revisÃo de literatura | cirurgia de pequenos animais

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Investigação, 14(2):21-27, 2015 ISSN 21774780 21 REVISÃO DE LITERATURA | RESUMO O presente artigo tem como objetivos abortar os aspectos da fisiopatogenia da uveíte anterior em cães e gatos. Detalhes sobre os resultados de investigações relativas ao uso de anti-inflamatórios tópicos e sistêmicos são também abordados, com o intuito de facilitar a escolha de tais fármacos no tratamento dessa afeção ocular. MV Dr. Alexandre P. Ribeiro 1 * MV, Ma. Deise C. Schroder 1 UVEÍTE ANTERIOR EM CÃES E EM GATOS Anterior uveitis in dogs and cats ABSTRACT The present article reviews physiopathological aspects of anterior uveitis in dogs and cats. Details of the results of investigations regarding the use of topical and systemic antiinflammatory are also described, in order to facilitate the choosing of such drugs for the treatment of such ocular afection. 1.Faculdade de Agronomia Medicina Veterinária e Zootecnia – UFMT/ Departamento de Clínica Médica Veterinária. Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367, CEP: 78060-900 – Cuiabá, MT, Brasil. Tel.: +55(65)3615-8000 (ramal 234). *E-mail: [email protected] Investigação, 14(2):21-27, 2015 CIRURGIA DE PEQUENOS ANIMAIS SESSÃO ESPECIAL

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Investigação, 14(2):21-27, 2015

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REVISÃO DE LITERATURA |

RESUMO

O presente artigo tem como objetivos abortar os aspectos da fisiopatogenia da uveíte anterior em cães e gatos. Detalhes sobre os resultados de investigações relativas ao uso de anti-inflamatórios tópicos e sistêmicos são também abordados, com o intuito de facilitar a escolha de tais fármacos no tratamento dessa afeção ocular.

MV Dr. Alexandre P. Ribeiro1*

MV, Ma. Deise C. Schroder1

UVEÍTE ANTERIOR EM CÃES E EM GATOS

Anterior uveitis in dogs and cats

ABSTRACT

The present article reviews physiopathological aspects of anterior uveitis in dogs and cats. Details of the results of investigations regarding the use of topical and systemic antiinflammatory are also described,

in order to facilitate the choosing of such drugs for the treatment of such ocular afection.

1.Faculdade de Agronomia Medicina Veterinária e Zootecnia – UFMT/ Departamento de Clínica Médica Veterinária. Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367, CEP: 78060-900 – Cuiabá, MT, Brasil.

Tel.: +55(65)3615-8000 (ramal 234).

*E-mail: [email protected]

Investigação, 14(2):21-27, 2015

CIRURGIA DE PEQUENOS ANIMAIS

SESSÃO ESPECIAL

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INTRODUÇÃO

A uveíte é a inflamação da túnica vascular do olho, a qual é composta pela íris, corpo ciliar e coroide. Na uveíte anterior, íris e corpo ciliar são afetados, na posterior, apenas a coroide é acometida (COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011). A uveíte pode ocorrer após dano ao trato uveal ou pela quebra das barreiras hematoaquosa ou hematoretiniana (TOWNSEND, 2008).

A barreira hematoaquosa é uma estrutura anatômica e fisiológica que impede a troca de algumas substâncias entre a câmara anterior e o sangue, permite a passagem de solúveis lipídicos e restringe a passagem de íons solúveis em água e proteínas. O endotélio dos vasos sanguíneos da íris e o epitélio não pigmentado do corpo ciliar compõem essa barreira (TOWNSEND, 2008). A integridade da barreira hematoaquosa depende da justaposição dos vasos localizadas entre a pars plicata e a pars plana, duas camadas de epitélio não pigmentado do corpo ciliar, responsáveis pela produção de humor aquoso, que controlam o influxo do fluido aquoso para a câmara posterior. Danos a essa barreira levam ao aparecimento do flare do aquoso, que corresponde ao aumento da turbidez desse humor, ocasionado pela exsudação e acúmulo de proteínas plasmáticas e componentes celulares na câmara anterior (COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011). O humor aquoso contém cerca de 1/500 da concentração proteica do plasma (GUM e MACKAY 2011). Experimentos conduzidos em cães mostraram que os níveis proteicos no aquoso situam-se entre 5,00 e 26,91 mg/dL (GALERA et al. 2009, RIBEIRO et al. 2009; 2010; GUM e MACKAY, 2011). A albumina é a única proteína detectável à eletroforese, no humor aquoso secundário de cães (GALERA et al. 2009).

