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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP FILIPE CANTANHEDE AQUINO O que vale para a Vale: a construção do imperativo verde na comunicação publicitária MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FILIPE CANTANHEDE AQUINO

O que vale para a Vale: a construção do imperativo

verde na comunicação publicitária

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

2012

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FILIPE CANTANHEDE AQUINO

O que vale para a Vale: a construção do imperativo

verde na comunicação publicitária

MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do professor Dr. José Luiz Aidar Prado.

SÃO PAULO - SP

2012

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Banca Examinadora

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

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À minha família, exemplo diário de que a vida deve

ser vivida - mesmo sob tanta saudade.

À Daiane, que começou como namorada, no meio da história virou noiva,

para, no fim, terminar como esposa.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que lutou contra a distância e a saudade e me fez lutar

também. A fé em Deus é fonte de força e acreditando nisso seguiremos

sempre.

À Daiane, que, com seu apoio e incentivo, já era Aquino sem saber.

À George, Daniel e Pedro, que toparam a aventura MA-SP e, mesmo

cansados, enfrentaram as subidas e descidas de Perdizes.

Aos novos amigos daqui e aos velhos de lá. Foi - e sempre será - muito bom

reencontrar vocês em qualquer dia, em qualquer lugar.

Ao meu orientador, Dr. José Luiz Aidar Prado, que, antes de ser meu

orientador, aceitou ler o meu projeto. Posteriormente, aceitou de prontidão me

orientar - mesmo já estando "lotado" de orientandos. Muito obrigado pelas

dicas, correções e ensinamentos. Não imagino como teria sido esse percurso

seu o seu auxílio e a sua disposição.

À Fapema, pelo apoio que tornou esta pesquisa possível.

Às agências VCR Marketing e Quadrante Design, especialmente Vanda Torres,

Luciana Torres, Zontonho Serra, Raimundo Nonato e Felipe Ladeira. Os

auxílios e esforços na pesquisa e liberação das peças publicitárias foram

fundamentais.

À Biblioteca Valer, pela autorização da publicação das peças constantes no

corpus.

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RESUMO

Esta pesquisa investiga, nos respectivos contratos comunicacionais, os agendamentos

temáticos da publicidade da mineradora Vale no estado do Maranhão. Trata-se de

examinar a construção social da ideia de desenvolvimento sustentável e a importância

que a temática socioambiental vem adquirindo na agenda comunicacional, sobretudo

para compreender as transformações ocorridas na publicidade brasileira, e, em especial,

o momento em que o compromisso socioambiental tornou-se o foco da construção

identitária. São estudados os regimes de visibilidade estabelecidos considerando-se o

antes e o depois da alteração da identidade visual da empresa, que se implantou em

2007. O corpus do trabalho será constituído pelos anúncios publicados pela mineradora

na mídia impressa entre 1999 e 2011. As análises verbi-visuais a serem desenvolvidas

embasar-se-ão na semiótica plástico-discursiva a partir de Diana Barros e Vicente

Pietroforte, assim como na teoria social do discurso, de Norman Fairclough, nos

contratos comunicacionais, conforme aponta Patrick Charaudeau e nas teorias

discursivas de Ernesto Laclau, centrando a investigação nas construções dos sentidos de

responsabilidade socioambiental dentro de um discurso ideológico totalizante que elege

esse tema como estandarte. A partir de reflexões teóricas de Laymert Garcia dos Santos,

Anthony Giddens, Luc Ferry e, em especial, Joan Martínez Alier, discutiremos a

questão verde, as figuras das diferentes correntes do ambientalismo e suas implicações

na propaganda brasileira.

Palavras-chave: Publicidade, Ambientalismo, Análise do discurso, Mineradora Vale.

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ABSTRACT

This research investigates, in their contracts of communication, schedules themes of

advertising of mining Vale in the state of Maranhão. It is examining the social

construction of the idea of sustainable development and the importance that this issue

has acquired social-environmental agenda in communication, especially to understand

the transformations in the Brazilian advertising, and in particular, the time that the

socioenvironmental commitment became the focus of construction of identity. Are

studied regimes of visibility established considering the before and after the change of

visual identity of the company, which was implanted in 2007. The corpus of work shall

consist of advertisements in print media by mining between 1999 and 2011. Analyses

verb-visuals to be developed will be based in plastic-semiotic discursive from Diana

and Vicente Barros Pietroforte, as well as the social theory of discourse, from Norman

Fairclough, in the communication contracts, as Patrick Charadeau points and the

discursive theories from Ernesto Laclau, focusing the research on constructions of sense

of environmental responsibility within a totalizing ideological discourse which selects

this theme as a standard. From theorical considerations from Laymert Garcia dos

Santos, Anthony Giddens, Luc Ferry and, in particular, Joan Martínez Alier, we will

discuss the green discuss, the figures of the different currents of environmentalism and

its implications in Brazilian advertising.

Keywords: Advertising, Environmentalism, Discourse analysis, miner Vale.

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SUMÁRIO

Resumo........................................................................................................................06

Abstract........................................................................................................................07

Lista de figuras............................................................................................................10

Introdução....................................................................................................................15

CAPÍTULO 1 - Do biológico ao social: a ideia de desenvolvimento, um empreendimento mal concebido...............................................................................19

1.1 Desenvolvimento como crescimento econômico....................................................22

1.2 Índices e suas incompletudes.................................................................................25

1.3 A ecologização da ideia de progresso - o desenvolvimento sustentável................28

1.3.1 Tensões sociais, econômicas e ecológicas - a sustentabilidade..............32

1.4 As correntes do ecologismo....................................................................................40

1.4.1 O culto ao silvestre...................................................................................39 1.4.2 O evangelho da ecoeficiência..................................................................42 1.4.3 O ecologismo dos pobres.........................................................................47

1.5 Modernização ecológica e usurpação da biodiversidade: a Amazônia é o jardim do quintal............................................................................................................................50

CAPÍTULO 2 - Da limitação do capital estrangeiro à nacionalização das jazidas brasileiras: as origens da Vale...................................................................................58

2.1 O Complexo Carajás...............................................................................................60

2.2 A Vale no Brasil e no mundo - o gigantismo empresarial em perspectiva..............63

2.2.1 A Vale no Maranhão - uma história de problemas socioambientais.................72 2.2.2 A Estrada de Ferro Carajás (EFC): energeticamente eficiente, socioambientalmente desastrosa..................................................................................74 2.2.3 A duplicação da EFC: uma multiplicação de problemas...................................75 2.2.4 Omissão no ambiental, omissão no social: do release ao não-publicável.......78 2.2.5 Terminal Portuário Ponta da Madeira (TPPM): das toneladas embarcadas aos desrespeitos socioambientais.......................................................................................82 2.2.6 Devastação e legitimação: o Parque Botânico e os investimentos ambientais da Vale...............................................................................................................................85 2.2.7 Inovação, possibilidades energéticas e a predileção pela tríade poluidora: o custo-commodity...........................................................................................................94

CAPÍTULO 3 - A construção da responsabilidade socioambiental na comunicação da Vale................................................................................................100

3.1 O discurso da responsabilidade socioambiental como discurso hegemônico......102

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3.2 O ano de 1999.......................................................................................................106

3.3 O ano 2000............................................................................................................113

3.4 O ano de 2002.......................................................................................................115

3.5 O ano de 2003.......................................................................................................119

3.6 O ano de 2004.......................................................................................................121

3.7 O ano de 2005.......................................................................................................125

3.8 O ano de 2006.......................................................................................................140

3.9 O ano de 2007.......................................................................................................148

3.10 A mudança da identidade visual..........................................................................156

3.11 O ano de 2008.....................................................................................................160

3.12 O ano de 2009.....................................................................................................166

3.13 O ano de 2010.....................................................................................................173

3.14 O ano de 2011.....................................................................................................180

Considerações finais................................................................................................189

Bibliografia.................................................................................................................195

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: A Vale no mundo........................................................................................57

FIGURA 2: Poluição gerada pelas siderúrgicas e termelétrica.....................................66

FIGURA 3: Reprodução do anúncio publicado pela mineradora..................................73

FIGURA 4 e 5: Acidente com o trem descarrilado........................................................73

FIGURA 6: Rebocador tombado no rio Mearim............................................................74

FIGURA 7: Publicidade 1999a....................................................................................102

FIGURA 8: publicidade 1999b.....................................................................................104

FIGURA 9: publicidade 1999c.....................................................................................105

FIGURA 10: publicidade 2000a...................................................................................107

FIGURA 11: publicidade 2000b...................................................................................108

FIGURA 12: publicidade 2002a...................................................................................110

FIGURA 13: publicidade 2002b...................................................................................111

FIGURA 14: publicidade 2002c...................................................................................113

FIGURA 15: publicidade 2003a...................................................................................114

FIGURA 16: publicidade 2004a...................................................................................116

FIGURA 17: publicidade 2004b...................................................................................117

FIGURA 18: publicidade 2004c...................................................................................117

FIGURA 19: publicidade 2004d...................................................................................119

FIGURA 20: publicidade 2005a...................................................................................120

FIGURA 21: publicidade 2005b...................................................................................121

FIGURA 22: publicidade 2005c...................................................................................123

FIGURA 23: publicidade 2005d...................................................................................124

FIGURA 24: publicidade 2005e...................................................................................126

FIGURA 25: publicidade 2005f....................................................................................128

FIGURA 26: publicidade 2005g...................................................................................130

FIGURA 27: publicidade 2005h...................................................................................131

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FIGURA 28: publicidade 2005i....................................................................................131

FIGURA 29: publicidade 2005j....................................................................................133

FIGURA 30: publicidade 2006a...................................................................................135

FIGURA 31: publicidade 2006b...................................................................................136

FIGURA 32: publicidade 2006c...................................................................................137

FIGURA 33: publicidade 2006d...................................................................................138

FIGURA 34: publicidade 2006e...................................................................................138

FIGURA 35: publicidade 2006f....................................................................................139

FIGURA 36: publicidade 2006g...................................................................................140

FIGURA 37: publicidade 2006h...................................................................................140

FIGURA 38: publicidade 2007a...................................................................................142

FIGURA 39: publicidade 2007b...................................................................................145

FIGURA 40: publicidade 2007c...................................................................................146

FIGURA 41: publicidade 2007d...................................................................................148

FIGURA 42: publicidade 2007e...................................................................................149

FIGURA 43: atributos..................................................................................................151

FIGURA 44: missão, visão e valores..........................................................................152

FIGURA 45: nomes.....................................................................................................152

FIGURA 46: antes e depois........................................................................................153

FIGURA 47: V.............................................................................................................153

FIGURA 48: coração...................................................................................................153

FIGURA 49: infinito.....................................................................................................154

FIGURA 50: cores.......................................................................................................154

FIGURA 51: publicidade 2008a...................................................................................155

FIGURA 52: publicidade 2008b...................................................................................156

FIGURA 53: publicidade 2008c...................................................................................156

FIGURA 54: publicidade 2008d...................................................................................157

FIGURA 55: publicidade 2008e...................................................................................157

FIGURA 56: publicidade 2009a...................................................................................160

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FIGURA 57: publicidade 2009b...................................................................................162

FIGURA 58: publicidade 2009c...................................................................................164

FIGURA 59: publicidade 2009d...................................................................................165

FIGURA 56: publicidade 2009a...................................................................................160

FIGURA 57: publicidade 2009b...................................................................................162

FIGURA 58: publicidade 2009c...................................................................................164

FIGURA 59: publicidade 2009d...................................................................................165

FIGURA 60: publicidade 2010a...................................................................................167

FIGURA 61: publicidade 2010b...................................................................................168

FIGURA 62: publicidade 2010c...................................................................................169

FIGURA 63: publicidade 2010d...................................................................................170

FIGURA 64: publicidade 2010e...................................................................................171

FIGURA 65: publicidade 2010f....................................................................................172

FIGURA 66: publicidade 2010g...................................................................................173

FIGURA 67: publicidade 2011a...................................................................................175

FIGURA 68 e 69: Femaco e Prêmio Universidade.....................................................176

FIGURA 70: publicidade 2011d...................................................................................176

FIGURA 71: publicidade 2011e...................................................................................177

FIGURA 72: publicidade 2011f....................................................................................178

FIGURA 73: publicidade 2011g...................................................................................179

FIGURA 74: publicidade 2011h...................................................................................180

FIGURA 75: publicidade 2011i....................................................................................181

FIGURA 76: publicidade 2011j....................................................................................182

FIGURA 77: publicidade 2011k...................................................................................182

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LISTA DE ABREVIATURAS

Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)

Confederação Nacional das Indústrias (CNI)

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92)

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC)

Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)

Estrada de Ferro Carajás (EFC) Estrada de Ferro Vitória-Minas (CEFVM)

Estudo do Impacto Ambiental (EIA)

FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos)

Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas)

Indicador de Progresso Genuíno (IPG)

Índice de Bem-Estar Econômico Sustentável (IBES)

Índice de Sociedade Sustentável (ISS)

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama)

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)

Instituto de Pesquisas das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social (UNRISD)

IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)

Minerações Brasileiras Reunidas (MBR)

Ministério Público Federal do Maranhão (MPF-MA)

Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Organização das Nações Unidas (ONU)

PIB (Produto Interno Bruto)

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)

Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)

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Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA)

Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA)

Terminal Portuário de Ponta da Madeira (TPPM)

Trem de Passageiros (TP)

Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA)

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INTRODUÇÃO

O tema responsabilidade socioambiental emerge a partir dos graves

problemas socioambientais que vivemos em consequência de transformações

ocorridas no planeta, entre as quais destacamos as mudanças climáticas, a

biopirataria e as reduções da biodiversidade da flora e da fauna e as alterações

nas relações de emprego, com desemprego ou subempregos crescentes.

Nesse contexto, a miséria, a pobreza e a exclusão social, bem como a

degradação do meio ambiente natural, surgem como fatores de tensão que

colocam em questão a lógica de produção e acumulação capitalista.

Sob esse prisma, a pesquisa realizada e descrita nesta dissertação

buscou examinar, tomando como corpus a publicidade da mineradora Vale no

estado do Maranhão, como se dá a construção temática e de figuras1 nos

textos sincréticos, e, especialmente, compreender a construção do imperativo

verde discursivisado pela mineradora. A questão de pesquisa pode ser assim

colocada: Como o tema socioambiental é construído na publicidade da

mineradora? Quando e como a temática ambiental é tornada visível? Como é

introduzida a busca pelo imperativo verde? Ela é tornada mais visível antes ou

depois da alteração da identidade visual da Vale em 2008? Nesse sentido,

analisaremos as características das estruturas narrativas dos textos da

mineradora, buscando observar os tipos de estratégias adotados e os temas

tornados visíveis em cada período no decorrer do histórico de comunicação da

empresa.

A responsabilidade socioambiental está presente, de alguma forma, em

todas as peças do corpus, porém - e essa é justamente a hipótese deste

trabalho -, nos últimos anos, especialmente a partir da mudança da identidade

visual, a publicidade da Vale pautou-se pela busca enfática de uma imagem de

respeito ao meio ambiente em detrimento de outros temas e figuras. A

1 "No elemento figurativo, fica colocada a questão da referência: num determinado texto, as

figuras são objetos de um mundo construído em que certas relações se põem, certos valores e certos regimes específicos de visibilidades se produzem. A organização narrativa do jornalismo tem na figuratividade um dos pilares para a criação do efeito de realidade e de veridicção, ao mostrar o enunciador saber do que fala, demonstrando que apresenta melhor os fatos do mundo e sabe mais do que outros veículos. A mídia constrói o real, mas cada enunciador apresenta seus enquadramentos específicos como se fossem esses os mais corretos, os mais próximos aos interesses e desejos do leitor de um mundo pós-tradicional" (PRADO, 2006, p.3).

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pesquisa entende essa busca pelo imperativo verde como uma nova prática

discursiva, fruto de transformações sociais, econômicas, ambientais e culturais.

Nesse contexto, esse novo apelo mercadológico (ser verde como uma

"necessidade" dos tempos atuais) aparece sobretudo como uma forma de

legitimação da atividade da mineradora e como um novo campo de disputas e

de relações de poder. Nesse sentido, não se trata de minerar ou não, mas de

como apresentar socialmente a mineração de forma que ela apareça como

responsável.

Com efeito, compreender a construção discursiva do imperativo verde

tem importância fundamental para os tempos atuais. A questão da

responsabilidade socioambiental surge como um novo parâmetro de análise

corporativo-financeiro. Questões relacionadas à ecologia, como a diminuição

da cobertura florestal, as alterações climáticas e a biopirataria conquistaram os

holofotes dos media. Dialogaremos neste trabalho com os pressupostos e

fundamentos teóricos de diferentes autores que combinam economia, meio

ambiente e publicidade objetivando compreender o contexto social, cultural,

ambiental e econômico que envolvem essas áreas, com destaque para Esteva

(2000), Giddens (2010), Martínez-Alier (2009, 2010), Rocha (2010, 2011),

Sachs (2000, 2010) e Santos (2007, 2011).

A seleção da Vale como objeto de estudo deve-se a alguns fatores: 1) o

gigantismo global da organização e sua forte presença no Maranhão, estado

onde resido; 2) o montante investido pela mineradora em projetos

socioambientais: em 2011, investiu mundialmente em torno de US$ 1 bilhão

(VALE, 2010, p.8); 3) o entendimento do poder que a publicidade representa na

sociedade contemporânea.

Esta pesquisa visa compreender a tematização e a figurativização da

responsabilidade socioambiental na publicidade da Vale no Maranhão,

considerando os contratos de comunicação e sua enunciação, com seus

regimes de visibilidade e respectivos enquadramentos. Para tanto, analisamos

discursivamente todas as peças publicitárias produzidas pela mineradora no

estado. O histórico dessa comunicação regional se inicia em 1999. Portanto,

examinamos as peças publicitárias produzidas entre 1999 e 2011. Entre 1999 e

meados de 2008, a publicidade foi criação da agência VCR Comunicação e

Marketing. De meados de 2008 a 2011, passou a ser de responsabilidade da

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Quadrante Design. Decidimos analisar todas as peças produzidas por dois

motivos: 1) a tematização da responsabilidade socioambiental surge a partir de

diferentes figuras e com variada intensidade ao longo do histórico, portanto,

fez-se necessário entender como esse agendamento temático foi tornado

visível ao longo dos anos; 2) há momentos em que a responsabilidade

socioambiental não é figurativizada diretamente ou mesmo não é figurativizada;

nesse contexto, a não-presença configura-se como um ato de predileção por

outros temas por parte da mineradora. Portanto, o mapeamento da

responsabilidade socioambiental perpassa um espaço temporal de 13 anos, o

que inclui anúncios com a antiga e com a atual identidade visual. Partindo

desse corpus, analisamos como a responsabilidade socioambiental é

construída na publicidade local da Vale e como a figura do desenvolvimento

(crescimento econômico, desenvolvimento sustentável, sustentabilidade) é

apresentada ano a ano. Analisamos, deste modo, a relação entre

desenvolvimento-sustentabilidade, investigando estratégicas comunicacionais

que buscam construir o sentido de responsabilidade socioambiental a partir das

palavras de ordem e dos pontos nodais percebidos nos textos publicizados.

A investigação teórica da construção do conceito de responsabilidade

socioambiental, empreendida nos capítulos 1 e 3, abrange, respectivamente,

diferentes passos metodológicos: a) o primeiro consistiu no exame da

construção da ideia de desenvolvimento, até o hoje conhecido desenvolvimento

sustentável. Neste ponto, buscamos entender como se deu essa gênese

conceitual e como a questão da responsabilidade socioambiental foi forjada

historicamente; b) em um segundo momento, foi necessário efetuar, a partir da

semiótica discursiva (PIETROFORTE, 2004, 2007; BARROS, 1990), um exame

dos elementos constitutivos das peças publicitárias da mineradora, buscando

entender como se dá a construção simbólica da responsabilidade

socioambiental a partir dos contratos comunicacionais (CHARAUDEAU, 2007;

PRADO, 2006, 2011) propostos pelos textos sincréticos da publicidade da

empresa. Buscamos compreender como a tematização e a figurativização do

"sustentável" foi construída à luz da teoria crítica do discurso (LACLAU, 2004;

FAIRCLOUGH, 2010), investigando a construção desses novos momentos

discursivos a partir da perspectiva que entende o discurso num quadro

tridimensional, conforme Fairclough (2010) e, a partir dos conceitos de

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ideologia e hegemonia trabalhados por Laclau (2004) e Fairclough (2010). Por

fim, abarcamos os postulados de Rocha (2010, 2011) para entender como a

questão da responsabilidade socioambiental veio à tona, especialmente a partir

dos anos 1990, na publicidade brasileira.

Diante dos objetivos e metodologias expostos, passamos à

apresentação dos capítulos: dividimos a dissertação em três seções. A

primeira, aborda a construção histórica da ideia de desenvolvimento, o debate

acerca da ecologia, o movimento verde, as diferentes correntes do ecologismo,

a exploração da Amazônia e a ideologia do progresso e, por fim, a

biotecnologia e a biopirataria. Na segunda, nos ocupamos em trazer o contexto

histórico da criação da mineradora Vale, sua privatização, o processo de

expansão global e sua presença no Maranhão. Na terceira, analisamos

semioticamente os textos sincréticos publicizados, buscando desconstruir os

discursos verbovisuais e as estratégias adotadas em cada período em que

aflora a temática socioambiental.

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1. DO BIOLÓGICO AO SOCIAL: A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO, UM

EMPREENDIMENTO MAL CONCEBIDO

O conceito de responsabilidade socioambiental deriva diretamente da

ideia de crescimento econômico e surge como forma de enfrentar

discursivamente a insustentabilidade do atual modelo político, social,

econômico e ambiental.

"A teoria do desenvolvimento sustentável possui raízes nas discussões sobre ambientalismo que buscavam um conceito alternativo de desenvolvimento a partir dos debates sobre os riscos da degradação do meio ambiente" (SOUZA, 1995, p.5).

Sob esse ponto de vista, o desenvolvimento sustentável desponta como

uma "nova filosofia do desenvolvimento que combina eficiência econômica,

com justiça social e prudência ecológica" (BRÜZEKE, 1994, p.9). Entender as

motivações e a racionalidade dos atores econômicos é indispensável para que

entendamos a nova estratégica discursiva que utiliza o discurso socioambiental

como força-motriz. Na lógica da acumulação que só reconhece o princípio da

valorização do capital, como essa nova estratégica é possível? Conforme

Souza (1995, p.20), consideramos três fatores que envolvem questões de

natureza econômica, ecológica, política e ideológica, a saber:

a) Relações Norte-Sul: aspectos relativos às relações de poder entre

países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Estão presentes questões

concernentes ao poder, à soberania, à hegemonia econômica, tecnológica e

política;

b) Estilos de desenvolvimento: engloba críticas ao estilo de

desenvolvimento global e os padrões de consumo, suas consequências e os

rumos do desenvolvimento atual e futuro, sob a ótica da sustentabilidade,

considerando-se os problemas globais atuais;

c) Discriminação socioeconômica e Meio Ambiente: questões relativas

ao ciclo vicioso entre subdesenvolvimento, as condições de pobreza e os

problemas ambientais.

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Para entender mais claramente essas questões, examinamos a

transmutação do conceito de desenvolvimento até os dias atuais. Na linguagem

informal, desenvolvimento delineia o processo pelo qual as potencialidades de

um projeto ou de um organismo são liberadas. Isso explica, por exemplo, o uso

metafórico do termo quando em referência ao crescimento natural de plantas e

animais. Depois de ter transitado do campo biológico, como "movimento na

direção apropriada" para um "movimento na direção de uma forma sempre

mais perfeita", que ocorreu entre o período de 1759 (Wolff2) e 1859 (Darwin3) -,

a ideia de desenvolvimento migrou para a esfera social (ESTEVA, 2000, p.62),

pois,

"a partir de 1768, Jusus Moser, fundador da história social, começou a empregar a palavra Entwicklung para designar um processo gradual de mudança social. Assim, o modo de produção capitalista, que era apenas mais uma entre tantas outras formas de vida social, entrou em campo e se tornou, por definição, o estágio final de um caminho unilinear para a evolução social" (idem, p. 62-63).

A mudança para o campo social teve como ponto alto o dia 20 de janeiro

de 1949, quando Harry Truman tomou posse na presidência dos Estados

Unidos. Em seu discurso de posse, sentenciou a emergência de uma nova era.

"É preciso que nos dediquemos a um programa ousado e moderno que torne nossos avanços científicos e nosso progresso industrial disponíveis para o crescimento e para o progresso das áreas subdesenvolvidas. O antigo imperialismo - a exploração para lucro estrangeiro - não tem lugar em nossos planos. O que imaginamos é um programa de desenvolvimento baseado nos conceitos de uma distribuição justa e democrática" (TRUMAN, 1949 apud ESTEVA, 2000, p.59-60).

Assim nasceu o atual projeto norte-americano de dominação, que, ao se

tornar hegemônico, passou a ditar as normas do novo jogo. Baseado nesse

projeto, os EUA criaram uma nova forma de desenvolvimento fortemente

sustentado por uma sociedade de consumo. Entretanto, este é um lado da

2 Caspar Friedrich Wolff, biólogo alemão, um dos fundadores da embriologia.

3 Charles Robert Darwin, naturalista britânico, principal difusor da ideia científica e teorias de

evolução das espécies.

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moeda. O lado reverso também se fez visível: o subdesenvolvimento. Como

alerta Esteva:

"Naquele dia, dois bilhões de pessoas passaram a ser subdesenvolvidas. Em um sentido muito real, daquele momento em diante, deixaram de ser o que eram antes, em toda sua diversidade, e foram transformados magicamente em uma imagem inversa da realidade alheia: uma imagem que os diminui e os envia para o fim da fila; uma imagem que simplesmente define sua identidade, uma identidade que é, na realidade, a de uma maioria heterogênea e diferente, nos termos de uma minoria homogeneizante e limitada" (2000, p.60).

Apesar de Truman não ter sido o primeiro a falar em áreas

subdesenvolvidas4, foi só a partir do seu discurso de posse que a ideia de uma

nova forma de desenvolvimento ecoou, tomando importância considerável ao

se tornar símbolo de sua política externa. O novo mundo capitaneado pelos

EUA ligou o projeto de desenvolvimento à criação um novo tipo de sociedade -

a sociedade de consumo -, que então passaria a encorpar-se sob uma nova

etapa da industrialização capitalista, caracterizada pelo consumo massivo de

bens e serviços gerados a partir de elevados níveis de produção. Conforme

relata Sachs (2000), ao usar "áreas subdesenvolvidas" para se referir aos

países do Sul, Truman baseou-se em algumas premissas formuladoras: a

primeira era a de que não pairavam dúvidas a respeito do comando dos

Estados Unidos (e dos países industrializados) na evolução social. Na

segunda, Truman tratou de lançar a ideia do desenvolvimento para garantir aos

norte-americanos uma visão reconfortante de que os Estados Unidos estariam

na posição de liderança na ordem política e econômica do mundo. Com isso,

transformou o desenvolvimento em uma arma de competição entre sistemas

políticos. Na terceira, os projetos baseados na ideologia do desenvolvimento

prometiam alterar positivamente, por conta do crescimento, a face da Terra.

Porém, como pontua Sachs:

"o projeto de Truman parece hoje um disparate de proporções planetárias. Em 1960, os países do Norte eram 20 vezes mais

4 Wilfred Benson, membro do Secretariado da Organização Mundial do Trabalho, já havia

usado "áreas subdesenvolvidas" em 1942, ao escrever sobre as bases econômicas para a paz. Em 1944, Rosenstein-Rodan falou em "áreas economicamente atrasadas" e Arthur Lewis, em "distância existente entre países pobres e ricos" (ESTEVA, 2000).

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ricos que os do Sul. Em 1980, essa proporção já havia aumentado para 46 vezes" (2000, p.14).

O que percebemos é que a polarização social entre ricos e pobres só

acentuou o declínio da renda real, a miséria e o desespero, sobretudo quando

da falência de parte do estado de bem-estar social e de algumas políticas

públicas. O fato pode assim ser resumido: "não é o fracasso do

desenvolvimento que deve causar medo, e sim, seu sucesso" (SACHS, 2000,

p.14).

1.1 DESENVOLVIMENTO COMO CRESCIMENTO ECONÔMICO

A concepção de desenvolvimento, que sofreu nas mãos de Truman,

empobreceu-se ainda mais nos discursos dos seus primeiros difusores, que

acabaram por reduzi-lo a crescimento econômico. Assim, o desenvolvimento

passou a ser representado pelo crescimento da renda per capita (ESTEVA,

2000, p.66). Uma das máximas de Arthur Lewis, um desses difusores iniciais,

resumia bem o quadro: "Primeiramente é preciso observar que nosso tema é

crescimento e não distribuição" (LEWIS, 1955 apud ESTEVA, 2000, p.66).

Esse pensamento refletia a importância dada ao crescimento econômico. As

consequências sociais eram, quando não ignoradas, subestimadas. Exemplo

disso é o primeiro Relatório da situação social mundial, que se concentrou na

"descrição" das condições sociais existentes e só lateralmente tratou de

programas que visassem melhorias dessas condições. No entanto, segundo

Gustavo Esteva (2000), "os proponentes desses programas descobriram no

relatório a inspiração e o apoio para sua preocupação com medidas imediatas

que aliviassem a pobreza mundial" (p.67), como o desenvolvimento, nos países

"subdesenvolvidos", de serviços sociais básicos e das "profissões

assistenciais" existentes nos países avançados. E assim nascia o

desenvolvimento preocupado com o "social".

Expressão introduzida com moderação nos relatórios seguintes,

"desenvolvimento social" apareceu sempre sem qualquer definição fixa. Em

geral, o termo referia-se a "desenvolvimento econômico" ou era utilizado como

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substituto para "situação social". Até este momento, as questões sociais e

econômicas eram tratadas como "duas coisas distintas" (ESTEVA, 2000, p.67).

"Ninguém duvida de que o crescimento é um fator mútuo importante para o desenvolvimento. Mas não se deve esquecer que no crescimento a mudança é quantitativa, enquanto no desenvolvimento ela é qualitativa. Os dois estão intimamente ligados, mas não são a mesma coisa" (VEIGA, 2010, p.56).

Por conta dessa não-união, em 1962 o Conselho Econômico e Social

das Nações Unidas (ECOSOC) recomendou a necessidade de se considerar

os dois aspectos de forma conjunta. As Propostas de Ação da Primeira Década

de Desenvolvimento da ONU (1960-1970) determinaram que:

"O problema dos países subdesenvolvidos não é simplesmente o crescimento, mas sim o desenvolvimento... Desenvolvimento é crescimento com mudanças... As mudanças, por sua vez, são sociais e culturais, econômicas, e qualitativas e quantitativas... O conceito-chave é melhorar a qualidade de vida das pessoas" (NAÇÕES UNIDAS, 1962 apud ESTEVA, 2000, p.68).

Ilustração do aumento do interesse dos agentes do desenvolvimento

com as questões sociais foi a criação do Instituto de Pesquisas das Nações

Unidas para o Desenvolvimento Social (UNRISD), em 1963. Em 1966, o

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) reconheceu "a

interdependência dos fatores econômicos e sociais, além da necessidade de se

equilibrar o planejamento econômico com o social" (ESTEVA, 2000, p.68).

Estava claro, portanto, que o crescimento econômico de diversos países trazia

a reboque desigualdades também crescentes, realidade que podemos

perceber em outro relatório da ONU:

"O fato de que o desenvolvimento deixa em seu caminho, ou de alguma forma até cria, grandes áreas de pobreza, estagnação, marginalidade e uma verdadeira exclusão do progresso social e econômico é demasiado evidente e demasiado urgente para ser ignorado" (NAÇÕES UNIDAS, 1971 apud ESTEVA, 2000, p.68).

Em 1970, Robert S. McNamara, então presidente do Banco Mundial,

admitiu o óbvio: "os altos índices de crescimento não tinham conduzido a um

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progresso satisfatório do desenvolvimento" (ESTEVA, 2000, p.68). Enquanto a

Primeira Década de Desenvolvimento da ONU tinha considerado os aspectos

sociais e econômicos do desenvolvimento de forma separada, a Segunda

Década (1970-1980) passaria a fundir os dois, ou seja, "reconheceria a

existência da relação entre recursos físicos, processos técnicos, aspectos

econômicos e mudanças sociais" (ESTEVA, 2000. p.69). A principal proposição

da Segunda Década foi a ideia de integração em que uma "estratégia global

basearia a ação nas esferas da vida econômica e social" (ESTEVA, 2000,

p.69); cada país teria suas próprias metas de desenvolvimento a serem

alcançadas - o que acabou por gerar mais obstáculos, pois cada país se

encontrava em um estágio de desenvolvimento diferente. Em 1976, a

Conferência sobre Emprego, Distribuição de Renda e Progresso Social,

organizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), formulou o

documento Abordagem das Necessidades Básicas, que estabeleceu como

objetivo a "obtenção de um padrão de vida mínimo a ser alcançado antes do

fim do século" (OIT, 1976 apud ESTEVA, 2000, p.70), na tentativa de organizar

a dispersão gerada pelo "cada um por si, o desenvolvimento para todos". Ainda

em 1976,

"a satisfação das necessidades básicas da população de cada país ocupou a parte de maior destaque do Programa de Atividades da Conferência Mundial Tripartite sobre Emprego, Distribuição de Renda, Progresso Social e Divisão Internacional do Trabalho" (ESTEVA, 2000, p.71).

A vontade de considerar as especificidades de cada país acabou por

minar teoria e prática do desenvolvimento, uma vez que esta impunha um

modelo econômico e cultural único para todos e aquela primeiramente citada

apregoava a valorização da diversidade de culturas e sistemas intrínsecos de

cada país. Como destaca Gustavo Esteva (2000), apesar da emergência dos

quatro Tigres Asiáticos5, em termos de desenvolvimento a década de 80 ficou

conhecida como "a década perdida", com muitos países entrando em colapso

5 Os quatro Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan) alcançaram o

desenvolvimento a partir do uso de um modelo econômico exportador de inúmeros produtos para os países industrializados. O investimento de capital estrangeiro era principalmente norte-americano e japonês e contava com um sentido, além de econômico, político: investidores viam os Tigres Asiáticos como parceiros de localização estratégica para o fortalecimento do capitalismo contra o socialismo durante a Guerra Fria.

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e/ou abandonando a maioria de suas conquistas, ainda que em nome do

desenvolvimento. Os anos 90, por sua vez, geraram um novo impulso

desenvolvimentista. Nos países do Norte, clamou-se por um "re-

desenvolvimento", ou seja, "desenvolver outra vez o que foi mal desenvolvido

ou já estava obsoleto" (ESTEVA, 2000, p.71). Nos países do Sul esse "re-

desenvolvimento", agravado pelo medo de ficar de fora da corrida pelo

desenvolvimento,

"gerou a destruição de inúmeros setores 'desenvolvidos' nos últimos anos, o que acabou cedendo espaço para o envio de resíduos do países do Norte, como o lixo nuclear, as indústrias poluidoras e os produtos encalhados, obsoletos ou proibidos" (ESTEVA, 2000, p.72).

Para Esteva (2000), em termos conceituais e políticos, o re-

desenvolvimento surgido a partir dos anos 1990 adota hoje a fórmula

conhecida por desenvolvimento sustentável, cujo objetivo é conceder ao

desenvolvimento uma nova vida, em especial, tratá-lo considerando aspectos

sociais, econômicos e ambientais que tenham como fim um desenvolvimento

humano6.

1.2 ÍNDICES E SUAS INCOMPLETUDES

O termo "desenvolvimento econômico" abarca dois sentidos diferentes:

aumento quantitativo de riquezas dentro de um determinado espaço geográfico

(país, estado, município), geralmente medido pelo PIB7 (uma construção

semiótica legitimada); e processo econômico que retira determinado grupo

social de condições de risco, especialmente da pobreza. Em ambos os

sentidos, significa uma acumulação de riqueza. Nesse prisma, para que

existam análises da situação socioeconômica, o crescimento deve ser "medido"

6 No começo da década de 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD) publicou o primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano cuja meta mais ambiciosa era produzir um "índice de desenvolvimento humano que sintetize, em escala numérica, o nível global de desenvolvimento humano de 130 países" (ESTEVA, 2000, p.80). 7 Há também o IDH, por exemplo. Entretanto, conforme destaca Veiga, este índice "padece das

óbvias limitações. Nem tanto por subestimar o papel das desigualdades, mas principalmente por se concentrar numa absurda média aritmética dos desempenhos de renda per capita, da saúde e da educação como critério de classificação dos países, como se eles participassem de torneios mundiais de desenvolvimento." (VEIGA, 2010, p.98-99).

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e é aqui que se configura um problema: atualmente se apresenta como

fundamental a "criação de medidas mais eficazes de aferição do bem-estar que

o PIB" (GIDDENS, 2010, p.91). Normalmente definido como o valor total de

mercado de todos os produtos finais e serviços produzidos numa economia em

determinado período, a fórmula inclui gastos com o consumo pessoal, o

investimento interno privado bruto, as aquisições do governo e o total líquido

das exportações. Logo, "o PIB não foi inventado como indicador do bem-estar,

apesar de ter passado a ser usado dessa maneira em quase toda parte"

(GIDDENS, 2010, p.91). E mais grave: em suas medições, atividades que

prejudicam de forma sistemática e profunda o meio ambiente podem figurar

como geradoras de riqueza.

A crítica em relação ao PIB como medida do bem-estar social é antiga.

Por isso, sempre novos índices são criados - cada um incompleto à sua

maneira. Em 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Humano (PNUD) publicou as primeiras estatísticas do Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH). Em 1995, criou-se o Indicador de Progresso

Genuíno (IPG), que computa medidas de consumo pessoal semelhantes às do

PIB, mas faz um ajuste por fatores como "a distribuição de renda, o valor do

trabalho doméstico e do trabalho voluntário, a criminalidade e a poluição"

(GIDDENS, 2010, p.91). O Índice de Bem-Estar Econômico Sustentável (IBES),

por sua vez, utiliza dados nacionais e locais para identificar tendências. O

problema da maioria dos índices é que não consideram a fundo a questão

ambiental, centrando-se numa diversidade de outros aspectos. Criado em

2006, o Índice de Sociedade Sustentável (ISS) se orienta por uma maior

variedade de medidas ambientais para fazer, por exemplo, a

"contagem de recursos naturais que afetam as terras alagadiças, as florestas, as áreas agrícolas e as matérias-primas não-renováveis, junto com o nível de emissões de carbono e outras causas potenciais de prejuízos para o meio ambiente, como os materiais redutores do ozônio. Também foram incorporados índices como a distribuição de renda, o nível de trabalho voluntário e a dependência de ativos estrangeiros" (GIDDENS, 2010, p.92-93).

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Segundo esses índices, o crescimento na maioria dos países

industrializados se encontra estagnado desde a década de 1980 (GIDDENS,

2010). O ato de preterir esses índices em prol do PIB se deve ao fato

"[de que] esses índices mostram o desenvolvimento econômico de forma muito mais crua do que o PIB. De repente, pode mostrar que um governo que parecia ter um bom histórico de sucesso econômico vem presidindo um declínio do bem-estar" (GIDDENS, 2010, p.93).

No Brasil, "o primeiro modelo que alcançou uma considerável aceitação

foi o Balanço Social do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e

Econômicas), publicado anualmente numa espécie de demonstrativo contábil"

(DA SILVA, 2011, p.116).

"O modelo do Ibase discrimina a origem dos recursos, as despesas feitas, os indicadores sociais utilizados internamente e os projetos sociais realizados. Permite também a comparação dos investimentos das empresa com os recursos totais" (PAOLI, 2002, p.403).

Existem outros índices, modelos e guias de avaliação e prestação de

contas que objetivam colocar a sociedade e o mercado no papel de auditores

dos resultados empresariais alcançados.

"Os principais modelos são: o pioneiro francês Societés Coopératives Ouvrières; o americano Social Accountability 8000 - SA8000; a norma inglesa AccountAbility 1000 - AA1000; o holandês Global Reporting Initiative - GRI; e a Norma Internacional de Responsabilidade Social - ISO 26000, recentemente lançada no final de 2010. No Brasil, podem ser citados: o modelo de Balanço Social do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase; o Guia Ethos, do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; e, mais recentemente, o Guia Exame de Sustentabilidade Empresarial da BM&FBOVESPA - ISE, ambos com bases semelhantes desenvolvidas pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Fundação Getulio Vargas - FGV" (DA SILVA, 2011, p.23).

Embora exista essa variedade de possibilidades de avaliação, ainda hoje

não há, tanto nacionalmente, como globalmente, um índice capaz de abarcar

toda a diversidade de aspectos sociais, econômicos e ambientais com exatidão

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e justiça. Assim, com a certeza de que o PIB está longe de refletir por completo

o bem-estar social, há de se perseguir medidas alternativas para medir e gerar

bem-estar, afinal, não ousaríamos dizer que uma sociedade está se

desenvolvendo economicamente quando ela simplesmente obtém uma receita

com a venda de seus recursos minerais, por exemplo.

"Sem um bom termômetro de sustentabilidade, o mais provável é que todo mundo continue a usar apenas índices de desenvolvimento (quando não de crescimento), deixando de lado a dimensão ambiental" (VEIGA, 2010, p.174).

1.3 A ECOLOGIZAÇÃO DA IDEIA DE PROGRESSO - O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

"A história econômica é uma história de conquista e dominação"

(ESTEVA, 2000, p.74). A emergência da sociedade econômica, ao contrário de

ser uma evolução tranquila retratada por parte considerável dos teóricos de

economia, pode ser representada como uma história de violência, apropriação,

usurpação e destruição. O indivíduo frágil e desamparado, hoje não menos que

ultradependente do "humor variante" do mercado, é uma criação histórica do

projeto de desenvolvimento que redesenhou o mundo. Esse projeto,

determinante no "estabelecimento dos valores econômicos, exige a

desvalorização de todas as outras formas de vida social" (ESTEVA, 2000,

p.74). Essa desvalorização tem o poder de transformar e subverter as coisas

de uma hora para outra - semelhante ao "feito" de "criar" milhões de

subdesenvolvidos de um discurso para o outro. Em geral esse processo de

desvalorização

"transforma habilidades em carências, bens públicos em recursos, homens e mulheres em trabalho que se compra e vende como um bem qualquer, tradições em um fardo, sabedoria em ignorância, autonomia em dependência" (ESTEVA, 2000, p.74).

