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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: intervenções psicossociais e atendimento jurídico, a partir da Lei Maria da Penha, nas cidades de Camaquã, Guaíba, Tapes e Dom Feliciano 1 Elizabete R. Coelho 2 Roberta L. Rodrigues, Tanara Richter Pires, Fabiane Vargas, Lais Rosiak, Luciana Berbigier, Fabiana L. Rosinski, Daisy Santos da Silva, Maria Fátima A. de Oliveira, Dariane Viegas, Resumo: A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha – cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No Brasil, a chamada "Lei Maria da Penha" retirou os delitos contra a mulher no ambiente doméstico e familiar dos Juizados Especiais Criminais, encaminhando-os para os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e vedou a aplicação dos mecanismos de conciliação entre vítima e acusado e da transação penal, previstos pela Lei 9.099/95. O objetivo principal da presente pesquisa foi de mapear o tratamento judicial e o atendimento psicossocial dado a mulheres em situação de violência. A pesquisa foi desenvolvida nas cidades de Guaíba, Camaquã, Tapes e Dom Feliciano, através de entrevistas com alguns profissionais ligados aos principais órgãos que atendem a situações de violência contra a mulher nestas cidades. O estudo mostrou que ainda não há, nas cidades pesquisadas os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, mas que existe uma preocupação em possibilitar qualificação e atender às mulheres em situação de violência, apesar da precariedade da infra-estrutura tanto na área da saúde como da justiça. Palavras-chave: violência - Lei Maria da Penha – intervenções 1 Professora e Coordenadora do Curso de Psicologia e responsável pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Violência – NIEV - ULBRA/Guaíba 2 Acadêmicas do Curso de Psicologia e Membros do NIEV.

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VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: intervenções psicossociais e atendimento jurídico, a partir da Lei Maria da Penha, nas cidades de Camaquã, Guaíba, Tapes e Dom Feliciano

1 Elizabete R. Coelho

2 Roberta L. Rodrigues,

Tanara Richter Pires,

Fabiane Vargas,

Lais Rosiak,

Luciana Berbigier,

Fabiana L. Rosinski,

Daisy Santos da Silva,

Maria Fátima A. de Oliveira,

Dariane Viegas,

Resumo: A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha – cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No Brasil, a chamada "Lei Maria da Penha" retirou os delitos contra a mulher no ambiente doméstico e familiar dos Juizados Especiais Criminais, encaminhando-os para os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e vedou a aplicação dos mecanismos de conciliação entre vítima e acusado e da transação penal, previstos pela Lei 9.099/95. O objetivo principal da presente pesquisa foi de mapear o tratamento judicial e o atendimento psicossocial dado a mulheres em situação de violência. A pesquisa foi desenvolvida nas cidades de Guaíba, Camaquã, Tapes e Dom Feliciano, através de entrevistas com alguns profissionais ligados aos principais órgãos que atendem a situações de violência contra a mulher nestas cidades. O estudo mostrou que ainda não há, nas cidades pesquisadas os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, mas que existe uma preocupação em possibilitar qualificação e atender às mulheres em situação de violência, apesar da precariedade da infra-estrutura tanto na área da saúde como da justiça.

Palavras-chave: violência - Lei Maria da Penha – intervenções

INTRODUÇÃO

Desde os anos 80 a literatura sobre a violência contra as mulheres acompanha

os estudos feministas. Estes foram frutos das mudanças sociais e políticas no país e

buscavam dar visibilidade à violência contra as mulheres e combatê-la através da

1 Professora e Coordenadora do Curso de Psicologia e responsável pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Violência – NIEV - ULBRA/Guaíba 2 Acadêmicas do Curso de Psicologia e Membros do NIEV.

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implementação de intervenções sociais, psicológicas e jurídicas. Um dos principais frutos

desta caminhada foi a criação de delegacias especializadas no atendimento a mulher

(SANTOS & IZUMINO,2005).

Os problemas ligados a violência contra a mulher têm sido reconhecidos por

entidades ligadas aos direitos humanos e organismos internacionais como a Organização

Mundial da Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como questões

de saúde pública.

Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá cumprimento, à

Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a Mulher,

ratificada pelo Brasil há 11 anos (Convenção de Belém do Pará) e pela CEDAM -

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Agora, outra luta se inicia, a divulgação e a implantação efetiva da Lei, tornando real sua

aplicação, em todo o estado brasileiro.

O presente estudo, realizado no primeiro semestre de 2010, teve como objetivo

principal mapear a rede de atendimento e assistência a mulheres vítimas de violência, nos

municípios de Guaíba, Camaquã, Tapes e Dom Feliciano e foi desenvolvido pelos

acadêmicos do Curso de Psicologia ligados ao Núcleo Interdisciplinar de Estudos da

Violência. Este estudo, de natureza qualitativa, buscou entender o caminho legal percorrido

por mulheres que sofreram violência e o atendimento social, médico e psicológico que lhes

são disponibilizados. Foram realizadas visitas aos fóruns, as Secretarias de Assistência

Social, Secretárias de Saúde, Delegacias de Polícia, Defensorias Públicas e Hospitais da

rede municipal das cidades pesquisadas. Nestas visitas, os pesquisadores buscaram

informações sobre como são realizados os encaminhamentos e a assistência a mulheres que

sofreram algum tipo de violência e que procuram ou são encaminhadas para estes locais.

