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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 3 05 18 31 42 50 62 A NATUREZA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E O PAPEL DOS SEUS PROFISSIONAIS A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL A ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL O PAPEL DO JOGO/BRINCADEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL OBSERVAÇÃO E REGISTRO: INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS FUNDAMENTAIS GESTÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SEUS CONTEXTOS SOCIOCULTURAIS: DIFICULDADES E DESAFIOS

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 3

05

18

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42

50

62

A NATUREZA DA EDUCAÇÃOINFANTIL E O PAPEL DOSSEUS PROFISSIONAIS

A ORGANIZAÇÃOCURRICULAR NAEDUCAÇÃO INFANTIL

A ORGANIZAÇÃO DOTEMPO E ESPAÇO NAEDUCAÇÃO INFANTIL

O PAPEL DOJOGO/BRINCADEIRANA EDUCAÇÃO INFANTIL

OBSERVAÇÃO E REGISTRO:INSTRUMENTOS METODOLÓGICOSFUNDAMENTAIS

GESTÃO DA EDUCAÇÃO INFANTILE SEUS CONTEXTOS SOCIOCULTURAIS:DIFICULDADES E DESAFIOS

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4 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

Grupo Espaço Plural - Centro de Formação e Assessoria na Área da Infância

Miriam Tronnolone – Neureci Lopes GuimarãesJoselina Maria Villares Ferreira Bastos – Leda Sueli de Arruda Martins

O objetivo desta revista é di-vulgar na rede municipal deensino artigos de pesquisadores que atuam na área deeducação infantil e de pro-

fissionais dos Centros de Educação In-fantil (CEIs) e Escola Municipal de Edu-cação Infantil (Emeis).

Realizamos seis seminários e, emtodos, houve apresentação de projetospedagógicos de um CEI e de uma Emei,ao mesmo tempo em que pesquisado-res convidados analisaram estas práti-cas e trouxeram sua contribuição.

Os temas dos seminários tiveramuma seqüência na qual se pretendeu,a partir de concepções gerais, como anatureza da educação infantil e o pa-pel dos seus profissionais, refletirmossobre aspectos mais específicos da edu-cação infantil, porém, não menos im-portantes, como organização do currí-culo, tempo e espaço, jogo e brinca-deira, formas de registro da ação pe-dagógica e gestão das instituições deeducação infantil.

A organização dos seminários edesta revista foi resultado de um esfor-ço coletivo para se estabelecer uma re-lação entre teoria e prática, possibili-tar o diálogo entre pesquisadores e pro-fissionais, respeitando-se a pluralida-de de práticas e concepções em tornode princípios comuns.

O Grupo Espaço Plural e o SINPE-EM organizaram os seminários e estarevista, buscando superar a formação

episódica e desprovida da participaçãode quem realmente executa os projetospedagógicos. Em especial, esta publica-ção visa dar continuidade aos debatesiniciados nos seminários e ampliar, comnovas contribuições, o diálogo entre osdiversos atores da educação infantil.

O SINPEEM, com mais esta publi-cação, cumpre o seu papel de aprofun-dar o debate com os profissionais deeducação, possibilitando a formulaçãode propostas e formas de organizaçãocada vez mais elaboradas, para influirnas políticas públicas das diversas ad-ministrações municipais.

As administrações mudam a cadaeleição e a alternância de poder é sau-dável numa sociedade democrática, masa educação infantil que se constrói nodia-a-dia, com a participação de pes-quisadores, dos profissionais, dos pais edas próprias crianças deve influir, cadavez mais, nas políticas públicas, para quecorrespondam aos anseios da populaçãoe às necessidades das crianças e dos pro-fissionais de educação infantil.

O SINPEEM, ao publicar esta re-vista, está, também, valorizando as ins-tituições públicas de educação infan-til, possibilitando que as mesmas mos-trem à sociedade que a educação pú-blica de educação infantil, na cidadede São Paulo, é de qualidade pelo es-forço e dedicação de seus profissionais.

Parabenizamos e agradecemos aoSINPEEM e a todos que tornaram pos-sível a realização destes eventos.

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SEMINÁRIOA NATUREZA DA EDUCAÇÃO INFANTILE O PAPEL DOS SEUS PROFISSIONAIS

CEI AMÉRICO DE SOUZAJaqueline Ruiz Paggioro Toledo Barbosa

Lúcia Fernandes da SilvaNúbia Regina de AlmeidaSilvia da Conceição Alonso

EMEI GABRIEL PRESTESArlete Persoli

PALESTRANTES

Marineide de Oliveira GomesMônica Appezzato Pinazza

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6 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

CEI AMÉRICO DE SOUZA

Os equipamentos deatendimento inte-gral à criança na ci-dade de São Paulo,anteriormente deno-

minados creches, foram vinculadosà Secretaria Municipal de Assistên-cia Social até 2001. Todavia, a par-tir desta data tornam-se responsa-bilidade da Secretaria Municipal deEducação, por exigência de legisla-ção. Se a "passagem" das creches deuma secretaria para outra garantiuavanços indiscutíveis na questãoda estruturação e organização, éfato que também nos forçou a dei-xar de lado um outro tanto de ques-tões fundamentais que a padroni-zação, por si só, não dá conta. Emnosso cotidiano, temos de lidarcom um equipamento que pulsa,tem vida própria e que recebe umasérie de demandas invisíveis aosolhos dos legisladores. E nós, queestamos na ponta, temos de levaradiante, afinal, às nossas criançasnunca mais será permitido seremcrianças novamente.

Portanto, esta é a trajetória deuma instituição que está aprenden-do a olhar para si e reconhecer que

da com outras quatro instituiçõespúblicas e três particulares oficial-mente regularizadas, e outras tan-tas "cuidadoras" – pessoas que cui-dam de crianças em suas casas. Mes-mo assim, não se consegue atenderà demanda, que oficialmente estáem torno de 300 crianças.

Atendemos, predominante-mente, famílias do Cangaíba, onde45% são analfabetos ou não termi-naram o ensino fundamental. Gran-de parte está no mercado informalde trabalho e não possui qualifica-ção profissional.

CONDIÇÕES DEINFRA-ESTRUTURA

O prédio do CEI é uma edifi-cação de dois andares. Temos umaampla área externa e um prédio quedenominamos de anexo.

A própria concepção da cons-trução das antigas creches denotaa preocupação com espaços desti-nados à alimentação e higiene. Emnossa unidade privilegiamos umasala destinada ao pedagógico e esteé um fator que consideramos rele-vante na constituição de nossa tra-jetória.

CARACTERÍSTICASDA EQUIPE E DAS

AÇÕES EDUCATIVAS

Ao iniciarmos a implantaçãodo projeto político-pedagógico - des-de 2000 isso vem acontecendo deforma intencional – pode-se verifi-car que a equipe, à época, apresen-tava fortes resquícios de uma visãoassistencialista, baseada nos cuida-dos, higiene, alimentação e saúdedentro de uma perspectiva da peda-gogia transmissiva, completamentecentrada e focada no currículo e nasações do adulto, com ações educati-vas individualistas e muitas vezesdescoladas da história e das ações da

Trajetória de uma instituição queaprende pela e para a mudança

Nosso maior e permanente desafio é assegurar

a sustentabilidade às mudanças em torno de

um projeto político-pedagógico focado em

processos coletivos que garantam o

investimento crescente na formação da equipe

e no fortalecimento de lideranças pedagógicas

é na dinâmica do cotidiano queconstruímos relações de efetivoaprendizado. Nossas ações aos pou-cos se descentram do foco do adul-to e vão ganhando outros contornosnum movimentado reencontro coma criança, com o espaço/ambiente,com as famílias, com a formação e,também, do educador consigo pró-prio. A partir daí, estamos constru-indo uma cultura institucional queaprende pela e para a mudança.

CARACTERÍSTICAS DACOMUNIDADE ATENDIDA

O CEI Américo de Souza, inau-gurado em 1992, tem capacidadepara atender 160 crianças de zero aquatro anos. Os dados aqui apresen-tados foram retirados de nosso pro-jeto político-pedagógico de 2006/07 e foram organizados para apre-sentação na Conferência Comuni-dades de Aprendizagem, no PenGreen Centre, Corby - Inglaterra, ena Universidade do Minho/Centrode Estudos da Criança, Braga - Por-tugal, em março de 2007.

Atendemos 161 crianças de 0a 4 anos, distribuídas entre Berçá-rios a 1º Estágios, em regime deatendimento integral. Parte signifi-cativa destas crianças é de imigran-tes bolivianos, que vivem em con-dições desfavoráveis de vida e tra-balho.

Partilhamos a demanda atendi-

* Jacqueline Ruiz Paggioro Toledo Barbosa** Lucia Fernandes da Silva

*** Núbia Regina de Almeida**** Silvia da Conceição Alonso

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família e da comunidade. Persevera-va uma cultura doméstica, baseadano imediatismo e no improviso,principalmente no enfrentamentode conflitos e tensões.

Características da equipe: otempo de permanência na unidade,o grau de envolvimento dos profis-sionais com o trabalho, o anseiopela necessidade de mudança, dis-ponibilidade em investir em açõespara as crianças e suas famílias e aforte tendência na busca de forma-ção pessoal e profissional.

BREVE HISTÓRICO

Destacamos neste item não sóo que aconteceu no nível macro,como efeito de atuação do poderpúblico, mas no âmbito da unida-de, com destaque para a questão daformação profissional um investi-mento presente em todos os mo-mentos e encampado pela maioriados profissionais:

1992 - 1999 – inauguração daunidade, ao final de uma experiên-cia inovadora de gestão da Prefeitu-ra de São Paulo. No âmbito da uni-dade, passamos por dois diretorescomissionados e a capacidade ofici-al de atendimento para 160 criançasde zero a sete anos, em atendimen-to integral de 12 horas diárias, comfuncionamento ininterrupto;

1999 (segundo semestre) –chegada de diretora efetiva, critéri-os para a escolha de turnos e agru-pamentos e sondagem das concep-ções - atendimento de 72 crianças.Vinte auxiliares de desenvolvimen-to infantil (quatro com nível supe-rior e cinco com formação em ma-gistério), seis auxiliares de enferma-gem, 10 agentes de apoio - quatrona limpeza, quatro na cozinha e doisna vigilância;

2000 – reuniões de estudoRCN, Loas, LDB e ECA; introduçãoda Linha do Tempo e de Rotinaseducativas, trabalho com concep-ções focadas na criança e suas ne-cessidades, ampliação do atendi-mento para 80 crianças, investi-mento em formação profissional;

2001 – transição. Ampliaçãodo atendimento –160 crianças,ADIs contratadas, investimento emformação profissional;

2002 – passagem das crechespara a SME, auxiliares de desenvol-

vimento infantil (ADIs) – magisté-rio. Introdução do auto-serviço; al-teração do horário das ADIs, para ga-rantir o encontro dos dois turnos em30 minutos; presença constante daOficina Pedagógica, início da cons-trução do projeto político-pedagógi-co – 175 crianças atendidas, investi-mento em formação profissional;

2003 – promoção de melhori-as salarial e na carreira da ADIs(transformação dos cargos – profes-sores de desenvolvimento infantil)e a implantação do horário pedagó-gico, chamada de coordenador pe-dagógico e auxiliar técnico de edu-cação II para as creches, no plano deformação local Gaae e assessoria daprofessora Mônica Pinazza, do Gru-po de Estudos Contextos Integradosde Educação Infantil - Formação Pro-fissional e Práticas de Supervisão emContexto (Feusp). Inclusão do Diá-rio de Bordo focando ocorrências eas atividades desenvolvidas no coti-diano, investimento em registros, in-clusão do horário pedagógico paratodos sem distinção de cargo, reor-ganização dos tempos de espera dasrotinas, coordenação do pedagógi-co, atendimento à 187 crianças emperíodo integral, investimento emformação profissional;

2004 - Na Coordenadoria, con-tinuidade da formação com a pro-fessora Mônica Pinazza para ADIs/PDIs e coordenadores pedagógicose ampliação do Grupo de Estudos

do Contextos na Feusp. Chegada decoordenadora pedagógica, PDIs con-cursadas e ATE II, estruturação dohorário pedagógico coletivo, investi-mento no registro do Diário de Bor-do com vista à documentação para odesenvolvimento da criança e da prá-tica do professor, ampliação do auto-serviço, investimento nas relações,182 crianças atendidas, investimen-to em formação profissional;

2005/2006/2007 ….. - início doprocesso de formação e pesquisacom intervenção direta da equipe daFeusp dentro do CEI e a participa-ção dos educadores no grupo deformação de professores: ContextosIntegrados de Educação Infantil -coordenado pela professora douto-ra Tizuko M. Kishimoto, e a partir daiampliamos nossas experiências ealargamos nossos horizontes.

IMPACTOS NASPRÁTICAS EDUCATIVAS

Ao longo deste processo pode-mos destacar a alteração do foco daação educativa, que denominamosreencontro com a criança, reveladona intencionalidade das práticas, navalorização das experiências primá-rias das crianças e no investimentoda ampliação destas experiênciasatravés da participação e da inves-tigação e, principalmente, no exer-cício do olhar e da escuta, conside-rando esta criança um ser de capa-

Atividade cultural com os profissionais doCEI Américo de Souza: visita ao Teatro Municipal de São Paulo

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cidades e possibilidades.A partir da alteração do foco a

equipe parte para um processo quese inicia com a criança, mas ultra-passa este limite, ampliando cadavez mais seu olhar e como resulta-do temos:

- reorganização dos espaçosinternos e externos: ambientes commaior acessibilidade, espaços emateriais passam a dar suporte paraa ação infantil com otimização noemprego dos poucos recursos exis-tentes e na descoberta de outrosrecursos materiais mais disponíveis- o espaço passa a acolher as açõesda criança;

- enriquecimento dos registros:com foco nos processos de desen-volvimento da aprendizagem, indi-vidualmente e no grupo, valorizaçãodas ações e realizações em proces-so, revelação de várias possibilida-des de registros e a valorização doregistro como instrumento de apri-moramento da própria prática.

IMPACTOS DASMUDANÇAS DE PRÁTICAS

Na equipe e nos profissionaispercebemos um sentimento de va-lorização e legitimação do trabalhotraduzido em maior confiança emsi mesmos e no trabalho de coope-ração. Uma percepção ampliada danecessidade de investigação daspráticas buscando compreendê-las,com o apoio da teoria, reconheci-mento das próprias limitações, in-dividuais e coletivas e uma dispo-nibilidade em partilhar com amigoscríticos externos as inquietações.

Nas famílias percebemos mai-or compreensão em relação aospropósitos educativos, valorizaçãodo trabalho realizado pela equipee a manifestação de iniciativas departicipação nas ações educativas.

DESAFIOS ATUAISE FUTUROS

Enquanto instituição socioedu-cativa, o CEI Américo de Souza estáhoje muito avançado em relação aoque era há cinco anos; nossa apro-ximação com os grupos de forma-ção em contextos foi fundamentalpara o desenvolvimento das práti-cas educativas e para o desenvolvi-mento de uma cultura institucional

que permite o avanço; mas não foio único fator.

Temos uma trajetória de esfor-ços pessoais e coletivos que permi-tiram nosso avanço enquanto equi-pe e que, conseqüentemente, per-mitiram esta aproximação. Cami-nhamos todos muito próximos enosso maior e permanente desafioé assegurar a sustentabilidade àsmudanças em torno de um proje-to político-pedagógico focado emprocessos coletivos que garantamo investimento crescente na forma-

* Jaqueline Ruiz Paggioro Toledo Barbosa - diretora do CEI Américo deSouza desde 1999, graduada em Educação Física, Pedagogia e História (semconclusão), foi professora na rede estadual de ensino.

** Lúcia Fernandes da Silva - professora de desenvolvimento infantil doCEI Américo de Souza, graduada em Pedagogia. Trabalha ainda com crianças,jovens e adultos em atividades da Paróquia Bom Jesus do Cangaíba e Condecan.

*** Núbia Regina de Almeida - professora do CEI Américo de Souza,graduanda em Pedagogia.

**** Silvia da Conceição Alonso - professora do CEI Américo de Souza,graduada em Pedagogia, foi professora de educação infantil e diretora de escolana rede particular de ensino.

ção da equipe e no fortalecimentode lideranças pedagógicas, garan-tindo a continuidade na implemen-tação compartilhada de inovaçõesnas práticas educativas e desenvol-vendo com a equipe investigaçõesa respeito das práticas modifica-das, ampliando nossas possibilida-des relacionais e investindo em pro-cessos formadores para famílias ecomunidade sem jamais esquecerque nosso foco principal é a crian-ça, que tem o direito e urgência emser criança hoje, agora.

Referências bibliográficas

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CANÁRIO, R. (ORG) - Formação em situações de trabalho

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FORMOSINHO, J. O. e KISHIMOTO, T.M. (orgs.) - Formação em con-texto: uma estratégia de Integração

FORMOSINHO, J. O.(org) - A supervisão na formação de professo-res II - da organização à pessoa

FORMOSINHO, J. O., KISHIMOTO, T.M. E PINAZZA, M. A. - Pedago-gias da infância: dialogando com o passado, construindo o futuro

FULLAN, M. e HARGREAVES, A. - Professores integrais

FULLAN, M. e HARGREAVES, A. - Por que é que vale a pena lutar? - otrabalho de equipa na escola

HARGREAVES, A. - Os professores em tempos de mudanças: o traba-lho e a cultura dos professores na idade pós-moderna

HOFFMANN, J. e SILVA, M. B. G da (coord.) - Ação educativa na cre-che - Cadernos de educação infantil 1.

HOHMANN, M e WEIKART, D. P. - Educar a criança

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CEI AMÉRICO DE SOUZA -Equipe do CEI Américo de Souza

THURLER, M. G. - Inovar no interior da escola

WHALLEY, M. - Leadership in Integrated Centres and Services forChildren and Families

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* Arlete Persoli

A pergunta que insiste:"como educar numa so-ciedade que passa portransformações profun- das ?" De uma socieda-

de que centrava-se na razão e nosvalores, na busca do sentido, na so-ciedade da pedagogia tradicionalpassamos para uma sociedade pós-moderna, pautada nas tecnologiasda informação e da comunicação,no questionamento dos valores, nafascinação do corpo e da imagem.

Antes havia a busca do laço so-cial, do outro. Hoje, vive-se a quebrados laços sociais, a fuga de todo equalquer sentido. Esta é uma socie-dade na qual parece que o outro nãoexiste. Cada um vive para si mesmo,para o seu próprio prazer. O outronão tem importância alguma.

O que chama a atenção é queestas questões ainda não chegarama uma parcela significativa dos edu-cadores. Muitos não se deram con-ta das mudanças profundas na con-dição humana, na prática pedagó-gica, principalmente, da educaçãoinfantil. Nas universidades a cons-trução dos saberes se transformou.Há uma outra relação do sujeitocom o saber.

"Na sociedade moderna haviaa crença no poder do saber, do co-nhecimento. Um saber que resolve-ria todos os problemas, transfor-mando a sociedade e o sujeito. Nasociedade pós-moderna, o sujeitose deu conta dos limites do saber.Alteram-se as relações entre sabere verdade. Anteriormente, ambascostumavam se apresentar juntas.(...) Na sociedade moderna a ima-gem valia mais do que mil palavras,expressando a verdade. Na socieda-de pós-moderna a imagem tece a

Educação não se fazà margem do sujeito

mentira e as distorções das idéias.Na sociedade do espetáculo a cópiapredomina sobre o objeto real, asações e investimentos sobre o di-nheiro concreto e a cena recriadasobre a cena real." (Mrech, LenyMagalhães. Texto "O mercado desaber e o real da educação e dosEducadores", Feusp, 2000)

A questão que se coloca é:como essas mudanças alteram oprocesso de constituição do sujei-to, a formação dos educandos e abusca do real da educação e doseducadores?

Das discussões coletivas no in-terior da escola, a constatação deque temos hoje um fazer pedagógi-co que não dá conta de dizer quemé o aluno e quem é o professor. Emdecorrência, também nos escapamquem é o pai, quem são os funcio-nários e a coletividade que está jun-to de uma escola.

Há um fazer pedagógico quenão apreende a complexidade do pro-cesso educativo. Um desejo de edu-car e de ensinar que não se precisa,que o professor não sabe o que fazerpara capturar a atenção do aluno.

Considero que seria extrema-mente importante lidar com o de-sejo e ética, no sentido de colocar a

educação e a escola no lugar que lhecabe na sociedade: para que ela sejaum centro vivo de possibilidade departicipação e inclusão. Um centrogerador de sujeitos que consigam,de alguma forma, estruturar o seudesejo e delinear melhor as suas de-mandas. O que não quer dizer ne-gar o contexto altamente confliti-vo em que as pessoas vivem nas es-colas.

Temos nos questionado bas-tante sobre como trabalhar desejose sonhos na instituição escolarpública que, apesar de ter hoje odiscurso da inclusão e do educarpara a diversidade, ainda mantémuma prática que estigmatiza, segre-ga, tenta normalizar a todos, o quenão se dá ao acaso.

A pedagogia que temos é frutode uma pedagogia tradicional, nor-mativa que, contraditoriamente, re-tira o sujeito da sua condição históri-ca, reduzindo-o à sua condição indi-vidual, para tentar operar nele o cha-mado falso milagre do ideal humano,aqui entendido como o ideal da cul-tura, que tem levado à falência dasrelações e ao fracasso escolar.

Um outro aspecto desta cultu-ra diz respeito ao professor que écontinuamente exposto aos "paco-

Dos objetivos gerais do projeto pedagógico,considero importante destacar dois:dar a fala à criança, para que ela mesma sediga, e ouvi-la com escuta apurada; ecriar condições favoráveis ao protagonismoinfantil, propiciando a livre expressão dopensamento, a participação, a possibilidadede escolhas individuais e coletivas e aresponsabilização pelas mesmas.

EMEI GABRIEL PRESTES

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tes de saber", que costumam aten-der à lógica de um mercado cres-cente, decorrente da nova ordemmundial. Então, perguntamos:como fazer emergirem os sujeitos?Como romper com os estereótipose as significações prévias, que pa-ralisam e alienam os sujeitos, levan-do todos os envolvidos à "repetiçãodo pior"? Como incluir o aluno "nor-mal" e o "portador de deficiência"na educação e na escola?

Neste emaranhado, acreditarque a educação integral e com qua-lidade se dê a partir do cumprimen-to da lei e dos cursos que capaci-tem o professor a lidar apenas cominformações e conceitos é, no mí-nimo, achatar ingenuamente a rea-lidade. É difícil para o professor, ocoordenador e o diretor sair de umaposição previamente estabelecida,do seu lugar no discurso da peda-gogia, para se colocar no lugar dequem reflete sobre a sua prática, dequem tece os saberes, oportunizan-do ao aluno também estruturar o"seu saber", sem negar a existênciado contexto social específico.

Nesse sentido, como deixarum lugar vazio, um lugar para a re-flexão do professor e do aluno? Umlugar onde ambos possam construircom palavras, com a linguagem, oseu próprio pensamento. Com cer-teza, a via não é pela consciência ea razão. Ambas não dão conta doreal da educação e dos educadores.Pois, este sempre escapa, não é apre-endido pelos nossos conceitos e sig-nificações. É hora de os educado-res se perceberem como sujeitosbarrados, como sujeitos cindidospelo inconsciente. O que faz comque, através da linguagem, nuncapossamos dizer quem é a criança,quem é o aluno. Há um real quesempre volta. Por isso, acredito queé o momento de a educação tomaroutros referenciais.

Assim nasceu o projeto peda-gógico da Emei Gabriel Prestes, quetem como princípios norteadoresa autonomia, a responsabilidade ea solidariedade, que se inserem naperspectiva da educação democrá-tica como direito de todos e que sefundamenta na concepção de quea criança é portadora de saber, ca-paz de fazer suas escolhas e de seresponsabilizar individual e coleti-vamente por elas; que ela estrutura

seu pensamento de maneira única,tendo, portanto, um potencial sin-gular, que pode e deve ser desen-volvido ao máximo. Educar nestadimensão é, antes de tudo, reconhe-cer em si mesmo e no outro, umsujeito de direito, buscando no con-vívio respeitoso com as diferençasindividuais, a construção do sujei-to coletivo.

Neste contexto, contamoscom a assessoria da professora dou-tora Leny Magalhães Mrech, livredocente da Feusp e psicanalista deorientação lacaniana, que nos tempropiciado um outro olhar sobre ofazer na escola. A psicanálise laca-niana parte do mesmo eixo queFreud: elaborou a função da lingua-gem e da fala nos sujeitos. Vai alémdo modelo tradicional da lingua-gem e da fala, que é um modelo decomunicação direta. Para Lacan, ossujeitos são tecidos na e pela lingua-gem. Estes novos referenciais naEmei Gabriel Prestes nos têm feitorefletir sobre o que se tece no inte-rior da escola e nos impasses cria-dos através da crença da concreti-zação da realidade tecida.

Dos objetivos gerais do pro-jeto pedagógico, considero im-portante destacar dois: dar a falaà criança, para que ela mesma sediga, e ouvi-la com escuta apurada;e criar condições favoráveis ao pro-tagonismo infantil, propiciando alivre expressão do pensamento, aparticipação, a possibilidade de es-colhas individuais e coletivas e aresponsabilização pelas mesmas.

Como decorrência do projeto,vem acontecendo, desde 2007, as"Assembléias de Crianças", nasquais se dá a discussão de temas im-portantes e significativos para ascrianças e a escola e a tomada de

decisão por voto da maioria. Os te-mas nascem da escuta do que é ditoe do que é "não dito" pelas crianças.A partir do tema, há toda uma dis-cussão e elaboração do entendi-mento e proposta de cada grupo,bem como a escolha dos seus repre-sentantes na composição da mesa.

No dia da assembléia a vida naescola é mais viva! Há uma alegria,um agito, uma emoção contagian-te! Na entrada, as crianças já anun-ciam: "hoje tem assembléia!" Mesmodepois de terminada, alguns gru-pos, de crianças maiores, continuama discutir, a falar sobre o que "foi le-gal", o que não foi e, principalmen-te, a contestação de alguns que fo-ram voto vencido. O papel dos edu-cadores, depois das assembléias, éfazer, cotidianamente, com que to-das as crianças assumam as deci-sões tomadas no coletivo.

A autonomia não se realiza"só" individualmente, mas se con-cretiza a partir da relação com ooutro. A autonomia nasce do cole-tivo e tem como pressuposto a im-plicação do sujeito, a conseqüênciados seus atos e escolhas. Dar a pala-vra para escutar o outro da diferen-ça. Este é processo que, acredito,seja de ordem extremamente ética.

De tantas incertezas, uma cer-teza surge: a de que não há caminhopara a construção de uma socieda-de inclusiva que não passe pela edu-cação. E não há educação que sefaça à margem dos sujeitos.

* Arlete Persoli - diretora da EmeiGabriel Prestes, licenciada em Matemática ePedagogia, atuou na Secretaria Municipal deEducação (SME/DOT), entre 2001 e 2002, ecomo gestora do CEU Rosa da China, entre2003 e 2004.

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Formar educadoras decrianças pequenas:

Buscamos apresentar al-gumas reflexões acercadas identidades profis-sionais de educadorasde crianças pequenas1,

de processos de desenvolvimentoe socialização profissional de edu-cadoras que atuam em creches epré-escolas e das responsabilida-des das instituições universitáriase instâncias governamentais noapoio a estes processos de forma-ção. Compreendemos o estágiocurricular como um eixo de arti-culação entre a formação universi-tária e a formação contínua, ummomento privilegiado de constru-ção da identidade profissional e daarticulação entre teoria e prática.

Temos utilizado em nossaspesquisas e ações de formação (uni-versitária e contínua) uma aborda-gem dialética, priorizando ações deformação com instrumentos de pes-quisa – com as colaboradoras e nãosobre elas –, privilegiando a forma-ção de profissionais reflexivos, emcontraposição aos modelos de for-mação prescritivo/tecnicista, além

de possibilitar, no próprio proces-so de gestão, alterações nas práti-cas, resultantes das elaboraçõesacerca do cotidiano de trabalhoinstitucional e o estreitamento dasrelações entre teoria e prática.

Associar o desenvolvimentoprofissional e pessoal ao desenvol-vimento institucional (Nóvoa,1992) implica no reconhecimentoda diversidade dos contextos e nanecessidade de um suporte organi-zacional.

Usaremos a expressão no plu-ral: identidades de educadoras decrianças pequenas por observarque seus percursos são pessoal eprofissional/social, com itineráriosdiferentes. No caso das profissio-nais de creches, a necessidade dequalificação profissional para o tra-balho se apresenta como necessida-de, a partir de meados da década de90, antes quase inexistente. Inseri-das nas áreas da Assistência/Bem-Estar Social, os requisitos para otrabalho com crianças pequenas seaproximava do doméstico. Já paraos profissionais, professores (depré-escola) o percurso seguiu o ca-minho da área de educação en-quanto um sistema organizado,guardando estreitas relações coma escolarização, com a formalida-de, com os tempos e as maneirasde funcionamento específicas deinstituições escolares.

Quem seria o profissional ca-paz de atender à multiplicidade desituações presentes nesses espaçosinstitucionais, acompanhando as

Usaremos a expressão no plural:identidades de educadoras de crianças pequenas por observar que seuspercursos são pessoal e profissional/socialcom itinerários diferentes.

um desafio para as políticas públicas,para as universidades e para os educadores

* Marineide de Oliveira Gomes

A comunicação objetiva re-fletir sobre o desen-volvimento ea socialização profissional deedu-cadores que atuam ou ve-nham a atuar em creches e pré-escolas, profissionais em forma-ção universitária e em formaçãocontínua, relevando nessas traje-tórias o processo reflexivo, o pro-tagonismo dos sujeitos envolvidose a potencialidade de abordagensmetodológicas que privilegiem odiálogo, a responsabilidade, o per-tencimento, a valorização e o re-conhecimento profissional – con-dições necessárias à construçãode identidades profissionais e deuma cultura colaborativa de for-mação - no âmbito das institui-ções educativas.

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12 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

alterações que vêm ocorrendo naformação de professores em geral,à função social da educação infan-til e da escola, sobretudo o desafioda implementação da escola obri-gatória de nove anos? Alguns riscospoderiam ser implicados nesta res-posta: a predominância do instru-cional ao educativo, a educação in-fantil preparatória, a concepção decriança como vir a ser, desviandodessa forma o olhar para a criançareal, com interesses, necessidadese formas específicas de desenvolvi-mento e aprendizagem.

Desenvolvemos uma adapta-ção da experiência dos Grupos deFormação, levado a efeito pela Se-cretaria Municipal de Educação(S.M.E.) da Prefeitura do Municípiode São Paulo no período de 1989 a1993. Desta maneira contribuímospara superar o caráter prescritivopresente nas demandas por forma-ção que, de maneira geral, são defi-nidos por profissionais que nãoatuam diretamente com as criançase, via de regra, de fora para dentrodas instituições educacionais, mui-tas vezes, não traduzindo as neces-sidades de formação daqueles quelhes são objeto.

Em nossa experiência de for-mação universitária e contínua osgrupos de pesquisa/formação têmservido aos propósitos de: estreitaras relações entre estagiários do cur-so de Pedagogia e educadoras decrianças pequenas em creches e pré-escolas- campo de estágio; promovero conhecimento pessoal e grupal,contribuir para uma nova culturaformativa no interior das institui-ções de educação infantil e para co-nhecer a história da instituição deeducação infantil – creche e pré-es-cola, por meio de levantamento dedados pesquisados, de entrevistasfeitas pelas educadoras sobre a ori-gem e o cotidiano institucional; bus-car relações entre a história local eas histórias de creches e pré-escolasno Brasil como dois atendimentosdiferenciados, dirigidos à criançapequena; possibilitar que as educa-doras ressignifiquem a profissão deeducadora de crianças pequenas eas razões da opção por esse traba-lho educacional, por meio dos rela-tos autobiográficos escritos e socia-lizados nos encontros; problemati-zar coletivamente algumas práticas

das educadoras, tendo como baseos registros (de campo – das esta-giárias – e de práticas – das educa-doras), visando adentrar no cotidia-no das práticas profissionais, fazen-do emergir temas a serem problema-tizados e aprofundados coletiva-mente; elaborar a síntese de suas ne-cessidades formativas . No lugar doisolamento, as parcerias por afinida-des, por identificações, como res-posta às formas de organização ins-titucional, observando o apelo a umtempo de aprender que é singular –próprio de cada sujeito aprendente.

Tais ações de formação comeducadoras de crianças pequenaspossibilitam resgatar os saberes daexperiência, fazendo emergir os sa-beres invisíveis dos educadores,uma espécie de pré-profissionaliza-ção, construída na condição de es-tudante na escola básica e superiore em outros espaços educativos, nafamília e na sociedade em geral, po-dendo ressignificá-los.

