revista amor aos pedaços - amor doentio

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O Amor doentio e o Ciúme

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Projeto gráfico, diagramação e algumas ilustrações.

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Page 1: Revista Amor aos Pedaços - Amor Doentio

O Amor doentio e o Ciúme

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EXPEDIENTEProjeto integrado de disciplinas

Curso de Jornalismo - 2011.1

Textos | Camila Lemos, Davi Lira, Gabriela Bezerra, Ingrid Melo, Janaina

Negreiros, Matheus Torreão e Raíssa Ebrahim

Edicão e Revisão | Nathalia Pereira e Raíssa Ebrahim

Ilustracão e diagramacão | Aaron Athias

Orientacão do impresso | Wilma Morais

Orientacão do VT | Paula Reis e Yvana Fechine

Contato | [email protected]

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3 O Amor doentio e o Ciúme

Í N D

I C EEditorial - Entre a cobra e o passarinho...por Janaína Negreiros

Amor e dependencia: Um olhar sobre a teoria do apego por Soraia Rodrigues

Quando o descontrole vira rotinapor Camila Lemos

Era pra ser cinema, mas virou novelapor Raíssa Ebrahim

Amor não matapor Ingrid Melo

A ajuda pode estar na coletividadepor Gabriela Bezerra

O amor revolucionário de DiCaprio e Winsletpor Davi Lira

As andorinhas...por Matheus Torreão

ˆ

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E D I T O R I AL

N ão existe amor perfeito nem se pode definir o que seria um casal normal, pois cada par

estabelece sua dinâmica própria e sin-gular. No entanto, não se pode negar que o amor, imprescindível à saúde emocional de todo ser humano, deve ser fonte de alegria e prazer, apesar dos conflitos naturais. Tão naturais quanto os ciúmes e medos que podem permear as relações. Contudo, quando esses sentimentos transformam o afeto numa eterna fonte de angústia e perturbação, o indivíduo é lançado ao que chamamos de amor doentio. E, nesse estágio, o amor é um veneno tão letal para o amante quanto para o amado. Para a psiquiatria, existem, pelo menos, três tipos clássicos de amor doentio: o ciúme patológico, a perso-nalidade Borderline e a erotomania. O ciúme mórbido ou patológico, tam-bém conhecido como Síndrome de Otelo, é fundado num medo excessivo de perder o outro, com uma crença inabalável de traição. A pessoa com este tipo de transtorno mental inter-preta ocorrências irrelevantes como evidência de traição, não importando os argumentos racionais que possam

conflitar com aquilo que crê. Baseada em ideias delirantes, ela exagera em suas atitudes que expressam ciúme, sem perspectiva de fim. Ainda que se comprove que suas suspeitas não são reais, ela vive um desejo obstinado por desmascarar o parceiro que supõe ser infiel. Pessoas com ciúme patológi-co sofrem, sendo traídas ou não, com sentimentos de extrema ansiedade, raiva, culpa, insegurança e desejo por retaliação. A vontade de vingar-se daquele suposto causador do sofrimento pode ser ainda mais perigosa quando fala-mos de pessoas com personalidade Borderline ou limítrofe. Nesta moda-lidade de amor doentio, ao mesmo tempo em que se apega ao outro e se confessa dependente afetivamente, se torna capaz, na desmedida dos seus sentimentos, de maltratá-lo, por vezes cruelmente. Pessoas com personalidade limítrofe são extrema-mente instáveis e impulsivas. Oscilam bruscamente entre o amor e ódio, a indiferença e o entusiasmo, a alegria efusiva e a tristeza profunda. São capazes de matar ou morrer pelo que chamam de amor.

Entre a cobra e o passarinho...Janaina Negreiros

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5 O Amor doentio e o Ciúme

E D I T O R I ALNo avesso dos sentimentos, é tantas vezes bizarro o comportamento do ser humano e inesgotavelmente capaz de surpreender. Entre os amores doen-tios, ainda encontramos a erotomania ou, como também é conhecida, a Síndrome de Clèrambault. Segundo o psiquiatra francês de mesmo nome, esse intrigante transtorno consiste na convicção delirante do paciente de que alguém de posição social mais elevada o ama. O erotomaníaco normalmente tem baixa autoestima e vida social reservada e inexpressiva, passando muitas vezes por anos de abstinência sexual. Ele acredita que, ainda que telepaticamente, o seu ob-jeto de amor declarou-se para ele. É quando parte para a sedução, perse-guindo o ser amado. Mas, quando se dá conta do envolvimento deste com terceiros ou da rejeição sofrida, vêm os desejos de retaliação. Erotomanía-cos também têm um enorme poten-cial vingativo e violento. Essas são algumas das loucuras do de-sAMOR. Patológicos ou não, no amor doentio o único sentimento seguro e certo é a dor de não conseguir travar o voo livre da felicidade a dois e por dois.

