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Revista do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco CBHSF | Nº 07 | DEZ 2015 ISSN 2316-7661 MUITA SEDE AO POTE DIFERENTES INTERESSES AMEAÇAM O AQUÍFERO URUCUIA, UM DOS RESPONSÁVEIS PELA PERENIDADE DO VELHO CHICO

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  • Revista do Comit da Bacia Hidrogrfica do

    Rio So FranciscoCBHSF | N 07 | DEZ 2015

    ISSN 2316-7661

    MUITA SEDE AO

    POTEDIFERENTES

    INTERESSES AMEAAM O AQUFERO URUCUIA, UM DOS RESPONSVEIS PELA PERENIDADE DO

    VELHO CHICO

  • 2IM

    AG

    EM

  • Em meio Caatinga presente no oeste baiano, flores de diferentes espcies embelezam a regio e trazem vida a uma rea extremamente castigada pela seca.

    Foto: Andr Frutuoso

  • Revista ChicoPublicao semestral do Comit da

    Bacia Hidrogrfica do Rio So FranciscoN 07 | DEZ 2015

    ISSN 2316-7661

    Comit da Bacia Hidrogrfica do

    Rio So FranciscoPresidente

    Anivaldo de Miranda Pinto

    Vice-PresidenteWagner Soares Costa

    SecretrioJos Maciel Nunes de Oliveira

    Coordenador da CCR do AltoMrcio Tadeu Pedrosa

    Coordenador da CCR do MdioCludio Pereira da Silva

    Coordenador da CCR do SubmdioManoel Uilton dos Santos (Tux)

    Coordenador da CCR do Baixo Melchior Carlos do Nascimento

    Produzido pela Yay Comunicao

    Integrada

    Coordenao geralMalu Follador

    Coordenao editorial e edio de texto

    Jos Antnio Moreno

    ReportagemAndr SantanaDelane Barros

    Jos Antnio MorenoRicardo Follador

    Wilton Mercs

    ArtigosAnivaldo Miranda

    George OlavoLincoln Muniz

    IlustraoHiram Gama

    Elena Landinez

    FotografiaAndr Frutuoso

    Joo ZinclairLeonardo ArielTiago Sampaio

    Ricardo FolladorWilton Mercs

    RevisoRita Canrio

    Projeto grfico e Editorao

    Jorge Martins

    Foto da CapaShutterstock.com

    ImpressoGrfica Santa Brbara

    O que seria do Velho Chico sem o aqu-fero Urucuia? A revista Chico chega sua stima edio ressaltando a im-portncia desse grande manancial de guas subterrneas para a sobrevivncia do rio So Francisco, especialmente no perodo de estiagem. Alm de mostrar a contribuio eco-nmica do aqufero para o desenvolvimento do setor agrcola no oeste baiano, a revista discu-te a necessidade de uma boa gesto das guas subterrneas, ameaadas, sobretudo nesse territrio, por sua retirada desordenada para manuteno de projetos do agronegcio.A revista destaca ainda os resultados parciais do processo de atualizao do Plano de Bacia do So Francisco, que dever ser concludo em 2016 pela Nemus Consultoria. Dados apurados at agora revelam parmetros atualizados dos diversos aspectos da bacia, apontando novas e diferentes perspectivas nem sempre positivas que iro nortear o trabalho de gesto do Comi-t da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco nos prximos dez anos.Gesto que ganha estmulo e ressonncia em prticas positivas de desenvolvimento das comu-nidades ribeirinhas: nesta edio, o destaque para o modelo produtivo com base no coopera-tivismo, implantado por apicultores dos munic-pios baianos de Ibotirama e Morpar, para a pro-duo do mel Velho Chico, reconhecido como o melhor mel da Bahia em recente concurso es-tadual e que vem conquistando mercado dentro e fora do Brasil. Uma alternativa de renda para comunidades que j no encontravam viabilidade econmica na agricultura, seriamente prejudica-da pela dura estiagem em uma das regies baia-nas mais castigadas pela seca.Finalmente, a Chico entrevista uma das figuras mais emblemticas da bacia, o pescador Ant-nio Gomes dos Santos, o Toinho Pescador, como tambm conhecido o alagoano de Penedo, 84 anos, defensor contumaz do Velho Chico e poeta que usa seus versos para denunciar as agres-ses ao rio e, principalmente, disseminar a ideia de que possvel, sim, acreditar em um futuro melhor para o So Francisco.

    A fora que vem da terra

    Agencia de Bacia AGB PEIXE VIVO

    Diretora-geral Clia Maria Brando Fres

    Diretora de Integrao Ana Cristina da Silveira

    Diretor Tcnico Alberto Simon Schvartzman

    Diretora de Administrao e Finanas

    Berenice Coutinho Malheiros dos Santos

    Esta revista um produto do Programa de Comunicao do CBHSF Contrato n 07/2012 - Contrato de Gesto n

    014/ANA/2010 - Ato Convocatrio n 043/2011.Direitos reservados. Permitido o uso das informaes,

    desde que citando a fonte.

    CMARA CONSULTIVA REGIONALBAIXO SO FRANCISCO

    CMARA CONSULTIVA REGIONALALTO SO FRANCISCO

    CMARA CONSULTIVA REGIONALMDIO SO FRANCISCO

    CMARA CONSULTIVA REGIONALSUBMDIO SO FRANCISCO

  • 5Sumrio

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    VIDA QUE BROTA DEBAIXO DO BARRO DO CHO

    ENTREVISTA: TOINHO PESCADOR

    ARTIGO: OS EXTREMOS CLIMTICOS E AS PERSPECTIVAS FUTURAS NO CONTEXTO DA BACIA HIDROGRFICA DO RIO SO FRANCISCO

    HAVER GUA PARA TODOS?

    OPINIO: UM NOVO TEMPO PARA OS COMITS DE BACIA

    A MISTERIOSA MANCHA DO RIO

    ALMANAQUE: PENEDO

    NA ROTA

    VELHO CHICO EM CAPTULOS

    SERES DO SO FRANCISCO: LOBO-GUAR

    DOCE REVOLUO NO OESTE BAIANO

    EXPERINCIAS EXITOSAS

    ENSAIO: VIDA S CARRANCAS

  • 6A questo que esse reservatrio natu-ral carece de ateno, pois sua rea de maior contribuio est localizada no oeste da Bahia, que registra gran-des conflitos pelo uso das guas, envolvendo investimentos agrcolas de porte, usinas de produo de energia hidroeltrica e a prpria populao ribeirinha. Organizaes ambientais criticam o descumprimento dos termos de ou-torgas e a pouca eficincia da fiscalizao do governo estadual, principal responsvel pela gesto das guas subterrneas. As incertezas em relao ao futuro do Urucuia se agravam pela insuficincia de informaes sobre seu volume e transformaes sofridas nos ltimos anos, especialmente aps a grande concen-trao populacional e de projetos irrigados em cidades como Barreiras, So Desidrio e Lus Eduardo Magalhes (essa ltima com territrio totalmente sobre o aqufero). O So Francisco somente um rio perene e mantm a vazo de suas guas nos perodos crticos de falta de chuva graas existncia de um imenso reser-vatrio subterrneo, que abrange boa parte da sua bacia hidrogrfica e contribui significativa-mente para a regio do Mdio So Francisco (oeste da Bahia). Trata-se do aqufero Urucuia, um dos mais importantes do Pas, responsvel por mais de 80% da vazo das guas que che-gam barragem de Sobradinho (BA) nos pero-dos de estiagem.Mesmo com toda essa importncia para a ba-cia, ainda so poucas as informaes sobre o Urucuia, especialmente quanto ao uso de suas guas, por se tratar de uma regio de grande demanda devido s atividades agrcolas. pre-

    ciso mudar o paradigma que concebe o oeste da Bahia apenas como um grande fornecedor de gros. Antes disso, um grande fornecedor de gua para todo o rio So Francisco e, con-sequentemente, para o Nordeste. No precisa-mos deixar de produzir gros, mas a questo da gua fundamental, alertaMartinMeyer, coor-denador executivo da Agncia 10envolvimento, organizao no governamental que atua na ci-dade de Barreiras, principal centro articulador dos negcios agrcolas da regio. A ONG lista uma srie de problemas que colocam em risco o manancial localizado nessa rea de importan-tes rios afluentes do rio So Francisco, como o Grande, o Corrente e o Carinhanha.O desmatamento do Cerrado para a ocupa-o de outras culturas, compactando o solo e impedindo a infiltrao de gua que vai nu-trir o aqufero, o represamento dos rios pela construo de barragens que favorecem a evaporao das guas e a retirada despropor-cional de gua por imensos poos irregulares so algumas das aes que, articuladas, com-prometem o futuro do Urucuia, elenca Meyer.Para ele, a omisso por parte dos poderes pbli-cos coloca em risco os recursos hdricos. No podemos esperar do agronegcio uma atitude de preservao, porque o que eles buscam so estratgias de aumento da lucratividade. O que exigimos dos poderes pblicos uma atitude mais rigorosa na fiscalizao, cobra. O presidente do Comit da Bacia Hidrogr-fica do Rio So Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda, concorda: No d pra falar seria-mente em gesto de recursos hdricos, se no tivermos sistemas confiveis de outorga

    de gua, se no resolvermos questes rela-cionadas dominialidade das guas ou se a explorao dos recursos hdricos continuar a ser feita com ndices elevados de irregu-laridade ou clandestinidade e, ainda, se no implantarmos a cobrana pelo uso da gua e os planos de bacia com a velocidade que os novos tempos requerem. Miranda desaprova que a gesto hdrica seja feita apenas duran-te a escassez, desaparecendo no perodo de abundncia. A gua deixou de ser aque-le bem infinito, que podia ser usado de modo descuidado. Por outro lado, a fiscalizao, porm, no deve ser feita apenas pelo poder pblico, que no tm musculatura suficiente para isso. Com a implantao da gesto hdri-ca de qualidade, essa fiscalizao poder ser descentralizada, at mesmo para algumas associaes de usurios, uma vez que eles, em muitos casos, podem se fiscalizar mutu-amente, orienta.O Urucuia a grande caixa dgua do se-mirido. O So Francisco s no um rio in-termitente por conta da articulao entre os aquferos Bambu e Urucuia, com forte predo-minncia desse ltimo, destaca o engenheiro civil Rodolpho Ramina. Doutor em Meio Am-biente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paran, Ramina prestou consul-toria para o CBHSF, quando alertou sobre a situao hdrica da bacia, com nfase nos problemas da regio do Mdio e do Alto So Francisco, onde se concentram os dois prin-cipais reservatrios (o Bambu um aqufero crstico que abastece mais de 200 municpios do Centro e Norte de Minas Gerais). pre-ciso que os governos tenham maior controle das licenas para retirada de gua. Alm dis-so, necessrio rever os critrios de operao das hidroeltricas, que so inadequados para a situao de disponibilidade hdrica, alerta o especialista, destacando ainda que, alm da bacia do So Francisco, o Urucuia abastece a bacia do rio Tocantins, sendo fundamental para os estados de Gois e Tocantins. O des-cuido com o Urucuia afeta todos os usurios dessas bacias, observa.

    A CRISE HDRICA QUE O RIO SO FRANCISCO TEM ENFRENTADO NOS LTIMOS ANOS J ENORME, MAS PODERIA SER PIOR SE A BACIA NO DISPUSESSE DE UM IMENSO RESERVATRIO SUBTERRNEO PARA MANTER A VAZO NOS PIORES PERODOS DE ESTIAGEM. ESSE PAPEL DESEMPENHADO PELO AQUFERO URUCUIA, QUE TEM MAIS DE 140 QUILMETROS DE EXTENSO E CAPACIDADE DE AT 600 METROS CBICOS POR HORA DE VAZO. EM OUTRAS PALAVRAS, O URUCUIA PRATICAMENTE MANTM O SO FRANCISCO NO PERODO DE SECA.

