, ocasionada pela possibilitação desurgimento de governo despótico.

Para viver livre é necessário habituar-se a uma existência plenade agitação, de movimento, de perigo; velar sem cessar e lançar atodo momento um olhar inquieto em torno de si: este é o preçoda liberdade (TOCQUEVILLE, 1961, p. 430).

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Conclusão

O grande dilema tocquevilliano é a preservação da liberdade, no contexto emque a igualdade é trazida por um processo histórico irrefreável. Para tanto, ressalta aimportância do envolvimento dos cidadãos nas causas públicas, enfatizando a ne-cessidade de acompanhamento às ações econômicas e sociais dos representantespopulares.

Atualmente, vivemos na prática o desinteresse popular para o acompanha-mento e a fiscalização das ações políticas dos representantes da população, o quedesencadeia distintos níveis de corrupção, emprego indevido de finanças públicas,entre outras ações prejudiciais e criminosas, que podem levar referendar, a exemplode como chamou Tocqueville, ao surgimento de um Estado autoritário-despótico.

Nesta perspectiva, um elemento significativo para a viabilização desse acom-panhamento e controle é a formação de associações políticas, as quais foram difun-didas e consolidadas em vários países com princípios democráticos. Atualmente, noBrasil, esses segmentos representativos se dão por distintos objetivos, encontrando,contudo, um grande entrave para a garantia de uma real eficácia em suas atuações: odescaso dos cidadãos com as causas políticas de comum interesse.

Percebe-se, no Brasil e em vários outros países do mundo, a difusão de lutaspela defesa e pelo reconhecimento dos interesses dos grupos minoritários. A tiraniada maioria, como é chamada por Tocqueville a censura das manifestações de gruposmenores, tem reflexos nas inviabilizações das lutas dos indivíduos diferenciados dosparâmetros estabelecidos pela maioria da sociedade.

A manutenção da liberdade no processo democrático é tarefa de cada cida-dão. A igualdade e a liberdade, para Tocqueville, são fatores imprescindíveis para aexistência de uma sociedade democrática. Porém, a igualdade é consequência natu-ral do processo histórico da humanidade, diferentemente da liberdade, que carececonstantemente ser vigiada e zelada, sendo este poder, de vigiar e zelar, o maiortrunfo de cada cidadão.

Referências

MÉLONIO, Françoise. Tocqueville et les Françai. Paris: Aubier, 1993.PARENTE, Josênio C. A Construção da Ordem Liberal: I. Maquiavel e o Nasci-mento do Estado Moderno. In: Humanidade e Ciências Sociais. Revista da Universida-de Estadual do Ceará/ UECE, ano 1, v. 1, n. 1, 1999 (p. 83-89).QUIRINO, Célia Nunes Galvão. Liberdade e Igualdade no Pensamento Político de Alexisde Tocqueville. São Paulo: USP, 1982. (Tese de Doutorado em Ciência Política)______. Tocqueville: sobre a igualdade e a liberdade. In: WEFFORT, Francisco C.(Org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 1999.

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ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1989.TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América. 3. ed. São Paulo: Itatiaia/Universidade de São Paulo, 1987.______. Voyage en Angleterre, Irlande, Suisse et Algérie. Paris: Gallimard, 1961.

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John Locke e a teoria doestado liberal: algumas reflexões

a partir de os “Dois TratadosSobre o Governo Civil”1

Ethiene Cavalléro da Silva*Karla Cristina Andrade Ferreira**Oliene Isabel Sarmento Corrêa***

Resumo: John Locke definiu bases da democracia liberal e individualista, estudou arelação entre a propriedade e o direito natural, negando a participação do Estado.Afirmou o uso do trabalho como um dos pontos determinantes para a sua apropri-ação, isto o tornou um dos inspiradores para a criação de várias constituições. Ana-lisar como se desenvolveu o pensamento liberal-individualista de Locke, a partir dereflexões do Segundo Tratado sobre o Governo Civil, será o objetivo desse trabalho, bus-cando ao final, levantar qual a contribuição do autor na construção política da soci-edade moderna.

Palavras-chave: Estado Liberal. Direito Natural. Propriedade.

John Locke and the theoryof the liberal state: some thoughts

based on the “Two TreatiesOn Civil Government”

Abstract: John Locke laid the foundations of liberal and individualistic democracy,studied the relationship between property and natural right, denying the involvement

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE.

*Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Licenciada plena em Educa-ção Física/UEPA. Especialista em Educação Física Escolar/UEPA e Especialista em Atividade Física, Qualidadede Vida e Envelhecimento/UNOPAR. Professora de educação física do Estado do Amapá. [email protected].

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Bacharel e licenciada emCiências Sociais UNIFAP/AP. Professora de sociologia do Estado do Amapá. [email protected].

***Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Bacharel em Direito CEAP/AP. Policial Militar do Estado do Amapá. E-mail: [email protected].

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of the state. He affirmed the use of labor as one of the determinants for itsappropriation. This made him one of the catalysts for the creation of severalconstitutions. To analyze how the liberal-individualist thought of Locke developedbased on reflections on the Second Treaty on Civil Government will be the objective ofthis work, seeking at the end, to question what the contribution of the author is tothe political construction of modern society.

Key words: Liberal State. Natural Law. Property.

Introdução

No século XVII, enquanto o absolutismo triunfa na França, a Inglaterra sofrerevoluções lideradas pela burguesia, visando limitar a autoridade dos reis.

Nesse contexto histórico, como defensor do liberalismo e da tolerância religio-sa, John Locke (1632-1704) destaca-se entre os filósofos da época pela sua contribui-ção com as obras: Cartas Sobre a Tolerância, Ensaios Sobre o Entendimento Humano e os DoisTratados Sobre o Governo Civil, além de ser considerado o fundador do empirismo2.

Na visão lockiana, os homens possuem a vida, a liberdade e a propriedadecomo direitos naturais e, para preservar esses direitos, deixaram o Estado de Natu-reza, que é a vida mais primitiva da humanidade, e estabeleceram um contrato entresi, criando o governo e a sociedade civil.

Bobbio, resumindo os aspectos mais relevantes do pensamento de Locke, afirma:Através dos princípios de um direito natural preexistente ao Es-tado, de um Estado baseado no consenso, de subordinação dopoder executivo ao poder legislativo, de um poder limitado, dedireito de resistência, Locke expôs as diretrizes fundamentais doEstado Liberal (BOBBIO, 1984, p.41).

O filósofo negava o direito dos governantes ao autoritarismo e a aplicação dodireito divino, além de outras prerrogativas fundamentadas em preconceitos.

A sua teoria política, desenvolvida no Segundo Tratado, representa, de acordocom Norberto Bobbio, a primeira e a mais completa formulação do Estado Liberal,lançando com isso, a ideia de democracia liberal, o que se tornaria a pedra angularda civilização ocidental.

Analisar como se desenvolveu o pensamento liberal-individualista de Locke, apartir de reflexões do Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, será o objetivo destetrabalho, buscando, ao final, levantar qual a contribuição do autor na construçãopolítica da sociedade moderna.

2 Empirismo: doutrina segundo a qual todo conhecimento deriva da experiência.

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1 O Primeiro Tratado Sobre o Governo Civil

O ano de 1689 testemunhou a publicação de Dois Tratados Sobre o Governo Civil,inicialmente escrito em 1681. Uma obra de política liberal, foi escrita por Lockedurante sua permanência forçada na Holanda.

O primeiro dos Dois Tratados Sobre o Governo Civil refuta a ideia de Robert Filmer,teórico político de enorme popularidade na época, que defende de forma convicta,em sua obra “O Patriarca”, o absolutismo, acreditando no direito divino dos reis combase no princípio da autoridade paterna de Adão, que seria o primeiro pai e primeirorei e que deixara esse legado à sua descendência. De acordo com esta doutrina, osmonarcas modernos eram descendentes da linhagem de Adão e herdeiros legítimosda autoridade paterna dessa personagem bíblica, a quem Deus outorgara o poder real.Locke, em contrapartida, afirmou a origem popular e consensual dos governos: “Adãonão tinha, seja por direito natural de paternidade ou por doação positiva de Deus,autoridade de qualquer natureza ou domínio sobre o mundo, [...] se os tivesse, ne-nhum direitos a eles, contudo, teriam seus herdeiros” (LOCKE, 1978, p.33).

