resgatando o potencial financeiro do brasil - ladislau dowbor

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  • 7/23/2019 Resgatando O Potencial Financeiro Do Brasil - Ladislau Dowbor

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    ANLISEN 9/2015

    BRASIL

    A financeirizao da economia brasileira aprofunda a desigualda-

    de e trava o desenvolvimento. Os credirios, cartes de crdito e ju-

    ros bancrios para pessoa fsica travam a demanda, pois tipicamente

    o comprador paga o dobro do valor do produto, endivida-se muito

    comprando pouco, o que esteriliza o impacto de dinamizao da

    economia pela demanda.

    Os juros elevados para pessoa jurdica travam por sua vez o inves-

    timento, isto que o empresrio efetivamente produtivo j enfrenta

    a fragilidade da demanda e pode simplesmente aplicar na dvidapblica. A taxa Selic elevada, ao provocar a transferncia de centenas

    de bilhes dos nossos impostos para os bancos e outros aplicadores

    financeiros, trava a capacidade do Estado expandir polticas sociais

    e infraestruturas.

    Esta dinmica, no contexto de uma carga tributria que onera

    desproporcionalmente o consumo popular, e de um sistema deevaso dos impostos atravs de preos de transferncia e parasos

    fiscais, gera um dreno insustentvel de recursos. emos esta estranha

    situao de um PIB que estagna e de lucros financeiros que se agi-

    gantam. Propomos algumas ideias para uma reforma financeira no

    sentido amplo, muito alm das propostas de ajuste fiscal.

    Ladislau Dowbor

    OUTUBRODE2015

    Resgatando o potencial

    nanceiro do Brasil

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    Sumrio

    Introduo 5

    Intermediao nanceira e produtividade da economia 8

    O credirio 10

    Os juros para pessoa fsica 11

    Os juros para pessoa jurdica 16

    Os juros sobre a dvida pblica 18

    Uma deformao sistmica 19

    A dimenso jurdica 21

    A dimenso internacional 23

    Resgatando o controle: algumas recomendaes 26

    A luta pela reduo dos juros 27

    Reduzir a evaso scal 28

    A reforma tributria 29

    Sistemas nanceiros locais 30

    Gerar transparncia sobre os uxos nanceiros 31

    Promover a reconverso da especulao para o fomento econmico 31

    A alavanca de poder: desestabilizao externa e inao provocada 32

    Bibliograa 36

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    Outro ponto intrigante da dinmica da econo-mia brasileira: suas extravagantes taxas de juros

    Celso FurtadoOs bancos deveriam voltar a fazer o que

    faziam quando foram criados: oferecer umlocal seguro para as poupanas e capital a neg-

    cios que pretendem se desenvolverJ.C. Polychroniu

    Crdito igual a veneno de cobra: de-pendendo da dose pode curar ou matar

    Cartilha Sebrae

    Introduo

    Um debate fundamental pede passagem: a es-terilizao dos recursos do pas atravs do sis-tema de intermediao financeira, que drenaem volumes impressionantes recursos que de-veriam servir ao fomento produtivo e ao de-senvolvimento econmico. Os nmeros so

    bastante claros, e conhecidos, e basta junt--los para entender o impacto.

    A conta simples. Segundo o Banco Central,o saldo das operaes de crdito do sistemafinanceiro, incluindo recursos livres e direcio-nados, atingiu 3.111 bilhes reais, 54,5% doPIB, em julho de 2015. Sobre este estoqueincidem juros, cujo valor mdio no mesmoperodo era de 28,4% ao ano (o equivalen-te na Europa da ordem de 3-5%). Isto sig-nifica que a carga de juros pagos apenas nosbancos representa R$ 880 bilhes, 15,4%do PIB. Uma massa de recursos deste portetransforma a economia. Analisar a sua origeme destino por tanto fundamental. (BCB,ECOIMPOM, 08/2015) Se acrescentarmosos recursos drenados pela dvida pblica, coma elevada taxa Selic, e os diversos tipos de cre-

    dirios do sistema comercial, o travamentotorna-se insustentvel: a economia se finan-ceirizou de forma generalizada.

    bom lembrar que o banco uma ativida-de meio, a sua produtividade depende de

    quanto repassa para o ciclo econmico real,no de quanto dele retira sob forma de lucroe aplicaes financeiras. Como extrado estevolume de recursos, e o que com eles acon-tece? Em geral as pesquisas no cruzam oscredirios comerciais e os custos do carto decrdito com as diversas atividades bancriasformais e os ganhos sobre a dvida pblica, emuito menos ainda com os fluxos de evasopara fora do pas: ou seja, no se estuda o flu-

    xo financeiro integrado.

    O exerccio que empreendemos mostra entreoutros a que ponto carecemos de um sistemaestatstico financeiro adequado para quanti-ficar e analisar os impactos para os diversossetores da economia real, para os diversosagentes econmicos, para os diversos grupossociais, para as diversas regies do pas. Estasituao pesa sobre a presente anlise, pois te-

    remos de trabalhar com ordens de grandeza eaproximaes.

    Aqui simplesmente foram juntadas as peas,conhecidas, para obter um primeiro desenhoda engrenagem completa. Portanto, o fluxofinanceiro integrado, e na viso dos agenteseconmicos que sofrem o seu impacto: oconsumidor, o empresrio, o administradorde projetos pblicos. O principal entrave aodesenvolvimento do pas aparece com fora.

    A reforma financeira vital, mais do que oreajuste fiscal proposto, compreensvel esteltimo mais por razes de equilbrios polti-cos do que por razes econmicas.

    Alguns exemplos para entender a dinmica,antes de entrar no detalhe. O credirio co-bra, por exemplo, 104% para artigos do

    lar comprados a prazo. Acrescentem-se os403% (!) do rotativo no carto, os mais de253,2% (!) no cheque especial, e temos neste

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    caso grande parte da capacidade de comprados novos consumidores drenada para inter-

    medirios financeiros, esterilizando a dina-mizao da economia pelo lado da demanda.(Valor, 23/09/15) O juro bancrio para pes-soa fsica, em que pese o crdito consignado,que na faixa de 25 a 30% ainda escorchante,mas utilizado em menos de um tero dos cr-ditos, da ordem de 103% segundo a ANE-FAC (Associao Nacional dos Executivos deFinanas, Administrao e Contbeis). NaFrana os custos correspondentes se situam

    na faixa de 3,5% ao ano.

    A populao se endivida muito para comprarpouco no volume final. A prestao que cabeno bolso pesa no bolso durante muito tempo.O efeito demanda travado. A parte da rendafamiliar que vai para o pagamento das dvi-das passou de 19,3% em 2005 para 46,5%em 2015: ningum entra em novas comprascom este nvel de endividamento. Os bancos

    e outros intermedirios financeiros demora-ram pouco para aprender a drenar o aumentoda capacidade de compra do andar de baixoda economia, esterilizando em grande parte oprocesso redistributivo e a dinmica de cresci-mento estimulado pela demanda.

    Efeito semelhante encontrado no ladodo investimento, da expanso da mquinaprodutiva, pois se no ciclo de reproduo ogrosso do lucro vai para intermedirios fi-nanceiros, a capacidade do produtor expan-dir a produo pequena, acumulando-se osefeitos do travamento da demanda e da fra-gilizao da capacidade de reinvestimento.Quanto ao financiamento bancrio, os jurospara pessoa jurdica so proibitivos, da or-dem de 24% para capital de giro, 35% paradesconto de duplicatas, e tocar uma empresa

    nestas condies no vivel. Existem linhasde crdito oficiais, mas compensam em par-te apenas a apropriao dos resultados pelos

    intermedirios financeiros. Na zona euro ocusto mdio para pessoa jurdica de 2,20%

    ao ano (ECB, 2015).erceiro item da engrenagem, a taxa Selic.Com um PIB da ordem de 5,5 trilhes, umpor cento do PIB representa 55 bi. Se o gastocom a dvida pblica atinge 5% do PIB, somais de 250 bi dos nossos impostos transferi-dos essencialmente para os grupos financeiros,a cada ano. Em 2015 este montante deve atin-gir cerca de R$400 bilhes. Com isso se esteri-

    liza parte muito significativa da capacidade dogoverno financiar infraestruturas e polticassociais. Alm disso, a Selic elevada desestimu-la o investimento produtivo nas empresas pois mais fcil risco zero, liquidez total ga-nhar com ttulos da dvida pblica. E para osbancos e outros intermedirios, mais simplesganhar com a dvida do que fomentar a eco-nomia buscando bons projetos produtivos, oque exige identificar clientes e projetos, anali-

    sar e seguir as linhas de crdito, ou seja, fazera lio de casa, usar as nossas poupanas parafomentar a economia. Os fortes lucros extra-dos da economia real pela intermediao fi-nanceira terminam contaminando o conjuntodos agentes econmicos.

    A economia funciona com trs motores prin-cipais: a demanda das famlias que estimulamais produo, investimentos e empregos; aatividade empresarial, que depende desta de-manda mas tambm de acesso a crdito fcile barato para financiar a sua expanso; e oinvestimento pblico sob forma de polticassociais e infraestruturas, que geram um con-texto econmico mais dinmico para todos.

    Um quarto motor da economia, o comr-cio exterior, joga no Brasil um papel impor-

    tante mas complementar, e ser aqui apenasparcialmente abordado. Basta anotar que ascommodities perderam 45% do valor de mer-

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    cado no caso do minrio de ferro em 2014,perdas tambm no caso da soja e do suco de

    laranja, e que, portanto, o setor externo no alternativa nesta fase da economia mundial,alm do fato que com 100 milhes de pessoasa serem promovidas a condies de vida dignao nosso eixo estratgico de desenvolvimentocontinua centrado na dinmica interna. e-mos o privilgio de ter um amplo horizonteeconmico interno a ocupar.

    O nosso foco que quando o sistema de in-

    termediao financeira, em vez de fertilizar efomentar, trava as trs dinmicas principais,a economia para. neste contexto de econo-mia parada ou em recesso que constatamosaumentos impressionantes dos lucros dos in-termedirios financeiros. A concluso eviden-te que os intermedirios se transformaramem atravessadores.

    Assim entende-se que os lucros declarados

    dos intermedirios financeiros avancem tan-to (aumentos da ordem de 25% a 30% entre2013 e 2014) quando o PIB permanece emtorno de 1% ou menos. E fica mais claro por-que o PIB estagna enquanto o desemprego relativamente limitado: o pas trabalha, masos resultados so drenados pelos credirios,pelas cobranas e juros nos cartes de crdito,pelos juros bancrios para pessoa fsica, pe-los juros para pessoa jurdica e pela alta taxaSelic. Alm naturalmente dos drenos para oexterior. a dimenso brasileira da financeiri-zao mundial. No h isolamento financeironeste mundo globalizado.

    Fechando a ciranda, temos a evaso fiscal.Com a crise mundial surgem os dados dos pa-rasos fiscais, na faixa de 20 trilhes de dlaressegundo o Economist, para um PIB mundial

    de 73 trilhes. O Brasil participa com um es-toque da ordem de 520 bilhes de dlares,cerca de 28% do nosso PIB. Ou seja, estes

    recursos que deveriam ser reinvestidos nofomento da economia, no s so desviados

    para a especulao financeira, como escapamem grande parte dos impostos. J saram, porexemplo, os dados do Ita e do Bradesco noLuxemburgo (ICIJ), bem como os do misin-voicing ou transfer pricing (fraude nas notasfiscais) que nos custa US$35 bi/ano envia-dos ilegalmente para o exterior (cerca de 2%do PIB que se perdem) segundo pesquisa doGlobal Financial Integrity, alm dos fluxoscanalizados pelos HSBC e outros bancos.

