resoluçã de problemas- moyses siqueira

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SIQUEIRA FILHO, Moysés Gonçalves. (RE)criando modos de ver e fazer Matemática: as estratégias utilizadas por alunos adultos na Resolução de Problemas. 1999. 213f. Dissertação (Mestrado em Educação) - PPGE-UFES, Vitória, 1999. INTRODUÇÃO A Matemática continua sendo vista pela maioria de nossos alunos em qualquer nível de ensino como uma disciplina de difícil compreensão, repleta de abstrações e acessível apenas para alguns poucos agraciados que possuem habilidades aritméticas, algébricas ou geométricas. Ao estudar Matemática em sala de aula, os alunos não vivenciam um ambiente dinâmico, criativo e afetivo, que seja propício à aquisição desse conhecimento. Ao contrário, os alunos acabam criando verdadeiro pavor aos conteúdos apresentados e a relação com a Matemática acaba ficando comprometida. Em conseqüência geram-se bloqueios, traumas e uma forte rejeição ao ensino dessa ciência. As preocupações das pesquisas na área de Educação Matemática nas últimas décadas têm se centrado em alternativas de ensino e aprendizagem nos vários segmentos de escolarização, surgindo algumas “tendências” que

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Page 1: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

SIQUEIRA FILHO, Moysés Gonçalves. (RE)criando modos de ver e fazer Matemática: as estratégias utilizadas por alunos adultos na Resolução de Problemas. 1999. 213f. Dissertação (Mestrado em Educação) - PPGE-UFES, Vitória, 1999.

INTRODUÇÃO

A Matemática continua sendo vista pela maioria de nossos alunos em qualquer

nível de ensino como uma disciplina de difícil compreensão, repleta de abstrações e

acessível apenas para alguns poucos agraciados que possuem habilidades aritméticas,

algébricas ou geométricas. Ao estudar Matemática em sala de aula, os alunos não

vivenciam um ambiente dinâmico, criativo e afetivo, que seja propício à aquisição desse

conhecimento. Ao contrário, os alunos acabam criando verdadeiro pavor aos conteúdos

apresentados e a relação com a Matemática acaba ficando comprometida. Em

conseqüência geram-se bloqueios, traumas e uma forte rejeição ao ensino dessa ciência.

As preocupações das pesquisas na área de Educação Matemática nas últimas

décadas têm se centrado em alternativas de ensino e aprendizagem nos vários segmentos

de escolarização, surgindo algumas “tendências” que procuram aprofundar tais estudos

para que se possam clarificar propostas que superem as possíveis dificuldades inerentes

ao desenvolvimento dos conteúdos matemáticos apresentados nos programas de nossas

escolas. Dentre as várias “tendências”, podemos destacar a Etnomatemática, o

Construtivismo, a Modelagem Matemática e a Resolução de Problemas.

A Etnomatemática se caracteriza como um programa de pesquisa que caminha

juntamente com uma prática escolar. Ou seja, é a arte ou técnica de explicar, conhecer,

entender a Matemática nos diversos contextos culturais em que ocorre. A Matemática é

aqui concebida como uma prática natural e espontânea, que assume características

diferenciadas conforme os grupos culturais. O Construtivismo, como proposta

pedagógica, é uma tentativa de ir além das visões empirista e racionalista da

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aprendizagem. A primeira prioriza os objetos, os fatos isolados da experiência. A

segunda coloca ênfase no sujeito e na razão. Nesta concepção, a Matemática é uma

construção que, apesar de sofrer muitas influências do meio social, tem uma forte

componente individual, que passa pela aquisição de estruturas e esquemas mentais que

nos permitem entender o real. A Modelagem Matemática pode ser vista como o

processo de construção de um modelo abstrato descritivo de algum sistema concreto. A

Matemática é, nesta concepção, um modelo da realidade, isto é, um esquema ou modo

simplificado de ver a realidade, separando alguns de seus aspectos. A Resolução de

Problemas talvez seja a mais difundida de todas as mencionadas. Possivelmente, isso se

deva ao fato de ela ser a mais facilmente adaptável à nossa costumeira prática

pedagógica. Nesta concepção, fazer Matemática é resolver problemas e, às vezes

também, criar problemas.

A Resolução de Problemas, de acordo com alguns estudos, pode ser admitida

não mais como um simples conteúdo discutido em sala de aula, e sim como uma

metodologia que proporciona ao aluno o desenvolvimento do raciocínio, a capacidade

de refutar e verificar a resposta encontrada, além de permitir conceber a frustração como

uma etapa da aprendizagem. Razões que consideramos suficientes para elegermos esta

“tendência” como suporte de investigação de nosso objeto de estudo, quais sejam as

estratégias utilizadas para resolver problemas matemáticos.

Feitas essas considerações, apresentamos a seguir um pequeno resumo de cada

capítulo que compõe este trabalho. No capítulo 1 tratamos da origem e delimitação de

nossa problemática, em que procuramos identificar e compreender as estratégias desses

alunos para a resolução de problemas matemáticos. Para tanto, este trabalho estará

focando as estratégias utilizadas para a resolução de problemas aritméticos e

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geométricos não-rotineiros, de alunos trabalhadores adultos, funcionários de uma

empresa privada fomentadora de seus estudos, e que cursaram o ensino médio em nível

supletivo no ano letivo de 1998.

O capítulo 2 traz um breve histórico da implantação do Ensino Supletivo no

Brasil, em que procuramos resgatar as ações educativas do período jesuítico como o

princípio da educação de jovens e adultos. Mas, efetivamente, faremos as maiores

considerações na década de 70, com a implantação da Lei 5.692/71, a qual dedicou todo

um capítulo a essa modalidade de ensino. Destacamos os principais movimentos em

prol da Educação de Jovens e Adultos entre as décadas de 80 e 90, até chegarmos à Lei

9.394/96. Apontamos as intenções dos órgãos públicos em relação a essa educação que,

por ora, também passa a fazer parte da política interna de algumas empresas privadas de

nosso país. Fizemos uma incursão especificamente do Ensino Supletivo no Espírito

Santo, em virtude da utilização dos Centros de Estudos Supletivos, pela maioria dos

alunos, para reduzir a duração de seu curso, ou seja, prestam os exames supletivos

ministrados pela Banca Permanente de Exames. Dessa forma, abordamos, no item

seguinte, a organização e o funcionamento de tais centros e, posteriormente,

apresentamos o Centro de Estudos Supletivos de Vitória –CESV.

No capítulo 3, estaremos discutindo as relações desses alunos com o trabalho e

com o ensino da Matemática, ressaltando o papel que tal ensino desempenha no dia-a-

dia do trabalhador e de quais necessidades esse ensino dá conta, na medida em que a

expectativa da empresa se justifica mediante a melhor qualificação de seu funcionário.

Mostraremos, no tópico Resolução de Problemas, a importância dessa tendência para a

Educação Matemática, além de enfatizarmos que esta tendência se apresenta como um

campo de extraordinárias possibilidades de ensino, aprendizagem, desenvolvimento

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cognitivo e afetivo.

No capítulo 4 buscaremos, preponderantemente, contribuições de alguns dos

principais pressupostos da teoria vygotskyana - mediação, processo de internalização,

zona de desenvolvimento proximal e formação de conceitos - como também nos

apoiaremos em Bakhtin – enunciação e diálogo – com o intuito de compreendermos um

pouco mais a importância do “outro”, haja vista existir, no processo ensino-

aprendizagem, um diálogo consubstanciado à relação professor-aluno. Tais

contribuições norteiam nossa pesquisa à luz do enfoque sócio-histórico.

A escola que nos serviu de campo de pesquisa será apresentada ao iniciarmos o

capítulo 5, quando mostraremos a metodologia empregada neste estudo. O capítulo 6

apresenta as categorias de análises acompanhadas de alguns resultados. Os

procedimentos, as estratégias de resolução são discutidas e analisadas no capítulo 7. E

por fim, no capítulo 8 faremos as considerações finais, com o intuito de apontar

possíveis alternativas para o ensino de Matemática no Ensino Médio Supletivo.

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CAPÍTULO 1

O PROBLEMA: ORIGEM E DELIMITAÇÃO

Após vários anos ministrando aulas de Matemática nos três níveis de ensino, a

primeira vez que tomamos contato com a Educação de Jovens e Adultos foi em 1992,

época em que fomos contratado para lecionar Matemática em uma sala de Ensino

Supletivo noturno, em um colégio particular da capital de São Paulo. Coube-nos as

turmas do ensino fundamental (5ª a 8ª séries). Tínhamos ali um grande desafio: ensinar

Matemática para pessoas que não dispunham de tempo para estudar, pois se ocupavam

durante o dia com seus afazeres profissionais. Além disso, esses alunos procuravam,

principalmente, reaver o tempo “perdido”, ou seja, tinham pressa em concluir seus

estudos.

Uma primeira tentativa para superar os problemas de cansaço, desmotivação dos

alunos e alcançar nossos objetivos foi contextualizar o ensino da Matemática com

problemas diários vivenciados por eles. Obtivemos, assim, pequenos resultados, porém

satisfatórios, com a ajuda e flexibilidade da supervisão pedagógica. Buscávamos

alternativas que fossem eficazes e capazes de formar e informar aquele aluno

trabalhador. Para tanto, utilizamo-nos de situações-problema como metodologia de

ensino da Matemática. Esse trabalho durou um ano pois, em 1993, transferimos nossa

residência para Vitória (ES).

Passados dois anos, recebemos um convite da coordenação do Museu Capixaba

do Negro para lecionar álgebra em uma turma de pré-vestibulandos no período noturno,

constituída de jovens e adultos trabalhadores. Fora um trabalho filantrópico, rico em

discussões, tanto específicas do campo matemático como do campo social.

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Uma nova proposta de trabalho surgiu, quando em 1996 fomos contratados pelo

Serviço Social da Indústria (SESI) para lecionar para os funcionários da Companhia

Siderúrgica de Tubarão (CST), em um estabelecimento de Ensino Supletivo localizado

nas dependências daquela empresa. Este estabelecimento é denominado Unidade

Educacional SESI/CST. Lá nos deparamos com alunos que trabalhavam em turnos, e a

maioria, em áreas “agressivas”. Portanto, os obstáculos para a aprendizagem se faziam

cada vez mais presentes, aumentando-nos, com maior intensidade, a preocupação

constante de nossa prática de ensino.

A Companhia Siderúrgica de Tubarão, além da escola, oferece para seus

funcionários cursos de capacitação profissional que são ministrados em horários comuns

com os da Unidade Educacional, o que faz os alunos ficarem sobrecarregados de

tarefas. Em conseqüência disso, os alunos ficam estressados, desmotivados e

preocupados frente a tantas exigências e, como se não bastasse, adiciona-se a essas

questões o fantasma do desemprego.

Os alunos escalados para o turno de “zero hora” (22h às 6h), após cumprir sua

jornada de trabalho, dormem aproximadamente até às 9h em um dormitório próximo às

salas de aula. Eles vêm à escola para assistir à primeira aula, que se inicia às 9h20.

Cansados, raramente produzem durante a aula. Mas mesmo assim, preferem o período

da manhã a retornar no período da tarde.

No avanço de nossa experiência, creio que esse tenha sido o ápice de nossa

inquietação em busca de compreender algumas dificuldades surgidas ao longo do meu

trabalho profissional. Pois, gostaríamos de ministrar um curso de Matemática em que

fosse possível mostrarmos àqueles alunos a eficácia e o significado dos conteúdos que

estudavam naquele nível de ensino. Posteriormente, ingressamos no Programa de Pós-

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Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, na linha de

pesquisa em Educação Matemática, fato que muito contribuiu para que pudéssemos

viabilizar esta pesquisa.

O contato, o envolvimento com os alunos da empresa, a experiência em

participar com eles diariamente nas etapas do processo de ensino da Matemática

puderam nos mostrar a resistência que tinham para com as tarefas propostas. Faltavam-

lhes informações, conteúdos. A maioria, geralmente, aguardava em silêncio a correção

no quadro, sem argumentar ou discutir o que lhes estava sendo transmitido.

Algumas reflexões se fizeram presentes naqueles momentos, tais como: de quais

estratégias se utilizavam para resolver os problemas matemáticos? Como é que faziam

para desenvolver as atividades matemáticas propostas, diante de tantos obstáculos

físicos e cognitivos? Estaria ocorrendo algum tipo de ensino? Eles estavam aprendendo?

Que significado, que utilidade estava tendo para eles o ensino da Matemática?

Portanto, com esta dissertação de Mestrado procura-se refletir sobre a questão:

quais as estratégias que alunos trabalhadores do ensino médio supletivo utilizam para a

resolução de problemas matemáticos aritméticos e geométricos, não-rotineiros?

Apoiado nas concepções, nos anseios e nas relações interpessoais desses alunos,

procuramos não perder de vista a influência dos fatores afetivos em uma atividade de

resolução de problemas matemáticos, haja vista a ênfase dada em alguns estudos à

impossibilidade de se tratar de aspectos cognitivos sem levar em conta os aspectos

afetivos. Esses estudos ainda revelam que os processos cognitivos envolvidos em uma

atividade de resolução de problemas, tida como puramente cognitiva, estão sujeitos aos

domínios afetivos. Isto é, provocam algum tipo de reação emocional, que se torna mais

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intensa à medida que os alunos trabalham por um longo tempo em determinado

problema.

1.1 Questões de estudo

1) Qual a concepção de ensino de Matemática dos alunos?

Objetivos:

Verificar se o ensino da Matemática que lhes é apresentado hoje está sendo aplicado

em sua profissão.

Verificar se estão de acordo com a metodologia de ensino da Matemática adotada

por seus professores.

2) Qual a concepção de Matemática dos alunos?

Objetivos:

Analisar a relação que os alunos mantêm com a Matemática.

Verificar a importância da Matemática em seu cotidiano.

3) De quais estratégias se utilizam na resolução de problemas matemáticos?

Objetivos:

Identificar e compreender as estratégias utilizadas.

Verificar as reações emocionais e afetivas.

Verificar a capacidade de compreensão e generalizações.

4) Qual o conceito que têm de si, como alunos da disciplina de Matemática?

Objetivos:

Verificar o seu desempenho em Matemática.

Analisar os por quês das dificuldades.

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5) Que contribuições recebem do “outro”?

Objetivos:

Analisar as relações interpessoais de sala de aula e das oficinas de resolução de

problemas matemáticos.

Analisar se essas relações promovem a construção do conhecimento matemático.

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CAPÍTULO 2

O ENSINO SUPLETIVO NO BRASIL:

REVISITANDO A HISTÓRIA

Podemos constatar, ao longo da história brasileira, ações educativas voltadas

para adolescentes e adultos desde o período colonial. Àquela época, religiosos exerciam

a ação educativa missionária, em grande parte, com adultos. Com a desestruturação do

sistema de ensino, devido à expulsão dos jesuítas em 1759, somente a partir de 1822

vamos encontrar informações sobre ações educativas no campo da Educação de

Adultos. De acordo com Beisiegel (1974, p. 63) havia no estado do Espírito Santo em

1871, uma classe de ensino elementar para adultos, com aulas noturnas. Em 1874,

criaram-se outras duas classes, uma em Vitória e uma em São Mateus.

Apesar da expulsão dos jesuítas, a igreja se manteve forte na sociedade civil nas

fases do Império e na primeira República. Com todo o poder que lhe era atribuído, a

igreja, basicamente, continuava a controlar as instituições de ensino, encarregando-se

também da função de reprodução das idéias religiosas vigentes na época. Não estamos

querendo levar o leitor a imaginar que a origem do Ensino Supletivo possa ser

encontrada no período colonial. Apenas, estamos resgatando essas práticas educativas,

de caráter religioso e voltadas para brancos e indígenas, como um possível primeiro

encontro com a Educação de Jovens e Adultos, cuja ligação se faz ao pensarmos o

Ensino Supletivo como espaço que permeia essa educação. Até porque, a Educação de

Adultos, de forma sistemática e contínua, só ocorreu na década de 1940, época em que

as autoridades se alarmaram com a porcentagem de analfabetos apresentada no censo do

referido ano, fato que implicou a realização de diversas campanhas de cunho federal e

estadual numa tentativa em prol da erradicação do analfabetismo

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Entretanto, as raízes da educação de adultos começaram a se estruturar já na

década anterior, haja vista existir no texto da Constituição de 1934, mais precisamente,

artigo 150, parágrafo único, o propósito de um ensino primário integral e freqüência

obrigatória extensiva ao adultos (Vieira, 1992; Zunti, 1998).

Cronologicamente, até a implantação do Ensino Supletivo (Freitag, 1978; Vieira

1992; Quaglio, 1992), a Educação de Jovens e Adultos, neste século, trilhou os

seguintes caminhos:

1932 – Cruzada Nacional de Educação.

1933 – Bandeira Paulista de Alfabetização.

1947 – Lançamento do 1º Conselho Nacional de Educação de Jovens e

Adultos e a realização do 1º Congresso de Educação de Jovens e Adultos,

com a participação de dois representantes de cada estado brasileiro.

De 1947 a 1963 - Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes, surgida

após a Portaria do Ministério da Educação (57/47), a qual criou o Serviço de

Educação de Adultos no Departamento Nacional de Educação.

De 1952 a 1963 - Campanha Nacional de Educação Rural.

1958 – 2º Congresso Nacional de Educação de Jovens e Adultos.

De 1958 a 1963 - Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo

(Portaria nº 55a/58).

1960 – Fundação do MCP: Movimento de Cultura Popular de Pernambuco, o

qual foi extinto em 1964.

De 1961 a 1962 - Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo, instituída

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pelo Decreto nº 51.222/61 e revogada pelo Decreto nº 51.470/62.

1963 – Encerramento da Campanha Nacional de Educação de Jovens e

Adultos, pelo Ministério da Educação, iniciada em 1947.

De 1963 a 1964 - Comissões de Cultura Popular (Portaria nº 182/63).

1967 - Criação do MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização,

instalado apenas em 1970 (lei 5379/67). A proposta de tal movimento era a

alfabetização funcional1 de jovens e adultos. Segundo Freitag (1978, p. 83),

também o mobral se caracteriza por refletir a ideologia da educação como

investimento combinado à ideologização no nível político de “moral e

cívica”.

No início da década de 70, mais precisamente em 1971, através da Lei 5.692,

ocorreu a reformulação do ensino primário e secundário, organizado até então pela Lei

4.024/61. A reformulação trazia como proposta um ensino de 1º e 2º graus destinado

não somente a pessoas em idade normal de escolaridade, mas também a adolescentes

com mais de 14 anos e adultos que, por algum motivo, não puderam realizar seus

estudos na “idade própria”.

Dessa forma, a Lei 5.692/71, além de outras providências, incluiu o Ensino

Supletivo nos artigos 24 a 28 do capítulo IV e no artigo 32 do capítulo V (Reis, 1977).

De acordo com o artigo 24 da Lei nº 5.692/71, o Ensino Supletivo teria por

finalidades:

a) suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que

1 Segundo Ribeiro (1999, p. 228) a associação do qualitativo funcional ao termo alfabetismo favoreceu o entendimento de que tal condição implicava mais que dominar um sistema de representação gráfica da linguagem e que, portanto, a alfabetização deveria representar – para os indivíduos e para a coletividade – vantagens maiores que a simples possibilidade de ler e escrever.

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não a tenham seguido ou concluído na idade própria;

b) proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte.Parágrafo único: o ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados nos vários sistemas, de acordo com as normas baixadas pelos respectivos Conselhos de Educação.

Com o parecer 699/72 do CFE (legislação complementar à Lei 5.692/71 de

Valnir Chagas), definiram-se as quatro funções do Ensino Supletivo: suplência,

suprimento, aprendizagem e qualificação. A seguir apresento, conforme esta lei

educacional, as características principais de cada função.

Suplência: é a função que visa (1) ao prosseguimento de estudos para o aluno ou

candidato que cumpriu a parte geral do currículo, o que lhe garante dar continuidade nos

estudos em nível médio ou universitário, conforme sua procedência; (2) à terminalidade

dos estudos ao aluno que cumpriu integralmente a parte da educação geral e

profissional, conferindo-lhe o diploma de técnico ou equivalente; (3) à

profissionalização que, apesar de não lhe dar direito ao prosseguimento dos estudos na

parte regular, lhe atribui um certificado que comprova a realização da parte profissional

total ou parcial, credenciando-o para o trabalho.

Suprimento: é a função considerada mais abrangente e que mais caracteriza o

Ensino Supletivo (Tiengo, 1988). Pois se desenvolve paralelamente a qualquer nível de

escolarização regular, de acordo com a necessidade e evolução da educação e cultura

das comunidades. Reciclagem, educação continuada, educação permanente são, entre

outras, denominações referentes à função suprimento.

Aprendizagem: tem como meta principal a formação metódica para o trabalho,

ministrada pelas empresas a seus funcionários, na faixa etária de 14 a 18 anos,

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diretamente ou por meio de instituição que por elas são mantidas. Podem-se citar o

SENAI e o SENAC como exemplos de instituições atuantes nesta função do ensino

supletivo.

Qualificação: visa à preparação para o trabalho em curso de duração variável,

porém com prazos menores que os da aprendizagem. Por se tratar de cursos mais

específicos, aqui a preocupação com a educação geral ou conclusão de grau de

escolarização é secundária.

Dentro das quatro modalidades do Ensino Supletivo, a população atendida

concentrava-se, em 1971 nos cursos de suplência, mais conhecidos como cursos

supletivos, os quais atraíam 80% dos participantes. Nos cursos de qualificação

profissional concentravam-se 12,4%; nos de Suprimento, 5% e nos de aprendizagem,

3,5% (Freitag, 1978).

O Ensino Supletivo, segundo Quaglio, (1992, p. 73),

… deve constituir uma das soluções para ajustar a cada instante, a realidade escolar às mudanças que se operam em ritmo crescente no país e no mundo. Assim sendo, o ensino supletivo, tipo suplência, de hoje, representa a escola regular do período imperial brasileiro, com os célebres preparatórios de estudos livres para a prestação de exames de estado, fora do processo, realizados inicialmente apenas no Colégio Pedro II e posteriormente nos liceus provinciais que conseguiram a equiparação com o colégio padrão.

Desde a primeira reforma no ensino do período republicano, encontramos

exames similares aos do supletivo, como na Reforma Benjamim Constant, de 1890, em

que consta um exame para a concessão do certificado do curso médio sem exigência do

curso secundário regular, mas que difere do exame atual por constituir parte integrante

do ensino secundário, ao qual deveriam submeter-se todos os que pretendessem

ingressar em cursos superiores (Barroso e Oliveira apud Castro, 1980).

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Esses exames visavam tão somente ao ingresso no ensino superior. No entanto, a

Lei 5.692/71 rezava em seu artigo 26 que:

os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do núcleo comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular e poderão, quando realizados para o exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau, abranger somente o mínimo estabelecido pelo mesmo conselho.

§1º- Os exames a que se refere este artigo deverão realizar-se:a) ao nível de conclusão de ensino de 1º grau, para os maiores

de 18 anos.b) ao nível de conclusão de ensino de 2º grau, para os maiores

de 21 anos.§2º- Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos

oficiais ou reconhecidos indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos de Educação.

§3º- Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino, ou parte deste, de acordo com normas especiais baixadas pelo respectivo Conselho de Educação.

Esses exames preparatórios para o ensino superior, conhecidos também por

exames de madureza, devido à introdução do “ensino seriado” proposto pela Reforma

Campos (1931), sofreram uma redução no número de alunos que os buscavam. Porém, a

aplicação de tais exames se manteve paralela à implantação da escola seriada, até

porque, este tipo de escola longe estava de ser proporcionada a todos de que dela

necessitavam, quer por insuficiência de meios dos estados, quer por impossibilidade

dos próprios alunos (Tiengo, 1988).

Entretanto, diante da ocorrência de relativos avanços técnicos e científicos,

surgiu um tipo de aluno que aspirava ao ensino superior, mas que, sem poder consegui-

lo pela via seriada, procurava os exames de madureza como alternativa. Assim sendo,

cresceu a procura por esses cursos.

Vale ressaltar que a Lei nº 4.024/61 fixou em 16 anos a idade mínima para se

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iniciar o madureza ginasial e em 19 anos, o madureza colegial. Na reforma de 1931,

somente aos maiores de 18 anos era permitido prestar exames consecutivos do então

ciclo fundamental (3ª, 4ª e 5ª séries). Na reforma de 1942 (Reforma Capanema), era

concedida aos maiores de 17 anos a “licença ginasial”.

O madureza oferecido era de caráter academicista (Tiengo, 1988, p. 14), sendo

a “porta” de acesso às universidades para uma clientela já inserida no mercado de

trabalho. Porém, cabe aqui destacar que, pela limitação do curso, os candidatos

concorriam aos exames vestibulares em condições desfavoráveis à daqueles que tinham

cursado um 2º grau regular. Por outro lado, o curso também não lhes garantia

possibilidades de aperfeiçoamento que os conduzissem ao mercado competitivo

(Tiengo, 1988).

No entanto, pode-se dizer que, com o advento da Lei 5.692/71 de 11 de agosto

de 1971, em nenhuma época o Brasil experimentou, de modo tão intenso e generalizado,

a necessidade de selecionar e preparar, com rapidez e eficiência, pessoal técnico para o

exercício das atividades requeridas para o desenvolvimento do país.

Para tanto, o artigo 32 da Lei 5.692/71, capítulo V prevê que o pessoal docente

do ensino supletivo terá preparo adequado às características especiais desse tipo de

ensino, de acordo com as normas estabelecidas pelos Conselhos de Educação (Saviani,

1988, p. 142).

Essa intenção ainda não se concretizou. Segundo Haddad apud Quaglio (1992), a

Habilitação Específica de 2º grau para o Magistério e as Habilitações de Magistério em

nível superior, em sua quase totalidade, são omissas diante da realidade do Ensino

Supletivo.

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No prosseguimento dos fatos, destacamos, em novembro de 1985, a criação da

Fundação Nacional para Jovens e Adultos (Educar), com o intuito de promover a

educação básica de jovens e adultos. Da Constituição de 1988, chamada de

“Constituição Cidadã” por Ulisses Guimarães, presidente do congresso que a elaborou,

emergiu a necessidade da reformulação da Lei de Diretrizes e Bases vigente. Assim

sendo, em 20 de dezembro de 1996, oito anos mais tarde, foi sancionada a Lei 9.394,

conhecida como a nova LDB. Segundo Haddad (1997, p.117),

nessa lei [...] a nomenclatura Ensino Supletivo é retomada no artigo 38, dando ênfase aos exames supletivos, cuja idade mínima é substancialmente reduzida em comparação à antiga legislação.

Já na esfera estadual, em 1995 foi realizado em Vitória (ES), com a participação

de 378 pessoas, o I Congresso Estadual de Educação de Jovens e Adultos, quando foram

definidas propostas para uma nova política de Educação de Jovens e Adultos. Essas

propostas foram incorporadas e consolidadas no Plano Estadual de Educação de Jovens

e Adultos (1997), elaborado em parceria com o Instituto Paulo Freire de São Paulo.

De acordo com o relatório final das atividades da Secretaria de Estado da

Educação e Cultura do Espírito Santo referente ao ano de 1997, constata-se que:

A oferta educacional aos jovens e adultos no estado indicou, nesse ano, uma

matrícula de 25.000 alunos no Projeto “Todos Podem Ler”, relativo à

alfabetização, 23.320 alunos na modalidade de Suplência fase II, relativa às

séries finais do Ensino Fundamental, e 36.518 alunos foram atendidos nos

quatro Centros de Estudos Supletivos (Vitória, Colatina, Cachoeiro de

Itapemirim, Linhares).

A partir de agosto de 1998, deu-se início à implantação do curso Suplência

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fase III, relativo ao ensino médio, com o objetivo de suprir a escolarização

regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou

concluído na idade própria.

2.1 Os Centros de Estudos Supletivos –CES-

Criados com o objetivo de proporcionar à clientela supletiva oportunidades de se descobrir como pessoa, os CES foram dotados de uma estrutura organizacional que deveria permitir harmonizar valores, teorias e tecnologias de forma a concretizar o desafio imposto pela existência de milhões de brasileiros marginalizados do processo educacional (Documento “Revitalização dos Centros de Estudos Supletivos”, 1983, MEC/SEPS apud Silva 1987, p. 26).

O Ministério da Educação e Cultura pretendia, via Subsecretaria de Ensino

Supletivo, a partir de 1973, viabilizar meios de atendimento à população impedida de

usufruir das ofertas regulares e formais de ensino. Esse ministério orientou e apoiou

financiamento à criação de organismos que possibilitassem a operacionalização da

oferta de ensino, desvinculada das formas convencionais do ensino regular, dos quais

pode-se destacar os Centros de Ensino Supletivo - CES.

Segundo Avelar (1986/87), os CES são identificados como escolas-função

previstas no parecer 699/72 e são assim denominadas por se dedicarem especificamente

aos objetivos que caracterizam o Ensino Supletivo, sendo que, para sua instalação,

exigem-se equipamentos sofisticados que demonstrem o avanço da tecnologia.

Reconhecendo falhas no funcionamento dos CES, o próprio MEC propôs, anos depois,

a criação de NES ou NACES (Núcleos Avançados de CES), considerando que, dessa

forma, atingiria a democratização das oportunidades educacionais.

Os CES são unidades escolares cujas estruturas estão alicerçadas em quatro

setores básicos: (1) orientação de aprendizagem; (2) biblioteca; (3) recursos

31

Page 19: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

audiovisuais; (4) estudos por correspondência, visando oferecer à população em geral

condições de aprimoramento educacional (Mafra, 1980).

Destaca-se a oferta de curso de suplência de educação geral, prioritariamente, no

ensino fundamental (5ª a 8ª séries), através da utilização de estudo individualizado, com

apoio em módulos instrucionais2 e outros recursos auxiliares. Nos CES, os alunos se

matriculam em disciplinas de sua escolha e organizam o calendário de atividades

segundo as disponibilidades de horários e necessidades indicadas pelo estudo realizado

independentemente.

O Espírito Santo, atualmente, conta com quatro unidades de CES em

funcionamento: nas cidades de Vitória, fundado em 1976, Colatina e Cachoeiro de

Itapemirim, fundados em 1982, e Linhares, fundado em 1984.

2.1.1 O Centro de Estudos Supletivos de Vitória - CESV

O Centro de Estudos Supletivos de Vitória foi criado pela portaria nº 181/75,

instaurada em 1976. Iniciou suas atividades em 1977, oferecendo curso de Suplência de

Educação Geral em nível de 1º grau (hoje ensino fundamental), autorizado pelo parecer

número 101/78, resolução 46/78 do Conselho Estadual de Educação (CEE). No ano de

1982, através do parecer 77/82 e da resolução 31/82 do mesmo conselho, o CESV

estendeu o seu atendimento para o ensino de 2º grau (hoje ensino médio). A partir de

1984, através da Banca Permanente de Exames (BPE), passou também a oferecer

exames supletivos em nível de 1º grau e, a partir de 1992, em nível de 2º grau, de

acordo com o plano aprovado pelo CEE. Foi a primeira escola pública a ser instalada no

2 Para Joullié e Reis apud Silva (1987), o módulo instrucional é identificado como “... um esquema de trabalho em que, partindo do conhecimento do que se espera dele, o aluno realiza alternativas de aprendizagem sob sua própria responsabilidade, avalia seu desempenho e assim sucessivamente, até alcançar todos os objetivos previstos e estar em condições de ser avaliado pelo professor naquele assunto estudado”.

32

Page 20: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

estado do Espírito Santo com o objetivo de oferecer escolarização à população

adolescente e adulta, utilizando-se de metodologia de atendimento individualizado.

Esse Centro se auto-reconhece como uma escola diferente, pois permite ao aluno

estudar conforme sua possibilidade, administrar sua freqüência de acordo com seu

horário disponível, receber orientação educacional sempre que necessitar e fazer

circulação de estudo3. Entretanto, para a conclusão dos seus estudos, o aluno precisa,

necessariamente, prestar os exames junto à Banca Permanente de Exames (BPE).

Exige-se que o candidato antes de efetuar sua matrícula, participe de uma

reunião, na qual são transmitidos informes gerais sobre o funcionamento da escola, os

módulos e a Banca Permanente de Exames. A razão para tal procedimento decorre do

fato de que se não há idade máxima para o ingresso na rede supletiva, no entanto, existe

a exigência de idade mínima para o início de um curso:

12 anos para as quatro primeiras séries do ensino fundamental;

14 anos para as últimas séries e;

17 anos para os cursos de nível médio (Niskier, 1996).

As disciplinas são estudadas através de módulos, de acordo com o quadro:

3 O aluno que reprovou na última série do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio fará somente provas das disciplinas em que tenha ficado reprovado. Essa prática tem respaldo legal e está apoiada no parecer 699/72 e na resolução 58/95 do CEE.

33

Page 21: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

QUADRO 1 – MÓDULOS DE ESTUDO

Ensino fundamental (5ª a 8ª) Ensino Médio

Disciplinas Nº de módulos Disciplinas Nº de módulos

Português 23 Português 22

Matemática 30 Matemática 20

Ciência 30 Biologia 25

Geografia 23 Física 10

História 18 Química 19

Inglês 12

História 20

Geografia 11

Total 124 módulos Total 139 módulos

Podemos observar que o número de módulos de Matemática, no Ensino médio, é

menor que o de Português e o de Biologia. No Ensino Fundamental, ao contrário, o

número de módulos de Matemática é maior que o de Português.

Contudo, o aluno ainda poderá ser dispensado do módulo que escolheu e,

consequentemente, da disciplina, caso ele seja aprovado em uma pré-avaliação por

ocasião da inscrição. Não atingindo os 80% exigidos para a dispensa, ele estudará o

conteúdo dos módulos, podendo recorrer à ajuda dos professores caso necessite.

Posteriormente, será submetido a novas avaliações, tendo três oportunidades de exames

em cada módulo estudado. Atingido o percentual, ele passará para o módulo seguinte,

repetindo todo o processo até eliminar a disciplina.

2.2 Para se repensar o Ensino Supletivo...

A primeira idéia que vem à nossa mente, ao pensarmos na educação que permeia

o Ensino Supletivo, é a de admiti-la como fraca, inconsistente ou pouco promissora. Tal

educação, nestes ditames, certamente reduz o aluno a mero espectador de um conteúdo

34

Page 22: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

longo, ministrado num curto espaço de tempo e que, diante do qual, sua iniciativa, sua

criatividade e o desenvolvimento de seu senso crítico sofrem a tentativa de extermínio e

erradicação. A justificativa para tal posicionamento talvez se fundamente em virtude do

contingente de profissionais leigos e voluntários que ainda absorvem o processo

educacional neste nível de ensino, sobretudo, na alfabetização, em que as exigências

para a regência em sala de aula são ínfimas.

A segunda idéia é a de que o Ensino Supletivo esteja voltado para o atendimento

de uma parcela da sociedade, jovem e adulta, considerada carente, e que não

disponibilizou, por vários motivos, seu tempo para a escolarização na suposta “idade

própria”.

Mas haverá uma idade própria para o aprendizado?

De acordo com Torres (1995), não há tal idade apropriada para aprender, toda

idade é boa, cada uma é diferente, nem melhor nem pior: simplesmente diferente.

A idéia de aprendizagem tem sido articulada à idéia de infância. Educação e

aprendizagem estão associadas à criança, assim como teoria da aprendizagem e

pedagogia.

As pesquisas acerca dos processos de aprendizagem de jovens e adultos são

escassas, entretanto, estão disponíveis em diversas bibliotecas obras que investigam as

etapas do desenvolvimento infantil, os estágios cognitivos da criança, a evolução do

pensamento da criança; seus processos de aprendizagem, as instituições educativas, os

métodos de ensino, os sistemas de avaliação, enfim, são vários os estudos sobre

aprendizagem centrados na figura da criança. Poucos têm-se interessado e pouco se tem

avançado na compreensão de jovens e adultos como sujeitos da aprendizagem: o que

35

Page 23: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

sabem, como aprendem, que requisitos de ensino têm, como se comportam diante do

conhecimento novo, como o integram ao conhecimento anterior, etc. O que se tem feito

é uma adaptação grosseira de metodologias aplicadas nas ditas “idades próprias” para o

Ensino Supletivo.

Nesse sentido, Guattari aponta como uma das funções da economia

capitalística4, a infantilização: pensam por nós, organizam por nós a produção e a vida

social (1986, p. 41). Desse modo, tais procedimentos evidenciam-nos que o iletrado,

semiletrado, ou qualquer outro tipo de aluno, inserido nesta modalidade de ensino,

esteja à mercê de um ensino fragmentado e transplantado, o que possivelmente promove

mais desqualificação e homogeneização no âmbito da sociedade que o cerca.

Segundo Guattari e Rolnik (1986, p.29), os profissionais que se debruçam para a

compreensão do discurso do outro, incluam-se nesta proposta todos os educadores,

atuam de alguma maneira na produção de subjetividade5, e encontram-se

… numa encruzilhada política e micropolíltica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos permitem criar saídas para os processos de singularização, ou, do contrário, vão estar trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar.

A tarefa do educador tem por objetivo viabilizar processos de singularização6,

romper com os territórios de saber/poder que insistem nas hierarquizações. Conforme

4 O termo capitalístico é criado por Guattari porque acredita ser necessário criar um termo que possa designar não apenas as sociedades qualificadas capitalistas mas que possa também se referir àquelas sociedades que, mesmo não sendo qualificadas como tal, não diferem muito do capitalismo quanto ao modo de produção de subjetividade.

5 Subjetividade aqui não se situa no campo individual; seu campo é o de todos os processos de produção social e material.

6 O termo singularização é usado por Guattari para designar os processos disruptores no campo da produção do desejo: trata-se dos instrumentos de processo do inconsciente contra a subjetividade capitalística, através da afirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outras percepções, etc.

36

Page 24: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Barros (1997, p. 66), é o encontro com a alteridade, com o outro em sua diferença, com

a história da vida dos sujeitos, como movimento do desejo, é estar na processualidade.

Dessa forma, procuramos delinear o processo histórico do Ensino Supletivo no

Brasil, buscando, basicamente, compreender as idéias subjacentes à implantação desta

modalidade de ensino e como tais idéias estão sendo geridas nos dias atuais pelos

órgãos públicos e/ou privados em prol dos sujeitos que se utilizam deste tipo de ensino.

Apesar das esperanças sinalizadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, conhecida por 9.394/96, sob a égide de um regime democrático, ela vem

infelizmente ratificar o movimento de transformar a educação de pessoas jovens e

adultas em uma educação de “segunda classe”.

O reforço dessa hipótese se consolida ao verificarmos que a referida lei não

contemplou

algo que é fundamental em programas voltados para os jovens e adultos: uma atitude ativa por parte do Estado no sentido de criar as condições de permanência de um grupo social que tem de realizar um esforço redobrado para freqüentar qualquer programa de educação. (Haddad, 1997, p. 116),

O autor está se referindo ao abandono das formulações contidas no projeto da

Câmara, as quais seriam de incalculável contribuição à promoção de uma educação

condizente com esse tipo de alunado.7

Nesse sentido, o Ensino Supletivo continua sendo tratado como uma educação

compensatória, quando deveria ser tratado como um direito constitucional legado ao

cidadão. Pois, como vimos, era da competência do Estado o complemento da

escolarização daqueles que não a tiveram na idade regular por meio desta modalidade

7 Ver HADDAD, S. In : Brzezinski, I. et all. LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam, 1997.

37

Page 25: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

de ensino.

Não obstante, mesmo sabendo da falta de vontade política em investir

maciçamente no setor, existe a possibilidade de mudanças. A ampliação dos serviços de

educação básica e capacitação em outras habilidades essenciais necessárias aos jovens e

adultos se mostra como uma dessas possíveis alternativas.