Essas transformações surgem para satisfazer o grande senhor, o

mercado. A lei da escassez, termo comum elaborado por economistas e

presente em qualquer manual básico de economia, parte do pressuposto

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dominante de que "a natureza tem recursos limitados diante das necessidades

humanas, que, por sua vez, são imensas, senão infinitas" (ESTEVA, 2000,

p.75). Na economia que considera como seu objetivo-mor a produção do

máximo de bens e serviços com os recursos limitados disponíveis no planeta, é

imperativo que o homem faça escolhas, pois a disponibilidade de recursos para

a produção acabará por resultar em escassez de bens a serem produzidos. O

dito desenvolvimento sustentável, ou seja, o desenvolvimento que leva em

conta o social, o econômico e o ambiental, emerge em meio a essas

preocupações. Atualmente, parece existir uma

"'ecologização' do discurso da escassez, e uma crescente conscientização de que o processo de desenvolvimento e sua fome incontrolável de destruição e de consumo de recursos, estava não só esgotando as reservas não-renováveis, como também, através da ruptura ecológica, transformando recursos renováveis em não-renováveis" (SHIVA, 2000, p. 303).

Em 1991, a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos

Recursos Naturais definiu desenvolvimento sustentável como "o processo que

melhora as condições de vida das comunidades humanas e, ao mesmo tempo,

respeita os limites da capacidade de carga dos ecossistemas" (SACHS, 1993,

p.24). Entretanto, faz-se necessário retrocedermos para localizar a inserção do

"meio ambiente" no sistema econômico mundial. Realizada em 1972, em

Estocolmo, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente Humano foi a responsável por colocar o termo "meio ambiente" na

agenda do "desenvolvimento internacional" (SACHS, 2000, p.118).

"Preocupada com a chuva ácida, com a poluição no Báltico e com os níveis de

pesticidas e metais pesados encontrados em animais, especialmente em

peixes e aves" (SACHS, 2000, p.118), esta reunião foi o marco inicial de uma

série8 promovida pelas Nações Unidas na década de 1970 que tinha como

objetivo modificar a ideia, gerada no pós-guerra, de que "cada país podia se

empenhar de forma isolada em maximizar seu crescimento econômico"

(SACHS, 2000, p.118) desconsiderando a totalidade da ação de todos os

outros países. Os Estados Unidos, centro da ideia do progresso, crescimento e

8 Ao longo dos anos 70, as Nações Unidas promoveram encontros que debateram a questão

da produção de alimentos, assentamentos humanos, água e desertificação, ciência e tecnologia, aumento populacional e energia renovável.

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desenvolvimento econômico, também começaram a despertar para as

questões ambientais. A preocupação ambiental virou notícia a partir da

constatação da poluição do ar de Los Angeles; junto a isso, une-se a morte

agonizante do Lago Erie, os derramamentos de óleo e o projeto de inundação

do Grand Canyon, que provocaram uma multiplicação de artigos

ambientalistas9 publicados no New York Times (SACHS, 2000). A abordagem10

dos chamados "ecossistemas globais" necessitava de discussões, uma vez

que o "crescimento ilimitado se mostrou limitado e dependente de um planeta

fechado e finito" (SACHS, 2000, p.118). Já estava claro para os governos,

especialmente a partir da crise do petróleo nos anos 1970, que o crescimento

ininterrupto não apenas dependia do capital ou da oferta de mão de obra

qualificada, mas também da disponibilidade dos recursos naturais. Em 1987, a

Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento produziu o

relatório Our Commom Future (também conhecido como Relatório Brundtland),

que anunciou "o casamento entre o desejo do desenvolvimento e a

preocupação com o meio ambiente" (SACHS, 2000, p.119). Preocupados

particularmente com o crescimento futuro, aumentava entre os

desenvolvimentistas a ideia da conservação como "reserva de crescimento".

Gifford Pinchot, um dos chefes do programa de conservação de Theodore

Roosevelt, deu o tom: "Conservação significa o maior bem para o maior

número pelo tempo mais longo" (SACHS, 2000, p.120). O Relatório Brundtland

complementou o pensamento com seu viés de administração eficiente dos

recursos da natureza:

"No passado, nos preocupamos com o impacto do crescimento econômico sobre o meio ambiente; somos agora forçados a nos preocupar com o impacto do estresse ecológico - degradação do solo, tratamento da água, atmosfera e florestas - sobre nossos projetos econômicos" (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1987 apud SACHS, 2000, p. 120).

9 Em 1960, esses artigos aproximavam-se do número 150. Na década de 1970, haviam saltado

para 1.700. 10

Há duas maneiras de encará-la: de um lado, teóricos ambientalistas como Thoreau, Emerson e Muir, atribuem um valor absoluto à natureza por si só, acreditando que, com isso, barrariam a espoliação da natureza. De outro, os humanistas como Mumford e Schumacher, que reconheciam as agressões à natureza como mais um sinal da supremacia da expansão tecnológica sobre as pessoas e suas vidas.

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A pobreza, ou seja, a opção para quem não entrava no "jogo do

desenvolvimento", foi durante muito tempo considerada um fator alheio à

degradação ambiental, que, por sua vez, era atribuída ao impacto do homem

industrial11. No entanto, "com o desmatamento e desertificação em expansão

por todo o mundo, os pobres foram rapidamente identificados como agentes de

destruição" (SACHS, 2000, p.121) - numa espécie de equação onde a culpa é

da vítima. Para o Relatório Brundtland, "a pobreza reduz a capacidade das

pessoas de usar os recursos de forma sustentável; ela intensifica a pressão

sobre o meio ambiente" (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1987 apud SACHS, 2000, p.121). Para a proteção do

meio ambiente, portanto, restava uma nova "rodada de desenvolvimento", que

seria a única maneira de protegê-lo e, ao mesmo tempo, eliminar a pobreza.

A pressão por crescimento - agora sob o manto do desenvolvimento

sustentável - acabou demandando uma participação mais ativa dos governos

na questão ambiental. Encontrando um terreno minado por conflitos e

necessitando de regulamentação política, o Estado assumiu a tarefa de

analisar as condições da natureza e os efeitos da ação humana editando

normas e leis para dirigir o comportamento de pessoas e empresas. Por conta

disso, Sachs observa:

"Capital, burocracia e ciência - a venerável trindade da modernização ocidental - declaram-se indispensáveis na nova crise e prometem evitar o pior através de melhor engenharia, planejamento integrado, e modelos mais sofisticados" (2000, p.128).

Com o Estado em campo, a relação homem-meio ambiente passou a

ser regulada e acompanhada mais de perto. Entretanto, com a tarefa hercúlea

de manter a máquina industrial global operando numa velocidade crescente, a

presença do Estado, que é, quando não parceiro direto, cúmplice do modelo de

vida industrial, acabou por gerar mais conflitos e tensões sociais, econômicas e

ambientais.

11

Cabe ressaltar que a degradação ambiental deve-se muito mais "ao casamento entre ciência e tecnologia, no final do século XIX, do que a emergência de fábricas, operários e máquinas a vapor, quase cem anos antes" (VEIGA, 2010, p.63).

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1.3.1 TENSÕES SOCIAIS, ECONÔMICAS E ECOLÓGICAS - A

SUSTENTABILIDADE

As tensões sociais, econômicas e ecológicas têm acentuado diversos

problemas e conflitos. Como exemplos, temos a pobreza extrema, a escassez

de recursos naturais, a fome e as doenças infecciosas que afetam o mundo.

Soma-se a isso os crescentes índices de criminalidade, a ilegalidade e

corrupção. Por conta da realidade perdulária dos processos industriais

contemporâneos - e da sociedade contemporânea, como um todo -, o mundo

enfrenta algumas crises que ameaçam desfigurar a civilização e o planeta no

século XXI, a destacar a deterioração do meio ambiente natural, a dissolução

das sociedades civis na ilegalidade, no desespero e na apatia, e a falta da

vontade pública e privada para mitigar o sofrimento humano e promover o bem-

estar comum e coletivo. Conforme Savitz e Weber:

"Em termos filosóficos, a noção de responsabilidade social das empresas provavelmente se manifestou de início sob a forma de filantropia, na década de 1920, conforme se constata pelas fundações caritativas criadas pelos grandes capitalistas John D. Rockefeller, Henry Ford e Andrew Carnegie. [...] Nas décadas de 1930 e 1940, o conceito passou a incluir direitos trabalhistas. [...] O foco do impacto da empresa sobre a sociedade intensificou-se na década de 1960, como parte da maior conscientização da sociedade em geral. [...] As duas décadas seguintes assistiram a uma série de eventos marcantes que demonstram o poder crescente do ambientalismo. [...] Direitos dos consumidores e segurança dos produtos são dois outros temas que emergiram como importantes questões empresariais. [...] Ao longo das décadas de 1970, 1980 e 1990 [surgiram] novos movimentos sociais, cada um deles exercendo mais pressões sobre as empresas [...]: movimentos dos direitos civis; movimento pelos direitos das mulheres; o anti-apartheid; pelos direitos dos gays [etc.]" (2007 apud DA SILVA, 2011, p. 54).

Certo e Peter (1993) destacam que há dois pontos de vista para

tratarmos a questão: o primeiro, considerado clássico, é que as empresas não

devem assumir responsabilidades para além de suas obrigações legais, ou

seja, não devem se preocupar com as externalidades sociais, econômicas e

ecológicas geradas por suas atividades, focando-se exclusivamente na

maximização dos lucros e na geração de dividendos para seus acionistas; e o

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segundo, considerado contemporâneo, é que as empresas têm

responsabilidade de melhorar o bem-estar da sociedade. Maria Célia Paoli

destaca que

"Uma parcela desse empresariado, diante do aumento das desigualdades sociais e da pobreza no país, lança-se ativamente no campo social, chamando seus pares à responsabilidade para com o contexto no qual desenvolvem seus negócios, e nesse movimento redefine o sentido e o modo de operar da velha filantropia, aproximando-a da noção de cidadania. Ao retorno, redefinido, da ideia e da prática de 'filantropia' é acrescentada a palavra 'solidária', demarcada agora como abertura voluntária das empresas privadas ao extravasamento da imensa carência dos pobres brasileiros, ligada, portanto, à prevenção do futuro e respondendo às demandas da inserção social. Isto pode ser visto através do privilégio dado aos temas da infância, da família e da educação como áreas de responsabilidade social empresarial diante da crescente deterioração da vida coletiva" (2002, p.385).

Para Paoli, portanto, a responsabilidade social é uma

"filantropia empresarial [que] adapta-se com vantagens às formas de lucro empresarial, e, deste prisma, ecoa o discurso neoliberal que preconiza a iniciativa individual e privada contra a ineficiência burocrática do Estado e a politização dos conflitos sociais" (2002, p.386).

Em algumas peças do corpus observaremos que a ineficiência da

burocracia estatal é tematizada às avessas pela Vale, especialmente nas

peças que figurativizam o projeto Trem da Cidadania. Sob esse quadro, a

questão da sustentabilidade, apesar de já figurar como conceitualmente

consolidada para alguns pesquisadores, apresenta-se incompleta, sobretudo

porque muitas empresas consideram apenas alguns aspectos quando

deveriam considerar a totalidade e a complexidade da questão. Há empresas

que falam em sustentabilidade, considerando apenas questões sociais. Outras,

consideram apenas questões ambientais. Isso nos leva a crer que as empresas

não têm claro o que significa sustentabilidade. Como conclui Fanchin, o tema

"está distorcido e tem sido aplicado para designar indiferentemente cidadania, responsabilidade social, ambiental ou socioambiental, desenvolvimento sustentável, empresa responsável etc. Certos autores relacionam a sustentabilidade apenas às questões ambientais, mas o conceito real se refere

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a questões ambientais e sociais, pois não se pode tratar do desenvolvimento do meio ambiente sem considerar o bem-estar das pessoas" (2009, p.45).

É preciso ter em mente que para se obter sustentabilidade é preciso

considerar o que Elkington (2001 apud DA SILVA, 2011) definiu como Triple

Bottom Line, ou seja, os três pilares fundamentais: o ambiental, o econômico e

o social.

"Para que as corporações, qualquer que seja o tamanho delas, possam atuar com foco na sustentabilidade, elas devem procurar agir de forma integrada com cada um dos três pilares. No econômico, a preocupação diz respeito às externalidades decorrentes do seu processo de produção: atuação ética comercial, respeito às leis de comercialização em cada região; eliminação de dumping, ou seja, vender produtos abaixo do custo de produção e comercialização; redução da pobreza no entorno; [...] No pilar ambiental, a produção não deve agredir o ambiente ecológico através de ações, como: desenvolvimento de mecanismos de utilização inteligente e sustentável dos recursos naturais, ou seja, que respeite o tempo de reposição que a natureza necessita para se renovar; implantação de processos em que resíduos do consumo sejam devidamente retornados para possíveis processos de reciclagem; investimento em fontes de energia alternativa e não agressivas, ou seja, energia limpa etc. No pilar social, exige-se que se atenda às demandas da população do seu entorno, como: oferta de educação profissionalizante para comunidades carentes, afetadas direta ou indiretamente; busca pela erradicação de doenças pontuais ou locais; contenção da pobreza inerente através de subsídios de alimentação; apoio na construção voluntária de moradia comunitária etc." (DA SILVA, 2011, p.80).

Logo, a ideia de sustentabilidade envolve uma multiplicidade de atores e

questões sociais, ambientais, econômicas, culturais, legais e políticas que

devem ser consideradas. Abrange, sobretudo, diferentes perspectivas.

Entretanto, salientamos que para que uma empresa seja socialmente

responsável ela também deve ser ambientalmente responsável, devendo

considerar temas como a poluição do ar e da água, a desertificação e os

resíduos e dejetos oriundos de seus processos industriais, entre outros

aspectos. Vimos anteriormente que, inicialmente, as empresas discutiam a

questão da responsabilidade apenas no âmbito social. Nos últimos anos, a

questão verde fez-se mais forte e presente, o que nos sugere que o debate

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acerca da ecologia ganhou corpo e importância na agenda das empresas e dos

media de forma geral. A transição entre uma visão encantada de uma natureza

idílica para uma visão mecanicista com olhar utilitarista, que entende a

natureza somente como fonte de recursos, consolidou a necessidade do

debate sobre a ecologia, colocando o tema, ao que parece de forma definitiva,

na agenda pública. O crescimento que considera e valoriza os recursos

naturais e os reflexos da ação humana na natureza, em termos de publicações

e debates, foi despertado especialmente a partir da década de 1960. Um dos

marcos foi a publicação do livro Silent Spring12, de Rachel Carson, em 1962. "A

obra foi pioneira em condenar o uso indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos

que contaminavam o solo e os rios" (FANCHIN, 2009, p.33). Com a

emergência do tema, o conhecimento, o uso racional e a conservação dos

recursos da biosfera foram alvos da primeira Conferência Internacional,

promovida pela Unesco em 1968: "essa conferência marcou o despertar de

uma consciência ecológica internacional, mesmo sendo uma reunião de

especialistas e cientistas" (SOUZA, 1995, p.13).

Especialmente nas décadas de 1960 e 1970, o aumento da atenção por

parte dos cientistas, dos organismos internacionais e da mídia gerou

consequências visíveis, como o aprofundamento das pesquisas e dos

conhecimentos sobre a biosfera, os riscos de acidentes nucleares, o

aquecimento global e o efeito estufa. Nesse anos, o Programa das Nações

Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com o auxílio das Comissões

Econômicas Regionais das Nações Unidas, promoveu seminários sobre estilos

alternativos de desenvolvimento (SACHS, 1993). Com esse aumento de

interesse, os governos se viram obrigados a ter um papel mais atuante nas

questões ambientais. Esse papel, que "buscava a integração do controle

ambiental às áreas responsáveis pelos processos de produção" (FANCHIN,

2009), apresentava-se, em geral, nas formas de criação e atualização de leis e

regulamentos. Exemplo é a Commission de réforme des lois, fundada no

Canadá em 1971 com o objetivo de "modernizar a legislação federal

canadense" (FERRY, 2009, p.129). Em 1985, um dos trabalhos dessa

comissão recomendou acrescentar ao código criminal um delito relativo aos

12

O livro impulsionou a inversão na política nacional americana sobre pesticidas, levando à proibição nacional do DDT e outros pesticidas.

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"atos que fossem seriamente danosos a um valor fundamental de nossas

sociedade, a saber, o direito a um meio ambiente sadio, ou ainda um nível

razoável de qualidade do meio ambiente" (FERRY, 2009, p.129-130).

No Brasil, a publicação da lei n° 6.939, de 1979, regulamentou o

Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Nos anos 1980 foi criada a Política

Nacional do Meio Ambiente. É ela que regulamenta o Estudo do Impacto

Ambiental (EIA), documento que norteia uma série de procedimentos e

diretrizes necessários para a realização de obras, sobretudo as de grande

porte, como as hidrelétricas, siderúrgicas, construção de ferrovias e reformas

de portos. Ainda nos anos 1980 foram criadas algumas agências

regulamentadoras do meio ambiente, como o Sistema Nacional do Meio

Ambiente (SISNAMA), o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA) (FANCHIN,

2009).

De acordo com Palmisano e Pereira (2009), durante a Convenção da

Basiléia, realizada em 1989, se estabeleceu a proibição do envio de resíduos

para países que não tivessem capacidade técnica, legal ou administrativa para

recebê-los. No total, 105 países assinaram a Convenção da Basiléia,

assumindo assim o Controle dos Movimentos Fronteiriços de Resíduos

Perigosos. O acordo passou a valer em 1992. Nessa data, o Brasil sediou a

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento

(ECO-92), com a participação de 80 países, 105 chefes de Estado e milhares

de ativistas do meio ambiente e dos movimentos civis de todo o mundo. No

evento, destacam-se cinco documentos:

"Declaração do Rio, Agenda 21, Declaração de Florestas, Convenção sobre Mudanças Climáticas e Convenção sobre Biodiversidade. Os dois primeiros documentos tratam de estabelecer princípios e estratégias mundiais gerais e os três últimos, mais específicos, são acordos que encaminham soluções para os grandes problemas ambientais globais" (AFONSO, 2006, p.27).

Em 2002, a ONU realizou a Rio+10, em Joanesburgo, na África do Sul.

O objetivo principal foi "reafirmar as decisões da Rio 92. (...) [no encontro]

reiterou-se o compromisso com a interdependência entre crescimento

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econômico, justiça social e proteção ambiental" (AFONSO, 2006, p.30).

Entretanto, os chefes de estados só trataram de princípios e metas, tendo nada

acertado quanto aos meios de implantação das mudanças acordadas. Outro

ponto negativo desse encontro foi a formação de blocos de países que

defenderam exclusivamente seus interesses, capitaneado pelos EUA, país que,

junto à China, configura-se como um dos maiores poluidores do planeta. A

defesa de interesses particulares culminou com a paralisação das negociações

entre os países, gerando, no fim do encontro, poucos resultados práticos. Em

2012, realizou-se o Rio+20, contudo, o evento não apresentou resoluções

significativas.

Apesar de inúmeros encontros e debates acerca das questões

econômicas, sociais e ambientais entre chefes de Estado e líderes globais, a

mudança climática, mesmo já sendo tema na agenda ecológica mundial, ainda

não contava com um tratado específico, o que ocorreu quando a ONU

organizou a Conferência das partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas,

dando origem ao que ficou conhecido como Protocolo de Kyoto.

"O Protocolo de Kyoto é um dos desdobramentos da conferência Rio-92, visando atender aos princípios estabelecidos na Convenção sobre Mudanças Climáticas. Foi definido em 1997 como um acordo institucional específico para redução das emissões dos gases provenientes da queima de combustíveis fósseis e causadores do efeito estufa. (...) Entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005" (AFONSO, 2006, p.30).

O protocolo contou com 55 países signatários e estabeleceu que entre

2008 e 2012 os mesmos reduziriam suas emissões de gases causadores do

efeito estufa em 5,2% em relação aos índices da década de 1990 (FANCHIN,

2009, p.42). O Protocolo de Kyoto expira em 2012 e já existe o compromisso

da ONU e de alguns líderes globais para que um novo acordo seja feito, com

estipulação de novas metas. As antigas estabelecidas no primeiro acordo não

foram cumpridas, sobretudo devido ao aumento da industrialização e da

urbanização na China e da recusa dos Estados Unidos em assiná-las. O maior

efeito prático do protocolo foi a institucionalização do comércio de carbono.

Esse comércio possivelmente será alvo de limitações no novo acordo, pois

muitos países continuaram a poluir e a registrar índices crescentes de

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emissões de CO² ao mesmo tempo em que compravam créditos de outros

países. Em suma: o comércio de carbono foi apenas mais uma artimanha para

que a situação não sofresse alterações significativas. Porém, ele pode ser

ilustrativo da inclusão do discurso da sustentabilidade no sistema econômico

dominante. A inquietação com a situação ambiental parece ter se infiltrado não

só no "sistema", com o governo e seus partidos e "diretrizes verdes", ou no

meio empresarial, com seus procedimentos e departamentos "dedicados à

gestão inteligente dos recursos", mas também na sociedade, como um

movimento mais amplo de preocupação e ação pragmática. Os Estados

Unidos, como o restante da sociedade ocidental, assumiram compromissos

com a ideia do progresso, dominado pelo utilitarismo. Com a dessacralização

da natureza, investiu-se como nunca no aumento da produção industrial. Para

Giddens (2010), esse aumento de produção incentivou a instalação de fábricas

e expandiu os limites das cidades, que, sob acelerado crescimento,

transformaram as paisagens de muitas regiões. A dominação hegemônica do

pensamento e da presença industriais, que alimentou o surgimento do

socialismo, também incentivou a "fundação" do pensamento verde. Para

Giddens (2010), "assim como o socialismo, o pensamento verde é obra da

Revolução Industrial" (p.74).

No ensaio Nature, um dos marcos das preocupações ecológicas

publicado em 1836, Ralph Waldo Emerson protestou contra essa colonização,

em especial, "contra a exploração de madeira que vinha devastando as

florestas" (GIDDENS, 2010, p.75), argumentando que, na indústria moderna, "a

natureza era um mero objeto à serviço da produção de mercadorias" (idem,

p.75). Em termos de "grupo organizado", o Sierra Club, fundado em 1892 nos

Estados Unidos, é amplamente reconhecido como "a primeira organização

ambientalista do mundo a se dedicar à proteção das áreas de terra virgem"

(idem, p.75).

À medida que o discurso da responsabilidade socioambiental se torna

mais presente, cresce o interesse de múltiplos atores e suas diferentes

intencionalidades. Segundo Giddens (2010), o termo verde, em sua conotação

político-partidária, originou-se na Alemanha na década de 1970. Foi lá também

que o Partido Verde primeiro alcançou sucesso eleitoral. No entanto, a ligação

entre a política alemã e o movimento verde moderno data de momentos

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anteriores, com leis tendo sido criadas desde a época de Hitler. Esse paralelo

com o nazismo/fascismo foi utilizado por parte dos críticos sobretudo como

uma forma de esvaziar e desacreditar os esforços do movimento verde. Como

refere Giddens (2010): "De fato, o termo 'ecofacismo' foi empregado por alguns

críticos contra os ambientalistas que preferiam a ação direta fora do âmbito da

lei para alcançar seus objetivos" (p.76). As primeiras leis alemães de proteção

ao meio ambiente tinham como objetivos a conservação da natureza e o

incentivo à agricultura orgânica ou biológica. De acordo com levantamento feito

por Luc Ferry (2009), uma das primeiras data de 24 de novembro de 1933 e se

refere à proteção e aos cuidados com animais; em 3 de julho de 1934, outra lei

passou a limitar a caça; a Lei de Proteção da Natureza do Reich, aprovada em

1935, tinha o objetivo de prevenir danos ao meio ambiente em áreas não

desenvolvidas, proteger florestas e animais, além de reduzir a poluição do ar.

Hoje os verdes se transformaram num movimento global: a Global Green

Network13, entidade que congrega os Partidos Verdes de diferentes países, tem

representantes em quase 80 nações. Cada país tem demandas e perspectivas

diferentes em relação à ecologia - assim como têm em relação ao

desenvolvimento. A Global Green Network, ao reunir esses países, listou uma

carta de princípios que definem o que significa ser verde no novo milênio. Essa

carta - ponto comum a todos os signatários - envolve os quatro princípios

originalmente estabelecidos pelos ambientalistas alemães na década de 1970:

"sabedoria ecológica (harmonia ou equilíbrio ecológicos), justiça social, democracia participativa e não-violência. A partir dos congressos realizados pela Global Green Network, adicionou-se mais dois princípios: sustentabilidade e respeito à diversidade" (GIDDENS, 2010, p.76).

Apesar do surgimento de organizações como a Global Green Network,

em geral, o movimento verde se opõe às instituições estabelecidas de poder14

(quer sob a forma do gigantismo estatal, quer sob o gigantismo empresarial

privado). Como o movimento ambientalista é amplo - uma vez que há grupos

que defendem o direito das florestas e das montanhas até outros que pregam a

13

http://www.globalgreens.org/ 14

O desejo de uma democracia participativa encontra-se na base do programa político de quase todos os partidos verdes.

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taxação da emissão de gases e o direito à vida de espécies específicas, entre

outras medidas e movimentos -, há também grupos e "movimentos dentro do

movimento" que contestam o produtivismo na economia e a relação puramente

utilitarista diante da natureza. Essa linha de contestação refuta a ênfase dada

ao crescimento econômico como o valor primordial na sociedade. Em especial,

"discute o crescimento que reduz a qualidade de vida e, em particular, o

crescimento que prejudica a biosfera, considerando-o, assim, um crescimento

'antieconômico'" (GIDDENS, 2010, p.77). Por conta disso, há muitas vertentes

de ambientalistas que se opõem à ideia de crescimento econômico, sob a

alegação de que ele é nocivo ao extremo - esses grupos são a favor de uma

"sociedade de crescimento zero" (idem, p.78).

Mesmo com a variação de tendências e matizes dentro do movimento

verde, há valores considerados fundamentais; um desses é o de permanecer

"próximo à natureza", ou seja, falando mais claramente: a conservação.

Entretanto, há outros direcionamentos, entendimentos e correntes militantes

que mostram a pluralidade da discussão e entendem a ecologia de diferentes

maneiras. A seguir, tratamos de mapear essa diversidade de vozes constantes

no movimento verde.

1.4 AS CORRENTES DO ECOLOGISMO

O movimento ambientalista, ou movimento verde, é amplo e apresenta

variadas formas de pensar e agir.

"Sob a chancela do movimento ecológico, veremos o desenvolvimento das lutas em torno de questões as mais diversas: extinção de espécies, desmatamento, uso de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica, poluição do ar e da água, contaminação de alimentos, erosão dos solos, diminuição das terras agricultáveis pela construção de grandes barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista, tecnologias que afirmam a concentração de poder, entre outras. Não há, praticamente, setor do agir humano onde ocorram lutas e reivindicações que o movimento ecológico não seja capaz de incorporar" (GONÇALVES, 2006, p.12).

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Diante da multiplicidade de questões e abordagens, nesta pesquisa

optamos metodologicamente por seguir a classificação proposta por Joan

Martínez Alier (2009) que divide as correntes do ambientalismo em três

grandes grupos: o culto ao silvestre, o evangelho da eficiência e o ecologismo

dos pobres.

1.4.1 O CULTO AO SILVESTRE

O culto ao silvestre ou culto à vida selvagem é a corrente do movimento

ambientalista que difunde a ideia de defesa da natureza intocada; é onde

semeia-se o amor aos bosques e aos cursos d'água. O movimento

ambientalista que prega o culto à vida silvestre centra a resolução dos

problemas ecológicos na preservação (pura e simples) da natureza idílica,

natural, intocada. Para Joan Martínez Alier:

"O 'culto ao silvestre’ surge do amor às belas paisagens e de valores profundos, jamais para os interesses materiais. A biologia da conservação, que se desenvolve desde 1960, fornece a base científica que respalda essa primeira corrente ambientalista" (2009, p.22).

O culto ao silvestre ganhou espaço na mídia especialmente por

denunciar que a "perda da biodiversidade caminha de forma rápida"

(MARTÍNEZ ALIER, 2009, p.23) com o desaparecimento de espécies animais e

vegetais que antes eram abundantes. A agricultura, de subsistência ou do

agronegócio, desagrada profundamente os defensores desta corrente

ecológica, uma vez que "essas atividades ganharam espaço às expensas da

vida silvestre" (MARTÍNEZ ALIER, 2009, p.24). Para Luc Ferry, esta corrente

também é conhecida como a dos ecologistas profundos. Para ele, "o ecologista

profundo é guiado pelo ódio da modernidade, pela hostilidade ao tempo

presente" (2010, p.165). A sacralidade da natureza é o ideal-base, sendo o

homem apenas mais um elemento a compor o universo. Carlos Cardoso

Aveline define assim os ideais da ecologia profunda:

"A natureza, cuja evolução é eterna, possui valor em si mesma, independentemente da utilidade econômica que tem para o ser

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humano que vive nela. Esta ideia central define a chamada ecologia profunda – cuja influência é hoje cada vez maior – e expressa a percepção prática de que o homem é parte inseparável, física, psicológica e espiritualmente, do ambiente em que vive" (2007, p.14).

Em resumo: a corrente ecológica denominada culto ao silvestre

apresenta como principal proposta política a manutenção de "reservas naturais,

em geral denominadas parques nacionais ou naturais, livres da ação e

interferências humanas" (MARTÍNEZ ALIER, 2009, p.24). Além disso, os

componentes desta corrente do ecologismo orientam-se para a preservação da

vida silvestre

"sem se pronunciar diretamente sobre a industrialização ou a urbanização, mantendo-se indiferente ou em oposição ao crescimento econômico, muito preocupado com o crescimento populacional e respaldado cientificamente pela biologia conservacionista" (MARTÍNEZ ALIER, 2009, p.38).

1.4.2 O EVANGELHO DA ECOEFICIÊNCIA

O ano de 1972 foi um marco na história do pensamento ambientalista,

pois foi quando surgiu um estudo de fundamental relevância para as questões

relacionadas ao meio ambiente. De acordo com Anthony Giddens (2010), o

estudo, que ficou conhecido como Limites do crescimento, do Clube de

Roma15, afirmou que "nossa civilização está esgotando os recursos dos quais

depende a continuação de nossa existência" (p.86). Foi também no ano de

1972 que a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano

destacou a importância de conciliar o desenvolvimento econômico com o uso

sustentável dos recursos naturais. Com o pensamento da valorização do meio

ambiente, em especial dos recursos naturais nele disponíveis, a corrente

ecológica denominada evangelho da ecoeficiência é o segmento do

pensamento ambientalista que se "preocupa com o manejo sustentável e com

o 'uso responsável' dos recursos naturais" (MARTÍNEZ ALIER, 2009, p.27).

Preocupa-se também com o controle dos níveis de contaminação do ar, da

15

Criado em 1968, é formado por personalidades de diferentes comunidades, como a acadêmica, política, empresarial, religiosa, entre outras. Discute-se especialmente sobre energia, poluição, saneamento, saúde, ambiente, tecnologia e crescimento populacional.

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água e dos solos. O foco dos entusiastas desta corrente está direcionado aos

impactos ambientais da produção de bens e aos riscos à saúde decorrentes de

atividades industriais, da urbanização e da agricultura e pesca modernas.

As novas tecnologias e a internalização das externalidades16 se

apresentam como fundamentais para a modernização tecnológica e para a

economia ecológica como um todo, aspectos muito importantes para os

seguidores do evangelho da ecoeficiência. Os defensores desta corrente

advogam pelo crescimento econômico, porém, apregoam a tal crescimento a

ideia de "desenvolvimento sustentável". É aqui que reside o pensamento mais

visível na sociedade contemporânea, tanto por parte das empresas, quanto por

parte dos cidadãos: a ideia de aproveitar melhor os recursos e matérias-primas

e ter uma vida "sustentável". Uma dita vida sustentável atrela-se a um

"desenvolvimento responsável" da economia e da sociedade. Para Martínez

Alier (2009), "efetivamente, a 'ecoeficiência' tem sido descrita como 'o vínculo

empresarial com o 'desenvolvimento sustentável'" (p.28). A palavra

desenvolvimento, portanto, demanda alterações na estrutura econômica e

social, ao passo que a palavra crescimento significa uma expansão na escala

da economia que provavelmente não tem condições de se sustentar

ecologicamente. Martínez Alier entende "desenvolvimento" como um termo de

forte conotação de crescimento econômico e modernização uniforme. Nessa

ordem, para ele seria preferível falar em "sustentabilidade". Giddens alerta:

"Os dois termos fundamentais, 'sustentabilidade' e 'desenvolvimento' têm significados meio contraditórios. 'Sustentabilidade' implica continuidade e equilíbrio, enquanto 'desenvolvimento' implica dinamismo e mudança" (2010, p.88).

Logo, por mais distintos que possam ser os conceitos sobre

sustentabilidade/responsabilidade socioambiental, há um distanciamento entre

16

Uma externalidade acontece quando uma pessoa ou processo produtivo influencia o bem-estar de outra pessoa. A externalidade pode ser positiva - quando gera, por exemplo, empregos para a população ao redor -, ou ser negativa - quando destrói recursos naturais. O processo de internalização das externalidades deve ser a base de toda política ambiental, pois assim cria-se formas para que a empresa seja obrigada a investir em controles ambientais que mitiguem os impactos de seus processos, além de fazer com que os custos socioambientais da poluição sejam integrados ao processo produtivo através de multas ambientais e taxas, por exemplo.

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a prática diária dos chefes governamentais e empresas e o ideal almejado pelo

discurso sustentável, especialmente porque há uma

"inversão de valores, tendo em conta que o discurso da lucratividade a partir da sustentabilidade indica que o mundo ideal sob os aspectos fundamentais do desenvolvimento ainda está sendo sobreposto ou subjugado pela lógica do capital" (DA SILVA, 2011, p.25).

A noção de tempo que norteia o processo continua a ser a do capital,

não a da natureza. No caso da mineradora Vale, é o tempo da concorrência, o

da exploração dos recursos minerais, o da necessidade de exportação de

toneladas crescentes de recursos naturais. Sob esse parâmetro, há um nítido

choque entre o conceito e a ação propostos pelo evangelho da ecoeficiência,

que surge como uma nova roupagem para que o capitalismo continue

hegemônico e vencedor. Destacamos que os ambientalistas são atraídos pelo

termo ―sustentabilidade‖, enquanto governos e empresas colocam o

―desenvolvimento sustentável‖ - em geral, referindo-se a isso como um

aumento no PIB -, como foco.

"Desenvolvimento sustentável apresenta uma conotação positiva de que é possível aliar crescimento econômico, uso adequado dos recursos da natureza e melhoria da qualidade de vida. Não fica claro, entretanto, de que forma essa interrelação pode ser conseguida na prática, sem profundas transformações, tanto a nível local quanto a nível mundial, nas relações de poder que se estabeleceram historicamente a partir da gênese e desenvolvimento do modo de produção capitalista" (SOUZA, 1995, p.37).

Quando se trata da questão ecoeficiente, é comum encontrarmos um

aglomerado de metas e objetivos como conceitos. Exemplificando a dificuldade

em encontrar uma fórmula precisa para se obter a ecoeficiência, William

Lafferty e James Meadowcroft destacam que:

―desenvolvimento sustentável indica uma preocupação interdependente com: a promoção do bem-estar humano; a satisfação das necessidades básicas; a proteção do meio ambiente; a consideração para com o destino das futuras gerações; a conquista da igualdade entre ricos e pobres; e a participação numa base ampla no processo decisório" (apud GIDDENS, 2010, p.88)

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Deste modo, em sentido mais simples, podemos afirmar que a

sustentabilidade implica que, ao lidarmos com problemas ambientais, "estamos

em busca de soluções duradouras, não de jeitinhos a curto prazo" (GIDDENS,

2010, p.88). O Fórum Econômico Mundial, encontro que reúne os principais

líderes empresariais e políticos do mundo, elaborou um índice de

sustentabilidade ambiental que foi aplicado a mais de 100 países. Para

Giddens (2010, p.89), de acordo com tal índice, a sustentabilidade ambiental é

definida a partir de cinco questões:

1. O estado de sistemas ecológicos como o ar, o solo e a água;

2. As pressões a que esses sistemas estão sujeitos, inclusive seus

níveis de poluição;

3. O impacto dessas pressões na sociedade humana, medido em

termos de fatores como a disponibilidade de alimentos e a

exposição a doenças;

4. A capacidade social e institucional de a sociedade lidar com riscos

ambientais;

5. A capacidade de criar uma supervisão de bens públicos globais,

especialmente a atmosfera.

Em busca da imagem de marca de empresa ecoeficiente, algumas

dessas questões são diretamente figurativizadas nas peças publicitárias da

Vale, como veremos no terceiro capítulo desta pesquisa. Vimos anteriormente

que a conceituação do desenvolvimento sustentável foi um trabalho histórico,

fruto do poder econômico, social, cultural e ideológico de importantes atores,

como a ONU e os EUA. O processo de transformação e aceitação dos

conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade nas empresas

também é uma construção histórica. Em 1989, na Suécia, Karl-Henrik Robèrt

desenvolveu parâmetros para o melhor aproveitamento de recursos

denominado The Natural Step (TNS). Apesar do problema ecológico gerar

discussões há anos, especialmente na Europa17, até a data o tema não era tão

17

"Os maiores problemas ambientais dos países industrializados estavam relacionados à poluição industrial, enquanto os problemas mais comuns dos países em desenvolvimento estavam relacionados ao mau uso e esgotamento da base dos recursos minerais." (SOUZA, 1995, p.7).

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corriqueiro na agenda das corporações. "Treze anos atrás, quando o TNS

iniciou as suas atividades, a percepção de que as empresas eram totalmente

ignorantes do ponto de vista ambiental era maior do que hoje" (ROBÈRT, 2011,

p.15). Atualmente, a agenda midiática dá voz - em outros casos, "vende

espaços" - a empresas engajadas em relação aos temas ambientais - ou, na

pior das hipóteses (e, infelizmente, na mais frequente) -, cada vez mais

engajadas em comunicar suas práticas de sustentabilidade. O Ikea e o

McDonald's suecos - dois exemplos citados por Karl-Henrike Robèrt - nos

servem de exemplo da transformação no entendimento do conceito de

sustentabilidade. No Ikea, um dos problemas enfrentados pela empresa era

que "as pessoas haviam rotulado o desenvolvimento sustentável de 'frescura'"

(ROBÈRT, 2011, p.98). Para combater esse pensamento, o Ikea criou um

folheto intitulado "Lixo é Dinheiro", em que argumentou que o desperdício

equivaleria a custos, pois revelava que algo não estava operando de forma

totalmente correta. O McDonald's sueco, por sua vez, sofreu com a

administração municipal que resolveu processar a companhia por não usar

embalagens reutilizáveis: o lixo produzido não era compatível com as

resoluções da Agenda 2118. O McDonald's acabou por realizar um acordo com

o poder público municipal em que se comprometeu a

"adotar energia renovável, fazer suas compras de alimentos com fornecedores agrícolas que possuíssem programas administrativos voltados para o desenvolvimento sustentável, além de desenvolver programas de reciclagem em todos os seus restaurantes" (ROBÈRT, 2011, p.136).

Na perspectiva de aproveitar tudo que for possível para reduzir o

desperdício, os praticantes do evangelho da ecoeficiência acabam por utilizá-lo

como uma forma de ganho, tanto em termos de redução de despesas, quanto

em termos de construção de "imagem", pois como alerta Laymert Garcia dos

Santos: "o lema do capitalismo verde é salvar o planeta e ganhar dinheiro ao

mesmo tempo" (2011, p.30).

18

A Agenda 21 é um processo de planejamento que considera a interdependência das dimensões ambiental, econômica e social, visando à sustentabilidade.

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47

1.4.3 O ECOLOGISMO DOS POBRES

O ecologismo dos pobres, ecologismo popular ou movimento por justiça

ambiental centra seus esforços na diminuição dos conflitos originados a partir

dos embates ambientais em nível local, regional, nacional e global que são

causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade social. É também

denominada ecologismo de livehood (subsistência ou ganha-pão), do sustento,

da sobrevivência humana (GARI, 2000 apud MARTÍNEZ ALIER, 2009) e

ecologia da libertação (PEET e WATTS, 1996 apud MARTÍNEZ ALIER, 2009).

Esta corrente do ambientalismo ressalta que o crescimento econômico implica

em maiores impactos no meio ambiente, dando destaque para a alteração no

deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos

resíduos operacionais. Nesse sentido, de acordo com Martínez Alier,

observamos que

"países industrializados dependem de importações proveniente do Sul para atender parcela crescente das suas demandas por matérias-primas e bens de consumo. Os Estados Unidos importam metade do petróleo que consomem. A União Européia importa uma quantidade de materiais (inclusive energéticos) quase quatro vezes maior do que a que exporta" (2009, p.34).

O eixo principal desta corrente não é uma reverência à natureza, mas,

sim um interesse material pelo meio ambiente como fonte de condição para a

subsistência; não é advogar em razão dos direitos de espécies ameaçadas de

extinção e da preocupação com as futuras gerações de humanos, mas, sim,

pelos humanos pobres de hoje (MARTÍNEZ ALIER, 2009).

O ecologismo dos pobres não compartilha dos mesmos fundamentos

éticos, nem estéticos, das correntes anteriores. Sua preocupação tem origem

em uma demanda por justiça social contemporânea, em particular se

entendermos que as fronteiras do gás, do petróleo, do alumínio, do cobre, do

eucalipto, do ouro, da soja transgênica etc., avançam na direção de novos

territórios, e, a partir disso, devemos pensar na geração de impactos que não

são solucionados pelas políticas econômicas ou pelas inovações tecnológicas.

