resumo obras literárias para ufu

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1 Sumário Anjo Negro Resumo ..................................... ........................ 2 Análise .................................... ........................... 4 A Morte de Ivan Ilitch ..................................... .................. 6 Menino do Mato ....................................... ........................11 Felicidade Clandestina ................................ ...................12 Clara dos 89

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Resumo das obras literárias obrigatórias que caem no vestibular da UFU

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Page 1: Resumo Obras Literárias para UFU

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Sumário

Anjo Negro

Resumo ............................................................. 2

Análise ............................................................... 4

A Morte de Ivan Ilitch ....................................................... 6

Menino do Mato ...............................................................11

Felicidade Clandestina ...................................................12

Clara dos Anjos .............................................................. 15

O Abraço ......................................................................... 19

Sagarana Resumo ............................................................ 25

Análise ............................................................. 28

Hídrias ............................................................................. 30

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"Anjo Negro" - resumo da obra de Nelson Rodrigues

O livro é dividido em três atos.

Primeiro AtoNa sala da casa de Ismael e Virgínia, vela-se a morte prematura do terceiro filho do casal. Chega o irmão de criação de Ismael, chamado Elias, que é um homem branco muito bonito e cego. Ele deseja ver a criança, mas é impedido por Ismael. Então, Elias fala que veio trazer um recado de sua mãe, dizendo que Ismael havia sido amaldiçoado por ser um filho ruim. 

Após isso, Ismael e Virgínia discutem dentro do quarto. Ela está trancada no quarto e impedida de ver o filho morto. Ismael diz querer que ela engravide novamente, mas ela se recusa a ter relações sexuais com ele e Ismael a tranca no quarto novamente.

Na próxima cena, Virgínia está chorando no quarto enquanto na sala algumas senhoras ainda comentam que ela não foi ver o filho morto. Quando o corpo é levado para ser enterrado, uma empregada sobe ao quarto e Virgínia implora para que a deixe sair. Durante a conversa, a empregada acaba revelando que Elias se encontra na casa. Virgínia oferece dinheiro à empregada e consegue sair do quarto. Elias e Virgínia se encontram e conversam longamente, revelando-se a história das personagens.

Elias conta que Ismael odeia ser negro e que odeia sua mãe, pois ela é negra. Além disso, por conta de seu ódio e inveja, Ismael cegou Elias propositadamente.

Virgínia conta como se casou com Ismael. Por ter ficado órfã, Virgínia foi morar com sua tia e primas. Quando tinha 15 anos, o noivo da prima caçula a assedia. A prima vê o ocorrido e se enforca. Quando a tia fica sabendo o que aconteceu, ela trama sua vingança contra Virgínia. Ela convida Ismael para ir a sua casa e o manda ir ao quarto da sobrinha e estupra-la, o que ele faz. Após isso, ele compra a casa e passa a manter Virgínia presa.

Segundo AtoApós contarem essas coisas um ao outro, Virgínia e Elias revelam que sentem afeição um pelo outro e, após terem relação sexual, planejam fugir. Por temer que Elias volte e os flagre, Virgínia expulsa Elias e eles discutem. A tia e suas filhas chegam na casa e ouvem vozes na casa. A tia vê Elias descendo as escadas e vai até o quarto. Ela vê Virgínia arrumando a cama, consegue fazer com que a moça confesse sua traição e a ameaça.

Ismael chega em casa e vai direto para o quarto, onde encontra Virgínia com atitudes muito amorosas. Os dois acabam discutindo e Ismael acusa Virgínia de ter matado seus filhos por eles serem negros. Ela confessa e diz que matou este último afogado e os outros dois por envenenamento. Ismael diz que o próximo filho ele não a deixará matar. Virgínia se diz uma nova mulher e que não matará o próximo filho, mas pede que ele expulse a tia da casa. 

Ismael pergunta porque ela deseja o próximo filho se ela nunca o amou. Então, a tia chega nesse exato momento e diz que é porque o filho é de Elias. Ismael expulsa a tia e suas filhas da casa. Ismael diz que como Virgínia matou os filhos dele, ele irá matar o filho branco de Virgínia e Elias. Então, para salvar seu filho, ela vai buscar Elias que está em outro quarto esperando-a. Quando eles retornam ao quarto onde Ismael está esperando, Ismael mata Elias com um tiro. Pensando que Virgínia está morta, a tia e suas filhas comemoram na sala.

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Terceiro AtoJá se passaram 16 anos após o ocorrido e Ana Maria, filha branca que Virgínia teve, já completou 15 anos. Durante uma conversa, Virgínia diz que Ismael é quem cegou Ana Maria com ácido e ele consente. Virgínia exige conversar a sós com a filha, algo que Ismael nunca deixou que ela fizesse, e diz que irá contar toda a verdade para a menina.

Depois de anos fora, a tia retorna à casa com o corpo de sua última filha. Todas as outras haviam morrido virgem, mas esta não. Ela havia mandado a filha a ir sozinha a um poço onde sempre ficava um mendigo. Ele estupra a moça e a mata. Após contar isso, a tia ameaça Virgínia dizendo que Ana Maria também morrerá virgem. Furioso, Ismael protesta.

Após isso, Ismael autoriza Virgínia a passar três noites sozinha com a filha. Ele diz que Virgínia pode contar tudo a menina, inclusive que ele é negro. Por fim, ele diz que após isso é para ela sair de casa, pois ele não a quer mais.

Virgínia e Ana Maria conversam durante três noites, mas a jovem não acredita em nada do que a mãe diz. Virgínia diz que a ama e planeja fugirem juntas, dizendo que levará a filha a um lugar onde existem muitos homens brancos que a amarão. Então, Ana Maria revela que possui uma relação de homem e mulher com Ismael e que o ama. Espantada, Virgínia fala que realmente sempre a odiou e que na realidade planejava abandonar Ana Maria nesse lugar cheio de homens para que a jovem ali se degradasse. Ana Maria diz que as três noites já acabaram e expulsa a mãe do quarto.

Virgínia conversa com Ismael e ele diz que ama Ana Maria. Ele diz para Virgínia ir embora, pois passará o resto da vida com a filha dela. Ela fala que a jovem jamais o amaria se pudesse ver o rosto de Ismael e que portanto só Virgínia poderia ama-lo de verdade. Ismael se convence de que Ana Maria é apaixonada por um homem branco que na verdade só existe nas histórias que ele conta para ela, e decide matar Ana Maria. Ismael vai buscar a jovem dizendo que vão passear e então ele e Virgínia trancam a menina em um mausoléu de vidro que tem na casa. O casal vai para o quarto consumar seu amor enquanto a Ana Maria morrerá aos poucos.

PersonagensIsmael: médico negro, violento e sem escrúpulos. Por não se aceitar como negro, deixa sua filha cega para que ela não saiba que ele é negro. Virgínia: mulher branca que torna-se vítima sexual e esposa de Ismael.Ana Maria: filha branca de Virgínia com Elias. É abusada sexualmente por Ismael.Elias: branco, irmão de criação de Ismael. Ficou cego provavelmente por culpa de seu irmão.Tia: mulher cruel, vingativa e que superprotege suas filhas.Primas: filhas da tia. Com exceção de apenas uma delas, todas morrem virgem.

Sobre Nelson RodriguesNelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, e mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro. Aos 13 anos começou a trabalhar em jornal. Escreveu sua primeira peça, "A Mulher sem Pecado", em 1941. Dois anos depois, a montagem de Vestido de Noiva revolucionou o teatro nacional e transformou-o num dos principais dramaturgos brasileiros.

Sua obra teatral é assim classificada pelo crítico Sábato Magaldi: peças psicológicas (nas quais se incluem as duas primeiras), peças mitológicas ("Anjo Negro" e "Álbum de Família") e tragédias cariocas ("A Falecida" e "O Beijo no Asfalto"). Suas obras causaram polêmica ao abordar temas sexuais e morais, como o tabu do incesto e a infidelidade, de forma mórbida, obsessiva e moralista. 

Sua vida pessoal foi marcada por tragédias, como o assassinato do irmão e o

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choque por saber que seu filho fora torturado pela ditadura militar, regime que Nelson apoiou. Escreveu também os romances "Meu Destino É Pecar" e "O Casamento", além de livros de crônicas. Morreu no Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 1980.

"Anjo negro" - análise da obra de Nelson Rodrigues

28/09/2012 17h 36

"Anjo negro" e a tragédia"Anjo negro" é uma peça teatral escrita por Nelson Rodrigues em 1946. Dentro do gênero dramático, o texto é identificado como uma tragédia – recebendo inclusive o subtítulo “Tragédia em 3 atos”. Uma peça teatral não possui um narrador e outras características próprias de um texto em prosa (tais como romance, conto, etc.), e portanto sua leitura e entendimento se dá de um modo diferente do de uma prosa. De um modo geral, os elementos fundamentais de um texto dramático são: personagens, diálogos, rubrica, atos e cenas.

Dentre esses elementos, as personagens podem ser consideradas o ponto chave de um texto dramático, pois devido à ausência de narrador, as ações são todas construídas por meio das falas e diálogos das personagens. Assim, as personagens e os diálogos correspondem à base fundamental do texto dramático, sendo através deles que se percebe o enredo. Além disso, pode-se dizer que através dos diálogos é que as personagens são caracterizadas, uma vez que não existes descrições físicas e psicológicas das personagens e deve-se, portanto, inferir esses dados através de suas falas. Portanto, os diálogos devem dar coerência ao texto, unindo personagens e ação.

Já as rubricas são as indicações feitas pelo autor sobre o cenário e ações, e são em geral impressas em itálico. Essas indicações são um guia para que a peça se transforme de texto escrito em uma encenação teatral propriamente dita. As rubricas contém, além de dados acerca do cenário em que se dá a cena (por exemplo, em Anjo negro sabemos que a primeira cena se dá na sala da casa e temos a descrição de como é esse lugar), elementos gestuais (se a personagem olha para cima ou para baixo, se está sentada ou em pé, se gesticula enquanto fala ou não, etc.), elementos psicológicos (se a personagem está triste ou não, se ela está espantada, assustada, qual seu tom de voz, etc.) e outras características que o dramaturgo julga essencial demarcar para uma boa compreensão do texto.

No caso de "Anjo negro", vê-se que a rubrica desempenha um papel fundamental na construção da ação, pois o estado psicológico das personagens é constantemente demarcado através delas. Um exemplo disso é o fato de em diversos momentos as personagens estarem de costas (ou de perfil) para o público ou uma para outra no momento do diálogo. Este tipo de demarcação é bem comum nas peças escritas por Nelson Rodrigues e geralmente indicam indiferença, medo, ódio, afastamento e outros sentimentos como esses. Com relação à descrição dos cenários, percebe-se que muitas vezes as rubricas dão características irreais e ilógicas. Por exemplo, na primeira cena a casa é descrita como não tendo teto para

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que a noite possa “possuir os moradores” e que os muros crescem de acordo com a solidão do negro. Assim, tem-se em "Anjo negro" uma atmosfera de caráter surrealista e expressionista, onde o cenário reflete o estado psicológico das personagens.

Por fim, estruturalmente um texto dramático é dividido em atos e cenas. Um ato pode ser entendido de forma parecida com a dos capítulos de um romance, e correspondem a um estágio da trama desenvolvida no texto dentro de uma dada unidade de ação. Anjo negro possui, assim como a grande maioria dos textos teatrais produzidos por Nelson Rodrigues, três atos. Já as cenas são as menores unidades de ação de um ato, e possuem um número fixo de personagens cuja ação é dada em uma unidade fixa de espaço. Dessa forma, quando muda-se a personagem ou o espaço cênico, muda-se também a cena.

Quanto ao tempo da ação, é importante destacar que as peças de Nelson Rodrigues geralmente não possuem um tempo delimitado. A sensação de “suspensão do tempo” causada pela indefinição do tempo da ação ocorre também em "Anjo negro", cujo tempo parece ser eterno. Por conta disso, as personagens parecem ficar aprisionadas eternamente em sua condição de dor e sofrimento, o que pode ser notado claramente ao final de Anjo negro. Nessa peça, Ana Maria termina aprisionada dentro do mausoléu de vidro para que morra lentamente, enquanto Ismael e Virgínia voltam a se trancar no quarto. Para assegurar a continuidade desse ciclo vicioso em que as personagens estão presas, o coro de mulheres canta que o casal terá outro filho que também será morto como os demais.