O desafio de construir umaescola da infância, direcionada àscrianças reais, cidadãs, produto eprodutoras de cultura, passa poruma organização institucional quenão segmente nem hierarquizeações, o que implica reconhecerque as histórias da creche, da pré-escola e da escola (obrigatória) fo-ram produzidas em histórias e tem-pos diferenciados e que os educa-dores têm, nesse cenário, um lugarcentral. Socializar esses educadores,para além de uma tarefa administra-tiva ou de política governamental,apresenta-se como processo peda-gógico, de desenvolvimento profis-sional, o que nos faz ampliar o olharsobre o cuidar e o educar, incluin-do o socializar como necessidadesdo desenvolvimento humano e nãosó das crianças pequenas.

Necessário se faz, ainda, repen-sar o papel das instituições forma-doras: universidades e instituiçõesgovernamentais, nesse caso os ges-tores e os chamados especialistas,que exercem a coordenação dosprocessos pedagógicos com os edu-cadores e seu papel de mediação doprocesso formativo. Considerar oeducador um protagonista desseprocesso é reconhecê-lo como umtrabalhador reflexivo , capaz depensar e fazer e não reproduzirações que foram pensadas por ou-

tros. O apoio aos processos forma-tivos dos educadores envolve entreoutros fatores, o acesso à culturaaprendida e ao patrimônio cultu-ral acumulado pela humanidade,fortalecendo identidades culturaise estimulando a criação cultural; aformação em contextos, o atendi-mento às necessidades formativasdestes e a avaliação da perspectivade formação de órgãos gestoresdos programas de formação contí-nua. É importante que nos pergun-temos: a serviço de quem estãoos programas de formação de pro-fessores?

Vale lembrar, ainda, a respon-sabilidade dos educadores comseus próprios processos de forma-ção. O processo de aprender é deautoria e, em grande parte, de res-ponsabilidade do próprio sujeito,que pode querer ou não empreen-der esse propósito. Decorre dessaafirmação, a necessidade da cons-trução, em processos formativos, daelevação de patamares que nos au-xiliem a visualizar outras formas deensinar e de aprender, em especialcom adultos/educadores, encantan-do-os com a educação. Uma outralembrança importante é sobre a res-ponsabilidade dos professores, co-letivamente junto às suas institui-ções representativas, como os sin-dicatos e entidades de classe, naapresentação de qual seria a pers-pectiva de formação que, de fato,atendesse às reais necessidades in-dividuais e coletivas desses agenteseducacionais - indicando alternati-vas para programas de formaçãouniversitária e para programas deformação contínua de professores/gestores educacionais. Vivemos ummomento político privilegiado dedebates, de proposição de políticase consideramos importante que oseducadores ocupem um espaço nes-se debate (na condição de cidadãose de profissionais de educação) e noenfrentamento de concepções, so-bretudo das concepções relativas àformação de educadores.

Investir na continuidade dosprocessos formativos, na busca derelações, de interfaces, de unidade,sem desconsiderar as diferenças ea diversidade são outros fatores im-portantes na construção de um co-letivo de educadoras, capaz de edu-car e se educar.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 13

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_____________________________

* Marineide de Oliveira Gomes – mestre e dou-tora pela Faculdade de Educação da Universidade deSão Paulo (Feusp) em Didática, Teorias de Ensino ePráticas Escolares, doutora na Faculdade de FilosofiaCiências e Letras da USP-Ribeirão Preto – Departamen-to de Psicologia e Educação. Atuou em creches, pré-escolas e equipes de governos municipais.

1 Vamos utilizar a expressão no feminino"educadoras de crianças pequenas" por conside-rar a expressiva presença feminina neste segmen-to profissional

2 Observamos ao longo de nossas pesqui-sas e atuações em programas de formação queos tempos de aprendizagem não são lineares. Aestudante/estagiária vivencia um tempo deaprendizagem diferente da educadora de crechee, por sua vez, também diferente das professorasde pré-escola. Tais temporalidades nos incitarama analisar a forma de educação/aprendizagemde adultos – que apreendem significados e pro-duzem sentidos ao longo de suas vidas.

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14 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

* Mônica Appezzato Pinazza

Na proposição do temadeste encontro, o con-vite para se pensar emuma prática educativaque encerra particula-

ridades e, por conseguinte, em pro-jetos de formação e profissionaliza-ção, que contemplem um dado per-fil de profissional para atuar na edu-cação infantil e que, por isso, defi-na um dado papel a ser desempe-nhado.

Entretanto, não tem sido tãofácil defender as especificidadesdo trabalho na educação infantil,posto que perseveram profundasincompreensões a respeito dospropósitos educativos das institui-ções destinadas à educação de cri-anças pequenas e das relações quetais instituições podem (e devem)estabelecer com outros ambientesde desenvolvimento e de aprendi-zagem. Exige-se a superação de

uma condição definida por cir-cunstâncias históricas marcantesno trajeto de constituição das ins-tituições de educação infantil (Oli-veira e Ferreira, 1989; Rosemberg,1989; Kishimoto, 1986, 1990; Kra-mer, 1992; Kuhlmann, 1990; Faria,1993; Campos e Rosemberg, 1995;Pinazza, 1997).

Há resistentes dificuldades notraçado das funções sociais e edu-cacionais que desempenham as cre-ches e pré-escolas e, por isso, taisinstituições carecem de uma iden-tidade própria, que favoreça a con-cepção de propostas de trabalho demelhor qualidade. Isso é particular-mente mais sério no caso das cre-ches, em que os domínios domésti-co e público se confundem maisainda no plano das ações com ascrianças, expressando, muitas ve-zes, demandas e expectativas con-flitantes (Rosemberg, 1989; Had-dad, 1989, 2002).

Experimentando essa reali-dade de profissão, os profissionais

de educação infantil comparti-lham duas histórias, no que tangeaos seus processos de formação eprofissionalização. Com os demaisprofissionais de educação, de ou-tras modalidades de ensino, divi-dem as problemáticas próprias daprofissão docente e, com seus pa-res da educação infantil, comun-gam as inquietações muito parti-culares, postas pela especificida-de, mal compreendida, do traba-lho desenvolvido com crianças esuas famílias.

No tocante às questões maisgerais da formação e profissão do-cente, vale assinalar a maneiracomo se configuram, ao longo dotempo, os processos formadoresexpressos pelos programas de for-mação inicial e, especialmente, deformação contínua em serviço. Oque há de mais relevante a obser-var é a insistente cisão que se fazentre os mundos da formação e dotrabalho, o que representa um pro-blema ainda maior no caso da do-

O que há de mais relevante a observar é a insistente cisãoque se faz entre os mundos da formação e do trabalho,o que representa um problema ainda maior no caso dadocência para a educação infantil.

Profissionais de educação infantil:

especificidadesdo trabalhoespecificidadesdo trabalho

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 15

cência para a educação infantil.Sobretudo, num país como o

Brasil, em que não há uma tradiçãode formação específica de profissi-onais para a educação de criançasde zero a seis anos, distanciar a for-mação da situação de trabalho é pre-terir do cenário essencial em quese revelam identidades e formas depensar e proceder. Do mesmomodo, historicamente, as iniciativasde formação contínua em serviçotiveram (e continuam tendo) comotraços característicos: ocorrênciaepisódica (estanque e descontínua)e distanciamento entre teoria e prá-tica (Pinazza, 2004; Machado e Pi-nazza, 2007). Tal como definidaspor Fullan e Hargreaves (2001, p.39), essas propostas de formaçãotendem a ser oferecidas num con-junto de opções auto-suficientes,em forma de 'menu' destinadas agrupos-alvos de escolas e de docen-tes. São desenvolvidas em forma de'pacotes' pré-definidos, de caráterprescritivo, que trazem proposi-ções de fora da instituição. Prome-tem a transmissão de fórmulas efi-cazes, muitas vezes distantes dasproblemáticas reais dos territóriosdas práticas. Por isso mesmo, sãofadadas ao insucesso. Nas palavrasde Campos (2002, p.XIX), essa na-tureza de formação em serviço nemencaminha o pessoal leigo para aaquisição de um nível de escolari-dade mais alto nem o credenciapara o progresso na carreira.

Questões muito próprias daprofissionalidade de professores deeducação infantil são intocadas nosprogramas de formação, justamen-te porque não revelam os saberes eas inquietações da prática como ele-mentos para a reflexão (Machado,2000; Kramer, 2002).

Para rever esse estado de coi-sas, há que se considerar nos pro-gramas de formação a especificida-de da profissionalidade docente,entendida por Oliveira-Formosi-nho (2002b, p.43) como a ação in-tegrada que a pessoa da educado-ra desenvolve junto às crianças efamílias, com base em seus conhe-cimentos, competências e senti-mentos, assumindo a dimensãomoral da profissão.

Segundo a autora, são deter-minantes dessa especificidade: 1)características da criança peque-

na, que exige dos adultos o reco-nhecimento de sua vulnerabilida-de e o respeito as suas competên-cias; 2) diversidade das tarefas,que vão desde os cuidados comhigiene, alimentação e bem-estarda criança, passando por práticasque permitam experiências dediferentes naturezas e aquisiçõesmúltiplas; e 3) características dasintenções educativas postas aosprofissionais, que se definem peloalargamento das interações comoutros contextos de vida da crian-ça (pais, familiares e comunida-de), comunidade envolvente, au-toridades locais e com profissio-nais de outras áreas.

A identificação dessas deter-minantes pode oferecer pistas im-portantes para a superação do dis-tanciamento entre a formação e omundo do trabalho, que está pre-sente nos programas formadores,em que se adota uma lógica basea-da no princípio da adaptabilidadee, conseqüentemente, são centra-dos nos déficits e no imediatismodas exigências de mudança e ino-vação. Assumem um caráter tera-pêutico e ortopédico, tendo comocentro o trabalho prescrito.

Pelo contrário, o processo deformação deve ser um investimen-to na transformação das realidadespessoal e institucional e a aproxi-mação entre os contextos de forma-ção e de trabalho deve ser crítica,funcionalmente 'desadaptada' àsrelações instituídas de trabalho,preocupada com a requalificaçãodos coletivos de trabalho (Correia,2003, p.32).

Especialmente os programasde formação contínua não podemse ater somente às competênciastécnicas, porque devem operar emduas importantes dimensões que seencontram no âmbito da práticaprofissional, traduzidas em culturasdocentes: as particularidades decada pessoa que exerce a profissãoe as referências de práticas instituí-das, que compartilham com seuspares nas situações de trabalho(Lima, 2002)

Isso implica admitir a relaçãoestreita existente entre formação,trabalho e identidade profissional.Segundo Dubar (2003), os proces-sos identitários correspondem aosentido de trabalho vivido e ex-

presso pelas pessoas em formação,o que corresponde a dizer que aformação contínua em serviçodeve centrar-se na instituição edu-cacional, posto que vincula-se di-retamente ao seu projeto e não sefaz descolada do desenvolvimentoinstitucional.

Nessa ótica, os professores setransformam em estudiosos e inves-tigadores de suas próprias práticas(Stenhouse,1998; Day, 2001; Schön,1992, 2000), verdadeiros responsá-veis pela concretização de mudan-ças e implementação de inovaçõese, por conseguinte, pela melhoriada qualidade de trabalho educativoe desenvolvimento das práticas ins-titucionais (Hargreaves, 1998;Fullan e Hargreaves, 2001).

A aposta, portanto, é que a in-dicação de um perfil para a docên-cia na educação infantil e a discus-são do papel a ser desempenhadopor profissionais da área só podeemanar de um profundo conheci-mento interno desse grupo de pro-fissionais, que têm suas identidadestocadas e traçadas a partir de suaspróprias realizações práticas.

* Mônica Appezzato Pinazza - pro-fessora doutora da Faculdade de Educaçãoda Universidade de São Paulo (Feusp), pes-quisadora na área de formação de profissio-nais da educação infantil.

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16 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 17

OBJETIVO DO SEMINÁRIO“A NATUREZA DA EDUCAÇÃO IN-FANTIL E O PAPEL DOS SEUS PRO-FISSIONAIS”: este seminário pre-tendeu identificar a tendência dasmudanças que v xêm ocorrendo naeducação infantil quanto à concep-ção da sua natureza e o papel dosseus profissionais.

A temática desenvolvida nesteseminário contribuiu para refletir-mos sobre a natureza da educaçãoinfantil e o papel dos seus profis-sionais como um processo emconstrução, cuja história expressaa pluralidade de práticas, conheci-mentos e experiências pessoais,profissionais e sociais de cada umdos seus atores. Diversidade estaque reflete também na história dasinstituições de educação infantil.

A formação dos educadoresfoi destacada como importanteneste processo e, mais do que isto,a necessidade de superarmos astradições prescritivas/tecnicistas,em defesa de uma formação refle-xiva em que os educadores sejamreconhecidos como protagonistase se garanta o acesso ao patrimô-nio cultural acumulado, fortalecen-do identidades e estimulando acriação cultural.

Outro aspecto relevante desta-cado foi a necessidade de romper-mos com o distanciamento entrepráticas e teorias. Como disse Ma-rineide de Oliveira Gomes, "as prá-ticas estão grávidas de teorias, assimcomo as teorias estão grávidas depráticas". Entretanto, nem sempretemos consciência das teorias pre-sentes nas práticas. A falta destaconsciência pode impedir a percep-ção de outros olhares e fazeres e areflexão sobre a sua própria práti-ca pedagógica.

Alguns participantes escreve-ram na avaliação do seminário quea discussão deste tema levou à re-flexão, mas ficaram inquietos coma dificuldade de precisar a nature-za da educação infantil e o papeldos seus profissionais.

Reconhecemos a complexida-de do tema e a impossibilidade deesgotá-lo num seminário, mas o tex-

DESTAQUES DO DEBATEto de Mônica Appezzato Pinazzatraz como contribuição a citaçãode Oliveira-Formosinho, 2202b,p.43, determinando as especifici-dades da educação infantil, em quese destacam a necessidade de oadulto reconhecer tanto a vulnera-bilidade da criança como a suacompetência, a diversidade de ta-refas (cuidados e aquisições múl-tiplas), características das inten-ções educativas que se dão em in-teração com pais, familiares, comu-nidade, autoridades locais e comprofissionais de outras áreas.

O seminário enfatizou que adefinição da natureza da educaçãoinfantil e o papel dos seus profis-sionais, enquanto processo emconstrução, são necessariamentecoletivos, num diálogo permanen-te entre teoria e prática, reflexãosobre os contextos dos cotidianosdas instituições e a busca de ino-vações. A natureza da educaçãoinfantil não pode ser desassociadado papel dos seus profissionais,muito menos pode ser ignorada ariqueza da diversidade de práticase teorias pedagógicas que estão emebulição nas instituições de educa-ção infantil.

O texto da Arlete Persoli desa-fia a pedagogia ao afirmar que pre-cisamos de "sujeitos capazes de es-truturar os seus desejos e delinearsuas demandas", mas que a pedago-gia tradicional e normativa retira osujeito da sua condição histórica.Conta a experiência das "Assembléi-as de Crianças", nas quais se dá adiscussão de temas importantes esignificativos para as crianças e aescola, e a tomada de decisão porvoto da maioria.

O projeto pedagógico da EmeiGabriel Prestes tem dois objetivosbásicos: dar a fala às crianças e ouvi-las com escuta apurada.

O CEI Américo de Souza rela-tou sua trajetória de mudanças naintencionalidade das suas açõespedagógicas, descentrando do focodo adulto, num movimento de re-encontro com a criança, com o es-paço/ambiente, com as famílias,com a formação e com o educadorconsigo mesmo.

Enfatizou como enfrentaramas dificuldades de realizar um tra-balho coletivo, de romper com apedagogia transmissiva, com o ime-diatismo e o improviso. Relatoucomo buscaram a teoria, a constru-ção de uma cultura institucional ea sustentabilidade das mudanças,assim como o apoio do Grupo deFormação de Professores: Contex-tos Integrados de Educação Infan-til (Feusp) e assessoria da professo-ra doutora Mônica Pinazza.

Todos os participantes desteseminário foram unânimes na defe-sa da autoria de educadores e crian-ças, do reconhecimento da especi-ficidade da profissionalização do-cente na educação infantil, do res-gate dos saberes e experiências doseducadores e suas inovações, da re-lação entre teoria e prática e da ne-cessidade de continuarmos enfren-tando desafios, superando nossoslimites históricos, coletivos e indivi-duais, repensando o papel das insti-tuições, recusando os pacotes deformação que ignoram nossa reali-dade, nossa prática e nossa existên-cia como sujeitos pensantes, porta-dores de concepções, identidadecultural e profissional e autores depráticas e teorias, e nos perguntan-do: a quem serve os programas deformação que nos são oferecidos?

O seminário atingiu seu obje-tivo ao nos proporcionar a compre-ensão de que a natureza da educa-ção infantil não é construída a par-tir de um modelo pronto e acaba-do e sim da consideração do seupercurso histórico, dos avanços eretrocessos e que o lugar principaldesta construção é onde as práticassão desenvolvidas.

Por fim, entre muitas de suascontribuições, Marineide de Olivei-ra Gomes nos lembrou o desafio doseducadores assumirem a responsa-bilidade coletiva junto aos seus sin-dicatos e entidades de classe, a apre-sentarem caminhos e perspectivaspara a educação infantil em São Pau-lo, no Brasil e no mundo, porque acriança tem direito à infância emqualquer parte do planeta.

Grupo Espacço Plural

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18 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

SEMINÁRIOA ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CEI LAUZANE PAULISTARosa Silvia Lopes Chaves

EMEI JOÃO THEODOROCristiane Brito Dias

PALESTRANTES

Ana Maria MelloMaria Malta Campos

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 19

* Rosa Silvia Lopes Chaves

Ao apresentar a forma deorganização curricularno CEI Lauzane Paulistaé preciso iniciar com uma breve contextuali-

zação deste espaço institucionalque se encontra em busca de iden-tidade. Pensar na creche/CEI impli-ca também em pensar no papel damulher ao longo da história brasi-leira e seu ingresso no mercado detrabalho. Os serviços anteriormen-te oferecidos por instituições bene-ficentes, em casos "excepcionais",dão espaço a um lugar de direitoque democratiza o acesso desde adécada de 70 (apesar de até o pre-sente não universalizar o atendi-mento), fruto da luta do movimen-to de mulheres, que aponta cuida-do e educação compartilhadoscom o Estado. As mudanças na le-gislação (LDB e ECA) consolidamas creches/CEIs como direito dascrianças desde a mais tenra idadeà educação. Esta trajetória que re-define a função e o papel da insti-tuição de numa visão assistencia-lista ("depósito de crianças") parauma visão de espaço de cuidado eeducação, redefine também as exi-gências e funções destes sujeitosque estão construindo sua identi-dade profissional.

A maneira de nomear a edu-

cadora/professora, ao longo des-ta história em andamento, dá pis-tas das incoerências e concepçõesa respeito destas profissionais, emsua maioria mulheres. No univer-so no qual a creche era vista comolugar somente de guarda, a profis-sional era a "pajem" e a escolarida-de mínima exigida era o primeirograu incompleto (equivalente ao4º ano do fundamental I). Por vol-ta da década de 90, o nome foi al-terado para auxiliar de desenvol-vimento infantil (ADI). A mudan-ça do nome do cargo de provi-mento efetivo sinalizava outras de-mandas profissionais que rompes-sem com assistencialismo, Já nãose pensava em um lugar de guar-da, mas em um espaço também deeducação. Tal mudança na exigên-cia do "fazer profissional", incoe-rentemente não implicou na am-pliação da escolaridade mínimaexigida ao cargo.

Na década atual assistimos efe-tiva passagem das creches da Secre-taria de Assistência Social (SAS)para a Secretaria Municipal de Edu-cação (SME), desde 2002 (sendoiniciado neste município um pro-cesso de transição em 1999), frutodas exigências legais (LDB, Lei nº9.394, de 20/12/1996). Houve apossibilidade de transformaçãodo cargo para professora de de-senvolvimento infantil (PDI) àsque concluíram o magistério (en-

sino médio). Atualmente, a deno-minação do cargo é professora deeducação infantil, dando continui-dade à ampliação da escolaridademínima de uma profissional comações indissociáveis de cuidado eeducação. Foi oferecida pela SMEformação tanto para o ensino mé-dio como no ensino superior, cujaprimeira turma se forma neste se-mestre do presente ano.

QUEM SOMOS

Somos 24 funcionários de di-versas funções, sendo 13 professo-ras, com formações diferenciadas;uma ADI com primeiro grau com-pleto, duas com segundo grau com-pleto e dez no ensino superior (seiscursando PEC, dois cursando emoutras universidades que iniciaramno ano anterior e dois completaramseus estudos). Na equipe de apoiotemos um funcionário com primei-ro grau incompleto, quatro com pri-meiro grau completo (destes, doisvoltaram a estudar neste ano) e qua-tro com segundo grau completo. Naequipe técnica, duas pedagogas comcurso de especialização (pós-gradu-ação) e mestrado.

Atendemos 42 crianças, deum até três anos, assim distribuí-das nos grupos: (nove) no B-II,(18) divididas no minigrupos A eB e (15) no primeiro estágio. Fun-cionamos em um espaço que, ini-cialmente, foi concebido paraatender a um clube comunitário,mas desde a inauguração tornou-se creche. Um dos nossos desafi-os é organizar tempos e espaçosno cotidiano institucional em umlocal pequeno e inicialmenteconstruído com finalidade diver-sa da que atualmente se destina.

Construir uma proposta educativa em um espaçodiferenciado, não escolar, que possibilite a autoriae participação de diversos segmentos nestaproposta é o nosso grande desafio.

Contextualizando o espaço,a instituição e os sujeitos

CEI LAUZANE PAULISTA

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20 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

DESAFIO COLETIVO

Construir uma proposta edu-cativa em um espaço diferenciado,não escolar, que possibilite a auto-ria e participação de diversos seg-mentos nesta proposta é o nossogrande desafio. A premissa sobre aqual pensamos o currículo é a am-pliação de significados pelas crian-ças por meio das diferentes lingua-gens num contexto lúdico, no qualas variadas interações visam contri-buir para que esta criança se ex-presse e construa sua cultura.

O CEI Lauzane Paulista nãoobjetiva a antecipação ou a prepa-ração para o ensino fundamental,tampouco a compensação de ca-rências. Constitui-se num espaçocoletivo de relações múltiplas en-tre crianças e adultos, por meio dasquais é possível ampliar experiên-cias, enfrentar desafios, fomentara criatividade, a cooperação, a so-lidariedade, a autonomia e a cida-dania, oportunizando a voz e a vezdas crianças, desde as mais pequeni-nas. (trecho do projeto pedagógico).

Pensamos em um currículonão-fragmentado por disciplinas,que se articula por meio das váriaslinguagens e se organiza por proje-tos de trabalho. Neste sentido esta-mos a cada ano avançando nas ba-ses conceituais desta perspectiva detrabalho, de forma a orientar nos-sas ações indissociáveis de cuidadoe educação, tendo como ponto departida a criança. Desde 2006 esta-mos redesenhando nossa propostacurricular.

Entendemos que o currículose constrói nos afazeres individuaise coletivos, permitindo a potencia-lização das dimensões humanas,das identidades, das diversas formasde expressão, dos elementos queemergem das interações sociais edos saberes infantis. Num diálogoentre o planejado e o vivido. Temoscomo paradigma a diversidade cul-tural, de gênero, etária, étnico-ra-cial. Tal currículo compreende to-das as ações, experiências e vivên-cias nas quais os envolvidos são su-jeitos atores e protagonistas de suaconstrução, considerando sua lin-guagem, a dimensão lúdica, o tem-po e o espaço em que se desenvol-vem as atividades e as modalidadesde gestão. Os interesses e deman-

das das crianças, educadores, suasfamílias e comunidade configuram-se como ponto de partida na cons-trução de nossa proposta de cuida-do e educação.

"... tomar a criança como pon-to de partida é compreender queconhecer o mundo envolve afeto, oprazer e o desprazer, a fantasia, obrincar e o movimento, a poesia, aciência, as artes plásticas e dramáti-cas, a imagem, a música, [a dança]e a matemática. Para a criança abrincadeira é uma forma de lingua-gem... assim como a linguagem éuma forma de brincadeira". (Moy-sés Kuhlmann Jr, 2005: 65, comacréscimo nosso).

O currículo prevê que as crian-ças participem das relações sociaise nestas interações construam valo-res e atitudes próprias de seu tem-po e lugar, possibilitando o acessoe a apropriação do patrimônio his-tórico-cultural, numa perspectivade repensá-lo, bem como fomentan-do espaços de criação e construçãode sua cultura1.

Outro aspecto importante docurrículo é contemplar o espaçocomo um elemento constituinte deum ambiente significativo e praze-roso para as crianças e adultos. Atarefa que se delineia aos profissio-nais que atuam no CEI Lauzane Pau-lista é refletir sobre o cotidiano.

(...) com intencionalidadeeducativa para além do espontane-ísmo... que (des)organiza o espaçoe o tempo para as crianças produ-zirem entre elas as culturas infan-tis. Com um papel bastante ativo,as professoras/educadoras ao ladoda centralidade na criança. (Faria,2005:02).

Enfim, investimos na nossaformação e atuação cotidiana, naqual buscamos expressar em umcurrículo que possibilite que todasas crianças sejam contempladascom suas identidades pessoais ecoletivas, vislumbradas com inteire-za. Almejamos que as variadas for-mas de interação, possibilitadas emum universo lúdico por esta intui-ção, as façam se sentir capazes e fe-lizes, neste processo de descobertado mundo.

1 De acordo com a redação das Orien-tações Normativas - SME /DOT/2004

* Rosa Silvia Lopes Chaves - coor-denadora pedagógica do CEI Lauzane Pau-lista, mestre em Educação: Psicologia daEducação pela Pontifícia Universidade Ca-tólica (PUC-SP), pos-graduação emPsicopedagogia pela Universidade São Mar-cos. Atuou como professora de educação in-fantil, supervisora da Secretaria de Assis-tência Social, trabalhou na CoordenadoriaEspecial da Mulher.

Referências e fontespara aprofundamento

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" Orientação Normativa nº 1/04de dezembro de 2004 - SME/ DOT/ edu-cação infantil

" FARIA, Ana Lúcia Goulart de Fa-ria e MELLO, Suely Amaral (orgs). Lin-guagens infantis: outras formas de lei-tura. Campinas, São Paulo: Autores As-sociados, 2005.

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" ________________. Educar meni-nas e meninos: relações de gênero naescola. São Paulo: Contexto,2006.

" LOURO, Guacira Lopes; Neckel,Jane Felipe; Goellner, Silvana Vilodre(orgs). Corpo gênero e sexualidade: umdebate contemporâneo na educação.Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 21

* Cristiane Brito Dias

Ao começar a refletir so-bre a elaboração do cur-rículo que iria permearminha prática, muitas dúvidas me acompa-

nharam, pois o termo currículo pro-picia diversas interpretações.

Deveria pensar em um elencode disciplinas? Atividades e maté-rias a serem abordadas? Programaa ser cumprido?

Preferi a definição de currícu-lo como o "conjunto de todas as ex-periências oferecidas pela escola"(Silveira Filho, s.d., p. 104). Mas ou-tra dúvida apareceu! Como apresen-tar este conjunto de experiências?

Antes de qualquer coisa, fo-quei todo o fazer na criança, pen-sando em suas necessidades e ca-racterísticas. Busquei pensar estacriança num meio vivo, onde suahistória de vida e as possibilidadesde trocas com seus pares fossempossíveis. Onde todas as disciplinascaminhassem interagindo entre sie fazendo sentido real.

De acordo com Freinet, "nãopreparamos homens que aceitarãopassivamente um conteúdo – orto-doxo ou não –, mas cidadãos que,amanhã, saberão enfrentar a vidacom eficiência e heroísmo..." (Fre-neit, 1896-1996, p.18).

Nesta perspectiva, os projetose aulas-passeios (ou roteiros educa-tivos como gosto de chamar) se fi-

zeram meus instrumentos de traba-lho. Neles consegui o trabalho trans-disciplinar, acompanhado da auto-nomia e auto-estima das crianças.

E é mágico. Elas (as crianças),que têm por característica nata acuriosidade, tomam os espaçoscom grande voracidade de conhe-cimentos e descobertas.

Antes de sair para um roteiroeducativo, levanto as possibilidadespossíveis e as que elas imaginampossíveis. Elaboramos junto com ascrianças um roteiro do que inicial-mente iremos querer fazer.

E os temas podem ser diver-sos. Desde os declarados explicita-mente pelas crianças, até os obser-vados por mim em algum momen-to de troca.

EMEI JOÃO THEODORO

Relato de projeto pedagógicoRelato de projeto pedagógico

A felicidade de aprender com a criança ou de notar o comoe quanto ela é capaz de descobrir transformou o duvidoso

em caminho seguro e a segurança em possibilidades

A felicidade de aprender com a criança ou de notar o comoe quanto ela é capaz de descobrir transformou o duvidoso

em caminho seguro e a segurança em possibilidades

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22 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

Como exemplos, cito dois des-tes projetos: "Girinos" e "A históriado Parque da Luz e a luz na minhahistória".

Em comum eles têm o Parqueda Luz como meio de pesquisa, poisa escola está localizada anexa a ele,as inúmeras possibilidades de inves-tigação, a importância do reconhe-cimento, valorização do entorno daescola e do meio em que elas vivem,como também a intenção de tornarestas crianças autores e atores desuas próprias histórias.

No projeto "Girinos", a magiacomeçou quando fomos caminharno Parque da Luz para observar osinsetos e flores. As crianças tinhamentre cinco e seis anos. Estávamosna época da Primavera e as borbo-letas e abelhas eram inúmeras emnosso parquinho. Mas, caminhandopela ponte de um dos lagos, um alu-no observou vários pontinhos pre-tos nadando. Logo veio a indagação:"Pro, o que são estes pontinhos?Peixinhos?" Outro colega respon-deu: "Eu acho que não, são muitoem quantidade e estes são bem pre-tinhos, os peixinhos do lago nãotêm esta cor!". E assim os questio-namentos e possíveis respostas fo-ram surgindo, até que uma meninaperguntou: "Será que são filhotes desapinhos?" Perguntei por que elaachava que seriam filhotes de sapi-nhos e ela respondeu que já tinhavisto em um pequeno rio perto dacasa da tia dela.

A grande pergunta era: "Comopoderemos saber se eram filhotesde sapinhos (girinos) ou não?" Unsqueriam ir ao parque todos os dias,outros, achavam que eles sumiriam.Até que um sugeriu que pegásse-mos emprestados alguns para ob-servarmos o que aconteceria.

Entrei em contato com o admi-nistrador do parque, que nos aco-lheu com bastante entusiasmo etambém participou da pesquisa.

O aquário ficou em nossa es-cola, até que os sapinhos começas-sem a se transformar. O registro eradiário e as descobertas sobre ali-mentação conjuntas. Vocês sabiamque uns comem os outros quandohá escassez de alimento? Pois é, co-meçamos a sentir falta de alguns eesta foi a descoberta mais dolori-da e, ao mesmo tempo, esclarece-dora que tivemos, pois estávamos

alimentando de forma errada os gi-rinos.

Com estes registros trabalha-mos a oralidade, a escrita, a mate-mática, pois contávamos os dias eas quantidades de girinos, as ciên-cias, as artes (quando desenháva-mos seus estágios) e o mais impor-tante, o trabalho em grupo, a trocade experiências e inexperiências.No final, não só sabiam tudo sobregirinos e sapos, como também setornaram defensores deles na natu-reza e de toda a cadeia alimentarque os cercam.

A avaliação deste projeto, alémdo mural feito na escola, tambémteve a reflexão em roda de conver-sa na entrega dos sapinhos de voltaà natureza.

O projeto "A história do Par-que da Luz e a luz na minha histó-ria", teve como objetivo apresentarao grupo de crianças (com faixaetária de quatro e cinco anos) aconstrução histórica do Parque daLuz e suas transformações. Fomen-tando ludicamente o desejo de des-cobertas sobre si e seu meio, fazen-do-os perceberem-se como autorese atores desta história, construindoem conjunto o importante ato deser e pertencer.

Levando em conta a faixa etá-ria, pensei em apresentar a passa-gem do tempo através de uma linhado tempo, que citaria a inauguração

do parque, o ano de nascimentodeles e o ano atual.

Depois de explicado em salade aula como seria este percurso,fomos caminhar no parque paraprocurar pistas sobre sua história.Passamos em placas explicativasque contam a história do entornoe do parque. Observamos as des-cobertas arqueológicas e as possí-veis causas de terem sido soterra-das, como é o caso do mirante e doaquário que recentemente foi res-taurado.

Analisamos as árvores. Pesqui-samos sobre suas idades e foi en-graçado vê-los descobrir que elassão muito mais velhas que todosnós. É uma descoberta de existên-cia e de consciência que trouxe àtona muitas reflexões: "Se elas es-tão aqui há tanto tempo, por quetêm homens que as derrubam?Como algo tão velhinho ainda temfolhas tão verdinhas?"

Além destas descobertas, ou-tras surgiram fomentando outrosprojetos, como a necessidade depensar a impermeabilização dosolo, a importância de preservaçãodas árvores para todas as espécies,o cuidado com insetos indesejados(muitos potes de água para gatosque poderiam se transformar emfoco do mosquito da dengue) etc.