Em geral, esses impactos atingem de forma desproporcional diferentes grupos

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sociais. Na medida em que a escala da economia é expandida, mais resíduos

são gerados e mais os sistemas naturais são comprometidos, o que acaba

deteriorando os direitos das gerações futuras e o conhecimento dos recursos

genéticos acabam perdidos. Alguns exemplos de conflitos ambientais nos quais

o ecologismo dos pobres deve ser considerado são os provocados pelo uso da

água, pelo acesso às florestas, contaminação de áreas e o comércio ecológico

desigual. Em muitos contextos, os agentes participantes de ambos os lados

desses conflitos não utilizavam um discurso ambientalista - isso explica porque

o ecologismo dos pobres e o movimento por justiça ambiental não foi

plenamente identificado até os anos de 1980. O fato é que a continuidade do

atual sistema de produção do capitalismo hegemônico é ambientalmente

insustentável e socialmente injusto, o que acaba por intensificar os conflitos

socioambientais de diversas regiões. Para enfrentar esses problemas, o

ecologismo dos pobres tem como fundamentos a economia ecológica e a

ecologia política.

"A economia ecológica tem como seu precursor mais importante o economista Georgescu-Roegen, cujos estudos entre os anos cinquenta e setenta buscaram integrar os processos econômicos e os processos de organização da natureza em seus fluxos de energia e materiais na produção da vida, em especial através das implicações das leis da termodinâmica no funcionamento da economia. [...] Uma das principais contribuições de Georgescu-Roegen e diversos de seus seguidores tem sido a crítica do regime energético da atual sociedade industrial e de mercado, baseado no uso intensivo de combustíveis fósseis não renováveis que aceleram processos entrópicos globais no planeta. As características desse regime energético, aliado aos padrões de produção e consumo das sociedades capitalistas contemporâneas, geram intensos fluxos de materiais e energia incompatíveis com o metabolismo ecológico e social do planeta, sendo, portanto, insustentáveis. A consequência é a aceleração de entropias globais, ou seja, processos de desorganização dos ecossistemas e da própria vida, acentuados pela emergência dos chamados riscos ecológicos globais nas últimas décadas, como as mudanças climáticas globais" (PORTO; MILANEZ, 2009, p.1985).

A ecologia política, por sua vez, apresenta-se como um

"campo de discussões teóricas e políticas que estuda os conflitos ecológicos distributivos, ou simplesmente os conflitos

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socio-ambientais. Ela se fortalece principalmente a partir dos anos 80 pela crescente articulação entre os movimentos ambientalistas e sociais. A ecologia política amplia a crítica dos fundamentos filosóficos da economia neoclássica ao avançar sobre a economia prática de tradição marxista, incorporando questões ecológicas no entendimento das dinâmicas econômicas e de poder que caracterizam as sociedades modernas" (PORTO; MARTÍNEZ ALIER, 2007, p.508).

Portanto, a articulação entre ecologia política e economia ecológica

fornece uma importante base teórica porque passamos a considerar os

problemas socioambientais como conflitos distributivos, frutos das

desigualdades e contradições dos processos econômicos e sociais atuais.

Desafortunadamente, esses conflitos concentram-se sobre as populações mais

pobres, discriminadas e socialmente excluídas. Citamos como conflitos

desiguais as lutas empreendidas pelo movimento Chipko em defesa das

floretas no Himalaia, a união preservacionista liderada por Chico Mendes, a

resistência dos atingidos por barragens espalhados por todas as regiões do

Brasil, entre outros. No caso da Vale no Maranhão, há o embate e a disputa

por vez e voz com as populações diretamente atingidas pelos seus processos

de expansão, como os pescadores artesanais residentes nas imediações do

porto do Itaqui e as dezenas de famílias que vivem ao longo da Estrada de

Ferro Carajás.

"Tais conflitos, porém, tendem a se radicalizar em situações de injustiça presentes em sociedades marcadas por fortes desigualdades sociais, discriminações étnicas e assimetrias de informação e poder" (PORTO; MILANEZ, 2009, p.1985).

Nessa perspectiva, os processos de desenvolvimento que formam

"centros" e "periferias" regionais e mundiais precisam ser questionados, pois

não há como falarmos em sustentabilidade enquanto o meio ambiente é

ameaçado pelo crescimento populacional, pelo abandonado dos povos da

floresta e das periferias, pela crescente exploração dos recursos minerais e

pelo superconsumo.

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1.5 MODERNIZAÇÃO ECOLÓGICA E USURPAÇÃO DA BIODIVERSIDADE:

A AMAZÔNIA É O JARDIM DO QUINTAL

Atualmente existe um enfrentamento entre os agentes da expansão

econômica e os da conservação do meio ambiente. A principal proposta para a

solução desse enfrentamento parece residir na modernização ecológica - ao

menos para aqueles que ainda acreditam nas promessas de inclusão do

desenvolvimento tecnocientífico. Para Laymert Garcia dos Santos (2011),

essas promessas se esfumaçaram e parecem só fazerem sentido a partir do

insistente assédio da mídia, e, em especial, da publicidade. Em todo caso, a

modernização ecológica caminha sob dois pontos principais: o primeiro, de

ordem econômica, opera, de forma geral, a partir de ecoimpostos e mercados

de licenças de emissões; o segundo, baseado na ordem tecnológica, atua no

apoio de medidas voltadas para a economia e/ou melhor aproveitamento da

energia e de matérias-primas.

Alguns estudiosos, políticos, ambientalistas e, principalmente,

corporações transnacionais apostam que as novas tecnologias resolverão os

problemas surgidos na difícil relação economia-meio ambiente. Entretanto,

devemos ressaltar que as novas tecnologias não são, necessariamente, a

solução perfeita, principalmente se considerarmos a existência de perigos19

(novos e antigos, alguns ainda não totalmente conhecidos), como a localização

de incineradores, o uso de áreas de destinação e de armazenagem de

resíduos radioativos, o uso das sementes transgênicas, geneticamente

modificadas, ou ainda a questão dos transportes e novos combustíveis, como o

etanol20, dentre outros exemplos. "Até pouco tempo atrás, tratar de uma

19

Conforme destaca Laymert Garcia dos Santos, o risco, o acidente e o efeito colateral são

partes inerentes do progresso tecnológico. A tecnociência parece só saber lidar com os riscos tecnológicos propondo mais tecnologia, o que faz o risco mudar de patamar. "Nesse sentido, e paradoxalmente, quanto mais avança o progresso, mais avançam o risco e a incerteza." (2007, p.52). 20

Segundo notícia veiculada em 09/11/2008 pelo jornal O Estado de São Paulo, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) efetuou estudos e concluiu que, ao longo dos primeiros cinco anos de uso da tecnologia flex fuel, o Brasil "economizou" 42,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), que deixaram de ser emitidas graças à substituição de gasolina por álcool combustível. Segundo o estudo, isso equivale a três anos e meio de emissões de CO2 da cidade de São Paulo, ou seja, é como se todos os veículos e fábricas da metrópole tivessem deixado de funcionar durante esse período. Entretanto, o estudo dá a dimensão de que só as novas tecnologias não resolverão todos os problemas: um mês de desmatamento na Amazônia emite tanto CO2 quanto o que foi economizado com 5 anos de carro flex.

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possível crise ambiental no Brasil era algo marginal, pois tal fato era

considerado um fenômeno de país industrializado" (SANTOS, 2011, p.35).

Hoje, sobretudo pela riqueza da biodiversidade amazônica, pela quantidade de

minerais encontrada em solo nacional - quantidade esta que se apresenta

como fundamental para a mineradora Vale - e pelas necessidades e opressões

socioeconômicas que o mundo globalizado impõe, em especial a determinadas

populações, é premente tratarmos, no Brasil, da relação entre economia e meio

ambiente. Não há mais como negar que a questão ambiental seja uma questão

maior.

Muitos países criaram, inspirados por doutrinas liberais, projetos

nacionais de "construção". No Brasil, sob a rubrica do "desenvolvimento",

esses ideais cresceram com o amparo do Estado e tomaram a forma de uma

aliança entre diferentes setores da elite e das classes médias urbanas

(ROCHA, 2010). Nesse espectro, "a Amazônia brasileira foi concebida, pelas

elites nacionais, como uma fronteira de recursos na qual o capital poderia

refazer seu ciclo de acumulação com base nos novos estoques disponíveis"

(CASTRO, 2005, p.10). Assim, a partir dos anos 1970, a Amazônia brasileira foi

integrada ao processo de desenvolvimento nacional21.

De acordo com Laymert Garcia dos Santos, esse processo consistiu em

ocupar e movimentar a Amazônia com grandes projetos agropecuários,

rodoviários, hidrelétricos, de mineração e de colonização. Infelizmente, tais

projetos têm forte impacto ambiental porque se basearam - e se baseiam,

ainda - na destruição ou na facilitação da destruição da floresta. Sintomático da

gravidade e da destruição perpetrada com o incentivo do governo brasileiro é o

fato de que,

"até o final dos anos 80, o Estado brasileiro concedeu US$ 2,5 bilhões em subsídios para os fazendeiros que queriam queimar as florestas para 'beneficiar' a terra, transformando o solo em 'fazenda aberta'" (SANTOS, 2011, p.22).

21

Edna Castro destaca que ainda nos anos 70 "alguns estudos sobre os desdobramentos das políticas públicas na Amazônia já apontavam os graves problemas ambientais que poderiam ocorrer em função de um modelo de desenvolvimento que ignorava os impactos ambientais" (2005, p.12).

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A Amazônia brasileira22, para efeitos de governo e economia, é

delimitada por uma área denominada Amazônia Legal, definida a partir da

criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em

1966. "A chamada Amazônia Legal brasileira tem uma superfície de

aproximadamente 5 milhões de km², ou seja, 60% do território do Brasil"

(SANTOS, 2011, p.17). As florestas úmidas que a compõem caracterizam-se

pela vasta biodiversidade animal e vegetal. Para termos noção dessa riqueza,

Laymert Garcia dos Santos (2011) destaca: "enquanto na floresta amazônica

se conhecem mais de 2.500 espécies de árvores, nas florestas temperadas de

toda a França apenas cerca de 50 espécies são encontradas" (p.17). Toda

essa vastidão nos permite vislumbrar a riqueza de uma biodiversidade

internacionalmente reconhecida e, ao mesmo tempo, ameaçada. O Brasil, país

de dimensões continentais, não apresenta, historicamente, um nível de

devastação equânime entre as regiões geográficas do país. A floresta

amazônica, por exemplo,

"permaneceu praticamente intocada até a década de 1960, apesar do ciclo da borracha, que, entre 1840 e 1910, acarretou a drástica redução dos povos indígenas e levou entre 600 mil e 700 mil nordestinos para a região como mão de obra quase escrava" (SANTOS, 2011, p.39-40).

O quadro, a partir dos incentivos desenvolvimentistas da década de

1970, se apresenta nitidamente diferente. Segundo Philip Fearnside (1991

apud SANTOS, 2011), as taxas de desmatamento da Amazônia brasileira

atingiram em média 22 mil km² por ano de 1978 a 1988, 18 mil km² em 1989 e

14 mil km² em 1990. Apesar de existir quem pense que ainda há muita área de

floresta, é inegável a constatação do poder destrutivo e da quantidade de km²

que foi catapultada à devastação. Para ilustrarmos com um dado mais atual

acerca da devastação histórica ocorrida na área, de acordo com o Ministério do

Meio Ambiente23, a taxa de desmate anual para o ano de 2009-2010 ficou em

7.000 km². Como lembra Laymert Garcia dos Santos:

22

"brasileira" na medida em que a Amazônia é uma floresta tropical que se faz presente em outros 7 países (Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana e Suriname). 23

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/10/03/amazonia-tem-menor-indice-de-desmatamento-registrado-no-mes-de-agosto-925492224.asp. Acesso em: 27/10/2011.

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"o processo de ocupação do Brasil fez prevalecer a devastação, e mais de cinco séculos de relação predatória com os recursos naturais consolidaram esse padrão, que acabou acentuado e intensificado pela modernização capitalista e as técnicas industriais do século XX" (2011, p.39).

Diante de tal situação, é possível afirmarmos que a Amazônia Brasileira

só despertou a atenção do mundo porque seu desmatamento parece conectar,

num cenário catastrófico, três grandes tendências contemporâneas que podem

desaguar em um desastre ambiental de proporções globais e desdobramentos

inimagináveis: o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e a perda da

biodiversidade (SANTOS, 2011, p.15). Estas tendências foram cortejadas ao

longo das últimas décadas pela modificação contínua e acelerada da floresta

amazônica, ocasionando perdas de coberturas vegetais consideráveis.

"Estados como Maranhão, Mato Grosso, Pará e Rondônia

tiveram seu uso do solo enormemente alterado, com redução de biodiversidade (florestal e animal) e de técnicas de cultivos agroflorestais desenvolvidas por diversos grupos sociais em unidades produtivas familiares" (CASTRO, 2005, p.6).

A expansão do desmatamento pelo território brasileiro reflete os

múltiplos papéis exercidos por diferentes agentes e seus variados objetivos. O

poder público, as empresas nacionais e as transnacionais são quem mais se

destaca na promoção da degradação, estimulando assim o agravamento dos

problemas socioambientais.

"As causas do desmatamento na Amazônia são múltiplas e traduzem a complexidade dos atores sociais e dos interesses que fazem da fronteira um lugar de encontro, de oportunidades, de capitalização e, justamente por isso, também de tensão e conflito" (CASTRO, 2005, p.6).

A abertura de estradas, a expansão da infraestrutura (especialmente,

estradas, ferrovias e portos), a extração desenfreada de recursos minerais, a

derrubada da cobertura florestal, o abuso no uso de energias não-renováveis, o

avanço da pecuária, da soja e do eucalipto são alguns dos fatores que

aceleram o processo de depredação dos ecossistemas. Um dos principais

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problemas dessa degradação é que ela afeta com diferentes intensidades

diferentes grupos sociais. Para Laymert Garcia dos Santos:

"Os povos da floresta podem acabar tendo de enfrentar uma escolha impossível entre o velho, violento e predatório estilo de desenvolvimento que a elite brasileira sempre lhes reservou, ou o desenvolvimento predatório pós-moderno, high-tech, que as corporações transnacionais, o Banco Mundial e as agências internacionais estão planejando para integrar a biodiversidade no mercado global" (2011, p.46).

Apesar de merecerem toda atenção por sua situação de vulnerabilidade

ante os poderosos interesses dos agentes econômicos, principalmente os

transnacionais, os povos da floresta24 são apenas parte dos atingidos. O

esforço em inserir a Amazônia na lógica do capital acaba por prejudicar toda a

sociedade, pois se baseia na utilização do patrimônio natural, bem comum de

todos nós, como matéria-prima para a feitura de produtos. A realidade

econômica a que estamos submetidos transforma constantemente o mundo e é

a grande responsável pela maior parte da perda da biodiversidade.

Desgraçadamente, a riqueza da biodiversidade brasileira vem sendo destruída

para promover a integração da região amazônica na economia de mercado.

Entretanto, realçamos que a biotecnologia e as revoluções causadas pelas

novas técnicas envolvidas nesse processo se configuram como um novo

paradigma tecnológico. Porém, nesta conjuntura um problema ascende: para

Laymert Garcia dos Santos (2011), "a biotecnologia parece expressar um novo

tipo de predação, uma forma bastante perversa de destruição, e uma maneira

sofisticada de submeter a biodiversidade à lei do mercado" (p.24). Ao contrário

do que podemos imaginar, a biotecnologia não tece loas à biodiversidade, pois,

mesmo considerando que a existência da biotecnologia tende, sob uma

primeira análise, a minimizar o perigo da extinção, pois, em última instância,

manteria o habitat preservado, é possível que a biotecnologia, ao romper com

os processos de desenvolvimento natural, ou seja, ao desrespeitar o "tempo da

24

Laymert Garcia dos Santos, relacionando aspectos do desenvolvimento econômico e da sociobiodiversidade, pondera: "Há uma questão que nunca ou quase nunca entra no espectro dos cientistas brasileiros: é a presença em nosso espaço territorial de cerca de duzentos povos indígenas, em sua maior parte concentrados nas terras mais ricas em diversidade biológica, e representando cerca de 10% da Amazônia Legal. Pois tudo se passa como se eles simplesmente não existissem, não contribuíssem em nada para a singularidade da natureza e da cultura do país, e não significasse nada para o nosso futuro científico" (2007, p.49).

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natureza", acabe por acelerar mudanças genéticas, intervindo diretamente nos

genomas, o que, por fim, resultaria em perda da sociobiodiversidade.

O interesse dos agentes do capitalismo pela biodiversidade, em especial

por meio da biotecnologia, dá-se diante do fato de que, embora seja difícil,

senão impossível, avaliar a riqueza da biodiversidade brasileira em sua

totalidade, e até mesmo a riqueza de cada espécie, é possível pulverizá-la em

fragmentos microscópicos e apropriar-se dessas unidades mínimas, registrá-

las (patenteá-las) e conferir-lhes valor econômico que pode render elevadas

quantias no mercado global (SANTOS, 2011, p.25). Exemplo disso é mostrado

por Norman Myers (apud SANTOS, 2011), ao advertir que um em cada quatro

produtos vendidos nas farmácias - seja medicinal ou farmacêutico -, é fabricado

a partir de coletas materiais extraídas de plantas nativas das florestas tropicais.

Constam nessa lista antibióticos, antivirais, analgésicos, tranquilizantes,

diuréticos, entre outros. Em termos de vendas, esses produtos atingem

atualmente cerca de U$ 20 bilhões/ano. A organização não-governamental

World Resources Institute (WRI), dedicada à causa ambiental, nos dá uma

dimensão do que está por vir em um de seus relatórios, ao concluir que menos

de 1% das plantas tropicais tiveram seus usos potenciais investigados

(SANTOS, 2011). Nesse quadro, o potencial da biodiversidade é visto

sobretudo como matéria-prima fundamental para a feitura de produtos

(alimentos, medicamentos, fibras etc.) que só a biotecnologia poderá realizar.

Como já vimos que a biotecnologia "não morre de amores" pela biodiversidade,

fica o questionamento: como esperar que uma força produtora de uniformidade

(no caso, a biotecnologia) conserve a diversidade? Partindo do princípio de que

o objetivo maior da produção moderna é obter o máximo de produtividade, o

que resultaria da produção que envolvesse a riqueza de diversidade pluralista

de plantas e animais seria nada mais que uma teia de uniformidade e

monocultura. Isso explica, por exemplo, o fato de que muitas florestas, não só

na Amazônia, mas em outras regiões, cederam lugar à plantações de soja,

arroz ou eucalipto - em geral, a escolha prioriza o que é mais rentável no

momento.

"A tendência principal permanece, que é a do desflorestamento, da conversão da floresta em pastagens, em áreas degradadas; mais recentemente, as pastagens e áreas de sistemas agroflorestais têm sido substituídas pela

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monocultura de grãos, com a entrada sobretudo da soja" (CASTRO, 2005, p.6).

Com a biotecnologia se instaura a conversão de formas de vida em

matérias-primas valiosíssimas. A rentabilidade da biotecnologia vem da

exploração da biodiversidade através do sistema de patentes e do direito de

propriedade intelectual (SANTOS, 2011, p.30). Prova de que a vida pode ser

monopolizada é a questão do germoplasma25 silvestre, que rendeu US$ 66

bilhões para a economia norte-americana. O patenteamento de diferentes

formas de vida ganhou importância quando do debate acerca do futuro da

biodiversidade das florestas tropicais. Até 1980, o patenteamento de seres

vivos era impossível, até que Ananda Chakrabarty pleiteia junto à Suprema

Corte norte-americana os direitos sobre uma bactéria capaz de digerir petróleo

que ela mesma criara por meio da reengenharia genética. Diante da proibição

do patenteamento de seres vivos, o argumento de Ananda era que sua bactéria

não era produto da natureza e, sim, um produto manufaturado. A Suprema

Corte concedeu ganho de causa e, a partir desse "ponto conquistado", os

agentes do grande capital, em especial os laboratórios das grandes

companhias, passaram a se dedicar ainda mais às pesquisas. Em 1985, a

primeira planta foi patenteada. Em 1987, o primeiro animal. Em 1992, a Plant

Generic Systems registrou uma linhagem especial de vegetais comestíveis

resistentes a um herbicida específico26.

O patenteamento de algo considerado ―humano" resistiu até o caso

Moore. Episódio único na história da leucemia mundial, Moore, ao ser

hospitalizado no ano de 1976, despertou o interesse dos médicos acerca de

fragmentos do seu corpo, que poderiam render milhões27. Em um trabalho

conjunto, uma equipe médica dividiu entre si o sangue, esperma, medula, pele

e tecidos. Quando Moore descobriu que estava sendo "usado", moveu um

processo reivindicando o direito a suas células (SANTOS, 2011). A Suprema

25

Germoplasmas são unidades conservadoras de material genético e podem servir para o uso imediato ou como material potencial para uso futuro. São usados especialmente em pesquisas que tratam do "melhoramento genético" de plantas e animais. 26

A Hoeschst, gigante do setor químico, possui os direitos de uso e comercialização sobre a planta e o herbicida. 27

Segundo Laymert Garcia dos Santos, cerca de US$ 3 bilhões, em valores de 1990.

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Corte norte-americana lhe negou o ganho de causa. Após o caso, Marie-

Angèle Hermitte, especialista em patentes, sentenciou:

"Durante muito tempo o lixo hospitalar não teve valor algum. [...] Mas a situação mudou: órgãos, veias, placentas, tecidos podem ser diversamente reciclados pela indústria, e principalmente hormônios, anticorpos, fragmentos genéticos, linfócitos podem ser isolados, eventualmente multiplicados, fazendo do corpo e de seus restos uma verdadeira matéria-prima" (1988, p.20 apud SANTOS, 2011).

Assim, com a biotecnologia, nanotecnologia e manipulação genética,

uma nova fronteira de depredação ambiental parece figurar no horizonte.

"A engenharia genética, com suas técnicas de seleção, acabará por funcionar como uma máquina de hierarquização social. E, se for socializada, produzirá padronizações. De uma forma ou de outra, todos os cidadãos terão por genitores ou co-genitores a ciência; ou, num caso mais extremo, um Estado totalitário que tutele e determine o perfil biológico de seus cidadãos. Éramos frutos do acaso e das probabilidades, uma espécie de loteria biológica que nos protegia contra a arbitrariedade. A partir de agora, terceiros poderão nos determinar biologicamente. Nós próprios, os únicos direta e essencialmente interessados, só poderemos saber dos resultados quando eles estiverem irreversivelmente impressos em nosso ser pelos códigos genéticos que alguém resolveu escolher sem nossa aprovação" (DUPAS, 2006, p.207).

Nessa perspectiva, após este breve panorama situacional da relação

economia-meio ambiente, considerando tanto aspectos antepassados, quanto

atuais, encerramos este capítulo salientando que a questão da biotecnologia -

que, em muitos casos, poderia ser chamada de "biopirataria" - demanda sérios

debates (tanto quanto o aquecimento global, por exemplo), pois configura-se

como uma nova janela destruidora a congregar pontos econômicos, culturais,

sociais, ambientais e ético-filosóficos. Além disso, representa ela mesma uma

forma assombrosa de depredação ambiental com potencial danoso irreversível

e incalculável para o futuro da humanidade.

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2. DA LIMITAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO À NACIONALIZAÇÃO DAS

JAZIDAS BRASILEIRAS: AS ORIGENS DA VALE

Neste capítulo, centramo-nos em colocar situações e acontecimentos

que ilustrem as posições sociais e discursivas da Vale. O objetivo não é

mostrar que as práticas discursivas da Vale são verdadeiras ou falsas, com ou

sem sentido, mas, sim, apresentar algumas práticas socioambientais da

mineradora para melhor localizá-las no corpus de análise. Portanto, para

pavimentar este caminho, faz-se necessário um percurso pela história da

empresa para efeito de contextualização e melhor entendimento de nosso

objeto de pesquisa.

De acordo com Vale (2010), em 1902 o Governo Federal concedeu ao

engenheiro Pedro Nolasco a concessão para a construção de uma ferrovia que

interligasse as estações Alfredo Maia, em Minas Gerais, e Cariacica, no

Espírito Santo. Em 1904, o primeiro trecho desta ferrovia, chamada Estrada de

Ferro Vitória Minas (CEFVM), foi inaugurado. Até então, os principais produtos

transportados pela ferrovia eram madeira e café. Com a descoberta de minas

de ferro em Itabira (MG), criou-se, em 1909, com capital britânico, a Brazilian

Hematite Syndicate, empresa que tinha como função específica explorar essas

jazidas recém-descobertas. Em pouco tempo, diante do sucesso da operação,

a empresa acabou incorporando a própria CEFVM. Em 1911, a Brazilian

Hematite Syndicate transformou-se em Itabira Iron Ore Company, ficando o

controle nas mãos do empresário americano Percival Farquhar28. Durante os

20 anos seguintes, a Itabira Iron exerceu monopólio na exploração do ferro em

Minas Gerais. A exploração estrangeira, sob o comando de Farquhar, gerou

rejeição, pois muitos consideravam essa situação "tipicamente colonial e

contrária aos interesses nacionais" (PORTAL SÃO FRANCISCO, 2010). Por

conta disso, em 1935 o Governo Federal entrou em confronto com a Itabira

Iron. O conflito durou até 1937, quando uma carta outorgada pelo Estado Novo

estabeleceu que a exploração das jazidas minerais passaria a depender de

28

O empresário desperta diferentes sentimentos por parte de estudiosos. Uns o retratam como um grande visionário; outros, como um mero aproveitador financista. No seu legado, destacam-se a construção do porto de Belém (PA) e a construção da Ferrovia Madeira Mamoré, que completa 100 anos de fundação em 2012. Em 2011, o Governo do Estado de Rondônia concedeu in memorian a comenda Marechal Rondon ao empresário e a mais 876 americanos que comandaram a construção da ferrovia.

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concessão do Governo Federal e que esta só poderia ser concedida a

empresas cujos donos fossem brasileiros. Tal medida visava limitar a

participação do capital estrangeiro na exploração dos recursos minerais

nacionais. Assim, as atividades da Itabira Iron no Brasil chegaram ao fim, com

o governo se preparando para nacionalizar a exploração dos recursos minerais

existentes no país. Em 1° de junho 1942 o presidente Getulio Vargas publicou

o Decreto 4.352, originando a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Com o

propósito de explorar as jazidas na região de Itabira (MG), a empresa também

tinha como compromisso garantir o suprimento de ferro para a recém-

inaugurada Companhia Siderúrgica Nacional (CSN)29. Utilizando como base

acordos celebrados com os Estados Unidos referentes à exportação de

minérios estratégicos, o governo brasileiro celebrou compromisso com a

Inglaterra no qual pleiteava a nacionalização dos bens de Percival Farquhar.

Pelo acordo, os ingleses reconheciam a nacionalização dos ativos da Itabira

Iron e, em troca, o governo se comprometia a vender ferro à Inglaterra. Com a

alta demanda por conta da Segunda Guerra Mundial, a mineradora já

respondia por 80% das exportações de minério de ferro brasileiras.

Em 1953, já no segundo governo Getulio Vargas, a mineradora utilizou

pela primeira vez um navio brasileiro para exportar minério de ferro. A

embarcação, nomeada Siderúrgica Nove, representou o início de uma política

de participação na construção de navios de grande porte no Brasil. Em outras

palavras: uma política de apoio à indústria naval brasileira30. Ainda em 1953

aconteceu o primeiro transporte de minério de ferro para o Japão, que viria a se

tornar um importante mercado para a mineradora. Em 1962, a mineradora criou

uma subsidiária, a Vale do Rio Doce Navegação, também conhecida como

Docevane, para transportar os minérios extraídos. Apesar da crescente

29

Tal como a CSN, a CVRD era constituída como uma sociedade de economia mista. Uma sociedade mista é uma sociedade em que há a colaboração entre o Estado e particulares, ambos reunidos por objetivos econômicos. A composição acionária da Vale segue essa tônica: além das ações estarem na iniciativa privada, o Governo Federal detém participação por meio da Previ, do BNDESpar e dos fundos da Previ. 30

A ideia da Vale fomentar a indústria naval brasileira gerou crise entre 2008 e 2009, quando o então presidente Lula exigiu que Roger Agnelli, na época presidente da mineradora, encomendasse os navios que a empresa necessitava nos estaleiros brasileiros. Contudo, preterindo os navios fabricados no Brasil, a mineradora preferiu comprá-los da China, o que gerou uma série de crises e culminou na saída do Roger Agnelli dos quadros da mineradora.

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exploração mineral, foi no ano de 1967 que a companhia deu o salto

significativo, representativo até hoje:

"[...] Em 1967, durante estudos, o geólogo Breno Augusto dos Santos, da Companhia Meridional de Mineração, subsidiária da United States Steel, descobriu enormes jazidas de ferro em Carajás (PA), a maior província mineral do mundo" (VALE, 2010).

Com a descoberta, a mineradora negociou participação no projeto da

United States Steel e, em 1970, tornou-se sócia majoritária no que viria a ser

conhecido como Projeto, ou Complexo, Carajás. Com isso, deixou de ser uma

empresa ligada à exploração de jazidas de ferro apenas em Minas Gerais e

passou a explorar jazidas minerais também na Amazônia. Já em 1974, a Vale

despontava como a maior exportadora de minério de ferro do mundo, detendo,

à época, 16% do mercado transoceânico do minério.

2.1 O COMPLEXO CARAJÁS

Situado na Serra dos Carajás, no Pará, o Complexo Carajás é uma

província mineralógica que contém a maior reserva mundial de minério de

ferro, além de significativas reservas de manganês, cobre, ouro e outros

minérios raros.

"Além das suas riquezas minerais, a região do Projeto Carajás é rica em conflitos. Desses, o primeiro e mais conhecido é a luta pela posse da terra. Nomes como Marabá, Paragominas, Conceição do Araguaia, São Félix do Xingu, Tucuruí, deixam de ser conhecidos apenas regionalmente e atingem o noticiário nacional pela aspereza de seus conflitos fundiários" (PIQUET, 1998, p.129).

Segundo Rosélia Piquet (1998), as terras localizadas no limite norte, que

estavam originalmente destinadas a virar reserva florestal em cumprimento de

convênio acertado com o Banco Mundial, passaram, com a construção da

Estrada de Ferro Carajás (EFC), a ser ocupadas pelos primeiros grileiros. Ou

seja, desde o início parte da operação da Vale já causava problemas

socioambientais, uma vez que a região, além de ver parte significativa de sua

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cobertura florestal ser derrubada para a construção da ferrovia que transporta

os minérios extraído em Carajás, sofreu com a atuação ilegal de espertalhões,

súbitas massas de migrantes, ocupações irregulares e outros problemas típicos

das cidades mais distantes dos grandes centros brasileiros.

"A população de Parauapebas e Rio Verde, localidades surgidas ao lado e por causa de Carajás, não conta com saneamento básico, tendo sua água potável contaminada pelo mercúrio dos garimpos da região e possuindo 1.500 crianças (das 5.000 em idade escolar) não atendidas pela rede escolar local. Na 'operação documento', realizada pela CVRD e associada a atendimento médico, foram identificados elevados índices de sífilis, tuberculose, leishmaniose, malária, doença de Chagas, esquistossomose e tracoma" (PIQUET, 1998, p.147).

É nessa região de situação socioambiental lamentável que está

encravada a principal mina da Vale. No Brasil, as operações da empresa estão

concentradas em três sistemas31: o Sistema Sul, o Sistema Norte e o Sistema

Caemi.

"O Sistema Norte, constituído por mina, ferrovia e porto integrados, incluindo minas a céu aberto e um complexo de processamento de minério, iniciou suas operações de mineração em escala industrial em 1985. O Sistema Norte está situado na região de Carajás, nos estados do Pará e do Maranhão, no norte do Brasil (na bacia do rio Amazonas), em terras públicas para as quais a CVRD possui concessões para mineração. As reservas do Sistema Norte estão entre as maiores jazidas de minério de ferro do mundo" (PFEIFFER, 2004, p.80).

Pela grandiosidade e importância do projeto, portanto, fez-se necessária

a criação de uma estrutura de suporte: para fornecer energia, a Usina

Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará; para o serviço de transporte interno, a Estrada

de Ferro Carajás (EFC), que interliga o Pará ao Maranhão; e para a exportação

do minério extraído, o Terminal Portuário de Ponta da Madeira (TPPM),

localizado no Maranhão. A respeito dessas necessidades estruturais, Rosélia

Piquet pondera:

"[...] no caso de Carajás, os investimentos em infra-estrutura realizados pela CVRD e apresentados como benfeitorias para a região (asfaltamento de rodovias, sistema de telecomunicações

31

Devido ao recorte do corpus, interessa-nos essencialmente o Sistema Norte.

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e outros) visam, na verdade, à satisfação de suas próprias necessidades" (PIQUET, 1998, p.151).

Além de dispor dessa estrutura privada e de uma mina com reservas em

quantidades astronômicas, a Vale beneficia-se pelo fato do minério de ferro

oriundo em Carajás conter uma particularidade: alta concentração do teor de

ferro. Devido a esse elevado teor (em média, 62,4%) (PFEIFFER, 2004), o

minério não precisa passar por significativos processos de beneficiamento

qualitativo.

"O minério de ferro é abundante no mundo, porém as melhores jazidas concentram-se em poucos países. As maiores reservas estão localizadas na Ucrânia, Rússia e China, que, conjuntamente, detêm pouco mais da metade do total mundial. Apesar da Austrália e Brasil ocuparem apenas o 4° e o 5° lugares no ranking dos maiores produtores mundiais, respectivamente, o teor de ferro médio de seus minérios, o qual se situa entre 62% e 63%, está bem acima da média mundial, equivalente a 47,2%" (PFIFFER, 2004, p.86).

Sem a necessidade do melhoramento do minério, menores são os

custos, pois menos se gasta em energia. Por conta disso, inúmeros países, e

especialmente a China, importam o minério produzido pela Vale para viabilizar

as minas de baixo teor do país, melhorando os rendimentos siderúrgicos.

Segundo o Estadão (2011), a Vale produziu 311 milhões de toneladas de

minério de ferro no ano de 2010. Desse montante, entre 120 milhões e 130

milhões de toneladas tinham como destino a China. A meta, segundo Michel

Zhu, diretor global de vendas, é elevar a produção para 522 milhões de

toneladas até 2015. Conforme Veja (2011), só do minério de ferro oriundo de

Carajás a Vale exporta, por dia, 227 mil toneladas. O que corresponde a 33,5

milhões de dólares a cada 24 horas. "Das minas de Carajás saem 36% do

minério de ferro produzido pela Vale, anualmente" (MERLINO, 2011, p.12).

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2.2 A VALE NO BRASIL E NO MUNDO - O GIGANTISMO EMPRESARIAL

EM PERSPECTIVA

Com 70 anos de história, a Vale é hoje a maior empresa de mineração

diversificada das Américas, a maior empresa privada do Brasil32, "a segunda

maior mineradora do mundo33, líder mundial na produção de minério de ferro e

pelotas e a segunda maior de níquel" (VALE, 2010). Tem ainda destaque na

produção de manganês, cobre, bauxita, caulita, carvão, cobalto, platina,

alumina e alumínio. A companhia está presente em 14 estados brasileiros e

atua, por meio de escritórios, operações e joint ventures em 38 países dos

cinco continentes, empregando diretamente mais de 170 mil pessoas em todo

o mundo.

Fig. 1: A Vale no mundo.

Entre as décadas de 1960 e 1990, o governo brasileiro frequentemente

utilizou as empresas estatais com dois objetivos: primeiro, para "domar" a

inflação; depois, para beneficiar determinados setores da economia,

geralmente os que eram considerados "estratégicos para o país".

"Houve períodos em que o governo evitou reajustes de preços e tarifas de produtos (como o aço) e serviços fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pressões e controlar as taxas de inflação. Esses 'achatamentos' e 'congelamentos' de

32

Fonte: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias-melhores-e-maiores/noticias/as-50-maiores. Acesso em 10/02/2012. 33

A maior mineradora do mundo é a anglo-australiana BHP Billiton.

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preços foram os principais responsáveis por prejuízos ou baixos lucros apresentados por algumas estatais, que passavam a acumular dívidas ao longo dos anos - sofrendo então nova 'sangria' de recursos, representada pelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas" (BIONDI, 2003, p.13).

Com essa perspectiva surgiram os processos de privatização de

algumas estatais brasileiras, como a Telebrás e a então CVRD, hoje Vale,

como forma de "acelerar o desenvolvimento nacional", o que na teoria

neoliberal acarretaria em mais agilidade na geração de emprego e renda.

Empresa totalmente estatal até maio de 1997, a Vale entrou em processo de

privatização em meio a muitos protestos, sobretudo porque a empresa vivia no

azul, ou seja, era lucrativa (na verdade, estava longe de ser deficitária). E, mais

grave, no caso específico da mineradora, Biondi afirma:

"Por incrível que possa parecer, há estatais que foram vendidas com 'dinheiro em caixa', isto é, dinheiro que os compradores receberam de mão beijada. A Vale do Rio Doce foi entregue a Benjamin Steinbruch com 700 milhões de reais em caixa, segundo noticiário da época" (2003, p.16).

Além de ser vendida com dinheiro em caixa, outra questão que

despertou atenção foi a não contabilização do potencial de exploração. À

época, a respeito de todo o processo, Chomsky comentou:

―(...) o governo brasileiro decidiu, passando por cima de uma considerável oposição popular, privatizar a Companhia Vale do Rio Doce, que controla imensas fontes de urânio, ferro e outros minerais, além de instalações industriais e transportes em sofisticada tecnologia. A Vale é uma empresa altamente lucrativa, com receita de mais de 5 bilhões de dólares em 1996, e com excelentes perspectivas; é uma das seis empresas latino-americanas ranqueadas entre as 500 mais lucrativas do mundo. Um estudo feito por especialistas da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação da Escola de Engenharia da UFRJ estimou que o governo brasileiro sub-avaliou seriamente a companhia, observando também que ele se baseou na análise 'independente' da Merrill Lynch, que, por acaso, é associada ao grupo anglo-americano que pretende assumir o controle desse componente central da economia brasileira‖ (2002, p.38).

A sub-avaliação das explorações futuras também mereceu comentário

de Biondi:

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"Às vésperas do leilão, foi confirmada a descoberta de imensas jazidas, inclusive de ouro, ainda não devidamente estudadas ('medidas') pela empresa e que ficaram fora do preço fixado [para o leilão]. Solução do governo, para não adiar o leilão: emissão de títulos (debêntures), garantindo que, quando essas jazidas entrassem em exploração, o Tesouro participaria dos lucros resultantes da produção de minério. Solução aceitável? Não. O governo participará só dos lucros. Não participará do aumento do valor do patrimônio da Vale - e consequentemente valorização das ações da empresa resultante das novas jazidas" (2003, p.44-45).

Segundo o site34 da mineradora, antes da privatização a Vale era a 20ª

maior produtora de minério de ferro do mundo. Hoje seria - e é - a líder global.

Aloysio Biondi contesta:

"A Vale do Rio Doce, antes mesmo da sua privatização, já era a maior exportadora de minério de ferro do mundo. E uma de suas empresas subsidiárias, a Docegeo, pesquisou e fez um mapeamento dos minerais existentes no Brasil inteiro. Foi convidada a realizar pesquisas equivalentes em outros países. Graças à sua tecnologia, a Vale do Rio Doce descobriu, em plena selva amazônica, em Carajás, a maior província mineral do mundo, com jazidas não só de ferro, mas de grande variedade, inclusive ouro" (2003, p.35).

O gigantismo da empresa é demonstrado em qualquer área. O número

de empregados, por exemplo, saltou de 11 mil na época estatal para os "170

mil funcionários, estando 75% no Brasil" (VALE, 2009). Em 54 anos como

estatal, a mineradora investiu aproximadamente U$ 26,47 bilhões. Nos

primeiros 12 anos como privada35, U$ 73,5 bilhões. O lucro líquido, ao longo do

mesmo período em época estatal, foi de U$ 10,57 bi. Em 2011, a receita

operacional divulgada foi de R$ 85,3 bi, com lucro líquido de R$ 30,1 bi36. Entre

impostos, dividendos e royalties, a Vale privada pagou à União U$ 13 bilhões,

659% mais do que em 54 anos de estatal.

O aumento das receitas, dos lucros, dos dividendos e dos impostos

deve-se muito ao aumento da própria exploração mineral e à elevação do

preço da tonelagem do minério de ferro nos tempos atuais, sendo também,

34

www.vale.com 35

Dado consolidado até 2010. 36

Fonte: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/vale-tem-lucro-liquido-de-r-301-bilhoes-e-

marca-recorde_98605.html. Acesso em: 25/11/2012

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apesar da recente crise de 2008, motivados pelos investimentos estruturais nos

países denominados "em desenvolvimento". A alta nos preços dos minérios "de

até 200% entre 2005 e 2010" (O GLOBO, 2011) que explica parte do aumento

do lucro da mineradora motiva a chegada de outras empresas estrangeiras às

terras nacionais. Contudo, uma parte significativa do aumento do lucro é

também potencializada pela voracidade dos que querem mais dividendos. Mais

conhecido como "redução de custos", as demissões em massas aparecem

diante da menor sinalização de crise econômica. Só no fim de 2008, por

exemplo, a mineradora demitiu 1.300 pessoas. Em 2009, foram dispensados

mais 900 trabalhadores na unidade de níquel sediada no Canadá, a Vale

Inco37. Assim como a presença da mineradora, as demissões são globais.

"As multinacionais que antes jactavam-se de seu papel como 'máquinas de crescimento de emprego' - e usavam isso como alavanca para extrair todo tipo de apoio governamental - agora preferem se identificar como máquinas de 'desenvolvimento econômico'. As corporações estão na verdade 'desenvolvendo' a economia, mas elas estão fazendo isso, como vimos, através de demissões, fusões, consolidações e terceirização - em outras palavras, por meio de enfraquecimento e cortes de postos de trabalho" (KLEIN, 2002, p.289).

Contando com aumento da exploração mineral e um sem-número de

demissões para "azeitar" a máquina empresarial, sempre surgem maneiras de

maximizar os lucros - mesmo que isso tenha um custo incalculável na questão

ambiental, ou mesmo na questão social, com a sangria dos cofres públicos

afetando toda a sociedade. O capital sempre procura uma forma de se renovar

e crescer. Quando essa renovação não aparece por meio de ferramentas

técnico-científicas (inovação), aparece travestida em negociatas. Uma dessas

novas formas que serviram de "fermento" para os lucros é destacada por

Aloysio Biondi:

"Os lucros dos 'compradores' podem ser aumentados também com a liquidação de empréstimos contraídos pelas estatais, para execução de grandes projetos no passado. A própria Vale do Rio Doce hoje anuncia lucros acima de 1 bilhão de reais. Mas a façanha tem explicações. Em 1996, por exemplo, a Vale pagou nada menos de 550 milhões de dólares em amortização

37

Fonte: http://economia.uol.com.br/ultnot/2009/05/29/ult29u67840.jhtm. Acesso em: 15/01/2012.