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A dependência, pode-se dizer, é o grau que apoio e confiança de um indivíduo em outro para

a sua existência e, portanto, possui uma referência disfuncional. O apego é puramente descritivo. Neste artigo, falamos sobre a disfunção, ou seja, defendemos que o indivíduo para viver relações saudáveis deve buscar um equilíbrio entre o apego e a depen-dência. Segundo Dorsch, Hacker e Stapf (2008), dependência, em geral, designa a sujeição inevitável de um ou mais indivíduos à dependência de um vício.

Depender da pessoa que se ama é uma maneira de se enterrar em vida, um ato de automutilação psicológica em que o amor-próprio, o auto-respei-to e a nossa essência são oferecidos e presenteados irracionalmente e faz ver o anormal como normal, inverte os valores e pisoteia os princípios.

Conforme Riso (2008), metade das consultas psicológicas se deve a pro-blemas ocasionados ou relacionados à dependência patológica interpessoal. Amor e apego não devem ser exces-sivos, pois a dependência afetiva faz adoecer, castra, incapacita, elimina critérios, degrada e submete, depri-me, gera estresse, assusta, cansa, des-gasta e, finalmente, acaba com todo resquício de humanidade possível.

Segundo Barcelos (1993), alguém en-volvido em um relacionamento desse tipo tem frequentemente a sensação de dor, seu discurso é sempre rechea-do de muito ressentimento (mágoa) e tem dentro de si um forte sentimento de injustiça, pois não é fácil para o dependente aceitar que possui uma disfunção emocional. Em contrapar-tida, também não é fácil ficar sozinho em um mundo no qual, aparentemen-te, a maioria deseja viver aos pares. Isso, a nosso ver, ocorreria devido à reciprocidade desejada que aparente-mente permeia as relações de amor, em que se consolida uma tendência entre dar e receber atenção e afeto do outro com a mesma intensidade e isso nem sempre ocorre, existindo, sim, um desequilíbrio entre pessoas que são extremamente felizes e outras nem tanto.

Referências

BARCELOS, Carlos. Criando sua liberdade: Amor sem dependência. São Paulo: Gente, 1993. DORSCH, Friedrich; HACKER, Hartmut; STAPF, Kurt-Hermann.DICIONÁRIO DE PSICOLO-GIA DORSCH. Redação Horst Ries. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão e equipe. 3ª Ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. RISO, Walter, 1951 - Amar ou depender? Como superar a dependência afetiva e fazer do amor uma experiência plena e saudável. Tradução de Marlova Aseff. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.

Amor e Dependˆncia:Um olhar sobre a teoria do apego

e

Soraia Rodrigues

*

*Fragmento do artigo “Amor com dependência: um olhar sobre a teoria do apego”, apresentado pela pesquisadora Soraia Rodrigues, como Trabalho de Conclusão de Curso em psicologia, pelo Centro Universitário Jorge Amado, Bahia.

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7 O Amor doentio e o Ciúme

É irônico pensar que um senti-mento considerado tão puro e bonito pela sociedade traga

consigo desavença, tristeza e agonia. O amor, o desmedido sentimento can-tado pelos poetas, pode alavancar um mar de emoções. Emoções agradáveis e outras que preferiam ser deixadas de lado. O ciúme, por exemplo, é um sentimento que está presente na vida de muitos apaixonados, mas que, al-gumas vezes, acaba sendo motivo de preocupação. Para a publicitária Rais-sa de Andrade, de 22 anos, o ciúme é relacionado a emoções ruins, aquelas que você quer superar e esquecer que um dia sentiu. “Exagerado”, ela define.

