resumo de direito administrativo descomplicado marcelo alexandrino

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Nosso comportamento ético IncondicIOnal e nossa responsabilidade social e ambiental são refor~ çados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o crescImento continuo e a rentabilidade do grupo.

MARCELO ALEXANDRINO VICENTE PAULO

RESUMO

DE DIREITO ADMINISTRATIVO

DESCOMPLICADO

~e ED)TOf\A METODO

4' edição revista e atualizada

~r Vicr.nte Marcelo

Page 3: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

© EDITORA METODO Uma editora integrante do GEN I Grupo Editorial Nacional

Rua Dona Bngida, 701, Vila Manana - 04111-081 - São Paulo - SP Tel.: (11) 5080·0770 I (21) 3543·0770 - Fax: (11) 5080·0714

Visite nosso site: www.editorametodo.com.br [email protected]

Capa: Marcelo S. Brandão

Foto da Capa: Ali Taylor (www.alitaylorphotography.co.uk)

CIP·BRAS1L. CATALOGAÇAo NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

Alexandrino, Marcelo

Resumo de direito adminIstrativo descomplicado I Marcelo Alexandnno. Vicente Paulo. - 4. ed .• Rio de Janeiro Forense, São Paulo METODO, 2011.

InclUI bibliografia ISBN 978·85·309·3578·8

1. Direito admInistrativo - Brasil. 1. Titulo.

08·3442. CDU: 342.9(81)

A Editora Método se responsabiliza pelos vicias do produto no que concerne a sua edição (Impressão e apresentação a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseà~lo e lê-lo). Os VICIOS relaCIonados á atualização da obra, aos conceitos doutrina nas, ás concepções ideolõglcas e referênc1as Indevidas são de responsabilidade do autor elou atualizador.

Todas os direitos reservados. Nos termos da Lei que resguarda os direitos autoraIS, é proibida a reprodução total ou parCIal de qualquer forma ou por qualquer melo. eletrómco ou mecâmco, inclUSive através de processos xerográficos, (otocopla e gravação, sem permissão por escrito do autor e do editor.

Impresso no Brasil Pnn(ed In Brazil

2011

SUMÁRIO

CAPÍTULO I

NOÇÕES INTRODUTORlAS ............................................................. .

1. Funções estatais .......................................................................... .

2. Conceito e objeto do direito admmistratlvo ............................ ..

3. Codificação e fontes do dirello admlnlslraltvo ........................ .

4. Sistemas admmlslral!vos: sistema mglês e sistema francês .... .

5. O regime Jurídico-administrativo

CAPÍTULO li

PRINcíPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .......................... ..

2

4

6

6

9

j. Pnncipio da supremacia do mteresse público ............................ 9

2. PrinCIpio da indisponibilidade do mteresse público................... !O

3. Princípio da legalidade....................................... .......................... 11

4. PnnciplO da Impessoalidade ....................................................... 12

5. Prmcipio da moralidade ...................... ,....................................... 14

6. PrmcíplO da publicidade ............................................................. j 5

7. PrmCÍplo da eficiência ................................................................ j 6

8. PrincípiOS da razoabilidade e proporCIOnalidade ...................... 18

9. PrincipiO da autotutela ................................................................ 20

10. Princfpio da continuidade dos servIços públicos .................... 21

CAPíTULO III

ADMINISTRAÇÃO PÚBLlCA............................................................ 23

L Administração pública em sentido amplo e em sentido estrIto ..... 23

Page 4: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

VI RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcelo Alexsndtino

2. Centralização, descentralização e desconcentração ................ ... 24

3. AdminIstração em sentido materIal e em sentido formal........ 26

4. ConceIto de administração direta, admInistração indireta e en-tidades paraestataIs ...................................................................... 28

5. Criação de entidades da admimstração indireta ........................ 29

6. CrIação de subsidiárias e particIpação no capItal de empresas pnvadas ........................................................................................ 31

7. Características comuns às entidades da administração indireta...... 32

8. Entidades em especie .................................................................. 33

8.1. AutarqUIas............................................................................. 33 8.1.1. AutarquIas sob regime especIal, autarquias funda-

cionais e aSSOCIações públicas ................................ 36 8.1.2. Agências executivas e agências reguladoras ......... 38

8.2. Fundações públicas ........................................................... ..

8.3. Empresas públicas e SOCIedades de economia mista ...... . 8.3.1. Distinções entre empresa pública e SOCIedade de

economia mista ....................................................... . 8.4. Consórcios públicos ........................................................... .

CAPÍTULO IV

ÓRGÃOS E AGENTES PÚBLICOS .................................................

I. Órgãos públicos .......................................................................... . 2. Agentes públicos .........................................................................

CAPÍTULO V

43

46

56

58

63

63

65

REFORMA ADMINISTRATIVA E TERCEIRO SETOR .............. 69

l. Reforma do estado e admimstração gerencial.......................... 69

2. Contratos de gestão ..................................................................... 71

3. TerceIro setor (entidades paraestatais) ....................................... 73 3.1. Serviços SOCIais autônomos ............................................... 73 3.2. Organizações SOCIaIS (OS) ................................................. 74 3.3. Organizações da sociedade CIvil de mteresse público

(OSCIPl ............................................................................... 76

SUMARIO VII

CAPÍTULO VI

SERVIDORES PÚBLICOS (DISPOSIÇÕES CONSTITUCIO-NAIS) ...................................................................................................... 79

1. Introdução .................................................................................... 79

2. Acesso a funções, cargos e empregos públicos ........................ 81

3. DireIto de aSSOCIação smdical e direIto de greve ..................... 92

4. Regras constituCIOnais pertmentes à remuneração dos agentes públicos ...................... .................................................................. 93 4.1. Fixação da remuneração e revisão geral anual................ 94 4.2. Lumtes de remuneração dos servidores públicos ............. 95 4.3. Irredutibilidade dos venCImentos e subsídios ................... 99

5. Vedação à acumulação de cargos, empregos e funções públi-cos ................................................................................................ 100

6. DispOSIções constItucionaIS relativas aos servidores em exercícIO de mandatos eletivos ................................................................... 101

7. AdmInIstração tributárIa .............................................................. 102

8. DispOSIções constituCIonais específicas relativas aos servidores públicos estatutários .................................................................... 103 8.1. O regime jurídico iinico e a extinç,ão de sua obngatorie-

dade pela EC 19/1998 ........................................................ 103 8.2. Planos de carreira e SIstema remuneratório dos servidores

públicos ....................... ................................... ...... ............... 106 8.3. Direitos trabalhIstas atribuidos pela ConstituIção aos ser-

vidores públicos .................................................................. 108 8.4. Estabílidade ....................................... .................................. 109 8.5. Regime de previdência dos servidores públicos ................ 111

CAPiTULO VII

ATOS ADMINISTRATIVOS ................................................................ 119

l. ConceIto de ato adminIstratIVO e outras definições relevantes 11 9

2. Classificações ............................................................................... 121 2.1. Atos Vinculados e discriCionárIOS ...................................... 121 2.2. Atos gerais e individuais ................................................... 123 2.3. Atos internos e externos .................................................... 124 2.4. Ato simples, complexo e composto .................................. 125

Page 5: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

VIIi RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcefo Alexandrino

2.5. Ato válido. alo perfeitO, ato eficaz e definições cOITelatas ... 126

3. ReqUIsitos ou elementos dos atos administrativos .................... 127

3.1. CompetêncIa ........................................................................ 127

3.2. Finalidade ............................................................................ 130

3.3. Forma .................................................................................. 131

3.4. Motivo ................................................................................. 132

3.4.1. MotIvação ................................................................ 133

3.4.2. Teona dos motivos determmantes .......................... 134

3.5. Objeto .................................................................................. 135

3.5.1. Mérito admllllstrattvo .............................................. 135

4. Atributos dos atos adnllfllstrativos ............................................. 136

4.1. Presunção de legItImidade ................................................. 137

4.2. Imperatlvidade ..................................................................... 137

4.3. Autoexecutonedade ............................................................. 138

4.4. Tipicidade ............................................................................ 139

5. Extmção dos atos adlmmstrattvos ............................................. .

5.1. Anulação ............................................................................ .

5.2. Revogação .......................................................................... .

5.3. Cassação ............................................................................. .

5.4. Outras formas de extinção do ato adnllnistratIvo ........... .

6. Convalidação de atos administratIVOS ....................................... .

CAPÍTULO VIII

PODERES ADMINISTRATIVOS

139

139

140

142

142

143

147

1. Introdução .................................................................................... 147

2. Poder VInculado e poder discriclOnáno ..................................... 147

3. Poder hlerarqUlco ........................................................................ 149

4. Poder disciplinar ......................................................................... ISO

5. Poder regulamentar ..................................................................... 151

6. Poder de polícia ............................................................... ........... 153

6.1. Introdução e competêncIa para o exercíCIO ...................... 153

6.2. Distmção entre atIvidade de polícia admInistratIva e outras atividades estatais ............................................................... 154

6.3. Modalidades de exerciclO .................................................. 155

6.4. Sanções aplicaveis e limites .............................................. 156

SUMARIO IX

6.5. Fases da atIvidade de poliCia (CIcio de políCIa) ............... J58

6.6. Poder de políCIa ongInáno e poder de polÍCIa delegado. ExercícIO de attvidades de políCia adl1llnIstratIva por pes-soas Jurídicas de direito pnvado ....................................... J 59

6.7. Atributos do poder de policia ............................................ [61

6.8. Prescnção ............................................................................ 163

7. Abuso de poder ............................ ............................................... J 64

CAPÍTULO IX

LICITAÇÕES PÚBLICAS.................................................................... J67

I. Introdução .................................................................................... 167

2. Pnncípios orientadores das liCItações públicas ......................... 170

2.1. Publicidade dos atos ........................................................... J 70

2.2. Igualdade entre os licltanles .............................................. 171

2.2.1. Favorecimento a produtos e servIços naCIonais: criténos de desempate. "margens de preferência" J

liCItações com participação restnta ............... ......... 173

2.2.2. Preferência de contratação para mIcroempresas e empresas de pequeno porte .................................... J 76

2.3. Sigilo na apresentação das propostas ................................ 177

2.4. Vinculação ao Instrumento convocatóno .......................... 178

2.5. Julgamento obJettvo ............................................................ 178

2.6. Adjudicação obrigatória ao vencedor ................................ 179

2.7. Competítivídade .................................................................. 180

3. Fases do procedimento licltatóno .............................................. 180

4. Modalidades de licItação ..... ............................. .......................... 187

4.1. ConcorrêncIa ....................................................................... 187

4.2. Tomada de preços ............................................................... 188

4.3. Convite ................................................................................ 189

4.4. Concurso ............................................................................. 189

4.5. Leilão ................................................................................... 190

4.6. Pregão .................... .............................................................. 190

4.7. Consulta ............................................................................... 196

5. Tipos de licitação ........................................................................ 196

6. Alienação de bens pela administração pública ......................... 198

Page 6: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

X RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPllCADO • Vicente Paulo & MorceloAfexandrino

7. Inexigibilidade e dispensa de licItação ...................................... 199 7.1. Inexigibilidade de licitação ................................................ 200 7.2. Dispensa de licitação .......................................................... 201

7.2. L LIcitação dispensável.............................................. 202 7.2.2. Licitação dispensada ................................................ 206

8. Ánulação e revogação da licitação 207

CAPÍTULO X

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 209

1. Introdução .................................................................................... 209

2. Conceito de contrato administrattvo e de contrato da admlllis-tração ............................................................................................ 210

3. Características gerais dos contratos admimstrativos ................. 2 I 2

4. Prazo de duração dos contratos admmistrativos ....................... 215

5. Prerrogativas da administração nos contratos admImstrativos: as "cláusulas exorbítantes" ......................................................... 2 I 6

5.1. Exigência de garantta ......................................................... 217

5.2. Poder de alteração unilateral do contrato ......................... 218

5.3. Fiscalização da execução do contrato ............................... 220

5.4. Aplicação direta de sanções .............................................. 220

5.5. Ocupação temporána .......................................................... 221

5.6. Exigência de medidas de compensação ............................. 222

5.7. Restnções à oposição da exceção do contrato não cumprido (exceplio nolZ adimplell cantraclus) .................................. 224

5.8. Possibilidade de rescisão unilateral do contrato ............... 225

6. Extinção dos contratos administrativos ..................................... 226

6.1. Anulação ............................................................................. 227

6.2. Rescisão ............................................................................... 228

7. Convêmos admmIstrallvos 232

CAPÍTULO XI

SERVIÇOS PÚBLICOS ........................................................................ 237

I. Noções m(rodulónas ................................................................... 237

SUMARIO XI

2. Conceito de serviço público ..................................................... 240

2.1. Conceitos amplos e conceitos restritos de serviço público ... 240

2.2. Cntérios propostos para identificação de uma atiVidade como serviço público ........................................................ 241

2.2.1. Essencialistas versus legalistas ............................... 242

2.3. Defimções propostas pela doutrina pátna. Conceito ado-tado nesta obra ..... ... ................... ................ ..... ...... .... ........ 244

3. Classificações ............................................................................... 246

4. Fonnas de prestação dos serviços públicos .............................. 248

5. Concessão e pennlssão de serviço público ............................... 250

5.1. Definições legal~ e aspectos gerais ................................... 250

5.2. Licitação prév13 á celebração dos contratos ..................... 253

5.3. Contratação com terceiros, subconcessão, transferência da concessão e transferência de controle societário .............. 256

5.4. DireIlos e obrigações do usuário ....................................... 258

5.s. Obngações da concesslOnaria (ou pennisslOnána) ........... 259

5.5.1. Serviço adequado .................................................... 260

5.6. Prerrogativas do poder concedente .................................... 262

5.7. Extinção da concessão (ou pennissão) ............................. 266

6. Parcenas público-privadas .......................................................... 270

6.1. Licitação prévia à contratação de parcenas público--privadas .......................................................................... 274

7. Autonzação de serviço público .................................................. 277

CAPÍTULO XII

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................... 279

I. Conceito ...................................................................................... .

2. Evolução ..................................................................................... .

3. Responsabilidade objetiva decorrente de atuação administrativa:

279

280

o art. 37, § 6.°, da Constituição Federal................................... 282

4. Responsabilidade decorrente de omIssão da administração pú-blica .............................................................................................. 285

Page 7: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

XII RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vícenle Paulo & MarceJoAlexêJtldrino

5. A ação de reparação do dano com base no art. 37, § 6.", da ConstitUição Federal ................................................................... 287

6. A ação regressiva contra o agente causador do dano .............. 288

7. As responsabilidades admmistratlva. civil e penal do agente público ......................................................................................... 290

8. Responsabilidade civil por atos legislativos e atos Jurisdicio-nais ............................................................................................. .. 293

CAPÍTULO XIII

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÂO PÚBLICA ............................ 295

1. Introdução .................................................................................... 295

2. Noção de controle e classificações doutnmirias ....................... 296

3. Recurso hienirqUlco e recurso luerárqulco imprópno .............. 304

4. Controle leglslativo ..................................................................... 305

4.1. Hipóteses constitucionais de controle parlamentar direto... 307

4.1.1. Controles exercidos pelo Congresso Nacional...... 307

4.1.2. Controles específicos exercidos pelo Senado Fe-deral ................................................................... 310

4.1.3. Controle exercído por meio de comissões ............ 310

4.2. Fiscalização contábil. financeira e orçamentária .............. 311

4.2.1. Controle exercido pelos tribunais de contas ......... 313

5. Controle judicial .......................................................................... 321

6. Improbidade admimstrativa (Lei 8.429/1992) ........................... 323

6.1. Aspectos gerais ........................................................... ........ 323

6. LI. Base constitucIOnal e regulamentação legal.......... 323

6.1.2. Sujeltos passlvos ................................................ ...... 324

6.1.3. Sujeitos ativos .......................................................... 324

6.1.4. Natureza das sanções commadas ........................... 326

6.2. DeSCrição legal dos atos de Improbidade admmistrativa e sanções aplicáveiS ............................................................... 326

6.3. Procedimentos administrativos e ações judiciais .............. 329

6.4. Juízo competente ................................................................ 331

6.5. Prescrição ............................................................................ 332

SUMARIO XIII

CAPÍTULO XIV

O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÂMBITO DA ADMINIS­TRAÇÃO FEDERAL {LEI 9.784/1999).............................................. 335

I. Introdução .................................................................................... 335

2. Abrangência e aplicação ............................................................. 335

3. Pnncip'os 336

4. Direitos e devcres dos administrados ........................................ 338

4.1. Diretto a regime de tramitação pnontána ........................ 339

5. Inicio do processo e legltlmados a SUa Instauração ................. 340

6. Impedimento e suspeição ........................................................... 341

7. Fonna, tempo e lugar dos atos do processo ............................. 342

8. Intimação do Interessado ............................................................ 343

9. Instrução e decisão ..................................................................... 344

10. DeSistênCia e extinção do processo ......................................... 347

11. Recurso admmistrahvo ................................... .......................... 348

12. Contagem de prazos 351

CAPÍTULO XV

BENS PÚBLICOS .................................................................................. 353

1. Conceito .................................. ..................................................... 353

2. Classificação ................................................................................ 355

3. Caracteristicas .............................................................................. 357

4. Uso privativo de bens públicos por partJCulares mediante auto-rização. pennissão e concessão .................................................. 359

CAPiTULO XVI

INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA ........................... 365

I. Introdução

2. Servidão administrativa .............................................................. .

3. ReqUisição .................................................................................. ..

365

366

367

4. Ocupação temporária .................................................................. 368

5. Llmitações admmistrativas .......................................................... 369

Page 8: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

XIV RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

6. Tombamento .... ,.,,, .. ,,.,,' .. ",,.,, .. ,,.,,.,., ,,,.,, .. , .... ,,.,,,,,,,,,,.,, ... ,, ...... ,,, 369

7. Desapropriação ... ""." .. , ........ ' ............................................... ",,,.. 371 7.1. Pressupostos ........................................................................ 372 7.2. Autorização constitucional................................................. 372 7.3. Bens desapropriáveis .......................................................... 374 7.4. Competência ...... " .. '"., ......... ,............................................... 376 7,5. Indenização ................. "., ......... , .. " .. , ..... '............................. 377 7.6. Desapropriação indireta ...................................................... 377 7.7. DireIto de extensão ..... , ............ '......................................... 378 7.8. Tredestinação ............... " .... ,,,.,,., .......... ,.............................. 379 7.9. Retrocessão 379

BIBLIOGRAFIA .............................. ', .. , ..... , .................. , ........ , ... , ... "" .. , 381

Nota da Edítora: o Acordo Ortográfico foí aplicado Integralmente nesta obra.

- , NOÇOESINTRODUTORIAS

1. FUNÇÕES ESTATAIS

O Estado brasileIro li uma federação (CF. art. L·. capul, e art. 18). Sig­nifica ISSO que, no lerntóno naclOnal, coexIstem diversos entes, isonômicos entre si, com autonomia política (denominados entes federados ou pessoas políticas): União, estados, Distnto Federal e municipios.

Simplificadamente, pode-se dizer que a autonomia política é traduzida pela capacidade de auto-organização (elaboração das próprias constítuições ou leIs orgânicas) e pela possibilidade de legIslar, mais precIsamente, de editar leIS com fimdamento em competências própnas, diretamente atribuidas pela Constituição da República.

De outra parte, a Constituição de 1988, em seu art. 2.·, estabelece que são Poderes da República, mdependentes e harmônicos entre si, o LegIslativo, o Executivo e o Judiciário.

EnunCia esse dispOSItivo o princípio da separação dos Poderes, Não obstante a expressão seja consagrada, o que eXIste é uma diVIsão não rígida, entre órgãos não subordinados um ao outro (ditos "Poderes"), das funções estataIs de legislar, de exercer a administração pública e de julgar. Cada uma dessas e atribuida como função principal (ou função típica) a cada um dos Poderes.

A função típica do Poder Executivo é o exercicio da administração pública em sentido amplo, li dar cumprimento às leis, aplicando o direito aos casos concretos não litigiosos. A função prinCIpal do Poder Judiciário é dizer o direito aplicável aos casos concretos litigiosos (exercer a jurisdição).

Page 9: resumo de direito administrativo descomplicado   marcelo alexandrino

2 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente P<Julo & Marcefo AfexiJlldrino

o Poder LegISlatIvo, a rigor, pOSSlll duas funções típIcas: editar atos nOrl1lH­l~VOS pnmànos aptos a inovar o ordenamento Jurídico t; fiscalizar a atuação de toda a admmistração pública.

Importante é observar, entretanto, que, ao lado de sua função pnnclpal, cada um dos Poderes exerce, em caráter secundáno, ou de forma atípica, as demaiS funções estataiS.

ASSim, o Executivo, tiplcamente, exerce a administração pública, mas de forma secundária ali atípica desempenha funções legislativas (por exemplo, quando edita medidas provisórias) e de solução de litfglos (por exemplo, nos processos ad,mnlstrattvos), com a ressalva de que. no Brasil, somente o Poder Judiciário tem jUrisdição em sentido próprio, eom caráter de defilllllvidade (cOisa Julgada em sentido fonnal e matenal).

Da mesma [on11a, conquanto a função administrativa seja a função típica do Poder Executtvo, os Poderes LegislatiVO e Judiciâno também a exercem em caráter secundáno. Por exemplo, há função admmlstratlva quando o Se: nado ou o Supremo Tribunal Fcderal realizam liCitação para adqull'lr bens em geral, destmados ao desempenho de suas atribuições, quando celebram os contratos administrativos cUJo objeto seja a aquisição desses bens, quando concedem licenças ou férIas a seus servidores. quando mstauram processos diSCiplinares e aplicam sanções admmistrativas a seus servidores etc.

Em suma, em atenção ao foco desta obra, procuramos neste tÓplCO enfatizar que, no Brasil, eXistem admll1istração pública e exerciclO de atiVi­dade admllllstrativa em todos os Poderes, e em todos os entes federados. As regras e prmcíplos pertinentes ao direito admimstrativo, portanto, não têm sua aplicação restnta ao âmbito do Poder Executivo, alcançando tambem os órgãos admmistrativos e as attvidades administrativas dos Poderes Legislativo e Judiciáno. Por fim, no estudo do direito administrativo, a referênCia, de l~n11.a genérica, a "admiDlstração pública" abrange as diferentes administrações publicas de todas as pessoas políticas da Federação.

2. CONCEITO E OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

o direito é tradiCiOnalmente dividido em dois grandes ramos: direlto público e dirClto pnvado.

O direito público tem por objeto pnncipal a regulação dos mteresses da SOCiedade como um todo, a diSCiplina das relações entre esta e o Estado e o regramento das relações das entidades e órgãos estatals entre SI. Tutela ele o interesse públieo. só alcançando as condutas tndividuais de fonna mdireta ou reflexa. E caracteristica marcante do direito público a desigualdade nas relações jurídicas por ele regidas, tendo em conta a prevalência do mteresse público sobre os interesses pnvados. ASSim, quando o Estado atua na defe-

Capo I • NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 3

sa do Interesse público, situa-se em posição jurídica de superioridade ante o partlcular~ evjdentemente, em conformIdade com a lei, e respeItadas as garantias mdividualS consagradas pelo ordenamento jurídico. lntegram esse ramo o direito constitucional, o direito administrativo, O direito tributáno, o direito penal etc.

O direito privado tem como escopo prmcipal a regulação dos mteresses particulares, como forma de possibilitar o convívio das pessoas em socieda­de e uma harmOniosa frUição de seus bens. A nota caracteristica do direito privado e a existênCia de igualdade jurídica entre os palas das relações por ele regidas. Como são pnvados os mteresses em jogo, nenhum motivo lui para se cogitar a prevalêncla juridica de um sobre outro. Note-se que mesmo o Estado, quando não está atuando diretamente na tutela do mteresse público, pode ser parte em relações Jurídicas regidas (predomll1antemente) pelo direito pnvado, em posição de Igualdade Jurídica, portanto, perante os demaiS mtegmntes da relação. O direito comerciai e o direito civil são os IIltegrantes típiCOS do direito privado.

O direito admintstratlvo é um dos ramos do direito público, uma vez que rege a orgamzação e o exerciclo de atividades do Estado voltadas para a satisfação de mteresses públicos.

Dizer que o diretlo admmistrattvo é um ramo do díreito público não significa que seu objeto esteja restnto a relações Jurídicas regidas pelo direito público. Em um Estado democrático-socml, como o brasileiro, a admmistração pública atua nos malS diversos setores - até mesmo como agente econômico -, sendo frequentes as Situações em que ela deve figurar nas relações Jurídicas despida de prerrogativas públicas.

Nesses casos. quando a administração comparece sem revestir a qualida­de de poder público - por exemplo, celebrando um contrato de locação, na condição de locatána -, as relações jnridicas de que participe são regidas, predomlllantemente, pelo dirello pnvado, estando ausentes as prerrogattvas especiais típicas do direito público. Não obstante, taiS relações jurídicas são objeto do direito admlllistrativo, estando sempre sujeitas, em variável medida, a regras e principias próprios desse ramo do direito, tais quais o pnncípiO da mdisponibilidade do interesse público, o pnnciplo da publicidade, o prmcipiO da probidade.

Merece menção, também, a situação dos agentes públicos que mantêm vinculo funCiOnai pennanente de natureza contratual com a admlllistração pública, sUJettos à Consolidação das LeiS do Trabalho - CLT (ressalvadas algumas derrogações de direito público, impostas pela própna Constttuição). As relações entre eles - os empregados públicos em sentido própno - e a admmistração pública, de natureza trabalhista (celetista), são regidas pre­dommantemente pelo direito privado, mas, não obstante, constituem objeto

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4 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

do direito adminIstrativo, pela mesma razão aCima apontada - sUjeIção a pnncípIOs como a Indisponibilidade do interesse público.

Amda, são objeto do direito admInistrativo atividades de administração pública em sentido material 9ue, embora exercidas por particulares, o são sob regime de direito público. E o que ocorre com as delegatánas de serviços públicos, pessoas pnvadas, não mtegrantes da administração pública, mas que, na prestação dos serviços públicos delegados, estão sUjeitos a regras de direito público, pertmentes ao direito admmistratlvo.

El11 sintese, o objeto do direito administrativo abrange todas as relações mtemas â administração pública - entre os órgãos e entidades admmistrati­vas, uns com os outros, e entre a admmlstração e seus agentes, estatutáriOS e celetIstas -, todas as relações entre a administração e os administrados, regidas predominantemente pelo direIto público ou pelo direito prÍvado, bem como atividades de adminIstração pública em sentido material exercidas por partIculares sob regime de direito público, a exemplo da prestação de serviços públicos mediante contratos de concessão ou de permIssão.

Por últImo, cumpre registrar que não eXiste uniformidade nos conceitos a~resentados pela doutrIna para o direIto administratIvo, espeCIalmente porque sao dIstintOS os crItérios adotados pelos diversos autores para a demarcação do alcance desse ramo do direito.

A pmtlr das definIções propostas por alguns de nossos maIS importantes admllllstratlVlstas, conceituamos o direito admimstratlvo como O conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento das pessoas e órgãos integrantes da administração pública, às relações entre esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especíalmente às relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse público.

3. CODIFICAÇÃO E FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O direito administrativo no Brasil não se encontra codificado, IStO é, os textos admlllistratívos não estão reunidos em um só corpo de leI, como ocorre com outros ramos do nosso direito (Código Penal, Código Civil). As regras admIOIstrattvas estão consubstanciadas no texto da Constituição e numa IIlfimdade de leiS esparsas, o que dificulta o conhecimento e a formação de uma VIsão SIStemática, orgâmca, desse Importante ramo do direito.

. São exempl~s de leis admlOlstrallvas relevantes: LeI 8. !I 2/1 990 - regIme jUndICO dos servrdores públicos federais estatutários; Lei 8.666/1 993 - normas gerais sobre licitações e contratos admimstrativos; Lei 8.987/1995 - leI geral das concessões e permissões de serviços públicos; LeI 9.784/1999 _ normas

Capo I • NOÇõES INTRODUTÓRIAS 5

gerais aplicàveis aos processos admlIlIstrativos federaiS; Lei 11.079/2004 -leI geral das parcerias público-privadas; Lei 11.107/2005 - nOlmas geraIs de contratação de consórCIOS públicos.

O direIto admimstratIvo tem sua formação norteada por quatro fontes prmcipais: a leI, a Junsprudência, a doutrina e os costumes.

A lei é a fonte primordial do direIto adminIstrativo brasileIrO, em ra­zão da ngidez que nosso ordenamento empresta ao princípIO da legalidade nesse ramo juridico. Embora o vocábulo "lei" abranja, como fonte principal do direito admInIstrativo, a ConstitUIção - sobretudo as regras e princípios admInistrativos nela vazados - e os atos normativos primános (leis comple­mentares, ordinárias, delegadas, medidas provisórias), devem ser incluídos, secundariamente, também os atos normatIVOS infralegals, expedidos pela administração pública, nos termos e limites das leIS, os quais são de obser­vânCIa obngatóna pela própria administração.

A junsprudêncla, representada pelas reIteradas decisões JudicIaiS em um mesmo sentido, e fonte secundária do direIto administrativo, influenciando marcadamente a construção e a consolidação desse ramo do direito. Cumpre observar que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle abstrato das nOlmas, por serem vmculantes para toda a adminis­tração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual c municIpal, bem como, pelo mesmo motivo, as súmulas vinculantes expedidas .nos termos do art. 103-A da ConstItuição da República, não podem ser conSIderadas meras fontes secundárias, e sim fontes prinCIpais, uma vez que alteram diretamente nosso ordenamento jurídico positivo. .

A doutrina, entendida como o conjunto de teses, construções teóricas e formulações descritivas acerca do direito positivo, produzidas pelos estudiosos do direito, constItui fonte secundárIa do direrto admimstratIvo, influenciando não só a elaboração de novas lers, como também o Julgamento das lides de cunho administrativo.

Os costumes sociais - conjunto de regras não escntas, porém obser­vadas de modo uniforme pelo grupo SOCIal, que as considera obrigató­rias - só têm importância como fonte do direito admmistratlvo quando de alguma forma mfluenciam a produção legIslativa ou a juríspnldência, ou seja, menos que uma fonte secundána, são, quando mUIto, uma fonte mdireta. Um pouco diferente é a situação dos costumes admmlstrativos (praxe administrativa), isto é, as pnil!cas reiteradamente observadas pelos agentes admimstratrvos diante de determinada Situação. A praxe admmis­tratlva, nos casos de lacuna normatIva, funciona efetivamente como fonte secundána de direito admInIstratIvo, podendo mesmo gerar direitos para os admmistrados, em razão dos prmcipIOs da lealdade, da boa-fé e da moralidade admiOlstrativa.

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6 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATiVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

4. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS: SISTEMA INGLÊS E SISTEMA FRANCÊS

Sistema admmlstratlvo vem a ser o regime adotado pelo Estado para o controle dos atos admmlstratlvos ilegaiS ou ilegítimos praticados pelo poder público nas diversas esferas e em todos os Poderes. São dois os sistemas eXistentes: sistema IIlg1ês e sistema francês.

O sistema inglês, ou de unicidade de jurisdição, é aquele em que todos os litígIOS - administrativos ou que envolvam interesses exclUSiva­mente privados - podem ser levados ao Poder Judiciário, único que dispõe de competência para dizer o direito aplicável aos casos lillglOsos, de fonna defimtlva, com força da chamada coisa julgada. Diz-se que somente o Poder Judiciáno tem JUflsdição, em sentido próprio.

O sistema francês, ou de dualidade de jurisdição, ti aquele em que se veda o conheCimento pelo Poder Iudiciáno de atos da administração pública, ficando estes sujeitos à chamada Junsdição espeCial do contencioso admmlstrativo, fonnada por tribunaiS de indole administrativa. Nesse sistema há, portanto, a jurisdição admmistrativa (formada pelos tribunais de natureza admmistrallva, Com plenajuflsdição em maténa admmistratlva) e a jurisdição COmum (fonnada pelos orgãos do Poder Iudiciáno. com a competência de resolver os demais litígIOS).

O Brasi! adotou o sistema de Jurisdição umca, consagrado no denomi­nado pflncípio da mafastabilidade de Jurisdição, que se encontra expresso como garantía individual, ostentando status de cláusula pétrea conshtuCIQ­nal, no inciso XXXV do art. 5.° da Carta Política de 1988. Por força desse dispositivo, "a lei não excluirá da apreCiação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito",

ASSim, embora no Brasil seja frequente haver litígIOS Instaurados e solu­Cionados em âmbito admmistratlvo, o admimstrado sempre poderá recorrer ao Poder judiciáno, até mesmo depOIS de haver percorrido todas as instânCias eXistentes na Via administrativa. O Judiciário, uma vez provocado, poderá confirmar a declsão proferida no processo admmlstrativo, ou modificá-Ja, caso entenda que a deCisão admimstratlva fOI contrária á lei ou a princípIOS Juridicos. Somente a decisão judiCial que não mais comporte recurso é defi­OItIVa, imodificável, fazendo COisa julgada matenal e fonnal.

5, O REGIME JURIDICO-ADMINISTRATlVO

O denommado "regime jurídíco-admmlstratlvo" é um regime de direito público, aplicável aos órgãos e entidades que compõem a administração pu-

Capo I • NOÇÕES lNTRODUTOR1AS 7

blica e à atuação dos agentes administrativos em geral. Baseia-se na Idew de eXistência de poderes especiaiS passivels de ser exercidos pela admillls­tração pública, contrabalançados pela InlpOSIÇão de restnções especiais á atuação dessa mesma administração. não eXistentes - nem os podcres nem as restnções - nas relações líplcas do direito pnvado. Essas prerrogativas e I imitações traduzem-se, respectivamente, nos pnncíplos da suprelnllcia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público.

E Importante registrar que o pnnciplo da supremacia do interesse públi­co só está presente. como fundamento direto, nos alas de imperio do poder público, na atuação que decorra do denommado poder extroverso, quando a administração pública unilateralmente cria obngações para o administrado, ou Impõe restrições e condicionamentos á prática de atividades pnvadas ou ao exerCÍcIo de direitos pelos particulares.

De modo diverso, o pnnciplo da indisponibilidade do mteresse público manifesta-se Integralmente em toda e qualquer atuação da administração pública, tanto no desempenho de suas atividades-fim quanto no de suas atividades-meIO, tanto quando atua visando ao interesse público pnmano (diretamente voltado para O povo) como quando visa ao interesse público secundário (voltado às atividades-meio da administração, na qualidade de titular de direitos propnos, apenas mediata ou mdiretamente voltados para o povo l, tanto quando atua sob regime de direito público como quando atua sob regime predominante de direito privado (a exemplo da atuação do Estado como agente econômico).

Estudaremos esses e outros pnncíplos norteadores da atuação e or­ganização da administração pública no próximo capítulo. Nada obstante, convem desde logo ter em conta que os demaiS postulados administrativos usualmente enumerados e analisados pela doutrina - tanto os expressos no texto constitUCIOnal quanto os ImplíCitos - representam, em variável medi­da, desdobramentos dos pnncíplos da supremacia do interesse público e da mdisponibilidade do mteresse público, por isso mesmo consagrados como os pilares fundamentais do "regime jurídico-admmistrativo"

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PRINCíPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. PRINCíPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

o princípIO da supremacIa do mteresse público é um prIncipio Implícito. Embora não se encontre enuncIado no texto constitucIOnal, ele é decorrência das mstltuições adotadas no Brasil. Com efeito, por força do regIme demo­crátIco e do sIstema representatIvo, presume-se que toda atuação do Estado seja pautada pelo mteresse público, cUJa deterrmnação deve ser extraída da ConstttUlção e das leis, manifestações da "vontade geral". Assim sendo, lógico é que a atuação do Estado subordine os mteresses prIvados.

Por outras palavras, O Estado, atualmente, tem obrIgação de atingir uma série de finalidades, que a ConstituIção e as leis lhe indicam. Para atmglr esses objetIvos, mUitas vezes e necessário que o Estado disponha de poderes não cogitados para os particulares em geral, não existentes no direito privado. As prerrogativas que o ordenamento Jurídico confere ao Estado, então, que são típicas do direito público. Justificam-se tão somente na estrita medida em que são necessárIas para que o Estado logre atmgir os fins que lhe são impostos por esse mesmo ordenamento jurídico. Fnse-se que não ê a admi­mstração pública que determina a finalidade de sua próprIa atuação, mas SIm a ConstitUIção e as leis. A admmistração atua estritamente subordinada à lei, como Simples gestora da coisa pública, e possui poderes eSpeCIaIS unicamente como meios, como Instrumentos para atingir os objetivos que juridicamente é obngada a persegUIr.

O princípIO da supremacia do Interesse público é característtco do regIme de direito público e, como visto anterIormente, é um dos dois pilares do de-

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10 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Ilommado "regllne Juridico-admlOlstrattvo>l. Ele fundamenta a eXistênCia das prerrogativas ou dos poderes espectalS da admmlstração pública, dos quais decon'e a denominada verticalidade nas relações admimstração-partlcular. Toda atuação admmistralIva em que eXIsta unperatlvidade, em que sejam Impostas, unilateralmente, obngações para o administrado, ou em que seja rcstrmgido ou condiCIOnado o exercícIO de atividades ou de direItos dos particulares é respaldada pelo pnneiplo da supremacia do IOteresse público.

Decorre desse pnncipio que, havendo conflito entre o interesse público c os mteresses de particulares, aquele deve prevalecer. Im pende, todaVia, ressalvar o respeIto aos direllos e garanltas fundamentais e a necessidade de que a atuação da admmlstração pública ocorra sempre nOs tennos e limites da lei c do direito, observado o devido processo legal. Conforme se vê, assim como ocorre com todos os princípIOS Jurídicos, o postulado da supremacia do Interesse público não tem caráter absoluto.

Exemplos de manifestações do pnnciplO da supremacia do mteresse público temos no exercício do poder de polícia, nas chamadas cláusulas exorbitantes dos contratos admnllstrativos, que possibilitam â admJ!llstração, entre outras prerrogatIvas, modificar unilateralmente o pactuado, nas hlpóteses de mtervenção na propriedade pnvada, como a desapropriação, na presun­ção de legltlmidade dos atos admmistrativos, na autoexecutonedade de atos admlOlstraltvos etc.

2. PRINCíPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

o prlOcÍplO da IOdisponibilidade do interesse público representa a outra vIga mestra do denomInado "regime jurídico-admtfllstratlvo", fazendo con­traponto ao postulado da supremacia do interesse público. Trata-se de um princípIO ImplíCIto, e dele decorrem diretamente diversos postulados expressos que norteIam a atividade da admmistração pública, como o da legalidade, o da Impessoalidade, o da moralidade, o da eficiênCIa.

Ao mesmo tempo em que tem poderes especiaIS, exorbitantes do di­reito comum, a admiOlstração pública sofre restnções em sua atuação que não eXistem para os particulares. Essas limItações decorrem do fato de que a adminIStração não é proprietána da cOisa pública, não é propnetária do patnmõnlo público, não é tItular do mteresse público, mas sim o povo. A dispoSIção é caracterísltca do direito de propnedade. Afirmar que o interesse público é mdisponÍvel é expliCItar que a administração não é dona da cOIsa pública, e sIm mera gestora de cOIsa alheIa.

Em decorrência do pnncípio da indisponibilidade do mteresse público são vedados ao admmistrador qUaisquer atos que Impliquem renúncia a direItos

Capo 11. PRINCipiaS DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 11

da admlDlstração ou que Injustificadamente onerem a sociedade (a expressão "interesse público" é utilizada, aqul, em sentido amplo, abrangendo todo o patnmômo público e todos os direitos e mteresses do povo em geral, úmco titular da cOisa pública).

Só a lel (e tambem, por ÓbVIO, a ConstitUição), por ser a expressão da "vontade geral", do titular da COisa pública (o povo), é apta a estabelecer ° que seja de mteresse público e, se for ° caso, dele diSpor. Assun, a admi­OIstração somente pode atuar quando houver lei que autonze ou dete~tne sua atuação, e nos limites estipulados por essa le!. Ademais, .em razao da mdisponibilidade, toda atuação da admmlStração deve ter pos.slb~hdade de ser controlada pelo povo, seja diretamente, seja por. mel.o de .orgaos ~om es.sa função de controle, exigência relacIOnada, tambem, a noçao de cldadama, um dos fundamentos da República (CF, art. l.0, lI).

É Importante atentar para o fato de que o principIO da indisponibilida~e do mteresse público está integralmente presente em toda e qualquer atuaçao da admmistração pública, diferentemente do que ocorre com o pnncipIO da supremacla do mteresse público, que só está diretamente relaclOnado aos atos de Im peno do poder público.

São manifestações típIcas do principIO da mdisponibilidade do mteresse público: a necessidade de realizar concurso público para a~m~ssão de pessoal pelTIlanente da admimstração (empregados e servIdores pubhcos efetivos), a necessidade, em regra, de realizar liCItação preVia para celebração de contra~os admiOlstrallvos, a eXIgênCIa de motivação dos atos admmlstrativos (tambem regra geral), as restnções à alienação de bens públicos etc.

3, PRINCiPIO DA LEGALIDADE

o capul do art. 37 da Constluução de 1988, pela primelfa vez na his,tóna de noSSO constItuCionalismo, expressamente enumera cmco pnnclpios aphcavels a toda a admmlstração pública brasileIra: legalidade, impessoalidade, moralida­de, publicidade e eficiênCia. Evidentemente não são os úmcos, mas podemos afirmar Que se trata dos maIs geraIs princípios admmlslralivos constJtUClOnalS expressos. Estudaremos neste Item o princípio da legalidade administrativa.

Imc!31mente, cumpre observar que, a ngor, o prmciplo da legalidade administratIva confunde-se em grande parte com o princípio da indispom· bilidade do mteresse público. Isso porque a mais Importante noção a ser ressaltada quanto ao pnnciplO da legalidade admmlstrallva é exatamente a de que a administração pública somente pode agir quando houver lei que autortze ou detelTIline sua atuação. E ISSO simplesmente decorre do fato de que a admimstração, não sendo tItular da cOIsa pública, não tem possibilidade

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12 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

de estabelecer o que sCJa de mteresse público, restando a ela interditada, portanto, a fixação dos fins de sua próprIa atuação.

Por outras palavras, para que a adminIstração possa atuar, não basta a mexlstêncIa de proibIção legal; e necessárIa a existêncIa de determinação ou autorIzação da atuação admInIstratIva na leI. Essa é a principal diferença no alcance do pnncípio da legalidade para os partIculares e para a admimstração pública. Aqueles podem fazer tudo o que a leI não proíba; esta só pode fazer o que a lei determme ou autonze.

O pnnciplo da legalidade adminIstralIva tem, portanto, para a admmis­tração públka, um conteúdo mUlto mais restntlvo do que a legalidade geral aplicável iI conduta dos particulares (CF, art. 5.°. lI). Por outro lado, para o admmlstrado, o prIncipio da legalidade administratíva representa uma garantia conslItuclOnal, exatamente porque lhe assegura que a atuação da administração estará limItada ao que dispuser a iel.

Diz-se que a adlmmstração pública, além de não poder atuar contra a leI ou além da lei, somente pode agir segundo a ieI (a atividade administrativa não pode ser col1fra legem nem praeter legem~ mas apenas seczmdum legem). Os atos evcntualmente pratICados em desobediência a tais parâmetros são atos Inválidos e podem ter sua mvalidade decretada pela própria admmistração que o haja editado (autotuteia admmistrativa) ou pelo Poder Judiciário.

É Importante frisar, por fim, que a admInIstração está obngada, em sua atuação, à observâncIa não apenas do disposto nas leis, mas também dos prInCípIOs jurídicos, do ordenamento Jurídico como um todo ("atuação confonne a leI e o Direito", na feliz redação da LeI 9.784/1999). AdemaIS, a admInistração está SUjeIta a seus próprios atos normativos, expedidos para assegurar o fiel cumprimento das ieis, nos tenuos do art. 84, IV, da ConstitUIção. AssIm, na prátIca de um ato mdividual, o agente público está obngado a observar não só a leI e os prmciplos jurídicos, mas também os decretos, as portarIas, as Instruções normativas, os pareceres normativos, em suma, os atos admInIstrativos geraIS que sejam pertInentes àquela situação concreta com que ele se depara.

4. PRINCIpIO DA IMPESSOALIDADE

O prInCípIO da impessoalidade está expresso no capUl do art. 37 da Cons­tItuição e costuma ser tratado pela doutnna sob duas vertentes, a saber:

a} como detem1Ínante da finalidade de toda atuaç.ão administrativa;

Nessa acepção, fala-se, também, em princípio da finalidade, considerado um prIncipio Implícito, inserido no postulado expresso da impessoalidade.

Capo 11. PRINCIPIas DAADMINISTRAÇAO PUBLICA 13

Trata-se da faceta maIS tradiCIonalmente citada do prIncipIO da Impessoa­lidade, traduzindo a idem de que toda atuação da admimstração deve VIsar ao mteresse público, deve ter como finalidade a satIsfação do mteresse público.

Qualquer ato praticado com objetivo diverso da satisfação do Interesse público, decorrente explícita ou ImpliCItamente da leI, será nulo por desvio de finalidade.

Impede o prInCipio da Impessoalidade, portanto, que o ato admmistratlvo seja praticado a fim de atender a interesses do agente público ou de terceIros, devendo visar, tão somente, á "vontade" da leI, comando geral e abstrato, logo, Impessoal. Dessarte, são obstados perseguições ou favorecimentos e quaisquer discrImmações, benéficas ou preJudiciais, aos administrados ou mesmo aos agentes públicos.

Conforme se constata, analisado sob esse prisma, O princípIO da im­pessoalidade identifica-se em larga medida com o principio da isonomia (ou Igualdade). Desses postulados - impessoalidade e Igualdade - derIvam diversas normas consbtucionais, a exemplo da vazada no art. 37, lI, que impõe o concurso público como condição para mgresso em cargo efetIVO ou emprego público (oportunidades Iguais para todos), e da nonna constante do art. 37, XXI, a qual eXIge que as licItações públicas assegurem Igualdade de condições a todos os concorrentes.

b) como vedação a que o agente público se promova às custas das realizações da admInIstração pública (vedação â promoção pessoal do admlmstrador púbUco petos serviços. obras e outras realizações efetuadas pela adminis­tração pública).

A segunda acepção do prIncípio da impessoalidade está ligada â idelO de vedação li pessoalização das realizações da adminIstração, vedação â promoção pessoal do agente público pela sua atuação como adminIstrador.

Essa faceta está consagrada no § 1.0 do art. 37 da ConstJtuição de 1988, nestes InCIsivos tennos:

§ L° A publicidade dos atos. programas, obras~ servIços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo. mfonnattvo ou de onentação sociaI~ dela não podendo constar nomes, simbo1os ou Imagens que caractenzem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos,

Assim, uma obra pública realizada, por exemplo, pelo Estado do Rio de Janeiro nunca poderá ser anunciada como realização de José da Silva, Governador, ou de Mana das Graças. Secretána Estadual de Obras, pela

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14 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

propaganda oficIaI. Será sempre o "Governo do Estado do Rio de JaneIro" o realizador da obra, vedada a alusão a qualquer característica do governante, inclUSIve a símbolos relaCIOnados a seu nome.

5. PRINCiPIO DA MORALIDADE

o prmciplO da moralidade administrativa está expresso no capul do art. 37 da ConstitUição Federal. A denominada mora! admlOistratlva difere da moral comum, justamente por ser jurídica e pela possibilidade de anulação dos atos admInistrativos que a contrariem.

A moral admimstrativa liga-se â idem de probidade e de boa-fé. É fre­quente a asserção de que o principiO da moralidade complementa o prinCipIO da iegalidade, ou amplia matenalmente sua efetIvidade (às vezes o pnnciplO da finalidade também é apontado como complementar ao da legalidade).

A doutrIna enfatlza que a noção de mora! admll1lstratlva não está vincu­lada ás convicções intimas do agente público (subjetivas), mas sIm à noção de atuação adequada e ética existente no grupo social.

Teoncamente, não Importa a concepção subjetiva de conduta moral, ética. que o agente público tenha, mas sim a noção obJetiva. embora mdetermmada, prevalente no grupo SOCial. passivel de ser extraida do conjunto de normas sobre conduta dos agentes públicos eXistentes no ordenamento jurídico.

Fnse-se este ponto: afirmam os admmistratlvlstas que esse conceito objelIvo de moral admInIstratIva pode ser extraído do ordenamento jurídico. a partIr do conjunto de normas, de todos os níveis, que versam sobre conduta dos agentes públicos em geral. Assim, embora sem dúvida se trate de um conceIto mdeter­mmado. com uma zona de ll1certeza na qual as condutas poderão, ou não, ser enquadradas como contránas à moral administrativa, o certo é que nenhuma relevânCia tem a opInião do agente que pratIcou O ato cUJa moralidade esteja sendo avaliada. Importa unicamente o que se extraI do ordenamento jurídico acerca da conduta pública compatível com a moral admInistrativa.

Confomle antes aludido, o fato de a Constituição da República erigir a moral admmlstralIva em prIncípIO Jurídico expresso permite afirmar que se trata de um requisito de validade do ato admInIstrativo, não de aspecto atmente ao ménto. Significa dizer, um ato contnino li moral admmlstratlva não está sujeIto a uma análíse de oportunidade e conveniênCIa, mas a uma análise de legItimidade.

Por ISSO, O ato contráno á moral admInistrativa não deve ser revogado, mas Sim declarado nulo. E, mais Importante, como se trata de controle de legalidade ou legittmidade, pode ser efetuado pela admInistração públíca (autotutela) e também pelo Poder Judiciáno.

Capo 11· PRINCIPIOS DAADM!NISTRAÇÃO PÚBUCA 15

Um dos meIOS de controle judicial da moral admlIllstratlva a merecer nota e a ação popular, remedio constItucIOnal previsto no mClso LXXlll do art. 5.° da Carta Política nestes termos:

LXXI!! - qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vIse a anular ato lesivo ao palnmõmo público ou de entidade de que o Estado partICipe, :i moralidade ad­ministraHvn. ao meIO ambIente e ao patrimônto htstórlco e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má~fé. Isento de custas JudiclaJS e do ônus da sucumbênCIa;

Como se vê, um ato contráno li moral adminIstrativa é nulo, e não meramente Inoportuno ou mconvemente.

6. PRINCIpIO DA PUBLICIDADE

o prmciplo da pub!icidade está expresso, para a admmlstração pública. no capul do art. 37 da ConslItulção. Esse pnncíplO geralmente é tratado sob dois prismas, a saber:

a) eXIgênCIa de publicação em argão oficia! como reqUISIto de eficâc13 dos atos admmistrativos que devam prodUZIr efeItos externos e dos alos que Impliquem ônus para o patnmômo público;

Nessa acepção. a publicidade não está !igada à validade do ato, mas â sua eficácia, isto é, enquanto não publicado. o ato não está apto a produzir efeitos.

A rigor, não se pode dizer sequer que o ato já esteja mteIramente fannado (perfeIto) enquanto não ocorre a sua publicação, nas hipóteses em que esta é obrigatóna, vale dizer, o ato que obngatonamente deva ser publicado é um ato Imperfeito (não concluído) enquanto a sua pUblicação não ocorre.

Cabe observar que o panigrafo ÚnICO do art. 61 da Lei 8.666/1993 esta­belece como requiSIto mdispensàvel de eficáCIa dos contratos administrativos a publicação resumida do seu mstmmento na Imprensa oflclaL

b) eXigênCia de transparência da atuação adm1n1stratlva.

Essa acepção, denvada do pnncipio da indisponibilidade do Interesse público, diz respeIto à eXIgênCIa de que seja possibilitado, da forma mais ampla possivel, o controle da adnlll1lstração pública pelos admmistrados.

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16 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Um dispoSItIvo que deIxa bem clara essa eXIgênCia de atuação transpa­rente é o mClso XXXIll do art. 5.° da Constituição:

XXXIII - todos têm direIto a receber dos orgãos públicos m­fonnações de seu Interesse particular, ou de Interesse coletIvo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade. ressalvadas aquelas CUJO sigilo seja Impres­cmdível á segurança da socIedade e do Estado;

Importante garantia individual apta a assegurar a eXIgência de transpa­rência da admimstração pública é o direito de petição aos poderes públicos; o mesmo se pode dizer do direito li obtenção de certidões em repartições públicas (CF, art. 5.". XXXIV, "a" e "b", respectivamente).

Decorrência lógica do pnncípio da transparência é a regra geral segundo a qual os atos admmistrativos devem ser motIvados. Com efeito, a motivação (exposIção, por escnto, dos motIvos que levaram à práltca do ato) possibilita o efetIvo controle da legItImidade do ato admlllIstrativo pelos órgãos de con­tro!e e pelo povo em geral. De forma mais ampla, a cidadania fundamenta a exigência de motivação, uma vez que esta e essencial para assegurar o efetivo controle da administração, mcluslve o controle popular, uma das maIs evidentes manifestações do exerciclO da cidadania.

O principIO da motIvação dos atos admmistratlvos não e um pnncípío que esteja expresso na Constituição para toda a admimstração pública. En­tretanto, especificamente para a atuação administrativa dos tribunais do Poder Judiciário a mottvação está expressamente eXigida no texto constitucIOnal, no art. 93, X, transcnto abaIXO (grifou-se):

x - as decisões administrativas dos tribunaJs serão motivadas e em sessão pública, sendo as disclpHnares tomadas pelo voto da maIOria absoluta de seus membros;

7. PRINCiPIO DA EFICIÊNCIA

O pnncípio da eficiênCIa foi mtroduzido como principio expresso no captll do art. 37 da ConstitUIção pela EC 1911998. Ele está vmculado á noção de administração gerencial, modelo de admimstração proposto pelos defensores da corrente de pensamento denommada neoliberalismo.

Embora tenham desenvolvido a assim chamada "doutrina do Estado mimmo". os seguidores do neoliberalísmo reconhecem que a eXIstência de uma admmistração pública é inevitável nas SOCIedades contemporâneas.

Capo fi. PRINCIPIOS DAAOMINISTRAÇÁO PúBLICA 17

Entendem, entretanto, que os controles a que está sUjeIta a admimstração pública, e os métodos de gestão que utiliza, acarretam morosidade, desper­dícIOS, bmxa produtividade, enfim, grande meficiência, em comparação com a admllllstração de empreendimentos pnvados. Propõem, dessa fonna, que a admlntstração pública aproxIme-se o maIS possível da adl111Olstração das empresas do setor privado.

Esse modelo de admmlStração pública, em que se pnvilegIa a aferição de resultados, com ampliação de autonomIa dos entes admiOlstratIvos e redução dos controles de atIvidades-melO, identifica-se, conforme acima referido, com a noção de admínistração gerencial, tendo como postulado central, exatamente, o pnncipio da eficiêncIa.

Exemplo típico de instrumento com essa finalidade - pnvilegIar a afen­ção do atmglmento de resultados, com ampliação da autonomia admlmstra­tiva de entidades e órgãos públicos, traduzida na redução dos controles das atIvidades-melO - são os contratos de gestão previstos no § 8." do art. 37 da Carta PolítIca, dispoSItivo também mcluido pela EC 1911998.

Para a Prof Mana Sylvia Di Pietra o principIo da eficiênCIa apresenta dOIS aspectos:

a} relatIvamente â forma de atuação do agente público, espera~se o melhor desempenho possível de suas atribUIções, a fim de obter os melhores re­sultados;

b) quanto ao modo de orgamzar, estruturar e disciplinar a admimstração públi­ca, eXIge-se que este seja o mais racional possiveI, no mtUlto de alcançar melhores resultados na prestação dos serviços públicos.

A idela de eficiênCia aproxIma-se da de economicidade, prmcipio expresso no art. 70, capul, da Constituição, referente ao controle financeiro da adml­mstração pública. Visa-se a atingIr objetivos traduzidos por boa prestação de serviços, do modo maIS SImples, maIS rápido e mais econômICO, melhorando a relação custo/beneficio da atIvidade da admmistração pública. O admmistra­dor deve sempre procurar a solução que melhor atenda ao interesse público, levando em conta o ótImo aproveItamento dos recursos públicos, conforme essa análise de custos e beneficIOS correspondentes.

E importante observar que a atuação da administração pública, quanto a sua eficiênCIa, está sujeIta, ao menos em tese, a controle judicial. Assim é porque o prmcípio da eficiência é um prmciplO admlntstratlvo expresso, logo, a verificação de sua observânCia integra o controle de legitImidade, e não de mérIto admmlstratlvo. Dessa forma, um ato admmistrativo meficiente ê ilegítImo, o que poderá ensejar a sua anulação - pela própria administra­ção pública ou pelo Poder Judiciário - ou a responsabilização de quem o

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ia RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Pauto & Marc:efoAlexandrino

praticoU, sc constatado que da anulação resultana prejuizo amda maIOr ao mteresse público.

8, PRINCíPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Os pnnciplos da razoabilidade e da proporCIOnalidade .não se encontram expressos no texto constitucional. São eles, na verdade, prIncipias gerais de direito, aplicaveis a praticamente todos os ramos da ciênCia jurídica.

Embora sejam nnplíCltos, o Supremo Tribunal Federal, em diversos julga­dos, tem apontado como sede material expressa desses prmcíplos o postulado do devido processo legal (CF, art. 5.0

, LlV), em sua acepção substantiva (slIbSlal1l1ve dl/e process of law).

É frequente os autores, e mesmo a JUrisprudênCia, sobretudo no âm­bito do direito constItucional, tratarem razoabilidade e proporCIOnalidade como um único e mesmo princípIO jurídico, empregando esses termos como smõmmos, no mais das vezes dando preferênCia ao· uso da expressão "princípio da proporCIonalidade" Na seara do direito admmlstratlvo, pensa­mos ser maIS usual a referênCIa a ~'pnncíplO da razoabilidade" como um gênero. constituindo a noção de proporclOnalidade uma de suas vertentes, comumente relaCionada a situações que envolvam atos admInistratIvos sanCiOnatónos.

Seja como for, certo é que, no âmbito do direito admmlstralIvo, os prmcipios da razoabilidade e da proporcionalidade encontram aplicação espeCialmente no controle de atos discricionários que impliquem restnção ou condicionamento a direitos dos admmlstrados ou imposição de sanções admmistralIvas. Deve ser esclareCido desde logo que se trata de controle de legalidade ou legltlmidade, e não de controle de menta, vale dizer, não se avaliam conveniênCIa e oportunidade admiOlstratlvas do ato - o que Impli­cana, se fosse O caso, a sua revogação -, mas sim a sua validade. Sendo o ato ofenSIVO aos principiaS da razoabilidade ou da proporcionalidade, será declarada sua nulidade; O ato sera anulado, e não revogado.

O pnnciplo da razoabilidade costuma ser desdobrado nas análises de adequação e de necessidade do ato ou da atuação da administração pública. E necessárIO que os meIOS empregados pela admmistração sejam adequados à consecução do fim almejado e que sua utilização, espeCialmente quando se trale de medidas restritivas ou punitivas, seja realmente necessána.

Em resumo, o pnnClplO da razoabilidade tem por escopo aferir a compa­tibilidade entre os meIOs empregados e os fins VIsados na prática de um ato admInIstratiVo, de modo a evitar restnções aos admlOlStrados madequadas, desnecessárias, arbitninas ou abusivas por parte da admmlstração pública,

Cap.U- PRINClplOS OAADMINISTRAÇAo PÚBLICA 19

o pnncíplO da proporcionalidade (citado por alguns autores como "pnncíplO da proibição de excesso"), segundo a concepção a nosso ver maJontárIa na doutrma adl11imstrattvlsta, representa. em verdade, uma das vertentes do pnnciplO da razoabilidade. Isso porque a razoabilidade eXige, entre outros aspectos, que haja proporcIOnalidade entre os meiOS utilizados peio admlOlstrador público e os fins que ele pretende alcançar. Se o ato ad­m!l1istrativo não guarda uma proporção adequada entre os meios empregados e o fim almejado, será um ato desproporcIOnal, excessIvo em relação a essa finalidade Visada.

O postulado da proporcIOnalidade é Importante, sobretudo, no controle dos atos sancionatórios, especialmente nos atos de polícia administrativa, Com efeito, a intensidade e a extensão do ato sancionatório devem corresponder, devem guardar relação de proporCIOnalidade com a leslvidade e gravidade da conduta que se tenciona repnmir ou prevenir. A noção é intuitIva: uma infração leve deve receber uma sanção branda; a uma falta grave deve cor­responder uma sanção severa,

E oportuno observar que, na Lei 9.7841l999, razoabilidade e proporciona­lidade são pnnciplOs expressos (art. 2.", capul). Além disso, a lei expliclta o conteúdo desses prmcíplos, ao determinar que deverá ser observada, nos processos admmistrativos, "adequação entre meIOS e fins~ vedada a ImpOSição de obrigações, restnções e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do mteresse público" (art. 2.0

, pa­rágrafo ÚntCO, VI).

É sempre Importante frisar que, embora razoabilidade e proporCionalidade sejam prIncípiOS utilizados para controlar a discriclOnariedade admInistrativa, não se trata de controle de mêrilo admInistrativo. Vale dizer, o ato que fira a razoabilidade ou proporcIOnalidade é um ato ilegítimo (não e meramente Incon­veniente ou Inoportuno), e deve ser anulado (não é cabível cogitar revogação sob o fundamento de que o ato seja desarrazoado ou desproporcional).

O controle da discriclOnanedade pelos pnnciplOs da razoabilidade e proporCIOnalidade deve ser entendido desta forma: quando a admInistração pública prattca um ato discnCiOnárIo além dos limItes legítImos de discricio­nariedade que a lei lhe confenu, esse ato ê ilegal, e um dos meios efetivos de verificar sua ilegalidade é a afenção de razoabilidade e proporcionalidade. Amda que a admmlstração alegue que agIU dentro do menta adminIstrativo, pode o controle de razoabilidade e proporCIonalidade demonstrar que, na verdade, a adminIstração extrapolou os limites legais do merito administral!­vo, praticando, por ISSO, um ato passível de anulação (controle de legalidade ou legltllnidade), e não um ato passivel de revogação (controle de mérito, de oportunidade e conveniência admmistrativas, que é sempre exclUSIVO da própria adminIstração pública).

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20 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Afexandríno

9. PRINCÍPIO DA AUTOTUTElA

o princípIO da aulolutela, também refendo como poder de auto tutela admlO1strallva. pode ser, dependendo do caso. uma verdadeira prerrogattva ou um poder-dever da admInistração pública.

Como sabemos, no Brasil vigora o prIncipio da inafastabilidade de Junsdi­ção, ou sistema de Jtlrlsdição Única, segundo o qual a tel não excluirá da apre­ciação do Poder Judiciáno lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5.°. XXXV).

Ao lado dessa possibilidade incontornável de o Poder Judiciário, quan­do provocado, apreCIar a legalidade de atos que possam Implicar lesão ou ameaça a direito, eXiste o poder adnunislrativo de aulotutela. O poder de autotulela possibilita à admilllstração pública controlar seus próprIos atos, apreciando-os quanto ao mérito e quanto á legalidade. É um princípio Im­plícito, que decorre da natureza da allvidade adrmmstratlva e de prrnciplOs expressos que a onentam, especialmente o prrncipio da legalidade. O controle de legalidade efetuado pela admll11stração sobre seus própnos atos, eviden­temente, não exclui a possibilidade de apreciação da legalidade destes pelo Poder Judiciano.

Diz-se que o prmcipio da autotu!ela autoriza o controle, pela admims­tração, dos atos por ela praticados. sob dOIS aspectos:

a) de legalidade, em que a adrmmstração pode, de afielO ou quando provocada, anular os seus atos ilegais;

b) de mérito, em que examma a conveniêncIa e oportunidade de manter ou des­fazer um ato legítimo, nesse último caso mediante a denommada revogação.

É Importante frisar que não e so em relação a atos ilegaiS que a admi­I11stração pública exerce o poder-dever de autotutela, anulando-os. Os atos válidos, sem qualquer vícro, que, no entender da admmistração, se tomarem mconvenrentes ao mtcresse público tambem podem ser retirados do mundo Juridico no uso da autotutela. Nessa l"pótese, de revogação de um ato válido que se tomou Inconveniente - verdadeiro poder da administração pública, exercido com suporte, também, no poder discncronário -, somente a própna admrmstração que editou o ato tem a possibilidade de controle. Vale dizer, o Poder Judiciário não pode retirar do mundo Jurídico atos válidos editados por outro Poder.

O prmcipro da autotutela admmistratlva está consagrado na Súmula 473 do STF, nestes termos:

473 - A AdminIstração pode anular seus pràprios atos quando eIvados de vicios que os tomem ilegms. porque deles não se

Cap.U" PRiNclplOS DAADMINISTRAÇAo PúBLICA

ongmam direltos~ ou revoga-los, por motivo de conveniênCia ou oportunidade, respeitados os direitos adqUIridos. e ressalvada, em todos os casos, a apreCiação JudiCial.

21

Por fim, alertamos que não se deve confundir poder de autotutela com tutela admInistrativa, expressão empregada como smômmo de controle finalístico, ou supervisão, que a admllllstração direta exerce, nos termos c limites da leI, sobre as entidades da admllllstração rndireta.

10. PRINCil'lO DA CONTINUIDADE DOS SERViÇOS PÚBLICOS

O prrncíplO da contmuidade dos servrços públicos é um pnncípio Implí­Cito, decorrente do regime de direrto público a que des estão sl\jeitos.

É rmportante observar que a expressão "serviços públicos", aqUI, ti em­pregada em sentido amplo, como sinômmo de "atrvidade de administração pública em sentido matenal" Alcança, portanto, todas as atividades propria­mente admimstrativas executadas sob regime Jurídico de direito público.

Abrange, assim, a prestação de serviços públicos em sentido estnto - prestações que representem, em SI mesmas, utilidades materrms fruívels diretamente pela população em geral, efetuadas diretamente ou por mero de delegatános -, o exercicio do poder de políCia, as atrvidades de fomento e a intervenção. Ficam excluidas, por outro lado, a atuação do Estado como agente econômico em sentido estrito ("Estado-empresário"), a atividade po­lítiCa de governo (formulação de polítrcas públicas), a atrvidade legislativa e a atrvidade JunsdicionaL

Os serviços públicos, como seu nome mdica, são prestados no interesse da coletividade, sob regime de direito público. Por esse motivo, sua presta­ção deve ser adequada, não podendo sofrer mlemlpções. A rnterrupção de um serviço público prejudica toda a coletrvidade, que dele depende para satrsfação de seus interesses e necessidades.

A aplicação desse pnncipro Implica restrIção a determrnados direitos dos prestadores de serviços públicos e dos agentes envolvidos em sua prestação. Urna peculiaridade do pnncipro da continuidade dos serviços públicos ti que sua observânCia é obngatóna não so para toda a admimstração pública, mas também para os particulares que sejam Incumbidos da prestação de serviços públicos sob regIme de delegação (concesslOnárras. permlssronánas e auto­rizadas de serviços públicos l.

DecorrênCia relevante do princípio da contmuidade dos serviços públicos é o fato de o texto constituCIOnal tratar a greve dos servidores públicos não como um direito autoexercitável, de forma plena, independente de regula-

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22 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

mcnlação legal, mas SJ111 como um direito cUJo exerciclo deve observar os tennos e limites a serem definidos em leI específica.

Outro exemplo de restnção decorrente do pnnciplo da continuidade dos servIços públicos é a Impossibilidade de o partIcular prestador de ser­VIÇO público por delcgação Interromper sua prestação, mcsmo que o poder concedente descumpra os tennos do contrato que tenha celebrado com ele. Essa restnção é a denommada Inoponibilidade da "exceção do contrato não cumprido" (exceplIQ 1/01/ adimpleli c01/lrocllIs). No caso da prestação de servIços públicos, o particular delcgatáno prejudicado pela admll1lstração pública concedente só poderá rescmdir o contrato mediante sentença JudiCIal transitada em julgado (Lei 8.987/1995, art. 39, panigrafo Único).

A obngação de que os servIços públicos prestados à população sejam adequados está expressa no art. 175, parágrafo único, IV, da Constituição Federal. A LeI 8.987/1995, que regula a prestação de servIços públicos sob regime de concessão e de permissão, define servIço adequado como aquele que alenda aos requiSItos nela expressos, dentre os quais se encontra o da contllluidade.

1.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM SENTIDO AMPLO E EM SENTIDO ESTRITO

Admll11stração pública em sentido amplo abrange os órgãos de governo, que exercem função política, e também os órgãos e pessoas Juridicas que desempenham função meramente administrativa. Deve-se entender por função polítIca, neste contexto, o estabelecImento das diretrizes e programas de ação govemamental, dos planos de atuação do govemo, a fixação das denommadas políticas públicas. De outra parte, função meramente admlllls­tratlva resume-se à execução das políticas públicas fomlllladas no exercíCIO da referida atIvidade políltca.

Cumpre enfatIzar que elaborar polítIcas públicas ou planos de governo não significa atuar ao arrepio da leI. Deveras, a admmistração pública, mesmo tomada em sentido amplo, tem toda a sua atuação subordinada à lei (isto é, à Constituição, às leiS propriamente ditas e a outros atos de natureza legls­laliva, enfim, ao direito como um todo). Entretanto, no que toca aos fins do Estado, o ordenamento jurídico estabelece nonnas genéricas, amplas, mUltas vezes traduzidas em nonllas programáticas, indicando objetIVOs geraIs a se­rem perseguidos pelo poder público. O "como fazer", o estabelecImento das pfloridades na execução, o detalhamento dos programas de ação, tudo ISSO é atividade admlmstratIva em sentido amplo, vale dizer, atividade política, para o exercícIO da qual o poder público, embora subordinado á leI e ao direIto, dispõe de ampla discricionanedade.

Admimstração pública em sentido estrito só inclui os órgãos e pessoas Jurídicas que exercem função meramente administrativa, de execução dos

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24 RE:;SUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

programas de governo. Ficam exciuídos os órgãos políticos e as funções polít[cas, de elaboração das políticas públicas.

Neste trabalho, a expressão "admll1[stração pública" será empregada no seu sentido estfllo~ prôpno, limitado as funções meramente administratIvas e aos órgãos e entidades que as desempenham.

2. CENTRALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO

o Estado exerce a função adm[nlstrativa por mero de órgãos. pcssoas Juridicas e seus respectIvos agentes. Para o desempenho de suas atribuIções, o Estado adota duas formas básicas de orgal1lzação e atuação admimstrat[vas: centralização e descentralização.

Ocorre a chamada centralização admm[strativa quando o Estado exe­cuta suas tarefas diretamente, por meio dos órgãos e agentes integrantes da denommada administração direta. Nesse caso. os servIços são prestados diretamente pelos órgãos do Estado, despersonalizados, mtegrantes de uma mesma pessoa polítIca (União, Distnto Federal. estados ou mUl1lcÍpios).

Ocorre a chamada descentralização admmlslrahva quando o Estado de~ sempenha algumas de suas atribuições por meIO de outras pessoas, e não pela sua adm[lllstração direta. A descentralização pressupõe duas pessoas distrntas: o Estado (a União, o Distrito Federal, um estado ou um município) e a pessoa que executará o servIço, por ter recebido do Estado essa atribuição.

A descentralização pode ocorrer por outorga (também denommada des­centralização por servIços, ou delegação legal) ou por delegação (também chamada descentralização por colaboração, ou delegação negociaI).

A descentralização será efetIvada por outorga quando o Estado cria uma entidade (pessoa Jurídica) e a ela transfere determmado serviço público. A outorga pressupõe obngatoriamente a edição de uma lei que IOstrtua a entidade, ou autOrIze a sua cnação, e nOrInalmente seu prazo é indetermrnado.

É o que ocorre na cnação das entidades da administração indireta: o Estado descentraliza a prestação dos servIços, outorgando-os a outras pes­soas Jurídicas (autarqUIas, empresas públicas, SOCIedades de economia mista e fundações públicas). Como as competências da entidade são estabelecidas em lei, a descentralização por servIços [mplica a transferêncIa â entidade da tItularidade e da execução do servIço descentralizado.

A descentralização é efetivada por delegação quando o poder público transfere, por contrato (concessão ou permIssão de servIços públicos) ou ato unilateral (autorização de serviços públicos), uuicamente a execução do servIço, para que a pessoa de legatária o preste à população, em seu próprio

Cap. 111 • ADMINISTRAÇÃO PúBLICA 2S

nome e por sua conta e risco, sob fiscalização do Estado. Note-se que não ha transferêncl3 de atribmções operada mediante le[, como lui na descentralização por serVIços. Sendo meros contratos ou atos adminIstrativos os lIlstrumentos da descentralização por colaboração, a pessoa delegatárra Iim[ta-se fi execução do serVIço, permanecendo a tItularidade deste com o poder público.

A delegação por contrato é sempre efellvada por prazo detem1mado. Na delegação por ato administratIvo (autorrzação de servIços públicos), como regra, não há prazo certo, por causa da precarIedade típica da autorIzação (possibilidade de revogação a qualquer tempo. em regra sem Indemzação). A concessão sÓ é possivel para pessoas Jurídicas, ao passo que pode haver permIssão e autorIzação de servIços públicos tanto para pessoas jnrídicas quanto para pessoas físicas.

Alertamos, a fim de evitar confusão termmológ[ca, que é mUlto frequente o uso das expressões "outorga de concessão" e Houtorga de perrlllssão~', sem que ISSO Implique qualquer relação com o termo doutrinaria "descentralização por outorga" Concessão e pen11lssão de servIços públicos são sempre formas de "descentralização por delegação'" Quando se usa a expressão "outorga de concessão" ou "outorga de permissão~~ (ou mesmo "outorga de autOrIzação"), a palavra ~~outorgan está sendo empregada em sentido vulgar~ ordinrino, leigo, sIgnificando "dar". "atribUlr", e não no sentido técl1lco-Jurídico de "descen­tralização por outorga".

Em nenhuma forma de descentralização há hierarquia.

Na relação entre a admm[stração direta e a mdireta, diz-se que há vincu­lação (e não subordinação). A pnme[ra exerce sobre a segunda o denommado controle finalístíco ou tutela administrativa ou supervisão. Para o exerCÍCIO

do controle finalistlco e exigida expressa preVIsão legal, que determinará os limites e os instrumentos de controle (atos de tutela).

O controle exercido pelo poder delegante é mUlto maIS amplo do que o exercido nos casos de outorga (por exemplo, possibilidade de alteração unilateral das condições de prestação do servIço, intervenção, decretação de caducidade, aplicação direta de sanções e ate mesmo encampação). Contu­do, tampouco nesse caso há h[erarqUla entre o poder público delegante e a delegatána do servIço público. Tem-se controle rígido, poderes especIais atribuídos ao concedente, mas não !lIerarquia.

Diferentemente da descentralização, que envolve sempre maIs de uma pessoa, a desconcentração ocorre exclUSIvamente dentro da estrutura de uma mesma pessoa jurídica. Trata-se, a dcsconcentração, de mera técl1lca admI­nistrativa de distribUIção rotema de competências de uma pessoa Juridica.

Ocorre desconcentração admmistrativa quando uma pessoa política ou uma entidade da admm[stração indireta distribtll competêncl3s no âmbIto de

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26 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

sua própna estrutura a fim de tornar mais ágil e eficiente a prestação dos serviços. Vale repetir, desconcentração envolve, obngatoriamente, uma só pessoa jurídica.

Exemplificando, ocorre desconcentração no âmbIto da admimstração direta federal quando a União distribUI competêncIas entre diversos órgãos de sua própna estrutura, tais quais os mllllsténos (mllllsténo da educação, mmlsténo dos transpOltes etc.); ou quando uma autarquia, por exemplo, uma unIversidade pública, estabelece uma divlSão mtema de funções, cnando, na sua própria estrutura, diversos departamentos (departamento de graduação, departamento de pós-graduação, departamento de dirello, departamento de filosofia, departamento de economia etc.).

Como.resultado da desconcenlração temos o surgimento dos denommados órgãos públicos. Um órgão público é uma sunples abstração, é o nome que sc dá a um determmado conjunto de competênCIaS, localizado na estrutura mtema de uma pessoa Juridica, seja ela da administração direta, seja da admm.stração indireta.

Em suma, sempre que na estrutura de uma pessoa admmlstrattva houver orgalllzação de competências, atribUIções públicas reunidas em unidades de atuação (órgãos), terâ ocorrido a técmca de organização do serviço público denommada desconcentração admimstrattva.

Porque a desconcentração ocorre no âmbito de uma mesma pessoa ju­rídica, surge relação de hierarquia, de subordinação, entre os órgãos dela resultantes. No âmbJlo mtemo das entidades desconcentradas temos controle hierárquico, o qual compreende os poderes de comando, fiscalização, revisão, punição, solução de conflitos de competênCIa, delegação e avocação.

Finalizando, vale notar que um serviço pode ser prestado cen!ralizada­mente mediante desconcentração, se o for por um órgão da admmistração direta, ou pode ser prestado descentralizadamente mediante desconcentração, se o for por uma unidade - supeflntendêncIa, div.são, departamento, seção ctc. - integrante da estrutura de uma mesma pessoa Jurídica da admmistra­ção mdireta (autarqUIa, fimdação pública, empresa pública ou SOCIedade de econom.a mIsta).

3, ADMINISTRAÇÃO EM SENTIDO MATERIAL E EM SENTIDO FORMAL

AdmlOlstração pública em sentido material, objetivo ou funcional re­presenta o conjunto de allvidades que costumam ser consideradas próprias da funçãO admmlstrailva. O conceIto adota como referênc.a a atividade (o que é realizado), não obngatoTlamente quem a exerce.

Capo 111 • ADMINISTRAÇÃO PÚBUCA 27

São usualmcnte apontadas como próprias da admlOlstração pública em sentido matenal as segumtes altvidades:

u) serviço público (prestações concretas que representem, em SI mesmas, di­retamente~ utilidades ou comodidades matenaIS para a população em geral, oferecidas peja adlmmstração pública fomlai ou por partIculares delegatános, sob regime juddico de direllO público);

b) policía administrativa (restnções ou condjcIOnamentos Impostos ao cxerw

ciCIO de atIvidades pnvadas em beneficlO do interesse público; exempJo típICO são as atIvidades de fiscalização);

c) fomento (incentivo a tntClatlva pnvada de utilidade pública, por exemplo, mediante a concessão de benefiCIOS ou mcentlvoS fiScalS);

d) intervenção (abrangendo toda mtervenção do Estado no setor privado, exceto a sua atuação direta como agente econômICO; estão mcluidas a intervenção na propncdade pnvada, a exemplo da desapropnação e do tombamento, e a mtervenção no dornínro econômico como agente normativo e regulador, por exemplo~ mediante a atuação das agênclas reguladoras. a adoção de medídas de repressão a prâttcas tendentes i elimmação da concorrênCIa, a fonnação de estoques reguladores elc.}.

ASSIm, SOCIedades de economIa mista que exercem allvidade econômica em sentido estnto, como o Banco do Brasil S.A., ou a PETROBRAS S.A., não são consideradas administração pública em sentido materiaL Por outro lado, as delegatánas de servIços públicos - pessoas pnvadas que prestam servIços públicos por delegação do poder público, como as concesslonánas e pemus­slOnanas - são consideradas admwlstração pública em sentido materiaL

Admm.stração pública em sentido formal, subjetivo ou orgânico é o conjunto de órgãos, pessoas Jurídicas e agentes que o nosso ordenamento Jurídico identifica como admmlstração pública, não importa a atividade que exerçam (como regra. evidentemente, esses órgãos, entidades e agentes de­sempenham função admllllstrativa).

O Brasil adota o critério fonual de adnllmstração pública. Portanto, somente é admmistração pública, Juridicamente, aquilo que nosso dire.to assm1 considera, não lluporta a atividade que exerça. A admmistração pú­blica, segundo nosso ordenamento jurídico, é composta exclUSivamente: (a) pelos orgãos mtegrantes da denommada administração direta (são os órgãos que, dento da estrutura de uma determmada pessoa políllca, exercem função admimstratlva); e (b) pelas entidades da admm.stração indireta.

Somente são entidades da administração mdireta estas, e nenhuma outra, não Importa a attvidade que exerçam: (a) autarquias; (b) fundações públicas (FP); (c) empresas públicas (EP); (d) sociedades de economIa mista (SEM).

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28 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Mnrce/oAlex.mdrino

Dessarte, temos entidades formalmente mtegrantes da admllllstração pu­blica brasileira que não desempenham função admll1!straliva, e Sim ahvidade econômIca. como ocorre com a maIona das empresas púbticas e sociedades de economia mista (CF, alt. 173).

Por outro lado, há entidades pnvadas, não integrantes da admmlstração pública fonnal, que exercem atividades identificadas como próprias da função administrativa, a exemplo das concessionánas de serviços públicos (que atuam por delegação j e das orgamzações socims (que exercem atividades de utilida­de pública, previstas em contrato de gestão celebrado com o poder público), mas que não são fonnalmente administração pública; não obstante a atividade exercida, essas entidades pnvadas, cabe repetir, não integram a admimstração pública brasileira, justamente porque no Brasil e adotado o cnténo formal.

Por fim, cabe lembrar que temos admulIstração pública formal em to­dos os entes federados e em todos os Poderes do Estado. Embora a quase totalidade da admimstração pública esteja concentrada no Poder Executivo, os Poderes Legislativo e JudiciáriO contêm, em sua estmtura, órgãos admi­nIstratIvos. AdemalS~ é posslve[, ao menos em tese, eXlstIrem entidades da admil11stração mdireta Vinculadas aos Poderes Legislativo e Judiciário.

4. CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO DIRETA, ADMINISTRAÇÃO INDIRETA E ENTIDADES PARAESTATAIS

Administração direta ti o conjunto de órgãos que Integram as pessoas políticas do Estado (União, estados, Distrito Federal e municípios), aos quais fOI atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, de atIvidades administrativas.

Administração indireta é o conjunto de pessoas jurídicas (desprovidas de autonomm política) que, vinculadas â admInistração direta, têm a competência para o exercícIO, de fonna descentralizada, de atividades admlnlstrattvas.

No Brasil, o Decreto-lei 200/J967, em seu art. 4.·, estabelece a orgam­zação da administração pública federal, confonne abaiXO transcnto:

Art. 4,° A Administração Federal compreende:

I A AdminIstração Direta. que se constitUi dos serviços inte~ grados na estrutura adm1n1strativa da PresidênCIa da República e dos Minlsténos.

II - A AdmInistração Jndireta, que compreende as segumtes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica pró~ pna:

a) AutarquIas~

Cap. 111 • ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

b) Empresas Públicas;

c) SOCiedades de Economia Mista;

d) Fundações Públicas.

Parãgrafo Único. As entidades compreendidas na AdminIstração Indireta VInculam-se ao Mimstério em cUJa área de competênCia estiver enquadrada sua prmclpal atividade.'

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E Importante observar que, embora o Decreto-lei ZOO/! 967 all1da seja frequentemente citado como referência em maténa de organização estrutural da administração pública brasileira, suas dispOSições restnngem-se ao Poder Executivo federal. Ora, confonne antes exposto, há adnllntstração pública em todos os entes federados, e todos os Poderes da República têm órgãos adlm­nistrattvos. Além disso, nada impede que eXistam entidades da admllllstração indireta vlllculadas a órgãos dos Poderes LegislatiVO e JudiciáriO. É explíCito quanto a esses pontos o capul do art. 37 da Carta de 1988.

Em sintese, devemos ter em conta que o art. 4." do Decreto-leI 200/l967, conquanto ainda vigente, e incompleto, refere-se tão só ao Poder Execulivo federal. No Brasil, existe admInistração pública em todos os entes federa­dos, e todos os Poderes da República têm órgãos admmistratlvos. AdemaIS, a admmístração indireta - eXistente em todos os entes federados - pode ser integrada por entidades Vinculadas a qualquer dos três Poderes.

Essa organtzação é obngatória para a União, os estados, o Distrito Federal e os muntciplos, tendo em vIsta o tratamento dado â matéria - estmtura da admInistração pública brasilClfa - pela Constituição de 1988.

Ao lado desta estmtura, posltlvada pelo direito brasileiro, são objeto de estudo do direito adml11lstratlvo detennmados entes pnvados que, sem integrarem a administração direta ou a administração mdireta, colaboram com o Estado no desempenho de atIvidades ele interesse público, de natureza não lucratIVa. São as chamadas entidades paraestatais, que compreendem: os serviços SOCIais autônomos (SESI, SESC, SENAI etc.), as organizações sociats, as organizações da sociedade CIvil de interesse público (OSCIP) e as denommadas "entidades de apOio".

Entidades paraestatais são, portanto, pessoas jurídicas privadas que, sem integrarem a estrutura da administração pública, colaboram com o Estado no desempenho de atividades não lucraltvas e âs quais o poder público dispensa especial proteção. Serão estudadas â frente, em tópico específico.

5. CRIAÇÃO DE ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

A criação das entidades da admimstração mdireta está disciplinada no art. 37, XIX, da ConstitUIção. É a segUInte sua redação, dada pela EC 19/]998:

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30 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicl;mie Paulo & Marcelo Alexanddno

XIX - somente por jeJ específica poderà ser criada autarquia e autorizada a UlstltUlÇão de empresa pública. de sociedade de economia mista e de fundação) cabendo ã leI complementar, neste último caso, defimr as âreas de sua atuação;

Conforme se constata, há duas sIstemáticas distmtas para a criação das entidades da admllllstração indireta, a saber:

a) no caso das nutarquias: criação pela leI especifica, diretamcnte~

b) para as demais entidades: mera autorização para sua crIação, dado em tel específica.

A primeIra forma de criação é a slstemátlca adotada para confem a uma entidade personalidade Juridica de direito público. HOJe, efa está prevista na ConstitUIção, de fOrlna literal, unicamente para as autarqUlas. O ente federado só precisa editar uma lei ordinána cujo conteúdo específico seja a criação da autarqUia Ca lei e específica quanto á maténa); com o miclO da vigência da lei, a autarqUia adqUire personalidade Juridica, está instltuida.

Na segunda hipótese, a criação da entidade, ou seja, a aqUIsição da per­sonalidade jurídica, efetivamente OCOrre quando o Poder Executivo elabora os atos constItutivos e providencia sua IOscrição no registro público competente (os atos cons!itullvos usualmente são corporificados em um decreto, mas não c a publicação do decreto que dá nasCimento á entidade, é o registro dos atos constitutIvos). Essa é a Sistemática própria de cnação de pessoas Jurídicas de direito privado.

Como se vê, o mClso XIX do art. 37 da ConstitUIção, com a redação dada peJa EC 19/1998, pretendeu atribUIr às fundações públicas a condição de pessoas Jurídicas de direIto privado, Igualando-as, nesse aspecto, às em­presas públicas e SOCIedade de economia mista (essas duas nunca suscItaram polêmica relevante quanto à natureza de sua personalidade juridica, diferen­temente das fundações públicas).

Conquanto seja patente que o constituinte derIvado teve a mtenção de que todas as fundações públicas passassem a ser cnadas obrigatonamente com personalidade juridica de direito privado, nossa JUrIsprudência, iOcluslve a do Supremo Tribunal Federaf, e a doutnna pátria dominante admitem que as fundações públicas sejam Criadas com personalidade Juridica de direito público, diretamente por lei específica. Nesse caso, todavia, elas serão uma "espéCie do gênero autarqUia"

Vale reforçar este ponto: as fundações públicas podem ser criadas da forma literalmente prevIsta na segunda parte mClso XIX do art 37 da Carta Política, revestmdo, então, personalidade Juridica de direito privado, mas

.';

Cap. lU • ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 31

podem, lambem, altematlvamcnte, ser crtadas diretamente por lei específica, com personalidade Jurídica de direito público, hipótese em que serão uma espéCie de autarquIa C usualmente denommadas fundações autárqUicas, ou autarqUias fundaCIOnaIs). A possibilidade de mstitUlção de fundações públi­cas com personalidade Jurídica de direito público é construção doutrmtma e jUl'Isprudencial, não está expressamente preVIsta na ConstttU1ção.

Por fim, a parte tinal do inCISO XIX do art. 37, com a redação que lhe deu a EC 19/1998, prevê a edição de uma lei complementar para o estabe­lecnnento das áreas em que poderão atuar as fundações públicas. Trata-se de regra aplicàvel tanto ás fundações públicas com personalidade Juridica de direIto privado quanto ás fundações públicas com personalidade Jurídica de direito público. Essa lei complementar até hOJe não fOi editada.

6. CRIAÇÃO DE SUBSIDIÁRIAS E PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL DE EMPRESAS PRIVADAS

Nos termos do inciso XX do ar!. 37 da Constltutção:

xx - depende de autonzação legIslativa, em cada caso, a cnação de subsídiànas das entidades menCIOnadas no mClso antenor, assim como il partiCipação de qualquer delas em em­presa pnvadn;

Apesar de o texto constitucional estabelecer que a autorização legislativa para a Criação de subsidiárias das entidades da admInistração Indireta e para a participação delas no capital de empresas privadas deve ocorrer "em cada caso", o Supremo Tribunal Federal já decidiu que e sufiCiente, para satIsfazer a eXIgênCia do mCISO XX do art. 37 da Conslltuição, a eXIstênCia de um dispOSItivo confermdo genencamente essa autOrização na própna lei que cnou (ou alltonzou a Criação de) determinada entidade da admmistração indireta.

Dessa forma, basta, por exempfo, para a cnação de subsidiánas da empresa pública ALFA, que a lei que autorIZou a cnação dessa hipotétIca empresa pública contenha um artigo dispondo: "Art. 43. É autorizada a criação de subsidiánas pela empresa pública ALFA". Não é necessária uma específica autonzação leglslallva para cada subsidiána que ALFA pretenda cnar.

Cumpre regIstrar que o caso apreCIado pelo STF teve como objeto uma dispOSIção legal que autonzava, geneneamente, uma SOCiedade de economia mIsta a criar subsidilírias; não fOI apreCIada a possibilidade de adoção de interpretação análoga para a regra da parte final do inCISO XX do ar!. 37 da Constituição, concemente à partICIpação de uma entidade da admIOIstração mdireta no capital de empresas privadas.

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32 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

7. CARACTERISTlCAS COMUNS ÀS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

Enumeramos, neste tÓpiCO, algumas das pnncipaIs características co­muns às entidades da administração indireta, eXistentes em todas as esferas da Federação (alguns dispOSItiVOS da Const!l1.l!çãO Federal, citados na lista abaiXO, não obstante estarem endereçados especificamente á União. são de observância obngatória pelos demais entes federados. por Simetria):

a) têm personalidade Jurídica prôpna;

b) têm autonomm admmistrattva e financeira;

c) têm relação de Vinculação (não de subordinação) com a admInistração direta; sUjeitam-se á tutela adnllnlstratlva da admInistração direta (controle finalístlco ou supervisão);

Em decorrênCia da mexlstêncla de hierarqma, o exercíCIO do controle finalístico pressupõe expressa preVisão legal, que determmani os limites e os instrumentos de controle (atos de tutela). Essa é a diferença fundamental entre o controle hierárqUiCO e a mera supervisão: aquele ti permanente, e a autonzação para o seu exercício decorre de forma automática da própria hierarquia, mdependentemente de expressa preVISão legal, abrangendo todos os aspectos da atuação do órgão subordinado controlado: a supervisão exi­ge lei que expressamente estabeleça o momento, os termos e os limites do exercícIO do controle.

Pode-se afirmar que. em linhas gerais. a supervisão, ou tutela, visa a assegurar que a entidade controlada esteja atuando em conformidade com os fins que a lei mstituidora lhe Impôs, esteja atuando segundo a finalidade para cUJa persecução fOI cnada - por ISSO, controle finalístico. fi um con­trole que deve se concentrar. essencialmente, na verificação do atingimento de resultados, pertinentes ao objeto da entidade.

d) suas despesas e receitas mtegram o orçamento fiscaf da pessoa políttca a que pertencem, devendo constar da leI orçamentána anual (CF, art. 165. § 5.', I);

e) sujeitam-se a fiscalização e conlrole pelo Poder LegIslalivo (CF, art. 49, X, ar!. 58, § 3.', ar!. 70, art. 71, enlre outros);

f) todos os seus atos estão sUjeitos a controle de legalidade ou legitimidade pelo Poder Judiciárto, desde que provocado (CF, art. 5.', XXXV);

g) sUJeltarnw se, sem distmção, ao controle pleno dos tribunais de contas (CF, ar!. 71 e ar!. 75);

h) slueltam~se. sem distmção, ã obrigação de contratar pessoa! efetivo mediante concurso público (CF. art. 37, [J);

Capo li! • ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 33

i) são alcançadas pela vedação à acumulação remunerada de cargos ou em­pregos públicos (CF, art. 37, XVI e XV[J);

j) sUJeltam-se â obrlgatonedade de liCItação, como regra geral, para contratação de obras, serViços, compras e alienações (CF, art. 37, XXI; LeI 8.666/1993; Lei 10.52012002); cumpre observar que leI ordinàrJa, até hoje não editada, pode estabelecer para as empresas públicas c SOCiedades de economta nHsfa que explorem alivídade econômica um regIme próprio de licItação, mais flexiveJ, sem prejuizo, contudo. da observância dos prmciplOs da adImms­tração pública (CF, ar!. 173, § 1.', Ill);

k) seus agentes, servídores públicos ou não, sUJettam-se â fel que tipifica c sancIOna os atos de improbídade admlnIstrahva (CF, art. 37, § 4.°; Lei 8.429/1992);

1) podem ser sUjeitos paSSIVOS de ação popular (CF, ar!. 5.', LXXIII; Lei 4.717/1965);

m) seus agentes, quando praticam "atos de autoridade", podem ser sujeitos paSSIVOS de mandado de segurança (CF, ar!. 5.', LXIX; Lei 12.016/2009);

o) lêm legilImidade allva para propor ação CIvil pública (LeI 7.347/1985);

o) têm responsabilidade Civil obJetiva, na modalidade rISCO admInIstrativo, pela atuação de seus agentes, nessa qualidade. que cause danos a terceuos (CF, art. 37, § 6}'); cabe ressalvar que par-J. as empresas públicas e sociedades de economIa mIsta há uma distmção: essa norma constitucional aplica~se às que prestam servIços públicos. mas não as que exploram atividades econômicas em sentido estrito.

8. ENTIDADES EM ESPÉCIE

8.1. Autarquias

As autarquias são entidades admmlstratlvas autônomas. cnadas pOl' lei específica, com personalidade Jurídica de direIto público. patnmônto próprio e atribUIções estatais detemúnadas.

A personalidade da autarquia, por ser de direIto público, inicia com a Vigência da lei que a inslitui; não cabe cogitar qualquer especle de mscrIção de atos constitutivos de autarqUIa nos registros públicos, como se eXige para que as pessoas Jurídicas de direito privado adquiram personalidade (Código Civil, art. 45).

A extinção de autarqUIas também deve ser feita diretamente por meio de lei específica (principlO da simetria das formas jurídicas),

A lei de criação e extmção de autarqUIa é de iniciauva pnvativa do chefe do Poder ExecutIvo do respeclivo ente federado. fi mister ressalvar, todaVia. que, na hipótese de criação ou extinção de uma autarqUIa vinculada ao Poder

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34 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente PaI/lo & Marcelo Alexandrino

Legislativo, ou vmculada ao Poder Judiciário, a inICiativa da [el respecLlva será do Poder correspondente, a que estIver vmculada a entidade.

As autarquias mtegram a admInistração indireta; representam uma forma de descentralização admmistrativa mediante a personificação de um serviço retIrado da adminIstração centralizada. Em regra, somente devem ser outor­gados serviços públicos lípICOS às autarqlllas, e não atividades econômicas em sentido estnto. A autarquia, portanto, deve ser cnada para atuar naqueles serviços que exijam especialização por parte do Estado, com orgamzação própna, admimstração mais àgil e pessoal especializado.

Pelo fato de as autarquias desempenharem atividades típicas da admmls­tração pública c, sobretudo, como decorrênCia da sua personalidade Jurídica de direito público, os poderes de que o Estado dispõe para O desempcnho de sua função admil1lstratlva, bem cOmO os pnviléglOs e restrições, são também outorgados pelo ordenamento Juridico as autarqUiaS.

Aponte-se, como exemplo, que a elas se aplica a imunidade tributána reci­proca aos Impostos sobre o patnmôl1Io, a renda e os serviços vinculados a suas finalidades essenciais (C}~ art. 150, § 2."). Exemplificando amda, os pnvilégios processuais da fazenda pública são estendidos ás autarquias, merecendo especIal referência o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (CPC, art. 188; LeI 9.469/1997, art. 10) e a regra geral de sUjeição ao duplo grau de Junsdição obngatór;o das sentenças a elas contránas (a sentença não produz efeito senão depois de confirmada pelo tribunal - CPC, art 475).

O patnmômo IIllc.a1 da autarquia é forn13do a partir da transferêncl8 de bens, moveis e ImóveiS, do cnte federado que a criou, os qums passam a pertencer fi nova entidade. ExtmgulI1do-se a autarqUia, todo o seu patnmõnio é remcorporado ao ativo da pessoa política a que ela pertencia. Os bens das autarqUias são considerados bens públicos, gozando dos mesmos pnviléglos atribuídos aos bens públicos em geral, corno a Imprescntibilidade (não podem ser adqUIridos mediante usucapião) e a Impenhorabilidade (não podem ser objeto de penhora, ato processual que Implica a constrição de bens do devedor a fim de garantir urna execução Judicial; a execução JudiCial contra uma autarqlIla està sUjeita ao regIme de precatónos, preVIsto no art. 100 da ConstltlIlção).

Os atos das autarqUias, em regra, são atos administrativos, sUJeitando-se ao mesmo regime jurídico aplicável áqueles promanados da admInIstração direta. Os agentes das autarquias podem praticar "atos de autoridade", passivels de controle Judicml de legalidade mediante mandado de segurança,

Há controvérsia doutrinária quanto ao regune a que deverIa estar SUjeito o pessoal das autarqUias. A maIOr parte dos admlnIstrallvIstas entende que os agentes das autarquias devem ser servidores públicos em sentido estnto, portanto SUjeitos ao regime estatutário. A razão para essa exigência seria o fato de as autarquias serem pessoas Jurídicas de direito público e desempe-

Capo lU ~ ADMINISTRACÃO PúBLICA 35

nharem, como regra, atividades típicas de Estado~ mUltas delas exercendo, lIlCluslve. poder de políCia.

E Importante enfatizar que a Constituição da República não eXige ex­pressamentc quc o pessoal das autarqUIas, ou de qUaIsquer outras pessoas Juridicas de diretto público, seja obngatonamente estatutáno. O texto ongmárlo da ConstItuição traz, no capul do art. 39, unicamente a eXigênCia de que os entes federados cstabeleçam, cada qual, um único regime Juridieo para os servidores de sua admll1lstração pública direta, das suas autarqUIas e das suas fundações públicas. Diz-se que o art. 39, caplt!, da Carta de 1988 estabeleceu a eXigênCia dc regime jurídico ünico (RJU) para os agentes da adl1lllllstração direta, autarqUias c fundações públicas de cada ente federado.

A EC 1911998 alterou completamente o capul do art. 39 da ConslitUi­ção, extlllgumdo a obngatonedade de adoção de regime Jurídico umco pelos entes federados. Com ISSO, passou a ser possivel urna mesma pessoa polítIca admItIr para os quadros funCionais de sua admmistração direta, autarquias e fundações públicas agentes estatutános (servidores públicos em sentido estn­to) e, Simultaneamente, agentes em regime de emprego público, contratual, regidos preCIpuamente pela CLT (celetistas l.

Ocorre que, em agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal declarou mconstItuclOnal, por vicIO formal, essa alteração produzida pela EC 19/1998. Dessa forma, deve ficar claro que, a partIr de agosto de 2007, voltou a vi­gorar a redação original do capltt do art. 39 da Constituição, que eXige a adoção, por parte de cada ente da Federação, de um só regime Jurídico (regime jurídico único) aplicável a todos os servidores integrantes de sua admmistração direta, autarqUIas e fundações públicas. Logo, atualmente, não mais é possível a contratação, concomitante, de servidores públicos (esta­tutanos) e de empregados públicos pela aclmmlstração direta, autarqUias e fundações públicas de nossas pessoas polítiCas.

Em qualquer caso, mdependentemente da época de admIssão e do regime de pessoal adotado, as autarquias são alcançadas pela regra constituCIOnal que eXige a realização de concurso público (CF, art, 37, lI), bem como pela vedação a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas (CF, art. 37, XVII).

A fonlla de IIlvestidura dos dingentes das autarqUias será aquela pre­vista na lei Instituidora. A competência para a nomeação, nas autarqUias federaiS, é privativa do Presidente da República, conforme o art. 84, XXV, da ConstitUIção de 1988 (slmetncamente, será do governador, nos estados e no Distrito Federal, e do prefeito, nos municípIOS).

Para a nomeação, poderá ser eXIgida préVia aprovação pelo Senado Fe­deral do nome escolhido pelo Presidente da República (CF, arL 84, XIV). Em alguns casos, a aprovação préVia pelo Senado é condição Imposta pela própna

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36 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo oS Marcefo Alexandrino

ConstItUIção Federal (por exemplo, para os cargas de presidente e diretores do Banco Central - CF, art. 52, m, "d"). Em outros, a exigência de aprovação prévia pelo Senado consta de somente leI, com fundamento no art. 52, 1Il. "f', da Carta PolítIca (é o que ocorre, atualmente, na nomeação dos dirigentes das agênCIaS rcguladoras, como a ANATEL, a ANEEL e a ANP).

Quanto aos estados, ao Distrito Federal e aos mumdpios, com base no pnncíplO da SImetria, tendo em vista o disposto no art. 52, m, "f', da Consti­tUIção Federal, está consolidado o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que são váIídas leis locaIS que subordinem a nomeação dos dirigentes de autarqUIas (ou fundações púbIícas) à prevIa aprovação do Poder Legislativo.

Diferentemente, não pode a leI estabelecer hipóteses de eXIgência de aprovação legIslatIva prévia para a exone.-ação de dirigentes de entidades da administração indireta pelo chefe do Poder Executivo (não pode, tam­pouco, a leI prever que a exoneração seja efetuada diretamente pelo Poder Legislativo). Com efeito, segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, dispOSIções legaIS com esse teor - exigência de aprovação legIslativa prévia para a exoneração de ocupantes de cargos do Poder Executivo, ou previsão de exoneração direta de taIS servidores pelo própno Poder Legislativo - são InCOnstitucIOnaIS, por ofensa ao princípio da separação dos Poderes.

As autarquias federais, nos litígios comuns, sendo autoras, rés, assIstentes ou opoentes, têm suas causas processadas e julgadas na Justiça Federal (CF, art. 109, I). Os mandados de segurança contra atos coatores praticados por agentes autárquicos federaiS também são processados e julgados na JustIça Federal (CF, art. 109, VIlI). Quanto às autarqUIas estaduais e municipais, as causas de que partiCIpem são processadas e julgadas na JustIça Estadual, assim como o são os mandados de segurança impetrados contra atos coatores de seus agentes.

No que conceme ás lides envolvendo pessoal. caso se trate de servidores públicos estatutários federais, os litígIOS funcíonaís entre os servidores e a autarquIa federal serão processados e julgados pela JustIça Federal; se forem servidores públicos estatutános de autarquia estadual ou municipal, as lides funcionats serão processadas e julgadas na Justiça Estadual.

São exemplos de autarqUIas: Banco Central do Brasil (BACEN); Instituto Nacional do Seguro SOCIal (INSS); Instituto NaCIonal de ColOnIzação e Reforma Agrária (INCRA); ComIssão de Valores MobiliárIOS (CVM); Instituto Brasileiro do MelO AmbIente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

8.1.1, Autarquias sob regime espeCial, autarquias fundacionais e assoc/Oções públicas

É mteressante registrar que, embora isso não estivesse previsto no Decreto-lei 200/1967, tampouco o esteja na Carta PolítIca de 1988, nossa

Capo 111 • ADMINISTRAÇÃO PÚBUCA 37

junsprudêncIa e, também, nosso ordenamenlo pOSItIVO InfraconstItuclOnal têm adotado a concepção de que "autarqUIa" representa um "gênero" de entida­de administrativa, subdividido em "especles", tendo em vista determinadas características que as partIcularIzam.

Essa construção junsprudencial e legal Impõe que, atualmente, identifi­quemos as segumtes "espéc~e~"~ ou subdivIsõe~~ do "gêne.ro" autar~U1~: (a) autarquia "comum" ou "ordmana"; (b) autarqUIa "sob regIme especIal; (c) autarquia fundacional; e (d) assocIação pública.

Adotando essa classificação, tem-se que a autarqUIa "comum" ou "or­dinárIa" é aquela que não apresenta nenhuma peculiaridade, enquadrando-se exclusivamente no regime jurídico previsto no Decreto-lei 200/1967 (vale lembrar que o Decreto-lei 200/1967 só se aplica ás autarquias federais; as de outras esferas seriam ucomuns" ou '<ordinárIas" quando sujeitas exc1usíva­mente, sem partIcularidades, ao regIme geral que o respectIvo ente federado estabeleça para as suas entidades da admmistração indireta).

AutarqUIa "sob regime especial" é expressão empregada pela doutrma e pelas leis para se referirem a qualquer autarquIa cujo regime jurídico apresente alguma peculiaridade, quando comparado com o regime jurídico "geral''. ou "comum", ou "ordinárIO" prevIsto no Decreto-lei 20011967 (feita a mesma ressalva, posta no parágrafo anterior, quanto ao fato de o Decreto-lei 200!l967 somente ser endereçado à esfera federa!). Não existe um "regIme espeCIal" específico, definido. aplicável a todas as autarqUIas que recebam essa qualificação: as partIcularidades consideradas "regIme especial" variam sobremaneIra, dependendo do que dispuser a leI instituidora da autarqUIa.

De um modo geral, as "autarqUIas sob regime especial" têm previstos nas leis instituidoras (federaIS, estaduaIS, distrItais ou municipais) determinados Instrumentos aptos a confenr-Ihes maior autonomia do que as autarqUIas "comuns", a exemplo da eXIgência de aprovação legIslativa prévia para a nomeação de seus dirigentes, do estabelectmento de mandato por prazo deter­mmado para seus dirigentes, da preVIsão de que suas deCIsões proferidas em processos administratIVos são definilIvas na esfera admInIstratIva, não cabendo recurso ao ministério supervIsor (ou órgão equivalente l, entre outros.

São exemplos de autarqUIas sob regIme especial o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Universidade de São Paulo (USP1. Conforme será visto adiante, as agências regu1adonls federaIS (ANATEL, ANEEL, ANP, ANA, ANTT, ANAC etc.) têm sido, todas elas, InstItuidas como "autarqutas sob regIme especial", exatamente em razão da intenção do legislador de conferir-lhes maior autonomia perante o Poder ExecutIvo, quando comparadas às demais autarquias, sUjeItas aO "regIme geral" do Decreto-lei 20011 967.

Autarquia fundaCIOnal é, simplesmente, uma fundação pública InstItuída diretamente por lei específica, com personalidade jurídica de direIto público.

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38 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A ngor, a distmção entre "autarqUia" e "fundação pública com personalidade jurídica de direito público" é meramente conceitual: autarquias costumam ser definidas como um serviço público personificado, em regra, típiCO de Estado; fundações públicas são, por definição, um patrimônio personalizado destinado a uma finalidade específica, usualmente de interesse SOCiaL De todo modo, o regime jurídico a que se sUjeitam é o mesmo, ISto é, não há diferenças, a prlOri, atreladas á forma jurídica da entidade; se houver peculiaridades, serão as definidas na respectiva lei instituidora, tão somente. Aliás, registramos que é mdiferente utilizar a expressão "autarquia fundaclOnal" ou "fundação autár­qUIca" para nos refenrmos às fundações públicas com personalidade juridica de direIto público (as quais são espécie do "gênero autarquIa", repita-se).

Por fim, mais recentemente, surgIU em nosSO direIto pOSitivo a figura das "assocIações públicas", expressamente descrItas como uma espéCIe de autarquIa. Com efeito, nos literais termos do mciso IV do art. 41 do Código Civil, "são pessoas Juridicas de direito público mtemo as autarqUIas, Inclusive as associações públicas". Os consorclOs públicos, espéCie de pessoas jurídicas disciplinada na Lei 11.107/2005, que serão estudados adiante, em Item es­pecífico, podem ser constituídos sob a forma de associações públicas. Nesse caso, o consórcIO público será uma autarquia mtegrante, simultaneamente, da admullstração mdireta de maIS de um ente federado, figura que a doutrina tem chamado de autarquia "interfederatIva" ou "multifederada".

8.1.2. AgênCias executivas e agências reguladoras

Para conclUlrmos o estudo das autarquias, é relevante, ainda, examinar duas figuras a elas relacionadas, mUIto embora, como veremos, não se trate de outras ((espécies" de autarquías, menos ainda de "novas categorias" de entidades da adminIstração mdireta. São elas as "agênCIaS reguladoras" e as "agencias executivas",

A expressão "agênCias reguladoras" consagrou-se em nosso direito legIslado, em nossa doutnna e em nossa junsprudência, sendo utilizada para descrever pessoas jurídicas administrativas - na esfera federal, todas as "agênCIaS reguladoras" têm SIdo criadas como "autarqUIas sob regime especial" - cujo objeto seja a regulação de determinado setor econômico, Incluidos os serviços públicos em sentido estrito.

Tais entidades têm atríbUlções técnicas, que idealmente devem ser exer­cidas sem interferências políticas por parte do ente federado a que estejam vmculadas administrativamente. Por essa razão, costumam elas receber das suas leiS Instituidoras certos instrumentos aptos a assegurar um relattvo grau de autonomia ante o Poder Executivo, no intuito de transmitir aos IOvestidores pnvados, sobretudo aos estrangeiros, a mensagem de que eles poderão contar

Cap.lII. ADMINIS,TRAÇÃO PUBLICA 39

I com uma estabilidade razoável dos "marcos regulatános" delineados para os diversos setores de nossa economia (em sentido amplo).