    Junte-se a isto o fato dos nossos impostosserem centrados nos tributos indiretos, comos pobres pagando proporcionalmente maistributos do que os ricos, bem como a isenode lucros e dividendos, e temos o tamanhodo desajuste. De certa forma, temos aqui oespelho em menor escala do que o Pikettyanalisa para os pases desenvolvidos.

    O artigo completo abaixo constitui umasistematizao do mecanismo, apresentadode uma forma que qualquer no economis-ta possa entender. Este ponto importante:grande parte do desajuste estrutural se deveao fato que as pessoas em geral no enten-dem os mecanismos financeiros. E se tratado bolso de todos ns. As contas batem. Osdados so conhecidos, aqui se mostra comose articulam.

    O texto que segue, mais do que uma opinio,constitui um relatrio sobre como a engrena-gem foi montada, e como pode ser redirecio-nada. Uma ferramenta que espero seja til paranos direcionarmos, pois precisamos de muitomais gente que se d conta de como funciona onosso principal entrave. No h PIB que possaavanar com tantos recursos desviados.

    A compreenso desta estranha crise, que cla-ramente no para todos, j est entrando na

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    mdia, como vemos por exemplo nesta notade Ruth Costas, da BBC: O Ita teve ainda

    um aumento de seu lucro de 30,2% em 2014 registrando o maior lucro da histria dosbancos brasileiros de capital aberto segundoa Economtica (R$ 20,6 bilhes). O lucrodo Bradesco tambm se expandiu bastante 25,6%. E isso em um momento em queconsultorias econmicas estimam um cresci-mento prximo de zero para o PIB de 2014.Diante desses nmeros, no de se estranharque dos 54 bilionrios brasileiros citados no

    ltimo levantamento da revista Forbes, 13estejam ligados ao setor bancrio (Costas,2015). Artigos indignados da prpria FIESPs reforam o argumento. Na realidade mui-ta gente j se d conta de onde esto nossosprincipais desequilbrios.

    O nosso desafio, portanto, no s de umajuste fiscal, e sim de um ajuste fiscal-fi-nanceiro mais amplo. anto o consumidor,

    como o empresrio-produtor e o Estado na suaqualidade de provedor de infraestruturas e depolticas sociais tm tudo a ganhar com isto.Um empresrio com quem discuti este textoconstatou que estava gastando mais com jurosdo que com a folha de pagamento. Aqui temosat interesses comuns entre empresrios efe-tivamente produtivos, situados na economiareal, e os trabalhadores que querem se tornarmais produtivos e ganhar melhor. No maispossvel no vermos o papel dos atravessadoresque travam a economia.

    No se trata aqui de simples crtica. A m-quina que desenvolvemos, com milhares deagncias, bons tcnicos na rea financeira,boas infraestruturas informticas e softwarescorrespondentes, redes comerciais sofistica-das, sistemas que conectam online os cida-

    dos e as empresas tudo isso permite quetenhamos um sistema de intermediao fi-nanceira enxuto, gil e barato mas que pre-

    cisa ter a sua funo reconvertida, no sentidode servir a economia e no dela se servir a

    ponto de trav-la. O mesmo sistema que hojenos trava pode se tornar em poderosa alavan-ca de desenvolvimento. No so necessriosaqui grandes investimentos, e sim uma reo-rientao reguladora no sentido determinadono artigo 192 da nossa Constituio sobreo Sistema Financeiro Nacional: Promover odesenvolvimento equilibrado do Pas e serviraos interesses da coletividade.

    Intermediao nanceira eprodutividade da economia

    Antes de tudo, precisamos fazer as pazes como que entendemos por intermedirios finan-ceiros. rata-se aqui de pessoas ou empresasque ganham no produzindo bens que nosso teis em si como um par de sapatos mas que ganham negociando os direitos deacesso aos bens. Estes direitos constituem

    papis, como dinheiro, sinais magnticos nocarto, tickets refeio ou semelhantes. Osque gerem o acesso aos papis e sinais magn-ticos tanto podem facilitar a vida como torn--la muito complicada e sobretudo mais cara.Mas o essencial aqui entender que se tratade atividades meio, pois ningum come di-nheiro. A intermediao financeira se justificapelo impacto que tem sobre outros setores daeconomia, os que geram riqueza real, os bense servios com utilidade final.

    Esta distino entre atividades meio e ativi-dades fins ajuda muito. Se eu procuro ummdico, natural que haja uma pessoa que ve-rifique a minha identidade, outra que me faaassinar diversas autorizaes, outra ainda queorganiza a papelada no andar de cima e assimpor diante. Mas que eu quero ver o mdico.

    A parte burocrtica rea meio, necessria,mas justificada apenas se facilita a atividadefim que a que me d acesso ao servio que

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    procuro. Quando se torna maior do que o ne-cessrio, em vez de facilitar, trava o processo

    com custos, demoras, irritaes e perda de pro-dutividade. uma questo de equilbrios.

    Os intermedirios financeiros so necess-rios? Bancos alemes como os Sparkassen quegerem o grosso das poupanas do pas cons-tituem caixas econmicas municipais. Agre-gam poupanas das famlias, e as repassam aquem queira abrir uma pequena empresa, ouorganizar um servio til para a comunida-

    de. Ou seja, exercem a funo fundamentalde oferecer um abrigo mais seguro do que ocolcho tradicional, rendem um pequeno be-nefcio ao poupador, e enriquecem a comu-nidade ao transformar patrimnio financeiroem capital produtivo. Esta riqueza adicionalcriada permite que o banco tenha lucro, aoreceber o emprstimo de volta com juros.Mas aqui o seu lucro faz parte da riqueza quecontribuiu a criar. O lucro apropriado sem

    gerar a riqueza correspondente, est apenas seapropriando do fruto do trabalho que outros

    j criaram.

    Um intermedirio financeiro pode, portan-to, ser muito til, dependendo da qualidadedo investimento que estimula nas reas finsda economia, e de quanto cobra pelos seusservios. Um bom gerente de crdito aque-le que sabe identificar oportunidades de fo-mento, adiantando o dinheiro parado a quemvai dinamizar a economia com atividades naeconomia real. Portanto os bancos e outrosintermedirios financeiros so teis quan-do produzem mais do que custam. No nos-so caso, como veremos, custam muitas vezesmais do que o que contribuem a produzir. J.C Polychroniu resume o desafio de maneirasimples: Os bancos deveriam voltar a fazer

    o que faziam quando foram criados: oferecerum local seguro para as poupanas e capital anegcios que pretendem se desenvolver.

    Um segundo ponto a ser esclarecido, que temtudo a ver com o primeiro, que investimen-

    to e aplicao financeira no so a mesmacoisa. Para os de lngua inglesa complicado,pois em ingls se usa investment para ambasas operaes. O Economist, na impossibilida-de de qualificar honestamente de investidoresos que aplicam apenas em papis, criou umafrmula interessante: speculative investors. NaFrana, muito claro para qualquer estudantede economia a diferena entre investissementse placements financiers, sendo estas ltimas

    naturalmente aplicaes financeiras. A confu-so grave. O fato dos nossos bancos se refe-rirem regularmente a investimentos quandose trata de aplicaes em papis tende a nosconfundir. A confuso gerada, alis, volun-tria, pois investir parece mais respeitvel.

    As aplicaes financeiras podem ser muitolucrativas, mas geram lucros de transferncia,e no por criao de riqueza suplementar. Se

    eu compro dlares por prever que a moedavai subir, e acertei na aposta, poderei reven-d-los com proveito, e comprar mais coisas.

    A pessoa que os vendeu viu pelo contrrio asua capacidade de comprar baixar na mesmaproporo: ele agora tem reais, e o dlar estsmais caro. No pas no se produziu um parde sapatos a mais, no se construiu uma casaa mais, a riqueza acumulada do pas conti-nua idntica por mais que faamos frenticastransaes financeiras. So ganhos de trans-ferncia, de direitos sobre o produto que jexiste, ou no caso de processos especulativoscomo os mercados de futuros, sobre um pro-duto que ainda sequer for produzido, mas jtem dono.

    Agora seu eu realizo efetivamente o que podeser qualificado de investimento, o que tanto

    pode ser a criao de uma fbrica de sapatoscomo o financiamento de um curso de for-mao tecnolgica para pequena e mdia

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    empresa, estou criando riqueza, aumentandoo capital do pas. No caso do investimento,

    mesmo que eu construa casas que depois te-nha de vender com perdas, o pas ganhou ca-sas onde pessoas concretas podero morar. Oestoque de riqueza do pas aumentou. Se euinvisto o meu patrimnio estou transforman-do-o em capital que gera mais riqueza. Se eufao uma aplicao financeira estou possivel-mente aumentando o meu patrimnio, masno criando capital no sentido produtivo.

    Quem viu Uma Linda Mulher lembrar comoo aplicador financeiro, quando perguntadopela prostituta o que ele faz na vida, respon-de de maneira direta: Eu fao o mesmo quevoc, eu f...com as pessoas por dinheiro (Sameas you, I screw people for money). Ele sabe per-feitamente que no est criando riqueza ne-nhuma, e sim est se apropriando da que foicriada por outros. David Ruccio, para o Real

    World Economics, explicita isto claramente:

    As finanas podem ser muito lucrativas, tantopara as instituies bancrias como para estu-dantes de Harvard, mas a nica coisa que fa-zem capturar parte do valor criado em outrolugar na economia. Em vez de criar riqueza osrentistas simplesmente a transferem dos ou-tros para si. Hoje, entre as grandes fortunas,muito poucos so os que criam riqueza, poistende a ser muito mais lucrativo transferir parasi a riqueza produzida por outros.

    No novo mundo econmico que constru-mos, o poder dos intermedirios. Uma vezmais, podem ser teis, quando contribuemmais para a economia do que o custo de apro-priao e de desorganizao que provocam.Mas quando se tornam muito poderosos, epodem inclusive dobrar as leis que regulamas suas atividades e gerar as leis que os favore-

    cem, o seu poder desarticulador sobre quemquer investir, produzir e consumir pode sermuito grande.

    O credirio

    A foto abaixo foi tirada numa loja em Joinville.A prestao que cabe no bolso est em letrasgrandes. Colocam o valor final e os juros, bempequenos: paga-se mais do dobro, juros de122%. Este tipo de credirio permite comprarhoje, mas trava a capacidade de consumo pordois anos. O produtor recebe pouco, e poucopoder investir. E o consumidor pode comprarpouco, pelo peso dos juros. a chamada eco-nomia do pedgio, que trava o sistema produ-

    tivo, tanto do lado do produtor como do con-sumidor, em proveito do intermedirio.

    A simulao abaixo, afixada na entrada deuma rede semelhante na Europa, MidiaMa-rkt, apresenta juros de 13,3% ao ano, o que

    equivale a 1,05% ao ms. Uma compra de600 euros em 18 meses se materializa em 18prestaes de 38,85 euros. O total a prazo de 699 euros. E ganham bem com isto, poisapenas precisaram fazer a intermediao, notiveram que produzir nada. Basta compararcom o exemplo acima no Brasil, com preo vista de 694 e custo total a prazo de 1437reais, para se dar conta da deformao. Noh economia que possa funcionar assim. E

    jogar a culpa nos impostos funciona apenasporque culpar o governo a nossa forma cul-tural de desviar as culpas de todos. Pode ge-

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    rar um sentimento agradvel de indignaojustificada, mas essencialmente baseado na

    incompreenso dos mecanismos. Esta incom-preenso no uma questo de ignorncia, esim de desinformao construda, e que faci-lita a pilantragem: Joseph Stiglitz recebeu umNobel de economia por mostrar o impactoda assimetria de informao. O recm-chega-do ao mercado das grandes lojas apenas vaichecar se a prestao cabe no bolso, e assina.