Bonita, inteligente e bem sucedi-da profissionalmente. Para muitas pessoas, essas características são suficientes para uma mulher se sentir segura e confiante. Para Raissa, não. Na verdade, ela relaciona o ciúme exa-gerado que sente a uma característica em especial: a insegurança. A inse-gurança em si própria, a insegurança no companheiro, a insegurança nas atitudes. Desde o começo de seu re-lacionamento com o atual namorado, há sete anos, ela vem lutando contra a impulsividade e a impaciência. Ainda que houvesse a consciência do exage-ro (e havia), era difícil controlar as dis-

cussões e as palavras mal ditas. Quem é ciumento sabe que um dos maiores inimigos desses amantes é justamente o impulso. Apesar de, na maioria das vezes, o apaixonado ter consciência do exagero daquilo que sente, tem dificuldade em agir racionalmente. “Quando a gente fala de emoção, é complicado controlar, só com tempo mesmo... e com muitas tentativas”, acrescenta a publicitária.

E foi em meio a inúmeras dessas tentativas que Raissa decidiu buscar ajuda na terapia, há cerca de oito meses. Quando as brigas se tornaram frequentes demais, ela começou a en-xergar que as suas “razões não faziam mais sentido”, como ela mesma diz. “Eu brigava com ele por tudo. Se ele

Quando o descontrole vira rotinaCamila Lemos

Raissa de Andrade

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olhasse uma menina, eu achava que ele tava olhando de um jeito diferente. Se ele quisesse ir ao jogo de futebol, eu desconfiava, me sentia preterida”. Quando perguntada se a situação fosse contrária, ela responde quase que instantaneamente: “Acho que, se ele fosse igual a mim, eu não teria paciência”, confessa. Segundo especialistas, quando o sentimento fica fora de controle e traz sofrimento psíquico contínuo ao indi-víduo, a psicoterapia é indicada. Para Raissa, a ajuda de especialistas foi fundamental para que ela se despren-desse do ciúme que sentia. Antes de qualquer coisa, o tratamento a ajudou a ser uma pessoa mais racional. “Hoje em dia, eu tento pensar mais antes de tomar uma atitude, e isso me ajuda a fazer menos coisas erradas. Agora eu tento esfriar a cabeça e organizar as ideias, para não fazer besteira. Tem vezes que eu mesma acabo mudando de ideia depois de refletir”, testemunha.

Apesar de tudo, a caminhada é longa. Não existe uma cura para o ciúme patológico. O que existe é o exercício de controle das atitudes e a tentativa de não fazer daquele sentimento um motivo de tristeza e desconfiança. E é nessa teoria que Raissa acredita. “Ciu-menta eu sempre vou ser. O que dá para mudar é o modo de agir quando eu tiver ciúmes. Eu posso me contro-lar quando realmente o sentimento não for necessário. É uma questão de querer viver bem, e acho que, quando a pessoa quer, é possível conseguir”, acrescenta a jovem, que se reconciliou com o namorado e hoje está tranquila, aprendendo a dominar os impulsos e sentimentos.

“Eu brigava com ele por tudo. Se ele olhasse uma menina, eu achava que ele tava olhando de um jeito diferente”

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Primeiro o assassinato da irmã mais velha pelo noivo. A dor e o sentimento de revolta to-

mou conta da família inteira. Parecia mentira. Difícil de acreditar. Depois de alguns meses, Alice (nome fictício) co-meçou a se envolver com um cara que, à primeira vista, parecia boa pinta. Mas, cerca de quatro meses depois, começou a se sentir perseguida. “Ele passou a ter atitudes estranhas. Era como se eu me sentisse vigiada. Ele morria de ciúmes de tudo e brigáva-mos por qualquer coisa”, conta.

O namorado, que era praticante de artes marciais, passou a se mostrar “briguento” na rua, como ela mesma disse. “Qualquer coisa era motivo para me deixar tensa, com medo que ele afrontasse alguém nos lugares que frequentávamos”, disse Alice.

Com medo de contar à família e trazer à tona o pavor de uma história seme-lhante à da irmã, Alice, que sempre foi muito próxima da mãe, permaneceu calada. “Eu não tinha coragem de comentar com ninguém para pedir ajuda, mas também não sabia o que fazer. Comecei a me sentir traidora e louca diante dos meus parentes por, talvez, estar podendo repetir a história de minha irmã”, observa.

