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A utilização da espécie Melia azedarach L. (Meliaceae) como alternativa à produção de insumos ecológicos na região sul do Brasil The use of the species Melia azedarach L. (Meliaceae) alternative for the production of raw materials ecological in southern region of Brazil LOVATTO, Patrícia B. 1 ; MARTINEZ, Ernesto A. 2 ; MAUCH, Carlos R. 3 ; SCHIEDECK, Gustavo 4 1 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas; Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor – CAPA/Núcleo Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 2 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas; Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor – CAPA/Núcleo, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 3 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 4 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas; Embrapa Clima Temperado, Pelotas/RS - Brasil, [email protected] RESUMO: Dentre as espécies botânicas utilizadas nos sistemas de produção de base ecológica destacam-se as Meliaceae, plantas que apresentam amplitude de atividades sobre diversos organismos quando utilizadas para minimização de componentes “indesejados” nos agroecossistemas, sejam eles insetos, patógenos ou outras plantas. Dentre as espécies mais promissoras desta família estão o nim (Azadirachta indica) e o cinamomo (Melia azedarach), plantas que possuem como metabólito majoritário a azadiractina, um limonóide com baixa toxicidade ambiental que vem apresentando diferentes modos de ação biológica, compatível de ser incorporado aos cultivos que almejam a sustentabilidade. Nesse contexto, a presente revisão teve como objetivo demonstrar a viabilidade de inserção da espécie M. azedarach como estratégia à obtenção de insumos para transição agroecológica, sobretudo na Região Sul do Brasil, onde a planta apresenta ampla ocorrência, distribuição e adaptação, bem como vinculação cultural e aos saberes locais.. PALAVRAS-CHAVE: cinamomo, manejo, produção de base ecológica, agricultura familiar ABSTRACT: Among the plant species used in production systems based on ecological stand out Meliaceae, plants showing range of activities on various organisms when used for minimization of components "unwanted" in agroecosystems, be they insects, pathogens or other plants. Among the most promising species of this family are the neem (Azadirachta indica) and chinaberry (Melia azedarach), plants that have as a major metabolite of azadirachtin, a limonoid with low environmental toxicity that comes with different modes of biological action, compatible to be incorporated into crops that aim at sustainability.In this context, this review was to demonstrate the feasibility of inclusion of the species M. azedarach as a strategy for obtaining inputs for the management of agroecosystems in transition agroecology, especially in southern Brazil, where the plant has a wide occurrence, distribution and adaptation as well as linking local knowledge and culture. KEY WORDS:chinaberry, management, production of basic ecological, family farming Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 137- 149 (2012) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 05/05/2012

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A utilização da espécie Melia azedarach L. (Meliaceae) como alternativa àprodução de insumos ecológicos na região sul do Brasil

The use of the species Melia azedarach L. (Meliaceae) alternative for the production ofraw materials ecological in southern region of Brazil

LOVATTO, Patrícia B.1; MARTINEZ, Ernesto A.2; MAUCH, Carlos R.3; SCHIEDECK, Gustavo4

1 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar – Faculdade de Agronomia EliseuMaciel – Universidade Federal de Pelotas; Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor – CAPA/Núcleo Pelotas/RS -Brasil, [email protected]; 2 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar –Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas; Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor– CAPA/Núcleo, Pelotas/RS - Brasil, [email protected]; 3 Programa de Pós Graduação em Sistemas deProdução Agrícola Familiar – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS- Brasil, [email protected]; 4 Programa de Pós Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar –Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel – Universidade Federal de Pelotas; Embrapa Clima Temperado, Pelotas/RS- Brasil, [email protected]

RESUMO: Dentre as espécies botânicas utilizadas nos sistemas de produção de base ecológica destacam-se as

Meliaceae, plantas que apresentam amplitude de atividades sobre diversos organismos quando utilizadas para

minimização de componentes “indesejados” nos agroecossistemas, sejam eles insetos, patógenos ou outras plantas.

Dentre as espécies mais promissoras desta família estão o nim (Azadirachta indica) e o cinamomo (Melia

azedarach), plantas que possuem como metabólito majoritário a azadiractina, um limonóide com baixa toxicidade

ambiental que vem apresentando diferentes modos de ação biológica, compatível de ser incorporado aos cultivos

que almejam a sustentabilidade. Nesse contexto, a presente revisão teve como objetivo demonstrar a viabilidade de

inserção da espécie M. azedarach como estratégia à obtenção de insumos para transição agroecológica, sobretudo

na Região Sul do Brasil, onde a planta apresenta ampla ocorrência, distribuição e adaptação, bem como vinculação

cultural e aos saberes locais..

PALAVRAS-CHAVE: cinamomo, manejo, produção de base ecológica, agricultura familiar

ABSTRACT: Among the plant species used in production systems based on ecological stand out Meliaceae, plants

showing range of activities on various organisms when used for minimization of components "unwanted" in

agroecosystems, be they insects, pathogens or other plants. Among the most promising species of this family are the

neem (Azadirachta indica) and chinaberry (Melia azedarach), plants that have as a major metabolite of azadirachtin, a

limonoid with low environmental toxicity that comes with different modes of biological action, compatible to be

incorporated into crops that aim at sustainability.In this context, this review was to demonstrate the feasibility of

inclusion of the species M. azedarach as a strategy for obtaining inputs for the management of agroecosystems in

transition agroecology, especially in southern Brazil, where the plant has a wide occurrence, distribution and

adaptation as well as linking local knowledge and culture.