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e juros sobre empréstimos tomados para o 'fantástico' Projeto Carajás, e mesmo assim lucrou 338 milhões de reais. Somadas, as duas cifras mostram um resultado na faixa dos 900 milhões de dólares. Em 1998, haveria apenas 72 milhões de juros e amortização, da mesma operação, a pagar. Mais lucro para o 'comprador" (2003, p.46).

A ajuda do Governo Federal, entregando a empresa com as contas

liquidadas, dinheiro no caixa e financiamento pelo BNDES, ou seja, entregando

a "preço de banana" e com o mínimo de empecilhos, nos mostra como o

processo de privatização da mineradora foi meticulosamente calculado para

que as riquezas minerais nacionais fossem tornadas privadas e os custos

socioambientais da operação fossem tornados públicos. Os números das

negociações nos confirmam que "as privatizações são a mostra de que o

capital se tornou guloso ao extremo, exigindo sempre mais, querendo tudo"

(SANTOS, 2001, p.66). A privatização da mineradora (e os outros casos, de

forma geral) foi vendida como uma solução onde ―todos sairiam ganhando‖38.

Deve ser tentador para o governante pensar assim (especialmente para os que

mantêm relações íntimas com o grande capital especulativo), uma vez que ele

é conhecedor dos limites de recursos do Estado. Limites aqui, entendemos não

por "pouco dinheiro para investir", mas como "muito dinheiro sendo mal gasto

e/ou desviado". A limitação orçamentária acaba por fazer o governante sair em

busca de capital privado que ajude a financiar o desenvolvimento do país.

Porém, como complementa Santos:

"A instalação desses capitais globalizados supõe que o território se adapte às suas necessidades de fluidez, investindo pesadamente para alterar a geografia das regiões escolhidas. De tal forma, o Estado acaba por ter menos recursos para tudo o que é social, sobretudo no caso das privatizações caricatas, como no modelo brasileiro, que financia as empresas estrangeiras candidatas à compra do capital social nacional. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto ao interesse das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante" (2001, p.66).

38

O caso da Telebrás é acessível, sobretudo porque beneficiou amplos estratos sociais: antes da privatização, cobrava-se US$ 1 mil por linha telefônica. O interessado pagava e esperava até dois anos pela instalação do telefone. Na época existia um mercado negro, um mercado paralelo: a instalação do telefone era mais rápida, mas a linha custava até US$ 10 mil. Em 1998, quando a Telebrás foi privatizada, o Brasil tinha 24,5 milhões de telefones. Hoje possui, aproximadamente, 224 milhões.

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Buscando mais agilidade e "crescimento", o Estado acaba por privatizar

bens coletivos (no caso da mineradora, os recursos minerais), entregando-os

nas mãos do grande capital particular. Assim, a privatização reafirma a face de

totalização disseminadora das regras de livre mercado: o livre movimento do

capital e das finanças passa a impor suas leis, seus receituários. "A política

agora é feita no mercado" (SANTOS, 2001, p.67). "O Estado-nação está em

crise (...) enfraquecido diante dos poderes globais e corrupto diante dos

poderes corporativos" (KLEIN, 2003, p.291). Conforme sentencia Bauman:

―os Estados não têm recursos suficientes nem liberdade de manobra para suportar a pressão – pela simples razão de que alguns minutos bastam para que tudo entre em colapso‖ (1999, p.73).

Deste modo, perdendo o monopólio da capacidade decisória, o Estado

passou a dividir o poder e a jogar com "empresas globais que não têm

preocupações éticas, nem finalísticas" (SANTOS, 2001, p.67).

"A invasão do público pelo privado alcançou categorias como assistência médica e educação, é claro, mas também ideias, genes, sementes, agora compradas, patenteadas e cercadas, bem como remédios tradicionais aborígines, plantas, água e até células-tronco humanas" (KLEIN, 2003, p.18).

A diluição do poder decisório entre empresas e Estado agiganta a

desobediência do capital transnacional. Atualmente, no caso da Vale, corre na

justiça brasileira a seguinte disputa: a Receita Federal brasileira aplicou contra

a Vale nos últimos anos uma série de autuações por entender que a empresa

não recolheu os impostos devidos sobre o lucro obtido por suas subsidiárias no

exterior. O valor soma R$ 26,7 bilhões (como vimos, o lucro da mineradora em

2010 alcançou R$ 30,1 bilhões). Não há, no orçamento da empresa, reserva do

dinheiro caso seja necessário efetuar o pagamento. Em entrevista, o presidente

da Vale assim resumiu a situação: "É preciso saber se o governo brasileiro

entende que nós devemos ter empresas brasileiras fortes fora do Brasil ou não"

(ÉPOCA, 2012).

No embate entre a necessidade pública e a vontade privada, a situação

se agrava quando tomamos conhecimento do desejo separatista nutrido em

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várias unidades federativas brasileiras. O Maranhão também sofre com esse

desejo de um possível "Maranhão do Sul", incentivado especialmente por

grandes empresários do agronegócio. No Pará, que recentemente passou por

plebiscito, a população votou pela não divisão do estado em três. Se tivesse

sido aprovado, o Brasil contaria com três novos estados - Tapajós, Carajás e

um novo Pará. Assim, Carajás nasceria à sombra das atividades da Vale,

ocuparia a porção sudeste do atual Pará e teria 39 municípios. Nesses, a

mineradora tem presença em 29. Oficialmente, a Vale não se manifestou a

respeito do plebiscito que poderia fatiar o Pará. Entretanto, não é difícil

imaginar que a empresa aumentaria o seu poder no novo estado, uma vez que

os principais negócios da mineradora estão concentrados em Carajás. A

mineradora - que já exerce altíssima influência sobre os políticos -

potencializaria ainda mais o seu cacife, pois o novo estado teria direito a oito

deputados e 3 senadores. Portanto, da mutilação do Estado brasileiro nasceria

uma nova força política - maximizada pela força econômica privada -, um

estado federativo do Brasil que não seria totalmente nacional, mas sim

internacional, comandado indiretamente por uma multinacional, que por sua

vez é controlada pelo capital especulativo e exploratório, sem compromisso

socioambiental duradouro. Praticamente um poder paralelo.

Com a voracidade que lhe é natural, o grande capital passa a deter mais

poder e fazer o que deseja. Ao Estado parece caber cada vez mais reiterar, ser

parceiro e só intervir quando necessário39. Diante desse quadro, não à toa

percebemos o surgimento de movimentos de oposição ao livre comércio,

sobretudo porque, ao invés de reduzirem o abismo socioeconômico entre as

classes, os grandes agentes do capital - especialmente as multinacionais como

a Vale - promovem é o alargamento desse fosso, deixando os ricos cada vez

mais ricos e os pobres cada vez mais miseráveis, perpetuando e opondo

riqueza e miséria numa espiral sem fim:

"A oposição ao livre comércio tem crescido e se tornado mais ruidosa precisamente porque a riqueza privada cresceu sem se traduzir em algo que possa ser claramente identificado com o bem público" (KLEIN, 2003, p.106).

39

A mão invisível, em muitos casos, é o Estado. Exemplo que corrobora com essa afirmação foi a recente crise imobiliária dos subprime, tendo o mercado ―solicitado‖ ajuda aos Estados.

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70

Nessa luta de interesses fomentada pela globalização, os embates entre

o público e o privado geram duas coisas em especial: muito lucro para os

estrangeiros e muita miséria para "os nacionais". Como forma de contrariar

esse pensamento, muitas dessas empresas se colocam como imprescindíveis

para o presente - e para o futuro - do país. A respeito disso, comenta Santos:

"Tais empresas são apresentadas como salvadoras dos lugares e são apontadas como credoras de reconhecimento pelos seus aportes de emprego e modernidade. Daí a crença de sua indispensabilidade, fator da presente guerra entre lugares e, em muitos casos, de sua atitude de chantagem frente ao poder público, ameaçando ir embora quando não atendidas em seus reclamos. Assim, o poder público passa a ser subordinado, compelido, arrastado" (2001, p.68).

Essa diminuição do poder do Estado-nação é uma das características da

economia pós-moderna e do atual estágio do capitalismo. Para Jameson

(1996, p.23), a preparação econômica do pós-modernismo – e do momento

atual, chamado por ele de capitalismo tardio -, começou nos anos 50, depois

que a falta de bens de consumo e de insumos infraestruturais do pós-Segunda

Guerra foi superada, com novas tecnologias e novos produtos sendo

introduzidos. Com o crescimento acelerado da economia e uma brutal

concentração e centralização de capitais, diversas empresas surgiram e se

agigantaram rapidamente, como as indústrias e os bancos. Este período

também ficou marcado pela prática do monopólio. A respeito disso, diz

Chomsky (2002): ―(...) os mercados quase nunca são competitivos. A maior

parte da economia é dominada por empresas gigantescas que possuem

formidável controle sobre seus mercados‖ (p.6).

Apesar de Farias (2002) ter afirmado que "o perfil do setor mineral

brasileiro é composto por 95% de pequenas e médias minerações" (p.3), hoje

em dia é facilmente perceptível a "tendência ao monopólio" praticado pelo

capital. No Maranhão, por exemplo, existem algumas pequenas mineradoras

como a Jaguar Mining e a Mineração Aurizona, ambas localizadas em

diminutos municípios interioranos. Entretanto, pouco se sabe de suas histórias,

atividades e investimentos. Quando o assunto é mineração, a referência é a

Vale. Esse quadro se apresenta desse modo específico porque várias

mineradoras acabaram sendo "engolidas" pela empresa. É verdade que o

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crescimento exponencial das operações da Vale deve-se a um leque variado

de fatores, porém, a história das incorporações e aquisições é um ponto que

merece destaque. Em 1997, ano da privatização, a mineradora produziu 114

milhões de toneladas de ferro. Em 2000, a produção subiu de forma acentuada,

principalmente por conta das incorporações realizadas. Em um mercado

polarizado por gigantescos players que dominam a exploração e exportação, a

Vale "seguiu o fluxo", acelerando-se em busca do monopólio. Em 2002,

incorporou a Ferteco. Em 2003, a Caemi. Em 2005, a produção de minério de

ferro atingiu "255 milhões de toneladas, sendo 58 milhões destinadas às

siderúrgicas nacionais e 197 milhões à exportação" (VALE, 2010). Em 2006,

mais um grande salto: além de adquirir 100% das ações da Caemi, a Vale

tornou-se detentora de 90% das ações da Minerações Brasileiras Reunidas

(MBR), então segunda maior produtora e exportadora de minério de ferro do

Brasil. Ainda em outubro do mesmo ano, comprou por US$ 18 bilhões 75,66%

das ações a canadense Inco, tornando-se a segunda maior mineradora do

mundo. Apresenta-se aqui uma faceta da globalização: a explosão das

fronteiras nacionais. A concorrência (e, mais precisamente, a absorção dela)

expressa-se como uma de suas regras. No sistema capitalista atual, em que o

dinheiro navega via dados e a qualquer hora do dia ou da noite, muitas

empresas encaram as fronteiras geográficas como empecilhos, barreiras a

serem transpostas. "Com a globalização, o uso das técnicas disponíveis

permite a instalação de um dinheiro fluido, relativamente invisível40, quase

abstrato" (SANTOS, 2001, p.100). As distâncias às vezes parecem já não

importar. Faz-se negócios a qualquer hora, em qualquer lugar. Desse modo,

computa-se mais um ponto onde o Estado-nação perde poder ante o grande

capital, ente flexível a qualquer intempérie. Neste mundo "onde o capital não

tem domicílio fixo" (BAUMAN, 1999, p.63), a globalização da economia torna-

se imperativa para todos e qualquer um, e aparece, reluzente, ilustrada pela

melhoria dos transportes, das telecomunicações, a Internet, a aceleração do

fluxo de capitais, informações e mercadorias, a tecnologia computacional

avançada, a biotecnologia etc. Enfim, pelo dito progresso.

40

Como demonstrado por Giovanni Arrighi em O Longo Século XXI, em 1984 o valor das transações puramente monetárias já era vinte vezes superior aos das transações comerciais.

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72

2.2.1 A VALE NO MARANHÃO - UMA HISTÓRIA DE PROBLEMAS

SOCIOAMBIENTAIS

No Maranhão, a Vale possui um escritório comercial e opera uma usina

de pelotização41 que recebe o minério de ferro de Carajás, no Pará. Esse

minério é transportado pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), cuja

administração é de responsabilidade da mineradora. Completando o ciclo

logístico, o minério é embarcado e exportado para diferentes países

principalmente via Terminal Portuário de Ponta da Madeira (TPPM). Mais ao

sul do Maranhão, a mineradora participa, desde março de 2011, da construção

da hidrelétrica de Estreito, no rio Tocantins, detendo 30% do controle da usina.

Vimos no capítulo anterior a necessidade da empresa se comprometer

com as externalidades de seus processos de produção caso almeje ser

socioambientalmente responsável. Apesar de detalhar em seu site sua

presença em diversos países, vemos que a Vale omite (não diz nem no site,

tampouco em sua publicidade) sua relação com cinco usinas siderúrgicas e

uma termelétrica na cidade de Açailândia, localizada a cerca de 600

quilômetros da capital maranhense. Essas siderúrgicas são responsáveis pela

transformação de parte do minério de ferro exportado pela mineradora. Em

notícia publicada pela Folha de São Paulo (2011), podemos entender o porquê

da omissão. Sob o título "Poluição de siderúrgica provoca reassentamento de

povoado no MA", a reportagem conta que cerca de 300 famílias que moram

nas cercanias desses empreendimentos conseguiram acordo para serem

reassentadas em outra área. Um estudo realizado pela ONG Justiça Global,

FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos) e rede Justiça nos Trilhos

demonstrou que os moradores de Piquiá e Califórnia, dois povoados da cidade

de Açailândia, sofrem com a poluição do ar e a fumaça constantes geradas por

siderúrgicas e carvoarias. O estudo aponta a Vale como uma das responsáveis

pela situação, pois a mineradora se beneficia diretamente do trabalho industrial

lá executado. Para a reunião proposta para acerto entre as partes, ou seja,

Ministério Público, Prefeitura de Açailândia, empresários, moradores e

41

Pelotização é um processo de compressão/moldagem em que o minério de ferro é transformado em pequenas esferas. O processo facilita o transporte e agrega valor ao minério. A pelota é usada tanto na fabricação de utensílios domésticos quanto em grandes obras de engenharia.

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Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão, a Vale não

enviou representantes, simplesmente ignorando os problemas respiratórios, de

visão e de peles provocados pela poluição no local. A cidade de Açailândia se

destaca como uma das que mais reduziu sua cobertura florestal. Eis um

panorama:

"Em duas áreas, o desmatamento foi avassalador, acompanhado de alta concentração da terra e de redução da importância da pequena produção familiar: Imperatriz e Açailândia, no Sudoeste do Maranhão. [...] as indústrias guseiras de Piquiá, distrito de Açailândia, construídas como parte do Programa Grande Carajás, continuam a usar o carvão vegetal produzido pela derrubada da mata, apesar dos custos de transporte. Da floresta do Pindaré, pouco existe, e a pré-Amazônia maranhense tornou-se uma região de pecuária e de expansão da soja" (CASTRO, p.2005, p.22-24).

O episódio ilumina um problema complexo com consequências

socioambientais desastrosas: a energia que alimenta as guseiras é obtida por

meio da derrubada da cobertura florestal, ou seja, via desmatamento; por fim, o

processo que transforma o minério de ferro em ferro-gusa gera ruídos e

resíduos que prejudicam a saúde dos moradores do entorno. O incidente

depõe contra o ideal de responsabilidade socioambiental em múltiplos sentidos,

pois, ao negar sua participação, a Vale não assume a poluição gerada e não se

compromete com a saúde dos moradores, muitos dos quais são trabalhadores

que beneficiam a produção da própria mineradora. Além disso, acentua a ideia

de que a mineradora vê a natureza como mera fornecedora de matéria-prima e

energia. Veremos no último capítulo deste trabalho que há peças publicitárias

da mineradora que são enfáticas em realçar que a Vale se preocupa com as

populações do entorno de seus empreendimentos. Porém, como vemos no

caso de Açailândia, essa preocupação é relativa.

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Fig. 2: poluição gerada pelas siderúrgicas e termelétrica.

2.2.2 A ESTRADA DE FERRO CARAJÁS (EFC): ENERGETICAMENTE

EFICIENTE, SOCIOAMBIENTALMENTE DESASTROSA

O transporte ferroviário é parte do negócio da mineradora, pois exerce

papel fundamental nas operações logísticas. O transporte por via férrea possui

elevada capacidade de carga e é energeticamente eficiente - especialmente no

que diz respeito ao transporte de cargas em grande quantidade e a grandes

distâncias. Durante o processo de privatização da então CVRD, a EFC também

"entrou na festa". A respeito do processo de privatização das ferrovias

nacionais, Biondi destaca:

"O governo previa, inicialmente, arrecadar 4 bilhões de reais. Vendeu todas as malhas - a prazo - por aproximadamente 1,4 bilhão de reais. Investimentos previstos pelos 'compradores' para a recuperação de 400 locomotivas: 240 milhões de reais. Em 20 anos. Ou 12 milhões de reais por ano. Tostões" (2003, p.44).

A Vale opera aproximadamente 10 mil quilômetros de malha ferroviária

no Brasil42. A EFC conta com 892km de extensão e transporta minério de ferro,

ferro-gusa, manganês, cobre, combustíveis e carvão.

"A Estrada de Ferro Carajás abriga o maior trem de carga do mundo, que faz 24 viagens diárias (12 em cada direção) e

42

Fonte: http://www.vale.com.br/pt-br/o-que-fazemos/logistica/ferrovias/estrada-de-ferro-carajas/paginas/default.aspx. Acesso em: 09/01/2012

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cujos 336 vagões transportam o equivalente a 30 milhões de dólares ao dia. A Vale reportou lucro líquido de R$ 10 bilhões no quarto trimestre de 2010. No acumulado do ano, a companhia auferiu ganhos de R$ 30 bilhões, 'o maior da história da indústria de mineração', conforme nota da empresa" (MERLINO, 2011, p.12).

Pela EFC transitam, além do trem de cargas que transporta os produtos

da mineradora, o Trem de Passageiros (TP). Construído em 1986 como uma

contrapartida social da empresa, o TP transporta, em média, 1.300 passageiros

por dia em um percurso que passa por 25 localidades, entre povoados e

municípios, nos estados do Maranhão e Pará. Atualmente, a EFC está em

obras. A duplicação de 605 dos 892 quilômetros faz parte de um pacote de

investimentos de cerca de 7,8 bilhões de dólares até 2014. Nessas obras

também está previsto a construção de um ramal de 100 quilômetros ligando

uma nova mina no Pará até um quarto píer no Terminal Marítimo de Ponta da

Madeira (TPPM), em São Luís. Esse projeto aumentará a capacidade de

produção de minério de 100 milhões de toneladas ao ano43 para 230 milhões

em 2015. Não seria exagero afirmar que esses investimentos representam a

materialização do aumento da exploração - e degradação - socioambiental,

especialmente quando se aufere que, por meio de pesquisa realizada pela

Global Industry Analyts (GIA) (MERLINO, 2011), até 2015 o consumo mundial

de minério de ferro deve atingir 1,7 bilhão de toneladas ao ano, um aumento de

70% em relação ao produzido em 2010. Obras infraestruturais dessa

magnitude resultam em inúmeras consequências para as comunidades e para

os ecossistemas, como veremos a seguir, especialmente nos casos da própria

duplicação da ferrovia e da ampliação do porto.

2.2.3 A DUPLICAÇÃO DA EFC: UMA MULTIPLICAÇÃO DE PROBLEMAS

Distante da China e com forte concorrência das anglo-australianas BHP-

Billiton e Rio Tinto - cujas minas ficam mais próximas do país asiático -, a Vale

parece apostar em obras que aumentarão a sua capacidade de transporte de

minério, em especial, a duplicação da EFC e a ampliação do TPPM. Só na

43

Dados de 2010.

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duplicação da ferrovia serão gastos US$ 4,7 bilhões. Qualquer obra, sobretudo

a de grande impacto, gera inúmeras modificações socioambientais. Há

alterações na questão social, como a súbita migração de famílias em busca de

oportunidades de emprego, a favelização, o aumento dos índices de

criminalidade, a formação de "bolsões de miséria" etc. Na questão ambiental

existe a necessidade de ações mitigadoras, que tratem de reduzir os impactos

na fauna e flora locais. Por conta dessas questões, uma série de cuidados,

licenças, alvarás etc., são exigidos para quem pleiteia construir.

"Com o intuito de evitar o debate e a análise sobre os impactos socioambientais do novo empreendimento e da duplicação da estrada de ferro, a Vale solicitou licenças fragmentadas ao Ibama, como se o projeto não fosse um só, e sim vários empreendimentos" (MERLINO, 2011, p.13).

Fragmentar os pedidos de licenciamento é uma forma de acelerar o

processo de autorização para construção. Quanto mais simples são os projetos

solicitados, mais rápida é a liberação para construção. Afinal, o capital tem

urgência em se multiplicar e os acionistas, pressa em receber seus

(crescentes) dividendos. Contudo, o ato de fracionar as autorizações constitui

crime, uma vez que os impactos calculados pelos órgãos ambientais não são

auferidos em sua totalidade. Ou seja, não são conhecidos e medidos como

deveriam ser. Guilherme Zagallo44 afirma:

"Há muito tempo a Vale faz o fracionamento do seu licenciamento. Ela não considera seus impactos como um todo, ela trabalha com pequenos empreendimentos locais, pede a licença para um pátio de cruzamento, um pátio de armazenamento de minério, quando na verdade os empreendimentos não existem isoladamente. Eles só existem para um fim maior, que é a exportação de minério de ferro. (...) há um erro de origem no licenciamento ambiental das operações da Vale no Pará e do Maranhão, que é esse fracionamento do licenciamento ambiental, que também viola a nossa Constituição. Infelizmente os órgãos ambientais têm anuído com essa prática" (MERLINO, 2011, p.13).

44

Advogado do movimento Justiça nos Trilhos e ex-presidente da OAB seccional Maranhão. Justiça nos Trilhos é um grupo que congrega movimentos, associações e cidadãos na luta por mais compensações pelos danos causados ao meio ambiente e às populações que vivem nas áreas atingidas pela Vale.

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Diante do fracionamento, o Ministério Público Federal do Maranhão

(MPF-MA) propôs ação civil pública solicitando que a mineradora e o Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)

reelaborem o estudo ambiental das obras de duplicação da EFC,

especialmente no município de Itapecuru-Mirim. De acordo com as

reclamações feitas pela comunidade local e encaminhadas ao MPF-MA pelo

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), as obras de EFC

estão sendo feitas sem qualquer ação compensatória ou mitigatória por parte

da empresa, tendo em vista que as comunidades remanescentes de quilombos

dos municípios de Itapecuru (MA) e Santa Rita (MA) estão sendo diretamente

atingidas pela expansão da estrada.

"Segundo relatos dos representantes das comunidades quilombolas, o funcionamento atual da ferrovia já causa problemas sociais como a ocupação da área utilizável para atividades e para a cultura de itens necessários para a subsistência, devido à expansão dos trilhos e das obras de ampliação, além dos danos ecológicos como a utilização e esgotamento das reservas de água potável" (DÉCIO SÁ, 2011).

Os impactos socioambientais não são devidamente considerados. Por

conseguinte, as consequências são imprevisíveis. As obras de duplicação da

EFC atingirão áreas de interesse de povos indígenas, quilombolas, de

conservação ambiental, de patrimônio histórico e arqueológico e

assentamentos de reforma agrária, ou seja, uma miscelânea de interesses

coletivos e individuais, socioculturais e econômicos, públicos e privados,

históricos e atuais. O projeto da duplicação prevê ainda a construção de 46

novas pontes, cinco viadutos ferroviários e 18 viadutos rodoviários. Para tanto,

calcula "a remoção, ao longo da via férrea, de 1.168 'pontos de interferência':

cercas, casas, quintais, plantações e povoados inteiros" (MERLINO, 2011,

p.11). Usando "pontos de interferência" como eufemismo para quem atravanca

o "caminho do crescimento", o projeto da Vale segue "à toque de caixa".

Entretanto, os velhos problemas não resolvidos desde a construção da EFC,

em 1985, insistem em resistir e aparecer: efeitos sobre saúde dos moradores,

ruídos, interrupção do tráfego de pessoas e veículos em cruzamentos sem

passarelas ou passagens de nível, poluição, barulho de buzinas fora de hora,

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rachaduras nas paredes das casas por conta da trepidação do trem etc. Há,

ainda e infelizmente, outros dramas:

"Hoje, em média, uma pessoa morre atropelada por mês pelos trens de minério da EFC. Entre os casos, há o de um senhor de idade avançada e audição prejudicada que não viu e não ouviu o trem se aproximar e foi atropelado. Outro morador perdeu nove cabeças de gado de uma vez" (MERLINO, 2011, p.13).

O advogado Guilherme Zagallo calcula:

"Em 2007, ocorreram 23 mortes; em 2008, houve nove mortes e 2.860 acidentes. São mortes silenciosas. A única responsabilidade da empresa com isso é a compra de caixões. E, depois, falam que isso faz parte das dores do crescimento‖ (MERLINO, 2010).

Para os moradores das regiões atingidas, a situação é clara: para a

empresa e seus acionistas transnacionais, o bônus; para as comunidades; o

ônus. Assim resume Guilherme Zagallo: "[as comunidades são] sócias desse

lucro, mas sócias que contribuem com os ônus, não com o bônus. É um

prejuízo que é público, e um lucro que é privado" (MERLINO, 2011, p.15).

2.2.4 OMISSÃO NO AMBIENTAL, OMISSÃO NO SOCIAL: DO RELEASE AO

NÃO-PUBLICÁVEL

Esses "acidentes de percurso" na história da Vale são pouco (ou quase

nunca) divulgados na imprensa. O silêncio acerca desses fatos é sustentado

pela estreita relação mantida com os meios de comunicação. Em muitos casos,

um único anunciante - a própria Vale - mantém todo um jornal em circulação.

Os anúncios da mineradora sustentam periódicos. Mesmo os jornais de maior

circulação no Maranhão dependem, quando não dos anúncios, dos releases da

mineradora. É comum ver em O Estado do Maranhão, jornal de grande

circulação45 e de propriedade da família Sarney, ao menos duas notícias

semanais sobre a atuação e os investimentos da empresa no Maranhão. A

notícia, positiva e em geral bem localizada, muitas vezes parece mera

45

No site do IVC fez-se impossível o acesso aos dados de aferição. Em conversas informais, obteve-se como quantitativo de circulação o número de 10 mil exemplares/dia.

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reprodução do release criado pela mineradora. As notícias consideradas

"negativas" a respeito da companhia, por sua vez, só aparecem quando há

acidentes graves em suas dependências ou quando um determinado jornal não

recebe sua "cota de anúncios".

No dia 08/06/2011, o jornalista Décio Sá (2011b) noticiou que teria

acontecido um descarrilamento de um dos trens da Vale em Imperatriz, a

segunda maior cidade do Maranhão. Na edição de 09/07/2011 dos principais

jornais maranhenses, podia-se ler o seguinte anúncio:

Fig. 3: reprodução do anúncio publicado pela mineradora.

O anúncio, divulgado em forma de nota/comunicado, menciona "motivos

operacionais" para a não circulação do Trem de Passageiros. Não há uma

explicação mais alongada ou mesmo qualquer referência ao descarrilamento

noticiado pelo jornalista. Porém, o que ocorreu, de fato, foi um acidente com o

trem da mineradora que viajava em São Pedro da Água Branca (MA), próximo

a Imperatriz. Segundo notícia posterior publicada no próprio blog do jornalista,

sete vagões carregados de biodesel descarrilaram derramando parte da carga

transportada. Alguns técnicos da mineradora tentaram consertar rapidamente a

ferrovia, afinal, a produção não parou e a carga precisava circular. O Ibama,

órgão que deve zelar pelos interesses da coletividade, enviou técnicos ao local,

porém não forneceu mais informações. A mineradora proibiu a aproximação ao

local do acidente, entretanto, moradores conseguiram registrar imagens.

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Fig. 4 e 5: imagens do acidente com o trem descarrilado.

A complacência de alguns órgãos públicos com a mineradora é forte.

Apesar de todo o esforço em reforçar a imagem de companhia "verde", a Vale

é a mineradora campeã em multas do próprio Ibama.

"Desde a privatização, levou 56 autos de infração, no valor de 37 milhões de reais. A mineradora não reconhece a maioria deles. Defende-se com recursos ao órgão e a outras instâncias do Ministério do Meio Ambiente. No ano passado, as multas chegaram a 2,9 milhões de reais. Apenas R$ 217 mil foram pagos" (MAKLOUF CARVALHO, 2007, p.38).

Ainda segundo Luiz Maklouf Carvalho, só em 2006 o Ibama multou a

mineradora catorze vezes por consumo de carvão proveniente de floresta

nativa, por provocar incêndios em áreas de preservação ambiental e por

destruir florestas permanentes. Portanto, há vários problemas a serem

levantados: há acidentes que não são divulgados; há desastres ambientais que

são publicados, mas "diminuídos"; e há os danos, divididos entre reconhecidos

e não-reconhecidos. O ato de questionar e recusar o pagamento das multas é

uma autodefesa: ao recusar-se a pagar, a Vale não reconhece os danos

ambientais que causa. O mais grave é que existem acidentes e crimes

ambientais não só nas ferrovias, mas também no mar. Há o caso do rebocador

que tombou no rio Mearim derramando grande quantidade de óleo. O episódio

seguiu o protocolo-padrão criado pela mineradora: isolamento da área,

proibição da aproximação dos moradores e silêncio por parte da imprensa.

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Fig. 6: rebocador tombado no rio Mearim

Os acidentes ambientais são apenas uma das faces a depor contra a

"imagem de empresa socioambientalmente responsável" apregoada pela

mineradora. No Maranhão, há o embarque clandestino de menores de idade no

Trem de Passageiros, o que é vedado por lei. Um desses casos aconteceu em

Santa Luzia, interior do estado. O promotor Joaquim Ribeiro de Souza Junior

ajuizou ação civil pública no sentido de obrigar a mineradora a cumprir o artigo

83 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que nenhuma

criança pode viajar para fora da comarca onde reside desacompanhada dos

pais ou responsáveis sem expressa autorização judicial. A mineradora, além de

conseguir que o caso não saísse na mídia, recorreu ao Tribunal de Justiça do

Maranhão (TJ-MA). Porém, perdeu o caso. Na decisão, o tribunal recomendou

mais rigor no procedimento de embarque e a instalação de sensores e câmeras

de segurança nos vagões como forma de inibir o embarque clandestino. O

promotor Joaquim Ribeiro de Souza Junior deu a dimensão do descaso e da

irresponsabilidade social:

―Isso é um absurdo. Até empresas de ônibus cumprem essa regra. Não entendo porque a Vale tem tanta resistência em obedecer a lei" (DÉCIO SÁ, 2011c).

O descompromisso social é exemplar. Qualquer notícia que venha a

denegrir o principal ativo - a marca da mineradora -, é escondida, não

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publicada, tornada irrelevante. Ou seja, qualquer notícia que vá contra o ideal

propalado pela publicidade institucional, é sumariamente esvaziada.

2.2.5 TERMINAL PORTUÁRIO PONTA DA MADEIRA (TPPM): DAS

TONELADAS EMBARCADAS AOS DESRESPEITOS SOCIOAMBIENTAIS

O Terminal Portuário Ponta da Madeira (TPPM) localiza-se em posição

estratégica pois, a partir de São Luís, os navios ligam-se rapidamente aos

mercados norte-americano, europeu e asiático. Conectado diretamente à EFC,

o TPPM escoa os minérios de forma rápida, em especial as toneladas de

minério de ferro oriundas de Carajás, no Pará. O TPPM, inaugurado em 1986,

é um porto privado cuja administração pertence à Vale.

"[O TPPM] é o segundo maior porto em movimentação e foi considerado

o melhor porto em eficiência operacional do Brasil, em 2009, pela Universidade

Federal do Rio de Janeiro" (VALE, 2010b). As instalações do terminal

acomodam simultaneamente até quatro navios. Atualmente, conta com três

píeres para atracação de navios. Ambos estão em pleno funcionamento e um

quarto está em construção. De acordo com Imirante (2011), o Píer IV já tem

900 metros da ponte de acesso construída. A construção é considerada a

maior obra de infraestrutura portuária46 da América Latina. Com o novo píer, a

mineradora será capaz de exportar até 100 milhões de toneladas de minério

por ano. Além disso, TPPM terá a maior capacidade de embarque de cargas do

Brasil, podendo receber até 53 navios por mês. Portanto, será o único porto do

país capaz de operar a plena carga os maiores graneleiros do mundo,

chamados de Valemax ou Chinamax, com até 400 mil toneladas de porte bruto

(TPB). O término das obras, orçadas em R$ 400 milhões, está previsto para

2015. O TPPM é o único capaz de abastecer completamente os porões do

Berge Stahl, um dos maiores graneleiros do mundo. Dois meses após esta

notícia ter sido publicada no Imirante, a Folha de São Paulo divulgou que "a

46

O Píer IV faz parte de um conjunto de obras iniciadas em 2010 com o objetivo de aumentar a capacidade logística do Sistema Norte, composto, como vimos, pela mina em Carajás, EFC e pelo TPPM.

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ampliação do porto consumirá mais US$ 2,6 bilhões até 2014"47. Um número

um tanto quanto diferente do publicado pela imprensa maranhense.

O montante de investimentos, junto à preparação do porto para o

recebimento dos maiores navios já construídos, gera um vislumbre dos

problemas socioambientais que o Maranhão terá de enfrentar - e eles poderão

ser incalculáveis. Amostra de surpresas que poderão ocorrer foi o acidente com

o Vale Beijing, o maior navio utilizado pela empresa.

"Um navio sul-coreano, da empresa STX Pan Ocean, alugado pela Vale, apresentou ontem, em São Luís, uma rachadura no casco, o que estaria causando a entrada de água no lastro do Vale Beijing, uma das maiores embarcações do mundo. Assim, há risco do navio naufragar, levando todo o minério de ferro que carrega para o mar. Como a embarcação está atracada no píer 1 do Porto Ponta da Madeira — que a empresa mantém no Maranhão —, o terminal está parado, prejudicando o escoamento da produção da Vale" (O GLOBO, 2011b).

O acidente exteriorizou as dificuldades de todos os envolvidos - a Vale, a

Capitania dos Portos, o governo maranhense e outros órgãos públicos - em

solucionar os problemas. O episódio acende ainda discussões sobre a

estratégia de negócios da mineradora pois, ao querer utilizar navios de

altíssimo porte e grande capacidade de tonelagem para tornar o transporte

mais competitivo, a empresa acaba por ignorar os riscos de possíveis

acidentes que, diante de cargas tão elevadas, poderão gerar danos

gigantescos ao meio ambiente. Suspeitas apontaram que o Vale Beijing pode

ter sido feito com aço de baixa qualidade, fruto de busca excessiva por redução

de custos48. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Naturais

(SEMA) limitou-se a acompanhar as visitas feitas à parte interna do navio. Em

outro momento, o governo estadual resolveu se pronunciar: em um primeiro

instante, solicitou que o navio fosse levado para um outro local, rebocado e

esvaziado. Posteriormente, não satisfeito com a distância, solicitou que o navio

fosse levado para lugar ainda mais distante da costa da Baía de São Marcos49.

47

Fonte: http://www.blogdodecio.com.br/2011/04/10/a-historia-que-a-vale-nao-contou. Acesso em: 10/04/2011. 48

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,baixo-custo-para-construir-navio-tem-limite-

diz-sinaval,819005,0.htm. Acesso em: 06/01/2012. 49

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1018155-governo-do-ma-quer-navio-da-vale-ainda-mais-distante-da-costa.shtml. Acesso em: 07/01/2012.

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Ao que aparenta, a solução foi levar o navio e um eventual dano ambiental

para longe, tão longe quanto possível: até onde os olhos não consigam policiar.

Contudo, mesmo com a repercussão do acidente, com vazamentos de minérios

e até acidente com uma lancha50, nenhum órgão governamental ou midiático

questionou os impactos na circunvizinhança do porto. Nenhum deles

mencionou o sacrifício da sociedade local, que, além de correr riscos de

profundos danos ambientais, recebe contrapartidas muito pequenas da Vale. O

novo píer na Ponta da Madeira fica próximo ao Boqueirão, região povoada por

comunidades de pescadores artesanais. As obras de ampliação do porto

geraram impactos negativos antes mesmo de seu início, com os pescadores

encontrando muitas dificuldades para garantirem suas indenizações51. Depois

de muitas reclamações e para evitar maior participação da sociedade nas

audiências públicas que investigaram a mineradora52, a Vale marcou, para o

mesmo horário, sucessivas reuniões com os pescadores, enfraquecendo de

vez o coro dos descontentes atingidos pela companhia. Afinal, menos gente

para reclamar significa menos desordem para controlar. Contudo, a questão

dos pescadores ascende como um dos maiores problemas sociais da Vale em

São Luís.

"Para a construção do Píer IV, exclusivo da mineradora, a praia foi privatizada. Os trabalhadores estão praticamente proibidos de pescar. A Vale mantém segurança armada em todo local, incluindo uma lancha-patrulha no mar justamente na área onde há mais peixe" (DÉCIO SÁ, 2011d).

Tendo como meio de vida a pesca artesanal, os moradores,

impossibilitados de pescar, ficam na exclusiva dependência da indenização

oferecida pela mineradora para sobreviverem. Jonas Albuquerque, presidente

da colônia de pescadores, evidencia a discrepância entre o dizer de

50

Fonte: http://www.blogdodecio.com.br/2012/01/21/capitania-confirma-acidente-proximo-ao-

vale-beijing. Acesso em: 21/01/2012. 51

De 54 famílias, 10 recebem R$ 1.500, oito recebem R$ 1000 e o restante, menos de um salário-mínimo. Os critérios usados para essa divisão não foram divulgados pela Vale. Estima-se que 150 pessoas serão prejudicadas (DÉCIO SÁ, 2011d) 52

No ano de 2011, a mineradora foi alvo de denúncias por parte de empresários que acusaram-na de "quebrá-las". A repercussão da "quebradeira no MA e PA" motivou denúncias de empresários de diferentes lugares (Minas Gerais, Espírito Santo). A notícia ganhou repercussão mundial e a Assembleia Maranhense resolveu abrir investigações.

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responsabilidade socioambiental da publicidade institucional e o fazer cotidiano

da mineradora:

"Existem dois processos abertos pelos pescadores da Praia do Boqueirão contra a Vale, na 3ª Vara Cível desde dezembro de 2009 e até agora não obtiveram nenhum resultado. Essa empresa está dando o calote nas terceirizadas assim como fez com esses pescadores, quando começou a construção do Píer IV e afastou toda a possibilidade dos mesmos sobreviverem da pesca naquela praia" (DÉCIO SÁ, 2011e).

2.2.6 DEVASTAÇÃO E LEGITIMAÇÃO: O PARQUE BOTÂNICO E OS

INVESTIMENTOS AMBIENTAIS DA VALE

O Parque Botânico Vale São Luís localiza-se na região do Itaqui-

Bacanga, periferia da cidade, e ocupa aproximadamente 100 hectares de área

total. O terreno é um dos últimos fragmentos florestais remanescentes na

cidade. Na área, destacam-se espécies de flora como o pau-marfim, pequi,

angelim, sumaúma, buritizeiros e juçareiras. O local também atrai animais

como macaco-prego, macaco-capijuba, gato-maracajá, preguiça, cutia,

tatupeba, paca e tamanduá-mirim, entre outros.

"Fundado em 05 de junho de 2008, Dia Mundial do Meio Ambiente, o parque contou com investimento de R$ 18 milhões e tem estrutura para atender até 10 mil pessoas O parque oferece opções voltadas ao lazer, pesquisa, cultura e educação ambiental" (VALE, 2010c).

Vimos no capítulo anterior como a pobreza e o meio ambiente estão

umbilicalmente ligados ao "projeto de desenvolvimento" vigente. Apesar de

retirar aproximadamente 600 mil pessoas da condição de pobreza extrema na

última década, o Maranhão ainda é a unidade federativa que possui maior

parcela da população vivendo com até R$ 70 mensais. Isso corresponde a 1,7

milhão de maranhenses, quase 25% dos 6,5 milhões de habitantes53.

"A pobreza é evidenciada pela infraestrutura deficiente. O esgotamento sanitário, por exemplo, cobre só 12% dos domicílios e a coleta de lixo alcança só 25% deles. O

53

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/ult76u940853.shtml. Acesso em: 27/07/2011

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desenvolvimento econômico do Maranhão se sustentou em atividades concentradoras de riqueza, por isso os baixos níveis de renda. As suas bases são o agronegócio (baseado na soja), a pecuária bovina e a indústria de ferro" (FOLHA DE SP, 2011b).

Esses dados calamitosos contrastam com as insistentes propagandas

que mostram o desenvolvimento econômico e social do estado. Sob a ótica da

questão ambiental, a incessante corrida em busca do progresso, crescimento

ilimitado e aumento dos lucros é a principal responsável pela extinção de

espécies animais e da cobertura florestal natural. A busca pela riqueza e

acumulação leva ao aumento da exploração do recursos naturais, com graves

consequências sobre as áreas de equilibram a biosfera.

"Mudança climática e extinção de espécies fazem parte da história do planeta Terra. Mas, pela primeira vez, essas alterações têm sido aceleradas tão direta e drasticamente pela ação humana" (DUPAS, 2006, p.225).

O modo de vida atual, denominado por Bauman (2007) de "vida líquida",

talvez seja uma das chaves que explicam parte da situação atual. A

necessidade de estar sempre em movimento, largar tudo, ser flexível e só ter

na vida como constante a inconstância tem inúmeras consequências sociais,

econômicas e ambientais. Nessa esteira, o aumento do consumismo

representa o ataque sistemático ao meio ambiente e decorre da lógica de

produção e acumulação capitalista, vetores que carregam em si o conceito de

progresso.