Surgem as propostas da iniciativa privada que, em busca de um profissional

melhor qualificado, oportuniza, através do Ensino Supletivo, o retorno de seus

funcionários à esfera da educação.

Não é incomum vermos, no atual momento, diversas empresas terceirizando

profissionais da área educacional para capacitar seus funcionários, seja em nível

técnico, seja em nível fundamental ou médio. Pode-se dizer que essas empresas são

parte integrante de outros segmentos da sociedade civil, constantemente chamados a

contribuir com a formação de um profissional que atenda as exigências das conjunturas

atuais, em que ciência e tecnologia organizam novas linguagens, novas formas de

relações sociais e de participação no mundo.

Nesse contexto, o restabelecimento com o saber formal, as expectativas diante

do retorno à sala de aula, sugerem a idéia de que saber torna-se cada vez mais

necessário no mundo atual. E saber Matemática, em especial, pois se generalizam

tecnologias e meios de informações baseados em dados quantitativos e espaciais sob

diferentes representações. Também a complexidade do mundo do trabalho exige da

escola, cada vez mais, a formação de pessoas que saibam fazer perguntas, que

assimilem rapidamente informações e resolvam problemas utilizando processos de

pensamento cada vez mais elaborados.

38

Page 26: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Entretanto, as relações estabelecidas, ao longo dos tempos, com a Matemática,

na maioria dos casos, foram traumáticas, afastando os indivíduos do seu convívio. De

acordo com Cockcroft citado por Rivière (1995, p. 132), muitas pessoas desenvolvem

em sua vida escolar atitudes negativas em relação à Matemática, e suas escolhas

escolares e profissionais são condicionadas por dificuldades para dominá-la.

Tendo em vista alguns esforços que estão sendo realizados no intuito de eliminar

atitudes negativas e minimizar as dificuldades surgidas na apropriação do conhecimento

matemático pelos alunos, podemos citar o desenvolvimento de novos métodos para se

ensinar Matemática, com ênfase no significado e não na aprendizagem mecânica, o que

até hoje ainda é comum em sala de aula. Os objetivos do ensino da Matemática em nível

fundamental e médio são múltiplos, dos quais podemos destacar três: (1) o

desenvolvimento, nos alunos, da compreensão do significado, estrutura e função dos

conceitos matemáticos; (2) o desenvolvimento da competência para construir

abordagens matemáticas para problemas e situações; (3) a apreciação da atividade

matemática como prática cultural (Meira, 1993). Acreditamos que, com a metodologia

de Resolução de Problemas, tais objetivos possam ser alcançados, implicando na

melhoria do ensino da Matemática em nível supletivo. Caracterizando ainda, no nosso

entender, como outra possibilidade de mudanças para o engrandecimento da educação

neste nível de ensino.

39

Page 27: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

CAPÍTULO 3

ALGUNS ESTUDOS EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.

Quando nos propusemos investigar as estratégias utilizadas para a solução de um

problema proposto em uma atividade de resolução de problemas, tínhamos em mente

alguns fatores que implicariam na escolha desta ou daquela estratégia. Nosso

pensamento poderia ser esquematizado da seguinte maneira:

Tínhamos a idéia de que para chegarmos até as estratégias utilizadas na

resolução de problemas, tornar-se-ia necessário percorrer por entre as suas adjacências,

até para que pudéssemos compreender melhor certas atitudes, como as de bloqueios,

abandonos de uma tarefa, satisfações, frustrações, etc. Portanto, é assim que faremos.

Transitaremos um pouco por essas adjacências, com o intuito de construirmos os

alicerces necessários para a identificação das estratégias utilizadas com o grupo

pesquisado e tentarmos compreendê-las. Assim sendo, neste capítulo estaremos

discutindo as concepções sobre a Matemática e as concepções sobre o ensino de

Matemática e, posteriormente, no capítulo 4, falaremos sobre metacognição e afeto.

Por outro lado, não menos relevante, percebemos existirem poucos estudos na

40

Page 28: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

área da Educação Matemática que tratem sobre as estratégias de uso, segundo

levantamento bibliográfico feito de 1971 a 1997, a que tivemos acesso. Não

verificamos, na literatura brasileira disponível, qualquer estudo que tivesse investigado

as estratégias utilizadas por adultos trabalhadores na resolução de problemas

matemáticos, principalmente em ensino médio. Encontramos estudos nacionais e

internacionais que investigavam estratégias, porém em crianças, sobretudo nas séries

iniciais, ou em futuros professores de Matemática. Os trabalhos realizados na área, na

pesquisa brasileira com adultos, se referiam, em sua maioria, ao período da

alfabetização de adultos, e outros, em menor escala, à modelagem matemática aplicada

à educação de adultos. Assim sendo, no item resolução de problemas, apresentamos

alguns estudos que trataram das estratégias de uso, realizados com futuros professores

de Matemática. Elegemos esses estudos por apresentarem elementos bem próximos aos

do nosso trabalho e, portanto, ressaltamos os objetivos, o desenvolvimento e a

conclusão de cada estudo. Talvez seja possível, deste modo, estarmos contribuindo de

maneira inédita com a área da Educação Matemática, investigando um grupo bastante

peculiar, ou seja, alunos adultos trabalhadores cursando o ensino médio e afastados há

mais de 17 anos, em média, dos bancos escolares.

3.1 Concepções sobre o ensino da Matemática

Para desempenhar seu papel de cidadão, o homem precisa ter conhecimento,

informações, dados que lhe permitam tomar uma posição diante das situações com as

quais se depara. Nesse contexto, entendemos a Matemática como componente

importante na construção da cidadania, na medida em que a sociedade se utiliza cada

vez mais de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos

devem se apropriar.

41

Page 29: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

No entanto, os estigmas existentes em torno dessa disciplina provocam um certo

mal estar em algumas pessoas. Ensiná-la, então, parece ser a instalação de algo para

além do humano, e o mediador dessa prática se torna um mito. Talvez essas

considerações se fundamentem ao retornarmos à história e verificarmos que filósofos

pitagóricos determinavam que os conhecimentos matemáticos não deveriam ser

transmitidos aos não iniciados nos complexos rituais da seita, limitando-se a um grupo

seleto de pessoas ligadas à sociedade pitagórica, revestindo assim a ciência de um

caráter elitista e seletivo. Para Ferreira,

… sem dúvida, é a Matemática a disciplina que mais é chamada na hora de arbitrar para a cidadania. É ela quem mais reprova e, portanto, é a grande responsável pela exclusão da maioria da população de participar da cidadania. (1993, p. 15).

Nesse sentido, é importante que se tenha como meta um ensino de Matemática

que desempenhe seu papel na formação de capacidades intelectuais, estruturando o

pensamento e encorajando o raciocínio lógico dos alunos, para que dessa forma, possa-

se inserí-los no mundo do trabalho, das relações sócio-culturais, além de se utilizar

dessa ciência como apoio à construção de conhecimentos em outras áreas curriculares

(PCN, 1997). A batalha é grande mas não impossível e, em decorrência disso, algumas

questões têm sido levantadas, na área de Educação Matemática, para que, a partir delas,

possam surgir possibilidades de inovação do ensino e aprendizagem da Matemática. As

discussões que se têm feito na área a respeito do currículo matemático mais adequado às

necessidades da maioria dos alunos apontam para que haja uma valorização da

pluralidade sócio-cultural existente no Brasil. A suposição de que se ensinar Matemática

baseado em um currículo comum aos diferentes modos de vida, valores, crenças e

conhecimentos, acabou se tornando inócua, considerando as efetivas diferenças

42

Page 30: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

inerentes a cada região de nosso país (Introduction, 1984). Evidentemente, um currículo

diversificado, flexível para cada realidade sócio-cultural ainda se apresenta como um

desafio para a Educação Matemática.

Segundo David (1995, p. 57), desde o início do século, a pesquisa em Educação

Matemática começa a ser reconhecida pelo meio acadêmico. Grupos interessados pela

área se multiplicam e promovem encontros periódicos. Surgem revistas e livros

especializados contemplando a área com uma literatura própria. Um grande número de

pesquisas se dedica à apresentação, implementação, discussão e avaliação de propostas

para a melhoria do ensino e aprendizagem matemática. A autora observa que

… devido a sua proximidade com as questões práticas de sala de aula, esses trabalhos despertam o interesse de um grande número de professores e são de fácil acesso, o que nem sempre é possível em outras áreas do conhecimento, de mais longa tradição, cuja pesquisa de ponta dificilmente chega à escola.

Em contraposição, Silva (1998) ressalta que, apesar das muitas pesquisas em

torno de questões sobre o ensino-aprendizagem da Matemática em diferentes linhas de

pesquisas, o conhecimento produzido fica, geralmente, restrito às universidades, em prol

de outros pesquisadores que o tomam por referência para a produção de novos

trabalhos, dessa forma não penetrando no cotidiano dos professores de Matemática das

várias escolas existentes em nosso país.

Fiorentini (1993) apresenta em seu estudo os níveis de ensino

pesquisados/atingidos pelas pesquisas acadêmicas desenvolvidas nas décadas de 70 e

80. O autor constata que só a partir de 1983 alguns níveis de ensino, como a pré-escola,

os cursos supletivos e a formação extra escolar têm se tornado objeto de investigação

dos pesquisadores em Educação Matemática.

43

Page 31: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

De acordo com a tabela 1 de distribuição das pesquisas segundo o nível de

ensino pesquisado (abaixo), pode-se observar que, em nível supletivo, apenas 1 trabalho

foi realizado entre 1983/1986 e outros 4 entre 1987/1990, significando 2,4% das 204

teses/dissertações defendidas no período.

TABELA 1

Distribuição das pesquisas segundo o nível de ensino pesquisado

Nível de Ensino 71-78 79-82 83-86 87-90 Total %

Jardim e pre escola 3 3 6 3,0Pré e 1ª a 4ª serie 2 - - 1 3 1,5

1ª a 4ª série 3 9 7 22 41 20,11ª a 8ª série 1 2 2 3 8 3,95ª a 8ª série 8 7 5 10 30 14,71º e 2º graus 2 3 3 9 17 8,3Supletivo - - 1 4 5 2,4Magistério 2º grau - 1 2 - 3 1,52º grau 5 9 2 5 21 10,31º, 2º e 3º graus - 1 1 3 5 2,43º grau 6 12 9 7 34 16,7Vestibular - - 1 1 2 1,0Extra escolar - - 1 4 5 2,4Extra escolar/ 1º g - - 1 2 3 1,5Nível não definido 2 6 4 9 21 10,3Total 29 50 42 83 204 100

Noutro quadro-síntese, organizado pelo mesmo autor para classificar essas

pesquisas, localizamos nas principais áreas da pesquisa acadêmica brasileira em

Educação Matemática, 8 pesquisas que tratavam da Resolução de Problemas e 5 que

tratavam da Educação de Adultos.

No período de 1991 a 1997, foram defendidos 232 trabalhos acadêmicos na área

da Educação Matemática (Fiorentini e Comucci, 1995; Fiorentini, 1997), o que nos leva

a crer, pelo número significativo de 436 pesquisas ao longo de quase três décadas, um

crescente interesse por parte dos educadores matemáticos em busca de alternativas

metodológicas para a superação das dificuldades do ensino-aprendizagem da

44

Page 32: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Matemática. Não obstante, percebemos ainda a organização predominantemente linear e

compartimentada dos conteúdos dessa disciplina, fazendo com que o ensino da

Matemática pareça ter sido designado para produzir futuros matemáticos.

Diante das preocupações inerentes ao ensino da Matemática têm se discutido as

competências básicas esperadas para o próximo século. Dentre elas e com as quais o

ensino da Matemática poderá contribuir para uma sociedade moderna, temos:

a capacidade de planejar as ações e de projetar as soluções para problemas novos, que exigem iniciativa e criatividade;

a capacidade de compreender e transmitir idéias matemáticas, por escrito ou oralmente;

a capacidade de usar independentemente o raciocínio matemático, para compreensão do mundo que o cerca;

saber aplicar matemática nas situações do seu dia-a-dia;

saber avaliar se resultados obtidos na solução de situações-problema são ou não são razoáveis;

saber fazer estimativas mentais de resultados ou cálculos aproximados;

saber aplicar as técnicas básicas do cálculo aritmético;

saber empregar o pensamento algébrico, incluindo o uso de gráficos, tabelas, fórmulas e equações;

saber utilizar os conceitos fundamentais de medidas em situações concretas;

conhecer as propriedades das figuras geométricas planas e sólidas, relacionando-as com os objetos de uso comum, no dia-a-dia ou no trabalho;

saber utilizar a noção de probabilidade para fazer previsões de eventos de acontecimentos (NCTM8apud Carvalho,1994, p. 81).

O NCSM9 estabeleceu, em 1988, as habilidades básicas que os estudantes do

século XXI deverão possuir. Entendam-se por “básicas” as habilidades necessárias ao

indivíduo para o desempenho de múltiplas funções, tanto no campo profissional como

8 National Council of Teachers of Mathematics9 The National Council Of Supervisors Of Mathematics

45

Page 33: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

no educacional. Essa associação americana identifica doze áreas de competências em

que os alunos deverão apresentar habilidades: (1) resolução de problemas, (2)

comunicação de idéias matemáticas, (3) raciocínio matemático, (4) aplicação da

Matemática em situações da vida cotidiana, (5) atenção para com a “razoabilidade dos

resultados”, (6) estimação, (7) habilidades apropriadas de cálculo, (8) raciocínio

algébrico, (9) medidas, (10) geometria, (11) estatística, (12) probabilidade (Lorenzato e

Vila, 1993).

A forma como a Matemática é vista poderá mudar à medida que os conceitos

inseridos nessas competências forem sendo desenvolvidos e bem trabalhados nas

instituições de ensino de nível fundamental, médio ou superior. Pois, de acordo com

D’Ambrósio (1993, p. 35) a sociedade brasileira em geral, e os alunos em particular,

não vêem a Matemática, como a disciplina dinâmica que ela é, com espaço para a

criatividade e muita emoção. Ao contrário, possuem a visão de uma ciência pronta,

acabada, infalível, absoluta, exata, que contribui apenas para a formação de técnicos.

Alguns modos de ver e conceber o ensino da Matemática no Brasil são

discutidos por Forentini (1995) à luz das tendências: Formalista-Clássica, Empírico-

Ativista, Formalista-Moderna, Tecnicista e suas variações, Construtivista,

Socioetnoculturalista e, mais atualmente, Histórico-Crítica e Sociointeracionista-

Semântica.

O autor afirma que

… por de trás de cada modo de ensinar, esconde-se uma particular concepção de aprendizagem, de ensino, de Matemática e de Educação. O modo de ensinar sofre influências também de valores e das finalidades que o professor atribui ao ensino da Matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem (p.4).

46

Page 34: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Portanto, procurar classificar o professor, nesta ou naquela tendência, não é

tarefa simples e nem ao menos suficiente, pois cada profissional edifica, à sua maneira,

seu ideário pedagógico a partir de pressupostos teóricos e de sua reflexão sobre a

prática (p. 3).

Dessa forma, tomar consciência, conhecer tais tendências significa perceber a

existência de fatos históricos que influenciaram e continuam influenciando o ensino da

Matemática nas escolas brasileiras.

Nesse sentido, o ensino da Matemática na Tendência Formalista-Clássica,

basicamente, apoiou-se nos princípios norteadores da Matemática clássica, em especial

no modelo euclidiano e na concepção platônica de Matemática, considerada até o início

do século passado como a descrição perfeita e inquestionável do nosso mundo. A

geometria euclidiana foi o marco da geometria como ciência matemática. No modelo

euclidiano, todos os teoremas são deduzidos de proposições primitivas ou proposições

já demonstradas, sinalizando o rigor do raciocínio matemático.

A concepção platônica é assinalada por uma visão estática, a-histórica e

dogmática das idéias matemáticas (p. 6). Designava-se ao homem tão-somente, através

do discernimento e de vagas lembranças, descobrir essas idéias preexistentes em um

mundo considerado ideal e que, de alguma maneira, estavam adormecidas em seu

pensamento. O ensino da Matemática, no final do século passado e início deste, tinha

por finalidade a demonstração lógico-dedutiva e, portanto, tudo deveria ser justificado e

argumentado.

Em decorrência disso, a aprendizagem da Matemática acabava sendo privilégio

47

Page 35: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

de poucos e, sobretudo, dos afortunados intelectual e economicamente. Segundo

Pavanello apud Fiorentini (1995), a escola possuía dois tipos de currículos: um para a

elite dirigente e clerical, no qual dava-se prioridade a um ensino lógico e formal,

facilmente contemplado pela geometria euclidiana, e outro para as classes menos

favorecidas, destinado principalmente aos alunos das escolas técnicas, no qual

enfatizava-se uma abordagem mais mecânica e pragmática da Matemática (p. 7).

Assim sendo, pode-se considerar, nessa tendência, um ensino baseado em livros-

texto e centralizado no professor, cuja responsabilidade se limitava à exposição e

transmissão do conteúdo e a aprendizagem do aluno como passiva, pois a ele cabia

simplesmente memorizar e reproduzir exatamente os raciocínios e encaminhamentos

dados pelo professor ou pelos livros.

A Tendência Empírico-Ativista desponta em contraposição à Escola Clássica

Tradicional, promovendo dessa forma, um deslocamento do eixo pedagógico, isto é, o

professor tem como principais atribuições orientar e facilitar a aprendizagem. Por sua

vez, o aluno se torna o centro do processo ensino-aprendizagem e passa a ser visto como

um ser pensante.

Apesar desse deslocamento, a tendência permanece ligada à concepção idealista

do conhecimento, pois mantém a hipótese de que as idéias matemáticas são obtidas por

descoberta, porém admite a preexistência dessas idéias no mundo em que habitamos e

não mais em um mundo ideal. Nessa perspectiva, o conhecimento matemático resulta do

mundo físico e é absorvido pelo homem através dos sentidos.

No Brasil, basicamente, essa tendência colaborou para a unificação da

Matemática em uma única disciplina e estruturação das diretrizes metodológicas do

48

Page 36: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

ensino da Matemática da Reforma Francisco Campos (1931) (p. 10).

As principais características do empirismo-ativista se resumem em: (1) a

aprendizagem se dá através da prática, (2) ênfase nas generalizações e abstrações com o

intuito de se obter um melhor desempenho em Matemática, (3) destaque para a

Matemática aplicada, cujo ensino se daria pelos métodos Modelagem Matemática e

Resolução de Problemas.

Em virtude da realização dos cinco Congressos Brasileiros de Ensino da

Matemática nos anos de 1955, 1957, 1959, 1961 e 1966, culminando com a articulação

de um expressivo número de matemáticos e professores brasileiros no Movimento da

Matemática Moderna (MMM), o qual visava a reestruturação do currículo escolar e, sob

influências da Tendência Formalista-Moderna, a Educação Matemática brasileira

enfrenta um período de forte mobilização.

O fortalecimento do referido movimento é justificado se for levada em conta a

defasagem entre o progresso científico tecnológico na sociedade industrial emergente e

o currículo escolar vigente, sobretudo nas áreas de Ciências e Matemática (p.13). Os

principais propósitos desse movimento se calcavam na: (a) unificação dos três campos

fundamentais da Matemática, buscando contribuições da Teoria dos Conjuntos,

Estruturas Algébricas, Relações e Funções; (b) ênfase aos aspectos estruturais e lógicos

da Matemática em substituição ao modelo pragmático e mecanizado latentes na

Matemática escolar daquele momento, (c) reflexão da Matemática contemporânea, que

com o processo de algebrização, tornou-se mais precisa e fundamentada logicamente

(Miguel, Fiorentini e Miorim apud Fiorentini 1995).

Assim, privilegiava-se nessa tendência,

49

Page 37: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

… o uso preciso da linguagem matemática, o rigor e as justificativas das transformações algébricas através das propriedades estruturais. (...) Parecia visar não à formação do cidadão em si, mas à formação do especialista matemático. (...) Procurava os desdobramentos lógico-estruturais das idéias matemáticas, tomando por base não a construção histórica e cultural desse conteúdo, mas sua unidade e estruturação algébrica mais atuais da época (p.14/15).

Transformar as propriedades estruturais em conteúdo foi um dos grandes desvios

da Matemática Moderna. Um bom exemplo disso está numa passagem do livro O

fracasso da matemática Moderna, de Moris kline (1976, p. 17/18), que diz:

(...) um pai perguntou ao filho de oito anos quanto era 5 + 3. A resposta que recebeu foi que 5 + 3 = 3 + 5 segundo a propriedade comutativa. Espantado tornou a fazer a pergunta, dando-lhe outro fraseado:Mas quantas maçãs são 5 maçãs e 3 maçãs?A criança não compreendeu bem que “e” significa “mais” e, portanto, perguntou:O senhor quer dizer 5 maçãs mais 3 maçãs?O pai apressou-se a dizer que sim e esperou ansioso a resposta.Oh, não tem importância se se fala sobre maçãs, peras ou livros – disse o filho; 5 + 3 = 3 + 5 em qualquer dos casos.

Na relação professor-aluno e no processo ensino-aprendizagem não há mudanças

significativas, ou seja, o ensino continua sendo autoritário, portanto, centrado no

professor e o aluno passivo, reprodutor da linguagem e do raciocínio lógico-estrutural,

tal qual o exemplo acima.

A Tendência Tecnicista caracteriza-se por querer tornar a escola “eficiente” e

“funcional”, admitindo ser possível resolver os problemas do ensino e da aprendizagem

com o emprego de técnicas de ensino e de administração escolar. Fundamenta-se na

corrente sóciofilosófica do funcionalismo, que interpreta a sociedade como um sistema

organizado e funcional. Busca bases psicológicas no behaviorismo, para o qual a

aprendizagem consiste em mudanças comportamentais através de estímulos.

50

Page 38: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Podemos citar duas variações dessa tendência: (a) tecnicismo-formalista, que

acaba sendo a associação de duas outras concepções: a formalista-estrutural e a

tecnicista; (b) tecnicismo-mecanicista, que procura reduzir a Matemática a um conjunto

de técnicas, regras e algoritmos, sem a preocupação de fundamentá-los ou justificá-los

(p. 17).

Uma das principais características da pedagogia tecnicista é a despreocupação

com o professor e o aluno, os quais não são vistos como metas centrais nessa tendência.

Atribui indiscutível importância aos objetivos instrucionais, recursos didáticos e

técnicas de ensino que garantam o alcance desses objetivos. Assim sendo, as

possibilidades da melhoria do ensino se limitam ao emprego de técnicas especiais de

ensino e o controle/organização do trabalho escolar (p. 18).

Para a Tendência Construtivista, o conhecimento matemático se dá a partir da

interação/reflexão do homem com o meio ambiente e/ou atividades. Nesse sentido,

contrapõe-se às teorias racionalista e empirista, em razão de a primeira sustentar o

conhecimento como uma elaboração puramente mental, levada a efeito da dedução e

indução lógica, e a segunda por admitir o conhecimento só ser possível mediante

recursos da experiência e dos sentidos. A Matemática é concebida aqui como uma

construção humana constituída por estruturas e relações abstratas entre formas e

grandezas reais ou possíveis.[...] prioriza assim, mais o processo que o produto do

conhecimento (p. 20).

Nessa tendência, o ensino da Matemática é considerado de natureza formativa.

Isso é, os conteúdos têm o seu lugar de importância e utilidade, mas não são

imprescindíveis para que o aluno construa e desenvolva os alicerces mais simples da

inteligência. Não se privilegia um arcabouço de conhecimentos e sim o aprender a

51

Page 39: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

aprender, fortalecendo-se, dessa forma, o desenvolvimento do pensamento lógico-

formal. As bases teóricas de tal tendência se apóiam na epistemologia genética

piagetiana.

Tendo em vista a valorização do saber popular trazido pelo aluno e como

também a sua capacidade de produzir saberes sobre a realidade e diante da crítica à

“educação bancária” é que se esboça a Tendência Socioetnocultural.

De acordo com a Socioetnocultura, a validade e o significado da Matemática

ganham prestígio quando avaliados no âmago de um grupo cultural como, por exemplo,

uma comunidade indígena, uma classe de alunos, uma comunidade científica. O

conhecimento matemático é visto como um saber prático, relativo, não-universal e

dinâmico, produzido histórico-culturalmente nas diferentes práticas sociais, podendo

aparecer sistematizado ou não (p. 26). Nessa tendência o processo ensino-

aprendizagem se inicia a partir da identificação, feita pelos alunos e professores, dos

problemas da realidade do grupo em questão. A relação professor-aluno se constitui

mediada pelo diálogo, havendo portanto uma permuta de conhecimentos entre ambos.

Estão subjacentes a esse processo os métodos Problematização e Modelagem

Matemática, não sendo concebido existir um currículo pré-determinado e único, ou seja,

cada escola, cada região, cada localidade opta por um conteúdo a ser trabalhado de

acordo com a necessidade do grupo.

Dois importantes representantes devem ser citados ao se falar sobre

Socioetnocultura: no âmbito das idéias pedagógicas, Paulo Freire; e no âmbito da

Educação Matemática, Ubiratan D’ambrósio, principal idealizador da Etnomatemática.

Não apresentando pressupostos e conceitos inflexíveis, a Tendência Histórico-

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Page 40: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Crítica abarca o saber escolar e o processo ensino-aprendizagem de forma crítica e

reflexiva. O espaço sala de aula ganha dinâmica de práticas criativas, produzidas pelo

professor frente à articulação de sua visão de mundo, história e cotidiano (Geraldi apud

Fiorentini, 1995).

Nessas condições, o ensino de Matemática não parte de sua gênese

simplesmente, desconectado de sentido e, sim, de um modo vivo, significativo, em que

se perceba pelos conteúdos e neles sua construção histórica. Agindo assim, o professor

proporcionará ao aluno competências de se apropriar do pensamento e da linguagem

inerentes à Matemática, sendo capaz de raciocinar, estabelecer relações, justificar,

analisar, discutir e criar.

A Tendência Sociointeracionista-semântica orienta-se pelo modo como os

conhecimentos, signos e proposições matemáticas são produzidos e legitimados pela

comunidade científica ou pelos grupos culturais situados sócio-historicamente (p.

32/33).

A produção de significados é central nessa tendência, pois a sala de aula é vista

como um espaço de interação entre os sujeitos sob a mediação do professor. Esse tipo

de interação contribui para que haja uma espécie de comunicação matemática através de

diálogos, enunciações. São notórias, nessa tendência, influências de Vygotsky e

Bakhtin.

Feitas as devidas considerações com relação a essas tendências, podemos

perceber que o Ensino Supletivo se ajusta perfeitamente às características da tendência

tecnicista. Dessa forma torna-se possível verificar também, as implicações desta

tendência sobre o ensino da Matemática no âmbito desta escolarização, uma vez que

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Page 41: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

este ensino não tendo como objetivo principal desenvolver no aluno o raciocínio lógico-

dedutivo ou argumentativo, prioriza a transmissão superficial de técnicas e regras que

induzem o indivíduo a um resultado “correto” porém, pouco significativo para ele, pois

lhe faltam recursos que o leve à análise da razoabilidade desta ou daquela resposta.

No capítulo I, vimos que essa modalidade de ensino fora implantada pela Lei

5.692/71, durante o regime militar, cuja intenção residia em incluir a escola nos

modelos de racionalização do sistema de produção capitalista (p. 15). À educação

escolar cabia preparar e integrar o indivíduo à sociedade, tornando-o capaz e útil ao

sistema (p. 15), finalidade esta preconizada pela tendência tecnicista, considerada a

pedagogia “oficial” do regime militar (p. 15). Portanto, o Ensino Supletivo ainda hoje

se apresenta com implicações do tecnicismo. Se tomarmos como exemplo os próprios

sujeitos desta pesquisa, veremos como a tendência tecnicista ainda prevalece na

atualidade. A empresa em que trabalham adota o Ensino Supletivo como meio de

qualificá-los. O intuito principal da empresa é ter, a médio prazo, um profissional que

esteja preparado, frente aos avanços tecnológicos emergentes na sociedade, para operar

maquinarias mais sofisticadas. A empresa, não podendo abrir mão de tais recursos, até

porque são eles os responsáveis pela sua incursão no mercado competitivo interno e

externo, oferece-lhes formação continuada. Em outras palavras, é esse tipo de

escolarização que prepara o funcionário da empresa, gera mão-de-obra capacitada e faz

do funcionário um indivíduo útil ao sistema, que, em última análise, é a própria

empresa.

A influência exercida sobre o Ensino Supletivo pela tendência tecnicista se

alastra até o conteúdo programático desenvolvido ao longo dos bimestres,

caracterizando-o pela superficialidade e pragmatismo. Obviamente isso acaba por afetar

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Page 42: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

o ensino da Matemática, que se torna enfadonho, mecânico e fragmentado. Além do

que, é com esse ensino que se formará a concepção acerca da Matemática.

3.2 Concepções sobre a Matemática

Temos por hipótese que a escolha das estratégias utilizadas na resolução de

problemas, foco central desta investigação, seja influenciada pelas concepções acerca da

Matemática dos professores de Matemática sobre seu alunos.

Alguns estudos recentes (Ponte,1992; Cury, 1994; Boavida, 1994) revelam que

as nossas concepções sobre Matemática são produtos da interação social, ou seja, são

influenciadas tanto pelas experiências que vivenciamos como também pelas

representações sociais dominantes.

Para Ponte (1992, p. 184) as concepções têm uma natureza essencialmente

cognitiva, isto é, elas são indispensáveis, pois estruturam o sentido que damos às coisas.

Porém, se analisarmos por outra ótica, elas podem atuar também como uma espécie de

elemento bloqueador de novos conhecimentos, limitando as possibilidades de extensão

e compreensão desses conhecimentos.

Segundo o mesmo autor (p. 186), os professores de matemática são os

responsáveis pela organização das experiências de aprendizagem dos alunos. Eles

estão num lugar chave para influenciar as suas concepções.

Nesse sentido, a Matemática pode ser concebida como algo extremamente

difícil, distante de qualquer realidade palpável, como uma ferramenta para desenvolver

destrezas de raciocínio lógico-dedutivo, rigor científico em demonstrações de teoremas,

aplicabilidades para o progresso tecnológico ou, como algo inútil, válido somente para

pessoas que se prestam a estudá-la. De qualquer modo, fica sob a responsabilidade do

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Page 43: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

professor de Matemática ratificar ou retificar esta ou aquela concepção.

Ponte (1992), citando Thompson, aponta vários estudos que tratam dos modelos

de concepções sobre a Matemática (Perry, 1970; Skemp, 1978; Copes, 1979; Lerman,

1983; Ernest, 1988) e que esses estudos dão a idéia geral de que os professores tendem

para uma visão absolutista e instrumental da Matemática.

Com relação aos modelos de concepções sobre a Matemática, no quadro que se

segue, estão aqueles apresentados por Ernest apud Boavida (1994):

QUADRO 2 – MODELOS DE CONCEPÇÕES DE MATEMÁTICA

Absolutismo Absolutismo progressista Falibilismo

A Matemática é um corpo de conhecimento objetivo, fixo, certo, neutro, isento de valores e cuja estrutura é hierárquica.

A Matemática é constituída por conhecimento certo e objetivo, porém há conhecimento novo a ser criado pelo homem.

Os conceitos e proposições matemáticas são criações humanas que permanecem constantemente abertas à revisão.

Navegando entres as concepções absolutista e falibilista, Cury (1994) destaca

que a concepção que os professores de Matemática possuem sobre a disciplina sofreu

influências sócio-culturais presentes no decorrer de suas vidas. Essas influências foram

formadas ao longo dos séculos e passados de geração a geração a partir das idéias de

filósofos que refletiam sobre a Matemática. A autora conclui não haver evidências, no

seu grupo pesquisado, da aceitação da visão falibilista. O que, de certa forma, comprova

o “engessamento” imputado à disciplina pelos próprios professores de Matemática.

Outro estudo bastante interessante é o realizado por Frank (1992). A autora

trabalha alguns problemas não-rotineiros com quatro alunos e procura identificar as

concepções relacionadas à Matemática, a partir do encaminhamento dado por eles

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Page 44: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

enquanto resolvem os problemas. Frank (1992) afirma ser impossível modificá-las de

um dia para o outro, em virtude da lentidão com que se desenvolvem, sendo necessário

um longo período de várias experiências matemáticas. E essas concepções surgidas em

seu estudo certamente se enquadrariam dentro dos ditames inerentes à visão absolutista.

A partir dessa revisão de literatura das concepções sobre a Matemática,

acabamos por reforçar nossa hipótese. Sabedores de que essa disciplina acompanha a

vida do indivíduo por um longo período de tempo, de fato, se torna imprescindível

(re)criar espaços que permitam a discussão dos procedimentos desenvolvidos durante as

práticas matemáticas propostas. Uma das contribuições mais importantes que esses

espaços podem promover é a possibilidade de os alunos começarem a perceber que a

Matemática possui inúmeros e diferentes caminhos para serem percorridos, ou seja,

cada aluno pode, de diferentes maneiras, dar solução a um problema sem a preocupação

exclusiva da “resposta certa”. Dessa forma, o professor estará viabilizando a

apropriação de alguns significados, sobretudo positivos, que as experiências

matemáticas propiciam ao indivíduo durante sua trajetória acadêmica. É inevitável

ocorrer, por parte dos alunos, um (re)encontro com o prazer em aprender Matemática,

além da perspectiva de se melhorar a concepção edificada.

3.3 Resolução de Problemas

Até o final da década de 60, as pesquisas em Educação Matemática eram

demasiadamente influenciadas pelas teorias de aprendizagem conexionistas, as quais

privilegiavam práticas repetitivas, diga-se, a imitação e a memorização, sem levar o

aluno a fazer conjecturas ou analogias. A partir da década de 70, no entanto, o panorama

se altera. Os educadores matemáticos que em suas investigações focalizaram a

resolução de problemas mudam sua direção, ou seja, as atenções se voltam para os

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Page 45: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

métodos, procedimentos, estratégias utilizadas pelos alunos na solução de um problema

(Varizo, 1993).

O contingente dos educadores que se interessavam pelo raciocínio desenvolvido

e não pela resposta dada e, portanto, concebiam a resolução de problemas como um

processo, segundo Varizo, não se apresentava em número desejável. Porém, essa

concepção sensivelmente se dilatou nos anos 80, período em que a resolução de

problemas se tornou uma das principais metas do ensino da Matemática.

Ratificando esse pensamento, Sztajn (1997) e Borralho (1997) consideram que a

resolução de problemas tem sido “o carro chefe” do ensino da Matemática nas últimas

décadas, sendo a área em que mais pesquisas têm sido realizadas no campo da Educação

Matemática.

De acordo com Vale (1997), a resolução de problemas é uma “tendência”10 que

pode ser concebida sob vários enfoques. Na atualidade, defende-se que a Resolução de

Problemas já não pode ser simplesmente considerada apenas como um conteúdo a ser

trabalhado em Matemática e, sim, como uma metodologia que visa facilitar e

implementar o processo de ensino-aprendizagem, evitando a manipulação imediata de

dados e fórmulas, dentro da perspectiva de que resolver problemas é uma atividade de

investigação. A influência da resolução de problemas no currículo atual favorece o

desenvolvimento dos processos de pensamento, a formação de capacidades e

competências.

As discussões em torno dessa tendência vêm de longa data. Podemos verificar,

no desenrolar da História da Matemática, que um dos alicerces do conhecimento

10 Principais “tendências” em Educação matemática: Etnomatemática, Construtivismo, Modelagem, Resolução de Problemas.

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Page 46: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

matemático se fundamenta na arte de resolver problemas. Para ilustrar o que acabamos

de falar, é no período de Tales a Euclides (por volta de 600 a C e 300 a C) que se

constitui uma época de extraordinárias realizações. Advém daquele momento histórico a

proposta para que se resolvam três problemas muito famosos:

1. Duplicação do cubo ou o problema de construir o lado de um cubo cujo

volume é o dobro de determinado cubo;

2. Trissecção do ângulo ou o problema de dividir determinado ângulo arbitrário

em três partes iguais;

3. Quadratura do círculo ou o problema de construir um quadrado com área

igual à de um determinado círculo.

O mais intrigante desses problemas é o fato de não terem solução geométrica, ou

seja, não é possível resolvê-los utilizando-se régua e compasso. E é justamente aí que

reside a importância deles. A geometria grega foi profundamente influenciada em razão

das estratégias que se buscavam para solucioná-los, levando por causa disso a valiosas e

frutíferas descobertas. Porém, foi somente no século XIX, mais de 2000 anos depois de

os problemas terem sido propostos, que se estabeleceu a impossibilidade das três

construções (Eves, 1997).

Bem mais recentemente, em 1945, encontramos a primeira edição do famoso

livro de George Polya, “How to solve it”, responsável pela fundamentação de

praticamente todos os estudos e pesquisas na área da Educação Matemática durante a

década de 80, salvo reconhecimento de que a Resolução de Problemas é primordial ao

desenvolvimento de atividades matemáticas (Abrantes, 1989; Varizo,1993).

Na sua obra, Polya retrata alguns procedimentos eficazes para se resolverem

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Page 47: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

problemas. Ele indica quatro fases que auxiliam na resolução de problemas: (1) a

compreensão do problema, (2) o estabelecimento de um plano de ação, (3) a execução

do plano e (4) o retrospecto para verificação dos resultados (Polya, 1978).

Antes porém da compreensão do problema, primeira fase das sugestões de

Polya, torna-se pertinente, se não necessário quando se pretende dar ênfase à resolução

de problemas no ensino da Matemática, definirmos o que se entende por problema.

Estudos mostram essa preocupação em definir o termo problema no ensino da

Matemática, pois é um termo usado de formas distintas por pessoas diferentes e

representa diversas situações.

Segundo Charles e Lester apud Santos (1997, p.16)

… um problema é uma tarefa para a qual a pessoa quer ou precisa encontrar a solução; a pessoa não tem nenhum procedimento pronto para encontrar a solução; a pessoa deve procurar (tentar) encontrar a solução (grifos nossos).

Sztajn (1997) define problema como sendo todas as situações que levam a

pessoa aos acréscimos de novas idéias, esquemas e conhecimentos matemáticos já

existentes. O desejo de resolver é importante nessa definição e se já sabemos o que é

preciso fazer, não temos um problema (p. 112).

Na investigação de Fonseca (1997) encontramos algumas definições propostas

por alguns outros estudiosos, por exemplo:

… um problema é uma situação com que o indivíduo se defronta e para a resolução do qual não tem algoritmo que lhe permita chegar à solução. (Kantowski apud Fonseca, 1997, p. 42).

… um problema é uma situação na qual um indivíduo ou grupo de indivíduos é chamado a executar uma tarefa para a qual não tem acesso a um algoritmo que determine completamente o método de resolução. Para ele uma tarefa não pode ser considerada um

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Page 48: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

problema se a sua resolução não for desejada pelo indivíduo ou pelo grupo (Lester apud Fonseca 1997, p. 42).

… ter um problema significa procurar conscientemente alguma ação apropriada para atingir um objetivo claramente definido mas não imediatamente atingível (Polya apud Fonseca 1997, p. 42).

… um problema acontece quando se tem uma situação (inicial) e se pretende chegar a outra (final), mas o caminho que leva de uma a outra não é óbvio (Mayer apud Fonseca, 1997, p. 42).

Dentre as definições destacadas e considerando as características deste estudo,

acreditamos que a formulação que mais se aproxima daquilo que pensamos ser um

problema é a defendida por Charles e Lester. Portanto, é esta a definição de problema

que adotaremos para nossa dissertação. Pois, cremos ser essencial propor situações que

levem o indivíduo a desenvolver o desejo de querer e procurar caminhos variados para

desvendar as artimanhas de determinada tarefa, que a princípio, parece irresolúvel.