Assim observou Locke também, criticando a teoria de Filmer:Todas essas premissas tendo sido, ao que me parece, claramenteestabelecidas, é impossível que os atuais governantes sobre a Terraobtenham qualquer proveito, ou derivam a menor sombra deautoridade daquilo que é tido como fonte de todo poder, “odomínio privado e a jurisdição paterna de Adão”, de tal modoque aquele que nem se permite imaginar que todo governo nomundo é apenas o produto da força e da violência e que os ho-mens somente vivem juntos pelas mesmas regras dos animais,onde vence o mais forte, e desta forma, lança as bases para aperpétua desordem e discórdia, tumulto, sedição e rebelião, devenecessariamente descobrir outra origem para o governo, outrafonte do poder político e uma outra maneira de escolher e co-nhecer as pessoas que o exercem diferentemente daquela quenos ensinou Sir Robert Filmer (LOCKE, 1996, p. 177).

2 O Segundo Tratado Sobre o Governo Civil

No Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, Locke busca descobrir as raízes dogoverno, expõe a teoria do pacto social e defende o liberalismo, buscando derrubarde forma definitiva o inatismo absolutista de Filmer. Tanto é verdade que, no pri-meiro capítulo de seu trabalho, volta a refutar as teses de Filmer, levando Locke auma busca reiterada do entendimento e da legitimidade do domínio e do poder dedeterminados indivíduos sobre os outros.

Assim, Locke define um de seus conceitos-chave, que é o de poder político,que seria o “direito de fazer leis com a pena de morte e, consequentemente, todas as

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3 Cf. LOCKE, 1978, cap. 2, p. 10-14, também para o que segue.

penalidades menores para regular e preservar a propriedade, e de empregar a forçada comunidade na execução de tais leis e na defesa da comunidade de dano exterior;e tudo isso tão só em prol do bem público” (LOCKE, 1978, p.34).

Para entender o poder político e suas origens liberais, Locke nos diz que deve-mos saber como conviviam os homens em seu estado de natureza. No estado natu-ral original, os homens eram felizes e iguais, mas essa liberdade e essa igualdadeeram, sobretudo, no plano teórico. Para que as pessoas pudessem evoluir juntas seminfringir os direitos recíprocos, tornava-se necessário um elemento de coesão.

Na visão lockiana, o cidadão tem direitos inerentes à sua existência, tais como:vida, liberdade e a propriedade, porém seremos incapazes de desfrutar desses direi-tos naturais sem paixões pessoais. Necessária, portanto, para o uso e o gozo dessesdireitos, é a reunião das pessoas em torno de um contrato social que garanta osdireitos naturais mediante um governo que imponha leis capazes de protegê-los.Cria-se uma estrutura de segurança e, sob essa condição, a liberdade que coexistia,assim como os outros direitos, apenas no plano teórico pode ser restringida, cres-cendo por consequência a liberdade real.

O governo civil é o remédio adequado para as inconveniênciasdo estado de natureza, que certamente serão grandes, onde oshomens possam ser juízes de suas próprias causas, já que comfacilidade se pode imaginar que aquele que tenha sido tão injustoa ponto de prejudicar seu irmão dificilmente será tão justo aponto de se condenar por esse ato.3

Mas Locke ressalta, nesta obra, que somente o assentimento do povo daria eseria o único fundamento da autoridade desse governo. E é explícito ao escrever: “Aliberdade do homem, na sociedade, é não se submeter a nenhum outro poder legis-lativo, senão o estabelecido mediante assentimento no país, nem ao domínio dequalquer vontade, ou restrição de qualquer lei, senão daquela que o legislativo pro-mulgar, segundo a confiança nele depositada”. Complementando o entendimento,explica: “qualquer autoridade que exceda o poder a ela conferido pela lei e faça usoda força que tem sob o seu comando para atingir a vítima de forma não permitidapor essa lei pode ser combatida como qualquer homem que mediante força viole osdireitos de outro”.

Caso o governo, ou governante, viole os direitos dos indivíduos, então o povotem o direito de se revoltar e de se ver livre desse governante ou desse governo.“Tomar e destruir a propriedade dos cidadãos ou reduzi-los à escravidão [coloca umgovernante] em estado de guerra com o povo, que fica doravante desobrigado dequalquer obediência ulterior e é abandonado no refúgio comum que Deus propi-ciou a todos os homens contra a força e a violência”. Em outras palavras, revolução.

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Locke acreditava que o governo deveria agir exclusivamente em função doobjetivo para o qual foi de início estabelecido – a saber, a proteção à vida, à liberda-de e à propriedade. “Quando os homens, em qualquer número, concordam em esta-belecer uma comunidade ou um governo, são por esse ato e nesse momento incor-porados, constituindo um corpo político dentro do qual a maioria possui o direitode agir e concluir o restante.”

Esse pensamento lançou os alicerces sobre os quais a moderna democracialiberal foi construída. Essas foram as ideias que, um século mais tarde, inspiraram aDeclaração de Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Essessentimentos podem parecer simplesmente na era moderna de democracias tecnoló-gicas densamente povoadas – mas perduram como crenças e sentimentos dos cida-dãos que as habitam.

Conclusão

O fato é que John Locke procurou entender seu tempo e desenvolver teoriasjustificadoras para o apogeu da classe emergente do século XVIII, a burguesia, pro-curando desconstituir a ordem vigente do absolutismo e do poder soberano dos reise da igreja (LOCKE, 1998, p. 40).

Os direitos naturais inalienáveis do indivíduo à vida, à liberdade e à proprieda-de constituem para Locke o cerne do estado civil, e ele é considerado, por isso, paido individualismo liberal.

Funda-se, com seu pensamento liberal, a existência da origem democrática,parlamentar, do poder político, pois na Idade Média, transmitia-se por herança tan-to a propriedade como o poder político: o herdeiro do rei, do conde, do marquês,recebia não só os bens, como também o poder sobre os homens que viviam nasterras herdadas.

Locke, com o seu “conceito de propriedade num sentido muito amplo” (ARA-NHA; Martins, 1986, p. 34), explicado no capítulo 2 do Segundo Tratado Sobre o Gover-no Civil, diz que propriedade é tudo o que pertence ao indivíduo, sua vida, sua liber-dade e seus bens, adquiridos ao longo de sua existência ou lhe dado pelo estado denatureza. Na concepção de Locke, todos são proprietários: mesmo quem não pos-sui bens é proprietário de sua vida, de seu corpo, de seu trabalho. Assim, o poderpolítico não deve, em tese, ser determinado pelas condições de nascimento, bemcomo o Estado não deve intervir, mas, sim, garantir e tutelar o livre exercício dapropriedade, da palavra e da iniciativa econômica.

Entretanto, essa colocação ampla feita por Locke leva a certas contradições,pois o direito à ilimitada acumulação de propriedade produz logicamente um dese-quilíbrio na sociedade, criando um estado de classes que Locke dissimula – involun-tariamente, é verdade – num discurso que se apresenta com um caráter universal.Quando se refere a todos os cidadãos, considerando-os igualmente proprietários, o

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discurso contém uma ambiguidade que não se resolve, pois ora identifica a proprie-dade com a vida, a liberdade e as posses, ora com bens e fortuna especificamente. Eo que se conclui é que, se todos, tendo bens ou não, são considerados membros dasociedade civil, apenas os que têm fortuna podem ter plena cidadania, por duasrazões: apenas esses (os de fortuna) têm pleno interesse na preservação da proprie-dade, e apenas os que são integralmente capazes de vida racional – aquele compro-misso voluntário para com a lei da razão – que é a base necessária para a plenaparticipação na sociedade civil. A classe operária não tendo fortuna está submetidaà sociedade civil, mas dela não faz parte.

[...] A ambiguidade com relação a quem é membro da sociedadecivil em virtude do suposto contrato original permite que Lockeconsidere todos os homens como sendo membros, com a finali-dade de serem governados, e apenas os homens de fortuna paraa finalidade de governar (MACPHERSON, p. 260).

Ressalta-se aí o elitismo presente na raiz do liberalismo, já que a igualdadedefendida é de natureza abstrata, geral e puramente formal; não há igualdade real,uma vez que só os proprietários têm plena cidadania.

ReferênciasARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando –Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Kant. São Paulo: UNS, 1984.CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Lisboa: Al-medina, 2005.COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo:Saraiva, 1999.COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2002.ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. 6. ed. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1988.EVANGELISTA, Vitor. História das Constituições Políticas Internacionais. Lisboa: Edi-ções IL, 1978.GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo:Malheiros Editores, 1997.______. Direito, Conceito e Normas Jurídicas. São Paulo: RT, 1988.LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Nova Cultural, 1978.(Coleção Pensadores)______. Tratado Sobre o Governo Civil. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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______. Two treatsises of civil government. London: Everyman’s Library, 1996.MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo: de Hobbes a Locke.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.MAGEE, Bryan. História da Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001.PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a propriedade? São Paulo: Martins Fontes, 1988.SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo: Ma-lheiros Editores, 2006.