KEY WORDS:chinaberry, management, production of basic ecological, family farming

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 7(2): 137- 149 (2012)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 05/05/2012

Nem sei se há em nós a mesma idade...Mas crescemos sorvendo o mesmo mateQue as manhãs derramam, feito orvalho,No corpo-caule da árvore-guri.(...) E eu assisti,Na primavera infinda de um setembro,O níveo-azul bonito de tuas floresCavalgar o mal-me-quer dos ventos;Mas não sem deixar,No trono absoluto dos teus pomos,O verde-oliva brilhante dos teus frutosPra que eu jogasse “bolitas” com os meus

sonhos!(Trecho de “Na busca de um cinamomo”,

Jose Luiz Flores Moró, poeta nativista)

IntroduçãoNo intuito de atenuar os efeitos dos produtos

químicos sintéticos, tais como desequilíbriosecossistêmicos, poluição ambiental, efeito sobreorganismos não-alvo e surgimento de organismosresistentes, novas alternativas para o manejo deinsetos, ácaros, nematóides, plantas invasoras emicroorganismos vem sendo investigadas,ocupando lugar de destaque àquelas quepriorizam a utilização de plantas bioativas1 sob aforma de extratos e óleos. Nesse contexto, asespécies da família Meliaceae têm demonstradouma amplitude de atividades sobre diversosorganismos, configurando-se como uma opçãoviável para o manejo alternativo de componentesindesejados nos agroecossitemas.

Dentre as espécies mais promissoras einvestigadas desta família, estão o nim(Azadirachta indica) e o cinamomo (Meliaazedarach), plantas que possuem como metabólitosecundário majoritário, a azadiractina, umlimonóide com baixa toxicidade ambiental queapresenta diferentes modos de ação biológica,compatível de ser incorporado aos sistemasprodutivos sustentáveis2.

O interesse em ampliar o conhecimento sobre

as plantas bioativas e seus metabólitossecundários para utilização dentro do contexto daprodução agrícola sustentável, deve-se àcapacidade de alta biodegradação dos princípiosativos botânicos, a facilidade de elaboração dosprodutos e a viabilidade econômica e ambiental desua aplicação. A utilização de plantas e seusprodutos constituem-se, portanto, numa alternativaviável para os agricultores familiares auxiliando namanutenção dos componentes naturais dosagroecossistemas, garantindo menores riscos detoxicidade humana e ambiental. Desta forma,utilizando como critérios as diversas propriedadesassociadas à bioatividade vegetal, tais comoeficácia em diferentes concentrações, toxicidadesobre organismos não-alvo, fitotoxicidade, fácilobtenção, manipulação e aplicação, a presenterevisão tem como objetivo demonstrar aviabilidade da inserção da espécie M. azedarachcomo estratégia à obtenção de insumos para omanejo de agroecossistemas em transiçãoagroecológica, sobretudo na Região Sul do Brasil,onde a planta apresenta ampla ocorrência,distribuição e adaptação, bem como vínculo àcultura regional e aos saberes locais. Convémressaltar que uma característica importante deveprevalecer nas pesquisas deste âmbito que é abusca de soluções para problemas regionais apartir de insumos locais, contribuindo para asustentabilidade dos sistemas de produção eliberdade dos agricultores frente aos pacotestecnológicos impostos pelo mercado.

Com este propósito, no decorrer do trabalhoserão apresentadas e discutidas as característicasbotânicas, ambientais e fitoquímicas da planta,seguidas dos diferentes modos de ação(bioatividade) evidenciados em distintosexperimentos. Da mesma forma, serão destacadosos efeitos, aplicações, limitações e perspectivaspara utilização agrícola da espécie, dando ênfaseà complementaridade dos estudos que deverá ser

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conduzida a fim de tornar a aplicação da plantamais segura e adequada para os agricultores.

A espécie Melia azedarach L.A espécie M. azedarach, popularmente

conhecida como cinamomo, pára-raios ou santa-bárbara é uma árvore caducifólia originária daÍndia e da China, amplamente cultivada ou deocorrência subespontânea na região sul e sudestedo Brasil, sendo muito utilizada como árvore desombra (LORENZI et al., 2003). Pertence a famíliaMeliaceae, a qual possui 51 gêneros eaproximadamente 550 espécies, quase todaslenhosas e nativas de regiões tropicais esubtropicais, dos dois hemisférios. Juntamentecom as espécies exóticas M. azaderach e A. indicaas espécies de Meliaceae nativas mais comuns noBrasil são Cabralea canjerana Vell., Trichiliacatigua A. Juss., Cedrela fissilis Vell., Cedrela lilloiC.DC.e Swietenia macrophylla King. (MARTINEZ,2002).

Lorenzi et al. (2003) descreve botanicamente aespécie como portadora de folhas alternas,reunidas na extremidade dos ramos, de pecíololongo, compostas e bipinadas e as inflorescênciassão axilares, ramificadas, formadas de setembro anovembro, com numerosas flores pequenas, lilás-róseas, lineares e perfumadas. Os frutos sãoovóide-arredondados do tipo drupa,marromamarelados.