Deve-se frisar que não ha, na ConstituIção de 1988, qualquer norma que determine que a atividade de regulação deva obrigatonamente ser exercida por autarqll1as; aliás, a Carta PolílIca nem mesmo contem em seu texto, literalmente, a expressão "agênCias reguladoras".

Entretanto, repita-se, na esfera federal, todas as "agênCIaS reguladoras" têm sido cnadas como "autarqUIas sob regime especial": em muitos estados vem sendo adotado o mesmo padrão, e também em mumcíplos, pelo menos nos matOres. Os pnnclpals motIvos dessa opção são singelos, a saber:

a) a natureza das atIvidades atribuídas às agências reguladoras. que só podem ser desem{Jenhadas por pessoas Jurídicas de direito público, uma vez que envolvem amplo exerciclo de poder de poliCia. edição de atos nonnatlvos, solução admimstratIva de litígiOS entre as partes atuantes no setor regulado. e entre estas e a prôpna agêncía, além de outras competênCias típIcas do poder público;

b) o modelo que se pretendeu adotar - caracterizado pela preocupação em sinalizar ao setor pnvado que a atuação da agênCIa será técnica e Imparcial. Imune a mterferêncms polítícas. eleiloretras. demagógicas. ou quaisquer outras estranhas aos mteresses das partes envolvidas no setor regulado - dificilmente sena viável. ou teria credibilidade, se a atividade de regulação fosse exercida por um órgão da admInIstração direta. lllerarqmcamente subordinado aos órgãos de cupula do Poder Execuhvo~ tradiCionalmente patrocinadores dos interesses dos mais variados grupos de poder atuantes em nosso melO político.

Convém mencionar que não eXIste uma "lei geral das agênCIaS regula­doras", tampouco, sequer, uma definIção legal de "agênCia reguladora". Os autores, em ViSta da heterogeneidade de aspectos que elas apresentam, costu­mam apontar as caracteristlcas mais frequentemente observadas nas principais agênCIas, conquanto sua presença não seja sempre obngatóna e o grau em que aparecem seja bastante variável. De um modo geral, podemos apontar como características comuns às agênCias reguladoras atuais, sobretudo às federais, as segumtes:

a) exercem função regulatórm relaCIOnada a serviços públicos e a atlVidades econômicas em sentido amplo; ,

b) contam com Instrumentos. previstos em lei. que asseguram razoãvel auto­nom1a perante o Poder Executivo;

c) possuem um amplo poder nom1aUVO no que conceme as areas de sua competência; e

d) submetem-se, como todas as entidades mtegrantes da administração pública, aos controles judicial e legls{atlvo. sem qualquer peculiaridade.

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40 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente PÇ1ulo & Marcelo Alexandrino

Amda generalizando, é possivel enumerar como os mais importantes ms­trumentos legais utilizados com o fim de ampliar a autonomia administrativa das agências reguladoras, especialmente as federais (regra geral):

a) nomeação de seus dirigentes sUjeita a aprovação legislativa prévia (na esfera federal, tal competência é do Senado, com base no art. 52, IH, "P', da Consl:!tulção);

b) nomeação de seus dingentes para o exercícIO de mandatos fixos (em regra, somente perderão o mandato em caso de renunCIa, de condenação Judicial transItada em Julgado ou de processo admmistrattvo discipHnar);

c} seus dingcntes sUJeltamwse a "quarentena" quando deixam seus cargos, sig­nifica dizer, os ex~díngentes são proibidos, durante certo prazo~ de exercer atividades em empresas pnvadas que atuem no setor regulado pela agêncIa em que trabalhavam;

d) as decIsões adminIstratIvas da agêncIa, nas matérias técnIcas de sua com­petência. não se sUJettam~ em regra. a revIsão pela administração direta (inaplícabilidade do denommado recurso hlenirqutco Impróprio J; e

e) celebração de contrato de gestão (somente algumas delas).

Enfim, embora entendamos que não seja possivef estabelecer, atualmente, uma definição jurídica segura de "agência reguladora", propomos o seguinte conceito, aplicável a grande parte das agências reguladoras brasileiras hoje extstentes: trata-se de entidades admmistrativas com alto grau de especia­lização técnica, integrantes da estrutura formal da admInistração pública, mstituidas como autarquias sob regime especial, com a função de regular um setor específico de atividade econômica ou um determmado serviço público, ou de intervir em certas relações Jurídicas decorrentes dessas atí­vidades, que devem atuar com a maior autonomia possível relativamente ao Poder Executivo e com imparcialidade perante as partes mteressadas (Estado, setores regulados e sociedade).

A segunda expressão - "agências executivas" - não se refere a uma espécie de entidade. Trata-se, Simplesmente, de uma qualificação que poderá ser conferida pelo poder público ás autarquias em geral (e também ás fun­dações públicas) que com ele celebrem o contrato de gestão a que se refere o § 8.° do art. 37 da Constituição Federal, e atendam aos demais requisitos fixados pela LeI 9.64911 998.

Genencamente. os referídos contratos de gestão são celebrados entre o poder público e entidades da administração indireta (ou órgãos da adminis­tração direta) possibilitando a ampliação de sua autonomia gerencial, orça­mentána e financeira - sem prejuízo do controle finalistico, previsto em lei, a que se sujeitam todas as entidades da admmistração mdireta. Têm eles por objeto a fixação de metas de desempenho para a entidade, a qual se compro-

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Capo li! .. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 41

mele a cumpn-Ias, nos prazos estlpulados, fazendo JUs, em contrapartida, à mencionada ampliação de autonomia. O atmglmento das metas estabelecidas será aferído pelo poder público segundo critérios objetivos de avaliação de desempenho descritos no próprIo contrato de gestão.

Especificamente, quando o contrato de gestão de que trata o § 8.° do art. 37 da Constituição for firmado entre o poder público e uma autarqUIa (ou uma fundação pública), ela poderá ser qualificada como agência executiva. Com efeIto, estabelece o art. 51 da Lei 9.649/1998:

Art. 51. O Poder Executivo poder. qualificar como AgênCia ExecutIva a autarqUia ou fundação que tenha cumprido os seguintes reqUIsitos:

I - ter um plano estratégiCO de reestruturação e de desenvol~ VJrnento ínslltuclOnal em andamento;

II - ter celebrado Contrato de Gestão com o respectivo Mí~ msteno supervisor.

o contrato de gestão a ser firmado para que a autarquia ou fundação pública possa ser qualificada como agênCIa executiva deverá conter, entre outras, cláusulas que disponham sobre: (a) a definição das metas a serem atingidas, os prazos de consecução, os mdicadores de desempenho e critérios de avaliação do cumprimento das metas; (b) a compatibilidade dos planos de ação anuais com o orçamento da entidade; (c) as medidas legais e ad­ministrativas a serem adotadas para assegurar maior autonomia de gestão orçamentárIa, financeira, operacIOnal e administrativa e para assegurar a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros Imprescindíveis ao cumprImento dos obJetiVOs e metas; (d) as penalidades aplicáveis em caso de descumprImento das metas; (e) as condições para revisão, renovação e rescisão; Cf) a vigência do contrato.

Após a celebração do contrato de gestão, o reconhecimento como agência executiva é feito por decreto. Conforme acima explicado, essa qualificação Implica o reconhecimento de um regime juridico especial, que confere trata­mento diferenciado á autarqUia (ou â fundação pública), sobretudo quanto à autonomia de gestão. Caso a entidade descumpra os requiSitos e exigências previstos na lei e no contrato de gestão, poderá ocorrer sua desqualificação, também mediante decreto, caso em que ela, simplesmente, deixará de ser uma agênCia executiva, sem sofrer, entretanto, qualquer alteração na sua condição de autarquia (ou de fundação pública), ou nas suas competênCIaS e finalidades.

O contrato de gestão terá a duração mini ma de um ano, admitida, em caráter excepcIOnal, a revisão, devidamente justificada, de suas disposições,

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bem como a sua renovação. Por ocasião do tenno final do contrato de gestão, sera realizada, pelo poder público, avaliação conclUSiva sobre os resultados alcançados. sendo necessária a aprovação nessa avaliação para que possa haver a renovação do contrato e, portanto, a pennanência da qualificação da entidade como agência executiva.

Vale regIstrar que, além das disposIções legaIs constantes dos arts. 51 e 52 da Lei 9.649/1998, regulamentam diversos aspectos concernentes âs agênCIas executIvas o Decreto 2.48711998 e o Decreto 2.48811998.

O quadro abaixo Sintetiza as pnnclpais diferenças e semelhanças entre as agênCias reguladoras e as agências executivas.

AGENCIAS REGULADORAS AGENCIAS EXECUTIVAS

Não se trata de uma nova espéCIe de Não se Irata de uma nova especle de entidade mtegrante da administração pública entidade mtegrante da adminIstração pública IOdireta. mdireta.

São autarquIas sob regIme especial. Podem ser autarquIas ou fundações públlcas,

Trata~se de denomInação utilizada pela Trata-se de qualificação formal, prevIsta na doulrina e em leIs administrativas. LeI 9.64911998, arts. 51 e 52.

Não é uma qualificação formal. atribuída A qualificação formal como "agêncra por algum ata adminIstrativo. com executiva~ tem consequênclas lurídicas consequênclas luridicas definidas. O grau definidas (ampliaçâo de autonomIa) e é de autonomia da entidade depende dos conferida à autarqUIa ou ã fundação pública Instrumentos especificas que a respeclíva mediante decreto. lei instituidora estabeleça.

Não existe a figura da "desqualificação" de Pode ocorrer a desqualificação da entidade, agênCIa reguladora. mediante decreto. caso ela descumpra

eXigênCias estabelecidas. na legislação ou no contraIo de gestão. A desqualificação em nada afela a natureza da enUdade, que continua sendo a mesma autarqUIa ou fundação pública.

Atuam especificamente na área de Não e prevlsla alguma area especifica de regulação, atuação.

Pode, ou não, haver norma, na lei A celebração de contrato de gestão com o Inslituidora, Impondo a celebraç~o de poder publico é condição obngalõna para a conlrato de gestão com o poder públíca. oblenção da qualificação. EXlge~se, ainda,

que a entidade tenha um plano eslratéglco de reestruturação e de desenvolVimento InstitUCional em andamento.

É passlvel uma agêncía reguladora ser Uma autarqUia qualificada como agênCia qualificada como agênCIa executiva, caso executiva pode, ou não. ser uma agencIa preencha os reqUIsitos legais e requeIra a reguladora. qualificação.

Capo UI • ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 43

8.2. Fundações públicas

As fundações, no âmbito do direIto privado - no qual tiveram sua origem -, são definidas corno a personificação de um patnmônio ao qual é atribuída uma finalidade específica não lucratIva, de cunho sociaL A mstitui­ção de uma fundação privada resulta da miciativa de um particular, pessoa fislca ou Jurídica, que destaca de seu patrimômo determmados bens, os quais adqUirem personalidade jurídica para a atuação na persecução dos fins sociaIS definidos no respectIvo estatuto.

Identificamos, portanto, três elementos essenCiaIS no conceito de fim­dação: (al a figura do instituidor, que faz a dotação patnmonial, ou seja. separa um determInado patrimônio para destiná-lo a uma finalidade es­pecífica; (b) o objeto consistente em atividades de interesse social; (C) a ausênCia de fins lucratIvos.

Trazidas muito maIS tarde para a esfera do direito público, as funda­ções mantiveram, conceitualmente, esses mesmos elementos. Com efeito, as fundações públicas são patrimômo público personificado em que a figura do mstituidor é uma pessoa política; esta faz a dotação patrimomal e des­tina recursos orçamentános para a manutenção da entidade. Conquanto não eXIsta regra constituCIOnal expressa que o determine, o objeto das fundações públicas deve ser uma atividade de Interesse social - evidentemente exercida sem intuito de lucro -, tal qual educação, saúde, assIstênCia social, pesqUIsa CIentífica, proteção do meio ambiente.

Atualmente é mcontroverso que as fundações públicas integram fonnalmente a adminIstração pública brasileIra. São elas uma das quatro categonas de entida­des que compõem a admimstração indireta, conforme se extrai claramente, entre outros, do art. 37, XIX, da Constituição de 1988 (o capul desse artIgo expliclta que suas normas aplicam-se â "administração pública direta e indireta").

Cumpre registrar que a Carta política de 1988 trouxe em seu texto Inúmeras referênCias às fundações públicas, confermdo-Ihes mUltos dos pnviléglOs própnos das entidades de direito público, emparelhando-as com as autarquias em diversos dispositiVOS. Em razão do tratamento dado pelo constItuinte originário às fundações públicas, a doutrina admmlstrativista de então, majOrItanamente. passou a propugnar o reconheCImento de personali­dade de direito público a essas entidades, indistintamente.

A EC 1911998. porém. introduziu alterações importantes em detenninadas regras constitucionaIS concernentes às fundações públicas. sendo muito sigm­ficatlva a modificação do art. 37, XIX, que diSCiplina a criação de entidades da administração indireta, em todas as esferas da Federação.

Com efeito, pela redação que lhe deu a EC 19/1998, o inciso XIX do art. 37 passou a estabelecer duas fonnas distintas de instituição de entidades da

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44 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcelo Alexf3ndrino

admmlstração mdireta: (a) cnação diretamente efetuada pela edição de uma lei especifica; e (b) mera autorização dada em lei específica para cnação da entidade. devendo o Poder ExecutIvo elaborar os seus atos constitutivos e providenCiar a mscnção no regIstro competente a fim de que ela adquira personalidade. À'

pnmelra forma de criação está expressamente prevIsta só para as autarqUIas; a segunda é. literalmente. a slstemáltca aplicável ás demaIs entidades.

Como se vê. o incIso XIX do art. 37 da Constituição. desde 1998. só prevê a mstituição de fundações públicas segundo o mecanismo próprio de criação de pessoas pnvadas, Por ISSO, elas são tratadas, nesse disposihvo. em conjunto com as empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades mcontroversamente dotadas de personalidade Juridica de direito pnvado.

Não obstante essa trrefutávcl constatação, nossa doutrina majoritária e nossa JurisprudêncIa, mcluslve a do Supremo Tribunal Federal, firmaram-se pela possibilidade de as fundações públicas serem mslituidas ou com per­s,onalidade jur!dica de direito pnvado - caso em que estará sendo aplicado lIteralmente o que prevê o mciso XIX do art. 37 -, ou com personalidade Juridica de direIto público,

Nessa segunda hipótese - não prevIsta no texto constttucional -, a fun­dação pública serà cnada diretamente pela iei específica, adquirirá personali­dade jurídica com a sImples vigência da lei mstituidora. MaIs precisamente. o poder público terá cnado uma espéCIe de autarquia, uma vez que o texto constttuclonal é claro ao estatuIr que entidades da admmistração indireta criadas diretamente pela edição de uma leI específica são autarquias,

Vale ressaltar: a despeIto da inexistênCIa de preVIsão constItucional ex­pressa, é legítIma a instituição de fundações públicas com personalidade de dIreto público, porém taIS entidades nada maIS são do que espécie de autar­quias, as denommadas "fundações autárqUIcas" ou "autarqUias fundaclOnais", Seu regIme jurídico é idêntico ao das autarqUIas,

É mUIto relevante enfaltzar, todavia. que a Constituição Federal não faz, nem antes, nem depOIs da EC 1911998, distmção em seu texto entre fundações públtcas com personalidade Juridica de direito privado e fundações públicas COm personaltdade jurídica de direito público. Por essa razão, todas as dis­posIções constItucionaIs que se referem a fundações públicas alcançam toda e qualquer fundação pública, não importa a natureza de sua personalidade Jurídica, tampouco a expressão empregada no texto constitucional.

E o que se verifica, por exemplo. no caso da imunidade tributária reCÍ­proca, que o § 2.° do art. 150 da Carta Política estende ás autarquias e ás "fundações mslttuídas e mantidas pelo Poder Público",

À partIr da EC 19/1998, o incIso XIX do art. 37 da Constituição passou a prever, em sua parte final, que lei complementar estabeleça as áreas em

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Cap.llI .. ADMINISTRAÇÁO PUBLICA 45

que poderão atuar as fundações públicas, Trata-se de regra aplicável tanto ás "fundações públicas de direito público" quanto as "fundações públicas de direito privado" Essa lei complementar até hOje não fOI editada, Pro­vavelmente, quando o for. será encampada a lição da doutrina, segundo a qual as fundações públicas devem atuar em areas de mteresse social, por exemplo, educação, saúde. assistênCIa SOCIal. pesquisa científica. proteção do meio ambiente.

Quanto ao regimeJuridico aplicável,já foi VIStO que as fundações públicas com personalidade jurídica de direito público, por serem, sImplesmente. uma "espécIe do gênero autarqUIa", estão SUjeItas ao regIme jurídico das autarquias. vale dizer, regime de direIto público. com todas as prerrogattvas e restrições que o caracterizam.

A situação das fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado, diferentemente, não é bem definida. SUjeitam-se elas a um regime híbrido, isto é, são em parte reguladas por normas de dirello pnva­do e em parte regaladas por normas de direito público. como, aliás, ocorre com todas as entidades da admil1lstração indireta que ostentam personalidade jurídica de direito pnvado.

O problema específico das "fundações públicas de direIto privado" é que, conforme foi antes exposto, múmeras regras conslttucionats têm como destinatánas as autarquias e as fundações públicas, conjuntamente, Todas essas normas aplicam-se a qualquer fundação pública, não importa a natureza de sua personalidade juridica, seja qual for o termo empregado no dispOSItivo constttucionaL

Dificultando ainda mais a distinção de regIme Jurídico enlre as "fundações públicas de direito pnvado" e as "fundações públicas de direIto público", existem diversas leis que veiculam regras de direIto público endereçadas as autarqUIas e ás fundações públicas, de forma englobada e mdistinta (às vezes. empregam o vocábulo "fundações", simplesmente, sem sequer explicitar o adjetivo "públicas"), Tais regras legais alcançam. em prmciplO, todas as fun­dações públicas, a menos que seu conteÚdo seja patentemente incompatível com a personalidade juridica de direIto prIvado.

Não obstante esses percalços. é possível apontar. exemplificatlvamente, algumas caracteristlcas próprias das "fundações públicas de direIto pnva­do", que as distinguem das "fundações públicas de direito público": (a) só adqUIrem personalidade Juridica com a inscrição dos seus atos constttutivos no registro público competente; (b) não podem desempenhar atividades que exijam o exerCÍcio de poder de império, especialmente a práltca de atos autoexecutórios em geral e de atos pertmentes ao poder de políCIa, como a aplicação de multas e outras sanções aos partIculares; (c) seus bens não se enquadram como bens públicos; (dl não estão SUjeItas ao regIme de precató-

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fiOS Judiciais, previsto no arl. 100 da ConstItuição; (e) não podem ser sUjeito atIvo em relações Jurídicas tributárias.

Tendo em conta todos os pontos até aqUi expostos, a segumte definição pode ser proposta, genericamente, para a pessoa administratIva fundação pública: entidade da admtnlstração indireta instItuída pelo poder público mediante a personificação de um patrimônio que, dependendo da forma de cnação, adqUire personalidade jurídica de direito público ou personalidade Jurídica de direito privado, á qual a lei atríbui competências admmistra­Itvas especificas, observadas as áreas de atuação a serem definidas em lei complementar (a vocação teónca das fundações públicas são atividades de mteresse soctal).

Por fim, cabe ressaltar que as fundações públicas, independentemente de sua personalidade jurídica, não estão sujeItas á disposIção do Código Civil segundo a qual "velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde SItuadas" (arl. 66). Essa regra, que atribui ao Ministéno Público a função de um verdadeiro "curador" das fundações, só se apli­ca às fundações pnvadas, mstItuidas pela lOíclativa privada. O controle ordinário a que se sujeItam as fundações públicas e o mesmo que mcide sobre todas as entidades da admmistração Indireta, o controle finalístlco ou de tutela, realizado pela administração direta, conforme anterIormente estudado. O que o Mimstério Público faz relattVamente às fundações pú­blicas e um controle Igual ao que ele exerce sobre toda a admimstração pública, direta e mdireta, quando se verificam suspeitas ou indíCIOS de irregularidades. Não se trata de "velar" pelas fundações públicas, como se fosse um ·'curador't

São exemplos de fundações públicas: Fundação Nacional do Índio; Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Fundação NaCIOnal da Saude; Conselho Nacional de DesenvolVImento Científico e Tecnológico; Fundação Escola de Admtnlstração Pública.

8.3. Empresas públicas e sociedades de economia mista

As empresas públicas e as sociedades de economia mista constam do Decreto-lei 200/1967 como integrantes da admimstração indireta federal desde a edição desse ato normativo. Nele, ambas são descritas como pessoas Jurídi­cas de direito pnvado cnadas pelo Estado como instrumento de sua atuação no domíniO econômiCO, ou seja, foram elas origmalmente concebidas para funcionar como braços do denominado Estado-empresário.

Tomando por base as definições estabelecidas no Decreto-lei 200/1 967 -as quaIS, a partIr da Constituição de 1988, podem ser estendidas a todas as esferas da Federação -, podemos conceItuar empresas públicas como pessoas

Cap.lII. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 47

uridicas de direito pnvado, mtegrantes da adminIstração mdireta, mstituídas ~e10 poder público, mediante autonzação de lei específica, sob qua~quer forma jurídica e com capital exclUSivamente públIco, para a exploraçao de atIvidades econõmicas ou para a prestação de serviços públicos.

De outra parte, é possível definir sociedades de economia mista como pessoas Jurídicas de dir~"to pnvado, integrantes ~a admmlstraç~o mdireta, Instituídas pelo poder pubhco, medIante autonzaçao de lei espeCifica, sob a forma de sociedade anônima, com partIcipação obngatória de capItal privado e público, sendo da pessoa política tnstItuidora ou de entidade da respectiva admmlstração mdireta o controle acionário, para a exploração dc atIVIdades econômicas ou para a prestação de servIços públicos.

As segumtes observações são oportunas:

a) todas as empresas públicas e SOCIedades de economIa mIsta são pessoas Juridícas de direito pnvado. integrantes da adminIstração pública tndi­reta;

b) as empresas públicas e socledacles de economia mIsta, conforme o seu objeto, di videm-se em: b. L exploradoras de atlvjdades econôm1cas; b.2. prestadoras de servIços públicos;

c) as entidades descntas no Item b.l enquadram-se no art. 173 da ConstitUI­ção Federa!. sendo a sua atividade regida predommantemente peto direito privado;

d) as entidades descntas no llem b.2 enquadram-se no art, 175 da Constitui­ção Federal. sendo a sua atividade regida predommantemente pelo direIto público;

e) os controles admimstratlvos a que elas estão sUjeitas (que decorrem de regras de direito público) são os mesmos, em qualquer caso.

Cabe lembrar que a exploração direta de attvidade econômica pelo Estado não fi livre, tem caráter excepcional. Com efeito, a atuação do poder público como Estado"empresáno só é admIssivel "quando necessária aos Imperativos da segurança naCIOnal ou a relevante interesse coletiVO, confonne definidos em lei" (CF, art. 173, capul), e no caso de atlvidades econômIcas sujeitas a regime constItucional de monopólio (CF, arl. 177). Logo, somente nessas hipóteses podera ser cnada empresa pública ou socledade de economia mista exploradora de atIvidade econômIca em sentido estrito.

De outra parte, se a hipótese for de criaçãO de urna empresa pública ou SOCiedade de economia mista prestadora de serviços públicos, seu objeto, teOrIcamente, só podera ser um serviço público que tenha natureza de atlvi-

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dade econômica em sentido amplo (os serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal).

São exemplos de empresas públicas: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT); Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO); Caixa Econômica Federal (CEF).

São exemplos notórios de SOCIedades de economia mista o Banco do Brasil S.A. e a PETROBRAS S.A.

Consideramos oportuno menCionar que há autores (e também algumas leis) que utilizam a expressão genénca "empresas estatais", normalmente inclumdo em seu âmbito todas as empresas públicas e sociedades de economia mista, as respectivas subsidiánas e as demais empresas controladas direta ou !Odiretamente pelo poder público. Não se trata, contudo, de expressão bem definida Juridicamente. A nosso ver, é expressão que deve ser evitada, tendo em conta a imprecisão de seu conteúdo.

A criação de empresas públicas e sociedades de economia mista depende de autorização em lei específica, nos termos do art. 37, XIX. da ConstitUição Federal, com a redação dada pela EC 19/1998.

Uma vez autorizada a CrIação, o Poder Executivo elabora os atos consti­tutiVOS e providencia sua mscnção no registro público competente. A cnação da entidade, ou seja, a aquisição da personalidade jurídica, somente ocorre com o registro.

Na esfera federal, a lei específica que autorize a cnação de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista deve ser de imciativa privativa do Presidente da República, em face do disposto no art. 61, § l.0, lI, "e", da Carta da República. Essa regra - reserva de míclattva para o projeto de leI acerca da cnação da entidade vmculada ao Poder ExeculJvo - é aplicável também aos estados, ao Distrito Federal e aos municípIOS, adequando-se a iniciativa pnvativa, conforme o caso, ao governador e ao prefeito.

A extinção de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista é feita pelo Poder Executivo, mas dependera, também, de lei autonza­dora específica, em respeito ao pnnciplO da simetna das formas juridicas. A miclatlva dessa leI é, igualmente, pnvatlva do chefe do Poder Executivo.

A criação de subsidiárias pelas empresas públicas e sociedades de eco­nomia mIsta, bem como sua participação em empresas privadas, depende de autorização legislativa (CF. art. 37, XX). No julgamento da ADI l.649/DF, o Supremo Tribunal Federal deixou assente que "é dispensável a autorização legislativa para a criação de empresas subsidiánas, desde que haja preVisão para esse fim na própria lei que mstituiu a empresa de economia mista matnz, tendo em vista que a lei cnadora é a própna medida autonzadora".

Cap_ 111 • ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 49

Por outras palavras, a Corte MáXima afastou a necessidade de que fosse editada uma lei a cada vez que se pretendesse criar uma subsidiána de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista, considerando su­fiCiente a existênCIa de um dispOSitivo genénco, na própna lei que autonzou a mstitulção da entidade, facultando a criação de subsidiánas desta.

O regime Jurídico das empresas públicas e SOCIedades de economia e determtnado, em larga medida, pela natureza de seu objeto, de suas atIvi-

dades-fim. Como essas entidades sempre mtegram a admmistração pública, é certo

que nunca serão mtegralmente regidas pelo direito pnvado. Entretanto, é correto asseverar que as empresas públicas e SOCiedades de economia mista que atuam na exploração de atividades econômicas (de produção ou c':­mercialização de bens ou de prestação de serviços de natureza pnvada) sao as entidades que, embora mtegrantes da administração pública em sentido formal, mais se aproximam das pessoas pnvadas. Somente se submetem a preceitos de direito público expressos no prÓprio texto constitucional, ou em leIS administrativas, desde que, nesse caso. sejam denvados de normas constitucionaiS explícitas ou implíCitas.

As empresas públicas e sociedades de economia m1sta prestadoras de serviços públicos, embora sejam, também, pessoas Juridicas de direito privado, estão sUjeitas a diversas regras e pnnciplOs de direito público. espeCIalmente como decorrênCia do postulado da contmuidade dos serviços públicos.

Ressalte-se, porém, que, mdependentemente da atividade, os controles a que essas entidades se submetem são os mesmos, e decorrem de normas de direito público, uma vez que. formalmente, todas as empresas públicas e SOCiedades de economia mista são integrantes da admmlstração pública brasileira.

O controle exercido pelo Poder Executivo - tendo em vista a mexlstêncla de luerarqUla entre a admmistração direta e as entidades da admlfl1stração mdireta - não apresenta peculiaridades: trata-se do denommado controle fi­na!ístico, ou tutela administrativa, ou supervisãO, o qual deve ser exercido nos termos e limites estabelecidos expressamente em lei, Visando a assegurar, essencialmente, que a entidade controlada esteja atuando em conformidade com os fins Impostos peja lei que autorÍzou a sua cnação.

Quanto aos controles exercidos pelo Poder Judiciário e pejo Poder LegiS­lativo, não há peculiaridades. É interessante mencionar, acerca dos controles exercidos pelos tribunais de contas, que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que estão SUjeitas a todos eles, !Oclusive ã denominada "tomada de contas es­pectal". quaisquer empresas públicas e sociedades de economia mista, mesmo as exploradoras de atividades econômicas (MS 25.092IDF e 25.l81IDF).

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50 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO ~ Vicente Paufo & Marcelo Alexandrino

o § LO do art. 173 da ConstItUição Federal, com a redação dada pela EC 19/1998, prevê a edição de um estatuto para disciplinar, quanto a seus aspectos gerais, o regIme jurídico, a estrutura e o funcIOnamento das em­presas públicas e socIedades de economIa mIsta exploradoras de atividades econômicas. Esse estatuto deverá ser uma leI (ordinária) de caráter nacional, IStO é, editada pela União e obngatóna para todos os entes federados. É a segumte a redação do dispositivo constItucIonal:

§ LO A lei estabelecerá o estatuto Jurídico da empresa pública. da socIedade de economia mista e de suas subsidiánas que expiarem atIvidade econômica de produç.ão ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. dispondo sobre:

I - sua função social e fonuas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

11 - a sUjelção ao regime Jurídico prôprio das empresas pnvadas, mcJuslve quanto aos direitos e obngações civis, cOmerCiaiS, trabalhistas e tributános;

111 - liCItação e contratação de obras. servIços, compras e alie~ nações. observados os pnncípIOs da admInistração pública;

IV - a constitUição e o funcIonamento dos conselhos de admInIS­tração e fiscal. com a partiCIpação de aClOmstas minorltános;

V - os mandatos. a avaliação de desempenho e a responsabi­lidade dos adminIstradores.

Como se vê, o § 1.0 do art. 173 da Constituição aplica-se as empresas públicas e sociedades de economia mista:

a) «que explorem attvidade econômica de produção ou comerc13lização de bens"; e

b) "que explorem attvidade econômica de prestação de servIços".

É Importante frisar que os "serviços" acima referidos são os de na­tureza pnvada, que representem atividade econômIca em sentido estnto, não enquadrados como "servIços públicos", evidentemente, uma vez que todo o art. 173 refere-se á atuação do Estado no dominlo econômico em sentido eslnto.

Na supratranscrita enumeração de matérias que o estatuto das empresas públicas e sociedades de economta mista exploradoras de atIvidades econômi­cas deverá diSCiplinar, merece atenção a sujeição dessas entidades ao regime próprio das empresas pnvadas (CF, art. 173, § LO. II).

Capo lU • ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 51

o claro mtUlto desse comando e assegurar que todas as empresas que atuam no "mereadou

, Isto é, no domínio econômICO em sentido estnto, tenham IguaIs condições de operação, em atenção ao postulado expresso da livre concorrência, pnncíplo basilar da ordem econômica brasileira (CF, art. 170, IV).

Não obstante a redação categÓrica do mClso rI do § LO do art. 173, e evidente que sua mterpretação demanda a análise da ConstItuIção Federal como um todo.

Dessarte, mUito embora esteja afinnado que as empresas públicas e so­cIedades de economia mista exploradoras de allvidades econômicas sUjeitam­-se ao regIme jurídico própno das empresas pnvadas, essa regra não afasta derrogações do direIto pnvado por preceItos de direito público expressos no própno texto constItucIOnal - ou mesmo em leIs admmlstrativas, desde que denvados de normas constItucIOnais explícitas ou ImplícItas.

Enfim, essas entidades, para sermos precIsos, estão sujeItas predomi­nantemente ao regIme juridico de direIto privado.

O § 2.' do art. 173 da ConstItuição Federal estatui, literalmente:

§ 2,° As empresas públicas e as SOCIedades de economia mista não poderão gozar de pnviléglos fiscaIs não extens1VOS às do selor privado.

O fundamento do dispOSitivo transcnto é o pnncipio da livre concorrênCia. Embora ele não faça qualquer referênCIa ao objeto das entidades a que se reporta, é amplamente majontáno o entendimento de que a vedação alcança somente as empresas públicas e SOCiedades de economIa mista exploradoras de atIvidades econômIcas, e não as prestadoras de serviços públicos.

Vale fflsar, as empresas públicas e SOCiedades de economia mista prestadoras de serviços públicos não estão sUjeItas a essa vedação do § 2." do art. 173, ou seja, desde que observados os pnnciplos constI­tUCIOnaiS pertmentes, pode o legIslador conceder-Ibes beneficios fiscais exclUSIVOS.

É Importante ressalvar, amda, que a proibição constitucional tambem não se aplica ás entidades, mesmo econômIcas, que atuem em regime de monopólio; por outras palavras, sena legítImo um beneficio fiscal exclUSIVO concedido a uma empresa pública ou sociedade de economia mIsta que ex­plore atIvidade econômIca em regime de monopólio.

EspeCIalmente digno de nota é o entendimento, a nosso ver já consagrado no âmbIto do Supremo Tribunal Federal, acerca da aplicabilidade da deno­minada "imunidade tributária recíproca" a empresas públicas e sociedades de economIa mista.

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52 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A referida limitação a competência tributána. vazada no art. 150, VI. "a", da ConstItUição Federal. veda que os entes federados Instituam Impostos sobre Hpatnmômo~ renda ou servIços, uns dos outros". No § 2.° do mesmo artigo. essa Imunidade tributária é estendida, literalmente. "às autarqUIas e às fundações instItuídas e mantidas pelo Poder Público"

Em que pese a literalidade do citado § 2.' do art. ISO - que alude. tão somente, a autarqUIas e fundações públicas -, nossa Corte ConstItucIOnal. em diversos Julgados. decidiu que as empresas públicas e sociedadcs de economIa mIsta que prestem servíços públicos de prestação obrigatória pelo Estado fazem JUS à "imunidade tributária reciproca" (RE 407.099/RS. AC 1.550/RO, RE-AgR 363.412/BA, entre outros).

Deve-se enfatIzar que em nenhuma hIpótese essa orIentação do Supremo Tribunal Federal é aplicável as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividades econômicas em sentido estnto. de que trata o art. 173 do Texto Magno.

Outro ponto digno de análise conceme â obngatoriedade de licitação prévia ás contratações realizadas pelas entidades em estudo.

Muito embora o art. 173, § l.'. lI. da Constituição assevere cabalmente que as empresas públicas e as soctedades de economIa mIsta que exploram atividade econômica estão sUjeItas ao regIme juridico próprio das empresas privadas. a verdade é que essas entidades. como regra. permanecem obrIga­das a licitação.

É certo, vale Ihsar. que nossa Jurisprudência está firmada. de um modo geral. pela inaplicabilidade do instituto da licitação aos contra­tos celebrados pelas empresas públicas e sociedades de economIa mista exploradoras de atividades econômIcas. quando o objeto desses contratos estiver diretamente relacionado à atividade-fim, econômica. da entida­de. Por exemplo. seria desproposItado cogItar que a PETROBRAS fosse obrigada a licitar cada vez que pretendesse celebrar um contrato de venda de petróleo.

Entretanto. no que respeIta aos contratos relaCIOnados a todas as ativida­des-meio, ou a quaisquer outros não vinculados diretamente as finalidades da entidade econõmica. permanece a eXIgênCIa de liCItação.

O que a EC 1911998 trouxe fOI a possibilidade de o legislador es­tabelecer um regime específico de licitações para as empresas públicas e sociedades de economIa mIsta que exploram atIvidades econômicas (CF. art. 173, § L', lU). Esse regIme estará previsto no estatuto própno dessas entIdades lei de normas germs. de caráter nacional. a ser edi­tada pela União - e será. evidentemente. distinto do estabelecido pela

Cap. 111 • ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 53

LeI 8.666/l 993. atualmente aplicável a toda a administração públicll. direta e mdireta.

Sem dúvida. o mtuito do legIslador constItUInte derIvado fOI possibili­tar que essas empresas, atuantes no domíniO econômIco em sentído estrIto. tenham um regime de licitações mais flexivel. cOm atenuação do rIgor das condições Impostas pela Lei 8.66611993. Com efeIto, por operarem em con­corrênCIa com o setor prIvado. necessItam elas. mesmo no que respeita às suas atividades-meio. de procedimentos maIs simplificados, desburocratIzados, rápidos. que lhes permitam competir no mercado.

Note-se que não se trata de libera-Ias por completo da exigênCIa de liCItação. ou da observânCIa dos princípIOS geraIS da adminIstração pública. mas, sim, de dotá-las de regIme especial de licitação. maIs simples, dinâmico e compatível com o desempenho de allvidade econômICa. O estatuto não poderá suprImIr totalmente a exigência de licitação.

É importante ressaltar que. hoje. todas as empresas públicas e SOCIedades de economIa mista continuam sujeitas ao regime de liCItação - quando esta é cabível. evidentemente - prevIsto na LeI 8.666/1993. até que venha a ser estabelecido. mediante lei da União, o estatuto das que exploram atividade econômica em sentido estrito. No futuro. quando for editado o referido estalllto. havera dOIS regImes de licitação: um maIS rigoroso. formalista e burocrátICO, destinado á adminIstração direta. às autarquias. ás fundações públicas e às empresas públicas e sociedades de economIa mista prestadoras de serviços públicos; outro maIS smgelo. fiexível, dinâmico. para as empresas públicas e as sociedades de economia mista. inclusive suas subsidiárias. que exploram allvidades econômicas.

Outro aspecto a merecer referência e o atmente às regras de responsa­bilidade civil a que se SUJCltam as entidades em apreço.

O § 6.' do art. 37 da ConstituIção Federal atribUI responsabilidade CIvil objetiva às "pessoas jurídicas de direIto público" e ás "pessoas Jurídicas de direIto pnvado prestadoras de serviços públicos" pelos danos que seus agentes. atuando nesta qualidade. causem a terceiros.

Como se vê. a regra constItucional abrange todas as pessoas de direi­to privado prestadoras de serviços públicos. inclusive as não integrantes da admmistração pública que os prestem por delegação - concessionárias. permissionárias e autorizadas de servIços públicos. Evidentemente. incluídas estão na regra de responsabilidade objetiva. também, as empresas públicas e as SOCIedades de economIa mista prestadoras de serviços públicos.

Por outro lado. estão excluídas da regra de responsabilidade­-extracontratnal objetiva as empresas públicas e socíedades de eco­nomia mista exploradoras de atividade econômica. Estas respondem

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54 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Viceflte Paulo & Marcelo Alexandrino

pelos danos que seus agentes causarem a terceiros da mesma forma que respondem as demais pessoas pnvadas, regidas pelo direito civil ou pelo direito comerciaL

Quanto â possibilidade de falência, e mIster observar que a LeI I I. I 01/2005 (leI geral, de caráter nacIOnal, conhecida como "LeI de Fa­lências") afasta expressamente a aplicação de suas disposIções âs empresas públicas e socIedades de eConOlma mista, sem fazer qualquer distinção quanto ao objeto da entidade (art. 2.°, 1).

Dessa forma, apesar de o art. 173, § 1.0, n, da Constituição afirmar que as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômIca estão sUjeitas ao regime próprio das empresas privadas quanto aos direitos e obrIgações comerciais, a verdade é que, atualmente, empresas públicas e sociedades de economIa mista, qualquer que seja o seu objeto, não estão sujeitas à falêucia, não podem falir.

O pessoal permanente das empresas públicas e das sociedades de eco­nomia mIsta, independentemente do objeto da entidade, está sUjeito a regime trabalhista, tem vínculo ii.mcional de natureza contratual, va!e dizer, os agentes dessas entidades são empregados públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Entretanto, eles são equiparados a funcionários públicos para fins penais (CP, art. 327, § LO) e os seus atos podem ser enquadrados como atos de Improbidade admInIstrativa, sujeitando-os âs diversas sanções previstas na LeI 8.429/1992.

Sua contratação eXige concurso público (CF, art. 37, 11); todavia, eles não adqUirem a estabilidade de que trata o art. 41 da Consl!tuição. Por outro lado, estão SUjeItos à vedação de acumulação remunerada de seu emprego com cargos, empregos e ii.mções públicos, ressalvadas as hIpóteses admItidas no própno texto constitucional (CF, art. 37, XVI e XVII).

A remuneração desses empregados públicos só está sUjeita ao teto constItUCIOnal estabelecido no mciso XI do art. 37 no caso das empresas públicas e SOCiedades de economia mista que recebam recursos públicos para pagamento de despesas de pessoal ou de custeiO em geral (CF, art. 37, § 9.°).

O pessoal dessas entidades, aSSIm como quaIsquer empregados públi­cos, está sujeIto ao regime geral de previdênCIa soctal - RGPS (CF, art. 40, § 13).

O Supremo Tribunal Federal firmou orientação de que não é válida a eXigência de préVIa aprovação do Poder Legislativo para a nomeação de dingentes de empresa pública ou SOCIedade de economia mista pelo chefe do Poder Executivo, diferentemente do que ocorre quando se trata de au-

111 PúBLICA 55

tarqluas ou fundações públicas, para as quais a Imposição de tal condição é plenamente consl!tuclOnal (ADIMC 2.225/SC, ADl 1.642/MG).

Por fim, cumpre mencionar que os bens das empresas públicas e das SOCiedades de economia mIsta, mdependentemente do objeto da entidade, não são bens públicos em sentido prôpno (somente têm bens públicos pro­pnamente ditos as pessoas juridicas de direIto público).

Entretanto, no caso específico das empresas públicas e sOCiedades de economIa mista prestadoras de serviços públicos, em atenção ao pnncíplo da contmuidade dos servIços públicos, os bens que estejam sendo diretamente empregados na prestação do serVIço público sofrem restnções semelhantes aquelas que caractenzam o regIme jurídico dos bens públicos, a exemplo da Impenhorabilidade.

AbaIXO, apresentamos um quadro smopltco geral com os pnnclpais pon­tos, cOIncidentes e divergentes, relatiVOS aos regImes juridicos das empresas públicas e SOCIedades de economia mIsta exploradoras de atIvidades econô­micas, de um lado, e prestadoras de servIços públicos, de outro.

EP • SEM - ATIVIDADES ECONÓMICAS EP • SEM - SERViÇOS PÚBLICOS

Cnação autorizada em lei específica (CF. Cnação autorizada em fel especifica (CF, art. 37, XIX). art. 37. XIX).

Personalidade jurídica de direito privado. Personalidade jurídica de direito pnvado.

SUjeição a controle ftnalistico (tutela) pela SUjeição a controle finalistico (lulela1 pela administração direta. administração direta.

Atividade su{elta predommantemen!e ao AUvidade sUleita predominantemente ao regime de direito pnvado {CF, art. 173}. regime de direito público (CF, art. '\75).

Não podem gozar de privileglos fiscaís não extenswos às empresas pnvadas (CF, art. Podem gozar de pnvilêglos fiscaiS 173, § 2.°). Vedação não aplicável no caso exclUSIVOS. de monopólio.

Nào fazem !US a imunidade tributária Fazem IUS á Imunidade tributária reciproca reciproca (CF, art. 150, VI, "a", e § 2.°). (STF).

EXigênCia de concurso público para a EXigênCia de concurso publico para a contratação de pessoal (CF. art. 37. 11). contratação de pessoal (CF, 8ft. 37, 11).

Pessoal permanente SUjeito ao regime Pessoal permanente SUJeito ao regime trabalhista {empregados públicos, regidos trabalhista (empregados públicos, regidos pela CLT). pela CLT).

Remuneraçào do pessoa! não SUjeita ao Remuneração do pessoal não sUleita ao teto' constituc!onal, exceto se a entidade teto constitucional, exceto se a entidade receber recursos públicos para pagamento receber recursos públicos para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em de despesas de pessoal ou de custeiO em geral (CF, art. 37, XI, e § 9.'). geral (CF. art. 37, XI, • § 9.').

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56 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

EP e SEM - ATIVIDADES ECONÔMICAS EP e SEM - SERViÇOS PÚBLICOS

É inconstitucional a eXIgência de aprovação . E: InconSlituclonal a eXIgêncIa de aprovação prévia do Poder Legislativo como condição previa do Poder Leglsla!ívo como condição para a nomeação, pelo Chefe do Poder para a nomeação. pelo Chefe do Poder Executivo, de dirigentes da entidade (STF), Executivo, de dirigentes da entidade (STF),

SUleitas a controle pleno pelo Poder SUlerlas a controle pleno pelo Poder Legislativo (CF, art. 49, X). Legislativo (CF, art, 49, X).

Todos os seus atos estão SUleitos a Todos os seus atos estão sUjeitos a controle de legalidade ou legitimidade pelo conlrole de legalidade ou legitimidade pelo Poder JudiciáriO, desde que provocado {CF, Poder Judiciário, desde que provocado (CF, art. 5.', XXXV). art. 5.", XXXV).

SUleitas a controle pleno pelos tribunaiS SUleltas a controle pleno petos tribunaiS de contas, InclUSIVe a ~tomada de contas de contas. mcluslve à ~tomada de contas espeCial" (CF, art. 71, 11). especIal" (CF, arl 71, 11)_

Nâo sUleitas ao art, 37, § 6,°, da SUjeitas ao art. 37. § 6,°, da ConstitUição Constituição (responsabilidade Civil objetiva" (responsabilidade cIVil objetiva).

Não SU!enaS a licitação para contratos relaUvos as suas afividades~fim, SUJeitas a licitação nas demaIS hipóteses. Previsão SUteitas a licitação sem quaisquer constiluclonal de regime pr6pno de licitação peculiaridades. a ser estabelecido em leI ordinária da União. de caráter nacional (art. 173, § 1.°, UI}.

Não sujeitas a falência (Lei 11,10112005, Não sUleítas a falênCIa (Lei 11,101/2005, art. 2,°, 1). art. 2.°, I).

Seus bens não se enquadram como bens Seus bens não se enquadram como bens publicas, mas os que forem diretamente públicos; estão sUlenos a regime de direito empregados na prestação do serviço pnvado. publico podem sUJeitar-se a restrições

propnas dos bens públicos.

8.3.1. Distinções entre empresa pública e sociedade de economia mista

As diferenças existentes entre uma empresa pública e uma SOCiedade de economia mista são meramente formais~ a saber:

a) a forma jurídica;

As SOCiedades de economia mista devem ter a tonua de sociedade anônima (S.A.), sendo reguladas, basicamente, pela Lei das SOCiedades por Ações (LeI 6.40411976). Por serem sociedades anônimas, as sociedades de economia mista sempre têm natureza comercml, seja qual for o seu objeto (Lei 6.40411976, art. 2.°, § LO). São inscntas, dessarte, no registro público de empresas mercantis.

Capo lI!" ADM!NISTRAÇÃO PUBLICA 57

As empresas públicas podem revestir qualquer das fonuas admitidas no nosso ordenamento jurídico. As empresas públicas federais podem, até mesmo, ser instituídas sob fonua Jurídica SIII gene,.,s, não prevista no. direito pnvado; basta que a lei que autorize sua cnação assim disponha. Essa hipótese - a criação de uma empresa pública sob fonua jurídica ímpar - não é possivel para os demaIS entes federados, porque a competênCia para legislar sobre direito civil e direito comercial c privaltva da União (CF, art. 22, 1).

As empresas públicas têm seus atos constitutivos Inscntos no registro público de empresas mercantis ou no registro civil das pessoas jurídicas, confornne o caso.

b) a composição do capital;

O capItal das SOCiedades de economia mista é obngatonamente fonuado pela conjugação de capital público e privado, vale dizer, deve haver ações de propriedade do Estado e ações de proprIedade de particulares, pessoas fisIcas ou Jurídicas. É necessário, porém, que a malOna das ações com direito a voto pertença â pessoa polítlca instltuídora, ou a entidade de sua administração indireta.

O capital das empresas públicas e Integralmente público, ISto é, onundo de pessoas integrantes da admmistração pública. É possível, entretanto, desde que a maIOria do capital votante de uma empresa pública penuaneça sob propnedade da pessoa política institnidora, que haja participação de outras pessoas políticas, ou de entidades das diversas admInistrações indiretas.

Dessa fonua, uma empresa pública pode ser unipessoal, ou seja, cem por cento do capital pertencer à pessoa política instituídora, ou pluripessoaL No caso de uma empresa pública plunpessoal, o controle societáno deve ser da pessoa política instituidora, podendo o restante docapita! estar nas mãos de outras pessoas políticas, ou de quaisquer entidades da administra­ção mdireta (inclusive sociedades de economia mIsta) de todas as esferas da Federação.

c) O foro processual (somente para as entidades federaiS).

As causas em que as empresas públicas federais forem mteressadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falênCIa. as de acidente de trabalho e as sujeItas à Jusliça Eleitoral e à Jusliça do Trabalho, serão processadas e julgadas pela JustIça Federal (CF, art. 109, I).

As sociedades de economia mIsta federais não foram contempladas com o foro processual da Justiça Federal, sendo suas causas processadas e Julgadas na Justiça Estadual (Súmula 556 do STF).

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58 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

As empresas públicas e as sociedades de economia mista estaduais e muuicipais terão suas causas processadas e julgadas. sem distmção. na Justiça Estadual.

As empresas públicas e sociedades de economia nusta distritais estão sob Junsdição do Poder Judiciário do Distrito Federal.

Note-se que os conflitos decorrentes da relação de trabalho envolvendo, de um lado, qualquer empresa pública ou sociedade de economia mista e. do outro, os respectivos empregados públicos são julgados pela Justiça do Trabalho (CF, art. 114).

8.4. Consórcios públicos

A Lei 11. J 07/2005 introduziu em nosso ordenamento uma pessoa JU­rídica denommada consórcio público. Os consórcios públicos poderão ser constituídos como pessoas jurídicas de direito privado ou como pessoas Jurídicas de direito público; neste último caso a lei explicltamente afirma mtegrarem eles a admmlstração pública indireta. Para tratarmos dessa nova figura, é necessano expor a base constitUCIOnal e os pnnclpais pontos da Lei 11.l07/2005.

O art. 241 da ConstitUição, com a redação dada pela EC 19/1998, estabe­lece que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os MuniclploS disciplinarão por meio de leI os consórCIOS públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autOrIzando a gestão aSSOCIada de servIços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenClalS à continuidade dos serviços transferidos".

Percebe-se que o preceIto reproduzido atribUl a cada ente federado a competênCIa para diSCIplinar, por melO de leI prõpna, os consórcios públicos, os convênios de cooperação e a gestão associada de serviços públicos.

Entretanto, a LeI lI.! 07/2005 é uma lei de normas gerais de caráter naclOnal, ou seja, aplica-se a todos os entes da Federação; seu art. 1.0, ca­pul, mfonna que ela "dispõe sobre nonnas gerais para a União, os Estados, o Distnto Federal e os Mumcípios contratarem consórcIOs públicos para a realização de objetivos de mteresse comum e dá outras providênCias".

Com o mtUIto de compatibilizar com a Constituição essa edição, pela União, de nonnas gerais naCIOnais sobre consórcIOs públicos, a Lei 11.l07/2005 atribUiU a eles natureza contratual. Assim, a competênCIa da União foi exercida com base no art. 22, XXVII, e não no art. 241 da Constituição.

Os consórCIOS públicos são celebrados entre entes federados de mesma espécie ou não. Não haved, entretanto, consórcio público constItuído UnIca-

Capo !li • ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 59

mente pela União e mumclpios. Isso porque o art. 1.0, § 2.°, da lei estatu! que "a União somente participará de consÓrclOs públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos terntónos estejam Situados os MumciplOs consorCiados". Também não pode haver consórcIO público celebrado entre um estado e mumciplO de outro estado (razão de veto dos mClSOS III e V do § 1.0 do art. 4."). Podem ser ceiebrados, entretanto, consórcIOS públicos entre o Distnto Federal e mUnIciplOs (art. 4.", § 1.0, IV).

A Lei 11.10712005 fOl regulamentada pelo Decreto 6.017/2007, o qual assIm define consorcIO público (art 2.", 1):

I - consórcio público: pessoa Jurídica fannada exclusivamente por entes da Federação, na forma da LeI Il.107, de 2005, para estabelecer relações' de cooperação federat1Va, mcluslve a realização de obJetlvos de mteresse comum, constltuida como aSSOCiação pública. com personalidade Jurídica de diretto pu­blico e natureza autárqUica. ou como pessoa Jurídica de direito pnvado sem fins econômlcos~

o consÓrcIo público será constituído por contrato, cUJa celebração de­penderá da préVia subscrição de protocolo de intenções. Conquanto a Lei 11.107/2005 atribua aos consórCIOS públicos natureza contratual, detennma que "o contrato de consÓrCio público será celebrado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções" (art. 5."). Essa ratificação SÓ é dispensada se o ente da Federação. antes de subscrever o protocolo de intenções, disciplinar por lei a sua participação no consórcio público. Como se vê, em nenhuma hipótese um consórcIO público podeni. ser cnado sem parlIcipação do Poder LegislatIVO de cada um dos entes federados consorCIados.

Protocolo de intenções, dessarte, é um contrato prelimmar que, ratificado (aprovado), mediante leI, pelos entes da Federação mteressados, converte-se em contrato de consórcIo público.

A alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de mstrumento aprovado pela assem bIela geral, que li a mstância máXIma dos consórcIOS públicos. devendo esse instrumento ser ratificado, também mediante lei, por todos os entes consorciados.

O representante legal do consórcIO público obrigatoriamente deverá ser eleito dentre os chefes do Poder ExecutIvo dos entes da Federação consorcia­dos. A fonna de sua eleição e a duração do mandato devem estar preVIstas no protocolo de mtenções. O consórcIo público está sUjeito à fiscalização contábil, operacional e patrimomal pelo tribunal de contas competente para apreciar as contas do chefe do Poder ExecutIVO representante legal do consórcio.

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60 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Quando o consórclO público tenha entre suas finalidades a gesmo assocIada de servIços públicos, esta deve obrigatOriamente ser autonzada em cláusula específica do protocolo de Intenções, a qual deverá explícltar (art. 4.°. Xl):

a) as competências cUJo exercicio se transfenu ao consórcIo público;

b) os servIços públicos objeto da gestão associada e a arca em que serão prestados;

c) a autorização para licitar ou outorgar concessão. perrmssão ou autonzação da prestação dos servIços;

d) as condições a que deve obedecer o contrato de programa. no caso de a gestão associada envolver tambem a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados;

e) os CrItériOS técnicos para cálculo do valor das tarifas e de outros preços públicos, bem como para seu reajuste ou revisão.

Gestão assoctada de serviços públicos consiste no "exercícIo das ativida­des de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meIO de consórcio público ou de convêmo de cooperação entre entes federados. acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essencIais a continuidade dos serviços transferidos" (Decreto 6.017/2007, art. 2.°, IX).

Embora a definição seja um pouco extensa, percebe-se que a gestão as­socIada - que eXIge a constitUIção de um consórcIo público ou a celebração de nm convêmo de cooperação entre entes federados - não obrigatoriamente abrange a prestação do serviço público. Pode a gestão associada resumIr­-se às atividades de planejamento, regulação ou fiscalização, atribumdo-se a prestação do servIço a nma pessoa que não integre o consórcIO público ou convêmo de cooperação.

A leI e o respectIvo decreto consideram a celebração de um contrato de programa condição imprescmdível para a prestação de servIços públi­cos mediante gestão associada. No contrato de programa serão conslltnidas e reguladas as obrigações que um ente federado terá para com outra pessoa política, ou para com um consórcio público, no âmbIto da prestação de ser­viços públicos mediante gestão associada. Essas obrigações também podem ser estabelecidas para entidades da admmistração indireta.

A entrega de recursos pelos entes federados ao consórcio público eXIge obrigatoriamente a celebração de um instrumento que a leI denominou con­trato de rateio (art. 8.°). Constitni ato de Improbidade admmistrativa que causa lesão ao erário "celebrar contrato de rateIO de consórcio público sem

Capo 111 • ADMINISTRAÇÃO PúBLICA 61

sufiCIente e préVia dotação orçamentána, ou sem observar as fonnalidades previstas na lei" (Lei 8.429/1992, art. 10, XV).

Consoante a LeI 11.107/2005, O consórclO público sempre terá persona­lidade jurídica (art. 6:). A nosso ver, a partIr da Lei Il.107/2005, podemos estabelecer como elemento fundamental de distmção entre consórcios públicos e convênios de cooperação (ambos mencIOnados no art. 241 da Constituição) exatamente a atribuição de personalidade juridica aos primeiros e não aos convênios. O fato de VIsarem à realização de obJetIVOs de interesse comum está presente em ambos.

É CUriOSO constatar que, nos tennos da leI, o consórcIO público seria sempre uma pessoa com prazo de duração determinado. Com efeíto, o seu art. 4.", I, estabelece como cláusula necessária do protocolo de intenções "a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcIO"

Ocorre que o Decreto 6.017/2007, VIsando a "corrIgIr" essa sltnação pouco usual - e, segundo pensamos, desbordando flagrantemente da função meramente regulamentar -, estatnlU, no seu art. 5:, I, que o protocolo de mtenções deve conter cláusula que estabeleça "a denommação, as finalidades, o prazo de duração e a sede do consórcIO público, admitindo-se a fixação de prazo indeterminado e a previsão de alteração da sede mediante decisão da Assembleía-Geral".

Conforme antes aludido, o consórcio público poderá ser pessoa jurídica de direito privado, sem fins econômicos, ou pessoa Jurídica de direIto público, assumindo, nesta última hIpótese, a fonna de associação pública (art. l:. § 1.0, e art. 4:, IV), que e uma das especies do gênero "autarquias",

O consórcio público com personalidade Jurídica de direito público, sendo urna autarqUIa pertencente a mais de um ente federado, configura aquilo que a doutrina denomma "autarqUIa mterfederatlVa" ou "autarquia multifederada" .

Os consórcios públicos com personalidade jurídica de direito público integram a administração indireta de todos os entes da Federação con­sorciados (art. 6:, § I:).

A lei não esclarece se os consórcios públicos com personalidade Jurí­dica de direIto privado integram a admmistração pública. Parece-nos que a Lei 11.107/2005, ao estatnlr expressamente que o consÓrclO público com personalidade Jurídica de direito público integra a admmlstração mdireta das pessoas políticas consorciadas, e, sem dúvida mtenclOnalmente, nada afirmar a esse respeIto para o consórcio público com personalidade Jurídica de direito privado, pretendeu que estes últimos não integrem fonnalmente a administração pública.

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62 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

De todo modo, quando o consórcIo público for pessoa Jurídica de direito pnvado, assumm\ a fonna de associação civil, e sua constituição deve ser efetivada conforme a legislação cIvil, IstO é, a aquisição da personalidade ocorrerá com a Inscnção dos atos constitutivos no registro cIvil das pessoas Jurídicas. Sem cmbargo de sua personalidade juridica de direito pnvado, esses consórcIOs públicos estarão sUjeitos as nonnas de direIto público no que conceme â realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal. O pessoal desses consórcIOs públicos scrá regido pela CLT (art. 6.", § 2.").

Os agentes públicos incumbidos da gestão de consórclO público não responderão pessoalmentc pelas obngações contraidas pelo ConsórcIO público, mas responderão pelos atos pralicados em desconfonnidade com a leI ou com as disposições dos respectivos estatutos. ConstituI ato de improbidade admi­nistrativa que causa lesão ao eráno "celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão assocIada sem observar as fonnalidades prevIstas na lei" (Lei 8.429/1992, art. !O, XIV).

Por último, e interessante notar que a LeI 11.107/2005 detennmou a aplicação aos consórcIOs públicos, tanto os com personalidade pública quanto os com personalidade pnvada, supletivamente, das nonnas de regência das associações civis (art. 15).

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1. ÓRGÃOS PÚBLICOS

Órgãos públicos são unidades mtegrantes da estrutura de uma mesma pessoa juridica nas quais são agrupadas competênCias a serem exercidas por meIO de agentes públicos. Como se vê, órgãos são meros conjuntos de competênCiaS, sem personalidade Jurídica própna; são resultado da téclllca de organização administrativa conhecida como "desconcentração".

A Lei 9.78411 999 define órgão como "a unidade de atuação mtegrante da estrutura da Admmistração direta e da estrutura da Admmlstração mdireta". E interessante observar que a lei explicita a existêncIa de órgãos públicos não só na admmlstração direta (mlmstéríos e secretanas, por exemplo) mas, tam­bém, no âmbIto de cada pessoa jurídica mtegrante da admlOlstração mdireta. Desse modo, resulta claro que as divisões adminiso·ativas, digamos, de uma autarqUIa estadual - por hipótese: «presidência". Udiretonas", "supennten­dênciasH

.. Hdelegacl3s" e "agências" - são, todas elas~ órgãos públicos, vale dizer, conjuntos despersonalizados de competências, integrantes da estrutura dessa autarquia.

Os órgãos públicos necessanamente possuem funções, cargos e agentes, sendo, entretanto, distmtos desses elementos. Os órgãos são partes da pessoa Jurídica. A atuação do órgão - que ocone por meIo dos agentes que titula­rizam os cargos nele agrupados - e considerada atuação da própria pessoa jurídica que ele integra. Essa construção jurídica é conhecida como teoria da imputação (ou da imputação volitiva) e pode ser assim smtetizada: o órgão atua por intennédio de seus agentes, e a atuação do órgão é imputada â pessoa Jurídica que ele integra.

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64 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMf'LlCADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Na evolução do direito administrativo, a "teoria do órgão" substituIU outras doutrinas, de índole pnvatíslica, como a "teoria do mandato" - que considerava o agente público uma espéCie de mandatáriO do Estado, atuando por "procuração" deste - e a «teoria da representação1

' - que equiparava o agente público â figura do representante dos mcapazes. Essas criações basea­das em Institutos do direito privado tmham o sério mconvemente de afastar a responsabilidade do Estado nos casos em que o agente público atuasse de forma irregular, com desvio ou além de seus poderes.

O referido problema desaparece ante a idela de lInputação, núcleo da teoria do órgão, adotada no Brasil e em mUItos outros países. Com efeito, pela Imputação considera-se que a atuação do Órgão e seus agentes é atuação da própria pessoa Jurídica que ele mtegra. Desse modo, li possibilitada a responsabilização da pessoa Juridica por essa atuação, inclusive nas hipóteses em que há abuso de poder - afinal, havendo atuação arbltnina, a ilegalidade é considerada praticada pela própria pessoa Jurídica.

Mana Sylvia Di Pietro explica que essa teoria li utilizada, também, para justificar a validade dos atos pratícados por "funCIOnário de fato", porque se considera que o ato por ele praticado é ato do órgão, imputável, portanto, li administração pública.

A expressão "funcionaria de fato" é usualmente empregada para descrever a situação do agente quando há VÍCIO ou Irregularidade na sua investidura em cargo ou função pública, a exemplo da nulidade do concurso público (só declarada algum tempo depois de os aprovados estarem exercendo suas funções), ou do descumprimento de requISIto essencial para a posse (só descoberto algum tempo depoIs de o servidor estar em exercício).

Em atenção à denominada "teoria da aparência", à proteção da boa-fé dos administrados e â presunção de legalidade dos atos administrativos, admite-se que a teoria da Imputação seja aplicada, mcluslve, ao "funcIOnário de fato": considera-se que O ato do "funclOnáno de fato" é ato do órgão e, portanto, imputável li administração pública. Assim, reputam-se válidos os atos praticados por "funclOnano de fato".

É importante registrar que a teona da Imputação não chega ao ponto de alcançar o denominado usurpador de função, IStO é, alguém que exer­ça por conta própria alguma atividade com aparência de função pública, mas não tenha, na verdade, absolutamente nenlmm vínculo funcional com a administração pública (o "funCIOnáriO de fato" tem vinculo com a adminis­tração, embora se trate de um vínculo com vicIO de validade, que poderá até mesmo vir a ser declarado nulo; mas não é um vínculo mexlstente, coma ocorre com o usurpador de função I. A atuação do usurpador de função não e considerada atuação do órgão e não é, portanto, imputável ao Estado.

Capo IV • ÓRGÃOS E AGENTES PÚBUCOS 65

Conforme aCima frisado, a pnnclpal caracteristtca dos órgãos e a ausênCia de personalidade jurídica. Além dessa, podemos apontar como características dos órgãos públicos:

a) mtegram a estrutura de uma pessoa políttca (União, estado, Dislnto Fede­ralou municípIO), no caso dos órgãos da admInIstração dírela~ ou de uma pessoa Jurídica admInistrativa (autarqUIa, fundação pública. empresa pública ou SOCIedade de economta mIsta), no caso dos argUos da administração mdireta;

b) são resultado da desconcentração admmistrattva;

c) alguns possuem relativa autonomIa gerencIal, orçamentana e financelfa;

d) podem finnar. por meío de seus admInistradores. contratos de gestão com pessoas jurídicas (CF. art 37, § 8.");

e) não têm capacidade para representar em Juizo a pessoa jurídica que mte~ gram~

f) não possuem patnmônIo própno.

Cumpre mencionar, amda, que alguns órgãos têm capacidade processual, restrita e específica. para defesa em JUÍzo de suas atribUIções adrmlllstrahvas~ Isto é, são legitimados ativos para Impetração de mandado de segurança cujo objeto seja a preservação de suas competências. Somente os órgãos mdepen­dentes e autônomos têm essa capacidade processual (Hely Lopes Melfelles classifica os órgãos em quatro nivels, conforme a posição estatal, Isto é, a hierarqUIa, nesta ordem, de cima para baixo: independentes, autônomos, superiores e subalternos).

Também foi conferída capacidade processual aos órgãos públicos pelo Código de Defesa do Consumidor, que dispõe que são legitimados para promover a liquidação e execução de indemzação as autoridades e órgãos da administração pública, direta e indireta, ainda que sem personalidade juridica (Lei 8.078/1990, art. 82, IH).

Por fim, deve-se observar que a cnação formal de órgãos, nos termos do nosso ordenamento constitucional, depende de lei (CF, art. 48, XI; art. 61, § L", lI, "e").

2. AGENTES PÚBLICOS

Considera-se agente público toda pessoa fisíca que exerça, alOda que transitonamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, deSignação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública.

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66 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandn"no

Confomle se constata, a expressão "agente público" tem sentido amplo, englobando todos os individuos que. a qualquer título, exercem uma função pública, remunerada ou gratUIta, permanente ou transitória, política Oll me­ramente administratiVa, como prepostos do Estado.

O agente público e a pessoa nalural mediante a qual o Estado se manifesta. O agente expressa uma vontade que é Imputada ao próprio Estado. Agentes públicos são, portanto, todas as pessoas fíSicas que, em razão de vinculos Jurídicos de vanada natureza com o Estado, têm aptidão para extenonzar a vontade deste, em quaisquer dos entes federados (União, estados, Distrito Federal e mumciplOs), nos três Poderes da República (ExecutJvo, Legislativo e Judiciario).

A Constituição vigente abandonou a antes consagrada expressão fuucio­nário público. Na seara do direito penal, todavia, ela amda é empregada, abarcando todos os agentes que, embora transltonamente ou sem remUnera­ção, pratiquem crime contra a admmistração pública, no exercícIO de cargo, emprego ou função públicos (CP, art. 327). Como se vê, para fins penaIS, a abrangênCIa do conceito de funcionáno público e a maiS ampla possível, correspondendo à da expressão "agente público". consagrada no âmbito do direito admmístrativo.

A doutrina identifica como cate ganas Integrantes do gênero "agente público" as especies a seguir sucintamente descritas:

a) agentes políticos;

Os agentes políticos são os mtegrantes dos malS altos escalões do poder público, aos quais mcumbe a elaboração das diretrizes de atuação governamental. e as funções de direção, onentação e supervIsão geral da admmistração pública.

As prinCIpaiS características dos agentes polítJcos são:

1.> sua competênCIa e prevista na própria ConstttUIção;

2) não se sUjeItam ás regras comuns aplicáveIS aos servidores públicos em geral;

3) usualmente são investidos em seus cargos por melO de eJeIção, nomeação ou deslgnação~

4) não são hIerarquizados (com exceção dos auxiliares imediatos dos chefes do Poder Executivo), sUJeItando-se, tão somente, ás regras constltuclOnms.

São agentes políticos os chefes do Poder Executivo (Presidente da Repú­blica, governadores e prefeItos), seus auxiliares imediatos (ministros, secretà­nos estaduaiS e municipaiS) e os membros do Poder LegislatiVO (senadores,

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Capo IV· ÓRGÃOS E AGENTES PUBLiCOS 67

deputados e vereadores). Alguns autores enquadram, também, como agentes políticos os membros da magistratura (juizes, desembargadores e mimstros de tribunalS supenores) e os membros do Mimsténo Público (promotores de justiça e procuradores da República).

Consideramos oportuno registrar que o Supremo Tribunal Federal, no Julgamento da Rcl 2.138/DF, em 13.06.2007, decidiu que a Lei 8.429/1992, que tipifica e sanCIOna os atos de Improbidade admmlstratJva, de que trata o art. 37, § 4.°, da ConstitUIção, não se aplica a todos os agentes polítiCOS.

. Segundo entendimento da Corte Suprema, ela não se aplica aos agentes políticos sUjeitos ao "regime de cnme de responsabilidade".

b) agentes administrativos;

Os agentes administrativos são todos aqueles que exercem uma atiVI­dade pública de natureza profissional e remunerada, sUjeitos â hierarquia funCIOnal e ao regime Jurídico estabelecido pelo ente federado ao qual per­tencem. São os ocupantes de cargos públicos, de empregos públicos e de funções públicas nas admmlslrações direta e mdireta das diversas unidades da Federação, nos três Poderes. Podem ser assim classificados:

b. Lservidorcs públicos: são os agentes admmlstratlvoS sujettos a regime Juridico~admlmstratlVO. de caráter estatutano (isto é~ de natureza legal, e não contratual); são os t1tuiares de cargos públicos de prOV1mento efetivo e de provimento em comlssão~

b.2.empregados públicos: são os ocupantes de empregos públicos. sUjeitos a regime jurídico contralual trabalhIsta; têm "contrato de trabalho'\ em sentido própriO, e são regidos baSIcamente peja Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (são, por ISSO, chamados "celetistas");

b.3. temporários: são os contratados por tempo determínado para atender a necessidade temporana de excepcional interesse público, nos tennos do art. 37, IX, da ConstitUição; não lêm cargo público nem emprego públi­co; exercem uma função pública remunerada temporâna e o seu vincuio funCIonai com a adminIstração púbIíca e contratual, mas se trata de um contrato de direito público, e não de natureza trabalhIsta (eles não têm o "contrato de trabalho" propnamente dito, previsto na Consolidação das Lets do Trabalho - CLT); em síntese. não são agentes públicos celetistas, nem propnamente estatutanos. mas estão Vinculados â adrnllllstração publica por um reglme fimclOnal de direito publico. de natureza Juridico-admmlStratlva (e não trabalhIsta).

É oportuno registrar que, frequentemente, a expressão "servidores pú­blicos" e utilizada em sentido amplo, englobando os servidores públicos em sentido estnto (estatutános) e os empregados públicos.

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68 RESUMO DE DIREITOAOMIN1STRATIVO oeSCOMPLICADO· VIcente Paula & Marr:oloAlexandrfttO

c) agentes honoríficos; . Os agentes honomcos são cidadãos requisitados ou designados para,

transitoriamente, colaborarem com o Estado mediante a prestação de serviços especl:fico$, em razão de .sua condição civíca, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional. Não possuem qualquer vinculo profis­síonal com a administração pública (são apenas considerados "funcionários públicos" para fins penais) e usualmente atuam sem remnneração. São os jurados, os mesários eleitorais, os membros.dos C!onsellios Tutelares .criados

. pelo. Estatuto da. Criança e. do Adolesceute e oU!J;os dessa natureza.· .

d) agentes delegados;

Os agentes delegados são particulares que recebem à' incumbência de exercer determinada atividade, obra ou serviço público e o mero em nome próprio, por sua conta e risco, sob a permanente fiscalização do poder dele­gante. Evidentemente, não são servidores públicos, não atoam em nome do Estado, mas apenas colaboram com o poder público (descentralização por colaboração). Sujeitam-se, porém, na prestação de serviços públicos delegados, . àresponsabilidade civil obíetiva (CF"art, 37, § 6.°) e, quando estão exercendo atribuições do poder público, ao mandedo de segurança (CF, art. 5.°, LXIX; Lei 12.016/2009, ar!. 1.0, § 1.0). Enquadram-se como "funcionários públicos" para fins penais (CP, art. 327). Silo os concessionários e permissionários de serviços públicos, os leiloeiros, os tradutores públicos, entre outros.· .

e) agentes credenciados.

Os agentes credenciados, na definição do Prof. Hely Lopes MeireUes, "são os que recebem a incumbência da Administração para representá-la em determinado ato ou praticar certa atividade especl:fica, mediante remnneração do Poder Público credenciante". Serta exemplo a atribuição a alguraa,pessoa da tarefa de representar o 'Brasil em ·determinaclo evento internacional (um artista consagrado que fosse incumbido de oficialmente representar o Brasil em um congresso internacional sobre proteção da propriedade intelectual). Também são considerados "fimcionários públicos" para fins penais. .. .

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ICapítulo vi REFORMA ADMINISTRATIVA

E TERCEIRO SETOR"

1. REFORMA DO ESTADO E ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

Desde a última .década do século passado, vêm sendo promovidas no Brasil diversas alterações c;,onstitucionals e legais com o objetivo de implantar entre nós urn modelo de adritinistração pública conhecido como "admínístração gerencial", fimdado, em tese, no princípio da eficiência, visando a substituir o padrão tradicional de administração pública, dita "burocráti~q", cuja ênfase recai sobre o princípio da legalidade. ..

Os defensores do novo modelo são adeptos da corrente poUtico-econômíca usualmente chamada "neollberalismo". Segundo eles, haveria uma "crise do Estado", traduzida na incapacidade deste de realizar os necessários inves­timentos e desempenhar eficientemente todas as atribuições que .lhe. foram impostas origínallllente pela Constituição de 1988. Por essa razão, pregam a denominada "doutrina do Estado mínimo", cujo Objetivo é retirar o setor público de todas as áreas em que sna atuação não seja imprescindível.

A ideia\:lie "Estado;ininimo" também está fundada no prinCipio da efi­ciência, um~ vez que es~íis teóricos entendem que o Estado sempre é menos eficiente do.:,que o setor~privado, dqvendo, por isso mesmo,. atuar· somente onde seja mdispensável.l, .

Esse conjunto de idel,as, quando posto em prática, leva a. duas. linhas de movinlentosi·bas1Jinte nl!l'das; .. . ...

<I a) a PJhu. da noção ~~; "administração gerencíal", que privilegia o princfpío, da

eficiência, o foco;esloca_se para a obtenção de resultados peja máquma

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70 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

estatal; busca-se ampliar a aulononua dos órgâos e entidades Ultegrantes da admm1stração pública, mormente pela redução dos controles de proce~ dimcntos (atIvidades-meio); adernais, utilizam-se Instrumentos tendentes a assegurar que a produtIvidade dos agentes públicos dos quadros profissIOnais da admInistração seja prõxIma daquela que se observa quanto aos trabalha­dores de empresas privadas;

b) como decorrêncIa, sobretudo. da «doutrma do Estado mmIffio", ocorrem as famosas "pnvatízações", pelas qUaiS a prestação de serviços públicos que possam gerar lucro deixa de ser executada por empresas estatais, passando a sua exploração a ser atribuida ao setor pnvado. mediante concessões e pennlssões de serviços públicos; ao mesmo tempo são exuntas entidades da admInistração pública. e pessoas jurídicas pnvadas sem fins lucrativos são estlmuladas a atuar nas ãreas em que antes operavam essas entidades púbIi~ cas extmtas. vale dizer, é reduzido o nUmero de entidades da administração pública que atuavam em áreas não exclusivas de Estado. na mesma medida em que o aSSIm chamado «terceiro setor" recebe fomento estatal para assumtr o desempenho dessas atividades em colaboração com o setor público.

A EC 19IJ 998 fOI O mais Importante instrumento legItimador da almejada reforma da admimstração pública no Brasil, sendo, por esse motIVO, conheCI­da como emenda da "reforma admmistrattva". As modificações nas relações Estado-agentes públicos, Estado-agentes econômIcos e Estado-terceiro setor têm sido gradualmente implementadas desde então, por meio da edição de leIS e atos infralegais regulamentadores das diretnzes inseridas na ConstJtuição pela referida emenda.

A retIrada do Estado do papel de agente econômico (Estado-empresário) e da prestação direta de servIços públicos leva â necessidade de alargamento da sua função regulatória, à necessidade do fortalecimento do Estado na pa­pel de agente regulador do setor privado. Dessarte, são cnadas as agências reguladoras, segundo um modelo cUJo objetivo é assegurar que sua atuação seja eminentemente téCnica, Imune a mgerências polítIcas. Por esse motivo, elas são instituídas sob a forma de autarquias em regime especIal.

O objetIVO de ampliar a atuação do "terceiro setor" leva a cnação de qualificações espeCIais atribuídas a pessoas Jurídicas privadas, a exemplo da qualificação corno "organização social" (OS) e da qualificação como "organização da SOCiedade civil de interesse público" (OSCIP), bem como â criação de instrumentos aptos a formalizar o fomento estatal a essas en­tidades privadas, tais quais os contratos de gestão celebrados com as OS e os termos de parceria firmado com as OSCIP.

Por fim, é prevIsta a utilização de outra espéCIe de contratos de gestão para aumentar a autonomIa gerencial dos órgãos e entidades da própna admi­ntstração pública, concentrando os controles no atinglmento de resultados.

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Capo V • REFORMAAOMINISTRATlVA E TERCEIRO SETOR 71

Embora os contratos de gestão não tenham prodUZido na prática os resultados pretendidos, é grande sua I1nportância teórica para o modelo de admmistração proposto pelos arautos do pnncíplO da eficiênCIa, motivo pelo qual eles serão estudados a seguir, em tÓpICO própno.

2. CONTRATOS DE GESTÃO

Não existe uma definição legal de "contratos de gestão". Em linhas bastante amplas, são eles ajustes cUJo objetivo é o cumprimento de uma espéCIe de programa, em troca de algo que seja do mteresse da par!e que se compromete a cumprir esse programa. Todo contrato de gestao estabelece:

a) metas a serem atingidas;

b) prazo para atinglmento; c} critérIOS objetivos de avaliação de desempenho, para verificação do atmgI­

mento, ou não, das metas.

Além disso, dispõem sobre remuneração de pessoal ou dirctores, assnn como sobre a responsabilidade destes.

O fundamento direto dos contratos de gestão é o princípio da efi­ciência.

No Brasil, foi prevista a celebração de contratos de gestão:

a) na âmbIto interna da própna admímstração pública, Visando a ampliar a autonomIa admmistrativa de seus órgãos e entidades. concentrando os controles no atmgimento de resultados e reduzmdo os controles formaiS, de procedimentos~

b} entre o poder público e pessoas pnvadas sem ~~s, lucratIvos quaIific,adas como organizações sociais (OS)~ VIsando a posslbllttar que estas. me?!3llte fomento estatal, assumam atividades antes desempenhadas por enttdades administrativas extmtas ("doutrina do Estado mÍmmo7>).

Vejamos as prinCipais características de cada uma dessas espécies.

O contrato de gestão celebrado no âmbito da admimstração pública é o Onico que tem preVisão constttuclOnal. Está tratado no art. 37, § 8.°, da Constituição da República.

Seu objetivo precípuo e redUZIr os controles de attvídades-meio e con­centrar os controles nas atividades-fim (verificação do atmgimento das metas estabelecidas tendo em vista os fins do órgão ou entidade).

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72 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicenle Paulo & Marcelo A/exandniw

É a segumle a redação do disposItIvo constitucIonal:

§ 8.<> A autonomia gerencwl. orçamentána e financeira dos órgãos e entidades da adrnínistração direta e mdireta poderà ser ampliada medhmte contrato, a ser firmado entre seus admt­nlstradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o orgão ou entidade, cabendo à leI dispor sobre:

I - o prazo de duração do contrato;

11 -. os controles e cntérlOS de avaliação de desempenho, direitos~ obngações e responsabilidade dos dingentes;

lI! - a remuneração do pessoaL

Como se vê, o ajuste é firmado entre a admwlstração direta e admi­nistradores de entidades da admmlstração mdireta, ou de órgãos da própna admlOlstração direta.

A contrapartida é a ampliação da liberdade de atuação administrativa do àrgão ou entidade (ampliação da "autonomia gerencIal, orçamentária e financeira").

Conforme já estudado, essa espécie de contrato de gestão, quando cele­brado com autarqUIas e fimdações públicas. possibilita que elas recebam a qualificação de agências executivas.

A outra especle de contrato de gestão esta prevista na LeI 9.637/1998.

Trata-se de um contrato de gestão celebrado entre a admmistração pública e uma entIdade pnvada. Essas pessoas jurídicas, que são as únicas pessoas pnvadas que celebram contratos de gestão com a admimstração pública, são as denommadas organizações sociais (OS).

. Vimos que o contrato de gestão celebrado no âmbito da admimstração publIca, aquele preVIsto no art. 37, § 8.". da ConSlttuição; tem como contra­partida a ampliação da autonomia do órgão ou entidade que se compromete a atmgIr as melas estabelecidas no ajuste.

Diferentemente, esse contrato de gestão celebrado com as organtzações SOCiaiS acaba resultando em sensível redução da autonomIa da entidade. Por outro lado, a orgamzação socIal receberá como contrapartida recursos públicos. .

Por óbvio, a orgamzação SOCial fica SUjeita não só ao controle relattvo ao atIngImento das metas fixadas no contrato de gestão, mas também aos controles aplicáveis a toda e qualquer pessoa que receba e utilize reCUr­sos públicos, a exemplo dos exercIdos pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

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Capo V· REFORMA ADMINISTRATIVA E TERCEIRO SETOR 73

3. TERCEIRO SETOR (ENTIDADES PARAESTATAIS)

Embora não eXista consenso na doutnna, adotamos o entendimento, que noS parece majontáno, segundo o qual se enquadram no conceIto de "cn­tidades paraestataIs" exclusivamente pessoas pnvadas, sem fins lucrativos, que exercem atividades de mteresse público, mas não exclusIvas de Estado, recebendo fomento do poder público, e que não integram a administração pública em sentido formal. Vale frisar: não enquadramos nenhuma entidade Integrante da admimstração pública como "paraestatal".

As entidades paraestataIs fazem parte do chamado terceiro setor, que pode ser definido como aquele composto por entidades pnvadas da SOCIedade civil, que prestam attvidade de interesse social, por mlemtlva pnvada, sem fins lucrativos, com Incentivo do Estado. O terceIro setor coexiste com o primeiro setor, que é o próprio Estado, e com o segundo setor, que é o mercado.

Estudaremos sucIntamente, nos próxImos tápicos, as seguintes entidades paraestatais:

a) servIços sociaIS autônomos~

b) organIzações SOCiaiS (OS);

c) organizações da SOCIedade CIvil de inlcresse público (OSCIP).

3.1. Serviços sociais autônomos

Os servIços SOCIaIS autônomos (SESI, SENAI, SESC, SEST etc.) são pessoas Jurídicas pnvadas, no maIs das vezes cnadas por entidades privadas representativas de categonas econômicas (Confederação NaCIOnal da Indústna, Confederação Nacional do Comércio, Confederação NaCIOnal do Transporte, entre outraSj. Embora eles não mtegrem a admimstração pública, nem sejam Instituídos pelo poder público, sua cnação é preVIsta em lei. A aqUISIção de sua personalidade jurídica ocorre quando a entidade privada mstItuidora inscreve os respectIVOS atos constitutivos no registro Civil das pessoas Jurídicas. Eles são mstttuídos sob formas jurídicas comuns, própnas das entidades pnvadas sem fins lucratIvos, taIs como assocIações CIvis ou fundações.

Os serviços SOCiaIS autônomos têm por objeto uma atividade social, não lucrativa, usualmente direCIOnada ao aprendizado profissIOnalizante, à presta­ção de serviços assistenciats ou de utilidade pública, tendo como beneficiários determmados grupos sociais ou profiSSIOnais.

São mantidos por recursos Oriundos de contribUIções SOCiaiS de natureza tributária, recolhidas compulsoriamente pelos contribuintes definidos em lei, bem como mediante dotações orçamentárias do poder público .

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74 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATlVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Pelo fato de receberem e utilizarem recursos públicos, estão sUjeItos ao controle do Tribunal de Contas da União (TCU).

O TCU decidiu que os servIços sociaIS autônomos não se submetem â leI de licitações (LeI 8.666/1993). Entretanto, não são livres para contratar; devem eles elaborar e publicar regulamentos próprios, definindo as regras relativas aos contratos que venham a celebrar, mcluSlve aos critérios para a escolha do contratado, observados os prmcipios da liCItação.

3.2. Organizações sociais (OS)

Nos termos da Lei 9.637/1998, "o Poder ExecutIvo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direIto privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao enSInO, à pesquisa científica, ao desenvolVImento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e â saúde".

Conforme se constata, as orgalllzações sociaIS não são uma nova categoria de pessoa jurídica. Trata-se, apenas, de uma qualificaçãO especial, um título jurídico concedido discricionanamente pelo poder público a determinadas entidades privadas, sem fins lucrativos, que atendam a certas eXIgências legaIS. Não mtegram a admmlstração direta nem a admlOlstração indireta; são entidades da miciahva pnvada que, sem finalidade lucrativa, associam­-se ao Estado, recebendo deste fomento para a realização de atividades de mteresse coletIVO.

As organizações SOCIais não são delegatánas de servIço público, ou seja, não exercem atividades públicas de titularídade exclUSIva do poder público, mas atIvidades prIvadas, em seu própno nome, com incentIvo (fomento) do Estado. Elas foram idealizadas para "absorver" attvidades não exclusivas de Estado realizadas por entidades da admmistração pública a serem extmtas.

As orgamzações SOCIaIS são as úmcas entidades pnvadas que celebram contrato de gestão com a admlOistração pública. O contrato de gestão é condição Imprescmdível para a qualificação como orgamzação social e é nele que são estabelecidas detalhadamente as obngações do poder público -essencialmente os meios de fomento que serão oferecidos - e as obrigações da organização sociaL

São quatro, portanto, as condições báSICas para qualificação como OS:

I) ler personalidade Jurfdica de direIto privado;

2) não ter finalidade lucratIva:

Capo V • REFORMA ADMINISTRATIVA E TERCEIRO SETOR 75

3) atuar nas atividades de enSIno. cultura, saúde, pesqu1sa clentifica. desenvol­VImento tecnológiCO e preservação do meio ambIente;

4) celebrar contrato de gestão com o poder público.

Além disso, para a qualificaçãO, é necessario que haja aprovação, quanto â conveniência e oportunidade, pelo mInIstro ou tttular de órgão supervIsor ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto da orgam~ação social, significa dizer, a qualificação como orgamzação SOCIal e ato dlscn­cionário do poder público.

Os pnnClpaIS Instrumentos de fomento às organizações sociaIS, prevIstos na Lei 9.637/1998, são:

a) destmação de recursos orçamentános;

b) permissão gratUita de uso de bens públicos necessanos ao cumprImento do contrato de gestão, dispensada licitação. devendo constar de cláusula expressa do contrato de gestão;

c} cessão especial de servídor para as organizações sociaiS, com ônus para o órgão de orIgem do servidor cedido.

Além desses beneficios, o art. 24, mClso XXIV, da LeI 8.666/l993 arrola como hIpótese de licitação dispensável a "celebração de contratos de pres­tação de serviços com as organizações sociais. qualificadas no âmbIto das respectivas esferas de governo, para atIvidades contempladas no contrato de gestão". Isso SIgnifica que a admmistração pública, ao contratar servIços a serem prestados pelas organizações sociais, pode deixar de realizar liCItação, desde que aquele servIço esteja previsto no contrato de gestão celebrado pela orgamzação social.

Como as organizações SOCIais recebem recursos públicos, estão SUjeItas a controle da utilização desses recursos pelo TCU.

AdemaIS, a execução do contrato de gestão celebrado por orgamzação social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervIsara da area de atuação correspondente á atividade fomentada,

O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das dispOSIções contidas no contrato de gestão.

A desqualificaçãO será precedida de processo admmistrativo, assegurado o direito de ampla defesa, respondendo os dingentes da organização SOCIal, mdividual e solidariamente, pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão.

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76 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A desqualificação Implicará a reversão dos bens pcrmJtidos e dos va­lores entregues à utilização da orgamzação SOCial, sem preJujzo de outras sanções cabíveis.

3.3. Organizações da sociedade civil de interesse público (OSC1PI

A Lei 9.790/1999. regulamentada pelo Decreto 3.100/1999, mstItlllu um novo regime de parceria entre o poder público e a illlclatlva pnvada: as organizações da SOCiedade civil de mteresse público (OSCIP).

Diversas pessoas Jurídicas, contudo, foram Impedidas. pela lei, de receber a qualificação de OSCIP, como são exemplos (art. 2.°): sindicatos. mstltUlções religiosas. partidos polítIcos, cooperativas. fundações públicas. É mteressante ressaltar que entre as entidades que não podem ser qualificadas como OSCIP estão as organizações sociais.

As OSCIP podem atuar em diversas áreas, todas elas de mteresse social. e sempre sem finalidade de lucro (art. 3.°). Evidentemente. não podem exercer atividades exclusivas de Estado, uma vez que são pessoas pnvadas. não integrantes da admmlstração pública.

O regime estabelecido pela Lei 9.79011999 para a qualificação de pessoas pn­vadas como OSCIP é mUlto parecido com aquele estabelecido pela Lei 9.637/1998 para as orgamzações sociais. Em ambos os casos, trata-se de pessoas pnvadas. sem fins lucrativos. que exercem atividades de mteresse SOCial e recebem uma qualificação do poder público, observadas as exigênCIaS legais: essa qualificação serã de "organiZação SOCIal" (ato discnclOnário), em um caso~ e de ';organização da SOCiedade CIvil de mteresse público" (ato vmculado), em outro.

As OSCIP, entretanto. não foram idealizadas para "substttUlr" a adml­DIstração pública. mediante "absorção" das allvidades exercidas por órgãos e entidades admInistrativos a serem extintos. Essa "substituição" fOI planeJada apenas para as orgamzações SOCIaiS.

O requenmento da qualificação como OSCIP deverá ser formalizado perante o Ministéno da Justiça. que. verificando o atendimento dos reqUIsitos previstos na lei, deferirá o pedido e expedira o certificado de qualificação. Confonne se constata, a qualificação é ato adminIstrativo vinculado: a entidade prIvada que preencha todas as condições exigidas pela lei para ser qualificada como OSCIP tem direito a essa qualificação; o poder público somente pode recusar a qualificação se a entidade deixar de cumprir alguma das exigênCias ou Incorrer em alguma das vedações estabelecidas na LeI 9.790/1999.

-O vinculo entre o poder público e as organizações da SOCiedade civil de interesse público. imprescIndível para a qualificação da entidade e para que ela possa receber fomento do Estado. é estabelecido mediante a celebração de termo de parceria.

Cap. v· REFORMA ADMINISTRATIVA E TERCEIRO SETOR 77

No termo de parcena devem estar previstos. de modo detalhado. os direitos e as obngações dos pactuantes. tais como o objeto do ajuste, as metas a serem alcançadas. os prazos de execução. os CrItérios de avalia­ção de desempenho, a preVisão de receitas e despesas, a obrigatoriedade de apresentação de relatóno anual, acompanhado da prestação de contas, etc.

Diferentemente do que acontece com as OS, não existe uma hipótese gellenca de liCitação dispensàvel para a contratação das OSCIP pelo poder público. Vale dizer. o só fato de uma entidade ser qualificada como OSCIP não pode ser fundamento para que o poder público dispense a liCitação caso pretenda contratar essa entidade para prestar a ele algum serviço. Somente se as característIcas do contrato a ser celebrado com uma OSCIP. ou a SItuação que se apresente no caso concreto. estiverem enquadradas em alguma hIpó­tese genénca de licitação dispensável prevlsta no art. 24 da Lei 8.666/1993 é que. então. o poder público poderá dispensar a liCitação - porém. vale repetir, essa dispensa nada terá a ver com o fato de a entidade contratada estar qualificada como OSCIP.

As OSCIP estão sujeitas a controle pejo TeU. reJatJVamente à utilização dos recursos públicos que receba.

A execução do termo de parcena será supervisionada pelo órgão do po­der público da area de atuação da atIvidade fomentada e. quando eXistIrem. pelos conselhos de polílIcas públicas das areas correspondentes de atuação. em cada nível de governo.

A entidade que descumpnr as normas estabelecidas na lei perderá a qua­lificação como organIzação da SOCiedade Civil de mteresse público, mediante deCISão proferida em processo admmistratIvo ou Judicial. mstaurado a pedido do Ministéno Público ou de qualquer cidadão, em que sejam assegurados â entidade o contraditÓrIO e a ampla defesa.

AbaiXO. apresentamos quadro em que destacamos pontos comuns e di­ferenças relevantes entre as organizações sociais (OS) e as orgamzações da SOCiedade Civil de mteresse público (OSCIP).

os - Lei 9.637/1998 OSCIP - Lei 9.790/1999

Pessoa privada. não Integrante da Pessoa privada, não Integrante da admlOlstração pública. administração pública.

Atuação em áreas de lOteresse !~;oclal, Atuação em áíeas de mteresse SOCial, especificadas na lei respectiva. Não são especificadas na lei respeclíva. Não são delegatânas de serviços públicos. delegatánas de SetvlÇQs públicos.

Vedada finalidade de lucro. Vedada finalidade de lucro.

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78 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO OESCOM?UCADO • Vicente Paulo & Marcelo A/exandn"no

os - Lei 9.637/1998 OSCIP - Le, 9.79011999

Foram idealizadas para substitUIr orgãos e entidades da administração pública, que Não foram idealízadas para substiturr senam extintos e tenam suas atividades órgãos ou entidades da admrnlstração. "absorvidas" pela OS.

Formaliza parcena com o poder público Formaliza parcena com o poder público mediante contrato de gestão. condição mediante termo de parcena, condição mdispensá~er para a entidade fazer IUS ao mdispensavel para a entidade fazer IUS ao fomento a suas atividades. fomento a suas aUvitfades.

Qualificação é ato discricIonário. Qualificação e ato vInculado.

Qualificação depende de aprovação pelo Mimstro de Estado ou titular de órgão

Qualificação concedida pelo Mimsténo da supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao objeto social Justiça.

da OS.

Uma entidade não pode ser quallficada Uma entidade não pode ser qualificada concomitantemente como OS e, aSC]? concomrtantemente como OS e OSCIP.

A lei eXIge que a OS possua um conselho A lei eXige que a OSCIP tenha um

de admInistração, do qual participem conselho fiscal; não eXige que a OSC!P

representantes do poder público; não exige tenha conselho de admlOlstração. Não ha eXigênCia de que eXistam representantes do que a OS tenha conselho fiscal. poder público em algum órgão da entidade.

-É hipótese de licItação dispensavel a Não eXIste hipótese lega', genénca de conlratação de OS pelo poder público, para

licitação dispensável para a contratação de a OS prestar ao poder público servJços contemplados no contrato de gestão. aSC!? pelo poder público.

O Poder Execulivo poderá proceder A entidade perdera a qualificação como á desqualificação da entidade como OSCIP quando descumpnr as normas orgamzaçao socIal. quando constatado o eslabelecidas na lei, mediante decIsão descumprimento das disposIções contidas em processo administrativo ou Judicial, de no contrato de geslão. Necessano processo Iniciativa popular ou do Mimstério Público, administrativo, assegurados o contraditÓriO e assegurados () contraditóno e a ampla a ampla- defesa. defesa.

SERVIDORES PÚBLICOS (DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS)

1. INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 contém uma grande quantidade de disposlções nas quais são veiculados pnncipios e regras pertmentes à admInistração pública. A análise dessas disposições penmte concluir qúe especial atenção fOI dada aos agentes públicos, sendo muito numerosas as regras acerca das relações Jurídicas existentes entre eles e o poder público, tais eomo as concernentes ao acesso a cargos e empregos públicos. li remuneração, it acumulação. it estabilidade, ao regime próprio de previdência etc.

Conforme fOi exposto em outro capitulo desta obra, não há consenso doutrináno sobre nomes e classificações das pessoas que mantêm vínculo de natureza funcional com o Estado. Os artIgos constitucIOnais que estudaremos no presente capítulo - arts. 31 a 41 - concentram-se, amplamente, em uma das categonas do gênero agentes públicos: os servidores públicos em sentido estrito, ou seja, os agentes públicos que mantêm vínculo estatutário com a administração pública, ocupando cargos públicos de provimento efetiVO e car­gos públicos de prOVImento em comissão. E verdade que algumas das regras que serão estudadas têm escopo maIS abrangente, alcançando os empregados públicos e até mesmo os agentes temporános. mas. cumpre repetir, a maior parte das dispOSições é endereçada aos servidores públicos estatutários.

Antes de imclarmos o estudo dos preceItos constItucIOnais vazados nos arts. 37 a 41, convem relembrar. sucintamente, as defimções de servidor pú­blico, empregado público e agente temporário. bem como apresentar conceitos a elas relacionados, como os de cargo, emprego e função pública.

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80 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO OESCOMPUCAOO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Na classificação que adotamos, a expressão agente público é a maIS abrangente e genérica, inclumdo toda e qualquer pessoa que mantenha algum vínculo de natureza funcIOnal com o poder público. Denommamos agentes admwlstratlvos uma das categonas de agentes públicos.

Os agentes admimstrativos são todos os que exercem urna atividade pública de natureza profiSSional e remunerada, sUjeitos à hierarquia funcio­nal e ao regime jurídico cstabelecido pelo ente federado ao qual pertencem. Subdividem-se em:

a) servidores públicos: são os agentes adminIstrativos sUjeitos a regime juridico~admimstrallvo, de c8ràter estatutãno (isto é, de natureza legal, e não contratual); são os titulares de cargos públicos de provimento efetivo c de proVImento em comissão~

b) empregndos públicos: são os ocupantes de empregos públicos, sUjeitos a regime Jurídico contratual trabalhlsta~ têm "contrato de trabalhou, em sentido prôpno. e são regidos basicamente pela Consolidação das LeIS do Trabalho - CLT (são, por isso, chamados "celetlstas")~

c) temporários: são os contratados por tempo detennmado para. atender a necessidade tcmporárta de excepclOnal mteresse público. nos tennos do art. 37, IX, da ConstitUIção; não têm cargo público nem emprego públi­co; exercem uma função pública remunerada temporána e o seu vínculo funcIonai com a admInIstração pública e contratual, mas se trata de um contrato de direito público, e não de natureza trabalhIsta (eles não têm o I'contrato de trabalho" propnamente dito, prevlsto na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT); em síntese~ não são agentes públicos celetistas, nem propnamente estatutários, mas eslão vmculados â admInistração pública por um regime funCIOna! de direito público~ de natureza jurídico-admmtstrattva (e não trabalhIsta).

E oportuno anotar que a expressão "servidores públicos" é frequentemente empregada em sentido amplo, englobando os servidores públicos em sentido estrito (estatutános) e os empregados públicos.

Outras defimções que devem ser estabelecidas, por estarem intimamente relaCIOnadas aos conceitos aCima ViStoS, ou por se reportarem a vocábulos ou expressões utilizados no texto constttuclonal, são:

a) cargos públicos;

Cargos são as maIS simples e mdivlsíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denomi­nação própna, retribuídas por pessoas jurídicas de direIto público e enadas por lei (Celso Antõnio B. de MeUo).

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Capo VI • SERVIDORES PUBLlCüS (OISPOSIÇOES CONSTITUCIONAIS) 81

o Supremo Tribunal Federal já deIxou assente que não só a cnação do cargo públíco exige lei, mas também a eventual alteração das suas atribUIções. Afinal, a própria lei que cna o cargo deve, ao fazê-lo, definir as respecttvas competênCIaS, não sendo admissivel, portanto, que as pretendesse modificar um ato mfralegal (MS 26.955/DF).

Os titulares de cargos públicos submetem-se ao regime estatutáno ou instituCional (não contratual). São os servidores públicos efetivos e comis­SIOnados, confonne o cargo seja efeti vo ou em comIssão. Cargos públicos são próprios de pessoas jurídicas de direito público.

b) empregos públicos;

Empregos públicos são núcleos de encargos de trabalho pennanentes a serem preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista (Celso Alltômo B. de Mello).

O regime jurídico e trabalhista (contratual), embora pontualmente derro­gado por nonnas de direito público, sobretudo as que diretamente constam do texto constitucional. tl a fonna de contratação propna das pessoas jurídicas de direito pnvado.

c) funções públicas.

Para Mana Sylvla Di Pietro, são funções públicas as funções de confian­ça e as exercidas pelos agentes públicos contratados por tempo determinado para atender a necessidade temporàna de excepCIOnal mteresse público (CF, art. 37, IX). Em nenhum caso há concurso público para o preenchimento de funções públicas.

Adiante, neste capítulo, quando for analisado o art. 39 da Constituição, sera aprofundado o estudo do regime jurídico funCIOnai dos agentes admi­nistrativos dos diferentes órgãos e entidades da admmlstração pública como um todo.

Vejamos, antes, as regras constantes do art. 37 da Carta Políttca aplicá­veiS aos agentes públicos.

2. ACESSO A FUNÇÕES, CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS

Os pnmeiros inCISOS do art. 37 da Constituição de 1988 dispõem acer­ca do acesso aos cargos, empregos e funções nas admmlstrações diretas e mdiretas de todos os entes federados.

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82 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

o mCISo [ do arL 37 afilma que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os reqUISItos estabelecidos em leI, assim como aos estrangeiros, na forma da leL

Conforme se constata, a SItuação dos brasileIros e a dos estrangeIros são diferentes. Com efeito, para que os brasileiros, natos ou naturalizados, tenham possibilidade de acesso aos cargos, emprcgos e funções públicas, basta o atendimento aos reqUIsitos da leI. Já os estrangeIros têm acesso a cargos, empregos e funções públicas, "na forma da lei". Trata-se, no caso dos estrangeIros, de nonna constItUCIOnal de eficácia limitada, dependente de regulamentação em lei.

Vale lembrar, ademaiS, que eXIstem cargos pnvativos de brasileiro nato, enumerados no art. 12, § 3.°, da Carta Política (Presidente e Vice-Presidente da República; Presidente da Câmara dos Dcputados; Presidente do Senado Federal; Mimstro do Supremo Tribunal Federal; carreIra diplomátIca; oficial das forças armadas; Mimstro de Estado da Defesa).

Decorre também do mClso I do art. 37 a vedação â Imposição. sem amparo legal. de exigênCIaS que limItem ou condiCIOnem a partIcipação de candidatos em concursos públicos. Significa dizer, os editaís de concursos públicos não podem criar, por força próprIa, restrições à partICIpação de candidatos nos certames. AdemaIS, o veto à partIcIpação no concurso do candidato que não satisfaça as exigênCIaS legais deve sempre ser motIvado, conforme detennma a Súmula 684 do STF, cuja redação transcrevemos:

684 - E inconstitucIOnal o veto não motivado à partiCIpação de candídato a concurso público.

Nem mesmo a lei é livre para estabelecer restrIções li partiCipação de candidatos em concursos públicos, uma vez que não pode o legisla­dor contrariar os prmciplOS jurídicos constttuclOoaís corno a Isonomia, a razoabilidade, a proporcionalidade. Exemplifica essa Imposição de condicionamentos ao próprio legislador o teor da Súmula 683 do STF, abaixo reproduzida:

683 - O limite de idade para a mscnção em concurso públi~ co só se legitIma em face do art. 7.", XXX, da Consl:ltUlção. quando possa ser Justificado pela natureza das atribUIções do cargo a ser preenchido.

o mClso Il do art. 37 da Carta da República explicita a exigênCIa de aprovação préVIa em concurso público pará o acesso a cargos efetIVOS e empregos públicos. É a seguinte sua redação:

'.;:

Capo VI • SERVIDORES PÚBLICOS (DISPOSIÇOES CONSTITUCIONAIS)

II - a Investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação préVIa em concurso público de provas ou de provas e títulos. de acordo com a natureza e a compiexidade do cargo ou emprego, na fonna prevista em !eI. ressalvadas as nomeações para cargo em COITIlssão declarado em lei de Iívre nomeação e exoneração;

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Constata-se que a exigênCIa de concurso público não abrange a nomeação para cargos em comissão, os quais, por definição, são de livre nomeação e exoneração, com base exclUSIva em critérios subjetIVOs de confiança da autoridade competente. Não e obrigatóno o concurso público, tampouco, nos casos de contratação temponina. prevIsta no inciso IX do art. 37 da Constituição.

O concurso público deve ser de provas ou de provas e títulos. Fica, aSSIm, proibida a realização de contratações para cargos efetivos ou empregos públicos baseadas exclusivamente em análise de títulos ou currículos, ou em quaisquer outros procedimentos que não mcluam a realização de provas. Embora não esteja escrito na ConstituIção, é evidente, como decorrência, cntre outros, do pnncípio da moralidade, que a exigência de títulos em concursos públicos somente se justifica para os cargos ou empregos cUjas atribUIções dependam de especial conhecimento técnico ou científico. por exemplo, cargos de pesquisador ou professor em universidades públicas, cargos pnvativos de médico, engenheiro, advogado etc. Cabe mencionar que o inciso V do art. 206 da ConstItuição, desde a sua redação original. exige concurso público de provas e títulos para ingresso no magistério público.

Podem ser exigidos exames pSlcotécmcos ou de avaliação psicológica para a habilitação ao cargo ou emprego, desde que exista previsão em lei, os cnténos sejam objetivos e haJa possibilidade de recurso pelo candidato eventualmente mabilitado. Versa sobre esse tema a Súmula 686 do STF, cuja redação reproduzimos abaixo:

686 - Só por fel se pode sUjeitar a exame pSlcotécmco a ha­bilítação de candidato a cargo público.

O Supremo Tribunal Federal já deixou assente, maIs de uma vez, que é legítimo que a administração pública modifique condições de um concurso que estivessem originalmente previstas no respectlvo edital, quando ISSO for necessáno para adequação a eventuaIs novidades surgidas na legislação posterlonnente à publicação do edital, contanto que o concurso público ainda não esteja concluido e homologado (MS 21.160IDF; MS 26.668/DF).

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84 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Exemplificando, Imagine-se que um detennmado mUnicípIO estivesse rea­lizando um concurso público para o cargo "W" em que houvesse Uma segunda etapa consIstente em um ucurso de formação", meramente classificatório. com duração, prevlsla ongmalmente no edital. de doIS meses. Suponha-se que, logo depoIs de concluída a pnmelra etapa, o mesmo município editasse uma lei eXigindo que, para o cargo "W", o concurso público fosse mtegrado por uma etapa de "curso de fonnação", elimmatóno e classificatório, com duração mimma de três meses. Nessa hipótese, a administração pública mUlllclpal tena que modificar o edital para adaptá-lo á nova lei (porque o concurso ainda não eslava concluído e homologado) e todos os candidatos que tivessem passado pela pnmeira etapa estanam sUjeitos ao "curso de formação". elimInatóno e c1assificatórlo, com duração de três meses.

Uma questão Importante conceme à possibilidade de Impugnação jU­diCial dos gabantos divulgados em um detenninado concurso público (se estão ou não corretos, se devenam ser alterados), bem como dos cntérios de correção das questões e de atribUição de notas adotados pela respectiva banca exammadora.

Há mUlto está consolidada, no âmbito da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que esse tipO de análise Implicana controle do mérito admlOlstrallvo, e não controle de legalidade. Por ISSO, entende nossa Corte Suprema que é mcabivel o Poder Judiciário verificar se estão corretos os gabaritos apresentados para as questões, bem como apreciar se são ade­quados os criténos de correção e de atribUIção de notas. Confonne mUltas vezes reiterou o Prelóno Excelso, "não cabe ao Poder Judiciáno, no controle JurisdicIOnal da legalidade, substitUIr-se à banca exammadora do concurso público para reexammar os criténos de correção das provas e o conteúdo das questões fonnuladas" (RE 560.551/RS; AO J.627/BA).

Outra situação, relacIOnada à que acabamos de expor - mas não igual -. conceme li possibilidade de ser verificado se o conteúdo cobrado em deter­mInada questão eslá mcluido entre os assuntos enumerados no programa de diSCiplinas constante do edital do concurso. Nesse caso, diferentemente daquele que vimos anteriormente, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que a análise se enquadra no campo do controle de legalidade - e não de ménto admllllstratlvo -, sendo passivel, portanto, de ser realizada pelo Poder JudiciáriO, para o fim de anular as questões do concurso em que sejam cobradas matérias não previstas no respectivo edital (RE 434.708/RS).

O § 2.° do art. 37 da ConstitUição estabelece que O desrespeito â eXI­gênCia de concurso público ou ao seu prazo de validade Implicará a nulidade do ato (o ato de nomeação, no caso de cargos públicos, ou a celebração do contrato de trabalho, quando se tratar de empregos públicos) e a pumção da autoridade responsável, nos tennos da lei.

Capo VI· SERVIDORES PUBLIcas (DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS) 85

Quanto a esse último ponto, e Importante fazer uma observação a res­peito das situações em que a admlDlstração pública promove o denomInado "desvio de função", vale dizer, o dirigente da unidade admllllstratlva de lotação do servidor impõe a este o exercíCIO de atribUições de outro cargo, diversas daquelas que correspondem ao cargo para O qual ele fOI nomeado e empossado.

Nessas circunstânCIaS, em Virtude da eXlgêncJa constitucIOnal de aprovação em concurso público especifico para cada cargo, não pode o servidor, depois da ConstitUIção de 1988, ser "reenquadrado" no cargo cUjas atribuições está mdevidamente sendo obrigado a exercer. O que acontece é surgIr para esse servidor o direito a receber as diferenças de remuneração pelo periodo em que exerceu, de fato, as funções do cargo estranho ao seu. Além disso, e claro que, constatado o desvIO, deve a admmlstração adotar as providências necessánas a lInediata cessação dessa anomalia (e responsabilízar quem a ocasIOnou).

O prazo de validade do concurso público está previsto no Inciso 1Il do art. 37: "será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período" ..

Entende-se por prazo de validade do concurso público o período durante o qual a administração poderá nomear ou contratar os aprovados para o pro~ viOlento ou preenchimento do cargo ou emprego público a que se destmava o concurso.

