resumo de direito das obrigaÇÕess

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Direito das Obrigações I Resumos para exame Secção I – Significado e função das obrigações O Direito Civil Patrimonial O Direito das obrigações é uma parte do direito civil (art. 397º - 1250º, Livro II, Parte Especial do CC), que não sendo um ramo autónomo e especial, antes forma um todo coerente. Note-se, que as obrigações localizam-se também noutros campos que não o direito civil, como por exemplo, o direito comercial. O Direito das Obrigações, dentro do direito civil é um direito patrimonial. Este é o conjunto de normas que disciplina, rege ou regulamenta as actividades sociais pelas quais se realizam os fins económicos, susceptíveis de avaliação pecuniária, da pessoa e se organiza a estrutura económica da sociedade. Compreende as normas que regulamentam a atribuição, distribuição e exploração ou gestão dos bens económicos, bem como o tráfego jurídico dos referidos bens e a colaboração intersubjectiva. Assim, o direito civil patrimonial, abrange o direito das obrigações (pois é o direito da dinâmica patrimonial) e os direitos reais (são o direito da estática patrimonial). O Direito das coisas como direito da estática patrimonial O Direito das coisas regula o domínio dos bens (poder directo e imediato) sobre os bens, a atribuição/ distribuição dos bens e a sua utilização, gestão ou exploração, realizando a função própria do direito que é a ordenação da convivência social, por um lado porque há bens que são raros e há necessidade de os repartir entre as pessoas que os disputam pelas suas utilidades. Por outro lado, rege os resultados na fase final do acesso aos bens, ocupando-se da distribuição e gozo das coisas, em termos da sua conservação e dominação, de modo a proporcionar a sua utilização estável e segura. O Direito das Obrigações como direito da dinâmica patrimonial: circulação de bens e colaboração intersubjectiva O Direito das Obrigações é o direito da dinâmica patrimonial porque disciplina o tráfego económico, a circulação dos bens entre as pessoas e sua colaboração ou cooperação mediante comportamentos (prestação de dare, facere e non facere). As obrigações são um vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação e não concedem directamente a utilização dos bens (art. 397º), são a fase de acesso aos bens, concedendo uma utilização indirecta, mediatizada pela prestação do devedor. 1

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RESUMO DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕESS

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Page 1: RESUMO DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕESS

Direito das Obrigações IResumos para exame

Secção I – Significado e função das obrigações

O Direito Civil PatrimonialO Direito das obrigações é uma parte do direito civil (art. 397º - 1250º,

Livro II, Parte Especial do CC), que não sendo um ramo autónomo e especial, antes forma um todo coerente. Note-se, que as obrigações localizam-se também noutros campos que não o direito civil, como por exemplo, o direito comercial.

O Direito das Obrigações, dentro do direito civil é um direito patrimonial. Este é o conjunto de normas que disciplina, rege ou regulamenta as actividades sociais pelas quais se realizam os fins económicos, susceptíveis de avaliação pecuniária, da pessoa e se organiza a estrutura económica da sociedade. Compreende as normas que regulamentam a atribuição, distribuição e exploração ou gestão dos bens económicos, bem como o tráfego jurídico dos referidos bens e a colaboração intersubjectiva. Assim, o direito civil patrimonial, abrange o direito das obrigações (pois é o direito da dinâmica patrimonial) e os direitos reais (são o direito da estática patrimonial).

O Direito das coisas como direito da estática patrimonialO Direito das coisas regula o domínio dos bens (poder directo e imediato)

sobre os bens, a atribuição/ distribuição dos bens e a sua utilização, gestão ou exploração, realizando a função própria do direito que é a ordenação da convivência social, por um lado porque há bens que são raros e há necessidade de os repartir entre as pessoas que os disputam pelas suas utilidades. Por outro lado, rege os resultados na fase final do acesso aos bens, ocupando-se da distribuição e gozo das coisas, em termos da sua conservação e dominação, de modo a proporcionar a sua utilização estável e segura.

O Direito das Obrigações como direito da dinâmica patrimonial: circulação de bens e colaboração intersubjectiva

O Direito das Obrigações é o direito da dinâmica patrimonial porque disciplina o tráfego económico, a circulação dos bens entre as pessoas e sua colaboração ou cooperação mediante comportamentos (prestação de dare, facere e non facere). As obrigações são um vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação e não concedem directamente a utilização dos bens (art. 397º), são a fase de acesso aos bens, concedendo uma utilização indirecta, mediatizada pela prestação do devedor. Directamente apenas concede ao credor o direito à prestação, e é através desta enquanto objecto da obrigação, que os homens cooperam entre si, transferindo uma coisa.

As obrigações desempenham uma função económica e social de grande relevância prática, veja-se a quantidade de relações obrigacionais que se praticam diariamente. A permuta de bens, enquanto actividade básica da vida económica durante séculos, fez com que predominasse no comércio jurídico as obrigações de prestação de coisa. No entanto, existe actualmente uma progressiva expansão das prestações de facto, dado o crescimento de prestações de serviços ligados à revolução tecnológica, que efectiva uma deslocação dos sectores primários e secundários para o sector terciário na actividade das sociedades mais evoluídas. Mas, as obrigações,

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são também o direito da responsabilidade civil, contratual e extracontratual, e da prevenção dos riscos individuais.

As obrigações como meio e objecto da ordenação jurídica patrimonialImporta ainda falar dos créditos que antes do credor poder exigir a

prestação debitória, já fazem parte integrante do seu património, objectivando-se como valor próprio e autónomo, que deriva da expectativa da sua execução ou cumprimento, assegurado pelo património do devedor – garantia penal das obrigações (art. 601º CC). Os créditos são: 1- direitos disponíveis porque são susceptíveis de avaliação pecuniária, sobre os quais o seu titular tem poder de disposição; 2- é um direito renunciável visto estar ligado ao seu titular; 3- onerável; 4 – hereditável, ou seja, o credor pode utiliza-lo como objecto do tráfico jurídico dado o seu valor patrimonial, comportando-se como um bem na vida económica, podendo circular e ser transmitido por outra pessoa.

Pode, portanto, existir uma transmissão do crédito pela parte activa, sem se prejudicar o devedor, e também pela parte passiva, tendo esta de ter ratificação expressa ou tácita do credor, além de também ser possível a transmissão em conjunto dos direitos e obrigações de um conjunto sinalagmático (ex: Contrato de Trabalho).

Os créditos podem, também, ser objecto de penhora e posterior execução. Em suma, como o crédito não é só a relação prestacional entre o credor e do devedor, transcendendo ao plano pessoal-relacional como valor patrimonial de que se pode dispor no comércio jurídico, ele é o meio e objecto do ordenamento jurídico patrimonial.

O dogma da geometria das obrigações: a relativa estabilidade no tempo e uniformidade no espaço

1 – Neste domínio prevalece à muito a princípio da autonomia privada;2 – As convivências e os interesses das partes são relativamente constantes;3 – As relações creditórias, pela sua natureza intrínseca, sofrem menos que outro tipo de relações e do que a organização da propriedade;4 – A influência dos factores políticos, sociais, morais e religiosos marcam cada época, aliado ao génio programático dos jurisconsultos romanos clássicos, que permitiu a construção de formas jurídicas concisas e equilibradas que regulam situações ainda hoje actuais;5 – As concepções de justiça, equidade, regras de bom senso, etc. têm-se mantido nesta área;6 – As normas imperativas é que sofreram uma sensível evolução; elas consubstanciam os valores fundamentais do sistema jurídico, em virtude das variações das ideologias que perpassavam no tempo.

Capítulo I – Conceito de obrigações

A obrigação em sentido técnicoA obrigação é a relação jurídica por virtude da qual uma (ou mais)

pessoa pode exigir a outra(s) a realização de uma prestação (art.397º).Trata-se de relações em que ao direito subjectivo de um dos sujeitos

corresponde o dever jurídico de prestar, imposto ao outro especificamente, que pesa sobre o seu património, no interesse de determinada pessoa e de o seu objecto consistir numa prestação.

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O termo obrigação abrange a relação no seu conjunto (credor e devedor), chamando-se crédito (direito de crédito) ao lado activo e débito/ divida ao lado passivo, para distinguir os dois lados da relação.

O credor é a pessoa que tem o poder de exigir a prestação; o devedor é a pessoa sobre a qual incide o correlativo dever de prestar.

A prestação, como objecto da obrigação, consiste numa acção, actividade, conduta de sinal positivo, mas também pode ser uma abstenção, omissão, non facere. Por isso, é mais correcto afirmar que é uma conduta do obrigado.

Relação obrigacional simples e complexaR.O. Simples – compreende o direito subjectivo atribuído a uma

pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente que recai sobre a outra (ex: indemnização por dano);

R.O. Complexa – quando abrange o conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo facto jurídico (ex: compra e venda).

A complexidade das relações será tanto maior quanto maior for a quantidade de direitos e deveres correlativos aos direitos e deveres principais de certa relação. Isto torna-se mais evidente nas relações obrigacionais duradouras (ex: contrato de locação, fornecimento, etc.) cujo desenrolar no tempo origina a criação sucessiva de novas obrigações que podem não ter uma vida completamente distinta e autónoma da obrigação que as gerou. Por outro lado, enquanto as obrigações simples se extinguem pelo cumprimento ou por qualquer das outras causas que põe termo às obrigações em geral, as obrigações complexas podem também cessar por qualquer das causas que extinguem directamente o facto jurídico de onde ela emerge (ex: declaração de nulidade, denúncia, etc.)

A complexidade reflecte-se no vínculo obrigacional em geral e traduz-se na série de deveres secundários e acessórios de conduta que gravitam em torno do dever principal de prestar e até ao direito à prestação.

Deveres principais de prestação – Nas relações obrigacionais derivadas de contratos nominados (constituem objecto de uma regulamentação legal especifica), há as prestações principais que definem o tipo ou o módulo da relação: entrega da coisa vendida por parte do devedor, e entrega do preço pelo comprador (art. 879º/b/c); cedência do gozo temporário da coisa (art. 1022º).

Considera-se também a obrigação de indemnizar nascida da prática do facto ilícito extra – contratual, já que a relação nasce directamente desse facto.

Deveres secundários de prestação – Ao lado dos deveres principais podem surgir estes deveres, não necessariamente no momento constitutivo da obrigação, não qualificando o contrato. Eles podem ser: Deveres acessórios da prestação principal – destinados a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação principal; Deveres secundários com prestação autónoma – derivam do não cumprimento da prestação principal. São sucedâneos do dever principal, mas também podem coincidir com ele (ex: obrigação de indemnizar os danos provenientes de mora da obrigação principal). Com estes deveres secundários nascem também direitos potestativos, ónus, excepções, expectativas;

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Deveres acessórios de conduta – estão geneticamente consagrados através do princípio geral da boa fé (no seu sentido objectivo, como princípio ordenador do comportamento das partes). Distinguem-se dos deveres secundários e primários por surgirem independentemente/ antes de se ter constituído a relação obrigacional de onde decorre a prestação principal (art.227º) e na possibilidade de terem como titular activo pessoas estranhas à relação de onde nasce o dever de prestação.

Quanto à disciplina jurídica não têm uma acção específica para os tutelar (art. 817º), mas a sua violação resulta na obrigação de indemnizar os danos causados ou mesmo no direito à resolução do contrato ou sanção análoga (1003º/a).

Secção II – Estrutura da relação jurídica obrigacional

Os elementos constitutivos da obrigação são os sujeitos, o objecto e o vínculo.

SujeitosSão os titulares (activo e passivo) da relação.

