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cadernos metrópole ISSN 1517-2422 sustentabilidade e justiça socioambiental nas metrópoles Cadernos Metrópole v. 15, n. 29, pp. 1-362 jan/jun 2013

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cadernos

metrópole

ISSN 1517-2422

sustentabilidadee justiça socioambiental

nas metrópoles

Cadernos Metrópolev. 15, n. 29, pp. 1-362

jan/jun 2013

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Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,

SemestralISSN 1517-2422A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22

1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles

CDD 300.5

Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

Periódico indexado na Library of Congress – Washington

Cadernos Metrópole

Profa. Dra. Lucia BógusPontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das MetrópolesRua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes

05015-001 – São Paulo – SP – Brasil

Prof. Dr. Luiz César de Queiroz RibeiroUniversidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das MetrópolesAv. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão

21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970São Paulo – SP – Brasil

Telefax: (55-11) [email protected]

http://web.observatoriodasmetropoles.net

SecretáriaRaquel Cerqueira

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sustentabilidadee justiça socioambiental

nas metrópoles

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PUC-SP

Reitora Anna Maria Marques Cintra

EDUC – Editora da PUC-SPDireção

Miguel Wady Chaia

Conselho Editorial Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor,

Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior,Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori

Coordenação EditorialSonia Montone

Revisão de portuguêsEveline Bouteiller

Revisão de inglêsCarolina Siqueira M. Ventura

Revisão de espanholVivian Motta Pires

Projeto gráfi co, editoração e capaRaquel Cerqueira

Rua Monte Alegre, 984, sala S-1605014-901 São Paulo - SP - Brasil

Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected]

www.pucsp.br/educ

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cadernos

metrópole

EDITORESLucia Bógus (PUC-SP)

Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)

CONSELHO EDITORIAL

Eustógio Wanderley Correia Dantas (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (PUC-MG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)

Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/

Brasil) Suzana Pasternak (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil)

COMISSÃO EDITORIAL

Adauto Lucio Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El

Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de

P. Britto (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (UFBa, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi (UNGS, Los

Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argentina) Anna Alabart Villà (UB, Barcelona/Espanha) Arlete Moyses Rodrigues (Unicamp, Campinas/São

Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (UFF, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (PUC, Santiago/Chile) Carlos José Cândido

G. Fortuna (UC, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (UB, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (UFPA, Belém/Pará/Brasil)

Eleanor Gomes da Silva Palhano (UFPA, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz

Sánchez (PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (UTL, Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges de Holanda (UnB, Brasília/

Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil)

Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa

Soares de Moura Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesús Leal (UCM, Madri/Espanha) José Antônio F. Alonso (FEE, Porto

Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (UL, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil)

José Maria Carvalho Ferreira (UTL, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Christina Duarte Dias

(UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva

(Iuperj, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBa,

Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (UFRN, Natal/Rio

Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Nadia Somekh (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil) Nelson

Baltrusis (UCSAL, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (USP, São

Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (UFMG, Belo Horizonte/

Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ipardes, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil)

Sarah Feldman (USP, São Carlos/São Paulo/Brasil) Tamara Benakouche (UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia

(PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)

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Benny Schvasberg (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Denise Cunha Tavares Terra (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/

Brasil) Doralice Barros Pereira (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Dulce Bentes (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil)

Eduardo César Leão Marques (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Eduardo Marandola Junior (Unicamp, Campinas/São Paulo/ Brasil) Elzira

Lúcia de Oliveira (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Felipe Link Lazo (UDP, Santiago/Chile) Fernando Garrefa (UFU, Uberlândia/Minas

Gerais/Brasil) Francisco de Assis Comaru (UFABC, Santo André/São Paulo/Brasil) Gislene Aparecida dos Santos (UFPR, Curitiba/Paraná/

Brasil) Gustavo Henrique Naves Givisiez (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Humberto Miranda do Nascimento (Unicamp, Campinas/

São Paulo/Brasil) Isabel Aparecida Pinto Alvarez (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) João Carlos Ferreira de Seixas (UL, Lisboa/Portugal) João Farias Rovati (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) João Manuel Machado Ferrão (UL, Lisboa/ Portugal) Jorge da Silva

Macaísta Malheiros (UL, Lisboa/Portugal) Jorge Manuel Gonçalves (UTL, Lisboa/Portugal) José Geraldo Simões Junior (Mackenzie,

São Paulo/São Paulo/Brasil) Laura Machado de M. Bueno (PUCCampinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Lia de Mattos Rocha (UERJ, Rio de

Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Lúcia Cony Faria Cidade (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Luciane Soares da Silva (UENF, Campos dos

Goytacazes/Rio de Janeiro/Brasil) Luciano Joel Fedozzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) Luís António Vicente Baptista (UNL, Lisboa/Portugal) Márcia da Silva Pereira Leite (UERJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Marcia Maria Cabreira M. de Souza (PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Márcio Moraes Valença (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Maria Augusta Justi Pisani (Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria Lucia Refi netti R. Martins (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Marísia Margarida Santiago

Buitoni (PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Marta Domínguez Pérez (UCM, Madri/Espanha) Marta Dora Grostein (USP, São Paulo/

São Paulo/Brasil) Milena Kanashiro (UEL, Londrina/Paraná/Brasil) Neio Lúcio de Oliveira Camps (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil)

Norma Lacerda (UFPE, Recife/Pernambuco/Brasil) Olga Lucia Castreghini de F. Firkowski (UFPR, Curitiba/Paraná/Brasil) Paulo Jorge

Marques Peixoto (UC, Coimbra/Portugal) Paulo Roberto Rodrigues Soares (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) Regina Maria

Prosperi Meyer (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Renato Cymbalista (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Ricardo Libanez Farret (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Ricardo Ojima (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Rosana Denaldi (UFABC, Santo André/São

Paulo/Brasil) Sérgio Manuel Merêncio Martins (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Silvana Maria Pintaudi (Unicamp, Campinas/

São Paulo/Brasil) Sonia Lúcio Rodrigues de Lima (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva (UCSal,

Salvador/Bahia/Brasil) Vitor Matias Ferreira (ISCTE-UL, Lisboa, Portugal) Weber Soares (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)

COLABORADORES AD HOC

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sumário

Apresentação9

Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social. Análisis de la Región Metropolitana de BarcelonaGemma VilàJordi Gavaldà

15Eff ects of the urban sprawl and consequencesto social sustainability. An analysis of the

Metropolitan Region of Barcelona

35Urbaniza on, migratory dynamics and sustainability in the Brazilian Semi-Arid Region: the role of the

ci es in the environmental adapta on process

Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordes no: o papel das cidadesno processo de adaptação ambientalRicardo Ojima

The urban evolu on of the city of Belém:a trajectory of ambigui es andsocio-environmental confl icts

55 A evolução urbana de Belém: trajetóriade ambiguidades e confl itos socioambientaisAna Cláudia Duarte CardosoRaul da Silva Ventura Neto

Luces y sombras sobre el territorio. Refl exionesen torno a los planteamientos de la OPS/OMSen América La naMagdalena ChiaraAna Ariovich

Lights and shadows on the territory.Refl ec ons on the planning performed

by the PAHO/WHO in La n America

99

77Territorial segrega on, sta s cal knowledgeand urban governance. A Foucauldian approach

to the cases of France and Portugal

Segregação territorial, conhecimento esta s coe governação urbana. Leitura foucaul anados casos de França e de PortugualIsabel PatoMargarida Pereira

A insustentável natureza da sustentabilidade.Da ambientalização do planejamentoàs cidades sustentáveisEster Limonad

123The unsustainable nature of sustainability.From the environmentaliza onof planning to sustainable ci es

dossiê: sustentabilidade e justiça socioambiental nas metrópoles

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193 Espaço urbano, circulação e preservação ambiental: impasses e perspec vas na área de infl uência do Rodoanel em São Bernardo do Campo, SPCarolina Bracco Delgado de AguilarAngélica Tanus Bena Alvim

171 Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade:em busca de uma construção interdisciplinarLúcia Cony Faria Cidade

143

Urban space, circula on and environmental preserva on: impasses and perspec ves

in the area of infl uence of the Beltwayin São Bernardo do Campo, SP

500 anos em busca da sustentabilidade urbanaKlemens Laschefski

500 years in search of urban sustainability

Urbaniza on, environment, risk and vulnerability:in search of an interdisciplinary construc on

Occupa on of urban hillsides: someconsidera ons about resilience and sustainability

São Paulo, the unsustainable Metropolis –how can we overcome this reality?

São Paulo metrópole insustentável –como superar esta realidade?Pedro Roberto Jacobi

219

Urban environmental confl icts and urbaniza on processes at Ressaca Lagoa dos Índios, Macapá/AP

Ocupação de encostas urbanas: algumas considerações sobre resiliência e sustentabilidadeMônica Bahia Schlee

241

The socio-environmental recovery of urbanvalley bo oms in the city of São Paulo,

between transforma on and permanence

265 Confl itos ambientais urbanos e processosde urbanização na Ressaca Lagoa dos Índiosem Macapá/APGloria Maria VargasCecília Maria Chaves Brito Bastos

Regional development and sustainability:cultural tourism in Southern Jalisco

289 Recuperação socioambiental de fundosde vale urbanos na cidade de São Paulo,entre transformações e permanênciasLuciana TravassosSandra Irene Momm Schult

Desarrollo regional y sustentabilidad:turismo cultural en la región sur de JaliscoJosé G. Vargas Hernández

313

Instruções aos autores359

Sustentabilidade e jus ça ambiental na Baixada Fluminense: iden fi cando problemas ambientaisa par r das demandas ao Ministério PúblicoTa ana Co a Gonçalves Pereira

Sustainability and environmental jus ce at Baixada Fluminense: iden fying environmental problems

based on the demands to the Public Prosecutor

339

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Apresentação

A perspectiva que orientou a presente edição dos Cadernos Metrópole – Sustentabilidade

e justiça socioambiental – foi repercutir criticamente o ambiente de debates ocorridos a partir

da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20)

e do conjunto de eventos paralelos organizados pela sociedade civil em reação e de forma

complementar ao evento oficial, ocorridos em junho de 2012. A ênfase recaiu sobre o debate

em torno de possibilidades de sustentabilidade urbana e de justiça socioambiental, a partir da

compreensão das implicações dos atuais modos de produção, reprodução e consumo nas cidades

e nas áreas metropolitanas, tanto no Brasil como em outros países. Recaiu também sobre o

planejamento e as políticas públicas como potenciais articuladores da presença do Estado e dos

movimentos sociais na construção de alternativas comprometidas com a justiça socioambiental e a

eliminação das diversas formas de desigualdade.

Assim a busca pela constituição de uma área de análise e de prática social e territorial no

campo da ecologia política da urbanização é o fio condutor que alinhava o conjunto de textos aqui

apresentados. Tal perspectiva, necessariamente interdisciplinar, articula a análise dos processos de

produção do espaço em várias escalas espaciais – locais, urbanas, regionais, globais – com as

condições mais amplas de reprodução social, nas quais as relações entre sociedade e natureza

são centrais. Ao mesmo tempo, estimula o surgimento e a consolidação de formas alternativas de

organização territorial, de aprendizado social ou de resistência às tendências homogeneizadoras

de mercantilização das diferentes dimensões da vida.

Nas duas últimas décadas, o debate ambiental na sua relação com as questões urbanas

e territoriais avançou em diferentes perspectivas, ampliando-se para incorporar a urbanização, a

economia, o planejamento, as políticas públicas, as práticas cotidianas, entre outras dimensões.

Em grande medida, o discurso ambiental permeou a sociedade e, ainda que muito lentamente,

consolida a noção de limites e reforça a necessidade de mudança nas formas de uso e convivência

com os bens comuns e de fortalecimento do controle social sobre as formas de apropriação da

natureza. Diferentes perspectivas ambientais vêm sendo internalizadas na prática dos agentes

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Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 201310

sociais, tendo como resultado a redefinição tanto de conteúdos e orientações no sentido de uma

modernização ecológica das decisões e ações que orientam os processos de produção, consumo e

regulação, quanto das relações de poder e lutas sociais que se constituem e organizam em torno

de questões socioambientais.

Do ponto de vista territorial, considera-se que diferentes configurações socioespaciais da

urbanização têm implicações ambientais distintas e ainda pouco conhecidas em sua diversidade.

Tais configurações espaciais podem ser identificadas por diferentes formatos de parcelamento do

solo, níveis de adensamento demográfico, diferentes padrões e processos construtivos, desiguais

níveis de renda e de acesso à habitação, à terra e a equipamentos e serviços, desiguais níveis de

educação e acesso a trabalho e renda, entre outros parâmetros. Resultam de processos também

diferenciados de atuação dos agentes sociais na produção do espaço.

Ainda que no momento atual, em particular no caso brasileiro, as condições de inserção na

divisão internacional do trabalho tenham se alterado e as condições de renda e acesso aos meios

de reprodução básica tenham tido seus patamares mínimos elevados, as condições de desigualdade

persistem e, em alguns aspectos, se aprofundam. O aparente paradoxo do crescimento com

persistência da desigualdade, encontra na cidade, na luta pelo espaço e na dinâmica imobiliária,

uma de suas mais flagrantes evidências socioespaciais. Tal crescimento vem se dando à custa de

formas renovadas de apropriação utilitarista da natureza, modernizadas como economia verde, e

legitimadas por discursos que invocam princípios de sustentabilidade ou de resiliência. A esses,

cabe sempre acrescentar o eterno corolário dos passivos socioambientais, de educação, moradia,

saúde, lazer, cultura, saneamento, entre outros tantos. A constante busca por articulação entre

questões, ideários e proposições oriundas dos campos urbano e ambiental continua como uma

questão norteadora de várias pesquisas que podem ser identificadas em várias das contribuições

deste número.

Os textos que abrem os Cadernos Metrópole 29 discutem as dimensões territoriais da

urbanização e suas implicações em termos ambientais e sociais, em diferentes contextos. O artigo

de Gemma Vilà e Jordi Gavaldà, intitulado Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la

sostenibilidad social. Análisis de la región metropolitana de Barcelona, utiliza-se das formulações

teórico-conceituais sobre cidade compacta e cidade dispersa para avaliar os limites e possibilidades

da coexistência e justaposição de ambos os casos na configuração atual de Barcelona e sua região

metropolitana. Ao fazê-lo, estabelece interessantes relações entre sustentabilidade social e forma

urbana que encontram eco em várias outras metrópoles no mundo.

De outra perspectiva, o texto Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no

semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental de Ricardo

Ojima questiona as prevalentes visões negativas do crescimento urbano quando vistas pela ótica

ambiental, argumentando que contextos territoriais distintos produzem respostas distintas, a

exemplo da dinâmica urbana e migratória recente do semiárido nordestino brasileiro, apontando

potencialidades e limitações para pensar processo de adaptação diante do desastre natural mais

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Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013 11

significativo da região que é a seca. Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto,

com o texto Reflexos de sustentabilidade de outrora e ambiguidades contemporâneas em Belém,

analisam situações tidas como insustentáveis de práticas de mercado referentes ao uso e ocupação

da terra e à expansão urbana, em especial as transformações recentes nos ecossistemas de várzea

e outros espaços ocupados pelas populações nativas.

A segregação territorial vista a partir das estatísticas oficiais em dois países é o tema

desenvolvido por Isabel Pato e Margarida Pereira no texto Segregação territorial, conhecimento

estatístico e governação urbana. Leitura foucaultiana dos casos de França e de Portugal. As autoras

fazem uma interessante reflexão sobre o exercício de poder a partir do domínio tecnológico da

informação e as estruturas de governança que incluem o planejamento urbano. A perspectiva

comparada de análise de políticas públicas territoriais também está presente no artigo Luces y

sombras sobre el territorio. Reflexiones en torno a los planteamientos de la OPS/OMS en América

Latina de autoria de Magdalena Chiara e Ana Ariovich. Políticas de saúde são avaliadas, e

nelas são destacadas as dimensões territoriais de políticas sanitárias, bem como as dimensões

socioambientais dessas políticas, incluindo questões como mobilidade e localização. O artigo

questiona ainda a influência das instituições internacionais de saúde na definição dos setores

sociais contemplados pelas políticas nos estados latino-americanos e caribenhos.

O debate conceitual proposto neste número dos Cadernos Metrópole referenciado

na consolidação do campo analítico da ecologia política da urbanização se beneficia das

contribuições do próximo conjunto de artigos: Ester Limonad, como anunciado no título de seu

texto – A insustentável natureza da sustentabilidade: da ambientalização do planejamento às

cidades sustentáveis, critica a naturalização do discurso sobre a sustentabilidade, em particular

seu uso generalizado no sentido de legitimar os discursos e as práticas de planejamento urbano

e regional, a exemplo da proposta de cidades sustentáveis da ONU. Em contrapartida, propõe

um redirecionamento do debate rumo a práticas transformadoras de planejamento, buscando a

construção do que define como economia política do espaço. Klemens Laschefski faz um resgate

histórico do conceito de desenvolvimento sustentável, associando seu uso aos momentos de crise

dos modos de produção, em seu texto sobre 500 anos em busca da sustentabilidade urbana.

Usando o caso de Belo Horizonte, discute para o momento atual a aplicação do Estatuto da Cidade

às práticas dos agentes imobiliários que resultam em crescente elitização do espaço.

Em Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção

interdisciplinar, Lúcia Cony Faria Cidade aborda as condições de injustiça socioambiental presentes

na forma desigual pela qual as populações em situação de precariedade social são atingidas

por desastres naturais e outras ameaças. A discussão baseia-se em uma revisão bibliográfica de

distintos enfoques sobre a vulnerabilidade. O texto reforça a importância da adoção de abordagens

interdisciplinares, integrando processos sociais e ambientais e incorporando um olhar espacial nos

estudos da vulnerabilidade.

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Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 201312

O conjunto de artigos a seguir discute, a partir de estudos de caso, implicações espaciais e

ambientais de grandes intervenções urbanas/metropolitanas. O texto Espaço urbano, circulação

e preservação ambiental: impasses e perspectivas na área de influência do Rodoanel em São

Bernardo do Campo, SP, de Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim

analisa o processo de produção do espaço urbano e as transformações da paisagem ao longo

do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas, na Região Metropolitana de São Paulo, particularmente

no município de São Bernardo do Campo, enfatizando o papel dos vários agentes sociais que

nele atuam. De forma mais abrangente, Pedro Roberto Jacobi também discute o caso de São

Paulo por meio de uma visão panorâmica das relações entre ambiente e sociedade lastreadas

no processo de urbanização paulistano. Seu texto, São Paulo Metrópole Insustentável – como

superar esta realidade?, reforça a segregação associada à informalidade urbana, as fragilidades

ambientais e os crescentes desafios em termos de planejamento e formulação de políticas

públicas que se contrapõem à pujança econômica, demográfica, social e cultural da metrópole,

num aparentemente incontornável paradoxo. O texto aponta ainda o despreparo da esfera pública

para lidar com tal complexidade.

Uma discussão sobre as ocupações de encostas e áreas de risco em geral e suas implicações

em termos de resiliência e do que chama de sustentabilidade da paisagem é apresentada por

Mônica Bahia Schlee no texto intitulado Ocupação de encostas urbanas: algumas considerações

sobre resiliência e sustentabilidade. A autora identifica padrões morfológicos, processos e

lógicas que originaram as situações estudadas. Além disso, argumenta a favor do importante

papel dos espaços livres no fortalecimento da proteção das florestas, da capacidade de suporte

e de amortecimento de impactos nas encostas urbanas, e, consequentemente da resiliência e

sustentabilidade desses sistemas paisagísticos. Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito

Bastos, no texto Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização na Ressaca Lagoa dos

Índios em Macapá/AP, discutem os conflitos ambientais resultantes de visões e usos diferenciados

na ocupação do território. O trabalho contribui para a compreensão dos embates em torno da

apropriação de recursos, ao expor as formas e estratégias pelas quais cada agente social busca

impor sua visão de mundo e assim legitimar representações e práticas estabelecidas.

Ainda no que se refere ao debate sobre práticas de intervenção, a necessidade de articulação

entre políticas públicas, especialmente no nível local, já apontada no texto de Jacobi, é retomada

e reforçada no artigo de Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult intitulado Recuperação

socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e

permanências. Focando na urbanização e ocupações de fundos de vale na cidade de São Paulo,

por meio da implantação de parques lineares e de infraestrutura de saneamento, o texto aponta

o descompasso entre o discurso e as práticas no tratamento das questões urbano-ambientais,

principalmente pela falta de coordenação intersetorial e territorial, resultando em intervenções

incompletas e desiguais, a exemplo da criação de áreas verdes sem as correspondentes ações de

saneamento e urbanização dos assentamentos informais.

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Apresentação

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013 13

O artigo seguinte, Desarrollo regional y sustentabilidad: turismo cultural en la región sur

de Jalisco, de autoria de José G. Vargas Hernández, discute o potencial turístico de uma região

em Jalisco, México. Com base no argumento central de que o patrimônio cultural de uma região

constitui um forte elemento motivador para deslocamentos de grande distância, aponta as virtudes

de realização de diagnósticos estratégicos e elabora propostas para o desenvolvimento do turismo

cultural na região.

Fechando o conjunto de artigos, Tatiana Cotta Gonçalves Pereira, em seu texto

Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense: identificando problemas ambientais

a partir das demandas ao Ministério Público, retoma a temática da injustiça ambiental como um

acúmulo de condições adversas e profundamente desiguais a que estão sujeitos os grupos sociais

mais pobres e residentes em áreas em que as desigualdades se manifestam de forma contundente,

as zonas de sacrifício da metrópole do Rio de Janeiro, conforme a expressão utilizada no artigo. A

discussão é respaldada em interessante pesquisa feita junto ao Ministério Público, reforçando seu

papel dessa esfera de poder na atuação em prol de melhores condições de justiça socioambiental.

Os textos aqui reunidos mostram que muitos avanços ocorreram em termos do debate

teórico e da incorporação do mesmo às pesquisas. Por outro lado, expõem de forma contundente

a captura e aparente naturalização do discurso ambiental pelo estado e pelas empresas, sem

alterações significativas nos processos de produção e consumo ou na adoção de políticas e

práticas que resultem em maior justiça socioambiental. As experiências analisadas dificilmente

apontam para perspectivas de transformação social ou radicalização nos embates associados a

situações de conflitos. Desta forma, os elementos que motivaram a chamada de trabalho deste

número temático continuam presentes, e esperamos que os artigos aqui reunidos constituam um

estímulo para novas pesquisas e para a continuidade do debate.

Heloísa Soares de Moura Costa

OrganizadoraCadernos Metrópole 29

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013

Efectos del urbanismo dispersoy consecuencias para la sostenibilidad

social. Análisis de la RegiónMetropolitana de Barcelona

Effects of the urban sprawl and consequencesto social sustainability. An analysis of the

Metropolitan Region of Barcelona

Gemma VilàJordi Gavaldà

ResumenLa crisis del sistema fordista de producción y la

aplicación de las nuevas tecnologías han inducido

a un cambio de la estructura del territorio: se

han ampliado los límites de la ciudad real y

ha aumentado la segmentación del espacio.

Actualmente, en la Región Metropolitana de

Barcelona – RMB –, el modelo de ciudad compacta

coexiste con el de la ciudad dispersa, que se

yuxtapone al primero creando un nuevo paradigma

global. Este artículo intenta dar respuesta a

diversas cuestiones en relación a los límites y las

posibilidades de este nuevo modelo analizando

la situación actual de las áreas de urbanismo

disperso de la RMB a partir de la perspectiva de la

sostenibilidad poniendo el énfasis en su dimensión

social, contribuyendo a avanzar en la sustentación

teórica de la relación entre la sostenibilidad social y

las formas urbanas.

Palabras clave: sostenibilidad social; sostenibilidad

ambiental; dispersión urbana; relaciones sociales;

Región Metropolitana de Barcelona.

AbstractThe breakdown of the Ford production system and the application of new technologies have led to a change in the structure of the territory: the city’s boundaries have been extended and space segmentation has increased. In the Metropolitan Region of Barcelona – MRB –, the compact city model coexists today with the urban sprawl, which is juxtaposed to the first one, creating a new global paradigm. This paper tries to answer several questions about the limits and possibilities of this new model in order to analyze the current situation of the urban sprawl areas of the MRB from the perspective of sustainability, with emphasis on its social dimension, thus contributing to the theoretical framework about the relationship between social sustainability and urban forms.

Keywords: social sustainability; environmental sustainability; urban sprawl; social relationships; Metropolitan Region of Barcelona.

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En la Región Metropolitana de Barcelona

conviven actualmente dos modelos urbanos

diferentes: a las ciudades tradicionales

compactas, propias del modelo mediterráneo,

se yuxtapone el modelo de urbanismo disperso,

mucho más reciente. La crisis del sistema

fordista de producción y distribución y la

aplicación de las nuevas tecnologías indujeron

a un cambio de la estructura del territorio:

se ampliaron los límites de la ciudad real,

aumentó la segmentación y la especialización

func iona l de l espac io, y la cont inua

relocalización de las actividades y la ocupación

de nuevos territorios se convirtió en la pauta

característica del crecimiento urbano. Todo ello

ha contribuido a la expansión del urbanismo

disperso y ha tenido importantes efectos a

diversos niveles. La crisis actual plantea nuevas

cuestiones sobre los límites y posibilidades

de este modelo. Por ello, en este artículo

pretendemos dar respuesta a varias cuestiones.

¿En qué medida estas nuevas dinámicas han

exacerbado – o incluso generado – nuevas

formas de desigualdad social en el territorio?

¿Qué límites, posibilidades y retos plantea esta

realidad para conseguir un modelo urbano

sostenible? Pensamos, y esta es nuestra

hipótesis, que la morfología urbana y la forma

de organizar el territorio es una variable

fundamental para la sostenibilidad.

Nuestro objetivo es doble: en primer

lugar, avanzar en la sustentación teórica

del concepto de sostenibilidad social y su

concreción empírica. El concepto sostenibilidad

aparece en los años setenta del siglo pasado

muy ligado al de desarrollo sostenible

(Meadows, 1972) y definido a partir de tres

dimensiones: la ecológica, la económica y la

social. En la posterior evolución del concepto,

la dimensión social ha resultado ser la gran

olvidada. Los cambios ocurridos en los últimos

años sugieren la necesidad de reconsiderar

esta dimensión específica de la sostenibilidad

para valorar los efectos del nuevo modelo

urbano y territorial. En segundo lugar, analizar

la realidad actual de las áreas de baja densidad

de la RMB a partir de un prisma más amplio

como es el de la sostenibilidad poniendo

énfasis en la dimensión social.1

La sostenibilidad social según las formas urbanas

El debate sobre la sostenibilidad: más allá del concepto

Hoy, la creciente problemática ambiental,

económica y social ha hecho revivir las

preocupaciones planteadas en los años

setenta y que fueron olvidadas en las décadas

siguientes. El neoliberalismo dominante ha

impregnado todos los aspectos de la vida

económica provocando funestas consecuencias

en varios ámbitos. Entre ellas destacan –

porque han sido las primeras que se han

impuesto a nuestra observación – las que

tienen que ver con el deterioro del medio

ambiente y, en especial, con el agotamiento de

los recursos no reproducibles. El diagnóstico

actual que se impone es contundente: el

modelo de crecimiento de los últimos años es

claramente insostenible.

La cuest ión es, pues, de c ruc ia l

importancia. No en vano, la política y la

academia han contribuido a dotar de contenido

y argumentos a este concepto y, también, a

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aplicarlo en la práctica. Aún así, a menudo

el término aparece ligado a inconcreciones –

especialmente en el ámbito académico – ante el

esfuerzo que supone concretarlo en diferentes

esferas como pueden ser la social y la urbana.

El concepto de sostenibilidad apareció

muy unido al de desarrollo (Meadows, 1972).

Ha tendido a identificarse, primero, con la

esfera medioambiental y, posteriormente, con la

económica. Hoy el concepto se hace extensible

también a la dimensión social, que ha sido la

más olvidada en los discursos académicos y

políticos. Con este trasfondo, añadimos a la

ciudad en el debate para plantearnos hasta qué

punto nuestras ciudades son sostenibles y si hay

condiciones que hacen que unas ciudades sean

más o menos sostenibles que otras. La pregunta

es relevante, no sólo porque hoy la mitad de

la población mundial vive en ciudades y todo

hace pensar que la población urbana seguirá

aumentando en el futuro (United Nations, 2009)

sino también, y sobre todo, porque la ciudad

cumple el rol de ser nexo entre lo global y lo

local (Borja y Castells, 1998).

Para responder a esta cuestión, primero

nos detendremos a explorar el concepto de

sostenibilidad social, su significado y los

aspectos que quedan por desarrollar en su

aplicación a la ciudad y al mundo urbano.

Hagamos, pues, una breve referencia a los

orígenes del concepto. Aun con la importancia

que ha tomado esta idea en la actualidad,

el concepto no es nuevo, ni tampoco la

problemática a la que se refiere. Ya en los

años sesenta los economistas – aunque no

sólo ellos – se percataron de que el modelo

de crecimiento económico a toda costa, al

fomentar un crecimiento sin límites, no podía

mantenerse sin riesgos para la humanidad

y el planeta. En marzo de 1972, auspiciada

por el Club de Roma, aparece The Limits

to Growth, uno de los antecedentes del

concepto de sostenibilidad. Este conocido

documento plantea como problema central

el medioambiental, pero incluye – aunque sin

profundizar – aspectos ligados a los valores, las

relaciones sociales y el bienestar. El diagnóstico

de la situación mundial que se realiza en este

trabajo augura que el resultado último de un

intento sostenido de crecer conforme al patrón

actual será un colapso desastroso. La filosofía

del documento queda claramente expresada

en una de sus conclusiones: “Tal vez el mejor

resumen de nuestra posición sea […] no una

oposición ciega al progreso, sino una oposición

al progreso ciego”.

The Limits to Growth abrió el camino

para que en 1987 apareciera formalmente

el término sostenibilidad, por ello no es

de extrañar que desde sus inicios fuera

estrechamente vinculado – como se ha dicho

anteriormente – a la idea de desarrollo. El

término tiene su origen en el texto de la

Comisión Mundial del Medio Ambiente y

Desarrollo de las Naciones Unidas conocido

como Informe Brundtland 2 (United Nations

World Commission on Environment and

Deve lopment , 19 87 ) . E l té rmino fue

introducido en un informe cuyo objetivo era

diseñar “un programa global para el cambio

global”. Se refiere al desarrollo sostenible

como aquél que satisface las necesidades de

la generación presente sin comprometer las

posibilidades de las generaciones futuras para

atender sus propias necesidades. Después, en

1992, la Conferencia de Río dio publicidad a la

expresión desarrollo sostenible e introdujo la

idea de los tres pilares que deben conciliarse:

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el económico, el social y el medioambiental

(United Nations, 1992).

E f e c t i v a m e n t e , e l d e s a r r o l l o

sostenible se entiende como el resultado

de la combinación de estas tres esferas. No

obstante, la interrelación entre ellas introduce

otras condiciones necesarias para que se

produzca un desarrollo sostenible que van más

allá de los matices terminológicos. De esta

forma, la confluencia entre los planteamientos

eco lóg icos y económicos han de se r

necesariamente viables para tener sentido:

no todas las medidas que permiten mejorar el

medio ambiente son viables económicamente,

ni todo tipo de crecimiento económico es viable

si se desea minimizar la huella ecológica. Igual

ocurre con la organización social: ha de ser

equitativa desde el punto de vista económico

y soportable para el medio ambiente. El

adjetivo ‘sostenible’ se reserva para indicar

todo aquello que, a la vez, resulta soportable,

equitativo y viable en la combinación de las

esferas medioambiental, económica y social

(Sadler y Jacobs, 1990; Le Berre, 2004).

Todo este recorrido ha desembocado en

el hecho de que hoy, la idea de sostenibilidad

se ha convertido en una panacea. Existen

dos factores principales que han contribuido

a la aceptación y éxito de la expresión

‘sostenibilidad’. El primero es haber ganado la

batalla de lo políticamente correcto hasta el

punto de haber adquirido poder legitimador.

El segundo es su ambigüedad, puesto que

las interpretaciones del término pueden

ser múltiples e incluso contradictorias. La

falta de acuerdo terminológico, en realidad,

esconde visiones del mundo distintas y con

frecuencia opuestas.

La sostenibilidad social: los problemas de su concreción

Basado en la idea de desarrollo sostenible,

el estado de equilibrio global, que requiere

estabilidad económica y ecológica durante

largo tiempo, “debe diseñarse de tal modo

que cada ser humano pueda satisfacer sus

necesidades básicas y gozar de igualdad de

oportunidades para desarrollar su potencial

particular” (Meadows, 1972). Aunque desde

su inicio las tres dimensiones mencionadas

aparecían como parte constituyente del

concepto, en la posterior evolución la esfera

social ha resultado ser la gran olvidada. Todavía

hoy su fundamentación teórica y su concreción

empírica son muy débiles.

Al considerar el desarrollo como mejora

cualitativa se están introduciendo cuestiones

sólo compatibles con una sociedad que, siendo

diversa, evolucione hacia la cohesión interna,

eliminando situaciones de desigualdad y

discriminación: “[…] sostenibilidad social

como desarrollo (y/o crecimiento) compatible

con la evolución armoniosa de la sociedad

civil, fomento de un entorno propicio para la

convivencia compatible de grupos cultural y

socialmente diversos, y aliento de la integración

social, con mejoras en la calidad de vida para

todos los segmentos de la población” (Polèse

y Stren, 2000).

E s dec i r, e l ámb i to soc ia l e s tá

estrechamente asociado a la inexistencia de

desigualdades y requiere importantes esfuerzos

para reducirlas. Para conseguir la sostenibilidad

social es necesario controlar, hasta hacerlas

desaparecer, las situaciones de exclusión

social y segregación territorial, atendiendo

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especialmente a las condiciones de les grupos

marginales: “La sostenibilidad social, en este

sentido, puede ser vista como el polo opuesto

a la exclusión, tanto en términos territoriales

como sociales” (Polèse y Stren, 2000).

La sostenibilidad social en el ámbito urbano

Aunque el desarrollo inicial del concepto de

sostenibilidad se produjera al margen de las

ciudades, la importancia de lo urbano en el

mundo actual ha impuesto la necesidad de

mirar críticamente las ciudades a través de este

prisma como un elemento que puede contribuir

o arriesgar la consecución de un mundo

sostenible. De todas formas, si el concepto

de sostenibilidad plantea algunos problemas

importantes de definición, estos se acentúan

cuando nos referimos a la sostenibilidad social

en el ámbito urbano.

No es fácil generalizar sobre cuál es

el tratamiento que dan estos estudios al

concepto de sostenibilidad social. Los motivos

son de diversa índole, aunque el principal es

que existe una gran disparidad de perspectivas

y marcos analíticos inherente a la diversidad

de prismas con que se trata lo urbano. Esto

es así fruto de la propia multidisciplinariedad

de los estudios urbanos. Asimismo, dificulta

el trabajo su recurrente identificación con

otros conceptos que, aunque parecidos e

informativos, aportan luz solamente de

manera parcial. De hecho, son pocos los

trabajos que ahondan de manera integral en el

concepto. De todas formas, las características

de lo que es sostenible socialmente parecen

tener un alto nivel de quórum. El concepto más

común con el que se vincula es el de cohesión

social, seguido de mezcla social. Diversidad

social y/o cultural se asocia repetidamente

a sostenibilidad social, casi siempre a raíz

de la creciente especialización funcional de

las ciudades, la falta de mixtura de usos y el

advenimiento de la nueva inmigración como un

fenómeno social que puede acarrear conflictos

de convivencia asociados a su concentración

en algunas zonas urbanas (Bayona, Domingo

y Gil, 2009). En la bibliografía norteamericana

es frecuente asociar sostenibilidad social

con desarrollo inteligente (Smart Growth

Network, 2006). Es una estrategia global de

sostenibilidad regional que sugiere que los tres

pilares – eficiencia económica, protección del

medio ambiente y elevada calidad de vida y

equidad social – puedan conseguirse mediante

una política de uso del suelo concertada y

negociada entre todos los agentes implicados.

Finalmente, los conceptos de equidad

social, convivencia colectiva o coexistencia

multiétnica también aparecen vinculados a

menudo, aunque siempre se ofrecen de forma

muy poco desarrollada siendo elementos

tangenciales a la perspectiva global que guía

el análisis de los trabajos.

La pregunta, ahora, deviene evidente:

¿qué condiciones debe cumplir una ciudad

para que sea sostenible socialmente? Nosotros

entendemos que una ciudad es sostenible

socialmente cuando tiene la capacidad de

satisfacer las necesidades básicas de su

población en el ámbito urbano y garantiza

determinadas condiciones en el contexto de

una serie de principios orientadores. Como

necesidades recuperamos la propuesta de la

Carta de Atenas3 sobre las funciones básicas

que debe cumplir una ciudad, que son habitar,

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trabajar, desplazarse y cultivar el espíritu,4

además de incorporar otras necesidades como

la seguridad, la interacción social, la identidad/

simbolismo y la participación democrática.

Los principios orientadores a los que nos

referimos son la calidad de vida, la equidad,

la interrelación social, la diversidad social, la

democracia y la cohesión social.

La recuperac ión del concepto de

sostenibilidad social por parte de quienes se

dedican al estudio y análisis de la realidad

urbana no parece espuria: la segmentación

y especialización creciente y acelerada del

espacio ha dado lugar, junto a la existencia

de las ciudades tradicionales, a la aparición

de áreas residenciales dispersas, grandes

zonas comerciales, polígonos industriales,

áreas pensadas para el ocio que constituyen

partes indisociables de un mismo sistema

urbano expansivo que rebasa continuamente

sus propios límites. Las ciudades se extienden,

invaden nuevos territorios, consumiendo un

recurso no renovable – el suelo – y cubriéndolo

de nuevas y costosas infraestructuras. Y

al f inal , más que una real idad urbana

donde el c iudadano pueda desarrol lar

sus capacidades y cubrir sus necesidades,

encontramos un espacio amorfo por el

que es necesario desplazarse recorriendo

cada vez mayores distancias, consumiendo

energía y tiempo, y donde la buena calidad

de vida parece haber desaparecido.

Por ello, defendemos la hipótesis que la

morfología urbana contribuye a crear límites

así como condiciones de sostenibilidad social.

Esta morfología y la forma de organizar el

suelo es, pues, una variable fundamental para

la sostenibilidad. En este sentido, creemos

que hay tres dinámicas que pueden convertir

un espacio sostenible en insostenible: de la

ciudad compacta a la dispersión territorial de

las actividades urbanas, de la mixtura urbana

a la especialización funcional del espacio, y de

la ciudad integrada socialmente a una mayor

segregación potencial de los grupos sociales

en el territorio.

El urbanismo disperso: nota conceptual

El análisis del urbanismo disperso ha sido

objeto de trabajo teórico de varios autores,

entre los cuales Indovina – città diffusa –

(1990), Dematteis – reticular city – (1998),

Garreau – edge city – (1991), Corboz –

ipercittà – (1994), Ascher – metapolis – (1995),

Harvey – the end of the city – (1996) y Capel

– exurbanización – (2003). Estos autores han

proporcionado definiciones y aportaciones

varias en relación a sus características y

estructura urbana. Recuperamos el trabajo

de López de Lucio (1998) sobre el caso de

Madrid como base desde la que analizar las

características de las urbanizaciones,5 ya que

las características mencionadas por este autor

son directamente aplicables a la RMB:

1) descentralización progresiva de la actividad

residencial e industrial y, de forma más reciente,

de amplios sectores terciarios;

2) suburbanización residencial con un claro

predominio de la baja densidad y de la vivienda

unifamiliar.

3 ) f r a g m e n t a c i ó n d e l t e r r i t o r i o y

especialización de las piezas – urbanizaciones

residenciales, polígonos de viviendas, centros

comerciales y de ocio, etc. El territorio

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disperso es discontinuo, los fragmentos que lo

conforman están encapsulados y son distantes

físicamente unos de otros. La zonificación no

tiene un modelo explícito global, sino que

quien la realiza es el mercado en conexión

directa con los agentes administrativos

teniendo en cuenta oportunidades de

accesibilidad, localización y características de

la propiedad del suelo urbanizable;

4) segregación social a escalas espaciales

inéditas originadas por la distancia entre zonas

y actividades, por la expansión exponencial del

territorio urbano y por la aparición cada vez más

frecuente de restricciones explícitas de acceso;

5) disminución de las relaciones de proximidad

y aumento de la importancia de la casa

individual como centro de un reducido universo

social. Es, a la vez, la base para una serie de

movimientos radiales motorizados por motivos

de trabajo, estudio, compras, ocio, etc.;

6 ) creación de centralidades periféricas

alternativas, ya que el nuevo territorio

urbano requiere un lugar que integre

antiguos centros urbanos para los contactos

interpersonales, las relaciones comerciales,

el entretenimiento o el ocio. El gran centro

comercial regional cubre progresivamente

esta necesidad. Su centralidad no es tanto

física como temporal porque se basa en una

localización estratégica en relación a los

nudos de la red de transporte privado.

7) empobrecimiento, especial ización y

privatización del espacio público.

Dinámicas urbanas en la RMB

La RMB es la unidad de análisis de este

artículo. Constituye la ciudad real de Barcelona,

ya que proyecta la realidad urbana y funcional

de este municipio y de su área de influencia

más directa. Su población es de 4.777.042

habitantes (2011), ocupa una superficie de

3.242,2 km2 y comprende 164 municipios.

La evolución reciente de las dinámicas

urbanas ocurridas en la RMB ha derivado en

una compleja situación en la que la ciudad

compacta y la urbanización de baja densidad

se yuxtaponen y se influyen recíprocamente.

Su coexistencia refuerza la segmentación

social del espacio y plantea nuevos retos a la

política urbanística.

El proceso se inicia claramente en la

década de los ochenta. A partir de 1981 se

comprueba que Barcelona registra un saldo

migratorio negativo y que el crecimiento

natural se ha estancado, porque también

el modelo reproductivo ha dado un vuelco.

Y al tiempo, las migraciones residenciales,

espec ia lmente dent ro de la RMB, se

multiplican. Esta dinámica poblacional no

es distinta de la de otras regiones españolas

y europeas. Lo sorprendente en el caso de

Cataluña es la subitaneidad del cambio, el

paso de una situación de crecimiento explosivo

a una de estancamiento.

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Después, especialmente a partir de 1985,

el proceso se acelera y acentúa. La Barcelona

densificada, rodeada de barrios periféricos con

problemas de vivienda, de equipamientos y

de servicios, que se extiende más allá de sus

fronteras administrativas – situando fábricas

en los municipios colindantes –, se convierte

en una heteróclita realidad urbana que se

dispersa por un ámbito territorial cada vez

más extenso. Las grandes ciudades de la RMB

pierden población y crecen los municipios

pequeños, se propaga la tipología del hábitat

unifamiliar – adosado o aislado – y se

multiplican las urbanizaciones.

Se pueden distinguir cuatro etapas

claramente diferenciadas en esta evolución

(Alabart, 2007). Cada una de ellas tiene su

propia dinámica y responde a necesidades

y a intereses diferentes.6 La primera abarca

los años 1975-1985. Se caracteriza por un

estancamiento del crecimiento de la ciudad

central. Los factores que contribuyeron fueron

básicamente cuatro: la hiperdensidad de las

grandes ciudades, influyendo negativamente

en la calidad de vida; la tipología de la

vivienda, demasiado homogénea para una

realidad familiar cada vez más diversificada;

la llegada a la edad de emancipación de una

generación que se enfrentaba a una crisis

económica sin precedentes, y la existencia

de segundas residencias susceptibles de ser

convertidas en viviendas principales.

Los colectivos que protagonizaron el

cambio fueron, por una parte, población

con nivel socioeconómico alto y medio-alto;

y por otra, jóvenes. Para la población de las

categorías socioeconómicas alta y media-

alta cobraron sentido, sobre todo, el primer

y el segundo factor, es decir, sus preferencias

por una calidad de vida superior a la de las

grandes ciudades y su deseo de viviendas

unifamiliares más amplias que los pisos de

las ciudades. Todo ello les condujo a buscar

un cambio de residencia. En cambio, para el

colectivo de jóvenes, el factor más importante

fue la necesidad de contar con una vivienda

propia. Llegados a la edad de independizarse

de sus progenitores, pudieron, en algunos

casos, ut i l izar residencias secundarias

convirtiéndolas en primeras. El fenómeno

cruzó categorías sociales. La expansión de

la ciudad empezó a tomar un rumbo más

extensivo, más disperso.

El segundo momento corresponde a los

años 1986-1995. La incidencia del modelo

de producción flexible se manifiesta por lo

menos en dos aspectos: el incremento de los

precios de los inmuebles – especialmente

en Barcelona – y la expansión del ámbito

ter r i tor ia l met ropol i tano. A par t i r de

1986, cuando la crisis económica estaba

remitiendo, los precios de las viviendas se

dispararon alejándose progresivamente de

las posibilidades de las rentas medias.7 No

podían adquirir una vivienda en Barcelona, ni

siquiera con ayudas de la administración o de

la familia.8 Aparece así un nuevo mercado: el

de las urbanizaciones.

Las migraciones residenciales del

período anterior, en especial las de la clase

alta, actuaron como grupo de referencia y,

además, crearon economías de urbanización:

nuevos equipamientos – real izados o

reclamados –, mayor seguridad en lugares que

hasta entonces eran inhóspitos, etc. Además,

la división del proceso productivo y la

dispersión espacial de la actividad económica

generaron expec tat ivas de ocupación

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en territorios que antes resultaban poco

accesibles y, a la vez, nuevas necesidades

de conexión. Se afianzaba y se extendía el

modelo de urbanización dispersa.

El nuevo mercado de las urbanizaciones

va dirigido a las categorías sociales medias

y a parejas relativamente jóvenes con

hijos pequeños. La polarización propia del

momento anterior se reduce porque así lo

hacen los dos extremos. Además, la mayoría

de las construcciones están pensadas para ser

residencias principales y su ubicación geográfica

es, por exigencias del espacio y del margen de

beneficio, cada vez más alejada de las grandes

ciudades y, en especial, de Barcelona.

En el tercer periodo, que corresponde

a los años 1996-2007, aun manteniéndose

las tendencias anteriores parecen emerger

las primeras reacciones de los municipios

grandes destinadas a contrarrestar estas

dinámicas a partir de políticas de vivienda más

incisivas. Concretamente, mediante políticas de

rehabilitación de viviendas y construcción de

alquiler para jóvenes y mayores.

Con la coalición tripartita de izquierdas9

en el gobierno de Cataluña desde 2003 y con

el PSOE10 en el gobierno de España desde

2004, se promovieron varios estudios, leyes

y políticas con el objetivo de limitar – e

incluso detener – el fuerte crecimiento urbano

disperso, así como para incrementar los

nodos territoriales y organizar un transporte

intermodal. La ley más importante aprobada

en Cataluña se centró en la regularización y

la mejora de las urbanizaciones con mayores

déficits,11 y tenía dos objetivos principales:

mejorar las condiciones de las urbanizaciones

construidas antes de 1981 y dignificar sus

servicios y equipamientos.

La crisis financiera y económica global

empezó a golpear a Cataluña y a España en

2008, momento en que se inicia el último

periodo. La crisis llevó al colapso del sector de

la construcción, al descenso de los precios y a

la pérdida de peso relativo de las viviendas

unifamil iares en relación a t ipologías

más compactas (Vilà y Alabar t , 2011) .

Asimismo, varias promociones inmobiliarias

se detuvieron dejando varios procesos

de urbanización inacabados y generando

nuevos déficits de servicios. Aún hoy, con la

derecha aupada en el poder,12 hay una fuerte

incertidumbre en relación a cuándo y cómo

acabará esta etapa.

Vida cotidiana en la ciudad dispersa

En esta sección analizaremos las dinámicas

sociales que se desarrollan en este marco

urbano. Analizaremos las relaciones sociales

de los residentes en urbanizaciones, su

participación cívica, los espacios de vida y

la gestión del tiempo. El objetivo es evaluar

en qué medida este modelo presenta retos

para la consecución de un entorno urbano

socialmente sostenible.13

Relaciones sociales

Las relaciones sociales que se producen entre

la población que vive en el ámbito disperso no

solo se explican por esta morfología urbana.

Influyen el capital social previo de los individuos,

las motivaciones individuales, la disposición

de tiempo para dedicar a actividades sociales,

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el momento del ciclo familiar en el que se

encuentren, las características culturales y

socioeconómicas y sus dinámicas relacionales

específicas. Dado que a través del mercado los

residentes se han segregado en urbanizaciones

de categorías socioeconómicas distintas, las

pautas relacionales son globalmente diferentes

según las urbanizaciones. La configuración

urbana es el elemento marco que puede

favorecer o constreñir tanto las relaciones

sociales como el desarrollo de la ciudadanía.

La fragmentación del espacio urbano, el

incremento de las distancias físicas, la falta

de espacios de encuentro de uso público y, en

definitiva, la configuración de la ciudad como

espacio orientado al ámbito privado son las

características territoriales que inciden en

mayor medida (Gavaldà y Vilà, 2008).

El cambio de residencia al ámbito

disperso supone variaciones importantes en

las relaciones sociales; así lo señalan un tercio

de los nuevos residentes. Se puede afirmar que

el hecho de vivir en una urbanización tiende

a reducir la frecuencia de encuentro con los

amigos: el 61,3% de los nuevos residentes en

disperso dicen relacionarse con igual frecuencia

que antes, el 26,8% lo hace con menor

frecuencia y el 11,5% considera que lo hacen

con mayor frecuencia: “Se ha perdido mucho el

contacto [con los amigos que tenían en el lugar

de procedencia] y a ella también le sucede.

Hemos hecho amistades con los padres de los

amigos de nuestros hijos” (hombre de 41 años

residente en Begues). Es un fenómeno habitual

que buena parte de estas relaciones sociales

nazcan y se estructuren a partir de los hijos:

“En el lugar donde estamos hemos estrechado

algunas relaciones vía hijos, con padres de

amigos de los niños. […] Cosas relacionadas

con el lugar. Ahora haces una comida, que

montas una vez al año, una barbacoa con

padres de los amigos, o vas a casa de alguien.

Pero quiero decir [que] son tres o cuatro veces

al año que hacemos cosas” (mujer de 43 años

residente en Corbera de Llobregat).

El momento del ciclo vital, por tanto,

actúa como un elemento esencial que se

entrecruza con la mayor tendencia de la

población que tiene hijos pequeños – o que

quiere tenerlos en el futuro próximo – a

desplazarse a las urbanizaciones. La dinámica

social que se produce en las urbanizaciones

viene en parte filtrada por este elemento,

aunque, por supuesto, el hecho de conocer

personas que ya viviesen en la urbanización

actúa como capital social, multiplicando y

facilitando las relaciones.

Con las relaciones familiares sucede algo

similar a las relaciones sociales: el 67,8% de

nuevos residentes afirma ver a sus familiares

con la misma frecuencia, y la proporción que

indica una disminución de ese tipo de contactos

desde que se han trasladado a la urbanización

dobla la de aquéllos que declaran la dinámica

opuesta – 20,5% y 11,7%, respectivamente.

La práctica totalidad de los nuevos

residentes afirman conocer a sus vecinos,

aunque casi un tercio señala que conoce a

pocos vecinos. El conocimiento del vecindario

es proporcional, en gran medida, al tiempo

que los entrevistados llevan viviendo en la

urbanización. Las relaciones que se establecen

con el vecindario presenta una gran gama

de intensidad, desde el saludo cordial a las

celebraciones colectivas. Sin embargo, la

mayoría de las relaciones que se establecen con

el vecindario son esporádicas y ocasionales:

“En sentido estricto de vecinos hay alguna

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 25

relación pero no es intensa […], la cuestión

es que te los cruzas pero vas enlatado en un

coche, entonces les puedes saludar y ya está.

[…] Yo creo que es más difícil hacer vida social

en el pueblo porque no te cruzas con nadie y

fuera de la escuela es complicado” (mujer de

36 años residente en Matadepera).

E l a n o n i m a t o e s u n e l e m e n t o

fundamental que caracteriza las relaciones

entre vecinos en las urbanizaciones: “Cuando

vamos a casa de alguien es para alguna cena,

pero también a mi mujer no le gusta demasiado

relacionarse. Como ha estado tanto tiempo

aquí dice que hay demasiado marujeo. […] Es

uno de los inconvenientes. De todas formas,

aquí si no quieres salir no sales y no te conoce

nadie. […] Hay gente que vive aquí que, vamos,

ni idea de quienes son” (hombre de 52 años

residente en Lliçà de Munt).

Participación cívica

La participación cívica en las urbanizaciones

es, en general, baja, especialmente si se

compara con las áreas compactas de la RMB.

Tres de cada diez residentes son miembros

de alguna entidad – 1,2 entidades de media

por residente –, mientras que en el conjunto

de la RMB esta ratio aumenta a cinco

sobre diez. El tipo de entidades a las que se

asocian en mayor medida son clubes deportivos

y asociaciones de vecinos. En las zonas de

autoconstrucción, las malas condiciones de

urbanización y la falta de infraestructuras

p rop ic ian una mayor tendenc ia a la

reivindicación de demandas a la administración

a través de asociaciones de vecinos.

Más de la mitad de los residentes

(57,7%) dedica tiempo a las asociaciones – 8,3

horas de media por residente. Las que gozan de

mayor implicación por parte de sus miembros

son los centros de encuentro para mayores, los

partidos políticos, los centros excursionistas,

los clubes deportivos y las comunidades de

propietarios, todas ellas entre el 70 y el 80%.

No es extraño al consistir, la mayoría de ellas,

en entidades que solo adquieren significación

mediante una participación activa de sus

miembros. Por su parte, los equipamientos más

utilizados son los lugares de ocio (30%), los

deportivos (22%) y los sociales (17%).

En las urbanizaciones se registra una

menor actividad lúdica y social que en el núcleo

del municipio – 65% y 95,3%, respectivamente.

Los niveles de participación y de asistencia son

generalmente bajos en ambos casos. Entre los

que señalan haber asistido alguna vez, siete de

cada diez reconocen haber participado tan solo

de forma ocasional. Estar asociado predispone

en mayor medida a participar en estas

actividades, sean miembros de las asociaciones

que las organizan o no.

Como indicador de este ámbito se ha se

analizado también la asistencia, en el último

año, a un pleno municipal, a una reunión de

vecinos o a actos movilizadores sobre aspectos

internos o externos de la urbanización.

Mediante una tipología que integra cinco

categorías siguiendo una gradación de mayor

a menor participación – asistencia plena,

alta, media, baja y nula –, se detecta que la

mitad de los residentes registra un nivel de

asistencia nulo (47,5%). A medida que éste

aumenta, más reducidos son los porcentajes

que conforman las diversas categorías

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hasta alcanzar un 2,5% en la de asistencia

plena. La condición de asociado también

aumenta significativamente la asistencia, con

porcentajes unos diez puntos superiores a la

media en todos los actos analizados.

La variable que se apunta como la más

explicativa de las actitudes relacionales y

participativas es el momento del ciclo vital.

En este sentido, es muy común el perfil de

personas que estructuran sus relaciones a partir

del entorno social de sus hijos menores y que

sólo participan de los eventos dirigidos a éstos.

Espacio de vida y gestión del tiempo

El espacio de vida, aquel que cotidianamente

utiliza la población, se desparrama por una

área mucho más amplia que la utilizada

habitualmente por los residentes de zonas

urbana compactas.

La ciudad de Barcelona estructura una

parte importante del espacio de vida de los

ciudadanos a nivel laboral en tanto que uno de

cada cuatro trabaja allí. La tendencia a trabajar

remuneradamente en el propio municipio es

muy inferior a la de hacerlo en otros municipios

de la RMB diferentes al de residencia habitual.

Sin embargo, los datos muestran una tendencia

particular: a mayor antigüedad residencial,

mayor proximidad al trabajo.

P o r l o q u e r e s p e c t a a l o s

desplazamientos , e l uso del vehículo

particular – principalmente el coche – es

prácticamente unánime entre las personas

principales del hogar. La duración temporal del

desplazamiento es de entre 22 y 26 minutos

para quienes se sirven de una motocicleta o

un turismo, mientras que se incrementa hasta

los 44 minutos de media cuando se viaja en

transporte público, lo que es más habitual

entre las mujeres que entre los hombres.

Las compras diarias prácticamente

nunca se adquieren en la misma urbanización,

puesto que en casi ninguna existe una

oferta suficientemente amplia y variada de

equipamientos comerciales. Este es, pues, otro

factor afectado por la morfología urbana. Los

residentes de urbanización tienden a comprar

menos cerca de donde viven que las personas

que viven en las ciudades compactas. La

mayoría de los residentes en urbanizaciones

declaran comprar en grandes superficies –

46,1% de ellos en los supermercados y el

10% en los centros comerciales, que también

ofrecen otros servicios y ocio. Asimismo,

cuando se les pregunta por los productos

no perecederos, los porcentajes aumentan

a 72,5% y 14,6%, respectivamente. Estas

grandes superficies están situadas en puntos

nodales que solo son accesibles mediante

vehículos pr ivados – el 94,3% de los

entrevistados declara llegar en coche. Este

hecho contribuye a que el tiempo invertido

en desplazamientos sea mayor. Con el tiempo

estas grandes superficies han ido adquiriendo

la función de lugar de encuentro y de relación

sustituyendo a los espacios públicos cívicos de

la ciudad tradicional, cosa que repercute en un

empobrecimiento de la función tradicional de

vertebración social del comercio de cercanía

(Vilà, 2011).

La mayoría de tiempo libre de los

residentes se gasta en el hogar, pauta que

también es común en la RMB en su conjunto.

Barcelona ha dejado de ser el lugar que

concentra las actividades de ocio, aunque sigue

siendo importante para todos ellos.

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Conclusiones

La imagen idílica que a menudo se tiene de

las urbanizaciones no es una realidad para

todas las personas que allí viven. Son los

grupos sociales con menos recursos, aquéllos

más desfavorecidos, los que sufren en mayor

medida los efectos negativos del modelo.

Algunos los han sufrido desde el principio,

otros lo han hecho posteriormente cuando

sus circunstancias personales han empeorado.

Todo ello ha repercutido negativamente en

su calidad de vida y bienestar aumentando

las situaciones de desigualdad, dependencia,

vulnerabilidad y exclusión social. Además,

ciertas características de la ciudad dispersa la

alejan del ideal de una ciudad sostenible tal y

como se ha planteado en este artículo, tanto

en términos sociales como medioambientales

y económicos.

En primer lugar, el urbanismo disperso

contribuye a la disminución y debilitamiento

de las relaciones sociales. Aunque su frecuencia

e intensidad depende de muchos factores, la

morfología urbana también tiene impacto.

Intervienen dos factores: por un lado, el diseño

de una ciudad sin espacio público que actúe

como lugar de encuentro. Las calles están

vacías porque la gente no hace vida en ellas,

sólo se desplaza haciendo que los encuentros

sean casi inexistentes. Por otro lado – y eso

afecta especialmente a los residentes que han

llegado recientemente a las urbanizaciones –,

la distancia y la menor comunicación con el

lugar de origen. En la mayoría de los casos el

cambio de residencia supone una disminución

de la frecuencia de las relaciones sociales

con los amigos cercanos y la familia. Esto

tiene efectos directos sobre los procesos de

transferencia de ayuda y, específicamente, en

la solidaridad familiar – cuidado de los hijos

por parte de los abuelos, atención en caso de

emergencia, etc. –, aspecto fundamental del

sistema de bienestar social sobre el que se

sustentan las sociedades mediterráneas.

En segundo lugar, las urbanizaciones

también tienen efectos sobre la participación,

el civismo y el ejercicio de la ciudadanía de sus

residentes. Si bien las personas que viven en

ellas declaran tener una menor implicación y

participación en entidades que las que viven en

las ciudades, esto no es atribuible únicamente

a la incidencia del entorno de urbanización.

Sí lo es, en cambio, la baja identidad colectiva

y la escasa identificación con el lugar de

residencia. La falta de elementos simbólicos

que actúen dando identidad y cohesionando

la población tiene como efecto principal un

proceso de identificación débil con el territorio,

lo que termina por generar demandas políticas

demasiado especializadas tales como el arreglo

de una calle, la iluminación de un tramo, etc.

Una tercera problemática de las

urbanizaciones viene dada por el déficit

de servic ios, equipamientos básicos e

infraestructuras. La importancia otorgada a la

residencia en detrimento de otras funciones

urbanas ha consolidado un déficit histórico en

estas áreas. Las carencias no son iguales en

todas las urbanizaciones ni afectan por igual

a todos sus residentes, sino que son las de

autoconstrucción las que acumulan a día de

hoy los déficits fundamentales y las condiciones

más precarias: a una localización aislada hay

que sumar la falta de infraestructuras básicas

y de suministro, la dificultad de los accesos, las

construcciones deficitarias y la mala calidad

general de la urbanización. La dinámica del

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mercado ha actuado como filtro provocando

que éstas estén ocupadas por población

con pocos recursos y en riesgo de exclusión

social, aumentando aún más su segregación

y perjudicando su calidad de vida. Las

personas mayores y las familias con hijos

pequeños se convierten en colect ivos

especialmente vulnerables.

Los déficits, sin embargo, van más allá

de las propias urbanizaciones y plantean

retos también a nivel municipal. El rápido

crecimiento de la población de los municipios

receptores y del número de viviendas ha

generado nuevas necesidades y ha hecho

insuficientes las infraestructuras existentes

en los municipios. Por un lado, la llegada de

parejas en edad de constituir una familia ha

supuesto el rejuvenecimiento de las estructuras

de edad de los municipios receptores y ha

producido un incremento de la natalidad. Este

hecho ha implicado una mayor demanda y la

necesidad de equipamientos educativos que,

además, se ven reforzados por la disminución

de la solidaridad intergeneracional. Por otra

parte, las personas mayores representan

un colectivo numeroso que aumentará

considerablemente en los próximos años.

Especialmente preocupante es la situación de

la parte que cuenta con unos recursos más

precarios, con una menor solidaridad familiar

o con problemas de movilidad. La falta de

servicios de proximidad de todo tipo y la

imposibilidad de desplazarse con normalidad

consolidan su situación de exclusión. Este

hecho está suponiendo el aumento de las

necesidades y la demanda de equipamientos

y servicios de cuidado específicos orientados a

la calidad de vida de este colectivo – hogares

de jubilados, centros de asistencia primaria,

especializaciones geriátr icas, etc. Éste

será uno de los principales retos de futuro

inmediato de los municipios.

Esta realidad se agrava con la situación

de crisis económica mundial actual : los

ayuntamientos, otrora receptores de grandes

ingresos generados por el auge de la

construcción, actualmente rayan la bancarrota.

Esta situación ha provocado que muchas

infraestructuras, necesarias debido al aumento

de la población en las urbanizaciones en

expansión, no se han puesto en marcha o, si

se han iniciado, se han quedado en suspenso.

En estos municipios, los servicios básicos como

escuelas, bibliotecas y centros de salud han

colapsado al enfrentarse con el crecimiento

de la población. Esta fragmentación y

especialización del territorio sigue siendo una

fuente de la desigualdad social.

En cuarto lugar, el incremento de las

distancias y la dependencia del vehículo

privado. La falta de equipamientos y servicios

en las urbanizaciones provoca que la práctica

totalidad de sus residentes tengan que salir de

ellas para realizar las actividades cotidianas,

desde comprar el pan hasta ir a la escuela, al

médico, al teatro o a trabajar. La distancia a

los núcleos urbanos y su comunicación por

carretera provoca, al mismo tiempo, que estos

desplazamientos rara vez se puedan hacer

a pie o en bicicleta. En la medida en que el

transporte público es también casi inexistente

e, incluso, inviable, el vehículo privado se

consolida como el medio fundamental de

movilidad. Facilitar la movilidad de estos

residentes es – y sigue siendo – una asignatura

pendiente para las administraciones que,

frente a la actual falta de f inanciación,

posponen este problema.

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Aparte de los efectos medioambientales

de la dependencia del transporte privado, este

hecho provoca, de nuevo, el establecimiento

de grupos dependientes en té rminos

de movilidad y de acceso a los recursos

básicos que reafirma una nueva forma de

discriminación y exclusión. Las personas que

pueden desarrollarse plenamente en este

entorno son aquéllas que tienen libre acceso al

vehículo privado, lo que relega a una situación

de dependencia a aquellas personas que, por

diversas razones, no pueden acceder a éste:

mayores con poca movilidad o que ya no

están en condiciones para conducir, familias

con pocos recursos que no cuentan con

suficientes vehículos para todos los miembros

del hogar, jóvenes que todavía no tienen

edad para conducir y población que no puede

obtener la licencia por razones económicas o

culturales. Todos estos colectivos dependen de

otras personas para realizar sus actividades

cotidianas. En el mejor de los casos, las

familias adoptan estrategias para paliar esta

realidad incrementando el coste y el tiempo

de desplazamiento y, a menudo, limitando

las actividades posibles. Este hecho plantea

retos importantes para la conciliación familiar

y supone una sobrecarga del trabajo familiar

doméstico. Nuevamente, los colectivos con

menos recursos para contratar servicios y con

una menor flexibilidad laboral son los más

afectados. En el peor de los casos, cuando no

se pueden encontrar soluciones dentro del

núcleo familiar, se convierte en un elemento

de aislamiento, exclusión y vulnerabilidad

social muy acusado.

Debido al uso intensivo del vehículo

privado, vivir en una urbanización genera

mayores niveles de contaminación. Además,

se consume más agua – un bien preciado en la

zona mediterránea, especialmente durante los

meses de verano – que en la ciudad compacta

por la existencia de más zonas ajardinadas

con piscina.

Finalmente, la seguridad como derecho

fundamental no siempre queda garantizado en

las urbanizaciones. Numerosas olas de robos y

agresiones se han producido recientemente en

varias urbanizaciones de la RMB. La distancia

al núcleo principal del municipio, la tipología

de vivienda unifamiliar, las calles inhóspitas y

deshabitadas por falta de servicios y la poca

iluminación hacen a las urbanizaciones y sus

residentes muy vulnerables en términos de

seguridad. La gente mayor o la que vive sola

se encuentra en una situación especialmente

desfavorecida.

En conclusión, el modelo resultante

es desequilibrado y poco sostenible: tiene

costes medioambientales inasumibles,

costes económicos comparat ivamente

elevadísimos y costes sociales que perjudican

a los colectivos más débiles socialmente

y que hacen necesarias nuevas políticas

públicas. Todo ello se plasma, como se ha

visto, a través de la segregación territorial

y social que lleva implícito el modelo de

urbanización dispersa: la monofuncionalidad,

los problemas de acceso a los recursos y la

consiguiente exclusión social que supone, el

alto coste público por la demanda de servicios

públicos e infraestructuras desconcentrados,

la escasa mixtura social y demográfica, la

fragmentación de las relaciones sociales y

de la solidaridad familiar, la inexistencia de

lugares públicos, el déficit de planificación y

escaso control público de las transformaciones

territoriales, la baja identificación con el

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lugar e incluso la pérdida de conciencia de

lo urbano como un bien público colectivo. En

definitiva, supone la máxima expresión entre

la disociación entre la urbs y la civitas, hecho

que ha llevado a algunos autores a plantearse

esta forma urbana como la muerte de la ciudad

(Choay, 2004). Así pues, lo que se ha establecido

como una ciudad ideal se ha convertido, en

la práctica, en un modelo que ha contribuido

no sólo a consolidar las desigualdades sino,

incluso, a aumentarlas. Poco tiene que ver, pues,

con una realidad viable desde un punto de

vista económico y medioambiental, equitativa

socioeconómicamente y soportable a nivel

social y medioambiental. Se trata de un modelo

definitivamente alejado del objetivo de alcanzar

una sociedad justa, pacífica y equitativa; en

definitiva, sostenible. En este sentido, es más

aplicable que nunca la expresión de José

Manuel Naredo: “puede ser que no sepamos

cómo tiene que ser, pero podemos saber qué no

debe ser” (Naredo, 2004).

Gemma VilàLicenciada en Sociología. Profesora en el Departament de Teoria Sociològica, Filosofia del Dret i Metodologia de les Ciències Socials, Universitat de Barcelona. Barcelona/Cataluña, Españ[email protected]

Jordi Gavaldà

Licenciado en Sociología. Investigador en el Internet Interdisciplinary Institute (IN3), Universitat

Oberta de Catalunya. Barcelona/Cataluña, España.

[email protected]

Notas

(1) Para llevar a cabo estos obje vos, presentamos algunos de los resultados obtenidos en las dos últimas investigaciones desarrolladas: Movilidad, solidaridad familiar y ciudadanía en las regiones metropolitanas y Sostenibilidad social según las formas urbanas: movilidad residencial, espacios de vida y uso del empo en las regiones metropolitanas. Ambas inves gaciones están financiadas por el Ministerio de Ciencia y Tecnología y los Fondos Europeos de Desarrollo Regional – FEDER.

(2) Originalmente el título del informe era Our Common Future, pero pronto se conoció con el nombre de la doctora Gro Harlem Brundtland, que era quien encabezaba la Comisión.

(3) La Carta de Atenas – La Charte d’Athénes –, escrita en el marco del IV Congrès Interna onal d’Architecture Moderne – CIAM – de 1933, se estableció como el nuevo manifi esto urbanís co. Basada en la racionalización de la ciudad, proclamó la zonifi cación espacial en el sustrato de las cuatro funciones urbanas principales: vivienda, trabajo, ocio y transporte.

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(4) Emprender relaciones sociales, participar como ciudadano en los asuntos públicos, usar los espacios públicos y tener una iden dad ligada al territorio.

(5) U lizamos la expresión “urbanización” como traducción del término catalán urbanització. Este po de morfología urbana es común en la RMB y se caracteriza por una pología construc va

de baja densidad y elevada especialización funcional con un claro predominio de la función residencial.

(6) Aunque solo nos referimos a los ciudadanos, los agentes urbanos también modificaron sus intereses y estrategias con el empo. Siguiendo a Capel (1975), consideramos agentes urbanos a aquellos que enen el poder de modifi car el territorio a favor de sus intereses. Nos referimos a propietarios del suelo, promotores, constructores, empresas industriales y de servicios y la propia administración.