Após exploramos a definição do termo problema, cabe-nos agora discutir dentre

as várias classificações dadas pela literatura alguns tipos de problemas. Por exemplo,

Charles e Lester apud Santos (1997) classificam-nos em exercícios de fixação, problema

de cálculos complexos, problema de processo, problema de aplicação e problema

desafio. Varizo (1993) classifica-os em problemas rotineiros, problemas não-rotineiros,

problemas reais e problemas recreativos. Como estas duas terminologias se

correspondem, optamos por ficar com a segunda. Então, vejamos:

Problemas rotineiros: geralmente são aqueles que aparecem após a exposição de um

conteúdo e caracterizam-se por fornecer aos alunos a prática em usar algoritmos e exigir

deles a memorização de um conteúdo específico, uma definição, uma propriedade ou

teorema, ou, então, ainda destreza de cálculo pela repetição. São encontrados facilmente

em livros didáticos do ensino fundamental e médio. Podem, às vezes, envolver só um

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Page 49: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

tipo de cálculo; outras, dois ou mais.

Problemas não-rotineiros: caracterizam-se por não apresentar estratégias de solução

contida no enunciado. Este tipo de problema dá possibilidades ao aluno de desenvolver

estratégias gerais de entendimento; planejar seus comandos de ataques, executá-los;

avaliar as suas tentativas de solução, além de lhe permitir perceber a Matemática como

uma ciência em constante movimento. Conduz o aluno a refletir e monitorar seu próprio

pensamento.

Problemas reais: são aqueles que apresentam uma situação-problema real. Fornecem ao

aluno a oportunidade de usar uma variedade de habilidades matemáticas, procedimentos

e conceitos para resolvê-los. São excelentes para que o aluno perceba a utilidade e a

importância da Matemática no cotidiano. Em nível superior, este tipo de problema pode

ser trabalhado através da Modelagem Matemática.

Problemas recreativos: caracterizam-se por possuir em seu texto aspectos históricos

curiosos, lendários, e também do tipo quebra-cabeça. Algumas preocupações giram em

torno destes tipos de problemas, como por exemplo, (a) Gallagher, referendado por

Varizo (1993), diz não haver uma definição de qual tópico da Matemática poderia ser

considerado universalmente como matemática recreativa; ou, ainda, (b) a má utilização

destes problemas, que transformariam a sala de aula num local de diversão e

brincadeira. Por outro lado, são problemas que motivam o aluno, dando chances ao

professor de mostrar o quanto a Matemática pode ser agradável, além de possibilitar

uma aprendizagem mais significativa.

Neste estudo, fizemos a opção de trabalharmos com problemas do tipo não-

rotineiros, porque consideramos possível estabelecer, a partir deles, um espaço ideal

62

Page 50: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

para a comunicação das estratégias, dúvidas, certezas advindas dos alunos, além de

poder mostrar-lhes a inexistência de um único caminho para solucioná-los.

Pois afinal,

… a forma como os alunos organizam e trabalham a informação, as estratégias usadas na abordagem do problema, a persistência em caminhos errados, a natureza dos erros que cometem, a reação a sugestões dadas apresentadas pelos colegas, o envolvimento na verificação da solução, são fatores relacionados com o comportamento dos alunos enquanto resolvem problemas (Leitão e Fernandes, 1997, p. 102).

Nesse sentido, Lester apud Santos (1997, p. 17) sugere algumas estratégias que

precisam ser exploradas e trabalhadas na resolução de problemas em sala de aula, pois

poucos alunos utilizam sozinhos essas estratégias. O autor as divide em dois blocos,

designados por estratégias gerais e estratégias de apoio. As estratégias gerais são: (1)

procurar palavras e frases-chave, (2) escrever informação relevante, (3) fazer uma lista,

tabela ou quadro organizado, (4) fazer desenhos, gráficos, (5) experimentar dados ou

dramatizar a situação, (6) usar números simples. As estratégias de apoio são: (1)

procurar um padrão, regularidade, generalizar (2) usar dedução (ou indução), (3)

trabalhar de trás para frente, (4) adivinhar (dar palpites) e testar, (5) resolver um

problema semelhante mais simples, (6) escrever uma equação (fórmula).

Dentre alguns estudos que se realizaram, também apoiados nessa proposta,

elegemos os de Vale (1997), Fonseca (1997), Leitão e Fernandes (1997), os quais

discutem as estratégias utilizadas por futuros professores de Matemática.

No contexto natural de sala de aula, o estudo de Vale (1997) objetiva saber o

desempenho e as concepções de futuros professores com relação à resolução de

problemas de Matemática, com um certo enfoque no ensino de estratégias. O estudo foi

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Page 51: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

realizado em Portugal e contou com a participação de 24 alunos, matriculados no 4º ano

do curso de ensino básico variante de Matemática e Ciências da Natureza de uma Escola

Superior de Educação, sendo, portanto, um contingente de futuros professores dos 1º e

2º ciclos do ensino básico. Foram aplicados quatro problemas, dois de processo (não-

rotineiros) e dois de aplicação (reais). Após a realização de um módulo de resolução de

problemas, que fez parte da carga horária de uma disciplina denominada PEAM II, a

autora notou mudanças nas concepções dos futuros professores em relação à Resolução

de Problemas. Os futuros professores denunciaram não terem sido acostumados a

resolver problemas ao longo da vida escolar e que, quando o faziam, os problemas eram

repetitivos e enfadonhos. Seus professores mal os exploravam ou efetivamente não os

exploravam em sala de aula.

As estratégias utilizadas pelos futuros professores nos quatro problemas

propostos na investigação foram: (a) lista organizada, (b) redução a um problema mais

simples, (c) regularidade, (d) desenho, (e) fórmula, (f) tabela. As conclusões da autora

mostram que o desempenho dos futuros professores nos problemas de processo foi

razoável e, nos de aplicação, baixo. As maiores dificuldades enfrentadas pelos futuros

professores foram compreensão do problema e sua execução. Finaliza dizendo que

selecionaria problemas que envolvessem conteúdos matemáticos mais relevantes.

Com um trabalho um pouco mais amplo, Fonseca (1997) procura descrever,

analisar e interpretar processos utilizados e dificuldades sentidas por futuros professores

quando envolvidos na resolução de problemas.

Para a concretização de seu estudo, Fonseca (1997) trabalhou três problemas

com dois participantes, que eram estudantes do último ano de uma Escola Superior de

Educação, cujo curso após sua conclusão os habilitaria para serem professores de

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Page 52: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Matemática e de Ciências da Natureza do 2º ciclo do ensino básico. Segundo a autora

(p. 47), esse tipo de investigação deve ser feita com um pequeno número de

participantes, pela sua complexidade, de modo a identificar diferentes competências

dos alunos.

Em suas conclusões, a autora observa que os participantes utilizaram mais

freqüentemente os processos de: compreender o problema; compreender as condições e

as variáveis nele envolvidas; selecionar estratégias de resolução adequada; implementar

adequadamente as estratégias selecionadas e particularizar. Porém, apesar da formação

que tiveram em resolução de problemas, ela não foi suficiente para os ajudar a

ultrapassar os obstáculos com que se depararam. Essas dificuldades giraram em torno da

resolução de subproblemas quando eles não estavam explícitos, avaliação da

razoabilidade da resposta obtida, generalização e conjecturação, trabalho simultâneo

com as várias condições de um problema, seleção de opção chave para progredir,

compreensão dos conceitos matemáticos, reflexão sobre o trabalho desenvolvido.

A pesquisa realizada por Leitão e Fernandes (1997, p. 123) identifica, em 4

alunos do 4º ano do curso de professores do ensino básico variante de Matemática e

Ciências da Natureza, o uso das seguintes estratégias: (1) tentativa e erro, (2) trabalho

do fim para o começo, (3) elaboração de figuras e diagramas, (4) construção de tabela,

(5) procura de padrão, (6) recurso à álgebra, (7) recurso a um problema semelhante.

Os objetivos da pesquisa não são muito diferenciados dos outros dois trabalhos

já apontados, porém há que se ressaltar a resolução dos problemas ter sido feita em

grupo. As conclusões mostram que os futuros professores verificaram as soluções

obtidas e espontaneamente procuraram outras soluções. As autoras consideram o

trabalho de grupo uma metodologia bem sucedida e aceita pelos participantes, que

65

Page 53: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

reconheceram a importância da cooperação, da discussão em grupo, além de ter

favorecido a interação entre eles.

Os estudos apresentados revelaram preocupações pertinentes ao desempenho,

dificuldades e atitudes de futuros professores de Matemática quando eles se depararam

em meio a uma atividade de resolução de problemas matemáticos. Provavelmente, o

simples fato de terem participado nas respectivas investigações, levou-os, no mínimo, a

ser mais reflexivos e atentos às suas próprias limitações. E cremos estar aí a grande

contribuição dessas pesquisas, uma vez que, como vimos anteriormente, as concepções

com relação à Matemática são produtos da interação social, podendo ser modificadas de

acordo com as experiências matemáticas vivenciadas pelos próprios indivíduos ao longo

de suas vidas.

A reflexão sobre esses três estudos nos permite inferir a proximidade existente

entre os futuros professores de Matemática e os adultos trabalhadores, no que tange às

dificuldades e desempenhos cognitivos, salvaguardadas as devidas proporções. Daí os

elegermos como ponto de apoio para verificarmos o que já foi feito em termos de

investigação de estratégias de uso.

Contudo, essas estratégias podem e devem ser ensinadas pelo professor, uma vez

que os alunos não estão acostumados a explorá-las. Nesse sentido, ao pensarmos em

trabalhar com a metodologia de resolução de problemas é necessário utilizarmos em

nossas aulas tais estratégias com a finalidade de os alunos começarem a usá-las.

Precisamos ter em mente também alguns dos seguintes questionamentos:11:

O que é um problema?

11 Anotações feitas durante as oficinas sobre resolução de problemas ministradas pela Prof. Vânia Maria Pereira dos Santos-Wagner em 1997/98, na Universidade Federal Do Espírito Santo - UFES

66

Page 54: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

O que é uma atividade de resolução de problemas?

Que tipos de problemas podemos utilizar? Rotineiros? Não-rotineiros?

Reais? Recreativos?

Como um professor pode conduzir uma aula de resolução de problemas?

Como fazer perguntas que ajudem o aluno a raciocinar e a resolver

problemas com mais confiança?

Como elaborar e/ou selecionar em livros didáticos boas atividades de

resolução de problemas?

Como avaliar as atividades de resolução de problemas?

Essas questões funcionam como um roteiro, isto é, podem amparar os

professores de Matemática, à medida que elas forem sendo discutidas e refletidas ao

longo dos planejamentos mensais ou bimestrais, contribuindo na construção de um

ensino melhor de Matemática.

Assim, quando indicamos ao aluno a resolução de um problema que lhe cause

conflitos cognitivos, que faça com que ele reflita, reavalie seus procedimentos, seus

esforços, estaremos inserindo-o num campo extraordinariamente rico em possibilidades

de ensino, aprendizado, desenvolvimento lógico e afetivo.

67

Page 55: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

CAPÍTULO 4

EM BUSCA DA RECONSTRUÇÃO DAS PRÁTICAS

MATEMÁTICAS: DIALOGANDO COM AS TEORIAS

... O indivíduo humano se faz humano apropriando-se da humanidade produzida historicamente. O indivíduo se humaniza reproduzindo as características historicamente produzidas do gênero humano. Nesse sentido, reconhecer a historicidade do ser humano significa, em se tratando do trabalho educativo, valorizar a transmissão da experiência histórico-social, valorizar a transmissão do conhecimento socialmente existente (Duarte, 1996, p. 93).

O ato de ensinar é parte integrante do trabalho educativo que, por sua vez, é o

ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade

que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Ou seja, o ato se

dá em um contexto social e se desenvolve ao longo do tempo. À medida em que tais

ensinamentos vão se constituindo em elementos subjetivos, o homem se humaniza.

Na busca de maior compreensão e identificação das estratégias utilizadas por

alunos trabalhadores adultos na resolução de problemas matemáticos, optamos pelo

enfoque sócio-histórico12 para servir de embasamento teórico da presente pesquisa, até

porque, de acordo com Durkheim apud Verr & Valsiner (1996, p. 209) para

compreender qualquer fenômeno humano complexo, temos que reconstruir suas formas

mais primitivas e simples e acompanhar seu desenvolvimento até seu estado atual – em

outras palavras, estudar-lhe a história. Para tanto, orientamo-nos, preponderantemente

por alguns constructos trabalhados por Levy S. Vygotsky - mediação, processo de

internalização, zona de desenvolvimento proximal e formação de conceitos- e Mikhail

Bakhtin -enunciação, diálogo.

12 Conhecido também como histórico-crítico, histórico cultural, sócio-genético ou sócio-interacionista

68

Page 56: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Partimos do princípio de que o professor tem um papel central na trajetória dos

indivíduos que passam pela escola, em geral, e na apropriação do conhecimento

matemático, em particular. E, por extensão, considerá-lo o elo de ligação entre o aluno e

o saber científico, portanto, mediador do processo.

Ao longo da história, os seres humanos foram além dos limites das funções

psicológicas impostas pela natureza (Vygotsky, 1998a, p. 52) à medida que

introduziram nas mediações de suas ações novos sinais, novos elementos e novos

símbolos, fato este que nos permite perceber não ser o professor o único mediador entre

o conhecimento e o aluno.

Nessa perspectiva, entendemos que os processos de mediação se transformam ao

longo do desenvolvimento do indivíduo, isto é, as relações que ocorreram no plano

interpsicológico, como resultado de uma atividade externa realizada com outras pessoas

(interações sociais), passam por uma reestruturação no plano intrapsicológico,

processadas internamente. Esse movimento de “fora para dentro” foi designado por

Vygotsky de processo de internalização. É possível verificar, no processo, que os

aspectos cognitivo e afetivo se entrelaçam intimamente, possibilitando a reconstrução

interna de uma operação externa. O emergir das relações cognitivas necessárias à

realização do processo de internalização é forçado pelos estados emocionais e pelas

necessidades afetivas do sujeito.

Vygotsky não trabalhou em sua teoria um item específico relacionado à questão

da afetividade, entretanto constata-se como uma de suas fortes preocupações a

importância das conexões, profundas, entre as dimensões cognitiva e afetiva do

funcionamento psicológico do homem (Oliveira, 1992a, p. 83).

69

Page 57: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

De acordo com o enfoque sócio-histórico, aprendizado e desenvolvimento estão

inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança; o seu aprendizado começa

antes mesmo de ela entrar para a escola. Ou seja, quando a criança vai para a escola, ela

já leva consigo uma certa bagagem de conhecimento que foi construído através das

interações sociais, seja com a família, seja com os amigos. Há, assim, um aprendizado

pré-escolar e o início do aprendizado escolar. Este último produz algo

fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança (Vygotsky, 1998a, p. 110).

Para explicar a relação existente entre aquilo que o sujeito faz sozinho e o que

ele faz com a ajuda do outro, Vygotsky introduziu o conceito de Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZDP). Quando o indivíduo possui capacidade de

desenvolver tarefas independentemente, quer dizer, consegue realizar afazeres sem

ajuda alheia, ele está no que Vygotsky chamou de Nível de Desenvolvimento Real

(NDR). Porém, o indivíduo poderia avançar em seus propósitos, mas lhe faltam

subsídios. Se com a ajuda do professor ou de outra pessoa mais experiente ele conseguir

realizar sua tarefa, então ele está no que Vygotsky denominou de Nível de

Desenvolvimento Potencial (NDP). Com esses dois conceitos, Vygotsky definiu como

Zona de Desenvolvimento Proximal

… a distância entre o nível de desenvolvimento real, que costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (Vygotsky, 1998a, p.112).

Uma vez definido tal conceito, o próprio Vygotsky interroga o que de fato é

estabelecido pela ZDP, e acaba por enfatizar que

… a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação,

70

Page 58: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (1998a, p. 113) .

Podemos dizer que a ZDP se faz presente por toda a existência do indivíduo. É

na ZDP que pode residir uma das maiores contribuições do professor, pois criando

zonas de desenvolvimento proximal o professor estaria forçando o aparecimento de

funções ainda não completamente desenvolvidas (Moysés, 1997, p. 34) ou ainda, de

acordo com Oliveira (1993, p. 62), o professor tem papel explícito de interferir na zona

de desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam

espontaneamente.

É claramente perceptível que a valorização da interação social no processo de

edificação das funções psíquicas humanas no cotidiano escolar, por exemplo, se torna

imensamente fortalecida através da figura do professor, que tem como tarefa, ou deveria

ter, explorar, criar situações que levem o aluno ao desenvolvimento de novas

competências, dando-lhe oportunidade de amadurecimento tanto intelectual quanto

emocional.

A alteração do desempenho do indivíduo pela influência de outra pessoa é

fundamental na teoria de Vygotsky. E isso não ocorre nas etapas já consolidadas, já

completadas, mas sim nas etapas em processo de desenvolvimento, quando a

interferência de outras pessoas afeta significativamente o resultado da ação individual.

Segundo Oliveira (1993, p. 60),

… o desenvolvimento individual se dá num ambiente social

71

Page 59: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

determinado e a relação com o outro, nas diversas esferas e níveis da atividade humana, é essencial para o processo de construção do ser psicológico individual.

Conforme a mesma autora (p. 59) não é qualquer indivíduo que pode, a partir

da ajuda de outro, realizar qualquer tarefa. Em outras palavras, é necessário que o

indivíduo esteja num certo nível de desenvolvimento para que o outro possa interferir

satisfatoriamente em seu desempenho.

Para ilustramos esse pensamento, peguemos como exemplo um dos instrumentos

que utilizamos para a nossa coleta de dados, ou seja, as Oficinas de resolução de

problemas matemáticos, amplamente comentadas no próximo capítulo.

Durante a prática das oficinas, tivemos a oportunidade de trabalhar alguns

conceitos matemáticos com os sujeitos do presente trabalho, além do que foram

estimulados a verbalizar os procedimentos realizados, na tentativa de solucionar o

problema proposto. Em todos os problemas foi necessária nossa ajuda, porém alguns

foram resolvidos e outros não, mostrando nitidamente o nível de desenvolvimento

potencial daqueles alunos. A comunicação matemática estabelecida nas oficinas através

do diálogo perpassou pelo desenvolvimento individual, isto é, os alunos apresentavam

um nível de conhecimento não consolidado, talvez pelo longo tempo que estiveram

afastados da educação formal. Entretanto, o diálogo travado entre as partes permitiu

resgatar alguns conceitos mais ou menos apreendidos no passado e que se faziam

necessários àquele momento.

Para Bakhtin (1990, p. 123)

… o diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido

72

Page 60: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja..

Cabe aqui ressaltar, mais uma vez, a importância do papel do professor criar um

espaço para a argumentação e o diálogo, visando à produção cognitiva dos alunos.

Mesmo que haja desigualdade em termos de conhecimentos e de estratégias de

apropriação na relação professor-aluno e alunos-alunos, não seria o caso de inviabilizar

tal espaço, haja vista residir na alteridade a possibilidade das mais ricas trocas

interpessoais, gerando saltos desenvolvimentistas, implementados pela dinâmica entre

nível real e potencial do desenvolvimento (Isair, 1998, p. 32). Assim, a produção do

conhecimento resultante do espaço pedagógico configura-se como uma criação

estabelecida em um diálogo coletivo.

O diálogo, em seu sentido mais amplo se faz presente nas aplicações do conceito

de ZDP, dentre as quais Vygotsky destacou a formação de conceitos. Os processos de

desenvolvimento que conduzem à formação de conceitos verdadeiros são permeados

pelo emprego da palavra, cuja função diretiva é conservada. Vygotsky destaca que um

conceito é formado quando as funções mentais elementares, atenção involuntária por

exemplo, mediante uma operação intelectual, participam de uma combinação específica,

e completa que essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio para

centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-

los por meio de um signo (1998b, p. 101).

Para Bakhtin (1992, p. 350) a palavra é interindividual, isto é, a partir do

instante que o locutor a externaliza, ela já não mais lhe pertence com exclusividade. O

autor ainda ressalta que essa enunciação é o produto da interação de dois indivíduos

73

Page 61: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser

substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor (p.

112). À medida que não existe palavra que não seja de alguém, todas as vozes que

ecoam na palavra têm seus direitos.

Karl Marx, citado por Bakhtin (1992, p. 357), elucida que somente ao ser

enunciado na palavra, um pensamento torna-se real para o outro e, portanto, para si

mesmo [..]. Em busca de uma compreensão responsiva a palavra sempre vai mais

longe.

Admitindo a palavra como parte integrante dos processos de desenvolvimento

que se dirigem para formar os conceitos, Vygotsky denominou “conceitos cotidianos”

ou “espontâneos”, isto é, conceitos desenvolvidos no dia-a-dia, nas interações sociais

imediatas (fatos, fenômenos, objetos) aqueles conceitos não sistematizados, não

hierarquizados, e “conceitos científicos” aqueles propícios à situação escolar,

pertencentes a um sistema organizado de conhecimento.

O estudo realizado por Carraher et al (1995) mostra alguns resultados

significativos e discrepantes na performance entre o “contexto informal” e o “contexto

escolar”. Os autores afirmam que existem múltiplas lógicas corretas na resolução de

cálculos em que a escola nos ensina técnicas para as quatro operações que, se seguidas

corretamente, funcionam. Entretanto, observam que os sujeitos da pesquisa que levaram

a cabo se utilizaram de outros procedimentos, também corretos, porém não aproveitados

pela escola. Os pesquisadores ainda destacam a discrepância entre a performance oral e

escrita, ou seja, os sujeitos do estudo obtiveram um melhor desempenho no cálculo

mental, explicitado pela oralidade, do que no escrito, mais comumente aceito pela

escola. A conclusão a que chegam é de que o fracasso escolar aparece como um

74

Page 62: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

fracasso da escola, o qual está inserido, entre outros aspectos considerados e não menos

relevantes, na incapacidade de articular o conhecimento formal e o conhecimento

prático.

De acordo com Oliveira (1992b, p.32)

… os conceitos científicos, diferente dos cotidianos, estão organizados em sistemas consistentes de inter-relações por sua inclusão num sistema e por envolver uma atitude mediada desde o início de sua construção, os conceitos científicos implicam uma atitude metacognitiva, isto é, uma consciência e controle deliberado por parte do indivíduo, que domina seu conteúdo no nível de sua definição e de sua relação com outros conceitos.

Neste momento, se faz necessário explorarmos a relevância atribuída à

metacognição na resolução de problemas matemáticos.

4.1 Metacognição

Ante a necessidade de resolver um problema matemático, o indivíduo que se

propõe a fazê-lo estará obrigado a pensar e a raciocinar matematicamente (Gonzales,

1998). Provavelmente, suas facilidades, dificuldades ou limitações, com relação a certos

conceitos matemáticos envolvidos no problema, lhe darão subsídios para repensar o que

é preciso aprofundar ou clarificar em sua aprendizagem, sobretudo, se repensar a busca

de decisões que se convertam em instrumentalização suficiente para solucionar o

problema. Essa possível consciência metacognitiva será adquirida se nós, professores de

Matemática, estimularmos e ensinarmos os alunos a se conscientizarem dos aspectos

metacognitivos presentes em uma atividade de resolução de problemas.

Para Gonzales (1998), a resolução de problemas é uma tarefa intelectualmente

exigente (p. 67), isto é, ela pode ser considerada privilegiada pela sua potencialidade

75

Page 63: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

para estimular interações cognitivas entre o aluno e os conteúdos inerentes à

Matemática.

E como proceder para darmos conta de mais esse tipo de ensino?

Garofalo (1987) considera ser possível o professor trabalhar com seus alunos,

em sala de aula, algumas atividades que os ajudarão a desenvolver a metacognição. Para

isso sugere dirigir-lhes perguntas do tipo: como você pensou isto? Pense no que você

faz quando resolve problemas matemáticos. Por que você faz assim? Que tipos de erros

você comete normalmente? O professor deve fazer questionamentos que os levem a

refletir sobre os seus conhecimentos de Matemática e sobre os seus comportamentos e

maneiras de pensar, analisá-los, e utilizá-los. Deve, também, procurar corrigir nos

alunos idéias incorretas ou pré-concebidas, como, por exemplo, há alunos que pensam

poder solucionar todo e qualquer problema, quando sabemos que nem sempre isso é

possível, ou há outros que imaginam poder simplesmente aplicar uma fórmula e pronto,

o problema estará resolvido; e, em terceiro, ajudar os alunos a avaliar e regular seus

comportamentos e ações.

De acordo com Fernandes (1989) os aspectos metacognitivos têm sua relevância

e, portanto, devem ser utilizados e ensinados em sala de aula, pois com isso estaremos

colaborando para que os alunos melhorem a qualidade das decisões que devem tomar ao

resolver problemas; conheçam estratégias, técnicas, conceitos que ajudem a resolvê-los

e, por final, capacitem-nos a utilizar com eficácia tais conhecimentos e estratégias.

É através do desenvolvimento do processo metacognitivo que o aluno aprende a

pensar sobre seu próprio pensamento, conhecer seu ritmo de aprendizagem e reconhecer

suas facilidades e dificuldades no aprendizado do conteúdo, melhorando seu

76

Page 64: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

desempenho (Santos, 1997). O pensar sobre seu próprio pensamento, o monitorar seu

próprio pensamento, pontos centrais da metacognição, podem fazer com que o

indivíduo estabeleça, por exemplo, através da resolução de problemas, uma espécie de

comunicação matemática, verbal ou escrita. Essa comunicação matemática, por sua vez,

dinamiza o espaço da sala de aula, levando-o a descrever e explicar a outras pessoas os

processos que utilizou, interagindo, dessa forma, com o grupo social em que está

inserido.

Para Santos (1997, p. 9)

… a utilização da comunicação matemática em suas formas verbal, escrita e pictórica num ambiente escolar que valorize a interação social para que os alunos explorem, construam, clareiem e compartilhem significados, tende a favorecer a compreensão da Matemática.

Outra pergunta que podemos endereçar aos nossos alunos é quão bem eles

registram o que estão fazendo quando resolvem um problema e como eles usam o

resultado dessas observações como orientação para seu comportamento posterior

(Carvalho, 1994). Esse tipo de argüição colabora para que os alunos avaliem o plano

que elaboraram para resolver um problema, selecionem uma estratégia de resolução

entre várias possíveis, ou verifiquem a aplicação de um plano ou estratégia, o que

efetivamente caracteriza atividades tipicamente metacognitivas.

Lúria apud Oliveira (1992a, p. 79) diz que

… ao refletir o mundo exterior, indiretamente, através da fala, a qual desempenha um papel profundo não apenas na codificação e decodificação das informações, como também na regulamentação de seu próprio comportamento, o homem é capaz de executar tanto a mais simples forma de reflexão da realidade como as mais altas formas de regulamentação de seu próprio comportamento.

77

Page 65: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

É possível considerar, apesar da definição do termo metacognição não ser

consenso entre os pesquisadores (Mcleod, 1989), por se tratar de um campo

relativamente novo para a área de Educação Matemática, sua aplicação em sala de aula

de extrema importância. Haja vista ser, tanto melhor para o ensino-aprendizagem da

Matemática quanto também para o desenvolvimento do indivíduo enquanto ser

biológico, sociológico e psicológico se a tomarmos como um instrumento de apoio em

benefício do professor e do aluno.

Desenvolver e utilizar metacognição durante o processo de resolver problemas

possibilita ao resolvedor a consciência tanto do conhecimento que ele tem acerca da

natureza do processo quanto da auto-regulação deliberada que faz de si mesmo

(Gonzales, 1998).

Oliveira (1992a, p. 79) conclui que essa

… consciência (...) seria a própria essência da psique humana, constituída por inter-relação dinâmica, e em transformação ao longo do desenvolvimento, entre intelecto e afeto, atividade no mundo e representação simbólica, controle dos próprios processos psicológicos, subjetividade e interação social.

Nesse sentido, fica tácito dizer que fatores afetivos estão atrelados às atitudes

metacognitivas e, portanto, tais fatores podem influenciar na escolha das estratégias de

uso na resolução de problemas matemáticos. Cabe aqui, então, falarmos um pouco sobre

a influência dos fatores afetivos em uma atividade considerada puramente cognitiva:

resolver problemas de Matemática.

4.2 O papel do afeto na Resolução de Problemas Matemáticos

Quando pensamos a Matemática como uma disciplina que pode ser articulada às

outras áreas do saber, temos em mente que ela pode desenvolver a auto-estima, formar

78

Page 66: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

um cidadão crítico, autônomo, feliz num mundo em constantes e rápidas mudanças.

Saber quantificar, medir, operar, coletar, construir, ler e interpretar, questionar os dados

e/ou gráficos que existem no mundo fazem do indivíduo um ser completo e necessário

para as necessidades do novo século. Dessa forma, torna-se incoerente falar de cognição

desconsiderando-se os aspectos afetivos.

Macleod (1989) ressalta a importância do envolvimento de fatores afetivos

enquanto o aluno resolve problemas matemáticos. Categoriza a resolução de problemas

como uma atividade cognitiva e que os processos cognitivos envolvidos na resolução de

problemas são particularmente suscetíveis aos domínios afetivos. O autor afirma ainda

que, quando os alunos resolvem problemas matemáticos, não-rotineiros, a reação deles

freqüentemente inclui muita emoção. Essas emoções se tornam mais intensas à medida

que os alunos trabalham por um longo tempo em determinado problema. Eles iniciam a

tarefa com entusiasmo e, com o passar do tempo, as reações acabam se tornando

negativas. A frustração aumenta com o número de tentativas sem sucesso. Há duas

possibilidades: eles chegam à solução e o resultado é uma reação de prazer, ou eles não

chegam à solução e o resultado é um sentimento de aborrecimento, de cansaço, de

frustração e de impotência.

Nesse sentido, Mandler (1984) enfatiza que o princípio da emoção está na

interrupção dos planos do indivíduo ou comportamento planejado. Em termos

psicológicos, esses planos resultam da ativação de um esquema que produz uma ação

seqüencial, e essa seqüência tem uma “tendência a se completar”. O resultado da

interrupção é um desequilíbrio psicológico no indivíduo, causando-lhe tensão muscular

ou aceleração do batimento cardíaco. Caso o indivíduo avalie o significado da

interrupção ao longo do desequilíbrio, o resultado da avaliação será interpretado como

79

Page 67: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

surpresa, frustração, alegria ou alguma outra emoção. Destaca ainda como aspectos da

cognição que se relacionam com o afeto, memória; consciência; metacognição e

automaticidade.

Apesar dos progressos feitos nas pesquisas sobre memória, Mandler (1984) nota

que há poucos dados referentes às influências afetivas nos processos de armazenagem e

recuperação e ressalta a importância desses processos para a resolução de problemas.

Segundo o autor, a emoção pode influenciar os processos de memória, haja vista uma

emoção positiva poder colaborar com lembranças de experiências prazerosas. A

recuperação de uma memória a longo prazo, por exemplo, é freqüentemente crucial.

Mandler completa ressaltando que a falha dos processos de recuperação sob “stress” é a

maior dificuldade em uma atividade de resolução de problemas.

Rigney, referendado por Mcleod (1989), analisa os aspectos da consciência que

parecem relevantes para as reações afetivas na resolução de problemas. Afirma que o

processo consciente é muito lento, comparado com o processo inconsciente, o qual faz a

maior parte de todo processo mental.

Dadas as limitações de nossa memória ativa ou os limites de nossa consciência,

a maior parte do nosso processo mental é feito automaticamente, sem o envolvimento de

nossa consciência ou metacognição.

Mcleod (1989, p. 25) observa que:

… if we can help problem solvers reflect on their own cognitive processes, we should also be able to bring to consciousness an awareness of their emotional reactions to problem solving. An increased awareness of these emotional influences should give students greater control over their cognitive processes..13

13 se nós podemos auxiliar resolvedores de problemas a refletir sobre seus próprios processos cognitivos, também devemos ser capazes de trazer à consciência o conhecimento de suas reações emocionais para resolução de problemas. Um conhecimento crescente dessas influências emocionais

80

Page 68: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Como dimensão da teoria das influências afetivas na resolução de problemas

matemáticos, podemos focar, brevemente, algumas características dos estados afetivos

de resolvedores de problemas relacionadas com a emoção discutidas na pesquisa

realizada por Mcleod quais sejam magnitude e direção; duração; nível de consciência e

nível de controle.

Segundo o autor, as influências afetivas em resolução de problemas variam

conforme sua intensidade ou magnitude, assim como sua direção positiva (satisfação)

ou negativa (frustração). A reação mais comum expressa pelos alunos é a frustração,

uma reação que é freqüentemente intensa e negativa. Obviamente, outras emoções são

externadas. Por exemplo, as positivas, representadas pela satisfação ou prazer da

experiência em resolver problemas, também percebidas intensamente. Em razão disso,

sugere que se dê uma ênfase maior às emoções positivas, pois elas contribuem para o

desenvolvimento do prazer em resolver problemas. Infelizmente, não encontramos

muitas pessoas que gostem do desafio da resolução de problemas matemáticos, por isso

a importância da valorização das emoções positivas.

Por outro lado, observa o autor, as reações afetivas durante a resolução de

problemas são tipicamente intensas, mas são relativamente curtas em duração. A reação,

sendo intensa e negativa, faz com que os alunos tenham dificuldades em persistir na

resolução do problema, ocorrendo o abandono da tarefa. Já os alunos que persistem irão

das emoções positivas, quando sentem que estão progredindo, às negativas, quando se

sentem bloqueados, voltando às positivas, como se fosse uma função periódica. Embora

os estados emocionais dos alunos durante as atividades de resolução de problemas

variem entre o positivo e o negativo, é razoável assumir que um aluno, cujas

daria aos alunos um maior controle sobre seus processos cognitivos.

81

Page 69: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

experiências são sucessivamente negativas, poderia desenvolver uma visão negativa da

resolução de problemas, e esta visão seria estável e permanente, difundindo sua aversão

à Matemática.

Mcleod ainda enfatiza que resolvedores de problemas freqüentemente

desconhecem as emoções que os influenciam nos processos de resolução de problemas.

Como já foi discutido anteriormente, a interrupção de uma seqüência ativada

gera frustração. Essa reação emocional pode, por vezes, vir à consciência, porém o

conhecimento de sua causa pode não permanecer por muito tempo, é o caso do aluno

que reduz sua frustração e parte para uma nova meta ou plano que não será

interrompido. Essa redução acontece muito rapidamente ou até mesmo de maneira

automática.

Em decorrência disso, alguns alunos podem ter mais dificuldades no controle de

algumas emoções do que outros. Muitas das mais típicas reações emocionais para

resolução de problemas podem ser relativamente fáceis de controle.

De acordo com Mcleod (1989, p.30)

… once students understand that problem solving involves interruptions and blockages, they shoud be able to view their frustration as a normal part of problem solving, not as a sign that they should quit. Similary, students should be able to learn that the joy of finding a solution to a problem is not a signal to relax and go on to another task. Instead, students can learn to view it as cue to look back at their solution and check for reasonobleness, elegance, and alternate approaches.14.

Desse modo, as reações afetivas podem ser distintas em diferentes estágios da

resolução de problemas (Macleod, 1989). De acordo com o autor, alguns estudos

mostram que as reações afetivas podem variar, dependendo do tipo de estratégias

14 uma vez que os alunos entendam que a resolução de problemas envolve interrupções e bloqueios, eles devem ser capazes de ver suas frustrações como parte normal da resolução de problemas e não como um sinal para abandonar a resolução. Similarmente, os alunos devem ser capazes de aprender que o prazer de encontrar uma solução para um problema não é sinal para relaxar e ir para outra tarefa. Ao contrário, os alunos podem aprender a examinar isto como uma deixa para reavaliar suas soluções e checar por abordagens mais razoáveis , elegantes ou alternativas.

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Page 70: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

escolhidas para se resolver um problema. Nesse sentido, se considerarmos por exemplo

os quatro passos de Polya (1978), quais sejam (1) entendimento; (2) planejamento; (3)

execução e (4) análise, verificaremos que as emoções neste último estágio se

apresentam de forma muito diferentes das daquelas de frustração na tentativa de

executar um plano de ataque.

83

Page 71: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

CAPÍTULO 5

OS PERCURSOS DA PESQUISA

5.1 Natureza do estudo

Tendo em vista identificar e compreender as estratégias de um grupo

articularmente peculiar de alunos dadas as características subjacentes, como o trabalho,

o afastamento escolar, entendemos existirem muitas informações impossíveis de ser

quantificadas e, portanto, merecedoras de reflexão e interpretação bem mais ampla

àquela que circunscrita ao simples dado objetivo (Trivinõs, 1992, p. 120). Assim sendo,

optamos por trabalhar com a abordagem qualitativa para desvelar nossos objetivos.

Entretanto, não deixamos de apresentar dados quantificáveis, isto é, numéricos, nos

casos considerados necessários. Segundo André (1995, p. 24), o número, nestes casos,

ajuda a explicitar a dimensão qualitativa.

Por outro lado, nunca foi nossa intenção observar apenas o campo da pesquisa e

relatar os fenômenos ali ocorridos. Queríamos ir um pouco mais além à medida que nos

fosse permitido intervir e dar significado à prática escolar daqueles sujeitos

investigados. Para essa intenção se concretizar foi necessário delinear,

metodologicamente, esse trabalho à luz da etnografia como também da pesquisa-ação.

A união de tais abordagens se apresentas como uma nova tendência da pesquisa

etnográfica. De acordo com André (1997) essa tendência aproxima muitíssimo duas

formas de pesquisa que vinham sendo tratadas isoladamente [...] e que o

encaminhamento parece se dar no sentido de uma fusão das duas e no surgimento de

uma nova vertente, talvez mais robusta pela incorporação dos pontos fortes e frágeis de

ambas (p.56). Nesse sentido, em busca de intervir e verificar a modificação ocorrida,

84

Page 72: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

aplicamos um instrumento de coleta de dados designado “Oficinas de Resolução de

Problemas Matemáticos”. Espaço esse, que nos permitiu levar os alunos à

(re)descoberta da Matemática, reformulando conceitos e ampliando conhecimentos.

Das características da pesquisa etnográfica discutidas por André (1995),

destacamos as que orientaram esta dissertação de Mestrado, quais sejam:

o uso das técnicas tradicionais de um estudo etnográfico: observação

participante, entrevista intensiva e análise de documentos

…a observação é chamada de participante porque parte do princípio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras fontes (p. 28),

o pesquisador como instrumento principal na coleta e na análise dos dados;

a preocupação do pesquisador em apreender, absorver o significado e a

maneira própria com que os participantes se vêem a si mesmos, e

a ênfase nas características do fenômeno, no que está acontecendo naquele

instante.

Com relação à pesquisa-ação, nos baseamos em alguns enfatizados por Thiollent

(1992), dos quais extraímos:

a ampla e explícita interação entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa;

o acompanhamento das decisões, das ações e de toda a atividade intencional

dos atores da situação observada pelo pesquisador;

a possibilidade de resolver ou, pelo menos, esclarecer os problemas da

85

Page 73: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

situação observada, e

aumentar o conhecimento do pesquisador e o conhecimento ou nível de

consciência das pessoas e grupos considerados (p. 16)

Portanto, para finalizarmos, constitui-se como meta deste trabalho a descoberta

de novas relações, conceitos ou formas de se entender a realidade e, que os resultados

advindos das análises feitas sejam úteis aos indivíduos ou grupos a ele relacionado.