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    Vida que brota debaixo do barro do choTEXTO: ANDR SANTANA

  • O AQUFERO URUCUIA

    URUCUIA EM NMEROSrea: mais de 142 quilmetros quadradosEquivalente a 429 vezes a rea da cidade de Belo Horizonte-MG,

    maior metrpole da bacia do So Francisco

    Largura mxima: 200 kmComprimento: 1.100 kmProfundidade mxima: 500 m

    Vazo mxima: 600m3/h

    Abrangncia: estados da Bahia,

    Tocantins, Minas Gerais, Piau, Maranho e Gois

    Regies fisiogrficas

    na bacia: Alto e Mdio

    So Francisco

    = rea da cidade de Belo Horizonte

    REA DO AQUFERO URUCUIA

    PRINCIPAIS INIMIGOS A vocao natural do Urucuia armazenar as guas que se infiltram em suas rochas. No entan-to, outros fatores e usos acabam comprometendo esse objetivo, funcionando como verdadeiros ini-migos do reservatrio. Os principais so:

    Compactao do solo por conta do desmatamento do Cerrado para a ocupao de lavouras Retirada desproporcional de gua para projetos irrigados

    UTILIZAO DAS GUAS Norte de Minas Gerais e oeste da Bahia: irrigao e abastecimento Barragem de Sobradinho (BA) : gerao de energia Gois e Tocantins: abastecimento (contribui para a bacia hidrogrfica do rio Tocantins)

    7AQUFERO URUCUIA FLUXO DE GUA DO AQUFERO PARA O RIOZONA NO SATURADA

  • 8ESTUDO DA ANAA hidrogeloga e especialista em Recursos H-dricos da Agncia Nacional das guas (ANA), Mrcia Tereza Pantoja Gaspar, coordena des-de 2011 uma grande pesquisa da ANA sobre o Urucuia, que ser divulgada em breve. O estudo teve como base dados das estaes fluviom-tricas, de 1975 a 2005, nas vazes das bacias hidrogrficas dos rios Grande, Corrente e Ca-rinhanha, revelando a grande contribuio vazo do Velho Chico. A contribuio mdia no perodo de estiagem de 80%, tendo como re-ferncia a barragem de Sobradinho. H estudos que chegam a 90%. O Sistema Urucuia pratica-mente mantm o So Francisco no perodo de estiagem, confirma a especialista.Mrcia Gaspar explica que todos os estudos e o levantamento de dados j foram realizados, mas que a pesquisa ainda no foi publicada, pois est em processo de construo de um Plano de Gesto Integrado e Compartilhado. Isto porque a Constituio de 1988 d a domi-nialidade das guas subterrneas aos governos estaduais. So eles que possuem a prerrogativa e o poder de fazer a gesto, incluindo a conces-so de licena para retirada de gua. No caso do Urucuia, seis estados brasileiros esto en-volvidos. Ento, necessrio haver um dilogo. Tem de haver uma articulao entre os estados e a Unio, a fim de garantir o uso sustentvel e uma gesto integrada, afirma a estudiosa, que complementa: O ciclo hidrolgico j na-turalmente integrado. A chuva infiltra no solo, que alimenta o aqufero, que lentamente libera a gua que abastece os rios estaduais, que, por sua vez, alimentaro o So Francisco.Para o estudo, a ANA selecionou um consrcio com duas empresas paulistas, responsveis por reunir uma equipe multidisciplinar formada de gelogos, bilogos, qumicos e profissionais da rea de gesto ambiental, resultando em um rico banco de dados. Alm da equipe multidis-ciplinar, houve o acompanhamento dos tcnicos da ANA e de uma Comisso Tcnica de Acom-

    panhamento e Fiscalizao (CTAF) formada por representantes dos estados (o Piau foi o nico estado envolvido que no designou represen-tante governamental). As discusses sobre do-minialidade e gesto integrada das guas sub-terrneas tambm fazem parte do trabalho do Conselho Nacional de Recursos Hdricos, por meio de duas esferas: Cmara Tcnica de As-suntos Legais e Institucionais (CTIL) e Cmara Tcnica de guas Subterrneas (CTAS).Os estudos realizados pela ANA mostram que a partir da dcada de 1980 houve diminuio do volume de gua, por um conjunto de fatores relacionados. Entre os principais, destacam-se trs: diminuio das chuvas, crescimento da ocupao e aumento da retirada de gua, por meio de poos, para irrigao. Esses impac-tos foram observados especialmente no oeste baiano. Como as chuvas tm diminudo, a pro-cura pelas guas subterrneas tem aumentado na regio, principalmente por agricultores que no esto prximos ao rio e fazem a retirada por meio de poos, observa Mrcia Gaspar. neste sentido que, segundo ela, precisa haver maior controle por parte dos estados em relao s outorgas. H poos no Urucuia que chegam a 500, 600 metros cbicos, ou seja, 600 mil litros por hora. H fazendas com dois, trs e at qua-tro poos desses, com dimetros de 14 metros, quando normalmente deveriam ter de seis a oito metros, destaca. S preservamos o que conhecemos. As in-formaes sobre a disponibilidade das guas subterrneas so essenciais para melhor gerir o sistema, confirma Maricene Paixo, do Ins-tituto Mineiro de Gesto das guas (Igam) e representante do estado de Minas Gerais no acompanhamento da pesquisa sobre o Urucuia. Algo que j sabemos que o nmero de poos maior do que o que temos no sistema de ca-dastramento, informa.Em Minas Gerais, h uma grande contribuio do Aqufero Bambu, que possui formao ge-olgica diferente do Urucuia, j que se trata de

    rochas carbonticas. O Bambu no contnuo como o Urucuia. A resposta dele muito rpida. Quando chove, infiltra mais rpido, detalha Le-onardo de Almeida, especialista em Recursos Hdricos da ANA. Ele informa que, apesar de possuir rea menor, o Bambu abastece uma re-gio onde chove muito pouco, da sua importn-cia. H rios, como o Verde Grande, e cidades mineiras, como Sete Lagoas, que dependem 100% de suas guas, ressalta.

    OUTORGAS E QUALIDADE DAS GUASH um dficit muito grande de conhecimento sobre as guas subterrneas e de monitora-mento de sua evoluo ao longo do tempo. Por exemplo, se houve aumento de volume ou perda de qualidade. So questes fundamentais para se pensar a gesto desses recursos, ressalta o gelogo Pedro Bettencourt, diretor-geral da Nemus Consultoria, empresa que est realizan-do a atualizao do Plano de Recursos Hdricos da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco.Pela experincia acumulada como coordena-dor de planos de bacias em pases da Europa, Bettencourt considera que uma das principais preocupaes em relao s guas subterrne-as est relacionada s outorgas e qualidade das guas. necessrio saber a quantidade de gua que retirada e a situao de contami-nao dos aquferos, principalmente em reas de irrigao agrcola, alerta, lembrado que, geralmente, onde h forte presena da agricul-tura h riscos de contaminao das guas. O impacto pode ser grande ou pequeno, a depen-der da estrutura do aqufero. Mas os problemas ocasionados pelo agronegcio podem se tornar visveis somente depois de muitos anos, avalia. Para o especialista em Gesto de Recursos Hdricos da Secretaria de Meio Ambiente da Bahia, Zoltan Romero, que tambm acompanha os estudos da ANA, no h nenhuma ameaa s guas do Urucuia em termos de quantidade e nem risco de contaminao. Mesmo assim, ele

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  • 9considera importante que sejam adotadas prticas prevencionistas. Ro-mero destaca a iniciativa da Associao de Irrigantes do Oeste da Bahia (Aiba), ao estabelecer metas de procedimentos que garantam maior in-filtrao de gua no aqufero. A ideia generalizar para todos os agri-cultores, diz. De acordo com o especialista, uma maior infiltrao de gua no solo agi-ria diante do uso de produtos qumicos na agricultura. Os fertilizantes so inevitveis. Uma produo totalmente orgnica utopia, seria o caos para o setor agrcola. No d para resolver tudo de uma vez. O que tem que ser reduzido a eroso, aumentando a infiltrao, evitando a perda de gua e o vazamento de nutrientes. Isso demandaria menos fertilizantes na produo, explica.Quem mais est interessado na preservao dessa gua so os produtores, que dependem dela. No seriam eles a prejudicar ou destruir o rio, pondera Jos Cisino, diretor de Irrigao e gua da Aiba. Ele chama a ateno para um estudo que est sendo realizado pela entidade sobre a situao hdri-ca da regio, j que os irrigantes no tm ainda a dimenso do volume de gua que consomem. Estamos pesquisando uma rea de 1 milho e 700 mil hectares na bacia do rio Grande, com 700 amostras de solo, envolvendo pesquisadores de trs universidades da regio, detalha, fazendo referncia Universidade Federal do Oeste da Bahia, Universidade do Estado da Bahia e Faculdade do So Francisco.

    Dentre as estratgias do setor produtivo para diminuir o impacto da irriga-o, encontra-se o plantio direto, que vem dando resultados positivos em relao infiltrao. Temos observado que, com o desmatamento, o Sis-tema de Plantio Direto (SPD) e a incorporao de material orgnico ao solo proporcionaram taxas de infiltrao de gua no solo superiores s das esp-cies nativas, afirma Cisino, que completa: Ainda estamos realizando o se-questro de carbono e, por meio da fotossntese dessas vegetaes, liberando oxignio para a natureza.

    CRESCIMENTO X DESENVOLVIMENTOA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), subsidiria do governo federal, vem desenvolvendo pesquisa com o Sistema de Plantio Di-reto, que seria responsvel por vrias alteraes de ordem fsica, qumica e biolgica que culminam na proteo do solo, no sequestro de carbono e na reduo dos gases de efeito estufa. Mas no h unanimidade acerca dos benefcios desse sistema. Estamos dando um tom de modernidade ao nosso primeiro modelo de agri-cultura, j defasado, com uso excessivo de adubos qumicos, assoreamen-to dos rios e monocultura intensiva e predatria, denuncia a gegrafa Ana Anlia Miranda, ex-presidente do Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio Gran-de. Conhecedora dos problemas do oeste, ela faz uma distino sobre o que vem ocorrendo na regio. Tem havido crescimento e no desenvolvimento. E nenhum lugar tem condies sociais e ambientais de crescer sem pensar na preservao de suas reservas naturais. Para a gegrafa, essa mentalidade tem tirado da regio baiana uma das principais virtudes, que absorver gua da chuva e armazenar em seu solo. So guas que levam anos para percorrer enormes distncias abaixo, purificando-se, livrando-se das contaminaes. So guas que ainda rolam, criando rios de onda, que se oxigenam ainda mais, define.

    CONFLITOS INTENSOSDe acordo com a Comisso Pastoral da Terra (BBC, 2013), o conflito por gua no Brasil bateu recorde desde 2013. A regio Nordeste foi a mais con-flitante, com 37 casos registrados, sendo a Bahia, no ano passado, o estado que mais viveu disputas desse tipo (21 casos). Segundo Martin Mayer, da ONG 10senvolvimento, o oeste baiano um dos locais com maior intensi-dade de conflitos. As retiradas de guas da regio so desproporcionais capacidade e disponibilidade dos rios. Ele exemplifica, revelando os conflitos de uso at entre agricultura e gerao de energia. Segundo o ativista, h usinas eltricas na regio que possuem cinco ou seis turbinas, mas s conseguem co-locar em funcionamento duas ou trs porque as guas j esto comprometidas, mesmo a montante, por enormes projetos de irrigao. Imaginem a situao do pequeno agricultor que est jusante, alerta, lembrando que os governos estaduais so os responsveis pelo controle da perfurao de poos e pelo vo-lume retirado dos aquferos, por meio da regularizao dos usurios.As pessoas devem entender que a gua tem um valor econmico, ela um dos insumos mais importantes de que dispomos. Precisamos tratar a gua com muito respeito, disse o presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, para quem implementar a cobrana fundamental no processo de gesto. No existe gesto de recursos hdricos sem cobrana pelo uso da gua. A cobrana, inclu-sive, pedaggica e deve contribuir para o enfrentamento da crise, que no somente de seca de gua, mas tambm de gesto, defende.O diretor de guas do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hdricos da Bahia (Inema), Bruno Jardim, destaca os esforos do governo baia-no para iniciar a cobrana pelos comits estaduais, informando que os processos mais adiantados se referem s bacias dos rios Grande e Cor-rente, que esto na reta final da construo dos seus planos de recursos hdricos. A cobrana um importante instrumento de gesto, concorda Jardim. Mas preciso que a funo social e a funo econmica sejam pensadas e levadas em considerao.