(7) Los precios de las viviendas prác camente se doblaron entre 1986 y 1995. El mecanismo era el propio de los mercados oligopolís cos con escasa o nula transparencia y con elevadas barreras de entrada. La oferta elevada coexis a con la subida de precios: el valor expectante superaba con creces el monto de los precios.

(8) Sería lógico pensar que el alquiler era la solución, pero este mercado tenía una oferta escasísima. Tampoco las viviendas de segunda mano eran una posibilidad: a diferencia del resto de Europa, sus precios eran casi tan prohibi vos como los de la construcción nueva.

(9) Par t dels Socialistes de Catalunya – PSC –, Esquerra Republicana de Catalunya – ERC – e Inicia va per Catalunya Verds –ICV.

(10) Par do Socialista Obrero Español.

(11) Llei 3/2009, del 10 de març, de regularització i millora d’urbanitzacions amb dèfi cits urbanís cs.

(12) Convergència i Unió – CiU – en Cataluña y Par do Popular – PP – en España.

(13) Presentamos datos primarios de las dos inves gaciones mencionadas en la nota al pie 2. Usamos 1.200 encuestas: 600 se pasaron en 21 urbanizaciones de la RMB – clasifi cadas de acuerdo con sus caracterís cas demográfi cas y socioeconómicas –, y las otras 600, en diferentes áreas de la ciudad de Barcelona. Además, se hicieron 25 entrevistas en profundidad. Las citas presentadas están transcritas literalmente a par r de las intervenciones de los entrevistados, cuyos nombres no se muestran para respetar su anonimato.

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Texto recebido em 12/ago/2012Texto aprovado em 8/out/2012

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Urbanização, dinâmica migratóriae sustentabilidade no semiáridonordestino: o papel das cidades

no processo de adaptação ambiental*

Urbanization, migratory dynamics and sustainabilityin the Brazilian Semi-Arid Region: the role of the

cities in the environmental adaptation process

Ricardo Ojima

ResumoA problemática ambiental urbana costuma dar

atenção aos centros metropolitanos, deixando às

regiões de emigração tradicionais no Brasil o estig-

ma de áreas rurais estagnadas. Entretanto, a transi-

ção urbana no país já é generalizada e tais regiões

hoje se consolidando como urbanas exercem um

papel decisivo na retenção da população. Do ponto

de vista da sustentabilidade, o crescimento urbano

não deve ser visto como uma questão negativa em

si mesma, pois as transições urbanas refl etem re-

sultados distintos em contextos e momentos distin-

tos. O artigo busca apresentar elementos que pro-

blematizem essa discussão dentro do processo de

urbanização recente do semiárido nordestino apon-

tando as potencialidades e limitações para pensar

a adaptação diante do desastre natural mais recor-

rente na região: as secas.

Palavras-chave: urbanização; migração; adapta-

ção; meio ambiente; sustentabilidade.

AbstractThe urban environment issue usually focuses on metropolitan areas, leaving the traditional regions of emigration in Brazil stigmatized as stagnant rural areas. However, the urban transition in the country is already widespread and such regions, which have been consolidating as urban areas, play a decisive role in the retention of population. From the standpoint of sustainability, urban growth should not be seen as a negative issue in itself, because urban transitions reflect distinct results in different contexts and moments. Therefore, the article aims to introduce elements that problematize this discussion in the context of the recent urbanization of the Brazilian Semi-Arid Region, located in the Northeast of the country, showing the potentials and limitations to think about adaptation regarding the most common natural disaster in the region: droughts.

Keywords: urbanization; migration; adaptation; environment; sustainability.

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Introdução

Quando se discute a problemática ambien-

tal urbana no Brasil, surge imediatamente a

imagem de uma grande cidade localizada no

contexto de uma região metropolitana cercada

de poluição, áreas contaminadas, congestio-

namentos, etc. De fato, essa é uma realidade

de praticamente metade da população urbana

brasileira e, por essa razão, justifica-se todo o

investimento e preocupação tanto dos estudos

quanto das políticas públicas específicas. En-

tretanto, poucas vezes nos preocupamos com

as questões ambientais urbanas de algumas

regiões do país, tornando tais “problemas”

muitas vezes invisíveis. Assim, muitas vezes

relegamos a população dessas regiões à polí-

ticas públicas desarticuladas de acordo com as

prioridades setoriais e arriscamos aprofundar

injustiças sociais regionais.

A região nordeste é uma dessas regiões.

Segundo os dados do Censo Demográfico

2010, é morada de 27,8% da população bra-

sileira (53 milhões de pessoas) e é a segunda

região em termos populacionais. Proporção

que pouco se alterou desde o Censo Demo-

gráfico de 1980, quando os 34,8 milhões de

habitantes da região representavam 29,3% do

total do país. É ainda a região brasileira me-

nos urbanizada (73,1%, em 2010), com uma

proporção da população vivendo em áreas

urbanas um pouco menor do que na Região

Norte do país, mas que nos últimos anos tem

se urbanizado rapidamente, trazendo com isso

algumas preocupações.

Mas a análise da Região Nordeste não

pode ser homogênea, pois possui contex-

tos muito distintos, desde econômicos até

ambientais. Do ponto de vista ambiental, foco

central deste artigo, a dinâmica da urbaniza-

ção apresenta situações não apenas distintas,

mas que podem ser consideradas praticamen-

te antagônicas, pois os desastres naturais ora

afetam a população nordestina com eventos

de extrema precipitação pluviométrica (chuvas)

concentradas na porção litorânea, enquanto

recorrentemente na região do Semiárido o prin-

cipal desastre natural está associado às estia-

gens severas e prolongadas. Característica essa

que costuma ser generalizada para toda região

Nordeste no imaginário social.

Quando analisamos a distribuição da

população nordestina a partir do recorte am-

biental, a população residente na região do

Semiárido correspondia a 40% do total da Re-

gião Nordeste no ano de 2010. Fato que não

deve ser considerado irrelevante em termos

de população afetada, pois são cerca de 21,3

milhões de habitantes vivendo em um contexto

ambiental complexo e de extrema fragilidade

social e econômica. Tais fatores teriam moti-

vado a emigração de grandes contingentes

populacionais ao longo dos últimos 50 anos;

entretanto, poucas vezes tais fatores puderam

ser devidamente comprovados, pois a existên-

cia de fatores de atração migratória na região

Sudeste do país sempre tornavam complexa a

análise dos fatores de expulsão da população

dessas regiões do Semiárido.

Nesse sentido, o objetivo deste arti-

go é analisar o processo de transição urbana

(passagem de uma população predominan-

temente urbana) da Região Nordeste a partir

deste recorte ambiental de modo comparativo

para melhor compreender a relação dinâmica

dos fatores ambientais com aspectos migra-

tórios, especialmente os fluxos rural-urbano.

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Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino

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Com isso, pretende-se argumentar a respeito

do potencial positivo que as cidades exercem

no sentido de favorecer a capacidade adap-

tativa dos habitantes da Região Nordeste e

especificamente no Semiárido. Inicialmente,

será desenvolvido um panorama dos fluxos

migratórios recentes privilegiando o processo

de urbanização; em um segundo momento, a

partir das características sociodemográficas da

população e das cidades, levantaremos hipóte-

ses sobre o processo de adaptação aos fatores

ambientais na região do Semiárido. Por fim,

avaliaremos esse papel e a capacidade das ci-

dades diante dos cenários de agravamento das

condições ambientais.

Migração e urbanização nordestina

A Região Nordeste tradicionalmente é carac-

terizada como o principal centro expulsor da

população brasileira. As explicações para essa

condição são variadas e vão desde os fatores

ambientais (estiagens, desertificação, etc.) até

os baixos indicadores de desenvolvimento eco-

nômico como mortalidade infantil, esperança

de vida, dinamismo econômico, entre outros

(Ab’Saber, 1999; Martine, 1994; Camarano,

1997; Oliveira, 2008; Diniz, 1988; Santos e

Moura, 1990; Santos, Moreira e Moura, 1990;

Teixeira, 1998; Ribeiro e Barbosa, 2006; Fusco;

Duarte, 2010). Essa dinâmica das migrações

nordestinas teve impacto no processo de urba-

nização da região, mas trata-se de um aspec-

to inserido em um contexto mais amplo: uma

transição urbana. Essa associação é que desen-

volveremos brevemente.

A transição urbana tradicionalmente tem

sido tratada como o ponto de inflexão no qual

a população passa a ser predominantemente

urbana. Entretanto, essa definição baseada nos

dados empíricos não deve ser a única e reduzir

o debate a números. A urbanização da popula-

ção não se restringe a seu aspecto formal de

localização, mas principalmente deve ser enten-

dido em seu contexto sociocultural, no qual o

modo de vida urbano passa a ser mais abran-

gente do que a mera descrição formal de uma

localidade urbana (UNFPA, 2007; Ojima, 2006;

Martine et al., 2008; Silva e Monte-Mor, 2010).

Entre outros argumentos, a definição do que é

urbano varia entre os diversos países do mundo,

portanto, a estimativa de que vivemos em uma

sociedade predominantemente urbana pode ser

motivo de controvérsias metodológicas.1

Trata-se de uma abordagem promissora

no sentido de incorporar uma reflexão crítica

e substantiva sobre o potencial positivo do fe-

nômeno urbano, sobretudo pela incorporação

da dimensão demográfica isenta de seu viés

catastrofista e malthusiano sobre a explosão

demográfica e da simplificação do debate

acerca das mazelas urbanas baseadas na mar-

ginalização do migrante nas grandes cidades.

Assim, uma teoria da transição urbana poderia

incluir um aspecto prospectivo aos desafios fu-

turos (sociais, políticos, econômicos e ambien-

tais) pelos quais passarão algumas regiões do

mundo (África e Ásia) onde a população passa

tardiamente a viver concentrada em cidades

(MacGranahan et al., 2009; Silva e Monte-Mor,

2010). A experiência brasileira de transição

urbana precoce pode, portanto, ser de grande

valia se for bem compreendida em seus mais

amplos aspectos até os dias contemporâneos

(Martine e Ojima, 2013).

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Sendo assim, considerando que a con-

centração da população em grandes municí-

pios na Região Nordeste é muito mais lenta

do que no conjunto do país como um todo,

como poderíamos pensar na relação migra-

ção rural-urbana e os dilemas da sustenta-

bilidade urbana? Como apontado por Ojima

e Marandola Jr. (2012), são inúmeros os ar-

gumentos para rotular as grandes cidades

como ponto de tensão na busca pela susten-

tabilidade urbana. Entretanto, seriam nos

menores municípios do Brasil que as con-

dições de enfrentamento e adaptação aos

fatores ambientais associados, por exemplo,

ao saneamento básico, planejamento urba-

no e infraestrutura de serviços, apresentam

maiores desafios.

Mas a migração não é o único nem o

principal responsável pelo crescimento po-

pulacional nas cidades. Um exercício de

análise a partir das taxas de crescimento da

população urbana e da taxa de evolução do

grau de urbanização elaborado por Tacoli,

McGranahan e Satterthwaite (2008) mostra

que, na média mundial, a contribuição da

migração rural-urbana para o crescimento

das cidades é de 40%, e no caso da América

Latina, entre 1975 e 2000, essa contribuição

foi de cerca de 30%. Realizando a mesma

análise para o Brasil, considerando as gran-

des regiões, a contribuição da migração para

o crescimento urbano do Nordeste teria sido

algo em torno de 46% entre 1970 e 2010.

Um dos aspectos dos fluxos migratórios

nordestinos é o processo de concentração da

população em algumas localidades, mas que

se comparado com o país é bem menos pola-

rizado. Podemos ver a partir da Tabela 1 que

a Região Nordeste ainda concentra sua popu-

lação em municípios de menor porte popula-

cional. Quase 40% da população residia em

municípios com mais de 100 mil habitantes,

enquanto que no Brasil como um todo essa

proporção é praticamente invertida, com 55%

nos municípios maiores. Essa informação adi-

cionada ao aumento no grau de urbanização

da Região Nordeste nos leva ao fato de que,

se há 50 anos atrás o Nordeste abrigava sua

população em pequenos municípios rurais,

hoje ele ainda tem grande parte de sua po-

pulação em municípios pequenos, mas agora

com uma população urbana.

Tabela 1 – Distibuição da população no Nordestesegundo classes de tamanho da população nos municípios, 1950-2010

Classes de tamanho da população

1950 1960 1970 1980 1991 20002010(NE)

2010(BR)

Até 5.000De 5.001 a 10.000De 10.001 a 20.000De 20.001 a 50.000De 50.001 a 100.000Mais de 100.000

0,092,56

14,0452,7616,3614,18

1,225,88

18,0543,3111,5819,96

2,289,01

22,6032,9711,7321,41

1,566,97

17,7031,0312,9729,77

1,065,52

17,7527,8814,6733,11

1,976,06

17,6724,5013,4336,36

1,664,87

15,8123,6914,0539,92

2,294,48

10,3516,4311,7054,75

Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1950 a 2010.

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Uma análise do grau de urbanização

por classes de tamanho do município con-

firma essa hipótese, pois podemos verificar

que nos municípios nordestinos maiores,

com mais de 100 mil habitantes, a popula-

ção já era predominantemente urbana des-

de a década de 1970, pelo menos. Assim,

mesmo com uma distribuição relativa de

pequenos municípios equivalente com ou-

tras regiões, o processo de transição urba-

na é relativamente atrasado em relação ao

país, pois para o Brasil como um todo os

municípios menores já atingiam a marca de

50% de sua população urbana em meados

de 1991, enquanto na Região Nordeste isso

ocorre apenas no Censo 2010, como pode-

mos ver na Figura 1.

Nesse aspecto, a transição urbana bra-

sileira, embora possa ser entendida como

avançada, ainda é distribuida de maneira

desigual. Considerando então essa etapa co-

mo uma segunda transição urbana, momen-

to em que há acomodação da população nas

áreas já urbanizadas e os fluxos migratórios

passam a ser predominantemente urbano-

-urbano, ainda há elementos importantes a

serem analisados para pensar o ciclo com-

pleto dessa transição precoce brasileira.

Figura 1 – Grau de urbanização por classes de tamanho de populaçãonos municípios, Nordeste, 1970 a 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1970 a 2010.

Até 5.000 De 10.001 a 20.000De 5.001 a 10.000

De 20.001 a 50.000 De 50.001 a 100.000 Mais de 100.000

100

30

40

50

60

70

80

90

201970 200019911980 2010

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Do total de pessoas que emigraram das

áreas rurais nordestinas na década de 1970,

segundo os dados do Censo 1980, 66% foram

residir em áreas urbanas da própria região nor-

deste. Ilustrando-se, então, a hipótese de migra-

ções por etapas (Martine, 1980; Harris; Todaro,

1970; Sjaastad, 1962) nas quais o migrante de

origem rural passaria por estágios intermediá-

rios de modernização através de localidades

urbanas menores para migrar novamente para

regiões mais distantes e mais dinâmicas em um

segundo momento. Conforme esses mesmos

dados, do total dessas pessoas que migraram

de áreas rurais do Nordeste para áreas urbanas

na mesma região, um pouco mais da metade

delas se dirigiu para os municípios de mais de

100 mil habitantes (55%).

A dinâmica migratória da Região Nordeste

desempenha, portanto, um papel fundamental

no processo de urbanização, mas algumas das

características mais marcantes desse grande

contingente de pessoas em movimento pelo

país têm apresentado mudanças importantes

nos últimos anos. Uma dessas mudanças é a

direção predominante desses fluxos. Por um

lado, os fluxos de emigração nas Unidades da

Federação (UF) nordestinas se mantêm majo-

ritariamente interregionais, ou seja, a maior

parte das pessoas emigram para estados fora

da Região Nordeste. Mas por outro, é impor-

tante perceber que, entre os imigrantes, os

últimos anos marcaram uma inflexão, pois, se

na década de 1970 poucos dos que chegavam

à Região Nordeste eram de outras regiões do

país, nos anos mais recentes já são a maior

parte dos imigrantes, superando inclusive o

volume das migrações entre os estados da pró-

pria Região Nordeste.

Figura 2 – Percentual de imigrantes interregionais, 1970 a 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1970, 1991, 2000 e 2010.

1970-1980 1990-2000 2000-20101981-1991

imigrantes interregionais

100%

90%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

10%

20%

0%

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Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino

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Embora o Nordeste ainda apresente sal-

dos migratórios negativos nas trocas com as

UFs de outras regiões do país e ainda seja a

região brasileira menos urbanizada, novas di-

nâmicas migratórias e urbanas parecem surgir.

Com uma população mais urbana, mesmo em

municípios de menor porte, novas possibili-

dades de atração e, principalmente, retenção

da população potencialmente surgem. Não

estamos aqui nos referindo apenas aos polos

de desenvolvimento mais evidentes como Pe-

trolina/Jauzeiro ou Caruaru, entre outros; mas

principalmente dos pequenos e médios muni-

cípios, agora mais urbanizados e que, com um

conjunto de políticas sociais não específicas

para o enfrentamento da estiagem (Araujo,

2012), aparentemente sentiram mais efeitos

positivos do que as políticas de combate às se-

cas de outrora.

Com esse breve percurso da relação en-

tre migrações e urbanização no Nordeste, po-

demos concluir que, a despeito da pouca aten-

ção dada à relação urbanização e ambiente

nessa região, a sustentabilidade urbana nesse

contexto se torna um elemento central a ser

melhor analisado. Enquanto se fala em grandes

projetos de reuso de água, fontes de energia

limpa, redução de emissões de gases de efeito

estufa, temos cerca de 39 milhões de pessoas

vivendo em áreas urbanas de uma região que,

se não por completo (como veremos no item a

seguir), ainda carecem de políticas públicas de

acesso a saneamento básico e precisam enfren-

tar estiagens regulares com poucos recursos.

Vidas secas e urbanas

A literatura tem apontado que, diante dos

cenários de mudanças climáticas globais, im-

portantes mudanças nos fluxos migratórios

poderiam ocorrer, contribuindo para reiterar

processos e intensificar os fluxos migratórios

de regiões tradicionalmente expulsoras da po-

pulação para as grandes cidades (Bates, 2002;

Adamo, 2001; Myers, 1993; 1997; Barbieri et

al., 2010; Barbieri, 2011). Mas, embora a re-

lação entre estiagens e emigrações na Região

Nordeste do Brasil seja praticamente um con-

senso, há ainda lacunas de análise que deixam

margem para desarcordos nessa associação

(Martine, 1980; Hogan, 2005). Assim, vale a pe-

na problematizar uma leitura que não seja me-

tropolecentrada – onde se analizam os fluxos

migratórios a partir da perspectiva das regiões

metropolitanas –, mas através de uma análi-

se da dinâmica demográfica a partir de suas

regiões de origem: o Nordeste seco.

Segundo o banco de dados do Internatio-

nal Disaster Database (EM-Dat), no Brasil o de-

sastre natural com o maior número de pessoas

atingidas são as estiagens. E, embora não se

constitua como o principal desastre em termos

de vítimas fatais, é aquele que historicamente

atinge o maior número de pessoas, comprome-

tendo as atividades econômicas e a qualidade

de vida. Claro que entender e avançar sobre a

vulnerabilidade das grandes cidades é funda-

mental, afinal, as consequências econômicas e

sociais nesses contextos atingem diretamente e

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indiretamente muito mais pessoas. Mas a des-

peito do volume relativamente maior de atingi-

dos nas grandes cidades, as consequências das

secas prolongadas em municípios pequenos

podem ser devastadoras (Ojima e Marandola

Jr., 2012; Ojima e Martine, 2012).

Mas, antes de mais nada, para que uma

leitura do que poderiamos chamar de “demo-

grafia da seca” seja realizada de maneira ade-

quada é preciso fazer um recorte espacial que

vai além da mera arbitrariedade do recorte das

grandes regiões brasileiras. Como discutir uma

região tão extensa quanto o Nordeste sem se

valer de um recorte intimamente vinculado aos

aspectos ambientais, mas que também seja

político? Ojima (2012) realiza uma análise pre-

liminar do perfil demográfico nordestino con-

siderando um recorte ambiental-climático-po-

lítico utilizando a definição oficial definida pelo

governo federal dos municípios que compõem

o Semiárido nordestino.2 A partir desse recorte

seria possível distinguir os municípios nordesti-

nos entre aqueles que são atingidos diretamen-

te pelas estiagens e aqueles que enfrentam de-

safios de sustentabilidade urbana semelhantes

àqueles de outras regiões metropolitanas bra-

sileiras na região da Zona da Mata, no litoral

oriental nordestino.

A definição dos municípios que compõem

o Semiárido foi estabelecida pelo Ministério

da Integração Nacional em 2005 ampliando

a relação de municípios anterior de 1.031 pa-

ra 1.133. Abrangendo inclusive 85 municípios

da região norte de Minas Gerais.3 Os critérios

utilizados para a inclusão dos municípios nessa

listagem partiram de um conjunto de estudos

desenvolvidos no âmbito deste Ministério e –

com base em cinco propostas apresentadas –

além de incluir os municípios com precipitações

médias anuais iguais ou inferiores a 800 mm,

também passariam a ser incluídos aqueles que

apresentassem índice de aridez de até 0,504 e

risco de seca superior a 60%5 (Pereira, 2007).

A delimitação, portanto, além de contar com le-

gislação específica que confere a esses municí-

pios acesso a recursos financeiros para o com-

bate às secas, tem uma delimitação claramente

ambiental por contar com critérios técnicos e

não apenas políticos.

Para Furtado (1959), a densidade demo-

gráfica dessa região seria incompatível com

uma economia competitiva e assim seriam

necessárias políticas de incentivo que mobili-

zaram importantes contingentes populacionais

em fluxos migratórios de modo a polarizar o

desenvolvimento econômico em torno de al-

gumas localidades específicas. Mas, mesmo

assim, Ab’Saber (1999) salienta que de todas

as regiões com tais características no mundo,

o Semiárido nordestino seria uma das mais

povoa da de todas. A exploração da seca como

elemento constituinte da miséria, desigualda-

de e pobreza na Região Nordeste já foi alvo

de importantes discussões teóricas (Ab’Saber,

1999; Araújo, 1997; Castro, 2001; Furtado,

1959; 1974; 1981) e, consequentemente, pa-

rece ter sido suficiente para explicar o êxodo

maciço de contingentes da população para os

grandes centros urbanos, especialmente para

o Sudeste. Sendo, para muitos, justificativa

ainda das mazelas ambientais urbanas das

grandes metrópoles.

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Mas se na década de 1970 a taxa de

crescimento da população nordestina era re-

lativamente alta (2,6% ao ano), apesar do

saldo migratório negativo nas trocas com ou-

tras regiões do país, podemos explicar o des-

compasso entre as taxas de crescimento do

Semiárido em relação ao resto do Nordeste

pelas migrações intrarregionais que eram pre-

dominantes até a década de 1980. Hoje, ao

contrário do que ocorria há algumas décadas, o

ritmo de crescimento populacional não é mais

tão desigual do que as taxas de crescimento

dos municípios de fora do Semiárido. A Figura 3

mostra que não apenas as taxas de crescimen-

to estão em ritmo declinante, mas também que

o ritmo de crescimento tende a convergir para

valores muito próximos nas duas subáreas nos

anos futuros.

Além disso, apesar da média do cres-

cimento para toda a região do Semiárido ser

relativamente baixa no período 2000-2010

(abaixo de 1% ao ano), em alguns municípios

as taxas de crescimento da população urbana

(Figura 4) são muito elevadas, apresentando

taxas maiores do que 4% ao ano. Essa con-

centração da população em áreas urbanas tem

duas leituras importantes no que se refere aos

desafios para a sustentabilidade. A primeira

delas diz respeito ao enfrentamento das con-

dições ambientais adversas, pois em áreas ur-

banizadas há um maior potencial para oferecer

serviços como educação, saúde e saneamento

Figura 3 – Volume e taxa de crescimento da população,Nordeste (exclusive semiárido) e Semiárido entre 1970 e 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1970 a 2010.

1970 2010200019911980

Semi-árido resto do Nordeste

35

milh

ões

de h

abita

ntes

0

5

10

15

20

25

30

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básico para a população, sobretudo devido

aos ganhos de economia de escala (Martine

et al., 2008). Nesse sentido, a urbanização

da população nos municípios do Semiárido

poderia proporcionar avanços significativos

na qualidade de vida e nas possibilidades de

enfrentar os desafios da estiagem. Por outro

lado, a concentração urbana em municípios

de pequeno porte populacional traz desafios

em termos da capacidade orçamentária e de

infraestrutura, pois esses municípios apresen-

tam, em grande maioria, uma grande depen-

dência econômica de transferências de recur-

sos federais e estaduais.

Há um relativo desacordo em relação aos

motivos dessa concentração urbana nos muni-

cípios do Semiárido. Assim, apesar de um rela-

tivo consenso em torno da crise do complexo

pecuária-algodão-policultura de alimentos co-

mo um dos principais fatores explicativos para

o êxodo rural da região (Araujo, 2012; Carva-

lho; Egler, 2003), outros fatores merecem uma

análise mais detalhada. Uma parte importante

dos fluxos migratórios para áreas urbanas no

Semiárido está relacionada, por exemplo, à

migração de retorno. Migrantes que outrora

foram em busca de oportunidades econômicas

em grandes cidades, especialmente no Sudes-

te do país, têm retornado para suas regiões de

origem, embora majoritariamente com destino

em áreas urbanas.

Outro aspecto recente que ainda não

pôde ser confirmado é o impacto que as polí-

ticas de transferência de renda, iniciadas pela

criação da previdência rural e culminando no

Bolsa Família, tiveram nesse processo. Ou seja,

a dinamização de um mercado consumidor ur-

bano local, embora em pequena escala, através

dos programas de transferência de renda, tem

sido apontada como elemento importante na

manutenção de parte da população na região

(Araujo, 2012). Nesse sentido, reduz-se o ím-

peto dos fluxos migratórios de longa distância,

mas mantém-se uma tendência de uma mobili-

dade para áreas urbanas próximas.

Em paralelo, restam ainda elementos

controversos em relação ao processo de urba-

nização e o impacto ambiental, especialmen-

te sobre o conflito no uso da água, pois para

Carvalho e Egler (2003), a urbanização no Se-

miárido causaria um aumento no consumo e

demanda de água, o que agravaria a situação

de escassez. Entretanto, o principal setor con-

sumidor de água no Brasil é a agricultura (Car-

mo et al., 2007), com uma participação média

de mais de 60% de todo o consumo de água

do país. Como a participação do consumo do-

méstico é de apenas 10%, podemos supor que

a vida nas cidades, ao contrário, otimizaria o

uso de água, principalmente se considerarmos

o uso de técnicas de irrigação pouco eficazes

em uma região de elevada evapotranspiração.

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Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino

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Figura 4 – Região do Semiárido na Região Nordeste e taxa de crescimentoda população urbana entre 2000 e 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 2000 e 2010.

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Portanto, ao contrário do que encontra-

mos nas grandes cidades e regiões metropo-

litanas, a concentração de pessoas em áreas

urbanas de municípios atingidos pela seca

poderia significar uma menor vulnerabilida-

de diante dos fatores ambientais extremos.

Isso ocorre devido ao fato de que quando a

população está concentrada nas áreas urba-

nas a possibilidade de oferecer serviços pú-

blicos e otimizar o uso de recursos se torna

mais viável, tanto do ponto de vista de ações

emergenciais para o enfrentamento das secas,

como a distribuição de água potável em car-

ros-pipa, mas também para investimentos de

médio e longo prazo. O principal argumento

é que parte significativa da literatura sobre o

Semiárido associa a emigração das áreas ru-

rais apenas em direção aos grandes centros

metropolitanos e dessa maneira tratam es-

se processo como um aspecto negativo que

reproduz a pobreza e, portanto, os desafios

ambientais no local de destino.

Mas se observarmos a Figura 5, pode-

mos confirmar que há uma associação positi-

va entre o grau de urbanização e a oferta de

atendimento de domicílios com rede geral de

abastecimento de água. Tal associação é mais

evidente para o ano de 1991, quando ainda

grande parte dos municípios do Semiárido era

pouco urbanizada, e 68% dos municípios apre-

sentavam baixo grau de urbanização e baixa

proporção de domicílios com rede geral de

abastecimento de água, simultaneamente. Esse

cenário muda completamente em 2010, quan-

do a maior parte dos municípios passa a ter

predominância de pessoas vivendo em áreas

urbanas. Nesse aspecto, confirma-se a hipótese

mencionada por Martine et al (2008) de que as

transições urbanas ocorrem de maneira distinta

em cada região.

Figura 5 – Percentual da população urbana versus percentual de domicílioscom rede geral de abastecimento de água por município

do Semiárido nordestino, 1991 e 2010

Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1991 e 2010.

% domicílios com rede geral de abastecimento de água % domicílios com rede geral de abastecimento de água

% p

opul

ação

urb

ana

% p

opul

ação

urb

ana

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Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino

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A análise elaborada pelos autores se

refere ao processo global de transição urba-

na, mas pode ser considerada aqui em um

contexto social e econômico distinto, pois o

argumento central é válido: os grandes fluxos

rural-urbano para grandes cidades não devem

se repetir no Brasil do presente devido às im-

portantes mudanças tecnológicas e culturais

nos quais o modo de vida urbano se expan-

de para além das metrópoles (Monte-Mor,

2006; Hogan, Marandola Jr. e Ojima, 2010;

Baeninger, 2008).

Enfim, é impossível discutir a sustentabi-

lidade das cidades sem considerar essa parcela

significativa da população brasileira, exposta a

vulnerabilidades crônicas e que reiteradamente

compromentem todo um sistema social. Enten-

der a sustentabilidade, portanto, é entender a

vulnerabilidade e suas múltiplas dimensões

sociais (Ojima e Marandola Jr., 2012; Maran-

dola Jr. e Hogan, 2006; Marandola Jr., 2009). O

mundo urbano é inevitável, pois as tendências

históricas indicam que a população mundial

desde 2008 é predominantemente urbana e

não há previsões de uma reversão nessas ten-

dências (UNFPA, 2007). Portanto, impedir que

as pessoas continuem a migrar para as áreas

urbanas é tão improdutivo quanto inócuo. Isso

não significa dizer que não há que se ter espa-

ço e incentivo para a agricultura, especialmen-

te a de subsistência, mas trata-se aqui de evitar

abordagens que dicotomizem as ações políti-

cas em torno de uma ou outra opção.

Há uma situação de simbiose urbano-

-rural saudável e que pode se tornar mais efeti-

va se adequadamente gerenciada. Identificada

por D’Antona e VanWey (2009) em algumas

regiões amazônicas, trata-se de uma questão

central na estratégia de busca de serviços e

infraestrutura, valendo-se ainda de respostas

multifásicas como a migração de membros

do domicílio para áreas urbanas e integrando

atividades agrícolas e não-agrícolas (VanWey,

Guedes e D’Antona, 2008). Essa estratégia de

complementariedade de uma lógica urbana-

-agrícola é uma das características da urbani-

zação extensiva também explorada por Monte-

-Mor (2006) e acena para um novo aspecto

social que extrapola a tradicional dicotomia

rural-agrícola e urbano-industrial. Assim, a ur-

banização do Semiárido nordestino poderia

seguir a mesma tendência de complementari-

dade já identificada na Amazônia, mas devido

aos aspectos sociais e políticos intervenientes,

merecem uma investigação específica.

Nesse sentido, a urbanização do Se-

miárido contemporâneo não proporcionaria

movimentos migratórios nos moldes do desen-

volvimento industrial do Sudeste de outrora,

pois nem mesmo nessa região essa relação

se sustentaria diante de uma nova lógica da

produção industrial flexível (Harvey, 1992;

Baeninger, 2008). As mudanças no mercado

de trabalho, fluxos econômicos e conjuntura

de infraestrura do país trouxe consigo transfor-

mações estruturais que demandam uma adap-

tação para a realidade política e institucional

do Semiárido, pois se considerarmos o desen-

volvimento urbano tardio da região a partir da

mesma lógica de produção fordista, corremos

o risco de reproduzir equívocos na forma de

planejar (ou não planejar) essa urbanização,

mas, nesse caso, com consequências negativas

maiores ainda devido à sobreposição de dile-

mas sociais seculares, especialmente, a pobre-

za da região (Arruda, 2011).

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A cidade como espaço de adaptação

Poucas vezes pensamos na sustentabilidade

urbana como aquela que garante a manuten-

ção da qualidade de vida da população, talvez

por essa perspectiva pouco se diferenciar dos

problemas já existentes (Hogan, 1995; Ojima

e Marandola Jr., 2012). Portanto, pensar no

agravamento da intensidade e frequência da

estiagem na Região Nordeste imediatamente

nos leva a pensar no agravamento dos confli-

tos ambientais nas principais metrópoles do

Brasil decorrentes de novas ondas de migran-

tes, refugiados das secas. Assim, considerando

as mudanças significativas dos principais fluxos

migratórios, sobretudo os de origem rural-ur-

bana e de longa distância (Oliveira e Oliveira,

2011), identificadas desde a década de 1990

(Baeninger, 2000; 2008; Brito, 2009; Martine,

1994), uma nova abordagem para as políti-

cas públicas poderiam ampliar o potencial de

adaptação aos fatores ambientais nas cidades

do Semiárido.

A perspectiva de análise dos fluxos mi-

gratórios adotada por Lee (1966) coloca a ên-

fase sobre a decisão individual de migrar como

um cálculo racional ou semirracional que passa

por fatores associados ao local de origem ou

do destino. Assim, em uma situação de ausên-

cia de obstáculos intervenientes, os indivíduos

seriam livres para decidir as melhores alternati-

vas para o seu bem-estar e, consequentemente,

o equilíbrio social e econômico seria atingido

mais facilmente. Portanto, a complexidade de

análises a partir de fatores externos na decisão

individual de migrar como as características do

ambiente (locais de origem e destino), redes

sociais, adaptação, entre outros, seriam fatores

relevantes para entender a migração recente

no Semiárido.

A maior parte dos municípios do Semi-

árido apresenta saldos migratórios negativos,

mas, apesar disso, em alguns municípios o

impacto dos saldos positivos é significativo.

Assim, mesmo nas localidades com volumes

modestos, como o contingente populacional

no município de destino é pequeno, a migração

causa maior impacto. Isso nos abre pelo menos

uma questão importante no que se refere aos

fluxos migratórios e o crescimento populacio-

nal nos municípios do Semiárido: os pequenos

municípios, com maiores taxas de migração lí-

quida, possuem infraestrutura e capacidade pa-

ra absorver com bons indicadores de qualidade

de vida os migrantes?

A população que reside nesses municípios

do Semiárido nordestino e aqueles que chegam

deverão sofrer com os impactos das mudanças

climáticas proporcionados, em grande parte, pe-

lo padrão de consumo das grandes cidades do

Sudeste e Sul do país. Os efeitos do processo

de desertificação podem agravar os impactos

já injustos em termos ambientais para o que

a literatura tem chamado de justiça climática.

Segundo Acselrad et al. (2009), a distribuição

desigual da responsabilidade do consumo de

recursos naturais tende a desbalancear os riscos

ambientais entre grupos sociais. Mas a seca não

é um problema novo, pois a população já con-

vive com ela. Cabe ao poder público levar em

conta as especificidades da urbanização dessa

região para propor políticas que viabilizem a re-

dução de injustiças socioambientais.

Assim, embora o crescimento urbano não

seja em si mesmo o problema a ser enfrentado,

necessitamos um olhar atento para não deixar

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que se reproduzam formas de expansão urbana

excludentes em contextos de maior vulnerabili-

dade ambiental e social como é o caso do Se-

miárido nordestino. Ou seja, se os indicadores

sociais, sobretudo de acesso a serviços básicos

como abastecimento de água, saneamento,

educação, saúde, são melhores nas áreas ur-

banas, esse potencial positivo da urbanização

precisa estar de acordo com o potencial impac-

to dos saldos migratórios sobre a população lo-

cal, pois precisamos estar atentos à capacidade

de gestão e planejamento dos municípios.

De acordo com os dados da Pesquisa de

Informações Básicas Municipais (IBGE, 2010),

73% dos municípios do Semiárido nordestinos

não possuíam plano diretor e, desses, apenas

27% estavam em processo de elaboração em

2009. Vale destacar ainda que, dentre aque-

les municípios com taxas de migração líquida

acima de 10% no período 2000-2010 (30 mu-

nicípios), 19 deles não tinham plano diretor.

Além disso, apenas 64% dos municípios do Se-

miárido possuem Conselho Municipal de Meio

Ambiente. Enfim, o engajamento das instâncias

locais de poder são fundamentais para que

as políticas de adaptação sejam levadas a ca-

bo pelas localidades afetadas (Moser e Luers,

2008). Afinal, é extremamente necessário que

haja capacidade institucional de planejar o

crescimento e o desenvolvimento urbano nos

pequenos e médios municípios do Semiárido

para que os aspectos ambientais não sejam

novamente deixados em segundo plano e se

tornando um problema futuro.

Como já é consenso para diversos au-

tores, a busca pela sustentabilidade e a adap-

tação às mudanças ambientais não deve ser

entendida apenas pela dimensão geofísica,

pois as questões ambientais se fundamentam

sobretudo nos aspectos sociais que poderão

alterar ou proteger os modos de vida da popu-

lação (Buttel et al., 2002; Giddens, 2010; Ojima,

2009; 2011). As medidas de adaptação devem

ser, portanto, ações pró-ativas que antecipem

os desafios a serem enfrentados, pois só assim

poderão ser respeitados os interesses da justiça

socioambiental.

As cidades são os espaços privilegiados

dessas transformações, pois nelas é que pode-

remos encontrar as melhores condições para

dar acesso aos serviços sociais e de cidadania

que garantam a negociação política. Construir

cidades resilientes passará pela compreensão

das especificidades de cada contexto e, do pon-

to de vista do papel das mudanças demográfi-

cas nas cidades, é necessário entender como as

tendências da mobilidade espacial, do processo

de envelhecimento, dos arranjos domiciliares,

etc., contribuem ou não para este desafio que

só tende a se tornar mais complexo.

Enfim, o desenvolvimento deve ser sus-

tentável para todos, em quaisquer contextos

urbanos. Não podemos reiterar injustiças so-

ciais seculares sob a forma de preocupações de

desenvolvimento regional a partir das premis-

sas estigmatizadas na sociedade. Assim, enten-

der detalhadamente a dinâmica demográfica

e, sobretudo, migratória e urbana da região

do Semiárido nordestino nos permite refletir

sobre a sustentabilidade de um urbano pouco

lembrado, mas que corresponde a mais de 35

milhões de pessoas. Onde os desafios da sus-

tentabilidade passam longe do discurso hege-

mônico de economia verde para o crescimento

sustentado, mas que se não forem planejados

da maneira adequada pagarão a conta, sem ao

menos terem sido convidados a se sentar à me-

sa para o almoço.

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Notas

(*) Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto “Urbanização, condições de vida e mobilidade espacial da população no contexto dos biomas nordes nos: repensando as heterogeneidades intra-regionais” (Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES n. 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, processo: 403853/2012-5). Observatório das Migrações Nordes nas (UFRN/Fundaj).

(1) No caso brasileiro, a defi nição de área urbana é dada por lei municipal específi ca que defi ne o perímetro urbano. Os dados ofi ciais publicados pelo IBGE respeitam o critério ofi cial defi nido por cada município, sendo que toda sede de município deve ser considerada parte de uma área urbana.

(2) Portaria nº 89 do Ministério da Integração Nacional, de 16 de março de 2005.

(3) Para fi ns deste estudo, não serão considerados os municípios mineiros, pois o recorte é específi co para a Região Nordeste do país.

(4) O grau de aridez de uma região depende da quantidade de água advinda da chuva (P) e da perda máxima possível de água através da evaporação e transpiração, ou a Evapotranspiração Potencial (ETP).

(5) Apresentou defi ct hídrico diário em mais de 60% do período de 1970 a 1990.

Ricardo OjimaSociólogo e Doutor em Demografia, professor adjunto da do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal/RN, [email protected]

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Ricardo Ojima

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201354

Texto recebido em 19/ago/2012Texto aprovado em 18/out/2012

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A evolução urbana de Belém:trajetória de ambiguidadese confl itos socioambientais

The urban evolution of the city of Belém: a trajectoryof ambiguities and socio-environmental confl icts

Ana Cláudia Duarte CardosoRaul da Silva Ventura Neto

ResumoComo compreensão sobre o conceito de susten-

tabilidade urbana evolui no Brasil, as práticas de

mercado referentes ao uso e ocupação da terra e

expansão urbana introduzem em Belém situações

insustentáveis para o contexto amazônico. Até

a integração econômica e logística da região ao

restante do país, predominavam relacionamentos

entre população e território que hoje seriam con-

siderados sustentáveis. Contudo na escala metro-

politana, a falta de políticas para o atendimento

das demandas sociais geraram situações de am-

biguidade, em que ecossistemas de várzea foram

ocupados, e após décadas tornaram-se espaços de

resistência, de trabalhadores e nativos da região,

aos novos processos de expansão urbana conduzi-

dos pelo setor imobiliário, pautados pela fragmen-

tação, espraiamento e transformação das orlas dos

rios em espaços de consumo.

Palavras-chave: sustentabilidade urbana; Belém;

Amazônia; Baixadas; setor imobiliário.

AbstractWhile the understanding about the meaning of urban sustainability evolves in Brazil, market practices related to land use and occupation, as well as urban expansion, have introduced in the city of Belém unsustainable circumstances from the perspective of the Amazonian context. Before the economic and logistic integration of that region into the country, sustainable relationships between people and territory were prevailing. However, at the metropolitan scale, the lack of policies to meet social demands have generated ambiguous situations, in which fl ood plain ecosystems have been occupied, and after decades have become spaces of resistance for workers and natives, against the new urban expansion processes led by the real estate market, which are guided by fragmentation, sprawl, and transformation of river margins into consumption spaces.

Keywords: urban sustainability; Belém; Amazon; fl ood plains; real estate.

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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto

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Discussão sobre sustentabilidade: trajetória do debate sobre o meio ambiente urbano

A partir do final da década de 60, nos países

desenvolvidos, a crescente preocupação da opi-

nião pública acerca das implicações ambientais

das atividades humanas sobre o meio ambien-

te contribuiu para consolidar a discussão a res-

peito da necessidade de se incorporar elemen-

tos de sustentabilidade ao desenvolvimento

econômico. Daquele momento em diante, pas-

saram a ser confrontadas duas trajetórias dia-

metralmente opostas e naturalmente conflitan-

tes: o desenvolvimento econômico, entendido

como o uso indiscriminado de recursos naturais

e a consequente geração de resíduos; e o meio

ambiente, sob a perspectiva da existência de

recursos naturais limitados, e da capacidade de

a natureza absorver, reduzir ou tornar inofensi-

vos os resíduos gerados pelo desenvolvimento

(Hardoy et al., 2001, p. 337).

As primeiras considerações detalhadas

que evidenciam esse conflito emergiram no re-

latório Limits to Growth, publicado pelo Clube

de Roma em 1974. Esse relatório dedicou-se a

evidenciar a pressão exercida sobre os recursos

naturais decorrente do padrão de crescimento

dos países ricos, além de apresentar impor-

tantes contribuições sobre a possibilidade de

se estabelecer uma condição de estabilidade

econômica e ecológica que pudesse ser susten-

tável a longo prazo. Em grande parte, o mate-

rial apresentado pelo Clube de Roma em Limits

to Growth, em conjunto com outros trabalhos

publicados entre os anos de 1970 e 1980, fo-

ram incorporados ao relatório Our Common

Future publicado em 1987 pela Brundtland

Commission, que, apesar de não apresentar

ideias originais, consolida a necessidade de

o Estado mediar o conflito entre desenvolvi-

mento econômico e meio ambiente por meio

da formulação de políticas públicas. A partir

desse ponto, a expressão “desenvolvimento

sustentável” foi legitimada no âmbito de go-

vernos e agências internacionais, forçando-os

a partir para sua aplicação prática (Hardoy et

al., 2001, p. 343). Apesar de o relatório elabo-

rado pela Brundtland Commission em 1987 já

incluir um capítulo dedicado à sustentabilida-

de urbana, somente em 1996, na conferência

de Istambul, o tema efetivamente foi incorpo-

rado ao âmago das discussões sobre o desen-

volvimento sustentável.

Segundo Hardoy, Midlin e Satterthwaite

(2001, p. 339), é surpreendente que a te-

mática urbana tenha passado ao largo das

discussões sobre sustentabilidade por pelo

menos 20 anos, na medida em que: a) é nas

cidades que passou a se concentrar grande

parte da crescente população mundial; b) é

dentro das áreas urbanas que é consumida e

desperdiçada a maior parte dos recursos natu-

rais do mundo; c) as políticas definidas para as

áreas urbanas são de grande implicação para

o consumo de recursos naturais, na medida

em que esse consumo está diretamente rela-

cionado à forma dos seus edifícios e mesmo à

forma urbana dessas cidades. Especificamente

ao que se refere às políticas urbanas, os au-

tores argumentam que essas deveriam ter um

papel central dentro das estratégias nacionais

de sustentabilidade, destacando a escala local

(urbana) como fundamental para o sucesso do

conceito de desenvolvimento sustentável na

escala global.

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A evolução urbana de Belém

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Contudo, como mostram Ascelrad

(1999, p. 79) e Costa (1999, p. 55), tratar de

sustentabilidade urbana, ou mesmo buscar de-

finições sobre o que representa o conceito de

sustentabilidade, apresenta-se como uma ta-

refa complexa e, por vezes, contraditória. Em

parte, essa dificuldade se deve à banalização

do termo em razão de seu emprego contínuo

como mote publicitário de grandes empresas

multinacionais, ou então por agências inter-

nacionais que o incluem no bojo de interesses

particulares e que pouco tem a ver com a con-

ciliação entre preservação do meio ambiente e

objetivos de desenvolvimento; percebe-se que

outro segmento tem se concentrado em usar

o termo focando unicamente na sua dimensão

ecológica e sem se preocupar em contemplar

as necessidades humanas (Hardoy et al., 2001,

pp. 345-346). Por outro lado, a aplicação do

conceito à dimensão urbana traz consigo

conflitos teóricos de difícil conciliação. Esses

conflitos tendem a se concentrar em duas

grandes frentes: uma que envolve a trajetó-

ria da análise ambiental e da análise urbana,

que se originaram de áreas do conhecimento

diferentes, mas convergem na proposta de um

desenvolvimento urbano sustentável; e outra

mais restrita à dimensão prática, em que se

verifica um distanciamento entre formulações

teóricas e propostas de intervenção (Costa,

1999, p. 56)

Costa (1999, p. 57), ao analisar as tra-

jetórias distintas de construção de conceitos

relativos às questões urbana e ambiental,

demonstra que o fato de os estudos sobre o

urbano da década de 1970 terem se consti-

tuído de forma hermética favoreceu a subs-

tituição do debate sobre o espaço urbano no

sentido amplo, pela discussão sobre aspectos

relacionadas ao mesmo – habitação, sanea-

mento básico, controle do uso da terra, trans-

porte coletivo, etc., pulverizando a discussão

sobre o urbano a partir da década 1980. Além

disso, a condição urbana tornou-se um ele-

mento difusor de novos movimentos sociais

que passaram a reivindicar acesso aos meios

de consumo coletivos, em que a dimensão

ambiental também estava incluída, ainda que

de uma forma mais técnica.

Avançando nessas obse r vações ,

Steinberger (2001) aponta a distinção existen-

te entre as pesquisas que buscam uma defini-

ção mais precisa de sustentabilidade urbana,

com algumas partindo das manifestações de

insustentabilidade da cidade e buscando es-

tratégias para torná-la sustentável, enquanto

outras defendem a sustentabilidade da cidade

de per se, observando o lado positivo da aglo-

meração para a otimização do uso de recursos.

Não existiria dessa forma o “ser sustentável”,

mas sim o “estar sustentável” (Steinberger,

2001, p. 10), o que se coaduna com o defini-

do nas instâncias internacionais e apontado

por Costa (1999, p. 62). Nesse caso, a alter-

nativa apontada por Steinberger (2001, p. 10)

é compreender que a expressão “desenvolvi-

mento urbano sustentável” é composta por

três elementos-chave: desenvolvimento como

objetivo macro, finalístico e permanente; sus-

tentável como objetivo meio, adjetivo de um

estado temporário; e espaço urbano (conteúdo

e continente do meio ambiente) como objeto

de gestão. A ideia do espaço urbano, como

objeto de gestão para viabilizar a sustentabili-

dade ambiental, tem suscitado discussões que

envolvem questões mais específicas à prática

de gerir a cidade, incidindo em alguns casos

sobre sua forma urbana.

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Acselrad (1999, p. 79) organiza analiti-

camente o discurso da “sustentabilidade urba-

na” em três matrizes discursivas. Numa primei-

ra perspectiva, teríamos o grupo que defende

uma representação tecno-material da cidade,

em que a eficiência energética dos processos

passa a ser o princípio norteador da gestão ur-

bana. Nessa caso, a cidade é entendida como

um sistema termodinâmico aberto, em que a

ideia básica para viabilizar a sustentabilidade

é a de que, para uma mesma oferta de ser-

viços, haja uma minimização do consumo de

energia fóssil e de outros recursos materiais,

explorando o máximo os fluxos locais e satis-

fazendo critérios de conservação de estoque

e de redução de volume de rejeitos (Acselrad,

1999, p. 82). Contudo, a analogia a um sistema

termodinâmico aberto serve também para as-

sociar o espaço urbano como um locus privile-

giado de uma produção crescente de entropia,

o que eminentemente levaria a um quadro de

insustentabilidade que só poderia ser revertido

por ações de planejamento urbano, pautando-

-se em estratégias ou tecnologias poupadoras

de espaço, matéria e energia, e voltados para a

reciclagem de material.

Uma segunda matriz técnica que o au-

tor define é pautada na ideia da cidade co-

mo espaço da “Qualidade de Vida”, na qual

planejamento urbano busca intervir na mi-

croescala da cidade e na sua forma urbana,

articulando algumas estratégias específicas,

tais como: a) componentes mercantis da exis-

tência cotidiana e cidadã da população urba-

na, pensado por razões de qualidade de vida.

Nesse caso, existiria uma imposição mais ra-

dical das ideias de planejamento e gestão da

cidade, quando questionam-se algumas ba-

ses técnicas do urbano, visto como algo que

“crescentemente impregnaria os habitantes

das cidades com substâncias nocivas e tóxi-

cas por sua artificialidade” (Acselrad, 1999,

p. 84) e cujo resultado seriam inevitavelmen-

te implicações sanitárias (emissões líquidas e

gasosas) resultantes de uma sociedade fun-

damentada no consumo desenfreado de mer-

cadorias, especialmente veículo automotores;

b) políticas de preservação do patrimônio, co-

mo forma de fortalecimento do sentimento de

pertencimento dos habitantes a suas cidades,

mas também como estratégia de promoção

de uma imagem que marque a cidade como

forma de atrair capitais na competição glo-

bal; c) políticas que viabilizem arranjos entre

a ideia de eficiência energética e qualidade

de vida, pautando-se em diretrizes nas quais

a forma urbana é um fator determinante para

a sustentabilidade, persegue-se nesse caso a

noção de cidade compacta nos moldes de ci-

dades tradicionais europeias, em que a alta

densidade e o uso misto tendem a apresentar

elevado desempenho energético por reduzir

as distâncias dos trajetos.

Por último, haveria uma matriz da sus-

tentabilidade urbana que enxergaria a cidade

como espaço de legitimação das políticas ur-

banas; nesse caso inclui-se prioritariamente

na discussão uma dimensão política inerente à

cidade, e essa passa a orientar as estratégias

de planejamento voltadas para sustentabilida-

de urbana. Nesse caso, entende-se a insusten-

tabilidade como resultado de uma incapacida-

de das políticas urbanas adaptarem a oferta

de serviços urbanos à quantidade e qualidade

das demandas sociais, resultando no que o

autor classifica como uma queda de produti-

vidade política dos investimentos urbanos. O

papel do planejamento nesse caso, seria o de

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A evolução urbana de Belém

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viabilizar mecanismos distributivos de acesso

aos serviços urbanos disponíveis na cidade.

Complementarmente, Hardoy, Midlin e

Satterthwaite (2001, p. 371) entendem que

uma governança local pautada por diretrizes

de sustentabilidade deva conciliar desenvol-

vimento com preservação do meio ambiente,

articulando o atendimento de demandas dos

habitantes de uma dada cidade com padrões

de consumo de seus habitantes e a produção

das empresas locais geridos para causar o

menor impacto possível para o meio ambien-

te, seja no entorno da cidade seja para outros

ecossistemas que estariam para além da escala

local. Dessa forma, estaria incorporada a noção

de que cada cidade também gera impactos nas

escalas regional e global.

Em se tratando das cidades brasileiras,

Steinberger (2001, p. 11) cita a constituição de

1988 como marco da inserção de questões re-

lacionadas ao meio ambiente urbano, incluídas

principalmente na matriz discursiva que enxer-

ga o espaço como legitimação das políticas

urbanas apontadas por Acselrad (1999). Trata-

-se da inserção no texto da Constituição de

Normativas que contemplavam a função social

da propriedade, entre os princípios gerais da

ordem econômica, junto com a possibilidade

instituída de qualquer cidadão fiscalizar bens

ambientais, históricos e culturais. Em ambos os

casos, as diretrizes poderiam fortalecer estra-

tégias de planejamento e desenho urbano que

buscassem a sustentabilidade urbana, especial-

mente no combate à especulação imobiliária

nas áreas centrais, mas também no controle do

uso da terra.

Contudo, 25 anos após a promulgação

da Constituição de 88, e quase 11 anos da

aprovação do Estatuto da Cidade, constata-se a

ineficiência de políticas que, a partir da tentati-

va de controlar o uso da terra urbana, poderiam

viabilizar um ganho de desempenho no quadro

de sustentabilidade urbana em nossas cidades.

Como mostra Villaça (2011), em grande parte

os planos diretores municipais não conseguem

dar conta de questões que vão além das leis

de zoneamento, fortemente influenciadas pelos

interesses do setor imobiliário. Maricato (2011)

por sua vez, atribui o fracasso generalizado das

tentativas de controle do uso da terra urbana a

uma questão estrutural de formação da socie-

dade brasileira, que nos dias de hoje converteu

a terra urbana em um nó que, caso não seja so-

lucionado a tempo, tende a agravar rapidamen-

te o processo de insustentabilidade urbana em

nossas cidades, tornando-as cada vez mais ci-

dades inviáveis (Maricato, 2011, pp. 185-191).

A segunda parte desse texto apresenta uma

leitura da trajetória de Belém, uma grande ci-

dade localizada na Amazônia, e das ambigui-

dades e indefinições associadas à leitura de

suas perspectivas de sustentabilidade.

A Belém Amazônica

A inserção de Belém no contexto amazôni-

co está associada a séculos de história e a

circunstâncias socioeconômicas, territoriais

e culturais, que merecem ser brevemente

recupe radas como pano de fundo para a dis-

cussão de processos e transformações ora

em curso na Região Metropolitana de Belém.

O papel da natureza na ocupação do territó-

rio amazônico foi marcante. Os grandes rios

desempenharam papel logístico importante,

tanto para mobilidade de pessoas quanto de

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mercadorias. A região historicamente foi con-

siderada como de difícil ocupação, devido à

barreira que o rio e a floresta constituíam à

aglomeração urbana (Corrêa, 1987).

A distribuição de núcleos urbanos adota-

da no período colonial seguia a acessibilidade

dos grandes rios, priorizando a defesa e con-

quista do território, ainda disputado por por-

tugueses e espanhóis. Belém foi fundada na

entrada da bacia Amazônica, o que por séculos

lhe garantiu o controle do litoral e do acesso

aos grandes rios continentais. Desde o século

XVII, a economia da região baseou-se na explo-

ração de produtos através de ciclos extrativis-

tas (temperos, artigos alimentícios) que cons-

tituíram uma rede de pequenas localidades de

apoio à armazenagem dos produtos escoados

pelo porto de Belém. Tais características forma-

ram uma rede dendrítica, com várias pequenas

cidades portuárias distribuídas nas margens

dos rios, que dispunham de conexão direta com

a metrópole Belém (Corrêa, 1987).

A administração pombalina do século

XVIII e a criação da Companhia Geral de Co-

mércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755,

deslancharam uma segunda fase na estrutura-

ção desse território, com o objetivo de integrar

a região aos novos paradigmas comerciais in-

ternacionais, e de fazer a transição do capita-

lismo mercantil para o capitalismo industrial

(Vicentini, 2004). Essa fase de dinamismo ge-

rou a diferenciação de funções urbanas, segui-

da pela ampliação de funções comerciais e de

serviços, que confirmaram Belém como capital

econômica da região e ponto de controle do

comércio e do monopólio dessa Companhia na

região (Corrêa, 1987). Essa condição garantiu

a Belém melhorias na sua infraestrutura física,

expansão de sua malha viária e início de uma

prática de macrodrenagem de áreas de várzea

que serviu de exemplo para os séculos seguin-

tes, em uma racionalidade do domínio humano

sobre a natureza (Trindade Jr.,1997).

Na escala regional, a viabilidade de pro-

visão de serviços e infraestrutura em uma capi-

tal dependia de sua capacidade de aglutinar e

aglomerar, além de sua importância econômi-

ca. A exuberância da natureza tornava impen-

sável a ideia de pressão sobre o meio físico e

sistemas ecológicos, e a drenagem de várzeas

para incorporação de áreas outrora alagadas

ao traçado da cidade, no século XVIII, expres-

sava a vitória econômica e técnica do homem

sobre a natureza amazônica (Cruz, 1973). A

primeira área drenada em Belém, o alagado

do Piri, deu lugar à praça D. Pedro II, espaço

monumental em frente aos palácios dedicados

ao poder político, que nasceu articulada com

outras áreas abertas.1 Tal operação permitiu a

articula ção entre as duas freguesias em forma-

ção da Cidade e da Campina.

Nas aglomerações menores, nas comuni-

dades menos importantes política e economi-

camente, houve uma miscigenação entre índios

e portugueses que gerou a cultura ribeirinha

extrativista e contava com sua produção pau-

tada pelo paradigma da abundância, uma vez

que sua mão de obra era familiar e negava o

sentido na acumulação baseada na explora-

ção exaustiva dos recursos humanos e naturais

disponíveis. O ribeirinho não podia sacrificar a

própria família para ampliar a produção, nem

pensava em ampliar a exploração da natureza

além do necessário para sua vivência e susten-

to no território (Costa, 2009).

A relação com a natureza assegura para

as cidades e vilas ribeirinhas da região o que

Jacobs (2001) classifica como “estoque inicial

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A evolução urbana de Belém

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de energia” (bônus da água, terra, madeira e

alimento fartos), elemento primordial para o

surgimento de uma nucleação urbana em um

determinado ponto do espaço. Esse estoque

inicial é o que permite, segundo a autora, que

se estabeleçam as primeiras trocas entre co-

munidades ou núcleos urbanos vizinhos, e in-

fluenciaria também a configuração dessas co-

munidades. Construir palafitas de madeira em

pequenas comunidades de famílias que viviam

da pesca e da extração de produtos da floresta,

e usavam a água dos rios para abastecimen-

to, transporte, etc., foi estratégia exitosa para

ocupa ção das várzeas e estabelecimento de

vilas e comunidades ribeirinhas (Wagley, 1957).

Por outro lado, ao final do século XVIII,

cidade e vilas ribeirinhas tinham a importância

proporcional à largura dos rios onde as mes-

mas se localizavam, crescendo segundo um pa-

drão monocêntrico, organizadas ao longo das

margens dos rios, com limitada penetração no

território. A feira era o principal equipamento

urbano, localizado na margem do rio, e extra-

polava sua condição técnica, atuando também

como espaço articulador dos ribeirinhos da

área de influência do núcleo urbano em ques-

tão. Ainda hoje a matriz, a rua comercial, o tra-

piche e a feira em frente ao rio marcam a pai-

sagem urbana tradicional da região (Cardoso e

Lima, 2006).

Ao fim da Companhia Geral de Comércio

do Grão Pará e Maranhão houve um período

de estagnação econômica que só foi superado

com a instalação do ciclo da borracha (Corrêa,

1987). Houve a divisão do estado do Grão Pará

e Maranhão, em Pará, com capital em Belém,

e Amazonas, e criação de uma nova capital,

Manaus. A economia da borracha gerou novos

povoamentos e concentrou excedentes nas

capitais, resultantes de um complexo sistema

de crédito, o sistema de aviamento, através do

qual o Barão da Borracha viabilizava moradia,

alimento e transporte da produção do serin-

gueiro, que produzia o látex na floresta, para

a cidade.

Se, por um lado, o Aviamento pode ser

entendido como um sistema econômico pró-

prio da região, redesenhado a partir do con-

tato da sociedade amazônica com um sistema

altamente monetizado, como o capitalismo

industrial europeu, por outro, desempenhava

o papel de elemento sustentador e articulador

de toda a estrutura social da região, servindo

como elo entre duas extremidades representa-

das pelo “macro-núcleo” urbano e o “micro-

-núcleo extrativista” (Santos, 1980). Entre-

tanto, era um dos mais severos mecanismo

de concentração de riqueza a médio prazo já

vivenciados no país, ao possibilitar a drena-

gem da riqueza produzida no interior para as

duas principais capitais da região amazônica, à

época Belém e Manaus (Santos, 1980, p. 155).

Do ponto de vista ambiental, o sistema não

impactava a floresta, mesmo sendo extrema-

mente perverso do ponto de vista social, devi-

do à forte hegemonia das oligarquias regionais

(Sartre e Taravella, 2009).

Por outro lado, as capitais da região, e

especialmente Belém, receberam um forte re-

direcionamento de excedentes do circuito pro-

dutivo pelas elites econômicas da exploração

gomífera para a aquisição de imóveis urbanos,

o que, ao coincidir com os desdobramentos da

aplicação da Lei de Terras de 1850 na cidade,

viabilizou as primeiras formas de produção

rentista na cidade e a configuração do circuito

imobiliário local. Em grande parte, esse movi-

mento se fortalece pela necessidade de lastrear

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os empréstimos do Sistema de Aviamento em

ativos fixos, principalmente imóveis e navios

(Weinstein, 1993).

A constituição de um patrimônio imobi-

liário na cidade servia de lastro para as ope-

rações financeiras que viabilizavam o sistema

de aviamento que, somados à diligência do

governo local e aos desdobramentos da apli-

cação da Lei de Terras de 1850 na cidade, per-

mitiram a configuração do circuito imobiliário

local (Ventura Neto, 2012). Paralelamente a

esse processo, era praticada uma política de

concessões de serviços públicos de infraestru-

tura urbana para grupos da iniciativa privada,

ligados politicamente à intendência municipal,

e em parceria com sócios estrangeiros (Sarges,

2004), viabilizando a implantação de um plano

de alinhamento pensado para a Primeira Légua

patrimonial2 de Belém que permitiu a estrutu-

ração global da primeira légua patrimonial da

cidade (Ventura Neto, 2012). Se, por um lado,

essa sistemática atendia interesses específicos

da elite urbana de Belém, beneficiária do Siste-

ma de Aviamento, por outro permitiu que uma

quadrícula de ruas (Figura 1) fosse implantada

por toda a porção de terra firme da cidade que,

mesmo tendo sido ocupada completamente só

em 1960, favoreceu a distribuição de usos e

tipologias segundo a hierarquia viária, e a for-

mação de grandes quintais nos miolos de qua-

dra, a arborização de ruas, a criação de praças

e parques urbanos, sob inspiração do plano de

expansão de Barcelona (Duarte, 1997).

Nessa expansão, as áreas alagadas da

cidade, típicas várzeas amazônicas, que para

serem ocupadas requeriam grande volume de

recursos para macrodrenagens, foram evitadas

por décadas. Em função disso, outros grupos da

elite urbana local, que eram proprietárias de

grande parte dessas áreas desde o século XVIII

(Mourão, 1987), arrendam parte dessas terras

para a produção agropastoril por meio de pe-

quenas propriedades conhecidas localmente

como “vacarias”; nelas produziam-se leite, hor-

taliças, mas ocorria a criação de pequenos ani-

mais para abastecimento da população. Na es-

cala regional, o abastecimento da capital com

gêneros alimentícios de primeira necessidade

era garantido pelos municípios localizados ao

longo da estrada de Ferro Belém-Bragança

(EFB), que ligava a capital ao litoral entre os

anos de 1908 até 1957 (Andrade, 2010). Pro-

dutos manufaturados também passaram a ser

produzidos localmente, num processo de subs-

tituição de importações iniciado após a quebra

da economia gomífera em 1912, devido ao

isolamento da região e inviabilizado a partir da

integração rodoviária do país (Santos, 1980).

Nesse período, entre o declínio da bor-

racha e os anos 1960, a cidade de Belém te-

ve seu crescimento populacional estagnado,

e outras cidades ribeirinhas apoiaram-se em

ciclos próprios, como o da juta em Santarém,

ou o do caucho e da castanha-do-pará em Ma-

rabá. Contudo, apesar da crise econômica da

região, Belém manteve sua proeminência na

rede urbana da região, ainda em função da sua

posição estratégica de último ponto de conta-

to entre os produtos extraídos da floresta e o

mercado externo, mas também em função da

estrutura portuária construído no período de

auge da exploração gomífera. Além disso, a

cidade permanecia como o locus preferencial

da elite regional em função da infraestrutura

urbana e de serviços especializados (bancos,

teatros, cinemas, energia elétrica, transporte

urbano, etc.), também heranças deixadas pelo

ciclo econômico anterior.

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A evolução urbana de Belém

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013 63

Figura 1 – Plano de alinhamento executado na Primeira Légua patrimonialda cidade, contornando áreas baixas e alagáveis

Fonte: Muniz (1904).

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Pode-se dizer que até a década de 1950,

quando ocorreram as alterações nas estruturas

produtivas e mercantis da periferia nacional

(Cano, 2008), Belém estava mais próxima das

práticas associadas atualmente à sustentabili-

dade urbana, tanto pela sua relação com a re-

gião, quanto pela forma urbana resultante do

processo descrito. As considerações de Rees e

Wackernagel (1996) sobre sustentabilidade

preconizam que uma sociedade só se torna efe-

tivamente sustentável ao adotar a diretriz de

que cada geração deveria herdar uma quanti-

dade adequada de acessos a recursos naturais

per capita, nunca inferior ao que foi deixada

por gerações anteriores. Nesse aspecto, o uso

do rio como modal principal para o transpor-

te, tanto de mercadorias quanto da popula-

ção, ao mesmo tempo que viabilizava uma via

penetração natural ao território amazônico, de-

terminava que as distâncias entre as comunida-

des obedecessem à dinâmica de deslocamento

a remo do ribeirinho pelos rios da região, o que

contribuiu para a formação de muitos peque-

nos núcleos (vilas e comunidades) separados

pela distância determinada pela exaustão física

do ribeirinho e de sua família durante a luz do

dia. As centenas de comunidades existentes ao

longo dos rios Tocantins e Tapajós ainda teste-

munham essa formação (Pinho, 2012; UFPA/

FUNPEA/ELN, 2006).

Vilas e cidades tinham sua configuração

definida ao longo do rio, com as atividades co-

merciais, produtivas, simbólicas e institucionais

localizadas e penetração restrita no continente

a poucas ruas habitacionais (Figura 2) (Cardoso

e Lima, 2006).

Figura 2 – Imagens de cidades ribeirinhas tradicionaisque utilizam o rio com modal principal para o transporte de pessoas e mercadorias

Fonte: foto de Luciano Thormazelli, em 2006 (reprodução autorizada).

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Na escala regional, a penetração no

território foi viabilizada com a implantação da

malha ferroviária do Estado, que introduziu

um novo paradigma e um novo referencial de

consumo de energia. A existência das “Vaca-

rias” nas baixadas, de indústrias locais e das

colônias agrícolas nos arredores de Belém,

comunham um cenário inspirador para quem

busca sustentabilidade nas cidades em tem-

pos atuais. Como defendido por Hardoy et al.

(2001, p. 365), o estímulo à produção local

para o atendimento de demandas da popula-

ção urbana, o estreitamento das relações entre

área rural e área urbana, e também a limitação

ao uso de recursos naturais disponibilizados

nas redondezas da cidade têm sido apontados

como alternativas para assegurar um desen-

volvimento urbano sustentável.

Em 2012, autoridades locais estão lon-

ge de estabelecer parâmetros máximos de

consumo de recursos aos habitantes urbanos,

ou de reduzir o desperdício de recursos natu-

rais e consequentemente as human footprints.

Essas políticas são essenciais, na medida em

que a população das áreas industrializadas tem

apresentado níveis de consumo de recursos na-

turais muito além do disponível na região em

que suas cidades estão inseridas, drenando os

recursos de países pobres e impondo seu modo

de vida e padrão de consumo a populações que

antes conviviam mais harmonicamente com o

meio ambiente, ocasionando mudanças rele-

vantes à escala global.

Contudo, tampouco o isolamento é op-

ção desejável, pois de nada adianta o equilíbrio

do balanço energético sem atendimento das

Fonte: foto DAU/UFPA, em 2006 (reprodução autorizada).

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demandas sociais. O sistema ribeirinho aten-

dia o abastecimento, transporte, moradia, mas

não tinha como obter educação e saúde; isso

não era notado enquanto as políticas sociais

não estavam estruturadas, mas na medida em

que as cidades se tornaram os únicos locais

de acesso a esses benefícios, no decorrer do

século XX, o mundo rural tornou-se progressi-

vamente lugar do atraso, e exportador da ru-

ralidade atrasada para as periferias urbanas

(Borzacchiello, 2008).

A Belém contemporânea

A integração econômica da Amazônia ao resto

do país, com foco na exploração de matéria-

-prima e produção de energia, foi pautada por

uma visão desenvolvimentista e de clara explo-

ração da natureza por processos técnico-quí-

micos, e impôs uma racionalidade concorrente

àquela que já orientava a produção de cidades

na região (Bacelar, 2000). As rodovias se im-

puseram como nova forma de relacionamento

entre cidades, na escala regional, e se constituí-

ram em eixos de expansão urbana, na escala

local, instituindo uma nova dinâmica que tende

a se distanciar do paradigma da floresta e se

aproximar da racionalidade industrial, também

associada à ocupação de terra firme (Cardoso,

2012; Homma, 1993).