Experimentalmente, a barreira hematoaquosa pode ser rompida por paracentese da câmara anterior, instilando-se

pilocarpina a 2% ou prostaglandina F2α e E2 e seus análogos (WARD et al. 1991; DZIEZYC et al., 1992; KROHNE et al., 1998ab; RANKIN et al. 2002; GILMOUR e LEHENBAUER, 2009; RIBEIRO et al. 2009; 2010; PINARD et al. 2011) ou ainda, por ruptura da cápsula anterior da lente em cirurgias oftálmicas convencionais ou com a utilização de laser para quantificação do flare (MILLICHAMP et al. 1991). A intensidade da inflamação uveal pode ser mensurada pela presença de prostaglandina E2 (PGE2) e proteínas no humor aquoso (RIBEIRO et al. 2009; 2010; SCHRODER et al. 2015), por fluorofotometria (RANKIN et al. 2013) ou por mensuração do flare por laser (KROHNE et al. 1998; RANKIN et al. 2002; 2011).

As prostaglandinas são importantes mediadores inflamatórios provenientes da cascata do ácido araquidônico presente na camada fosfolipídica da maioria das membranas celulares na forma esterificada. A ocorrência de qualquer tipo de injúria celular provoca a liberação do ácido araquidônico da membrana celular pela ação da fosfolipase A2 (GORNIAK, 2011). Em seguida, o ácido araquidônico sofre ação das enzimas cicloxigenase (COX) e lipoxigenase (LOX). A COX converte o ácido araquidônico em prostaglandinas, tromboxanas e prostaciclinas, enquanto a LOX converte em leucotrienos, hidroperóxido e hidroxieicosatetranóicos (van der WOERDT, 2001). A cicloxigenase-1 (COX-1) é responsável pela conversão do ácido araquidônico em tromboxanos (tromboxano A2), prostaglandinas (PGD2, PGE, PGF2-alfa) e prostaciclinas (PGI2), enquanto a cicloxigenase-2 (COX-2) produz grande espectro de prostaglandinas, especificamente PGE2 e prostaciclinas (SPARKES et al. 2010). A PGE2 é a prostaglandina mais importante, pois atua como mediadora dos sinais típicos da inflamação: rubor, calor, dor, tumor e diminuição da função (STAREK, 2011).

Em quadros de uveíte, as prostaglandinas são responsáveis por sinais como hiperemia conjuntival, redução da pressão intraocular (PIO), miose, diminuição do limiar da dor e aumento na permeabilidade vascular (VAN DER WOERDT, 2001). Fisiopatologicamente, elas estão envolvidas na quebra da barreira hematoaquosa por atuarem dilatando a justaposição dos vasos do epitélio não pigmentar do corpo ciliar (HENDRIX, 2011). A miose, algumas vezes muito evidente na uveíte, ocorre em resposta à presença de prostaglandinas, particularmente a PGF2 e outros mediadores inflamatórios que agem diretamente no músculo esfíncter da íris causando dor (TOWNSEND, 2008).