Por fim, cabe ressaltar que toda ação de "Anjo negro" é resultado da relação de Virgínia com o noivo de sua prima. Por conta dessa traição, a prima se suicida e a tia arquiteta um plano para se vingar de Virgínia. A partir de então, o ciclo de violência vai se desenvolvendo como uma bola de neve em torno de relações de ódio, inveja e vingança. Em outro ponto do texto, Virgínia se envolve em outro caso de adultério ao se relacionar com o irmão de seu marido e a tia mais uma vez desenvolve um papel fundamental para a realização da vingança ao contar para Ismael o ocorrido entre Virgínia e Elias. Esta forma de desenrolar da ação é um traço característico das tragédias, onde uma ação é resultado de outra e assim sucessivamente. 

A questão étnicaEssa peça de Nelson Rodrigues gira em torno do contraste branco/negro, sendo que isto será posto como o grande impedimento para a relação entre Ismael e Virgínia. Além da própria cor da pele (ela é branca e ele, negro), estes dois opostos estão presentes em diversos outras partes da peça, como por exemplo as vestimentas: Ismael, que é negro, está sempre com um terno impecavelmente branco.

A questão racial em "Anjo negro" é central, não importando que Ismael seja um médico bem sucedido e tenha um nível social igual ao de sua esposa. Ismael consegue superar as barreiras de classe económico-social, mas não consegue se desvencilhar do complexo de inferioridade proveniente de sua cor. A negação da cor negra torna impossível a união do casal e a geração de descendentes, que são mortos um a um por Virgínia. Há também a maldição lançada pela mãe de Ismael por ele não aceitar sua cor e ter sido um “filho ruim”.

Comentário do professorO prof. João Amalio Ribas (Joãozinho), do Colégio Acesso de Curitiba (PR), conta que a intenção de Nelson Rodrigues ao escrever “Anjo Negro” era construir uma peça em que o negro não fosse apenas um subalterno, como era comum no teatro brasileiro até então. Como o escritor percebeu, havia uma carência de um protagonista negro que fugisse desse estereótipo do “negro malandro”. Assim, uma das temáticas de fundo dessa obra é discutir o preconceito racial. Segundo o prof.

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Joãozinho, esse preconceito está escancarado no próprio título da peça, “Anjo negro”, pois há um jogo paradoxal entre “anjo”, que segundo o imaginário popular é branco e loiro, com a palavra “negro”.

Porém, conforme explica o prof. Joãozinho, Ismael – “o negro que não é malandro” da peça – se impõe revestindo-se de uma “ética branca”, que na realidade não é nada “branca” e pura, e irá cometer diversas atrocidades. Da mesma forma, sua esposa branca irá matar cada um de seus filhos. Assim, pode-se dizer que no final das contas “somos todos iguais”, sendo que não há nenhuma conotação positiva nessa frase, diz o prof. Joãozinho. Em “Anjo negro” a igualdade entre brancos e negros se dá por uma identificação das atrocidades cometidas por ambos – tanto que ao final da peça, lembra o professor, os dois se juntam para matar a filha. Nelson Rodrigues expõe na peça uma visão negativa do ser humano, não existindo os polos “bem” versus “mal”.

Outro ponto importante na peça é a metáfora da cegueira, explica o prof. Joãozinho. Se não fôssemos pautados pela visão, o quão diferente não seriam nossas relações humanas? – questiona ele. Assim, o sentido da visão torna-se uma importante ferramenta para colocar em questão o preconceito racial.Por fim, o prof. Joãozinho comenta que “Anjo negro” possui temas clássicos do teatro rodriguiano, tais como violência, desejo e sexo – sendo que nessas peças o sexo é o combustível que leva as pessoas a cometer atrocidades. Além disso, pode-

se dizer que há uma “amálgama de sentimentos contraditórios”, conforme chama o professor, que seria uma junção contraditória de sentimentos tais como o amor e ódio. Em “Anjo negro”, um exemplo disso seria a relação entre Virgínia e Ismael: ela mata os filhos porque odeia o marido, mas no final da peça fica com ele porque o ama também.

"A Morte de Ivan Ilitch" de Liev

Tolstói

Ivan Ilitch via que estava morrendo e sentia-se constantemente

desesperado. No fundo da alma sabia bem que estava morrendo; mas não só não

conseguia habituar-se a essa idéia, como não a compreendia mesmo - era incapaz

de compreendê-la." Liev Tolstói

Em A Morte de Ivan Ilitch, considerada por alguns críticos literários a novela mais

perfeita já escrita, Liev Tolstói (1828-1910) traça a trajetória de um paciente

terminal confrontado com sua doença. O protagonista, Ivan Ilitch, membro de uma

corte de apelação provincial, leva uma confortável vida burguesa. A doença –

câncer –mudará tudo, transformará sua vida numa jornada de sofrimento e

degradação. Com sua genialidade, o escritor russo nos leva a ocupar “o lugar do

doente”, fazendo-nos refletir sobre o quanto a desatenção do médico pode ser

desfavorável à evolução geral do paciente:

Ivan Illich foi. Tudo se passou como previa e como se passa sempre. Uma longa

espera, expressões solenes e doutorais que conhecia muito bem, pois no tribunal

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era a mesma coisa, auscultação, apalpações, as perguntas habituais, exigindo

certas respostas previamente determinadas e evidentemente inúteis, um ar

importante que significava: vocês não precisam fazer mais do que obedecer-nos e

nós arranjaremos tudo; sabemos muito bem, sem possíveis dúvidas, como se

arranjam essas coisas, sempre da mesma forma, qualquer que seja o paciente.

Tudo se passava, sem tirar nem pôr, como no tribunal. Do mesmo modo que ele

representava uma farsa diante dos acusados, ali o famoso clínico a representava

diante dele. O médico dizia: isto e aquilo indicam que o senhor tem isto e aquilo;

mas no caso em que o exame não o confirme, seremos levados a supor que seu

mal é este ou aquele. E se chegarmos a essa suposição... nesse caso... etc., etc.

[...]Ivan Ilitch concluiu do resumo do médico que a coisa ia mal; para o médico, para

toda gente mesmo, talvez aquilo não tivesse importância, mas para ele,

pessoalmente, a coisa ia muito mal. E essa conclusão abalou de maneira dolorosa

Ivan Ilitch, despertando nele um profundo sentimento de piedade de si mesmo e de

ódio ao médico, tão indiferente em face de um fato daquela importância. [...] Ivan

Ilitch saiu lentamente, retomou com tristeza o seu trenó e mandou tocar para casa.

Durante todo o trajeto não cessou de meditar sobre as palavras do médico,

esforçando-se por traduzir todos aqueles termos científicos, complicados e obscuros

numa linguagem simples, a ver se encontrava nela a resposta à sua pergunta: o

meu caso será perigoso, muito perigoso ou não será nada? E pareceu-lhe que as

palavras do médico significavam que o seu caso era muito mau. As ruas revestiram-

se de uma estranha tristeza aos olhos de Ivan Ilitch: os fiacres estavam tristes, as

casas, os passantes, as lojas, tudo estava triste. E a dor que ele sentia, aquela dor

surda, obstinada, que não o abandonava um instante, parecia adquirir, graças às

frases ambíguas do médico, um significado novo, muito mais sério.

Os médicos, como mostra o texto acima, não se mostram dispostos a ajudá-lo; pelo

contrário, o tom de “indiferença” e as palavras utilizadas pelo doutor exacerbam a

sensibilidade do doente, fazendo-o se deparar com a morte de uma forma

extremamente dolorosa. Seu criado, Guerássim, apieda-se dele; e é com esse

homem simples que Ivan Ilitch aprenderá, afinal, o significado da fé e do amor.

A Morte de Ivan Ilitch é um dos clássicos utilizados na disciplina “Humanidades

Médicas”, já instituída em diversas universidades do país.

REFERÊNCIAS:

TOLSTÓI, L A morte de Ivan Ilitch. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha,

1998.

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A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói

A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói, novela publicada em 1886, retrata com uma

aguda profundidade o tema da morte e o sentido da vida, personalizada em Ivan

Ilitch, um juiz russo que na antecâmara da morte faz uma reflexão profunda sobre

todas as etapas da sua vida desvendando-se a si próprio.

Nessa magistral obra-prima, considerada por Vladimir Nabokov como a mais

artística, mais perfeita e de mais sofisticada realização da história mundial,

defrontamo-nos com o soberano do destino: o fim. A morte é uma prova final,

aplicada a qualquer momento; e por mais que se creia não estar preparado, todos

somos aprovados.

Escarafunchando a angustiada consciência do irrepreensível juiz Ivan Ilitch, em

breves 85 páginas, Tolstói brinda o leitor com o relato de um acerto de contas,

revelando a futilidade do modelo de vida burguês. Será, preso ao leito, frente a

morte certa, que a vida de Ivan Ilitch se revelará mais livre, mais autêntica e

pujante. As preocupações corriqueiras, os afazeres mundanos impediram-no de

pensar nela.

É com espanto que, diante da morte iminente, atina que viveu uma vida de

aparências, tanto no desempenho de seu trabalho, quanto no casamento e em suas

demais relações sociais. Ivan Ilitch conclui que sua existência fora desprovida de

um propósito mais significativo, que não passou daquilo que a sociedade, com seu

mero jogo de interesses, de galgar posições de prestígio, de “parecer estar bem”,

preconizava. Em resumo: uma autêntica vida de falsidades. Para seu desespero, até

mesmo àqueles a quem julgava ser fundamental e amado, sua mulher e filhos,

vivenciam sua convalescênça como sendo um capricho inexplicável (a mulher) ou

um aperreio, um estorvo (sua filha).

O sucesso profissional, o empenho pela manutenção da ordem, do status quo,

daquilo que, aos olhos dos outros era tido como o “certo”, sempre fora o norte de

sua “aparentemente” bem sucedida vida: “Não era um adulador, nem quando

menino, nem quando homem feito, porém, desde a infância, sentira-se

naturalmente atraído pelas pessoas que ocupavam posição elevada na sociedade,

tal como mariposas pela luz, e assimilava-lhes as maneiras e as opiniões, forçando

ainda relações amistosas com elas”.

Ivan Ilitch dá um rosto à imprudência moderna. Ele é o juiz bem sucedido, que crê

desempenhar perfeitamente o seu papel, ou seja, que “aplica” o Direito. Ele é o

“escravo da lei”, a “boca da lei”, que no fundo no fundo sabe que tais coisas não

existem, mas que age profissionalmente como se existissem. À semelhança dos

médicos com os quais se depara ao longo de sua agonia e que, ali onde se encontra

um homem a ser cuidado (um homem que sofre e que necessita de cuidados), só

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enxergam uma doença a ser eliminada, Ivan Ilitch também se mostra incapaz,

durante toda sua vida como juiz, de levantar os olhos dos autos e dos códigos para

ver os homens e seus problemas. Ele “aplica” o direito, mas não sabe (ou finge não

saber) que o Direito não pode ser “aplicado” de uma forma mecânica. Sua

prudência (no sentido moderno), que se manifesta em sua dócil submissão a um

legalismo convenientemente apropriado ao carreirismo, é máxima imprudência (no

sentido clássico). E por essa imprudência, Ivan Ilitch paga um preço alto. O preço da

falta de sentido.

Moribundo, reconstitui, na imaginação, suas origens, sua vida como estudante de

Direito, os concursos públicos, as motivações que o levaram a eleger Prascóvia

Fiódorovna como esposa: “Dizer que Ivan Ilitch se casou por ter se apaixonado pela

moça e por ter encontrado nela compreensão para a sua concepção da vida, seria

tão incorreto quanto afirmar que se consorciara porque a sua roda social aprovara o

enlace. Esposou-a movido por suas próprias razões: o casamento lhe proporcionava

particular satisfação e era visto como uma boa solução pelos seus amigos mais

altamente colocados”. Nem por amor, nem somente por puro interesse, embora

seja notória a importância que dava aos valores prezados pelos mais bem situados.