Ao retornarmos para a sala deaula pesquisamos no mapa a locali-

Em cada canto, uma surpresa e uma descoberta interessante

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 23

* Cristiane Brito Dias - pós-graduan-da lato sensu em Gestão Escolar - 1.000 ho-ras na Unicid. Licenciatura plena em Peda-gogia, com habilitação em Educação Infan-til na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP. É professora na Emei João Theodoro.

zação da nossa escola e do parque.Eles observaram que no mapa ha-via poucos pontinhos verdes e le-vantaram hipóteses das causas econseqüências.

Elaboramos um jornalzinhoque eles levaram para suas casas,com registro do parque e de suahistória. Queriam mostrar aos paisas possibilidades que o parque lhesproporciona, que agora, vai alémde encurtar o caminho para a es-cola, mas também o de lazer e des-cobertas.

Em todos os projetos desen-volvidos foram registrados os obje-tivos, justificativas, metodologias,cronogramas e avaliação. Este pro-cedimento me permitiu que ofoco não fosse perdido e que to-das as mudanças ou acréscimo deinformações tivessem tempo deacontecer.

As reflexões e ações geradasnas e pelas crianças transformamminha ação, pois as mesmas permi-tiram-me ir além das grades da es-cola. Todas as ações interagiramcom as disciplinas e o aprendizadonão foi imposto, mas conquistadocom todo grupo.

Permitiu-me transformar to-

dos os espaços e momentos em des-cobertas. Se fez a ampliação da in-tegração dos pais e escola. No co-meço não foi fácil entender estecaminho, mas eles acabaram se en-

volvendo e também dando asaspara suas curiosidades. A felicida-de de aprender com a criança oude notar o como e quanto ela é ca-paz de descobrir, transformou oduvidoso em caminho seguro e asegurança, em possibilidades.

Novamente citando Freinet,encerro meu relato, com entusias-mo de quem ama a felicidade depoder trocar experiências, "é pro-vável que nos digam que não temosde formar sonhadores, mas ho-mens práticos, capazes desde cedode cavar a terra ou fixar uma cavi-lha; mas sabemos também que te-mos mais necessidade ainda dehomens que saibam esquecer, àbeira do caminho da vida, a maçãque tinham na mão, para partiremcomo pesquisadores desinteressa-dos em busca do ideal" (Freneit,1896-1996, p.25).

Alunos da Emei João Theodoro fazem descobertas: projetos“Girinos” e “A história do Parque da Luz e a luz da minha história”

Parque da Luz: curiosas, as crianças observam cada detalhe

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24 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

* Ana Maria Mello

Hoje, no Brasil, são mui-tos os documentoscurriculares que têmcomo objetivo geraldiscutir concepções,

princípios e critérios de qualidadee de forma específica discutir orga-nização de conteúdos para diferen-tes ações educativas nas diferentesáreas na educação infantil. Algunscom prescrições mais direta e malfocada, tratando mais de princípi-os sem apontar caminhos para ar-ticular os conteúdos, como é ocaso do Referencial Curricularpara a Educação Infantil (RCNEI,MEC 1998). Também, em nossaopinião, houve méritos, pois o Re-ferencial Curricular para a Educa-ção Infantil foi o primeiro a siste-matizar o debate sobre a necessi-dade de organizar um currículopara as crianças de 0 a 6 anos.Após oito anos do RCNEI e com aintenção de subsidiar diferentes

Organização curriculare documentos oficiais

níveis dos desafios colocados du-rante essa década, o MEC publicououtros três documentos.

Para quem tem como tarefagerir a pedagogia de cada unidadeescolar (educativa), como as dire-toras e as coordenadoras pedagógi-cas , o documento “As políticas deeducação infantil: pelo direito dascrianças de zero a seis anos” (MEC,2006) é importante na compreen-são dessa história recente.

O segundo, “Os parâmetros na-cionais de qualidade para a educa-ção infantil”, volumes 1 e 2 (MEC,2006), apresenta a história do de-bate sobre qualidade na educaçãoinfantil, apontando caminhos paraesse momento.

Um terceiro trata dos ambien-tes adequados para a infância – “Osparâmetros básicos de infra-estru-tura para instituições de educaçãoinfantil” (MEC, 2006) apresenta "es-tudos e parâmetros nacionais rela-cionados à qualidade dos ambien-tes das instituições de educaçãoinfantil para que estes se tornem

promotores de aventuras, descober-tas, desafios, aprendizagem e facili-tem as interações".

Esses três documentos, emnossa opinião, sintetizam o deba-te acumulado dos últimos cincoanos, sobre a organização dos am-bientes de aprendizagem e suasdimensões (espaços, tempos, fun-cionalidade e interações) comotambém a construção dos direi-tos das crianças, suas famílias eseus educadores nas unidadesque cuidam e educam criançasde zero a seis anos em tempo in-tegral e/ou parcial.

No entanto como o ambientede aprendizagem é composto deum conjunto de aspectos que ne-cessariamente estão interligados, asperguntas mais correntes entre nóssão: como organizar as dimensõesdo ambiente - qual é o melhor lo-cal? Que quantidade de tempo vouutilizar? Com quais materiais? Comquais faixas etárias? Qual é o tama-nho do adequado do grupo? Ondeas crianças gostam mais de brincar

Como consideramos que há hiatos entre asorientações curriculares, as diretrizes construídaspelos conselhos e as secretarias de educaçãomunicipais, os planos dos professores, dos pedagogose dos diretores, considerando a aposta de cadaprojeto, e o currículo em ação (Kramer,1994), hánecessidade de instrumentos metodológicos paraaproximar esses níveis de lacunas.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 25

* Ana Maria Mello – supervisora na Creches USP -Coseas Interior. É doutorando da FFCL - USP de RibeirãoPreto. Opção feita pelo gênero feminino, já que 99,8% dostécnicos em educação são mulheres.

Bibliografia

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BRASIL (1996) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal, Lei nº 9.394, 20 de dezembro de 1996.

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BRASIL, As políticas de educação infantil: pelo direito dascrianças de zero a seis anos. Secretaria de Educação Básica, MEC,Brasília, DF, 2006.

BRASIL, Parâmetros nacionais de qualidade para a educaçãoinfantil - Volume 1 e 2. Secretaria de Educação Básica, MEC, Brasí-lia, DF, 2006.

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KRAMER, Sonia. Proposta pedagógica de educação infantil:subsídio para uma leitura crítica/texto encomendado pela CoediDPE/SEF/MEC, 1994.

MANFREDINI, Elisa Maria Grossi. Guia de solidariedade - por-tadores de necessidades especiais. SME SP, 2003.

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ROSSETTI-FERREIRA, Clotilde; MELLO, Ana Maria; VITORIA,Telma, GOSUEN, Adriano e CHAGURI, Ana Cecília. (2002). Os faze-res na educação infantil, 9º Edição, Cortez Editora, SP.

TAILLE, Yves de (1992) Construção da fronteira da intimida-de: a humilhação e a vergonha na educação moral. Cadernos dePesquisa, São Paulo, n. 82, p. 48-55.

SANTOS, Silva Lana Ermelinda (org.). Creche e pré-escola -uma abordagem de saúde. São Paulo: ArtMed, 2004.

Revistas: Avisa Lá e Pátio Educação Infantil (ArtMed Editora)

Portal do MEC: http://portal.mec.gov.br

Plano Nacional de Educação: http://www.portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf

e ficar? Onde colocá-las para dormire/ou repousar? Onde brincar comágua e tomar banho? Com quem?Quais são seus parceiros e objetosprediletos? Como organizar múlti-plas linguagens articulando as emtempos necessários para que cadagrupo de crianças se aproprie dediferentes experiências?

Para todas as crianças, mas pre-dominantemente, os menores detrês anos e aquelas em tempo inte-gral ainda há um conteúdo quemuitas vezes aparece como contraponto dos conjuntos das lingua-gens. São os conteúdos de constru-ção de hábitos pessoais, das rela-ções e do ambiente, os também cha-mados direitos conquistados (ECAarts. 53º, 54º, 56º e 246º, 1990), eprincípios e fins da educação (LDB,arts. 2, 3 e 4 1996)

Finalmente, e de fundamen-tal importância, os conteúdos daslinguagens: de fazer de conta, alinguagem verbal (a comunicaçãooral e escrita) e plástica, a músi-ca, a dança, o gesto/movimento, asciências e a matemática e a lingua-gem virtual preenchem as pautasdas orientações, supervisões, cur-sos, oficinas em diferentes unida-des educativas de tempo integral e/ou parcial.

Como consideramos que háhiatos entre as orientações curri-culares, as diretrizes construídaspelos conselhos e as secretarias deeducação municipais, os planosdos professores, dos pedagogos edos diretores, considerando aaposta de cada projeto, e o currí-culo em ação (Kramer, 1994), hánecessidade de instrumentos me-todológicos para aproximar essesníveis de lacunas. Nesse sentido, asorientações didáticas, ou o comoorganizar as situações educativas eos projetos, são urgentes para quepossamos construir com autono-mia os planos de trabalho de cadaprofessor, o projeto pedagógico decada unidade – coordenados, orien-tados e supervisionados por peda-gogas, diretoras e supervisores.

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* Maria Malta Campos

uais as concepções decurrículo e como organi-zá-lo na educação infan-til? Essa indagação, pro-posta pelos organizado-

res do seminário, poderia ser des-dobrada em muitas perguntas e in-quietações que cercam o trabalhodos educadores - professores, orien-tadores, diretores -, de creche e pré-escola, chamadas de CEI e EMEIaqui em São Paulo.

A primeira coisa importante adizer é que não existe uma só res-posta para essas questões. A come-çar pela palavra "currículo", que nãoé aceita por muitos para essa faseda educação, passando pelo que seentende por currículo, até a carac-terização do que realmente aconte-ce no dia a dia das instituições, to-dos os aspectos da educação infan-til comportam diferentes posiçõese opções teóricas e metodológicas.

Se entendermos currículocomo "uma prática social pedagó-gica" que apresenta dois aspectosindissociáveis, "1) um ordenamen-

Reflexões sobre currículona educação infantil

Os currículos são sempre tributários de teoriasde aprendizagem, teorias de desenvolvimentohumano, concepções de educação, posiçõesfilosóficas e projetos de sociedade, mesmo queessas heranças não estejam claras para oseducadores, pois elas permeiam os cursos deformação, os materiais pedagógicos e astradições pedagógicas que se reproduzem nosenso comum escolar.

to sistêmico formal e 2) uma vivên-cia subjetiva e social" , então seriaimportante, em um primeiro mo-mento, lembrar quais os principaisordenamentos legais definidos emnosso país para o currículo da es-cola básica e, mais especificamen-te, para a educação infantil em cre-ches e pré-escolas. Em seguida, po-demos abordar a realidade cotidia-na das instituições, tanto em suaorganização e gestão, como em suaprática educativa com as criançasno cotidiano.

OS PARÂMETROS LEGAIS

A Constituição e a LDB defi-nem os princípios que regem a edu-cação nacional:

"Da EducaçãoArt. 1º. (...)§ 2º A educação escolar deve-

rá vincular-se ao mundo do traba-lho e à prática social.

TÍTULO IIDos Princípios e Fins da Edu-

cação NacionalArt. 2º A educação, dever da

família e do Estado, inspirada nosprincípios de liberdade e nos ideaisde solidariedade humana, tem porfinalidade o pleno desenvolvimen-to do educando, seu preparo parao exercício da cidadania e sua qua-lificação para o trabalho.

Art. 3º O ensino será ministra-do com base nos seguintes princí-pios:

I - igualdade de condições parao acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, en-sinar, pesquisar e divulgar a cultu-ra, o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e deconcepções pedagógicas;

IV - respeito à liberdade e apre-ço à tolerância;

V - coexistência de instituiçõespúblicas e privadas de ensino;

VI - gratuidade do ensino pú-blico em estabelecimentos oficiais

VII - valorização do profissio-nal da educação escolar;

VIII - gestão democrática doensino público, na forma desta leie da legislação dos sistemas de en-sino;

IX - garantia de padrão de qua-lidade;

X - valorização da experiênciaextra-escolar;

XI - vinculação entre a educa-ção escolar, o trabalho e as práticassociais."

É sempre importante recupe-rar as diretrizes gerais que se apli-cam à educação como um todo,pois geralmente a educação infan-til se percebe como externa a esseconjunto, quando na realidade elaé definida como a primeira etapada educação básica, definição essaque possui inúmeros desdobra-mentos importantes para nossadiscussão.

Não seria o caso de reprodu-zir todos os documentos legais aqui,

Q

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 27

mas é importante lembrar daquelesque são mandatórios, principal-mente o Estatuto da Criança e doAdolescente, as Diretrizes Curricu-lares Nacionais para a EducaçãoInfantil, elaboradas pelo ConselhoNacional de Educação, assim comoos documentos oficiais que regemo sistema municipal de ensino, poisestamos aqui tratando de institui-ções que dele fazem parte.

Também podemos considerarcomo incluídos nesse ordenamen-to jurídico, as normas que definema carreira do magistério públicomunicipal, pois elas possuem reper-cussões importantes na organiza-ção das instituições, seja quanto àexigência de formação prévia, sejaquanto ao regime de trabalho. O fi-nanciamento das escolas e a orga-nização geral da rede municipal deuma cidade do porte de São Paulotambém são poderosos determi-nantes das condições de desenvol-vimento do trabalho educativo nasunidades.

PROJETO PEDAGÓGICOE CURRÍCULO

Como observa Cury (2002), aLDB definiu uma grande autono-mia para as escolas, no sentido deresponsabilizá-las pelo seu próprioprojeto pedagógico. O exercíciodessa autonomia, no entanto, re-quer a existência de algumas con-dições básicas na unidade, princi-palmente no que diz respeito à pos-sibilidade de um trabalho de equi-pe por parte do grupo de educa-dores que ali trabalha, o que de-manda um certo número de horasremuneradas de trabalho coletivosem crianças, já vigente na redemunicipal de São Paulo, mas nãoem todas as redes. O conhecimen-to da realidade da educação no paísaponta para outras condições im-portantes, a saber, a estabilidade daequipe, sua formação básica, oapoio da coordenação pedagógicada unidade e da supervisão exter-na, a disponibilidade de materialde consulta e estudo, as possibili-dades de troca e formação em ser-viço, entre outros aspectos.

No entanto, o que vem sendoadotado como modelo de projetopedagógico pela maioria das redesnão se constitui propriamente em

um currículo ou uma programaçãopedagógica. Na realidade, geral-mente esse documento contémuma breve caracterização da esco-la e alguns princípios muito geraisenunciados pela equipe como sen-do os objetivos do trabalho peda-gógico daquela unidade, que po-dem ou não especificar algumasprioridades.

Qual seria então a diferençaentre projeto pedagógico ou proje-to político-pedagógico e currículo?As autoras Vitória Faria e FátimaSalles (2007) entendem que proje-to político-pedagógico ou propos-ta pedagógica constitui um "todomais abrangente" que diz respeitoao "conjunto de fatores essenciaispara a viabilização da prática peda-gógica em uma instituição educati-va" (p. 20). Segundo essas autoras,o projeto "reconhece e legitima ainstituição educativa como históri-ca e socialmente situada, constituí-da por sujeitos culturais, que se pro-põem a desenvolver uma ação edu-cativa a partir de uma unidade depropósitos." (p. 20) De acordo comessa concepção, o currículo é umdos aspectos que está incluído naproposta pedagógica.

Nesse ponto, existe hoje umapolêmica, que não se limita exclu-sivamente à educação infantil, queopõe duas linhas de pensamento eação: uma, que poderia ser chama-da de mais diretiva ou sistematiza-da, que seria a opção de se adotarcomo currículo de uma unidadealgo definido externamente a ela,seja produzido por algum órgãooficial, seja comercializado por edi-toras ou sistemas privados de ensi-no, seja divulgado internacional-mente por diversas instituições. Éclaro que essas propostas podemser mais ou menos abertas à contri-buição da unidade e dos educado-res individualmente, mas elas jápossuem um certo grau de sistema-tização predeterminado. A linhaoposta seria a concepção que dei-xa a cada escola a iniciativa e a res-ponsabilidade de construir seu cur-rículo, dentro da margem de opçãodefinida legalmente naquele país,região, estado ou município.

Em qualquer das duas dire-ções, os currículos são sempre tri-butários de teorias de aprendiza-gem, teorias de desenvolvimento

humano, concepções de educação,posições filosóficas e projetos desociedade, mesmo que essas heran-ças não estejam claras para os edu-cadores, pois elas permeiam os cur-sos de formação, os materiais peda-gógicos e as tradições pedagógicasque se reproduzem no senso co-mum escolar.

No caso específico da educa-ção infantil, ainda seria importanteadicionar a identidade em constru-ção das instituições que atendemcrianças muito pequenas, como acreche ou o CEI, até recentementevinculadas a áreas externas à edu-cação. O trabalho com criançasmuito pequenas, principalmenteem turno integral, traz especificida-des importantes para a prática coti-diana dos educadores, que repre-sentam desafios significativos paraos modelos mais comuns de orga-nização das instituições e de seuscurrículos.

A CONSTRUÇÃO DA PRÁTICAPEDAGÓGICA NA UNIDADE

Seja qual for a orientação teó-rica, seja qual for a opção quanto àadoção de uma proposta curricularjá estruturada ou de uma aborda-gem que responsabilize principal-mente a equipe escolar quanto àelaboração de uma programação daunidade, a prática pedagógica queefetivamente se desenvolve no co-tidiano do trabalho com os gruposde crianças em uma instituição edu-cativa constitui um currículo. Paradar um exemplo, mesmo que nãoexista uma reflexão ou uma inten-cionalidade explícita em uma dadainstituição, práticas que se basei-em principalmente na contençãode movimentos e da fala de crian-ças, que dificultem o desenvolvi-mento de sua autonomia, que assujeitem a longos períodos de es-pera e de ociosidade e que não ofe-reçam oportunidades de amplia-ção de conhecimentos são práticasque objetivam desenvolver e man-ter a submissão, a dependência e aignorância.

Penso que hoje, essas situa-ções já provocam em muitos edu-cadores bastante angústia, ansieda-de e frustração, levando a movimen-tos de renovação e busca de outroscaminhos. Há um artigo de Augus-

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ta Foni (1998), no livro Manual deeducação infantil: de zero a trêsanos, de Anna Bondioli e SusannaMantovani, que reflete sobre a ex-periência desenvolvida na Itáliacomparando dois momentos histó-ricos diferentes vividos pelas cre-ches naquele país. É interessanteobservar que muitas das caracterís-ticas que ela descreve no passadodas instituições italianas são bastan-te semelhantes à situação que vive-mos hoje nas redes de educaçãoinfantil. Ela menciona, por exem-plo: "estrutura arquitetônica pare-cida com a dos sanatórios"; atençãovoltada somente para o adultocomo aquele do qual depende todaa iniciativa das atividades com ascrianças; participação das famíliasentendida apenas como participa-ção formal em espaços de gestão oucomo situações organizadas paracomunicações de mão única da cre-che para os pais; separação de tem-pos dedicados a aprendizagem, so-cialização e cuidados físicos; faltade trabalho de equipe; distânciaentre a pesquisa na universidade ea realidade cotidiana das creches.

A partir dessa fase, a autoraexplica que foram introduzidas di-versas mudanças nas redes de cre-ches, que permitiram e incentiva-ram transformações importantesem sua programação . Que mudan-ças foram essas?

Em primeiro lugar, mudançasna organização dos espaços, bus-cando permitir o trabalho comgrupos menores de crianças. Essamudança, por sua vez, levou a umamaior atenção às interações entrecrianças e entre elas e os adultos,aspectos pouco perceptíveis naorganização anterior, que privile-giava grandes grupos realizandoas mesmas atividades ao mesmotempo.

Segundo, pequenos grupos decrianças, com maior liberdade deiniciativa, levaram a situações edu-cativas mais integradas, superandoaquela separação entre momentosde aprendizagem, socialização ecuidado. Isso permitiu uma reorga-nização do tempo, que acompa-nhou a reorganização do espaço.

O terceiro aspecto enfatizadoé a importância da observação. Namedida em que o adulto não estámais tão tolhido em seu papel de

tudo dirigir, surgem condições paraa observação da criança de formamais individualizada e, no trabalhoem equipe e na troca com os coor-denadores pedagógicos e eventual-mente pesquisadores da universida-de, possibilidades de reflexão sobreo que é observado. Uma das con-seqüências dessa evolução foi a im-portância crescente que adquiriuo período de adaptação da criançana creche, o que por sua vez tam-bém levou a mudanças significati-vas no relacionamento da crechecom as famílias.

Quarto, o papel dos educado-res junto às crianças foi revisto, emdiversos aspectos. O estilo de traba-lho evoluiu para situações em que"o adulto não guia, não transmite e,muito menos, ensina, mas dirige assituações em que é, ao mesmo tem-po, presença tranquilizadora e aten-ta disponibilidade". Seu papel nãoé mais colocar-se sempre no centroda atividade, mas "na sistematicida-de com a qual, através das interven-ções diretas e indiretas, garante emcada situação a correspondênciapontual entre a experiência vividapelas crianças e os objetivos educa-cionais." (p. 145-146)

A autora apresenta, então,quais seriam os eixos em torno dosquais se estrutura a programaçãopedagógica das creches: em primei-ro lugar as crianças, consideradascomo sujeitos de direitos, entre eleso de terem experiências prazerosas.A reflexão sobre as observações nascreches levou a um cuidado maiorna preservação de figuras de adul-tos mais permanentes com os quaisas crianças pequenas possam de-senvolver interações mais comple-xas, e também no cuidado para queos pequenos grupos de criançastenham continuidade, pois se veri-ficou que nessas condições as inte-rações entre crianças eram bemmais ricas.

O segundo eixo são os pais.Caminhou-se de práticas que privi-legiavam grandes assembléias e reu-niões, para práticas que levam a umconhecimento maior da identidadedas famílias, que se considera fun-damental para o conhecimento in-dividualizado das crianças. Essaaproximação também se reflete naprogramação da creche, pois a ob-servação da realidade familiar e co-

munitária permite a proposta deatividades significativas para aque-las crianças.

Terceiro, o trabalho de equi-pe dos educadores constitui umelemento fundamental no desen-volvimento da programação da cre-che. Nesse ponto, parece que a con-cepção adotada aproxima-se do quese costuma hoje chamar de profes-sor reflexivo, no sentido de que sãoos educadores que trabalham dire-tamente com as crianças e que con-tam com o apoio da coordenaçãopedagógica da unidade e da super-visão escolar da secretaria de edu-cação, quem são os responsáveispor propor, acompanhar, avaliar eaperfeiçoar a programação da cre-che. Um aspecto interessante trazi-do pela autora é a constatação deque o trabalho de educador de cre-che é um trabalho que "comportauma fadiga física e psicológica", aque vem se adicionar essa respon-sabilidade do trabalho coletivo.Uma das mudanças que surgiramdessa constatação foi um maior cui-dado com a organização dos espa-ços destinados aos adultos, propi-ciando ambientes mais acolhedorese confortáveis para os momentosde trabalho sem crianças.

O quarto aspecto diz respei-to à relação entre a unidade e o sis-tema do qual faz parte, pois háquestões relevantes para a progra-mação que ou escapam da compe-tência da unidade ou supõem a co-laboração com outras agências so-ciais. Um dos aspectos é a articula-ção da creche com os demais ser-viços públicos, por exemplo comas unidades de saúde, além de suanecessária aproximação junto àsescolas maternais, que correspon-dem a nossas EMEIS, para onde ascrianças são encaminhadas na fai-xa etária seguinte.

O lugar do conhecimento

A medida que a criança se de-senvolve, ao longo das diversasetapas da escolaridade, o proces-so de ampliação do conhecimen-to sobre o mundo, sobre si pró-pria e sobre os outros vai adqui-rindo maior formalização e cami-nhando na direção de uma maiorespecialização. Se pensamos napassagem da creche para a pré-es-

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 29

cola e na passagem da pré-escolapara o ensino fundamental, vemosque quanto menor a criança, maisintegradas são suas experiênciasde aprendizagem e a medida emque ela cresce e se desenvolve, tan-to cognitiva como emocionalmen-te, mais diversificadas e comple-xas essas experiências vão se tor-nando. Tradicionalmente, o currí-culo escolar vai se especializandoconforme se passe a etapas maisadiantadas do ensino e a forma-ção dos professores reflete isso:professores polivalentes para aeducação infantil e a educaçãoprimária ou primeiros anos denosso ensino fundamental e pro-fessores especializados por áreasdo conhecimento para as etapasseguintes.

Existe uma grande discussãona área de educação infantil sobreessa questão, com alguns gruposdefendendo um período mais ex-tenso para o currículo integrado eoutros defendendo a introdução docurrículo por áreas do conhecimen-to já na pré-escola. O currículo HighScope, por exemplo, foi desenvol-vido para a etapa que os america-nos chamam de K-3, que significado kindergarten (jardim da infân-cia) até o terceiro ano primário,correspondendo à faixa etária doscinco aos oito anos de idade. Umaspecto importante é que essas áre-as de conhecimento são uma formade organizar o planejamento dosprofessores e não de dividir o tem-po das crianças. Ou seja, o espaço eo tempo, no currículo High Scope,são organizados privilegiando aautonomia e a iniciativa das crian-ças, mas o ambiente, os materiais eas intervenções do adulto são pla-nejados de forma a possibilitar aaprendizagem dos conteúdos e ha-bilidades considerados importan-tes em cada fase.

O Referencial Curricular Na-cional para a Educação Infantil tam-bém foi organizado por áreas , umade suas características que provo-cou enorme polêmica na época.Hoje, com a inclusão das criançasde 6 anos na primeira série, essedebate volta com força, principal-mente focalizado no processo deletramento que deveria estar sendocontemplado na programação dapré-escola e também da creche.

Essas questões vem sendo ob-jeto de debate acalorado na área, àsvezes acompanhado de alto grau deemotividade. E, nesse ponto, eu voutomar a liberdade de trazer aquiuma preocupação que tenho tidoultimamente, ao constatar que oesforço de fugir da pedagogia tra-dicional pode estar levando a edu-cação infantil a uma certa posiçãoanti-intelectualista ou a um certopreconceito contra tudo que se re-fere ao conhecimento, especial-mente o conhecimento inicial dalinguagem escrita, mas também oconhecimento do mundo, da na-tureza, da cultura mais abrangen-te, etc.

Talvez esta seja uma etapa ne-cessária, na desconstrução da cari-catura de um modelo tradicional deescola que predominou na educa-ção infantil, mas penso que sãoquestões que precisamos discutir,pois seria até irresponsável, na atu-al realidade brasileira de desigual-dade e exclusão, a recusa em discu-tir a democratização do acesso aoconhecimento no contexto especí-fico dessa faixa etária e dessas ins-tituições educativas.

Eu termino com a citação deum autor francês, François Dubet(2004), que tenta definir o que se-ria uma escola justa. Para ele,(François Dubet (2004) uma esco-la justa é aquela que ao mesmotempo é democrática, ou seja, ofe-rece oportunidades iguais a todos,e contempla as diferenças, buscan-do dar um tratamento especialàqueles que apresentam dificulda-des maiores para aproveitar essasoportunidades. Nessa sua concep-ção, para ser justa, a escola preci-sa ser eficaz, garantindo a todos oacesso aos conhecimentos bási-cos, sem os quais não se sobrevi-ve dignamente na sociedade con-temporânea. Por outro lado, ela"deve velar para que as desigual-dades escolares não produzam,por sua vez, demasiadas desigual-dades sociais." (p. 553) Creio queprecisamos incorporar essas pre-ocupações em nossas discussõessobre o currículo de educação in-fantil.

Referências bibliográficas

BRASIL. MEC/SEF. Referencialcurricular nacional para a educaçãoinfantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CURY, Carlos R. J. A lei de diretri-zes e bases e o impacto na escola públi-ca brasileira. In: Ferreira do Vale, J. M.et al (orgs). Escola pública e socieda-de. Baurú: UNESP/ATUAL/Saraiva,2002.

DUBET, François. O que é umaescola justa? Cadernos de pesquisa, v.34, n. 123, p. 539-555, set./dez. 2004.

FARIA, Vitória e SALLES, Fátima.Currículo na educação infantil: diálo-go com os demais elementos da propos-ta pedagógica. São Paulo: Scipione,2007. (Coleção Percursos)

FONI, Augusta. A programação.In: BONDIOLI, Anna e MANTOVANI,Susanna (orgs.) Manual de EducaçãoInfantil: de 0 a 3 anos. Uma abordagemreflexiva. Porto Alegre: Artmed, 1998,p. 140-160.

* Maria Malta Campos - formada emPedagogia pela PUC-SP, doutorado em Socio-logia pela USP. Pesquisadora da Fundação Car-los Chagas, professora do Programa de Pós-graduação em Educação - Currículo da PUC-SP e presidente da Ação Educativa. Realizouestágios de pós-doutoramento na Universi-dade de Stanford (EUA) e na Universidadede Londres. Foi coordenadora do Comitê As-sessor de Educação do CNPq, presidente daAssociação Nacional de Pós-graduação e Pes-quisa em Educação (Anped) e fez parte daprimeira diretoria do Conselho Estadual daCondição Feminina de São Paulo.

1 Documento interno do Programa dePós-graduação em Educação - Currículo, daPUC/SP, 2007.

2 Programação, nessas instituições, "in-dica a elaboração e a formalização, por par-te dos educadores, de um projeto global ouparcial sobre a atividade e sobre a funçãoda creche." (Foni, 1998, p. 140)

3 Os três volumes do documento são:Introdução, Formação Social e Pessoal e Co-nhecimento do Mundo. Este inclui os se-guintes objetos de conhecimento: Movimen-to, Música, Artes visuais, Linguagem oral eescrita, Natureza e Sociedade e Matemática(BRASIL, MEC/SEF, 1998).

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30 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

OBJETIVO DO SEMINÁ-RIO “A ORGANIZAÇÃO CUR-RICULAR NA EDUCAÇÃOINFANTIL”: este seminário preten-deu refletir sobre as diversas pro-postas institucionais de currículo epráticas curriculares nas instituiçõesde educação infantil da rede muni-cipal de São Paulo.

A concepção de currículo,apresentada neste seminário, enfa-tizou a necessidade da não frag-mentação por disciplinas, da arti-culação das várias linguagens e davalorização das contribuições, tan-to das práticas individuais comodas coletivas. A criança é percebi-da como capaz de construir e dia-logar com a cultura e o currículo,tendo abertura para absorver a di-versidade de identidades infantis ea capacidade de criação nas diver-sas linguagens.

O professor tem um papel ati-vo na elaboração do currículo, massem desconsiderar que o centro daorganização do currículo é a crian-ça e não o adulto. Nesta concep-ção de currículo, a elaboração doprofessor estará aberta para as su-gestões e iniciativas das crianças.

O cuidar e o educar são con-cebidos como dimensões que secompletam de forma indissociável:educamos quando cuidamos e cui-damos quando educamos. A for-mação dos profissionais de educa-ção infantil também tem como re-ferência os princípios acima men-cionados. Quanto a esta questão aprofessora Maria Malta Camposentende que opor cuidar a educaré uma armadilha, pois cuidados eeducação são integrados.

DESTAQUE DO DEBATEAs práticas de educação infan-

til devem superar o preconceito emrelação ao cuidar, como se fosseuma tarefa de menor importância.A criança passa a ser vista com suasnecessidades e características e oaprendizado construído e conquis-tado por todo o grupo. As famíliassão envolvidas na elaboração docurrículo, não só para compreen-der o que a escola faz, mas paracontribuir efetivamente, trazendosugestões e criando cultura, juntocom as crianças e toda a comuni-dade escolar.

A professora Cristiane BritoDias, da Emei João Theodoro,apresentou dois projetos pedagó-gicos construídos e executados coma participação ativa das crianças:"A história do Parque da Luz e aluz na minha história" e "Girinos".Destacou que sua experiência le-vou-a a concluir que currículo naeducação infantil é o "conjunto detodas as experiências oferecidaspela escola e como se pratica esteconjunto de experiências."

A coordenadora pedagógica,Rosa Silvia Lopes Chaves, do CEILauzane Paulista, relatou sua expe-riência destacando que o grandedesafio é construir uma propostaeducativa em um espaço diferen-ciado, não escolar, que possibilitea autoria e participação de todos,cuja premissa curricular seja a am-pliação das significações das crian-ças, por meio de diferentes lingua-gens, num contexto lúdico, possi-bilitando à criança expressar econstruir sua cultura.

A professora Ana Maria Melloenfatizou a existência dos docu-mentos oficiais sobre o currículo de

educação infantil e a necessidadede serem considerados como pa-râmetros na elaboração do mesmo.Destacou ainda o que consideraimportante na definição de currí-culo: concepção, critério de quali-dade, princípios, eixos e orienta-ções didática.