Mas, a cada dia, a cada discussão, a cada encontro, Alice ficava mais certa de que o que era para ser de cinema terminou virando enredo de novela e, pior, podia chegar novamente a capa dos jornais. “Ele me ameaçava. Che-gou a me xingar e tentar me bater um dia por causa de um ciúme que, a meu ver, era super bobo”, afirma Alice.

“Resolvi deixar a vergonha de lado e contar para algumas amigas mais chegadas. Uma delas, e agradeço até hoje, me forçou a contar para minha mãe. Foi a melhor coisa. Me ajudou a ter pulso e encarar a situação de frente”. Depois de tranquilizar a mãe, Alice prometeu que iria denunciar o namorado à polícia.

Na delegacia da mulher, ela contou tudo que estava acontecendo. Ele foi chamado para depor e, ao fim da investigação, foi obrigado a se manter longe dela, sob ameaça de penas mais rígidas. Alice nunca chegou a vê-lo novamente, somente em lembranças, mas por meio de uma memória que ela queria ter o poder de desativar. “Como a memória é uma ilha de edição, essa é uma parte da minha vida que tento não tocar. Quanto mais adormecido para mim, melhor”, conclui.

Era pra ser cinema, mas virou novela Raíssa Ebrahim

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Minha vida é um punhal de dois gumes fatais. Amar é sofrer, não amar é sofrer mais”, a

frase é de Lucia McCartney, protago-nista do conto homônimo de Rubem Fonseca, mas poderia ter sido dita por qualquer um dos personagens que compõem essa matéria. Há milhares de pessoas que sofrem diariamente por amor. Parte delas, acometidas de uma doença chamada amor doentio ou patológico; outra, formada por ví-timas de quem nutre esse amor louco, geralmente mulheres.

Algumas dessas pessoas, contudo, ga-nham mais notoriedade do que outras – seja pelo destaque que possuem na sociedade, seja pelo extremo que che-gam com seu amor desmedido. Esse extremo, por sua vez, normalmente relaciona-se à violência e possui como ponto mais alto o atentado contra a vida de qualquer um dos envolvidos na relação doentia, podendo culminar em morte (suicídio ou assassinato). Quando o ato de violêcia é cometido em decorrência de uma forte paixão ou amor, tem-se o que se chama de crime passional.

No Brasil, não são raros na mídia os casos de crimes cometidos em con-sequência de um amor sem medida. Um dos mais lembrados é o assas-sinato da atriz Daniela Perez, em 28 de dezembro de 1992, pelo seu par romântico na novela De corpo e alma, Guilherme Pádua, e a esposa dele, Paula Thomaz. Segundo a justiça, Pádua assediava Daniela, e, ao notar que seu personagem não aparecia em dois capítulos da novela, julgou que a atriz havia contado à mãe, Glória Perez, autora do folhetim, sobre suas investidas. Deduziu ainda que Glória havia, então, de-cidido diminuir a participa-ção dele na novela.

Amor não mata

“Ingrid Melo

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Sabendo do ciúme que a esposa nutria por Daniela, Guilherme alimentou a raiva de Paula e, com ela, combinou o assassinato da filha de Glória Perez. Os dois levaram a atriz, desacorda-da, para um local ermo e desferiram nela 18 golpes de tesoura, levando ao óbito. Um advogado que passava no local do crime, desconfiou dos dois carros estacionados – o de Daniela e o e Pádua – no local deserto e peri-goso e anotou as placas dos veículos, comunicando, em seguida, à polícia.

Ao chegar no local, os policiais encontraram apenas o carro

de Daniela e o corpo da atriz.

No dia seguinte, descobriu-se, devido à placa anotada, que o outro carro era de Pádua e, coagido, ele confessou o crime, afirmando que a motivação havia sido passional e negando a participação da esposa no homicídio. As investigações, contudo, revelaram que a ação foi conjunta e que Guilher-me havia premeditado o assassinato da colega de novela. A passionalidade, porém, ocorreu por parte de Paula, que matou Daniela devido ao ciúme excessivo que sentia por Guilherme. A moça, que na época tinha 19 anos e estava grávida de quatro meses, chegou a tatuar o nome de Guilherme em suas partes genitais, como prova de fidelidade ao pacto do crime e ao amor que sentia por ele.