O prazo de validade é contado da homologação do concurso. Homologa­ção e o ato adminIstrativo mediante o qual a autoridade competente certifica que O procedimento do concurso fOI válido e que o certame fOI regulannente concluído. A nomeação ou a contratação dos aprovados somente pode ocorrer após a homologação do concurso e dentro do prazo de validade deste.

Confonne a tradiCIOnal JurisprudênCia do Supremo Tribunal Federal, a aprovação em concurso público, mesmo que houvesse número certo de vagas previsto no edital, não gerava para o candidato direito adqUIrido à nomeação, mas simples expectativa de direito.

Entretanto, em Julgados posteriores, diferentemente do que propugnava no passado, nossa Corte Suprema tem se referido à eXistênCia de direito snbjetivo à nomeação quando o candidato e classificado dentro do numero de vagas preVIsto no edital, A orientação hOje eXistente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, segundo nos parece, e que a aprovação em concurso público dentro do numero de vagas fixado no edital cna para o candidato direito adquirido â nomeação - e não mera expectativa de direito -, obedecida, evidentemente, a ordem de classificação (RE 227 ASO/RJ).

Sem prejuízo dessa nova orIentação junsprudencial de nossa Corte Su­prema, é oportuno registrar que há mUIto tempo é pacificamente consagrada

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86 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicenle Paulo & Marcelo A/exandrinD

a eXistênCia de direito adquirido á nomeação, Independentemente de existir número certo de vagas estlpulado no edital, em caso de ser preterida a ordem de classificação de candidato aprovado em concurso público.

Por exemplo, se a admimstração promove concurso público para o cargo "X" e nomeia exclUSIvamente o segundo classificado, ha direito adquirido à nomeação para O candidato classificado em pnmelro lugar, que foi preterido na nomeação. Em suma, surge direito adquirido ã nomeação para o candidato mais bem classificado se a administração nomear antes dele outro candidato que haja obtido colocação mferior no certame. É o que consta da Súmula 15 do STF, abaixo transcrita:

15 - Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direIto â nomeação. quando ° cargo for preen­chido sem observância da classificação.

Amda sobre prioridade na nomeação, cumpre registrar a regra vazada no inciso IV do art. 37 da Constituição, embora sua redação seja bastante nebulosa:

IV - durante o prazo Improrrogável previsto no edital de con~ vocação. aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos serã convocado com pnoridade sobre novos concursados para assumIr cargo OU emprego, na carreira;

Parece-nos razoável a interpretação segundo a qual o "prazo Improrro­gável" a que se refere o dispositivo seria somente o período de prorrogação, porque, findo este, não pode haver outra prorrogação. Assim, segundo esse entendimento, não seria possível a abertura de um segundo concurso para o mesmo. cargo durante o período onginalmente previsto no edital do pnmeiro concurso, mas seria possível a abertura do segundo concurso durante o período de prorrogação do. primeiro, que correspondena ao "prazo improrrogável". de que fala a Constituição.

Seja qual for a interpretação a ser adotada para "prazo improrrogável previsto no edital de convocação". o fato é que a Constttuição de J 988 não veda a realização, pela mesma admimstração, de um novo concurso para o mesmo cargo ou emprego enquanto amda válido um concurso an­terionnente efetuado, mesmo que amda haja candidatos aprovados neste concurso antenor. A Carta Magna Simplesmente estabelece pnorídade para a nomeação dos aprovados no concurso antenor, que amda esteja dentro do prazo de validade, sobre os aprovados no novo concurso para o mesmo cargo ou emprego.

Capo VI • SERVIDORES PÚBLICOS (DfSPOSIÇOES CONSTITUCIONAIS) 87

o mClso VIU do art. 37 do texto constItucIOnal detennma que o le­gislador de cada ente federado estabeleça reserva de vagas, nos concursos públicos, para candidatos portadores de deficiência. E a segumte a redação do dispositIvo:

VIII - a lei reservara percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras óe deficiêncla e definira os cntérios de sua admissão:

o ponto importante a observar é a necessidade de realização de concurso público pelos deficientes, ou seja, quando a Carta da República aflnna que a lei "defimra os critérios de sua admIssão" não os está dispensando de concurso público. O que a lei deve garantir - a exemplo do que fez a Lei 8.11211990, que prevê a reserva para defiCientes de até vinte por cento das vagas ofere­cidas no concurso - é que, no concurso realizado para determinado cargo, um percentual de vagas seja destinado ao preenchimento por portadores de deficiênCia, fisica ou mental, compatível com o exercício do cargo.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que, na hipótese de o concurso destmar-se ao preenchimento de mUIto poucas vagas - uma ou duas vagas, por exemplo -. é legítimo que nenhuma seja reservada para defiCIentes pelo edital (MS 26.310IDF). Isso porque, exemplificando, em um concurso para o preenchimento de duas vagas, se uma vaga fosse assegurada a portador de deficiência, estaria o edital, na verdade, estabelecendo uma reserva de cmquen­ta por cento do total das vagas eXistentes, percentual evidentemente superior ao que as leis de qualquer ente federado podem razoavelmente prever.

A exata sistemática de reserva de vagas sera definida pelo edital. O mais comum é que os candidatos portadores de necessidades especiais se inscrevam como deficientes e concorram entre si para o preenclllmento das vagas a eles reservadas.

A análise da compatibilidade das atribuições do cargo com as necessi­dades especiais (deficiência) do candidato aprovado deverá ser efetuada por serviço médico oficial.

Vistas as regras constttucionais concernentes aos concursos públicos, tratemos de outras fonnas de acesso a cargos e funções públicas.

O mciso V do art. 37 trata da deSignação para o exerCÍcIo de funções de confiança e do provimento de cargos em comissão, nos seguintes termos:

v - as funções de confiança~ exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetIVO, e os cargos em comis­são, a serem preenchidos por servidores de carreIra nos casos, condições e percentuaís mínimos previstos em fei. destmam-se apenas ás atribuições de direção. chefia e assessoramento~

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88 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO ~ Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Os cargos em comIssão são declarados em leI como de livre nomeação e exoneração. Significa ISSO que, em principIO, qualquer pessoa. mesmo que não seja servidor público, pode ser nomeada para exercer um cargo em co­mIssão. A mesma autoridade competente para nomear é competente para, a seu cntério, exonerar o servidor ocupante do cargo comissionado.

A exoneração não pOSSUI caráter pUnItIVO. No caso dos cargos em comIs­são, da é um ato admmistratlvo amplamente diSCrIcIOnárIo. Por esse motIvo, além de não precIsar ser motivada, não se cogita a Instauração de processo admmistrativo, tampouco contraditóno ou ampla defesa.

Observa-se, assim, que o provimento de cargo em comIssão é sempre feIto a titulo precário. Não se adqUIre, em nenhuma hipótese, estabilidade em decorrêncIa do exercícIO de cargo comIssionado, não importa durante quanto tempo o servidor o exerça.

Pela nomla constante do inCISO V do art. 37, não poderIa ocorrer - ao menos teoncamente - que, nos quadros da adnllntstração pública de um determinado ente federado, todos os cargos em comIssão fossem preenchi­dos mediante nomeação de pessoas não tntegrantes dos corpos funCIOnais permanentes do serviço público. Com efeIto, o texto constitucIonal eXIge que cada pessoa política estabeleça em lei percentuaIs mimmos dos cargos em comIssão que deverão ser preenchidos por servidores de carreIra (isto é, concursados), além de casos e condições em que obrigatoriamente isso deva ocorrer. Essa regra, extremamente salutar e moralizadora, fOI introduzida pela EC 19/1998. Todavia, pelo menos na esfera federal, não eXIste uma lei geral, aplícàvel a todas as carreiras federais, que estabeleça os percentuaIs mimmos de ocupantes de cargos em comissão que devam ser, também, !ttulares de cargos efetivos.

No caso de função de confiança, a designação para seu exerciclo deve recaIr, obrigatoriamente, sobre servIdor ocupante de cargo efetivo, regra introduzida pela EC 19/1998. Portanto, não se pode falar em livre deSIgnação para função de confiança. Já a dispensa de função de confiança é livre, a cflténo da autoridade competente.

A nomeação para cargo de provImento em comIssão - nomeação ad l1ulum - não pode, em regra, ser subs!ttuída por outra slstema!tca de escolha do agente a ser nomeado. Com base nesse entendimento, o Supremo Tribunal Federal já declarou mconstltucionals normas estaduaIS de imcIativa do Poder LegISlativo que previam a eleição como forma de escolha de diflgentes de escolas públicas. Deixou assente o Pretóno Excelso que a competêncIa para essa nomeação é pnvativa do Chefe do Poder ExecutIvo, uma vez que o cargo de diretor de escola pública e um cargo em comIssão e, como tal, de confiança da CItada autoridade, a quem o ordenamento confere as prerrogatIvas de livre nomeação e exoneração, incompatíveis com o sistema de eleIções.

Capo VI· SERVIDORES PUBLlCOS (DISPOSIÇÓES CONSTITUCIONAIS) 89

A EC 19/1998 mtroduzlU outra regra de mtUlto moralizador segundo a qual as funções de confiança e os cargos em conllssão destinam-se apenas às atribUIções de direção, chefia e assessoramento. Com fundamento nessa restnção, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de declarar in­constitucional leI estadual que pretendeu cnar diversos cargos em comIssão com atribUIções de natureza meramente têcmca (AO! 3.706/MS). Cargos com atribUIções têcmcas devem ser cargos de provlInento efetIVO, somente passiveis de ser exercidos, dessarte, por servidores previamente aprovados 'em concurso público, nos termos do art. 37, n, da Constlullção.

Também arnmada na restnção em foco, nossa Corte Suprema, em junho de 2010, CItando diversos precedentes seus de SImilar teor, decla­rou Inconstitucional leI do DistrIto Federal que criara múmeros cargos em comissão, sob o fundamento de que as respectIvas atribuições se refenam ao "desempenho de allvidades rotmelras da admimstração" (RE 376.440/DF).

É relevante regIstrar que o Supremo Tribunal Federal, em duas deCIsões hIstÓrIcas (ADC 12/DF e RE 579.95I1RN), prestigIando os principias cons­tItUCIOnaIS que onentam a atuação da admInIstração pública como um todo, sobretudo os postulados da moralidade admmistrattva e da Impessoalidade, considerou ofensiva á Conslltulção da República a prática do denommado nepotismo (nomeação de parentes, consanguineos ou por afinidade. para cargos em comissão e funções de confiança).

Conforme asseverou nossa Corte Suprema, a vedação ao nepotIsmo, mcluslve ao chamado "nepotIsmo cruzado" (dOIS agentes públicos, em con­lUIO, nomeIam familiares um do outro), não depende de lei formal para ser implementada; tal proibIção decorre, diretamente, dos prmcipIOs expressos no art. 37, capu/, da Carta de 1988 - os quaIs são dotados de eficácia imediata -, devendo ser observada por todos os Poderes da República e por todos os entes da Federação.

A partir dessa orIentação, fOI editada a Súmula Vinculante 13, cuja redação transcrevemos:

13 - A nomeação de cônjuge, companheIro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceIro grau j mcluslve, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa Jurídica~ Investido em cargo de direção~ chefia ou assessoramento, para o exerciclO de cargo em comissão ou de confiança. ou. amda, de função gratificada na Administração Pública direta e mdireta~ Cm qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distnto Federal e dos mumciplOs, compreendido o ajuste mediante deSIgnações reciprocas. VIOla a ConstItuIção FederaL

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90 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO .. Vicente PauTo & Marcelo Afexandrino

É Importante ressalvar, consoante o entendimento explicItado pela nossa Corte Suprema nos julgamentos que deram Origem à Súmula Vinculante 13, que a vedação ao nepotismo não alcança a nomeação para cargos polí­ticos. Dessa forma, por exemplo, um prefeIto de mumcipIo pode nomear o seu sobrinho para o cargo político de secretárIO mumcIpal; um governador de estado pode nomear o seu filho para o cargo político de secretário estaduaL Entretanto - amda exemplificando -, o mesmo govemador não pode nomear o seu Irmão para o cargo meramente admmIstratlvo de assessor juridico do gabinete do secretário de fazenda do estado.

No âmbito da admlIllstração pública federal, o Decreto 7.203/2010, poste­rior li Súmula Vinculante 13, regulamenta a proibição do nepotismo, Incluido o nepotismo cruzado, estendendo as vedações, também, às contratações de agentes para atenderem a necessidade temporária de excepCIOnal interesse público, salvo se efetuadas mediante prévIO processo seletivo regular, e as contratações de estagiários. a menos que precedidas de processo seletIVO apto a assegurar a isonomia entre os concorrentes.

O inciso IX do art. 37 da Constituição prevê uma outra fonna de admissão de agentes públicos pela administração pública, diversa do prOVImento de cargos efetivos e do preenchimento de empregos públicos mediante concurso público e diversa da nomeação para cargos em comissão. Trata-se da contra­tação por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excep­cional mteresse público. É a segumte a redação do citado dispOSItivo:

IX - a lei estabelecera os casos de contratação por tempo de­tennmado para atender a necessidade temponina de excepCIOnal Interesse púb1ico~

O pessoal admitido com base no inCISO IX do art. 37 do Texto Magno não ocupa cargo público. Eles não estão sujeitos ao regime estatutário a que se submetem os servidores públicos titulares de cargos efetIVOS e os servidores públicos ocupantes de cargos em comIssão.

Embora os agentes públicos temporários tenham um contrato com o poder público, não se trata do "contrato de trabalho" propriamente dito, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Aliás, ao pessoal temporário da admmistração pública, de que trata o inCISO IX do art. 37 da Constituição Federal, somente serão aplicàveis eventuais dispOSIções da CLT nos termos em que a respectiva leI própria de regênCIa - cada ente federado deve regn­lar em lei sua a contratação e o regime jurídico dos seus agentes públicos temporários - expressamente determmar, caso tal lei o faça.

De toda sorte, frise-se, o regime jurídico dos agentes públicos contratados por tempo determmado não é trabalhista, isto é, não são eles empregados

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Capo V!. SERVIDORES PúBLICOS (DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS) 91

celellstas, não têm emprego público. TodaVia, não podem taIS agentes, tam­pouco, ser enquadrados propriamente como servidores públicos estatutários (eles também não têm cargo público), embora estejam vinculados á admI­nistração pública por um regIme funcional de direito público, de natureza jurídico-administrativa.

Podemos dizer que os agentes públicos contratados por tempo detenm­nado exercem função pública remunerada temporária, tendo o seu vínculo funCIOnal com a administração pública caráter Jurídico-administrativo, e não t~abalhista, Eles têm um contrato com a administração pública, mas se trata de um contrato de direito público, e não do "contrato de trabalho" em sentido próprio, previsto na CLT.

O regime de previdência social a que estão sUjeitos os agentes públicos contratados por tempo determinado é o regime geral (RGPS), aplicável a todos os trabalhadores civis, com exceção dos ocupantes de cargos públicos efetivos.

É relevante registrar que o Supremo Tribunal Federal, em múmeros jul­gados, envolvendo diversos entes federados, firmou a orientação de que os litígios entre o Poder Público contratante e os agentes públicos temporários contratados com base no meiso IX do art. 37 da Constítuição da República não são da competência da Justiça do Trabalho, e SIm da Justiça comum - federal ou estadual (ou do Distrito Federal), conforme o caso. Por outras palavras, os agentes públicos temporários federais, quanto às causas relacIO­nadas à sua relação funcional com a administração pública federal, têm foro Da JustIça Federal; os agentes públicos temporários estaduais, municipaiS ou distritais, quanto às lides atinentes à sua relação funcional com a adminiS­tração pública do respectivo ente federado, têm foro na Jusllça Estadua! (ou do DistrIto Federal),

O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente afirmado que o inciso IX do art. 37 da Conslltuição deve ser mterpretado restritivamente, porque configura exceção à regra geral que estabelece o concurso público como o meio idôneo â admissão de pessoal no serviço público, verdadeiro coroláno do princípIO republicano. Conforme deIXOU assente a Corte Suprema em maiS de uma oportunidade, a observância cumulativa de quatro requisitos é neces­sária para que se considere legítíma essa contratação temporária, em todos os níveiS da Federação, a saber: a) os casos excepcionaIS devem estar previstos em lei; b) o prazo de contratação deve ser predeterminado; c) a necessidade deve ser temporária; e d) o mteresse público deve ser excepCIOnal.

Na esfera federal, a contratação por prazo determinado encontra-se disci­plinada pela Lei 8.745/1993, e alterações posteriores. Seu âmbito de aplicação restringe-se aos órgãos da administração direta federal, às autarquias e às fundações públicas federais. A contratação temporária na esfera federal é feita

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92 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vlcen/e Paulo & Marcelo Alexandrino

mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, Inclusive no DiárIO OficIal da União. É dispensado processo seletivo nas hipóteses de contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em sm\de pública.

3. DIREITO DE ASSOCIAÇÃO SINDICAL E DIREITO DE GREVE

O mciso VI do art. 37 da ConstitUIção garante ao servidor público (civil) o direito à livre associação smdical, nos mesmos moldes em que é assegurado esse direito aos trabalhadores em geral (CF, art. 8"). A norma do art. 37, VI, e autoaplicável (eficácia piena).

Cabe observar que o Supremo Tribunal Federal declarou InconstitucIO­nais os dispositivos da Lei 8.1121l990 que previam o direito de negociação coletIva e o direito ao ajuIzamento de ações coletivas perante a Justiça do Trabalho (alíneas "d" e "e" do art. 240, posterIormente revogadas pelo art. 18 da Lei 9.52711997). Firmou-se o entendimento de que as lides entre servidores públicos federais e a administração pública federal são de com­petênCia da Justiça Federal. lmpende registrar, ademaiS, a Súmula 679 do STF, segundo a qual "a fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva".

O mciso VII do art. 37 da Carta Polftica concede aos servidores públi­cos (civis) o direito de greve. A norma Insere-se na categorIa das normas constitucionais de eficácia limitada, segundo a já consagrada classificação de Jose Afonso da Silva.

É oportuno observar que o direIto de greve do trabalhador da iniciatIva privada está assegurado no art. 9.' da Constituição, que é uma norma au­toexercltável, embora passível de ulterior restrição pelo legislador ordinárIo (exemplo típico de norma de eficácia contida, segundo a classificação de José Afonso da Silva).

Diferentemente, repita-se, o mCISO VII do art. 37 não e autoaplícave!, ou sep, o direIto de greve do servidor público não pode ser considerado automa­ticamente exercitável com a Simples promulgação da ConstItuição de 1988.

É necessaria a edição de leI ordinária específica que estabeleça os termos e limites do exercicio do direito de greve do servidor público CIVil.

A leI regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos, reque­rida pela Carta da República, até hoje não foi editada. É relevante registrar que, em face da mércia de nosso legislador, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de três mandados de mjunção (MI 670, 708 e 712), determinou a aplicação temporária ao setor público, no que couber, da lei de greve

Capo VI 4 SERVIDORES PUBLIcas (DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS) 93

vigente no setor privado (LCl 7.783/1989), até que o Congresso NaCIonal edite a mencIonada lei regulamentadora.

Cumpre anotar, tambem, que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que fi InconstitucIOnal lei que estabeleça distinção de tralamento entre servidores estáveiS e servidores não estáVeIS que partICipem de mOVImento grevista. Segundo a Corte Suprema, a ConstItUição não autOrIza que se diferenCiem as consequênclas adminIstratIvas, para o servidor, da sua paralisação a título de greve, com base no crIteno "estabilidade", ou, alOda, no cntério "estar o servidor em estágio probatório". Asseverou o STF que discriminação dessa ordem ofende, sobretudo, o principIO da IsonomIa (ADl 3.235/AL).

Por fim, cabe observar que, para os militares, eXiste regra oposta, vale dizer, a eles são vedadas, em sede constitucional. a smdicalização e a greve, proibição expressa em norma autoaplicável (art. 142, § 3", IV), sem comportar qualquer exceção. Aliás, o Supremo Tribunal Federal já sinalizou - conquanto amda não se possa afirmar que exista pOSIção defimtlva sobre o tema no âmbito da Corte Excelsa - que a proibIção â greve deve ser estendida aos membros das polícias civis (Rcl 6.568/SP), mUito embora, como é óbVIO, eles não sejam militares, nem estejam regidos pelo art. 142 da ConstituIção da República.

4. REGRAS CONSTITUCIONAIS PERTINENTES Ã REMUNERAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS

A Constituição de 1988 estabeleceu em seu texto diversas regras relativas â remuneração dos servidores públicos. buscando evitar distor­ções e abusos prejudic13is ao equilíbrio das contas públicas e mesmo à moralidade admimstrativa. Sem embargo dessa preocupação, observamos que, mfelizmente, o próprio texto constItUCIOnal é, em mUItos pontos, vago ou impreCIso, especialmente no uso de expressões para deSIgnar as diferentes espécies e parcelas remuneratónas que os agentes públicos podem receber.

É possível, em linhas amplas, afilmar que, após a EC 19/1998, o sistema remuneratÓrIO dos agentes públicos em geral passou a ser composto por três distmtas categorIas jurídicas, a saber:

a) subsídio;

Introduzido pela EC 19/1998, o subsidio caracterIza-se por ser um estIpêndio fixado em parcela única, vedado o acréSCimo de qualquer grati­ficação, adicional, abono, prêmIO, verba de representação ou outra espéCIe remuneratÓrIa.

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94 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marçelo Alexandrino

É modalidade de remuneração (em sentido amplo) de aplicação obri­gatória para os agentes políticos (Chefes do Poder Executivo, deputados, senadores, vereadores, Mimstros de Estado, secretános estaduaIs e municipais, membros da magistratura, membros do Mimstério Público, mInistros dos tribunais de contas etc.) e para servidores públicos de determinadas carrei­ras (Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. procuradonas dos estados e do Distrito Federal, Polícia Federal, Polícia Ferroviária Federal. polícias Civis, polícias militares e corpos de bombeIros militares).

Ao lado das hipóteses em que é obngatório, o subsídio pode, a critério do legislador ordinário, ser adotado também para servidores públicos orga­nizados em carreira (CF, art. 39, § 8.°).

b) vencimentos;

Percebem vencimentos, ou, simplesmente, remuneração (em sentido estrito), os servidores públicos submetidos a regime Jurídico estatutário. Conforme a doutnna e a jurisprudêncl3, os vencimentos são compostos pelo vencimento básico do cargo (correspondente ao padrão do cargo estabeJecido em leí, normalmente denominado, apenas, "venCimento". no sIngular) e mais as vantagens pecuniárias de caráter permanente estabe­lecidas em lei.

c) salário;

É a contraprestação pecuniária paga aos empregados públicos, admitidos sob o regime jurídico contratual trabalhIsta, sujeitos predommantemente a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A seguir. serão analisados os principais dispositívos constitucionais acerca da .remuneração(em sentido amplo) dos agentes públicos.

4.1. Fixação da remuneração e revisão geral anual

O Inciso X do art. 37 da Constituição Federal. com a redação dada pela EC 1911998, determIna que "a remuneração dos servidores públicos e o subsídio ( ... ) somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a miciallva privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices".

A iniCIativa privativa das leis que fixem ou alterem remunerações dependerá do cargo a que a lei se refira. São as seguIntes as principais htpóteses de iniciativas de leis que tratem de remuneração de cargos públicos:

Capo VI • SERVIDORES PUBlicas (DISPOSIÇOES CONSTITUCIONAIS) 95

a) IniCiativa é privativa do Presidente da Repúblíca para os cargos da estrutura do Poder Executivo federal (CF, art. 6 t, § 1°, n, "a");

b) para os cargos da estrutura da Câmara dos Deputados, a imciatlva das leiS que fixem ou alterem sua remuneração será prIVatIVa desta Casa (CF, art 51, IV);

c) relativamente a cargos pertencentes á estrutura orgamzaclOnal do Senado Federal, compete pnvatIvamente a esta Casa a lnlcmtíva das leiS que fixem ou alterem suas remunerações (CF, art. 52, XlII);

d) no Poder Judicíáno, a regra e a competência pnvativa de cada tribunal para a proposta de lei que fixe ou altere as remunerações dos cargos mtegrantes de suas estruturas orgamzacionms (CF, art. 96, li, "b");

e} a fixação do subsídio dos MiOlstros do Supremo Tribunal Federal e de inICiativa pflvatlva do próprio STF. Deve-se registrar que o projeto de lei resultante. como qualquer outro proJetº de lei, será submetido á sanção ou veto do Presidente da República;

f) a fixação do subsídio dos deputados federms, dos senadores, do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Mimslros de Estado ti da compe­tênCIa exclusiva do Congresso NaclOnal, não sujeita â sanção ou veto do Presidente da República.

A parte final do mciso X do art. 37 assegura revisão geral anual da remuneração e do subsídio dos servidores públicos sempre na mesma data e sem distinção de índices. Antes da EC 19/1998, os militares estavam m­cluídos nessa regra, o que não mais ocorre.

Cabe ressaltar, ainda, que fOI somente a partir da EC 19/1998 que o inciso passou a estabelecer periodicidade annal para a revisão geral de re­muneração. O texto originário exigia reVisão na mesma data, mas não aludia a qualquer periodicidade.

4.2. limites de remuneração dos servidores públicos

O mciso XI do art. 37 estabelece a regra conhecida como "teto constitu­cional" de remuneração dos servidores públicos. Esse inciso fOI alterado pela EC 19/1998 e, apenas cinco anos depois, foi novamente modificado com a promulgação da EC 4112003, E o segumte o longo texto atual do meiso XI:

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos. funções e empregos públicos da admInIstração direta, autárqUica e fundaCIOnal, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distnto Federal e dos MunicípiOS. dos deten­tores de mandato eletIvo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espéCIe remuneratóna, percebidos

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96 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcefo Alexanddno

cumulatIvamente ou não, mcluídas as vantagens pesSOaiS ou de qualquer outra natureza. não poderão exceder o subsídio mensal. em especle. dos Ministros do Supremo Tribunal Fe­dera!, aplicando-se como linute, nos MUnIcipios. o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distnto Federal. o subsidio mensaí do Governador no âmbJto do Poder ExecutIvo~ o sub­sídio dos Deputados Estadums e Distntals no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Jusliça, limItado a noventa IntCiros e, vIOte e CinCO centésImos por cento do subsídio mensal, em espeCle, dos Ministros do Supremo Tribunai Federal, no âmbito do Poder Judiciáno, aplicavel este limite aos membros do Mimsténo Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

Amda, a EC 47/2005, embora não tenha modificado diretamente a re­dação do mClSO XI do art. 37, acrescentou ao artigo dois parágrafos, com repercussão relevante na aplicação desse mciso.

O § Ii do art. 37, acrescentado pela EC 47/2005, detemuna que não serão computadas na aplicação do teto de remuneração "as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei", O art. 4.° da mesma emenda cons­titucional cuidou de dar aplicação imediata a esse novo dispOSitivO, mediante regra de transição, segundo a qual, "enquanto não editada a lei a que se refere o § 11 do art. 37 da Constituição Federal, não será computada, para efeIto dos limItes remuneratórios de que trata o mClso XI do capu! do mesmo artIgO, qualquer parcela de caráter mdenIzatórIo, assim definida pela legislação em vigor na data de publicação da EC 41, de 2003".

O segundo acréscimo trazido pela EC 47/2005 relacionado fi aplicação do teto constttucIOnal de remuneração consiste no § 12 do art. 37, que faculta "aos Estados e ao DistrIto Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda ás respectivas ConstituIções e Lei Orgâmca, como limite timco, o subsídio mensal dos Desembargadores do respectIvo Tribunal de JUStI­ça, limitado a noventa inteiros e vmte e cmco centéSimos por cento do subsidio mensal dos Mimstros do Supremo Tribunal Federal" Esse limIte úmco, caso adotado, não se aplicará aos subsidias dos deputados esta­duais e distritais, nem dos vereadores, pOIS eles possuem limites próprios previstos em outros dispositivos da ConstItUIção (art. 27, § 2.°; art. 29, VI, "a" a "f', e VII; art. 32, § 3.°).

Convém anotar que o Supremo Tribunal Federal decidiu que é privativa do Chefe do Poder Executivo estadual a iniciativa da emenda à respectiva ConstItuição cujo escopo seja fixar o limite único de remuneração de que trata o supraCitado § [2 do art. 37 da Carta Política (AOI 4. I 54/MT). Invocou como fundamento dessa orientação a sua jurisprudência, há mUlto consagrada, segun-

Capo VI • SERVIDORES PUBLIcas {DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS) 97

do a qual toda norma estadual (ou do Dlstnto Federal) que verse sobre reguue jurídico de servidores públicos deve ter o' seu processo legIslatiVO micJado pelo Governador, em razão da obrIgatortedade de os estados observarem, por simetna, o disposto no art. 61, § l.0, lI, "c", da ConstituIção Federal.

As pnnclpals observações, que entendemos pertmentes, acerca dos tetos de remuneração previstos no texto constItucIOnal, após a EC 41/2003 e a EC 47/2005, são as segumtes:

a) há um teto gera{~ correspondente ao subsidio dos mmlstros do STF. a ser fixado em leI de InICtaltva do STF, estando o projeto de leI resultante, como qualquer outro projeto de lei, SUjeIto a sanção ou veto do Presidente da República. Esse teto não pode ser ultrapassado por nenhum Poder em nenhuma esfera da Fcderação~

b) além do limIte geral representado pelo subsídio dos mInIstros do STF, o texto constItucional estabelece limites para os estados, o DF e os mu­ntCfplOS, a saber: (i) nos mUnlCiplOS, o teto e o subsidio percebido pelo PrefeIto: (ii) nos estados e no DF há um limite diferenclado por Poder. correspondendo ao subsídio mensal do Govemador, para o Poder Executlvo, ao subsidio dos deputados estaduaiS e distntaIs, no Poder Leglslattvo, e ao subsídio dos desembargadores do Tribunal de Justiça. no âmbito do Poder JudiciáriO (esse último limIte 6 também aplicável aos membros do Mimsténo Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos, embora e1es não mtegrem o Poder Judiciano l. Logo, na esfera federal, há somente um limite - o subsidio dos ministros do 3TP -, ao passo que, nas demaiS esferas, há, além deste, um outro limlte, usualmente chamado subteto estadual, distntal e municipal;

e) os estados e o Distnto Federal têm a faculdade de fixar, em seu âmbito. mediante emenda, de imClatlva do Governador, âs respectivas Constttuu;ões e Lei Orgãnlca, como limite único, o subsidio mensai dos desembargadores do respectIvo Tribuna! de Justiça. O referido limIte únIco não poderá ultm­passar o valor correspondente a 90,25% do subsídio mensal dos rnJTI1stros do Supremo Tribunal Federal, e não se aplicam aos subsídios dos deputados estadUaiS e distritaIs, nem dos vereadores (CF, art. 37, § 12);

d) os limItes mc1uem todas as especIes remuneratórias e todas as pareeias mtegrantes do valor total percebido, mcluídas as vantagens pessoaIS ou quaisquer outras. excetuadas as pareeias de caráter indenízatório previstas em lei (CF, art. 37, § li);

e) os limites se aplicam ã soma de valores recebidos em quaIsquer hipóteses de acumufação: seja entre remunerações ou entre subsídios, seja de remuneraç.ão com subsídio ou, ainda, de remuneração ou subsidio com proventos, pensões ou qualquer outra espéCIe remuneratória (CF, art. 37, XI. e art. 40, § 11);

f) retatlvamente ao saláriO dos empregados públicos das empresas- públicas e das SOCIedades de economIa mista, e suas subsidiárias, os tetos somente

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98 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

se aplícam áqueJas que receberem recursos da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos rnunicípíos para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (CF, art. 37, § 9.°).

Sem embargo dos pontos aCima listados, e relevante registrar que o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a fixação de limites dife­rentes de remuneração para os magistrados estaduais e federaís. A Corte Suprema, dando ênfase ao caráter nacional e unitáriO do Poder Judiciário, entendeu a EC 41/2003 e a EC 47/2005 violaram o princípio da Isonomia ao estabelecerem, sem nenhuma razão lógICO-Jurídica que o justificasse, tratamento discnminalóno entre magistrados federaIS e estaduais, os quaIS desempenham iguais funções e se submetem a um SÓ estatuto de âmbtlo nacional (a Lei Complementar 35/1979).

Frise-se que o STF só considerou ilegítima a distinção de limItes remune­ratórios entre os magistrados federais e estaduais. Por isso, não fOI suprimida nenhuma parte das disposições constituCIOnais relativas ás regras de teto de re­muneração. O que a Corte fez foi dar interpretação conforme li Constituição ao art. 37, inciso Xl, e seu § 12, para excluir a submissão dos membros da magistratura estadual ao subteto de remuneração (ADTMC 3.854/DF).

finalizando o presente tÓpiCO, merecem registro, ainda, três outros dis­positivos conslttucionaís que seguem a mesma diretnz desse mClSO XI do art 37, traduzida no escopo de reduzir distorções que resultem em exceSSIvamente elevadas remunerações de servidores públicos.

O primeiro deles é o inciso XII do art. 37, que detennina que "os vencI­mentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciáno não poderão ser supenores aos pagos pelo Poder Executivo". Evidentemente, essa regra somente pode se refem a cargos de atribUições assemelhadas nos três Poderes,

O segundo é o inCISO XI!! do mesmo artigo, que proíbe "a vmculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remune­ração de pessoal do serviço público". É uma vedação dirigida ao legislador. EvItam-se, aSSIm, reajustes automátiCOS de remuneração, bem como aumen­tos em cascata, como ocorreriam, por exemplo, no caso de Vinculação de remunerações a mdexadores cUJa variação fosse atrelada â inflação, ou no de igualamento, pela lei, de remunerações de cargos com funções deSIguais.

E oportuno anotar, a respeito desse mClso XIII do art. 37, o disposto na Súmula 681 do Supremo Tribunal Federal, abaixo reproduzida:

681 - É inconstitUCiOnal a vmculação do reajuste de vencImen­tos de servidores estaduaIS ou mUniCIpais a indices federais de correção monetária.

Capo Vt • SERVIDORES PúBLICOS (DISPOSIÇÓES CONSTITUCIONAIS) 99

O terceIro dispOSitiVO é o mClso XIV do art. 37 da Carta da República, segundo o qual "os acréSCImos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ultenores" .

O pnncipal objetivo dessa regra fOI abolir a SItuação, antes usual, em que o servidor, depois de exercer por alguns anos uma função gratificada de um detemlmado nivel, incorporava o valor dela ao seu vencimento e, passando a exercer outra função gratificada de um nivel superior, recebia esta calculada sobre o valor do vencimento já acrescido da mcorporação da função anterior, e assim sucessivamente, podendo tais incidênCias cumulativas (sobre mcorporações de adicionais antenores) levar a montantes totaIS de remuneração extremamente elevados.

Antes da EC 19/1998, proibia-se somente que os acréSCimos fossem computados ou acumulados para concessão de acréSCimos ulteriores sob o mesmo título ou idêntico fundamento, o que poderia levar â interpretação de que seria admissivel a mcídência cumulativa ("em cascata") quando os títulos ou fundamentos dos acréSCimos fossem diversos. A aplicação do dispOSItiVO atual é mais abrangente, pOIS veda que acrescimos sejam com­putados ou acumulados para efeito de concessão de acréscimos ulteriores a qualquer título.

4.3. Irredutibilidade dos vencimentos e subsídios

O mCISO XV do art. 37 da Conslttulção estabelece uma regra há mUlto consagrada em nosso ordenamento, que assegura a denommada irreduti­bilidade dos vencnuentos dos cargos públicos. É o segum!e o texto do dispOSItIvo:

xv - o subsídio e os venCImentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveIS, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4.°, 150, n, 153, !lI, e 153, § 2.°, I;

O Supremo Tribunal Federa! já decidiu que o preceito em foco aplica-se não sÓ aos cargos efetivos, mas também aos cargos em comIssão.

A irredutibilidade não impede a majoração de tributos incidentes sobre os venCimentos ou subsidias. Por exemplo, se o Congresso Nacional aprovar lei estabelecendo aumento das alíquotas do imposto de renda das pessoas fisicas, a incidência das alíquotas majoradas sobre os venCImentos ou sub­sídios não ofenderá o inciso XV do art. 37 da Constituição, muito embora,

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100 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

na prátIca~ va ocorrer uma diminUlção da remuneração líquida percebIda pelo agente público.

Deve-se enfatizar que a Junsprudêncla do Supremo Tribunal Federal afirma que essa Irredutibilidade dos venCimentos e subsídios e nominal, ou seja, não confere direito a reajustamento em decorrência de perda de poder aqUIsitivo da moeda. Em outras palavras, mexlste garantia de irredutibilida­de real de vencimentos ou subsídios. Assim, não importam os índices de mflação; mantidos malterados os vencimentos, estará respeItado o direIto à Irredutibilidade.

5. VEDAÇÃO À ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICOS

Os mClsos XVI e XVII do ar!. 37 da ConstItuIção de 1988 trazem mms uma regra moralizante, atinente à acumulação remunerada de cargos, funções e empregos públicos pelos agentes da admmlstração. A regra geral é a vedação à acumulação. Assim, somente nas hipóteses expressamente previstas no texto constitucional serà ela lícita, mesmo assIm, quando houver compatibilidade de horários.

É a segumte a redação atual dos dispoSItIvos:

XVI - e vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horános, observado em qualquer caso o disposto no mClso XI:

a) a de dOIs cargos de professor~

b) a de um cargo de professor com outro, téCIllCO ou cientí­fico;

C) a de dOIs cargos ou empregos privativos de profissionais de

smide, com profissões reguJamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarqUIas, fundaçães, empresas públicas, SOCiedades de economia mista, suas subsídiânas. e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;

Devem ser registradas outras hipóteses de acumulação remunerada .lícita constantes do texto conSlItucJOnal, a saber: (i) a permIssão de aClI­mulação para os vereadores (art. 38, 1lI); (ii) a permissão para os Juízes exercerem o magistério (art. 95, paragrafo único, I); (iii) a permissão para

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Capo VI· SERVIDORES PUBlicas (DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS) 101

os membros do Mimsteno Público exercerem o maglsténo (art. 128, § 5.·, 11, "d").

A proibição estende-se ã acumulação de proventos de aposentadoria pagos por regime prÓprio de preVIdêncIa social (RPPS) com remuneração pelo exerclcio de cargo emprego ou função públIca. Trata-se, todaVia, de uma restrição menos abrangente, porque não mclUl os cargos elettvos, nem os cargos em eomlssão (além de não obstar a percepção Simultânea de pro­ventos e remuneração de cargos cUJa acumulação seja liclla). Também não se enquadram na proibição de acumulação de proventos com remuneração os proventos recebidos em decorrênCIa de aposentadona obtida pelo regime geral de previdêncIa social (RGPS), previsto no art. 201 da ConstilIução. Essas regras encontram-se no § 10 do art. 37, abaixo transcnto:

§ 10. E vedada a percepção simultânea de proventos de apo­sentadona decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo~ emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição. os cargos efetIvos e os cargos em comíssão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

o § 6." do art. 40 complementa a vedação aCima, proibindo a percepção de maiS de uma aposentadoria pelo regime própno de previdência dos servi­dores públicos efetIVOS (estatutános), ressalvada a acumulação de proventos de aposentadoria decorrentes de cargos acumuláveis constitucionalmente prevIstos.

6. DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS RELATIVAS AOS SERVIDORES EM EXERCIClO DE MANDATOS ELETiVOS

O art. 38 da ConstItuIção trata especificamente de situações relaCIOnadas à acumulação de cargos e remunerações de servidores públicos das admi­Distrações diretas, autarqUIas e ftmdações públicas elettos para o exercícIO de mandatos nos Poderes ExecutIvo ou LeglslalÍvo. As regras encontram-se enumeradas nos cmco mClsos do art. 38 e são todas de fácil compreensão, como a seguir expomos:

a) o servidor público que seja efeIto para qualquer cargo, do Executlvo ou do LegislatiVO, federal, estadual ou distntal, sera, obrIgatOrIamente, afastado do seu cargo (efetiVO ou em comissão), emprego ou função públicos. A remuneração percebida sem, obrIgatonamente, a do cargo eletlVo~

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102 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Afexandnno

b} O servídor público Investido no mandato de prefeIto será, obngatonamente, afastado de seu cargo~ emprego ou função públicos. Nesse caso, o servidor poderá optar entre a remuneração do cargo de prefeito e a remuneração do cargo, emprego ou função de que foi afastado;

c) o servídor elelto para o cargo de vereador, caso haja compatíbilidade de horarios. acumulará o exerciclo da vereança com o de seu cargo, emprego ou função públicos. Nessa hipótese, o servidor receberá as duas remunerações: a de vereador e a de seu outro cargo. emprego ou função pública, obedecidos. evidentemente, os limites de remuneração estabelecidos no inciso XI do art. 37 da ConstItUIção, já estudados. Não eXIstindo compatibilidade de honinas, o servidor será afastado de seu cargo, exercendo apenas o de vereador: poderâ, entretanto, optar entre a remuneração de vereador e a remuneração do cargo, emprego ou função de que fOI afastado.

Finalizando, o art. 38 da ConstItuição Federal determina que, nas hIpóteses em que seja eXIgido o afastamento do servidor, o seu tempo de exercício no mandato eletivo seja contado como tempo de serviço para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento. O tempo de afastamento é contado, tambem, para efeito de cálculo de beneficio prevídenciâno do servidor como se ele em efetivo exercício estIvesse.

7. ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

O texto VIgente da ConstltUlção Federal traz duas regras específicas acerca da admimstração tributána.

A primeira delas, obra do conslituinte ongimirio. estabelece que "a admI­nistração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas areas de competêncIa e junsdição, precedêncIa sobre os demais setores admmlstratlvos, na forma da lei" (CF, art. 37, XVIIl).

Nesse dispositivo, o constítumte explícita a importância da admlntstra­ção fazendária e dos seus servidores fiscaIs para a administração pública e para o Estado em geral, uma vez que é por meio da atuação daqueles que são arrecadados os recursos indispensáveIs ao custeio das atividades deste. n, contudo, um preceIto constitucional dependente de regulamentação a ser estabelecida pelo legislador ordináno.

A segunda dispOSIÇão acerca da atuação da adminIstração tributária é mais incisiva, e seus efeItos são bastante relevantes. Trata-se do inciso XXII do art. 37 da Constituição, incluído pela EC 42/2003. É a seguínte a redação do preceIto acrescentado:

Capo VI- SERVIDORES PÚBLICOS (DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS)

XXI[ - as admmIstrações tributànas da União. dos Estados, do Distnto Federal e dos MUntclPlOS, attvidades essenCIaiS ao funcIOnamento do Estado~ exercidas por servidores de carrelras específicas~ terão recursos prmntános para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada1 mclusive com o com­partilhamento de cadastros e de mformações' fiscaIs, na forma da leI ou convênIO.

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Os recursos prioritários para a realização das atividades das admmlstra­ções tributánas podem ser assegurados, mclusive, por meio de vInculação de receitas de impostos, conforme prevIsão expressa mtroduzida no InCISO IV do art. 167 da ConslitUlção pela mesma EC 42/2003.

Com esse Inciso XXII do art. 37, ainda, passou a ter assento constItu­cional a autorização para os fiscos das diferentes esferas, na forma da leI ou convêmo, permutarem informações protegidas por SIgilo fiscal, autonzação esta que antes só existia no plano legal (art, 199 do CTN).

8. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ESPEcíFICAS RELATIVAS AOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS

8,1. O regime jurídico único e a extinção de sua obrigatoriedade pela EC 19/1998

O captll do art. 39 da ConstituIção, originariamente, estabeleCIa a obriga­toriedade de adoção, por parte de cada ente da Federação, de um só regime jurídico aplicável a lodos os servidores integrantes de suas administrações direta, autárqUlca e fundacional (e também tomava obrigatóna a mstitUlção de planos de carreira para esseS servidores).

Portanto, antes da EC 19!1998, cada municípIO, cada estado-membro, o Distrito Federal e a União tinham, teoricamente, a liberdade de estabelecer o regime Juridico a que estariam submetidos os agentes públicos de suas ad­ministrações diretas. autarquias e fundações públicas, desde que esse regime jurídico fosse unificado para todos os servidores desses órgãos e entidades de cada pessoa política.

A redação origmal do caput do art. 39, assim, afirmava:

Art. 39. A União, os Estados, o Distoto Federal e os Municípios Instituirão. nO âmbIto de sua competência. regime jurídico único e planos de carrelra para os servidores da admmistração pública direta~ das autarqUIas e das fundações públicas.

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104 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Pauto & Man;elo Alexandrino

A palavra "servIdores" fOI usada no dispositIvo constItucIonal aCIl1la transcrito em sentido amplo, o que, aliás, é bastante frequente. Em sentido amplo, a expressão "servidor público" abrange tanto os lItulares de cargos públicos (regIme estatutário j quanto os ocupantes de empregos públicos (regime contratual trabalhista).

Deve-se atenlar para o fato de que não há referência ao regIme juridico que deveria ser adotado. Não era, portanto. obngatóna, em tese, a adoção de regIme juridico estatutimo (legal, não contratual) para os agentes públicos das admmlstrações diretas, autarquIas e fundações públicas dos diversos entes federados. O texto. explicitamente, apenas Impõe a unificação de regImes. elimmando a coexistênc18, no âmbito da adm11llstração direta, das autarquias e das fundações públicas de uma mesma pessoa política, de agentes sUjeitos a relações jurídicas diversas quanto a seus vínculos funcIOnais. Era possível, teoricamente, que detenmnado ente da Federação optasse por um regime de natureza tipicamente estatutána. ou então pelo regIme contratual celetista. ou até mesmo por um regime misto, que se mostrasse, no seu entendimento, mais adequado ao exercícIO de atribUições públicas.

Com fundamento na redação ongmána do capul do art. 39 da ConslL­tulção, acima reproduzido, a União editou a LeI 8.1l2/1990. que InStituIU o regIme jurídico úmco (RJU) dos servidores públicos da Uotão (administração direta), das autarqUias e das fundações públicas federaiS., A União optou pela adoção de regime jurídico estatutárIO, típiCO de direito público, para disciplinar o vinculo funcional entre seus servidores e os referidos órgãos e entidades administratIvos. Por ISSO, os empregos públicos que antes eXIstiam na administração direta. nas autarqUias e nas fundações públicas federaiS foram transformados em cargos públicos, na data de publicação da. Lei 8.11211990 (art. 243, § 1.').

Entendeu o legIslador. com amplo respaldo da doutrma, que o vinculo estatutáno e o maIS adequado para reger as relações funCionais dos agentes públicos da admmistração direta, autarqUias e fundações públicas federaIS. uma vez que esses órgãos e entidades não se coadunam com orgamzação tipICamente empresarial, o que resultana em inconvenientes se fosse ado­tado vínculo de natureza contratual com seus agentes. Além disso, o poder de polícia e outras prerrogativas públicas fundadas no poder de impéno do Estado só podem ser exercidos, na matar parte das vezes, por agentes públicos estatutános, porquanto o ordenamento juridico confere ao regi­me estatutário instrumentos que possibilitam a atuação imparCIal perante grupos ou mesmo Individuas detentores de Influência e poder econômico ou político.

O regime estatutário li própno das pessoas de direito público. A nomeação do servidor é um ato unilateral que se destina a efetivar a inserção dele no

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Capo VI- SERVIDORES PUBLlCOS (DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS) 105

âmbIto de um regime juridico preeXistente, mtelfamente estabeleCIdo pela lei. A manifestação de vontade do servidor, na relação jurídica estatutána. só e necessária para a formação do vinculo juridico-funclOnal enlre ele e a adnunlstração pública; essa manifestação de vontade ocorre no momento da posse no cargo para o qual o servidor foi nomeado.

Pois bem, a EC 19/1998 alterou o capllt do art. 39 da Constitui­ção com o fito de eliminar a obrigatoriedade de adoção, pelas pessoas políticas, de um regime jurídico unificado para seus agentes atuantes na admmlstração direta, autarqUIas e fundações públicas (eIÍ1OlOoll, tambem, a referêncla expressa à obngatoriedade de mstltulção de planos de carreira). A redação do capul desse artigo passou a ser a seguinte:

Art. 39. A União. os Estados, o Dístnto Federal e os Mu­mClplos tnstltUlTão conselho de polítIca de adrmOlstração e remuneração de pessoal mtegrado por servidores deSignados pelos respectivos Poderes.

Pode-se notar que a EC 19/1998 não revogou nem prejudicou as dis­posIções da LeI 8.112/1990 (na esfera federal). Simplesmente, passou a ser possível a eXlstênc18 de agentes públicos sUjeitos a mats de um regIme jurídico na administração direta, nas autarqUIas e nas fundações públicas de cada um dos entes da Federação. Em razão de haver a EC 19/1998 cnado essa possibilidade, a União editou a Lei 9.962/2000, prevendo li

contratação de empregados públicos na admmlstração direta, autárquica e fundaCIOnal federal.

Sem embargo do precedentemente exposto, é muito relevante registrnr que a modificação do capul do art. 39, perpetrada pela EC 1911998, teve sua eficácia suspensa, pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de agosto de 2007. sob o fundamento de inconstituCIonalidade formal (na tramltação da emenda. a Câmara dos Deputados, especificamente quanto ao capul do art. 39, não observou o processo legIslatiVO estabelecido no art. 60, § 2.°, da Constttuição, de sorte que aquele dispOSitIVO não fOI submetido â necessària aprovação em. dOIS turnos).

Por essa razão, no julgamento da ADI 2. 135/DF, em 02.08.2007, o Supremo Tribunal Federal deferiu medida cautelar para suspender a eficácia do art. 39, cap/lt, da Constituição Federal, com li redação da EC 19/1998. Na oportunidade, esclareceu a Corte Suprema, expressamente, que a decisão tem efeitos prospectivos (ex ",mc), IstO e, toda a legislação editada durante a vigência do art. 39, capllt, com a redação dada pela EC 19/1998, continua válida. Não obstante, deve ficar claro que, a partir dessa decisão, voltou a vigorar a redação original do cap/lt do art. 39 da

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106 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & MarceloAlexandrino

Constituição, transcrito acima. a qual exige que sejam admItidos sob um úmco regime Juridico os agentes públicos da admInistração direta, autarquias e fundações públicas de cada um dos entes federados.

8.2. Planos de carreira e sistema remuneratório dos servidores públicos

o caplll do art. 39 eXIgIa, anles da EC 19/1998, que a União, os es­tados, o Distrito Federal e os municípios instituissem planos de carreira para os servidores de suas admimstrações diretas, autarquias e fundações públicas.

A EC 19/1998 retIrou do texto constitucIOnal a exigênCia expressa de inStItUIção de planos de carreira para os servidores públicos. O capllt do art. 39 passou somente a eXIgir dos entes federados a Instituição de conse­lhos de política de admmlstração e remuneração de pessoal, integrados por servIdores desIgnados pelos respectivos poderes. Esses conselhos deveriam partiCIpar - embora o texto constItucIOnal não defina de que forma e até que ponto a participação é obrigatória - da definição das políticas relaCionadas ás carreIras e âs remunerações dos servÍdores públícos.

Consoante VImos anteriormente, a partir do Julgamento da ADI 2.135/DF, em 02.08.2007, foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal a redação do cC/pu! do arf. 39 da ConstItuição dada pela EC 19/1998 e restaurada a redação orlgmal desse dispositivo. Sendo assim, hoje. temos novamente a exigência expressa de InstItuição pelos diversos entes federados de planos de carreira para os servidores de suas respectivas admmistrações diretas, autarqUIas e fundações públícas.

Convem enfatlzar que somente o caput do art. 39 fOI objeto da referida decisão da Corte Suprema, sob o fundamento de inconstItucionalidade formal, qual seja Inobservância do processo legislatIvo estabelecido no art. 60, § 2:, da ConstitUIção. Todos os demaIs panigrafos do art. 39 permaneeem com a redação que lhes deu a EC 1911998, sem qualquer ressalva.

O vigente § 1.0 do art. 39 da Constituição eXige que a fixação dos pa­drões de vencimento e dos demats componentes do SIstema remuneratório, pel~ legISlador de cada ~nte federado, observe a natureza, o grau de respon­sablhdade e a complexIdade dos cargos componentes de cada carreira, os reqUIsItos para a investidura e as peculiaridades dos cargos.

O atual § 2.0 do art. 39, nitidamente msplrado no princípio da efi­ciência, base da ideia de administração gerencIal, eXige que cada um dos entes federados mantenha escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos. A participação dos servidores

Capo VI • SERVIDORES PUBlicas (DISPOSrçÓES CONSTITUCIONAIS) 107

noS cursos de aperfeiçoamento promovidos por tais escolas sera um dos requiSItos para a promoção na carreira. Poderão ser celebrados convêmos ou contratos enlre os entes federados a fim de possibilitar a colaboração mútua e o aproveitamento raCIOnal das mstitulções já existentes ali que venham a ser criadas.

Ainda na mesma esteIra, O § 7.0 do art. 39 prevê que leI de cada ente federado discipline a aplicação de recursos orçamentários provementes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarqUIa e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e' produtIvidade, treinamento e desenvolvImento, modermzação. reaparelhamento e raCIOnali­zação do serviço público. Possibilita, amda, o pagamento de adiCIOnais ou prêmIOS de produtividade com a utilização desses recursos orçamentários economizados em cada órgão ou entidade.

Observa-se, em suma, que, embora a EC 19/1998 tenha suprImido do cC/pu! do art. 39 a expressa menção à obrigatoriedade de criação de planos de carreira, as disposições por ela mesma introduzidas nesse artigo traduzem o nítido mtuito de promover a profissionalização e o aperfeiçoamento dos servidores públicos. Da mesma forma, ao tratar de assuntos como padrões de vencimento e promoção na carrelra~ o texto constitucionaJ deIxa clara a necessidade de eXIstência de planos de carreIra (sem os quais não faz sentido falar em promoções ou em padrões de vencimento).

SeJa como for, qualquer dúvida que pudesse existIr ficou superada com a já mencIOnada deCIsão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Jul­gamento da ADI 2.135/DF, em 02.08.2007, porquanto fOI restabelecida a redação origmána do caplll do art. 39 da ConstituIção, voltando a exigênCIa expressa de IDstituição pelos diversos entes federados de planos de carreira para os servidores de suas respectivas administrações diretas, autarquias e fundações públicas.

Merece um comentáno, por fim, o fato de a EC J 9/1998 haver supnmI­do a regra anterIormente constante do § 1.0 do art. 39, que estipulava fosse assegurada, pela leI, aos servidores da admlillstração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, LegislatiVO e Judiciário, ressalvadas as vanlagens de caráter mdividual e as relatIVas à natureza ou ao local de trabalho. Embora não eXIsta mais essa regra expressa Impondo a ISonomia de vencimentos desses servidores, devemos lembrar que o principIO genénco da isonomia é garantIa constitucional fundamental de nosso orde­namento, corolário natural do princípIO republicano, estando insculpido em diversos preceitos da Constituição, espeCIalmente em seu art. 5.°. Além disso. ao determmar, no vigente § 1.0 do art. 39, que a fixação da remuneração dos servidores públicos obedeça á natureza e â complexidade dos cargos por eles

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108 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

ocupados, a EC 19/1998 de certo modo reafirmou o pnnciplO da Isonomia (utilizando fórmula mUito mais vaga, ti bem verdade).

De todo modo, consideramos mconstltucIOnal o estabcleclluento dis­criminatóno ou arbltrano de remunerações diferenciadas entre servidores públicos de um mesmo ente federado, bem como o desrespeito à necessana correlação entre o valor da remuneração e o grau de complexidade e de res­ponsabilidade do cargo do servidor. De igual forma, entendemos atentatória ao principIo da isonomia a eXistência, em detemlinada pessoa polítIca, de servidores percebendo remunerações discrepantes pelo exercícIo de funções similares umas ás outras.

Em resumo, embora retirada do art. 39 a regra expressa relativa a IsonOlma de vcnClmentos dos servidores públicos de um mcsmo ente da Federação, esta pennanece, a nosso ver, como uma garantia constitucional mafastável, em razão do disposto no próprio § 1.0 do art. 39, com sua nova redação, e de muitos outros preceitos espalhados pelo texto constttuclonal.

8.3. Direitos trabalhistas atribuidos pela Constituição aos servidores públicos

o art. 39, § 3.0, da ConstituIção, alterado pela EC 19/1998, concede aos "servidores ocupantes de cargo público" (estatutários) os segumtes direitos trabaIlustas, previstos no art. 7.° da Carta PolítIca:

a) salánQ-mmtmo~

b) garantia de salário. nunca mferlOr ao mímmo, para os que percebem remu~ neração variável;

C) décimo tercelro~

d} remuneração do trabalho noturno supenor á do diumo~

e) saláno-família;

f) duração do trabalho nonna1 não supenor a Olto horas diárias e quarenta e quatro semanaIS~

g) repouso semanal rernunerado~

h) remuneração do serviço extraordinário supenor, no mjmmo~ em cmquenta por cento à do normal~

i) férias anuais remuneradas com. pelo menos, um terço a mais do que a remuneração normal;

j) licença á gestante com duração de cento e vinte dias;

k) licença-paternidade;

", ~.

. 1:

;.l.'

Capo VI • SERVIDORES PúBLICOS (OISPOSICÓES CONSTITUCIONAIS) 109

1) proteção do mercado de trabalho da mulher. mediante IncentIVOS específicos~

nos termos da lel~

m} redução dos riscos merentes ao trabalho~ por melO de normas de saude. luglcne e segurança;

n) proibIção de diferença de saiários~ de exercicio de funções e de cnténo de admIssão por motIvo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Merece um comentáno o item "a", aCima. O Supremo Tribunal Federal já deixou firmado que a Constituição garante ao servidor público o direito ao saláno-minimo, nacionalmente unificado, conforme assegurado aos tra­balhadores. da iniCiativa privada (CF, art. 39, § 3"), mas que, para o fim de obediência ao postulado constitucional, há que se observar a remuneração do servidor, e não o seu vencimento básico. Vale dizer, não há necessidade de que o vencimento básIco corresponda ao salário-mini mo; basta que a remune­ração do servidor (vencimento básico + vantagens pecuniànas permanentes) perfaça o valor do salário-mímmo.

Essa orientação está, hoje, sedimentada na Súmula Vinculante 16, cUJa redação segue transcrita:

8.4.

16 - Os artigos 7.°, IV, e 39, § 3.° (redação da EC 19/98), da Const1tUlção~ referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público.

Estabilidade

A estabilidade está disciplinada no art. 41 da Constituição. Trata-se de tnstituto aplicável aos servidores públicos (estatutários) ocupantes de cargos efetivos. Em nenhuma hipótese o exercício de cargos em comissão gera direito à estabilidade em foco; embora exista algumdissenso na doutrina, pensamos ser maJontária a onentação segundo a qual o art. 41 da Constituição Federal não alcança, tampouco, os empregados públicos, seja qual for o órgão ou entidade a que pertençam.

São quatro os reqUISitos cumulativos para aquisição de estabilidade, a saber:

l) concurso público;

2) nomeação para cargo público efetiVO;

3) três anos de efetivo exerCÍcIO;

4) avaliação espeCial de desempenhO' por conl1ssão Instituída para essa finali­dade (art. 41, § 4.°).

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110 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicent/iJ Paulo & Marcelo Alexandrino

Se qualquer desses reqUIsitos não estiver presente, não há possibilidade de o servidor adqulflr estabilidade. Por exemplo, se uma pessoa, na vIgência da ConstItUIção de 1988, ingressou em um cargo público efetivo municipal sem ter realizado concurso, amda que tenha sido oficialmente nomeada (é evidente que o ato de nomeação é nulo l, e permaneça efetivamente exercendo o cargo por vmte anos, e até mesmo se tlver sido avaliada conforme previsto no item 4, acima, não adqumni estabilidade.

O servidor estável somente perderá o cargo em uma destas hipóteses:

a) sentença JudicIal transItada em Julgado;

b) processo adrntOlstrattvo disclplinar~ assegurada ampla defesa~

c) mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho. na forma de leI complementar. assegurada ampla defesa~

d) excesso de despesa com pessoal, nos termos do art. 169, § 4.°.

Evidentemente, eXiste, ainda, a hipótese de o servidor pedir exoneração, mas não se trata, nesse caso, de perda do cargo, e sim de desligamento volnntáno.

O art. 169 da Constituição assim dispõe:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e matlvo da União. dos Estados, do Distnto Federal e dos MumciplOs não poderá exceder os limites estabelecidos em leI complementar.

( ... 1

§ 3.1.1 Para o cumpnmento dos limItes estabelecidos com base neste artígo, durante o prazo fixado na lei complementar re­ferida no caput. a União. os Estados, o Distrito Federal e os MumciplOs adotarão as segumtes providências:

I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comlssão e funções de confiança;

Il - exoneração dos servidores não estáveis.

§ 4.° Se as medidas adotadas com base no parágrafo an~ tenor não forem sufiCientes para assegurar o cumpnmento da determmação da te! complementar referida neste artIgo. o servidor estável podera perder o cargo, desde que ato normativo motIvado de cada um dos Poderes especifique a atividade nmcIOnal. o órgão ou unidade admmlstratlva objeto da redução de pessoaL

(. .. )

Capo Vi • SERVIDORES PÚBLICOS {DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS} 111

O art. 41 da ConstttUlção, além das disposições concernentes á estabi­lidade, contém ainda referência á denommada disponibilidade remunerada e a determinadas formas de provimento denvado - reintegração, recondução e aproveitamento -, sendo todas essas figuras aplicáveiS ulllcamente aos servidores estáveis.

Nos tennos do texto constitucIOnal, a reintegração é a forma de pro­vimento ocorrida quando o servidor estável é demitido e retoma ao cargo que anterionnente qcupava porque teve a demissão invalidada por sentença judicial. Se a vaga do servidor que está sendo reintegrado esttver ocupada por nm servidor estável, será ele reconduzido ao cargo de ongem, sem di­reito a indemzação, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. A recondução, portanto, na Constituição só é prevista em uma hipótese: quando o servidor estável retoma ao seu cargo de origem porque estava ocnpando a vaga de um outro servidor que foi remtegrado.

A Carta dá República regula a disponibilidade no § 3." do art. 41, dis­pondo, tão somente, que, "extmto o cargo ou declarada a sna desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveítamento em ontro cargo". Confonne a previsão constitucional, portanto, o aproveitamento é forma de provimento denvado aplicável ao servidor que foi posto em disponibilidade (portanto, estável) ou ao servidor estável que estivesse ocupando a vaga de um outro servidor que foi remtegrado.

Por fim, observe-se que a remuneração da disponibilidade é proporcional ao tempo de serviço, diferentemente do que ocorre em todas as hipóteses de aposentadonas proporcionaiS, nas quais os proventos são proporCIOnais ao tempo de contribUição.

8.5. Regime de previdência dos servidores públicos

A ConstitUição trata, em seu art. 40, do regime de previdênCia soctal aplicável aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distnto Federal e dos mumcípios, mcluídas as respectivas autarquias e fundações públicas.

O regime de previdênCia a que estão submetidos esses servidores pú­blicos é um regime próprio, peculiar, diferente do regime geral, previsto no art. 201 da Constituição, a que estão SUjeitos os demaIs trabalhadores, não só os da 1lI1ciativa pnvada regidos pela CLT, autônomos e outros, mas também os servidores ocupantes, exclusivamente, de cargo em comissão, função temporária e emprego público. As regras pertinentes ao regime geral

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112 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marr::elo Alexandrino

de previdência socml (RGPSl têm aplicação apenas subsidiána ao regime própno de previdência social (RPPS) dos servidores estatutários ocupantes de cargos efetivos (CF, art. 40, § 12).

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de afirmar que são inconstitucionais quaisquer leis que pretendam estender a servidores públicos não efetivos o regime próprio de previdência disciplinado no arl. 40 da Carta PolítIca, seja qual for o ente federado que as edite (ADI 3. I 06/MG).

O regime de previdência própno dos servidores estatutárIos efellvos já fOI profundamente alterado, por duas vezes, desde a promulgação da Carta de 1988, mediante emendas constitUCionaiS que ficaram conhecidas como "reformas" da previdênCIa socIaL A pnmeira dessas "reformas!' operou~se por meIO da EC 20/1998, a qual modificou significativamente não só o regime próprIo, mas também o regime geral de previdência social (RGPS). A segunda "refonna", cUJo mstrumento fOi a EC 4112003, concentrou-se quase exclUSI­vamente no regime próprIo dos servidores públicos estatutários (RPPS).

Pequenas modificações foram novamente mtroduzidas em 2005, por meIO da EC 47/2005 - resultante da aprovação parCial de uma proposta de emenda constitucIonal (PEC) conhecida como "PEC Paralela" -, que atenuou algumas das perdas de direitos previdenciários que os servidores públicos tiveram com a EC 41/2003.

E Importante destacar que nenhuma dessas "refonuas" realizou a tão propalada unificação dos regImes de previdência SOCiaL Contmuam existindo, no Brasil, dois regimes distintos de previdênCia, um aplicável aos servidores públicos estatutários efetIVOS (RPPS) e outro aplicável aos demais trabalha­dores, dito, por isso, regIme geral (RGPS).

Essencialmente, as características do atual regime previdenciáno dos ser­vidores públicos titulares de cargos efetiVOS das três esferas da Federação, já mcorporadas as alterações introduzidas pela EC 4112003 e pela EC 47/2005, são as que expendemos a seguir (regras aplicáveiS aos servidores mgressados no servIço público apos a publicação da EC 4112003),

O regime tem caráter contributivo e solidárío. Dessa forma, não Importa apenas o tempo de serviço do servidor: para fazer JUS â aposentadoria só será computado o tempo de efetiva contribuição do beneficíário. É vedado ao legIslador estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício (CF, art. 40, § lO).

Devem contribuir para o sistema o ente público, os servidores ati­vos e inativos e os pensionistas (CF, art. 40, caput). As contribuições devem observar cnténos que preservem o equilíbno financeIro e atuanal do sistema.

Capo VI· SERVIDORES PUBLICOS (DISPOSiÇÕES CONSTITUCIONAIS) 113

A EC 41/2003 proibIU a eXistência de mats de um regnne propno de previdência SOCial para os servidores btulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade gestora do respectivo regime em cada ente estatal (art. 40, § 20). Cabe observar que o § 20 do arl. 40 faz, contudo, ressalva expressa ao regIme de preVidênCia dos militares, que deve ser diSCiplinado em lei própria (CF. art. 142, § 3.", X).

É proibida a percepção de mais de uma aposentadona a conta do regime de previdênCIa própno dos servidores estatutános, ressalvadas as aposen­tadorias decorrentes dos cargos acumuláveis previstos na Constituição (art. 40, § 6.").

É também vedada a adoção de reqUisitos e CrItériOS di ferenclados para a concessão de aposentadona aos abrangidos pelo regIme proprio de previdênCia dos esta tutanos, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores (art. 40, § 4."):

a) portadores de deficiêncla~

b) que exerçam atIvidades de fiSCO;

c) CUjas attvidades sejam exercidas sob condições espeCIaIS que prejudiquem a saúde ou a. Integridade fislca.

Estabelece o § 3.' do art. 40 que os proventos de aposentadona serão calculados a partIr das remunerações utilizadas como base para as contribUI­ções do servidor tanto ao regIme próprio quanto, se for o caso, ao regIme geraL A forma de cálculo deverá ser estabelecida em lei. Essa regra fOI uma das maIS Importantes alterações trazidas pela EC 4112003. Ela representa o fim da aposentadoria com proventos íntegrais. Os proventos não mais tomam como referênCIa o valor da última remuneração do servidor, como antes acontecm. Seu valor, agora, seni uma média calculada, nos termos da leI, com base nas remunerações sobre as quais o servidor contribuIU ao longo de sua vida profiSSIOnal.

Complementando essa importante dispOSiÇão, o § 17 do art. 40 estabe­lece que todos os valores de remuneração considerados para o cálculo dos proventos serão devidamente atualizados, na fomm da lei.

Cabe observar que, não obstante o fim da aposentadoria com proventos mtegrals para os servidores que mgressarem no serviço público depOIS da EC 41/2003, fOI mantida na texto cons!JtuclOnal a vedação mscnta no § 2." do art. 40, segundo a qual "os proventos de aposentadoria e as pen­sões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respeclivo servidor, no cargo efetiVO em que se deu a aposentadona ou que servm de referêncIa para a concessão da pensão", Por JSSO~ se

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114 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vícente Paulo & Marcelo Alexandrino

a forma de cálculo baseada nas remunerações sobre as quaIS o servIdor contribuiu ao longo de sua vida profissional, atualizadas monetanamen­te, resultar em um valor supenor à remuneração do servidor ativo, será "cortada" a parte excedente, a fim de que o valor inictal dos proventos de aposentadoria corresponda ao valor da remuneração do serVidor atIVO, nunca a um valor malOr.

Além de extmguir a aposentadona com proventos tntegrnis - e como consequêncra lógica dessa medida -, a EC 4112003 suprimin a norma que constava do § 8.° do art. 40, a qual garantIa aos proventos de aposentadona e pensão paridade com a remuneração recebida pelos servidores ativos do mesmo cargo. Nos termos da regra anlenor, era assegurada a reVisão dos proventos, pelos mesmos índices e na mesma data, sempre que se modificasse a remuneração dos servidores em atIvidade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaIsquer beneficlOs ou vantagens posterior­mente concedidos aos servidores em atividade.

A regra atual, constante do § 8.° do art 40 do Texto Magno, tão so­mente prevê "o reajustamento dos beneficios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme cntérios estabelecidos em lei".

O § 7.° do art. 40 trata das pensões. Nos termos desse dispOSItIVo, o beneficIO da pensão por morte sera igual:

a} ao valor da totalidade dos proventos do servidor faJecido~ até o limIte mà­Xlmo estabelecído para os beneficIOS do regime geral de previdênCia social, acrescído de setenta por cento da parecia excedente a este limite~ caso o servidor seja aposentado por ocasião do seu óbIto (art. 40. § 7.°, I);

b) ao valor da totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se deu o faleCimento, até o limIte maximo estabetecido para os beneficIOs do regime geral de previdênCia social. acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso o servidor estivesse em allvidade na data do óbIto (art. 40, § 7.'. II).

O teto constitucIOnal de remuneração dos servidores públicos, previsto no art. 37, inCISO xr, deve ser respeitado como limIte ir soma total dos pro­ventos de inatIvidade, inclUSive quando decorrentes da acumulação de cargos ou empregos públicos, bem como de outras atividades sujeitas a contributção para o regime geral de previdência socral. O lirmte aplica-se, também, à soma dos proventos de matlvidade com a remuneração de cargo acumulável, de cargo em comissão e de cargo eletivo (art. 40, § I I l.

O § 14 do art. 40 prevê a possibilidade de o ente político fixar, para o valor das aposentadorIas e pensões dos respectivos servidores públicos sujeItos ao regIme próprio, o limite máXimo estabelecido para os beneficIOS

Capo VI • SERVIDORES PúBLICOS (OISPOSIÇOES CONSTITUCIONAIS) 115

do regIme geral de previdênCIa SOCIal (RGPS). Para isso, o ente político terá que, obngatonamente, IOstltuir regime de previdência complementar para OS seus servidores titulares de cargo efetIVO.

O § 15 complementa essa regra, ao estabelecer que o regime de prevI­dênCIa complementar aludido será IOStItuído por leI de tniciativa do respec­tivo Poder Executivo. A IOstIluIÇão do regime de previdênCIa complementar, portanto, consoante a redação dada ao texto constItucIOnal, é de mstltuição obrigatóría para a pessoa política que pretenda estabelecer como teto dos proventos por ela pagos o limite dos beneficios do RGPS, e s'erá feita por meio de lei ordinária de InIciatIva do Presidente da República, do governador de estado ou do Distnlo Federal, ou do prefeito, conforme o caso.

O regIme de previdência complementar dos servidores ocupantes de car­gos efetivos deverá ser gerido por entidades fechadas de previdênCIa com­plementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de beneficios somente na modalidade de contribuição definida.

O § 16 do ar!. 40 garante que o servidor que tenha ingressado no servI­ço público até a data da publicação do ato de instItuição do correspondente regime de previdênCia complementar somente a ele estani sujeito se previa e expressamente formalizar opção nesse sentido.

O § 18 do art. 40 detalha a regra de cobrança de contribUIção pre­videnciária dos aposentados e pensiolllstas. A partir da publicação da EC 41/2003, passou a incidir contribUIção sobre a parcela dos proventos de aposentadonas e pensões concedidas pelo RPPS dos servidores públicos (CIVIS) que superar o teto dos beneficios do RGPS. A alíquota dessa con­tribUIção deve ser igual ir da contribmção previdenciária dos servidores tttulares de cargos efetIvos.

Segundo o § 21 do art. 40, quando o aposentado ou penSIonista do RPPS, na forma da lei, for portador de doença incapacitante, a contribuição previdenciána mcidini apenas sobre a parcela dos seus proventos que superar o dobro do teto do RGPS.

li oportuno registrar, ainda, que as alíquotas das contribuições previ­denciánas cobradas pelos estados, Distrito Federal e municípIOS, tanto de seus servidores como de seus aposentados e pensionistas, não poderão ser !Dfenores à alíquota cobrada pela União. Tal vedação consta do § L' do art. 149 da Carta da República, abaixo transcrito:

§ 1.° Os Estados, o Distrito Federal e os MumciplOs mstltuIrão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio. em beneficIO destes, do regime previdenciáno de que trata o art. 40, cUJa alíquota não sera inferíor à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

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116 RESUMO DE OIREfTOADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

É tambem relevante anotar que a EC 41/2003, em seu art. 4.°, prevê a cobrança da contribuição previdenciária mesmo dos que já eram aposentados ali pensIOnIstas na data de sua publicação, bem como daqueles que já havIam. nessa data, adquIrido direIto ao beneficIO. A alíquota e a base de cálculo da contribuIção são idêntIcas às dos servidores atIvos.

O § 19 do art. 40, acrescentado pela EC 4112003, cnou uma figura literalmente denominada "abono de permanênCIa". Esse "abono" eqUIvale, financeIramente, â dispensa do pagamento da contribuIção previdenciária para o servidor que permaneça em atIvidade após ter completado os reqUIsitos para requerer a aposentadona voluntária não proporcIOnai, estabelecidos no § 1.0, m, "a", do art. 40 da ConstituIção (sessenta anos de idade e trInta e CInCO de contribuição, se homem; cmquenta e CInCO anos de idade e tnnta de contribUIção, se mulher; dez anos de efetIvo exercícIo no servIço público; CInCO anos no cargo efetivo em que se darà a aposentadona). O servidor fará JUs ao abono enquanto permanecer na atIva, até o limIte de setenta anos, idade em que é alcançado pela aposentadoria compulsórIa.

As hipóteses de concessão de aposentadoria pelo regIme próprio dos servIdores públicos efetivos estatutános estão deSCritas no § 1.0 do arL 40 da ConstItuição, abaIxo tranSCrIto:

§ I.O Os servidores abrangidos pelo regIme de previdência de que trata este artIgo serão aposentadosy calculados os seus proventos a partIr dos valores fixados na forma dos §§ 3." e 17: I - por mvalidez permanente, sendo os proventos proporclOnms ao tempo de contribuição. exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profisslonaJ ou doença grave, contaglOsa ou Incuravel, na forma da leI;

II - compulsonamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporCIOnaIs ao tempo de contribUIção:

UI - vofuntanamente. desde que cumprido tempo mintmo de dez anos de efetivo excre1elO no servIço público e CInCO anos no cargo efetIvo em que se clara a aposentadOria. observadas as segumtes condições:

a) sessenta anos de idade e trmta e cinco de contribUIção. se homem, e cinquenta e cmco anos de ídade e trmta de contn­bmção. se mulher;

b) sessenta e CInCO anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher1 com proventos proporclOnms ao tempo de contributção.

O dispositivo é autoexplicativo. As hIpóteses de concessão de aposenta­dona prevIstas no art. 40 da Carta PolílIca são as segulOtes:

Capo VI· SERVIDORES PUBLlCOS (DISPOSIÇOES CONSTiTUCIONAIS) 117

1) por invalidez permanente;

Com proventos proporcionais ao tempo de contribUIção, em todos os casos, exceto quando a IOvalidez decorrer de aCIdente em serVIço, moléstIa profiSSIOnal ou doença grave, contagiosa ou IOcurável, na forma da lei.

Observa-se que o constitulOte derivado deiXOU ao legislador ordinárIO a tarefa de determlOar como serão calculados os proventos de aposentadona quando a IOvalidez permanente decorrer de "acidente em servIço, moléstIa profiSSIOnal ali doença grave, contagiosa ou mcurável". Sabemos apenas que não poderão os proventos, nesses casos, ser simplesmente proporcIOnaIS ao tempo de contribuição, como ocorre nas hIpóteses de IOvalidez permanente que decorra de qualquer outra causa.

2) compulsória, aos setenta anos de idade, com proventos proporcIOnaIs ao tempo de contribuição:

3) voluntária, desde que cumprido tempo minImo de dez anos de efetiVO exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetIvo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

3.1. aos sessenta anos de idade e trinta e CInCO de contribuição, se homem~ e cmquenta e CInCO anos de idade e trinta de contribUição, se mulher: com proventos ca!cuiados. na forma da lei, a partir das remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regImes de previdência própno e geral .. devidamente atualizadas;

3.2. aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher: com proventos proporCIOnaIs ao tempo de contribUIção.

No caso de professor ou professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o tempo de contribUIção e o limIte de idade são reduzidos em cinco anos para a concessão de aposentadOrIa voluntária concedida com base na alínea "a" do mciso !lI do § lOdo art. 40 da Cons­tItuição da República (CF, art. 40, § 5.°).

Por último, cabe mencIOnar que a EC 4112003 estabeleceu diferentes regras de tranSIção para quem já se encontrava no serviço público, varian­do a regra confonne a data de mgresso ou a SItuação jurídica do servidor. A EC 47/2005 também cnou regras de tranSIção aplicáveis aos servidores que Ingressaram no serviço público antes da publicação da EC 4112003, as qUaIS, em linhas geraIs, tiveram o objetivo de atenuar algumas das perdas de direItos que haviam sido impostas pela EC 41/2003.

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ATOS ADMINISTRATIVOS

1. CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO E OUTRAS DEFINiÇÕES RELEVANTES

Atos adminIstrativos são espécie do gênero "atos juridicos". porque são manifestações humanas, voluntárias, unilaterais e destinadas diretamente à produção de efeitos Jurídicos. O que os peculiariza no âmbito do gênero "atos jurídicos" é o fato de serem manifestações ou declarações da admI­nistração pública, agindo nesta qualidade, ou de particulares investidos em funções públicas, que estejam exercendo prerrogativas públicas. O fato de serem praticados no exercfclO de atribUIções públicas faz com que sejam os atos administrativos submetidos a regllne de direito público.

Segundo o conceito elaborado por Hely Lopes Meirelles, "ato admmis­trativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agmdo nessa qualidade, tenha por fim Imediato adquIrir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos admmistrados ou a SI própna",

Maria Sylvia Di PielrO define ato administrativo como "a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos Jurídicos Imediatos, com observâncIa da lei, sob regime jurídico de diretto público e sUjeita a controle pejo Poder Judiciário",

De nossa parte, baseados nas lições dos grandes mestres, propomos a seguinte definição de ato administratIvo: manifestação ou declaração da administração pública, nesta qnalidade, ou de particula~es no exercício de p~errogativas públicas, que tenba por fim imediato a produção de efeitos jurídicos determinados, em conformidade com o interesse público e sob regime predominante de direito público.

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120 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marca/oAlexandn'no

Embora os atos admmislrahvos sejam os atos tíPICOS do Poder Execu­tIVO no exercícIO de suas funções próprIas, não se deve esquecer que os Poderes Judiciário e LegIslativo também editam atos admInIstrativos, pnn­clpalmente relacionados ao exercício de suas atIvidades de gestão mterna, como atos relativos â contratação de seu pessoal, â aqUIsição de matenal de consumo etc.

Vejamos, agora, outras definições relevantes. A doutrina costuma utilizar a expressão "atos da administração" para

se refem aos atos que a admmlstração pública pratica quando está despida de prerrogatIvas públicas, quando está atuando em Igualdade juridica com os parhculares, o que ocorre, por exemplo, quando ela atua como agente econômIco. Os denommados "atos da administração", Justamente por sercm pratIcados em situações nas quais a admmlSlr'àção pública não está atuando como poder público, são regidos predominantemente pelo direIto pnvado (exemplos são a oferta pública de ações de proprIedade da União, a assmatura de um cheque por uma entidade da admmlstração mdireta, entre outros).

Cumpre alertar que pode perfeitamente ocorrer de a expressão "atos da admInIstração" ser utilizada genericamente, ou de forma ampla, para aludir a qualquer ato praticado pela administração pública, sejam ou não "atos administratIvos" propriamente ditos. A rigor, somente quando os autores contrapõem "atos admimstrativos" a "atos da administração" é que se pode ter certeza de que a segunda expressão fOI empregada especificamente para desIgnar os atos da admInIstração pública regidos predominantemente pelo direIto prIvado.

Amda acerca de definições doutrinánas, Importa mencIOnar os denomI­nados "fatos administrallvos".

São fatos administrativos qualquer realização material decorrente do exerciclO da função administrativa ("atos matenals"). Por exemplo, uma es­trada construída pela admInistração, a varrição de logradouros públicos etc.

E também fato admmlstrativo o silêncio (omIssão) da admimstração que produza efeitos juridicos. ASSim, quando ocorre a decadência do direito de a admInistração anular um ato administrativo, a inercia (omISsão), da qual resultou a decadêncIa (efeIto jurídico), é um fato admimstrativo, uma omissão da administração (não anular o ato dentro do prazo) que prodUZIU efeItos jurídicos.

São, amda, fatos administrativos quaIsquer atuações da admInistração que produzam efeitos jurídicos, mas que não tenham por finalidade a pro­dução desses efeitos jurídicos. São atuações que não correspondem a uma manifestação de vontade da administração. Exemplo sena a colisão entre um veículo oficial da administração pública dirigido por um agente público, nesta qualidade, e um veículo partIcular. Nessa hipótese, a colisão resultou

Capo VU· ATOS ADMINISTRATIVOS 121

de uma atuação adminIstratIva e produzmi efeitos Jurídicos, mas não se trata de um ato admmlstratIvo, porque não houve uma manifestação de vontade da admimstração que tivesse a tinalidade de prodUZIr esses efeitos Jurídicos. Trata-se de um fato admInIstratIvo.

Há, por fim, autores que consideram fatos admInIstrativos eventos da natureza, não decorrentes de manifestação ou declaração humana, que pro­duzam efeItos no âmbito do direito adminIstrativo, a exemplo da morte de um servidor público.

Os fatos admInistrativos não estão sujeItos á teona geral dos atos ad­mInIstratIvos.

Suas prmcipals característIcas são: (a) não têm como finalidade a produ­ção de efeItos juridicos (embora possam deles eventualmente decorrer efeitos jurídicos); (b) não hà manifestação ou declaração de vontade da admmlstração; (c) não faz sentido falar em "presunção de legitimidade"; (d) não se pode cogItar revogação ou anulação de fato admInIstrativo; (e) não faz sentido falar em fatos admInIstratIvos discriclOnános ou VInculados.

Outra defimção usual diz respeIto aos assim chamados atos políticos ou de governo. São esses os atos da admmlstração pública em sentido amplo, não SUjeItos a teona geral dos atos admInistrativos, pratwados em obediência direta á ConstituIção (exemplos: iniciativa de leI, sanção ou veto).

Por fim. lembramos que, além de atos admimstratlvos e atos de gover­no, o Estado pratica atos legislativos e atos judiCIaIS (ou JurisdicIOnaIS), que correspondem ás [unções típIcas dos Poderes LeglslalIvo e Judiciário, respec­IIvamente, não sujeItos, tampouco, â teoria geral dos atos adminIstratIvos.

2. CLASSIFICAÇÕES

2.1. Atos vinculados e discricionários

Atos vinculados são os que a admInIstração prabca sem margem alguma de liberdade de decisão, pOIS a lei previamente determmou o unico compor­tamento possível a ser obrigatoriamente adotado sempre que se configure a sItuação objetiva deSCrIta na lei.

Dito de outra forma, temos um ato vinculado quando a leI faz corres­ponder a um motIvo objetivamente determmado uma úmca e obrIgatóna atuação administratJva.

Para exemplificar, tomemos a concessão da licença-paternidade, regu­lada na Lei 8.11211990. Atendidas as condições da lei (cuja base direta é a ConstItuição), ou seja, nascido o filho de servidor público, não cabe ao

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122 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPUCADO· Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

adtntmstrador, sob nenhuma circunstâncIa, alegar que o servidor é essenctal ao servIço, que não seria convemente seu afastamento, ou qualquer outra tentativa de não editar o devido ato de concessão da licença, Configurada a hipótese legal, somente uma atitude é admissível: a edição do ato concessivo, sem espaço para juizo de oportunidade ou conveniência admimstrativa.

Atos discricionários são aqueles que a administração pode praticar com certa liberdade de escolha, nos termos e limites da lei, quanto ao seu conteúdo, seu modo de realização, sua oportunidade e sua convI'niência admimstratlva.

A definição aCima é a tradicionaL Só reconhece a eXistência de discn­clOnariedade quando a lei explicitamente a confere. A doutrina mais moder­na. entretanto~ reconhece a eXIstêncla de discriclonanedade nesses casos e, também, quando a lei usa conceitos Jurídicos indeterminados na descrição do motivo que enseja a prátICa do ato.

Portanto, segundo essa corrente de nossa doutrina, atualmente dominante, a discriclonanedade eXiste:

a) quando a lei expressamente dá ti adm1111stração liberdade para atuar dentro de limites bem definidos;

Exemplificando, tome-se a licença para tratar de mteresses particulares, dis­ciplinada na Lei 8.112/1990. De pronto, observamos que a lei utiliza a expressão "a cntério da Admmlstração" para refenr-se â concessão da licença (art. 91). Resulta que, embora O ato esteja previsto na lei, fica a criténo da admimstração, sempre obedecidos, entre outros, os principios da moralidade e da Impessoalidade, valorar a oportunidade e a conveniência da prática ou não do ato.

b) quando a leI emprega conceitos juridicos mdetermmados - tais como "boa­~fé", "conduta escandalosan

, «moralidade pública" - na descnção do motIVO detenmnantc da prática de um ato admznIstrativo e, no caso concreto, a admmistração se depara com uma sItuação em que não existe possibilidade de afinnar, com certeza. se o fato está ou não abrangido pelo conteúdo da norma; nessas SJtuações. a administração, conforme o seu jufzo privatlvo de oportunidade e conveniência admmistrattvas, tendo em conta o interes~ se público~ decidirá se considera~ ou não, que o fato está enquadrado no contendo do conceIto mdetenninado empregado no antecedente da norma e~ confonne essa declsão. praticarão ou não. o ato preVIsto no respectIvo consequente; o Poder ludiciàrio não pode substitUIr a adminístração nesse JUizo' de valor (porque se trata de um jui'zo de mento administrativo).

. Tomemos um exemplo dessa espéCie de discncionariedade, a fim de faci­lItar a compreensão de seu funCionamento. A Lei 8.11211990 estabelece que a demissão "será aplicada" nns casos de "conduta escandalosa" na repartição.

Cap. VII • ATOS ADM!NISTRATIVOS 123

A estrutura da norma, portanto, segue o esquema: quando "X" (antece­dente = motIVO), então será "Y" (consequente = objeto).

Note-se que, pela estrutura da norma, poder-se-Ia pensar tratar-se de um ato Vinculado, em razão do comando imperativo (a demissão "será aplicada"). Entretanto, como O motivo descnto na lei configura um conceito jurídico tndeterminado, a verdade é que, no caso concreto, quando a situação esltver enquadrada na "zona de mdetermmaçãd' do conceIto de '~conduta escandalo­sa", a administração poderá decidir, diSCrIcionariamente, se enquadra ou não a conduta do servidor na norma legal, valorando a situação da forma mais adequada ao mteresse público, conforme o seu juízo de mérito admmistrativo. Se enquadrar, demitirá o servidor; se decidir que é moportuno ou inconve­mente enquadrar, não demitirá (considerará que a norma não mcidiu, que não houve subsunção entre o fato concreto e o conceito juridico indetermmado descnto na norma como motivo determmante da demissão).

É claro que essa deCisão da admmistração, aSSim como qualquer atuação admlntstrattva, deve ser pautada pela oslnta finalidade de bem atender ao mteresse público e ser onentada, ademaiS, por todos os outros prmcípios Jurídicos pertinentes (moralidade, impessoalidade, razoabilidade, proporclO­nalidade, entre outros); caso contrário, será ilegal ou ilegítima, passível de anulação, tncluslve peta Poder Judiciário.

Em suma, todo conceito Jurídico mdetennmado poSSUi uma zona de certeza positiva - a qual abrange todas as sittlações fáticas que, com certeza, se enquadram no conceito -, uma zona de certeza negativa - a qual abrange todas as SItuações fátiCas que, com certeza, não se enquadram no conceito -e uma zona de indeterminação - na qual reside a discricionariedade.

Por fim, deve-se distinguir discnclOnanedade de arbitrarIedade. A pri­meira ImpHca existênCia de lei e prática do ato dentro dos Hmites por ela impostos, ou dela decorrentes; a segunda significa prática de ato contrário â lei, on não previsto em lei.

2,2, Atos gerais e individuais

Os atos administrativos gerais caracterizam-se por não possuir destma­tários determinados. Eles apresentam apenas hipóteses normativas aplicáveis a todas as pessoas e situações fáticas que se enquadrem nessas hipóteses abstratamente descntas. Diz-se que taiS atos possuem generalidade e abs­tração. No aspecto matenal, taiS atos não diferem das leis. Os atos gerais são sempre discncionános, pelo menos quanto ao seu conteúdo (o contetido é limitado ao das leiS ás quais o ato se subordina, mas, como o ato não é mera reprodução da lei - ou sena inútil -, sempre há alguma margem de escolha para a admimstração l. Os atos gerais podem ser revogados a qualquer

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124 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

tempo. Além disso, os atos gerais prevalecem sobre os mdividuaJs, significa dizer, a administração, na prática de atos mdividuais, é obngada a observar os atos gerais pertmentes, por ela própna editados.

Os atos administrativos individuais são aqueles que possuem destma­tános detenninados, produzindo diretamente efeitos concretos, constitumdo ou declarando situações Jurídicas parhculares. O ato mdividual pode ter um único destinatário (ato singular) ou diversos destinatários (ato plúnmo), desde que detennlnados.

São exemplos de atos mdividuals a nomeação de aprovados em um con­curso público (ato plúrimo) e a exoneração de um servidor (ato smgular).

Os atos mdividuals podem ser vinculados ou discriclOnànos. A revogação de um ato mdividual somente é possível se ele não houver gerado direito adqUIrido para seu destmatário.

2.3. Atos internos e externos

Atos administrativos internos são aqueles destinados a prodUZir efeito somente no âmbito da admimstração pública, atingindo diretamente apenas seus órgãos e agentes.

Como, em prmcfpio, não obngam nem geram direitos para os adminis­trados, os atos lOtemos não necessitam ser publicados na Imprensa oficml para vigerem e prodUZirem efeitos, bastando a comuOIcação direta aos des­tmatarlos ou a utilização de outros meios de divulgação interna. Deve-se observar, entretanto, que qualquer ato, seja qual for a sua espéCie, quando onere o patrimônio público, deverá ser publicado, como condição para a regular produção de seus efeitos.

Exemplos de atos lOtemos: portaria de remoção de um servidor, ordens de serviço, portana de Criação de grupos de trabalho etc.

Os atos administrativos externos são aqueles que atingem os admi­nistrados em geral, Criando direitos ou obrigações gerais ou mdividuals, declarando situações Jurídicas etc.

São também considerados atos externos os que, embora não destmados aos admimstrados, devam prodUZir efeitos fora da repartição que os editou ou onerem o patrimônio público, casos em que é impreSCindível a observâncm do pnncípio da publicidade.

É condição de Vigência e de eficàcla dos atos externos a publicação na Imprensa oficial, antes da qual evidentemente não pode ser presumido seu conhecimento nem exigida sua observância.

São exemplos de atos externos todos os decretos, os regulamentos, a nomeação de candidatos aprovados em concurso público etc.

VII· ATOS ADMINISTRATIVOS 125

2.4. Ato simples. complexo e composto

Ato administrativo simples é o que decorre de uma umca manifestação de vontade de um úmco órgão, unipessoal (ato Simples singular) ou colegiado (ato simples colegIado). O ato SImples está completo com essa só manifesta­ção, não dependendo de outras, concomitantes oU'postenores, para que seja considerado perfeito. Não depende, tampouco, de manifestação de outro órgão ou autoridade para que possa IntClar a produção de seus efeitos.

O prinCIpal cuidado é observar que não mteressa o numero de pessoas que pratica o ato, mas sim a expressão de vontade, que deve ser unitána. Portanto, são simples tanto o ato de exoneração de um servidor ocupante de um cargo em comissão (ato smgular), ou a deCisão de um processo admimstratlvo de consulta, proferida pelo Supennlendente da Receita Federal do Brasil (ato smgular), quanto um acórdão admlmstratJvo do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais -CARF, órgão colegiado do Mimsterio da Fazenda (ato colegiado).

Ato administrativo complexo é o que necessita, para sua fonnação, da manifestação de vontade de dois ou maiS diferentes órgãos ou autoridades. Significa que o ato não pode ser considerado perfeIto (completo, concluído, fonnado) com a manifestação de um SÓ órgão ou autoridade.

Exemplo de ato complexo e a concessão de detennmados regImes es­peCiaiS de tributação que dependem de aprovação por parte de diferentes mtnisténos, como ocorre no caso das reduções tributárías aplicáveiS a alguns bens de mfonnátlca, que dependem de aprovação, cumulativa, do Ministéno do DesenvolVimento, Indústna e Comércio Exterior (MDlC), do Mimstério da CiênCia e Tecnologia (MCT) e do Ministério da Fazenda.

Também servem de exemplo os atos nonnativos editados conjuntamente por órgãos diferentes da administração federal, tais como as portarias con­Juntas ou Instruções nonnativas conjuntas da Secretana da ReceIta Federal do Brasil e da Procuradoria da Fazenda NaCIOnal.

Ato administrativo composto é aquele cujo conteúdo resulta da mani­festação de um só órgão, mas a sua edição ou a produção de seus efeitos depende de um outro ato que o aprove. A função desse outro ato é meramente mstrumental: autorizar a prática do ato prinCipal, ou conferir eficácia a este. O ato acessório ou instrumental em nada altera o conteúdo do ato prinCipaL

Não é a conjugação de vontades diversas que dá existência ao ato composto. Seu conteúdo ti fonnado pela manifestação de uma só vontade. Ocorre que se faz necessaria uma outra manifestação para que o ato possa ser pratteado ou para que possa prodUZir os efeitos que lhe são própnos. Esse outro ato pode ser posterior ou prévio ao principal. Confonne o caso, esse ato acessóno recebe a denominação de aprovação, autorização, ratificação, VISto, homologação. dentre outras.

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126 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLlCAQO • Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

Cabe observar que, na hIpótese de O ato acessóflO ser previa, sua função não é sImplesmente possibilitar a produção de efeitos do ato principal; maIs do que ISSO, como o ato acessório prévio é pressuposto do principal - vale dizer, é condição imprescindível para a prática do ato principal -, sem aquele este nem sequer chega a eXIstir.

É Importante ressaltar que, enquanto no ato complexo temos um úuico ato, integrado por manifestações homogêneas de vontades de órgãos diver­sos, no.ato composto existem dois atos. um principal e outro acessório ou instrumentaL .

Esse ato acessóno tem por conteúdo a aprovação do ato princIpal, tão somente: quando a aprovação é preVIa, sua função é autorizar a prática do ato pnnclpal; quando postenor, a aprovação tem a função de conferir eficac;a, exequibilidade ao ato pnncipal.

Para a Proe' Mana Sylvia Di Pietro, seriam exemplos de atos compostos as nomeações de autoridades ou dirIgentes de entidades da administração su­jeItas ã aprovação prevIa pelo Poder LegIslativo. A autora cIta como exemplo de ato composto a nomeação do Procurador-Geral da República, precedida de aprovação pelo Senado. O ato de nomeação serIa o ato principal, editado pelo Presidente da República, e o ato de aprovação, que nesse caso é prévia, seria o ato acessório ou instrumental, praticado peta Senado Federal. Nas palavras da eminente admimstrallvísta, "a nomeação é o ato prinCIpal, sendo à aprovação préVIa o ato acessóno, pressuposto do pnnclpal".

2.5. Ato válido, ato perfeito, ato eficaz e definições correlatas

Ato válido é o que está em total conformídade com o ordenamento Jurídico, com as eXIgênCIaS legaIs e regulamentares impostas para que seja regulannente editado. Por outras palavras, é o ato que não contém qualquer VÍCIO,. qualquer Irregularidade, qualquer ilegalidade.

Ato nulo é aquele que nasce com vício msanavel, normalmente resultante de defeIto substancIal em seus elementos conslItullvos. Não pode produzir efeItos e a declaração de nulidade opera ex lunc, desfazendo os efettos que dele tenham decorrido, ressalvados, entretanto, os efeitos já produzidos em relação a terceIros de boa-fé.

Ato inexistente é aquele que possui apenas aparência de manifestação de vontade da administração pública, mas, em verdade, não se onglOa de um agente público, mas de alguém que se passa por tal condição, como o usurpador de função.

Ato anulável é o ato que contém VíCIO sanável e, por isso, poderá ser objeto de convalidação, desde que não acarrete lesão ao interesse público nem prejuizo a terceIros. São sanáveIS o vício de competência quanto á pes-

Cap. VII • ATOS ADMINISTRATIVOS 127

soa, desde que não se trate de competêncIa exclUSIva, e o vícIO de forma, a menos que se trate de forma eXIgida pela leI como condição essenCIal á validade do ato.

Ato perfeito é aquele que está pronto, termmado, que já concluiu O seu ciclo, suas etapas de formação; tem-se um ato perfeito quando já se esgo­taram todas as fases necessánas à sua produção. Seu processo de formação está concluído.

Ato eficaz é aquele que já está disponível para a produção de seus efeitos próprios; a produção de efeitos não depende de evento posterior, como uma condição suspensIva, um temlO micial ou um· ato de controie (aprovação, homologação, ratificação, VIstO etc. l.

Ato pendente é um ato perfeito, mas ineficaz, ou seja, está concluído (perfeito), mas amda não pode produzir efeItos (ineficaz), porque depende de autonzação, aprovação, homologação etc. de uma autoridade controladora, ou há um termo imcial ainda não atmgido. ou há uma condição suspensíva ainda não Implementada.

Ato exaurido (ou cousumado) é o ato que já produziu lodos os efei­tos que podena ter produzido, que já esgotou sua possibilidade de prodUZIr efeItos.

Por exemplo, a autorização para a realização de uma passeata toma-se um ato consumado depOiS que a passeata já foi realizada; o exaurimento do ato ocorre automattcamente, sem necessidade de edição de quaiquer outro ato admmistratIvo para que a condição de ato consumado seja declarada.

3. REQUISITOS OU ELEMENTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

A doutrIna admimstrativlsta, com base na lei que regula a ação popular (Lei 4.717(1965), costuma apontar CInCO assim chamados requiSItos ou elementos dos atos admlDlstrativos: competêncIa, finalidade, fomla, motIvo e objeto.

Trata-se de reqUIsItos de validade, pois o ato que desatenda a um deles, IStO é, o ato praticado em desacordo com o que a leI estabeleça para cada requisito, será, em regra, um ato nulo (nos casos de ViClO nos elementos competêncIa ou forma, dependendo do vicio, o ato poderá ser apenas anu­lável, isto é, potenctalmente apto a ser convalidado).

3.1. Competência

Podemos definir competêncIa como o poder legal conferido ao agente público para o desempenho específico das atribUIções de seu cargo. A dou-

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128 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

trina também se refere, por vezes, ao elemento competência, s,mplesmente, como '~sujelto".

A competência é um elemeoto sempre vmculado, Isto é, não há discn­clOoanedade na determinação da competência para a prátIca de um ato.

Quando o agente público atua fora ou além de sua esfera de competên­CIa, temos uma das modalidades de abuso de poder, especificamente o vicio denommado excesso de poder.

a vícIO de competência (excesso de poder), entretanto, nem sempre obriga à anulação do ato. a vício de competência admite convalidação, salvo se se tratar de competência em razão da matéria ou de competência exclusiva.

Detalhando o afirmado aCIma, o excesso de poder SÓ acarreta um alo nulo quando se tratar de vício de competência quanto à matéria (um ato cuja maténa seja de competência do Mimsténo da Saúde prattcado pelo Mimsténo da Fazenda), ou de ViClO de competêncIa em atos de competência exclusiva. a ViCIO de competência quanto â pessoa, se não for exclusiva, pode ser convalidado. Se o superintendente da ReceIta Federal do Brasil e o agente competente para pratIcar um ato não exclusivo e O delegado da ReceIta Federal do Brasil, que não possui essa competência, pratica esse ato~ temos unl caso de excesso de poder~ mas o ato resultante e passivel de convalidação. Com efeIto, se o superintendente entender que esse alo deva ser convalidado, em vez de anulado, pode convalidá-lo, SImplesmente apondo sua assmatura embaixo da do delegado.

a estudo desse reqUIsIto traz à luz as figuras da delegação de competêncl8 e da avocação. Nos casos de delegação e avocação não há transferêncIa da tItularidade da competência, apenas do seu exerclclo. Isso é evidente, pois a competência é prevISta em leL e não poderia ser modificada por um ato admmlstratlvo (a delegação e a avocação de competência são efetivadas por atos adminIstrativos). a ato de delegação ou de avocação e discricIOnário e é revogavel a qualquer tempo.

Quanto il delegação de competêncIa, devemos conhecer as regras preViS­tas na LeI 9.784/1999. Essa lei, aplicável a todo o Poder Executivo federal, estabelece, nos seus arts. 11 a 14, as segumtes condições e característIcas da delegação de competência:

a) a regra geral é a possibilidade de delegação de competênCIa, a qual somente não e adm1tida se houver impedimento lega{~

b) a delegação pode ser feita para órgãos ou agentes subordinados, mas ela tambêrn e possível mesmo que não exista subordinação hierárquica, nos expressos termos do art. 12 da lei;

c) a delegação deve ser de apenas parte da competêncIa do órgão ou agente, não de todas as suas atribuições;

Capo VII • ATOS ADMINISTRATIVOS 129

d) a delegação deve ser feIta por prazo detenninado;

e) o ato de delegação é um ato discriclOnárlO e e revogavel a qualquer tempo pela autoridade delegante;

f) o ato de de!egação e sua revogação deverão ser publicados no meIO ofi­ciai;

g) o ato praticado por delegação deve mencIOnar expressamente esse fato e e consíderado adotado pelo delegado, ou seja, a responsabilidade recaI sobre eie.

A própria LeI 9.784/1999, desde logo, em seu art. 13, proíbe a dele­gação de competências para a prática de determmados atos admimstrativos. Isso não Impede que outras leiS estabeleçam outras vedações específicas, ou mesmo genéncas. São as seguintes as proibições enumeradas no art. 13 da LeI 9.784/J999:

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normattvo~

II - a deCisão de recursos admmistratIvos;

IH - as maténas de competência exclusiva do orgão ou auto­ridade.

RelatIvam.ente à avocação, são mUIto menos detalhadas as regras estabele­cidas pela LeI 9.78411999. No único dispositivo em que cuida da matérIa (art. 15), afirma a leI, tão somente, que "será permItida, em caráter excepcIOnal e por mot,vos relevantes devidamente Justificados, a avocação temponina de competêncIa atribuída a órgão hIerarquicamente mfenor".

Avocação, portanto, e o ato mediante o qual o supenor hierárqUIco traz para SI o exerCÍCiO temporáriO de determmada competênCia atribuída por lei a um subordinado.

Deve ser medida excepcIOnal e fundamentada, mas a LeI 9.784/1999 não eXIge que os casos específicos em que se admIte a avocação estejam expressamente preVIstos em lei, conforme propõem alguns administra tI vistas. A ~osso ver, a autOrIZação genénca para a avocação, na esfera federal, já esta dada pelo próprio art. 15 da LeI 9.784/1999, sendo ela possivel mes­mo que não eXista uma lei especificamente autorizando a avocação de uma atribUição determinada.

A LeI 9.784/1999 nada fala sobre competências não passíveis de avocação. A doutrma preleciona que a avocação não é possível quando se tratar de competência exclusiva do subordinado, o que nos parece mefutavelmente lógico.

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130 RESUMO DE DIRE!TO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paula & Marcelo Alexandrino

Por fim, cumpre Ihsar que, na delegação, é do delegante a titularidade da competência delegada, ao passo que na avocação é do subordinado a com­petêncIa legal avocada. Por essa razão, não se deve confundir a revogação de um ato de delegação com a avocação.

3.2. Finalidade

A -finalidade fOI estudada em capítulo anterior: desta obra, não como elemento dos atos administrativos, mas como umas das facetas (a mais tradicionalmente comentada) do pnncipio da impessoalidade. Os estudos obvÍamente se sobrepõem; afinal, a finalidade como pnnciplO de atuação da administração pública ti a mesma finalidade descrita como elemento ou requISIto dos atos admmlstratlvos.

A finalidade ti um elemento sempre vinculado. Nunca ti o agente pú­blico quem determma a finalidade a ser persegnida em sua atuação, mas sIm a leI.

Podemos identificar nos atos admmistrativos:

a) uma finalidade geral ou rnediata~ que é sempre a mesma, expressa ou Implicitamente estabelecida na lei: a s:ltisfação do interesse público;

b) uma finalidade específica, Imediata, que é o objetivo direto. o resultado específico a ser alcançado, prevIsto na fel. e que deve determmar a prática do alo.

o desatendimento a qualquer das finalidades de um ato administrativo - geral ou específica - configura vício insanável, com a obrigatória anulação do ato. O vícIO de finalidade é denominado pela doutnna desvio de poder (ou desvio de finalidade) e constitUl uma das modalidades do denominado abuso de poder (a outra é o excesso de poder, vicIO relaCIOnado à competência).

Conforme seja desatendida a finalidade geral ou a específica, teremos duas espécles de desvIO de poder:

a) o agente busca uma finalidade alheia ou contràna ao interesse público (exemplo. um ato praticado com o fim exclusivo de favorecer ou prejudicar aIguem);

b) o agente pratica um ato condizente com o interesse público, mas a lei não prevê aquela finalidade específica para o tIpO de ato praticado (por exemplo, u remoção de oficio de um servidor, a fim de puni~10 por mdísclplina; sera desvIO de finalidade. amda que a localidade para a qual ele foi removido necessite realmente de pessoal; isso porque o ato de remoção. nos tennos da

Capo VII· ATOS ADMINISTRATIVOS 131

lel1 não pode ter o fim de pumr um servidor. mas~ unIcamente, o de adequar o numero de agentes de detenmnado cargo ás necessidades de pessoal das diferentes unidades adnut1lstratIvas em que esses agentes sejam lotados).

Seja qual for O caso, o vicio de finalidade não pode ser convalidado e o ato que o contenha é sempre nulo.

3.3. Forma

A fonna é o modo dc exteriorização do ato administraüvo.

Todo ato admlDlstrativo é, em pnncípio, fOlmal, e a forma exigida pela lei quase sempre é a escnta (no caso dos atos praticados no âmbito do processo admlOistratlvo federal, a forma ê sempre e obrigatonamente a escrita).

Ex[stem. entretanto. atos admmlslratJvos não escritos. como são exem­plos: ordens verbaIS do supenor ao seu subordinado; gestos, apitos e sinais lummosos na condução do trânSIto; cartazes e placas que expressam uma ordem da admmlstração pública, taIS quals as que proíbem estaCIOnar, proí­bem fumar etc.

A doutrma tradicional costumava classificar a fonna dos atos admtrustra­tivos como um elemento vlOculado. Atualmente, esse tema é controverso.

Apesar de autores como o Prof. He[y Lopes MClrelIes prelecionarem que a forma e elemento sempre vlOculado nos atos adminIstratIVOS, pensamos que, hOJe, essa afirmatIva deve, no maxlmo, ser considerada uma regra geral.

Com efeIto, além de eXlsürem admmistratlvlstas importantes para os quaIS a forma pode ser elemento vmculado ou discnclonáno, deve-se atentar para o que dispõe o art. 22 da Lei 9.784/1999.

O referido dispOSitivo legal estatui em seu capul, literalmente, que "os atos do processo admllllstrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir" (embora o § l° do mesmo arl. 22 estabeleça que tais atos devem ser produzidos por escrito, em ver­náculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável).

A nosso ver, o assunto deve ser assIm tratado:

a) quando a tel não eXIglr fomm determmada para os atos adminIstratIVOS. cabe â admmistração adotar aquela que considere mais adequada. conforme seus cr!ténos de conveniênCIa e oportunidade admInIstrativas; a liberdade da admInistração e. entretanto. estreita. porque a funna adotada deve pro­porcionar segurança jurídica e. se se tratar de atos restritivos de direItos ou sanCIOnatÓriOs, deve possibilitar que os admmistrados exerçam plenamente o contraditÓriO e a ampla defesa;

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132 RESUMO DE. DIREITOADM!NISTRATlVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marr::eloAlextlndrino

b) diferentemente~ sempre que a leI expressamente eXIgIr detennmada [onna para a validade do ato, a inobservância acarretara a sua nulidade.

Em regra, o vício de forma é passível de convalidação, vale dizer, é defeito sanável, que pode ser corngido sem obngar á anulação do ato. En­tretanto, a convalidação não e possível quando a lei estabelece determInada forma cama essencIal á validade do ato, caso em que o ato será nulo se não observada a forma legalmente eXIgida.

É mteressante observar que a motivação - declaração escnta dos moltvos que ensejaram a prática do ato - integra a forma do ato admímstratIvo. A ausência de motivação, quando a mOllvação fosse obngatóna, acarreta a nulidade do ato, por vício de forma (nesses casos, a leI considera a forma "ato com motIvação expressa" essencial á validade do ato).