A professora Maria MaltaCampos definiu currículo comoprática social pedagógica e que osdocumentos oficiais determinamum pacto e um entendimento so-bre a educação infantil, mas exis-tem opções a serem feitas pelo pro-fessor e pela unidade escolar. En-fatizou que o currículo pré-elabo-rado é inspirado em teorias, mas ocurrículo é constituído pela práticapedagógica que realmente se de-senvolve, e deve ser construído to-talmente dentro da unidade esco-lar. Comentou que os projetos apre-sentados pelo CEI e Emei, nesteseminário, mostraram preocupaçãocom a ampliação dos conhecimen-tos da criança. Abordou a questãoda alfabetização, afirmando quedeve acontecer na medida do inte-resse da criança. Destacou aindaque antes de aprender a ler e a es-crever a criança sente necessidadede falar e se comunicar.

Todos os palestrantes con-cordaram que o grande desafiodo currículo é construí-lo de for-ma coletiva, com diversas autori-as, considerando e atendendo asdiferenças, na busca de uma ins-tituição de educação infantil jus-ta e democrática.

Grupo Espaço Plural

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 31

SEMINÁRIOA ORGANIZAÇÃO DO TEMPO

E ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CEI O PEQUENO SEAREIROMaria Rosária S. Callil

EMEI DONA ALICE FEITOSAAna Paula de Aguiar Maia Afonso

Fabiane de Oliveira PaesEdilma Lúcio Carlos

PALESTRANTES

Marina Silveira PalharesMônica Appezzato Pinazza

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32 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

*Maria Rosária S. Callil

Este artigo se refere a umprojeto relacionado aoeixo temático "Tempos eEspaços" que vem sendodesenvolvido no CEI O

Pequeno Seareiro, com crianças dezero a três anos, desde 1998. Expõeo processo de adequação dos espa-ços físicos da unidade e decorren-te transformação da prática pedagó-gica através de intervenções educa-tivas tendo como referência a abor-dagem das escolas italianas de Reg-gio Emilia.

Palavras-chave: tempos e es-paços - relações - projetos - docu-mentação

O CEI O Pequeno Seareiro temcomo desafio, ao longo de váriosanos, a transformação de seus espa-ços. Este desafio estabeleceu-se,primeiramente, em função da estru-tura arquitetônica diferenciada doprédio em comparação com a mai-oria dos Centros de Educação Infan-til da Rede Municipal de Educação.O CEI O Pequeno Seareiro não apre-sentava uma estrutura padronizada,pois originalmente foi construídopor uma entidade privada, antes depassar a ser administrado pela Pre-feitura.

Com espaços reduzidos, distri-buídos de forma pouco funcional,a construção se assemelhava mais aum prédio residencial. Deste modo,a adequação dos diversos espaçosexistentes permeou as ações desen-volvidas inicialmente.

Porém, diante da constataçãode que só o espaço não garante tem-pos adequados para a educação dainfância e acreditando que "mais doque o espaço físico, o ambiente in-

Oportunizando tempos e espaços de ser criança

clui o modo como o tempo é estru-turado" (Greenman, 1988), o desa-fio consistiu, num segundo mo-mento, em repensar o modo de uti-lização dos espaços.

Frente à circunstância atual,do CEI haver mudado para um novoprédio e contar com amplos espa-ços, o desafio continua...

O foco de discussões da equi-pe continua sendo pensar e repen-sar formas de oportunizar a plenautilização dos espaços pelas crian-ças; favorecer as diversas relaçõesque nele acontecem; propiciar con-dições de autonomia; torná-lo aco-lhedor, aconchegante e ao mesmotempo rico em possibilidades.

Os educadores do CEI O Pe-queno Seareiro têm investido cons-tantemente na organização do espa-

ço fazendo com que ele, além deestar voltado para as explorações dacriança, possa espelhar a propostapedagógica que vem sendo constru-ída a partir de uma relação dialógi-ca estabelecida entre os diversossegmentos envolvidos - educadoresda unidade (professores e demaisfuncionários), crianças e famílias.

Considerando as devidas dife-renças de contextos, tal propostapedagógica tem como referência aabordagem das escolas italianas deReggio Emilia que trazem a idéia de"ambientes de vida em contextoseducativos".

Esta abordagem privilegia emsua ação educativa três aspectos prin-cipais: as relações, o trabalho comprojetos e a documentação. Carac-terísticas principais de cada um:

O DESAFIO CONTINUA...O foco de discussões da equipe continua sendo pensare repensar formas de oportunizar a plena utilizaçãodos espaços pelas crianças; favorecer as diversasrelações que nele acontecem; propiciar condições deautonomia; torná-lo acolhedor, aconchegante e aomesmo tempo rico em possibilidades.

CEI O PEQUENO SEAREIRO

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 33

* Maria Rosária S. Callil - diretora do CEI O Pequeno Seareiro, psicólo-ga, pedagoga, especialista em Psicopedagogia e em Gestão Escolar para Edu-cação Básica, Diretora de Escola do CEI O Pequeno Seareiro da rede municipalde ensino e mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universi-dade de São Paulo. Membro participante do grupo de "Formação Profissional ePráticas de Supervisão em Contexto", coordenado pela professora doutoraMônica Appezzato Pinazza. Membro participante do grupo "Contextos Inte-grados de Educação Infantil - Professores Pesquisadores", coordenado pelaprofessora doutora Tizuko Morchida Kishimoto e pela professora doutora Mô-nica Appezzato Pinazza.

1 – as relações - criança-crian-ça/professor-criança/escola-famí-lias:

✓ devem ser de reciprocidade,intercâmbio, colaboração e diálogo;

✓ a ênfase é colocada na crian-ça em relação com outras crianças,com os educadores, com os pais,com a sua própria história e o con-texto social e cultural;

✓ as crianças são encorajadasa tomarem suas próprias decisõese a serem autônomas;

✓ o educador deve colaborarpara com que as crianças tenhamuma imagem positiva de si mesmas,curiosidade e o desejo de crescer.

2 – os projetos:

✓ devem definir somente osobjetivos gerais, adaptando-se osobjetivos específicos às necessida-des e interesses das crianças;

✓ desenvolvem-se a partir dasobservações e representações rea-lizadas pelas crianças;

✓ as crianças são encorajadasa expor os significados que dão àssuas experiências representando-os através de suas diversas lingua-gens - oral, desenho, pintura, mode-lagem, colagem, etc.

3 – a documentação:

✓ implica em observar, escutar,selecionar documentos que repre-sentem as experiências das criançasatravés de gravações em áudio e ví-deo, fotografias, painéis etc.;

✓ possibilita o apoio às apren-dizagens das crianças e ao proces-so educacional;

✓ permite analisar o cresci-mento das crianças;

✓ promove o desenvolvimen-to profissional dos educadores apartir de sua auto-reflexão;

✓ permite partilhar com ospais as experiências escolares.

Pautados por estas propostas,o trabalho pedagógico do CEI OPequeno Seareiro vem sendo cons-truído a cada dia, na postura cuida-dosa do educador, no ambiente pen-sado e capaz de acolher a todos osenvolvidos, na oportunização dasexpressões lingüísticas da criança,enfim na criação de tempos e espa-ços de ser criança.

Mudança de prédio do CEI Pequeno Seareiro: o desafio de repensar aorganização do tempo e do espaço numa estrutura arquitetônica ampla

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34 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

*Ana Paula de Aguiar Maia Afonso**Fabiane de Oliveira Paes

***Edilma Lúcio Carlos

A organização dos tempose espaços nas institui-ções de educação infan-til tem sido alvo de dis- cussões recentes nos

diferentes segmentos que se preo-cupam em pesquisar ou projetar otrabalho com as crianças de zero aseis anos.

A constituição do espaço nasinstituições escolares foi historica-mente pensada sem considerar acriança concreta com suas diferen-ças sociais, culturais, étnicas, religi-osas, etárias e outras. Portanto, paraela e não com ela. O espaço, segun-do Foucault (1987), disciplina e vi-gia corpos e mentes e, neste senti-do, pode ser um controlador dosmovimentos, das idéias e da expres-são das pessoas, ou seja, não há neu-tralidade na constituição dos espa-ços e a sua organização refletirá as

concepções de seus idealizadoresou organizadores.

Conforme Galardini, "um es-paço e o modo como é organiza-do resulta sempre das idéias, dasopções, dos saberes das pessoasque nele habitam. Portanto, o es-paço de um serviço voltado paraas crianças traduz a cultura da in-fância, a imagem da criança, dosadultos que o organizam; é umapoderosa mensagem do projetoeducativo concebido para aquelegrupo de crianças". (apud Faria e

TEMPOS E ESPAÇOS DA INFÂNCIATEMPOS E ESPAÇOS DA INFÂNCIA

Na construção e reconstrução do nosso projeto político pedagógico,temos estudado e discutido as possibilidades de organizarmosos tempos e espaços com e para as crianças a fim de queobservemos e compreendamos a construção da culturada infância a partir delas mesmas.

experiências da Emei Dona Alice Feitosaexperiências da Emei Dona Alice Feitosa

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 35

Palhares, 2001, p. 85).Na construção e reconstrução

do nosso projeto político-pedagó-gico, temos estudado e discutidoas possibilidades de organizarmosos tempos e espaços com e para ascrianças, a fim de que observemose compreendamos a construção dacultura da infância a partir delasmesmas. Neste sentido, citamos al-guns elementos constitutivos donosso trabalho: a organização doambiente, o uso do tempo, a sele-ção e oferta de materiais e as pro-posta de trabalho com atividadesdiversificadas.

Pensamos que ao falarmos deespaços, conseqüentemente, fala-mos sobre tempos, pois, quandotrabalhamos com princípios, comoliberdade de escolha, autonomia eprotagonismo, entendemos que aconstrução dos ritmos pode ser fle-xível, partindo das reais necessida-des e garantindo as possibilidades.Então, como diz Faria (2001), nãofalaremos mais em rotina, mas emjornada (p. 71). Uma jornada agra-dável, com ambientes desafiadores,cheios de possibilidades de desco-bertas, de escuta para as curiosida-des infantis, enfim, da garantia davivência plena da infância. Confor-me Mayumi Lima, "o espaço físicoisolado do ambiente só existe nacabeça dos adultos para medi-lo,para vendê-lo, para guardá-lo. Paraa criança existe o espaço-alegria, oespaço-medo, o espaço-proteção, oespaço-mistério, o espaço-desco-berta, enfim, os espaços de liberda-de ou de opressão". (1989, p. 30)

Ao pensarmos na organizaçãodos espaços na escola de educaçãoinfantil, precisamos considerar queo meio físico é determinante paraa construção de todas as relaçõesdas crianças. Na possibilidade dese organizar o espaço para a cons-trução destas relações, tanto comas crianças, quanto com os adul-tos e também com os diferentesmateriais, entendemos que váriosprincípios devam ser considerados:o espaço como elemento funda-mental no currículo, apropriaçãodestes espaços pelas crianças (cons-truindo o sentido de pertencimen-to), a criança como protagonista noprocesso educativo e a descentrali-zação da figura do adulto.

Em nossa escola estas discus-

sões têm acontecido de forma con-tínua. Temos priorizado estes prin-cípios para que, progressivamente,as crianças desenvolvam sua auto-nomia, as possibilidades de escolhae sua expressão nas diferentes lin-guagens.

Desde 2003, temos propostoa problematização dos espaços in-ternos e externos, juntamente comas crianças, observando-os, regis-trando-os e opinando sobre as pos-sibilidades de transformação e mo-dificação e várias transformaçõestêm sido realizadas a partir dasidéias delas. No muro do parqueas crianças deixaram suas marcasdesenhando e pintando. Há tam-bém uma ciclovia, que foi deseja-da pelas crianças como um localpara andarem de bicicleta e proje-tada pelas professoras. Um "caste-linho" imaginado e desenhado poruma criança se tornou realidadeno parque. Enfim, muitas idéiasdas crianças têm se concretizadoem nossa escola. Acreditamos queesta forma de trabalho visa con-templar as idéias, as sugestões e asinvenções das crianças, conside-rando-as sujeito de direitos e cida-dãs de pouca idade.

Temos, também, o privilégiode contar com um espaço maravi-lhoso, batizado pelas crianças e pro-fessoras de "morrinho". Neste lugarhá possibilidade de explorar brin-cadeiras, como escorregar de pape-lão, escalar, subir nas pedras e su-bir em árvores, bem como o exercí-cio do imaginário em histórias con-tadas e inventadas e na vivência dediferentes papéis.

Na reorganização dos espaçosda sala optamos por trabalhar com"cantos" fixos e variáveis. Chama-mos de fixos espaços como leitura,arte e brinquedos e variáveis, os quesão criados pelas crianças nas dife-rentes brincadeiras: salão de cabe-leireiro, médico, feirinha etc., oupropostos pelas professoras paraenriquecimento dos projetos deinteresse das turmas (minhocário,supermercado, fazendinha etc).

Desde 2006 vínhamos discu-tindo sobre a possibilidade de reti-rarmos algumas mesas das salas afim de garantirmos maior espaçopara movimentação das crianças ea possibilidade de expressão e cons-trução nas diferentes linguagens

"escolhendo" os espaços e as ativi-dades que desejam realizar. Atual-mente, existem quatro mesas emcada sala e temos discutido quantoà metodologia do trabalho diversi-ficado e a organização e reorgani-zação das salas. Também pudemosadquirir mais materiais diversifica-dos para a constituição dos cantosfixos (brinquedos, materiais paraarte, tapetes, almofadas, tecidos,fantoches, fantasias, acessórios etc).

Tem sido interessante obser-var que antes desta reorganizaçãodas salas, o espaço preferido dascrianças era o parque. Agora, mui-tas vezes nós escutamos as crian-ças dizendo que querem "voltar"logo para a sala, pois há materiaise brinquedos com os quais dese-jam interagir.

Neste ano resolvemos fazeruma nova pesquisa sobre as idéiasdas crianças, pensando no muro darua, na entrada da escola e em ou-tros espaços. Optamos por sistema-tizar e documentar de forma maisintencional e organizada no Planode Metas. Entendemos que as crian-ças são protagonistas do processoeducativo, e tem sido cada vez maisinteressante garantir a elas "vez" e"voz" para que, progressivamente,construamos uma escola mais afi-nada com seus interesses, desejose preferências.

Neste processo, as crianças fa-lam sobre suas impressões: feio,bonito, velho, colorido etc.; dese-nham, fotografam, produzem textose opinam sobre o que gostariamque tivesse em determinado espa-ço, como poderiam ser em relaçãoàs cores, formas, novos brinquedosetc. A cada ano, este processo temsido mais intenso e os espaços maisrenovados! As crianças imprimemsuas "marcas" nos muros, paredese suas idéias estão presentes portoda a escola (castelinho no par-que, ciclovia, tendas, cabanas etc.),construindo, assim, sua história ea desta Emei.

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36 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

*Ana Paula de Aguiar Maia Afonso -coordenadora pedagógica na Emei Dona Ali-ce Feitosa.

**Fabiane de Oliveira Paes - profes-sora da Emei Dona Alice Feitosa. Ensino mé-dio no Cefam e graduada em Letras pela Uni-versidade de São Paulo (USP). Participou, em2007, das discussões sobre a elaboração dasExpectativas de Aprendizagem, na Secreta-ria Municipal de Educação (SME).

***Edilma Lúcio Carlos - professorana Emei Dona Alice Feitosa. É graduada emPedagogia pela Pontifícia Universidade Ca-tólica (PUC-SP). Expositora no Simpósio deEducação Infantil da DRE de Pirituba, em2007, abordando o tema "Tempos e espaçosna educação infantil".

Referências bibliográficas

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BARBOSA, Maria C. S.; HORN,Maria da G. S. Projetos pedagógicos naeducação infantil. Porto Alegre. Art-med, 2007.

FARIA, Ana Lucia G.; CAMPOS,Maria M. Financiamento de políticaspúblicas para crianças de 0 a 6 anos.Cadernos ANPED. São Paulo, n.1, 1989.

FARIA, Ana Lucia G.; PALHARES,Marina. Educação infantil pós-LDB: ru-mos e desafios. Campinas: Autores As-sociados FE - Unicamp; São Carlos: Edi-tora da UFSCAR; Florianópolis: Editorada UFSC; 1999

FOUCAULT, Michel. Vigiar e pu-nir. História da violência nas prisões.Petrópolis: Vozes, 1987.

LIMA, Mayumi S. A cidade e a cri-ança. São Paulo: Nobel, 1989.Organização do espaço

externo: a ciclovia foidesejada pelas crianças eprojetada pelas professoras

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 37

*Marina Silveira Palhares

Se pensarmos no espaço dacriança, ao longo do tem-po, no Brasil, podemos re-tomar o espaço da criançano trabalho, ao lado da fa-

mília, que era constituída por mui-tos membros adultos, idosos, ado-lescentes e crianças de todas as ida-des, no trabalho feito coletivamen-te, no qual as crianças iam inventan-do possibilidades de brincadeirascom objetos abandonados pelosadultos, com restos, com materiaisnaturais como vegetais, palha demilho, barro, água, areia, madeira...Este foi também o espaço do traba-lho escravizante, da exploração dascrianças, de um alto índice de mor-talidade e morbidade entre as crian-ças pequenas. A ação coordenadade fiscalização do Ministério do Tra-balho e Emprego (MTE) garantiu aretirada de oito mil crianças e ado-lescentes do trabalho infantil, em2007; entre janeiro de 2003 a de-zembro de 2007, foram retiradasmais de 44 mil crianças do trabalhoem todo o Brasil. (Brasil, 2008)

A criança ganha visibilidade edireitos ao ingressar na vida moder-na. O Estatuto da Criança e do Ado-lescente (ECA), a Constituição de1988 e a LDB garantem às criançasbrasileiras o direito ao acesso à es-cola, espaço que se constrói para ascrianças e que lhes permite desfru-

Constituição do espaçona educação infantil

tar da infância com segurança e ale-gria. Direito este que precisa serconquistado a cada dia, já que nãobastam garantias legais. É precisoassegurar com políticas permanen-tes de inclusão e com o embate co-tidiano das priorizações de recur-sos o direito à educação de quali-dade para todas e todos.

Mas, de qual escola estamosfalando? Que escola, que tempo eque espaço é este? Gostaria de ex-plorar aqui e de convidar a todas ea todos para uma reflexão a respei-to da contradição entre a especiali-zação do espaço da infância, mui-tas vezes significando o seu confi-namento, e a qualidade do espaçopúblico, do espaço de partilha, doespaço de crescimento, desenvolvi-mento e alegria, que pode ser cons-tituído não para a criança, mas coma criança e com a comunidade.

Quando pensamos no espaçoe no tempo da educação de crian-ças pequenas é preciso admitirque este espaço e a utilização pro-posta do tempo de permanênciada criança na escola refletem umaconcepção de criança, de direitoe de educação. Retomando a ques-tão inicial, quanto esta criançaganha de espaço, ao lhe ser reser-vado um espaço específico comouma sala, uma escola, um cantinhopara brinquedos, e quanto ela per-de de espaço na rua, na socieda-de, nas brincadeiras livres de tem-pos demarcados para iniciar e ter-

minar na "hora do recreio?"Para a criança pequenininha,

brincar em espaços seguros, po-dendo alcançar objetos, tocar emoutras crianças, sentir o aconche-go do adulto, engatinhar sob obs-táculos, movimentar almofadas,pegar a comida com as própriasmãos, participar de atividades ao arlivre, se constituem em experiên-cias significativamente diversas deestar num berço em um ambientecom cortinas, que quebram a luz etornam o ambiente acolhedor, po-rém, estimulante para uma boa so-neca! É claro que há momentos emque este último ambiente de sos-sego é acolhedor, mas, quanto tem-po a criança pequena pode ficardesperta e ativa em um ambientecomo este? Quando organizamosas atividades de rotina na crecheou na Emei quanto tempo é dedi-cado a brincar, correr, cantar, ex-plorar o ambiente externo da es-cola ou mesmo da comunidadecom a criança? Como organizamosa rotina para possibilitar à criançao desenvolvimento da autonomiae da auto-estima, através, por exem-plo, da livre escolha de atividadesou dentro das atividades? Para serbem simples, quanto tempo a cri-ança passa sentada no chão, brin-cando com outras crianças e quan-to tempo passa em atividades depapel, sentada em uma cadeirinhae com lápis/tintas sobre a mesa?Quantas pesquisas e descobertas a

Quando pensamos no espaço e no tempo da educação de criançaspequenas é preciso admitir que este espaço e a utilização propostado tempo de permanência da criança na escola refletem umaconcepção de criança, de direito e de educação.

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38 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

criança faz em um dia na creche ouna Emei?

Estas opções de organizaçãodo tempo e das atividades da crian-ça são opções pedagógicas, que re-fletem a nossa forma de ver a crian-ça e de viver o nosso papel de edu-cadoras.

Muito feliz é o texto "Parâme-tros básicos de infra-estrutura parainstituições de educação infantil",ao considerar na diversidade nacio-nal a constituição de espaços edu-cativos que possam ser construídoscom a participação da comunidadee o compartilhamento de saberesentre educadores, crianças, pais...

"... a concepção do projetodeve ser antecedida de processosparticipativos que envolvam a co-munidade educacional - crianças,professores, funcionários, familia-res e, nas unidades públicas de edu-cação infantil, as administraçõesmunicipais -, com vistas a compar-tilhar os saberes e as experiênciasdaqueles que vivenciam os espaços,além de incorporar a reflexão so-bre o perfil pedagógico da institui-ção pretendida. Este processo de-manda a formação de uma equipeinterdisciplinar, que envolva profes-sores, arquitetos, engenheiros, pro-fissionais de educação e saúde, ad-ministradores e representantes dacomunidade, permitindo que osdiferentes saberes e objetivos sejampor eles compartilhados .... O pro-fessor, junto com as crianças, pre-para o ambiente da educação infan-til, organiza-o a partir do que sabeque é bom e importante para o de-senvolvimento de todos e incorpo-ra os valores culturais das famíliasem suas propostas pedagógicas, fa-zendo-o de modo que as criançaspossam ressignificá-lo e transformá-lo. A criança pode e deve propor,recriar e explorar o ambiente, mo-dificando o que foi planejado."(Brasil, 2006, p.7)

O espaço físico expressa a pe-dagogia adotada. É possível cons-truir espaços coletivos brincantesnos quais professores, funcionários,famílias e crianças - todas elas - sin-tam alegria em compartilhar desco-bertas, em fazer amigos e se sentemvalorizados em sua singularidade,respeitados em seu tempo de de-senvolvimento e com direito a fruirda cultura universal e de suas repre-

sentações locais. Através dos Con-selhos de Escola, do Conselho Mu-nicipal de Educação, da gestãodemocrática e compartilhada, dadestinação de recursos em vigilan-te acompanhamento pela comuni-dade, podemos sonhar, mantendoos pés no chão, com uma escola querespeite os direitos das crianças,dos funcionárias, dos professores eda comunidade.

O ponto central que merecemaior reflexão, a meu ver, é a ob-servação da coerência entre proje-to pedagógico, espaço e tempo de-dicado às atividades com as crian-

*Marina Silveira Palhares – graduada em Terapia Ocupa-cional pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, foiprofessora na UFMG, mestrado em educação na UFSC – tema Di-reito à educação infantil; doutorado pela Feusp, na área de Filo-sofia da Educação; secretária municipal de Educação e Cultura deSão Carlos (SP), de 2001 a 2004.

Bibliografia

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FARIA, A. L. G. (Org.), PALHARES, M. S. (Org.) . Educaçãoinfantil pós LDB : rumos e desafios. 5. ed. Campinas, São Carlos,Florianópolis: Autores Associados. Ed. UFSCar, 2005.

PALHARES, M. S. O direito à educação infantil em São Car-los. In: Juca Gil. (Org.). Educação municipal; Experiências depolíticas democráticas. Ubatuba: Estação Palavra Editora e Distri-buidora, 2004, v. , p. 47-61.

ças, como o espaço de leitura, can-to, dança e representações de pa-péis sociais. É preciso estar atentopara a forte influência da Pedago-gia tradicional na educação, princi-palmente na educação infantil, pro-curando observar os espaços exter-nos à sala de aula, os espaços deconvivência, a própria sala onde acriança fica mais tempo, espaçosconstituídos por adultos, que podeme devem ser espaços em construção,que se coloquem para a criançacomo espaços de autonomia e deinterferência ativa. Espaços e tem-pos de aprendizagem do ser.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 39

* Mônica Appezzato Pinazza

Em tempo e espaço redu-zidos para proceder aprofundas teorizações eanálises de práticas edu-cativas, pretende-se, nes-

ta oportunidade, abordar algunsaspectos relativos à temática pro-posta. O intuito é instigar um de-bate sobre a maneira como as equi-pes das instituições de educaçãoinfantil têm conduzido as discus-sões relativas aos tempos e espaçosno âmbito de seus trabalhos peda-gógicos.

Na literatura especializada na-cional e internacional e nos docu-mentos oficiais brasileiros, das Di-retrizes Curriculares Nacionaispara a Educação Infantil (1998), aostextos mais atuais: Política Nacionalde Educação Infantil, ParâmetrosBásicos de Infra-estrutura para Ins-tituições de Educação Infantil e Pa-râmetros Nacionais de Qualidadepara a Educação Infantil, todos pu-blicados pelo MEC em 2006, che-gando às especificações publicadaspela Secretaria Municipal de SãoPaulo, no mesmo ano, não faltamreferências às dimensões de tempoe espaço, quando o assunto é a de-finição de ações educativas de me-lhor qualidade na educação infan-til. Como decorrência de uma plu-ralidade de proposições sobre essatemática, tem-se a inserção de no-vos elementos ao discurso dos pro-

Tempo e espaço na educação infantil:

fissionais, anunciando a necessida-de de se pensar em transformaçõesdos ambientes educativos das insti-tuições destinadas às crianças pe-quenas.

Contudo, o que se vê são mu-danças pontuais em espaços e emrotinas (tempos de trabalho), queresultam em pouco (ou mesmo ne-nhum) impacto no plano das reali-zações educativas concretas. Noque tange aos espaços, são bonsexemplos desse estado de coisas assalas de atividades em que experiên-cias inovadoras insistem em nãoacontecerem, a despeito da substi-tuição das mesinhas e cadeirinhaspelos cantinhos, áreas ou ateliês, tãoem voga nos últimos tempos, ou oparque, bem equipado, que abrigavivências pouco reconhecidas eexploradas do cotidiano da educa-ção infantil, servindo mais aos mo-mentos de dispersão. Também re-velam profundos descompassos aslógicas temporais adotadas nas ins-tituições, que sob o argumento deserem pensadas para o bem-estardas crianças, ainda desconsideramos tempos possíveis das criançase pensados pelas crianças. Assimsão: os tempos de espera na chega-da, que em nada expressam o aco-lhimento necessário; o horário dosono, que ainda faz dormir a todos,indiferentemente; o auto-serviço, jáinstalado, mas que é resistente emadmitir hábitos próprios de alimen-tação; as idas orquestradas ao ba-nheiro, como se fosse possível co-

mandar as necessidades fisiológi-cas; as atividades de desenho, pin-tura, modelagem e construção, in-terrompidas, mesmo que não fina-lizadas, e nunca mais retomadas.

Diante disso, pode-se pergun-tar: por que há uma perda conside-rável da força dos argumentos emfavor de um redimensionamentodos tempos e espaços na educaçãoinfantil, quando se efetua a transpo-sição do plano das idéias ao planodas ações concretas? Que possibili-dades explicativas se tem para apre-ender esse fenômeno de apreensãode saberes que modifica discursos,mas que é incapaz de colocar eminquirição antigas e intocadas cren-ças, responsáveis pela perpetuaçãode práticas.

Pode ser útil o reencontrocom as pedagogias de HenriquePestalozzi, Fredrich Froebel, JohnDewey, Maria Montessori, OvideDecroly e Celestin Freinet, em quesão fartas as referências às dimen-sões de tempo e espaço para sepensar o trabalho educativo com acriança. Nas postulações dessesilustres educadores se revelamconcepções bastante claras e prin-cípios norteadores das práticaseducativas por eles defendidas.

Muitos dos enunciados dessespensadores, matizados por outrasteorizações e bases epistemológicascedidas por diferentes campos doconhecimento (filosofia, história,psicologia, antropologia, sociologiae arte), reaparecem em modelos

Não se consegue inserir trabalhos, com projetos quedemandam redimensionamento muito próprios detempos e espaços, sem que se tenham esclarecidas asconcepções que animam essa natureza de prática,conforme anunciada por John Dewey.

questões conceptuaisquestões conceptuais

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40 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

curriculares e propostas pedagógi-cas para a educação infantil, bastan-te em voga nos dias atuais. Perten-cem a esse rol: o Modelo High Sco-pe, as propostas do Norte da Itália(de várias localidades da ReggioRomana, desde as primeiras mani-festações na cidade de Reggio Emi-lia), a pedagogia do Movimento daEscola Moderna (MEM), as propos-tas dos Países Escandinavos. Aindaé possível encontrar pedagogiasque ganham seus próprios traçadosa partir de longo processo de con-textualização crítica de modelos epropostas pré-existentes. São oscasos dos trabalhos desenvolvidospela Associação Criança, em Portu-gal, e pelo Pen Green Centre, naInglaterra. Dessas formulações, noBrasil, ganharam maior expressãoo modelo High Scope e as propos-tas do Norte da Itália.

De modo geral, nessas propos-tas, as considerações sobre o tem-po e o espaço sustentam-se, inteira-mente, no construto teórico quecompõe cada uma dessas propostaspedagógicas. O tempo e o espaçosão tratados numa relação de com-plementaridade, ou seja, não se falade espaços sem se falar de tempos.Ademais, não compreendem ostempos e espaços no âmbito da ins-tituição educativa sem o devido di-álogo com os tempos e espaços vi-venciados pela criança em outroscontextos de vida. Basta uma leitu-ra das pedagogias citadas para seperceber os apelos em favor de prá-ticas que ultrapassem as paredesdas salas e das instituições.

Tudo isso para dizer que nãodá para inserir na rotina as aulas-passeio de Pestalozzi se os princí-pios subjacentes a essa prática nãoestiverem devidamente explicita-dos. Os arranjos de materiais su-geridos por Froebel e por Decro-ly têm sentido no interior das for-mulações de cada um desses edu-cadores, não é possível destacá-lasde seus contextos originais. Nãose consegue inserir trabalhos,com projetos que demandam re-dimensionamento muito própriosde tempos e espaços, sem que setenham esclarecidas as concep-ções que animam essa natureza deprática, conforme anunciada porJohn Dewey. Os espaços concebi-dos em áreas ou ateliês como os

propostos por Montessori e Frei-net só fazem sentido medianteuma compreensão ampliada dasintenções educativas defendidaspor esses educadores.

Da mesma forma, as equaçõesde tempo e espaço propostas peloModelo Curricular High Scope epelas propostas do Norte da Itáliase justificam, exclusivamente,quando compreendidos no bojodessas abordagens. Não basta ado-tar a rotina e as áreas de experiên-cias do High Scope destacando-seesses conceitos do sentido maisprofundo de aprendizagem pelaação (Hohmann e Weikart, 2004).Os tempos e espaços de ReggioEmilia, Pistóia, Módena ou Parmasão compreensíveis na perspecti-va de trabalho pautada no desen-volvimento de projetos, em francainterlocução com os contextos devida da criança (instituição de edu-cação infantil, família e comunida-de) (Edwards,Gandini e Forman,1999; Bondioli, 2004).

No entanto, na constituição deum pensar e de um fazer pedagógi-co para a educação infantil é fre-qüente a incorporação desses con-ceitos destacados das teorizações,tornando-se distantes dos princípi-os que os sustentam. Essa maneirade assimilação de novas fórmulaspara o trabalho educativo, anunci-ando reorganizações de tempos eespaços, altera somente na superfí-cie as práticas vigentes.

É possível pensar que a razãodessa ocorrência assenta-se, emgrande medida, no modo como cir-culam os saberes produzidos nocampo, definindo, inclusive, for-matos questionáveis de práticas deformação (inicial e contínua). Tor-nam inócuas as especificaçõesavançadas dos documentos oficiaise não consideram a pertinênciadas teorizações numa ação educa-tiva real, vivida pelos adultos e pe-las crianças em seus próprios es-paços e tempos.

Permanece o desafio de am-pliar a reflexão sobre as dimensõesde tempo e de espaço no interiorde um projeto pedagógico consis-tente, revelador das concepções edos planos de trabalho com auto-ria das pessoas certas, envolvidasem contextos reais e, portanto, empráticas concretas.

* Mônica Apezzato Pinazza – profes-sora doutora da Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo (Feusp). É pes-quisadora na área de formação de profissio-nais de educação infantil.

Bibliografia

BONDIOLI, A. (org). O projetopedagógico da creche e a sua avaliação.Campinas/SP: Autores Associados.2004.

BRASIL, Ministério da Educação edo Desporto/ Conselho Nacional deEducação/ Câmara de Educação Básica.“Diretrizes curriculares nacionais paraa educação infantil”. Brasília/DF: MEC/CNE. 2006.

BRASIL, Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica. “Parâme-tros básicos de infra-estrutura para ins-tituições de educação infantil”. Brasília/DF: MEC/SEB. 2006.