O magistrado não encontrou felicidade no lar. Passado o breve mar-de-rosas que

fora a lua-de mel, o matrimônio se revelou perturbador: “E, não mais que um ano

após o casamento, Ivan Ilitch chegou à conclusão de que a convivência familiar,

embora ofereça certas vantagens, era uma coisa verdadeiramente complexa e

difícil, para a qual é preciso elaborar uma relação definida, tal como perante o

trabalho, a fim de se poder cumprir honradamente o dever, ou seja, levar-se uma

vida que, pela correção, a sociedade aprove”. Problemas de ordem prática,

soluções igualmente práticas.

Nada como refugiar-se no trabalho como forma de blindagem para evitar que algum

incômodo nos perturbe e podermos assim, anestesiados, deixar a vida seguir seu

curso, sob controle: “Todo o interesse da sua existência se concentrou no mundo

judiciário e esse interesse o absorvia. A consciência da sua força, que permitia

aniquilar quem ele quisesse, a imponência da sua entrada no tribunal, a deferência

que lhe tributavam os subalternos, seus êxitos com superiores e subordinados e,

sobretudo, a maestria com que conduzia os processos criminais e da qual se

orgulhava – tudo isto lhe dava prazer e lhe enchia os dias, a par das palestras com

os colegas, os jantares o [jogo] uíste. Assim a vida de Ivan Ilitch decorria da

maneira que achava conveniente – agradável e digna”.

Sobre o contentamento que o jogo lhe proporcionava, confidencia-nos o autor: “A

alegria que Ivan Ilitch encontrava no trabalho era a alegria da ambição; as alegrias

da vida social eram as da vaidade; mas as verdadeiras alegrias eram as

proporcionadas pelo uíste”. Entreve-se mais um pouco da alma do corretíssimo juiz

Ivan Ilitch: ambicioso, vaidoso e frívolo.

Dentre as demais atividades nas quais encontrava prazer ocupavam-no uma

inocente e tipicamente burguesa: a decoração e organização do lar; mas nem

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sequer nisso sua individualidade aflorava: “Teve a sorte, principalmente de poder

comprar barato certas antigüidades, que emprestavam à casa um ar

pronunciadamente aristocrático. (...) Na verdade, havia ali o mesmo que se

encontra nas casas de gente remediada, mas que pretende aparentar opulência e

apenas consegue que se pareçam extraordinariamente umas com as outras (...)

enfim, tudo aquilo que as pessoas de certa classe possuem para parecer com as

pessoas da mesma classe. A casa de Ivan Ilitch era uma perfeita imitação, mas ele

a achava absolutamente original”.

Tudo corria relativamente bem na pacata e irretocável vida de Ivan Ilitch. Até que

um dia, envolvido na arrumação da nova casa, ansioso por demonstrar a um

operário como queria que um serviço fosse executado, deu um passo em falso,

escorregou duma escada e deu uma pancadinha de lado, na moldura da janela. Na

hora, não sentiu muito, apenas uma dorzinha boba. Mas após esse episódio, as

dores foram se tornando cada vez mais intensas e insuportáveis. Apesar de ter se

submetido a renomados especialistas, nada pôde fazer. A morte o rondava.

A inesperada condição de enfermo será extremamente favorável à observação, à

avaliação isenta e imparcial dos relacionamentos cultivados com todos os que o

cercavam, inclusive com seus colegas juízes. É com profundo desapontamento que

Ivan constata que, indiferentes, a única coisa que importava mesmo era manter o

enfadonho, mas necessário, protocolo de visitas e confabular sobre quem ocuparia

o posto que ele deixará, bem como quem ficará com o cargo vago por aquele que o

substituir, e assim por diante. Recapitulando seus valores, suas realizações e

frustrações, conclui que “farinha do mesmo saco”, não teria agido diferente de seus

interesseiros e ambiciosos amigos magistrados. Afundando num sofrimento

desesperado, Ivan Ilitch se dá conta da insignificância de sua vida, da fragilidade de

suas conquistas. Apesar de suas dores físicas serem terríveis, doía ainda mais a sua

consciência moral. Próximo à finitude e com fome de imortalidade, a ânsia de

encontrar propósito para sua breve e vulgar existência martelava-lhe o cérebro.

Foram três meses, de intensa agonia. Dependente de auxílio para tudo, inclusive

para as constrangedoras necessidades fisiológicas, encontra na alma do singelo

camponês Guerássin, ternura e, testemunha a bondade humana. Certa vez,

agradecendo pelo desagradável préstimo, ouviu o mujique afirmar que fazia isso

com prazer; que qualquer um faria. Essa ingenuidade o comovia profundamente.

Acalmava-lhe a presença desse prestativo enfermeiro.

Sob o crivo de uma lucidez perturbadora, repassou sua vida: “E quanto mais longe

da infância e mais perto do presente, tanto mais as alegrias que vivera lhe

pareciam insignificantes e vazias. A começar pela faculdade de direito. Nela

conhecera alguns momentos realmente bons: o contentamento, a amizade, as

esperanças. Nos últimos anos, porém, tais momentos já se tornavam raros. Depois,

no tempo do seu primeiro emprego, junto ao governador, gozara alguns belos

momentos: amara uma mulher. Em seguida tudo se embrulhou e bem poucas eram

as coisas boas. Para adiante, ainda menos. E, quanto mais avançava, mais escassas

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se faziam elas. Veio o casamento, um mero acidente e, com ele, a desilusão, o mau

hálito da esposa, a sensualidade e a hipocrisia. E a monótona vida burocrática, as

aperturas de dinheiro, e assim um ano, dois, dez, vinte, perfeitamente idênticos. E,

à medida que a existência corria, tornava-se mais oca, mais tola. É como se eu

tivesse descendo uma montanha, pensando que a galgava. Exatamente isto.

Perante a opinião pública, eu subia, mas na verdade, afundava. E agora cheguei ao

fim – a sepultura me espera”.

Sem que ninguém visse: “Chorava a sua impotência, a sua terrível solidão, a

crueldade de Deus, que o abandonava”. Vulnerável, clamava por carinho, piedade

e, em silêncio, nutria um desejo inconfessável para um homem de respeito: queria

ser cuidado como se fosse uma criança.

Buscar e encontrar o significado da vida é algo particular. O juiz Ivan Ilitch foi um

homem que não atentou para a liberdade de poder escolher seu destino. Sem

discutir, fez o que era para ser feito e pronto. Mas isso fora insuficiente para deixá-

lo partir em paz. Não questionou o télos (propósito/objetivo/finalidade) de seus

comparsas; “fechou” com a futilidade encantatória da classe dominante; almejada,

sem pestanejar, por toda manada, ilusório alvo de imitação. Três horas antes de

morrer, Ivan Ilitch vislumbra luz no fundo do saco escuro. Sensibiliza-o as lágrimas

nos olhos do filho e da mulher, se apieda por eles: “e percebia que a sua vida não

fora o que deveria ter sido, mas ainda podia ser reparada”. No instante em que

adota uma atitude em relação ao sofrimento, algo fenomenal o liberta da

fantasmagórica ameaça da vala-comum psíquica. Ah, a morte: “Que alegria!”. Ivan

Ilitch recebe-a de braços abertos!

Créditos: Luciene Félix, Professora de Filosofia e Mitologia Greco-Romana

Menino do MatoPor Ana Lucia Santana

Manoel de Barros, após um intervalo de três anos, durante o qual nenhuma obra

sua foi publicada, lança Menino do Mato, seu 20º livro de poemas. É praticamente

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seu presente de aniversário, quando o autor atinge os 93 anos. Seu livro mais

recente, anterior a este, é Memórias Inventadas III, lançado em 2007, no qual

constam ilustrações de sua filha Martha Barros.

Esta nova obra poética está configurada em duas metades – ‘Menino do Mato’ e

‘Caderno de Aprendiz’. O leitor tem diante de si 96 páginas da mais pura poesia e

suavidade, nas quais ele tem um encontro marcado com o dom de encantar deste

poeta único. A segunda parte do livro é estruturada essencialmente por versos

concisos, mas nem por isso desprovidos de energia imagética e de riqueza de

sentidos.

A idade não é em momento algum um obstáculo para Manoel de Barros, que se

mantém em pleno vigor criativo. Adotando o estilo tradicional, ele elabora seus

poemas à mão, tendo com sua caligrafia o mesmo zelo que o move quando traz à

luz seus versos. Este livro resgata a figura do Menino, presente em obras

anteriores, o qual sempre ressurge a cada criação do poeta.

As figuras desconexas e plurais de Manoel de Barros circulam mais uma vez por

Menino do Mato. Ao se ler este volume de poesias, a primeira questão que intriga o

leitor é compreender de que fonte provém toda a inspiração deste autor. Ele a

credita aos seus tempos de meninice, vividos em uma fazenda em Corumbá, no

Mato Grosso do Sul. Neste período ele construiu a sua famosa ‘oficina de desregular

a natureza’, que continua ativa até hoje.

Setenta e três anos após o lançamento de Poemas Concebidos sem Pecado, em

1937, seus recursos poéticos continuam em ação. Os temas selecionados pelo

poeta são ainda os mesmos do início – os tolos, os pássaros, o crepúsculo,

Bernardo, as pedras, os cantos melodiosos dos passarinhos, o rio, os recantos

despovoados, a quietude, o avô, o isolamento.

A sensação que se tem, ao ler este livro, mesmo quando já se conhece sua obra

anterior, é que o Menino é um novo personagem, recém-nascido na extremidade de

seu lápis. Em janeiro de 2010 esta figura surgiu também nas telas do cinema, no

documentário Só Dez por Cento É Mentira, de Pedro Cezar, que tem como

protagonista a região do Pantanal, mostrando de que forma ela é inserida na

produção poética do poeta. Ele também revela o processo de criação de seus

personagens.

Seu volume Poesia Completa, que engloba toda a elaboração poética de Manoel de

Barros, é lançado também junto com Menino do Mato, pela mesma editora, a Leya.

Ele compila desde os versos presentes em seu primeiro livro, até os que estão

inscritos em Menino do Mato.

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‘’Felicidade Clandestina" - resumo e análise da obra de Clarice Lispector

28/09/2012 22h 12Lançado inicialmente em 1971, "Felicidade Clandestina" reúne diversos textos de Clarice Lispector que foram escritos em diversas fases da vida da autora. Os textos reunidos nessa obra podem mais facilmente serem classificados como “contos”, mas como Clarice não se prendia a convenções de gêneros, todo o conjunto reunido em Felicidade Clandestina migra de gênero em gênero, ora aproximando-se do conto, ora aproximando-se da crônica, ou por vezes sendo quase um ensaio. De fato, muitos dos textos reunidos neste livro foram publicados como crônicas no Jornal do Brasil, para onde Clarice escrevia semanalmente de 1967 a 1972.

Ao todo, Felicidade Clandestina reúne 25 textos que tratam de temas diversos, tais como a infância, a adolescência, a família, o amor e questões da alma. Assim como a crônica que dá título ao livro, muitos dos textos apresentam algo de autobiográfico, trazendo recordações da infância da autora em Recife, alguma personagem que marcou seu passado, etc. Através da recordação de fatos do seu passado, Clarice Lispector busca nos contos fazer uma investigação psicológica de autoanálise.

Uma das técnicas mais empregadas nesses contos é a da narrativa em fluxo de consciência, que é uma tentativa de representação dos processos mentais das personagens. Esse tipo de narrativa não possui uma estrutura sequencial, uma vez que o pensamento não se expressa de uma forma ordenada. Dessa forma, seria como se o autor não tivesse controle sobre a personagem e a deixasse entregue a seus próprios pensamentos e divagações.

Assim, dentro desse processo de associação de ideias e pensamentos desconexos, em um dado momento a personagem passa por um momento de epifania, que é uma súbita revelação ou compreensão de algo. Ao passar por esse momento de epifania, a personagem descobre a essência de algo que muda sua visão de mundo ou sua própria vida. Através desses momentos de epifania, personagens que poderiam ser considerados sem relevância alguma aos olhos da sociedade ganham profundidade psicológica e existencial.