Credor: pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da prestação, o titular do interesse (patrimonial, espiritual ou moral) que o dever de prestar visa satisfazer.

O que significa: a) ser ele o portador de uma situação de carência; b) haver bens (coisas, serviços) capazes de satisfazer tal necessidade; c) haver um desejo de obter esses bens para suprir a necessidade.

O credor é amo e senhor da tutela do seu interesse, o funcionamento dela está subordinado à iniciativa daquele. Na qualidade de sujeito de um direito subjectivo ele pode dispor, pelas mais diversas formas, dos meios coercitivos, predispostos pela ordem jurídica para governo da relação: exigir o cumprimento, ceder o crédito, constituir com ele uma garantia, etc.

Devedor: pessoa sobre a qual recai o dever (específico) de efectuar a prestação, ocupando uma posição de subordinação jurídica. Se não cumprir a prestação, sobre ele recaem as sanções estabelecidas na lei, nomeadamente sobre o seu património aquando da execução destinada a indemnizar o dano causado ao credor, visto a obrigação não haver sido voluntária ou judicialmente cumprida. Só o credor tem direito à prestação e esta só ao devedor pode ser exigida, visto as obrigações terem carácter relativo (vinculam apenas determinadas pessoas ao contrário do que acontece nos direitos reais que são absolutos).

A pessoa do credor pode não ser determinada no momento em que a obrigação se constitui mas tem que ser determinável, sob pena de nulidade. Assim, quanto aos sujeitos, podemos ter obrigações:

Singulares – de cada lado da relação há apenas uma pessoa Plurais – há várias pessoas quer no lado activo, quer no lado passivo,

quer simultaneamente do lado passivo e activo.

As relações entre os sujeitos variam de acordo com o regime da contitularidade ou da responsabilidade de que a Lei ou os próprios interessados estabelecerão:

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Conjuntas – quando nada seja dito em contrário pelas partes, o regime aplicável será o do art. 513º, o que quer dizer que existirão 2 relações jurídicas independentes;

Solidárias – quando as partes o disserem (regra no direito comercial)

Modificação subjectiva da relação creditória: cessão de créditos (art. 577º e ss), assunção de dívida (art. 595º e ss), cessão da posição contratual (art. 424º e ss)

Apesar de a obrigação ter de conter 2 sujeitos, como relação inter-subjectiva, a permanência dos sujeitos originários do vínculo não é condição essencial à persistência da obrigação com todos os seus atributos fundamentais (garantias, juros, prazos prescricionais, etc.). Para frisar esta ideia, doutrina e lei falam em transmissão das obrigações, a propósito da cessão de créditos e da assunção de dívidas. Tudo se passa como se fosse a obrigação que materialmente se desloca do património de uma pessoa para o de outro, o que acontece frequentemente. Também a sucessão é exemplo desta transmissão, dada a substituição de sujeitos. Aqui o termo “sucessão” realça a ideia de que a relação nem sequer se desloca.

Objecto: a prestação debitóriaO objecto da obrigação é a prestação devida ao credor. É o meio que

satisfaz o interesse do credor, que lhe proporciona a vantagem a que ele tem direito.

A prestação consiste, em regra, numa acção do devedor, mas também pode consistir numa abstenção, permissão ou omissão. Ela é o fulcro da obrigação e distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos reais, pois é o dever específico do devedor.

Costumam-se distinguir 2 objectos: Objecto imediato – actividade devida (entrega, cedência,

restituição da coisa, etc.) Objecto mediato – é a própria coisa em si considerada (uma coisa,

conjunto de coisas, coisa incorpórea)

Modalidades da prestação1.1. Prestação de coisaNo direito vigente temos 3 modalidades:a) Obrigação de dar, quando a prestação visa constituir ou transferir

um direito real definitivo sobre a coisa (art. 1144º, 1181º71, 2251º/2);

b) Obrigação de entregar, visa transferir a posse ou a detenção dela, para permitir o seu uso, guarda ou fruição (art. 1031º/a);

c) Obrigação de restituir, quando através dela o credor recupera a posse ou detenção da coisa ou o domínio sobre coisa equivalente, do mesmo género e qualidade (art. 1038º/i; 1129º; 1142º, 1985º, etc.)

As obrigações podem, no entanto, ter por objecto a prestação de coisa futura (art. 399º e 211º). A expressão é usada pela lei numa acepção ampla, abrangendo as coisas que ainda não existem e aquelas que já existem mas que o disponente ainda não tem direito ao tempo da declaração negocial, mas conta vir a ter em momento posterior.

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O intuito prático é o de sujeitar os actos de disposição relativos a coisas ainda não pertencentes ao disponente, ao regime dos negócios sobre bens futuros, e não às regras de venda de coisa alheia.

Para fixar este regime é necessário é necessário conhecer a vontade das partes que está na base da constituição da obrigação. Assim quando a coisa futura, contra a expectativa dos contraentes, não chega a existir ou vem a ser criada mas em quantidade inferior à prevista, por causa não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se, em princípio, total ou parcialmente consoante os casos, mas o credor fica desonerado da contraprestação (art. 795º, 880º e 793º).

Se, porém, as partes tiverem levado o carácter aleatório do contrato negociando a própria chance da prestação, o risco da não existência definitiva da coisa correrá por conta do credor (880º/2, 893º).

1.2. Prestação de facto Objecto, aqui, é um facto que se corporiza nos chamados serviços

que são todas as novas actividades ligadas à revolução tecnológica e terciarização da actividade económica. Pode ser de vários tipos:

Prestação de facto positiva – traduz-se numa acção (num comportamento de sinal positivo). Assumem especial configuração as que resultam dos contratos-promessa (art.410º e ss) e os pactos de preferência (art. 414º e ss), onde a prestação consiste na emissão, em certos termos, de uma declaração negocial.

Prestação de facto negativa – traduz-se numa abstenção, omissão ou mera tolerância. Assim temos 2 variantes: i) non facere – o devedor compromete-se a não fazer/ praticar certos actos; ii) tolerar – o devedor fica obrigado a consentir ou tolerar que outrem (credor) pratique alguns actos a que, de contrário, não teria direito.

Prestação de facto material – quando consiste em actos materiais como reparar uma viatura, pintar uma casa, etc.

Prestação de facto jurídico – consiste em prestar actos jurídicos, tendo interesse na caracterização do mandato (art.1157º).

Prestação de facto próprio – é a regra; a prestação refere-se a um facto do devedor;

Prestação de facto de terceiro – são admitidas à sombra do princípio da liberdade contratual, desde que a prestação do promitente corresponda a um interesse do promissário, digno de protecção legal (art. 392º72). Note-se que esta prestação não vincula o terceiro a que se refere (art. 406º/2), reduzindo-se a promessa de facto de terceiro a uma verdadeira promessa de facto próprio: conseguir o obrigado, a prestação do facto de 3º, que nem sempre reveste o mesmo sentido, de acordo com a intenção dos contraentes. Assim, ainda temos: i) Obrigação de meios – o promitente obriga-se a esforçar-se para que o 3º pratique o facto, sem assumir qualquer responsabilidade na hipótese de este não querer ou não poder cumprir; ii) obrigação de resultado – o promitente obriga-se a indemnizar a outra parte, garantindo a verificação do facto, se o 3º não quiser ou não puder pratica-lo.

Prestação fungível – quando podem ser realizadas por pessoas diferentes do devedor, sem prejuízo do interesse do credor;

Prestação não fungível – quando o devedor não pode ser substituído por 3º no cumprimento. Ao credor não interessa apenas o objecto da obrigação mas também a habilidade, o saber, a destreza ou outras qualidades pessoais do devedor.

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A fungibilidade está consagrada no art. 767º como regra das prestações,

com a ressalva dos casos em que expressamente se tenha acordado que a prestação deve ser feita pelo devedor (não fungibilidade convencional) ou em que a substituição prejudique o credor (não fungibilidade na natureza da prestação).

A noção de fungibilidade é paralela ao conceito de fungibilidade das coisas. Quando se trata de prestação de coisa, a prestação é em regra fungível, quer a coisa seja fungível ou infungível, visto o interesse do credor não ser lesado com a substituição do devedor. É nas prestações de facto que a distinção tem verdadeiro interesse.

A fungibilidade da prestação tem interesse na questão de saber quando é que a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa, por equiparação à impossibilidade objectiva, a extinção da obrigação (art. 791º). A equiparação só se dá quando o devedor não se possa fazer substituir por terceiro no cumprimento da obrigação. A circunstância da prestação ser infungível não impede que o devedor possa ser coadjuvado no cumprimento por auxiliares (art. 264º, 1165º/1, 198º/1, 213º/2).

→ Aplicação de sanção pecuniária compulsória nas prestações não fungíveis (829º - A CC)

O campo de aplicação desta sanção limita-se às prestações de facto não fungíveis, pois como o devedor não pode ser substituído, sem prejuízo para o credor, na realização das prestações dessa natureza por terceiro que fosse chamado a fazê-lo no próprio processo de execução forçada; a lei para satisfazer o interesse do credor impõe ao obrigado uma espécie de multa civil para cada dia de atraso no cumprimento ou por cada vez que falte ao cumprimento. É portanto, um tipo de sanção que visa forçar o devedor, à bruta, ao cumprimento (“meio compulsório). Incorrecta é a sua localização sistemática nos tipos especiais de meios coercitivos, em muito colocado na área do cumprimento forçado (art. 817º e ss), estando no domínio das execuções específicas como se se tratasse de uma forma de realização judicial da prestação debitória.

→ Quanto ao tempo de realização de prestações, podemos ter vários:1 – Prestações instantâneas – prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento ou num período de tempo de duração praticamente irrelevante;2 – Prestações duradouras (em sentido amplo) – todas as prestações em que o comportamento exigível do devedor não se esgota num só momento;3 – Prestações duradouras (em sentido estrito) – a prestação projecta-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória influencia decisiva na conformação global da prestação, isto é, o factor tempo tem influencia decisiva na fixação do objecto da prestação (art. 1041º/2 e 1058º).

3.1. Prestações de execução continuada – o cumprimento prolonga-se ininterruptamente no tempo. Regime: a resolução do contrato goza de eficácia retroactiva, mas não abrange as prestações já efectuadas (art. 434º/2 e 277º/1), operando só quanto às prestações futuras ou quanto

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à duração futura da prestação em curso, porque a prestação encontra-se ligada às diversas fracções de tempo em que é possível dividir a sua duração, gozando assim as prestações já efectuadas e as que devem ser efectuadas no futuro de certa independência entre si e porque algumas das prestações realizadas podem constituir o correspectivo de benefícios irreversíveis recebidos pela contraparte. Aqui surgem por vezes, também, prestações instantâneas (art. 307º e 310º).

3.2. Prestações reiteradas ou de trato sucessivo – renovam-se em prestações singulares sucessivas i) periódicas – ao fim de períodos consecutivos; ii) não periódicas – sem períodos certos.4 – Prestações fraccionadas ou repartidas – o cumprimento prolonga-se no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual. O tempo não influi na determinação do objecto da prestação, apenas se relaciona com o modo de execução. Regime: a resolução do contrato atinge, em princípio, todas as parcelas da prestação, incluindo as já efectuadas. Por outro lado, a falta de cumprimento de uma das fracções provoca, em regra, o vencimento das restantes (art. 781º e 934º CC), porque a formação destas não está dependente do decurso do tempo.

Na qualificação das prestações quanto ao tempo da sua duração não devem confundir-se os actos preparatórios da prestação com o cumprimento propriamente dito.