Segundo Henderson (1991) baseado emdescrições gerais sobre o habitat da espécie, ocinamomo requer sol aberto para o seudesenvolvimento, não sendo tolerante à sombra, eé adaptada a solo úmido. Apresenta rápidocrescimento podendo alcançar de 6 a 8 m dealtura, em 4 a 5 anos. A altura máxima gira emtorno de 12-16 m. É uma planta altamentetolerante ao calor e à seca, como também, acondições pobres de solo.

O cinamomo é uma planta facilmentediferenciada de outros membros da famíliaMeliaceae pelo aspecto de suas folhas,

pendulosas, e com ramos firmes. Uma de suasprincipais características é a alta produção defolhas e frutos (BURKS, 1997). Ainda, segundoMartinez (2002) constitui a espécie maispromissora de utilização dentro da famíliaMeliaceae, pois tem ampla adaptação,crescimento rápido, produção abundante eutilização como planta bioativa. Propriedadesterapêuticas, inseticidas, tóxicas e outras sãoatribuídas ao cinamomo, algumas comfundamentação científica e outras com base noconhecimento popular. As partes utilizadas daplanta são a casca da raiz, casca do tronco, folhas,flores, frutos e sementes.

Conforme Silva Júnior (1997), o cinamomo évalorizado ainda pela qualidade da sua madeira,de cor amarela-brancacenta ou rósea, às vezesavermelhada. A madeira é flexível, resistente àumidade e ao cupim, fácil de trabalhar eenvernizar. É utilizada na fabricação de móveis,cabos de ferramentas, caixotaria, instrumentosmusicais, palitos de fósforo, carroceria e tambémcomo combustível. De acordo com Fazolin et al.(2002) o cinamomo foi introduzido no Brasilapresentando vigorosa expansão vegetativa a qualculminou com vários trabalhos investigativosrealizados sobre a bioatividade da planta,considerando sua composição química,distribuição geográfica e a facilidade de suautilização.

Bioatividade e fitoquímicaA M. azedarach é uma planta que contém

substâncias bioativas já comprovadas contrainsetos. Em 1946, a utilização de extratos decinamomo já era recomendada para a proteção deculturas contra ataque de gafanhotos no Brasil(LEPAGE; GIAMOTTI; ORLANDO, 1946). Osestudos com essa meliácea foram retomados apartir da década de 80 e têm-se intensificado nosúltimos anos, não apenas em relação a sua açãoinseticida, mas também em relação à suacomposição química.

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A bioatividade da M. azedarach é atribuída aoslimonóides, sobretudo a azadiractina, que possuiação deterrente sobre insetos, classificado comoum dos compostos mais promissores extraído deA. indica e M. azedarach. Os limonóides sãotetranotriterpenóides que tem como precursor umtriterpeno, que perde quatro carbonos ao originá-lo.Estes compostos são capazes de inibir ocrescimento ou a alimentação de insetos (MATIASet al., 2002). Além disso, os extratos de folhas e desementes de nim e cinamomo contêm cerca dequatro compostos ativos, dos quais, azadiractina,salanina, meliantriol e nimbim são os principais eque possuem comprovada ação inseticida. Assalaninas são triterpenóides que têm sido descritascomo composto biologicamente ativo em insetos,encontrados em plantas da família Meliaceae,como A. indica e M. azedarach (YAMASAKI et al.,1988). Segundo os autores, além dos limonóides,outras classes de metabólitos (triterpenóides eesteróides, alcalóides, proteínas, fenóis efitoesteróis) também estão presentes nos órgãosde M. azedarach.

Conforme Vieira e Fernandes (1999) a casca daraíz e do caule contém 4% óleo volátil, com 65 a75% de cinamaldeído e 4 a 10% de eugenol,cumarina, mucilagens, o alcalóide azaradina,esteróis, taninos e lignanos. Os frutos e sementescontém principalmente óleos, glicerídeos de ácidopalmítico, oléico, linolêico e esteárico,melianoninol, melianol, melianona, meliandiol,vanilina, ácido vanílico e azadirachtina. O frutoverde contém melaína G, uma protease e 28-diacetilsendanina. As folhas contém o alcalóideparaisina, o flavonóide rutina e ainda meliacina.Entretanto, de acordo com os mesmos autores,apesar de tantos outros limonóides terem sidoidentificados em M. azedarach e testados comrelação às atividades fagoinibidora e inibidora docrescimento de insetos, nenhum deles demonstroua excepcional atividade da azadiractina.

A primeira observação sobre os efeitos

inseticidas da azadiractina deu-se segundo Panizzie Parra (1991) na década de 40 através daobservação da inibição da alimentação deSchistocerca gregaria (Orthoptera: Acrididae:Cyrtacanthacridinae) exposto a folhas da espécieM. azedarach. Mais tarde a azadiractina seriaisolada das sementes de neem por Butterworth eMorgan em 1968. Em 1975, Zanno et al.propuseram sua estrutura que, posteriormente, foicorrigida por Kraus et al. em 1985 (VIEIRA;FERNANDES, 1999). Por ser uma molécula muitocomplexa ainda não foi sintetizada. Seu conteúdoem extratos ou em partes da planta pode serdeterminado com o auxílio do HPLC, equipamentode cromatografia líquida de alta performance(MARTINEZ, 2002).