A relação prioritária entre as capitais

do Norte passou, do ponto de vista político, a

ser mediada por Brasília, e do ponto de vista

econômico pelas capitais da Região Sudeste

(IPEA; IBGE; Unicamp, 2002). Os processos

de industrialização iniciados em Belém no iní-

cio do século XX e posteriormente, durante a

Segunda Guerra Mundial, se modificaram com

a integração do mercado nacional depois da

execução da malha rodoviária incluída no bojo

do Plano de Metas do governo JK. Os produtos

industrializados que entraram no mercado lo-

cal, provenientes do parque industrial do cen-

tro-sul do país, inviabilizaram a produção de

manufatureira local e o abastecimento através

das vacarias (Trindade Jr., 1997). Em paralelo,

a região assistiu à desestruturação de parte

de sua estrutura produtiva regional na época

de declínio econômico, o que contribui para

um forte processo de migração rural-urbana

da população rural (Cano, 2011), processo in-

tensificado com os projetos federais. Houve

adensamento da Primeira Légua patrimonial

de Belém, com ocupação dos miolos de quadra

por vilas de casas, e ocupação das baixadas por

assentamentos informais (Cal, 1987), que após

30 anos de aterro progressivo pela própria po-

pulação foram incorporados à cidade (Mourão,

1987) (Figura 3A).

As referências para a organização do es-

paço urbano de Belém tornaram-se cada vez

mais externas à região, fortalecendo a percep-

ção de que rios e várzeas eram obstáculos à

expansão das cidades, que requeriam grandes

volumes de recursos devido a pujança da natu-

reza na região. Os planos oficiais para a recupe-

ração das áreas de baixada da cidade (40%

da Primeira Légua patrimonial) estabeleceram,

num primeiro momento, que a viabili dade da

obra dependeria da possibilidade de essas áreas

serem incorporadas ao mercado imobiliá rio

(Sudam, 1976). Cabe destacar, que o que o Esta-

do classificava como "recuperação da baixada"

tinha uma conotação de limpeza social, eviden-

ciado no relatório produzido para subsidiar as

intervenções de macrodrenagem naquele mo-

mento; de caráter fortemente sanitarista, sem

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incorporar diretrizes de sustentabilidade urbana

para aquelas áreas (Figuras 3B e 3C).

Coincidentemente, o caso da ocupação

das áreas de várzea é muito interessante e ins-

pirador do ponto de vista da sustentabilidade.

Essa ocupação urbana pode ser encarada co-

mo uma estratégia de subsistência da popula-

ção tradicional da região na sua adaptação às

áreas urbanas. A ocupação da orla da Baía do

Guajará evoluiu de usos regionais, para o porto

da cidade, e os primeiros foram transferidos pa-

ra a orla do Guamá, onde os usos ribeirinhos tí-

picos foram acompanhados pela ocupação das

baixadas com moradias em um processo lento

de aterro e adensamento, que permitiu que

uma população pobre se estabelecesse próxi-

ma ao centro da cidade, mantivesse o contato

como rio e gradativamente integrasse seu local

de moradia à cidade, em uma combinação de

exploração do meio natural, sacrifício da saúde

das famílias, e ação política clientelista (Cardo-

so, 2007). Curiosamente o que se iniciou como

uma agressão ambiental, tornou-se efetiva so-

lução do ponto de vista social.

Concomitantemente à consolidação da

ocupação das várzeas, ocorria a produção de

conjuntos habitacionais pelo BNH muito afas-

tadas do centro, como parte da estruturação

Figura 3 – Fotografi as em diversos momentos mostrando as mudançasem uma das primeiras baixadas saneadas em Belém

3A – Tipologia tradicional das baixadas existentes nos bairros antes das obras3B – Início das obras de retifi cação do canal e construção da Avenida Visconde de Souza Franco

3C – Conclusão das obras e inauguração da Avenida Visconde de Souza Franco em 19723D – Fotografi a panorâmica do ano de 2010 evidenciando a verticalização na área

Fonte: http://fauufpa.wordpress.com/2012/05/02/doca-de-souza-franco-decada-de-1970/; Ventura Neto (2012).

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Figura 4 – Remanejamento da população de baixada na área centralpara conjunto habitacional localizado na periferia da cidade à época,

distando 9 quilômetros em relação à moradia original

Fonte: mapa feito a partir de Shapes de GIS cedidos pela Celpa e pela Cohab.

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da ocupação da segunda légua patrimonial de

Belém e do que viria a ser posteriormente a ci-

dade de Ananindeua. Naquela oportunidade a

produção de habitação para as classes popu-

lares esteve articulada ao remanejamento exi-

gido pela macrodrenagem da bacia das Armas,

realizada nos anos 1960 em área localizada

nas proximidades do porto de Belém, entre os

bairros de Reduto, Nazaré e Umarizal, deslo-

cando a população por 9 quilômetros em rela-

ção à moradia original (Figura 4). Essa ação de

drenagem não só promoveu uma intensa valo-

rização imobiliária na região (Figura 3D), que

tanto liberou terra, como saneou socialmente

a área, incorporando-a completamente para

o setor imobiliário de mercado (Ventura Neto;

Cardoso, 2011).

A ocupação das várzeas garantiu o direi-

to à cidade às populações oriundas do interior

do estado, com forte relação econômica, téc-

nica e cultural com as águas. Se resgatarmos

a discussão sobre sustentabilidade ampliada

exposta por Steinberger (2001) verificamos

que com apoio de planejamento e políticas

urbanas corretamente dirigidas seria possível

corrigir carências e estabalecer um ponto de

equilíbrio que destacasse as quatro dimensões

desse conceito mencionadas pela autora (éti-

ca, temporal, social e prática); Intervenções

que articulem aspectos de engenharia e so-

cioambientais, que se proponham resolver as

carências de saneamento e os problemas de

saúde pública, tratar cursos d’água de forma

compatível com o ecossistema de várzea, po-

dem explorar a resiliência das configurações

criadas espontaneamente, tanto do ponto de

vista do balanço energético (proximidade)

quanto da capacidade de atender as deman-

das da população (moradia, trabalho e renda,

serviços e equipamentos urbanos) (Acselrad,

1999; Hardoy et al., 2001)

Ainda que o espaço produzido informal-

mente tenha limitações e precariedades (ruas

estreitas, carência de infraestrutura, adensa-

mento excessivo), o mesmo garante aos seus

moradores efetiva mobilidade a partir de trans-

porte público, a pé ou de bicicleta; diversida-

de de usos, boa conexão com a cidade formal

e oportunidades de geração de renda, todos

aspectos positivos se considerarmos que o es-

praiamento e o consumo energético sejam fa-

tores de insustentabilidade. O fato de não ter

havido planejamento prévio foi compensado

pela natureza gradual da ocupação e das me-

lhorias realizadas, o que permitiu que sua po-

pulação original pudesse permanecer na área

(Cardoso, 2007).

Bastante diversa desse processo foi a

ocupação da segunda légua patrimonial de

Belém, que não contou com a implantação de

um plano de alinhamento a exemplo do que

aconteceu com a primeira légua, nem tampou-

co com o controle urbanístico da ocupação das

terras pelo setor público. A segunda légua de

Belém teve suas glebas ocupadas correspon-

dendo ao limite das fazendas que a compu-

nham (Ventura Neto, 2012), estruturadas pelo

percurso de um ramal da antiga estrada de

ferro que conectava a cidade à vila de Icoaraci.

Esse ramal de ferrovia foi substituído por uma

rodovia (Rod. Augusto Montenegro), que teve

a maior parte de seus lotes lindeiros reserva-

da e a construção de muitos conjuntos habita-

cio nais por trás desses lotes ou transversais à

rodovia, até os anos 1980 sob financiamento

do BNH.3 As terras lindeiras reservadas eram

constituídas por terrenos muito grandes (100

x 500 m), que tiveram ocupação iniciada a

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partir dos anos 2000 por condomínios fechados

horizontais de médio e alto padrão e grandes

estabelecimentos varejistas. No final dessa dé-

cada houve uma mudança de estratégia, com

a associação de novos equipamentos aos con-

domínios, como os grandes shopping centers,

com o intuito de constituir novas centralidades,

que resultaram na formação de uma nova fren-

te de expansão imobiliária pelo setor privado

que se autointitulou Nova Belém, e assimilação

de incorporadoras nacionais de capital aberto.

Nesse caso, a inspiração clara é a do subúrbio

norte-americano, que apesar de resultar de

uma produção formal conta com claras limita-

ções de desenho urbano, prevalecendo a frag-

mentação, o espraiamento, a completa depen-

dência do transporte individual, a segregação

socioespacial, além de existir carência de verde

e de áreas públicas.

A mais recente manifestação desse pro-

cesso foi a adoção da paisagem como um ati-

vo para a valorização dos empreendimentos.

Essa linha teve início com a discussão sobre a

abertura de “janelas para o rio” no final dos

anos 1990, que negava a ocupação ribeirinha

tradicional como legítima ou adequada pa-

ra as orlas da cidade, sob clara influência das

experiên cias inglesas (Docklands em Londres),

norte-americana (Boston e Baltimore, nos

EUA), e da escola do planejamento estratégico

de Barcelona (Ximenes, 2010).

Essa linha de ação foi apoiada por uma

série de intervenções do poder público nas

áreas de orla, de ocupação formal da cidade,

tais como a região do Forte do Castelo, ou a

área portuária que deu origem ao complexo tu-

rístico da Estação das Docas (Figura 5A), com

um caráter mais turístico, e por obras mais pon-

tuais de abertura de espaços públicos como o

projeto Ver-o-Rio. Essas ações foram seguidas

por uma onda de investimentos do setor imobi-

liário em torres de apartamento voltadas para

a baía do Guajará no bairro do Umarizal. Esse

foi o bairro que sofreu mais intensa transfor-

mação desde a realização da já citada macro-

drenagem do igarapé das Almas. A elevada

concentração de torres de alto padrão viabili-

zou a retirada de usos produtivos antigos na

orla do bairro, tais como o moinho de trigo, que

após ser demolido é substituído por quatro tor-

res de apartamentos e escritórios localizados

na margem da baía do Guajará (Ventura Neto e

Cardoso, 2012).

Um exemplo de intervenção recente do

setor público nessa linha de ação é o aterro e

criação de uma via de contorno na orla do rio

Guamá, em área anteriormente ocupada por

palafitas. Observa-se que a articulação desse

tipo de intervenção a novas ações de macro-

drenagem vem alterando significativamente o

status das áreas de orla e de antiga várzea, nos

bairros em que a ocupação informal seguiu o

plano de alinhamento original da cidade; nes-

ses casos há maior potencial de retorno do in-

vestimento imobiliário na produção de novas

tipologias, e tendência de gentrificação. Outra

subvertente da ocupação de orlas ocorre em

outras áreas da RMB, afastadas da área cen-

tral onde existem grandes extensões de terras

vegetadas. Essas iniciativas incluem condomí-

nios de redes internacionais e de grupos como

o Alphaville, que estão privatizando grandes

faixas de orla e cobertura vegetal na ilha de

Caratateua (zona rural de Belém), sob o discur-

so da qualidade ambiental. A distância desses

empreendimentos do centro metropolitano é

tão significativa que sua viabilidade dependerá

da constituição de novos subcentros, internos

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Figura 55A; 5B – Intervenções urbanas (waterfronts) realizadas pelo Governo do Estado (Estação das

Docas) e Prefeitura Municipal de Belém (Portal da Amazônia) na orla fl uvial da cidade5C; 5D – Empreendimentos de alto padrão que usam como mote publicitário

a “vista para a Baía do Guajará”5D; 5E – Empreendimentos de alto padrão localizados fora da área central que estão

privatizando trechos da orla fl uvial da área de expansão da Região Metropolitana de Belém

Fonte: http://www.estacaodasdocas.com.br/; http://www.fl ickr.com/photos/m_hermes/7567158512/; Mello (2009); Ximenes (2010); http://belem.olx.com.br/alphaville-belem-iid-132263939; http://miritigolfemarina.com.br/marina.php.

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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto

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aos empreendimentos ou em áreas de grande

centralidade metropolitana, e de arranjos mul-

timodais de acessibilidade. Destaque-se que a

combinação de orla, desenho urbano de alto

padrão, atividades de lazer e controle privado

do solo resulta em um novo relacionamento

com as águas completamente diferente daque-

le que caracterizou Belém como uma cidade

ribeirinha no passado. A Figura 5 apresenta

algumas dessas intervenções, junto com os em-

preendimentos imobiliários que vem se apro-

priando da orla fluvial da cidade.

Conclusão

Em que pese a experiência de séculos de uma

relação equilibrada com o bioma amazônico,

observamos a forte concorrência das estraté-

gias de uso e ocupação do solo impostas pelo

capital imobiliário, diante da ambiguidade da

atua ção do setor público no que se refere à im-

plementação de políticas urbanas comprometi-

das com a sustentabilidade. Ao mesmo tempo

em que Belém é apresentada como a capital

brasileira com maior extensão de assentamen-

tos precários (Marques, 2007), que em grande

medida correspondem às áreas de baixada que

foram ocupadas informalmente, e que guar-

dam uma articulação de origem com a tradi-

ção ribeirinha, tais assentamentos apresentam

grande potencial de atendimento de diretrizes

relacionadas com as diversas interpretações do

conceito de sustentabilidade urbana.

A inação do setor público nessas áreas,

justificada pelo fato de elas serem irregulares

do ponto de vista fundiário, favoreceu a disse-

minação do paradigma exógeno de ocupação

de terra firme. A expansão urbana associada

a processos de conversão de área rural não

planejados, à dependência do acesso rodoviá-

rio e da ação do setor imobiliário de mercado,

produz assentamentos pouco sustentáveis seja

pelo ponto de vista do atendimento da popula-

ção, seja pelo consumo energético necessário

decorrente da distância entre moradia e local

de trabalho, e equipamentos urbanos em geral.

A produção de habitação voltada para o per-

fil de moradores semelhante ao das baixadas

atual mente acontece nos municípios periféricos

à Região Metropolitana de Belém, determinada

pelo preço da terra, e intensa fragmentação da

configuração urbana.

A cidade pode ser solução, ou lugar on-

de os fatores positivos da aglomeração sejam

potencializados, com impacto positivo sobre a

preservação do bioma, ou podem se tornar es-

paços de conflito, reproduzindo racionalidades

econômicas importadas que usam a natureza

como slogan de propaganda e se superpõem e

agravam os conflitos já em curso há décadas

na cidade e na região. O debate sobre a ocupa-

ção das margens dos rios e a transformação

dos ecossistemas é ideologizado por relações

de poder, o que dificulta a avaliação rigorosa

de quais sejam os melhores exemplos a seguir.

Pouco se conhece a respeito da relação entre

homem e natureza praticada há séculos na

região, e identidade amazônica é difusa dian-

te da ambiguidade da sociedade e do poder

público local sobre qual trajetória abraçar. Os

consensos são estabelecidos a partir do uso de

marketing, sem considerar as demandas e ne-

cessidades dos habitantes em desvantagem.

Por outro lado, as pressões sobre o meio

físico agora tendem a ser controladas por

grupos externos à região e voltadas para o

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segmento de alta renda, e uma discussão a res-

peito das assimetrias entre recursos disponíveis

à população das diferentes áreas da cidade es-

tá por acontecer. O reordenamento das redes

de infraestrutura e a distribuição dos serviços

e equipamentos são um passivo a ser enfren-

tado, desde a época dos fluxos migratórios dos

anos 1980, decorrentes dos grandes projetos

federais, que vem sendo agravados pelas estra-

tégias do setor imobiliário e do posicionamen-

to do setor público, que não valoriza o plane-

jamento, a democratização da informação, e

a politização da discussão ambiental (para a

região e para a cidade) na Amazônia. Por fim,

o interesse genuíno pelo debate da sustentabi-

lidade ainda é algo distante.

Ana Cláudia Duarte CardosoGraduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Planejamento Urbano e doutora em Arquitetura. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arqui-tetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará e Pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale. Belém/PA, [email protected]

Raul da Silva Ventura NetoGraduado em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Arquitetura e Urbanismo, doutorando do Progra-ma de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp. Campinas/SP, [email protected]

Notas

(1) Tais como a doca do Ver-o-Peso e a Praça Frei Caetano Brandão, onde estão a Catedral Metropolitana, a igreja jesuí ca de Santo Alexandre, o atual museu de arte sacra, e o Forte do Castelo, marco de fundação da cidade.

(2) Defi ne-se como Primeira Légua patrimonial de Belém, a porção de uma légua de terras doada pela Coroa Portuguesa como fundiário patrimônio da cidade a contar do marco de fundação da cidade.

(3) Os inters cios desses conjuntos foram ocupados por assentamentos informais a par r dos anos 1990, com condições de conexão com a cidade muito piores do que as ocupações das baixadas.

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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 201374

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Texto recebido em 28/set/2012Texto aprovado em 31/out/2012

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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana.

Leitura foucaultiana dos casosde França e de Portugal

Territorial segregation, statistical knowledgeand urban governance. A Foucauldian approach

to the cases of France and Portugal

Isabel PatoMargarida Pereira

Abstract This article is the result of a refl ection on the offi cial statistics produced for a better understanding of the territorial segregation that has developed in the last decades in France and Portugal. The point of departure is the idea that the main concerns and the methods adopted in the construction of the statistical knowledge reflect the epistemological and political changes that characterize urban intervention and planning. Firstly, the concept of territorial segregation is discussed, and then, using a Foucauldian approach, the relations between statistical knowledge and the exercise of power are analyzed. Statistics are perceived as a technology of governability in the service of urban governance, focusing on segregated urban territories. This technology is deeply committed to control and public visibility as political strategies.

Keywords: territorial segregation; council states; statistics; urban governance.

ResumoO artigo resulta de uma refl exão sobre as estatís-

ticas ofi ciais produzidas para o conhecimento da

segregação territorial, desenvolvidas nas últimas

décadas em França e Portugal. Parte-se da ideia de

que as preocupações de base e as metodologias

adotadas na produção do conhecimento estatístico

traduzem as mudanças epistemológicas e políticas

que caraterizam o planeamento e a intervenção

urbana. Primeiro discute-se o conceito de segre-

gação territorial, e, em seguida, analisa-se, numa

abordagem foucaultiana, as relações entre o co-

nhecimento estatístico e o exercício de poder. As

estatísticas são olhadas como uma tecnologia de

governabilidade ao serviço da governação urbana

dirigida a territórios urbanos segregados, que se

revela empenhada no controle e visibilidade como

estratégia política.

Palavras-chave: segregação territorial; bairro so-

cial; estatística; governação urbana.

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Isabel Pato e Margarida Pereira

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Introdução

No momento em que nos países da União

Europeia se formulam as escolhas na afeta-

ção dos fundos financeiros comunitários para

2014-2020 e que as orientações da Comissão

Europeia reforçam a necessidade de direcionar

o investimento para a inclusão social e o com-

bate à pobreza (CE, 2011), ganha importância

a avaliação dos resultados da intervenção pú-

blica dirigida às famílias e aos cidadãos mais

desfavorecidos do ponto de vista econômico e,

por isso, abrangidos no plano do direito pela

proteção social em matéria de habitação.

Essa avaliação é tanto mais pertinente

quanto mais cresce o interesse dos Estados

pelas políticas territorializadas como resposta

à ineficácia dos sistemas clássicos de proteção

social das populações mais pobres, relacionada

com a retração do Estado social imposta pelas

políticas do défice (Delcourt, 2008).1

Essa reflexão parte da ideia de que as

preocupações de base e as metodologias ado-

tadas na produção do conhecimento estatístico

para a determinação do “estado de segrega-

ção” traduzem as mudanças epistemológicas

e políticas que caraterizam o planeamento e a

intervenção urbana.

Tendo como casos de estudo França e

Portugal, o artigo procura responder a duas

questões de partida. A primeira parte da pre-

missa de que a classificação estatística é uma

forma de definição do objeto a ser governa-

do, dentro de um campo próprio de poder e

política. Nesse sentido, se a designação pro-

duz a categoria (categorias de pessoas, ca-

tegorias de territórios), quais as concepções

de segregação que revelam os diagnósticos

estatísticos efetuados em cada um desses paí-

ses? A segunda prende-se com a relação entre

conhecimento estatístico, como um domínio

do conhecimento político, cuja produção é

atravessada por processos de governabilida-

de que arquitetam a governação. Nessa linha

questiona-se: o que revela a evolução do co-

nhecimento estatístico produzido em cada um

dos países sobre as formas de governação dos

territórios segregados?

O artigo está organizado em duas par-

tes. A primeira é dedicada à relevância da pro-

dução estatística na governação e às exigên-

cias que as transformações do funcionamento

do Estado (territorializado) colocam a essa

forma de conhecimento. Procura-se explicitar

em que medida as estatísticas podem reve-

lar a contemporaneidade do diagnóstico de

Foucault (2007) quando examina a evolução

do regime de governação centrado na disci-

plina, característico dos séculos XVII e XVIII,

para o regime de governação que visa a se-

gurança, centrado nas técnicas de vigilância,

de diagnóstico e de transformação dos indi-

víduos incluídos numa série: a “população”.

No essencial, trata-se, portanto, de identifi-

car no presente os “controlos reguladores”

(Foucault, 1976, in Cunha, 2009) próprios da

governação das áreas urbanas segregadas em

cada país. A segunda parte integra uma aná-

lise da evolução das formulações do conceito

de segregação, colocando a ênfase nos terri-

tórios marcados por processos de segregação

do tipo filtering down. O intuito é demonstrar

as relações entre a produção do conhecimento

estatístico e as preocupações que marcam a

agenda política em cada país.

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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana

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Por fim, interpelam-se aquelas formu-

lações e os sentidos implícitos aos resultados

da produção estatística adotados em França e

Portugal para a identificação e caraterização

dos espaços segregados. Examina-se, em con-

creto, a evolução dos indicadores considerados

e divulgados, incluindo sua referenciação es-

pacial, seguindo a hipótese de que os indica-

dores selecionados para o “retrato da segrega-

ção” servem e expressam uma racionalidade

política específica na qual ganha importância

o controlo das populações e a visibilidade da

própria intervenção.

As estatísticas como tecnologia de governabilidade

A política contemporânea confronta-se com

uma complexidade de processos, problemas e

projetos que impõem transformações no fun-

cionamento das redes e atores da intervenção

territorializada. As políticas econômicas, sociais

e de segurança elaboram-se por referência

a territórios específicos na natureza e escala

(os bairros problemáticos, as freguesias,2 as

áreas urbanas para a reconversão urbanística,

os bairros de realojamento…). A intervenção

territorializada apela à responsabilização das

entidades estatais e parceiros de trabalho na

partilha alargada de estratégias e recursos de

intervenção. É no território, no local, que os

problemas terão de ser resolvidos, e é próximo

das populações que se deve atuar, de modo

concertado, articulado e preventivo, preconi-

zando-se, assim, os princípios da subsidiarieda-

de, da transversalidade e complementaridade,

da integração e da multidimensionalidade e

da inovação (Innerarity, 2002). Dessa forma, o

aparelho de Estado orienta-se para os “servi-

ços de proximidade”, para a particularização, e

chama a sociedade civil a ser parte ativa da sua

própria governação. A consubstanciação das

políticas sociais inspiradas nessas orientações

implica uma transformação na forma de con-

dução da economia política, global e situada.

O processo de governação nas políticas

territorializadas desafia o aparelho estatal

a encontrar formas de relação entre os sub-

sistemas parciais da governação. Segundo

Innerarity (2002), para realizar esta transição

o Estado deve ser capaz de empreender, pelo

menos, três mudanças nos processos de gover-

nação: passar de uma ordem hierárquica para

uma ordem heterárquica; promover a conexão

comunicativa ao invés da autoridade direta; e

definir e implementar a intervenção a partir de

uma composição policêntrica em alternativa a

uma posição central.

A territorialização da intervenção não

significa o declínio da política central de Es-

tado, mas o fim de uma forma específica de

política que se vê substituída por outra. Os

interesses dos Estados não desaparecem nes-

se multiplicar de níveis de territorialidade, mas

sofrem uma ampla modificação. As políticas

territorializadas exigem um programa político

novo, no qual o exercício do princípio da “uni-

dade política” na governação passa a ser cen-

tral e segue fundamentalmente duas vias: uma,

fazendo uso das tecnologias de governabili-

dade que apelam à participação de múltiplos

intervenientes que se introduzem na política

local para servir formas especificamente locais

de gestão.3 É, no fundo, a expressão da lógica

heterárquia e da policentralidade que carac-

teriza a função política contemporânea num

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crescente apelo à racionalização das opções e

práticas. A outra via para o exercício do princí-

pio da “unidade política” na governação mobi-

liza a coordenação e a supervisão estatal que,

sem seguir um sentido descendente clássico,

tende a acentuar a centralização e a normali-

zação, tirando partido de processos subtis “da

técnica política” (Innerarity, 2002).

Na genealogia do estado moderno

Foucault (1995, 2007) detém-se sobre o apare-

cimento, na viragem do século XVI para o sé-

culo XVII, de uma descrição de conhecimento

requerido pelos que governam completamente

nova. O soberano deve conhecer não apenas a

lei, mas também os elementos que constituem

o estado. O conhecimento (savoir) necessário

é o conhecimento das coisas, que compreende

a “realidade do estado”, precisamente o que

na época se chamou “estatísticas” (Foucault,

2007, p. 236).

Com o surgimento do Estado Moderno,

a “população” analisada com base nas séries

estatísticas assume-se, em definitivo, como ob-

jeto político “unificador”. Porém, a partir da

década de 1970, este objeto deixa de ser exclu-

sivamente pensado como objeto de governa-

ção forjado nas séries estatísticas, para passar

a ser a base para a generalização das lógicas

atuariais de gestão próprias das companhias

de seguros e de todas as instituições que recor-

rem ao cálculo do risco.

As estatísticas assumem um papel “legis-

lativo intelectual” (Bauman, 1992, in Haggerty,

2001, p. 44), uma capacidade que “envolve o

direito de ditar as regras a que o social deverá

obedecer”, e cuja autoridade “foi legitimada

pelo reconhecimento do melhor julgamento,

de um conhecimento superior garantido pelo

próprio método da produção estatística”. Os

especialistas do “social” pretenderam modelar

o comportamento fazendo uso das normas es-

tatísticas e da intervenção, que trabalhavam ao

nível societal.

Com uma mesma linguagem (aparente-

mente) neutra e conhecimento especializado,

a estatística serve a avaliação da implemen-

tação política pondo em prática as políticas

auditáveis. A retração dos recursos dirigidos às

políticas sociais e urbanas, a generalização de

formatos rígidos de contratualização público-

-privado entre Estado e entidades e entre Es-

tado e cidadão, ou ainda a tendência para o

espartilhamento das macroinstituições estatais

em “autonomização” surgem em estreita rela-

ção com o crescente recurso à lógica atuarial.

A política auditável rege-se pela avalia-

ção mensurável dos inputs e outputs e sobres-

tima a consecução de objetivos mensuráveis

(Strathern, 2000). A produção de categorias

estatísticas não é independente das políticas

auditáveis, contribuindo as estatísticas para

sustentar a ideia, comum entre os liberais, de

que existem domínios autônomos que obede-

cem a leis e tendências próprias.

Nos dois países, as políticas auditáveis

tendem a atravessar todos os domínios da in-

tervenção pública, desde a ação social, ao en-

sino, passando pela saúde, segurança e outros

domínios que extravasam o estritamente eco-

nômico que esteve na sua gênese. São a base

para a negociação de meios, incluindo os sim-

bólicos. A partir delas se constróem os rankings

de escolas, se negociam e alocam meios, se

promovem patentes, se sustenta a continuida-

de do financiamento de projetos.

Como defende Foucault (2007) a propó-

sito das instituições, dos procedimentos, das

análises e reflexões, dos cálculos e táticas que

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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana

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permitem exercer formas complexas de po-

der, os procedimentos que suportam a produ-

ção e divulgação do conhecimento estatístico

(sistemas teóricos, aparelho administrativo que

realiza a coleta, meios de divulgação…) são

parte do conjunto de tecnologias de governa-

mentalidade que traduzem um regime especí-

fico de governação (Foucault, 1995, 2007). A

estatística apoia a generalização da lógica au-

ditável, base dos sistemas desenhados para a

supervisão e o controlo.

Antes de analisarmos o papel desem-

penhado pelas estatísticas no plano da racio-

nalidade política e das práticas contemporâ-

neas da governação liberal (Haggerty, 2001;

Durão, 2008b), designadamente na unifica-

ção do poder e do Estado (territorializado),

impõe-se uma análise das relações entre as

concetualizações académicas e políticas do

conceito de segregação.

Mensuração da segregação territorial: da questão acadêmica à questão política

Na acepção geográfica, o conceito de segrega-

ção é acompanhado pelos adjetivos “espacial”

ou “urbana”. A segregação é um processo e

estado de separação de grupos sociais distin-

tos que se manifesta na constituição de áreas

de fraca diversidade social, separadas por limi-

tes claros entre cada área e as que a envolvem

(Ascher, 1998). Como um estado da condição

urbana ou como processo, a segregação tem

sido sobretudo olhada como resultado das de-

sigualdades sociais prévias, considerando-se

que uma sociedade é tanto mais inigualitária

quanto mais marcadas são as fronteiras espa-

ciais que separam os diferentes grupos que a

constituem (Harvey, 1996). A relativa homo-

geneidade da composição social interna a ca-

da área, e distinta das áreas envolventes, leva

a que muitas vezes o conceito de segregação

seja adjetivado de social, projetando os efeitos

da segregação e subestimando os processos

que estão na base da organização espacial

que a gera.

A evolução do sentido dado ao conceito

de segregação não pode ser desligada da dou-

trina e da prática urbanística (Caldeira, 2000;

Bauman, 2005). Assim se explica que no pós-

-guerra dominasse um corpo doutrinário empe-

nhado no provimento das técnicas industriais

e urbanísticas que sustentou o movimento

moderno, promotor de um modelo de urbaniza-

ção funcionalista do tipo zonal, enquanto hoje

a segregação seja entendida também como o

resultado de uma intervenção mais pontual li-

gada aos processos de privatização e de espe-

cialização do espaço urbano (Barata Salgueiro,

1998, 2000, 2001).

No artigo Études sur la Banlieue, escrito

em 1950, Pierre George4 demonstra que o co-

nhecimento geográfico participou ativamente

na construção do modelo de habitat do movi-

mento moderno. A geografia, como as restan-

tes ciências sociais, foi então impelida a contri-

buir para a sustentação da política voluntarista

de um Estado empenhado num modo especí-

fico de provisão de habitação caracterizada

pela normalização e pela grande volumetria

que marcaria desde então a periferia das cida-

des (Vieillard-Baron, 2001, p. 90). Em França,

os grands ensembles dos anos 1950 resultam

de uma política centralizada, fundada na ur-

gência de responder a um défice habitacional

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Isabel Pato e Margarida Pereira

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 201382

premente e abraçada pelos grandes constru-

tores que, respeitando as exigências governa-

mentais de quantidade, rapidez e economia em

matéria de construção, prefiguraram a cidade

do amanhã: a cidade fundada sobre a racio-

nalidade, a estandardização e os valores cole-

tivos. A mesma relação entre o conhecimento

científico produzido e o modelo progressista

pode ser ilustrada a partir do relatório Denvers

(1958), da responsabilidade do ministério da

construção francês, que concebeu a políti-

ca de habitação como um ramo específico da

política industrial – a construção civil – basea-

do no tríptico “industrialisation, typification,

répétitivité”.

É importante explicitar as condições nas

quais, em França, ocorreu a defesa desse mo-

delo de habitat. Para acolher a mão de obra

convidada a reconstruir o potencial econômico

das grandes infraestruturas de um país destruí-

do pela guerra, foram construídas soluções

provisórias para albergar essa mão de obra,

tanto pelo Estado como por iniciativa dos pró-

prios, incluindo-se nesses últimos os célebres

bidonvilles dos emigrantes portugueses (ver a

esse propósito Carvalheiro, 2008). França sofreu

uma verdadeira política urbana de pós-guerra,

cujos resultados urbanísticos estão hoje incor-

porados nas cidades do país. Das 17 cidades

francesas com mais de 50.000 habitantes, 15

foram fortemente atingidas pelos bombardea-

mentos, deixando dezenas de milhares de fa-

mílias desalojadas. Às necessidades de realo-

jamento colocadas pelos bombardeamentos,

acresceu um aumento da procura ligada à en-

trada de população imigrante. A aposta no alo-

jamento no período do pós-guerra explica que

entre 1953 e 1965 se tenham construído 2/3

dos grands ensembles5 (Vieillard-Baron, 2001).

A partir dos finais dos anos 1970 o mo-

vimento moderno, como referência conceitual

e base programática da (re)construção da ci-

dade, passa a ser muito contestado. A crítica

que geógrafos, arquitetos e urbanistas ende-

reçaram dirigia-se, num primeiro momento, à

normalização dos modelos de habitat, em es-

pecial à arquitetura demasiado sumária,6 por-

que resultante de empreendimentos confiados

a um só promotor e à generalizada escassez

no provimento de equipamentos. Fazia-se uso

de modelos de determinação da segregação

baseados na análise normativa e estatística e,

consequentemente, na determinação da des-

proporção entre equipamentos e quantitativos

populacionais a servir. Essa crítica começa a ter

impactos políticos, verificando-se ainda na dé-

cada de 1970 um abrandamento da construção

de habitação social no ritmo e na escala volu-

métrica (Vieillard-Baron, 2001).

A partir dos anos 1980, à crítica formula-

da ao modelo zonal acresce outra, que resulta

da análise da gestão dos bairros de habitação

a custos controlados – HLM (Habitation à Loyer

Modéré). Em França, esses estudos estão na

base do que viria a constituir-se como a políti-

ca de cidade7 que, apesar de direcionada para

a base construtiva (operações de demolição8 e

de reabilitação dos espaços públicos e de alo-

jamentos em muitos bairros), se orientou tam-

bém nessa fase para os processos de gestão.

Na mesma década, assiste-se à consoli-

da ção de um discurso político e acadêmico

orientado para a “crise das periferias”. Para

responder à “crise das periferias” surge,

em 1982, a Commission nationale pour le

développement social des quartiers (CNDSQ)

que sucedeu ao dispositivo Habitat et Vie

Social de 1977 (Tissot, 2007). Nesse país, e de

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certo modo duas décadas depois em Portugal,

a produção científica orienta-se para méto-

dos de análise mais próximos dos contextos,

procuran do aferir os efeitos dos dispositivos

paliativos entretanto criados para territórios e

populações (a política de cidade).

De certo modo, essa viragem acompa-

nhou a procura de novas formas de olhar e de

intervir sobre os bairros segregados. Num coló-

quio organizado em Bordéus pelos centros de

estudos associados à rede Perimetro (ver Pato,

2008), a geógrafa Marie-Christine Jaillet, parti-

cipante ativa desse movimento, lembra que na

maioria dos encontros de investigadores sobre

as periferias urbanas organizados em França

nos anos 1980 se constatou a impossibilidade

de sustentar o modelo centro-periferia para ex-

plicar os processos geradores e perpetuadores

das desigualdades sociais.

A centragem na periferia9 reorientou o

estudo da polis no seu conjunto. A crescente

interdependência entre espaços ativada pe-

la “compressão do espaço” (Harvey, 1989)

sustenta-se também na reestruturação e poli-

nucleação metropolitana. O território perde o

atrito (Harvey, 1989; Ascher, 1998) e o modelo

centro-periferia, o significado explicativo. Em

alternativa, a geografia seguiu duas linhas ex-

plicativas: a que se debruça sobre as dinâmicas

de transformação metropolitana e destaca os

processos de autonomização da periferia; e a

que inscreve a segregação numa lógica de rede

assente na mobilidade (Lussault, 2003, p. 831).

A geografia passa a interessar-se já não apenas

pela produção urbana, mas também pela legi-

timação dessa produção através dos processos

de apropriação.

Nos últimos anos, a tônica tem sido co-

locada na própria intervenção. Se a construção

política dos bairros sociais em Portugal e dos

bairros genericamente designados HLM ou

cités se revela diferente, possuindo França

uma formulação política muito mais elabora-

da e articulada, em ambos os países dominam

nesses espaços residenciais populações em

situações de desfavorecimento que têm jus-

tificado a continuidade de uma intervenção

pública territorializada. Entre os dispositivos

para a formulação das formas de intervenção,

as estatísticas são fundamentais para susten-

tar o processo decisório de definição dos “ter-

ritórios” alvo de medidas de discriminação po-

sitiva e montar a máquina infraestrutural que

dê corpo àquela intervenção.

A natureza distinta e os níveis de for-

mulação política e de intervenção nas áreas

urbanas segregadas nos dois países é, desde

logo, evidente na produção estatística que

envolve a caracterização dos territórios e

populações segregadas. Sem prejuízo dessa

diferenciação, em ambos os países a análise

da segregação ocorre através de uma combi-

nação de duas das três análise propostas por

Lussault (2003) para determinar o “estado de

segregação”: a seleção de indicadores que

permitam a leitura “externa” e a avaliação e

quantificação da segregação “interna”. Mas

a seleção de indicadores (das leituras interna

e externa) seguem evoluções distintas e tra-

duzem potencialidades e limitações específi-

cas inerentes à própria tecnologia estatística,

indissociáveis das formulações políticas mais

comuns em cada país.

Comecemos pelo caso francês.

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França: as estatísticas na avaliação de uma política de cidade (desenhada como) integrada

Desde o aparecimento, em 1945, do Institut

National de la Statistique et des Études

Économiques (INSEE), a ligação entre essa

entidade e os ministérios foi uma realidade,

mas só em 1991, com a criação do Ministério

da Cidade, se configura dentro do INSEE o pro-

grama “Villes”, especificamente voltado para

o estudo das áreas segregadas. Esse programa

traduziu-se no lançamento de um inquérito de

escala nacional sobre os bairros-alvo da políti-

ca de cidade. Através deste inquérito (financia-

do pelo mundo da ciência e da administração),

pretendeu dotar-se a política de cidade de

uma legitimidade assente quer em convicções

sociais quer na autoridade administrativa. O

inquérito beneficiou da experiência adquirida

ainda nos anos 1980 no âmbito de estudos

realizados nas aglomerações de Lyon, Reims e

Orléans (Tissot, 2007).

Esses estudos foram desencadeados

após o lançamento, em 1984, do programa

Développement Social des Quartiers, mas sua

gênese está ligada à iniciativa levada a cabo

pela associação ATD-quart monde que pre-

tendeu recensear a “nova pobreza”. Essa ini-

ciativa começou por incidir sobre a realização

de fóruns regulares sobre o tema, alargando-

-se posteriormente à produção estatística. De

fato, em 1991, essa associação conquista o

apoio financeiro do Estado e das regiões, assim

como da Caisse d’Allocation Familiales (CAF),

do Commissariat Général du Plan (CGP) e da

Direction Départementale de l’Équipement. São

produzidas duas monografias locais que, não

permitindo medir as desigualdades e compará-

-las com entidades idênticas (indivíduos e ter-

ritórios), impulsionaram a mudança do objeto

central em análise, através da estatística da

segregação, que passa da “pobreza” para os

“territórios da pobreza”.

A trajetória da produção estatística sobre

a segregação traduz, no caso francês, parte da

lógica política que acompanhou a reforma dos

bairros, inscrita na reforma do próprio Estado.

O militantismo “social”, ilustrado por associa-

ções como a ATD-quart monde, é abandonado,

para se encarar a produção estatística ao ser-

viço da ação pública, agora em nome da “mo-

dernização dos serviços públicos”. No quadro

dessa modernização, as delegações regionais

do INSEE visaram adaptar a produção estatís-

tica às especificidades da procura de potenciais

clientes. A reforma da administração constituiu

assim uma oportunidade para impor outras for-

mas de fazer mais “eficazes”, designadamente

para as funções de supervisão e controle da in-

tervenção polinucleada.

As preocupações em foco levaram à se-

leção de indicadores tradutores de “deficiên-

cias cumulativas” e à progressiva referenciação

espacial desses dados aos bairros do programa

Développement Social des Quartiers das aglo-

merações atrás referidas. Esta análise cons-

tituiu a base para a legitimação política da

seleção dos “bairros sensíveis”, uma vez que,

até aos anos 1990, esses territórios foram se-

lecionados em “função do conhecimento dos

parceiros locais” (Tissot, 2007, p. 120).

Nesta trajetória, a produção estatística

reforça a categoria de “bairro” como objeto

e como método de estudo, ampliando a aná-

lise quantitativa de indicadores econômicos e

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sociais caracterizadores das respectivas popula-

ções. A utilização de indicadores referenciados

ao bairro e às aglomerações (progressivamente

estandardizada para a França metropolitana),

realizada em 1996, resulta no destaque das es-

pecificidades daqueles territórios, em contraste

com os respectivos municípios e conurbações

urbanas.10 Nessa primeira fase, os indicadores

escolhidos resultam da aplicação dos dados

do recenseamento de 1990 para os bairros da

política de cidade, entretanto referenciados

nas cartas 1/25000 do Institut Géographique

National (IGN).

Essa maneira de descrever os bairros de-

senha novas formas de interpretação, de diag-

nóstico e de ação sobre o território. Os bairros

passam a ser um objeto de conhecimento para

destacar a amplitude das diferenças entre eles

e o restante território, com implicações na le-

gitimação da política de cidade, que se afirma

definitivamente como política de Estado em

1991. A análise evolutiva, destacando o perío-

do 1990 e 1999, é parte desse processo.

Já neste milênio, equaciona-se pela pri-

meira vez a possibilidade de delimitação de

novas áreas a integrar na política de cidade a

partir dos dados do INSEE. Ou seja, considera-

-se a possibilidade de rever e/ou alargar o nú-

mero de territórios abrangíveis pela política de

cidade a partir de uma análise georreferencia-

da. Mas a dificuldade de contemplar na análi-

se os bairros não referenciados como îlot11 da

política de cidade para os quais as delegações

regionais do INSEE não procederam à desagre-

gação da informação, assim como a dificuldade

de utilizar os dados de outras administrações

com capacidade de coleta, colocou entraves a

essa opção.

Técnicos ou teóricos, os obstáculos à

estandardização dos métodos de análise e se-

leção dos territórios e do tratamento da infor-

mação mantêm o conhecimento estatístico to-

talizador12 ao nível dos grandes números, que

permitem legitimar a política de cidade e de

algum modo contrapor as representações me-

diáticas demasiado presas a sintomas (como

os motins). Os números, construídos para e a

partir da arte da governação (Foucault, 2007),

acabaram por servir apenas como “ferramenta

de convicção” caraterizadora de uma “entida-

de [que se pretende] objetiva” (Tissot, 2007).

Ou seja, a produção estatística com a estan-

dardização nacional possível acabou por não

servir para a delimitação de bairros, permitida

apenas a avaliação quantitativa de uma polí-

tica concebida de maneira clássica para atuar

sobre objetos homogêneos. Nesse sentido, para

alguns, a produção estatística é também ina-

propriada para a pretendida avaliação da polí-

tica de cidade (Tissot, 2007).

No que toca aos indicadores extraídos

dos dados coletados pelos recenseamentos

gerais, esses traduzem os problemas julgados

constitutivos na descrição administrativa dos

bairros: população e povoamento, pobreza e

precaridade, habitat e mercado de alojamento,

escolaridade e formação, emprego e vida cívica

(Tissot, 2007; Vieillard-Baron, 2001). Para além

desses, o conjunto de indicadores especifica-

mente considerados para o desenvolvimento

dos “retratos de bairro” integra a percentagem

de estrangeiros. Esse indicador mostra que a

descrição estatística não foi indiferente à ênfa-

se na fratura social e à orientação política para

a implementação de medidas para a coesão

social e territorial, muito ligadas à natureza

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pretensamente problemática da “etnicização”

dos “bairros sensíveis” (Benveniste, 2005,

Vieillard-Baron, 2005; Body-Gendrot e Withol

de Wender, 2007).

O estudo desenvolvido em Lyon já consi-

derava a presença de estrangeiros como uma

“deficiência cumulativa” dos bairros. Mas

é nos dados não publicados (Fiches de profil

des quartiers de la Politique de la Ville) que se

reflete a valorização política da estrutura étni-

ca dos residentes dos bairros. Nessas a desa-

gregação dos estrangeiros é apresentada por

grandes grupos (magrebinos, europeus da UE,

europeus de fora da UE, …). Todos os indica-

dores destas Fiches são desagregados por ca-

tegorias de estrangeiros.

Em 2004, é criado o Observatoire

National des ZUS (Zones urbaines sensibles),

sob a alçada do Ministério da Cidade. O obje-

tivo foi a avaliação da evolução das desigual-

dades sociais e diferenças entre as ZUS e outras

zonas da cidade, considerando as transforma-

ções residenciais e urbanísticas, na saúde, no

sucesso escolar e mobilização de políticas públi-

cas. Esse organismo é responsável pela elabo-

ração do relatório anual da política de cidade a

apresentar à Assembleia Nacional. Desde então,

nas estatísticas publicadas surgem novos indi-

cadores ligados ao insucesso escolar e à delin-

quência juvenil, mantendo-se o desdobramento

dos indicadores por taxa de estrangeiros, com

exceção dos dados relativos ao insucesso es-

colar, para o qual se opta pela percentagem de

crianças com progenitores estrangeiros.

A inclusão desses novos indicadores

revela uma mudança de perspectiva dian-

te da raiz dos problemas, com ressonâncias

na forma de intervenção. Os problemas da

escolaridade e da delinquência anunciam o

retorno do papel central dos Conseils locaux

de sécurité, a primeira entidade com compe-

tências de atuação territorializada na política

de cidade, apelidados de Conseils locaux de

sécurité et de prévention de la délinquance

(CLSPD) desde 2002 (Pato, 2011). Os bairros

voltam a ser olhados como territórios dotados

de problemas intrínsecos geradores de sen-

timentos ansiogénicos, desta feita ligados à

juventude em desvio.

A alternância entre a designação “bairro

sensível” e “bairro em dificuldade”, que marca

a literatura e o discurso político nos anos 1990,

evidencia a tensão que contrapõe a perspecti-

va que atribui ao território as “causas dos seus

défices” e a perspetiva que coloca a tônica nas

insuficiências estruturais reveladas nos contex-

tos. Com a ênfase na delinquência juvenil e na

pequena criminalidade, legitima-se o recuo do

Estado social materializado no corte financei-

ro da ação social, fortemente baseada na ação

das associações locais, e no avanço de uma go-

vernação performativa de um regime de segu-

rança (Foucault, 2007).

Portugal: signifi cados políticos de uma mensuração (setorial) da segregação territorial

À luz da produção estatística para a leitura

da segregação desenvolvida em França, a de-

finição estatística da segregação em Portugal

apresenta especificidades ligadas a dois fatores

fundamentais: a natureza dos territórios segre-

gados e o cariz setorial que continua a dominar

ao nível do Estado central a perspetiva analíti-

ca e interventiva sobre esses territórios.

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No que respeita à realidade urbanística

dos territórios segregados, é necessário consi-

derar duas dinâmicas que têm sido estudadas,

ora em simultâneo ora individualmente, em

função de objetivos específicos dos seus im-

pulsionadores: os bairros sociais e os bairros de

habitação precária, ausentes nas publicações

oficiais divulgadas. No que refere aos bairros

sociais importa ter presente que a lógica do

rea lojamento que esteve na sua gênese dotou-

-os de características diferentes dos bairros

HLM em França, onde, apesar de tudo, desde os

anos 1970 se manteve uma maior diversidade

socio-ocupacional.13

Em Portugal, nem sempre a habitação

social se destinou aos mais pobres. A inter-

venção do Estado Novo (1926-1974) preten-

dia suprir tanto carências de habitação para

esse grupo (ainda que de forma residual), co-

mo permitir a fixação de quadros médios em

áreas específicas do país (com destaque para

as atuais metrópoles de Lisboa e Porto), e para

o povoamento de áreas rurais, através dos co-

lonatos. Os diferentes programas de promoção

de habitação social incrementados estão pro-

fundamente ligados às modificações políticas

e socioeconômicas que atravessaram a socie-

dade portuguesa no século passado. Guerra et

al. (2001) identificam quatro fases distintas na

política de habitação social em Portugal, com

lógicas e estratégias de intervenção diferentes.

Dessas fases destacamos três ocorridas depois

da “revolução” de abril de 1974 na sequência

da qual se restaura a democracia:

1) após o 25 de abril, o Estado intenta

uma mudança através da substituição dos me-

canismos de mercado por uma estatização da

ação, tanto central como local. Em ambos os

casos, pela primeira vez, integra nas iniciativas

de promoção de habitação tanto cooperativas

como associações de moradores. Neste período

implementam-se os Planos Integrados (áreas

de expansão urbana de grande dimensão e

elevada densidade que configuravam “cida-

des novas”), os empréstimos às Câmaras (que

devido a fortes constrangimentos financeiros

se revelaram mais uma medida de mudan-

ça política do que um efetivo instrumento de

promoção habitacional) e o Programa de Auto-

-Construção (que concedia vantagens fiscais às

famílias de fracos rendimentos que desejassem

construir a habitação);

2) entre os anos 1980 e o início dos anos

1990, a intervenção estatal adota uma lógica

keynesiana dirigida aos grupos mais desfavore-

cidos. Contudo, os resultados foram marcados

pela insuficiência quantitativa, com o peso re-

lativo da habitação social no parque imobiliário

português a baixar entre 1973 e 1993. A lógica

de atuação que acabou por prevalecer foi a do

incentivo à aquisição de casa própria no merca-

do privado dirigida a famílias com capacidade

de recurso ao crédito;

3) em 1993 surge o Programa Especial de

Realojamento (PER) para as Áreas Metropolita-

nas de Lisboa e do Porto, destinado a conceder

às autarquias apoio financeiro para construção

ou aquisição de habitações dirigidas ao realo-

jamento de famílias residentes em habitações

precárias (barracas), sob a forma de benefí-

cios fiscais e parafiscais e de financiamento

bonificado.14

Na base do desenho territorial e finan-

ceiro do PER esteve o recenseamento das ne-

cessidades de realojamento realizado junto dos

municípios entre 1991 e 1992. Mas a morosi-

dade na implementação do programa e a per-

petuação das estratégias de fixação em bairros

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de habitação precária das famílias mais pobres

tornou o PER desajustado às necessidades

reais em cada bairro. Esse desajustamento ge-

rou inúmeras ações de protesto e de resistência

ao desalojamento.15

A estrutura do PER colocou os municípios

no centro da ação, em contraste com a lógica

centralizadora que caraterizou a política de ha-

bitação social até então. Mas, no que mais dire-

tamente se refere à problemática em discussão,

a lógica do realojamento revelou a prevalência

de uma perspectiva setorial centrada na habi-

tação no plano da intervenção do Estado, mes-

mo quando diversos autores continuam a ques-

tionar o teor “social” da política de habitação

social (Queiroz e Gros, 2002).

Até 1995, a produção estatística para a

caracterização da habitação social seguia uma

lógica tecnocrática orientada para a inventa-

riação e o controle financeiro. Assim se explica

em parte a degradação física a que chegaram

alguns bairros propriedade do então Instituto

de Gestão e Alienação do Patrimônio Habita-

cional do Estado (IGAPHE).16 Ou seja, o nível de

degradação dalguns desses bairros, e de outros

propriedade de instituições de caráter público-

-privado, dão conta do fraco investimento polí-

tico e financeiro na habitação social.

A partir de 1995 (e na sequência do PER)

dá-se uma ampliação da estatística produzida,

que passa a integrar novos indicadores, desa-

gregados à escala do concelho e capazes de

traduzir as dinâmicas de crescimento ocorridas

no final da década de 1990 nesta matéria.17

Já na primeira década do milênio, o conjunto

de indicadores revela novas preocupações,

mais ligadas à monitorização das transações

financeiras entre o Estado, via autarquias, e

as famílias.18 Porém, ao contrário da realidade

francesa, persistem até hoje lacunas no plano

da produção estatística para a caracterização

da realidade sociourbanística aliada a essa

forma de alojamento. Essa diferença não pode

ser dissociada da delegação nos municípios da

função de formulação e priorização política de

programas integrados capazes de pôr em rela-

ção as diferentes dimensões da vida das popu-

lações.

De fato, enquanto em França, desde os

finais dos anos 1970, a política de cidade per-

siste como política de Estado para a interven-

ção territorializada em áreas de concentração

de populações desfavorecidas, em Portugal só

em 2005, com a Intervenção “Bairros Críticos”,

o Estado central assume uma política volun-

tarista expressamente dirigida à componente

sociourbanística. Essa política teve um caráter

experimental (abrangendo apenas três bairros,

dois na área metropolitana de Lisboa e um na

área metropolitana do Porto) e não foi capaz

de impulsionar uma política de Estado assumi-

damente integrada.

Porém, na sequência da Iniciativa “Bair-

ros Críticos”, em 2010, é lançado o Inquérito

à Caracterização da Habitação Social (2009,

2011) que introduz a categoria estatística de

“bairro social”. No documento metodológico

que acompanha o referido inquérito pode ler-

-se: “A presente operação estatística resulta

da colaboração entre o INE e o Instituto da

Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e tem

como principal objetivo a recolha de informa-

ção de base para a caracterização do parque

habitacional com vocação social em Portugal”.

(Inquérito à Caracterização da Habitação So-

cial, Documento Metodológico, 2010, p. 8).

Esse inquérito resulta de uma operação-piloto

de levantamento do patrimônio público com

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vocação social lançado pelo IHRU, em 2008.

É iniciado em 2010, com uma periodicidade

anual, e tem como ano de referência 2009.

Destina-se a analisar a situação da habitação

social em Portugal, por município, no que se

refere à:

– caracterização do parque de habitação

so cial que considera o número de bairros ou

núcleos habitacionais, número e idade dos

edifícios, e o número e tipologia dos fogos

existentes;

– forma de ocupação do parque de habi tação

social, descrita pelo tipo de ocupação, número

de contratos existentes e efetua dos e número de

fogos atribuídos por tipo de atribuição;

– receita e despesa do parque de habitação

social, incluída nas últimas a despesa com o

edificado, a conservação de equipamentos e de

estabelecimentos comerciais e ainda nas inter-

venções nos espaços públicos envolventes;

– reabilitação, que integra o número de fogos

reabilitados, a despesa prevista e gastos efeti-

vos, entre outros.

A incidência sobre os domínios físico e

financeiro e a periodicidade da coleta revelam

preocupações específicas com os bairros sociais

que merecem uma análise. Em primeiro lugar,

o inquérito representa a adoção de uma pers-

pectiva que extravasa o domínio do edificado

habitacional, considerando os equipamentos,

comércio e espaço público. Encontramos aqui

o eco do célebre artigo de Isabel Guerra “As

pessoas não são coisas que se ponham em

gavetas” (Guerra, 1994) que retrata o “gosto

pela casa e o desgosto pelo bairro” sentido pe-

los habitantes dos bairros sociais, assim como

das orientações para a construção de bairros

sociais avançadas por Fonseca Ferreira um ano

após a criação do PER (Fonseca Ferreira, 1994).

Em segundo lugar, o recenseamento de bairros

classificados como Área Crítica de Recupera-

ção e Reconversão Urbanística (ACRRU)19 nos

diferentes municípios expressa a incorporação

política da preocupação com a realidade urba-

nística ligada aos elementos de uso coletivo.

Um e outro permitem reunir informação poten-

cialmente sustentadora de uma priorização em

termos de intervenção.

Por outro lado, a periodicidade anual

adotada revela uma estratégia de avaliação e

monitorização adaptada às aceleradas dinâmi-

cas de transformação da oferta de habitação

social, tanto no que se refere aos alojamentos

disponibilizados pelos municípios, como aos in-

vestimentos financeiros associados ao PER.

Ao contrário da realidade francesa, esse

inquérito não permite nem a identificação no-

minal nem a referenciação espacial, quer dos

bairros sociais quer dos casos específicos das

áreas críticas de recuperação e reconversão

urbanística. Nas estatísticas oficiais, o bairro

social individualiza-se, mas é mantido como

indivíduo estatístico anônimo indexado a um

concelho. À semelhança do que se passa nas

estatísticas da criminalidade recolhidas nas

esquadras, nas estatísticas oficiais produzidas

para caracterizar o “estado de segregação” a

informação não é tratada com a finalidade de

se transformar em conhecimento local, mas an-

tes como um “produto para consumo externo e

político” (Durão, 2008b).

Ainda em relação com a espacialização,

e considerando as variáveis contempladas nos

recenseamentos gerais (em especial à popula-

ção e à habitação), a produção estatística em

Portugal permite diagnósticos sociais e eco-

nômicos referenciáveis aos bairros sociais re-

lativamente detalhados, aglutinando os dados

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sociodemográficos recolhidos à escala da sub-

seção20 estatística. Mas essa análise encerra

limitações que nos afastam das possibilidades

do caso francês, pois não existe uma exata cor-

respondência entre os indicadores desagrega-

dos à subseção e os disponibilizados ao nível

do concelho. Essa incompatibilidade analítica

compromete a quantificação da segregação

“interna” e “externa”. Em todo o caso, a in-

vestigação urbanística e social, quer acadêmi-

ca quer das instituições tutelares, não se tem

debruçado sobre as possibilidades que a infor-

mação caracterizadora dos défices estruturais

ligados ao perfil socioeconômico das popula-

ções residentes nos bairros sociais que as esta-

tísticas oficiais já hoje oferecem.

O confronto entre a realidade da pro-

dução estatística portuguesa e francesa que

sustenta a identidade estatística dos bairros

sociais, como medida específica da segrega-

ção, não ficaria completo sem uma referência

à produção estatística local, por um lado, e às

estatísticas produzidas pelo ministério respon-

sável pelas forças de segurança que integram

informação coletada ao nível local (esquadras

de polícia) e informação judicial, por outro.

Começando pelas primeiras, em Portugal es-

tas são asseguradas pelos municípios e outras

entidades coletoras, nomeadamente no âmbito

dos Diagnósticos Sociais de Freguesia21 ou de

programas específicos desenvolvidos por “con-

sórcios” de parceiros com intervenção na ação

social nos bairros.

Nesses inquéritos levados a cabo a ní-

vel local (do município e freguesias), de que

é exemplo o questionário que esteve na base

do estudo sobre os níveis de satisfação diante

do bairro desenvolvido há quase uma década

no município de Loures (Câmara Municipal de

Loures, 2004), a seleção de indicadores revela

a integração de preocupações políticas seme-

lhantes às identificadas em França, designada-

mente quando se questionam os habitantes so-

bre a conflitualidade entre grupos, os espaços

de conflito, a evolução da conflitualidade e os

grupos responsáveis. Do mesmo modo, a ques-

tão étnica surge na caracterização da popula-

ção inquirida, demonstrando sua pertinência

política de fato, mesmo quando essa é delibe-

radamente subvalorizada no discurso político.

A produção estatística mostra que a

ampliação da ação social sobre a tutela das

Comissões Locais de Freguesia ou do Alto Co-

missariado para a Imigração e Diálogo Inter-

cultural (ACIDI) não tem contribuído para uma

maior articulação da intervenção pública terri-

torializada como política de Estado. Porém, a

prevalência na estatística da perspectiva seto-

rial centrada na habitação não significa a ine-

xistência de uma intervenção local tendencial-

mente mais integrada, pois essa ocorre com

frequência à escala do município dentro da

lógica das “novas políticas sociais” sustenta-

das em parcerias locais. A natureza da produ-

ção estatística oficial significa que a avaliação

dessas formas territorializadas de intervenção

não integra as prioridades políticas das últimas

duas décadas.

Já atrás se referiu que a produção esta-

tística local também incorpora a questão étni-

ca, evitada nos grandes números das estatísti-

cas oficiais. Essa inclusão acompanha a amplia-

ção da intervenção pública e público-privada

no domínio da ação social dirigida aos bairros.

Nessa intervenção ganha centralidade, desde

2001, o ACIDI, contribuindo para a recorrente

sobreposição entre bairros sociais e bairros de

imigrantes. O peso da população com raízes na

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imigração explica esta tendência, mas as con-

sequências deste desenho institucional estão

ainda por apurar, na medida em que o papel do

ACIDI tem contribuído para adiar o debate que

urge sobre a necessidade de articular numa po-

lítica de Estado a intervenção integrada sobre

os territórios (todos) segregados.

Isso porque a intervenção do programa

Escolhas22 dirigido aos “jovens dos bairros” da

responsabilidade do ACIDI se caracteriza por

uma arbitrariedade na seleção dos territórios-

-alvo da discriminação positiva, na medida em

que o incremento de projetos de intervenção

depende da capacidade de se formar no terre-

no um consórcio para a intervenção.

Finalmente, no que toca às estatísticas

produzidas pelas forças de segurança, os re-

sultados de um estudo realizado pelo Minis-

tério da Administração Interna (2005) levou

à identificação no universo de bairros sociais

e de bairros de habitação precária dos “bair-

ros perigosos”, sem que fossem divulgados os

critérios que sustentam a definição dos bairros

inscritos na geografia do risco (Pato, 2011).

Posteriormente, um outro estudo da autoria

do mesmo Ministério (MAI, 2007) apelida os

territórios-alvo de uma atenção especial da

polícia de “bairros em risco”. Nesse estudo,

os critérios subjacentes àquela classificação

são divulgados, resultando da combinação de

um conjunto de indicadores: condicionantes

arquitetônicas dos bairros, densidade popula-

cional, número de residentes com anteceden-

tes criminais, número de casos de desordem

pública, número de agressões a elementos

policiais e número de casos de crimes prati-

cados por residentes (desses bairros) fora do

bairro. Consoan te esses valores são elevados/

preocupan tes, médios/significativos ou baixos/

raros, assim o bairro é classificado como de al-

to, médio ou baixo risco.

Esses estudos, apresentados através da

imprensa, dão conta de duas tendências que

marcam uma mudança da natureza da inter-

venção do Estado nesses territórios, tornando-

-se clara a prevalência da polícia como um dos

“parceiros” da territorialização da intervenção:

por um lado, a territorialização seletiva da ação

policial, muito mais artilhada e aparatosa nos

bairros (Durão, 2008a, 2008b; Wacquant, 2004;

Cunha, 2008; Pato, 2011); por outro, o forte

empenho da Polícia como macroinstituição

em dar visibilidade a essa intervenção, numa

lógica de mise-en-scène securitária revelado-

ra da instauração de um regime de segurança

(Foucault, 2007) já estudada por outros autores

a partir de outros quadros teóricos (Wacquant,

2004; Durão, 2008b).

Notas conclusivas

O artigo refletiu sobre as relações entre a pro-

dução estatística caraterizadora das áreas ur-

banas marcadas pela segregação territorial e a

natureza das políticas de discriminação positi-

va que caraterizam a governação urbana con-

temporânea. Enquanto em França a produção

estatística revela preocupações de avaliação da

política de cidade orientada para uma interven-

ção territorial tendencialmente mais integrada,

ao articular variáveis do domínio urbanístico

e socioeconômico, em Portugal a produção

estatística centralizada mantém o caráter se-

torial que tem marcado a intervenção públi-

ca definida a nível central. A centralidade da

habitação na problematização da questão da

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concentração da pobreza traduz a preocupação

do controle por parte do Estado do processo de

implementação do PER.

O conhecimento sobre a segregação es-

pacial sustentado na análise de um conjunto

de indicadores potencialmente reveladores

dos contrastes entre os bairros e entre esses

e os espaços envolventes (as comunas e aglo-

merações urbanas) desenvolvida no caso fran-

cês não se realiza em Portugal. Daqui decorre

que a análise estatística da intervenção em

matéria de habitação não foi suficiente para

permitir empreender uma efetiva análise ur-

banística, designadamente por descurar a re-

ferenciação espacial dos bairros segregados.

Trata-se, assim, sobretudo de empreender

um controle à distância, baseado nos grandes

números, uma vez que o tratamento da infor-

mação publicada não permite a construção de

conhecimento local.

Simultaneamente, assiste-se ao aumento

do interesse pelas estatísticas locais capazes de

apoiar o processo de decisão política como res-

posta à necessidade crescente de coordenação

e supervisão dos processos de intervenção ter-

ritorializados, mas também como forma de dar

visibilidade à intervenção municipal.

Finalmente, a introdução de indicadores

na classificação dos bairros segregados, ligados

não ao retrato estrutural da segregação, mas

às características (julgadas) intrínsecas aos

territórios em termos de composição étnica e

(in)segurança, revela uma mudança no estilo

de governação em ambos os países que segue

duas tendências: instauração paulatina de um

regime de segurança, tal como o conceitualiza

Foucault (2007), ou seja sustentador de uma a

intervenção territorial seletiva (da Polícia, da

Escola23…) mais orientada para o controle e

a repressão; e empenho na elaboração de um

conhecimento estatístico totalizador que dá vi-

sibilidade ao aparatus estatal, e que se inscreve

no jogo de transparência versus ocultação de

informação para evitar a revelação pública de

matérias sensíveis.

Essas conclusões autorizam a colocação

de novas questões quando se pretende pers-

pectivar formas de governação urbana capa-

zes de intervir sobre a redução e/ou a diluição

da segregação urbana. Uma primeira questão

prende-se com a criação de instrumentos geo-

estatísticos que possam traduzir os efetivos dé-

fices estruturais que introduzem e perpetuam

fragilidades nos territórios e populações segre-

gadas, diante de outros territórios. Em ligação

com a primeira, uma segunda questão declina

mais diretamente da relação entre a produ-

ção do conhecimento estatístico e o exercício

do poder e remete para o aprofundamento do

conhecimento sobre os efetivos modelos de

governação (da segregação) urbana à escala

local, num momento em que se coloca a ne-

cessidade de reforço da coordenação e super-

visão estatal.

Enfim, num tempo em que é indispen-

sável gerir a tensão entre a desnacionalização

dos territórios das cidades (Brenner, 2010) e

assegurar a equidade territorial (intra) urba-

na, como construir o conhecimento estatístico

para a avaliação e a intervenção pública, asse-

gurando que as estratégias de territorialização

não passem de formas específicas de controle

e repressão e/ou de ferramentas de suporte

da transferência para a sociedade civil e par-

ceiros sociais da função pública de garantia de

justiça social?

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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana

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Isabel Pato Licenciada em Geografia e Planeamento Regional; Mestre em Planeamento Regional e Urbano; Pro-fessora Doutora em Geografia Humana; Investigadora do e-Geo – Centro de Estudos em Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, [email protected]

Margarida PereiraLicenciada em Geografia; Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica em Geografia e Planeamento Regional; Professora Doutora em Geografia e Planeamento Regional, especialidade de Planeamento e Gestão do Território; Professora Associada do Departamento de Geografia e Pla-neamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Investigadora do e-Geo – Centro de Estudos em Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, [email protected]

Notas

(1) No conjunto de casos analisados na obra supracitada, são sobretudo os Estados com regimes de proteção universal menos fortes que mais territorializam a proteção social em territórios e grupos alvo (Delcourt, 2008).

(2) Limite administra vo e polí co de menor dimensão em Portugal.

(3) Ainda que as normas e normalizações postas em prá ca numa economia de poder específi ca tendam a sustentar-se nas organizações já existentes no terreno e/ou a gerar outras organizações muito próximas das primeiras.

(4) XII Cahier de la Fonda on Na onal des Sciences Poli ques que o geógrafo dirigiu (Vieillard-Baron, 2001, p. 90).

(5) Em 1948, o número de alojamentos construídos para habitação social rondava os 40.000 e em 1959 os 320.000. A duração da construção por empreendimento médio passou no mesmo período de cerca de 3.500 horas para menos de metade – cerca de 1.250 horas (Pinson, 1992, in Vieillard-Baron, 2001). O mesmo autor cita vários estudos que ques onaram a construção massiva de alojamentos diante da oferta de habitação a reabilitar e desocupada.

(6) Entre a Lei de Prorrogação das ZUP (Zones Urbaines Prioritaires), em 1959, e a lei de orientação fundiária que ins tui as ZAC (Zones d’Aménagement Concerté), em 1967, a maioria dos grandes conjuntos habitacionais resultou em construções massivas, de que é exemplo a “cité 4000” na Commune de Courneuve, urbanização que veio alojar mais de 15.000 habitantes, cuja construção se fez por processos experimentais de prefabricação pesada.

(7) A poli que de la ville (aqui designada de polí ca de cidade) não signifi ca no sen do literal uma atuação dirigida a toda a cidade. Trata-se de uma polí ca orientada para áreas específi cas da cidade: os “bairros sensíveis”, defi nidos em função de problemas de alojamento, problemas ligados ao quadro sico, socioeconômico, de emprego, de escolaridade, de saúde, de segurança pública e de equipamentos.

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(8) Desde 1988 es mam-se cerca de 5.000 alojamentos demolidos por ano, o que corresponde a uma taxa de demolições (rela vamente aos existentes) de 0,5%. A região parisiense concentra ¼ do total de demolições da França metropolitana. O Plan Na onal de Renouvellement Urbain (1999) previu a aceleração dos processos de demolição. O ministro da Cidade propõe chegar na década seguinte a valores entre os 10.000 e os 15.000. As demolições não são consideradas um “fi m em si mesmo” nem um “ato de urbanismo nega vo”, mas encaradas como a úl ma solução, quando tudo o resto já tenha sido tentado sem sucesso (Vieillard-Baron, 2001).

(9) Ainda Vieillard-Baron (2001) ques ona a per nência da associação da problemá ca dos “bairros” à periferia, alegando que, em 1994, antes da generalização dos contrats de ville da política de cidade, à parte da região parisiense, mais de metade dos bairros considerados sensíveis pertencem aos centros das cidades.

(10) Uma conurbação corresponde a uma aglomeração formada pela união de vários centros urbanos inicialmente separados por espaços rurais (INSEE, Conceitos, h p://www.insee.fr/fr/methodes/default.asp?page=defi ni ons/conurba on.htm, acessado em 24 de setembro de 2012).

(11) Unidade mínima territorial considerada na produção esta s ca em França.

(12) Foucault (1975) propõe a oposição entre conhecimento individualizador e conhecimento agregador. Seguindo essa proposta, o primeiro preocupa-se com o conhecimento público acerca do objeto e é dominantemente lido através dos comportamentos de indivíduos estatísticos como en dades discretas, enquanto o segundo corresponde às esta s cas como contraponto agrega vo necessário ao desenho das prá cas e das possibilidades da governação liberal, mas também à reiteração da visão mundana da realidade dos bairros e dos modos de intervenção sobre os bairros.