5.2 Campo da pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida na Unidade Educacional SESI/CST, localizada

nas dependências físicas da Companhia Siderúrgica de Tubarão (Av. Brigadeiro

Eduardo Gomes, S/Nº, no Bairro de Carapina, Município da Serra – Espírito Santo, a 14

km de Vitória, capital do Estado). Tal unidade, autorizada e reconhecida pelo Conselho

Estadual de Educação, foi fundada e inaugurada em outubro de 1993 e conta atualmente

com toda infra-estrutura necessária para o perfeito funcionamento de um

estabelecimento de ensino privado. Suas salas foram construídas em prédios de

alvenaria e cimento armado com condições satisfatórias quanto à conservação,

salubridade, segurança e higiene. Desse modo, A CST coloca à disposição do SESI dez

salas de aula com 90m², equipadas com aparelhos de ar condicionado, uma biblioteca,

uma videoteca, uma secretaria, uma sala de professores, uma sala para a coordenação,

uma sala para a supervisão e uma ampla recepção, perfazendo um total de 1400m² de

área construída, farto material pedagógico para as disciplinas de Biologia, História e

Geografia. Nos corredores, encontramos cinzeiros, quatro tipos de lixeiras que indicam:

papel, plástico, lixo orgânico e metal.15 Os professores dispõem de um computador e

15 A escola está inserida no programa 5S da CST. Esse programa é constituído de cinco passos básicos, cuja

86

Page 74: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

seguem um horário estipulado para seu uso. O quadro de profissionais é constituído por

um coordenador geral e dois estagiários, pertencentes ao efetivo da CST, uma diretora,

duas supervisoras, vinte e um professores e duas secretárias, todos contratados pelo

SESI para atuar naquele espaço.

O horário de funcionamento da escola é de segunda a sexta-feira nos três

períodos, conforme quadro abaixo:

QUADRO 3 – HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DA ESCOLA

Período Horário Nº de Aulas/período Duração/aula

Manhã 09:20 – 12:00 4 40’

Tarde 14:30 – 17:10 4 40’

Noite 17:20 – 20:00 4 40’

A Unidade Educacional atendeu, em 1998, a uma demanda de 1094 alunos,

assim distribuídos:

QUADRO 4 – DISTRIBUIÇÃO DAS MATRÍCULAS POR PERÍODO

Nível de EnsinoEnsino Fundamental Ensino Médio

1ª e 2ª Etapas16 3ª Etapa17 4ª Etapa18 Etapa A Etapa B

Nº de alunos 70 160 176 286 402

Duração 2 anos 1 ano 1 ano 1 ano 1 ano

O trabalho nas 1ª, 2ª, 3ª e 4ª etapas é desenvolvido de acordo com a Proposta

Curricular para o Ensino Fundamental de Adultos do Departamento Nacional do SESI

(1992). O currículo que se propõe ao Ensino Médio consta das disciplinas do núcleo

comum de Educação Geral, reunidas em duas etapas, com quatro disciplinas cada uma.

aplicação traz comprovados resultados para a melhoria de qualquer ambiente e, por conseqüência, à qualidade de vida. O programa recebeu esse nome por ter surgido no Japão. A palavra principal de cada um dos cinco passos começa com a letra S: Seiri, Seiton, Seiso, Seiketsu e Shitsuke. Trata-se de ideogramas, forma japonesa que reúne diversos caracteres para expressar uma determinada idéia. No Brasil, ficou conhecido como os 5 Sensos: Senso Utilização, Senso Ordenação, Senso Limpeza, Senso Bem-Estar, Senso Autodisciplina.

16 Alfabetização e equivalência de 1ª a 4ª série, respectivamente.17 Corresponde às 5ª e 6ª séries18 Corresponde às 7ª e 8ª séries

87

Page 75: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

A grade curricular está assim constituída:

QUADRO 5 – GRADE CURRICULAR

Etapa A Etapa B

Português e Literatura Matemática

Inglês Física

Química Geografia

Biologia História

O aluno ao ingressar no Ensino Médio faz a opção por uma ou outra etapa,

havendo ainda a possibilidade de se inscrever tanto em disciplinas da Etapa A como da

Etapa B, isso porque ele já poderá ter eliminado alguma disciplina de uma das etapas

através da Banca Permanente de Exames. Então, nesse caso é permitido que ele se

matricule também em até 4 disciplinas. Escolhida a Etapa, seguem-se as aulas das

quatro disciplinas durante todo o ano, com avaliações cumulativas até o último bimestre

do ano letivo. Se o aluno for bem sucedido naquela etapa, matricula-se na seguinte para

a conclusão do curso.

A Etapa B foi constituída por sete turmas, três no matutino, duas no vespertino e

duas no noturno, respectivamente B1-B2-B3/B4-B5/B6-B7. A disciplina de Matemática

foi oferecida em seis aulas semanais por três professores X, Y e Z. (X e Y pela manhã;

Y e Z à tarde e à noite). Como tínhamos disponível apenas o período da manhã para a

pesquisa de campo, a turma por nós observada foi a B1, devido ao interesse e à

disponibilidade da professora regente. Ou seja, a professora da turma se mostrou

disposta a trocar idéias conosco sobre o cotidiano dos alunos, abriu-nos espaço em suas

aulas, procurou participar dos eventos ocorridos no Estado sobre temas atuais da área da

Educação Matemática. A princípio, esses interesses não foram observados no outro

88

Page 76: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

professor regente do mesmo período; posteriormente ele se aproximou de nós, porém o

trabalho já estava sendo concluído.

5.3 Perfil dos sujeitos da pesquisa

Os sujeitos desta pesquisa foram 10 funcionários da Companhia Siderúrgica de

Tubarão, com o ensino fundamental completo, regularmente matriculados no ensino

médio da Unidade Educacional SESI/CST, e a professora titular da turma observada, no

caso, a turma B1.

Para homenagearmos alguns grandes matemáticos, chamaremos apenas os

alunos por Tales, Platão, Euclides, Arquimedes, Diofanto, Descartes, Fermat, Euler,

Laplace e Gauss. A “nomeação” obedeceu a um único critério, qual seja, a ordem da

entrevista foi diretamente proporcional à data de nascimento das personalidades.

A professora

A professora é licenciada em Matemática e também é engenheira civil. Atua no

Ensino Supletivo há cincos anos, desde a inauguração da Unidade Educacional SESI-

CST, ocorrida em 1993. Optou por trabalhar com adultos, segundo seu próprio

depoimento, porque

… com adolescentes se perde muito tempo pedindo silêncio, já com adultos não se têm problemas com disciplina. Eles têm interesse em aprender. Os adolescentes estão ali obrigados pelos pais.P: Mas a empresa não impõe que eles estejam ali também?A: Eles chegam com esta idéia, mas com o tempo a modificam. Alunos que se formaram este ano estão pedindo cursinho. Eles pegam gosto pela escola.

Tales

89

Page 77: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Tales estava com 42 anos quando foi entrevistado. Casado há 4 anos, trabalha na

empresa há 13 anos. Atualmente está no Departamento de Produção de Aço - seção de

condicionamento. Ficou sem estudar durante 26 anos. É natural de Linhares, Espírito

Santo.

Platão

Casado há 12 anos, natural de Colatina, Espírito Santo. Está na empresa há 14

anos. Desempenha suas funções no Departamento de Produção de Aço. Estava com 39

anos quando foi entrevistado. Esteve afastado da escola por 21 anos.

Euclides

Nascido em Minas Gerais, trabalha na Companhia há 8 anos. Seu Departamento

é o de Produção de Aço – seção de condicionamento. É casado há 10 anos, ficou sem

estudar por mais de 12 anos. Contava 36 anos de idade ao ser entrevistado.

Arquimedes

É natural de Itaguaçu, Espírito Santo. Casado há 17 anos. Ficou sem estudar 23

anos. Trabalha no Departamento de Produção de Aço – seção de condicionamento. Está

na empresa há 15 anos. À época da entrevista, estava com 40 anos.

Diofanto

Casado há 4 anos, natural de Baixo Guandu, Espírito Santo, estava com 38 anos

quando foi entrevistado. Trabalha no Departamento de Produção de Aço – seção de

condicionamento. Se ausentou dos bancos escolares por 17 anos. Está na empresa há 17

anos.

90

Page 78: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Descartes

Está com 18 anos de empresa, trabalha no Departamento de Apoio Operacional

– seção de segurança patrimonial. Contava a idade de 40 anos quando foi entrevistado.

É natural de Cariacica, Espírito Santo.

Fermat

Trabalha no Departamento de Apoio Operacional – divisão de serviços

operacionais. Seu tempo de empresa é de 10 anos, tem 30 anos e ficou 8 anos sem

estudar. Nascido em Belo Horizonte, Minas gerais, é casado há 18 anos.

Euler

É natural de Colatina, Espírito Santo, trabalha no Departamento de Produção de

Gusa – seção de alto forno. Está na empresa há 15 anos, casado há 16 anos. À época da

entrevista estava com 38 anos de idade. Ficou sem estudar por 19 anos.

Laplace

Casado há 16 anos, nascido em Minas Gerais, estava com 37 anos quando foi

entrevistado. Trabalha no Departamento de Produção de Aço – seção de lingotamento

contínuo, e está na empresa há 17 anos. Ficou sem estudar durante 8 anos.

Gauss

Trabalha no Departamento de Apoio Operacional – divisão de serviços

operacionais. 46 anos de idade, casado há 24 anos e com 15 anos de empresa. Ficou sem

estudar durante 23 anos. É natural de Colatina, Espírito Santo.

5.4 Procedimentos para a coleta de dados

91

Page 79: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Os dados foram coletados através dos seguintes instrumentos:

a) Observação participante

b) Oficina de Resolução de Problemas Matemáticos

c) Entrevista semi–estruturada

d) Análise documental

As observações em campo foram realizadas três vezes por semana, com duração

de uma hora e vinte minutos (referente a duas aulas ministradas por dia), de setembro a

novembro de 1998 na turma B1, composta por 48 alunos regularmente matriculados. Os

registros dessas observações foram feitos em diário de campo durante a prática das

atividades matemáticas, quando procuramos descrever as interações existentes entre os

alunos e o professor, as perguntas mais freqüentes ocorridas em sala, os procedimentos

utilizados pelos alunos na realização das tarefas propostas em sala, o espaço físico

periférico, anotações que no nosso entender poderiam ajudar a responder as questões de

estudo.

De acordo com Selltiz et al apud Gil (1994, p. 104),

… a observação nada mais é que o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano. Pode, porém, ser utilizada como procedimento científico, à medida que:a) serve a um objetivo formulado de pesquisa;b) é sistematicamente planejada;c) é sistematicamente registrada e ligada a proposições mais gerais.

Durante as observações de campo, solicitamos a participação de alunos

voluntários para a execução da proposta das Oficinas de Resolução de Problemas

Matemáticos encaminhada à direção da Escola para o seu parecer. Essas Oficinas serão

mais bem explicadas no próximo item.

92

Page 80: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Todos aqueles que se inscreveram e participaram de pelo menos uma oficina, ou

seja, 13 alunos, foram convidados para uma entrevista. Porém, 2 alunos não mostraram

interesse para esse momento, e 1 aluno estava em férias. Portanto, foram entrevistados

10 alunos e a professora da turma B1. As entrevistas foram marcadas previamente e

ocorreram nos meses de fevereiro e março de 1999, com duração média de quarenta

minutos. O teor dessas entrevistas basicamente nos orientou para constatarmos como os

alunos e a professora concebiam a Matemática e seu ensino, como se relacionavam com

as dificuldades, qual a importância da família, dos amigos e da escola no processo

ensino-aprendizagem, enfim, aspectos que consideramos relevantes à compreensão de

nossa temática (Anexo A). Durante as entrevistas, utilizamos um gravador e,

posteriormente, transcrevemo-las ipsis litteris.

Alguns documentos fornecidos pela escola, tais como diário de classe,

avaliações feitas pelos alunos no decorrer dos bimestres, planejamento curricular da

equipe de Matemática, atas do conselho de classe, proposta pedagógica, entre outros,

foram analisados para subsidiar esta pesquisa.

5.5 As Oficinas de Resolução de Problemas Matemáticos

As Oficinas de Resolução de Problemas Matemáticos se caracterizaram em um

espaço ideal para que os alunos voluntários resolvessem e discutissem os problemas

propostos, estabelecendo dessa forma uma comunicação matemática entre

professor/aluno e aluno/aluno. Essa idéia surgiu após a realização de um estudo piloto,

nos meses de maio e junho de 1998. Na ocasião, foi possível observar que as atividades

matemáticas desenvolvidas em sala não apresentavam problemas que fizessem os

alunos tentar ou desejar resolvê-los. Por outro lado, no momento da entrevista,

aplicamos três problemas, cada um a seu tempo, para serem resolvidos enquanto

93

Page 81: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

conversávamos. Como isso alongava por demais o encontro, optamos por separar a

aplicação dos problemas em outro momento mais oportuno, o que deu origem às

oficinas.

Informados do andamento do projeto “Resgatando a Leitura”, cujo objetivo

principal se respaldava na interdisciplinaridade dos conteúdos envolvidos no ensino

fundamental e médio, encaminhamos uma proposta para a realização das “Oficinas de

Resolução de Problemas Matemáticos”. Tanto a direção quanto a supervisão pedagógica

acharam bastante interessante a idéia e deram parecer favorável.

Para que nos organizássemos melhor, afixamos no corredor da Unidade

Educacional avisos que informavam a data do início e previsão do término das oficinas,

assim como a carga horária. A supervisão da Escola ficou responsável pelas inscrições.

Inscreveram-se 28 alunos voluntários, mas 13 alunos participaram de pelo menos 1 das

21 oficinas trabalhadas. As oficinas podem ser divididas em duas partes: 17 delas foram

aplicadas para os alunos inscritos uma hora antes do início de suas aulas e as demais, ou

seja, as 4 restantes foram aplicadas em sala de aula, para todos os alunos que estivessem

presentes. Além de sermos convidados pelos professores para aplicá-las às suas turmas,

haveria a possibilidade de atender os alunos que se inscreveram e que por algum motivo

não estavam participando das oficinas programadas. Dessa forma, a chance de encontrá-

los em sala era um pouco maior. Entretanto, dos 28 alunos inscritos, 12 participaram

efetivamente das oficinas programadas e somente 1 deles participou apenas das oficinas

realizadas em sala. Talvez esse procedimento fique um pouco mais claro ao leitor no

capítulo 7, quando fazemos a análise de cada oficina.

Aplicamos 17 problemas não-rotineiros, sendo 11 aritméticos e 6 geométricos,

nas 21 oficinas trabalhadas. Cada oficina foi contemplada por um único problema.

94

Page 82: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Escolhemos trabalhar com problemas do tipo não-rotineiros, como já dissemos

anteriormente, por considerá-los ideais para o desenvolvimento do raciocínio lógico-

matemático, além de proporcionarem uma variedade de outros caminhos na tentativa de

solucioná-los, aumentando dessa forma, em nosso entender, as possibilidades de se

identificar as estratégias de uso.

O problema matemático proposto em cada oficina continha um corpo de

conceitos trabalhados em nível médio e que poderia trazer alguma contribuição para

aquele grupo de alunos, pois os levaria à procura de alguma estratégia para solucioná-lo,

ora individualmente, ora em dupla ou grupo, e podendo sempre contar com a nossa

ajuda quando necessário.

5.6 Análise dos dados e discussão dos resultados

Terminada a coleta dos dados, fizemos a organização, leitura, análise e

interpretação dos dados, de acordo com a fundamentação teórica e abordagem

metodológica desta pesquisa. Barros e Lehfeld (1988, p.62) afirmam ser a fase de

análise e interpretação de dados o cerne principal de todas as pesquisas, pois é nela que

chegaremos às respostas pretendidas. Para elas,

… a análise se caracteriza pela decomposição dos dados objetos de pesquisa. A interpretação seria a capacidade de se voltar à síntese sobre os dados, entendendo-os em relação a um todo maior, e em relação a outros estudos realizados na mesma área.

Nesta pesquisa foram utilizadas algumas técnicas que nos deram suporte para a

análise e interpretação dos dados coletados e a discussão dos resultados encontrados,

quais sejam: análise de conteúdo, classificação, categorização e triangulação. A análise

de conteúdo, segundo Barros e Lehfeld (1988, p. 70), é operacionalizada visando:

95

Page 83: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

a) analisar as características de uma mensagem através da comparação destas mensagens para receptores distintos, ou em situações diferentes com os mesmos receptores;

b) analisar o contexto ou o significado de conceitos sociológicos e outros nas mensagens, bem como caracterizar a influência social das mesmas;

c) analisar as condições que induziram ou produziram a mensagem.

O processo de classificação significa dividir o todo em partes, dando ordem às

partes e colocando cada uma no seu lugar. Para que haja classificação é necessário

que um todo ou universo seja dividido em partes, sob um determinado critério ou

fundamento, que é a base da divisão a ser feita (Rudio, 1990, p. 99). Posteriormente a

isso, categorizamos os dados, seguindo as regras básicas:

a) o conjunto de categorias deve ser derivado em único princípio de classificação;

b) o conjunto de categorias deve abranger toda e qualquer resposta obtida. Deve ser exaustivo;

c) as categorias devem ser mutuamente exclusivas, isto é, não deve ser possível colocar determinada resposta em mais de uma categoria no conjunto (Barros e Lehfeld, 1988, p. 64).

E, por fim, recorremos à técnica de triangulação que tem por objetivo básico

… abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo. Parte de princípios que sustentam que é impossível conceber a existência isolada de um fenômeno social sem raízes históricas, sem significados culturais e sem vinculações estreitas e essenciais com uma macrorrealidade social (Triviños, 1992, p. 138).

Para que pudéssemos compreender com maior profundidade os aspectos que

circundavam o nosso objeto de estudo, interligamos as informações obtidas nas

observações em sala de aula, nas Oficinas de Resolução de Problemas Matemáticos e

nas entrevistas. Nos capítulos 6 e 7 mostramos as categorias de análise, alguns episódios

de sala e as oficinas trabalhadas.

96

Page 84: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

CAPÍTULO 6

CONTRIBUIÇÕES DO “OUTRO” E CONCEPÇÕES DO “EU”:

A TRAJETÓRIA NO COTIDIANO ESCOLAR

6.1 SESI/CST : o início da parceria19

A Companhia Siderúrgica de Tubarão foi constituída em 1976, como uma

“joint-venture”, sob o controle estatal brasileiro, com participação minoritária dos

grupos acionistas liderados pela Kawasaki Steel Corporation, do Japão, e pela antiga

Finsider, da Itália. Iniciou sua produção em novembro de 1983. Em julho de 1992, a

empresa foi privatizada, passando a ter como principais acionistas os grupos brasileiros

Bozano, Simonsen S/A e Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/A e a Companhia

Vale do Rio Doce, além daqueles mencionados grupos de acionistas estrangeiros. É a

maior produtora mundial de placas de aço para venda, detendo cerca de 1/5 do mercado

internacional.

O maior número de contratações de mão-de-obra na CST ocorreu nos primeiros

anos da década de 80, para fazer face ao seu “start up” em 1983. Porém, a dificuldade

na captação de mão-de-obra especializada não permitiu que a Empresa exigisse do

pessoal recrutado conhecimento técnico específico e nível de escolaridade

correspondente, principalmente para as ocupações que pressupunham o domínio dos

fundamentos oferecidos pelos antigos 1º e 2º graus. Em contrapartida, aqueles que

detinham apenas conhecimentos específicos provavelmente atenderiam às organizações

por um curto espaço de tempo. Para contemporizar tal dilema, a CST decidiu, a partir de

1994, investir na escolaridade de seus empregados, entendendo que investir no

fundamental é criar sustentação para todo e qualquer projeto de modernização. Assim, 19 Fonte: Relatório Anual da CST, 1995.

97

Page 85: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

esse investimento fez parte do Projeto de Empregabilidade Interna e Externa dos seus

empregados, que visa oportunizar-lhes condições de permanecer na Empresa e/ou caso

contrário, torná-los aptos a enfrentar os novos desafios do mercado de trabalho.

De posse de uma pesquisa feita com os empregados, apurou-se que cerca de

35% deles não haviam concluído o ensino médio, e mais, a maioria encontrava-se

afastada dos bancos escolares há mais de dez anos.

Com esses resultados, a alta administração percebeu que a modernização da

Empresa e o seu crescimento não dependiam apenas de novas tecnologias, pois boa

parte de seus recursos humanos, principalmente aqueles a quem cabia a operação dos

atuais e novos equipamentos, necessitava de conhecimentos fundamentais para assimilar

os treinamentos técnicos impostos pela complexibilidade das operações determinadas

por uma maquinaria cada vez mais sofisticada. Em conseqüência disso, a empresa fez

investimentos maciços na capacitação daqueles funcionários.

O próximo passo a ser dado seria identificar um parceiro que melhor atendesse a

demanda. E dentre as várias possibilidades, a escolha recaiu sobre o SESI/ES pois, se

tratava de uma instituição voltada ao atendimento da indústria e que possuía também

experiência com a Educação de pessoas jovens e adultas.

Portanto, logo após a elaboração do projeto pelo SESI/ES e aprovação da CST,

foi assinado, solenemente, em julho de 1993, o convênio que respaldou a criação da

“Unidade Educacional SESI/CST”, previsto no Programa de Apoio à Escolarização da

Empresa (PAE).

Doravante, as novas contratações de candidatos a emprego só se efetuariam

mediante escolaridade mínima de 2º grau, além de comprovação, através de avaliação,

98

Page 86: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

do domínio dos conhecimentos equivalentes a esse nível. Ficou estabelecido também

que só poderiam participar dos concursos internos, para preenchimento de vagas, os

empregados que possuíssem certificado de nível médio. As oportunidades estariam

sendo dadas prioritariamente àqueles que estivessem se atualizando e se capacitando

para atender as necessidades da Empresa frente aos ostensivos interesses do mercado e

se fechando para os que não estivessem abraçando tal idéia. Ainda, na visão da empresa,

apesar de mais uma tarefa a ser realizada pelo funcionário, ela se reverteria, em curto

prazo, na satisfação do empregado com a possibilidade de crescimento, na melhoria do

relacionamento do empregado com a companhia e a família20; a médio prazo, na

reintegração do empregado ao processo ensino-aprendizagem, no acesso facilitado às

novas tecnologias; a longo prazo, na reconquista da cidadania e no desenvolvimento

profissional pleno.

Conforme o convênio assinado entre o SESI e a CST, toda e qualquer despesa

referente à “Unidade Educacional” seria de responsabilidade da CST. Dessa forma, o

SESI contrata, remunera a mão-de-obra e mensalmente é ressarcido pela CST.

Professores, supervisores e o diretor da Escola recebem ainda, diretamente da CST, a

título de prêmio, valor correspondente a 80% dos salários pagos diretamente pelo SESI.

Aliás, este é o maior atrativo para a captação de bons profissionais.

No mesmo ano, a Empresa divulgou entre seus empregados a criação da Escola

e procedeu à reserva de matrículas para que pudesse dimensionar a infra-estrutura

necessária ao atendimento da demanda para o ano letivo de 1994. Foram computadas

966 matrículas, sendo 507 no ensino fundamental e 459 no ensino médio. Para a

instalação da Escola foram reformados e adaptados, de escritórios, um grande número

20 As ações pedagógicas desenvolvidas na Unidade Educacional, adicionadas aos projetos internos da CST, em muito contribuíram para a mudança de comportamento dos alunos. Tanto os supervisores imediatos desses alunos quanto os professores testemunharam uma melhor conduta de relacionamento. Posteriormente, os próprios alunos confirmaram o fato nas entrevistas a nós concedidas.

99

Page 87: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

de salas e mobiliário oriundo da desativação de alguns setores da Empresa, devido à

privatização em 1992.

A análise dos históricos escolares dos alunos matriculados possibilitou à

supervisão pedagógica formar turmas de acordo com a escolaridade, e desenvolver com

esses alunos um programa de nivelamento de conhecimentos no período de outubro de

1993 a janeiro de 1994. Tal medida foi adotada tendo em vista a grande defasagem entre

a escolaridade comprovada através de documentos e o nível de conhecimento dos

alunos, em decorrência dos muitos anos que se mantiveram afastados da escola. Não se

tratava de uma obrigatoriedade participar do programa de nivelamento, porém seria

interessante, segundo a supervisão escolar, que os alunos se propusessem a fazê-lo, até

porque já seria uma maneira de estarem novamente se familiarizando com as exigências

dos afazeres escolares e retomando contato com a educação formal.

Alguns outros acertos se fizeram importantes, pois como esses alunos trabalham

sob escalas21 que variam conforme a letra (indicador de escalas) que lhes é atribuída,

não se tornam membros de uma turma permanente. Ou seja, quando trabalham pela

manhã podem assistir à aula à tarde ou à noite; quando trabalham à tarde podem assistir

à de manhã ou à noite. Os alunos matriculados à noite trabalham em horário comercial,

o que os coloca em vantagem perante aos demais, principalmente em relação à

presença, que é bem mais regular.

Portanto, para compatibilizar o trabalho e a escola, é-lhes permitida a livre

transição entre os períodos. Em decorrência disso, podem assistir às aulas com os três

professores. Porém, considerando as diferenças de formação didática e metodologia

empregada por cada professor, essa prática não agrada à maioria dos alunos. Como é

21 1º turno - de 6h as 14h; 2º turno - de 14h as 22h e 3º turno - de 22h as 6h.

100

Page 88: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

natural, adaptam-se mais a um professor do que a outro, e acabam querendo que os três

profissionais sigam a mesma linha de trabalho. Para ajustar os professores à mesma

linguagem, a partir de 1997 foi criado o “professor de apoio” em cada equipe

disciplinar, o qual tem como função principal a articulação do mesmo conteúdo e das

mesmas atividades a serem desenvolvidas nos três períodos. Isto para que os alunos

possam acompanhar de maneira seqüencial os tópicos discutidos.

Segundo a supervisão pedagógica, apesar das dificuldades iniciais, após cinco

anos, os resultados hoje são bastante satisfatórios. É possível notar principalmente

através dos quadros de rendimento (aprovação e reprovação) bem como nos

depoimentos dos próprios alunos (Anexo B).

Em 1998 a equipe de educadores optou por trabalhar, ao longo do ano, a partir

de eixos norteadores (Anexo C). De forma interdisciplinar e atuante, tanto no Ensino

Fundamental como no Médio, esses eixos abrangeram os seguintes temas centrais:

1º Bimestre : 500 anos do Brasil

2º Bimestre : A integração do mundo pelo esporte

3º Bimestre : Cidadania

4º Bimestre : Qualidade de vida na virada do milênio

Em decorrência desses temas, houve a elaboração de dois projetos: “A

integração do mundo pelo esporte” e “A conscientização do exercício da cidadania

como perspectiva de melhor qualidade de vida”, os quais contemplariam as propostas

dos três últimos bimestres. Em paralelo, realizaram-se outros, : “Resgatando a leitura”

cujo objetivo se calcava em “resgatar” o uso da língua portuguesa nas modalidades oral

e escrita, dando acesso ao educando às diferentes áreas do conhecimento, e “Meio

101

Page 89: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Ambiente” o qual objetivava garantir a reflexão entre o corpo docente e discente em

questões que envolvem o assunto. Cabe ressaltar um dos “frutos” desse projeto: a

realização da 3ª exposição de trabalhos sobre o tema feita pelos alunos, “Concurso de

Redação: a CST no século XXI”, momento que promoveu a interação

empresa/funcionário.

Além de todas as situações propícias a um engajamento cada vez maior de todos

os indivíduos inseridos naquele processo educacional, e para que elas fossem

plenamente alcançadas, todo material audiovisual utilizado pelo Centro de Treinamento

da CST esteve à disposição dos professores da Unidade Educacional.

Com relação aos livros didáticos disponíveis no mercado, eles foram analisados

pelos professores e indicados à CST para aquisição e posterior distribuição aos alunos, a

custo zero. Esse material é devolvido ao final do ano letivo e reaproveitado pelas turmas

seguintes. Para que isso aconteça, fica sob a responsabilidade do aluno a sua

manutenção, preservação e devolução.

6.2 O retorno dos funcionários da CST à educação formal

Independentemente das exigências da empresa, às quais estavam submetidos, o

retorno à escola foi considerado pelos entrevistados como altamente positivo, pois se

sentiram agradecidos, privilegiados com a possibilidade de estarem aprendendo,

evoluindo, recordando e adquirindo melhor capacidade de auxiliar seus filhos. Apesar

das dificuldades iniciais, devido ao tempo de afastamento de um ambiente escolar que

perdurou em média por 17 anos, o que se torna um dado importante sob o ponto de vista

da resistência que poderia ser criada por eles e, muito pelo contrário, não o foi, estavam

entusiasmados com as novidades oferecidas pela escola, conforme pode-se notar em

102

Page 90: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

suas falas:

… eu só tenho a agradecer, [...] a importância de ter esse reencontro. [...] Tive um grande privilégio de participar novamente deste colégio. Foi muito bom mesmo!

… senti um pouco de dificuldade, mas no final até que deu para acompanhar mais ou menos.[...] Estou tranqüilo.

… para mim está sendo uma maravilha. Eu estou conseguindo aprender mais coisas, conseguindo até mesmo ajudar meus filhos.[...] dou uma força para eles e outra coisa, tô aprendendo, tô evoluindo, o importante é isso.

… por gostar de estudar, eu me senti bem, evidentemente, alguns pontos, algumas matérias a gente teve que recordar, outras até aprender [...] uma boa parte eu relembrei ...

Uma das respostas sensibilizou-nos pela sinceridade com que o entrevistado

assume uma mudança radical em seu comportamento, confessando ter abandonado os

maus hábitos:

… eu abandonei um pouco os vícios. Eu bebia, bebo uma cervejinha ainda, mas abandonei mesmo e me dedico mais à família, aos filhos, sinceramente, me sinto bem melhor.

Evidenciamos também a espontaneidade com que os entrevistados procuraram

fazer suas matrículas, admitindo que não foi necessário pressão da chefia, o que tem

sido uma prática normal, em razão de a escola ter sido criada para que os funcionários

completem seus estudos e melhor se qualifiquem dentro da empresa. O que caberia às

supervisões imediatas, isto é, cobrar ingresso de seus funcionários na escola, tornou-se

inócuo em razão da ação entusiasmada dos alunos:

… assim que abriu essa escolinha aí, fui um dos primeiros a ser matriculados e daí pra cá não precisou de chefia nenhuma [...] perguntar se eu vou estudar ou se não vou, eu já me matriculei direto e comecei direto e tô até hoje. Interesse meu mesmo.

103

Page 91: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

… eu estou estudando não é porque a empresa me forçou não. É porque eu me senti na obrigação de ter o 2º grau.

Apesar da vergonha e outras dificuldades iniciais, como por exemplo, idade,

distanciamento dos bancos escolares, terem sido superadas, pois cremos que essas

limitações se tornaram obstáculos rompidos no momento em que eles chegaram na sala

de aula, ainda estão diante do novo e outras barreiras precisam ser transpostas.

… eu sempre tive vontade em voltar, mas a vergonha me impedia.

… Vou vê se eu pego mais aulas, pra vê se eu tento alguma coisa aí fora, vestibular.

… o esforço é menos do que tivesse fazendo a regular. E pra mim está sendo bom, porque eu tô aprendendo, não que o que eu estou vendo hoje eu tinha visto no passado. Não, realmente não. Nada que eu estou vendo hoje é coisa que eu já tinha visto no passado. Então tudo para mim está sendo novidade e claro que novidade sempre é bom.

Solicitados a analisar as mudanças ocorridas em sua vida e de sua família após o

retorno aos estudos, os entrevistados responderam que esse retorno lhes proporcionou

maior segurança e tranqüilidade, dando-lhes condições de refletir e discutir sobre outros

temas.

… você aprendendo as coisas você vai evoluindo. Você passa a entender muita coisa que antigamente não entendia, às vezes você ouvia falar mas não sabia o que que era na verdade. Outra coisa, em termos de Matemática, eu era bem ruim mesmo, melhorou muito, Português, tudo. Eu escrevia muita coisa errada. Hoje eu já não escrevo mais tão errado igual eu escrevia. Então quer dizer, vai melhorando, eu acho que vai mudando, a gente vai aprendendo [...].

… é sempre pra melhor, né? Quando a pessoa tem estudo, a gente sempre vai tendo um conhecimento e vai vendo as coisas diferentes.

… eu não sabia muita coisa. Agora que eu aprendi bastante coisa em relação à História, Geografia, mesmo a Física também, que eu entendo um pouco de elétrica, então pra mim foi muito bom.

… com certeza houve, porque desenvolve o intelecto da gente.

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Page 92: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

… abre mais sua mente. Fica mais tranqüilo, dá até às vezes para discutir uma coisa ou não.

… eu cresci pra mim.

Em conseqüência desse (re)contato, a dimensão de vida desses alunos se dilatou,

o prazer em participar em sociedade se afinou e as interações sociais ganharam mais

sentido. A satisfação em se sentirem úteis no auxílio a seus filhos, colegas, também

contribuiu para que percebessem as mudanças ocorridas na vida, na família. Houve

melhoria de comunicação e as relações ficaram mais estreitas.

Com referência aos seus filhos, relataram:

…eu tentava ensinar certas questões do colégio dele e não conseguia e [...] nós estamos estudando a mesma matéria, então um, eu acho que ajuda o outro.

…os meus filhos, a gente quase não conversava, não participava da vida deles. Agora, depois que eu comecei a estudar, a gente ajuda no dever de casa deles.

Em relação ao que consideram ser a opinião da família no que diz respeito ao

seu retorno à escola, observamos por suas respostas que a família, restrita à esposa e aos

filhos, dá-lhes incentivo, apoio e compartilha seus sonhos. As esposas se tornam

companheiras de luta, desempenhando um papel de grande importância na vida desses

alunos, à medida que procuram compreender e participar do novo desafio, apoiando e

incentivando o progresso de seus maridos. Os filhos se aproximam mais de seus pais,

ora para lhes fazer uma “gozação”, ora para lhes pedir ajuda, ora para lhes dar ajuda.

É um conjunto de acontecimentos que leva os entrevistados a perceber o quanto

é significativo e contagiante o restabelecimento com o saber formal. O benefício acaba

não sendo só deles; ele se propaga para a família. Em virtude disso, os entrevistados

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Page 93: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

fazem tudo em prol da/pela família, buscando dar condições de bons estudos para seus

filhos e, em alguns casos, incentivando as esposas a também reiniciarem seus estudos.

…dão a maior força. [...] Tanto que às vezes até com eles [filhos]também eu aprendi. Porque eu tenho um que vai fazer a 5.ª série agora, mas o negócio que eu estudei na 7.ª série, quando eu estudei, hoje eles estão estudando na 4.ª série. “Pai eu sei fazer isso aqui”.…eu tive muito apoio da família, inclusive minha esposa me acolheu demais, me incentivou muito pra mim poder continuar aqui, e estudar, continuar a estudar mesmo depois de estar com a idade já mais avançada. Não esperava de voltar para a escolinha.. Então quer dizer, eu tive muito incentivo, eu tive muito apoio da família, entendeu? Então, eu gostei muito por isso, por que sem eles, sem esse apoio eu não tinha condições de continuar.

…a minha esposa principalmente. O meu sonho sempre que eu falava com ela era de concluir o segundo grau e, ela sempre me incentivava para mim ir. Só incomodava a ela um pouquinho mais a ausência fora de casa, mas ela não vê a hora de eu terminar o segundo grau e tentar mais alguma coisa pra frente.

…a minha esposa dá o maior apoio. Ela pretende também voltar a estudar, o problema ainda é ficar com as crianças, um estuda de manhã outro à tarde e eu trabalhando de turno fica difícil pra ela. Mas quanto ao apoio, a minha família tá ótimo.

…eles estão satisfeitos. Meus filhos falam: ô pai, você está indo bem, já vai terminar o 2º grau!? [...]. eu penso muito na família, também penso no meu estudo. Então eu tinha que optar ou estudar e manter a família, ou garantir o emprego ou deixar e ficar trabalhando lá fora, também fazendo o quê? Não tem profissão. Então eu corri atrás mesmo, foi assim, eu levei a sério mesmo, graças a Deus me dei bem.

…[minha esposa] parou na 4.ª série. Não estuda há 20 anos mais ou menos. Ela vai voltar a estudar agora também. Eu incentivei ela. Ela deve começar esse ano.

Já tínhamos testemunho sobre o que os alunos pensam sobre seu retorno à

escola, bem como o que consideram ser opiniões da família, e precisávamos de um

terceiro elemento, qual seja, o que pensam ser a visão dos amigos. A maioria dos

entrevistados encontrou neles o mesmo apoio e incentivo dado pela família, porém, em

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Page 94: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

alguns casos, os amigos repudiaram a idéia de voltar aos estudos, por não verem

significado ou aproveitamento algum, já que se consideravam velhos e inaptos à

aprendizagem. Contudo, houve os que refizeram alguns conceitos que tinham de si

próprios, convencendo-se da necessidade de retornar à escola. Na opinião dos

entrevistados, esses colegas perceberam que estavam ficando para trás, e os que

persistiram na idéia de que estudar era bobagem acabaram sendo demitidos. Apesar de

os entrevistados, em nenhum momento, dizerem explicitamente ter havido algum tipo

de coação para que eles retomassem os estudos, subentende-se uma certa pressão por

parte da empresa, quando observamos em algumas falas a ocorrência de demissões de

alguns funcionários que se negaram a atendê-la.

... aqueles colegas que eu tive o prazer de estudar o primário [...] falo para eles que reiniciei, estou graças a Deus alcançando o 2.º grau, eles ficam maravilhados também em saber disso.

…os que às vezes gozaram, hoje em dia estão voltando a estudar. Estão sentindo igual a mim, que estava ficando pra trás perante os outros colegas.

…tem uns contra(né). Mas só que a gente não pode ir pela cabeça desse pessoal. A gente tem que ir mais pela cabeça da família do que a da gente mesmo. Mas são poucos esses que são contra.[...] na época, nós tivemos muitos desses problemas. Só que hoje são poucos, porque a empresa foi dispensando esse pessoal. Empresa nenhuma quer gente que não quer conhecimento, não querem estudar.

…alguns sim, alguns não. Há tempos atrás, eles falavam: pra quê você vai estudar rapaz? O finalzinho deles, eles não estão trabalhando aí mais, saíram todos.P: Esses colegas que lhe perguntaram se você ia estudar, o que eles achavam?E: perda de tempo, já passou o tempo, a idade, falavam em idade.

Se recorremos a alguns relatos anteriores e compararmos com esses últimos, não

nos fica muito claro se foram eles, realmente, que decidiram retomar os estudos,

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Page 95: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

aproveitando, de fato, a oportunidade dada pela empresa, ou se foi a empresa que

decidiu por eles, à medida que, a ela cabia o poder de demiti-los caso não fosse atendida

em suas exigências.

Entretanto, estar novamente em contato com a escola fez com que esses alunos

trabalhadores se sentissem cidadãos mais completos. Retratou a oportunidade de

aprimorar, ampliar e legitimar os seus saberes adquiridos ao longo daqueles anos, como

também representou o momento ideal para se atualizarem diante das questões

emergentes, tanto de nossa cultura como das de outras, sobretudo entendendo-as ou

discutindo-as.

Segundo Penin, (1997, p. 26)

…em dada cultura, conhecimentos sistematizados coexistem com saberes, que apresentam níveis variados de elaboração; provenientes da mídia, da política, de regionalismos e de outros lugares. Tais conhecimentos e saberes compõem parte do imaginário ao qual têm acesso as pessoas dessa cultura. É “parte”, porque o imaginário pode ultrapassar conhecimentos e saberes, alcançando coisas, objetos ou sensações compartidas e até emoções.