Em cães e gatos a uveíte é uma das alterações oculares mais comuns e que possui importância significativa (TOWNSEND, 2008). Nessas espécies, as causas mais comuns de uveíte exógena incluem cirurgia intraocular (Figura 1B), trauma, ceratite ulcerativa (Figuras 2A e 3A) e feridas penetrantes, enquanto a uveíte endógena pode ter origem parasitária, infecciosa (Figura 4 e 5), lente induzida, neoplásica (Figura 6) ou idiopática (COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011). Os agentes infecciosos mais comuns que causam uveíte em gatos incluem Toxoplasma gondii, Bartonella spp, vírus da leucemia felina, vírus da imunodeficiência felina, vírus da peritonite infecciosa felina (Figura 4) e micoses incluindo criptococose, histoplamose, blastomicose, coccidiomicose e candidíase (COLITZ, 2005). Em cães, agentes infecciosos como a Erlichia spp. (Figuras 5, 7 e 8), Leishmania spp., Babesia spp., Toxoplasma gondii e os mesmo fungos mencionados na espécie felina são os agentes comumente envolvidos (HENDRIX, 2011).

Uveíte induzida pela lente é a causa mais comum de uveíte no cão, estando presente em todos os estágios evolutivos da catarata (van der WOERDT, 2001). Ela pode resultar de

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microtrauma, e ou resposta inflamatória contra antígenos provenientes das proteínas da lente apresentados a linfócitos T (van der WOERDT, 2001). Demonstrou-se que o nível de PGE2 não difere significativamente em cães com catarata senil em estágio maturo e hipermaturo (RENZO et al. 2014).

Os sinais clínicos da uveíte anterior são numerosos e não específicos de acordo com a causa. Dentre eles inclui-se a hiperemia conjuntival, o flare (Figuras 4A e 7A), o edema de córnea (Figura 2A), a diminuição da PIO e da acuidade visual, o hifema (Figura 6), o hipópio (Figura 2A), precipitados ceráticos, miose, blefarospasmo, epífora, além de alterações irídicas como o seu espessamento, mudanças na sua coloração e neovascularização (rubeosis iridis) (VAN DER WOERDT, 2001; COLITZ, 2005; TOWNSEND, 2008). As consequências mais comuns da cronificação da uveíte anterior são a ocorrência de sinéquias posterior (entre a lente e a íris) (Figuras 5 e 9) e anterior (entre a córnea e a íris), formação de íris bombé (quando ocorre sinéquia posterior em 360° e não há mais passagem do humor aquoso da câmara posterior para a anterior), glaucoma secundário, rubeosis iridis, formação de catarata, luxação da lente e phitisis bulbi (VAN DER WOERDT, 2001; TOWNSEND, 2008).

Figura 1. A - uveíte facolítica branda em cão com catarata hipermatura. B - leve formação de hifema acidental (seta) ao final da remoção da catarata pela facoemulsificação. C - Cinco dias após a terapia com diclofenaco e prednisolona tópicos, aliado a administração oral de prednisona, o olho está calmo sendo possível visibilizar opa-cidades da cápsula posterior (seta).

Figura 2. A - uveíte anterior em cão decorrente de ceratatite ulcerativa com exposição da membrana de Descemet (seta amarela). Nota-se hiperemia conjuntival e injeção ciliar (seta amarela tracejada), edema de córnea (seta pre-ta) severo e hipópio (seta preta tracejada). B - Cinco dias após confecção de retalho conjuntival pediculado (seta tracejada) e tratamento da uveíte com prednisona oral, diclofenaco e atropina tópicos, é possível observar a pupila (seta). C - 21 dias do procedimento cirúrgico e da terapia, o pedículo foi removido (seta) e é possível observar con-trole total da inflamação da câmara anterior com pupila visível com apenas alguns vasos corneais remanescentes (seta amarela tracejada).

Figura 3. A - uveíte anterior em gato decorrente de extrusão de sequestro corneal. Nota-se ceratite ulcerativa nas laterais do sequestro (seta), flare moderado do aquoso e depósito de fibrina sobre os bordos da ceratite ulcerativa (seta tracejada). B - Flare severo foi observado no pós-operatório imediato (asterisco) devido à perfuração ocular trans-operatória. C - 30 dias após a cirurgia, observa-se controle total da inflamação.