    Hoje temos os dados gerais sobre estas taxasde juros ao tomador final, para pessoa fsi-ca, praticadas no comrcio, pelos chamadoscredirios. A ANEFAC (Associao Nacionalde Executivos de Finanas, Administrao eContabilidade) traz os dados de junho 2014(ver tabela 1, na pgina seguinte).

    Antes de tudo, uma nota metodolgica: os ju-ros so quase sempre apresentados, no Brasil,como taxa ms, como na primeira colunaacima. tecnicamente certo, mas comercial-mente e eticamente errado. uma forma deconfundir os tomadores de crdito, pois nin-gum consegue calcular mentalmente juroscompostos. O que usado mundialmente o juro anual que resulta. O Banco Ita, por

    exemplo, apresenta no seu site as taxas de ju-ros apenas no formato mensal, pois ao anoapareceriam como so, extorsivos. Na foto

    mais acima vemos a V oferecida com taxade juros de 6,87% ao ms, e aparece em le-

    tras midas, por obrigao legal, o juro realao ano de 122%, literalmente um assalto.

    A mdia de juros praticadas nos credirios, de72,33%, significa simplesmente que este tipode comrcio, em vez de prestar decentementeservios comerciais, pratica essencialmente ati-vidades financeiras. Aproveita o fato das pes-soas no entenderem de clculo financeiro, ede disponibilizarem de pouco dinheiro vista,

    para as extorquir. Aqui, a empresa que vendeArtigos do Lar, ao cobrar juros de 104,89%sobre os produtos, trava a demanda, pois elaficar represada por 12 ou 24 meses enquantose paga as prestaes. Mas trava igualmente oprodutor, que recebe muito pouco pelo pro-duto. o que temos qualificado de economiade pedgio. Ironicamente, as lojas dizem quefacilitam. No conjunto do processo, a capa-cidade de compra do consumidor dividida

    por dois, e a capacidade de reinvestimento doprodutor estanca. Normalmente, os mecanis-mos de mercado, atravs da concorrncia entrediversas lojas e na busca do cliente, reduziriamos custos do credirio para nveis decentes, mascomo no nosso caso o sistema de distribuio altamente oligopolizado, o efeito cartel man-tm os custos em nveis astronmicos.

    Os juros para pessoa fsica

    Os consumidores no se limitam a comprarpelo credirio, cuja taxa mdia de 72,33%aparece reproduzida abaixo na primeira linha.Usam tambm carto de crdito e outras mo-dalidades de mecanismos financeiros poucocompreendidas pela imensa maioria dos con-sumidores.

    omando os dados de junho 2014, constatamosque os intermedirios financeiros cobram tam-bm 238,67% no carto de crdito, 159,76%

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    Tabela 1

    Comportamento das taxas de juros do credirio por setor

    Setores Maio 2014 Junho 2014 Variao VariaoTaxa ms Taxa ano Taxa ms Taxa ano % % ao ms

    Grandes redes 2,49% 34,33% 2,51% 34,65% 0,80% 0.02Mdias redes 4,80% 75,52% 4,83% 76,13% 0,63% 0.03Pequenas redes 5,41% 88,18% 5,45% 89,04% 0,74% 0.04Empreendimentos de turismo 3,74% 55,37% 3,75% 55,55% 0,26% 0.01Artigos do lar 6,14% 104,43% 6,16% 104,89% 0,33% 0.02Eletro-eletronnicos 4,60% 71,55% 4,64% 72,33% 0,87% 0.04Importados 5,23% 84,34% 5,24% 84,57% 0,19% 0.01Veculos 1,80% 23,87% 1,78% 23,58% -1,11% -0.02Artigos ginstica 6,49% 112,67% 6,52% 113,39% 0,46% 0.03Informtica 4,43% 66,69% 4,38% 67,27% 0.69% 0.03

    Celulares 4,04% 60,84% 4,08% 61,59% 0.99% 0.04Decorao 6,30% 108,16% 6,33% 108,87% 0,48% 0.03Mdia geral 4,62% 71,94% 4,64% 72,33% 0,43% 0.02

    Fonte: ANEFAC, http://www.anefac.com.br/uploads/arquivos/2014715153114381.pdf , 2014.

    Maio 2014 Junho 2014 Variao Variao

    Tabela 2

    Taxa de juro para pessoa fsica

    Linha de crdito Maio 2014 Junho 2014 Variao Variao

    Taxa ms Taxa ano Taxa ms Taxa ano % % ao ms

    Juros comrcio 4,62% 71,94% 4,64% 72,33% 0,43% 0,02Carto de crdito 10,52% 232,12% 10,70% 238,67% 1,71% 0,18Cheque especial 8,22% 158,04% 8,28% 159,76% 0,73% 0,06CDC - ancos - financiamento automveis 1,80% 23,87% 1,78% 23,58% -1,11% -0,02Emprstimo pessoal- bancos 3,41% 49,54% 3,45% 50,23% 1,17% 0,04

    Emprstimo pessoal-financeiras 7,29% 132,65% 7,35% 134,22% 0,82% 0,06axa Mdia 5,58% 100,76% 6,03% 101,90% 0,84% 0,05

    Fonte: ANEFAC, http://www.anefac.com.br/uploads/arquivos/2014715153114381.pdf , 2014.

    VariaoVariaoJunho 2014Maio 2014

    no cheque especial, 23,58% na compra deautomveis. Os emprstimos pessoais custamna mdia 50,23% nos bancos e 134,22% nasfinanceiras. Estamos deixando aqui de lado aagiotagem de rua que ultrapassa os 300%.

    O cheque especial merece uma notinha espe-cial, na medida em que se trata de taxas de jurosexcepcionalmente altas. uma forma muitoprtica de entrar no vermelho, e termina sen-do muito utilizada por quem tem dificuldadesde fechar o ms ou pagar uma conta inadivel,o que leva a que os volumes de uso sejam eleva-dos. Em dezembro de 2014 as pessoas jurdicastinham um estoque de dvida de 13,6 bilhes

    de reais, pagando um juro de 189,3%, enquan-

    to as pessoas fsicas deviam 25,5 bilhes comuma taxa de juros de 201%. Como ordem degrandeza, isto representa cerca de 38 bilhes dereais que pagam juros da ordem de 70 bilhes,mais do dobro do bolsa famlia. E pesa tantosobre as famlias como sobre pequenas e mdiaempresas, e em particular sobre famlias pobres.(BCB-Depec, 2015)

    As variaes so grandes, com dados sobretaxas de juros por instituio financeira apre-sentados pelo BCB para junho de 2015 va-riando entre 195,34 no Ita, 247,64 no Bra-desco e 326,21 no Santander. importantenotar que no um mercado onde o clientetem realmente escolha. As pessoas tendem a

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    manter as contas onde recebem os seus sal-rios, e tendem a aceitar as condies ofereci-

    das, alm de serem em geral pouco informa-das. Em todo caso no um mercado fluido,e de toda forma as taxas nos diversos bancosso todas escandalosas, ainda que umas maisque as outras. Os dados por instituio po-dem ser consultados em http://www.bcb.gov.br/pt-br/sfn/infopban/txcred/txjuros/Pagi-nas/RelxJuros.aspx?tipoPessoa=2&modalidade=216&encargo=101

    Note-se que a Abecs (Associao Brasileiradas Empresas de Cartes de Crdito e Ser-vios) considera que o juro mdio sobre ocarto de 280%, portanto bem acima daavaliao da Anefac. A Abecs considera que50,1% do crdito para consumo feito nocarto, 23,5% no crdito consignado, 13,1%no credirio de veculos, e 13,3% outros.rata-se, no caso dos cartes, de cerca de 170bilhes de reais.

    Para termos um ponto de referncia sobre oque significam em estes bilhes que saem docircuito produtivo e entram no circuito dos in-termedirios, lembremos que o Brasil tem umPIB da ordem de 5,5 trilhes de reais em 2014.Ou seja, cada vez que se retira 55 bilhes daeconomia real, 1% do PIB que deixa de fo-mentar a economia, e que poderia ser transfor-mado em investimentos ou consumo adicional.

    importante lembrar que mesmo sem entrarno crdito do carto, portanto pagando vista,

    numa compra com carto na modalidade cr-dito, tipicamente uma loja tem de pagar cercade 5% do valor das compras ao banco, almdo aluguel da mquina. Estes 5% podem sermenos para grandes lojas com capacidade denegociao com o sistema financeiro, mas detoda forma trata-se de um gigantesco impostoprivado sobre a metade do crdito de consu-mo, reduzindo drasticamente a capacidade decompra do consumidor. Mesmo na modali-

    dade dbito os bancos cobram cerca de 2%.Poderamos considerar que os 5% cobrados namodalidade crdito da compra vista, e 2% namodalidade dbito, correspondem aos custosde gesto dos cartes: para termos uma refe-rncia, nos Estados Unidos o custo por tran-sao para as operadoras de carto da ordemde 4 centavos de dlar, cerca de 12 centavos dereal, quando numa compra vista de 100 reaisna modalidade crdito cobram 5 reais, quesair do bolso do cliente. (Brown, p.14)

    Considerando que se trata de centenas de bi-lhes em compras com carto, devidamentecontabilizados periodicamente pela Abecs,podemos imaginar o volume de recursos apro-priados sobre este montante, pedgio que tirarecursos da economia real para o sistema deintermediao financeira. (http://www.abecs.org.br/indicadores-de-mercado)

    Tabela 3

    Cheque especial

    Saldo cheque

    Saldo cheque

    Saldo cheque Saldo cheque Taxa de juros Taxa de juros

    especial PJ

    especial PF especial PJ especial PF do cheque do cheque

    deflacionado deflacionado especial PJ especial PJ

    jan/08 9.600 16.333 14.208,32 24.173,38 - 145,53

    jan/09 11.600 20.027 16.221,21 28.005,36 - 172,01

    jan/10 12.309 19.044 16.456,90 25.461,47 - 161,05

    jan/11 13.634 20.296 17.197,72 25.601,06 - 172,57

    jan/12 14.583 23.071 17.317,95 27.397,83 171,7 169,76

    jan/13 14.403 23.420 16.112,58 26.199,86 146,34 138,15

    jan/14 15.397 24.909 16.293,96 26.360,09 150,93 154,11

    dez/14 13.644 24.504 13.644,00 24.504,00 189,34 200,99

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    lias, o que no informao suficiente, poisaqui as famlias no s se endividam muito

    como se endividam muito comprando pou-co. A conta evidente: em termos prticos,pagam quase o dobro, s vezes mais. Ditode outra forma, compram a metade do queo dinheiro delas poderia comprar, se fosse vista. Isto que a compra vista j inclui oslucros de intermediao comercial.