DESENVOLVIMENTO

A OMS relaciona a violência contra a mulher a diversos agravos à saúde física tais

como; abusos de drogas e álcool, distúrbios gastrointestinais, inflamações pélvicas

crônicas, dores de cabeça, asma, ansiedade, depressão, distúrbios psíquicos, como tentativa

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de suicídio, além do trauma físico direto. Com relação aos danos psicológicos, Day et. al.

(2003) fazem menção àqueles que podem ser imediatos e tardios, onde os primeiros se

referem a pesadelos repetitivos; ansiedade, raiva, culpa vergonha; medo do agressor e de

pessoa do mesmo sexo; quadros fóbico-ansiosos e depressivos agudos; queixas

psicossomáticas; isolamento social e sentimentos de estigmatização. Já os danos tardios

englobam o aumento significativo na incidência de transtornos psiquiátricos; dissociação

afetiva; pensamentos invasivos; ideação suicida e fobias mais agudas; níveis intensos de

ansiedade, medo, depressão, isolamento, raiva, hostilidade e culpa; cognição distorcida, tais

como sensação crônica de perigo e confusão, pensamento ilógico, imagens distorcidas do

mundo e dificuldade de perceber a realidade; redução na compreensão de papéis complexos

e dificuldade para resolver problemas interpessoais.

Para Minayo e Souza (1998) caracterizar a violência é uma tarefa árdua,

especificamente porque a idéia é atrelada ao inesperado, a ausência de normas, a um

acontecimento sem regularidade ou estabilidade, onde tudo pode acontecer a qualquer

momento. Por conseguinte, a violência é uma relação de forças caracterizada por um

aspecto de dominação e outro de concretização.

As idéias das autoras convergem no sentido de que a violência é um fenômeno

histórico, quantitativo e qualitativo, seja qual for o ângulo pelo qual o examinemos

(conteúdo, estrutura, tipos e formas de manifestação). A mesma só pode ser entendida nos

marcos de relações sócio-econômicas, políticas e culturais específicas, cabendo diferenciá-

la, no tempo e no espaço, e por tipos de autor, vítima, local e tecnologia.

A partir das idéias apresentadas pelos autores, podemos dizer que a violência se dá

de várias formas, entre elas destacam-se:

Violência intrafamiliar, que, segundo o Ministério da Saúde (2002), é toda a ação ou

omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o

direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou

fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função

parental, ainda que sem laços de consangüinidade, e em relação de poder a outra. Esta

violência não se refere apenas ao espaço físico onde a mesma ocorre, mas também as

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relações que se constroem e se efetuam. Unindo-se a esta idéia Almeida (2007) traz que a

violência intrafamiliar pode ser justificada como a família que é estruturada de forma

sexuada, por excelência, no seio da qual a subordinação das mulheres e das crianças

continua se mantendo de forma jurídica e politicamente instituída. Sendo assim, vincular a

violência a essa instituição possibilita pensar nos seus mecanismos de manutenção de

processos de subordinação.

Outra forma de violência é a violência doméstica, a qual se distingue da violência

intrafamiliar, por incluir outros membros do grupo, sem função parental, que convivam no

espaço doméstico, incluindo-se: empregados (as), pessoas que convivem esporadicamente,

agregados. Acontece dentro de casa ou unidade doméstica, sendo geralmente praticada por

um membro da família que viva com a vítima. Inclui nessas agressões domésticas: abuso

físico, sexual, psicológico, a negligência e o abandono (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).

De acordo com Almeida (2007), enfatiza-se que o processo de camuflar a violência

perpetuada no espaço protegido da casa guarda intrínseca relação com a naturalização desta

forma de violência, que é facilmente mesclada ou superposta ao disciplinamento, integrada

a praticas de socialização e com sua cronificação, potencializada por um espaço

simbolicamente estruturado, tendo como corolário a escalada da impunidade.

Complementando os autores, Azevedo (1995), descreve este tipo de violência como

uma ação que trata o ser humano não como sujeito, mas como uma coisa. Portanto, é uma

relação distinguida num extremo pela dominação e no outro, pela coisificação. Desta

maneira, violência é a tentativa de diminuir alguém, constranger uma pessoa a renegar-se a

si mesma, a aceitar a situação que lhe é imposta, renunciar de toda a luta, abdicando assim

de si.

Mais um vértice da violência é a física, a qual de acordo com o Ministério da Saúde

(2002) ocorre quando uma pessoa, que está em relação de poder em relação à outra, causa

ou tenta causar dano não acidental, por meio do uso da força física ou de algum tipo de

arma que pode provocar ou não lesões externas, internas ou ambas. Ressalta-se que

atualmente é considerada violência física também o castigo repetido, não severo. Esta

violência manifesta-se de várias formas: tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes,

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queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos e obrigar a tomar

medicamentos desnecessários ou inadequados, álcool, drogas ou outras substâncias,

inclusive alimentos, tirar de casa a força, amarrar, arrastar, arrancar a roupa, abandonar em

lugares desconhecidos e danos a integridade corporal decorrentes de negligência (omissão

de cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças,

gravidez, alimentação, higiene, entre outros).

