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  • 8/12/2019 Resumo Luc Ferry

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    Medo de morrer Andrea Dorothee Stephan Mllmann

    Aprender a Viver: Filosofia Para Novos Tempos, de Luc Ferry

    Traduo de Vra Lcia dos Reis

    Rio de Janeiro: Objectiva, 2007, 302 pp.

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    Uma das inquietudes humanas, se no a maior, a questo da finitude humana para muitos uma certeza e a pergunta do que vem depois para muitosuma incerteza. Como lidar com essa questo, como vencer o medo da morte,

    do que tratam filosofia e religio: a questo da salvao, tema desta obra.

    O pblico-alvo do livro um pblico de no especialistas em filosofia, adultose adolescentes. Escrito por um filsofo secular Luc Ferry ex-ministro daEducao na Frana, o livro aborda numa linguagem acessvel e com acontnua preocupao do autor de se fazer entender, a histria da filosofia a partir dos gregos at a filosofia contempornea, com enfoque na questo da

    salvao, propondo-se a dar um embasamento para refletir sobre as angstiasda atualidade. Dessa forma, justifica o estudo da filosofia: auxiliar nacompreenso de mundo e ajudar a viver melhor.

    O livro composto de uma introduo, seis captulos, encaminhamentos finaise bibliografia bsica indicada pelo autor.

    No primeiro captulo, na busca de uma definio para o que seja filosofia, oautor parte das idias da finitude humana e da salvao da morte, queconsidera as principais angstias humanas desde sempre. Traa um paraleloentre a religio e a filosofia: na primeira, a salvao se d atravs de umOutro; na filosofia, tem de partir de ns mesmos. E nisso, critica religio,dizendo que ela privilegia o conforto e a f, no lugar da lucidez e da liberdade.Apresenta as trs dimenses da filosofia ou trs eixos: teoria, moral ou tica esabedoria ou salvao, que o acompanharo durante todo tratado.

    http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/?q=node/1271http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/?q=node/1271http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/?q=node/1271
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    O segundo captulo "Um Exemplo de Filosofia Antiga: O Amor daSabedoria Segundo os Esticos" versa sobre o incio da filosofia e a escolaestica. Importante ressaltar que o estoicismo uma filosofia objetiva a

    salvao, atravs da razo, de forma diferente das religies. Para explicar essatese, o autor se vale dos trs grandes eixos: teoria, tica e sabedoria, em quea theoria seria a primeira tarefa da filosofia: conhecer o mundo e ver oessencial que nele h. O autor explica a etimologia da palavra, do grego:totheion ou ta theia orao , significando eu vejo (orao ) o divino (theion ), eu vejoas coisas divinas (theia ) (p. 38).

    Harmonia e ordem constituem esta essncia do mundo, chamada de cosmos pelos gregos, na tradio estica. Estabelece-se uma das diferenas entre acultura grega e judeus e cristos, na medida em que os gregos chamam ocosmos de divino, enquanto na cultura judaico-crist, o divino algo criadordo prprio universo, exterior ao mesmo. Os esticos, portanto, convidam aestudar o divino, o universo, a partir de diferentes abordagens que poderiam

    ser chamadas de cincias, como a fsica, a astronomia, a biologia, etc. Est ao componente racional do universo, na medida em que ele ordenado,chamado delogos , pelos gregos. Os humanos, nesse sentido, seriamdescobridores do divino, do cosmos, dessa lgica e ordenao. Destaca oautor, porm, que atheoria filosfica no fragmentadora; ela se vale dascincias positivas, mas tambm tenta captar a totalidade do mundo. Assim, afilosofia no seria mais uma cincia, mas sim, a busca pelo sentido para omundo.

    Um mundo harmonioso e justo requer uma ao justa: a tica, ou seja, viverem conformidade com a natureza, a qual seria, segundo Ccero, "o mais belodos governos" (p. 49).

    Explicando o terceiro eixo a sabedoria Ferry retorna questo da

    finitude humana e da salvao: divisores de gua entre filosofia e religio.

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    Cita Hannah Arendt A Crise da Cultura para explicitar dois modos queos Antigos consideravam para chegar imortalidade: a procriao e o feito deaes hericas que pudessem gerar narrativas, as quais venceriam a passagem

    dos tempos. Surge um terceiro modo com o advento da filosofia que oalcanar da sabedoria para se tornar imortal, exemplificado por uma mximade Epicteto em que "as espigas desaparecem, mas o mundo no" (p. 55). Amorte, quando se atinge um estgio de sabedoria, tornar-se- apenas uma passagem, pois se compreendendo o universo de forma pantesta, semprefaremos parte dele.

    Para os esticos, um dos exerccios de sabedoria para a busca da salvaoseria no viver no passado (nostalgia), nem no futuro (esperana). O conviteque segue em prol do no-apego aos bens deste mundo. Vencer os medosrelativos s dimenses do tempo, passado e futuro tocar no ponto dasalvao.