(13) Designadamente pela presença de profi ssionais de serviços benefi ciaram de formação, tais como trabalhadores do comércio, prestadores de serviços especializados da restauração, vigilantes e trabalhadores em serviços pessoais de higiene e embelezamento. Essa tendência foi também iden fi cada na análise da organização social em quatro metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre – a par r da pesquisa realizada durante quinze anos no Observatório das Metrópoles (Lago e Mammarella, 2010).

(14) O fi nanciamento estatal contemplou apoios des nados à aquisição de terrenos, infraestruturação e construção. Dez anos mais tarde, em face do evidente desajustamento entre o PER e a realidade do setor da habitação, o regime jurídico deste programa é revisto e passa a integrar também a reabilitação.

(15) Ver a este propósito o documentário Via de Acesso, de autoria de Nathalie Mansoux (2008).

(16) Organismo que juntamento com o Instituto Nacional de Habitação (INH) compõem hoje o Ins tuto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) com a tutela da habitação social.

(17) São exemplos desses indicadores o número de divisões, o número médio de divisões, a super cie habitável das divisões, o número de pavimentos, entre outros. Para esses indicadores, passam a considerar-se os valores para os fogos licenciados e fogos concluídos.

(18) Destacam-se os seguintes indicadores: número de contratos de compra e venda, montante financeiro envolvidos nestes contratos, valor médio dos prédios hipotecados, entre outros, todos desagregados por concelho.

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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana

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(19) As Áreas Crí cas de Recuperação e Reconversão Urbanís ca (ACRRU) são defi nidas como áreas do parque de habitação social “em que a falta ou insufi ciência de infraestruturas urbanís cas, de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes, ou as defi ciências dos edi cios existentes, no que se refere a condições de solidez, segurança ou salubridade, a njam uma gravidade tal, que só a intervenção da Administração, através de providências expeditas, permita obviar, efi cazmente, aos inconvenientes e perigos inerentes às mencionadas situações.” (Inquérito à Caracterização da Habitação Social, Documento Metodológico, 2010, p. 8).

(20) Unidade mínima espacial nas estatísticas portuguesas, usualmente coincidente com um quarteirão urbano.

(21) Os Diagnósticos Locais de Freguesia são a base para a intervenção das Comissões Locais de Freguesia, criadas em 2007. São compostas por um conjunto de en dades empenhadas na ação social local que se comprometem dentro do quadro da Lei a trabalhar em Parceria. A criação das Comissões Locais de Freguesia enquadra-se na tendência das novas políticas sociais de envolvimento da sociedade civil nos processos de governação passíveis de subsidiariedade.

(22) Programa de âmbito nacional de incidência territorial, tutelado pela Presidência do Conselho de Ministros, e fundido no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) que visa promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconômicos mais vulneráveis, par cularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, tendo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social (h p://www.programaescolhas.pt/apresentacao).

(23) Concre zada nos Territórios Educa vos de Intervenção Prioritária.

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Texto recebido em 26/set/2012Texto aprovado em 5/nov/2012

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013

Luces y sombras sobre el territorio. Refl exiones en torno a los planteamientos

de la OPS/OMS en América Latina*

Lights and shadows on the territory. Refl ectionson the planning performed by the PAHO/WHO in Latin America

Magdalena ChiaraAna Ariovich

ResumenLa incidencia de las variables socio ambientales,

las condiciones de localización y los factores

mov i l idad , son prob lemas que l laman a

aproximarnos a la salud desde un enfoque

territorial, buscando no sólo localizar los procesos

de salud-enfermedad sino también comprender

sus relaciones recíprocas. El trabajo recorre las

distintas propuestas de la OPS/OMS que orientaron

el diseño de política sanitaria en América Latina y

el Caribe en las últimas seis décadas destacando

sus contribuciones e insuficiencias para pensar

la cuestión territorial, haciendo referencia a las

políticas implementadas en Argentina y Brasil. El

trabajo echa luz sobre las nociones de territorio

implícitas en estos planteos bis a bis el papel que

cada una de ellas confi ere a los actores, mostrando

la necesidad de construir un diálogo entre política

sanitaria, geografía y análisis de políticas.

Palabras clave: salud; política sanitaria; territorio;

OMS/OPS; actores.

AbstractThe impact of social-environmental variants, of location and of mobility factors is a problem that demands an analysis of health according to a territorial approach, in an attempt not only to locate the health-disease processes but also to understand their mutual relations. The study investigates the various proposals of the PAHO / WHO that guided the design of the health policy in Latin America and the Caribbean in the last six decades, highlighting their contributions and shortcomings to reflect on the territorial issue, and referring to the policies implemented in Argentina and Brazil. The study sheds light on the notions of territory implied in these proposals and on the role that each one of them gives to the actors, showing the need to build a dialogue between health policy, geography and policy analysis.

Keywords: health; health policy; territory; WHO/PAHO; actors.

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Magdalena Chiara e Ana Ariovich

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013100

Introducción

Aunque evidente en su materialidad, la relación

entre “salud” y “territorio” es una encrucijada

que ha sido escasamente visibilizada desde

la mirada sectorial, enfrentando el riesgo de

opacar matices y obturar nuevas preguntas.

Con el interés de echar luz sobre esta

relación, este trabajo hace un recorrido “desde

adentro” de la política sanitaria interrogando

a las directrices de la OPS/OMS en relación a

cómo ha ido apareciendo la cuestión territorial

y cuáles han sido los actores jerarquizados

en esa construcción. La importancia de este

análisis radica en que estas orientaciones

expresan modelos descriptivos y normativos

que dialogan con las lógicas profesionales

y académicas, legit imando prácticas y

aportando modos de analizar la política

sanitaria y su contexto.

Una mirada apresurada podría concluir

que el territorio ha estado ausente en la

mirada sectorial; sin embargo, el recorrido

realizado en este trabajo muestra la aparición

de distintas nociones en estos planteamientos:

desde la imagen de “control militar” de

mediados del siglo pasado expresado en los

programas de erradicación de la viruela y

la malaria, hasta conceptos más complejos

presentes en las propuestas de redes de

servicios de salud, dando cuenta de un proceso

de construcción histórica y conceptual que vale

la pena interrogar.

El trabajo comienza presentando los

hitos más significativos de las propuestas

de la OMS/OPS en los últimos sesenta años

para, posteriormente, poner el foco en cómo

fue emergiendo la cuestión territorial en

las orientaciones de política sanitaria para

América Latina y el Caribe, con particulares

referencias a las políticas en Brasil y Argentina.

F i n a l i z a e l r e c o r r i d o , c o n u n a

sistematización de los aportes de estos

planteos y la identif icación de aquellas

insuf iciencias que aler tan acerca de la

necesidad de construir un diálogo entre política

sanitaria, geografía y análisis de políticas.

Estrategias y modelos: principales hitos en los planteos de OPS/OMS

Hacia mediados del siglo XX, las Naciones

Unidas (ONU) creó la Organización Mundial

de la Salud (OMS), organismo responsable

de establecer la agenda de investigaciones

prioritarias en salud, articular opciones de

política, prestar apoyo técnico a los países y

vigilar las tendencias sanitarias mundiales,

estableciendo a la Organización Panamericana

de la Salud (OPS) como su oficina regional en

las Américas.

Desde entonces, ambos organismos

ocupan un lugar preponderante en la

conceptualización de la “cuestión sanitaria”,

siendo responsables (a t ravés de sus

propuestas y directrices) de la reorganización

de los sistemas de salud y de la formulación

de políticas en la región. El combate contra

las enfermedades transmisibles a través de

los “Programas Verticales”, el modelo de la

“Atención Primaria de la Salud”, la propuesta

de los “Sistemas Locales de Salud”, la

estrategia de los “Determinantes Sociales

de la Salud”, la propuesta de “Municipios,

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Ciudades y Comunidades Saludables” y el

modelo de “Redes Integradas de Servicios de

Salud”, son los hitos principales en estas seis

décadas (Figura 1). Se trata de propuestas,

estrategias y /o modelos que presentaron

continuidades y rupturas en los modos como

conceptualizar el proceso salud-enfermedad,

en los instrumentos propuestos y en los actores

privilegiados, que estuvieron y están presentes

en la arena sectorial con distinta capacidad de

orientación de las políticas.

Entre los años 1946 y 1958, el combate

de las enfermedades transmisibles (viruela y

malaria) organizó el modo de pensar y de hacer

política sanitaria. La noción de “erradicación”,

fundada en los adelantos científicos como el

descubrimiento de vacunas y del DDT (Dicloro

Difenil Tricloroetano), animó la acción de la

recientemente creada OPS, identificando a

éstas como enfermedades a ser erradicadas.

En este contexto se forja el modelo de los

“programas verticales” que sigue vigente hasta

la actualidad, conviviendo con otras formas

de concebir la política sanitaria, denominadas

“horizontales” (Tobar et al., 2006, pp. 15-18).

Esta forma de organizar la política sanitaria

logró la eliminación de la viruela y la declaración

de su erradicación en la Asamblea Anual de la

Salud de 1980, dejando importantes huellas en

la institucionalidad del sector: la creación de las

unidades de epidemiología en los ministerios,

las rutinas de vigilancia epidemiológica y

la aplicación de programas de control de

enfermedades transmisibles (OMS, 1974).

Figura 1 – Planteamientos de OPS/OMS (1950 a la actualidad)

Redes Integradas de Servicios de Salud (2007)Municipios y

Ciudades Saludables(1998 Declaración de Atenas)

Determinantes Socialesde la salud(2004/2008)

Sistemas Localesde Salud (SILOS) (1988)

Atención Primariade la Salud(1978, Declaración deAlma Ata y2005 Renovación de APS para las Américas)

Programas Verticales(Control de enfermedades Transmisibles)(1946/58)

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Sin embargo, el combate de la malaria

fue menos exitoso; la reaparición de casos

puso en evidencia otros factores asociados

al mosquito, lo cual llevó a reemplazar la

política de erradicación por una política

de control (Tobar et al., 2006, p. 18). La

vigilancia epidemiológica focalizada en grupos

y territorios en situación de vulnerabilidad,

sentó las bases de las orientaciones que

reaparecerían (décadas más tarde) de la mano

de los organismos internacionales de crédito

en los noventa con la focalización.

Un nuevo planteo, el de las intervenciones

horizontales se abrió paso con el modelo de

la Atención Primaria de la Salud (APS) en

un contexto caracterizado por el progresivo

crecimiento de la poblacional mundial y por

altas tasas de natalidad y de mortalidad

infantil, acompañadas con una expectativa

de vida bastante baja. En la Conferencia

Internacional sobre la Atención Primaria de la

Salud de Alma Ata desarrollada en el año 1978,

la OMS reconoció a la APS como estrategia

de atención integral de la salud, basada

en la prevención de la enfermedad y en la

promoción de la salud (OMS, 1978, punto IV).

En la amplitud del consenso con el que contó

esta estrategia desde aquella declaración,

convivieron enfoques diferentes de concebir la

APS (Rozenblat, 2007; Forti, 2009).

Dos décadas más tarde y en un intento

por consolidar una noción convergente

de APS, la OPS propuso la “Renovación

de la Atención Primaria de la Salud en las

Américas”, como forma de afrontar los

nuevos desafíos epidemiológicos y mejorar las

persistentes inequidades en la atención. Esta

concepción reformulada de APS, recupera

integralmente los contenidos presentes en

los distintos enfoques: acceso y cobertura

universal ; atención integral e integrada;

promoción y prevención; orientación familiar

y comunitaria; mecanismos de participación

activa; políticas y programas pro-equidad;

p r i m e r c o n t a c t o ; r e c u r s o s h u m a n o s

apropiado ; recursos f ísicos adecuados ;

acciones intersectoriales (OPS, 2005).

Los ejemplos de iniciativas orientadas

al fortalecimiento de la APS en la región

son abundantes y diversos. En el marco

del Sistema Único de Salud (SUS) de Brasil,

merece destacarse el Programa Salud de

la Familia (PSF)1 que fue desarrollándose

desde 1994 de manera progresiva a partir de

experiencias pilotos dispersas, hasta llegar

a convertirse en una propuesta de alcance

nacional bajo la órbita del Ministerio de Salud

(Suárez-Bustamante, 2010; Harzeim, 2011).

Basado en Equipos Básicos con población

a cargo, el programa busca reorganizar la

práctica asistencial centrando sus acciones

en la atención integral de la familia, con

especial énfasis en la prevención y promoción

(Gomes-do-Espírito-Santo et al., 2008; Schillig

Mendoza, 2011).

En el caso argentino, la prioridad

sobre la atención primaria de la salud fue

establecida más recientemente a través del

Plan Federal de Salud (PFS) (2003/7) y se

expresó de manera singular en el Programa

PROAPS/Remediar (posteriormente sucedido

por el FEASP/Remediar+Redes),2 el Programa

Médicos Comunitarios y, más recientemente,

el Plan Nacer (actualmente denominado

“Nacer/Sumar”). Los centros de atención

primaria de la salud (CAPS) son para estas

iniciativas efectores estratégicos a fortalecer

a través de la provisión de medicamentos

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esenciales (Maceira, Apella y Barbieri, 2005),

la incorporación y formación de recursos

humanos profesionales en APS (Rossen, 2006)

y el aporte de recursos financieros contra

cumplimiento de metas sanitarias sobre

población en el Plan Nacer (Potenza, 2012).

Si bien la APS fue enérgicamente

sostenida hasta la actualidad, convive a su vez

con otras estrategias y modelos que fueron

apareciendo a partir de mediados de la década

de los ’80. En la década de los ochenta, el

modelo de los “Sistemas Locales de Salud

(SILOS)”3 fue concebido por OPS como un

camino complementario para alcanzar un

uso más eficiente de los recursos en un

escenario regional de fuerte crisis económica.

Estos sistemas han sido definidos como: “un

conjunto interrelacionado de servicios de salud,

sectoriales y extrasectoriales, responsable

de la salud de una población en una zona

específica cuyos límites son casi siempre los de

una o varias unidades geopolíticas” (Gutiérrez,

1991, p. 618). En términos generales, los SILOS

planteaban la profundización de los principios

básicos establecidos por APS, pero enfatizando

la jerarquía de la acción local como instancia

estratégica para lograr la adecuación de

la atención a las demandas y necesidades

particulares de los territorios implicados.

La jerarquización de la arena local que

expresan estas orientaciones estructuró parte

de las reformas del sector en Brasil. Con el

proceso de descentralización y municipalización

de la atención, los gobiernos locales se

convirtieron en actores fundamentales de

la provisión universal de servicios sanitarios

básicos (Falleti, 2007; D'Ávila Viana et al.,

2009). Este proceso se inicio a comienzos de la

década de los 80’ y se consolidó en el año 2000

proveyendo las bases técnicas y operativas

sobre las cuales se organizó el SUS, en cuyo

contexto la autonomía municipal sobre la

atención ambulatoria (bajo ciertas condiciones

de regulación) pasó a tener un rol destacado

(Arretche, 2003). En la estructura institucional

del SUS, los servicios básicos de salud son

gestionados por el municipio, mientras que los

niveles más complejos de asistencia se prestan

por contrato o convenio con la red privada o

estatal (Azevedo Mercadante et al., 1994).

A diferencia de lo que sucede en Brasil,

el caso argentino no presenta claridad en

la distribución de funciones entre niveles

de gobierno existiendo distintas realidades

provinciales en cuyas historias se fueron

forjando estructuras sanitarias con distinta

potestad de los municipios sobre los servicios

de salud. En algunos casos, esas diferencias se

deben a procesos de descentralización hacia

los municipios; en otros, se trata de situación

de vieja data resultado de la provincialización o

municipalización de hospitales originariamente

a cargo de instituciones de la beneficencia;

las provincias de Córdoba, Corrientes, Buenos

Aires y más recientemente Santa Fe y Misiones

son ejemplos de esta diversidad.

Saltando las fronteras del sector, la

década de los ’80 albergó otra propuesta

que jerarquizaba el nivel local, enfatizando

el desafío de gobernabilidad con que se

enfrentaban las ciudades. La iniciativa

“Municipios, Ciudades y Comunidades

Saludables” buscó aplicar la promoción de

la salud a los contextos locales, adaptándose

favorablemente a los escenarios de la

descentralización, proceso en curso en los

países de América Latina desde los ochenta y

que se profundizaría en la década siguiente de

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la mano de las reformas neoliberales. Desde esta

perspectiva, un municipio o comunidad puede

ser “saludable” si presenta una estructura para

trabajar por la salud o si comienza un proceso

para conseguirlo, promoviendo la adopción de

estilos de vida saludables y creando entornos

que los favorezcan. Sin duda, esta iniciativa

demanda el desarrollo y fortalecimiento de

la acción intersectorial, la participación de la

ciudadanía y la gobernanza (conformación

y fortalecimiento de las redes) para su

implementación.

Pasado el decenio neoliberal, y habida

cuenta del desplazamiento que sufrió la OPS/

OMS por parte de los organismos multilaterales

de crédito, emergió una nueva propuesta que

colocó a la problemática de la salud en un

contexto más amplio. Reconociendo como

principal y más remoto antecedente el Informe

Lalonde de 1974, el planteamiento de los

“Determinantes Sociales de la Salud (DSS)”

fue impulsado desde finales de la primera

década de este siglo, con el objetivo de lograr

mejores impactos sobre las poblaciones.

Desde este abordaje, se buscaba integrar en

la perspectiva sectorial a factores económicos,

educativos, ambientales, culturales y de

género, tradicionalmente considerados como

externos al sector, como causas de parte de

las desigualdades sanitarias entre países

y dentro de cada país (Comisión sobre los

Determinantes Sociales de la Salud /OMS,

2008, p. 1) . Esta forma de concebir los

problemas involucraba, necesariamente, a

otros sectores cuyas acciones tienen impacto

directo sobre la situación de salud de una

población determinada.

Contemporáneamente con es tos

debates, la OPS/OMS recupera esta perspectiva

en el análisis de las particularidades que

presentan los determinantes sociales en

los entornos urbanos, haciendo eje en tres

cuestiones: la gobernabilidad, la métrica

de los problemas sanitarios urbanos y los

determinantes de la salud y la equidad (OPS,

2008). Desde el concepto de “salud urbana”

comienza a abrirse una nueva orientación

en el enfoque de los determinantes sociales,

que pretende analizar cómo se manifiesta en

cada ciudad los determinantes de la salud,

y cómo el estudio de estos determinantes

debe traducirse en acciones multisectoriales

y participativas vinculadas con la promoción

de la salud y con la formulación de políticas

públicas en contextos urbanos (OPS/OMS,

2011a).

Anidando en la propuesta de los

SILOS y en el marco de la ya mencionada

“Renovación de la APS en las Américas” del

año 2005, comenzó a promoverse de forma

sistemática el desarrollo y fortalecimiento de

redes de atención de salud como respuesta a

la fragmentación que se profundizaba en los

países de la región. En el marco de la de la XVII

Cumbre Iberoamericana de Ministros de Salud

de 2007 se señaló la importancia y necesidad

de desarrollar redes basadas en la atención

primaria, financiadas por presupuesto público

y que garantizaran una cobertura universal.

Recogiendo los problemas emergentes del

balance de las reformas neoliberales, se

atribuía esta segmentación al predominio

de programas focalizados en enfermedades,

riesgos y poblaciones específicas, la separación

de los niveles de atención como producto de

la descentralización de los servicios y a los

déficits en la cantidad, calidad y distribución

de los recursos.

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F r e n t e a e s t o s p r o b l e m a s , l a

conformación de redes fue visualizada como

una estrategia de integración de los servicios

de salud. Aunque la noción de Redes Integradas

de Servicios de Salud (RISS) admite múltiples

interpretaciones, la OMS (2008) ha formulado

una definición amplia, que comprende distintas

modalidades de integración: “La gestión y

entrega de servicios de salud de forma tal que

las personas reciban un continuo de servicios

preventivos y curativos, de acuerdo a sus

necesidades a lo largo del tiempo y a través

de los diferentes niveles del sistema de salud”

(OPS/OMS, 2008, p. 9).

N u e v a m e n t e e n c o n t r a m o s e n

Brasil y en Argentina ejemplos de esta

perspectiva aunque con diferente nivel de

organicidad. Reconociendo los avances

pero también las limitaciones que mostró

la estructura municipalizada que resultó de

la descentralización del SUS en Brasil, hacia

principios de la década del 2000, a través de

la Norma Operacional de Asistencia a la Salud

(NOAS) se llevó adelante la regionalización

como “estrategia necesaria para que el

proceso de descentralización se profundizara

pari passu la organización de la red de

asistencia, dando mejor funcionalidad al

sistema y permitiendo una provisión integral de

servicios a la población” (Dourado y Mangeon

Elías, 2011, p. 207). En ese nuevo contexto

institucional, la esfera estadual pasó a ordenar

el proceso de regionalización sanitaria con un

Plan Director de Regionalización, instrumento

que traduciría la planificación regional de

acuerdo a las particularidades de cada estado

conforme los recursos disponibles (Dourado

y Mangeon Elías, 2011 y Dourado, 2010).

El caso argentino muestra experiencias

que, recuperando el modelo de redes de

servicios, desafían las complejidades de

un sistema altamente fragmentado pero

universal. Merecen destacarse la experiencia

del Hospital El Cruce Alta Complejidad en

Red,4 el Programa Nacional de Cardiopatías

Congénitas5 (incorporado desde hace más de

dos años al Plan Nacer) y el Programa FEASP

(Fortalecimiento de la Estrategia de Atención

Primaria de la Salud)/ Remediar+Redes.

El recorr ido real izado hasta aquí

muestra distintos modelos y estrategias

que han coexistido y continúan conviviendo

en los planteos de la OPS / OMS. Estas

propuestas han interrogado y diagnosticado

los problemas, delineando a su vez el diseño

de posibles soluciones que se expresan en

distintas iniciativas en la región. Esta rápida

retrospectiva pone en evidencia continuidades,

algunas rupturas e importantes núcleos de

complementariedad que podrían ser indagados

desde muy diferentes puntos de vista.

E n e s t e t r a b a j o n o s i n t e r e s a

hacer foco en un aspecto que adquiere

particular relevancia para el análisis de la

implementación de la política de salud: las

distintas nociones de territorio que cobran

vida en estos planteos, los actores que se

privilegian y que las sostienen y su capacidad

de organizar desde las ideas la práctica en la

implementación.

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La emergencia de la dimensión territorial y sus actores

Desde mediados del siglo pasado, las

directrices de la OPS/OMS han modelado

la institucionalidad en salud, orientando

financiamientos, proponiendo formas de

organización, apor tando instrumentos,

definiendo competencias a desarrollar y

difundiendo modos de conceptualizar las

políticas.

De las d is t in tas aprox imac iones

posibles, retomamos una perspectiva del neo-

institucionalismo que enfatiza la relevancia que

tienen los mapas cognitivos en el modelado de

las preferencias de los actores: concepciones

particulares del mundo que se encuentran

vinculada a los procesos culturales que dan

sentido a la acción. Desde esta interpretación,

[...] las instituciones son las convenciones soc ia les ( comprendiendo en éstas a los símbolos, r itos, costumbres y significados) a partir de las cuales los individuos interpretan el mundo que los rodea y crean su concepción de la realidad social. Los individuos son socializados en una cierta perspectiva del mundo, aprenden las convenciones sociales y con ellas construyen una forma aceptada de hacer las cosas; esto uniforma el comportamiento y facilita la interacción social. (Vergara, 2001, p. 2)

Desde esta perspectiva y retomando

conceptos de la geografía y del análisis

de políticas, resulta interesante interrogar

e l d e r r o t e r o q u e h a n s e g u i d o l a s

conceptualizaciones de la OPS/OMS acerca

de la política sanitaria, poniendo el foco en

cómo ha ido apareciendo la cuestión territorial

y cuáles han sido los actores jerarquizados

en esa construcción. Retomamos, a modo

de ejemplo, algunas de las iniciativas de

Brasil y Argentina recuperando las nociones

de territorio implicadas en la práctica de las

políticas.

Los modos de conceptualizar la noción de

territorio en el campo de las ciencias sociales

han ido progresivamente abandonando

visiones espacialistas, moviéndose hacia otras

concepciones que dan cuenta de su carácter

histórico (Dematteis y Governa, 2005 y Amin,

2005). En esta última perspectiva, que destaca

el carácter construido, dinámico, determinante

y determinado del espacio por la acción de los

actores,

[ . . . ] l a t e r r i t o r i a l i d a d [ p u e d e entenderse]… como relación dinámica e n t r e l o s c o m p o n e n t e s s o c i a l e s ( economía , cu l tura , ins t i tuc iones , poderes) y aquello que de material e inmaterial es propio del territorio donde se habita, se vive, se produce. (Dematteis y Governa, 2005, p. 33)

Esta aproximación jerarquiza aquellos procesos

enlazados que se dan entre los actores (y sus

relaciones en el entramado) y el territorio, en

el seno de los cuales se inscribe el campo de la

política sanitaria.

Dado que el territorio es el escenario en el

que tiene lugar y se configura la fragmentación

y la inequidad de los sistemas sanitarios en

América Latina, parece importante interrogar

a las propuestas de la OPS /OMS en su

potencial para conceptualizar la cuestión

territorial, dando cuenta del alcance y de las

insuficiencias que presentan para incorporar al

territorio en la agenda de salud.

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Luces y sombras sobre el territorio

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La noción de control epidemiológico

El modelo denominado de “los programas

ver t icales” es quizás uno de los más

cuestionados pero paradójicamente aquel que

sobrevivió junto a otras orientaciones que se

sucedieron, denominadas – en oposición –

“aproximaciones horizontales”.

Surgido en la postguerra en el periodo

denominado llamamiento regional a las

armas contra las enfermedades transmisibles,

el modelo de los programas verticales fue

tributario de dos procesos: los adelantos

científicos como el descubrimiento de las

vacunas y del DDT (Tobar et al, 2006, pp.

15-16) y el desarrollo de las instituciones del

Estado Social, caracterizado por la creación

de una red pública subsidiada por y/o provista

por el Estado, pero en el caso de América

Latina con fuertes limitaciones territoriales

(Andrenacci y Repetto, 2006, p. 10).

Inscripto en una lógica top-down, este

modelo busca resolver (“erradicar” en el

planteo original y más extremo) un problema

de salud a través de estrategias independientes

que comprenden la fijación de normas de

atención, la organización adecuada de los

recursos y la racionalización del uso de la

tecnología, en el marco de un marco temporal

adecuado (Tobar et al., 2006, p. 16).

Estas ideas fuerza se traducen en una

concepción mecanicista de la organización

sanitaria que jerarquiza el poder central,

en tanto responsable del entrenamiento

y la gestión de los recursos humanos. La

posibilidad de disponer de la tecnología y la

vocación por hacerla accesible a la población

afectada, convergen con el desarrollo de las

instituciones centralizadas del Estado social

en la región, jerarquizando a los Ministerios

nacionales.

El territorio aparece en esta perspectiva

como objeto de un control pol í t ico y

epidemiológico en el contexto de la expansión

y desarrollo de las instituciones centrales

del Estado Social en la región; fundado

en diagnósticos que están asociados a la

tecnología disponible a difundir y en las

normas que se deben aplicar. Con relación a

esto último, un rasgo merece destacarse: la

construcción epidemiológica en función del

objetivo de erradicación de una enfermedad

t iene como consecuencia un terr itorio

homogéneo, o bien la necesaria (en el

contexto de esta forma de pensar la política)

simplificación de sus particularidades.

Esta idea tiende a quebrarse con la

reaparición de los casos de malaria y la

resistencia a las tecnologías conocidas,

emergiendo entonces la heterogeneidad

del territorio y sus actores en las rutinas

y p roced imientos . L a rea l i zac ión de

diagnósticos y encuestas, la delimitación de

áreas/ problema, la aplicación de DDT para

interrumpir la transmisión, las campañas de

prevención y el desarrollo de sistemas de

vigilancia epidemiológica, son las rutinas e

instrumentos que adoptan estos programas y a

través de los cuales se esbozan otras nociones

fundadas en la complejidad y singularidad.

La participación como clave

Desde hace más de tres décadas y bajo el

lema “salud para todos”, los organismos

inte rnac ionales de sa lud han venido

sosteniendo que la Atención Primaria de la

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Salud (APS) es la herramienta primordial

que disponen los gobiernos para mejorar la

accesibilidad a la atención y lograr la equidad

y la extensión de la cobertura de salud para

todas las poblaciones de manera costo efectiva

(OMS, 1978).

S in embargo, la implementación

eficiente o eficaz de esta estrategia supone,

ya desde el documento de Alma Ata (1978)

en adelante, el desarrollo de ciertos requisitos

que van más allá de lo estr ic tamente

tecnológico o vinculado con la infraestructura:

un enfoque intersectorial y multidisciplinar de

la atención, concebida de manera integral, y la

participación de la comunidad con un enfoque

de derechos (OMS, 1978, punto IV).

Varios años más tarde, La Renovación

de la Atención Primaria de la Salud en las

Américas (2007) refuerza la necesidad de

dotar a la APS de una orientación familiar y

comunitaria, acorde a las necesidades de salud

de una población definida, mecanismo para

afrontar los nuevos desafíos epidemiológicos

y mejorar las inequidades persistentes en la

atención de la población (OPS, 2007); la APS

reorienta la atención desde el tratamiento

de la enfermedad y la rehabilitación hacia

procesos que contemplen también estrategias

de prevención y promoción de la salud.

En este marco, esta estrategia privilegia

dos tipos de actores. Por una parte, jerarquiza

el trabajo de los equipos multidisciplinarios

de l p r imer n ive l , qu ienes adqu ie ren

responsabilidad sobre la población adscripta

perteneciente a un territorio geográfico

delimitado por la proximidad (OMS, 2008).

Por otra parte, jerarquiza la colaboración

de nuevos actores en las dinámicas de la

atención; desde el primer nivel se convoca

a la participación activa de la familia, la

comunidad, los referentes barriales, los agentes

y promotores sanitarios, los organismos no

gubernamentales y las organizaciones sociales

para promover comportamientos y estilos

de vida saludables y mitigar los daños socio

ambientales sobre la salud.

Este entramado de actores se despliega

en un “espacio de proximidad”, definido

por la poblacional perteneciente al área

programática de intervención. Se trata

de un territorio vinculado a la noción de

“comunidad”; la APS se implementa y se

desarrolla como puerta de entrada con vínculo

con la familia y la comunidad (OMS, 1978,

punto VI): “un ámbito al que las personas

pueden llevar toda una serie de problemas de

salud” (OMS, 2008, p. 12)

Este “territorio de proximidad” se

vuelve estratégico para la implementación,

definiendo en simultáneo la demanda de

prestaciones y creando posibil idades y

condiciones en cuyo contexto cobran vida los

procesos de atención integral.

Nuevamente, en la política sanitaria

de B ras i l y A rgent ina se encuent ran

e jemp los de e s t a pe r spec t i va . En e l

Programa de Salud Famil iar de Brasi l ,

s u b y a c e l a n o c i ó n d e u n t e r r i t o r i o

“construido desde lo local”, de alcance

definido y cuya población está adscripta

a un equipo básico sanitario responsable

del desarrollo de actividades de promoción

y prevención (Suárez-Bustamante, 2010 ;

Har ze im , 2011) . Un equ ipo de sa lud

integrado por profesionales y por agentes

comunitarios es responsable activo (intra y

extramuros de los servicios) de la situación

de salud del conjunto de las familias que

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habitan ese territorio (Gomes-do-Espírito-

Santo et al., 2008; Schillig Mendoza, 2011).

En el contexto argentino, la noción

de “proximidad” está también presente en

distintas iniciativas enfatizando no sólo el

fortalecimiento de los centros de atención

primaria de la salud sino también las relaciones

con otros actores. Distintos incentivos buscan

fortalecer la estrategia de APS en las distintas

jurisdicciones a la vez que ordenar la práctica

de los equipos municipales y estaduales

(provinciales en el caso argentino) hacia la

responsabilización nominada de la población

en territorios delimitados. En aquellos

casos en que los servicios se encuentran

municipalizados, el nivel local comienza a

jugar en los procesos de gestión interpelando

las fronteras de la proximidad y abriéndose a

la lógica multi-escalar de la gestión.

La jerarquía del nivel local

En las últimas décadas del siglo XX y principios

del siguiente tuvo lugar en la región una

revisión profunda de las competencias públicas

en el campo de la política social (Andrenacci y

Repetto, 2007, p. 9), expresada en el sector

salud por procesos de descentralización y

de autarquía de los establecimientos que

tuvieron lugar en un contexto caracterizado

por una franca expansión de la demanda

(Almeida, 2002a y2002b; Fleury, 2001 y 2007;

Sojo, 2011).

En el marco general de estas reformas,

las iniciativas para la reorganización de los

sistemas planteadas por la OPS delimitaron

nuevos recortes espaciales para la política

sanitaria. Aunque con anclajes diferentes,

las propuestas de los “Sistemas Locales de

Salud (SILOS)” y de “Municipios, Ciudades y

Comunidades Saludables”, hicieron emerger

el “territorio de lo local” trascendiendo así

la noción de “proximidad” que jerarquizaba

la APS.

La propuesta de los SILOS es la

responsable de inaugurar en la región el

ingreso de lo local al debate sanitario. En la

XXXIII Reunión del Consejo Directivo de la

OPS del año 1991, se destacaba “la urgente

necesidad de acelerar la transformación de

los sistemas nacionales de salud, mediante el

desarrollo y fortalecimiento de los sistemas

locales de salud (SILOS) como táctica operativa

de la estrategia de la atención primaria”

(Paganini, 2008, p. 32). Su propósito principal

fue impulsar la toma de decisiones en los

sitios donde se generan los problemas y, por

consiguiente, propiciar la descentralización

de facultades y recursos hacia las instancias

periféricas. Recuperando trazos de los modelos

anteriores, una noción algo más compleja de

territorio está presente en la resolución de

dicha reunión.6

Una primera cuestión a destacar es

que la noción del territorio delimitado desde

la epidemiologia se politiza poniendo el

foco en la construcción de una “propuesta

geográfica poblacional (…) influenciada por

las necesidades de la población definidas

en términos de daños y riesgos” (Paganini,

2008, p. 21). El aspecto que diferencia más

claramente a los SILOS, es la invitación a dar

un “salto” hacia una escala más comprensiva,

el “territorio local”.

A d i ferencia de la propuesta de

“Municipios, Ciudades y Comunidades

Saludables”, la iniciativa de los SILOS busca

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Magdalena Chiara e Ana Ariovich

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mantener la especificidad sectorial, con foco

en la atención. Pivoteando sobre el rol del

Municipio como coordinador de distinto tipo

de articulaciones intrasectoriales entre niveles

y con otros subsectores, e intersectoriales con

otras áreas gubernamentales y con el sector

privado (Paganini, 1999, p. 21). Aunque

manteniendo un recor te sectorial, esta

propuesta conceptualiza el territorio desde

otras dimensiones: la cuestión del poder, del

Estado, del financiamiento y de la coordinación

intergubernamental, se suman a la noción de

“proximidad” y sus actores, complejizando así

el concepto de territorio.

Acorde al clima descentralizador de la

época en América Latina, la propuesta apuesta

a que las instituciones locales asuman un papel

estructurante de los SILOS. El territorio para

esta propuesta es “o local; sin embargo, los

documentos refieren al espacio de actuación

de los SILOS y llaman la atención acerca de

la necesidad trascender las fronteras de lo

municipal para dar cuenta de la densidad de

los actores que juegan en esa arena (Paganini,

2008, p. 33) así como la pertenencia orgánica

a un sistema nacional de salud como entidad

global y la articulación en red de servicios

interrelacionados (Paganini, 1999, p. 22)

Con el foco puesto en la gobernabilidad,

la in ic iat iva “Munic ipios , Ciudades y

Comunidades Saludables” (MCCS) aporta

una noción de territorio más comprensiva

tomando distancia de las cuestiones más duras

del sector. Adaptándose7 a los escenarios de

la descentralización en América Latina, la

propuesta busca aplicar la promoción de la

salud a los contextos locales, jerarquizando

los procesos a través de los cuales es posible

alcanzar una mejora en las condiciones de vida

desde múltiples dominios de la vida social:

saneamiento, educación, trabajo, modos

de vida, ambiente. En la complejidad de los

factores comprendidos en esta perspectiva,

la acción intersectorial y la participación

ciudadana son rasgos que distinguen el modo

de acción de la estrategia en el territorio local.

En esta perspectiva, el territorio se construye

política y socialmente con los ciudadanos,

a través de la gestión democrática y del

fortalecimiento de la participación como

elementos esénciales.

En un esfuerzo por operacionalizar el

concepto de entorno saludable de cara a

rescatar las contribuciones de esta estrategia

para el cumplimiento de los Objetivos de

Desarrollo del Milenio (OPM),8 la propuesta de

MCCS retorna a los espacios de proximidad y

aparecen la vivienda, la escuela, los mercados

y el trabajo, como entornos saludables desde

los cuales actuar e integrar sinérgicamente

(OPS/OMS, 2006, p. 39).

A diferencia de la propuesta de los SILOS,

las referencias al contexto del sistema sanitario

tanto nacional como de otros subsectores,

están ausentes en la estrategia MCCS; lo

mismo sucede con los Estados nacionales. Los

actores jerarquizados son los gobiernos locales

(con referencias explícitas a los alcaldes) y las

Organizaciones No Gubernamentales (ONG) y

Organizaciones Sociales Comunitarias (OSC).

La delimitación de actores está hablando

de una aproximación a la gobernanza de

las ciudades haciendo foco en el papel del

municipio cooperando en redes con otros

actores gubernamentales y de la sociedad.

En ambas propuestas, el territorio

ingresa a la agenda sanitaria jerarquizando lo

local, aunque con recortes diferentes tanto en

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relación a los dominios de la vida social como

a las escalas de análisis.

Estos planteos han permeado de

diferente modo a las políticas en los países

de la región; los contrapuntos entre Brasil y

Argentina vuelven a mostrar diferencias. La

descentralización y municipalización de la salud

pública en Brasil da cuenta de la jerarquización

de los espacios locales, que comienzan a

expresarse como territorios complejos y con

mayores niveles de autonomía en articulación

directa con los actores e instituciones

sanitarias de la esfera regional. Se trata de

un territorio local fortalecido, pero cuya

planificación y funcionamiento se ensambla –

intrasectorialmente – con el ámbito regional,

a la vez que armoniza con los lineamientos

generales y las regulaciones que le confiere

la institucionalidad del federalismo en el

marco del SUS (Arretche, 2003; D'Ávila Viana

et al., 2009). En Argentina, las experiencias

de municipalización de los servicios de salud

muestran la complejidad del territorio local no

sólo en la dinámica política sino también en las

dificultades para delimitar sus fronteras: desde

fuera del ámbito local, actores del subsector

público intervienen y condicionan las acciones

de los denominados “actores locales” junto

al sector privado y de la seguridad social. La

diversidad de experiencias descentralizadoras

y la ausencia de una política ordenadora desde

el nivel nacional han dado lugar a importantes

disparidades regionales, encontrándose una

multiplicación de respuestas locales de distinta

calidad, eficiencia y equidad en el acceso a los

servicios (Chiara, Moro, Di Virgilio, Ariovich y

Jiménez, 2011).

Delimitando desde los problemas sociales

Las dinámicas sociales que caracterizan

al nuevo siglo imprimen una complejidad

social, económica, demográfica y ambiental

sin precedentes, generando importantes

desafíos a la gestión de las políticas de

salud, que se vuelven más dramáticos en

los países más pobres. Factores como el

envejecimiento de importantes sectores de

la población, el progresivo incremento de

las enfermedades crónicas en detrimento

de las infectocontagiosas, la incorporación

de tecnologías diagnósticas y terapéuticas

más sof isticadas y costosas, impactan

diferencialmente en los sistemas sanitarios

de acuerdo a sus recursos, siendo fuente

de importantes inequidades. Esta forma de

concebir el contexto en el cual la población

experimenta sus problemas sanitarios,

abre una nueva perspectiva que enfatiza

la influencia de los determinantes sociales

en la configuración del proceso de salud

enfermedad (OMS, 2011, p. 2).

Aunque los documentos relativos a la

perspectiva de los Determinantes Sociales

de la Salud (DSS) no hagan referencias

explícitas, el territorio se expresa a través

de la enunciación de los factores sociales,

económicos y políticos que impactan en los

perfiles epidemiológicos de las poblaciones. La

preocupación por la desigualdad remite a un

espacio donde se hacen visibles la desigualdad

en las condiciones de vida de la población en

general y las condiciones de salud-enfermedad

en particular, así como también la desigual

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distribución de los recursos (Equipo de Equidad

en Salud de la Organización Mundial de la

Salud, 2005, p. 10)

Acorde con esta mirada estructural de

los problemas que demarcan y jerarquizan

el territorio, los responsables de priorizar

estas recomendaciones son quienes formulan

e implementan políticas de salud a escala

nacional.

El núcleo de reflexiones, aportes y

estudios en torno a la “salud urbana” avanza

de un modo más explícito en el análisis de las

particularidades que imprime el territorio en la

salud de los distintos entornos urbanos. Este

recorte historiza y localiza en el espacio el

debate sobre la equidad, haciendo eje en las

brechas y en los circuitos de reproducción de

la desigualdad en el territorio: “El enfoque de

la equidad en salud urbana implica orientar

los esfuerzos hacia la reducción de las

diferencias en resultados y riesgos de salud

entre diferentes áreas urbanas y los grupos

humanos que las habitan” (OPS, 2008, p.

40). Este enfoque recupera y problematiza

la dimensión política del territorio como

determinante en la cuestión sanitaria e

incorpora a sus actores y a las relaciones

sociales que allí se despliegan:

Estos marcos reconocen la complejidad del proceso multinivel por medio del cual los determinantes y los distintos actores juegan un papel crítico en la determinación de salud de los residentes urbanos (…) Se incluye aquí la forma en que los niveles de participación y descentralización, las innovaciones sociales y los intereses de los diversos actores afectan la salud urbana. (OPS, 2008, p. 39)

Desde una visión topológica

Tras las reformas neoliberales, los primeros

años de esta década renovaron en la región la

expectativa acerca del rol de las instituciones

estatales en los dist intos sec tores ; la

intervención del Estado nacional a través de

políticas y programas con impacto en la calidad

de vida de la población y destinadas a resolver

las inequidades y desigualdades sociales, se

hizo cada vez más frecuente en el conjunto de

los países latinoamericanos (Gudynas et al.,

2008; Danani, 2009).

En este escenario, el desarrollo de

Redes Integradas de Servicios de Salud

(RISS) se introduce como un instrumento

para que los Estados puedan asegurar una

atención más integrada, eficiente y equitativa

frente a los altos niveles de fragmentación

de sus sistemas de salud. El diagnóstico de

partida de estas propuestas avanzaba sobre

distintos factores, pero básicamente hacía

eje en las consecuencias de las reformas

neoliberales: el predominio de programas

focalizados en enfermedades, riesgos y

poblaciones específicas; la segmentación de

los niveles de atención como consecuencia

de la descentralización de los servicios;

los problemas en la cantidad, calidad y

distribución de los recursos; y la existencia

de culturas organizacionales contrarias a la

integración (OMS, 2007; OPS/OMS, 2008).

Este diagnóstico desafiaba a su vez las

autoridades sanitarias a resolver las tensiones

e ineficiencias resultantes de la coexistencia

(desarticulada) de las clásicas intervenciones

verticales con aquellas horizontales animadas

por el modelo de la APS.

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Luces y sombras sobre el territorio

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Si bien las propuestas orientadas a la

conformación de redes alcanzan distintas

escalas, subyace en ellas una noción del

territorio orientada por propósitos casi

exclusivamente sanitarios, desde la cual

se integran (desde una lógica reticular)

distintos ámbitos locales. Esta aproximación

busca racionalizar y optimizar los recursos

disponibles en cada región (frecuentemente

escasos) para maximizar resultados.

Las redes de servicios dan lugar así a

una nueva noción de territorio para diseñar

e implementar las intervenciones sanitarias

que estructura en un mismo entramado

a un conjunto disperso de efectores para

interrelacionar servicios con distinto nivel

de complejidad. Se trata de un territorio que

presenta una lógica topológica, en donde

los flujos y las redes de interacción surcan el

espacio regional y conectan “a distancia”,

permitiendo la continuidad de los recursos y las

prestaciones en una escala mayor. Las redes

posibilitan así – siguiendo a Dematteis (2002)–

la coordinación, la colaboración y el diálogo

con la globalidad, desde las coordenadas

propias y las necesidades específicas de cada

comunidad local.

También en este caso las políticas

nacionales son caja de resonancia de

estos planteos a la vez que espacios de

reformulación desde la práctica. Partiendo de

una propuesta orgánica y con alcance nacional,

la regionalización del SUS de Brasil supone

la necesidad de integración de los distintos

componentes del sector para garantizar el

ejercicio efectivo del derecho a la salud en todo

el país. En esta propuesta, la regionalización

de los servicios de salud es uno de los fines

de la política que se ve condicionada por la

singularidad del sistema federal y la trama de

las relaciones intergubernamentales, factores

que configuran la complejidad del territorio

desde el plano político institucional (Dourado

y Mangeon Elías, 2011).

Aún sin tener cobertura nacional, la

noción de “territorio en red” comienza a

permear distintas iniciativas de la política

sanitaria también en el caso argentino. Las

experiencias presentadas en el apartado

anterior abonan (desde la inversión en

equipamiento, el pago por práctica médica,

la mejora en infraestructura y el desarrollo

de sistemas de información) a la articulación

de los servicios de salud independientemente

de la ju r i sd icc ión responsab le de la

gest ión ( nacional , estadual / provincial

como municipal). El Hospital El Cruce Alta

Complejidad en Red coordina desde los

servicios de alta complejidad a cinco hospitales

y a 152 centros de salud en cuatro municipios

del sur del Gran Buenos Aires, mientras que,

con alcance nacional, los Programas de

Cardiopatías Congénitas y Remediar+Redes

buscan construir un territorio de la nodalidad

confiriendo distinta jerarquía al nivel estadual

(denominado provincial en el caso argentino).

Este recorrido muestra que el territorio

ha estado y está presente en las orientaciones

y prescripciones de la política sanitaria, aunque

con ciertas insuficiencias para describir y

analizar la complejidad de la relación de mutuo

condicionamiento que tiene lugar entre el

territorio y los procesos de toma de decisiones

de la política sanitaria.

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Un intento por recapitular avances e insufi ciencias

Tal como se viene analizando, los distintos

planteamientos que ha aportado la OPS/OMS

sobre los problemas de salud y las respuestas

desde la política sanitaria, llevaron implícitas

distintas nociones de territorio operando

como “anteojos conceptuales” al momento de

su implementación.

El recorrido realizado descompone

la complejidad de la cuestión territorial

en distintos aspectos que son enfatizados

diferencialmente por las estrategias y modelos:

la noción de control epidemiológico presente en

los programas verticales, la participación como

uno de los emergentes más evidentes de la crisis

de aquel modelo y la constitución de la APS

como paradigma de intervención, la jerarquía

del nivel local enfatizada en la propuesta

de los SILOS y de Municipios, Ciudades y

Comunidades Saludables, la delimitación del

territorio desde los problemas expresado en el

enfoque de los determinantes sociales de salud

y en las especificidades de la salud urbana y,

más recientemente, la visión topológica del

territorio, presente en la propuesta de Redes

Integradas de Servicios de Salud.

Estas nociones que devuelven las

orientaciones de la política sanitaria son

aportes que resulta necesario recuperar

para pensar la re lación entre polí t ica

sanitaria y territorio, detectando a su vez las

insuficiencias que llaman a la necesidad de

profundizar su conceptualización.

Los límites del esfuerzo por simplifi car la complejidad

El aspecto más destacado de esta forma

concebir el territorio de la acción sanitaria se

relaciona con su capacidad para simplificar la

complejidad. Dos caminos novedosos se abren

desde esta perspectiva.

El primero, tiene que ver con que la

política sanitaria deja de ser cuestión de

expertos para convertirse en un conjunto

de procedimientos a ser cumplidos por

actores diversos ampliando así el alcance

territorial de la acción. En segundo lugar,

esta forma de recuperar el territorio permite

construir y delimitar las fronteras a partir de

un determinado problema sanitario, pasible

de ser resuelto a través de la tecnología

disponible.

E l potenc ia l s impl i f i cador de la

complejidad del territorio que subyace a esta

noción de territorio debe ser matizado en el

plano empírico. Lo que es percibido como

fortaleza desde el diseño en los niveles

centrales con altos niveles de especialización,

resulta insuf ic iente en e l n ive l de la

implementación donde la especialización es

mucho menor y la complejidad y multiplicidad

de actores y sectores involucrados se hace

evidente.

En la implementación, los problemas

“saltan las fronteras” del sector y ponen

en cuestión a las variables epidemiológicas

como criterio exclusivo de delimitación de los

territorios objeto de políticas.

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Luces y sombras sobre el territorio

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Sobre la necesidad de dar cuenta de las distintas escalas de la participación

En la atención primaria de la salud, el

territorio ingresa a la gestión de la política

sanitaria a partir de la delimitación de un

área programática que recoge, por un lado,

las demandas particulares de las familias y,

por el otro, convoca a la participación activa

de la comunidad. El territorio se define como

un espacio físico de continuidad, donde los

vínculos se determinan por relaciones de

proximidad.

La escala espacial de lo local sobre

la que descansa esta propuesta es la que

posibilita los contactos y la cooperación entre

los actores involucrados en los procesos de la

atención de la salud; la dimensión territorial

emerge como una herramienta que permite

a las comunidades definir sus necesidades y

derechos.

No obstante su utilidad y pertinencia,

un recorte circunscripto a lo próximo y que

presupone la interacción fluida entre actores

(o potenciales actores) en presencia de un

conjunto dado de recursos locales, corre el

riesgo de aislar a la comunidad del contexto

mayor y desatender a la incidencia de otros

actores (cuya acción no necesariamente está

localizada en el territorio de proximidad) pero

que también intervienen en el desenlace de la

política sanitaria.

Cabe resaltar además, que si bien la

inclusión de la familia y la comunidad como

un actor clave del territorio en los procesos de

atención primaria es – sin dudas – un aporte

novedoso y valioso de la propuesta de la APS,

esta premisa ha derivado en las versiones más

restringidas (caras al paradigma neoliberal)

que pueden conducir a una peligrosa auto

responsabilización de la población local acerca

de los éxitos o fracasos en torno al acceso a

la atención, omitiendo otras escalas en las que

se despliegan importantes articulaciones del

entramado de actores.

El desafío de politizar lo local

Lo local aparece en la agenda sanitaria

como una perspectiva que integra por

primera vez en las propuestas de OPS/OMS,

distintos aspectos de la cuestión territorial.

Sin abandonar la especificidad sanitaria,

la propuesta de los SILOS lleva de manera

bastante explícita una noción de territorio

que parte de una mirada epidemiológica y

la puebla de actores, jerarquizando el papel

de coordinación del gobierno local en un

espacio que necesariamente debe trascender

la escala de proximidad. La noción de territorio

implícita en la estrategia de Municipios,

Ciudades y Comunidades Saludables (MCCS)

es más amplia y está asociada al concepto de

promoción de la salud.

Ambas propuestas comparten la noción

de lo local como el lugar de realización

de las necesidades de la población y de

consenso entre los actores. Sin embargo,

una mirada atenta acerca del entramado que

constituye al territorio permite reconocer –

en estas propuestas – distintas formas de

conceptualizarlo. En un caso, la propuesta de

los SILOS pone el foco en la responsabilidad

sanitaria y establece un recorte sectorial

más preciso, recuperando la complejidad

de las relaciones entre subsectores y con el

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conjunto del sistema nacional de salud, que

operan en un territorio. En el segundo caso,

la noción de local que dibuja la estrategia de

MCCS es más comprensiva y menos sectorial

al tiempo que se permite realizar un recorte

más nítido de lo local y sus actores, con escasa

problematización de las otras escalas que

operan en un territorio.

S i n d e s c o n o c e r l a s i g n i f i c a t i va

contribución de estas propuestas para pensar

la cuestión territorial en la política sanitaria,

quedan planteadas algunas cuestiones de las

cuales dar cuenta en el análisis de lo local y

que aluden a cómo se juegan las relaciones

intergubernamentales en el territorio, si la

escala de los actores se corresponde con la

escala de la representación ciudadana, cuál es

el rol de las instituciones estatales por sobre el

municipio para garantizar el ejercicio efectivo

del rol de coordinación. Sin duda se trata

de preguntas que trascienden a la cuestión

territorial pero que pueden ser ocultadas

por estereotipos excesivamente optimistas

que jerarquizan lo local sin problematizar las

complejas relaciones entre escalas que en

estos espacios tienen lugar.

Actores difusos en un escenario complejo

La propuesta de los determinantes sociales

focaliza su atención en las condiciones sociales

y estructurales que determinan la salud de las

personas en los distintos territorios, dejando

en un segundo plano los factores de riesgo

individual.

Si bien desde este planteo se da cuenta

de la complejidad inherente a las cuestiones

sanitarias en los territorios particulares, no se

jerarquiza el rol de los actores que intervienen

más activamente. De los documentos se

desprende una noción de territorio sin actores

explícitos, ya que no hay mención específica a

autoridades locales responsables o referencias

al sector salud y a sus efectores locales, como

así tampoco a sujetos de la comunidad sino que

la equidad sanitaria es una responsabilidad

compartida (OMS, 2011, p. 1).

Destacando el salto a la complejidad

que esta perspectiva supone para el análisis,

define una agenda demasiado abierta en la

que las responsabilidades de los distintos

actores del sector quedan diluidas en el

conjunto de los determinantes. Los desafíos

pasan por la agenda de la coordinación,

interjurisdiccionalidad e intersectorialidad

en tanto medios para una integralidad

de abordaje que la perspectiva de los

determinantes demanda.

La virtualidad del territorio en la búsqueda de instrumentos de políticas

La iniciativa en torno al establecimiento de

redes de servicios de salud adopta una visión

más sistémica y menos fragmentada del

territorio, donde distintos flujos de interacción

y complementariedad vinculan y articulan un

conjunto disperso de servicios y prestaciones

de diferente complejidad y/o especialización

en un mismo espacio, que esta vez alcanza una

escala regional.

En este esquema se resignif ica la

jerarquía del hospital en su papel para articular

y articularse en el conjunto de la red, en cuya

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Luces y sombras sobre el territorio

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dinámica se cualifica a un territorio más amplio

que recoge la existencia de distintas escalas.

La APS se convierte en la estrategia

desde la cual las autoridades regionales y

centrales pueden lograr una integración

funcional del territorio para las intervenciones

sanitarias (OPS/OMS, 2011b).

En esta propuesta el territorio se

transforma – siguiendo a Brugué et al. (2002)

– en un complejo espacio virtual y dinámico,

flexible a los intercambios. Las distancias

físicas y operativas se relativizan, posibilitando

una continuidad adecuada a las necesidades

de los procesos de atención de la salud y a

una mayor racionalización y optimización de

los recursos disponibles.

En esta propuesta los desafíos son

menos conceptuales que operativos. Pensar

las acciones en salud desde esta perspectiva

supone orientar la implementación, el

diseño de los instrumentos y las inversiones,

considerando al territorio configurado por las

redes como unidad de intervención.

Finalizando, los modos de conceptualizar

la noción de territorio en el campo de las

ciencias sociales fue abandonando visiones

espacialistas, proponiendo concepciones

que dan cuenta de su carácter histórico. Sin

embargo, la sola invitación a desnaturalizar

el carácter meramente espacial y dado del

territorio no parece ser suficiente para hacerlo

operativo como dimensión en el análisis de la

política sanitaria.

La revisión realizada en este trabajo

fue recuperando las nociones de territorio

que subyacen a los planteos de la OPS/

OMS, organismo que orientó parte de las

políticas en la región. Con distinto énfasis y

delimitación, estas nociones han buscado

poner el foco en los procesos enlazados que

se dan entre los actores, la estructura social

y el territorio, en cuyo contexto se inscribe la

política sanitaria.

Aún destacando el aporte de cada

perspectiva, el recorrido realizado en este

trabajo muestra también las insuficiencias de

estos planteos y la necesidad de construir un

marco conceptual que, abrevando también

en la geografía y en el análisis de políticas

públicas, pueda dar cuenta de la especificidad

sanitaria de esta articulación entre actores,

estructura social y territorio.

Magdalena ChiaraLicenciada en Ciencias Antropológicas y doctoranda en Ciencias Sociales. Docente Investigadora Asociada del Área de Política Social del Instituto del Conurbano UNGS. Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires, [email protected]

Ana AriovichMágister en Sociología Económica, Docente Investigadora Asistente del Área de Política Social del Instituto del Conurbano – UNGS. Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires, [email protected]

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Notas

(*) El trabajo se realiza en el marco de la inves gación colec va “El territorio en la agenda sanitaria: instrumentos y modos de ar culación en el subsector público en el Gran Buenos Aires” que comenzó a desarrollarse en el Ins tuto del Conurbano de la UNGS en el año 2010.

(1) www.saude.gov.br/atencaoprimaria

(2) h p://www.remediar.gov.ar/

(3) La descripción de la propuesta de los Sistemas Locales de Salud está realizada con base a Paganini, 1999.

(4) h p://www.hospitalelcruce.org/pdf/planestrategico.pdf

(5) h p://www.plannacer.msal.gov.ar/index.php/pages/incorporacion-de-cirugias-de-cardiopa as-congenitas

(6) Resolución de la XXXIII Reunión del Consejo Directivo de OPS/OMS del año 1991, titulada “Desarrollo y Fortalecimiento de los Sistemas Locales de Salud, SILOS-10”.

(7) Esta estrategia reconoce como antecedente el Movimiento Europeo de Ciudades Saludables Mediados de mediados de la década de los 80, particularmente importante en el proceso de recuperación de los Ayuntamientos Democráticos en España. Constituyó una forma de operacionalizar la “Carta de Ottawa para la Promoción de la Salud” de 1984 y se formalizó en 1998 en la Declaración de Atenas para las Ciudades Saludables. Declaración del Director Regional de la OMS para Europa (Llorca, 2010).

(8) Se trata de un conjunto de ocho propósitos de desarrollo humano que en el año 2000, los 192 países miembros de las Naciones Unidas acordaron alcanzar para 2015. Dada la naturaleza del acuerdo, interpelaron a los dis ntos organismos de las UN y a sus estrategias.

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Texto recebido em 14/set/2012Texto aprovado em 20/nov/2012

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A insustentável naturezada sustentabilidade. Da ambientalização

do planejamento às cidades sustentáveis

The unsustainable nature of sustainability. From the environmentalization of planning to sustainable cities

Ester Limonad

ResumoNas duas últimas décadas, a questão ambiental e

da sustentabilidade passou a integrar e converteu-

-se em um fator emblemático de legitimação dos

discursos e práticas do planejamento urbano e re-

gional. Uma das evidências mais palpáveis dessa

convergência do planejamento e da sustentabili-

dade é a proposta de cidades sustentáveis da Or-

ganização das Nações Unidas, que surgiu ao início

da década de 1990. Sua adoção por mais de trinta

países torna urgente uma leitura crítica do desen-

volvimento sustentável e da natureza da ambienta-

lização do discurso do planejamento, que contribua

para se avançar rumo à construção de uma econo-

mia política do espaço e a uma prática de plane-

jamento, que instrumentalize a participação social

em uma perspectiva transformadora.

Palavras-chave: questão ambiental; política do

espaço; sustentabilidade; cidades sustentáveis;

planejamento.

AbstractDuring the last two decades, sustainability and environmental issues have become an integral part and an emblematic legitimating factor of urban and regional planning discourses and pratices. The United Nations’ sustainable cities programme, created during the 1990s, is one of the most tangible evidences of such convergence between planning and sustainability. As it has been adopted by more than thirty countries, it is necessary and urgent to perform a critical reading of sustainability and of the nature of the environmentalization of the planning discourse, so as to move towards the construction of a political economy of space and of a territorial planning pratice that aims at social transformation.

Keywords : environmental issues ; polit ics of space ; sustainabilit y ; sustainable cities ; planning.

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Ester Limonad

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"O mundo pode ser mais sustentável!"

"Insira a sustentabilidade no seu dia a dia com

o Santander".1 Quando lemas desse tipo apa-

recem em sítios eletrônicos de bancos, de cor-

porações multi e transnacionais, simultanea-

mente ao pipocar de testes em redes sociais

contemporâneas (Facebook, Twitter, etc.)

e em revistas de negócios, esportes, moda

e, inclusive, eróticas, destinados a avaliar se

"você é sustentável?", pode-se concluir que

a ideia da sustentabilidade invadiu de forma

avassaladora o cotidiano e a reprodução das

diferentes esferas sociais. Em todos lados, em

todas partes, tornou-se lugar comum falar em

sustentabilidade. O termo, associado nas duas

últimas décadas do século XX à questão am-

biental, por seu caráter aparentemente neu-

tro, acrítico e acima de interesses de classe

(Rodrigues, 2006, p. 112) rapidamente se con-

verteu em um sucedâneo da ideia de um mun-

do melhor, um mundo sustentável. Em decor-

rência, passa a ser adotado, de forma indis-

criminada, para adjetivar propostas, práticas e

coisas, como uma forma de legitimação e de

reforço positivo. O corolário é a multiplicação

exponencial de práticas sustentáveis, de ati-

vidades de turismo sustentável, de propostas

de gestão sustentável de espaços naturais e

sociais e, como não poderia deixar de ser, de

cidades sustentáveis.

Embora as opiniões divirjam e permaneça

obscuro o que seria a sustentabilidade, plane-

jadores, arquitetos, urbanistas, ambientalistas,

geógrafos, advogados e outros profissionais

passaram a defender as cidades sustentáveis,

metrópoles sustentáveis e a preservação am-

biental. Sem dúvida, a sustentabilidade con-

verteu-se em uma obsessão generalizada, das

populações indígenas ao Banco Mundial, bem

como uma ampla gama de grupos diversos

entre os quais se contam desde órgãos de go-

verno a empresas multi e transnacionais: todos

se declaram favoráveis em preservar a nature-

za e a lutar pelo desenvolvimento sustentável.

Sem embargo cada qual se proponha a fazê-lo

com base em agendas e interesses diferentes e

por vezes totalmente contraditórios, sem che-

gar a explicitar claramente o que entendem por

desenvolvimento e muito menos o que enten-

dem por sustentabilidade. Partem, assim, mui-

tas vezes do pressuposto de que isso está claro

e subentendido em suas propostas.

Este ensaio tem por norte destacar as

contradições entre desenvolvimento, apropria-

ção privada da natureza e os discursos sobre a

sustentabilidade, em particular os discursos re-

lativos à sustentabilidade do desenvolvimento

e do planejamento. Discursos que soem servir

de suporte a questões relativas à gestão dos

recursos hídricos, a bioengenharia de semen-

tes, ao crédito de carbono e a apropriação da

biodiversidade por parte de alguns países do

mundo em detrimento de outros (detentores

ou não de biodiversidade e tecnologia). Insere-

-se, portanto, em uma perspectiva crítica de

construção de uma economia política do espa-

ço, que contribua para aclarar e compreender

as relações sociais de produção e as necessi-

dades que se impõem para sua reprodução na

contemporaneidade.

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A insustentável natureza da sustentabilidade

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Algumas novas velhas questões

Desmatam-se florestas, em seu lugar plantam-

-se outras árvores, eucaliptos, pinheiros ou mo-

noculturas alienígenas. Explora-se petróleo em

alto mar em campos marítimos com nomes su-

gestivos como jubarte, garoupa, etc. Não se tra-

tam de homenagens à fauna marinha, mas de

justificar a exploração de petróleo ou gás na-

tural em áreas de reprodução desses animais,

alguns ameaçados de extinção. No âmbito do

agronegócio se comercializam a preços eleva-

dos produtos orgânicos, isentos de produtos

nocivos, embora produtos transgênicos mais

baratos vicejem em diversos lugares. Os quais

podem colocar em risco através da polinização

a reprodução de plantas com sementes, apesar

das proibições e interdições adotadas por al-

guns países.

Essas ações, além de serem comprova-

damente desastrosas em termos ambientais

para a fauna e flora nativas, afetam as con-

dições necessárias à sobrevivência de popula-

ções nativas. Pois, ao transformar-se suas pos-

sibilidades e formas de apropriação do espaço

social altera-se a espacialidade das relações

que esses grupos sociais estabelecem com o

meio para se reproduzir e sobreviver. O consu-

mo crescente do espaço, ao mesmo tempo em

que propicia a manutenção e sustentabilidade

do desenvolvimento do capitalismo na con-

temporaneidade, contribui para destruir a base

de subsistência e de reprodução de grupos na-

tivos originários.

Evidencia-se, assim, a contradição

básica entre a produção de valores de tro-

ca e valores de uso, entre a reprodução do

capital e a reprodução de grupos sociais não

hegemônicos, entre a dominação e a apropria-

ção social do espaço. Com base nessa contra-

dição irrompem conflitos sociais diversos em

disputa pelos meios que garantam sua sobrevi-

vência e reprodução. Esses conflitos perpassam

a questão ambiental contemporânea e permi-

tem vê-la como parte integrante da reprodução

social e da produção social do espaço, como

uma expressão da relação sociedade-natureza

e das formas de apropriação social do espaço

necessárias à reprodução de uma dada socie-

dade (Lefebvre, 1991). A questão ambiental,

assim, pode ser entendida em estreita relação

com os processos sociais constitutivos de cada

sociedade e com a produção social do espaço

geográfico (Santos, 1985).

Neste contexto, parafraseando Rodrigues

(1998), a ideia de sustentabilidade ao ser as-

sociada sem critérios e de forma indiscrimina-

da à questão ambiental contribui para “jogar

uma cortina de fumaça sobre estas contradi-

ções, pois não propõe alterações nos modos de

produzir e de pensar do modelo dominante”.

Por outra parte, a sustentabilidade aparece

como uma pedra de toque de caráter dúbio, à

medida que diferentes atores e agentes, desde

intelectuais a técnicos de governo e de insti-

tuições diversas, se propõem a defendê-la e

passam a adotá-la quase que como epítome

de uma sensibilidade ambiental. Um exemplo

nesse sentido encontra-se na esfera empresa-

rial e corporativa, que se manifesta no esforço

de empresas de diversos ramos industriais, do

comércio e de serviços de conquistarem selos

de certificação ambiental, que abrangem desde

os certificados ISO 140002 aos selos verdes ou

outras rubricas encaradas como política e am-

bientalmente corretas.

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Jamais na História, os Estados nacionais,

as corporações multi e transnacionais estive-

ram tão preocupados em se mostrar ambiental-

mente sensíveis como na contemporaneidade.

Urge entender o caráter dessa preocupação.

Há que se explicitar que as certificações e ró-

tulos ambientais além de serem elementos

de competividade no âmbito do marketing

de marcas e produtos, são uma expressão da

guerra de patentes e confrontos sociopolíticos

travada em escala internacional entre corpo-

rações multinacionais, Estados nacionais e

diferentes grupos sociais. Evidenciam, dessa

maneira, o confronto clássico entre o saber fa-

zer (know-how, savoir faire) e o conhecimento

(knowledge, connaissance), entre formas arrai-

gadas de apropriação social e formas capitalis-

tas de dominação e transformação do espaço

social. Confronto esse passível de ser entendi-

do, com base em Lefebvre (1991), como mais

um aspecto da materialização do conflito geral

entre os domínios do vivido e do concebido,

entre espaços de representação e representa-

ções do espaço, que tem por base a contradi-

ção básica entre valor de uso e valor de troca.

Confronto que Boaventura de Sousa Santos

(2006) define, por sua vez, como zonas de con-

tato e de conflito intercultural.

A adoção indiscriminada e sem discer-

nimento no âmbito técnico-institucional, por

governos e empresas, da ideia de sustentabili-

dade como um sinônimo ou sucedâneo isento

de contradições e conflitos da questão ambien-

tal, contribui para ideologizar a questão socio-

espacial (ver a respeito Rodrigues, 1998) e, ao

mesmo tempo, faz com que se perca de vista

seu caráter complexo e transescalar. Pois, a am-

bientalização da questão social, entendida aqui

como a incorporação da dimensão ambiental

a teoria social crítica (Lopes, 2006, p. 34), ao

envolver, a um só tempo, instituições interna-

cionais, Estados nacionais, diferentes esferas

de poder e distintos agentes e atores sociais,

cada qual com interesses e concepções pró-

prias, permite sua complexificação em diversas

escalas. Um exemplo nesse sentido é o conflito

que perpassa hoje a proteção da biodiversida-

de, campo de enfrentamento entre proposições

decorrentes do regime de proteção de patentes

e as demandas sociais relativas ao "reconheci-

mento da particularidade do estatuto de bem

comum para os saberes tradicionais e autócto-

nes" (Milani, 2008, p. 291).

Nesse sentido, retomando Milton Santos

(1985, 1996) e Henri Lefebvre (1991), pode-se

dizer que a questão ambiental refere-se à ma-

nifestação de um aspecto das diferentes esfe-

ras da reprodução social e das relações sociais

de produção. Um aspecto que, embora estives-

se sempre presente, até a emergência da preo-

cupação ambiental durante a década de 1980,

foi pouco explicitado e explorado no âmbito de

alguns ramos das ciências humanas.

Trata-se, então, da conformação de uma

nova questão social? Essa indagação já preo-

cupou outros autores (Costa, 2000; Steinberger,

2001). De uma perspectiva dialética pode-se

dizer que sim, se se entender por novidade a

inserção da dimensão ambiental na reflexão

sobre a questão social contemporânea. Ao

mesmo tempo, pode-se dizer que não, pelo fato

de problemas e questões ambientais eventual-

mente atravessarem os conflitos sociais, embo-

ra sem constituir propriamente o foco da refle-

xão. Ignora-se, assim, pelo sim e pelo não, que

por seu próprio caráter e condição a questão

social desde sempre foi e é também uma ques-

tão ambiental. Seja por seu caráter espacial,

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A insustentável natureza da sustentabilidade

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pois as coisas sempre acontecem em algum

lugar, seja pelo fato de que a própria reprodu-

ção social presume historicamente uma relação

sociedade-natureza e uma concepção de na-

tureza, pois o espaço, o ambiente, a natureza

sempre integraram e integram, desde sempre,

como base, suporte e meio, as diferentes esfe-

ras de reprodução social (Lefebvre, 1991), que

presumem intrinsecamente, cada uma per se,

uma concepção e forma de apropriação da na-

tureza. Portanto, interpretar a incorporação e

institucionalização da problemática ambiental

como “a construção de uma nova questão so-

cial e uma nova questão pública” (Lopes, 2006,

pp. 34-35), implica ignorar que a ambientaliza-

ção, ao invés de gerar uma nova questão so-

cial, evidencia uma dimensão da problemática

social relacionada desde sempre à reprodução

social. Assim, a ambientalização da questão

social deve ser compreendida como uma ex-

plicitação dos conflitos que hoje atravessam a

reprodução social em torno da relação socieda-

de-natureza, o que permite entendê-la como

parte integrante das arenas de enfrentamento

entre capital e trabalho na contemporaneidade

(Offe, 1984).