Outro caso envolvendo crime passio-nal e uma atriz famosa ocorreu com Maitê Proença. Seu pai, o procurador de Justiça Augusto Carlos Eduardo da Rocha Monteiro Gallo, desconfiou que a esposa, Margot Proença Gallo, tinha um caso com seu professor de francês, Ives Gentilhomme. Sondou, então, com Maitê e a empregada doméstica de sua casa. Maitê, que na época tinha

12 anos, disse ter visto o professor na cama da sua mãe, vestido de

pijama. Já a empregada falou

No Brasil, não são raros na mídia os casos de crimes cometidos em consequência de um amor sem medida

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sobre um relacionamento de Margot, que também era professora, com um ex-aluno, pois “eles ficavam tranca-dos no escritório, quando o marido se ausentava da casa”.

Com as evidências, Augusto marcou um encontro decisivo com a esposa, que, no calor de uma discussão, rece-beu 11 facadas de Gallo e faleceu aos 37 anos. O promotor foi a julgamento e, tendo inclusive Maitê como teste-munha de defesa, foi inocentado. Ele chegou a casar novamente, mas não conseguia superar a perda da mulher, que ele mesmo matara, e afirmava que sua vida não fazia mais sentido. Em 1989, 19 anos depois do crime, ele se suicidou.

Talvez, contudo, um dos casos mais comentados seja o do ex-diretor de redação do jornal O Estado de S. Pau-lo, Antônio Marcos Pimenta Neves. Após o fim de um namoro de quatro anos com a colega de profissão Sandra Gomide, e sem sucesso nos pedidos de volta, o jornalista matou com dois

tiros a ex-namorada. O motivo: ciú-mes. Se Sandra não iria voltar para ele, também não seria de mais niguém. A notícia de que ela estaria se envol-vendo com outro homem, segundo o livro da procuradora, foi a gota d’água para que Pimenta Neves cometesse o crime, que como costuma ocorrer em casos de crimes passionais, foi realiza-do no calor de uma discussão.

Após o crime, que ocorreu em 2000, Pimenta ficou internado porque inge-riu 72 comprimidos de Lexotan e Fron-tal (tranquilizantes). Réu confesso, foi condenado a 19 anos de prisão por júri popular, em 2006, mas conseguiu, no STJ (Superior Tribunal de Justiça) redu-zir a pena para 15 anos, em regime inicialmente fechado, mas graças a recursos continuava em liberdade. Em maio deste ano, o jornalista o Supre-mo Tribunal Federal determinou a prisão imediata do jornalista. Pimenta Neves ainda pode alegar problemas de saúde para cumprir a pena em prisão domiciliar. O crime prescreve em 2016.

Talvez um dos casos mais comentados seja o do ex-diretor de redação do jornal O Estado de S. Paulo, Antônio Marcos Pimenta Neves. Após o fim de um namoro de quatro anos com Sandra Gomide, e sem sucesso nos pedidos de volta, o jornalista matou com dois tiros a ex-namorada. O motivo: ciúmes

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Por fim, tem-se o caso Eloá. Em 13 de outubro de 2008, Lindemberg Fernan-des Alves, então com 22 anos, invadiu o domicílio de sua ex-namorada, Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, onde ela e colegas realizavam trabalhos escolares. A motivação foi a mesma de Pimenta neves: Lindemberg queria retomar o relacionamento, Eloá, não. “Ele disse que ela (ex-namorada) ferrou com a vida dele, porque ele terminou, mas ela não quis voltar. Disse que ficou um mês atrás dela e que se não ficasse com ele, não iria ficar com mais ninguém”, relatou um dos rapazes reféns.