3.4, Motivo

o motIvo é a causa imediata do ato admmistratlvo. É a situação de fato e de diretto que determina ou autoriza a prática do ato, ou, em outras palavras, o pressuposto fátICO e juridico (ou norrna!tvo) que enseja a prática do ato. A dou­trina, por vezes, utiliza o vocábulo "causa" para aludir ao elemento motIvo.

O que essa enunciação pretende descrever é que os atos admimstrativos são prattcados quando ocorre a coincidêncIa, ou subsunção, entre uma sItua­ção de fato (ocorrida no mundo natural, também chamado mundo empírico) e uma hIpótese descrita em norma legal.

Por exemplo, a leI diz que o servidor que tenha filho tem direito a licença-paternidade por cinco dias. Se um servidor faz um requenmento perante a admInIstração provando o nascímento de seu filho (pressuposto fátICO), a admimstração, verificando que a sItuação fática se «encaIxa" na hipótese descrita na norma legal, pratica o ato.

Nesse exemplo da licença-paternidade, como temos um ato vmculado, a leI determina que, á vista daquele fato, seja obngatonamente praticado aquele ato (concessão da licença-paternidade por cinco dias).

Quando se trata de um ato discnclOnáno, a leI autoriza a prática do ato, fi VIsta de determmado fato. Nesses casos, constatado o fato, a admmistração pode, ou não, pratIcar o ato, ou pode escolher seu objeto, conforme cnténos de oportunidade e conveniência admimstrativas, e sempre nos limites da leI.

O vício de moltvo sempre acarreta a nuiidade do ato. São descntas usualmente duas vanantes de vício de motivo, a saber:

Capo VII- ATOS ADMINISTRATIVOS 133

a) motivo inexistente;

Melhor sena dizer fato mexlstente. Nesses casos, a norma prevê: somente quando presente o fala "x", deve-se praticar o ato "y" Se o ato "y" é pra­ttcado sem que tenha ocorrido o fato "x", o ato é viCIado por mexistêncIa material do motIVO.

b) motivo ilegítimo (ou Juridicamente inadequado).

Nessas hIpóteses, eXIste uma norma que prevê: somente quando presente o fato "xH

., deve-se praticar o ato "y", A administração, diante do fato "z". enquadra-o elTOneamente na hipótese legal, e pratIca o ato "y". Pode-se dizer que há incongruêncIa entre o fato e a norma, ou seja, está errado o enquadramento daquele fato naquela norma.

A diferença dessa SItuação para a antenor é que, na anterior, não haVIa fato algum, ao passo que falamos em motivo ilegítimo, incongruente, im­pertmellte ou Juridicamente madequado quando existe um fato, mas tal fato não se enquadra corretamente na norma que determma ou autonza a prática do ato. A admmistração pratica o ato, ou porque analisou erroneamente o fato, ou porque mterpretou erroneamente a descnção hIpotétIca do motivo, constante da norma.

3.4.1. Motivação

Não podemos confundir motivo com moltvação. Motivação é a declaração escnta do motIvo que determmou a prátIca do ato. E obngatóna em todos os atos vmculados, e sua eXIgência é regra geral nos atos discricionarios.

A motIvação faz parte da forma do ato, isto é, ela integra o elemento forma e não o elemento motivo. Se o ato deve ser motIvado para ser válido, e a motIvação não é feIta, o ato é nulo por vício de forma (VÍCIO msamivel) e não por ViCIO de motIvo.

A motivação é, SImplesmente, a declaração escnta do motIvo que levou á prática do ato. É o agente público escrever: "Fulano, servidor público deste Órgão. teve um filho (pressuposto fático); como a Lei X determma que deve ser concedida licença de cinco dias nesses casOs (pressuposto de direito), concedo a Fulano, por cinco dias, a referida licença (objeto do ato administrativo)".

Observe-se que todo ato admmistratlvo tem que ter um motivo (ine­xistênCIa de motivo - seja a não ocorrência do fato, seja a ineXistênCIa da norma - resulta na nulidade do alo), mas podem eXIstir atos adminístratIvos em que os motivos não sejam declarados (atos que não estão sUjeItos á regra geral de obngatoriedade de motIvação}.

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134 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Na esfera federal. a Lei 9.7841I999 dispõe acerca da motivação dos atos adminlstrativos nos seguintes termos:

Art. 50. Os atos admIOIstratlvos deverão ser motIvados, com mdica9ão dos fatos e dos fundamentos Jurídicos, quando:

[ .- neguem, limitem ou afetem direitos ou mteresses;

fI - Imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

- UI - decidam processos admmlstratlvos de concurso ou seleção pública~

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo lícltatóno;

V - decidam recursos admmistratlvos;

VI - decorram de reeXame de OfiClO~

VIl- deIxem de aplicar JUrisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos. propostas e reJatónos oficiaIs;

VHI - Importem anulação, revogação. suspensão ou convalida­ção de ato admInlstratlvo.

§ 1.° A motIvação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consIstir em declaração de concordâncIa com fundamentos de antenores pareceres~ mfonnações. decIsões ou propostas. que. neste caso, serão parte mtegrante do ato.

§ 2.0

Na solução de vrinos assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado melO mecâmco que reproduza os fundamentos das dectsões. desde que não prejudique direIto ou garantia dos Interessados.

§ 3." A motIvação das decIsões de órgãos colegIados e co­nllssões ou de decIsões oraJs constará da respectIva ata ou de termo escfI to.

Cabe lembrar que o art. 93. X. da Constituição da República impõe expressamente a obrigatoriedade de motivação de todas as decisões admi­nistrativas dos tribunais do Poder Judiciário.

3.4.2. Teona dos motivos determinantes

A deno?",mada teoria dos motivos determinantes consiste em. simples­mente, explicitar que a administração pública está sujeita ao controle admi­nistrativo e Judicial (portanto. controle de legalidade ou legitimidade) relalivo á existência e â pertmência dos motivos - fático e legal - que ela declarou como causa determmante da prática de um ato.

VII • ATOS ADMINISTRATIVOS 135

Caso seja comprovada a não ocorrência da Situação declarada. ou a ma­dequação entre a situação ocorrida (pressuposto de fato) e o motivo descrito na lei (pressuposto de direito), o ato será nulo.

Como se vê, só aos atos em que houve motivação - fosse ou não obri­gatória a motivação - aplica-se a teona dos motivos determmantes.

A teoria dos motivos determmantes aplica-se tanto a atos vinculados quanto a atos discrícionános, mesmo aos atos discncionários em que, embora não fosse obngatória, tenha havido a motivação.

3.5. Objeto

o objeto ti o próprio conteúdo material do ato.

O objeto do ato adiUlnlstrativo identifica-se com o seu conteúdo, por meio do qual a admmistração manifesta sua vontade, ou atesta simplesmente situações preexistentes. Pode-se dizer que o objeto do ato administrativo e a própria alteração no mundo jurídico que o ato provoca, é o efeito Jurídico imediato que o ato produz.

Assim, é objeto do ato de concessão de uma licença a própria concessão da licença; é objeto do ato de exoneração a própna exoneração; é objeto do ato de suspensão do servidor a própria suspensão (neste caso, há liberdade de escolha do conteódo específico - número de dias de suspensão -. dentro dos limites legais de até noventa dias, conforme a valoração da gravidade da falta cometida).

Nos atos Vinculados, a um moltvo corresponde um ÚniCO objeto; verifi­cado o motivo. a prática do ato (com aquele conteódo estabelecido na lei) é obngatórla.

Nos atos discricionários, há liberdade de valoração do motivo e, como resultado, escolha do objeto, dentre os possíveIS, autorizados na lei; o ato só será praticado se e quando a administração considerá-lo oportuno e conve­niente, e com o conteúdo escolhido pela administração, nos limites da lei.

Pode-se afirrnar, portanto, como o faz a doutrina em geral, que: (a) nos atos vinculados, motiVO e objeto são vinculados; (b) nos atos discricíonános. motivo e objeto são discnclOnáríos.

Consoante se constata, são os elementos motivo e objeto que permitem verificar se o ato e vinculado ou discriciOnário.

3.5.1. Mérito administrativo

Nos atos discncionários, O binômio motivo-objeto detem1ina o denomi­nado mérito administrativo.

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1 ~6 RESUMO OE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo AfexandrinQ

Ménto adlnInlstratlvo é O poder conferido pela lei ao agente público para que ele decida sobre a oportunidade e conveniência de praticar detennmado ato discnclomino, e escolha o conteúdo desse ato, dentro dos limites estabelecidos na lei. Vale repetir, só eXISte mento administrativo em atos discnclOminos.

O mento administrativo não está SUjeito ao controle Judicial. Entenda-se bem: controle de mérito e sempre controle de oportunidade e conveniência; portanto, controle de menta resulta na revogação ou não do ato, nnnca em sua anulação; o Poder Judiciáno, no exerciclO de funçãO jurisdiCIOnal, não revoga atos admInistratlVos, somente os anula, se houver ilegalidade.

O Poder Judiciâno, se provocado, pode controlar a legalidade de um ato discncloníino, quanto a qualquer elemento desse ato, Inclusive nos casos em que a administração pública alegue estar atuando legitimamente dentro da sua esfera pnvattva de apreciação do menta admInistrativo, mas tenha, na verdade, extrapolado os limites da lei.

E o que acontece, por exemplo, no controle de razoabilidade e propor­CIonalidade, controle que Incide sobre os elementos motivo e objeto do ato discnclOnâno, resguardado, entretanto, o ménto admInistratIvo, dentro dos limItes legitimamente estabelecidos na lei.

Em resumo, em um ato discriCIOnário o Poder Judiciáno pode apreCiar, quanto á legalidade, a sua competência. a sua finalidade, a sua fonna e, tam­bém, o seu motivo e o seu objeto, ressalvada a eXIstênCia, nesses elementos motivo e objeto, de uma esfera pnvativa de apreCIação pela admmistração pública (o merito adminIstrativo), estabelecida pela leI; a extrapolação ou não, pela adminIstração, dos limites dessa esfera de ménto admInIstrativo é passível de controle pelo Poder Judiciario, o que configura controle de legalidade ou legitimidade, e não controle de ménto.

Frrse-se, o Poder Judiciário, no exercício de função Junsdícional, nunca Vai adentrar o mérito admimstratlvo para dizer se o ato fOI ou não conveniente e opommo, substituindo a administração nessa análise. Isso sena controle de mérito, pelo Judiciáno, de atos administraltvos de outro Poder, o que noSso ordenamento Jurídico não pennlte (ofende o princíp'o da separação dos Poderes). O Judiciáno deve se limItar a controlar a legalidade do exercícIO da discnclOnanedade pela admimstração, mas não substitui-la no Juízo de conveniênCia e oportunidade, vale dizer, no Juízo de merito.

4. ATRIBUTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Atributos são qualidades ou característIcas dos atos adminIstrativos. En­quanto os reqUIsitos dos atos admInistrativos constItuem condições que devem ser observadas para sua válida edição, seus atributos podem ser entendidos como as características inerentes aos atos administrativos.

Capo VII • ATOS ADMINISTRATIVOS 137

Os atributos dos atos admInlstratlvos descritos pelos prinCipaiS autores são:

a) presunção de legitimidade;

b) Imperatlvidade; c} autoexecutoriedade~

d) tlplcidade.

Os atributos ImperatIvidade e autoexecutoriedade são observáveiS somente em detennmadas espéCies de atos admimstrativos.

4,1. Presunção de legitimidade

A presunção de legitImidade ou presunção de legalidade é o úmco atn­buto presente em todos os atos administrativos, quer Imponham obngações, quer reconheçam ou confiram direitos aos admInistrados.

fi uma presunção relativa VZlris /all/um l, ou seja. admite prova em contrario.

O fato de ser uma presunção relativa leva à prinCipal consequêncla desse atributo: O ônus da prova da existência de vício no ato administrativo é de quem alega, ou seja, do administrado.

Por outras palavras, uma vez praticado o ato, ele se presume legítImo e, em pnncípio, apta a prodUZir os efeltos que lhe são próprios; Incumbe ao admmistrado a prova de eventual vicio na ato, caso pretenda ver afastada a sua aplicação (o adminIstrado terá que obter algum prOVImento judiCIal que suspenda a aplicação do ato, ou ll1terpor algum recurso admimstrativo ao qual a leI atribua efeito suspensivo).

Registramos que a Prol" Mana Sylv13 Di Pietro desmembra esse atributo em duas facetas, uma relativa ao plano nonnatlvo e outra ao plano fállCO, desta fonna:

a} presunção de legitimidade ou legalidade. SIgnificando que são correias a mterpretação e a aplicação da nonna Jurídica pela adrmmstração;

b) presunção de veracidade, Significando que os fatos alegados pela admIniS­tração eXJstem. ocorreram, são verdadeIros.

4.2. lmperatividade

Rigorosamente, imperattvidade traduz a possibilidade de a administração pública, unilateralmente, criar obngaçães para os admimstrados, ou impor­-lhes restrIções.

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138 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A imperatividacte decorre do denomlOado poder extroverso do Estado.

É um atributo que não está presente em todos os atos administrativos. Por exemplo, não são imperativos atos que reconheçam ou confiram direItos ao particular, ou declarem situações preexistentes, entre outros.

Da mesma forma que ocorre relativamente á presunção de legitImidade (e em decorrência dela), os atos revestIdos de imperatIvidade podem, em prIncipio, ser Imediatamente Impostos aos partIculares a partir de sua edição, mesmo que estejam sendo questionados admlnIstrativà ou JudiCIalmente quanto à sua validade, salvo na hipótese de recurso admlOistratIvo que tenha efeito suspenSIVO, ou de deCIsão judicial que suste ou Impeça a aplicação do ato.

4.3. Autoexecutoriedade

Atos autoexecutónos são os que podem ser materialmente Implementados pela admimstração. dirctamente. inclusIve mediante o uso da força, se neces­sária, sem que a admimstração precise obter autonzação judicial prévia.

Entenda-se bem: a autoexecutoriedade nunca afasta a apreciação judiCial do ato; apenas dispensa a administração dc obter ordem Judicml préVIa para poder pratica-lo. Aliás. nada Impede até mesmo o controle JudiCial prévIO de um ato autoexecutóno, desde que provocado pelo particular que seria o deslI­natáno do ato. Se o partIcular, com antecedênCia, souber que a admInIstração praticará determinado ato autoexeculório. pode conseguir no JudiciárIO uma liminar impedindo sua prática. desde que demonstre a potencial ilegalidade do ato que seria praticado. O que nunca é necessário no ato autoexecutório é que a administração, previamente, procure o Poder Judiciário para ser autonzada a praticá-lo.

Não e atributo presente em todos os atos admmistrativos. Os atos au­toexecutónos mais comuns são os atos de políCia, como a apreensão de mercadonas entradas ou encontradas no País Irregularmente. a relirada dos moradores de um prédio que ameaça desabar, a demolição desse mesmo pré­dio, a destrUIção de alimentos Impróprios para o consumo encontrados numa prateleira de supermercado, a demolição de obras clandestinas que ponham em risco a segurança da população, a dissolução de uma passeata etc.

Exemplo tradicional de ato não revestido de autoexecutoriedade é a cobrança de multa, quando resistida pelo particular. Nesses casos, em que o particular se recusa a pagar, a admmistração somente pode haver a quantia a ela devida mediante Uma ação JudiCial de cobrança. denommada execução fiscal, ou seja, não pode a adminIstração obter por meiOS própnos, sem a mterveniência do Poder JudiciárIO, o valor a ela devido.

Capo VII .. ATOS ADMINISTRATIVOS 139

Segundo lOlportantes admmlstratlYlstas, a auloexecutonedade está pre­sente em duas SItuações:

a) quando a lei expressamente a prevê~ e

b) em situações de urgênCia. quando for necessarIa a adoção imediata de medida destmada a evItar um prejuízo maior para o mteresse público.

4.4. Tipicidade

Para a Prof'. Maria SylvIa. a tipIcidade "é o atributo pelo qual O ato adminIstrativo deve corresponder a figuras definidas preVIamente pela lei como aptas a produzir determInados resultados".

O fundamento desse atributo é a segurança jurídica. representando uma garantia para o administrado.

Na prática, essa exigênCIa de que haja um ato específico para cada medida que se pretenda adotar não é observada, de maneira nenhuma, na admInIS­tração pública brasileira; não obstante, a ttpicidade é usualmente mencionada pela doutnna como um atributo dos atos admInistrativos.

5. EXTINÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

O ato administrativo em vigor permanecerá no mundo juridico até que algo capaz de alterar esta situação lhe aconteça. Uma vez publicado, esteja eivado de vícios ou não, terá VIgência e deverá ser cumprido. em respeito ao atributo da presunção de legItimidade, até que ocorra formalmente o seu desfazImento.

O desfazimento do ato admilllstratlvo poderá ser resultante do reco­nbeclmento de sua ilegillmídade, de vícios na sua formação, ou poderá simplesmente adVir da desnecessidade de sua existênCia, IstO é. mesmo le­gítimo, o ato pode tornar-se desnecessário e pode ser declarada inoportuna ou inconveniente a sua manutenção. Poderá, amda, resultar da ImpOSIção de um ato sancIOnatório ao particular que deixou de cumprir com os requisitos exigidos para a manutenção do alo.

Dessa distinção surge a noção de revogação, anulação e cassação. espécies do gênero desfazImento do ato admmIStrativo.

5.1. Anulação

A anulação deve ocorrer quando há vício no ato, relativo, â legalidade ou legitimidade (ofensa à lei ou ao direito como um todo). E sempre um controle de legalidade. nunca um controle de mérito.

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140 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Um ViCIO de legalidade ou legitimidade pode ser sanavel ou não. Quando for Insanável, a anulação é obngatória; quando for sanável, o ato pode ser anulado ou convalidado (a convalidação e ato discncIOnano, pnvatlvo da adminIstração ).

Tanto atos vmculados quanto atos discrICIOnános são passíveIs de anula­ção. O que nunca eXIste e anulação de um ato discrIcionário por questão de mérIto adminIstrahvo, ou seja, a esfera do mérito não é passível de controle de legalidade; sIgnifica dizer que um ato nunca pode ser anulado por ser considerado 111oportuno ou mconvemente.

Como a anulação retIra do mundo jurídico atos com defeIto de validade (atos mválidos), ela retroage seus efeItos ao momento da prátIca do ato (ex IlIl1e). Dessa fonua, todos os efeitos produzidos pelo ato devem ser descons­tltuidos. O ato mválido não gera direItos ou obngações para as partes e não cna situações jurídicas defimtIvas; ademaIS, caso se trate de um ato nulo não é posSIvel sua convalidação.· ,

Devem, entretanto, ser resguardados os efeitos já produzidos em rela­ção aos terceiros de boa-fé. Isso não significa que o ato nulo gere direito adquirido. Não há direito adquirido â produção de efeItos de um ato nulo. O que ocorre e que os efeitos já produzidos até a data da anulação, perante terceiros de boa-fé, não serão desfeItos.

A anulação pode ser fmta pela administração, de OfiCIO ou mediante provocação, ou pelo Poder JudiciáriO, mediante provocação.

Na esfera federal, o art. 54 da LeI 9.784/1999 estabelece em ClOCO anos o prazo para a anulação de atos adrnlmstratIvos ilegaiS, seja qual for o VícIO, quando os efeitos do ato forem favoráveIs ao administrado, salvo comprovada má-fé (o ônus da prova, nesse caso, é da admimstração).

5.2. Revogação

Revogação e a retIrada, do mundo juridico, de um ato válido, mas que, segundo crIténo discriCionárIo da admmlstração, tomou-se moportuno ou Inconveniente.

A revogação tem fundamento no poder discricIOnáno. Ela somente se aplica aos atos discricionárIOS. A revogação é, em si~ um ato discricionárIO, uma vez que decorre exclUSIvamente de critério de oportunidade e conveniênCia.

A revogação somente produz efeItos prospectIvos, para frente (ex mmc), porque o ato revogado era válido, não tmha vicio nenhum. Além disso, devem ser respeItados os direItos adqUIridos.

A revogação e ato privatIvo da administração pública que praticou o ato revogado. O Poder Judiciário jamais pode revogar um ato administrativo editado pelo Poder Executivo ou pelo Poder LegI~latlvo.

VII· ATOS ADMINISTRATIVOS 141

O poder de revogação da admInIstração pública sofre uma séne de restrições. Com efello, eXIstem detenumadas situações, seja pela natureza do ato pratIcado, seja pelos efeItos por ele já produzidos, que são insus­cetíveIS de modificação por parte da admInistração, com base em cnténos de conveniêncIa ou oportunidade. São as hipóteses de atos IrrevogáveIS ou SItuações em que a revogação não e cabível, decorrentes das limitações ao poder de revogar.

São InsuscetíveIS de revogação:

a) os atos consumados, que exauriram seus efettos (a Impossibilidade de revogâ~los decorre de uma questão lÓgICa, uma vez que, sendo a revogação prospectIva. e.x ml11C, não faz sentido revogar um ato que não tem maiS nenhum efeIto a prodUZir);

b) os atos vInculados, porque não comportam juizo de oportunidade e conve­niêncJa;

c) os atos que já geraram direitos adqUIridos (CF, art. 5.0', XXXVI);

d) os atos que Integram um procedimento. porque~ sendo o procedimento ad­mmtstrattvo uma sucessâo ordenada de atos. a cada ato pratlcado passa-se a uma nova etapa do procedimento. ocorrendo a preclusão admInIstratIva relattvamente â etapa anterIor. ou seJa" toma-se mcabivel uma nova apre­cIação do ato antenor quanto ao seu ménto~

e) os atos denornlOados peta doutrina "meros atos admInistrativos'" que sim­plesmente dec1aram SItuações preeXistentes, a exemplo de urna certidão ou um atestado.

Também não é cabível a revogação quando já se exaunu a competênCia da autoridade que editou detenumado ato. Por exemplo, se uma pessoa apre­sentou recurso admmlstratIvo contra uma decisão proferida em um processo adminIstratIvo, e o recurso já está sendo apreCIado pela instânCia superior, a autoridade que praticou o ato recorrido não maiS poderá revoga-lo, porque já está exaUrIda sua competênCia nesse processo.

Por fim, julgamos oportuno lembrar que a revogação de atos admimstra­llvos e a anulação de atos admmistrativos peta própna administração pública são decorrências do denommado poder de auto tutela admmistratlva, hoi mUlto consagrado em nosso ordenamento juridico, como comprova a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, cUJa redação é:

473 - A adnl1OJstração pode anular seus próprios atos quando eIvados de VíCIOS que os tomem ilegaiS. porque deles não se ongmam direItos; ou revogá-los, por motivo de conveniênCia ou oportunidade. respeitados os direitos adqUiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreCiação JudiCiaL

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142 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

5.3. Cassação

A cassação é a extinção do ato admmistrativo quando o seu beneficiáno deixa de cumpnr os requisitos que devena permanecer atendendo, como exigência para a manutenção do ato e de seus efeitos. No mais das vezes, a cassação funciona como uma sanção para aquele parl:!cular que deixou de cumprir as condições exigidas para a manutenção de um determmado ato.

Por exemplo, a cassação de uma licença Rara construn', concedida pelo poder público sob determinadas condições prevIstas em leI, na lupótese de o particular vir a descumpnr taIS condições; a cassação de uma licença para O exerciclo de certa profissão, quando o profissional mcorrer numa das hipóteses em que a lei autOrIze essa medida.

5.4. Outras formas de extinção do ato administrativo

A anulação, a revogação e a cassação são classificadas como formas do chamado desfazimento volitivo. resultante da manifestação expressa do admmistrador ou do Poder Judiciário. relativamente ao ato que esteja sendo extmto. Há, porém. formas de extinção do ato adminístrativo que independem de manifestação expressa relativa ao ato extinto, ou mesmo que independem de qualquer manifestação ou declaração. Enumeramos as princIpais delas a seguir.

A extinção natural desfaz um ato admimstrativo pelo mero cumprImento normal de seus efeitos. Por exemplo, uma permissão de uso concedida por dois meses serã extmta, naturalmente, no termo final desse prazo.

A extinção subjetiva ocorre quando há o desaparecImento do sUjeito que se beneficIou do ato. Por exemplo, uma autorização para o porte de arma para o particular extingue-se com o seu faleCimento.

A extinção objetiva se dá quando desaparece o próprio objeto do ato pratIcado. Em razão de um fato superveniente, o ato fica sem objeto, desfa­zendo-se. Por exemplo, o ato de interdição de um estabelecimento ti desfeito se este vem a ser extmto pela empresa de que ele fazia parte.

A caducidade acontece quando uma nova legislação impede a perma­nência da situação anteriormente consentida pelo poder público. Surge uma nova norma juridica que contrana aquela que respaldava a prática do ato. O ato, que passa a contranar a nova legislação, extmgue-se. O Prof. Jose dos Santos Carvalho Filho cita o seguinte exemplo: "uma permissão para uso de um bem público; se, supervenientemente. é editada lei que proíbe tal uso privatiVO por particular, o ato anterior, de natureza precária, sofre caducidade, extingumdo-se".

Capo VII· ATOS ADMINISTRATIVOS 143

Por fim, cabe citar a contraposição, na qual um ato, emItido com fundamento em uma determmada competência, extmgue outro ato, an­tenor, editado com base em competêncIa diversa, ocorrendo a extmção porque os efeItos daquele são opostos aos deste. O ato antenor será extinto pelo ato superveniente cujos efeitos são a ele contrapostos. O exemplo dado pela Prof'. Mana SylvIa Di Pietro ti a exoneração, que tem efeitos contrapostos aos da nomeação (o ato de nomeação é extmto automatIcamente pelo ato de exoneração, sem que seja .oecessário pratICar um terceiro ato~ afinnando que ficou '~cancelada", ou ci'ue se tornou "sem efeitos" a nomeação do servidor exonerado).

6. CONVALlDAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS

Para os atos administrativos, a regra geral e os vicias de legalidade ou legitimidade acarretarem sua nulidade. Por outras palavras, como regra, a lllobservâncIa de qualquer dos elementos ou requisitos de validade dos atos administrativos implica considerar o ato nulo, sendo, nesses casos, obrIgatória a sua anulação, pela admimstração pública. de oficIO ou pro­vocada, ou pelo Poder Judiciário, desde que provocado.

Algumas poucas hipóteses de vícIOS de legalidade, entretanto, dão orIgem a atos meramente anuláveIS, isto e, atos que, a cnténo da admmistração pública, poderão ser anulados ou convalidados.

Convalidar um ato é "corrigi-lo", "regularIzá-Ia", desde a ongem (ex [unc), de tal sorte que: (aJ os efeitos já produzidos passem a ser consI­derados efellos válidos, não passiveis de desconstituição; e (b) esse ato permaneça no mundo juridico como um ato válido, apto a prodUZir efeItos regulares.

A convalidação de atos admlllÍstratlvos, na esfera federal, está inteira­mente disclpliuada no art. 55 da LeI 9.784/1999. cUJa redação é:

Art. 55. Em declsão na qual se evidenCIe não acarretarem lesão ao mteresse público nem ?rejulzo a terceiros, os atos que apresentarem defeItos sanáveiS poderão ser convalidados pela própria Admlnlstração.

Temos, portanto, as seguintes condições para que um ato possa ser convalidado: (i) defeito sanável; (ii) o ato não acarretar lesão ao mteresse público; (iii) o ato não acarretar prejuizo a terceiros.

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144 RESUMO DE DIREITO ADMINiSTRATIVO DESCOMPLICADO ~ Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Os defeItos sanáveIs são:

a) víc10S relatIvos â competência quanto â pessoa (não quanto â matena), desde que não se trate de competência exclusiva;

b) vicIo de forma, desde que a [eI não considere a forma elemento essencial à validade daquele ato.

Uma observação faz-se oportuna: a LeI 9.7841l999 não emprega, em ne­nhum ponto, a expressão "atos anülávels". A doutrma admimstrativista, entretan­to~ fi'equentemente utiliza a expressão "atos anuláveIs" como smônImo de "atos com defeitos sanáveIs", ou seja, atos passivels de convalídação expressa.

A LeI 9.784/1999 trata a convalidação como um ato discnclOmirio: "os atos que apresentarem defeItos sanáveIs poderão ser convalidados pela própna AdminIstração" Além disso. a leI trata a convalidação como ato privatIvo da admimstração (isso é evidente. uma vez que só a própna admmistração pode pratIcar atos discnclOnanos, exatamente porque eles dependem de Juizo pnvattvo de conveniência e oportunidade admmistrativas}.

A convalídação pode recair sobre atos vinculados ou discricionários. uma vez que não se trata de controle de merito, e sim de controle de legalidade. relatIvo a viclOs sanáveIS verificados nos elementos competêncIa ou forma (caso se tratasse de controle de merito, tena que recaIr sobre os elementos motIvo e objeto; ademaiS, o controle de mérito só pode acarretar a revogação de um ato; o controle de merito não ê. em nenhuma hipótese, uma escolha entre anular e convalidar um atol.

AbaIXO, sintetizamos as principais diferenças entre a anulação, a revo­gação e a convalidação de atos adminIstrativos descnta no art. 55 da LeI 9.7841!999.

ANULAÇÃO REVOGAÇÃO CONVALlOAÇÃO

Correção de atos com viclos

Retirada de atos Inválidos, Retirada de atos válidos. sanáveiS, desde que lalS atos

com VICIO, ilegaIs. sem qualquer viCIO. não tenham acarretado lesão ao Interesse püblico nem prelulzo a terceJros.

Opera retroativamente. Efeitos prospectivos; não e Opera retroativamente. resguardados os efeitos posslva! revogar atos que Corrtge o ato, tornando ia produzidos perante ia tenham gerado direito regulares os seus efeitos, terceiros de boa-fé. adquirido. passados e futuros.

Pode ser efetuada peja Sê pode ser efetuada pela Só pode ser efetuada pela administração. de ofiCIO

ou provocada, ou pelo própria admmlSlração que própna administração que

Judiciárro. se provocado. praticou o ato. praticou o ato.

Capo VII 4 ATOS ADMINISTRATIVOS 14S

ANULAÇÃO REVOGAÇÃO CONVALlOAÇÃO

pode Incidir sobre Só Incide sobre atos atos Vinculados discrlclonanos {nãO Pode Incidir sobre atos e disctlC!onanos, eXiste revogação de ato Vinculados e díscnclonanos. exceto sobre o merito

Vinculado i. admlOlstralivo.

A anulação de ato com A convalidação é um ato viCIO JOsanavel é um ato vlnculado. A anulação de A revogação ti! um a~o discriclomlrio. Em tese, a

ato com viCIO sanavel discnc{onano. admimstração pode optar

que fosse passlVel de por anular o ato, mesmo que ele fosse passlvel de

convalidação e um ato convalidação. discnclonano.

Por fim. menclouamos a eXIstênCIa. na LeI 9.7841l999, de uma outra possibilidade de convalidação, na qual não há um ato de convalidação, mas exatamente o contrário, uma omissão do poder público cUJO resultado é impedir a anulação de um ato imclalmente VICIado, acarretando sua manutenção no mundo Jurídico como um ato válido, cUJos efeItos. produzidos e a produzir, passam a ser efeitos regulares, não passíveIS de desconstltUlção.

Trata-se do disposto no art. 54 da Lei 9.784/1999. segundo o qual. quando os efeItos do ato ilegal (qualquer que seja o vício} forem favoráveIS ao ad­mmistrado. a admmistração pública dispõe de CtllCO anos para anulá-lo. Esse é um prazo decadenciaL Findo esse prazo sem manifestação da admimstração, a decadênCIa do direIto de anular o ato importarà sua convalidação, uma vez que será mantido no mundo Jurídico como um ato válido, tornando-se defimtivos os efeItos dele decorrentes - passados e futuros -, salvo comprovada ma-fé do beneficiário (o ônus da prova é da admmistração}. Vale repetir, trata-se de lupótese de convalidação por decurso de prazo, decorrente de omIssão da administração, ou seja, de situação em que a admInistração não efetuou o controle de legalidade e não maIS poderá fazê-lo, em razão da decadêncIa de seu direIto de anular o ato viclado.

RegIstramos, por oportuno, que a LeI 9.784/1999 não emprega o vo­cábulo "convalidação" para referir-se it regra de decadêncta do direito de anular atos ilegaIS constante de seu art. 54, embora seja evidente. conforme explicado, que a consequência da extmção do direito de anular o ato ilegal é a sua convalidação (por omissão},

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PODERES ADMINISTRATIVOS

1. INTRODUÇÃO

Conforme procuramos enfatizar em mais de um ponto desta obra, o regime Jurídico-admInistrativo tem fundamento em dOIS prIncípIOS básicos (e Implícitos), a saber, o principio da supremacia do mteresse público e o princípIO da indisponibilidade do mteresse público. Vimos que do primeIro desses postulados derivam todas as prerrogativas especiais de que dispõe a admmlstração pública, as quais a ela são conferidas tão somente na estnta medida em que necessánas à satrsfação dos fins públicos cUJa persecução o mesmo ordenamento jurídico lhe Impõe.

Esses poderes são exercidos pelos admmistradores públicos nos ter­.. mos da lei, com estnta observânCIa dos principIaS Jurídicos e respeItos aos direitos e garantIas fundamentais, taIs como o devido processo legal. a garantIa do contraditório e ampla defesa. a garantIa da rnafastabílidade da tutcla JudiCial etc.

Estudaremos neste capítulo os poderes admimstralIvos maIS frequente­mente descritos pela doutnna, cabendo frisar que de forma nenhuma eles esgotam o conjunto de prerrogattvas especJals de que dispõe a admrnlstração pública para bem desempenhar suas inumeras atribUições.

2. PODER VINCULADO E PODER DISCRICIONÁRIO

o denominado poder vmculado e aquele de que dispõe a admimstração para a práttca de atos admmistratlvos em que ê mínima ou Inexistente sua

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.. 146 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marce/oA/exandn·no

liberdade de atuação, Oll seja. é o poder de que ela se utiliza quando prattca atos vinculados.

Em relação aos atos vinculados, não cabe â adrmmstração tecer con­siderações de oportunidade e conveniêncIa, nem escolher seu conteudo. O poder vmculado apenas possibilita à adminIstração executar o ato vinculado nas estritas hipóteses legais. observando o conteúdo rigidamente estabelecido na lei.

Como se constata, o aSSIm denommado "poder vmculado~~ não e exata­mente um poder, e sim um dever da admimstração. Quando pratica um ato vmculado - ou mesmo quando observa os elementos ,vinculados de um ato discriclOnáno -, a admInistração está muito mais cumprindo um dever do que exercendo um poder.

Para ratificarmos essa afinuação. basta notar que, no caso de um ato vinculado. quando a admInistração verifica estarem presentes os pres­supostos para a sua prática. ela é obrigada a pratIcá-lo, quadro que, a toda evidência, não se coaduna com a Idela de "poder". Por uma questão de tradição, entretanto, aInda utilizamos, nesta obra, a expressão "poder vlnculado H

.

Poder discriclOnâno é o poder conferido á admimstração para a prátIca de atos discncionàrios (e sua revogação l.

O poder discricionário tem como nucleo a autonzação legal para que o agente público decida, nos limites da lei, acerca da conveniência e oportu­nidade da prática do ato discncionáno e escolha o seu conteudo, ou seja, o núcleo essenCial do poder discncionáno traduz-se no denommado mérito administrativo.

Trata-se, efetivamente. de um poder, de uma prerrogativa conferida pela leI à admimstração: diante de um caso concreto, a admInistração. nos termos e limites da lei, decidirá, segundo seus criténos de oportunidade e conveniência admmistrativas, a conduta, entre as prevIstas em lei, maiS condizente Com a satisfação do interesse público.

O poder discriclOnano tem como limites, além dos expressamente previstos na lei, ou dela decorrentes. os principiaS jurídicos, dentre os quais sobrelevam os pnncipios implícitos da razoabilidade e da propor­CIOnalidade.

A extrapolação dos limites legaiS, assim como a atuação contrána aos princípios. configura a denominada arbitrariedade (arbttranedade é sempre smônimo de atuação ilegal ou ilegítima).

Por fim. é mteressante observar que mesmo na prática de um ato diSCri­Cionário há exerCÍcio de poder VInculado. Isso ocorre quanto aos elementos

Capo VIII ~ PODERES ADMINISTRATIVOS 149

que são vmculados em todos os atos admmlstratlvos. A doutnna tradiCIOnal costumava apontar como elementos sempre VInculados nos atos admmis­trativos, mcluslve nos atos diSCrICionários, a competênCia, a finalidade e a forma. É Incontroverso que a competênCIa e a finalidade mvariavelmente são elementos vmculados, mas a forma, segundo preleclonam Importantes autores atuaiS, pode ser vmculada ou discricionária. dependendo do que dispuser a lei que regule a prática do ato. Seja como for, mteressa registrar, em sínte­se, que, quando a adminIstração pratica um ato discriclOnáno, há exercício slmtdtâneo dos poderes vlllculado e discricionário, o pnmelro deles quanto aos elementos vmculados do ato discnclomino.

3. PODER HIERÁRQUICO

Hierarqll1a caractenza-se pela eXistênCia de nivels de subordinação entre orgãos e agentes públicos, sempre no âmbito de uma mesma pessoa jurídica. Deve-se fnsar que subordinação só eXiste no âmbJlo de uma mesma pessoa Jurídica, e estabelecida entre agentes e órgãos de uma mesma entidade, verticalmente escalonados, como decorrênc!3 do poder hierárquico.

Relações de natureza hierárqUIca, Isto é, relações supenor-subordinado. são típicas da organtzação admlUlstratlVa. Não há hierarquia. entretanto. entre diferentes pessoas jurídicas. nem entre os Poderes da República, nem mesmo entre a admlntstração e os admmistrados.

Dessa fonua, podemos ter hierarquia entre orgãos e agentes no âmbito mIemo da admlntstração direta do Poder Executivo. ou hierarqUIa entre órgãos e agentes no âmbito mtemo de uma autarqUIa.

Diferentemente, não pode eXistir luerarqUla. por exemplo. entre agentes e órgãos admllllstralIvos .. do Poder LegislatIVO, de um lado, e agentes e ór­gãos do Poder Executivo, de outro. Tampouco pode haver hierarqUia, amda exemplificando, entre órgãos e agentes da administração direta. de um lado. e entidades e agentes da admmlstração mdireta, de outro.

Cabe menCIOnar, de passagem, que a doutnna usa o vocábulo vin­culação para se refenr à relação - não hierárquica - que existe entre a admmistração direta e as entidades da respectiva adminIstração mdireta. A eXistência de vinculação admmistratlva fundamenta o controle que os entes federados (União, estados, Distnto Federal e municípios) exercem sobre as suas admmistrações mdiretas. chamado de controle finalísttco, tutela admmistrativa ou supervisão - menos abrangente do que o controle hierárqUICO, porque incide apenas sobre os aspectos que a lei expressa­mente preveja.

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150 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vit;;enfe Paulo & Marcelo Alexandrino

Asslfn, a relação entre uma secretaria e uma supermtendência, no âmbIto de um ministério, é de subordinação; a relação que existe entre a União e suas autarquias, fundaçães públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista e de vinculação (ou seja, não hierarqUlca).

A doutnna em geral aponta como decorrência do poder hierárqUico as prerrogatIvas, exercidas pelo superior sobre seus subordinados, de dar ordens, fiscalizar, controlar, aplicar sanções, delegar competêncIas e avocar competências.

O controle luerarqUlco e irrestrito, permanente e automático, IstO ci, não depende de lei que expressamente o preveja ou que estabeleça o momento de seu exercícIO ou os aspectos a serem controlados. O controle hJCnirquico permite que o superIor aprecie todos os aspectos dos atos de seus subordina­dos (quanto â legalidade e quanto ao mérito administrativo) e pode ocorrer de oficio ou, quando for o caso, mediante provocação dos Interessados, por melO de recursos hierárqUICOS.

4. PODER DISCIPLINAR

O poder diSCiplinar (trata-se, a rIgor, de um poder-dever) possibilita fi administração pública:

a) pumr mtemamente as infrações funC10naIS de seus servidores; e

b} pUnIr mfrações administrativas cometidas por parbculares a ela ligados mediante algum vinculo Jurídico específico (por exemplo, a pumção pela admmlstração de um particular que com ela tenha celebrado um contrato adminIstrativo e descumpra as obrIgações contratuais que assumlU).

Note-se que, quando a admmlstração aplica uma sanção diSCiplinar a um agente público, essa atuação decorre imediatamente do poder diSCipli­nar e mediatamente do poder hierárquico. Vale dizer, o poder diSCiplinar, nesses casos, denva do hienirqUlco. Entretanto, quando a admmlstração pública aplica uma sanção admmistratIva a alguém que descumpriu um contrato admmlstrativo, há exerciclO do poder diSCiplinar, mas não existe liame hierárqUiCO. Nesses casos, o poder disciplinar não está relaCIOnado ao poder hierárquico.

Não se deve confundir o poder diSCiplinar da administração pública com o poder punitivo do Estado (jus pumendi), que é exercido pelo Poder Judiciário e diz respeito à repressão de crimes e contravenções tipificados nas leiS penais.

Capo VIII ,. PODERES ADMINISTRATIVOS 151

Toda e qualquer pessoa está sUjeita ao poder pumtivo do Estado, ao passo que somente as pessoas que possuem algum vínculo jurídico es­pecífico com a administração pública (por exemplo, vinculo funCIOnal ou vínculo contratual) são alcançadas pelo poder disciplinar. Diz-se que essas pessoas - sejam agentes públicos, sejam meros particulares - ligadas ao poder público por um vinculo jurídico específico estão sujeitas à "diSCiplina interna" da admimstração.

A mesma distmção, aliás, se verifica a respeito do poder de políCia, ã frente estudado. Com efeIto, todas as pessoas que exerçam atIvidades que possam, de algum modo, acarretar risco ou transtorno à coletividade estão SUjeItas ao poder de políCia, ou seja, este decorre de um vínculo geral eo­tre os mdivíduos e a admInistração pública, enquanto o poder disciplinar, cumpre repetir, funda-se em um vínculo específico entre uma pessoa e a admimstração, como se dá com um servidor público, ou com um particular que esteja executando um contrato admmistrativo ou partiCipando de um procedimento licItatório.

A doumna costuma apontar o poder diSCiplinar como de exercícIO ca­ractenslIcamente discriCIOnárIo. Trata-se, entretanto, de uma regra geral, porque há situações. não raras, em que a 1e1 descreve objetivamente mfrações admInistratIvas e lhes comina penalidades como ;<tos vIDculados, obrIgatórios, de conteúdo definido e Invariável.

Todavia, cabe repetir, a regra geral e a existência de alguma discricio­llariedade no exercício do poder disciplinar, ao menos quanto â escolha ou à graduação da penalidade.

Por último, devemos registrar que o ato de aplicação da penalidade deverá sempre ser motivado. Essa regra não comporta exceção: toda e qualquer aplicação de sanção administrativa (não só as sanções disciplinares) eXige motIvação, sobretudo porque, impreterivelmente, deve ser a todos assegurado o direito ao contraditório e a ampla defesa.

5. PODER REGULAMENTAR

A doutrIna tradicional simplesmente define o poder regulamentar como o poder atribuído ao chefe do Poder Executivo para editar atos gerais e abstratos destinados a dar fiel cumprimento às leiS. A ênfase maior reside no fato de o regulamento (ou decreto regulamentar) não movar o direito, não cnar direitos ou obrigações que já não estejam previstos na lei. TeOrIcamente, o regulamento apenas detalha ou explícita aquilo que já está na lei, sem lr além das suas disposições, muito menos contrariá-las. O regulamento deve,

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1.52 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO w Vicente Paulo & Marcelo Afexanddno

sobretudo, uniformizar procedimentos (pOIS ele deve ser observado por toda a admmistração), a fim de que o agente público, na prática de atos concretos de aplicação da lei, assegure um tratamento Isonômico a todos os admmis­trados que se encontrem em Igual situação.

Esse regulamento ou decreto regulamentar a que se refere a doutrina cláSSica e, na esfera federal, o que está previsto no art. 84, IV, da Consti­tuição, editado unJeamente para dar fiel cumprimento a uma lei.

A partir da EC 32/2001, passamos a ter, no Brasil, ao lado dos decretos regulamentares, que são a regra geral, a preVisão constitucional de decreto autônomo.

Decreto autônomo é um decreto editado diretamente a partir do texto constitucIOnal, sem base em lei, sem estar regulamentando alguma lei. O decreto autônomo é um ato primáno, porque decorre diretamente da Cons­tl.ruição. Ele mova o direito, cnando, por força própna, situações Jurídicas, direitos e obngações.

É importante frisar que a hipótese constitucional de edição de decretos autônomos é mUltfsslmo restrita. A flgor, nosso direito admite a edição de decreto autônomo, unicamente, nas lllpóteses descntas no inCISO VI do art. 84 da Constituição Federal, a saber: (a, para dispor sobre organização e funCIOnamento da administração federal, desde que não implique aumento de despesa nem cnação ou extinção de órgãos públicos; e (b) para a extinção de cargos ou funções públicas, quando vagos. No âmbito dos estados, Distnto Federal e mumcíplOs, por slmetna, o governador ou prefeito poderá editar decretos autônomos sobre as mesmas maténas.

Além dos decretos regulamentares e autônomos, a doutnna mencIOna uma terceira espéCie, os chamados decretos delegados ou autonzados, ou amda regulamentos delegados ou autorizados.

Temos um regulamento delegado (ou autorizado) quando o Poder Legislativo, na própna lei, autoriza o Poder Executivo a diSCIplinar de­termmadas sltuações nela não deSCritas. A leI traça apenas linhas gerais e autoriza o Poder ExecutIvo a complementá-la, e não Simplesmente regulamentá-la.

Segundo a doutnna tradicional, o regulamento delegado é mconsbtu­clOnal, porque fere o prmcipio da separação entre os Poderes e o princípio da legalidade. A doutrina mais moderna admite o regulamento delegado no caso de leis que tratem de matérIas eminentemente téCnIcas. É o que acon­tece, por exemplo, com as agênCIaS reguladoras. A lei estabelece diretrizes gerais, digamos, relativas aos servIços de telefoma, e a própria lei autonza a ANATEL a estabelecer normas que a complementem.

Capo VIII ~ PODERES ADMINISTRATIVOS 153

A doutnna tem chamado de discdcionariedade técnica essa possibili­dade de complementação da lei - e não mera regulamentação - mediante ato administrativo, autorizada na propna lei, quanto a matenas de indole técnica. E a tendência atual. mclusive do Poder Judiciáno, tem sido con­siderar legítima, nessa hIpótese - e só nela -, a edição de regulamentos autonzados.

Por fim, uma questão terminológica merece ser ressaltada: é consagrado pela doutrina o uso da expressão "poder regulamentar" para aludir aos atos admiOlstrativos normativos expedidos exclUSivamente pelos chefes de Poder Executivo (decretos); quando deseja se rererir a outros atos normatlvos, por exemplo, um regulamento delegado expedido pela ANEEL, a doutrina tem dado preferênCia ao uso da expressão "poder normatIvo". Nossa opmião é que essa diferenciação, em principio, deve ser mantida: reservar o termo "poder regulamentar" para os atos admmistrattvos normativos dos chefes do Poder Executivo e empregar o termo "poder normativo" como uma expressão generlca, aplicável a qualquer ato normatiVO, expedido por qualquer agente público que detenha competênCia para tanto.

Note-se que o poder regulamentar é uma especle do gênero poder nor­matiVO, porém, como aquele é exclUSiVO do chefe do Poder ExecutIvo, é mais frequente, quando nos referimos a essa autoridade, falarmos em poder regulamentar. Deve ficar claro, apenas, que ao praticar atos com base no poder regulamentar (espéCie), o chefe do Poder Executivo não deixa de estar exercendo o poder normativo da admiD1stração pública (gênero).

6. PODER DE POLíCIA

6.1. Introdução e competência para o exercído

Alguns autores adotam uma acepção ampla de poder de polícia, abrangen­do não só as atividades exercidas pela admimstração pública, de execução e de regulamentação das leiS em que ele se fundamenta, mas tambem a própria atividade de edição dessas leis, desempenhada pelo Poder Legislativo.

Em um sentido restrito - que adotamos nesta obra -, o poder de polícia não inclui a atividade legislativa, mas, tão somente, as atividades administrativas de regulamentação e de execução das leis que estabelecem normas pnmanas de políCia. Assim sendo, conceituamos poder de políCIa, simplesmente, como o poder de que dispõe a administração pública para, na forma da lei, condicionar ou restringir o uso de bens. o exercício de direitos e a prática de atividades privadas, visando a proteger os inte­resses gerais da coletividade.

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154 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente P&ufo & Marcelo Alexandrino

o poder de polícia é merente à atividade adminIstrativa. A admimstra­ção pública exerce poder de políCIa sobre todas as condutas ou sItu"ções particulares que possam, direta ou indiretamente, afetar os interesses da coletIvidade.

O poder de polícia é desempenhado por variados órgãos e entidades admmistrativos - e não por alguma unidade administrativa específica -. em todos os níveis da Federação.

É competente para exercer poder de políCIa admmistratIva sobre uma dada atividade o ente federado ao qual a ConstItuIção da República atribUI competência para legislar sobre essa mesma atividade. para regular a prática dessa atividade.

6.2. Distinção entre atividade de polída administrativa e outras atividades estatais

Não se confundem as atividades de polícia administrativa com a pres­tação de serviços públicos em sentido estrito.

Com efeito, o exercícIO do poder de políCia acarreta restrições à esfera jurldica individual do admmistrado, a seus direitos e interesses, ao passo que a prestação de serviços públicos tem efeJto exatamente oposto, Isto e, amplia a esfera Jurídica individual do particular destmatário, porquanto se traduz no ofereCimento, pelo poder público, de prestações positivas, de comodidades ou utilidades matenals diretamente fruivelS pelo usuarlo do serVIço.

Conforme a vetusta classificação dicotômica das atividades estatais, o poder de polícia integra o rol das denommadas atividades jurídicas dó Estado - aquelas cujo desempenho se fuuda no poder de Império. como decorrência da própria noção de soberania -, enquanto a prestação de servIços públicos configura atividade material, enquadrada na categona das chamadas atividades sociais do Estado atividades destmadas a incrementar o bem-estar social, que não Impliquem exercícIO de poder de Impéno.

Outra diferenciação importante é a que deve ser f Cita entre atividade de polícia administrativa e atividade de polícia judiciária.

Analisando os parâmetros de distinção comumeute apresentados pelos admmistratlvistas, filiamo-nos li corrente dos que consideram mats relevan­te verificar a natureza do ilícito que a atividade estatal visa a Impedir ou reprimIr. Será atividade de polícia admiOlstrativa a que incida na seara das infrações admmlstrativas e atividade de polícia judiciária a concernente ao ilícito de natureza penal. O exercíCIO da pnmeira esgota-se no âmbito da

Capo VIII- PODERESADMINISTRATIVQS 1S5

função admlDlstrativa. enquanto a políCia Judiá;na prepara a atuação da função jurisdiCIOnal penal.

Cumpre observar, aind", que a políCIa admlmstrativa é exercida sobre atividades privadas, bens ou direitos. enquanto a polícia Judiciária incide diretamente sobre pessoas.

Por fim, a políCia admInistrativa é desempenhada por órgãos adminis­trativos de caráter fiscalizador, mtegrantes dos mais diversos setores de toda a administração pública, ao passo que a políCia Judiciária é executada por corporações específicas (a políCia Civil e a Polícia Federal e ainda, em alguns casos, a polícia militar, sendo que esta última exerce tambem a função de políCIa admIOlstratlva).

6.3. Modalidades de exercício

O poder de polícia administrativa pode ser exercido preventiva ou re­presslvameute.

No pnmeiro caso - exercido preventivo do poder de polícia -, o poder público estabelece normas que limitam ou condicionam a utilização de bens (públicos ou privados) ou o exercício de atividades pnvadas que possam afetar a coletividade, eXIgindo que o partICular obtenha anuênclU da admi­mstração pública previamente a utilização desses bens ou ao exercíCIO dessas atIvidades. Tal anuência ti formalizada nos denommados alvarás, expedidos pela admlmstração à vIsta da demonstração. pelo particular requerente, de que estão atendidos os reqUIsitos ou cumpridas as condições para o uso da propriedade ou a prática das atividades que devam ser objeto de controle pelos órgãos de políCia admmistrativa. Os alvarás podem ser de licença ou de autOrIzação.

A licença é um ato admmlstrativo vinculado e definitivo pelo qual a administração pública reconhece que o particular detentor de um direito subjetivo preenche as condições para o seu gozo. Assim, as licenças dizem respeito a direitos individuais, tais como o exercício de uma profissão ou a construção de um edificlo em terreno de propriedade do administrado, e não podem ser ncgadas quando o requerente satisfaça os requisitos legais e regulamentares eXIgidos para a sua obtenção.

A autorização editada com fundamento no poder de políCia é um ato admmistrativo por meio do qual a admimstração pública possibilita ao par­ticular a realização de atividade privada de predominante mteresse deste, ali

a utilização de um bem público. Note-se que o particular tem interesse na obtenção do ato, mas não um direito subjetivo a essa obtenção. A autorização ti, aSSIm, um ato discricionárío - pode ser SImplesmente negada, mesmo que o requerente satisfaça todas as condições legaIS e regulamentares - e

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156 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

precário, ou seja, é passiver de revogação pejo poder público a qualquer tempo, sem gerar, em regra, direIto a mdemzação para o particular. São exemplos de atIvidades autoriiadas o uso especIal de bem público, o trânsIto por determmados Jocais e o porte de arma de fogo.

A outra possibilidade de exercÍcIO - atIvidade repressiva de polícia admi­nIstratIVa - é consubstanciada na aplicação de sanções admInistratIvas como consequêncla da prátICa de infrações a normas de polícIa pelos partIculares a elas sUJeitos, Verificando a eXistênCIa de mfração, a autoridade admims­tratIVa devera lavrar o auto de mfração pertmente e CIentificar o particular da sanção aplicada, A imposição da sanção de polícia pela adminIstração e ato autoexecutório, ou seja, para aplicar a sanção, a admímstração não necessita da mterferêncla prévia do Poder Judiciâno.

Por fim, é oportuno observar que a constatação de infrações admInIstra­tIvas usualmente ocorre no exercícIO da atIvidade de políCIa consistente na fiscalização. Entretanto, a fiscalização de polícia, em SI mesma conSIderada, nao e uma atividade repressiva, nem tem o objetIvo específico de acarretar sanções. A rigor, a pnncIpal finalidade da fiscalização é prevenltva, traduzida no intuito de dissuadir os particulares de descumpnrem as nonnas de políCIa, bem como no de identificar prootamente os casos de inobservânCIa dessas normas, limItando os danos decorrentes, ou mesmo evitando que aconteçam, ti claro que, na hipótese de a fiscalização detectar o cometImento de Infrações, dela resultara a aplicação de sanções, mas, cabe repetir, o ato repressivo em SI e a aplicação da sanção, e não o procedimento de fiscalização.

6,4. Sanções aplicáveis e limites

Diversas são as sanções, prevIstas nas maIS vanadas leIs adminIstratI­vas, de todos os níveiS da Federação, passíveIS de ser aplicadas no âmbito da atividade de polícia admlnÍstrativa. Conforme explicado antenormente, o poder de polícia incide sobre alIvidades e sobre bens, não diretamente sobre os Individuos, vale dizer, não existem sanções de políCIa admmistratIVa que Impliquem detenção ou reclusão de pessoas.

Dentre as mümeras sanções cabíveiS mencionamos: (a) impoSIção de multas admInIstratIvas; (b) interdição de estabeleCimentos comerCIaiS; Cc) suspensão do exercício de direitos; (d) demolição de construções irregulares; (e) embargo admimstrativo de obra; (f) destruição de gêneros alimentícios Imprópnos para o consumo; (g) apreensão de mercadonas irregularmente entradas no terntório nactonaL

A atuação da administração pública no exerciclo do poder de polícia, em regra, é discrícionána. Como sempre se dá em nosso ordenamento Jurídico, a

Capo VJII ,. PODERES ADMINISTRATIVOS 157

discncionariedade da atuação admInIstrativa é restnta, está limitada pela leI e pelo direIto, espeCialmente pelos prmCÍplos constItucionaiS adminIstratiVOS.

A atuação da políCIa adminIstratIva só será legítllna se realizada com base na leI, respeitados os direitos do cidadão, as prerrogativas individuaIS e as liberdades públicas asseguradas na ConstItuição. Há que se conciliar o mteresse SOCIal com os direItos mdividuaIs consagrados no ordenamento conslitucional. Caso a admInistração aja além desses mandamentos, feflndo a mtangibilidade do núcleo dos direItos fundamentais, sua atuação será ar­bitrária, configuradora de abuso de poder, passivel de correção pelo Poder Judiciáno.

Qualquer medida Imposta no exercicio da atividade de políCIa admi­nistratIva deve ser adotada com observânCIa do devido processo legal (due process of law), para que seja assegurado ao administrado o direito à ampla defesa (CF, art. 5.°, LN e LV).

No caso dos atos pralicados no âmbito da alividade de políCIa admInIS­tratIva, partIcularmente relevantes são os limItes Impostos á discncionariedade da admimstração pública pelos pnncíplos implíCItos da razoabilidade e da proporcionalidade, derivados do postulado do devido processo legal, em sua vertente substantIva.

Sen; desarrazoada - portanto ilegal - qualquer atuação em que sejam empregados meios madequados li obtenção dos resultados ahnejados, ou em que os meIOS sejam maiS restntlvos do que o estrItamente necessário à consecução dos fins pretendidos.

No caso dos atos sancionatónos praticados no exerciclO do poder de políCIa, avulta em Importância o principIO da proporCIonalidade. Com efeIto, em lima de suas acepções, esse prmciplO determina que haja correspondência entre a mtensidade de uma sanção aplicada pela admInistração pública e a gravidade ou a leslvidade da conduta que essa mesma sanção vise a repnmlf (ou a preveOlr).

Deve-se observar, amda, se o benefiCIO trazido á coletividade pelas restrições impostas a direJtos individuaIS supera o aspecto negativo dessas mesmas restrições, tendo em conta o fato de que o Interesse público tambem determina que o Estado promova o maIs possível o pleno gozo das liberdades constitucionais. A Imposição de uma limitação à esfera dos direitos individuais que não resulte para o grupo social em vantagem sufiCIente para compensar os efeitos deletérios da mesma limItação invalida o fundamento de interesse público do ato de políCIa, por ofensa ao pnncíplO da proporcionalidade. Da mesma forma, não pode a admmistração - sob o pretexto de condicionar o uso de um bem - amquilar a propnedade mdividual, porquanto caracterizada resultaria a desproporclOnalidade da medida.

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158 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Ao lado dessas observações, não se deve perder de vista que os atos administrativos praticados no exercícIO do poder de polícia são atos admi­nistrativos como quaisquer outros, portanto, sUjeitos a todas as regras a estes pertinentes, bem como â possibilidade de controle pelo Poder Judiciáno da legalidade ou da legitimidade de sua edição e execução.

6.5. Fases da atividade de polída (ciclo de polícial

Conforme Visto anteriormente, o poder de políCia, em sentido amplo, envolve não só atividades admmlstratlvas (concretas e regulamentares), mas, tambem, atividades legislativas. Isto é, a edição das leis que estabelecem os condicionamentos, ou mesmo as proibições, à fruição da propnedade e â prática de atividades privadas.

FOI exposto precedentemente, lambem, que a atividade de políCia pode ser exercida em caráter preventivo - quando o particular precisa obter anuência da admimstração previamente á prática de alguma atividade privada controlada - ou precipuamente repressivo - quando a administração aplica ao particular sanções pela mfração ás normas de polícia a que ele esteja sUjello.

POIS bem, alguns admmistratlvlstas, a partir da identificação das dife­rentes atuações que mtegram (ou podem mtegrar) a atividade de políCia em sentido amplo, propõem, didatlcamente, uma orgamzação sequencial de taiS atuações, dando origem aquilo que denominam "ciclo de polícia". expressão hoje razoavelmente consagrada em nossos meIOS jurídicos.

Essa doutnna - encampada inclusive em julgados de nossos tribunaiS supenores - afirnm que o ciclo de polícia se desenvolve em quatro fases, qUais sejam: (a) a ordem de políCia: (b) o consentimento de polícw: (c) a fiscalização de políCIa; e (d) a sanção de polícia.

A.ordem de polícia corresponde a legislação que estabelece os limites e condicIOnamentos ao exercício de allvidades privadas e ao uso de bens. A ordem de políCIa sempre deve estar presente e e a fase mtclal de qualquer Ciclo de políCia. Em razão do postulado da legalidade, a ordem prImana estará mvanavelmente contida em uma lei. a qual pode estar regulamentada em atos nonnahvos infralegais que detalhem os seus comandos, a fim de permitir a correta e uniforme observância da lei pelos admimstrados e pela própna admmistração que lhe dará aplicação.

O consentimento de polícia se traduz na anuênCIa previa da administra­ção. quando exigida, para a prática de determmadas ahvidades pnvadas ou para determmado exercicio de poderes concernentes â propnedade privada. Conforme já estudado, essa anuência (consenhmento) se materializa nos atos administratIvos denominados licenças e autonzações. ti Importante ressaltar

Cap. VIII • PODERES ADMINISTRATIVOS 159

que a fase de consentimento não está presente em todo e qualquer Cicio de polícia.

A fiscalização de polícia é a atividade mediante a qual a admlmstração pública verifica se está havendo o adequado cumpnmento das ordens de polícia pelo particular a elas SUjeito ou, se for o caso, verifica se o particular que teve consentida, por meio de uma licença ou de uma autOrização, a prática de alguma atIVidade pnvada está agmdo em conformidade com as condições e os requisitos estlpulados naquela licença. ou naquela autorização.

A sanção de polícia é a atuação administrativa coercitiva por meio da qual a admmlstração, constatando que está sendo violada uma ordem de poliCia, ou que uma atJvidade privada previamente consentida está sendo executada em desacordo com as condições e os reqUisitos estabelecidos no ato de consentimento, aplica ao particular infrator uma medida repressiva (sanção), dentre as previstas na lei de regência.

Do até aqui exposto, resta claro que, embora se tenha consagrado a ex­pressão "CIClo de polícm" para refem uma sequência integrada pelas quatro atuações que acabamos de descrever, a verdade é que somente as fases de uordem de polícia" e de ~'fiscalização de polícm" estarão obrIgatoriamente presentes em todo e qualquer Ciclo de políCia.

6.6. Poder de polícia originário e poder de polícia delegado. Exercício de atividades de polícia administrativa por pessoas jurídicas de direito privado

A doutrina classifica o poder de políCJa em ongmáno e delegado, con­forme o órgão ou a entidade que execute as correspondentes atividades de polícia admimstrativa.

O poder de policia originário fi aquele exercido pela admimstração direta, ou seja, pelos órgãos integrantes da estrutura das diversas pessoas políticas da Federação (União, estados, Distrito Federal e mumcíplos).

O poder de polícia delegado é aquele executado pelas pessoas adml­nistralivas do Estado, ISto é, pelas entidades mtegrantes da administração indireta.

A doutrina consagrou a expressão "poder de políCia delegado". muito embora o emprego do vocábulo "delegado" possa causar alguma confusão. Com efeIto, a hipótese aqui tratada e de descentralização mediante outorga legal, e não de descentralização por colaboração. Esta última Implica transfe­rir a partICulares - não mediante lei, e Sim, em regra. por meio de contrato admmistratlvo - a execução de determinado serviço público. Nada tem a ver com exercícIO de poder de polícia.

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1"60 RESUMO DE OIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Atexandrino

Não se costuma utilizar a expressão "poder de polícIa outorgado" no caso do poder de políCia atribuído às entidades da admmistração Indireta, e sim "poder de polícia delegado", embora, rigorosamente, elas recebam suas atn· bUlções mediante outorga legaL Seguimos a tradição da doutnna e utilizamos nesta obra os termos "delegação de poder de políCia" e "poder de políCia delegado", não obstante seja uma delegação operada por meIO de lei.

O assunto "delegação do poder de polícia" gera algumas controvérsias Importantes_~ntre os adnunistrativlstas, e mesmo na JUrIsprudêncIa.

Na verdade, segundo pensamos, a polêmIca realmente acirrada reside na questão acerca da possibilidade de pessoas juridicas de direIto privado mtegrantes da administração pública - a saber, as empresas públicas, as socIedades de economIa mista e as fundações públicas insttruidas com per· sonalidade Jurídica de direito pnvado - receberem da lei atribUições cUJO exercícIO tenha fundamento no poder de políCia.

Com efeito, não eXiste celeuma relevante quanto a possibilidade de a lei eferuar delegação de atribUições de políCia admmlstra!Jva a pessoas Jurídicas de direito público (autarqUIas e fundações públicas de direito público). Es· sas pessoas admmistratlvas só não podem, por ÓbVIO, editar leIS. Fora ISSO, cumpre frisar. podem as entidades meramente administrativas dotadas de personalidade jurídica de direito público (autarquias e fundações autár­quicas) exercer poder de polícia, mclusive aplicar sanções adnllnlstrativas as mais variadas por mfrações a normas de políCla, desde que recebam da lei taiS competências.

Quanto li delegação de poder de polícia a pessoas pnvadas, mstlruídas pela micIativa pnvada - portanto, não mtegrantes da administração pública em acepção formal -, é francamente mmorJtária a corrente que a considera válida, ainda que efetuada por meIO de le!. A grande malona da doutrina, baseada nO entendimento de que o poder de 1I11péno !jus imperU) ti pró· pno e prIvativo do Estado, não admite a delegação do poder de polícia a pessoas da iniciativa privada, amda que se trate de uma delegatáría de serviço público. Tal entendimento ja foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 1.7 I 7/DF).

Passemos ao assunto verdadeiramente problemáttco - possibilidade de o exerdclO de poder de políCia ser delegado a entidades integrantes da admi­fllstração pública que possuam personalidade jurídica de dirClto privado.

A orientação tradicional na doutnna - a nosso ver, majoritária amda hoje - é pela Invalidade de tal delegação. Afirma·se que o exercício de attvidades de políCia tem fundamento no poder de Império e que este não pode ser exercido por nenhuma pessoa que tenha personalidade jurídica de direito privado, nem mesmo se for uma entidade integrante da administração pública - e, portanto, tenha recebido da lei as suas competências. Para essa

Capo VIU • PODERES ADMINISTRATIVOS 161

corrente, a qual mtegramos, a lei que atribua o exercícIO de atividades de políCia a taiS pessoas admmIstratJvas será, Simplesmente, mconstituclOnal.

Cumpre registrar, todavia, que respeitados autores admJtem a delegação de exerciclO de poder de políCI3 a entidades com personalidade jurídica de direito privado, pelo menos a delegação de algumas das categonas de atos integrantes do Ciclo de políCI3 - os pertmentes ás fases de "consentimento de polícia" e de "fiscalização de policia" -, desde que a entidade mtegre a administração pública formal e a competência seja expressamente conferida por -lei. Pensamos que esse entendimento ti arualmente minontáno na doutrina.

6.7. Atributos do poder de polícia

A doutnna tradiCIOnalmente aponta três atributos ou qualidades ca­racteristIcas do poder de políCia e dos atos admimstratJvos resultantes de seu regular exercício: discricionanedade, autoexeeutonedade e coer­cibilidade.

a) discricionariedade;

A discncionariedade no exercícIO do poder de políCIa Significa que a administração, quanto aos atos a ele relacionados, regra geral, dispõe de uma razoável liberdade de aruação, podendo valorar a oporrunídade e conveniênCia de sua prática, estabelecer o motivo e escolher, dentro dos limItes legaiS, seu conteúdo. A finalidade de todo ato de palíc," - como a finalidade de qualquer ato admmistratJvo - é reqUIsito sempre Vinculado e traduz·se na proteção do interesse da coletividade.

A admmlstração pode, em prInCÍpIO, determmar, dentro dos cnténos de oportunidade e conveniênCia, quais atividades irá fiscalizar em um determinado momento e, dentro dos limites estabelecidos na lei, quais sanções deverão ser aplicadas e como deverá ser feita a graduação dessas sanções. De qualquer forma, a sanção sempre deverá estar prevista em lei e deverá guardar correspondência e proporcionalidade com a mfração verificada.

Embora a discncionanedade seja a regra no exercicio do poder de poliCIa. nada impede que a lei, relativamente a determmados atos ou fatos, estabeleça total vinculação da atuação admimstrativa a seus preceitos. É o caso, por exemplo, da concessão de licença para construção em terreno próprio ou para o exercício de uma profissão, em que não existe para a admímstração liberdade de valoração, quando o partICular atenda aos re· qUlsltos legaIS.

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162 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

b) autoexecutoriedade;

Define-se a autoel<ecutonedade como a possibilidade de que certos atos admimstrativos sejam imediata e diretamente executados pela própna admi­nistração, mdependentemente de ordem judicial prévIa (execução material do ato pela admmistração).

Ê atributo típico do poder de polícia, presente, sobretudo, nos atos repressivos de polícia. A administração pública precIsa ter a prerrogativa de impor diretamente, sem necessidade de préVia autorização judicial, as medidas ou sanções de polícia adminIstrativa necessánas à repressão de atividades lesivas à coletividade, ou que coloquem em risco a incolumidade pública.

Evidentemente, a autoexecutonedade não afasta a tutela JunsdiclOnal posterior (ou até suspensiva, se o particular, previamente, obtiver uma ordem JudicIal impeàindo a atuação admmistrativa).

Nem toda atuação de políCIa administrativa pode ser levada a termo de forma au!oexecutóna. Exemplo consagrado de ato não auloexecutóno é a cobrança de multas administrativas de polícia, quando resistida pelo particular. Nesse caso, a imposição da multa decorrente do exercícIo do poder de políCIa e efetuada pela administração pública sem necessidade de qualquer particIpação do Poder Judiciário. Entretanto, a cobrança forçada dessa multa não paga pelo administrado somente pode ser efetivada por meio de uma ação judicial de execução.

c) coercibilidade;

O último atributo do poder de políCIa, a coercibilidade, traduz-se na possibilidade de as medidas adotadas pela admmistração pública serem im­postas coativamente ao admimstrado, mcJuslve mediante o emprego da força. Caso o partIcular resista ao ato de polícta, a admmlstração poderá valer-se da força pública para garantIr o seu cumprimento.

A imposição coercitIva dos atos de políCIa também mdepende de pré­via autOrIzação JudicIal, mas está sujeita - assIm como ocorre com todo e qualquer ato admimstratlvo - a verificação posterior quanto à legalidade, ensejando, se for o caso, a anulação do ato e a reparação ou mdenização do particular pelos danos sofridos, sempre que se comprove ler ocorrido excesso ou desvio de poder.

Julgamos oportuno registrar que, embora a doutrina comumente aponte a autoexecutoriedade e a coercibilidade como diferentes atributos do poder de políCIa, não existe uma distinção precisa entre 11m e olltro, sendo eles, no maIS das vezes~ tratados como sinônimos.

Capo VIIJ • PODERES ADMINISTRATIVOS 163

Por fim, é Importante atentar para o fato de que nem todos os atos de poliCIa ostentam os atributos da autoexecutoriedade e da c.?ercibilidade. ?s atos preventIvos de políCIa adnumstratIva (por exemplo, eXlgenCIa de obtençao de licenças ou autorizações para a prática de determinadas atlVldades pnva­das), bem como alguns atos repressivos, a exemplo da cobrança de multa não paga espontaneamente pelo partICular, não gozam de autoexecutonedade ou coercibilidade.

6.8. Prescrição

A LeI 9.8731l999, especificamente aplicável â esfera federal. estabe­lece em cinco anos o prazo prescncional das ações punitivas decorrentes do exercícIO do poder de polícia. Ê o que consta do caput do seu art. 1.°. abaixo transcnto:

Art. LU Prescreve em CinCO anos a ação pumtIva da AdminiS­tração Pública Federal. direta e mdíreta1 no exereielO do poder de POlíClU, objetivando apurar mfração á legislação em vjgor~ contados da- data da prática do ato ou, no caso de Infração permanente ou contmuada, do dia em que tiver cessado.

E Importante observar, entretanto, que, na hipótese de o fato objeto da ação pUnItIva da administração também constituir crime, serão aplicáveis os prazos de prescrição previstos na lei penal (art. 1.0, § 2.°).

A leI estabelece hipóteses de interrupção (art. 2.°) e de suspensão (art. 3.°) da prescnção do direIto de a admmistração pública aplicar sanções de políCia admmistrativa.

Além de estabelecer o prazo de prescnção do direito de a admmistração pública aplicar uma punição admmistrativa baseada no poder de polícia, a Lei 9.873/1999, a partIr de maio de 2009, passou a fixar, também, um pra­zo de prescnção especificamente aplicável à ação judicial de cobrança de multas admiuistrativas que não tenham natureza tributána ("execução fiscal de créditos não tributános"). Com efeito, a Lei 11.941/2009 acrescentou â Lei 9.873/1999 o art. l.°-A, com a segumte redação:

Art. J.°~A. Constituído defimtivamente o crédito não tributáno. após o ténmno regular do processo admimstratlvo, prescreve em 5 (cmco) anos a ação de execução da admInistração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por mfração â legislação em VIgor.

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164 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicante Paulo & Marcelo Alexandrino

A redação do novo preceIto não fOI das maIS felizes. De todo modo, a regra que dele se extrai é que a administração pública tem o prazo prescncional de cinco anos para ajUIzar a ação de cobrança (execução fiscal) de créditos não tributários decorrentes de multas admmlstrativas por mfração á legislação (o que mclUl as multas não tributárIas aplicadas no exercício do poder de polícia). Esse prazo é contado a partir da data de constituição definitiva do crédito, a qual se consIdera OCOrrIda apos o término regular do processo admiuistrativo em que ele tenha sido apurado. .

Foram estabelecidas, também, hipóteses de interrupção da prescrição da referida ação Judicial de cobrança (arl. 2.o_A da Lei 9.87311999, acrescentado pela Lei 11.941/2009).

Por fim, ressalve-se que as disposIções da Lei 9.873/1999 uão se apli­cam ás mfrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributána (art. 5.°).

7, ABUSO DE PODER

Conforme precedentemente exposto, o prinCipIO da supremacia do interesse público fundamenta a existência dos denominados poderes admI­mstratlvos, os quais consistem em prerrogativas conferidas a determinados agentes públicos com vIstas a possibilitar-lhes a consecução dos fins que devem perseguir no desempenho de suas funções públicas.

É de pnmordial importância ressaltar que o postulado da supremacia do interesse público justifica o exercício de poderes admmistratlvos timca e exclUSivamente na estrita medida em que sejam necessáríos ao atmgimento dos fins públicos cUJa persecução o próprio ordenamento Jurídico Impõe á admmistração pública.

Dessarte. representa uma VIOlação ao prmcipIo da supremacia do mte­resse público, um verdadeiro desvirtuamento de seu escopo, o desempenho dos poderes admimstrativos sem observâncIa dos direitos e garanttas funda­mentais constttucionals - com destaque para o devido processo legal -, bem como dos prmcipios Jurídicos em geral e dos termos e lirilltes estabelecidos na leI. O exerciclO ilegítimo das prerrogativas conferidas pelo ordenamento juridico à adminIstração pública caracteriza, genencamente, O denominado abuso de poder.

Adotamos a corrente segundo a qual o abuso de poder é espécIe do gê­nerO ilegalidade. significa dizer, toda conduta que implique abuso de poder é uma conduta ilegal (contrária ao ordenamento jurídico, mcluidos as leis e

Cap_ VIII .. PODERES ADMINISTRATIVOS 165

outros atos normaltvos, bem como os pnnClplOs Juridicos). Julgamos acertado afirmar que, embora nem toda ilegalidade configure abuso de poder, toda atuação com abuso de poder é ilegal.

Aspecto a ser ressaltado é a possibilidade de o abuso de poder assunm tanto a forma comissiva quanto a omissiva, vale dizer, o abuso tanto pode resultar de uma ação ilegíllma posItiva do adminIstrador quanto de uma omissão ilegal.

O abuso de poder - não obstante tratar-se de expressão amiúde empre­gada de forma genérica como smômmo de "arbitranedade" - desdobra-se, mais precisamente, em duas categorias consagradas, a saber:

a} excesso de poder, quando o agente público atua fora dos limites de sua esfera de competências;

b) desvío de poder. quando a atuação do agente, embora dentro de sua esfe­ra de competências. contrarIa a finalidade, direta ou mdireta, explícJta ou nnplíclta na lei que determmou ou autOrIZOU a sua atuação.

Conforme se constata, o excesso de poder é vícIO relaCIOnado ao elemento competêncla dos atos admmlstratIvos. ao passo que o desvIO de poder concerne ao elemento finalidade (por essa razão, o desvIo de poder e também denominado "desvio de finalidade"). Os atos praticados com desvio de poder são sempre nulos, enquanto os atos praticados com excesso de poder podem ser passíveis de convalidação, se a hipótese for de vicIO de competência quanto à pessoa, desde que não se trate de competência exclusiva (os atos praticados com excesso de poder são nulos quando a competência é exclusiva, ou quando o vício é de competência quanto â maténa).

Por fim, cabe mencIOnar que, em determmadas hipóteses, é possível que da atuação com abuso de poder, em ambas as modalidades (desvIo de poder e excesso de poder), resulte caractenzado o crime de abuso de autoridade. É Importante ressaltar que, enquanto a expressão "abuso de poder" tem o seu conteúdo precipuamente trabalhado peja doutrina, as condutas que configuram crime de abuso de autoridade estão expressamente tipificadas em lei (como não poderia deixar de ser). Deveras, O abuso de autoridade e diSCIplinado pela Lei 4.898/1965 e ocorre quando o agente público pratica um dos atos, comlSSlvos ou omiSSIVOS, nessa lei descntos. Nos expressos tennos da Lei 4.898/1965, "o abuso de autoridade sUjeitará o seu aulor á sanção admmis­tratlva, CIvil e penal" (art. 6.°),

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- , LICITAÇOES PUBLICAS

1. INTRODUÇÃO

A doutrina conceitua licítação como um procedimento admmistratlvo, de observância obngatória pelas entidades governamentaIS, em que, observada a Igualdade entre os partICipantes, deve ser selecionada a melhor proposta dentre as apresentadas pelos Interessados em com elas travar deternunadas relações de conteúdo patrimonial, uma vez preenchidos os reqUisitos mímmos necessários ao bom cumprimento das obrigações a que eles se propõem.

LIcitação traz Ínsita a ideia de disputa isonômIca ao fim da qual será seleCionada a proposta mais vantajosa aos interesses da admmistração com vIstas à celebração de um contrato admimstratlvo, entre ela e o partIcular vencedor do certame, para a realização de obras, servIços, concessões, per­missões, compras, alienações ou locações.

Consoante se verá à frente, a Lei 8.666/1993 sofreu substancial mudança, especialmente no que respeita à noção de igualdade entre os participantes no procedimento licitatório, com a edição da Lei 12.349/2010, resultante da conversão, com alterações, da Medida Provisória 49512010. De toda sorte, ao menos teoricamente, ainda se diz que as licItações públicas devem assegurar Igualdade de condições aos respectIvos partiCIpantes, especialmente porque tal asserção expressamente figura no texto consntocional.

Deveras, a base constitucional maIs genénca da obngatoriedade de liCI­tação está no inciso XXI do art. 37, cuja redação abaixo se reproduz:

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168 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicenfe Pauto & Marcelo Alexandrino

XXI- ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, servIços. compras e alienações serão contratados mediante pro­cesso de licttação pública que assegure tgualdade de condições a todos os concorrentes. com cláusulas que estabeleçam obriga­ções de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da let, o qual somente penmtlra as exigências de qualificação técnica e econômica mdispensávets à garantia do cumprimento das obngações;

Conforme se constata, esse dispositIvo admite a possibilidade de a legis­lação estabelecer hipóteses excepcIOnais de celebração de contratos admlOls­m.tivos sem realização de licitação previa. Diferentemente, quando trata, em d:SPOSltIVO específico, dos contratos de concessão e permissão de serviços publtcos, a ConstItuIção não abre qualquer possibilidade de ser afastada a licitação. Com efeito, nos termos do arl. 175 da Carta PolítIca, "incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regIme de concessão ou pemllssão, sempre atraves de liCItação, a prestação de serviços públicos".

A competênCia para legislar sobre normas geraIs de liCItações e contratos admtnlstralivos é privatIva da Umão, prevIsta no inCISO XXVll do art. 22 da ~OnStI~"ição FederaL A Lei 8.666/1993 ê nossa lei de normas gerais sobre hCltaçoes e contratos admmism.ttvos, de observâncIa obngatóna por parte de todos os entes federados (União, estados, Distnto Federal e mumCfplOs). Quanto â sua abrangênCIa, vale a leitura dos seus arts. l. ° e 2.°,

Art. 1.0 Esta Lei estabelece normas geraiS sobre liCitações e contratos admmlstratlvos pertmentes a obras, servIços, inclUSI­ve de publicidade, compras. alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distnto Federal e dos Mun1cípIos.

Paràgrafo umco. Subordinam-se ao regime desta LeJ~ além dos orgãos da admlnlstração direta. os fundos eSpeCIaiS, as aularquias~ as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economIa mista e demaiS entidades controladas direta ou Indiretamente pela União. Estados, Distnto Federal e Mumcípios.

A:t 2.° As obras, serviços, mcluslve de publicidade. compras, alIenações. concessões, penmssões e locações da AdminIstração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessanamen~ te precedidas de liCitação. ressalvadas as hIpóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo umco. Para os fins desta LeI, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da AdmInIstração

capo IX· LICITAÇÕES PÚBLICAS

Pública e partIculares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vinculo e a estipulação de obrigações recjprocas, seja qual for a denominação utilizada,

169

Devemos lembrar que, com a alteração trazidapela EC 19/1998 ao § 1.° do ar!. 173 da ConstItuição, passou a ser prevIsta a edição de um "estatuto Juridico da empresa pública, da SOCiedade de economIa mIsta e de suas sub­sidiárias que explorel(l atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de servIços". Esse estatuto deverá ser uma lei ordi­nária editada pela União que, entre outras matérias, disporá sobre licitação e contratação de obras, servIços, compras e alienaçôes, realizadas por essas entidades, observados os prmcipios da admmistração pública.

Embora exista essa preVIsão expressa para o estabeleCImento de normas próprIas de liCItação para essas entidades, que deverão ser maIs flexíveiS, condizentes com sua natureza de pessoa Juridica de direIto prIvado explo­radora de attvidades econômIcas em sentido estnto, o estatuto de que trata o § l," do art. 173 da Carta Política ainda não fOI editado. Enquanto ISSO não acontecer, todos os órgãos e entidades da admimstração pública estão sujeItos à LeI 8.66611 993.

Existe, é verdade, jurisprudênCia segundo a qual as entidades estatais que explorem atividades econômIcas em sentIdo estrito não se sujeitam a liCItação quando o contrato que pretendam celebrar (de compra e venda, de prestação de serviços de natureza econômIca, de concessão de crédito ou de financiamento etc.) tenha objeto relacionado às atividades-fim da entidade. RegIstramos, ainda, que, especificamente no caso das alienações de bens que sejam produzidos pelas entidades como sua atIvidade-fim, a propria Lei 8,666/1993 dispensa a licitação (art. 17, lI, "e").

Por derradeiro, e interessante notar que o legislador naCIonal, na elabo­ração da Lei 8.666/1993, demonstrou grande preocupação em expliCitar a sujeição obngatóna dos contratos de publicidade à eXIgênCIa de licitação. Prova disso temos nos arts. [,0 e 2,° da LeI 8.66611993, aCima transcntos, bem como, mais enfatIcamente, no art. 25, inciso lI, da mesma leI, que pro­íbe de forma absoluta a declaração de mexigibilidade de liCItação quando se refem à contratação de serviços de publicidade e divulgação,

POIS bem, em abril de 2010, fOI editada uma nova lei de normas gerais, endereçada especificamente âs liCItações e contratações, pela admmistração pública, de serviços de publicidade prestados por mtermédio dO' agências de propaganda, Trata-se da Lei 12.232/2010, que mstItulu detalhadas regras e peculiares procedimentos aplicáveis a taIs contratações. determmando que elas observem tão somente de forma complementar as nOrmas da Lei 8.666/1993.

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170 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcefo Alexandrino

ALel 12.232/2010, embora verse especificamente sobre licitações e contra­tações de serviços de publicidade, é uma lei de nonnas gerals. Significa dizer que a sua observância é obngatória por parte de todos os órgãos e entidades da admimstração direta e indireta de todos os entes federados, mclusive pelas entidades por eles controladas direta ou indiretamente (art. l.0).

Desborda o escopo desta obra a análise das disposições da Lel 12.232/2010. De toda sorte, fi oportuno fnsar: com a edição da Lei J 2.232/20 !O, as con­tratações de serviços de publicidade pela admlmstração pública passaram a ' ser reguladas apenas subsidiariamente pela Lei 8.666/1993.

2, PRINCípIOS ORIENTADORES DAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

o art. 3.° da Lel 8.666/1993 ennmera pnnciplOs expressos a serem observados pela admmlstração na realização de licitações públicas. Como seria de esperar, mUltos desses principJOs, talS quais os da legalidade, da lmpessoalidade, da moralidade, são princípios gerais, que norteiam toda a atuação da admimstração pública, sem particularidades no que toca as lici­tações. Outros são principias também germs, mas que assumem conotação peculiar quando aplicados às licItações públicas. Temos, por fim, princípios específicos, alguns expressos na lei e outros doutrinários. Transcrevemos o art. 3.° da LeI 8.66611993:

Arl. 3.° A licltação destina-se a garantir a observância do prmcipIO constitucIOnal da Isonomia. a seleção da proposta maIS vantajosa para a admínIstração e a promoção do desen­volvimento naCIonal sustentável e será processada e Julgada em estrita conformidade com os prmcipias básIcos da legalidade. da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade admiDlstrat1v~ da vinculação ao Instrumento convo­catóno, do Julgamento obJetlvo e dos que lhes são correlatos.

Trataremos, a seguir, dos principias cujo detalhamento julgamos rele­vante.

2.1. Publicidade dos atos

o pnncípio da publicidade dos atos do procedimento licita tório, além de se encontrar expresso no capul do art. 3.° da Lei 8.666/1993, está expliCItado no § 3° do mesmo artigo, consoante o qual "a liCItação não será sigilosa, sendo públicos e acessiveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura".

Cap, IX· UCITAÇÓES PÚBLICAS 171

o objeltvo evidente da ImpOSIção de observância do prInCipIO da pu­blicidade nas liCItações e pennitir o acompanhamento e a fiscalização do procedimento, não só pelos licItantes, como também pelos diversos órgãos de controle Interno e externo e pelos administrados em geral. Estes podem sustar ou Impugnar quaisquer atos leslvos â moralidade administratlva ou ao patrimônio público, representar contra ilegalidades ou desvIOS de poder, apresentar denuncias ao Mimstério Público, aos lt'ibunals de contas etc. O art. 4.° da Lei 8.66611993 expressamente assegura a qualquer cidadão o direito de acompanhar o desenvolVImento do ceitame, direIto esse que, evidente­mente, inclUI a fiscalização de sua lisura. Os Instrumentos à disposição são vanados, a cxemplo da ação popular (CF, art. 5.°, LXXIII), do direlto de petição (CF, art. 5.", XXXIV, "a"), do mandado de segurança (CF, art. 5.°. LXIX), entre muitos outros.

O princípio da publicidade Impõe, atoda, que os motivos detenomantes das decisões proferidas em qualquer etapa do procedimento sejam declara­dos (motIvação obrigatórta). Declsões em que fossem omitidos os motivos Impossibilitariam o efetiVO controle do procedimento pelos parltcipantes e pelos cidadãos em geraL

2.2. Igualdade entre os licitantes

Com base na redação original da LeI 8.66611 993, não seria exagero afinoar que, a respeito das liCitações públicas, o legislador engtu o princíplo da Isonomia, na escala de importância, ao mais elevado patamar entre os postulados. expressos e implícitos, apontados pela doutnna, pela jurisprudêncIa e pelo própno texto legal como onentadores dos procedimentos licitatórios - em que pese a evidente relevância de todos eles.

Deveras, em sua redação ongmal, o capul do art. 3." da Lei 8.66611993 - dispositivo em que estão expliCItados os mais Importantes principios per­tinentes às liCitações públicas - mencionava em destaque a exigência de observânCia da isonomia e, logo em seguida, afinnava categoricamente que a licitação deve ser processada e julgada em estrita confonoidade, dentre outros, com o princípiO da igualdade. Trata-se de repetição Intencional - isonomia e igualdade são vocábulos sinônimos, no contexto da LeI 8.666/1993 -, em que o evidente mtuIto e reforçar a vedação a discriminações injustificadas entre os concorrentes.

Pois bem, um pequeno acréSCimo, porém muitíssimo SignificatIVO, fOI trazido â redação do capul do art. 3." da Lei 8.666/1993 pela Lei 12.34912010. Simplesmente, o dispositivo, agora, enuncia, como objetivo das licitações, ao lado da garantia de observância do principIO da isonomia, a "promoção do desenvolvimento nacional sustentável" Penoanece no texto a menção

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172 RESUMO DE DIREITOADMINI$TRATlVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & MarcefoAfexandrino

mtencIOnalmente redundante ao prmcíplO da Igualdade, mas, conforme se verá, o fato de o objetIvo de promover O "desenvolvlluento naCIOnal sustentável" ter sido posto lado a lado com o de garantIr a observâncIa do pnncípio constitucIOnal da isonomia teve por mtuito tentar tornar compatíveIS com o arcabouço pnncipiológlco vazado no caput do art. 3." da LeI 8.666/1993 diversas regras de preferência mtroduzidas pela LeI 12.34912010 em favor de empresas produtoras de bens e serviços naCIonaIS e de empresas ligadas aos setores de pesqUIsa e movação tecnológIca naClOnalS. Cumpre frisar que as disposiçoes da Lei 12.349/2010, por expressa determmação de seu art. 2.", aplicam-se à modalidade pregão de licitação, diSCIplinada pela LeI 10.520/2002.

No tópico segumte detalharemos as regras autonzadoras de concessão de vantagens e distinções entre os liCItantes trazidas pela LeI 12.349/20 !O. Antes disso, entretanto, é necessário estudar as normas da Lei 8.666/1993, ainda vigentes, que têm como fundamento o princípio da igualdade entre os licitantes. Vale lembrar que esse pnncípio não fOI revogado - nem poderia ser, porque tem assento constltuclOnal -. mas, SIm, talvez se possa dizer, "reformulado" em seu conteúdo pela LeI 12.349/2010.

A observância da igualdade entre os partICIpantes no procedimento liCIlatóno possui uma dupla vertente: devem ser tratados. IsonomIcamente todos os que partiCIpam da disputa, o que SIgnifica vedação a discnmmações lllJustificadas no julgamento das propostas, e deve ser dada oportunidade de partIcipação nas licitações em geral a quatsquer mteressados que tenham condições de assegurar o futuro cumprimento do contrato a ser celebrado.

Não configura, por essa razão, VIOlação ao prmciplo da IsonomIa o esta­beleCImento de reqUIsItos mintmos de habilitação dos liCItantes cUJa finalidade seja exclUSIvamente garantir a adequada execução do futuro contrato.

O § l.0 do art. 3.° da Lei 8.666/1993 proíbe que os agentes públicos estabeleçam ou admitam, nos atos de convocação (edital ou carta-convIte l, cláusulas ou condições que comprometam o caráter competitIVO da liCItação, ou que estabeleçam preferênCIaS ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domIcílio dos liCItantes, inclusive nos casos de SOCIedades coopera­tivas, ou de qualquer outra cIrcunstânCIa impertmente ou Irrelevante para o específico objeto do contrato. Ressalva, entretanto, o disposto nos §§ 5.° a 12 do própno ar!. 3.· e o disposto no art. 3.· da Lei 8.248/1991, conforme seni visto adiante, no subI tem relatIVO às distmções entre os partICIpantes legalmente autonzadas.

O § L" do art. 3." da Lei 8.666/1993 veda também que os agentes públicos estabeleçam tratamento diferenciado de natureza comerCIal, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, mcluslve no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mes-

Cap. IX • LICITAÇÕES PUBLICAS 173

mo quando envolvidos finanCIamentos de agências mternaCIonalS. Ressalva, entretanto, O disposto na § 2.0 do própno ar!. 3." e o disposto no art. 3." da LeI 8.248/1991, consoante a seguir sera detalhado.

2.2.1. FavoreCimento a produtos e serviços nacionais: críténos de desempate, "margens de preferência': liCitações com participação restrita

Conforme afirmado antenormente, com a edição da LeI 12.349/2010, a LeI 8.666/1993 passou a conter algumas regras que estabelecem, ou auto­rtzam que sejam estabelecidas, Importantes diferenças de tratamento entre liCItantes, em determmados certames, visando, em linhas geraIS, favorecer aqueles que forneçam produtos e servIços naCIOnaIS, bem como fortalecer empresas atuantes em áreas relaCIonadas á pesquisa científica e à criação de tecnologIas nacionais.

A prImeira dessas regras a merecer menção está no § 2: do art. 3.° da Lei 8.666/1993, segundo o qnal, em igualdade de condições, como crité­rio de desempate, serã assegurada preferência, suceSSIvamente, aos bens e servIços:

1.°) produzidos no Pais~

2.0} produzidos ou prestados por empresas brasiletras;

3.°) produzidos ou prestados por empresas que InVistam em pesquisa e no desenvolvlmento de tecnologIa no Pais.

Essa regra de desempate, na verdade, jâ constava do texto ongmáno da LeI 8.666/1993 e foi, depOIS, alterada pela Lei 1 L196/2005. A timca modificação a ela feIta pela LeI 12.349/2010 fOI a revogação de um dispositivo que se refena a "empresas brasileIras de capItal naCIOnal", expressão mcompatível com o texto constItucional desde a publicação da EC 6/1995.

Outra regra de preferênCIa a que expressamente alude o § I" do art. 3." da LeI 8.666/1993 está na Leí 8.248/1991, cUJo art. 3 .. determma (grifamos):

Art. 3.° Os órgãos e entidades da Administração Pública Fe­deral, direta ou mdireta. as fundações mstltuidas e mantidas peta Poder Público e as demaiS orgamzaç.ões sob o controle direto ou Indireto da União darão preferênCIa, nàs aquisições de bens c serviços de informática e automação, observada a segumte ordem, a:

I - bens e servIços com tecnologia de.senvolvida no País;

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174 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandn'no

n - bens e servIços produzidos de acordo com processo produtivo básIco. na forma a ser definida pelo Poder Execut'lVo.

Para o exe,dcio dessa p,efe,êncIa prevista no a,t. 3" da Lei 8.248/1991 devem ser levadas em conta condições equivalentes de prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade, padromzação, compatibilidade e especificação de desempenho e preço.

Ámda tratando do art. 3." da Lei 8.248/1991, é relevante apontar que o seu § 3" autonza a utilização da modalidade pregão de licItação para a aquisição de bens e serviços de mfonnâtlca e automação que, nos tennos do parágrafo único do art. L" da Lei 10.520/2002, se enquadrem como bens e servIços comuns. A participação nessas licItações poderá ser restrita lis empresas que cumpram o processo produtivo básico (exIgências destinadas a assegurar que no processo produtiVO do bem ou nas operações relaCIOnadas à prestação do serviço uma parcela não Irrisóna seja efetivamente desenvol­vida no Brasil).

Outra possibilidade de restnngir a detennmadas empresas a participação nas licitações está prevista no § 12 do art. 3.° da Lei 8.666/1993, mcluído pela Lei 12.349/2010. Conforme prescreve esse dispOSItiVO, nas contratações destinadas à Implantação, à manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos em ato do Poder Executivo federal, a licItação poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no Pais e produzidos de acordo com o processo produtivo básico.

Vejamos, agora, aquelas que, a nosso ver, podem ser consideradas as mms ~'agresslvas" dentre todas as regras mshtuídoras de distmções entre os lícItantes eXIstentes atualmente em nosso ordenamento Jurídico: a autOrIzação

para o estabeleCimento, nos processos licltatónos, de "margens de preferên­cia" para produtos e servIços naCionaiS, mtroduzida pela Lei 12.349/2010, por meIO do acréscimo dos §§ 5." a 10 ao art. 3.° da Lei 8.666/1993.

Com a mtrodução dessas normas, hoje é possível, por exemplo, SIm­plificadamente, em uma licitação do tipo menor preço para aquisição de determinados produtos mdustnalizados, o estabeleCImento de "margem de preferência", digamos, de vinte por cento, para o produto naCIonal. Nesse caso, podeni ocorrer que uma proposta de fornecimento de produto estran­geiro apresente o preço umtâno de dez mil reaIS, e outra proposta, em que o produto seja naCIOnal, tenha o preço Unitário de onze mil e novecentos reaiS. Nessa liCItação hipotétIca, a proposta vencedora sena a do produto oferecido por onze mil e novecentos rems!

É necessáno detalhar as regras ora em comento.

Capo IX· LICITAÇÕES PúBLICAS 175

Ponto relevante a observar é que estão previstas duas espécies de "margens de preferêncm". Chamaremos a primeira delas, referida no § 5.", de "margem básica", e a segunda, tratada no § 7.", de "margem adicional"

A "margem básica" pode beneficiar produtos manufaturados nacionals e serviços naCIOnaIS em geral, desde que atendam nonnas técnicas brasilei­ras. A Lei 12.349/2010 preocupou-se em definir esses produtos e serVIços, inclumdo os incIsos XVII e XVIII no art. 6." da Lei 8.666/1993, com a segumte dicção:

XVII - produtos manufaturados nacionais -- produtos manu­faturados. produzidos no territóno naCIOnal de acordo com o processo produtivo básico ou com as regras de origem estabe­lecidas pelo Poder ExecutiVO federal; XVIII - serviços naCIonaIS - serviços prestados no Pais. nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo federal;

As margens de preferêncJa "básicas" podem ser estendidas, total ou parCialmente, aos bens e serviços originários dos Estados Partes do Mer­cosul (art. 3.", § 10).

A "margem adicional", quando houver, só pode beneficiar produtos manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e ino­vação tecnológica realizados no País.

As margens de preferênCia, "báSica" e "adicional", serão definidas pelo Poder Executivo federal por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços (art. 3.°, § 8.").

Extremamente importante é a limItação imposta na parte final do mes­mo § 8.", segundo a qual a soma das margens de preferência, "básica" e "adicIOnal", por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços, não pode ultrapassar o montante de vinte e cinco por cento sobre o preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros.

Dessa forma, Imagme-se que O Poder Executivo federal estabeleça em qumze por cento, sobre o preço do produto estrangeiro, a margem de pre­ferência '~baslcan para o produto naCIOnal '~X". Nessa hípótese~ se pretender fixar, também, margem "adicional" para os casos em que o produto naCIOnal "X" seja resultante de desenvolvimento e movação tecnológica realizados no Pais, essa margem "adicional" não poderá ser supenor a dez por cento, sobre o preço do produto estrangeiro, de sorte que a soma das margens "báSIca" e "adicional" fique dentro do limite màximo de vmte e cinco por cento.

Por fim, não é demasiado repetir que o art. 2." da Lei 12.349/2010 ex­pressamente estatui que as nonnas dela constantes aplicam-se â modalidade pregão de licitação.

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176 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo &. Marcelo Afexandn'no

2.2.2. PreferênCia de contratação para microempresas e empresas de pequeno porte

Apesar de as licitações públicas terem como prmciplO expresso - inclUSive em âmbito constitucional (CF, ar!. 37, XXI) - a Igualdade entre os licitantes, a Lei Complementar 123/2006 ("Estatuto NacIOnal da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte") estabelece regras que Implicam preferência de contratação em favor de microempresas (MEl e empresas de pequeno porte (EPP). .,

O art. 44 da LC 123/2006 dispõe que "nas licitações será assegurada, como cntério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte" Embora o texto legal fale, líteralmente, em "cnténo de desempate", a regra que a lei estabelece não se aplica somente a casos em que efetivamente haja um empate, isto oi, quando seja igualo vafor da proposta da ME ou da EPP e o de uma outra empresa (supondo uma licitação do tipo "menor preço"). Com efeito, o § LO do art. 44 estatul que se entendem por empate "aquelas situações em que as propostas apre­sentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguaiS ou até I 0% (dez por cento) superIores à proposta maiS bem classificada". Por outras palavras, o dispositivo legal CrIOU uma "eqUiparação a empale"; efe equipara a empate a apresentação, pela ME ou EPP, de proposta de valor até 10% supenor ao da proposta mais bem classificada.

Dessa forma, se a liCitação visava a efetuar compras, e o menor valor do bem a ser adquirido, digamos, R$ 100,00 por unidade, constava da proposta oferecida por uma grande empresa, será considerada "empatada" com ela a proposta oferecida por uma ME ou EPP em que o bem tenha preço umtário de até R$ 110,00 (note-se que isso, obViamente, não é um empate, mas uma eqUiparação legal a empate).

Essa é a regra geral. Na modalidade pregão de liCitação, só. serão consi­deradas "empatadas" as propostas de ME e EPP que sejam até 5% (cinco por cento) superIores ao melhor preço (a modalidade pregão oi sempre liCitação do tipO menor preço).

Ocorrendo o empate (real ou eqUiparado), o art. 45 da LC 123/2006 delermma que sejam adotados os segUIntes procedimentos:

1) a ME ou EPP mais bem classificada podera apresenlar proposta de preço mfenor âquela consíderada vencedora do certamc1 situação em que serã adjudicado em seu favor o objeto liCItado;

2) se a ME ou EPP mais bem classificada não oferecer proposta de preço mfertor âquela considerada vencedora do certame. serão convocadas as

Cap. IX· LlCITAÇÓES PÚBLICAS 177

remanescentes., na ordem classificatóna, para o exercícIO do mesmo direJto (desde que os valores originais das propostas dessas ME e EPP remanescen­tes enquadrem~se nos cnténos de "equIparação a empateI com a proposta vencedora do certame, Vistos aCIma);

3) no caso de serem idêntICOS os valores das propostas ongInals apresentadas pelas ME e EPP (e desde que sejam propostas que se enquadrem nos cntérlOs de "eqUIparação a empate~' com a proposta vencedora do certame, VIstos aCIma), será realizado sorteIO entre elas para que se identifique aquela que prmleiro poderá apresentar melhor oferta.

No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de cinco minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão (art 45, § 3.°),

Se não for possível, mediante a adoção dos procedimentos acima ex­plicados nos itens J, 2 e 3, obter uma proposta de ME oU EPP que tenha preço inferIor aquefa considerada vencedora do certame, o objeto liCitado será adjudicado em favor da proposta ongmalmente vencedora do certame (art 45, § L°).

Em qualquer caso, os procedimentos explicados aCima, nos itens 1,2 e 3, somente se aplicam quando a melhor oferta imcial não tiver sido apresentada por ME ou EPP (art. 45, § 2.0

).

Como se constata, as regras instttuídas pela LC 123/2006 para favorecer as ME e EPP nas licitações efetivamente criam para elas uma situação pri­yilegiada relativamente ás outras empresas, mas não chegaram ao ponto de prever a contratação pefa admimstração por preço superIor ao da proposta de preço mais baixo.

2.3. Sigilo na apresentação das propostas

Esse princípio decorre da própria lógica do procedimento e encontra-se enunciado, embora mdiretamente, no § 3,° do art 3.° da Lei 8.66611993, que, ao consagrar a publicidade das liCItações, declara "públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das pro­postas, até a respectiva abertura".

A observância do Sigilo das propostas até sua abertura é de taf Impor­tânCIa que constitui cnme sua VIOlação, como consta do art. 94 da leI. O agente público que devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo, será apenado com detenção, de dois a três anos, e multa.

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A VIolação do sigilo das propostas deIxa em posIção vantajosa o con­corrente que disponha da Informação relativa a seu conteúdo, uma vez que pode, conhecendo, por exemplo, o preço oferecido por seus adversarios para a realização de uma obra pública, oferecer um preço um pouco menor e vencer o certame, em evidente fraude à competittvidade do procedimento.

2.4, Vinculação ao instrumento convocatório

A vinculação da admimstração aos estntos termos do Instrumento con­vocatóno da licItação (edital ou carta-convite) deflm do caput do arl. 41 da LeI 8.666/1993. Esse preceIto veda â administração o descumprimento das nonnas e condições do edital, "ao qual se acha estritamente vinculada". No mesmo artIgo, a lei assegura a qualquer cidadão o direito de Impugnar o edital de licItação por motivo de ilegalidade (arl. 41. § LO).

Essas regras va[em~ Igualmente. para a carta-convIte. Ínstrumento con­vocatóno específico da modalidade convite de licitação.

A doutnna costtIma afirmar que o edital (ou carta-convite) é "a lei mtema da licltaçâo", enfatizando que ele, como tal, vmcula aos seus termos tanto os licitantes como a administração que o expediu.

2.5. Julgamento objetivo

Julgamento objetivo é o que se baseia no cntério Indicado no edital e nos termos específicos das propostas. Em tese, não pode haver qualquer discnclOnanedade na apreCiação das propostas pela admIOlstração.

É de todo evidente que só se pode cogitar absoluta objetividade quando o cntêrÍo da licitação e o de '(menor preço" ou, nas alienaç.ões, o de "maior lance ou oferta". Diferentemente, os cntérios ~~melhor técnica" ou "'técnica e preço" mexoravelmente Implicarão certa dose de valoração subjellVa na escolha da proposta vencedora.

Não obstante essa constatação, o arl. 44 da Lei 8.666/1993, de fonna abrangente. estatuI que, "no julgamento das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite". ex­pliCItando que esses criténos objetIvos de julgamento não podem contrariar as normas e pnnciplOs na própna lei estabelecidos.

O art. 45 reforça essa disposição, determmando que o julgamento das propostas seja objetIvo, devendo a comissão de liCitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tIpOS de liCitação, os cntérios prevIamente estabelecidos no ato convocatóno e de acordo com os fatores exclusIvamente nele referidos, de maneIra a possibilitar sua afenção pelos liCItantes e pelos órgãos de controle.

Capo IX • UCITAÇOES PUBLICAS

A noção de cnténo de julgamento vincula-se ao conceito de licitação, assunto que sera estudado em tÓpICO específico, adiante.

2.6. Adjudicação obrigatória ao vencedor

179

tipo de

Em matéria de liCitações públicas, adjudicar Significa. simplesmente, atribuir o objeto do certame ao liCItante vencedor. O pnncipio da adjudi­cação compulsória Impede que a administração, concluído o procedimento licitatóno, atribua seu objeto a outrem que não o legítimo vencedor. Esse pnnciplO tambem veda que se abra nova licItação enquanto válida a adju­dicação antenor.

Não se deve confundir adjudicação com a celebração do contrato. A ad­judicação é um ato declaratÓrIo, que apenas garante ao vencedor que, quando a admInIstração for celebrar o contrato relatIvo ao objeto da liCItação, ela O fara com o vencedor. E, todaVIa, possivel que ocorra de o contrato não chegar a ser celebrado, em face de motivos como a anulação do procedi­mento, se houve ilegalidade, ou a revogação da liCItação em decolTência de supervementes razões de interesse público.

A adjudicação é o ato final do procedimento de liCitação.

O art. 50 da Lei 8.66611 993 veda a admInIstração a celebração do contrato com pretenção da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licI(atóno. Serâ nulo o contr&to celebrado nessas condições.

A admimstração devera convocar regularmente o interessado para assI­nar o termo de contrato dentro do prazo e condições estabelecidos. O prazo de convocação poden! ser prorrogado uma ve7~ por Igual período, quando soliCItado pela parte durante o seu transcurso e desde que ocorra motIVO justificado aceito pela admmistração. Caso o adjudicatário deIxe de celebrar o contrato no prazo estabelecido, deCairá de seu direito à contratação e ficarâ caracterizado o descumprimento total da obngação assumida, slueItando-o ás penalidades legalmente estabelecidas (art. 64 e arl. 81).

Qnando o convocado não assmar o termo de contrato no prazo e condições estabelecidos, a administração poderá convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em Igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualiza­dos em confonnidade com o ato convocatóno. É facultado à admInIstração, alternatIvamente, revogar a licitação.

Por outro lado, a não convocação para a contratação, pela admmlstração, decorridos 60 dias da data da entrega das propostas, libera os licitantes dos compromISSOS assumidos (art. 64, § 3.').

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180 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

2.7. Competitividade

Celso Antômo BandeIra de Mello menCIona a competltividade como um dos prmciplOs norteadores das licítações públicas, afinnando ser ele da essên­CIa mesma do procedimento. Com efeIto, a lei e a própna Constlturção, em maIS de um dispoSitivo, estabelecem como obngatório o caráter competitIvo do procedimento Iicitatóno. Somente O procedimento em que haja efettva competição entre os partIcipantes, eVItando mampulações de preços, será capaz de ássegurar a administração a obtenção da proposta mais vantajosa para a consecução de seus fins.

A LeI 8.66611993 veda, por isso, a realização de liCItação cujo objeto melua bens e servIços sem sImilaridade ou de marcas, características e espe­cificações exclusivas, salvo nos casoS em que for tecnicamente justificável (art. 7.°, § 5.0

).

Comete crime, tipificado no art. 90 da leI, quem frustrar, mediante fralI­de, ajuste, combmação ou qualquer outro expediente, o caráter competitIvo do procedimento, com o Intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da liCItação. A pena commada para esse cnme fi de detenção, de doIS a quatro anos, e multa.

3. FASES DO PROCEDIMENTO LlCITATÓRIO

A LeI 8.666/1 993 não fez uma enumeração didática das fases ou etapas do procedimento de liCItação. mas o certo é que tratou de cada uma delas detalhadamente.

Nem todas as modalidades de licitação apresentam todas as fases que serão descntas a segUIr. A concorrênCIa e a maIS complexa das modalidades de liCitação. Por ISSO, ordinariamente, é aquela em que todas as etapas são bem definidas. Nas modalidades tomada de preços e convite. não ha uma fase separada só para habilitação dos Interessados. No concurso e leilão, a Imbili­tação e extremamente simplificada. No pregão, há uma etapa de habilitação, mas el" é posterIor ao Julgamento da proposta, c, por isso, não alcança todos os licitantes (essa inversão na ordem das fases, com habilitação postenor ao Julgamento, também pode ocorrer em alguns casos de concorrênCIa).