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A teoria do conhecimentode John Locke1

Marcos Wagner Queiroz Mendes*Cleineide Moreira Batista**

Resumo: Este trabalho versa sobre a teoria do conhecimento de John Locke, des-crita em sua obra Ensaios sobre o entendimento humano. Delineia a vida de John Lockeem relação a seus contemporâneos e busca descrever concisamente o ensino deLocke sobre o entendimento humano e sobre as ideias.

Palavras-chave: John Locke. Teoria do Conhecimento. Ideias.

The theory of knowledgeof John Locke

Abstract: This work is about the theory of knowledge of John Locke, described inhis book Essays on the human understanding. It outlines the life of John Locke in relationto his contemporaries and seeks to concisely describe the teaching of Locke on thehuman understanding and on ideas.

Key words: John Locke. Theory of Knowledge. Ideas.

John Locke nasceu na zona rural da Inglaterra do século XVII. Em sua vidaadulta, chegou a ocupar o cargo de capitão da cavalaria na época da Guerra Civil.Foi chanceler em sua nação, e também ocupou o cargo de secretário da junta decomércio. Por conta de suas atribuições políticas, Locke viajou bastante, tendo esta-do na Alemanha, na França e na Holanda. Nasceu em 29 de agosto de 1632, emWrington, na Inglaterra, e foi a óbito no dia 28 de outubro de 1704, em Oates, naInglaterra.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas (UECE). Contador Judicial doTribunal de Justiça do Estado do Amapá.

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas (UECE). Graduada em Pedago-gia e Especialista em Orientação Educacional. Professora de Sociologia da Rede Pública do Estado do Amapá.

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Entre suas obras literárias, segundo Salesiano, as mais importantes são: Ensaiosobre o entendimento humano, Carta sobre a tolerância, Dois tratados sobre o governo civil,Alguns pensamentos referentes à educação e Racionalidade do Cristianismo.

Observando sua época, percebe-se que sua adolescência se deu em um mun-do que vivia a euforia das descobertas de Galileu Galilei, a inserção do direito inter-nacional por Hugo Grotius, e a instituição do método por Descartes, o “pai” dafilosofia moderna. É possível perceber também que, quando adulto, Locke experi-mentava a mesma época de Thomas Hobbes, Isaac Newton, Gottfried Leibniz eEdmond Halley.

Pode-se então, ao menos hipoteticamente, entender que a influência de seuscontemporâneos foi importante em sua formação sociocultural, uma vez que Hob-bes criou uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado soberano comoforma de manter a paz civil, Newton descobriu e descreveu experiências matemáti-cas e físicas, Leibniz instituiu a lei da continuidade, e Halley não somente observoue descreveu a trajetória do cometa, como também fez observações importantes so-bre o magnetismo, a propagação do calor, a luz, entre muitos outros.

A teoria do conhecimento

A teoria do conhecimento é fruto dos estudos de John Locke para combater adoutrina, disseminada por Descartes, da existência de ideias inatas na mente dohomem. Em sua obra Ensaios sobre o entendimento humano, Locke descreve em cente-nas de páginas os caminhos das ideias até chegar ao entendimento. De acordo comChauí (2004), John Locke é o

[...] iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita, por-que se propôs a analisar cada uma das formas de conhecimentoque possuímos, a origem de nossas ideias e nossos discursos, afinalidade das teorias e as capacidades dos sujeitos.

Em um fragmento de Ensaios sobre o entendimento humano, de John Locke, épossível entender que ele afirma que todos nascem iguais, dotados de razão, mascom temperamentos diferentes.

[...] a mente é um papel branco, desprovida de todos os caracte-res, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde lheprovém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasiado homem pintou nela com uma variedade quase infinita? Deonde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento?A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nossoconhecimento está nela fundado e dela deriva fundamentalmen-te o próprio conhecimento (Livro II, cap. I).

Neste mesmo contexto, Madjarof (2006) ensina que

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[...] a experiência é dúplice: externa e interna. A primeira realiza-se através da sensação, e nos proporciona a representação dosobjetos (chamados) externos: cores, sons, odores, sabores, ex-tensão, forma, movimento, etc. A segunda realiza-se através dareflexão, que nos proporciona a representação das próprias ope-rações exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como:conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc.

Perceptível e admissível é que, devido à profusão de conhecimentos a queLocke estava exposto em sua época, somada aos seus estudos, a criatividade tinhaum campo fértil para seus devaneios, o que, aliado às incursões que desenvolveu nocenário sociopolítico e ainda ao contexto de suas viagens pela Europa, lhe permitiuter uma educação rica.

Locke observa uma tradição, a qual se percebe na sociedade humana, que oentendimento é o diferencial que permite ao homem o domínio da natureza. Estapossibilidade de entender a origem do senhorio que o homem exerce sobre a natu-reza desperta em Locke um interesse em estudar de que maneira o homem entende,o que pode ser evidenciado quando ele escreve que

[...] o entendimento situa o homem acima dos outros seres sen-síveis e dá-lhe toda vantagem e todo domínio que tem sobreeles, seu estudo consiste certamente num tópico que, por suanobreza, é merecedor de nosso trabalho. O entendimento, comoo olho, que nos faz ver e perceber todas as outras coisas, não seobserva a si mesmo; requer arte e esforço situá-lo a distância efazê-lo seu próprio objeto (LOCKE, 1991).

Chauí (2004) sintetiza esta explicação da seguinte forma:Assim como o olho, que faz ver e não se vê a si mesmo, o enten-dimento humano faz conhecer, mas não se conhece a si mesmo.Para conhecer-se, isto é, para que o entendimento torne-se umobjeto de conhecimento para si mesmo, requer arte e esforço.

Conclusão

Assim, se o interesse no entendimento permite a criação de novos conheci-mentos, de acordo com Vilela (2007), uma das formas de se criar algo é “[...] cons-truir frases com significado e estrutura; construir melodias harmônicas e rítmicas;observar preferências; observar valores éticos e morais; seguir estilos”.

Este método de criar é adaptável à obra de Locke, quando criou os tipos deideias de sensação em “Ideias de qualidades primárias” e “Ideias de qualidades se-cundárias”. Também isolou o que chamou de “Ideias de reflexão” e as dividiu em:

• Memória: a habilidade de chamar uma ideia ausente de volta à consciência;• Retenção: a habilidade de manter um pensamento na consciência;

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• Discernimento: a habilidade de reconhecer diferenças entre as coisas;• Comparação: a habilidade de reconhecer as semelhanças entre as coisas;• Composição: a habilidade de construir novas ideias tomando como material

outras ideias;• Abstração: a habilidade de distinguir princípios de relação abstratos (tais

como provas matemáticas), os quais jazem por trás de outras ideias e, assim, criaruma ideia de generalidade.

Referências

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2004.LAGO, Clenio. Locke e a Educação. Chapecó: Argos, 2002.LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural,1991.MADJAROF, Rosana. O Mundo dos Filósofos. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br>. Acesso em: 24 ago. 2007.SALESIANO, Marcolo. O liberalismo e a política. Disponível em: <http://www.salesiano.com.br>. Acesso em: 24 ago. 2007.VILELA, Virgílio Vasconcelos. Você é Criativo? Disponível em: <http://www.possibilidades.com.br>. Acesso em: 23 ago. 2007.

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“O Federalista”: gênese de uma nova forma de governo1

Job Duarte Morais*Eliete Nascimento Borges**

João Nascimento Borges Filho***

Resumo: A obra O Federalista é uma série de 85 artigos, argumentando em favor daratificação da Constituição dos Estados Unidos. Representa a estruturação do Esta-do americano e a implementação de uma nova forma de governo até então nuncavista. A questão da liberdade sai do campo da teoria, passando para a prática.

Palavras-chave: Federalista. Federalismo. Governo. Liberalismo.

“The Federalist”: genesis of a new form of government

Abstract: The book The Federalist is a series of 85 articles arguing for the ratificationof the Constitution of the United States. It represents the structuring of the AmericanState and the implementation of a new style of government never seen before inwhich the freedom issue transcends theory and goes into practice.

Key words: Federalist. Federalism. Government. Liberalism.

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. Pós-Graduado emMetodologia do Ensino Superior. É coordenador do Curso de Administração/FAMA. Professor no Centro deEducação Profissional do Amapá/CEPA e da Faculdade SEAMA.

**Acadêmica do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/UECE e Especialista emSegurança Pública e em Ciências Forenses (IDEAP/FAMAP). Diretora-Presidente da Polícia Técnico-Científicado Amapá. Enfermeira/UEPA e Perita Criminal da POLITEC/AP.

***Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas/UECE. Especialista em Psi-copedagogia e Metodologia do Ensino Superior/FISS-RJ. Pró-Reitor de Extensão da Universidade do Estado doAmapá/UEAP. Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB/CF. É professor efetivo da Univer-sidade Federal do Amapá/ UNIFAP. Foi Vice-Reitor e Pró-Reitor de Graduação da UNIFAP.

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Introdução

Inúmeros teóricos abordaram o tema “formas de governo”. Porém, e até en-tão, não havia o desapego às práticas da antiguidade. Neste sentido, pensadores quetrataram e defenderam o federalismo, além de avançarem para uma nova forma degoverno, inovaram, saindo da teoria, passando para a praticidade, com a sua imple-mentação, tomando a questão da liberdade com novo foco e sob uma nova ótica,originados com as discussões decorrentes da aprovação da Constituição Americanano século XVIII.

A obra O Federalista é uma série de 85 artigos argumentando em favor daratificação da Constituição dos Estados Unidos. É o resultado de reuniões que ocor-reram na Filadélfia em 1787 para a elaboração da Constituição Americana. Essasreuniões renderam vários artigos publicados em Nova York, assinados por Publius.O propósito: ratificar a Constituição Americana.

Nem sempre, assim, a produção da ciência política adveio da simples pesquisa.Ressalte-se ainda que se “tratava de uma polêmica: a Publius opunha-se Brutus, queera o pseudônimo sob o qual se apresentavam os antifederalistas” (LEONEL, 2007).

Antes de entrarmos no tema que nos dispomos a comentar, é extremamenteimportante fazermos de forma bem sucinta uma síntese a respeito dos principaisfilósofos que sustentam a teoria política moderna. Então, vejamos:

Nicolau Maquiavel (1469-1527): Este pensador foi o fundador da ciênciapolítica moderna e não aceitava a divisão clássica dos três regimes políticos (monar-quia, aristocracia e democracia). Defendia que qualquer regime político pode serlegítimo e ilegítimo, sendo o valor que media a legitimidade e a ilegalidade – a liber-dade. O poder do príncipe deve ser superior aos “grandes” (aristocratas e ricos) eestar a serviço do povo, ou seja, separa o ethos moral do ethos político. Maquiavelrejeita a tradição idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e segue atrilha inaugurada pelos historiadores antigos, como Tácito, Políbio, Tucídides e TitoLívio. Seu ponto de partida e de chegada é a realidade concreta. Daí a ênfase naverità effettuale – a verdade efetiva das coisas. Esta é sua regra metodológica: ver eexaminar a realidade tal como ela é, e não como se gostaria que ela fosse (SADEK,2004).

Thomas Hobbes (1588-1679) foi o teórico da “Soberania Estatal”. Defen-dia um contrato que desse origem a um Estado Absoluto. Sua teoria tenta explicar apaz e, com isso, justificar a existência do Estado. Provoca uma ruptura com as tradi-ções do feudalismo. Foi o grande influenciador dos federalistas, uma vez que a cha-ve para entender o seu pensamento é o que ele diz do estado de natureza. Hobbes éum contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e oXVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade estánum contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização,que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as re-gras de convívio social e de subordinação política (RIBEIRO, 2004).

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John Locke (1632-1704) foi um teórico liberal. Teoriza que o homem possuioriginariamente direitos naturais que devem ser defendidos pelo Estado, como odireito à propriedade. É considerado o fundador do Empirismo2. Como filósofo, éconhecido pela “teoria da tábula rasa” do conhecimento. Influenciou a RevoluçãoAmericana, cuja declaração de independência foi alicerçada sobre os direitos natu-rais e o direito a resistência para fundamentar a ruptura das colônias com a Inglater-ra (MELLO, 2004).

Charles de Montesquieu (1689-1755), fundador da teoria dos três governos edos três poderes, base do constitucionalismo moderno. Autor da obra O Espírito dasLeis, na qual elabora conceitos sobre formas de governo e exercício da autoridadepolítica que se tornaram pontos doutrinários básicos da ciência política. Ofereceu aosconstituintes americanos as bases do ideal do federalismo (ALBUQUERQUE, 2004).

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), teórico contratualista. Para Rousseau,a soberania reside no povo. O homem era, para esse filósofo, um ser desconfiado.Em sua descrição do Contrato Social, afirmava que este tinha a finalidade de orga-nizar os indivíduos, após a passagem de seu estado de natureza. Postulava que “en-contrar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum,as pessoas e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, sóobedece, contudo, a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (NAS-CIMENTO, 2004).

Isto posto, podemos ter uma visão ampla dos pensadores e de suas ideias, quevieram a servir de base para a argumentação federalista e também dos confedera-dos. Alguns teóricos influenciaram bem mais, outros menos. Mas a efetivação daliberdade estava presente no contexto da revolução americana, bem como nas dis-cussões para aprovação de uma nova ordem política.

1 O Contexto Histórico de “O Federalista”

Os fatos sociais não surgem por acaso. É necessária a existência de um ambi-ente que possibilite a implantação de um processo de mudança. Dentro desse ambi-ente, encontramos a correlação de forças internas e externas que condicionam todoo processo.

No final do século XVIII, havia um crescente descontentamento das colôniasamericanas com o governo inglês, e treze colônias já não tinham representatividade

2 Sobre a linha do desenvolvimento do empirismo, Locke representa um progresso em confronto com os precedentes,no sentido de que a sua gnosiologia fenomenista-empirista não é dogmaticamente acompanhada de uma metafísicamais ou menos materialista. Limita-se a nos oferecer, filosoficamente, uma teoria do conhecimento, mesmo aceitan-do a metafísica tradicional e do senso comum, no que concerne a Deus, à alma, à moral e à religião. Com relação àreligião natural, não muito diferente do deísmo abstrato da época; o poder político tem o direito de impor essareligião, porquanto é baseada na razão. Locke professa a tolerância e o respeito às religiões particulares, históricas,positivas. “Mundo dos Filósofos. Texto: O Empirismo . John Locke. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/locke.htm>. Acesso em: 2 out. 2008.

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no parlamento daquele país. Como consequência, ocorreu a Guerra da Indepen-dência americana (1775-1783), tendo sido elaborada uma Constituição que caracte-rizava o novo país como uma Confederação.

Dentro daquele contexto, várias causas levaram à Guerra da Independência.Uma delas foi a Revolução Industrial, que possibilitaria uma maior abrangênciamercantil. Outro fator foi a Guerra dos Sete Anos (Inglaterra X França), uma lutaentre as duas potências por áreas de influência na América. A guerra foi vencidapela Inglaterra, mas, foi muito onerosa. Para reparar os gastos, a Inglaterra promo-veu arrocho do pacto colonial, tendo como consequência lógica o início de umatensão social entre a colônia e a metrópole. Com o propósito de se buscar um meiotermo para essas tensões sociais é que os congressos começam a ser realizados (em1774, ocorre o primeiro, na Filadélfia), sem caráter separatista.

Na Convenção da Filadélfia, também conhecida como Convenção Constitu-cional, ocorrida em 1787, que tinha como propósito inicial rever os artigos da Con-federação, os federalistas James Madison e Alexander Hamilton tinham a intençãode criar um novo governo, não apenas “articular” a permanência do que existia. Emseu artigo VII, a Constituição dizia que só entraria em vigor com a aprovação denove estados participantes. A proposta dos federalistas era substituir a Confedera-ção pelo Federalismo, criando assim, uma nova forma de governo ainda não experi-mentada por nenhuma nação.

O que distinguia as propostas? A Confederação é uma associação de Estadossoberanos, usualmente criados por meio de tratados, mas que pode eventualmenteadotar uma constituição comum. A principal distinção entre uma Confederação euma Federação é que, naquela, os estados constituintes não abandonam a sua sobe-rania, enquanto que, nesta, a soberania é transferida para a união federal.

1.1 Principais Teóricos do FederalismoDeter-nos-emos a fazer uma breve síntese da atuação dos defensores do fede-

ralismo que vieram, por intermédio de seus artigos, no intuito de ratificar a Consti-tuição Americana, a fundamentar a construção de uma nova ordem liberal. Traça-mos, a seguir, um breve perfil:

Alexander Hamilton (1755-1804): foi o primeiro secretário do Tesouro dosEstados Unidos e, como John Jay, foi conselheiro de George Washington, primeiropresidente dos Estados Unidos da América (EUA) em 1789. Foi o criador da infra-estrutura financeira dos Estados Unidos.

James Madison (1751-1836): foi um dos fundadores do Partido Republica-no, junto com Thomas Jefferson (que foi eleito presidente dos EUA em 1808). Échamado de “Father of the Constitution”.