    Para Ferry, o estoicismo foi seguido (substitudo) pelo cristianismo porque asalvao oferecida pelo estoicismo uma salvao neutra, no sentido de queaps a morte, nossa passagem para nos tornarmos parte do cosmos, enquantono cristianismo teremos a promessa de manuteno de nossa pessoalidade e denossos entes queridos.

    No captulo 3 "A Vitria do Cristianismo sobre a Filosofia Grega" oautor volta ao seu fio condutor theoria , tica e sabedoria para explicarcomo a doutrina crist se sobreps filosofia durante quinze sculos. Na theoria visualizam-se cinco traos de ruptura do cristianismo com omundo grego. O divino, antes identificado com o universo, agora se personifica em Cristo, que sugere que a razo deve dar lugar f. Esse o primeiro trao: a personalizao da salvao na pessoa de Cristo. Os doisaspectos fundamentais datheoria mudam do cosmos para uma pessoa e da

    razo para a f. Portanto, o segundo trao de ruptura a f, e com ela a

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    confiana num Outro, ocupando o lugar da razo. O terceiro trao ahumildade de quem cr, no mais o entendimento dos filsofos: humildade para aceitar Jesus como divino e para abandonar a razo em prol da f. O

    quarto trao de ruptura: a filosofia se subjuga religio, pois no desapareceinteiramente, mas se adapta. Est presente na interpretao dos smbolos e das parbolas e na interpretao da natureza como obra de Deus. No quinto traode ruptura, a filosofia torna-se escolstica, no mais uma sabedoria, mas umadisciplina escolar, sendo que contemporaneamente, a filosofia ainda traz essereflexo, quando ela se reduz a uma histria das idias, acompanhada de um

    discurso.

    Como a tica se diferencia no cristianismo do pensamento grego? Soapresentados trs traos de ruptura. O primeiro trao de ruptura constitudo pela liberdade de escolha e a idia de igualdade entre os homens, podendo serconsiderado o incio da democracia. A aristocracia grega d lugar meritocracia do cristianismo, ou seja, a forma como o ser humano desenvolve

    suas qualidades recebidas. A liberdade torna-se fundamento da tica, no maisa natureza, onde o uso dos dons pode ser virtuoso, no os dons em si. Osegundo trao de ruptura, quanto tica, quando o esprito, a conscincia, sesobrepe lei. Assim, o cristianismo torna-se inovador com relao ao mundogrego e ao judasmo, no impondo juridicidade vida cotidiana de formaestatutria. Terceiro trao de ruptura: com o cristianismo surge uma nova idiade humanismo, com outra conotao tica em que todos os homens seequivalem. Surge a primeira moral universalista com o cristianismo.

    Como a sabedoria se diferencia no pensamento cristo? Trs traoscaractersticos se apresentam, a saber. O primeiro trao a salvao que paraos esticos era impessoal, e torna-se pessoal e acolhedora, atravs do amor.Trata-se de uma imortalidade singular e no eternidade annima e csmica. Osegundo trao fala exatamente do amor que vence a morte. O autor diferenciatrs tipos de amor: o amor-apego dos apaixonados, o amor ao prximo em

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    geral (compaixo) e o amor a Deus (a ressurreio), sendo apenas esse ltimofonte de salvao. O amor-apego e a compaixo universal podem acontecer porque esto ligados ao divino. No terceiro trao encontra-se a imortalidade

    enfim singular, culminando na ressurreio dos corpos. O que a ressurreiocrist tem de diferente quando relacionada a outras filosofias e religiesanteriores ao cristianismo: a imortalidade pessoal da alma, a ressurreio doscorpos mais a singularidade dos rostos amados e a salvao pelo amor.

    Encaminhando o prximo captulo, o autor questiona: por que a doutrina cristcomea a declinar com o Renascimento? Como a filosofia ganhou forassobre a religio, a partir do sculo XVII? o nascimento da filosofiamoderna.

    No quarto captulo "O Humanismo ou o Nascimento da FilosofiaModerna" abordado o nascimento do mundo moderno, a partir dasuperao da cosmologia antiga e da reavaliao com relao s autoridadesreligiosas, ocorrendo paralelamente com uma revoluo cientfica singular naEuropa. O surgimento da fsica moderna atinge substancialmente a religio. Nos sculos XVI e XVII h uma desorientao geral, entrando em cena ohumanismo "para designar esse perodo em que o homem se encontra s" (p.117).

    Na theoria chega-se concluso de que o mundo no bem acabado eharmonioso, mas sim, infinito e no fechado. No plano terico, Ferry citaKant cuja obra marcar toda filosofia moderna Crtica da Razo Pura, de1781 como elaborador de uma teoria do conhecimento, quando pergunta pela sntese, que o cerne do mtodo moderno. Assim, atheoria antiga passiva cede lugar cincia moderna ativa; a ao toma o lugar dacontemplao: surge o mtodo experimental.