A questão ambiental, ao impor dialeti-

camente limites ao desenvolvimento capitalis-

ta, em nome da preservação da natureza, seja

para as gerações futuras ou como reserva de

valor para o próprio desenvolvimento futuro

do capitalismo, evidencia a contradição entre

interesses sociais localizados e interesses priva-

dos, entre reprodução social e acumulação de

capital. A desconstrução da questão ambiental

contribui, dessa maneira, para explicitar seu

caráter geopolítico e estratégico para o desen-

volvimento do capitalismo, bem como eviden-

cia "numerosos mitos relativos ao progresso

tecnológico, à eficiência econômica e ao cresci-

mento sem riscos" (Milani, 2008, p. 292).

Por conseguinte, além de se converter

em um fator emblemático de legitimação de

diferentes práticas sociais, a questão ambiental

passa a integrar e a perpassar os discursos do

planejamento e do desenvolvimento urbano e

regional. Portanto, não só a produção teórica

mas a prática de planejamento defrontam-se

na contemporaneidade com um impasse em

que é necessário integrar a dimensão social e

ambiental – à medida que ambas integram a

produção social do espaço (social).

Cabe, portanto, uma leitura crítica da

incorporação da ideia de sustentabilidade ao

planejamento e seu desdobramento prático

em projetos de intervenção como as cidades

sustentáveis, de modos a termos elementos

que nos permitam avançar rumo à construção

de uma economia política do espaço e a uma

prática crítica de planejamento territorial, que

instrumentalize a participação social em uma

perspectiva transformadora.

A ambientalização do planejamento

Se a incorporação da dimensão ambiental apa-

rece como uma novidade no âmbito do pla-

nejamento, a preocupação com a gestão dos

recursos naturais marca inclusive as primeiras

tentativas de se definir o planejamento, de um

ponto de vista técnico e neutro, na perspectiva

de contribuir para o desenvolvimento social e

econômico após a segunda guerra mundial.

Em uma recuperação do papel do gru-

po "Economia e Humanismo" do Padre Louis

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Joseph Lebret e seus colaboradores, durante as

tentativas de recomposição econômica e so-

cial de Lyon, na França do pós-guerra, Olivier

Chatelan (2008, p. 108) aponta o surgimento

das primeiras evidências de um discurso vol-

tado para o planejamento do território. Dos

embates latentes entre abordagens marxistas

e o enfoque social humanista de especialistas

da Igreja católica é elaborada, entre 22 e 28

de setembro de 1952, a Lettre de la Tourette.

Já, então, entre os colaboradores do grupo,

destaca-se a contribuição da geografia aplica-

da voluntarista de Jean Labasse (1973), bem

como seus estudos sobre a região de Lyon

(Chatelan, 2008, p. 117). De forma inovadora

para a época, esse documento propunha que

o ordenamento territorial fosse pensado como

o resultado de uma reflexão-ação coletiva na

perspectiva da transformação social, ao mesmo

tempo em que se contrapunha à intervenção

tecnocrática centralizada e às iniciativas de ca-

ráter estritamente local. O documento salienta-

va, ainda, de forma pioneira, a necessidade de

um desenvolvimento que conjugasse as ques-

tões sociais e culturais às metas econômicas.

A intenção, então, era através de uma análise

racional prévia do território alcançar “a utiliza-

ção ótima dos recursos, valorizar a terra, equi-

par o espaço de modo a possibilitar o desen-

volvimento humano” (Chatelan, 2008, p. 108).

Anos mais tarde, em 1958, a Carta de

los Andes, elaborada no "Seminário de Técni-

cos e Funcionários em Planejamento Urbano",

realizado na cidade de Bogotá – Colômbia,

sob os auspícios do Centro Interamericano de

Vivenda e Planejamento – (Cinva, 1960), des-

cartava os aspectos socioculturais almejados

pela Lettre de la Tourette e propunha uma das

primeiras definições oficiais sobre o que seria o

planejamento territorial contemporâneo, ao de-

finir que "o planejamento é um processo de or-

denamento e previsão para conseguir, median-

te a fixação de objetivos e por meio de uma

ação racional, a utilização ótima dos recursos

de uma sociedade em uma época determina-

da” (Cinva, 1960).

Essas definições pioneiras de planeja-

mento, além de serem portadoras de diferentes

visões e interesses, carregavam em si mesmas

alguns problemas. A começar pela ideia de

ação racional, que marcou várias propostas

e práticas de planejamento daquele período

(1950-1960).

Primeiro, pela inexistência de ações

puramente racionais, por ser impossível elen-

car a um só tempo todas as variáveis e suas

consequências como demanda a proposta ra-

cional; segundo, pelo fato de a realidade em

estudo não permanecer estática e imutável

durante o processo de análise, diagnóstico

e prognóstico, conforme requer a proposta

do modelo racional-global de planejamento

(Etzioni, 1973). Esse modelo racional-global

de planejamento, elaborado no Massachusetts

Institute of Technology (MIT) durante o alvo-

recer da Guerra Fria, no início da década de

1950, embora relegado a um segundo plano

nas práticas de planejamento, tem sido privi-

legiado nos estudos de impacto ambiental.

Seu caráter enciclopédico e multidisciplinar

possibilita incorporar diferentes conjuntos de

variáveis, mensuradas em uma matriz de dupla

entrada com ponderações tipo custo-benefício.

A matriz de Leopold e de seus colaboradores

(1971) constitui um exemplo paradigmático da

metodologia adotada em diversos estudos de

impacto ambiental no Brasil e em outros paí-

ses. Embora a matriz procure contemplar todas

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as variáveis, as atribuições de valor são feitas

de forma mecânica com ponderações subjeti-

vas, muitas vezes relacionadas aos interesses

em jogo. O que acarreta problemas e conflitos

de diversas ordens ao se incorporar a variável

humana e social, reduzida muitas vezes a uma

variável antrópica, como se os seres humanos

fossem formigas.

À complicação introduzida pela ação ra-

cional soma-se a “utilização ótima” que, por si

mesma, remete a outro problema: ótima para

quem, segundo quais critérios e segundo que

interesses? Em síntese, a “utilização ótima”

depende dos objetivos, que por sua vez são

estabelecidos por quem promove o planeja-

mento. De fato, o processo de planejamento

é variável e depende de quem o promove: o

Estado, as corporações ou grupos sociais com

interesses específicos. Além disso, há que se

considerar, que muitas vezes mesmo a partici-

pação é planejada no processo de planejamen-

to (Limonad, 1984).

Enfim, a proposta de utilização ótima dos

recursos naturais no processo de planejamento

pode ser vista como um vínculo precoce do pla-

nejamento com a questão ambiental, ainda mais

ao se substituir o termo ótima por sustentável.

Essas concepções e ideias orientaram

a prática de planejamento no Brasil ao longo

de quase quatro décadas, a partir da segunda

metade do século XX, quando o planejamento

estatal sequer se preocupava com os aspectos

sociais e muito menos com os atores e agentes

diretamente envolvidos (Lamparelli, 1982).

No entanto, mesmo a ideia de uma ges-

tão ótima dos recursos naturais tem sua ori-

gem nas concepções liberais da economia polí-

tica do capitalismo do século XIX, inspiradas no

pensamento de Locke (Harvey, 1996, p. 131).

Através de um discurso técnico concernente à

alocação adequada dos recursos escassos pa-

ra o bem-estar humano, se subsumia a domi-

nação da natureza à lógica do mercado. Esse

discurso, em aparência neutro e em nome de

um pretenso bem comum, servia para mascarar

a dominação hegemônica exercida através das

relações de produção sobre os trabalhadores e

a natureza. Dominação necessária para garan-

tir a própria existência e de desenvolvimento

do capitalismo.

O que mudou de lá para cá?

Qual o segredo do sucesso da persistên-

cia e sustentabilidade do desenvolvimento do

capitalismo? O segredo do sucesso do capita-

lismo reside não apenas em sua constante rein-

venção, como a mitológica fênix que sempre

ressurge de suas próprias cinzas, mas, também,

em sua capacidade de articular, organizar, su-

bordinar, controlar e gerir países diversos em

um único sistema global, em que as dimensões

econômicas, sociais e ambientais da reprodu-

ção social se interpenetram e confundem, co-

mo assinala Arturo Escobar (1995, p. 71). Insti-

tuições internacionais como o Banco Mundial,

o Fundo Monetário Internacional, a Organiza-

ção Mundial do Comércio, a Organização dos

Países Produtores de Petróleo, a Organização

Econômica dos Países Desenvolvidos (OECD),

entre outras, contribuem para a manutenção

e para o exercício desse controle por meio do

incentivo ou implementação de políticas de de-

senvolvimento econômico e de industrialização

em diversos países (Escobar, 1995, p. 71).

Nessa perspectiva de exercício da hege-

monia, obliteram-se as lutas e conflitos sociais

que foram, em parte, responsáveis pelo surgi-

mento da ideia de desenvolvimento susten-

tável. A visão que vigora e prevalece é que a

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origem da ideia de desenvolvimento susten-

tável residiria nas discussões iniciadas com a

Conferência da Biosfera, promovida pela Unes-

co em 1968, a qual se seguiu o Relatório de

Dennis Meadows: “Os limites do crescimento”,

divulgado em 1972 na Conferência das Nações

Unidas em Estocolmo. Esse relatório foi finan-

ciado por um bloco de corporações industriais

(Fiat, Olivetti, Volkswagen, Ford), políticos e

cientistas de vários países, que se formou em

1968 e ficou conhecido como Clube de Roma.

Desconsidera-se, assim, o fato de que a

ideia do desenvolvimento sustentável e sua in-

corporação ao discurso do planejamento teria

suas raízes não nas ideias neo-malthusianas

do Clube de Roma e relatório Meadows, mas

na emergência de conflitos sociais em diver-

sas partes do mundo relacionados às formas

de gestão e apropriação dos recursos naturais.

Disputas por água potável, por terras férteis,

por fontes combustíveis sempre existiram e são

tão antigas quanto a humanidade. Qual a novi-

dade então?

A novidade do século XX estaria na re-

sistência à modernização e ao desenvolvimen-

to, ao direito à diferença por parte de grupos

sociais compostos por indígenas, quilombolas

e camponeses. Distintos dos luditas do século

XIX, pequenos produtores agrícolas, campone-

ses e populações indígenas em diversos países

mobilizam-se em defesa da preservação de sua

condição de existência contra a imposição de

uma modernização, muitas vezes incompleta

e excludente, que se traduz pela expansão es-

pacial do capitalismo em escala global, e pela

destruição das relações pretéritas de produção.

Confrontam-se, assim, de um lado grupos so-

ciais diversos mobilizados para preservar seu

modo de vida, sua condição de existência e, de

outro, interesses corporativos e governamen-

tais que atendem à lógica de reprodução do

capital em escala global.

A noção de desenvolvimento sustentável

surge, dessa forma, da necessidade que essas

lutas sociais e demandas de organizações não

governamentais e de comissões das Nações

Unidas impuseram de se rediscutir a concep-

ção, então vigente, de desenvolvimento (Mela

et al., 2001, pp. 80-81).

Esses conflitos e os mecanismos gerais

de controle do sistema capitalista fizeram com

que questões vistas, inicialmente, como especí-

ficas e localizadas, conquistassem outras esca-

las e saíssem do âmbito puramente local e con-

tribuíram para converter a questão ambiental

em um problema global.

O Relatório Bruntland, elaborado pos-

teriormente em 1987, durante a ascensão do

neoliberalismo em escala mundial, veio coroar

os estudos do Clube de Roma e os que se se-

guiram, contribuindo para sacramentar a ne-

cessidade de um desenvolvimento sustentável

em nome de um futuro comum, ao chamar a

atenção para a finitude dos recursos naturais.

Extirpou, assim, da noção de desenvolvimento

sustentável o caráter de luta dos conflitos so-

ciais que lhe deu origem. Ao esvaziar o sentido

social da questão ambiental, viabilizou a ins-

trumentalização da ideia de sustentabilidade

para a preservação ambiental, em consonância

com os interesses hegemônicos. Além disso,

contribuiu para alimentar correntes ambienta-

listas de inspiração neomalthusiana, que em

nome de uma escassez dos recursos naturais

defendem exclusivamente a natureza em detri-

mento de questões sociais. Releva-se, assim, o

fato de que a finitude e escassez dos recursos

naturais são socialmente criadas e dependem

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muitas vezes dos interesses em jogo, das alian-

ças existentes no nível da divisão internacional

do trabalho e do estágio de desenvolvimento

das forças produtivas para que este ou aquele

recurso seja considerado esgotável.

A noção de sustentabilidade, no con-

texto neoliberal emergente, se propagou

velozmente, porém com uma tradução equi-

vocada em português, seguindo o trocadilho

italiano traduttore, traditore (tradutor, trai-

dor). A expressão sustainable development

em inglês significa desenvolvimento durável,

o que faz com que seja traduzido para o fran-

cês como développement durable e não como

développement soutenable, o que evidencia

a inadequação da tradução para o português

como desenvolvimento sustentável (Moraes,

2001, p. 54).

De fato, a noção de desenvolvimento

sustentável refere-se a teorias de desenvolvi-

mento econômico, nas quais o desenvolvimen-

to refere-se a uma mudança qualitativa nas

estratégias de reprodução social e nos vínculos

econômicos prevalecentes, relevando os limi-

tes do crescimento econômico. Não obstante a

noção de sustentabilidade do desenvolvimento

ostente ares de novidade, suas origens podem

ser localizadas em diversos autores do pen-

samento econômico. David Ricardo, em 1817,

já levanta a possibilidade de o crescimento

econômico se sustentar e prolongar ao longo

do tempo. Karl Marx, em A Ideologia Alemã,

questiona a duração do capitalismo diante

dos limites impostos pelas relações sociais de

produção ao desenvolvimento das forças pro-

dutivas e sua transformação em forças destru-

tivas. Por sua vez, a concepção de “destruição

criativa” de Joseph Schumpeter é inspiradora

para aqueles que veem a sustentabilidade

como a solução para um capitalismo sadio.

Mesmo John Maynard Keynes, inspirador dos

planos de ajustes macroeconômicos pós-1945,

ao tratar do desemprego estrutural também se

preocupa com a sustentabilidade do desenvol-

vimento do capitalismo.

A ideia, em si, portanto, não é nova. Po-

rém é atraente e sedutora. Propostas, planos e

práticas de diferentes matizes políticos, enga-

jadas e críticas ao status quo, tendem a incor-

porar valores capitalistas hegemônicos sem o

perceber. Contribui para isso, o termo susten-

tabilidade remeter a possíveis cenários futuros

desejáveis em contraposição a cenários catas-

tróficos, somado ao fato de, segundo Acselrad

(1999, p. 80), os discursos da sustentabilidade

serem portadores de representações e valores

gerais, sem se preocupar em construir um con-

ceito explicativo. Além da cooptação político-

-ideológica, a ausência de um esforço explica-

tivo e o sentido vago do termo contribuem para

legitimar políticas diversas e articular diferen-

tes discursos em torno de uma estratégia co-

mum – em particular estratégias voltadas para

o desenvolvimento urbano e local ou regional

com a preocupação ambiental e sustentável.

Resulta daí, uma obstacularização aos movi-

mentos sociais contrários a essas práticas e

políticas direcionadas à apropriação social do

espaço e que tendem a ameaçar suas condi-

ções de vida e reprodução. Primeiro, porque a

mera associação da noção de “sustentabilida-

de” à essas propostas implica admitir a exis-

tência de apenas uma forma adequada de uso:

a sustentável (Acselrad, 1999). Segundo, signi-

fica ignorar as diferenças existentes, relativas à

diversidade social e às formas de apropriação

social do espaço. E, terceiro, implica obliterar

que a ideia de sustentabilidade é forjada com

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base em interesses específicos relacionados à

apropriação material do espaço necessário his-

toricamente à reprodução das diferentes esfe-

ras das relações sociais de produção (meios de

produção, força de trabalho e família).

De fato, o termo sustentabilidade sig-

nifica coisas completamente diferentes para

diferentes pessoas, mas de acordo com David

Harvey (1996, p. 148) “é muito difícil ser a fa-

vor de práticas ‘insustentáveis’ assim o termo

cola como um reforço positivo de políticas e

política conferindo-lhes a aura de serem am-

bientalmente sensíveis”.

Organizações governamentais e não go-

vernamentais encamparam o desenvolvimento

sustentável como o novo paradigma do desen-

volvimento urbano e econômico, e isso se expli-

ca, em parte, por permitir uma ambientalização

de suas propostas e planos esvaziada de ques-

tões sociais e em nome de um futuro comum.

Enfim, embora o caráter abrangente e

atual do desenvolvimento sustentável lhe con-

fira força política e contribua para legitimar

distintas práticas, as formulações prevalecentes

indicam sua debilidade conceitual por sua per-

cepção incompleta da degradação ambiental e

da pobreza bem como por sua falta de clareza

quanto à própria sustentabilidade, participação

e emancipação social.

Além disso, passa desapercebida a pró-

pria contradição de termos que perpassa a

própria ideia de desenvolvimento e de susten-

tabilidade. Existe desenvolvimento não susten-

tável? Pois, se o desenvolvimento é insustentá-

vel, é apenas momentâneo. Então, merece ser

chamado de desenvolvimento? De crescimen-

to? Mais uma vez, mais uma questão óbvia,

crescimento e desenvolvimento são diferentes.

Desenvolvimento é olhar para o futuro. É ou-

sar, é mudar o patamar de crescimento, superar

os interesses de lobbies localizados. Cabe aqui

uma analogia com um bebê recém-nascido,

que se apenas crescesse e não se desenvol-

vesse, ao fim de dezoito anos teríamos um ser

instintivo, não pensante por onde entra comida

por um lado e sai merda do outro. Desenvol-

vimento implica adaptabilidade, em mudanças

qualitativas, em última instância implica avan-

çar e transformar a realidade vigente.

Caberia, portanto, como assinala Lélé

(2002), uma rigorosa redefinição conceitual pa-

ra se poder adotar essa expressão criticamen-

te e, em nosso entender, de forma passível de

apropriação pelos grupos sociais envolvidos.

Da sustentabilidade do desenvolvimento ao desenvolvimento urbano sustentável

O documento do Habitat (UN, 2001) inicia-se

com um prêambulo de Kofi Anann, que reco-

nhece que devido às forças da globalização

o mundo ingressou no milênio urbano, pois

aproximadamente pouco mais da metade da

população mundial se tornou urbana. Enten-

de, ainda, que embora a globalização afete as

áreas rurais, se faz mais presente nas cidades.

Entende, assim, que o “desafio central para a

comunidade internacional é claro: fazer com

que ambas a urbanização e a globalização

sirvam a todas as pessoas, ao invés de deixar

bilhões para trás ou nas margens”. Por conse-

guinte defende que

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As cidades devem promover a governan-ça, planejar e agir estrategicamente pa-ra reduzir a pobreza urbana, a exclusão social e promover o status econômico e social de todos os cidadãos e proteger o meio ambiente de forma sustentável. (UN, 2001 – Foreword)

Essa afirmação contribui para situar o

Programa de Cidades Sustentáveis (SCP) das

Nações Unidas como uma das evidências mais

palpáveis da ambientalização do discurso do

planejamento e da preocupação com um de-

senvolvimento urbano sustentável. Esse pro-

grama, criado no início da década de 1990,

surge quase como uma decorrência do êxito

do desenvolvimento sustentável como fer-

ramenta de legitimação de práticas urbanas

neoliberais. Sua criação unificou as agendas

de desenvolvimento sustentável do Programa

Ambiental das Nações Unidas (United Nations

Environment Programme – UNEP) e do Centro

para os Assen tamentos Humanos das Nações

Unidas (United Nations Centre for Human

Settlements – UNCHS).

O Programa Ambiental das Nações Uni-

das (UNEP), criado em 1972, enfatizava a im-

portância do planejamento e da gestão dos as-

sentamentos humanos, em particular em áreas

urbanas, com uma preocupação indireta com

a qualidade ambiental desses assentamentos

sociais. De certa forma, o Centro para Assen-

tamentos Humanos, criado em 1978, converge

para as preocupações do primeiro ao passar a

promover o que designa de padrões sustentá-

veis de vida em áreas urbanas e rurais, havendo

sido posteriormente designado de UN-Habitat

(United Nations Human Settlement Program).

O Programa das Cidades Sustentáveis

das Nações Unidas nasce assim como uma

articulação desses dois programas e define a

cidade sustentável como um lugar que dispõe

de um acervo durável de recursos naturais para

garantir a sustentabilidade (durabilidade) do

desenvolvimento social, econômico e físico, e

que conte com uma segurança durável contra

riscos ambientais que ameacem o seu desen-

volvimento (UNCHS/Unep, 2005).

Um indicador do êxito desse programa

é a dimensão que assumiu em menos de vinte

anos. Atualmente opera em mais de trinta paí-

ses de forma diferenciada, com participações

diversificadas. Sua proposta geral é formar

quadros de governo mediante a capacitação e

instrumentalização de autoridades locais e de

seus parceiros para a gestão e planejamento

urbano ambiental sustentável das cidades.

Da mesma forma que no caso do desen-

volvimento sustentável, não há uma definição

conceitual, precisa e rigorosa do que se enten-

de por uma cidade sustentável ou, lembrando

os argumentos tratados antes, do que se po-

deria caracterizar como uma cidade durável.

No entanto, não o são todas, em sua maioria?

Então, por que falar em cidades sustentáveis?

Ou mesmo duráveis? Ao invés de aceitar acri-

ticamente uma definição ou programa mínimo

do que se considera uma cidade sustentável,

cabe entender criticamente a proposta de cida-

des sustentáveis.

Grosso modo, os estudos e abordagens

em geral sobre as questões ambientais rela-

cionadas ao espaço urbano podem se dividir,

conforme a proposta de Whitehead (2003),

em dois grandes veios, o aporte técnico e o a

priori, ao qual acrescentamos aqui o reformis-

ta e o revolucionário ou subversivo.

O aporte técnico, para Whitehead (2003),

se caracteriza por interpretar o desenvolvimento

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urbano sustentável, pura e simplesmente, como

uma questão técnica relacionada ao planeja-

mento urbano, gerenciamento de tráfego, ado-

ção de tecnologias limpas e ao desenho urbano.

Resultam desse aporte propostas sustentáveis,

adotadas por arquitetos, urbanistas e técnicos

de prefeitura, que são vendidas e alardeadas

como fórmulas mágicas de resolução dos pro-

blemas urbanos. Porém, a despeito de suas boas

intenções, essas propostas caracterizam-se pe-

lo exercício demiúrgico do saber técnico e por

fazer tabula rasa do que existe. Ao adotar uma

solução técnica, como por exemplo imprimir um

modelo ideal de cidade sustentável com adap-

tações a diferentes cidades, afinal cada caso é

um caso, se reduz a cidade a um conjunto de

volumes construídos, de massas ambientais,

artérias de tráfego e de circulação, em que

prevalecem tecnologias limpas e áreas despo-

luídas. O que não for funcional, ou adaptável

esteticamente, tende a ser suprimido. Nesse

sentido, como questão técnica, embora sejam

geograficamente localizadas, as intervenções

aparecem como algo direcionado a atender

um interesse geral comum. Pois, por princípio,

todos teriam condições de usufruí-las. Porém,

via de regra, isso não ocorre. Em parte, em

virtude das formas de regulação, apropriação

social do espaço e das relações sociais de per-

tencimento, que contribuem para erigir barrei-

ras invisíveis na cidade (Sennet, 2001, p. 266).

Essas propostas arquitetônicas e urbanísticas

são, assim, implementadas ignorando o que

lhes antecede e sucede, alheias às diferenças

e desigualdades socioespaciais.

No enfoque a priori, ou ontológico,

as propostas e estudos assumem a exis-

tência a priori de uma cidade insustentá-

vel a ser transformada em sustentável. O

desenvolvimento urbano sustentável é reifica-

do como portador de algo positivo em si mes-

mo (Whitehead, 2003), servindo de panaceia

para todos os problemas, sociais, espaciais e

temporais. Essa fetichização da sustentabilida-

de, ao mesmo tempo que legitima as propostas

sustentáveis, lhes confere um caráter neutro e

apolítico, afinal quem é contra a sustentabilida-

de? Releva-se, assim, a existência de diferentes

interesses de classe, de desigualdades socioes-

paciais, bem como os conflitos e práticas es-

paciais que produziram historicamente aquele

espaço, objeto de intervenção.

Edward Jepson Jr. (2001, p. 506) assi-

nala que a conjunção planejamento sustenta-

bilidade, que se adota nesse enfoque para as

cidades sustentáveis, permite integrar, a um só

tempo, campos disciplinares para produzir po-

líticas públicas mais coerentes e abrangentes,

atores sociais em um processo produtivo ou

ambiental com foco na comunicação, valores e

diferentes instituições de modo a alcançar uma

abordagem cooperativa e integrada. Tem-se,

por conseguinte, que as propostas de cidades

sustentáveis desde a perspectiva ontológica

partilham lógicas universalistas de integração,

inclusão e cooperação social, espacial e tem-

poral, entre atores e agentes sociais, entre cen-

tro e periferia, entre passado e presente, entre

local e global (Acselrad, 2004). A solução dos

problemas para as abordagens ontológicas ou

a priori estaria no nível da vontade política e

do engajamento da população por meio da

construção de um consenso social e de uma

identidade comunitária, de modo a reduzir ou

mesmo eliminar as possibilidades de confronto.

A cidade deixa, assim, de ser o lugar do debate,

da diferença e da possibilidade de transforma-

ção social.

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Os enfoques e estudos elaborados a par-

tir da perspectiva crítica reformista tendem a

encarar o desenvolvimento sustentável e a pro-

posta de cidades sustentáveis como uma pos-

sibilidade viável de imprimir mudanças, ainda

que limitadas. Conscientes das limitações das

propostas de desenvolvimento sustentável dos

dois veios anteriores, buscam imprimir soluções

com um caráter transformador, com a observa-

ção de que “não vêem ser necessário ou sen-

sato assumir um compromisso exclusivamente

com a transformação”, por entender que “a re-

forma agora é melhor do que nada e a transfor-

mação pode não ser imediatamente possível”

(Hopwood, 2005, pp. 49-50). Propostas com

esse tipo de inspiração geralmente buscam

engajar governos e grupos sociais em torno de

questões comuns, de modo a promover ações

diretas. Não obstante tenham consciência das

assimetrias de poder existentes e das nuances

do jogo político, buscam soluções de compro-

misso. Nutrem ativismos sociais em torno de

questões específicas e buscam articulá-los com

ações de governo. O que, em última análise,

acaba por contribuir para criar situações de

consenso ou de desmobilização social, à medi-

da que, muitas vezes, as reformas alcançadas

contribuem mais para manter e conservar o

status quo do que facultar a criação de uma

outra ordem social de caráter transformador.

Quanto às práticas, soluções e cidades

sustentáveis, há de se considerar, primeiro, que

a despeito do mote sustentável, essas soluções

não sustentam equanimemente todos os inte-

resses envolvidos (Whitehead, 2003) e isso se

aplica às propostas de cidades sustentáveis.

Há de se considerar, ainda, que as chamadas

soluções sustentáveis tampouco constituem

objetos planejados genéricos, passíveis de

serem implementados de forma uniforme, de

acordo com programas ou modelos mínimos

pré-definidos para alcançar uma situação de

sustentabilidade. Pelo contrário cada espaço,

cada território e lugar, cada cidade possuem,

cada um per se, uma história espaço-temporal

própria e uma articulação particular com ou-

tras escalas. No caso das cidades sustentáveis,

as propostas não se limitam a ser apenas uma

outra alternativa de investimento para o capi-

tal, mas constituem uma remodelação radical

de projetos neoliberais em áreas urbanas loca-

lizadas (Whitehead, 2003, p. 1203). E, isso se

evidencia na feira de fórmulas sustentáveis de

desenvolvimento expostas durante o Fórum

Mundial For a Better Future, promovido pelo

Programa Habitat das Nações Unidas no Rio de

Janeiro em 2010.

Enfim, cabe apontar a perspectiva sub-

versiva, ainda em construção. Essa subversão

se pretende uma transformação do instituído

por meio das práticas socioespaciais, como

uma transgressão no campo da luta política,

por se propor a subverter o instituído na pers-

pectiva da mudança social. A subversão é en-

tendida, assim, aqui como expressão de atos

políticos de movimentos anti-hegemônicos e

expressão de desejos latentes de mudança e de

construção de uma outra ordem social.

A insuficiência das estratégias de ação

consagradas de planejamento em solucionar

os problemas sociais evidenciam o notório

descompasso entre o projeto e a realização e

apontam para a necessidade de se subverter

radicalmente o processo de planejamento. Não

se trata tão somente de propor um planeja-

mento insurgente como o querem alguns, mas

de incentivar a subversão do instituído. Nesse

sentido, Randolph e Gomes (2010) introduzem

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três elementos como constituintes de um novo

planejamento, a saber a comunicação, o es-

paço e o tempo. Esses três elementos, em seu

entender, referem-se às principais contradições

no mundo contemporâneo, que compreendem

o consumo no espaço versus o consumo do

espaço (Lefebvre, 1991), a lógica instrumental

versus a lógica comunicativa (Habermas, 1981);

as práticas abstratas versus as práticas concre-

tas; o pensamento indolente versus o pensa-

mento cosmopolita (Souza Santos, 2003) que

ameaçam a própria convivência social.

O planejamento subversivo proposto por

Randolph (2007, 2008) pretende ser construti-

vo à medida que procura ser uma “mediação”

entre essas contradições, ou seja, se propõe,

nada mais e nada menos, a superá-las. Nesse

contexto, o planejador aparece como mediador,

que contribuiria para a superação de contra-

dições. Por conseguinte, nesse caso, assume

funções da mais alta complexidade e converte-

-se, assim, em uma figura mediática da maior

importância para o avanço de uma transforma-

ção voltada para a racionalidade comunicativa,

para a construção de um espaço diferencial de

valores de uso e um pensamento cosmopolita

baseado nas experiências sociais das popula-

ções exploradas e oprimidas.

Um modo alternativo e subversivo de

planejar, segundo o autor, deve reconhecer as

contradições entre a cidadania formal e a cida-

dania substantiva, bem como trabalhar em no-

me da expansão de direitos de cidadania.

Não se trata, portanto, de propor mera-

mente um planejamento insurgente no nível

da transgressão, da revolta contra a ordem

instituída, mas, sim, um planejamento que se

proponha a criar um espaço diferencial. Um

planejamento que permita abrir perspectivas

de transformação social, de construção de uma

outra ordem, mediante a subversão da ordem

vigente, que não se traduz pelo incentivo à vio-

lência, à destruição. Trata-se de superar a visão

do planejamento como monopólio do Estado

e passar da identificação de necessidades e

prioridades pelo Estado, para a identificação

de necessidade e prioridades por parte da po-

pulação. Não no âmbito dos espaços de poder,

mas no âmbito dos espaços cotidianos das prá-

ticas sociais e espaciais que podem dar origem

a formas substantivas de exercício de cidada-

nia, bem como do aproveitamento de outras

formas de apropriação dos recursos naturais e

das fontes de informação e de uma orientação

nova para práticas de planejamento.

A construção das mediações necessárias

prescindiria, assim, da autorização e concessão

de espaços de participação por parte do Esta-

do, o que abriria nesse sentido uma outra pers-

pectiva para a discussão da sustentabilidade

do desenvolvimento, mais próxima do caráter

da luta social que lhe deu origem.

Algumas considerações fi nais, ou como ser contra o desenvolvimento sustentável?

Sob o argumento de minimizar os impactos da

produção capitalista do espaço sobre o meio

ambiente, planejadores e técnicos de governo,

por sua vez, propugnam o desenvolvimento

urbano, ou mesmo o desenvolvimento susten-

tável, o turismo ecológico, a urbanização sus-

tentável controlada, a agricultura ecológica, o

zoneamento econômico-ecológico em escala

regional, etc. Esses discursos de planejamento,

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embora ambientalizados, vão de encontro às

próprias práticas de organização, regulação e

produção do espaço. Práticas que se revelam,

por assim dizer, ambíguas, no concernente à

sustentabilidade que se propõem a promover.

Nesse sentido, as propostas de desenvolvimen-

to sustentável e, por vezes, a ambientalização

do planejamento têm um fundo comum, por

assim dizer, instrumental que contribui para

esvaziar em parte o sentido social da questão

ambiental e para ocultar o caráter estratégico

que o espaço social assume para a reprodução

do capital na contemporaneidade.

De fato, a produção social do espaço em

si, necessária às diferentes esferas da reprodu-

ção social, envolve uma apropriação da natu-

reza e de espaços pré-existentes. Isto faz com

que as contradições e conflitos fundamentais

das sociedades contemporâneas voltem-se pa-

ra disputas em torno do espaço social diante

da reapropriação e ampliação espacial do do-

mínio da lógica capitalista.

A questão ambiental aparece, assim,

como mais uma expressão dos conflitos entre

diferentes formas de apropriação social (Porto-

-Gonçalves, 1992), tanto no nível das repre-

sentações como na própria materialidade dos

processos socioespaciais. A articulação entre

ambas dimensões constitui o cerne da pro-

blemática ambiental e é tanto condição como

resultado do processo de produção de transfor-

mações no espaço social.

Na luta pela dominação do espaço social,

aquilo que se pode, contemporaneamente, de-

signar de espaço natural, ou espaço absoluto

(Lefebvre,1991), torna-se na lógica capitalista

reserva de valor, objeto de cobiça e aparen-

temente escasso em relação às necessidades

capitalistas da reprodução das relações sociais

de produção. A questão ambiental contempo-

rânea e os conflitos sociais dela decorrentes,

assim, podem ser entendidas como a materia-

lização da contradição entre a apropriação e a

dominação social do espaço, que tem por base

a contradição entre valor de uso e valor de tro-

ca, como apontamos ao início.

Com a diluição da diferenciação rural-

-urbano, avanço da urbanização, e industriali-

zação da agricultura, o espaço como um todo

se converte em objeto de disputa de diferentes

lógicas e enfrentamentos sociais, que resul-

tam em impactos ambientais diferenciados.

Por um lado expandem-se as áreas urbanas,

por outro criam-se extensos desertos verdes

de monoculturas como parte de complexas

cadeias produtivas que articulam globalmente

diversos locais. Resultam daí crescentes pres-

sões pela ocupação e uso de áreas de preser-

vação e proteção ambiental, que se expressam

em conflitos entre a função social e ambiental

do espaço.

Tais conflitos decorrem, por um lado,

do ca ráter excludente da produção capitalis-

ta do espaço, que ao mesmo tempo em que

produz novos espaços urbanos, recupera es-

paços degradados, incorpora espaços a pro-

dução agroindustrial e alija desses espaços so-

cialmente produzidos e equipados crescentes

contingentes de trabalhadores. A esses restam

as periferias carentes de infraestruturas e equi-

pamentos, ou ainda as orlas de rios, lagoas e

mananciais e as encostas de morros. Por outro,

esses conflitos decorrem, também, da ânsia do

capital imobiliário em incorporar espaços com

amenidades naturais ao seu processo produti-

vo, como um fator diferencial, particular e não

reprodutível, para maximizar sua captura de

rendas diferenciais.

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Evidencia-se, assim, a interação ambien-

te “natural” e ambiente “construído”.

A partir do exposto até aqui, torna-se

patente a conformação de um paradigma que

combina e contrapõe dialeticamente diferentes

processos e esferas de reprodução social, que

podem ser entendidos como disputas e enfren-

tamentos pelo espaço necessário à reprodução

das diferentes esferas sociais (dos meios de

produção, da força de trabalho e da família).

A ambientalização do discurso do plane-

jamento pode contribuir, em última análise para

viabilizar a regulação e dominação do espaço

pelo capital e pelo Estado, ao garantir a aloca-

ção de recursos naturais necessária à acumula-

ção, bem como para manter e ampliar os siste-

mas hegemônicos de poder. Dessa forma, essa

ambientalização estaria relacionada ao caráter

geopolítico que assume a questão ambiental

contemporânea, uma vez que não se encon-

tram mais em causa apenas os interesses locais

e regionais – tratar-se-ia, sim, de uma nova in-

terface da inter-relação local-global, em que o

global busca interferir nos desígnios do local e

criar reservas ambientais para exploração futu-

ra controlada pelas forças hegemônicas.

Diversos estudos e pesquisas apontam

para a existência de uma lógica geral, não

transparente, que perpassa os diferentes pro-

cessos espaciais, que se manifestam como se

foram singulares e únicos, que marcam os lu-

gares de forma específica e particular, como se

algo novo estivesse emergindo (Carlos, 2010;

Lencioni, 2010).

Por conseguinte, as mudanças que ora

se impõem exigem novos cuidados metodoló-

gicos, e novos procedimentos de aproximação

ao real e à construção do objeto teórico, bem

como tornam obsoletos os instrumentos de

intervenção sobre o real – planejamento tecno-

crático, urbano, regional e ambiental.

De onde, se manifesta a importância

de uma economia política do espaço, que dê

conta da relação espaço, sociedade e meios

de produção, como um meio de superar os

aparentes hiatos em termos das escalas es-

paciais, dos níveis de governo e das arenas

políticas (Brandão, 2007) que atravessam as

relações entre os diferentes agentes e atores

relacionados à produção e apropriação social

do espaço.

Emergem, assim, diversas questões a se

considerar, que cabem ser apontadas como

perpectivas possíveis de trabalho. Destacam-

-se entre elas o mapeamento, a qualificação

e a necessidade de um novo olhar sobre os

agentes institucionais, os global players e ato-

res sociais envolvidos na produção social do

espaço. O que demanda voltar os olhos para o

papel do Estado e do poder público, de modo

a se ter meios de construir as mediações ne-

cessárias para superar o conflito latente entre

diferentes interesses articulados em distintas

escalas, as necessidades locais e a afirmação

de marcações sociais e identitárias de diferen-

tes grupos sociais.

Disputas e conflitos em torno do espa-

ço social, antes localizados e demarcados,

ganham agora outras escalas e significados

com a globalização dos mercados, dos fluxos

e crescente complexificação da divisão espa-

cial do trabalho, que perpassam as diferentes

esferas de reprodução social. Isso contribui de

forma dialética, em larga medida para o capi-

talismo contemporâneo assumir, mais do que

nunca, um caráter civilizatório (Ianni, 1997),

pretensamente progressista e moderniza-

dor, em nome da preservação ambiental e do

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desenvolvimento econômico e social, em esca-

la regional ou local. Por outro lado, a erupção

e multiplicação de conflitos sociais diversos em

torno do ambiente construído, dos ambientes

naturais, em síntese do espaço social, são uma

tradução da espaço-materialidade contempo-

rânea da contradição capital-trabalho, cuja

marca hoje é a instabilidade e volatilidade de

fixos e fluxos (Santos, 1996) que se manifesta

e imiscue em todos os aspectos e esferas da

vida social contemporânea.

Enfim, não há como menosprezar a per-

cepção do sistema capitalista, que vai muito

além das possibilidades de investimento finan-

ceiro e do desenvolvimento local e regional,

puro e simples em defesa da sustentabilidade

do desenvolvimento. A ideia de sustentabili-

dade, por seu caráter aparentemente inócuo

e neutro, propicia a articulação de interesses

diversos e de governos locais em diversos paí-

ses. Essa articulação em várias escalas emerge,

assim, como um terreno propício de cooptação

político-ideológica e de apaziguamento de

tensões sociais, em que em nome de um hipo-

tético futuro comum se abandonam projetos

de modernidade passados. A possibilidade de

construção de uma sociedade mais equânime,

a superação da exclusão social exige o reco-

nhecimento do caráter instrumental e político

da ideia de sustentabilidade e de que, mais do

que nunca, o espaço se tornou estratégico para

a reprodução das relações sociais de produção.

Assim, a cidade, como espaço de convergên-

cia, aglutinação e enfrentamento de diferen-

tes lógicas e interesses sociais, representa na

contemporaneidade um terreno crucial para a

construção de um espaço diferencial e de uma

sociedade mais equânime.

Ester LimonadArquiteta. Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. Professor Associado IV da Universidade Federal Fluminense. Niterói/RJ, [email protected]

Notas

(1) Disponível em: <h p://sustentabilidade.bancoreal.com.br/default.aspx?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_term=Sustentabilidade&utm_campaign=sustentabilidade>. Acesso em: 23 fev 2011.

(2) ISO 14000 são certificados criados na década de 1990 pela International Organization for Standar za on (ISO) atribuídos a empresas e ins tuições. Esses cer fi cados servem para atestar o cumprimento de um conjunto de normas e diretrizes rela vas à gestão ambiental por parte dessas empresas e ins tuições.

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Texto recebido em 8/out/2012Texto aprovado em 14/dez/2012

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500 anos em buscada sustentabilidade urbana

500 years in search of urban sustainability

Klemens Laschefski

ResumoEste artigo apresenta um resgate histórico do sur-

gimento do termo desenvolvimento sustentável.

Mostra que a busca pela sustentabilidade sempre

esteve vinculada às diversas crises dos modos de

produção do espaço feudal e capitalista. As analo-

gias em tempos recentes, demonstrado a partir da

aplicação do Estatuto da Cidade em Belo Horizon-

te, confi rmam a condição de insustentabilidade so-

cial das cidades urbano-industrial-capitalistas. Isso,

porque são benefi ciados empreendimentos imobi-

liários privados ditos sustentáveis que estimulam

a elitização do espaço. Propostas concretas para

as sociedades urbanas socialmente sustentáveis

apresentam elementos comuns à ilha Utopia, dos

escritos de Thomas Morus, de 500 anos atrás, rea-

fi rmando a necessidade de considerar a categoria

espaço como produto social e as relações de poder

sobre o território na conceituação da sustentabili-

dade urbana.

Palavras-chave: sustentabilidade urbana; desigual-

dade social; produção do espaço; empreendedoris-

mo imobiliário; marginalização; justiça ambiental.

AbstractThis article presents a historical review of the origins of the term sustainable development. It shows that the search for sustainability has always been connected with the several crises of the modes of production of the feudal and capitalist space. The analogies in recent times confirm the condition of social unsustainability of the urban-industrial-capitalist cities, which is shown through the application of Brazil’s City Statute to the municipality of Belo Horizonte. The reason for this is that it benefits the so-called sustainable, privately-owned real estate undertakings, which stimulates the elitization of space. Concrete proposals for socially sustainable urban societies have similarities with the Island of Utopia, from the writings of Thomas More 500 years ago, reaffirming the need to consider the category “space” as a social product, and the power relations over territory within the conceptualization of urban sustainability.

Keywords: urban sustainability; social inequality; production of space; real estate undertakings; marginalization; environmental justice.

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Klemens Laschefski

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Introdução

O documento final da Conferência das Nações

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de-

nominada “Rio+20”, enfatiza a chamada eco-

nomia verde como uma ferramenta importante

para a “erradicação da pobreza” e a manuten-

ção do “funcionamento saudável dos ecossis-

temas da Terra” (Nações Unidas, 2012, p. 9). Ao

nosso ver, a consagração do termo economia verde consolida o discurso que concebe a sus-

tentabilidade como um conjunto de problemas

técnicos e administrativos que visam solucionar

as questões sociais e ambientais contemporâ-

neas adequando o sistema econômico atual.

Essa tendência é resultado da confluência das

políticas neoliberais e das políticas ambientais

internacionais, ocorrida nos anos 1990, refe-

rendadas, por um lado, pela Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o De-

senvolvimento (CNUMAD), conhecida também

como Rio-92, e, por outro lado, pela funda-

ção da Organização Mundial do Comércio em

1995. Assim, não surpreende que a economia verde seja considerada, no documento final da

Rio+20, um meio para “[...] oferecer opções

para decisão política, sem ser um conjunto rí-

gido de regras” (Nações Unidas, 2012, p. 9).

Entendemos que, com essa confluência das po-

líticas ambientais e neoliberais, houve, de fato,

um afastamento do conteúdo político da crítica

ambiental que surgiu a partir dos anos 1960 e

que intensificou fortemente, na época, a busca

por alternativas para a sociedade dita moderna

diante da insustentabilidade dos modelos de

desenvolvimento baseadas na industrialização.

Porém, apesar do sucesso dos discursos

sobre soluções “pragmáticas” para alcançar o

desenvolvimento sustentável, que mobilizaram

e mobilizam inúmeros agentes de instituições

públicas, entidades da sociedade civil, setor pri-

vado e academia, não foram produzidos resul-

tados significativos que indicam um caminho

claro para o “futuro que queremos”. Ao con-

trário, numa perspectiva global, nada indica o

fim do agravamento dos problemas ambientais

e da desigualdade social.

Diante disso, esse trabalho procura

retomar a crítica política às contradições

inerentes à sociedade urbano-industrial-ca-

pitalista, visando analisar o que chamamos

aqui crise da busca da sociedade sustentável.

Partimos da hipótese que o surgimento des-

sas contradições não são processos recentes,

mas têm suas raízes em processos históricos

que transformaram as relações da socieda-

de com o meio físico. Tal observação parece

óbvia, já que é amplamente reconhecido que

os processos de industrialização e os novos

processos de urbanização induzidos por ela,

transformaram a “cara” do mundo. No en-

tanto, embora muitos discursos se refiram às

questões espaciais de forma descritiva, não se

iniciou ainda um debate que problematize a

sociedade urbano-industrial no que diz res-

peito à sua espacialidade. Consequentemen-

te, observamos que as relações socioespaciais

como elementos importantes para analisar o

“pano de fundo” da situação de não-susten-

tabilidade são negligenciadas. Nessa perspec-

tiva, procuramos mostrar que as questões da

sustentabilidade estão, na verdade, relacio-

nadas às formas contraditórias de produção

e reprodução do espaço na sociedade moder-

na. Trata-se, então, de acordo com Lefèbvre

(1994), de uma crise da atual produção polí-

tica e social do espaço.

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500 anos em busca de sustentabilidade urbana

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Após uma breve reflexão sobre a origem

e o atual significado do termo desenvolvi-

mento sustentável, mostramos que o adjetivo

sustentável já foi utilizado em discursos so-

bre a crise econômica do século XVII e XVIII

causada pela escassez de madeira (Carlowitz,

1713/2000), que apresentam semelhanças

com os debates atuais sobre a limitação de re-

cursos naturais e o consumo de energia. Essa

crise ocorreu às vésperas da ascendência do

capitalismo industrial, sendo originada nos

conflitos socioterritoriais que marcaram a Ida-

de Média tardia, os quais resultaram na recon-

figuração dos direitos de uso e posse da terra.

Segundo Lefèbvre (2004), trata-se da mudança

funcional do modo de produção do espaço que

antes girava em torno da cidade comercial e

passa a girar em torno da cidade industrial.

Nesse processo, emergem novas formas de de-

sigualdade social que permanecem até os dias

de hoje. Sobre essa base, analisamos processos

recentes de avanço do modo de produção do

espaço urbano-industrial-capitalista no Brasil,

traçando um paralelo com acontecimentos

históricos da Europa central. Finalmente, pro-

curamos mostrar que os atuais discursos sobre

cidades sustentáveis apresentam elementos

já delineados por Thomas Morus há 500 anos

atrás, quando ele apresentou a sua ficção do

sistema espacial da sociedade Utopia.

As origens da noção da sustentabilidade

De acordo com a maioria dos livros especiali-

zados, o termo desenvolvimento sustentável

foi empregado, pela primeira vez, no contexto

da política internacional, no relatório intitulado

World Conservation Stratagy – Living resource

conservation for sustainable development,

publicado em 1980 pela IUCN (International

Union for the Conservation of Nature). Esse re-

latório resume os principais pontos debatidos

na época em relação às falhas das políticas

para o desenvolvimento de países do então

chamado Terceiro Mundo. As discussões se con-

centraram em aspectos econômicos sem consi-

derar os aspectos sociais e, sobretudo, os eco-

lógicos. Diante das consequências de questões

como o agravamento da pobreza, os proble-

mas ambientais e a depredação dos recursos

naturais, o relatório aponta como estratégia a

reformulação e ampliação dos objetivos do de-

senvolvimento, considerando a “limitação dos

recursos” e a “capacidade de carga” (carrying

capacity) dos ecossistemas. Além disso, os au-

tores do relatório destacam as necessidades

das gerações futuras como parâmetro para

”[...] providenciar o bem-estar social e econô-

mico. O objetivo da conservação é de segurar a

capacidade da Terra para sustentar o desenvol-

vimento e apoiar toda vida (IUCN, 1980, p. I,

tradução nossa). A argumentação faz referên-

cias às principais ameaças ao modelo de de-

senvolvimento, detectadas por Meadows et

al. (1972), entre as quais estão o crescimento

exponencial da população e da economia, que

deveriam ser limitados para evitar a sobrecar-

ga do planeta. Os autores utilizaram também

o termo sustentável, mas referindo-se a um sis-

tema mundo, no sentido físico, que fosse ”[...]

1) Sustentável, sem colapso súbito e incon-

trolável [...] [e] 2) [...] Capaz de satisfazer aos

requisitos materiais básicos de todos os seus

habitantes” (Meadows et al., 1972, p. 158).

Esse livro gerou muita polêmica nos debates

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políticos internacionais devido à sua demanda

pelo “crescimento zero” das curvas de cresci-

mento econômico e populacional, pois colocou

em questão o modelo do desenvolvimento eco-

nômico em vigor. O relatório da IUCN signifi-

cava, portanto, o esboço de um discurso mais

ou menos consensual de resgate do termo

desenvolvimento, porém adjetivado como sus-

tentável. Dessa forma, o texto virou base para

a definição do termo pela Comissão Mundial

sobre Meio Ambiente das Nações Unidas, que

o define no chamado Relatório Brundtland, em

1987, como "[...] o desenvolvimento que satis-

faz as necessidades atuais sem comprometer

a habilidade das futuras gerações em satisfa-

zer suas necessidades" (CMMD, 1991, p. 9).

Porém, chamamos atenção à continuação do

texto, em que consta:

o conceito de desenvolvimento susten-tável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da orga-nização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da bios-fera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico. (CMMD, 1991, p. 9)

Com esse resgate, a ideia de que o cres-

cimento econômico é o principal motor do

desenvolvimento sustentável é amplamente

aceita até os dias atuais. Para concretizar es-

sas tarefas apostava-se em “ajustes” através

do progresso da ciência que possibilitasse o

desenvolvimento de técnicas limpas e estra-

tégias de mitigação e compensação de im-

pactos ambientais; estratégias administrativas

subsumidas na gestão ambiental. Tais medidas

têm sua origem no conceito de modernização

ecológica, introduzido por Huber (1982), en-

tendido como progresso tecnológico que ini-

ciaria uma fase de “superindustrialização” dos

processos produtivos que, ao mesmo tempo,

apresentariam soluções para os problemas am-

bientais. Além disso, houve um reconhecimen-

to de que as políticas públicas deveriam ser

elaboradas de forma participativa, a exemplo

das iniciativas de formular Agendas 21 nacio-

nais e locais que objetivam a definição de me-

tas concretas para conciliar os interesses eco-

nômicos, sociais e ambientais, na esperança de

alcançar o consenso a respeito dos caminhos

para a sustentabilidade. É nesse sentido que

observamos as teses do Relatório Brundtland,

produzido em 1987, reafirmadas no lema eco-

nomia verde postulado na Conferência Rio+20

em 2012.

Apesar do surgimento de mercados bas-

tante expressivos para algumas atividades que

podem ser encaixadas na economia verde, há,

como aludimos, um certo consenso de que es-

tamos distante de solucionar questões como a

pobreza e a crise ambiental global, ou seja, es-

tamos distante da justiça intra e intergeracio-

nal e do equilíbrio ecológico. Isso porque, se-

guindo o raciocínio de Sachs (2000), as estra-

tégias supracitadas buscam consertar as falhas

do modelo de desenvolvimento por intermédio

do próprio desenvolvimento, desviando-se,

assim, das contradições inerentes à sociedade

urbano-industrial, principalmente no sistema

capitalista. Como indicamos, tais contradições

não são um fenômeno recente, pois acompa-

nharam a história da ascendência da sociedade

urbano-industrial-capitalista, na inflexão do

agrário para o urbano (Lefèbvre, 2004), que

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induzia ao fim dos modos feudais de produção

do espaço.

A crise da sustentabilidade do feudalismo como berço do capitalismo

Como anunciamos, há autores que atribuem a

origem do termo sustentável a uma publicação

alemã de Hans von Carlowitz do ano 1713.1

Nela, o autor se refere à necessidade do mane-

jo florestal racional para combater a carência

de madeira da época, que, segundo ele, amea-

çava a economia do país:

Onde o dano surge da negligência do tra-balho cresce a pobreza e a carência dos humanos. Também não é possível a pro-dução de madeira tão rápida como na agricultura [...] Por isso, a arte, a ciência, o desempenho e a organização mais per-feita é realizar uma conservação e uso da madeira de tal maneira que se alcançasse o seu uso durável, continuo e sustentável, por que se trata de uma coisa indispensá-vel, pois, sem isso, o país não consegui-ria manter a sua existência. (Carlowitz, 1713/2000), pp. 105-106, grifo nosso)

Esse trecho é frequentemente citado co-

mo a primeira menção ao manejo sustentável

no ramo da economia florestal. Contudo, o que

nos interessa aqui é o contexto socioeconômi-

co que serviu como justificativa para a apresen-

tação dessa proposta.

Antes de entrar nessa temática, cabe

lembrar que a obra de Carlowitz representa

uma sistematização do conhecimento acumu-

lado por vários séculos pelas autoridades –

senhores pertencentes à aristocracia, à igreja,

aos monastérios; donos da terra que também

ocupavam funções da administração e jurisdi-

ção. Assim, de certa forma, a proposta reflete

as visões e desejos dos senhores de tornarem

as florestas mais produtivas. Já naquela época,

não se tratou apenas de um discurso técnico

embutido numa racionalidade econômica, mas

do resultado da luta conflituosa entre autori-

dade e súditos pela “hegemonia de opinião”

(Fetzer, 2002), que, afinal, contribuiu para a

superação do modo de produção do espaço do

sistema feudal.

Os conflitos sobre o uso das florestas

tiveram início na Idade Média e se multiplica-

ram, sobretudo no século XVI, culminando na

Guerra dos Camponeses (1524-1525). De mo-

do geral, a revolta é interpretada como uma

revolução contra a exploração econômica e a

opressão sobre os súditos, exercida de forma

cada vez mais abusada pelos senhores. As rei-

vindicações dos camponeses foram resumidas

nos 12 Artigos de Memmingen, que pautaram

assuntos como a eleição livre dos padres, a

abolição da servidão, regulamentos relativos

ao décimo e aos serviços prestados aos senho-

res. Trata-se do primeiro documento conhecido

no qual os camponeses referiam-se a um dis-

curso religioso; era influenciado pelo movi-

mento reformista de Martinho Lutero, embora

o padre tenha se distanciado radicalmente dos

camponeses por causa da violência dos confli-

tos (Lutero, 1996). Por outro lado, um admira-

dor de Lutero, o teólogo Thomas Münzer, padre

da cidade alemã Mühlhausen, se envolveu nas

guerras dos camponeses, inclusive justificando

a violência com palavras da Bíblia: “Não pen-

seis que vim trazer paz à terra; não vim tra-

zer paz, mas espada”. De certa forma, essas

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influências contribuíram para que os campone-

ses se apropriassem da Bíblia para reforçar as

suas reivindicações. O resultado foi o estímulo

ao debate sobre o assunto entre os senhores, já

que a Bíblia, naqueles tempos, legitimava um

discurso hegemônico, que sustentava a ordem

social da sociedade medieval e pós-medieval.

Em função dos objetivos deste trabalho,

destacamos as reivindicações dos camponeses

relativas aos direitos sobre o uso da terra:

4) Não é fraternal e compatível com a palavra de Deus que o homem pobre não obtém poder de capturar animais selva-gens, aves e peixes. Pois, quando Deus o Senhor criou o homem, ele deu a ele o po-der sobre todos os animais, o pássaro e o peixe na água. 5) Os senhores se apropriaram das flo-restas. Quando o homem pobre necessita algo [das florestas] ele precisa comprá-lo com o dobro de dinheiro. Por isso, todas as florestas que não foram compradas [as florestas anteriormente comuns, apropria-das pelos senhores] devem ser devolvidas para a comunidade, para que todos pos-sam satisfazer suas necessidades de ma-deira para a construção e lenha. [...] 10) Muitos se apropriaram dos pastos e das lavouras que eram posse da comu-nidade. Queremos essas de volta em nos-sas mãos. (Blickle, 2004, pp. 26-27, tradu-ção nossa, resumido)

Analisando a citação, observa-se que a

luta dos camponeses não era apenas contra os

abusos de poder pela nobreza. Um dos princi-

pais focos era o restabelecimento e fortaleci-

mento do modo de produção do espaço basea-

do nos direitos de uso comum, que eram cada

vez mais desrespeitados pela nobreza, amea-

çando o sustento dos camponeses; era uma

luta em torno da distribuição do poder sobre o

território. Em outras palavras, a população rural

defendia a sustentabilidade de suas formas de

vida, colocando o acesso à terra e aos recursos

naturais na perspectiva de direitos que garan-

tissem sua existência. De fato, os 12 artigos de

Memmingen são considerados, hoje, como a

primeira manifestação escrita de reivindicação

de direitos humanos universais (Blickle, 2004).

Assim, podemos interpretar essa “revolução do

homem comum” (Bickle, 2004) como luta por

justiça ambiental.

Apesar de os camponeses, depois da

revolta, terem sido considerados derrotados,

nos anos subsequentes iniciaram-se reformas

que resultaram, em 1555, na formalização do

direito ao recurso individual ou coletivo dos

súditos contra as ações dos senhores, nas ins-

tâncias mais altas da ordem jurídica do então

denominado Sacro Império Romano da Nação

Germânica. Em consequência, surgiu um siste-

ma complexo de jurisprudência sobre o uso das

florestas, constituído em dominium utilis (di-

reitos de uso), dominium directum (direitos de

posse) e dominium pleno (direito pleno de uso

e posse). Nesse conjunto, os direitos das famí-

lias de usufruir das florestas de forma a garan-

tir o necessário para a sua existência tornou-se

um dos pontos mais disputados. Essa norma,

chamada Hausnotdurft (Fetzer, 2002, p. 251),

abrangeu, além do direito da retirada de lenha

e de madeira para construir, entre outras coi-

sas, casas e cercas, também sistemas combina-

dos de pastagem e produção florestal (sistemas

silvipastoris). O direito da Hausnotdurft preva-

leceu sobre o uso particular pela autoridade,

como, por exemplo, para a produção do mer-

cado. Assim, os usos particulares foram limi-

tados pelo uso comum das florestas. Contudo,

em decorrência da degradação das florestas,

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causada principalmente pelo crescimento po-

pulacional, essa norma foi cada vez mais ques-

tionada pela nobreza, que alegava não se tra-

tar de um direito, mas apenas de uma permis-

são ou um ato de clemência nos seus domínios

(Grundherrschaften). Os conflitos entre os súdi-

tos – que defendiam seus direitos comuns – e

os senhores – que reivindicavam seus direitos à

propriedade (Eigentum) – se estenderam até o

século XVIII, quando ocorre a passagem do sis-

tema feudal para o capitalismo. Em decorrência

da ampliação das relações mercantis, tornou-se

frequente a venda dos direitos de uso das flo-

restas comunitárias ou de seus produtos (ma-

deira ou outros produtos florestais) para obter

renda monetária – não apenas pela nobreza,

mas também pelas próprias comunidades cam-

ponesas. Em consequência, a nobreza procurou

sistematizar a contabilização, o destino do uso

das florestas, separando quantitativamente as

necessidades para a Hausnotdurft e para a co-

mercialização. Como essa nova forma de ren-

da monetária permitia sanar as necessidades

básicas dos camponeses por meio do mercado

ao invés da produção própria, os limites entre

a produção para o autoconsumo e para a co-

mercialização ficaram cada vez menos claros.

Diante da crescente complexidade dos cálculos,

iniciou-se a busca pelo uso racional das flores-

tas baseado em métodos científicos, cujos re-

sultados foram gradativamente utilizados para

enfraquecer o direito à Hausnotdurft. Aos pou-

cos, aumentou também a venda das próprias

florestas, gerando uma onda de processos jurí-

dicos (Fetzer, 2002).

Essas breves considerações mostram

a complexidade das normas política e social-

mente construídas que determinaram o modo

de produção do espaço e, assim, a apropriação

material do território durante o feudalismo.

Também explicam por que esse sistema se

manteve por tanto tempo, elucidando o “de-

senvolvimento tardio” de algumas regiões

alemãs. Numa outra leitura, a relativa estabi-

lidade do sistema feudal era fruto do aparelho

jurídico desenhado para tratar e mediar os

“conflitos dos súditos” (Untertanenkonflikte),

obrigando as partes de debater suas posições

num espaço formalmente circunscrito. Tal fato

fornece uma explicação para a suposta falta

de potencial revolucionário nos séculos pos-

teriores à guerra dos camponeses. Porém, é

preciso destacar que a maioria dos processos

jurídicos, que frequentemente duravam déca-

das, beneficiava os poderes hegemônicos, in-

troduzindo, assim, as condições básicas para a

implementação do modo de produção capita-

lista do espaço.

O que é interessante nesse contexto é

que os senhores, na sua argumentação para

derrubar os direitos comunitários, obliteraram

o crescimento populacional expressivo como

uma das causas da superexploração das flo-

restas. Esse era, em princípio, um argumento

relevante, pois a circulação restrita de merca-

dorias impossibilitava a troca à longa distância

da maioria dos produtos. Consequentemente,

o aumento da produtividade para a subsis-

tência das famílias camponesas seria uma

contribuição importante para a consolidação

de uma sustentabilidade social. Contudo, ao

invés disso, os senhores enfatizavam, nas suas

justificativas, o mau uso da Allmende (terras

comum) pelos camponeses, reivindicando, as-

sim, a diminuição dos direitos e promovendo o

manejo racional das florestas organizado pelos

estudiosos da elite, culminando na sistematiza-

ção desse conhecimento na obra de Carlowitz,

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escrita em 1713. O resultado foi a progressiva

apropriação das florestas pelos senhores como

propriedade privada, com a finalidade de pro-

duzir excedentes de madeira de boa qualidade,

o que não era possível nos sistemas de uso

múltiplo dos camponeses. Com o impedimento

de outros usos, sobretudo os sistemas silvipas-

toris, iniciou-se o processo que chamamos aqui

de monoculturização econômica das florestas.

Nesse contexto, as florestas são subordinadas

ao valor de troca para atender à crescente de-

manda dos mercados externos por madeira,

perdendo sua função de sustentar as formas de

vida no campo, guiadas pelos valores de uso.

O manejo fl orestal no contexto da consolidação do sistema urbano-industrial-capitalista

A compreensão do papel do manejo susten-

tável no âmbito do surgimento da socieda-

de urbano-industrial-capitalista fica mais

clara quando analisamos as justificativas de

Carlowitz (1713/2000) para a introdução do

novo sistema. Para ele, as principais causas pa-

ra a escassez da madeira eram – além dos pon-

tos já citados – a demanda da mineração de

prata nas montanhas do Erzgebirge (uma área

montanhosa na Alemanha central), a constru-

ção de navios, a quantidade elevada de madei-

ra usada como material de construção nas cres-

centes cidades e o uso de carvão vegetal nos

vários ramos da metalurgia. De fato, Carlowitz

(1713/2000) se referiu a uma crise energética

que, na época, afetava toda a vida social e eco-

nômica, cuja principal fonte de energia era a

madeira. Era uma crise da escassez de recursos

devido à transformação de uma sociedade

agrária em sociedade urbano-industrial.

Considerando esse contexto socioeco-

nômico, o manejo sustentável defendido por

Carlowitz foi, possivelmente, a primeira propos-

ta de “modernização ecológica”, pois ele não

questionou os processos de industrialização e

urbanização subjacente à crise detectada, mas

apenas apresentou a possibilidade de resolver

o problema por meios técnicos, aumentando a

produção de madeira. Por outro lado, apontou

o desencontro temporal entre os ciclos de cres-

cimento das florestas e os ciclos econômicos,

reconhecendo, de certa forma, uma limitação

do crescimento da produção. Cabe lembrar que,

embora o centro da atenção fossem as cres-

centes demandas industriais, quando fala da

necessidade do aumento da produtividade pa-

ra garantir a Notdurft ou Hausnotdurft, o autor

lembrou-se da função social das florestas para

as finalidades existenciais comuns. Porém, a so-

lução do problema é apresentada como exclu-

sivamente técnica e administrativa, sem consi-

derar a questão do direito ao uso do território

e os conflitos sobre a terra. Anunciavam-se,

então, as temáticas que ainda causam discor-

dâncias entre cornucopianos e malthusionos2

nos debates contemporâneos sobre justiça am-

biental e desenvolvimento sustentável.

A insustentabilidade do modo de produção capitalista do espaço

Numa outra leitura, podemos interpretar que

o sistema de manejo florestal de Carlowitz

foi adotado para fomentar o crescimento

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econômico à custa da sustentabilidade das co-

munidades camponesas. Aparentemente, a es-

tratégia teve sucesso. Inicialmente, foram plan-

tadas florestas mistas com espécies nativas,

substituídas por plantações de monoculturas

com espécies exóticas, como a conífera Picea

excelsa. Em consequência, a cobertura de flo-

restas na Alemanha, hoje, é maior do que nos

tempos de Carlowitz (Schmidt, 2007).

Contudo, tal fato não é consequência de

uma política que visava ajustar o desenvolvi-

mento ao ritmo da regeneração dos recursos

naturais. Na verdade, a floresta perdeu sua

impor tância como recurso, pois a madeira, co-

mo fonte principal de energia, foi substituída

por carvão mineral, petróleo, energia nuclear,

entre outros, o que diminuiu a pressão pela

exploração das florestas. Além disso, com a

consolidação do colonialismo e do imperialis-

mo em nível global, estava em plena expansão

o modo de produção capitalista do espaço,

com a ampliação das relações mercantis e da

subordinação de outros territórios. Posterior-

mente, na era pós-colonial, a apropriação terri-

torial das sociedades industriais se intensificou

por meio de relações comerciais desiguais, que

tornaram as nações “em desenvolvimento”

fornecedores de matéria-prima e produtos se-

mifabricados de baixo custo. A diferença da

produção de mais-valia desses produtos em

comparação com aqueles industrializados pe-

los países de centro configurou uma situação

de dependência econômica dos países peri-

féricos, que só podiam adquirir os produtos

industrializados por meio de endividamento

externo. Essa troca desigual, a chamada tese

de Singer-Prebisch, configurou um teorema

central na corrente da teoria da dependência

(Toye e Toye, 2003). A apropriação territorial

dos países do centro oriunda de tais relações

desiguais se apresenta ainda mais expressiva

quando consideramos a “mochila ecológica”,

ou seja, a quantidade de material e energia

acumulada durante os processos de produ-

ção de bens para exportação (Schmidt-Bleek,

1994). Para se ter uma ideia, 43% da produ-

ção total de energia no Brasil são consumidos

nos processos produtivos de bens destinados

à exportação (Bermann, 2011). Essa forma

do sobre-consumo dos países centrais à custa

das nações periféricas pode ser quantificada

com base em conceitos como espaço ambien-

tal (Opschoor e Weterings, 1994) e pegada

ecológica (Wacker-Nagel e Rees, 1996). Tais

abordagens se referem à quantidade de solo,

energia, água e matéria-prima não renovável

necessária para os padrões de consumo de

determinadas sociedades. Tais conceitos per-

mitem identificar desequilíbrios em relação à

equidade global, ideia normativa segundo a

qual todo cidadão do planeta tem o mesmo

direito de usufruir os recursos naturais. A títu-

lo de exemplo citamos os cálculos do Global

Footprint Network que indicam que seriam ne-

cessárias 2,57 terras se toda a população glo-

bal tivesse a mesma pegada ecológica que os

cidadãos alemães (Global Footprint Network,

2012a). No caso do Brasil, seriam apenas

1,67 terras, contudo com tendência crescente

(Global Footprint Network, 2012b), indicando

que existe uma injustiça entre os dois países,

com a ressalva de que ambos têm que redu-

zir o seu consumo per capita para alcançar a

equidade global. Embora essas propostas utili-

zem critérios que ainda estão causando inten-

sos debates, elas estimulam a discussão sobre

a troca ecológica desigual (Rice, 2009), que

faz referência à tese da troca desigual citada

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acima. Nesse contexto, a dívida econômica

dos países periféricos é contraposta à dívida

ecológica dos países do centro, sob a alegação

que o processo de crescimento econômico foi,

na verdade, subsidiado pela apropriação do

espaço ambiental. Essa interpretação justifica

as reivindicações para o perdão das dívidas

dos países periféricos ou para o pagamento de

compensações.

Entretanto, Pádua (2000) apontou a ina-

dequação da associação da dívida ecológica ao

consumo médio de países diante as desigual-

dades sociais internas, já que em países emer-

gentes existem classes sociais com patamares

de consumo equivalentes aos dos países do

centro. Essa observação nos leva de volta às

desigualdades sociais presentes nas próprias

cidades, onde as áreas urbanas são locais de

consumo elevado e o campo é transformado

em área de sustentação desse consumo, re-

forçando o processo de produção capitalista

do espaço. Porém, não podemos esquecer os

espaços periféricos urbanos, onde se concentra

a população que luta pelo acesso ao consumo

e também ao território, como aprofundaremos

mais adiante. Assim, é necessário ressaltar que

a sustentabilidade social não se restringe ape-

nas à questão de distribuição dos recursos, que

pode ser reduzida às formas de produção de

riquezas abstratas com base no valor de troca

e, assim, aos debates clássicos entre a econo-

mia de mercado e de estado. Ao invés disso, a

busca pela sustentabilidade tem que considerar

outras formas sociais de apropriação material e

simbólica da natureza e do meio ambiente, que

foge dos princípios de produção do espaço das

sociedades modernas.