A distinção tem sido posta em relevo a propósito do contrato de empreitada (arts. 1207º e ss). A prestação devida pelo empreiteiro é instantânea, visto o seu cumprimento se traduzir na entrega da obra por ele realizada (art. 1218º e ss), mas para isso necessita de realizar a obra, que se prolonga no tempo.

Assim, a empreitada será um contrato de execução prolongada, mas a prestação não é duradoura, o que resulta do art. 1207º. À resolução do contrato (art. 1222º/1) não se considera, por isso, aplicável o art. 434º/2 CC.

A questão da patrimonialidade da prestação no Direito Positivo (art. 398º CC).

Para que a obrigação se constitua validamente, a prestação necessita de obedecer a determinados requisitos (possibilidade, licitude, determinabilidade). No entanto, o requisito da patrimonialidade é controvertido, já que há autores que o incluem nos requisitos de validade das obrigações. Uns, entendem que a patrimonialidade da prestação se define através do interesse do credor, tendo de ser de carácter patrimonial, susceptível de avaliação pecuniária para que haja uma obrigação. Outros, afirmam que o interesse do credor pode não revestir natureza patrimonial, mas a prestação é que tem de possuir valor económico.

Nenhuma das posições é aceitável. É que ao insistirem na patrimonialidade, como pressuposto de validade da obrigação, os autores fundam o raciocínio sobre a hipótese de o devedor não cumprir espontaneamente, sendo a única sanção possível e viável a que tem por base uma prestação patrimonial, por ser este valor que orienta a execução.

Mas, há 2 reparos a fazer:1) A execução forçada não se propõe necessariamente obter a

realização coactiva da prestação estipulada por Lei; maioritariamente visa apenas compensar o credor dos danos causados com o não cumprimento da obrigação, além de que não há entre as duas

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grandezas uma perfeita identidade. E assim como o comércio jurídico atribui certo valor económico a prestações que satisfazem interesses ideias, também as partes podem fixar, directa ou indirectamente, o valor da compensação patrimonial que o devedor haja de entregar ao credor, no caso de não cumprimento de prestação não patrimonial, como ressarcimento dos danos. Esta poderá carecer de validade, mas não se mostra inviável a execução forçada do património do devedor. Aliás, nem sempre essas compensações serão impossíveis, visto a orientação penal presente nos códigos quanto aos danos morais provenientes de factos ilícitos, podendo igual solução ser adoptada para o não cumprimento de prestações destituídas de valor económico.

2) Não é a execução indirecta ou equivalente a única forma através da qual pode revelar-se a coercibilidade do dever de prestação, embora seja a mais importante.O carácter vinculativo do dever pode reflectir-se em outros aspectos como a execução específica, acção directa, sanções pecuniárias compulsórias, procedimentos cautelares ou outros meios coercitivos. O facto da primeira ser possivelmente inviável não resulta na reserva de todos os outros meios, mesmo que com garantias mais precárias.

A questão fundamental quanto às prestações de conteúdo não patrimonial consiste em saber se só as prestações patrimoniais merecem tutela do direito ou se esta deve estender-se às prestações não patrimoniais. Ora, no plano do direito constituído, a resposta é afirmativa, baseando-nos na protecção que merecem alguns deveres não patrimoniais e na função disciplinadora da vida social atribuída ao direito, que não se confina a valores económicos.

Assim, veja-se a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no que toca à responsabilidade por factos ilícitos (art. 496º e 499º), que ajuda a combater a tese da patrimonialidade da prestação como requisito de validade da obrigação. O Código Civil, no art. 391º/2 prescreveu essa não necessidade da patrimonialidade da prestação. Exige-se apenas que a prestação corresponda a um interesse real do credor e que o interesse do credor seja digno de protecção legal; com isto, pretendem-se afastar as prestações que correspondem a um mero capricho do credor e excluir as prestações que, podendo ser dignas de consideração de outros complexos normativos, todavia não merecem tutela do direito. Não é, porém, essencial que o interesse do credor seja objectiva e socialmente útil, podendo a obrigação servir puros interesses pessoais e subjectivos, visto haver muitos destes interesses que são dignos de tutela legal.

Relações entre o direito à prestação e o direito de prestarAqui, existe uma relação normal de correspondência. É o cumprimento

do dever de prestar que satisfazendo o interesse do credor, extingue em regra o direito à prestação. Por outro lado, a satisfação do interesse do credor é o efeito normal do cumprimento do dever que recai sobre o obrigado. Mas esta relação de correspondência pode falhar num duplo aspecto: 1) há várias formas de extinguir o direito do credor, como a prescrição, remissão, cumprimento por terceiro, desaparecimento do interesse do credor, etc. Algumas destas envolvem o exercício do direito à prestação; 2) Pode o devedor ficar desonerado do dever de prestar, ou cumpriu esse dever, sem que seja exercitado o direito do credor à prestação, como acontece na consignação em depósito declarada válida por

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decisão judicial (art. 849º e 846º), quanto ao primeiro caso, e nos casos excepcionais que a Lei considera eficaz o cumprimento feito ao credor aparente (art. 583º e 645º/1), quanto ao segundo caso.

Garantia Garantia geral – o património do devedor (art. 601º)A Lei procura assegurar a realização coactiva da prestação, sem

prejuízo do direito que, em certos casos, cabe ao credor de resolver o contrato ou de recusar legitimamente o cumprimento da obrigação que recaia sobre ele próprio, até que o devedor se decida a cumprir. E como o credor não pode actuar directamente para o efeito (art. 1º CPC), abre-se ao lesado o recurso aos Tribunais. O elemento que mais carácter de juridicidade imprime ao vínculo obrigacional é precisamente a acção creditória, através da qual se exercita a pretensão do credor.

A acção creditória é o poder de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, quando o devedor não cumpra voluntariamente, e de executar o património deste (art. 817º CC).

Visto do lado do devedor, a garantia traduz-se na responsabilidade do seu património pelo cumprimento da obrigação e na consequente sujeição dos bens que o integram aos fins específicos da execução forçada. O fim da execução consiste em proporcionar ao credor a realização do interesse que a prestação visava facultar-lhe

Os bens do devedor respondem igualmente perante todos os credores comuns, tendo esta garantia um valor fundamental para a exequibilidade prática da obrigação, a Lei faculta aos credores meios de a conservarem, reagindo contra certos actos que podem diminuir o património ou impedir o aumento do seu valor (art. 605º e ss).

Há autores que contestam a acção creditória como elemento essencial da obrigação, como quer que ela seja caracterizada, pelo menos, a juridicidade do vínculo.

Tanto a acção declarativa destinada a exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, como a execução forçada, dão lugar a relações processuais, mas estes são os meios processuais destinados a dar realização efectiva a um poder substantivo que integra a relação obrigacional. O CC entendeu assim e chamou a si a acção de cumprimento e execução (na parte substantiva) sendo a parte processual remetida para o CPC.

A garantia é o conjunto de providências postas à disposição do titular activo de uma relação jurídica, em ordem a obter a satisfação do seu direito, lesado pelo não cumprimento do devedor. É a possibilidade de ser posto em movimento o aparelho sancionatório estadual para reintegrar a situação correspondente ao direito do credor, em caso de infracção ou impedir violação receada. Só entra em movimento por impulso do credor.

Facto JurídicoÉ todo o facto (acto humano ou evento natural9 produtivo de efeitos

jurídicos. Pode tratar-se de uma eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva das relações jurídicas. Ele tem um papel condicionante do surgimento da relação, e por vezes vai modelar o próprio conteúdo da relação jurídica, como no caso das obrigações onde vigora o princípio da liberdade contratual.

Secção III – Natureza Jurídica da Obrigação

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A obrigação tem sido concebida como um direito do autor a um comportamento do devedor, ou seja, como um direito à prestação.

Há, porém, quem a concretize como um poder do credor sobre a pessoa do devedor (Savigny); outros, como um poder do credor sobre os bens ou património do devedor; e outros como uma relação, não entre pessoas, mas entre dois patrimónios.

Num aspecto diferente, há quem considera a acção creditória como parte integrante da relação obrigacional, ao lado do poder substantivo de exigir a prestação (doutrina clássica), enquanto outros a concebem como um quid exterior à relação substantiva obrigacional (doutrina alemã do débito e da responsabilidade). Os primeiros tratam a relação como uma relação creditória, os segundos decompõem-na numa dupla relação.

Teoria Clássica: a obrigação como poder pessoal e relação creditória A obrigação é o direito a um comportamento pessoal. O seu objecto

(imediato) é a acção ou omissão a que o titular passivo se encontra adstrito, mesmo se a prestação consistir numa coisa.

Isto explica o facto da obrigação se extinguir quando a prestação debitória se torne impossível por causa não imputável ao devedor (art. 790º/1) apesar de o devedor ter património para responder como garantia, e que a impossibilidade originária da prestação gere a nulidade do negócio jurídico (art. 401º/1).

Os autores que sustentam o contrário confundem a direcção principal da relação obrigacional com a sua sanção, que é um momento subsidiário dela, acabando por eliminar o traço fundamental da distinção entre direitos de crédito e direitos reais.

Mas essa concepção errónea teve o mérito de chamar a atenção dos autores para a importância, na relação creditória, da garantia da obrigação. Sem a acção creditória, desprovida do seu elemento real, o direito de crédito mal passaria de um pura expectativa do credor ao cumprimento, em vez de um direito, que leva ao poder de exigir a prestação do devedor sob coacção jurídica (note-se que ao lado da acção de cumprimento e execução temos ainda meios de conservação da garantia patrimonial – art. 605º e ss).

Poder de exigir a prestação e acção creditória, constituem aspectos diferentes, assinalando momentos diferentes, tal como distintos são os vários poderes de que goza o credor para tutela do seu direito antes de recorrer à acção executiva. A própria acção creditória pode revestir diferentes configurações, ter objectos diferentes em momentos sucessivos: destina-se a obter a prestação devida (execução especifica ou restituição natural), ou o ressarcimento do dano causado pelo não cumprimento (execução por equivalente). A modificação do objecto pode operar-se antes da instauração da acção creditória, por várias causas (art. 801º/1; 808º/1), mantendo-se, no entanto, a obrigação. A indemnização por equivalente pode, em certo momento, ter um valor e adquirir em momento posterior um outro valor, por virtude do dano que entretanto haja sobrevindo ao credor.

Todas as diversas facetas que reveste o poder do credor e o devedor do objecto são elementos do mesmo processo, peças integrantes do mesmo sistema.

A dificuldade de alguns autores em reconduzirem aqueles elementos à mesma unidade conceptual – obrigação – provém da tendência generalizada

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para a considerar como uma relação una e simples, e não como uma relação complexa que é (deveres de prestar sinalagmáticos, restantes deveres de prestação, deveres de prestação laterais ou secundários, deveres de cooperação e tutela da confiança, deveres acessórios de conduta, poderes modificativos ou constitutivos, restantes situações jurídicas e ónus do credor)!

Todavia, só a concepção unitária da relação obrigacional se mostra capaz de retratar a chamada unidade ontológica da obrigação, através das diversas vicissitudes a que o vínculo obrigacional está sujeito. Mas é a diversidade de objecto que constitui obstáculo lógico intransponível à integração de dois poderes na mesma relação obrigacional.