John Jay (1745-1829): co-autor da Constituição de seu estado natal, promul-gada em 1777 e importante fonte de ideias para a Constituição Federal. Presidiu ocongresso continental em 1778. Foi o principal arquiteto do tratado de paz com a Grã-

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Bretanha, tornando-se em seguida o presidente da Suprema Corte dos EUA. Depois dedois mandatos como governador de Nova York, retirou-se da vida pública.

Os autores de O Federalista não concordavam entre si em muitos pontos, maspossuíam um acordo de defender a Constituição elaborada pela Convenção Federal,uma vez que a consideravam incontestavelmente superior à vigente, sob a tutela dosartigos da Confederação.

Em suma, a nova Constituição propunha a reestruturação do Estado Nacio-nal Americano, passando os Estados Unidos a ser uma República Federativa, presi-dencialista, adotando o princípio dos três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciá-rio), fundamentando-se no ideal de liberdade e universalidade. Segundo Limongi(2004, p.270), um dos eixos estruturados de O Federalista é o ataque à fraqueza dogoverno central instituído pelos artigos da Confederação. Cita Alexander Hamiltonque afirma, em O Federalista, n. 15, que nem se chegou, propriamente, a criar umgoverno, uma vez que estavam ausentes as condições mínimas a garantir sua exis-tência. Podemos reiterar a afirmação na passagem que vem a seguir:

Governar implica o poder de baixar leis. É essencial a idéia deuma lei que ela seja respaldada por uma sanção ou, em outraspalavras, uma penalidade ou punição pela desobediência. [...] Essapenalidade, qualquer que seja, somente pode ser aplicada de duasmaneiras: pelos tribunais ou ministros da justiça ou pela forçamilitar; [...] A primeira [forma de aplicação] só pode evidente-mente incidir sobre indivíduos; a outra recairá necessariamentesobre grupos políticos, comunidades ou Estados.

A Constituição teve por base as ideias dos pensadores liberais ingleses queapresentamos no início do artigo. Esses teóricos são mais bem compreendidos seobservados por dois pontos de vista: econômico, posto que defendem a livre-inici-ativa e a ausência de interferência do Estado no mercado; sob o ponto de vistapolítico: podem ser entendidos como defensores de uma nova forma de organiza-ção do poder, contrária ao Absolutismo, proposta pelos iluministas franceses (Li-berdade, Igualdade e Fraternidade).

Para Josênio Parente (1994), os principais mentores dos teóricos federalistasforam Hobbes e Montesquieu. Os artigos Publius colocam uma questão bastantemoderna: a fundação de um governo popular numa sociedade sem castas.

2 Sobre o embasamento teórico federalista

Os artigos publicados pelos federalistas são fundamentadores da teoria políti-ca base para a nova Constituição Americana. Sabe-se que Montesquieu, membro deuma tradição teórica que se inicia em Maquiavel e culmina em Rousseau, apontapara uma incompatibilidade entre governos populares e tempos modernos. Os “an-tifederalistas” usavam esta argumentação para combater o texto constitucional apre-

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sentado, propondo a criação de três ou quatro confederações, como o tamanhoideal (LIMONGI, 2004).

Incompatível por quê? Montesquieu apontava que a necessidade de se mantergrandes exércitos e a predominância das preocupações com bem-estar material fazi-am das grandes monarquias a forma de governo mais adequada daqueles tempos.Assim, as condições ideais exigidas pelos governos populares seriam: um pequenoterritório, possuir cidadãos virtuosos, amantes da pátria e surdos aos interesses ma-teriais.

O grande desafio dos defensores do federalismo era desmistificar tais mode-los de pensamento: primeiramente desmentir os dogmas da incompatibilidade daexistência de governos populares, que vem desde Maquiavel, Montesquieu e perma-necem em Rousseau, ou seja, numa longa tradição. Em segundo lugar, os federalis-tas deveriam trabalhar a ratificação dos ideais contemplados na nova Constituição,em decorrência do contexto da época, em que se apresentava um forte desenvolvi-mento do espírito comercial. Desta forma, os federalistas não viam impedimentopara a constituição de governos populares. E, tampouco, esses dependiam da virtu-de do povo ou precisavam permanecer confinados em pequenos territórios, sobpena de serem sobrepujados pelos seus vizinhos militarizados.

Vale registrar que, em relação à forma de governo, a teorização de Montes-quieu ainda está ligada a exemplos da antiguidade3 (Monarquia) e voltada às ques-tões correntes da Europa. Os federalistas não reproduzem os argumentos dos teó-ricos clássicos. Defendem uma inovação: a República Federativa. Nesse aspecto,queremos chamar a atenção para a questão geográfica. Naquela época, quais naçõesvizinhas teriam o poderio bélico para intimidar os Estados Unidos como uma presafácil? Outra questão que destacamos é que, efetivamente, existe um “oceano” sepa-rando a Europa dos Estados Unidos. Assim, as influências dos teóricos não impac-tavam, com a mesma repercussão, a ex-colônia inglesa, como atingiam as correla-ções de força no âmbito da Europa.

3 A Questão do Mérito

Pela primeira vez, a teorização sobre os governos populares deixava de semirar nos exemplos de forma de governo da antiguidade, iniciando-se, assim, seucaráter eminentemente moderno.

Segundo Limongi (2004, p. 247), o raciocínio desenvolvido por Hamilton dei-xa entrever o desdobramento necessário. A única forma de criar um governo cen-tral, que realmente mereça o nome de governo, seria capacitá-lo a exigir o cumpri-

3 Na moderna tipologia das formas de Estado, a República se contrapõe à Monarquia. Para saber mais ler: BOBBIO,Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: EDUNB, 1995, v. 2,p. 1107.

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mento das normas dele emanadas. Para que isso se efetivasse, seria necessário que aUnião deixasse de se relacionar apenas com os estados e estendesse o seu raio deação diretamente aos cidadãos.

Em O Federalista n. 2 (JAY apud LIMONGI, 2004, p. 258) tratando sobre asvantagens naturais da União, diz que “nada é mais certo do que a indispensávelnecessidade de um governo, e é igualmente inegável que, quando e como quer queele seja instituído, o povo deve ceder-lhe alguns de seus direitos naturais, a fim deinvesti-lo dos necessários poderes”.

Torna-se evidente que a nova Constituição seria o contrato que regeria arelação Estado/povo ou governo e governado. Os poderes estariam nas mãos dehomens que governariam o Estado. Segundo Limongi (2004, p. 249), “todo ho-mem que detém o poder tende dele abusar”. Neste momento, os defensores dofederalismo se aproximam de Montesquieu, uma vez que apontam a necessidadede um poder para frear outro poder. Neste sentido, O Federalista faz uma relaçãocom a natureza humana: “se os homens fossem anjos, não seria necessário termosgovernos” (MADISON, O Federalista, n. 51, apud LIMONGI, 2004, p. 272). Masé da natureza humana ter ambições, interesses e desejos. Para reiterarmos as posi-ções federalistas sobre a natureza humana, recorremos mais uma vez a Limongi(2004, p. 263):

Na medida em que a razão do homem continuar falível e elepuder usá-la à vontade, haverá sempre opiniões diferentes. En-quanto subsistir a conexão entre o raciocínio e o amor-próprio,suas opiniões e paixões terão uma influência recíproca umas so-bre as outras; e as primeiras serão objetos aos quais as últimas seapegarão.

Para Silva (2003, p. 1), os defensores do federalismo reconhecem a fraqueza emaldade da natureza humana. É fácil notar como, para eles, uma sociedade não temcomo sobreviver pacífica e eticamente sem que haja pressões, ameaças e puniçõesdeclaradas para possíveis desvios. Partindo disso, provam que um grupo de homensnão está livre de tais problemas e demonstram que estados também precisam serpoliciados (cf. SILVA, 2003).

4 O Governo como controlador do Governo

Para Madison,A fim de lançar os devidos fundamentos para a atuação separadae distinta dos diferentes poderes do governo [...] é evidente quecada um deles deve ter uma personalidade própria e, consequen-temente, ser de tal maneira constituído que os membros de umtenham a menor ingerência possível na escolha dos membrosdos outros. Para que esse princípio fosse rigorosamente obser-

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vado, seria necessário que todas as designações para as magistra-turas supremas do executivo, do legislativo e do judiciário tives-sem a mesma fonte de autoridade – o povo [...]. (O Federalista, n.51, apud LIMONGI, 2004, p. 272).

No mesmo artigo (O Federalista, n. 51), Madison diz:Ao constituir-se um governo – integrado por homens que terãoautoridade sobre outros homens –, a grande dificuldade está emque se deve, primeiro, habilitar o governante a controlar o go-vernado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo [...]. As-sim, para frear a relação de poder entre as esferas do executivo,legislativo e judiciário, ressalta ainda que [...] os membros de cadaum dos três ramos do poder devem ser tão pouco dependentesquanto possível dos demais.