A reorganização social à qual foram submetidos através da escola permitiu-lhes

descobrir novas formas de relações para além do trabalho realizado dia após dia,

trabalho esse árduo, rigoroso, que os mantinha “escravos” de uma certa individualidade.

Nesse sentido, a escola se posicionou como um elo intermediário entre um

estímulo (família, amigos, o próprio “eu”) e uma resposta (reorganização social, retorno

à escola), agindo desse modo sobre o indivíduo e não sobre o ambiente, ação essa

denominada por Vygotsky de ação reversa.

Em outras palavras, à medida que o processo estímulo-resposta é mediado por

um elemento introduzido pelo próprio indivíduo ou por alguém de fora, não importa,

desde que esse elemento –estímulo de 2ª ordem- tenha um significado, o indivíduo

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Page 96: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

poderá criar novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura (Vygotsky,

1998a, p. 54).

6.3 A qualificação dos alunos trabalhadores: a iniciativa da empresa

Ao serem questionados sobre a iniciativa da empresa em promover a

qualificação de seus funcionários, nossos entrevistados foram categóricos em

demonstrar a satisfação com que receberam a proposta. A qualificação representa um

reconhecimento da empresa para que eles ascendam funcionalmente, o que aumenta as

perspectivas de vida profissional. Mencionaram o sacrifício despendido para conciliar

trabalho e escola, porém estavam conscientes de que não poderiam perder a

oportunidade. Classificaram como oportunidade estarem retornando aos estudos. Afinal,

a empresa estava lhes dando todo apoio necessário para que os objetivos fossem

alcançados.

Obviamente, eles tinham clareza de que havia interesse da empresa por detrás de

todo esse incentivo. Alguns apostavam na homogeinização do saber, ou seja, todos

teriam o mesmo nível cultural; outros acreditavam que uma melhor qualificação lhes

daria condições de competir para além da CST; outros, ainda, enfatizaram que a

imagem da empresa ficou melhor depois que a escola começou a funcionar e que o

relacionamento entre eles, com os professores ou com a chefia, se tornou mais saudável.

…reconhecimento. Qualificação dos empregados. Veja só, nosso caso aqui, a gente estuda porque tem o intuito de um dia melhorar nossa condição dentro da empresa E hoje quem está estudando tem esta oportunidade [...] Acho que são muito poucos que não tem perspectivas de melhorar. No meu caso, eu pretendo um dia melhorar minha condição, estou para me aposentar, mas ter uma condição melhor lá fora. E hoje a empresa nos dá esse apoio, as pessoas têm estudado, têm trocado de funções, têm melhorado, têm oportunidade.

…não só ela ganha como os funcionários também ganham. Porque o

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Page 97: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

nível cultural fica o mesmo. Antigamente você tinha diferenças. Você via pessoas que muito mal sabiam falar. Hoje em dia as pessoas fazem questão de conversar, porque eles tinham vergonha por causa do Português, que era meio falho. Hoje em dia não, hoje você vê, tá todo mundo quase no mesmo nível dentro da empresa. Você vê que quase todo mundo tá terminando o segundo grau, a maioria, acho que 90% ou mais está no mesmo nível. Então, nós ganhamos mas ela também ganhou muito mais.

…ninguém tem nada hoje sem luta (né). Requer um sacrifício e para isso a empresa também tá dando todo o apoio, dando tudo aquilo que a gente precisa. Ela só tá querendo a boa vontade da gente, esforço. Agora sobre o problema de cansaço, esse negócio todo, isso não tem jeito não, isso pra nós que trabalhamos requer um pouco de sacrifício mesmo.

…muito boa. Antigamente, a gente andava no ônibus, pessoas não sabiam o que dizer, ficavam mexendo com os outros na rua. Eu acho que é falta de estudo mesmo. Pessoas que não estão preparadas! Fica chato. O ônibus da CIA, passa um cidadão, grita, mexe, a imagem da empresa lá embaixo. Já estudando não, você vê que hoje em dia é diferente. Às vezes até bebida dentro do ônibus ia. Então para a imagem da CST, também é muito bom.

Sendo a iniciativa da empresa bem aceita por todos eles, também perguntamos

quais seriam suas perspectivas de vida diante da escolarização ora ofertada pela

empresa. Todos os entrevistados pretendem prosseguir seus estudos, seja fazendo um

pré-vestibular, seja fazendo um curso técnico. Parece-nos que desenvolveram o gosto

pelo estudo, reacenderam a chama da curiosidade, do querer saber mais, já que agora se

sentem mais fortalecidos para continuar a caminhada. Eles gostam de estar na escola,

usufruindo e compartilhando o conhecimento que recebem e, o mais importante, criando

possibilidades de sonhar!

…eu quero vê se eu tento fazer um pré-vestibular.P: Isso para você fazer a faculdade?E: Isso.P: Você já tem uma idéia do que você faria?E: Eu estava pensando numa que é até difícil, a Matemática, justamente aquela. Ela é difícil de entrar na minha cabeça, mas eu estudando, batendo, batendo até que se aprende.P: Você iria fazer como desafio?

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Page 98: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

E: Isso.

…sempre que a gente conquista algo à frente, a gente visa sempre o além, sempre alcançar mais. Então há perspectiva sim de alcançar novos horizontes.…eu tenho vontade de fazer um curso técnico em enfermagem e terminando eu tenho vontade de fazer instrumentação cirúrgica Antes sem o 2.º grau, ficaria com certeza bem mais difícil. Não tentei fazer nenhuma prova lá fora, optei por estudar todas elas aqui pra poder adquirir maior conhecimento, pra poder fazer um curso técnico melhor. Não quero parar nesse sentido, eu quero dar continuidade e fazer aquilo que eu tenho vontade fazer.

…com certeza, não pretendo parar no 2.º grau. Pretendo continuar meus estudos e fazer força pra dar um bom estudo para os meus filhos. Porque a gente está vendo o que está acontecendo, sem estudo não adianta, se a pessoa não tiver estudo, não estudar, vai ficar parada, não vai conseguir um bom emprego. Então tem que estudar.

Por outro lado, mesmo tendo sinalizado o ingresso de alguns alunos no ensino

superior, destaque feito às faculdades particulares, podemos verificar que, segundo a

professora, a estrutura da escola não fornece ao aluno condições para enfrentar um

vestibular sem apoio de um cursinho. Assim sendo, atribui ao ensino da escola um

caráter simplista e superficial:

…eu acho que a base é mínima. Mas ele tem que fazer um cursinho se quiser ir para a universidade [...]. O nosso ensino aqui é bem base. Nós não temos tempo para aprofundar. Muitos têm conseguido passar lá fora, mas escola particular. Na UFES, um ou dois casos até hoje.

O acesso à universidade pública é mais difícil, devido à exigência de muitos

conteúdos específicos em seu processo seletivo, assim como a discrepância entre a

oferta de vagas e o contingente de candidatos que a cada ano se torna cada vez maior.

Por outro lado, as faculdades particulares proliferam pelo Estado, aumentando as

possibilidades de ingresso ao ensino superior uma vez que a UFES é a única instituição

no Estado mantida pelo governo Federal. Portanto, outros fatores estão em evidência,

111

Page 99: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

além da formação mínima dada aos alunos da Unidade Educacional SESI-CST, não

bastando apenas fazer um cursinho caso queiram entrar para a universidade ou outro

segmento de ensino superior.

De acordo com Souza (1997) um considerado número de empresas se depara

com o problema da pouca escolaridade de seus funcionários, fato esse que provoca

sérios empecilhos à competitividade, à implantação de novas técnicas de produção, tais

como, os sistemas de qualidade total e a ampliação de tarefas, considerando

imprescindíveis, também, à melhoria da qualidade e da produtividade (p. 227).

Nesse sentido, em busca de soluções próprias, as empresas têm intensificado os

mecanismos para suprir deficiências de escolaridade e formação básica, através de

programas de alfabetização e cursos supletivos para os seus trabalhadores.

No caso específico da CST, agrega-se a uma de suas prioridades a capacitação,

em todos os níveis, de seus funcionários, sob a concepção de que novas estratégias

organizacionais requerem escolaridade formal mais elevada e aprimoramento dos

conteúdos profissionalizantes (Colbari e Beanco, 1998, p. 151).

Segundo Figueiredo (1998), acreditou-se durante muito tempo ser suficiente que

as empresas se mantivessem em uma posição privilegiada dentro do alvo competitivo,

desenvolvendo estratégias de modernização via inovações tecnológicas. Porém, com o

avanço tecnológico baseado na microeletrônica e na informática e as novas formas de

organização e gestão do trabalho, os empresários não podem mais ignorar as

deficiências do sistema educacional e seus efeitos sobre a produção (Souza, 1997, p.

227).

Dessa forma, delineia-se um novo perfil de trabalhador que possua requisitos

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Page 100: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

indispensáveis às novas investidas do mercado de trabalho. Assim, o trabalhador

especializado, cuja principal característica era a habilidade motora, cede lugar a um

trabalhador que seja capaz de aprender a aprender, de expressar suas idéias, de ler e

interpretar manuais e comunicações internas, além de raciocinar logicamente e ter

iniciativa para resolver problemas cotidianos.

Diante dessa demanda do mercado competitivo, a CST, evidentemente,

centralizou em suas ações gerenciais a capacitação de pessoal e, em decorrência disso,

…a empresa estabeleceu uma Política de Desenvolvimento de recursos humanos, visando a capacitar todos seus empregados a agirem nesse sentido. Essa capacitação envolveu desde treinamentos técnicos e específicos, até a divulgação dos valores comportamentais desejáveis na nova cultura que a empresa busca consolidar (Figueiredo, 1998, p. 230).

Inseria-se nesse contexto o desenvolvimento de um programa de apoio à

escolaridade, através de um convênio com o SESI, do qual fizeram parte os sujeitos

desta pesquisa.

6.4 As concepções dos sujeitos com relação à Matemática

O relacionamento com a Matemática, de acordo com as análises dos discursos

proferidos pelos alunos, propiciou diversas indagações que tangenciam suas concepções

sobre a Matemática, o desempenho escolar e o conteúdo programático apresentado,

além de outras. Essas indagações nos permitiram concluir que os alunos concebem a

Matemática como uma disciplina difícil, mais importante que as demais, útil e presente

no dia-a-dia deles. A sua apropriação depende de práticas e exercícios.

Detectamos em um relato que alunos considerados bons e hábeis em Matemática

se sobressaem em outras funções, vistos como “gênios” pelos demais colegas, ao passo

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Page 101: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

que, em outro, a Matemática se reduz a cálculos, fórmulas, sendo necessário apenas

memorizá-los. Há ainda o caso de um aluno que se vê estagnado em virtude de suas

dificuldades para resolver situações matemáticas cotidianas.

…A pessoa que se sobressai em matemática tem facilidade para outras funções [...].

…a Matemática hoje está em todo lugar que você vai, até no supermercado, em qualquer lugar... tem a Matemática. Acho que por isso... que eu não vou pra frente.… a Matemática é uma das matérias mais importantes dentro da escola..[...] Acho que a Matemática é prioridade. [...]se você não praticar você esquece

…a Matemática, pra mim é muito difícil. [...] Eu nunca fui bom em Matemática. Aquelas fórmulas todas, então pra mim é difícil de gravar, eu sou difícil de gravar as coisas, mas depois que eu gravo, até aí tudo bem, mas até eu gravar é muito difícil.

Não podemos deixar de citar o sentimento de medo, herança de imposições de

professores de outrora, que se mostrou presente em uma das falas:

… antigamente eu não sei se tinha muita concepção, se sabia a respeito, só tinha medo da Matemática, aliás desde pequeno todo mundo colocou sempre muito terror em cima da matéria, difícil. Já saí do jardim com essa idéia de que Matemática é um bicho de sete cabeças.

Ponte (1992) considera a Matemática um assunto sobre o qual dificilmente não

se tenha concepções, pois além de ser uma ciência muito antiga, presente no cotidiano

escolar desde há séculos, é ensinada com rigidez durante longos anos de escolaridade,

caracterizando-a como um filtro seletivo na sociedade. Em decorrência disso, possui

uma imagem forte, provocando medo e admirações.

O estudo de Frank (1992) sobre as concepções dos alunos acerca da Matemática

identifica algumas que aqui também ganharam espaço. Uma delas, Matemática é

calculo, pode, por extensão, ser vista como se aprender Matemática fosse sobretudo

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Page 102: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

memorizar, ou como se fazer Matemática significasse seguir regras.

…Matemática eu acho que é um pouco difícil. Mas... ela dá pra levar. [...] A Matemática é cálculo, vários, é cálculo.

Ponte (1992) não descarta a importância dos aspectos do cálculo, porém

identificar a Matemática com cálculos, em sua opinião, é reduzi-la a um dos aspectos

mais pobres e de menor valor formativo, uma vez que instrumentos auxiliares os

executariam sem maiores problemas.

Até este momento registramos e comentamos as concepções que os alunos têm

da Matemática. Consideramos interessante, então, averiguar a concepção da professora,

qual seja:

…Matemática é o dia-a-dia de nosso aluno, é, como eu falei, o desenvolvimento do raciocínio, a conta bancária que ele movimenta. E esse desenvolvimento do raciocínio é para compreensão das outras matérias também.

Note-se que, segundo a professora, a Matemática estaria voltada para o

atendimento das necessidades do aluno, ou seja, crê que a Matemática ajuda a

desenvolver o raciocínio para a compreensão das outras disciplinas, concebendo-a,

desse modo, como uma disciplina em nível diferenciado do das demais, além de ser um

instrumento de apoio útil à sua rotina diária:

É possível também perceber, pelo depoimentos dados, a influência da concepção

da professora sobre a dos seus alunos. E de acordo com Ponte (1992), o professor está

em lugar privilegiado para influenciar, assim como Ponte (1992) e Cury (1994)

consideram as concepções como experiências vivenciadas pelo indivíduo quando em

interação social.

O modo como os alunos concebem a Matemática implica diretamente a análise

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Page 103: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

que fazem do seu desempenho nessa disciplina. Isso pode perfeitamente ser verificado

nas falas obtidas dos entrevistados. Como não houve um consenso nas respostas,

preferimos dividi-las em níveis ótimo, bom e regular.

A auto-avaliação feita por três alunos, ainda que tímida, é de que são bons.

Alegando não terem gravado tudo ou que o aproveitamento foi de 80%, provavelmente

esteja nessa não totalização o motivo de, timidamente, não se avaliarem como ótimos ou

excelentes:

…não vou dizer ótimo porque não gravei tudo.

…eu creio que foi 80% de aproveitamento, porque a minha nota ficou 7,9.

Ainda de acordo com essas falas, evidencia-se que os alunos trabalhadores

analisam o seu desempenho em função dos resultados das atividades realizadas em sala

de aula, tomando como referência as notas obtidas, portanto, o que de imediato eles

vivenciam ou experimentam. Segundo Kosik (1976, p. 10), a práxis utilitária imediata

e o senso comum a ela correspondente colocam o homem em condições de orientar-se

no mundo, de familiarizar-se com as coisas e manejá-las.

Outros três consideram seu desempenho regular, destacando o esforço para

alcançar compreensão dos tópicos apresentados, vistos como além de sua capacidade

média, pois a Matemática estaria em um nível bastante elevado para eles. As respostas

mais expressivas foram:

… eu sou devagar em Matemática, não sou um cara muito... sabe? Agora eu sou um cara muito esforçado, eu procuro aprender, [...]P: Hoje então você acha que seu desempenho é médio?E: É médio.…eu realmente não vou dizer que o meu desempenho é bom, hoje pelo nível da Matemática. Agora ele é regular, ele é bem melhor do que há tempos atrás [...] Hoje não, hoje eu desempenho dentro do nível que eu conheço, razoavelmente bem.

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Page 104: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

De acordo com Vale (1997), uma das principais dificuldades que se relaciona à

Matemática se dá ao nível da compreensão. A autora parte do pressuposto de que, para

se compreender, é necessário relacionar, e considera essa prática de grande importância

no ensino da Resolução de Problemas. Lester e Schoroeder apud Vale (1997) enfatizam

que a compreensão da Matemática aumenta quando o indivíduo se torna capaz de

relacionar os conceitos matemáticos com uma grande variedade de contextos ou ainda

ser capaz de construir relações entre os conceitos envolvidos no próprio enunciado do

problema.

Bakhtin (1990) enfatiza que aquele que compreende participa do diálogo, dando

prosseguimento à criação de seu interlocutor, multiplicando a riqueza do já dito.

Três alunos se classificam como fracos, diagnosticando, na simplicidade de suas

respostas, um fator interno, comum a qualquer nível de ensino –o horror à Matemática,

e um fator externo, comum a adultos trabalhadores – os vários anos sem estudar.

…se eu fosse dar uma nota de Matemática pra mim, não passaria de cinco, ainda não (risos). De repente é mais o psicológico da gente. A gente cansa de vê, achando que Matemática era aquele horror. Então, sei lá, fui crescendo com isso. Não só eu, como muita gente que talvez tenha aquele receio da Matemática. Qualquer pessoa que você pergunte qual a matéria mais difícil, a maioria fala que é a Matemática.

…isso aí que é meio fraco.P: Porquê você se acha fraco? E: Devido a muito tempo que eu fiquei sem estudar. O que eu vi este ano, nunca tinha nem visto, quer dizer, faltou também aquela base. Depois de 22 anos, você sentar na sala de aula, pegar as aulas de matéria que nunca tinha visto mesmo, então fica difícil.

…eu não sou bom. Esse ano eu senti muito problema em Matemática, inclusive fiquei devendo muito ponto pra passar na recuperação.

Essas falam revelam que as atitudes negativas em relação à Matemática geram

dificuldades para dominá-la, seja por aversão, seja pelo distanciamento dos seus

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Page 105: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

conceitos.

Apenas um se considera ótimo, creditando seu sucesso à competência e ao

estímulo de seus professores:

…para mim foi ótimo, 7.ª e 8.ª início do ano passado, foi muito bom. No caso os professores que eu tive foram muitos bons.

Foi a intervenção dos professores que possibilitou o pleno êxito no desempenho

do aluno, ficando dessa forma, sob a responsabilidade de outros a causa do sucesso. A

mediação dos professores foi levada em conta para avaliar seu desempenho,

demonstrando com isso que a relação com a escola foi estabelecida através dos

professores.

Frente às dificuldades apresentadas em Matemática, os tópicos considerados

mais complicados para alguns foram: trigonometria; resolver problemas; progressões

aritmética e geométrica e logarítmos, outros ressaltaram como determinantes das suas

dificuldades o turno, muitos anos sem estudar e, principalmente, a falta de tempo.

…primeiro, turno. Outra coisa, no meu caso, eu parei, muitos anos sem estudar!

…trigonometria.

…fórmulas ..., principalmente PA, PG, logaritmos.

…é o tempo que falta pra gente se dedicar totalmente ao estudo, isso aí realmente provém, causa dificuldades, mas dificuldades devem ser superadas e eu estou conseguindo.

….resolver problemas matemáticos.

Alunos adultos trabalhadores sofrem, sabidamente, de uma grande falta de

tempo para estudar. Indubitavelmente, não ter tempo para se dedicar aos estudos se

converte em um fator agravante e colaborador das dificuldades de compreensão da

Matemática, além do que, essa falta de tempo acaba por ratificar a concepção de que a

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Page 106: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Matemática é uma disciplina difícil, que exige raciocínio, treino e concentração.

Contudo, diante dessa característica bastante peculiar para o grupo em questão,

há formas distintas de os alunos estudarem Matemática. Para aprender Matemática,

segundo um deles, é necessário um ambiente em que predomine a rigidez, a disciplina e

o silêncio, pois isso colabora para que a atenção não se desvie. Para outro, um fator de

destaque é a necessidade de haver pouca gente, para evitar bagunça ou conversas

paralelas e assim memorizar melhor; estar tranqüilo, em paz, é como concebe outro

entrevistado, pois ajuda a concentração. Segundo eles, a Matemática exige isso:

…o silêncio é importantíssimo, porque o barulho tira um pouco a atenção.

…quando você tem menos gente, pouca gente, porque aí dá para a pessoa memorizar melhor. …estar tranqüilo, estar sem problemas, sem preocupação, estar ligado só naquilo ali. Eu acho que a melhor maneira é você estar tranqüilo, não importa se é na sala de aula, se é em casa, você ter sua liberdade, você ter, assim um espaço só pra você, pra você poder dedicar àquilo ali.

Detectamos em uma dessas falas um dos aspectos cognitivos que se relaciona

com o afeto: a memória. O relato do aluno vai de encontro ao posicionamento de

Mandler (1984), quando afirma que uma das maiores dificuldades em Resolução de

Problemas se deve ao fracasso do processo de restauração da memória sob “stress”.

Um entrevistado apontou para a procura de um caminho mais curto, ou seja,

esquemas que facilitassem o seu desempenho nas atividades.

…eu acho sempre procurar o caminho mais curto.

Embora colocando a Matemática no mesmo nível do das outras disciplinas,

outro aluno não deixa de lhe dar destaque, apontando como fator especial o fato de que

ela requer raciocínio, exercício, mais atenção.

119

Page 107: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

…Matemática como qualquer outra disciplina, a gente tem que exercitar, tem que errar para acertar. A gente só consegue estudar, principalmente Matemática, que requer muito raciocínio, pela tranqüilidade, estando em paz. Então quando a gente, eu principalmente, quando vou estudar, pegar um caderno, um livro para estudar Matemática eu realmente tenho que esquecer todos os problemas que a gente tem e me concentrar na Matemática. Porque a gente realmente se concentrando com certeza a gente vai tirar conhecimento daquilo ali, vai aprender alguma coisa sim.

Interessante foi constatarmos a coerência com que esse mesmo entrevistado se

posiciona com relação ao raciocínio a que a Matemática obriga. Em uma resposta

anterior, declara:

…normalmente as pessoas não gostam de Matemática porque não gostam de raciocinar. Com certeza eu estava nisso daí.

Além de vincular o emocional com o afetivo, note-se que, quando o aluno diz

“tem que errar para acertar”, na verdade ele está nos declarando que com o erro se pode

aprender. Por outro lado, pode estar declarando também a impossibilidade de acertar

logo de imediato uma atividade matemática, pela sua complexidade e exigência.

Cury (1994) ressalta que a análise de erros em Matemática tem-se limitado a

uma função diagnóstica e reparadora, ou seja, à medida que se detecta o erro, o próximo

passo a ser dado é eliminá-lo. Segundo a autora, parece vigorar, então, a visão

absolutista da Matemática, no momento em que os pesquisadores e professores

procuram oportunizar aos alunos meios de alcançarem a verdade absoluta, evitando os

erros (p. 81).

Com relação ao conteúdo matemático desenvolvido na escola, este não tem

aplicação direta no trabalho dos alunos, segundo a análise de suas respostas, embora

reconheçam a utilização da Matemática no cotidiano como instrumento de apoio, como

120

Page 108: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

já apontamos anteriormente.

…Na balança por exemplo: erguer peso, taras de carro, tudo isso você tem que tirar, então tem que saber, conhecer alguma coisa, como multiplicar, dividir, somar, porque se você não tiver um conhecimento matemático, fica difícil para você.

…Eu trabalho com corte-rolante. Meu trabalho lá em cima é só pegar placas, transportar placas, essas coisas assim, então quer dizer, eu não usava muito Matemática não, agora pra quem trabalha muito em cabine, pra quem trabalha com computador, lá embaixo naquelas cabines, ela é de grande importância.[...], lá tudo o que você vai fazer você depende da Matemática, não tem como. Você tem que calcular [...]somar, às vezes você tem que dividir. Muita coisa mesmo pra fazer, você usa demais a Matemática.

…no meu trabalho diário não. Mas faz falta porque eu não vivo praticamente baseado no trabalho diário. Eu tenho filhos que estudam, uma está iniciando agora a 2.ª série [ensino médio]e realmente sempre precisou da minha ajuda.

A Matemática efetivamente aplicada às suas funções se limita às quatro

operações: adição, subtração, multiplicação e divisão. Isso ratifica que o conteúdo

ministrado na escola, pertencente ao programa de qualquer ensino médio, não tem uma

aplicação direta ao trabalho, pois a maioria dos entrevistados opera máquinas e acredita

que esse ensino seja mais útil para os colegas que trabalham com computadores, e que a

vantagem é para quem tem filhos no ensino médio, pois é possível ajudá-los.

Retomando os dizeres de Penin (1997, p. 26) [...] o imaginário pode ultrapassar

conhecimentos e saberes, alcançando coisas, objetos ou sensações compartidas e até

emoções, assim como os de Souza (1997, p. 227) [...] com o avanço tecnológico

baseado na microeletrônica e na informática…, faremos algumas outras considerações

quais sejam, primeiro, a “imaginação” expressa pelos alunos de que quem trabalha com

computadores utiliza muita Matemática e segundo, a importância inegável dada à

informática no cotidiano do cidadão, cuja origem provavelmente advém das novas

121

Page 109: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

exigências empresariais tangíveis às competências esperadas do trabalhador frente ao

mercado competitivo e ao avanço da tecnologia de automação.

Os alunos percebem a existência de muito conhecimento novo a ser explorado

por detrás do progresso latente e, à medida que “imaginam” o computador como uma

tecnologia de ponta, acabam por valorizar quem sabe operar o equipamento.

Condicionam a esse saber um arcabouço de conceitos matemáticos e, portanto, a

Matemática é, por esse motivo, muito utilizada por todos aqueles que “mexem” com

computadores, independentemente de serem simples usuários, programadores ou

técnicos.

Tais fatos nos levam a entender melhor as concepções “Matemática é cálculo” e

“Matemática não é para qualquer um” explicitadas pelos próprios alunos. As questões

do “imaginário”, permeadas pelas obrigatoriedades de um novo perfil profissional

desembocam no ser necessário saber matemática, porém essa necessidade não é

transparente nos conteúdos trabalhados em sala de aula, pois eles não apresentam a

práxis utilitária cotidiana, conforme denominação de Kosik, a qual

…cria “o pensamento comum” - em que são captados tanto a familiaridade com as coisas, e o aspecto superficial das coisas quanto a técnica de tratamento das coisas – como forma de seu movimento e de sua existência. O pensamento comum é a forma ideológica do agir humano de todos os dias (1976, p. 15).

Apesar de ser a primeira vez que tomam contato com a disciplina de Física, eles

reconhecem mais facilmente sua utilidade prática no dia-a-dia do que as aplicações da

Matemática, não sendo necessário lembrar que a Matemática serve como ferramenta de

grande porte para aquela disciplina. Mas, infelizmente, o fazer matemático ainda acaba

ficando em um plano abstrato, distante de qualquer realidade. É possível existir com a

122

Page 110: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Física uma articulação mais palpável entre teoria e prática, haja vista eles terem

habilidade em elétrica, eletrônica, termodinâmica, tópicos que fazem parte do programa

daquela disciplina em seu nível de ensino.

Mesmo diante da impossibilidade de registar uma aplicabilidade mais imediata

dos conteúdos trabalhados ao longo dos bimestres, procuramos investigar o que,

conscientemente, foi ou não foi aprendido. Segundo as respostas, a aprendizagem se

concretiza quando precisam da Matemática e a colocam em prática, fazendo exercícios

ou conseguem explicar algum tópico a alguém. É nesse momento que lhes vem a

certeza de que realmente aprenderam o que lhes foi passado. Além das notas tiradas nas

provas, parâmetro sempre levado em consideração pelos alunos, a tentativa de fazerem

sozinhos, principalmente em casa, num exercício de memória para se chegar à resposta

exata, também reflete o aprendido e o não aprendido.

…Você vai fazer a prova, aí que você vê o que conseguiu pegar ou não.

…você sabe que aprendeu quando você precisa da Matemática. Você precisa, tem que fazer uma coisa, você vai lá e faz. Aí você sabe mesmo se conseguiu captar. Agora a Matemática tem uma coisa muito importante mesmo: se você não praticar você esquece. Eu acho assim. Se você não tiver no dia-a-dia ali praticando direto você acaba esquecendo porque é muita coisa né? Uma coisa em cima da outra, tal, alguma coisa você esquece.

Em geral, os alunos acabam vinculando a nota ao domínio do conhecimento,

fortalecendo a seguinte assertiva: se tiraram notas boas, se acertaram na prova, então

aprenderam.

Essa afirmação está implícita nas concepções identificadas por Frank (1992),

quais sejam, o objetivo de fazer Matemática é obter “respostas certas” e que o papel do

aluno de Matemática é receber conhecimentos de Matemática e demonstrar que os

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Page 111: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

adquiriu, e essas concepções por sua vez são facilmente percebidas na relação que os

alunos fazem entre nota e desempenho, como também são notórias na fala da

professora:

…o que nós tentamos passar para o aluno, não sei se realmente nos temos conseguido 100% de aprendizagem, eu acho até que não, pela maneira que eles assistem aula, uma semana sim, uma semana não, a escala de trabalho. Muitas vezes, eles perdem um pouco. Os plantões têm ajudado, mas nós temos tentado passar o máximo. Temos tido um retorno, não 100%, mas um bom retorno (Grifos nossos).

O depoimento da professora não deixa claro qual a sua concepção de ensino e

aprendizagem, pois oscila entre a possível culpa das faltas dos alunos e o máximo de

sua dedicação, daí infere-se que a expectativa de retorno da aprendizagem seja por volta

dos 100% e isso de fato só não ocorre porque o aluno é muito faltoso, em função de

cumprir sua escala de trabalho. Verifica-se que não despontam, em sua resposta,

preocupações do tipo: como o aluno está aprendendo, quais suas dificuldades, em que

posso melhorar, quais maneiras de lhe ensinar, enfim, alicerces básicos que poderiam

conduzi-la à melhoria de sua prática docente.

Sua expectativa é oferecer um ensino que contribua com o dia-a-dia do aluno,

principalmente com o trabalho que fazem. Esse objetivo seria alcançado, no seu

entender, através do desenvolvimento do raciocínio:

…a nossa expectativa é que com este ensino a gente possa estar ajudando no dia-a-dia dos nossos alunos e no trabalho que eles fazem. Como? Melhorando seu raciocínio.…a minha preocupação é com a ajuda que esses alunos terão no seu dia-a-dia. Muitos já estão prestando vestibular, muitos já conseguiram. E acho que minha ajuda tem sido neste sentido, de ajudar no dia-a-dia do trabalho dele.…eu gostaria que o grupo tivesse mais tempo para se reunir, para discutir os assuntos do dia-a-dia.P: Vocês se reúnem, em média, quanto tempo?

124

Page 112: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

E: Nós nos reunimos cinqüenta minutos por semana, o grupo, total.

Apesar da valorização dada pela professora ao seu trabalho, ela nos parece um

tanto confusa ao identificar qual é o objetivo, de fato, a ser alcançado: preparar o aluno

para prestar o vestibular ou instrumentalizá-lo para seu trabalho diário? A nossa crítica

está no fato de que qualquer um dos dois objetivos a ser atingidos não caracterizaria

necessariamente o desenvolvimento do raciocínio do aluno, visto que ambos seriam

contemplados com o ensino de macetes e técnicas específicas. Entretanto, há que se

registrar que a professora mantêm um ótimo relacionamento com os alunos, sendo,

portanto, uma das colaboradoras para que eles desejem continuar seus estudos.

Como vimos, vários são os aspectos a serem considerados quando nos referimos

às concepções inerentes à Matemática. Percebemos que tais aspectos acabam por

determinar os fenômenos ocorridos no processo ensino-aprendizagem. Por um lado, o

professor, responsável pela escolha dos objetivos de ensino, com suas concepções, com

suas opções pedagógicas. Do outro, o aluno, com sua sociohistoricidade, com sua

relação com a Matemática, com seu interesse em aprender. E no elo intermediário

desses dois pólos, professor/aluno, localiza-se o conhecimento matemático, munido de

sua diversificação (álgebra, geometria, trigonometria, aritmética), de sua

interdisciplinaridade, de suas ferramentas conceituais.

De acordo com Vygotsky (1998), está incluso no processo ensino-aprendizagem

aquele que ensina, aquele que aprende e a interdependência dos indivíduos envolvidos

neste processo.

6.5 A metodologia empregada para o ensino da Matemática

125

Page 113: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

A concepção identificada por Frank (1992) de que o papel do professor de

Matemática é transmitir conhecimentos de Matemática e verificar que os alunos

adquiriram esses conhecimentos corrobora o ponto de vista demonstrado pelos alunos.

Ao emitirem opiniões com relação à maneira dos seus professores de

Matemática lhes ensinar, a grande maioria diz estar de acordo com a metodologia que

vem sendo praticada e afirma que as dificuldades de aprendizagem são deles e que o

professor não é o culpado de seus problemas:

…eu vou lhe dizer o seguinte: se tem alguma coisa de errado está em mim. Passei por você, passei por J.H., comecei com I várias vezes. Para mim se tem alguma coisa errada, é comigo mesmo, a dificuldade está em mim.

…eu acho que é adequado, eu mesmo é que estava muito por fora.

É importante destacar, ainda nesses depoimentos, a responsabilidade assumida

pelos próprios alunos ao se referirem às dificuldades ou fracassos. Os professores são

excluídos do processo, evidenciando, além da crença de o professor ser detentor do

saber, a relação que os alunos estabelecem com a escola, relação esta que contribui com

o processo de constituição de sua identidade (Oliveira, 1994, p. 12).

Um dos entrevistados elogiou a forma como os professores trabalham nos três

períodos, dando uma seqüência aos conteúdos, ressaltando que isso em muito o ajudou:

…eu acho que é excelente. [...] Não sei se foi a empresa ou se foi a escola, bolou um jeito, uma condição do professor ensinar que é seqüência, entendeu? [...]a aula, a matéria era a mesma, às vezes o jeito do cara falar o jeito dele ensinar pode ser um pouco diferente, mas isso... você não perde o fio da meada.. [...] então isso aí ajudou muito a gente.

Contudo, aspectos comparativos também foram detectados, revelando a atuação

e o comprometimento dos professores. Os depoimentos mostraram que o ensino varia

de professor para professor, mas que a grande diferença está no modo de fazê-lo:

126

Page 114: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

…se não me engano, quando assistia aula de manhã e a tarde, assistia aula com 3 ou 4 professores. Têm professores que se dedicam mais, outros menos. Têm professores que colocam as coisas assim... querem terminar o tempo, não se preocupam na sua aula com o aprendizado direto do aluno.

…depende de cada professor. Têm professores mais enérgicos, têm professores mais maleáveis, porque você pode ensinar a mesma matéria, mostrar que 1 + 1 é dois de uma forma, e outro pode ensinar também que 1 + 1 é dois de outra forma e às vezes os dois estão ensinando da maneira certa, mas às vezes a maneira que o professor está ensinando, está explicando, isso que pra mim influencia bastante.

Outro relato observa que a postura do professor assumida em sala de aula

ocasiona situações desconfortáveis. Não havendo uma certa maturidade por parte do

aluno, provavelmente dissipar-se-ão dessa conduta os traumas e bloqueios que tão bem

conhecemos:

…eu me lembro de quando eu cursava a 5.ª série, até comentei há poucos dias com os colegas, que eu tinha um professor, ele explicava muito bem, e perguntava se todos haviam entendido. E todos confirmavam realmente. Ele garantia que ia dar uma volta na sala e ia encontrar alguém que não havia entendido. E minha insegurança era tanta que ele rodava, rodava, parava perto de mim e me perguntava, e realmente eu não respondia. Talvez não porque eu não havia entendido e sim por timidez. Então essa timidez fazia com que eu me perdesse na própria disciplina.

Por outro lado, a professora enfatizou que suas aulas poderiam ser mais

dinâmicas, com uma participação mais expressiva dos alunos. Reclamou da falta de um

tempo maior para que a equipe de Matemática faça planejamentos, já que isso é feito

uma vez por semana por apenas cinqüenta minutos, com acompanhamento da

supervisão pedagógica:

…mais dinâmica, que tivesse um melhor retorno dos alunos, mas eu sei que eles não fazem porque não conseguem, pelo cansaço, pela pouca base que eles têm. Mas que tivesse um laboratório, mais coisa prática para ser usada.

127

Page 115: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Destacou também a necessidade de um laboratório, que muito contribuiria para

dar mais significado, mais praticidade para alguns tópicos desenvolvidos, sobretudo os

relacionados à geometria. Talvez repouse na impossibilidade da articulação entre teoria

e prática, e isso se “ajustaria” com a implantação de um laboratório de Matemática, a

razão da aplicação de métodos tido como tradicionais e pouco práticos.

…aqui nós não temos um laboratório montado, temos a sala de aula, o quadro negro, livros, xerox à vontade, apostilas e vídeo. Mas geralmente ainda é o quadro negro a base e a explicação diária

…nossa metodologia o que é? Usamos este livro, usamos vídeo, aulas expositivas. Poderia ser melhor, eu sinto falta de um laboratório para estudar geometria. Mas dá para ensinar o básico que nós estamos ensinando aqui. Mas poderia ser melhor.

Foi possível observarmos na fala da professora um sentimento de impotência por

não ter atributos suficientes para reverter esse quadro, o que com certeza lhe iluminaria

o avanço de novas idéias para a reestruturação de sua prática docente. Apesar de ter a

participação da supervisão pedagógica em seus planejamentos, esse apoio recebido não

dá conta de atender as especificidades dos conteúdos matemáticos, ficando de fato um

pouco aquém a articulação entre teoria e prática. E continua:

…nós temos um grupo de Matemática, um P.A [professor de apoio], um encontro semanal e o apoio da supervisão. Acho que funciona.

Em decorrência do planejamento assistido, outros propósitos se tornam suportes

da avaliação. Alguns deles são ressaltados no depoimento da professora:

…Nós avaliamos através de prova escrita para ver o que o aluno aprendeu dentro de sala de aula e também temos trabalhos para ter uma visão maior, não específico da matéria. Nós temos aqui na escola o “resgatando a leitura” que também é uma avaliação; onde o aluno tem condições de ter um conhecimento maior do que o da sala de aula propriamente dito.

128

Page 116: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Note-se que a legitimação do conhecimento ocorre nas/pelas avaliações, que não

se limitam às provas escritas do conteúdo específico. A professora concebe a avaliação

como um instrumento de identificação da aprendizagem do aluno.

Verificamos que essas avaliações são bem simples, compostas por questões

alternadas entre múltipla escolha e dissertativas, que exigem tão-somente a aplicação

direta de fórmulas, expostas em cartazes ao redor da sala. Descarta-se, assim, a

preocupação proferida anteriormente com o desenvolvimento do raciocínio do aluno,

como também dificulta, no nosso entender, identificar “o que o aluno aprendeu dentro

de sala de aula”.

Inserido nos recursos metodológicos está o livro-texto22 adotado e pouco usado

pelos alunos. Segundo a professora, esse material foi selecionado há cinco anos, sem

uma avaliação mais criteriosa e que pudesse efetivamente ajudá-los e tê-lo mais como

um instrumento auxiliar. Deixou-se ao encargo do aluno a sua utilização ou não.

[...] os alunos não conseguem acompanhar pelo livro, por isso o pouco uso. Acaba a gente passando a matéria mais resumida para eles. A gente usa este livro mais para exercícios. Escolhe os exercícios mais simples e pede ao aluno para fazer. E também o livro serve para que ele, se quiser olhar alguma coisa em casa, quiser acrescentar mais algum conhecimento, ele tem onde buscar. Mas o livro realmente é pouco usado.

Em virtude da linguagem científica presente no livro, caracterizando-o como

complicado ao aluno, a professora não observou que seria quase impossível ao aluno

querer olhar alguma coisa em casa, haja vista ele não ter tempo disponível para isso e

faltar-lhe base, como ela mesma menciona. É possível que não se cogite a troca do livro

didático, por razões financeiras, em conseqüência da aquisição de um número

22 Bianchini, E. ; Paccola, H.. Curso de Matemática - volume único. 1º ed. São Paulo: Moderna, 1993.

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Page 117: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

expressivo de volumes à época de sua seleção.