    Para algumas organizaes ambientais, uma das

    ameaas ao manacial so as retiradas irregulares de

    gua para manter atividades agrcolas

    ESTUDOS TNC AVALIAM SITUAO HDRICA DO OESTE BAIANOA The Nature Conservancy (TNC), organizao ambiental global que atua nos cinco principais biomas do Brasil e que desde 2008 desenvolve iniciativas de conservao de trechos do Cerrado baiano, est finalizando um estudo para avaliar as condies de segurana hdrica no oeste da Bahia. Arevis-ta Chicoobteve em primeira mo algumas das concluses mais importantes dessa pesquisa, que foi coordenada pela especialista em recursos hdricosEile-enAcosta.Em uma iniciativa apoiada pela Bunge, a especialista reuniu e anali-sou informaes de uma srie histrica de 30 anos, com dados pluviomtricos e hidrolgicos de afluentes do So Francisco na regio de Barreiras (BA). Uma das tendncias identificadas foi uma reduo da vazo hidrolgica, da ordem de 6% a 24%, sendo os rios Formoso e So Desidrio (afluente do rio das Fmeas) os que apresentaram maiores redues.A srie histrica mostra que de fato tem havido reduo do volume de gua em todos os rios analisados, diz Eileen, que possui mestrado em Geoprocessamento Espacial com nfase em Recursos Hdricos e mestrado em Engenharia de Recursos Hdricos pela Universidade Federal do Paran. Na pesquisa, foram includos osrios Preto, de Janeiro, de Ondas, So Desidrio, Guar, Correntina, Formoso e Itaquari.A pesquisadora lembra, porm, que fatores comodesmatamento, tempera-tura, evapotranspirao, intensidade das chuvas e irrigao afetam a dispo-nibilidade dos recursos hdricos e, por isso, precisam ser analisados parale-lamente, a fim de reforar essa percepo de que h menos gua na regio. Ela tambm avaliou dados de distribuio das chuvas ao longo do tempo e notou mudanas. Em Lus Eduardo Magalhes, por exemplo, choveu mais de 1200 milmetros por ano, entre 1984 e 1998. J entre 1999 e 2013, o ndice variou de 1090 a 1142 milmetros anuais, compara. De acordo com EileenAcosta, embora no seja possvel apontar as causas dessa diminuio sem realizar estudos cientficos especficos, nota-se que, no mesmo perodo, houve expanso significativada agricultura e das pasta-gens sobre reas de recarga do aqufero. importante que o oeste da Bahia invista em prticas sustentveis de uso dos recursos, especialmente na agri-cultura e na pecuria, porque s com planejamento territorial e conscincia ambiental ser possvel manter a produtividade e a gerao de renda na re-gio. Conservar os recursos hdricos pode fazer a diferena, em um futuro no to distante, entre prosperidade ou decadncia econmica, finaliza.

  • 10

    O VENTO SECO VEM ENTRANHADO DE BAFOS

    DE QUENTURA. O SOLO RIDO DA REGIO MAIS POBRE DO PAS REVELA

    O QUE J POSSVEL OBSERVAR A OLHO NU:

    ESTA A PIOR SECA EM 100 ANOS. A ONZE MESES DA ENTREGA DAS OBRAS DA

    TRANSPOSIO DO RIO SO FRANCISCO, UMA PERGUNTA

    IMPERA FRENTE EXPECTATIVA DOS QUATRO

    ESTADOS NORDESTINOS QUE RECEBERO AS GUAS DESSE QUE

    CARINHOSAMENTE CHAMADO DE VELHO CHICO: HAVER GUA PARA SUPRIR

    TODA A DEMANDA?

    Haver gua para todos?

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    O

    Perspectivas tcnicas questionam a efic-cia do mais antigo projeto de infraestru-tura hdrica do Pas, fundamentando-se em pontos que alertam quanto sobrevi-vncia do maior rio genuinamente brasileiro, hoje debilitado pela forte degradao ambiental que o assola h mais de 500 anos.Marcada por polmicas, a obra chega a 77,8% de sua execuo tendo o compromisso de sanar, a partir de 2016 aps quatro anos de atraso na entrega da obra e um oramento que saltou de R$ 4,7 bilhes para R$ 8,2 bilhes , uma seca crnica que castiga 12 milhes de brasileiros, distribudos por estados como Rio Grande do Norte, Cear, Pa-raba e Pernambuco.Na perspectiva do Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco (CBHSF), o problema no mais a sua concluso, mas, sim, se haver oferta hdri-ca suficiente no rio So Francisco para atender a todas as expectativas da populao das bacias receptoras. O So Francisco, hoje, semelhante a um paciente na UTI, lamenta o presidente da entidade, Anivaldo Miranda. A preocupao do ambientalista levada inclusive ltima reunio do Conselho Gestor do Projeto da Transposio, realizada no ms de setembro, no Ministrio da Integrao, em Braslia se legitima no momento em que situaes antes nunca ocor-ridas se tornam realidade na bacia, a exemplo da indita seca na nascente principal do So Francis-co, do fechamento da nica empresa que realizava o transporte hidrovirio pelo leito do Velho Chico (devi-do ao alto grau de assoreamento no rio) ou mesmo da mancha de cianobactrias identificadas no leito do rio e que comprometeu, em decorrncia da pr-tica das vazes reduzidas, a captao de gua para o abastecimento da populao alagoana da bacia. O rio sofre forte degradao, somada a questes maio-res, como o aquecimento global, que interfere na sua

    sobrevivncia, destaca Miranda.So adversidades como essas que fazem o Comit se preocupar ainda mais com a intensa disputa pe-las guas so-franciscanas, para atendimento no s da transposio, mas tambm de grandes obras complementares de segurana hdrica que vm sen-do construdas nos estados das bacias receptoras e serviro de elo para recebimento e canalizao das guas que escoaro pelos dois eixos previstos no projeto do governo federal, o norte e o leste.Segundo informaes do Ministrio da Integrao Nacional (MI), responsvel pela execuo da trans-posio, todas essas obras tero como condicionan-tes os 26,4 m/s da vazo mnima outorgada termo tcnico para o volume de gua que ser permitido pela Agncia Nacional de guas (ANA) ao projeto. H muitas perguntas que precisam ser respondi-das. Qual ser o custo final da gua e da operao dessas obras? Como ser a gesto compartilhada desses canais? Como se far uso dessas guas? E a cobrana sobre elas?... Enfim, so inmeras ques-tes em aberto que ns, do Comit, esperamos ver respondidas pela Unio. S ento poderemos avaliar qual ser, de fato, o desempenho desse projeto, co-menta Anivaldo Miranda.O CBHSF norteia seus questionamentos quanto ao sucesso da obra partindo do princpio de que ela prev a segurana hdrica de 390 municpios do nordeste setentrional, espalhados por grandes centros urbanos da regio (Fortaleza, Juazeiro do Norte, Crato, Mossor, Campina Grande, Caruaru) e centenas de pequenas e mdias cidades inseri-das no semirido, alm de reas do interior. preciso pensar o impacto da transposio, pois h inmeros projetos sendo planejados nas bacias receptoras, que vo depender das guas do So Francisco, somados a iniciativas estruturais em andamento na bacia do Velho Chico e prpria di-nmica de usos mltiplos j existentes. Mas have-

    TEXTO: RICARDO FOLLADOR

    FOTO: DIVULGAO/MI

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    GARANTIA DE GUA GERA DVIDASA concluso da transposio ser a realizao de um sonho secular. Pelo menos esta a frase de efeito do senador Garibaldi Alves Filho (PMDB--RN) ao ressaltar a importncia da obra para o Rio Grande do Norte. Na tica do parlamentar, mesmo com toda a escassez que vive a bacia do So Fran-cisco, o reservatrio de Sobradinho garantir gua para atender s bacias receptoras. Quando Sobradinho apresentar abundncia de gua, essa vazo pode ser substancialmente maior, possibilitando a transferncia, para reser-vatrios locais, de volumes capazes de potencia-lizar o crescimento sustentvel da economia da regio, diz, demonstrando desconhecer que a represa conta com apenas 1,52% do seu volume til que vem sendo reduzido a cada dia , cor-rendo o risco de perder a capacidade de gerao de energia, caso no chova nos prximos meses. Se o projeto de transposio no for finalizado at dezembro, o Brasil poder assistir a uma situao catica no serto nordestino, refora o poltico.O secretriode Recursos Hdricos e Energticos de Pernambuco, Jos Almir Cirilo, admite ser utopia acreditar que a transposio por si s ir resolver o problema da gua para os nordestinos. Ele revela que preciso investir em outros dis-positivos para suprir o abastecimento de todos os habitantes. necessrio aplicar recursos em cisternas, poos e dessalinizadores, uma vez que a populao difusa, distante dos sistemas de ca-nais e adutoras, no tem como ser contemplada

    pela transposio, declara. Em outro momento, porm, Cirilo admite que as guas da transpo-sio traro garantia ao estado na ampliao da agricultura irrigada, assim como o abastecimen-to das cidades do serto e agreste pernambuca-no, assegura.O gestor da pasta no Cear, Francisco Teixeira, re-lembra que 70% da oferta hdrica do Nordeste est alocada no rio So Francisco. Consequentemente, do ponto de vista da igualdade, por conta de Ce-ar, Paraba, Pernambuco e Rio Grande do Norte serem os estados nordestinos mais pobres em recursos hdricos, as guas do rio So Francisco so de fundamental importncia para aumentar o abastecimento dos estados situados fora da bacia, justifica.Teixeira explica ainda que a transposio ser es-sencial para o desconcentramento econmico. No nosso estado, por exemplo, mais de 60% do PIB gira em torno de Fortaleza. O projeto garantir o desenvolvimento da economia do semirido, crian-do novos polos econmicos, revela.J o secretrio dos Recursos Hdricos da Paraba, Joo Azevdo Lins Filho, enxerga o projeto como o fio condutor de esperana para a segurana hdri-ca permanente desses quatro estados. Entretanto, ele refora a cobrana de mais recursos para fina-lizar as obras complementares, hoje em ritmo lento. A diminuio do repasse do governo fede-ral este ano foi de 60%. O que vai acontecer que algumas cidades sero abastecidas de imediato e outras s quando as obras complementares terminarem, ou seja, sem previso, explica.

    r gua para suprir toda essa demanda?, indaga Miranda, em aluso ao abastecimento de infraes-truturas como a Adutora do Agreste, em Pernam-buco; os Ramais Apodi-Mossor e Piranhas-Au, no Rio Grande do Norte; o Cinturo das guas, no Cear; e o Canal Acau-Araagi, na Paraba, alm de todas as inmeras demandas de grandes pro-jetos nos estados da bacia doadora. CONFLITO VISTAGrande crtico do projeto de transposio, o pro-fessor de Hidrologia e Irrigao da Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN), Joo Abner, observa que um conflito ser gerado com o setor energtico da bacia do So Francisco, decorrente desse embate em torno dos (cada vez mais escas-sos) recursos hdricos do Velho Chico.De acordo com o professor, as estruturas hdricas suplementares que esto sendo construdas no tm como base para funcionamento a vazo de 26,4 m/s, mas, sim, a vazo mxima de 127 m/s, indo no sentido contrrio ao da atual situao de penria hdrica que vive a bacia do So Francisco. At dezembro de 2016, data de entrega do projeto, no haver gua para atender a toda essa deman-da esperada. O que os estados diro que o nico excedente de gua no rio vem de correntes do setor eltrico, que detm 80% para o consumo da gerao de energia na bacia do So Francisco. Eles (estados) tentaro ampliar a outorga, alegando que h muito desperdcio de gua ao longo do So Francisco. En-to, a presso daqui pra frente ser em cima desses 80%. Ser que a gerao de energia est disposta a ceder essa parcela? Creio que no, opina, em refe-rncia ao fato de o setor eltrico deixar de lucrar por conta da possvel medida.A outorga das guas para a transposio prev que somente quando o reservatrio de Sobradi-nho (BA), que atua como uma espcie de pulmo do sistema, estiver com 94% de sua capacidade preenchida que poder ser utilizada a vazo m-xima de 127 m/s dos canais.