    No crdito imobilirio as taxas so maisbaixas, mas envolvem endividamento por

    dcadas, com impacto forte nesta poca emque muitas famlias esto evoluindo paracasa prpria. lucro estvel para os bancos,e com muita segurana pois esto garanti-dos pelo valor do imvel. Ainda assim, os

    juros so absurdamente elevados, quandocomparados com o juro mdio imobiliriona Unio Europeia: 2,18% na Europa, sen-do por exemplo de 1,86% na Alemanha e2,17% na Frana, contra cerca de 12% no

    Brasil, 5 vezes mais elevados. No Canad ataxa correspondente de juros de 2,27%.ratando-se de montantes elevados, e de lon-go prazo, o impacto sobre a capacidade deconsumo das famlias muito forte. (BCE).Veja no quadro a seguir alguns exemplos detaxa de juros para crdito imobilirio parapessoa fsica, no Brasil, em julho de 2015:

    A Abecs considera que esta carteira estsendo responsvel por fomentar o crdito ao

    consumidor no pas. uma forma positivade apresentar o problema, mas se fomenta ocrdito, e no o consumo. No caso da fre-quente entrada no crdito rotativo, as pes-soas pagaro trs ou quatro vezes o valor doproduto. Miguel de Oliveira, diretor da Ane-fac, resume bem a situao: A pessoa queno consegue pagar a fatura e precisa parce-lar, ou entrar no rotativo, na verdade est fi-nanciando a dvida do carto de crdito com

    outro tipo de crdito. O problema que essadvida no tem fim. As pessoas acabam nose dando conta dos juros que tero que pa-gar (DCI, B1, 20/08/2014).

    Como as pessoas tm dificuldades em imaginarque o sistema tenha sido to grosseiramentedeformado, apresentamos abaixo a tabela ori-ginal de juros cobrados pelo Banco Santander.O Custo Efetivo otal do crdito rotativo no

    Santander, por exemplo, informado em tabelaenviada aos clientes, de 633,21% (tabela 4).

    Obviamente, com estas taxas de juros, as pes-soas, ao fazer uma compra a crdito, gastammais com os juros do que com o prprio valordo produto adquirido. Costuma-se apresen-tar apenas a taxa de endividamento das fam-

    Tabela 4

    Tabela de juros enviada aos clientes do Santander, janeiro 2015

    Custo Efetivo Total (CET) vlido para o prximo perodo

    Operao de Crdito Taxa de juros Taxa de juros IOF Seguro Tarifa Custo efetivo ao ms (%) ao juros adicional prestamista (%) (R$) total ao ano

    ao ano (%) (%) (se contratado) (%)

    Crdito rotativo 16,99 557,33 0,38 0,1230 - 633,21Compras parceladas c/ juros 1,90 25,34 0,38 0,1230 - 30,07Saque vista 19,99 790,71 0,38 0,1230 - 997,96Parcelamento da fatura 9,29 190,37 0,38 0,1230 3,50 324,80SuperCrdito - - - - - -otal parcelado 6,50 112,90 0,38 0,1230 4,50 171,85

    Para os parcelamentos (Parcelamento da Fatura e otal Parcelado) o clculo realizado com base no plano com menor quantidade de parcelas e no valor do limite totaldisponvel para a respectiva operao, informados nesta fatura.Para o Saque Vista, se disponvel, o clculo realizado com base no valor do limite total disponvel, informado nesta fatura.Para o Crdito Rotativo (Pagamento Parcial) o clculo realizado com base na diferena entre o valor total desta fatura e o valor do Pagamento Mnimo, informados nesta fatura.Fonte:Mailingdo Banco Santander para clientes, Brasil, abril 2015

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    Se considerarmos as diversas formas de cr-dito e taxas de juros a que a populao est

    submetida, no h como no ver a razoprincipal do estancamento. A evoluo donvel de endividamento das famlias pode servista na tabela abaixo: a parte da renda queas famlias tm de dedicar ao pagamento dasdvidas passa de 19,3% em 2005 para 46,5%em maro de 2015. No h como as famliascomprarem mais com este grau de endivida-mento. Note-se em particular que as famliasmais ricas compram mais vista, e, portan-

    to, a paralizao da capacidade de comprarecai particularmente sobre as classes recmincludas no mercado (tabela 5).

    No o imposto que o vilo, ainda queo peso dominante dos impostos indiretos spiore a situao conforme veremos adiante: o desvio da capacidade de compra para o pa-gamento de juros. As famlias esto gastandomuito mais, resultado do nvel elevado de

    emprego e da elevao do poder aquisitivoda base da sociedade, mas os juros esterili-zam a capacidade de dinamizao da eco-nomia pela demanda que estes gastos pode-riam representar. Um dos principais vetoresde dinamizao da economia se v travado.Gerou-se uma economia de atravessadoresfinanceiros. Prejudicam-se as famlias queprecisam dos bens e servios, e indiretamen-te as empresas efetivamente produtoras quevm os seus estoques parados. Perde-se boaparte do impacto de dinamizao econmicadas polticas redistributivas.

    O crdito consignado ajuda, mas atinge ape-nas 23,5% do crdito para consumo (DCI,2014), e tambm se situa na faixa de 25 a 30%de juros, o que aparece como baixo apenaspelo nvel exorbitante que atingem as outrasformas de crdito. Mais uma vez interessan-te comparar o custo do crdito consignadocom a taxa de juros cobrados na Frana, nocaso do consumidor optar por fazer um em-prstimo no banco para pagar vista na loja:3,50% ao ano, cerca de 8 vezes menos do queo nosso crdito consignado.

    No caso da foto abaixo, de oferta da BanquePostale, a pessoa pode pegar um crdito pag-vel at 5 anos, entre 7 e 20 mil euros, com ga-rantia da taxa ser fixa, podendo utilizar paracomprar veculo, realizar obras ou investir emum projeto. Aqui o crdito estimula, tantopelo consumo como pelo empreendedoris-mo, em vez de trav-los. Crdito semelhanteencontramos na Polnia com taxa de 5% aoano, havendo ainda a vantagem, neste pas,de se poder recorrer a bancos cooperativosque financiam diretamente projetos locais.

    Posio Instituio % a.m. % a.a.

    1 Apex Poupex 0,86 10,822 Caixa Econmica 0,91 11,48

    3 Santander S.A. 0,97 12,244 Banco do Brasil S.A. 0,97 12,33

    axas de juros por instituio financeira, julho 2015.Fonte: BCB.Acesso em: http://www.bcb.gov.br/pt-br/sfn/infopban/txcred/txjuros/Paginas/RelxJurosMensal.aspx?tipoPessoa=1&modalidade=905&encargo=101Modalidade: Pessoa Fsica Financiamento Imobilirio com axas Reguladas.ipo de encargo: Pr-fixado.

    Tabela 5

    Endividamento das famlias com o Sistema Financeiro Nacional acumulado dos ltimos doze meses

    Fonte: BCB Depec. - Acesso em 03/06/2015.https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararelaLocalizarSeries.

    Mar-0519,3%

    Set-1038,8%

    Set-0521,9%

    Mar-1140,6%

    Mar-0622,9%

    Set-1141,8%

    Set-0624,3%

    Mar-1242,5%

    Mar-0725,7%

    Set-1243,6%

    Set-0728,1%

    Mar-1344,6%

    Mar-0830,6%

    Set-1345,5%

    Set-0832,5%

    Mar-1445,5%

    Mar-0933,2%

    Set-1446,1%

    Set-0934,7%

    Mar-1546,5%

    Mar-1036,6%

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    Anncio no metr em Paris, da Banque Postale, em julho de 2015. O anunciocompleto inclui simulao.

    Note-se que no caso do Brasil encontramos

    cifras que variam sejam do Banco Central, daAnefac ou de pesquisas de diversas institui-es financeiras, o que compreensvel pelasdiferenas de metodologia. Mas o que nosinteressa aqui o impacto final para o con-sumidor e a demanda, e no conjunto as ci-fras so rigorosamente coerentes em termosde apresentarem nveis de taxas de juros quesimplesmente inviabilizam um crescimentodinmico da economia. Sobre que volume de

    recursos se aplicam estes juros: Lembremosque o saldo de operaes de crdito do sis-tema financeiro nacional de 3.111 bilhesem 2015, dois quais praticamente a metade,1.469 bilhes, com pessoas fsicas. No hcomo o consumo familiar sobreviver com os

    juros que vimos aplicados a um montante toelevado.

    importante lembrar que quando se trata de

    um oligoplio, no existe nenhuma raciona-lidade tcnica (do tipo equilbrio entre ofer-ta e demanda de crdito, ou entre custo decaptao e custo ao tomador final), e predo-mina simplesmente a busca do lucro mximodentro dos limites do politicamente tolervel.E como uma grande massa de novos consu-midores no consegue ter pontos de refern-cia do que tolervel, ainda mais quando seapresenta juros ao ms, a usura atinge nveis

    absurdos. E o conhecimento de como funcio-nam os juros no resto do mundo extrema-mente limitado.

    Os juros para pessoa jurdica

    As taxas de juros para pessoa jurdica noficam atrs. As carteiras de crdito para pes-soa jurdica representaram em julho de 2015R$1.642 bilhes, um pouco mais da metadedo total de operaes de crdito do sistema fi-nanceiro levantado pelo Banco Central. O es-tudo da Anefac apresenta uma taxa praticadamdia de 50,06% ao ano, sendo 24,16% paracapital de giro, 34,80% para desconto de du-plicatas, e 100,76% para conta garantida. O

    Banco Central apresenta os volumes para osdiversos produtos, tanto em recursos livrescomo recursos direcionados, mas sem as ta-xas de juros correspondentes, o que permitiriasaber quanto dreno financeiro gerado pelosdiversos produtos. A taxa mdia apresentadapela ANEFAC superestimada justamentepor ser constituir uma mdia simples. Aquiseria essencial termos pesquisas por produtofinanceiro, com o volume de crdito e taxa

    correspondente, e o consequente aumento decustos para as empresas, alm de pesquisas sis-temticas do grau de endividamento.

    De toda forma, e em que pesem os esforosmuito importantes do BNDES, ningum ems conscincia consegue desenvolver ativida-des produtivas, criar uma empresa, enfrentaro tempo de entrada no mercado e de equi-lbrio de contas pagando este tipo de juros.

    Aqui, o investimento privado que direta-mente atingido (tabela 6).

    A atividade bancria pode ser perfeitamen-te til, ao financiar iniciativas econmicasque daro retorno. Mas isto implica o bancoutilizar o dinheiro dos depsitos (alm na-turalmente da alavancagem) para fomentariniciativas empresariais, cujo resultado dar

    legtimo lucro ao investidor, permitindotambm restituir o emprstimo. A atividadebsica de um banco, que seria de reunir pou-

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    panas de depositantes para transform-lasem financiamento de atividades econmicas,

    saiu do horizonte de interesse destes bancos.A economia, travada do lado da demandacom o tipo de crdito ao consumo visto aci-ma, tanto nos bancos como nos credirios,v-se, portanto, igualmente travada do ladodo financiamento ao produtor. Prejudica-seassim tanto a demanda como o investimento,os dois motores da economia (alm dos in-vestimentos do Estado que veremos adiante).