Secção IV – Direitos Obrigacionais e Direitos Reais

As obrigações como direito de colaboração e os direitos reais como direitos de exclusão: poder directo e imediato sobre a coisa

A obrigação consiste num direito à prestação realizável através do intermediário – devedor. Mesmo quando a prestação tem por objecto certa coisa, o credor necessita da cooperação do devedor para a obter, mediante o cumprimento. A prestação, como forma de conduta do devedor, constitui a dispositiva jurídica que sistematicamente se coloca de barreira entre a coisa ou o facto devido e o poder do credor. A obrigação conferirá ao credor, nos casos de prestação da coisa, um direito aos bens, mas nunca um direito sobre os bens.

O Direito Real, não é totalmente definido pelo carácter absoluto do poder do titular. A doutrina clássica definiu-o como um poder imediato sobre a coisa, caracterizando o objecto específico destas relações (coisa) e destacando a relação directa do titular com a res.

Ele põe o titular em contacto imediato com a coisa, prescindindo da colaboração de outrem para obter as utilidades que esta visa proporcionar-lhe. Trata-se, assim, de um direito sobre a coisa, poder de soberania que incide sobre bens determinados.

A esta concepção clássica, muitos autores opuseram que toda a relação jurídica é, por natureza, uma relação entre pessoas, não há direitos “intransitivos”, ela é uma relação entre o titular e todas as demais pessoas, sobre as quais recai um dever geral de abstenção, daqui resultando o poder sobre a coisa.

A crítica da concepção personalística, avança da falsa premissa de que só interessam à ordem jurídica as situações sociais enquanto vínculos entre pessoas. Mas, a verdade, é que no estatuto do direito real, além das relações entre titular e terceiros, interessa ao direito a ligação do titular com a res, sendo esta que define o conteúdo do direito, que o permite distinguir e caracterizar entre si os vários direitos reais típicos taxativamente consagrados na lei.

Ao elemento externo, junta-se o lado interno do direito, traduzido num poder de soberania sobre a coisa, que habilitará saber se à prática de certo acto ou omissão pelo titular constitui o exercício regular do direito ou um abuso de direito.

Também do lado interno nos é dado tudo quanto desse bem pode ser extraído, papel que cabe ao titular do direito, sendo que a intromissão de terceiro sobre os bens alheios pode constituir enriquecimento sem causa, quando deles usufrua.

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As obrigações com direitos relativos e os direitos reais como direitos absolutos

Os direitos de crédito operam interpartes, vinculando apenas as pessoas determinadas que são os sujeitos da relação; valem, em princípio, somente a favor do credor e contra o devedor (art. 413º e 421º/1).

Os direitos reais valem erga omnes, são direitos de soberania sobre a coisa. Todos têm de o respeitar. (art. 1305º).

Atributos da eficácia absoluta dos direitos reais: preferência ou prevalência, sequela ou direito de seguimento da coisa – a acção de reivindicação (art. 1311º) como a manifestação da sequela

A natureza absoluta do direito real, traduzida na eficácia erga omnes, reflecte-se num duplo aspecto:

a) Direito de Preferência/ PrevalênciaConsisti no facto de o direito real sacrificar toda a situação jurídica posteriormente constituída sobre a mesma coisa, sem o concurso da vontade do titular daquela, na medida em que uma e outra sejam incompatíveis entre si (art. 407º/733º/747º). Esta supremacia plena, fundada na prioridade temporal, é incontestada no domínio dos direitos reais de garantia, sendo possível a existência de dois ou mais direitos sobre a mesma espécie, sobre a mesma coisa, o direito posterior só se torna eficaz depois de integralmente satisfazer o anterior. Mas afirma-se também quanto aos direitos reais de gozo. Assim, uma vez constituído um direito sobre certa coisa, o sujeito não pode constituir validamente um direito incompatível com esse sobre a mesma coisa – prevalência do anterior direito sobre um posteriormente criado.

b) Direito de sequelaFaculdade conferida ao titular de fazer valer o seu direito sobre a coisa onde quer que esta se encontre (art.1311º).O direito sequela tem igual aplicação nos direitos reais de gozo, garantia, aquisição.

A pretensa eficácia externa das relaçõesO credor não pode exigir a prestação devida senão ao obrigado. Mas

todo o terceiro que tiver conhecimento da relação creditória será juridicamente obrigado a respeitá-la, não lhe sendo lícito induzir o devedor a faltar ao cumprimento, celebrar com ele negócio que o impedisse de cumprir, nem destituir ou danificar a coisa devida. A responsabilidade delitual/ extracontratual abrangeria também a infracção dos direitos de crédito (além dos direitos absolutos, em geral, e direitos reais de personalidade, em especial).

Para que o terceiro, ao impedir ou perturbar, o exercício do crédito, aja ilicitamente, violando o direito do credor, é necessário que a sua actuação exceda a margem de liberdade que a existência dos direitos de crédito consente a estranhos à relação, tocando o abuso de direito (art.334º). Para que haja abuso de direito é necessário que, ao exercer a sua liberdade de contratar, ele “exceda manifestamente, por força do disposto no art. 334º, os limites impostos pelos bons costumes”.

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A eficácia relativa dos direitos de crédito não obsta a que terceiros possam, em certos aspectos, intervir ou colaborar na relação creditória. Assim, pode um terceiro efectuar o cumprimento da prestação (art. 767º).

O devedor pode não cumprir, por ter sido instigado por terceiro, sendo ele quem terá de indemnizar o credor. Mesmo que o não cumprimento resulte da colaboração de terceiro com o devedor, só este responde pela violação.

O terceiro pode ter partido da ideia de que o devedor prefere sujeitar-se às sanções do não cumprimento da primeira obrigação, para cumprir a segundo ao celebrar contrato posterior.

Pode o obrigado, em alguns casos deste tipo, não possuir bens para indemnizar o credor, causando o não cumprimento um prejuízo irreparável.

Só através de outros institutos será possível reagir contra a conduta reprovável do terceiro; nunca, no direito civil, mediante um efeito externo que a obrigação não possui.

Outras atinências e diferençasA violação dos direitos reais, cria obrigações entre o titular do direito

violado e o autor da lesão (art.483º e ss). Há direitos reais de garantia destinados a assegurar o cumprimento de obrigações (art. 656º, 666º, 686º, 733º e 754º). Os direitos de crédito podem servir de base, por meio da aquisição derivada constitutiva, à constituição de direitos reais.

Tanto as obrigações como direitos reais podem nascer por efeito do contrato, tendo este eficácia translativa, tendo como regime regra os art. 408º e 409º.

Quanto a diferenças, os direitos reais versam sobre as coisas certas e determinadas; as obrigações podem ter como objecto coisas indeterminadas. Princípio da especialidade dos direitos reais – incidem só sobre uma coisa. Só os direitos reais se podem adquirir pela posse (usucapião, art. 1287º; 1316º); os direitos de crédito extinguem-se por prescrição, quando não exercidos por certo espaço de tempo. Os direitos reais podem extinguir-se pelo não uso, cujo regime se aproxima da caducidade (art. 298º/1 e 3).

Obrigações reais e obrigações não autónomasObrigação imposta, em atenção a certa coisa, a quem for o titular

desta. Dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade do direito real, havendo assim uma sucessão no débito fora dos termos normais da transmissão das obrigações. E como a obrigação existe por causa da res, ao devedor é algumas vezes concedida a faculdade de libertar-se do vínculo obrigacional Falta ao seu direito a favor do credor (abandono liberatório ou renúncia liberatória). Apenas está vinculado na vigência do direito real.

Exemplos de obrigações não autónomas os arts. 1411º, 1424º, 1428º, 1472º, 1567º/4.

Ónus reaisSão obrigações, geralmente de prestação periódica ou reiterada,

inerentes a certa coisa que acompanham na sua transmissão. Aqui, o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação a prestações anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida a obrigação. No entanto, o regime não é o mesmo: sendo reclamada a

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obrigação ao titular da coisa, este responde pelo cumprimento com todos os seus bens; sendo reclamada do adquirente posterior, ele responderá apenas à custa do valor da coisa onerada, o qual garante o cumprimento da obrigação.

Assim, a obrigação acompanha de certo modo a própria coisa, como um peso (um ónus) que recai sobre ela (“quem deve é a coisa e não o obrigado”). Para que haja verdadeiro ónus real e não um direito real de garantia, é preciso que o titular da coisa seja: sujeito passivo de uma relação, esteja vinculado à realização de uma prestação e que a coisa, em função da qual o onerado deve, sirva de garantia à obrigação.

Ex: 2018º, 959º/1

Secção V – Obrigações, Família e Sucessões

Distinção entre Direitos de Crédito e Direitos de FamíliaAs principais diferenças provêm do facto das relações de família se

integrarem numa instituição social (família), cujos fins exercem uma vincada influência no seu regime jurídico (única distinção existente entre deveres de prestar obrigacionais e as obrigacionais de carácter patrimonial nascidos de relações patrimoniais).

Quanto aos deveres de carácter pessoal:- Os deveres pessoais não podem ser objecto de qualquer relação obrigacional, fora do círculo de pessoas ligadas pelo respectivo vínculo familiar; são exclusivos da instituição familiar, não pertencentes ao comércio jurídico.

- Os deveres pessoais familiares não são prescritos no exclusivo interesse da outra parte (ao contrário dos deveres obrigacionais); são verdadeiros deveres morais impostos também, se não principalmente, no interesse da própria pessoa vinculada e ainda no interesse superior da sociedade conjugal; daí se chamarem aos direitos correspondentes poderes-deveres ou poderes funcionais;

- A diferença entre direitos pessoais familiares e deveres de prestar obrigacionais não está apenas na função, mas também na distinta estrutura de alguns daqueles;

- Consequência da diversidade de natureza entre os dois grupos é o facto de a violação dos deveres pessoais familiares não determinar uma obrigação de indemnização da outra parte;

- Os deveres de carácter familiar envolvem a personalidade dos sujeitos, têm carácter duradouro; enquanto as obrigações deixam intocável a personalidade do devedor, têm por objecto uma acção ou omissão de natureza particular e geralmente transitória.

Distinção entre direitos de crédito e direitos sucessóriosAqui, não há nenhuma diferença de estrutura ou de carácter

intrínseco. Nascem na sucessão mortis causa relações obrigacionais cujo regime terá de ser ponderado, à falta de disposição especial, no livro das obrigações. O traço fundamental comum às relações sucessórias assenta na

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sua finalidade específica, que é a de assegurarem, no interesse geral, a continuidade das relações jurídicas patrimoniais encabeçadas na pessoa do falecido (art. 2024º). A devolução dos bens integrados na herança reflecte-se no regime das relações de que o de cuius era já titular activo ou passivo, na criação de uma série de poderes e deveres instrumentais necessários à realização do fenómeno sucessório. Concluído o processo sucessório, por estar consumado o fim da devolução hereditária, as obrigações compreendidas na herança retomam em toda a linha o regime normal das relações do mesmo tipo.

Parte I – Fontes das Obrigações

Noção e classificaçãoFacto jurídico de onde nasce o vínculo contratual. Trata-se da

realidade que dá vida à relação creditória. Tem importância na vida da obrigação por fazer variar o conteúdo da obrigação.

Os autores e as leis, desde o Corpus Iuris Civilis de Justiniano, classificam as fontes das obrigações em 4 grandes classes ou categorias de factos:

1) ContratosFonte mais importante, apesar deles poderem resultar outro tipo de relações jurídicas. São acordos de duas ou mais vontades previstos e protegidos pelo ius civile.

2) Quase-ContratosFactos voluntários lícitos, que não são contratos por lhes faltar o elemento essencial de acordo das partes, mas que criam obrigações para o respectivo autor ou terceiro.

3) DelitosFactos ilícitos extracontratuais de carácter intencional (com dolo).