"A vida líquida é uma vida de consumo. Projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objetos de consumo, ou seja, objetos que perdem a utilidade (e portanto o viço, a atração, o poder de sedução e o valor) enquanto são usados. Molda o julgamento e a avaliação de todos os fragmentos animados e inanimados do mundo segundo o padrão dos objetos de consumo" (BAUMAN, 2007, p.16).

Para prosperar sob essas condições, tem-se que

"Cuidar de relações de curto prazo, e de si mesmo, e ao mesmo tempo estar sempre migrando de uma tarefa para

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outra, de um emprego para outro, de um lugar para outro. Quando as instituições já não proporcionam um contexto de longo prazo, o indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida, e mesmo a se virar sem um sentimento constante de si mesmo. Desenvolver novas capacitações, como descobrir capacidades potenciais, à medida que vão mudando as exigências da realidade. [é necessário] Abrir mão [de tudo], permitir que o passado fique para trás" (SENNETT, 2006, p.54-55).

Soma-se a isso, claro, comprar. Comprar de tudo, em grandes

quantidades e a toda hora, de preferência. Nessa corrida por eterna renovação

de tudo, inclusive de si mesmo, mais consumo é potencializado. Mais consumo

significa mais necessidade de matéria-prima para a feitura de produtos. Os

minérios extraídos e exportados pela Vale estão presentes em diversos

produtos do nosso dia a dia: computadores, celulares, geladeiras, televisores,

latinhas de refrigerante etc. Assim, o aumento do consumo global representa a

necessidade de extração de mais minérios. Para o governo, representa mais

divisas e um reforço na balança comercial. Entretanto, para as populações e

comunidades atingidas pelos interesses da mineradora, não se vai além de

mais exploração socioambiental que resulta em miséria, destruição e

desamparo. Especialmente porque é preciso considerar que o estilo de vida

difundido pelas grandes corporações e suas gigantescas campanhas de

marketing, além de inalcançável e insustentável, é predatório à saúde humana

e ao ambiente natural.

No contexto de alta exploração e degradação, as ações socioambientais

da mineradora, especialmente a partir de sua publicidade, representam

sobretudo uma tentativa de "humanizar" o grande capital. Assim, os projetos

socioambientais, econômicos e culturais surgem como esforços de legitimação

para tornar válidas e justificáveis as ações e a presença da mineradora.

Contudo, mesmo com tais projetos, os danos da mineradora merecem

destaque. Nesse sentido, Guilherme Zagallo ressalta:

"Entre os impactos ambientais provocados pela Vale, destaco que a transnacional emitiu, em 2008, 16,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, causando prejuízos à saúde da população. Em suas operações, a Vale consumiu 335 milhões de metros cúbicos de água em 2008, sendo responsável pelo derramamento, no ambiente, de 1.562

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metros cúbicos de salmoura, álcool, hidrocarbonetos e outros poluentes" (MERLINO, 2010).

Os projetos que "compensem" a degradação socioambiental parecem se

alimentar de investimentos cada vez mais altos. Tratar dos efeitos e não das

causas parece ser a tônica. Em 1997, último ano como estatal, a mineradora

produziu 113 milhões de toneladas de minério de ferro. Dez anos depois, o

número subiu para 346 milhões. O quantitativo (de funcionários, toneladas

extraídas, minérios exportados) é crescente em todas as áreas da companhia.

O montante alocado aos projetos socioambientais segue o mesmo ritmo. Ou

seja, evidencia-se a relação "mais exploração mineral = mais lucro; mais lucro

= aumento do investimento em projetos socioambientais" como compensação.

Cabe dizer que investimento socioambiental é diferente de comunicação com

temática socioambiental. Entretanto, na publicidade da mineradora, tudo

parece amalgamar-se.

No quantitativo destinado aos investimentos totais, a Vale anunciou,

para 2011, US$ 20 bilhões em todos os lugares aonde atua54, um recorde. Os

investimentos socioambientais seguem em escalada ano a ano. Em 2009,

giraram na ordem de US$ 781 milhões, sendo US$ 580 milhões na proteção e

conversação do meio ambiente e US$ 201 milhões em projetos sociais. Em

2010, US$ 999 mi, repartidos U$ 829 mi para a proteção e conservação

ambiental e US$ 170 mi para projetos sociais. Em 2011, anúncios projetaram

investimento de US$ 1,114 bi, distribuídos US$ 886 mi para proteção e

conservação ambiental e US$ 308 mi em projetos sociais. Ou seja, na ponta do

lápis, no ano em que a mineradora investiu US$ 20 bilhões em projetos de

expansão, exploração e atuação, alocou-se menos de um décimo aos projetos

socioambientais. Sob esse quadro, o bem-estar das comunidades e a

preservação da natureza resultam menos importantes.

De acordo com Vale (2009), os investimentos globais na questão

ambiental somaram R$ 15 milhões no Brasil. Destes, R$ 1,98 milhão tiveram

como destino o Maranhão. Já segundo O Estado do Maranhão55, apenas no

54

Fonte: http://imirante.globo.com/oestadoma/paginas/destaques.asp?codigo1=184249. Acesso em: 16/01/2011. 55

Fonte: http://imirante.globo.com/oestadoma/paginas/destaques.asp?codigo1=185495.

Acesso em: 17/04/2011.

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terceiro semestre de 2010 a mineradora investiu56 US$ 839,6 milhões. Desse

total, US$ 8,9 milhões foram investidos em projetos socioambientais. Apesar de

tomarmos diferentes anos como referência, percebemos uma discrepância, um

aumento desmesurado de um ano para outro, o que nos sugere que a

ampliação do investimento veio à reboque do aumento da exploração e da

degradação. Os dados divulgados em documentos oficiais da Vale e em

notícias na grande imprensa nunca coincidem e, em alguns momentos,

alternam-se em dólares e reais, como se não houvesse variação cambial, e,

como ela existe, fica o questionamento: o que acontece se há uma súbita

subida do dólar, por exemplo? O montante previsto diminui ou continua

conforme divulgado? A intenção - a estratégia, na verdade -, parece ser

confundir e nunca revelar exatamente o quanto é investido. "A desorientação é

companheira da contemporaneidade" (DUPAS, 2006, p.266). No entanto, é

possível obter um dado, em tese mais confiável, para análise. No Relatório de

Sustentabilidade, divulgado todo ano ao mercado e disponível no site da

mineradora, o diretor-presidente dispõe de uma seção, intitulada "Mensagem

do Presidente". Nele, Murilo Ferreira diz:

"Em 2010, a Vale registrou recordes históricos. Obtivemos receita operacional de US$ 46,5 bilhões, lucro operacional de US$ 21,7 bilhões e investimentos de US$ 12,7 bilhões. Especificamente para responsabilidade social e corporativa, investimos mais de US$ 1 bilhão" (VALE, 2010c, p.5).

O investimento em responsabilidade socioambiental e corporativa é

destacado a todo momento ao longo do documento. Como dito anteriormente,

o lucro e os investimentos seguem crescendo juntos. O lucro líquido no ano de

2011 foi ainda maior:

"A mineradora alcançou um lucro líquido recorde de US$ 22,885 bilhões em 2011, aumento de 32,56% em relação ao ano anterior. O Ebitda57 ajustado, no ano, foi de US$ 33,759 bilhões, crescimento de 29,26%. A receita operacional ficou em US$ 60,389 bilhões no ano passado, alta de 29,9% ante 2010" (ESTADÃO, 2012).

56

Este quantitativo, segundo o Relatório de Sustentabilidade, engloba investimento e custeio, pagamento de salário, manutenção de estrutura de escritório etc. 57

Sigla em inglês para earnings before interest, taxes, depreciation and amortization, ou, "Lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização".

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No mesmo documento que reporta o aporte de US$ 1 bilhão em projetos

de responsabilidade social e corporativa, destaca-se

"US$ 398,5 milhões [investidos] em ações de infraestrutura, educação, cultura, saúde, geração de renda e estímulo ao fortalecimento do capital social, por meio de programas da Fundação Vale, de parcerias com o poder público, patrocínios e doações no Brasil e no exterior" (VALE, 2010c, p.8).

Ou seja, desse montante resta pouco mais de US$ 600 milhões para

projetos que tratam exclusivamente da proteção ambiental. Há, na página

destinada ao Conselho de Administração, um dado que dimensiona o problema

das contrapartidas da mineradora:

"Evidenciando seu compromisso com a sustentabilidade, a Vale investiu US$ 737 milhões na proteção e conservação ambiental e US$ 399 milhões em projetos sociais, totalizando gastos de US$ 1,136 bilhão em responsabilidade social corporativa, o que representa 6,5% do lucro líquido" (VALE, 2010c, p.6).

O montante destinado aos programas socioambientais apresenta-se

como irrisório, não chegando a 10% do lucro da mineradora. Na verdade, fica

próximo da metade desse número. Para uma empresa que se diz tão

compromissada com o desenvolvimento sustentável das regiões onde atua, a

discrepância entre os valores investidos de forma global e os investidos

especificamente na questão socioambiental também salta aos olhos. Os

números da alocação dos investimentos é outra matéria curiosa. Eles nunca

são completamente detalhados. Exemplo: apesar de publicar que o montante

investido corresponde a "investimentos e custeio", não existe determinação de

quanto se pagou por determinada campanha publicitária, quanto se investe em

comunicação, ou mesmo se o pagamento de campanhas publicitárias é

descontado do "investimento geral", "custeio geral" ou se está incluso em

"manutenção de projetos socioambientais". Destacamos também que a

distribuição dos valores destinado aos projetos ambientais destina-se à

manutenção e conservação de áreas verdes e, não necessariamente, em

ampliação da área de proteção. A conclusão a que podemos chegar é que a

proteção - feito um "custo de vida" - tem ficado mais cara, exigindo mais gastos

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e recursos. E pior: a proteção ambiental (em relação à área) não tem crescido,

apenas se mantido nos níveis atuais, o que gera um contrassenso, uma vez as

fronteiras do ataque à natureza estão em expansão.

A questão central deste trabalho - a construção do imperativo verde na

publicidade institucional da Vale - parece surgir como uma força de validação

da presença da mineradora.

"As questões de legitimidade decorrentes da progressiva concentração de poder das grandes corporações, que passaram mais facilmente a ser identificadas como causadoras de poluição ou danos ambientais, desencadearam amplo apoio de empresários ao 'princípio do desenvolvimento sustentável' como forma de amenizar as críticas sociais" (DUPAS, 2006, p.248-249).

Entendendo que "o problema da pobreza, hoje, não é apenas uma

questão ambiental ou social, mas socioambiental" (PIQUET; RIBEIRO, 1991,

p.117), faz-se necessário interpretar e questionar os dados - e sobretudo, as

propagandas - que envolvem e tematizam a questão. A relação entre

preservação ambiental e desenvolvimento econômico deve ser encarada como

fundamental, pois estão intimamente ligadas. Isso fica evidente quando

analisamos os índices socioeconômicos e ambientais do Maranhão. Segundo

notícia publicado em O Globo,

"O Maranhão foi o estado que desmatou com maior rapidez áreas de floresta de 1980 para cá. Segundo dados do mapa de recursos naturais, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só restam 31% das áreas de floresta densa e 0,09% da floresta aberta (babaçu) do estado. É preocupante também a velocidade de devastação do cerrado, cuja área já foi reduzida em 25%, passando de 74.288,57km² de vegetação natural para os atuais 57.130,04 km². Num estudo que considera apenas a Amazônia Legal, o Maranhão é o estado que possui maior área devastada, seguido por Tocantins e Mato Grosso" (2011c).

A ocupação crescente de áreas pela plantação de soja é outro fato que

potencializa danos à questão socioambiental no Maranhão. Nesse jogo, o

agricultor familiar é engolido pelo agronegócio. Essa é uma guerra que vem se

estendendo ao longo dos anos. A Lei de Terras aprovada em 1969 durante o

governo José Sarney é exemplar de como o poder do capital vai anulando as

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chances de sobrevivência da população, semeando miséria, abandono e

desespero e fazendo a fome prosperar. A partir dela, o Estado maranhense

vendeu terras públicas para os grandes projetos agropecuários, o que acabou

gerando concentração fundiária. Esse processo histórico explica o fato de hoje

o agronegócio já ocupar

"(...) quase o dobro do espaço da agricultura familiar: 8,4 milhões de hectares contra 4,5 milhões de hectares, respectivamente, de acordo com o Censo Agropecuário do IBGE (2006). No entanto, a agricultura familiar é a fonte de renda de 850 mil pessoas, enquanto o agronegócio emprega apenas 133 mil" (FOLHA DE SP, 2011b).

Ou seja, atualmente áreas antes destinadas ao plantio da agricultura

familiar cedem lugar ao eucalipto e à soja. Os investimentos da indústria

agropecuária, assim como os da mineradora, são cavalares: dos R$ 5,7 bilhões

planejados pelo setor agropecuário até 2015, 90% devem ir para os estados do

Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Esses investimentos nessas regiões sinalizam

duas coisas: que as outras regiões estão "saturadas" e que o grande capital

gosta de agir onde as populações são menos atuantes e a sociedade, menos

vigilante. "Enquanto em Mato Grosso do Sul uma unidade com capacidade

para 1,5 milhão de toneladas de celulose por ano custaria R$ 1,8 bilhão, em

São Paulo sairia por R$ 2,5 bilhões" (FOLHA DE SP, 2011b). Há de se

imaginar o quão mais barato um empreendimento desse se torna ao decidir

fincar bandeiras no Maranhão. Além da questão da expulsão e do cerceamento

da agricultura familiar - um drama socioeconômico que dizima um modo de

vida secular -, e da diminuição da área de produção de alimentos como um

todo, a presença dos grandes campos de soja configura-se como um grave

problema ambiental maranhense:

"A soja ocupou as áreas de cerrado, no topo das chapadas. O mais preocupante é que nestas chapadas estão as nascentes dos três principais rios do estado, que são o Parnaíba, Mearim e Itapecuru. Ao contrário da vegetação natural, a lavoura impermeabiliza o solo, faz com que a água escorra, promovendo enchentes, e, ao mesmo tempo, reduz a vazão dos rios" (O GLOBO, 2011c).

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Além de modificar o caminho de vazão da água, a atividade agrícola

industrial gera riscos de contaminação por defensivos agrícolas e pelas

sementes geneticamente modificadas. "A poluição biotecnológica acontece

quando transgênicos se misturam com sementes tradicionais por acidente,

engano ou simples ação do vento" (DUPAS, 2006, p.239).

Com bandeiras socioambientais tão importantes a serem levantadas,

destacamos a situação das florestas maranhenses. Diante de dados que

comprovam o desmatamento crescente, as ainda existentes parecem restringir-

se às áreas localizadas em reservas indígenas e comunidades quilombolas,

remanescentes de escravos - comunidades que sofrem e lutam contra

latifundiários, grileiros e contra a própria Vale, especialmente por conta da

duplicação da EFC. A pobreza desses povos mostra-se como uma herança

histórica maranhense58. Ambos os povos ainda hoje lutam pela posse de seus

territórios, processo lento e custoso. A devastação, ao contrário, segue "à

toque de caixa". Para uma ideia mais precisa da situação, segundo o delegado

da Polícia Federal Marcelo Rezende, a área indígena desmatada no Maranhão

é maior que a cidade de Campinas:

"Ao todo, foram desmatados 946 quilômetros quadrados nas reservas indígenas que cercam o município de Buriticupu. A cidade de Campinas, para efeito de comparação, tem 801 quilômetros quadrados de área. E essa detecção é do corte raso, quando um campo é aberto. Pois o corte seletivo ainda não identificamos e só pode ser feito no local. Por isso, desmatamento deve ser ainda maior‖ (IG, 2011).

Este quadro - pura calamidade pública - nos assinala que o problema é

profundo e ultrapassa os "poderes e deveres" de uma única empresa, haja

vista os incentivos propiciados pela Assembleia maranhense, que se

apresentou complacente com a devastação ambiental no estado, pois, entre

maio e dezembro, aprovou e fez vigorar uma lei - lei n° 9.370, de 13/05/2011 -,

que permitiu59 a derrubada de pés de babaçu em áreas urbanas do estado sem

nenhum ônus aos responsáveis. A dizimação dos babaçuais, que cederam

lugar para conjuntos habitacionais em região valorizada, é mais um exemplo do

58

No Maranhão, as comunidades remanescentes de quilombos totalizam 1,3 milhão de pessoas. As de indígenas, 37 mil. 59

A lei foi revogada no dia 28/12/2011.

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lucro que vai, às custas especialmente ambientais, para os bolsos privados. O

prejuízo, mais uma vez, dilui-se, repartido entre a população e as futuras

gerações.

2.2.7 INOVAÇÃO, POSSIBILIDADES ENERGÉTICAS E A PREDILEÇÃO

PELA TRÍADE POLUIDORA: O CUSTO-COMMODITY

O atual estilo de vida, baseado nas cidades, na produção mecanizada e

em níveis crescentes de consumo necessita da oferta cada vez maior não só

de matéria-prima, mas também de energia. Do outro lado, por sua vez, a

mudança climática talvez seja a face mais visível e urgente da crise ambiental

que se avizinha, principalmente porque, para sustentar os níveis atuais de

consumo e de desenvolvimento econômico, mais gases (em sua maioria,

tóxicos) são lançados na atmosfera. Essa situação é grave, pois gera inúmeros

problemas, como o aumento significativo da desertificação, que acaba por

acentuar a problemática dos recursos hídricos e da biodiversidade. As

populações pobres são as que mais sofrem com isso - o que causa um ciclo

vicioso de perpetuação da pobreza e de destruição das florestas mundo afora.

De acordo com Giddens:

"Por volta do século XVII, a madeira das florestas estava se esgotando como fonte de combustível. Para substituí-la, escolheu-se o carvão fuliginoso. O carvão é usado para gerar eletricidade e também para produzir plásticos, fertilizantes e auxiliar no derretimento do minério de ferro para fabricação do aço. Quando queimado, o vapor aciona as turbinas instaladas nas usinas. Com esse movimento, gera-se eletricidade" (2010, p.63).

Nesse contexto, destacamos que a Vale tem como um dos seus focos o

investimento em energia. De acordo com o site da empresa, a mineradora

"atua em quatro frentes: o desenvolvimento de novas fontes renováveis de energia, a criação de mecanismos de redução do consumo, a procura de uma matriz energética que assegure a sustentabilidade e competitividade das operações e a geração de valor ao longo do desenvolvimento de projetos de mineração com a solução energética mais confiável" (VALE, 2010d).

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A estratégia, segundo o site, é "prosseguir com a intensificação do uso

de fontes renováveis e no uso racional da energia60". Como exemplo de projeto

de eficiência energética, a mineradora cita o Vale Energia Limpa S. A..

Localizado em Moçambique, o projeto busca desenvolver diesel sintético a

partir de rejeitos de carvão gerados pela própria mineradora. Apesar de muitos

agentes do capitalismo investirem em energias renováveis, o mundo atual

continua sendo regido por petróleo, gás natural e carvão. Essa tríade configura-

se como a principal causa do aquecimento global. De acordo com Giddens

(2010), se continuarmos a funcionar a base de petróleo, gás e carvão, e se os

altos níveis de crescimento econômico permanecerem, é possível que as

temperaturas mundiais elevem-se em 6 graus até 2100.

"Há uma 'probabilidade de 90%' de que o aquecimento observado seja resultante de atividades humanas, mediante a introdução de gases do efeito estufa na atmosfera – provenientes do consumo de combustíveis fósseis na produção industrial e nas viagens, e de novas formas de agricultura e utilização da terra" (GIDDENS, 2010, p.41).

Portanto, os grandes agentes do capital atuam em duas frentes: numa,

continuam a usar a tríade poluidora. Em outra, investem em energias

renováveis, especialmente se considerarmos que a inovação técnica pode

gerar uma ideia que pode ser comercializada, uma vantagem competitiva que

pode ser capitalizada.

"A pesquisa privada quase sempre tem como objetivo principal permitir à empresa que a realiza erguer um monopólio do conhecimento que lhe proporcione um rendimento exclusivo. O montante de rendimento previsto conta mais do que a utilidade social do conhecimento alcançado. Com investimentos em inovações e campanhas publicitárias de alto custo, toda empresa ambiciona chegar antes das outras à consolidação de uma posição monopolista. Marketing e propaganda fabricam valores simbólicos, estéticos e sociais" (GORZ, 2005, p.11).

Há, assim, a possibilidade do uso da inovação como arma para benefício

econômico e também como arma retórica nas propagandas. Contudo, apesar

60

Fonte: http://www.vale.com.br/pt-br/o-que-fazemos/energia/paginas/default.aspx. Acesso em:

17/02/2012.

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de numerosas pesquisas em energias renováveis, toda a tecnologia acerca do

assunto continua incipiente, em fase de desenvolvimento, testes e descobertas.

O problema persiste:

―Petróleo, gás natural e carvão, as três fontes de energia que predominam no mundo, são todos combustíveis fósseis, produtores em larga escala de gases causadores do efeito estufa. Reduzir nossa dependência deles, ou (sobretudo no caso do carvão) torná-los muito mais limpos em termos ambientais do que são hoje, é imperativo para mitigar as mudanças climáticas‖ (GIDDENS, 2010, p.57).

Apesar dos evidentes danos causados pelo abuso no uso de energia e,

especialmente, energia gerada a partir de combustíveis fósseis, a mineradora é

taxativa:

"A exploração de fontes de energia como o gás natural e o petróleo faz parte do objetivo estratégico de longo prazo da Vale para diversificar e otimizar sua matriz energética. Acreditamos que no futuro o gás natural exercerá um papel importante na matriz energética global, devido as suas vantagens de menor emissão de carbono e maior flexibilidade na geração de energia" (VALE, 2010d).

Em outra seção, a mineradora afirma:

"A Vale busca tornar-se uma grande empresa global no segmento de carvão. Temos potencial para multiplicar nossa capacidade de produção atual com a expansão de nossas operações e os projetos de exploração em andamento. Os nossos negócios de carvão concentram-se em quatro países: Austrália, Colômbia, Moçambique e China" (VALE, 2010e).

A Vale, apesar de não produzir carvão no Brasil, o produz em outros

países. Esse carvão é utilizado para gerar calor e energia em usinas

termelétricas e siderúrgicas. O carvão produzido pela mineradora é exportado

(sempre em grande quantidade, afinal, estamos falando da segunda maior

mineradora do mundo) para inúmeros países, e especialmente para a China,

que figura hoje como um dos maiores poluidores do mundo. Dessa forma, a

mineradora produz um dos maiores causadores de alterações climáticas e

ainda o exporta para um dos países carros-chefe da poluição. O compromisso

com a sustentabilidade e o bem-estar socioambiental parecem não abranger

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estes aspectos, ou mesmo terem sido esquecidos, pois, como salienta Giddens

(2010), "não há possibilidade de se mitigar as mudanças climáticas sem reduzir

radicalmente nossa dependência de combustíveis fósseis" (p.72). Ou seja, a

prática discursiva da empresa vai de encontro às práticas sociais.

Os níveis de consumo parecem fincar-se em metas cada vez mais altas,

audaciosas e custosas. A necessidade de consumir em ritmo crescente é a

tônica. Para os governos, crescer pouco se assemelha ao fim dos tempos; é o

início de crises. Assim, para que a espiral de crescimento siga em bom ritmo, a

energia produzida precisa de, além dos já conhecidos combustíveis fósseis,

novos combustíveis. De preferência, combustíveis limpos, energias alternativas

e facilmente renováveis. Neste ponto a ciência e a tecnologia se unem a

serviço da acumulação, pois a busca por energia limpa baseia-se

essencialmente em pesquisa e investimento, ou seja, em inovação. Nessa

perspectiva, não é difícil percebermos a transformação da ciência e da técnica

em instrumentos ideológicos do capitalismo.

Ainda de acordo com o site da Vale, na seção Energia, a mineradora

destaca:

"Como maior consumidora [de energia] do país, a Vale acredita que o investimento na geração de energia é essencial para atender à demanda de suas operações globais. Por conta disso, desenvolve projetos de fontes renováveis de energia que ajudarão a tomar decisões estratégicas e a reduzir riscos. Hoje, a Vale produz parte de sua necessidade energética por meio de hidrelétricas‖ (VALE, 2010d).

Produzir a própria energia61 mostra o instinto de sobrevivência no

capitalismo atual, afinal, a empresa julga ser arriscado ficar à mercê da

volatilidade dos preços, dos riscos regulatórios, climáticos e de suprimentos.

Ou seja, além de atuar na contramão do que se mostra necessário para a

diminuição dos danos socioambientais, a mineradora afirma seu compromisso

em investir em combustíveis fósseis. Apesar da energia hidrelétrica ser

ambientalmente menos agressiva que o petróleo, o gás natural e o carvão, ela

gera impactos socioambientais significativos: diminuição da cobertura florestal,

alagamento de cidades inteiras, aumento do nível dos rios, mudança do curso

61

Como vimos, a Vale participa do consórcio que constrói a hidrelétrica de Belo Monte, que, quando iniciar suas operações, será a 3ª maior do mundo.

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das águas etc., fatos que prejudicam seriamente fauna e flora. Além disso, uma

questão urge: os novos projetos de energia elétrica, em especial os

gigantescos projetos hidrelétricos na Amazônia, se mostram mais como uma

forma de se continuar a perpetuar o ciclo - a ideia - de crescimento e progresso

que gera ônus para muitos e bônus para poucos. Em entrevista sobre questões

políticas, sociais, econômicas e ambientais que cercam a hidrelétrica de Belo

Monte, Célio Bermann, pesquisador da USP e um dos mais respeitados

especialistas na área energética, sentenciou:

"É preciso repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos" (ÉPOCA, 2011).

A necessidade de ofertar mais energia resultará em mais exploração - o

que, como percebemos, só aumentará os danos socioambientais. A ampliação

da oferta energética da Vale contém, implicitamente, um potencializador de

danos socioambientais: os materiais produzidos são, em geral, commodities,

ou seja, matérias-primas de baixa diferenciação, reduzido valor agregado e que

geram poucos empregos. Em compensação, o gasto energético é cavalar.

Temos um verdadeiro ciclo danoso: para que os produtos sejam extraídos,

consome-se energia e recursos naturais em altíssimos níveis; depois, os

produtos são exportados, os recursos naturais não são compensados

devidamente e lá mesmo para onde se exportou é que fica o lucro. Assim, ter

Belo Monte como um "reforço" na matriz energética brasileira pouco adiantará

à sociedade e ao meio ambiente, sobretudo se a energia continuar a ser

desperdiçada em processos que "muito exigem e pouco dão" à sociedade.

"Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose" (ÉPOCA, 2011).

Com tanta energia disponível a serviço do capital privado, seria um

desperdício construirmos novas matrizes energéticas? As ações e dizeres

retratados neste capítulo nos remetem, no caso da Vale, a um "faça o que eu

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digo, não faça o que eu faço". Este pensamento tem potencial de se

transformar em algo mais preocupante quando o Maranhão surge como um

novo campo de exploração de gás natural, especialmente a partir da

descoberta, pela empresa OGX, de "reserva com potencial estimado em 15

trilhões de m³ de pés cúbicos no município de Capinzal do Norte" (JORNAL

PEQUENO, 2010). O potencial da área, se realmente houver exploração, deve

transformar o estado em um dos maiores produtores de gás natural do mundo.

Eduardo Karrer, CEO da MPX, empresa do grupo OGX, comemorou: "Essa

descoberta marca o início da materialização de um importante complexo de

geração térmica a gás natural no Brasil" (JORNAL PEQUENO, 2010).

Entretanto, apesar das efusivas comemorações, com direito a campanhas

publicitárias e várias matérias jornalísticas, a fatura das novas descobertas e

desse novo futuro já foram e continuarão a ser apresentadas às diferentes

populações. São diferentes enredos, mas que contam a mesma história de

fome, miséria, desamparo social, abusos econômicos, disputas políticas,

desrespeitos à Constituição e desastres ambientais (mostrados e escondidos)

de proporções gigantescas.

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3. A CONSTRUÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NA

COMUNICAÇÃO DA VALE

Os grandes conglomerados multinacionais tentam operar como

definidores do futuro das sociedades. Sob esse prisma, muitas dessas

empresas são claramente identificadas como responsáveis pelo

desenvolvimento econômico e pelas melhorias da qualidade de vida.

Entretanto, algumas também são identificadas como exploradoras e

destruidoras dos ecossistemas e dos recursos naturais. Nesse contexto em

que o "ataque sem trégua ao meio ambiente decorre da lógica da produção

global e da direção dos seus vetores tecnológicos contidos nos atuais

conceitos de progresso" (DUPAS, 2006, p.219), a responsabilidade

socioambiental surge como uma "licença", uma forma de legitimar os

processos produtivos e a atuação do grande capital. No Brasil, começou-se a

falar em responsabilidade social da propaganda a partir da década de 1980,

com a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA). Nesse momento, tais

termos se referiam ao "controle de anúncios que estimulavam o erotismo

desnecessário, o fumo e o alcoolismo" (ROCHA, 2010, p.192). Como relata

Maria Eduarda da Mota Rocha:

"A partir do final dos anos de 1980, as consequências indesejadas da modernização brasileira deslocaram o interesse para a 'qualidade de vida', conceito que introduz no discurso publicitário a percepção de uma diferença, para não dizer oposição, entre 'progresso técnico' e 'progresso qualitativo', entre 'modernidade tecnológica' e 'modernidade de libertação'. Tal percepção se apresenta como o anseio por uma vida cuja 'qualidade' não pode ser medida apenas pela quantidade de bens e produtos que o mercado oferece aos que nele estão integrados" (2010, p.43).

No início dos anos 1990, o termo "responsabilidade social" ressurgiu

com força e sentidos diferentes, porém, não menos fortes. Isso se deu

sobretudo devido ao crescente movimento pelas lutas ecológicas que

alcançaram destaque na Conferência da Terra, realizada no Rio de Janeiro, em

1992 (ROCHA, 2010). Atualmente o discurso da responsabilidade

socioambiental parece apresentar-se como o novo front da comunicação de

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produtos e construção de marcas e imagens institucionais. A respeito disso,

Rocha observa:

"É preciso destacar também o outro conceito que, na publicidade brasileira da década de 1990, complementa a preocupação individual com a 'qualidade de vida', ao realçar a dimensão coletiva dos custos da modernização. Trata-se da 'responsabilidade social', reação a uma má vontade difusa dos consumidores para com as forças econômicas que parecem ter conformado a cidade, o meio ambiente, as relações sociais, segundo a lógica da mercadoria e que, com isso, alimentaram a percepção da diferença entre as duas dimensões da modernidade" (2010, p.43).

Projetos de valorização e preservação do meio ambiente, melhor

aproveitamento da água, redução de gases lançados na atmosfera, cuidados

com as floretas e uma dita riqueza natural da biodiversidade se unem ao apoio

às manifestações de cultura popular e patrocínios esportivos, que agora dão o

tom da comunicação de diversas empresas dos mais variados setores. Para

Rocha,

"No discurso publicitário brasileiro, a frustração com as promessas de modernização do passado e com a selvageria do capitalismo atual é tematizada pelo avesso, nos conceitos de 'qualidade de vida' e 'responsabilidade social' (2010, p.200).

A escolha de peças publicitárias como corpus parte do entendimento de

que a vida social e as práticas discursivas estão sendo cada vez mais

colonizadas pelo capital e este, por sua vez, apresenta a publicidade como sua

principal arma retórica. O corpus desta pesquisa compreende a faixa temporal

entre 1999 e 2011 da comunicação publicitária externa realizada pela

mineradora Vale no Maranhão. A pesquisa efetua-se a partir de dois marcos: a)

período entre o primeiro anúncio produzido (ano de 1999), até 2007 (ano

derradeiro da identidade visual na qual a mineradora fazia-se conhecida por

Companhia Vale do Rio Doce); b) período entre 2008, ano da nova identidade

visual, e 2011. Além da motivação em investigar como se dá a construção da

responsabilidade socioambiental, este recorte tem como pressuposto a ideia de

que a partir da nova identidade visual ocorreu uma intensificação da estratégia

publicitária e de marketing de esverdeamento da empresa. Ao longo do espaço

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temporal escolhido, examinaremos a validade da hipótese em peças

publicitárias de temática cultural, como o apoio às atividades folclóricas locais,

social, como a capacitação ao trabalho de um determinado estrato social, além

da ambiental, como a preservação de áreas naturais e a ecoeficência nos

processos industriais.

3.1 O DISCURSO DA RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL COMO

DISCURSO HEGEMÔNICO

Para Fairclough (2010), "os discursos não apenas refletem ou

representam entidades e relações sociais, eles as constroem ou as

'constituem'" (p.66). Nesse sentido, analisamos o discurso da mineradora a

partir do quadro tridimensional preconizado pelo autor, ou seja, encarando-o

como discurso, prática discursiva e prática social (idem, p.89). Segundo

Fairclough:

"Podemos distinguir três aspectos dos efeitos construtivos do discurso. O discurso contribui, em primeiro lugar, para a construção do que variavelmente é referido como 'identidades sociais' e 'posições de sujeito' para os 'sujeitos' sociais e os tipos de 'eu'. Segundo, o discurso contribui para construir as relações sociais entre as pessoas. E, terceiro, o discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e crença" (2010, p.91).

Vimos que o conceito de responsabilidade socioambiental representa

uma construção histórica desmembrada da ideia de desenvolvimento. Essa

construção, repleta de mutações e ressignificações, demarca uma mudança de

rumos discursivos, uma vez que esse novo discurso combina condições sociais

particulares para produzir um novo e complexo discurso. Na verdade, ele

rearticula outros discursos, mesclando o clássico discurso progressista com o

ambientalista de viés ecoeficiente. Essa mescla constitui um novo discurso de

grande poder político e materializa um projeto hegemônico que serve de base

para toda a comunicação corporativa da mineradora, sobretudo quando esta

passa a agendar com maior frequência os temas socioambientais. A ordem

desse discurso é contraditória: elementos de cunho desenvolvimentista, como

o aumento da exploração travestida por cursos de qualificação profissional ou

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obras de ampliação infraestrutural coexistem sem tensões com elementos

ambientalistas, como a valorização da flora, da fauna e, em especial, o manejo

responsável dos recursos naturais. Além de originar esse novo discurso, essa

rearticulação de ordens discursivas ultrapassa a esfera da produção discursiva,

pois necessita de intérpretes capazes de estabelecer conexões coerentes entre

esses elementos heterogêneos e, muitas vezes, contraditórios. Sem essas

conexões discursivas bem interpretadas, não há possibilidade de veridicção

positiva.

Para Fairclough (2010), a mudança discursiva, fruto de alterações

sociais e culturais, "tanto pode favorecer a reprodução do sujeito social como a

sua transformação" (p.12). Assim, preocupamo-nos em analisar nas peças do

corpus não apenas que posições as estruturas narrativo-discursivas, inclusive

temas e figuras desempenham na reprodução das práticas da ideologia do

progresso, mas também seus papéis na transformação sociodiscursiva da

mineradora, sobretudo quando ela elege o discurso verde como estratégia

nuclear de sua publicidade. Ilustramos o capítulo anterior com passagens que

contaram com participação direta e indireta da Vale. Isso não teve como

objetivo a pura crítica ao modus operandi da mineradora, mas, sim, o de

realçar posições que possibilitem comparações com o que é propagandeado.

Essas posições, sobretudo as discursivas operadas a partir de elementos e

figuras que evoquem a responsabilidade socioambiental, estabelecem relações

de poder e lutas ideológicas.

"O discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos) entre as quais existem relações de poder. O discurso como prática ideológica constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder" (FAIRCLOUGH, 2010, p.94).

A análise discursiva efetuada incide não só em relações de poder

presentes nos discursos, mas na forma com que as relações de poder e as

lutas pelo poder moldam e transformam as práticas discursivas, e em especial,

o discurso da mineradora.

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"A análise de um discurso particular como exemplo de prática discursiva focaliza os processos de produção, distribuição e consumo textual. Todos esses processos são sociais e exigem referência aos ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares nos quais o discurso é gerado" (FAIRCLOUGH, 2010, p.99).

A escolha de peças publicadas exclusivamente no Maranhão justifica-se

pelo entendimento de que cada texto é produzido de forma particular e em

contextos sociais específicos. Concomitantemente, são consumidos de modo

diverso em contextos sociais diferentes. O manual de aplicação da nova

identidade visual surge inclusive como forma de "disciplinar" os departamentos

regionais de comunicação, uma vez que organiza as possibilidades em que os

anúncios podem ser reproduzidos. Ou seja, seguindo o manual, reforça-se a

unicidade da mensagem - tudo em prol da construção de marca e, é claro, da

imagem de empresa socioambientalmente responsável.

Além da prática discursiva, focalizamos a prática social, isto é, o

discurso em relação à ideologia e ao poder. Leal (2005) destaca que

"Fairclough situa o discurso numa perspectiva de poder como hegemonia, em

que se entende as relações de poder como lutas hegemônicas" (p.77). Assim,

vemos a ideologia e a hegemonia como formas de estabelecer e sustentar

relações de dominação. Apesar de tematizar a responsabilidade

socioambiental em diversos momentos, a alteração da identidade visual da

mineradora ancorou uma forte guinada discursiva: com ela, a temática verde

fez-se mais presente. Portanto, com a mudança de CVRD para Vale houve

uma alteração na prática discursiva, o que conduziu à transformação do

discurso verde em hegemônico dentro da comunicação da mineradora. Há com

esse direcionamento não uma quebra de hegemonia, mas, sim a hegemonia

assumindo novas fronteiras, configurada por esse novo discurso de

ecoeficiência, de sustentabilidade, de progresso responsável. Para Fairclough

hegemonia:

"é liderança tanto quanto dominação nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade. Hegemonia é o poder sobre a sociedade como um todo de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras forças sociais, mas nunca atingido senão parcial e temporariamente, como um 'equilíbrio estável'. Hegemonia é a

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construção de alianças e a integração muito mais do que simplesmente a dominação de classes subalternas, mediante concessões ou meios ideológicos para ganhar seu consentimento. Hegemonia é um foco de constante luta sobre pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para construir, manter ou romper alianças e relações de dominação/subordinação, que assume formas econômicas, políticas e ideológicas" (2010, p.122).

Para Gilberto Dupas, hegemonia é

"a liderança associada à capacidade de um Estado (elite ou grupo) de se apresentar como portador de um interesse geral, e ser assim percebido pelos outros. Portanto, nação ou elite hegemônica são aquelas que produzem discursos hegemônicos que têm a competência de conduzir um sistema (de nações ou culturas) a uma direção desejada; mas, ao assim fazer, ainda conseguem ser percebidas como se buscassem o interesse geral" (2006, p.16).

De acordo com Alves (2010), "a noção de hegemonia foi criada no seio

da tradição marxista para pensar as diversas configurações sociais que se

apresentavam em distintos pontos no tempo e no espaço" (p.71). Para a

autora,

"O problema central que perpassa a tradição do marxismo ocidental é a tentativa de responder por que a revolução proletária não aconteceu no Ocidente e quais as condições que favoreceram a eclosão de uma revolução na Rússia. (...) Enquanto Lênin se refere apenas à ditadura do proletariado ao falar de hegemonia, enfatizando seu caráter coercitivo, Gramsci destaca a importância de formar uma classe dirigente que se mantenha pelo consentimento das massas e não apenas pela força coercitiva" (ALVES, 2010, p.72-73).

Portanto, "a hegemonia entende as relações de dominação baseadas no

consentimento e não na coerção e implica a naturalização e a construção do

senso comum" (LEAL, 2005, p.78). De acordo com Alves,

"Gramsci aponta que a questão da hegemonia não deve ser entendida como uma questão de subordinação ao grupo hegemônico; pelo contrário, ela pressupõe que se leve em conta os interesses dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que estabeleça uma relação de compromisso e que faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa. Entretanto, ele aponta que esses sacrifícios nunca envolvem os

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aspectos essenciais do grupo hegemônico, pois se a hegemonia é ético-política, ela é também econômica" (2010, p.78).

Sob esse quadro, a hegemonia instaura-se a partir de uma instância de

negociação. Por conseguinte, esse "consentimento" deve ser sempre

negociado, renovado, retroalimentado. Junto à ideologia, a hegemonia funda

vínculos sociais e produz noções, representações e formas de discurso. Para

Laclau e Mouffe, a hegemonia

"designa mais que uma relação, um espaço dominado pela tensão entre duas relações muito diferentes. A) a relação entre a tarefa hegemonizada e a classe que é seu agente "natural'; e b) a relação entre a tarefa hegemonizada e a classe que a hegemoniza" (2004, p.57).

Sendo assim, a hegemonia depende da construção de alianças, sendo

foco permanente para construir, romper ou manter relações de dominação

(FAIRCLOUGH, 2010).

"As relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas por serem representadas como justas e dignas de apoio, isto é, como legítimas. Uma das estratégias de construção simbólica da legitimação é a racionalização, por meio da qual é construída uma cadeia de raciocínio, que objetiva defender ou justificar as relações e/ou instituições sociais e persuadir que isto é digno de apoio; outra estratégia é a universalização, que apresenta acordos institucionais que atendem aos interesses de alguns como se servissem aos interesses de todos" (LEAL, 2005, p.77-78).

Dito isto, vamos à investigação do corpus, com o objetivo de analisar e

compreender a tematização e a figurativização da responsabilidade

socioambiental na publicidade da mineradora, ou seja, que escolhas o

enunciador fez, o que foi agendado, que efeitos de sentido e enquadramentos

elegeu etc.

3.2 O ANO DE 1999

A partir do levantamento junto às agências de comunicação, vimos que a

Vale realiza, desde 1999, campanhas publicitárias de forma sistemática no

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Maranhão. Apesar do corpus apresentar ao menos uma campanha anual62,

não há temporalidade preestabelecida para que as peças publicitárias

cheguem às ruas, tampouco formatos específicos ou veículos onde as mesmas

serão veiculadas63. Por conta disso, encontramos campanhas compostas

apenas por anúncios de jornal, enquanto outras apresentam anúncios de jornal,

outdoors, comerciais para TV, banners virtuais etc. Esta pesquisa se concentra

nos anúncios de jornal pelo fato destes serem recorrentes em todas as

campanhas.