Contudo, não podemos deixar de destacar como válidas as sugestões que visam

ajudar os alunos: plantões, semana de revisão, recuperação, atividades consideradas pela

própria professora como repetitivas das de sala de aula e, em nossa opinião, pouco

criativas, mas com o intuito de dar chance ao aluno que, por algum motivo, ausentou-se

da aula.

…eu sempre tenho dado sugestões com o que eu tenho visto dentro de sala de aula: mudança de horário, esses encontros com professores, mesmo o plantão que existe nesta escola, também foi sugestão nossa.P: Você poderia falar um pouquinho sobre o plantão?E: Uma hora antes das aulas começarem, os professores ficam à disposição dos alunos que perderam aulas nos dias anteriores, para tirar dúvidas e interá-los do que perderam em sala de aula. Acho que isso os ajuda bastante.

…apesar de ser um período pequeno, ele tem um retorno. Nós acabamos de fazer uma recuperação agora e muitos alunos conseguiram realmente, o que eles estavam precisando, básico, e conseguiram passar de ano. Mas esse período, para mim, teria de ser muito maior e a recuperação deveria ser o ano todo. Por que para se recuperar em uma semana o que se perdeu num ano é muito pouco.

…uma semana antes da prova a gente sempre faz revisão. Por que? Porque o nosso aluno é muito faltoso, e para que tenha conhecimento do que foi ensinado, nós passamos vários exercícios da matéria, damos uma geral de novo e através de exercícios que serão cobrados na avaliação.P: Nesse período de revisão a metodologia é a mesma que você utiliza durante o processo de aula normal?E: Eu acho que aí é mais resumo, porque fica mais baseado em exercícios mesmo, no quadro, é uma revisão geral, uma coisa bem mais resumida.P: A diferença entre a revisão e a aula é a compactação da matéria? E: Sim. Mais ainda na revisão, propriamente em cima de exercícios.P: Exercícios do tipo “siga o modelo”?E: O raciocínio às vezes varia (né). São exercícios que já foram dados na aula normalmente. E’ uma repetição daqueles exercícios, para dar chance aqueles que não viram, porque eles não estudam em casa, eles não têm tempo para isso, então a revisão seria como se eles estivessem estudando para fazer a avaliação.

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Page 118: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

No confronto das opiniões acerca da metodologia de ensino adotada pelos

professores, temos de um lado os alunos, que passivamente concordam com o

estabelecido, pois subjaz a idéia de que os professores sabem exatamente o que estão

fazendo e do outro, a professora, que reconhece as falhas existentes, porém não efetiva

as intenções de reestruturação, estando desmotivada, entre outros fatores, pela pouca

base de seus alunos.

Transparece-nos nessa relação alguns efeitos do Contrato Didático

consubstanciado ao processo ensino-aprendizagem. Almouloud (1997a, p. 84) define o

Contrato Didático como sendo o conjunto de comportamentos do professor esperados

pelos alunos, e o conjunto de comportamentos dos alunos esperados pelo professor.

Observando que o Contrato Didático visa, fundamentalmente, à aquisição dos saberes

pelos alunos.

Em outras palavras, qualquer ruptura ocorrida nos termos de tal contrato provoca

uma certa insatisfação, seja por parte dos alunos, seja por parte dos professores. No caso

específico, ficou-nos evidente que a professora se decepcionou ao retratar em seu

depoimento a pouca base e a pouca freqüência de seus alunos, fatores suficientes para o

comprometimento dos comportamentos por ela esperados.

6.6 A influência dos fatores afetivos

Antes de questionarmos as reações emocionais subjacentes às práticas

matemáticas desenvolvidas em sala de aula, perguntamos aos entrevistados como

costumavam resolver situações-problema surgidas no transcorrer de suas vidas. Não

obtivemos respostas muito diferenciadas. A família, destaque para a esposa, amigos, são

consultados para o desembaraço de algum tipo de problema. Um dos aspectos mais

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Page 119: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

citados foi se manterem calmos, para que não agravem mais o problema ou agridam

alguém. Outros, de igual importância, como ter paciência, analisar a situação e solicitar

auxílio, constituem o elenco das possíveis alternativas:

…eu procuro conversar com as pessoas, porque a gente nunca sabe de tudo. Por mais que você acha que conhece alguma coisa, sempre tem alguém que pode te auxiliar. Mas uma pessoa que ajuda muito a resolver meus problemas é a minha esposa. Quando tenho um problema procuro sentar, colocar a situação.

…problema mesmo, eu procuro primeiro com muita fé em Deus. Eu não sou um cara que pratica igreja, não sou praticante, mas eu tenho muita fé em Deus. Então, depois com paciência eu procuro resolver, quando nas horas mais apertadas eu procuro ter o máximo de calma, procuro pensar pra depois fazer, não fazer pra depois se arrepender.

Pode-se notar nesses depoimentos sensatez, passividade e disposição, com a

ajuda de pessoas próximas, para encontrar uma saída diante de uma situação

problemática. Se apoiar em uma força divina é outro fator mencionado para confortar e

enfrentar os momentos de crise. Nesse sentido, ter problema é estar diante de “qualquer

coisa difícil de resolver ou de explicar, dilema, mistério, enigma” ou ainda, estar frente

à uma “situação complicada, embaraçosa”, definições essas apropriadas pela

Matemática e que caracterizam seus problemas e, portanto, suscetíveis a outros fatores

que vão além do puramente cognitivo.

Partindo do pressuposto defendido por Vale (1997) de que o conhecimento

matemático ou o conhecimento de estratégias de resolução não são suficientes para um

bom desempenho na resolução de problemas e concordando com Sztajn (1997), quando

diz não haver possibilidade em separar o cognitivo do afetivo, consideramos relevante

investigar outro componente bastante responsável pelo desencadeamento de reações

emocionais, qual seja a “prova”. Esse instrumento de avaliação além de conferir ao

professor um certo poder sobre o aluno, gera um clima meio que desconfortável para

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Page 120: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

ambas as partes. Inicialmente, fizemos alguns questionamentos concernentes à forma

como se preparavam para a realização de uma prova. Como exemplos de suas respostas

destacamos:

…procuro sempre tirar as minhas dúvidas, aquilo que eu não conseguia vinha para a aula de reforço procurar fazer o melhor para no momento da prova ter êxito.

…eu treino muito.[...] eu faço no rascunho, copio no rascunho e depois faço, aí viro o caderno, vejo se eu acertei, se eu não acertei eu faço de novo.

Note-se que há um certo mecanismo na maneira como conduzem o ato de

estudar. Eles costumam repetir por diversas vezes o exercício, como mesmo dizem,

“fazem um rascunho” até se certificarem que ocorreu a memorização ou o acerto, para

se saírem bem na prova. Ressaltamos mais uma vez o quanto é importante para eles

encontrar a resposta certa, parecendo ser esse o único caminho de acesso ao pleno êxito

na prova e, por conseguinte, crer no seu aprendizado. É uma postura que revela,

novamente, os efeitos do Contrato Didático discutidos anteriormente.

Noutros depoimentos, constatamos que o preparo para a realização de uma prova

se sustenta, basicamente, com o prestar atenção na própria aula. Todavia, estão

conscientes de que essa prática não é suficiente para se alcançar um bom resultado:

…eu nunca tive um hábito constante de me preparar para fazer uma prova. Quando vou fazer uma prova, quer dizer, a atenção que eu tenho em sala à aula, não vou dizer que seja suficiente para uma prova, mas eu me baseio muito naquela atenção, ela é bem maior do que uma atenção, se eu for pegar um livro sozinho para estudar, um caderno, um exercício para fazer uma prova. …eu prefiro preparar dentro da sala, porque eu não sei se é preguiça minha ou o que é. Até que ultimamente eu tenho me preparado, ao menos em Matemática, que eu estava em recuperação, preparei mais. Graças a Deus, fiz até uma prova boa por sinal, mas eu não me preparo tanto não, mas eu vou me preparar bem mais porque se eu não procurar estudar, pelo menos ler, ficar só dentro de sala de aula, para mim é pouco, eu preciso me preparar mais, eu me preparo pouco.

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Page 121: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Um aluno disse:

…a Matemática eu não estudo não, eu faço as contas várias vezes, faço duas folhas: passo tudo para um lado e vou fazendo ali olhando o resultado e corrigindo até fazer.P: Esse até fazer é chegar na resposta certa?E: Chegar na resposta certa.

A concepção que esse aluno, especificamente, tem sobre Matemática e já

transcrita anteriormente, é de que ela é puramente cálculo. Ele não considera que fazer

contas seja um exercício de estudo, momento de reestruturação e organização das idéias.

De modo análogo aos demais colegas, pratica uma ação repetitiva e mecanizada em

busca do resultado correto.

Por mais que se preparem, esclareçam suas dúvidas, o simples fato de saberem

que é o dia da “prova” é motivo suficiente para que se desconsertem por completo e

desencadeiem reações como bloqueio, insight, frustração ou temor:

…a prova é o seguinte, por mais que você saiba, você já perde um pouquinho, nervosismo, porque você sabe que é prova, você perde, pelo menos eu. Às vezes eu tô consciente de uma coisa, mas na hora da prova eu já tenho aquela... entendeu?P: Porquê?E: Não sei porque, quando fala que é prova, por mais simples que seja, é aquela temeridade. Então eu procuro justamente antes, procurar correr atrás, persistir.

…quando chega na hora da prova, foge, Nossa Senhora! Difícil, sempre a mesma coisa. Às vezes eu ensinava os outros, os colegas que estavam mais fracos[...] eles iam lá e tiravam os pontos. Te ensinei e acabei errando.P: O que você acha que acontece?E: Eu acho que na hora é o nervosismo que chega.

…Eu já fui pra fazer prova pra tirar dez e não consegui dez. E já fui pra normal e tirar dez! Então tem coisa que na hora que eu tô fazendo a prova, parece que aquilo abre e eu consigo, entendeu?

Na opinião de outro entrevistado, o tempo utilizado para se fazer uma prova, ou

seja, ser rápido ou ser lento determina o que se sabe ou não, conforme seu depoimento:

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…o camarada que faz uma prova rápida é porque ele sabe mesmo. Agora quando ele fica destrinchando a prova ali, vira pra lá, vira pra cá, fica até o final, não terminou é porque não sabe. Porque o cara que sabe ele faz de repente.

Frank (1992) identifica em seu estudo a concepção de que os problemas de

Matemática são questões que se resolvem rapidamente em poucos passos. Acrescenta

que o grupo de alunos investigados admitiu que algo de errado estaria acontecendo com

eles ou com o próprio problema, caso a solução se tornasse demasiadamente demorada,

isto é, se levasse mais que 5 ou 10 minutos para que fosse resolvida. O depoimento do

nosso entrevistado demonstra nitidamente sua convergência para esta concepção.

A literatura disponível ressalta que o princípio da emoção está na interrupção

dos planos do indivíduo e que esses planos resultam da ativação de um esquema interno,

que produz uma ação seqüencial cuja tendência é se completar. Caso isso não ocorra, o

indivíduo se frustra e não percebe esta frustração como parte integrante do processo de

aprendizagem. Consequentemente, abandona a tarefa (Mandler, 1984). São várias as

reações emocionais ou físicas que emitimos, quando nos deparamos em situação

problemática, na maioria das vezes, sem termos consciência delas. Obtivemos dos

entrevistados interessantes relatos ao nos responderem qual sua reação diante de um

problema matemático:

…quando eu olho aquelas fórmulas.., me “embanano” todo, aí eu começo a ficar nervoso, aí não sai nada mesmo.

[...] parecia um bicho de sete cabeças. [...] Não sabia por onde começar.[...] Melhorei um pouco. [...]Só de pensar, no início dava até dor de cabeça. Tentava fazer uma coisa, não saía nada.

…eu procuro encarar como um desafio [...]e vou tentar resolver ele. Se eu não conseguir resolver, com certeza eu não vou ficar constrangido. Eu vou procurar alguém que saiba para [...]eu [...] aprender[...].

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…às vezes eu fico meio tenso [...] Às vezes demora um pouquinho para eu começar... mas depois que eu começo, vou me liberando ...

Pode-se notar através das falas que as reações emocionais são bem variadas,

levando os alunos ora a persistirem, ora a abandonarem a tarefa, por se sentirem

incapazes de conduzi-la. De acordo com Sztajn (1997, p. 117),

…dentro da sala de aula, as questões afetivas passam por conceitos como os de autoconfiança, auto-estima, persistência, independência, interesse, fobia, pânico, ansiedade, motivação, atitude e atribuições causais para o sucesso ou o fracasso em Matemática.

Apesar de os entrevistados terem conhecimento de que algo diferente interfere

naquele momento, eles não têm clareza de como regular ou monitorar tais reações. A

atuação do professor como mediador se torna ainda mais necessária nos momentos em

que, por exemplo, propõe uma atividade de resolução de problemas. Através de

questionamentos, conjecturas, refutações mediadas pelo professor, o aluno vai

adquirindo mais confiança naquilo que faz. Ele passa a administrar, organizar, melhorar

os planos de ataque e execução da tarefa em questão. O professor ainda poderá criar

situações que levem o aluno a pensar sobre seu próprio pensamento e monitorá-lo,

pontos centrais da metacognição, como visto no capítulo IV. Assumir essa posição não

é tarefa fácil, pois não bastando apenas boa vontade, o professor deverá possuir uma

vasto repertório de conhecimentos inerentes ao conteúdo que ministra para, assim, obter

resultados satisfatórios com relação ao desempenho de seus alunos.

Frisamos que resultados satisfatórios, em hipótese alguma, são as “respostas

certas” e sim todos os percursos realizados pelo aluno na intenção de resolver o

problema matemático a ele proposto e cujo elo intermediário se apresenta através do

professor.

136

Page 124: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Não descartamos com isso, o papel e os propósitos da escola como fatores

integrantes do processo ensino-aprendizagem mediado pelo professor, uma vez que a

escola, representada por seu corpo administrativo e docente, é a responsável pela

inserção do aluno no contexto sócio-cultural. Ampliamos, desse modo, nosso conceito

de mediação para uma ação feita por um grupo participante, coeso e não exclusivamente

por uma única pessoa. Para tanto, a relação entre professores e alunos sendo boa,

harmônica, provavelmente colabore com as mudanças de comportamento dos alunos

ocorridas em sua trajetória acadêmica. Segundo depoimento da própria professora, essas

mudanças são atribuições do cotidiano escolar:

….quando eles chegam, chegam bem agressivos. Com o dia-a-dia da escola eles vão ficando bem mais acessíveis e melhores de lidar. Isso a gente fica sabendo pelo retorno dos seus chefes, os quais dizem que eles melhoraram bastante.

Em busca de uma sistematização das vozes afetivas ouvidas, começamos por

querer esboçar um ensaio de subcategorias que englobassem algumas das reações

emocionais verbalizadas neste estudo. Acabamos por chegar ao seguinte quadro:

QUADRO 6 – VOZES AFETIVAS

Situação de vida Situação acadêmica

Problemas cotidianos “Prova” Problemas matemáticos

Pedir ajuda Procura ajuda Manter-se calmo

Ficar calmo Ter êxito/ Muito treino Entregar rapidamente

Sem desespero Difícil Nervosismo

Sem briga Perda de memória Dor de cabeça

137

Page 125: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Com paciência Nervosismo Sem constrangimento

Refletir Temor Desafio

Analisar Insight Procura ajuda

Cabeça fria Rapidez/lentidão Meio tenso

Informar-se Concentração Demora para iniciar

Percebemos, nas respectivas “situações”, a ocorrência da procura pelo “outro”,

demonstrando com isso o quanto este “outro” é valioso como ponto de apoio. Nas

teorias vygotskyana e bakhitiniana, o papel do “outro” é de fundamental importância, já

que o “eu” se constitui com/na interação com o “outro”. Bakhtin (1992, p. 314) destaca

ainda que,

… a nossa fala, isto é, nossos enunciados [...], estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos.

A voz do outro atravessa rigorosamente a voz de quem fala. Aquela participa,

auxilia, aproxima, dispersa. Por outro lado, a voz de quem fala se dirige sempre para um

interlocutor, ou seja, tem como meta o “outro”- seja este uma representação imaginária

ou um interlocutor real. Os enunciados resultam em um eterno diálogo entre o “eu” e o

“outro”, as palavras dos outros se tornam palavras próprias à medida que internalizadas

(Oliveira, 1994).

Destacamos também, de acordo com o quadro a que chegamos, que a forma

como encaram e as atitudes que praticam se mostram sensivelmente diferenciadas tanto

na “situação de vida” quanto na “situação acadêmica” e há o aparecimento de alguns

desequilíbrios nesta segunda.

Ultrapassando em muito os limites deste estudo em buscar relações mais

138

Page 126: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

consistentes entre as “situações” alardeadas, fica a proposta para investigações

vindouras que possam vir a esclarecer alguns pontos obscuros ora provocados, como

por exemplo: que relações poderiam ser estabelecidas entre as vozes da “situação de

vida” e da situação acadêmica”? Ou ainda: o que impediu a transferência dessas vozes

de uma “situação” para outra?

A possibilidade de articular o pensamento de Vygotsky e Bakhtin nos permitiu

convidar alguns outros teóricos para um diálogo bastante amplo e rico. Nesse encontro

pode-se compreender, por exemplo, que as concepções que o grupo de alunos têm de

Matemática são também provenientes das concepções da professora de Matemática, ou

seja, a professora como mediadora do processo ensino-aprendizagem assumiu a posição

de locutora e os alunos, por sua vez, a de interlocutores. A mediação se deu,

basicamente, através da palavra, que segundo Bakhtin (1990, p. 113) é determinada

tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.

Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Dessa forma, o

contexto social imediato determina quais serão os ouvintes possíveis. Se o professor

possuir uma visão absolutista da Matemática, seu aluno a encarará com dificuldade e

rejeição, pois essa concepção classifica a Matemática como um corpo de conhecimento

objetivo, fixo, certo, neutro, isento de valores e cuja estrutura é hierárquica. Ao

contrário, o professor inserido em uma visão falibilista consequentemente dará a seu

aluno condições de criar, descobrir, dinamizar, favorecendo o espaço designado ao

desenvolvimento das atividades matemáticas, pois nesta concepção, os conceitos e

proposições matemáticas, bem como a lógica em que se assentam as demonstrações são

criações humanas que permanecem constantemente abertas à revisão. Porém, nosso

estudo constatou que a primeira premissa foi a que vigorou no âmbito da prática escolar,

139

Page 127: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

fato suficiente para impedir que as enunciações23 da professora interagissem

adequadamente com as dos alunos, com o intuito de criar novas zonas de

desenvolvimento proximal. Sendo assim, não se estimulou o desenvolvimento do

raciocínio lógico-matemático-dedutivo dos alunos, comprometendo-os na elaboração de

questionamentos, na criação de novas saídas para a resolução de problemas e,

sobretudo, não lhes provocando conflitos cognitivos que, certamente, em muito

contribuiriam para a apropriação do conhecimento matemático.

23 Para Bakhtin, a enunciação é um produto da interação social, quer trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade lingüística.

140

Page 128: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

CAPÍTULO 7

O DESENROLAR DAS OFICINAS DE RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS MATEMÁTICOS:

O OBSERVADO, O DITO E O FEITO

Como já dissemos anteriormente, realizamos 21 oficinas, em que foram

aplicados 17 problemas, dos quais 11 poderiam ser classificados como aritméticos e 6

como geométricos. Cada oficina tinha a duração de uma hora, e o aluno desenvolvia

apenas um problema, ora individualmente, ora em dupla ou em grupo e, sempre que

necessário, com a intervenção do pesquisador.

Tendo em vista o expressivo número de 28 alunos inscritos e a expectativa de

que todos eles colaborariam conosco, a primeira idéia que tivemos para o

desenvolvimento das oficinas foi trabalhar em grupos. O que sustentava esta intenção

era a possibilidade de fazer com que os alunos se comunicassem entre si e comentassem

os procedimentos desenvolvidos para a resolução dos problemas propostos. Porém,

como a participação nas oficinas foi demasiadamente limitada, ou melhor, inferior ao

número de inscritos e críamos ser interessante evidenciar o trabalho de vários grupos,

optamos por realizar, na medida do possível e com a aquiescência dos professores das

turmas B1 e B2, algumas oficinas que absorvessem um número maior de alunos. Desta

forma, 17 oficinas foram realizadas em momento anterior às aulas, somente com os

alunos inscritos e outras 4, inseridas nos horários reservados às aulas de Matemática das

respectivas turmas, com todos os alunos presentes. Notamos a presença, nesse

contingente, de alguns alunos que, à época, se inscreveram para as oficinas mas que não

haviam, por motivos desconhecidos, participado de nenhuma delas, como também, dos

141

Page 129: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

alunos que já colaboravam conosco.

Procuramos trabalhar com problemas que envolviam uma boa variedade de

conceitos matemáticos e delineamos uma certa seqüência para aplicá-los. Porém não

fomos extremamente rigorosos com essa ordem, pois algumas vezes, até para não

condicionarmos os alunos com as mesmas estratégias, inseríamos um problema que

rompia com a estrutura planejada. Os problemas aritméticos cobriam os tópicos

desenvolvidos no três bimestres iniciais, enquanto que os geométricos contemplavam os

tópicos desenvolvidos no 4º bimestre, momento que, inclusive, coincide com a

aplicação das oficinas.

1ºencontro (15.09.98)

Dada a característica de um primeiro encontro, foi marcado por expectativas

tanto nossa quanto, principalmente, dos alunos. A nossa apreensão estava no número de

alunos que compareceriam, haja vista ser uma atividade a mais para cumprirem. Eles,

por outro lado, estariam aflitos em saber de fato o que faríamos ali durante aquele tempo

reservado para as oficinas. O primeiro passo foi a apresentação de nossos objetivos,

ressaltando que não estávamos preocupados com o resultado alcançado, certo ou errado,

mas sim com as estratégias, com os procedimentos que utilizariam para chegar àquele

resultado. Para tanto, seria necessário que cada um deles registrasse por escrito todos os

passos desenvolvidos na tentativa de solucionar o problema.

Participaram da oficina quatro alunos: Gauss, Platão, Euler, Diofanto. A

atividade foi transcrita no quadro, realizada individualmente e discutida, posteriormente,

pelo grupo. Permitimos o uso da calculadora, uma vez que todos a possuíam.

Problema proposto: Um elevador pode carregar no máximo

142

Page 130: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

450 kg. Devem ser transportadas 50 pessoas de 70 kg. Qual o

número mínimo de viagens?

Os conceitos matemáticos que estão envolvidos neste problema são as quatros

operações básicas, medidas de massa, números decimais.

Após verificarmos que o encaminhamento dado ao problema em pauta fluía

bem, passamos a conversar sobre o que haviam pensado e feito. A participação foi total

e bastante proveitosa.

Fomos para o quadro anotar os caminhos que tomaram e discutir com eles

pontos relevantes no enunciado do problema que auxiliariam na compreensão do

resultado. Procuramos instigar a necessidade de analisar cada passo. Todos,

individualmente, começaram por uma mesma linha de raciocínio: calcular a massa total

das 50 pessoas, ou seja, 50 x 70 = 3.500. O passo seguinte de três deles (Euler, Gauss,

Platão) foi dividir este total por 450, na intenção de encontrar o número mínimo de

viagens, porém esbarraram na resposta encontrada, aproximadamente 7,7. Aqui se

apontou uma das primeiras dificuldades: operar com números decimais.

Passamos a discutir o que representava 7,7. Procuramos, através de

questionamentos, saber a representação daquele número. O que significava dividir 3.500

por 450? Era consenso entre eles que aquele resultado significava o número de viagens

a serem dadas pelo elevador. Iniciamos o seguinte diálogo:

P: Mas então, o que significa 7,7 viagens? É possível fazer sete viagens e sete

alguma coisa?

A: Não.

P: Vamos trabalhar com números inteiros: o número 7,7 está entre 7 e 8. Assim,

143

Page 131: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

7 x 450 = 3.150 (1) e 8 x 450 = 3.600 (2).

Como já haviam calculado que o total de quilos a ser transportado era 3.500 kg,

descartaram de imediato a opção 2, pois ultrapassava aquele total.

Nesse sentido, passamos a trabalhar com a opção 1.

P: Sete viagens, com quantas pessoas em cada uma? Ou ainda, 3.150 kg

correspondem a quantas pessoas?

A: 45.

P: Quantos quilos faltam para completar 3.500 kg?

A: 350.

P: E 350 kg corresponde a quantas pessoas?

A: 5.

P: É possível carregar essas 5 pessoas em uma única viagem?

A: Sim.

P: Por quê?

A: É menos de 450 kg.

P: Então o número mínimo de viagens é 8?

Ficaram em dúvida, por isso reformulamos a questão:

P: O elevador poderia carregar as 45 pessoas em cada viagem?

A: Não.

P: Por quê?

144

Page 132: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

A: Excederia o peso.

P: Nas 7 viagens, quantas pessoas podem ser levadas em cada uma? 45 : 7 =

6,42. Novamente, o número decimal. Vamos pensar de forma análoga ao que fizemos

com o número 7,7: o número 6, 42 está entre 6 e 7. Cabe a vocês escolherem o que é

mais razoável. Podem ser 7 pessoas?

A: Não.

P: Por quê?

A: Excede o peso de 490 kg.

P: Então o seis é bom. Assim, cada uma das sete viagens carregará seis pessoas.

Mas qual o total de pessoas a ser transportado?

A: 50.

P: É possível então observar que 42 pessoas serão transportados, faltando 8

pessoas. Como o número máximo de pessoas que pode ser transportado no elevador em

cada viagem é 6, pode-se fazer mais uma viagem com seis pessoas e outra com duas

pessoas. Daí, de fato concluímos que são necessárias 9 viagens, 8 com 6 e 1 com

2.pessoas.

Platão perguntou: “Mas não poderiam ser 8 viagens?”

Ele se deparou com o seguinte: 3.150kg corresponde a 45 pessoas e 7 viagens. A

diferença, 350 kg, correspondem a 5 pessoas, 1 viagem. Esqueceu-se por um momento

do peso máximo que o elevador comporta e da quantidade de pessoas a ser

transportadas.

Conclusão: Apesar de apenas um aluno (Euler) ter resolvido o problema, podemos dizer

145

Page 133: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

que o desempenho global em relação a essa tarefa foi satisfatório para um primeiro

encontro.

As estratégias utilizadas pelos alunos foram: leitura do enunciado a procura de

informação relevante, estimativa, tentativa e erro.

Com o desenrolar da oficina ficou muito claro para nós que, à medida que os

estimulávamos a responder ao que se estava perguntando, eles procuravam de alguma

forma acompanhar e organizar o pensamento. Mesmo não concluindo com êxito a

resolução do problema, não deixaram de fazer uma (re)leitura mais reflexiva, mais

atenta do enunciado. De acordo com Vygotsky (1998b, p. 188)

… para compreender a fala de outrem, não basta entender apenas palavras - temos que compreender o seu pensamento. Mas nem mesmo isso é suficiente - também é preciso que conheçamos sua motivação. Nenhuma análise psicológica de um enunciado estará completa antes de atingido este plano.

Por fim, propusemos um problema similar: “Um ônibus possui 40 lugares. Deve

transportar 280 passageiros. Qual o número mínimo de viagens?

Foi resolvido mentalmente e em poucos minutos, demonstrando assim que já

possuíam algum tipo de procedimento pronto para encontrar a solução e que aquela

atividade não mais representava um problema para eles.

2º encontro (16.09.98)

Participaram da oficina 7 alunos: Platão, Tales, Diofanto, Gauss, Euler, e mais

dois alunos que não foram entrevistados, um por estar em férias e o outro por não ter

mostrado interesse.

Problema proposto: Um motorista de táxi percorre diariamente

146

Page 134: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

200 km. Sabe–se que o preço do litro de álcool é de R$ 0,598 e

o da gasolina é de R$ 0,718. Um carro movido a álcool faz 7

km por litro e um carro movido a gasolina faz 8 km por litro.

É vantagem, nessas condições, o motorista converter seu carro

movido a gasolina para álcool? Por quê?

Os conceitos matemáticos envolvidos são: as quatro operações, sistema

monetário, medidas de comprimento, medidas de capacidade, controle orçamentário,

noção de função, tomada de decisão.

Procuramos averiguar o delineamento da solução de cada aluno, insistindo para

que registrassem no papel a maneira como estavam raciocinando. Pedimos para que

tentassem explicar como estavam fazendo. E de fato foi muito difícil para eles essa

prática, pois não estavam acostumados.

Segundo Almouloud (1997a, p. 16) um registro é uma maneira típica de

representar um objeto matemático ou um problema ou uma técnica. A noção de registro

se refere ao domínio dos sinais que servem para designar qualquer coisa [...]. O autor

acrescenta que o aluno fica preso a registros de fórmulas por toda sua trajetória

acadêmica, tendo muita dificuldade em ter acesso ao registro simbólico, o que acaba por

ser uma falha epistemológica (p. 21).

Após verificarmos até onde haviam chegado e que não continuariam mais

sozinhos, começamos a discutir o problema como cada um pensou, as dificuldades

iniciais, a comparação com o problema anterior.

Inicialmente, emergiu como dificuldade a identificação de partes relevantes no

enunciado, ou seja, a interpretação do texto.

Todos estavam bastante entusiasmados, participavam das discussões, opinavam,

147

Page 135: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

mostraram que estavam gostando daquele espaço e esperançosos de absorver algum

conhecimento novo. Percebemos disposição em fazer, discutir, reavaliar e não se sentir

“menores” por não terem chegado à resposta supostamente certa.

No grupo, dois alunos (Diofanto e Gauss) nos chamaram a atenção pelos

cálculos efetuados, indicando um entendimento parcial do enunciado. Ambos estavam

“lendo” 200 litros em vez de 200 km, como propunha o problema. A seguir, estão

ilustrados os registros que fizeram.

Diofanto: 0,718 – 0,598 = 0,12

0,12 x 200 = 24,00 (diferença de preço)

Gauss: 0,718 – 0,598 = 0,12

“O carro a gasolina gasta = em 200 km = R$143,60”

“O carro a álcool gasta = em 200 km =R$ 119,60”

R$ 24,00(a diferença) em relação ao preço

da gasolina é viável transformar o carro para álcool.

Eles partiram do princípio de que seriam consumidos diariamente 200 litros de

álcool ou 200 litros de gasolina e, não, percorridos diariamente 200 km. Em litros,

corresponderia a R$24,00 a diferença do tanque à gasolina para o tanque a álcool,

fazendo sentido a inferência de Gauss. No entanto, tendo também feito o mesmo

cálculo, Diofanto aponta em seu registro ser de opinião contrária:

Para mim não é vantagem, a diferença é muito pouca, tem o desgaste do motor, queda no preço do carro referente o de gasolina a comercialização que é bem mais difícil.

Outros fizeram o cálculo da economia diária; da economia anual, estimando que

148

Page 136: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

com essa economia era possível comprar quase 1,5l de álcool. Dentre essas opiniões,

Platão registra:

Não compensa pelo gasto na passagem de gasolina para álcool, e pela economia ser muito pequena. A economia anual é de 313,00. Precisaria de 3 anos para fazer o motor.

Conclusão: mesmo não tendo solicitado outras formas de resolução, podemos constatar,

pelos últimos registros, como são variados os pontos de vista, da mesma forma que é

variado o parâmetro em que se basearam para a tomada de decisão.

Admitimos que não fizeram parte da nossa expectativa de respostas as deduções

a que chegaram. Os alunos mostraram uma interpretação para além do enunciado, pois

não bastaria apenas considerar “as condições” referendadas no problema para que

pudessem tomar uma decisão; outras relações precisariam ser analisadas,

caracterizando, em nosso entender, um aspecto metacognitivo.

Vale (1997) afirma que quanto mais informações o aluno conseguir identificar

no problema maior será sua compreensão e, em decorrência disso, maior será seu êxito.

As estratégias utilizadas para a resolução do problema foram: tentativa e erro,

estimativa.

3º encontro (18.09.98)

Participantes: Gauss e Euclides

Problema proposto: Uma caixa eletrônica de banco só trabalha

com notas de R$ 5,00 e R$ 10,00. Um usuário deseja fazer um

saque de R$ 100,00. De quantas maneiras diferentes a caixa

eletrônica poderá fazer esse pagamento?

149

Page 137: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Conceitos envolvidos: quatro operações, princípio fundamental da contagem,

equação do 1º grau com duas variáveis, intervalo, plano cartesiano, par ordenado,

lógica.

Tendo em vista a participação de apenas dois alunos, praticamente não fizemos

uso da palavra, nem percorremos as carteiras. Preferimos deixá-los concentrados como

estavam, procurando observar se inseriam o problema proposto no cotidiano de cada

um.

Gauss inicialmente pensou na possibilidade de sacar em mais de uma ação, ou

seja, sacaria um pouco, depois outro pouco até completar os R$ 100,00.

Euclides concluiu que a solução era infinita. Escreveu em seu registro:

…Olhando para o problema imaginei que fosse de duas maneiras o pagamento, ou seja, R$ 100,00 em notas de R$ 5,00 ou R$100,00 em notas de 10,00. Mas prestando mais atenção descobri que são várias maneiras de fazer isto. Exemplo: a metade em notas de R$5,00 e a outra metade em notas de R$ 10,0; 70% em notas de R$10,00 e 30% em notas de R$5,00 ou vice-versa. Podemos dizer também que um caixa eletrônico automático é programado para efetuar pagamentos de qualquer valor com as notas maiores primeiro, só usando as menores quando acaba as notas de maior valor, ou quando for necessário. Exemplo: qualquer valor que termine em R$5,00 o pagamento pode ser feito das seguintes formas 10 notas de R$5,00 e 5 notas de R$10,0 ou nove notas

Pode-se perceber que o aluno interrompeu o seu raciocínio, provavelmente não

continuou por achar que esse caminho lhe daria infinitas possibilidades. Interessante

ressaltar é a mudança do raciocínio quando passou a ler com mais cuidado o enunciado,

o que lhe permitiu supor algumas soluções.

No registro de Gauss encontramos 13 possibilidades para se fazer o pagamento

nas condições estabelecidas no problema, porém ele não percebeu que repetiu duas

150

Page 138: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

delas. Ele fez uma espécie de tabela em que ia mostrando as maneiras possíveis de

combinar as cédulas para se chegar ao montante de R$100,00. Vejamos:

01.de 10 x 10 = 10002. de 5 x 10 = 50 + 10 . 5 = 50 = 50 + 50 = 10003. de 4 x 5 = 20 + 8 . 10 = 80 = 20 + 80 = 10004.de 2 x 10 = 20 + 16 . 5 = 80 = 20 + 80 = 10005. de 1 x 10 = 10 + 18 . 5 = 90 = 10 + 90 = 10006.de 20 x 5 = 10007. de 6 x 5 = 30 + 7 . 10 = 70 = 30 + 70 = 10008. de 8 x 5 = 40 + 6 . 10 = 60 = 40 + 60 = 10009. de 9 x 10 = 90 + 2 . 5 = 10 = 90 + 10 = 10010. de 3 x 10 = 30 + 14 . 5 = 70 = 30 +70 =10011. de 2 x 5 = 10 + 9 . 10 = 90 = 10 + 90 = 10012. de 12 x 5 = 60 + 4 . 10 = 40 = 60 + 40 = 10013. de 10 x 5 = 50 + 5 . 10 = 50 = 50 + 50 = 100

Observamos que as possibilidades 11 e 13 são iguais às 9 e 2, respectivamente,

apenas houve uma permuta entre elas. Caso organizasse a tabela em cédulas de R$5,00

de um lado; cédulas de R$10,00 de outro e depois fosse trabalhando em ordem

crescente ou decrescente conforme a quantidade de cédulas, ficaria mais fácil a

visualização. Outro ponto importante a destacar é o uso incorreto do sinal de igualdade

em todos os registros.

Conclusão: os registros da oficina foram bem mais ricos que os das anteriores. Os

alunos conseguiram expor o seu raciocínio de maneira clara e organizada. Euclides

mostrou mais facilidade para registrar seus procedimentos. Ressaltamos que esta foi sua

primeira participação.

Pela proximidade dos conceitos matemáticos envolvidos nos problemas das

oficinas aplicados até aquele momento, podemos observar predominantemente o uso

das estratégias: tentativa e erro, estimativa. A freqüência com que essas duas estratégias

se apresentam nos leva à definição dada pela NCTM (1987) cuja ênfase é de que

151

Page 139: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

… a Resolução de Problemas deve ser um processo que envolva ativamente os alunos na formulação de conjecturas, na investigação e exploração de idéias, que os leve a discutir e pôr em questão sua própria maneira de pensar e também, a dos outros, a validar resultados e a construir argumentos convincentes.

As estratégias utilizadas nesta sessão foram: tentativa e erro, construção de

tabela, adivinhar (dar palpites) e testar.

4º e 5º encontros (29 e 30.09.98)

Participantes: Gauss e Euler.

Problema proposto: Complete o quadrado abaixo com

algarismos de 1 a 9, sem repeti-los. A soma nas horizontais,

nas verticais e nas diagonais deverá ser sempre igual a 15.

Conceitos envolvidos: adição e subtração; ângulo, rotação e simetria, diagonal,

matriz (linha/coluna; horizontal/vertical), seqüência numérica, progressão aritmética,

ponto médio.

Pensamos em reaplicar o problema do encontro anterior, caso a turma fosse um

pouco maior. Como isso não ocorreu, prosseguimos com os problemas. Em particular,

esse problema pode ser classificado também como recreativo.

Escrevemos o problema no quadro, já havíamos distribuído as folhas de

resolução. Não fizemos nenhum comentário sobre o enunciado, aguardávamos

questionamentos. Os dois alunos se concentravam na leitura, faziam algumas anotações

152

Page 140: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

na folha, não se comunicavam entre si.

Apesar de ter chegado um pouco depois de já termos iniciado, Euler terminou

corretamente uma das possíveis soluções. Solicitamos-lhe que procurasse outra

representação e também que registrasse seu raciocínio.

Informamos-lhes que havia 8 maneiras diferentes para se completar o quadrado

mágico. Irritaram-se um pouco com a informação, pois estavam com dificuldades para a

construção de um quadrado, quanto mais de 8. Reconhecemos que não deveríamos ter

tido tal atitude, pois impossibilitamos que os alunos chegassem por si mesmos a essa ou

outras conclusões.

Os questionamentos se iniciaram com a pergunta: “há uma maneira prática de se

fazer sem ter que ficar testando?”

Começamos por mostrar-lhes no quadro a extensão dos números de 1 a 9; ou

seja, a disposição 1-2-3-4-5-6-7-8-9. Pedimos para que observassem que a posição

central da seqüência numérica era ocupada pelo número 5, donde concluíram ser este o

número que ocuparia o centro do quadrado. Daí por diante, acharam mais fácil procurar

as outras formas.

Utilizamos duas oficinas para a resolução do problema, pois gostaríamos que

construíssem os oito quadrados possíveis, para que observassem, comparassem

percebessem a “movimentação” dos números.

Foi a primeira oficina em que solicitamos que se debruçassem à procura de

outras formas para resolver o mesmo problema.

Euler conseguiu, no 4º encontro, construir quatro quadrados, e abandonou duas

tentativas. No encontro seguinte, apesar de chegar faltando vinte minutos para o término

153

Page 141: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

da atividade, em razão de ter trabalhado à noite, optou por aproveitar o tempo que lhe

restava para concluir com sucesso a tarefa que havia deixado pela metade na oficina

anterior.