Já a violência psicológica é toda a ação ou omissão que causa ou tende a causar

dano à auto-estima, a identidade ou ao desenvolvimento da pessoa (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2001). Para SAFFIOTI (1998), a agressão psicológica se define essencialmente

pelas ameaças de abuso, ridicularização, ciúmes, danos aos bens e ofensas verbais. Os

termos de agressão psicológica e física são apropriados para compreender a forma de

comportamento expressado e não apenas as conseqüências produzidas ou tentadas. Por

conseguinte, atos fisicamente agressivos podem produzir tanto dano psicológico quanto

físico. Pode-se perceber que esta forma de violência, se dá em um comportamento não-

físico, onde muitas vezes o indivíduo é tratado com rejeição, depreciação, indiferença,

discriminação, desrespeito, entre outras formas. Este tipo de violência, inicialmente, não

deixa marcas visíveis no indivíduo, mas podem levar à graves estados psicológicos e

emocionais, sendo que muitos destes estados podem ser irrecuperáveis em um individuo, de

qualquer idade.

Outra ramificação da violência é a econômica ou financeira, que são atos

destrutivos ou omissões do (a) agressor (a) que afetam a saúde emocional e a sobrevivência

dos membros da família. Podemos destacar dentro deste grupo o roubo, destruição de bens

pessoais (roupas, objetos, documentos, animais de estimação e outros) ou de bens da

sociedade conjugal (residência, móveis e utensílios domésticos, terras e outros). A negativa

de pagamento de pensão alimentícia ou na participação nos gastos básicos para a

sobrevivência do núcleo familiar e o uso dos recursos econômicos da pessoa idosa, tutelada

ou incapaz destituindo-a de gerir seus próprios recursos e deixando-a sem provimentos e

cuidados também configuram violência. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).

Discutiremos a seguir a violência de gênero, a qual, segundo o Ministério da Saúde

(2002) é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou

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sofrimento físico, sexual ou psicológico a mulher, englobando o âmbito público e privado.

Esta violência é uma manifestação de relação de poder historicamente desigual entre

homens e mulheres, em que a subordinação não implica na ausência absoluta de poder.

Minayo e Souza (1998) referem que a desvalorização da vida e das normas

convencionais, das instituições, dos valores morais e religiosos, o culto a força e ao

machismo, a busca do prazer e do consumo imediato estão hoje permeando os códigos da

sociedade em que estamos inseridos.

Para Saffioti (1998), a violência de gênero é entendida como o principal eixo de

dominação masculina abrangendo numerosas formas de violência, desde as mais sutis,

como a ironia, até o homicídio, passando pelo espancamento, reprodução forçada, estupro e

outros.

Para entendermos este tipo de violência, citamos Grossi e Werba (2001) que

entendem a violência de gênero como um elemento constitutivo das relações sociais e

históricas fundadas sobre diferenças percebidas entre os dois sexos, mas que não são

conseqüência direta nem da biologia, nem da fisiologia e que explicam persistentes

desigualdades de todos os tipos entre mulheres e homens.

Concomitantemente com a descrição dos autores, podemos entender e interpretar

que gênero é uma junção de características sociais, culturais, políticas, psicológicas,

jurídicas e econômicas conferidas às pessoas de forma distinguida, de acordo com o sexo

de cada indivíduo. As formas de gênero são organizações sócio-culturais que se

transformam através da história e dão uma alusão aos papéis psicológicos e culturais que a

sociedade impõe a cada um que avalia “masculino ou feminino”.

Para Almeida (2007), pode-se entender que a violência de gênero só se ampara em

um grupo de desigualdades de gênero, unificando o conjunto das desigualdades sociais

estruturais, que se mostram no marco do processo de produção e reprodução das relações

fundamentais (de classe, étnicos raciais e de gênero). Podemos juntar as relações

geracionais, sendo que não correspondem exclusivamente à localização de indivíduos em

determinados grupos etários, mas também a localização do sujeito na história, no ambiente

cultural de um dado período, na partilha ou na recusa de seus valores dominantes, nas

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práticas de sociabilidade. O aglomerado complexo e contraditório dessas relações, que se

potencializam mutuamente, coloca limites e dispõe de possibilidades às práticas sociais de

sujeitos individuais e coletivos. É no contexto dessas relações sociais e das desigualdades

daí decorridas que se acionam as práticas e as lutas sociais. Com isso, entende-se que, nada

impede também que uma mulher cometa este tipo de violência contra um homem ou contra

outra mulher. (MINAYO e SOUZA, 1993).

Visivelmente, a violência passou a ser uma característica do jeito humano de ser,

pois estamos perdendo a capacidade de indignação diante da violência social generalizada

e, principalmente, em relação à violência contra as mulheres (GROSSI e WERBA, 2001).