Contos representativos“Felicidade clandestina”Nesta crônica a narradora em primeira pessoa conta sua primeira experiência com um livro. Porém, este livro é de uma menina má que o oferece emprestado para a narradora, mas sempre inventa uma desculpa para não entregar o livro a ela. Até que a mãe da menina má descobre isso e entrega o livro para a narradora, que passa a saborear o livro como se fosse um amante. Esta crônica tem um cunho autobiográfico, como comprovou a própria irmã da escritora dizendo que se lembra da “menina má”.

O ponto central desse texto é o conceito de “felicidade”. Nele, a escritora parece se questionar “afinal, o que é felicidade?”. A menina presente na crônica parece conhecer bem o dito popular “felicidade é bom, mas dura pouco”, uma vez que ela se utiliza de todas as formas para prolongar seu sentimento de felicidade. Uma vez que ela ganhou permissão para ficar com o livro pelo tempo que desejasse, ela o deixa no quarto e finge esquecer que o possui, só para se redescobrir possuidora dele. Dessa forma, sua felicidade aparece como um sentimento “clandestino”, já que nem ela mesma pode se conscientizar de sua própria felicidade para que esse sentimento não acabe. Concluísse, portanto, que a felicidade deve ser descoberta a todos os momentos e nas coisas mais simples. 

“Amizade sincera”

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Este conto é a história de dois homens que se tornam amigos inseparáveis, mas em dado momento começa a faltar assunto entre eles. Os dois vão morar junto, mas não conseguem mais voltar a ser amigos como antes e, por fim, eles tomam rumos diferentes na vida e sabem que não irão mais se ver.

Este conto tematiza os paradoxos das relações humanas e o individualismo das pessoas. Se por um lado queremos manter uma amizade a todo custo, a ponto de quase “ceder a alma” ao amigo, quem de fato gostaria de “ceder a alma”? – pergunta-se o narrador. Assim como aparece em outros contos de Clarice, a relação entre as pessoas parece estar fundamentada em uma “relação de troca”. No conto, os dois amigos já não encontram mais o que “trocar” entre si e disso nasce uma grande melancolia e desilusão, corroendo a amizade entre os dois. Por fim, o que sobra de sincero aos dois é saber que eles não mais se falarão porque escolheram isso.

“O ovo e a galinha”Este é um dos contos mais emblemáticos de Clarice Lispector. A partir da visão de um ovo que está sobre a mesa da cozinha, o narrador inicia uma série de pensamentos a cerca das mais diversas coisas. Esses pensamentos aparecem de forma aleatória e em fluxo de consciência, onde uma ideia, sentimento, sensação etc, desencadeia outro e assim sucessivamente. Dessa forma, ele vai desconstruindo o objeto que está sendo visto e o ovo passa, então, a ser uma representação de qualquer coisa, física ou abstrata (liberdade, amor, vida, etc.). Assim, através dessa “desconstrução”, o ovo deixa de ser simplesmente um ovo e torna-se a chave para a compreensão do amor, da vida e da própria existência humana. 

“Os desastres de Sofia”Neste conto a narradora relembra seus tempos de escola. Por volta dos nove anos de idade, ela nutre uma espécie de amor pelo professor, um homem feio e aparentemente frustrado. A menina-narradora entra em um jogo sádico com o professor, de forma que ela faz tudo para que ele a odeie. Até que em certo momento da narrativa ele pede para que a sala escreva uma história a partir de dados que ele fornece. Ansiosa para ser a primeira a terminar, a menina-narradora escreve a sua história rapidamente e sai da sala triunfante. Porém, após o professor ler o texto que ela escreveu, ele se mostra impressionado e até sorri. A menina-narradora percebe que o olhar do professor não tem mais o ódio de antes, e ela se desespera com sua nova realidade. A partir disso ocorre um momento de epifania em que ela se depara com a verdade do mundo e sua vida muda.

O título do conto é provavelmente uma alusão a um livro infantil escrito no século XIX pela francesa Condessa de Ségur e que também se chama “Os desastres de Sofia”. Porém, no conto de Clarice, o nome “Sofia” não aparece nenhuma vez além do título. Este nome, “Sofia”, é de origem grega e significa “sabedoria”. Assim como em muitos outros contos da escritora, o núcleo temático de “Os desastres de Sofia” parece ser o da autodescoberta. Isso parece ser sugerido também pela ausência do nome Sofia no conto, pois a personagem estaria em busca de sua própria identidade, o que acontece só ao final do livro com o momento de epifania.

Por fim, cabe ressaltar que a narradora traça o seu passado de uma forma autobiográfica, mas ela não o faz de uma forma “fiel”. Ao invés de simplesmente contar os fatos e acontecimentos de seu passado, ela o reinventa a partir das experiências do “eu” presente. Isso fica bem marcado em passagens em que a narradora confessa ter dúvidas sobre o que aconteceu ao certo em determinadas ocasiões e se mostra constantemente hesitante. Assim, através da reconstrução não sistemática de seu passado, a narradora constrói a imagem que faz de si mesmo no seu presente.

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Comentário do professorO Prof. Marcílio Gomes Júnior, da Oficina do Estudante, frisa que Felicidade Clandestina foi publicado no auge da carreira de Clarice Lispector, sendo o seu quarto livro de contos. Como escritora, pode-se dizer que Clarice já havia atingido sua maturidade e conseguia realizar com maestria o que seria o ponto chave de suas obras: o estudo e análise do ser humano. Através de um mergulho no universo interior das personagens, Clarice trazia à tona temas existencialistas e as contradições, dúvidas, inquietudes do ser humano. Nesse ponto, o prof. Marcílio comenta que ela se aproxima bastante de escritores como o russo Dostoievsky (autor de Crime e Castigo), e dos brasileiros Machado de Assis e Graciliano Ramos. Em seus contos, Clarice também explora muito o tema da família e seus confrontos, exibindo o cerne da família brasileira. 

Quanto à questão existencialista, o prof. Marcílio chama atenção para o fato de que esse existencialismo sempre conduz o sujeito (as personagens) para um inevitável isolamento. Assim, em toda a obra de Clarice Lispector teremos personagens desconfiadas, inadaptadas ao meio em que vivem, com temores e inquietações. Através de um mergulho no interior do ser humano, essas personagens cheias de crises existenciais sempre irão passar por um momento de epifania, que seria um “momento de tomada de consciência” ou um “momento de iluminação”. Esta experiência epifânica irá ampliar o campo de percepção da personagem e ela será elevada a outro nível de consciência, passando a ver o mundo a sua volta de outra maneira. Assim, após ver a existência humana de um novo modo, a personagem ou voltará a ser o que era, mas agora com uma consciência elevada, ou então irá manter seu novo estado de consciência.

Por fim, o prof. Marcílio ressalta que como a preocupação de Clarice é com a personagem em si e sua viagem ao interior do ser humano, o cenário físico ao redor é muitas vezes deixado de lado. A não ser que o cenário interfira diretamente ou ativamente na história, não encontraremos nenhuma passagem descritiva nos contos de Clarice. Além disso, a escritora utiliza uma linguagem subjetivada, abusando de adjetivos, metáforas e comparações. Do ponto de vista formal, vale a pensa ressaltar que Clarice utiliza um chamado estilo circular, que consiste na repetição sistemática de palavras, expressões ou frases, para conseguir um efeito enfático. 

Sobre Clarice LispectorClarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 em Tchetchelnik, Ucrânia. Quando tinha cerca de dois meses de idade, seus pais migraram para o Brasil, terra que considerava como sua verdadeira pátria. Em 1924, a família mudou-se para o Recife, onde iniciou seus estudos. Por volta dos oito anos, Clarice perdeu sua mãe. Três anos depois, a família muda-se para o Rio de Janeiro.

Ingressa em 1939 na Faculdade de Direito, e publica no ano seguinte seu primeiro conto, Triunfo, em uma revista. Forma-se em 1943 e casa-se no mesmo ano com o diplomata Maury Gurgel Valente, com quem teve dois filhos. Durante seus anos de casada, mora em diversos países pela Europa e nos Estados Unidos.

Em 1944, publica seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, vindo a ganhar o Prêmio Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, no ano seguinte. Separa-se de seu marido em 1959 e volta para o Rio de Janeiro com seus dois filhos. No ano seguinte, publica seu primeiro livro de contos, Laços de família.

Em 1967, um cigarro provoca um grande incêndio em sua casa e Clarice fica gravemente ferida, correndo risco inclusive de ter sua mão direita amputada. Porém, após se recuperar, continua com sua carreira literária publicando diversos livros.

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Publica em 1977 seu último livro, A hora da estrela, vindo a ser internada pouco tempo depois com câncer. A escritora vem a falecer no dia 9 de dezembro do mesmo ano, véspera de seu aniversário de 57 anos.

Suas principais obras são: "Perto do coração selvagem" (1944), "Laços de família" (1960), "A maçã no escuro" (1961), "A legião estrangeira" (1964), "A paixão segundo G.H." (1964), "Felicidade clandestina" (1971), "Água viva" (1973) e "A hora da estrela" (1977).

Clara dos Anjos – Lima Barreto

Concluído em 1922, ano da morte de Lima Barreto, o romance Clara dos Anjos é

uma denúncia áspera do preconceito racial e social, vivenciado por uma jovem

mulher do subúrbio carioca. 

O grande historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, já apontava,

escrevendo sobre Clara dos Anjos, que é muito difícil “escrever sobre os livros de

Lima Barreto sem incorrer um pouco no pecado do biografismo”. Poucos escritores

brasileiros foram tão obsessivos na investigação da temática do preconceito quanto

Lima Barreto. Mulato, nasceu em 1881, mesmo ano em que o também mulato

Machado de Assis introduzia o Realismo na literatura nacional com a publicação de

Memórias Póstumas de Brás Cubas e Aluísio Azevedo inaugurava a Naturalismo no

Brasil com o romance O Mulato. Não são apenas coincidências. A questão do

preconceito contra a mestiçagem, já denunciada no obra de Aluísio Azevedo, será

fundamental no pensamento nacional entre a implantação do Naturalismo e a do

Modernismo, em 1922, ano da morte de Lima Barreto. Até por razões pessoais, e

por viver exatamente nesse período, sempre retratando-o de forma crítica e até

ressentida, o autor de Clara dos Anjos seria o escritor que mais sentiria (na pele) o

preconceito e o retrataria com tintas mais ácidas na nossa literatura. É ainda Sérgio

Buarque de Holanda que melhor resume como essa temática se apresenta em Clara

dos Anjos:

"Em Clara dos Anjos relata-se a estória de uma pobre mulata, filha de um carteiro

de subúrbio, que apesar das cautelas excessivas da família, é iludida, seduzida e,

como tantas outras, desprezada, enfim, por um rapaz de condição social menos

humilde do que a sua. É uma estória onde se tenta pintar em cores ásperas o

drama de tantas outras raparigas da mesma cor e do mesmo ambiente. O

romancista procurou fazer de sua personagem uma figura apagada, de natureza

"amorfa e pastosa", como se nela quisesse resumir a fatalidade que persegue

tantas criaturas de sua casta: "A priori", diz, "estão condenadas, e tudo e todos

parecem condenar os seus esforços e os dos seus para elevar a sua condição moral

e social." É claro que os traços singulares, capazes de formar um verdadeiro

"caráter" romanesco, dando-lhe relevo próprio e nitidez hão de esbater-se aqui para

melhor se ajustarem à regra genérica. E Clara dos Anjos torna-se, assim, menos

uma personagem do que um argumento vivo e um elemento para a denúncia."

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Clara é uma mulata pobre, que vive no subúrbio carioca com seus pais, Joaquim e

Engrácia, mulher “sedentária e caseira.” Joaquim era carteiro, “gostava de violão e

de modinhas. Ele mesmo tocava flauta, instrumento que já foi muito estimado em

outras épocas, não o sendo atualmente como outrora”. Também “compunha valsas,

tangos e acompanhamentos de modinhas.” Além da música, a outra diversão do pai

de Clara era passar as tardes de domingo jogando solo com seus dois amigos: o

compadre Marramaque e o português Eduardo Lafões, um guarda de obras

públicas.