Diante do exposto, podemos ver que,

na discussão sobre a insustentabilidade do

modelo de desenvolvimento, a dimensão es-

pacial é tratada de forma abstrata. Por isso,

para ilustrar melhor as consequências da ex-

pansão do modo de produção espaço capita-

lista, focalizamos aqui sua materialização no

espaço vivido. Não se pode negar que esse

processo resultou numa forte reconfiguração

territorial de abrangência global, caracteri-

zada pela concentração de grande parte da

população nos centros urbanos. No entan-

to, sua hinterlândia, denominado campo ou

zona rural, geralmente é negligenciado na

discussão sobre a sustentabilidade urbana, fi-

cando subordinado às diversas demandas das

cidades e se configurando como um mosaico

de recortes espaciais uniformes para a pro-

dução de alimentos e matéria-prima para as

indústrias. A produção agrícola, nesse contex-

to, segue a mesma lógica da produção indus-

trial, produzindo exclusivamente mercadorias

específicas com ajuda de novas tecnologias,

agroquímicos e maquinário específico. Tais

”paisagens industriais” passam a fazer siste-

micamente parte do ”urbano” e perdem suas

características, frequentemente subsumidas

no termo ”rural”. Com a expansão das lavou-

ras extensas, por exemplo, foram extintos mo-

dos de produção do espaço de grupos rurais,

como camponeses, povos indígenas e outras

populações tradicionais. Em consequência,

processos como o êxodo rural – estimulado,

por um lado, pela perspectiva de emprego

remunerado e, por outro, pela apropriação de

terras camponesas nas mais variadas formas,

descritas por Marx como acumulação primiti-

va – resultam na monoculturização ecológica

e social do campo. O termo monoculturização

também é usado aqui para se referir à subor-

dinação de áreas de diversidade ecológica e

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cultural a usos especializados de territórios,

como o faz a mineração e as hidrelétricas.

Com a ampliação das possibilidades de

transporte e armazenagem, a globalização e a

flexibilização dos mercados, a hinterlândia dos

espaços urbanos se torna cada vez mais dis-

persa, fluida, impossível de ser relacionada a

territórios com limites concretos. Diante disso,

a territorialidade da cidade moderna apenas

pode ser entendida como elemento concen-

trador de trocas em redes que abrangem o

espaço global como um todo, dominado, nas

palavras de Santos (1996), pelo meio técnico-

-científico-informacional necessário para sua

organização. A cidade moderna, então, encon-

tra-se numa situação de competição, não ape-

nas no que se refere à alocação de mercados,

mas também em relação à incorporação de

espaço(s) ambiental(is).

As grandes teorias de desenvolvimen-

to que surgiram na época da descolonização,

depois da Segunda Guerra Mundial, previram

a reproduzir o processo histórico de moder-

nização urbano-industrial nos recém-criados

Estados-nação de forma planejada em poucas

décadas. No Brasil, investiu-se na criação de

“polos de crescimento econômico” (Perroux,

1967), estimulados por políticas de investimen-

to em indústrias-chave. Esperava-se que, após

a chamada fase take off (deslanchamento), ini-

ciada pela geração de renda nessas indústrias

e a inclusão de alguns segmentos sociais no

mercado, surgiria um processo “bola de neve”

que beneficiaria a sociedade como um todo.

Isso porque os trabalhadores assalariados, por

sua vez, aqueceriam a economia em função da

demanda por alimentos, roupas, entre outros.

Consequentemente, outras indústrias e servi-

ços seriam atraídas, os quais, de novo, gerariam

renda e oportunidades de emprego. Esperava-

-se que, dessa maneira, seria alcançada a in-

serção social de todos os membros dessa no-

va sociedade urbano-industrial-capitalista no

mercado, estimulando o consumo em massa,

garantindo, assim, o crescimento “autossusten-

tado” e o bem-estar da nação (Rostow, 1956).

Esses princípios básicos do desenvolvi-

mento ainda permeiam, de forma modificada,

as políticas urbanas atuais, sobretudo no Bra-

sil. Isso, apesar dos debates sobre as limitações

dessa concepção para alcançar o mesmo nível

de desenvolvimento dos países de centro dian-

te da situação de dependência provocada pela

situação da troca desigual e da situação con-

correncial na luta pelo espaço ambiental.

Também em relação a outros aspectos,

as visões idealizadas sobre o desenvolvimen-

to urbano-industrial negligenciam o processo

histórico bastante contraditório da formação

das cidades industriais europeias, com conse-

quências hoje denominadas não sustentáveis,

que se repetem, em parte, nos chamados paí-

ses em desenvolvimento. Na Europa, a oferta

de emprego na fase inicial da industrialização,

por exemplo, provocou um inchaço popula-

cional nos centros urbanos, que, combinado

com a exploração ilimitada dos trabalhadores

industriais, envolvendo até o trabalho infantil,

criou condições extremamente insalubres e

gerou profundas tensões sociais. Nos centros

industriais de Londres e Hamburgo, por exem-

plo, a construção de moradias, a infraestrutura

sanitária, os serviços sociais e os sistemas de

saúde não acompanharam tais dinâmicas. As

condições de vida pioraram drasticamente, a

ponto de o mau estado de saúde dos trabalha-

dores ameaçar a própria acumulação do capi-

tal, sobretudo nos casos de epidemias. Exemplo

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disso foi a epidemia de cólera em Hamburgo,

em 1892, que matou 8.600 habitantes, com re-

flexos profundos na economia local. Segundo

Schubert (1993), a epidemia foi motivo para

a adoção de políticas públicas para a reestru-

turação urbana, que envolveram, entre outras

ações, a construção de moradias adequadas,

um sistema eficiente de abastecimento de

água, postos de saúde e um programa de revi-

talização construtiva de bairros populares. Inte-

ressante notar que, já em publicações de 1906,

foi mencionado que tais medidas – que, nos

dias de hoje, são recorrentes no planejamento

ambiental urbano –, propiciaram, além do me-

lhoramento da qualidade de vida para alguns, a

especulação imobiliária e a concorrência entre

edifícios comerciais e administrativos e prédios

residenciais nos centros da cidade, processo

chamado em inglês de city building. Os bairros

populares, em decorrência do melhoramento

da infraestrutura dos meios de transporte de

massa, foram construídos fora dos limites da

cidade, indicando um processo de aprofunda-

mento da segregação social (Schubert, 1993).

Analisando o processo de urbanização

de Belo Horizonte, podemos observar – mes-

mo sem uma cisão tão impactante como aque-

le gerada pela cólera em Hamburgo – pro-

cessos semelhantes. Trata-se de um exemplo

de cidade planejada na concepção moderna

urbano-industrial delineada acima. O espaço

urbano era, inicialmente, planejado de acordo

com determinadas funções sociais, econômi-

cas e administrativas, que ainda se refletem

em nomes de bairros como Cidade industrial,

Funcionários, entre outros. Os planejadores

focalizaram as “condições de produção” para

indústrias-chave ligadas à siderurgia e meta-

lurgia em função das riquezas de minério nos

seus arredores, com os setores de serviços ad-

ministrativos e de comércio para atrair investi-

dores internos e externos. De fato, foram prin-

cipalmente as mineradoras de países europeus

que se apropriaram de grandes terrenos, ex-

plorando matéria-prima e produtos semifabri-

cados, enquanto a maior parte da produção de

mais-valia acontecia em seus países de origem.

Apenas posteriormente se instalaram indús-

trias de fabricação de máquinas e automóveis

destinados ao mercado interno.

Contudo, como em muitas outras cida-

des de países “em desenvolvimento”, a con se-

quência de tais políticas foi o desencadea mento

de processos incontroláveis, como a migração

rural e a periferização do espaço urbano. Tais

fatos tornaram necessária a criação do Plambel

(Planejamento Metropolitano de Belo Horizon-

te), pela Lei Estadual nº 6.303, em 1974, que

assumiu, além das questões de desenvolvimen-

to industrial, assuntos relativos à habitação. De

modo geral, segundo Motta (2011), as políticas

habitacionais se concentravam principalmente

na construção de novas moradias por meio de

programas de financiamento direcionados para

a população de baixa renda, ao mesmo tempo

em que se procurou, por meio de remoções ou

intervenções urbanas, a extinção de áreas domi-

nadas pela autoconstrução de habitações. Um

exemplo é o Projeto Vila Viva, iniciado em Be-

lo Horizonte no ano de 2000, frequentemente

apresentado como modelo de urbanização e

desfavelização. Apesar das aparentes melhorias

na área – a custo de remoções e outros impac-

tos profundos nas relações socioespacias –,

instaurou-se um processo recorrente de valo-

rização de imóveis, que se tornaram, assim,

inacessíveis para o grupo-alvo: as camadas so-

ciais mais carentes. Motta (2011) destaca que

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uma das principais causas desse descompasso

é que todas as políticas habitacionais visaram o

financiamento de moradias; com o efeito, as ha-

bitações foram concebidas como mercadorias.

Consequentemente, os subsídios para os pro-

gramas de habitação foram apropriados pelo

empresariado do ramo através de processos de

especula ção imobiliária, direcionando-os a gru-

pos com condições econômicas consolidadas

para liquidar as dívidas a médio e longo prazo

(Motta, 2011; Costa, 2003). Assim, explica-se

a continuação das lutas pela moradia e o sur-

gimento de novas favelas em tempos atuais,

evidenciando, assim, a insustentabilidade das

formas atuais de urbanização.

Ainda segundo Motta (2011), podemos,

nesse contexto, diferenciar conflitos em torno

1) da permanência e acesso à moradia, que

envolve, além da construção de moradias e da

regularização fundiária de bairros existentes,

ocupações de terrenos e prédios abandona-

dos; 2) de questões de infraestrutura, como

a implantação e/ou melhoria do sistema de

sanea mento (redes de abastecimento de água

eficientes, redes coletoras de esgoto, cana-

lização e recuperação de córregos devido a

enchentes constantes); dos transportes (asfal-

tamento e abertura de vias, implantação ou

melhoria de linhas de ônibus); da instalação

de rede elétrica, entre outros; e 3) de obras de

urbanização, geralmente realizadas pelo poder

público, que implicam remoções ou mudanças

no modo de vida.

Todos esses conflitos tangenciam ques-

tões da sustentabilidade urbana, tanto em rela-

ção à desigualdade social como aos problemas

ambientais. Lembramos que os bairros popula-

res, sejam eles formais ou informais, são locais

onde se manifestam injustiças ambientais, pois

são os principais palcos de conflitos ambien-

tais. Tais conflitos ambientais podem ser: distri-

butivos, que ocorrem em torno da aplicação de

recursos públicos para o acesso à água potá-

vel ou à instalação de equipamentos urbanos

e infraestrutura de saneamento para melhorar

a qualidade de vida na região; espaciais, que

se referem à localização de fontes poluidoras,

como fábricas, que afetam a população pelas

emissões gasosas, liquidas ou sonoras que se

espalham no espaço; territoriais, que giram em

torno de como determinados grupos realizam

formas de vida que não correspondem aos sig-

nificados atribuídos por outros grupos, como,

por exemplo, a ocupação de áreas de risco.

Entendemos que essa diferenciação de con-

flitos torna-se necessária diante das possíveis

respostas para sua resolução. As duas primeiras

categorias, os distributivos e os espaciais po-

dem, em princípio, ser amenizados por meios

técnicos e administrativos e uma gestão ade-

quada. Os conflitos ambientais territoriais, por

sua vez, indicam as contradições profundas do

próprio modo de produção capitalista do espa-

ço e da distribuição de poder sobre o território

(Zhouri e Laschefski, 2010), que apontam a ne-

cessidade de repensar a configuração socioes-

pacial como procuramos mostrar a seguir.

Obviamente, os conflitos ambientais não

se restringem aos bairros populares; problemas

ambientais como poluição, tráfico intenso, im-

permeabilização dos solos, enchentes, entre

outros, afetam a população urbana como um

todo, porém de forma desigual. Dessa forma,

os conflitos ambientais indicam também aspec-

tos da desigualdade social que, ao final, tem o

seu reflexo na violência urbana. Por causa de-

la, muitos moradores com renda mais elevada

consideram insustentável a vida urbana nessas

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condições e procuram sossego e segurança fo-

ra da cidade ou em loteamentos fechados com

aparência fortificada (Laschefski, 2006; Men-

donça, 2003; Costa, 2003). Enuncia-se, assim,

mais uma contradição: a urbanização promove

a aproximação espacial dos moradores das ci-

dades, mas, diante da insegurança do cotidia-

no, eles fogem, optando pelo isolamento indi-

vidual, pelo distanciamento no espaço social

nas mais variadas formas de guetos (além dos

empreendimentos imobiliários, podemos men-

cionar clubes e shopping centers com acesso

restrito, entre outros).

Se considerarmos que o espaço ambien-

tal de Belo Horizonte ultrapassa os limites da

cidade construída, confirma-se a tendência à

monoculturização da hinterlândia, que se ma-

terializa na expansão do setor agropecuário

comercial e na instalação de grandes barra-

gens como Furnas, Três Marias e Irapé. Nesse

contexto, destacam-se as áreas de mineração,

que formam, junto com as indústrias da side-

rurgia e extensas plantações de eucalipto e

pinus para produção de carvão vegetal, um

complexo agroindustrial que ocupa grande

parte das áreas centrais e da região norte de

Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha. Essa

situação gera inúmeros conflitos ambientais

territoriais junto às populações tradicionais,

com processos semelhantes aos que acon-

teceram na Alemanha, como descrito acima

(Laschefski, 2010).

Assim, o modo de produção capitalista

do espaço produz cidades que expressam a in-

sustentabilidade do atual modelo de desenvol-

vimento, que gera as chamadas crises ambien-

tais globais e desigualdade social.

O metabolismo socioambiental e as relações do poder

Diante do exposto, fica claro que a busca por

cidades sustentáveis tem que considerar o

metabolismo urbano, mostrado por Lefèbvre

(1991) a partir do exemplo da relação de uma

casa com o contexto socioespacial:

Pode-se ver [a casa] como um epítome da imobilidade com os seus contornos fortes, frios e rígidos [...] Contudo, uma análise crítica, sem dúvida, destruiria a aparên-cia de solidez desta casa […] À luz dessa análise imaginária nossa casa emergiria como permeada por fluxos de energia de todas as direções que passam para dentro e fora através de todos os caminhos ima-gináveis: água, gás, eletricidade, linhas de telefone, sinais de rádio e televisão, entre outros […] a cidade [...] consome quantidades colossais de energia, física e humana, [...] é efetivamente uma foguei-ra constantemente flamejante. (Lefèbvre, 1991, pp. 92-93, tradução nossa)

Na citação, observamos que a estrutu-

ra espacial está intrinsecamente vinculada ao

consumo individual das pessoas. Mesmo um

cidadão “ecologicamente correto” tem pos-

sibilidades limitadas de reduzir seus padrões

de consumo devido à estrutura socioespacial

dispersa na qual organiza seu cotidiano. Os sis-

temas de água e esgoto, o tratamento do lixo,

as linhas de transmissão de energia elétrica,

a rede viária do comércio, seja para alimen-

tos ou bens duráveis, envolvem caminhos de

transporte que abrangem todo o globo. As fun-

ções sociais básicas como trabalho, compras,

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educação, entre outros, acontecem a grandes

distâncias, que só podem ser superadas por

meios de transportes motorizados. Em relação

ao hinterlandia descrito acima, Freund (2010)

lembra que o espaço ambiental dos sistemas

de transporte baseado em carros e dos siste-

mas fast food como produto da agricultura in-

dustrial e pecuária são insustentáveis em rela-

ção à intensidade de energia e recursos, assim

como em relação ao consumo de terras.

Nessa perspectiva, revela-se o caráter

ilusório da interpretação da modernidade

como a possibilidade de relativa libertação

dos constrangimentos ecológicos diante das

possibilidades da divisão do trabalho, da tro-

ca mediada pelo mercado e da capacidade

humana para transformar o mundo biofísico

(Goldblatt, 1996). A pegada ecológica da so-

ciedade moderna está mais alta do que nunca

e os indivíduos, inseridos num sistema de pro-

dução e reprodução de abrangência global,

jamais foram tão dependentes dos recursos

materiais. Na verdade, o mercado leva à abs-

tração das relações socioespacias, ofuscan-

do, assim, a base de reprodução material da

sociedade moderna, tornando-a invisível aos

seus integrantes individuais. Iniciativas para a

conscientização da população em relação aos

seus padrões de consumo, como parte da edu-

cação ambiental, são, diante dessas relações

socioespaciais, insuficientes para alcançar al-

guma forma de sustentabilidade.

Segundo Swyngedouw (2007), esse me-

tabolismo socioambiental da sociedade globa-

lizada, diante do seu conteúdo social e de suas

qualidades físico-ambientais, precisa ser enten-

dido como uma produção histórica. Qualquer

parque urbano, arranha-céu ou reserva natural

contém e expressa um conjunto de processos

sociofísicos que incorporam relações metabóli-

cas e sociais específicas. O mundo, de acordo

esse autor, seria um ciborgo, parcialmente natu-

ral, parcialmente social, parcialmente técnico e

parcialmente cultural, sem fronteiras, centros e

limites claros. Assim, quaisquer mudança física

e ambiental ou modificação dos fluxos, redes e

práticas socioambientais não podem ser enten-

didas independentes das condições históricas,

culturais, políticas ou econômicas e das institui-

ções que as acompanham. Esses metabolismos

socioambientais, frequentemente, abrangem

tendências contraditórias e conflitantes, sobre-

tudo quando qualidades socioambientais são

reforçadas em um lugar para alguns – huma-

nos e não humanos –, resultando na deteriora-

ção das condições socioecológicas de um outro

lugar, como expresso, de forma abstrata, nos

conceitos espaço-ambiental ou pegada ecoló-

gica, apresentados anteriormente. Dessa forma,

os processos de mudança metabólica nunca

são socialmente ou ecologicamente neutros.

As redes socioecológicas são permeadas pelas

geometrias de poder, que decidem, finalmente,

quem tem acesso aos recursos ou outros com-

ponentes do meio ambiente e controle sobre

eles e quem está excluído desses imbróglios

metabólicos (Swyngedouw, 2007).

Nesse contexto, o autor cita o direito à

cidade, de Henri Lefébvre, que implicaria tam-

bém no direito ao metabolismo. Com respeito

a essa temática, Harvey (2008) afirma que o

direito à cidade abrange muito mais do que a

liberdade individual para acessar os recursos

urbanos. Seria mais um direito comum do que

um direito individual, pois essa transformação

depende inevitavelmente do exercício do poder

coletivo para reformar os processos de urbani-

zação. Trata-se, de acordo de Harvey (2008), de

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um dos direitos mais negligenciados entre os

direitos humanos.

Nessas afirmações, reflete-se a ideia de

que o primeiro passo para a superação dos im-

passes socioambientais do espaço urbano se-

ria a verdadeira democratização da sociedade,

que implica também a aceitação de situações

de conflito ao invés de políticas participativas

que promovem consensos artificiais em cam-

pos caracterizados por assimetrias nas rela-

ções do poder.

Do Direito à Cidade ao Estatuto da Cidade: um caminho para a sustentabilidade urbana?

Harvey (2008) menciona no seu artigo a con-

quista dos movimentos sociais urbanos no

Brasil, que conseguiram a consolidação legal

de reivindicações importantes no Estatuto da

Cidade do Brasil, definido pela lei 10.257, de

10 de julho de 2001. De modo geral, essa lei

é considerada um passo importante para a ga-

rantia do direito à cidade e a democratização

das políticas urbanas, devido à regulamentação

da função social da terra e da participação na

elaboração de planos diretores, entre outros.

Citamos o Artigo 2º:

A política urbana tem por objetivo or-denar o pleno desenvolvimento das fun-ções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:I – garantia do direito a cidades susten-táveis, entendido como o direito à ter-ra urbana, à moradia, ao saneamento

ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao tra-balho e ao lazer, para as presentes e futu-ras gerações;II – gestão democrática por meio da par-ticipação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. (Brasil, 2001)

Para realizar tais tarefas, essa lei prevê,

no seu Artigo 32º, a operação urbana consor-

ciada, que é

§ 1 [...] o conjunto de intervenções e me-didas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos pro-prietários, moradores, usuários permanen-tes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. (Brasil, 2001)

As operações urbanas são executadas

principalmente por intermédio de Parcerias Pú-

blico-Privadas (PPP). Como exemplo de imple-

mentação dessa lei, apresentamos aqui alguns

aspectos levantados em torno de uma pesquisa

em andamento sobre a Operação Urbana do

Isidoro, uma das últimas áreas verdes de Belo

Horizonte. Procuramos investigar como a ges-

tão democrática é realizada na prática e em

qual sentido os discursos da sustentabilidade

social e ambiental são empregados pelos ato-

res envolvidos.

Na leitura oficial, a área em questão

se caracteriza pela urbanização espontânea

e irregular. Para enfrentar essa situação, a

prefeitura de Belo Horizonte estabeleceu, no

âmbito da operação urbana, uma PPP com o

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empreendimento Granja Werneck S/A. O proje-

to foi apresentado como uma inovação do pla-

nejamento urbano sustentável e visa à constru-

ção de 17.500 unidades habitacionais em áreas

preservadas. O Estudo de Impacto Ambiental

(EIA) do empreendimento propõe uma série de

medidas em relação à eficiência energética, tra-

tamento de lixo, saneamento e equipamentos

urbanos (MYR – Projetos Sustentáveis, 2011),

que correspondem, de modo geral, a medidas

da modernização ecológica promovidas por re-

des de governos municipais como a Internatio-

nal Council for Local Environmental Initiatives

(ICLEI),3 que já estão sendo amplamente inse-

ridas em políticas públicas municipais. De certa

forma, seguem o modelo da cidade compacta,

visando à redução das relações socioespaciais

através de um setor de serviços, creches, esco-

las e um centro comercial na proximidade das

novas unidades habitacionais.

O que chama a atenção é que os empre-

endedores idealizaram o projeto como a cons-

trução de um novo “bairro”, apresentando o

centro de serviços e comércio como uma “[...]

aldeia [...] que proporcionará, acima de tudo,

a volta da vida em comunidade, a noção hu-

manista de lugar e a vida em harmonia com o

meio ambiente” (MYR – Projetos Sustentáveis,

2011, p. 34, grifos nossos). O que surpreende

é a apropriação de termos que frequentemente

são relacionados às formas de vida no campo,

fruto de uma trajetória de convivência de ge-

rações, consideradas “atrasadas” em relação à

sociedade moderna, ou seja, algo sujeito a um

processo evolutivo que dificilmente pode ser

”construído”. Nesse discurso, reflete-se o apelo

emocional a uma certa saudade direcionado a

possíveis compradores que procuram sossego

diante das ameaças urbanas supracitadas.

Interessa analisar, então, como o empre-

endimento se relaciona com as comunidades

já existentes no entorno da área prevista para

sua construção, compostas por populações pri-

vadas do direito à cidade, moradores de bairros

informais, parcialmente localizados em áreas

de proteção ambiental e de risco geológico,

ameaçados de remoção.

O fato é que o empreendimento Granja

Werneck é destinado a atender, principalmente,

classes sociais com poder aquisitivo mais ele-

vado. Contudo, de acordo com o regulamento

da Operação Urbana do Isodoro, 10% das habi-

tações construídas na área interna desse novo

bairro deveriam ser destinadas à Política Muni-

cipal de Habitação, para atender famílias com

renda de 0 a 6 salários mínimos. Porém, no EIA,

consta que o empreendimento visa beneficiar o

segmento de 3 a 10 salários mínimos:

O empreendimento – Granja Werneck – poderá contribuir com o programa – Mi-nha Casa Minha Vida – atendendo a po-pulação com faixa salarial familiar acima de três salários mínimos. Para a popula-ção que tem renda abaixo deste patamar deverá ser inviável comercializar os imó-veis, cujo valor será agregado de custos como o alto valor dos terrenos, impostos, contrapartidas e alta dos materiais de construção. (MYR – Projetos Sustentáveis, 2011, p. 49)

Diante das exigências da política habita-

cional, os empreendedores procuram atender

aquele grupo que, segundo o programa gover-

namental Minha Casa Minha Vida, tem acesso

ao financiamento de imóveis orçados entre

R$80 mil e R$130 mil. A justificativa de consi-

derar apenas grupos com salários maiores é es-

sencialmente baseada na perspectiva de obter,

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entre as faixas salariais determinadas pelas

políticas habitacionais, o maior lucro possível.

Como a Política Municipal de Habitação prevê

o atendimento de populações com renda de 0

a 3 salários mínimos, os empreendedores estão

negociando a construção de 1.750 unidades

habitacionais para esse público, mas fora dos

limites da área planejada. Verifica-se, assim, a

afirmação de Acselrad (2004) de que esse tipo

de “empreendedorismo urbano”, promovido

pelo próprio poder municipal, é pautado nas

vantagens econômicas, que subordinam as for-

mulações das políticas públicas, gerando novos

conflitos territoriais na área do entorno.

Durante as reuniões de comunicação

social às comunidades vizinhas – exigência do

órgão licenciador para atender os requisitos

do Estatuto da Cidade com respeito à partici-

pação –, estão sendo tratados apenas os pos-

síveis efeitos positivos indiretos oriundos da

dinamização econômica da região. No momen-

to da conclusão deste artigo, o objetivo princi-

pal da comunicação social ainda não foi alcan-

çado: esclarecer como as comunidades serão

impactadas pelos efeitos direitos e indiretos

do empreendimento e discutir a viabilidade de

propostas de amenizar ou evitar os impactos

negativos (Landes et al., 2012). Contudo, co-

mo esse processo ainda estava em andamento,

não é possível uma avaliação final dele.

Além disso, não há clareza sobre as reais

consequências da supervalorização dos imóveis

para a população carente. É bem provável que

será ainda mais difícil adquirir uma moradia

naquela localidade, conquistar a documen-

tação de titulação de propriedade dos lotea-

mentos antigos não regulamentados e, ainda,

permanecer nesse espaço por causa da eleva-

ção do custo de vida na região. Nesse sentido,

entendemos que a especulação acelerada, pro-

movida por projetos como a Granja Werneck,

tem potencial de agravar a segregação socio-

espacial em função da pressão direta ou indi-

reta para que os moradores atuais saiam da

região. Contudo, cabe lembrar que, de forma

contraditória, empreendimentos desse porte

podem levar a um movimento inverso: a atra-

ção de um elevado contingente populacional

na busca de emprego nas residências desses

empreendimentos imobiliários como jardinei-

ros e outros serviços domésticos, que se instala

na região sem a devida infraestrutura urbana,

problemática já analisada em outros trabalhos

(Laschefski, 2006; Laschefski e Costa, 2008).

Contudo, cabe lembrar que entidades

da sociedade civil organizada, como ONG am-

bientais, compartilham as preocupações em

relação aos futuros problemas do entorno, mas

não se posicionam contra essa forma de em-

preendedorismo imobiliário. O coordenador do

Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano,

alegou: “[...] o projeto tem aspectos positivos

no que tange à área que vai ser ocupada, mas

falta ser discutido o que vai acontecer no en-

torno” (Manuelzão, 2011). Tal afirmação sur-

preende diante da possibilidade de supressão

da vegetação nativa por causa da construção

dos edifícios e os impactos de aproximada-

mente 200.000 novos moradores na bacia

hidrográfica. Aparentemente, há certa acei-

tação da hipótese de que a preservação das

áreas restantes pode ser alcançada por meio

da agregação de valor aos imóveis, visando

compradores que procuram proximidade com

as belezas cênicas das paisagens da região. A

estratégia da ONG, de acordo de Polignano, é

discutir, junto com o poder público e outras li-

deranças comunitárias, propostas para resolver

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as demandas em torno dos impactos do em-

preendimento. Assim, para solucionar proble-

mas ambientais e sociais, essa ONG assume

um papel proativo e propositivo em relação a

assuntos técnicos e administrativos, mas sem

tocar nos processos políticos que possibilitam

essa nova forma de apropriação do espaço jus-

tificada com o discurso da sustentabilidade.

Tudo indica que o Estatuto da Cidade,

na forma como está sendo implementado, in-

duz a um processo que Dagnino (2004) cha-

ma a confluência perversa da institucionali-

zação da participação da sociedade civil e do

projeto neoliberal.4

Em resumo, o projeto Granja Werneck

está promovendo uma elitização do espaço

urbano, adotando uma concepção de sustenta-

bilidade que visa, sobretudo, agregar valor de

troca aos imóveis comercializados.

Costa et al. (2011) observaram que essa

versão da sustentabilidade urbana elitizada

também permeia os Planos Diretores de muni-

cípios do vetor Norte da Região Metropolitana

de Belo Horizonte, particularmente aqueles

integrados à APA Carste de Lagoa Santa, co-

mo Confins, Lagoa Santa, Matozinhos e Pedro

Leopoldo. As políticas municipais procuram,

claro, a regularização e urbanização dos bair-

ros populares existentes, mas há uma intenção

explícita de evitar que seus territórios conti-

nuem sendo locais de extensão da urbanização

periférica. Ao invés disso, pretendem promover

atividades econômicas em torno do turismo e

loteamentos fechados, mimetizando, assim,

a expansão elitizada da região Sul de Belo

Horizonte (Costa et al., 2011). A esperança é

que a valorização do território municipal evite

a reterritorialização de grupos não desejados

oriundos de outros municípios.

Entretanto, os municípios, ao apostar

na atração de empreendimentos imobiliários

privados, negligenciam que entram numa lu-

ta concorrencial no “mercado de cidades”

(Vainer, 2000), no qual valores relacionados à

aparência da paisagem e à sensação de segu-

rança social são elementos de marketing. Tal

processo transforma não apenas os empreen-

dimentos imobiliários, mas também as próprias

cidades em mercadoria.

Como esses municípios configuram a

continuação territorial da área da Operação

Isodoro, reduzem-se os espaços para solucio-

nar o déficit habitacional generalizado. Costa

et al. (2011) também chamam atenção para

a diminuição das áreas rurais nos municípios

estudados, com consequências em relação às

atividades agrícolas e de segurança alimentar.

Obviamente, nessa realidade, não há espaço

para a agricultura familiar ou da pequena pro-

priedade, pois a tendência geral é de elevação

dos patamares de preço da terra. Finalmente,

Costa et al. (2011) constatam que a política

de elitização do espaço urbano, com base na

retórica da sustentabilidade ambiental, ne-

gligencia o fato de que os moradores de alta

renda são geradores de intensos fluxos de veí-

culos, de novas necessidades de consumo, de

sofisticada infraestrutura urbana e regional, o

que configura novos desafios para o planeja-

mento urbano.

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Sustentabilidade versus equidade: a ambientalização de impasses sociais

É bem provável que, contraditoriamente, as

políticas para promover a sustentabilidade

ambiental à custa da justiça social induzam

processos de urbanização “descontrolada” em

outros lugares, inclusive em áreas de risco e/ou

destinadas à preservação ambiental. Em prin-

cípio, esses recortes espaciais são áreas com

pouco potencial de agregação de valor, confi-

gurando-se, no contexto de produção capitalis-

ta do espaço, como “sobras”. Assim, constrói-

-se, artificialmente, o conflito entre “o social” e

“o ambiental”.

Frequentemente, os moradores dessas

áreas enfrentam o estigma de “pouco esclare-

cidos” por colocarem a própria vida em risco,

ou de “problema ambiental” por invadirem

áreas de alto valor ecológico, o que justifica

sua remoção.

Referimo-nos aqui à fala de um morador

de um bairro não formalizado, localizado numa

área de APP bastante acidentada, na vizinhan-

ça do projeto Granja Werneck.5 O morador

defendeu que o poder público tem que consi-

derar que a ocupação da área não é fruto da

ignorância dos moradores e que o risco como

morador de rua, exposto ao crime, seria bem

mais concreto do que a possibilidade de um

eventual deslizamento. Consequentemente, os

moradores de bairros irregulares não devem

ser considerados como “problema ambiental”,

mas, sim, como “problema habitacional”. Con-

tinuando, alegou que existem técnicas para

diminuir os riscos naquelas áreas, nas quais o

poder público poderia investir para resolver os

problemas de habitação.

De fato, há uma tendência de as cama-

das da população com alta renda de, cada vez

mais, investir em edificações localizadas em

áreas montanhosas que necessitam medidas

construtivas sofisticadas. Tal fato mostra que

a definição de áreas de risco é uma construção

social; refere-se às pessoas que não têm re-

cursos suficientes para acessar as tecnologias

adequadas para manter suas casas em decli-

ves íngremes. Também não possuem o capital

social necessário para exigir o “direito de per-

manência” em APP, algo admitido para outros.

Exemplo disso é o Bairro Belvedere III, em Belo

Horizonte, que já está ultrapassando a cumeei-

ra da Serra de Curral, uma área tombada pelo

IPHAN, que marca o limite entre os municípios

de Belo Horizonte e Nova Lima. Inicialmente,

o bairro sofreu uma ocupação desordenada,

promovida por fortes investidores do setor

imobiliário, causando inúmeros impactos na

vegetação natural, na situação hidrológica, no

clima e no trânsito, entre outros. Os problemas

culminaram na ameaça de importantes ma-

nanciais em torno da Lagoa Seca e do Córrego

Cercadinho, um afluente do Ribeirão Arrudas

que, por sua vez, pertence à bacia hidrográfica

do Rio das Velhas. A área é de extrema impor-

tância para o abastecimento de água potável

da população da zona sul de Belo Horizonte.

Mesmo assim, a urbanização promovida pe-

la especulação imobiliária foi posteriormente

legalizada em desrespeito e subsequente fle-

xibilização da legislação ambiental (Amorim,

2007). Entretanto, as correções necessárias

para manter a qualidade ambiental são rea-

lizadas pelo poder público. Vasconcelos et al.

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(2011) mencionam, por exemplo, a instalação

de um novo sistema de drenagem e captação

de água de chuva ao redor da Lagoa Seca,

para o qual o poder muni cipal disponibilizou

R$7 milhões. O Ministério das Cidades, por sua

vez, prevê, no âmbito do Programa de Acele-

ração do Crescimento (PAC 2), R$1,8 milhões

para um projeto de saneamento integrado em

torno do Córrego Cercadinho.

O exemplo mostra que as camadas mais

abastadas estão cada vez mais disputando

os morros – termo tradicionalmente utilizado

como sinônimo de favelas – com as camadas

mais pobres. Obviamente, áreas ocupadas pe-

los primeiros dificilmente serão rotuladas como

áreas de risco, mesmo quando apresentam as

mesmas características geofísicas e ecológicas

que os bairros irregulares, o que revela uma in-

justiça ambiental.

No caso de remoções de bairros popula-

res de áreas consideradas inadequadas surgem

novas contradições com capacidade de provo-

car conflitos ambientais. As soluções propos-

tas pelo poder público para os removidos é a

disponibilização de moradias em edificações

verticais, em função da falta de espaços des-

tinados a essa finalidade. Contudo, a troca de

um barraco por um apartamento pode provo-

car grandes transformações no modo de vida

dessas pessoas, já que determinadas ações

não podem mais ser realizadas. Pensemos, por

exemplo, na criação de porcos, galinhas e ou-

tros animais, no cultivo de uma horta ou no uso

de um fogão a lenha. Tais atividades não são

apenas um hábito específico; na verdade, com-

plementam o sustento dessas pessoas, que, em

sua maioria, não têm emprego fixo. Além disso,

morar num prédio significa a regulamentação

do consumo de energia, água e outros serviços

que envolvem custos adicionais para os mora-

dores. A condição básica para sustentar a vida

num prédio é a renda fixa e regular, algo raro,

sobretudo entre as pessoas cuja faixa de renda

é de 0 a 3 salários mínimos.

A partir do exposto, podemos tirar duas

conclusões: por um lado, o discurso ambiental,

não raramente, é utilizado para destacar a si-

tuação de ilegalidade de moradores em áreas

de sensibilidade ambiental ou de risco. Trata-se,

então, da “ambientalização” de um problema

social: o déficit habitacional. Oblitera-se, assim,

outra ilegalidade: a negligência do direito cons-

titucional à moradia digna, que, por sua vez, é

baseado na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de 1948.

Por outro, o tratamento do déficit habi-

tacional por meio de instrumentos do mercado

impede que a parcela da população não inte-

grada ou parcialmente integrada à economia

formal usufrua o direito à cidade. Para além

da garantia desse direito em consequência,

entendemos que é preciso ampliar o Estatuto

da Cidade com a especificação de um “Direito

ao Território”.

Na busca do espaço sustentável e socialmente justo

Confirma-se, então, a afirmação de Hodson

e Marvin (2008) de que as respostas neolibe-

rais dominantes baseadas em tecnologias de

acordo com o modelo de cidade e coeficiente

visam à construção de enclaves para usuá-

rios premium. Em contraste a essas propostas

convencionais, os autores resumem algumas

condições básicas para alternativas menos

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direcionadas ao comércio e à tecnologia, com

o objetivo de pautar a necessidade de criar ci-

dades justas na agenda urbana. Isso envolve-

ria principalmente o seguinte questionamento:

para que e para quem servem as respostas,

promovendo uma mudança sociotécnica que

procura reformar as cidades existentes e não

a construção de novos enclaves e coeficien-

tes. Afinal, a sustentabilidade social tem que

garantir a segurança social, ecológica e ener-

gética para todos (e não apenas para alguns

privilegiados), por intermédio de políticas que

procurem lidar com a interconectividade entre

os processos sociais e a crise ecológica e social.

Perguntamo-nos: é possível criar um

espaço urbano sustentável? Para destacar a

necessidade de elaborar utopias concretas,

lembramos a crítica de Lefèbvre (1991) aos

planejadores urbanos soviéticos, que não pro-

duziram um espaço socialista, mas apenas re-

produziram o projeto urbano dos países indus-

trializados, que ”[...] simplesmente continuaria

no caminho de crescimento e acumulação [...]

O processo do crescimento puramente quan-

titativo tem que ser colocado em questão”

(Lefèbvre, 1991, p. 357). Porém, ele admite que

não tinha uma visão concreta do que seria es-

se espaço novo. Como se pode observar, essa

problemática é ainda mais complexa quando

pensamos no metabolismo socioambiental das

sociedades urbano-industrial-capitalistas.

Então, como seria concretamente a ex-

pressão espacial do metabolismo socioam-

biental sustentável? Recorremos mais uma vez

a Lefèbvre (1991) que alega que a estratégia

para um projeto socialmente progressivo pode

ser fundada em pequenos e médios empreendi-

mentos em cidades compatíveis com esse foco,

proposta que permeia quase todos os discursos

sobre cidades sustentáveis.

O que surpreende nas soluções propostas

para alcançar a sustentabilidade com equida-

de é que, em princípio, não há nada de novo.

Já no século XV, na época do cerceamento das

terras camponesas na Inglaterra e da ascen-

dência da industrialização e do capitalismo, foi

Thomas Morus que apresentou o desenho da

ilha fictícia Utopia (derivado do latim, significa

“não lugar”) como um recorte espacial limi-

tado, cujos moradores procuravam o consumo

equilibrado e distribuído de forma igualitária.

Morus (2001) – original publicado no início do

século XVI, durante o reinado do Henrique VII –

acreditava que podiam ser criados sistemas de

produção e consumo dos recursos naturais que

permitissem uma vida em abundância para to-

dos os membros da sociedade, com o consumo

se concentrando naquilo que fosse essencial,

eliminando artigos de luxo. Nessa afirmação,

podemos identificar claramente a mesma críti-

ca feita às sociedades afluentes dos anos 1960

(Marcuse, 1969).

A ilha Utopia era caracterizada por uma

organização socioespacial com estrutura urba-

na policêntrica, formada por 54 cidades dispos-

tas em torno da capital Amaurota, sede de um

governo centralizado, mas com estrutura igual

a todas as outras cidades. Tais núcleos seriam

centros de artesanato, educação, ciência e ad-

ministração. A necessidade de organização cen-

tral do governo explica-se por causa da amea-

ça de possíveis invasores e guerras. Contudo, o

príncipe não teria mais os privilégios da classe

aristocrática, que se destacou por seus bens

materiais; seu papel seria mais o de um admi-

nistrador do país. No entanto, Morus já previu

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um sistema representativo de conselheiros que,

junto com o príncipe, formulariam as políticas

públicas. Tais representantes seriam designa-

dos pelos chamados filarcos ou sifograntes,

que, por sua vez, formariam uma assembleia

municipal democraticamente eleita. Na escrita

de Morus, destacam-se também as propostas

para a política populacional e o planejamento

familiar, cujo objetivo seria manter a população

estável. Cada membro da sociedade, inclusive

os conselheiros e o príncipe, são obrigados a

trabalhar por dois anos no campo, o que ga-

rantiria a origem de toda prosperidade da so-

ciedade. Assim, Morus considerava o trabalho

no campo tão nobre quanto as atividades nas

cidades, mostrando, assim, que a cidade não

pode ser vista como um sistema de produção e

reprodução independente da zona rural.

O ponto de partida de Morus era a vida

parasitária e faustosa da corte numa época em

que os príncipes e seus vassalos viviam num

luxo exuberante. Porém, abordou também o

enriquecimento da classe burguesa, enquanto

aqueles que produzem tais riquezas, sobre-

tudo os homens no campo, eram submetidos

à exploração desumana. Além disso, Morus

propôs que os bens que simbolizavam a ri-

queza, tais como ouro, pedras preciosas, entre

outros, fossem considerados coisas inúteis e

desnecessárias. Consequentemente, questio-

nou profundamente as relações de poder em

torno dessas supostas riquezas que fundamen-

tam a ganância e a corrupção. O resultado das

reflexões de Morus é um profundo questiona-

mento de relações de poder tão prejudiciais

para o povo. Embora não abordando explicita-

mente a situa ção ecológica, ele entendeu que

o consumo ilimitado de bens materiais e do

próprio espaço pelos príncipes, pela corte e pe-

los vassalos era a causa de conflitos territoriais,

guerras e injustiça social.

Nessa breve descrição da visão de Mo-

rus, refletem-se muitos elementos que mar-

cam hoje a discussão sobre sustentabilidade

urbana pautada nos princípios do equilíbrio

ecológico e da justiça ambiental. Também fica

claro que essas questões não podem ser tra-

tadas sem pensar um novo modelo de produ-

ção do espaço, garantindo, além do consumo

equitativo e equilibrado dos recursos naturais,

o direito ao território. O que surpreende é que

muitos aspectos das propostas e modelos das

cidades sustentáveis atuais não se diferem em

muito da visão de Morus, fechando, assim, o

ciclo de 500 anos de busca pela sustentabili-

dade urbana.

Klemens LaschefskiDoutor em Geografia pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Professor Adjunto no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, [email protected]

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Notas

(1) Carlowitz era o administrador principal de mineração no governo do Frederico Augusto I, o forte, então Eleitor da Saxônia, Alemanha.

(2) Malthusiano: visão pessimista quanto à fi nitude dos recursos naturais para atender as demandas oriundas do crescimento populacional e a elevação dos padrões de consumo. O termo se refere a obra de Thomas Malthus (1798) sobre o princípio da população (Malthus, 1998). Cornucopiano: visão otimista que acredita que as demandas futuras podem ser atendidas pelo desenvolvimento de novas tecnologias que visem a o mização e a efi ciência energé ca e material de processos produ vos que resultem numa elevação da produ vidade no geral. É um termo da mitologia grega e refere-se a um chifre da cabra Amalthea que amamentava o recém-nascido deus Zeus. A criança ganhava força extraordinária e quebrava o chifre, acidentalmente, durante uma brincadeira. O chifre possui um poder divino; é fonte ilimitada de tudo que for desejado (Kerényi, 1994).

(3) Para mais informações: h p://www.iclei.org/index.php?id=804

(4) De fato, a lei foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, que defendeu polí cas de terceira via, que, segundo Giddens (1998), procuraram renovar o neoliberalismo radical e retomar meios de intervenção política para evitar injustiças sociais. Nesse contexto, foram promovidas estruturas e instituições da sociedade civil, que assumiram tarefas sociais para as quais o estado reduzido não se responsabilizou. Em troca, as en dades da sociedade civil ganharam o direito de par cipação na formulação de polí cas públicas.

(5) Apresentação durante um seminário realizado no dia 25 de novembro de 2011, no âmbito da disciplina “Aulas Práticas Integradas de Campo”, do curso Ciências Socioambientais, com par cipantes do projeto Granja Werneck, da comunidade quilombola Mangeiras e do bairro Novo Lajedo.

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Texto recebido em 6/out/2012Texto aprovado em 2/nov/2012

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Urbanização, ambiente, riscoe vulnerabilidade: em busca

de uma construção interdisciplinar*

Urbanization, environment, risk and vulnerability:in search of an interdisciplinary construction

Lúcia Cony Faria Cidade

ResumoNas cidades contemporâneas, ameaças naturais

e induzidas atingem de forma particularmente in-

tensa populações em situação de precariedade so-

cial. Indo além de abordagens tradicionais sobre a

pobreza, estudos da vulnerabilidade reconhecem

processos complexos que reforçam a insegurança

desses grupos. Tendo em vista a variedade de ques-

tões envolvidas, nosso objetivo é examinar análises

sobre ameaças, riscos e vulnerabilidade, buscando

entender seus procedimentos, alcances e limites. O

texto consiste numa revisão bibliográfi ca de distin-

tos enfoques sobre a vulnerabilidade. Mostra que

abordagens tradicionais na linha físico-ambiental

ou na social, com tratamentos quantitativos ou qua-

litativos, tendem a limitar-se a olhares específi cos.

Abordagens interdisciplinares, integrando processos

sociais e ambientais e acrescentando um olhar es-

pacial, representam uma necessária ampliação de

perspectiva nos estudos da vulnerabilidade.

Palavras-chave: risco; vulnerabilidade; vulnerabi-

lidade ambiental; vulnerabilidade social; vulnerabi-

lidade socioambiental.

AbstractIn contemporary cities, natural and induced threats hit particularly hard populations in a state of social insecurity. Extending beyond traditional outlooks on poverty, vulnerabil ity studies acknowledge complex processes which reinforce insecurity in these groups. In light of the variety of issues involved, our objective is to examine analyses on threats, risks and vulnerability, while attempting to understand their procedures, outreach and limits. The discussion dwells on a bibliographic review of different lines on vulnerability. It shows that traditional approaches, either physical-environmental or social, adopting quantitative or qualitative procedures, tend to remain within specific focuses. Interdisciplinary approaches integrating social and environmental processes into a spatial outlook represent a required enlargement of perspective in vulnerability studies.

Keywords: risk; vulnerability; environmental vulnerability; social vulnerability; social and environmental vulnerability.

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Lúcia Cony Faria Cidade

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Introdução

A imensa criação de riquezas que caracteriza

os sistemas sociais contemporâneos acompa-

nha-se de crises econômicas, do crescimento

da pobreza e da intensificação dos efeitos de

eventos perigosos. De forma crescente, a dinâ-

mica do risco tende a se reproduzir em varia-

dos graus e combinações em cidades de todos

os continentes. O intenso crescimento urbano

e usos inadequados do solo potencializam

ameaças advindas de eventos naturais, como

tempestades, enchentes e deslizamentos, ou

de ocorrências induzidas, como certos tipos

de contaminação e de doenças e a violência.

Esses problemas são recorrentes em grandes

cidades no mundo e, em particular, na Amé-

rica Latina e no Brasil. Em áreas urbanas bra-

sileiras, a ocupa ção de áreas de risco, muitas

vezes associada a condições socioeconômicas

precárias, tende a aumentar, multiplicando os

agravos aos grupos sociais atingidos. A dificul-

dade de lidar com impactos negativos caracte-

riza situa ções de vulnerabilidade a danos po-

tenciais advindos de diferentes eventos. Assim,

o texto pretende resgatar perspectivas, bases

metodológicas e procedimentos de pesquisa

aplicáveis a análises da vulnerabilidade, com

vistas a desvendar seus contornos. A discussão

mostra que estudos sobre a temática tendem

a privilegiar ora enfoques físico-ambientais ora

perspectivas sociais, enquanto novas concep-

ções avançam em direção a uma visão integra-

da, socioespacial.

O quadro no qual a temática da vulne-

rabilidade se inscreve tem sido equaciona-

do como o de uma sociedade de risco. Para

Ulrich Beck, em termos políticos, a chamada

“modernização da modernização” tem co-

mo consequên cias inseguranças de toda uma

sociedade, de difícil delimitação, envolvendo

lutas entre diferentes facções. Essa fase seria

caracterizada por uma dinamização do desen-

volvimento, que seria tensionado por uma po-

tencialidade para provocar consequências con-

trárias às desejadas. Para o autor, em diferen-

tes lugares e grupos culturais, esses traços se

combinam com o nacionalismo, a pobreza em

grande escala, o fundamentalismo religioso, as

crises econômicas, as crises ecológicas, guerras

e revoluções e, ainda, estados de emergência

decorrentes de grandes catástrofes. Esse con-

junto caracterizaria o que o autor denominou

“o dinamismo do conflito da sociedade de ris-

co” (Beck, 1997, p. 14).

Na fase atual, a precariedade que atinge

as condições de vida de certos grupos sociais

em muitas partes do mundo tende a perma-

necer e, em muitos casos, a se agravar. Em um

cenário marcado por diferenças intergrupais e

interpessoais na capacidade de reação a ad-

versidades, nas últimas décadas têm aumen-

tado o número de estudos da vulnerabilidade.

Susan Cutter mostra que análises iniciais, al-

gumas das quais alimentaram avanços poste-

riores sobre o tema, tendiam a preocupar-se

com os efeitos de catástrofes naturais, dando

particular atenção à vulnerabilidade de popu-

lações a ameaças ambientais (Cutter, 1996).

Por outro lado, examinando estudos com um

cunho social, Caroline Moser observa que al-

guns autores consideraram estudos tradicio-

nais da pobreza insuficientes para expressar

a diversidade de aspectos envolvidos. Além

disso, essas análises eram pouco operacionais

para informar ações com vista à prevenção ou

à mitigação de efeitos danosos da privação

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(Moser, 1998, p. 3). Assim, vários pesquisado-

res, inclusive alguns ligados a entidades finan-

ceiras internacionais, passaram a incorporar em

seus enfoques a questão da vulnerabilidade em

áreas rurais e urbanas. Por outro lado, alguns

analistas passaram a reconhecer ligações entre

processos físico-ambientais e processos sociais;

e a buscar procedimentos metodológicos que

permitissem uma visão integrada. A partir de

uma variedade de abordagens, a grande reper-

cussão de estudos sobre a vulnerabilidade ali-

mentou um número de críticas e debates, que

deram visibilidade ao assunto e desembocaram

em novos desdobramentos.

O entusiasmo com a temática da vulne-

rabilidade, no entanto, não obscureceu uma

inegável dificuldade, que é a análise de um

fenômeno ou de um conjunto de fenômenos

com a mesma designação, que se manifesta de

formas diferenciadas e tem causalidades múlti-

plas. Uma das manifestações desses complica-

dores é a construção de uma base conceitual

comum. Na verdade, os pontos de partida são

distintos: as ciências da natureza, no caso dos

desastres ambientais; e as ciências sociais, no

caso dos processos socioeconômicos com efei-

tos sobre a pobreza. O ponto de convergência

seria a vulnerabilidade ou suscetibilidade da

população para lidar com os impactos de ocor-

rências danosas, de origem físico-ambiental

ou social. A forma de enquadrar os processos

causais já deixa antever as primeiras dificulda-

des. Alguns estudos tendem a considerar essas

“ocorrências” como eventos pontuais – no

caso dos desastres ambientais, ainda que ma-

tizados por ações da própria sociedade. Outros,

diferentemente, consideram as “ocorrências”

como parte de um andamento contínuo – no

caso dos processos socioeconômicos.

As dificuldades de sistematização da te-

mática surgem, ainda, do fato de o objeto de

análise que se pretende construir – processos

que tenham expressão na vulnerabilidade e

seus desdobramentos – tender a ser multifa-

cetado e complexo. Assim, óticas específicas,

como a físico-ambiental ou a social, tenderiam

a ganhar em aprofundamento e a perder em

generalidade. Ao contrário, perspectivas mul-

tidisciplinares, como a que se poderia chamar

de socioambiental, apesar de um discurso in-

tegrador, tendem a perder em precisão, além

de carecer de metodologias consolidadas. Em

um terreno em que nem sempre os avanços

são lineares ou progressivos, algumas propos-

tas buscam enriquecer o enfoque da vulne-

rabilidade, incluindo nas análises o papel do

lugar e do contexto territorial nos processos

observados. Uma das formas de propiciar in-

terpretações que levem em conta essa com-

plexidade são estudos da vulnerabilidade com

uma ótica socioespacial.

A seleção de estudos para revisão baseia-

-se não apenas nas diferentes óticas adotadas

neste texto, mas também na disponibilidade

de informações sobre os conceitos e procedi-

mentos de pesquisa adotados. Assim, no te-

ma relativo à vulnerabilidade físico-ambiental

escolheu-se um estudo sobre deslizamento de

encostas no Brasil. No tema sobre a vulnera-

bilidade social, uma primeira análise envolveu

comunidades em Zambia, no Equador, nas Fi-

lipinas e na Hungria. Uma segunda análise diz

respeito a três cidades no Afeganistão, com

uma visão qualitativa abordando a pobreza.

Para o tema da vulnerabilidade socioespacial,

o primeiro exemplo ilustrativo é sobre perigos

naturais em condados nos Estados Unidos. O

segundo exemplo trata de áreas urbanas no

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Afeganistão, distinguindo entre vulnerabilidade

estrutural e vulnerabilidade inerente. No Brasil,

são bastante conhecidos estudos nas diferen-

tes óticas, alguns dos quais constam das refe-

rências bibliográficas ao final deste texto.

A organização das discussões neste tex-

to reflete, assim, as dificuldades do próprio

campo de conhecimento. A próxima seção,

que trata de aspectos conceituais, começa com

uma breve pontuação da evolução dos signifi-

cados de vulnerabilidade; e, em seguida, bus-

ca as acepções mais utilizadas nos enfoques

físico-ambiental, social e socioespacial. A seção

subsequente volta-se para exemplos de aná-

lises aplicadas, sob a forma de interpretações

e procedimentos relativos à vulnerabilidade

em áreas urbanas. Embora a organização dos

temas também procure seguir uma divisão se-

gundo as óticas físico-ambiental, social e socio-

espacial, os estudos empíricos nem sempre se

apresentam de forma tão definida. Assim, os

exemplos apresentados podem, por um lado,

não preencher toda a acepção pretendida ou,

por outro, transbordar as fronteiras delineadas,

contribuindo assim para a flexibilidade do es-

forço de sistematização aqui proposto.

Aspectos conceituais: evolução das acepções de vulnerabilidade

Multidimensionalidade do conceito de vulnerabilidade e busca de operacionalização

Desde os anos de 1970, os geógrafos físicos

reconheciam a relevância de análises sobre

acasos e eventos extremos, associando a gravi-

dade de seus efeitos à ação humana. Para Ken

Gregory, esses pesquisadores interessavam-se

principalmente por prejuízos e danos, impactos

econômicos e, ainda, pela percepção ambiental,

considerando esses estudos como subsídios pa-

ra o planejamento (Gregory, 1992, pp. 202-204).

Um desdobramento dessa linha foram análises

de risco, particularmente associadas a eventos

perigosos e seus impactos ambientais. Somente

a partir de 1980, estabeleceu-se uma conceitua-

ção mais explícita de vulnerabilidade, embora

marcada por uma variedade de acepções. Susan

Cutter, por meio de enunciados de diversos au-

tores, ilustra diferentes meandros dessa evolu-

ção (Cutter, 1996).

A autora resgata a contribuição de Gabor

e Griffith, de 1980, que definiam vulnerabi-

lidade em relação à ameaça de exposição a

materiais perigosos, considerando-a como o

contexto do risco. Por sua vez, Undro, em 1982,

conceituava-a como o grau de perda por ele-

mentos em risco resultante da ocorrência de

um fenômeno natural. Com uma visão mais so-

cial, Susman et al., em 1984, consideravam vul-

nerabilidade como o grau pelo qual diferentes

classes da sociedade estão diferencialmente

em risco. Cutter mostra, ainda, que Liverman,

em 1990, não apenas estabeleceu uma distin-

ção entre vulnerabilidade biofísica e vulnerabi-

lidade social como já adotava uma visão espa-

cial. Assim, o autor acrescentou uma diferença,

entre vulnerabilidade no espaço geo gráfico

(onde pessoas e lugares vulneráveis estão lo-

calizados) e vulnerabilidade no espaço social

(quem naquele lugar é vulnerável) (cf. Cutter,

1996, p. 531).

Em continuidade, para Cutter, em 1993,

vulnerabilidade dizia respeito à probabilidade

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de um indivíduo ou grupo ser exposto e afe-

tado negativamente por um perigo; era a inte-

ração entre os perigos do lugar (risco e mitiga-

ção) e o perfil social de comunidades. Blaikie

et al. consideravam vulnerabilidade como as

características de uma pessoa ou grupo em

termos de sua capacidade para antecipar, lidar,

resistir e recuperar-se do impacto de um peri-

go natural, considerando ainda o grau de risco

causado. Dow e Downing, em 1995, conside-

ravam vulnerabilidade como a suscetibilidade

diferencial a determinadas circunstâncias. Para

esses estudiosos, fatores biofísicos, demográfi-

cos, econômicos, sociais e tecnológicos, como

idade da população, dependência econômica,

racismo e idade da infraestrutura, podiam estar

associados a perigos naturais (cf. Cutter, 1996,

p. 532).

A evolução do conceito de vulnerabilida-

de expressa a dificuldade de síntese associada

aos fenômenos observados que, a seu turno,

tendem a refletir uma inerente multidimen-

sionalidade. Além da atenção a aspectos am-

bientais propriamente ditos, aparece em vários

autores o reconhecimento da relevância da

dinâmica social em um sentido amplo. Os as-

pectos econômicos, sociais, culturais e políticos

passam a ser progressivamente considerados

e integrados nas conceituações e reflexões.

Isso ocorre na atenção não apenas à estrutu-

ra de causalidade, mas também às formas de

a população lidar com os efeitos de situações

e processos potencialmente danosos. No en-

tanto, embora passando a considerar o que se

poderia chamar de fatores complementares, os

estudos continuaram a se desenvolver dentro

de enfoques disciplinares paralelos.

No quadro de uma diversidade de li-

nhas, a sistematização feita por Susan Cutter

estabelece distinções que incluem uma pers-

pectiva dinâmica e ampla. Para a autora, há

três temas expressivos nos estudos da vulnera-

bilidade: 1) a vulnerabilidade como uma con-

dição pré-existente; 2) a vulnerabilidade como

uma resposta matizada; e 3) a vulnerabilidade

como perigos do lugar. A primeira linha, que é

a da vulnerabilidade como uma condição pree-

xistente volta-se para a fonte de perigos biofí-

sicos ou tecnológicos. Segundo a autora, esses

estudos se caracterizam por: a) uma ênfase na

distribuição de uma condição de perigo; b) a

ocupação humana de uma zona de perigo; e

c) o grau de perda associado com a ocorrência

de um evento particular (Cutter, 1996, p. 532).

Essa perspectiva enquadra-se mais diretamen-

te no enfoque tradicional, ligado a desastres

e eventos ambientais. Poderia ser considerada

como relativa à vulnerabilidade sob uma ótica

físico-ambiental.

A segunda linha, da vulnerabilidade

como uma resposta matizada, destaca as

respostas e formas de lidar com os perigos,

incluindo-se a resistência e a resiliência.

Considerando os eventos perigosos como

construções sociais, essa perspectiva exami-

na distúrbios crônicos, tais como as secas, a

fome, mudanças climáticas ou mudanças am-

bientais. Para a autora, essa visão valoriza a

construção social da vulnerabilidade, uma

condição com origem em processos históricos

e socioeconômicos que alteram a capacidade

de indivíduos ou da sociedade para lidar com

desastres e responder adequadamente a eles

(Cutter, 1996, pp. 532-533). Ao explicitar uma

causalidade social, essa linha ainda se volta

para eventos perigosos, de cunho ambiental,

embora também esteja atenta para as formas

de a sociedade lidar com eles. Poderia ser

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considerada como relativa à vulnerabilidade

sob uma ótica social.

Ao lado da vulnerabilidade como uma

condição pré-existente e da vulnerabilidade

como uma resposta matizada, há uma ter-

ceira vertente, chamada por Cutter de vulne-

rabilidade como perigos do lugar. Essa visão

combina as duas anteriores e acrescenta uma

visão geo gráfica. Assim, a vulnerabilidade es-

taria associada tanto a riscos biofísicos, como

a respostas sociais, mas em um domínio de

área ou domínio geográfico específico (Cutter,

1996, p. 533). A autora propõe um refinamen-

to da perspectiva que originou essa proposta,

apresentando um modelo de vulnerabilidade

que relaciona risco, mitigação, potencial de

perigo, tecido social, vulnerabilidade social,

contexto geográfico e vulnerabilidade biofísica

e tecnológica. A interseção e interação tanto

da vulnerabilidade social como da vulnerabili-

dade biofísica e tecnológica é que criariam a

vulnerabilidade de lugares, em um processo

geral interativo (Cutter, 1996, p. 535). O tema

da vulnerabilidade como perigos do lugar é in-

troduzido como uma expressão da articulação

dos temas da vulnerabilidade de cunho am-

biental, social e espacial, com uma perspectiva

de análise interdisciplinar. Poderia ser conside-

rada como relativa à vulnerabilidade sob uma

ótica socioespacial.

A utilidade do enfoque da vulnerabilida-

de para aplicação em políticas públicas levou

a uma busca de formas de operacionalização

das bases conceituais dessa perspectiva. Essa

busca de operacionalização se aplica tanto a

estudos que buscam uma ótica disciplinar,

como aos que pretendem aprofundar o as-

sunto segundo temas interdisciplinares. Dian-

te de um quadro no qual os tratamentos da

vulnerabilidade não seguem uma classificação

comum, para fins deste trabalho optou-se por

organizar a exposição conceitual segundo a

seguinte divisão, que admite análises quanti-

tativas ou qualitativas: bases conceituais da

vulnerabilidade físico-ambiental; bases con-

ceituais da vulnerabilidade social; e bases

conceituais da vulnerabilidade socioespacial.

Bases conceituais da vulnerabilidade físico-ambiental

O primeiro tipo de abordagem do conceito de

vulnerabilidade (que poderia ser identificado

com a visão de Cutter sobre a vulnerabilidade

como uma condição pré-existente) foi desen-

volvido para os estudos de desastres ambien-

tais. Embora se tenha verificado um avanço no

registro de possibilidades que vão além de es-

tudos específicos, algumas análises com obje-

tivos particulares mantêm uma ênfase discipli-

nar. Assim, a busca de conceituações precisas

pode refletir, além de uma tentativa de esclare-

cer adequadamente o tema, um interesse prá-

tico em obter definições operacionais. Análises

recentes, com foco na prevenção de desastres

naturais, têm adotado o conceito de vulnerabi-

lidade com o objetivo de investigar os espaços

com maior risco de sofrerem consequências de

desastres naturais e, a partir daí, propor medi-

das de intervenção.

Em estudo sobre deslizamentos de en-

costas e suas consequências indesejáveis, Ri-

cardo Vedovello e Eduardo Macedo apontam

como desdobramento analítico as avaliações

de riscos. Indicam que a relação entre risco e

vulnerabilidade não é simples, incluindo a com-

binação de vários fatores. Assim, os autores

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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade

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apresentam inicialmente uma conceituação

de risco, que seria a probabilidade de ocorrên-

cia de um acidente. De forma mais específica,

Risco (R) seria o grau de perdas esperadas em

decorrência de um evento perigoso, natural ou

induzido. Assim, apresenta-se uma situação

envolvendo um Elemento em risco (E), que é

um indivíduo, população, propriedade, ativida-

de ou ambiente passível de ser afetado; uma

Ameaça ou Perigo (P), que é a probabilidade

de ocorrência de um evento perigoso (caracte-

rizado também segundo a localização, área de

alcance e intensidade); a Vulnerabilidade (V),

que é a suscetibilidade do elemento ao impac-

to de eventos perigosos; e Danos (D), que são

consequências esperadas caso o evento ocorra

(incluindo-se estimativas da extensão das per-

das previstas em função do número de pessoas

ou do valor das propriedades, bens e ambien-

tes naturais sob o risco) (Vedovello e Macedo,

2007, p. 83).

Entre as relações relevantes para a com-

preensão do risco, pode acrescentar-se outra

dimensão, a Capacidade de enfrentamento, ou

de mitigação (C), que é o conjunto de meca-

nismos para enfrentar as consequências de um

acidente, minimizando as perdas e permitindo

o restabelecimento das condições anteriores ao

evento. A Capacidade de enfrentamento agiria

no sentido de reduzir o grau de Vulnerabilidade

(Vedovello e Macedo, 2007, p. 83).

Em síntese, o Risco de sofrer os efeitos

de um desastre (o grau de perdas esperadas)

seria o resultado da interação entre: a) Peri-

go, ou probabilidade de ocorrência de evento

perigoso; b) Vulnerabilidade, ou grau de sus-

cetibilidade ao impacto de eventos perigosos;

e c) Danos, ou nível de impactos potenciais

dos eventos perigosos. Caso se visualize a

Capacidade (C) de enfrentamento como uma

variável independente, considera-se sua re-

lação inversa com o grau de vulnerabilidade

e dos danos esperados (Vedovello e Macedo,

2007, pp. 83-84).

Em sintonia com outros pesquisadores,

os autores observam a existência de várias

conotações do conceito de vulnerabilidade.

Levando em conta o interesse da análise, ado-

tam o enunciado da Organização das Nações

Unidas – ONU, de 2004. Assim, a vulnerabili-

dade seria “... o conjunto de processos e con-

dições resultantes de fatores físicos, sociais,

econômicos e ambientais, os quais determi-

nam quanto uma comunidade ou elemento em

risco estão suscetíveis ao impacto dos even-

tos perigosos” (Vedovello e Macedo, 2007,

pp. 83-84). Eviden cia-se, nesse enunciado, o

reconhe cimento de uma combinação de dife-

rentes dinâmicas na configuração do que se

tem chamado de vulnerabilidade.

Análises de riscos que considerem, de

forma completa, os fatores presentes nas for-

mulações apresentadas são, no entanto, bas-

tante raras de se encontrar, particularmente

devido à necessidade de um elevado grau de

interdisciplinaridade. A literatura sobre desas-

tres naturais tende a concentrar-se na variável

da ameaça ambiental, ou seja, os aspectos

do meio físico relacionados à probabilidade

de ocorrência do evento. Vedovello e Macedo

(2007) destacam alguns caminhos consagrados

pela literatura cientifica para identificar, carac-

terizar e gerenciar áreas em situações de risco.

Dentre eles, o mais usado é a elaboração de

mapas de susceptibilidades que normalmente

incluem a sobreposição de mapas de caracte-

rísticas do meio físico. Observe-se que esse mé-

todo foi popularizado por Ian McHargh, em seu

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livro Design with Nature originalmente publica-

do em 1969 (McHargh, 1992).

Apesar de adotar-se comumente a apli-

cação do termo “risco”, os mapas gerados a

partir da análise de aspectos do quadro na-

tural, a rigor, não podem ser considerados

mapas de risco na acepção apresentada. Não

apresentam o risco (grau de perdas esperadas)

e não caracterizam a ameaça ou perigo (pro-

babilidade de ocorrência do evento perigoso).

Abordam a vulnerabilidade (suscetibilidade do

elemento – indivíduo, população, propriedade,

atividade ou ambiente) apenas parcialmente,

ao levantar fragilidades ambientais; e não tra-

tam da capacidade de enfretamento (mecanis-

mos de mitigação) da população em questão;

nem dos danos (impactos potenciais).

Análises da vulnerabilidade físico-am-

biental que incorporam aspectos sociais cons-

tituiriam um desdobramento em direção a um

enfoque de vulnerabilidade socioambiental.

Estudos sobre vulnerabilidade socioambiental

ganham corpo com a ascensão do ambienta-

lismo, que põe em questão a capacidade da

sociedade de dominar a natureza. Surge assim

a preocupação com a distribuição social dos

bens ambientais, que não são mais percebi-

dos como ilimitados. Tais estudos passam a

evidenciar a existência de conflitos em torno

da apropriação dos recursos ambientais, dos

quais um exemplo são os recursos hídricos.

Autores como Carmo e Hogan e também Men-

donça têm reconceituado essa situação de

crescente escassez de recursos hídricos em ter-

mos de vulnerabilidade socioambiental (Carmo

e Hogan, 2006; Mendonça, 2004).

Outra importante questão socioam-

biental brasileira diz respeito à sub-habitação.

A persistência de situações de precariedade

habitacional nas grandes metrópoles brasilei-

ras revela que a luta pela terra urbanizada é

uma dimensão latente da questão ambiental

urbana brasileira. Outros estudos em países do

chamado terceiro mundo também tratam desse

tema, apesar de não utilizarem explicitamente

o conceito de vulnerabilidade (Hsin-Huang e

Hwa-Jen, 2002). O caso da disputa pela terra

urbanizada revela como, em uma situação de

escassez, os grupos socialmente vulneráveis

são também mais atingidos pelas consequên-

cias da falta de determinado recurso ambien-

tal. Nesse caso, a pouca oferta de terra infraes-

truturada voltada para o mercado habitacional

de baixa renda elevou seu preço, induzindo a

ocupação irregular de áreas frágeis. Essa ques-

tão tangencia outras perspectivas teóricas inti-

mamente relacionadas aos estudos de vulnera-

bilidade socioambiental, como, por exemplo, a

noção de justiça ambiental e desigualdade am-

biental e ecologismo dos pobres (Torres, 1997;

Alier, 2007).