    Um artigo de C.J. Polychroniou resume estadeformao profunda das funes do banco:O capitalismo financeiros economicamen-te improdutivo (no cria riqueza de verda-de), socialmente parasitrio (vive das receitasproduzidas por outros setores da economia)e politicamente antidemocrtico (restringea distribuio da riqueza, cria desigualdadesimensas e luta por privilgios). O lucro maiselevado dos intermedirios financeiros no

    significa que a economia vai bem, e sim queintermedirios no-produtivos esto se apro-priando de uma parte maior do produto. Aprpria Federao do Comrcio resume bemo dilema do ponto de vista do empresariado:H quase consenso quanto necessidade deestimular investimentos no Brasil: ao redu-zir os gastos com juros, as empresas passama ter importante espao para alavancar seusinvestimentos e as famlias, com alvio nessaespesa, certamente estimularo o consumo,criando-se assim uma coerncia macroeco-nmica positiva (Fecomercio-SP). Um tom

    semelhante pode ser encontrado na FIESP:Benjamin Steinbruch comenta que alm da

    confiana, o consumidor precisa de crdito,mas com juros civilizados, e no com o absur-do custo atual, que passa de 300% ao ano.(Valor, 25-08-2015)

    As regras do jogo aqui se deformam profun-damente. As grandes corporaes transna-cionais passam a ter vantagens comparadasimpressionantes ao poder se financiar do ex-terior com taxas de juros tipicamente 4 ou 5

    vezes menores do que os seus concorrentesnacionais. Muitas empresas nacionais podemencontrar financiamentos com taxas que po-deriam ser consideradas normais, por exem-plo pelo BNDES e outros bancos oficiais,mas sem a capilaridade que permita irrigar aimensa massa de pequenas e mdias empresasdispersas no pas. Aqui tambm podemos teruma ideia do volume de recursos retirados daeconomia real. Os juros acima se aplicam so-

    bre operaes de crdito para pessoa jurdicaque atingem R$1.642 bilhes em 2015, qua-se 30% do PIB. (BCB, ECOIMPOM)

    Particularmente fragilizadas so as micro epequenas empresas que no Brasil representama esmagadora maioria de atividades econmi-cas e emprego: o SIMPI (Sindicato da Microe Pequena Indstria) mostra por exemplo, napesquisa sobre quanto o pagamento dessesemprstimos representa no faturamento dasua empresa, que o item emprstimos pararenegociar ou pagar dvidas representava em

    Tabela 6

    Taxa de juro para pessoa jurdica

    Linha de crdito Maio 2014 Junho 2014 Variao Variao

    Taxa ms Taxa ano Taxa ms Taxa ano % % ao ms

    Capital de Giro 1,84% 24,46% 1,82% 24,16% -1.09% -0,02Desconto de Duplicatas 2,48% 34,17% 2,52% 34,80% 1,61% 0,04

    Conta garantida 5,92% 99,40% 5,98% 100,76% 1,01% 0,06axa Mdia 3,41% 49,54% 3,44% 50,06% 0,88% 0,03

    Fonte: ANEFAC, http://www.anefac.com.br/uploads/arquivos/2014715153114381.pdf , 2014.

    Maio 2014 Junho 2014 Variao Variao

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    dezembro de 2013 4% do faturamento, en-quanto chegava a 17% em agosto de 2015.

    odos os itens aumentam neste perodo, e ain-da que no tenhamos dados integrados sobreo nvel de endividamento da pequena e m-dia empresa, o travamento gerado nas PMEspelos altos juros bastante claro, e precisa serpesquisado e amplamente divulgado (SIMPI,p. 51). O Sebrae, por exemplo, simplesmenteno dispe dos dados correspondentes.

    No demais lembrar que na Alemanha 60%

    das poupanas so administradas por pequenascaixas de poupana locais, que irrigam gene-rosamente as pequenas iniciativas econmicas.A Polnia, que segundo o Economist melhorenfrentou a crise na Europa, tem 470 bancoscooperativos, que financiam atividades da eco-nomia real. Um dos principais economistas dopas, J. Balcerek, comenta ironicamente que onosso atraso bancrio nos salvou da crise.

    Os juros sobre a dvida pblica

    Vimos acima como o dreno dos recursos dosconsumidores trava a demanda, e o drenodos recursos dos empresrios da economiareal trava o investimento e a prpria pro-duo. Uma terceira deformao resulta doimenso dreno sobre recursos pblicos atra-vs da dvida pblica. Se arredondarmos onosso PIB para 5,5 trilhes de reais, 1% doPIB so 55 bilhes. Quando gastamos 5%do PIB para pagar os juros da dvida pblica,significa que estamos transferindo, essencial-mente para os bancos donos da dvida, e porsua vez a um pequeno grupo de afortuna-dos, mais de 250 bilhes de reais ao ano, quedeveriam financiar investimentos pblicos,polticas sociais e semelhantes. Para a socie-dade, trata-se aqui de uma esterilizao da

    poupana. Para os bancos, muito cmodo,pois em vez de buscar identificar bons em-presrios e fomentar investimentos, tendo

    de avaliar os projetos, enfim, fazer a lio decasa, aplicam em ttulos pblicos, com ren-

    tabilidade elevada, liquidez total, seguranaabsoluta, dinheiro em caixa, por assim dizer,e rendendo muito (tabela 7).

    Comenta Amir Khair: Neste ano (2015)com taxa de juros mdia maior que em 2014,incidindo sobre uma dvida mais elevadapode causar uma despesa prxima de 7% doPIB e, com resultado primrio de 1,2% doPIB, que a meta traada pela nova equipe, o

    dficit fiscal seria de 6% do PIB, ou seja, maisendividamento e mais despesas com juros, emverdadeiro ciclo vicioso.

    O efeito aqui duplamente pernicioso: porum lado, porque com a rentabilidade assegu-rada com simples aplicao na dvida pbli-ca, os bancos deixam de buscar o fomento daeconomia. Fazem aplicaes financeiras empapis do governo, em vez de irrigar as ativi-

    dades econmicas com emprstimos. Por ou-tro, muitas empresas produtivas, em vez defazer mais investimentos, aplicam tambmos seus excedentes em ttulos do governo. Amquina econmica torna-se assim refm deum sistema que rende para os que aplicam,mas no para os que investem na economiareal. E para o governo, at cmodo, pois mais fcil se endividar do que fazer a refor-ma tributria to necessria. Com uma dvi-da pblica total da ordem de 2,3 trilhes, osrecursos que deveriam servir para dinamizara economia atravs da expanso das polti-cas sociais e das infraestruturas so desviadospara o servio da dvida: e com a taxa Selicelevadssima, o Estado no consegue pagar atotalidade de juros anuais, o que aumenta oestoque da dvida e aumenta a sangria.

    Podemos falar num tipo de tringulo das ber-mudas: juros sobre o consumo, juros sobre oinvestimento e juros sobre a dvida pblica

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    Ladislau Dowbor | RESGATANDO O POTENCIAL FINANCEIRO DO BRASIL

    convergem para travar a demanda, a produ-o e as polticas pblicas. No h economiaque possa funcionar assim.

    Uma deformao sistmica

    O volume de crdito tem aumentado muito.Segundo relatrio do BCB, o saldo total decredito do sistema financeiro alcanou R$2.715bilhes em dezembro, e expandiu 14,7% noano, comparativamente a 16,4% em 2012, e

    18,8% em 2011 (BCB-REBC 2013, p. 5).Em julho de 2015, conforme vimos, atingia

    R$3.111, com pessoas e empresas se endividan-do mais apesar das taxas de juros exorbitantes.

    Estas taxas muito elevadas de expanso fren-te a uma economia com pouco crescimentosignifica que h uma deformao profundano sistema financeiro em geral, pois no esti-mula nem a demanda nem o investimento. Aexplicao desta diferena entre uma expan-so saudvel de iniciativas econmicas apro-

    veitando o crdito, e um crdito que estancaa economia, que as pessoas se endividammuito comprando ou investindo pouco, einclusive frequentemente tomando dvida so-bre dvida. o intermedirio financeiro queaproveita e esteriliza os esforos.

    Segundo o Banco Central, em julho de 2015o saldo das operaes de crdito do sistema fi-nanceiro atingiu 3.111 bilhes reais, 54,5% doPIB. Sobre este estoque incidem juros, apro-priados por intermedirios financeiros, cujovalor mdio no mesmo perodo era de 28,4%

    Ano Res. Primrio Juros Res. Nominal Selic

    2002 3,2 -7,7 -4,5 19,22003 3,3 -8,5 -5,2 23,52004 3,7 -6,6 -2,9 16,42005 3,8 -7,4 -3,6 19,12006 3,2 -6,8 -3,6 15,32007 3,3 -6,1 -2,8 12,02008 3,4 -5,5 -2,0 12,52009 2,0 -5,3 -3,3 10,12010 2,7 -5,2 -2,5 9,92011 3,1 -5,7 -2,6 11,82012 2,4 -4,9 -2,5 8,62013 1,9 -5,1 -3,3 8,3

    2014 prev. 1,5 -6,0 -4,5 11,0Fonte: Banco Central; 2014 previso Amir Khair.

    Tabela 7

    Resultado scal do setor pblico - % do PIB

    200 , -8,5 -5,2 2 ,5

    2005 ,8 -7, - , 19,1

    2007 3,3 -6,1 -2,8 12,0

    2009 2,0 -5, - , 10,1

    2011 3,1 -5,7 -2,6 11,8

    201 1,9 -5,1 - , 8,

    Tabela 8

    Evoluo do crdito

    Discriminao 2011 2012 2013 Variao (%)

    2012 2013

    otal 2.034,0 2.368,3 2.715,4 16,4 14,7

    Pessoas jurdicas 1.112,9 1.292,5 1.464,2 16,1 13.3Recursos livres 603,8 706,5 763,3 17,0 8,0

    Direcionados 509,1 586,0 700,9 15,1 19,6

    Pessoas fsicas 921,1 1.075,8 1.251,2 16,8 16,3

    Recursos livres 628,4 692,6 745,2 10,2 7,6

    Recursos direcionados 292,7 383,2 506,0 30,9 32,0

    Participao %

    otal/PIB49,1 53,9 56,0

    Pessoas jurdicas/PIB 26,9 29,4 30,2

    Pessoas fsicas/PIB 22,2 24,5 25,8

    Recursos livres/PIB 29,7 31,8 31,1Recursos direcionados/PIB 19,4 22,1 24,9

    Fonte: Banco Central do Brasil

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    ao ano. Isto significa que a carga de juros pagosaos intermedirios financeiros representa R$

    880 bilhes, 15,4% do PIB. Esta parte extradada economia real e que alimenta a intermedia-o financeira o que nos interessa aqui. Umamassa de recursos deste porte transforma a eco-nomia. (BCB, ECOIMPOM, 2015)

    As comparaes com dinmicas internacio-nais so impressionantes, conforme vimospara vrios produtos financeiros acima, e nacomparao que o IPEA apresentou ainda em

    2009: a taxa real de juros para pessoa fsica(descontada a inflao) cobrada pelo HSBCno Brasil de 63,42%, quando de 6,60%no mesmo banco para a mesma linha de cr-dito no Reino Unido. Para o Santander, as ci-fras correspondentes so 55,74% e 10,81%.Para o Citibank so 55,74% e 7,28%. OIta cobra slidos 63,5%. Para pessoa jurdi-ca, rea vital porque se trataria de fomento aatividades produtivas, a situao igualmente

    absurda. Para pessoa jurdica, o HSBC, porexemplo, cobra 40,36% no Brasil, e 7,86 noReino Unido (Ipea, 2009).

    Comenta o estudo do Ipea: Para emprsti-mos pessoa fsica, o diferencial chega a serquase 10 vezes mais elevado para o brasileiroem relao ao crdito equivalente no exterior.Para as pessoas jurdicas, os diferenciais tam-bm so dignos de ateno, sendo prejudi-ciais para o Brasil. Para emprstimos pessoa

    jurdica, a diferena de custo menor, mas,mesmo assim, mais de 4 vezes maior para obrasileiro. Pesquisa da FIESP de 2010 che-ga a concluses semelhantes: A comparaointernacional de juros deixa claro o motivoda elevada preocupao com o tema no Bra-sil: enquanto a mdia dos juros para emprs-timos dos outros pases do IC-FIESP foi de

    9,2% a. a. em 2008, os juros do Brasil eramde 39,6% a. a., ou seja, quase quatro vezessuperiores (FIESP, 2010).