Tanto homens como mulheres são qualificados pelo gênero e divididos em duas

categorias, sendo uma dominante e outra dominada. A organização social de gênero se

mostra por arrolamentos de hierarquia e desigualdade, estruturada a partir da distinção

social dos sexos, apesar de mutáveis e reatualizadas, finaliza em si mesma uma dimensão

de violência, na qual, sua manifestação sob a configuração de agressão física declara o

auge, extrapolando o exercício do poder do qual se cobrem tais relações. Desta forma, a

discriminação das mulheres se origina transversalmente por meio de padrões de moralidade

de valores que a cultura oferece a homens e mulheres, enquanto a participação da vítima é

avaliada à luz da perspectiva do gênero (GROSSI e WERBA, 2001).

As estatísticas por mortes violentas apontam que as mulheres são mortas por seus

companheiros em torno de 70 a 80% dos casos. Portanto, a violência deve ser tomada como

uma problemática de saúde pública, na medida em que o impacto dos traumas causados

pela violência deixam marcas em todas as dimensões constitucionais do cidadão. Tal

violência é causa de prejuízos econômicos e sociais que acometem as vítimas e suas

famílias, bem como causam danos severos na singularidade dos sujeitos, como relata uma

pesquisa, que foi base de um trabalho de título: Percepções sobre a violência doméstica

contra a mulher no Brasil em 2009 realizada pela Avon Fundation, com sede nos Estados

Unidos, sob o nome de Speak Out Against Domestic Violence, onde foram observados os

dados de entrevistas com 2002 pessoas de ambos os sexos e de várias idades, em todo o

país. Foi levantado, por exemplo, que a maioria da população acredita que a educação

traria a mudança de comportamentos, sendo a melhor forma de combater a violência

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doméstica. Além disso, foi constatado que 55% das pessoas entrevistadas conhecem

alguém que já sofreu violência doméstica e 56% acreditam que a violência em casa é o

principal problema das mulheres. Ademais, apontou interessantes aspectos no tocante a

estas mulheres, quais sejam: a maioria não abandona os agressores por condições

financeiras ou por medo de serem mortas, devido a baixa da auto-estima, por vergonha de

se separar e encarar a sociedade, ou mesmo por estarem em dependência afetiva e na

obrigação de manter o casamento.3

Percebe-se, ainda, que a incidência de violência doméstica tem sido considerada

maior em abusadores de substâncias psicoativas, na maioria das sociedades e culturas e

presente nos diferentes grupos econômicos. (DAY, V. P. et al.,2003, p.10)

A legislação brasileira por muito tempo utilizou como base nos processos relativos à

violência contra a mulher, a lei 9.099/95, ainda que esta não faça alusão específica acerca

de tal violência. A referida lei institui o JECRIM – Juizado Especial Criminal, para assim

julgar as contravenções penais e os crimes de menor potencial ofensivo com pena máxima

não superir a um ano.(TOURINHO FILHO, p.445, 2001). Em geral, os crimes de violência

contra a mulher eram processados sob o crivo desta lei, na qual se tinha como resultados

penas pecuniárias e até mesmo o pagamento de cestas básicas pelo agressor. Com o

advento da Lei 11.340/06, mais conhecida como “Lei Maria da Penha”, a violência contra a

mulher passou a ser tratada como crime específico, deixando assim de ser considerada

como crime menor.

Existe a necessidade da formalização das políticas públicas sob forma de direitos e,

em conseqüência, em leis. O diálogo está sendo fortalecido junto ao poder legislativo desde

1970, quando houve as primeiras modificações no antigo Código Civil Brasileiro, de 1916.

Desta forma, com a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, bem como, com

o advento da Constituição Federal de 1988, a real cidadania da mulher foi implementada

principalmente no tocante a questões familiares, demonstrando importante relação com a

Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de

1979 (ALMEIDA, 2007).3Disponível em: http://www.falesemmedo.com.br/_conteudo/download/pesquisa/IBOPE-Pesquisa.pdf. Pág. 7

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Para a autora supracitada, a Organização dos Estados Americanos - OEA passou a

realizar importantes tratados e convenções denunciando a violência aos direitos humanos

das mulheres, trazendo impactos positivos à legislação brasileira. Neste período, várias

conferências ocorreram mundialmente como: Conferências da Mulher no México, em

1975; Copenhague, em 1980; Nairobi, em 1985, todas trabalhando a idéia da violência da

mulher como ofensa à dignidade humana. Nos anos noventa, foi declarado que a violência

contra a mulher inclui a violência baseada no sexo e nas questões de gênero, na Assembléia

Geral das Nações Unidas de 1992. Em 1993, junto a Conferência Mundial dos Direitos

Humanos, houve o Tribunal de Crimes contra a Mulher, o qual foi organizado de forma a

elucidar relatos pessoais de mulheres acerca dos crimes que forma vítimas. Neste sentido,

foi aprovada a Resolução 48/104 – Declaração sobre Eliminação da Violência contra as

Mulheres – na Assembléia Geral das Nações Unidas. Ainda se pode citar a Conferência de

Cairo, em 1994 e a IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, no ano de 1995.