Figura 4. A - uveíte anterior em gato decorrente de peritonite infecciosa; observe o flare moderado (asterisco) que resultou na coloração amarelada do humor aquoso. B - Observe a coloração do humor (seta preta) aquoso e do líquido abdominal (seta tracejada).

Figura 5. Uveíte anterior em cão decorrente de erliquiose. A - Observe a hiperemia conjuntival (seta preta), edema corneal moderado (asterisco), de neovasos (seta preta vasada) e discoria (seta vermelha). B - 10 dias após trata-mento da afecção com doxiciclina e terapia anti-inflamatória aliada à dilatação pupilar com atropina, observam-se as aderências remanescentes, alteração na coloração da íris (seta preta tracejada) e discoria (seta amarela) em um olho mais claro e visual.

Figura 6. Uveíte anterior em cão decorrente de linfoma. A - No momento do diagnóstico observa-se uveíte bil-tareal com presença de hipópio e hifema sedimentados (seta). B - 15 dias após a quimioterapia específica para a neoplasia e terapia tópica com prednisolona.

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Figura 7. A - Observe a presença de flare moderado do aquoso e traços de hifema (seta) em cão com diagnóstico de erliquiose. B - 24 horas após a terapia com colírio de dexametasona 0,1%, instilado a cada 4 horas

Figura 8. Uveíte anterior em cão decorrente de erliquiose A - A despeito da terapia hipotensora ocular anti-infla-matória, e com pressão intraocular normal (18mmHg), a formação de sinéquia posterior em 360 graus (íris bombé) (seta) resultou em glaucoma secundário (B). B - Note a formação de fraturas na membrana de Descemet (setas) oriunda buftalmia ensejada pelo glaucoma secundário.

Figura 9. A - Sinéquias posteriores podem ser vistas às 12 e às 11 horas, assim como catarata madura e aderências de fibrina no endotélio corneal (seta). B - Vista lateral do olho do mesmo cão, demonstrando as mesmas sequelas e sinéquia anterior às 4 horas.

TRATAMENTO

O objetivo do tratamento da uveíte é aliviar os sintomas de dor e controlar a inflamação e, se possível, estabilizar a barreira hematoaquosa, minimizar sequelas e preservar a visão. Por estes motivos, no tratamento base da uveíte são utilizados cicloplégicos tópicos, anti-inflamatórios tópicos e sistêmicos e medicamentos específicos para o tratamento da causa base, quando esta é conhecida (COLITZ, 2005; TOWNSEND, 2008; HENDRIX, 2011).

Midriáticos

Em cães e em gatos, os fármacos parassimpatolíticos promovem dilatação pupilar significativa. Em gatos, dilatação pupilar é atingida após o uso de atropina 1% (até 96 horas) e tropicamida 0,5% (8 horas) (KLAUSS e CONSTANTINESCU, 2004). Ambos os fármacos elevam em até 4,5 mmHg a pressão intraocular na espécie felina (STADTBÄUMER et al. 2006). Em cães, resultados similares são obtidos após instilação desses dois fármacos (KLAUSS e CONSTANTINESCU, 2004). Todavia, Huskies Siberianos são predispostos a apresentarem hipertensão ocular e maior variação quando no diâmetro pupilar após instilação desses fármacos.

Em cães, mas não em gatos, a fenilefrina a 10% pode ser utilizada como adjuvante na dilatação pupilar (KLAUSS e CONSTANTINESCU, 2004; STADTBÄUMER et al., 2006), cautela deve ser considerada em cães cardiopatas, haja vista que o fármaco eleva a pressão arterial de cães (HERRING et al. 2000).

A atropina reduz a produção lacrimal em cães e em gatos, mas não a tropicamida (RIBEIRO et al. 2008). Geralmente, esses agentes são instilados a cada 8 horas, durante 3 a 5 dias, até que

se observe redução significativa no quadro de uveíte anterior (COLITZ, 2005; HENDRIX, 2011).

Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs)

Uso sistêmico em cães

Carprofeno

Em um estudo em que a barreira hematoaquosa foi rompida devido ao uso de pilocarpina 2%, o carprofeno foi capaz de reduzir, em 68%, o influxo de proteínas para o humor aquoso, comparativamente ao grupo controle (KROHNE et al. 1998a). Nesse estudo, o carprofeno foi administrado por 3 dias consecutivos para, posteriormente, a pilocarpina ser instilada em um primeiro momento com duas repetições, 5 e 7 horas após (KROHNE et al. 1998a).

Em outros dois estudos, o carprofeno não foi eficaz quanto à redução dos níveis de PGE2 do humor aquoso após paracentese da câmara anterior. Em um deles, a PGE2 do humor aquoso foi mensurada, decorridos 1 hora da confecção da paracentese (GILMOUR et al. 2009); no outro, a mesma citocina foi quantificada, decorridos 5 horas do insulto inflamatório (RIBEIRO et al., 2010). No experimento de Ribeiro et al. (2010), a dose utilizada foi de 4,4 mg/kg, via subcutânea, em dose única, no momento da realização da primeira paracentese. No estudo de Gilmour e Lehenbauer (2009), os cães foram tratados com 2,2 mg/kg de carprofeno pela via oral em um momento inicial, e a mesma dose foi repetida 24 horas após e 1hora antes da realização da primeira paracentese. No estudo de Ribeiro et al. (2010), a mesma dose administrada pela via subconjuntival também não apresentou benefícios. Gilmour e Payton (2012), utilizaram o mesmo modelo de indução e quantificação da uveíte (GILMOUR e LEHENBAUER, 2009), mas administraram o

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carprofeno pela via intravenosa e não observaram benefícios no controle da inflamação intraocular.

Posteriormente, a eficácia do carprofeno no tratamento de uveíte anterior induzida em cães foi novamente avaliada (PINARD et al. 2011). O fármaco foi administrado diariamente nos dois dias que antecederam a paracentese da câmara anterior e quatro horas antes, no dia do procedimento. Neste estudo, ao contrário dos anteriores, o carprofeno foi capaz de inibir significativamente os níveis de PGE2 uma hora e meia após a indução da uveíte experimental (PINARD et al. 2011).

Meloxicam

Em três estudos realizados, nenhum conseguiu comprovar efeitos benéficos quanto à redução da inflamação intraocular após a administração oral, subcutânea, intravenosa e subconjuntival do fármaco (GILMOUR e LEHENBAUER, 2009; RIBEIRO et al. 2009; GILMOUR e PAYTON, 2012).

Tepoxalina

No estudo de Gilmour e Lehenbauer (2009), após indução da inflamação intraocular pela paracenese, o fármaco foi capaz de manter os níveis de PGE2 (6,84 – 12,80 pg/dL) próximos àqueles encontrados em olhos saudáveis (4,81 – 13,74 pg/dL). O fármaco não é mais comercializado no Brasil.

Flunixina meglumine

O primeiro estudo realizado com o fármaco data 1986, no qual se demonstrou que o influxo de PGE2 para o humor aquoso, após a confecção de paracentese da câmara anterior foi menor em cães tratados com 1,1 mg/kg, que os controles (REGNIER et al., 1986). Posteriormente, demonstrou-se que após

cirurgia intraocular, o uso isolado da flunixina meglumina inibiu em apenas, 22,4% o influxo de proteínas para o humor aquoso (KROHNE e VESTRE, 1987).

Millichamp et al. (1991) relataram, ao induzirem uveíte facoclástica a laser em cães, que a flunixina meglumina diminuiu a síntese de PGE2 no humor aquoso e a ocorrência de miose. Gilmour e Payton (2012) observaram novamente que a administração intravenosa de 0,5 mg/kg de flunixina melgumina foi capaz de reduzir os níveis de PGE2 no humor aquoso, decorridos 60 minutos da realização de paracentese da câmara anterior.