BRASIL, Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica. “Parâme-tros nacionais de qualidade para a edu-cação infantil”. Brasília/DF: MEC/SEB.2006.

BRASIL, Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica. “Políti-ca nacional de educação infantil: pelodireito das crianças de 0 a 6 anos à edu-cação”. Brasília/DF: MEC/SEB. 2006.

EDWARDS, C.; GANDINI, L. e FOR-MAN, G. As cem linguagens da criança– a abordagem de Reggio Emilia na edu-cação da primeira infância. Porto Alegre:Artmed. 1999.

HOHMANN, M. e WEIKART,D.P.Educar a criança. Lisboa/Pt: FundaçãoCalouste Gulbenkian. 3ª. edição. 2004.

SÃO PAULO, SME/DOT. Educaçãoinfantil – tempos e espaços para a In-fância e suas linguagens nos CEIs , cre-ches e Emeis da cidade de São Paulo.São Paulo: SME/DOT. 2006.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 41

OBJETIVO DO SEMINÁ-RIO “A ORGANIZAÇÃO DOTEMPO E ESPAÇO NA EDUCA-ÇÃO INFANTIL”: este seminárioteve como finalidade refletir sobre osfundamentos teóricos e metodológi-cos das formas de planejar e organi-zar os ambientes nas instituições deeducação infantil, tendo como pers-pectiva repensar e avaliar as formasde organização dos espaços e tem-pos na rotina das crianças e das ins-tituições.

No seminário, o ponto de par-tida para a reflexão foi a experiênciado CEI Pequeno Seareiro e da EmeiAlice Feitosa.

O relato da experiência doCentro de Educação Infantil abar-cou o período de 1998 a 2007, tem-po de dez anos em que trabalharama temática "tempo e espaço", pro-posta pedagógica que teve comomarca o diálogo entre educadores,crianças e famílias.

O prédio do CEI era pequeno,semelhante a uma casa, com um pá-tio grande na parte superior. No iní-cio a tendência era a permanênciadas crianças dentro dos ambientes fe-chados e as atividades eram funda-mentalmente escolhidas pelos adul-tos. Ao conceberem que só a reor-ganização do espaço não garante ostempos adequados para a educaçãoda infância, passaram a repensar omodo de utilização dos tempos e es-paços, ou seja, dos ambientes, ten-do como referência a experiência deabordagem das escolas italianas deReggio Emilia. A partir da concep-ção de CEI enquanto espaço de cui-dado e educação e fundamental-mente como espaço para a manifes-tação da criança poder ser criança,houve um maior investimento no es-paço externo e todos os ambientespassaram a retratar as escolhas e osfazeres da criança, os seus usos e assuas marcas.

A Emei acredita que os espa-ços e a forma como ocupá-los reve-lam a concepção de criança, infân-

DESTAQUES DO DEBATEcia e o projeto educativo da escola.Defendem o espaço como elementofundamental do currículo. Trabalhama partir do olhar e da escuta das cri-anças, possibilitando que elas falem,realizem, escolham e ajam como pro-tagonistas na construção dos espa-ços e tempos.

No relato dessa experiência fi-cou claro o processo coletivo, com aparticipação das crianças, profissio-nais e famílias na construção de di-versas propostas. As crianças obser-vam, pensam e sugerem. Tudo é re-gistrado, discutido e decidido por to-dos e somente a partir de então éque se realiza a proposta aprovada.Foi assim no caso da construção deum "castelinho" que foi projetadocoletivamente pelas crianças. Naárea interna utilizam os cantos fixos(leitura, artes e brinquedos) e mó-veis a partir dos interesses das cri-anças, que são criados nas diferen-tes brincadeiras ou são propostospelas professoras. Defendem que osmateriais devem estar acessíveis àscrianças, que com o tempo desen-volvem a autonomia e o cuidado nouso dos mesmos.

A palestrante Mônica Appezza-to Pinazza ressaltou que nas diversasliteraturas e documentos nacionais einternacionais existem muitas refe-rências e propostas relativas às ques-tões do tempo e espaço na educa-ção infantil. Porém, grande parte dasvezes, as idéias chegam às práticasempobrecidas e fragmentadas. Aler-tou também para o risco de haverum distanciamento entre os nossosdiscursos e as nossas ações. Portan-to, ressaltou a importância de reto-marmos as concepções e os princí-pios norteadores defendidos nas pe-dagogias de diversos autores (Pesta-lozzi, Froebel, Dewey, Montessori,Decroly e Freinet) para repensarmose reorganizarmos os tempos e espa-ços, não somente a partir de propos-tas e modelos, mas a partir das teo-rias e concepções que as fundamen-tam. A partir dessas consideraçõesquestionou o fato das teorias que se

inserem nos discursos dos profissio-nais sem que haja clareza do seu sig-nificado e amplitude, assim como os"pacotes" que desconsideram as pes-soas, suas autorias, seus movimen-tos, tornando-se assim formais, nãosendo incorporados às praticas ousendo equivocadamente reproduzi-dos de forma parcial.

A professora Mônica comentouque as duas práticas apresentadasdemonstraram um trabalho de "equi-pe orquestrada" na construção deplanos de ação, na direção de umpensar pedagógico, a partir de inves-timentos nas relações. O trajeto paraconstrução do trabalho em equipeenvolve encontros, desencontros,avanços e retrocessos, que precisamser explicitados historicamente.

A palestrante Marina Palharesapresentou uma importante questãopara a reflexão: a contradição entrea conquista do direito à educação dacriança, em um espaço especializa-do para infância, que muitas vezes,significa o seu confinamento. Pergun-tou: O quanto se limita o espaço dacriança? O quanto a criança ganhade espaço ao ter, por exemplo, umaescola, uma sala, um cantinho equanto ela perde de espaço na rua,na sociedade? Em função disso, eladefendeu a constituição dos espaçoscom a participação da criança, da co-munidade e dos profissionais, paraque estes se caracterizem como es-paços públicos de partilha, crescimen-to, desenvolvimento e alegria. A títu-lo de exemplo, relatou uma experiên-cia em que desde o projeto arquite-tônico tudo foi discutido com a po-pulação, com os educadores e comas crianças e até as opções de organi-zação do tempo e as atividades ex-pressaram a pedagogia adotada.

No debate final, ficou claro, queesses processos de construção de tem-pos e espaços não ocorrem sem con-flitos e que o espaço da discussão, daexplicitação da divergência e da cons-trução coletiva é fundamental.

Grupo Espaço Plural

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SEMINÁRIOO PAPEL DO JOGO/BRINCADEIRA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

CEI RIO PEQUENO IIAdriana Dall’ Onder

Maria São Pedro Barreto MatosMaria Sônia Henrique

EMEI JOÃO ORTALELilane Aparecida G. Medeiros de Freitas

PALESTRANTE

Maria Ângela Barbato Carneiro

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 43

*Adriana Dall´ Onder**Maria São Pedro Barreto Matos

***Maria Sonia Henrique

ogos e brincadeiras são ati-vidades desenvolvidas jun-tamente com as de regis-tros da ação pedagógica.Os mesmos têm como ob-

jetivo satisfazer a necessidade dacriança em se movimentar: corren-do, levantando, subindo, descen-do, abaixando, expressando-se,agrupando-se com outras criançasou individualmente.

CEI RIO PEQUENO II

As atividades de jogos/brinca-deiras acontecem em vários espa-ços como a sala das crianças, o re-feitório, o solário, o parque grama-do e o parque coberto.

As crianças, sozinhas ou emgrupos, têm a oportunidade de ex-plorar o espaço que é oferecido,ampliando a percepção sobre omundo e sobre si mesmas, desper-tando sua iniciativa, sensibilidadee criatividade para viver em socie-dade.

As brincadeiras começam a serdesenvolvidas no Berçário I (zero a11 meses) e ficando mais aprimo-radas nos grupos seguintes: Berçá-

rio II (de um ano a um ano e 11 me-ses) e minigrupos de dois anos atrês anos e 11 meses.

Nas brincadeiras a assimilaçãodas regras ocorre de forma gradati-va. A criança, aos poucos, vai per-cebendo que no convívio socialexistem regras e é necessário cum-pri-las. E desta forma lúdica desen-volve o respeito mútuo, respeitan-do o outro e sendo respeitado.

Enfatizamos as brincadeirastradicionais que são apreciadas pe-las crianças, conhecidas pelos paise trabalhadas pelos professores.Aplicamos às famílias um questio-nário para sabermos quais as brin-

O grupo docente tem participação efetiva nas brincadeiras das crianças,como escorregar no tanque de areia e na participação do faz-de-conta- comendo os vários tipos de bolos (de areia) ou andando nocaminhão com apenas o volante feito de peneira -, alimentando aimaginação infantil, aguçando a curiosidade e agindo comointermediário neste processo de construção de identidade e de valores.

J

As crianças, sozinhasou em grupos, exploramo espaço oferecido

BRINCAR PARACRESCER E CRIARCRESCER E CRIAR

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cadeiras ou jogos brincavam na in-fância e que brincam com seus fi-lhos hoje. Depois, fazemos um le-vantamento e, ao longo do ano, de-senvolvemos junto ao projeto peda-gógico atividades e oficinas com ospais e crianças, resgatando momen-tos de união, reforçando, através dabrincadeira, os hábitos culturais, ocontato físico e o desenvolvimen-to através dessa linguagem corpo-ral existente nas brincadeiras, poismuitos pais ressaltam no questio-nário os jogos eletrônicos, mesmonesta faixa etária. Organizamos ati-vidade com os pais, para aprende-rem a brincar com seus filhos e su-perar a vergonha de brincar. Al-guns professores também sentemvergonha quando brincam com ascrianças, principalmente se tiveroutro adulto por perto. A vergonhapoda a criatividade do professor edos pais e fazemos esforços parasuperá-la.

O grupo docente tem partici-pação efetiva nas brincadeiras dascrianças, como escorregar no tan-que de areia e na participação dofaz de conta – comendo os váriostipos de bolos (de areia) ou andan-do no caminhão com apenas o vo-lante feito de peneira – alimentan-do a imaginação infantil, aguçandoa curiosidade e agindo como inter-mediário neste processo de cons-trução de identidade e valores.

Desta forma, compartilhamosbrincadeiras capazes de promoveruma infância mais alegre, uma vezque o brincar parece ficar a cargosomente da escola, devido à valori-zação do mundo informatizado e odia-a-dia apressado. A criança sen-te necessidade de brincar a todomomento, e no ambiente familiar,

*Maria São Pedro Barreto Matos -pedagoga, trabalha com educação infantilno CEI Rio Pequeno II, com minigrupo, e naEmei Monte Castelo, com primeiro estágio.

**Adriana Dall' Onder - bióloga, atuacomo professora de educação Infantil desde2004 no CEI Rio Pequeno II.

***Maria Sonia Henrique - formadaem magistério pelo Cefam, tem Licenciaturaem Ciências Sociais pela Universidade de SãoPaulo (USP). É professora de educação in-fantil no CEI Rio Pequeno II.

os pais tem pouco tempo para brin-car e desta forma perdendo umafase importante e necessária para odesenvolvimento delas. (Durante asintegrações família/escola promo-vemos o brincar com seus filhos ouque realizem atividades do cotidia-no escolar das crianças).

O CEI necessita de melhorescondições de trabalho. Não te-mos brinquedoteca, os brinque-dos ficam em armários e caixas eas crianças os escolhem de acordocom suas preferências. Alguns brin-quedos são construídos pelos pró-prios professores, para adaptá-los àfaixa etária e também para reutili-zar os materiais descartáveis.

O planejamento existe e sefaz necessário, mas, às vezes, a ne-cessidade impera (até mesmo pelareestruturação que o CEI vem tra-çando na educação infantil, ga-nhando espaço e valorização como trabalho realizado), o horário

coletivo é difícil de ser realizadoporque para acontecer temos desobrecarregar outros professoresdevido à rotina. Apenas dois pro-fessores para vinte e quatro crian-ças são insuficientes. Precisamosde tempo efetivo de preparo, deelaboração, ref lexão e planeja-mento para atingirmos nosso ob-jetivo em prol de uma EducaçãoInfantil de qualidade com profis-sionais interessados e preocupa-dos em possibilitar uma trajetóriaescolar com dignidade e qualida-de, onde os aspectos sociais, inte-lectuais, físicos e emocionais se-jam inerentes a esse processo.

Portanto, acreditamos no im-portante papel dos jogos/brinca-deiras na educação infantil e traba-lhamos para que também, atravésdelas, consigamos promover umainfância mais prazerosa e capaz deestimular a construção da identida-de através do brincar.

Os jogos e as brincadeiras possibilitam aprender a solucionar problemas,lidar com os sentimentos, criar e respeitar regras

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* Lilane Aparecida G. Medeiros de Freitas

Em 1991, assumi uma salamuito difícil onde meta-de dos alunos ficava oitohoras na escola (o antigointegral), e a outra meta-

de ficava apenas quatro horas. Erauma sala sem concentração.

Precisei buscar meios paraque aquelas crianças se envolves-sem e se interessassem pelas ativi-dades e, para que o ano transcorres-se de maneira tranqüila. Na sala ti-

nha 45 alunos. Foi um desafio e vinos jogos e brincadeiras de campo,uma alternativa.

Então, todo o dia, antes de en-trar na sala ensinava uma brincadei-ra ou um jogo diferente, sempretendo em mente os objetivos a se-rem alcançados. Estas brincadeirase jogos despertaram interesses porparte das crianças, as quais, tambémtraziam idéias. Ficaram mais interes-sados, e concentravam-se melhordurante o restante do período.

A criança está o tempo todoaprendendo através da brincadeira,

sem ter consciência disso, porqueo jogo e a brincadeira estão presen-tes no seu dia a dia.

Com as brincadeiras e jogosdesenvolvem-se a atenção, concen-tração, coordenação motora, criati-vidade, socialização, a confiança, apaciência,a ter iniciativa, aprendema solucionar problemas, como lidarcom sentimentos como: a frustra-ção, a perda, a alegria, aprendemregras e até criam suas regras, bemcomo constroem estratégias.

O jogo e a brincadeira consti-tuem recursos pedagógicos de ines-

É preciso tentar ir atrás e não ficar esperando. Não existeuma receita pronta para mudar uma prática, masdevemos tentar aplicá-la dentro da nossa realidade.

EMEI PROFESSOR JOÃO ORTALE

RELATO DE PROJETORELATO DE PROJETO

O jogo e a brincadeira são recursos pedagógicos importantes no dia-a-dia das crianças

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timável valor na construção da lin-guagem verbal, além de propiciar odesenvolvimento cognitivo.

A partir deste ano, comecei apesquisar jogos para trabalhar emsala de aula. A cada ano que passa-va eu trazia jogos diferentes e ativi-dade no papel foi ficando para se-gundo plano. Não foi necessáriocomprá-los porque nem sempre aescola tinha verba, por isso muitosjogos foram feitos com materiaissimples por mim mesma.

Através do jogo, o professorpode observar as reações e senti-mentos de seus alunos. Além dissopoderá intervir para um melhoraproveitamento e assim avaliar osresultados. A postura do professordeve ser firme, colocando limites,mas com o cuidado de não coibiras iniciativas das crianças.. Quandoas crianças já sabem todos os jogosapresentados, coloco um jogo dife-rente em cada mesa. Assim as crian-ças podem escolher com qual jogoquerem brincar, por quanto tempoe com quem querem jogar.

O registro é feito, porém só emalguns momentos, porque o impor-tante é jogar e brincar por prazer.

Para ensinar o jogo faço umagrande roda e explico como ele é,como se joga e suas regras. A seguirdistribuo um jogo para cada mesa,para que joguem. Vou de mesa emmesa jogar com as crianças e assimposso observar se estão jogandocorretamente. Vou corrigindo e, senecessário, ensinando novamente.É muito importante que o profes-sor participe dos jogos. Brincandocom as crianças. Dessa forma, elasirão se sentir mais seguras, pois es-tarão brincando/jogando com al-guém que conhece as regras e sabejogar.

O retorno não é imediato, masaos poucos o professor percebe asmudanças nas crianças e no seudesenvolvimento.

O meu processo de transfor-mação para a reformulação da prá-tica pedagógica foi lento, demoroualguns anos, pois precisei respeitaro meu tempo e as minhas dificul-dades. É preciso tentar ir atrás e nãoficar esperando. Não existe umareceita pronta para mudar uma prá-tica, mas devemos tentar aplicá-ladentro da nossa realidade.

É importante respeitar o espa-

* Liliane Aparecida Gonçalves Me-deiros de Freitas - professora da Emei JoãoOrtale, pedagoga. Docente há 25 anos narede municipal de ensino, atuando direta-mente com crianças. Trabalha há alguns anoscom jogos e brincadeiras.

ço que você está e a sua realidade,para que aos poucos as coisasaconteçam. É preciso também res-peitar o trabalho de nossos cole-gas, pois a troca de experiênciasé maravilhosa.

Abaixo apresento sugestão deuma brincadeira de campo e de umjogo de sala:

UM É POUCO, DOISÉ BOM, TRÊS É DEMAIS

Alunos em círculo, dois a dois,um atrás do outro. Dois alunos sãodestacados: um para fugir e outropara pegar. O perseguido para nãoser pego, coloca-se à frente de umadas duplas, imediatamente o queestá atrás, passa a ser fugitivo. Aperseguição continua.

Quando o pegador tocar o fu-gitivo, invertem-se os papéis.

JOGO DA MEMÓRIA

Iniciar este jogo com pelomenos vinte pares de cartões. For-mar grupos de no máximo 4 alunos.Embaralhar os cartões e coloca-lossobre a mesa, virados para baixo. O

primeiro jogador deverá virar paracima dois cartões. Se forem equiva-lentes, fica com o par e joga nova-mente. Se forem diferentes o joga-dor volta a virá-los para baixo reco-locando-os no espaço anterior. Serávencedor o aluno que conseguirformar mais pares de cartões.

Pode-se fazer este jogo utili-zando:

- figuras iguais;- número e quantidade;- letra inicial e figura;- palavra e figura;- sílaba inicial e figura;- sílaba inicial e palavra;- rótulos iguais;- nomes dos alunos.

O jogo e a brincadeira como recursos pedagógicos

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 47

Concepções de jogo e brincadeira esua importância na educação infantil

* Maria Ângela Barbato Carneiro

Não se sabe exatamen-te quando os homenscomeçaram a jogarmas, do ponto de vis-ta histórico, há docu-

mentos que mostram a existênciados jogos desde os povos antigos,talvez seja essa uma das razões quelevou Huizinga (1954) a afirmar queantes da designação da espécie hu-mana de “homo sapiens” o nomemais adequado seria a de “homo lu-dens”, dada a idéia de que muitos dosfazeres humanos advêm dos jogos.

O termo lúdico, usado comosinônimo de jogo, teve origem napalavra latina “ludus, ludère” usadapara designar desde movimentosrápidos, os ritos de iniciação, os jo-gos de azar e as atividades religio-sas. Talvez o jogo tenha surgido ini-cialmente muito mais sob a formade culto religioso ou cerimônia deiniciação, do que mero passatempo.

Entre os egípcios, por exem-plo, tanto o calendário como a ori-gem de alguns deuses advêm dosjogos. Conta-se que a deusa Nutapaixonou-se por um mortal denome Geb, ao qual se uniu secreta-mente sem a permissão de Amon-Ra (Sol). Ao tomar conhecimentodo enlace o deus teria lançado so-bre a deusa uma maldição, ou seja,ela jamais poderia parir em um dos360 dias do calendário daquelepovo No entanto, Thot, um guerrei-ro apaixonado pela deusa dispôs-sea ajudá-la, propondo-se a jogar coma Lua. Nessa atividade de sorte ouazar, acabou vencendo, obtendocomo prêmio parte das luzes do fa-moso satélite. Com elas conseguiu

Eis aí, um grande equívoco.É por meio da brincadeira

que o ser humano se desenvolve ese torna senhor de si próprio, ad-quirindo características singularesque o diferenciam das demais espé-cies animais existentes no planeta.

Quando a criança nasce pos-sui uma herança genética que fazparte da sua espécie. Naquele mo-mento, o cérebro tem todas as infor-mações necessárias para que cadaser humano se desenvolva e isto de-pende da maturação de cada um.

Mas o ser humano é dotado,além da herança genética, de fun-ções mentais extremamente impor-tantes que provocam seu desenvol-vimento e é nesse sentido que abrincadeira é importante, por favo-recer, como muito bem apontaramBassedas, Solé e Huguet (1999), aformação progressiva de funçõespropriamente humanas. Nesse sen-tido deve-se ressaltar que só nosdesenvolvemos, isto é, colocamosem funcionamento nossas funçõesmentais superiores tais como opensamento, a linguagem a criati-vidade, por exemplo, graças ao pro-cesso de aprendizagem.

No entanto, como ocorrem odesenvolvimento e a aprendizagemna criança? Ocorrem, em grandeparte, através das brincadeiras,quando os pequenos estabelecemrelações com o mundo que os cercae com as pessoas que estão ao seuredor. Jogando, eles aprendem aimitar, a se comunicar, a raciocinar,a imaginar, a solucionar problemas,a compartilhar, a estabelecer víncu-los, a criar e até mesmo a se humani-zar. Daí a importância de permitirque a criança brinque e aprendaexplorando diferentes espaços, di-versos materiais e se relacionandocom inúmeras pessoas, pois isso es-tará contribuindo para que ela vivatanto de uma maneira mais saudá-vel, quanto possa se tornar um adul-to autônomo, responsável, criativoe, sobretudo, feliz no dia de amanhã.

A educação infantil é o mo-

formar mais cinco dias, além dos360 já existentes no calendárioegípcio, nos quais Nut poderia sermãe. Foi assim que nasceram, então,Osíris e Isis, além de o calendáriodaquele povo ter 365 dias.

Com o tempo os jogos passa-ram a fazer parte da cultura popu-lar e sua prática era comum entreadultos e crianças. Foi somente apartir do século XVI que os jogosforam considerados como ativida-des pecaminosas, destinando-se es-pecificamente às crianças.

Embora a palavra brincadeira,tenha se originado do brincar, “Vin-clu, vincru, vrinco” de origem lati-na que significava vínculo, desde suagênese o termo esteve ligado à cria-ção de vínculos, daí também a rela-ção que se faz com laços que se es-tabelecem entre os brincantes.

Hoje, jogo e brincadeira sãousados, na maioria das vezes, comosinônimos. Para grande parte daspessoas o primeiro parece envolverregras mais rígidas enquanto, últi-ma possui regras mais flexíveis,embora ambos possam ser conside-rados como divertimentos ou atémesmo passatempos de crianças.

Jogar ou brincar é uma ativi-dade importantíssima para o serhumano em geral, e para a criançaem especial, porém, muitas vezesdesprezado.

A brincadeira, por não ter va-lor econômico, parece se opor aotrabalho, especialmente em ummomento em que a maioria dospais está preocupada com o enca-minhamento profissional de seusfilhos, contribuindo para que obrincar seja visto com maus olhospor, aparentemente, não trazer ne-nhum benefício nesse sentido.

A educação infantil é o momento, por excelência, em que

o brincar é mais do que uma simples atividade para a

criança. Ele é uma linguagem que deve ser permitida,

observada, estimulada e realizada em sua amplitude.

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48 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

mento, por excelência, no qual obrincar é mais do que uma simplesatividade para a criança, ele é umalinguagem que deve ser permitida,observada, estimulada e realizadaem sua amplitude. Se isso não ocor-rer transformaremos nossas crian-ças em adultos precoces que quei-marão etapas do seu desenvolvimen-to e essa é uma viagem sem volta.

Na escola nos deparamos comvários tipos de atividades lúdicas.Uma delas é a brincadeira livre queocorre quando a criança tem a liber-dade de escolher o que quer reali-zar. Mas não podemos nos esquecerque o brincar não é inato, ele éaprendido. Portanto, se não ensinar-mos a criança ela não brincará.

Quando a atividade lúdica élivremente escolhida pela criançaela terá mais do que uma simplesoportunidade de opção porque tes-tará hipóteses, descobrirá o mundoque está ao seu redor, terá que so-lucionar problemas e experimenta-rá seus limites e possibilidades.

Para além das brincadeiras li-vres, há na escola, uma série dessasatividades dirigidas, aliás, o quemais existe, na educação infantil.Sem dúvida que são muito impor-tantes, porque oferecem referenci-ais para uma posterior escolha porparte das crianças. Porém, é impor-tante que elas não sejam exclusivas.

Além das modalidades de jogoapresentadas anteriormente, há ain-da na escola a possibilidade de pla-nejar espaços para brincar, os famo-sos cantinhos que quando organiza-dos, favorecem as brincadeiras den-tro de determinados contextos, auxi-liando as crianças a representareminúmeros papéis, além de estimula-rem o desenvolvimento da lingua-gem, a interação e cooperação entreos pequenos e as novas descobertas.

Deve-se ressaltar que as for-mas de brincar nas escolas de edu-cação infantil devem existir de ma-neira equilibrada, dada a contribui-ção que cada uma delas exerce noprocesso de desenvolvimento e deaprendizagem das crianças.

Também é, na educação in-fantil, que se observam nitidamen-te as várias modalidades de jogosestudados por Piaget (1978), ouseja, os de exercício, os simbólicas,também chamados de faz-de-conta,os de regras e os de construção.

Dos primeiros meses atéaproximadamente em torno de doisanos há entre as crianças um pre-domínio dos jogos de exercício, istoé, aqueles que envolvem movimen-to como, por exemplo, pegar, sol-tar, balançar, gatinhar, equilibrar-se,andar correr, empurrar, subir, des-cer, esconder, aparecer...

Isso lhes dá enorme prazer,pois exploraram tanto o seu própriocorpo quanto o ambiente em quevivem. Passam a conhecer as coisasespecialmente através dos sentidos,de suas experiências concretas.

Por volta de dois anos as cri-anças já são capazes, além de semovimentarem e imitar, também desimbolizar. Brincam de faz de con-ta. A princípio imitam objetos, pes-soas e animais que estão à sua fren-te e, posteriormente, são capazes deimitá-los na sua ausência. Nessemomento, surgem brincadeiras decasinha, escolinha, supermercado,feira e tantas outras que a imagina-ção infantil é capaz de criar.

A brincadeira simbólica,como é chamada, dura por váriosanos, porém ela se apresenta deuma maneira mais intensa entrecrianças de dois a sete anos.

Vale lembrar que os jogos deexercício não desaparecem, elescontinuam a existir entre os peque-nos, o que se observa, por exemplo,quando jogam bola (sem regras)andam em triciclos, empurram epuxam carrinhos, correm, explo-rando o espaço e o corpo...

Ainda, é durante a educaçãoinfantil que surgem os jogos de re-gras, especialmente entre quatro ecinco anos, envolvendo inicialmen-te normas simples, evoluindo gra-dativamente para as mais comple-xas. Tais jogos contribuem para oprocesso de socialização, favore-cendo o respeito, a autonomia, aconcentração...

Mais uma vez é importantelembrar que as formas lúdicas an-teriores se mantêm, dependendode cada criança, com maior ou me-nor intensidade.

Surgem, também, nesse pe-ríodo os jogos de construção, queenvolvem além da exploração demateriais, seu uso para constru-ções. Agora os pequenos são capa-zes de unir o universo simbólico aomundo técnico, adicionando ao

movimento a criatividade.Atualmente, depois de casa, é

a escola onde as crianças têm maisoportunidade de brincar. Isso ocor-re por duas razões. A primeira delasé que nas instituições ainda restamalguns dos espaços mais amplos. Asegunda é que lá elas têm amigos e abrincadeira fica mais divertida.

Devemos considerar que omundo se transformou e o espaçodo brincar está desaparecendo,ameaçando a cultura da infância eo direito de ser criança.

Para as crianças, é de funda-mental importância que elas brin-quem durante a educação infantil e,para isso, os profissionais devemconhecer os benefícios da atividadee entender que ela está diretamenteligada ao ciclo vital dos pequenos.

Portanto, os profissionais daeducação infantil devem respeitare promover a brincadeira, buscan-do repertórios para serem realiza-dos com suas crianças, além de cri-ar e organizar espaços para que aação ocorra, porque é preciso lem-brar que, mesmo durante o faz deconta , elas criam e brincam dentrode contextos.

Só assim poderemos contri-buir para que as crianças não quei-mem etapas do seu desenvolvimen-to, aprendam, descubram, criem e,acima de tudo sejam felizes.

Referências bibliográficas

BASSEDAS, Eulália, SOLÉ, Isabel eHUGUET, Teresa. Aprender e ensinarna educação infantil. Porto Alegre: Art-med. 1999.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens.Aliança Editorial: Madrid, 1954.

PIAGET, Jean. A formação do sím-bolo na criança: imitação, jogo e sonho,imagem e representação. Rio de Janei-ro: Zahar, 1978.

Maria Ângela Barbato Carneiro – pro-fessora titular da Pontifícia Universidade Ca-tólica (PUC/SP) na área de educação infantil.É coordenadora do Núcleo de Cultura, Estu-dos e Pesquisas do Brincar e da Educação In-fantil e do PEC - Formação Universitária 2ªEdição - Municípios (PUC/SP); professora co-laboradora no curso de Pedagogia da Univer-sidade de Alcalá de Heners – Espanha. Livrospublicados: “Brinquedos e brincadeiras: for-mando ludoeducadores” e “A descoberta dobrincar” (em parceria com Janine Dodge).

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 49

OBJETIVO DO SEMINÁ-RIO “O PAPEL DO JOGO/BRINCADEIRA NA EDUCA-ÇÃO INFANTIL”: este semináriopretende sensibilizar os educadoresa perceberem a importância do brin-car, do brinquedo e do jogo no tem-po da infância como fonte de pra-zer, linguagem, possibilidade de de-senvolvimento, facilitador de apren-dizagens, formação de valores, ex-pressão de hábitos culturais e daimaginação infantil. Enfim são recur-sos utilizados pela criança para co-nhecer o mundo e construir a iden-tidade individual e grupal.

A temática deste seminárioproporcionou reflexão relacionadaa teorias e práticas acerca do brin-car na infância. Uma delas diz res-peito ao reconhecimento de que ojogo e a brincadeira para criançasão recursos que contribui no de-senvolvimento de habilidades, nasocialização, propicia conhecimen-to de si e do mundo. A brincadeirae o jogo possibilitam ainda a crian-ça aprender a raciocinar, imaginar,compartilhar, resolver problemas.Resgatam cultura e constituem su-jeitos.

Outra idéia é de que o jogo ea brincadeira são aprendidos e en-sinados tanto por adultos como pe-las crianças, sendo de suma impor-tância a variedade de materiais e ti-pos de brinquedos, jogos e brinca-deiras oferecidas às crianças.

Destacou-se ainda o uso feitodo brinquedo pelas instituições deeducação infantil e por seus profis-sionais. Estudos sobre este aspectotêm mostrado que algumas institui-ções de educação infantil têm utili-zado a brincadeira e o jogo comfins puramente pedagógico, comorecurso para ensinar algo à crian-ça. Outras desenvolvem a brinca-deira considerando-a como umadas linguagens essenciais no tem-po da infância e defendem a idéiade que o principal benefício paraas crianças é o prazer que esta sen-te ao brincar. Entendem ainda quenaturalmente a brincadeira e o jogo

DESTAQUES DO DEBATEcolaboram no desenvolvimento in-fantil.

Controvérsias à parte, um pon-to é comum, a criança quando brin-ca se torna mais feliz.

As discussões e reflexões pro-porcionadas por este seminário dei-xaram um alerta para as instituiçõesque atendem a infância e seus pro-fissionais que nelas desenvolve suaprática educativa no sentido deque, como a rua tornou-se um lu-gar perigoso, a escola é, além dacasa, praticamente o único lugarque restou para criança brincar. Talfato justifica-se pela condição es-pacial mais ampla e da possibilida-de da brincadeira na escola se tor-nar mais divertida, pois é neste es-paço que as crianças encontrammais crianças. Outra possibilidadeque a escola traz é a ampliação dorepertório das crianças.

Nas palavras da professora Ma-ria Ângela, palestrante deste seminá-rio, "A educação infantil é o momen-to, por excelência, em que o brincaré mais do que uma simples ativida-de para a criança. É uma linguagemque deve ser permitida, observada,estimulada e realizada em sua am-plitude. Se isso não ocorrer, trans-formaremos nossas crianças emadultos precoces, que" queimarão"etapas do seu desenvolvimento eessa é uma viagem sem volta.

As experiências práticas apre-sentadas neste seminário trouxeramvalorização do brincar com a crian-ça pequena, como destacou a pro-fessora Liliane Aparecida Gonçalves,da Emei João Ortale que transfor-mou dificuldades de trabalho comum grande grupo de criança, crian-do uma proposta de brincadeiras ejogos que trouxe variadas possibili-dades para ela e para seu grupo decrianças.