4) Quase-delitosFactos ilícitos praticados com mera culpa ou negligência (sem intenção maligna, mas com imprudência indesculpável).

Título I – Dos Contratos

NoçãoAcordo vinculativo assente sobre duas ou mais declarações de

vontade, contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses.

O CC estende o conteúdo possível do acordo contratual a outros aspectos da relação obrigacional e a outras classes de relações jurídicas: admite a constituição de obrigações com prestação de carácter não patrimonial (art.398º/2), considera expressamente como contrato o casamento (art. 1577º), do qual brotam relações essencialmente pessoais bem como o pacto sucessório (art. 1701º, 2026º e 2028º).

O contrato é essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas, mas harmonizáveis entre si, pois se tal não acontecer ter-se-á um acordo ou acto colectivo, ou deliberação, para apurar a vontade de um órgão colegial.

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Mas, o seu traço fundamental é o mútuo consenso, em obediência à livre determinação das partes que está na base do conteúdo e para haver contrato, sendo necessário que cubra todos os pontos da negociação (art. 232º). Se a resposta do destinatário da proposta contratual não for de pura aceitação, haverá que considerá-la como rejeição da proposta recebida ou como formulação de nova resposta, até se alcançar o pleno acordo dos contraentes (art. 233º).

Também é essencial que as partes queiram um acordo vinculativo colocado sobre a alçada do Direito. O contrato só vincula quem o aceitou.

Concepção normativista do contrato – o contrato é o mais genuíno expoente da autonomia privada, porque através dele as partes criam, por sua livre iniciativa, as normas reguladoras dos seus conflitos de interesses. Dá, no entanto, flanco a diversas críticas.

As regras nascidas do contrato destinadas a regular pontualmente os interesses concretos dos dois contraentes, não podem ser equiparas às normas juridicas (gerais e abstractas).

À interpretação e integração das declarações contratuais aplica-se os arts. 236º e 239º, muito diferentes dos arts. 9º e 15º, para as normas juridicas.

As normas jurídicas podem ser alteradas por nova lei, com eficácia retroactiva o que não sucede com o contrato, cuja interpretação e integração são realizadas à luz do direito vigente na data da conclusão do contrato. Se as partes alterarem, por acordo, o contrato, é do novo e não do procedente que a alteração procede, ao invés do que sucede se uma nova lei imperativa modificar o seu conteúdo.

As relações contratuais de factoA doutrina tradicional considera como elemento essencial do contrato

o acordo bilateral dos contraentes. Porém, a doutrina alemã, aponta algumas situações juridicas, a cuja disciplina seria aplicável o regime dos contratos, sem que haja na sua base um acordo de declarações de vontade dos contraentes. Tratar-se-ia de relações contratuais de facto, não nascias de negócio jurídico, mas assentes em puras actuações de facto.

3 Tipos de casos:A) Relações pré-contratuais

Relações nascidas do simples contacto social entre pessoas, antes da celebração ou independentemente da celebração de qualquer negócio jurídico, às quais se aplica a disciplina contratual. Trata-se dos casos típicos de culpa in contraendo, entre as quais avulta o da responsabilidade na preparação e formação dos contratos.Também aqui o princípio básico é o da boa fé, que se estende, não apenas à execução do contrato (art. 762º/2), mas também ao período da preparação e formação do mesmo (art. 227º/1).

Responsabilidade pré contratual e princípio da boa fé À questão da liberdade contratual, no período anterior à conclusão do contrato, liga-se o problema da eventual responsabilidade dos contraentes pela sua deficiente conduta ao longo do período de preparação do contrato. Assim, nasce o problema da responsabilidade (civil) pré-contratual.

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A partir de uns estudos foi-se desenvolvendo e consolidando, na doutrina e na jurisprudência uma tese baseada na ideia de que o simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito. Ora, no art. 227º consagra-se esse dever recíproco de cooperação entre as pessoas, antes da formação do contrato e dele várias conclusões se tiram:1) A lei consagra a tese da responsabilidade civil pré-contratual pelos

danos causados culposamente à contraparte tanto no período das negociações, como no momento da conclusão do contrato.

2) A responsabilidade das partes não se circunscreve à cobertura dos danos culposamente causados à contraparte pela invalidade do negócio. A responsabilidade pré-contratual, com a amplitude dada pelo art. 227º, abrange os danos provenientes da violação de todos os deveres (secundários) de informação, esclarecimento e de lealdade em que se desdobra o princípio da boa fé.

3) Além de indicar o critério pelo qual se deve pautar a conduta das partes (boa fé), a lei aponta concretamente a sanção aplicável à parte que, sobe qualquer forma, se afasta da conduta exigível: reparação dos danos causados à contraparte;

4) A lei, além de proteger a parte contra a ruptura da expectativa de conclusão do negócio, cobre-a também contra outros danos que ela sofra na negociação. Mas note-se, a lei respeita até ao momento da conclusão do contrato (art. 232º), salvo se houver contrato-promessa (art. 830º), o valor fundamental da liberdade de contratar. Daí, decorre que a lei nunca vai obrigar à execução ou celebração do contrato, sendo antes imposta uma indemnização destinada a cobrir o interesse negocial negativo da parte lesada que não pode exceder o limite do interesse contratual positivo (isto é, o beneficio que a conclusão do contrato traria).A determinação exacta da indemnização depende da natureza do dever acessório de conduta infringida. O interesse que o faltoso tem de ressarcir é sempre o interesse contratual negativo, isto é, a perda patrimonial que não teria tido se não fosse a expectativa na conclusão do contrato frustrado ou a vantagem que não alcançou em resultado.

Visto o art. 227º impor o dever jurídico de agir de boa fé no período das negociações, não há razão para não se considerar legal a relação jurídica estabelecida entre as partes. Dado o nexo teleológico existente entre esta relação ex lege e a relação contratual para que ela tende, nada impede aceitar-se que se apliquem à primeira relação as regras próprias da responsabilidade contratual.

B) Contratos inválidos ou anulados (art. 289º)Relações jurídicas provenientes de contratos ineficazes; porquanto a ineficácia do contrato, com a consequente destruição do acordo entre as vontades dos contraentes, não impede a aplicação das normas próprias dos negócios bilaterais (válidos).Note-se, que ao conceito naturalístico de nulidade e à concepção da invalidade do negócio, sobrepõem-se os conceitos normativos da nulidade, anulabilidade ou da inoponibilidade, amoldáveis pelas

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suas causas e também pelos seus efeitos, à variedade de situações jurídicas a que se aplicam.

C) Relações massificadas e de comportamento social típico: a dispensa da declaração de aceitação (art. 234º) Casos em que as relações entre as partes assentam sobre actos materiais reveladores da vontade de negociar, mas que não se reconduzem aos moldes tradicionais do mútuo consenso, isto é, não há nenhuma declaração de vontade do utente, e, todavia, não se duvida da subordinação da situação ao regime jurídico das relações contratuais, com eventuais adaptações. O art. 234º é uma disposição especial que ajuda a compreender este fenómeno negocial. Desde logo, tem-se o contrato como concluído sem declaração da aceitação, mas sem prescindir da vontade de aceitação que se demonstra maioritariamente por actos de execução da vontade.Também não há razão para que estes casos não se subordinem ao regime contratual por não serem compatíveis com o regime geral da capacidade negocial, da falta de vontade e dos vícios do consentimento, se a justificação do desvio for real.A lei inclui no conceito de declaração negocial (art. 217º) todas as formas de comportamento humano que exteriorizam a vontade.Por outro lado, quem pratica tais actos não pode pretender que o acto seja interpretado e qualificado de harmonia com o sentido que ele reveste aos olhos da comunidade, visto in correr in venire contrafactum proprium (art. 334º).

Princípios fundamentais dos contratosA maior parte do regime comum aos diferentes contratos –

nomeadamente a sua formação; a capacidade dos contraentes; forma de declaração; perfeição do acordo, etc. – é fixada na parte geral do Código dentro do capítulo que tem como objecto o negócio jurídico (art. 217º e ss).

À teoria geral das obrigações interessam apenas os efeitos do contrato como fonte de relações jurídicas creditórias. Em consequência disto, a lei desdobra esse aspecto importante da vida dos contratos em duas partes: art. 874º ao art. 1250º que disciplinam cada um dos contratos em especial (típicos/ nominados); art. 405º ao art. 456º que disciplina uma espécie de teoria geral do contrato, com as normas aplicáveis a todos os contratos.

Os princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina legislativa dos contratos são os seguintes:

A) Princípio da Autonomia PrivadaReveste na área dos contratos a forma de liberdade contratual.Uma coisa é a faculdade reconhecida aos particulares de fixarem livremente a disciplina vinculativa dos seus interesses, na relação com as demais pessoas (autonomia privada), outra coisa, embora estritamente relacionada, é o poder reconhecido às pessoas de estabelecerem, de comum acordo, as cláusulas reguladoras dos seus interesses contrapostos que mais convenham à sua vontade comum (liberdade contratual).

A autonomia privada é algo mais dilatado, pois compreende, além da liberdade contratual, a liberdade de associação, a liberdade de tomar

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deliberações nos órgãos colegiais, a liberdade de testar, a liberdade de celebrar acordos que não são contratos e a liberdade de praticar actos unilaterais que suscitam a tutela do direito.

B) Princípio da confiança (Pacta sunt servanda)Explica a força vinculativa do contrato, a doutrina válida em matéria de interpretação e integração dos contratos (art. 236º/238º/239º/217º) e a regra da imodificabilidade do contrato por vontade unilateral de um dos contraentes (art. 406º/1).É a protecção da legítima expectativa criada pelo recebimento da proposta contratual no espírito do destinatário que explica a irrevogabilidade dela pelo proponente durante o período reservado à reflexão e decisão deste (art. 230º).Tal como é a tutela do sentido da proposta, colhido pelo declaratário através da ponderação do texto declarativo, que justifica a possibilidade de a declaração de vontade valer com um alcance diferente daquele que o declarante pretende imprimir-lhe.

C) Princípio da justiça comutativa (ou do equilíbrio das prestações)Encontra-se em várias disposições do nosso direito: a) anulação ou modificação dos negócios usuários; b) possibilidade de redução oficiosa da cláusula penal excessiva; c) redução ao aumento do preço de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, no caso de divergência, além de certo limite, entre a realidade e a declaração das partes; d) direito à redução do preço no caso de venda de coisas defeituosas ou da venda de bens onerados, nas circunstâncias do art. 911º; e) as regras supletivas sobre a repartição de lucros e perdas nos contratos de sociedade; etc.

A liberdade contratual e os limites à liberdade de contratar e à liberdade de fixação de conteúdo

A liberdade de contratar consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites legais, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizam, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (art. 405º CC). A regra fundamental é, assim, a livre fixação do conteúdo do contrato.

Esta liberdade é corolário da autonomia privada, enquanto poder que os particulares têm de fixar, por si próprios, a disciplina juridicamente vinculativa dos seus interesses.

Ora, ao lado da liberdade de contratar, está a liberdade de escolha do outro contraente, isto é, eleger livremente a pessoa com quem se pretende realizar o contrato. Seguidamente, encontra-se a liberdade de fixação do conteúdo do contrato.

Qualquer destas liberdades tem de respeitar os limites legais, quanto á capacidade negocial, à forma excepcionalmente prescrita para certos actos, à defesa moral, pública e dos bons costumes, ou à imposição de certos tipos contratuais.