    OUTORGA PRECISA SER FISCALIZADAO secretrio dos Recursos Hdricos, do Meio Am-biente e da Cincia e Tecnologia do Estado da Paraba, Joo Azevdo Lins Filho, discorda da opinio dos tcnicos, justificando que os estados esto considerando apenas a vazo mnima do So Francisco, uma vez que a atual problemtica da seca no garante acesso aos 127 m/s. De for-ma nenhuma esto sendo considerados os valores da vazo mxima. No nosso estado, por exemplo, o Canal Acau-Araagi leva em conta a vazo de ponta que vem do eixo leste, de 4,2m/, podendo chegar a 10 m/s. S podemos contar com a vazo mnima, que a garantida pela ANA, ou seja, a de 26,4m/s, defende. O professor Joo Abner alerta que ser papel do Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio So Fran-cisco fiscalizar a outorga concebida pela agn-cia reguladora federal transposio. Ter que exigir cumprimento desses 26,4 m/, caso contrrio, o destino do rio So Francisco estar selado, finaliza.

    TRANSPOSIOUm dos mais ambiciosos projetos do governo federal, a obra da transposio do rio So Francisco chega a 81% de sua execuo marcada por polmicas e tendo o compromisso de sanar, a partir de 2016, a seca crnica que vitima o Nordeste setentrional do Pas.

    ORAMENTO INICIAL

    390 Municpios

    BENEFICIADOS

    ORAMENTO FINAL

    12 milhes de brasileiros

    CERN

    PEPB

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    Como se j no bastasse a vazo reduzi-da do rio So Francisco, uma mancha misteriosa surgiu em abril deste ano, sem explicaes, na regio do cnion, prximo ao municpio alagoano de Delmiro Gouveia, Alto Serto do estado. O problema as-sustou a todos, inicialmente, por no se conhe-cer a causa e tambm devido sua extenso: cerca de 28 quilmetros, conforme verificao area. Uma vez identificada a situao, o Comi-t da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco (CBHSF) procurou cumprir a sua parte diante daquilo que indicava ser sinal de desequilbrio ecolgico ou, pior, contaminao.Imediatamente, o secretrio executivo do Co-mit, Maciel Oliveira, buscou reunir todos os rgos envolvidos no problema e organizou trs reunies em Macei, com a participao de secretarias e institutos de Meio Ambiente de Alagoas e Sergipe, companhias de abas-tecimento dos estados de Alagoas e Sergipe, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Re-cursos Naturais Renovveis (Ibama), Minist-rio Pblico (federal e estaduais), entre outros. Enquanto os envolvidos na questo tentavam descobrir as possveis causas do desequil-brio ambiental, a Diretoria Colegiada do Co-mit (Direc) aprovou e emitiu nota pblica, redigida pelo presidente do CBHSF, Anivaldo Miranda, cobrando providncias dos rgos

    ambientais e da Agncia Nacional de guas (ANA), a fim de esclarecer o caso.No texto, encaminhado imprensa e aos r-gos oficiais, o Colegiado afirma que aguar-da a concluso das investigaes, mas, diante da magnitude do evento, solicita que todo o potencial tcnico disposio dos referidos rgos seja direcionado para diagnosticar o problema com a brevidade e o rigor que o caso requer, identificando-se os respons-veis, para que esses arquem com a repara-o dos danos ambientais e socioeconmicos causados. Paralelamente a tais providncias, o CBHSF conclama a unio de esforos do po-der pblico, da iniciativa privada e da socie-dade civil, a fim de que as aes de limpeza e recuperao do corpo hdrico tenham incio o mais breve possvel.O primeiro rgo a se mobilizar e emitir um parecer tcnico foi o Instituto do Meio Am-biente (IMA) de Alagoas. Naquele momento, o estudo apontou para a presena de algas do tipo Ceratium. A constatao provocou uma vi-sita do presidente da ANA, Vicente Andreu, e do governador alagoano, Renan Filho (PMDB), ao local. A maior preocupao era com o abasteci-mento humano e os impactos na economia, visto que a regio explorada pelo setor turstico.Por mais de 30 dias, a atividade turstica ficou suspensa na regio, impedindo que os visitan-

    A misteriosa mancha do rio

    EM ABRIL DESTE ANO, UMA MANCHA MISTERIOSA

    CAUSOU PREOCUPAO AOS MORADORES DO BAIXO

    SO FRANCISCO, MAIS EXATAMENTE NA REGIO DO CNION, PRXIMO AO

    MUNICPIO ALAGOANO DE DELMIRO GOUVEIA. A

    SOLUO DO PROBLEMA, QUE IMEDIATAMENTE GANHOU A ATENO DA MDIA, TORNOU-SE

    PRIORIDADE PARA O COMIT DO SO FRANCISCO, QUE ACOMPANHOU O CASO E COBROU PROVIDNCIAS IMEDIATAS DOS RGOS

    AMBIENTAIS E DA AGNCIA NACIONAL DE GUAS (ANA).

    IM

    PA

    CT

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    TEXTO: DELANE BARROS

    FOTO: IMA-AL/DIVULGAO

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    tes conhecessem as belezas naturais do cnion do So Francisco, consi-derado o quarto maior do mundo. Vale lembrar que na alta estao mais de 300 pessoas visitam a regio semanalmente, para passeios de cata-mar com durao aproximada de duas horas.

    ORIGEM CONTROVERSAO motivo da mancha, de acordo com o Instituto do Meio Ambiente de Ala-goas (IMA), teria sido a liberao de sedimentos de um dos reservat-rios da Companhia Hidroeltrica do So Francisco (Chesf), o Belvede-re, feito com autorizao do Ibama. Segundo informaes da prpria companhia, esses sedimentos contavam 30 anos de armazenamento. Diante da constatao, o IMA emitiu auto de infrao contra a Chesf e aplicou multa de R$ 650 mil.O problema, porm, no parou. A mancha se expandiu e, de acordo com coletas feitas pelas empresas responsveis pelo abastecimento de gua de Alagoas (Casal) e Sergipe (Deso), o impacto agora era de uma mancha com 30 quilmetros de extenso e sete metros de profundidade. O re-sultado da anlise apontou para mais um agravante: as algas haviam se modificado e agora a presena no ambiente era do filo Cyanobacteria, um grupo de bactrias que obtm energia por fotossntese, conforme expli-cam publicaes especializadas. A grande dificuldade dos especialistas e rgos ambientais que dispensaram ateno ao problema est na grande extenso da rea em que o caso foi identificado no So Francisco.Em 2011, tambm foi identificada a presena de Cyanobacteria na bacia do rio Doce, em Minas Gerais, um dos afluentes do So Francisco. Na oportunidade, foi apontado o descarte de poluentes industriais, urbanos e da agropecuria como a causa do problema. Atravs de seu grupo tc-nico especializado, a ANA elaborou um relatrio recomendando medidas a serem adotadas pelos usurios e pelo poder pblico, especialmente no tratamento de esgotos.O engenheiro em recursos hdricos e tambm consultor Pedro Mo-linas lembra o caso de contaminao por Cyanobacteria no munic-pio de Caruaru (PE), para exemplificar em quais circunstncias tem sido mais comum encontrar o micro-organismo. Durante o Carna-val de 1996, aps passarem por procedimento de hemodilise, 126 pacientes do Instituto de Doenas Renais (IDR) foram contamina-dos pelo organismo. Desses, 80 morreram. Normalmente, mais fcil encontrar esse micro-organismo em pequenos reservatrios, disse ele. A investigao do Ministrio da Sade apontou que a gua utilizada pelo Instituto no era potvel. A gua usada pela clnica para a hemodilise era retirada da barragem do rio Tabocas, em Caruaru, transportada em carros-pipa e despejada quase que sem tratamento nos tanques da Instituio.Ainda de acordo com a literatura especializada, caso um ser humano consuma um copo de gua contaminada pelo micro-organismo, ter apenas uma diarreia. Mas o contato em grande quantidade poder ser fatal, como aconteceu com os pacientes renais pernambucanos. Por se tratar de um micro-organismo de difcil identificao, foi mais sim-ples encontrar a presena de Cyanobacteria nos cadveres das vti-mas especialmente no fgado do que na prpria gua.De acordo com explicaes de Molinas, mais comum a infestao por Cyanobacteria aparecer em pequenos reservatrios, como aconteceu no municpio pernambucano, ainda hoje considerado o caso mais grave registrado no Pas. Devido extenso e s variaes de temperatura do reservatrio Xing, os micro-organismos se acomodaram, como observa Molinas. No significa dizer que foram embora, desaparece-ram. Continuam l e podem voltar no futuro, explica ele.Isso acontece porque a diferena nos graus de temperatura favo-rece a reproduo desordenada da Cyanobacteria, a ponto de atingir uma superpopulao e concorrer entre si. Assim, ela prpria se esta-biliza. um processo complexo, alerta Molinas. A temperatura solar, a pouca penetrao de calor nas guas, a profundidade do lago de Xing, de aproximadamente 70 metros, tudo isso apresenta condies favor-veis Cyanobacteria.O engenheiro d um exemplo da capacidade de resistncia desse tipo de micro-organismo. Segundo ele, as Cianobactrias vm do perodo

    pr-cambriano, h cerca de 4,5 bilhes de anos, quando especialistas arriscam afirmar que a Terra surgiu, sobrevivendo extino dos di-nossauros. Elas podem ficar paradas durante muitos anos, esperan-do apenas a oportunidade para seu desenvolvimento, esclarece ele. O maior risco do problema apresentado no So Francisco, de acordo com Molinas, para os peixes. Apesar disso, as companhias responsveis pelo abastecimento de Ala-goas e Sergipe, respectivamente Casal e Deso, ficaram assustadas. O gerente de Meio Ambiente da subsidiria sergipana, Cludio Jlio Men-dona Machado Filho, explica que a captao da gua feita numa dis-tncia de 37 quilmetros da regio em que est a mancha, o que d certa tranquilidade, desde que no haja deslocamento. Ele explica que tem sido feito o acompanhamento permanente e at com mais ateno. No temos visto florao, nem nas anlises, nem visualmente. Elas esto hi-bernando, o que nos deixa em estado de alerta, porque a preocupao com o perodo de maior aquecimento, que a partir de agora, declara.A Casal, que abastece nove municpios alagoanos com as guas do So Francisco, atendendo a aproximadamente 200 mil pessoas, tambm acompanha permanentemente a qualidade do lquido na regio. To logo a mancha foi identificada, a empresa suspendeu a captao de gua e o abastecimento populao passou a ser feito por carros-pipa. Enquanto no se encontrava outra soluo, o presidente da Casal, Clcio Falco, disse ter gasto cerca de R$ 900 mil.