Marrameque e as rodas literárias

Poeta modesto, semiparalisado, Marramaque frequentara uma pequena roda de

boêmios e literatos e dizia ter conhecido Paula Nei e ser amigo pessoal de Luís

Murat. 

A descrição dessa figura revela a crítica de Lima Barreto a vários aspectos da vida

literária brasileira:

"Embora atualmente fosse um simples contínuo de ministério, em que não fazia o

serviço respectivo, nem outro qualquer, devido a seu estado de invalidez, de semi-

aleijado e semiparalítico do lado esquerdo, tinha, entretanto, pertencido a uma

modesta roda de boêmios literatos e poetas, na qual, a par da poesia e de coisas de

literatura, se discutia muita política, hábito que lhe ficou. (…)

A sua roda não tinha ninguém de destaque, mas alguns eram estimáveis. Mesmo

alguns de rodas mais cotadas procuravam a dele.

Quando narrava episódios dessa parte de sua vida, tinha grande garbo e orgulho

em dizer que havia conhecido Paula Nei e se dava com Luís Murat. Não mentia,

enquanto não confessasse a todos em que qualidade fizera parte do grupo literário.

Os que o conheciam, daquela época, não ocultavam o título com que partilhava a

honra de ser membro de um cenáculo poético. Tendo tentado versejar, o seu bom

senso e a integridade de seu caráter fizeram-lhe ver logo que não dava para a

coisa. Abandonou e cultivou as charadas, os logogrifos, etc. Ficou sendo um hábil

charadista e, como tal, figurava quase sempre como redator ou colaborador dos

jornais, que os seus companheiros e amigos de boêmia literária, poetas e literatos,

improvisavam do pé para a mão, quase sempre sem dinheiro para um terno novo.

Envelhecendo e ficando semi-inutilizado, depois de dois ataques de apoplexia, foi

obrigado a aceitar aquele humilde lugar de contínuo, para ter com que viver. Os

seus méritos e saber, porém, não estavam muito acima do cargo. Aprendera muita

coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas. (…)

Tendo vivido em rodas de gente fina — como já vimos — -, e não pela fortuna, mas

pela educação e instrução; tendo sonhado outro destino que não o que tivera;

acrescendo a tudo isto o seu aleijamento — Marramaque era naturalmente azedo e

oposicionista."

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Lima Barreto denuncia, na figura de Marramaque, a influência das rodas literárias,

grupos fechados que abundam no Brasil; a cultura da oralidade, dos que aprendem

“muita coisa de ouvido e, de ouvido, falava de muitas delas”, tendo um cultura

superficial, de verniz; e o azedume dos que não conseguem brilhar nas “rodas de

gente fina”.

Clara: a “natureza elementar”

Clara era a segunda filha do casal, “o único filho sobrevivente…os demais…haviam

morrido.” Tinha dezessete anos, era ingênua e fora criada “com muito desvelo,

recato e carinho; e, a não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona Margarida, uma

viúva muito séria, que morava nas vizinhanças e ensinava a Clara bordados e

costuras.”

 O autor reitera sempre a personalidade frágil da moça – sua “alma amolecida,

capaz de render-se às lábias de um qualquer perverso, mais ou menos ousado,

farsante e ignorante, que tivesse a animá-lo o conceito que os bordelengos fazem

das raparigas de sua cor” – como resultado de sua educação reclusa e “temperada”

pelas modinhas:

“Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a

modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha

caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai,

devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda

entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos

cantores, como o tal Cassi e outros exploradores da morbidez do violão. O mundo

se lhe representava como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a

suspirar amor.”

Essa “natureza elementar” de Clara se traduzia na ausência de ambição em 

melhorar seu modo de vida ou condição social por meio do trabalho ou do estudo:

“Nem a relativa independência que o ensino da música e piano lhe poderia

fornecer, animava-a a aperfeiçoar os seus estudos. O seu ideal na vida não era

adquirir uma personalidade, não era ser ela, mesmo ao lado do pai ou do futuro

marido. Era constituir função do pai, enquanto solteira, e do marido, quando

casada. (…) Não que ela fosse vadia, ao contrário; mas tinha um tolo escrúpulo de

ganhar dinheiro por suas próprias mãos. Parecia feio a uma moça ou a uma

mulher.”

A descrição de Clara reforça os malefícios da formação machista, superprotetora,

repressiva e limitadora reservada às mulheres na nossa sociedade. Ecoa, portanto,

a descrição de Luísa, do romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós, ou a Ana

Rosa de O Mulato, de Aluísio de Azevedo. Todas são, na verdade, herdeiras

diretas da figura de formação débil, educada nas leituras dos romances românticos,

que é Emma Bovary, criada por Gustave Flaubert no romance inaugural do

Realismo, Madame Bovary (1857).

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Cassi Jones: o corruptor

Por intermédio de Lafões, o carteiro Joaquim passa a receber em casa o

pretendente de Clara, Cassi Jones de Azevedo, que pertencia a uma posição social

melhor. Assim o descreve Lima Barreto:

“Era Cassi um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento,

insignificante, de rosto e de corpo; e, conquanto fosse conhecido como consumado

"modinhoso", além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente

ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de

capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas, pelo

apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos

outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo "Brandão", das

margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao

seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e

repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio — a famosa

"pastinha". Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas

com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e

seduz as damas com o seu irresistível violão.”

O padrinho Marramaque, que já lhe conhecia a fama, tenta afastá-lo de Clara

quando percebe seu interesse. Na festa de aniversário da afilhada, provoca Cassi e

deixa claro que ele não é bem-vindo ali e que seria melhor que se retirasse. Cassi

vinga-se de modo violento: junta-se a um capanga e ambos assassinam

Marramaque. Clara, que já suspeitava das ameaças do rapaz ao padrinho, passa a

temê-lo, mas ele consegue seduzi-la, principalmente ao confessar seu crime,

dizendo que matou por amor a ela. 

 Malandro e perigoso, Cassi já havia se envolvido em problemas com a justiça

antes, mas sempre fora acobertado pela sua família, especialmente sua mãe, que

não queria que fosse preso. Assim, conseguia subornar a polícia e continuar

impune, mesmo depois de ter levado a mãe de uma de suas vítimas ao suicídio e da

perseguição da imprensa.

O exagero narrativo de Lima Barreto torna-se patente ao descrever a figura do

sedutor. Branco, sardento e de cabelos claros, é a antítese de Clara. Como o

apontou Lúcia Miguel Pereira: “Até os animais da predileção de Cassi, os galos de

briga, são apresentados com visível má vontade: ‘horripilantes galináceos’ de

‘ferocidade repugnante’.”

O desfecho

Clara engravida e Cassi Jones desaparece. Convencida pela vizinha, dona

Margarida, que procurara na tentativa de conseguir um empréstimo e fazer um

aborto, ela confessa o que está acontecendo à sua mãe. É levada a procurar a

família de Cassi e pedir “reparação do dano”. A mãe do rapaz humilha Clara,

mostrando-se profundamente ofendida porque uma negra quer se casar com seu

filho. Clara “agora é que tinha a noção exata da sua situação na sociedade. Fora

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preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os

desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça

como as outras; era muito menos no conceito de todos.”

O autor representa, na figura de Clara e no seu drama, a condição social da mulher,

pobre e negra, geração após geração. No final do romance, consciente e lúcida,

Clara reflete sobre a sua situação:

“O que era preciso, tanto a ela como às suas iguais, era educar o caráter, revestir-

se de vontade, como possuía essa varonil Dona Margarida, para se defender de

Cassi e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou

aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às

outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam...”

E, na cena final, ao relatar o que se passara na casa da família de Cassi Jones para a

sua mãe, conclui, em desespero, como se falasse em nome dela, da mãe e de todas

as mulheres em iguais condições:  “— Nós não somos nada nesta vida.”

Elaboração: Frederico Barbosa e Sylmara Beletti

O Abraço de Lygia Bojunga

Perséfone reinventada: a alegoria da morte em O Abraço de Lygia Bojunga

 Marta Yumi AndoMestre em Letras/ Unesp- São José do Rio Preto 

1. Introdução

 Na produção literária endereçada a crianças e jovens, o tema da morte

encontra-se presente desde os mais remotos contos de fadas. Se notadamente

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na linha de tendência verista, temas muitas vezes considerados inadequados

ou impróprios para crianças, como o sexo, a violência e a morte, possuem

reiterada presença, tais temas também aparecem em textos que,

ultrapassando os liames do verismo, possibilitam a imersão na fantasia, como é

o caso de O Abraço (1995) de Lygia Bojunga Nunes. Nesta narrativa, observa-

se, contudo, que a morte não surge apenas como um de seus temas. Percebe-

se que Lygia realmente inova, ao inserir a morte como personagem da trama,

de modo a surpreender e instigar o leitor. É tendo em vista a construção da

imagem da morte e os movimentos do leitor implícito, que procederemos a

uma leitura das referidas obras, a fim de verificar os efeitos estéticos gerados

mediante os atos de apreensão do leitor. Para tanto, adotaremos, como

perspectiva crítica, a Estética da Recepção formulada por Hans Robert Jauss e a

Teoria do Efeito propugnada por Wolfgang Iser. 

2. A Mulher mascarada 

Em O Abraço, a angústia de Cristina, personagem central da trama,

decorre de uma experiência sexual amarga vivida na infância e revivida na

juventude: o estupro sofrido pelo “Homem da Água”. Em vista do tratamento

temático que recebe, fica evidente que a obra não se destina ao leitor infantil.

Além disso, recursos responsáveis por promover a mediação com o leitor-

mirim, como o maravilhoso e a antropomorfização, não se fazem presentes.

Estes dados, somados à alta complexidade estrutural, nos permitem supor que

a obra encontra eco maior em leitores mais maduros, os quais, espera-se,

estejam mais preparados para lidar com temas tão pesados e com uma

estrutura narrativa tão complexa. Nessa ordem de idéias, o leitor implícito aí

configurado é um leitor jovem ou adulto, cujo horizonte de expectativas traga

internalizado um considerável conhecimento vivencial, para que seja possível

atualizar, com eficácia, os sentidos potenciais que emergem do texto.

Justamente por ser uma obra complexa, O Abraço exige intensa

participação do leitor no preenchimento dos espaços vazios, disseminados por

toda a narrativa. A interação texto-leitor tem início a partir do próprio título. Ao

deparar-se com o mesmo, o leitor pode supor que se trate de uma história em

que predomine o afeto e a amizade, já que a palavra “abraço” vincula-se a um

campo semântico que remete a tais conotações. Todavia, examinando a capa

produzida por Rubem Grilo, a impressão inicial se desfaz, uma vez que tal capa

coloca em destaque a estranha figura da Mulher mascarada, personagem que

na obra pode ser interpretada como alegoria da morte. Grilo a retratou como

uma figura cuja palidez é acentuada pelo contraste com os lábios e trajes

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negros. Seu corpo, que lembra um quadro cubista, encontra-se todo retorcido,

e os olhos encontram-se ocultos pelo chapéu, também negro. Ao seu redor,

visualizam-se marcas de mãos, sugerindo um movimento de embate, de luta. O

título aparece grafado em preto, contrastando com o nome da autora em roxo,

o que é interessante, visto que tais cores são geralmente associadas à morte.

O desenrolar do fio narrativo corrobora para que o leitor refute a hipótese

relacionada ao campo semântico tradicional da palavra “abraço”, pois na obra

essa palavra adquire outras conotações, muito mais sombrias: o abraço do

estuprador – “eu te prometo, Clarice [...] que, dessa vez, você não vai morrer

no meu abraço” (BOJUNGA, 2004, p. 23); o angustiado abraço da mãe, ao

reencontrar a Cristina-menina após o estupro – “minha mãe veio correndo, nós

duas assim, correndo uma pra outra, de braço estendido, pra gente se pegar

mais depressa, se abraçar mais depressa, e como a gente se abraçou!”

(BOJUNGA, 2004, p. 23); os vários abraços de Clarice nos sonhos de Cristina,

em que se ressaltam o abraço da morte e o do não-perdão: “é esse o abraço

que eu deixo pra ti, Cristina. Pra você nunca esquecer, pra você nunca perdoar

o que te aconteceu” (BOJUNGA, 2004, p. 29-30).