Inicialmente os dois reféns foram liberados, restando no interior do apartamento, em poder do seques-trador, Eloá e sua amiga Nayara Silva. Após mais de 100 horas de sequestro, a polícia invadiu o cárcere privado e Lindemberg atirou em Eloá e Nayara. Eloá teve morte cerebral. Nayara, apesar de levar um tiro no rosto, sobreviveu.“Pode ter havido amor em algum momento, mas o que mata é o ódio, o ciúme doentio, a possessivida-de, a sensação de poder em relação à vítima”, sintetiza a procuradora Luiza Nagib Eluf , no livro Paixão no banco dos réus, de 2007.

ci ú m e

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pa i x ão

d o r

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Ciúme exagerado, dependência e queda da auto-estima são indícios de que algo não vai bem

no relacionamento amoroso. A psicó-loga estadunidense Robin Norwood percebeu isso ao ouvir os relatos de suas pacientes e, em 1985, publicou Mulheres que Amam Demais, livro de cabeceira de muitas pessoas que so-frem por amor. No último capítulo, a autora sugere a criação de grupos que compartilhem suas experiências como forma de tratamento. A ideia ganhou corpo no Brasil em 1994, quando uma mulher casada com um dependente químico fundou o primeiro Grupo Mada ¬– Mulheres que Amam Demais Anônimas – do País.

Com o objetivo comum de se recu-perar da dependência de relaciona-mentos destrutivos e aprender a se relacionar de forma mais saudável, as mulheres se reúnem semanalmente para contar o drama que vivenciam e também servir de ombro amigo para as demais. A cada recém-chegada é pedida a participação em, pelo menos, seis reuniões consecutivas para que decida se quer permanecer no grupo. “Nós também orientamos que elas escolham uma madrinha no Mada, alguma pessoa com quem mais se identificaram, para que não se sintam sozinhas”, comenta Rosana* uma das fundadoras do grupo em Pernambuco,

criado em 2005.O grupo segue cartilha semelhante ao Alcóolicos Anônimos (AA), não tem vinculação religiosa nem cobra dinheiro aos participantes. Também não funciona como conselheiro. “Ela chega lá (nas reuniões) e desabafa, é ouvida pela dor que está sentindo. Nós não damos conselho. Ninguém diz ‘se eu fosse você, faria desse jeito’. Apenas ouvimos”, explica Rosana.

“Eu só fui porque estava me sentindo muito mal. Eu queria morrer, eu não queria viver, eu não tinha vontade de viver. Eu não tinha alegria”, conta Inês*, participante do Mada. Ela, que se auto-define uma “Mada em recu-peração”, passou a frequentar o grupo após o fim do casamento, quando per-cebeu que a sua felicidade dependia do marido. Atualmente, Inês tem uma visão diferente do amor e se relaciona com parceiros de forma mais saudá-vel. “Amor para mim é uma pessoa ter total liberdade de ser o que é. Ser fiel porque quer ser fiel, não porque é casado.”

Serviço

Grupo Mada | PernambucoRua Marquês de Valença, 350, Boa Viagem - Recife - PEReuniões: Domingos das 15h30 às 17h30 e 5ª feiras das 19h às 21h

www.grupomada.com.br

A ajuda pode estar na coletividade Gabriela Bezerra

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O foco é a inquietação. Será na encenação titubeante dos per-sonagens que o filme estrelado

por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet irá começar a se aprofundar. Em Revo-lutionary Road, o diretor Sam Mendes (Beleza Americana, 1999) destaca, de forma não linear, o vazio na vida de Frank (DiCaprio) e sua esposa, April (Winslet). Um vazio que não é fácil de perceber à primeira vista. A casa per-feita, a família perfeita e os vizinhos perfeitos podem camuflar a verda-deira realidade. Mas, com um olhar mais atento, talvez, tudo isso não seja suficientemente capaz de suavizar a inquietação do casal.

Um desconforto que vai contra a rotina de uma classe média ameri-cana, mas que pode muito bem ser transplantada para uma realidade universal.

Frank, insatisfeito com seu trabalho de vendedor de seguros e inebriado pela proposta da esposa, a dona de casa April, de ter uma nova vida em Paris, sair de um emprego enfadonho

e partir rumo ao inesperado.Esse casal de Connecticut busca, com a mudança, acima de tudo, suplan-tar o marasmo de uma vida, de uma relação e de um amor. A felicidade acaba sendo o grande norte, talvez inatingível enquanto forma concreta, talvez inalcançável enquanto objetivo palpável.

O filme, que é uma adaptação do romance do americano Richard Yates, trata do incerto e de como o ciúme e o entrelaçamento do casal podem se estremecer ou servir como catalisador para o surgimento de novas dúvidas, provações e tentações.