Neste sentido, Madison continua:Todavia, a grande segurança contra uma gradual concentraçãode vários poderes no mesmo ramo do governo consiste em daraos que administram, a cada um deles, os necessários meios cons-titucionais e motivações pessoais para que resistam às intromis-sões dos outros. [...] A ambição deve ser utilizada para neutrali-zar a ambição. Os interesses pessoais serão associados aos direi-tos constitucionais. [...]. Em outras palavras, um poder deve con-trolar o outro ou as pessoas devem controlar as outras. Assim,os interesses privados de cada cidadão devem ser uma sentinelados direitos público (O Federalista, n. 51, apud LIMONGI, 2004,p. 273).

Mas como seria possível distribuir para cada um dos poderes instrumentosiguais de autodefesa? Segundo Madison (O Federalista, n. 51, apud LIMONGI, 2004,p. 274), no governo republicano predomina a autoridade do Legislativo, apontandoum caminho:

A solução [...] está em repartir essa autoridade entre diferentesramos e torná-los — utilizando maneiras diferenciadas de elei-ção e distintos princípios de ação — tão pouco interligados quan-to o permitir a natureza comum partilhada por suas funções e adependência em relação à sociedade.

Surgem desta forma, dentro da estrutura do governo republicano, a figura daCâmara de Deputados e o Senado, ambos com atribuições distintas. Continuando,Madison (O Federalista, n. 57, apud LIMONGI, 2004, p. 280) argumenta que:

A Câmara dos Deputados é o lugar onde os cidadãos se fazemrepresentar, e o Senado é onde os Estados têm voz igual, paradiscutir assuntos de interesse da federação. Isso garante a pro-

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porcionalidade e a igualdade, e ainda possibilita um controle in-terno do mais poderoso dos três poderes da União.4

Para proteger o Executivo do poder do Legislativo, é atribuído o poder do vetoabsoluto, que O Federalista considerava uma defesa com a qual deveria ser armado oExecutivo. Mas reconhece que talvez não seja seguro nem eficiente. Com relação aoPoder Judiciário, Hamilton, no artigo n. 78 (O Federalista, apud LIMONGI, 2004, p.275), afirma que é o mais fraco dos três poderes. O Federalista nos mostrar que:

A independência integral das cortes de justiça é particularmenteessencial em uma Constituição limitada. Ao qualificar uma Cons-tituição como limitada, [...] que ela contém certas restrições es-pecíficas à autoridade legislativa [...]. Limitações dessa naturezasomente poderão ser preservadas na prática através das cortesde justiça, que têm o dever de declarar nulos todos os atos con-trários ao manifesto espírito da Constituição.

Os juízes serão os guardiões da liberdade. A vitaliciedade no cargo, com otempo tiraria qualquer dependência em relação à autoridade que o nomeou. O Fede-ralista afirma que não haverá liberdade se o poder judiciário estiver sob jugo deoutros ou junto a eles.

5 As Facções e as Formas de Controle

As facções foram caracterizadas como a principal ameaça ao destino dos go-vernos populares. Madison, em O Federalista, n. 10, defende a ideia de não eliminá-las, mas de eliminar seus efeitos. Pelo ideal de liberdade defendido pelos federalistas,não se pode evitar o surgimento das facções.

Madison as define como:[...] um grupo de cidadãos, representando quer a maioria quer aminoria do conjunto, unidos e agindo sob um impulso comumde sentimentos ou de interesses contrários aos direitos dos ou-tros cidadãos ou aos interesses permanentes e coletivos da co-munidade (O Federalista, n. 10, apud LIMONGI, 2004, p. 262).

Afirma Madison que existem dois processos para remediar os malefícios dasfacções: um, pela remoção de suas causas; outro, pelo controle de seus efeitos. Paracombater as causas, deveria ser destruída a liberdade, que é a essência de sua exis-tência. Mas, fazendo desta maneira, estaria aplicando um remédio que seria pior doque a própria doença. Outro caminho apontado por Madison para combater as

4 No artigo 57, James Madison trata das bases populares da Câmara dos Deputados. Para saber mais, ler: LIMONGI,F. P. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicosda Política. São Paulo: Ática, 2004.

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causas das facções seria fazer com que todos os cidadãos tivessem os mesmos sen-timentos, opiniões e interesses5. Assim, os federalistas acreditam que as facções de-vem existir, mas sem prejudicar a liberdade. A unificação de opiniões diferentes doshomens também é apontada como uma solução impraticável por Madison, ao afir-mar que “a diversidade das aptidões humanas, nas quais se originam os direitos depropriedade, não deixam de ser um obstáculo quase insuperável para uma uniformi-dade de interesses” (O Federalista, n. 10, apud LIMONGI, 2004, p. 263).

Nesse sentido, “a conclusão a que somos levados é a de que as causas dafacção não podem ser removidas e de que o remédio a ser buscado se encontraapenas nos meios de controlar os seus efeitos” (MADISON, O Federalista, n. 10,apud LIMONGI, 2004, p. 265), pois o autor afirmava que o remédio é fornecidopelo princípio republicano, e entendia “república como um governo no qual se apli-ca o esquema de representação – abre uma perspectiva diferente e promete a curaque estamos buscando”6.

Neste contexto, o tamanho da república servia como meio para repelir fac-ções ou filtrar o facciosismo. Mais cidadãos eleitores, melhor discernimento, maisgrupos de interesses reduziriam as chances de conspiração. A representação dividi-ria responsabilidades locais, estaduais e federais, e poderia realizar o interesse co-mum contra facções majoritárias oprimindo minorias, exercitando o povo sobre asrazões pelas quais teria vantagens em controlar sua própria paixão. Assim, os várioscorpos legislativos se completariam, vigiando um ao outro, e os federalistas inte-grariam república e federação. Madison insistiu em que, na democracia direta, as pes-soas devem reunir-se todas; na república, atuam por representação (LEONEL, 2007).

Conclusão

É incontestável a inovação da teoria defendida pelos federalistas. Igualmenteé inegável que eles efetivamente lançaram as sólidas bases do liberalismo. É nestemomento que a ciência política encontra-se com a modernidade.

Com efeito, nota-se que algumas inovações são implantadas com O Federalista.Viabilizam-se, entre outras, algumas categorias conceituais: República: Res publica (latim)– coisa pública, forma de governo na qual o povo é soberano. Federação: união entreEstados independentes para formar uma única entidade soberana, formando o EstadoFederal que está dotado de características próprias (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUI-NO, 1995). Pode-se, assim, observar que, com a separação dos poderes Legislativo, Exe-

5 Como destruir a liberdade quando a base das discussões do federalismo é a liberdade?6 Fazendo uma correlação com a democracia pura, define-a “como uma sociedade congregando um pequeno número

de cidadãos que se reúnem e administram o governo pessoalmente – tem de admitir que não há cura para os males dafacção. Uma paixão ou interesse comum dominará, em quase todos os casos, a maioria do conjunto” (MADISON, OFederalista, n. 10, apud LIMONGI, 2004, p. 266).

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cutivo e Judiciário, o governo passa a controlar o próprio governo, e o povo é a expres-são superior da defesa intransigente da Constituição. Atua permanentemente como sefora “sentinela”, defensor contumaz dessa nova ordem democrática.

Referências

ALBUQUERQUE, J. A. Montesquieu: sociedade e poder. In: WEFFORT, Francis-co (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário dePolítica. 13. ed. Brasília: EDUNB, 1995.HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Brasília: Uni-versidade de Brasília, 1984. (Coleção Pensamento Político).LEONEL, Mauro. “O Liberalismo Federalista: tensões e soluções dos EUA”. In:Revista Arquivos Contemporâneos, São Paulo, v. 1, p. 1, 2007.LIMONGI, F. P. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos. In:WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.MELLO, Leonel Itaussu Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: WE-FFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 2004.MUNDO dos Filósofos. O Empirismo. Texto sobre John Locke. Disponível em:<http://www.mundodosfilosofos.com.br/locke.htm>. Acesso em: 2 out. 2008.NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade. In: WEFFORT,Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.PARENTE, Josênio C. A construção da ordem liberal: IV o Federalista: a efetivação daliberdade. Trabalho apresentado à disciplina Teoria Política do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da USP. São Paulo, 1994.RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francis-co (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.SADEK, Maria Tereza. “Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de vir-tú”. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.SILVA, Gustavo Noronha. O Federalista. Trabalho apresentado à disciplina Política II docurso de Ciências Sociais da Universidade de Montes Claros. Montes Claros, 2003, p. 1-7.WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 13. ed. São Paulo: Ática, 2004.