O efeito de repelência alimentar ou fagoinibidorocorre porque essa substância torna o alimentoimpalatável aos insetos, como demonstrado emOrthoptera e Lepidoptera. Interfere diretamentenos quimioreceptores de larvas, pela estimulaçãode células deterrentes específicas, que são célulasque causam comportamento antagônico àalimentação, situadas nas peças bucais (BLANEY;SIMMONDS, 1990). Prejudica também, autilização dos alimentos ingeridos, reduzindo aeficiência de conversão alimentar, e, a atividadedas enzimas do mesentério, ou intestino médio(MARTINEZ; VAN EMDEN, 1999). Ainda, podeafetar diretamente, as células dos músculos docanal alimentar, diminuindo a frequência decontrações e aumentando a flacidez muscular,como observado para o gafanhoto Locustamigratoria (MORDUE et al., 1998).

A atividade da azadiractina como reguladora docrescimento foi demonstrada em uma amplavariedade de insetos, e, está mais relacionadacom sua interferência no sistema neuroendócrino.Os hormônios da ecdise (ecdisona e 20-hidroxi-ecdisona), e o hormônio juvenil, são os principaishormônios envolvidos na regulação docrescimento. A interferência na síntese e liberação

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desses hormônios prejudica a ecdise, afetandoespecialmente larvas e ninfas de insetos, quedependem desse processo para se desenvolver ecrescer. Os efeitos causados pela açãoneurohormonal da azadiractina, dependem daespécie de inseto, e da concentração utilizada,resultando em várias alterações no crescimento edesenvolvimento dos insetos: pode haver completainibição da ecdise e esta não se iniciar; a ecdisepode ser interrompida, em qualquer uma dasfases, causando a morte do inseto; a ecdise podeser incompleta, produzindo indivíduos comcaracterísticas intermediárias, e, ainda podeocorrer uma ecdise imperfeita, causandodeformidades de diversas naturezas (MORDUE;NISBET, 2000), prejudicando a alimentação, alocomoção, e até a capacidade do inseto de seprender aos ramos e folhas da planta onde sealimenta.

Segundo Martinez (2002) o composto pareceafetar importantes processos relacionados àmaturação reprodutiva tanto de machos, como defêmeas, retardando o início do acasalamento e doperíodo de postura. Entretanto, muitos aspectosrelacionados à ação dessa substância sobre areprodução dos insetos, ainda precisam seresclarecidos. Um fator positivo, assinalado porViegas Júnior (2003) é que apesar de ser ativafrente a um enorme espectro de insetos, aazadiractina praticamente não afeta os predadoresnaturais dos mesmos.

Apesar da atividade tóxica exercida sobre osinsetos, o cinamomo tem sido utilizado comoplanta medicinal principalmente nas regiões deorigem, como Ásia e China. Na década de 30, acasca do cinamomo era utilizada como vomitiva eanti-helmíntica, sendo por essas razões incluída nafarmacopéia dos Estados Unidos (CORRÊA,1991). Entre as diversas propriedades terapêuticasdo cinamomo são citadas as ações ascaricida,oxiuricida, tricomonicida, antiviral,

antiespasmódica, carminativa, antidisentérica,antitumoral, abortífera, anódina, anti-séptica,adstringente, desobstruente, depurativa, diurética,emética, laxativa, narcótica, pediculicida,revolvente, sedativa, antiasmática, béquica efebrífuga. Os frutos são purgativos eantihelmínticos. A casca da raiz é maturativa,vulneraria, catártica, anti-helmíntica, tônica eestimulante. As folhas são estomáquicas, anti-histéricas, anti-sifilíticas e emenagogas. Assementes secas e as folhas são anti-reumáticas eantinevrálgicas. As sementes, folhas e cascas sãoparasiticidas (SILVA JÚNIOR, 1997). De acordocom Lorenzi e Matos (2008) sua atividadeantiinflamatória é igual ou maior do que as dafenilbutazona e da aspirina, entretanto como todasas outras ações farmacológicas mencionadas paraa espécie continuam sendo estudadas com vistasà avaliação sob o ponto de vista da metodologiamédico-farmacêutica ocidental.

Além disso, as propriedades toxicológicasdessa planta merecem atenção, uma vez que oscompostos limonóides conhecidos comomeliatoxinas são tóxicos para os mamíferos(OELRICHS et al., 1983), tornando-se necessárioaprofundar as pesquisas relacionadas à suatoxicidade aos vertebrados antes de serecomendar sua utilização para consumo humano.

Efeitos, aplicações, limitações e perspectivaspara utilização agrícola

A maioria dos efeitos de M. azedarach vemsendo avaliados sobre insetos e ácaros daagricultura e insetos de interesse para saúdepública. Entre os insetos testados destacam-sedípteros, lepidópteros, hemípteros e coleópteros.Entretanto a bioatividade da espécie também temsido demonstrada sobre outras plantas através deefeitos fitotóxicos, bem como sobre fungosfitopatogênicos e bactérias.