Até 1998, a Vale não produziu campanhas publicitárias para o público

externo. A comunicação realizada era restrita aos funcionários. Os materiais

então produzidos eram, em geral, jornais e panfletos que informavam sobre o

crescimento da mineradora e traziam dicas de saúde e segurança. O ano de

1999 foi o primeiro no qual a empresa produziu campanhas publicitárias

externas e daí começa o nosso registro. Há 4 anúncios produzidos à época.

Um diz respeito a um prêmio de qualidade e produtividade concedido pela

Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Os outros três tiveram como

temática a questão ambiental.

Os anúncios apresentam semelhanças entre si: o texto verbal utilizado

como ancoragem é similar, especialmente quando diz que "todas as ações da

Companhia Vale do Rio Doce são precedidas por estudos de impacto e

acompanhados por projetos de recuperação do meio ambiente". O enunciador

busca mostrar que todas as ações são estudadas antes de serem feitas. O uso

de "estudos" realça a união entre a ciência e a tecnologia para que a gestão

ecoeficiente seja alcançada. Ao publicizar que tem projetos de recuperação do

meio ambiente, destaca-se que há um problema: o meio ambiente está sendo

degradado. Não há a autoria de quem está fazendo isso - o sujeito da

degradação fica oculto, a Vale não assume essa degradação e, ao mesmo

62

2001 é o único a não registrar campanha alguma. Até onde foi possível investigar, apurou-se que o esse ano foi marcado pela estruturação do departamento de comunicação local. A ausência de peças publicitárias deveu-se ao "não consenso" a respeito do que foi criado pela agência - algumas campanhas foram reprovadas por membros da equipe, aprovadas por outros. Na ausência de unanimidade, o ano registra apenas material de papelaria para uso interno, cartão de identificação de funcionários etc. 63

Ressalta-se o "serão veiculadas", pois ainda impera uma "certa incerteza" de peças e veículos: em primeiro lugar, o formato do anúncio depende da ideia criativa a ser concebida pela agência. Em segundo, a presença (ou ausência) da campanha em determinado veículo dá-se também por questões financeiras e políticas - assim, varia-se entre o "veicula aqui, por uma questão política" e o "exclui esse veículo, não temos verba".

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tempo, não diz quem degrada. O enunciador apenas salienta que pratica

projetos de recuperação do meio ambiente. Alguém degrada, mas a Vale

recupera. Por fim, a empresa diz que "já recebeu o certificado ISO 14001, um

reconhecimento internacional da qualidade de sua gestão ambiental.". O

certificado serve, tanto para o enunciador quanto para o enunciatário, como

uma chancela garantidora do bom trabalho e do cuidado responsável praticado

pela mineradora.

O primeiro anúncio produzido pela então CVRD figurativiza a estrutura

da mineradora numa árvore-organograma com a hierarquização dos

departamentos da Vale. Trata-se de uma árvore estilizada sob um fundo

branco.

Fig. 7: publicidade 1999a.

O título, localizado na parte inferior do anúncio, questiona e responde ao

mesmo tempo: "Sabe qual é o nosso departamento responsável pelo meio

ambiente? Todos.". Apresenta-se, então, vários departamentos da mineradora

("Presidência e Meio Ambiente", "Metais nobres e Meio Ambiente", "Logística e

Meio Ambiente" etc.) como forma de demonstrar que a questão ambiental

permeia toda a política empresarial. O anúncio compõe-se em três cores:

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verde, branco e preto. A dominante cromática verde predomina: está presente

na árvore estilizada, no texto verbal da chamada-título e no fundo que serve

como "caixa de texto". Por meio dessa escolha cromática, o enunciador

ressalta seu compromisso e configura seu ponto nodal: o verde é fundamental

e o cuidado com o meio ambiente tem de estar presente em todos os

departamentos.

Como uma árvore que brota do chão, os dois primeiros departamentos

(os mais próximos do solo, portanto, as raízes) são os departamentos-chefe, os

mais altos na escala hierárquica. Isso denota que o imperativo da

responsabilidade ambiental vem de baixo para cima - numa espécie de

hierarquização às avessas -, mas isso por conta do paralelo com a árvore, uma

vez que, nesse caso, o "departamento mais baixo" é o que mais tem poder, o

que nos faz voltar para a hierarquização comum. Apesar de dispor de

elementos que nos referenciam que a temática ambiental está em todos os

departamentos, observarmos um ruído: nem todos os retângulos têm o mesmo

tamanho, o que pode sugerir que nem todos os departamentos possuem o

mesmo compromisso com o meio ambiente.

No fragmento do texto verbal "Pois a Companhia Vale do Rio Doce sabe

que o desenvolvimento começa pelo respeito à vida", a vida surge

representada pelo verde dominante. A vida é o verde. Não se relaciona vida

com o ser humano, ou mesmo com um animal exótico, como veremos no

próximo anúncio. Vida aqui é a natureza "metonimizada" pela figura da árvore.

O termo "desenvolvimento", por sua vez, corteja o evangelho da ecoeficiência:

"Vida, meio ambiente, natureza. É nisso que a Vale pensa quando fala em

desenvolvimento. Cada passo da empresa é precedido por estudos de impacto

ambiental (...)". Portanto, a mineradora sintetiza, com a "árvore em pé" e seu

compromisso ambiental alastrado pelos seus departamentos, o seu ideal de

desenvolvimento: ciência, estudo, planejamento e tecnologia somados em prol

da vida, do meio ambiente, do progresso sustentável, da gestão ecoeficiente.

Os sentidos de desenvolvimento são ampliados no segundo anúncio,

que discorre sobre preservação unindo fauna e flora. O texto verbal apresenta

o texto-padrão dos três anúncios. A mudança substancial é a imagem, que

apresenta um anfíbio se segurando em uma folha.

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110

Fig. 8: publicidade 1999b.

A distribuição topológica coloca o título "O que lhe vem à cabeça quando

se fala em desenvolvimento?" próximo ao animal, o que nos dá a sensação de

que é o animal que nos faz a pergunta, efeito maximizado pelo olhar e pela

postura do animal, que se coloca à espreita fitando quem observa o anúncio. A

cor verde novamente predomina: está na folha, que ocupa grande área do

anúncio, no animal e background. Esse monocromatismo produz um efeito de

continuidade e uniformidade entre o mundo vegetal e animal, uma vez que o

verde passa de um para o outro. A estruturação espacial dos elementos, em

especial a do sapo, gerencia a visibilidade do contrato de comunicação

proposto pela enunciador Vale: a ideia de desenvolvimento continua a

depender dos estudos de impactos, porém, o respeito à vida não é obtido

somente por meio da figura estilizada de uma árvore; agora, amplia-se no

cuidar preservacionista da fauna - que se mostra, além de central, com olhos

abertos e fixos.

O último anúncio aborda a qualidade do ar. É importante lembrarmos

que a presença da Vale no Maranhão destaca-se pelo uso da Estrada de Ferro

Carajás como parte fundamental de sua cadeia logística. É por ela que os

minérios seguem até o Porto do Itaqui, para depois serem exportados. O

transporte desses minérios extraídos em Carajás (PA) até São Luís (MA) é feito

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por trens que, por onde passam, deixam rastros de poeira64, o que prejudica

severamente a saúde das comunidades que vivem nas cercanias da ferrovia.

Assim, localiza-se a demanda inicial da Vale: demonstrar que há uma gestão

ecoficiente da qualidade do ar.

Fig. 9: publicidade 1999c.

O anúncio apresenta um céu azul brilhante e nuvens alvas, sem sinal

aparente de poluição. A dominante cromática deixa de ser a verde; agora é o

azul que impera. Essa mudança assinala a continuação da visibilidade da

temática ambiental, porém, demarca uma alteração de foco: deixa-se de lado o

verde vegetal terrestre e mira-se no azul celeste. Com isso, mostra-se que a

Vale não está somente na terra, na preservação da fauna e flora, mas também

no ar, visando o céu limpo e o ar puro. Sua preocupação ambiental, portanto, é

ampla. O azul, presente praticamente na totalidade do anúncio, figurativiza a

gestão ecoeficiente da Vale: a atmosfera limpa nada mais é senão fruto da

ação planejada e responsável da empresa. Assim, o contrato está posto: o

compromisso da mineradora não é considerar apenas a fauna e a flora,

conforme os anúncios anteriores, mas também a boa qualidade do ar, o ar

puro, respirável, sem resíduos dos minérios transportados. Para colaborar com 64

A poluição do ar foi destacada por um candidato ao governo maranhense. No pleito de 2010, ele sentenciou: "o trem da Vale, por onde passa, ao invés de deixar desenvolvimento, deixa apenas um rastro de poeira".

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essa perspectiva há a resplandecência do raios solares que emanam das

nuvens. O brilho mais forte e encorpado direciona o olhar do enunciatário para

o texto verbal localizado na parte superior direita e, por tabela, para o logotipo

da mineradora. Assim, realça-se o responsável pelo céu radiante. O título, em

destaque pelo tamanho, assinala que o compromisso ambiental pode ser

"sentido no ar", como quem diz que, mesmo minerando - ou, no caso,

transportando minérios -, não se polui o céu, tampouco se "estraga" o ar. O

texto ancora dizendo que "respeitar a natureza não significa apenas preservar

a fauna e a flora." Aqui faz-se referência aos anúncios anteriores; entretanto, o

enunciador adiciona um foco de preocupação da mineradora, o que amplia o

compromisso com o meio ambiente e, em sentindo mais amplo, a gestão

ecoeficiente apregoada. O texto verbal "O solo, a água, até o ar que a gente

respira são importantes para a o equilíbrio dos ecossistemas" amplia o

compromisso ambiental, pois adiciona a manutenção da boa qualidade do ar,

aspecto até então não mencionado. O solo e a água são mencionados

transversalmente e sem detalhamento, apesar de serem fundamentais: é do

solo que se retira os minérios e, para tanto, usa-se grande quantidade de água.

Em resumo: mesmo assumindo os riscos de poluir o ar com o pó dos minérios

transportados, a gestão ecoeficiente da mineradora é plena, o que reforça a

responsabilidade ambiental, uma vez que a boa qualidade do ar mostra-se

como uma das faces visíveis - e positivas - do compromisso com o meio

ambiente.

Nos três anúncios, observamos características do evangelho da

ecoficiência proposto por Martínez Alier (2009): a Vale apregoa um

"desenvolvimento sustentável" e uma "boa utilização" de recursos. Não cuida

apenas da extração dos minérios, mas também das consequências de suas

atividades. Neste momento, o ideal de qualidade de vida e de responsabilidade

socioambiental não insere a figura humana, tampouco questões econômicas,

mas, sim, aspectos de uma vida silvestre e "mais natural". Ou seja, o meio

ambiente figurativizado liga-se à natureza clássica: o verde vivo da flora, o

animal exótico em seu habitat, o raio de luz que desperta do fundo das nuvens

e valoriza o "céu de brigadeiro", tudo atestado pelo certificado ISO 14.00165

65

O ISO 14.001 atesta a proteção ao meio ambiente e a prevenção da poluição.

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113

que serve de chancela internacional da qualidade da gestão ambiental da

mineradora.

3.3 O ANO 2000

O ano 2000 registra dois anúncios, ambos versando sobre o Trem da

Cidadania. O projeto é apresentado como uma parceria público-privada. O

objetivo é declarado diretamente pelo texto verbal: beneficiar as pessoas que

moram ao longo da Estrada de Ferro Carajás, oferecendo assistência médica

gratuita e a emissão de documentos de registro, como certidão de nascimento,

carteira de identidade e de trabalho. O primeiro anúncio destaca uma mulher

morena, de aparência simples, óculos grandes e véu estampado a cobrir-lhe a

cabeça. O olhar é fixo no enunciatário e a boca apresenta um sorriso contraído,

sem mostrar os dentes. Ao fundo, figuram uma bandeira estilizada do

Maranhão e um trem na cor amarela com os dizeres "Shopping do Cidadão.

Facilitando a sua vida".

Fig. 10: publicidade 2000a.

O texto verbal afirma que o projeto "é mais uma mostra de que a Vale

trabalha pela melhoria das condições de vida nas comunidades carentes,

acreditando, acima de tudo, no desenvolvimento do Maranhão". Na assinatura,

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um texto figura feito um slogan: "Trem da Cidadania. Identificando a Vale com a

comunidade". Na peça, o enunciador estabelece seu contrato de comunicação

a partir da significação de que desenvolvimento é "ter registro social". Não há

vínculo com a temática ambiental, como nas peças de 1999; a noção de

progresso não é a industrial. Entretanto, a partir dessa premissa, há um ruído:

de tanto se ater à necessidade de registro social, portanto, a um nome e um

número, a mineradora não particularizou a mulher, que aparece sem

identidade, sem nome ou número de R.G., ou seja, como se fosse só mais um

rosto qualquer de um morador qualquer atendido pelo projeto. Além disso, a

ideia de desenvolvimento apregoada registra a falência de algumas políticas

sociais, uma vez que o poder público não teve condições - ou não quis - de

apoiar o exercício da cidadania plena, sendo necessário se unir à mineradora

para "levar saúde gratuita e cidadania".

Considerando o primeiro anúncio como a apresentação do projeto - e,

por conseguinte, dessa acepção do conceito de desenvolvimento -, é possível

afirmar que o segundo tem tom de comemoração. Com a chamada "Mais de

100.000 pessoas já foram atendidas pelo Trem da Cidadania", a peça faz uso

de um recorte do mapa geográfico do Maranhão e o caminho da EFC, com

destaque para 5 municípios.

Fig. 11: publicidade 2000b.

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115

O mapa é apresentado na cor verde e tem como base a linha do trem.

Os limites territoriais vão além do território maranhense, possivelmente até o

Pará, onde a ferrovia tem continuidade. Ao escolher mostrar o estado

maranhense e suas fronteiras, percebemos a intenção em destacar que a

questão verde está presente em todo o território maranhense, e além.

"Maranhão", utilizado para georreferenciar o enunciatário é apresentado na cor

verde, o que fortalece o compromisso de responsabilidade socioambiental

mantido no estado. A linha do trem espalha-se pelo anúncio e segue o traçado

entre cidades. A cada uma, "Vagão Saúde" e "Vagão Atendimento" são

repetidamente apresentados. Tomando como referência São Luís, capital do

estado, quanto mais distante o município, maior é o número de atendimentos -

o que fortalece a evidência da dificuldade do poder público em atender, por

meio das políticas sociais, os moradores das cidades interioranas. Este

anúncio apresenta um fechamento textual verbal diverso do anteriormente

mostrado: "O Trem da Cidadania é mais um exemplo de que a Vale respeita o

cidadão, trabalha pela melhoria da qualidade de vida de nossa gente e pelo

desenvolvimento do Maranhão". Aqui, o enunciador evoca que a

"responsabilidade" da empresa está presente no aspecto social, com o respeito

ao cidadão, ofertando-lhe dignidade, e também no aspecto econômico, com o

desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida. Nesse prisma, as frases

"leva dignidade" e "melhor qualidade de vida" aparecem como sintetizações

substitutivas para documentos de registro social e atendimento médico gratuito.

O último ponto que destacamos é a sentença próxima ao logotipo da

mineradora, o que nos sugere um slogan: "Vale, uma empresa cidadã". Soma-

se a isto os logotipos do Shopping do Cidadão e do governo do Maranhão, que,

ao "embarcarem junto" no projeto, ratificaram a atividade responsável da

mineradora.

3.4 O ANO DE 2002

O ano registra 3 anúncios. O primeiro é alusivo ao Dia da Mulher.

Composto basicamente em tons de cor rosa, apresenta um "coração de ferro" e

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sobras, como se o mesmo acabasse de ter sido fundido em um processo

siderúrgico.

Fig. 12: publicidade 2002a.

O título que o acompanha é: "Na Vale, até os corações são de ferro.

Derretidos.". Esta homenagem alude ao ferro e ao clássico coração romântico,

sempre disposto a perdoar, guardar com carinho e cuidar. O "derretidos"

ressalta o lado humano da empresa, numa espécie de metonímia: substitui-se

a empresa pelos funcionários - afinal, no jargão empresarial do capitalismo

globalizado, os funcionários "são os bens mais preciosos que uma empresa

pode ter" - e conjuga-se a dureza do ferro com a moleza dos corações das

mulheres. O anúncio é encerrado com o logotipo da mineradora e um dizer:

"Uma homenagem ao Dia da Mulher".

O segundo anúncio visa homenagear o aniversário de São Luís. Para

tanto, a Vale financiou a restauração do Teatro Arthur Azevedo66.

66

Um dos teatros mais antigos do Brasil, o Teatro Arthur Azevedo foi inaugurado em 1° de julho de 1817, dois anos após a inclusão do Brasil no Reino Unido de Portugal e Algarves. Nesse tempo, o Maranhão vivia um época áurea, produzindo e exportando algodão em grande escala. São Luís era a quarta maior cidade do Brasil e os 800 lugares do teatro representavam 5% da população local. O nome do teatro sofreu diversas alterações ao longo da história, passando de Teatro União para Teatro São Luiz em 1852 e, por fim, desde a década de 1920 homenageia o dramaturgo maranhense Arthur Azevedo, irmão de Aluísio de Azevedo, autor de clássicos como "O cortiço" e "O mulato". Fonte: http://www.cultura.ma.gov.br/portal/taa/. Acesso em: 15/02/2012.

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117

Fig. 13: publicidade 2002b.

Ao apresentar imagem interna do teatro, com cadeiras da plateia em

primeiro plano e camarotes em segundo, a publicidade diz: "São Luís, 390 anos

de história. É um orgulho ter lugar reservado nessa festa.". O texto verbal, em

letras menores, destaca: "Restauração do Teatro Arthur Azevedo, um dos

maiores patrimônios da nossa cidade. É um prazer fazer parte dessa história.".

Assim, vemos o enunciador reivindicar seu direito a "fazer parte da festa" ao

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mesmo tempo em que se diz orgulhoso por fazer parte da história da cidade,

uma vez que o teatro é um dos maiores patrimônios da cultura local. Há

inclusive o logotipo da mineradora a figurar em uma das poltronas como forma

de assegurar o lugar reservado. Contrastando com seu poder e gigantismo, a

mineradora "solicita" apenas uma poltrona; entretanto, estrategicamente, esta

se localiza em primeiro plano, mais próxima do enunciatário, o que confere

maior visibilidade e "encurta" a distância entre o enunciador e o enunciatário, e,

em sentido mais amplo, entre a empresa e a sociedade. Com este anúncio,

empreendemos a emergência de um novo tema na publicidade da mineradora:

a cultura, representada aqui pelo teatro.

O terceiro anúncio é também uma homenagem, porém contém temática

diversa das homenagens anteriores. O dia 5 de junho é considerado o Dia

Mundial do Meio Ambiente e, nesta data, a mineradora publicou um anúncio

comemorativo em que exaltou o cuidado efetivo que mantinha com o meio

ambiente. A peça publicitária compõe-se de três folhas vegetais, três lápis de

colorir e um desenho numa folha de papel. Há ainda flores e folhas rabiscadas

e, como se fosse obra de um pintor ou escultor famoso, uma assinatura

estilizada: "Vale do Rio Doce". A plasticidade da assinatura nos remete à de

um grande artista pelo formato leve e por sua disposição topológica: parte

inferior direita. O "V" da assinatura é igual ao "V" encontrado próximo das

flores. É o "V" de Vale. O texto verbal esmiúça a intencionalidade do

enunciador: "Nada mais natural do que preservar o meio ambiente". No texto

verbal localizado na parte superior central, a preservação é tomada como

intrínseca e naturalizada no fazer cotidiano da mineradora. Corroborando com

isso, a escolha de "natural" faz referência direta à "natureza". Na parte central

inferior, o texto verbal é: "Na Vale, cuidar da natureza não fica só no papel.".

Com esse arremate, o enunciador destaca que a atuação preservacionista não

se aloja apenas na instância discursiva, mas também na da ação. O "não ficar

só no papel", indicativo da materialização do discurso em ação, refere-se ainda

às folhas que se sobrepõem ao desenho.

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119

Fig. 14: publicidade 2002c.

Apesar de utilizar um desenho como ilustração, não se busca uma

natureza intocada, isolada ou utópica: o que a mineradora faz é cuidar da

natureza de verdade. Ao servir-se de folhas verdadeiras - e não somente de

desenhos -, a mineradora sentencia que sua ação é real, ultrapassa o papel e a

instância discursiva e se materializa, podendo ser percebida pelo enunciatário.

Até aqui, este anúncio soma-se aos anteriores que tematizaram a questão

ambiental: o meio ambiente continua visível por meio de figuras que nos

lembram a natureza clássica e, em geral, o verde da flora preservada, sem

participação ou espaço para a figura humana.

3.5 O ANO DE 2003

Conforme destaca Maria Eduarda da Mota Rocha, o apoio à cultura e ao

esporte apresenta-se como uma das faces da responsabilidade socioambiental.

"A década de 1980 viu crescer estratégias voltadas a convencer os consumidores das vantagens de viver em um

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mundo moldado pelo grande capital. Nesse sentido, é exemplar a prática cada vez mais frequente de patrocínios culturais, sociais e esportivos. Mais uma vez, a operação consistia em mostrar a compatibilidade entre esse mundo e os valores que escapam à lógica mercantil" (2010, p.124).

A mineradora realiza patrocínios e os publiciza com frequência. Exemplo

disso pode ser percebido no único anúncio produzido em 2003, que utiliza um

rolo fílmico estilizado para comunicar o patrocínio dado ao Festival Guarnicê de

Cinema, evento criado em 1977 e que se apresenta hoje como um dos mais

antigos festivais de cinema e vídeo do país. O festival continua ativo e ocorre

sempre em junho, mês de grandes manifestações folclóricas no Maranhão.

Fig. 15: publicidade 2003a.

"Guarnicê" é a palavra-chave da maior manifestação cultural

maranhense - o bumba-meu-boi - e se refere ao momento de preparação em

que os brincantes se reúnem em torno de uma fogueira para esquentar os

tambores e pandeirões, instrumentos musicais que embalam as festas locais.

No anúncio, o título "A Vale entra em cena para dar seu apoio" dá o tom: a

mineradora coloca-se no papel de apoiadora da cultura local, "incentivando

novos talentos" e premiando as melhores produções. Destaque para "Há

dezessete anos é patrocinadora do Festival Guarnicê de Cinema", em que a

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121

mineradora pleiteia o reconhecimento pelo apoio dado ao festival. Por fim,

destacamos o texto verbal "Vale: a empresa que mais investe em cultura no

Maranhão". Aqui, cultura não se liga à popular, folclórica, presente nas ruas e

praças populares, mas à fílmica, mais refinada e elitizada. Há, com este

anúncio, a consolidação da cultura no agendamento temático da empresa:

antes, o apoio foi pela reforma do Teatro Arthur Azevedo; agora, é pelo

patrocínio do festival de filmes. Há de se dizer que o cinema e o teatro são

duas opções de lazer não exatamente populares em São Luís, cidade repleta

de bolsões de miséria e não-oportunidades. Portanto, a relação da mineradora

com esses dois ambientes culturais configura uma aproximação com uma

parcela social formadora de opinião que os frequentam. Por fim, somando com

2001, computa-se mais um ano no qual a mineradora preteriu a questão

ambiental, focando seus esforços publicitários na questão sociocultural.

3.6 O ANO DE 2004

Registra-se 4 anúncios. O primeiro, de caráter cultural, retrata o "Projeto

Documentação e Registro Fonográfico da Obra Musical de Antonio Vieira",

patrocínio-parceria entre a Amarte (Associação de Música e Arte do Maranhão)

e a mineradora. O projeto possibilitou o registro do talento musical de Antônio

Vieira, então com 84 anos, e conferiu projeção nacional ao artista, que acabou

escolhido personalidade cultural maranhense.

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Fig. 16: publicidade 2004a.

O segundo e terceiro anúncios67 tematizam o 37° aniversário da cidade

de Santa Inês e são formatados cromaticamente em preto e branco por

questões técnicas, já que os jornais do município não imprimem em cores. Em

um (fig.17), a mineradora tenta se aproximar das camadas mais populares

elencando textos verbais como "por zelar e preservar a cultura de seu rico

folclore" e "inventivo artesanato que conta um pouco da história de sua gente".

No outro (fig.18), o texto verbal interessa-se em ressaltar o desenvolvimento da

cidade, como em "37 anos de Santa Inês. Parece pouco para quem já cresceu

tanto", "A Companhia Vale do Rio Doce sente orgulho em contribuir para o seu

desenvolvimento, gerando emprego e renda", "Acima de tudo, gerando

cidadania".

67

Os dois anúncios tematizam o mesmo objeto, porém, apurou-se que apenas um foi aprovado. Diante da impossibilidade de confirmação de qual foi escolhido, optamos por analisar os dois.

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Fig. 17: publicidade 2004b.

Fig. 18: publicidade 2004c.

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124

Na figura 18, o enunciador busca se mostrar parceiro, pois Santa Inês é

uma das cidades na rota da EFC. A ideia de desenvolvimento apregoada

resume-se a "geração de emprego e renda". Entretanto, não se diz quantos

empregos foram gerados ou em quanto a renda cresceu. A ligação com a

realidade social local é fraca, sobretudo quando figurativiza os moradores a

partir de uma família com traços americanizados: o biótipo não reflete as

famílias locais. A população maranhense é uma das mais miscigenadas do

país, fruto da mistura de diferentes etnias, e, em especial, a indígena e a

quilombola. O ideal de parceria "onde tem gente, a Vale está presente" é

retomado na assinatura: "Companhia Vale do Rio Doce. Compromisso com

Santa Inês e sua gente". "Sua gente" é sui generis, pois, conforme

destacamos, a gente não é exatamente o que está representado na foto

selecionada. Ao extremo, entendemos que sua gente é o enunciador se

referindo a si mesmo, ou seja, aos funcionários da própria mineradora que

residem e trabalham na cidade.

Enfocando no tema cultural partir do Maranhão Vale Festejar, o último

anúncio do ano dedica-se ao lançamento da parceria entre a mineradora, o

Convento das Mercês e a Sociedade Artística e Cultural do Maranhão. O

evento mantém-se ativo e concentra-se em prolongar as festividades populares

juninas ao longo de julho. Sintetizando a temática cultural a partir do bumba-

meu-boi, o texto verbal realça quem promove o evento ao citar diretamente a

mineradora. Além disso, ao utilizar figuras do São João, o enunciador busca

efetuar uma aproximação social mais contundente, pois a festa junina é

eminentemente popular – diversamente do cinema e teatro. Essa aproximação

encorpa-se pela gratuidade do acesso ao local das apresentações, apesar

disso não ser textualizado. Além disso, esse estreitamento é evidenciado pelas

seguintes escolhas textuais: "apresentações do que há de mais representativo

no bumba-meu-boi, cacuriá, tambor de crioula, shows de artistas da terra", ou

seja, apresentações essencialmente populares.

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125

Fig. 19: publicidade 2004d.

Por fim, computamos mais um ano em que a cultura foi temática central

do agendamento publicitário, porém, diferentemente dos enquadramentos

anteriores, o enunciador concentrou-se no apoio à cultura popular local. A

questão ambiental, por sua vez, pelo segundo ano não foi sequer mencionada.

3.7 O ANO DE 2005

Este ano registra cinco campanhas distintas. De cunho cultural, o

primeiro anúncio figurativiza o cinema mais próximo da população. Nele, o

enunciador declara que "investir em cultura é investir no maior bem de um

povo". O projeto é apresentado como continuação do Festival Guarnicê de

Cinema, sendo que as sessões, ao invés de realizadas no Centro Histórico,

acontecem nas áreas livres do Itaqui-Bacanga, região periférica de São Luís

onde a mineradora está instalada.

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126

Fig. 20: publicidade 2005a.

Apesar dos escolhidos para compor o anúncio figurarem sem

identificação, o texto verbal induz tratar-se de moradores da região. Esse

pensamento é reforçado quando o enunciador salienta: "É a Companhia Vale

do Rio Doce entrando em cena para levar cultura, lazer e arte para a

comunidade". Cultura, lazer e arte apresentam-se sintetizados na mostra de

películas premiadas. No anúncio, há um poste de iluminação, feito um projetor

cinematográfico, atrás dos espectadores. Essa estrutura não é característica

dos bairros de São Luís, com exceção do Centro Histórico. Essa escolha nos

direciona mentalmente ao local onde ela é abundante e, por tabela, à cultura

histórica local. O enunciador utiliza um jogo de modernidade e tradição ao

aportar figuras que transmitam o caráter de novidade e antiguidade. Exemplo: o

Festival Guarnicê, apesar de tradicional, apresenta-se como novo, pois realiza-

se em um local diferente do usual. Por fim, o anúncio retrata a periferia das

cidades brasileiras, onde impera a falta de iluminação e a reduzida opção de

cultura e lazer.

O segundo anúncio enfoca a Escola que Vale, projeto da Fundação Vale

do Rio Doce no qual a mineradora alega participar "ativamente da melhoria da

qualidade do ensino e da formação de milhares de pessoas". Com a chamada-

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127

título "Algumas matérias exigem uma participação maior", abas de um caderno

elencam disciplinas como "parceria", "ética", "respeito", "cidadania" e

"responsabilidade". A questão ambiental não é, novamente, sequer

mencionada.

Fig. 21: publicidade 2005b.

"Responsabilidade" é de significação difusa, porém, neste momento,

liga-se às questões sociais e não às ambientais. Há dois logotipos assinando a

peça: um utiliza o da mineradora, mas, no lugar de Companhia Vale do Rio

Doce, apresenta Fundação Vale do Rio Doce. O outro é o da Escola que Vale,

composto por diferentes silhuetas humanas estilizadas: há crianças, uma

mulher portando um caderno, um homem engravatado e um outro usando

capacete, equipamento de proteção individual. Todos estão de mãos dadas

realçando um movimento de construção coletiva. A oferta de complemento

educacional, ao aproximar mineradora e comunidades locais, ilustra o

sucateamento da educação pública brasileira. Esse aspecto ganha destaque

com o texto verbal final: "Mais com que contribuir com escolas em

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comunidades de Minas Gerais, Pará, Maranhão e Espírito Santo, a Vale está

mostrando a importância que algumas matérias tem para a vida".

O terceiro anúncio do ano volta ao tema da preservação. Porém,

diferentemente de 1999 - a preservação do habitat, da boa qualidade do ar,

enfim, a preservação como fruto da gestão ecoeficiente da mineradora -, este

anúncio liga-se a um traço histórico particular de São Luís: os azulejos.

Portanto, neste momento, a preservação apresenta-se ligada ao cultural e não

ao ambiental. Com o título "O início de uma nova história do patrimônio cultural

maranhense", o enunciador dispõe três volumes que catalogaram a riqueza

ajulejar do Maranhão. Em primeiro plano, destaca-se o volume "Catálogo dos

Azulejos das Cidades Históricas do Maranhão". Os outros apresentam-se

encobertos, sendo difícil desvendar seus respectivos títulos. O texto verbal é:

"Primeiro foram os azulejos de São Luís. A pesquisa se estendeu à toda a Ilha.

E agora escolas, bibliotecas e instituições culturais de todo o estado têm à

disposição o Catálogo de Azulejos das Cidades Históricas do Maranhão. É a

terceira etapa de um trabalho concreto de pesquisa e consulta sobre a

azulejaria maranhense, realizada pelo Centro de Criatividade Odylo Costa,

filho, patrocinada pela Vale. Um verdadeiro marco na preservação da nossa

história, eternizando um dos maiores símbolos do nosso patrimônio". Assim,

um dos volumes colocados em segundo plano parece ter tematizado o acervo

azulejar de São Luís; como o que figura em primeiro plano é o das cidades

históricas do Maranhão, fica em aberto o que seria o terceiro. O enunciador

ressalta que o material está disponível para diferentes públicos, inclusive para

o projeto Escola que Vale. Ou seja, um projeto para retroalimentar outros

projetos da empresa. A Vale, ao significar o ideal de preservação como

conservação da memória azulejar local, toma para si a memória e a história

azulejar da cidade. Sintomas desse pensamento são as construções verbo-

textuais "Nossa história" e "Eternizando um dos maiores símbolos do nosso

patrimônio". Nesse contexto, o enunciador busca aproximar empresa e

sociedade/estado, pois, ao colocar o patrimônio histórico como "nosso", insere-

se como empresa local, não como corporação transnacional, forasteira e

descompromissada com a realidade local.

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Fig. 22: publicidade 2005c.

O quarto anúncio retoma a temática ambiental e dá-se pelo lançamento

da pedra fundamental do Parque Botânico Vale. Este projeto, como veremos

mais a frente, se tornou fundamental na estratégia comunicacional da

mineradora. A peça apresenta como título "Quando o assunto é meio-ambiente,

as ações da Vale são como sementes: multiplicam-se.". Devido à baixa

resolução do anúncio, reproduzimos todo o texto verbal: "Bons exemplos

devem começar em casa. É com esta consciência que a Companhia Vale do

Rio Doce lança hoje a Pedra Fundamental do primeiro Parque Botânico de São

Luís, que será entregue em (ilegível). São 4.300m² de flora nativa preservada

dentro do Complexo Portuário de Ponta da Madeira, favorecendo sobretudo a

comunidade do Itaqui-Bacanga, mas aberto a toda a população de São Luís. O

projeto vem apoiar o Programa Ambiental da Vale através de passeios, visitas

orientadas, aulas, palestras, seminários entre outras atrações educacionais,

com o objetivo de disseminar iniciativas ecológicas. É mais uma semente

lançada para contribuir com a preservação da vida em nosso planeta.".

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Fig. 23: publicidade 2005d.

O enunciador reivindica possuir responsabilidade ambiental, pois investe

no primeiro parque botânico da cidade. Ao textualizar que "bons exemplos

devem começar em casa", o enunciador coloca novamente a mineradora como

uma empresa local, pois, ao investir em projeto ambiental no Maranhão, está

"investindo em casa". Ao mesmo tempo em que coloca o parque como

disponível para a população, o enunciador privatiza a área, pois a mesma

encontra-se nas dependências da mineradora. O acesso ao parque, apesar de

gratuito, dá-se mediante autorização da Vale.

O parque situa-se no Itaqui-Bacanga, periferia onde a mineradora

mantém parte de suas operações. Nesse contexto, ele surge como uma janela

de inserção e relação social em que a mineradora pode estabelecer vínculos

com as populações do seu entorno. O compromisso em preservar a vegetação

é realçado em "São 4.300m² de flora nativa preservada". Além disso, a

responsabilidade ambiental é colocada como de "responsabilidade múltipla",

pois o parque oportuniza a disseminação de ideais ecológicos a partir de

"passeios, visitas orientadas, aulas, palestras, seminários". Ou seja, com o

parque, a mineradora, além de fazer sua parte pela preservação, "educa" os

visitantes - e, em especial, os moradores das cercanias -, quanto aos temas

ambientais. Com isso, a responsabilidade ambiental é disposta em um outro

contexto: ela não deve ser erigida apenas sob a batuta da empresa, mas,

também, pela sociedade. Assim, há a transferência - uma coletivização - de

responsabilidades: a Vale, uma das maiores consumidoras de energia do país

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e responsável por considerável degradação ambiental, transfere para a

sociedade a "obrigação", mesmo que de forma compartilhada, em preservar.

O anúncio do lançamento da pedra fundamental figurativiza a temática

ambiental sob a dominante cromática verde: é o verde clássico que se

apresenta mais uma vez, pois o que se realça é a preservação da primeira

natureza, da vegetação, que, apesar de aberta ao público, figura intocada,

original. A imagem dispõe um globo terrestre, enquadrando o continente sul-

americano. Na parte superior há uma parábola, também na cor verde, a revesti-

lo. Esse artifício gráfico nos sugere que a questão ambiental está em uma

crescente, que o debate acerca da ecologia está se encorpando ao redor da

Terra. Esse pensamento reforça-se pelo textual-verbal "multiplicam-se", que

alimenta uma dupla leitura: além de sugerir que a mineradora se expande pelo

mundo (nesta época, a empresa se alavancou a partir de um forte programa de

compra do controle acionário de concorrentes), sugere que há uma aumento

dos projetos ambientais capitaneados pela Vale.

No anúncio anterior (fig.22), o enunciador colocou a mineradora como

uma empresa local. Neste (fig.23), a partir do globo, ele sugere que a empresa

tem presença global, não apenas local. O texto verbal que compõe a

publicidade referencia o "multiplicam-se" quando afirma que o parque botânico

"É mais uma semente lançada para contribuir com a preservação da vida em

nosso planeta.". O tom verde da peça, fortalecendo a dominante temática pela

cor, conta ainda com uma folha vegetal no background. Por fim, figuram no

anúncio não só o logotipo da CVRD, mas o do Parque Botânico. A dupla

presença de logotipos nos sugere que a mineradora, apesar de controlar o

acesso ao parque, busca demonstrar que o mesmo pertence à cidade e não a

uma empresa privada. A utilização de "São Luís" no logotipo, além de

particularizar o compromisso com o meio ambiente local, fortalece esse

entendimento. Contudo, apesar de publicizar "Parque Botânico São Luís", o

site da mineradora nomeia-o como "Parque Botânico Vale São Luís", o que

enfraquece a área como bem público - o que não é -, e a fortalece como bem

particular - o que, de fato, é. Em resumo: a temática ambiental volta à tona e,

mais uma vez, apresenta-se figurativizada pela dominante cromática verde. A

isso soma-se uma tentativa de embaralhamento, ora mostrando o parque como

bem público, ora destacando-o como área particular.

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A última campanha do ano destaca-se a partir do mote "Encontros" e

apresenta o significante Vale em duplo sentido. No primeiro anúncio, temos

como título: "Vale o encontro da consciência com a história". Sob esse prisma,

"Vale", "consciência" e "história" nos sugerem que a mineradora tem

consciência de sua atuação e presença; além disso, possui história (laços

históricos) com o Maranhão. Um casal compõe o layout do anúncio. Na parte

superior, há uma parede azulejar a tomar 60% da área disponível. O casal com

legenda a identificá-lo é: "Carlos e Zelinda Lima, estudiosos da história e

cultura do Maranhão". Portanto, não é um casal qualquer. A legenda surge

como o que Diana Luz Pessoa de Barros denominou "efeito de realidade ou de

referente":

"Por efeitos de realidade ou de referente, entendem-se as ilusões discursivas de que os fatos contados são 'coisas ocorridas', de que seus seres são de 'carne e osso', de que o discurso, enfim, copia o real" (1990, p.59).

Fig. 22: publicidade 2005e.

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Portanto, legenda e foto - e não um desenho pictográfico qualquer - nos

indicam que as pessoas são reais e que há, de fato, o "encontro da consciência

com a história". Os elementos textuais e visuais apresentam-se com a mesma

disposição topológica em todas as seis peças da campanha. Há a demarcação

das áreas da foto, do endereço eletrônico e do logotipo. Com isso, há uma

nítida visualização de quem assina a publicidade, ou seja, o enunciador busca

deixar claro quem promove os encontros, quem os torna possíveis, quem os

realiza. Além da moldura a demarcar os anúncios, existe um texto verbal

básico comum a todos. Ele se concentra no início e no fim da carga textual. O

início apresenta-se assim: "No Maranhão de todas as raças, no Maranhão de

tanta história e riquezas, valem os encontros". A partir daqui, o texto

particulariza-se com o tema de cada anúncio. Neste primeiro, o texto é:

"Encontro da tradição com o respeito. Do patrimônio com a preservação. Da

memória de um povo com o empenho no resgate de seus valores. Encontro de

quem faz com que apoia". No fim, sinaliza-se: "Vale compartilhar. Vale ser

maranhense. Vale ser brasileiro". O significante "Vale" tem neste momento um

duplo sentido: o da empresa Vale e o vale do verbo valer. Essas composições

textuais ressaltam os valores euforizados do compartilhamento, de ser

maranhense e de ser brasileiro, ligando a empresa a esses três modos de ser.

O anúncio, além de se referir à atuação do casal Lima, alude ao projeto de

catalogação azulejar capitaneado pela mineradora. "Preservação" apresenta-se

deslocada do âmbito ambiental e refere-se novamente ao patrimônio azulejar,

bem de natureza sócio-histórica e cultural. A "tradição" pode ser computada ao

casal por seu longo histórico em defesa da causa. O "respeito", por sua vez,

parece ligar-se especialmente à Vale. Na construção do anúncio há sempre um

jogo textual em que duas palavras aparecem relacionadas. Assim, há, de um

lado, a sociedade. Do outro, a mineradora. No caso de "tradição", há o

"respeito"; no "patrimônio", a "preservação". Há ainda o "encontro de quem faz

com quem apoia". Portanto, nesse sentido, a mineradora coloca-se como força

a conjugar encontros e possibilitar a conservação da riqueza local. A intenção

do enunciador reside em capitalizar-se, tornando-se elo fundamental para que

tais encontros aconteçam. Essa intenção é reiterada com sucessivas alusões à

mineradora. "Vale" é repetida de tal forma que se promove uma aliteração:

"Vale compartilhar. Vale ser maranhense. Vale ser brasileiro". Essa sequência

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coloca ainda a mineradora como local e nacional, não destacando desta vez

sua presença global. Neste ponto, ressaltamos que a reiteração discursiva em

colocar-se como local-nacional, a partir de repetição de frases e figuras,

demonstra a intenção da mineradora em não ser vista como estrangeira

espoliadora dos recursos naturais - ou mesmo como empresa que pouco

contribui onde atua.

O segundo anúncio apresenta o título "Vale o encontro do incentivo com

o talento". Seguindo a diagramação da campanha, exibe-se o músico Antônio

Vieira em dois momentos: a) em primeiro plano, o músico, seu violão e a

legenda "Antonio Vieira, compositor maranhense patrocinado pela Vale"; b) na

parte superior, o músico recebe aplausos no Teatro Arthur Azevedo. O

enunciador, neste ponto, situa-se como incentivador dos talentos locais e, ao

trazer a figura do músico pela segunda vez, reitera o apoio ao tema cultural. Na

parte superior do anúncio mostra-se a parte interna do teatro, com as

dependências ocupadas, o que nos sugere que a reforma patrocinada pela

Vale foi bem feita e o projeto - o encontro do incentivo com o talento - é um

sucesso, com ampla aceitação e participação popular.