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A gênese do pensamento políticonas colônias inglesas da

América do Norte1

Elizeu Corrêa dos Santos*Hermon Santos da Silva**Ney Oliveira da Costa***

Resumo: Os ideais de Lutero e Calvino são pressupostos influenciadores das ideo-logias dos emigrantes que, buscando refúgio dos sistemas monárquicos instaladosna Europa, avançam para as colônias inglesas na América, que se apresentam comolocus capaz de propiciar a desejada situação de indivíduo liberto e completo diantede expectativas arraigadas em seus pensamentos religiosos. Desta maneira, o pensa-mento protestante irá influenciar, de forma categórica e decisiva, a formação dopensamento cultural dos estados americanos, e acabará também por contribuir paraos preceitos basilares do pensamento político da nação que se molda neste arcabou-ço de fatos sociais.

Palavras-chave: Protestantismo. Igualdade. Liberdade.

The genesis of political thoughtin the english colonies of

North America

Abstract: The ideals of Luther and Calvin, as influencing presuppositions of theideologies of the immigrants who, seeking refuge from the monarchical systemsinstalled in Europe, advanced to the English colonies in America, which presented

1 Artigo apresentado ao professor Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, MestradoProfissional em Planejamento e Políticas Públicas da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.

*Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Arquiteto e Urbanista. Arte-educador. Especialista em Gestão Urbana [email protected].

**Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Licenciado e Bacharel emHistória. Advogado [email protected].

***Acadêmico do curso de Mestrado Profissional em Planejamento e Políticas Públicas. Licenciado e Bacharel emHistória. Especialista em Docência do Ensino Superior [email protected].

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themselves as a locus able to provide the desired situation of being free and completeindividuals according to expectations rooted in their religious thoughts. Thus theProtestant thinking will influence, categorically and decisively, the shaping of thecultural thinking of the American States, and, ultimately, will also contribute to thebasic precepts of the nation’s political thinking which is molded in this frameworkof social factors.

Key words: Protestantism. Equality. Liberty.

O homem moderno, mesmo com a melhor das vonta-des, costuma ser incapaz de atribuir às ideias religio-

sas a importância que merecem em relação à cultura eao caráter nacional.

(WEBER, 2007, p. 141)

Desde 1754, com Benjamin Franklin, surgiu um sentimento de unificaçãopolítica para as treze colônias inglesas da América. Mas, na época, este pensamentoecoou sem adesão por parte das elites políticas da América e, muito menos, porparte da Inglaterra. Porém, por parte dos integrantes de “O Grande Despertar”,essa adesão teve outro norte.

Este era um grupo protestante que “andarilhava” pelas colônias americanasem busca de concretizar seus princípios de fé. Se a unificação religiosa não veio, ostermos do Protestantismo, através da ação daqueles pregadores, significaram os pri-meiros passos para a unificação política, ou seja, foram tais ideias, no âmbito de umprocesso histórico mais vasto, concretizado pelo progresso dos indicadores de ema-ciação social, que nortearam, entre outras coisas, a estabilização da ordem constitu-cional.

Sob a influência de ideias liberais, emanadas de pensadores como John Locke,Rousseau e Montesquieu, e propagadas por Lafayette, esboçaram-se entre os colo-nos americanos o direito à vida, à liberdade e à propriedade, e outros que consubs-tanciaram os escritos de James Madison, quando publicou, junto com AlexanderHamilton e John Jay, O Federalista, fruto da reunião de uma série de ensaios publica-dos na imprensa de Nova York em 1788.

A identidade política daquela região mudou consideravelmente, pois a espiri-tualidade cristã comporta diversas dimensões. Quando se trata da dimensão históri-ca, a perspectiva da teologia protestante dos Estados Unidos em formação compre-ende uma coragem de ser livre; pois, “grupos de puritanos, descontentes com asituação religiosa na Inglaterra, na Escócia e Irlanda, emigraram para a América”(WEFFORT, 2005, p. 258).

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Os primeiros a aportarem por aquelas terras com ideias protestantes foram oscolonos da Virgínia, na parte sul dos Estados Unidos. Denominavam-se Anglicano-Puritanos os “pais peregrinos” que até ali navegaram a bordo do “Mayflower”. Fun-daram uma colônia caracterizada por uma organização político-religiosa que regiatanto a vida pública quanto a privada (KLEIN, 2002, p.1).

Para os membros deste grupo, o papel do Estado, enquanto instituição nor-matizadora da sociedade

[...] estava intimamente ligado à Igreja e qualquer um que se afas-tasse da Igreja se isola, literalmente, da sociedade civil. A intole-rância se estende as crenças e aos costumes, a comunidade atri-buindo-se o direito de velar pela estrita lei de Deus (KLEIN,2002, p. 2).

As restrições econômicas e a perseguição religiosa fomentadas na Europa,sobretudo por Inglaterra e Espanha, promoveram um verdadeiro êxodo para o“novo mundo”. Os escoceses e os irlandeses chegaram no início do século XVIII,em sua maioria, em decorrência das mesmas questões favorecidas pela Inglaterrae pela Espanha. A vontade de ser livre, destes que somavam quase cem mil em1750, aglutinou-se com a dos que antes chegaram, no que tange a antipatia pelogoverno inglês e o anseio por possíveis mudanças que significassem ruptura como passado.

E é justamente essa antipatia a raiz do antagonismo estabelecido entre metró-pole e colônia, bem como o primórdio das ideias de emancipação. Ou seja, um povoque buscava liberdade religiosa agora começava a vislumbrar as chances de umaliberdade bem mais politicamente abrangente. Uma das principais figuras dessespreceitos foi o pastor presbiteriano Jonathan Edwards (1703-1758); ele observavaas ideias iluministas e era estudioso de John Locke e Isaac Newton.

Este pregador buscava a unificação e a restauração de um movimento religio-so enfraquecido, através de uma mobilização religiosa e filosófica denominada de“o grande avivamento”, que será um dos fatores determinantes para o recrudesci-mento de uma mentalidade baseada no Iluminismo, que irá pregar e buscar alcançaro avanço modernizante de seus membros.

O grande despertamento estendeu-se pelas treze colôniasamericanas e estima-se que em conseqüência cerca de 50.000pessoas uniram-se a igreja. Cumpre observar que a teologiados avivamentos não dispensa a Ilustração (KLEIN, 2003,p. 5).

As ideias desse pregador confrontavam as pessoas com seu “íntimo peca-minoso”, e isso as levava a viver de acordo com o que foi enfatizado por Calvi-no (justificativa para a burguesia em ascensão conquistar o poder que não tinha– o poder político), possibilitando a aquisição de riquezas, por exemplo, sem

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que isso fosse visto como impróprio ou imoral, seguindo-se o empréstimo dedinheiro a juros como forma de geração de renda, o que era condenado pelaIgreja Católica.

Princípios como esses eram explorados pelos pensadores que formularam asideias-base da emancipação política dos norte-americanos; pois, enquanto colônia,aquela região, via-se impedida de trilhar novos caminhos que pautassem uma acu-mulação de capital necessária aos interesses políticos da colônia. Daí que seria ilusãoacreditar que o trabalho dignifica o homem, se esse homem não tem essa dignifica-ção concreta. É neste sentido que o protestantismo na América do Norte absorveráum aspecto político que parece ter unido fé e emoção, ciência e religião, em que areligião é potencialmente essencial.

Tal foi a combinação desses fatores políticos, religiosos e econômicos quederam ênfase para uma forma nova de governo, baseado na liberdade de seus parti-cipantes, isto porque, à luz dos pensadores “antifederalistas”, como os seguidoresde Montesquieu, a república era uma forma de governo não condizente com terri-tórios expressivos. Essa era a ideia predominante no contexto político administrati-vo da época.

A implantação da república em um país com dimensões continentais causouespanto e apreensão, mesmo entre algumas correntes políticas, como as acima cita-das, dentro das treze colônias. Mas a inovação ideológica carecia de um suporteteórico e explicativo que viesse contrapor-se à compreensão inerente na época, ouseja, aquela que defendia um prisma contemplativo de um Estado federal fortaleci-do nos artigos de O Federalista, que tinha por ideia principal trazer a luz da mentali-dade americana à mudança que fosse efetiva para uma conjuntura política que levas-se a efeito o tão sonhado estado federal, não como queriam os seus idealizadores,mas como foi possível fazê-lo.

A gênese do pensamento político na América do Norte nunca foi um fatocasual ou acidental. O ideal de luta e mudança precede sua própria origem e seconsolida em sua cristalização. Disto decorrem seus principais preceitos herdadosdo Iluminismo, cercado de aspectos moralistas e longe de qualquer conceito degraça per si. Quase não é mencionada na América a presença do divino precedendoo que é feito pelo homem. A sacralização da realidade é praticamente desconsidera-da na sociedade americana.