    SEDIMENTOS DE BARRAGENSAssessor tcnico de gesto da vice-presidncia da companhia alagoa-na, Jorge Brizeno reafirma que todo o processo comeou com a libe-rao de sedimentos das barragens da Chesf. Ele recorda que apontou para essa causa desde o primeiro indicativo do problema. Tudo com-prova que quando o reservatrio de Xing voltou ao normal, a mancha se estabilizou e se afastou completamente dos pontos de captao da Casal. Atualmente, a gua bruta apresenta perfeitas condies, de-fende Brizeno. Para ele, a temperatura ambiente no dever interferir na sobrevivncia do micro-organismo. Aquela j uma regio sempre quente, justifica. Apesar disso, a Casal investiu cerca de R$ 30 milhes para mudar seu ponto de captao. J no prximo ano, a previso que a gua passe a ser captada no Canal do Serto, uma obra hdrica conduzida pelo go-verno de Alagoas e j em estgio avanado. De acordo com anlise da companhia, a deciso dar maior tranquilidade quanto qualidade do produto oferecido populao, alm de proporcionar maior economia no tratamento da gua, antes de ser distribuda populao.O gerente de Monitoramento e Fiscalizao do Instituto do Meio Am-biente de Alagoas (IMA/AL), Ermi Ferrari Magalhes Neto, explica que o rgo emitiu os primeiros laudos entre abril e junho. No entanto, como se trata de um rio de jurisdio federal, apenas o Ibama pode se pronunciar a respeito. A representao alagoana do rgo apenas emite seus relat-rios para o laboratrio central, que funciona em Braslia (DF).Explicao semelhante a do Ministrio Pblico de Alagoas (MPE). O promotor de justia da rea de Meio Ambiente do rgo, Alberto Fon-seca, esteve frente da questo desde as primeiras reunies promo-vidas pelo Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco. Segun-do ele, a representao alagoana do Ministrio Pblico Federal (MPF) avocou para si o direito de acompanhar o caso.Fonseca explica que todo o material recebido foi repassado ao MPF. Ns, do Ministrio Pblico Estadual, atuamos como fora automotora natural, mas pelo fato de o rio ter jurisdio federal, todos os rela-trios que recebemos foram encaminhados pra l. O papel do MPE orientar a populao, caso ela sofra danos, como em indenizaes, mas no temos nenhum material sob nossa posse. Aguardamos, se isso ocorrer, a manifestao de pessoas prejudicadas, explicou ele.O problema, iniciado em abril deste ano, pelo menos por enquanto, foi superado. Se voltar a acontecer, no se sabe. Alguns apostam que sim, outros que no. O principal pronunciamento, do Ibama, no de conheci-mento pblico. Os relatrios produzidos pelo rgo tm apenas o carter de informao interna para os tcnicos.

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    Doce revoluono oestebaiano QUANDO OS NDIOS TUPIS QUE HABITAVAM O OESTE DA

    BAHIA BATIZARAM A CIDADE DE IBOTIRAMA, CONTRIBURAM

    PARA TRAAR UM DESTINO PARA O LOCAL. IBOTIRAMA QUER

    DIZER FLOR PROMISSORA. E JUSTAMENTE DA FLORAO DE ESPCIES QUE HABITAM AS

    MARGENS ALAGADAS DO VELHO CHICO QUE TEM BROTADO

    ESPERANA PARA A COMUNIDADE. COM AJUDA DO CLIMA QUENTE E

    DAS ABELHAS AFRICANIZADAS QUE POVOAM A REGIO, A PRODUO

    DE MEL TEM OCUPADO IMPORTANTE ESPAO NA GERAO DE EMPREGO

    E RENDA NESSE E EM MAIS 15 MUNICPIOS BAIANOS.

    TEXTO: ANDR SANTANA

    FOTOS: ANDR FRUTUOSO

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    Desde muito pequeno, enquanto aju-dava seu pai na lida com o gado, Jo-selito Sodr Queiroz se acostumou a ver a movimentao de apicultores, circulando com abelhas e colmeias no distri-to de Olhos Dgua, em Ibotirama, oeste da Bahia. Um deles dizia ao jovem: Larga esses animais e vem nos ajudar aqui. A abelha que d dinheiro, rapaz. Joselito custou a acredi-tar. Eu pensava: como um bicho to peque-no, bem menor que um boi, pode dar mais dinheiro?. A aproximao com a produo de mel acabou se tornando inevitvel, por conta do crescente desenvolvimento dessa cultura na regio. Comecei com dez colmeias e logo comprovei que o retorno era muito rpido. A peguei gosto, conta o apicultor, hoje com 19 anos, o mais jovem membro da Cooperativa Regional de Apicultores do Mdio So Fran-cisco (Coopamesf). So 97 cooperados, de 16 municpios do oeste baiano, dedicados pro-duo do mel e da cera, que levam a marca Velho Chico em homenagem ao rio que ofere-ce as condies necessrias para uma produ-o farta e de qualidade.

    A cooperativa ganhou o prmio de melhor mel da Bahia, por ocasio do VI Congresso Baiano de Apicultura e Meliponicultura, rea-lizado em julho deste ano, em Ilhus, no sul do estado. O congresso foi promovido pelo Go-verno do Estado da Bahia, pela Confederao Brasileira de Apicultura, Federao Baiana de Apicultura e Meliponicultura e Comisso Exe-cutiva Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).Joselito Sodr fez curso tcnico em Agrope-curia e viu as dez colmeias adquiridas em um programa da Companhia de Desenvolvi-mento dos Vales do So Francisco e do Par-naba (Codevasf) se transformaram em 33 unidades, gerando uma produo de 200 kg na ltima safra, algo em torno de R$1.200,00. Nada mal para um jovem apicultor que via os prejuzos com a criao de gado aumentarem ano aps ano, por conta da seca. Alis, comparativamente, as vantagens so muitas: enquanto uma cabea de gado pre-cisa de aproximadamente 45 litros dirios de gua, basta meio litro de gua por dia para abastecer uma colmeia com 60 mil abelhas. Alm de exigir pouca gua, a apicultura tam-

    bm no carece de grandes reas. As col-meias de Joselito, por exemplo, esto locali-zadas nas terras de familiares, como o av, convencido pelo neto a colaborar no trabalho com as abelhas. A apicultura precisa de pou-ca terra, que pode ser emprestada, pois no causa transtorno. Diferentemente do gado, no exige cerca e nem causa reclamao de vizinhos, conta, lembrando-se dos tempos em que tinha que resolver problemas gerados pelos bois do pai, que adentravam terrenos de outros proprietrios.

    FLOR PROMISSORAO nome Ibotirama significa flor promissora e foi dado pelos ndios tupi em referncia ao futuro que vislumbravam nas flores do local. So elas que, geradas por plantas como ju-rema, aroeira, juazeiro e angico, brotam nas margens alagadas do Velho Chico e, associa-das ao clima quente (mdia acima de 30C), favorecem as atividades digestivas da abelha africanizada, espcie adequada regio por ser resistente aos perodos de estiagem. A produo maior no perodo chuvoso, entre

    A produo de mel criou novas oportunidades econmicas para

    toda a regio, envolvendo 16 municpios do oeste baiano

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    Todo o trabalho de beneficiamento

    coordenado pelo presidente da cooperativa,

    Balbino Souza, no centro da foto

    Apicultores exibem com orgulho o trotu

    de melhor mel da Bahia, conferido pelos

    especialistas durante o VI Congresso

    Baiano de Apicultura e Meliponicultura,

    realizado em julho de 2015

    novembro e abril, apesar da falta de regulari-dade ultimamente. A matria-prima da abelha a flor, tambm encontrada em rvores frutferas comuns no So Francisco, como umbuzeiro, cajazeira e mangueira, conforme explica o tcnico em agropecuria Ronilson Nogueira de Oliveira, atual coordenador da Coopamesf. Ele destaca que a apicultura se associa a outras cultu-ras, quando os fazendeiros alugam suas ter-ras dominadas pela fruticultura na poca da florada, permitindo a polinizao, vantajosa para ambos, apicultores e fruticultores. A florada diversificada garante que o mel Velho Chico tenha mais qualidade, mais nu-trientes e um sabor consistente, defende Balbino Almeida de Souza, presidente da co-operativa. Essa bacia muito propcia. Alm de gua, em suas margens h matas antigas, o que possibilita um mel todo orgnico, sem utilizao de defensivos qumicos, destaca. Souza faz questo de ressaltar o baixo im-pacto ambiental da produo de mel. uma atividade que garante renda para as famlias, mas de forma sustentvel, pois produz sem prejudicar o meio ambiente, afirma. Agricultor de milho, mandioca e feijo, Balbi-no Souza comeou a trabalhar com o mel h 30 anos, quando percebeu a vocao do local para essa cultura. Quando criamos a Asso-ciao Comunitria de Itapeba ramos menos

    de 30 apicultores. A produo foi crescendo, atraindo mais gente, at que sentimos a ne-cessidade de criar uma cooperativa, diz. Ele destaca que a partir da foram chegando mais parcerias, captao de recursos e maior orga-nizao da cadeia produtiva. J o coordenador Ronilson Oliveira adquiriu a experincia de interagir diretamente com os apicultores quando atuou como agente comu-nitrio de apicultura, entre 2013 e 2014, pres-tando assistncia tcnica a 350 trabalhadores rurais, muitos desses hoje pertencentes ao quadro da Coopamesf. Mesmo com a estia-

    gem, a produo de mel tem conseguido se sobressair, enfrentando as dificuldades. De acordo com o coordenador, a cooperativa re-gistrou uma produo de 80 toneladas na l-tima safra. Desse total, cerca de 42 toneladas so exportadas para pases como Alemanha, Frana e Estados Unidos, atravs de parceria com a marca Melbras. No ano passado, a ex-portao representou uma venda de R$ 328 mil. Outra parte considervel da produo (cerca de 18 toneladas) comercializada por meio de iniciativas do governo, como o Pro-grama Nacional da Alimentao Escolar e o Programa de Aquisio de Alimentos. O res-tante vai para as prateleiras dos supermerca-dos de cidades da regio. Essa a quantidade que passa pela coopera-tiva, mas sabemos que a regio produz mais. Mesmo assim, pouco, abaixo do que pode-mos produzir, afirma Oliveira. A expectativa em torno do crescimento da produo foi ge-rada, segundo o coordenador, aps inmeras assistncias tcnicas e infraestrutura ofere-cidas por programas governamentais. Entre os obstculos encontrados no caminho dos apicultores esto a irregularidade das chuvas, que esto custando a cair com intensidade na regio, e as dificuldades no manejo, que perma-necem mesmo aps as capacitaes, lista.

    METAS DE PRODUO Com caractersticas de dois importantes bio-mas brasileiros a Caatinga e a Chapada , Ibotirama se destaca no oeste baiano. O mu-nicpio possui cerca de 28 mil habitantes, sendo quase trs mil deles dedicados pes-ca. Outras atividades desenvolvidas na cidade so o comrcio, a bovinocultura e a agricul-

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    tura de subsistncia, mas a apicultura tem tudo para se expandir, como atesta boa parte dos apicultores da regio. Eles apontam que o exemplo a ser seguido est logo ao lado, na comunidade de Bandarra, que pertence ao municpio vizinho de Morpar, tambm na Bahia, cidade com pouco mais de oito mil ha-bitantes. A produo de mel cresceu tanto no povoado que ultrapassou a localidade de Ita-peba, primeiro grande centro de produo de Ibotirama, onde est localizado o Entreposto da Coopamesf. Para se ter uma ideia, somente os apicul-tores do povoado de Bandarra conseguiram produzir no ano passado algo em torno de 35 toneladas de mel, por meio da Associa-o Flor de Cactos, que rene 50 api-cultores, alguns deles pertencentes Cooperativa do Mdio So Francisco. O tcnico agrcola Paulo Mariano explica que o diferencial de Bandarra tem sido a dedicao dos envolvidos. A popula-o de l tem a apicultura como prio-ridade, no mais se dividindo em outras ativida-des. H tam-bm a presena significativa de jo-vens na localidade. Turma da gerao de Joselito, que o jovem apicultor conhece bem. J visitei a cidade para ver de perto o trabalho que fazem por l e apren-der mais. Alm disso, tem os cursos ofereci-dos pela Coopamesf. Eu j fiz dois, inclu-sive um especfico

    Criao da Coopamesf 2005

    Cooperados - 97

    Municpios produtores 16*

    Produo na ltima safra 80 toneladas

    Produo exportada 42 toneladas

    Produo vendida/iniciativas do governo -18 toneladas

    Produo vendida /comrcio local 10 toneladas

    Produo estoque - 10 toneladas

    Principais pases compradores 3 (Alemanha, Estados Unidos e Frana)