Uso sistêmico em gatos

Em gatos, a eficácia de diferentes AINEs, administrados sistemicamente, sobre a inflamação intraocular induzida por paracentese da câmara anterior foi avaliada em apenas dois experimentos (RANKIN et al. 2013, SCHRODER et al. 2015). No de Rankin et al. (2013), a quebra da barreira hematoaquosa foi quantificada por fluorofotometria e no de Schroder et al. (2015), pela mensuração de PGE2 e proteínas totais do humor aquoso.

Rankin et al. (2013) observaram que 0,1 mg/kg de meloxicam, administrados oralmente a cada 24 horas, foi capaz de reduzir a inflamação intraocular, apenas 48 horas após a realização da paracentese da câmara anterior. No mesmo estudo, o ácido acetil-salicílico (40,5 mg/kg, 1 vez ao dia) não foi capaz de controlar a inflamação em qualquer momento (6, 24 e 48 horas) após a paracentese. Schroder et al. (2015) não observaram redução nos níveis de PGE2 e proteínas totais do humor aquoso após a administração de 5 mg/kg de firocoxib, comparativamente ao grupo controle. Vale lembrar que nesse estudo, os pesquisadores avaliaram a barreira hematoaquosa por apenas uma hora após a sua ruptura.

Uso tópico em cães

Apenas dois experimentos comparando diversos fármacos foram realizados. Nas inflamações induzidas por paracentese da câmara anterior e a intensidade do flare quantificada por laser, o diclofenaco foi o mais eficiente, seguido pelo flurbiprofeno e suprofeno. A tolmetina apresentou resultados similares aos obtidos no grupo controle (WARD, 1996). Todos os fármacos testados foram concentrados a 1% (WARD, 1996). Em um experimento onde a inflamação foi induzida pela instilação de pilocarpina 2%, o flurbiprofeno, o diclofenaco e o suprofeno foram eficazes contra a instalação de miose, sendo o flurbiprofeno, o que mais inibiu a formação do flare (KROHNE et al., 1998b). Todavia, constatou-se elevação significativa da pressão intraocular após o uso de flurbiprofeno (KROHNE et al. 1998b).

Outros fármacos comumente utilizados pela via sistêmica, já foram testados pela via tópica. A instilação de flunixina meglumina foi mais eficiente, comparativamente à dexametasona, no controle de uveítes de origens diversas em cães (ANDRADE et al., 2003). A instilação de três gotas de carprofeno, a intervalos de 1 hora, reduziu a concentração de proteínas no humor aquoso em 44%, comparativamente ao grupo controle (RIBEIRO et al. 2010).

Uso tópico em gatos

Rankin et al. (2011) avaliaram os efeitos da instilação ocular de anti-inflamatórios e observaram que o diclofenaco 0,1% reduziu significativamente o influxo proteico do humor aquoso (quantificação do flare por LASER), decorridos 8 e 26 horas da paracentese da câmara anterior. Nesse estudo, a eficácia do

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flurbiprofeno sobre a proteção da barreira hematoaquosa não foi comprovada e assim como o diclofenaco, o fármaco elevou significativamente a pressão intraocular dos olhos tratados (RANKIN et al. 2011).

Anti-inflamatórios esteroidais

Uso sistêmico

Após cirurgia intraocular em cães, a administração intravenosa de dexametasona foi capaz de reduzir o influxo de proteína para o humor aquoso na ordem de 45,6%. Quando combinada à flunixina meglumina, administrada pela mesma via, esse valor foi elevado para 64,2% (KROHNE e VESTRE, 1987).

Em gatos, a administração oral de 0,5 mg/kg prednisolona, a cada 24h, foi eficaz no controle da inflamação provocada por paracentese da câmara anterior, 24 e 48 horas após quebra da barreira hematoaquosa (RANKIN et al. 2013). No mesmo estudo, os autores não constataram benefícios com o uso da prednisona.