Com relação a legislação a mais importante mudança se concretizou com a

revogação do Código Civil Brasileiro de 1916, principalmente no que referia à questão

familiar, com a conseqüente promulgação do Novo Código Civil de 2003, igualando

homens e mulheres em direitos e obrigações, sob o crivo da Constituição Federal do Brasil

de 1988. Também no ano de 2003, a Lei 10.778 estabeleceu a notificação compulsória e

em caráter sigiloso, em todo o Brasil, para casos de mulheres atendidas em virtude de

violência, em quaisquer serviços de saúde públicos ou privados. Não menos importante

foram a Lei 10.866 de 2004 que reconheceu o tipo penal “violência doméstica”, incluindo

no Art. 129 do Código Penal Brasileiro, o qual refere à Lesão Corporal, os parágrafos nono

e décimo que especificaram este tipo de violência. E mais recentemente, no ano de 2006,

foi sancionada a Lei 11.340 – Lei Maria da Penha, a qual trata de forma específica da

violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que a Lei 9099 de 1995 acabava

por contribuir para a impunidade do causador de tal violência, pois generalizava tais

questões em torno da referida Lesão Corporal apenas (ALMEIDA, 2008)

A Lei Maria da Penha surgiu através da dor de uma mulher que foi agredida por seu

marido que, por duas vezes, tentou assassiná-la. Na primeira vez com uma arma de fogo e

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na segunda por eletrocussão e afogamento. Esta mulher lutou por seus direitos e hoje outras

milhares podem usufruir de uma lei que possui o seu nome.

Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica cearense, fez da sua tragédia

pessoal uma bandeira de luta pelos direitos da mulher e batalhou durante 20 anos para que

fosse feita justiça. O seu agressor, o professor universitário de economia Marco Antonio

Herredia Viveros, foi a júri duas vezes: a primeira, em 1991, quando os advogados do réu

anularam o julgamento. Já na segunda, em 1996, o réu foi condenado há dez anos e seis

meses, mas recorreu. Com a ajuda de diversas ONGs, Maria da Penha enviou o caso para a

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), pela demora injustificada em não se

dar uma decisão ao caso. 2

A referida lei tem por objetivo estabelecer proteção especial às vítimas de violência

no âmbito familiar, excepcionando, em muitos aspectos, o sistema geral protetivo e

repressor, constituído pelo Código Penal e Código de Processo Penal. Esta veio preencher

as arestas legislativas da violência contra a mulher, tratando-se de uma legislação que

propõe um procedimento mais ágil na tentativa de não mais deixar passar em branco essa

violência tão irradiada em nossa sociedade (CUNHA, 2007)

Não são poucas as mudanças que a Lei Maria da Penha estabelece, ela tipifica a

violência doméstica como uma forma de violação dos direitos humanos, altera o Código

Penal e possibilita que agressores sejam presos em flagrante, ou tenham sua prisão

preventiva decretada, quando ameaçam a integridade física da mulher. Prevê inéditas

medidas de proteção para a mulher que corre risco de vida, como o afastamento do agressor

do domicílio e a proibição de sua aproximação física junto à mulher agredida e aos seus

filhos (DIAS, 2010).

A Lei impede, por exemplo, o encaminhamento do processo ao Juizado Especial,

onde muitos dos casos acabavam com o agressor pagando cestas básicas. Também aumenta

a pena para o agressor, antes estabelecida em seis meses a um ano, passa a ser de três meses

a três anos. Entre outros direitos especiais da Lei, está a exigência da abertura de processo

em caráter urgente, a inclusão da mulher em serviços de proteção e a garantia de

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acompanhamento por um policial caso a vítima precise ir à sua casa buscar seus pertences

(DUARTE, 2004).

No entanto, é importante esclarecer o fato de que a mulher vítima de violência,

mesmo que no momento do registro da ocorrência junto a Delegacia tenha a mesma

afirmado ter interesse de representar contra o agressor sob os trâmites da referida lei, ainda

assim, poderá renunciar a este direito até o recebimento da denúncia pelo juiz. Se trata, em

verdade, de uma retratação que a vítima deve proceder segundo os trâmites do art. 16 da

mesma lei, isto é, em audiência, perante ao Juiz e com a ouvida do Ministério Público.

(DIAS, 2010).

Segundo Vieira (2009) a primeira Delegacia de Defesa dos Direitos da Mulher foi

criada por volta do ano de 1985 e desde esse momento começaram a surgir políticas

públicas que trabalham com o intuito de reconhecer a violência contra a mulher como

questão adstrita à saúde pública e aos direitos humanos.

Há grande prevalência deste tipo de violência na atualidade. Por este motivo se

precisa trabalhar com o objetivo da atualização do serviço público no tocante á assistência

destas mulheres, como no caso do Pacto de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, de

2007, que em seu primeiro ano de execução conseguiu atingir metas de convencimento da

população acerca deste tipo de violência. O mesmo entendeu e agiu a partir da idéia de que

a violência contra a mulher atinge não só a esta, mas sim à sociedade como um todo.