    Valor mdio da tonelada de mel: R$7.800,00

    Rendimento anual da exportao - R$328.000,00

    A comunidade de Bandarra, em Morpar, a maior produtora de mel da regio

    Todo o beneficiamento do mel feito no distrito de Itapeba, em Ibotirama

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    sobre como lidar com a abelha-rainha, conta. A criao da cooperativa, h dez anos, mudou a realidade dos apiculto-res. Paulo Mariano, por exemplo, que tcnico agrcola, atualmente cumpre o seu primeiro mandato como vereador de Ibotirama. Antes de atuar na poltica local, ele exerceu a atividade de apicultor e relata como era o processo quando no existia a cooperativa. No tnhamos Casa do Mel (Unidades de Beneficiamento do Mel) e nem toda essa rede de proteo, como os equipamentos e vestimentas adequadas. Para nos proteger das abelhas, trabalhvamos apenas noite, evitan-do ser percebidos por elas, que podiam nos atacar, recorda. Alm de oferecer capacitaes e intermediar a comercializao do que produzido, a cooperativa faz o beneficiamento do produto, que inclui decantar (para a retirada de impurezas), embalar, rotular, ins-pecionar e comercializar o mel em bisnagas e sachs. O envasamento realizado no entreposto de Itapeba ainda manual e tem capacidade para beneficiar um total de 12 mil kg por ms, em diferentes formatos de embalagens (1kg, 500g, 210g e sachs de 4g).Todo o processo de entreposto conduzido por Balbino Souza, pre-sidente da cooperativa e que tem metas ambiciosas para a organi-zao de apicultores. Queremos continuar investindo em equipa-mentos, aumentar o nmero de Unidades de Beneficiamento de Mel nosso desejo ter uma em cada um dos 16 municpios do territ-rio do Velho Chico e agregar mais cooperados, trazendo mais gente para a atividade, principalmente os jovens, pontua. Diante disso, a expectativa da cooperativa s poderia ser otimista. J se percebe o retorno de pessoas da cidade para o campo, por conta das possibilidades trazidas pelo mel, alm de se estar absorvendo pesso-as de outras culturas, destaca o coordenador Ronilson Oliveira. Eles reforam que a unio dos cooperados possibilitou que enfrentassem perodos crticos, sem chuva, ainda que alguns tenham se sentido de-sestimulados, especialmente os jovens. Os mais novos no esperam, n? Vo para outras cidades, procuram outras atividades. Mas quem ficou percebeu a evoluo, destaca o presidente da cooperativa.

    ENTENDENDO O PROCESSOConsiderados insetos alquimistas, as abelhas alteram a qumica do acar retirado das flores. A fabricao do mel comea com a coleta do nctar nas flores. Ele guardado em uma bolsa, no cor-po da abelha, e levado para a colmeia. L, glndulas localizadas na cabea das abelhas secretam duas enzimas que reagem com o acar do nctar. Uma enzima, chamada invertase, transforma o nctar em glicose e frutose. A outra enzima, chamada glicose oxidase, confere acidez ao nctar, impedindo sua fermentao. Ao bater as asas, a abelha seca o excesso de gua presente no nctar, finalizando a obteno do mel, um produto que resiste naturalmente a mofos, fungos e outras bactrias, podendo durar muitos anos sem refrigerao. Todo esse processo realizado para garantir a alimentao da prpria colmeia. O objetivo prin-cipal da produo de mel manter o suprimento alimentar das abelhas, que se alimentam do prprio mel que produzem. Alm disso, elas se alimentam do plen que geralmente vem preso no processo de captao do nctar. O plen seria, ento, uma importante variao no cardpio alimentar das abelhas.

    COMERCIALIZAOMel distribudo a partir do prprio entreposto de Itapeba para os mercados externo (a granel) e in-terno (bisnagas e sachs). Tambm vendido em loja prpria na sede do municpio.

    PRODUOMel produzido em 16 Municpios do Mdio So Francisco pelos 97 integrantes da Coopamesf

    CONFIRA AS TRS ESTAPAS QUE MARCAM O PROCESSO PRODUTIVO DA APICULTURA

    DA COLMEIA AO CONSUMO

    BENEFICIAMENTOCoopamesf faz o beneficiamento do produto no distrito de Itapeba, em Ibotirama. Processo inclui decantao (para a retirada de impurezas), emba-lagem e rotulagem.

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    Vida s carrancas FOTOGRAFIAS DO FRANCS MARCEL GAUTHEROT DOCUMENTAM

    E EXTRAEM TODA A BELEZA DAS CARRANCAS DO RIO SO

    FRANCISCO, EVIDENCIANDO SUA IMPORTNCIA PARA A

    CONSOLIDAO DA ARTE POPULAR BRASILEIRA.

    AS FOTOS FORAM PRODUZIDAS NA DCADA

    DE 1940 E GANHARAM O MUNDO.

    RECENTEMENTE, FORAM

    MOTIVO DE UMA EXPOSIO NA

    PINACOTECA DE SO PAULO,

    INTITULADA A VIAGEM DAS

    CARRANCAS, E DA EDIO DE UM LIVRO

    LANADO PELO INSTITUTO

    MOREIRA SALLES.

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  • E ra o ano de 1946 quando o fotgrafo fran-cs Marcel Gautherot, nascido em Paris e radicado no Rio de Janeiro, percorreu o litoral e o interior da Bahia. Um dos des-tinos foi o rio So Francisco. Com um olhar entre o antropolgico e o jornalstico, fixou-se naquelas figuras usadas para proteger os barqueiros dos maus espritos. Feias, grotescas, mas inquie-tantes e cheias de esprito popular, verdadeiros smbolos do Velho Chico e de sua cultura, as car-rancas viraram ento uma marca importante do trabalho desse fotgrafo igualmente singular. As fotos de Gautherot foram publicadas nas re-vistas O Cruzeiro (1947), Sombra (1951) e Mdulo (1955) e no livro Brsil (1950), chamando a aten-o do pblico e dos pesquisadores. Na realidade, chamam a ateno at hoje: recentemente, parte da srie fotogrfica de Gautherot chegou Pina-coteca do Estado de So Paulo/ Museu da Secre-taria da Cultura do Estado de So Paulo, em uma exposio indita, intitulada A Viagem das Car-rancas, assinada pelo curador Lorenzo Mamm.

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    Na mostra, alm de 42 fotografias pertencentes ao Instituto Moreira Salles, so apresentadas ao pblico 41 carrancas de colees pblicas e particu-lares, alm de pequenas esculturas, um modelo de barco e documentos diversos. Entre os destaques est a figura de proa da lendria Minas Ge-rais, a maior embarcao que j navegou o So Francisco, esculpida por Afrnio primeiro escultor de carrancas conhecido ainda no fim do sculo XIX. Tambm integra a exposio a figura esculpida na barca Americana, por Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany (1882-1985), o escultor de car-rancas mais conhecido e respeitado do Pas. As fotos de Gautherot tambm ganharam o formato de livro, editado e re-centemente lanado pelo Instituto do Imaginrio do Povo Brasileiro, Edito-ra Martins Fontes e Instituto Moreira Salles. A publicao oferece registros de Pierre Verger (que acompanhou Gautherot em sua viagem pelo Velho Chico), Hans Gunter Flieg e do pesquisador Paulo Pardal, incluindo ainda ensaios de Lorenzo Mamm e Samuel Titan Jr. O valor do trabalho de Gautherot levou Carlos Drummond de Andrade a declar-lo um dos mais notveis documentadores da vida nacional, en-quanto o paciente apuro tcnico de suas imagens lhe valeu o ttulo de o mais artista dos fotgrafos, dado por Lcio Costa, um dos criadores de Braslia. Admirador declarado de Henri Cartier-Bresson, Gautherot desen-volveu um estilo prprio e marcante. Para ele, uma pessoa que no enten-de de arquitetura no capaz de fazer uma boa foto.

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    DIANTE DA INEFICINCIA DE UM PROJETO NACIONAL DE REVITALIZAO DA BACIA HIDROGRFICA DO RIO SO FRANCISCO,

    RESPONSABILIDADE DO GOVERNO FEDERAL EM CONJUNTO COM OS

    GOVERNOS DOS ESTADOS QUE INTEGRAM A BACIA, O CBHSF VEM DANDO A SUA CONTRIBUIO POR MEIO DE OBRAS

    DE RECUPERAO HIDROAMBIENTAIS EM BACIAS DE RIOS AFLUENTES. AS

    OBRAS TM IMPACTADO DIRETAMENTE NO COTIDIANO DE POPULAES QUE

    DEPENDEM DO RIO, ALM DE GARANTIR UMA ESPERANA PARA O EQUILBRIO DE

    TODO O ECOSSISTEMA.

    Experinciasexitosas

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    C om foco no controle da eroso e proteo das nascentes, as principais aes incluem a construo de curvas de nvel, pa-liadas, terraos e barraginhas para a conteno de guas plu-viais; melhorias ecolgicas nas estradas vicinais; recomposio vegetal; cercamento de nascentes, alm da mobilizao das comunidades em torno de iniciativas de educao ambiental. Nesta matria, entre as dezenas de projetos j concludos, foram escolhidos um em cada regio fisiogrfica da bacia, revelando a satisfao de gestores, pesquisadores e moradores ribeirinhos, principais beneficiados pelas obras. As interven-es possibilitam o retorno, para a prpria bacia, dos recursos oriundos do pagamento pelo uso das guas do Velho Chico. So experincias bem-sucedidas, que demonstram a necessidade real dos investimentos em prol da revitalizao do So Francisco.

    TEXTO: ANDR SANTANA, DELANE BARROS,

    RICARDO FOLLADOR E WILTON MERCS

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    APOIO DA POPULAO FOI FUNDAMENTALA adeso dos moradores ao projeto de recupera-o hidroambiental do rio Salitre foi um dos fato-res determinantes para o sucesso da obra hdrica encabeada pelo Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco. O benefcio a 14 povoados ribeirinhos situados no entorno da cidade baiana de Morro do Chapu, no Submdio So Francisco, tornou a experincia uma das mais exitosas na aplicao dos recursos provenientes da cobran-a pelo uso da gua. A regio, conhecida por intensas disputas pela gua e por um grande e crnico dficit hdrico, conta hoje com apenas um rio intermitente como elo para o Velho Chico: o Salitre. Trata-se de um rio que h dcadas demandado por transposi-es e programas de minerao e energia eli-ca. Esse projeto do Comit veio mudar a realida-de. Foi, de fato, uma obra a favor do rio, revela Almacks Luiz Silva, membro titular do CBHSF e presidente do Comit da Bacia do Rio Salitre.Almacks explica que foram os servios am-bientais, concludos em 2013, que favorece-ram o reaparecimento das duas principais nascentes do rio Salitre, garantindo o abas-tecimento, direto ou indireto, de cerca de 800 famlias. Primeiramente, houve o cercamento de dois quilmetros de uma rea de proteo ambiental. Com as chuvas, essas nascentes afloraram e garantiram gua para a nossa produo agrcola, disse um dos moradores do povoado de Brejes, uma das localidades beneficiadas com a interveno, que tambm trouxe reflexos positivos para os povoados de gua Suja, Angico, Ic, Cercado Santo, Laran-jinha, Flores, Lagoa dos Remdios, Mulungu do Jubilino, Vrzea Grande, Tamboril, Gaspar, Malva e Os Quatorze.