Esses e outros detalhes serão objeto de exame em Item específico, relativo as modalidades de licitação. No presente tÓpICO, sera apresentada uma VIsão geral das etapas de todo o procedimento ordinárIO de concorrênCIa, que ê a maiS completa das modalidades.

O procedimento InIcia, obViamente, dentro do órgão ou entidade que realizará a liCItação. E a denominada fase interna, descrita no art. 38 da

Capo IX • LICITAÇÕES PUBLICAS 181

Lei 8.666/1993 nestes tennos: "O procedimento da licItação serà inICiado com a abertura de processo admmlstrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado. contendo a autonzação respectIva, a iudicação sucmta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa ... " ..

MaIS Imporíante, entretanto, é o couhecimento .da denommada fase exter­na, que se imcia a partir do momento em que se toma pública a liCItação.

Embora a LeI 8.666/1993 não enumere as etapas da fase externa da liCItação, a doutrIna. de um modo geral, ensina serem elas as' seguIntes, nesta ordem (exceto nos casos de mversão. acima mencIOnados): abertura, habilitação, classificação (julgamento), homologação e adjudicação.

São os seguIntes os atos da fase externa (art. 43):

l,<f) publicação do edital ou envIo da carta~conVJte (abertura da fase externa do procedimento );

2.°) abertura dos envetopes contendo a documentação relattva á habilitação dos concorrentes e sua apreCIação;

3.11) devolução dos envelopes fechados aos concorrentes mabilitados. contendo

as respectIvas propostas. desde que não tenha havido recurso ou após sua denegação;

4.1.1) abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde que transcorrido o prazo sem Interposição de recurso, ou tenha havido deSistênCia expressai ou apàs o julgamento dos recursos tnterposlos;

5,") verificação da confonnidade de cada proposta com os requ1SItos do edital. promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou tncompa­tívels;

6.0)julgamento e classificação das propostas de acordo com os cnténos de avaliação constantes do edital;

7.°) deliberação da autoridade competente quanto â homologação e adjudicação do objeto da liCItação.

Além desses atos, nas concorrências de valor mUIto elevado (aCIma de cento e cinquenta milhões de reaIS), há uma exigênCIa anterior â pró­pna publicação do edital, a audiência pública, prevIsta no art. 39 da Lei 8.66611993.

Vejamos as prmclpais característIcas dessas fases.

a) abertura;

O edital é o Instrumento por meio do qual a administração toma pública a realização de uma liCItação. É o melO utilizado para todas as modalidades

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182 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicenle Paulo & Marcelo Alexandrino

de licitação, exceto a modalidade convite (na modalidade convite o mstru­mento convocatóno é a "'carta-convIte"). A mtenção de licitar é divulgada pela publicação de aVIso com o resumo do edital (art. 21).

O edital é a "lei interna" da liCitação. Ele deve fixar as condições de realização da licitação e vincula a admmistração e os proponentes.

O edital é numerado, em séries anUaiS, deve conter o nome da repartição mteressada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipO da liCitação, li menção de que será regida pela Lei 8.66611993, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para míclO da abertura dos envelopes (art. 40).

São, alOda, mformações obrigatÓrias contidas no edital (art. 40):

I) objeto da licitação. em descrIção sucmta e clara;

2) prazo e condições para assmatura do contrato ou retirada dos mstrumentos. para execução do contrato e para entrega do objeto da licItação;

3) sanções para o caso de inadimplemento~

4) local onde poderá ser exarnmado e adqUIrido o projeto bástco;

5) se há projeto executIvo disponlvel na data cta publicação do edital de liCi­tação e o local onde possa ser examinado e adqUIrido~

6) condições para particIpação na licItação e forma de apresentação das pro­postas~

7) cntêno para Julgamento~ com dispOSIções claras e parâmetros obJetIvos;

8) locaIs, horános e códigos de acesso dos meIOS de comunicação à distânCIa em que serão fornecidos eÍementos, Il1fom1ações e esclareClmentos relativos â licitação e ás condições para atendimento das obrigações necessárIas ao cumprimento de seu obJeto~

9) condíções equlvatentes de pagamento entre empresas brasilelras c eslTan~ gelfaS, no caso de licItações mtemaClOnals~

10) o cnténo de accItabilidarle dos preços Unitário c global, conforme o caso~ penmtida a fixação de preços maxlmos e vedada a fixação de preços mi­mmos. cntérlos estatístIcoS ou faixas de vanação em relação a preços de refercncia;

11) cnténo de reajuste, que deverà retratar a vanação efetiva do custo de produção~ admItida a adoção de índices específicos ou setoriaIS. desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se refertr. até a data do adimplemento de cada parcela;

12) limites para pagamento de Instalação e mobjJização para execução de obras ou servIços que serão obngalonamente previstos em separado das demais parcelas. etapas ou tarefas;

Cap_ IX • LlCITAÇÓES PÚBLICAS 183

13) condições de pagamento. prevendo:

a) prazo de pagamento não supenor a tnnta dias, contado a partIr da data final do periodo de adimplemento de cada parcela;

b) cronograma de desembolso máXImo por penodo. em confonnidade com a disponibilidade de recursos financelros~

c) cnténo de atualização financeIra dos valores a serem pagos. desde a data final <)0 período de adimplemento de cada parcela até a data do. efetivo pagamento~

d) compensações financeiras e penalizações, por eventuaIS atrasos, e des M

contos, por eventuais antecipações de pagamentos~

e} eXIgêncIa de seguros, quando for o caso;

14) Instruções e nonnas para os recursos previstos na LeI 8.666/1993:

15) condições de recebimento do objeto da liCItação;

] 6) oulras mdicações específicas ou peculiares da licitação.

A publicação do aviso do edital deve observar um prazo mimmo de antecedência para o recebimento das propostas ou a realização do evento. A partIr da últuna publicação do edital resumido ou da expedição do convite, ou ainda da efetiva disponibilidade do edital ou do convite e respectivos anexos (prevalecendo a data que ocorrer mais tarde), o prazo mini mo a ser observado para o recebimento das propostas ou a realização do evento sera de:

1) quarenta c cinco dias para as modalidades:

a} concurso;

b) concorrênCia. quando o contrato a ser celebrado contemplar o regIme de empreitada tntegral ou quando a liCitação for do lIpo melhor téCnica ou técUlca e preço;

2) trinta dias para as modalidades:

a) concorrência, nos casos não especificados na letra "b~' acima;

b) tomada de preços, quando a liCitação for do tIpO melhor técnica ou técnica e preço;

3) quinze dias para as modalidades:

a) tomada de preços, nos casos não especificados na letra ub" acima;

b) leilão:

4) oito dias úteis para a modalidade pregão, contados a parttr da publicação do aV1SO~

5) cinco dias úteis para a modalidade convite.

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184 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Qualquer modificação no edital eXIge divulgação pela mesma forma que se deu o texto onginal, reabrindo-se o prazo Inicialmente estabelecido para apresentação das propostas, exceto quando, mquestlOoavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.

b) habilitação; A fase de habilitação destina~se à verificação da documentação e de

reqUisitos pessoais dos licitantes. ti etapa Telacionada às qualidades pessoaIs dos mteressados em licitar. Como regra, ocorre previamente à análise das propostas. Quando a habilitação e preVia, o licJlante mabilitado é excluído do procedimento e a proposta que haVIa formulado nem chega a ser conhecida (devolve-se a ele o envelope amda lacrado).

A habilitação tem por finalidade garantIr que o liCItante, na hipótese de ser o vencedor do certame, tenha condições técnicas, financeIras e idoneidade para adequadamente cumprir o contrato objeto da licitação. A fim de garantIr a maior competitividade possível à disputa, a LeI 8.666/1993 proíbe qualquer exigênCIa supérflua ou desnecessária. Exigênc!3s dessa ordem mdicanam di­recionamento da licitação para favorecer determmadas pessoas, empresas ou grupos. Por ISSO. a leI não admIte que nada além do que nela está previsto sep eXIgido. Somente poderá ser exigida dos mteressados, para habilitação nas liCItações, documentação relativa a:

I) habilitação Juridica~

2) qualificação téCnica;

3) qualificação econôm1co-finance!ra:

4) regularidade fiscal:

5) cumpnmento do disposto no melSo XXXIII do art. 7.° da ConstitUição Federal (restnções e proibIções ao trabalho dos menores).

A documentação para habilitação poderà ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de conVIte, concurso, forneCimento de bens para pronta entrega e leilão.

A documentação exigida para a habilitação ou qualificação está enume­rada nos arts. 28 a 3 J da lei.

Há regras específicas, m31S favoráveis, quanto á comprovação de re­gularidade fiscal para as mICroempresas e empresas de pequeno porte que participem de procedimentos licitatórios, estabelecidas nos arts. 42 e 43 da LC 123/2006.

Ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes e abertas as propostas, não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação, salvo

Cap.1X· LlCITAÇCES PÚBLICAS 185

em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento (art. 43, § 5.°).

Após a fase de habilitação. O liCitante não podeni m3lS deSIstir da pro­posta apresentada, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela comíssão (art 43, § 6.°).

c) classificação (julgamento);

O julgamento das propostas consiste no confronto das ofertas, clas­sificação das propostas e determmação do vencedor, ao qual deverâ ser adjudicado o objeto da licItação. Deverá sempre ser observado o. critério de julgamento estabelecido no edital, cflterio este que se relaCIOna ao conceIto de tipo de licitação. O julgamento, regra geral, e efetuado pela comissão de licitação.

A etapa de julgamento, a ngor, pode ser dividida em duas subfases.

Na primeIra delas, a admimstração verifica a conformidade de cada proposta com os reqUIsitos do edital, tais como as especificações têcmcas e a compatibilidade com os preços correntes no mercado. As propostas desconformes ou incompatíveIS serão desclassificadas (eliminadas).

Na segunda subfase, as propostas não desclassificadas, ISto é, as que atenderam às condições exigidas pelo edital, serão classificadas, postas em ordem (pnmelfo lugar, segundo lugar, terceIro lugar), conforme os critérios de avaliação constantes do edital.

Dito de outra forn,", só depOIS de passar pelo crivo de adequação ao edital (primeira subfase), que acarreta a desclassificação das propostas que desatendam ás condições nele estIpuladas. é que será estabelecida a ordem de classificação das propostas (segunda subfase), conforme o lIpo de liCitação (se o tIpO for menor preço, ficará em pflmelro lugar a proposta de valor maIS bmxo, e assim por diante).

Suponha-se, por exemplo, que esteja sendo realizada uma liCItação do tipo menor preço para a aqUISição de cadeIras escolares com assento e encosto em fibra de vidro. Se um determmado liCItante ofereceu em sua proposta cadeiras de madeira, tal proposta será imediatamente desclassifi­cada (eliminada), não mteressa o preço que tenha sido pedido por essas cadeiras de madeIra. Na segunda subfase, então, serão postas em ordem crescente de preço (porque se trata dc uma licllação do tIpO menor preço) as propostas que não tenham sido desclassificadas. O vencedor do certame, no exemplo em foco. será aquele que ofereceu a proposta de menor preço entre as propostas que atenderam às condições estabelecidas no edital.

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186 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vícente Paulo & Marcelo Alexandrino

o Julgamento das propostas levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, sendo vedada;

a) a utílização de qualquer elemento, cnténo ou fator slgiIoso~ secreto, subjetivo ou reservado que possa, de qualquer forma, elidir o prmciplo da Igualdade entre os licilanles;

b) a consideração de qualquer oferta ou vantagem não prevIsta no edital ou no convIte, mcluslve financiamentos subsidiados ou a fundo 'Perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demaiS licitantes.

o preço oferecido na proposta deverá ser um valor definido; tantos reais pela realização da obra, pela prestação do serviço etc. Não será considerada proposta em que o preço oferecido seja baseado nas ofertas dos demais lici­tantes. ASSim, por exemplo, se alguma proposta enunciar algo como "realizo a obra por valor 5% Inferior ao menor dentre os preços oferecidos pelos demaiS licitantes". essa proposta não sen; considerada.

Quando todos os liCitantes forem Inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas (isto é, quando se configure a denominada "licItação fracassada")) a admínistração poderá fixar aos liCItantes o prazo de oito dias úteis para a aprescntação de nova documentação ou de outras propostas escolmadas das lITegularidades apuradas, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis (art. 48, § 3.0

).

d) homologação e adjudicação;

O art. 43, VI, da Lei 8.66611993 determll1a que, após o Julgamento pela comissão, esta remeta o processo a autoridade competente para que ela homologue o procedimento e adjudique o objeto da licitação ao vencedor.

Observa-se que O trabalho da con1lSsão termll1a com a divulgação do resultado do Julgamento; depOIS disso, o processo passa à autoridade competente para as providênCiaS Citadas.

Na etapa de homologação é exercido um controle de legalidade do procedimento licltatóno. Verificando lITegularidade no Julgamento, ou em qualqucr fase antenor, a autoridade competente não homologará o proce­dimento, devolvendo o processo á comissão para que sejam repetidos os atos lITegulares, com correção das falhas apontadas, se ISSO for possível. Caso não seja possivel, deverá ser anulado o procedimento, se não Inte­gralmente, pelo menos a partir do ato ilegal, inclusive.

A adjudicação ti o ato pelo qual se atribUi ao vencedor o objeto da liCitação. Não se deve confundir adjudicação com a celebração do contrato.

Capo IX ~ liCITAÇÕES PüBLlCAS 187

A adjudicação apenas garante ao vencedor que, quando a admInistração for celebrar o contrato relatIvo ao objeto da licitação, o fara com o vencedor. A adjudicação é o ato final do procedimento de liCitação.

O art. 50 da lei expressamente declara que "a Admimstração não poderá celebrar o contrato com pretenção da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatóno, sob pena de nulidade"

4. MODALIDADES DE LICITAÇÃO

As licitações são classificadas em diferentes modalidades, conforme as peculíaridades do respectivo procedimento, ou do objeto do futuro contrato admlOlstratlvo a ser celebrado. A Lei 8.666/1993, ongmalmcnte, previa so­mente cmco modalidades de licitação. Posteriormente, fOi cnada por medida prOVisória uma outra modalidade, o pregão, atualmente regulado pela Lei 10.520/2002. Ao lado dessas, cumpre registrar ainda a eXistênCia de uma sétima modalidade, a denominada consulta, conforme adiante se vera.

f: Interessante registrar que a Lei 8.6661l 993 expressamente declara vedada a cfiação de outras modalidades de licitação ou a combina­ção das modalidades nela referidas (art. 22, § 8.0

). Não temos dúvida em afirmar que, efetivamente, não podem ser combmadas modalidades de liCitação. Diferentemente, contudo, a cnação de uma nova modalidade é possivel, sim, desde que ocorra por meio de lei da União (a nosso ver, obngatonamente devena ser uma lei de normas gerais, isto €i, uma leI endereçada a todos os entes federados. como é o caso da lei disciplina­dora do pregão l.

Passamos à exposição dos pontos essenciaiS que caractenzam cada modalidade de liCitação.

4.1. Concorrência

A concorrência é a mais complexa das modalidades de licitação.

Presta-se â contratação de obras, serviços e compras, de qualquer valor. Além disso, é a modalidade eXigida, em regra, para a compra de Imóveis e para a alienação de ImóveiS públicos, para a concessão de direito real de uso, para as licitações internacionaiS, para a celebração de contratos de concessão de serviços públicos e para os contratos de parcenas público-pnvadas (que são espécie do gênero uconcessões").

Seja qual for o valor do contrato que a admmlstração pretenda firmar, a concorrênCia, em tese, pode ser utilizada.

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18S RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paula & Marcelo Alexandrino

Relativamente ao valor do contrato, há hierarquia entre a concorrência (contratos sem limite de valor), a tomada de preços (contratos até deternlma­do valor, mtem1ediário) e o convite (contratos de valor reduzido). Por isso, quando for possível o convite, sera, alternativamente, possível usar a tomada de preços ou a concorrência; quando for possível usar a tomada de preços, será possível, alterna!lvamente, utilizar a concorrência.

O processamento da liCitação e o Julgamento das propostas são realiza­dos por uma comissão permanente ou especIal, no mais das vezes chamada, simplesmente, "comissão de licitação" Essa comissão deve ser mtegrada por, no mmimo, três membros, sendo pelo menos dois deles servidores qua­lificados pertencentes aos quadros pem1anentes dos órgãos da admmistração responsáveiS pela licitação (art. 51, capul).

Uma das caracterishcas da concorrência e possUIr uma fase de habili­tação preliminar, após a abertura do procedimento (publicação do resumo do edital).

Cabe mencionar que, especificamente na concorrência préVIa à celebração de contratos de parcenas público-pnvadas (PPP) e na concorrência préVia á celebração de contratos de concessão de serviços públicos, é admitida a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que este ocorrerá antes daquela.

4.2. Tomada de preços

O art. 22, § 2.", da Lei 8.666/1993 define a tomada de preços como a "modalidade de licitação entre Interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições eXigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas. observada a necessána qualificação"

Na tomada de preços, a habilitação, que corresponde ao próprio cadas­tramento, é previa à abertura do procedimento. Entretanto. a fim de atender ao pnnciplO da competltIvidade, os mteressados não previamente cadastrados têm garantida a possibilidade de se Inscreverem até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, contanto que satisfaçam as condi­ções de qualificação exigidas (que são as mesmas condições exigidas para o cadastramento).

Conforme explicado antenormente, a tomada de preços presta-se á celebração de contratos relatiVOS a obras, serviços e compras de menor vulto do que os que eXigem a concorrênCia. Mas o julgamento, assim como na concorrênCia, é realizado por uma comissão llltegrada por três membros.

Capo IX 4 LICITAÇÕES PÚBLICAS 189

A tomada de preços é admitida nas licllaçôes mternacionaIs, desde que:

a) o órgão ou entidade disponha de cadastro InternacIOnal de fornecedores; e

b) o contrato a ser celebrado esteja dentro dos limItes de valor para a tomada de preços.

4.3. Convite

O art. 22, § 3.°, da Lei 8.666/1993 denne o convite como a modalidade de liCitação entre mteressados do ramo pertmente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em numero mímmo de três pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropnado, cópia do instrumento convocatóno e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente espe­Cialidade que manifestarem seu interesse com antecedênCia de até 24 horas da apresentação das propostas.

Nas pequenas unidades admimstratlvas e em face da eXlguídade de pessoal disponível, a comissão, excepcIOnalmente, poderá ser substituida por um servidor fOm1almente deSignado pela autoridade competente (ar!. 51, § 1.0).

Admite-se que a carta-convIte seja enViada a menos de três mteressa­dos, desde que. por limitações do mercado ou manifesto desmteresse dos convidados, seja Impossível a obtenção do numero mínimo de licitantes (art. 22, § 7.°).

Se eXistIrem maiS de três possivels Interessados numa praça, a cada novo convite realizado para objeto idêntiCO ou assemelhado é obrigatóno o convite a. no mímmo~ maIS um interessado, enquanto eXIstirem cadastrados não convidados nas úllllnas licitações (art. 22, § 6.°).

li possível a utilização da modalidade conv1te em licitações Internacionais. respeitados os limites de valor estabeleCidos na Lei 8.666/1993, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no Brasil (art. 23, § 3.°).

4.4. Concurso

O art. 22, § 4.", da Lei 8.6661I993 define o concurso corno a modalidade de liCItação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a institUição de prêmlOs ou remuneração aos vencedores, confom1e cnténos constantes de edital publicado na imprensa ofiCial com antecedênCia mínima de 45 dias.

Portanto, o que detem1Ina a necessidade de realizar a licitação na moda­lidade concurso é a natureza do seu objeto, não o valor do contrato.

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190 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO ~ Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

o Julgamento é feIto por comIssão especml tntegrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servi­dores públicos ou não (arL 5 J, § S.").

E importante conhecer o § L" do art. 13 da LeI 8.66611993, segundo o qual "os contratos para a prestação de serviços técnicos profisslOnms espe­CIalizados deverão, preferencmlmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com eshpulação prévIa de prêmio ou remuneração". Os assIm cl~amados '~servlços .técnICOS profissIonaIs especializados" estão epumerados nos incisos do art. 13 da leI e serão objeto de estudo maIS à frente, no tÓpICO acerca da inexIgibilidade de licItação.

4.5. Leilão

Nos tennos do art. 22, § 5.", da LeI 8.666/1993, o leilão e a modalidade de liCItação, entre quaisquer mteressados, para a venda, a quem oferecer o maior lance, Igualou superior ao valor da avaliação, dos segumtes bens:

a) bens móveis mservÍvels para a admmistração, até o valor de R$ 650.000,00 (art. 17, § 6.");

b) produtos 1egahnente apreendidos ou penhorados (art. 22, § 5.°);

c} bens ímôveís da adrmntstração pública, cUJa nquisição haja defJvado de procedimentos judicjals ou de dação em pagamento (art. 19, IH).

Para mais dessas disposIções, faz-se oportuno anotar que, no caso das concessões de serviços públicos, embora a LeI 8.98711995 exija que a lic,­tação prévia ocon'a na modalidade concorrência, eXIstem !upóteses bastante restritas - relaCIOnadas âs vulgannente chamadas "pnvalizações de servIços públicos" - nas quais ê facultada a adoção da modalidade leilão prev!amente a detennllladas concessões de servIço público. TaiS hipóteses encontram-se previstas na LeI 9.07411 995 (art. 27, mciso 1 e § 3.°, art. 29 e art. 30) e na Lei 9.49111997 (art. 4.°, § 3.").

4.6. Pregão

A modalidade de licitação denommada pregão está disciplinada na LeI 10.520/2002. É modalidade de licItação passível de utilização, por todos os entes federados (União, estados, Distrito Federal e mumciplOs), para aquis,­ção de bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor estimado da contratação. A disputa entre os liCitantes é feita por meio de propostas e lances em sessão pública.

Capo IX· LICITAÇõES PUBLICAS 191

O fator que define a possibilidade de utilização da modalidade pregão é a natureza do objeto da contratação - aqUiSIção de bens e servIços comuns -, não o valor do contrato.

A Lei 10.520/2002 define como bens e servIços comuns "aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser obJettvamente de­finidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado" (art. 1.0, parágrafo Único).

A modalidade pregão sempre adota como cntério de Julgamento o mee nor preço da proposta. Portanto, o pregão pode ser usado para qualquer valor de contrato, sendo a licitação sempre do tipo menor preço.

Um ponto digno de nota acerca do pregão é a peculiaridade de sua fase de habilitação ocorrer depois do julgamento das propostas. Nas outras modalidades de licItação, mesmo que não exista uma fase definida de habilitação, a verificação das condições dos licitantes que façam pre­sumIr sua capacidade de bem executar o contrato é feIta antes da análise e Julgamento das propostas.

Fala-se, comumente, quanto ao pregão, em "inversão" da ordem das etapas de habilitação e Julgamento, exatamente porque nas modalidades reguladas pela LeI 8.66611993 a habilitação é anterior à abertura e Jul­gamento das propostas (as propostas dos licitantes inabilitados sequer são abertas).

Conforme foi menCIOnado antenormente, essa Inversão da ordem das fases de habilitação e Julgamento, atualmente, está autonzada também para as concorrências que precedam contratos de parcerias público­privadas (PPP) ou contratos de concessão de serviços públicos. Note­-se, entretanto, que, no pregão. a habilitação sempre é posterior á fase de julgamento e classificação, ao passo que na concorrênCIa prév!a aos contratos de PPP ou de concessão de serviços públicos é Simplesmente facultado á admmistração~ como uma deCisão dÍscfIcionána~ prever no edital da licitação essa inversão das fases.

E oportuno registrar que, no âmbIto da admlO1stração pública federal, e obrigatória a utilização da modalidade pregão, de preferênCIa o pregão eletrÔniCo, nas liCitações para aqulSlções de bens e servIços comuns (De­creto 5.450/2005).

Consoante aludido antenormente, o pregão ê realizado mediante pro­postas e lances em sessão pública. O autor da oferta de valor mais baIXO e os das ofertas com preços até dez por cento supenores a ela poderão fazer novos lances verba!s e sucessivos, até a proclamação do vencedor, sempre pelo cntério menor preço. Não havendo pelo menos três ofertas com diferença de até dez por cento em relação à mais baixa, poderão os

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192 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

autores das melhores propostas, até o máximo de três, oferecer novos lances verbais e suceSSIVOS, quaIsquer que sejam os preços oferecidos. Exammada a proposta classificada em prtmeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceltabilidade.

Encerrada a etapa competttlva e ordenadas as ofertas, o pregoeiro pro­cederá â abertura do Invólucro contendo os documentos de habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital.

A habilitação far-se-a com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a fazenda nacIOnal. a segundade social e o Fun­do de Garantta do Tempo de ServIço (FGTS), e as fazendas estaduaIS e mUUlcIpaIs, quando for o caso, com a comprovação de que atende as eXigênCIas do edital quanto ã habilitação Jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira.

Verificado o atendimento das eXigênCias fixadas no edital, o liCItante será declarado vencedor. Homologada a licitação pela autoridade competente, o adjudicatáno (licitante vencedor) será convocado para asstnar o contrato no prazo definido em editaL Se o licitante vencedor, convocado dentro do pra­zo de validade da sua proposta (o prazo de validade das propostas scrà dc sessenta dias, se outro não estIVer fix.ado no edital), não celebrar o contrato, este será celebrado com o colocado seguinte que atenda as ex.lgêncIas de habilitação e demaIS estabelecidas no edital.

A LeI 10.520/2002 descreve, minuciosamente, as fases do pregão, dividindo~as em fases <~preparatória" e "externa".

Na fase preparatória do pregão, deverão ser observadas as segumtes regras (art. 3."):

r' - a autoridade competente Justificara a necessidade de conw

tratação e defimrá o objeto do certame, as eXigênCias de ha­bilitação. os cnterios de aceItação das propostas, as sanções por tnadimplemento e as cláusulas do contrato. inclUSIve com fixação dos prazos para forneCimento;

ff - a defintção do objeto deverá ser preCIsa, sufiCiente e cla­ra, vedadas especificações que, por excessivas, Irrelevantes ou desnecessárias. limItem a compeltção~

1lI - dos autos do procedimento constarão a Justificattva das defimções referidas no Item I e os mdispensávels elementos téCniCOS sobre os qUaiS estlVerem apOiados, bem como o orça­mento. elaborado pelo órgão ou entidade promotora da licItação, dos bens ou servIços a serem liCItados; e

Capo IX" UCITAÇÓES PÚBLICAS

IV - a autoridade competente deSIgnará, dentre os servidores do Órgão ou entidade promotora da liCitação. o pregoeiro e respectiva equipe de apoIO. cUJa atribmção mclUI, dentre ou~ tras .. o recebimento das 'Propostas e lances. a análise de sua aceItabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor.

193

A eqUipe de apOIo deverá ser mtegrada em sua maioria por servidores ocupantes de cargo efeltvo ou emprego da administração, preferencIalmente pertencentes ao quadro pennanente do órgão ou da entidade promotora do evento.

Na fase externa do pregão, que se Inicia com a convocação dos inte­ressados, serão observadas as segutntes regras (art. 4.°):

{ - a convocação dos mteressados sera efetuada por meio de publicação de aVISo em diàno ofiCiai do respectivo ente federado ou., não eXIstindo, em Jornal de cIrculação local. e facuitattva­mente~ por meios eletrônicos e confonne o vulto da liCItação. em Joma! de grande CIrculação. nos termos do regulamento;

fI - do aVISO constarão a defimção do objeto da licltação~ a mdicação do local. dias e horános em que podera ser lida ou obtida a íntegra do edilal;

III do edital constarão o objeto do certame~ as eXIgênCiaS de habifitação, os cnlénos de aceItação das propostas, as sanções por madimplemento e as cláusulas do contrato. induslve com fixação dos prazos para forneCImento. as normas que diSCIplinarem o procedimento e a mmuta do contrato, quando for o caso~

IV - cóp1as do edital e do respectivo aVIso serão colocadas á dispOSIÇão de qualquer pessoa para consulta e divulgadas na Ibrma da LeI 9.755/1998;

V - o prazo fixado para a apresentação das propostas. contado a partir da publicação dO aViSO. não serà mfenor a oito dias úteis;

VI - no dia. hora e local designados. serà realizada sessão pública para recebimento das propostas. devendo o mteressado, ou seu representante, identificar-se e, se for o caso, compro~ var a ex.IStêncla dos necessànos poderes para formulação de propostas e para a práttca de todos os demaIS atos merentes ao certame;

VII - aberta a sessão, os mteressados ou seus representantes apre­sentarão declaração dando ciênCia de que cumprem plenamente os reqUIsitos de habilitação e entregarão os envelopes contendo a

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194 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrina

mdícação do obJcto e do preço oferecidos, procedendo-se â sua Imediata abertura e â verificação da confomlidade das propostas com os reqUisitos estabelecidos no Instrumento convocatóno;

VIII - no curso da sessão, o autor da oferta de valor maIS baiXO e os das oferlas com preços ate dez por cento superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e suceSSIVOS, até a proclamação do vencedor~

IX - não havendo pejo menos três ofertas nas condições definidas no item VIII. poderão os autores das melhores propostas, at6 o máximo de três, oferecer novos lances verbais e suceSSIVOS. quaisquer que sejam os preços oferecidos;

X - para Julgamento e classificação das propostas, será adotado o critério de menor preço, observados os prazos máxImos para forneCImento, as espccificações téCnicas e os parâmetros mímmos de desempenho e qualidade definidos no edilal~

XI- examinada a proposta cíassificada em pnmelro lugar, quanto ao objeto e valor, cabera ao pregoeIro decidir motivadamente a respeIto da sua aceltabilidade;

XII - encerrada a etapa competItiva e ordenadas as ofertas. o pregoeJro procederá à abertura do Invólucro contendo os do­cumentos de habilitação do licItante que apresentou a melhor proposta, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;

XIII - a habilitação far-se-ã com a verificação de que o lici­tante esta em sItuação regular perante a fazenda nacIOnal, a seguridade SOCial e o Fundo de Garantia do Tempo de ServH;o (FGTS), e as fazendas estaduaIS e mUniCipaIS, quando for o caso. com a comprovação de que atende as eXIgências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técIlIca e econômico-financeIra;

XIV - os IicJtantes poderão deixar de apresentar os documentos de habilitação que já constem do Sistema de Cadastramento UnI­ficado de Fornecedores (SicaO e sistemas scmelhantes mantidos por estados, Distrito Federal ou mumciplos, assegurado aos de­maiS licitantes o direito de acesso aos dados nele constantes~

XV - verificado o atendimento das eXigênCiaS fixadas no edital. o licItante seni declarado vencedor~

XVI - se a oferta não for acettávei ou se O liCitante desatender às eXlgêncJas habilitatónas, o pregoeIro exammani as ofertas subse­quentes e a qualificação dos liCItantes. na ordem de classificação. e assim sucessivamente. até a apuração de uma que atenda ao edita!, sendo o respectivo liCitante declarado vencedor;

Capo IX" LICITAÇÕES PUBLICAS

XVII - nas situações preVIstas nos Itens XI e XVI, o pregoeiro poderã negOCIar diretamente com o proponente para que seja obtido preço melhor;

XVIII - declarado {) vencedor. qualquer licitante poderá mani­festar Imediata e mottvadamente a mtenção de recorrer, quando lhe sera concedido o prazo de três dias para apresentação das 'razões do recurso. ficando os demaIS liCItantes desde Jogo mtI­mados para apresentar contrarrazões em Igual numero de dias. que começarão a correr do térmmo do prazo do recorrente. sendo-lhes assegurada Vista Imediata dos autos~

XIX o acolhimento de recurso importara a Invalidação apenas dos atos Insuscetíveis de aproveltamento~

XX - a falta de manifestação Imediata e motIvada do liCitante Importará a decadência do direito de recurso e a adjudicação do objeto da liCItação pelo pregoeiro ao vencedor~

XXI - decididos os recursos. a autoridade competente fara a adjudicação do objeto da liCItação ao liCitante vencedor~

XXII - homologada a liCItação pela autoridade compelenle, o adjudicatáriO será convocado para asslOar o contrato no prazo definido em editaf: e

XXlll - se o licitante vencedor, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, apticar-se-á o disposto no Item XV!.

195

É oportuno observar, consoante deflui dos Itens XX a XXII, que, ao con­trano do que ocorre nas modalidades de licJtação previstas na Lei 8.666/1993, no pregão a homologação ocorre depois da adjudicação. A adjudicação será feita diretamente pelo próprio pregoeiro, se não houver recursos, ou será feIta pela autoridade competente para efetuar a homologação, se foram Interpostos recursos. Em ambas as hipóteses, a homologação é postenor a adjudicação.

No pregão, €i vedada a eXIgênCia de:

a) garantl8 de proposta~

b) aqUiSIção do edital pelos liCitantes, como condição para partlcIpação do certame;

c) pagamento de taxas e emolumentos. salvo os referentes a forneCImento do edital~ que não serão supenores ao custo de sua reprodução gráfica, e aos custos de utilização de recursos de tecnologia da mformação, quando for o caso.

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196 RESUMO DE DIREITO AOMINISTRATlVQ DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcs/oAlexandrino

Aquele que, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa eXigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo midôneo ou cometer fraude fiscal, ficani Impedido de licitar e contratar com a União, estados, DistrIto Federal ou municípios e será descredenclado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores semelhantes mantidos por estados, Distnto Federal ou mUnlcíplOS, pelo prazo de até cmco anos, sem prejuizo das multas previstas em edital e no contrato e das demais com mações legaIS.

Aplicam-se subsidiariamente ao pregão as disposições constantes da Lei 8.666/1993.

4.7. Consulta

A consulta é modalidade de licitação prevISta na Lei 9.472/1997 (arts. 54, 55 e 58) e na Lei 9.986/2000 (art. 37), aplicável exclusivamente ás agências rcguiadorns, para a aqUISIção de bens e serviços que não sejam classificados como comuns, vedada a sua utilização para a contratação de obras e serviços de engenharia civil. Na modalidade consulta. as pro­postas sâo julgadas por um júri, segundo cnténo que leve em consideração, ponderadamente, custo e beneficIO.

De resto, quase não há regras acerca dessa modalidade de licitação nas leis referidas, estando quase toda a sua regulação estabelecida em atos infra­legals (por exemplo. Resolução ANATEL 5/1998). A nosso ver, tal situação e flagrantemente inconstJtucional, uma vez que esses atos não se limItaram. de fonna alguma, a regulamentar normas legaiS (nem sena possivel, porque as tels quase nada contêm), e sim cnaram, em caráter quase mteiramente autônomo, as regras diSCIplinadoras da consulta.

Escapa ao fito desta obra a análise de atos mfralegais concernentes ã modalidade de liCItação consulta.

5. TIPOS DE LICITAÇÃO

A Lei 8.666/1993 utiliza a expressão "tipos de licitação" para se refenr aos cnténos de julgamento das propostas no procedimento liclta­tôno. Deve-se eVltar confusão entre "tipOS" e "modalidades" de licJtação; embora em linguagem comum as palavras "tipo" e "modalidade" usual­mente sejam empregadas de forma indistinta, em vocabulário téClllCO,

Cap. IX w LICITAÇÕES PUBLICAS 197

legal, o termo "tlpos de licJtação" deve ser reservado para designar os critenos de julgamento.

Os tipos de licitação, aplicáveIS a todas as modalidades de liCitação, exceto a modalidade concurso (no concurso ha uma estipulação previa de prêmIO ou remuneração e a participação no certame Implica aceitação tácita, pelo concorrente, do prêmIO oferecido), estão prevIstos no § LO do art. 45 da Lei 8.666/1993. São tipos de liCitação:

a} a de menor preço - quando o cntérlo de seleção da proposta maiS vantajosa para a admInistração determmar que serà vencedor o liCitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço:

b) a de melhor técnicll;

c) a de técnica c preço;

d) a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso.

Os tIpoS de licitação "melhor técmca" ou "técmca e preço" serão utiliza­dos exclusivamente para serviços de natureza predommantemente mtelectual, em especml na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervlsão e gerenCIamento e de engenhana GonsultJva em geral c, em particular, para a elaboração de estudos técmcos preliminares e projetos báSICOS e executivos (art. 46). Há. todavia, especificamente quanto ao tipo "técnica e preço". uma exceção a essa regra do art. 46: a contratação de bens e serviços de mfor­mátlca (que, evidentemente, não se enquadra como contratação de "serviços de natureza predominantemente mtelectual").

Com efeito, nos termos literaIS do § 4." do art. 45, para contratação de bens e serviços de mfonnáhca, a admIlllslração adotará, obrigatoriamente, o tIpo de licitação "têcmca e preço", permitido o emprego de outro tipo de liCitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo.

Trata-se, como prontamente se constata, de uma disposição lega! de pésslma redação, porque é ilÓglCO falar em "obngatonamente" o tipO de liCitação "técnica e preço" e, logo em seguida, permltlr outro tipO, desde que em casos especificados em decreto! Para pIOrar, o mesmo § 4." do art. 45 manda observar "o disposto no art. 3." da Let n.o 8.248, de 23 de outu­bro de 1991" Esse art. 3.° da Lei 8.2481l991 autoriza o uso da modalidade pregão de liCitação para a "aqUIsição de bens e serviços de mfonnátlca e automação". desde que possam ser enquadrados como bens e serviços co­muns. Ocorre que a modalidade pregão, conforme ViStO antenonnente, adota obngatoriamente o tipo menor preço.

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198 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Pauto & Marcaro Alexandrino

Em resumo, nos termos da lel~ chegamos a essa regra mtrmsecamente contraditória: a contratação de bens e serviços de informática adotará, 4'obrigatonamente'\ o tIpo de lic1tação "técl1lca e preço", mas é permItido outro tIpO, desde que em casos especificados em decreto. Além disso, desde logo, a Lei 8.248/1991 autoriza o uso da modalidade pregão de licItação, a qual sempre adota o tipo menor preço, para a "aquiSição de bens e servIços de Informática e automação", desde que estes se enqua­drem como bens e servIços comuns (na defimção da Lei 10.520/2002, que diSCIplina o pregão).

Por fim, registramos que a LeI 8.987/1995 estabelece diversos crttérlos de julgamento para as licitações previas aos contratos de concessão de servIços públicos (extensIvos ás licItações prévias aos contratos de per­missão de servIços públicos), não prevIstos na LeI 8.666/1993. Na mesma esteIra, a Lei 11.079/2004 prevê critérios própnos de julgamento para as licItações prévias á celebração de contratos de parcerias público-pnvadas, não eXIstentes na Lei 8.66611993. E mteressante notar qqe nem na Lei 8.987/1995 nem na LeI 11.079/2004 é utilizada, em momento algum, a expressão "tipos de licitação"

6, ALIENAÇÃO DE BENS PELA ADMiNISTRAÇÃO PÚBLICA

As regras e eXIgênCIas legaIs relatIvas â alienação de bens pela admi· nistração pública em geral encontram-se no art. 17, caput e mClsos I e Ir, e no art. 19, ambos da LeI 8.666/1993, conforme a segUIr procuramos sIstematizar.

Para a alienação de bens imóveis da admInIstração direta, autarquIas e fbndações públicas que não tenham sido adqUIridos em decorrência de procedimentos JudiCIaIS ou de dação em pagamento exigem-se: (a) mteresse público devidamente justificado; (b) autorização legislativa; (c) avaliação prévra; e (d) liCItação na modalidade concorrência, ressalvadas as hIpóteses de licttação dispensada.

Para a alienação de bens imóveis de empresas públicas e SOCiedades de economIa mIsta que não tenham sido adqUIridos em decorrência de procedimentos judiCIaiS ou de dação em pagamento eXIgem-se: (a) interesse público devidamente Justificado; Cb) avaliação prévia; e C c) licilação na modalidade eoncOlTência, ressalvadas as hipóteses de licitação dispensada. Não há exigência de autorização legislativa.

Para a alienação de bens imóveis de qualquer órgão ou entidade da admmistração pública, adquiridos em decon'ência de procedimentos judiciatS

Capo IX • LICITAÇÕES PÚBLICAS 199

ou de dação em pagamento, eXIgem-se: (a) avaliação dos bens alienáveIS; (b) comprovação da necessidade ou utilidade da alienação; (c) adoção do procedimento licIta tório, sob a modalidade de concorrência ou leilão. Não há eXigênCia de autonzação legislativa.

Para a alienação de bens móveIs de qualquer órgão ou enttdade da administração pública eXigem-se; <al mteresse público devidamente justt­ficado; (b) avaliação préVIa; e (c) liCitação Ca leI não determma nenhuma específica modalidade de liCItação), ressalvadas as hIpóteses de liCitação dispensada. Não há exigênCia de autOrização legislativa.

7. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA DE LICITAÇÃO

Conforme antenonuente exposto, a regra geral é a necessidade de a admi­nIstração pública como um todo, prev!3ll1ente â celebração de contratos admI­nistratIvos, realizar liCItação, em decorrência do pnnciplO da mdisponibilidade do mteresse público. A própna ConstItUição, entretanto, no mClso XXI do art. 37, prevê a possibilidade de a lei estabelecer hipóteses em que a licitação não ocorrerá ou poderá não ocorrer (vale lembrar que, diferentemente, para as concessões e permIssões de servIços públicos a Carta Política, no seu art. J 75, eXIge sempre a licitação prévia).

As sItuações em que não haverá ou poderá não haver liCItação prévia ás contratações em geral, exceto as de concessões e pemllssões de servIços pú­blicos, dividem-se em dOIS grupos: situações de mexigibilidade e sItuações de dispensa.

Há inexigibilidade quando a liCItação é juridicamente impossível. A Im­possibilidade jurídica de liCitar decorre da Impossibilidade de competição, em razão da mexistência de pluralidade de potenc!3ls proponentes.

Há dispensa de liCitação quando esta ri possivel, ou seja, há possibilidade de competIção, mas a leI dispensa ou permite que seja dispensada a liCItação.

Quando a leI, diretamente, dispensa a licitação, temos a chamada licitação dispensada. Na licitação dispensada, não haverá liCItação, porque a próprIa lei dispensou. As hipóteses de liCItação dispensada estão no arl. 17 da LeI 8.666/1993 e dizem respeito a alienações de bens, ou de direitos sobre bens, pela administração pública.

Quando a leI autoriza a admmistração a, discnClOl1anamente, deixar de realizar a liCItação, temos a denommada licitação dispensável. Portanto, na lici­tação dispensável, a competição é possivel, mas a admmlstração poderá, Oll não, realizar a licitação, conforme seus cnterios de conveniênCia e oportunidade.

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200 _RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcefo AfEmmdrino

Em qualquer caso, e obrigatória a motivação do ato admmistratlvo que decida sobre a dispensa ou a Inexigibilidade de licItação.

É mIster, amda, anotar que, sempre que a adnllfi1stração deIxar de licitar, alegando estar configurada situação de inexigibilidade ou de dispensa, se for comprovado superfaturameuto, responderão solidariamente pelo dano causa­do á fazenda pública o fornecedor ou o prestador de servIços e o agente público responsável, sem prejuizo de outras sanções legais cabíveIs (art. 25, § 2.").

7.1. Inexigibilidade de licitação

A LeI 8.666/1993, no seu art. 25, apresenta uma lista exemplificatIva de situações em que a licItação é mexlgível, abaIxo reproduzIda (grifamos):

Art. 25. E inexigívei a licItação quando houver íoviabilidade de competição, em especutl:

I - para aqUlsJção de materIaiS, equIpamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou represen­tante comercial exclusivo. ved~lda a preferência de marca. devendo a comprovação de exc1uslvidade ser felta atraves de atestado fornecido pelo órgão de regtstro do comercIO do local em que se realízana a licitação ou a obra ou o servlço~ pelo Sindicato, Federação Ou Contederação Patronal~ ou. ainda, pelas entidades equlvajentes~

II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art, 13 desta Lel" de natur<!zu singular., com profissIOnais ou empresas de notóna especialização, vedad~l ~, inexigibilidade p~lra serviços de publicid'lde e divulgação;

III - para contratação de profissIonal de qualquer setor ar­tístico, diretamente ou através de empresâno exclusIVO, desde que consagrado pela crítica especíalizada ou peja opinião pública.

Os servtços técnICOS profissIOnais especializados que possibilitam a me­xlgibilidade de licItação estão enumerados no art. 13 da lei, É fundamental atentar que não fi o simples fato de um serviço enquadrar-se como servIço téclllco profissional especIalizado que acarreta a ll1exlgibilidade. É necessáno que o servIço tenha natureza singular (não pode ser algo ordinário, usual, cornqumro) e, por essa razão, seja Imprescmdível a sua prestação por um profisstOnal ou empresa de notória especialização.

A regra geral ti que a contratação de servIços técnicos profissIonaIS es­peCIalizados seja precedida de licitação na modalidade concurso (art. 13, § 1.0).

Cap.IX. UCITAÇÓES PUBLICAS 201

Só quando for um servIço singular, prestado por profiSSIOnal ou empresa de notória especialização, é que a licItação será inexigível.

A leI define como "de notória espeCIalização o profiSSIOnal ou empresa CUJO conceIto no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho an­tenor, estudos, experiêncIas, publicações, organização, aparelhamento, eqUIpe técnrca, ou de outros requIsItos relactOnados com suas attvidades, permita inferir que o seu trabalho é essencral e mdiscutrvelmente o maIS adequado â plena ~atlsfação do objeto do contrato" (art. 25, § 1.0).

Transcrevemos. abaIxo, a lista taxattva de servIços técnIcos profissionais especializados (art. 13 da Lei 8.666/1993):

Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se servIços técnicos profisslonms especlalizados os trabalhos relatIVOS a:

I - estudos téCniCOS, planejamentos e projetos báSICOS ou exe­cutiVOS;

II - pareceres, pericl3s e avaliações em geral;

IH - assessonas ou consultonas téCnicas e auditonas financeiras ou tributarias;

IV - fiscalízação, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

V - patroc1mo ou defesa de causas JudiCiaiS ou admlUlstratlvas~

V[ - tremamento e aperfeiçoamento de pessoal;

VII - restauração de obras de arte e bens de vaiar hIstórico.

Vale repetir, "ressalvados os casos de mexlgibilidade de licItação, os contratos para a prestação de servIços téCnICOS profissIOnars especIalizados .deverão, preferenCIalmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estIpulação prevIa de prêmio ou remuneração"

7,2. Dispensa de licitação

Podemos falar genencamente em dispensa de liCItação para abranger todas as hipóteses em que, embora eXIsta. viabilidade jurídica de competIção, a leI autofIza a celebração direta do contrato ou mesmo determma a não realização do procedimento licltatóno.

Nos casos em que a leI autoriza a não realização da licItação, diz-se que ela e dispensável. Nessas SItuações, a competição é possível, mas a lei autonza a admIOlstração, segundo enterro seu de oportunidade e conve­niêncIa, ou seja,. mediante ato admmlstrallvo discncionário, a dispensar sua realização.

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202 RESUMO DE DIRE!TO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

. Outras hIpóteses há em que a própna leI, diretamente, dispensa a reali­zação da licitação. Nestas situações ocorre o que a lei denommou licitação dispensada. Aqui não cabe à adnuDlstração, discricionarIamente, decidir sobre a realização ou não da licitação. Não se procederá a esta porque a própna leI afirmou que, embora fosse Juridicamente possivel, está, a sItuação, dela dispensada.

7.2.1. Licitação dispensável

As lupóteses de licItação dispensável encontram-se, todas elas, no art. 24 da Le! 8.666/1 993. Trata-se de uma lista taxatIva; e frequente lcis sobre as maIS variadas matérias alterarem esse ar!. 24, geralmente para acrescentar hipóteses à lista. Transcrevemos, abaixo, o arl. 24 da LeI 8.666/1 993; pro­curamos grifar as hIpóteses que entendemos mais relevantes, especialmente para efeito de concursos públicos; acrescentamos os colchetes com valores em reaIS, para propOl:cionar maIOr clareza:

Ar!. 24. E dispensàvel a liCItação:

I - para obras e serviços de engenharia de valor até lO'Yo (dez por cento) do limite previsto na alínca "a'\ do inciso I do artigo anteríor, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou amda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemenle [alé R$ 15.000,00];

II - para outros serviços e compras de valor até 100/0 (dez por cento) do Jimite previsto na alínea "a"~ do inciso II do artigo anterior e para alienaçõcs~ nos casos prevlstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo servIço, compra ou alienação de maIOr vulto que possa ser realizada de uma só vez [até R$ 8.000,00];

UI - nos casos de guerra ou grave perturbação <In ordem~

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caractenzada urgência de atendimento de sItuação que possa ocaslOnar preJulzo ou comprometer a segurança de pessoas. obras, servlços~ eqUipamentos e outros bens, públicos ou partI­cutares~ e somente para os bens necessános ao atcndimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcclas de obras e servIços que possam ser concluídas no prazo máx:rmo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e mmtem!ptos, contados da ocorrênCia da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

V - quando não acudirem interessados fI licitação anterior e esta, Justificadamente, não puder ser repetida sem prejuizo

Capo IX. LICITAÇÕES PUBLICAS

para a AdmlOlstração. mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas; VI - quando a União tiver que mtervlr no domimo econômiCO para regular preços ou nonnalizar o abastecImento;

VII - quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado na­cional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que. observado o parágrafo úniCO do art. 48 desta Lel c, perslstmdo a sJtuação. será admitida a adjudicação direta dos bens ou serVIços, por valor não superior ao constante do registro de preçcs, ou dos serviços; vm - para a aqUIsIção, por pessoa Jurídica de direIto público mterno, de bens produzidos ou servIços prestados por órgão ou entidade que mtegre a Adtmmstração Pública e que tenha sido cnado para esse fim específico em data antenor à vIgênc1a desta LeI, desde que o preço contratado seja compativc( com o prattcado nO mercado: IX - quando houver possibilidade de comprometimento da segu­rança naclOnal. nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República. ouvido o Conselho de Defesa NaCIOnal;

X - para a compra ou locação de Ímóvel destinado ao aten­dimento das finalidades precípuas da administração, CUjas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha. desde que o preço seja compatível com o vaior de mercado. segundo avaliação preVIa; XI - na contratação de remanescente de obra .. serviço ou fornecímento, em consequênCta de rescísão contratual. desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vence­dor, mcluSlve quanto ao preço, devida'mente corngido;

XII - nas compras de hortifrutigranJclros, pão e outros gêneros perecivcls, no tempo necessário para a realização dos processos licltatônos correspondentes. realizadas diretamente com base no preço do dia~ XIII - na contratação de mstttUlção brasílelTa Incumbida re­gimental ou estatutanamente da pesqUIsa, do ensmo ou do desenvolvimento InstitUCIonal, ou de mstItUlção dedicada á recuperação SOCial do preso. desde que a contratada detenha InqueSl10nâvel reputação ético-profissIOnal e não tenha fins lucratlvos~

XIV - para a aqUISIção de bens ou servIços nos termos de acor­do internacional específico aprovado pejo Congresso NaclOnal, quando as condíçôes ofertadas forem manifestamente vantajosas para o Poder Público;

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204-RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcefo Alexandrino

XV para a aquIsIção ou restauração de obras de arte e objetos hlstóncOs, de autenticidade certificada, desde que compatívels ou merentes às finalidades do órgão ou entidade;

xvr - para a Impressão dos diános OfiCiaIS, de formulárIOs padrom~1.dos de uso da admmistração~ e de edições téCnicaS ofiClatS, bem como para prestação de servJços de mfonnática a pessoa Juridica de direito público miemo, por órgãos ou entidades g,ue mtegrem a AdmInIstração Pública, cnados para esse fim específico;

XVH - para a aqulslção de componentes ou peças de ongem nacIOnal ou estrangelra~ necessários ã manutenção de equipamen­tos durante o periodo de garantia têcOlca. Junto ao fornecedor ongrnal desses eqUlpamentos~ quando tal condição de exclusI­vidade for mdispensavel para a vigêncla da garantIa~

xvrn - nas compras ou contratações de servIços para o abas­tecimento de navIOS, embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meIOS de deslocamento quando em estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de suas sedes, por motIvo de movImentação operaciOnal ou de adestramento, quando a eXlguidade dos prazos legms puder comprometer a normalidade e os propôsltos das op"erações e desde que seu valor não exceda ao limIte prevIsto na alínea "a" do inCISO rr do art. 23 desta LeI [R$ 80.000,001;

XIX - para as compras de matenal de uso pelas Forças Ar­madas, com exceção de materiaiS de uso pessoal e admlms­tratlvo, quando houver necessidade de manter a padronIzação requerida pela estrutura de apOlO fogistlCO dos metaS navalS, acreos e terrestres. mediante parecer de comlssão Instituída por decreto~

XX - na contratação de aSSOCIação de portadores de deficiên­Cia fíSica, sem fins lucrativos e de Cotliprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Admmls(ração Publica, para a prestação de serVIços ou fornec1mento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatfvcl com o prattcado no mercado;

XXI - para a aquiSIção de bens e IOsumos destmados exclu­Sivamente ã pesqUIsa Científica e tecnológIca com recursos concedidos pela Capes, pela Finep, pelo CNPq ou por outras InstItulções de fomento a pesqUisa credenCiadas pelo CNPq para esse fim específico;

XXI! - na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica c gás mlturaI com concessIonário, permis­sionário ou autorízado, segundo as normas da legls{ação específica;

Capo IX • LICITAÇÕES PÚBLICAS

XXIII - na contratação realizada por empresa púbiica ou SOCIe­dade de economia mista com suas subsídiánas e controladas. para a aqulSlção ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o prattcado no mercado;

XXIV - para a celebração de contratos de prestação de ser­viços com :18 organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo. para atividades contempladas no contrato de gcstão~

XXV - na contratação realizada por Instltmção Científica e TecnológICa - lCT ou por agênCia de fomento para a transfe­rência de tecnologia e para o licenCiamento de direito de uso alI de exploração de cnação protegida;

XXVI - na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta~ para a prestação de serviços públicos de forma associada nos tcrmos do autorizado em contrato de consôrcio público ou em convênio de cooperação;

XXVII - na contratação da coleta, processamento e comerCia­lização de resíduos sólidos urbanos reclclãvels ou reutilizàvels, em arcas com sIstema de coleta seletIva de lixo, efetuados por associações ou cooperattvas fannadas exclUSivamente por pessoas fíSicas de baIxa renda reconhecidas pelo poder públi­co como entadores de materiais rccícJávcís, com o uso de equtpamentos compatíveIS com as normas téCnicas, ambientaiS e de saúde pública;

XXVIll - para o forneCImento de bens e servIços, produzidos ou prestados no Pais~ que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológIca e defesa nacJOnal, mediante parecer de comíssão espeCialmente designada pela autoridade máxlma do órgão~

xxrx - na aqwslção de bens e contratação de servlços para atender aos contingentes militares das Forças Singulares brasl­teu'as empregadas em operações de paz no extenor~ necessana­mente Justificadas quanto ao preço e à escolha do fornecedor ou executante e ratificadas pelo Comandante da Força;

XXX - na contratação de InstItuição ou organízação, pública ou prIvada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de servIços de aSSistênCia téCnica e extensão rural no âmbIto do Programa NaCIOnal de Assistêncla TéCnIca e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Refonna Agrána, mstltuido por [m federal;

XXXI - nas contratações vlsando ao cumprimento do disposto nos arts. 3.°, 4.11

, 5.° e 20 da Lei n~o 10.973, de 2 de dezembro

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206 DE DIREITO AOMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

de 2004. observados os pnncíplos gerais de contratação dela constantes.

Paragrafo úmco. Os percentuais referidos nos mClsos I e II do capul deste artigo serão 20l}/g (vinte por cento) para compras, obras e servIços contratados por consórCÍos públicos~ socie­dade de economia mista. empresa pública e por autarquia ou fundação qualificadas. na fonna da lei, como Agências Executivas.

Vale regIstrar que as nonnas legais referidas no Inciso XXXI do arL 24, aCIma transcrIto, têm o objetivo geral de propiCIar incentivos à Inovação e à pesquisa cIentífica e tecnológica no ambiente produtIVO.

7.2.2. LICitação dispensada

Alem das sItuações descritas como de liCItação dispensável, a leI re­laciona outras em que a licItação, embora seja Juridicamente possivel, não será realizada porque a própna fel, diretamente, dispensa sua realização. São essas as hIpóteses de licitação dispensada.

As hlpótcses de licitação dispensada encontram-se no arl. 17 da 'Lei 8.66611993. Como regra, as sItuações de liCitação dispensada da Lei

8.666!1993 referem-se à alienação de bens pela administração. As. alíneas do mClso r do art. 17 trazem a lista de hIpóteses de licitação dispensada em operações relatIvas a bens imóveis da admlll1stração, enquanto as alíneas do mciso 11 do mesmo artigo enumeram os casos de licitação dispensada para a alienação de bens móveis.

Há hIpóteses de licitação dispensada relativas a bens Imóveis que são extremamente específicas, motIvo pelo qual não serão mencionadas nesta obra. Dentre as hIpóteses legaIS, pensamos ser as de maIOr aplicabilidade ou de mator ImportânCIa as abaixo arroladas.

Tratando-se de bens imóveis a liCItação é dispensada, entre outras. nas seguintes hipóteses:

a) dação em pagámcnto~

b') doação para outro órgão ou entidade da adrnlmslração pública~ de qualquer esfera de governo. Cessadas as razões que justificaram a doação do lU1Ó­

vet. ele reverterá ao patflmônio da pessoa Jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiáno;

Capo IX • LlCITAÇÓES PÚBLICAS 207

c) permuta. por outro unovel destinado ao atendimento das finalidades pre­cípuas da adminIstração .. cUjas necessidades de mstafação e localização condicIOnem a sua escolha~

d) investidura, entendida como alienação~ por preço nunca mferlor ao da avaliação e desde que esse não uftrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mif reaIS), de area remanescente ou resultante de obra pública, quando essa área tcnha

. se tomado maproveitável isoladamente, aos proprietános de lmóvels que com ela façam diVisa (imóveIs lindeiros);

e) venda a outro órgão oú entidade da admmIstração pública. de qualquer esfera de governo.

No caso de bens móveis a licJtação e dispensada nas seguintes hipóteses (estas são todas as hipóteses de licitação dispensada concernentes a bens móveIS descntas na Lei 8.666/1993):

a) doação. perrnltída exclUSIVamente para fins e uso de mleresse SOCial, apôs avaliação de sua oportunidade e conveniênCIa socioeconôrnlca, relativamente à escolha de outra fonna de alienação;

b) permuta~ permItida exclusIvamente entre órgãos ou entidades da adminiS­tração pública;

c) vcnda de ações, que poderão ser negocmdas em bolsu1 observada a legIS­lação específica~

d) venda de titulos~ na forma da legislação pertmente~

e) venda de bens produzidos ou comercializados por 6rgãos ou entidades da admInistração pública, em virtude de suas finalidades;

f) venda de materIaiS e eqUipamentos para outros órgãos ou entidades da administração pública, sem utilização preVisível por quem deles dispõe.

Ao lado das hipóteses de licitação dispensada prevIstas na LeI 8.666/1993. cabe mencIonar tambern a dispensa estabelecida no art. 2:, § J:, lJI, da LeI 11.107/2005. Esse dispOSItIVO estatu! que o consórcio público celebra­do entre União, estados. Distrito Federal e l11ulllciplOS para a realização de obJetiVOs de Interesse comum poderá, para O cumprimento desses objetivos, "ser contratado pela admmistração direta ou mdireta dos entes da Federação consorCIados, dispensada a licitação"

8, ANULAÇÃO E REVOGAÇÃO DA LICITAÇÃO

A anulação de uma liCItação segue as mesmas regras aplicáveis à anu­lação dos atos adminIstratIvos em geral: com base no poder de autotlltela, a admInIstração pública deve anular a liCItação. de ofícIO ou provocada,

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208 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

sempre que constatar ou ficar demonstrada ilegalidade ou ilegitImidade no procedimento. Paralelamente a esse controle admimstratIvo, o Poder Judiciáno, desde que provocado, tem também competênCIa para anular o procedimento licltatóno em que se comprove a existênCIa de ViCIO (ilega­lidade ou ilegitimidade l.

A Lei 8.666/1993, em seu ar!. 38, IX, determma que o despacho de anulação da licitação seja fundamentado CIrcunstanciadamente. Em seu art. 49, a lei assevera que a autoridade competente para a aprovação do pro­cedimento deverá anulá-lo por ilegalidade, de ofiCIO Ol! por provocação de tercelfos, mediante parecer escnto e devidamente fundamentado. A nulidade do procedimento licilatório mduz à nulidade do contrato (art. 49, § 2.°).

A revogação da liCitação sofre restnções em relação à regra geral apli­cável aos atos admInistrativos.

Com efeIto, a regra geral é a possibilidade de a adminIstração pública, tam­bém com base no poder de autotutela, revogar os seus atos discnclOnanos, por motivo de oportunidade e conveniência, ressalvadas somente aquelas hIpóteses, estudadas antenonnente no tÓpiCO próprio, em que a revogação não é cab!veL

Diferentemente, a revogação de uma licllação somente é possível em duas lupótese>:

a) por mottvo de Interesse público decorrente de fato supervemente devidamente comprovado. pertmente e sufiCiente para Justificar tal conduta, mediante parecer escnto e devidamente fundamentado (art. 49);

b} a cnténo da admInistração. quando o adjuclícatáno. tendo sido por ela convocado, no prazo e condições estabefecidos no editai. para assinar o termo de contrato ou aceitar ou retirar o 1I1strumento eqUIvalente) recusar-se a fazê-lo, ou SImplesmente não comparecer (art. 64, § 2.°).

Em qualquer caso, o despacho de revogação deverá ser fundamentado clrcunstanctadamente (art. 38, IX).

Evidentemente, depois de assmado o contrato, não se pode mais revogar a liCItação. Já a anulação da liCitação pode ser feIta mesmo depOIS de as­sínado o contrato e, como visto, a nulidade da liCItação Implica a nulidade do contrato dela decorrente.

Em todas as hipóteses de desfaZimento da liCItação, seja por anulação, seja por revogação, são assegurados o contraditÓrIO e a ampla defesa (art. 49, § 3.°). AdemaIS, cabe recurso admmistratlvo, no prazo de 5 (cmco) dias úteis a contar da mtimação do ato, nos casos de anulação ou revogação da licitação (art. 109, J, "c").

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

1. INTRODUÇÃO

Os contratos, públicos ou prIvados, são acordos de vontades. Por­tanto, em sua formação, os contratos são bilaterais. Essa é a prImeira e prinCipal diferença entre atos e contratos: os pnmeiros são declarações ou manifestações unilaterais e os úlllmos se formam mediante manifestações bilateraIs de vontades.

Quando estudamos atos administrativos, vimos que eles são espéCIe do gênero ato jurídico. O que os particularIza é serem pratIcados pela administração pública, nesta qualidade, ou por particular mveshdo em prerrogativas públicas, estando SUjeItos, portanto, predommantemente a regime de direito público.

A mesma lógica vale para os contratos admmlstrativos. Eles são espéCie do gênero contrato. PartIculariza-os o f-.to de a admll11stração figurar como poder público, o que os sUjeIta, predominnntemente, ao regime jurídico de direito público.

Cumpre notar, todavia, que. mesmo sendo os contra los admmlstratlvos regidos precipuamente por normas de direito público, sempre será necessaria a livre manifestação de vontade do particular para a fonnação do vinculo contratuaL O regime de direito público e caracterizado pela eXistênCia de prerrogativas especiais para a administração, as ditas cláusulas exorbitantes, que serão vistas adiante.

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210 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Deve ncar claro, portanto, que o particular não pode ser compelido, contra sua vontade, a procurar a administração para celebrar um contrato, mnda que se trate de um contrato regido pelo direito público. A mlcialtva de contratar deve sempre ser livre; após a assinatura do contrato, ai, snu, as partes passam a estar vll1culadas às suas cláusulas e às disposições legais a ele relativas (com certas ressalvas quanto â Vinculação da administração a algumas cláusulas contratuaiS, confonne será exposto à frente).

Os contratos admmlstrativos estão diSCIplinados pnnclpalmente nos art. 54 a 80 da Lei 8.666/J 993. Esses artIgos devem ser a fonte primana de estudo desse assunto. Ademms, é Importante alertar - embora seja um tanto ÓbVIO - que quaisquer dispOSições legaIS prevalecem sobre eventuais pOSições doutrmanas delas divergentes.

Cabe observar que os contratos de concessões e pelmIssões de scrvlÇOS públicos submetem-se a regramento próprio, constante da Lei 8.987/1995. Também seguem diSCIplina específica, estabelecida na LeI 11.079/2004, os contratos de parcenas público-privadas, que consistem em uma peculiar modalidadc de contrato de concessão. As concessões e penmssões de servi­ços públicos, aSSim como as parcenas público-pnvadas, serão estudadas em capítulo prÓprIo dcsta obra, acerca dos "serviços públicos".

No prescntc capítulo, todas as referênCias que fizenuos a dispositivos legaiS, sem menção exprcssa li lei a que o dispOSitivo pertença, reportam-se â LeI 8.66611993.

2. CONCEITO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO E DE CONTRATO DA ADMINISTRAÇÃO

Podemos conceituar contrato adminIstrativo como o ajuste firmado pela administração pública, agindo nessa qualidade, com particulares, ou com outras entidades administrativas, nos termos estipulados pela própria administração pública contratante, em conformidade com o interesse público, sob regência predominante do direito público.

Essa definição concerne aos denomlllados contratos admlllÍstratlvos pro­pnamente ditos, que são exatamente aqueles em que a admimstração pública atua 11essa qualidade, dotada, por ISSO, de prerrogativas caracteristIcas de direIto público (supremacia).

Entretanto, a admllllstração pública tem a possibilidade de celebrar contratos regidos predominantemente pelo direito pnvado, caso em que, em pnncipIo, encontra-se em pOSIção de Igualdade jurídica com o parttcular contratado. Contratos dessa espéCie são, por vezes, denomtoados "contratos

Capo X· CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 211

admlIlIstrattvos atípICOS". MaiS frequentemente, contudo, a doutrina refere-se a esses contratos regidos precipuamente pelo direito privado simplesmente como "contratos da adminIstração"

Dessa fonna, defimmos "contrato da administração" como o ajuste fir­mado entre a administração pública e particulares, no qual a adminis­tração não figura na qualidade de poder público, sendo tal ajuste, por isso, regido predominantemente pelo direito privado.

Exemplos de "contratos 'da admInIstração" são um contrato de locação em que a administração figure como locatária; um contrato de compra e venda em que uma sociedade de economia mIsta esteja vendendo bens de sua produção; um contrato de abertura de conta corrente finnado entre um particular e um banco estatal (Banco do Brasil, Bannsul) etc.

Afirmamos acÍma que nesses chamados Hconrratos da admimstração" o par­ticular e a admmistração pública encontram-se, "em princípio", em pOSição de igualdade Jurídica. Utilizamos a ressalva - "em principIO" - porque é necessárto observar que a Lei 8.666/1993, contraflando o que costumava ser lecionado pela doutnna admmistrattvlsta, estendeu aos "contratos da admmlstração''. no que couber, algumas das mais Importantes prerrogativas de direito público aplicáveis aos contratos admmistratlvos propriamente ditos (art. 62, § 3.°, 1). Note-se que, contraditonamente, a própna lei, no mesmo dispositivo (art. 62, § 3.°, I), textualmente reconhece a existência de "contratos da admimstração" cUJo conteúdo seja regido predommantemente por nonna de direito pnvado (a lei expressamente alude, de fonna exemplificativa, a contratos de seguro, de finanCIamento e de locação em que o poder público seja locatáno l.

Constata-se, aSSIm, que a Lei 8.666/1 993 atenuou a distinção entre Hcontratos admmlstrativos" e L~contratos da admlmstraçào", porque as maIS Importantes prerrogativas de direito público, que caracterizam os contratos admmlslratlvos propnamente ditos, passaram, por força dessa lei (art. 62, § 3.°. I), a ser aplicáveis aos demaiS contratos celebrados pela administra­ção pública. É verdade, entretanto, que as prerrogativas de direito público aplicam-se aos ~~contratos da adminIstração" SOlnente no que couber e, sem dúvida, nos casos em que o conteúdo do contrato seja próprIo do domimo econômICO, muito poucas ou mesmo nenhuma cláusula estranha ao direito pnvado poderá ser considerada "cabível".

Por fim. Julgamos oportuno registrar que, em alguns casos, a doutnna emprega a expressão "contratos da administração" em um sentido amplo, abrangendo todos os aJIlstes em que a admmistração pública seja parte, tanto os regidos predommantemente pelo direIto público quanto os subme­tidos precipuamente ao direito pnvado, ou seja, abrangendo os "contratos admimstrattvos'! propriamente ditos e os "contratos da admmistração" (em sentido estrito).

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212 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

3. CARACTERíSTICAS GERAIS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

A nota realmente característIca dos contratos admmIstratlvos, que os peculiariza, diferencíando-os dos contratos privados, é a eXIstêncIa das de­nommadas cláusulas exorbitantes. TaIS "cláusulas", em verdade, decorrem diretamente da leI e configuram prerrogatIvas de dirello público conferidas pela leI exclusIvamente â admmistração pública, tendo em VIsta a sua atua­ção na qualidade de poder público. São chamadas "exorbItantes" porque extrapolam aquilo que existe, aquilo que sena admitido no direIto c~m~m (direIto privado); por esse motIvo, são elas, por vezes, refendas como clau­sulas exorbitantes do direito comum" (são "cláusulas" de direito público que exorbitam os limItes existentes no direIto comum).

Em razão de sua importânCIa para o estudo dos contratos admlOlstratIvos, as cláusulas exorbitantes serão estudadas em tÓpICO especifico. Apresenta­remos, neste liem~ outras caracten'stlcas dos contratos admmistrattvos, não obngatoriamente próprias de direito público.

Não obstante terem OS contratos admlOlstrativos como característIca essenCIal a sUjeição a regras de direito público, a eles se aplicam, subsidia­rIamente, as normas e prmcipios de direIto pnvado pertmentes il denommada "teoria geral dos contratos" (art. 54).

O objeto dos contratos admmlstratlvos consIste em uma relaçã.o Jurídi­ca (ou diversas relações jurídicas) concernente a qua~quer bem, dlr~lto ou serviço que seja do interesse da admimstração publIca, ou necessana ao desempenho de suas atIvidades - obras, compras, forneCimentos, locações, alienações, servIços, concessões. Apenas nas matlmas que devam ser regIdas predommantemente pelo direito pnvado, como as concernentes às atIvidades econômIcas, os contratos, em regra, serão "contratos da admlOlstração" (re­gidos predommantemente pelo direito privado), e não contratos adl111Olstra­tlVOS (regidos predominantemente pelo direito público). Em qualquer _caso, cumpre frisar, a admlOlstração somente pode atuar Visando a satlsfaçao do mteresse público.

A doutnna administra!lvlsta costuma apontar como principais caracterís­ticas dos contratos administrattvos serem eles sempre consensuaIs (embora se trate de contratos de adesão) e, em regra, formaiS, onerosos, comutativos e celebrados II1tuitu personae (devem, em prIncipiO, ser executados p~lo contratado, não se admitIndo a livre subcontratação l. Além dessas caractens­tlcas os contratos admmistratlvos devem ser precedidos de liCItação, somente mex;gível, dispensada ou dispensavel nos casos previstos na lei.

Detalhemos algumas dessas caracterís!lcas.

Capo X· CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 213

a) contrato de adesão;

Os contratos admimstrativos enquadram-se na categona dos denommados contratos de adesão. Com efeIto, em um contrato de adesão, uma das partes propõe as cláusulas e a outra parte não pode propor alterações, supressões OU acréSCImos a essas cláusulas. Nos contratos de adesão, a autonomIa da vontade da parte que adere ao contrato é limitada a aceitação, ou não, das condições Impostas para a formação do vinculo. A parte não é obrIgada a aceItar as cláusulas propostas, mas, uma vez que não pode modifica-Ias, sua manifestação de vontade resume-se â possibilidade de não celebração do contrato.

O art. 55 da LeI 8.666/1993 enumera díversas cláusulas que obrIgatoria­mente deverão constar dos contratos admmistratlvos. Além disso, a mmuta do futuro contrato integrará sempre o edital ou ato convocatóno da liCItação (art. 62, § 1.0). Na liCItação, a leI determma que, na fase de Julgamento, seja verificada a conformidade de cada proposta com os reqUIsitos do edital, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou lllcompa­tívels (art. 43, IV).

Portanto, aqueles mteressados em contratar já conhecem as cláusulas que mtegrarão o contrato antes de decidirem se Irão partIcIpar do procedimento licitatóno. Se optam por partiCIpar da licitação, sabem que, uma vez vence­dores, não será possívef propor qualquer alteração nas cláusulas do contrato que se propuseram a assmar.

b) formalismo~

Na quase totalidade dos casos, os contratos admlOlstrativos devem ser formais e escritos.

É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a admimstração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a R$ 4.000,00 (quatro mil reaIS), feItas em regIme de adiantamento (art. 60, parágrafo timco).

Todo contrato deve mencionar os nomes das partes e os de seus re­presentantes, a finalidade, o ato que autorizou a sua celebração, o número do processo da licitação, da dispensa ou da mexigibilídade, a SUjeição dos contratantes às normas da LeI 8.666 e às cláusulas contratUaIS (art. 61).

Além desses requisitos, o resumo do instrumento de contrato, qualquer que seja o seu valor (inclUSIve na hIpótese de contratos sem ônus), deve ser publicado na Imprensa ofiCIal, como condição Indispensável à eficácia do contrato (art. 61, parágrafo único). Nas situações de inexigibilidade de licitação e na malOna das hipóteses de dispensa são exigidas, também, para

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214 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo .& Marcelo Alexandrino

a cficac;a do ato de lIlexIgibilidade ou de dispcnsa, a ratificação pela auto­ridade snpenor e a publicação na Imprensa ofiCIal (art. 26). Nesses casos de lI1exigibilidadc e dispensa de licitação previstos no art. 26 da Lei 8.666/1993, portanto, são eXIgidas, para o contrato decorrente ter eficácia, duas formalida­des: (a) ratificação pela autoridade supenor e publicação na Imprensa oficia! dos aios de mexIgibilidade ou de dispensa; e (b) publicação do resumo do Instrumento do contrato respectIvo na Imprensa oficIaL

Conforme o art. 62 da LeI 8.666/1993, o instrument~ de contrato é obrIgatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cUJos preços estejam compreendidos nos limItes dessas duas modalidades de liCItação. Nos demaIS casos, o mstrumento de contrato e facultatIvo. Não SIgnifica ISSO que o vínculo obrigacIOnal seja verbaL A leI estabelecc que, na hipótese de dispensar o uso do instnImento de contrato, a admÍlustração devera substitui-lo por outros Instrumentos há­beIS, taIS como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorIzação de compra ou ordem de execução de servIço.

A lei permite, também, que a admmistração dispense o "temlO de contrato", facultando a subStItUIÇão por outros Instrumentos hábeis, como aCIma exemplificado, a seu CrItério e independentemente de seu valor, nos casos de compra com entrega imediata e integral dos bens adquiridos, dos quais não resultem obrigações futuras, inclusive assIstência técnica (art. 62, § 4.°).

No mtuito de assegurar a publicídade dos contratos admInIstrativos, dispõe a leI que é permItido a qualquer IÍCItante o conheCImento dos termos do contrato e do respectIvo processo licítatório e, a qualquer interessado, a obtenção de CÓpia autenlIcada. mediante o pagamento dos emolumentos deVIdos (art. 63).

c) pessoalidade (in/ui/li personae).

Os contratos admInIstrativos, em regra, são contratos pessoaIS, cele­brados mtllítu personae, ou seja, a execução do contrato deve ser levada a termo pela mesma pessoa (fisica ou Juridica) que se obngou perante a admInIstração. A natureza pessoal dos contratos admInIstrativos decorre pnncIpalmente do fato de serem eles celebrados após a realização de um procedimento licItatório em que se VIsa não apenas a seleCIOnar a proposta maIS vantajosa para a admInistração, mas também a seleCIOnar uma pessoa, fisIca ou Jurídica, que ofereça condições de assegurar a adequada execução do que fOI contratado.

Por esse motIVO, as liCItações, regra geral, têm uma fase de habilitação. em que os pretendentes a contratar com a admimstração comprovam possUIr qualificação técmca. econômico-financeIra, regularidade fiscal etc. - condições

Cap. X • CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 215

pessoaIS que ensejam a presunção de que aquela pessoa tem aptidão para executar adequadamente o objeto do contrato.

Como decorrênCIa direta da natureza pessoal dos contratos admmIstra­tívos, não é possível, em princípIO, a subcontratação, ou seja, o contratado não pode livremente cometer a terceIros a execução do objeto do contrato. Outra consequência é a reSCIsão do contrato nas hIpóteses de falecimento do contmtado ou da extInção da pessoa jurídica. O arl. 78 da Lei 8.666/1993 expressamente prevê como motIVOS para a reSCisão do contrato Ha su~con~ tratação total ou parCIal do seu objeto, a aSSOCIação do contratado com outrem, a cessão ou transferênCIa, total ou parcml, bem como a fusão, CIsão ou mcorporação~ não admItidas no edital e no contrato" e "a dissolução da sociedade ou o faleCImento do contratado"

Não obstante, a regra segundo a qual os contratos admimstrativos são celebrados in/ui/li personae niio é absoluta. A Lei 8.666/1993 prevê a possi­bilidade de subcontratação parcial, contanto que esteja preVIsta no edital e no contrato e que seja autonzada, em cada caso, pela administração, que deve estabele.cer os limites das partes do objeto do contrato cuja execução poderá ser subcontratada. O art. n da leI afirma que "o contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratUaIS e legais, poderá subcoutratar partes da obra, servIço ou forneCImento, até o limIte admitido, em cada caso, pela Admmistração".

Diversamente, o art. 13, § 3.", estabelece uma vedação absoluta à subcontratação, no caso da prestação de serviços técnicos especializa­dos, nos seguintes termos: "A empresa de prestação de serVIços téCnICOS espeCIalizados que apresente relação de integrantes de seu corpo téClllCO em procedimento licIta tório ou como elemento de Justificação de dis­pensa ou inexigibilidade de liCItação, ficará obngada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato."

4. PRAZO DE DURAÇÃO DOS .cONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Como regra geral, a duração dos contratos admmistratIvos é IinlItada à VIgênCIa dos respectivos creditas orçamentárIOS (art. 57, caput). A LeI 8.6661l993, entretanto, estabelece as seguintes exceções:

a) contratos relatIvos aos projetos cUJos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano PlUrIanual, os qUaIS poderão ser prorrogados se houver mteresse da adminIstração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocalôrlo (art. 57, I);

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216 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

b) contratos relativos a prestação de servIços a serem executados de fama contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por 19uals e sucesSIVOS periodos com vIstas â obtenção de preços e condições matS vantajosas para a admintstração~ limitada ;1 sessenta meses (art. 57~ 11). Esse prazo, em caráter excepclOnal~ poderá ser prorrogado por até doze meses~ devendo essa prorrogação adiciOna! ser devidamente Justificada. sendo eXigida, mnda. autorIzação da autoridade supenor (art. 57, § 4.°);

c) contratos retativos ao aluguel de eqUIpamentos e a utilização de programas de infonnálica, cUJa duração pode estender-se pelo prazo de até quarenhl e oito meses após o imclO da vIgêncIa do contrato (art. 57. IV);

d) contratos celebrados nas htpóteses de licttação dispensavel previstas nos mClSOS IX, XIX, XXVlll e XXXI do art. 24 da LeI 8.66611993, os qUaIS

poderão ter vigência por até cento e vínte meses, caso haja mteresse da admInistração (art. 57, V).

Cabe, ainda, observar que, no caso das parcenas público-privadas, o prazo de VIgênCia do contrato não pode ser inferior a cinco anos, nem superior a trinta e cinco anos, inclurndo eventual prorrogação (Lei 11.079/2004, art. 5.", I).

Assevera o § 3." do art. 57 da Lei 8.666/1993 que "é vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado"" Observamos que, não obstante essa regra expressa, os contratos de concessão de direito real de uso de bem público podem ser celebrados sem prazo certo (art. 7.° do Decreto-leI 2711l967, com a redação dada pela Lei 11.48112007). Ainda, o Decreto 6.017/2007 admite que os contratos de consórcIO público de que trata a Lei 11.10712005 sejam finnados por prazo Indeterminado (os consórcIOs públicos, todavia, não são contratos administrativos propnamente ditos, regidos pela LeI 8.666/1993, mas sim ajustes celebrados entre entes federados para a consecução de objetivos de mteresse comum).

5. PRERROGATIVAS DA ADMINISTRAÇÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: AS "CLÁUSULAS EXORBITANTES"

As assim denominadas cláusulas exorbitantes caractenzam os contratos administrativos, diferencIando-os dos ajustes de direIto prIvado. São chamadas exorbitantes Justamente porque exorbItam, extrapolam as cláusulas comuns do direito pnvado e não senam neste admissivels. As cláusulas exorbitantes podem ser explícitas ou Implícitas (a Lei 8.666/1993, segUIndo a sistematização doutnnána, expressamente passou a prever todas as cláusulas exorbitantes apontadas pelos admimstrallvistas) e configuram prerrogativas de direIto

Capo X • CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 217

público da adlmmstração pública ante o particular contratado. As pnncipals cláusulas exorbItantes estão enumeradas no art. 58 da Lei 8.666/1993, a segUIr reproduzido:

Art. 58. O regIme Jurídico dos contratos admInIstrativos mSÍl­tuido por esta Lei confere â AdminIstração, em relação a eles. a prerrogaltva de:

I - modifica~los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de mteresse público, respeitados os direitos do contratado~

II - rescmdi-tos, unilateralmente, nos casos especificados no InCISO I do art. 79 desla LeI;

UI - fiscalizar-lhes a execução;

IV - aplicar sanções motIvadas peta inexecução total ou parCial do ajuste;

V - nos casos de servIços essenCiais. ocupar provlsonamente bens màvelS, Imóvels~ pessoal e serviços VInculados ao obJelo do contrato. na hipótese da necessidade de acautelar apuração admmtstraüva de faltas contratUaIS pelo contratado, bem como na hIpótese de reSCisão do contrato admInlstrattvo.

§ 1.0 As cláusulas econômIco-financeJras e monetârias dos con~ tratos administrativos não poderão ser alteradas sem préVIa concordânCia do contratado.

§ 2.° Na hipótese do mClso I deste artigo, as cláusulas econô­mlco~financelras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbno contratual.

A seguir, analisaremos, além das cláusulas exorbitantes listadas nos m­CISOS 1 a V transcritos acima. a possibilidade de exigênCia de garantIa (art. 56), a faculdade de eXigência de medidas de compensação (art. 3.", § 11) e as restnções a aplicação da denommada "exceção do contrato não cumprido" (art. 78, XV).

5.1. Exigência de garantia

A eXigênCia de que os licitantes e contratados prestem garantl8s à admlmstração visa a assegurar o adequado adimplemento do contrato, ou, na hipótese de mexecução, facilitar o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela administração.

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218 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente PfJUlo & MarcefoAlexandrino

Nos temlOS do art. 56 da Lei 8.666/[993, a prestação de garantia poderá ser exigida, a cnténo da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento cOllvocatório. A leI prevê a possibilidade de eXigêncIa de garantm nas contratações de obras, serviços e compras.

A garantm oferecida pelos contratados não excederá a 5% (cinco por cento) do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele. Para obras, servIços e fomeclmentos de grande vulto envolvendo :alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados por melO de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia poderá ser elevado para até 10% (dez por cento) do valor do contrato. Nos contratos de parcerias público-privadas deverá ser exigida do parceiro privado a prestação de garantla de até 10% (dez por cento) do valor do contrato (Lei 11.079/2004, art. 5.°, VIII).

Nos casos de contratos que Importem na entrega de bens pela admi­nistração, dos quais o contratado ficará depositáno, ao valor da garantia devera ser acrescido o valor desses bens.

A lei prevê três diferentes modalidades de garantia, ficando a critério do contratado optar por uma delas. As modalidades são:

a) caução em dinheIro ou títulos da dívida pública. devendo estes ter sido emItidos sob a fonna escrIturaI. mediante regIstro em sistema centralizado de liquidação c de custÓdia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econôrmcos~ confonne definido pelo Mimstérlo da Fazenda;

b) seguro-garantla~

c} fiança bancária.

A garantia prestada pelo contratado sera liberada ou restituída após a execução do contrato c, quando em dinheiro, atualizada monetanamente.

5.2. Poder de alteração unilateral do contrato

A alteração unilateral do contrato administrativo deve sempre ter por escopo a sua melhor adequação às finalidades de mteresse público. De­vem, ademaiS, ser respeitados os direitos do adminIstrado, essencialmente o direito à observânCIa dos limites legais de alteração por parte da admi­nistração e o direito ao restabelecimento do equilíbriO econômICo-financeiro originalmente estabelecido.

Em razão dessa prerrogativa de alteração unilàteral do contrato por uma das partes (a adminIstração), diz-se que aos contratos adminIstratIVos não

Capo X ~ CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 219

se aplica integralmente o prtnciplO do pacta sunl servol1da. Esse principio Implica a obngação de cumprimento das cláusulas contratuais conforme foram estabelecidas micJalmente, e é um dos mais Importantes pnnciplOs entre os que regem os contratos privados.

O art. 65, 1, da Lei 8.666/1993 especifica os casos em que é cabível a alteração unilateral do contrato pela administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das específicaçõcs. para melhor adequação téCnica aos seus obJetiVOs (alteração qualitativa);

b) quando neccssaria a modificação do valor contratual em decorrênCia de aCreSClnl0 ou diminUIção quantItatIva de seu objeto. nos linutes penmtidos peta lei (alteração quantitativa).

Os limites, para acréSCImos ou supressões de obras. serviços ou compras, encontram-se estabelecidos nos §§ l.0 e 2.° do art. 65 da Lei 8.666/1993. São os seguintes:

a) 25% do valor Imclal atualizado do contrato (6 a regra geral);

b) 50% no caso específico de refonna de edificlO ou de equipamento~ aplicá­vel esse limIte ampliado somente para os acrescImos (para as supressões permanece o limite de 25%).

Abnmos um parêntese para registrar que a lei admite alteração quan­titativa do contrato, sem limite percentual, quando se tratar de supressão resultante de acordo entTe os contratantes. Essa hipótese, entretanto, não diz respeito ao poder de alteração unilateral do contrato, uma vez que eXIge acordo entre as partes; logo, não se trata de uma cláusula exorbitante, não traduz prerrogativa da administração pública ante o particular contratado.

A possibilidade de alteração unilateral do contrato pela admmistração somente abrange as cláusulas regulamentares (também chamadas cláusulas de serviço ou de execução, que são aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e sua execução, e não sobre a remuneração do contratado).

Nunca podem ser modificadas unilateralmente as denominadas cláusu­las econômico-finauceiras dos contratos, que estabelecem a relação entre a remuneração e os encargos do contratado, a qual deve ser mantida durante toda a execução do contrato. A impossibilidade de alteração unilateral de tais cláusulas e a necessidade de manutenção do equilíbrio econômico­financeiro do contrato estão expressamente previstas nos §§ ].0 e 2.° do art. 58 da Lei 8.66611993.

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220 RESUMO DE DIRElTO ADMlNISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcefo AJe~andrino

5.3. Fiscalb:ação da execução do contrato

Nos termos da LeI 8.666/1993. deverá ser deSIgnado um representante da admInIstração especIalmente para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato. permitida a contratação de terceIros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribUIção (art. 67). Esse poder-dever de fiscalização e acompanhamento e permanente e abrange todo o período de execução do contrato. .

De sua parte. o contratado deve manter preposto. aceito pela admi­nistração. no local da obra ou servIço. para representá-lo na execução do contrato (art. 68).

É importante enfatizar que a fiscalização não exclui ou reduz a respon­sabilidade do contratado pelos danos que. por culpa ou dolo. a execução do contrato venha a causar a terceIrOS (art 70),

5.4. Aplicação direta de sanções

A aplicação de sanções admmistrativas pela admInIstração pública. em caso de lITegularidades do particular na execução do contrato, índepende de préVIa manifestação do Poder Judiciário. As sanções admlntstratIvas prevIstas na Lei 8.666/1993 são as seguintes:

a) multa de mora, por atraso na execução do contrato (art 86);

b) advertênc .. (art. 87, 1);

c} multa. na fonna preVIsta no Instrumento convocalórlO ou no contrato, por Inexecução total ou parCial do contrato (art. 87. li);

d} suspensão temporána da possibilidade de partIcIpação em liCItação e Impe­dimento de contratar com a admmistração, por prazo não superior a dOIS

anos (art. 87, IlI);

e} declaração de midoneidade para liCItar ou contratar com a adnllnJstração pública (Ult. 87. IV).

Tanto a multa de mora quauto a multa decon'ente da mexecução total ou parCIal do contrato podem ser aplicadas cumulativamente entre si e cumu­latIvamente com as demais sanções admmistrativas aCIma enumeradas (art. 86. § L°, e art. 87. § 2.°).

As multas aplicadas pela administração podem ser diretamente desconta­das da garantIa prestada pelo contratado. quando houver. Ademats. se a multa aplicada for superior ao valor da gara!!tia prestada, além da perda desta.

Cap, X· CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 221

responderá o contratado pela diferença. que será descontada. pela própna admInIstração. dos pagamentos por ela eventualmente devidos ao contratado (art. 86, §§ 2.° e 3.°. e art. 87. § 1.0). Conforme se constata. a eXIgênCIa das multas. uessas hipóteses. reveste-se de autoexecutoriedade. Entretanto. se não houver pagamentos devidos pela admllllstração ao contratado. ou se o valor deles for Inferior á diferença entre as multas e a garantIa prestada. a parcela remanescente das multas terá que ser cobrada Judicialmente, vale dizer. a eXIgência dessa parcela das mu Itas, em tal lupótese, não será autoexecutória.

Ao aplicar a penalidade de suspensão temporána de particIpação em licitações e contratações. a admimstração deve estipular a duração da medida no caso concreto. tendo em conta a gravidade das mfrações comprovadas no processo admInIstrativo correspoudente. não podendo a restrição ultrapassar o prazo de dois anos.

A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a adminIS­tração pública e sanção de competênCia exclusiva de mInIstro de Estado. de secretâno estadual ou de secretário mUUlclpal, conforme o caso (art. 87. § 3.°). O impedimento de licitar ou contratar com a admllllStração permane­cerà enquanto perdurarem os motIvos determmantes da pUnIção. ou até que seja promovida a reabilitação perante a próprIa autoridade que aplicou a penalidade. A reabilitação somente pode ser requerida após dois anos da aplicação dessa sanção (art. 87, § 3.°) e será concedida sempre que o con­tratado ressarCIr a admmistração pelos prejuízos resultantes da mexecução total ou parCIal do contrato.

A aplicação de sanções pela admInistração pública não Impede que ela. cumulatIvamente. decrete a rescisão unilateral do contrato. Evidentemente. qualquer aplicação de sanção, bem como a rescisão unilateral ocasIOnada por irregularidades Imputadas ao contratado. devem ser precedidas de processo admilllstrativo em que se assegure ao contratado o direIto ao contraditório e li ampla defesa.

5.5. Ocupação temporária

Quaudo o objeto do contrato for a prestação de um servIço esseucial, a admimstração pode "ocupar provisoriamente bens móveIs. imóveis. pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato. na hIpótese da necessidade de acautelar apuração adminIstrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hIpótese de rescisão do contrato admimstrativo" (art. 58. V).

Conforme se constata. há duas situações distIntas em que é prevIsta a ocupação temporária:

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222 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATlVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

a) como medida acautelatória, para a apuração de Irregularidade na execução do contrato;

Nessa hIpótese, o contrato está em plena execução, e a ocupação tempo" rárIa é realizada para apurar irregularidade. A apuração pode, ou não, resultar na rescIsão unilateral do contrato.

b) Imediatamente após a rescisão unilateral do contrato administrativo.

Nessa hIpótese, ocorre, antes. a rescIsão unilateral do contrato admmis" tratlvo. Em decorrêncIa do principIO da contmuidade dos servIços públicos, a adnllnIstração, então, aSSume Imediatamente o objeto do contrato e, para assegurar que não haverá descontmuidade, procede â ocupação temporárIa de todos os recursos materiais e humanos do contratado necessárIos para continuar, direta ou indiretamente, a execução do contrato.

Essa segunda hIpótese conjuga-se com o art. 80, meisos I e lI, da Lei 8.66611 993. Esses disposilIvos estatuem que as hipóteses que ensejam res­cisão do contrato por ato unilateral da admmistração acarretam a assunção Imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato própno da adminIstração, bem como a ocupação e utilização do Jocal, mstalações, eqUlpamentos, matenal e pessoal empregados na execução do contrato, necessânos á sua continuidade.

Conforme veremos ao estudarmos os servIços públicos, no caso espe­cifico dos contratos de concessão e permIssão de servIços públicos, essa cláusula exorbItante recebe o nome de intervenção na concessão (ou na permIssão ).

5.6. Exigência de medidas de compensação

A LeI 12.34912010 mtroduzlU significativas mudanças na Lei 8.66611993, com o escopo, pnncipalmente, de possibilitar que as liCitações públicas pas­sem a ser utilizadas como mstrumento de "promoção do desenvolvimento naCIOnal sustentável",

A idem básica é de que as compras governamentais têm um peso tão grande na formação da demanda agregada nacional que podem, e devem, ser utilizadas para, entre outros objetIvos, fortalecer o mercado mtemo, au­mentando, com isso, o emprego e a renda e, no fim das contas, estimular o desenvolVImento do Pais.

AdemaiS, o própno poder de barganha do Estado, decorrente do vulto das compras de bens e serviços que realiza, permIte que ele imponha àqueles que

Capo X • CONTRATOS ADMINISTRAT!VOS 223

desejam com ele contratar condições que. normalmente não serIam aceltas pelo setor privado. Tal raciocínio não é novo. Entre partIculares é absolutamente cOrrIqueIro que o negOCIador de grande porte utilize como Instrumento de pressão o tamanho potenCial das suas contratações - presentes e futuras -para obter da contraparte concessões e vantagens com as quaIs ela jamaIS consenlIria caso estivesse negociando com parceiros menores.

Pois bem, com a edição da LeI 12.349/2010, essa mesma lógica concer­nente ao poder de barganha dos grandes compradores - ao lado do objetIvo de promover o desenvolvimento naCIOnal - passou ter possibilidade de ser adotada nas contrataçõcs realizadas pejo poder público. Deveras, essa lei acrescentou ao art. 3." da Lei 8.666!l993 o § lI, com a segumte redação:

§ 11. Os editaIS de licitação para a contratação de bens, servi­ços e obras poderão. mediante préVia Justificativa da autoridade compelente1 eXIgir que o contratado promova. em favor de órgão ou entídade integrante da adrmmstração pública ou daqueles por ela mdicados a partir de processo Isonõmlco, medidas de compensação comerCial, mdustrIal. tecnológICa ou acesso a condições vantajosas de finanCIamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecída pelo Poder Executivo federal.

A prImeIra observação pertmente é que a ImpOSição das eXIgênCIaS a que se refere o tranSCrIto § 11 é discricionária: será feita a CrItérIO da admmistra­ção, conforme análise efetuada em cada caso e devidamente justificada.

O segundo ponto relevante a apontar é que o dispOSItiVO abrange con­tratos cUJo objeto seja o forneCImento de bens, a prestação de serviços ou a realização de obras.

Em terceiro lugar, nota-se que são duas as espéCIes de exigências que podem ser feitas, cumulatIvamente ou não, desde que previstas no edital de liCitação, a saber:

a} que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade da adrrun1stra­ção~ ou em favor de pessoas que ela mdique, medidas de compensação comerCiai, mdustnat ou tecnológica; e

b) que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade da admInIstração, ou em favor de pessoas que ela Indique, acesso a condições vantajosas de financiamento.

Exemplo de SItuação em que taIs eXigênCIas podenam ser feitas teríamos no caso de uma concorrênCIa internacional mediante a qual o governo brasileIro pretendesse adqumr uma ampla rede de radares de grande porte, vlsando a

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224 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Pauto & Marcara Afexandrino

moderl1lzar O controle de todo o espaço aéreo nacIOnaL O edital podena eXigir do futuro contratado medidas de compensação comerCial - como a obtenção de acesso favorecido aos mercados do país cUja empresa vencesse a licitação -, ou, amda exemplificando, medidas de compensação tecnológica - como a transferênCia de conhecimento das tecnologias empregadas nos radares para uso por empresas brasileiras fabncantes de componentes eletrômcos relacIO_ nados a essa area. Continuando o exemplo, poderia o edital, cumulativamente ou não, exigir que a empresa que se sagrasse vencedora obtivesse, com o seu pais ou com InstttUlçÕes lOternaclOnais. condições vantajosas de financiamento para o governo brasileIro pagar as compras efetuadas.

Por fim, é mteressante destacar que a parte final do § 11 do art. 3.·, aCima reproduzido, prevê que as exigências a que de se refere ocorram "na forma estabelecida pelo Poder Executivo federal".

Em sintese, embora o § 11 do art. 3.0 da Lei 8.666/1993, mcluído pela Lei 12.349/2010, não esteja inserido entre as dispOSIções especificamente concernentes aos contratos admmistratlvos, certo é que, segundo nossa In­

terpretação, ele efettvamente deve ser acrescentado à lista de cláusulas exor­bitantes, uma vez que traduz prerrogatIva da admtnlstração pública passível de ser imposta unilateralmente aos administrados.

5.7. Restrições à oposição da exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractusl

Nos contratos onerosos regidos pelo direito pnvado e permitido a qualquer dos contratantes suspender a execução de sua parte no contrato enquanto o outro contratante não adimplir a sua própria. A essa suspensão da execução do contrato' pela parte prejudicada com a madimplência do outro contratante dá-se o nome de opOSição da exceção do contrato não cumpndo (excep/1O 11011 adimpletl contrac/us).

Em relação aos contratos administraltvos, a doutrma tradiCIOnal defendia a moponíbilidade, contra a admimstração, dessa exceção do contrato não cumprido. ou seja, não sena lícito ao particular mterromper a execução da obra, o forneCImento dos bens, a prestação do servIço objeto do contrato, mesmo que a admInIstração permanecesse sem pagar pela obra, pelos bens ou pelo serviço. Ao particular prejudicado somente caberia mdemzação pe­los preJuizos suportados, cumulada ou não com rescisão contratual judiCIal por culpa da admmistração. Invocava-se, para justificar essa prerrogattva da admlmstração, o princípio da continuidade do serviço público (a expressão "servIço público" é empregada, aqUI. em sentido amplo, abrangendo todas as attvidades da administração pública que não sejam attvidades econômicas em sentido estrito l.

Capo X· CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 225

Essa onentação doutnnana, extremamente ngorosa em prejuizo do contratado, resultou afastada com a edição da LeI 8.666/1993, que passou a possibilitar, como regra, a oposição da exceção do contrato não cum­prido pelo parhcular, estabelecendo, contudo, restrições ao exerCÍCIO desse diretto.

A parltr da Lei 8.666/1993, tornou-se adequado aludir meramente a uma temporana moponibilidade da exceção do contrato não cumprido. Com efeIto, a oposição dess? cláusula ImplíCita pelo partIcular passou a ser expressamente autorizada na hipótese de atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela admmlstração decorrentes de obras, serviçOS ou forneCImento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados (art. 78, XV).

Cumpre ressaltar que a exceção do contrato não cumprido não é opo­nivel, mesmo diante de atraso de pagamento supenor a 90 dias, em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra.

Em suma, quando a admInistração atrasar por mais de 90 dias o paga­mento de parcela devida ao contratado, este poderá suspender a execução do contrato (ou, se preferIr, obter a reSCisão JudiCial ou amigável do contrato l, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem mterna ou guerra.

E oportuno anotar que no caso dos contratos de concessão e permissão de serviços públicos não é cabível a suspensão da execução do contrato pela concessionária ou perrnissionana, seja qual for o madimplemento da adimnlstração. dure quanto durar. Nesses contratos, o descumprimento de obngação da admlOlstração para com a concessionárIa ou perrnlsslOnana enseja unIcamente a reSCisão judiCIal, por IniciatIva do particular, e os ser­viços prestados não poderão ser interrompidos ou paralisados, até o trânSIto em julgado da deCisão judiCIal.

Por últImo, deve-se atentar para o fato de que, no caso de inadimple­mento do particular. a admimstração sempre pode opor Imedialamente a exceção do contrato não cumprido e, automaticamente, deixar de cumpnr suas obngações para com o contratado madimplente (suspendendo os pagamentos a ele devidos, por exemplo, sem prejuízo das demaIS sanções previstas na lei e no contrato l.

5.8. Possibilidade de rescisão unilateral do contrato

A possibilidade de rescmdir unilateralmente um contrato IneXIste no direIto pnvado, uma vez que as partes se encontram em pOSIção de Igualdade jurídica. Os Gontratos admlOistralIvos, diferentemente, são re-

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226 RESUMO DE DlREITOADMrNrSTRAT!VO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

gldos predommantemente pelo direito público, o que confere a uma das partes - a admInistração pública - posição de supremacia jurídica ante a outra - o particular.

Uma das maiS expressIVas manifestações dessa desigualdade jurídica entre as partes em um contrato admInistratIvo consiste na possibilidade que a leI confere à admmístração pública de rescmdir unilateralmente o contrato, isto é, extIngui-lo antes do prazo, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário ou de obter o consentImento 'do partICular contratado.

A maiona das hipóteses autonzadoras de reSCisão unilateral diz respeito a situações em que ocorre algum madimplemento contratual mescusavel pelo particular contratado. No entanto. é tamanha a extensão dessa prerrogativa da administração pública que a lei admite a reSCisão unilateral Simplesmente com base em "razões de mtercsse público, de alta relevânCia e amplo conhe­CImento", ou seja, sem que tenha havido qualquer descumpnmento contratual por parte do particular. Também na lllpótese de força maior ou caso fortUIto a reSCisão unilateral é prevista.

As hipóteses de reSCisão unilateral e suas consequênclas para a adminis­tração e para o particular contratado serão detalhadas em outro tÓpiCO. acerca das fonnas gerais de extinção dos contratos admmistratIvos.

6. EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

A extmção do contrato admInistratIVO é o térmmo do vinculo obnga­clOnal eXIstente entre a administração e o partIcular contratado. A extinção pode ocorrer em virtude da conclusão do objeto do contrato ou do térrnmo de seu prazo de duração, ou, diversamente, decorrer de anulação ou de res­CIsão do contrato.

A extinção pela conclusão do objeto do contrato (por exemplo, conclusão da obra) e pelo ténnmo do prazo (por exemplo, um contrato de fomeclmen­to de merenda escolar pelo prazo de um ano) são as fonnas ardi nanas de extmção. Nessas hipóteses, houve o adimplemento por parte do contratado e a exttnção do vinculo contratual ocorre de pleno direito, ou seja, não é necessária mtervenção da admmlstração. do Poder Judiciano, ou acordo entre as partes. Recebido pela admmistração o objeto do contrato, ou chegado ao fim o seu prazo de duração, considera-se automatIcamente extmto o contrato administrativo.

Difercntemente, a anulação e a rescisão são fonnas de extinção contratual que eXIgem atuação da administração pó blica ou do Poder Judiciário, ou, se for o caso, acordo entre as partes.

Capo X • CONTRATOS ADMINISTRATrVOS 227

Analísaremos. a segUlr~ as regras sobre anulação e reSCisão constantes da Lei 8.666/1993.

6.1. Anulação

A anulação do contrato adminIstrativo segue regras análogas à anulação dos atos adnumstratlvos. Um contrato adminIstrativo deve ser anulado quando houve ilegalidade na sua celebração, seja,relatlva â competência da autoridade que firmou o ajuste, seja quanto ao objeto do contrato, seja concemente â inobservânCIa da obngatonedade de liCitar, enfim, vicias em geral que acar­retem a ilegalidade do contrato ensejam a sua anulação.

A anulação pode ser realizada pela própna admimstração pública, de ofiCIO ou provocada, ou pelo Poder Judiciáno, mediante provocação, sempre por motivo de ilegalidade ou ilegitimidade.

Mesmo quando o contrato, em SI mesmo considerado, não contenha ilegalidade, pode ser necessána sua anulação. É o que ocon'e quando houve vicio na liCitação que o precedeu. Com efeIto, a Lei 8.666/1993 estabelece que "a nulidade do procedimento licltatório lllduz à do contrato" (art. 49, § 2.0).

A regra básica acerca da anulação dos contratos admmistraltvos encontra­se no art. 59 da Lei 8.666/1993, cuja transcnção faz-se oportIma:

Art. 59. A declaração de nulídade do contrato admmistratIvo opera retroatlvamente Impedindo os efeitos Jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produztr, além de desconstttUlr os já produzidos.

Parágrafo umco. A nulidade não exonera a Admimstração do dever de mdenlzar o contratado peto que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja lmputàvel, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

A lei nada especifica sobre os procedimentos para a anulação dos. con­tratos adnllnistralivos. Entendemos, entretanto, que deve ser dada ao contra­tado direito ao contraditóno e à ampla defesa, mesmo que não se pretenda imputar a ele culpa pela nulidade. A nossa ver, o simples prejuízo causado ao contratado pela anulação Implica a necessidade de que lhe seja dada oportunidade de se manifestar. Ademats, é certo que ele poderá contraditar o valor da mdenização que, nos tennos do parágrafo único do art. 59. lhe seja devida.

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228 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Como reforço ao afirmado no paragrafo precedente, note-se que, na LeI 8.666/1993, o § 3." do art. 49 assegura o contraditório e a ampla defesa "no caso de deslàzlmento do processo Iicltatóno" e o parágrafo ÚniCO do art. 78 assegura o contraditóno e a ampla defesa em todos os "casos de reSCIsão contratual",

Cabe observar que não eXIste, na LeI 8.666/1993, menção a "revogação" de contrato admimstratlvo (no caso das licItações, a revogação é prevIsta no art. 49 e no ar1.64, § 2."). Realmente, a utilização da palavra "revogação" deveria ser reservada para o desfazImento de atos administrativos discriclO­narios. Tecmcamente, contratos não se revogam (não são atos unilaterais discnclOnarios), mas, sendo o caso, se rescmdem.

Não obstante essas orientações doutrinànas, cumpre registrar que a LeI 8.987/1995 - leI geral das concessões e permIssões de serviços públicos - depoIs de estatUIr que a pelmlssão de serviço público e um contrato de adesão, afirma ser ele um contrato precário e revogável unilateralmente (art. 40). Trata-se de ImpreCIsão termmológlca do legIslador, mas, mfelizmente, essa figura passou a mtegrar o nosso direIto legislado. Os contratos de penmssão de serviços públicos serão estudados em capitulo próprio.

Anote-se, por fim, que não ha preVIsão, na lei, de convalídação de con­tratos admmlstratwos.

6.2. Rescisão

As causas gerais de reSCIsão dos contratos admmlstratlvos estão listadas nos inCISOS do art. 78 da LeI 8.666/1993.

Há hIpóteses que ensejam a rescisão unilateral pela adminIstração e outras que ensejam rescisão judicial ou rescisão amigável (adminIstratIva, mas por acordo entre as partes l.

Há l"póteses de reSCIsão devidas a causas imputáveIs ao contratado, Ou sejU, por culpa do contratado (todas essas possibilitam reSCIsão uni­lateral pela admll1Istração), outras deVIdas a causas imputáveis â admi­mstração, ou seja, por culpa da admmlstração. Há, ainda, hipóteses de reSCIsão decorrentes de mteresse público supervemente e de força maIOr ou caso fortUIto.

E oportuno observar que a reSCIsão unilateral só não é cabível quando o llIadímplemenlo contratual for da administração, ou seja, nas hIpóteses de reSCIsão decorrente de culpa da admmlstração (inCISOS XIII a XVI do art. 78). Nos outros casos, ê possivel a rescisão unilateral, variando as conse­quênclas conforme ela decorra de culpa do contratado (art. 78, I a XI, e XVIII) ou se dê sem culpa do contratado (art. 78, incisos XII e XVII).

Capo X· CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 229

Deve-se atentar para o fato de que as Illpóteses de reSCIsão amigável ou JudiCial em decorrêncIa de culpa da admimstração não são cláusulas exorbitantes, lima vez que não traduzem prerrogatlva da admimstração. As lllpóteses de rescisão unilateral por parte da admmlstração, seja em razão de adimplemento megular do contrato pelo partIcular, seja em face de interesse público supervemente, ou ainda de força maIOr ou caso fortUIto, essas, SIm, configuram prerrogatIvas da admmistração e, portanto, só elas são cláusulas exorbitallles.