Como em outras narrativas da autora, apresenta-se a narrativa principal

situada no tempo da enunciação, cujo fluxo é interrompido por narrativas

intercaladas situadas no tempo do enunciado, responsáveis por fornecer novos

dados à narrativa principal, complementando-a. Diferentemente das outras

narrativas, porém, a construção temporal, em O Abraço, se torna bem mais

complexa, na medida em que os fluxos temporais entre passado e presente

apresentam-se dispostos mais fragmentariamente; assim, o que nos é

apresentado são pedaços de discurso, um mosaico cuja reconstituição é

delegada ao leitor.

Entretanto, nessa reconstituição, as perspectivas textuais não se separam

nem se atualizam paralelamente, mas se entrelaçam no texto e oferecem

visões diferenciadas através dos pontos de vista nele contidos. Nessa

combinação de perspectivas, o leitor poderá perceber que a morte de Cristina

é, em vários momentos, sentenciada pela Mulher mascarada. Só perceberá,

porém, essa particularidade, ao estabelecer relações entre o episódio final e os

episódios em que estão inscritos tais prenúncios. O referido convite que a

Mulher mascarada faz à Cristina para encenar um conto é, assim, um sinistro

convite que a conduz à morte. Também não é por acaso que a Mulher

mascarada faz o papel da Morte no conto encenado em uma festa, pois ela é a

própria alegoria da morte. Figura enigmática e misteriosa, ao mesmo tempo

em que personifica todas as Clarices que foram ou que seriam violentadas, tem

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a função de punir Cristina por ter perdoado um crime sem perdão, por ter se

sentido tão atraída pelo homem que mais deveria odiar: “[...] você vai e

transforma o abraço do não-perdão num abraço de tesão: você é mesmo uma

infeliz, você merece o pior” (BOJUNGA, 2004, p. 43).

Percebemos, portanto, que a Mulher mascarada amaldiçoa Cristina e essa

maldição se concretiza na cena final, fato que o leitor apreende mediante a

combinação desses segmentos textuais com o segmento que encerra o livro.

No entanto, a sentença de morte proferida pela Mulher mascarada se faz mais

contundente (uma vez que marcada lingüisticamente) na seguinte passagem:

“mas que diferença faz se eu sou a Clarice-tua-amiga-de-infância-que-um-dia-

saiu-de-casa-e-nunca-mais-voltou, ou se eu sou a Clarice-que-se-fingiu-de-

morta, ou se a Clarice-que-botou-a-boca-no-mundo, ou se a Clarice-que-

morreu-numa-gravata-cinzenta, ou as mil outras Clarices que eu posso te

contar, o que que isso importa, me diz!” (BOJUNGA, 2004, p. 47).

O leitor a princípio estranha, pois se as outras Clarices – a “Clarice-tua-

amiga-de-infância-que-um-dia-saiu-de-casa-e-nunca-mais-voltou”, a “Clarice-

que-se-fingiu-de-morta” e a “Clarice-que-botou-a-boca-no-mundo” – haviam

sido mencionadas, nenhuma menção havia sido feita à “Clarice-que-morreu-

numa-gravata-cinzenta”. O leitor há de franzir a testa e questionar: mas quem

será essa Clarice? Contudo, o texto deliberadamente não fornece a resposta de

imediato; a resposta é estrategicamente adiada para que um vazio se instaure

e o leitor tenha vez na narrativa, podendo, assim, exercer seu papel de

construtor de sentidos. Várias páginas se sucedem para que a resposta seja

obtida, pois é somente nas últimas linhas que o leitor poderá constatar que

Cristina é a “Clarice-que-morreu-numa-gravata-cinzenta”. Percebemos,

contudo, que apesar de o texto não deixar claro a identidade desta Clarice, a

expressão “Clarice-que-morreu-numa-gravata-cinzenta” funciona como uma

pista ao leitor, visto que se tal Clarice não havia sido mencionada, a gravata

cinzenta aparecera reiteradamente.

Em relação à Mulher mascarada, uma série de vazios é instaurada, na

medida em que esta personagem é não apenas enigmática e misteriosa, mas,

mais que isso: é uma figura fantástica. Personificando todas as Clarices

vitimadas por estupradores, surge como um anjo vingador para punir Cristina

por ter perdoado o próprio carrasco. Por aí já se percebe que não era uma

figura propriamente humana. Além de deter o poder sobrenatural de invadir o

espaço onírico, o fato de a morte de Cristina ter sido profetizada por ela lhe

confere poderes demiúrgicos, uma vez que, como um deus inclemente, é capaz

de tirar a vida daqueles que julga não merecer perdão.

Page 24: Resumo Obras Literárias para UFU

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A Mulher mascarada provoca o efeito de estranhamento no leitor, a

começar pela própria descrição física: “Ela estava disfarçada que nem as

mulheres da Veneza antiga se disfarçavam quando iam a certas festas: aquela

máscara branca muito estranha, aquele chapéu preto de três pontas, o véu de

renda, tudo igualzinho.” (BOJUNGA, 2004, p. 9). E, da mesma forma que as

mulheres da Veneza antiga se disfarçavam, a Mulher mascarada afirma que a

Morte também se disfarça: “O guarda-roupa da Morte é vastíssimo; ela usa as

vestimentas mais inesperadas, se disfarça de tudo que a imaginação pode

inventar.” (BOJUNGA, 2004, p. 10). Esse dizer relacionado ao fato de ela insistir

em fazer o papel da Morte e de ela sentenciar a morte de Cristina leva o leitor a

supor que a Mulher mascarada era, de fato, a própria Morte.

Se a caracterização dos trajes causa estranhamento por seu aspecto

sinistro, a caracterização do comportamento concorre para provocar um

estranhamento ainda maior no leitor: “Ela não conversava com ninguém;

escondida naquela máscara, ela deslizava de sala pra sala, numa solidão que

só vendo” (BOJUNGA, 2004, p. 11).

O fascínio que a Mulher provoca em Cristina se reflete no leitor, que se

pergunta: quem é, afinal de contas, essa Mulher mascarada? E a pergunta é

pertinente no momento em que ela aparece pela primeira vez na narrativa,

pois o leitor não poderá, evidentemente, relacioná-la ainda à morte. Essa

relação só se torna possível a partir da correlação dos diferentes segmentos e

das perspectivas textuais que o texto, em sua totalidade, oferece ao leitor.

Quando Cristina puxa conversa com a Mulher mascarada, comentando seu

fascínio por Veneza, a resposta que a Mulher fornece acentua a sensação de

desfamiliarização no leitor: 

– [...] o engraçado é que essa fascinação toda [por Veneza] começou

quando eu ainda era garotinha. Folheando um livro de Veneza que tinha lá

na casa de minha vó.

– Eu sei.

– Sabe??

Ela fez que sim.

– Mas sabe como?

– Você já me contou isso antes.

Fiquei superespantada:

– Mas a gente já tinha se encontrado antes?

[...] A Mulher se levantou e foi indo pra porta da sala. Fui junto: eu estava

morta de curiosidade.

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– Mas, hem? a gente já tinha se encontrado antes? (BOJUNGA, 2004, p. 12-

13) 

As perguntas formuladas por Cristina também o são pelo leitor, e quando a

Mulher a abraça, Cristina parece reconhecer o abraço da amiga Clarice, que

desaparecera após ter sido vista conversando com um homem. Paira,

entretanto, a dúvida não apenas em Cristina, como no leitor: “As luzes se

apagaram./ E eu fiquei paralisada: [...] o abraço era o mesmo que a Clarice

tinha me dado” (BOJUNGA, 2004, p. 13).

Com a interrupção do conto que seria encenado, gera-se um vazio na

narrativa, o que faz com que a expectativa, em Cristina e no leitor, se amplie.

Quando as luzes retornam, Cristina espera reencontrar a Mulher, mas ela some,

o que colabora para acentuar a expectativa inicial.

Embora a Mulher retorne à narrativa, isso só ocorre várias páginas depois.

Antes do seu retorno, há uma série de histórias intercaladas sob a forma

de flash-backs e, mediante essa estratégia, em que a personagem fica

suspensa no momento de maior tensão, configuram-se pontos de

indeterminação cujo preenchimento só se torna possível pela intervenção do

leitor.

Após a interposição de tais flash-backs, retorna-se ao relato da festa na

qual a Mulher reaparece: “Lá pelas tantas eu escuto uma voz perguntando:

posso te ajudar? A Mulher estava do meu lado. Disfarçada do mesmo jeito (ah,

que vontade de olhar pra cara dela, em vez de olhar pr’aquela máscara)”

(BOJUNGA, 2004, p. 31). Como Cristina, o leitor também deseja que a Mulher

retire a máscara, para que a dúvida se dissipe. É, pois, nessa medida que a

Mulher afigura-se ao leitor como uma mulher sem rosto, ou melhor, o seu rosto

surge como um vazio, já que é preciso imaginar o rosto existente por trás da

máscara.

Como em nenhum momento a máscara é retirada, o vazio em relação ao

rosto da Mulher permanece até o final, sendo que o momento de maior

estranhamento ocorre quando, no episódio final, Cristina tenta, em vão, retirar

a máscara:

 – Você disse que ia tirar a máscara pra gente ensaiar.

Sem dizer uma palavra, a Mulher chegou bem pra perto de Cristina e

esticou o pescoço.

Cristina ficou ainda mais nervosa, por que que era ela que tinha que tirar a

máscara?

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A Mulher esperando.

De coração meio disparado, Cristina pegou o gesso branco; puxou a

máscara.

A máscara não se mexeu.

Cristina puxou com mais força.

Nada.

– Me ajuda, Clarice.

Mas a Mulher também não se mexeu.

– Clarice, eu não tô conseguindo, me ajuda.

A Mulher imóvel. (BOJUNGA, 2004, p. 53-54)

O leitor poderá indagar: por que essa máscara não saía? Por que nem

sequer se mexia? E uma das impressões mais estranhas que o texto poderia

suscitar é a de que a Mulher mascarada não tinha mesmo rosto algum, de que

a máscara era o seu rosto. Sendo a Mulher uma figura fantástica, não-humana,

dotada de estranhos poderes, sendo, enfim, a própria Morte disfarçada, os

elementos textuais não invalidam essa leitura, mas trata-se, evidentemente,

apenas de uma leitura possível, já que outros leitores poderiam atualizar o

vazio aí configurado de outras formas. Afinal, como afirma Iser (1996, p. 75), “o

sentido do texto é apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente; em

conseqüência, apenas na consciência imaginativa do receptor se atualizará”.

 3. Considerações finais

 Na literatura destinada a crianças e jovens, situações marcadas pela dor e

pela morte não são incomuns, mas em O Abraço a representação da morte

enquanto personagem constitutiva da trama mostra-se realmente inovadora.

Por seu aspecto sinistro e misterioso, a Mulher mascarada logra provocar

no leitor um misto de prazer e estranhamento, que, por seu turno, surge como

efeito estético decorrente do próprio ato da leitura. Dotada de um senso moral,

revela-se um anjo justiceiro, que surge para punir Cristina por ter perdoado o

próprio estuprador.

A par disso, a Mulher mascarada, muitas vezes, confunde-se e mescla-se

com as várias Clarices mencionadas, exigindo do leitor um maior trabalho

cooperativo, ao deslindar a trama narrativa. Como lembra Eco (1986), é

justamente através dessa cooperação interpretativa que se retira do texto o

que ele não diz (mas pressupõe) e se preenchem os espaços vazios,

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relacionando-o à trama de intertextualidade da qual esse texto se origina e

para a qual conflui.

Em vista da leitura empreendida, podemos afirmar, portanto, que a obra

estudada, em virtude da representação inusitada da morte, é um texto que

logra prender seu leitor em um abraço. Trata-se, porém, não de um abraço de

morte como o do estuprador, mas de um abraço de vida, uma vez que conduz

o leitor a novas visões do mundo e do ser, a partir da visão que a autora

transplanta para sua diegese. 

Referências Bibliográficas

BOJUNGA, Lygia. O Abraço. Il. Rubem Grilo. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2004.