No que se refere ao controle de vetores,

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segundo Fontana (2003) o efeito inseticida da M.azedarach foi pesquisado para o controle do vetorda dengue, o mosquito Aedes aegyptii. Nessapesquisa foi utilizado o extrato etanólico desementes trituradas do cinamomo para matarlarvas do mosquito. O ensaio de letalidadeobedeceu ao rigor de procedimento determinadopela Organização Mundial da Saúde (OMS) e oresultado foi positivo, não havendo evoluçãomorfogenética da larva, devido à inibição dasíntese de quitina, componente do exoesqueletodo inseto. A geração de tecnologia social nessecaso, também é um aspecto positivo, uma vez querepresenta uma solução viável de ser reproduzidapela população propiciando a melhoria dascondições de vida.

Em estudo sobre o controle da Muscadomestica (Diptera: Muscidae), Cabral et al. (2008)investigaram a ação de extratos brutos e asfrações obtidas das sementes de M. azedarachsobre o inseto. Os bioensaios mostraram inibiçãono desenvolvimento pós-embrionário das moscas eum significativo aumento do período larva recémeclodida- adulto. Além disso, o peso pupal foireduzido e a proporção sexual alterada, sendoobservada toxicidade para os ovos das moscas eevidenciado o potencial da planta para o seucontrole.

Em trabalho desenvolvido por Hernández eVendramim (1997), com o objetivo de avaliar osefeitos de extratos de Meliaceae misturados à dietade Spodoptera frugiperda (J. E. Smith)(Lepidoptera: Noctuidae), os autores observaramque com extratos de frutos de M. azedarachocorreu uma redução na sobrevivência daslagartas para 16% e das pupas para 42,3%.Hernández e Vendramim (1996) já tinhamencontrado que folhas e caules de M. azedarachmisturadas à dieta de S. frugiperda causaram100% de mortalidade às lagartas.

Vendramim e Scampini (1997) observaram que

extratos aquosos a 10% de frutos de M. azedarachreduziram o peso e a taxa de alimentação delagartas e, ainda, ocasionaram umdesenvolvimento mais lento de S. frugiperda.Segundo Rodriguez e Vendramim (1998), essaMeliaceae inibe a ingestão de alimento,acarretando menor peso e alongamento da fasede lagarta dessa espécie.

Salles e Rech (1999) demonstraram a açãoinseticida de extratos obtidos de frutos de A. indicae M. azedarach sobre a mosca-das-frutas(Anastrepha fraterculus). Os autores constataramredução da postura e do desenvolvimento larval epupal do inseto. As larvas morreram semconseguir fazer a ecdise, as pupas apresentarammá formação e os adultos não conseguiramexpandir normalmente suas asas. Os dois extratosvegetais demonstraram efeito inseticida sobrediferentes estágios do inseto.

Brunherotto e Vendramim (2001) verificaramque extratos aquosos de folhas de cinamomo a1% causaram a mortalidade de 30% de lagartasda traça-do-tomateiro, Tuta absoluta (Lepidoptera:Gelechidae). Os autores, testando extratosaquosos de M. azedarach sobre odesenvolvimento dessa praga, concluíram queextratos de folhas nas concentrações 0,1%, 1% e5%, provocaram redução da sobrevivência larval ealongamento do período de desenvolvimento daslagartas sobreviventes, sendo que os maioresefeitos ocorreram com o extrato a 5%.

Gonçalvez et al. (2001) obtiveram, através douso de extrato aquoso a 2,5 e 5% de frutos decinamomo, um controle de até 43,6% de fêmeasde Mononychellus tanajoa (Acari: Tetranychidae),sendo os extratos eficientes também no controlede Helicoverpa zea (Lepidoptera: Noctuidae) ePlutella xylostella (Lepidoptera: Yponomeutidae),causando alta mortalidade, redução no consumoalimentar, prolongamento do período larval ediminuição no percentual de eclosão de lagartas.

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Souza e Vendramim (2001), testando o efeitode extratos aquosos de Meliaceae sobre ovos eninfas de Bemisia tabaci (Gennadius) (Hemiptera:Aleyrodidae), em tomateiro, constataram efeitoovicida de extratos de frutos verdes e de folhas deM. azedarach.

Segundo Martinez (2002), quando se utilizainseticidas vegetais, é importante avaliar se osextratos obtidos nos diversos períodos do ano têmação semelhante, para que se possa recomendar aépoca correta de coleta do material para preparodos extratos. A atividade fagoinibidora de diversasestruturas do cinamomo (folhas, frutos verdes, emtransição para maduros e maduros) foi avaliadasobre a vaquinha Diabrotica speciosa (Coleoptera:Chrysomelidae), em diversas épocas, durante umano. Observou-se que a ação fagoinibidoracausada pelas folhas se reduz durante os períodosde produção de frutos, indicando uma possívelredução na concentração dos compostos ativosnas folhas. A época de coleta, portanto, deve serobservada e comparada aos resultados obtidosconstituindo-se numa característica importantepodendo atuar como limitante à ação dos produtosuma vez que está relacionada com os aspectosquantitativos e qualitativos dos compostosquímicos presentes nas diferentes partes daplanta.