LIstamos abaiXO todas as lllpóteses de reSCIsão enumeradas no art. "78 da LeI 8.666/1993:

a) cnusas que possibilitam a rcsclsao unilateral pela administração (arl. 78, Incisos I a XII, XVI! e XVIll):

1 - não cumpnmento de cIáusuías contratuais, especificações. projetos ou prazos;

n - cumpnrnento Irregular de cláusulas contratuaIS, especifica­ções, projetos e prazos;

111 - lentidão do seu cumpnmento, desde o momento em que se possa comprovar a lmpossibilídade da conclusão da obra, do serviço ou do forneCimento, nos prazos estIpulados;

IV -- atraso Injustificado no lOteIO da obra, serviço ou forne­Cimento;

Y - paralisação da obra, do serviço ou do forneCimento, sem Justa causa e previa comunicação â adrnmlstração;

VI - subcontratação total ou parclat do seu objeto. a aSSOCIação do conlratado com oulrem~ a cessão ou transferênCia, total ou parcial. bem como a fusão. Cisão ou Incor{Joração, não admItidas no edital e no contrato~

VII - desatendimento das detcITntnações regulares da autoridade deSignada para acompanhar e fiscalizar a sua execução. aSSlrn como as de seus supenores;

VIII - comettmento reIterado de faltas na sua execução;

IX - a decretação de falênCIa ou a Instauração de InsolvênCIa c1vil do contratado;

X - dissolução da SOCiedade ou o faleCimento do contratado;

XI - a!loração socl3l ou a modificação da finalidade ou da estmtura da empresa, que prejudique a execução do contrato~

XH - razões de mteresse público. de afta refevâncI8 e amplo cOw nhecimento. justificadas e determmadas pela máx.ima autoridade

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230 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRA1WO DESCOMPLICADO ~ Vicenle Paulo & Marcelo Alexandrino

da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo admInistratIvo a que se refere o contrato (rescisão unilateral sem culpa do contrat~ldo);

XVII - ocorrênCIa de caso fortUito ou de força maIOr, regu­larmente comprovada. Impeditiva da execução do contrato (rescisão unilateral sem culpa do contratado e sem culpa da admínistração);

XVIII - utilízação de~mão de obra de menores de dezoito anos em trabalho notumo~ perigoso ou insalubre e, em qualquer trabalho, de menores de dezesscis anos, salvo na condição de aprendiz. a partIr de quatorze anos.

b) causas que só possibilitam a rescisão amigrivel ou judicial (são todas elas sItuações em que há descumpnmento contratual por parte da admInistração, previstas no art. 78, mClsos XlII a XV!):

XIII - a supressão, por parte da Administração, de obras, ser­VIÇOS ou compras, acarretando modificação do valor lnIcml do contrato além do [imite penmtído na ICI;

XiV - a suspensão de sua execução, por ordem escnta da Admi­nistração. por prazo supenor a 120 (cento e vinte) dias. salvo cm caso de calamidade pública,. gmve perturbação da ordem mterna ou guerra. ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, mdependentemente do pagamento obrigatóno de mdemza­ções petas sucesSIVas e contratualmente llnprevlstas desmobiliza­ções e mobilizações e outras prevIstas, assegurado ao contratado. nesses casos, o direito de optar peta suspensão do cumpnmento das obngações a.r;sumidas até que seja normalizada a situação~

XV - o atraso superIor a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela AdmInIStração decorrentes de obras, servIços ou forneCimento. ou parcelas destes. já recebidos ou executados1

salvo em caso de calamidade pública. grave perturbação da ordem mterna ou guerra, assegurado ao contratado o direIto de optar pela suspensão do cumprImento de suas obngações até que seja normalizada a SItuação;

XVI - a não liberação. por parte da Administração, de área. Jocai ou objeto para execução de obra, servIço OU fornecimento. nos prazos contratuaist bem como das fontes de matenaIS naturais especificadas no proJeto.

Observamos que a ocorrência de caso fortuito ou de força maiOr tanto pode ensejar rescisão unilateral pela adnuntstração quanto rescisão amigável

Cap. x .. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 231

ou judicial. Em qualquer caso, é evidente que não há nem culpa da admi­nistração, nem culpa do contratado.

As consequêncJas das diversas hipóteses de reSCIsão dos contratos ad­mllllstrativos encontram-se, conforme o caso, no art. 79, § 2." (aplicavel quando não há culpa do contratado), e no art. 80 (aplicável quando há culpa do contratado). São as seguintes,:

I) consequências da rescisão unilat'eraj~ quando há culpa do contratado· (ou seja, não abrange as hipóteses de reSCIsão unilateral decorrente de caso fortuIto ou força maior e de mteresse público supervemente):

a) assunção Imediata do objeto do contrato, no estado e locai em que se encontrar. por ato própno da admmlstração;

b) ocupação e utilização do tocaI. mstatações~ eqUipamentos, materÍal e pessoal empregados na execução do contrato. necessárIOS â sua cont1~ nuídade (ocupação provisória, que devera ser precedida de autOrIzação expressa do mI01stro de Estado competente, ou secretárIO estadual ou mUnIc1pal. confonne o casai;

c) execução da garantIa contratual. para ressarCimento da admInlstração~ e dos vaiores das multas e mdemzações a ela devidos;

d) retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limIte dos prejuizos causados â administração.

A aplicação das medidas previstas nos itens "a" e "b" fica a cntério da admilllstração, que poderá dar continuidade â obra ou ao serviço por exe­cução direta ou indireta.

Além dessas consequências, o descumprimento contratual, quando há culpa do contratado, enseja a aplicação direta pela admimstração (sem ne­cessidade de autOrIzação do Poder Judiciário) das sanções adlTIllllstratlvas anteriormente estudadas (arts. 86 e 87).

2) consequêncías da rescisão quando não há causa imputável ao con­tratado. quando não há culpa do contratado (são todas as SItuações em que a reSCIsão decorre de fato Imputável ã admlUlstração. ou seja, reSCIsão por culpa da admllllstração, maIS as hIpóteses de mteresse pú­blico supervenIente e de caso fortUito ou força maior~ as consequênclas, que na verdade conshtuem direItos do contratado. estão preVIstas no art. 79, § 2."):

a) ressarcimento dos preJulzos regularmente comprovados que houver so­frido (indenização dos danos emergentes);

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232 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

b) devolução de garanlia~

c) pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescIsão;

d) pagamento do custo da desmobilização.

Por fim, julgamos oportuno fnsar que, na ocorrênCIa de caso fOrtUlto ou de força mmor, embora não eXIsta culpa, nem da admimstração, nem do contratado, as. consequênClas prevIstas na LeI 8.666/1993 são as mesmas atribuídas ás hipóteses de rescisão por culpa da administração:

7, CONVÊNIOS ADMINISTRATIVOS

o estudo do assunto "convênios administrativos" apresenta certa difi­culdade, porque não eXiste uma "leI de normas gerais" ou diploma seme­lhante a eles aplicável - diferentemente do que acontece com os contratos administrativos. A flgor, a maténa nem mesmo deveria estar inserida neste capítulo, porque os convênios não podem, tecmcamenle, ser considerados uma espéCIe de contrato. Embora se reconheça como ponto comum entre convênios e contratos a necess1dade de acordo de vontades para a formação do vinculo Juridico entre os partIcipantes, tantas distinções substanciars eXIstem que não soa jundicamente congruente inclUIr no mesmo gênero essas duas figuras.

Apontamos, abaixo, algumas diferenças relevantes entre contratos e con­vênios (lambem chamados "atos coletivos"), consoante usualmente menCIona a doutnna:

a) nos contratos há Interesses opostos, ao passo que nos convêniOS o inte­resse e comum âs partes; por exemplo, em um contrato de prestação de serVlço. o tomador deseja obter o servIço de melhor qualidade possível pelo menor preço e o prestador deseja executar o serviço nas melhores condições (com as menores exígênclas), com os menores custos, rece­bendo a maJor remuneração possível; diversamente, em um convênto, digamos. entre uma entidade pública e uma InstttUlção privada para a prestação de um servIço de mteresse socIal, todas as partes têm o mesmo mteresse, qual seja, a prestação do serVIço à população. com qualidade sal1sfalórta;

b) os contratos podem ser celebrados entre entidades que possuam objetivos SOCiaiS ou InstltuclOnats absolutamente distmtos, e pelo menos o de uma da's partes não preCisa COincidir com o objeto do contrato; os convêniOS devem ser finnados entre entidades cUJos objetivos SOCIaiS ou mstltucionals sejam ao menos parCialmente COincidentes enlre si, e incluam o objeto do próprIo convênIO;

Capo X· CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 233

c) nos contratos {pelo menos nos onerosos} eXIste uma remuneração, que, uma vez paga, passa a mtegrar o patnrnômo da parte que a recebeu, a qual pode dela dispor. sem prestar contas de sua aplicação; nos convêniOS não eXIste remuneração, e Sim, no mms das vezes. repasse de recursos~ os recursos recebidos~ entretanto, são e pennanecern VInculados á utilização prevista no convênto; se na ongem são recurso.s públicos, não perdem essa natureza depOIS de repassados~ permanecendo. por ISSO~ SUJCltos a todos os controles de direIto público mcidentes sobre a gestão e a aplicação de recursos púb1icos;

d) a regra geraj ê a eXIgênCIa de licitação previamente li celebração de contratos adrnmrstrativos; não eXiste licItação no caso de convêmos entre entidades públicas e, mesmo entre estas e entidades pnvadas, a regra geral é não haver licttação;

e) nos contratos a regra geral é não poderem as partes romper o vinculo sem terem cumprido integralmente suas obngações contratuais, sUJeJtando­-se, caso o façam, a sanções previstas no proprio contrato e nas lels~ nos convêm os, a regra geral e a possibilidade de qualquer das partes romper o vínculo (denunCIar o convêmo) a qualquer tempo, promovendo, se for o caso, o acerto de contas (devolução dos repasses jâ realizados e amda não aplicados, por exemplo).

Vistas essas linhas gerais, podemos defimr "convêmos admlnlstratrvos" como acordos finnados entre entidades públicas de qualquer espéCie, ou entre estas e entidades privadas, a fim de possibilitar a colaboração mútua entre os partiCIpantes, VIsando à consecução de objetivos de mteresse comum a eles. Como pelo menos um dos partiCIpantes sempre será uma entidade da admllllstração pública, os CItados "objetrvos de Interesse comum" devem obrigatoriamente ser objetivos que atendam ao Interesse público.

Cabe, amda, registrar que a doutrina, em regra, advoga a Impossibilida­de de "convêmos adminIstratrvos" serem finnados entre o poder público e entidades privadas que tenham a finalidade de lucro.

Observe-se, tambem, que convênios adminIstratIvos não são instru­mentos de delegação de serviço público a entidades privadas. Quando um convênio e celebrado entre uma entidade da admmlstração pública e uma pessoa jurídica privada, esta-se diante de fomento, de Incentrvo á realização pela entidade pnvada, em colaboração com O poder público, de uma atividade privada de interesse social.

Muito pouco eXiste em nosso direito pOSItIVO acerca dos convênios admmistrativos. Na Constrtuição Federal, pratlCamente só ha menções esparsas, em uns poucos preceItos, a convênios admmlstratlvos, a maIOria delas introduzida pelo conslltumte reformador. Enumeramos abaixo alguns exemplos:

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234 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexiimdrino

a) o mClso XXII do art. 37 estabelece que as admInIstrações tributárIas dos diversos entes federados devem atuar de fonna mtegrada. mcluSlve com o compartilhamento de cadastros e de infornlações fiscais, na forma da lei ou de convênío;

b) o § 2. Q do art. 39 determIna que as diversas pessoas polítICas mantenham escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, facultada, para isso, a ceiebra'ção de convênios ou contratos entre elas;

c) o inCISO VI do art. 7l àtribm competênCia ao Tribunal de Contas da Untão para fiscalizar a aplicação de qU31squer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros mstrumentos congêneres, a estado, ao Distrito Federal ou a mumcipio;

d} o art. 241 da ConstitUição eslatUl que a União, os estados. o Distnto Federal e os municipios devem diSCIplinar, por meIO de lei, os consórcIOS públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados. autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, servIços, pessoa! e bens essenCIaiS à continuidade dos serviços transferidos.

Prosseguindo na análise de nosso direIto positivo. é important,e registrar que, apesar de realmente não eXIstir uma ·'lei de normas gerais" própria acerca de convênios admInIstrativos, a Lei 8.666/1993 contém umas poucas disposições sobre a maténa, a seguir expendidas.

Inicialmente, cumpre observar que o caput do art. 116 da Lei 8.666/1993 afinna que as disposições dessa lei têm aplicação, no que couber, aos con­vêníos, acordos, ajustes e outros mstrumentos congêneres celebrados por Órgãos e entidades da adminIstração pública.

O § 1.0 do mesmo art. 116 eXige que a celebração de convênIO, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entida.des da admmlstração pública seja precedida de aprovação de plano de trabalho, proposto pela orgamzação mteressada, e estabelece os elementos mfnimos que devem dele constar.

As mmutas de convênios, acordos ou ajustes devem ser prev!3mente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da adminIstração (art. 38, parágrafo único).

As parcelas do convênio serão liberadas em estrita confonnidade com o plano de aplicação aprovado, exceto quando forem constatadas irregularidades, caso em que serão retidas até o respectivo saneamento (art. 116, § 3.°).

Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão obrigatoriamente aplicados em caderneta de poupança de instItuição financeira ofiCial, se a previsão de seu uso for igualou superior a um mês, ou em fundo de apli­cação financelfa de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada

Cap. x .. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS 235

em títulos da dívida pública, quando a respectiva utilização deva ocorrer em prazos menores que um mês (art, 116, § 4.°). As receItas finance,iras de­correntes dessas aplicações serão obrIgatOrIamente computadas a credito do convêmo e aplicadas, exclusivamente, no objeto de sua finalidade, devendo constar de demonstrativo específico que integrará as prestações de contas do ajuste (art. 116, § 5.°).

Por fim, detennina o § 6.° do art. 116 da Lei 8.666/1993 que, na hipótese de ocorrer a conclusão, denúnc'ia, rescisão ou extinção do convêlUo~ acordo oU ajuste, os saldos financeiros remanescentes, inclUSIve os provementes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas, serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos I'ecursos, no prazo improrrogável de trinta días do evento. sob pena da imediata Instauração de tomada de contas espeCIal do responsável, providenciada pela autoridade competente do órgão ou entidade titular dos recursos.

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'~,.r1f P'~cl.b

, SERVIÇOS PUBLICOS

1. NOÇÕES iNTRODUTÓRIAS

o preceito mais genérIco relativo ao assunto "servIços públicos" eXistente na ConstitUIção de 1988 é o seu art. 175, que está mserido no Título VII ("Da Ordem EconômICa e Financelra"). É a seguinte a sua redação:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permIssão .. sempre através de licitação, a prestação de semços públicos.

Parágrafo úmco. A le. dispara sobre:

I - o regIme das empresas concessIOnárias e penmssIonánas de servIços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescIsão da concessão ou pernussão;

H - os direitos dos usuànos;

III - política tarimrla;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

Esse dispositivo constitucIOnal atribui ao "poder público" a titularidade dos serviços públicos de um modo geral. Estalul, ainda, que o poder público pode prestar esses servIços públicos diretamente ou indiretamente, nesse úlhmo caso, mediante concessão ou penmssão.

Desde logo, convém observar que a própria ConstituIção Federal, em outros dispositivos, prevê também a autorização como forma de delega­ção de serviços públicos (por exemplo, no art. 21. XI e XII). Não obstante,

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238 RESUMO DE- DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Man::efoAlexandrino

cumpre frisar que ordinanamente a delegação de serviços públicos deve ocorrer mediante concessão ou permIssão; a delegação de servIços públicos mediante autorIzação e posslvel em alguns casos, mas deve. em tese. ser medida excepcional.

Outro aspecto Importante a observar é que, embora o supratranscnto pre­ceIto constItucIOnal categoricamente assevere que a titularidade dos serviços públicos fi do poder público, a verdade é que nem sempre uma atividade desempenhada pelo Estado como serviço público é subtraida da csfera da imcIatIva privada livre.

Com efeito, deve-se notar que o ar!. 175 encontra-se topIe.mente Inserido no Titulo VIl da ConstitUIção de 1988, que trata "Da Ordem Econômica e FinanceIra". Logo, os serviços públicos a que o arl. 175 se reporta são aqueles enquadrados como atividade econômica em sentido amplo, isto é, servIços públicos que têm possibilidade de ser explorados com Intuito de lucro, sem perder a natureza de serviço público - por essa razão, têm aptidão para ser prestados por partIculares como serVIço público, mediante delegação. São exemplos os serVIços públicos enumerados, no Texto Magno, no ar!. 2 I, XI e XlI, no arl. 25, § 2.°, e no art. 30, V.

As atIvidades que são objeto desses serviços públicos são de titulari~ dade exclUSIva do Estado, Isto é, não são livres á iniciativa pnvada. Caso um particular pretenda exercer alguma atJvidade regida pelo art. 175 da ConstitUIção Federal, obngatonamente deverá receber delegação do poder público, cUJO Instrumento será um contrato de concessão ou de permissão de serviço público, sempre precedido de liCItação, ou ainda, nas restntas 11lpóteses em que admItido, um ato admInIstrativo de autorIzação de ser­ViÇO público.

A delegação da prestação de um servIço público nunca transfere a sua lJtularidade, ou seja, o particular não presta serviço público por direIto própno, como titular do serVIço, mas sim na qualidade de mero delegatá­no. E por esse motivo que se diz que há prestação indireta do serVIço público pelo Estado quando a sua prestação é delegada a um particular. Tambem por ISSO, a prestação do serviço público pelo particular delegatá­no está sUjeita a um rigido regime de direIto público, no qual é possível ate mesmo a retomada compulsóna do servIço pelo poder público (por exemplo, nos casos de caducidade e de encampação, estudados em outro ponto desta obra).

Em suma, as atividades que constituem objeto dos serviços públicos a que se reporta o art. 175 da Constituição são de titularidade exclUSiva do Estado, vale dizer, o exerciclO da atividade c subtraido á micIalIva privada livre. Esses serVIços públicos podem ser prestados pelo Estado diretamente, ou por particulares, mediante delegação do poder público

Capo XI • SERViÇOS PUBLIcas 239

(prestação indireta). Em qualquer caso, essas atividades têm que ser exercidas como servIço público, submetidas a um rígIdo regIme Juridico de direito público.

Sem preJuÍzo do exposto nos parágrafos precedentes - que descrevem a regra geral acerca dos servIços públicos no Brasil -, há atIvidades que devem ser prestadas pelo Estado como servIços públicos, porem, ao mesmo tempo, são abertas à livre miclativa, isto e, podem ser exercidas comple­mentannente pelo setor pnvado por dirello pr6pno, sem estar submetidas ao regime de delegação, mas, tão somente: aos controles inerentes ao poder de políCia admmlstratlva.

Essa sItuação peculiar é próprIa de atIvidades pertmentes aos direItos fundamentaIs SOCIaiS genericamente considerados (CF, art. 6.°), especwlmente as atividades relacionadas ao Título VIII da Constituição de 1988, acerca "Da Ordem Social".

TaiS atividades, quando exercidas pelos particulares, são serviços pri­vados. Essas mesmas atividades, quando desempenhadas concrelamente pelo Estado, o são como servIço público, sUJellas, portanto, a regIme Jurídico de direIto público. Os exemplos mais importantes de atIvidades enquadradas nessa SItuação são a educação e a saúde.

Resummdo o quadro até aqUI exposto, a regra geral acerca dos servi­ços públicos no Brasil, decorrente do art. 175 da CoustltUlção Federal, é que as alIvidades enquadradas como serviço público sejam de titularidade privativa do Estado, resultando excluída a livre iniCiatIva; nesses casos, se o servIço puder ser prestado por particulares, forçosamente o será mediante delegação (prestação mdireta). TodaVia, atividades pertinentes aos direitos fundamentais sociais, especialmente atividades relaCIOnadas ao Título VIll da Carta da República ("Da Ordem Social"), embora devam ser executadas efetIvamente pelo Estado como serviço público, não são de titularidade ex­clUSiva do Eslado. Dessa forma, lals atividades não são retiradas da esfera da livre InICIativa, vale dizer, podem elas ser exercidas por particulares, sem estar submetidas a regime de delegação. Quando são exercidas por particulares, essas atividades classificam-se como serviço privado, sendo, portanto, desempenhadas .sob regIme jurídico de direito privado, SUJeitas, tão somente, a fiscalização e controle estataIS merentes ao exercíCIO do poder de polícia.

Por fim, aInda no âmbIto destas noções introdutónas, cabe observar que a expressão "poder público" utilizada no capllt do art. 175 da Consllt1.lIçãO Federal deve ser lida como "administração pública", Incluídas todas as en­tidades Integrantes da admil1lstração indireta.

ASSIm e porque o citado dispositivo, ao mencionar as possibilidades de prestação dos serviços públicos a que se refere, afirma que Incumbe ao po-

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240 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexanddno

der público a prestação de serviços públicos "diretamente ou sob regime de concessão ou permissão". Está Implícito, dessarte, que a prestação pelo poder público e "prestação direta" e que a prestação "sob regime de concessão ou permIssão" deve ser classificada como "prestação mdireta"

Ocorre que as entidades da adnllOlstração pública II1direta não atuam mediante delegação do ente federado que as cnou, uma vez quc recebem suas competênclUs diretamente da lei específica que as Instituiu ou autonzou a sua IOStltUIÇão, significa dizer, não deve haver contrato de c~)llcessão ou pennissão de serviço público cntre uma entidade da admllllstração mdireta e o ente federado que a cnou para prestar deterllllllado serviço público da competência dele mesmo.

Assim sendo, decorre do copul do art. 175 da vigente Carta Política que a prestação de serviços públicos pela administração pública, mcluídas todas as entidades da administração mdireta, enquadra-se como prestação direta, ou seja, prestação pelo próprio poder público; e prestação indireta, tão somente, a realizada por particulares, mediante delegação (concessão ali pennlssão de serviços públicos, ou, quando cabível, autorização de serviços públicos).

2. CONCEITO DE SERViÇO PÚBLICO

Deve-se atentar, prelimlllarmente, para a circunstânCia de que a Cons­litulção da República não conceltua serviço público; tampouco o fazem as leiS no Brasil. t: mIster, dessarte, perqUIrir como a doutnna traia o problema da dcfimção do objeto de nosso estudo.

Certo é que não eXIste um conceIto doutrmano consensual de '~servlço público". O que há são escolas ou correntes teóncas que, segundo cntérios vanados, procuram mdicar os elementos relevantes para a Identificação ou a conceituação de uma atividade como "serviço público"

De um modo geral, os prIncIpais admmlslratlvislas aludem aos assim deSignados cnténo subjetivo, criténo material e cnténo fonnal como elemen­tos úteis ou necessários â identificação ou defimção dos serviços públicos. A adoção de um cntérIo IsoladaIllenle, ou a combmação de critériOS, conduz a uma gama bastante vanada de definições.

2.1. Conceitos amplos e conceitos restritos de serviço público

As defimções amplas e restntas de serviço público que serão apre­sentadas neste tÓpiCO são, segundo pensamos, definições utilizadas atual-

Capo XI - SERViÇOS PUBLIcas 241

mente em nosso direito, algumas com maIOr frequêncla, outras maIs raramente.

Na mais ampla das acepções atuaiS, a expressão "serviço público" e empregada como sinômmo de "função pública" ou "atividade pública" Abrange, aSSim, o conjunto de todas as atIvidades que são exercidas sob regime jurídico de direito público: a atiVIdade JUrIsdiCional, a atividade legislalIva, a atividade de governo (atividade políltca) e as atividades consideradas de admlOistração pública em sentido materIal - mclusive. a prestação de serviços públicos em sentido estrito realizada por mtermédio de delegatários.

Outra acepção ampla, mais frequentemente empregada, é a que identI­fica "serviço público" com "atividade de admmistração pública em sentido material". Alberga, portanto, a prestação de serviços públicos em sentido estrito - efetuada diretamente ou por meIO de delegatános -, o exercício do poder de polícia, as atividades de fomento e a mtervenção (não incluida a atuação do Estado como agente econômico em sentido estrito).

Por outras palavras, nessa acepção ficam excluídas a atividade legislatIva, a atividade JUrisdiCIonal e a atIvidade de governo (fonnulação de políticas públicas). Cumpre anotar que essa é a defimção usualmente adotada quando os textos jurídicos, no âmbito do dirello administrativo. fazem referência ao "prmcíplO da continuidade dos serviços públicos"

Um conceito restnto de serviços públicos perfilhado por Importantes autores, como a Proi". Mana SylvIa Di Pietra, é o que abrange todas as prestações de utilidades ou comodidades materiaiS efetuadas diretamente á população, pela administração pública ou pejos delegatános de serviços públicos, e também as atIvidades mternas ou atividades-meio da adminis­tração (por vezes chamadas de "serviços admInistrativos"), voltadas apenas indiretamente aos interesses ou necessidades dos admllllstrados.

Por fim, a maiS restnta das definições - proposta pelo Prof. Celso AntÔniO Bandeira de Mello -. que adotamos nesta obra, considera serviço público unicamente a prestação direta à população, pela admllllstração pública ou pelos delegatários de serviços públicos, de utilidades ou comodidades matenals voltadas â satisfação de suas neceSSIdades ou meros mteresses.

2.2. Critérios propostos para identificação de uma atividade como serviço público

HistOricamente, a doutnna admiOlstrativlsta em geral apontava a neces­sidade de serem atendidos, cumulativamente, três crtténos para que uma atividade fosse considerada serviço público, a saber:

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242 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicr:mte PauTo & Marcelo Alexandrino

a} cntcno subjetivo ou orgânico: dá reJevância ao prestador do servIço públiw CO~ só considera servIço público aquele prestado diretamente pelos órgãos e entidades estatais. integrantes da admInistração púbIica~

b) Critério material: confere relevância a atividade. em SI mesma considerada; segundo esse cnténo. as atividades de ímportância crucial para o grupo sOclat~ das quais depende a próprIa eXistência de:ste. devem ser tidas por serviço público; as atividades que VIsam à satisfação de necessidades coletivas fundamentais cl.everiam. portanto, ser prestadas como serviço público;

c) cntérlO formal: dá relevância ao regime jurídico sob o qual e desen­volvida a atividade; ex.lge que os serviços públicos sejam prestados sob regime jurídico de direito público. portanto. orientados pelo princípIO da supremacia do mteresse público (que assegura prerrogativas eSpeClalS para a sua prestação) e pelo principIO da indisponibilidade do mleresse público (que resulta em restrições não eXistentes no exercícIo de atIvlw dados prIvadas).

Não ti difícil perceber que, hoje, nenhum admínistratlvlsta pode' defen­der a necessidade de serem atendidos simultaneamente os três critérios para que uma atIvidade seja considerada servIço público. Basta pensarmos nas modalidades de delegação de serviços públicos a particulares (desatendem ao cnténo subJetIVo) ou lembrarmos que há serviços não eSSenCIaiS, como as lolenas, que são prestados pelo Estado sob regIme jurídico de direito público (desatendem ao critério matenal). Ainda, hà serviços essenciaiS que podem ser prestados como serviço privado, ou seja, podem ser prestados por particulares sob regime Jurídico de direito privado, a exemplo dos serviços pnvados de educação e de satide.

Portanto, atualmente, os admimstrativlstas costumam utilizar para defimr servIço público um dos critérios aCIma expostos, ou a combmação de dOIS deles. mas não eXlgem o atendimento aos três, conjuntamente.

2.2.1. EssenClolistas versus legalistas

AlUda acerca dos CrItérIOS propostos para a identificação de uma ati­vidade como servIço público merece referência a contraposição existente entre os denommados essencialistas e os assim chamados formalistas (ou legalistas).

Os adeptos da escola essenclalísta defendem a utilização, unicamente, do cnténo material para definir uma atividade como serviço público. MaIS do que isso, para eles, sempre que uma atividade possa ser considerada imprescindível â satisfação das necessidades existenciais hásicas do grupo

Capo XI- SERViÇOS PúBLICOS 243

social, das demandas mafastávels da coletIvidade, que digam com a sua própna sobreVIvênCIa, essa atividade deve obrIgatoriamente ser considerada um serviço público, não importa quem a preste.

A corrente formalista entende que não é possível identificar um núcleo essencJaI medutível, concernente â relevância social da auvidade, que for­çosamente acarretasse a sua classificação como serviço público.

Para a escola fonnaJista, toda atividade que configure, em SI mesma, uma utilidade ou comodidade material oferecida mdistintamente à população será serviço público (em sentido estrIto) sempre que o ordenamento Jurídi­co determme que ela seja prestada sob regime jurídico de direito público, descabendo tecer considerações acerca de sua eventual importânCia para a satisfação de necessidades vllais do grupo SOCial.

Cumpre notar que há um elemento material (referente a natureza da atIvidade) pressuposto na defimção de servIço público proposta pelos forma­listas: eles só consideram servIço público atividades que representem uma prestação matenal, um oferecimento de utilidade ou comodidade matenal a população. Ficam excluídas, assim:

a) a abvidade jurisdicional, a atividade legIslatIVa e a atIvidade de governo (auvidade política);

b) o fomento em geral (quaiquer prestação cUJo objeto seja "dar algo", em vez de um ufazerU

);

c) todas as atividades que Impliquem imposição de sanções~ condicIOnamentos. proibições ou qUaisquer outras restnções (poHcla admimstrativa e intervenção na propnedade privada. por exemplo);

d) as obras públicas (porque. nestas, não e o ufazer algo"., em si mesmo con­siderado, que representa uma utilidade ou comodidade matenal oferecida â população; é o resultado desse "fazer", qual seja, a obra realizada, que constltUl uma utilidade ou comodidade que pode ser fruída pelo grupo socIal).

É Importante repetir que, embora os formalistas precisem lançar mão de um elemento material - qual seja, o serviço público (em sentido estrito) deve ser uma prestação que represente uma utilidade ou comodidade material oferecida a população -. eles não levam em conta se essa prestação é ou não Imprescindível para o grupo social, se li ou não uma necessidade inafastável da comunidade. Basta ser uma prestação que, de algum modo, traduza uma utilidade ou comodidade material para a população. O que interessa mesmo é que essa prestação deva ser realizada sob regIme Juridico de direito pu­blico. Para a corrente formalista é esse fato que detennína se a atividade é, ou não, servIço público.

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244 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO" Vicente Paulo & Maf(;elo Alexandrino

2.3. Definições propostas pela doutrina pátria. Conceito adotado nesta obra

Nossa doutnna maJontanamente entende ser o cntério fonual o maIS relevante, em regra, para a defimção de servIço público, desde que observa_ dos certos pressupostos materiaIs concernentes a natureza da atIvidade que possa ser aSSIm considerada.

" Pensamos que o criténo fonual é, efetIvamente, aquele que nosso orde­namento jurídico utiliza, no malS das vezes, para distmguir serVIços públicos de serviços privados.

Podemos afinuar que, nos tenuos de nossa Carta PolítIca e das leIs em geral. sempre que um serviço for um serviço público ele sera prestado, obri­gatoriamente, sob regime Jurídico de direIto público; de outra parte, sempre que um serviço for prestado sob regIme jurídico de direito pnvado ele sera, incontroversamente, um serviço privado. Essas duas asserções são verdadetras mesmo no caso das atividades em que predomma o cnténo subjetivo para a sua identificação como servIço público ou servIço pnvado, a exemplo dos servIços de educação e de saúde.

Deve-se ter em conta que, no Brasil, a concepção essenCialista não é adotada pelo ordenamento Juridico para o fim de classificar uma atividade como serviço público. Sendo assim, não mteressa, para esse efeito, mdagar se a àtIvidade e ou não Importante para a eXIstência do grupo soclal, para a satIsfação de suas necessidades fundamentais. Realmente, há atividades imprescindíveis, como a educação, que podem ser exploradas por pal1Icu­lares como serviço pnvado e há servIços que sem dúvida alguma não são mdispensáveis à satisfação de necessidades VItais da coletIvidade, a exemplo das lotenas, que são prestados pelo Estado como servIço público. Em suma, a Importância da attvidade, em si mesma, não permIle afirmar, em nosso país, se um servIço ê ou .não público; não eXIstem "serViços públicos por sua própna natureza", qual fora noção pertinente a uma sorte de "direIto natural" ou "suprapositivo"

Quem detenuina que uma atividade sep prestada sob regime Jurídico de direIto público é o próprio ordenamento Jurídico. Podemos afirmar que são serviços públicos todos aqueles que a própna Constituição atribui diretamente às pessoas políttcas como competências a serem por elas exercidas, bem como outras prestações que as leis detenninem devam ser realizadas sob regime jurídico de direito público. E importante frisar que não eXIste ~ nem e possível eXistir - uma lista taxativa de atividades que devam ser exercidas como serviços públicos.

Não obstante imperar razoável consenso sobre os pontos até aqUI expostos, nossos principais admmlstrativistas propõem defimções bastante divergentes de

Capo Xl • SERVJÇOS POBLlcas 245

serviÇO público, sobretudo no que toca ao espectro de atIvidades abrangidas, Apresentamos, abaixo, algumas defimções consagradas,

Para Hely Lopes Meirelles, "serviço público é todo aquele prestado pela admInistração ou por seus delegados, sob nonuas e controles estatais, para satIsfazer necessidades essenciaiS ou secundártas da coletIVIdade ou Simples conveniências do Estado"

Mana Sylvia Di Pietro define serviço público como "toda at!Vidade ma­terial que a lei atribUi ao Estado para que a exerça diretamente ou por meia de seus delegados, com o obJellvo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime Jurídico total ou parCialmente público"

Para José dos Santos Carvalho Filho, serviço público e "toda atiVIdade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regIme de direito público, com Vistas â satisfação de necessidades essenCiaIS e secundártas da coletividade"

Preleciona Celso Antônio BandeIra de Mello que "serVIço público e toda atividade de ofereCImento de utilidade ou comodidade material fruivel diretamente pelos admmistrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regIme de Direlto Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacIa e de restnções especiais - mshtuído pelo Esta­do em favor dos mteresses que houver definido como própnos no Sistema normatIVO",

Essa definição traduz o maiS restrito dos conceitos de servIço público. Só abrange as utilidades ou comodidades que sejam diretamente fruíveis pela população. Por outro lado, quanto ao aspecto material, e mteiramente aberta, vale dizer, desde que seja uma prestação de utilidade ou comodidade material fruivel diretamente pelos admmistrados, qualquer atividade poderá ser elella pelo ordenamento Jurídico para ser prestada como serviço público, portanto, sob regime Jurídico de direito público.

Adotamos esse mesmo conceito restnto de serviço público. A partir dele, propomos esta defimção: serviço público é atividade administrativa concreta traduzida em prestações que diretamente representem, em si mesmas, utilidades ou comodidades materiais para a população em ge­ral, executada sob regime jurídico de direito púbiíco pela administração pública ou, se for o caso, por particulares delcgatários (concessionários e permissionários, ou, ainda, em restritas hipóteses, detentores de auto­rização de serviço público i.

Com essa defiOlção - que Julgamos consentânea ao nosso ordenamento constltuctOnal- pretendemos limitar o conceIto de serviço público a atividades admmistrativas e excluir dele o poder de políCia, as atIvidades de fomento, as mtervenções estataIS restritIvas, as obras públicas, bem como as atIvidades

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246 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcf!lo Alexandrino

internas e atIvidades-melO da admInIstração, ou quaIsquer outras attvidades que apenas Indiretamente atendam a mteresses da população.

3. CLASSIFICAÇÕES

Dentre as muitas classificações de servIços públicos propostas pela dou­trma - quase todas, a nosso ver, despidas de utilidade prática -, Julgamos oportuno, para efeIto de regIstro, mencIOnar as que se seguem. "

a) serviços gerais e serviços individuais; A classificação que distIngue os servIços públicos em geraIs e individuais

é a umca, segundo pensamos, que possui relevâncIa prática. Com efeito, essa classificação tem sido reIteradamente utilizada pelo Supremo Tribunal Fede­ral para efeito de identificar serviços públicos que podem ser remunerados mediante a espeeie tributána taxa.

Confonne a onentação do Pretóno Excelso, serviços públicos gerais (UIí

umversí) ou Indivlsivels são aqueles prestados a toda a colettvidade; mdis­tmtamente, ou sep .. seus usmirios são indetermmados e indetermináveIs. Não e possivel ao poder público identificar, de fonna mdividualizada, as pessoas benefiCiadas por um servIço prestado lIli lImversi. Não há. tampouco, meio de mensurar a utilização por parte de cada usuàno.

Exemplos de serviços gerars são o serviço de iluminação pública, o serviço de varnção de ruas e praças, o serviço de conservação de logradou­ros públicos, entre outros. Caso se adote uma concepção ampla de serviço público, poderão ser designados ainda como serviços gerais ou mdivÍsÍveis o polictamento urbano, a garantta da segurança naCIonal, a defesa das fron­teIras etc.

Os serviços mdividuars, específicos ou singulares (uti smguli), ou, am­da, diVisíveIS, são prestados a beneficiános detennmados. A administração pública sabe a quem presta o servIço e é capaz de mensurar a utilização por parte de cada um dos usuários, separadamente. Tars serviços podem ser remunerados mediante a cobrança de taxas (regIme legal) ou de tarifas (regime contratual).

São exemplos os serviços de coleta domiciliar de lixo, de fornecimento domiciliar de água encanada, de gás canalizado, de energia elétrica, o servIço postal, os serviços telefônicos etc.

b) serviços delegáveis e serviços indelegáveis; Consoante lecionam os autores que propõem essa classificação, são

"serviços públicos delegáveis" aqueles que podem ser prestados pelo

I I

Capo XI· SERViÇOS PÚBLICOS 247

Estado - centralizadamente ou por meio das entidades mtegrantes da ad­ministração mdireta - ou, alternativamente, ter a sua prestação delegada a particulares, mediante contratos de concessão ou pennlssão de serviço público (ou, all1da, se cabível, mediante ato admimstraltvo de autorização de serviço público).

Exemplos são os serviços de telefoma, de forneCImento de energia elé­tnca. de transporte coieltvo rodoviário de passageiros etc.

São "serviços públicos·· mdelegáveis" aqueles que somente podem ser prestados pelo Estado, centralizadamente, ou pelas pessoas Jurídicas de di­reIto público integrantes da admímstração Indireta. São, portanto, servIços públicos cUJa prestação e"lge exercícIO de poder de Impéno. Os exemplos usualmente apontados são a garantia da defesa nacional, da segurança mtema, a fiscalização de atividades etc.

Confonne se constata, essa classificação utiliza uma concepção ampla de serviço público, porque abrange O exercícIO de poder de polícia, bem como outras atIvidades que não consubstanCiam prestações que representem, em SI mesmas, comodidades diretamente fruívels pela coletividade.

c) serviços administrativos, serviços sociais e serviços econômicos;

A doutrina costuma chamar de "serviços públicos admmlstraltvos" as altvidades mtemas da admmlstração pública, as suas altvidades-melo. São todas aquelas atividades que, embora não representem uma prestação di­retamente fruível pela população, beneficiam indiretamente a coletividade, porque são necessanas ao adequado funcionamento dos órgãos públicos e entidades admmistrattvas. São, ademars, atividades preparatánas que vIsam a assegurar a efetiva e eficiente prestação dos serviços diretamente fruívels pela população.

São "serviços públicos sociars" todos os que correspondam a atividades perlmentes ao art. 6." e ao Título VIII da ConstItuição de 1988. Esses ser­VIÇOS são de prestação obrigatória pelo Estado, que os presta como serviço público, portanto, sob regime Jurídico de direito público.

São exemplos os serviços de educação, saúde e aSSIstênCIa SOCIal prestados por órgãos e entidades integrantes da administração pública.

Essas alIvidades de índole socral, todaVIa, consoante anterionnente ex­plicado, não são de tItularidade exclUSiva do Estado, vale dizer, particulares também podem prestar esses mesmos serviços, complementannente, como serviços privados, sem regime de delegação.

São "serviços públicos econômicos" (também chamados "serviços públi­cos comerem;s ou mdustnais") as atividades a que se refere o art. 175 da

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248 RESUMO DE DIREITO ADMiNISTRATIVO DESCOMPUCADO· Vicen/e Paulo & Marcelo Alexandrino

ConstitUição, ou seja, serviços públicos que se enquadram como atividade econômica em sentido amplo, que têm possibilidade - ao menos teónca - de ser explorddos com intuIto de lucro, segundo os pnncipios norteadores da atividade empresanal.

São exemplos os serviços de telefoma, de fornecimento de energia elé­tnca, de fornecImento domiciliar de gas canalizado etc.

Observe-se que não se enquadram nessa categona as atIvidades econô­. mlcas em sentido estrito, regidas pelo art. 173 da Carta Política.

4. FORMAS DE PRESTAÇÃO DOS SERViÇOS PÚBLICOS

A adnl1mstração pública pode prestar diretamente serviços públicos. Nes­se caso, os serviços podem ser prestados centralizada mente, pela própria admmistração direta, ou descentralizadamente, pelas entidades da admims­tração indireta. Podem, alternativamente, os serviços públicos ser delegados a partIculares. A execução de servIços públicos por particulares delegatános ci, tambem, modalidade de prestação descentralizada.

Classificam-se, também, as formas de prestação de serviços públicos em prestação direta e prestação mdireta. Infere-se do caput do art. 175 da Constituição Federal, antenonnente transento, que prestação' direta é aquela realizada pela administração pública, tanto pela administração direta, quanto pela administração mdireta.

Diversamente, prestação indireta é a realizada pelos particulares, me­diante delegação, nas modalidades de concessão ou de permissão de serviços públicos, ambas obrigatoriamente precedidas de liCItação (em algumas hipo­teses é possivel, amda, ocorrer a delegação por melO de ato administrativo de autoflzação de servIço público l.

A prestação de um servIço público pode ocorrer de forma desconcentrada, quando, na estrutura de uma detennmada entidade, existam órgãos dotados de competêncIa específica para a prestação daquele servIço.

É possivel existir prestação desconcentrada centralizada (realizada por orgãos integrantes da administração direta dotados de competêncIa específica para a prestação do servIço) ou prestação desconcentrada descentralizada (quando o servIço e executado por órgãos mtegrantes da estrutura de uma entidade da administração mdireta dotados de competêncIa específica para a prestação do serviço).

A prestação de um serviço público pode ocorrer de forma descentraliza­da, quando a pessoa mcumbida da sua prestação é uma pessoa diferente do

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I I

Cal'. XI • SERViÇOS PUBLICaS 249

ente federado a que a ConstitUIção atribUI a IItulandade do servIço (União, estados, Distnto Federal ou municípios).

Quando se tem a chamada "descentralização por serviços" (ou "des­centralização mediante outorga legal"), uma lei específica cna diretamente uma entidade com personalidade Jurídica própria,. ou autonza a cnação da entidade, e atribUI a ela a tItularidade de um detennmado serviço público.

A lei, desde logo, enumera as competênCIas da entídade que está sendo mstltuída, ou cUJa cnação está sendo autonzada. Essa entidade pode ser uma autarquia, uma empresa pública, uma sociedade de economIa mista ou uma fundação pública, ou seja, alguma das entidades integrantes da adl11IIl1stração mdireta.

São exemplos de serviços descentralizados prestados por 11Itegrantes da admiIl1stração mdireta: o serVIço de transporte ferroviáno urbano prestado pela TRENSURB, empresa pública federal, o serviço postal prestado pela ECT, empresa pública federal, os servIços de abasteclluento de água prestados por empresas públicas estaduaIS, dentre outros.

Na hIpótese da denommada "descentralização por colaboração" (ou "descentralização mediante delegação") a prestação de um serviço público é atribuída a um particular, isto é, a uma pessoa não mtegrante da adnunIs­tração pública. A delegação pode se dar por concessão, pennlssão ou, em alguns casos, autonzação para prestação do serviço. A delegação consIste em transfenr ao particular, sempre temporanamente, a mcumbência de prestar, mediante remuneração, determmado servIço público. A titularidade do serVIço, em qualquer hIpótese, pennanece sendo do poder público, que poSSUI o poder-dever de fiscalização, a fim de assegurar a sua adequada prestação.

Sintetizando as defimções expostas neste tópico, temos o segumte:

a) prestação centraiizada: o servIço é prestado peta administração direta~

b) prestação descentralizada: o serviço é prestado por pessoa diferente do ente federado a que a Constitmçãa atribUI a tItularidade do serviço;

b.l. descentralização por serviços: o serviço e prestado por entidade da admmJStração mdireta. à qual a lei transfere a sua titularidade;

b.2. descentralização por colaboração: o servIço e prestado por partIculares~ aos qUatS~ mediante delegação do poder público, é atribuída a sua mera execução~

c) prestação desconcentrada: o serviço é executado por um órgão, com com­petênCIa específica para prestá-lo, íntegrante da estrutura da pessoa Jurídica que detém a titularidade do serviço;

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250 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexanddno

c.I. prestação desconcentrada centralizada: o órgão com competência específica para prestar o servIço mtegra a admmtstração direta do ente Cederado que detém a titularidade do serviço;

c.Z. prestação desconcentrada descentralizada: o ôrgão com competêncIa específica para prestar o servlço mtegra a estrutura de uma entidade mtegrante da administração mdireta; essa entidade detem a titularídade do serviço;

d} prestação direta: o servIço e prestado pela administração pública, direta ou indireta:

e} prestação indireta: o serviç.o é prestado por particulares, aos quaIS. mediante delegação do poder público, é atribuída a sua mera execução.

5. CONCESSÃO E PERMISSÃO DE SERViÇO PÚBLICO

5.1. Definições legais e aspectos gerais

o art. 22. XXVIl. da ConstituIção da República confere à União compe­tênCia legislativa para a edição de nonnas gerais - de obrigatória observância pelos órgãos e entidades administratiVos de todos os niveis da Federação -sobre licitações e contratos, em todas as modalidades.

O paragrafo único do art. 175 da Carta de 1988 prevê a edição de lei que disponha sobre o regime juridico das concessões e pennissões de serviços públicos, as condições de caducidade, fiscalização e extinção dos respectIvos contratos. a obngação de manter serviço adequado, os direitos dos usuános e a política tarifána.

Respaldada nos dispOSitiVOS constitucionais menCionados, a União editou a Lei 8.987/1995. Essa é a nossa lei de nonnas gerais sobre os regImes de concessão e de permissão de serviços públicos. Trata-se de uma lei de caráter nacional, ou seja, aplicàvel à União. aos estados, ao Distrito Federal e aos mumcíplOs.

Faz-se oportuno assinalar que foi do primeIro dos preceitos constitucio­nais supracitados - mciso XXVII do art. 22 - que O Congresso NacIOnal extraIU a competênCia para editar a Lei 11.079/2004, a qual institum nonnas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas no âmbito das admimstrações públicas de todos os entes da Federação. Confonne será exammado adiante, em tópico própno deste capítulo, o legislador atribuIU às parcenas público-pnvadas a natureza de contratos de concessão. dotados, porem, de peculiaridades que os distmguem da "concessão comum", diSCI­plinada na Lei 8.987/1995.

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PUBLIcas 251

E Importante ressaltar que os diversos entes federados podem editar leiS prõpnas acerca de concessões e pernussôes dos serviços públicos pertmentes a suas esferas de competências, bem como sobre parcerias público-privadas, desde que essas leiS específicas não contranem as normas gerais estabelecidas, respectivamente. na Lei 8.987/1995 e na LeI 11.079/2004.

Apesar de a Lei 8.987/1995 ser a nossa lei de normas gerais sobre as concessões e as permissões de serviços públicos, a verdade é que o legislador quase somente se preocupou em editar disposições expressas acerca das concessões. Quanto ás pernllssões, pouco mais faz a lei do que

. estatuir, no parágrafo umco do art. 40: "Aplica-se às permissões o disposto nesta Lei."

Em face desse quadro nonnatlvo. é acertado asseverar que. atualmente. o regramento Jurídico aplicável âs pennissões de serviços públicos é prati­camente o mesmo a que se submetem as concessões. As poucas diferenças eXistentes são quase sempre meramente acadêmicas, sem repercussão efetiva no respectivo regime Jurídico.

Por essa razão - estarem as concessões e pennlssões de serviços públi­cos SUjeitas a regimes jurídicos em quase tudo Igualados -, quando fizermos referêncta~ neste capítulo~ a uconcessõesn, será ela extenSIva às pennlssões de serviços públicos, a menos que expliCitemos eventual ressalva.

Os mcisos rI e IV do art. 2.° da Lei 8.9871!995 assim definem as mo­dalidades de delegação objeto de nosso estudo:

a) concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pejo poder concedente. mediante Iicltaç.ão~ na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade "para seu desempenho, por sua conta e nsco e por prazo determinado;

b) permissão de serviço público: a delegação, a_ titulo precário. medümte licJtação. da prestação de servlços···públicos, feIta pelo poder concedente â pe.~soa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho. -por sua conta e fiSCO.

A penníssão de serviço público serà formalizada mediante contrato de adesão; a Im expressamente se refere "à precariedade e â revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente" (art. 40).

Confonne se constata. as poucas diferenças, fonnals ou apenas teóricas, entre concessão e penmssão de serviços públicos, nos tennos da lei, são:

a) sô hà concessão para pessoas Jurídicas ou consorcIOs de empresas. ao passo que as pennissões podem ser celebradas com pessoas fislcas ou Jurídicas;

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252 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

b} as concessões obngatonamente devem ser precedidas de licttação na modalidade concorrêncIa. enquanto as permissões devem obngatorta~ mente ser precedidas de Ijcltação~ maS a lei não especifica modalidade determlnada~

c) a lei afinna que as permIssões devem ser fonnalizadas em um "contrato de adesão". aludindo Uà precanedade e â revogabí!idade unilateral do contrato pelo poder concedente"; diferentemente~ não se refere a "contrato de adesão" para qut"!.lificar o contrato de eoncessão~ tampouco a "precarIedade" ou a Urevogal:Hlidade unilaterar~ desse contrato.

Cabe uma observação acerca da eXIstêncIa de prazo nos contratos. Ana­lisando atentamente as defimções constantes da Lei 8.987/1995, nota-se que o legIslador fez questão de explicitar que as concessões são celebradas "por prazo determmado" (art 2.°, I1). Diversamente, é fácil perceber que ele eVItou afirmar literalmente que os contratos de permIssão têm prazo determInado.

Não obstante a omissão do legIslador, certo é que os contratos de permIs­são de serviço público devem, sim, ser celebrados por prazo determmado. Tal conclusão decorre da conjugação do inCISO I do art. 23 com o paragrafo único do art. 40 da Lei 8.987/1995, dos prIncípios Jurídicos norteadores da atIvidade administratIva e mesmo do texto constitucIOnaL

Julgamos Imperioso frisar que as concessões e permissões de servIços pú­blicos, acima de tudo, são contratos administratIvos. Consequentemente, a Lei 8.666/1993 - nossa lei de normas gerais sobre licitações e contratos admInIstra­tIVOS - a elas se aplica subsidiariamente, vale dizer, são aplicáveis ás concessões e permIssões de servIços públicos, quando não houver disposIção próprIa na LeI 8.987/1995, e desde que não sejam com ela incompatíveis, os preceItos da LeI 8.666/1993.

De Igual modo, as característIcas gerais dos contratos admInistrativos apon­tadas pela doutrina valem, também, para as concessões e permIssões de servIços públicos. Logo, elas são contratos bilateraIs, formaIS, de adesão, celebrados mlUi/li persol1ae.

Quanto ao fato de serem ambas contratos de adesão, e mIster observar que a Lei 8.987/1995 entendeu por bem explícitar que as permissões de serviços públicos são contratos de adesão, sem afirmar o mesmo acerca dos contratos de concessão, o que levarIa a Inferir que o legislador cogitou a existêncIa de alguma distinção, quanto a esse aspecto, entre as concessões e as permIssões de servIços públicos. Não é possivel, entretanto, a partir da análise do regramento jurídico a elas aplicavel, descobrIr que diferença serIa essa.

Abaixo, apresentamos quadro comparallvo com as prmclpais caracte­rísticas das concessões e das permissões de serviços públicos, conforme descritas na Lei 8,987/1995.

I

I.

Capo XI .. SERViÇOS PÚBLICOS 253

CONCESSÃO PERMISSÃO

Delegação da prestação de serviço público, Delegação da prestação de servIço publico, permanecendo a titularidade com o poder permanecendo a titularidade com o poder público (descentralização por colaboração). público (descentralização por colaboração),

Prestação da serviço por conta e fiSCO da Prestação do serviço por conta e nsco da concesslonàna, sob fiscalização do poder permISS!onàna. sob fiscalização do poder concedente. Obngação de prestar seJVrço concedente. Obrigação de prestar serviço adequado, sob pena de mtervenção. adequado, sob pena de Intervenção. aplicação de penalidades admiOlstratlvas ou aplicação de penalidades admInistrativas ou extinção por caducidade. extinção por caducidade.

Sempre precedida de lícllação, na Sempre precedida de licitação. Não

modalidade concorrênCia. ha determinação legal de modalidade especifica.

Natureza contratual. Natureza contratual; a lei explicita tratar-se de contraio de adesão.

Prazo determinado, podendo ° contrato Prazo determinado, podendo o contrato prever sua prorrogação, nas condições prever sua prorrogação, nas condições nele estipuladas. nele estipuladas.

Celebração com pessoa jurídica ou Celebração com pessoa ristea ou Juridica; consàrclo de empresas, mas não com não prevista perrmssão a cansàrcro de pessoa física. empresas.

Não há precanedade. Delegação a titulo precano.

Não e cabrvel revogação do contrato. Revogabilidade unilateral do contrato pejo poder concedente.

5.2. licitação prévia à celebração dos contratos

Conforme anterIormente estudado, a LeI 8.666/1993 - nossa leI de normas gerais sobre licitações e contratos admmistratIvos - contém diversas IlIpóte­ses em que é legítima a contratação direta de obras, compras, serviços e alienações pelo poder público, vale dizer, sItuações em que é validamente celebrado um contrato admInIstratIvo sem liCItação previa. Trata-se das hIpó­teses de dispensa e de mexlgibilidade de licItação, as quaIs têm fundamento genérICO no mciso XXI do art. 37 da ConstitUIção de 1988.

No caso das licItações préVIas li celebração de contratos de concessão e de permIssão de serviços públicos, entretanto, existe regra específica, vazada no art 175 da Carta PolítIca. Segundo a enfática redação desse preceIto constItucIOnal, as concessões e permIssões de servIço público devem sempre ser precedidas de licItação. Por essa razão, entendemos que são incompatíveis com a vigente ConstItuIção da República qUaisquer nOrmas legais que cogitem a possibilidade de serem celebrados contratos de concessão ou de permissão de servIço público

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254 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcara Alexandrino

sem licitação prévia. Não se aplicam a esses contmtos, por exemplo, os arts. 24 e 25 da LeI 8.666/1993, os quais estabelecem as hipóteses gerais de licitação dispensável e licItação mexigível.

A LeI 8.987/l995 contém os preceitos específicos pertmentes às liCItações prévIas ás concessões e permissões de serviços públicos. Supletivamente, estão essas licitações sUjeItas á LeI 8.666/1993. Significa dizer, não existindo disposi­ção próprIa na Lei 8.987/1995, mcidem as normas relatIvas ás licitações em geral, estabelecidas na LeI 8.6661l993 - desde que, evidentemente, tms nonnas não encontrem óbice em algum preceIto constItucIOnal concernente às concessões e perImssões de servIços públicos.

A LeI 8.987/l995 exige que a liCItação prévIa as concessões seja realizada na modalidade concorrência (art. 2.°, li). A mesma impoSIção se aplica à ou­torga de subconcessão (art. 26, § 1.°). Diferentemente, não há em ponto algum da Lei 8.987/l995 regra que estabeleça modalidade específica a ser observada nas liCItações preVIas às permissões de servIços públicos, o que leva a inferir que, sendo viável - dependendo do valor e das caracteríslIcas do contrato a ser celebrado -, outras modalidades, além da concorrênCIa, poderão ser adotadas.

O art. 5." da LeI 8.987/1995 eXIge que o poder concedente, previamente ao edital de liCItação, publique um ato admllJlstralIvo específico Justificando a conveniênCIa da outorga de concessão ou pennissão, caracterizando seu objeto, área e prazo.

O art. 15 da Lei 8.987/1995 estabelece os possíveIs criténos de julgamento a serem adotados nas licitações prevIas as concessões de serviços públicos. Vale anotar que a Lei 8.987/1995 não utiliza a expressão "tipos de licitação" para se referir aos CrItérIOS de julgamento, como o faz a Lei 8.666/1993.

Outra distmção a ser observada diz respeIto à eXIstênCIa, ou não, de regras que imponham a escolha prIOrItária de um detenninado CrItérIO, conforme a si­tuação: na LeI 8.666/1993 é fixada como regra geral a adoção do CrItério "menor preço" e reservada a utilização dos demaIS CrItériOS a específicas hipóteses; na Lei 8.987/1995, diferentemente, não eXIste algum CrItério que deva ser conSI­derado preferenCIal, nem a [el estabelece qualquer regra ou hipótese específica em que detennmado critérIO deva preceder aos demaIS. Transcreve-se o art. 15 da LeI 8.987/1995:

ArL 15. No Julgamento da liCItação será considerado um dos segumtes critérIOS:

I - o menor valor da tarifa do servIço público a ser prestado~

Ir - a maIOr oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão:

Capo XI • SERViÇOS PÚBLICOS

lU - a combmação, dOIS a dOiS, dos CrItenos refcrídos nos lIlCISOS I, 11 e VII;

IV - melhor proposta técnica. com preço fixado no editat~

V - melhor proposta em razão da combinação dos cntérios de menor valor da tarifa do serviço público a s~r prestado com o de melhor téCnica;

VI - melhor proposta em razão da combinação dos cnténos de matar oferta peta outorga da concessão com o de melhor téCnica; ou

VIl- melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.

§ LO A aplicação do critériO previsto no mCI50 lU só serà admItida quando preVIamente estabelecida no editai de licIta­ção, mcJuslve com regras e fórmulas preCIsas para avaliação econômico-financeIra.

§ 2.0 Para fins de aplicação do disposto nos mClsos IV, V. VI e VII, o edital de liCItação conterá parâmetros e exigênCias para formulação de propostas téCnicas.

§ 3.0 O poder concedente recusarâ propostas manifestamente mexequÍvels ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licttação.

§ 4.° Em Igualdade de condições, sera dada preferência à pro­posta apresentadH por empresa brasileIra.

255

Será desclassificada a proposta que, para sua VIabilização, necessite de vantagens ou subsidias que não estejam prevIamente autorizados em [el e á disposição de todos os concorrentes (art. 17). Será, também, desclassificada a proposta de entidade estatal alhem â esfera político-administrativa do poder concedente que, para sua viabilização, necessite de vantagens ou sub­sídios do poder público controlador da referida entidade (art. 17, § l.0). As vantagens ou subsídios aqUI referidos incluem qualquer tipo de tratamento tributário diferenciado, ainda que em consequêncla da natureza jurídica do liCItante, que comprometa a IsonomIa fiscal que deve prevalecer entre todos os concorrentes (art. 17, § 2.°).

A Lel 11.196/2005 acrescentou o art. 18-A á Lei 8.987/1995, autorIzando que o edital estabeleça a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento. Nessa hipótese, os procedimentos previstos são bastante similares aos existentes na modalidade pregão de licitação. É a segumte a redação do art. 18-A da Lei 8.987/1995:

Art. 18-A. O edital poderá prever a mversão da ordem das fases de habilitação e Julgamento, hlp6tese em que:

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256 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

I - encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecI­mento de lances, sera aberto o Invólucro com os documentos de habilitação do licitante maIS bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;

11 - verificado o atendimento das extgênclas do edital. o licitante sera declarado vencedor;

111 - mabilitado o licitante melhor classificado, serão analisa­dos os documl;!ntos habilitatórlOs do licItante com a proposta classificada em segundo lugar. e aSSIm sucessivamente. ate que um licItante cfassificado atenda às condições fixadas no edital;

IV - proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técfl1cas e econômIcas por ele ofertadas.

Mais duas regras peculiares são dignas de referênCia.

Pela pnmelra delas, vazada no art. 20 da Lei 8.987/1995, na hipótese de o licitante vencedor ser um consórcio, é facultado ao poder concedente, desde que previsto no edital, deternlinar que ele se constitua em empresa antes da celebração do contrato (Lei 8.987/1995, art. 20). Não eXiste regra análoga para as licitações regidas pela Lei 8.666/1993.

A segunda está no arl. 31 da LeI 9.074/1995. Nos termos desse artIgo, os autores ou responsáveis economicamente pelo projeto básIco ou pelo projeto executivo podem participar, direta ou indiretamente, da liCItação prévia às concessões e permissões de serviços públicos, ou· da execução de obras ou serviços a elas relaCIOnados. Esse art. 31 da LeI 9,07411995 lambem se aplica às parcerIas público-pnvadas (art. 3.", caput e § 1.", da Lei 11.079/2004; art. 15 do Decreto 5.977/2006). Nas liCitações reguladas somente pela Lei 8.666/1993, diferentemente, a refenda partiCIpação e vedada (art. 9.0

).

5.3. Contratação com terceíros, subconcessão, transferência da concessão e transferência de controle societário

As concessões e pennissões de servIços públicos - aSSim como ocorre com os demaIS contratos admlmstratlvos - são celebradas intuitu personae, ou seja, o contrato e pessoal, levando em consideração não apenas a melhor proposta oferecida à admmlstração pública (aspecto obJetivo), mas também caractenstlcas concernentes a pessoa contratada (aspecto subJetivo), a qual deve demonstrar capacidade técnica e capacidade econômIco-financeira que

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XI- PÚBLICOS 257

permItam presumi-Ia apta a assegurar a adequada execução do objeto do contrato.

Ilustra bem o caráter pessoal desses contratos o fato de a falênCIa ou a extinção da empresa concessionána e o falecimento ou a mcapacidade do tItular de empresa mdividual acarretarem a extmção da concessão, consoante estabelece o mCISo VI do art. 35 da Lei 8.987/1995.

Em decorrênCIa da pessoalidade dos contratos de concessão (e de per­mIssão) de serviço público, preceitua o art. 25, capllt, da LeI 8.9871I995 que "incumbe â concesslOnaria a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceIros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade".

Não obstante a regra legal sllpratranscrita, pennite o § l.0 do mesmo artIgo que a concessíonâna (ou a pennisslonána), sem que ISSO afaste a sua responsabilidade, contrate com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a Implementação de projetos associados.

A faculdade conferida pelo § I" do art. 25 diz respeIto a contratos privados, finnados entre a concesslOnána e uma pessoa privada, sem ne­cessidade de consentimento do poder público e sém qualquer participação deste na celebração do contrato. Por essa razão, não é afastada, em nada, a responsabilidade da conceSSIOnária perante o poder concedente e perante os usuários. TaIS contratos têm como objeto atividades relacionadas ao serviço público concedido, mas não a própria prestação do serviço público. Não representam transferênCia a tercelros, nem mesmo parcial, do objeto principal da concessão.

A lei preocupou-se em explicitar que esses contratos celebrados entre a conceSSIOnária (ou a permISSIOnária) e os terceiros serão mtelramente regidos pelo direIto pnvado, não se estabelecendo qualquer relação jU­rídica entre os tercClros e o poder concedente (art. 25, § 2,0). De todo modo, a execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumpnmento das nonnas regulamentares da modalidade do serviço con­cedido (art. 25, § 3.").

Difere da Situação que acabamos de expor a possibilidade de subcon­cessão, ou seja, transferência parctal da execução do própno serviço público concedido (e não de meras atividades acessónas ou complementares) a uma pessoa que não seja a concessionária, isto é, a um particular terceiro, que passará a assumir a condição de subconcesslOm\ria.

O art. 26 da LeI 8.987/1995 admite a suoconcessão do servIço público concedido, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que ex-

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258 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Arexandtino

pressamente autoríznàa pelo poder concedente. A subconcessão, entretanto, será sempre precedida de concorrênCÍa.

A subconcessionána se sub-rogará todos os direItos e obngações da con­cesslOnána dentro dos limItes da subconcessão. Isso sIgnifica que a subcon­cessIOnárIa substltui a concesslOnána em todos os direItos e obrigações que eram desta, relatIvamente à parte da concessão que fOI subconcedida.

Abnmos um parêntese para observar que a LeI 8.98711995, literalmente, afim1a que a subconcessionária se sub-rogará todos os direitos e obrigações da '<subconcedente", Foi utilizado esse vocábulo - "subconcedente" - em re­ferêncIa à concesslOmina. A nosso ver, essa utilização é um tanto madequada, porque, a rigor, não e a concessIOnárIa que atua como <Csubconcedente"; é o poder concedente quem subconcede.

As regras aplicáveis â subconcessão valem, também, para as permissões de servIços públicos, por força do disposto no parágrafo único do art. 40 da LeI 8.98711995. A nosso ver, somente a eXIgênCIa de que a obngatória licItação prévIa â subconcessão ocorra na modalidade concorrência é que deve ser adaptada. porque as permIssões, em tese, admitem licitação em outras modalidades.

Por fim~ cabe observar, amda como consequêncJa do caráter pessoal (ill/lIllU persol1ae) dos contratos ora em estudo, que a lei estabelece que "a transferência de concessão ou do controle societário da concessIOná­na sem prevIa anuência do poder concedente Implicará a caducIdade da concessão" (art. 27). O mesmo se aplica, sem dúvida, ás permissões de servIços públicos.

5.4. Direitos e obrigações do usuário

o art. 7-" da LeI 8.987/]995 dispõe:

Art. 7.' Sem prcJul7.Q do disposto na LeI n.' 8.078. de ] 1 de setembro de 1990, são direItos e obngações dos usuárIOS:

I - receber serviço adequado;

U - receber do poder concedente e da concesswnàna mfonnações para a defesa de mtercsses mdividuals ou coletJvos; 111 - obter e utílizar o serviço, com liberdade de escolha entre váriOS prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as nonnas do poder concedente.

IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessio­mina as Irregularidades de que tenham conhec1mento, referentes ao serviço prestado~

Capo XI • SERViÇOS PÚBLICOS

v - comUnicar ás autoridades competentes os atos ilícItos pra­ticados pela concesslOnàna na prestação do servIço;

VI - contribuir para a pennanêncJa das boas condições dos bens públicos através dos quaIS lhes são prestados os servlç.os.

259

Cabe observar que o capul do dispOSItivo transcrito faz expressa alusão ao fato de que o vínculo Jurídico formado entre o prestador e o usuário do serviço público enquadra-se como relação de consumo, vale dizer, o usuáno de serviço público, no plano Jurídico, é um consumidor, razão pela qual pode esgrimIr contra a concessionária (ou permissionária) de serviço público, se necessario, as vIgorosas normas de proteção vazadas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).

Todas essas regras concernentes a direItos e obrigações dos usuárIOS têm aplicação tanto às concessionárias quanto às permissionárias de serviços públicos.

5.5. Obrigações da concessionária (ou permissionária I

O art. 31 da Lei 8.987/1995, sob o título "encargos da concesslOnàna", assIm dispõe:

Art. 31. Incumbe â concessIOnária:

I - prestar serviço adequado, na forma prev1sta nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato;

li - manter em dia o mventáno e o registro dos bens vmcu~ lados á concessão;

III - prestar contas da gestão do servIço ao poder concedente e aos usuanos, nos termos definidos no contrato~ IV - cumpnr e fazer cumpnr as normas do servIço e as cláu­sulas contratuaIS da concessão;

V pemuhr aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, âs obras, aos eqUlpamentos e ás Instalações mtegrantes do serviço, bem como a seus reglstros contábeis;

VI - promover as desaproprIações e constlt1l1r servidões auto~ rizadas pelo poder concedente~ conforme previsto no edital e no contrato~

VII - zelar pela mtegridade dos bens Vinculados ã prestação do servlço~ bem como segurâ-los adequadamente; e

VIII - captar, aplicar e genr os recursos fillancelros necessános à prestação do serviço.

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260 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & MélrceloAlexandnno

Parâgrafo ÚniCO. As contratações~ tnclUSlVe de mão de obra, reltas pela concesslonàrl3 serão regidas pejas disposIções de direIto privado e peta legIslação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceJros contratados pela concessío­nána e o poder concedente.

Merece especIal ênfase dentre os encargos listados no art. 3 [ da LeI 8.987/1995, acmm transcnto, o constante do inCISO VI. Esse disposItivo prevê a possibilidade de as concessionánas executarem· desapropnações e constituírem servidões administrativas, quando ISSO for necessário para a prestação do servIço público a elas delegado, ou para a realização de obra necessána à respectIva prestação.

E Importante frisar que a prévia decretação da utilidade ou da neces­sidade pública do bem a ser desapropriado é atribuição exclusiva do po­der público. Já a execução da desapropriação pode ser encargo do poder público ou da concesslonána. Na hipótese de ser encargo da concesslonána, a ela mcumblrà pagar as indenizações cabíveis (é evidente que tatS Ônus devem estar previamente explicitados no edital da licitação previa â conces­são, para que possam ser levados em conta pelos licitantes na fonnulação de suas propostas).

Essas regras - acerca da decretação da utilidade ou da necessidade pública do bem, do pagamento das indentzações e da obrigatonedade de que haja prevIsão expressa de tatS encargos no edital da préVIa licitação - decorrem do art. 18, XII, e do art. 29, VIII e IX, da Lei 8.987/1995 e valem também para a constItuIção de servidões administrativas.

Todas as normas aqU1 expostas, sobre encargos das concesslOnánas, aplicam-se, Igualmente, as penmssionánas de serviços públicos.

5.5.1. Serviço adequado

A ConslJtmção de 1988, no mciso IV do parágrafo ÚnlCO do seu art. 175, esta tu!, acerca da prestação de serviços públicos, que "a lei disporá sobre a obngação de manter serviço adequado".

ALe, 8.987/1995, em atenção ao comando conslttuclonal; estabelece, em seu art. 6.°, capul, que "toda concessão ou pennissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuános".

No § 1.0 desse mesmo art. 6.° a lei enumera uma série de princípIOS, ou reqUIsitos míntmos, que devem ser atendidos para que se considere que a concessiomina ou a pennlSsionária esteja prestando um servIço adequado. É a segumte a redação do dispOSItIvo:

Capo XI· SERViÇOS PUBLIcas

§ 1.° Serviço adequado é o que sattsfaz as condições de regula­ridade, continUidade, eficiêncIa, segurança. atualidade, genera­lidade. cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

261

Logo em segUlda, o legislador teve untcamente a preocupação de expli­cItar o que se deve entender por atualidade e de enumerar sltuações em que a interrupção da prestação do servIço não caracteriza,Jundicamente, ofensa li eXIgênCIa de continuidade. Essas regras encontram-se nos §§ 2.° e 3.° do referido art. 6.° da Lei 8.987/]995, cUJa transcrição faz-se oportuna:

§ 2.0 A atualidade compreende a modernidade das téCnicas" do equipamento e das Instalações e a sua conservação1 bem como a melhOrIa e expansão do servlço.

§ 3.° Não se caractenza corno descontinuidade do servIço a sua mtemlpção em sItuação de emergêncta ou apôs préVIO aVIS01 quando:

I - motivada por razões de ordem tecnIca ou de segurança das Instalações; e

II - por madimplemenlo do usuárIO, considerado o mleresse da coletIvidade.

Convem notar que, nos tennos da le!, o reqUlsito "atualidade" não se restrmge á exigência de atualização, de modernidade dos materiais e técmcas, como sena de Imagmar. De fato, na definição de "atualidade" a lel mcluiu a "conservação" dos equipamentos e mstalações e, moda, a «melhoria e expansão do serviço".

Para maIS dessa smgela observação, impende frisar, por sua relevânCia, as hIpóteses em que a lei considera Justificável a paralisação da prestação do servIço público, sem que resulte configurada lesão ao principIO da con­tinuidade. São as seguintes:

a) Interrupção da prestação em Situação de emergência;

b) paralisação ocaSIOnada por motivos de ordem técnica ou de segurança das inshllações (manutenção periódica e reparos preventivos. por exemplo);

c) interrupção da prestação do serviço motivada pela inadimplência do usuário, desde que "considerado o IOteresse da coletividade""

A emergênCIa, evidentemente, não pressupõe aviso prévio (se fosse possivel aVIso prevlO, não sena emergência). As outras duas Situações, obn­gatonamente, exigem aviso prévio.

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:262 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicenle Paulo & Marcefo Alexandrino

o aCIma reproduzido § l.' do art. 6." arrola também como requisito do servIço adequado a modicidadc das tarifas. Quanto a esse aspecto, vale anotar que o art. 11 da lei autoriza o poder concedente a prever, em favor da concessIOnária, no edital de licitação, "a possibilidade de outras fontes provementes de receItas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclUSIvidade, com vIstas a favorecer a modicidade das tarifas'"

5.6. Prerrogativas do poder concedente

Consoante anteriormente frisamos, as concessões e as permIssões de serviços públicos são espécIes de contratos admllllstratlvos. Portanto, estão SUjeitas às regras gerais aplicáveIS aos contratos admmlstrativos, previstas na LeI 8.666/1993, exceto naquilo em que haja disposIção específica na Lei 8.987/1995.

A nota característica dos contratos admInistratIvos é a existênCia das denommadas "cláusulas exorbitantes", expressão doutrinária que se reporta aos poderes ou prerrogativas da administração pública que seriam madmis­síveis em relações de direIto privado, marcadas por honzontalidade juridica entre os contratantes.

A Lei 8.66611 993 apresenta uma lista de algumas das mais importantes cláusulas exorbitantes em seu art. 58. Outras ainda há, como a eXigênCia de garantia (art. 57) e a restrição à opOSição da exceção do contrato não cumprido (art. 78, XV).

A Lei 8.987/1995 não traz uma lista de cláusulas exorbitantes. No que respeita as concessões e perrmssões de serviços públicos, usualmente se fala em "prerrogativas do poder concedente", ou em "poderes do concedente", para reportar as particularidades. desses contratos. decorrentes do fato de eles serem regidos predominantemente pelo direito público.

Em alguns pontos, a Lei 8.987/1995 limita-se a mencionar determmada prerrogatíva, sem detalhar seu exercício. No mais das vezes, quando assIm o faz, é porque aquela prerrogativa está tratada e seu exercícIO ou seus limites estão detalhados na Lei 8.666/1993. .

Analisaremos a seguir as prinCipaIS prerrogativas do poder concedente, como costumam ser apontadas pela doutrma, com os respectivos dispOSItiVOS da Lm 8.98711995 referentes a cada qual.

a) poder de inspeção e fiscalização;

Encontramos referêncJa a esse verdadeiro poder-dever, prinCipalmente, nos arts. 3.° e 30 da Lei 8.98711995, a seguir transcntos:

Capo XI • SERViÇOS PUBlicas

Art. 3.° As concessões e penmssões sUJcltar-se-ão á fiscaliza­ção pejo poder concedente responsavel pela delegação, com a cooperação dos usuános.

( ... ) Art. 30. No exercíciO da fiscalização. o poder concedente terá acesso aos dados relativos a admmistração~ contabili­dade~ recursos técnicos, econômiCOS e financeIros da con­cesslonàrt8.

Parágrafo (mico. A fiscalização do serviço serà felta por intermédio de ôrgão téCniCO do poder concedente ou por entídade com ele convemada, e~ penodicamente. conforme preVIsto em norma regulamentar. por comlssão composta de representantes do poder concedente. da concesswnána e dos usuános.

b) poder de intervenção;

263

O "poder de intervenção" é modalidade especifica da cláusula exorbitante que, na Lei 8.666/1993, é denominada "ocupação temporária" ou "ocupação provisóna".

Na Lei 8.987/1995, a intervenção está prevista e diSCIplinada nos arts. 32 a 34, cUJa transcrição faz-se oportuna:

Art. 32. O poder concedente poderá Intervir na concessão. com o fim de assegurar a adequação na prestação do servJço~ bem como o fiel cumpnmento das nonuas contratuaIS, regulamentares e legaIS pertmentes.

Paragrafo úmco. A mtervenção far-se-a por decreto do poder concedente1 que conterá a deslgnação do Interventor. o prazo da mtervenção e os objetiVOs e limites da medida.

ArL 33. Declarada a mtervenção. o poder concedente deverá, no prazo de tnnta dias. Instaurar procedimento admInIstratIvo para comprovur as causas detenmnantes da medida c apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa.

§ LO Se ficar comprovado que a mtervenção não observou os pressupostos legats e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser Imediatamente devolvido â concessJOnâna. sem prejuízo de seu direito â mdemzação.

§ 2.<1 O procedimento admlmstratlvo a que se refere o capul deste arhgo deverâ ser concluído no prazo de até cento e oitenta días. sob pena de considerar~se inválida a mtervenção.

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264 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcara AlexandrIno

Art. 34. Cessada a mtervenção. se não for extmta a concessão, a admlntstração do serviço será. devolvida ã concesslOnána. pre­cedida de prestação de contas pelo interventor. que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão.

Ressaltamos os segumtes pontos:

I) a mtervenção ti ocaslOnada peta prestação de serviço inadcquado~

2) a mtervenção é detennmada por decreto. que deve COnter: (í) designação do mterventor; (ii) prazo da Intervcnção~ (iii) ObjetIvoS e limites da inter­venção;

3) não eXiste mtervenção por prazo mdetennmado; a Lei 8.987/1995, entretanto, não estabelece prazo, nem ffilmmo, nem ma.xlffio; .

4) decretada a Intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, Instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determmantes da medida e apurar responsabilidades. assegurado o direIto de ampla defesa;

5) o procedimento admimstratIvo deve ser concJuido no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se Inválida a mtervenção;

6) a mtervenção não resulta obngatonamente na extmção da concessão~ se não for. o caso de extmção, cessada a mtervenção, a admintstração do serviço sera devolvida â concesstOnàna.

Observe-se, por fim, que a intervenção, por SI só, não é uma sanção. Ela é um mero procedimento acautelatório, destmado a assegurar a prestação do serviço adequado, sem quebra de contmuidade, e a apurar a ocorrência dc Irregularidades na prestação do serviço, se houver, bem como das res­ponsabilidades respectivas. Por ISSO. a mtervenção é decretada desde logo, sem contraditório e defesa previos. Depois de decretada a mtervenção, já durante ° procedimento admiOlstrattvo de apuração, ê que, obViamente, são plenamente assegurados o contraditóno e a ampla defesa.

c) poder de alteração unilateral das cláusulas de execução;

A Lei 8.987/1995 apenas mencIOna de fonna mdireta a possibilidade de alteração unilateral dos contratos de concessão e permissão.

Na Lei 8.666/1993 há limites objetivos para a alteração quantitativa (referente ao valor do objeto do contrato) e condições para a alteração qualitativa (referente às características e especificações técnicas do objeto do contrato).

I I

I

Capo XI .. SERViÇOS PÚBLICOS 265

Na Lei 8.9871l995, há, tão somente, esta menção. no § 4.· do art. 9.·'

§ 4.° Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu InJctal equilíbrio econômIco-financeiro. o poder concedente deverá restabelecê-lo, concaffiltantemente á alteração.

Resulta claro que deve ser observada a regra geral segundo a qual a modificação unilateral do contrato nunca diz respeito a suas cláusulas econô­micas, mas somente a suas cláusulas de execução (também chamadas cláusulas regulamentares ou cláusulas de serviço). MaIS do que ISSO, em qualquer caso, a alteração unilateral de um contrato admimstrativo, que tenha repercussão no equilíbno econômICO origmalmente estabelecido (chamada equação financeira do contrato), obriga ao concomitante restabelecimento, pelo poder público, do equilíbno econômIco-financeiro desse contrato.

Quanto á aplicabilidade, ou não, ás concessões e permissões de ser­viços públicos, dos limites â alteração unilateral estabelecidos na LeI 8.66611993, parece-nos que, sempre que isso for possível. eles deverão ser observados,

d) poder de aplicar sanções ao concessionário inadimplente;

Só há referência a essa prerrogativa no art. 29, lI. da Lei 8.987/1995:

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

( ... )

II - aplicar as penalidades regulamentares e contratuaIS;

Como a Lm 8.98711995 não traz nenhuma regra específica acerca da aplicação de sanções admimstratlvas â concessIOnária ou pennlssionáría, são aplicáveiS as sanções gerais, previstas nos arts. 86 e 87 da Lei 8.666/1993: multa de mora; multa contratual por mexecução total ou parcIal; suspensão temporána de participação em liCitação e Impedimento de contratar com a administração, por prazo não superIor a dOIS anos; declaração de inidoneidade para Iicllar ou contratar com a administração pública. admitida reabilitação depOIS de, no mímmo, dOIS anos, se atendidas as exigênCias legais.

e) poder de extinguir unilateralmente a concessão antes do término do prazo inicialmente estipulado;

O assunto "extmção da concessão" (arts. 35 a 39 da Lei 8.98711995) merece atenção especial no estudo dos servlços públicos. São as seguintes as hipóteses de extmção da concessão enumeradas na lei: (a) advento do tenno

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266 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

contratual; (b) encampação; (C) caducidade; (d) rescisão; (e) anulação; e (f) falência ou extmção da empresa concessiOnária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa mdividual.

Evidentemente, SÓ configuram prerrogativas do poder concedente as hipóteses de extmção unilateral, a saber, a encampação, a decretação de caducidade e a anulação.

As demaIs não traduzem poderes. Com efeIto, o advento do lermo não e hipótese de extmção antes do fim do prazo (é justamente extmção em de" corrência do térmmo do prazo l. A reSCIsão e a umca modalidade de extinção por miciatlva da concessionána (ou permissionâna), sendo uma hipótese de extinção judicial. A extmção decorrente de falência da empresa ou falecimen­to do empresarIo individuai, a nosso ver, não configura propnamente uma prerrogativa, mas Sim uma hipótese de extmção de pleno direito, automática, sem envolver um ato decIsório por parte do poder concedente.

Estudaremos todas as fonnas de extmção da concessão (também aplicaveis ás permissões de serviços públicos) no tópico segumte.

5.7. Extinção da concessão (ou permissãol

Concessões e permissões de serviços públicos são formas de descentrali­zação por delegação (ou por colaboração). Essa modalidade de descentraliza­ção - diferentemente do que ocorre com a descentralização por outorga legal (ou por serviços) - caracteriza-se pela temporalidade. Ademais, os contratos admmistrattvos de concessão e de permissão de serviços públicos devem ser firmados por prazo detemlmado.

Em suma, uma concessão ou permissão de serviços públicos sempre está fadada à extmção, seja pelo término do prazo, seja antes, quando configurada alguma das sItuações legais que o enseje.

Extmta a concessão (ou pem1lSsão), passam â propnedade do poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e pnviléglOs transferidos fi concesslOmina, conforme preVisto no edital e estabelecido no contrato. A expressão "bens reversivels" é empregada pela lei para designar exatamente os bens, expressamente descnlos no contrato, que passam automaticamen­te à propnedade do poder concedente com a extinção da concessão (ou permissão) - qualquer que seja a modalidade de extmção.

Extmta a concessão (ou permissão), haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avalia­ções e liquidações necessános. A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reverslveIs.

Capo XI- SERViÇOS PúBLICOS 267

Exammamos, a segUir, as hipóteses de extmção listadas no art. 35 da Lei 8.987/1995. Embora a lei se refira sempre ás concessões, as regras são igualmente aplicáveiS às pemllssões, por força do parágrafo umco do seu ar!. 40.

ai advento do termo contratual (ar!. 35, I);

Essa é a forma ordinária de extinção da concessão, também chamada, simplesmente~ "reversão da concessão". Ocorre, como o nome indica. quando chega ao fim o prazo estabelecido no respectIvo contrato.

Os bens reversíveis, especificados no contrato (art. 23, X), passam li propnedade do poder concedente (como ocorre em todas as hIpóteses de extmção, e não Só nessa).

A concessionária tem direito a indenização: os investimentos que houver realizado nos bens reversiveis e. amda não tenham sido inteiramente depre­ciados ou amortizados serão a ela mdemzados pelas parcelas restantes (isto é, sÓ será indenizada a parte não depreCIada ou não amortIzada). Essa dispo­Sição tem o objetIvo de garantir que a concessiomiria permaneça realizando investimentos até o fim do contrato, com vistas a assegurar a continuidade e a atualidade do serviço concedido (art. 36).

Essa regra de indenização - serem indemzadas as parcelas não deprecia­das ou não amortizadas dos mvestImentos efetuados nos bens reversíveiS - é comum a todas as hípóteses de extinção. As diferenças mais importantes, como veremos, são que, na encampação, a mdemzação tem que ser prévl3 e. na caducidade, a admimstração desconta do valor a mdenizar os prejuÍzos causados pela concessionána e as multas por ela devidas.

Nos casos de térmmo da concessão por advento do lermo contratual e por encampação, a Lei 8.987/1995 determina que o poder concedente, antecipando-se á extinção do contrato, proceda aos levantamentos e avaliações necessarios à determinação dos montantes da indenização que sera devida à concessionária (art. 35, § 4.°). Porém, na hIpótese de advento do termo, não há exigênCia legal de que o pagamento da indenização seja prévio à extmção do contrato. Tal exigência sÓ eXiste no caso da encampação.

b) encampação (art. 37);

E a retomada do serviço pelo poder concedente, antes do térmmo do prazo da concessão, baseada em razões de interesse público, sem que haja qualquer vício na concessão ou qualquer ÍlTegularidade na prestação do ser­ViÇO pela concessionária.

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268 RESUMO oe DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A lei eslabelece como condições para que possa haver a encampação: (a) interesse público; (b) lei autorlzativa especifica; (c) pag<!mento prévio da mdemzação.

Conforme antes explicado, a regra relativa ao valor a ser mdemzado e sempre a mesma: serão mdenlzadas as parce1as não deprecIadas ou não amortizadas dos mvestlmentos efetuados nos bens reversíveis com o obJellvo de garantir a continuidade e a atualidade do serviço concedido. Note-se que a lei hãO prevê, em ponto algum, nem mesmo na hipótese de encampação, a possibilidade de indenização por lucros cessantes (indenização baseada no valor estimado do lucro que a concessionária teria com a execução do contrato até o termo final).

c) caducidade (art. 38 e art. 27);

Caducidade é o vocábulo utílizado pela Lei 8.987/1995 para deSignar a extlOção da concessão em razão de inexecnção total 011 parcial do contrato por parte da concesslOnána.

Há necessidade de comul1lcação á concessIOnária, antes da instauração do processo administrativo, dos descumpnmentos contratuais que lhe são Imputados, com a fixação de prazo para que ela corrija as falhas e trans­gressões aponladas.

Se não ocorrer a correção, o processo adm1l11strativo será ínstaurado e, caso comprovada a madimplêncla, a caducidade será imposta por decreto do poder concedente.

Em todas as hipóteses descritas no § L" do art. 38, a decretação da cadu­cidade e ato discricionário. Transcrevemos esse dispositiVO (grifos nossos):

§ I." A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas~ crttérios, mdicadores c parâmelros definidores da qualidade do serviço;

Il - a concesslOnãna descumprir cláusulas contratuais ou dis~ posições legais ou regulamentares concernentes ã concessão;

III - a concesstOnâna paralisar o serviço ou concorrer para tanlo, ressalvadas as hIpóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;

IV - a concessIOnária perder as condições econômIcas. técmcas ou operaCionaIS para manter a adequada -prestação do servtço concedido;

" '.:

Capo XI • SERViÇOS púBLICOS

v - a concesslOnana não cumprir as penalidades impostas por infrações. nos devidos prazos;

VI - a concessiOnana não atender a IIltlmação do poder concc~ dente no sentido de regulanzar a prestação do serviço: e

vn - a conccsslOnana for condenada em sCQtença transitada em julgado por sonegação de tributos. mciuslve contribu1ções SOClaJS.

269

Seja qual for a causa da decretação de caducidade, a concesslOnána tem direito a mdemzação. O cálculo do valor segue a regra mvariável: COrres­ponde ele às parcelas não amortizadas ou não depreciadas dos investtmentos realizados nos bens reversíveiS com o obJetiVO de garantir a continuidade e a atualidade do serviço concedido. A mdenização não é prévia e devem ser descontados do montante de mdenização calculado as multas contratuaIS e o valor dos danos causados pela concessionána.

Extinta a concessão pela caducidade, não resultará para o poder con­cedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus. obrIgações ou compromissos com lercelros ou com empregados da concesslOnána.

d) rescisão (art. 39);

A rescisão da concessão decorre do descumprimento de normas contra­tuais pelo poder concedente e é sempre judicial.

A LeI 8.987/1995 somente utiliza a palavra rescisão para designar es­pecificamente a extmção por imclattva da concessIOnária, fundada em des­cumprimento contratual por parte do poder concedente.

Os serviços prestados pela concesslOnana não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado que reconheça o madimplemento do poder concedente e autonze a concesslonána a considerar extmto o contrato pela rescisão (art. 39, panigrafo Único).

e) anulação (art. 35, V);

A anulação e a extmção do contrato em decorrênCia de VíCIO, ISto ci, por motIVo de ilegalidade ou ilegitimidade. Pode ser declarada unilaleralmente pelo poder concedente ou, se houver provocação, pelo Poder Judiciário. Acarreta a responsabilização de quem tiver dado causa â ilegalidade.

Não há nenhuma regra específica na Lei 8.98711995 acerca da anulação dos contratos de concessão e de permissão de servIços pó blicos. Por isso. aplica-se, mtegralmente, o ar\. 59 da LeI 8.66611993, a saber:

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270 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

ArL 59. A declaração de nulidade do contrato admInistrativo opera retroatIvamente Impedindo os efeitos Jurídicos que elet

ordinanamente, deveria produzIr, além de desconstttuir os já produzidos.

Parágrafo ÚniCO. A nulidade não exonera a Administração do dever de mdemzar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos reguiarmente comprovados, contanto que não lhe seja Imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

f) falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual (art. 35, VI).

A Lei 8.987/1995 nada preceitua relatIvamente a essa hipótese de ex­tmção, cUJo fundamento patente é a natureza pessoal (in/ui/li persollae) dos contratos de concessão e de permIssão de serviços públicos.

A Lei 11.10112005 - "Lei de FalênCiaS" -, no seu art. 195, assevera que "a decretação da falênCIa das concesslOnánas de serviços públicos implica extmção da concessão, na forma da lei" Consideramos esse artIgo inócuo, porque a lei que trata da maténa - à qual ele estana fazendo referênCia em sua parte final ("na forma da lei") - é a própria LeI 8.987fl995.

O certo e que a LeI 8,987fl995 não estabeleceu forma alguma a ser observada para que se dê a extinção da concessão (ou penmssão) no caso de falênCIa do delegatáno do servIço público. Não obstante, segundo pensamos, essa hipótese de extmção ocorre de pleno direito, isto é, automaticamente, mdependentemente de qualquer ato decisóno por parte da administração pú­blica, ou de qualquer procedimento especIal que preCIse ser expressamente estabelecido em lei - geral ou específica.

6. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

As parcerias público-pnvadas (PPP) são modalidades específicas de contratos de concessão, Instituídas e reguladas pela Lei 11.079/2004, que é uma lei de normas gerais, aplicável a todos os entes federados.

As PPP têm como objetivo atraIr o setor privado, nacional e estrangeiro, para InVestimentos em projetos de infraestrutura de grande vulto, necessários ao desenvolvimento do Pais, cUJos recursos envolvidos excedem a capacidade financeIra do setor público.

A prmcipal estratégia para atrair esses mvestimentos é, sImplificada mente, assegurar ao "parcClro pnvado" (denommação que a leI utiliza para referir-se

Capo XI * SERViÇOS PUBLlCOS 271

ao partICular contratado) um retol11o mínimo sobre o capItal investido. Esse "retomo mimmo" ri assegurado por uma Hcontraprestação" paga ao investidor pnvado pela administração ("parceiro público").

Encampando as lições da doutnna admmlstratlvlsta dominante, a Lei 11.079/2004, no seu art. 4.", !Il, explicita não serem passiveis de delegação, no âmbllo das PPP, as funções de regulação, a atIvidade JUrisdiCional, o exercíciO do poder de políCIa e outras atividades exclusivas do Estado.

Especificamente para a União, está preVIsta, no art. 14 da LeI I I .079/2004. a cnação, por decreto, de um órgão gestor de parcerias público-prívadas federais, com competênCia para defimr os servIços prioritános para execução no regime de parceria público-privada. diSCIplinar os procedimentos para celebração desses contratos, autonzar a abertura da liCItação, aprovar seu edital e apreciar os relatónos de execução dos contratos.

Esse órgão gestor deve remeter ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União, com periodicidade anual, relatónos de desempenho dos contratos de PPP (art. 14, § 5.").

Ainda no âmbito federal, a Lei 11.079/2004 atribui competênCia aos mlOlsténos e às agências reguladoras, nas suas respectivas areas de atuação, para submeter o edital de liCItação ao órgão gestor, proceder à licitação, acompanhar e fiscalizar os contratos de PPP.

Voltando as regras aplicáveiS a todos os entes federados, cabe regis­trar que as concessões comuns contmuam regidas pela Lei 8.987fl995, e pelas leis que lhe são con'elatas, não se lhes aplicando o disposto na Lei 11.079/2004. Da mesma forma, continuam regidos exclUSIvamente pela LeI 8.666fl993, e pelas leIS que lhe são correlatas, os contratos admInistrativos que não caractenzem concessão comum ou PPP.

A Lei 11.079/2004 define duas espéCies de PPP, a saber (art. 2.0):

a) concessão patrocinada: e a concessão de serviços públicos ou de obras públicas descnta na LeI 8,98711995. quando envolver, adiCIOnalmente â tarifa cobrada dos usuânos. contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado~

b} concessão administrativa: e o contrato de prestação de serVIços de que a adrntUIstração pública seja a usuàna direta ou mdireta, mnda que envolva execução de obra ou forneCImento e tOsta/ação de bens.

Não constitui PPP a concessão comum. aSSIUl entendida a concessão de servIços públicos ou de obras públicas de que trata a LeI 8.987/1995, quan­do não envolver contraprestação pecuniáfla do parceiro público ao parceiro pnvado (art. 2.0

, § 3."). Portanto, em ambas as modalidades de PPP deve

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272 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & MarçeloAlexandrino

haver uma contraprestação pecuniána do parceiro público ao parceiro pnva­do (na "concessão admmistrativa" essa contraprestação pecuniána, decerto, será Simplesmente o pagamento feito ao parceiro privado pela admimstração, relallvo aos serviços a ela prestados).

As "concessões patrocinadas" em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro pnvado for paga pela administração pública de­penderão de autorização legislativa específica (art. J O, § 3.°), o que tem por objetivo a redução do nsco de desequilíbno fiscal decorrente das despesas públicas relacionadas á celebração das ppp,

É vedada a celebração de PPP (art. 2.°, § 4.°):

a} CUJO valor do contrato seja mfenor a vinte milhões de reats;

b) ClUO período de prestação do servIço seja mferlor a cmco anos (o período max1mo e de trinta e CInCQ al1os); ou

tJ que tenha como objeto úmco o fornCClmento de mão de obra, o fornecimento e lOstafação de eqUIpamentos ou a execução de obra pública.

As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão, no que couber, ao disposto no art. 23 da Lei 8.987/1995 - o qual enumera as cláusulas essenciais dos contratos de concessão comum - e devem também prever (art. 5.°):

a} o prazo de Vigência do contrato. compatível com a amortização dos IDVCS­ttmentos realizados. não inferior a cinco, nem superior a trinta c cÍnco anos, inclumdo eventual prorrogação~

b) as penalidades aplicáveiS a administração pública e ao parceiro privado em caso de Inadimplemento contmtual, fixadas sempre de fonna proporcIOnai á gravidade da fafta cometid(l~ e às obrIgações assumidas;

c) a repartição de riscos entre as partes, mcluslve os referentes a caso fortuito, força maIOr, fato do princlpe e álea econômlca extraordinàna;

d) as formas de remuneração e de atualização dos valores contratUaIs:

e) os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos servlços~

f) os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro po~ blico, os modos e o prazo de reguJaflzação e, quando houver, a fonua de aCionamento da garantia;

g) os cntérios objetJvos de avaliação do desempenho do parceiro pnvado;

h) a prestação. pelo parceuo pnvado, de garantias de execução sufiCientes e compatíveis com os ônus e fiSCOS envolvidos, limitadas a até dez por cento do valor do contrato. observando-se que. no caso de contratos que envolvam a entrega de bens pela admInlstração, dos qums o parceiro pnvado será deposttano~ ao valor da garantia devem ser acrescido o valor desses

Cap. XI- SERViÇOS PÚBLICOS 273

bens; amda, no caso de concessão patrocmada que envolva a execução de obra pública. as garantias eXIgidas para essa parte específica do contrato são limitad~lS ao valor da obra;

i) o comp~lrtilhamento com a adnllmstração pública de ganhos econôrnícos elellvos do parceiro pl1vado decorrentes da redução do risco de crédito dos finanCiamentos utilizados pelo parceIro pnvado;

j) a realização de vlstona dos bens reversíveiS, podendo o parceiro público reter o~ pagamentos ao parce1ro pnvado, no valor necessâno para reparar as Irregularidades eventualmente detectadas.

As cláusulas contTatuals de atualização automática de valores baseadas em indices e fórmulas matemáttcas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela administração pública, exceto se esta publicar, na Imprensa oficmi, onde houver, até o prazo de quinze dias apos apresentação da fatura, razões para a rejeição da atualização, fundamentadas na Lei 11.079/2004 ou no contrato (art. 5.°, § 1.0).

A coutraprestação da administração púbiica nos contratos de parcena público-pnvada poderá ser feIta por (art. 6.°):

a) ordem bancana;

b) cessão de creditos não tributános~

c} outorga de direitos em face da admmlstração pública;

d) outorga de direitos sobre bens públicos domimcaJs~

e) outros meios adIUltidos em let.

o contrato poderá prever o pagamento ao parceIro pnvado de remune­ração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas' e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato.

EXIge o capllt do art. 7. 0 que a contraprestação paga pela admmlstração pública sep obrigatoriamente precedida da disponibilização do serviço objeto do contrato de parceria público-pnvada.

Entretanto, o parágrafo único do art. 7.° faculta â administração, nos termos do contrato, efetuar o pagamento da contraprestação relativa a par­cela fruível de serviço objeto do coutrato de parcena público-pnvada, Por outras palavras, se o SC·rvIÇO objeto do contrato for divisível, e alguma (ou algumas) de suas parcelas puder ser desfrutada separadamente, poderá a administração pública, havendo previsão no contrato, pagar contraprestação peta disponibilização dessa parcela,

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274 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO w Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

As obngações pecuniárias contraídas pela administração pública em contrato de parcena público-pnvada poderão ser garantidas mediante (art. 8.°; grifos nossos):

a) vinculação de receitas, observado o disposto no mClso IV do art. 167 da Constttulção Federal (o dispositivo conshtuclOna( menclOnado veda a vInculação de reccltas de impostos a fundo. órgão ou despesa, ressalvadas umcamente as hipóteses prevIstas na própria Constitulç~o);

b) IOstttUlção ou utilização de fundos espeCiais prevlstos em lei;

c) contratação de seguro-garantta com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo poder púb1ico~

d) garanlta prestada por organismos mtemaclOnaís ou institUições financemis que não sejam controladas pelo poder públ~co;

e) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal cnada para essa finalidade;

f) outros mecanismos admltidos em fel.

Não e obrigatóna a previsão de que sejam concedidas garantias da con­traprestação do parceiro público ao parceiro privado.

Antes da celebração do contrato. deverá ser constituída sociedade de propósito específico. Incumbida de implantar e gerir O objeto da parceria (art. 9.°).

6.1. licitação prévia à contratação de parcerias público-privadas

A contratação de parcerias público-pnvadas seroi sempre precedida de li­citação na modalidade concorrência.

A abertura do procedimento licita tório é condicionada à autonzação da autoridade competente. fundamentada em estudo técmco que demonstre a con­veniência e a oportunidade da contratação. mediante identificação das razões que Justifiquem a opção pela fonna de parcena público-privada.

Deverá o referido estudo técillco. também. demonstrar expliCitamente que serão atendidas as pertmentes exigências constantes da Lei Complementar !O 112000 - "Lei de Responsabilidade Fiscal".

A Lei 11.079/2004 impõe. amda. como condição para a abertura da liCita­ção. que O objeto da parceria público-prIvada esteja previsto no plano pluria­nual em vigor no âmbito onde o contrato será celebrado. l'rescreve. ademaiS. a necessidade de obtenção de licença ambiental prévIa. ou a expedição das diretrizes pam o licenciamento ambiental do empreendimento. na fonna do regulamento. sempre que o objeto do contrato a ser celebrado o exija.

Capo Xl· SERViÇOS PUBLlCOS 275

A minuta do edital e do contrato deve ser submetida à consulta pública, mediante publicação na imprensa ofiCial. em jornais de grande CIrculação e por meio eletrônico. que deverá infonnar a Justificativa para a contratação. a identi­ficação do objeto. o prazo de duração do contrato. seu valor estimado. fixando-se prazo minlmo de trinta dias para recebimento de sugestões. cUJO tenno dar-se-á pelo menos sete dias antes da data prevista para a publicação do edital.

O edital de licitação contera minuta do futuro contrato. podendo prever o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas. incluSIve a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa. nos ternlOS da Lei 9.30711996 - "LeI de Arbitragem" -. para dinm!r conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato (art. !l. 1II).

É facultado que o edital estabeleça a exigênCIa de garantia de proposta, a ser prestada pelos licitantes. até O limite de um por cento do valor estimado do objeto da contratação. Ademais. deverão estar nele especificadas. quando houver. as garantias da contraprestação do parceiro público a serem conce­didas ao parceiro privado.

O edital pode penn!tlr o saneamento de falhas. a complementação de in­suficiênCIas ou ainda a realização de correções de caráter fonnal no curso do procedimento. desde que o licitante possa satisfazer as eXIgênCiaS dentro do prazo fixado no instrumento convocatório.

O julgamento da licitação poderá adotar corno critérios (art. 12. lI):

a) menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;

b) melhor proposta em razão da combmação do cntêno de menor valor da tarifa do servIço público a ser prestado com o de melhor têcnlca~

c) menor valor da contraprestação a ser paga pela administração pública;

d) melhor proposta em razão da combinação do criténo de menor valor da contraprestação a ser paga pela admlOlstração pública com o de melhor téCnica, de acordo com os pesos estabelecidos no editai.

Seja qual for o cntério adotado. o Julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas. desclassificando-se os licitan­tes que não alcançarem a pontuação mínima. os quaIs não participarão das etapas seguintes.

Embora, corno aCima VIstO. a licitação seja sempre na modalidade concor­rência. a Lei 11.079/2004 traz algumas inovações ao procedimento Iicitatóno. possibilitando que o edital inclua regras similares as aplicáveis ao pregão.

Assim. no que toca âs propostas econômicas. é facultado que o edital. alternativamente â tradicional sistemática. em que são oferecidas apenas pro-

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276 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

postas escntas em envelopes lacrados, preveja a apresentação de propostas escntas seguidas de lances em viva voz.

Os lances em viva voz serão sempre feitos na ordem inversa da classifi­cação das propostas escntas, ou seja, o licitante cUJa proposta escnta obteve a pior classificação será o primeiro a apresentar lances verbms.

O edital não pode limitar a quantidade de lanccs em viva voz. Pode, entretanto, restringir o número de lic!tantes aptos a oferecê-los, considerando capacitados a tanto somente os liCitantes cUJa proposta escI;ta tenha sido no màxlmovinte por cento matOr que o valor da melhor proposta (art. 12, § LU).

É autorizado, tambem, no art. 13, que o edital estabeleça a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, da mesma forma que ocorre na modalidade pregão (repita-se, todavia, que, não obstante essas pe­culiaridades, a licIlação prévia ás PPP é sempre uma concorrêncía). Merece transcrição o art. J3 da Lei 11.079/2004:

Art. 13. O edital poderá prever a Inversão da ordem das fases de habilitação e Julgamento, hipótese em que:

1 - encerrada a fase de classificação das propostas ou o ofereCI­mento de tances será aberto o Invólucro com os documentos de habilitação do licttante maIs bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;

II - verificado o atendimento das eXIgênCias do edital, o licItante será declarado vencedor~

111 - mabilitado o licitante melhor classificado, serão analisa­dos os documentos habilítalónos do licitante com a proposta c1assificada em 2.° (segundo) lugar. e aSSIm, suceSSivamente, até que um liCitante classificado atenda ás condições fixadas no edital; IV - proclamado o resultado final do certame, o objeto sera adjudicado ao vencedor nas condições téCnIcas e econômH~as por ele ofertadas.

Ao lado das regras específicas estabelecidas na Lei 11.079/2004, cumpre anotar que o capul do art. 12 da mesma lei prevê a aplicação subsidiána das dispOSições constantes da Lei 8.666/1993 ao procedimento !icltatóno prévio á celebração das parcerias público-privadas.

Os autores ou responsavels econOlnIcamente pelo projeto báSICO ou pelo projeto executtvo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação prévia ií. respectiva PPP, ou da execução de obras ou serviços a ela relacIO­nados, diferentemente do que ocorre nas licitações reguladas somente pela

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Capo XI • SERVIÇOS PUBLICaS 277

Lei 8.66611993, em que essa participação é vedada (Lei 11.079/2004, art. 3.°; Lei 9,074/1995, art. 31).

7. AUTORIZAÇÃO DE SERViÇO PÚBLICO

É controversa na doutrIna a possibilidade de o ato administrativo de auto­nzação ser utilizado como Instrumento de delegação, para a prestação mdireta de serviços públicos. '

O art 175 da ConstitUIção de 1988 - que contém as dispOSições mais genéncas acerca dos serviços públicos - somente se refere ir prestação mdireta mediante concessão e permissão, ambas contratos admInistrattvos, sempre eXigida prévia liCitação. Não há qualquer menção á autorIzação como mo­dalidade de prestação mdireta de serviços públicos no art. 175 da Carta da República. Tampouco foi a autorização de serviço público disciplinada na Lei 8.987/l995.

Há que se observar, todavia, que o texto constitucIOnal, nos mcisos XI e XlI do seu ar!. 21, refere-se a possibilidade de exploração mdireta, mediante autonzação a particulares, de determinadas atiVidades de titularidaáe exclu­siva da União. Também o art. 223 da Carta Política alude â autorização como forma de delegação dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e Imagens (emissoras de nidio e de teleVisão), atividades cUJa titularidade exclusiva é do poder público.

Segundo a orientação que perfilhamos, o ato admInistrativo de autorização previsto no texto constitucional, nas hipóteses referidas no parágrafo precedente, não tem a mesma natureza da autorização outorgada no exerciclo de poder de polícia admimstratlva como condição para a práttca de atividades privadas. E Importante enfattzar esse ponto.

Com efeito, o ato de polícia administrativa denominado autorIzação tem por objeto o exercicio de attvidade regida pelo direito privado, franqueada à livre inicíativa, podendo ser uma atividade de interesse predommante do particular ou uma atividade de interesse social, mas não uma atividade de titularidade exclusiva do poder público.

ASSim sendo, o ato de polícia denommado autorização não é mstrumento de delegação, porque não diz respeito a uma atividade de titularidade exclUSI­va do poder público. Configura, aquela autorIzação, um ato admmlstrattvo de controle prévio que condiclOna o exerClCIO, pelo partICular, de uma atividade privada, regida pelo direito privado e aberta â livre iniciativa (desde que o parttcular mteressado em exercer a atividade obtenha O ato de autorIzação, evidentemente l.

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278 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Diferentemente, a autorização enquadrada como forma de prestação indireta de serviço público, isto é, como modalidade de delegação. obriga­tonamente deve ter por objeto uma atividade de titularidade exclusiva do poder público, consoante ilustram as hipóteses, precedentemente mencio­nadas, previstas nos incisos XI e XII do art. 21 da Constituição Federal.

Os admmistrativlstas que admitem a possibilidade de delegação de servi­ços públicos mediante autorização - corrente à qual nos filiamos - prelecio­nam, de um modo geral. que a utilização desse mstrumento é adequada:

a) aos casos em que o servlço sep prestado a um grupo restnto de usuanos (em vez de ser disponibilizado amplamente a toda a população), sendo o seu beneficiárío exc1usívo ou prinCIpal o prôprio partIcular autOrizado;

b) a situações de emergência e a situações transitórias ou espec18is.

Não há licitação para a outorga de autorização de servIço público. Os serviços públicos autorizados estão sujeitos a modificação ou revogação dis­cricionána do ato de delegação - denominado termo de autorização - pela administração pública delegante. dada a sua precanedade caracteristIca. Ordi­nanamente~ a autorIzação .i outorgada sem prazo determinado. Também e regra geral a inexistênCIa de direito a indenização para o partlcular que tenha a sua autorização revogada. Todavia, espeCialmente nos casos em que a aulonzação tenha sido outorgada por prazo certo, pode ocorrer de a sua revogação, antes do tenno final estIpulado, ensejar direito a indemzação do particular pelos prejuizos que comprovadamente tenha sofrido em decorrência da revogação (danos emergentes).

Julgamos oportuno alertar que não raro as autonzações de servIço público são empregadas, na prática, em situações que desbordam daquelas advogadas pela doutrina como adequadas a tal modalidade de prestação indireta. Continna essa assertiva o caso do serviço de táxi, que em muitos municípios e objeto de autonzação, apesar de se tratar de um servIço disponibilizado á população em geral e não revestir, de fanna alguma. caráter excepcional, emergencial ou transItório.

Por fim, smtetIzando o que fOI expendido neste tópico, pensamos ser possivel definir autorização de serviço público como o ato admmlstratl­vo discricionárIo mediante o qual é delegada a um particular, em caráter precário, a prestação de serviço público que não exija elevado grau de especialização técnIca, nem vultoso aporte de capitaL É modalidade de delegação adequada. regra geral, a situações de emergência e a situações transitórias ou espeCIaIS, bem como aos casos em que o serviço seja pres­tado a usuários restritos. sendo o seu beneficiário exclusivo ou principal o próprio particular autorizado.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1. CONCEITO

Em nosso ordenamento jurídico, um ato praticado por uma pessoa pode acarretar consequêncIas. essencialmente. em três esferas distmtas. Na esfera penal. se O ato for tipificado em lei como CrIme ou contravenção. Na es­fera administratIva, se O ato caractenzar infração a nonnas administrativas (funcionais, contratuais ou de polícia). Na' esfera cível. se o ato acarretar dano patrimonial ou dano moral. Pode ainda uma conduta Implicar sanções políticas, como ocorre no caso da prátIca de atos de improbidade admims­tratIva, para a qual está commada, entre outras sanções. a suspensão dos direitos polítIcos.

Regra geral. as esferas são mdependentes entre si e as sanções previstas em cada uma podem ser aplicadas cumulativamente (por exemplo, um ato de corrupção passiva pode acarretar a prisão do culpado, sua demissão e o dever de Indenizar o Estado). Há hipóteses. entretanto, em que a esfera penal, e só ela, pode produzir consequências nas outras esferas. Esse últImo ponto será analisado adiante.