ECO, Umberto. Lector in fabula. Trad. Attílio Cancian. São Paulo: Perspectiva, 1986.

ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Trad. Johannes Kretschmer. São Paulo: Ed. 34, 1996, v. 1.

Sagarana - Resumo da obra de Guimarães Rosa

Primeira obra de Guimarães Rosa a sair em livro, traz nove contos, nos quais o universo do sertão, com seus vaqueiros e jagunços, surge no estilo marcante que o escritor iria aprofundar em textos posteriores.

- Leia a análise de Sagarana

Elementos estruturais e resumosOs narradores de "Sagarana" têm o estilo marcante criado por Guimarães Rosa, cuja principal característica é a oralidade. No entanto, esse traço ainda não está tão acentuado como em obras posteriores, como "Grande Sertão: Veredas" e "Primeiras Estórias", entre outras. Considerando que a oralidade acentuada é um dos principais obstáculos para a leitura de Guimarães Rosa, o livro "Sagarana" é uma excelente opção para iniciar-se na obra do autor.

Em relação ao foco narrativo, com exceção dos contos “Minha Gente” e “São Marcos” – que são narrados em primeira pessoa –, os demais possuem narradores em terceira pessoa. Quanto ao tempo e ao espaço de "Sagarana", pouco há o que ser dito. Sobre o primeiro elemento, vale destacar a linearidade da narrativa, que se desenvolve na maior parte sob o tempo psicológico dos personagens.

O espaço é quase sempre Minas Gerais. Mais especificamente, o interior do estado. Vale uma atenção maior para o nome dos povoados e vilarejos dos contos. Os estados de Goiás e do Rio de Janeiro são mencionados no livro, mas têm pouca relevância na narrativa. 

“O burrinho pedrês” 

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Enredo: Sete-de-Ouros é um burrinho decrépito que já fora bom e útil para seus vários donos. Esquecido na fazenda do Major Saulo, tem o azar de ser avistado numa travessia pelo dono da fazenda, que o escala para ajudar no transporte do gado. Na travessia do Córrego da Fome, todos os cavalos e vaqueiros morrem, exceto dois: Francolim e Badu; este montado e aquele agarrado ao rabo do Burrinho Sete-de-Ouros.Principais personagens: Sete-de- Ouros (burrinho pedrês), Major Saulo, Francolim e Badu. 

“A volta do marido pródigo” Enredo: Lalino é um típico malandro que não aprecia o trabalho, apenas a boa vida. Abandona o serviço na estrada de ferro e vai para o Rio de Janeiro, largando sua mulher, Maria Rita, a Ritinha, na região. No retorno, a encontra casada com o espanhol Ramiro. Torna-se cabo eleitoral do Major Anacleto, que, graças a ele, ganha a eleição. Laio, como também é conhecido, reconcilia-se com Maria Rita no fim do conto.Principais personagens: Lalino Salathiel, Maria Rita, Ramiro e Major Anacleto. 

“Sarapalha” Enredo: a história de dois primos, Ribeiro e Argemiro, contagiados pela malária que se espalhou no vau de Sarapalha. Os dois estão solitários na região, já que parte da população morrera e os demais fugiram, entre os quais a mulher de Ribeiro, Luísa. Argemiro, percebendo a iminência da morte e desejando ter a consciência tranqüila, confessa o interesse pela esposa do primo. Ribeiro reage à confissão de forma agressiva e expulsa Argemiro de suas terras, sem nenhuma complacência.Principais personagens: Primo Ribeiro e Primo Argemiro. 

“Duelo” Enredo: Turíbio flagra sua mulher, Silvana, com o ex-militar Cassiano Gomes. Ao procurar vingar sua honra, confunde-se e acaba matando o irmão de Cassiano Gomes. Turíbio foge para o sertão e é perseguido pelo ex-militar. Nessa disputa, os dois alternam os papéis de caça e de caçador. Cassiano adoece e, antes de morrer, ajuda um capiau chamado Vinte-e-um, que passava por dificuldades financeiras. Turíbio volta para casa e é surpreendido por Vinte-e-um, que o executa para vingar seu benfeitor.Principais personagens: Turíbio Todo, Cassiano Gomes, Silvana e Vinte-e-um. 

“Minha gente”Enredo: Emílio visita a fazenda de seu tio, candidato às eleições, e apaixona-se por sua prima Maria Irma, mas não é correspondido. Ela se interessa por Ramiro, noivo de outra moça. Emílio finge-se enamorado de outra mulher. O plano falha, mas a prima apresenta-lhe sua futura esposa, Armanda. Maria Irma casa-se com Ramiro Gouveia.Principais personagens: Emílio (narrador), Maria Irma, Ramiro Gouveia e Armanda. 

“São Marcos” Enredo: José, narrador-personagem, é supersticioso, mas mesmo assim zomba dos feiticeiros do Calango-Frito, em especial de João Mangolô. Izé, como é conhecido o protagonista, recita por zombaria a oração de São Marcos para Aurísio Manquitola e é duramente repreendido por banalizar uma prece tão poderosa.

Certo dia, caminhando no mato, Izé fica subitamente cego e passa a se orientar por cheiros e ruídos. Perdido e desesperado, recita a oração de São Marcos. Guiando-se pela audição e pelo olfato, descobre o caminho certo: a cafua de João Mangolô. Lá, irado, tenta estrangular o feiticeiro e, ao retomar a visão, percebe que o negro havia colocado uma venda nos olhos de um retrato seu para vingar-se das

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constantes zombarias.Principais personagens: José, ou Izé (narrador), Aurísio Manquitola e João Mangolô. 

“Corpo fechado” Enredo: Manuel Fulô, falastrão que se faz de valente, é dono de uma mula cobiçada pelo feiticeiro Antonico das Pedras-Águas. Este, por sua vez, tem uma sela cobiçada por Manuel. Enquanto o protagonista se gaba de pretensas valentias, o verdadeiro valentão Targino aparece e anuncia que dormirá com sua noiva. Desesperado, Manuel recebe a visita do feiticeiro, que promete fechar-lhe o corpo em troca da mula. Após o trato, há o duelo entre os dois personagens; o feitiço parece funcionar e Manuel vence a porfia.Principais personagens: Manuel Fulô, feiticeiro Antonico das PedrasÁguas e Targino. 

“Conversa de bois”Enredo: conta a viagem de um carro de bois que leva uma carga de rapadura e um defunto. Vai à frente Tiãozinho, o guia, chorando a morte do pai, ali transportado, e Didico. Tiãozinho, que se tornara dependente de Soronho, angustiava- se com este por dois motivos: ele maltratava os bois e havia desfrutado os amores de sua mãe durante a doença do pai.Paralelamente, o boi Brilhante conta aos outros a história do boi Rodapião, que morrera por ter aprendido a pensar como os homens. Há uma indignação entre os animais em relação aos maus-tratos que os humanos lhes infligem. Agenor, para exibir a Tiãozinho seus talentos como carreiro, obriga, de forma cruel, os bois a superar a ladeira onde a carroça de João Bala havia tombado. Superado o obstáculo, os bois aproveitam-se do cochilo de Agenor e puxam bruscamente a carroça, matando seu algoz.Principais personagens: Tiãozinho, Didico, Agenor, Soronho e o boi Brilhante. 

“A hora e a vez de Augusto Matraga”Enredo: Augusto Estêves manda e desmanda no pequeno povoado em que vive. Pródigo, com a morte do pai perde todos os seus bens. Certo dia, Quim Recadeiro dá-lhe dois recados que alterarão sua vida: perdera os capangas para seu inimigo, o Major Consilva, e a mulher e a filha, que fugiram com Ovídio Moura.Augusto Estêves vai sozinho à propriedade do major para tomar satisfação com seus ex-capangas. O Major Consilva ordena que Nhô Augusto seja marcado a ferro e depois morto. Ele é espancado à exaustão; depois os homens esquentam o ferro usado para marcar o gado do major e queimam o seu glúteo. Augusto, desesperado, salta de um despenhadeiro.Quase morto, o protagonista é encontrado por um casal de pretos, que cuida dele e chama um padre para seu alívio espiritual. Nhô Augusto decide que sua vida de facínora chegara ao fim. Recuperado, foge com os pretos para a única propriedade que lhe restara, no Tombador. Trabalha de sol a sol para os habitantes e para o casal que o salvara, em retribuição a tudo que fizeram por ele. Leva uma vida de privações e árduo trabalho, com a finalidade de purgar seus pecados e, assim, ir para o céu.Um dia, aparece na cidade o bando de Joãozinho Bem-Bem, o mais temido jagunço do sertão. Nhô Augusto e o famigerado jagunço tornam-se amigos à primeira vista e, depois da breve estada, despedem-se com pesar. Com o tempo, Nhô Augusto resolve sair do Tombador, pressentindo a chegada da “sua hora e vez”. Encontra-se por acaso com Joãozinho Bem-Bem, que está prestes a executar uma família, como forma de vingança. Nhô Augusto pede a Joãozinho Bem-Bem que não cumpra a execução. O jagunço encara essa atitude de Nhô Augusto como uma afronta e os dois travam o duelo final, no qual ambos morrem. 

Sobre Guimarães RosaJoão Guimarães Rosa nasceu em 27 de junho de 1908 na cidade de Cordisburgo,

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Minas Gerais. Autodidata, começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando pelo francês, quando nem completara 7 anos. Em 1925 matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, formando-se em 1930. No mesmo ano, casou-se com Lígia Cabral Penna, com quem teve duas filhas.

Passou a exercer a profissão de médico no interior de Minas Gerais, onde teve um primeiro encontro com os elementos e a realidade do sertão. Durante a Revolução Constitucionalista de 1932 atuou como médico voluntário. Mais tarde foi aprovado no concurso e ingressou na Força Pública. Em 1934 foi aprovado em um concurso para o Itamaraty e exerceu diversas funções diplomáticas no exterior, tais como a de cônsul em Hamburgo, na Alemanha – onde conheceu Aracy Moebius de Carvalho (Ara), sua segunda mulher. De volta ao Brasil, em 1951, assumiu outros cargos no Itamaraty, sendo promovido em 1958 a ministro de primeira classe, cargo correspondente a embaixador. 

Ao lado de sua atividade profissional, como médico ou como diplomata, Guimarães Rosa nunca deixou de escrever. Tinha também paixão por aprender outros idiomas. Seus conhecimentos nesse campo impressionavam pela amplitude: falava fluentemente alemão, francês, inglês, espanhol, italiano e esperanto, além de um pouco de russo. Lia em sueco, holandês, latim e grego. Havia estudado também a gramática das seguintes línguas: húngaro, árabe, sânscrito, lituano, polonês, tupi, hebraico, japonês, tcheco, finlandês e dinamarquês.

A estreia literária de Guimarães Rosa se deu em 1929, quando a revista “O Cruzeiro” publicou alguns contos seus, vencedores de um concurso literário da edição. Seu primeiro livro, a coletânea de contos Sagarana, foi publicado em 1946 e chamou muita atenção pelas inovações técnicas e riqueza de simbologias. 

O escritor fez, em maio de 1952, um percurso de 240 quilômetros no sertão mineiro, durante dez dias, conduzindo uma boiada. Na viagem, anotou expressões, casos, histórias, procurando apreender de forma mais profunda aquele universo com o qual tinha contato desde a infância. Seu intuito era recriar literariamente o sertão, dando voz a seus personagens. Dessa viagem resultou seu único romance, "Grande Sertão: Veredas", publicado em 1956 e tido como um dos mais importantes textos da literatura brasileira de todos os tempos.

Em 1961, Guimarães Rosa recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Candidatou-se à Academia Brasileira de Letras, pela segunda vez, em 1963 e foi eleito por unanimidade. Mas não foi empossado imediatamente, porque adiou a cerimônia enquanto pôde. Dizia ter medo de morrer no dia do evento. Só tomou posse em 16 de novembro de 1967. Três dias depois, em 19 de novembro, morreu subitamente em seu apartamento no Rio de Janeiro, de infarto.