Na rica apresentação do CEIRio Pequeno II percebeu-se que asbrincadeiras estão presentes desde oberçário e que estas são valorizadase vistas pelas educadoras como pos-sibilidade de promover uma infân-cia mais prazerosa. A educadoraMaria São Pedro relatou que a brin-

cadeira é desenvolvida com o obje-tivo de entreter e satisfazer as crian-ças ressaltou que o grande desafio éinserir as crianças com necessidadesespeciais nestas atividades e nestesentido emocionou a todos os pre-sentes ao falar de sua própria expe-riência.

As avaliações realizadas pelosparticipantes deste seminário apon-taram importante sugestão sobre anecessidade de inserir vivencia dejogos e brincadeiras nos próximos se-minários.

Considerando o brincar comoalgo essencial e de direito da crian-ça algumas polêmicas foram apre-sentadas neste seminário no senti-do de que todos envolvidos na edu-cação infantil repensem suas ações.São elas:

Qual objetivo e papel devem teras instituições de educação infantil eseus educadores com relação aobrincar na infância?

Como educadores e instituiçõesque atendem a infância podem fa-zer uso do jogo e da brincadeira deforma a ser verdadeiramente signifi-cativa para a criança?

Qual função deve exercer defato para as crianças, os brinquedos,as brincadeiras e as brinquedotecas

De outro lado trouxe convic-ções profundas acerca do brincar naeducação infantil.

Brincando a criança experimen-ta, descobre, inventa, exercita e con-fere suas habilidades.

O brincar expressa a formacomo reflete, ordena, destrói, e re-constrói o mundo.

Através do brincar a criançatem a oportunidade de elaborar si-tuações cotidianas, por ela viven-ciada, ou realizar seus desejos In-satisfeitos;

Ao brincar a criança revela amagia do universo Infantil, estabele-cendo a combinação entre a ficçãoe a realidade.

Grupo Espaço Plural

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50 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

SEMINÁRIOOBSERVAÇÃO E REGISTRO: INSTRUMENTOS

METODOLÓGICOS FUNDAMENTAIS

CEI PENHAIrene Rodenas Marassi

EMEI JOÃO MENDONÇA FALCÃOMaria Cecília P. Cricelli

PALESTRANTES

Silvana AugustoSirlene Bendazzoli

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 51

* Irene Rodenas Marassi

Há muito sabemos a im-portância dos regis-tros para a práticaeducativa como recur-so de observação, aná-

lise e reflexão na construção de umfazer refletido, distante da ação des-provida de intenção. Há que se con-siderar, porém, as concepções quenorteiam estes registros.

Nossos registros no CEI aindarefletem uma concepção assisten-cialista, que buscamos superar. Mui-tas vezes ainda são apenas uma des-crição da rotina, preocupados emgarantir observações quanto à ali-mentação, ao sono e ao banho dascrianças.

Em análise dos documentosencontrados no CEI desde a minhachegada, pude perceber vários ti-pos de registros:

1 - registros descritivoscom foco na rotina - feitos pelamaioria dos educadores, limitavam-se a descrever o número de crian-ças que vieram, quantas tomarambanho, quem chorou, quem comeu,quem dormiu etc.;

2 - registros descritivoscom foco na atividade - em algu-mas situações, os registros conta-vam as atividades dadas no dia, àsvezes até com grande riqueza dedetalhes (como organizaram o gru-po, que música cantaram etc.);

3 - registros descritivoscom foco nas crianças - um ououtro registro trazia observaçõesdetalhadas sobre as crianças,como participaram, o que disse e/

ou fez cada um. Mas, apesar de de-talhado, ainda conservavam umcaráter descritivo.

O mais importante, porém,era pensar na finalidade destes re-gistros.

No final do ano todos estescadernos de registros eram guarda-dos, arquivados em algum armáriodo CEI, com o valor de quem já sefez e, portanto, cumpriu sua função.

Os registros tinham fins em simesmos, ou seja, a finalidade detodos era a mesma e única: deixarregistrado.

Era preciso repensar o valordaqueles documentos. Que deixas-sem de ter apenas um caráter afir-mativo e de constatação para ga-nhar a riqueza do olhar reflexivo,norteando novos planejamentos eintervenções.

Uma história,

muitos registrosmuitos registros

"O cargo de coordenaçãonão é para qualquer um...É só para aquelescapazes de perceber quenenhum trabalho deequipe se faz onde nãohouver respeito pelaspessoas, por suas histórias,experiências e saberes."

CEI PENHA

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52 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

* Irene Rodenas Marassi - coordena-dora pedagógica da rede municipal de ensi-no de São Paulo, formadora no Ponto deCultura Fafe-USP (Oficina - DocumentaçãoPedagógica - Tecnologias a Favor da Educa-ção), graduada pela Universidade Paulista(Unip), pós-graduada em Docência do Ensi-no Superior.

Encontramos no uso das no-vas tecnologias um instrumento fa-cilitador do registro das nossas prá-ticas, o que acabou incentivandoas educadoras a quererem se apro-priar do uso do computador, daimagem e do vídeo como ferra-mentas de trabalho.

Este processo representou umganho imenso em nossos registros.Eram, também, recursos importantespara os nossos instantes de formação,pois podíamos trabalhar com situa-ções reais das nossas práticas.

A câmera pedia escolher umfoco de observação e, na medidaem que este instante passava a fi-car registrado na forma de uma fil-magem, nos permitia olhar parasituações reais do dia-a-dia como sepudéssemos revisitar com elasaqueles instantes.

Este recurso garante a ponteefetiva entre saberes e fazeres, con-ferindo a significabilidade impres-cindível a todo e qualquer proces-so de formação.

Percebemos nos registros umfoco mais voltado para as criançase seus processos. Razões maiores danossa docência.

O registro deixa de ter fim emsi mesmo e passa a ser um instru-mento para a reflexão e o replane-jamento da ação docente.

A relação entre as observa-ções, o planejamento das interven-ções e o registro reflexivo da situa-ção, abrem espaço para novos pla-nejamentos, observações e regis-tros. O conjunto de ações, interli-gadas num processo contínuo emque passam a ser mais coerentescom as intenções, por nascerem dasobservações e reflexões que faze-mos delas.

Rompe-se com o fazer vazio deintencionalidade e propósito e tro-ca-se o mero procedimento pelareal prática educativa.

Mais do que um registro deum trabalho, este documento con-ta a história de crescimento de pes-soas merecedoras de serem reco-nhecidas como educadoras, porestarem construindo um avançoconseguido por mérito de todosaqueles que se propuseram a mu-dar sua história.

Os recursos tecnológicos usa-dos (fotos, filmagens, computadore a elaboração de vídeos para com-por o que elas hoje chamam de por-tfolio eletrônico) são hoje um co-nhecimento colocado a serviço daspráticas, uma ferramenta de traba-lho que tem garantido maior quali-ficação das ações docentes.

- Analisar individual e coletiva-mente a situação registrada;

- perceber sutilezas que seriamimperceptíveis num único olhar;

- planejar intervenções possí-veis para cada situação;

- utilizar este material em nos-sa formação, ampliando e funda-mentando conhecimentos a partirde situações significativas a todos...

...foram elementos decisivospara avançar nas formas de obser-vação, planejamento e registros daseducadoras, que agora se sentiam"amparadas" para vencer o maior deseus medos: escrever.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 53

* Maria Cecília P. Cricelli

oda prática educativa, emalgum momento, precisaser revista, seja em seus as-pectos filosóficos, axioló-gicos ou metodológicos.

Isto ocorreu aqui em nossa escola,quando nos dispusemos a discutira forma pela qual realizávamos aavaliação dos nossos alunos.

Percebemos o quanto aqueleinstrumento, até então utilizado, sedistanciava cada vez mais daquiloque realmente era fundamental noprocesso avaliativo: documentarcom clareza, especialmente para oprofessor, o crescimento e o desen-volvimento da criança.

Esta clareza no registro deve-ria também perpassar nosso diálo-go com os pais, nas reuniões bimes-trais. Essa busca por um registro no

qual pudéssemos encontrar umafonte fidedigna de informações arespeito dos progressos das crian-ças passou a ser o grande desafioda equipe.

Como o trabalho da criançapoderia mostrar seu desenvolvi-mento de uma maneira diferente daficha de avaliação utilizada na esco-la há vários anos?

Como abarcar todas as áreasdo conhecimento?

A elaboração dos nossos portfolios não obedeceu a um padrão previamentedeterminado. Cada professor pode estabelecer o formato mais adequadode organização dos dados, uma vez que este instrumento o ajudará aavaliar o currículo e a introduzir modificações, quando necessário.

T

EMEI JOÃO MENDONÇA FALCÃO

Portfolios de avaliaçãoPortfolios de avaliação

Hora da leitura: cada criança escolhe o livro de sua preferência

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54 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

* Maria Cecília P. Cricelli - diretorada Emei João Mendonça Falcão (nove anos),formada em Pedagogia pela USP e participado Grupo Formação Profissional e Práticasde Supervisão em Contexto, promovido pelaFundação de Apoio à Faculdade de Educa-ção (Fafe).

Como selecionar as informa-ções relevantes, os progressos emudanças ocorridas ao longo dotempo na vida da criança?

Essas questões passaram a fa-zer parte das nossas pautas de reu-niões. Nossas inquietudes começa-vam a nos mostrar alguns caminhos.O primeiro deles, que precisávamosescrever mais, contar mais, relatarmais, observar mais e organizarmelhor os dados que havíamos re-colhido com as crianças.

Na primeira reunião pedagó-gica de 2007, os professores rece-beram uma caixinha, na qual haviaum pequeno bloco de notas, comaproximadamente 30 páginas. Elestiveram dois dias para produziremsuas memórias de infância. Outrosrecursos, além da escrita, poderiamser utilizados, como fotos, bilhe-tes e objetos. Toda a equipe se en-volveu muito na tarefa, que resul-tou em relatos maravilhosos e co-moventes. As histórias foram con-tadas com muita emoção; a infân-cia e a meninice revivida por meiode fotos e lembranças de momen-tos importantes na vida daquelesprofessores.

A participação e o empenhode toda a equipe no atendimentoà proposta de trabalho daqueledia fizeram com que as horas pas-sassem tão rapidamente que nempercebemos que havíamos chega-

do ao final do dia.Não foi difícil fazer a transpo-

sição daquela tarefa envolvendo fa-tos relevantes da infância para asexperiências de aprendizagemocorridas na escola, na classe decada educador. Munidos de umgrande álbum, medindo 46cm x32cm, os professores passaram aplanejar de uma forma mais adequa-da o processo de ensino/aprendiza-

gem, por meio de amostras de tra-balhos, incluindo diversos registrosescritos, o modo como as criançasescrevem seu nome ou qualqueroutra palavra, os sinais e símbolosque elas criam, lista de livros lidos,pinturas, desenhos, colagens, traba-lhos realizados com tesoura, omodo como as crianças usam os nú-meros e as fotografias.

Entrevistas com as criançastambém fazem parte dos conteú-dos do portfolio de avaliação. Pormeio delas é possível registrar e do-cumentar o desenvolvimento dalinguagem da criança pequena. Aelaboração dos nossos portfoliosnão obedeceu a um padrão previa-mente determinado. Cada profes-sor pode estabelecer o formatomais adequado de organização dosdados, uma vez que este instru-mento o ajudará a avaliar o currí-culo e a introduzir modificações,quando necessário.

Interação entre as crianças possibilita a troca de conhecimentos

Desenvolvendo a autonomia: aluna conta história para os colegas

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 55

* Silvana Augusto

Muito se tem faladosobre o papel daobservação e do re-gistro para os edu-cadores. Nos anos

90, Madalena Freire sistematizou ouso desses instrumentos tomando-os como parte de sua metodolo-gia de trabalho nos grupos de for-mação do antigo Espaço Pedagó-gico. O caderno Observação, Re-gistro, Reflexão, da série Seminá-rios2, até hoje é tido como uma im-portante referência. Muitas expe-riências de formação, inclusivedentro de programas já vividosnessa cidade3, utilizam ou já utili-zaram esses dois instrumentosconjuntamente. Embora haja cer-to consenso sobre o papel dessesinstrumentos na formação de pro-fessores, não se pode afirmar omesmo com relação às práticas.Muitas são as práticas de observa-ção e de registro, servindo a pro-

pósitos diferentes e, não raramen-te, contraditórios.

AS PRÁTICAS DEREGISTRO E

SEUS DISTINTOSPROPÓSITOS

A primeira forma de registroé a própria memória. Da infinidadede cenas que observamos diaria-mente, nos lembramos, de fato, da-quelas que já ficaram registradas namemória, em função dos nossosconhecimentos anteriores, da nos-sa história de vida, dos interessespessoais etc. Assim, há quem regis-tre para documentar uma históriavivida, para guardar a memória deum grupo. Para esse fim, lançam-semão de relatos de experiências pes-soais, depoimentos, fotografias. Háquem registre para reconhecer osavanços de um grupo, para mostrarseus feitos e tornar público deter-minados resultados.

Os álbuns de fotografia e al-guns casos de portfolios se prestambem a esses propósitos. Ambos osexemplos se apóiam no papel damemória. No entanto, a memórianão é suficiente, posto que só seregistra aquilo que se pode reco-nhecer ou o que se está acostuma-do a enxergar, aquilo a que já se atri-bui algum significado. Mas, quandoe como podemos usar desses instru-mentos não apenas para preservara memória do que já sabemos, massim para aprender a ver o novo?

Todos esses usos são impor-tantes, e, de fato, não há como ne-gar certa dimensão formativa. Mas,nem todos ajudam a avançar paraalém do que já é de conhecimentode todos. O que difere tais práticase as tornam mais ou menos eficien-tes na construção de novos conhe-cimentos, que ajudem a enxergar onovo, é o dispositivo de formaçãoque contextualiza e dá sentido àscomplexas ações humanas de ob-servar e registrar.

Pensar em um dispositivo de

Observar e registrar para quê:

Tendo definido o que e para que se observa,em que contextos serão feitas tais observaçõese para quem se vai mostrar tais registros, é hora depensar sobre os melhores recursos.

o papel do registro noplanejamento do professor1

o papel do registro noplanejamento do professor1

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56 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

formação é essencial para conduzirum trabalho mais intencional, paraenfocar algumas práticas, avaliar,ajustar, melhorar suas condiçõespara que as crianças aprendammais. Essa tarefa envolve conhecere escolher com clareza as formas deobservação e de registro a serempropostos, como organizá-los ecomo utilizá-los no processo de verde novo e ver o novo.

COMO ORGANIZARA PRÁTICA DE

OBSERVARE REGISTRAR?

Quero enfocar nos próximosparágrafos um tipo de registro cadavez mais comum nas instituiçõeseducativas: os portfolios4, álbunsde fotografias e outros registros vi-suais. Tais práticas estão cada vezmais popularizadas nos CEIs eEmeis. Mostrar, divulgar, fazer re-conhecer, rememorar são algunsdos propósitos privilegiados naprodução de fotos e vídeos. Mas,nem sempre estão a serviço do es-tudo, da pesquisa, da investigaçãodo professor. Para que esses recur-sos visuais sirvam para a formaçãodo professor, é importante dese-nhar o dispositivo de formaçãoque será utilizado, sobretudo pelocoordenador pedagógico. Para tan-to, é fundamental considerar al-guns aspectos que dão contexto àobservação e ao registro e que po-dem ser úteis na construção demetodologias de trabalho, a saber:

- OBJETO: O QUE VAMOSOBSERVAR?

Isso é definido pelo plano deformação que se está investindo.Por exemplo, se queremos lançarum olhar mais avaliativo para omodo como as crianças estão usu-fruindo os espaços para brincar,precisaremos filmar um mesmo lu-gar, em vários dias diferentes. Oenfoque é abrangente, um olharmais amplo para todo o ambiente.Mas, se queremos analisar a quali-dade dos objetos oferecidos aosbebês, por exemplo, as filmagensdos grandes ambientes pouco aju-darão e, neste caso, muito melhor

serão fotografias dos objetos isola-damente, das caixas de brinquedos,das coleções de bonecas etc. Assim,vemos como a definição do objeto,da observação e do registro é útilna eleição do próprio modo de ob-servar e de registrar.

- PROPÓSITOS: PARA QUEVAMOS OBSERVAR?

Já vimos, ao longo deste tex-to, alguns propósitos: rememorar;mostrar o que valoriza alguém;mostrar a si próprio ou ao grupocomo forma de reconhecimento,reconhecer ou certificar um feito.Mas, para a formação, é imprescin-dível que o propósito ajude a avan-çar, problematizando além do já sa-bido. "O que observar" está direta-mente relacionado ao "para que"observar. Levantar previamente asperguntas que se quer responderpor meio da observação é um exer-cício bastante útil na definição dospropósitos. Também pode ser inte-ressante iluminar amplamente umasituação para então gerar novasquestões. Nos dois casos, o funda-mental é saber o sentido do que seestá fazendo.

- INTERLOCUTORES: PARAQUEM VAMOS MOSTRAR O QUE

REGISTRAMOS?

Compartilhar o olhar é impor-tante para encontrar outros pontosde vista, novos modos de ser. Porisso, é importante pensar criterio-samente nos interlocutores – pais,coordenador pedagógico, parceiroprofessor do período complemen-tar que trabalha com a mesma fai-xa etária, no mesmo espaço, parcei-ro do mesmo turno que trabalhacom outra turma de crianças, emespaços diferentes etc. – desses re-gistros e no modo como estes po-derão contribuir para a prática deobservar.

- RECURSOS: O QUE VAMOSMOBILIZAR PARAESSE TRABALHO?

Temos visto, freqüentemente,recursos tecnológicos sendo utili-zados sem muita reflexão, à medi-da da disponibilidade da institui-ção: fotografia em papel, fotografia

digital, filmagem, edição em ‘powerpoint’, ‘flashs’ etc. Mas, é importan-te estabelecer critérios para a esco-lha mais consciente e mais eficien-te dos recursos que, de fato, são ne-cessários, evitando o acúmulo defotos, fitas etc. que, por fim, sãopouco utilizados ao longo do ano.Isso é ainda mais premente, consi-derando que, como educadores,queremos contribuir para a cons-ciência crítica do consumo, um im-portante objetivo da formação edu-cacional de adultos e crianças. Nãoconvém desperdiçar recursos queem pouco tempo já não mais servi-rão aos professores, pais e criançasdaquela comunidade.

Tendo definido o que e paraque se observa, em que contextosserão feitas tais observações e paraquem se vai mostrar tais registros,é hora de pensar sobre os melho-res recursos: algumas fotos? Quan-tas seriam realmente necessárias?Filmagem? Do que e por quantotempo? Essas definições, como par-te do planejamento, também sãoúteis para preparar o olhar para aobservação.

- REGULARIDADE:POR QUANTO TEMPOSE DEVE OBSERVAR?

Comumente as perguntas quese busca responder em um estudosobre as crianças e suas aprendiza-gens são bastante trabalhosas, nãose resolvem em um episódio espo-rádico, mas exigem que se volte aolhar para que se tenha um acom-panhamento curioso e interessado,por exemplo, do que se passa nainteração das crianças: seus movi-mentos corporais, falas, expres-sões faciais, os objetos que mani-pulam e os locais que ocupam seuposicionamento isolado ou suasparcerias prediletas. Todos essespontos não são esporádicos, maspodem se estender ao longo de cer-to tempo. Faz parte do dispositivode formação definir por quantotempo e em que situação serão fei-tas as observações e os registros.

- PROBLEMATIZAÇÃO: FEITO OREGISTRO, COMO TRABALHAR

A PARTIR DELE?

Como dar sentido à tarefa de

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 57

registrar para que não se encerreapenas nos limites da memória?Problematizar é o próximo passo.Muitas vezes os registros trazeminformações insuficientes porque,provavelmente, muitos aspectosnão chamaram a atenção do profes-sor, não estavam observáveis paraele. Aqui, o papel de um outro par-ceiro é fundamental. Um olhar ex-terno pode ajudar a encontrar amelhor maneira de aperfeiçoar seuregistro. É importante voltar a ob-servar a situação trazida, levantarperguntas que possam contribuirpara a problematização do episó-dio e a construção de uma visãomais aberta reflexiva de uma cenaou de um evento ocorrido. Tais re-gistros podem ser úteis comoapoio ao estudo de caso, uma es-tratégia de formação que requer doleitor o exercício da capacidade deproblematizar, de analisar o ocor-rido, de pensar sobre as muitasimpressões e sugestões e de tomarconsciência de suas dimensões. Éuma das ferramentas básicas dopróprio processo de reflexão. Hámuitos aspectos a serem conside-rados em uma problematizaçãodos registros. Um deles é a própriavisão de criança e de desenvolvi-mento que fundamentam o olhardo observador. Uma reflexão sobreo registro permite conhecer o con-ceito de criança, sua educação eseu desenvolvimento dentro deseu grupo social e também dentroda cultura criada na instituição deeducação infantil.

Um outro aspecto a ser proble-matizado é a dinâmica das intera-ções infantis em uma proposta feitapelo professor, a relação entre o queo professor pensou em seu planeja-mento – hipótese de trabalho - e oque, de fato, ocorreu com as crian-ças e os elementos que interferiramnessa interação (objetos, disposiçãoespacial, interações, consignas e in-tervenções dos professores etc.).

- COMO UTILIZAR OSREGISTROS NO PROCESSO DEVER DE NOVO E VER O NOVO?

Terminadas minhas conside-rações, encerro o texto não comuma conclusão, mas sim com per-guntas, com a disposição de man-ter um diálogo depois dessas pala-

1 Esse texto nasceu do evento Seminário sobre Observação e Registro, realiza-do no Centro de Formação do Sinpeem no dia 31/05/2008. Na ocasião, fui convida-da para comentar as experiências de duas instituições educativas, o CEI Penha e aEMEI João Mendonça Falcão. Eu havia me preparado para falar sobre os registrosescritos, o diário de campo, mas os ambos relatos trouxeram exemplos de registrovisual, de foto e vídeo. Naquela manhã refletimos juntos, sobre as experiências queas professoras trouxeram e a partir destas reflexões organizei alguns tópicos quecreio podem contribuir para o desenho de metodologias de registro com foto evídeo.

2 Espaço Pedagógico, 1996.

3 A rede em rede. 2006-2008

4 Há muitos autores que tratam da construção de portfolios, mas, nestetexto, vamos cercar as práticas institucionalizadas que envolvem a organizção deimagens, textos e outros materiais que servem como mostras do trabalho, ajudama refazer percursos profissionais.

PARA SABER MAIS

FREIRE, Madalena; CAMARGO, Fátima; DAVINI, Juliana; MARTINS,Miriam Celeste. OBSERVAÇÃO, REGISTRO, REFLEXÃO - Instrumentosmetodológicos, São Paulo. Espaço pedagógico, 1996.

OLIVEIRA, Z; ABBUD, I; AUGUSTO, S. Observação in A rede emrede - fase 1, a formação continuada na educação infantil. SME SP. DOTEI São Paulo pág. 47.

vras, uma conversa que permita, acada um de nós, pensarmos no pró-prio título deste texto (“Observare registrar para quê?”).

- Como assumo o exercício daobservação e do registro no meutrabalho profissional?

- Quais os propósitos do meuexercício disciplinado e regular deobservação?

- Qual é o meu objeto de ob-

Silvana Augusto – formada em Filosofia, foi profes-sora em escolas públicas e particulares. É assessora de edu-cação infantil, professora do ISE Vera Cruz, coordenadora doCentro de Estudar Acaia-Sagarana e formadora de professo-res do Instituto Avisa Lá.

servação e o meu enfoque?- Quem são meus interlocuto-

res? A quem eu confiaria meus re-gistros e com quem compartilhariameu olhar?

Espero que tais questões esti-mulem o avanço no uso dos instru-mentos de observação e de registroe alimentem olhares para novos tex-tos e debates. Bom trabalho paratodos nós!

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* Sirlene Bendazzoli

e esses professores escre-vem sobre suas experiênciase refletem sobre elas podemestar exercendo essa autoria,reconstruindo sua relação

com a escrita e refazendo sua iden-tidade, sobretudo quando seus tex-tos podem ser lidos e discutidoscom seus pares e com um formador,pois, nessa situação, o potencial for-mativo dessa experiência é aindamais aproveitado. Warschauer(2001, p. 187)

Pensar a prática em educaçãoé aparentemente uma tarefa sim-ples. Afinal, a palavra prática vivena boca dos educadores, dos pro-fessores: "queremos um curso prá-tico!", "de nada adiantou o queaprendi na faculdade, aprende-sea ensinar na prática!", "este encon-tro foi bom, porque pudemos rea-lizar uma troca entre as práticasdos professores".

Porém, parece-me que só co-nhecemos esse conceito... pratica-mente, pois, pouco estudamos emnossos cursos de formação sobreos questionamentos levantadospelos diversos filósofos que ao lon-go da história abordaram o tema.Por outro lado, no cotidiano cor-rido dos professores nem todosse dedicam a registrar o seu tra-balho, refletindo e estabelecendoconexões entre suas práticas e asteorias que as sustentam.

Temos razões históricas para

entender o pouco conhecimentodos professores sobre o seu própriofazer. Definidos como executoresdos programas construídos pelosespecialistas, muitos professoresperderam o controle sobre os obje-tivos, meios e processos de seu tra-balho.

No entanto, a docência impli-ca em autoria. É uma ação que exi-ge inúmeros saberes, recursos, va-lores e sentimentos profissionais epessoais, que tornam essa tarefamuito complexa. Quando o profes-sor não é autor de seu fazer temmaior dificuldade de selecionar oque recebe como novo em termosteóricos e práticos.

O trabalho do professor é umfazer limitado por suas possibilida-des, necessidades e pelo contexto,mas, como qualquer outro traba-lhador, vê-se constantemente inco-modado ou instigado por proble-mas que os velhos esquemas nãodão conta. Ao ter de encontrar no-vas soluções, mobiliza novos sabe-res que elabora durante sua pró-pria ação.

"A compreensão do própriotrabalho demanda do professor umconhecimento que possibilite a lei-tura de sua realidade, também, umacoletivização de sua prática". Essessaberes, esses conhecimentos, essapráxis que se constroem não são,pois, fruto de um trabalho isolado.O que o professor sabe, ele apren-deu com outros: com seus profes-sores, colegas ou alunos. Seu traba-lho tem marcas pessoais e sociais

e, somente através de uma cons-trução coletiva, pode romper como conservadorismo profundamen-te arraigado à escola e às práticasusuais dos docentes.

Em seus escritos, Paulo Frei-re defende a unidade entre teoriae prática com condição do conhe-cimento e a construção de uma re-lação dialógica, que permite oquestionamento do seu fazer pelopróprio sujeito. Numa abordagemetnográfica propõe um levanta-mento minucioso através de con-versas, observações, participações,o estabelecimento de um vínculo,de um diálogo em que o saber prá-tico do aprendente e o saber teóri-co do especialista não têm prepon-derância.

Acreditando que são os ho-mens que fazem a história, estudan-tes e educadores podem empreen-der o desafio de mudar, de criarsolidariamente. E isso não é fácil,principalmente porque faz parte dalógica da nossa sociedade capitalis-ta essa divisão entre saberes legiti-mados e valorizados ou não. Entre-tanto, sabemos que um pintor, umtrabalhador rural e um botânicopossuem distintos conhecimentossobre as f lores e há muito queaprender um com o outro. As dife-renças nos fazem mais e não menosigualmente humanos.

O REGISTRO DA AULA

Na defesa do saber didáticocomo eixo da formação de profes-

Por comprometer mais do que falar, registrar o que fazemos exigedisciplina e persistência e dá trabalho porque exige a organizaçãodo pensamento e tomada de posição sobre a própria ação.

Observar, registrar e questionar:

S

o professor como autor

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sores, Lerner (2002) afirma que énecessário incluir a aula no proces-so de formação de professores, porrepresentar um dos objetos priori-tários de reflexão em educação.Defende que professores e coorde-nadores olhem para a aula como umobjeto de análise, com um certo dis-tanciamento e aprendam com ospossíveis "erros" encontrados. Oregistro e a socialização de seus con-teúdos permitem compartilhar acomplexidade da prática educativae a impossibilidade da perfeição,aceitando o "erro" como constituin-te do processo de ensino e de apren-dizagem, a partir do qual se tornapossível progredir. É nesse proces-so contínuo de revisão do trabalhoque se tornam evidentes, também,as concepções e as intencionalida-des presentes na prática docente.

A autora afirma que para sequestionar e avançar sobre a práti-ca são fundamentais os registros declasse. Mas o que registrar? Que si-tuações seriam mais produtivaspara analisar? Como realizar o regis-tro das aulas, dadas as condições detrabalho dos professores?

Fujikawa (2004) aponta parao que chama de "situações formati-vas: atendimentos individuais, reu-niões de grupo e avaliação dos pro-fessores e da coordenadora", quepodem ser registradas para poste-riormente servirem de base a refle-xões e análises.

Para essa autora, os registrospodem ser:

- diários - expressam o percur-so do educador;

- relatórios de aluno ou do gru-po: revela as metodologias e rotinasdo trabalho docente;

- sínteses de reuniões indivi-duais e de grupo: marcam o proces-so de formação dos professores;

- avaliação do trabalho realiza-do: explicitam o significado e o va-lor das ações e relações relativas aotrabalho desenvolvido.

O QUE OS REGISTROSREVELAM?

Nos diários:- as relações professor/aluno;- as atitudes observadas e as

relações entre os alunos;- os procedimentos utilizados

pelo professor;

- a relação dos alunos com oconteúdo: o que foi priorizado oumais significativo;

- a análise dos erros, dos acer-tos, das mudanças e permanências.

Nos relatórios dos alunos:- o trabalho desenvolvido, os

encaminhamentos e produções;- a autoria do professor através

das suas intervenções em funçãodas especificidades do grupo;

- documenta a história do gru-po em relação à construção do co-nhecimento e de vínculos.

Nas sínteses de reuniões:- a sistematização do conheci-

mento construído;- a identificação das necessida-

des e questionamentos;- os fundamentos teóricos dos

estudos realizados;- a história do grupo: o envol-

vimento, tensões desafios.

Na avaliação do trabalho:- as concepções de ensino e

aprendizagem;- as escolhas diante de situa-

ções cotidianas;- as prioridades estabelecidas;- o nível de satisfação/insatis-

fação dos profissionais.

O registro possibilita a releitu-ra do trabalho (tanto o planejadocomo o executado), o questiona-mento do fazer pedagógico. Zabalza(1994) destaca que a reflexão pro-piciada pelo registro se dá em duasfrentes:

- reflexão sobre as situaçõesobservadas;

- reflexões sobre o próprioobservador/professor como prota-gonista da situação observada.

Fujikawa (2004) destaca queos registros, ao guardarem a his-tória das práticas, relações, con-cepções e marcas do seu tempo,documentam a reflexão sobre oque se fez, abrindo espaço paraprojeções e mudanças. Conclui,também, que os registros favore-cem a construção da identidadeprofissional do professor que as-sume a autoria das suas escolhas,ações, valores. Quando na escolahá espaço para a socialização dasanotações feitas pelos professo-

res e coordenadores, então seabre a possibilidade para o con-fronto e a partilha de conheci-mentos e experiências. A cons-trução de vínculos profissionaisfica favorecida pelas relaçõesmais colaborativas, nas quais pre-valece o trabalho coletivo.

A SOCIALIZAÇÃODOS REGISTROS

A socialização dos registrospossibilita a troca de opiniões, oconfronto e o debate de idéias epontos de vista se transformandoem valioso instrumento de forma-ção. Por outro lado, o registro dasdiscussões favorece a sistematiza-ção dos posicionamentos indivi-duais e coletivo em relação aos as-suntos tratados e o estabelecimen-to de um trabalho coletivo e de co-responsabilidade diante dos desa-fios da atividade docente. Alémdisso, possibilita objetivar as ne-cessidades do grupo de professo-res, orientando o planejamentodas ações e das intervenções. Ma-dalena Freire Weffort (1995, p. 38)afirma que:

"... quando escrevemos nãobuscamos somente respostas úni-cas, mas essencialmente PERGUN-TAMOS. Permanente inquietaçãode ser vivo, que nos remete a nósmesmos e à essência de nossa exis-tência. Por tudo isso, escrever émuito difícil. Compromete maisque falar".

Por comprometer mais do quefalar, registrar o que fazemos exigedisciplina e persistência e dá traba-lho porque exige a organização dopensamento e tomada de posiçãosobre a própria ação.

É ainda Weffort (1995), quemobserva que escrever sobre o traba-lho é, muitas vezes, penoso para osdocentes porque, frequentemente,os escritos têm mera função buro-crática, não são úteis ao trabalho doprofessor. Porém, quando se trans-formam em exercício disciplinadode reflexão sobre a prática, passa aexistir a necessidade da fundamen-tação teórica,

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"... pois não existe prática semteoria; como também, não existeteoria que não tenha nascido deuma prática. Porque o importan-te é que a reflexão seja um instru-mento dinamizador entre práticae teoria. Porém, não basta pensar,refletir, o crucial é fazer que a refle-xão nos conduza à ação transfor-madora, que nos comprometa comnossos desejos, nossas opções, nos-sa história." Weffort (1995, p. 39)

O professor que pensa o seufazer se liberta porque se instru-mentaliza para decidir, escolher,acolher e contestar, tornando-serealmente sujeito e autor de suaprática.