Com advento da lei Maria da Penha foram criados mecanismos para coibir a

violência contra a mulher, bem como também a violência doméstica e familiar asseverando

neste ponto a melhoria do entendimento junto aos setores públicos de que a mulher que se

encontra nesta situação deve ser atendida aos moldes da Política Nacional de Atenção à

Saúde. Desta forma, com relação às políticas públicas contra a referida violência, em se

tratando de atendimento, se pode contar hoje com: Delegacias especializadas de

atendimento à mulher (DEAMs), as quais, desde 1985 se caracterizam por ser a porta de

entrada das mulheres na rede de serviços oferecidos, com intuito de investigar estes crimes

sob o crivo das Secretarias de Segurança Pública de cada Estado; as Defensorias Públicas

da Mulher, mesmo que ainda sendo uma política nova, fazem por ampliar o acesso destas

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mulheres à justiça; as Casas de abrigo, que foram implementadas de forma a atuar em

microrregiões como auxiliares de outros serviços e os Serviços de Saúde, que atuam de

forma a atender os casos de violência sexual, bem como também, na distribuição de

contraceptivos e pílulas do dia seguinte, o que faz parte da política de protocolo no caso de

estupros(VIEIRA, 2009).

Para Carvalho-Barreto (2004), no caso da violência de gênero, há estudos que

apontam alguns tópicos importantes para que se possam compreender melhor por qual(is)

motivo(s) estas mulheres seriam atacadas por este tipo de violência. Estes estudos relatam o

fato de que, com base na Teoria Bioecológica, se pode considerar a violência como produto

das relações contidas no desenvolvimento humano, significando que, características

cognitivas, emocionais e comportamentais da pessoa, no decorrer de seu ciclo vital, se

traduzem em relações interpessoais que podem facilitar o surgimento da violência entre o

casal, por exemplo.

Desta forma, a teoria dos sistemas ecológicos tem por objetivo a compreensão do

ser humano como um componente social que transforma e é transformado pelos ambientes

que habita. Neste sentido, algumas características que possam inibir o desenvolvimento da

pessoa, como, por exemplo, a falta de escolaridade, poderiam acabar por criar relações

propícias às agressões (KOLLER, 2004; CARVALHO-BARRETO, 2009).

Vale ressaltar, por outro lado, que a violência é um fenômeno que pode variar

conforme o contexto que se analisa, isto é, em condições de inteligência ou não e de saúde

mental equilibrada ou mesmo desestruturada, uma vez que o ponto principal quando a

violência se apresenta, seria o fato de que persistem a hostilidade e a agressividade numa

situação em que foram desrespeitados os direitos básicos do outro, bem como também, das

normas sociais (KOLLER, 2004).

Importante asseverar de mesma forma que o entendimento das questões acerca da

violência de gênero deve ser estruturado com base no reconhecimento daquilo que ainda

está coeso e preservado nestas relações que envolvem violência. Assim se poderá

estabelecer uma rede de apoio efetiva, com relações de estabilidade, onde os aspectos de

proteção fazem diferença na superação de riscos.

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Para Strey (2004) podemos dizer que, a implementação de políticas públicas de

gênero são uma prática ainda pouco conhecida em nosso país, sendo notoriamente frágeis

as formas de organização do movimento social, bem como também os mecanismos de

controle das próprias políticas. Inclusive, na década de 80, quando do processo de

redemocratização do país, os Conselhos de Direitos da Mulher, também se colocaram no

papel de implementar estas políticas públicas, porém, são estes espaços tensos onde vários

interesses estão em disputa, haja vista que, deveriam se constituir como uma nova

modalidade de participação efetiva, como que um espaço ao contraditório, até pelo fato de

que, entre a intenção de fiscalizar os órgãos públicos e a efetiva fiscalização há um terreno

considerável.

RESULTADOS ENCONTRADOS

Na cidade de Guaíba, atualmente, os casos de violência contra a mulher e/ou

violência doméstica são direcionados ao Ministério Público ou ainda à Primeira Vara

Criminal do Foro, mais precisamente para o cartório da Primeira Vara. Segundo

informações obtidas na promotoria, acontecem audiências sobre o tema diariamente, porém

isso não significa que tais processos sigam a contento, “pois há muita desistência”.

A Delegacia de Polícia da cidade de Guaíba não possui um setor especial para tratar

de tais casos de violência contra a mulher. Não há delegado(a) específico(a), havendo

atendimento comum, como no caso de outros crimes.

A Brigada Militar, normalmente, faz o primeiro atendimento, pois são os policiais

militares que fazem a busca no caso da ocorrência destas violências, ou seja, eles se

dirigem ao local quando uma denúncia é feita, porém, muitas vezes “de nada adianta”.

Segundo um dos depoimentos “é muito difícil trabalhar com estes casos de violência,

uma vez que as mulheres, na maioria das vezes, não conferem andamento satisfatório à

demanda, colocando os policiais militares em situações de ir várias vezes atender

chamados das mesmas pessoas”.