    Tabela 9

    Taxa anual real de juros total* sobre emprstimospessoais em instituies bancrias em pases

    selecionados na primeira semana de abril de 2009

    Instituio Pas Juro real (em%)

    HSBC Reino Unido 6,60 Brasil 63,42

    Santander Espanha 10,81 Brasil 55,74

    Citibank EUA 7,28 Brasil 60,84

    Banco do Brasil Brasil 25,05Ita Brasil 63,25

    Fonte: Dados fornecidos pelas instituies bancrias para os juros e OCDE e

    BCB para inflao nos selecionados e no Brasil*Juros adicionados aos servios administrativos, riscos de inadimplncia, margemde lucro e tributao.

    Banco do Brasil Brasil 25,05Ita Brasil 63,25

    No caso dos cartes os dados so ainda maisalarmantes se compararmos a taxa praticada noBrasil com a de outros pases. A taxa praticadano Brasil 525% maior do que a do Peru, que o pas com a maior taxa dentre os analisa-dos. A nao peruana cobra 44,8% ao ano e oMxico 39,16% anuais. O menor percentual

    da Colmbia, com 28,31% anuais. Os auto-res pesquisaram os principais bancos do Brasil:No Brasil foram levantadas as taxas de juroscobradas no rotativo por 60 cartes de crdi-to distribudos por 11 instituies financeiras(Banco do Brasil, Banco IBI, Banrisul, Brades-co, BV Financeira, Caixa, Citibank, Credicard,HSBC, Ita e Santander):

    At a taxa de juros para aquisio de imveis,emprstimos volumosos e de longo prazo,com garantia no imvel, que por exemplo noCanad pagam juros de 2,7%, aqui so daordem de 12%. O Banco Central Europeuinforma que o juro anual para corporaes de 2,26% ao ano (Te composite cost-of--borrowing indicator for new loans to cor-porations remained broadly unchanged at2.26% in June 2015. (ECB, 2015)

    Enfrentamos aqui, portanto, uma deforma-o estrutural do nosso sistema de interme-

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    diao financeira. No h grande mistrio noprocesso: a financeirizao mundial, com as

    suas diversas formas de organizao segun-do os pases e as legislaes, adquiriu aquiformas diferentes de travar a economia, di-menso nacional de uma deformao hojeplanetria.

    Uma forma pouco divulgada da deformaoque gera este nvel de lucros a cobrana

    de tarifas. Segundo o Dieese, somente comprestao de servios e cobrana de taxas, oscinco maiores bancos arrecadaram R$ 104,1bilhes, 10,9% a mais que o ano anterior.O valor deu para bancar, com folga, todosos gastos com os 451 mil bancrios, que em2014 custaram R$ 74,6 bilhes, somadossalrios, encargos, cursos e treinamentos. Aestratgia dos bancos privados, nos ltimosanos, visou incrementar os ganhos operacio-

    nais mediante crescimento das receitas comprestao de servios e tarifas bancrias ereduo de despesas, principalmente de pes-soal. Em 2014, esses bancos cortaram 5.104empregos. Santander, Bradesco, Ita e Ban-co do Brasil reduziram os quadros de fun-cionrios em 8.390 postos de trabalho. Oresultado s no foi pior porque foram aber-tos 3.286 novos postos na Caixa, aponta olevantamento (Dieese, 2015, ver reportagem

    Carlos Madeiro, Portal UOL, 18-04-2015),como motra o grfico 1, na pagina a seguir).

    Evidentemente, no so apenas os bancosque lucram com este sistema de intermedia-o financeira, pois gerou-se uma mquina deapropriao de recursos sem aporte produtivoque constitui um entrave estrutural econo-mia do pas. Outros grandes intermediriosparticipam, conforme vimos. O denomi-nador comum, no entanto, que o sistematal como se estruturou no Brasil desvia umamassa impressionante de recursos da reaprodutiva para a especulao. E encontra-sesimplesmente desgovernada. O Banco Cen-tral acompanha as suas contas, mas no a suaprodutividade ou funcionalidade econmica.E para a atividade de intermediao financei-ra, que constitui uma atividade meio e no

    fim, produtividade significa no quantoconsegue retirar do sistema produtivo, e simquanto consegue dinamiz-lo. Como vimos

    Tabela 10

    Comparativo das taxas anuais do carto de crdito,inao e taxa bsica de juro (em %).

    16/01/2014

    Pas Taxa bsica Inflao Taxa carto crdito

    Brasil 10 5,77 (*) 280,82%

    Argentina 20 10,5 35,82

    Chile 4,5 2,3 32,54

    Colmbia 3,2 1,7 28,31

    Peru 3,2 2,9 44,88

    Mxico 3,5 3,6 39,16

    Fonte: Banco Central do Brasil e pesquisa pela internet.(*) axa acumulada nos ltimos 12 meses IPCA - 2014http://www.proteste.org.br/dinheiro/cartao-de-credito/noticia/pais-continua--campeao-de-juro-no-cartao

    No caso dos bancos, gera-se assim uma situa-o impressionante, em que apesar do PIBparado os lucros aumentaram mais de 18%entre 2013 e 2014, isto que j eram extrema-mente elevados. O Dieese publica os dados:Em 2014, as cinco maiores instituies fi-nanceiras obtiveram lucro lquido de, apro-ximadamente, R$ 60,3 bilhes, crescimentode 18,5% na comparao com o ano ante-rior. O maior lucro lquido foi do Ita Uni-banco, de R$ 20,6 bilhes. Esse resultadorepresentou incremento de 30,2% em rela-o a 2013. tambm o maior percentual decrescimento do lucro entre os cinco maioresbancos do pas... Destacam-se, em termosde lucratividade e rentabilidade, o Ita e oBradesco. O lucro desses dois grandes ban-cos soma R$ 36 bilhes, equivalente a cerca

    de 60% dos lucros dos cinco maiores (Diee-se, 2015). No entram aqui naturalmentefluxos orientados para parasos fiscais.

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    Pas e a servir aos interesses da coletividade.Aqui, claramente, assistimos a uma violao

    dos objetivos da nossa lei maior. As mesmasforas que deformaram o sistema financeirotiraram do mapa o que foi aprovado em 1988,no mesmo artigo: As taxas de juros reais, ne-las includas comisses e quaisquer outras re-muneraes direta ou indiretamente referidas concesso de crdito, no podero ser supe-riores a doze por cento ao ano; a cobrana aci-ma deste limite ser conceituada como crimede usura, punido, em todas as suas modali-

    dades, nos termos que a lei determinar. Nos conseguiram dobrar a constituio, comoconseguiram abolir a CPMF, nico impostosignificativo, que alm de taxar as transaes,permitia rastrear as transferncias e gerar ummnimo de transparncia. Amir Khair lembraque a tributao sobre o patrimnio alcanouapenas 4% e sobre a movimentao financeira2%. Financiar a poltica pode ser muito ren-tvel. (A. Khair, 2013)

    O surrealismo da situao pode ser encon-trado no documento da Febraban publica-do em 2014: O sistema financeiro produzbens pblicos. O setor financeiro tem fun-o crtica para o desenvolvimento de umpas. particularmente importante notar opapel dos bancos, que ao capturarem dep-sitos em dinheiro, jogam um papel funda-mental na economia, j que eles: i) facilitama intermediao entre poupadores e projetosde investimento; ii) monitoram a realizaode investimentos de capital por eles finan-ciados; iii) contribuem para uma alocaomais eficiente de recursos na economia; iv)

    jogam um papel crtico na estabilidade mo-netria, e, v) fornecem servios de pagamen-to eficientes, reduzindo custos de transaoe oferecendo convenincia para a sociedade

    como um todo (Febraban, 2014, p. 14).No h dvida que os agentes do sistemafinanceiro sabem o que deveriam fazer. O

    Grco 1Relao entre receita de prestao de servio e as

    espesas de pessoal

    171167 158

    150 152

    166

    Fonte: Dieese, 2015 - Somente com essa receita, secundria no banco, o banco co-bre a totalidade das despesas de pessoal e ainda sobra mais de 50% dessa despesa.

    10 trimestre 2014 10 trimestre 2015

    200%

    150%

    100%

    50%

    0Ita Unibanco Ita Unibanco Ita Unibanco

    no incio, o lucro legtimo quando contri-bui para gerar riqueza, no quando trava o

    funcionamento da economia.A dimenso jurdica

    A nossa constituio, no artigo 170, definecomo princpios da ordem econmica e fi-nanceira, entre outros, a funo social da pro-priedade (III) e a livre concorrncia (IV). Oartigo 173 no pargrafo 4 estipula que a leireprimir o abuso do poder econmico que

    vise dominao dos mercados, eliminaoda concorrncia e ao aumento arbitrrio doslucros. O pargrafo 5 ainda mais explcito:A lei, sem prejuzo da responsabilidade indi-vidual dos dirigentes da pessoa jurdica, esta-belecer a responsabilidade desta, sujeitando--a s punies compatveis com sua natureza,nos atos praticados contra a ordem econmi-ca e financeira e contra a economia popular.Cartel crime. Lucro exorbitante sem contri-

    buio correspondente produtiva ser repri-mido pela lei com punies compatveis.

    Na Constituio de 1988, o artigo 192 traaas bases jurdicas do funcionamento do Siste-ma Financeiros Nacional (SFN): O sistemafinanceiro nacional [ser] estruturado de formaa promover o desenvolvimento equilibrado do

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    contraste com os mecanismos reais que vimosacima impressionante.

    Na prtica, h uma deformao profunda emtermos de regulao do sistema. A Anefacapresenta uma viso da liberdade total dos in-termedirios financeiros cobrarem as taxas de

    juros que quiserem: Destacamos que as taxasde juros so livres e as mesmas so estipula-das pela prpria instituio financeira noexistindo assim qualquer controle de preosou tetos pelos valores cobrados. A nica obri-

    gatoriedade que a instituio financeira tem informar ao cliente quais as taxas que lhesero cobradas caso recorra a qualquer tipo decrdito.

    O sistema navega na realidade na escassacompreenso dos mecanismos financeiros porparte no s da populao, como dos jornalis-tas, advogados e tantos profissionais que nun-ca receberam no nosso processo educacional

    uma s aula sobre como funciona o dinheiro.Isto permite aos intermedirios financeiros

    justificar incansavelmente na mdia os altosjuros com a inadimplncia dos tomadores decrdito. Na realidade, a inadimplncia at seriacompreensvel com estas taxas escorchantes.Mas no o que acontece: a inadimplncia muito reduzida, entre 3% e 4%, inclusive en-tre os mais pobres. O ditado que corre, quepobre tem palavra, rico tem advogado. Os da-dos da inadimplncia podem ser vistos no gr-fico abaixo, inclusive em queda.

    Esta viso gerou um vale-tudo que trava aeconomia. O sistema no se justifica por duasrazes: primeiro, porque o banco, mesmoprivado, funciona a partir da obteno deuma carta-patente do Estado que o autorizaa trabalhar com dinheiro do pblico, a quem

    deve prestar um servio, na linha da utilida-de social. Portanto deve ser submetido a umaregulao segundo este critrio. Segundo,

    porque no caso brasileiro formou-se um car-tel que permite ao reduzido nmero de insti-

    tuies financeiras cobrar juros estratosfricossem que o cliente tenha opo. Do ponto devista do usurio de servios financeiros, semproteo reguladora do poder pblico, e semmecanismos de mercado que levem os inter-medirios a competirem para atrair o clienteoferecendo melhores servios e mais baratos,gerou-se um sistema de extorso. Como so-mos forados a utilizar estes servios, no te-mos como escapar do pedgio, hoje um au-

    tntico imposto privado.