A OBSERVAÇÃO

Registrar implica em observare pensar a realidade, mas para tan-to é preciso planejar a ação de ob-servação. Para não se perder dian-te da quantidade de estímulos edados que o cotidiano escolar ofe-rece, o professor precisa se orga-nizar para direcionar seu olhar. Se-gundo Weffort (1995), há três fo-cos principais, sendo que o educa-dor deve priorizar um deles de iní-cio: "O foco da aprendizagem indi-vidual e/ou coletiva; o foco da di-nâmica na construção do encon-tro; o foco da coordenação em re-lação ao seu desempenho na cons-trução da aula".

Os aspectos que forem escolhi-dos para serem observados e regis-trados se constituem em elementosfundamentais para avaliação do tra-balho. É o que Weffort chama de"pontos de observação". Como elaafirma, se constituem em questõescomo: "Que momentos de mal es-tar eu vivi no decorrer da aula?", "Oque de mais significativo constateique sei e que não sei?", Dessa for-ma, o educador se impõe uma re-gra ao olhar, um distanciamentoreflexivo que será retomado ao fi-nal da aula em suas anotações. Esseconjunto de registros de observa-ções se transforma num contínuoprocesso de aprendizagem.

Quando o professor ou coor-denador retoma, ao final da aula, dareunião ou de um curso os conteú-dos aprendidos, as dúvidas e a ne-cessidade de novos estudos ou pes-

quisas, abrem caminho para o repla-nejamento de seu trabalho de modoa dar continuidade ou aprofundaro conhecimento que está sendoconstruído. Tanto educandos comoeducadores podem, dessa forma, seapropriar dos seus percursos deensino e de aprendizagem, condu-zindo-se com maior autonomia.

Podemos concluir, portanto,que o ato de observar envolve to-dos os outros instrumentos: a refle-xão, a avaliação e o planejamento;pois todos se entrecruzam no pro-cesso dialético de pensar a realida-de. Weffort (1995, p. 11)

Entretanto, não podemos nosesquecer que nosso olhar muitasvezes é cristalizado e estereotipa-do, o que conduz à paralisia, à ce-gueira e não promove a transfor-mação. Observar de modo sensívelexige saber olhar, ouvir, pensar,prestar atenção a si próprio, aooutro, às tensões da comunicação,ao silêncio que também nos dizmuita coisa.

Ao ouvir as observações regis-tradas por nosso colega ou nossoaluno não podemos somente pres-tar atenção ao que gostaríamos deouvir como, por exemplo: "a reu-nião foi ótima", "gostei da aula". Nãose trata de dizer o que o outro querouvir, ouvir apenas o que gostaría-mos de ouvir, ver apenas o que nosagrada ou já sabemos. Weffort(1995) chama essas práticas de"olhar ou ouvir de monólogo", por-que não permitem o diálogo entrevisões diferentes, não promovem aabertura para o outro, para o des-conhecido.

Ouvir e ver, de fato, o outro ea nós no processo de observaçãoimplica em compromisso com abusca incessante de respostas àsquestões que a educação nos colo-ca e que exigem a prática do diálo-go, da construção coletiva e demo-crática.

Estar sendo observado tam-bém é instrumento valioso para acoordenação, pois, nesse retornode seus alunos, pode ter uma ava-liação do que realmente está con-seguindo ensinar. Se está conse-guindo atingir seus objetivos ou oque falta construir de intervenções,encaminhamentos e devoluções,para a próxima aula. Neste espaço,onde o educando faz devoluções

sobre seu ensinar, é onde o educa-dor vai construindo-se (educando-se) também enquanto aprendiz.Weffort (1995, p. 13)

COMO CONCLUSÃO

Retomando as questões colo-cadas no início deste texto pode-mos perceber a forte relação entrea teoria e a prática existente no tra-balho do educador consciente danecessidade de fazer e pensar sobreo seu fazer. Educador que age e re-flete, observa, ouve, registra paraaprender com seus acertos e seuserros. Educador que constrói seutrabalho com autonomia e solidari-edade, partilhando com alunos ecolegas suas observações, seus re-gistros, seu saber. Como autor doseu fazer, observa, questiona, per-gunta, pesquisa e registra; abre-separa um contínuo processo deaprendizagem, porque "(...) aqueleque ensina aprende e é um modelopara seus alunos de aprendiz, noseu ensinar." Weffort (1995, p. 6)

Referências bibliográficas

FUJIKAWA, Mônica M. O coorde-nador pedagógico e a questão do regis-tro. IN: ALMEIDA, Laurinda R. A., PLAC-CO, Vera M. N. O Coordenador peda-gógico e questões da contemporanei-dade. São Paulo, Loyola, 2007.

LERNER, Delia. Ler e escrever naescola: o real, o possível e o necessário.Porto Alegre, Artmed, 2002.

WARSCHAUER, Cecília. Rodas emrede: oportunidades formativas na es-cola e fora dela. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 2001.

WEFFORT, Madalena F. (Org).Observação, registro, reflexão: instru-mentos metodológicos. São Paulo: Es-paço Pedagógico, 1995.

* Sirlene Bendazzoli - doutoranda emPolíticas Públicas, mestre em Educação nasáreas de Cultura e Educação, graduada emPedagogia e Ciências Sociais pela USP. Atuacomo professora de ensino superior, forma-ção continuada de professores, é coordena-dora pedagógica e professora de educaçãoinfantil e de ensino fundamental. Especia-lista em Educação Escolar Indígena.

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DESTAQUE DO DEBATEOBJETIVO DO SEMINÁ-

RIO “OBSERVAÇÃO E REGIS-TRO: INSTRUMENTOS METO-DOLÓGICOS FUNDAMEN-TAIS”: observar e registrar paraquê? Este seminário visou possibi-litar ao educador o contato com di-versas formas de observação e re-gistro, como organizá-las e, princi-palmente, como utilizá-las no pro-cesso de ver de novo e de ver onovo. A observação e o registro,como instrumentos fundamentaisda prática pedagógica, no proces-so de planejamento, avaliação e re-planejamento.

O tema trabalhado no seminá-rio possibilitou reconhecer a impor-tância da observação e registro comoinstrumentos de reflexão, avaliaçãodas práticas e planejamento dasações pedagógicas no dia a dia dasinstituições.

Durante o seminário ficou cla-ra a importância do processo deobservação e registro das práticasdentro das unidades, as dificulda-des e os meios que são utilizadospara a elaboração dos registros e afinalidade dada aos mesmos paranortearem o trabalho pedagógicoda escola.

Na exposição o CEI Penha mos-trou a evolução dos registros feitospelos educadores. Nesse processo, osprofissionais pensaram na finalidadedos registros, que antes tinham umfim em si mesmo e que depois pas-saram a ter um caráter norteador daspráticas e puderam ser usados comoinstrumentos de formação profissio-nal. Foi a dificuldade de escrever le-vou a busca de outros recursos, quepassaram também a ser utilizados.

O uso de tecnologias foi um ins-trumento importante de observaçãodos educadores e também facilitoupartilhar as ações educativas com asfamílias. Os profissionais se apropri-aram dos recursos tecnológicos epassaram a registrar através de edi-ção de fotos e da elaboração de ví-deos. Esses recursos permitiram a

análise das práticas, a percepção defatos que, às vezes, era imperceptí-vel ao primeiro olhar e possibilitoutrabalhar as situações do dia a dia,relacionando-as para repensar o fa-zer pedagógico.

A EMEI João Mendonça Falcãorelatou que passaram a repensar asua prática pedagógica, a observa-ção das crianças e as formas de re-gistro, a partir do resgate das memó-rias dos próprios educadores que re-visitaram e registraram as histórias dasua infância. Os profissionais emoci-onaram-se com as suas próprias tra-jetórias de vida, ao verem a si e aosoutros nos registros.

O desafio seguinte foi levar essavivência para registrar os fatos rele-vantes das experiências das criançasna escola. Assim, através da confec-ção de álbuns, cada professor pas-sou a registrar a sua prática, criandodiferentes portfólios. A tecnologia deelaboração de vídeos, também, pas-sou a ser utilizada. Tais materiais ser-viram ainda de instrumento de tra-balho com os pais.

As palestrantes Sirlene Benda-zzoli e Silvana de Oliveira Augustotrouxeram suas contribuições a par-tir da discussão das duas apresen-tações.

Silvana afirmou que observaré um instrumento humano, quepropicia mudanças na forma deaprender o mundo e entendê-lomelhor, observar é mirar, reparar,notar, registrar e interpretar. Ela re-apresentou a pergunta do seminá-rio sobre como utilizar a observa-ção e o registro no processo de verde novo e ver o novo.

Sirlene ressaltou que a obser-vação e registro são instrumentosmetodológicos fundamentais ao de-senvolvimento da prática educativae que estes favorecem aos profes-sores serem autores do seu fazer.Questionou o registro feito só por-que "alguém mandou" e que "ficaguardado dentro de um armário",o registro descritivo, sem questiona-mento, que não favorece o pensar

e o elaborar da prática. Afirmou quea observação e o registro podem serinstrumentos de mudança, de cons-trução coletiva do trabalho e quepodem levar a aprender uns com osoutros.

No mesmo sentido, Silvana re-forçou que o registro só como me-mória não é suficiente. Só registra-mos o que estamos acostumados aver e o que é estranho, às vezes, nãovemos, por isso é necessário ver vá-rias vezes, para ver coisas que, nemsempre, observamos numa primeiravez. Descrever tem sua importânciase soubermos para quê e se depoisinterpretarmos e buscarmos percebermelhor as coisas.

Ter foco no que observar, le-vantar questões para a observação,socializar os registros, saber quemserão os leitores, ter predisposiçãopara compartilhar as práticas e terabertura para questionar e poder serquestionado, foram contribuiçõesdeixadas para reflexão por Sirlene,que finalizou ressaltando que o re-gistro, seja qual for o recurso utili-zado, deve servir para o crescimen-to profissional, para aprofundar osaber e melhorar a prática com ascrianças.

A mesma concepção foi trazi-da por Silvana que formulou váriasquestões sobre observar e defendeuque é necessário: definir os propósi-tos (para quê); ter claro o foco, des-de o início (o quê); partir de uma oumais perguntas para entender umasituação (como). Afirmou assim queé preciso ter clareza sobre o porquêregistrar, para quem e para que ser-virá este registro, quais são os seuspropósitos, quem são interlocutorese como utilizá-los no desenvolvimen-to do trabalho.

Enfim o debate no semináriotrouxe como principal reflexão pen-sarmos sobre o sentido, o significa-do de observar e registrar.

Grupo Espaço Plural

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62 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

SEMINÁRIOGESTÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

E SEUS CONTEXTOS SOCIOCULTURAIS:DIFICULDADES E DESAFIOS

CEI RECANTO DOS HUMILDESHilda Lucia Cerminaro Sarti

EMEF BRIGADEIRO RAFAEL TOBIAS DE AGUIARSilvia Setuko Aoki Santarosa

Eliane Ribeiro Malaquias

PALESTRANTES

Maria Aparecida Guedes MonçãoTelma Vitória

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 63

* Hilda Lucia Cerminaro Sarti

Realizar uma gestão par-ticipativa implica no re-conhecimento de quese trata de envolvimen-to com relações comple-

xas, porém, envolventes. Significa,sobretudo, acreditar na possibilida-de de trilhar um caminho na parti-lha, no diálogo, com vistas a encon-trar caminhos para atender às ex-pectativas da comunidade em re-lação à escola. Ao ampliar o núme-ro de pessoas envolvidas na vida es-colar, é possível estabelecer rela-ções menos autoritárias e menosinflexíveis entre a equipe escolare as famílias.

Para melhor compreensão doque é gestão democrática, inicia-mos a busca no Aurélio e encon-tramos: gestão – ato de gerir, gerên-cia, administração; democrática –relativa ou pertencente à demo-cracia; democracia – doutrina ouregime político baseado nos prin-cípios da soberania popular e dadistribuição equitativa do poder.

GESTÃO PARTICIPATIVA:

Para analisarmos os limites epossibilidades da gestão democrá-tica e entendermos as relações depoder que permeiam o ambienteescolar, partimos da perspectiva deque a escola é uma instituição so-cial e, sendo assim, não existe deforma autônoma e independenteda realidade histórico-social da qualfaz parte. Sendo as relações de po-der historicamente constituídas(Foucault, 2003), não podemospensar o poder como uma formaúnica, global e totalitária, mas comouma prática social que só funcionae se exerce em rede, isto é, para queo poder se constitua, é preciso al-guém que o detenha e é necessárioque este se submeta a esse poder,sujeitando-se às ordens impostas edeterminadas por aquele que o de-sencadeou.

É a rede de relações de poderdo ambiente escolar, que precisaser analisada para uma melhor com-preensão da gestão democrática,dos limites e das possibilidades decada ator educacional de acordocom os "mecanismos democráticos"e das políticas públicas postas. Con-

sideramos com Foucault (2003:11)a existência de formas de exercíciode poder variadas e que são indis-pensáveis à sua sustentação e atua-ção eficaz. Analisar no contexto es-colar qual a posição de cada agen-te, que lugar ocupa na relação depoder – dominado ou dominadoré considerar cada posição assumi-da. Para melhor entendimento, po-demos pensar que, da mesma for-ma que um professor tem o poderem relação ao seu aluno, em rela-ção a uma direção autoritária, eleestá submetido a esse poder, por-tanto, é o dominado. Assim, estamesma direção tem um poder limi-tado, pois suas ações estão subor-dinadas às normas e leis vigentes.

Sendo uma administração pú-blica, o ingresso ao funcionalismopúblico ocorre através de concur-so público constituindo-se comoforma democrática em que todostêm o direito de concorrer ao car-go desde que atenda aos critériosestabelecidos. A constituição deuma equipe, cuja gênese - o ingres-so - constitui-se forma democráticademanda que seja participativa epara tal, implica na responsabilida-de ética do respeito às idéias de to-dos que se inserem na comunida-de escolar. Assim, o ensino de qua-lidade, apontando um, entre ou-tros fatores, depende de uma equi-pe comprometida, que coloque ocoletivo acima do interesse indivi-dual, os valores à frente dos interes-

A participação de todos é um desafio quese coloca, mas, ao mesmo tempo, umaconquista obtida no dia-a-dia.

CEI RECANTO DOS HUMILDES

limites epossibilidades

limites epossibilidades

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64 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

ses e desejos próprios.Outra questão importante a ser

considerada diz respeito ao funcio-namento e organização administra-tiva da instituição escolar. A escoladepende dos investimentos da admi-nistração pública e, ainda que exis-ta a descentralização financeira quepermite ao gestor receber, gerir eaplicar a verba, não tem autonomiapara decidir sobre a realidade esco-lar, ou seja, ainda que haja uma ur-gência na gestão financeira, esta so-mente pode ser aplicada em manu-tenção, materiais e patrimônio. Esteúltimo, muitas vezes dependente dejustificativa e autorização. Se por umlado a prestação de contas e o bomdirecionamento são positivos e ob-jetivos, o controle e o bom uso evi-tam o desvio de verbas públicas, poroutro lado, acabam, muitas vezes,dificultando as ações do gestorquanto às reais necessidades da rea-lidade escolar. Consideramos que opapel do educador é de identificaro poder e suas ações, não para com-batê-lo, mas transformá-lo. Lutar emdireção à essa perspectiva não é al-cançar uma relação de não-poder,mas proporcionar relações de podertransformadas, nas quais o campo deluta se faz nas instâncias de decisõescriadas por mecanismos legais.

Nem sempre foi possível exer-cer a gestão de forma participati-va, tanto que o texto da LDB (nº5.692/71) não trata o tema e nãodiscute, também, a construção doprojeto pedagógico, mas apenas aregulamentação do estabelecimen-to de ensino através do Regimen-to Escolar, que deve ser aprovadopelo órgão próprio do sistema,conforme trata o parágrafo únicodo Artigo 30:

“A organização administrati-va, didática e disciplinar de cadaestabelecimento de ensino será re-gulada no respectivo regulamento,a ser aprovado pelo órgão própriodo sistema, com a observância denormas fixadas pelo respectivoConselho de Educação.”

Vemos que há uma acentuadapreocupação com a estruturaçãodas escolas, com o caráter normati-vo, objetivando disciplinar e unifi-car todo o sistema nacional. Nota-se um poder centralizado, acentua-

do pela divisão técnica do trabalhoescolar – os que pensam e os queexecutam. Essas diretrizes estavamsob um determinado contexto deorganização política e administra-tiva do Estado, totalmente alteradacom a Constituição Federativa doBrasil em 88.

Já sob o regime democráticorepublicano a grande preocupaçãonão está centrada em quem exer-ce o poder, mas para que serve opoder (Ribeiro, 2002). Com aConstituição de 88, a educação éestabelecida como direito subjeti-vo a todas as pessoas e promovidopelo Estado e pela família. O direi-to à educação exigiu a discussãosobre os temas educacionais, cul-minando a nova Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional(LDB - Lei nº 9.394/06).

Esta lei apresenta característi-ca descentralizadora, dando aosEstados e Municípios, certa autono-mia pedagógica e financeira. A au-tonomia pedagógica se faz presen-te através da construção do proje-to pedagógico, que possibilita vol-tar-se às especificidades da realida-de escolar em direção à construçãode uma identidade própria paramelhor atendimento às necessida-des dos alunos e de suas famílias.Trata-se de um avanço e uma con-

quista na educação brasileira.Consideramos que de certa

forma é também uma autonomiapolítica na medida em que cada ins-tituição escolar pode, através dagestão democrática, construir a suaprópria identidade. Aí não pode-mos negar o papel político de cadasujeito que, de acordo com suasconcepções, ideologias e diante dosinstrumentos concretos que a esco-la possui, pode colocar em campoe tornar realidade uma escola maisjusta e igualitária.

Supõe pensar a gestão da esco-la pública como um processo cons-truído através de debates, movi-mentos de democratização e as prá-ticas administrativas compartilha-das. Segundo Bastos (2001: 9), "paraa sociedade e para trabalhadoresem educação, a democracia da e naescola é o único caminho para re-construir a escola pública de quali-dade". É preciso que todos os sujei-tos reflitam o significado políticoda autonomia e a considere umaconstrução contínua, individual aomesmo tempo coletiva.

O processo de construção daidentidade da escola passa pelaparticipação dos sujeitos. A parti-cipação supõe a transformação deideais individuais em ideais coleti-vos. Alguns níveis de participação -

A participação de todos, expondo idéias, dúvidas e inquietações, contribuipara a gestão democrática e resulta em práticas que beneficiam as crianças

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construção do projeto pedagógico,o Conselho de CEI, a Associação dePais e Mestres (APM) e o grêmioestudantil possibilitam que os pro-jetos da escola expressem as neces-sidades e desejos de alunos, pais,professores e comunidade escolarem geral.

ALGUNS APONTAMENTOSSOBRE A REALIDADE VIVIDA

EM UM CENTRO DEEDUCAÇÃO INFANTIL

No caso específico de CEIs,apenas o último nível não se fazpresente. Assim, essas instâncias -projeto pedagógico, Conselho deCEI e APM estão intimamente rela-cionadas entre si e com a gestãodemocrática, pois esta última, deacordo com a LDB a considera umaconstrução autônoma pois sua gê-nese está no processo de constru-ção do projeto pedagógico.

Na instituição em que atuamosdemocratizar a gestão significa apartilha de decisões com a comu-nidade da escola. É uma constanteaprendizagem para trabalhar comas divergências; é uma aprendiza-gem a todos, na construção de umadecisão que parte da maioria e nãode apenas uma pessoa. A aprendi-zagem da participação se dá parti-cipando. Coloca-se no meio daroda, no foco, o problema, cuja so-lução é objetivo de todos. Na buscade soluções, surgem as contribui-ções, como conseqüência, o forta-lecimento e integração do grupo.

A participação de todos é umdesafio que se coloca, mas, ao mes-mo tempo, uma conquista obtidano dia-a-dia.

IMPACTOS NAPRÁTICA PEDAGÓGICA

É na explicitação da concep-ção filosófica sobre a educação, osujeito, a sociedade, a organizaçãoadministrativa, os procedimentospedagógicos, os processos avaliati-vos e o calendário escolar que ascondições são dadas para que seconcretize a construção de uma es-cola democrática, que tenha porprincípio o respeito à criança e agarantia ao direito à educação dequalidade. Essa é a vivência que te-mos tido na construção do projeto

pedagógico, que conta com o envol-vimento da comunidade escolar,que se constitui em tomada de de-cisões: professores, funcionários re-presentativos de todos os segmen-tos discutem os rumos do trabalhoescolar.

Papel importante é exercidotambém pelo Conselho de CEI, poistendo caráter deliberativo, tem porfinalidade a aprovação e fiscaliza-ção dos procedimentos sobre o an-damento do projeto pedagógico.

Reconhecendo o caráter doConselho de CEI, enquanto colegia-do, de natureza consultiva e delibe-rativa, constituído por representan-tes de pais, professores, funcioná-rios e alunos (no caso específico deCEI, as crianças não participam),esse colegiado partilha e colaboracom uma gestão democrática, divi-dindo e assumindo a responsabili-dade em conjunto com a direção daescola, entre outros, a deliberaçãode diretrizes e metas da unidadeescolar, alternativas de solução paraos problemas (administrativos epedagógicos), projetos que visem aintegração escola-família-comuni-dade, elaboração de calendário eregimento escolar. No decorrer desua participação, se envolvem como processo pedagógico. A presen-ça de pais e educadores nas discus-sões dos aspectos educacionais es-tabelece situações de aprendiza-gem de mão dupla: a comunidadeentrando e influenciando nos des-tinos da escola, escola estendendosua função para além dos muros daescola. A escola aprende a conhe-cer e ouvir sugestões e influências;as famílias passam a perceber e in-fluenciar mais em direção ao queconsideram o que seria uma escolacom bom atendimento.

A APM é entidade civil semfins lucrativos, formada por repre-sentantes de pais, professores, fun-cionários e alunos (no caso especí-fico dos CEIs, as crianças não parti-cipam). Tem, entre outras respon-sabilidades, analisar e estudar seusestatutos, administrar a associação.Segundo as normas expressas noestatuto, manipular os recursos fi-nanceiros oriundos de promoçõesrealizadas pela comunidade. A par-tir da década de 90, observamosuma maior importância atribuída àAPM com relação à gestão de recur-

sos financeiros transferidos pelaUnião, diretamente às unidades es-colares através do Programa deTransferência de Recursos Finan-ceiros (PTRF). A experiência quetemos vivido ao mesmo tempo emque atende às exigências adminis-trativo-legais, contempla o anseiode seus membros, ao colocar empauta as prioridades que devem serestabelecidas na gestão dos recur-sos financeiros transferidos e de-mais decisões a serem tomadas, re-lacionadas ao projeto pedagógicoda escola.

Temos vivenciado situaçõesinteressantes em relação à partici-pação das famílias quanto ao inte-resse que mostram nas reuniões esoluções que apresentam frente aosimpasses presentes. Percebemosque o incentivo ao direito de vozque tem sido dado mostra que asfamílias querem ser ouvidas e mais,têm muito a contribuir, sobretudotêm contribuído sobremaneira nasdecisões de aquisição de materialpedagógico, objetos lúdicos, bensque dão suporte ao trabalho peda-gógico, apontando o que pensamser importante para seus filhos.

Além dessas instâncias oficial-mente reconhecidas, é preciso con-siderar as reuniões pedagógicascomo instâncias de participação ede constituição de gestão democrá-tica. Esse espaço, na realidade quevivemos, também tem se constituí-do como tempo e lugar para as de-cisões e rumos dos trabalhos. Nãose trata de decisões tranqüilas masde conflitos negociados, em que asdivergências presentes constituem-se em possibilidades para a trans-formação. É nesse espaço que se ne-gociam os projetos da escola, a con-cretização ou não de uma festa ouevento, a sua configuração, a divi-são de responsabilidades.

No caso específico do CEIonde trabalhamos, apontamos tam-bém as comissões de funcionários(professores e funcionários de to-dos os segmentos), que exercempapel importante nas decisões, or-ganização e concretização das açõesda instituição escolar (eventos fes-tivos, culturais, encontros com paisetc.). Exemplo recente é o caso daOficina de Artesanato (que objeti-vou integrar famílias e crianças naexecução da atividade), proposta

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pelo grupo, organizada em equipee que contou com a expressiva pre-sença das famílias.

A participação de todos, ex-pondo suas idéias, dúvidas, inquie-tações e reflexões, contribui parao aprimoramento da gestão partici-pativa, resultando em práticas quebeneficiam as crianças. As práticaspedagógicas são discutidas, mudan-ças são introduzidas, como porexemplo, a reorganização e ocupa-ção dos espaços, promoção de ati-vidades autônomas realizadas pelascrianças, como é o caso do self-ser-vice.

LIMITES E POSSIBILIDADES

Diante do contexto histórico,o atual em que vivemos representaum grande avanço na medida emque existe uma lei determinando aparticipação e, sobretudo, permi-tindo a transformação da realidade,ou seja, a realização de ações emfavor da comunidade local.

Ao mesmo tempo, visualiza-mos os limites, na medida em queo tempo e o espaço para reflexão eorganização dessas ações ainda nãocontemplam as necessidades, sejade professores, seja da gestão da es-cola, que precisam planejar, rever,refletir. Mas o tempo para isso estáaquém das reais necessidades dagestão da escola, que fragmenta suaação, ora para atender aos ditamesadministrativos e legais, ora paraacompanhar, dinamizar o processode construção e execução do pro-jeto pedagógico.

É evidente que a gestão parti-cipativa, por si só, não garante o ple-no funcionamento da escola. Toda-via, é o caminho mais curto paraminimizar as dificuldades nela en-contradas. Por outro lado, o corpodocente exerce papel preponderan-te na concretização da prática pe-dagógica através de projetos educa-cionais, na viabilização da constru-ção de competências, como a cons-trução da cidadania, aqui entendidacomo a capacidade de dominar co-nhecimentos essenciais ao desenvol-vimento de uma cidadania ativa.

Nesse cenário desafiante, nãosó o gestor deve realizar a releitu-ra de suas atribuições, mas todosos sujeitos da ação educativa da ins-tituição, revendo suas práticas, ava-

liando metas traçadas, que estejamfielmente voltadas ao desenvolvi-mento pleno das necessidades demeninos e meninas. Considerar quea gestão participativa implica no tra-balho conjunto e exige o compro-misso de todos.

Apontamos muitas possibili-dades, no nosso caso específico,pela existência de um grupo parcei-ro, além de participativo, que pro-cura amparar as dificuldades decada um, em benefício de todos,seja na atuação direta com os meni-nos e as meninas, seja na realizaçãode projetos, direcionando a atribui-ção e responsabilidade, de acordocom o talento de cada um, que re-sulta em competências que se com-plementam em benefício das crian-ças. Verifica-se que a cada dia háuma maior compreensão do papelde cada sujeito educacional, afas-tando-se do papel de limitador nasmudanças, fazendo de suas ações,possibilidades de um novo olharsobre a educação pública.

Gestão participativa tambémestá presente na fluidez com que serecebe e informa a comunidadeque chega a procura de inscrição,de matrícula, para resolver proble-mas, para tratar de questões admi-nistrativas. Isto requer dos agenteseducacionais responsabilidade,atenção, respeito e sensibilidade,criando um clima receptivo e favo-rável. O mesmo pode-se dizer em

Referências

BASTOS, João Baptista. (2001) Gestão democrática, 2ª edição, Rio deJaneiro: DP&A.

BRASIL, Constituição (1988): Constituição da República Federativa doBrasil.Yussef Said Cahali. 5ª edição, São Paulo, 2003.

BOFF, Leonardo. (1997). A águia e a galinha: uma metáfora da condiçãohumana. Petrópolis, RJ: Vozes.

FOUCAULT, Michel. (2003). Microfisica do poder. 18ª edição. Rio deJaneiro: Edições Graal.

relação a todos os outros sujeitosincluídos nas demais atividades,não menos importantes (agentes delimpeza, merendeiras, vigias). Alémda responsabilidade do exercícioda função, cabe importante papelna participação da construção doprojeto pedagógico e na gestão par-ticipativa.

Reconhecer e construir a esco-la como instituição social e políti-ca requer a participação ativa detodos na construção da identidadeda escola, o compromisso e respon-sabilidade de cada um e de todosno processo de construção de umagestão democrática, colocando ointeresse coletivo acima do indivi-dual, acreditando no sonho possí-vel, quando não sonhado só….

É saber que nem todos os pro-blemas terão solução. É saber que aescola busca resolver suas necessi-dades numa sociedade que tambémnão tem todas as respostas…

É acreditar, com Galeano, queavançamos um passo em direção aohorizonte e ele se afasta um passo…Avançamos mais dez passos e ele seafasta dez passos… Não importa….O que importa é que avançamos noprocesso… É partilhar com Boff:

"Nossa função é ajudar a iden-tificar a verdadeira natureza. Nãosó com palavras nem apenas comconceitos. Mas mediante a própriavida e o modo de agir".

Hilda Lúcia Cerminaro Sarti – professora do curso de Peda-gogia do Centro Universitário São Camilo, professora orientadorano Programa Bolsa-Escola Pública e Universidade na Alfabetização.Mestre em Educação-Currículo pela PUC-SP e doutoranda em Edu-cação-Currículo pela PUC-SP.

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EMEF BRIGADEIRO RAFAEL TOBIAS DE AGUIAR

* Silvia Setuko Aoki Santarosa** Eliane Ribeiro Malaquias

O presente relato tempor objetivo descre-ver os principais re-sultados de uma ex-periência de aprimo-

ramento da gestão participativadesenvolvida na Emei BrigadeiroRafael Tobias de Aguiar, em que to-dos os funcionários expõem e dis-cutem suas idéias, inquietações,dúvidas e reflexões como forma deresoluções de problemas.

Através de depoimentos damaioria dos pais, relatos da equipee das próprias crianças, constata-mos que esta participação efetivaresultou em práticas institucionaisde melhor qualidade, beneficiandodiretamente as nossas crianças.

O "feedback" dos pais, semprepositivo, sugere que a freqüência àsaulas aumentou durante o períodode implementação da nossa expe-riência de gestão participativa. Aomesmo tempo, de acordo com apercepção dos professores, a nossaexperiência também teve impactoevidente na motivação e criativida-de dos alunos, demonstradas nostrabalhos de crescente qualidade,entusiasmo e envolvimento nosprojetos da escola.

A instituição mostra a sua con-cepção de qualidade, não só atravésdas ações que realiza na escola emprol dos envolvidos (crianças/famí-lia, professores/funcionários e co-munidade), mas também na formacomo realiza essas ações.

Contrariando práticas tradi-cionais, baseadas em uso (e abuso)de autoridade hierárquica, o suces-so na implementação de ações per-

Uma experiência de

Toda mudança é lenta e exige muito esforço,empenho e envolvimento de toda a equipe.Acreditamos que a cada dia avançamos mais emnossas práticas, como resultado de estudo teóricoe reflexões coletivas.

DEMOCRATIZAÇÃO NA ESCOLA

Cuidando eaprendendo

com anatureza

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manentes e estratégias na escolateve como elemento central a par-ticipação efetiva de todos os agen-tes no processo decisório. A congre-gação de múltiplos agentes em tor-no de um fim comum só se viabili-za a partir da real inclusão dessesagentes no processo decisório, doqual resultam os métodos para atin-gir os objetivos.

O fortalecimento da práticasupervisora, bem como maior segu-rança em relação às necessidadesde mudança encontraram respaldoteórico nas discussões do "Grupode Estudos: Formação Profissionale Práticas de Supervisão em Con-texto", promovido pela Fafe-USP. Aimplementação de ações perma-nentes e estratégias foram cuidado-samente delineadas, com objetivosclaros por toda a equipe escolar.Seguem abaixo algumas estratégias,ações e seus principais resultados.

ESTRATÉGIAS: incentivo eapoio às iniciativas individuais ecoletivas; reflexão de práticas co-tidianas existentes na escola, vi-sando mudanças; promoção deuma cultura de colaboração, for-talecimento de lideranças; valori-zação de todos os alunos, segundosuas possibilidades; apoio às deci-sões consideradas arriscadas, masque são pensadas com foco no de-senvolvimento da criança e parti-lha de êxito; disponibilização de re-cursos humanos e financeiros,aprendizagem com a experiênciapassada e também com a de ou-tros, partilha e transferência deconhecimentos.

AÇÕES PERMANENTES: dis-cussão sobre o papel da escola, suafunção social e seu foco principal -o aluno; avaliação semestral da uni-dade por pais e funcionários, como objetivo de melhorar as práticasinstitucionais; investimento na for-mação de professores nos horárioscoletivos; processos bem definidose discutidos para colocar em práti-ca iniciativas ou projetos, assimcomo para assegurar sua consecu-ção e avaliação; realização de reu-niões freqüentes (com pais e fun-cionários) e breves para resoluçãode problemas e participação dospais nas atividades da escola. As pro-duções das crianças são valorizadas

e fazem parte do cenário da escola.