A responsabilidade civil (também chamada responsabilidade extracontra­tual), portanto. decorre de atos que causem dano patrimonial, dano moral, ou ambos. A responsabilidade civil sempre se esgota com a indenIzação do dano.

Na esfera privada, a regra geral e a responsabílídade Civil exigIr, para sua caractenzação. não só o dano e a relação entre um ato e o dano, ISto e, que o dano tenha sido causado por esse ato (o denominado nexo causal

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280 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

entre o ato e o dano), mas também a culpa de quem praticou o ato (culpa em sentido amplo, que abrange o dolo - intenção - e a culpa em sentido estrito - negligênCIa, imprudêncIa ou ImperícIa).

Geralmente, os elementos necessàrios à eonfiguração da responsabilidade elvil por culpa comum são representados pela segumte fórmula:

dano + nexo causal + c~lpa comum (da pessoa que praticoU o alO)

Diz.-se que essa modalidade de responsabilidade cIvil, que eXIge culpa para sua caracterização, é subjetiva. Na responsabilidade cIvil do tipo subJetIva, leva-se em conta a conduta do causador do dano (do sujeito), eXIgmdo que ele tenha atuado com culpa para que possa ser responsabilizado.

2. EVOLUÇÃO

As etapas pelas quaIs passou a construção doutnnána e junsprudencial, no mundo ocidental, acerca da responsabilidade civil do Estado são as abaIxo resumidamente descritas:

1) irresponsabilidade; A teona da não responsabilização do Estado ante os atos de seus agen­

tes que fossem lesIvos aos partIculares e própna dos regimes absolutIstas. Baseava-se na ideia de que não era possivel ao Estado, literalmente perso­nificado na figura do reI, lesar seus súditos, uma vez que O reI não cometta erros. Atualmente, tem apenas mteresse histónco.

2) responsabilidade por culpa comum; Essa doutrina, rnfluenclada pelo individualismo caracteristico do libera­

lismo, pretendeu eqUIparar o Estado ao rndividuo, sendo aquele, portanto, obrigado a indemzar os danos causados aos partIculares nas mesmas hIpóteses em que eXIste tal obrigação para os mdividuos.

AssIm, como o Estado atua por meio de seus agentes; somente eXIStIa obngação de mdenizar quando estes, os agentes, tlvessem agido com culpa ou dolo, cabendo, evidentemente, ao partIcular prejudicado o ônus de de­monstrar a eXIstênCIa desses elementos subjetivos.

É uma responsabilidade do tIpO subJetlVa, porqúe leva em conta a conduta do causador do dano (a pessoa agente público), exigmdo, para ser caracteri­zada, prova da culpa desse sujeito, mdividualizadamente. Não é adotada no Brasil, para efeito de responsabilização do Estado. .,"."

Capo XII • RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 281

3) responsabilidade por culpa administrativa;

A responsabilidade cIvil por culpa administratIva ou culpa anÔnIma resulta de uma evolução da antenor, e surge com o apareCImento do Estado SOCIal de Direito, incumbido da prestação de múmeros servIços públicos, erigidos em verdadeiros direItos fundamentaIS da população em geral.

É, amda, uma responsabilidade subjetiva, mas a diferença e que ela não exige que seja provada culpa de Ulll agente público individualizado. Fala-se em culpa admimstrativa, ou cülpa anômma, para expliCItar que não há mdividualização de um agente que tenha atuado culposamente. Leva-se em conta o servIço público que deve ser prestado pelo Estado, bastando para caracterizar a responsabilidade uma culpa geral pela ausêncIa de prestação do serviço, ou pela sua prestação deficiente.

Resumidamente, temos responsabilidade cIvil por culpa admmlstrallva quando estão presentes os segumtes elementos:

dano + nexo causal + falha do serviço público (nas modalid:ldes íncxistêncía do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do servíço)

E importante saber que o ônus da prova da não prestação ou da prestação defiCIente do servIço público é do particular que sofreu o dano.

A responsabilidade cIvil por culpa admInistratIva tem grande Importância amda hOje. No Brasil, ê a modalidade de responsabilidade civil a que, em regra, está SUjeito o Estado nos casos de danos decorrentes de omissão, ou seja, de dano ocasJOnado pela não prestação ou prestação deficiente de um servIço público.

4) teoria do risco administrativo;

Pela teona do nsco adnllmstratlvo surge para o Estado a obngação econômIca de reparar o dano sofrido pelo partIcular mdependentemente da eXistência de falta do servIço ou de culpa do agente público. Basta que exis­ta o dano decorrente de uma atuação de um agente público, agmdo nessa qualidade, seJa de forma líCIta, seja Irregularmente.

Portanto, para restar caracterIzada a responsabilidade CIvil, pela teoria do riSCO adminrstratlvo, basta estarem presentes os segUIntes elementos:

dano + nexo causal

Em razão dos elementos suficientes â caractenzação dessa modalidade de responsabilidade CIvil, diz-se que ela é uma responsabilíclade do tipo ob­jetiva. Isso SIgnifica que não Importa verificar, ou não, culpa de um agente público, ou mesmo culpa anônima ou adminrstrativa.

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282 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

EXiste, entretanto, a possibilidade de o Estado eXimir-se da responsa_ bilidade. Para tanto, porem, o ônus da prova de alguma das excludentes admitidas - culpa exclusIVa do particular que sofreu o dano. força maIOr ou caso fortUito - é do própno Estado.

A doutrina e a jurisprudência reconhecem efeitos sobre a responsabilida_ de. também, no caso de o Estado provar culpa recíproca. isto é, que o dano decorreu, parcialmente, de culpa do particular. Nesses casos, diz-se que hã atenuação proporcIOnal da obrigação de mdenizar do Estado.

A teona do risco admimstrativo tem como caracterisllca propor uma modalidade de responsabilidade civil objetiva, mas que admite excludentes.

A teona do nsco admmistratlvo é a teoria adotada, no Brasil, para a caracterização da responsabilidade civil da admimstração em decorrência de atuação de agentes públicos, nessa qualidade. Seu fundamento é o art. 37, § 6.°, da ConstitUição, que estudaremos à frente.

5) teoria do risco integral.

A teoria do risco integral propõe também uma modalidade de respon­sabilidade objetiva, com a diferença, em comparação com a teoria do nsco admmístrativo~ de que não é admitida nenhuma excludente.

3, RESPONSABILIDADE OBJETIVA DECORRENTE DE ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA: O ART. 37. § 6.·, DA CONSTITUiÇÃO FEDERAL

o art. 37, § 6.°, da Constituição estabelece, no Brasil, a regra geral de que os danos causados a terceiros pela atuação de agentes públicos, nessa qualidade, acarretam para o Estado responsabilidade civil na modalidade "risco administrativo". É a seguinte a redação do dispositivo:

§ 6.° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito pnvado prestadoras de servIços públicos responderão pelos danos que seus agentes~ nessa qualidade. causarem a tercetros. assegurado o direIto de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

o primeiro ponto relevante diz respeito ao alcance do art. 37, § 6.°. da Constituição. Embora seja usual a referência ao art. 37, § 6.°, como um dispOSItivo acerca da "responsabilidade Civil da admmistração pública", ou "responsabilidade civil do Estado", essas expressões induzem a uma falsa ideta acerca da sua abrangência. A rigor, esse artigo não se aplica a toda a administração pública.

Capo XII • RESPONSABILIDADE CIVIL 00 ESTADO 283

Com efeito, ele não se aplica às empresas públicas e às sociedades de economIa mista exploradoras de atividade econômica. Tais entidades estão SUjeitas ás mesmas normas de responsabilidade Civil aplicávelS às pessoas juridicas privadas em geral, não mtegrantes da admmlstração pública. Como regra, elas estão sujeitas ã responsabilidade CIVil subjetiva na modalidade culpa comum.

Por outro lado, o art. 37, § 6.°, alcança as pessoas juridicas de direIto pnvado prestadoras de serviços públicos. Isso SIgnifica que, além das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, ele alcança as concessIOnárias, permlssionánas e autonzadas de serviços públicos, ou seja, as delegatárias de serviços públicos, pessoas pnvadas, não Integrantes da administração pública.

Sistematizando, portanto, estão sUjeitas ao art. 37, § 6.°, respondendo objetivamente, no âmbito da teoria do nsco administrativo, pelos danos de­correntes da atuação de seus agentes, nessa qualidade:

a) as pessoas Jurídicas de direito público;

b) empresas públicas e sociedades de economia mIsta prestadoras de servIços públicos;

c} as conceSSIOnárias. permiSSionárias e autorizadas de serviços públicos~ não mtegrantes da admmístração pública.

Quanto a essas últimas entidades, é importante destacar que, segundo a jurisprudência firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, há responsabi­lidade civil objetiva das empresas que prestam servIço público inclusive pelos danos qne sua atuação cause a terceiros não usuários do serviço público (RE 59I.874IMS). Assim, é irrelevante perquirir se a víhma de dano causado por um prestador de serviço público é, ou não, usuária do serviço. bastando que o dano seja produzido pelo SUjeito na qualidade de prestador de serviço público.

Em suma, está pacificado em nossa Corte Suprema que a responsabilidade civil objetiva (CF, ar!. 37, § 6°) das prestadoras de serviço público abrange os danos causados aos usuários do serviço público e também a terceiros não nsnárlos do serviço público.

Portanto, exemplificando, em um acidente de trânsito entre um automóvel particular e um ônibus de permissionária de serviço público, a responsabili­dade civil será objetiva, regida pelo art. 37, § 6°, da Constituição, vale dizer, a permissionária responderá mesmo que nenhuma culpa de seu agente seja provada, somente podendo se eXimir da obrigação de indemzar se ela, per­mlssionána, conseguir provar a presença de alguma excludente, a exemplo da culpa exclusiva da vltíma ou da força maior.

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284 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Merecem, ainda1 ser ressaltados os segumtes aspectos acerca da respon­sabilidade extracontratual objetiva prevista no art. 37, § 6.°, da ConstituIção da República:

a) esse disposItivo tem Incidência nas htpóteses de danos causados pela atuação de agentes das pessoas jurídicas arroladas no art. 371 § 6.°; ele não se aplica, em regra, a danos decorrentes de omissão da admlOlstração pública;

b) a expressão "agente" não se restrmge aos servidores públicos, agentes das pessoas jurídicas de dirmto público~ mas abrange os empregados das en~ tidades de direito privado prestadoras de serviços públicos, integrantes ou não da adminIstração pública; lOctlll, portanto. os empregados públicos das empresas públicas e socwdades de economia mlsla prestadoras de serviços públicos e os empregados das delegatânas de serviços públicos;

c) a responsabilidade civil objetiva prevista no art. 37~ § 6.''. não se restringe â práttca de ntos administrati\'os~ mesmo a atuação admimstratIva que não configure alo admmistratIVo pode acarretar obrigação de reparar dano;

Um exemplo SImples e o do motonsta servidor público que, dingmdo a servIço um carro oficIal, colide com um carro particular sem que seja possível averiguar quem tena tido culpa. Será aplicado o arL 37, § 6.°. e a admmistração terá que indenizar o particular pelo dano decorrente da co­lisão. Note-se que não houve algum ato admimstratlvo causador do dano. Houve um fato administrativo (também chamado ato matenal), não uma manifestação de vontade ou declaração da admmlstração cUJO fim Imediato fosse produzir no mundo jurídico uma alteração determmada.

Assim, a admlmstração pública está sUjeIta ao art. 37, § 6.°, no caso de danos decorrentes de atos e de fatos admmistrativos. Além disso, a atuação pode ser líCIta ou ilícIta, não importa. Se houver um dano decorrente de um ato ou fato admmistratlvo perfeItamente lícito, e não restar configurada alguma excludente, há o dever, para a admlfllstração, de mdenizar a pessoa que sofreu o dano.

d) imprescmdível para configurar a responsabilidade CIvil da admmistração pú­blica é que o ato danoso seja pratIcado pelo agente público como decorrência de sua condição de agente público, ou das atribuIções de sua função pública, amda que~ na realidade~ o agente esteja atuando ilicItamente, extrapolando sua esfera legal de competênCiaS; ° <l,ue Importa é a qualidade de agente público ostentada na atuação do agente, a clfcunstâncla de sua condição de agente público ser detenmnante para a prátIca do ato; e Irrelevante perqmnr se o agente público causador do dano estava agmdo dentro, fora ou além de sua competênCIa legal: basta que, ao prattcar o ato, lícíto ou ilíclto. o agenle público esteja atuando "na qualidade de agente público"

I I ,

XII· RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 285

Note-se, porém, que e necessána a existênCia efetiva de algum vínculo jurídico entre o agente e a pessoa Jurídica que responderá pelo dano que ele causou, ainda que tal vínculo esteja maculado por um vicio msanàvel de validade (caso do denommado "funcIOnário de fato"). Um dano ocaSIOnado por atuação de alguém que não tenha nenhum vinculo com a admInistração pública - a exemplo de um usurpador de função - não acarreta a incidência do art. 37, § 6.", da Constituição Federal. Afinal, nessas SItuações, não ocorre a chamada imputação, ou seJ'" a atuação dessa pessoa cUJO vinculo com o poder público é inexistente não é Imputada ao Estado, não é consi­derada urna atuação da pràpria adnunlstração pública.

Não se cogItará, tampouco, a eXIstência de responsabilidade da ad­mInistração nos casos em que o causador do dano seja efetIVamente um agente público, mas a sua atuação não esteja relaCIonada a essa condição. Como exemplo, mencIOnamos o Julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do RE 363,423/SP, em que a Corte Suprema considerou mexistlr obrigação do Estado de mdenlzar vítIma de disparo de arma de fogo, pertencente a corporação, utilizada por policial durante período de folga, "urna vez que o dano fora praticado por poliCIal que se encontrava fora de suas funções pli­blicas'" Entendeu o Supremo Tribunal Federal que o evento danoso decorrera de mteresse privado~ que o policiai atuara movido por sentimento pessoal, concernente ao relaCIOnamento amoroso que mantinha com a vítIma. ASSIm, decidiu-se que "o art. 37, § 6.°, da CF eXIge, para a configuração da respon­sabilidade objetiva do Estado, que a ação causadora do dano a terceiro tenha sido praticada por agente público, nessa qualidade, não podendo o Estado ser responsabilizado senão quando o agente estatal estiver li exercer seu ofício ou função, ou a proceder corno se estivesse a exercê-Ia".

Por fim, cabe repisar que a teona do nsco admimstratlvo e caractenzada pela admIssibilidade de excludentes da responsabilidade, as quaIs devem ser provadas pelo Estado (ou pela delegatána de serviço público, conforme o caso). São excludentes aceItas pelo nosso Poder Judiciáno a força maIOr, o caso fortUIto e a culpa exclusiva da vítima. Quanto a esta última, se o Estado (ou a delegatána de serviço público) não consegUIr demonstrar culpa exclUSIva da vitima, mas provar culpa concorrente, sua responsabilidade, e correspondente obngação de indenizar, será proporcionalmente atenuada.

4. RESPONSABiliDADE DECORRENTE DE OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A ConstItuição de 1988 não traz nenhuma regra expressa relativa à res­ponsabilidade CIvil por eventuaIs danos ocasionados por omissões do poder público. Nossa Jurispfl!dência, entretanto, com amplo respaldo da doutrina

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286 RESUMO DE atREITO ADMINISTRAT!VO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

admmlstratrvista, construIU o entendimento de que é possivel, SIm, resultar configurada responsabilidade extracontratual do Estado nos casos de danos ensejados por omIssão do poder público. Nessas hipóteses, segundo a CItada JurisprudêncIa, responde o Estado com base na teona da culpa admmistratlva. Trata-se, portanto, de modalidade de responsabílidade civil subjetiva, mas à pessoa que sofreu o dano basta provar (o ônus da prova e dela) que houve falta na prestação de um servIço que deveria ter sido prestado pelo Estado provando, também, que essa omIssão estatal fOI a responsável direta pel~ dan,)" sofrido. .

Essa modalidade de responsabilidade extracontratual do Estado usualmen­te se relaciona a situações em que há dano a um particular em decorrência de evento da natureza ou de ato de terceiro. Caberá ao particular que sofreu o dano decorrente de ato de terceiro (não agente público), ou de evento da natureza, provar que a atuação normal, ordinána, regular da administração pública tena sido suficiente para eVItar o dano por ele sofrido. Tal "culpa administratrva", no entanto, não precisa ser individualizada, Isto ti, não pre­cisa ser provada negligência, imprudência ou Imperícia de um agente público determinado (por isso, às vezes, é utilizada a expressão "culpa anônima" em referêncIa a essa modalidade de responsabilidade subjetiva).

Em suma, para ensejar a responsabilização, a pessoa que sofreu o dano deve provar que houve falta no serviço que o Estado deveria ter prestado (nas modalidades omiSSIvas mexistência do serviço, deficiência do serviço ou atraso na prestação do servIçal. E necessário, também, que a pessoa que sofreu o dano demonstre eXIstir nexo causal direto e Imediato entre a falta ou deficiêncIa na prestação do servIço e o dano por ela sofrido. O ônus da prova de todos esses elementos e da pessoa que sofreu o dano.

A responsabilidade civil subjetIva na modalidade culpa admlOistrativa admite todas as excludentes possíveIS. AssIm, mesmo que a pessoa que sofreu o dano prove que houve falta de um serviço estatal e alegue que essa falta ocasIOnou diretamente o dano, o Estado poderá eximÍr-se da responsabilidade se ele provar (o ônus da prova das excludentes é do Estado) que sua omIssão f aí escusável. isto é, que mesmo sua atuação ordinária e regular não tena sido suficiente para evitar a situação danosa (por exemplo, nas hipóteses de força maIor ou caso fortuito), ou se provar que o dano decorreu de culpa exclUSiva da vítima.

Por fim, é importante frisar que a atribuição de responsabilidade CIvil subjettva na modalidade culpa admmlstrativa em face da omissão do Estado é urna regra geral. Isso porque há situações em que, mesmo diante de omis­são, o Estado responde objetivamente. Trata-se dos casos em que o Estado se encontra na posição de garante, das hipóteses em que pessoas ou cOIsas estão legalmente sob custódia do Estado.

Capo XII • RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 287

Nessas SItuações, em que o Estado está na pOSIção de garante, quando tem o dever legal de assegurar a integridade de pessoas ou cOIsas sob sua custódia, guarda ou proteção direta, responderá com base na teorta do nsco admmistrativo, lerá responsabilidade extracontratual objetiva pelo dano oca­sionado pela sua omissão às pessoas ou coisas que estavam sob sua custódia ou sob sua guarda.

É o caso, por exemplo, de uma criança, aluno de uma escola pública, que sofra uma lesão no horárIO de aula, nas dependêncIas da escola, por agressão perpetrada por outra cnança, ou por qualquer péssoa que não seja dos quadros funcionaiS da escola. Em uma situação aSSIm, o dano sofrido pela criança evidentemente não terá decorrido de uma atuação de um agen­te público da escola, mas o Estado tem responsabilidade Civil objetiva, na modalidade risco admmistratlvo.

Seria exemplo, também, a lesão sofrida por um preso, dentro da pem­tendária, em uma briga com um companheiro de cela. Da mesma forma, não tera sido a atuação de um agente público a causa do dano, e sim uma omissão do Estado, que não atuou diligentemente a fim de impedir a lesão sofrida pela pessoa que estava sob sua custódia,

EXiste, a ngor, nessas hipóteses, uma presunção em favor da pessoa que sofreu o dano: a presunção de que houve uma omissão culposa do Estado. Assim, a pessoa que sofreu o dano não precIsa provar a "culpa admimstra­ttva", uma vez que esta é presumida. Como não há necessidade de provar a "culpa admlmstratlva", a responsabilidade é do tipo objetiva. A modalidade é nsco administrativo porque admite excludentes, por exemplo, o Estado pode provar (o ônus da prova é dele) que não consegUIu evitar o dano à pessoa que estava sob sua custódia porque ocorreu algum evento caracterizador de força maior,

5. A AÇÃO DE REPARAÇÃO DO DANO COM BASE NO ART. 37, § 6.°. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

o particular que sofreu dano decorrente de atuação do agente público (ou de delegatána de serviço público), que estivesse agindo nessa qualidade, deverá ajuizar ação de indenização contra a administração pública, e não contra o agente causador do dano. Exemplificando, se João da Silva, servI­dor público da União, causar algum dano a um particular, digamos, numa colisão de veiculas. a ação de indemzação movida pelo particular sera contra a União, e não contra o servidor João da Silva.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a pessoa que sofreu o dano não pode ajuizar ação, diretamente, contra o agente público (RE 327.904;

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288 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

RE 344.133). O agente público só responderá, se for o caso, à pessoa jurídica a cujos quadros pertença, em ação regressiva.

Na ação de indemzação, bastará ao particular demonstrar a relação de causa e consequêncla entre a atuação lesiva e o dano, bem como o valor patrimonial desse dano. Isso porque a responsabilidade da adnulllstração pu­blica (ou da de legatárIa de serviço público, perante os usuános do serviço) é do tipo objetiva, bastando a demonstração dos pressupostos nexo causal e dano para surgir a obrigação de mdemzar.De sua parte, cabe â administração pública (ou delegatána), para afastar ou atenuar a obrigação de mdeOlzar, comprovar, se for o caso, que a vítima concorreu com dolo ou culpa para o evento danoso, ou provar ocorrência de força maior ou caso fortuito, podendo resultar três situações:

a) se não consegUIr provar. respondera mlegralmente pelo dano, devendo Indentzar o particular;

b) se comprovar culpa exclusiva do particular, ou ocorrênCIa de força maior ou caso fortuito, ficara eximida da obngação de reparar;

c) se comprovar que houve culpa reciproca (parCial de ambas as partes), a obngação será atenuada proporclonalmenle_

O art. l,°-C da Lei 9.494/1997, mc!uido pela MP 2.180-35/2001, es­tabelecia em cmco anos o prazo de prescrição da ação de reparação, ou seja, o prazo que o particular tem para ajUizar a ação contra a pessoa jU­rídica de direito público ou a pessoa juridica de direito privado prestadora de servIços públicos, Visando a obter a mdenização dos danos causados pela atuação dos agentes dessas pessoas juridicas. A JUrisprudênCIa do Supenor Tribunal de Justiça, todavia, firmou onentação segundo a qual o prazo prescnclOnal de cinco anos para ajuizamento da ação de reparação civil deixou de ser aplicável com a superveniênCia Código Civil de 2002, passando a incidir, nessas lupóteses, o prazo de três anos estabelecido no seu art. 206, § 3.0, V.

6. A AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O AGENTE CAUSADOR DO DANO

O § 6.0 do art. 37 da Constituição autonza a ação regressiva da admi­lllstração pública (ou da delegatána de serviço público) contra o agente cUJa atuação acarretou o dano, desde que seja comprovado dolo ou culp~, n.a atuação do agente. Mais precisamente, o texto conslituclOnal. fala em dI­reito de regresso". sem explicilar que tal direito deva obngatoriamente ser :' ,"

Capo XU- RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 289

exercido em uma ação própna (ação regressiva), posterIor à ação movida contra a admmlstração (ou delegatána) pela pessoa que sofreu o dano (ação de mdenização).

Há dOIs aspectos que devem ser destacados:

a) a entidade pública (ou delegatâna de serviço público), para voltar-se contra o agente~ deverâ comprovar já ter sido condenada a mdenIzar, pOIS seu direito de regresso nasce com o trânSito em Julgado da decisão Judiclai condenatóna. prolatada na ação de mdemzação~

b) não se deve confundir a responsabilidade da admInistração (ou da de{egatária de servIço público) perante o partIcular com a responsabilidade do agente para com a admInIstração (ou defegatâna); aquela e do tipO obJetiva. na modalidade rISCO admInIstrallvo, que, conforme VImos, independe de culpa ou dolo do réu na ação de mdenização~ esta, do agente perante a adnl1-mstração (ou delegatâria), 50 ocorre no caso de dolo ou culpa daquele (responsabilidade subjetiva do agente).

Em suma, a administração pública (ou delegatána de serviço público) que causou o dano indelllza o particular mdependentemente de comprovação de dolo ou culpa dela, admmistração (ou delegatána de serviços públicos), mas o agente só será condenado a ressarcir a admmlstração (ou a delegatána), regressivamente, se houver dolo ou culpa de sua parte, agente.

A obngação de ressarcir a admlmstração pública (ou delegatária de serviço público), em ação regressiva, sendo esta uma ação de natureza cí­vel, transmite-se aos sucessores do agente que tenha atuado com dolo ou culpa; portanto, mesmo após a morte do agente, podem seus sucessores ser chamados a responder pelo valor que a admlmstração (ou delegatána) foi condenada a pagar na ação de mdenização (sempre respeitado o limite do valor do patnmônio transferido - CF, art. 5.0, XLV).

As ações de ressarcimento ao erano movidas pelo Estado contra agentes, servidores ou não, que tenham praticado ilíCItos, dos qUalS decorram prejuizos aos cofres públicos, são imprescritíveis; frise-se que Imprescntível é a ação de ressarcimento, não o ilíCito em SI (CF, art. 37, § 5.").

Vale amda registrar que nossa junsprudêncla majontána entende ser ina­plicável a denunciação da lide pela admmlstração (ou delegatána de serviço público) a seus agentes. Significa dizer que não pode a admimstração, já na ação de mdemzação em que seja ré, "trazer" o seu agente para dentro do processo, a fim de que, desde logo, sejam discutidas suas eventuais culpa e obngação para com a admimstração. Conforme antes aludido, a ação de mdenízação deve ter como partes processuaIs somente a pessoa que sofreu o dano e a admmlstração (ou delegatária de serviço público). Se a admmístração

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(ou delegatána) for condenada, então, em ação própria (ação regressiva), distmta da ação de reparação do dano, ela exercerá seu direito de regresso con lra o agen te.

No âmbito da administração pública federal, não há espaço para controvérsia sobre o cabimento ou não da denunciação da lide, porque a Lei 8.112/1990, no § 2.° do seu art. 122, expliclta que o direito de re­gresso da admimstração deve ser exercido mediante ação própna, a ação regressiva.

Por fim, amda a respeito da responsabilidade Civil dos agentes públi­cos, convem trazer à luz a onentação eXistente no âmbito do Supremo Tribunal Federal relatIva à Situação dos servidores que tenham atribUIção de emltlf pareceres Juridicos destinados a subsidiar a tomada de decisões pelos admimstradores públicos.

Segundo a JUrIsprudêncIa firmada por nossa Corte Suprema, não é legítima a responsabilização solidárIa do servidor que edita um parecer Juridico de natureza meramente opinativa com o admmistrador público que pratíca o ato baseado na opmião constante do parecer. Só poderia ser o autor do parecer responsabilizado na hipótese de erro grave, inescusável, ou se comprovada sua ação ou omissão culposa (culpa em sentido amplo).

AssIm ti porque, para nossa Corte Excelsa, os pareceres Jurídicos de natureza meramente opinativa não configuram atos admmlstratlvos proprIa­mente ditos, mas SIm atos de "admmlstração consultiva", que Visam, tão somente, a mformar, elucidar, sugerir providênCIas admllllstratlvas a serem posteriormente adotadas mediante atos de admimstração attva (MS 24.073/DF: MS 24.63I1DF).

7. AS RESPONSABILIDADES ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL.oO AGENTE PÚBLICO

Um relevante ponto deve ser analisado: a possibilidade de cumulação das responsabilidades civil. administrativa e penal do servidor em razão do ato danoso por ele praticado.

O ato danoso do agente pode resultar em sua responsabilização nas esferas admimstrattva, civel e penal. Vejamos um exemplo prático: o agente público, dirigindo Impmdentemente, pode colidir o seu veículo com outro particular e dessa colisão resultar a morte de uma pessoa. Nesse caso, poderá (deverá) o agente responder perante a admlOistração pública, pela infração cometida, donde poderá advir-lhe uma das penalidades diSCipli­nares previstas nas leis admmistratlvas, taIS como advertênCIa, suspensão

Capo XU" RESPONSABIUDADE CIVIL DO ESTADO 291

ou demissão (responsabilidade admmlstratlvaj. Responderá CIvilmente, pe­rante a administração, em ação de regresso, se comprovada a culpa ou dolo, pelos danos patnmomais resultantes do acidente, Responderá, ainda. no âmbito crimmal, pelo ilícIto penal pratICado, homIcídio culposo, no exemplo citado.

Dessarte, as responsabilidades, admmlstrattva, Civil e penal são cumu­latIvas e, em principio, são independentes. No plano federal, essa regra está explicitada no art 125 da LeI 8.112/1990.

Quando, entretanto, a órbita penal está envolvida. e possível ocorrer exceção à regra de independência das esferas de responsabilidade. É o que passamos a examinar.

O Julgamento, na esfera penal, de conduta Imputada a um servidor público pode resultar em:

a) condenação cnminal do servidor;

b) absolvição pela ínexistência do fato ou pela negativa de autoria;

c) absolvição por ausênCIa de ttptcidade ou de culpabilidade penal. por insuficiêncIa de provas. ou por qualquer outro motivo.

Na hipótese de um mesmo fato estar tIpificado em uma lei penal como cnme (ou contravenção), enquadrar-se em uma lei admimstrativa como infração disciplinar e, além disso, causar dano patrímolllal ou mora! a terceiro (responsabilidade civil), a condenação criminal do servidor por esse fato, uma vez transitada em Julgado, interfere nas órbitas admmistra­tiva e cível, Implicando o reconhecimento automático da responsabilidade do servidor, por esse fato, nessas duas esferas.

Isso ocorre porque, sendo o ilícito penal maIS do que o ilícito CIvil ou administrativo, existe a presunção de que a condenação na esfera pe­nal sempre será baseada em uma quantidade de elementos maior do que aquela que seria suficiente para a responsabilização nas esferas civil e administrativa.

Pelas mesmas razões, a absolvição penal cUJo fundamento seja a negativa de autoria ou a inexistência do fato tambem interfere nas es­feras admimstratlva e civil. Com efeito, se a junsdição criminal. em que a apreciação das provas é mUlto mais abrangente e mmuciosa, categorI­camente afirma que não foi o agente o autor do fato a ele Imputado. ou que sequer ocorreu o fato aventado, não há como sustentar o contráno nas outras órbItas.

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Assim, se, na esfera admmistratlva, o servidor fOi demltldo pelo mesmo fato discutido na esfera penal, a sentença absolutóna penal que tenha como fundamento a negativa de autoria ou a inexistência do fato acarretará a reintegração dele, pOIS terá sido cabalmente afirmado, na esfera penal, que não fOI ele o autor do fato que acarretou a sua demissão admInistrativa, ou que esse fato nem mesmo eXistIU. Eventual condenação civel também sera tomada ·sem efeito, caso sobrevenha a absolvição penal fundada na negalIva de autoria ou na mexlstêncIa do fato.

Já a absolvição penal por mera insuficiência de provas ou por ausência de tipicidade ou de culpabilidade penal, ou por qualquer outro motivo, não interfere nas demais esferas. A explicação novamente se repete: por ser maiS grave o ilíCito penal - eXlgmdo mms elementos para sua caractenzação -, não é sufiCiente para afastar a condenação nas outras esferas a simples circunstância de não ficar conclUSivamente caractenzada a responsabilidade penal do agente, ou de sua culpabilidade não chegar ao ponto de acarretar a condenação penal.

Ademais, é possível (e bastante frequente) que um determinado fato, ou uma dada conduta, não configure cnme ou contravenção. mas caractenze in­

fração administrativa, ou cause dano a alguem (ilícito Civil). Vale dizer. pode ocorrer de um mesmo fato, ou uma mesma conduta, ser um índiferente penal e, não obstante, configurar uma mfração admlmstratlVa (bem como um ilícito Civil). Nessas situações, a absolvição crimmal - salvo se tiver como fundamento a mexistência do fato ou a negatIva de autoria - não impede a responsabilização administrativa e Civil.

A doutrina e a Junsprudência utilizam a expressão "falta residual" para aludir ao fato que não chega a acarretar condenação na órbita penal, mas configura ilícito administrativo ou cível, ensejando a responsabilização do agente nessas esferas.

Em suma, nosso ordenamento Jurídico admite as responsabilidades Civil e admmlstrativa com base em menos elementos do que os necessárIOS para acarretar a responsabilidade penal. Logo, é perfellamente possível, pelo mesmo fato, um agente público ser condenado admÍmstrativamente (por exemplo, sofrendo demIssão), ser condenado na esfera cível e ser absolvido na esfera penal (por exemplo, por msuficiêncla de provas). Em uma situação como essa, mesmo com a absolVição penal. as condenações nas outras esferas serão Integralmente mantidas, sem sofrerem qualquer interferência da esfera penal. A absolvíção penal só mterfere nas esferas admmlstrativa e cível, relativamente a um deterrmnado fato Imputado ao agente público, quando a sentença penal absolutória afirma que tal fato não eXistIU ou que não foi do agente público a autona.

XII • RESPONSABILIDADE CIVIL 00 ESTADO

8. RESPONSABILIDADE CIVil POR ATOS LEGISLATIVOS E ATOS JURISDICIONAIS

293

Em 1IOSSO ordenamento Jurídico, a regra e a inexistência de respon­sabilidade civil do Estado em decorrência de atos legislativos e de atos JurisdiCIOnais (evidentemente, quando os Poderes' LegislatiVO e Judiciário estiverem no exercícIO de atividades admll1lstratIvas - atuação atípica ou secundána -, estarão sujeitos às regras de responsabilidade Civil aplicáveis à administração pública como um todo, anteriormente estudadas).

As únicas exceções li irresponsabilidade do Estado por atos legisla­tiVOS e JurisdicIOnais são as segumtes:

1) admIte-se a responsabilidade ctvil por atos legislntivos exclUSivamente nos casos de:

a) lel mconstltucl0na{ (danos decorrentes da aplicação de leIS que venham a ser deciaradas InconstitucionaIs): a pessoa que sofreu a aplicação da lei terá que ajuizar uma ação específica pielteando a tndentzação pelo dano decorrente da aplicação da lei que rOl declarada tnCOnstl­

tuclOnal;

b) leiS de efeItos concretos~ porque são materialmente equlvalentes aos atos admInIstrativos e. assim. podem acarretar danos diretos a mdivi­duas detenmnados, destinatários dessas leiS;

2) admite-se a responsabilidade Civil do ESlado por ato JUrisdiCIOnal no caso de erro judiciário, exclusivamente na esfera penal (CF, art. 5.', LXXV); é hipótese de responsabilidade Civil obJetIva, nos termos do art. 37, § 6.', da Constltuu;ão, ou seja, a obngação de indenizar do Estado tndepende de culpa ou dolo do magistrado. conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE 505.393/PE),

Finalmente, há que registrar a regra constante do Código de Processo Civil, que estatul a responsabilidade do JUIZ quando proceder com dolo, inclUSive fraude, bem como quando recusar, omllIr ou retardar, sem justo motivo, providênCia que deva ordenar de oficio ou a requenmento da parte (CPC, art. 133). Nesse caso, a responsabilidade é pessoal do juiz, a quem cabe o dever de reparar os prejuízos que causou, mas só alcança suas condutas dolosas, e não eventuais erros decorrentes de culpa (negligênCia, imprudênCia ou Impencia), ainda que acarretem dano as partes.

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I CapiítuDo XI!I I

CONTROLE DA - , ADMINISTRAÇAO PUBLICA

1. INTRODUÇÃO

o assunto "controle da admilllstração" não é de sistematização fácil, pois não existe um diploma úmco que O discipline, nem a ConstitUIção dele tratou concentradamente em um específico título 'ou capitulo. O que se observa, contrariamente, é que diferentes modalidades, hipóteses, instrumentos, órgãos de controle encontram-se previstos e regrados em diversos atos nOlmatlvos. sendo, amda, relevante para o estudo do tema o conhecimento das onentações doutrinárias e junsprudenciais a ele relativas,

De um modo geral. quando se fala em "controle da admmístração pú­blica", estuda-se baSICamente:

a) o controle Ínterno que a administração pública exerce sobre 51 mesma -que se traduz baSIcamente na autotutela (anulaç:ão~ revogação, convalidação de seus próprIos atos) e na tuteia ou supervIsão (controle finalístlco que a admInJstração direta exerce sobre a admiJllstração indireta);

b) o controle que o Poder Legislativo exerce sobre a admInistração pública, mormente sobre o Poder Executlvo~

c} o controle JudiCial.

Confonne se constata, a autotutela fOI estudada em outros pontos desta obra, principalmente no âmbIto dos atos administrativos, assim como a tutela

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296 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO OESCOMPLlCADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

ou supervIsão, explicada quando se analisou a orgamzação admInistrativa brasileira.

O controle JudicIal, genencamente, fOi também exposto nas noções In­

trodulónas, quando se estudou o prmciplo da mafastabilidade de junsdição (CF, arL 5.0

, XXXV), e em outros pontos da obra, toda vez que se mencio­nou controle de legalidade e legItimidade de atos, procedimentos e contratos admmlstratlvos.

Não serão exammadas nesta obra ações JudicIaIs específicas, como o mandado de segurança, a ação popular, a ação civil pública, o habeas dala, porque esses remédios constitucIOnaIS são temas pertinentes ao direito cons­titucional, e lá são estudados com profundidade. A ngor, uma umca ação JudicIal específica, que é própria do direIto admmlstratlvo, será analisada: a ação de improbidade administratIva, de que trata a LeI 8.429/1992.

Devido à sua importâncIa - e ao fato de não se resumIr a uma ação JudicIal, mas envolver também procedimentos admiOlstrallvos -, o assunto "improbidade administrativa" se,,;' amplamente estudado em tópico própno deste capítulo.

Além do tema "improbidade admInIstratIva", teremos como algo realmente novo no presente capítulo o estudo do controle legIslatIVO, que, a bem da verdade, se resume essencialmente à exposição de disposItivos consntuclOnalS que o preveem e a uma análise das competêncIas dos tribunaIs de contas, especIalmente do Tribunal de Contas da União (TCU).

2. NOÇÃO DE CONTROLE E CLASSIFICAÇÕES DOUTRINÁRIAS

Pode-se conceItuar controle admmistratlvo como o conjunto de InS­trumentos que o ordenamento jurídico estabelece a fim de que a próprIa administração pública, os Poderes Judiciário e LegIslatIVO. e amda o povo, diretamente ou por meio de órgãos especializados, possam exercer o poder de fiscalização, orientação e reVIsão da atuação admmistrativa de todos os órgãos, entidades e agentes públicos, em todas as esferas de Poder.

A sujeição das atividades adminIstrativas do Poder Público ao maIs amplo controle possível é um coroláno dos Estados de DireIto. nos quaIs somente a leI, manifestação da vontade do povo, ÚnICO tItular da coisa pública, deve pautar toda a atividade da admmistração pública, atIvidade esta cUJo fim mediato deve sempre ser o mesmo: a defesa do mteresse público.

Mais precisamente, a idem central, quando se fala em controle da admi­nIstração pública, reside no fato de o titular do patrImómo público (material e imaterial) ser o povo. e não a adminIstração pública, razão pela qual ela

Capo XIll $ CONTROLE DAADMINISTRAÇAo PUBLICA 297

se sUJeIta. em toda a sua atuação, sem qualquer exceção, ao principIO da Indisponibilidade do Interesse público. ASSIm sendo, na qualidade de mera gestora de cOIsa alheIa, sem que dela possa dispor, deve a admllllstração pública pautar a integralidade de suas condutas pela maIs ampla transpa­rência, a fim de que o efetivo IItular da cOisa pública possa, a todo tempo, ter condições de verificar se esta - a cOIsa pública - está realmente sendo gerida da forma mais adequada ao mteresse público.

Algumas classificações relevantes. todas elas doutnnánas, são expostas a segUIr:

a) conforme a ongem, o controle pode ser interno ou externo, ali, ainda, controle popular;

Controle mtemo é aquele exercido dentro de um mesmo Poder, seja o exercido no âmbIto hierárqUICO. seja o exercido por meIo de órgãos espe­CIalizados, sem relação de hIerarquIa com o órgão controlado, ali amda o controle que a admimstração direta exerce sobre a admmlstração mdireta de um mesmo Poder.

Asslrn~ o controle que as chefias exercem sobre os atos de seus subor­dinados dentro de um órgão público é classificado como controle mtemo.

Da mesma forma, o controle que o Conselho AdmInIstratIvo de Recur­sos Fiscais (CARF) do Mimsténo da Fazenda. quando provocado, exerce sobre as decisões proferidas pelas DelegaCIas de Julgamento da Secretana da ReceIta Federal do Brasil, é modalidade de controle Interno. exercido por órgão especIalizado.

Ainda exemplificando, o controle que o MimstérIo da Previdência e Assistência Social exerce sobre determinados atos admimstrativos pratIca­dos pela autarquIa lnstttuto NaCIOnal do Seguro Social (INSS) é forma de controle interno.

O mesmo raclocinIo vale para os demaIS Poderes.

Sempre que um agente ou órgão do Poder LegislatIVO possUlr atribuição de fiscalizar determmado ato admInIstrativo pratIcado pelo mesmo Poder LegislatIVO estaremos diante de hIpótese de controle mtemo.

Igualmente, quando órgãos ou agentes do Poder Judiciáno verificam a legItimidade e a regularidade dos atos admmistrativos pratIcados pelo propno Judiciário, a hipótese será de controle mtemo.

O art. 74 da Constituição de 1988 determma que os Poderes mantenham sIstemas de controle interno, estabelecendo os tlens mimmos que devem ser objeto desse controle. consoante abaixo se lê (optamos por transcrever o dispOSitivo constItucional inteIro, mUlto embora os §§ 1.0 e 2,0 não versem

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298 R.ESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

sobre controle mterno. mas. SIm, respectIvamente, sobre controle externo legislativo exercido pelo TCU e sobre controle popular):

Art. 74. Os Poderes LegIslativo, Executivo e Judiciário man­terão, de forma mtegrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

. I - avaliar o cumprimento das metas previstas no piano pluna­'nual, a execução dos programas de governo e dos orçamerttos da União;

11 - comprovar a legalidade e avaliar os resultados. quanto ã eficacla e eficiêncJa, da gestão orçamentána, financeIra e patnmoniaí nos órgãos e entidades da admmistração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de dírClto pf1vado~

IH - exercer o controle das operações de credito, avais e ga­rantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercícIO de sua missão mstltuctOnaJ.

§ J.o Os responsaveIs pelo controle mtemo. ao; tomarem co~ nheclmento de qualquer lITegularidade ou ilegalidade. dela darão ciêncla ao Tribunal de Contas da União~ sob pena de responsabilidade solidárIa.

§ 2.* Qualquer cidadão, partido politIco, aSSOCiação ou smdicato ê parte legítIma para, na forma da leI, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

o controle externo é o exercido por um Poder sobre os atos admims­trattvos pratIcados por outro Poder.

São exemplos de atos de controle externo:

a) a sustação, pelo Congresso NaclOnal. de atos nonnativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (CF, art. 49, V);

b) a anulação de um ato do Poder Executivo por deCIsão Judicial;

C} o Julgamento anuaJ, pelo Congresso NaCIOnal, das ,contas prestadas pejo Presidente da República (CF, art. 49, IX);

d) a auditona realizada pelo TCU sobre despesas realizadas pelo Poder Exe­cutIvo federal.

A doutnna menciona, ainda, na classificação das fonnas de controle quanto â origem, o controle popular.

Cap. xm • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PúBLICA 299

Como decorrênCia do principiO da Indisponibilidade do mteresse público. a ConstitUIção contém diversos dispOSitIVOS que dão aos admimstrados a possibilidade de - diretamente ou por intennédio de órgãos com essa função institucional - verificarem a regularidade da atuação da administração e im­pedirem a práttca de atos ilegítimos, lesivos ao individuo ou ã coletividade, ou provocarem a reparação dos danos deles decorrentes.

São exemplos de mecamsmos de controle popular:

a} o art. 31. § 3.°, da Constituição deternlina que as contas dos municipIOs fiquem. durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contrI­bumte, para exame e apreciação, o qual poderá questlOnar-Ihes a legitimidade, nos tennos da lei;

b) o art. 5.", LXXUl, da Carta Polítíca estabelece que "qualquer cidadão é parte legítlma para propor ação popular que VIse a anular ato leSIVO ao patnm6mo público ou de entidade de que o Estado partIcipe, à mornlidade adminIstrativa, ao melO ambIente e ao patrimônto hIstórico e cultural",

c) o § 2.° do art. 74 da Lei MaIOr estatu! que "qualquer cidadão. partido político, associação ou slIldicato é parte legítima para, na forma da fel. denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União";

d) o § 3." do art. 37 da Constltmção da República prevê que a lei diSCipline as formas de partiCIpação do usuano na adminIstração pública direta e mdireta, regulando espeCIalmente: (a) as reclamações relativas â prestação dos servIços públicos em geral. asseguradas a manutenção de servIços de atendimento ao usuàrio e a avaliação periódica, externa e interna. da qua­lidade dos servIços; (b) o acesso dos usuános a registros administrativos e a Informações sobre atos de governo, respeItadas as linutações nnpostas pela própna ConslltUlção, nos Incisos X e XXXIII do seu art. 5,'; (c) a diSCiplina da representação contra o exercicio negligente ou abusivo de cargo. emprego ou função na admmistração pública.

b) conforme o momento de exercício, o controle pode ser prévio, con­comitante ou posterior;

Essa classificação é autoexplicativa.

Como exemplo de controle préVIO, antecedente ou preventivo - aquele exercido antes mesmo que o ato seja praticado -, citamos as situações em que e eXIgida a autorização legislatIva para a nomeação de dirigentes de autarquias.

Exemplo de controle concomItante - em que a atuação da admimstração é fiscalizada enquanto está ocorrendo - é o acompanhamento de um concurso público pela corregedoria competente.

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300 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Controle postenor, subsequente ou corretIvo possibilita a ret.rada do ato, ou a confinnação de sua validade, mediante revogação, anulação. cassação, convalidação, ratificação, homologação etc. São exemplos, entre outros, a homologação de um procedimento licitatóno, a homologação de um concurso público, a sustação, pelo Congresso Nacional, de atos nonnatlvos do Poder ExecutIvo que exorbItem do poder regulamentar. O contTole JudiCIal dos atos admmlstrativos é. em regra, um controle corretIvo. Os controles reali­zados pelos tribunaIS de contas também, são, no maIS das vezes, controles subsequentes.

É oportuno observar que, embora seja usual a doutrma utilizar a expressão '~controle corretIVO" como smônimo de Hcontrole postenor" ou de "controle subsequente", a verdade é que o controle postenor não se presta somente a comglr um ato com algum defeIto. De fato, em mUltas casos o controle postenor SImplesmente confirma a regularidade do ato praltcado (a exemplo do que ocorre nas homologações e ratificações).

C) quanto ao aspecto controlado, temos controle de legalidade e controle de mérito;

O controle de legalidade ou de legitimidade VIsa a verificar se o ato fOI pratIcado em conformidade com O ordenamento Juridico. Faz-se o con­fronlo entre uma conduta (ou omissão) admInIstrativa e uma norma Juridica, que pode estar na ConslItUlção, na leI ou em outro ato normativo prunano, ou mesmo em ato adminIstrativo (infralegal) de conteudo ImpoSlllvO para a próprIa admmistração. E corolário imediato do princípIO da legalidade.

Ressalte-se que O controle de legalidade ou de legitImidade não verifica ape­nas a compatibilidade enlt'e o ato e a literalidade da norma legal positlvada.

Devem, também, ser apreciados os aspectos relatIVos II obngatórIa ob­servânCIa do ordenamento jurídico como um todo. mormente dos princípios admimstrattvos, taIS como o princípio da moralidade ou o da finalidade (impessoalidade).

E mIster anotar, amda, que, a partir da EC 45/2004, passou a ser expres­samente obrigatóna a observânCIa, pela admimstração pública, do disposto em súmulas vinculantes, editadas pelo Supremo Tribunal Federal. Com efeIto, reza o art. 103-A, § 3.°, da Carta da República que o ato admmistrativo que contran ar a súmula vinculante aplicãvel, ou que indevidamente a aplicar, dá ensejO â apresentação de "reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, Julgando-a procedente, anulará o ato adminIstrativo".

O controle de legalidade ou legItImidade pode ser exercido pela própna admmistração que praticou o ato, hIpótese em que teremos controle mtemo de legalidade, no exerciCio do poder de autotutela.

Cap, XIII • CONTROLE OAAOMINISTRAÇAo PUBLICA 301

Pode, também, ser exercido pelo Poder JudiciárIO, no exercício de sua função precípua junsdicional, ou pelo Poder LegislatIVO, nos casos previstos na Constttulção (ambas as hipóteses são de controie extemo). O exame pelo JudiciáriO, em mandado de segurança, da legalidade de um ato do Execull­vo e a apreclação pelo Poder LegIslatIVO, por melO do Tribunal de Contas da União, da legalidade dos atos de admIssão de pessoal do ExecutIvo são exemplos de controle de legalidade externo.

O exercícIO do controle de legalidade pode ter corno resultado a confirmação da validade ou a anulação do ato controlado, ou, amda, a convaIídação pela prÓpria administração pública, quando se trate de atos com defeItos sanáveIS (e que não acarretem lesão ao interesse público ou preJuizo a terceIros).

O controle de mérito VIsa a verificar a oportunidade e a conveniênCIa admmistrativas do ato controlado. Trata-se, portanto, de atuação diSCrIcionárIa, exercida, Igualmente, sobre atos discricionários.

O controle de menta propriamente dito é um controle admmistratlvo que, como regra, compete exclUSIvamente ao própno Poder que, atuando na função de admmistração pública, editou o ato admlnIstrattvo.

ExcepCiOnalmente, e apenas nos casos expressos na ConstItUIção da Re­pública, o Poder LegIslativo tem competênCIa para exercer controle de menta sobre atos pratIcados pelo Poder Executivo (e pelo Poder Judiciáno, no exer­cíCiO de função admmistratlva). Trata-se de um controle sobretudo político, mas costuma ser enquadrado como controle de ménto pelos admmistrativlstas, no intuIto de ressaltar o fato de que não se trata de um SImples controle de legalidade (o Poder Legislativo também exerce controle de legalidade sobre os atos administrativos pratIcados pelos demais Poderes).

Nas hIpóteses de controle político, o Poder Legislativo atua com discn­clonariedade. São exemplos as diversas SItuações em que é necessária uma autorIzação previa ou aprovação do LegIslativo para a prática de algum ato pelo ExecutIVO, como ocorre na apreCIação préVIa pelo Senado dos nomes escolhidos pelo Presidente da República para presidente e diretores do Banco Central.

O controle legislattvo, entretanto, embora possa em algumas situações ser um controle discnclOnárto. não chega ao ponto de permItIr que o órgão controlador proceda â revogação de um ato discnciomino SUjeito ao seu controle, ou seja, não pode o referido órgão substttuir, pelo seu prÓprIo, o Juizo de oportunidade e conveniênCIa do admmlstrador, quando tal juízo tiver sido exercido em conformidade com a fei e os pnncíplos Jurídicos.

TradiclOnalmente afirma-se não caber ao Poder Judiciáno exercer con­trole de menta sobre atos pratIcados pelo Poder Executivo (tainpouco pelo

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302 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO OESCOMPUCAOO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

LegIslatIvo, no exercicio de função administratIva). Essa afirnlação está ab­solutamente correta, mas deve ser entendida em seus precisos termos.

Com efeIto, o controle exercido pelo Poder Judiciáno sobre os atos do ExecutIVo (e sobre os atos adminístraltvos praticados pelo LegIslativo) é, sempre, um controle de legalidade e legitimidade. Se o Judiciário entender que o ato é ilegal ou ilegítImo, promoverá a sua anulação, nunca a sua revogação, porque esta se refere a juízo de oportunidade e conveniêncIa administrativas, concernente a~ atos diSCrIcionárIos, e não à apreciação da validade do ato.

O resultado do exerci cio do controle de ménto é, portanto, a revogação, pela administração, de atos discríclOmirios por ela própna regularmente edita­dos; atos plenamente válidos que passaram a ser considerados mconvementes. ASSIm, ° Poder Judiciáno nnnca realiza controle de mérito de ato pratIcado por outro Poder, para o fim de revogar o ato.

A revogação tem por fundamento o poder discricIOnário. Somente pode ser realizada pela própna admmlstração e pode, em princípIo, alcançar qualquer ato discnclOnário, resguardados, entretanto, os direitos adqUIridos. Em todos os casos, cama o ato revogado era um ato válido, sua revogação somente pode prodUZIr efeitos prospectivos (ex IlZmc).

d) quanto li amplitude, o controle pode ser hierárquico ou finalístico.

O controle hierárquico decorre do escalonamento vertIcal de órgãos da admintstração direta ou do escalonamento vertical de órgãos Integrantes de cada entidade da administração indireta. O controle hIerárqUIco é sempre um controle mterno. É típICO do Poder ExecutIvo, mas nada impede que exista escalonamento vertIcal entre órgãos administratIvos e agentes públicos nos Poderes LegIslatIvo e Judíciáno, resultando em relações supertor-subordinado, com a consequente e automática eXIstência de controle hIerárquico.

Exemplificando, na admmistração direta federal, os mmisténos exercem controle hierárquico sobre suas secretarias, as quais, por sua vez. controlam hierarquicamente suas supermtendênclas, que exercem controle hierárqUICO sobre suas delegacias e aSSIm por diante. No âmbito interno de uma entidade da admmistração mdireta é, também, exercido o controle hierárquico. Por exemplo, o presidente de uma autarquIa controla os atos dos supenntendentes seus subordinados, que por sua vez exercem controle hierárquico sobre os atos dos chefes de departamentos a eles subordinados e assIm por diante.

Em resumo. sempre que, dentro da estrutura de uma mesma pessoa juridica, bouver escalonamento vertical entre órgãos ou entre agentes públi­cos, haverá controle hierárquico do superior sobre os atos praticados pelos subordinados.

Cap. XIII. CONTROLE OAADMIN1STRAÇÁO PUBLICA 303

Em razão de sua natureza. o controle hIerárquico é pleno (irrestnto), permanente e automátICO (não depende de norma específica que ° estabeleça ou autonze).

Por melO do controle luerarqulco podem ser verificados todos os aspec­tos concernentes à legalidade e ao ménto de todos. os atos pratICados pelos agentes ou órgãos subalternos a determmado agente ou órgão.

Confonne ensma Hely Lopes MeIrelles, para o exercício do controle IllerárqUlco são necessànas as faculdades' de supervIsão, coordenação, onen­tação, fiscalização, aprovação, revisão e avocação das atividades controladas. É também fundamental que os agentes responsáveis pelo controle possuam meios con'etIvos dos desvios e Irregularidades verificados.

O controle finalís!ico é aquele exercido pela admlmstração direta sobre as pessoas jurídicas integrantes da administração indireta.

Como resultado da descentralização admmistratlva, compõem a admI­nIstração pública não só os órgãos da administração direta, que mtegram a estrutura orgamzaclonal de Uma úmca pessoa (a União, cada um dos estados, o Distnto Federal, cada um dos mumcípios), mas também outras pessoas Juridicas, com autonomIa admimstrativa e financeIra, vmculadas (e não su­bordinadas) à admmistração direta. Assim, na admlmstração pública federal, temos a admInIstração direta federal (centralizada), composta por Órgãos des­personalizados 111seridos na estrutura orgâmca da pessoa política União, e a admmIStração indireta federal, composta pelas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e SOCIedades de economia mista federaIS, vinculadas a um mimstério relacionado ás atividades desenvolvidas pela pessoa juridica (ou vmculadas diretamente â Presidência da República).

Em razão da autonomIa admmlstralÍva mencIOnada, o controle das en­tidades da admmistração mdireta em mUIto difere do controle hIerárqUICO pleno e automático aCIma descnto.

Com efeIto, o controle finalístlco depende de norma legal que o estabe­leça, determine os meIOs de controle, os aspectos a serem controlados e as ocasiões de realização do controle. Devem, mnda, ser mdicadas a autoridade controladora e as linalidades objetIvadas.

Em resumo, o controle finalístlco, porquanto fundamentado em uma relação de vinculação entre pessoas (e não em subordinação entre órgãos ou agentes), é um controle limitado e teleológico, OU seja, restringe-se à verificação do enquadramento da entidade controlada no programa geral do governo e à avaliação objetiva do atmgimento, pela entidade, de suas finalidades estatutárias.

O controle finalistlco é tambem denommado pela doutrina, SImplesmente, tutela administrativa, O Decreto-lei 20011967. que se aplica à admimstração

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304 RESUMO DE D1REITOADMINI$TAAT1VO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & MarcefoAfexandrino

federal, refere-se a ele como supervisão ministerial. Embora essa expressão amda seja usada, é oportuno reg1strar que nem todas as entidades da adminis_ tração mdireta federal são vinculadas especificamente a Um mm1sténo, hfIJa v1sta a eX1stência de entidades da admimstração mdireta federal vmculadas diretamente á PresidêncJa da República.

3. RECURSO HIERÁRQUICO E RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO

Vistas as classificações apresentadas no tÕp1CO precedente, há mms um ponto doutrinário que merece referência. Trata-se das espécies de recursos admimstratJvos que podem ser utílizados pelo admm1strado para provocar o controle de atos do Poder Execut1vo pelo prÓprio Poder Execut1vo (controle mterno mediante provocação). Especificamente, mteressa-nos estabelecer a distinção entre os recursos l11erárqUlcos (própnos) e os denommados "recursos luerârqUlcos 1mpróprios".

Recurso hierárquico (própno) é aquele dirigido â autoridade ou ao órgão 1mediatamente superior, dentro da mesma pessoa jurídica em que o ato f 01 prattcado. Para que o recurso seja hierárqUlco (própno), é necessarlO que o ato controlado provenha de agente ou de órgão subordinado ao agente ou ao órgão controlador.

Assim, um recurso dirigido ao superintendente da Receita Federal do Brasil contra ato praticado por um delegado da Receita Federal do Brasil a ele subordinado e recurso hierárquico própno.

Diferentemente. um recurso contra decisão das delegaCIaS de julgamen­to da Secretaria da Receita Federal do Brasil, cUJa aprec1ação mcumbe ao Conselho Admmistratlvo de Recursos Fisca1s - CARF (órgão integrante do Mimstério da Fazenda, mas sem relação hierârqu1ca com a Secretana da Receita Federal do Brasil), é um recurso hierárquico impróprio, apesar de ambos os órgãos (Secretaría da Receita Federal do Brasil e CARF) mtegrarem a mesma pessoa juridica (União).

Os recursos hierárquicos impróprios são recursos dingidos, ou a um órgão especializado na apreciação de recursos específicos, sem relação hle­rarqUlca com o 6rgão controlado, ou a um órgão mtegrante de uma pessoa jurídica diferente daquela da qual emanou o ato controlado. O termo "impro­pno" traduz a noção de que entre o órgão ou a autoridade que profenu o ato recorrido e o órgão a que se endereça o recurso não há relação hierárquica, embora eles possam estar localizados na mesma pessoa jurídica.

São recursos h1erárquicos Imprópnos tanto um recurso ao CARF con­tra uma decisão de uma delegaCia de julgamento da Secretana da Recella

• CONTROLE PÚBLICA 305

Federal do Brasil quanto um recurso endereçado ao mlnJsténo a que esteja vmculada uma entidade da admJnlstração mdireta, mterposto contra um ato dessa entidade.

E uniforme na doutrina o entendimento de que os recursos hierárqUlcos Imprópnos somente são cabivelS quando eX1s!a le1 que expressamente os preveja. deSIgnando a autondade ou o órgão com competêncJa para apreciar e decidir o recurso e as hipóteses em que ele pode ser interposto.

Por fim, abnmos um parêntese para registrar que o Supremo Tribunal federal firmou jurisprudêncJa segundo a qual são mconslJtuc10nais, por violarem o direlto de petJção - gênero no qual reclamações, impugnações e recursos admm1stratlvos estão mseridos -, e tambem a garantia constituCional de ampla defesa, a exigênc1a, mesmo que estabelecida em lei, de dep6s1to préVIO, arrolamento de bens e qualquer outra 1mposição onerosa, ou que Im­plique constnção patnmolllal, como condição de admissibilidade de recursos em processos admm1strallvos. Essa onentação está expliCitada na Súmula Vinculante 21. cUJO enunCiado reproduzmlOs abaixo:

21 - E 1l1constltuclonal a eXlgênCJa de depôslto ou arroJamenlo prevIOs de dinhetro ou bens para adrnlssibilídade de recurso admmlstratlvo.

4. CONTROLE LEGISLATIVO

A fiscalização da admimstração pública exercida pelo Poder Legislat1vo ri usualmente denommada controle leglslat1vo. Como eX1s!e admm1stração pública em todos os Poderes da República. é evidente que as prerrogativas do Poder Leg1slativo incluem a fiscalização da atuação admmlStrativa em todos eles.

Entretanto, o controle que o Poder Legislativo exerce sobre os atos de sua própna administração pública tem natureza diversa daquele que ele realiza sobre a atuação admimstrativa dos Poderes Execut1vo e JudiciáriO. Na prlme1ra hipótese. temos controle mterno, ao passo que nos outros casos eX1ste controle externo.

O controle que o Poder Legislattvo efetua sobre a sua própria atuação admmlstrattva, por ser um controle mterno, não se distmgue do controle admlD1stratlvo, exercido com base no poder de autotutela, estudado ante­normente. No presente tÓp1CO será examinado o controle leglslalJvo como controle externo, ou seja, aquele exercido sobre o Poder Executivo - que concentra a quase totalidade das Illpóteses - e sobre os atos admimstrativos do Poder Judiciário.

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306 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vícenle Paulo & Marcelo AlexandrinD

o controle legislatIvo - por vezes chamado controle parlamentar -, pelo fato de ser um controle externo, somente pode ocorrer nas Situações e nos limites diretamente previstos no texto da Constttuição Federal. As leis de qualquer ente federado, as ConstllUlções estaduais e as LeiS Orgânicas dos municipiOs e do Distrito Federal não podem Criar hip6teses ou estabelecer instrumentos de controle legislativo que não guardem simetria com a Carta da República. Caso o façam, serão lilconstttuclonais, por ofensa ao pnncipio da independêncIa e hannoma dos Poderes.

O controle legislatlvo pOSSUI marcada indole política, razão pela qual ele não se limita ao estrito controle de legalidade fonnal. abrangendo outros aspectos, como a eficiência e, para alguns autores, até mesmo a conveniênCia pública de detemúnadas atuações do Poder Executivo.

Segundo pensamos, embora realmente se possa afinnar que o controle legislatIvo possibilita até mesmo juizo de mérito administratiVo, ISSO não significa que o Poder Legislattvo tenha possibilidade de, simplesmente, considerar que detennmado ato admmistratívo praticado pelo Poder Exe­cutivo fOI ínconvemente ou moportuno e, com base nesse Juizo, revogar o referido ato.

A nosso ver~ os casos em que o Poder Legisiatívo realiza controle de mérito administrativo no exercício do controle externo são aqueles em que a Constttuição Federal, diretamente, atribUI a ele competência para, discri­cionariamente, mtervlr em determmada atuação do Poder Executivo.

Nessas situações, o Poder LegIslativo exerce um controle sobretudo políttco, mas a doutrma costuma enquadrá-lo como controle de ménto, no mtulto de ressaltar o fato de que não se trata de um simples controle de legalidade.

Nas hipóteses de controle políttco, o Poder Legislativo atua com ampla discnclOnariedade. São exemplos as diversas situações em que é necessária uma autorização do Legislativo para a prátICa de algum ato pelo Executivo, como ocorre na nomeação do presidente e dos diretores do Banco Central, que e condiCionada à prévia aprovação pelo Senado Federal dos nomes es­colhidos pelo Presidente da República (CF, art. 52, m, "d"), e na realização de operações externas de natureza financeira, de interesse de algum dos entes federados, que depende de autOrização do Senado Federal (CF, art. 52, V).

O estudo do controle legislativo, em razão das características apontadas, deve centrar-se: (a) no conhecImento das disposições conslttucionals que estabelecem hipóteses do denommado controle parlamentar direto (exercido pessoalmente pelos parlamentares, pelas mesas das casas legislativas ou por intermedio das comissões do Poder Legislativo); e (b) no estudo do controle contábil, financeiro e orçamentário, sobretudo das competências do Tribunal de Contas da União (TCU).

Capo XfU • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PUBUCA 307

Serão esses os pontos expostos adiante, Juntamente com os comentários que se fizerem oportunos. Enfatizamos que as hipóteses que serão estudadas aplicam-se, por slmelna. no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos mUOlcipios, feItas as adaptações pertinentes, quando necessária.

4.1. Hipóteses constitucionais de controle parlamentar direto

4.1.1. Controles exercidos pelo Congresso NaCional

a} e competência exc1uslva do Congresso NaCIOnal fiscalizar e controlar~

diretamente. ou por qualquer de suas Casas~ os atos do Poder Executivo, Incluídos os da administração indireta (art. 49. X);

O art. 49, X, da Constltulção Federal confere ao Poder Legislativo, de forma ampla, competênCIa para controlar os atos do Poder Executivo. Embora a literalidade desse disposlttvo pudesse gerar a Impressão de que o controle parlamentar sena ilimitado, não se deve esquecer a natureza política desse controle, uma vez que não hà hterarqUla entre os Poderes da República.

Devem ser respeitadas, sempre, a mdependência e a hannonia entre os Poderes, razão pela qual se pode afim1ar que o dispOSitivo em apreço tem a finalidade pnncipal de explicitar que é função típica do Poder Legislati­vo - tão importante quanto a função de editar leiS e outros atos nonnativos prImários - o controle da administração pública, nos tennos e limItes esta­belecidos pela Constituição Federal (o Poder Legislattvo pOSSUi duas funções típicas, diferentemente dos demaIS Poderes da República).

b) é competência exclusiva do Congresso NacÍonal sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limItes de delegação legislativa (art. 49, V);

Esse dispositIvo constttucional deve ser interpretado em conjunto com o art. 84, IV, e com o art. 68, § 2.°"

O art. 84, IV, da ConstItuição Federal confere ao Presidente da República o denominado poder regulamentar - competênCia pnvativa para editar decretos e regulamentos VISando a assegurar a fiel execução das leis.

Pode, todavia, ocorrer que, a título de exercicio do poder regulamentar, seja editado um decreto que ultrapasse o conteúdo e o alcance da lei, oca­SIOnando inovação no ordenamento jurídico (em vez de mera regulamentação da lei).

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308 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Nessa hipótese, dispõe o Congresso NacIOnal de competênCia para sustar as disposições do decreto que tenham exorbitado dos limites do legítimo exercícIO do poder regulamentar.

O art. 68 da Constituição trata das leiS delegadas ("delegação leglslall­va"). Nos termos do § 2.' desse dispOSitiVO, "a delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso NaCIOnal, ,que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercicio".

Na hipótese de o Presidente da República exorbitar dos limites da de­legação leglslallva, ou seja, editar uma lei delegada extrapolando o disposto na resolução do Congresso NaCIOnal a que se refere o art. 68, § 2.". tem o Poder Legislativo competênCia para sustar as disposições exorbitantes conlidas na lei delegada, conforme prevê a parte final do acima reproduzido art. 49, V, da Carta Política.

O controle exercido pelo Poder Leglslallvo com base no mClso V do art. 49, ora em análise, é um controle de legalidade ou legItimidade, e não um controle de ménto adminIstrativo, haja vista que o disposItivo não autonza O Poder LegislatIvo a aprecIar a oportunidade ou a conveniência dos atos controlados, e sIm a sustar aqueles que extrapolem ou contranem o exercí­CIO legítimo das competênCias conferidas ao Poder Execullvo pela própria Constituição, ou pelo Congresso NaCIOnaL

c) é competênCIa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ou de quaiquer de suas comissões, convocar Mimstros de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à PresidênCia da República para prestarem. pessoalmente. mformações sobre assunto preVIamente deter­mInado. lmportando enrne de responsabilidade a ausência sem justificação adequada (art. 50, capllt);

d) e competênCia das Ivlesas da Câmara dos Deputados c do Senado Federal encanunhar pedidos escntos de infonnações a Ministros de Estado ou a quaisquer tituiares 'de órgãos diretamente subordinados. â PresidênCIa da República. Importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendimento, no prazo de tnnta dias. bem como a prestação de informações falsas (art. 50, § 2.°);

e} é competênCia exchlslva do Congresso NaCional Julgar anualmente as con­tas prestadas peto Presidente da República e aprecIar os relatórios sobre a execução dos planos de governo (art. 49, IX);

Acerca desse dispOSltlvo (art. 49, IX) e relevante registrar que o Supre­mo Tribunal Federal não admite que a ConstitUIção de um estado-membro estabeleça competênCia para que a assemblela legislativa (e, nó âmbito municipal, a câmara municipal) julgue suas própnas contas, tampouco as

Capo XIII • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 309

contas do Tribunal de Justiça. Segundo o PretórIo Excelso, somente cabe à assemblela leglslatlva o Julgamento das contas do governador (e. a câmara mUnicipal, o julgamento das contas do prefeIto).

Isso porque o julgamento de contas de qUaIsquer admmlstradores pú­blicos cabe aos tribunaIS de contas, ressalvado unicamente o Julgamento das contas dos Chefes do Poder Executlvo, o qual compete, diretamente, ao Poder Legislativo (Congresso Nacional, assemblela legislativa, câmara municipal ou Câmara Legislativa do Distnto Federal, conforme o caso).

ASSim deve ser em todos os entes federados, por força do art. 71, I e 11, da ConstitUIção Federal, conjugado com o seu art. 75 - o qual estende, obngatonamente, aos tribunais de contas dos estados e dos mumcípios (onde houver) o modelo de organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União.

Em suma, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, as Cons­tituições estaduais não podem estabelecer que as contas anuais apresentadas pelo órgão adminIstrativo da assembleia legislativa (a mesa da assembleia legislativa) sejam Julgadas pela própna assembleia legislatiVa, atribumdo ao pronuncIamento do respectivo tribunal de contas função meramente oplOativa. Os tribunais de contas têm competênCia para julgar as contas - e não apenas opinar sobre a regularidade delas - de quaisquer admmlstradores, mesmo quando se trate de contas prestadas pelos órgãos admlmstrattvos do próprio Poder Legislativo, excepcionadas, unicamente, as contas apresentadas pelos Chefes do Poder Executivo (CF, art. 49, IX, e ar!. 71, r e lI, combinado com o art. 75).

A mesma onentação se aplica aos mumciplOs, isto é, somente as con­tas do prefeito são julgadas pela câmara mUlllclpal, cabendo ao tribunal de contas municIpal (onde houver), ou ao tribunal de contas do estado em que esteja localizado o mUlllcipio, o Julgamento das contas de todos os demais administradores muniCIpaIS.

o é competênCia exclUSiva do Congresso NacJOnat autortzar Ou aprovar de­temuo.dos atos concretos do Poder ExecutIvo (art. 49. XIl, XVI, XVJI);

g) é competênCIa do Congresso NaCIOnal, auxiliado peJo Tribunal de Contas da União, exercer a fiscalização contábil, financeIra e orçamentâna federal (art. 70, capul).

A ConstttUlção da República, lIO seu art. 70, atribUI competência ao Congresso NaCIOnal para, mediante controle externo, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União, exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da admimstração direta e indireta federal, quanto á legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação

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310 RESUMO DE- DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

das subvenções e renúnCIa de receItas. Dessa importante função de controle exercida peJo Poder Legislativo trataremos separadamente, mais á frente.

4.1.2. Controles específicos exercidos pelo Senado Federal

No seu art. 52, a Constttuição de 1988 estabelece' as competências privativas do Senado Federal. A leitura dos diversos incIsos desse artigo pemllte constatar que mUItas d'as competênCiaS ali enumeradas referem-se a atribuições de controle, a serem exercidas especificamente pelo Senado sobre atos ou atIvidades do Poder Executivo federaL

Ê mIster reIterar que, por simetria, essas hIpóteses de controle também se aplicam aos demaIs entes federados, desde que seja cabível, e feitas as adaptações necessárias. Como só existe blcameralismo na esfera federal, é evidente que, nos estados, no Distnto Federal e nos municipios, os controles que devam ser exercidos por sime!na com o art. 52 da ConstituIção Federal o serão pelo úmco órgão legIslativo do ente federado: a assembleIa legislativa, a Câmara LegIslativa ou as câmaras muniCIpais, confonne o caso.

Transcrevemos abaiXO algumas das hipóteses de controle estabelecidas no art. 52 da Carta PolítIca:

a) processar e Julgar o Presidente e o Vicewpresidente da República nos cnmes de responsabílidade, bem como os Mimstros de Estado e os Comandantes da Mannha. do ExérCito e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (art. 52, I);

b) aprovar preVIamente, por voto secreto, após argUlção pública, a escolha de detennlOados magIstrados e ministros do TeU, de governador de Temtórl0, do presidente e diretores do Banco Central, do Procurador-Geral da Repu­blica e de outras autoridades que a lei estabeleça (art. 52, I1I);

C) aprovar prevIamente. por voto secreto. após arguição em sessão secreta. a escolha dos chefes de missão diplomátlca de caràter permanente (art. 52, IV);

d) autonzar operações externas de natureza financeIra. de mteresse da União, dos estados, do Distrito Federa!, dos Temtónos e dos mUnicípios (art. 52, V);

e) aprovar, por maIOria absoluta e por voto secreto~ a exoneração, de oficio. do Procurador-Gerai da República antes do ténnino de seu mandato (art. 52, XI).

4.1.3. Controle exerCido por meio de comissões

A Constttulção de 1988 trata das comIssões do Congresso NaCIOnal e de suas Casas no art. 58. São previstas, nesse artigo, atribuições genericas de

Capo XIII" CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 311

controle para essas comIssões, tais qUais as descntas nos mClsos UI, IV, V e VI de seu § 2.°. Nos tennos desses Incisos, respectivamente, compete ás comIssões, em razão da maténa de sua competência: (a) convocar Ministros de Estado para prestar mformações sobre assuntos inerentes a suas atribUIções; (b) receber petIções, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omIssões das autoridades ou entidades públicas; (c) soliCItar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão; e (d) apreciar pro­gramas de obras, planos nacionais, regIOnaIs e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emittr parecer. "

Merecem especial referência as denommadas comIssões parlamentares de inquerito (CPI), às quais se refere o § 3.° do art. 58 da ConstituIção, nestes tennos:

§ 3.° As comissões parlamentares de mquel1to~ que terão po~ deres de mvesllgação próprios das autoridades judiCIais, além de outros preVIstos nos regimentos das respectivas Casas, serão cnadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federa!, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros. para a apuração de falo detennmado e por prazo certo. sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Mimstério Público~ para que promova a responsabilidade Civil ou cnminal dos infratores.

4,2. Fiscalização contábil, financeira e orçamentária

A fiscalização contábil, financeira e orçamentána - muitas vezes denomi­nada, simplesmente, "controle financeIro", em sentido amplo - é exercida sobre os atos de todas as pessoas que admlOlstrem bens ou dinheIros públicos.

O art. 70 da ConstituIção de 1988, SItuado no capítulo sobre o Poder LegIslativo, preceitua:

ArL 70. A fiscalização contábil, financelra, orçamentárta, opera­cíonal e patnmomal da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto â legalidade. IegltJmídade~ economi­cidade, aplícação das subvenções e renúncIa de receItas. será exercida pelo Congresso NaCIOnal. mediante controle extemo~ e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo unico. Prestará contas qualquer pessoa fíSica ou Juri­dica, pública ou pnvada. que utilize. arrecade, guarde. gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda. ou que, em nome desta, assuma obrígações de natureza pecuniária.

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312 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPl.ICADO· Vicenta Paulo & MarceloA/exandrino

Observa-se que há prevIsão de um controle mterno, exercido pelo propno Poder mcumbido da gestão de determinado recurso público, e um controle externo, exercido pelo Poder Legislativo, com auxílio do tribunal de contas competente, sobre a atividade financeIra dos demais Poderes.

O controle interno que cada Poder exerce em seu próprio âmbito é um controle pleno, Irrestnto, abrangendo toda e qualquer verificação pertmente ti legalidade ou à legItimidade da atuação dos respectivos órgãos e agentes e, quando se tratar de atuação discricionána, á conveniêncIa e á oportunidade admmlstratlvas.

O controle financeiro externo, exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos tribunais de contas, VIsa a aferir a probidade da atuação da admlmstração pública e a regularidade na utilização de recursos públicos (em acepção abrangente), sendo um controle contábil e financeIro de legalidade e legitImidade, revestido, todavia, de marcada indole políttca.

Abnmos um parêntese para registrar que e frequente os autores afirmarem que, exatamente em razão do viés político do controle financeIro extemo, chega ele ao ponto de possibilitar o questionamento de aspectos que envolvem a própna discricionariedade do admInistrador público.

E necessário tomar cuidado com essa afirmação.

Ela so e correta se ficar claro que o controle financeiro externo não pernllte ao órgão controlador revogar um ato discnclOnáno SUjeIto ao seu controle, ou seja, não pode o referido órgão substItuir, pelo seu propno, o juizo de oportunidade e conveniêncIa do administrador, quando tal Juízo tiver sido exercido em conformidade com a lei e o direIto.

Portanto, o que se pretende dizer com a asserção de que o controle finan­ceiro externo envolve aspectos relacionados à discricionanedade é que ele não se restringe à análise meramente formal de legalidade e que ele possibilita o questionamento até mesmo da atuação discriclOnána do admimstrador, o qual terá que Justificar. fimdamentadamente. â luz da lei e do direIto, as escolhas que fez no exercício de sua atividade admInistrattva, demonstrando que havia elementos, em cada caso, que o levaram a considerar que uma determinada atuação, por ele dotada - e não outra, Igualmente válida -, atendia mais adequadamente ao Interesse público.

Esse controle externo financeiro, conforme preVISão do supra transcrito art. 70 da ConstltuÍ<;ão, concerne â receita, â. despesa e à gestão dos recursos públicos, com vistas a preservar o erário de toda sorte de malversação.

As áreas alcançadas pelo chamado controle financeiro são: contábil, finan­ceira, orçamentária, operacional e patnmonial. Conforme o texto constltucio­nal, essas áreas serão controladas, com vistas â verificação da regularidade da ,.

Capo XII1 • CONTROLE DAADMINISTRAÇÁO PÚ8L1CA 313

gestão da COIsa pública, sob CInCO diferentes aspectos: legalidade, legtlunidade, economIcidade, aplicação das subvenções e renúncIa de receItas.

O parágrafo úmco do art. 70, aCIma transcnto, é Importante para expli­citar que não só agentes públicos e não só atos ou contratos admll1lstrattvos propnamente ditos estão SUjeitos à fiscalização contábil, financeIra e orça­mentána. Pelo contráno, a sujeição ao controle ora em foco e onentada pelo denominado princípio da universalidade: toda e qualquer pessoa, fisica ou Jurídica - mcluslve pessoas InteIramente privadas -, desde que, de algum modo, receba, adminIstre ou esteja Incumbida da aplicação de recursos pu-' blicos de qualquer espéCie, mediante atos, contratos e convêmos de qualquer natureza, ou execute quaisquer outras operações que onerem o erano, está sUjeita ao controle contábil, financeIro e orçamentáno, concernente â regula­ridade de seus procedimentos, exercido pelo Poder LegislatiVO, com o auxílio do tribunal de contas competente.

Impende, por fim, lembrar que, embora o art. 70 da ConstitUIção da República seja endereçado especificamente à União, as regras aqui expostas são aplicave\s, por simetna, aos demais entes federados, feitas as adaptações pertmentes, quando necessárias.

4.2.1. Controle exercido pelos tribunaiS de contas

Os tribunaiS de contas são órgãos vinculados ao Poder LegislatiVO, que o auxiliam no exercícIO do controle externo da admmlstração pública, sobre­tudo o controle financeiro. Não existe hierarquia entre as cortes de contas e o Poder Legislativo. Os tribunais de contas não praticam atos de natureza legislatIva, mas tão somente atos de fiscalização e controle, de natureza ad­ministrativa. Não obstante recebam a denomInação de "tribunais", as cortes de contas não exercem junsdição, Isto e, não dizem com defimtividade o direIto aplicável a um caso concreto litigIOSO; suas deCisões não fazem "COisa Julgada" em sentido própno.

O art. 71 da ConstItuiÇão da República estabelece as competênc!as do Tribunal de Contas da União, nos termos abaIXO transcritos:

Art. 7 L O controle externo, a cargo do Congresso NaCIonal. serà exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - aprecIar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da Repúblíca, mediante parecer prevlo que deverâ ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebImento;

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314 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

11 - Julgar as contas dos admInistradores e demaIs responsáveis por dinheIros, bens e valores públicos da admimstração direta e mdireta, mcluídas as fundações c sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra trregularidade de que resulte preJuizo ao erário público;

III - apreCIar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admIssão de pessoal. a qualquer título, na admimstração direta e mdireia, mcluídas as fundações Instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provImento em comissão, bem como a das concessões de aposentadonas1

refonnas e pensões, ressalvadas as melhorias postenores que não alterem o fundamento legal do ato concessório~

IV - realizar. por imClatlva pr6pna, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal~ de Comissão técOlca ou de mqucnto. ínspe­ções e auditorias de natureza contábil. financeira. orçamentána. operacIOnal e patrimOnial. nas unidades administratIvas dos Poderes Leglslattvo. Executivo e Judiciáno. e demaIs entidades referidas no mciso Il~

V - fiscalizar as contas naClOnalS das empresas supranacionais de cUJo capital SOCIal a União partICIpe, de forma direta ou mdireta, nos tennas do tratado constitutivo;

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres. a Estado, ao Distnto Federal ou a MumcipIO~

vn - prestar as Informações solicItadas pelo Congresso Nacio­nal, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentá­na, operacionat e patnmonial e sobre resultados de auditonas e Inspeções realizadas:

VIII - aplicar aos responsáveiS, em caso de ilegalidade de des­pesa ou trregularidade de contas. as sanções prevIstas em lei, que estabelecerá, entre outras commações. multa proporcIOnal ao dano causado ao erârio;

IX - assmar prazo para que o órgão ou entidade adote as pro~ vidêncms necessànas ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato Impugnado, comUnIcando a deCIsão li Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;

capo XIII • CONTROLE DAADMJNISTRAÇÃO PúBLICA

XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

§ LO No caso de contrato. o ato de sustação será adotado dire­tamente pelo Congresso NaclOna!, que soliCitara. de Imediato. ao Poder Executivo as medidas cabíveis.

§ 2.u Se o Congresso NaCIOnal ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo antenor, o Tribunal decidirá a respeIto.

§ 3.° As deCIsões do Tribunal de que resulte Imputação de débIto ou multa terão eficácia de título executivo.

S 4.° O Tribunal encaminhará ao Congresso NaCIOnal, trimestra! e anualmente, relatóno de suas atividades.

315

o controle que os tribunais de contas exercem sobre os atos ou contratos da admmistração é um controle postenor ou subsequente, salvo as inspeções e auditorias (controle concomitante), que podem ser realizadas a qualquer tempo. A respeito das competênCiaS constitucionats do Tribunal de Contas da União - TCU, merecem destaque os seguintes pontos.

O prímeíro ponto diz respeito â competência do TCU para "apreciar" e ')ulgar" as contas públicas.

No tocante às contas do Presidente da República (art. 71, I), o TeU tem competência, tão somente, para apreciá-Ias, mediante parecer pn;vio que deverá ser elaborado no prazo de sessenta dias a contar de seu recebimento. Portanto, não cabe ao TeU julgar as contas do Presidente da República. Quem as julga é o Congresso Nacional, consoante estabelece o art. 49, IX, da ConstituIção Federal.

Quanto às contas dos demais administradores públicos, o TCU dispõe de competência para julgá-Ias, por força do inCISO II do art. 71 da Carta PolítICa.

Esse modelo, em decorrênCia do disposto no art. 75 da Carta Política, é de observância obrigatória no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípIOS. ASSIm, no âmbito estadual, a competênCIa para Julgar as contas do governador sera da assemblei. legISlativa, após a apreCIação, mediante parecer prévIO, do tribunal de contas do estado; e a competência para o julgamento das contas dos demaIS adminIstradores públicos estaduais será do tribunal de contas do estado. No âmbito municipal, a competência para julgar as contas do prefeito será da câmara mUnICIpal, após a apreciação, mediante parecer prévio, do tribunal de contas do estado (ou do município, onde houverj; e a compe-

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316 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

têncla para o Julgamento das contas dos demais admmlstradores mUniCipais será da corte de contas do estado (ou do mUnicípio, onde houver).

Em face dessa disCiplina constituciOnal, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que não pode a Constituição do estado-membro ou­torgar â assembleia legislativa competência para Julgar suas próprias contas, tampouco as contas dos administradores do Poder Judiciário local, haja vista que essa medida Implicaria usurpação de competência do tribunal de contas do estado. Essa mesma vedação é aplicável á Lei Orgânica do mUnicíplO, no tocante ao Julgamento das contas da câmara mUnicipaL

Cabe registrar, aliás, que o Supremo Tribunal Federal já teve oportu­nidade de declarar inconstitucional até mesmo a preVisão, em determmada Conslituição estadual, de que os julgamentos de contas realizados pelo tri­bunal de contas daquele estado estariam sujeitos a recurso para o plenário da respectiVa assemblela legislativa. Invocando o art. 71, lI, da ConstItuição Federal, asseverou a Corte Suprema, de forma ampla, que "o exerciclo da competência de Julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo" (ADIMC 3.715).

O segundo ponto diz respeito â competênCia para o Julgamento das contas da própna corte de contas.

A ConstItUição Federal de 1988 não dispôs, expressamente, a respeIto da atribuição de Julgamento das contas dos tribunaiS de contas. Com base nos postulados constitucionais derivados do princípIO republicano, sobretudo os deveres de transparência e de prestação de contas, o Supremo Tribunal Federal conSidera válida norma constItucIonal estadual que outorgue com­petência â respectiva assem biela legislativa para o Julgamento das conlas da corte de contas do estado (ADI 1.175; ADI 2.597). Por força do art. 75 da ConstitUIção Federal, esse entendimento é extensIvo aos mUnlcipios, ou seja, a Lei Orgânica do mUnicípio pode atribuir a câmara mUnICIpal competênCIa para O julgamento das contas do tribunal de contas mUnicipal, onde houver.

O terceiro ponto diz respeito à diferença que a ConstItuição estabeleceu para a atuação do TCU diante de trregularidades apuradas em ato adminis­trativo e de irregularidades verificadas em conlrato admInistrativo.

No caso de ato administrativo, cabe ao próprio TCU sustar a sua execução, dando ciência dessa providênCIa â Câmara dos Deputados e ao Senado Federal (CF, art 71, X).

Na caso de contrato administrativo, não fOI conferida, de início, essa competência ao TCU, uma vez que o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que soliCItará, de imediato, ao Poder ExecutIvo as

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Capo XIII· CONTROLE OAADMIN1STRAÇÃO PUBLICA 317

medidas cablvels. Apenas se o Congresso NaCiOnal ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetIvar as medidas cabivels para a sustação do contrato é que o TCU adqul1irá competência para decidir a respeito (CF, art. 71, §§ l.0 e 2.°).

O quarto ponto relevante refere-se â natureza das deCIsões do Tribunal de Contas da União das quaIs resulte imputação de débito ou multa. A Conslltuição atribmu a essas decisões eficácia de título executivo (CF, art. 71, § 3.°). Isso significa que a multa aplicada, ou o débIto Imputado, pode ser levada diretamente ao Poder JudiciáriO para cobrança, em ação de execução, sem necessidade de discussão préVia, em uma ação judicial de conhecimento, acerca da leglllmidade dessa multa ou desse débito.

O quinto ponto que Julgamos conveniente enfallzar conceme à abran­gênCia da competência prevista no mClso II do art. 71 da ConstitUição, trans­crito acima, especialmente no que tange â denominada tomada de contas especial, deteimmada pelo TCU, relativamente a SOCIedades de economia mista e empresas públicas.

A parte final do inciso II do art. 71 da Constituição estabelece a compe­tênCia do TCU para "julgar as contas ( ... ) daqueles que derem causa a perda, extravIO ou outra Irregularidade de que resulte prejuizo ao erário público". Trata-se da competênCIa para proceder â tomada de contas especial.

Consoante o entendimento hOJe vIgente no âmbtto do Supremo Tribunal Federal, toda e qualquer entidade da admmistração indireta, não Importa o seu objeto (mesmo que seja o exercíCIO de atividades econômIcas em senti­do estnto), nem sua forma juridica, sujeIta-se lOtegralmente ao mciso II do art. 71 da ConstitUIção, inclUSIVe â sua parte final, que Irata do Ínslltuto da tomada de contas especial, aplicável a quem dê causa a perda, extravio ou outra lITegularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

O sexto ponto digno de nota diz respeito ao entendimento do Supremo Tribunal Federal segundo o qual os tribunaIS de contas, no desempenho de suas atribUIções, podem realizar o controle de constitucionalidade das leis, IStO é, no exame de um processo submetido a sua apreciação, podem afastar a aplicação de uma leI ou ato normatIvo do Poder Público, por entendê-lo lOconstltuclonal (Súmula 347 do STF: "O Tribunal de Contas, no exercicio de suas atribuições, pode aprecIar a constitucionalidade das leiS e dos atos do Poder Público").

Essa declaração de inconstitucIonalidade pelos tribunais de contas deverá ser proferida pela maIoria absoluta de seus membros, em atenção á cláusula de "reserva de plenáriO", estabelecida no art. 97 da Constttuíção Federal.

Não podem as cortes de contas, entretanto, alterar determmações cons­tantes de decisão judicial transitada em julgado, ainda que a decisão judiCial

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318 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO OESCOMPUCADO • Vicente Paulo & Marcelo AIexandn'no

Implique a concessão de beneficIO a servidor ou a admmlstrado e destoe daquilo que venha sendo decidido, em casos análogos, pelo Supremo Tribunal Federal (MS 28.150 MC/DF). A autoridade da coisa julgada não pode ser contrastada por nenhuma decisão administrativa - e as decisões das cortes de contas têm natureza admlnlstrattva. Sentença judicial transitada em julgado, em maténa cível, só pode ser validamente desconstituida. se for o caso, mediante ação reSCIsória.

É Interessante anotar, tambem, que o Tríbunal de Contas' da União - e, em decorrêncIa da simetna, as demms cortes de contas - não dispõe de competêncía para determmar a quebra do sigilo bancário das pessoas sub­metidas ao seu controle (MS 22.801).

Faz-se oportuno, ainda, registrar que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 3, aCerca da abrangênc!3 do direito ao contraditório e ampla defesa nos processos que tramitam no TCU, cujo enunCIado trans­crevemos abaiXO:

3 - Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditõrlo e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato adrntnlstratívo que benefiCie o Interessado. excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão IniCial de aposentadoria. reforma e pensão.

Acerca da parte final do enunciado da Súmula Vinculante 3 - que afas­ta o contraditório e a ampla defesa nos casos de apreCIação, pelo TCU, da legalidade dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão -, um esclarecImento se faz necessário, espeCialmente porque, conforme se verá, o Supremo Tribunal Federal acabou firmando posição de sorte a limitar o que literalmente dela deftutrla.

Segundo a junspnldêncla tradicional do STF, o ato de concessão de aposentadona, reforma ou pensão classifica-se como um ato complexo. Vale dizer, para a nossa Corte Suprema, a concessão de aposentadoria, reforma ou pensão somente se completa, se aperfeiçoa, com o registro feito pelo TCU, no exerciclO do controle de legalidade do ato.

Enquanto o TCU não aprecIa a legalidade do ato de concessão de apo­sentadoria, reforma ou pensão e efetua o registro desse ato, ainda não eXIste um ato admimstrattvo inteIramente formado, mas sim um ato incompleto, imperfeito, macabado; só depois do registro pelo TCU é que passa a exis­tir um ato perfeito (completo, concluído) de concessão de aposentadoria, reforma ou pensão.

Capo XIII· CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PúBLICA 319

Como coroláno desse entendimento, afirma o STF que não eXIste, para o admimstrado. direIto a contraditóno e ampla defesa no caso da apreCiação da legalidade pelo TCU, para efeito de regIstro, do ato de concessão imc,"1 de aposentadoria. reforma ou pensão, haja vista que, aqUI, o regIstro faz parte da própria formação do ato. Antes do registro, não hã qualquer especle de litígio, nem mesmo mdireto, com o admmlStrado; o regIstro mtegra a formação do ato de concessão de aposentadona, reforma ou pensão, e não se cogIta contraditório e ampla defesa enquanto o ato está sendo fOnl"do, completado, concluído. aperfeIçoado. '

Pois bem, a onentação que expusemos, resumidamente, no paragrafo anterior, deve ser entendida, hOje, apenas como uma regra geral, nem sem­pre aplicáveL

De fato, em setembro de 2007, nosso Pretóno Excelso firmou o entendi­mento de que o TCU tem o prazo de cinco anos para efetuar a aprecIação da legalidade, para fins de. regIstro, do ato de concessão iniCial de aposen­tadoria, reforma ou pensão sem conceder ao interessado a oportunidade de contraditório e de ampla defesa (MS 24A48/DF).

O referido prazo de cinco anos é contado a partir da data da chegada, ao TCU, do processo admmistrativo de concessão da aposentadona, reforma ou pensão (MS 24.781/DF). Passado esse prazo, o TCU amda pode exercer a competência para aprecIar a legalidade do ato de concessão da aposenta­doria, reforma ou pensão e, se for o caso, declarar o ato ilegal e recusar o regístro, mas devera. assegurar ao beneficiário, previamente, o exerCÍcio do contraditório e da ampla defesa.

Esse entendimento do STF foi reIterado em diversos julgados pos­tenores (MS 25.1l6/DF; MS 25A03/DF; MS 24.78 l/DF). É interessante notar que, em todos eles, a Corte Máxima limita-se a anular a deCIsão do TCU que, passado o prazo de cinco anos ora em foco, tenha considerado ilegal o ato de concessão 100cial da aposentadoria, reforma ou pensão, sem prejuízo da possibilidade de o TCU instaurar um novo processo, com o mesmo objeto, porém assegurando ao admimstrado o contraditório e a ampla defesa. Ou seja, o TCU pode. até, ao final, decidir de novo que fOI ilegal o ato de concessão iniCIal da aposentadoria, reforma ou pensão e negar o correspondente registro, mas essa nova deCIsão terá que ser precedida do exercício, pelo administrado beneficiáno daquele ato, do contraditóno e da ampla defesa.

Os fundamentos para essa orientação foram, dentre outros, os pnncípios da segurança jurídica, da boa-fé e da razoabilidade. Considerou o STF que, em atenção a esses princípIOS. a inérCia do TCU por um período supenor ao razoável acarreta a necessidade de chamar ao processo as pessoas que

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320 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

possam ser afetadas pela negativa de registro do ato de concessão de aposen­tadona, reforma ou pensão, a fim de que elas, antes, exercitem as garantias do contraditório e da ampla defesa.

E mUlto Importante salientar que essa orientação do Supremo Tribunal Federal não significa sujeItar ao prazo decadencial de CtocO anos previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999 o direito que o TCU tem de efetuar o controle de legalidade dos atos de concessão de aposentadoria, reforma e pensão. Se o TCUestivesse SUjeIto ao referido prazo decadencial no exercícIO desse controle, depoIs que passassem cmco anos da concessão inicial, pela admI­nistração pública, de uma aposentadona, reforma ou pensão, restaria extmto por completo o direito de o TCU declarar a ilegalidade dessa concessão, salvo comprovada má-fé do admiOlstrado.

O prazo de cmco anos estabelecido nos Julgados aqUI citados foi con­siderado pelo Supremo Tribunal Federal um periodo razoavel para o TCU exammar, para fins de regIstro, sem contraditório e ampla defesa pré­vios, a legalidade dos atos de concessão imcial de aposentadona, reforma ou pensão. O transcurso desse prazo razoável sem a atuação do TCU não implica decadência do seu direito de fazer esse exame de legalidade, mas, tão somente~ a obrigação de ser concedido ao admmlstrado~ nesse caso, o exercício prévIO do contraditóno e da ampla defesa.

Situação bem diferente ocorre quando o TCU, depois de já ter feito o registro, isto é, já ter afirmado formalmente a legalidade do ato de conces­são de aposentadoria, reforma ou pensão, pretende annlar a sna própria decisão, por constatar que errOu ao decidir, ou por qualquer outra razão que o leve a entender que o registro não deveria ter sido efetuado.

Nesse caso, a orientação do Supremo Tribunal Federal é de que a anulação pelo TCU de sua própria decisão está sujeIta· ao prazo deca­dencial de cinco anos prevIsto no art. 54 da Lei 9.784/1999. Isso porque o ato de aposentadoria (ou reforma ou pensão), com O registro efetuado pelo TCU, já estava perfeito (concluído, completo), mexistindo qualquer motIVO válido para afastar a aplicação do referido prazo decadenCIal (MS 25.963/DF).

Cumpre frisar, por fim, que as normas da ConstItuIção Federal relativas ao Tribunal de Contas da União "aplicam-se. no que couber, à orgamzação, compOSição e fiscalização dos TribunaiS de Contas dos Estados e do Dislrit?, Federal. bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos MumcIplos (CF, art. 75).

Capo XIII • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 321

5, CONTROLE JUDICIAL

O denommado controle judiciáno, ou Judicml, é o controie realizado pelos orgãos do Poder Judiciário, no desempenho de atIvidade junsdiclOnal, sobre os atos adminIstratIVOS praticados pelo Poder Executivo, bem como sobre os atos admIOlstratIvos editados, no exercicIO de função admimstral!va, pelo Poder LegIslatIvo e pelo próprio Poder Judiciário.

O controle judicial verifica exclusivamente a legalidade ou legitimidade dos atos admlOlStratlvos, nunca o mérito admmIstrativo. Trata-se, em regra, de um controle posterior, corretivo, incidente sobre o ato já pratIcado.

O Poder JudiciárIO, no exercicio de sua atividade Jurisdicional, sempre age mediante provocação do mteressado ou do legitimado (em casos como o da ação popular. ou da ação CIvil pública, pode não eXIstir mteresse direto do autor relativamente ao bem ou direito lesado).

Mediante o exercíCIO do controle judicial dos atos admIOlstrativos pode ser decretada a sua anulação (nunca a revogação, pOIS esta decorrena de controle de mérito).

Deve-se repisar que não se admIte a aferição do merito administrativo pelo Poder Judiciário. Não fana sentido o JUIZ, órgão voltado it atIvidade junsdiclOnal, multas vezes distante da realidade e das necessidades admi­nistrativas, substitUIr, pela sua, a ótIca do administrador. Significa que, se fosse dado ao JUIZ decidir sobre a legitimidade da valoração de oportunidade c conveniência realizada pelo administrador na prátIca de atos discricioná­rios de sua competênCIa, estana esse JUIZ substItuindo o administrador no exerciclO dessa atividade valorativa, vale dizer, substituindo a avaliação de conveniênCIa e oportunidade realizada pelo administrador, que vivenclOu a situação que ensejou a práltca do ato, que tem como mIster exatamente o exerClcio de atividades admimstrattvas, por uma avaliação de conveniência e oportunidade realizada por ele, juiz, evidentemente distanciado do cotidiano da admmistração pública.

Não se deve, entretanto, confundir a vedação de que o Judiciáno aprecie o ménto admmlstrativo com a possibilidade de aferição pelo Poder Jndiciário da legalidade dos atos discflclOnários.

Com efeIto, os atos discricionários podem ser amplamente controlados pelo Judiciáno, no que respeita a sua legalidade ou legitimidade. Por exem­plo, um ato discflcionário do Poder ExecutIVO pode ser anulado pelo Poder Judiciário em razão de vício de competência, de desvio de finalidade, de vIcio de forma (se fOI desatendida determinada forma ou formalidade que a lei considerasse essencial á validade do ato), de victo de motívo (por exem­plo, comprovação de mexIstêncIa dos fatos alegados pela admimstração, na

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322 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

motivação do ato, como ensejadores de sua práttca) e de ViCiO de objeto (por exemplo, ato praticado com conteúdo não previsto em lei; Imagine-se, na esfera federal, um ato de suspensão diSCiplinar por 100 dias: sena nulo por víCIO de objeto, porque a lei só autonza a suspensão até 90 dias).

Ainda, os controles de razoabilidade e proporciOnalidade possibilitam anulação, pelo Poder Judiciário, de atos discricíonários que tenbam sido pratIcados fora da esfera de mérito admInIstrativo estabelecida pela leI.

Em resumo; o Poder Judiciáno pode, sempre, desde que provocado, anular atos admimstrativos, Vinculados ou discricionáriOS, que apresentem viclos de ilegalidade ou ilegitimidade. O que não se admite é que o Poder Judiciário revogue um ato editado pelo Poder Executivo ou pelo Poder Leglslatívo. A revogação, que traduz exerciciO do controle de ménto administrativo, retira do mundo jurídico um ato discricionário válido que se tornou inoportuno ou inconvemente ao mteresse público, segundo Juízo exclusivo da adminIstração pública que o praticou.

Cabe lembrar que no exercício de função admmistratlva o Poder Judiciário pode, sim, revogar atos diSCrIcionárIOS que ele mesmo tenha editado, mas isso não é controle judicial proprIamente dito, e sim controle administratIvo (porque o Judicüirio estará atuando como administração pública, e não exer­cendo função jurisdicional).

São inúmeros os melaS JudiciaiS de controle dos atos da adminIstração pública, alguns acessíveIS a todos os administrados, outros restritos a legitima­dos determinados. Citamos como exemplos, entre muitos outros, o mandado de segurança, a ação popular, a ação de Improbidade adminIstrativa, a ação civil pública, o mandado de Injunção, o habeas corpus, o habeas dolo. Atê mesmo a ação direta de mconstitucionalidade - ADI e a ação declaratÓrIa de constitUCIOnalidade - ADC são passíveis de utilização para o controle JudiCial de atos administrativos, desde que providos de normatividade.

A rIgor, uma relação de ações disponíveis para o controle JudiCial das atividades da adminIstração pública sempre será meramente exemplificativa, e não exaustiva, uma vez que todo pronunciamento do Poder Judiciádo so­bre um ato da administração pública, cm qualquer ação judicial, configura controle judicial.

Em qualquer hipótese, deve-se tcr cm mente a regra báSica do nosso ordenamento Juridico, constante do art. 5.°, XXXV, da Constituição, segundo a qual "a lei não exclUIrá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direJto" (prmcipio da tnafastabitídade de jurisdição).

Consoante explicamos no inicio do presente capítulo, não serão estu­dadas, nesta obra, ações judiciais específicas, salvo, unicamente, a ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei 8.429/1992.

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Capo XIII • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 323

Devido a sua importânCia - e ao fato de não se resumir a uma ação JudiCial, mas envolver também procedimentos admlOistralivos -, o assunto "improbidade administrativa" será detalhadnmente examinado a seguir, em tópico próprio,

6. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429119921

6.1. Aspectos gerais

6.1.1. Base constitucional e regulamentação legal

A base constituCIonal direta para a responsabilização pelos atos de im­probidade admmistrativa encontra-se no § 4.° do art. 37 da Carta de j 988, abaixo reproduzido:

§ 4.t' Os atos de Improbidade adminIstrativa Importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública. a mdisponibilidade dos bens e o ressarCimento ao eráno. na forma e gradação preVIstas em leI, sem prejuízo da ação penal cabiveL

A norma alcança a administração pública direta e Indireta de qualquer dos Poderes, em todos os entes da Federação, não só pela amplitude de sua redação, mas, também, pelo fato de estar situada no art. 37 da ConslItulção Federal.

. O § 4.° do art. 37 do Texto Magno é uma norma constitucional de eficáCIa limitada. Em 1992 OCorreu sua necessária regulamentação, operada pela Lei 8.429/1992, diploma de caráter nacional, iStO é, de observânCia obrigatória para a União, os estados, o Distrito Federal e os municípIOS,

Assim como o texto constitucional, essa lei não se preocupou em definIr improbidade administrativa, mas apresenta conforme sera visto adiante -descrições genericas, acompanhadas de extensas listas exemplificativas, de condutas (inclusive omiSSivas) que se enquadram como "atos de improbida­de admimstrativa", classificados em três categorias, e estabelece as sanções aplicáveis,

Dispõe a lei, amda, entre outros temas, acerca dos sUjeitos ativos e pas­SIVOS dos atos de Improbidade administrativa, do procedimento admmistralIvo de apuração e da ação judicial de improbidade admlOistrattva (legitimados, medidas cautelares, fitO, prescrição etc.).

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324 RESUMO DE DIRElTO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & M;Jfcelo Alexandrino

Passemos ao estudo dos assuntos mais relevantes tratados na lei, e dos tÓpiCOS a eles relacionados.

6.1.2. SUjeitos passivos

o pnmelro ponto da lei a ser analisado diz respeito ás entidades que podem ser diretamente atmgidas por atos de improbidade administrativa (os sUjeitos passIvos dos atos de Improbidade admlmstraltva).

A LeI 8.429/1992 estatul que os atos de Improbidade administrativa podem ser praticados contra (art. 1.0

):

a) a admImstração pública direta e mdireta1 de qualquer dos. Poderes da União, dos estados. do Distl'1to Federal e dos municipIos;

b) empresa Incorporada ao patrJmônlo público e entidade para cUJa cnação ou custeJO o erano haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio Ou da receita anual;

C} entidade que receba subvenção, benefiCIO ou inCentIVO, fiscal ou credití­cio. de 6rgão público. bem como aquelas para cUJa criação ou custeIO o eràrio haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se a sanção patnmonial, nesses casos. â repercussão do ilíCito sobre a contributção dos cofres públicos.

Esses são os sujeItos passivos dos atos de Improbidade administratIva, IstO é, as pessoas que podem ser diretamente atingidas por tais atos, as vítImas Imediatas desses atos, Exatamente por essa razão, dispõem elas, concorrentemente com o Ministério Público, de legitimidade atIva ad cau­sam para ajUIzar a ação de Improbidade admimstratIva, conforme veremos à frente.

6.1.3. SUjeitos ativos

o segundo aspecto da LeI 8.429/1992 a merecer exame conceroe ás pessoas que podem praticar atos de Improbidade admInIstrativa (os sUjeitos atJvos dos atos de improbidade administrativa) e, consequentemente, sofrer as penalidades nela estabelecidas.

Os sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa são, exatamente por essa razão, as pessoas que têm legitImidade para figurar no pala paSSIVO

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Cap. XIII • CONTROLE DAADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 32S

da ação Judicial de improbidade adminIstrativa (são os legitimados paSSIVOS na ação de Improbidade adminIstratIva).

As normas da Lei 8.429/1992 que descrevem os atos de Improbidade admtnlstrattva e cominam as sanções correspondentes são endereçadas pre­cipuamente aos agentes públicos. Entretanto, elas são aplicáveIS, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prátIca do ato de Improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou mdireta (art. 3.°).

Consoante se constata, uma pessoa que não seja agente público pode ter sua conduta enquadrada na Lei 8.429/1992 e sofrer as sanções nela es­tabelecidas. Mas é Interessante observar que, isoladamente, essa pessoa não tem como pratIcar um ato de Improbidade admmistratlva, porque o texto legal só prevê as segumtes hipóteses: (a) a pessoa Induz um agente público a praticar ato de Improbidade; (b) ela prattca um ato de improbidade junto com um agente público, IStO é, concorre para a prátIca do ato; ou (C) ela se beneficia de um ato de improbidade que não praticou.

Fora dessas sltuações~ a pessoa que não se enquadre como agente públi­co e pratique algum ato que prejudique o Poder Público poderá sem dúvida ser punida, com base nas leiS penais ou na legislação civil, mas não com fundamento na Lei 8.42911992.

O conceito de agente público para efeito de enquadramento na Lei 8.42911992 e SUjeIção ás penalidades nela cominadas ê bastante amplo, abrangendo todo aquele que exerça, mnda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, deSignação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades passíveIS de ser enquadradas como sUjeIto passIvo de atos de Improbidade admlOlstrativa (art. 2.").

Não obstante a clareza dos dispOSitivos da lei, acerca de sua abrangên­Cia, é importante registrar que o Supremo Tribunal Federal decidiu que ela não se aplica a todos os agentes polítICOS. Segundo entendimento da Corte Suprema, a LeI 8.429/1992 não se aplica aos agentes políticos sujeitos ao "regime de crime de responsabilidade" (Rei 2.l38/DF, 13.06.2007; vide InformatIVo 471 do STF).

E mister ressaltar o alcance da CItada onentação do Pretóno Excelso: a LeI 8.42911992 é aplicável aos agentes públicos, de forma abrangente, mclu­sive aos agentes polítICOS que não estejam sujeitos ao "regIme de cnme de responsabilidade", caso, por exemplo, dos parlamentares de um modo geraL Exclusivamente os agentes políticos que se submetam ao "regime de crime de responsabilidade" é que não estão sujeitos à Lei 8.429/1992.

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326 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo AlexancJn'no

6.1.4. Natureza das sanções cominadas

Quanto ás penalidades, a Lei 8.429/1992 estabelece sanções de natureza administrativa (perda da função pública, proibIÇão de contratar com o Poder Público, proibIção de receber do Poder Público beneficios fiscaIs ou credi­tícios), civil (ressarcimento ao erárIo, perda dos bens e valores acrescidos ilicItamente ao patrimômo, multa Clvií) e política (suspensão dos direitos políticos).

A fIgor, nem todas as consequênclas estabelecidas na LeI 8.429/1992 para os atos de improbidade são penalidades. A indisponibilidade dos bens por exemplo, é uma medida de natureza cautelar, que tem a finalidade nã~ de sancIonar alguém, e sim de assegurar que a pessoa sob investigação não venha, eventualmente, a frustrar uma futura execução, por exemolo, transfe-rindo fraudulentamente seus bens a tercelfOS. -

Em consonâncIa com o estabelecido no prõprio texto constitucional (art. 37, § 4.'), a Lei 8.429/1992 eXIge o Integral ressarCImento ao erátio, sempre que houver dano ao patrimômo público (em sentido econômICo) ocasionado por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro (art. 5.'). DetermIna, ainda, no caso de enriqueCImento ilíCIto, a perda dos bens ou valores acrescidos ao patrtmÔllIo do agente público ou terceIro beneficiárto (art. 6.').