    MOBILIZAO GERA FRUTOS Os frutos do projeto concludo na regio do Sali-tre vm sendo colhidos na medida em que aes passam a ser replicadas na comunidade ribeirinha do Velho Chico. Cerquei uma pequena rea do meu terreno, que era destinada alimentao e dessedentao do gado. S que disseram que os animais pisoteavam a rea e isso comprometia o solo e as matas ciliares. Ai eu retirei....Olha como j mudou a aparncia?, observa Dorgival Oliveira Ferraz, agricultor beneficiado.O projeto tambm favoreceu a educao ambiental, refletindo nos jovens da regio. Na Escola Munici-

    pal Santo Antnio, no entorno das obras, mudas frutferas foram plantadas pelos alunos do ensino bsico. Queremos incentivar esses jovens quanto importncia da conservao ambiental, diz Ta-mara Mirna Santana, diretora da instituio. Morador da localidade, Samuel dos Santos Silva, viu no projeto uma oportunidade de ganhar em dobro. Ele foi um dos contratados pela empresa executora da obra hidroambiental, a Localmaq Ltda., para a construo das 401 paliadas de ro-cha previstas na segunda etapa do projeto de con-trole da eroso, visando a recuperao de reas degradadas. difcil encontrar servio por aqui. Quando surge, a gente tem que aproveitar, com-pleta Jos Magalhes da Silva, o Manga, tambm contratado para a obra.Uma segunda etapa do projeto hidroambiental na regio est em andamento pelo CBHSF, com o ob-jetivo de reforar o cercamento de 25 quilmetros margem do Salitre. Para Luiz Dourado, tambm membro do Comit e morador de Morro do Cha-pu, dois aspectos ganham notoriedade frente ao objetivo central das obras. Os projetos do supor-te agricultura familiar e contribuem para a des-sedentao dos animais. O propsito inicial no foi apenas esse. O intuito era evitar o assoreamento do rio. Mas outros ganhos acabam vindo, trazidos pelo projeto, destaca.

    Submdio

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    Acima, o rio Salitre, cujas nascentes foram

    recuperadas. Ao lado, Dorgival Ferraz, um dos

    trabalhadores locais aproveitados na obra

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    AltoCA

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    INCENTIVO PRODUO DE ORGNICOS Estima-se que pelo menos 20 famlias residentes na comunidade de Bonfim, zona rural do municpio mineiro de Trs Marias, no Alto So Francisco, sero direta-mente beneficiadas com as intervenes do projeto hidroambiental do Comit do So Francisco na regio. As obras, que abrangeram tambm localidades rurais da cidade vizinha, Felixlndia, foram finalizadas no incio deste semestre nabacia do rio Ribeiro Extrema Grande, contribuinte do Velho Chico no Cerrado mineiro. Na esperana de dias menos secos, produtores rurais de Bonfim acreditam que as aes do Comit j mostram resultados plausveis.As barraginhas feitas j so uma ajuda e tanto. Esto colaborando para reduzir os sedimentos que desciam para o rio e para que o adubo orgnico no seja retirado da terra pela chuva, deixando a rea mais frtil, comemora o agricultor Roberto Augusto Pereira, que, com sua esposa, Ana Lucia, trabalha h quase dez anos na produo de hortalias orgnicas, enfrentando as adversidades de uma regio seca e castigada pelo sol. As aes do Comit, sem duvida, vo ajudar, a mdio e longo prazos, a minimi-zar os impactos da estiagem e do desmatamento na regio, reconhece o prefeito de Trs Marias, Vicente Resende. Em Trs Marias, foram ainda beneficiadas as comunidades de Pindaba, Vale e Capo de Barreiro, enquanto em Felixlndia o projeto teve repercusso nas localidades de Brejo e Pedra Preta, alm de Gerais, que fica na divisa entre os dois municpios. As intervenes do CBHSF foram possveis com o investimento de quase R$ 700 mil e consistiram em mais de 14 mil metros de obras de cercamento para prote-ger nascentes e matas ciliares, cerca de 17 mil metros de estradas rurais adequa-das e aproximadamente 160 bacias de captao de gua da chuva (barraginhas) para conteno de sedimentos e da velocidade das guas da chuva, alm de aju-dar na infiltrao da gua no solo.As obras foram executadas pela empresa Neo Geo Engenharia.Para Slvia Freedman, integrante do CBHSF que acompanhou a execuo do pro-jeto, o Comit est cumprindo o seu papel na gesto dos recursos hdricos e os projetos hidroambientais representam parte desse esforo. O que temos que lembrar que as intervenes j realizadas precisam de preservao e monitora-

    mento; gostaramos de contar com o apoio do poder pblico municipal para isso, adverte. Somente na regio do Alto So Francisco, desde 2012 at hoje, o Comit j reali-zou 12 projetos hidroambientais. O da comunidade de Bonfim foi uma demanda da Associao Comunitria do Bonfim e Adjacncias (Asbom), presidida pela agri-cultora Ana Lcia Pereira, que no v a hora de retomar a produo de hortalias e frutas. Este ano, por exemplo, no foi possvel colher morangos, um dos produ-tos mais importantes para garantia de renda dos agricultores da regio. No lugar do morango, com muito esforo, o casal Roberto e Ana Lucia planta razes como araruta, matria-prima para a produo de biscoitos, bolos e sopas.A Asbom, criada em 2007, incentiva a plantao de razes, hortalias, frutas (como mangaba e acerola) e outros produtos orgnicos, com rico valor nutricional, di-fundindo tcnicas para fertilizao e manejo do solo numa rea de cerca de dois hectares. Os produtos cultivados so comercializados na regio e em reas ur-banas prximas. um nicho encontrado pelos agricultores locais para melho-ria da renda. O que se espera que as obras realizadas pelo CBHSF contribuam decisivamente para fazer dessa opo uma fonte de renda permanente para os agricultores locais.

    Acima, Roberto Augusto e Ana Lcia:

    produco de hortalias orgnicas. Ao lado,

    barraginhas e cercamento de nascentes

    realizados em Felixlndia

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    VENCENDO O DESAFIO DA PRESERVAO pelas palavras do agricultor Dionsio Procpio dos Santos, morador do povoado Riacho, no munic-pio de Junqueiro (AL), que se pode reconhecer o xito do trabalho de recuperao hidroam-biental realizado pelo CBHSF no entorno da barragem que abastece a populao do muni-cpio. Ele se revela satisfeito com o resultado final, com a plantao de espcies nativas e a preservao ambiental da regio.O manancial abastece uma populao estimada em 200 mil pessoas, distribudas entre Junqueiro e a cidade vizinha, So Sebastio. Estou muito sa-tisfeito porque, com o cercamento e o plantio em minha propriedade, teremos gua de melhor qualidade, avalia Dionsio dos Santos. O bene-fcio no se restringe ao agricultor, mas a toda a populao do povoado. A preocupao desse trabalho no foi apenas preservar a barragem, mas tambm orientar os moradores sobre a criao do gado e como usar a tcnica adequa-da no cultivo das diversas rvores frutferas, acrescenta.O benefcio da recuperao da barragem ganha uma dimenso ainda maior porque os morado-res recordam da imensa dificuldade da compa-nhia de abastecimento de gua do estado, a Ca-sal, para assistir a comunidade, como relata o secretrio de Agricultura de Junqueiro, Joo Bosco. A Casal montou uma estrutura para fornecer gua ao municpio h mais de dez anos. S que o sistema ficou sobrecarregado porque foi dividido para atender os moradores de So Sebastio e no suportou, explica. Foi a concessionria que apresentou a proposta para promover a recuperao.Diante da dificuldade, a Casal passou a utilizar os recursos da barragem Riacho. Mas era preciso ven-cer o desafio da preservao. A gua jorrava forte, mas, por desinformao, os moradores a poluam. Era comum, nos fins de semana, a realizao de festas no local, com churrascos e banhos. Sem falar nos pe-quenos animais, que tambm matavam a sede ali. A qualidade da gua ficou muito ruim.

    MORADORES GANHAM CONSCINCIAA recuperao da barragem resultou na conscien-tizao dos moradores. Quem afirma o presidente da Associao Comunitria dos Moradores do Povo-ado Riacho, Joo Jos da Silva. uma iniciativa de imensa importncia para a preservao de recursos hdricos. Todo mundo tem conhecimento da crise h-drica e as intervenes feitas nos protegem, destaca.Homem simples, nascido na regio, Joo Jos da Silva ressalta a conscientizao das pessoas. Segun-

    do ele, muitos moradores no sabiam o que significava desmatar e nem as consequncias desse ato. Depois das diversas reunies promovidas pela empresa GOS Florestal, responsvel por todo o trabalho, o comporta-mento das pessoas mudou profundamente. Posso ga-rantir, hoje, que todos os moradores pensam diferente, resume ele, enquanto defende o permanente reflores-tamento nas nascentes.O municpio de Junqueiro tem uma rea de 254 quil-metros quadrados e uma populao de pouco mais de 25 mil habitantes, de acordo com dados do IBGE. O cli-ma temperado provoca uma temperatura elevada, de at 35 graus, condio suficiente para manter a econo-mia, baseada no cultivo da cana-de-acar.A comunidade do Riacho tem caracterstica eminente-mente rural e composta por pequenos produtores, a maioria com cerca de um hectare de terra para o cultivo de pimenta, frutas, hortalias, mandioca, dentre outras culturas de subsistncia. O excedente comercializado na regio. A produo agrcola, via de regra, recebe o es-tmulo da Associao dos Produtores Rurais, que busca

    o fortalecimento da produo de farinha de mandioca e seus derivados.Os moradores da regio garantem que o volume de gua no riacho Riacho apresenta drstica diminuio nos ltimos anos em virtude, principalmente, do des-matamento das matas ciliares nas nascentes e reas de contribuio para o plantio da cana-de-acar.No projeto de recuperao hidroambiental, que durou 20 meses, foram investidos cerca de R$ 413 mil. Entre as aes, houve o plantio de 6.800 mudas, o cercamen-to de mais de 4 mil metros de rea e o reflorestamento de 3,4 hectares. A empresa executora promoveu ainda o coroamento de mudas, que consiste na limpeza de rea de 80 centmetros no entorno de cada muda nova; o plantio a cada 40 centmetros de distncia, no mbito da nascente do riacho; e o controle de formigas roadei-ras. Nas palavras do agricultor Antnio Pereira dos San-tos, 42 anos, a concluso da obra significa o incio de um novo tempo para quem vive do plantio na regio. Signi-fica muita coisa boa. Com essa gua, consigo plantar de tudo que essa terra pode nos oferecer, resume.

    Baixo

    Acima, plantao de espcies nativas em

    Junqueiro (AL). Ao lado, o morador Joo Jos da

    SIlva: Projeto levou a uma maior conscientizao

    das pessoas sobre a crise hdrica

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    MdioPROBLEMAS TAMBM DURANTE A CHUVANo s nos perodos de estiagem que a vida dos ribeirinhos, especialmente dos que vivem de produ-o agrcola, passa por tormento. Quando a chuva cai forte nas reas j degradadas, provoca uma srie de eroses, arrastando sedimentos, criando as chama-das moorocas e colocando em risco plantaes e criaes de animais. Alm disso, o desequilbrio am-biental e as nascentes comprometidas ajudavam a ti-rar o sossego das cerca de 50 famlias que habitam a comunidade de Brejo, na zona rural de Santa Maria da Vitria, municpio do oeste da Bahia.Tudo comeou a mudar com o projeto de recupera-o hidroambiental financiado pelo Comit da Bacia Hidrogrfica do Rio So Francisco. As obras, oradas em mais de R$510 mil (recursos oriundos da cobran-a pelo uso das guas da bacia), foram realizadas pela empresa Localmaq, de Minas Gerais, e con-templaram a construode 51 bacias de captao de gua pluviais (barraginhas), 97 lombadas, 30 pa-liadas de madeira e 92 metros de muro de conten-o. A nascente do riacho Brejo, antes desprotegida, foi completamente cercada e processos erosivos de grandes propores, que ameaavam a permann-cia das famlias na comunidade, foram contidos com obras geotcnicas. As intervenes trouxeram esperana, por exemplo, para o agricultor Joo Lus Pereira, 63 anos. Em po-cas de chuva, a rea em frente a sua casa sofria um processo de eroso que chegava a impedir o acesso das pessoas. A situao estava feia. Quando chovia, ningum passava. Se no acontecesse nenhuma melhora, eu e minha famlia teramos que nos mudar daqui, lembra o agricultor.Outra famlia satisfeita com as obras de recuperao hidroambiental a do casal Hilda Ferreira Barbosa e Joo Jos Barbosa. A chuva vinha e arrastava tudo pela frente, ia quebrando cerca e prejudicando as plantaes. Com f em Deus, no vamos sofrer na prxima chuva, graas a essa obra, espera Dona Hilda. A agricultora comemora ainda a forma como aconteceu o processo de interveno na comunidade.Foram realizadas vrias reunies com os moradores, para explicar o que ia acontecer e ouvir as nossas quei-xas. Eu fui a todas as reunies e falei o que eu achava que devia ser mais urgente. Alm das reunies de mobilizao, um dos mritos do trabalho foi a contratao de moradores como mo de obra. Assim ocorreu, por exemplo, com Edson Ferreira, de 52 anos. Alm de mim e do meu sobrinho, Nelson, mais 15 moradores trabalharam no servio das cercas, da construo das contenes, das barraginhas. Isso foi muito bom, pois ainda gerou uma renda para ns, comemora. A populao local tambm destaca o bom