Fig. 25: publicidade 2005f.

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O texto verbal esmiuça a temática cultural em "Encontro da diversidade

cultural com a valorização. Do artista com o seu reconhecimento. Da

criatividade com a percepção. Encontro de quem cria com o apoio e o aplauso".

O apoio é reivindicado mais uma vez, sendo destacado na legenda:

"Patrocinado pela Vale". Por fim, o texto verbal "Encontro da diversidade

cultural com a valorização" sugere que a mineradora interessa-se em valorizar

múltiplas manifestações culturais: o cinema, com o Festival Guarnicê de

Cinema, a música popular, com o Antonio Vieira e as manifestações artísticas

do Maranhão Vale Festejar.

O terceiro anúncio da campanha retoma um tema já abordado

anteriormente: a educação. A partir de "encontro de gente que dá as mãos para

crescer", o enunciador sobressai, em primeiro plano, a "professora Marlise

Garcês Feitosa, do Projeto 'Escola que Vale'". Perfeitamente identificada, a

professora veste uma camisa em que se vê o logotipo Escova que Vale. O

título "gente que dá as mãos" liga-se diretamente ao do projeto que, conforme

comentamos anteriormente, é composto por figuras humanas estilizadas,

crianças e adultos de mãos dadas. O texto verbal afirma: "Encontro da

dignidade com a cidadania. Do valor com o respeito. Dos anseios de quem

almeja, com novos caminhos e oportunidades. Encontro de gente que tem

muito a crescer com o otimismo e a fé no futuro". Há novamente o contraponto

dual: as pessoas buscam dignidade; a Vale, leva cidadania. A dignidade

depende da cidadania; as pessoas, portanto, da Vale. As pessoas têm valor; a

Vale, as reconhece e as respeita. A parte superior do anúncio mostra diversos

alunos, de ambos os sexos, olhando para o enunciatário. Todos estão sorrindo,

inclusive a professora, lotada na cabeceira da mesa. Na lousa, lê-se "Unidade

Escolar Anjo da Guarda. Manifestações culturais do Maranhão". O tema da

aula são as manifestações culturais do Maranhão, isso mesmo após a

sinalização, por parte da mineradora, de que o Parque Botânico seria um

espaço para aprendizado ecológico, com aulas, palestras, seminários etc.

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Fig. 26: publicidade 2005g.

Neste momento, portanto, a temática ambiental não aparece, sofrendo

total apagamento e não figurando nem mesmo de forma transversal,

complementar. O quarto anúncio também tematiza a educação. Certas figuras

se repetem, como a professora e os alunos sorridentes. A professora usa uma

camisa com o logotipo Escola que Vale. Mais uma vez há uma legenda

identificando de quem se trata: "Professora Maria Gomes, do Projeto 'Escola

que Vale". O título "Vale o encontro de gente que dá as mãos para crescer"

novamente referencia as mãos dadas do logotipo do projeto. A diferença entre

este anúncio (fig. 27) e o anterior é que aqui a mensagem se destina não a São

Luís, mas à Açailândia, interior do Maranhão. Assim, o enunciador amplia o

entendimento de que a Vale dá seu apoio não só na capital maranhense, mas

em outras cidades pelo interior.

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Fig. 27: publicidade 2005h.

Fig. 28: publicidade 2005i.

O quinto anúncio (fig.28) apresenta o título "Vale o encontro da

capacidade com a oportunidade". Sob esse prisma, a diagramação destaca

uma mulher trajando o uniforme da mineradora e uma legenda, ou seja, segue-

se o layout da campanha, que nomeia e particulariza quem nela aparece: "Ana

Teresa Silva, primeira mulher maquinista do Brasil". A mulher aparece com

colete laranja, capacete e óculos, equipamentos obrigatórios de proteção

pessoal. A legenda relaciona-se diretamente com o título da peça, pois, ao

mencionar "capacidade" e "oportunidade", tais termos são apresentados como

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sínteses do atual estágio do capitalismo neoliberal e globalizado: quem tem

capacidade terá oportunidade. Quem fizer por merecer, será recompensado. O

texto verbal finaliza com: "Encontro de quem quer trabalhar com o

reconhecimento. De quem acredita com a oportunidade. Da vontade com o

incentivo. Encontro de quem quer construir com a realização.". Nesse contexto,

novamente temos a Vale como fomentadora dos encontros: a mulher quer

trabalhar como maquinista, a Vale reconhece sua capacidade e a treina,

dando-lhe oportunidade. Ela acredita que pode ser uma desbravadora (a

primeira maquinista do Brasil), a Vale oportuniza. Enfim, o jogo relacional de

palavras persiste. A mineradora, ao reivindicar o apoio e o pioneirismo por

empregar a primeira mulher maquinista do Brasil, ressalta uma

"democratização" do acesso, de sua prática social e de sua prática discursiva,

pois amplia o lugar social da mulher ao colocá-la numa seara dominada por

homens. Fairclough entende a democratização do discurso como:

"(...) a retirada de desigualdades e assimetrias dos direitos, das obrigações e do prestígio discursivo e linguístico dos grupos de pessoas. (...) Um exemplo é o aumento no número de mulheres que conquistam acesso a posições na área jurídica (embora mais juízas e advogadas nas cortes baixas do que nas altas cortes), ou na educação superior ou na médica" (2010, p.248-250).

Acima da imagem da mulher, o enunciador destaca um trem em

movimento. O céu é apresentado semelhante ao propagandeado em 1999, ou

seja, límpido, sem manchas e sem poluição. Apesar de não ter tematizado o

meio ambiente por anos, a gestão ecoeficiente da mineradora parece ser

perfeita: a Vale faz crer que as coisas continuam a funcionar do mesmo jeito -

ou seja, sua gestão ecoeficiente continua a existir conforme os anúncios da

primeira campanha publicitária realizada no estado. Em resumo: apesar de não

tematizar o meio ambiente no período, a mineradora continua operando e, ao

mesmo tempo, mantendo o céu azul, límpido, sem máculas.

O sexto anúncio (fig.29) apresenta um funcionário usando, além do

uniforme, capacete e óculos de proteção. A peça o destaca em primeiro plano

e na parte inferior esquerda: "Alan Robson Campos, operador de carregador de

navio no Terminal Marítimo Ponta da Madeira". Na parte superior, há um navio

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ancorado. Como título, "Vale o encontro da terra com o mar". O texto verbal é:

"Encontro das potencialidades com a produção e o desenvolvimento. Da

transformação com a geração de emprego e o progresso. Encontro de uma

terra que produz, com o mar, que amplia fronteiras.".

Fig. 29: publicidade 2005j.

Nesse contexto, o porto ludovicense representa uma "arma estratégica

para o desenvolvimento", sobretudo por suas particularidades, como extensão

e profundidade. Em paralelo, a mineradora representa a si mesma em

"produção e o desenvolvimento", "geração de renda", "progresso". O jogo de

palavras segue a disposição que intercala mineradora e sociedade/Maranhão.

Por fim, há a correlação do texto verbal mais longo com o título: "Encontro da

terra que produz, com o mar, que amplia fronteiras". Esse encontro é realçado,

pois a mineradora atua nessas duas frentes: na terra, a partir da extração dos

minérios; no mar, a partir da exportação e transporte desse e de outros

produtos. Não há, nesta relação terra-mar, referência à terra explorada pela

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Vale, à devastação causada pela mineração, tampouco ao alto consumo de

água ou ao cerceamento da pesca para a comunidade que reside nas

proximidades do porto administrado pela mineradora.

Nesta última campanha de 2005, a questão ambiental não foi sequer

mencionada. Durante o ano, o único momento em que tal temática foi tornada

visível foi quando do lançamento da pedra fundamental do Parque Botânico.

Nas demais peças, o enunciador concentrou-se em temas sociais e culturais,

como o apoio a: manifestações culturais, educação e catalogação e

conservação do patrimônio azulejar. Portanto, a localização socioespacial da

mineradora praticamente ignorou a responsabilidade ambiental, encarado-a

apenas pontualmente.

A estrutura temática das campanhas de 2005, especialmente esta última

que gravita em torno do ponto nodal encontros, realçou a desimportância da

temática ambiental para a mineradora. Isso fica evidente a partir do

agendamento temático realizado. Há quase o inverso da primeira campanha

publicitária: em 1999, quatro dos cinco anúncios tematizaram diretamente a

questão ambiental. Em 2005, apenas um entre dez a tematizou.

3.8 O ANO DE 2006

O ano registra três campanhas. A primeira, com apenas um anúncio,

versa sobre as sessões de cinema em praça pública. A segunda, com quatro

anúncios, retoma a tematiza cultural, mas elenca um novo foco: a Via Sacra.

Espetáculo realizado pelos moradores do Anjo da Guarda (bairro da área

periférica Itaqui-Bacanga), a peça teatral a céu aberto encena o calvário das

últimas horas de Cristo. Segundo a publicidade, o espetáculo é "Uma paixão

que envolve mais de 1200 pessoas" no qual "Todos [os moradores] têm um

papel na história". Apesar de realizado desde 1980, só a partir de 2006 é que a

mineradora começou a apoiar o projeto - o que é estranho, pois essa

manifestação cultural é extremamente popular, atraindo, em média, a cada

ano, 150 mil pessoas, além de ser criação de moradores do entorno da

mineradora.

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Fig. 30: publicidade 2006a.

As peças concentram-se em valorizar os moradores-artistas. Em uma

delas (fig.30), há a reprodução da própria apresentação com os atores em

cena. Entretanto, diferentemente da campanha anterior, não há legendas a

identificar ninguém. Em outra peça (fig.31), mostra-se o zelo do preparo

artístico das indumentárias. Com o título "O milagre da fé transformada em

arte", o enunciador publiciza um mosaico de pessoas a trabalhar na confecção

dos materiais e, ao lado, o seguinte texto verbal: "uma homenagem a toda a

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comunidade do Itaqui-Bacanga, que mantém esta tradição com talento e

orgulho".

Fig. 31: publicidade 2006b.

A assinatura da peça é apresentada quase no centro e, com a

combinação de cores, parece não pairar dúvidas sobre quem a realiza, ou, nos

dizeres do enunciador, qual é "A empresa que mais investe em cultura no

Maranhão". Neste momento, ao falar em "homenagem", o enunciador

reconhece a dedicação da comunidade em realizar as apresentações. O

sacrifício (as dificuldades de uma produção artística) relaciona-se diretamente

com a religiosidade, especialmente em "milagre da fé" e "transformada em

arte". Realçando esse "poder de superação", "fé" figura com destaque -

apresenta-se no mesmo tom de vermelho do sangue que jorra do logotipo do

projeto.

Após a campanha "Encontros", a Vale interessou-se por auferir a

quantas andava sua "imagem de marca". Para tanto, realizou uma pesquisa de

opinião que apontou como resultados positivos: "aumento da percepção

positiva da empresa", "população absorveu a atuação da Vale, em especial no

campo da cultura". Como negativos: "lacunas na percepção do que a Vale

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realmente faz", "Muita resistência em compreender a contribuição da Vale para

a economia do estado", "A Vale é uma empresa 'de fora' que pouco emprega e

pouco deixa de dinheiro no MA". Com esses indicativos em mente, a campanha

"Do seu lado" dividiu-se em três etapas e contou com elevado número de

peças publicitárias. Há desde comerciais para TV de 30" e 60", spots

radiofônicos e anúncios de diferentes formatos em jornais até outdoor, busdoor,

anúncios em relógios públicos etc. Como esta investigação se concentra nos

anúncios publicados em jornais, são esses que aqui estão selecionados.

Para combater os pontos negativos e potencializar os positivos, a

mineradora divulgou as diferentes formas em que se fazia presente, ou seja, a

sua atuação, participação e contribuição no Maranhão. No primeiro anúncio, o

ponto nodal da campanha faz-se logo visível: "Do seu lado". A ideia do

enunciador parece ser se mostrar presente, estar junto, colocar a mineradora

como partícipe do processo de desenvolvimento do estado. O anúncio compõe-

se de foto e legenda: "Marcos Freitas, empresário". O textual-verbal é: "Ele é

proprietário de uma das 155 empresas maranhenses que prestam serviço à

Vale".

Fig. 32: publicidade 2006c.

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144

Ao nomear o empresário, fortalece-se a veridicção, pois não se trata de

um empresário qualquer ou um ator hipotético na figura empresarial. É um

empresário real. Além disso, destaca-se que ainda existem 154 empresas que

poderiam figurar no anúncio. Não é uma estimativa qualquer, como "mais de

cem empresas". É um número exato em que o enunciador salienta o

compromisso e os vínculos locais.

O segundo anúncio (fig.33) apresenta um homem sentado em uma

poltrona com a seguinte legenda: "Telmo Cordeiro, empresário". Ele

representa, como a própria publicidade enfatiza "um dos 8.700 passageiros que

toda semana usa o trem da Vale para viajar". Assim, o enunciador realça uma

contrapartida da EFC: o trem não serve apenas para transportar minérios, ou

seja, não destina-se exclusivamente às atividades logísticas da mineradora,

mas para levar saúde e assistência, conforme vimos no anúncio de 2002 e,

agora, para transportar passageiros.

Fig. 33: publicidade 2006d.

Retornando à questão dos patrocínios, a publicidade apresenta "Cláudio

Silva, diretor teatral". "Ele é um dos 1.340 maranhenses que emprestam seu

talento em espetáculos patrocinados pela Vale".

Fig. 34: publicidade 2006e.

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145

O tema cultural é novamente figurativizado na figura 34. O homem que

ilustra a peça é o diretor do espetáculo Via Sacra. Neste ponto, destacamos

que a mineradora replica o uso de algumas imagens em seus anúncios,

aproveitando-as em diferentes campanhas e em diferentes anos. A repetição

dos temas segue o mesmo ritmo, ou seja, sofre idas e vindas.

A campanha prossegue com o anúncio que traz "Wagner Lima Mendes,

beneficiado pelo projeto Escola que Vale" (fig.35). Aqui, o enunciador visa o

campo educacional, mostrando que o menino é "um dos 4 mil cidadãos

beneficiados com os projetos sociais apoiados pela Vale no Maranhão". Em

todas as peças, vê-se a intenção do enunciador em colocar a mineradora como

empresa próxima da sociedade. Ou seja, a publicidade mostra-se focada em

responder aos problemas apontados na pesquisa de opinião pública.

Fig. 35: publicidade 2006f.

A geração de empregos também foi tema. No ano anterior, vimos a

empresa proclamar que gera "emprego, aumento de renda, progresso". Agora

o tema é figurativizado por meio de quatro funcionários da Vale, devidamente

fardados e identificados: "Victor Wagner, Alvelinda Sena, Abraão Abelin e

Maria Carolina, gente que faz a Vale". Aqui, não se trata de quaisquer

funcionários, mas daqueles que são "gente que faz a Vale". O texto verbal

encorpa-se quando assegura que "No Maranhão, 7 entre 10 empregados da

Vale são maranhenses". A partir desse valor, o enunciador ressalta que seus

funcionários participam diretamente do desenvolvimento econômico do

Maranhão. Esse dado é posto como real, sendo comprovado pela foto dos

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funcionários que servem de materialização do compromisso entre empresa e

sociedade.

Fig. 36: publicidade 2006g.

Conforme salientamos, a campanha "Do Seu Lado" apresentou etapas

distintas em que diferentes dispositivos midiáticos foram utilizados. O que

diferencia uma etapa da outra é o layout dos anúncios, a sua quantidade, seus

formatos e os locais em que foram publicados. Contudo, todas as peças

congregam-se no mesmo ponto nodal: a presença, a proximidade, o estar junto

da população. A figura 37 reproduz o anúncio utilizado na segunda e terceira

etapas.

Fig. 37: publicidade 2006h.

A peça publicitária continua a valorizar o ponto nodal e compõe-se a

partir de uma montagem fotográfica. Há uma foto que nos remete a uma

família. Como não existe legenda, não há segurança de que os indivíduos

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constituam, de fato, uma família. A mulher veste farda da mineradora. No lado

esquerdo, há um trem em operação. No direito, uma casa. Há ainda, no canto

superior direito, uma "caixa de texto": "É possível perceber mudanças na

cidade com a presença de uma grande empresa. Além do aquecimento da

economia e de maior arrecadação de impostos, os milhares de novos

empregos movimentam o mercado gerando mais opções de comércio e

serviços. Mas a Vale sempre busca um envolvimento maior com as

comunidades das regiões onde atua. Enxerga talentos. Forma profissionais.

Incentiva a cultura. Preserva a memória. Atua no campo social. Sempre com o

orgulho de poder estar do lado do talento e do potencial de nossa gente". O

enunciador julga ter abordado todos os aspectos negativos e positivos

identificados na pesquisa de opinião pública. A questão "muita resistência em

compreender a contribuição da Vale para a economia do estado" foi foco

especial da publicidade, que se ocupou em expor a empresa como um agente

que fomenta a economia, gera impostos e cria empregos que movimentam o

comércio e os serviços. Em resposta à questão "população absorveu a atuação

da Vale, em especial no campo da cultural", há "Enxerga talentos. Incentiva a

cultura". O enunciador salienta ainda que "preserva a memória", fato que nos

remete à preservação do patrimônio azulejar debatido em ocasião anterior. No

fim do texto verbal, o enunciador dissemina, mais uma vez, seu desejo de

figurar como empresa local: "com orgulho de poder estar do lado do talento e

do potencial de nossa gente".

Nesta que é a maior campanha publicitária até então, a questão

ambiental continuou a sofrer um total apagamento. O agendamento temático

elencou temas socioeconômicos como emprego, cultura, educação etc.

Entretanto, a visibilidade da temática ambiental foi nula. Os contratos

estabelecidos a partir do ponto nodal "Do Seu Lado", ou seja, do ponto nodal

da proximidade, versaram sobre diversos aspectos da relação empresa-

sociedade, menos da questão verde. Os textos apresentados até aqui refletem

o que seria a prática sociodiscursiva da mineradora: a empresa é parceira do

Maranhão, contrata empresas locais, emprega maranhenses, investe na cultura

e nos talentos locais etc. Contudo, neste momento, a empresa idealizada pelo

enunciador não tematizou a questão ambiental em momento algum, destinando

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seus investimentos, sua atenção e sua publicidade a outras questões que

parecem ser mais importantes.

3.9 O ANO DE 2007

Como só no fim de 2007 ocorreu a alteração da identidade visual da

mineradora, as peças publicitárias do ano ainda apresentaram o logotipo

antigo. Registra-se duas campanhas. Uma é "homenagem" ao aniversário de

São Luís. Para tanto, produziu-se um quebra-cabeças a partir de uma fachada

colonial. O anúncio reproduziu a imagem do quebra-cabeças.

Fig. 38: publicidade 2007a.

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A disposição topológica coloca um poste de iluminação - aquele mesmo

das sessões de cinema nas comunidades - em destaque, com uma mão a

montar o quebra-cabeças. Apresenta-se como título: "As grandes histórias são

contadas por pequenos detalhes.". O texto verbal traz: "Com um acervo

azulejar de beleza incomparável que ultrapassa gerações, São Luís

resplandece arte, cultura e história. E, nesta data tão importante, a Vale

reafirma o seu compromisso com a revitalização e preservação do acervo

histórico e artístico da cidade. O Projeto Inventário de Azulejos do Maranhão é

um exemplo disso. Patrocinado pela Vale, o trabalho foi desenvolvido durante 3

anos de pesquisa, para reunir e consolidar toda a nossa arte azulejar. O

compromisso da Vale é o compromisso de todo ludovicense: contar esta

grande história detalhe por detalhe". Com a temática sociocultural como pano

de fundo, o enunciador demonstra valorizar o acervo azulejar, tanto que

patrocinou um inventário de sua diversidade. "Revitalização" e "preservação"

colocam a mineradora como salvadora e mantenedora dessa beleza histórica e

artística. Preservação, mais uma vez, não se liga ao ambiental. Ao promover

revitalização e preservação, a Vale, além de realçar seu compromisso,

coletiviza o dever de proteger que, de acordo com a publicidade, é "de todo

ludovicense". A mão completando o quebra-cabeças surge como uma

participação efetiva: a Vale mostra-se integrada à cultura local, faz sua parte e

ainda convida a sociedade a fazer a dela. A assinatura, mais uma vez, mostra-

se visível tanto em termos cromáticos, quanto topológicos: não há dúvidas de

quem preserva, valoriza e revitaliza São Luís.

A outra campanha do ano, que conta com vídeo veiculado

nacionalmente e quatro anúncios exclusivamente publicados no Maranhão,

gravita em torno do questionamento "É possível?". Com essa abordagem, o

enunciador interessa-se em desmaterializar o aspecto concreto, pesado e

poluidor da extração mineral. Para tanto, apresenta a mineração - e a Vale, por

conseguinte - como fundamental na transformação do minério em uma lista

euforizada de acontecimentos. O artifício é questionar e, ao mesmo tempo,

ligar o minério a situações positivas, proveitosas, idealizadas. Começa-se com:

"É possível transformar minérios em sonhos?". Como ancoragem, oferece-se

um foguete sendo lançado. O questionamento prossegue: "É possível

transformar minérios em caminhos?". Como ancoragem, apresenta-se uma

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ferrovia no meio da selva e um cadeirante descendo uma rua. A publicidade, ao

expor Torre Eiffel e Cristo Redentor, indaga: "É possível transformar minérios

em orgulho?". Novamente, busca-se transformar a materialidade do minério

poluidor em uma idealização feliz, culturalizada, ligada à vida afetiva, a um

signo euforizante. O programa gerador de sentidos vai do negativo - o minério

ruim, pesado e poluente - ao positivo - o minério leve, culturalizado,

transformado. Em "É possível transformar minérios em união?", um homem

pede uma mulher em casamento. O foco centra-se na aliança, demarcando

que a joia e a cena romântica só foram possíveis porque houve minério

extraído, ou seja, sem a Vale não há minério. Sem minério, não há vida afetiva

e cultural. Em suma: para a vida valer, precisa-se da Vale. Em "É possível

transformar minério em educação?", crianças e professores em sala de aula

nos remetem ao projeto Educação que Vale. Em "É possível transformar

minérios em criatividade?", a ancoragem fica por conta de uma orquestra e,

assim, destaca-se a dupla presença da mineradora, que está nos instrumentos

musicais e na orquestra, pois patrocina a Orquestra Sinfônica Brasileira. Em "É

possível transformar minérios em vida?", mostra-se sala cirúrgico-pediátrica,

com equipamentos médicos e um bebê numa incubadora. Mais uma vez e,

literalmente: não há vida sem Vale. Em "É possível fazer tudo isso respeitando

as culturas locais", exprime-se uma luta de capoeira e destaca-se que a

mineradora, ao localizar-se numa multiplicidade de culturas, as valoriza

integralmente. Em seguida, pergunta-se: "e contribuir para o mundo em que

vivemos?". Revela-se então um globo terrestre visto do espaço e a resposta:

"Sim, é possível.". Aqui, amplia-se o discurso: em momento algum há

indicativos de um local específico e, com a imagem do globo, o enunciador

promove um programa de participação ampla e positiva em todo o mundo.

Assim, alega "contribuir para o mundo em que vivemos" ao transformar minério

em elementos euforizados: sonhos, caminhos, orgulho, união, educação,

criatividade, vida - tudo isso sem esquecer de respeitar e valorizar as

diferenças culturais de cada local.

Conforme dito anteriormente, a campanha, além do vídeo, possui 4

anúncios. Eles tematizam quatro focos distintos: cultura, logística,

responsabilidade social e meio ambiente. O da temática cultural apresenta um

mosaico com 3 imagens: na parte superior e em tamanho maior, há o bumba-

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meu-boi, manifestação cultural popular. Abaixo e mais ao lado, há o espetáculo

Via Sacra. Por fim, na parte inferior, há recortes de diferentes azulejos. O

logotipo da Vale aloja-se no canto inferior direito e continua em destaque, sem

sofrer sobreposição - o que evidencia o responsável pela comunicação. Na

parte superior, indaga-se: "É possível uma das maiores empresas do mundo

viver a diversidade cultural de cada lugar onde está presente? Sim, é

possível.". Com isso, a mineradora é colocada como uma gigante empresarial

vivente da diversidade cultural dos lugares onde atua. O questionamento

apresenta-se em cor diferente da resposta. Na pergunta, o branco predomina.

Na resposta, ou seja, no "Sim é possível.", utiliza-se o amarelo. Essa

alternância sugere que quem pergunta não é quem responde - ou que há uma

transformação entre pergunta e reposta. O "Sim, é possível." talvez seja a

materialização do "impossível" (ou do que é difícil) promovida pela mineradora.

Fig. 39: publicidade 2007b.

O texto verbal, localizado no fundo vermelho, traz: "O compromisso da

Vale em investir nas comunidades onde está presente vem de um discurso

maior de ajudar a promover o desenvolvimento sustentável do país. Conhecer,

respeitar, valorizar e divulgar cada movimento cultural nada mais é do que sua

atitude como empresa socialmente responsável. E o Maranhão é um dos

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estados onde a Vale mais investe em projetos de incentivo à cultura e

preservação do patrimônio. Vale Festejar, Via Sacra, Viver o Desterro e os

Catálogos de Azulejos são iniciativas de sucesso, que conquistaram o gosto

popular do maranhense. Porque é possível, sim, uma empresa ter visão de

mundo, mas com o sotaque de cada região.". A mineradora fala em

"compromisso em investir em comunidades" e, pela primeira vez,

"desenvolvimento sustentável". O enunciador classifica-se como "socialmente

responsável" por "conhecer, respeitar, valorizar e divulgar cada movimento

cultural". Desenvolvimento sustentável, portanto, figura aqui sem relação com o

aspecto econômico. Tampouco se liga à questão ambiental. Na peça, outros

projetos são listados, como o Vale Festejar, a Via Sacra e os Catálogos de

Azulejos. Neste momento, o enunciador significa desenvolvimento sustentável

apenas como compromisso social, ignorando completamente a

interdependência entre a questão social, econômica e ambiental.

O anúncio que tematiza a logística destaca uma linha férrea, um

funcionário fardado e, em foto maior, uma embarcação no TPPM. A posição do

funcionário nos remete indiretamente a um dos grandes problemas da

mineradora: os atropelamentos. Aparentemente, isso foi ignorado. O título

questiona: "É possível uma empresa se expandir pelo mundo e ao mesmo

tempo investir em cada lugar onde está presente? Sim, é possível.".

Fig. 40: publicidade 2007c.

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Novamente há o jogo de cores: no questionamento, predomina o branco.

Na resposta, o azul - que também continua-se no background em que o "Sim, é

possível." é enfatizado. O texto encaminha: "O compromisso da Vale em

investir nos lugares onde está presente vem de um discurso maior de ajudar a

promover o desenvolvimento sustentável do país. A história da Vale no

Maranhão passa pela geração de empregos, aquecimento da economia e

aumento na arrecadação de divisas. Mas a atitude da Vale historicamente

atravessa a fronteira da economia e beneficia também o social, o cultural, o

logístico. São as melhorias na ferrovia e no porto, o trabalho de capacitação

profissional, a valorização e divulgação da cultura e do patrimônio, as ações

sociais que geram oportunidades. Porque o trabalho da Vale, aqui no

Maranhão, com o maranhense, ajuda sim a Vale a ser uma empresa de

sucesso no Maranhão, no Brasil e no mundo.". O enunciador novamente fala

em "discurso sustentável" e destaca, como prova do compromisso, a "geração

de empregos, aquecimentos da economia e aumento na arrecadação de

divisas". Na frase seguinte, lê-se que os investimentos perpassam "social, o

cultural, o logístico": a tentativa de elencar múltiplos investimentos mostra a

participação e importância da mineradora. Contudo, vimos que as melhorias

infraestruturais atendem essencialmente à própria empresa. O enunciador

estende a multiplicidade de investimentos em "capacitação profissional, a

valorização e divulgação da cultura e do patrimônio" e, ao mesmo tempo, a

destaca como melhorias coletivas perceptíveis. Por fim, o texto verbal elenca

"(...) o trabalho da Vale, aqui no Maranhão, com o maranhense..." como

resposta à pouca contrapartida da mineradora. Aqui, retoma-se a campanha

"Do Seu Lado", que expôs que 7 entre 10 empregados no estado são

maranhenses.

O anúncio que tematiza a responsabilidade social (fig.41) insiste no

mosaico: na parte inferior, há um grupo de pessoas com canetas a riscar um

papel. Ao lado, um funcionário paramentado em frente à ferrovia. Na parte

superior, uma família. O título propõe: "É possível crescer contribuindo com o

desenvolvimento das pessoas e comunidades do Maranhão? Sim, é possível.".

Aqui, o texto verbal, diferentemente do anterior, não enfatiza desenvolvimento

sustentável, mas apenas desenvolvimento.

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Fig. 41: publicidade 2007d.

O texto apresenta-se: "O compromisso da Vale com os maranhenses vai

além dos investimentos sociais realizados pela Fundação Vale do Rio Doce no

estado. São mais de 13 mil postos de trabalho, programas de capacitação para

fornecedores e mão-de-obra local, patrocínios de ações culturais que valorizam

manifestações do estado, ações educativas ao longo da Estrada de Ferro

Carajás, além da utilização de modernas tecnologias para o controle ambiental

de suas operações, como o uso do biodiesel nas suas locomotivas. Vale. Junto

dos maranhenses pelo desenvolvimento.". O enunciador ocupa-se em firmar, a

partir da Fundação Vale do Rio Doce, o envolvimento da mineradora, que

aparece nos patrocínios culturais, na criação de postos de trabalho e na

capacitação profissional. Por fim, a questão ambiental é cortejada

marginalmente quando se fala em "utilização de modernas tecnologias para o

controle ambiental de suas operações, como o uso do biodiesel nas suas

locomotivas.". Há novamente a união entre ciência e tecnologia como

facilitadora do controle ambiental. O uso do biodiesel, energia renovável, é

tomado como prova do compromisso.

O último anúncio da série tematiza diretamente o meio ambiente. O

moisaco reproduz uma área verde, mãos segurando uma semente e, na parte

superior e em tamanho maior, vitórias-régias acompanhadas do título "É

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possível uma mineradora ajudar o Maranhão a preservar o meio ambiente e

ainda gerar riqueza social? Sim, é possível.".

Fig. 42: publicidade 2007e.

O verde está por todos os lados, cercando a Vale em todos os cantos. A

dominante cromática da natureza clássica perpassa toda a peça,

apresentando-se no título, que conta com o artifício "pergunta e resposta", no

background da "caixa de texto" e nas outras fotos do anúncio. O compromisso

ambiental é esmiuçado no texto verbal: "A Vale tem muitos projetos de

preservação ambiental pelo Brasil. Um dos maiores será o Parque Botânico de

São Luís. Este projeto visa resguardar o ecossistema maranhense,

preservando em 1.000.000m² diversas espécies nativas da nossa floresta

tropical. A criação dessa área tem objetivo claro dentro do compromisso da

Vale: enriquecer o Maranhão com pesquisa, lazer e informação sobre o meio

ambiente do estado. É assim que uma empresa socioambientalmente

responsável pensa, é assim que a Vale faz.". O enunciador interessa-se em

pontuar a existência de projetos ambientais e, nessa diretriz, destaca o Parque

Botânico São Luís, "um dos maiores". Há nova tentativa de inserir a mineradora

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como próxima à sociedade com "nossa floresta tropical". Há, nesse contexto,

uma apropriação direta de parte do ecossistema maranhense, uma vez que o

parque, antes espaço público, transformou-se em território privado - a despeito

do "nosso" da mineradora.

As narrativas apresentadas até aqui centraram-se especialmente nas

questões socioculturais, colocando a Vale envolvida com os maranhenses: a

empresa fomenta empregos e melhora a qualidade de vida, oportuniza lazer e

complemento educacional, gera divisas, capacita profissionais e apóia, com

patrocínios, diferentes manifestações artísticas, ou seja, mesmo global,

pleiteia-se o reconhecimento pela dedicação e compromisso aos aspectos

locais de cada lugar onde está inserida. A temática ambiental, por sua vez,

continua pouco agendada e a sofrer idas e vindas, ora sofrendo destaque, ora

tornando-se completamente apagada - o que nos sugere que a questão verde,

mesmo depois de tantos anúncios, continua em segundo plano.

3.10 A MUDANÇA DA IDENTIDADE VISUAL

Um logotipo expressa um posicionamento empresarial e tem como

objetivo identificar, em meio ao mundaréu de marcas, a identidade de cada

corporação. Nesse contexto, "lançamentos de rebranding são, em termos

corporativos, como nascer de novo" (KLEIN, 2003, p.152). No mundo em que

os traços distintivos são dados pelas marcas, o logotipo da Vale foi

redesenhado a partir de uma série de atributos. Para a mineradora, atributos de

marca

"são os orientadores de como a empresa interage com seus públicos de interesse. Os atributos de marca representam as formas de agir de uma empresa, ajudam a dimensionar o posicionamento e expressam a personalidade da organização" (VALE, 2008).

Portanto, há uma lista de atributos a nortear a relação da mineradora

com diferentes públicos. No primeiro item - "Integração com a Comunidade", a

mineradora coloca seu compromisso com a responsabilidade socioambiental.

Essa partida inicial demarca que as narrativas tornarão a questão verde mais

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visível. É necessário destacar que, ao falarmos de marca, não estamos

tratando das de bens de consumo, uma vez que o minério não possui marca

distintiva pública. Não se compra minérios de forma direta. Sob esse prisma, a

alteração da identidade visual surge como a busca por um novo

posicionamento - nele, materializa-se um forte esverdeamento como forma de

responder à crescente expansão da exploração. Ou seja, promove-se uma

"inversão simbólica": aquela que poderia ser apontada como grande poluidora

ou agente destruidora do meio ambiente, reconstrói-se como paladina da

responsabilidade socioambiental.

Fig. 43: atributos (VALE, 2008)

Nesse quadro, o Parque Botânico surge como a principal arma retórica

da estratégia. No novo posicionamento, alinha-se também o nome: não há

Companhia Vale do Rio Doce, Rio Doce, Companhia Vale, CVRD etc. Há

apenas Vale. Isso, além de aproximar a empresas de seus diferentes públicos,

promove "unidade", pois traz elementos mais facilmente reconhecíveis. "Nesse

sentido, a Vale reconheceu que uma revitalização de sua marca possibilitaria

um aumento de sua licença social para operação." (SILVA, 2010, p.118).

O manual da nova marca traz elementos que ajudam a entender a nova

identidade. Como "Missão", apresenta-se a transformação de "recursos

minerais em riqueza e desenvolvimento sustentável.".

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Fig. 44: missão, visão e valores (VALE, 2008).

Como valores da "nova Vale", há a "ética, transparência,

responsabilidade econômica, social e ambiental, respeito à vida, respeito à

diversidade e o orgulho de ser Vale". A multiplicidade de maneiras pelas quais

a mineradora era conhecida é também alvo do manual.

Fig. 45: nomes (VALE, 2008).

A unificação do nome, além de encerrar a "identidade fragmentada",

gera uma sinergia facilmente identificável pelo público e pelo mercado.

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Fig. 46: antes e depois.

O design do novo logotipo utilizou diversos elementos que deveriam ser

associados à marca. O "V" remete ao nome da mineradora, à vitória e à

palavra "valor", fator fundamental para quem está sempre focada em gerar

dividendo aos acionistas.

Fig. 47: V (VALE, 2008).

O design buscou um símbolo global - um coração - como forma de criar

empatia. A partir daí, o manual de aplicação defende: "coração da Vale,

empresa global de origem brasileira, representa a paixão com que seus

empregados trabalham" (VALE, 2008).

Fig. 48: coração (VALE, 2008).

Por fim, apresenta-se o símbolo do infinito representando a "busca

permanente" por minérios, desenvolvimento, e, concluímos nós, por lucros.

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Fig. 49: infinito (VALE, 2008).

O uso das cores também merece menção. Diferentemente do logotipo

anterior, composto em preto, apresenta-se uma seleção de cores, cada uma

com objetivos.

Fig. 50: cores (VALE, 2008).

O amarelo representa a riqueza mineral, "ingredientes essenciais para a

vida diária" (VALE, 2008). O verde, o meio ambiente. Portanto, a nova

identidade visual traduz, por meio do logotipo, missão, visão e valores. O verde

em tamanho maior é indicativo da mudança de rumos discursivos. A nova

identidade compõe-se ainda de uma palheta de cores conhecida por

supergráfico - ondas horizontais nas cores do logotipo -, o que confere um

poder eidético, pois demarca a área do anúncio e auxilia na assimilação da

nova marca.

3.11 O ANO DE 2008

O ano registra três campanhas diferentes. A primeira apresenta anúncio

que retoma a questão cultural, tematizando o espetáculo Via Sacra. Exibe-se

uma coroa de espinhos - alusão direta às últimas horas de Cristo. Com a

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chamada "Via Sacra do Anjo da Guarda - A paixão de uma comunidade que

emociona toda a cidade", o enunciador segue a abordagem dos anúncios

anteriores que retrataram o espetáculo, reiterando a homenagem à

manifestação artística e ao envolvimento dos moradores. O texto verbal é

basicamente o mesmo do ano anterior, com acréscimo de: "A Vale apóia esta

iniciativa porque acredita que ações e espetáculos como esses potencializam

talentos e podem transformar histórias e a vida de toda uma comunidade.".

Fig. 51: publicidade 2008a.

Apesar de expressar que o verde do logotipo representa a natureza e os

vales (região onde o minério é encontrado), neste anúncio ele não se relaciona

com a questão ambiental. O compromisso ambiental, portanto, é novamente

colocado de lado. Em outra campanha do ano (fig.52), tematiza-se o

envolvimento social a partir do Programa de Formação Profissional, "a porta

aberta para a qualificação e o mercado de trabalho". Segundo o enunciador, a

mineradora disponibilizará "este ano, só no Maranhão" qualificação profissional

para "800 jovens". O texto traz: "Serão 12 meses de aulas teóricas e

experiência prática em diversas áreas da Vale: eletrônica, telecomunicações,

mecânica, eletroeletrônica, edificações e estradas, informática, eletrotécnica,

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eletromecânica, metalurgia, materiais e química". Ou seja, apesar do projeto

figurar como porta de entrada ao mercado de trabalho, não se especifica que o

mercado de trabalho concentra-se na própria empresa, uma vez que os cursos

- teoria e prática - ocorrerão ao cargo e ao sabor das necessidades da

mineradora.

Fig. 52: publicidade 2008b.

Por fim, a última campanha do ano retoma a questão verde com o

lançamento do Parque Botânico de São Luís. Já no início da campanha, na

forma de teaser, comunica-se: "Se você soubesse a novidade que o Natan

ouviu no bairro, ia entender porque ele anda plantando bananeira de tão

contente.".

Fig. 53: publicidade 2008c.

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A publicidade dispõe uma criança - Natan, morador do Itaqui-Bacanga -

em movimentos acrobáticos. "plantando bananeira" refere-se ao movimento

acrobático e à árvore presente no parque. Em outro anúncio, traz-se a

educação ambiental como foco e mostra-se crianças com mochilas, como se

fossem estudar.

Fig. 54: publicidade 2008d.

O texto verbal diz que a garota - Ana Carolina, em primeiro plano - está

"entusiasmada" para estudar a flora local. Por fim, há um anúncio com uma

família. A texto verbal indaga: "Sabe por que eles estão perdendo o sono

esperando o fim de semana? Porque programaram um passeio em família que

vai ser um sonho".

Fig. 55: publicidade 2008e.

A família está em contato com a natureza, o que sugere que a

preservação apregoada é real. Não se trata, como vimos anteriormente, de

desenhos em folhas de papel. As fotos que compõem os anúncios foram

produzidas no próprio parque, o que enfatiza a gestão ecoeficiente, o respeito

com o meio ambiente. Este último anúncio indica outra perspectiva: ao colocar

a família, fala-se em "eles", pois, diferentemente dos anúncios anteriores, não

há nomes particulares. Ao proclamar que se está "perdendo o sono esperando

o fim de semana", a publicidade alerta para a falta de ambientes de lazer em

São Luís. Nessa perspectiva, o parque surge como "opção salvadora" - reforça-

se isso se lembrarmos que, quando do lançamento da pedra fundamental do

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parque, a mineradora ressaltou que este seria uma área de vivência,

recreação, aprendizado etc.

A utilização de teasers objetiva despertar o interesse e criar expectativas

para a próxima etapa de uma campanha. No caso desta, não houve outros

anúncios celebrando a inauguração: os anúncios em jornais resumiram-se à

reprodução das peças já apresentadas. Esta pesquisa entende como

justificativa para isso a predileção por anunciar em televisão, fato que exige

maiores investimentos. Portanto, depois dos anúncios teasers, a mineradora

centrou-se em dois vídeos. O primeiro, com duração de 30 segundos, compõe-

se de imagens captadas no próprio parque e mostra a vegetação nativa,

pessoas percorrendo trilhas, a fachada de entrada, o movimento de visitantes,

além de funcionários da Vale apresentando as dependências do parque. O

comercial, que não traz nenhum caractere, apresenta: "O Maranhão está de

parabéns. Acaba de ganhar um espaço voltado para a preservação de

espécies nativas, a educação ambiental, o lazer e a cultura que você vai

conhecer em breve.". Neste momento, o enunciador ocupa-se em pontuar que

o parque, apesar de privado, é um presente para o Maranhão, que está de

parabéns por contar com um espaço voltado para a preservação ambiental e o

lazer. No vídeo de 1 minuto de duração, o texto verbal muda, dedicando-se à

inauguração do parque: "Preservar a natureza é desafio que não se vence

sozinho. É preciso a união, o compromisso e o esforço de todos. É por isso que

a Vale está entregando à comunidade maranhense o Parque Botânico Vale,

localizado em São Luís, na região do Itaqui-Bacanga. Um ambiente voltado

para a conservação da natureza, educação ambiental, lazer e cultura, com

auditório, espaço para oficinas, anfiteatro e trilhas ecológicas. E também um

espaço referência em pesquisa, recuperação e conservação de ecossistemas

locais. Aqui você vai descobrir que aprender mais sobre a natureza, além de

prazeroso, é fundamental para que possamos, juntos, preservá-la ainda mais.".