Aos sucessores daquele que causar lesão ao patrImônio público ou se enflquecer iliCItamente estendem-se as sanções de natureza patnmonial até o limIte do valor da herança (art. 8.'). '

A Lei 8.429/1 992 não estabelece sanções penais pela prática de atos de improbidade admInjstrativa. Deve-se notar, entretanto, como expressamente consta do texto legal, que as penalidades nela comInadas são aplicáveIs sem prejUlZO de outras sanções, previstas em outras leIS (art. 12).

Muitas das condutas descntas como atos de Improbidade administrativa na LeL8.429/1992 coincidem com tIpOS penais, ou seja, também constItuem crhnes, previstos em leIS penais. Nesses casos, além das penalidades estabe­leCIdas na LeI 8.429/1 992 para o ato de Improbidade, o agente responderá na esfera penal pela mesma conduta, tipificada como crime em uma lei penal, estando sUjeIto às penas na leI cnmlllal comInadas (por exemplo. reclusão, multa penal).

6.2, Descrição legal dos atos de improbidade administrativa e sanções aplicáveis

A LeI 8.429/1992 classifica os atos de improbidade admmIStrativa em três grandes grupos (a ngor, nem sempre se trata de atos admmlstrativos,

Capo XIII • CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 327

propriamente ditos, porquanto alguns correspondem a meras condutas, In­

clUSIve omissivas):

a) atos de Improbidade adminIstrativa que Importam em enriquecimento ilíClto~

b) alos de Improbidade admInIstrativa que causam prejuízo ao eráriO;

c) atos de Improbidade admmistratIva que atentam contra os prindplos da admimstração pública.

E considerado ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimeuto ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimomal mde­vida em razão do exercicIO de cargo. mandato, função, emprego ou atividade públicos (art. 9.°).

Independentemente das sanções penaIS, CiVIS e admimstrativas pre­vIstas na legislação especifica, a prátIca de atos dessa natureza sujeita o responsavel ás seguiutes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, I): (a) perda dos bens ou valores acrescidos iliCItamente ao seu patrímôlllo; (b) obrigação de ressarCImento integral do dano, quando houver; (c) perda da função pública; (d) suspensão dos direitos políticos durante oito a dez auos; (e) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acresclmo patrimonial; e (f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber beneficios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou mdiretamente, amda que por intermédio de pessoa jnrídica da qual seja SÓCIO maJontário. pelo prazo de dez anos.

E considerado ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimomal, desvio, apropnação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres do Poder Público (art. 10).

Independentemente das sanções penais. CIvis e admiOlstrativas previstas na legIslação específica, a prática de atos classificados nesse grupo sujeIta o responsável ás seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente. de acordo com a gravidade do fato (art. 12, Il): (a) obngação de ressarcimento integral do dano; (b) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrlmômo, se concorrer essa circunstância; (C) perda da função pública; (d) suspensão dos direÍtos polítICOS por cinco a oito anos; (e) pagamento de multa civil de até dnas vezes o valor do dano; e (f) proibição de contratar com o Poder Público ou receber beneficIOS ou Incentivos fiSCaIS ou creditíCIOS. direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

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328 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Por últJmo. fi considerado ato de Improbidade admlmstrattva que atenta contra os princípios da administração públíca qualquer ação ou omissão que vIOle os deveres de honestidade. ImparcIalidade, legalidade e lealdade às InstItUIções (art. 11).

Independentemente das sanções penaIS, CIVIS e administratIvas previstas na legIslação específica. a prátIca de atos dessa categoria SUjeita o responsável às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulati­vameute, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, IID: (a) obngação de ressarCImento Integral do dano, se houver; (b) perda da função pública; (C) suspensão dos direitos políticos por um período de três a cinco anos; (d) pagamento de multa CIvil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e (e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber beneficIOS ou incentIvos fiscaIs ou creditícios, direta ou mdiretamente, amda que por mtermédio de pessoa Jurídica da qual seja SÓCIO majoritáno. pelo prazo de três anos.

É fácil perceber que a leI estabeleceu uma Idela de 11lerarquia entre os grupos de atos de improbidade admIOlstratlva no que se refere a sua gra­vidade e lesividade SOCIaL Os atos do primeiro grupo - os que importam enrIquecimento íHcito - são os mais leslvos e juridicamente reprováveIs. os atos enquadrados na segunda categona - os que causam lesão ao erárJO, sem Importar ennqueclmento ilíCIto do agente - ocupam uma posIção inter­mediárIa e os atos pertencentes ao terceiro grupo - os que atentam contra os prmcíplos da admlOlstração pública - são considerados menos graves do que os demais.

E mUlto relevante enfatizar. seja qual for o ato de Improbidade adminis­tratI va praticado, que a aplicação das sanções prevIstas na Lei 8.429/1992 (art. 21):

a) independc da efetiva ocorrência de dano ao patrin;tônto público (em sentido econômiCO), salvo quanto â pena de ressarCImento: e

b) independo da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle mterno ou pelo tribunal ou conselho de contas.

Não é demaIS repIsar que as cominações previstas na Lei 8.429/1992 para cada categona de atos de Improbidade administrativa podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, sem prejuizo das sanções penais, civis e administratIVas prevIstas na legislação específica.

Cap. XIII 4 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA 329

Para a fixação das penas a serem concretamente aplicadas, determlOa o parágrafo único do art. 12 da LeI 8.429/1992 que "o Juiz levará em conta a extensão do dano causado, assIm como o proveIto patrImonial obtido pelo agente",

6.3, Procedimentos administrativos e ações judiciais

. A LeI 8.429/1992 permIte que qualquer pessoa represente â autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de Improbidade (art. 14).

Por outro lado, a leI tlpifica como crime a representação por ato de Im­probidade contra agente público ou terceIro beneficiáno, quando o autor da denuncia o saiba mocente. Além da sanção penal, o denunCIante está sUjeito a indenizar o denunciado pelos danos matenals, morais ou à Imagem que houver provocado (art. 19).

A representação devera ser escnta e assmada (admite-se a representação efetuada oralmente, desde que seja reduzida a termo, ISto é, passada a es­cnto). Dela devem constar a qualificação do representante, as mformações sobre o fato e sua autoria e a mdicação das provas de que o representante tenha conbeclmento.

Caso não sejam atendidos os requiSItos expostos no parágrafo anterior, devera a autoridade admmistratlva, em despacho fundamentado, rejeitar a representação, o que não Impede que o representante apresente novamente a mesma representação ao Ministério Público.

Se forem atendidos os requIsItos da representação, a autorídade admims­tratlva tem o dever mdeclinavel de determlOar a Imediata apuração dos fatos, mediante a instauração de um· processo administratJvo disciplinar.

A comIssão encarregada da instrução do processo administratIvo deve dar conheCImento da eXIstênCIa dele ao Mimsténo Público e ao tribunal de contas competente, os quaIs poderão deSIgnar representante para acompanhar o procedimento admimstrativo (art. 15).

Se os atos sob inveslJgação tiverem causado lesão ao patnmônio públi­co (em sentido econômIco) ou ensejado enrIquecimento ilícito, a comIssão processante, desde que apurados fundados indícios de responsabilidade, representará ao Ministéno Público ou a procuradofla do órgão ou entidade em que esteja tramItando O processo administrativo para que seja requerida ao juízo competente a decretação do sequestro - medida cautelar incidente sobre bens específicos, que ficam reservados para garantir uma futura exe-

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330 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATiVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

cução - dos bens do agente ou terceiro que tenha ennquecido ilicitamente ou causado dano material ao patnmônío público (art. J 6).

Quando for o caso, o pedido fonnulado ao juizo competente incluirá outras medidas cautelares, tais como a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancánas e aplicações financeiras mantidas pelo IndiCiado no exterior, nos tennos da lei e dos tratados InternaCionais.

A indisponibilidade deve recair sobre bens que assegurem o Integral ressarcimento do dano, ou sobre () acréscimo patrImonial resultante do en­riquecimento ilfclto.

É mister atentar para o fato de que o Mimsténo Público não depende de representação para pedir ao Poder Judiciário as medidas cautelares cabíveis. Mais preCisamente, o Ministéno Público não depende de qualquer provocação para atuar visando a apurar a prática de ato de Improbidade administrativa.

Com efeito, O art. 22 da Lei 8.429/1992 expressamente autoriza o Mi­nistériO Público a requisitar de ofício a mstauração de inquérito policial ou procedimento admimstrativo para apurar qualquer ilícito nela previsto, sem prejuÍzo, é claro, da possibilidade de que a reqUISição seja feita â vista de requerimento de autoridade administrativa ou de representação fonnulada por qualquer pessoa (mesmo que essa pessoa já tenha apresentado representação a uma autoridade adminístrahva e esta a tenha rejeitado).

Havendo ou não medida cautelar, a ação judicial de improbidade ad­ministrativa seguirá o rito ordinário. Essa ação judicial é considerada uma especíe de ação civil pública, consoante registra a Prof' _ Maria Sylvia Di Pietro, pOSição que vem sendo adotada pelo Mimsténo Público, com ampla aceitação da Jurisprudência.

Consequentemente, são aplicáveis â ação de Improbidade admmistratlva, quando não houver disposição específica na Lei 8.42911 992, e desde que não sejam com ela incompatíveis, os precellos da Lei 7.34711985 (lei da ação civil pública).

Os leglllmados ativos ad Causam para propor a ação de improbidade administrativa (legllímação concorrente) estão explicitados no caput do art. 17 da Lei 8.42911 992. São eles:

a) o Ministério Público; e

b) a pessoa jurídica interessada, Isto é. a pessoa jurídica contra a qual o ato de Improbidade tenha sido praticado, ou que tenha sofrido lesão patrimo­mal dele deCOITente. desde que se trate de uma daquelas pessoas que a lei enquadra como sUjeIto passívo dos atos de improbidade administrativa.

Capo XIII w CONTROLE DAADMINISTRAÇAo PUBLICA 331

Quando a ação de improbidade for proposta pelo Mimstérlo Público, a pessoa juridica interessada poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor desde que ISSO se afigure útil ao Interesse público, a juízo do representante legal ou dirigente da pessoa jurfdica (art. 17, § 3.").

Quando o Mimsténo Público não for parte no processo, atuará, obnga­toriamente, como ,fiscal da lei, sob pena de nulidade (art. 17, § 4.").

Caso tenha sido efetivada medida cautelar, o prazo para ajuizamento da ação pnuclpal é de trinta dias, contados da-efetivação (art. 17, caput).

A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente detennínará o pagamento ou a reversão dos bens, confonne o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilíCtto (art. 18).

E vedada a transação, acordo ou conciliação uas ações por atos de improbidade administrativa (art. 17, § L°).

A fazenda pública, quando for o caso, promoverá as ações CIVIS necessarias à complementação do ressarcimento do patrimõmo público (art. 17, § 2.°).

A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatóna (art. 20),

A autoridade judicml ou admimstrativa competente poderá, todavta, detenninar o afastamento temporário do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuizo da remuneração, qnando a medida se fizer necessária à instrução procesSllal (art. 20, parágrafo úmco).

Convêm frisar, o afastamento temporário não é uma sanção - tanto aSSim que o agente continua recebendo sua remuneração. Trata-se de mais uma medida cautelar prevista na Lei 8.429/1992 Ca úmca das medidas cau­telares previstas nessa lei que pode ocorrer na esfera admmístrativa). Por não configurar sanção, não há-contraditÓriO e ampla defesa prévIOS, em que o agente afastado pudesse discutir o cabimento, ou não, do seu afastamento temporário.

6.4, Juízo competente

O Supremo Tribunal Federal pOSSUI entendimento, há muito sedimen­tado, segundo o qual o foro espeCial por prerrogativa de função consti­tucionalmente preVisto para determinadas autoridades públicas somente e invocável nos procedimentos de caráter penal, não se estendendo as ações de natureza civel.

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332 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & M8rce/o Alexandrino

Segundo essa onentação, não cabe cogItar foro especial na ação de unprobidade admmlstratlva, haja vista ser eJa uma ação de natureza cível. Logo, o processo e o julgamento, em prmcípio, ocorrerão no juizo ordinário de primeiro grau, qualquer que seja a autoridade, desde que se trate de agente sUjeito à Lei 8.429/1 992, evidentemente.

Além disso, nossa Corte Suprema entende que a lista de suas compe­tências origmánas constitui rol exaustivo, constante do art. 102, I, da Carta Política, o qual não contempla a competênCia para o julgamento de ações de Improbidade administrativa.

A Lei 10.628/2002 pretendeu modificar o quadro que se vem de expor, ao estabelecer que a ação de Improbidade administratIva, fundada na Lei 8.429/1992, devena ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente a autoridade que goze de prerrogatlva de foro em razão do exercícIO de função pública (Código de Processo Pena! - CPP, art. 84, § 2.', com a redação dada pela LeI 10.628/2002).

Dispôs a Lei 10.62812002, ainda, que a competência espeCIal por prer­rogativa de função, relaltva a atos administrativos do agente, prevalecena mesmo que o inquérito ou a ação Judicial fossem imclados após a cessação do exerciclO da função pública (CPP, art. 84, §§ l." e 2.". com a redação dada pela Lei 10.628/2002).

Desse modo, tencionou a leI superar também a junsprudêncla consolida­da do Supremo Tribunal Federal segundo a qual o foro por prerrogatIva de função, quando eXIstente, persiste apenas enquanto durar o mandato, devendo os autos, na hipótese de encerramento do mandato, ser devolvidos ao juizo comum, exceto se a cessação do mandato ocorrer depois que o julgamento já tenha sido miclado (vide lnfonnativo 525 do STF).

Essas duas regras trazidas pela LCl 10.628/2002 (§§ 1.' e 2.° do art. 84 do CPP) foram declaradas mconstltuclOnais pelo Pretóno Excelso, no julgamento das ADI 2.797fDF e 2.860/DF, reI. Min. Sepúlveda Pertence, 15.09.2005 (vide Informativo 401 do STF).

Finalizando, e oportuno regIstrar que as ações de improbidade admmls­tratlva estão expressamente excluídas da competência dos JUIzados EspeCIais FederaIS (Lei 10.25912001, art. 3.', 1).

6.5. Prescrição

As ações destinadas â aplicação das sanções prevIstas na Lei 8.429/1992 prescrevem em até cinco anOs após o térmmo do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança (art. 23, I).

Capo XII1 • CONTROLE DAADM1NISTRAÇAo PUBLlCA 333

Se ° agente for titular de cargo efetivo ou emprego público, o prazo de preSCrição das referidas ações será o estabelecido em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do servIço público (art. 23, Il).

Cabe lembrar que as ações CIVIS de ressarcimento ao erário são im­prescritíveis, nos termos do art. 37, § 5.°, da Constituição de 1988.

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o PROCESSO ADMINISTRATIVO NO A _

AMBITO DA ADMINISTRAÇAO FEDERAL (LEI 9.784/1999)

1. INTRODUÇÃO

No presente capítulo analisaremos as disposições da Lei 9.784/1999 que estabelecem a discIplina geral do processo administrativo no âmbIto da admimstração pública federaL

Preliminarmente, cumpre anotar que, embora a ementa da Lei 9.784/1999 afinne categoricamente que o seu escopo é regular o processo administrativo federal, a verdade é que a lei contém importantes nonnas aplicáveis de modo abrangente aos atos administrativos federais, e não só a atos pratICados no âmbito de processos admimstrativos.

Por essa razão, tais nonnas foram estudadas no capítulo acerca dos atos admmistratlvos, especificamente nos tópicos concernentes a competência, motivação, anulação, revogação e convalidação de atos administrativos, para os quais remetemos o leitor, a fim de evitar repetições Improfícuas.

Passemos â análise da leI.

2. ABRANGÊNCIA E APLICAÇÃO

É Importante atentar para o âmbito de aplicação da LeI 9.784/1999. Trata-se de uma lei administrativa federal, isto é, suas nonnas são aplicáveIS á administração pública federal, direta e indireta, inclusive aos órgãos dos

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336 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPl.ICADO 4 Vicente Paulo & MarceloAJexandrino

Poderes LegIslativo e Judiciário da União, quando estes estIverem desempe­nhando funções administrativas (art. L", capul, e § L").

A LeI 9.784/1999, portanto, não obriga estados, mUl1lcipios ou o Distnto Federal, vale dizer, não é uma lei nacional (como o são, por exemplo, a Lei 8.666/1993 e a LeI 8.987/1995).

Quanto à aplicação da LeI 9.784/1999 aos processos administratIvos fe­derais, aspecto relevante a observar é o seu caráter supletivo ou subsidiário. C:0m ef~lto, ? LeI 9.784/1999 não revogou nem alterou nenhuma leI espe­cIfica dIsCIplinadora de processos administratIvos determmados. Conforme expressamente estabelece o seu art. 69, os processos administrativos que sejam regulados em leis específicas permanecem regidos por essas leis, sendo apenas subsidiarIamente aplicáveIS a eles os preceitos da LeI 9.78411999.

Significa dizer, caso inexista lei específica regulando ,um determinado processo admilllstrativo, envolva ou não litígIO, será ele inteiramente disci­plinado pela LeI 9.784/1999.

Diferentemente, aos processos admmlstratlvos, litJglosos ou não, regulados em leIs específicas, aplicam-se suas leIs própnas. E o caso, por exemplo, do pro­cesso admmlstratlvo disciplinar federal- PAD, regulado peja LeI 8.112/1990, e do processo tributário federal de consulta, diSCiplinado basicamente pela Lei 9.43011996.

Quanto a esses processos regulados em leIs prÓprias, somente na even­(lia I omissão, relativamente a determmado ponto, das leis específicas que os regem é que será utilizada, snbsidiariamente, a LeI 9.784/1999.

3. PRINCíPIOS

o art. 2.", caput, da Lei 9.78411999 traz enumerados diversos prIncípIOS norteadores da atividade admllllstrallva de um modo geraL Alguns deles enco~tram-se e~pressos na própria ConstitUição Federal, ao passo que outros pnnclplos expliCItados na lei são fruto de constmções doutrinárias, no mais das vezes considerados pnncíplOS implícitos no texto constItUCIOnal. Convém transcrever o art. 2.". capul, da LeI 9.784/1999:

Art. 2.° A Administração Pública obedecera. dentre outros, aos prmcíplOs da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporclOnalidade~ moralidade, ampla defesa, contraditóno, se­gurança Jurídica, mteresse público e eficíêncl3.

Ao lado desses postulados expressos na lei, é oportuno mencionar a eXistênCIa de outros pnnciplos implícitos, apontados tradicionalmente pela

Capo XIV· o PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL 337

doutrina como caracteri'stlcoS dos processos adminIstrativos genencamente considerados, taIS quaIs: informalismo (só são exigidas formas determmadas para os atos processuaIS se a lei aSSim estabelecer), oficialidade (ou Impulso ofiCIal, significando que, depois de 1ll!CJado o processo pelo admmistrado, compete à admllllstração movimentá-lo até a decisão final), verdade ma­terial (deve-se buscar o conheCImento dos fatos efetIvamente OCOITidos, o que possibilita, em regra, serem trazidas aos autos provas de fatos relevantes mesmo depOIs da fase prevIsta para a apresentação de provas) e gratuidade (em regra, não eXIstem os ônus característIcos do processo JudiCIal, taIs corno custas, ônus de sucumbênCIa, honorános e outros).

No panigrafo um co do art. 2." da Lel 9.78411999 são estabelecidos critérios a serem observados nos processos admmistrativos, os qUaIS, con­forme podemos constatar, decolTem direta ou mdiretamente dos princípIOS antes enumerados. ReprodUZimos a referida lista de cnténos, acrescentando, entre parênteses, os principIOs que entendemos estarem maIS diretamente relaCIOnados a cada qual:

I - atuação conforme a leI e o direito (legalidade);

II - atendimento a fins de mteresse gerai (impessoalidade/· finalidade), vedada a renúncia tola! ou parCIal de poderes ou competências. salvo autoTlzação em leI (indisponibilidade do mteresse público);

1II - objetIvidade no atendimento do mteresse público (impes­soalidade/finalidade), vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades (impessoalidade);

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade. decoro e boa-fé (moralidade);

V - divulgação ofiCIal dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de Sigilo preVIstas na ConstItUição (publicidade);

VI - adequação entre meíos e fins, vedada a impOSIção de obrigações. restnções e sanções em medida supenor âqueJas estritamente necessárIas ao atendimento do mteresse público (razoabilidade e proporCIOnalidade);

VII - Indicação das pressupostos de fato e de direito que de­termmarem a deCisão (motivação);

VIII - observânCia das formalidades essenCiaiS ã garantIa dos direltas dos adminrstrados (segurança juridica);

IX - adoção de formas stmples, sufiCientes para propiCiar ade­quado grau de certeza. segurança e respeIto aos direItos dos admmistrados (segurança Jurídica e mformalismo);

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338 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo $. Marcelo Alexandrino

x - garantia dos direitos à çomumcação~ ã apresentação de alegações finais~ â produção de provas e á mterposlção de recursos. nos processos de que possam resultar sanções e nas sItuações de litígIO (ampla defesa e contraditório);

Xl - proibição de cobrança de despesas processuaIs, ressalva~ das as preVIstas em lei (gratuidade dos processos admmlstra~ tIVOS);

XII - impulsão. de OfiCIO, ,do processo admimstratIvo, sem prejuízo da atuação dos interessados (oficialidade);

XlI! - interpretação da norma admimstrativa da [onna que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige (impessoalidade/finalidade), vedada aplicação retroatlva de nova mterpretação (segurança Juridica).

4. DIREITOS E DEVERES DOS ADMINISTRADOS

o art. 3.° da Lei 9.78411999 apresenta uma lista exemplificattva de di­reitos dos administrados perante a administração pública.

Dentre os direitos ali enumerados, ressaltamos a pernnssão ao adminis­trado para formular alegações e apresentar documentos até antes da decisão, decorrência direta do principio da verdade material.

Reforçando o principio da publicidade, explicita ainda o art. 3." que o administrado tem o direito de ter ciência da tramitação dos processos admi­nistrativos em que se enquadre na condição de interessado, de ter vista dos autos, de obter cópias de documentos neles contidos e de conhecer as decisões proferidas (mais do que isso, o administrado tem o direito de obter, sempre, uma deCisão explícita da administração, conforme assegura o art. 48).

Registramos, tambem, que o inCiSO N do art. 3." estabelece como direi­to do admmistrado "fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatórIa a representação, por força de lei".

A possibilidade de atuar no processo sem advogado é decorrência do princípio do informalismo, mas se trata de regra geral: pode a lei exigir a representação do administrado por advogado, caso em que a inobservância da exigência implicará nulidade do processo.

É mister anotar que, na Súmula Vinculante 5, o Supremo Tribunal Federal explicita a possibilidade de o interessado atuar sem advogado noS processos administrativos (quando não houver eXigênCia legal), mesmo nos processos que possam resultar em sanções. Segundo a orientação firmada pela Corte Suprema, o simples fato de não ser feita a defesa do administrado por

Capo XIV. o PROCESSO ADMINISTRATIVO NO AMBITO DAADMINISTRAÇÁO FEDERAL 339

um advogado (desde que não haja eXigência legal) não ofende .. por Si só, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditórIo. E o seguinte O

texto da Súmnla Vinculante 5:

5 - A falta de defesa técnica por advogado no processo admI­nistrativo diSCIplinar não ofende a ConstItUição.

E oportuno, ainda, registrar que a Constrtuição estabelece como direito fundamental a "razoável duração do processo"·e "meios que garantam a ce­leridade de sua tramitação" (art. 5.", LXXVIII). A doutrina refere-se a essa norma como "principio da celeridade processual" (aplicável aos processos administratiVos e judiciais).

Por fim, a Lei 9.784/1999, no seu art. 4.°, enumera alguns dos deveres que os administrados devem observar quando atuam no âmbito de processos admimstrativos, conforme abaixo transcrito:

Art. 4.(.> São deveres do admmistrado perante a Admlmstração~ sem preJuÍzo de outros prevIstos em ato normaltvo:

I - expor os fatos confonne a verdade;

II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

li! - não agir de modo temerano;

IV - prestar as ínformações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecímento dos fatos.

4.1. Direito a regime de tramitação prioritária

Nos termos do art. 69-A da Lei 9.784/1999, terão prioridade na trami­tação, em qualquer órgão ou instância, os procedimentos admmístrativosem que figure como parte ou interessado:

a) pessoa com idade 19ual ou supenor a sessenta anos;

b) pessoa portadora de deficiência. fislca ou mental~

c) pessoa portadora de doença grave.

Acerca da última hipótese, o dispositivo legal ora em comento lista, exemplificativamente, as seguintes patologtas: tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, hanseniase, paraliSia meversível e mcapadlan­te, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefTopatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Page! (osteite deformante), contaminação por radiação e síndrome de imunodeficiên-

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340 RESUMO DE DIREITOADMINISTRAT!VO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & MarceloA/ex~ndrino

cla adqUIrIda (AIDS). Após essa enumeração, a norma legal, generIcamente, assegura o mesmo beneficio à pessoa portadora de "outra doença grave, com base em concfusão da medicma especializada". Convém observar que o direIto â prioridade é expressamente assegurado mesmo que a doença seja adqUIrida depois do micio do processo.

A pessoa Interessada na obtenção do beneficIo, Juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade admInistratIVa competente, que determinara as providências a serem cumpridas (art. 69-A, § 1.0). Deferida a prioridade, os autos do processo administratIvo receberão identificação prôpria que evidencIe que ele está SUjeIto ao regime de tramItação pnontária (art. 69-A, § 2.").

5. INíCIO DO PROCESSO E LEGITIMADOS A SUA INSTAURAÇÃO

Preceitua o art. 5.° da LeI 9.78411999 que o processo pode ser iniciado pela própna administração (de ofício) - decorrência do pnnciplO da ofiCia­lidade - ou mediante provocação do interessado (a pedido).

Sendo do adminIStrado a míclatlva, deverá ele apresentar ã administra­ção requerimento escrito, salvo nos casos em que for admitida solicitação oral. O requerimento conterá os segumtes elementos: órgão ou autoridade admmlstrativa a que se dirige; identificação do interessado ou de quem o represente; domicilio do requerente ou local para recebImento de comunica­ções; formulação do pedido, com exposIção dos fatos e de seus fundamentos: data e assmatura do requerente ou de seu representante.

É Importante observar que, no caso de faltarem elementos essenCIaiS ao pedido, a admInIstração deverá orientar o mteressado a supn-Ios, sendo vedada a simpies recusa imotivada de receber o requerimento ou outros documentos (parágrafo único do art. 6.°). A recusa injustificada de recebimento configura afronta ao direito de petIção, estabelecido no art. 5.", XXXIV, "a", da ConstItuIção.

A leI admIte que uma pluralidade de mteressados formule em um único requerimento os seus pedidos, quando estes tiverem conteúdo e fundamentos idênticos. salvo preceIto legal em contrárIO (art. 8.").

A Lei 9.78411999 define como legitImados no processo, na qualidade de mteressados (art 9.°):

I - as pessoas que o miClem como titulares de direitos ou mteres­ses individuais ou no exercictO do direlto de representação~

:,(;,.

Capo XIV· o PROCESSO ADMINiSTRATIVO NO ÁMBITO OAADM!N1STRAÇÃO FEDERAL

II - qualquer um que possua direItos ou mteresses que possam ser afetados pela dec1são do processo;

lU - as organtzações e aSSOCIações representativas. no tocante a direitos e mteresses cofetlvos~

IV - as pessoas ou as assocIações legalmente constltuidas quanto a direttos ou mteresses difusos.

341

Como regra geral, são considerados capazes, para fins de atuação no âmbito do processo admimstratIvo, os maIOres de dezoito anos (art. 10).

6. IMPEDIMENTO E SUSPEiÇÃO

Os arts. 18 e 20 CUIdam, respeclJvamente, do Impedimento e da suspei­ção, figuras típIcas do direIto processual, trazidas pela Lei 9.78411999 para o âmbito do processo administratIvo federal.

A previsão pelo legIslador de hipóteses de impedimento e suspeição visa a preservar a atuação imparcial do agente público no âmbIto do processo admmistrativo~ reforçando o pnncíplO da lmpessoalidade~ assim como o da moralidade administrativa. Trata-se de sItuações em que se estabelece a pre­sunção legal de que sena comprometida a imparcialidade do agente público. Assim, o agente e afastado daquele processo, especificamente.

Como se vê, a leI cna uma condição de incapacidade subjetiva do agente, não relaCIOnada às atribUIções do cargo que ele exerce (não há excesso de poder), e sim a certa SItuação pessoal do servidor, quanto a um processo determinado.

Reza o art. 18 que é impedido de atuar em processo administratIvo o servidor ou autoridade que:

1 - tenha interesse direto ou mdireto na matérta~

II - tenha partiCipado ou venha a partlCtpar como pento, testemunha Ou representante. ou se taIS Situações ocorrem quanto ao cônjuge. companheIro ou parente e afins até o terceIro grau;

1lI - esteja litIgando JudiCIal ou admimstratlvamente com o mteressado ou respectivo cônjuge ou companheiro.

A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar. sob pena de incorrer em falta grave, para efeitos disciplinares.

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342 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

o art. 20 estabelece que pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou Immizade notóna com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheIros, parentes e afins até o terceiro grau. O indeferimento de alegação de suspeIção poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensIvo (art. 21 l.

A alegação de suspeição é tratada pela lei como uma faculdade do in­teressado. Se não for alegada tempestivamente, ocorre a preclusão do direito de invocá-Ia. Observe-se que a leI não estabelece para o servidor a obngação de se declarar suspeito, como o faz nos casos de impedimento.

7. FORMA, TEMPO E LUGAR DOS ATOS DO PROCESSO

Nos termos do art. 22, capul, da Lei 9.784/1999, cUJO fundamento é o princípIO do informalismo, "os atos do processo admInIstrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir". A própria lei, entretanto, desde logo, exige que os atos do processo sejam produzidos por escrito, em língua portuguesa (vernáculo), contenham a data e o local de realização e a assinatura da autoridade responsável (art. 22, § L°). AdemaiS, "o processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas" (art. 22, § 4.°).

Também como corolárIo do princípio do informalismo, estatui a lei que o reconhecimento de firma somente será eXigido quando houver ImposIção legal, ou em caso de dúvida de autenticídade (art. 22, § 2.°). No mesmo diapasão, e afastada a eXigência de autenticação de cópias de documentos em cartórios, porquanto "a autentIcação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo" (art. 22, § 3.°).

A regra é a realização dos atos do processo em dias úteIS, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o processo (art. 23). Entretanto, poderão ser concluídos depois do horário normal os atos já iniCIados, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao mteressado ou á admmistração.

Os atos do processo devem realizar-se preferencialmente na sede do óigão, mas poderão ser realizados em outro local, hipótese em que devera ser cientificado o interessado (art. 25).

O prazo genénco para a prática, pela adminIstração ou pelo partIcular, de atos proceSSUaiS, quando inex.istentes dispOSições específicas, é de cinco dias, salvo motIvo de força matOr (art. 24). Poderá esse prazo ser prorrogado por até cinco dias mais, se houver causa comprovada que O justifique (art. 24, parágrafo úmco l.

Capo XIV· o PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÁMBITO DAADMINISTRAÇAO FEDERAL 343

8. INTIMAÇÃO DO INTERESSADO

Intimar e, simplesmente, dar ciênCia ao interessado de algum ato praticado no processo, ou de alguma providêncía que deva ser adotada, dependa, ou não, do comparecimento do mteressado à repartição.

O art. 28 da Lei 9.784/1999 arroja, genericamente, os atos que necessitam ser mtimados. Nos termos desse artigo, devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado. em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercicio de direitos e atIvidades e os atos de outra natureza, de seu interesse (art. 28).

O art. 26 trata especificamente da intimação do interessado para ciência de decisão ou efetivação de diligências. Conforme o seu § l.0, essa mti­mação deverá conter:

I - identificação do mtimado e nome do ôrgão ou entidade admlnlstratÍva;

II - finalidade da intImação;

111 - data, hora e local em que deve compaTecer~

IV - se o intImado deve comparecer pessoa(mente~ ou fazer~se representar;

V - mfonnação da contmuidade do processo independentemente do seu comparecimento~

VI - mdicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.

Quando for necessário o comparecimento do interessado â repartição. deverá ser ele intImado com, no mínimo, três dias úteis de antecedência (art. 26, § 2.°).

Quanto à forma, a intImação pode ser:

a) pessoal, provada pela ciênCia no processo, anotada por ocasião do compa­reCImento â repartição do mteressado ou, se for o caso, de quem o possa representar~

b) por V13 postal, com aViSO de recebimento, ou por telegrama;

c) por outros metos. desde que assegurem a certeza da ciênCIa do mteres­sado;

d) por meÍo de publicação oficial. no caso de interessadas indetermmados~ desconhecidos ou com domicílio mdefinido.

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344 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

As formas descrItas nos três primeIros Itens não têm ordem de prefe­rêncIa. A mtImação mediante publicação oficial somente deve ser feIta nas hIpóteses de mteressados mdetermmados, desconhecIdos ou com domICílio mcerto.

Importante é a regra do § 5.0 do art. 26, segundo a qual as mtImações que desatendam as prescrições legaIs são nulas, sendo suprida, entretanto, a falta ou nulidade pelo comparecImento do interessado.

Essa dispOSIÇão tem fundamento imediato no denommado "princípio da mstrumentalidade das formas", segundo O qual a fonna estIpulada para um ato processual VIsa essencIalmente a assegurar que ele cumpra os seus fins. Vale dizcr, a forma é mero Instrumento, cUJO escopo é possibilitar que o ato atInja a sua finalidade. Assim, por esse prIncipio, se a finalidade do ato fOi alcançada, mesmo que não tenha sido observada a forma prescrIta, considera-se suprida a falta, sanada a irregularidade.

Outro preceIto relevante da Lei 9.784/1999 - corolárIo do prIncípIO da verdade materIal - está no seu art. 27, cujo capIII afasta a possibilidade de ser atribuído ao sImples fato de o particular desatender à intimação o efeIto de presunção de culpa, ou de confissão, ou de renuncia a direIto. O pará­grafo ÚnICO do mesmo artigo excluI, aInda, a preclusão do direIto de defesa do admimstrado que desatenda li mtImação. O exercícIo desse direIto fica assegurado, entretanto, no prosseguimento do processo, significa dizer, a tramItação não Vai retroceder a fases processuaIS jà concluídas - o admims­trado exercerá, SIm, o seu direito de defesa, mas o exercícIO é prospectivo, a partIr da fase em que o administrado volte a se manifestar no processo. Merece transcnção o artIgo em comento:

Art. 27. O desatendimento da mtimação não Importa o reco­nhecimento da verdade dos fatos. nem a renÚnCIa a direito pelo adminIStrado.

Parágrafo ÚniCO. No prossegwmento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao Interessado.

Vale lembrar que o particular tem o direito de apresentar documentos até antes da fase de deCIsão, sendo a admmistração obrigada a apreciá-los (art. 3.0

, lU).

9. INSTRUÇÃO E DECISÃO

Pode-se afirmar, generIcamente, que a fase de mstrução de um processo qualquer se destma à averignação e comprovação dos dados necessários li

Capo XIV· o PROCESSO AOMINI$TRATIVO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL 345

tomada de uma deCisão fundamentada, conforme preceitua o art. 29 da LeI 9.784/1999.

No âmbito dos processos admmistrativos, a mstrução ocorre de OfiCIO. Com efeito, por força do prmcipio da oficialidade, pode a adnunistração, por iniCiatIva própria, determmar a realização de diligênCias, prodUZIr provas ou determinar a sua produção, mtImar oS admimstrados a prestarem depOImentos ou a apresentarem documentos, solicitar pareceres, enfim, adotar todas as providências que se mostrem necessárIas li adequada mstrução do processo, VIsando a bem fundamentar a deCIsão que nele será proferida.

Evidentemente, o princípio da ofiCialidade não impede que o admmis­trado proponha a prática de atos necessános ou úteis ao bom andamento da mstrução.

ASSIm, durante a instrução deverão ser envidados todos os esforços, por miciativa ofiCiai ou por provocação do interessado, necessárIOs li elucidação dos fatos pertinentes ao processo, desde que, evidentemente, não se utilizem provas obtidas por meIOS ilícitos, inadmissiveIS tambem nos processos ad­mimstrativos, consoante explicita o art. 30 da Lei 9.784fl999, cuja base é o art. 5.0

, LVI, da ConstItUiÇão da República.

O ônus da prova cabe ao interessado quanto aos fatos por ele alegados, salvo quando se trate de fatos e dados regIstrados em documentos existentes na administração, hipótese em que esta proverá, de oficio, a obtenção dos documentos ou suas cópias (arts. 36 e 37).

A lei faculta a abertura de consulta pública, mediante despacho motIvado do órgão competente, quando a matéria objeto do processo envolver assunto de interesse geral (art. 31).

Nessa hIpótese, terceiros - não enquadrados na defimção de mteressado vazada no art. 9.0 da lei - poderão exammar os autos e oferecer alegações escritas. A admimstração é obrIgada a responder fundamentadamente as alegações, mas pode ser dada uma resposta comum a todas as alegações substancialmente iguais (art. 31, § 2.0

).

e também possível a realização de audiência pública, quando a autoridade competente para a tomada de deCIsão entender que, em face da relevância da questão. sejam necessários debates sobre a matérIa do processo (art. 32).

Durante toda a fase Instrutória, até antes da deCIsão, os mteressados podem juntar documentos e pareceres, requerer diligênCIas e pericIas e adUZIr alegações (art. 38), A admimstração somente pode recusar, funda­mentadamente, provas propostas pelos interessados quando forem ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias (que tenham mtuito precípuo de atrasar a deCisão l.

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346 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo 8. Marcelo Alexandrino

As regras aduzidas no parágrafo precedente decorrem do princípIo da verdade material, que norteia os processos admimstrativos, Impondo à ad­ministração o dever de tomar conhecimento de todos os elementos que lhe sejam trazidos, ou cUJa produção lhe seja solicItada, e que possam auxiliar na apuração dos fatos efetivamente ocorridos (diferentemente da denomI­nada "verdade formal", própna do direito processual cIvil, que, em regra, só pennite a apreciação das provas dos fatos trazidas aos autos em fase determinada do processo).

Quando for necessána a prestação de informações ou a apresentação de provas pelos Interessados ou terceiros, serão expedidas IntImações para esse fim, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento (art. 39). Caso se trate de intimação para a produção de uma prova ou a realização de diligência, os interessados serão intimados com antece­dência mimma de três dias úteis, mencIOnando-se data, hora e local de realização (art. 41).

Não sendo atendida uma determmada mtimação, o órgão competente, se entender relevante a matéria, poden; suprir de ofício a omissão (pnncípio da oficialidade). Suprida ou não a falta, certo é que o desatendimento à mtimação não exime o órgão competente de proferir a decisão.

Todavia, quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação do pedido formulado, o não atendimento â soliCItação, no prazo fixado pela admmistração para a respectIva apresentação, Implicará arquivamento do processo (art 40).

Nessa hIpótese - arquivamento do processo -, a admimstração não teve como suprir de oficio a omIssão, ou entendeu que a matéria não era relevante o suficiente para tanto. Note-se que haverá, sim, uma decisão nos autos, mas essa decisão consIstirá, simplesmente, em determinar o arqUlvamento do processo, devendo ser fundamentada com a demonstração de que foram efetivamente solicIlados documentos, dados, ou atuações ao mteressado, de que ele não atendeu a essa solicIlação, de que esses ele­mentos eram realmente neccssários à aprecIação do pedido formulado e de que não era possivel, ou não havia relevância que justificasse, suprir de oficio a omIssão. Cumpre fnsar que a decIsão que determine o arquiva­mento do processo - assim como qualquer decisão nele proferida - deverá ser intimada ao interessado.

As regras relativas à produção de pareceres por órgãos consulltvos são as dispostas no art. 42 da Lei 9.78411999, a saber:

a) o prazo para ernlssão do parecer é de quinze djas~ salvo norma espec181 ou necessídade comprovada de maior prazo;

Capo XIV· O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÃMBITO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL 347

b) as consequênc18s da não emissão de parecer no prazo fixado são as se~ gumtes:

b.I) tratando~se de parecer obrigatório e vinculante: paralisação do processo alé a apresentação do parecer~ com responsabilização de quem deu causa ao atraso;

b.2) tratando-se de parecer obrigatório e não vinculante: o processo poderá ter prossegUImento e ser decidido com dispensa do parecer, responsabI­lizando-se quem deu causa à omissão QO ~tendimento da eXIgência de emIssão do parecer.

Quando por disposição de ato normativo devam ser previamente obtidos laudos técmcos de órgãos administrativos e estes não cumpnrem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsavel pela instrução deverá soliCItar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes (art. 43).

Encerrada a Instrução, abre-se um prazo máxImo de dez dias para mani­festação do Interessado, salvo se outro prazo for legalmente fixado (art. 44).

Em caso de risco imInente, a admInistração pública poderá molIvada­mente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do Interessado (art. 45).

Em atenção ao prinCÍpIO da publicidade, dispõe a lei que os interessados têm direito á vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o mtegram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direIlo li privacidade, à honra e li imagem (art. 46).

Concluída a Instrução, a administração tem o prazo de até trinta dias para emitir a decisão, prorrogável, motivadamente, por igual período (art. 49). A edição de uma decisão explícita é obrigatória para a admInistração (art. 48). Quando o órgão responsável pela Instrução não for o competente para proferir a decIsão, elaborará um relatóno com um resumo do processo e proposta objetivamente Justificada de decisão, encaminhando-o à autOrIdade competente para decidir (art. 47).

10. DESISTi::NCIA E EXTINÇÃO DO PROCESSO

o mteressado poderá, mediante manifestação escnta, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou, ainda, renunciar a direitos dispo­níveis (ar!. 51). A sua desistência ou renuncia, porém, não prejudica o prosseguimento do processo, se a administração considerar que o interesse

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348 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

público aSSIm o eXige (art. 51. § 2.°). Ademais, a desistência ou renúncia formulada pelo mteressado não atmge outros interessados, se houver (art. 51, § L°).

a órgão competente poderá dedarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou o objeto da decIsão se tornar Impossível, mútil ou prejU­dicado por fato superveniente (art. 52).

11. RECURSO ADMINISTRATIVO

A LeI 9.784/1999 consagra, para os processos por ela regidos, o que podemos chamar de "direito ao duplo grau de jUflsdição admInistrativa" (lembrando que, no Brasil, é tecnicamente Incorreto falar em ''jurisdição'' admimstrativa, uma vez que somente o Poder Judiciário tem Junsdição pro­pnamente dita - CF, art. 5.°. XXXV).

Com efeito, o art. 56 estabelece como verdadeIro direito ,do administrado o recurso das deCisões admmlstrativas, por razões de legalidade e de mé­rito administrativo. Trata-se de recurso hierárquico, porque a autoridade competente para apreciá-to é a autoridade hlerarqutcamente superior à que proferIU a deCisão recorrida.

a art. 57 limita a três as mstânclas admmistrativas, salvo disposIção legal em contrário. Antes de ser encaminhado o recurso â autoridade su­perior, a lei determma que a autoridade que proferiu a decisão recorrida manifeste-se quanto ao cabimento de reconsideração, no prazo de' cinco dias (art. 56, § ].0).

Caso o admlOlstrado alegue que a decisão contra a qual ele esteja recorrendo contrariou enunciado de súmula VInculante, editada pelo Supre­mo Tribunal Federal nos termos da Lei 11.41712006, caberá á autoridade prolatora da decisão impugnada, se não a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autOrIdade supenor, as razões da aplicabili­dade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso (Lei 9.7841l999, art. 56, § 3.°).

Nesses casos - alegação, pelo recorrente, de que houve Violação a enunciado de súmula vinculante -. o órgão competente para decidir ° recurso (que é o órgão superior ao que proferiu a deCIsão recorri­da, quando este não a reconsiderou) explicitara, na decisão, as razões da aplicabilidade ou maplicabilidade da sómula, conforme o caso (Lei 9.7841l999, art. 64-A).

Se o admlOistrado entender que houve violação a enunciado de súmula vinculante, poderá ajuizar reclamação perante o Supremo Tribunal Federal,

Capo XIV· o PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ÁMBITO OAADMtNISTRAÇÃO FEDERAL 349

desde que, antes, tenha esgotado as vIas admInistratIvas (LeI lIA 1712006, art. 7:). Acolhida a reclamação, o STF anulará a deCIsão admimstratIva e dara ciêncIa â autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamen­to do recurso, que deverão adequar as futuras deCisões admmlstrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, admimstratlva e penal (LeI 9.784/1999, art. 64-B).

a § 2: do art. 56 da L",I 9.784/1999 estabelece, como regra geral, a mexlgibilidade de garantia de ínstãneia (caução) para a Interposição de recursos admmlstratIvos. Decorre desse dispOSItivo que, salvo exigência le­gai, não é necessâno depoSItar valores ou oferecer bens em garantta como condição para que o recurso seja admitido.

Apesar de ser esta a leitura do dispOSItIVO em apreço (§ 2." do art. 56), nossa opmião é que a edição da Súmula Vinculante 21 eliminOU a possibI­lidade de se considerar mera regra geral a vedação à eXigênCIa de garantia de instância para a Interposição de recursos admInIstrativos. E a segumte a redação da cItada súmula:

21 - E InCOnstItuclonal a e:1ugêncla de depostto ou arrolamento préViOS de dinne1ro ou bens para admlssibilidadc de recurso admInistrativo.

A Súmula Vinculante 21 veio expliCItar que, segundo o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal. são mconstituclOnaIs preceitos legaIS que exijam garantIas de mstâncla - taIs quais depósitos ou arrolamen­tos de bens - como condição para a interposição de recursos em processos admmlstratlvos de qualquer espéCIe. Em consequêncla. não se pode admitIr que alguma leI venha a prever a exigênCIa de caução para a interposição de recursOs administratIvos (e as leiS que eventualmente o façam são inconstI­tuclOoalS nessa parte).

Em síntese, pensamos que resultou afastada pela Junsprudêncla do STF a parte InICIal do § 2: do art. 56 da Lei 9.78411 999 -"salvo exigênCIa legal" -. permanecendo, tão somente, sem ressalva, a regra segundo a qual "a interpOSIção de recurso administratIvo mdepende de caução"

Importante regra encontra-se no art. 61 da Lei 9.784/1999, nos termos do qual o recurso, salvo dispOSIção legal em contrário, não tem efeito sus­pensivo (somente possui, portanto, o denommado efeito devolutivo). Significa que a admimstração não fica Impedida de praticar o ato que esteja sendo alvo de Impugnação admInIstratIva pelo partIcular, nem os efeItos desse ato são sustados pela Instauração ou pelo curso do processo admmlstratIvo, vale dizer, as Impugnações e recursos admmIstratlvos, como regra, não suspendem a executoriedade do ato contra o qual se dingem.

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350 RESUMO DE DIREITO ADMJNISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Entretanto, o efelto suspenSIVO - mesmo que não esteja expressamente previsto na lei que trate de determinado processo administrativo - pode ser excepclOnalmente concedido pela autoridade recorrida ou pela imediatamente supenor, de oficlO ou a pedida, se houver justo receia de prejuizo de dificil ou mcerta reparação decorrente da execução da decisão recorrida (parágrafo Úmco do art. 61).

O prazo para interpor o recurso adminIstrativo em foco e de 10 dias, contados da ciênCia da decisão contra a qual será proposto (art. 59). Trata-se de prazo preclusivo (prazo próprio), porquanto o recurso mterposto fora do prazo não será conhecido. Cabe lembrar que nas leIS que regulam processos adminIstrativos específicos o prazo para recursos pode ser diferente.

Têm legItlmidade para mterpor recurso admimstrativo (art. 58):

I - os titulares de direltos e mteresses que forem parte no processo;

11 - aqueles cUJos direItos ou mteresses forem mdiretamente afetados pela decisão recorrida;

lU - as organizações e aSSOCIações representativas, no tocante a dírCltos e mteresses coletivos;

IV - os cidadãos ou assocIações, quanto a direItos ou mteresses difusos.

O recurso não será conhecido quando mterposto (art. 63):

I - fora do prazo;

II - perante órgão Incompetente (hipótese em que deverá ser mdicada ao recorrente a' autoridade competente, sendo-lhe de­volvido o prazo para recurso);

III - por quem não seja legItimado;

rv - após exaurida a esfera administrattva.

Não obstante essas regras acerca do não conhecimento do recurso, o § 2.· do art. 63 - cujo fundamento é o poder de autotutela admlmstrativa, bem como o princípio da verdade material - autoriza a admimstração a anular o ato ou reformar a decisão impugnada, de ofício, quando constatar que efe­tivamente houve ilegalidade, exceto se já ocorrida a preclusão administrativa (impossibilidade de apreciar novamente a matéria na VIa admimstrativa).

Quando não houver lei específica fixando prazo díferente, o recurso ad­mmislmtivo deverá ser decidido na prazo máxima de trinta dias, a partir do

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Capo XIV. o PROCESSO ADMiNISTRATIVO NO ÂMBiTO DAADMIN!STRAÇÃO FEDERAL 351

recebimento dos autos pelo órgão competente (art. 59, § 1.0). Esse prazo é prorrogável, por Igual período, ante justificativa explícita (art. 59, § 2."). Não obstante as expressões inciSivas utilizadas pela Lei 9.784/1999, a hipótese é de prazo impróprio (prazo não preclusIvo), vale dizer, o descumpnmento pela administração não acarreta a nulidade da decisão - mesmo depOIS de esgotado todo o período legalmente previsto, Incluída a prorrogação. A consequêncla que pode adVir do descumprimento do prazo é, se for o caso. a responsabilidade funcional de quem injustificadamente tiver dada causa ao atraso. .

O ar!. 64 confere amplos poderes, ao órgão incumbido da deCisão do recurso, para confirmar, modificar, annlar ou revogar. total ou parcialmente, a decisão recorrida, desde que se trate de matéria de sua competênCia. É prevista, inclUSIve, a possibilidade de a instância supenor reformar a deCisão em prejuízo do recorrente (a denominada reformatio in pe}lIs). Nesse últi­mo caso, entretanto, isto é, se da decisão do recurso decorrer agravamento da situação do recorrente, ele deverá ser Cientificado para que formule suas alegações antes da deCisão (art. 64, parágrafo único).

Os processos administrativos de que resultem sanções podem ser objeto de revisão, a qualquer tempo, quando surgirem fatos novas ou CircunstânCias relevantes suscetíveiS de justificar a inadequação da sanção aplicada (art. 65). A revisão pode ocorrer de oficio (pnncípIO da ofiCIalidade) ou a pedido do mteressado. Cumpre observar que o parágrafo úmco do art. 65 proíbe que a revisão dos processos de que resultem sanções acarrete o agravamento da penalidade.

Conforme se constata, adotou a legislador regra distinta para possibi­lidade de aplicação da chamada reformalio in pejus. Ela é permitida nos recursos admmIstrativos em geral, mas é vedada especificamente na revisão dos processos de que resultem sanções.

12. CONTAGEM DE PRAZOS

Um capítulo da Lei 9.784/1999 e dedicado às regras sobre a contagem de prazos no processo administrativo federal, as quais são abaiXO slOtetizadas:

a) os prazos começam a correr a partir da data da clentificação oficial. excluindo­~se da contagem o dia do começo e mclumdo-se o do vencimento~

b) se o vencimento cair em día em que não houve expediente. ou este fOi encerrado antes da hora normal, considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia util seguinte~

c) os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo:

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352 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' Vicente Paulo & MSl'cefo Alexandrino

d) os prazos fixados em meses ou anos contam-se de data a data; se no mês do venCImento não houver o dia equivalente àquele do mícIo do prazo, tem-se como tenno o últImo dia do mês;

e) salvo motIvo de força maIor devidamente comprovado. os prazos processuaIs não se suspendem.

I Capitulo xv I ,

BENS PUBLICOS

1. CONCEITO

Não existe no âmbIto da doutrina admmistrahvIsta um conceito unifonne de "bem público", Alguns autores entendem que a definIção de bem público deve ser extraída da observação do regime jurídico a que determmado bem esteja sujeito. Outros consideram a natureza Juridica da pessoa proprietária como o fator determmante do enquadramento de um bem como público ou privado. Há, por fim, quem proponha reconhecer predominância ora â natureza juridica da pessoa proprietária. ora à utilização do bem.

Não obstante tais divergêncIas doutrinárias. pensamos que pelo menos a discussão teórica acerca da abrangência da expressão "bens públicos" deIXOU de ter relevância a partir da vigência do atual Código Civil (LeI 10.406/2002). Eínbora não se preocupe em estabelecer um conceito de "bem público". o Código Civil não deixou margem â dúvida, no âmbIto de nosso direIto le­gislado, quanto aos bens que devem e aos que não devem ser formalmente enquadrados como bens públicos.

De fato. nos expressos termos do art. 98 do Código Civil. "são públicos os bens do domímo nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os ontros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem" (grifamos).

Portanto, consoante o direito positIVO brasileIro, só são formalmente bens públicos os bens de propriedade das pessoas jnrídicas de direito público. Significa dizer que somente têm bens públicos propriamente ditos: a União,

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354 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Man:eloAlexandrino

os estados, o Distnto Federal, os mumcíplos e as respectivas autarquias e fundações públicas de natureza autárquica.

Os bens dessas entidades - corpóreos e incorpóreos, móveis e imóveis, qualquer que seja a sua utilização - estão integralmente SUjeitos a regime jurídico próprio, o denominado "regtme juridico dos bens públicos", tradu­zido nas características de Imprescrítibílidade, impenhorabilidade, não one­rabílidade e na existência de restrições e condicionamentos a sua alienação (inalienabilidade relattva).

Todos os demais bens são bens pnvados (ou particulares), não sá os bens das pessoas da imciativa privada, mas também os bens das empresas públicas, das sociedades de economia mista e das fundações públicas que tenham personalidade jurídica de direito pnvado.

Isso não Implica afinnar - e este ponto tem grande importância - que o regime Jurídico dos bens públicos seja exclusivo de tais bens e que em nenhum aspecto possa um bem particular estar a ele sujeito. Pelo contrário, há razoável acordo doutrinário quanto à asserção de que os bens de pessoas administrativas de direito privado que estejam sendo diretamente empre­gados na prestação de um serviço público passam a revestir características prápnas do regIme dos bens públicos - especialmente a tmpenhorabilidade e a proibição de que sejam onerados -, enquanto pennanecerem com essa utilização.

Portanto, o dissenso conceme, sobretudo, à classificação: alguns autores simplesmente prelecionam que os bens das pessoas admInistratIvas privadas passam a ser bens públicos enquanto estiverem destinados à prestação de serviço público; outros entendem que esses bens são privados, e não pú­blicos, mas a eles se aplicam regras características do regime jurídico dos bens públicos, enquanto forem empregados na prestação de serviço público. Essa sujeição a regras do regIme público, entretanto, decorre do princípIO da continuidade dos servIços públicos, e não de alguma característica for­mai ou da natureza do bem em si mesmo considerado. Ademais, ela não tem o dom de transmudar o bem da pessoa jurídica de direito privado em bem público. .

Perfilhamos a segunda onentação, pois é, a nosso ver, a única consen­tanea ao nosso direIto legislado, a saber, o antes citado art. 98 do Código Civil. Julgamos incompatível com a lel vigente o entendimento de que bens de pessoas Jurídicas de direito privado possam ser bens públicos em detenninada Clrcunstância. AInda que se tornem impenhoráveIs ou que não possam ser onerados enquanto estiverem afetados à prestação de um ser­VIÇO público, taIS bens contmuam sendo privados, não obstante SUjeitos a limitações características do regime dos bens públicos.

Capo xv . BENS PÚBLICOS 355

O Supremo Tribunal Federal parece mclinado ao posIClOnamento de que somente os bens das pessoas juridicas de direito público são bens públicos (MS 23.627/DF e MS 23.875/DF).

Não são bens públicos, dessarte, os bens das pessoas jurídicas de direIto prtvado integrantes da admInistração pública. Sem embargo, em decorrênCIa do prmcípIo da contmuidade dos serviços públicos, os bens das empresas públicas e das sociedades de economia nusta prestadoras de servIços públicos, assim como das fundações públicas com personalidade Jurídica de direIto pnvado, desde que estejam sendo, em qualquer caso, diretamente utilizados na prestação de servlço público, ficam submetidos a regras próprias do regime juridico dos bens públicos, revestindo, especialmente, as característIcas de impenhorabilidade e de não onerabilidade.

A rigor, como consequência do pnncípIO da continuidade dos serviços públicos, até mesmo uma concessionâna de serviço público (pessoa não mtegrante da admÍnÍstração pública fonoal) sofre restnções quanto â dis­ponibilidade dos seus bens que esteJam sendo diretamente empregados na prestação do servlço público delegado!

Enfim, podemos sintetIzar o que fOI aquI exposto desta fonna:

a) somente são bens públicos. Integralmente. sujeitos ao regime Jurídico dos bens públicos, qualquer que seja a sua utilização. os bens pertencentes a pessoas jurídicas de direito público;

b) os bens das pessoas jurídicas de direito privado mtegrantes da admlms~ tração pública não são bens públicos, mas podem estar SUjeitos a regras próprIas do regIme jurídico dos bens públicos~ quando estiverem sendo utilizados na prestação de um serviço público.

2. CLASSIFICAÇÃO

Os bens públicos costumam ser classificados a partir de vanados cri­térios, sendo o mais Importante deles, a nosso ver, o que toma por base a sua destmação.

Antes de analisannos a classificação dos bens públicos quanto a sua destmação, cabe refenr uma classificação das maIS smgelas: quanto á ti­tularidade, os bens públicos podem ser federaIS, estadUaIS, distntaIs ou mUnlCIpaIS, confonne pertençam, respectIvamente, à União, aos estados, ao DistrIto Federal ou aos municípios, ou a suas autarqUlas ou fundações de direito público.

Quanto à destinação, os bens públicos classificam-se em:

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356 RESUMO DE DIREITO ADMIN1STRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandnno

a) bens de uso comum do povo;

São os bens destmados à utilização geral pelos mdivíduos, que podem ser utilizados por todos em igualdade de condições, independentemente de consentimento individualizado por parte do poder público.

São exemplos de bens públicos de uso comum do povo: as ruas, as praças, os logradouros públicos. as estradas. os mares. as praias. os rios navegàvels etc.

Em regra, são colocados à disposição da população gratuitamente. Nada impede. porém, que seja exigida uma contraprestação (remuneração) por parte da admllllstração pública. Um exemplo rotineiro de utilização remunerada de bem de uso comum do povo é a cobrança de estacIOnamen­to rotativo (cobrança por horas de uso) em areas públicas (ruas e praças) pelos municípios.

b) bens de uso especial;

São todos aqueles que visam it execução dos serviços administrativos e dos serviços públicos em geral. São os bens de propnedade das pessoas juridicas de direito público utilizados para a prestação de serviços públicos (em sentido amplo j.

Exemplos de bens públicos de uso especial são: os edifícios públicos onde se situam repartições públicas. as escolas públicas, os hospitaIs públicos. os quartéis. os veiculas oficiais. O material de consumo da- administração. entre muitos outros.

c) bens dominicais.

São os que constItuem o patrimônio das pessoas juridicas de direito pú­blico, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades. São todos aqueles que não têm uma destmação pública definida. que podem ser utilizados pelo Estado para fazer renda. Enfim, todos os bens que não se enquadram como de uso comum do povo ou de uso especial são bens dominicais.

São exemplos de bens domimcaIs: as terras devolutas e todas as ter­ras que não possuam uma destinação pública específica; os terrenos de marinha; os prédios públicos desativados; os móveis inservíveis; a dívida ativa etc.

·i:

Capo xv" BENS PUBLlCOS 357

3. CARACTERlsTICAS

As pnncipals características dos bens públicos, que compõem o seu regime juridico. são as descritas a seguir.

a) inalienabilidade;

Estabelece o Código Civil que "os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são malienávels, enquanto conservarem a sua qualifica­ção. na forma que a leI determmar" (art. 100). Logo depOIS. complementa: "os bens públicos dominIcais podem ser alienados. observadas as exigências da lei" (art. 101).

Confolme se constata. a inalienabilidade dos bens públicos não é ab­soluta.

A ngor. atualmente está pacificada a onentação segundo a qual so­mente são absolutamente malienávels aqueles bens que. pela sua própna natureza, não têm valor patrimonial. Seriam esses os bens de uso comum do povo insuscetíveiS de valoração patrimonIal. como os rios, os mares. as praias.

Os bens públicos dommicals, que são exatamente os bens públicos que não se encontram destinados a uma finalidade pública específica (afetados), podem ser objeto de alienação. obedecidos os reqUisItos legaIS. Os requisItos para alienação de bens públicos constam da Lei 8.66611993, que eXige de­monstração do interesse público, prévia avaliação. liCitação e. caso se trate de bem imóvel, autonzação legislativa (art. 17).

b) impenhorabilidade;

A penhora é instituto de natureza constntlva que recaI sobre o patn­mômo do devedor para propiciar a satisfação do credor na hipótese de não pagamento da obngação. O bem penhorado pode ser compulsonamente alienado a terceiros para que o produto da alienação satisfaça o débIto do credor.

Os bens públicos são impenhoráveis, vale dizer. não se sujeitam ao regime de penhora.

A ConstItuIção Federal estabeleceu regra diferenciada para a satisfação dos créditos de terceiros contra a Fazenda Pública. Eles serão pagos segundo o denominado regime de precatórios, nos termos do caput do art. 100 da Carta Políhca. abaiXO transcnto (redação dada pela EC 62/2009):

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356 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Arexandrino

Art. 100. Os pagamentos devidos pejas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, DistrItal e MUnicipais, em vírtude de sentença Judiciária. far~se-ão exciusfvamente na ordem crono~ lógica de apresentação dos precatórios e â conta dos créditos respecttvos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicIOnais abertos para este fim.

E Importante regIstrar que eXIste uma única hipótese em que deve ser feIto pagamento direto pela Fazenda, sem seguir a slstemátlca de precató­rios: trata-se das obrigações de pequeno valoc definidas em leI (art. 100, § 3.0

).

As entidades de direito público estão obngadas a incluir nos respecttvos orçamentos a verba necessária ao pagamento dos precatónos oriundos de sentenças tranSitadas em julgado e apresentados até 1.0 de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercíCIO seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente (art. 100, § 5.0

).

As dotações orçamentánas e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciáno, cabendo ao presidente do tribunal que profenr a decIsão exequenda deternunar o pagamento mtegral e autorizar o sequestro da quantta respectiva, a requerimento do credor, nos casos de (arl. 100, § 6.0

):

a) preterição de seu direito de precedência; e

b) não alocação orçamentária do valor necessáno â satIsfação do seu débIto.

Também está prevista hipótese especifica e transitória de sequestro de dinhetro público para pagamento de precatónos no art. 97, § 10, InCISO I, do Ato das Disposições ConstitucionaIS TranSitórias - ADCT.

Portanto, embora os bens públicos realmente sejam impenhoráveIS (não sujeItos a penhora), é possivel, nas restritas lnpóteses constitucionalmente previstas, OCOlTer o sequestro de valores (dinheiro público) necessános â satisfação de dívidas constantes de precatórios j udiclats.

c) imprescritibilidade;

Os bens públicos, seja qual for a sua natureza, são imprescritíveis, isto e, são insuscetíveis de aqUISIção mediante usucapião.

j' ,

xv • BENS PÚBLICOS 359

ASSim, mesmo que um particular tenha a posse pacífica de um bem pú­blico pelo tempo necessário â aqUIsição por usucapião dos bens privados, conforme regulado no direito privado - ou por qualquer período de tempo, a bem da verdade -, não adquinrá direito de propriedade sobre esse bem.

A Constttuição Federal veda, expressamente, qualquer lIpo de usucapião de Imóveis públicos, quer localizados na zona urbana (CF, art. 183, §3.0

),

quer na área rural (CF, art. 19 I, parágrafo único). Vale observar que, embora a Carta Política som~nte tenha se preocupado em tornar expressa essa veda­ção para os bens imóveis, a impossibilidade de aqUISição de bens públicos móveis por meio de usucapião é, tambem, pacífica em nosso ordenamento. O art. 102 do Código Civil, de fonoa categórica, e sem qualquer distmção, estabelece: "os bens públicos não estão sujeItos a usucapião".

d) não oncrabilidade.

Onerar um bem é gravá-lo como garantta, para satisfação do credor no caso de inadimplemento da obrigação. São espécies de direitos reais de garantIa sobre COIsa alheia o penhor, a anticrese e a hipoteca (CC. art. 1.225).

Os bens públicos não podem ser gravados dessa fonoa, como garantia em favor de terceiro. Enfim, o credor da fazenda pública não pode ajustar garantia real mcidente sobre bem público, sob pena de nulidade absoluta da garan!!a.

Finalizando o presente tópico, cumpre frisar que as quatro caracterisltcas descritas - inalienabilidade (relativa), impenhorabilidade, Imprescntibilidade e não onerabilidade - compõem o denommado "regime jurídico dos bens públicos'" Os bens das pessoas jurídicas de direito público, por serem pens públicos, seguem sempre, integralmente, esse regime juridico, estejam ou não diretamente afetados a uma destmação específica (circunstâncIa que mterfere ua possibilidade de serem alienados, como visto acima). Os bens das pessoas jurídicas de direito privado integrantes da administração pública não são bens públicos, mas podem estar sujeitos a essas restrições e prer­rogativas próprIas do regime Juridico dos bens públicos, quando esltverem sendo utilizados na prestação de um servIço público.

4. USO PRIVATIVO DE BENS PÚBLICOS POR PARTICULARES MEDIANTE AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO E CONCESSÃO

Qualquer que seja a categona do bem público - uso comum, uso es­pecial ou dominical -, é possível li admmistração pública outorgar a partí­culares detenoinados o seu uso pnvativo. Essa outorga, que exige sempre

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360 RESUMO DE DIREITO ADMiNISTRATiVO DESCOMPLICADO· Vicenle Paulo & Marcelo Alexandrino

um Instrumento formal, está sujeita ao Juízo de oportunidade e conveniência exclusivo da própria administração e pode ser feita mediante remuneração pelo partiCular, ou não.

Os instrumentos maiS importantes aptos a outorgar a utilização pnvativa de bens públicos por partICulares são a autorização de Uso de bem público, a permissão de uso de bem público, a concessão de uso de bem público e a concessão de direito real de uso de bem público. Os três pnmeiros instru­mentos concedem direitos pessoais e o último, um direito real, iSto é, um direito referido diretamente ao bem (e não a uma pessoa determinada l, que adere ao bem e o acompanha seja quem for que o possua, independentemente das características pessoaiS do possuidor.

Vejamos, sucintamente, os aspectos maiS relevantes dos supracitados mstrumentos.

A autorização de uso de bem público e um ato admimstralivo discn­ciOnário, precano e, como regra, sem previsão de prazo de duração. Sendo mero ato admmlstrativo - unilateral, portanto -, não há liCitação prévia.

A precariedade traduz a possibilidade de a autOrIzação ser revogada a qualquer tempo, sem ensejar ao particular direito a mdemzação. Contudo, caso seja outorgada por prazo certo - prática cnltcada pela doutnna -, a revogação antes do prazo poderá acarretar para a admimstração a obrigação de indemzar eventuaiS preJuizos ocasionados ao parllcular.

A característica principal da autorização de uso de bem público é o predomímo do interesse do particular (evidentemente deve ela - como todo ato administrativo - atender ao interesse público, mas prepondera o mteresse do particular). Por essa razão, é uma faculdade do particular utilizar, ou não, o bem autorizado.

Exemplo de autonzação de uso e a autonzação de fechamento de uma rua para a realização de uma festa popular, como uma festa Junina orgamzada pela aSSOCiação de moradores de um bairro residenCial.

A permissão de uso de bem público é também um ato admínistrativo discnclOnário, precáno e, COmo regra, sem preVisão de prazo de duração. Existe controvérsia na doutrina sobre o cabimento de licitação prévia à outorga de permissão de uso de bem público, porque ela e um mero ato admimstratlvo, e não um contrato.

Apesar de ser um simples ato - portanto, unilateral -, a Lei 8.666/1993, em seu art. 2.·, afirma que as penmssões, quando contratadas com tercei­ros, devem ser precedidas de licitação. A redação do dispOSitivo possibilita a mterpretação de que a regra só seria aplicável às permissões de serviços públicos, que indiscutivelmente são contratos, mas não âs permissões de uso de bem público, que são atos administratlvos. Ocorre que existe outra lei

Capo xv • BENS PÚBLICOS 361

em que a exigênCia de licitação para qualquer permissão é absolutamente explícita. Trata-se da Lei 9.074/1995, que, no seu art. 31, estatu!:

Art. 3 L Nas liCitações para concessão e permissão de servu;os públicos ou uso de bem público, os autores ou responsâvels economicamente pelos projetos baslCO ou executtvo podem participar, direta ou mdiretamente. da licitação ou da execução de obras ou servIços.

Certo é que licitação consiste em exigênCia préVia á celebração de contratos admimstrahvos. Não obstante, em face dos dispositiVOS legaIS acima referidos, nossa opmião é que as permissões de uso de bem público, embora sejam atos administrativos - e não contratos -, devem ser precedidas de lictlação, a menos que se verifique alguma Situação legal de dispensa ou inexigibilidade. Trata-se de hipótese excepcIOnal - a umca de que temos notiCia -, em que se exige liCitação préVia á prática de um mero ato admimstrativo (note-se que, formalmente, a permissão de uso de bem público não deixa, por isso, de ser um ato administrativo, isto é. uma manifestação unilateraJ da administração pública).

Exemplo de perrmssão de uso e a permissão para ocupação de área de passeio público para a mstalação de uma banca de jornais e reVistas ou a per­missão para ocupação de área de uma praça pública para instalação de uma banca em uma feira de artesanato.

A doutnna aponta como elementos distmtivos entre a autonzação e a per­mIssão de uso de bem público: (a) na permissão é maiS relevante o mteresse público, enquanto na autonzação ele é apenas mdireto, mediato e secundário; (b) em razão desse fato, na permissão o uso do bem, com a destinação para a qual foi permitido, e obrigatórIO; na autorização o uso é facultaltvo, a critério do partIcular; (c) a permissão deve, regra geral, ser precedida de licitação; a autonzação nunca e precedida de licitação.

Conquanto os admmistrativistas afirmem que a precariedade é maIOr na autonzação do que na permissão - em razão da predominância do mteresse privado naquela -, a verdade é que, em regra, ambas são revogáveis a qualquer tempo, sem indenização ao particular. Somente poderá haver obrigação de a admmistração indenizar o parltcular pela revogação se a outorga tiver se dado por prazo certo (a regra geral é a antonzação e a permIssão serem outorgadas sem prazo l, ou na hipótese de outorga onerosa ou condiCIOnada (em que se eXige alguma contrapartida que implique ônus para o parhcular),

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362 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO, Vicente Pauto & Marcelo Afexandrino

A concessão de uso de bem público é um contrato admmistrativo. Essa caracterfstlCa e o ponto pnnclpal de distinção entre as concessões e as autOrI­zações e penmssões de uso de bens públicos,

Sendo contrato, a concessão incontroversamente deve ser precedida de licitação (salvo se presente alguma hipótese legal de dispensa ou mexigibili­dade j, não é precána, e sempre outorgada por prazo detenninado e só admite rescisão (e não revogação} nas hipóteses previstas em le!. AdemaIs, a extinção antes do prazo enseja indenização ao particular, quando não decorra de causa a ele Imputável.

A doutnna tradiCIOnal afinna que na concessão existe preemmêncla do mteresse público, comparado com o do particular. Parece-nos que essa afir­mação só e sempre correta quando se trata de concessão de serviço público. Na concessão de uso de bem público, pode o mteresse público predominar, ou pode preponderar o mteresse do particnlar concessionário.

Como exemplo dessa última situação, tome-se uma concessão para ex­ploração de mina de água ou para lavra de jazida mineral. Como exemplo de situação em que há predomimo do interesse público (ou pelo menos interesses público e pnvado equiponderantes), tome-se uma concessão de área pública para exploração de um estacionamento anexo a um aeroporto, ou a concessão de uma área em prédio público onde funcione detenninado órgão público para um particular mstalar um refeitório destInado aos respectivos servidores.

Seja como for, importante é enfatizar que a distinção realmente relevante reside no fato de as concessões serem contratos administrativos e as autonzações e pennissões de uso de bem público serem meros atos admímstratlvos.

Abaixo, smtetlzamos as pnncipais caracterfstlcas da autorização, da per­missão e da concessão de uso de bens públicos.

AUTORIZAÇÃO PERMISSÃO CONCESSÃO

Ato administrativo. Ato admInistrativo. Contrato admfmstrativo_ -

Náo há licitação. Licitação préVIa. LicUação préVIa.

Utilização obngatôna Utilização obngatóna Uso facultativo do bem pelo do bem pelo particular. do bem pelo particular. particular. conforme a finalidade conforme a finalidade

permitida. concedida.

Interesse públíco e do

Interesse predominante do EqUlponderâncI8 entre o particular podem ser

particular. Interesse público e o do eqUIvalentes, ou haver particular. predominio de um ou de

outro.

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." ;.

Cap, xv • BENS pUBLIcas 363

AUTORIZAÇÃO PERMISSÃO CONCESSÃO

Ato precano. Ato precàno. Não há precanedade.

Sem prazo (regra). Sem prazo (regra). Prazo determinado.

\,emunerada ou não. Remunerada ou não_ Remunerada ou não.

Revogação a qualquer Revogação a qualquer ReSCisão nas hipóteses

tempo sem mdenlzação. tempo sem mdenlzação. previstas em reI. Cabe

salvo se outorgada com salvo se outorgada com mdenlzação, se a causa

prazo ou condiCIonada. prazo ou condiCIonada. não ror Imputável ao concessIonário.

Por fim, cumpre aludir à concessão de direito real de uso de bem público. Essa modalidade de uso privativo de bem público por particulares está regulada no Decreto-lei 271/1967, com alterações trazidas pela Lei 11.481/2007.

Nos tennos dos arts. 7,° e 8." do Decreto-lei 271/1967, pode ser outor­gada concessão de direito real de uso de terrenos públicos, ou do respectivo espaço aéreo, "para fins específicos de regnlarização fundiána de interesse SOCial, urbanização, mdustrialização, edificação, cultivada terra, aproveIta­mento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de mteresse social em áreas urbanas", Observamos qne é possivel tambem recair a concessão sobre terrenos particulares, ponto que, todavia, não mteressa ao presente estudo.

A outorga de concessão de direito real de uso eXige anuência prévia (art. 7.", § 5.°):

I - do MinistériO da Defesa e dos Comandos da Marmha, do Exército ou da AeronáutIca. quando se tratar de imóveiS que estejam sob sua admmístração; e

II - do Gabmete de Segurança InstitucIOnal da Presidência de República, observados os termos do mciso !lI do § L° do art, 91 da Constituição Federal.

A concessão de direito real de uso constitui um direito de natureza real (e não um mero direito pessoal), consoante explicita o inciso XII do art. 1.225 do Código CiviL Consiste ela num contrato que confere ao particular um direito real resolúvel, por prazo certo ou indeterminado, de fonna re­munerada ou gratuita. Como se vê, resta configurada hipótese excepcional em que a lei possibilita a celebração de contrato administrativo sem prazo, derrogando, nesse ponto, o § 3.° do aft 57 da Lei 8,666/1993.

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364 "RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO' VicentE! Paulo & MarceloAlexandn"no

o contrato de concessão de direito real de uso pode ser formalizado por instrumento público ou particular, ou por simples termo admimstrattvo, e será Inscnto e cancelado em livro especial.

Como se trata de direIto real (e não de direito pessoal), a concessão de direIto real de uso "transfere-se por ato mieI' VIVOS, ou por sucessão le­gítima ou testamentária, como os demais direItos reaIS sobre cOIsas alheIas, registrando-se a transferência" (art. 7.", § 4.°).

Observe-se que, diferentemente, a simplés concessão de uso, por conferir apenas um direIto pessoal ao concessionáno Ce não um diretlo real), não pode ser transferida por este a terceIro sem previsão contratual e anuênCIa expressa da admimstração pública, sob pena de rescisão do contrato (LeI 8.666/1993, art. 78, VI).

Conforme antes afirmado, a concessão de direito real de uso confere ao partIcular um direito real resolúvel. isto e, um direito que se extmgue na hipótese de ocorrerem determinadas situações prevIstas na leI ou no contrato. Com efeIto, o § 3." do art. 7." do Decreto-leI 27111967 estatui que a concessão resolve-se (extingue-se) caso "o concessionáno dê ao Imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou termo, ou des­cumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeItorias de qualquer natureza".

Nos termos da Lei 8.666/1993, a concessão de direIto real de uso deve ser precedida de licitação, em regra na modalidade concorrênCIa (art. 23, § 3."). O tIpO de liCItação, Isto é, o cnténo de Julgamento deve ser o de maior lance ou oferta, conforme o art. 45, § l.", IV (caso se trate de concessão onerosa, evidentemente). A Lei 8.666/1993 prevê específicas hipóteses de li­citação dispensada para a concessão de direito real de uso, no seu ar!. 17.

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INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA

1. INTRODUçAo

A ConstItuIção Federal autoriza, no seu próprio texto, a intervenção do Estado na propnedade prIvada. Isso porque, se por um lado o texto consti­tuCIOnal assegura o direito mdividual â. propriedade (CF, art. 5.", XXII), por outro condiciona o uso desse direito ao atendimento da função social (CF, ar!. 5.", XXIll). Se o direito â propriedade está condiCIOnado ao atendimento da sua função social, segue-se que, se não for atendida essa condição cons­titUCIonal, poderá o Estado intervIr para forçar o seu atendimento.

Em outro dispositiVO, ao cuidar da política urbana, reza a Constituição que (CF, art. 182, § 2."):

§ 2.° A propnedade urbana cumpre sua função SOCial quando atende ás exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Como se vê, o legIslador constItuinte deixou expresso que, tratando-se de propriedade urbana, o atendimento de sua função SOCIal está condicionado à observância das regras estabelecidas no plano diretor do municípIO. Se não for atendida a função SOCIal da propríedade urbana, nos termos traçados no plano diretor, a própria Constituição já confere ao mUnicípio poderes de mtervenção na propnedade particular, estabelecendo que pode ser imposta ao proprietário a obrigação de promover o adequado aproveitamento do solo

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366 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, quando em descompasso com as regras fixadas no plano diretor. O\SO não sejam observadas essas eXIgências municIpais, tem o município o poder de impor o parcelamento ou a edificação compulsória do solo e até mesmo, em último caso, de promover a desapropriação (CF, art. 182, § 4.°).

A ConstitUIção permite tambem que, no caso de Iminente perigo pú­blico, a autoridade competente utilize proprIedade particular, assegurada ao proprretárIo IndenIzação ultenor, se houver dano (CF, art. 5.°, XXV). Esse mstltuto, conhecido como requisição, consubstancia maIs um exemplo de hIpótese autorizada constitucionalmente de intervenção do Estado na pro­prIedade particular.

Finalmente, cabe mencionar que a Carta Política contempla, até mesmo, o inslItuto da desapropriação, que vem a ser· o melO maIS gravoso de in­tervenção do Estado uo direito de propriedade, retirando esta do domínio do proprietário e mserindo-a, como regra, no patrimômo do Estado.

A seguir, estudaremos as prmclpais hIpóteses de mtervenção do Estado na proprIedade privada, tanto as expressamente previstas no texto constitucional quanto as estabelecidas em leIS admllllstrativas.

2. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA

Servidão admimstrativa é o direito real público que autoriza o poder público a usar da propriedade imóvel para permitir a execução de obras e serviços de mteresse coletIvo.

É a servidão admmistrativa um ônus real, mcidente sobre um bem particular, com a finalidade de permItIr uma utilização pública.

Embora a regra seja a lllstituição de servidão administrativa sobre imó­vel particular, nada Impede que, em situações especiais, possa incidir sobre bem público (a União pode instituir servidão em relação a bens estaduais ou municipaIS).

São exemplos de servidão administratIva: a mstalação de redes elétrIcas, de redes telefônicas e a Implantação de gasodutos e oleodutos em áreas pri­vadas para a execução de serviços públicos; a colocação em prédios privados de placas e aVISOS para a população, como nome de ruas; a colocação de ganchos em prédios públicos para sustentar a rede elétrica etc.

Não há uma disciplina nonnatIva específica para as servidões adminis­tratIvas; a base legal para sua Instituição é o art. 40 do Decreto-Ie. 3.365, de 1941, que, ao cuidar da desapropriação por utilidade pública, prescreve que

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Capo XVI· INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA 367

"o exproprIante poderá constituIr servidões, mediante indenização na forma desta lei". O entendimento e de que, por força desse dispOSItivo, aplicam-se ao procedimento de servidão as regras para a desapropriação por utilidade pública, no que couber.

A mstituição de servidão admilllstralIva não é ato admimstratlvo au­toexecutóno. A servidão admmlstratlva somente se constItui mediante acordo ou sentença judiCIaL

A servidão admmlstrativa implica, tão somente, o direito de uso pelo poder público de imóvel alheIO, para o fim de prestação de servIços públicos. Não há perda da propriedade pelo particular, como ocorre na desapropriação. Por esse motIVO, a mdemzação, se houver, não serà pela propriedade do Imóvel, mas sIm pelos danos ou prejuízos que o uso dessa propriedade pelo poder público efetIvamente causar ao imóvel.

A regra, portanto, é o não cabImento de indenização por parte do Es­tado. Se o uso da propríedade particular pelo poder público não provocou prejuízo ao propnetário, não se há de cogitar indemzação. Só o exame de cada caso concreto é que permitIrá avaliar se haverá ou não direito a indeni­zação. Se houver prejuÍzo, deverá o proprietário ser mdenizado em montante equivalente ao respecttvo prejujzo~ se não houver prejuizo~ a adrninístração nada tera que indenizar. O ônus da prova cabe ao proprietário: a ele cabe provar o prejuizo; não o fazendo, presume-se que a servidão não produzíu qualquer prejuízo.

3. REQUISIÇÃO

RequiSIção é o instrumento de mtervenção estatal mediante o qual, em SItuação de perigo público iminente, o Estado utiliza bens móveis, imóveis ou servIços particulares com indenização ulterIor, se houver dano.

Há, na vIgente ConstitUIção, previsão expressa para O instituto (CF, ar!. 5.°. XXV):

xxv - no caso de lmmente pengo público, a autoridade com­petente poderá. usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterIor. se houver dano;

A requisição admmistrabva pode ser civil ou militar. A requisição mili­tar objetiva o resguardo da segurança interna e a manutenção da soberania naCIOnal, diante de conflito armado, comoção intestina etc.; a requisição civil visa a evitar danos à vida, a saude e aos bens da coletividade, diante

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368 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicenl/iJ Paulo & MarcefoAlexandrino

de inundação, mcêndio, sonegação de gêneros de pnmelra necessidade, epI­demias, catástrofes etc.

Presente a situação de pengo Immente, a requisição pode ser decretada de Imediato, sem necessidade de previa autonzação judicial. O ato admmÍs­trativo que formaliza a requiSição é autoexecutóno, não depende de qualquer apreciação judicial prévia.

A requiSição e instltuto de natureza transltóna: sua extínção dar-se-á tão logo desapareça a situação de perigo público iminente que justificou sua mstltulção.

4. OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA

Ocupação temporária é a forma de mtervenção pela qual o poder público usa transítonamente imóveis privados, como meio de apOlO à execução de obras e serviços públicos.

É o que normalmente ocorre quando a admlOlstração tem a necessidade de ocupar terreno pnvado para depósito de equipamentos e materiaiS desti­nados â realização de obras e servIços públicos nas, VIzinhanças. É exemplo a ocupação temporária de terrenos de particulares contíguos a estradas (em construção ou reforma), para a alocação de máquina de asfalto, eqUIpamen­tos de serviço, pequenas barracas de operários etc. É o que ocorre, também, na época das eleições ou campanhas de vacinação pública, em que o poder público usa de escolas, clubes e outros estabelecimentos pnvados para a prestação dos serviços.

A instituIção da ocupação temporária dá-se por melO da expedição de ato pela autoridade admlOlstratíva competente, que deverá fixar, desde logo, e se for o caso, a justa mdenização devida ao propnetáno do Imóvel ocu­pado. E ato autoexecutório, que não depende de aprecIação préVia do Poder Judiciáno.

A extinção da ocupação temporàna dá-se com a conclusão da obra ou serviço pelo poder público. Se a ocupação temporárIa é mstltuída em razão da realização de uma obra ou serviços públicos, segue-se que a propnedade pnvada deve ser desocupada tão logo esteja concluída a atiVidade pública. Extmta a causa que lhe deu ongem, extingue-se o efeito da ocupação.

Na ocupação temporária, a indenização e também condicionada à ocor­rência de prejuízo ao propnetário. Em pnncípio não haveni mdemzação al­guma, mas esta deverá ocorrer se o uso do bem particular acarretar prejuízo ao seu proprietáno.

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Cap. XVI- INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA 369

5. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS

Limitações admmistratlvas são determinações de caráter geral, por melO das quais o Poder Público impõe a propnetários indeterminados obngações de fazer (obngações "positivas"), ou obngações de deixar de fazer alguma coisa (obngações "negativas", ou de "não fazer" ou de "permItir"), com a finalidade de assegurar que a propriedade atenda sua função social.

As limItações adminIstrações derivam do poder de políCia da administração e se exterionzam em Imposições unilaterais e Imperativas, sob a modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (permitir fazer). No pri­meiro caso, o particular fica obrigado a realizar o que a administração lhe Impõe; no segundo, deve abster-se do que lhe é vedado; no terceiro, deve permitIr algo em sua propriedade.

As limitações adminIstrallvas devem ser gerais, dirigidas a propnedades indeterminadas. Não há indenização, ou seja, as limItações admmistratlvas são sempre gratuitas (para o poder público l.

Essas limitações podem atmgir não só a propnedade imóvel e seu uso como qUalsquer outros bens e atividades particulares que tenham tmplicações com o bem-estar SOCial, com os bons costumes, com a segurança e a saúde da coletIvidade, com o sossego e a higiene da cidade e até mesmo com a estética urbana.

São exemplos de limitações admmistrattvas: a obrigação de observar o recuo de alguns metros das construções em terrenos urbanos; a proibição de desmatamento de parte da area de floresta em cada propriedade rural; obri­gação imposta aos propnetários de efetuarem limpeza de terrenos; proibição de construir além de detenninado nümero de pavimentos etc.

As limitações admmistratlvas ao uso da propnedade particular podem ser expressas em leI ou regulamento de qualquer dos entes federados, por se tratar de maténa de direito público, da competênCia federal, estadual, distntal e mulltcipal.

Em síntese, a limitação administrativa é uma restrição geral e gratuita imposta indeterminadamente ás propriedades particulares em benefiCIO da coletividade.

6. TOMBAMENTO

Tombamento é a modalidade de intervenção na propriedade por meio da qual o poder público procura proteger o patrimônIo cultural brasileiro.

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370 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. Vicente Paulo & Marcelo A(exandrino

No, tombamento, o Estado intervém na propriedade privada para proteger a memofla naclOna!, proteg~ndo bens de ordem histórica, artístICa, arqueoló­gIca, cultural, clentlfica, turisÍlca e patsagistlca. A maiofla dos bens tombados é de imóveIs de valor arqUitetônico de épocas passadas em nossa história. E comum, tambem, o tombamento de bairros ou até mesmo de cidades quando retratam aspectos culturais do passado. O tombamento pode, ainda: recaIr sobre bens móveIS.

A ConstItuIção Federal estabele.ce, expressamente, a autonzação essa modalidade de mtervenção na propriedade, nos segumtes termos art. 216, § L°):

§ 1.0 O Poder Públíc01 com a colaboração da comunidade, pro­movcrà e protegerá o patnmônio cultural brasileiro, por melO de inventárIos, registros, vIgilância, tombamento e desapropriação~ e de outras formas de acautelamento e preservação.

para (CF,

? tombamento é sempre resultante de vontade expressa do poder público, mamfestada por ato administrativo do Poder Execultvo.

A competêncIa para legIslar sobre a proteção ao patrimônio hIstórico, cultural, artístIco, turístico e paisagístico é concorrente entre a União, os estados e O DistrIto Federal (CF, art. 24, VII). A legIslação federal e estadual poderá, no que couber, ser suplementada pela legislação municipal, por força do art. 30, Il, da ConstituIção Federal.

AdemaIS, por força do art. 30, IX, da Carta Política, cabe também ao mUlllcípio a competêncta para promover a proteção do patrimômo hlsto­nco-cultural local, observadas a legIslação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

É Imprescmdível para o ato de tombamento a existência de processo admllllstratlVO, com observâncIa do prmcíplo constituCIOnal do devido processo legal, no qual se assegure ao proprietáno o direIto ao contradi­tóno e à ampla defesa, no mtuito de que este possa comprovar, se for o caso, a mexistência de relação entre o bem a ser tombado e a proteção ao patrimônio cultural.

O ato de tombamento gera alguns relevantes efeitos no que conceme ao uso e ~ alienação do bem tombado. Efetivados o tombamento e a respectiva IOscnçao no OfícIO de Registro de ImóveIS respecllvo, surgem os seguintes efeItos:

a) é vedado ao propnetáno~ ou ao titular de eventual direito de liSO destruir demolir ou mutilar o bem tornbado~ , ~

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Ce.p. XVI· INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA 371

b) o propnetáno somente poderá reparar, plOtar ou restaurar o bem apÓs a devida autonzação do poder público;

c) o propnetário devera conservar o bem tombado para mantê-lo dentro de suas caracteristÍcas cu[turajs~ para ISSO, se não dispuser de recursos para proceder a obras de conservação e restauração, deverá necessanamente comUnIcar o fato ao ôrgão que decretou o tombamento, o qual poderá mandar executá­-ias a suas expensas;

d)

e)

f)

g)

mdependentemente de soliCItação do propnetáno, pode o poder público, no caso de urgênCia, tomar a micIatIva de providenciar as· obras de conserva­ção;

no caso de alienação do bem tombado. o poder público tem direito de preferêncla;

o tombamento do bem não Impede o proprietáno de gravà~lo por meio de penhor, antIcrese ou hipoteca;

não há obngatoríedade de o poder público mdenlzar o propnetáno do Imóvel no caso de tombamento.

7, DESAPROPRIAÇÃO

Desapropriação e o procedimento de direito público pelo qual o poder público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública, de necessidade pública, ou de mteresse social, normalmente mediante o pagamento de justa e prévia mdenização.

Ao contnino das demaIS formas de intervenção na propnedade estu­dadas, em que O poder público apenas condicionava o uso da propriedade, na desapropnação o objetivo da atuação estatal é a transferência do bem desapropnado para o acervo do expropriante.

A doutrina classifica a desapropnação como forma originária de aqui­sição de propriedade, porque não provém de nenhum título antenor, e, por isso, o bem expropnado torna-se insuscetível de reIvindicação e libera-se de quaIsquer ônus que sobre ele mcidissem precedentemente, ficando eventuais credores sub-rogados no preço.

A desapropriação é efetIvada mediante um procedimento admimstrativo, na maiona das vezes acompanhado de uma fase judiciaL Esse procedimento tem início com a fase admmistratlva, em que o poder público declara seu interesse na desapropnação e dá início ás medidas visaodo li transferênCIa do bem. Se houver acordo entre o poder público e o proprietário do bem, o que é raro, o procedimento esgota-se nessa fase. Na ausêncÍa de acordo, o procedimento entra na sua fase Judicial, em que o magistrado solucionará a controvérSIa.

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372 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

7.1. Pressupostos

São pressupostos da desapropnação:

a) a utilidade pública ou a necessidade pública;

b) o mteresse sociaL

Ocorre a utilidade pública quando a transferência do bem para o poder público é convem ente, embora não seja Imprescmdível. Exemplo de utilida­de pública seria a desapropnação de um imóvel para a construção de Uma escola.

A necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução exija a desapropriação do bem. Na necessidade pública, para a situação de emergência ser resolvida satisfatoriamente, faz-se necessária a transferência urgente de bens de terceiros para O poder público. A desapropnação Imediata de imóvel para salvaguardar a segurança nacIOnal (ou para fazer face a uma calamidade pública), e caso de necessidade pública.

Convém mencIOnar que o Decreto-lei 3.365/1 941 somente utiliza, de fonoa genérica, a expressão "utílídade pública", tanto para os casos autonzadores de desapropnação que configuram Situações emergencims, quanto para os casos de simples conveniência para o poder público. Entretanto. como a prÓpria Constituição utiliza a expressão "necessidade pública" (art. 5.°. XXIV), não podemos concluir que esse conceito tenha deixado de existir. A solução que nos parece mms razoável é adotar a distinção entre utilidade e necessidade pública, para efettos didáticos, mas considerar que utilidade pública, nos telmos da lei, é uma denominação genérica, que abrange todos os casos de desapropriação não enquadrados como de interesse social, incluídos os casos doutrinanamente classificados como de necessidade pública. De qualquer fo:,:,a, o importante é ressaltar que o regime jurídico da desapropnação por utlltdade ou por necessidade pública é o mesmo e um sÓ.

O mteresse socml consiste naquelas hipóteses em que mais se realça a função social da propriedade. Certas circunstâncias impõem o condicionamento da propriedade, para seu melhor aproveitamento em beneficio da coletividade. A desapropriação de terras ruraiS, para fins de refonoa agraria ou assento de colonos, é caso típico de interesse social, pois busca condicIOnar o uso da terra à sua função social.

7.2. Autorização constitucional

A regra matriz da desapropnação está no art. 5.', XXIV, da Constituição Federal. que estabelece:

Capo XVI" INTERVENç.ÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropnação por necessidade ou utilidade pública. ou por mteresse socIal, mediante Justa e préVIa indemzação em dinheiro. ressalvados os casos previstos nesta Constítutção;

373

Além dessa regra geral, contemplada no art. 5.', XXIV, da Carta Po­lítica, temos atnda no texto constttuclOnal outras três previsões especificas de desapropriação.

A prImeira delas está no art. 182, § 4.', lU, da ConstttUlção, denominada pela doutrina "desapropnação urbanística". Essa hipótese de desapropnação possuí caráter sancionatório e pode ser aplicada ao propnetário de solo urbano que não atenda à exigência de promover o adequado aproveitamento de sua propriedade, nos termos do plano diretor do muntcípio. O expropnante. nessa hipÓtese, será o mumcipio, segundo as regras gerais de desapropriação estabeleCidas em lei federaL A indell1zação será paga mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuaiS, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indemzação e os Juros legais.

A segunda hipótese é a denommada "desapropnação rural". que mcíde sobre imóveiS rurms destinados â reforma agraria (CF, art. 184). Cuida-se, em verdade, de desapropriação por mteresse social com fina­lidade específica (reforma agrária), mCldente sobre Imóveis ruraIS que não estejam cumprindo sua função social. O expropriante nessa hipótese é exclUSivamente a União, e a indemzação será em títulos da díVida agrána, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveiS no pra­zo de até vmte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e Cl~a .utilização será defimda em lei.

A terceira especle de desapropriação está prevista no art. 243 da Cons­titUição Federal, denommada "desapropriação confiscatona", porque não assegura ao proprietário nenhum direito a indenização, sempre devida nas demaiS hipóteses de desapropnação. Essa desapropriação mcíde sobre glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas pSicotrópicas. que serão. após a transferênCia de propnedade, destinadas ao assentamento de colonos, para culttvo de produtos alimentícIOS e medicamentosos, sem qualquer mdemzação ao proprietáno e sem preJuízo de outras sanções previstas em lei.

O Supremo Tríbunal Federal já decidiu que a desapropnação confiscatória deve recair sobre a totalidade da área do imóvel, mesmo que a cultura ilegal ocupe apenas uma pequena parte de sua área. Por outras palavras, a expropriação de glebas a que se refere o art. 243 da Constituição deve

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374 RESUMO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO· Vicente Paulo & Marcelo Afexandrino

abranger toda a propriedade, e não apenas a área efetivamente cultivada (RE 543.974IMG).

As regras constItucIOnaIS sobre desapropriação são completadas por melO de algumas leIs específicas, a saber: Decreto-lei 3.365/1941 (lei geral da desapropriação, que cuida especificamente da desapropriação por utilidade pública); LeI 4.132/1962 (desapropnação por mteresse SOCial); Lei 8.257/1991 (desapropriação confiscatória); LeI 8.629/1993 (desapropriação rural); LC 76/1993 (desapropnação rural para fins de reforma agrária).

7.3. Bens desapropriáveis

Como regra, a desapropriação pode ter por objeto qualquer espéCIe de bem susceptível de valoração patrimonial. O bem a ser desapropriado pode ser móvel ou unõvel, corpóreo ou incorpóreo. Admite-se que a desapropriação mcida. sobre: o espaço aéreo. o subsolo, as ações, as quotas ou os direItos de qualquer sociedade etc.

Os bens imóveIS, entretanto, só podem ser desapropriados por um ente federado em cujo territÓrIO estejam situados. Dito de outra forma~ um estado não pode desaproprIar bens Imóveis localizados no território de outro estado e um mUnICipIO não pode desapropriar bens ImóveIS situados no terrItóno de outro mumcípIO. Essa restrição, evidentemente, não se aplica á União, que pode desapropriar bens em qualquer ponto do temtóno nacionaL

Não obstante a regra gera!. aCIma enunciada, hà bens que não podem ser desapropriados. São exemplos a moeda corrente do País (POIS ela é o próprio melO em que comumente se paga a mdenização pela desaproprIação) e os chamados direItos personalíssImos, tais como a honra, a liberdade, a cidadama.

São insuscetíveIS de expropriação, segundo a jurisprudência de nossa Corte Suprema, as margens dos rios navegavels (Súmula 479 do STF).

Também não é cabivel a desapropriação de pessoas jurídicas, pois estas são sujeitos de direitos, e não objetos. Dessa forma, embora vulgarmente se diga que uma determinada entidade foi desapropriada, a afirmação incorre em imprecisão técnica, porque o que se desapropria são os bens ou os direitos representativos do capital dessa pessoa Jurídica.

Os bens públicos pertencentes ás entidades polítIcas podem ser objeto de desapropriação, mas devem ser observadas as restrições vazadas no § 2.· do art. 2.' do Decreto-Lei 3.365/1941, dispOSItivo que nossa jurisprudêncIa entende compatívei com a Constituição de 1988 - portanto, por ela recep­cíonado -, cuja redação transcrevemos:

Capo XVI· INTERVENÇÃO NA PROPR!EDADE PRIVADA

§ 2.0 Os bens do dominlO dos Estados~ MumcipIOS. Distrito Federal e Temtónos poderão ser desapropnados pela União, e os dos MumciplOs pelos Estados. mas, em qualquer caso, ao ato deverà preceder autOrIzação legislattva.

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São, portanto, dois os requisitos para a desapropriação de bens públicos pertencentes aos entes da Federação:

LO) que a desapropnação se dê dos entes fetlerados de nível territonal mais abrangente para os de nivel terrltortaf menos abrangente~ e

2.°) que eXista lei, editada pelo ente federado que procederá â desapropriação. autOrizando que ele o faça.

Essas regras valem, igualmente, para as pessoas administrativas vinculadas a cada um dos entes federados, integrantes da respectiva admmistração mdireta, inclusive no caso das pessoas administrativas cUJos bens se classificam for­malmente como bens privados (fimdações públicas com personalidade Jurídica de direIto prIvado, sociedades de economia mIsta e empresas públicas).

Exemplificando, um estado não pode desapropriar bens de nma autarquia da União, nem de uma SOCIedade de economia mista federal; um município não pode desapropriar bens de uma fundação pública estadual, nem de uma empresa pública federal; um estado não pode desapropnar bens de uma sociedade de economIa mIsta de outro estado, nem bens de uma fundação pública de um municipio situado no terrItório de outro estado.

Note-se que a restrição independe de estar, ou não, o bem da pessoa administratIva afetado a alguma finalidade pública. Por outras palavras, não pode ser desaproprIado por entes federados "menores" nenhum bem das pes­soas administrativas Vinculadas a entes federados "matares", mesmo que se trate de bem qne não seja utilizado em atividades voltadas a fins públicos.

Enfim, as pessoas administrativas VInculadas a um ente federado, inte­grantes de sua adnuOlstração mdireta, sujeitam-se ás mesmas regras a este aplicaveis, no que conceme á desapropnação dos bens dele por outros entes federados.

Uma Importante ressalva, entretanto, deve ser feita.

Conforme o entendimento JUrIsprudencIal consagrado no âmbito do Su­premo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, um município ou um estado pode desapropriar bens de uma pessoa administrativa vinculada á União, desde que haja prévia autorização do Presidente da República, concedida mediante decreto.

Esse entendimento pode ser estendido. Vale dizer, um decreto estadual pode autorizar um muOlclpIO situado no respectivo território a desapropnar

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bens de pessoas admmistratlvas vmculadas ao estado, mtegrantes de sua admimstração mdireta.

E importante anotar que os admmistrativIstas em geral, bem como a junsprudência, prelecIOnam que também os bens de uma pessoa pnvada (não mtegrante da admmIStração pública) que seja delegatária de um serviço pú­blico de titularidade de um ente federado "maIOr" têm a sua desapropnação por um ente "menor" vedada~ salvo se o ~nte H malOr" autonzar, mediante decreto, a desapropriação. Destaque-se que, nessa hipótese, a limItação só alcança os bens da pessoa pnvada delegatána - concessionária, pennissIOnána ou detentora de autorização de servIço público - que sejam efetivamente empregados na prestação do serviço público.

7.4. Competência

o estudo das competências estataIs em temlOS de desapropriação deve levar em conta frentes distmtas: competência legIslattva, competêncIa decla­ratóna e competêncIa executória.

A competência para legislar sobre desapropnação é privatIva da União, nos tennos do art. 22, II, da ConstItUIção. Essa competência pnvativa, porém, poderá ser delegada aos estados e ao Distrito Federal, para a disciplina de questões específicas, desde que a delegação seja efellvada por meio de lei complementar (CF, art. 22, parágrafo ÚOICO).

A competência para declarar a necessidade ou ntilidade pública ou o interesse social do bem, com vistas à futura desapropriação, é da União, dos estados, do Distrito Federal e dos mUOIcípIOS.

Entretanto, há um caso de desaproprIação por mteresse socIal em que a competênCIa para a sua declaração é privatIva da União: a hipótese de desapropnação por mteresse socIal para o fim específico de promover a re­forma agrária (CF, art. 184). Vale repetir, somente para a reforma agrana a competêncJa declaratÓrIa é prIvativa da União; nos demais casos de desa­propriação, ainda que por mteresse social, a competência para a declaração é de todos os entes federados.

A competência executória, isto é, para promover efetIvamente a desa­propnação, providenciando todas as medidas e exercendo as allvidades que culmmarão na transferência da propriedade, é mais ampla, alcançando, além das entidades da administração direta e indireta, os agentes delegados do poder público, como as conceSsionárIas e pennissIOnarias de serviços públicos.

Portanto, além da União, dos estados, do Distnto Federal, dos municípiOS e das entidades da admmistração indireta desses entes políticos (autarqUIas. fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas), as

Capo XVI· INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA 377

concessIOnánas e permIssionánas de serviços públicos, pessoas privadas, podem executar a desapropriação, figurando no processo com todas as prer­rogatIvas, direitos, obrigações, deveres e respectivos ônus, mclusive o relatIvo ao pagamento da indemzação.

7.5. Indenização

A indemzação deve ser prévia, justa e em dinheiro. São esses os pnn­cíPIOS aplicáveIs à indemzação na desapropriação: precedênCia, JustIça e pecumanedade.

Para ser justa, a indemzação devera abranger não só o valor atual do bem expropriado, como tambem os danos emergentes e os lucros cessantes decor­rentes da perda da propnedade, além dos Juros moratórios e compensatórios, da atualização monetária, das despesas judiciais e dos honorános advocatíCIos.

Não obstante, na desapropnação por necessidade ou utilidade pública. serão deduzidas, dos valores deposItados pelo expropriante, as dívidas fiscais, quando inscritas e ajuizadas (DL 3.36511941, art. 32, § 1.0). Serão também deduzidas, dos referidos valores, as multas decorrentes de madimplemento e de obngações fiscais (art. 32, § 2."). A discussão acerca dos valores Inscritos ou executados será realizada em ação própna (art. 32, § 3,0),

Embora a regra geral seJa a préVia e justa indenização em dinheiro, há certas exceções,

A primeira delas é a desaproprIação para fins de refonna agrária (CF, art. 184), em que a mdenização é paga por melO de títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vmte anos, a partIr do segundo ano de sua emissão.

A segunda exceção é a desapropriação para fins urbanístIcos (CF, art. 182, § 4.0 , UI), em que o pagamento da. mdemzação será feito mediante títulos da divida pública, de emissão antenormente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas iguaIS e sucessivas, sendo assegurado o valor real da indenização e os juros legais.

Finalmente, temos a desapropriação confiscatóna, prevista no art. 243 da Constituição Federal. que se consuma sem o pagamento de qualquer indenização ao proprIetário.

7.6. Desapropriação indireta

Desapropriação mdireta é o fato admImstratIvo por meio do qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização préVIa.

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Na desapropnação indireta, repudiada pela doutrina, o Estado apropria-se de bem particular sem o devido processo legal: não declara o bem como de interesse público e não paga a Justa e prévIa mdemzação. Exemplo de desaproprIação Indireta é a apropriação de areas pnvadas pela administra­ção pública para a abertura de estradas sem processo pertInente e sem o prévIO pagamento de Indenização.

O fundamento legal para a desapropnação indireta está no art. 35 do Decreto-leI 3.365/1941, que caracteriza o denommado "fato consumado", nos seguintes termos;

Art. 35. Os bens expropnados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de relvmdicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, Julgada procedente. resolver-sew á em perdas e danos.

Pode ser assim traduzida a figura do "fato consumado" gerador da desapropriação mdireta: ocorrendo a incorporação fática de um bem ao patrImônio público, mesmo sendo nulo (ou inexistente) o processo de desapropriação, o proprietárIo não terá direIto ao retomo do bem ao seu patrImônio; em vez de poslular o retomo do bem a sua propriedade, só poderá postular em Juizo reparação pelas perdas e danos causados pelo expropriante.

A ação deve ser proposta no foro do local do imóvel e, uma vez Julgada procedente, não prejudicará em nada o direIto de propriedade da admlmstração pública sobre o bem expropnado, pois a sentença limitar-se-à a condenar o Estado a indemzar o autor, ex-proprietário, tendo em vIsta os prejuízos ocasIOnados pela desapropnação indireta.

7.7. Direito de extensão

DireIto de extensão e o direIto do expropriado de exigIr que a desapro­priação e a respectIva indenização alcancem a totalidade do bem, quando o remanescente resultar esvazIado de seu conteudo econômico.

O direito de extensão surge no caso de desaproprIação parcial, quando a parte não expropnada do bem fica prátIca ou efetivamente inútil, mser­vive I, sem valor econômICO, ou de díficil utilização. Para que não fique apenas com a propnedade dessa parte ínservível, requer o proprietário que a desapropriação (e a consequente indenização) seja estendida a todo o bem, convertendo-se a desapropriação parcial em desapropriação total.

Cap, XVI· INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA 379

O direIto de extensão deve ser manifestado pelo expropnado durante as fases admimstrativa ou judiCIal do procedimento de desaproprIação. Não se admite O pedido após o témtmo da desaproprIação.

7.8. Tredestinação

Tredestmação é a destmação desconforme com O plano imclalmente prevIsto no alo expropriatórío. Na tredestinação, o poder público desIste dos fins da desapropriação e transfere a terceIrO o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permItindo que tercelfo se benefiCIe de sua utilização.

Seria o caso de o poder público desapropriar certa área para a constru­ção de uma escola e, de fato, em vez de efetivar esse fim admmistrativo, conceder permissão para que certa empresa utilize tal área para outros fins. Nesse caso, resulta configurada a tredestlOação ilícIta, resultante de desvIO de finalidade, em que a desapropriação deve ser considerada nula.

A doutrina aponta, tambem, a hipótese de tredestinação lícita, em que, mantida a finalidade de mteresse público, o poder público expropnante dá ao bem desapropriado destmo diverso daquele IniCIalmente planejado. É o caso, por exemplo, de o Estado desapropriar uma área para a constrnção de uma escola e, dado o interesse público supervemente, vir a constrUIr no local um hospItal. Conforme já deIxou assente o SuperIor Tribunal de JustIça, "se ao bem exproprIado for dada destmação que atende ao interesse público, aInda que diversa da mlcmlmente prevista no decreto expropnatórIo, não há desvio de finalidade" (REsp 968.414/SP). Nessa hipÓtese, não há que se falar em ilicitude.

7.9. Retrocessão

A retrocessão encontra-se disciplinada no arl. 519 do Código Civil nos segumtes termos:

ArL 519. Se a cOisa expropnada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por mteresse SOCial. não tiver o destmo para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberâ ao expropnado direito de preferência, pelo preço atual da COIsa.

A retrocessão surge quando há desInteresse superveniente do poder público pelo bem que desapropnou: o expropriante passa a ter a obrigação de oferecer ao ex-proprietário o bem desapropnado para que ele. desejando, exerça o

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direito de preferência, pelo valor atual do bem, caso em que este será a ele devolvido. Também surge para o expropnado o direito á retrocessão quando ocorre a denommada tredestinação ilícita. Na hipótese de não ser possível o retomo do bem ao domínio do expropnado, a obngação do Estado e o direito do expropriado resolvem-se em perdas e danos.

A retrocessão não deve ser confundida com a desistênCia da desapro­priação: a deSistênCIa da desapropriação ocorre antes da incorporação do bem ao patrimômo do poder público, antes de efetivada a transferência da propnedade do bem; aquela (a retrocessão) surge depOIS de já concluído o processo de desapropriação, após a transferênCia da propriedade do bem, por motivo de desmteresse público superveniente.

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