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Com relação ao CODIM - Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, na cidade de

Guaíba – o qual trabalha no sentido de promover políticas governamentais para a garantia

dos direitos da mulher, as informações são bem parecidas com aquelas obtidas nas

instituições anteriores, isto é, o atendimento às mulheres vítimas de violência também é

realizado de forma não específica. Ainda que os componentes do CODIM trabalhem de

forma a acolher estas mulheres de forma a ouvi-las satisfatoriamente, o próximo passo –

que seria o trâmite processual – na maioria das vezes não se efetiva por várias razões, tais

como: falta de interesse das mulheres, receio das mesmas em efetuar um boletim de

ocorrência, sendo a mulher obrigada a relatar tudo que sofreu a um atendente policial

masculino ou mesmo que elas cheguem a ingressar com o processo, pode haver ainda

uma desistência posterior.

Cerca de 80% das mulheres atendidas pelo Conselho dependem financeiramente dos

agressores, mas algumas possuem estabilidade financeira e ainda assim se igualam as

outras quando a questão é a violência familiar. Além disso, segundo informações

levantadas, cerca de 80 a 90% dos processos ingressados no judiciário, serão, em algum

momento, arquivados a pedido da mulher.

Vale lembrar que há uma iniciativa junto ao CODIM, que se possa criar pelo menos

um local mais adequado dentro da Delegacia de Polícia para atendimento destas mulheres,

uma vez que, uma Delegacia Especializada tem sido algo muito difícil de ser estabelecido.

Na cidade de Camaquã obtivemos alguns dados na delegacia de polícia aonde “a

vítima chega ao plantão e registra ocorrência (Boletim de Ocorrência), ela descreve o

crime e é feito um pedido de medidas protetivas à mulher vítima de violência, ...é feito

também uma espécie de acolhimento,... lhe é apresentada e explicada a Lei Maria da

Penha, porque na maioria das vezes as mulheres vítimas não conhecem essa Lei... O

ofício deve ser encaminhado ao Juiz em 48 horas... Na primeira audiência ela vai, mas

não quer representar criminalmente contra o agressor, mas quer que ele se afaste do lar,

que pague pensão, que não freqüente os mesmos lugares que ela... Essa primeira

audiência é considerada de conciliação, mas se não houver, aí sim é instaurado o

inquérito... e vários registros de agressão são feitos pela mesma mulher”.Segundo o

entrevistado as vítimas são encaminhadas ao Centro de Referência Especializado de

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Assistência Social (CREAS). Neste local são atendidas por uma equipe, constituída, de

preferência, por psicólogos e assistentes sociais do sexo feminino.

A delegacia de polícia tem atendido e remetido ao judiciário de 22 a 24 ocorrências

referentes a casos de violência contra a mulher por mês, que se enquadram na Lei Maria da

Penha.

Já o hospital da cidade ao receber casos em que há suspeita de violência faz uma

notificação. O hospital não tem profissionais treinados para atender estes casos e não possui

salas reservadas para entrevistas com as possíveis vítimas. O sistema do hospital não tem

procedimentos específicos para o registro destes casos de violência, pois, segundo

informações prestadas, “na maioria das vezes as vítimas querem tratar os ferimentos, mas

não querem se expor e relatar a agressão”.

Na cidade de Tapes as entrevistas realizadas apontam que a cidade possui o

CODIM: Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, porém as reuniões não ocorrem

desde janeiro deste ano.

A Delegacia de Polícia registra de dois a três casos por dia de atendimentos

a mulheres vítimas de violência, principalmente relacionados à violência doméstica. “O

registro da ocorrência é efetuado através da Lei Maria da Penha e, assim, se consegue

agilizar as medidas protetivas que são deferidas pela Juíza em 48 horas”. Um dado

importante repassado refere-se ao percentual de mulheres que retiram a queixa, cerca de

98%.

A Defensoria Pública da cidade está se organizando para prestar atendimento a

mulheres vítimas de violência que se enquadram na Lei Maria da Penha.

Na cidade de Dom Feliciano as entrevistas nos possibilitaram mapear o

encaminhamento daqueles casos em que ocorre violência contra a mulher e a mesma busca

atendimento. Na Delegacia de Polícia, após, realização do registro de ocorrência, quando

necessário, a vítima é encaminhada para o médico. Quando é realizada a ocorrência a

vítima é devidamente informada sobre as medidas protetivas que são: afastamento do

agressor e requerimento de distância do agressor da vítima. É realizado também o

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encaminhamento para o juiz no processo da Lei Maria da Penha e é acatada a ordem

judicial. A polícia também acompanha a vítima até sua residência para, por exemplo,

pegar seus pertences, ficando assim longe do agressor. A vítima é informada sobre todos

seus direitos, porém não tem um atendimento especializado.

O “hospital apenas realiza internações ou presta o primeiro atendimento, caso

ela seja encaminhada por algum médico. As vítimas recebem o tratamento adequado,

geralmente para fazerem curativos”. Porém, não registram outros motivos da busca pelo

local, sendo que não possuem nenhum outro tipo de encaminhamento especializado para

vitimas de violência.