A ênfase no papel da gestão urbana ao

afetar o padrão de desigualdade socioeconô-

mica informa uma série de estudos posteriores

que buscam mensurar e mapear a vulnerabili-

dade socioambiental em algumas metrópoles

brasileiras. Assim, Humberto Alves define a

vulnerabilidade socioambiental como “uma

categoria analítica que pode expressar os fe-

nômenos de interação e cumulatividade entre

situações de risco e degradação ambiental

(vulnerabilidade ambiental) e situações de

pobreza e privação social (vulnerabilidade so-

cial)” (Alves, 2006, p. 47). Similarmente, Marley

Deschamps defende a existência de espaços de

risco ou vulnerabilidade ambiental, nos quais

se concentram populações socialmente vulne-

ráveis (Deschamps, 2008, p. 192).

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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade

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Uma linha de pensamento relacionada,

e normalmente implícita nas definições de

vulnerabilidade socioambiental, busca respon-

der em que medida a ação da sociedade pode

induzir a ocorrência de eventos negativos de

grande magnitude. Para Ian McHargh, exem-

plos de indução humana a desastres naturais

seriam casos de inundações ou desmorona-

mentos provocados por modelos de ocupação

do território que desconsideram as caracterís-

ticas biofísicas do terreno e sua capacidade de

suporte (McHargh, 1992). Para Rozely Santos,

de acordo com essa acepção de desastres in-

duzidos, o que o senso comum entende co-

mo desastres naturais seria, na verdade, uma

resposta de processos ecológicos a alterações

realizadas pelo homem (Santos, 2007). Sob es-

sa ótica, os desastres ambientais seriam asse-

melhados a desastres socialmente produzidos,

como a violência, a fome e outros eventos rela-

cionados à pobreza.

Possíveis aberturas em direção a uma

perspectiva socioambiental ainda são relativa-

mente poucas. Em geral, a literatura que trata

de vulnerabilidade físico-ambiental enfatiza

os aspectos físicos do quadro natural e não

se aprofunda sobre processos sociais que in-

teragem com o meio. Ainda assim, os estudos

tendem a ser complexos e envolvem amplos

levantamentos e tratamento de informações.

Entre as análises que podem oferecer pers-

pectivas complementares à da vulnerabilidade

físico-ambiental, estão as que conceituam a

vulnerabilidade sob o ponto de vista social.

Bases conceituais da vulnerabilidade social

O segundo tipo de abordagem do conceito de

vulnerabilidade (que poderia ser identificado

com a visão de Cutter sobre a vulnerabilidade

como uma resposta matizada) volta-se para

pressões socioeconômicas. A partir de uma lon-

ga tradição e seguindo movimentos de reestru-

turação da economia internacional, reformas

macroeconômicas e um expressivo aumento do

número de pessoas carentes, renovaram-se os

estudos da pobreza. Segundo Caroline Moser,

essa atenção sobre o tema, por um lado, contri-

buiu para debates conceituais e metodológicos

sobre o significado e medidas de pobreza; por

outro, criou o desafio de reavaliar ações para

sua redução. A autora identifica um dualismo

entre medidas convencionais que identificam

pobreza com renda e consumo, levantadas por

meio de pesquisas domiciliares de larga escala;

e medidas subjetivas que buscam indicadores

de pobreza a partir da experiência dos pobres,

levantadas por técnicas participativas (Moser,

1998, pp. 1-2).

Moser identifica quatro temas relevantes

no estudo da vulnerabilidade: a) a diferença

entre pobreza e vulnerabilidade; b) a distin-

ção entre vulnerabilidade e capacidades; c) a

relação entre vulnerabilidade e propriedade

de ativos; e d) a categorização de estratégias

de resposta e administração de ativos. Pode-se

considerar que essas perspectivas, orientadas

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para a consideração da vulnerabilidade social,

buscam identificar caminhos para uma supera-

ção dessa condição.

a) A diferença entre pobreza e vulnerabilidade

Em anos recentes, consolidou-se o re-

conhecimento de que a questão da pobreza

envolve múltiplos aspectos, entre os quais o

temporal; aumentou o interesse sobre estudos

que envolvem eventos naturais ou induzidos;

e cresceu a necessidade de informar a opera-

cionalização de políticas. A partir daí, surgiram

estudos que adotam um enfoque distinto ou

complementar ao da pobreza, que é a perspec-

tiva da vulnerabilidade das populações ou de

grupos específicos.

Segundo Moser, qualquer definição de

vulnerabilidade necessita da identificação de

duas dimensões tomadas emprestadas da

linguagem dos sistemas, a sensitividade e a

resiliên cia. A sensitividade diz respeito à mag-

nitude da resposta de um sistema a um even-

to externo; enquanto a resiliência refere-se à

facilidade e à rapidez de recuperação de um

sistema com relação ao estresse. Estudo ur-

bano relatado pela autora adota um conceito

de vulnerabilidade que leva em conta essas

dimensões. Assim, define vulnerabilidade co-

mo insegurança e sensitividade que atingem o

bem-estar de indivíduos, famílias e comunida-

des diante de um ambiente em mudança. Para

Moser, está implícita a capacidade de resposta

dessas pessoas e sua resiliência com relação a

riscos diante de tais mudanças. A autora espe-

cifica que as mudanças ambientais que amea-

çam o bem-estar podem ser de natureza ecoló-

gica, econômica, social e política, podendo to-

mar a forma de choques repentinos, tendências

de longo prazo ou ciclos periódicos. Com essas

mudanças viriam risco e incertezas e uma decli-

nante autoestima (Moser, 1998, p. 3).

A consideração de mudanças ambientais

que afetam o bem-estar, incluindo transforma-

ções no quadro externo – os aspectos econô-

micos, sociais e políticos –, expande o sentido

tradicional de ameaças para além dos desas-

tres e eventos físico-ambientais. Além disso,

a perspectiva inova quando trata dos efeitos

dessas ameaças, incluindo também os de na-

tureza psicossocial.

b) A distinção entre vulnerabilidade e capacidades

Moser aponta a importante distinção

entre vulnerabilidade e capacidades. Considera

importantes os recursos com que os pobres po-

dem contar como base para a recuperação de

tempos difíceis. As capacidades de indivíduos

e famílias seriam, dessa forma, profundamente

influenciadas por fatores tão diversos como as

possibilidades de ganhar a vida, até os efeitos

sociais e psicológicos da privação e da exclusão.

Seriam consideradas as necessidades básicas,

emprego com salários razoáveis e equipamen-

tos de saúde e educação (Moser, 1998, p. 3).

c) A relação entre vulnerabilidade e propriedade

de ativos

Segundo Moser, a análise da vulnerabili-

dade envolveria não apenas a parte relativa às

ameaças, mas também a resiliência, ou capaci-

dade de resposta para explorar oportunidades

e para resistir ou recuperar-se de efeitos nega-

tivos de um ambiente em mudança. Os meios

de resistência são os ativos e direitos que os

indivíduos, famílias e comunidades podem

mobilizar em situações difíceis. Assim, para

Moser, a vulnerabilidade varia de forma inver-

sa à quantidade de ativos. A autora apresenta

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uma classificação de ativos utilizada no estu-

do urbano relatado em seu artigo: 1) traba-

lho, ativo mais importante para os pobres; 2)

capital humano; estado de saúde, que define a

capacidade de trabalhar; e educação, que con-

diciona a remuneração do trabalho; 3) ativos

produtivos, que permitem renda, sendo para os

pobres o mais importante a habitação; 4) rela-

ções domésticas, um mecanismo para compar-

tilhar a renda e o consumo; e 5) capital social, a

reciprocidade baseada na confiança advinda de

vínculos sociais (Moser, 1998, p. 4).

d) A categorização de estratégias de resposta e

administração de ativos

Segundo Moser, para evitar ou reduzir a

vulnerabilidade, são importantes não apenas

os recursos disponíveis, mas também a capaci-

dade de administrar os ativos de forma a trans-

formá-los em renda, alimentos ou outras ne-

cessidades básicas. No contexto urbano, riscos

e incerteza decorrem de rendas reais menores,

preços elevados e infraestrutura social. Primei-

ro, há necessidade de distinguir entre dois tipos

de estratégias: a) estratégias de elevação de

renda, com o objetivo de adquirir alimentos; e

b) estratégias de modificação do consumo, com

o propósito de controlar a dilapidação de recur-

sos alimentares e não alimentares. Segundo, é

preciso observar a importância do sequencia-

mento de estratégias, que buscam priorizar a

preservação dos ativos sobre o atendimento

imediato de necessidades alimentares (Moser,

1998, p. 5).

A evolução da perspectiva da vulnerabili-

dade social para uma ótica de vulnerabilidade

sociodemográfica se fez inicialmente a partir

da incorporação, em análises de vulnerabilida-

de social, de variáveis de população. Um dos

aspectos é que as famílias mais vulneráveis a

crises econômicas, com maiores decréscimos

na renda ou no consumo doméstico, são as que

contam com uma alta proporção de crianças e

velhos, com uma alta relação de dependência

demográfica. Além disso, famílias pobres ten-

dem a uma maior probabilidade de elevados

níveis de fecundidade e mortalidade, o que

contribui para a reprodução da pobreza. As-

sim, é possível analisar a dinâmica e os perfis

sociodemográficos das comunidades, famílias

e pessoas segundo um enfoque da vulnerabi-

lidade (Cepal-Celade, 2002, p. 6). A vulnerabili-

dade demográfica seria, portanto, um conjunto

de elementos sociodemográficos articulados a

desvantagens sociais. O pressuposto seria de

que diferentes grupos sociais apresentam dis-

tintas dinâmicas e características demográficas

(Hogan e Marandola Jr., 2006, p. 27).

Alguns autores apontam a relevância do

contexto, ou fatores externos, para a compre-

ensão da dinâmica da vulnerabilidade. A con-

tinuidade do debate propiciou, ainda, a expan-

são do enfoque para incluir aspectos relativos

ao papel do Estado e outros atores na oferta de

serviços e também à capacidade das popula-

ções para reagir às ameaças e recuperar-se de

seus efeitos (Moser, 1998; Cunha et al., 2006;

Katzman e Filgueira, 2006).

Análises da vulnerabilidade físico-am-

biental desdobraram-se em uma ótica socioam-

biental, enquanto estudos da vulnerabilidade

social detalharam-se com a inclusão de uma

visão sociodemográfica. Essas ampliações, no

entanto, revelaram-se insuficientes para carac-

terizar, em processos complexos, o papel das

dinâmicas territoriais e dos lugares. A utiliza-

ção de uma perspectiva convergente, que se

propõe a articular aspectos físico-ambientais e

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sociais localizados, tem feito uso de uma ótica

de vulnerabilidade socioespacial.

Bases conceituais da vulnerabilidade socioespacial

O terceiro tipo de abordagem do conceito de

vulnerabilidade (que poderia ser identificado

com a visão de Cutter sobre a vulnerabilida-

de como perigos do lugar) trata de processos

espaciais. Ao tratar de um campo emergente,

voltado para a compreensão de ocorrências

que colocam em risco lugares e pessoas e de

situa ções que diminuem a capacidade de pes-

soas e lugares responderem a ameaças am-

bientais, Susan Cutter chega a identificar uma

“ciência da vulnerabilidade”. Para a autora, es-

se campo de conhecimento informaria políticas

de redução de risco, de perigos e de desastres.

Ademais, articularia aspectos relacionados a

riscos, ameaças, resiliência, susceptibilidade di-

ferencial e recuperação ou mitigação, em apli-

cações localizadas. Para a estudiosa, longe dis-

so, os estudos em curso tendem, por um lado,

a enfatizar as dinâmicas sociais locais ou, por

outro lado, a explicitar exposições físicas. Entre

as limitações dessas análises, estaria o fato de

terem aplicações excessivamente amplas, vol-

tadas para modelos de processos físicos e seus

impactos humanos regionais e globais; ou de

serem dirigidas para riscos individuais, esque-

cendo os riscos múltiplos (Cutter, 2003, p. 6).

De forma crescente, estudos da vulne-

rabilidade têm explicitado relações entre cir-

cunstâncias ambientais e sociais. Além disso,

há o reconhecimento de que uma compreensão

mais completa dos processos envolvidos envol-

ve também a dimensão espacial. Na medida

em que dinâmicas ambientais como inunda-

ções, contaminações, deslizamentos e insalu-

bridade tendem a ocorrer em lugares e regiões

específicas, estabelece-se uma necessária

ligação dos fenômenos observados com de-

lineamentos espaciais. Na medida em que a

vulnerabilidade pode atingir indivíduos, grupos,

sistemas ou lugares, Cutter ressalta a impor-

tância de aspectos como diferenças escalares

e, ainda, a capacidade de articulação entre di-

ferentes escalas geográficas. Para a autora, a

vulnerabilidade manifesta-se geograficamente

sob a forma de lugares perigosos, como áreas

sujeitas a enchentes e lixões, demandando, as-

sim, soluções espaciais. Dessa forma, a autora

menciona comparações dos níveis relativos de

vulnerabilidade entre lugares ou entre grupos

de pessoas que vivem ou trabalham nesses lu-

gares (Cutter, 2003, p. 6).

Um aspecto que pode contribuir para os

estudos sobre vulnerabilidade socioespacial é a

atenção dada à dimensão espacial de conflitos

ambientais urbanos. No Brasil, essa perspectiva

tem sido divulgada a partir do trabalho de Ha-

roldo Torres, que investiga os “aspectos distri-

butivos dos fenômenos ambientais urbanos”.

Para ele, “... os fenômenos ambientais não

podem ser plenamente entendidos – do ponto

de vista das ciências sociais – sem uma com-

preensão aprofundada de suas dimensões es-

paciais. Fenômenos ambientais são fenômenos

espaciais...” (Torres, 1997, p. 17). Para Freitas

e Cidade (2012), em análise sobre a ocupação

da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bar-

tolomeu, no Distrito Federal, a relação entre

processos físico-ambientais, processos sociais

e processos espaciais torna-se bastante evi-

dente. Em estudo sobre a vulnerabilidade dos

jovens e sua distribuição espacial em Brasília,

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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade

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registra-se o papel de territórios de risco (Fer-

reira, Vasconcelos e Penna, 2008).

Em sintonia com a discussão relativa a

bases conceituais e lembrando que a divisão

proposta busca sistematizar abordagens que,

não sendo estanques, podem trazer superpo-

sições, a próxima seção apresenta exemplos

de análises aplicadas. Divide-se em: Análises

sobre a vulnerabilidade físico-ambiental; Aná-

lises sobre a vulnerabilidade social; e Análises

sobre a vulnerabilidade socioespacial.

Interpretações e procedimentos relativos à vulnerabilidade em áreas urbanas

Análises sobre a vulnerabilidade físico-ambiental

Um exemplo ilustrativo de análises sobre a

vulnerabilidade físico-ambiental é um estudo

do Ministério do Meio Ambiente sobre desli-

zamento de encostas. Considera deslizamentos

como: “... fenômenos que ocorrem natural-

mente na superfície da terra como parte do

processo de modelagem do relevo, resultantes

da ação contínua do intemperismo e dos pro-

cessos erosivos” (cf. Vedovello e Macedo 2007,

p. 76). A primeira parte trata de conceitos, me-

canismos e caracterização de deslizamentos de

encostas. O texto observa que os deslizamen-

tos também podem ocorrer em consequência

de ações humanas que alteram as característi-

cas naturais dos terrenos, modificam suas con-

dições de equilíbrio ou geram nas encostas for-

mas menos estáveis do que as originais. Segue

apresentando conceitos e tipos de deslizamen-

tos, causas e consequências, vulnerabilidade e

riscos associados aos deslizamentos. A segun-

da parte trata da gestão de áreas suscetíveis

a deslizamentos e situações de risco. Inclui co-

mentários sobre a avaliação de suscetibilidade,

avaliação de áreas e situações de risco, medi-

das de prevenção e de mitigação, instrumentos

e mecanismos para a gestão de áreas suscetí-

veis a deslizamentos. Entre esses instrumen-

tos está a identificação de características dos

instrumentos técnicos, os recursos tecnológicos

para a gestão, os instrumentos e mecanismos

institucionais e a participação comunitária (Ve-

dovello e Macedo, 2007).

A partir de uma discussão de caráter

técnico e disciplinar sobre a caracterização e

o diagnóstico de deslizamentos de encostas,

o texto introduz, na estrutura de causalida-

de, a ação humana. Enquanto mantém uma

perspectiva específica voltada para avalia-

ção de áreas sujeitas a risco, volta-se para a

gestão de áreas suscetíveis a deslizamentos.

Ultrapassa uma visão estritamente fisico-

-ambiental ao voltar-se para os instrumentos

dessa gestão. Considera necessária a adoção

de um conjunto de atividades de base técnica

acompanhadas de atividades de cunho políti-

co, capitaneadas pela sociedade informada e

organizada. Essa seria uma forma de evitar ou

reduzir os riscos naturais ou induzidos pelas

ações humanas. Embora considerem ações hu-

manas, análises específicas sobre a vulnerabi-

lidade físico-ambiental enfatizam seu papel na

causalidade e na gestão, em contraste com es-

tudos na linha da vulnerabilidade social, que

destacam riscos e recursos, conforme apre-

sentados a seguir.

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Análises sobre a vulnerabilidade social

O primeiro exemplo ilustrativo de análises so-

bre a vulnerabilidade social é o estudo do Ban-

co Mundial sobre Asset portfolio management in an urban economic crisis context, apresen-

tado por Caroline Moser. O estudo urbano foi

conduzido em 1992 e envolveu comunidades

em Chawama, em Lukasa, Zambia; Cisne Dos,

em Guaiaquil, no Equador; Commonwealth, na

área metropolitana de Manila, nas Filipinas; e

Angyaföld, em Budapeste, Hungria. Quanto a

tendências relativas à pobreza, mostrou indi-

cações de que os pobres estavam se tornando

mais pobres nas áreas analisadas, com conse-

quências sobre as estratégias de modificação

de consumo. As estratégias diante de situações

econômicas em deterioração apresentaram di-

ferenças e semelhanças. Aspectos importan-

tes foram: a) trabalho como ativo; b) capital

humano como ativo; c) ativos produtivos, tais

como a habitação; d) relações domésticas co-

mo ativo; e) capital social como ativo. O estu-

do confirmou a necessidade de utilização de

medidas mais completas do que as restritas à

renda e à pobreza para refletir tanto os com-

plexos fatores externos afetando os pobres,

como suas respostas a dificuldades econômi-

cas. Assim, o referencial baseado nos ativos

ultrapassaria uma medida estática da pobreza;

e avançaria na classificação das capacidades

da população pobre para utilizar seus recursos

como forma de reduzir sua vulnerabilidade (cf.

Moser, 1998, pp. 5-14).

O estudo comparativo indica que em-

bora tenham sido encontradas diferenças

entre as comunidades, houve semelhanças

quanto a aspectos gerais. A partir de análi-

ses detalhadas sobre as estratégias de grupos

populacionais diante do agravamento da po-

breza, o texto aponta a relevância de medidas

mais amplas do que as utilizadas. Identifica

também a importância de uma visão dinâmica

das relações envolvidas.

O segundo exemplo ilustrativo de aná-

lises sobre a vulnerabilidade social é o estudo

da Afghanistan Research and Evaluation Unit

sobre três cidades no Afeganistão. Análises co-

mo a de Stefan Schütte sobre três cidades no

Afeganistão abordam uma visão qualitativa,

voltada para o planejamento urbano e, de for-

ma muito particular, para a pobreza. O termo

“vulnerabilidade” foi desenvolvido como uma

referência conceitual e analítica para tratar da

marginalidade e da pobreza de forma diferente

do enfoque apenas econômico. O artigo consi-

dera vulnerabilidade, a partir de R. Chambers,

como algo que tem “... dois lados: um lado ex-

terno de riscos, choques e stress aos quais um

indivíduo ou família está exposto; e um lado

interno que é a incapacidade de se defender,

significando uma falta de meios para lidar com

eles sem perdas que causam danos” (Schütte,

2004, p. 1).

O estudo busca compreender diferentes

formas de vulnerabilidade no Afeganistão; e

baseia-se em discussões de grupos focais em

três cidades: Kabul, Jalalabad e Herat. Busca ir

além da ampla categoria de “grupos vulnerá-

veis”, para se concentrar em “vulnerabilidade

de recursos” de diferentes comunidades, famí-

lias e indivíduos. O grupo de pesquisa também

buscou conhecer os maiores problemas e riscos

enfrentados pelos pobres urbanos (percepção

de riscos), como os indivíduos lidam com o

problema identificado (estratégia de enfren-

tamento – o que é feito diante do problema),

possíveis soluções (sugestões das próprias

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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade

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pessoas afetadas) e modelos existentes de

autoajuda e apoio mútuo. Os grupos focais

revelaram quatro formas inter-relacionadas de

vulnerabilidade: a) vulnerabilidade ao fracas-

so na obtenção de renda; b) vulnerabilidade

à insegurança alimentar; c) vulnerabilidade à

saúde precária; e d) vulnerabilidade à exclusão

social e à retirada de poder (disempowerment)

(Schütte, 2004, p. 1).

Entre os achados, está o fato de que há

diferenças dentro de todos os grupos analisa-

dos, desfazendo a ideia de um “grupo vulne-

rável”. Segundo o autor, os achados sugerem

ainda que a vulnerabilidade, nos casos estuda-

dos, tende a ser não espacial, uma vez que não

se restringe a localidades específicas; e afeta

diferentes grupos sociais nas três cidades de

formas semelhantes. No entanto, há diferenças

dentro de certos grupos; assim, o que é vulne-

rável não é o grupo, mas certas famílias e indi-

víduos que pertencem a esses grupos (Schütte,

2004, p. 1).

O estudo foi além de uma perspectiva

focalizada em grupos, para adotar um olhar

voltado para a vulnerabilidade de recursos,

segundo o autor, capaz de oferecer uma visão

mais realista. Essa perspectiva contempla fato-

res humanos, financeiros, sociais, físicos e am-

bientais e, ainda, estratégias de enfrentamento

e resultados potenciais positivos e negativos.

Os pesquisadores têm a expectativa de que a

perspectiva adotada possa ser um instrumen-

to útil para melhorar o impacto de programas

voltados para as chamadas populações vulne-

ráveis (Schütte, 2004, p. 1).

Embora com base em uma realidade

particular, os procedimentos de análise da

vulnerabilidade urbana no Afeganistão, no

exemplo apresentado, mostram como a análise

qualitativa pode contribuir para informar de-

senvolvimentos posteriores. A primeira apro-

ximação mostrou não apenas a percepção de

riscos, mas também as estratégias de enfren-

tamento utilizadas pelas comunidades. Permi-

tiu, ainda, a identificação de um fator-chave, a

vulnerabilidade de recursos que, por sua vez, se

desdobra em diferentes componentes. Dessa

forma, propicia o aprofundamento da análise e

a proposta de políticas públicas voltadas para

o enfrentamento de problemas específicos por

comunidades particulares. As análises apresen-

tadas neste item trataram de distintas formas

de abordar a vulnerabilidade social. Uma com-

binação de aspectos físico-ambientais e sociais

localizados remete a análises em uma perspec-

tiva socioespacial.

Análises sobre a vulnerabilidade socioespacial

O primeiro exemplo ilustrativo de análises so-

bre a vulnerabilidade socioespacial é o estudo

sobre Social vulnerability to environmental

hazards dos condados nos Estados Unidos.

Cutter, Boruff e Shirley, em artigo que sintetiza

as principais contribuições sobre o tema, cha-

mam a atenção para uma questão de fundo,

que é a relação entre os perigos naturais e o

potencial de perdas. Acrescentam que, uma

vez que as perdas variam com a geografia,

ao longo do tempo e entre diferentes grupos

sociais, a vulnerabilidade também varia com

o tempo e o espaço. Os autores observam

que, na literatura, vulnerabilidade tem dife-

rentes conotações, a depender a orientação

e da perspectiva de pesquisa (Cutter, Boruff e

Shirley , 2003, p. 242).

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Cutter, Boruff e Shirley consideram que,

embora haja pesquisas sobre a vulnerabilidade

biofísica e a vulnerabilidade do ambiente cons-

truído, sabe-se pouco sobre os aspectos sociais

da vulnerabilidade. Para os autores, as vulnera-

bilidades criadas pela sociedade tendem a ser

ignoradas, principalmente devido à dificuldade

para quantificá-las. Os autores lembram que

a vulnerabilidade social é, em parte, produto

de desigualdades sociais. Esses seriam, então,

os fatores sociais que influenciam ou consti-

tuem a susceptibilidade de vários grupos se-

rem atingidos e que também determinam sua

capacidade de reagir. No entanto, lembram os

autores, a vulnerabilidade também inclui desi-

gualdades de lugar, como as características de

comunidades e do ambiente construído. Entre

elas estariam o nível de urbanização, as taxas

de crescimento e a vitalidade econômica, que

contribuem para a vulnerabilidade social dos

lugares. Os autores consideram que há poucas

pesquisas comparando a vulnerabilidade social

de diferentes lugares. É isso o que a pesquisa

em questão faz, trazendo uma análise compa-

rativa de vulnerabilidade social, usando como

unidade de análise o condado (Cutter, Boruff e

Shirley, 2003, p. 243).

O estudo utiliza o modelo de vulnerabi-

lidade intitulado hazards-of-place (perigos do

lugar) para analisar os componentes da vulne-

rabilidade social nos Estados Unidos, utilizan-

do dados socioeconômicos e demográficos do

recorte territorial de condados. Com base em

dados censitários de 1990, os pesquisadores

construíram um Índice de Vulnerabilidade So-

cial (Social Vulnerability Index – SoVI). Nesse

referencial, “risco” – como uma medida obje-

tiva da possibilidade de um evento perigoso

(hazard event) –, interage com medidas de

mitigação – medidas para diminuir os riscos ou

reduzir seu impacto – para produzir o poten-

cial de perigo. O potencial de perigo pode ser

moderado ou reforçado por um filtro geográ-

fico, tal como o sítio e a situação do lugar e,

ainda, a proximidade, e também o tecido social

do lugar. O tecido social inclui a experiência da

comunidade com os perigos e também a capa-

cidade da comunidade para responder, lidar,

recuperar-se de e adaptar-se aos perigos. Esses,

por sua vez, são influenciados por caracterís-

ticas econômicas, demográficas e residenciais.

No modelo, as vulnerabilidades sociais e biofí-

sicas interagem para produzir a vulnerabilidade

geral do lugar. O artigo apresentado examina

apenas a parte relativa à vulnerabilidade social

(Cutter, Boruff e Shirley, 2003, p. 243).

Para Cutter, Boruff e Shirley, há um rela-

tivo consenso na literatura sobre os principais

fatores que influenciam a vulnerabilidade so-

cial. Entre eles estão: a) falta de acesso a re-

cursos, incluindo informação, conhecimento e

tecnologia; b) acesso limitado a poder político

e representação; c) capital social, incluindo re-

des sociais e conexões; d) crenças e costumes;

e) estoque e idade das edificações; f) indivíduos

debilitados e fisicamente limitados; e g) tipo e

densidade de infraestrutura e linhas de vida.

Não há concordância sobre variáveis especí-

ficas para representar esses amplos conceitos

(Cutter, Boruff e Shirley, 2003, p. 245).

Embora fossem utilizadas inicialmente

mais do que 250 variáveis, ao longo da pesqui-

sa, essas foram reduzidas para 42 variáveis in-

dependentes, até reduzirem-se a onze fatores,

capazes de explicar 76% da variância entre os

condados. Esses fatores são: 1) riqueza pessoal;

2) idade; 3) densidade do ambiente construí-

do; 4) dependência econômica de apenas um

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setor; 5) estoque habitacional e aluguéis; 6) ra-

ça – americana africana; 7) etnia – hispânica;

8) etnia – americana nativa; 9) raça – asiática;

10) ocupação; e 11) dependência de empregos

em infraestrutura. Os resultados mostraram

que a grande maioria de condados dos Estados

Unidos apresenta níveis moderados de vulne-

rabilidade social. Mostra também que a maior

parte dos condados vulneráveis se encontra na

metade sul do país, indo do Sul da Flórida até a

Califórnia, regiões com desigualdades étnicas e

raciais elevadas, assim como rápido crescimen-

to populacional (Cutter, Boruff e Shirley, 2003,

pp. 251-254).

O exemplo mostra as possibilidades de

utilização de dados censitários para desen-

volver uma análise espacial comparativa dos

Estados Unidos, segundo condados. O mapea-

mento resultante reflete a estrutura socio-

espacial do país, construída ao longo de sua

história e reforçada, ou modificada, pelas di-

nâmicas mais recentes. A análise resultante

pode subsidiar políticas públicas na escala re-

gional ou nacional.

O segundo exemplo ilustrativo de aná-

lise sobre a vulnerabilidade socioespacial

é o estudo Vulnerability mapping in urban

Afghanistan, de Heloise Troc e Erin Grinnell

(2004). Em seu artigo, as autoras delineiam

dois tipos de vulnerabilidade: a estrutural e a

inerente. A primeira, a vulnerabilidade estru-

tural, é determinada geograficamente. Nesse

sentido, o lugar de residência de determinada

população afeta o acesso e a disponibilidade

de serviços urbanos como saúde, água potá-

vel, condições de habitabilidade. O segundo

tipo, a vulnerabilidade inerente, é determina-

do pelas condições socioeconômicas da famí-

lia. Destaca em particular o fato de existirem

mulheres em idade reprodutiva, falta de ren-

dimento regular ou acomodações de aluguel.

O estudo utilizou-se de duas escalas de

mapeamento em Cabul: 1) na escala urbana, a

identificação de zonas com condições de habi-

tabilidade semelhantes, além de nível de renda

e modo de resposta a insegurança alimentar;

2) na escala de bairros, selecionou bairros com

alto grau de vulnerabilidade dentro de cada zo-

na da cidade. A identificação das zonas foi feita

a partir de dados quantitativos como acesso a

infraestrutura, centros de saúde, ruas e merca-

dos. A escolha dos critérios de vulnerabilidade

foi definida em um workshop com técnicos da

Organização Não Governamental Action Con-

tre la Faim em Cabul.

Após a identificação das zonas, e seleção

dos bairros, a pesquisa conduziu um estudo de

campo para coletar informações adicionais no

âmbito familiar, por meio da aplicação de ques-

tionários em 50 domicílios selecionados aleato-

riamente; e seis grupos de discussão com mu-

lheres e um com homens. Realizaram-se ainda

grupos focais e entrevistas semidiretivas.

Entre os resultados do estudo apresenta-

-se a questão espacial, sob a forma de áreas

que, embora destruídas, localizam-se próximas

a oportunidades de trabalho e, dessa forma,

não são tão vulneráveis. Verificou-se também

uma deficiência de serviços urbanos: 11 bairros

foram identificados com alto grau de vulnera-

bilidade. Desses, cinco estão também expostos

a fatores de risco relacionados ao quadro na-

tural, como a localização em encostas ou em

áreas passíveis de alagamento.

O aspecto de vulnerabilidade social mais

significativo diagnosticado pelo estudo foi a

ocorrência de uma grande quantidade de fa-

mílias cuja única fonte de renda provinha de

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trabalhos remunerados diariamente. Para as

autoras, a insegurança de não conseguir uma

fonte de renda regular representa a maior

ameaça para as condições de vida de determi-

nadas pessoas. As entrevistas revelaram que a

insegurança relativa à fonte de renda era mais

problemática que a baixa remuneração. As es-

tratégias para lidar com a questão também fo-

ram objeto de levantamentos pelo estudo (Troc

e Grinnell, 2004).

No Brasil, análises integradas articulando

aspectos físico-ambientais e sociais, em uma

perspectiva socioambiental, têm mostrado co-

mo a estrutura urbana e metropolitana pode

acentuar os efeitos da segregação socioespa-

cial. Essas análises, algumas das quais utilizam

Sistemas de Informação Geográfica (SIG), mos-

tram como, em áreas consideradas de risco, há

manifestações particularmente acentuadas da

pobreza e da vulnerabilidade (Alves, 2006; Tor-

res e Marques, 2001).

Estudos na linha da vulnerabilidade so-

cioespacial têm buscado, a partir da disposição

geográfica, compreender como interage o qua-

dro socioeconômico, os processos ambientais

e, ainda, a oferta de equipamentos e serviços

urbanos. Embora as dificuldades inerentes a

diagnósticos complexos limitem algumas pes-

quisas a resultados com ênfase descritiva, es-

ses estudos representam avanços.

Notas fi nais

Os estudos sobre a vulnerabilidade têm encon-

trado repercussão em duas áreas principais, a

que trata de ameaças ambientais e a que abor-

da a pobreza. A linha dos desastres naturais

e dos eventos perigosos parece ter sido mais

antiga. Tem analisado a ocupação humana das

áreas de incidência, as respostas da população

e a formas de mitigação dos impactos. Esses

desastres, naturais ou induzidos, têm atingido

de forma crescente tanto países chamados de-

senvolvidos como os denominados não desen-

volvidos. As ameaças se fazem mais intensas

em áreas urbanas, que concentram grandes

massas populacionais. A linha que enfatiza a

pobreza retrata a constatação de que, embora

as populações atingidas pertençam a diferen-

tes grupos sociais, em grande parte dos casos,

quem mais sofre os efeitos desses perigos são

as populações pobres. Análises dos danos ge-

rados por esses eventos, tendo em vista a ca-

pacidade de resposta das populações, têm en-

contrado no enfoque da vulnerabilidade uma

perspectiva bastante frutífera.

O texto examinou estudos sobre risco

e vulnerabilidade, identificando uma multi-

plicidade de enfoques. A revisão assinalou

dificuldades na formulação de conceitos uní-

vocos, adequados para operacionalização em

distintas áreas de conhecimento. A análise

buscou, ainda, assinalar os procedimentos

adotados em diferentes pesquisas, bem como

seus alcances e limites. A discussão apresen-

tou, de forma breve, conceituações e mudan-

ças no tempo, que evoluíram no sentido de

uma abertura do conceito para incorporar,

além dos tradicionais riscos ambientais, tam-

bém considerações sobre a pobreza. Eviden-

ciaram-se, assim, tentativas de incorporar às

dimensões tradicionais aspectos distintos, que

pudessem refletir as múltiplas facetas do te-

ma e suas variações. A partir da ótica da vul-

nerabilidade físico-ambiental e da visão da

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vulnerabilidade social, uma evolução em dire-

ção à interdiscipli naridade é a perspectiva da

vulnerabilidade socioespacial.

Embora ainda em construção, a temática

da vulnerabilidade socioespacial oferece poten-

cial para articular linhas de conhecimento até

então paralelas. Um ponto de partida é a visão

da interdisciplinaridade como uma combinação

integrada de conhecimentos disciplinares de

ponta com conhecimentos complementares ad-

vindos de outras disciplinas. Nessa acepção, a

operacionalização da ótica da vulnerabilidade

socioespacial, como uma expressão espacial

dos variados processos em estudo, ainda esta-

ria no início de um percurso.

No caso de grupos sociais que vivem em

áreas de degradação ambiental, enfrentam os

efeitos da pobreza e contam com baixo aten-

dimento de equipamentos e serviços públicos,

a inclusão da dimensão espacial da vulnerabi-

lidade pode subsidiar políticas públicas. Nesse

sentido, uma contribuição para estudos am-

bientais urbanos integrados seria a identifica-

ção e análise de territórios de risco.

Nota

(*) Este artigo é uma versão atualizada e ampliada do texto Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: interpretações e procedimentos, apresentado no XIII Enanpur – Encontro Nacional da Anpur; Planejamento e gestão do território: escalas, conflitos e incertezas Florianópolis, SC; Universidade Federal de Santa Catarina; 25 a 29 de maio de 2009. Sessão Livre – SL 49: Dinâmicas socioespaciais da vulnerabilidade urbana e os territórios de risco.

Agradeço a colaboração e crí cas da Profa. Clarissa F. Sampaio Freitas, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará.

Lúcia Cony Faria CidadeArquiteta. PhD em Planejamento Urbano e Regional. Professora Associada da Universidade de Brasí-lia: Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Laboratório de Análi-ses Territoriais e Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais. Brasília/DF, [email protected]

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Texto recebido em 4/nov/2010Texto aprovado em 15/dez/2010

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013

Espaço urbano, circulação e preservação ambiental: impasses e perspectivas

na área de infl uência do Rodoanelem São Bernardo do Campo, SP

Urban space, circulation and environmental preservation:impasses and perspectives in the area of infl uence

of the Beltway in São Bernardo do Campo, SP

Carolina Bracco Delgado de AguilarAngélica Tanus Benatti Alvim

ResumoEste artigo trata do processo de produção do es-

paço urbano e transformação da paisagem, por

meio da atuação de diversos atores, particular-

mente o Estado e o mercado imobiliário. Com base

na análise da relação entre as redes de circulação

e transporte, meio ambiente e uso e ocupação do

solo, discute-se a lógica da produção do espaço

urbano ao longo do Trecho Sul do Rodoanel Mário

Covas na bacia Billings, especifi camente no trecho

que corta o município de São Bernardo do Campo,

Região Metropolitana de São Paulo.

Palavras-chave: produção do espaço urbano;

transformação da paisagem; Rodoanel Mário Co-

vas; represa Billings; São Bernardo do Campo.

AbstractThis article analyzes the process of production of urban space and the transformation of the landscape, resulting from (re) production of urban space through the performance of various actors, particularly the state and the real state market. Based on the analysis of the relationship between the networks of circulation and transport, use and occupation of land and environment we discuss the logic of the production of urban space around of the South of Rodoanel Mario Covas, in São Bernardo do Campo municipality, São Paulo Metropolitan Area.

Keywords: production of urban space; landscape’s transformation; Rodoanel Mário Covas; Billings Watershed; São Bernardo do Campo.

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Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013194

Introducão

Este artigo1 trata do processo de produção do

espaço urbano e transformação da paisagem,

por meio da atuação de diversos atores, parti-

cularmente o Estado e o mercado imobiliário.

Com base na análise da relação entre

as redes de circulação e transporte (pessoas e

mercadorias), meio ambiente e uso e ocupa-

ção do solo, pretende-se discutir a lógica da

produção e reprodução do espaço urbano, as

intenções e os conflitos entre os atores que o

produzem, bem como identificar as recentes

transformações da paisagem.

O objeto de estudo é o Trecho Sul do Ro-

doanel, inserido na Área de Proteção e Recupe-

ração dos Mananciais Billings, particularmente

o Lote 2, trecho de 6.9 km de extensão, que

interliga as rodovias Anchieta e Imigrantes, no

município de São Bernardo do Campo. Busca-

-se analisar a (re)produção do espaço urbano,

os impactos ambientais e consequente a trans-

formação da paisagem, processos que ocorrem

por meio da atuação de diversos atores, parti-

cularmente o Estado (representado pelos pode-

res públicos estadual e municipal), o mercado

imobiliário e a sociedade civil.

Nos últimos anos, diversos especialistas

e estudiosos (Harvey, 2005; Lefebvre, 1999 e

2008; Gottdiener, 1993; Villaça, 2001; San-

tos, 2008; Costa, 2006) vêm aprofundando a

discussão sobre produção do espaço urbano e

transformação da paisagem. Na abordagem da

produção do espaço urbano, o sistema de cir-

culação é um elemento estruturante do espa-

ço, pois, ao proporcionar acessibilidade, gera

novas localidades e, ao mesmo tempo, trans-

forma a paisagem.

No caso específico da Região Metropo-

litana de São Paulo (RMSP), historicamente,

a implantação de um sistema de circula-

ção compostos por ferrovias e rodovias, li-

gando São Paulo ao interior do Estado, ao

litoral (porto) e outras regiões do país, foi

determinante para conformar sua centrali-

dade e importância nacional. No entanto, o

mesmo sistema de circula ção, quando priori-

zou o modo de transportes sobre pneus, foi

responsável pela expansão da sua mancha

urba na, em direção às áreas frágeis à ocupa-

ção urbana, principalmente aquelas que

abrigam impor tan tes mananciais e áreas de

pre ser vação ambientais.

O recente processo de implantação do

Rodoanel Mário Covas, via perimetral expressa

que visa equacionar a crescente crise na circula-

ção metropolitana, tem sido objeto de polêmi-

cas, visto que dois dos seus quatro trechos, es-

pecificamente os trechos Sul e Norte (esse ainda

em projeto), atravessam importantes áreas de

preservação ambiental que abrigam importan-

tes reservatórios de água para abastecimento

público: as represas Guarapiranga e Billings e a

Serra da Cantareira, respectivamente.

São Bernardo do Campo (SBC), município

localizado na sub-bacia do reservatório Billings,

região sudeste da metrópole, possui uma situa-

ção peculiar nesse contexto: as duas ligações

viárias mais importantes do novo empreendi-

mento – alças de acesso às rodovias Imigran-

tes e Anchieta – localizam-se em seu território,

proporcionando uma nova acessibilidade intra-

-urbana e metropolitana.

Desde o início da construção do trecho

que corta o município – Lote 2 do Trecho Sul

do Rodoanel – em 2006, o governo municipal

passou a implementar um conjunto de obras

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de duplicação e repavimentação de estradas

que se interligam à alça de acesso do Rodoa-

nel com a Rodovia dos Imigrantes, previstas no

Programa de Transporte Urbano (PTU) de 2002,

programa destinado à melhoria da infraestru-

tura urbana de circulação. Ao mesmo tempo,

definiu, no Plano Diretor de 2006, zonas em-

presariais nessa região buscando atrair empre-

endimentos de uso industrial e de serviços lo-

gísticos, para além da ocupação de baixa renda

e de assentamentos precários já existentes nas

áreas de mananciais.

A recente instituição da nova lei de pro-

teção e recuperação dos mananciais – Lei Es-

pecífica da Billings, n. 13.579 / 2009, ao mesmo

tempo que incorpora o Rodoanel como área

de intervenção, definindo diretrizes que bus-

cam orientar o uso e a ocupação desse espaço,

exige do poder público municipal a adequação

dos instrumentos urbanísticos locais (Plano Di-

retor e demais instrumentos de uso e ocupação

do solo) e define instrumentos que possibilitam

intervir e regularizar os assentamentos precá-

rios existentes.

Além da melhoria de acessibilidade e cir-

culação, a conexão do Rodoanel com as rodo-

vias Anchieta e Imigrantes, associada à presen-

ça dos mananciais da sub-bacia hidrográfica

Billings, e dos investimentos em infraestrutura

por parte do poder local na área de influência,

indica um conjunto de conflitos e de interesses

em relação à dinâmica urbana e imobiliária do

município, e ao mesmo tempo contribui para

exacerbar a segregação socioespacial da popu-

lação de baixa renda que ali habita.

A partir da compreensão dos proces-

sos reais em curso, na área de influência do

Trecho Sul do Rodoanel, no município de São

Bernardo do Campo, busca-se com este arti-

go contribuir para explicitar os impasses e as

perspectivas que se colocam sobre a produ-

ção do espaço urbano e, consequentemente,

transformação da paisagem que ocorrem em

áreas preservadas.

Produção do espaço urbano e transformação da paisagem

A produção do espaço urbano é um processo

social que envolve a participação de diversos

atores da sociedade, entre eles, o Estado, os

empresários, os construtores e os proprietários

fundiários. Para Gottdiener (1993), o espaço é

entendido como produto social – organizado e

estruturado, que ajuda a recriar ou reproduzir

as relações sociais que o geraram.

Paisagem é a expressão formal da pro-

dução do espaço urbano, constantemente

transformada de acordo com a dinâmica e os

interesses dos atores que produzem o espaço

urbano. Assim, espaço e paisagem têm rela-

ções entrelaçadas, pois ao mesmo tempo que

o espaço é produzido, a paisagem é transfor-

mada. Isso pode ser observado na transição

de um espaço periurbano, com uma paisagem

ainda “natural”, para um espaço urbano, com

a paisagem transformada e apropriada pelo

novo processo de produção socioeconômica

que ali se instala (Aguilar, 2010).

A compreensão adequada dessas ques-

tões requer a análise da relação espaço/tempo,

e paisagem/natureza, considerando-se a mu-

tabilidade da percepção desses termos, como

explica Leite (2006, pp. 13-14):

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[...] a percepção do tempo e da natureza muda com a evolução cultural, o que exi-ge a procura de novas formas de organi-zação do território que melhor expressem o universo contemporâneo, formas que capturem o conhecimento, as crenças, os propósitos e os valores da sociedade [...]. [A] natureza e a cultura juntas, como processos interagentes, conferem forma e individualidade aos lugares. Os ritmos de produção, transporte e consumo, por exemplo, interagem com os ritmos climá-tico, hidrológico e biológico para moldar uma paisagem cujos padrões de produção e utilização variam de acordo com o con-texto específico da sociedade.

Para Carlos (1994), a paisagem urbana é

a manifestação formal do processo de produ-

ção do espaço urbano. É produzida e justifica-

da pelo trabalho, considerado como atividade

transformadora do homem social, fruto de de-

terminado momento de desenvolvimento das

forças produtivas.

Sendo o espaço o suporte das relações

sociais e das funções ecológicas, a relação

entre o aspecto simbólico da paisagem e a es-

colha do modelo de desenvolvimento urbano

interfere no processo de ordenamento do es-

paço urbano e da paisagem, como cenário físi-

co, estético e emocional em que se processa a

atividade humana como explicado por Saraiva

(1999, p. 17). Ou seja, o modelo de desenvolvi-

mento adotado e a forma como a sociedade se

comporta interferem na produção do espaço,

ao mesmo tempo em que sofrem interferência

dessa mesma produção de espaço, transfor-

mando a paisagem.

Relacionando espaço e paisagem, Mil-

ton Santos (2008) afirma que paisagem é a

configuração geográfica ao alcance do olhar,

enquanto espaço é a soma da sociedade e da

paisagem, sempre mudando de configuração

na medida da movimentação do social.

Uma vez que o espaço é o produto so-

cial, ou “expressão da sociedade” (Castells,

1999, p. 499), a produção do espaço pela

sociedade capitalista resulta em espaços de

contradições, representando na paisagem as

desigualdades sociais e as disputas pela apro-

priação do espaço.

A paisagem urbana contemporânea é o

resultado do modelo econômico globalizado,

da ambiguidade e dissolução das relações so-

ciais e da fragmentação do território, interli-

gado e ao mesmo tempo dividido pelas redes

de fluxo e comunicação, tanto físicas quanto

virtuais. O cenário da paisagem urbana pode

ser apreendido pela descrição da lavra, que

Bauman extrai de Schmitt (apud Bauman,

2003, p. 119):

Virtualmente todas as cidades do mundo começam a apresentar espaços e zonas poderosamente conectadas a outros es-paços ‘valorizados’, cruzando a paisagem urbana e as distâncias nacionais, interna-cionais e até mesmo globais. Ao mesmo tempo, porém, muitas vezes há em tais lugares um palpável e crescente senso de desconexão local em relação a áreas e pessoas fisicamente próximas, mas social e economicamente distantes.

De um modo geral, a produção do espaço

urbano resulta na transformação da paisagem,

comumente apropriada por aqueles que podem

comprá-la, num processo de “enobrecimento”2

do espaço, enquanto a população de baixa

renda participa da produção social do espaço,

em geral, por meio da apropriação irregular de

áreas não propícias à ocupação urbana.

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Assim, a produção social do espaço ma-

terializa os interesses dos agentes dominantes

da sociedade capitalista, tendo como resul-

tado a transformação da paisagem, compro-

metendo assim a construção da cidade como

prática social.

Atores que (re)produzem o espaço urbano e transformam a paisagem

O crescimento dos centros urbanos faz o espa-

ço natural ser consumido, produzindo o espaço

urbano. A ocupação do solo torna os espaços

remanescentes disputados e cada vez mais ra-

ros, principalmente em locais onde há interesse

de investimentos públicos, em infraestrutura,

aliados ao capital privado. A partir da valoriza-

ção, pelo capitalismo, dos espaços livres, Mar-

tins classifica o próprio espaço como uma nova

raridade (2008, p. 9):

[...] mobilizado pela valorização capita-lista, o espaço passou a integrar as no-vas raridades. Se outrora o pão, os meios de subsistência eram raros, “agora, não em todos os países, mas virtualmente à escala planetária, há uma produção abundante desses bens; não obstante as novas raridades, em torno das quais há luta intensa, emergem: a água, o ar, a luz e o espaço”.

Dessa forma, “o espaço inteiro torna-se

o lugar da reprodução das relações de produ-

ção”. Diante do conceito de espaço como a

soma da paisagem e da sociedade, “toda so-

ciedade produz ‘seu’ espaço, ou, caso seja pre-

ferível, toda sociedade produz ‘um’ espaço”

(Lefebvre, 2008, p. 55).

A forma como a sociedade é organizada

determina como os grupos dominantes dentro

da mesma interferem nessa produção. Entre-

tanto, o próprio conceito de produção precisa

ser especificado, porque interfere no significado

da expressão “produção do espaço” (Lefebvre,

ibid., pp. 53-55). Produzir, ensina o citado autor,

deve-se entender em sentido amplo, para além

da mera produção de objetos e materiais tro-

cáveis, mas englobando a produção de conhe-

cimentos, obras, alegria e prazer; em resumo,

a produção tanto intelectual (mental), quanto

material (física).

A produção, do espaço, aparentemente

desarticulada, dominada (pela técnica e pe-

las normas), depende de interesses diversos e

de grupos distintos, que encontram no Estado

uma unidade. Essa produção depende de uma

encomenda e de uma demanda, muitas vezes

com a predominância (mesmo que oculta) de

alguns desses interesses. Não sendo o espaço

nem neutro nem inocente, uma das forças po-

líticas responsáveis pela falta de neutralidade

do espaço é o Estado: “aparelho que organiza

o espaço geográfico de modo a exercer seu po-

der sobre os homens” (Lipietz, 1988, p. 150).

Dentre os que intervêm no espaço, en-

contram-se proprietários fundiários, promoto-

res imobiliários, poderes públicos, coletividades

locais, bancos e organismos de crédito, arquite-

tos, etc. A divisão do trabalho entre tais atores,

separando suas atividades e papéis, mascara

a articulação entre eles a ponto de o espaço

ser produzido e a paisagem ser transformada

em pontos do território onde há concentração

de interesses comuns aos mesmos (Lefebvre,

1999, p. 119).

O papel do Estado é fundamental para

a produção do espaço urbano e na ação de

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fazer convergir os interesses conflitantes dos

grupos de poder, aos seus próprios interesses.

Lipietz ao tratar do espaço do capital, na mes-

ma linha de entendimento de Lefebvre, afirma

que “à medida que o Estado se apresenta co-

mo ‘comunidade ilusória’ que funciona como

ditadura de uma classe, o espaço que ele do-

mina e organiza é o espaço do poder desta

classe (ou coalisão de classes)” (Lipietz, 1988,

p. 150).

As formas de atuação de cada um dos

atores da produção do espaço urbano são

apontadas por Sposito (2006), que relaciona:

proprietários dos meios de produção, proprie-

tários fundiários, promotores imobiliários, o Es-

tado e grupos sociais excluídos. Para esse autor,

os proprietários dos meios de produção, “per-

sonificados pelos donos de grandes indústrias

e empresas comerciais”, pela conformação de

suas atividades, estabelecem dimensões de

ocupação na cidade e grande capacidade de

consumo do espaço urbano. Já os proprietários

fundiários têm o objetivo de extrair de forma

ampliada a renda fundiária de suas proprieda-

des,3 buscando mais o valor de troca do que o

valor de uso (ibid., p. 24).

O Estado tem o papel complexo de ge-

renciar os conflitos de interesses dos mem-

bros da sociedade de classes, dentre os quais

se encontram os grupos sociais incluídos e os

excluídos. Para Sposito (ibid.), o Estado atua

de forma complexa entre os “conflitos de in-

teresses dos diferentes membros da sociedade

de classes, bem como pelas alianças entre eles,

tornando viável a existência simultânea de in-

teresses distintos de vários agentes produtores

e consumidores do espaço urbano” [...]

Bógus (1988) reforça que deve ser consi-

derada também a importância da intervenção

estatal no meio urbano através da legislação

urbanística, uma vez que as leis de uso e

ocupa ção do solo, por meio dos parâmetros ur-

banísticos, condicionam as taxas de lucro obti-

das em cada fragmento do território.

O espaço urbano, segundo Carlos (1999,

p. 83) “se produz na contradição entre os inte-

resses do poder político, dos empreendedores

imobiliários e dos empresários, de um lado, e

do cidadão, do outro”. Bógus (1988) aponta

que o cidadão é o usuário final, um dos atores

da produção do espaço urbano.

Contribuindo para discussão, essa autora

esclarece que:

A determinação do valor de uso, do valor de troca e da renda a ser auferida pelo proprietário da terra dependerá dos di-versos atores e grupos sociais, atuantes no mercado imobiliário, seja como pro-dutores de imóveis (empreiteiros, incor-poradores, instituições governamentais ligadas à produção de habitações), seja como intermediários (corretores de imó-veis) ou consumidores (os usuários) . (Ibid., p. 21)

A figura, a seguir, sintetiza os princi-

pais atores que produzem o espaço urbano. O

Estado, representa as diversas esferas de go-

verno – federal, estadual e municipal – envol-

vidas na produção do espaço por meio da for-

mulação/instituição das políticas públicas que

transformam e/ou valorizam o espaço urbano.

Proprietários fundiários, empreendedores,

construtores/incorporadores e financiadores,

cada qual atuando na cadeia de transforma-

ção da paisagem por meio da viabilização das

condições técnico-financeiras da produção

do espaço urbano. Coletividades locais agre-

gam a participação dos diferentes grupos da

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sociedade civil e classes sociais que atuam

de forma organizada ou não na produção do

espaço urbano. Já o usuário final, representa

o(s) indivíduo(s) impactados pela produção

do espaço urbano, podendo inferir demandas

na paisagem transformada e/ou busca (resul-

tante da oferta ou da exclusão) de novas op-

ções de paisagem.

Para fomentar o interesse dos atores da

produção do espaço urbano, a questão da locali-

zação é fator fundamental de atratividade, princi-

palmente para os empreendimentos imobiliários,

sendo o sistema de circulação (vias e transportes)

essencial à produção de localidades, produção e

reprodução do espaço urbano e alteração da pai-

sagem, como veremos no caso do Rodoanel.

Figura 1 – Produção social do espaço urbano: principais atores

Fonte: Aguilar (2010, p. 37).

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Sistema de circulação, produção de localidades e segregação socioespacial

Há uma diferença fundamental entre lugar e lo-

calização. Para Milton Santos (2008, pp. 21-23),

o lugar pode ser o mesmo, mas as localizações

mudam: “[...] o lugar é o objeto ou conjunto de

objetos. A localização é um feixe de forças so-

ciais se exercendo em um lugar”. Nas palavras

do geógrafo:

Cada localização é, pois, um momento do imenso movimento do mundo, apreendido em um ponto geográfico, um lugar. Por is-so mesmo, cada lugar está sempre mudan-do de significação, graças ao movimento social: a cada instante as frações da socie-dade que lhe cabem não são as mesmas.

Castells (1999, p. 223) acresce que a lo-

calização é um valor que se manifesta no valor

da terra urbana, definida pela “capacidade que

determinado ponto do território oferece, de

relacionar-se através de deslocamentos espa-

ciais, com todos os demais pontos da cidade”.

A terra em si não tem valor, mas a terra como

localização, sim. Sendo a produção do espaço

urbano considerada como produção da locali-

zação, um dos investimentos mais disputados

entre as classes sociais é o sistema de circula-

ção (vias e meios de transporte), pela sua ca-

pacidade de ligar uma localização a outra e de

diminuir o tempo de deslocamento. Portanto, a

infraestrutura de transporte é um tipo especí-

fico de dominação que determina a produção

do espaço urbano. O principal ator na produ-

ção da mais-valia do transporte é o Estado, um

dos agentes responsáveis pela implantação das

vias como obra pública.

Para Villaça (1999), um dos elementos

determinantes para a estruturação e produção

do espaço urbano e consequente modificação

da paisagem são os sistemas de circula-

ção, de transporte e de comunicação, que

transformam determinados pontos do territó-

rio – pela sua capacidade de deslocamento e

comunicação, integrando produtos e consu-

midores em “localizações urbanas”. O autor

afirma que a “localização urbana” é determi-

nada por dois atributos: rede de infraestrutura

(vias, redes de água, esgotos, pavimentação,

energia, etc.); e, possibilidades de transporte

de produtos de um ponto para outro, de des-

locamento de pessoas e de comunicação.

A acessibilidade é preponderante em

relação à presença de infraestrutura, sendo

essa “o valor de uso mais importante para a

terra urbana, embora toda e qualquer terra o

tenha em maior ou menor grau” (Villaça, 2001,

p. 74). Esse autor enfatiza que a acessibilidade

é proporcionada pela implantação das redes

de circulação e transporte, entre elas, as vias

regionais, constituindo um elemento determi-

nante na expansão urbana.

Em áreas protegidas, a implementação

das redes de circulação e transporte provoca

transformações significativas e conflitantes.

Em alguns casos, o simples fato de uma deter-

minada área preservada adquirir acessibilidade

poderá atrair formas irregulares de ocupação

urbana que, na maioria das vezes, o Estado

não consegue controlar. Por outro lado, de for-

ma conivente com o próprio Estado e, muitas

vezes, até imperceptível para a sociedade, tal

acessibilidade provoca significativas alterações

no valor da terra que, quando associada às be-

lezas da paisagem preservada, geram um va-

lor agregado a ser incorporado pelo mercado

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imobiliário, resultando em importantes trans-

formações no espaço.

Para Harvey (2005), as relações de

transporte, a integração espacial e a anulação

do espaço pelo tempo referem-se, portanto, à

produção do valor e à dinâmica da acumula-

ção. Admitindo-se que a circulação do capital

gera valor, a constante mudança de localiza-

ção (incentivada principalmente pela indústria

do transporte e comunicação) faz aumentar a

mais-valia decorrente da circulação do capital.

Como o capitalismo visa a eliminar as barrei-

ras espaciais, por meio da compressão do tem-

po, são produzidos espaços fixos, subsidiados

pela construção de infraestruturas físicas fixas,

para facilitar os deslocamentos de pessoas e

mercadorias, e dar suporte a atividades de

produção, de troca, de distribuição e de con-

sumo, como será visto por meio do objeto de

estudo: o espaço urbano ao redor do lote 2 do

Trecho Sul do Rodoanel, em São Bernardo do

Campo (SBC), na Região Metropolitana de São

Paulo (RMSP).

O transporte é ao mesmo tempo pro-

duzido e consumido no momento do seu uso

(Harvey, 2005). Ele impacta a matéria-prima e

o produto final, pois, quanto menor o tempo do

transporte, mais rápida é a entrega da merca-

doria e menor é seu custo final; por outro lado,

quanto maior o tempo de transporte, menor

é a velocidade de circulação e mais caro é o

preço final da mercadoria. Assim, a diminuição

do custo da circulação e transporte do produto

aumenta a acumulação do capital. Ao mesmo

tempo, a melhoria do sistema de circulação e

transporte propicia a redução do espaço pelo

tempo e a expansão geográfica do capital.

Sendo o tempo de giro do capital igual

à soma do tempo de produção, mais o tempo

da circulação, para a acumulação ser mais efi-

ciente é preciso aumentar a velocidade de cir-

culação do capital. Isso torna o fator distância

menos importante do que o fator velocidade.

O transporte serve para anular o espaço pelo

tempo; daí a importância e a vantagem da

aglomeração em centros urbanos. O esforço de

criar novas oportunidades para a acumulação

de capital envolve tanto a expansão quanto a

concentração geográficas, colocando em ques-

tão a relação entre centro e periferia. A expan-

são geográfica possui forças para criar novas

oportunidades e para a acumulação do capital.

Já a concentração geográfica propicia a inova-

ção tecnológica. Harvey explica isso a seguir,

enfatizando Marx (1972, p. 288, apud Harvey,

2005, p. 53):

Em geral, parece que o imperativo da acumulação produz concentração da produção e do capital, criando, ao mes-mo tempo, uma ampliação do mercado para realização. Em conseqüência, os ‘fluxos no espaço’ crescem de modo no-tável, enquanto os ‘mercados se expan-dem espacialmente, e a periferia em re-lação ao centro [...] fica circunscrita por um raio constantemente em expansão’. (Grafia original)

De acordo com Villaça (1999), o Estado é

o responsável pela localização de equipamen-

tos e infraestrutura urbana e pela regulação do

uso e ocupação do solo, enquanto o mercado

imobiliário é responsável pela produção de

novas localidades. A localização é um atributo

fundamental para o solo urbanizado, e pas-

sa a fazer parte do processo imobiliário. Daí

a importância da presença de infraestrutura.

Em relação ao vínculo do bem imobiliário com

o lugar e sua dependência da infraestrutura,

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principalmente da rede de circulação e trans-

porte, Castro (2006, p. 23) enfatiza que:

O preço da propriedade imobiliária man-tém uma relação direta com a sua loca-lização em função do acesso e da apro-priação dos benefícios públicos que essa localização propicia. A concorrência pela melhor localização por parte dos indiví-duos e firmas é, segundo as abordagens neoclássicas da economia urbana, o prin-cipal fator responsável pela formação dos preços dos terrenos.

Para Lipietz (1988, p. 122), a considera-

ção dos custos de transporte provoca “econo-

mias de aglomeração”. Esse autor enfatiza que,

uma vez efetuada a escolha de sua localização

por uma empresa (e a escolha que se segue por

parte das empresas levadas a tratar com ela),

não se pode mais conceber uma modificação

“sem custos” da localização, a menos que se

suponha que todas as empresas combinem

mudar ao mesmo tempo. Além do atributo lo-

calização, Gottdiener (1985, p. 127) indica o

outro atributo que define o valor do espaço: a

superfície. Nas palavras desse autor:

O espaço não pode ser reduzido apenas a uma localização ou às relações sociais da posse de propriedades – ele represen-ta uma multiplicidade de preocupações sociomateriais. O espaço é uma locali-zação física, uma peça de bem imóvel, e ao mesmo tempo uma liberdade existen-cial e uma expressão mental. O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de engajar--se na ação. É ao mesmo tempo um meio de produção como terra e parte das forças sociais de produção como espaço. Como propriedade, as relações sociais podem ser consideradas parte das relações sociais de produção, isto é, a base econômica.

Lipietz (1988, p. 124), ao observar o es-

paço como superfície, destaca que é um bem

que tem um preço: preço do solo ou renda

fundiária, que pode ser chamado de tributo

fundiá rio, para “designar o fato de que este

preço mais tem a ver com uma taxa do que

com o valor da mercadoria”. Assim, a forma

como essa superfície é apropriada é funda-

mental para determinar o valor desse solo,

dessa localidade. Ou seja, o preço do solo está

diretamente ligado ao grau de localidade de

um determinado lugar e também aos usos im-

plantados em sua superfície.

Lefebvre (2008, p. 51), reportando-se

ao capítulo final de O Capital, de Marx, inti-

tulado “A fórmula trinitária”, aponta a análise

das relações de produção da sociedade segun-

do três elementos: 1) o capital e o lucro do

empreendedor (burguesia); 2) a propriedade

do solo e as rendas múltiplas: do subsolo, da

água, do solo edificado, etc.; 3) o trabalho e o

salário destinado à classe operária. Essa “clas-

sificação” implica uma aparente e intencional

separação, induzindo a interpretação de que

cada grupo recebe parte do “rendimento”

global da sociedade.

É a ilusão da separação numa unidade, a da dominação, do poder econômico e político da burguesia [...] os elementos que aparecem separados aparecem como fontes distintas da riqueza e da produção, ao passo que é somente sua ação comum que produz a riqueza.

Buscando articular renda e localização,

Lipietz (1988) analisa o custo dos transportes

somado ao custo do solo, valendo-se do pensa-

mento de Alonso (1964, apud Lipietz, p. 125):

“A teoria da renda trata da competição pelo

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uso do espaço e a teoria da localização não

[...]”. Em outros termos, trata-se de ver, no

solo localizado, um bem raro e, seu preço, um

indicador fornecido pelo mercado: “A renda

desempenharia, então, o papel de uma lei do

valor do espaço”. Indo além, Bógus observa

que a formação da renda não se dá a partir da

construção em si, mas do uso do solo viabili-

zado para as atividades urbanas (1988, p. 20):

Pode parecer numa primeira aproxima-ção que o capital aplicado na construção civil – cujo resultado é a produção de casas e edifícios – é que permite a for-mação de rendas. Entretanto deve-se lembrar que a construção de edificações apenas viabiliza o uso do solo para as atividades urbanas de produção, distri-buição, consumo e reprodução, inclusive da força de trabalho. Assim, não é a área construída, em si, a base para a forma-ção da renda. Essa base é dada pelo ter-reno e pela sua localização no tecido ur-bano, sendo seu preço e seus usos esta-belecidos pelos mecanismos de mercado.

Essa autora aponta que o capital incorpo-

rador gera a segregação social no espaço. Nes-

se sentido, é importante destacar que a valori-

zação de certas áreas decorre não da produção

de moradias em si, mas das alterações do uso

do solo urbano, resultantes da atuação desse

capital, possibilitando a criação ou ampliação

de rendas diferenciais (Lipietz, 1988, p. 30).

A segregação espacial das classes so-

ciais, de acordo com Villaça (1999), entendida

como a localização predominante das altas

camadas sociais em determinada parcela do

espaço urbano, é produzida a partir da dispu-

ta pela apropriação das vantagens do espaço,

como pela implantação de infraestrutura de

transporte. Daí resulta parte das contradições

do espaço, ligadas diretamente às discrepân-

cias de investimentos públicos em áreas dife-

rentes do território, que por sua vez atraem em

maior intensidade o investimento privado, pro-

duzindo espaços de contradição. Nas palavras

de Carlos (1999, p. 81):

[...] o processo de apropriação privada do espaço produz uma hierarquia espacial coerente com uma hierarquia social, na qual indivíduos, subordinados à divisão do trabalho, hierarquizados socialmente, apropriam-se de forma diferenciada da cidade, e dado que o processo de apro-priação é mediado pelo mercado, imposto pela propriedade privada do solo urbano. Esse fato é percebido de forma clara e evidente nos usos da cidade, perceptíveis na paisagem urbana marcada por diver-sas formas de segregação.

Pode-se afirmar que a segregação social

urbana, recriada nos diferentes momentos de

expansão da cidade, é um processo que or-

ganiza o espaço em zonas com alto grau de

homogeneidade social interna e com grandes

disparidades externas, de umas em relação às

outras, tanto por características distintas como

em hierarquia (Bógus, 1988, p. 37). Por fim,

Carlos, ao tratar dos conflitos e interesses en-

tre os diversos atores da produção do espaço

urbano e da transformação da cidade, de va-

lor de uso para valor de troca, afirma Carlos

(1999, p. 81):

O uso não se dá sem conflitos na medida em que os interesses/necessidades são contrapostos, contraditórios. De um lado os interesses do Estado e dos empresá-rios (muitas vezes coincidentes); de outro, a população. Enquanto os primeiros têm por objetivo a valorização e o poder, a po-pulação anseia por condições de vida em

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dimensão plena. (...) Tal perspectiva en-volve pensar o sentido da apropriação e do uso dos lugares da metrópole. Envolve pensar o processo que transforma, cons-tantemente, a cidade, de valor de uso em valor de troca.

A transformação da paisagem urbana

que se expressa de forma complexa a partir

de interações e deslocamentos múltiplos é um

fator decisivo para compreender a necessidade

de novas estruturas de circulação na metrópo-

le, tais como o Rodoanel. Esse novo sistema

de circulação e transporte busca otimizar flu-

xos econômicos, com o objetivo de atender às

necessidades de uma logística de circulação e

distribuição capaz de suprir as redes de consu-

mo e produção, evitando que veículos pesados

adentrem o espaço intraurbano da metrópole,

e ao mesmo tempo impacta um território frag-

mentado e ambientalmente frágil.

Rodoanel Mário Covas: características e polêmicas

Tendo como propósito analisar o processo de

produção do espaço urbano e a transformação

da paisagem a partir da implantação de uma

obra viária de caráter regional que atravessa

áreas protegidas, a pesquisa que dá origem

a este artigo elegeu como objeto de estudo o

Rodoanel Mário Covas, em seu trecho sul, par-

ticularmente o Lote 2, porção que atravessa a

área de proteção dos mananciais da sub-bacia

Billings no município de São Bernardo do Cam-

po e interliga as rodovias Anchieta e Imigran-

tes. Os procedimentos metodológicos definidos

para essa etapa desenvolveram-se em fases

interligadas, sintetizadas a seguir: 1) pesquisa

documental; 2) levantamento de campo asso-

ciado a entrevistas qualitativas com técnicos

estaduais, municipais e sociedade civil; 3) aná-

lise dos resultados à luz do quadro conceitual

construído, por meio de produção de mapas e

dados comparativos a fim de compreender a

ocupação e o processo de transformação da

área de estudo.4

O Rodoanel Mário Covas da RMSP con-

siste em ligação perimetral projetada com o

objetivo de articular o sistema rodoviário regio-

nal que liga São Paulo a diversas localidades

do Estado e do país, evitando a circulação de

veículos de carga e de passagem no espaço ur-

bano da metrópole.

A RMSP, desde o início do século XX, atrai

fluxos provenientes do interior do território es-

tadual e de outras regiões do país em direção

ao porto de Santos. A implantação das ferro-

vias e de importantes rodovias radiais para fa-

cilitar o deslocamento entre interior-metrópole

e metrópole-porto contribuiu, dentre outros fa-

tores, para a expansão da ocupação urbana da

metrópole, gerando impactos ambientais em

suas áreas impróprias à urbanização e aumen-

tando ainda mais a necessidade de transporte

de pessoas e de mercadorias.

Estudos sobre um grande anel viário cir-

cundando a metrópole paulista surgiram com

o aumento da frota automobilística a partir

da segunda metade do século XX. Em 1952,

foi feito um primeiro esboço que acabou dan-

do origem às Avenidas Marginais do Tietê e

Pinheiros (DERSA, 2004). Trinta anos depois,

com as marginais completamente congestio-

nadas, começou a ser construído o Mini-Anel

Viário, circundando o centro expandido a partir

da Marginal Tietê, Marginal Pinheiros, Av. dos

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Bandeirantes, Av. Affonso Taunay, Complexo

Viário Maria Maluf, Av. Tancredo Neves, Av.

das Juntas Provisórias, Av. Prof Luís Inácio de

Anhaia Melo, Av. Salim Farah Maluf e concebi-

do o Anel Metropolitano.