Borges et al. (2003), verificaram os efeitos da M.azedarach sobre larvas e fêmeas ingurgitadas deBoophilus microplus (Acari: Ixodida). Foramutilizados frutos maduros que, após secos etriturados, foram submetidos à extração porpercolação a frio utilizando diferentes solventes(hexano, clorofórmio e etanol), e através daextração Soxhlet. As larvas e fêmeas ingurgitadasforam imersas em concentrações decrescentes de0,25% a 0,015% de cada um dos extratos. Aeficácia do tratamento contra fêmeas ingurgitadasfoi calculada medindo a produção de ovos e suaviabilidade. As larvas tinham entre sete e 22 dias eo percentual de mortalidade foi avaliado 24, 72 e

168 horas após o tratamento. No caso das larvas,os mais altos índices de mortalidade foramobservados nos extratos de clorofórmio (100%) eéter de petróleo (98%). A mortalidade foi tempodependente, com maiores índices observados naleitura após 168 horas e nas concentrações maisaltas. Da mesma forma, os extratos com hexano eclorofórmio, mostraram mais alta eficácia contrafêmeas ingurgitadas (variando de 14 a 100%) doque com o extrato etanólico (variando de 0 a 46%).Os diferentes extratos da planta, não mataram asfêmeas adultas, mas inibiram parcial ou totalmentea produção de ovos e a embriogênese. Algunsovos eram atrofiados, mas até mesmo os ovoscom aparência normal falhavam na incubação.

Sausen et al. (2007), avaliaram a eficiência deextratos de plantas inseticidas no controle de Asciamonuste orseis, em condições de laboratório.Foram testados extratos aquosos (10% p/v) defolha de cinamomo (M. azedarach), de fruto decinamomo, de pó-de-fumo (Nicotiana tabacum) ede timbó (Ateleia glazioviana). Os testesconstaram de 10 insetos por tratamento, com seisrepetições, e as observações foram realizadasdiariamente até o quinto dia, objetivando avaliar amortalidade dos insetos. Os extratos de pó-de-fumo, de folha e de fruto de cinamomoapresentaram resultados significativos, devendoser testados em cultivos no campo, com o objetivode comprovar a eficiência no controle de A.monuste orseis.

Em trabalho desenvolvido por Dequech et al.(2008), sobre o efeito de extratos de plantas sobreMicrotheca ochroloma Stal (Coleoptera:Chrysomelidae), extratos a 10% de ramos e defolhas de M. azedarach ocasionaram mortalidadede 100 e 98%, respectivamente, sobre as larvasdesse inseto após o 5º dia de exposição. Ainda,Dequech et al. (2009), avaliaram, em laboratório, oefeito de extratos de plantas na oviposição e namortalidade de P. xylostella. Para análise do efeitosobre a oviposição, pedaços de folhas de couve

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foram expostos, em gaiola, aos seguintestratamentos: extratos aquosos (10% p/v) de folhade cinamomo (M. azedarach), de ramo decinamomo, de pó-de-fumo (Nicotiana tabacum),além de DalNeem (produto comercial à base de A.indica), a 10% v/v. No interior da gaiola, foramliberados 50 adultos de P. xylostella e, após 48h,foi contado o número de ovos por folha, em seterepetições. Um segundo ensaio constou daexposição de três larvas aos extratos referidosanteriormente em tubos de vidro com um pedaçode folha de couve previamente tratado. Foramutilizados três tubos por tratamento, com quatrorepetições. O número de larvas mortas foi avaliadodiariamente.

Ao final do experimento, os autores observaramque os extratos aquosos de folha de cinamomo, deramo de cinamomo e de pó-de-fumo, além deDalNeem, reduzem a oviposição de P. xylostella ea utilização de extrato de pó-de-fumo, de DalNeeme de ramo de cinamomo resultam em controleeficiente de larvas de P. xylostella a partir dosegundo, do quinto e do sexto dias após aaplicação, respectivamente.

Schuster et al. (2009) testaram extratos a partirde plantas de cinamomo (M. azedarach) e macela(Anthemis nobilis) sobre Aphis gossypii (Hemiptera:Aphididae) em pepino. O experimento foi realizadoem forma de cinco tratamentos com quatrorepetições, o delineamento utilizado foi o de blocosinteiramente casualizados. Cada repetição foiconstituída de uma placa de Petri com uma folhade pepino contendo 10 pulgões. No final, osextratos de cinamomo apresentaram a melhoreficiência, ocorrendo à morte de 92,5% dospulgões, já a folha da macela causou apenas 10%da morte dos pulgões.

Migliorine, Lutinski e Garcia (2010), visandoavaliar a bioatividade de nove espécies vegetaissobre o desenvolvimento de D. speciosa(Coleoptera: Chrysomelidae), em laboratório,verificaram a eficiência dos extratos de timbó, noz-

moscada e cinamomo, com porcentagens deeficiência variando entre 80,4% e 100% sobre amortalidade do inseto alvo.

Nos manuais de alternativas ecológicas paraprevenção e controle de insetos são descritasreceitas incluindo a espécie M. azedarach. Souzae Rezende (2006) recomendam a utilização de150 gramas de folhas frescas da ou 50 gramas defolhas ou frutos secos da planta misturados em umlitro de água ou álcool (repouso por 24 horas)diluídos em água (uma parte do concentrado para10 a 20 partes de água) e pulverizados sobre oscultivos para repelir diversos insetos. Burg e Mayer(1999) indicam a aplicação de extratos elaboradosa partir de 500 gramas de semente madura ou empó misturados a um litro de água e um litro deálcool (descansar por quatro dias e reservar emvidros âmbar) para pulverização preventiva contrapulgões, gafanhotos e cochonilhas.