Gauss, no 4º encontro, construiu três quadrados, sendo que apenas um deles

atendia aos comandos do problema. Também abandonou duas tentativas. Já na oficina

seguinte, construiu cinco quadrados, sendo que um estava repetido, porém todos

corretos. Dessa forma, ele totalizou cinco quadrados construídos com sucesso.

Conclusão: a diferença de um encontro para o outro foi significativo. Principalmente no

que se referiu ao tempo, foram bem rápidos. Com isso, confirma-se mais uma vez que o

problema proposto já não era, no dia seguinte, mais um problema, pois eles já sabiam o

que fazer.

Tínhamos a idéia de que os alunos resolveriam o problema sem maiores

dificuldades após explicação exaustiva do cerne do seu enunciado. Porém, foram

necessários dois encontros para que Gauss parcialmente o resolvesse e para que Euler o

resolvesse por completo. A maior dificuldade apresentada foi preencher corretamente a

posição central do quadrado para satisfazer as três condições simultâneas do enunciado.

As estratégias utilizadas foram tentativa e erro, procura de problema semelhante.

6º encontro (02.10.98)

Participante: Gauss

Problema proposto (múltipla escolha): Um copo cheio de água

pesa 325 gramas. Se jogarmos metade da água fora, seu peso

cai para 180 gramas. O peso do copo vazio é:

a) 20g b) 25g c) 35g d) 40g e) 45g

154

Page 142: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Conceitos envolvidos: sistema de equações do 1º grau; medidas de massa; quatro

operações; fração.

Vamos aqui fazer considerações mais detalhadas sobre o desenvolvimento da

solução do problema, já que contamos com a participação de apenas um aluno. E é

assim que procederemos doravante nas outras com igual quórum.

Iniciamos nosso trabalho conversando com Gauss sobre o que ele estava

achando dos encontros. Respondeu-nos que, apesar de coisas simples, tinha de parar

para pensar. Perguntamos também se ele estava levando isso para a sala de aula. Disse-

nos que não articulava as duas coisas.

O que Gauss nos permite inferir é que apesar de se sentir capaz para resolver tais

problemas, não estava acostumado com esse tipo de atividade em sala de aula. Os

embaraços diante daqueles problemas se fortaleciam, pois eram problemas que exigiam

um pouco mais de reflexão e não a simples aplicação de fórmulas. A ausência de

articulação entre as oficinas e a sala de aula ocorria por que a Matemática daqui era

diferente da Matemática de lá. Isso muito se deve à forma como a Matemática era

abordada em sala de aula, o que não contribuía efetivamente para desenvolver o

raciocínio dos alunos e também impedia que a professora se colocasse como mediadora

do processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, muito pouco ou quase nada se fez

para a criação de “novas” zonas de desenvolvimento proximal, que levariam à

internalização das funções psicológicas superiores (Vygotsky, 1998). Por outro lado, as

oficinas oportunizaram aos alunos a comunicação matemática, a reflexão dos problemas

propostos, fatores suficientes para que caracterizassem a Matemática das oficinas de

maneira diferenciada.

155

Page 143: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Aproximou-se um colega que se acomodou em uma das carteiras a fim de

esperar pela aula. Perguntamos a Gauss se a simples presença do colega o incomodaria.

Respondeu que não, preferindo estar com mais alguém.

Reproduzindo seus registros, temos:

180 325 325 2 180 180 145 325180 (+) 180 (-) 12 162,5 162,5 (-) 145 (-) 145 (+) 290(-) 360 145 05 18 55 290 20 10 0

145 325145 (+) 290 (-)290 35

Uma possível interpretação para os registros de Gauss é que a metade do peso da

água era 180g, tanto que duplicou o valor. Como o valor encontrado foi superior a 325g,

não era possível subtraí-lo, pois a resposta seria um número negativo. Optou por

subtrair 180g, mas não entendeu o significado do resultado encontrado, partindo para

outro raciocínio. Estando escrita no texto a palavra metade, dividiu o peso do copo

cheio de água por 2, subtraindo o resultado do peso final, chegando ao resultado 18g.

Porém, não havendo esta alternativa como resposta, concluiu que algo estava incorreto.

Retomou o cálculo feito que lhe fornecia o número 145 e o subtraiu do peso final. Ainda

assim, não atinou para o fato de que 180g era o peso do copo mais a água que havia

restado, donde poderia concluir que 145g corresponderia ao peso da água jogada fora e

como o enunciado dizia que “se jogarmos metade da água fora”, poderia perceber que

145g era a metade da água existente no copo. Logo, o peso do copo cheio menos o peso

total da água resultaria no peso do copo vazio. Fomos provocando este último

raciocínio, apesar de o aluno corresponder a ele lentamente.

156

Page 144: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Percebam ainda que, induzido pelas alternativas, inclusive logo a primeira,

registrou 20 como resposta de 325 – 290. Solicitamos que refizesse o cálculo. Foi então

que concluiu, satisfeito, o problema.

Conclusão: a interpretação do enunciado foi, com certeza, o primeiro grande obstáculo

para o aluno. Ele acabou por não identificar os dados ou frases relevantes que o

auxiliariam na condução da resolução. Suas estratégias foram: tentativa e erro,

dedução.

7º encontro (06.10.98)

Participante: Gauss

Problema proposto: Um trem mede 1 km. Ele está a uma

velocidade de 1 km por minuto. Quantos minutos ele levará

para atravessar um túnel de 1 km?

Conceitos envolvidos: seqüência numérica, medidas de comprimento e tempo,

quatros operações.

Procuramos não falar nada até que o aluno fizesse a primeira pergunta ou algum

comentário após a sua leitura.

Passados alguns minutos, Gauss nos chamou para que verificássemos seu

registro:

1km = 1.000 m (1)1km = 1.000 m.m (2)1km = 1.000 m túnel (3)

“O trem gastará 1 minuto para atravessar o túnel”

Desvendando o registo:

157

Page 145: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

(1) o aluno preferiu trabalhar em metros pois “tenho mais visão caso precise

adicionar ou multiplicar”;

(2) estabeleceu a relação de que 1km é igual a 1000 metros por minuto;

(3) o trem tem a mesma medida que o túnel (dado do enunciado).

Foi uma tentativa de organizar os dados, mas acabou não observando a

relevância deles. Em virtude de sua resposta, sentamo-nos ao seu lado e pedimos para

que desenhasse as informações dadas no problema. Em seguida, fomos conversando até

que registrou: “2 km é o tempo gasto”.

Notem a pequena confusão que faz com medida de comprimento e medida de

tempo. Certamente, ele quis dizer 2 minutos. Só após ter feito o desenho desvendou o

problema. Conseguiu perceber a entrada do trem no túnel, sua passagem pelo túnel,

donde concluiu 2 minutos. Enfatizamos aqui a compreensão do enunciado mediada pela

elaboração do desenho.

A seqüência da oficina foi tentarmos generalizar o problema. Para isso fomos

construindo, passo a passo, o seguinte raciocínio:

QUADRO 7 – GENERALIZAÇÃO DE UM RACIOCÍNIO

Túnel (km) Tempo (minutos)

1 2

2 3

3 4

4 5

5 6

6 7

n n+1

158

Page 146: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Tudo bem enquanto falávamos em números. A partir do momento que

colocamos n, o aluno não conseguiu perceber o seu consecutivo. Porém, inferiu que o

tempo gasto era o comprimento do túnel mais 1. Trabalhar com letras era mais uma

dificuldade, aliás bastante comum no ensino regular também. No caso, não compreendia

que o comprimento do túnel valia n km.

Ao final, perguntamos-lhe: O que você achou do problema?

Ele respondeu: “Tudo é raciocinar”.

Conclusão: um dos momentos mais difíceis para o aluno foi o da generalização. Vale

(1997) destaca, dentre os quatro processos subjacentes ao pensamento identificados por

Mason, a generalização como sendo a essência do pensamento matemático. E completa

dizendo que a incapacidade em generalizar traduz uma certa incapacidade de pensar

matematicamente (p. 4).

Mesmo com a nossa orientação, Gauss não conseguiu generalizar, evidenciando

desta forma que, para se beneficiar da cooperação de outrem, há que se estar em um

certo nível de desenvolvimento, caso contrário não ocorre a alteração do desempenho

do indivíduo pela interferência do outro, um dos pontos centrais na teoria de Vygotsky.

As estratégias utilizadas pelo aluno nesta oficina foram: procura de palavras e

frases-chave, escrever informação relevante.

8º encontro (07.10.98)

Participantes: Gauss e Euler

Problema proposto: Se a semana tivesse apenas cinco dias, de 2ª

a 6ª, e se o dia 1º de julho de um certo ano fosse 3ª feira, em

que dia da semana “cairia” o dia 1º de janeiro do ano

159

Page 147: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

seguinte?

Conceitos envolvidos: múltiplos e divisores, intervalo, lógica.

Iniciamos a oficina escrevendo o enunciado do problema no quadro para que

eles copiassem. A prática obrigava a uma leitura prévia, mesmo que superficial, do

problema em questão. Aliás, o problema exigiu várias leituras, até que Gauss começasse

a rabiscar as primeiras idéias. Segundo Krulik e Rudnick, citados por Leitão e

Fernandes (1997), afirmam ser necessário dar aos alunos muitas oportunidades para que

leiam o problema, pois se em uma primeira leitura eles se familiarizam com o

enunciado do problema, já em uma segunda leitura eles poderão pensar em extrair dados

relevantes que favoreçam a seleção de estratégias para a resolução do problema.

Com a chegada de Euler, Gauss demonstrou satisfação em ter um companheiro.

Em virtude disso, algum tempo depois pedimos para que trabalhassem juntos, pois

estavam achando o problema difícil.

A primeira idéia sugerida por Gauss foi de que o mês tivesse 20 dias, 4 semanas

de 5 dias, o que totalizaria 12 meses, 240 dias. Multiplicou os 20 dias por 6, que

representava o intervalo de julho a dezembro e adicionou 1, 1º dia de janeiro. Porém,

Euler refutou dizendo que nem todo mês tinha 4 semanas. Sugeriu outra idéia: saber

quantos dias tinha cada mês (os meses de 30 dias e o meses de 31 dias). Ressaltamos

para Gauss que o enunciado não alterava a quantidade de dias estabelecida a cada mês.

Depois, o que fazer, perguntamos.

Euler disse: “somar e dividir por cinco”.

P: Por que dividir por cinco?

A: “No chute”.

160

Page 148: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Acatamos a idéia, pois na verdade Euler havia pensado em dividir por cinco em

razão de a “semana” ter cinco dias.

Passamos então a discutir a soma 185, ou seja, o dia 1º seria 185 dias após a data

inicial. Assim, com o calendário que havíamos esboçado no quadro, observamos

também que todos os múltiplos de 5 estavam na coluna da segunda-feira e que o número

185 era múltiplo de 5, logo chegaram à conclusão de que o dia 1º de janeiro “cairia”, no

ano seguinte, numa segunda-feira.

Consideraram o problema muito difícil. Alegaram que “somos muito ocupados,

não temos tempo para pensar”. Sobre isso, temos a acrescentar que, ao se pretender

desenvolver a capacidade de os alunos pensarem matematicamente, estaremos

inserindo-os em práticas reflexivas, as quais requerem bastante tempo. Tempo para

pensar, propor, conjecturar, resolver, argumentar, formular, discutir (Vale, 1997).

Fizemos, a pedido deles, outro problema similar. A proposta agora era saber em

que dia da semana “cairia” o dia 1º de outubro.

Raciocinando de forma análoga à do problema anterior, quantificaram e

somaram os dias de cada mês, inclusive o 1º de outubro. Chegaram ao número 93,

múltiplo de 3, não por terminar por 3, como disse Gauss, a princípio, mas por que,

lembrando-se da regra, a soma dos algarismos dava um múltiplo de 3.

Enquanto pensavam na resposta, esboçávamos o calendário, para que

verificassem qual a regularidade que nos permitiria encontrar a solução. Não

conseguiram localizar uma coluna com todos os múltiplos de 3, quando então passamos

a ajudá-los. Pedimos que observassem a coluna da 5ª feira do mês de julho, pois lá se

encontravam o 3º, o 13º, o 23º e assim por diante. Como todos os dias terminavam por

161

Page 149: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

3, consequentemente o 93º dia, que era o 1º de outubro, pertencia àquela coluna.

Conclusão: sempre foi nossa intenção trabalharmos com uma variedade de problemas

que envolvessem alguns dos muitos conceitos matemáticos discutidos em um programa

de ensino médio. Esse problema particularmente nos agradou pela sutileza com que se

apresentava e, mais importante, trabalhava dois conceitos ainda não explorados, isto é,

múltiplos e divisores. A maneira como os introduzia era bem diferente das de outras

com que já havíamos tomado contato ao longo de nossa trajetória docente e

consideramo-lo criativo.

De todos os problemas trabalhados, este foi considerado pelos alunos como o

mais difícil. Provavelmente por não verem um significado prático ou útil em sua

resolução. Porém, foi possível mostrar através dele a importância da dramatização de

uma situação como subsídio de compreensão de um problema. As estratégias utilizadas

foram : procurar palavra ou frases-chave, escrever informação relevante, adivinhar (dar

palpites) e testar, tentativa e erro.

9º e 10º encontros (13 e 14.10.98)

Participantes: Gauss e Euler

Problema proposto: No ano 855 da nossa era vivia na China o

imperador Yang Souren. Tendo vagado um lugar importante

e havendo dois mandarins interessados no cargo, o imperador

decidiu que ocuparia o lugar o mandarim que resolvesse o

seguinte problema: “O chefe de uma quadrilha de ladrões

dizia para seus homens: se cada um de nós ficar com quatro

das peças de tecidos que roubamos, sobram duas peças. Mas

se cada de um de nós quiser ficar com cinco, faltam quatro

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Page 150: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

peças. Quantos eram os ladrões?”

Conceitos envolvidos: algoritmo da divisão, P.A., intervalo.

A partir desta oficina, os participantes receberam os enunciados dos problemas

já digitados.

Gauss leu muitas vezes o problema, mas não o entendeu. Em algum momento

disse: “Não consigo raciocinar”. Estava ansioso. Começou a se preocupar ao ver o

companheiro terminar.

Demos as primeiras dicas: leitura pausada do enunciado, quais dados o problema

fornecia para sua solução, o que o problema pedia. Percebendo que Gauss ainda

apresentava dificuldades para o pleno entendimento do problema, e quase desistindo,

pedimos para que Euler o ajudasse, pois já havia terminado.

O desenvolvimento sugerido por Euler foi o seguinte:

2 x 4 = 8 + 2 = 103 x 4 = 12 + 2 = 144 x 4 = 16 +2 = 185 x 4 = 20 + 2 = 226 x 4 = 24 + 2 = 267 x 4 = 28 + 2 + 308 x 4 = 32 + 2 + 349 x 4 = 36 + 2 = 38

2 x 5 = 10 – 4 = 63 x 5 = 15 – 4 = 114 x 5 = 20 – 4 = 165 x 5 = 25 – 4 = 216 x 5 = 30 – 4 = 267 x 5 – 35 – 4 = 318 x 5 = 40 – 4 = 369 x 5 = 45 – 4 = 41

Completou seu registro escrevendo:

…meu raciocínio foi encontrar um número que fosse igual usando duas fórmulas. A primeira foi multiplicando o nº 4, total de peças que cada ladrão ficaria e mais 2 que sobrariam. A segunda foi multiplicando o nº 5 menos 4 que faltavam encontrei a solução com o nº 6 pois 6 x 4 = 24 + 2 = 26 e 6 x 5 = 30 – 4 =26 nos dois casos o nº de tecidos confere, e o nº de ladrão também.

Note-se que Euler entendeu de fato o enunciado do problema, em que o cerne

163

Page 151: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

era ter detectado que, para ambos os casos, o número de peças deveria ser o mesmo.

Gauss seguiu o mesmo raciocínio, uma vez que havia recebido

instruções de Euler. Mas reparem seu registro:

n = número de peças

x = número de ladrões

1 . 4 = 4 + 2 = 6

1 . 5 = 5 – 4 = 1

2 . 4 = 8 + 2 =10

2 . 5 = 10 – 4 = 6

Continuando no dia seguinte:

4 .4 = 16 + 2 = 18

4 .5 = 20 – 4 = 16

5 . 4 = 20 + 2 = 22

5 . 5 = 25 – 4 = 21

6 .4 = 24 + 2 = 26 pç

6 .5 = 30 – 4 = 26 l

(1) (2) (3)

“Resolveu” o problema, porém não estava seguro do que havia feito. As

anotações ao lado do número 26 confirmam isso, ou seja, concluiu que o número de

peças era igual ao número de ladrões. Organizamos juntamente com ele o que seria a

sua tabela: (1) número de ladrões, (2) dados fornecidos no problema, (3) número de

peças. Procedeu desta forma e então respondeu à pergunta: “6 ladrões’’.

Terminada essa parte, e por estar muito interessante, continuamos perguntando-

lhes: o que garantia que a solução fosse única?

Demos tempo para que refletissem e, como não responderam, fomos para o

164

Page 152: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

quadro discutir com eles. Expusemos:

Nº de ladrões: 01-02-03-04-05-06-07-08-09

1º caso: 06-10-14-18-22-26-30-34-38 (PA de razão 4)

2º caso: 01-06-11-16-21-26-31-36-41 (PA de razão 5)

A primeira coisa que fizemos foi verificar se estavam de acordo em iniciarmos a

resolução considerando o mínimo de 1 ladrão, apenas para constatar se não haviam

pensado em quantidade nula ou negativa.

Até onde poderíamos ir? Infinito, responderam. Então ressaltamos que no 1º

caso poderíamos escrever uma P.A de razão 4 e no 2º, outra de razão 5. Caso quisessem

continuar com uma infinidade de número de ladrões, passamos a analisar o intervalo de

1 a 5: a diferença entre o número de peças diminui, comparando-se os dois casos.

Analisando o intervalo de 7 a 9: a diferença do número de peças aumenta. E isso era

suficiente para deduzirem que doravante não se encontraria mais o mesmo número de

peças. Nesse ponto concluímos a única resposta possível.

Lemos o problema novamente com eles e fomos enfatizando algumas estratégias

que os ajudaram na resolução do problema: tentativa e erro, procura de palavras e

frases-chave, construção de tabela, recurso à álgebra, procura de regularidade. A

princípio só as palavras que representavam números foram assinaladas. Para finalizar,

mostramos a solução algébrica do problema.

Conclusão: a nossa intervenção foi de fundamental importância, pois possibilitou

trabalharmos com estratégias que muito os auxiliariam na resolução do problema, além

de provocar grande interesse nos participantes. Euler manifestou mais facilidade de

compreensão e argumentação e seu apoio e paciência com Gauss foram imprescindíveis

165

Page 153: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

para que este se sentisse melhor e mais confiante, haja vista existir uma diferença

considerável no desempenho dos dois. Porém, a interação de ambos e a troca de

opiniões foram determinantes para a produtividade da oficina. Para Bakhtin (1990, p. 8)

a palavra é o território comum do locutor e do interlocutor. Ela é dirigida para um

interlocutor e pode variar de acordo com o grau de aproximação social entre o locutor e

o interlocutor.

11º encontro (16.10.98)

Participante: Gauss

Problema proposto: Os lados do quadrado foram divididos em

quatro partes iguais. Qual a fração da área do quadrado que

corresponde à área do pentágono pintado?

Conceitos envolvidos: operação com números fracionários, área de figuras planas,

ângulo reto, perpendicularismo, paralelismo, perímetro, nomenclatura de figuras,

equivalência de frações.

Gauss leu o problema e contou a quantidade de quadradinhos. Perguntou-nos se

poderia dar qualquer valor para o lado do quadrado. Registrou 4, aleatoriamente, não se

atendo à informação dada no próprio enunciado. No cálculo da área do quadrado se

confundiu um pouco (4x4x4x4). Até que respondeu 16 (1). Porém, também não

166

Page 154: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

percebeu a divisão em 16 quadradinhos. Pensou em subtrair do quadrado a parte não

sombreada para obter a área mas não pensava em partes e sim em inteiros (5).

Considerando a parte destacada subtraiu de 4, lado do quadrado, 1 quadradinho, não

sombreado (3). Outra tentativa foi considerar a metade da área do quadrado, 8 m², sendo

que o numerador da fração estaria representando o quadradinho não sombreado pintado

agregado à parte sombreada.

O raciocínio de Gauss sempre esteve associado a subtrair algo de

algo, mas não sabia bem o quê. Encontramos em sua folha os seguintes

registros:

16 m² área total (1)

1/8 (2)

4 – 1 = 3 (3)

4/2 = 2 +5 = 7 (4)

16 – 9 = 7 m² área pedida (5)

Em virtude da permanência de uma das maiores dificuldades -descobrir o que o

problema queria- passamos a discutir sobre ele: quantos quadradinhos tem o quadrado?

18? 20? Ele riscou, ou melhor, completou a figura para que pudesse responder-nos a

pergunta. Continuamos: qual a representação de um inteiro? Queríamos verificar a sua

idéia de todo. Quantos quadradinhos não estão sombreados? O problema são os

quadradinhos sombreados ou não pela metade. Indicamos-lhe que se 4 metades

significavam 2 quadradinhos, logo tinham-se 7 quadradinhos sombreados e 9 não

sombreados (4) e (5).

Conclusão: Gauss apresentou muita dificuldade em trabalhar com um problema

geométrico sem dados numéricos. Esse fato comprometeu a interpretação do enunciado.

167

Page 155: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Porém, a necessidade de se introduzirem números pareceu-nos uma boa estratégia para

o caso específico de Gauss, o que foi um avanço. Todavia, temos também de levar em

conta que o conteúdo de geometria foi bem pouco explorado em sala de aula, refletindo

a pouca intimidade do aluno com os conceitos geométricos envolvidos no problema.

As estratégias utilizadas pelo aluno foram: tentativa e erro, usar número simples.

12º encontro (21.10.98)

Participante: Gauss

Problema proposto (múltipla escolha): Se o mês de dezembro só

tiver 4 domingos, o dia de natal não poderá ser:

a) 4º feira b) 5ª feira c) 6ª feira d) sábado e) domingo

Conceito envolvido: lógica.

Conversamos um pouco antes de iniciarmos os trabalhos. Gauss estava gripado

e, portanto, um pouco indisposto. Durante o nosso diálogo, comentou que Euler tinha

mais facilidade que ele.

Passamos o problema no quadro e pedimos para que não copiasse. Fixou o olhar

no quadro, lendo várias vezes e não registrando nenhum dado. A primeira oralidade foi

para dizer que a cada ano o natal “caia” em um dia, baseando-se no que acontece de

fato.

Perguntamos-lhe se já havíamos feito algum problema similar e qual havia sido

nosso procedimento. Imediatamente montou um calendário, com uma semana de 6 dias.

Justificou que a escolha de 6 dias era para que todos os números pares ficassem numa

coluna e os ímpares noutra, o que facilitaria localizar o dia 25.

168

Page 156: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Em um determinado momento disse: “Qualquer um desses dias pode ser

domingo!”

A partir daí, percebendo sua dificuldade em prosseguir, iniciamos a exposição da

resolução, evidentemente argüindo sempre que possível. Ao final, desabafou: “Eu quero

aprender, mas a cabeça é muito ruim”. De fato, Gauss apresentou algumas dificuldades

quanto à compreensão de certos problemas, mas nem por isso deixou de persistir, aliás

traço bastante característico de sua personalidade. Talvez em razão de não se encontrar

bem tanto física quanto emocionalmente, resultando em sua pouca produtividade nesta

oficina, tenha se considerado pouco inteligente.

A estratégia utilizada foi basicamente a de recorrer a um problema semelhante.

Conclusão: a nossa expectativa a princípio era a de que o aluno espontaneamente se

recordasse de um problema semelhante aplicado anteriormente em uma das oficinas.

Percebemos que o problema proposto, igualmente ao outro, não lhe surtiu um

significado razoável para compreensão, ou melhor, não havia no que se amparar para

simular uma situação, uma vez que ela nunca aconteceria na realidade, de acordo com

as condições do enunciado. O problema tinha mais como propósito exercitar a

abstração, a imaginação.

13º encontro (23.10.98)

Participantes: Gauss, Euler e Arquimedes.

Problema proposto: Duas composições de metrô partem

simultaneamente de um mesmo terminal fazendo itinerários

diferentes. Uma torna a partir do terminal a cada 80 minutos,

e a outra, a cada hora e meia. Determine o tempo gasto

169

Page 157: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

percorrido entre duas partidas simultâneas consecutivas do

terminal.

Conceitos envolvidos: Intersecção, intervalo, medida de tempo, P.A .

Algumas palavras do enunciado contribuíram para dificultar o seu entendimento

pelos 3 participantes: torna, simultaneamente, consecutivo. Além disso, mais uma vez a

dificuldade em saber decifrar o que o problema pedia.

Fizemos uma leitura do enunciado, esclarecendo-lhes as palavras desconhecidas

e sugerimos que simulassem um horário de partida. Refizemos a pergunta: daqui a

quanto tempo elas vão partir no mesmo horário?

Cada um deles simulou um horário diferente, o que achamos ótimo, pois

ilustraria muito bem a idéia de que a solução independia da partida e ao final o tempo

gasto seria o mesmo. O primeiro palpite foi dado por Arquimedes, que sustentou a

impossibilidade de a composições se encontrarem novamente. Segundo ele, a partir da

2ª saída as diferenças dos horários seria constantemente 10 minutos (90 – 80): a cada

10’, a locomotiva B sai do terminal em diferença da A . Foi quando chamamos sua

atenção para a 3ª saída, quando esta hipótese já era equivocada, pois 8h30 + 1h30 =10h

e, pela hipótese sugerida, deveria ser 9h50.

1h20: 07h00 08h20 09h40...

1h30: 07h00 08h30 10h00...

A sua dificuldade se manteve em operar com a adição de minutos, fato que

contribuiu para que não concluísse o problema.

Euler também arriscou uma resposta: “1 dia, 24 horas”. A falha dele foi não ter

observado em sua simulação que as duas locomotivas já haviam tido um horário em

170

Page 158: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

comum (13 horas), só “enxergou” a intersecção em 1 hora, quando deduziu a solução,

uma vez que simulou suas partidas à 1 hora.

Gauss iniciou sua resolução como os demais, porém repentinamente concluiu

que o tempo gasto havia sido 1 hora e não verificou a razoabilidade de sua resposta.

Conclusão: apesar de não responderem corretamente a pergunta do problema,

consideramos a participação dos alunos muito proveitosa, à medida que verbalizaram

suas idéias, checaram suas opiniões. As estratégias das quais se utilizaram foram:

escrever informação relevante, construção de um quadro organizado, procura de

regularidade, dramatizar a situação.

14º encontro (28.10.98)

Participantes: Gauss, Descartes

Problema proposto: Você tem um saco com menos de 60 bolas.

Se você dividi-las entre 6 crianças, restarão no saco 4 bolas; se

você dividi-las entre cinco crianças, restarão no saco 3 bolas;

se você dividi-las entre 4 crianças, restarão no saco 2 bolas e

finalmente, se você dividi-las entre 3 crianças, restará no saco

1 bola. Quantas bolas existem no saco?

Conceitos envolvidos: algoritmo da divisão, intersecção, função do 1º grau,

intervalo, P.A .

Este problema é similar ao aplicado nos 9º e 10º encontros.

Gauss praticamente encontrou de imediato o resultado do problema. Passando

por sua carteira, pedimos para que testasse sua hipótese nos outros casos:

“inconscientemente” ele pensou no menor número par antecessor consecutivo de 60, ou

171

Page 159: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

seja, no número 58. Sua justificativa na escolha de tal número se pautou simplesmente

por ser um número menor que 60, como dizia a primeira frase do enunciado.

A valorização que demos pelo raciocínio utilizado fez com que o aluno se

sentisse muito bem, e a partir daí, melhorasse seu desempenho.

Seu registro apresentava:

1º 58 : 6 = 9 x 6 = 54 = 58 bolas divididas entre 6 crianças = 9 p/ cada criança sobrando

4 bolas.

2º 58 : 5 = 11 x 5 = 55 = 58 bolas divididas entre 5 crianças = 5 p/ cada criança

sobrando 5 bolas.

3º 58 : 4 = 14 x 4 = 56 = 56 bolas divididas entre 4 crianças 14 bolas p/ cada criança

sobrando 2 bolas

4º 58 ; 19 = 19 x 3 = 57 =57 bolas divididas entre 3 crianças 14 bolas para cada criança

sobrando 1 bola

5º Existe no saco 58 bolas

6º Escolhido um nº que dividido por 6 sobraria 4. Ex: 58 : 6 = 9 restando 4.

Como já dissemos, o aluno em sua primeira tentativa encontrou o número

procurado, porém na testagem para confirmá-lo devemos fazer algumas considerações:

a) o sinal de igualdade usado indevidamente nos quatros primeiros itens;

b) no 3º e 4º itens foi desatento quando registrou os resultados das multiplicações

efetuadas em vez de seguir o raciocínio que vinha tendo com a quantidade 58 bolas;

c) no 4º item, mais um momento de desatenção: registrou a divisão por 19 quando o

correto seria por 3, o mesmo acontecendo para a quantidade que cada criança receberia,

172

Page 160: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

19 em vez de 14.

Com relação ao outro aluno, esta foi sua primeira participação em nossas

oficinas, é um pré-vestibulando e, a princípio hesitou em participar, talvez com receio

do que fôssemos pensar caso não se saísse muito bem. Seu desempenho na disciplina de

Matemática em anos anteriores foi muito bom. Cremos que o bloqueio da ocasião o

tenha atrapalhado. Tinha algumas idéias, mas não tomava a iniciativa de testá-las, ou

mesmo verbalizá-las. Sua única tentativa foi adicionar as quantidades de bolas que

restariam após a divisão (4+3+2+1), o que o fez concluir que existiam 10 bolas no saco.

Conclusão: esta foi a oficina em que Gauss mais se sobressaiu. Seus passos foram

firmes, apesar de pequenos atropelos já bastante comentados. Provavelmente, seu êxito

tenha sido conseqüência da valorização dada à sua maneira de pensar o problema.

Apesar de ter se baseado quase que exclusivamente na primeira frase do problema, ela

foi fundamental para o grande avanço dado na organização de seu quadro e no

encadeamento do seu pensamento.

Macleod (1989), referindo-se a algumas das características dos estados afetivos

dos alunos enquanto resolvem problemas matemáticos, ou seja, intensidade e duração

da emoção, destaca a importância de se dar ênfase às emoções positivas, pois os alunos,

ao sentirem que estão progredindo, vivenciam emoções positivas (satisfação), ao passo

que, quando se sentem bloqueados, acabam invadidos por emoções negativas

(frustração). O autor ainda ressalta que, se fosse feito o gráfico do estado emocional dos

alunos enquanto resolvem problemas matemáticos, ele em muito se assemelharia à uma

função periódica.

As estratégias que se destacaram na oficina que encerra a aplicação de

173

Page 161: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

problemas aritméticos foram: adivinhar (dar palpite) e testar, fazer um quadro

organizado, usar dedução (indução).

15º encontro (30.10.98)

A partir deste encontro começamos a aplicar problemas de geometria,

propositadamente, pois era o conteúdo programático que estava sendo desenvolvido

naquele bimestre e também por considerarmos relevante trabalhar com eles de forma

diferenciada da que estavam acostumados. Em virtude disso, além da oficina anterior às

aulas, fomos também para a sala de aula. Assim sendo, naquele dia trabalhamos com

duas turmas nos seus respectivos horários da aula de Matemática. A primeira turma foi

a que observamos, a segunda pertencia ao outro professor, que no momento se

interessou pelo nosso trabalho e pediu para que fossemos até sua sala. Achamos ótimo,

pois dessa forma poderíamos desenvolver o que havíamos planejado desde o início e

que, por falta de alunos, não estava sendo possível: discussão em/dos grupos dos

procedimentos utilizados para a solução do problema proposto. Entretanto, as oficinas

realizadas até aquele instante de maneira alguma poderiam ser consideradas inviáveis,

em virtude do reduzido número de alunos, pois as discussões orais foram substituídas

por valiosos registros que nos permitiram identificar várias estratégias utilizadas por

aquele grupo, pequeno, mas imensamente heterogêneo.

Oficina anterior às aulas:

Participantes: Gauss e Euler.

Problema proposto: De quanto se deve aumentar o lado de um

quadrado para que sua área dobre?

Conceitos envolvidos: proporção, semelhança, área do quadrado, número

174

Page 162: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

irracional, produto notável.

Pedimos para que resolvessem o problema juntos. Leram-no em voz alta,

marcaram as palavras-chave e comentaram: “No início pareceu fácil” (foi a impressão

que tiveram por causa do tamanho do enunciado).

Prosseguiram. Tiveram a idéia de desenhar um quadrado. Euler supôs que o lado

tivesse 10cm. Gauss disse não ser possível o cálculo da área porque o enunciado não

trazia a altura do quadrado, em outras palavras, a relação lado x lado lhe parecia

diferente de base x altura.

Continuando com o raciocínio de Euler, cujo cálculo da área do quadrado

resultou 100 m², pedimos para que dobrassem o valor do lado, no intuito de que

verificassem o que ocorreria com a nova área. Uma certeza ele tiveram: duplicando-se o

lado ,ou seja, aumentando-o 100%, a área não dobraria e, sim, quadriplicaria.

Propusemos utilizar a álgebra, com o objetivo de atingir generalizações.

Desenhamos 2 quadrados, sendo que um de lado a e outro de lado a + x. Esse x

representaria o quanto deveríamos aumentar o lado para que a área fosse duplicada.

Portando, a área do primeiro (S’) seria a² e a do segundo (S’’), (a + x )². Como S’ = 2

S’’ tínhamos que: a² = 2(a +x)² . Até aí acompanharam bem a explicação. A

continuação ficou um pouco comprometida, uma vez que haviam se esquecido de

produto notável. Piorou quando, durante o desenvolvimento, apareceu a notação de raiz

quadrada. O problema se tornou complicado e não conseguiram resolvê-lo.

Conclusão: constatamos, mais uma vez, a necessidade de encontrar dados numéricos no

problema, sendo por demais complicado trabalhar genericamente. Essa constatação

levou-nos a identificar o nível de desenvolvimento real dos participantes da oficina, no

175

Page 163: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

qual as estratégias utilizadas foram: procurar palavras e frases-chave, tentativa e erro,

elaboração de figuras, escrever uma fórmula, usar número simples.

À proporção que propusemos identificar o nível de desenvolvimento potencial,

ou seja, passamos a ajudá-los com alguns direcionamentos, houve ruptura, por estarem

envolvidos, naquele instante, dois conceitos considerados difíceis por quase todos os

estudantes, seja no ensino fundamental, seja no ensino médio, isto é, produto notável e

raiz quadrada. A tentativa de resgatar tais conceitos foi em vão, pois eles não haviam

sido muito bem assimilados anteriormente. Enfatizamos novamente um dos

fundamentos da teoria vygotskyana, qual seja, para que haja alteração no desempenho

do “outro” é necessário que se esteja num certo nível de desenvolvimento. Dessa forma,

de acordo com Oliveira (1993, p. 60),

… a idéia de nível de desenvolvimento potencial capta, assim, um momento do desenvolvimento que caracteriza não as etapas já alcançadas, já consolidadas, mas etapas posteriores, nas quais a interferência de outras pessoas afeta significativamente o resultado da ação individual.

Em sala:

Primeira turma: B1.

16 participantes, entre eles: Gauss e Euler

Problema proposto:Na figura, qual a área do quadrado menor?

176

Page 164: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Conceitos envolvidos: área do quadrado, área do triângulo, teorema de Pitágoras,

número irracional, potenciação, ângulo, proporção, semelhança, as quatro operações.

O trabalho foi realizado em 3 grupos, classificados em grupo 1; grupo 2 e grupo

3 com, respectivamente, 7, 5 e 4 componentes.

O desenrolar da atividade foi muito interessante, pois surgiram várias discussões

e caminhos diferentes foram percorridos para resolver o problema.

Um fato comum aos grupos foi procurar descobrir a área dos 4 triângulos

aplicando o teorema de Pitágoras ou trigonometria. Alguns componentes disseram ser

impossível achar a área da figura interna, já que ela não tinha dimensões: “Não tem o

valor de dentro”.

Note-se o quanto é importante ter a informação quantitativa para que

supostamente ela facilite o início da resolução do problema, caracterizando a concepção

de que Matemática é número.

Observaram que os 4 ângulos eram retos, pois se tratava de quadrado. O grupo 1

foi além, verificando que os lados do quadrado interno eram também as hipotenusas dos

4 triângulos retângulos já visualizados, e chegaram ao resultado aproximado da área

procurada: 4, 97 m². Explicaram passo a passo os procedimentos efetuados para a

resolução do problema.

O grupo 2 calculou a área do quadrado maior e a dividiu por 2, porque

interpretou que os vértices do quadrado menor tangenciavam os pontos médios do

quadrado maior. Não se prendeu às medidas assinaladas na figura, as quais mostravam

claramente que os lados do quadrado maior não estavam divididos ao meio. Outra

tentativa dos componentes do grupo foi usar a trigonometria. Isolaram um dos 4

177

Page 165: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

triângulos, assinalando as medidas dos catetos, 1 e 2, e a da hipotenusa, x. Marcaram

ângulos internos de 90º, 60º e 30º.

Procuraram calcular a tg 60º, porém perceberam que todos os valores da equação

eram conhecidos, o que os levaram ao cálculo do sen 30º. Calcularam x = 4. Mas, como

não atribuíram significado ao resultado encontrado, não deram continuidade à resolução

(Anexo D).

O grupo 3 também usou trigonometria, mas eles partiram do princípio de que os

vértices do quadrado menor estavam nos pontos médios dos lados do quadrado maior,

exatamente como o grupo 1. Traçaram as duas diagonais do quadrado menor, dividindo

assim ambos os quadrados em 4 partes iguais. Isolaram uma das divisões do quadrado

maior, porém assinalaram as medidas expressas do enunciado, 2 e 1. Desse modo, a

figura isolada é um retângulo cuja diagonal é o lado do quadrado menor e bissetriz do

ângulo reto. Assinalaram o ângulo de 45º. Portanto, deduziram que, se calculassem o

valor da diagonal, poderiam responder à pergunta do problema, isto é, a área da figura

interna. Um dos componentes sugeriu que se fosse calculada a área de cada triângulo

retângulo e depois as adicionasse; o resultado seria a área da figura interna. De fato, se

os vértices do quadrado menor tocassem nos pontos médios do quadrado maior, o aluno

estaria totalmente correto (Anexo E).

Os registros feitos pelo grupo evidenciam um raciocínio muito bom. Mostram o

domínio das operações apresentadas e clareza do que representava o resultado

encontrado, ou seja, o valor do x. Havia uma certa insistência pelo uso da trigonometria.

Conclusão: consideramos o trabalho realizado pelos grupos bastante satisfatório, e

classificamos o problema como resolvido parcialmente, devido aos interessantes e

178

Page 166: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

diferentes caminhos que foram apresentados durante a sua resolução. As estratégias

utilizadas foram: elaboração de figura, escrever informação relevante, estimativa,

cálculo mental, escrever uma fórmula ou equação. A participação dos componentes dos

grupos foi intensa, levando-os a discutir as idéias surgidas entre os companheiros. De

acordo com Leitão e Fernandes (1997, p. 101), parafraseando Laborde, o trabalho em

grupo permite a exteriorização de várias estratégias de resolução de problemas e

conduz os participantes à descentração do seu ponto de vista porque os obriga a situar

a sua solução entre várias outras.