Suas principais obras são: "Sagarana" (1946), "Grande Sertão: Veredas" (1956), "Corpo de Baile" (1956; atualmente é publicada em três volumes: "Manuelzão e Miguilim", "No Urubuquaquá, no Pinhém" e "Noites do Sertão") e "Primeiras Estórias" (1962).

"Sagarana" - Análise da obra de Guimarães Rosa

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Primeira obra de Guimarães Rosa a sair em livro, traz nove contos, nos quais o universo do sertão, com seus vaqueiros e jagunços, surge no estilo marcante que o escritor iria aprofundar em textos posteriores.

Nem mocinhos, nem bandidosO livro de estreia de João Guimarães Rosa foi publicado em sua versão final em 1946. Os contos começaram a ser escritos em 1937, e até o lançamento definitivo, a obra foi reduzida de 500 para 300 páginas, composta de nove contos / novelas. Nesse processo, o autor filtrou o que havia de melhor no texto, utilizando em seu peculiar processo de invenção de palavras o hibridismo - que consiste na formação de palavras pela junção de radicais de línguas diferentes. O título do livro é composto dessa forma. "Saga", radical de origem germânica, quer dizer "canto heróico"; "rana", na língua indígena, significa "espécie de".

Entre os contos que escreve em "Sagarana", merece destaque especial "A Hora e a Vez de Augusto Matraga". Tido pela crítica como um dos mais importantes contos de nossa literatura, condensa os vários temas presentes no livro: o sertão, o povo, a jagunçagem, a religiosidade e o amor. 

Por meio de vários elementos simbólicos, "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" trata de um tema muito presente na obra de Guimarães Rosa: o maniqueísmo, ou seja, a visão dualista de mundo que o separa em dois polos opostos: o bem e o mal. Na literatura, essa visão tende a criar tipos opostos de personagens: o mocinho e o bandido; a virgem casta e pura e a prostituta devassa; o trabalhador pai de família e o bandido; e assim por diante. Nesse conto, a transformação por que passa Augusto Matraga entre o começo e o fim da história não permite seu enquadramento em um polo único.

No início do conto, Nhô Augusto é uma figura típica do universo sertanejo: um coronel que dá ordens em todos na região, abusando de seu poder e humilhando a população. Nesse ponto da narrativa, o narrador dá ao nome completo de Nhô Augusto um significado interessante. Augusto pode ser lido como um adjetivo, que significa majestoso, imponente. Basta lembrar que era o título dado aos imperadores romanos. Estêves, por outro lado, pode ser entendido como a conjugação do verbo "estar" no passado. Assim, o narrador anuncia desde o começo, pelo nome do personagem, que sua condição de soberano no sertão está fadada ao insucesso. O nome Matraga, uma espécie de apelido de Nhô Augusto, tem claramente uma conotação pejorativa (má + traga, de tragar ou do verbo trazer). 

Uma análise do nome Joãozinho Bem-Bem é ainda mais reveladora. Joãzinho, um nome comum, e no diminutivo, parece indicar um lado afetivo, quase infantil, do personagem que é um jagunço. O advérbio Bem confirma o caráter inofensivo do primeiro nome, e sua repetição (Bem-Bem) gera uma sonoridade cara ao povo sertanejo e cristão. Esse efeito é a onomatopéia do badalo do sino de uma igreja. Tantas referências cristãs e benévolas que o nome Joãzinho Bem-Bem sugere, no entanto, parecem absolutamente opostas ao caráter do personagem.

Na narrativa, diferentemente de Nhô Augusto, não se sabe nada sobre a vida de Joãozinho Bem-Bem antes que ele se encontre com o protagonista. Porém, é possível supor que o nome e, sobretudo, o apelido revelem algo da origem do personagem. Assim, pode-se interpretar que os primeiros anos do jagunço foram marcados por uma bondade intensa, da mesma intensidade que seu nome sugere. 

A maldade de Joãozinho Bem-Bem foi incorporada no decorrer de sua vida. Outro dado que comprova essa análise é o fato de ele "não ter fraco por mulheres". Um homem que não aprecia a companhia feminina na cultura sertaneja não goza de grande prestígio social. Apenas um tipo de homem no sertão tem o direito de não

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cobiçar as mulheres sem ser tratado como efeminado: um padre. Assim como Nhô Augusto nasce mau e se torna bom, Seu Joãozinho Bem-Bem parece tornar-se mau depois de ter sido bom.

Essa transformação radical dos personagens tem fim com a chegada da "hora e vez" de Matraga, o confronto final com Joãozinho Bem- Bem. Nesse duelo fatal, os conceitos de bem e mal caem por terra, pois o "bom" Augusto Estêves e o "mau" Joãozinho Bem-Bem envolvem-se em uma ação que supera o maniqueísmo: o primeiro faz o bem à família cometendo assassinato, enquanto o segundo, ao assassinar o protagonista, dá-lhe sua redenção.

Comentário do professorO prof. Marcílio Gomes Júnior, da Oficina do Estudante, comenta que o título da obra, "Sagarana", é um neologismo criado pelo autor e que vem de duas palavras de línguas diferentes: "saga" é do húngaro e significa "lenda"; já "rana", é um sufixo do tupi que significa "semelhante a". Assim, pode-se dizer que o título significa algo como "semelhante a lenda", e que no livro Guimarães Rosa irá criar histórias que são quase lendas, mobilizando diversos mitos que serão aplicados ao sertão de Minas Gerais. Compreende-se a partir daí também o universo mítico que terão as narrativas de "Sagarana".

Estas narrativas do livro são pequenas obras-primas que focalizam a vida e costumes de personagens insólitas do sertão de Minas. O prof. Marcílio acha importante frisar que essas não são personagens comuns, urbanas, mas sim personagens que protagonizam experiências que transcendem o senso comum. Por essa razão, abrem-se portas para o universo mítico/metafísico, tema recorrente na obra do autor. 

Sendo o que se pode chamar de um "escritor filosófico", Guimarães irá fazer no plano temático dessas narrativas uma investigação da relação do homem com o mundo a seu redor, trabalhando os "temas universais", tais como bem e mal, vida e morte, a efemeridade e outros. Por conta dessa investigação é que o livro tem uma simbologia muito forte, simbologia esta carregada de mitologias, símbolos e mitos de culturas ancestrais, o que exige do leitor, conforme lembra o prof. Marcílio, uma cultura vasta. Além disso, a forma com que Guimarães trabalha estes temas universais em suas histórias garante que, embora se passem no sertão e tenham características locais/regionais, elas ganhem sentido universal, sendo o que se costuma chamar em literatura de "regionalismo universalizante".

Além de exigir um horizonte cultural abrangente, o professor lembra outro aspecto que dificulta a leitura de Guimarães: o próprio aspecto formal, estilístico e linguístico do texto. As narrativas do autor tendem a estar carregadas de neologismos e brincadeiras linguísticas com palavras de idiomas diversos, além de nomes de lugares, personagens, da flora e fauna local, que não são familiares ao leitor. Porém, é através dessa rica linguagem empregada por Guimarães, que ele irá reinventar miticamente as formas diversas de uma natureza por si só já exuberante do sertão de Minas Gerais.

Por fim, pensando na prova do vestibular, o prof. Marcílio acha interessante eleger algumas linhas de sustentação da obra, que são: a linguagem e os neologismos empregados pelo autor; o tratamento filosófico existencialista das narrativas no embate "homem versus universo"; o aspecto lúdico e mítico das histórias, onde Guimarães descobre diante dos olhos do leitor uma Minas Gerais que "não existe", mas que é reconstruída de uma forma mágica e diferente daquilo que a gente vê. Além disso, o prof. Marcílio lembra que as provas da UEL costumam exigir questões de verificação de leitura, em que ela irá perguntar sobre foco narrativo, personagens, eventos, enredo e outros pontos que irão exigir a leitura e compreensão do texto.

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HídriasAutor: Dora Ferreira da Silvamovimento: Modernismo - Geração de 45

RESUMO

O livro Hídrias é um curto livro de poesias cuja temática gira em torno das questões

da antiguidade grega, o mundo helênico e seus costumes. O livro reúne 25 poemas

que formam imagens vivas e complexas da mitologia grega. O título faz referência

aos vasos gregos que, em sua pintura, ilustravam tanto o cotidiano da vida na polis

como a saga de deuses, musas, seres mitológicos e deusas que compõem a épica

da criação do mundo helênico e seu cosmos, seu entendimento da natureza.  

Cada um dos poemas deve ser entendido como um microcosmo. É possível

encontrar em “Hídrias” a presentificação de imagens de figuras míticas, como as

sibilas (seres mitológicos dotados de poderes divinatórios). No poema que canta o

amor de Jacinto (figura mítica, mortal amante de Apolo) e Narciso (herói que se

apaixona pelo reflexo da própria face), mortais e heróis são protagonistas.  

Há também os que celebram e afirmam a sua divindade, como os dedicados à

deusa Ártemis (deusa da caça e da magia), a Apolo (deus da beleza, da religião e

do equilíbrio), a Poseidon (deus do mar e seus mistérios), a Hades (deus do mundo

dos mortos); a Perséfone (mulher de Hades, deusa das profundezas) e a Dionísio

(deus das festividades).  

Há, ainda, referências a lugares que marcaram fortemente o conhecimento que se

tem acerca dos mitos e costumes da antiguidade grega, como é o caso de Delfos,

lugar em que se situava um poderoso oráculo. 

CONTEXTO

Sobre o autor

Dora Ferreira da Silva (1918 – 2006) é uma das mais importantes poetisas

brasileira. Três vezes vencedora do prêmio Jabuti e agraciada com o prêmio literário

Machado de Assis em 2000, possui publicações que tratam de temas como a

antiguidade grega, o sentido da existência e temas filosóficos. Foi tradutora, editora

e pesquisadora, um dos maiores nomes da intelectualidade brasileira no século XX. 

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Importância do livroO livro Hídrias, ganhador do prêmio Jabuti de 2005, da poetisa brasileira Dora Ferreira da Silva, é, certamente, dentro de toda a sua obra poética, um dos mais relevantes para o entendimento do percurso poético da autora. Nele, apresenta-se, de forma brilhante, um conjunto de poemas cujo tema é o universo poético, mitológico e filosófico da poesia grega e as imagens deles provenientes. Poucos livros de literatura brasileira retratam de forma tão profunda questões do berço da civilização ocidental.ANÁLISE

Hídrias é uma coletânea de poemas em que se percebe, de saída, uma meticulosa

articulação de elementos poéticos muito poderosos, cujo tecido lírico se organiza

em torno da vivificação das imagens da antiguidade grega, fazendo com que o

leitor, mais que aprenda sobre esse período crucial da história, possa compartilhar

dos sentimentos ligados à maneira de viver, se relacionar e se conhecer do povo

grego antigo.  

Não é meramente um elenco de temas e assuntos com o intuito informar o leitor,

espalhar conhecimento, o próprio fazer poético já mostra que, muito mais que o

entendimento daquelas questões, existe um pathos (identidade, ligação íntima)

entre a poetisa e a tradição da Grécia antiga, aquele universo clássico. O que

denuncia isso é a interlocução direta com temas e costumes, a escrita em primeira

pessoa presente em alguns poemas e a familiaridade com que a autora trata mitos,

lendas e seus seres, como se partilhasse com os povos da antiguidade helênica as

crenças e valores.  

Também é possível perceber uma mesma postura diante dos fatos, da natureza e

seus fenômenos, o que se traduz numa espécie de compreensão religiosa e

reverente pelo que ocorre, seja corriqueiro, seja grandioso. Tudo isso, sempre, num

tom de extrema simplicidade, uma característica de sua poesia, que consegue aliar

o tratamento de um cosmos tão complexo com uma singeleza que torna todas as

especulações ali levantadas aprazíveis e de fácil entendimento. Isso se dá pelo fato

de a poetisa não se encerrar no universo clássico por si, mas resgatá-lo para que, a

partir de sua representação, possa tocar em problemas, conflitos, prazeres e medos

que são inerentes ao homem, compartilhados por todos da condição humana. 

Esse é, provavelmente, o mote principal de Hídrias: fazer com que a Grécia antiga seja palco da vida, do desenrolar do homem comum, fazendo com que a expressão poética seja instrumento de vivência e reflexão sobre vida, morte, amor e arte.