Berlitz e Fiuza (2005) descrevem a importânciada interação entre microorganismos e extratos deplantas inseticidas para o manejo de insetos.Apresentam dados sobre o uso de B.thuringiensise M. azedarach no controle de insetos agrícolas,enfatizando a importância da interação deinseticidas microbianos e botânicos. Conformedefendem o efeito estressor dos extratos sobre osinsetos pode determinar uma ação mais rápida doentomopatógeno e/ou um maior índice demortalidade. Assim essa associação pode serpositiva ou benéfica quando o inseto-alvo temmecanismos comportamentais de defesa contraentomopatógenos, quando as condiçõesambientais não são favoráveis ou as quantidadesde inoculo necessárias são elevadas.

No tocante aos resultados promissoresobservados sob a ação da planta sobreorganismos de interesse econômico e ambiental,ressalta-se que a recomendação para utilização dequalquer produto não pode ser baseado somentena eficiência constatada sobre o organismo-alvonecessitando de maior entendimento da sua ação

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no contexto agroecossistêmico. Nesse sentido, afitotoxicidade dos extratos de M. azedarach foiobservada em alguns casos, bem como a ação deextratos de A. indica sobre predadores dos insetosde interesse. Assim, ressalta-se a importância deque a bioatividade dos extratos de M. azaderachseja investigada num espectro de ação queenvolva todos os elos ecológicos interligadosdentro dos sistemas de produção.

No que se refere à seletividade Dequech et al.(2010) verificaram o efeito de extratos aquosos deM. azedarach e do produto comercial DalNeemsobre L. huidobrensis e seus parasitóides, além deanalisar a flutuação populacional de L.huidobrensis e de parasitóides desse inseto-praga.Os resultados apontaram maior eficiência para oproduto DalNeem sendo o que realizou melhorcontrole de L. huidobrensis. Por outro lado,nenhum dos tratamentos afetaram os parasitóidesChrysocharis bedius (Hym.: Eulophidae) e Opiussp. (Hym.: Braconidae). Em plantas sem aplicaçãodos tratamentos observou-se um decréscimoacentuado na população de L. huidobrensis àmedida que aumentou o número dos parasitóidesC. bedius, Opius sp., Eucoilinae (Hym.: Figitidae) eDiptera.

Venzon et al. (2007) investigando efeitos doextrato de semente de nim sobre o pulgão-verdeMyzus persicae (Sulzer), e seu predador Eriopisconnexa (Germar), verificou diminuição dapopulação de pulgões nas folhas tratadas comnim, porém também observou a mortalidade delarvas do predador destacando o potencial do nimem reduzir a população de M. persicae e tambémos efeitos nocivos não desejados a E. connexa.

Nesse sentido, apesar de não terem sidoencontrados trabalhos sobre a seletividade dosextratos de M. azedarach, mas sim da espécie quejunto com ela encerra o metabólito bioativoazadiractina, reforça-se a necessidade de quepesquisas complementares sejam realizadas coma planta buscando ampliar o conhecimento sobre a

ação de seus extratos nos demais componentesagroecossistêmicos.

No que se refere à fitotoxicidade Dequech et al.(2008), investigaram diferentes extratos botânicos,incluindo extratos de M. azedarach e o produtocomercial DalNeem em feijão-vagem (Phaseolusvulgaris) cultivado em estufa plástica. Os autoresverificaram fitotoxicidade positiva para as plantastratadas com DalNeem e com o pó-de-fumo,porém constataram ausência de sintomasfitotóxicos naquelas tratadas com extratos decinamomo.

Em contraponto, Seffrin (2006), conduzindoexperimento em estufa plástica, observou queextratos aquosos a 10% de frutos verdes e deramos de M. azedarach foram eficientes nocontrole de D. speciosa, mas observou efeitoaleloquímico de extratos de frutos verdes sobreplantação de pepino que apresentou umatendência na redução da altura das plantas, naprodução e no número de frutos embora o mesmonão tenha sido observado na cultura do feijão-vagem, para os extratos aquosos de todas asestruturas testadas.

Da mesma forma Tur, Borella e Pastorini,(2010) avaliaram os efeitos alelopáticos deextratos aquosos de folha e fruto de cinamomo(Melia azedarach L.) sobre a germinação desementes de alface (Lactuca sativa L.),empregando testes de porcentagem degerminação (PG), velocidade de germinação (VG)e índice de velocidade de germinação (IVG). Nofinal do experimento observaram que as variáveisanalisadas foram influenciadas pelos extratos decinamomo utilizados e tiveram relação com oaumento de concentração. Assim, nas condiçõesem que o experimento foi realizado pelos autores,a espécie M. azedarach exerce efeito alelopáticosobre sementes de alface, sendo este maisdrástico quando a concentração é maior.

Estes dados reforçam o fato de que os extratosda planta exercem atividades distintas sobre os

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organismos em situações ambientais específicas,sendo fundamental o aprimoramento e acontinuidade das pesquisas com M. azedarach afim de compreender de maneira mais ampla acomplexidade de sua atuação e os fatores que acondicionam. Da mesma forma, estes dadoscorroboram com a possibilidade da planta ser maisminuciosamente investigada do ponto de vistaalelopático para espécies consideradas invasoras,fazendo desta, mais uma alternativa que fica emaberto para ser aprimorada do ponto de vistainvestigativo sobre a espécie M. azedarach.