Limites à liberdade de contratar A liberdade de contratar envolve nos dois termos da expressão a junção

de duas ideias de sinal oposto. Através do termo liberdade, exprime-se a faculdade dos indivíduos formularem sem limitações as suas propostas e

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decidirem sem nenhuma espécie de coação externa a adesão das propostas que outros lhe apresentem. Se este poder de livre decisão for violado o contrato não produzirá efeitos ou será anulável, consoante haja coação absoluta (art. 246º) ou simples coação moral (art. 256º).

Por outro lado, temos a liberdade de criação do contrato que enquanto instrumento jurídico vinculativo é um acto com força obrigatória geral. A razão da vinculação está em que a promessa livremente aceite pelas partes cria expectativas fundadas junto da outra parte e o acordo realiza fins dignos da tutela do direito. Assim, ao interesse da livre ordenação dos interesses recíprocos das partes sucede a necessidade de protecção da confiança de cada uma delas na validade do pacto firmado. Não viola o princípio da autonomia privada pois assenta sobre a auto-determinação de cada um dos contraentes.

Atribuindo força vinculativa ao acordo extraem-se do princípio da autonomia privada as consequências que ele comporta no campo da criação do direito (art. 406º/1).

A liberdade de contratar sobre limitações em vários tipos de casos:

I) Dever de contratarHá casos em que as pessoas singulares ou colectivas têm o dever

jurídico de contratar logo que se verifiquem certos pressupostos. A recusa em contratar resulta na prática de um acto ilícito, que pode constituir o faltoso em responsabilidade e, inclusivamente, a parte que deseja realizar o contrato pode obter a execução coactiva do mesmo.

a) Promessa negocial de contratar Uma das partes ou ambas assumem previamente um contrato promessa (art. 410º e ss) a obrigação de celebrar determinado contrato. Quando exista uma convenção desta natureza o promitente não é livre de contratar; ele tem o dever de fazê-lo, sob pena de a contraparte exigir judicialmente o cumprimento da promessa ou a indemnização pelo dano causado pela violação do dever.A obrigação de contratar pode resultar da lei, no caso do seguro da responsabilidade civil automóvel.

b) Dever de contratar relativo a serviços públicos São também, em certos termos, obrigados a contratar as empresas concessionárias de serviços públicos, sempre que o acto constitutivo da concessão ou os regulamentos aplicáveis não lhes permitam recusar a celebração do contrato, sem especial causa justificativa. É o facto de estas actividades respeitarem a bens essenciais à vida dos cidadãos e se exercerem em regime de exclusivo que justifica esta obrigação de contratar.

c) Profissões de exercício condicionado Por força de lei expressa, existe uma limitação de contratar sobre as pessoas que desempenham profissões liberais cujo exercício esteja condicionado à posse do título de habilitação ou inscrição em determinados organismos.

d) Venda de bens essenciais à vida das pessoas Aqui as limitações funcionam como excepções ao princípio, só devendo ser válidas quando a lei explícita ou implicitamente as estabelecesse, sem violação dos princípios constitucionais. Aqui, existe o problema da conformidade de restrições com o princípio da

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igualdade, desde que se baseia em carácter discricionário. Também a lei de defesa da concorrência proíbe e pune certas práticas restritivas de concorrência.

II) Proibição de contratar com determinadas pessoasRestrições provenientes das normas que proíbem a realização de

alguns contratos com determinadas pessoas: art. 579º e art. 876º quanto á cessão e venda de direitos ou coisas litigiosas; art. 877º - venda feita por pais a filhos ou por avós a netos, sem o consentimento dos outros filhos ou netos; etc.

III) Renovação ou Transmissão do contrato imposta aos contraentes

Casos em que a lei impõe a uma das partes a renovação do contrato ou a transmissão para terceiro da posição contratual da outra parte.

Sucede no contrato de locação, por exemplo.A transmissão da posição do arrendatário pode realizar-se

independentemente do consentimento do senhorio, nos casos do art. 84º, 85º, 112º, 115º, 121º e 122º RAU.

IV) Necessidade do consentimento, assentimento ou

aprovação de outremCasos em que, para contratar, certas pessoas necessitam do

consentimento de outrem, e aqueles em que a validade do contrato celebrado entre as partes depende da aprovação de certa entidade. Caso dos cônjuges, do inabilitado, etc.

Limites à liberdade de escolha do outro contraente Existe limitações neste âmbito resultantes:

1) Da vontade das partesAvultam as criadas pelos pactos de preferência, mediante os quais um dos contraentes se compromete a escolher o outro como sua contraparte, na hipótese de se ter decidido a realizar determinado contrato.

2) Da leiDestacam-se as resultantes dos direitos legais de preferência e as impostas pelas normas que reservam para certas categorias profissionais a realização de certos tipos de prestação de serviços.Os direitos legais de preferência têm uma eficácia limitativa da liberdade contratual mais forte do que a resultante dos pactos de preferência; estes possuem mera eficácia relativa ou obrigacional, os direitos legais de preferência gozam de eficácia real/ erga omnes.

Limites à livre fixação do conteúdo dos contratosEsta faculdade dos contraentes desdobra-se: a) na possibilidade de

celebrar qualquer contrato típico previsto na lei; b) aditar a qualquer desses contratos as cláusulas que resultam convenientes aos interesses prosseguidos pelas partes; c) realizar contratos distintos dos que a lei prevê e regula.

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São vários os fins visados com as restrições: assegurar a seriedade e correcção com que as partes devem agir na preparação e execução dos contratos, garantir a justiça real, comutativa nas relações entre as partes, proteger a parte mais fraca na relação, preservar certos valores essenciais à relação, como a moral, os bons costumes, segurança no comércio jurídico e a certeza do direito.

Todas as restrições estão englobadas no art. 405º (“dentro dos limites da lei).

A) Estes limites abrangem os requisitos dos arts. 280º e ss, quanto ao objecto do negócio jurídico, no art. 398º/2, as disposições dispersas que proíbem no geral, sob pena de nulidade, a celebração de contratos com certo conteúdo, a proibição de exclusão ou limitação convencional da responsabilidade (art. 809º e art. 800º/2), proibição de doação de coisas futuras (art. 942º), pactos sucessórios (art. 946º/2 e art. 2028º/2), etc.

B) Contratos-normativos e contratos-colectivos cujo conteúdo fixado em termos genéricos se impõe, em determinadas circunstancias, como padrão que os contraentes são obrigados a observar nos seus contratos individuais de natureza correspondente. Há duas variantes: se o contrato modelo de destina a servir de paradigma dos contratos individuais que os outorgantes venham de futuro a celebrar entre si, chama-se-lhe contrato típico; se o clausulado genérico do contrato firmado em regra por entidades representativas de certas categorias económicas ou grupos sindicalizados, se destina a servir de modelo (obrigatório) a contratos individuais realizados entre pessoas que não participam na elaboração do modelo, chama-se-lhe contrato normativo.

C) As normas imperativas que se reflectem no conteúdo dos contratos: umas aplicáveis à generalidade dos contratos ou a certas categorias dos contratos, onde avulta o princípio da boa fé, no cumprimento da obrigação e execução do direito correspondente (art. 762º/2); outros, privativas de certos contratos em especial, e que são vulgares nos sistemas da economia dirigida (ex: normas que fixam duração de certos contratos).

Título II – Contratos de AdesãoCom o desenvolvimento do capitalismo, a actividade das empresas

foi-se diversificando e a oferta dos produtos em massa alargando, começaram a surgir e a multiplicarem-se no comércio jurídico casos em que as normas contratuais são praticamente elaboradas por um só dos contraentes, sem nenhum debate prévio do seu conteúdo. À outra parte fica apenas a liberdade de aceitar ou não o contrato facultado, através da adopção de padrões ou modelos utilizados na generalidade dos contratos. Depois, seja por a empresa possuir o monopólio da actividade que explora, seja pelo facto de as suas concorrentes tomarem atitude semelhante, os particulares, necessitados de celebrar o contrato, são forçados pelas circunstâncias a aceitar de certo modo o modelo que lhes é imposto.

Note-se, que a limitação da liberdade contratual existe apenas no domínio dos factos dado o princípio do art. 405º do CC. Mas como a vida não se faz apenas com a lei, as desigualdades acontecem e o legislador tem de intervir.

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Do que fica dito decorrem as três características destes contratos: pré-elaboração, generalidade e rigidez.

Prefere-se a expressão “contratos de adesão” oriunda da doutrina Francesa, em vez da alemã “cláusulas contratuais gerais” por aquele englobar os contratos com um carácter mais geral, isto é, feitos por um contraente a que múltiplos aderentes vão vincular-se, e contratos mais restritos, onde não existe essa generalidade padrão, modelo pré-definido, mas em que igualmente só um dos contraentes é que modela o conteúdo do contrato. Isto mesmo se consagra na directiva 93/13/ CEE, art.3º.

Na aceitação destes contratos, existem deveres para com o aderente que a outra parte não acautelava tão frequentemente como o desejado, ficando a parte fraca numa precariedade maior. No geral, deve existir um direito à transparência na aceitação, traduzido pelo dever de comunicação prévia e integral, visto haver possibilidade dos contratos terem numerosas cláusulas e as contrapartes proponentes poderem aliciar o cliente com interpretações tendenciosas de cláusulas pouco favoráveis ao aderente ou omissão das mesmas; pelo dever de informação, visto o clausulado ser frequentemente de carácter técnico, de carácter substantivo ou processual, que levam à não compreensão ou desconhecimento da sua existência pelo aderente; dever de esclarecimento.

Face ao crescimento exponencial deste modo de contratação a CEE interviu na matéria, impondo aos vários países legislarem no sentido de condenarem o uso de cláusulas abusivas e uniformizarem o máximo possível os critérios de condenação. Assim, nasceu o DL nº 446/85, de 25 de Outubro.

No entanto, tal uniformização das Leis dos vários países não correu como esperado, o que trouxe consequências. Para resolver isto, o Conselho elaborou a Directiva 93/13/ CEE, de 5 de Abril de 1993, com o objectivo de tal uniformização.

Cláusulas proibidas: o princípio geral da boa fé e a tutela da confiança legítima (art. 15º do DL).

No plano da fiscalização directa do conteúdo das cláusulas a que o art. 1º DL 446/85 se refere, vale o princípio da boa fé. Logo, são proibidas e, portanto, nulas (art. 15º e 12º).

Na aplicação de tal princípio como critério e princípio geral de controlo do conteúdo das cláusulas (gerais ou individuais) predispostas e impostas unilateralmente pelo seu utilizador, manda o art. 16º ponderar os “valores fundamentais de direito”, relevantes para a situação, bem como o presente nas alíneas a), b) do art. 16º.

A justiça comutativa é um desses valores, aparecendo em nome da boa fé e da justiça contratual para evitar que as cláusulas sejam abusivas e draconianas, dando origem a um desequilíbrio significativo, em detrimento do aderente, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, o que leva à sua nulidade.

Em concretização da proibição, a lei elenca dois tipos de listas de cláusulas proibidas em 2 agrupamentos:

Cláusulas proibidas nas relações entre empresários e profissionais: lista negra e lista cinzenta

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A lista negra é a do art. 18º, onde se típica a título exemplificativo cláusulas absolutamente proibidas, com o juiz a ter de declarar sempre a sua nulidade sem possibilidade de valoração; são de aplicação geral, valendo nas relações do art. 17º e de forma directa e automática.