O município não dispõe de nenhum atendimento especializado às mulheres que são

vítimas de violência. No entanto, a Assistência Social do município tem projetos neste

sentido como, por exemplo, o atendimento em grupo para mulheres vítimas de violência,

com problemas na auto-estima em um Posto de Saúde da Família, do interior do

município. Segundo este serviço, as mulheres que buscam este atendimento são poucas,

muitas vêm encaminhadas por algum conhecido. Os procedimentos adotados são:

realização de uma primeira escuta dessas mulheres para servir de apoio e onde são

fornecidas as primeiras orientações, como realizar uma ocorrência. No entanto, “a maioria

das mulheres, não faz a denúncia devido à dependência (financeira) do cônjuge como

também por vergonha e medo, pois todos na cidade se conhecem”. São realizadas visitas

domiciliares e encaminhamento a psicologia do município, sendo este atendimento

realizado de forma individual. Não há registros quantitativos destes atendimentos.

A Secretária da Saúde quando recebe encaminhamentos seja do médico, da

delegacia, entre outros, as vítimas são atendidas no CRESS (Centro de Referência

Especializada em Serviço Social), o qual funciona dentro da área da saúde. Neste centro as

mulheres recebem acompanhamento psicológico ou participam de um grupo de

orientação.

Como nos outros locais, não há um registro do número de mulheres que procuram o

atendimento.

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Quando indagados a que a violência contra a mulher estava associada, a maioria dos

entrevistados disse que a mesma estava associada ao alcoolismo, ao uso de drogas, a

separações, ao machismo e ao preconceito do homem em relação à mulher.

CONCLUSÕES

Em vigor desde 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha aplica a igualdade

formal e material entre os gêneros, contento a aplicação de mudanças na sociedade. Ela

garante mecanismos de defesa mais abrangentes para as mulheres que, por sua vez, devem

lutar para que a lei seja cumprida e não permitir que os seus benefícios venham

tardiamente.

A violência de gênero se mantém. Ela não discrimina classe social, grau de

escolaridade, renda ou idade. É uma violência, muitas vezes silenciosa, que afronta a

dignidade individual e corrói os valores e a estrutura das famílias. 

A violência inicial desorienta a mulher e ela tende a apresentar sintomas, isolada

neste processo, a mulher culpa-se pela situação, entra em um processo de resistência

passiva e se habitua a conviver com este tipo de situação.

A maioria das mulheres faz uma denúncia formal contra o agressor para, logo

depois, retirar a queixa, percebe-se que são situações que envolvem sentimentos, forças

inconscientes, fantasias, traumas, desejos de construção e destruição, de vida e de morte.

Elas não devem ser vistas apenas como “vítimas” da violência, mas como elemento

integrante de uma relação com o agressor, que ocorre em um contexto bastante complexo,

que às vezes se transforma em uma espécie de jogo em que a “vítima” passa a ser

“cúmplice”, por não conseguir resolver os conflitos de poder que surgem, se submete,

convivendo com a situação de desigualdade de poder e aceitando a hostilidade do seu

companheiro

Na medida em que essa mulher fica isolada, sem uma aparato jurídico e psicossocial

que possa ajudá-la a entender o que está acontecendo nem garantir-lhe a segurança de que

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precisa, ela passa a se adaptar a essa situação. Tal é a desesperança, que busca segurança no

próprio agressor.

Nem toda a violência sofrida por essas mulheres deixam marcas físicas, como as

ofensas verbais e morais, que causam dores, que podem superar a dor física. Humilhações,

torturas, abandono são considerados pequenos assassinatos diários, difíceis de superar,

fazendo com que estas mulheres percam a referência de cidadania.

Mulheres que procuram ou são enviadas para um serviço de saúde, pelos sinais ou

sintomas que apresentam devido a violência sofrida, recebem um atendimento focado para

diagnosticar e tratar doenças específicas. No entanto, a maior parte dos profissionais da

saúde não é treinado para este tipo de atendimento.

A Lei Maria da Penha prevê que os casos de violência contra a mulher devem ser

encaminhados para os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, mas

constatamos, através da pesquisa, que nas cidades de Guaíba, Tapes Camaquã e Dom

Feliciano os mesmos não existem e continuam, estes casos, sendo tratados como antes, ou

seja, pelos Juizados Criminais. A falta de infra-estrutura para atender a esta demanda é um

dos obstáculos enfrentados. A partir dos dados coletados pudemos constatar que, as

mulheres, geralmente, não querem a detenção como castigo devido aos vínculos com o

agressor – afetivos e econômicos - já que a prisão preventiva, com a nova lei prevê,

tornou-se uma alternativa para romper com o ciclo da violência sofrida por estas mulheres.

No entanto, o juiz poderá fazer encaminhamentos que não necessariamente sejam a

detenção, como, por exemplo, o acompanhamento, tanto destas mulheres como dos

agressores, por equipes multidisciplinares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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