Uso tópico

Apenas um estudo controlado avaliou os efeitos da prednisolona 0,12 e 1% sobre a quebra da barreira hematoaquosa em cães (KROHNE et al., 1998b). Nesse estudo, a prednisolona foi eficaz nas duas concentrações testadas, mas a sua eficácia foi inferior aos efeitos inibitórios dos AINEs (KROHNE et al., 1998b).

Em gatos, a instilação de prednisolona 1% atuou mais precocemente, ou seja, 4 horas após paracentese da câmara anterior, quando comparada ao diclofenaco 0,1% (RANKIN et al. 2011). No mesmo experimento, a dexametasona 0,1% não protegeu a barreira hematoaquosa (RANKIN et al. 2011).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Admite-se que em quadros de uveíte, os clínicos devem se esforçar para manter a pupilar dilatada, evitando assim a formação de sinéquias, seclusão pupilar, formação de íris bombé e glaucoma. Todavia, pacientes sob terapia com agentes midriáticos devem ser monitorados, pois os mesmos elevam a pressão intraocular e reduzem a produção lacrimal em cães e em gatos.

Tentativas de reduzir ao máximo o quantitativo de detritos inflamatórios (proteínas, pus, sangue e fibrina), também são objetivos que devem ser alcançados, evitando-se dessa forma o entupimento do ângulo iridocorneal e a formação de glaucoma. Nesse contexto de terapia anti-inflamatória, a quantidade de administrações de medicações não deve ser inferior a seis instilações diárias, considerando-se ainda, a possibilidade de instilações durante o período da madrugada, principalmente, após a realização de cirurgias intraoculares.

A terapia tópica sempre deve ser instituída e se não for proibitivo ao estado geral do paciente, AINEs e corticosteroides tópicos devem ser combinados. Corticosteroides tópicos devem ser evitados em pacientes diabéticos e naqueles com ulceração corneal. Nesses, o uso tópico de AINEs sempre deve instituído para o controle da dor corneal, assim como para o controle da uveíte. Ainda, em casos de pacientes não diabéticos e que apresentem uveítes severas com presença de ceratite ulcerativa concomitante, os autores sempre recomendam o uso sistêmico de corticosteroides aliado ao tratamento tópico da uveíte com AINEs, aliada ao tratamento da úlcera e da cirurgia quando indicado. Na presença de diabetes, a combinação da terapia tópica e sistêmica com AINEs é sempre bem vinda. Casos de

uveítes brandas e naqueles pacientes acometidos por doença renal ou infecções onde a imunossupressão for impeditiva, não se recomenda a administração sistêmica de corticosteroides ou AINEs.

Relativamente à dilatação pupilar, ela deve ser instituída com o uso de atropina 1% ou tropicamida 1% e mantida até que o controle da inflamação seja atingido. O uso combinado de um desses fármacos com a fenilefrina 10% pode ser benéfico em cães, onde a dilatação for dificultosa. Vale lembrar que em gatos, a ausência de receptores alfa-1 na íris, impede a ação da fenilefrina. Ademais, cautela deve ser tomada em cães cardiopatas, haja vista que, mesmo utilizada topicamente, a fenilefrina causa elevação da pressão arterial.

A maioria dos especialistas concorda que a prednisolona a 1% é o fármaco tópico de escolha para cães e gatos com uveíte anterior, oriunda de qualquer causa. Quando for necessária a combinação tópica corticosteroide/AINE, admite-se que o diclofenaco a 0,1% seja o fármaco de escolha para cães e gatos. Segundo os estudos mostrados na presente revisão, fica claro que na opção de utilizar AINEs sistêmicos para cães diabéticos, os autores preferem a flunixina meglumina no manejo da inflação intraocular após cirurgias intraoculares, haja vista que os resultados obtidos com AINEs seletivos para COX-2 não fornecem base para seu uso em cães, e meloxican e carprofeno não são recomendados pelos autores dessa revisão. Para gatos, recomenda-se o meloxicam quando diabetes e doenças imunossupressoras estiverem presentes. Em ambas as espécies, se possível, a melhor opção ainda é combinar a terapia tópica com o uso sistêmico de prednisolona.

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