O roteiro, de tão simples, chega a chocar. Os telespectadores facilmente poderão se identificar com os Wheeler.Com um excelente trabalho de arte, com a recomposição de figurinos da década de 1940, Mendes trabalhar com o ideal de amor, de vida e de relacionamentos.

O amor revolucionário de DiCaprio e WinsletComo o ciúme pode desencadear dúvidas, incitar tentações e até restabele-cer o relacionamento; um confronto entre os desejos e o conformismo

Davi Lira

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17 O Amor doentio e o Ciúme

O ápice, que é bastante prolonga-do, não é único, surge precisamente quando, depois de posto em prática o plano da mudança dos EUA para a Paris, Frank não é capaz de dar prosseguimento, por ter conseguido um promoção no trabalho e ter mais medo da tal mudança.

April, assim, os coloca em situações limites, desencadeadas por atritos no relacionamento e ranços de ciúme. Serão esses conflitos que colocarão o plano de fuga em confronto direto com o plano do conformismo.

Desejos de uma amor idealizado, de uma família idealizada e de uma vida idealizada, longe do padrão, de tão distantes de uma zona de conforto perturbadora, acabam se tornando apenas desejos.

Ficha técnica:

Gênero: DramaTítulo Original: Revolutionary Road Título em Português: Foi apenas um sonhoOrigem: Estados Unidos / InglaterraAno de produção: 2008Direção: Sam MendesElenco: Leonardo DiCaprio, Kate Winslet, Kathy BatesRoteiro: Richard Yates (romance), Justin HaytheDuração: 119 min

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No clássico tcheco A insusten-tável leveza do ser, o prota-gonista Tomas considera o

atrelamento do amor à sexualidade como uma das ideias mais bizarras do Criador. Ele defende que o impulso libidinoso não deveria ser desen-cadeado pelo sexo oposto (o qual deveríamos somente amar), e sim por qualquer coisa aleatória e inofensiva, como uma andorinha, por exemplo. Adúltero compulsivo, sonhava com essa solução mágica para pôr fim às agonias que o ciúme infligia à sua mulher.

A utopia das andorinhas poderia, de fato, ser a cura para todos os amores doentes do mundo? Há quem diga, no entanto, que a iniciativa de confundir amor e sexo não partiu do Criador. Teria sido invenção humana mesmo, lá por volta dos primórdios, com o surgimento da propriedade privada. Os homens queriam se certificar de que seus herdeiros seriam realmente seus descendentes biológicos e, como o teste de DNA só surgiria alguns milênios depois, resolveram impor exclusividade sexual à mulher amada. Desde então, o amor e o ato de copu-lar teriam se confundido e esse corpo intruso recém-inserido na equação viria fazendo o amor adoecer gradati-vamente.

Até há pouco, os avessos à essa ideia utilizavam o comportamento das andorinhas (novamente elas) como argumento para desconstruir a teoria da propriedade privada: tais pássaros formam casais fixos para construir seus ninhos, suposto indício de que se amariam e se bastariam. Como no universo das andorinhas não exis-tem herdeiros, a fidelidade não teria surgido por questões de conveniência, mas sempre existido como imperativo essencial de qualquer relação amorosa verdadeira.

Estudos genéticos descobriram, no entanto, que um ninho de andorinhas pode apresentar ovos de vários pais diferentes e que os casais se juntam por uma questão de mero pragmatis-mo, pois alguns filhotes de andorinha precisam se alimentar a cada quinze segundos e seria fisicamente impossí-vel para uma fêmea sozinha cuidar de todos eles. Em contrapartida, fizeram outra descoberta intrigante: o macho costuma aumentar a vigília sobre a fêmea durante o período fértil para que ela não se envolva sexualmente com outras aves.

As andorinhas...Matheus Torreão

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Ou seja, as andorinhas, cujo impul-so libidinoso é desencadeado por algo tão aleatório e inofensivo como uma andorinha, estão tão sujeitas a adoecer de amor tanto quanto nós. A andorinha macho sofre com a pers-pectiva de surpreender a andorinha fê-mea com outro, entrando num estado de guarda paranóica. E a beleza das andorinhas alheias ainda atrai, por mais que se ame uma andorinha só. Ironicamente, a utopia das andorinhas não se aplica sequer às andorinhas.

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RECIFE, JUNHO, 2011