A lista cinzenta é a do art. 19º, onde estão tipificadas a título exemplificativo, cláusulas relativamente proibidas, de aplicação geral, visto destinarem-se a tutelar qualquer pessoas que conclua um contrato regulado por o tipo de cláusulas em causa; existe a possibilidade de valoração pelo juiz, decorrente da indispensável apreciação/concretização dos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador. Assim, estas servem de amparo ao juiz para ver se no caso concreto há uma desvantagem irrazoável para o aderente ou equilíbrio entre direitos e obrigações ou, pelo contrário, há uma ponderação razoável de interesses, e, portanto, declará-las nulas ou no último caso válidas. Se o juiz na cláusula em concreto verificar como preenchido o conceito indeterminado que a lei refere, significa que a cláusula é nula.

Cláusulas proibidas nas relações com consumidores finais: lista negra e lista cinzenta

Aqui é o art. 21º, onde as cláusulas são de aplicação restrita às relações com consumidores finais. São de resto iguais às do art. 18º (lista negra).

Nesta lista cinzenta do art. 22º, estão cláusulas de aplicação restrita, porque se destina a proteger o aderente-consumidor, pessoa física que contrata for do âmbito da sua actividade profissional, para fins pessoais. São semelhantes em tudo às do art. 19º

Subsistência do contrato e a sua IntegraçãoA lei portuguesa, na esteira do art. 6º/1 da Directiva 93/13/CEE,

reconhece ao aderente a opção entre a manutenção do contrato, devidamente integrada a lacuna aberta pela nulidade da cláusula abusiva (art. 13º e art. 239º CC), e o regime geral da redução do negócio jurídico previsto no art. 292º CC (art. 14º). Deste modo, o aderente pode evitar a prova de que o predisponente não teria firmado o contrato sem as cláusulas abusivas, ilidindo a presunção de redução do art.292º CC.

A opção pela subsistência implica a integração da lacuna pela norma supletiva aplicável e, se necessário, de acordo com a vontade hipotética das partes ou de acordo com os ditames da boa fé quando outra seja a solução por eles imposta (art. 13º/2 e 239º CC).

Acção InibitóriaAs nulidades das cláusulas abusivas são invocáveis nos termos gerais

(art. 24º e 285º e ss CC). Como tal, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo juiz (art. 286º CC).

As cláusulas violadoras dos arts. 15º, 16º, 18º, 19º, 21º e 22º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares (art. 25º e 7º/1 Directiva CEE).

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A legitimidade processual está explicitada no art. 26º e 13º/c e 21º/1/c Lei 24/96, de 31 Julho.

Título III – Contratos Mistos

Noção – Contrato no qual se reúnem elementos de 2 ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei. Assim, em vez de vários contratos, realiza-se um contrato com prestações de natureza difusa ou com uma articulação de prestações diferentes nas previstas na lei, mas encontrando-se todas compreendidas em espécies típicas directamente reguladas na lei.

Junção e união ou coligação de contratos – o contrato misto distingue-se, pela sua natureza, da junção e da união/ coligação.

Trata-se de dois ou mais contratos que, sem perda da sua individualidade, se acham ligados entre si por um certo nexo.

Na junção, o vínculo que prende os contratos é puramente exterior ou acidental, como quando provém do simples facto de terem sido celebrados ao mesmo tempo (entre as mesmas pessoas) ou de constarem do mesmo título.

Como os contratos são distintos e autónomos, aplicar-se-á a cada um o regime correspondente.

Outras vezes, sucede que os contratos, embora mantendo a sua individualidade, estão ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional que influi na respectiva disciplina; um vínculo substancial que pode alterar o regime geral de um ou ambos os contratos, por virtude da relação de interdependência que eventualmente se crie entre eles, bilateral ou unilateral, que pode revestir vários formas. Pode um dos contratos funcionar como condição, contraprestação ou motivo do outro; pode a opção por um ou por outro estar dependente da unificação ou não da mesma condição; muitas vezes constituirá um deles a base negocial do outro (art. 252º/2 e 1437º/1), etc.

Em todos estes casos de coligação há já certa dependência entre os contratos, criada pelas cláusulas acessórias ou pela relação de correspectividade ou de motivação que afecta um deles ou ambos. Porém, não se destrói a sua individualidade.

No contrato misto, há uma fusão num só negócio de elementos contratuais distintos que, além de perderem a sua autonomia no esquema negocial unitário, fazem simultaneamente parte do conteúdo deste.

A problemática da qualificação jurídica destes contratos consiste em saber se neles existem 2 ou mais contratos (típicos ou atípicos) correlacionados entre si, ou se há um só contrato atípico de diversas prestações.

O interesse prático versa sobre a aplicação do art. 292º e 232º CC.Para que as diversas prestações façam parte de um só contrato, é

necessário que elas integrem um processo unitário e autónomo de composição de interesses. Não são as partes que decidem sobre a qualificação do acordo. É a natureza do acordo por elas estabelecido, á luz do pensamento sistemático denunciado na classificação e definição dos diferentes contratos típicos, que as dúvidas são solucionadas.

São 2 os critérios auxiliares, conquanto não decisivos:

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1) Unidade ou pluralidade da contraprestação: se às diversas prestações a cargo de uma das partes corresponder uma prestação única da outra parte, será de presumir, até prova em contrário, que elas quiseram realizar um só contrato.

2) Unidade ou Pluralidade do Esquema Económico subjacente à contratação: a parte obrigada a realizar várias prestações não as queira negociar separadamente, mas apenas em conjunto.

Modalidades dos Contratos Mistos:

Contrato combinado: a prestação global de uma das partes compõe-se de duas ou mais prestações, integradoras de contratos (típicos) diferentes, enquanto a outra vincula-se a uma contraprestação unitária.

Contrato de Tipo Duplo: uma das partes obriga-se a uma prestação de certo tipo contratual, mas a contraprestação do outro contraente pertence a um tipo contratual diferente.

Contrato Misto em sentido estrito: o contrato de certo tipo é instrumento de realização do outro. O contrato que serve de meio/ instrumento conserva a estrutura que lhe é própria; mas esta é afeiçoada de modo a que o contrato sirva, ao lado da função que lhe compete, a função própria de um outro contrato.

Regime JurídicoA fixação do regime destas espécies híbridas tem dado divergências

doutrinais e jurisprudências. Há 3 concepções:

Teoria da Absorção: Qual, entre as diversas prestações reunidas no contrato misto, aquela que prepondera dentro da economia do negócio, para definir a prestação principal, com as necessárias acomodações, o regime geral da espécie concreta. Assim, o tipo contratual preponderante absorvia os restantes elementos na qualificação e na disciplina do negócio (art. 1028º/3).

Teoria da Combinação: nem sempre é possível determinar o elemento principal do contrato, logo não se justifica a extensão indiscriminada do regime correspondente ao elemento preponderante às outras partes da relação. Assim, tenta-se harmonizar/ combinar as normas aplicáveis a cada um dos elementos típicos que integram o contrato. A disciplina legal de cada contrato típico justifica-se nos casos em que integrem todos os elementos constitutivos e nas espécies em que cada um destes elementos se instala, embora só fixando o regime próprio desses elementos isolados.

Teoria da Aplicação Analógica: outros autores consideram os contratos mistos como espécies omissas na lei, apelando ao poder de integração das lacunas do negócio, que o sistema confere ao julgador. É ao juiz, de harmonia com os princípios válidos para o preenchimento das lacunas dos contratos, que compete fixar o regime próprio de cada espécie.

Solução adoptada: O primeiro passo na resolução deste problema consiste em saber se há disposição legal que o resolva, através de critérios

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que regulem os contratos que reúnem elementos de vários negócios típicos, o que acontece com a locação, arrendamento e aluguer.

Ora, o art. 1028º, regulador da locação com vários fins, é um afloramento de um princípio geral que resolve o problema.

Desde logo, estabelece no nº1 regras que partem da teoria da combinação, embora com limitações fundadas na vontade real ou presumível dos contraentes ou na finalidade global do contrato ----- regime regra é o da combinação. Consequentemente, a nulidade e anulabilidade, e também, a resolução do contrato, relativa a um dos fins não afecta a parte restante da locação, salvo se não for possível fazer sem arbítrio e discriminação das partes correspondentes às várias finalidades ou se estas forem solidárias entre si. Trata-se de respeitar a regra da combinação, mas tendo subjacente, na abertura da excepção final, o pensamento de integração ou aplicação analógica.

O art. 1028º/3 consagra, só para os casos excepcionais dos arrendamentos mistos em que haja notória subordinação de um dos fins a outro da locação, a teoria da absorção, quando os termos da convenção revelar que, em lugar de uma justaposição ou contraposição dos diversos elementos contratuais, existe entre eles um verdadeiro nexo de subordinação. Logo, as partes quiseram realizar um contrato típico ao qual juntaram, como cláusula acessória ou secundária, um ou vários elementos próprios de uma outra espécie contratual. Nestes casos, o regime dos elementos acessórios só será de observar se não colidir com o regime da parte principal, fundamental ou preponderante do contrato --- excepção à regra.

Saber quando qualquer destes fenómenos se verifica depende da análise da causa do contrato misto, ou seja, da função económico – social que ele visa preencher, e do confronto dela com a causa dos contratos típicos ou nominados.

Título IV – Reserva de Propriedade

Contratos com eficácia realO contrato não se limita a constituir, modificar ou extinguir relações

de obrigações. Dele nascem também relações de família, direitos sucessórios e direitos reais (art. 408º).

Assim, a venda de uma certa coisa impõe ao vendedor a obrigação de entregar a coisa (art. 879º). Mas, ao mesmo tempo, por força do art. 408º, a celebração transfere desde logo o domínio sobre a coisa. Estes contratos são contratos com eficácia real. Reserva de Propriedade

O princípio da transferência imediata do direito real é regra dos contratos de alienação de coisa determinada (art. 408º/1); mas, é uma regra supletiva, que as partes podem afastar, por exemplo, através de uma cláusula de reserva de propriedade (art. 409º e 934º), que consiste na possibilidade, conferida ao alienante da coisa determinada, de manter na sua titularidade o domínio da coisa até ao cumprimento (total ou parcial) das obrigações que recaiam sobre a outra parte ou até à utilização de qualquer outro evento. É, portanto, uma alienação sob condição suspensiva.

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Para que tenha efeitos em relação a terceiros, tratando-se de coisas imóveis ou móveis sujeitas a registo, é necessário que o direito emergente da cláusula tenha sido inscrito no registo.

Tendo a alienação por objecto coisas móveis não sujeitas a registo, a reserva vale, mesmo em relação a terceiros, por simples convenção das partes. A solução pode lesar expectativas, mas explica-se pelo intuito de facilitar a concessão de crédito ao adquirente e pela possibilidade que, em regra, não faltará a um contraente prudente e cauteloso de conhecer a real situação das coisas. Só através desta cláusula ou através da reserva de resolução do contrato, o vendedor poderá recuperar o domínio da coisa, depois de efectuada a entrega dela, com fundamento na falta de pagamento do preço (art. 886º CC).

Título V – Contrato Promessa

Noção (Art. 410º/1)A noção dada pela lei apesar de não ser errada é estrita, pelo que

será melhor dizer: “Convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo negócio jurídico”, de forma a abranger negócios bilaterais e unilaterais.

Do Contrato Promessa nasce uma obrigação de prestação de facto positivo, consistente na emissão de uma declaração negocial cuja futura realização se pretende assegurar - negócio prometido ou definitivo.

Função Preliminar/ Preparatória e de Garantia/ SegurançaO Contrato Promessa é de grande frequência porque serve múltiplos

interesses e exigências práticas dos operadores económicos. Através dele os contraentes fixam o conteúdo do futuro contrato e obrigam-se a celebrá-lo, sem, contudo, procederem à sua imediata conclusão; há, portanto, uma preparação e uma garantia do conteúdo do contrato definitivo/ prometido que as partes não podem ou não querem celebrar no momento.