RESULTADOS: ao refletirmossobre nossas práticas pedagógicas,introduzimos mudanças que bene-ficiam as nossas crianças. Podemosapontar alguns impactos nas práti-cas educativas: reorganização dosespaços e tempos de espera, desen-volvimento de diversos projetos("Biblioteca – empréstimo de li-vros", "Self-service"; "Meio ambien-te e cidadania na educação infantil- reciclagem"; "A metamorfose e seupapel na educação infantil" etc.),compromisso de olhar e escutar acriança, investimento na pedagogiada participação e promoção de ati-vidades autônomas (crianças).

A participação da escola noprojeto "Para viver de bem com osbichos" – parceria entre as Secreta-rias Municipais de Educação e deSaúde (Centro de Controle de Zo-onoses) – resultou em grande en-volvimento dos educadores e dascrianças, com produções ricas e tra-balhos de surpreendente qualidadenas áreas de Artes e Literatura. Esteprojeto é baseado nos princípios daeducação humanitária, que pode

ser definida como um processo queincentiva a compreensão da necessi-dade de compaixão e de respeito porpessoas, animais e meio ambiente, ereconhece a interdependência detodos os seres vivos.

As dificuldades e facilidadesestão presentes em nosso trabalhodiário.

DIFICULDADES: administra-ção de conflitos, trabalhar com di-ferentes concepções, número eleva-do de alunos por professor (35 alu-nos), afastamento legal de funcio-nários (licenças e faltas) e aumen-to de tarefas burocráticas (entregado leve-leite, uniforme, material es-colar, cadastros etc.).

FACILIDADES: receptivida-de, confiança, apoio e respeito dacomunidade escolar, apoio da su-pervisora da escola, autonomia daescola para propor o seu projetopedagógico, atribuições do cargopossibilitam tomar atitudes e/oudesenvolver ações que garantamos direitos da comunidade esco-lar e apoio da universidade atra-vés dos contextos.

A gestão democrática possibilita a diversificação de projetos:“Metamorfose” – crianças observaram o surgimento da borboleta

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* Silvia Setuko Aoki Santarosa - gra-duada em Matemática e Pedagogia, profes-sora de ensino fundamental II e de ensinomédio. Diretora da Emei Brigadeiro RafaelTobias de Aguiar há 11 anos, participa dogrupo de estudos "Formação Profissional ePráticas de Supervisão em Contexto", desde2003, na Fafe-USP.

** Eliane Ribeiro Malaquias - gra-duada em História e Pedagogia, professorade educação infantil na Emei Rafael TobiasAguiar. Participou dos encontros ContextosIntegrados em Educação Infantil - Professo-res, na Fafe-USP.

Referências bibliográficas

FULLAN, M. e Hargreaves, A. Por que é que vale a pena lu-tar? - O trabalho de equipe na escola.

ALARCÃO, Isabel (org.). Formação reflexiva de professores– estratégias de supervisão.

CANÁRIO, Rui (org.). Formação e situações de trabalho.

FORMOSINHO, J.O.,KISHIMOTO, T.M. e PINAZZA, M.A.Pedagogia(s) da infância: dialogando com o passado, construin-do o futuro.

THURLER, M. G. Inovar no interior da escola.

DAY, Christopher. Desenvolvimento profissional de profes-sores - os desafios da aprendizagem permanente.

Toda mudança é lenta e exigemuito esforço, empenho e envol-vimento de toda a equipe. Acredi-tamos que a cada dia avançamosmais em nossas práticas, como re-sultado de estudo teórico e refle-xões coletivas. Temos como desa-fio garantir a continuidade na im-plementação de novas práticas pe-dagógicas e investir na melhoriadas competências individuais ecoletivas, objetivando a modifica-ção das práticas educativas.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos especialmenteas professoras da escola pelo cari-nho, competência e envolvimentocom as crianças. Apesar das adver-sidades, elas procuram realizar umtrabalho diferenciado, com foco nodesenvolvimento das crianças.

Da mesma forma, agradece-mos às equipes de apoio, da secre-taria e técnica, que deram todo o su-porte necessário para a realizaçãodas atividades e projetos da escola.Vivenciamos com toda a equipemomentos intensos de muito traba-lho, alegria, solidariedade, respeitoe cooperação.

Agradecemos, também, a pro-fessora Mônica A. Pinazza, que mui-to contribuiu para o fortalecimen-

to da nossa prática supervisora.Agradecemos, ainda, ao Sindi-

cato dos Profissionais em Educaçãono Ensino Municipal de São Paulo(SINPEEM) pelo espaço concedidoaos profissionais de educação infan-

Projeto Meio Ambiente: cidadania na educação infantil

til para apresentar relatos de expe-riências, que muito contribuempara a formação e melhoria das prá-ticas institucionais, beneficiandodiretamente as crianças atendidasnas Emeis e nos CEIs.

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70 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM NOVEMBRO DE 2008

* Maria Aparecida Guedes Monção

Neste texto, pretende-seapresentar alguns ele-mentos para a refle-xão sobre os desafiose as dificuldades da

gestão nas instituições de educaçãoinfantil. Sem querer minimizar acomplexidade do tema abordado,que exige um aprofundamento te-órico rigoroso, o objetivo é colocarem debate a idéia de que a melho-ria da qualidade no atendimentopúblico à criança pequena pressu-põe, como um de seus eixos, a cons-trução de uma gestão democráticacujo foco seja a aprendizagem e odesenvolvimento da criança, com-preendendo-a como sujeito de di-reitos e produtora de cultura.

Tendo como matriz dessa re-flexão a melhoria da qualidade naeducação infantil, cabe sinalizarque qualidade refere-se a uma cons-trução que exige contextualizaçãohistórica e negociação entre os su-jeitos envolvidos. Neste sentido,Bondioli indica, dentre outros as-

Gestão democrática nasinstituições de educação infantil:

pectos, que a natureza da qualida-de é participativa, auto-reflexiva,contextual, processual e transfor-madora (2004, p.13). Esta mesmaperspectiva é adotada no documen-to Parâmetros de Qualidade, elabo-rado pelo MEC, ao considerar que

"[...] no contexto brasileiro,discutir qualidade da educação naperspectiva do respeito à diversida-de implica necessariamente en-frentar e encontrar caminhospara superar as desigualdades noacesso a programas de boa quali-dade, que respeitem os direitosbásicos das crianças e suas famí-lias[...] sem esquecer que, entreesses direitos básicos, se inclui odireito ao respeito às suas diver-sas identidades culturais, étnicase de gênero." (2006, p. 23)

O respeito aos direitos básicosdas crianças e suas famílias revela anecessidade de constituição de es-paços de diálogo que favoreçam aconstrução de ambientes democrá-ticos que primem pela autonomiados sujeitos envolvidos, sejam eles

profissionais, famílias ou crianças.Este é o desafio colocado no tratodas crianças pequenas que freqüen-tam nossos CEIs e Emeis, institui-ções que, necessariamente, compar-tilham o cuidado e a educação comas famílias.

"A educação infantil é ofereci-da para, em complementação à açãoda família, proporcionar condiçõesadequadas de desenvolvimento fí-sico, emocional, cognitivo e socialda criança e promover a ampliaçãode suas experiências e conhecimen-tos, estimulando seu interesse peloprocesso de transformação da na-tureza e pela convivência em socie-dade." (BRASIL, 1994a, p.15).

Considerar que o papel dasinstituições de educação infantil écuidar e educar em parceria com asfamílias, e envolve reconhecer queo caráter desse trabalho é, essenci-almente, coletivo e, portanto, deveser compartilhado entre os adultose crianças que compõem as unida-des de educação infantil. Há muitasmaneiras de se pensar a parceria.Para muitos, ela pode se configurar,simplesmente, em informar as famí-

A construção da gestão democrática na rede de educaçãoinfantil de São Paulo é uma utopia que deve serpercorrida por todos os profissionais, militantes epesquisadores da área de educação infantil tendo emmente que é possível, viável e necessária.

um projetode construção

um projetode construção

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 71

lias sobre o trabalho desenvolvidoe as regras de funcionamento daunidade1. Entretanto, a verdadeiraparceria é muito mais do que ape-nas socializar informações. Paraser, realmente, parceria deve sercalcada em mecanismos de açãocoletiva que possibilitem aos sujei-tos envolvidos oportunidades deopinar, informar e decidir sobre osrumos do trabalho realizado coma criança.

Essa perspectiva rompe comum modelo de gestão que concen-tra o poder decisório na figura dodiretor. A concentração do podernas mãos de uma só pessoa é umdos causadores de grande parte daangústia dos diretores de CEI e deEmei que, muitas vezes, sentem-seincapazes de dar conta dos desafi-os cotidianos, pois essa idéia de queuma pessoa pode pensar e decidirsobre os rumos de um trabalho queenvolve outras tantas pessoas, rom-pe com a essência da educação, queé democrática, como bem sinalizouPaulo Freire: "Ninguém educa nin-guém, ninguém se educa sozinho,todos nos educamos em comu-nhão". Esse caráter dialógico e de-mocrático da educação evidencia aspremissas que constituem uma ges-tão educacional:

"Voltando para a questão dagestão escolar, é possível afirmarque, para dar conta de seu papel,ela precisa ser, pelo menos, dupla-mente democrática. Por um lado,porque ela se situa no campo dasrelações sociais onde (...) torna-seilegítimo o tipo de relação que nãoseja cooperação entre os envolvi-dos. Por outro, porque (...) a carac-terística essencial da gestão é a me-diação para a concretização defins; sendo seu fim a educação etendo esta um necessário compo-nente democrático, é preciso queexista a coerência entre o objeti-vo e a mediação que lhe possibili-ta a realização, posto que fins de-mocráticos não podem ser alcan-çados de forma autoritária."(PARO, 2001, 52)

O estabelecimento da aprendi-zagem e desenvolvimento da crian-ça como finalidade da gestão nasinstituições de educação infantil,envolve compreender que a apren-

dizagem das crianças ocorre pormeio das relações estabelecidas nocotidiano das unidades. Desta for-ma, as ações cotidianas devem re-velar o compromisso ético na for-mação das crianças baseadas nosprincípios da liberdade, solidarie-dade e democracia.

A constituição da gestão de-mocrática nas unidades de educa-ção infantil deve ser compreendidacomo um processo a ser construí-do, urgentemente, com vistas a rom-per com estruturas administrativasque só viabilizam o autoritarismo ea hierarquização do poder.

No caso da rede de atendimen-to público de São Paulo, é impor-tante resgatar alguns elementos dasua constituição que reforçam anecessidade de uma gestão demo-crática. A criação da rede pública decreche neste Município, deu-se emfunção da pressão dos movimentospopulares, em especial o movimen-to de luta por creches e o movimen-to de mulheres. Assim, a rede decreches de São Paulo nasceu a par-tir de reivindicações populares,como resposta do poder público àsmanifestações da sociedade civilorganizada. Embora um grandeavanço, naquele momento se per-deu a oportunidade de inovar, dei-xando de iniciar o funcionamentodas creches com um modelo de ges-tão participativo que envolvesse osprofissionais, a comunidade, osmovimentos sociais, tecendo, as-sim, embriões de autogestão. Aocontrário, o que aconteceu foi aconsolidação de um modelo de ges-tão autocrático pautado na figurado diretor.

Entretanto, na trajetória darede podemos identificar várias ini-ciativas de democratização, pormeio de trabalho com comissõesque envolviam pais e comunidadee pela experiência dos conselhosgestores de creche3. Tais conselhosforam a expressão máxima de ges-tão democrática na rede, devido seucaráter decisório e sua composição:profissionais, famílias e diretor, estecomo representante da administra-ção, mas com peso de voto similaraos demais participantes.

A retomada de tais experiên-cias esclarece que não há necessi-dade de partir da estaca zero, que épossível partir da experiência acu-

mulada na rede para inspirar novasações de democratização das unida-des. Além disto, é sempre bom lem-brar que grande parte das conquis-tas obtidas na educação infantil, nosúltimos vinte anos, nasceu da orga-nização de profissionais e da socie-dade civil comprometidos com osdireitos das crianças. Esta retoma-da nos impulsiona para uma açãomais ativa, colocando em xequeposturas que esperam mudançasnas políticas públicas como inicia-tiva unilateral do governo, nestecaso eximindo-se do papel de pro-tagonista no processo de constru-ção das mesmas.

A experiência e as pesquisasno campo da gestão escolar têm nosmostrado que a implantação da ges-tão democrática não pode procederapenas de leis, mas deve, ao lado doavanço na legislação, ser gestada nasunidades de ensino, junto aos sujei-tos, para ser efetiva e fortalecida.Um exemplo que não pode ser se-guido são os conselhos formais deescola, cuja essência de criação é ademocratização da gestão escolar,mas que, em muitas experiências,têm se consolidado como um ins-trumento burocrático e muitas ve-zes coercitivo 4.

Todavia, é preciso lembrarque o exercício da participaçãoexige aprendizagens relativas aotrabalho coletivo, que perpassa aaprendizagem de saber ouvir, falar,negociar, decidir, sempre voltadosao foco, que é a criança, seu desen-volvimento e sua aprendizagem,continuamente em parceria comsuas famílias.

Para finalizar, a gestão demo-crática na educação infantil deveser construída, mas não podemosnegligenciar os grandes entravesque dificultam este processo, taiscomo: excessiva burocracia, auto-nomia restrita dos profissionais,falta de uma diretriz política claraque prime pela participação ativade todos os sujeitos envolvidos,dentre outros. Neste sentido, é pro-cedente a contribuição de Rios queconsidera que "a melhor qualidadeé a qualidade ausente (...) na medi-da em que se coloca sempre a fren-te, estimula projetos, tem um cará-ter utópico." ( 2001, p. 138)

A construção da gestão demo-crática na rede de educação infan-

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* Maria Aparecida Guedes Monção - mestres em Educaçãopela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)e professora da Universidade de Mogi das Cruzes.

Referências bibliográficas

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_______. Parâmetros Nacionais de qualidade para a educa-ção infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006.

BONDIOLI, Anna (org.). O projeto pedagógico da creche ea sua avaliação: a qualidade negociada. Campinas: Autores Asso-ciados, 2004.

MONÇÃO, Maria A. G. Subalternidade ou parceria? Um es-tudo das representações sociais sobre participação das famíliasnas creches. Dissertação de mestrado. PUC-SP. 1999.

________. Conselho gestor de CEI: relato de um percursoem busca da construção da gestão democrática nas instituiçõespúblicas de educação infantil. Texto apresentado no IV COPEDI,Águas de Lindóia, 2006.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo:Cortez, 2001.

PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo:Xamã, 2001.

RIOS, Terezinha Azeredo. Compreende e ensinar – por umadocência de melhor qualidade. 6ª Ed. São Paulo: Cortez, 2006.

ROSEMBERG, F. (Org.). O movimento de mulheres e a aber-tura política no Brasil: o caso da creche. Creche, São Paulo, p. 90-103, 1989.

1 Tal perspectiva foi constatada em minha pesquisa demestrado "Subalternidade ou parceira? um estudo das represen-tações sociais sobre participação das famílias nas creches" (Mon-ção, 1999).

2 Há vários estudos que tratam sobre a história da rededestaco o estudo de Rosemberg (1989) "O movimento de mu-lheres e a abertura política no Brasil: o caso da creche".

3 Para maior aprofundamento do estudo sobre as propos-tas de participação na rede de educação infantil de São Paulo,sugiro o capítulo II da dissertação "Subalternidade ou parceria?um estudo das representações sociais sobre participação dasfamílias nas creches" (Monção, 1999) e o texto apresentado noIV Copedi - "Conselho Gestor de CEI: relato de um percurso embusca da construção da gestão democrática nas instituiçõespúblicas de educação infantil." (Monção, 2006)

4 Para maior aprofundamento, consultar Paro (2001): "Oconselho de escola na democratização da gestão escolar".

til de São Paulo é uma utopia quedeve ser percorrida por todos osprofissionais, militantes e pesquisa-dores da área de educação infantiltendo em mente que é possível, vi-ável e necessária. Mesmo tendo aclareza da complexidade que é pen-sar essa proposta na maior redepública de educação infantil dopaís.

Além dos componentes políti-cos apontados ao longo do texto, éimportante resgatar a dimensãohumana que perpassa uma gestãodemocrática, como bem nos colo-ca Paulo Freire:

"[...] repor o ser humano queatua, que pensa, que fala, que sonha,que ama, que odeia, que cria e re-cria, que sabe e ignora, que se afir-ma e que se nega, que constrói edestrói, que é tanto o que herdaquanto o que adquire, no centro denossas preocupações." (2003, p. 14)

É preciso envolver os educado-res e famílias em ações e reflexõesque busquem o aprendizado da par-ticipação e da democracia, consoli-dando as unidades de educação in-fantil como centros de educaçãoarticulados com a vida e com o exer-cício pleno da cidadania que temcomo meta o bem comum e umasociedade mais justa, com oportu-nidades para todos, na qual as cri-anças tenham o direito de viver suainfância em ambientes alegres, se-guros e promotores de bem estar.

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NOVEMBRO DE 2008 PRÁTICAS E TEORIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SINPEEM 73

*Telma Vitória

Atualmente, podemos en-contrar diferentes defi-nições e concepções arespeito de gestão. Para este breve artigo, adoto

a referência apresentada por Tron-nolone, 2003, no levantamento quefez sobre essas diferentes defini-ções, citando Cassassus, 2002: getãoé “um processo de aprendizagem”,entendido como expansão das ca-pacidades de conseguir o que sedeseja e não somente como umaelaboração pessoal. Nas distintasvisões da gestão, estão presentes ostemas relacionados à educação,como aprendizagem, aprendiza-gem contínua, geração de valores,visão compartilhada, interações erepresentações mentais.1

Partindo dessa definição, as-sim como o trabalho do diretor,coordenador pedagógico, supervi-sor e outros técnicos vinculados auma rede, pode-se conceber o tra-balho do professor com um grupode crianças como um trabalho degestão, cabendo a cada um atuar emsua esfera dentro do processo edu-cacional como um todo.

Por ser este artigo voltado aosprofissionais que atuam dentro dasunidades educacionais, busco apre-sentar algumas considerações so-bre práticas cotidianas daquelesque atuam como “gestores” das uni-dades e dos professores.

Os gestores que, atualmente,assumem a tarefa de coordenar ostrabalhos em instituições educaci-onais enfrentam um grande volumede solicitações e tarefas a ser cum-pridas, advindas de variadas dire-ções, como as obrigações burocrá-ticas estão as demandas da comu-nidade local, providências para o

funcionamento diário da unidade(incluindo a falta de funcionáriosque precisam ser supridas), encami-nhamentos para obtenção de recur-sos (materiais pedagógicos, alimen-tos, brinquedos, manutenção doprédio)... Além disso, precisam pla-nejar a formação continuada e aimplementação de uma gestão pe-dagógica compartilhada com a fa-mília e a comunidade.

Há de se considerar, ainda, asmudanças atuais sobre as concep-ções de criança, família, educação,relações profissionais no trabalho,dentre outras, e as resistências demuitos a mudar suas convicções.

Esses desafios se somam a ou-tros relacionados à precária quali-ficação escolar dos professores, àgrande demanda de crianças aindanão-atendidas, especialmente paraa faixa etária de zero a três anos, aoindividualismo que predomina nasrelações de trabalho. Problemascuja solução deverá ser perseguidaao longo das próximas décadas.

Aos profissionais que cuidamdo cotidiano das unidades cabe atarefa de, através da coordenaçãode atividades coletivas, promove-rem a melhoria possível do projetopedagógico, no qual se incluem aorganização do ambiente (espaçose rotinas), a formação continuada,a participação/integração das famí-

lias e da comunidade e a avaliaçãodo trabalho.

Para realizar bem essa tarefa, osgestores precisam ser apoiados comformação continuada para si tam-bém, pois precisam acompanhar asmudanças sociais e tecnológicas dosnossos tempos e desenvolver umavisão crítica sobre as necessidadeseducacionais da população (crian-ças, profissionais, família e comuni-dade) com quem trabalham.

Os contextos socioculturaisem que uma unidade educacionalpode estar inserida são muito varia-dos, mesmo quando comparamos asdiferentes regiões de uma mesmacidade, por exemplo, como São Pau-lo. Esses contextos variam conformeas características predominantes dapopulação local, as atividades eco-nômicas existentes, os serviços dis-poníveis, as atividades de lazer, ou-tros serviços públicos da localidadee outras organizações não-governa-mentais atuantes na região.

Por isso, é necessário ao ges-tor fazer o levantamento dessas ca-racterísticas, categorizá-las e anali-sá-las criticamente de forma a po-der identificar os potenciais e as ne-cessidades daquela população (in-fantil e adulta). O mesmo precisaser feito em relação à população di-retamente atendida pela unidade, jáque muitas vezes as crianças e fa-

Refletindo sobre os diferentes âmbitos da

Aos profissionais que cuidam do cotidiano dasunidades cabe a tarefa de, através da coordenação deatividades coletivas, promover a melhoria possíveldo projeto pedagógico, no qual se incluem aorganização do ambiente (espaços e rotinas), aformação continuada, a participação/integraçãodas famílias e da comunidade.

gestão na educação infantilgestão na educação infantil

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mílias atendidas vêm de outras lo-calidades.

Os conhecimentos construí-dos a partir desse estudo norteiamos princípios gerais e os objetivosdo projeto pedagógico, aqui consi-derado como principal instrumen-to de gestão. A legislação vigenteorienta para que todos os esforçossejam conduzidos no sentido de seconquistar gestões educacionaisdemocráticas, nas quais gestores,professores, educadores de apoio efamílias participam da elaboraçãoe constantes revisões do projetopedagógico.

A transformação desse docu-mento, freqüentemente encontra-do como apenas burocrático, eminstrumento de trabalho que nor-teia as metas da unidade e da equi-pe como um todo representa maisum desafio. Nele estariam descritas,para conhecimento de todos, asconcepções adotadas e as ações degestão relacionadas à manutençãoda unidade educacional, à propos-ta pedagógica desenvolvida com ascrianças, à formação continuadados educadores, à integração comas famílias e a comunidade e à ava-liação do trabalho.

Independentemente das limi-tações encontradas nas unidades,para o desenvolvimento de um tra-balho melhor, muitas experiênciasnos permitem acreditar que osavanços, grandes ou pequenos, sãopossíveis a partir do momento emque os gestores conseguem plane-jar seu próprio trabalho. No entan-to, esse planejamento representamais um grande desafio, especial-mente para os gestores da educaçãoinfantil, na qual essa cultura apenascomeça a ser implantada.

Parece existir uma visão pre-dominante de que o papel do ges-tor seria atender às solicitações,sempre entendidas como emergen-ciais. Assim, as práticas dos atuaisgestores resultam, em geral, numacorreria sem fim, quando muitasvezes, ao final do dia, restam as sen-sações de cansaço e de que não sefez muita coisa (Mello, 2007)2 . Porisso, é de se pensar: como podemosconseguir que os professores plane-jem seu trabalho, na direção do pro-jeto pedagógico, se eles não têmconhecimento de qual é o trabalhodo gestor e o seu planejamento?

O planejamento do gestor en-volve fazer discriminações constan-tes na definição das prioridades deseu trabalho. Envolve também dis-ciplina na ordenação das tarefas aserem executadas e muitos de nósnão fomos preparados para essadisciplina com flexibilidade.

Há ainda toda uma gama deconhecimentos por ser construídaou apropriada pelas equipes e co-munidades sobre quais são as atri-buições da unidade educacional equais são da família. Dentro da uni-dade de educação infantil tambémé preciso avançar sobre quais sãoas atribuições dos professores, jáque muitos deles ainda não supera-ram a dicotomia construída entrecuidar e educar.

Muitas dificuldades e conflitosvividos no cotidiano do trabalhoocorrem por causa dessa falta declareza por parte de todos os envol-vidos. As discussões sobre essasatribuições envolvem principal-mente questões éticas sobre os re-lacionamentos de crianças e crian-ças, crianças e adultos, adultos eadultos. Desta forma, o regimentoda unidade é visto como o segun-do principal instrumento de traba-lho, que também pode passar porconstantes revisões e aperfeiçoa-mentos.

O regimento da unidade é oprincipal instrumento para enfren-tarmos outro grande desafio: o deconsolidar e garantir os direitosdas crianças já estabelecidos porlei, especialmente quando se traba-lha com crianças tão pequenas,cujo pensamento sincrético nãolhes oferece muitos recursos parase defenderem quando agredidasem seus direitos.

Nesse sentido, a gestão do pro-fessor sobre a vida de um grupo decrianças que convivem diariamen-te na unidade educacional sob suacoordenação, por poucas ou mui-tas horas, requer clareza sobre es-ses direitos e sobre a intencionali-dade educativa definida pelo cole-tivo da unidade.

Existem professores que aindafazem distinções equivocadas entreatividades de cuidado e atividadeseducacionais, sem a clareza de con-cepção das dimensões do cuidadoe da educação em todas as ativida-des que realiza. Da mesma forma,

* Telma Vitória - psicóloga formada pelaFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras deRibeirão Preto da USP. Mestrado em SaúdeMental pela Faculdade de Medicina de Ribei-rão Preto da USP. Uma das organizadoras dolivro "Os fazeres na educação infantil", foiconsultora no programa ADI Magistério, noProinfantil do MEC. Atualmente, participacomo formadora central do programa "Redeem rede", da Secretaria Municipal de Educa-ção (SME) de São Paulo.

Referências bibliográficas

MELLO, Ana Maria. Um diálogo comos diretores de creches e pré-escolas.

In: ROSSETTI FERREIRA, Maria Clo-tilde; MELLO, Ana Maria; VITORIA, Telma

GOSUEN, Adriano & CHAGURI,Ana Cecília (orgs) - Os fazeres na educa-ção infantil, Ed. Cortez, SP, 9ª ed., p. 21-25.

se confundem em relação às açõesque promovem a autonomia dascrianças, oscilando-as entre “dar li-berdade”, sem planejamento, e di-recionar excessivamente as ativida-des propostas a elas. É preciso lem-brar que o desenvolvimento da au-tonomia envolve as experiências detomadas de decisão, não apenas aindependência para executar de-terminadas ações. Ao planejar situ-ações apropriadas para possibilitaràs crianças fazerem escolhas, indi-viduais ou coletivas, é que o pro-fessor as ajuda, por exemplo, a de-senvolver a autonomia, além depossibilitar a elas o enfrentamen-to, o aprendizado e a superação deconflitos que envolvem tanto assuas experiências emocionaiscomo as cognitivas. Ainda é preci-so lembrar que o aprendizado e de-senvolvimento das crianças envol-vem o corpo e muito movimento,recursos que ela precisa usar, poistem uma forma de pensar diferen-te da do adulto.

Enfim, para ser gestor na edu-cação infantil há que se deixar con-tagiar pelo encantamento do traba-lho com as crianças pequenas, aoassistir suas conquistas tão rápidase surpreendentes! Só assim é possí-vel enfrentar os desafios e contri-buir para a construção de novossaberes.

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OBJETIVO DO SEMINÁRIOGESTÃO DA EDUCAÇÃO IN-FANTIL E SEUS CONTEXTOSSOCIOCULTURAIS: DIFICUL-DADES E DESAFIOS: este semi-nário visou explicitar as dificuldades edesafios da gestão sustentada na coesãode princípios e diversidade de práticaspedagógicas, considerando a realidadedas instituições, os recursos públicos e aparticipação de todos seus protagonis-tas: crianças, educadores e familiares.

No seminário a concepção degestão enfatizada, tanto no relato daspráticas do CEI Recanto dos Humil-des e da Emei Brigadeiro Rafael Tobiasde Aguiar, como nos comentários daspalestrantes foi de gestão participativa,democrática. Tal visão pressupõe diá-logo, participação e partilha das deci-sões de todos os sujeitos da comuni-dade escolar: crianças, famílias e pro-fissionais da unidade de educação in-fantil. Gestão não é um papel somen-te do diretor e do coordenador peda-gógico, é tarefa de todos e depende docomprometimento de cada um.

Na apresentação das experiênci-as ficou claro que a gestão por si sónão garante o pleno funcionamento daescola, há desafios internos e externos.Mas, foi considerado que a gestão de-mocrática altera a qualidade do traba-lho pedagógico, o atendimento nas ins-tituições de educação infantil, pois de-mocratiza as relações e as crianças, osprofissionais e os familiares passam ater vez e voz.

Telma Vitória, palestrante desseseminário, comparou gestão com ges-tação, com gestar. Afirmou que nocampo pedagógico gestão significaconstruir o novo, significa o nascimen-to de idéias, de conhecimento e detransformações nas práticas e concep-ções. Defendeu o projeto pedagógicocomo principal instrumento de articu-lação de todos os atores dentro daunidade. Ele deve ser uma construçãocoletiva e servir para a democratiza-ção da gestão.

Maria Aparecida Guedes enten-de que a gestão é uma mediação en-tre o que é a finalidade da escola -desenvolvimento e a aprendizagem -e a coerência entre os meios e os fins

DESTAQUES DO DEBATEda educação. Para ela, gestão não éadministração burocrática, gestão, es-pecialmente na instituição de educa-ção, é pedagógica, pois o administra-tivo tem que estar a serviço do peda-gógico. Define gestão educacionalcomo sinônimo de gestão democráti-ca, afirmou que educar não é um tra-balho solitário, mas, sim, compartilha-do e citou Paulo Freire: "ninguém edu-ca ninguém....nos educamos em co-munhão". Para a palestrante, trabalharcom parceria das famílias significa:observar, conhecer, flexibilizar e garan-tir que estas participem.

As apresentações das práticas doCEI e da Emei revelaram pontos co-muns. A diretora Hilda Sarti destacoualguns instrumentos de participaçãoque compõem a prática de gestão noCEI: a construção do projeto pedagó-gico; o conselho de escola, que inicioumesmo antes da existência da lei; aAPM - Associação de Pais e Mestres;as reuniões pedagógicas; a comissãode funcionários e o boletim informati-vo. Silvia Setuko Aoki Santarosa, dire-tora da Emei, relatou que o processode gestão desenvolve-se através deações permanentes como: discussãosobre o papel da escola, sua funçãosocial e seu foco no aluno; valorizaçãodo funcionário; avaliação semestral daunidade, com pais e funcionários, paramelhorar a prática; participação cole-tiva nas decisões; socialização das in-formações para todos; Conselho e As-sociação de Pais e Mestres; formação;reuniões freqüentes e breves. Afirmouque o jeito de gestão que desenvolvena escola favoreceu o desenvolvimen-to de projetos pelos professores.

A diretora do CEI deixou claroque a gestão democrática não aconte-ce sem conflito, sem divergência. É noconflito que há o debate e que se avan-ça com participação de todos. A apren-dizagem da participação se dá partici-pando. As pessoas aprendem a traba-lhar com a divisão do poder, com asdecisões da maioria, que são fruto denegociações.

A diretora da Emei defendeu quea gestão participativa é o melhor cami-nho, favorece o desenvolvimento do tra-balho dos professores, humaniza a rela-ção entre os adultos e as crianças e con-

sidera a capacidade da criança, dos pro-fissionais e da família. Disse que "o quemais gosta na escola é quando alguémfala: tive uma idéia, porque daí diz: vemcá, vamos lá....A gente fez muita coisa,mas tem tanta coisa para fazer. Como agente aprende com o outro!".

No debate foi explicitado quedentro do projeto pedagógico o desa-fio é incentivar o desenvolvimento daautonomia de todos e construir umaidentidade própria, dividir as respon-sabilidades, buscar a participação efe-tiva e o papel político de cada sujeito.

Telma Vitória esclareceu que aautonomia é diferente de independên-cia, pois a primeira envolve possibili-dades de escolhas, de tomar decisões,seja a criança, o professor, ou diretor.Defendeu a autonomia a partir de umprojeto coletivo e afirmou também queé necessário dar visibilidade aos tra-balhos que estão acontecendo na redee que "ninguém sabe".

Nesse sentido, Maria AparecidaGuedes defendeu o resgate da históriae das experiências, o diálogo e a trocaentre os CEIs e Emeis. Afirmou que éimportante não deixar de fazer porquea estrutura não colabora, mas sim fa-zer para conquistar, transigir, buscar,ousar, arriscar. Muitas mudanças ocor-reram por conquista da rede, começa-ram nas práticas para depois irem paraa legislação, pois o fato de haver espa-ços legalizados de participação nãogarante a democratização da gestão.

Porém, a palestrante acredita quetemos que ter um compromisso paraalém do fazer, que é fomentar, espa-lhar, "conspirar" juntos para que as ex-periências e propostas tomem um vul-to maior, pois a força das mudanças sóvem quando conspiramos juntos, divul-gamos e ocupamos espaços como Sin-dicato e Fóruns de Educação Infantil.A maior rede pública de educação in-fantil do país, pelo seu peso e pela suahistória, tem responsabilidade de pro-duzir e sistematizar conhecimentos.

Todos concordaram que a edu-cação infantil é um direito, que a nos-sa utopia é buscar um atendimento demaior qualidade e que este é um so-nho possível!

Grupo Espaço Plural