A análise da obra de Tocqueville sobre a democracia instalada na América – ADemocracia na América – esclarece sua percepção da influência da estrutura religiosanos moldes adotados por aquela sociedade em seus costumes e que se exterioriza-ram em suas ideias, pois assim coloca: “Deus mesmo percebe a causa de tal revolu-ção, Deus mesmo deve ter desejado essa impressionante marcha para as igualdadesdas condições” (TOCQUEVILLE apud CHEVALLIER, 2002, p.254).

A sociedade democrática que triunfa na América será bem sucedida e suscep-tível à felicidade comum, se bem constituída e guiada para um funcionamento pací-

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fico em que o objetivo principal fosse a felicidade geral da maioria e bastando paraisso que o estado igualitário fosse regulamentado e canalizado pela lei por todosconsiderada e amada como obra própria – “pela sua consciência religiosa e garantiada liberdade interior” (Idem).

A sociedade americana na maior parte das operações do espíritoapela para o esforço individual de sua razão. Cada um procuraapenas em si a regra de seu juízo, cada um, estreitamente encer-rado em si mesmo, pretende assim julgar o mundo, é esta razãoque busca e irá permitir atacar facilmente todas as coisas antigas,abrindo caminho a todas as novas, método que, principalmentebaseando-se na possibilidade da religião protestante, antevê queo possível engrandecimento de todos os homens é democrático(TOCQUEVILLE apud CHEVALLIER, 2002, p. 263).

Para Tocqueville, a religião assegurava os costumes, e, sem costumes, não háliberdade. Na sociedade dos estados americanos, ele encontra a unificação de reli-gião e liberdade. A religião, como facilitadora da liberdade, garante o difícil funcio-namento da democracia:

Religião e liberdade haviam presidido em harmonia a fundaçãoda nova Inglaterra pelos puritanos que traziam ao novo mundoseu cristianismo republicano e democrático. A liberdade ameri-cana poderá ver na religião a companheira de suas lutas e triun-fos. O berço de sua infância (Ibid., 2002, p. 275).

Este mesmo autor ainda reforça que, “ao mesmo tempo em que a lei permiteao povo americano tudo fazer, a religião impede de tudo conceber e proíbe-lhe tudoempreender”. Para Tocqueville, o grande triunfo da democracia dos estados ameri-canos é relacionar-se estreitamente com a religião sem deixar que esta interfira nasua estrutura formal – a religião contribui positivamente para o Estado por ser estri-tamente separada do mesmo, por não interferir e não se internalizar diretamentenos assuntos do governo – “só as almas lhe pertencem, os cidadãos são do Estado”(Ibid., 2002, p. 263).

A gênese do pensamento político nas colônias da América do Norte, arraiga-da na religião protestante, influenciou fortemente os costumes de um povo e, comisso, deixou como legado alguns aspectos que consideramos como contribuidorespara a formação da Constituição daquele país (EUA).

O pensamento oriundo da teologia luterana e calvinista, formadora da menta-lidade dos emigrantes que se instalaram nas treze colônias americanas, trabalha pelareconstituição de um alicerce perdido no país de origem, buscando uma coesãoreligiosa e pessoal com a preocupação de atender os anseios da maioria por igualda-de e liberdade e, assim, buscam e apóiam uma nação moderna, sem receio de seatirar nesta empreitada com a força de sua fé e de sua razão.

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Referências

CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8. ed.Rio de Janeiro: Agir, 2002.EDWARDS, Jonathan. A genuína experiência espiritual. São Paulo: PES, 1993.KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. São Paulo: Escala, 2005.KLEIN, Carlos Jeremias. A espiritualidade protestante norte-americana na perspectiva dePaul Tillich. São Paulo: Universidade Metodista, 2002.WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 2. ed. São Paulo: MartinClaret, 2007.WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, 2005.

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3.4.4 Texto propriamente dito

As Citações Bibliográficas devem ser feitas de acordo com as normas daABNT (NBR 10520 – Informação e Documentação – Citações em documentos – Apresentação/ Ago. 2002), adotando-se o sistema autor-data.

As Referências devem ser feitas de acordo com as normas da ABNT (NBR6023 – Informação e Documentação – Referências – Elaboração / Ago. 2002).

Devem conter todos os dados necessários à identificação das obras, dispostasem ordem alfabética. Para distinguir trabalhos diferentes de mesma autoria, serálevada em conta a ordem cronológica, segundo o ano da publicação. Se num mesmoano houver mais de um trabalho do(s) mesmo(s) autor(es), deverá ser acrescentadauma letra ao ano (ex. 1999a; 1999b).

Referências dos documentos consultados. Somente devem ser inseridosna lista de Referências, os documentos efetivamente citados no artigo.

Na lista das Referências, cada trabalho referenciado deve ser separado doseguinte por 2 (dois) espaços. A lista dos documentos pesquisados deve ser apresen-tada em ordem alfabética, não numerada, seguindo o sobrenome do autor principal,

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destacando em itálico o título do periódico (para artigos) ou o nome da obra (quan-do para capítulos de livro), como descrito no item Referências. Observação: desta-car em itálico somente os títulos, não os subtítulos.

• As notas não bibliográficas devem ser colocadas no rodapé, ordenadas poralgarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento do textoao qual se refere a nota.

• Os locais sugeridos para inserção de ilustrações e tabelas deverão ser indica-dos no texto.

• Ilustrações e tabelas, com as respectivas legendas, deverão ser apresenta-das no decorrer do textos e definidas pelo próprio autor.

Ilustrações: São desenhos, esquemas, fluxogramas, fotografias, gráficos, mapas,organogramas, plantas, quadros, retratos e outros. Independente do tipo de ilustra-ção, sua identificação aparece na parte inferior, seguida de seu número de ordem deocorrência no texto, em algarismos arábicos, do respectivo título e/ou legenda ex-plicativa de forma breve e clara, dispensando consulta ao texto e da fonte. A ilustra-ção deve ser inserida o mais próximo do trecho a que se refere.

Tabelas: A palavra Tabela e seu texto explicativo deverão ser escritos acima ereceber numeração consecutiva em algarismos arábicos. (Ex.: Tabela 1 - Relaçãoestatura versus peso em crianças de 0 a 10 anos).

Observação importante: siglas e abreviaturas devem ser evitadas, pois difi-cultam a leitura. Quando forem necessárias, as siglas ou as abreviaturas devem serintroduzidas entre parênteses, logo após o emprego do referido termo na íntegra,quando do seu primeiro aparecimento no texto. Ex.: Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE). Após a primeira menção no texto, utilizar somente a siglaou abreviatura. Todas as abreviaturas em tabelas ou ilustrações devem ser definidasem suas respectivas legendas.

4 Direitos autorais

4.1 Artigos publicados na Revista da Escola de Administração Pública do AmapáOs direitos autorais dos artigos publicados pertencem à Revista da Escola de

Administração Pública do Amapá. A reprodução total dos artigos desta revista emoutras publicações, ou para qualquer outra utilidade, está permitida desde que citadaa fonte. Será oferecido um exemplar da revista para cada autor.

O(s) autor(es) deverão encaminhar, junto com o artigo, Carta de Autorizaçãopara Publicação e Concessão de Direitos Autorais.

Será vedada a inclusão de autorias a artigos posterior ao período de inscrição,salvo casos especiais, desde que os demais autores do artigo assinem o Termo deResponsabilidade.

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4.2 Reprodução parcial de outras publicaçõesArtigos submetidos, que contiverem partes de texto extraídas de outras publi-

cações, deverão obedecer aos limites especificados para garantir originalidade dotrabalho submetido. Recomenda-se evitar a reprodução de tabelas e ilustrações ex-traídas de outras publicações.

O artigo que contiver reprodução de uma ou mais tabelas e/ou ilustrações deoutras publicações deverá conter a citação da fonte original.

5 Antes de enviar o artigo, faça uma revisão cuidadosa para verificar se está deacordo com a presente instrução. Utilize o modelo de Checklist.

6 Não haverá devolução dos trabalhos submetidos à Revista.

7 A presente Instrução aos Autores, o modelo de Concessão de Direitos Auto-rais, da Carta de Autorização para Publicação e do Checklist, encontram-sedisponíveis em: <http://www.eap.ap.gov.br>.

8 Endereço para encaminhamento:

Escola de Administração Pública do AmapáConselho Editorial – REVISTA DA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA DO AMAPÁRua: Amazonas, 20 – B. Central – CEP: 68908-330 – Macapá/APTel.: (96) 3312-1950 / 1954 – Fone/Fax: (96) 3312-1963e-mail: [email protected]