O cuidado ambiental faz-se logo visível: crianças aparecem plantando e

regando sementes; atrás delas, surge outro grupo portando novas sementes. A

preservação ambiental oferecida não é o bastante. A Vale quer mais, seu

compromisso, além de duradouro, é renovado. Além disso, ressalta-se

novamente a "coletivização" da preservação: a participação deve ser de todos,

sociedade e mineradora. Contudo, contraditoriamente, mais uma vez demarca-

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se quem tem propriedade sobre a área: fala-se em Parque Botânico Vale, e

não Parque Botânico São Luís. A privatização é reforçada com o empenho em

colocar de modo visível diferentes funcionários da mineradora, todos fardados

e sorridentes, atendendo aos visitantes. Por fim, ressaltamos que há sempre

referência à natureza em estado bruto: trilhas, visitantes com binóculos, aves

exóticas nas copas das árvores... O enunciador, com isso, realça que a gestão

ecoeficiente é um sucesso: o cuidado é tão natural que os animais nativos

continuam a fazer do parque sua morada. Entretanto, o ideal de natureza

intocada é uma meia-verdade: a preservação convive lado a lado com diversas

construções, como salas de reuniões, anfiteatro, biblioteca, lanchonete, área de

exposições etc. Porém, o ideal preservacionista persiste: sob a égide da união

entre ciência e tecnologia, corteja-se a ecoeficiência com funcionários medindo

viveiros, examinando sementes, analisando mudas.

Apesar do parque figurar como o maior chamariz da questão verde,

constatamos um limitado número de anúncios. A comunicação concentrou-se,

inicialmente, em teasers nos jornais, rádio e outdoors. Depois, suprimiu-se tudo

em prol da divulgação televisiva. Além disso, o montante investido - em torno

de R$ 5 milhões - dividiu-se na comunicação interna do parque: sinalização,

painéis informativos, panfletos sobre os ecossistemas do Maranhão, camisas

de identificação de funcionários, brindes para os visitantes etc. Ou seja, o

parque financia a inserção da temática ambiental com tal peso que até a

comunicação interna é alterada, pois incidirá diretamente nos visitantes.

A retomada do enquadramento das questões ambientais apresenta o

discurso modal da Vale entre o saber-fazer da competência em preservar e o

fazer-saber da performance, ou seja, há uma gestão ecoeficiente efetiva, sem

espaços para divagações. A publicidade realizada incumbe seus dizeres na

função de mostrar que a preservação é real, vivida, sentida e compartilhada. A

preservação propalada, aliás, não se vincula ao contexto econômico de

desenvolvimento sustentável, mas como opção de lazer e educação. Não há,

na publicidade, intenção direta em colocar o parque como uma contrapartida

socioambiental, entretanto, entendemos que o mesmo surge no contexto de

aceitação da presença da mineradora - validando o grande capital - junto à

sociedade.

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3.12 O ANO DE 2009

Há o registro de duas campanhas distintas. A primeira tematiza parceria

entre Vale e Suzano no Maranhão - "duas gigantes brasileiras", segundo a

publicidade. O anúncio apresenta o logotipo da mineradora em dois momentos:

na assinatura, canto direito inferior, e na parte central.

Fig. 56: publicidade 2009a.

Em transparência na parte amarelada, vê-se um homem a examinar

uma muda de planta. Ao fundo, uma vegetação. Ainda em transparência, há,

em verde, uma mata fechada. É nela que se concentra o texto verbal do

anúncio. Apresenta-se como título: "Vale e Suzano juntas no Maranhão". O

texto verbal traz: "Duas gigantes brasileiras se unem para trazer o

desenvolvimento sustentável e 30 mil empregos diretos e indiretos para o

Maranhão. A Vale fornecerá madeira de reflorestamento e serviços logísticos

para a implantação de uma nova unidade da Suzano no estado, onde será

processado 1,3 milhão de toneladas de celulose por ano, atraindo novas

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indústrias de base florestal". Diferentemente do anúncio do parque, promove-se

uma ligação direta entre aspectos ambientais e econômicos. Fala-se em

"desenvolvimento sustentável" e "30 mil empregos para o Maranhão" e

destaca-se o fornecimento de "madeira de reflorestamento", ou seja,

apresenta-se o compromisso em oferecer um insumo renovável que figura

como símbolo do envolvimento da mineradora. Nesse contexto, a reiterada

presença de mudas de plantas, funcionários em viveiros, sementes etc.,

funciona como um dispositivo68 a rememorar que a mineradora está sempre

retroalimentando - reinvestindo - os cuidados ambientais. Contudo, salientamos

que as áreas do cultivo de celulose têm surgido a partir do desmatamento de

florestas nativas, o que gera problemas de ordem socioeconômica, pois

inviabiliza-se as plantações de subsistência de muitas famílias, que acabam

sofrendo assédio para que comercializem suas terras. O compromisso

ambiental, portanto, nesse sentido, é relativo: na publicidade, uma imagem. No

convívio direto, na realidade social, outra visão.

Por fim, destacamos que, apesar de mencionar Vale e Suzano, o

anúncio é assinado apenas pela mineradora, e, neste momento, apresenta-se

uma novidade: um slogan, que reafirma os "atributos da marca". Em verde, diz-

se "cada vez mais verde" como forma de acentuar o compromisso com o meio

ambiente. Ao lado, apresenta-se "e amarela". A combinação "Cada vez mais

verde e amarela" ilustra uma demanda da comunicação nacional: comunicar

que a mineradora é uma empresa brasileira. Nesse contexto, a mineradora

surge "cada vez mais verde e amarela", ou seja, apresenta-se com mais

responsabilidade ambiental, mais compromisso com seus funcionários e

acionistas, e, é claro, mais brasileira.

A segunda campanha, composta por anúncios de jornal e outdoors,

apresenta o ponto nodal "Quem planta, colhe" a costurar toda a mensagem. O

primeiro anúncio (fig.57) compõe-se com várias crianças de braços levantados,

como se estivessem em passeata, comemorando. Cada uma veste uma blusa

onde se lê: "Brasil Vale Ouro" e um número individual de inscrição.

68

Entendendo por dispositivo "qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de

capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões dos seres viventes" (AGAMBEN, 2009, p.40).

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Fig. 57: publicidade 2009b.

Em princípio, à primeira vista, não é possível determinar a temática do

anúncio. A mensagem, costurada por "Quem planta, colhe", versa sobre

diferentes projetos. Há a referência direta à natureza e à gestão ecoeficiente da

mineradora. Há a plantação e, se tudo ocorrer bem, a colheita. Quem planta e

faz tudo corretamente, portanto, no fim, colhe os frutos. Assim, já no título, a

mineradora coloca seus movimentos como ações que dão certo. No anúncio há

duas "caixas de textos", uma na cor branca, alojada próxima ao título e uma em

verde. O texto verbal traz: "Estação Conhecimento. Com o objetivo de

promover qualificação profissional e lazer para as comunidades através do

esporte e da cultura, a primeira Estação Conhecimento do Maranhão será em

Arari, com gestão compartilhada entre a Vale, o poder público e a sociedade.".

Surge, a partir da "deixa" que se relaciona com a responsabilidade ambiental,

outro projeto, desta vez tematizando uma questão sociocultural: o esporte. A

respeito disso, Maria Eduarda da Mota Rocha destaca:

"O esporte é outro objeto recorrente de patrocínio. Indo além da tradicional relação entre marcas de cigarro e automobilismo, esse apoio agora se dirige a muitas modalidades esportivas e não se restringe a um ramo de negócios específicos" (2010, p.196).

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Portanto, o projeto esportivo Brasil que Vale apresenta-se como um

reforço no envolvimento com a sociedade. Antes, a publicidade havia

destacado o Escola que Vale e outros projetos culturais; agora, destaca-se o

Brasil que Vale e a Estação Conhecimento. O texto verbal em verde arremata

diferentes mensagens: "Trem de Passageiros da Estrada de Ferro Carajás -

1.300 pessoas transportadas em média, por dia, em 15 localidades do

Maranhão", "Plano de Gestão de Investimentos Sociais (PGIS) - Elaborado a

partir do Diagnóstico Socioeconômico feito pela Vale nos municípios ao longo

da ferrovia", "Centro de Educação Profissional (CEP/MA) - Construído pela

Vale em 2008 com investimento total de 5 milhões, o CEP visa a capacitação

da comunidade do Itaqui-Bacanga", "Trem da Cidadania - vagões adaptados

para a emissão de documentos e serviços de saúde, com mais de 500 mil

atendimentos já realizados em parceria com o Governo do Estado". Destaca-se

o Trem de Passageiros, o estudo socioeconômico realizado ao longo da

ferrovia e a construção de um centro de educação profissional. Anteriormente,

o complemento educacional de jovens foi tema recorrente. Agora, intensifica-se

a oferta de qualificação profissional - o que nos sugere dificuldades em

encontrar profissionais qualificados o suficiente para os empregos disponíveis

na região. Nessa perspectiva, a mineradora se apresenta como formadora de

sua própria mão de obra e utiliza isso como exemplo de seu compromisso

social.

Por fim, há um texto verbal a decifrar o que é "plantar e colher": "Mais do

que árvores, a Vale planta oportunidades onde existe talento. É a Vale cada

vez mais verde, investindo no meio ambiente, e amarela, contribuindo com o

social.". Ou seja, apesar de não existir árvore aparente (há uma atrás dos

garotos), o enunciador utiliza-se da múltipla significação de plantar, referindo-

se às oportunidades que oferece e, indiretamente, ao meio ambiente. Chega-se

a afirmar que a Vale planta mais que árvores. Quem planta deseja que as

árvores cresçam: é um jogo de esperança, de acreditar no futuro. Portanto, a

Vale, ao plantar, deseja que a floresta siga existindo. Assim, sinaliza que, ao

cuidar do meio ambiente, acredita e investe no futuro, pois cuida do social, das

crianças da comunidade, interessa-se pela situação socioeconômica dos

moradores próximos à ferrovia etc.

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O segundo anúncio apresenta o mesmo ponto nodal - "Quem planta,

colhe" - e segue o layout da campanha.

Fig. 58: publicidade 2009c.

Sempre utilizando gradações do supergráfico da nova identidade visual,

a "caixa de texto" superior detalha: "A criação do Parque Botânico é mais uma

ação da Vale que nasce do compromisso com o desenvolvimento sustentável,

presente em cada uma de suas atividades.". Novamente fala-se em

"desenvolvimento sustentável", compromisso que, segundo a mineradora, está

"presente em cada uma de suas atividades". Elenca-se, ainda, diversos

projetos: "Programa de Educação Ambiental - Mais de 11 mil crianças

atendidas por ano na área Itaqui-Bacanga e ao longo da Estrada de Ferro

Carajás", "Plano de Monitoramento da Qualidade das Águas - Avaliação

sistemática do teor de parâmetros químicos, físicos e biológicos emitidos para

o meio ambiente.", "Plano de Gestão de Resíduos do Porto e Ferrovia -

Aplicação de US$ 219.368,49 para otimizar e dar destinação aos resíduos

produzidos pela Vale" e, por fim, "Monitoramento da qualidade do ar - Controla

os particulados por meio de três programas: Controle de Emissões

Atmosféricas, Monitoramento de Emissões e Monitoramento Metrológico e da

Qualidade do Ar.". O enunciador, mais uma vez, concentra-se em detalhar a

amplitude da gestão ecoeficiente: no Programa de Educação Ambiental,

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destaca que há 11 mil crianças atendidas - prova material do compromisso

socioambiental. Realça-se inclusive o valor exato investido: "US$ 219.368,49".

Diferentemente da peça anterior, nesta, a questão verde é retratada a

partir da natureza em seu estado bruto. Para isso, expõem-se crianças em uma

das trilhas do Parque Botânico - mais uma vez, materializa-se o compromisso

ambiental apregoado, tornando-o real, vivo, palpável. O enunciador enfatiza o

controle da qualidade do ar e, pela primeira vez, insere-se a administração da

qualidade da água, o que amplia o cuidado ambiental. Por fim, o texto verbal

traz: "Mais do que árvores, a Vale planta consciência ambiental para colher

sustentabilidade. É a Vale cada vez mais verde, investindo no meio ambiente; e

amarela, contribuindo com o social". Retoma-se o "plantar" e fala-se pela

primeira vez em "sustentabilidade", que aparece como fruto dos investimentos

realizados.

O último anúncio apresenta uma funcionária devidamente fardada e com

os equipamentos individuais de proteção.

Fig. 59: publicidade 2009d.

Ao fundo, apresenta-se a maquete do Píer IV. Na parte superior, o texto

verbal traz: "Construção do Píer IV. Em 2010, a Vale inicia no Maranhão a

construção do Píer IV, a maior obra de infraestrutura portuária da América

Latina. Um investimento de 2 bilhões de reais que irá gerar cerca de 2 mil

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empregos na fase de implantação e contribuir para o desenvolvimento

sustentável do nosso estado.". Portanto, a peça concentra-se na questão

logística. No texto verbal localizado na parte inferior, o enunciador destaca:

"Ferrovia Norte Sul. Geração de 50 mil empregos diretos e indiretos. Para a

subconcessão, está sendo investido R$ 1,478 milhão, além de R$ 66 milhões

em infraestrutura ferroviária.", "Expansão do Terminal Marítimo de Ponta da

Madeira (130 mtpa). Inclui a construção do 4° virador de vagões, 4 pátios de

estocagem e aquisição da 4ª empilhadeira de minério.", "Hidrelétrica de

Estreito. Um dos maiores projetos de energia elétrica em construção no Brasil,

com capacidade para gerar 1.087 megawatts, num total de R$ 3,6 bilhões.".

Por fim, realça-se: "Empregos e parcerias no Maranhão - 14.245 postos de

trabalhos diretos em 2008, sendo 95% maranhenses. A empresa também

mantém mais de 200 contratos ativos com empresas maranhenses e cerca de

1.500 fornecedores locais cadastrados.". Neste momento em que os

investimentos infraestruturais são destacados, a questão ambiental não é

focada - apesar do "quem planta, colhe" e do "cada vez mais verde e amarela".

Sabemos que não há grandes obras estruturantes sem impactos ambientais

significativos e a obra do Píer IV é grande em todos os sentidos: envolve não

só muito dinheiro, mas muitas variáveis. Uma das consequências da

construção relaciona-se à área do Itaqui-Bacanga: próximo ao porto, como

vimos, há pescadores que passam por dificuldades, pois, além de serem

removidos da área, encontram dificuldades para sobreviver, pois têm o acesso

limitado às áreas controladas pela mineradora. O compromisso social, neste

caso, é posto de lado. A peça, que ignora a questão verde e as consequências

ambientais da magnitude da obra, centra-se na "parte boa" do compromisso

social da mineradora com o Maranhão: há destaques para os empregos, as

parcerias e os investimentos. Os postos de trabalhos, por exemplo, figuram

com exatidão. Há, ao que parece, uma busca veridictória por meio dos

números. Por fim, arremata-se: "Mais que árvores, a Vale planta

desenvolvimento para colher futuro. É a Vale cada vez mais verde, investindo

no meio ambiente; e amarela, contribuindo com o social.".

Neste momento histórico, a questão verde é trazida com ênfase: os

temas ambientais são agendados com frequência e visibilidade. Apesar do

ideal de responsabilidade ambiental continuar a elencar natureza e vegetação

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como produtos perfeitos da gestão ecoeficiente, a presença humana é cada

vez mais recorrente. Não se encara, como responsabilidade estritamente

empresarial, preservar o habitat de animais, a boa qualidade da água e a boa

gestão do ar: a participação da sociedade surge como indispensável.

Entretanto, a questão verde não é o ponto central: em diversos momentos,

ressalta-se os cuidados ambientais e, ao mesmo tempo, mostra-se a

mineradora como uma grande agente catalisadora do desenvolvimento do

estado, especialmente a partir da geração de emprego e das obras

infraestruturais.

3.13 O ANO DE 2010

O jornal O Estado do Maranhão, um dos principais do estado, publica

mensalmente o suplemento Terceiro Setor - é nele que se concentra grande

parte dos 13 anúncios registrados no ano. Ao longo de 2010, apenas dois

foram publicados em outros veículos - um no jornal O Imparcial e outro em uma

revista de variedades local.

Fig. 60: publicidade 2010a.

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Os anúncios agendam diferentes temas: Na figura 60, há o Escola que

Vale, em que um grupo de professoras é apresentado dentro de uma

biblioteca. O texto verbal afirma: "O Escola que Vale tem como objetivo

contribuir para a melhoria de aprendizagem dos alunos das escolas públicas

nas regiões onde a Vale atua. (...) Só no Maranhão, 32 mil educadores e

alunos foram beneficiados pelo programa no ano de 2009." Nesse contexto, o

que se ressalta não é apenas a qualificação profissional de adultos -

professoras -, mas dos alunos. Esse realce estende-se por mais dois anúncios,

quando o enunciador coloca-se "em busca de profissionais como você",

ofertando vagas para diferentes cargos (técnico em mecânica, eletrotécnica,

engenheiros etc.).

Fig. 61: publicidade 2010b.

A comunidade do Itaqui-Bacanga é novamente cortejada no anúncio

seguinte (fig.62). Diferentemente do que se expôs anteriormente, ou seja, em

grande parte, apoios culturais, agora o enunciador dedica-se à qualificação

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profissional. Para tanto, traz um grupo de alunos em sala de aula - todos

devidamente identificados com "Programa de Qualificação Profissional". A peça

pontua que em 2010 seriam oferecidas 723 bolsas-auxílio para a qualificação

profissional nas áreas de ferrovia, porto e pelotização. Mais uma vez, a

estratégia é qualificar moradores para a própria necessidade da empresa e

usar isso como "demonstração" do compromisso social da mineradora.

Fig. 62: publicidade 2010c.

Nestes anúncios, o Parque Botânico serve de cenário para 4 peças. Há

sempre o interesse em destacar o parque como área de vivência e de

integração entre pessoas e natureza. Em um deles, coloca-se o parque como

área de exposição - é em suas dependências que ocorre a "autoREVERSE",

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exposição de aparelhos eletroeletrônicos de diferentes épocas. O texto verbal

traz: "A Vale acredita que a construção de um futuro melhor passa pela

valorização e a preservação de nossa história.". Apesar de trazer o parque,

preservação não se relaciona com a ambiental, mas com a "nossa história" -

algo semelhante aos cuidados com o acervo azulejar discutido anteriormente.

Fig. 63: publicidade 2010d.

O contato humano com a natureza é sempre ressaltado: há alunos

sentados no gramado e examinando plantas. Apresenta-se novamente, em um

dos anúncios, o termo plantar, o que nos remete diretamente ao "Quem planta,

colhe". No texto verbal o enunciador reafirma o compromisso ambiental: "a

consciência ambiental é essencial para a construção de um mundo melhor.".

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Fig. 64: publicidade 2010e.

A gestão ecoeficiente é contínua. O texto verbal traz: "Disseminar

informações sobre as árvores nativas do Maranhão, contribuir com a

preservação das florestas e incentivar a conservação dos recursos naturais.

(...) Esses são alguns dos objetivos.", ou seja, o enunciador reitera "árvores

nativas", "florestas", "recursos naturais" como sínteses do compromisso

ambiental apregoado. Neste ponto, o parque, além de ser tido como área de

vivência e preservação, é eleito como principal elemento estratégico, pois

figura como pano de fundo da comunicação que coloca a temática ambiental

em grande visibilidade.

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Fig. 65: publicidade 2010f.

Em anúncio por conta do Dia Mundial do Livro (fig.65), a mineradora

apresenta como chamada "Um acervo de conhecimento". Ao colocar a

importância dos livros na vida social, destaca seu apoio a diversas produções e

publicações no Maranhão, ou seja, reivindica sua contribuição "para a

promoção do acesso a bens culturais e compartilhamento do saber.". Por fim, o

texto verbal sentencia: "O Parque Botânico da Vale em São Luís, por exemplo,

oferece um espaço para leitura com entrada gratuita ao público, e dispõe de

um acervo de livros com foco em temas ambientais, como plantas, animais,

coleta seletiva e desmatamento.". A imersão na questão verde como gancho

para a construção identitária é tal que até os livros disponíveis na biblioteca do

parque giram em torno do tema. Não há livros de romance, auto-ajuda, infantis

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e afins, apenas os que assuntam a temática ambiental. A relação livros-meio

ambiente é retomada no anúncio da Feira do Livro de São Luís

Fig. 66: publicidade 2010g.

Não há mais a dominante cromática verde a dominar o layout. Na peça,

destaca-se um garoto segurando um tablet - o livro agora é digital. O texto

verbal traz: "Assim como na literatura, estamos presentes no mundo inteiro e

também no Maranhão. Investimos no conhecimento e participamos de projetos

importantes para o Estado, como a Feira do Livro. Inovação, tecnologia e

conhecimento fizeram parte do universo de descobertas de nosso estande.

Assim criamos a mineração do futuro. Hoje e amanhã.". O ponto nodal é o

descobrimento: a partir de "Descobridores", o enunciador apressa-se em

colocar a inovação, a tecnologia e o conhecimento relacionado-se não só aos

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livros, mas à própria atividade da mineradora - essa união gera "a mineração

do futuro. Hoje e amanhã.". A inovação técnica foi realçada anteriormente no

controle da qualidade do ar, do solo, da água e no uso de combustível

renovável, entre outros destaques. Agora, figura como um simulacro de

tecnologia de ponta, pois o tablet é feito com minérios extraídos pela Vale.

Assim, coloca-se a mineradora como agente de vanguarda, "antenada" ao

melhor que a ciência pode oferecer. No anúncio, a responsabilidade ambiental

ainda é agendada, mesmo que marginalmente: são inseridas no lado esquerdo

plantas a compor o cenário do estande, ou seja, a gestão ecoeficiente não é

deixada de lado em momento algum. No fundo do lado direito, reproduz-se

painel com crianças sentadas num gramado e comprova-se as múltiplas

funções do parque: preservação, espaço de vivência e socialização, opção de

lazer e educação etc. Por fim, emerge um novo slogan: em lugar do "Cada vez

mais verde e amarela", quem dá as cartas é "Porque não existe futuro sem

mineração. E não existe mineração sem pensar no futuro.". Com ele, publiciza-

se o tipo de mineração promovida pela Vale: responsável, comprometida com o

futuro, sustentável.

Os demais anúncios alternam as dominantes cromáticas verde e branca

de forma semelhante ao último anúncio mostrado (fig.66) e montam-se a partir

do mesmo campo discursivo: conhecimento, desenvolvimento, investimento. O

ponto nodal do tornar-se verde constitui-se da repetição de imagens da

natureza idílica e da ancoragem de palavras de um campo discursivo que

remetem à presença da mineradora, ao desenvolvimento - sustentável - e ao

compromisso socioambiental.

3.14 O ANO DE 2011

Registra-se campanhas compostas por apenas um anúncio, ao passo

que há outras com mais. No total, soma-se 15 diferentes peças. Novamente

tematiza-se a cultura, com 4 anúncios sobre a Via Sacra. Ainda sob o ponto

nodal "Descobridores" - mote nacional que norteia a campanha regional -

coloca-se a Vale como descobridora por ter encontrado a resposta sobre "como

preservar a maior riqueza de um povo".

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Fig. 67: publicidade 2011a.

"Riqueza" nada tem a ver com recursos minerais, biodiversidade ou

mesmo com dinheiro, mas com a cultura popular, com a apresentação artística

patrocinada. Nesse sentido, o enunciador constrói a valorização do espetáculo

Via Sacra, o que implica em "construir o futuro das próximas gerações". Não

toca-se, portanto, na relação entre o futuro das gerações e a condição

ambiental do planeta, a mudança climática, os recursos naturais etc. O ideal de

futuro é o presente no slogan: "Não existe futuro sem mineração. E não existe

mineração sem pensar no futuro.". Ou seja, a ideologia do progresso e da

acumulação gravita em torno da manutenção da situação vigente: diz-se que a

mineração é uma atividade indispensável, portanto, que deve continuar; além

disso, coloca-se a mineração realizada pela Vale como responsável,

comprometida com o futuro, com o amanhã. O "compromisso e

responsabilidade" figuram ainda em outros anúncios, como o do Festival de

Coros (fig.68) e o Prêmio Universidade FM (fig.69).

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Figuras 68 e 69: à esquerda, Femaco. À direita, Prêmio Universidade.

Em outros anúncios, o enunciador reagenda a educação básica e a

qualificação profissional adulta. A oferta de qualificação profissional continua a

girar em torno da própria mineradora, com vagas para "Trainee Operacional" e

"Trainee Técnico Operacional". "crescimento" apontado em um dos anúncios

(fig.58) sintetiza-se em desenvolvimento profissional, aquisição de

competências técnicas.

Fig. 70: publicidade 2011d.

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No anúncio sobre educação básica (fig.71), retoma-se o Escola que Vale

e apresenta-se a responsabilidade no trabalho voluntário de engenheiros. O

texto verbal esmiúça a ideia: "A Vale incentiva o desenvolvimento das

comunidades onde atua por meio de projetos sociais que valorizam a vida das

pessoas".

Fig. 71: publicidade 2011e.

Novamente a questão do desenvolvimento destina-se mais ao mundo

social, estando as questões ambientais de lado. Contudo, a questão verde

volta a ser tematizada em quatro outros momentos. No primeiro, por conta da

Semana Mundial da Água, o enunciador destaca a boa gestão hídrica da

mineradora apresentando uma mão segurando cuidadosamente um globo

terrestre. Ao fundo, um mar. "Água" figura com destaque, como se fosse um

título. No anúncio, situa-se o espaço e a atuação sociais da mineradora "como

a água, presente na vida de milhares de pessoas ao redor do mundo, levando

ingredientes essenciais que tornam a vida dessas pessoas mais agradável.".

Indiretamente, a publicidade nos lembra da desertificação crescente das áreas,

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pois a água, diferentemente do que diz o anúncio, está cada vez mais ausente

na vida das pessoas ao redor do mundo.

Fig. 72: publicidade 2011f.

O texto-verbal "somos globais e assumimos nossos compromissos com

o futuro do planeta e das próximas gerações." mergulha a mineradora no

evangelho da ecoeficiência: o futuro só será alcançado pelo bom manejo dos

recursos naturais. O cuidado - o manejo responsável - é exemplificado pela

Vale em: "Gestão de Recursos Hídricos, reaproveitando 40% da água que

utilizamos em nossas atividades operacionais e nas obras de expansão em

São Luís, Maranhão.".

Em outro anúncio, a questão ambiental retoma a figura dos alunos

sentados no gramado, professora segurando um livro, interação com a

natureza etc. O termo "preservação", feito um título, surge centralizado e

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estendendo-se às margens do anúncio, ou seja, a preservação é ampla e

abarca, de lado a lado, a atuação ecoeficiente propalada.

Fig. 73: publicidade 2011g.

O textual verbal, além de apresentar-se em parte sob a dominante

cromática verde, traz "Um compromisso da Vale com a biodiversidade do

Maranhão" como arremate ao "Parque Botânico de São Luís". Não há o "Vale"

a privatizar a propriedade; o objetivo agora é ressaltar a área como "área

comunitária", espaço de "lazer, cultura e educação ambiental a mais de 245 mil

visitantes desde a sua inauguração, em 2008.". O total de visitantes surge

como materialização do bom resultado alcançado: a Vale, de fato, preserva - e

isso pôde ser conferido por incontáveis visitantes.

Anteriormente, a questão do patrocínio esportivo foi tematizado num

anúncio dominado por crianças. Agora, o enunciador divide a cena, situando

homem e natureza numa pista de corrida rodeada por árvores. A seleção de

atletas é ao ar livre, em meio à natureza preservada. Neste momento, apesar

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do texto verbal ligar "desenvolvimento" à "descoberta de talentos", ou, como a

publicidade mesmo traz, "contribuímos para o desenvolvimento das pessoas e

do Estado, construindo assim um legado social para o Maranhão", entendemos

que o legado - desta vez, indireto - também é ambiental, pois há verdes

margeando o anúncio.

Fig. 74: publicidade 2011h.

A última campanha de 2011 mais uma vez promove a questão verde.

Parafraseando a "Canção do Exílio", de autoria do poeta e teatrólogo

maranhense Gonçalves Dias, a campanha apresenta "Minha terra tem um

parque que eu quero visitar". Inicialmente, algumas seleções feitas já geram

relações: a escolha de Gonçalves Dias, nesse contexto, é uma escolha

maranhense, configurando-se como homenagem ao estado. Gonçalves Dias,

teatrólogo, lembra-nos do Teatro Arthur Azevedo, alvo de reformas

capitaneadas pela mineradora. Por fim, a obra "Canção do Exílio" se configura

numa louvação "à terra das palmeiras onde canta o sabiá", ou seja, louva-se a

natureza plena, idílica, onde "o céu tem mais estrelas / várzeas, mais flores /

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bosques, mais vida / vida, mais amores". Nesse sentido, o texto verbal do

anúncio apresenta o parque como local de encontros e vivências, ou seja, onde

"tem cultura", "trilhas com mais frescor", "oficinas divertidas" etc.

Fig. 75: publicidade 2011i.

A composição cromática destaca o logotipo da mineradora em uma

aplicação distinta da tradicional: aparece totalmente branca, em vez de

colorida. A Vale, assim, diante da questão verde (do fundo vegetal), realça-se,

atrai o olhar, sobressai-se. Na peça, visualiza-se 4 borboletas a figurativizarem

o cuidado levado a sério, ou seja, ter um parque não é apenas adquirir uma

área de floresta e cercá-la, mas, cuidá-la de tal forma que a vida animal

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continue a existir. Nesse sentido, as figuras das outras peças reforçam esse

entendimento.

Fig. 76: publicidade 2011j.

Fig. 77: publicidade 2011k.

Com estas últimas peças, finalizamos a análise do corpus destacando

que a questão ambiental sofreu um "efeito sanfona": em determinados

momentos, apresentou-se forte; em outros, fraco. O agendamento feito pelos

publicitários e gestores de comunicação da Vale - tecnólogos do discurso (cf.

Fairclough) - reflete as necessidades momentâneas da empresa, ou seja,

promove-se um giro temático: em dado momento, a comunicação concentra-se

em dar visibilidade aos temas culturais; em outro, na qualificação profissional,

ficando as questão ambientais nesse ínterim, nesse estar entre.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos sobre a responsabilidade socioambiental nos reafirmam a

complexidade de um mundo sustentável, sobretudo enquanto a prática

econômica insistir em ver e utilizar a natureza como mera fornecedora de

matéria-prima. Colocar, lado a lado, o desejo preservacionista e o

desenvolvimentista/progressista é condenar os ecossistemas - e o mundo

como o conhecemos - ao esgotamento.

A complexidade da questão verde foi posta desde o início, com a análise

do translado conceitual do ideal de desenvolvimento e crescimento, até o que

se conhece hoje por desenvolvimento sustentável. Eli Veiga sustenta que

"até hoje, não existiu diferença entre industrialismo e desenvolvimento. Seja em um tigre asiático, no Chile, em Cuba ou na Hungria, a ideia de desenvolvimento está sempre associada ao progresso da industrialização" (2010, p.194).

Assim, o desenvolvimento - mesmo o considerado sustentável - continua

deixando em seu caminho um rastro de mazelas: grandes áreas de pobreza,

exclusão, degradação, fome, marginalidade... Ainda impera o tempo do capital,

não o da natureza. Nesse sentido, o embate entre as diferentes práticas

sociodiscursivas torna-se indisfarçável e inevitável, pois chega-se à

contraditória coexistência dos ideais de sustentabilidade e de desenvolvimento.

Como alertou Giddens, sustentabilidade implica em continuidade e equilíbrio;

desenvolvimento, por sua vez, em dinamismo e mudança. Portanto, os

aspectos fundamentais do desenvolvimento ainda são sobrepostos pela lógica

do capital, o que significa mais exploração mineral, mais degradação ambiental

e mais hiperconsumo. E, em outros termos: mais lucros para poucos e mais

prejuízos para muitos. O fato é que a continuidade do atual sistema de

produção do capitalismo hegemônico é ambientalmente insustentável e

socialmente injusto.

Cabem, na amplitude do movimento ambientalista, diferentes matizes e

formas de entender e encarar a questão socioambiental. A corrente que mais

se destaca nos media é a da boa gestão dos recursos naturais: o evangelho da

ecoeficiência. É nela - que conta com a união entre ciência e tecnologia - que

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governos e corporações depositam suas fichas. Nesse quadro, não há

perspectivas de profundas mudanças, uma vez que o que se destaca é a

inovação técnica, a busca por energias renováveis e o melhoramento das

tecnologias para que o consumo - e, por conseguinte, a exploração

socioambiental - continue no mesmo ritmo. Muda-se para que tudo continue

igual. Ante essa perspectiva, o ecologismo dos pobres apresenta-se como

corrente que discute o peso dos impactos que não são solucionados pelas

políticas econômicas, multas, licenças e inovações tecnológicas. Deste modo,

as características do atual regime energético merecem observações e críticas:

aliado ao crescente gasto energético, os padrões de produção e consumo

geram fluxos de materiais incompatíveis com o metabolismo ecológico e social

do planeta. Portanto, são insustentáveis. Eli Veiga, ao analisar a

sustentabilidade no século XXI, pondera:

"Em primeiro lugar, uma sustentabilidade maior, se puder ser alcançada, significaria uma estabilização da população, globalmente e na maioria das regiões. Em segundo, práticas econômicas que encorajem a cobrança de custos reais, crescimento em qualidade em vez de quantidade, e a vida a partir dos dividendos da natureza e não do seu capital. Terceiro, uma tecnologia que tenha comparativamente um baixo impacto ambiental. Quarto, é preciso que a riqueza seja de alguma forma mais equitativamente distribuída, especialmente para que a extrema pobreza deixe de ser comum. Em quinto, são imprescindíveis instituições globais urgentes. Sexto, é fundamental um público mais bem informado sobre os desafios múltiplos e interligados do futuro. E sétimo - e talvez o mais importante e mais difícil de tudo -, o predomínio de atitudes que favoreçam a unidade na diversidade, isto é, cooperação e competição não violenta entre tradições culturais diferentes e nações-Estados, assim como a coexistência com os organismos que compartilham a biosfera com os seres humanos" (2010, p.168-169).

Portanto, não há como falarmos em sustentabilidade enquanto o meio

ambiente é ameaçado pelo crescimento populacional, pelo abandono dos

povos da floresta e das periferias, pela crescente exploração dos recursos

naturais, pelo hiperconsumo e pela desconsideração das externalidades dos

processos industriais. Não há como falarmos em sustentabilidade enquanto

existir pobreza.

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Ignorando a incompatibilidade entre a atual forma de desenvolvimento e

a sustentabilidade, o discurso publicitário da Vale ressemantiza a

responsabilidade socioambiental a cada agendamento temático. O recorte do

corpus constata a existência de uma variação temática nas campanhas. A

eleição de diferentes temas e figuras nos distintos espaços temporais baseia-

se em necessidades momentâneas, com o enunciador a guiar-se pelo que é

necessário para cada "etapa" da construção de marca.

A temática ambiental, nessa perspectiva, ganhou visibilidade em muitos

momentos e foi apresentada com diferentes intensidades, muitas vezes às

custas do apagamento - ou diminuição de forças - dos outros temas

demandados. O sujeito tornado visível pelas peças publicitárias examinadas

nesta pesquisa encaixou-se perfeitamente no evangelho da ecoeficiência: a

boa administração dos recursos naturais é quem dá o tom. No tripé da

sustentabilidade - pilares social, econômico e ambiental - a questão social

ganhou amplos e reiterados realces, sobretudo com os projetos artísticos e os

apoios culturais: Catálogo de Azulejos, Via Sacra, Festival Guarnicê de

Cinema, Cinema na Comunidade, Vale Festejar etc. A questão econômica foi

evidenciada a partir do gigantismo da Vale: são muitos os empregos e os

impostos gerados. O aumento da renda alia-se aos fatos já citados e figuram

com destaque, como "prova" da importância da mineradora para o Maranhão.

Contudo, os "números" que afirmam o compromisso - aliados à sanha

expansionista - foram alicerçados sob o terreno caudaloso da expansão da

exploração mineral. Nesse ponto, a disputa entre as necessidades humanas e

os recursos minerais disponíveis mostra-se inconciliável. O desenvolvimento

sustentável, ou seja, o desenvolvimento que leva em conta aspectos

socioeconômicos e ambientais, foi mostrado sob uma capa de ecologização,

coberto pela velha ideia de progresso e crescimento ilimitado. Nesse jogo, a

fome incontrolável de "destruição criativa" e de consumo esgota não só as

reservas não-renováveis, como causa ruptura ecológica, transformando

recursos renováveis em não-renováveis - quem sofre ainda mais são as

populações pobres, para-raios da exploração e da exclusão.

Nas peças publicitárias, o enunciador mostrou-se mais preocupado com

os efeitos da devastação que com suas causas. Longe de se mostrar uma

agente poluidora, a Vale corteja o compromisso socioambiental a todo

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momento. Não há celebridades nas propagandas, só moradores das cercanias

da mineradora. Assim, o que ganha visibilidade é a boa relação com as

comunidades, o apoio cultural e o fomento econômico, a seriedade da plena

gestão ecoeficiente dos recursos naturais etc. O valor que constrói a empresa

no mundo integrado do capitalismo globalizado é o da ecoeficiência. Os

contratos comunicacionais estabelecidos pelo enunciador Vale giram em torno

do compromisso, da presença participativa e da desmaterialização da

exploração mineral: não há minas a céu aberto, mas apoios culturais; não há

minérios exportados, mas matas preservadas; não há minérios transportados,

mas céu límpido, animais em habitat e reuso dos recursos hídricos. Para a

publicidade, não há atropelamentos, casas rachadas, doenças causadas pela

poeira mineral, pescadores sem condições de sobrevivência... Na prática

discursiva da Vale, o enunciatário é guiado a perceber os cuidados

socioambientais como naturalizados: cuidar da sociedade e do meio ambiente

figuram como essência do DNA da empresa. Assim, torna-se visível o

compromisso social e a plena gestão ecoeficiente: cuida-se da cobertura

florestal natural, dos animais exóticos, das crianças que precisam de reforço na

educação, dos jovens que necessitam de qualificação profissional. Deste

modo, o enunciador procura localizar a empresa num espaço social que facilite

o discurso da responsabilidade socioambiental, reforçado-a - mesmo que as

temáticas variem - a cada peça publicitária. O compromisso, mais do que

naturalizado, é mostrado como duradouro. Nesse sentido, o enunciador reitera

a "localidade" ou a "globalidade" da mineradora quando necessário. Para expor

as melhores técnicas ecoeficientes, a Vale é global. Para sinalizar o

compromisso com cada singularidade cultural das regiões onde está instalada,

a Vale é não só nacional, mas local. A empresa idealizada, assim, é verde e

amarela, local e global.

A partir do slogan "cada vez mais verde e amarela", os ideais

socioambientais são constantemente reforçados. Os textos modalizados com a

presença humana ressaltam que a busca pelo mundo sustentável é um

trabalho coletivo, que necessita da união entre empresa e sociedade - pouco

importando a discrepância ante o que é gasto por cada um. Entendendo que os

minérios extraídos são encaminhados para a produção de bens de consumo,

não há convite à redução de consumo - o que aliviaria as condições ambientais

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do planeta, mas "diminuiria" o tamanho e a importância da Vale. O papel

destinado à sociedade, portanto, é limitado e mais ligado à ordem

contemplativa: visite o Parque Botânico Vale, olhe a fauna, sinta a flora, veja

(por meio de fotos) os ecossistemas da região.

A hipótese deste trabalho - a de que, com a alteração identitária,

ocorrida em 2007, houve uma forte guinada aos temas ambientais -

apresentou-se, no final da pesquisa, como verdadeira. Apesar de tematizar as

questões ambientais desde o primeiro ano, ao longo do percurso histórico

analisado há um imenso vazio: há anos em que a questão verde sequer é

mencionada. Após a mudança da marca, o que vale para a Vale é a busca pelo

imperativo verde: os temas ecológicos tornam-se constantes, sobretudo a partir

da inauguração do Parque Botânico, que passou a ser repetidamente utilizado,

mesmo nas peças em que temáticas diversas da ambiental eram abordadas.

Após 2007, por exemplo, cultura não é só uma apresentação artística, mas ler

um livro sentado na área verde privativa da mineradora.

O esverdeamento do discurso publicitário tenta responder a algumas

demandas que colocam em cheque o atual modo de produção capitalista.

"O inchaço das cidades, a poluição ambiental, a polarização social, a degradação do espaço público, a erosão da sociabilidade, a aceleração do ritmo de vida, a crescente percepção da violência, enfim, todos esses custos, até então atenuados pelo crescimento econômico, agora fertilizam o terreno para a disseminação de uma visão mais crítica em relação à ideologia do progresso" (ROCHA, 2011, p.173).

Para Maria Eduarda da Mota Rocha,

"A 'responsabilidade social' [e ambiental, acrescentamos] é a resposta, mais retórica do que qualquer outra coisa, à crescente percepção de que o modelo de modernização capitalista implantado no Brasil no pós-1964 havia beneficiado sobretudo as empresas, em detrimento das famílias e do próprio Estado" (2011, p.175).

Nesse quadro, o discurso verde apresenta-se, a partir de 2007, como

hegemônico na publicidade da mineradora. Entretanto, a visão de mundo

continua centrada - às avessas - no consumo de bens e serviços

industrializados, ou seja, o progresso industrial precisa continuar, o que

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significa mais exploração e degradação ambiental. As práticas discursivas, sob

o total controle do enunciador, asseveram: quanto maior a Vale se torna, maior

é o seu compromisso socioambiental. Contudo, quanto maior é a mineradora,

maior é a extração mineral, maior é a necessidade de ampliação logística, e,

portanto, maiores serão as externalidades de seus processos industriais. Não

há, em nossa análise, o projeto de se voltar à primeira natureza - o que seria

impossível -, entretanto, inexiste o entendimento de que a Vale tem

responsabilidade socioambiental por manter projetos culturais e programas de

capacitação profissional que atendem essencialmente suas próprias

necessidades, tampouco por privatizar área de cobertura florestal natural, pois

os impasses socioambientais só serão solucionados por meio da integração

dos fatores ambientais, sociais e econômicos, sem assimetrias de poder e de

informação.

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ANEXO - CD COM AS IMAGENS DO CORPUS