    O resultado prtico uma deformao sist-mica do conjunto da economia, que trava ademanda do lado do consumo, fragiliza o in-vestimento, e reduz a capacidade do governode financiar infraestruturas e polticas sociais.Se acrescentarmos a deformao do nosso sis-tema tributrio, baseado essencialmente emimpostos indiretos (embutidos nos preos),

    com frgil incidncia sobre a renda e o pa-trimnio, temos aqui o quadro completo deuma economia prejudicada nos seus alicerces,que avana sem dvida, mas carregando umpeso morto cada vez menos sustentvel. Pre-cisamos de um sistema de regulao que tor-ne a intermediao financeira funcional para

    Grco 2

    Inadimplncia em queda (estvel no Bradesco)

    4,5

    3,6

    3,6

    Fonte: Dieese, 2014. Demosntraces financeiras, Rede Bancrios: Os dados deinadimplncia (razo entre o montante de crdito com atrasos superiores a 90 diassobre o total de crdito do banco) seguem estveis (Bradesco) ou em queda (Ita eSantander), impactado principalmente pela ampliao de carteiras de baixo risco.

    Ita Bradesco Santander

    5

    4,5

    4

    3,5

    3

    2,5

    2

    1,5

    1

    0,5

    0

    3,6

    3,03,1

    3,3

    3,5

    Set/13 Dez/13 Mar/14 Jun/14 Set/14 Dez/14 Mar/15

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    a economia. No basta um ajuste fiscal nascontas pblicas quando o sistema financeiro no

    seu conjunto est profundamente deformado.A dimenso internacional

    O dreno sobre as atividades produtivas, tantodo lado do consumo como do investimento, planetrio. Faz parte de uma mquina in-ternacional que desde a liberalizao da re-gulao financeira com os governos Reagane Tatcher no incio dos anos 1980l, at a li-

    quidao do principal sistema de regulao,o Glass-Steagall Act, por Clinton em 2009,gerou um vale-tudo internacional.

    A dimenso internacional tornou-se hojemais documentada a partir da crise de 2008.O prprio descalabro gerado e o travamentoda economia mundial, levaram a que fossemlevantados os dados bsicos das finanas in-ternacionais, que curiosamente sempre es-

    caparam do International Financial Statisticsdo FMI. Apresentamos em outros estudos odetalhe de cada uma das novas pesquisas quesurgiram, e apenas resumimos aqui os seusprincipais resultados, para facilitar uma visode conjunto.

    O Instituto Federal Suo de Pesquisaecnolgica (EH na sigla alem) cons-tatou que 147 grupos controlam 40%do mundo corporativo do planeta, sendo75% deles instituies financeiras. Per-tencem na sua quase totalidade aos pasesricos, essencialmente Europa ocidental eEstados Unidos. (EH, 2011)

    O ax Justice Network, com pesquisacoordenada por James Henry, apresenta oestoque de capitais aplicados em parasosfiscais, da ordem de 21 a 32 trilhes dedlares, para um PIB mundial da ordemde 70 trilhes. Estamos falando de qua-

    se um tero a metade do Pib mundial. Aeconomia do planeta est fora do alcance

    de qualquer regulao, e controlada porintermedirios, no por produtores. Orentismo impera, e apresentado comodesafio na reunio do G20 em novembrode 2014. (JN, 2012)

    O dossi produzido pelo Economistsobreos parasos fiscais (Te missing 20 trillion$) arredonda o estoque para 20 trilhes,mas mostra que so geridos pelos princi-

    pais bancos do planeta, no em ilhas pa-radisacas, mas essencialmente por bancosdos EUA e da Inglaterra. (Economist,2013)

    As pesquisas do ICIJ (International Con-sortium of Investigative Journalists) temchegado a inmeros nomes de empresase donos de fortunas, com detalhes deinstrues e movimentaes, progressi-

    vamente divulgados medida que traba-lham os imensos arquivos recebidos. Emnovembro de 2014 publicaram o gigan-tesco esquema de evaso fiscal das multi-nacionais, usando o paraso fiscal que setornou Luxemburgo. So apresentadosem detalhe os montantes de evaso porparte dos bancos Ita e Bradesco. (ICIJ,2014) (Fernando Rodrigues, 2014)

    O estudo de Joshua Schneyer, sistemati-zando dados da Reuters, mostra que 16grupos comerciais internacionais con-trolam o essencial da intermediao dascommodities planetrias (gros, energia,minerais), a maior parte com sedes emparasos fiscais (Genebra em particular),criando o atual quadro de especulao fi-nanceira-comercial sobre os produtos que

    constituem o sangue da economia mun-dial. Lembremos que os derivativos destaeconomia especulativa (outstanding deri-

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    vatives) ultrapassam 600 trilhes de dla-res, para um PIB mundial de 70 trilhes.

    (BIS, 2013) (Schneyer, 2013) O Crdit Suisse divulga a anlise das gran-

    des fortunas mundiais apresentando aconcentrao da propriedade de 223 tri-lhes de dlares acumulados (patrimnioacumulado, no a renda anual), sendoque basicamente 1% dos mais afortuna-dos possui cerca de 50% da riqueza acu-mulada no planeta.

    Os dados sobre a mquina de evaso fiscaladministrada pelo HSBC apareceram noLe Monde e so regularmente analisadospelo Guardian medida que surgem maisnomes dos clientes, entre os quais milharesde fortunas brasileiras (http://www.the-guardian.com/business/hsbcholdings).

    Em termos de anlise dos 28 bancos siste-

    micamente dominantes no planeta, os tra-balhos de Franois Morin, ex-membro doconselho geral da Banque de France, apre-sentam a estrutura do oligoplio mundial,o seu funcionamento, bem como as insti-tuies que articulam o cartel, em particu-lar o Global Financial Markets Association(GFMA) e o Institute of International Fi-nance (IFF). Sobre este ltimo, Morin co-menta: O presidente do IFF tem estatusoficial, reconhecido, que o habilita de di-reito, a falar em nome dos grandes bancos.Poderamos dizer que o IFF o parlamentodos bancos, o seu presidente tem quase ostatus de chefe de estado. Ele faz parte de

    factodos grandes com poder mundial dedeciso.(Morin, p. 61)

    Um dossi particularmente bem informa-do pode ser encontrado em reasure Islan-ds: uncovering the damage of offshore bankingand tax havens, de Nicholas Shaxson, an

    uterly superb book segundo Jeffrey Sachs,estudo que detalha como se articulam os

    parasos fiscais com o onshore, os sistemasfinanceiros internos com os quais lidamos.

    emos assim um sistema planetrio deforma-do, e o Brasil uma pea apenas na alimenta-o do processo mundial de concentrao decapital acumulado por intermedirios financei-ros e comerciais. No temos estudos suficientesnem presso poltica correspondente para ter odetalhe de como funciona a dimenso interna-

    cional desta engrenagem no Brasil. No entan-to, dois estudos nos trazem ordens de grandeza.

    O estudo mencionado do ax Justice Network,desdobra algumas cifras de estoques de capi-tal em parasos fiscais por regies. No caso doBrasil, encontramos como ordem de grande-za 519,5 bilhes de dlares, o que representacerca de 25% do PIB brasileiro (primeira li-nha, quinta coluna de cifras da tabela 11, na

    pgina seguinte).

    Assim, o Brasil no est isolado, neste sistemaplanetrio, nem particularmente corrupto.Mas o conjunto criado sim profundamentecorrompido. Os dados para o Brasil, 519,5 bi-lhes de dlares em termos de capitais offsho-re, so de toda forma impressionantes, ocupa-mos o quarto lugar no mundo. Estes recursosdeveriam pagar os impostos, que permitiriamampliar investimentos pblicos, e deveriamser aplicados em fomento da economia ondeforam gerados.

    Um estudo particularmente interessante doGlobal Financial Integrity, coordenado porDev Kar, Brasil: fuga de capitais, fluxos ilci-tos e as crises macro-econmicas, 1960-2012.rata-se de uma sangria de recursos por eva-so, estimada em cerca de US$35 bilhes porano entre 2010 e 2012. so mais de 2% doPIB que se evaporam s nestas operaes. So

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    Tabela 11

    Unrecorded capital ows, off shore asset, and off shore earnings, 1997-2010Latin America and Caribbean Region

    Foregin debt adjusted for currency changes, reschedulings, and arrears(Nominal and Real $2000 Bilions 40 countries in region - 33 with data)

    1970-2010 Brazil $345.0 $362.6 $247.3 1.7% 43% $519.5 $324.5 160% 68%

    1970-2010 Argentina $213.9 $259.3 $272.8 3.4% 68% $399.1 $129.6 308% 105%

    1970-2010 Mxico $223.7 $263.5 $299.1 1.8% 36% $417.4 $186.4 224% 113%

    1970-2010 Venezuela $269.1 $278.2 $202.0 5.7% 82% $405.8 $55.7 728% 73%

    1970-2010 All Others (29) $205.1 $211.9 $169.1 1.7% 41.5% $316 $317 100%

    Lac Total $1,254.8 $1,375.5 $1,190.3 2.5% 51% $2,058.3 $1,013.4 203% 87%

    Country

    ($2000) ($2000) % %Nom $

    FligthStock

    ($B 2010)Nominal

    ExternalDebt

    ($B 2010)Nominal

    CF StockExt. Debt.

    %

    OffshoreEaring

    %Outflows

    %

    Period Merinas

    CF/GNI CF/Sources

    Source: World Bank IMF/ UN /central bank/CIA(data); JSH analysis@JSH2012Adjusted for Currency of Debt; 75% Reinvestment Rate; Ave Yielt - $US 6 mos CD rateFonte: http://www.taxjustice.net/cms/upload/pdf/Appendix%203%20-%202012%20Price%20of%20Offshore%20pt%201%20-%20pp%201-59.pdf

    recursos que por sua vez iro alimentar emboa parte o estoque de mais de um trilho dereais em parasos fiscais visto acima. Segun-do o relatrio, o governo deve fazer muitomais para combater tanto o subfaturamento

    de exportaes como o superfaturamento deimportaes, adotando ativamente medidasdissuasivas adicionais em vez de punies re-troativas. (GFI, 2014)

    rata-se aqui, dominantemente, das empre-sas multinacionais. Kofi Annan considera queeste mecanismo drena cerca de 38 bilhes dedlares por ano das economias africanas. Omecanismo conhecido como mispricing, outrade misinvoicing, ou ainda transfer prices.Es-tudo mais recente do prprio GFI chegou a 60bilhes de dlares, cerca de 5,5% do PIB dospases da frica ao sul do Saara. Gradualmen-te, est se ampliando a capacidade de avalia-o destes drenos sobre as nossas economias.

    Algumas das principais instituies de pesquisasobre o tema, como a Oxfam e o prprio GFI,resumiram a questo na New Haven Declara-

    tion on Human Rights and Financial Integrity:O dinheiro ilcito sai dos pases pobres atravsde um sistema financeiro paralelo (shadow fi-

    nancial system)que inclui parasos fiscais, juris-dies secretas, empresas fictcias, contas an-nimas, fundaes de faz-de-conta, fraudes nospreos e notas fiscais e tcnicas de lavagem dedinheiro. Este dinheiro em grande parte per-

    manentemente desviado para economias oci-dentais. (GFI 2015) o importante quantoo dreno de recursos, a mquina de corrupoe contaminao dos centros de deciso polticae dos judicirios. Para a democracia, um cn-cer. Mas no inevitvel o Brasil se submeter aestas dinmicas.

    Se quisermos retomar a dinmica de desenvol-vimento, um pas com as nossas dimensese diversificao econmica pode reorientar osseus recursos financeiros. E os prprios inter-medirios financeiros, em vez de cobrar jurosaltssimos com um volume restrito de crdito,podero encontrar os seus lucros emprestandoum volume maior com juros menores.