Mas, como poderia ser o desenvolvimento do problema, se usássemos, de fato, a

trigonometria?

Não chegamos a discutir com eles a solução, pois o conteúdo de trigonometria

que eles estudaram se limitou às aplicações básicas no triângulo retângulo. Essa outra

forma de solucionar o problema poderia se descrita da seguinte maneira:

Isola-se um dos 4 triângulos retângulos, existentes na figura, cuja hipotenusa

mede l e os catetos medem 1 e 2. Sabendo-se que a soma dos ângulos internos de um

triângulo é 180º e como tem-se um ângulo reto, a soma dos outros dois necessariamente

deve ser 90º, logo + = 90º. Como e são dois arcos positivos do primeiro

quadrante e cuja soma ainda pertence ao primeiro quadrante, vale a seguinte identidade:

Sen ( + ) = sen . cos + sen . cos. Como e são ângulos complementares,

temos que sen = cos e sen = cos. Assim:

Sen 90º = 2/l x 2/l + 1/l x 1/l

1 = 4/l² + 1/l²

1 = 5/l²

179

Page 167: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

l² = 5. Como l é a medida da hipotenusa e também, a medida do lado do quadrado, a

área da figura interna será l² , portanto, a área da figura interna é 5.

Contudo, os caminhos equivocados pelos quais os alunos seguiram revelam que

o problema proposto é um ótimo exemplo de se ensinar Matemática. A partir dele,

poder-se-iam desenvolver outros conceitos, que na maioria das vezes não são

contemplados nos planejamentos bimestrais. Provavelmente, os professores os pré-

julguem como de difícil apreensão e compreensão para os alunos, implicando sua

supressão.

Segunda turma:B2

17 participantes, entre eles Diofanto.

Propusemos o mesmo problema que na turma anterior. Também trabalharam em

grupos. Fizemos 1 grupo com 4 componentes, 4 grupos com 2 componentes, 1 grupo

com 3 componentes e 2 alunos preferiram trabalhar sozinhos.

Os primeiros pronunciamentos foram: “o quadrado menor não tem medida”, “vai

ser dividida por 2”, casos também identificados e já discutidos na outra turma.

Apenas um grupo percebeu os 4 triângulos retângulos. Este grupo calculou a

área de cada um deles e concluiu que elas eram iguais. Calculou também a área do

quadrado maior e deduziu que a área da figura interna seria igual à área do quadrado

maior menos quatro vezes a área dos triângulos, encontrando, assim, 5 como resposta.

Os outros grupos basicamente procuraram em seus cadernos as fórmulas, ou

exercícios parecidos. A cada passo dado perguntavam se estavam no caminho certo.

Queriam freneticamente acertar, encontrar a resposta correta.

Passados alguns instantes, fomos para o quadro. Procuramos fazê-los

180

Page 168: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

participantes com o que haviam produzido, valorizando todo o esforço despendido.

Mostramos três maneiras diferentes que responderiam a pergunta do problema.

Um dos participantes, que preferiu trabalhar sozinho fez um registro que nos

chamou a atenção (Anexo F).

Observem que no quadrado menor ele traçou uma de suas diagonais, chamando-

a de h (altura, com certeza) e também marcou em um dos vértices um ângulo de 60º e

parou por aí.

Achamos curioso esse registro, pois ele nos dava outra maneira de se resolver o

problema e que para o aluno não teve significado, fazendo com que abandonasse a

tarefa. Esse “abandono” nos indicou o seguinte caminho: com a diagonal traçada na

figura interna, formam-se dois trapézios e, dentro de cada um deles, três triângulos

retângulos. Calculando-se a área desse trapézio, o que é possível, pois se conhecem

todas a medidas necessárias, e subtraindo-se dela as áreas dos dois triângulos retângulos

menores, que são iguais, encontramos a área do terceiro triângulo retângulo, que é a

metade do quadrado menor, portanto o dobro desta área é o que se pede no problema.

Aqui está mais um caso interessante de ser analisado. O professor pode tentar

compreender através de registros até onde o aluno conseguiu ir sozinho e é este o

momento de agir, estimulando-o. Essa atitude dinamiza a aula, fortalece o aprendizado,

mas infelizmente, esses “detalhes” passam despercebidos no cotidiano escolar, seja pelo

número de alunos em sala, seja pela preocupação do professor em cumprir o programa a

ele confiado. Tais obstáculos, de fato, impedem uma intervenção mais expressiva do

professor, porém não o enrijece para criar saídas, pequenas que sejam, para melhor

administrá-los. Diversificando metodologias, valorizando as idéias dos alunos, são

181

Page 169: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

propostas, inclusive verificadas nesta pesquisa, capazes de envolver, estimular tanto o

professor quanto o aluno.

Conclusão: as estratégias utilizadas pela turma foram as seguintes: procurar problema

semelhante, estimativa “visual”, cálculo mental, escrever fórmula ou equação. Essa

turma nos pareceu mais preocupada com o resultado final exato e correto do problema

do que com as diferentes possibilidades que poderiam ter para resolvê-lo. Foi uma

turma menos interessada. Apenas um grupo resolveu o problema.

Apesar de as estratégias serem praticamente as mesmas tanto na B1 quanto na

B2, elas tiveram uma melhor qualidade na primeira turma, talvez pelas discussões

efetuadas, talvez pelo envolvimento mais acentuado dos grupos.

O resultado final, de acordo com os quadros de rendimento no Anexo C

elaborados pela supervisão pedagógica da Unidade Educacional, mostra um melhor

desempenho da turma B1 em relação a todas as outras turmas. Obteve o maior índice de

aprovação em todas as disciplinas: Matemática, Física, História e Geografia, enquanto

que a B2 obteve o maior índice de reprovação em Matemática. Mas, o que explicaria tal

fenômeno, uma vez que os alunos não são membros permanentes de uma única turma e

por isso assistem a aulas com outros professores? Seria justo, pelos dados estatísticos,

atribuir ao professor da B1 um trabalho melhor, mais eficaz? Até que ponto aqueles

resultados refletem de fato a realidade? Enfim, são indagações difíceis de serem

respondidas e que fogem aos objetivos deste trabalho. Apenas as levantamos com o

intuito de tentar responder a uma pergunta que emergiu após a aplicação da oficina:

porque a B1 teve um desempenho melhor que a B2? E foi aí que nos deparamos com

uma incógnita: quem era a turma B1? Quem era a turma B2?

182

Page 170: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

16º e 17º encontros (04 e 06.11.98)

Participantes: Laplace e Gauss.

Problema proposto (múltipla escolha): A área da figura

hachurada corresponde :

a) à metade da área do retângulo abcd;

b) à terça parte da área do retângulo abcd;

c) à quarta parte da área do retângulo abcd;

d) ao dobro da área do retângulo abcd;

e) ao triplo da área do retângulo abcd.

Conceitos envolvidos: área de triângulo, área de retângulo, ponto médio.

Aplicamos o mesmo problema em duas oficinas consecutivas. Houve um

participante por oficina, respectivamente Laplace e Gaus.

Laplace, apesar de ter feito sua inscrição para as oficinas, não havia comparecido

até aquela data. Ocasião de sua primeira participação, daí acompanhamos bem de perto

seu desempenho.

Após a leitura do enunciado do problema, perguntamos-lhe o que o problema

pedia que fosse feito.

Silêncio.

183

Page 171: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Então disse: preciso fazer uma conta? Que conta eu vou fazer?

Podemos perceber que o aluno não encontrando dados numéricos no enunciado,

não sabia se precisava e, se precisasse, qual conta fazer, e essa ausência de informação o

impedia de aplicar uma fórmula, dificultando ainda mais seu raciocínio. Por outro lado,

também há a concepção de que um problema só pode ser resolvido por meio de contas,

não valorizando o pensamento lógico-dedutivo, intuitivo. A atitude do aluno é

facilmente observada nas séries iniciais, quando os alunos sempre estão a perguntar qual

conta fazer.

Pedimos para que lesse o enunciado novamente. Disse que havia entendido o

que o problema estava pedindo, mas a figura lhe era confusa.

O que você está pensando, perguntamos.

Silêncio.

Insistimos. Por onde pode iniciar?

Respondeu: “pelo retângulo”. Propusemos um exemplo similar:

Perguntamos-lhe qual era a área da figura hachurada. Não titubeou e respondeu

2, a questão dos dados numéricos explícitos facilitando o raciocínio.

184

Page 172: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Voltamos para o problema original. Como continuou apresentando muita

dificuldade para interpretar a figura, mostramos-lhe os triângulos DÊC e DFC. Não

resolveu o problema e não fez nenhum registro.

Com relação a Gauss, ficou por mais de dez minutos “olhando” para o

enunciado sem fazer nenhum registro ou pergunta. Passou a lapiseira sobre a figura

diversas vezes. Sua fisionomia era pensativa.

A simples razão de a base do retângulo medir b e a altura h foi suficiente para

que se confundisse. Quando foi substituir esses valores na fórmula da área do retângulo,

expressa por b x h, ficou na dúvida, pois a notação das medidas da figura coincidia com

a notação dos termos da área da figura.

Procuramos mostrar-lhe o triângulo DEC e o triângulo DFC e pedimos para que

observasse que tipo de relação havia entre os dois triângulos, induzindo o diálogo:

Um é maior que o outro, perguntamos.

Não respondeu.

Insistimos mais uma vez.

Não respondeu.

Foi quando resolvemos mostrar-lhe que um triângulo estava dentro do outro e

que, se calculasse a área do maior e subtraísse a área do menor, haveria encontrado a

área hachurada.

Acabou ficando nervoso por não conseguir elucidar o problema sozinho e, por

causa disso, não conseguiu lembrar da fórmula dos triângulos. Também não resolveu o

problema e nem fez nenhum registro.

185

Page 173: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Conclusão: as únicas estratégias utilizadas nessas duas oficinas foram: procura de

palavras ou frases-chave, adivinhar (dar palpites).

A geometria foi o último tópico a ser estudado pelos participantes. Não foi

desenvolvida no antigo 1º grau e em razão disso, havia um expressiva carência de

conceitos básicos. Diante desses fatos, essas duas oficinas especificamente não

apresentaram significativos resultados. Vários foram os momentos em que os

participantes preferiram silenciar a arriscar um palpite. Consideramos não ter havido

produtividade com o problema proposto.

18º encontro (17.11.98)

Somente em sala: turma B1.

16 participantes, entre eles Fermat.

Problema proposto: Calcular o volume de um prisma

quadrangular regular, cuja área total é 144 m², sabendo-se

que sua área lateral é igual ao dobro da área de sua base.

Conceitos envolvidos: área do quadrado, área do retângulo, área total, área

lateral, face, proporção, sólidos geométricos, quatro operações.

O trabalho foi realizado com 5 grupos assim distribuídos: grupo 1 com 2

componentes; grupo 2 com 3 componentes; grupo 3 com 3 componentes; grupo 4 com 4

componentes e grupo 5 com 4 componentes.

Após a leitura do enunciado do problema, observamos que, para eles, a palavra

quadrangular era sinônimo de quadrado. O conteúdo matemático inserido no problema

praticamente havia acabado de ser dado pela professora e, portanto, não estava muito

bem “fixado”. Começamos por expor o que era um prisma quadrangular regular,

186

Page 174: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

procurando ser bem didáticos na explicação:

De acordo com o número de arestas da base, um prisma poderia ser classificado

em triangular, quadrangular, pentagonal e, assim por diante. Logo, se a base fosse um

quadrilátero, teríamos um prisma quadrangular. Prosseguimos dizendo que, de acordo

com a inclinação das arestas laterais, um prisma seria classificado em reto ou oblíquo, e

fizemos as seguintes observações: (1) em um prisma reto, as faces laterais são

retangulares; (2) prisma regular é um prisma reto cujas bases são polígonos regulares.

Alguns dias antes levamos, a pedido da professora, alguns sólidos geométricos

em acrílico, com os quais podem-se trabalhar bases, faces, arestas, cortes e a lembrança

daquela aula dispensou frisar esses conceitos.

Devidamente explicado o enunciado do problema, começamos a transitar pelos

grupos, orientando para que prestassem atenção às informações nele contidas.

O problema foi considerado complicado. Todos os grupos fizeram a figura do

prisma e, a partir dela, tentaram desenvolvê-lo. A prática do registro dos procedimentos

que estavam sendo levados a cabo e, provavelmente, pela concepção de que Matemática

é número, ficou comprometida. Foi muito difícil para eles registrar como pensam, como

já observado em uma das oficinas anteriores.

Sem justificativas para a pressa que apresentavam ter para a finalização da

tarefa, acabavam por não analisar ou refazer os caminhos percorridos até o resultado

encontrado.

Os grupos 1 e 3 dividiram a área total por quatro (“no chute”) e atribuíram o

resultado encontrado ao valor da base. Não levaram em conta os dados do enunciado, ou

seja, AT = 2AB + 4AL e, como 4AL = 2AB, temos que AT = 4AB, logo AB = AT/4 e,

187

Page 175: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

como AT = 144 m², temos como resultado 36m².

Porém, o grupo 3 avançou um pouco mais, associando a área da base à área

lateral, conforme o enunciado. Mas não visualizou na figura que as bases eram

formadas por quadrados, e as faces, por retângulos, impedindo-o de assinalar as

medidas de seus lados. Assim, o grupo encontrou apenas a área da base e a área lateral,

respectivamente, 36m² e 72m².

O grupo 2 confundiu área total do prisma com volume do prisma, pois quiseram

encontrar 3 números que, multiplicados [base x altura x comprimento], dessem como

resultado 144. Tentaram duas combinações: 4 x 6 x 6 e 3 x 6 x 8, parando por aí.

O grupo 4 apresentou o seguinte registro:

1ª etapa: sabendo que a raiz de 144 é 12m, tentamos achar o valor da base calculando

sobre o valor de 6m. Conseguimos achar o valor da base. Sabendo-se que um lado era

6m na sua base, multiplicamos por 12 e conseguimos a altura, daí seguindo a fórmula

achamos o resultado.

Uma possível interpretação para a extração da raiz de 144 é notação m². O

resultado 12m representaria a área lateral e como essa área é o dobro da área da base,

esta última mede 6m. Uma leitura bastante equivocada feita pelo grupo.

Já o grupo 5 considerou que todas as 6 faces eram iguais (regulares). Por isso,

dividiu a área total por 6. Duplicou o resultado desta divisão. Os valores encontrados

foram substituídos na fórmula do volume do prisma em que 24 (144 : 6) era a medida da

área da base e 48, o dobro da área da base, a altura.

Conclusão: todos os grupos fizeram uma leitura equivocada do enunciado do problema,

188

Page 176: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

o que os levou a não resolvê-lo. Os caminhos escolhidos mostraram que os dados foram

manipulados desorganizadamente e deveriam, de alguma forma, ser “encaixados” na

fórmula a que tiveram acesso. Apesar da complexidade com que trataram o problema,

pareceu-nos entenderem todos os procedimentos que tomamos quando passamos a

explicar-lhes uma de nossas resoluções.

A rapidez com que demonstraram querer resolver o problema encontra

fundamento na concepção de que os problemas matemáticos devem ser resolvidos

rapidamente e em poucos passos (Frank, 1992).

O problema foi considerado difícil para ser resolvido sem a ajuda do professor.

Entretanto, as estratégias utilizadas para tentar solucioná-lo foram: elaboração de

figuras, escrever uma fórmula, procurar palavras ou frases-chave, adivinhar (dar

palpites).

19º encontro (18.11.98)

Somente em sala: turma B1.

14 participantes, entre eles Laplace e Euler.

Problema proposto: Os catetos de um triângulo retângulo são 6

e 8. Um triângulo semelhante tem o cateto menor igual a 30.

a) Quais são os valores do outro cateto e da hipotenusa?

b) Qual é a relação dos perímetros desses dois triângulos?

Conceitos envolvidos: semelhança de triângulos, teorema de Pitágoras,

perímetro, ângulo, soma dos ângulos internos de um triângulo, área do triângulo,

proporção.

189

Page 177: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

A oficina foi trabalhada com 7 grupos assim distribuídos: grupo 1 com 2

componentes; grupo 2 com 3 componentes; grupo 3 com 2 componentes; grupo 4 com 2

componentes; grupo 5 com 3 componentes; grupo 6 com 1 componente e grupo 7 com 1

componente.

Após a distribuição do material para cada grupo, foi dado o tempo de praxe para

que lessem o problema. Passados alguns minutos, começamos a transitar pelos grupos e

observamos que estava havendo dificuldades na compreensão dos termos “semelhante”

e “relação”. Procuramos elucidar tais conceitos, exemplificando com recortes de figuras

e até mesmo usando as alturas deles.

Alguns alunos, entre os grupos, haviam entendido “menor ou igual a 30” e não

“menor igual a 30” como dizia o enunciado. Outros esboçaram apenas uma figura, o que

de certo modo dificultava perceber a semelhança entre dois triângulos.

O grupo 1 calculou corretamente a área do triângulo, porém o enunciado não

dizia isso. Em um segundo esboço de um triângulo retângulo, o grupo não seguiu a

orientação do problema, ou seja, anotou a medida 30 para um dos catetos, sem tomar o

cuidado de onde colocá-la, além de dar aleatoriamente o valor 20 para o outro cateto.

Os grupos 4, 5 e 6 foram bastante organizados nos registros da solução. Usaram

todos os dados de que o problema dispunha e responderam as duas alternativas

corretamente.

Dadas as orientações cabíveis até aquele momento, fomos para o quadro e, à

medida que íamos explorando o enunciado, fazíamos perguntas dos conceitos

subjacentes ao texto do problemas: perímetro, hipotenusa, cateto oposto, cateto

adjacente, altura do triângulo retângulo etc.

190

Page 178: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Procuravam responder avidamente a todas as questões e, quando em grupo,

trocavam idéias, recorrendo ao enunciado em busca de clareza para as dúvidas

emergentes.

Conclusão: as estratégias utilizadas pelos grupos foram: elaboração de figuras, escrever

uma fórmula, procurar palavras ou frases-chave, tentativa e erro. Os grupos

consideraram o problema relativamente fácil, ratificando como principal dificuldade o

significado da palavra “semelhante”, como já apontamos. As discussões promovidas

foram bastante pertinentes e os participantes se sentiram muito satisfeitos.

Dando seqüência ao que nos propusemos neste trabalho, faremos a seguir uma

análise do desempenho dos alunos, expresso nos problemas propostos, através das

categorias “resolveram”, “resolveram parcialmente” ou “não resolveram” os problemas,

e também mostraremos a freqüência com que as estratégias apareceram.

Percebemos menos desenvoltura nos problemas geométricos. Isso é

perfeitamente explicável, uma vez que o conteúdo de geometria foi muito pouco

trabalhado. No ensino regular é muito comum essa ocorrência e, em uma modalidade

mais compacta, isso se agravaria. Dos 6 problemas geométricos aplicados, 3 foram

resolvidos parcialmente (50%), 3 não foram resolvidos (50%). Dos 11 problemas

classificados como aritméticos, 5 foram resolvidos (45,5%), 4 foram resolvidos

parcialmente (36,4%) e 2 não foram resolvidos (18,1%).

No universo dos 17 problemas aplicados, 5 foram resolvidos (29,4%), 7 foram

parcialmente resolvidos (41,2%) e 5 não foram resolvidos (29,4%).

As maiores dificuldades detectadas foram a ausência de dados numéricos em

alguns problemas evidenciando a pouca habilidade em trabalhar com dados genéricos e

a compreensão do enunciado. Dadas as características dos problemas aplicados, isto é,

191

Page 179: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

não-rotineiros, a simultaneidade de conceitos envolvidos e não tendo um único modo de

resolução, consideramos bom o desempenho dos alunos. Acreditamos que poderia ter

sido extraordinariamente melhor, caso fossem eles acostumados com este tipo de

prática, ou seja, registrar, verbalizar, discutir os procedimentos encaminhados para

resolver uma situação-problema. A freqüência das estratégias pode ser verificada na

tabela 2:

TABELA 2

Estratégias de uso

Estratégias de uso Freqüência %

Procura de palavra ou frases-chave 08 47,05

Estimativa 05 29,41

Tentativa e erro 10 58,82

Construção de tabela, lista ou quadro 04 23,53

Adivinhar 06 35,29

Dedução 04 23,53

Escrever informação relevante 04 23,53

Recurso à álgebra 01 5,88

Procura de regularidade 02 11,76

Usar número simples 02 11,76

Recurso a um problema semelhante 03 17,64

Experimentar dados 01 5,88

Elaboração de figuras 04 23,53

Escrever uma fórmula 06 35,29

Cálculo mental 02 11,76

Algumas considerações acerca desses resultados precisam ser feitas: a estratégia

“escrever uma fórmula” apareceu em todos os problemas geométricos, seja nos

parcialmente resolvidos, seja nos não resolvidos, representando 35,24% do total de

problemas, o que nos leva a perceber a ligação que os participantes fizeram entre

geometria e fórmulas. Em outras palavras, e segundo o observado neste estudo, significa

192

Page 180: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

dizer que só é possível resolver problemas de geometria se as fórmulas forem

conhecidas. São elas que levam à compreensão do enunciado. A memória, no caso, é

bastante valorizada.

A maior freqüência (58,82%) foi verificada na estratégia “tentativa e erro”. À

medida que os alunos não tinham um procedimento ou um algoritmo imediato para a

resolução do problema, seriam necessárias algumas tentativas, as quais, em sua grande

maioria, foram registradas.

Com 8 aparições (47,06%) está a estratégia “procura de palavras ou frases-

chave. Apenas consideramos a utilização dessa estratégia quando os alunos assinalavam

de alguma forma, no texto do problema, palavras ou frases. A bem da verdade, ela

deveria ser utilizada em todos os problemas, uma vez que são algumas palavras ou

frases que clarificam em muito o seu entendimento. Contudo, sua utilização se

equilibrou entre os problemas aritméticos e geométricos (50%) em cada tipo.

A nossa expectativa era de que a estratégia “cálculo mental” (11,76%)

apresentasse uma freqüência bem maior do que a constatada no estudo, haja vista ser

um recurso bastante identificado em sala de aula. Identificamos o seu uso apenas nos

problemas geométricos.

Os alunos estimaram (29,41%) mais do que deduziram (23,53%). Uma possível

explicação para o fato repousa na dificuldade que os alunos tiveram em fazer

generalizações.

A estratégia “usar número simples” (11, 76%) também só foi identificada em

problemas geométricos, confirmando a necessidade de dados numéricos para a

resolução do problema. Sua utilização não foi simultânea à do cálculo mental. Fazemos

essa observação pois sempre que nos referimos a cálculos mentais associamos de

193

Page 181: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

alguma maneira a quantidades pequenas, possíveis de serem calculadas mentalmente.

Não nos causou surpresa a mínima freqüência da estratégia “recurso à álgebra”,

por todos os obstáculos inerentes a esse campo da Matemática. Geralmente, os alunos

apresentam dificuldades quando solicitados a trabalhar com “letras”. Portanto, é uma

das estratégias que mais precisa ser ensinada para os alunos, à medida que eles não se

apropriam dela espontaneamente.

A nossa intenção ao aplicarmos as Oficinas de Resolução de Problemas

Matemáticos sempre foi identificar as estratégias utilizadas por esses alunos

trabalhadores. Em conseqüência de todas as dificuldades inerentes ao seu cotidiano,

sempre nos instigou querer saber como é que eles se comportavam frente a uma

situação-problema, que envolvesse raciocínio, tomada de decisão, formas diferenciadas

de solução, compreensão do problema e as reações emocionais envolvidas no processo.

Porém, não nos bastava saber simplesmente o óbvio: o pouco conhecimento que tinham

ou as dificuldades já apontadas. Queríamos ouvi-los, observá-los enfim, interagir com

eles em busca do aprimoramento daquele saber que possuíam, de que nem eles próprios

e talvez nem seus professores haviam se conscientizados.

O desenrolar das oficinas nos possibilitou essa oportunidade, à medida que nos

foi proporcionando a identificação dos elementos procurados. Foram naqueles

momentos de trabalho que emergiu uma certa “coragem” naqueles alunos de nos

perguntarem o que de fato não sabiam ou entendiam e, se não entendiam, se lançavam

também a questionar qual a causa de tal ocorrência.

Desde o trabalhar individualmente até o trabalhar em equipe, os alunos sempre

se mostraram muito acessíveis aos desequilíbrios cognitivos por nós causados, deixando

muito claro que gostavam de ser desafiados. Também foi possível estimulá-los a serem

194

Page 182: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

observadores, críticos, criativos, questionadores, capazes de fazer analogias, refutações

e, sobretudo, que (re)descubrissem o prazer em aprender Matemática.

Procuramos mostrar-lhes que a resposta certa é apenas uma conseqüência de

todo um percurso dado, mesmo que não cheguem a resolver por completo a atividade

proposta. São os caminhos percorridos que sustentam o desenvolvimento do raciocínio,

a solidificação da auto-estima. Então, por que não valorizar tais caminhos? Por que

insistir na exaltação da simples “resposta correta” ?

Finalizada todas as etapas a que nos propusemos investigar para a identificação

das estratégias utilizadas por aquele grupo de alunos na resolução de problemas

matemáticos, cabe-nos, nesse momento, apresentar as conclusões a que chegamos e

apontar possíveis alternativas para a melhoria do ensino da Matemática neste nível de

ensino. Baseados nas análises efetivadas, concluímos que:

a concepção de Matemática internalizada nos alunos é reforçada pela concepção

absolutista;

o ensino da Matemática, por sua vez, é regido pelos ditames da concepção

formalista-clássica;

os conteúdos matemáticos ministrados são fragmentados e desarticulados entre si,

desse modo, não se caracterizando necessários para o desempenho das atribuições

profissionais dos alunos;

o “outro” assume papel de extrema importância para o fortalecimento do desejo de

continuarem na jornada dos estudos e, principalmente, concluí-los;

resolver problemas matemáticos os ajudam a elevar a auto-estima, ser persistente,

procurar significados para os resultados encontrados e, sobretudo, participar em

195

Page 183: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

grupo, aceitando ou negando idéias alheias;

houve, após o fechamento das Oficinas de Resolução de Problemas Matemáticos,

uma mudança na relação com a Matemática. Já não mais a viam como um “bicho de

sete cabeças”, até porque, se sentiam bastante encorajados para resolverem outros

tipos de problemas por saberem, pelo menos, por onde começar;

os conceitos matemáticos inerentes àquele nível de ensino, podem perfeitamente ser

desenvolvidos a partir dos problemas que se propõem ao alunos;

as estratégias utilizadas na resolução de problemas se amplificam e se sofisticam à

medida que alunos resolvem mais problemas;

os problemas aritméticos mostraram mais estratégias de solução do que os

geométricos;

os alunos que participaram das oficinas queriam aprender Matemática, ser

desafiados e se aperfeiçoarem;

as oficinas se caracterizaram em um espaço bastante interessante para a exposição

de dúvidas, opiniões e aprendizado.

Diante do todo exposto, há que verificar que a relação com a Matemática pode

em muito ser melhorada, se levarmos em conta o seu ensino através da Resolução de

Problemas, pois, como dissemos inicialmente, esse é um campo altamente rico em

possibilidades de ensino e aprendizagem, uma vez que coloca o aluno frente a situações

nas quais não bastam simples respostas impensadas, mas sim a análise e verificação

daquilo que se está mostrando como resultado, sua razoabilidade ou não.

O movimento, a dinâmica que se estabelece com a Resolução de Problemas

instaura o significado tão desejado à Matemática, e por isso sugerimos aos professores

196

Page 184: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

que trabalham com o ensino médio em nível supletivo que:

optem por ensinar Matemática através da Resolução de Problemas, escolhendo e

propondo aos alunos atividades que abranjam uma variedade de conceitos

matemáticos, cujo desenvolvimento se dê a partir de problemas para os quais os

alunos não possuam um procedimento imediato para resolvê-lo;

introduzam a metodologia de Resolução de Problemas ensinando e evidenciando o

uso das estratégias,

criem espaços para que os alunos discutam sobre Matemática, observando suas

concepções, seus anseios e receios. Certamente, tais espaços podem contribuir para

o engrandecimento do conhecimento matemático;

não respondam de maneira imediata aos questionamentos dos alunos, deixem-nos

refletirem sobre seus pensamentos e verificarem suas conclusões;

tragam para a sala de aula atividades que promovam discussões, conflitos

intelectuais com o intuito de fazer com que os alunos argumentem, refutem,

articulem, generalizem;

estimulem os alunos a registarem os procedimentos daquilo que estão realizando.

Essa prática colabora para que o aluno repense seus percursos;

valorizem todas as formas de resolução apresentadas pelos alunos, aproveitando o

que se pode e corrigindo o que deve;

impulsionem os alunos a encontrarem outras formas de solução, aumentado o rol de

possibilidades de ricas discussões.

197

Page 185: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

CAPÍTULO 8

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que identificássemos quais as estratégias que os 10 alunos participantes

deste trabalho utilizavam enquanto resolviam problemas matemáticos, foi necessária

uma série de subinvestigações que nos levariam a compreender suas concepções, suas

emoções, suas dificuldades. Estariam presentes nessas subinvestigações, em nosso

entender, fatores subjacentes à trajetória acadêmica daqueles alunos e que, de algum

modo, interfeririam na escolha desta ou daquela estratégia.

Nesse sentido, torna-se relevante retomarmos as questões que nos orientaram em

nossa preocupação inicial e verificar a possibilidade de respondê-las. Chegamos a

alguns resultados, porém temos consciência de que eles não são finais. O percurso ainda

é por demais extenso.

Evidentemente que, ao iniciarmos a pesquisa, estávamos imbuídos de

expectativas. Algumas giravam em torno de possíveis dificuldades que poderiam

impedir a concretização deste trabalho, haja vista estarmos diante de um grupo que, em

virtude de suas escalas de trabalho, tinham como principal característica a rotatividade.

Foram inevitáveis alguns “pré-conceitos”, tais como: (a) os alunos seriam incapazes de

resolver um único problema que propuséssemos pois não teriam estratégias; (b) eles não

se interessariam em colaborar conosco, uma vez que consideravam a Matemática como

uma disciplina estática. Outras se fixavam na intenção de (c) subsidiar condições para

melhoria do seu desempenho em Matemática; (d) mostrar-lhes ser possível compreender

e executar satisfatoriamente um problema matemático; (e) propor uma alternativa para o

ensino da Matemática naquela modalidade de ensino.

198

Page 186: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Paulatinamente, essas expectativas foram se ajustando às questões de estudo e

contribuindo para que a relação estabelecida entre nós e os alunos fosse bastante

harmônica, contribuindo para que os “pré-conceitos” emergidos fossem, na mesma

medida, tornando-se inválidos.

Assim sendo, ao procurarmos pistas que nos revelassem qual era a concepção de

ensino de Matemática daqueles alunos, percebemos que, apesar dos vários anos em que

estiveram afastados da escola, pouca coisa havia mudado. O professor continua sendo o

detentor do saber inquestionável, não lhe sendo atribuídas responsabilidades sobre as

dificuldades de aprendizagem apresentadas por eles, uma vez que o problema se

encontra neles mesmos. Porém, a postura assumida pelo professor em sala –enérgico,

dedicado, maleável- pode influenciar essa aprendizagem.

O conteúdo ministrado na disciplina de Matemática no Ensino Médio em nível

Supletivo é pouco articulado à função que os alunos desempenham, levando-nos a

inferir que o conhecimento matemático necessário se limita às quatro operações básicas.

Contudo, segundo a opinião deles, esse conteúdo é de grande valia para quem se utiliza

de computadores.

A concepção que ainda vigora com relação ao ensino da Matemática para aquele

grupo de alunos é a formalista-clássica. Segundo Fiorentini (1995, p. 7) o ensino sob

esta concepção

… foi acentuadamente livresco e centrado no professor e no seu papel de transmissor e expositor do conteúdo através de preleções ou desenvolvimentos teóricos na lousa. A aprendizagem do aluno era considerada passiva e consistia na memorização e na reprodução(imitação/repetição) precisa dos raciocínios e procedimentos ditados pelo professor e pelos livros.

A forma como o ensino da Matemática se desenrolava em sala de aula, como

199

Page 187: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

pudemos observar, esteve calcada em um modelo tradicional, por falta de recursos

didáticos, de dinamicidade, fatos esses muito ressaltados pela professora em seu próprio

depoimento. Talvez esse tipo de aula se justifique, se for levado em conta que, até 1996,

a Unidade Educacional SESI-CST não avaliava o aluno do Ensino Médio, apenas o

preparava para fazer os exames no Centro de Estudos Supletivos. Dessa forma, os

alunos eram orientados especificamente para conseguir a média necessária para

aprovação em tais exames. Apesar de não ter mais exclusivamente esse compromisso,

as aulas são planejadas de acordo com a metodologia herdada do passado, ratificando

assim a concepção tecnicista inerente à modalidade do Ensino Supletivo, em vigor na

época de sua implantação, assinalado anteriormente.

Segundo essa concepção, a finalidade do ensino da Matemática seria a de

desenvolver habilidades e atitudes computacionais e manipulativas, capacitando o

aluno para a resolução de exercícios ou problemas-padrão (Fiorentini, 1995, p.18).

Entretanto, a professora de Matemática procurou participar de todos os convites

que lhe fizemos, no que diz respeito aos eventos e cursos oferecidos pela UFES,

sinalizando com isto, predisposição em melhorar sua postura em sala de aula. Mas, da

mesma forma que é difícil para o aluno fazer articulações entre os conteúdos estudados,

a mesma dificuldade se apresenta para a professora que, diante de tantas informações e

possibilidades de melhoria, não ousa aplicá-las, mantendo desta forma, uma prática

pedagógica comum e ultrapassada.. Ela percebe poder engrenar por um novo caminho,

porém teme experimentar a mudança.

Nesse contexto, como é que o grupo de alunos concebe a Matemática?

Conforme já apontamos, concebem-na como uma disciplina de difícil compreensão,

necessária no cotidiano, responsável por traumas e bloqueios, exigindo muito esforço e

200

Page 188: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

muito exercício de treinamento para sua apropriação. Podemos assim classificar a

concepção de Matemática desses alunos em absolutista, pois nela o conhecimento

matemático é feito de verdades absolutas e representa o domínio único do

conhecimento incontestável (Ernest apud Cury, 1994, p. 39).

Em vista dessa concepção, apenas um aluno se considera ótimo com referência

ao seu desempenho, destacando a mediação dos professores como essencial para que

chegasse a esse atributo.

As principais dificuldades apontadas pelo grupo e que interferem no

desempenho são categorizadas em: escala de trabalho, bastante mutável; falta de tempo,

pois além do trabalho e da escola geralmente fazem outros cursos exigidos pela

empresa; muitos anos afastados dos bancos escolares, o que colaborou para o

esquecimento de alguns conceitos.

Todavia, esses obstáculos não impedem que eles sejam agradecidos pela

oportunidade dada pela empresa, tendo clareza dos benefícios procurados por ambas as

partes. Eles estão em busca de uma ascensão profissional, da continuidade de sua

formação; a empresa, por sua vez, visando à qualidade total, constata não estarem

somente no aparato tecnólogico as condições ideais de competitividade, por isso exige

um funcionário mais bem qualificado, mais bem estruturado. Dessa forma, uma das

prioridades da empresa é o treinamento em todos os níveis (Colbari e Beanco, 1998, p.

151) de seus empregados, instrumentando-os para as novas perspectivas do mercado de

trabalho, seja a curto ou médio prazo.

A participação da família e dos amigos é imprescindível para a concretização do

novo projeto, pois é neles que o grupo encontra apoio, incentivo, forças para prosseguir.

201

Page 189: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

Os alunos enfatizam ainda que houve, a partir do retorno à escola, uma

integração maior junto à sua família e amigos, principalmente, esposa e filhos. Estão em

condições de conversar, opinar sobre outros assuntos, admitindo que a escola lhes

proporciona perspectivas diferenciadas de vida, isto é, até bem pouco tempo não

constava nos planos do grupo cursar um pré-vestibular, ingressar em uma faculdade, ou

até mesmo perceber o mundo ao seu redor com maior sensibilidade, uma vez que a

rotina do trabalho os havia deixado um tanto que enrijecidos.

Graças às contribuições do “outro”, está sendo possível a esse grupo de alunos

ter, como afirma Bakhtin, uma experiência que se pode, em certa medida, definir como

um processo de assimilação, mais ou menos criativo, das palavras do outro (1992, p.

314). Uma experiência que toma forma e evolui à luz da interação ininterrupta e

constante dos enunciados individuais do outro, isto é,

… a época, o meio social, o micromundo – o da família, dos amigos e conhecidos, dos colegas – que vê o homem crescer e viver, sempre possui seus enunciados que servem de norma, dão tom; são obras científicas, literárias, ideológicas, nas quais as pessoas se apoiam e às quais se referem, que são criadas, imitadas, servem de inspiração (Bakhtin, 1992, p. 313).

E, em meio às identificações das concepções, tanto de ensino como acerca da

Matemática, às atribuições quanto a seu desempenho, à importância dada ao “outro”,

também identificamos as estratégias de uso nas Oficinas de Resolução de Problemas

Matemáticos. Constatamos a utilização de 15 diferentes estratégias, sendo que algumas

espontâneas (tentativa e erro; adivinhar, usar número simples, cálculo mental) e outras

mediadas (estimativa, construção de tabela, lista ou quadro, dedução, escrever

informação relevante, recurso à álgebra, procura de regularidade, recurso a um

problema semelhante, experimentar dados, elaboração de figuras, escrever uma fórmula,

202

Page 190: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

procura de palavras ou frases-chave). Consubstanciados a elas, se apresentaram outros

fatores: ansiedade, nervosismo, satisfação, companhia do “outro”, dor de cabeça,

insights, irritação etc.

Esses comportamentos refletem, além do envolvimento de questões afetivas, as

influências das concepções tanto de ensino quanto acerca da Matemática ao longo da

trajetória escolar daqueles alunos.

A Resolução de Problemas notoriamente aguça processos cognitivos, uma vez

que dá ao aluno possibilidades de reflexão, análise dos procedimentos efetivados,

descobertas de caminhos diferenciados para a conclusão do problema em pauta,

releitura do resultado encontrado, dentre algumas. Entretanto, também aguça a produção

de intensas reações emocionais nos alunos, principalmente em contato com problemas

do tipo não-rotineiros, os quais normalmente provocam interrupções em seus planos de

ação. Em outras palavras, a seqüência de ações iniciada pelos alunos para o

desenvolvimento dos problemas propostos por muitas vezes foi interrompida, e essa

descontinuidade acabou provocando uma reação emocional.

A elaboração/construção do conhecimento matemático através da Resolução de

Problemas, as estratégias de uso e a formação de novos conceitos tornam-se diferentes e

mais sofisticados à medida em que o professor atua, ou outros elos intermediários

surgem.

Portanto, as estratégias utilizadas pelo grupo pesquisado evidenciam, que com

um trabalho planejado, diversificado, diferenciado e mediado pelos professores de

Matemática regentes naquele estabelecimento de ensino, em muito podem ser ampliadas

e melhoradas, a ponto de, provavelmente, trazerem um resultado bastante positivo em

203

Page 191: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

termos de motivação, melhor desempenho e, sobretudo, compreensão por parte dos

alunos. A opção em trabalhar com situações-problema, entenda-se, com a metodologia

de Resolução de Problemas, dará instrumentos mais que suficientes ao professor para

que ele possa estimular seus alunos a começarem o desafio e o desenvolver do seu

raciocínio lógico-dedutivo, aumentando, desta forma, a capacidade de relacionar,

argumentar, refutar, ocorrendo de fato um diálogo na interação estabelecida entre o “eu”

e o “outro”.

204

Page 192: Resoluçã de Problemas- Moyses SIqueira

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