    Como se poder imitar o universo no plano tico, se ele desmorona?Conseqentemente, a doutrina da salvao tambm precisa ser reformulada.

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    No pensamento moderno, o homem est no centro e em igualdade comrelao ao outro. Significativamente, surge a Declarao dos Direitos doHomem, de 1789. Para justificar a posio do homem no centro do mundo,

    surgem as comparaes/diferenciaes entre homem e animal nos sculosXVII e XVIII. Ferry menciona Rousseau, para quem o homem detentor da perfectibilidade faculdade de se aperfeioar por toda vida , o que permitea ele enfrentar o instinto atravs da liberdade que a possibilidade deafastamento e pode lev-lo, inclusive a projetar a maldade. O ser humano,como no prisioneiro de um cdigo natural, tico. Com a nova

    antropologia de Rousseau, surge a tica laica de Kant, com conseqncias,inclusive para a Revoluo Francesa, a qual se baseia em dois pilares: odesinteresse e a universalidade. o advento da moral moderna.

    O quinto captulo "A Ps-modernidade: O Caso de Nietzsche" trata daFilosofia contempornea: idias ps-modernas, a partir do sculo XIX,fazendo crtica ao humanismo e ao racionalismo, cujo maior representante

    ser Nietzsche. A filosofia moderna havia destitudo o cosmos, com uma"verdadeira sacralizao do esprito crtico" (p. 175). Para Nietzsche, ohumanismo das Luzes, no entanto, continua acreditando em alguns valoressuperiores vida, permanecendo preso s cosmologias antigas ou religio.Estabelece-se assim uma ruptura com o humanismo. Nietzsche configura-se odesconstrutor dos ideais, propondo a distino entre dois grandes tipos defora no universo: as pulses ou instintos. De um lado, as reativas, e de outro,as ativas. Com relao moral, Nietzsche nos guia na procura de uma vida boa, integrando em ns todas as foras. Referente doutrina da salvao, Nietzsche nos apresenta oamor fati : uma doutrina totalmente terrestre, semdolos, nem Deus. amar o real tal qual ele . A desconstruo est feita.

    O ltimo captulo "Depois da Desconstruo: A Filosofia Contempornea pergunta: E agora? Quais os caminhos para a filosofia contempornea?Ferry remete ao mundo tcnico de Heidegger, em que os meios so mais

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    importantes que os fins, constituindo a vitria da tcnica. No h mais acerteza, de que a tcnica nos levar ao que melhor para a humanidade: oque ope o mundo contemporneo s Luzes. Ferry v duas possibilidades para

    a filosofia contempornea: tornar-se uma disciplina tcnica na universidade ou pensar o humanismo aps a desconstruo. Esse humanismo estaria livre dosdolos da metafsica moderna.

    Ferry defende um humanismo que repense a questo da transcendncia. Eassim, ele apresenta seu programa filosfico final, novamente baseadona theoria , moral e salvao. H uma transcendncia em toda imanncia: averdade, a beleza, a justia e o amor. So valores que existem fora de ns. E oesprito crtico, pela primeira vez, ser auto-reflexivo. A moral ser baseadana sacralizao do outro. Ser uma transcendncia horizontal, a preservaoda vida. Enfim, a questo da salvao na filosofia contempornea: a exignciado pensamento alargado, a sabedoria do amor e a experincia do luto. O pensamento alargado a humanizao do humano, o envelhecer com sentido

    de alargar a viso para que, em ltima instncia, a morte no signifique maisnada. A sabedoria do amor o amor singularidade, o humanamenteamvel. A experincia do luto sugere pensar todos os dias um pouco na morte, para procurar fazer aqui e agora.

    A ttulo de concluso, Ferry faz o convite final de no ficar preso aoceticismo, nem ao dogmatismo, mas sim alargar o pensamento.

    Umatheoria auto-reflexiva, uma moral aberta ao universo que est seglobalizando e uma salvao ps-nietzschiana. E finaliza dizendo: "O respeito pelo outro no exclui a escolha pessoal. Ao contrrio, a meu ver, ele suacondio primeira" (p. 300).

    Finalmente, ressalto que a obra de Ferry se destaca por sua preocupao paraque o leitor entenda a linguagem, sem cair num vis demasiado filosfico, e

    por seu raciocnio lgico que acompanha toda obra, numa linha do tempo a ser

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    seguida, desde a Antigidade at ps-modernidade, tecendo as grandesconexes. No final, na proposta de seu programa de filosofia, no resolve aquesto da salvao nem inteno dele resolv-la , mas apenas

    recomenda que amemos no presente, deixando a crena para quem quiser crer.O livro altamente recomendvel, didtico, conteudista, mas ao mesmotempo reflexivo, argumentativo e instigante. um convite para todos oseducadores, no apenas pelo seu contedo, mas pela forma como foielaborado, e um desafio para pensarmos sobre que posio queremos assumir,representando um modo de conceber a espiritualidade.