    Resgatando o controle: algumas

    recomendaes

    importante lembrar aqui que o presente es-tudo no contra os bancos e o sistema de

    OffshoreEarnings$B

    Original OutflowsReal #B

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    crdito, e sim contra a deformao do seu uso,por grupos nacionais e internacionais que

    transformaram o potencial das nossas pou-panas em dreno, em vez de utiliz-las parafomentar o desenvolvimento. um sistemabaseado no lucro de curto prazo que violaradicalmente as bases jurdicas que regem assuas funes, alm de alimentar um cassinointernacional cujas ilegalidades so generali-zadas. emos de lembrar aqui que um ban-co, mesmo privado, funciona sobre a base deuma carta patente que o autoriza a trabalhar

    com o dinheiro da sociedade, com lucro que legtimo quando exerce a sua funo sistmi-ca social de promoo do desenvolvimento.Este ponto essencial, pois se um banco tirao seu lucro apropriando-se de uma parcela doproduto adicional gerado na sociedade por fi-nanciamentos produtivos que ajudou a orga-nizar, perfeitamente legtimo e positivo paraa sociedade. Mas se obtm o seu lucro a partirde movimentaes especulativas e juros que

    travam o investimento e a demanda, cobran-do pedgio a dificultar o acesso, o resultado um poderoso entrave ao desenvolvimento.

    Na realidade, temos hoje no Brasil uma capaci-dade instalada impressionante, com uma gran-de densidade de agncias pelo pas afora, comampla infraestrutura informtica, excelentestcnicos e mo de obra formada e experiente,com grande capacidade potencial de regulaopelo Banco Central, alm de economistas deprimeira linha que podem ajudar na reformu-lao. a orientao do uso deste capital deconhecimentos, de infraestrutura e de orga-nizao que precisa ser revisto. Neste sentidotrata-se de uma reforma financeira, que noexige grandes investimentos, pois a mquinaest constituda, mas sim um grande esforopoltico de sua reorientao produtiva.

    rabalhando com juros decentes mas comuma massa muito maior de crdito, os bancos

    e outros intermedirios financeiros tero lucrolegtimo. Reinvestindo no pas em bens e ser-

    vios de verdade em vez de multiplicar produ-tos financeiros, encontraro a sua viabilidadeeconmica no longo prazo e de maneira sus-tentvel. Financiando atividades produtivas noBrasil e fomentando assim a economia, deve-ro sem dvida pagar impostos, mas a prazo aopo atual pelos parasos fiscais, ilcita quandono ilegal, no sustentvel, e o argumento detodo mundo faz escorregadia. Alis, lucrarhonestamente saudvel para todos. rata-se

    aqui no de realizar gigantescos investimentosinovadores, mas de utilizar de forma inteligen-te o que j temos.

    A luta pela reduo dos juros

    No plano interno, as medidas no podem serdiretas. A ANEFAC, conforme vimos acima,deixa claras as limitaes de um sistema que formalmente regido pelo direito privado:

    Destacamos que as taxas de juros so livrese as mesmas so estipuladas pela prpria ins-tituio financeira no existindo assim qual-quer controle de preos ou tetos pelos valorescobrados. A nica obrigatoriedade que a ins-tituio financeira tem informar ao clientequais as taxas que lhe sero cobradas caso re-corra a qualquer tipo de crdito. Natural-mente, como se trata de um cartel, o tomadorde crdito no tem opo. As recomendaesda ANEFAC so muito simples: Se possveladie suas compras para juntar o dinheiro ecomprar o mesmo vista evitando os juros.Ou seja, no use o crdito. Isto recomendadopela Associao dos Executivas de Finanas,

    Administrao e Contabilidade, impressio-nante.

    Mas o governo tem armas poderosas. A pri-

    meira retomar a reduo progressiva da taxaSelic, o que obrigaria os bancos a procura-rem aplicaes alternativas, voltando a irrigar

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    Tabela 12

    The top ten countries losing to tax evasion in absolute terms

    iniciativas de empreendedores, e reduzindo ovazamento dos recursos pblicos para os ban-

    cos. A segunda de reduzir as taxas de jurosao tomador final na rede de bancos pbli-cos, conforme foi experimentado em 2013,mas persistindo desta vez na dinmica. amelhor forma de introduzir mecanismos demercado no sistema de intermediao finan-ceira, contribuindo para fragilizar o cartel eobrigando-o a reduzir os juros estratosfri-cos: o tomador final voltaria a ter opes. Oprocedimento tcnico desta opo perfei-

    tamente claro, o que falta fora poltica or-ganizada que possa fazer contrapeso classede especuladores e rentistas do pas, que em2013, com apoio da mdia em particular,conseguiram travar o processo. No Brasil, ataxa Selic pode perfeitamente ser utilizadacomo termmetro da fora das oligarquiasmais retrgradas do pas.

    Reduzir a evaso scal

    importante antes de tudo entendermos oslimites da atuao de um governo. No pla-

    no internacional, enquanto existir a tolern-cia de fato, por parte das elites americanas e

    europeias, dos parasos fiscais, inclusive nosprprios EUA como o caso do Estado deDelaware, e na Europa como o caso deLuxemburgo e da Sua, dificilmente have-r qualquer possibilidade de controle real. Aevaso fiscal torna-se demasiado simples, e apossibilidade de localizar os capitais ilegaismuito reduzida.

    Ainda segundo a ax Justice Network, os da-

    dos de evaso fiscal do Brasil de 2011 colo-cam o nosso pas, com 280 bilhes de dlares,em segundo lugar no mundo em volume derecursos que escapam ao fisco, atrs dos Es-tados Unidos (lembrando que sendo o PIBamericano muito mais elevado, a proporoda evaso muito menor neste pas) (JN,2011), conforme mostra a tabela 12.

    O sindicato Nacional de Procuradores da Fa-zenda Nacional (SINPROFAZ), com outrametodologia, estima a evaso fiscal no Bra-sil em 8,6% do PIB em 2014, mais de 500

    US$m $ % % % US$m US$mUnited States 14,582,400 312,582,000 46,651 8.6 26.9 38.9 1,254,086 337,349

    Brazil 2,087,890 190,755,799 10,945 39.0 34.4 41 814,277 280,111

    Italy 2,051,412 60,705,991 33,793 27.0 43.1 48.8 553,881 238,723

    Rssia 1,479,819 142,914,136 10,355 43.8 34.1 34.1 648,161 221,023

    Germany 3,309,669 81,724,000 40,498 16.0 40.6 43.7 529,547 214,996

    France 2,560,002 65,821,885 38,893 15.0 44.6 52.8 384,000 171,264

    Japan 5,497,813 127,720,000 43,046 11.0 28.3 37.1 604,759 171,147

    China 5,878,629 1,339,724,852 4,388 12.7 18 20.8 746,586 134,385

    United2,246,079 62,300,000 36,053 12.5 38.9 47.3 280,760 109,21

    KingdomSpain 1,407,405 46,162,024 30,488 22.5 33.9 41.1 316,666 107,350

    No other countries lost more than US$100 billion to tax evasion.

    Country GDP PopulationGD Pperhcac of

    population

    Size ofShadow

    Economy

    ax lost as aresult ofShadow

    Economy

    ax burdenoverall %

    Govtspending as% of GDP

    Size ofShadow

    Economy

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    bilhes de reais: Os resultados indicaramque, mantendo todos os demais parmetrosconstantes, a arrecadao tributria brasilei-ra poderia se expandir em 23,6%, caso fossepossvel eliminar a evaso tributria, cujo in-dicador mdio para todos os tributos aponta-do neste trabalho foi da ordem de 8,6% doPIB. (p.35) Esses R$ 518,2 bilhes estima-dos de sonegao tributria so praticamen-te equivalentes a quase 90% de tudo que foi

    arrecadado pelos estados e municpios jun-tos, estimados em R$ 597,6 bilhes. (p.37),como mostra a tabela 13.

    No plano dos fluxos para o exterior a ordempode ser bastante melhorada no controle dassadas, do sub e sobrefaturamento e semelhan-tes. O relatrio da GFI, mencionado acima,aponta estas possibilidades e reconhece fortesavanos do Brasil nos ltimos anos. No pla-

    no internacional e positivo, surge finalmen-te o BEPS (Base Erosion and Profit Shifting),endossado por 40 pases que representam

    90% do PIB mundial, incio de reduo do

    sistema planetrio de evaso fiscal pelas em-presas transnacionais. A resistncia dos gran-des grupos internacionais promete ser feroz.(OCDE, 2014)

    A reforma tributria

    vital resgatar um mnimo de equilbrio tri-butrio: no se trata de aumentar os impos-tos, mas de racionalizar a sua incidncia e defiscalizar o pagamento. A pesquisa do Inescmostra que a tributao sobre o patrim-nio quase irrelevante no Brasil, pois equi-vale a 1,31% do PIB, representando apenas3,7% da arrecadao tributria de 2011. Emalguns pases do capitalismo central, os im-postos sobre o patrimnio representam maisde 10% da arrecadao tributria, como, porexemplo, Canad (10%), Japo (10,3%), Co-

    reia (11,8%), Gr-

    Bretanha (11,9%) e EUA(12,15). (Inesc, 2014, p.21) Se acrescentar-mos a baixa incidncia do imposto sobre a

    Tabela 13

    Parmetros para estimativa de sonegao

    1.877.443 100,0% 36.57% 23,6% 443.859 8,6%IR 304.519 16,2% 5,9% 28,0% 85.356 1,7%IPI 50.828 2,7% 1,0% 33,4% 16. 955 0,3% PAES, 2011IOF 29.789 1,6% 0,6% 16,6% 4.930 0,1% IBP, 2009II 36.694 2,0% 0,7% 24,8% 9.111 0,2% IBP, 2009Contr.

    373.063 19,9% 7,3% 27,8% 103.525 2,0% IBP, 2009previdencirias

    COFINS 195.170 10,4% 3,8% 22,1% 43.191 0,8% IBP, 2009CSLL 65.534 3,5% 1,3% 24,9% 16 311 0,3% IBP, 2009PIS/PASEP 51.881 2,8% 1,0% 22,1% 11.481 0,2% BP, 2009

    FGS(2) 104.744 5,6% 2,0% 27,8% 29.067 0,6% IBP, 2009

    (proxy do INSS)ICMS(3) 406.978 21,7% 7,9% 27,1% 110.454 2,2% IBP, 2009ISS(4) 53.868 2,9% 1,0% 25,0% 13.478 0,3% IBP, 2009OUROS(5) 204.375 10,9% 4,0% 0 0,0%

    (a) Fonte: PAES (2011); SIQUEIRA (2006); IBP (2009); Anlise de Arrecadao das Receitas Federais Dezembro/2014 (RFB), Confaz.(1) Retido na Fonte; inclui IR de trabalho, de capital, de residente no exterior e outros(2) Arrecadao de FGS (Caixa); (3) Arrecadaes Estaduais (CONFAZ/ Min. Da Fazenda); (4) Estimado: mesmo crescimento da arrecadao estadual;(5) Relatrio de arrecadao da Receitas Federais (RFB), exceto Outros rgos; Arrecadao do Salrio Educao (FNDE/Min. Da Educao); ributos Municipais estimados

    Cargatributria(R$ milhes)

    2014

    % do total % do PIBTributo(1)Indicador desonegao

    estimado(% do tributo)

    SonegaoEstimada

    (R$ milhes)% do PIB

    Fonte dosindicadores de

    sonegao(a)

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    renda, e o fato dos impostos indiretos repre-sentarem 56% da arrecadao, e o fato dos

    grandes devedores recorrerem de forma mas-siva evaso fiscal, temos no conju