Nesse sentido, também é importante apontaralguns trabalhos que sinalizam a ineficiência dosextratos da planta sobre determinados insetos emcondições de coleta, teste e elaboração deextratos, específicas. Souza et al. (2004) porexemplo, testaram o efeito de diversas plantas,entre elas, a M. azedarach, no controle docarrapato bovino B. microplus. Entretanto osautores não verificaram eficácia significativa doextrato hidroalcoólico das folhas de M. azedarach,sobre teleóginas de B. microplus, Da mesmaforma, Gonçalves et al. (2001; 2004) verificaramque o cinamomo não é eficiente contra Thripstabaci (Thysanoptera: Thripidae) e Mononychellustanajoa (Acari: Tetranychidae). Já Bavaresco(2007) avaliando a ação de extratos de sementes efolhas da planta sobre Diaphania spp.(Lepidoptera: Crambidae) também não obteveresultados promissores.

No contexto da inatividade dos produtos ou daobtenção de resultados não esperados, chama-seatenção para o fato de que ao se aplicar umproduto muitos fatores podem contribuir para aredução ou anulação da sua eficiência. Do mesmomodo, produtos eficientes para determinadosorganismos podem agir de forma contrária quandoexpostos a outros. O intervalo de aplicaçãoadotado e dificuldades em atingir o alvo podemresultar em menor exposição do inseto ao produtoe fatores ambientais podem contribuir para a

variação de disponibilidade dos metabólitos nasplantas bem como para a rápida degradação doscompostos tóxicos ou repelentes do extrato, entreoutros. Esses fatores podem estar relacionadosaos resultados apresentados e devem serassinalados como fatores limitantes a seremconsiderados na realização de experimentos oumesmo na aplicação prática do produto a campo.

Considerações finaisNo que se refere às informações

disponibilizadas neste trabalho, considerando,sobretudo aquelas que relatam sobre abioatividade positiva exercida pelo cinamomo namaioria dos trabalhos, bem como a amplitude depesquisas com resultados afirmativos realizadascom A. indica e com os produtos comerciaisderivados, ressalta-se a importância de ampliar eincentivar as pesquisas com a espécie M.azedarach, possibilitando a sua adequadainserção às práticas de manejo agroecológicoadotadas pelos agricultores em suas propriedades.

Para Martinez (2002), as pesquisas comMeliaceae em todo o Planeta têm apresentadoresultados bastante animadores e devem serestimuladas, de modo a reduzir os aspectosnegativos encontrados, utilizando, por exemplo,outras estruturas da plantas além do fruto, comoas folhas e ramos, que têm demonstrado efeitossemelhantes, buscando reduzir os problemas detoxicidade. Outro fator a ser considerado, segundoa autora é que diferente do nim, o cinamomo éuma espécie bastante adaptada às regiões maisfrias do País, viabilizando o aproveitamento dematéria-prima disponível na região sul do Brasil,contribuindo para as alternativas à transiçãoagroecológica, estimulando a sustentabilidadeprodutiva regional.

No tocante às experiências relatadas, verifica-se na maioria delas a simplicidade paraelaboração dos produtos, bem como a viabilidadeeconômica das mesmas, sendo que na maioria, os

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extratos são elaborados a partir da adição desolvente aquoso ou hidroalcoólico na planta frescaou seca. O baixo impacto ambiental, a ação sobreorganismos de interesse econômico e a facilidadede obtenção dos insumos a partir de M. azedarach,assim como a ampla disponibilidade da espécie naregião sul e as perspectivas de múltiplos usos,inclusive através da associação commicroorganismos, deverão servir de estímulo parao desenvolvimento de pesquisas que visemfornecer e aperfeiçoar tecnologias mais limpas eacessíveis aos sistemas de produção agrícolafamiliar, condizentes às dimensões, econômica,ambiental, social, cultural, política e ética,contribuindo de forma legítima para o alcance daagricultura mais sustentável.

Notas1 Plantas que possuem alguma ação sobre

outros seres vivos e cujo efeito pode se manifestartanto pela sua presença em um ambiente quantopelo uso direto de substâncias delas extraídas,desde que mediante uma intenção ou consciênciahumana deste efeito. Dentro deste conceito,enquadram-se as plantas medicinais, aromáticas,condimentares, inseticidas, repelentes, tóxicas einclusive as de cunho místico religioso (ReuniãoTécnica Estadual sobre Plantas Bioativas 5ª,2010).

2 Segundo MAPA (2011) poderá ser utilizadolivremente em partes comestíveis os extratos epreparados de plantas utilizadas na alimentaçãohumana. O uso de extrato de fumo, piretro,rotenona e azadiractina naturais, para uso emqualquer parte da planta, deverá ser autorizadopelo Organismo de Avaliação de Conformidade(OAC) sendo proibido o uso de nicotina pura.Extratos de plantas e outros preparadosfitoterápicos de plantas não utilizadas naalimentação humana poderão ser aplicados naspartes comestíveis desde que existam estudos epesquisas que comprovem que não causam danos

a saúde humana (Instrução Normativa MAPA Nº46 DE 06/10/2011, ANEXO VII).

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