    relacionamento com as equipes tcnicas e os operrios de fora, que viveram por volta de oito meses na localida-de, perodo de realizao do projeto, incluindo a mobili-zao e as obras propriamente ditas.Brejo fica a uns 10 quilmetros da sede do municpio. Possui 400 moradores, que vivem do plantio de milho, feijo, abbora, melancia e cana-de-acar, entre outros produtos. A partir da cana, produzem, na prpria comu-nidade, rapadura e cachaa, nicos produtos a ganhar o mercado externo. O restante da produo basicamen-te para a subsistncia. Essa atividade agrcola na regio de clima quente e seco (temperatura mdia de 24C), em pleno Cerrado, somente possvel graas ao riacho Brejo, cujo curso dgua perene percorre 33 quilme-tros at desaguar na margem esquerda do rio Corrente, importante afluente do So Francisco.

    REIVINDICAO ANTIGAO presidente da Associao de Trabalhadores Rurais da Comunidade de Brejo, Valdivino Gomes dos San-tos, 26 anos, calcula que o nmero de beneficiados com as obras deve ultrapassar 250 famlias. Com o cercamento das nascentes, as intervenes reali-zados vo impactar toda a extenso do Brejo, que percorre as comunidades de Brejo do Esprito Santo, gua Quente e Brejo, esclarece. Como explica Santos, as obras eram uma reivindi-cao antiga da Associao de Moradores, somen-te atendida pelo Comit de Bacia. A satisfao dos

    moradores foi tanta que j estamos solicitando uma segunda etapa para contemplar outras reas da co-munidade, ampliando os benefcios. A mobilizao dos moradores em torno da Associao j conseguiu garantir para a comunidade gua e energia eltrica: Aos poucos, estamos vendo a situao melhorar para nossa comunidade, possibilitando melhor qua-lidade de vida e de trabalho para as famlias, afirma. Agora, cabe a ns, moradores, preservar o que foi feito, cuidando do meio ambiente, evitando jogar lixo na rua, para que no se perca o que foi feito, alerta Valdirene Lima dos Anjos, de 27 anos, que via suas cercas serem derrubadas, com prejuzo da plantao e dos poucos animais que cria. A chuva pode che-gar que agora est tudo organizado... os caminhos para ela percorrer, as contenes no lugar certo e as barraginhas para armazenar a gua, diz Valdirene, referindo-se ao perodo chuvoso que comea em no-vembro e segue at o ms de abril, quando os agri-cultores de Brejo podem colher seus alimentos e a matria-prima da cachaa local, que j faz sucesso nos mercados de Santa Maria da Vitria.O mais importante que essa interveno em Brejo pode marcar um novo pacto entre a comunidade, os r-gos ambientais e o Comit da Bacia do So Francisco, para preservar as obras e garantir a revitalizao de um riacho to importante para a regio, destaca Cludio Pereira, coordenador da Cmara Consultiva Regional do Mdio So Francisco, instncia do CBHSF.

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    Acima, agricultor Joo Luiz Pereira destaca

    a melhoria no acesso sua propria casa em

    Brejo (BA). O objetivo do projeto foi frear o

    desequlbrio ambiental e revitalizar as nascentes

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    O PESCADOR DE VERSOS

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    TEXTO: DELANE BARROS

    FOTOS: TIAGO SAMPAIO

    ANTNIO GOMES DOS SANTOS

    Prestes a completar 84 anos de idade (e 61 de casado, como faz questo de ressaltar), Antnio Gomes dos Santos, o Toinho Pescador, relata com o olhar e por meio das poesias que regis-tra no papel a tristeza pela realidade atual do rio So Francisco. A comparao com o tempo de sua juventude, quando o rio era bom para pesca e tudo mais, automtica. Nascido em Penedo (AL), em 1931, ele nunca deixou a cida-de e sempre procurou se envolver nas causas em defesa do Velho Chico. rfo de pai aos 12 anos, Seu Toinho precisou assumir o comando da famlia e isso fez com que s estudasse at o 4 ano primrio. Ele re-lata que num dos momentos de apreenso da me, que antevia dificuldades de no ter o que comer, foi taxativo e garantiu que com o So Francisco na porta, ningum morreria por fal-ta de alimento. Hoje, no seria mais assim, lamenta, ao lado da eterna companheira, Luzi-nete Santos, com quem teve sete filhos e ado-tou outros dois.Seu Toinho foi o primeiro pescador do Nor-deste a compor o Conselho de Representan-tes da Confederao Nacional da categoria. um lder nato, reconhecido nacionalmente pelo seu trabalho em defesa do So Francisco. Por duas oportunidades, foi presidente da Co-lnia de Pescadores de Penedo. Nesse pero-do, concorreu e venceu um concurso nacional de poesia. Usou todo o dinheiro da premiao para adquirir uma linha telefnica para a Ins-tituio. frente da representao dos pescadores pe-nedenses, Toinho Pescador aproveitava cada reunio com autoridades e viagens diversas para fazer contatos e conseguir seu grande sonho na oportunidade: dotar a Colnia de um barco de alumnio. Conseguiu dois. Percorreu toda a extenso do rio, desde sua nascente, em Minas Gerais, at a foz, em Piaabuu. Mais tarde, usou o cargo de presidente da Federa-o dos Pescadores de Alagoas para defender o rio, inclusive em eventos internacionais.

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    Depois de ter vivido tanto tempo junto ao So Francisco, qual o seu sentimento quan-do olha para o rio nos dias de hoje? doloroso. Estou fazendo um tratamento de sa-de em Macei e quando chego em Penedo e vejo a situao do rio, eu sempre me revolto. No com Deus, pois ele nos deu e continua nos ofertando a sabedoria. Minha revolta com os homens, com a natureza humana, especialmente a dos pode-rosos. Esses, que deveriam oferecer melhores condies, apenas exercem a dominao sobre os pequenos, os fracos.

    Quando comeou sua atuao em defesa do So Francisco, qual era seu pensamento? O que esperava que pudesse acontecer?Quando eu comecei a luta, representando a mi-nha categoria, os pescadores, eu esperava que, unidos, a gente pudesse mudar a histria, ga-rantindo a preservao do rio. No o que ns vemos nos dias de hoje. Mas, apesar de tudo, ainda tenho essa esperana. Enquanto eu no morrer, no perderei a f de mostrar todos os prejuzos e tentar mudar essa realidade. Eu me lembro de um padre de Penedo, h muitos anos, que j profetizava que o rio iria virar mar. E o que que vemos hoje?

    Como o senhor v os projetos elaborados para o rio?Os projetos que vemos, muitas vezes, tm boas intenes, no vamos negar, mas a realidade que so feitos em cima do lucro. No pensam nos prejuzos que podem causar e que, na ver-dade, provocam. o que a gente v com a pr-pria Transposio e o projeto das hidreltricas. Os projetos poderiam ser feitos, mas sem inter-romper o descimento das guas barrentas do rio. Aquelas guas barrentas no so poluio. So guas ricas, apropriadas para a reproduo das espcies nativas. Antigamente, essa era a condio para que os peixes lanassem seus ovos e no fossem comidos pelos predadores. preciso respeitar a natureza.

    Inclusive, o senhor escreveu uma poesia sobre isso...Est no livro, com o ttulo Velho Chico. Diz as-sim: Nosso velho So Francisco um rio varonil/ Quando tinha a gua barrenta era o rio do suru-bim/ Hoje est ficando sem nada, ai que saudade sem fim/ At mesmo os canoeiros esto achando ruim/ Porque acabou a safra do arroz que tinha aqui/ preciso viver unidos, para desse abismo sair/ Na cidade de Igreja Nova a maior reclama-o/ De 75% da sua populao que vivia da gua

    e da terra/ E no tem mais terra, no/ Porque a Dona Codevasf /que chegou como um leo quando esturrou na serra/ Correm todos para o serto/ preciso viver unidos, seno entram na escravido.Confiamos em Jesus Cristo por-que nosso irmo/ Desceu do cu terra para nos dar esta lio/ Onde o povo est unido/ No existe escravido.

    Fazer poesia uma forma de protesto, de luta por dias melhores para o rio? verdade. Eu fui convidado pelo bispo Dom Luiz Cappio pra passar um ano em uma expedio, saindo da Serra da Canastra e indo at a foz. A eu fui pra Montes Claros, de onde partiu a expedio, e fiquei com muita vontade de participar, mas no tinha como, porque eu tinha nove filhos e no po-dia passar um ano fora de casa. Falei com ele pra colocar outra pessoa na minha vaga... Mas fiquei trabalhando. Eles foram pra fazer um diagnstico e passaram um ano todinho. Quando chegaram a Penedo, eu j tinha me preparado pra uma cami-nhada, que teve a participao de umas trs mil pessoas. Fomos at a beira do rio, perto da Igreja de Nossa Senhora das Correntes, onde aconteceu uma missa. Ento, quando acabou, eu pedi a pa-lavra e disse que queria recitar uma poesia, que foi essa, a segunda poesia de minha autoria a ser premiada. O prmio foi um rdio. Naquela poca, o rdio era um bem muito importante, de grande valor... toda casa tinha um.

    AQUI, NS TEMOS UM PROBLEMA EM NOSSAS VISTAS E NINGUM SE PREOCUPA. A NATUREZA MUDA. O HOMEM QUER SER MAIS QUE DEUS.

    EN

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    Tem o caso tambm de um prmio que che-gou da Alemanha...Foi com a poesia So Francisco, Nosso Pai, que eu tambm recitei naquela praa de Penedo. A, poucos dias depois, quando eu cheguei da pescaria, minha esposa me chamou e disse que tinha chegado um convite. A gente no ti-nha telefone ainda. O rapaz que trouxe foi um socilogo de Minas Gerais, o Adriano. Ele disse: Seu Toinho, ns ganhamos o prmio, mas a gente tem que ir buscar esse prmio. Eu per-guntei, onde? Ele disse que era na Alemanha. Eu a me espantei, n? Eu perguntei: E como que eu vou? Ele disse pra eu no me incomodar, porque ia dar um jeito, porque eu s precisava ficar fora um ms. Eu disse a ele que precisa-va conversar com dona Luzinete. Ela disse: V. A eu fiquei animado. Disse pra mim assim: Eu vou. Quero conhecer a Alemanha. A eu fui. Co-nheci a Alemanha e a ustria. Vi o rio Danbio, na Alemanha, e o rio Mur, na ustria.

    Como foi a experincia na Europa?Quando eu cheguei no rio Danbio, tomei um susto. Um rio maior que o So Francisco mais de 100 quilmetros, totalmente podre, a ponto de ningum poder colocar o p na gua. No encontrei um s pescador. Tinha criador, mas pescador, nenhum. Conversei com vrias pesso-as e todos diziam que queriam conhecer o traba-lho da gente aqui. Uma das pessoas de l disse que eles queriam se espelhar na luta da gente aqui pra recuperar o rio Danbio. E depois dis-so tudo, o nosso rio foi caindo, caindo, caindo at chegar ao ponto que vemos