Esta praxis negocial tem na alienação de bens imóveis campo privilegiado de utilização, pela produção de efeitos obrigacionais (separados da ainda não possível eficácia real translativa), o qual assegura aos contraentes desde logo a c/v e correspondente transmissão de propriedade.

Classificação

1) Contrato Promessa de eficácia obrigacional: de acordo com o princípio da relatividade dos contratos, o Contrato Promessa goza, normalmente, de eficácia obrigacional, inter partes.Contrato Promessa de Eficácia Real: a lei faculta às partes a possibilidade de atribuírem eficácia real à promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (art. 413º).

2) Contrato Promessa Bilateral: ambos os contraentes assumem a obrigação de contratar.Contrato Promessa Unilateral: apenas um deles se vincula a firmar o negócio definitivo (art. 411º).

Outras Considerações sobre o Contrato Promessa

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Nada impede que da promessa nasça a obrigação de contratar com terceiro, onde uma das partes não assume a obrigação de contratar mas indica expressamente o terceiro titular do direito à celebração do contrato definitivo directamente com a outra parte, promitente vinculado (art. 443º e ss).

Também se pode concluir um contrato promessa para pessoa a nomear (art. 452º e ss), quer relativa à própria promessa, quer com referência à obrigação de celebrar o contrato prometido.

Requisitos ou pressupostos da Promessa de Eficácia realOs casos excepcionais em que o Contrato Promessa produz efeitos

em relação a terceiros (art. 406º/2) têm que verificar 3 requisitos:

1) Declaração Expressa de Atribuição de Eficácia RealPor meio directo de manifestação da correspondente vontade (art. 217º) de tornar a promessa oponível a terceiros, com eficácia absoluta, erga omnes.

2) FormaA promessa tem de ser solenizada: por escritura pública (excepção) se o contrato prometido exigir tal forma; por documento particular em todos os negócios prometidos não sujeitos a forma (art. 219º) ou não sujeitos a escritura pública (regra).

3) RegistoA promessa deve ser inscrita no registo respectivo.

Na falta de algum destes requisitos o Contrato Promessa terá eficácia obrigacional.

Verificados os três requisitos, os direitos de crédito nascidos no Contrato Promessa vêm a sua eficácia ampliada perante terceiros, oponíveis erga omnes, graças ao registo efectuado, com primado sobre todos os direitos (pessoais ou reais) relativos ao mesmo objecto, não registos anteriormente com a particularidade de valerem em relação a terceiros (art. 406º/2), por efeito desse registo e sua publicidade. Daí que a aquisição feita por terceiro será ineficaz (ineficácia relativa) em relação ao promissário que pode exigir o cumprimento/ execução especifica do seu direito à celebração do contrato prometido (art. 830º), devendo a respectiva acção ser proposta contra o promitente ou contra este e o terceiro adquirente.

Figuras PróximasNem sempre é fácil saber se estamos perante contrato-promessa ou

contrato-definitivo. Trata-se de uma questão de interpretação das declarações de vontade das partes, a resolver segundo a doutrina da impressão do destinatário (art. 236º e ss).

Ora, as negociações são a actividade instrumental da conclusão de um contrato. É na fase pré-contratual que as partes devem proceder de boa fé (art. 227º). Nas negociações as partes não assumem a obrigação de contratar, sendo a violação da boa fé sancionada pelo dever de indemnizar o interesse contratual negativo.

Na fase negociatória as partes redigem documentos onde fixam os pontos do futuro contrato sobre que chegaram a acordo, sem, contudo, se vincularem à sua celebração, cujo conteúdo integrará esse negócio se vier a ser firmado. O contrato não fica concluído se e enquanto as partes não

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acordarem todas as cláusulas cujo acordo seja necessário (art.232º), hipótese em que a ruptura das negociações é legítima e justificada.

O Contrato Promessa situa-se entre a fase pré-contratual e o contrato definitivo, sendo que só existe quando as partes tenham querido efectivamente obrigar-se à conclusão de certo (futuro) contrato.

Ora, o contrato-promessa unilateral não se confunde com figuras afins: proposta irrevogável, pacto de opção, pacto de preferência e venda a retro.

O pacto de opção é um contrato que para a sua conclusão é suficiente a manifestação de vontade do beneficiário.

O pacto de preferência faz nascer a obrigação de escolher outrem como contraente, no caso do obrigado à preferência decidir livremente contratar (art. 414º e ss), obrigando-se a dar preferência em condições de igualdade.

A venda a retro (art. 927º e ss) dá ao vendedor a faculdade de resolver o contrato por meio de simples notificação judicial, sem necessidade de nova declaração do comprador.

Regime Jurídico: o princípio da equiparação/ correspondência O art. 410º/1 consagra o princípio da equiparação, segundo o qual

será aplicado ao contrato-promessa o regime (requisitos e efeitos) do contrato prometido (regras gerais dos contratos e normas especificas do contrato prometido).

Das regras dos contratos em geral aplicáveis destacam-se: arts. 405º, 219º, 280º, 398º, etc.

Das normas específicas do contrato prometido aplicáveis destacam-se: art. 876º, 883º, 884º, 887º e ss, 905º e ss, 913º e ss, 830º, 893º, 1484º, 1488º.

Assim, o Contrato Promessa deve definir os pontos sem os quais o contrato definitivo, se imediatamente concluído, seria inválido por indeterminabilidade do objecto, só podendo ficar em branco elementos susceptíveis de serem subsequentemente preenchidos por acordo das partes ou pelo tribunal, mediante recurso às regras da integração. Daí que no contrato-promessa de venda não será inválida a não fixação do preço, colmatando-se a lacuna através do art. 883º.

A excepção ao princípioSão as normas do contrato prometido que pela sua razão de ser não

devam considerar-se extensivas ao contrato promessa (art. 410º/1). Só é possível afastar ou não a sua aplicação depois de se analisar o regime do contrato prometido e apurar a ratio de cada norma.

Exemplos de normas não aplicáveis à promessa de venda pelo facto de não se transmitir a propriedade: arts. 879º/a, 796º, 886º, 892º, 939º, 902º, etc.

Em todos estes casos e outros análogos, não nascem efeitos translativos do contrato-promessa, mas só a obrigação de celebrar o contrato definitivo (prestação de facto jurídica), cujo cumprimento pode vir a ser possível no tempo devido, se entretanto o promitente obtiver a coisa ou o consentimento necessário à realização do negócio dispositivo ou translativo.

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Caso o promitente não adquira a coisa ou não consiga o consentimento necessário haverá incumprimento do contrato promessa validamente celebrado, por impossibilidade jurídica subjectiva, culposa ou não, consoante o exacto conteúdo ou alcance da promessa de facto de terceiro, apurado segundo as regras da interpretação: se o promitente tiver assumido obrigação de meios e se provar que procedeu às diligências adequadas para o efeito, não haverá responsabilidade civil (arts. 798º e 801º) – logo, tendo havido sinal, restituirá este em singelo; se o promitente tiver assumido uma obrigação de resultado, haverá responsabilidade civil – logo, tendo havido sinal, restituirá em dobro (art. 442º/2).

A excepção ao princípio da formaDado o princípio da equiparação, a regra no contrato-promessa será a

da liberdade de forma (art. 219º). Porém, segundo o art. 410º/2, sempre que a lei exija documento, autêntico ou particular, para o contrato prometido, é necessário que o contrato-promessa conste de documento assinado pelos promitentes ou pelo promitente, consoante a promessa seja bilateral ou unilateral, bastando documento particular. Em caso de promessa unilateral (art. 411º) basta a assinatura da parte que se vincula a contratar, pois só ele é promitente.

Promessa Unilateral Onerosa: preço da imobilização ou da promessaPor vezes, no Contrato Promessa unilateral também o promissário se

constitui na obrigação de realizar uma prestação. Por exemplo, na promessa unilateral de venda o beneficiário da promessa assume a obrigação de efectuar uma prestação no caso de não exercer o direito creditório à celebração do contrato, que via de regra tem carácter pecuniário – percentagem do preço total da venda.

O Dr. Calvão da Silva prefere chamar a esta obrigação do promissário de promessa unilateral preço da promessa, porque aquela não teria sida celebrada pelo promitente gratuitamente e só o foi a título oneroso, dado o direito de crédito que se dá ao promissário, que constitui um valor que terá de ser pago se dentro do prazo estabelecido não concluir o contrato. E note-se que esse direito é susceptível de constituir objecto de penhora e do comércio jurídico (art. 412º).

Validade da Promessa Unilateral onerosa subscrita apenas pelo promitente da celebração do contrato definitivo

Face ao art. 410º/2, o contrato-promessa unilateral, acompanhado pelo preço da promessa, necessita, para ser válido, da assinatura da parte que se vincula a contratar. Dr. Calvão da Silva diverge do Dr. Antunes Varela e justifica como quatro argumentos:

1) Existe uma grande diferença entre a obrigação de comprar e a obrigação de pagar a imobilização do bem no património do promitente-vendedor. Esta não implica aquela e o beneficiário da promessa fica livre de comprar ou não, apenas devendo o preço da imobilização se livremente optar pelo não exercício do seu direito creditório. Assim, não há identidade jurídica entre as duas partes.

2) À validade da promessa unilateral acompanhada da contraprestação do beneficiário basta a assinatura da parte que se obriga a contratar, o que resulta do art. 410º/2, do art. 410º/1 e por fim do art. 411º.

3) A necessidade de redução a escrito assinado da declaração de vontade (art. 410º/2) assenta na obrigação de alienar e na obrigação

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de adquirir bens imobiliários e, com isso, se preparar os termos vinculativos da celebração do contrato definitivo sujeito a documento. Pelo que, se uma das partes não se vincula a contratar, a sua declaração não tem de ser feita por escrito, substituindo o princípio regra da liberdade de forma.

Veja, no exemplo de promessa unilateral de venda de coisa imóvel acompanhada de preço da promessa: como o beneficiário da promessa não promete comprar e a forma é imposta por causa d obrigação de adquirir (isto é, se a C/V exige forma especial então o contrato-promessa também o tem de ter), a redução a escrito da sua celebração de vontade não é necessária.

O preço da promessa, nada tem a ver com os objectivos legais da exigência de forma; ela é capaz de existir nos contratos respeitantes a bens imóveis e móveis (não sujeitos a forma), destinando-se tão-só a obstar a que alguém se obrigue ou vincule irreflectidamente a vender e a comprar bens imobiliários.

4) O art. 410º/2 impõe um requisito de forma que só ao promitente cabe, subsistindo a liberdade de forma no referente à declaração de vontade do beneficiário da promessa, que fica livre de contratar ou não.

Visto a exigência de escritura pública para C/V de imóveis ter a sua razão de ser na natureza dos bens e da respectiva transmissão por efeito do contrato e não da obrigação de pagar o preço, certo é que a imposição legal de documento assinado para o contrato-promessa foi estabelecida em vista da natureza imobiliária dos bens e da respectiva promessa de transmissão e aquisição, para acautelar os promitentes contra decisões levianas.

Assim, a cláusula de preço da promessa não é compreendida pela razão de redução a escrito assinado da promessa unilateral de venda.

Logo, admite-se o recurso a testemunhas como meio probatório de estipulação verbal do preço de imobilização, uma vez que a declaração negocial deste não tem de ser reduzida a escrito nem tem necessidade de ser provada por escrito (art. 393º/1).

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