Em 1987, traçou-se nova proposta de in-

terligação viária das rodovias radiais da metró-

pole: a Via Perimetral Metropolitana. Nessa, o

Trecho Norte passaria por trás da Serra da Can-

tareira. No entanto, a distância do Trecho Norte

em relação à metrópole, tendo como barreira

física a Serra da Cantareira, contribuiu para in-

viabilizar também essa proposta.

O projeto é retomado pela Empresa de

Desenvolvimento Rodoviário S.A. – Dersa, em

1995, que apresentou o Trecho Norte modifica-

do, mais próximo da mancha urbana, intercep-

tando a Serra da Cantareira. Em 1997, ocorre a

decisão política de implantação do empreendi-

mento acordada pelas três esferas de governo:

Prefeitura Municipal de São Paulo, Estado de

São Paulo e União.

A proposta apresentada pela Dersa é o

Rodoanel, uma rodovia classificada como clas-

se “0”, com acesso restrito, que contornará a

RMSP num distanciamento de 20 a 40 km do

centro do município. Sua extensão total será de

170 km, interligando os dez grandes eixos ro-

doviários de acesso à metrópole: Régis Bitten-

court (acesso ao Vale do Ribeira e sul do país);

Raposo Tavares; Castello Branco; Anhanguera;

Bandeirantes (acesso a todo o interior do Esta-

do de São Paulo e ao centro-oeste do país); Fer-

não Dias (acesso a Minas Gerais); Presidente

Dutra; Ayrton Senna (acesso ao Vale do Paraíba

e Rio de Janeiro); Anchieta e Imigrantes (acesso

ao Porto de Santos e cidades litorâneas).

Devido ao porte e custo do empreen-

dimento, comparado apenas à implantação

dos reservatórios destinados à geração de

energia elétrica e abastecimento público, foi

criado o Programa Rodoanel, com a divisão

da construção em quatro trechos, que seriam

implantados no decorrer de 15 anos, a saber:

Trecho Oeste, com 32 km (em operação des-

de 2002); Trecho Sul, com 53 km (em opera-

ção desde 2010); Trecho Leste, com 40 km

(em construção); Trecho Norte, com 48 km

(em licenciamento).

Segundo a Dersa (2004), simulações so-

bre o tráfego previsto para o Rodoanel tendo

como horizonte 2020 indicou que os maiores

carregamentos estariam no Trecho Oeste (180

mil veículos/dia), seguidos dos Trechos Sul (147

mil veículos/dia), Leste (113 mil veículos/dia) e

Norte (95 mil veículos/dia).

Por um lado, o Rodoanel foi apresentado

pelo Estado como uma obra rodoviária primor-

dial para a RMSP, cuja função é conectar as ro-

dovias radiais que chegam à metrópole e fun-

cionar como elemento estruturador do tráfego

interno da metrópole. Por outro, as restrições

ambientais dos Trechos Sul (mananciais) e Nor-

te (Serra da Cantareira) acabaram resultando

em conflitos que ao longo do tempo dificultam

sua construção.

A decisão de implantar inicialmente o

Trecho Oeste foi estratégica para indicar a ne-

cessidade da via na RMSP. Tal decisão contribui,

no entanto, para reforçar o quadrante sudoeste

da capital paulista, que, de acordo com Villaça

(1999), é privilegiado historicamente pelo Es-

tado, que, desde o inicio do século, concentra

nessa região investimentos em infraestrutura,

principalmente vias de circulação e transporte,

contribuindo ainda mais para o processo de va-

lorização desse espaço urbano em relação ao

restante da metrópole.

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A finalização do Trecho Oeste em 2002 e

o aumento contínuo da frota de veículos parti-

culares da RMSP fizeram com que a atenção do

Estado se voltasse para a construção do Trecho

Sul, que conectado ao trecho já construído dimi-

nuiria o tráfego de passagem em vias internas

importantes da cidade, particularmente a Av.

dos Bandeirantes e Marginal do rio Pinheiros.

O Trecho Sul, associado ao Trecho Oeste,

foi construído para facilitar o escoamento de

cargas e canalizar os fluxos originários do inte-

rior do Estado de São Paulo e do Brasil Central

em direção ao Porto de Santos, sem a neces-

sidade de utilizar o sistema viário urbano do

município de São Paulo.

O Trecho Sul atravessa os municípios de

Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Ber-

nardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires, e

interligando com o Trecho Oeste, a partir da Ro-

dovia Régis Bittencourt, às rodovias Anchieta e

Imigrantes e ao Município de Mauá, de onde

partirá o Trecho Leste. Ao longo desse trecho,

encontram-se os reservatórios de abasteci-

mento de água Guarapiranga e Billings, o que

contribuiu significativamente para a discussão

do Rodoanel como possível elemento indutor

da ocupação irregular em áreas de preservação

dos mananciais, ampliando a polêmica entre

acessibilidade urbana e proteção ambiental.

Durante o processo de aprovação do pro-

jeto nos setores competentes, principalmente

nas audiências públicas do Conselho Estadual

do Meio Ambiente – Consema, as polêmicas

sobre os impactos que a via geraria ao atraves-

sar as áreas protegidas foram intensas. O Esta-

do, por meio dos setores de transporte, defen-

dia que a construção do Rodoanel viabilizaria

a melhoria do tráfego na RMSP e os impactos

ambientais decorrentes seriam pequenos; os

ambientalistas, com expressiva representa-

tividade da sociedade civil e universidades,

procuravam indicar que os efeitos ambientais

e sociais advindos dos impactos da via seriam

mais perversos do que os benefícios em relação

à melhoria da mobilidade na metrópole.

No âmbito desse debate, estudos impor-

tantes foram realizados por especialistas contra-

tados pelo Estado, que defendia sua necessida-

de, e pelos ambientalistas, procurando barrá-lo.

Biderman (2005), empregando um mo-

delo matemático, realizou um estudo enco-

mendado pela Dersa (Estado) para estimar o

impacto da implantação do Rodoanel na RMSP.

O autor argumenta que, devido à obra ter um

número de acessos bastante reduzido, as zonas

de seu entorno praticamente não receberiam

vantagens diretas com sua construção, se man-

tidas as então condições do sistema viário in-

traurbano. O modelo indicou que somente em

alguns poucos trechos poderia ocorrer maior

atratividade em relação à novos usos, devido

às conectividades importantes, com destaque

para as ligações com as rodovias Imigrantes

e Anchieta, em São Bernardo do Campo (Lote

2). O autor recomendou atenção por parte das

políticas públicas municipais e estaduais ao po-

tenciais impactos naquele trecho.

Diferentemente dessa visão, Ferreira e

Smith (2005), por iniciativa do Instituto Sócio

Ambiental e da Universidade de São Paulo,

realizaram um estudo sobre os reflexos da

construção do Trecho Oeste, para efeito com-

parativo. Os autores apontam que naquela re-

gião o Rodoanel foi um elemento catalizador

de novos empreendimentos, iniciando um pro-

cesso de valorização fundiária e acarretando

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o aumento dos assentamentos informais, e a

implantação de uma rodovia “Classe Zero”

não seria suficiente para evitar a criação de

acessos ilegais e conter o avanço populacional

no entorno. Assim, concluíram que efeitos de

valorização imobiliária e consequente degra-

dação ambiental poderiam também ocorrer

nos mananciais sul após a construção do outro

trecho da obra.

Assim, para o Estado o Rodoanel repre-

sentaria uma solução à acessibilidade e à me-

lhoria da circulação na RMSP, não sendo con-

siderado um elemento de indução da ocupa-

ção irregular, devido às suas características

técnicas – via restrita sem passagem em nível

para liga ção com viário local e conexão à rede

regional. Para alguns especialistas e ambienta-

listas, a acessibilidade promovida pelo Trecho

Sul do Rodoanel poderia acentuar o processo

de ocupa ção da população de baixa renda, de-

gradando cada vez mais as áreas protegidas.

De qualquer forma, consideramos que

tais estudos não se excluem. Se por um lado,

a melhoria da mobilidade da metrópole é na

atua lidade fato, por outro, os impactos de de-

gradação ambiental, decorrente da acessibili-

dade que a via promove, embora menos visí-

veis, também ocorrem.

Mas o processo de produção do espaço

urbano dirigido pelo Estado em articulação

com o capital imobiliário, em áreas com maior

acessibilidade à via, são formas menos ex-

plícitas e também conflitantes que devem ser

examinadas, como veremos na área de influên-

cia do trecho que corta o município de São

Bernardo do Campo.

São Bernardo do Campo e o processo de produção do espaço urbano no Trecho Sul do Rodoanel

O município SBC, situado na microrregião do

ABC,5 sudeste da metrópole paulista, tem cer-

ca de dois terços do território situado em área

de proteção dos mananciais da represa Billings.

A área urbana concentrou-se inicialmente na

porção norte do município, ao longo da via Ca-

minho do Mar e nas proximidades da rodovia

Anchieta, construída em 1953, que atraiu gran-

des indústrias, principalmente a automobilísti-

ca, por constituir um vetor de ligação entre o

planalto paulista e o porto de Santos.

A implantação de grandes indústrias

em SBC atraiu grande fluxo migratório entre

as décadas de 1960, 1970 e 1980, acentuan-

do a ocupação desordenada do município em

direção às áreas de proteção dos mananciais.

Em 1976, São Bernardo do Campo é atraves-

sado longitudinalmente pela Rodovia dos

Imigrantes, outra importante obra rodoviária

de caráter estadual. Nesse mesmo ano foi

aprovada a Lei de Proteção dos Mananciais

Billings, que restringiu ainda mais o limite da

expansão urbana de SBC, inibindo o parque

industrial que estava se formando ao redor da

Rodovia dos Imigrantes.

A crise econômica dos anos de 1980 e o

contínuo crescimento populacional do municí-

pio fizeram com que a demanda por habitação

da população de baixa renda encontrasse es-

paço nas áreas de preservação dos mananciais

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Billings, caracterizado pelo baixo valor da terra,

pela disponibilidade, ainda que ilegal, de terre-

nos vazios. Em 1990, o processo de descentra-

lização industrial incentivado pelo então Go-

verno Collor (1990-1993) impactou na estru-

turação econômica de SBC, fundamentada no

setor industrial. O resultado foi o aumento do

desemprego e contínuo aumento da ocupação

irregular de baixa renda em bairros situados

nas áreas de mananciais, nas proximidades das

rodovias Anchieta (bairro Montanhão) e Imi-

grantes (bairro Dos Alvarenga).

O Trecho Sul do Rodoanel de certa forma

é uma terceira ruptura, dessa vez transversal,

no território de São Bernardo do Campo. A área

interceptada pela obra (Lote 2) caracteriza-se

pela ocupação de loteamentos irregulares ou

clandestinos, além de significativa presença in-

dustrial nas proximidades da via Anchieta.

A partir de 2006, ao mesmo tempo, em

que era fundamental implementar ações de

recuperação ambiental, determinados trechos

das áreas de mananciais nas proximidades das

vias de conexão com o Rodoanel passaram a

Figura 2 – A abertura da faixa de domínio do lote 2do Trecho Sul do Rodoanel, em SBC

Fonte: Google Earth (15 de dez de 2008) apud Aguilar (2010, p. 227).

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ser vistos pelo poder local como uma possibili-

dade de atrair novas empresas, principalmente

as ligadas ao setor logístico e, dessa forma, ge-

rar empregos. Assim, as obras de melhoria das

ligações viárias que se interligam com o Ro-

doanel, previstas pelo Programa de Transporte

Urbano (PTU)6 do município, principalmente

em trechos definidos como Zona Empresarial

Estraté gica (ZEE), zona definida pelo novo

Plano Diretor municipal (Lei n. 5.593/2006),7

passaram a ser prioritárias para a melhoria da

mobilidade e integração das diversas regiões

do município (Figura 3). Ou seja, com o início

da construção do Trecho Sul do Rodoanel em

2006, os investimentos do PTU voltaram-se

para a duplicação da Estrada Galvão Bueno

e da Estrada dos Alvarengas em seus trechos

que se ligam à Rodovia dos Imigrantes, espe-

cificamente no ponto em que era implantada

a alça de acesso do Rodoanel, definido pelo

Plano Diretor Municipal como zona empresa-

rial estratégica.

Paralelamente à implantação do Rodoa-

nel, foi instituída pelo Estado a Lei Específica

da Billings (Lei n. 13.579/2009), que regula-

menta uma nova Lei de Proteção e Recupera-

ção dos Mananciais de Interesse Regional do

Estado de São Paulo (Lei n. 9.866/1997).8

Figura 3 – Área de estudo – Obras viárias e Zoneamento

Fonte: Aguilar (2010). Produção a partir do material cedido pela EMPLASA e pela PMSBC.

Limite da área de proteçãodos mananciais

Rodovias

Represa Billings

Limite da área de estudo

Limite domunicípio

Trecho sul do Rodoanel (em construção)

Área de infl uência diretado trecho sul do Rodoanel

Programa de transporte urbano

Unidades de planejamento e gestão

Zonas vocacionais

Bairros

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Segundo a nova lei, a sub-bacia Billings

foi dividida em “Áreas de Intervenção”, onde

foram definidas as diretrizes e normas ambien-

tais e urbanísticas voltadas à garantia dos ob-

jetivos de produção de água, com qualidade e

quantidade adequadas ao abastecimento pú-

blico, de preservação e recuperação ambien-

tal, a saber: Áreas de Restrição à Ocupação

(ARO); Áreas de Ocupação Dirigida (AOD);

Áreas de Recuperação Ambiental (ARA);

Área de Estruturação Ambiental do Rodoanel

(AER). Em trechos da AOD, a nova legislação

indica a possibilidade de regularização fundiá-

ria, reconhecendo que a recuperação ambien-

tal associa-se à urbanização de assentamen-

tos precários e regularização da moradia em

áreas protegidas.9

Em uma tentativa de fazer prevalecer

os interesses ambientais na área de influência

direta do Rodoanel, a Lei Específica define a

AER–Rodoanel, uma faixa na área de influên-

cia direta da via, onde deveriam ser indicados

usos e atividades compatíveis com a melhoria,

proteção e conservação dos recursos hídricos;

buscando conter a expansão de núcleos ur-

banos; incentivar a implantação de unidades

de conservação com ações de educação e de

monitoramento ambiental bem como ações

de fiscalização para manutenção da tipolo-

gia original da rodovia como classe zero. A

lei específica estabelece ainda que deverá ser

elaborado, no âmbito do Plano de Desenvolvi-

mento e Proteção Ambiental do Reservatório

Billings – PDPA, o Programa de Estruturação

Ambiental Rodoanel.

No entanto, apesar da explicitação de

tais diretrizes, tanto o limite da AER quan-

to seus parâmetros urbanísticos não foram

definidos, prevalecendo os instrumentos defini-

dos para a Área de Ocupação Dirigida.

Assim, observa-se que se, por um lado,

ambos os atores, Estado e município, imple-

mentaram ações em relação às obras viárias

e legislações urbanas que equacionariam os

deflagrados problemas de circulação regional e

local; por outro, a legislação ambiental instituí-

da pelo próprio Estado, embora inovadora uma

vez que reconhece a necessidade de equacio-

nar as preexistências por meio de ações de

recuperação, não definiu parâmetros e normas

de orientação de usos e/ou restrições ao longo

da nova via, deixando lacunas que fragilizam

os interesses ambientais.

Refl exos das políticas públicas na produção do espaço urbano de SBC

A seguir, a pesquisa registrou os principais

aspectos do processo de produção do espaço

urbano em andamento entre 2007 e 2009 na

área de influência do Rodoanel em SBC.

No momento em que o Governo Esta-

dual confirmou a construção do Trecho Sul

do Rodoanel para o início do ano de 2007,

o setor imobiliário interessou-se por terre-

nos localizados estrategicamente nas áreas

de mananciais, deflagrando um processo de

expectativa de valorização do preço da terra

(ainda que temporário).

A título de exemplificação, nesta pes-

quisa foram levantados os dados de seis ter-

renos comercializados entre 2007 e 2010, e

de um núcleo habitacional, com metragens

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Espaço urbano, circulação e preservação ambiental

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e usos diversificados, na área definida como

área de influência do rodoanel,10 conforme a

Tabela 1. Os dados coletados foram obtidos

por meio de uma pesquisa exploratória em

que foram entrevistados alguns proprietários

desapropriados, proprietários de grandes gle-

bas comercializadas, empresários e imobiliá-

rias e levantados os seguintes dados: o valor

de aquisição do terreno, o valor de desapro-

priação (quando houve), o valor do IPTU e o

valor de expectativa de valorização (do pró-

prio terreno em comparação a outros terre-

nos da região).

Embora ainda não totalmente materia-

lizado, o processo de modificação do espa-

ço urbano encontrava-se em curso durante a

pesquisa que gerou este artigo. Os resultados

indicam que a região assistia a dois processos

concomitantes: 1) expectativa de valorização

fundiária por parte daqueles que compraram

terrenos a preço baixo e encontravam-se à

espera da valorização imobiliária (expectativa

de valorização) para os venderem; ii) Desapro-

priações na Área Diretamente Afetada (ADA)

pelo Trecho Sul, praticadas pelo Estado, acima

do valor venal dos terrenos.

Tabela 1 – Terrenos entre 2006 e 2009, em função do Rodoanel

* Em relação à área total do terreno, porém a área de desapropriação foi 15.330,43 m², totalizando R$1.106.187,47.** Área calculada com base na multiplicação de 45 lotes pela área padrão do lote (125m²).O cálculo do valor de desapropriação é variável em função das benfeitorias.

Fonte: Entrevistas com proprietários particulares in loco e contato com as construtoras e empresários, por meio da imobiliária PRIME ABC.

Localização Uso Área (m2) AnoPreço m2

(R$)Total

(R$ mil)Tipo de valor

1 Estrada dos Casa serviços 58.30620072009

100,00500,00

5.830.60029.153.000

Expectativa de vendaExpectativa de venda

2 Estrada Galvão Bueno* vazio 249.926200620072009

72,169200,00350,00

18.034.66049.985.20087.474.100

DesapropriaçãoExpectativa de vendaExpectativa de venda

3 Avenida Angelo Demarchi serviço 40.00020082008

10,0050,00

400.0002.000.000

IPTUDesapropriação

4 Avenida Angelo Demarchi recreativo 312.00020072009

50,00150,00

15.600.00046.800.000

MercadoExpectativa de venda

5 Estrada Brasílio de Lima residencial 4.000

2008200820072009

5,0010,0010,00

100,00

20.00040.00040.000

400.000

IPTUIPTUExpectativa de vendaExpectativa de venda

6 Estrada Brasílio de Lima residencial 12.00020082008

5,0015,00

60.000180.000

IPTUDesapropriação

7 Estrada Marco Polo**núcleo habitacional

5.62520082008

8,00–

45.000–

IPTUDesapropriação

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Por um lado, a acessibilidade propor-

cionada pelo Rodoanel integrada às demais

obras e legislações urbanas definidas para a

área contribuía para a valorização do solo, on-

de assistia-se a um processo de expectativa de

valorização fundiária por parte daqueles que

compraram terrenos a preço baixo nessa área e

encontravam-se à espera da valorização imobi-

liária para os venderem àqueles que realmente

“produziriam” o espaço urbano, e transforma-

riam a paisagem. A acessibilidade proporciona-

da pelo Rodoanel integrada às demais obras e

legislações urbanas definidas para a área vinha

contribuindo para a valorização do solo, para

além do preço real praticado pelo mercado, in-

do ao encontro das ideias de Villaça (1999).

Por outro observou-se que a sociedade

civil organizada e instruída, ciente das suas

obrigações e de seus direitos, durante as ne-

gociações pressionou o Estado a pagar pelos

terrenos desapropriados o valor de mercado,

avaliado pelos técnicos especializados, naquele

período, e não pelo valor venal, prática comum

do poder público, computando ao valor dos

terrenos as benfeitorias no custo final da desa-

propriação. Ao mesmo tempo, tudo indica que

essa também foi uma estratégia utilizada pe-

lo Estado para agilizar o início das obras, visto

que a Dersa vinha realizando diversas palestras

sobre os benefícios do Rodoanel envolvendo as

comunidade de baixa renda.

As entrevistas com moradores de baixa

renda apontaram que a valorização dos terre-

nos ocorreram somente naqueles já edificados.

Ao mesmo tempo, os próprios moradores pas-

saram a coibir a ocupação de terrenos vazios,

cientes de que se fossem permissivos com o

avanço da ocupação, correriam o risco de se-

rem removidos, sem retorno financeiro.

A questão central levantada pelos mora-

dores foi a seguinte: por que uma obra como

o Rodoanel, com tamanho impacto ambiental,

pode ser construída nas áreas de mananciais

com a conivência do Estado (provedor da

obra), e esse mesmo Estado é severo em rela-

ção à regularização da ocupação irregular?

Para além do processo de valorização

imobiliária resultante das obras de acessibili-

dade articuladas ao Rodoanel, está a dificul-

dade de transposição e isolamento de alguns

núcleos urbanos de baixa renda localizados

ao sul da obra viária, nas proximidades da

represa Billings, fato que contribui para a

segregação socioespacial da população e

consequentemente para acirrar os conflitos

ambientais.

Assim, o Trecho Sul do Rodoanel po-

de ser visto tanto como articulador quanto

desarticulador do espaço intraurbano, contri-

buindo para (re)produção do espaço urbano e

transformação da paisagem em áreas protegi-

das ambientalmente.

Atuam na produção do espaço urbano a

população residente nas áreas de mananciais,

em busca da regularização fundiária, e os pro-

prietários fundiários, empresários, incorporado-

res e construtores por meio da divulgação de

suas expectativas de valorização das áreas ao

redor do Rodoanel, em busca do aumento da

mais-valia. Os atores da produção do espaço

urbano, representantes dos interesses do capi-

tal articulados entre si, influenciaram a decisão

dos investimentos públicos, na porção norte

do Rodoanel, na continuidade da área de ex-

pansão urbana. Em pouco tempo, boa parte

dos terrenos lindeiros nessa área que esta-

vam à venda seria adquirida num processo de

especula ção imobiliária.

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Espaço urbano, circulação e preservação ambiental

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 213

Nota-se que a produção do espaço ur-

bano para atender aos interesses do capital

suplantam as questões ambientais, que são ao

mesmo tempo cobradas daqueles que tiveram

como única alternativa de moradia as áreas de

mananciais, fruto da lógica da produção social

do espaço, condicionada pelo interesse do ca-

pital, promovendo a segregação socioespacial.

Essas tensões sugerem a necessidade de

que políticas públicas sejam articuladas de ma-

neira a atender os interesses coletivos, diante

das prioridades representadas tanto pela pre-

servação ambiental quanto pela implementa-

ção de acessibilidade e fluxos resultantes pos-

sibilitados pela nova conexão viária.

Enfim, como perspectiva necessária e

possível, as políticas públicas em áreas pro-

tegidas devem ser parte de um processo de

gestão compartilhada entre Estado, municípios

e sociedade civil. A definição de consensos pa-

ra implementação de uma gestão integrada é

aspecto fundamental, que aflora e é parte de

uma dinâmica de negociações que exige contí-

nuo aperfeiçoamento.11

Considerações fi nais

As redes de infraestrutura urbana, especialmen-

te aquelas ligadas à circulação e transporte, in-

terferem consideravelmente na produção de no-

vas localidades, tendo como base a articulação

entre os atores que produzem o espaço urbano,

particularmente o Estado e o capital imobiliário.

No caso específico da RMSP, historica-

mente a implantação do sistema de circula-

ção – ferrovia e rodovias – condicionou o

processo de produção do espaço urbano, ao

mesmo tempo que determinou também o

espraiamento da mancha urbana e consequen-

te ocupação de suas áreas ambientalmente

mais frágeis, as áreas de preservação dos ma-

nanciais, transformando assim sua paisagem.

A implantação do Trecho Sul do Rodoa-

nel Mário Covas é objeto de polêmica visto que

seu traçado corta as represas Guarapiranga e

Billings, responsável pelo abastecimento de

água potável de parte da RMSP. Porém, para o

Governo do Estado trata-se de uma importan-

te infraestrutura que contribui para melhorar

a mobilidade da metrópole, perante ao risco

crescente de imobilidade urbana.

Enquanto o Governo Estadual preo-

cupou-se em apresentar o Rodoanel como

uma obra que contribuiria para o ordenamento

do espaço protegido e funcionaria como uma

“barreira” à expansão da ocupação das áreas

de mananciais, o poder local criou uma expec-

tativa de atração de novas empresas e “de-

senvolvimento” em função da acessibilidade

propiciada pelo Trecho Sul, implantado e me-

lhorando as vias de conexão do meio urbano

com a nova via.

Durante a construção da obra, foi ao lon-

go do Lote 2, no trecho de ligação com as ro-

dovias Anchieta e Imigrantes, que as atenções

do mercado imobiliário e da política municipal

se voltaram, iniciando um processo de valori-

zação do espaço urbano, por meio da trans-

formação da paisagem na área de proteção e

recuperação dos mananciais Billings.

Nesse trecho, a transformação da pai-

sagem se materializou com maior velocidade,

onde é possível averiguar os distintos impas-

ses entre os atores que produzem o espaço

urbano: Estado – responsável pela obra do Ro-

doanel e legislação pela proteção ambiental;

município responsável pelo desenvolvimento

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Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim

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urbano, legislações e instrumentos de planeja-

mento urbano e uso do solo, bem como pelas

infraestruturas locais; proprietário e empreen-

dedores imobiliários, interessados em lucrar

com a valorização do solo, sociedade civil,

representada pela população moradora em

lotea mentos ilegais e favelas na região .

A pesquisa em questão evidenciou ou-

tras formas de produção de espaço, menos

explícitas, para além da ocupação irregular,

mas alvo do mercado imobiliário, que vêm

agregando o valor ambiental articulado à

nova acessibilidade e com isso induzindo um

novo processo de produção social do espaço.

Em pouco tempo, boa parte dos terrenos lin-

deiros nesta área que estavam à venda foram

adquiridos, num processo de especulação

imobiliária

Por outro lado, observa-se também a difi-

culdade de transposição e isolamento de alguns

núcleos urbanos de baixa renda localizados ao

sul da obra viária, nas proximidades da represa

Billings, fato que contribui para a segregação

socioespacial da população e consequentemen-

te para acirrar os conflitos ambientais.

Assim, o Trecho Sul do Rodoanel pode

ser visto tanto como articulador quanto desar-

ticulador do espaço intraurbano, contribuindo

para (re)produção do espaço urbano e trans-

formação da paisagem em áreas protegidas

ambientalmente. A obra do Trecho Sul do Ro-

doanel traz maior acessibilidade regional para

o município; porém, na prática, tem-se mostra-

do como novo elemento de divisão do espaço

urbano de São Bernardo do Campo, assim co-

mo foram, em momentos anteriores, as cons-

truções das rodovias Anchieta e Imigrantes.

Embora o Rodoanel isoladamente trans-

forme a paisagem (devido ao impacto da obra

e sua efetiva implantação), o simples fato de

esse cortar o espaço urbano de SBC não de-

veria induzir à ocupação de seu entorno de

modo significativo. A ocupação ao longo do

Rodoanel e em pontos estratégicos é na ver-

dade derivada de um conjunto de fatores que

contribuem, por um lado, para definir a atrati-

vidade de novas formas de ocupação de em-

preendimentos ligados ao setor de logística

nas proximidades do meio urbano, por outro,

para a consolidação de habitação de baixa

renda e/ou o isolamento dos núcleos existen-

tes. Tais fatores são: a) conexões do Rodoanel

com as duas importantes rodovias de ligação

entre Santos e São Paulo – vias Anchieta e Imi-

grantes; b) melhorias das ligações viárias de

acessibilidade com essas rodovias, promovidas

pelo governo local; c) instituição da nova lei de

proteção e recuperação dos mananciais indi-

cando possiblidades de regularização fundiária

para as ocupações irregulares. Esses fatores

são decorrentes de ações muitas vezes desarti-

culadas, que visam interesses próprios, contri-

buindo para produzir um novo espaço urbano

e transformar a paisagem, reforçando aspectos

de segregação socioespacial historicamente

existentes.

Os atores que produzem o espaço urba-

no, representantes dos interesses do capital,

articulam-se entre si e influenciam a decisão

dos investimentos públicos, na porção norte do

Rodoanel, área de expansão urbana. Entre to-

dos os atores envolvidos (empresários, constru-

tores, proprietários fundiários, usuários finais,

etc.), o Estado – representado pelo Governo

estadual e município – desempenha papel fun-

damental, pois cabe a ele articular os demais

atores, muitas vezes em função dos seus pró-

prios interesses ou em função daqueles que o

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Espaço urbano, circulação e preservação ambiental

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influenciam. É o Estado quem define as obras

de infraestrutura, determina as legislações,

normas e regras que orientarão a produção do

espaço urbano e as ações que os demais ato-

res podem realizar sobre esse mesmo espaço.

Isso fica evidente ao analisarmos o processo de

ocupação que vem se dando ao longo do Ro-

doanel, pois embora esse seja fruto da atuação

de diversos atores, o Estado tem papel decisivo

nesse processo. Ao implementar obras com-

plementares de infraestrutura e instituir novas

legislações ambientais e urbanas, o Estado dá

início a novas formas de (re)produção e apro-

priação do espaço e, consequente, transforma-

ção da paisagem.

Os conflitos aqui evidenciados indicam

que as políticas públicas não se apresentam

como mediações neutras, e, sim, são pensa-

das de forma heterogênea, num marco que

aprofunda as divergências entre os atores

que produzem o espaço urbano.

As perspectivas acenadas com a im-

plantação do Rodoanel colocam o município

diante de um processo que deve ser sistema-

ticamente negociado e acompanhado, diante

das incertezas e em prol da produção social

de seu espaço urbano. Para tanto, apesar do

importante papel do poder público municipal,

enfatiza-se a necessidade da instituição de um

sistema de gestão metropolitano capaz de co-

ordenar o conjunto de políticas públicas – ur-

banas, ambientais e setoriais – em curso.

Enfim, recomenda-se a construção de

uma agenda urbana e ambiental gerida de

forma negociada e compartilhada pelos repre-

sentantes dos três segmentos – Estado, Muni-

cípio e Sociedade Civil – que oriente políticas

públicas e investimentos públicos e privados

ao longo do Rodoanel, contribuindo para um

processo de produção social do espaço urba-

no equilibrado e socialmente justo, em prol do

interesse público.

Carolina Bracco Delgado de AguilarArquiteta-urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Coordenadora de Sistemas de Informações Geográficas na empresa Hatch Engenharia. São Paulo/SP, [email protected]

Angélica Tanus Benatti AlvimArquiteta-urbanista, Mestre e Doutora em Estruturas Ambientais e Urbanas, docente e coordena-dora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo/SP, [email protected]

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Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013216

Notas

(1) Este artigo é parte das reflexões da Dissertação de Mestrado intitulada Produção do espaço urbano a par r do Trecho Sul do Rodoanel, em São Bernardo do Campo: impasses e perspec vas, de autoria de Carolina Bracco Delgado de Aguilar (bolsista Capes) sob a orientação da Profa. Dra. Angélica Tanus Bena Alvim, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

(2) O termo “enobrecimento” vem subs tuindo o termo “gentrifi cação” (do inglês gentrifi ca on), para não caracterizar uma tradução literal do termo que, segundo Arantes (2000), significa a expulsão da população original de certa parte do território, quando essa é valorizada e as condições de vida são encarecidas.

(3) Conforme Sposito (2006, p. 24), a renda fundiária, também chamada de renda da terra, refere--se à capacidade que as pessoas têm de se apropriar, sob a forma de dinheiro, de tudo o que é produzido.

(4) Vale dizer que o recorte temporal da pesquisa foi o período entre 2005 (aprovação e anúncio da obra) e 2009, evidenciando processos que ocorreram durante a fase de construção da rodovia. Portanto, a pesquisa avaliou um processo em curso, indicando seus impasses e perspec vas naquele momento. Para maior aprofundamento ver Aguilar, 2010. A metodologia empregada na pesquisa de campo será explanada mais adiante.

(5) A microrregião do ABC era inicialmente formada por Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, e depois acrescida dos municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

(6) O Programa de Transporte Urbano de SBC foi aprovado em 4 de setembro de 2002 pelo Governo Federal. Por meio da Lei Municipal n. 5.085, de 26/9/2002, a Câmara Municipal autorizou o Execu vo a manter trata vas junto ao Bando Internacional de Desenvolvimento (BID), rela vas ao Programa de Transporte Urbano de SBC, que integra um programa maior intitulado “Programa São Bernardo Moderna”.

(7) O Plano Diretor municipal (Lei n. 5.593/2006) defi niu para a porç ã o norte do Rodoanel trê s zonas de uso: Zona Empresarial Estraté gica (ZEE); Zona de Reestruturaç ã o Urbana e Ambiental (ZRUA); e Zona de Recuperaç ã o Ambiental (ZRA).

(8) A legislação de proteção dos mananciais da década de 1970 (Leis n. 898/75 e n. 1.172/7613) foi subs tuída pela Nova Lei de Proteção e Recuperação aos Mananciais, Lei Estadual n. 9.866, de 28 de novembro de 1997. Essa lei ins tui diretrizes de uso e ocupação do solo para cada sub--bacia que só serão validas mediante legislação específi ca. A sub-bacia Billings é a segunda a ter lei específi ca, posterior à APRM – Guarapiranga (Lei n. 12.233/2006).

(9) Para maior aprofundamento ver Alvim et al., 2010.

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Espaço urbano, circulação e preservação ambiental

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 217

(10) A área de infl uência que defi nimos para a pesquisa levou em consideração os seguintes limites – a Área de Infl uência Direta para o Trecho Sul do Rodoanel, especifi cada pelo Programa Rodoanel da Dersa (AID – porção do território que corresponde a uma faixa de 500 m ao longo de cada lado da rodovia); o lote 2, defi nido pela ligação entre as rodovias Anchieta e Imigrantes; os limites das Zonas Vocacionais e das Unidades de Planejamento e Gestão defi nidos no Plano Diretor de São Bernardo do Campo, os limites dos bairros, o limite da área de proteção dos mananciais; e, as obras do Programa de Transporte Urbanos. As análises foram produzidas com recursos do so ware SIG sobrepondo imagens e dados.

(11) Ressalta-se que a RMSP carece de uma instância de gestão metropolitana. Na sub-região sudeste, que emvolve os municípios do ABCD, alguns arranjos inovadores despontaram no final dos anos de 1990 buscando solucionar problemas comuns, com destaque para o Consórcio Intermunicipal do ABC e o subcomitê de bacia Billings – Tamanduateí. Para maior aprofundamento ver Alvim et al., 2010.

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Texto recebido em 6/out/2012Texto aprovado em 22/nov/2012

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013

São Paulo metrópole insustentável –como superar esta realidade?

São Paulo, the unsustainable Metropolis –how can we overcome this reality?

Pedro Roberto Jacobi

ResumoA Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com

39 municípios e uma população de mais de 19 mi-

lhões de habitantes, é um ecossistema complexo

e frágil. A “insustentabilidade” que caracteriza o

padrão de urbanização metropolitano se carac-

teriza pela prevalência de um processo de expan-

são e ocupação dos espaços intraurbanos que, na

maior parte dos casos, configura uma dramática

realidade: baixa qualidade de vida para parcelas

signifi cativas da população. A dualidade das cida-

des é marcada exponencialmente pelo crescimento

da ilegalidade urbana que a constitui, exacerba os

problemas socioambientais que se concentram nos

espaços urbanos em condições muito precárias de

urbanização, com acesso diferenciado aos investi-

mentos públicos. Caracteriza-se por uma ocupação

desordenada resultante da falta de uma lógica de

governança colaborativa e de despreparo das auto-

ridades para enfrentar situações complexas, como

é o caso de regiões muito populosas e conurbadas.

Palavras-chave: áreas metropolitanas; sustenta-

bilidade; justiça socioambiental; desigualdade so-

cial; desastres ambientais; Brasil.

AbstractThe Metropolitan Region of São Paulo, composed of 39 municipalities and with a population of more than 19 million inhabitants, is a fragile and complex ecosystem. The “unsustainability” that characterizes the pattern of metropolitan urbanization features the prevalence of a process of expansion and occupation of intra-urban spaces that, in most cases, represents a dramatic reality: low quality of life for large sectors of the population. The duality of the cities is expressed by the growth of the urban illegality that constitutes it, exacerbating the socio-environmental problems that are concentrated in urban spaces with precarious urbanization and differentiated access to public investments. It is also characterized by a disorderly occupation resulting from the lack of a logic of collaborative governance and from the unpreparedness of public offi cials to face complex situations, as is the case in very populated and conurbated regions within the metropolis.

Keywords: metropolitan areas; sustainability; socio-environmental justice; social inequality; environmental disasters; Brazil.

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Pedro Roberto Jacobi

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013220

Introdução

No contexto urbano metropolitano brasileiro,

os problemas ambientais têm se avolumado

em virtude da concentração de urbanização

combinada com desigualdade social e seus im-

pactos no cotidiano da sua população.

A “insustentabilidade” do padrão de

urbanização metropolitano se caracteriza pe-

la prevalência de um processo de expansão e

ocupa ção dos espaços intraurbanos que, na

maior parte dos casos, configura uma dra-

mática realidade: baixa qualidade de vida

para parcelas significativas da população. A

dualidade das cidades é marcada exponen-

cialmente pelo crescimento da ilegalidade ur-

bana que a constitui, exacerba os problemas

socioambientais que se concentram nos es-

paços urbanos em condições muito precárias

de urbanização, com acesso diferenciado aos

investimentos públicos.

Introduz-se aqui a preocupação com a

sustentabilidade urbana, uma dimensão do

desenvolvimento sustentável, que representa

a possibilidade de garantir mudanças socio-

políticas que não comprometam os sistemas

ecológicos e sociais nos quais se sustentam as

comunidades. Onde a insustentabilidade urba-

na reflete a incapacidade da produtividade e

dos investimentos urbanos de acompanhar o

crescimento das demandas sociais e gera um

conjunto de problemas que se refletem na de-

gradação da qualidade de vida urbana.

Cidades e desastres urbanos no Brasil

As cidades brasileiras e notadamente as gran-

des metrópoles configuram uma realidade na

qual os riscos contemporâneos explicitam os

limites e as consequências das práticas sociais,

trazendo consigo um novo elemento a “reflexi-

vidade”. A sociedade, produtora de riscos, se

torna crescentemente reflexiva, o que significa

dizer que ela se torna um tema e um proble-

ma para si (Beck, 1992, 2009). A sociedade se

torna cada vez mais autocrítica e, ao mesmo

tempo em que a humanidade põe a si em pe-

rigo, reconhece os riscos que produz e reage

diante disso. A sociedade global “reflexiva” se

vê obrigada a autoconfrontar-se, e isto implica

um constante processo de pensar e refletir so-

bre uma sociedade que produz riscos (Giddens,

1997), mas também com os riscos que são es-

camoteados ou negados (Beck, 2009; Irwin,

2001), apesar das evidências. Atualmente

além dos aspectos associados com os avanços

da ciência e tecnologia que criam, surgem no-

vas situações de risco diferentes das existen-

tes, muitas das quais imensuráveis. Entretanto,

os riscos socioambientais urbanos configuram

a produção de riscos associados à pobreza, às

desigualdades e à lógica de desenvolvimento

urbano que ainda prevalece. Historicamen-

te, até meados do século XX, os processos

de ocupação de muitas metrópoles brasilei-

ras evitaram os terrenos mais problemáticos /

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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 221

vulneráveis à ocupação (altas declividades,

solos frágeis e suscetíveis à erosão), que se

encontravam mais distantes das áreas centrais,

onde a pressão pela ocupação era menos in-

tensa. Entretanto, a partir dos anos 50, com a

exacerbação dos processos de “periferização”,

e mais intensamente nos últimos 30 anos,

ocorrem dois movimentos simultâneos: a in-

tensificação das intervenções na rede de dre-

nagem, com obras de retificação e canalização

dos rios, o aterramento das planícies de inun-

dação (áreas de várzea) e sua incorporação à

malha urbana, e a explosão na abertura de lo-

teamentos de periferia. A função normativa de

uso e ocupação na instalação dos processos de

urbanização subordinou-se aos interesses das

classes de renda alta e média alta.

À medida que o processo de urbanização

se intensifica para as áreas mais periféricas, o

quadro se agrava. Pela falta de planejamento

de uso e ocupação do solo, as ocupações pe-

riféricas ocorrem em áreas de risco, aumen-

tando o número de pessoas vulneráveis aos

processos naturais (Maricato et al., 2010). A

redução da capacidade de escoamento das

águas, associada à impermeabilização e pre-

cária infraestrutura de drenagem urbana, po-

tencializa transbordamentos, deslizamentos e

outros efeitos erosivos. Todo esse elenco de

problemas, que podem ser evitados ou pelo

menos neutralizados ou reduzidos, só poten-

cializa as catástrofes.

Existe uma forte dimensão social no ris-

co, e esse é agravado pela vulnerabilidade das

populações (Ojima, 2009; Marandola, 2009) e

do contexto físico onde se localizam. A questão

que se coloca, portanto, é sobre a gestão dos

riscos (Veyret, 2007; Irwin, 2001; Howe, 2005),

e o que define a dinâmica que prevalece é que

a prevenção e minimização das consequências

dependerão das medidas políticas no contexto

de cada território.

A literatura sobre desastres ambientais,

notadamente sobre inundações e deslizamen-

tos, envolve os temas da segurança e da vulne-

rabilidade (Marandola, 2009). Essa se configu-

ra pela exposição da população residente em

assentamentos humanos precários expostos a

risco socioambiental (sujeitos a inundações e

deslizamentos) e que, em virtude situações cli-

máticas severas, se confrontam com a necessi-

dade de suportar os impactos do perigo.

Warner (2010) mostra que, em situações

como inundações, os desastres mais comuns e

devastadores, os problemas gerados após um

evento expõem a falta de planejamento de uso

e ocupação do solo, o despreparo das autori-

dades e a falta de um ethos de prevenção na

sociedade. Além disso, não se pode desconside-

rar os agravantes associados às desigualdades

sociais e à precariedade da estrutura urbana,

que se tornam vetores da multiplicação de

tragédias urbanas recorrentes, causadas pelo

descontrole do processo histórico de ocupação

urbana não devidamente planejada pelos po-

deres competentes.

Esta reflexão está pautada pela noção de

risco e segurança como componentes analíticos

de uma realidade socioambiental caracterizada

pela fragilidade na capacidade de respostas

das sociedades com menos recursos, assim co-

mo pela falta de ações intersetoriais em virtude

da cultura política institucional pautada pelas

ações setoriais e também por aquelas voltadas

para interesses de grupos econômicos e políti-

cos (Warner et al., 2002)

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Cabe enfatizar que, na sociedade de ris-

co, os “desastres anunciados” não podem ser

vistos como fatalidades, mas na maioria dos

casos podem ser previstos e evitados. Nas cida-

des brasileiras, configura-se uma lógica perver-

sa de distribuição de riscos, que afeta desigual-

mente a população. No Brasil metropolitano,

incluem-se quase 450 municípios, onde vivem

mais de 70 milhões de habitantes. Os desafios

metropolitanos nos dias de hoje é que as ci-

dades criem as condições para assegurar uma

qualidade de vida que possa ser considerada

aceitável, não interferindo negativamente no

meio ambiente e agindo preventivamente para

evitar a continuidade do nível de degradação,

notadamente nas regiões habitadas pelos se-

tores mais carentes. Trata-se de uma realidade

complexa e heterogênea, na qual as cidades

convivem simultaneamente com os problemas

que caracterizam uma realidade de pobreza –

ocupações irregulares de áreas ambientalmen-

te frágeis que se multiplicam pelas cidades, tais

como encostas e áreas alagáveis, e problemas

de saneamento ambiental decorrentes do bai-

xo índice de coleta e tratamento de esgotos; e

os problemas relacionados com padrões eleva-

dos de consumo – poluição do ar e aumento do

volume de resíduos sólidos.

As consequências desse modelo urbano

estão à vista, e a explicação da emergência dos

problemas é recorrente: população que mora

em áreas inapropriadas e de grande risco; solo

ocupado erroneamente, reduzindo a capacida-

de de escoamento das águas; e fluxos hídricos

que não recebem cuidado ambiental.

Para Bonduki (2011), a desigualdade ur-

bana, funcional e social tem se aprofundado, e

o resultado é uma metrópole partida e segre-

gada. As manchas urbanas que se expandem

horizontalmente e configuram grande parte

das áreas periféricas são construídas, basi-

camente, a partir das ocupações de terras

vazias realizadas por grupos de baixa renda;

da implantação de loteamentos clandestinos

construídos e comercializados irregularmente,

dos conjuntos habitacionais para a população

de baixa renda produzidos pelo poder públi-

co; e de assentamentos precários e informais,

como as favelas e muitos bairros populares

que compõem as imensas periferias urbanas

(Nakano, 2011). E a falta de infraestrutura de

saneamento e de equipamentos comunitários

de educação, saúde, lazer, entre outros, é o

traço comum à maioria desses assentamentos,

estigmatizados pela precariedade. A tônica do-

minante de produção desses espaços urbanos

irregulares decorre de omissões históricas do

poder público, tanto no tangente às ações re-

gulatórias e de fiscalização, quanto à provisão

de urbanização adequada. A maioria desses

assentamentos é construída com pouco ou ne-

nhum acompanhamento técnico, encontra-se

em áreas ilegais a invasão e ocupação irregu-

lar, áreas que apresentam risco de deslizamen-

to. Encontra-se também em várzeas inundáveis

e áreas de proteção aos mananciais. Nos últi-

mos anos, a variabilidade climática e seu efeito

na intensificação das chuvas, os desastres têm

se multiplicado em virtude dos deslizamentos

nos quais toneladas de terra e rochas rolam

sobre moradias e bairros inteiros, predominan-

temente ocupados por famílias pobres, pro-

vocando verdadeiras tragédias urbanas. Mas

cabe lembrar também que as águas invadem

ruas e edificações provocando perda de bens,

saúde e vidas. Essas notícias e ocorrências se

repetem ano após ano. Nas cidades, os desas-

tres naturais nas áreas mais pobres provocam

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impactos maiores em virtude de sua vulnerabi-

lidade em relação aos recursos hídricos, à falta

de saneamento e ao contato com doenças de

veiculação hídrica.

Mas quais os aspectos que devem ser

enfatizados ao abordar o tema da sustentabili-

dade urbana? A noção de sustentabilidade im-

plica uma necessária inter-relação entre justiça

social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental

e necessidade de desenvolvimento. Isso repre-

senta a possibilidade de garantir mudanças

sociopolíticas que não comprometam os siste-

mas ecológicos e sociais. Observa-se um cres-

cente agravamento dos problemas ambientais

nas metrópoles: o modelo de apropriação do

espaço reflete as desigualdades socioeconômi-

cas imperantes, o período sendo marcado pela

ineficácia ou mesmo ausência total de políticas

públicas para o enfrentamento desses proble-

mas, predominando a inércia da administra-

ção pública na detecção, coerção, correção e

proposição de medidas visando ordenar o ter-

ritório do município e garantir a melhoria da

qualidade de vida.

Para as metrópoles, a denominação “ris-

cos ambientais urbanos” pode englobar uma

grande variedade de acidentes, em diversifica-

da dimensão e produzidos socialmente. Não

há como negar a estreita relação entre riscos

urbanos e a questão do uso e ocupação do so-

lo, que, entre as questões determinantes das

condições ambientais da cidade, é aquela em

que se delineiam os problemas ambientais de

maior dificuldade de enfrentamento e, contra-

ditoriamente, na qual mais se identificam com-

petências de âmbito municipal. A tensão per-

manente, que se opera no espaço urbano entre

o interesse público e os interesses privados,

tem se configurado como um dos aspectos de

maior complexidade para a formulação de po-

líticas ambientais centradas no espaço urbano,

onde se destaca a problemática da ocupação

do solo. As ocupações irregulares em áreas

de mananciais e encostas refletem a falta de

opções para os pobres urbanos. Em virtude da

sobreposição dos interesses privados às de-

mandas sociais na distribuição de terras nas

grandes cidades, sem recursos para construir

ou comprar imóveis em terrenos seguros e

mais próximos do centro, a população pobre

se vê obrigada a habitar regiõe s de difícil aces-

so, sem estrutura urbana consolidada e, muitas

vezes, em áreas de risco.

Observa-se que eventos extremos têm

se tornado mais frequentes, ameaçando cada

vez mais a precária infraestrutura das cidades.

A própria expansão das metrópoles e, conse-

quentemente, das ilhas de calor provocadas

pela impermeabilização do solo favorece o au-

mento das precipitações.

As inundações e deslizamentos que têm

ocorrido nos grandes centros urbanos do país

já são consequência das mudanças climáticas.

Segundo as previsões do IPCC, esses eventos

extremos devem se tornar cada vez mais fre-

quentes nas regiões Sul e Sudeste.

No Brasil, os números de perdas huma-

nas no verão de 2011 trouxeram à tona o custo

social das tragédias relacionadas com catás-

trofes naturais. A forma desordenada de como

as cidades cresceram nos últimos 50 anos tem

sido a principal causa das tragédias.

Os cenários de risco e as fatalidades

urbanas criados pelas ações antrópicas es-

tão predominantemente associados à forma

de ocupação de terrenos, empreendimen-

tos regulares e aos assentamentos habita-

dos por população de baixa renda em áreas

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invadidas. Nas cidades brasileiras, muitas

pessoas moram em áreas inapropriadas e de

grande risco, e a ocupação inade quada do so-

lo, com a construção de moradias em terrenos

de encostas, em margens de cursos d´água,

áreas de risco de deslizamento, inundações

e inundações, é reflexo dessa ocupação

desordenada que reflete a falta de uma lógica

de governança colaborativa.

Os planos diretores das cidades preve-

em instrumentos para enfrentar os desafios

de promover uma urbanização com mais jus-

tiça socioambiental; entretanto, o que se ob-

servam são desvirtuamentos constantes, e os

governos municipais, em sua maioria, cedem,

aos interesses econômicos e reforçam proces-

sos, estimulando a ocupação desordenada do

solo. Cabe ainda incluir a incapacidade das

políticas urbanas na gestão do uso do solo, a

setorialidade na aplicação das políticas am-

bientais com repercussão no planejamento dos

territórios. Diversos instrumentos permitiriam

identificar áreas vulneráveis e estratégias para

prevenção, mitigação e adaptação diante de

eventos extremos em unidades tais como áre-

as costeiras e bacias hidrográficas (Steinberg,

2006; Schult et al., 2010).

Para Ribeiro (2011), o que se pode obser-

var é que mais do que um fenômeno natural, os

desastres são consequência de décadas de des-

caso do poder público com o planejamento ur-

bano e com as políticas setoriais relacionadas,

e as cidades brasileiras apresentam a marca da

desigualdade até na distribuição social dos ris-

cos decorrentes da precariedade urbana.

Mas os desastres também mostram o

despreparo das autoridades para, em situações

de calamidade, alertar, remover e garantir abri-

go à população diante de ameaças iminentes.

As autoridades públicas explicam tais tra-

gédias, geralmente, como as consequências

de eventos climáticos incomuns, fora dos pa-

drões previstos, e da suposta irracionalidade

do comportamento da população que aceita

morar em áreas sujeitas a evidentes riscos am-

bientais e não cuida adequadamente dos seus

lixos. Apesar da multiplicação das tragédias,

o Brasil investe muito pouco em prevenção.

Segundo a Comissão Especial de Medidas Pre-

ventivas e Saneadoras de Catástrofes Climá-

ticas da Câmara dos Deputados, uma análise

do histórico de tragédias naturais no Brasil

mostra que pouco se fez para evitar a ação

da natureza. Entre os anos de 2000 e 2010,

pelo menos duas mil pessoas morreram em

acidentes climáticos. Somente em 2010 foram

comunicadas à Secretaria Nacional de Defesa

Civil ocorrências em 883 municípios. Somado

ao número de mortos registrado na enxurrada

de 2011 que devastou áreas de municípios da

Região Serrana do Rio, o total de vítimas fatais

sobe para quase três mil (Eco Debate – Cida-

dania e Meio Ambiente, 12/1/2012).

Os maiores desafios da governança do

espaço urbano são a integração intergoverna-

mental, o aperfeiçoamento da gestão munici-

pal, que demanda gestores qualificados apoia-

dos por uma administração que desenvolva

planejamento estratégico dos municípios, para

que eles possam ter uma visão de longo prazo

e uma gestão baseada mais na prevenção do

que na ação emergencial e curativa.

No atual quadro urbano brasileiro, é in-

questionável a necessidade de implementar

políticas públicas orientadas para tornar as

cidades social e ambientalmente sustentáveis,

como uma forma de se contrapor ao quadro de

deterioração crescente das condições de vida.

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Dilemas socioambientais na RMSP – uma realidade emblemática

A RMSP está localizada na região Sudeste do

Brasil e é o terceiro maior conglomerado urba-

no do mundo, com 39 municípios, totalizando

uma área de 7.944 km2. Essa região abriga

uma população de 19.667.558 de habitantes

(IBGE, 2010), e mais de 11 milhões de pessoas

vivem na cidade de São Paulo, em uma área de

1.530 km2. A taxa de crescimento na RMSP en-

tre os anos de 2000 e 2010 foi de 0,96% ao

ano, e, apesar da diminuição do crescimento

populacional na última década, a elevada pres-

são demográfica e a urbanização acelerada

desprovida de planejamento, avançando em

direção aos mananciais, são fatores que contri-

buíram diretamente para a impermeabilização

do solo e a consequente redução da recarga

do aquífero, além de sua poluição e redução

da disponibilidade dos mananciais superficiais

(Silva, Mello Junior e Porto, 2011).

A dinâmica de expansão da metrópole

tem provocado um processo de concentração

de população de baixa renda em suas áreas

periféricas, enquanto as áreas centrais são re-

novadas e adensadas, a um preço crescente da

terra urbana. Esse padrão de ocupação promo-

ve a expansão da mancha urbana junto às áre-

as de proteção ambiental, em especial às áreas

de proteção aos mananciais, definidas pela Lei

9866/97. A dificuldade para a implementação

de mecanismos efetivos para a proteção dessas

áreas faz com que estas sofram enorme pres-

são de ocupação. Esse processo de produção

do espaço metropolitano concentra e articula

em suas periferias a vulnerabilidade em suas

dimensões ambiental e social.

A dinâmica da urbanização pela expan-

são de áreas periféricas produziu um ambiente

urbano segregado e altamente degradado, com

efeitos muito graves sobre a qualidade de vida

de sua população. Não há como negar a estrei-

ta relação entre riscos urbanos e a questão do

uso e ocupação do solo, que, entre as questões

determinantes das condições ambientais da ci-

dade, é aquela onde se delineiam os problemas

ambientais de maior dificuldade de enfrenta-

mento, notadamente os recursos hídricos.

A ausência de saneamento em muitos

loteamentos e favelas, além de poluir direta-

mente as águas dos rios e córregos, constitui

um problema de saúde e de baixa qualidade de

vida para a população residente, assim como a

perda do valor das águas.

Uma análise dos principais indicadores

da qualidade ambiental no município indica o

quadro atual e os impactos sobre a população

da cidade.

Inicialmente em relação à qualidade do

ar, segundo a Cetesb na Região Metropolitana

de São Paulo, o padrão foi ultrapassado em 96

dias ao longo de 2011, contra 61 dias em 2010.

A poluição do ar é causada, principalmente,

pela grande emissão proveniente dos 9,2 mi-

lhões de veículos automotores leves e pesados

e, secundariamente, por emissões originadas

em processos de cerca de 2000 indústrias com

alto potencial poluidor (Cetesb, 2011). Essa fro-

ta gigantesca de veículos constitui a principal

fonte de emissão dos poluentes que, em deter-

minadas condições meteorológicas, formam o

buraco na camada de ozônio, e cabe enfatizar

que se trata principalmente dos automóveis

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particulares. O resultado é o aumento de pes-

soas afetadas que demandam internação hos-

pitalar por enfermidades associadas à poluição

atmosférica; e as respostas públicas têm sido

muito limitadas e demoradas. Cabe, portanto,

enfatizar o déficit de transporte público na re-

gião e o aumento dos níveis de congestiona-

mento, não apenas na cidade de São Paulo,

mas na região como um todo. A RMSP vive

uma profunda crise de mobilidade, e alguns

indicadores permitem observar a verdadeira

dimensão do problema. Segundo Pesquisa Ori-

gem e Destino (apud Rolnik e Klintowitz, 2011),

o tempo médio de viagem em transporte co-

letivo é 2,13 vezes superior ao do transporte

individual motorizado. E pelo fato de 74% das

viagens motorizadas da população com renda

de até quatro salários mínimos serem feitas por

modo coletivo, e que, na renda até 15 salários

mínimos, cai para 21%, a crise de mobilidade

afeta muito mais a população de renda mais

baixa, que só tem essa opção. A lógica pre-

valecente tem sido no geral a intervenção na

ampliação física e modernização do sistema

viário em detrimento da ampliação efetiva e

modernização dos transportes coletivos (Rolnik

e Klintowitz, 2011).

Em relação ao abastecimento de água,

praticamente 100% da população que vive na

área urbana da cidade é abastecida com um

volume por habitante/ano de 65m3. Entretanto,

o aumento do número de consumidores, assim

como a escassez de novas fontes e a queda na

qualidade das águas dos mananciais revelam

uma crescente pressão sobre o abastecimento

de água potável no município. A falta de cole-

ta de esgoto para mais de 20% da população,

somada à falta de rede coletora em áreas de

mananciais, se constitui num fator de pressão

sobre a qualidade das águas para abasteci-

mento público. Além da falta de esgoto trata-

do, os problemas decorrentes de conexões cru-

zadas entre o sistema de esgoto e os sistemas

de drenagem natural e de águas pluviais se

refletem na grande quantidade de córregos e

rios poluídos. Os principais problemas se veri-

ficam junto às populações que ocupam favelas

e loteamentos irregulares, na medida em que

muito frequentemente os cursos d´água são

o local de lançamento de esgoto. A poluição

hídrica na bacia hidrográfica está relacionada

com o despejo de substâncias poluentes e resí-

duos sólidos diretamente nos corpos d’água e

nas galerias de drenagem de águas pluviais ou

sobre as áreas impermeabilizadas e desmata-

das decorrentes das atividades urbanas.

Em São Paulo, no caso específico de

áreas de proteção aos mananciais (36% do

território municipal), a legislação de proteção

ambiental, datada de 1977, impôs intensas

restrições ao uso e ocupação do solo e gerou

uma ocupação desordenada do solo, provo-

cando uma desvalorização no preço da terra.

Em 1997, é aprovada uma nova legislação es-

tadual que busca compatibilizar as ações de

proteção e preservação dos mananciais com

a proteção ambiental, o uso e a ocupação do

solo e o desenvolvimento socioeconômico das

áreas protegidas, pelo estabelecimento de

diretrizes gerais para as áreas de proteção e

recuperação que devem ser regulamentadas

em todas as áreas de mananciais. Cerca de

48% da população que habita as áreas de

proteção aos mananciais nos dois maiores

reservatórios residem em favelas e loteamen-

tos. Isso dá uma dimensão do problema e do

comprometimento e deterioração dessas fon-

tes hídricas.

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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?

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A problemática das inundações tem

causado um quadro cada vez mais complexo

de problemas que causam prejuízos de ordem

econômica, assim como danos sociais e de saú-

de pública. As situações de risco e de pontos

sujeitos a inundação e alagamentos aumen-

tam, e o número de episódios é alarmante, am-

pliando a situação de vulnerabilidades urbanas.

Em 2012, segundo o IPT, estimam-se mais de

500 pontos de inundação e alagamento que

afetam a qualidade de vida urbana e outras

500 áreas sujeitas a deslizamentos.1 Outros

componentes da vulnerabilidade urbana das

populações de ocupa ções irregulares, na me-

dida em que há riscos associados a processos

hidrológicos, envolvem principalmente os mo-

radores de assentamentos precários sujeitos

ao impacto direto das águas ou a processos

de erosão, o que reforça o perigo de pessoas

serem levadas por enxurradas durante eventos

de chuvas intensas, além de perdas materiais e

danos às moradias.

Um aspecto que também não pode ser

desconsiderado na metrópole é a perda de bio-

diversidade e cobertura vegetal, e a perda de

cobertura vegetal tem provocado alterações

microclimáticas associadas aos impactos plu-

viais, responsáveis diretas das inundações na

área urbana.

A RMSP apresenta declínio de cresci-

mento populacional anual desde a década de

1970, enquanto as áreas centrais perdem po-

pulação, a periferia do município de São Paulo

e os municípios periféricos da RMSP apresen-

tam um expressivo crescimento demográfico.

Entre 1986 e 2008, a área urbanizada da RMSP

passou de 1.473,70 km² para 1.766,50, perdeu

113,10 km² de áreas vegetadas, especialmente

nas porções territoriais situadas nas franjas da

urbanização (Silva e Galvão, 2011). A amplia-

ção da mancha urbana metropolitana tem pro-

vocado a perda de cobertura florestal na RMSP,

notadamente nas áreas mais periféricas. En-

quanto a cidade consolidada apresentava ape-

nas 4% de seu território recoberto por áreas

florestadas no ano 2000, na fronteira urbana

esse índice era de 50% (Torres et al., 2007).

A remoção da cobertura vegetal tem

impactos ambientais: exposição de solos, pro-

dução de sedimentos, diminuição de áreas de

infiltração de chuvas, aumento do escoamento

superficial de água e da temperatura urbana. A

ocupa ção de áreas vulneráveis do ponto de vista

geológico e geotécnico com relevos de alta de-

clividade provoca problemas ambientais cumu-

lativos de grande magnitude, principalmente

deslizamentos, desabamentos e inundações.

A problemática dos resíduos sólidos tam-

bém se inclui devido à escala de geração e à

sua disposição em virtude de saturação e de

limitadas possibilidades de expansão, em virtu-

de da forte pressão urbana no seu entorno. O

principal efeito é a multiplicação de impactos

ambientais negativos associados aos locais de

disposição inadequada de resíduos, o que di-

ficulta de forma significativa o avanço rumo a

uma gestão sustentável.

Desastres ambientais na RMSP

Na RMSP, os eventos são relacionados a fenô-

menos climáticos, os quais se agravam com a

falta de planejamento e infraestrutura urba-

na presente nas cidades paulistas (Nobre et

al., 2010). A RMSP tem características físicas

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que contribuem para a ocorrência de inunda-

ções, tais como elevado grau de pluviosidade

e conformação geomorfológica dessa área.

Os temporais são frequentes na primavera e,

especialmente, no verão, e uma das principais

consequências são os alagamentos e enchen-

tes “relâmpagos” que lideram as estatísticas

como o segundo maior causador de perda de

vida. A gravidade dos temporais depende,

além de outros fatores, do tempo de ocorrên-

cia e da intensidade da chuva. Segundo Olivei-

ra (2011), observa-se um aumento da ocorrên-

cia de eventos extremos entre 70 e 90mm nos

últimos 20 anos.

Por outro lado, o aumento da frota de

veículos em circulação na RMSP e a expansão

das vias em áreas de várzea para atender ao

aumento de tráfego tendem a aumentar o grau

de veículos e pessoas expostas aos riscos de

inundações, o que implica incremento de vul-

nerabilidade (Nobre et al., 2010).

Além de as inundações explicitarem a

falta de planejamento de uso e ocupação do

solo e o despreparo das autoridades, não se

pode desconsiderar os agravantes associados

às desigualdades regionais, sociais, e à falta de

possibilidades de acesso à moradia adequada

que se torna vetor da multiplicação de tragé-

dias urbanas recorrentes, causadas pelo des-

controle do processo histórico de adensamento

urbano não devidamente planejado e controla-

do pelos poderes competentes, o que implica

desafios em sua gestão (Nobre et al., 2010).

Estudos mostram também que, devido ao

desenvolvimento urbano acelerado na região

a partir dos anos 1950, junto com condições

de tráfego, falta de vegetação e intensa polui-

ção do ar, iniciou-se processo de formação de

ilhas de calor, que têm provocado alterações

no clima da região, tais como diminuição do

nevoeiro no centro da cidade de São Paulo e

diminuição da garoa típica. Esse fenômeno,

além de possivelmente incrementar a formação

de chuvas nos locais onde atuam (Ribeiro et al.,

2010), também prejudica a dispersão de po-

luentes atmosféricos, podendo causar impacto

na saúde da população (Nobre et al., 2010).

Estudos sobre o fenômeno de ilhas de ca-

lor na cidade de São Paulo apontam para dife-

renças de até 10°C no gradiente de temperatu-

ra, podendo se observar temperaturas mais ele-

vadas nas regiões centrais e mais densamente

urbanizadas e as mais baixas temperaturas na

periferia serrana e em locais próximos a reser-

vatórios de água (Sepe e Gomes, 2008). Nesse

sentido, Ribeiro et al. (2010) indicam que, na

maioria dos episódios de chuva, a maior con-

centração pluvial formou-se sobre a cidade de

São Paulo e, em alguns casos, só ocorreu nos

bairro centrais, ou seja, em locais onde a tem-

peratura é mais alta devido ao fenômeno da

ilha de calor. Outro ponto relevante a ser con-

siderado diz respeito ao alcance da brisa marí-

tima ao centro da cidade. Assim, possivelmen-

te, a interação entre as brisas e a ilha de calor

deve aumentar o transporte de vapor de água,

incrementando a formação de chuvas.

Desse modo, na RMSP, a incidência de

fortes chuvas provoca deslizamentos de en-

costas e inundações em terrenos de baixadas

fluviais, o que, associado ao processo histó-

rico de adensamento urbano não planejado,

agrava ainda mais os impactos. Assim, ações

antrópicas – desmatamento, má disposição

de resíduos sólidos, compactação e imper-

meabilização do solo – levam a modificações

nas condições do solo, elevando sua susceti-

bilidade aos processos naturais, como erosão,

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deslizamentos, assoreamento e inundações

(Maricato et al., 2010).

Em estudo realizado em 2011, o IPT ma-

peou 407 áreas na cidade de São Paulo e identi-

ficou 1.179 setores de risco, sendo 57% corres-

pondentes a áreas de encosta e 43% à margem

de córregos.2 Desse total, 14% apresentou pro-

babilidade muito alta de ocorrência de proces-

sos destrutivos, 38% apresentou probabilidade

alta, enquanto os setores com probabilida-

de média e baixa de ocorrência de processos

destrutivos totalizaram 48%. Ainda, nas áreas

de risco identificadas no estudo, foram conta-

bilizadas 105.816 moradias, das quais 28.933

foram classificadas em situação de risco muito

alto e alto.

A obsolescência de todo o sistema de

drenagem urbana diante do crescimento da

cidade, o assoreamento dos rios e córregos,

problemas pontuais de drenagem, somados

ao pouco controle e monitoramento de áreas

de risco, contribuem para eventos que causam

prejuízos para toda a sociedade.

Segundo Maricato et al. (2010), os ce-

nários de risco e as fatalidades urbanas, re-

gistradas todos os anos na RMSP, estão pre-

dominantemente associados ao descaso ou

imprudência na forma de ocupação dos ter-

renos, tanto em empreendimentos regulares,

como em áreas invadidas. Nesse sentido, fica

demonstrada a importância do poder público,

no que tange o controle e as restrições de uso

e ocupação do solo, diminuindo a vulnerabili-

dade a desastres naturais.

Dilemas socioambientais e a resposta pública

Apesar de existir um quadro que preocupa pela

sua complexidade e pelas dificuldades de gerar

respostas mais efetivas, observam-se algumas

ações do poder público na formulação e im-

plementação de políticas, planos, programas e

projetos que enfatizam a neutralização e redu-

ção da degradação ambiental.

No tangente ao transporte público, a

expansão do sistema metroviário e a moder-

nização do sistema ferroviário na região pra-

ticamente estagnaram. No caso do Metrô, nos

últimos 18 anos, foram estendidos apenas 27

quilômetros de trilhos, totalizando menos de

75 km. Quanto ao controle de emissão de po-

luentes, a cidade de São Paulo implantou uma

política desde 2008, mas, apesar de seu impac-

to como instrumento de controle, a poluição

está mais presente no ar devido aos aumentos

da frota de carros e do trânsito – mais carros

por mais tempo nas ruas.

A retirada de vegetação e a impermeabi-

lização do solo nas cidades reduzem drastica-

mente a infiltração das águas de chuva no solo.

Os problemas de inundações, alagamen-

tos e deslizamentos, embora decorram das

características geomorfológicas e climáticas,

na macrometrópole de São Paulo estão muito

relacionados com o padrão de crescimento e

de ocupação urbana pouco controlado. Nesse

sentido, medidas estruturais realizadas com

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objetivo de mitigar o problema são geralmente

relacionadas com infraestrutura urbana ou com

zoneamento urbano. Têm sido implementa-

das ações em nível estadual e dos municípios.

Técnicos e pesquisadores indicam ser necessá-

ria uma política de ocupação do solo que não

agrave a questão da impermeabilização, e di-

versas técnicas de intervenção de uso do solo

podem minimizar o impacto da impermeabili-

zação. A impermeabilização adquiriu tal dimen-

são que mesmo a aplicação de medidas com-

pensatórias pode reverter totalmente o efeito

negativo da impermeabilização. Cabe registrar

que as obras de drenagem trabalham com um

determinado critério de segurança em relação

ao nível de chuva. Mas se houver um volume

maior de chuvas do que a previsão adotada no

projeto, surgem problemas de gestão. E como

no geral se projeta supondo um determinado

nível de ocupação do solo e da bacia, o incre-

mento de impermeabilização tornará as obras

de drenagem cada vez mais insuficientes.

Desde a década de 1960, ações voltadas

para o controle de inundações têm sido desen-

volvidas na RMSP. Tais ações ganharam mais

força na década de 1980 por meio de diversos

estudos nos quais as inundações eram vistas

como uma questão a ser tratada intersetorial-

mente, com foco no uso do solo, considerando

as políticas de transporte, habitacional, de con-

trole de poluição, de esgotos e de preservação

dos recursos naturais. Os resultados têm sido

pouco satisfatórios, apesar das medidas de re-

baixamento de nível de água e desobstrução

de rios e córregos e de ações emergenciais (mi-

crodrenagem e planos de drenagem), de médio

e longo prazo, prevendo novamente ações vol-

tadas para o disciplinamento do uso e ocupa-

ção do solo.

Em 1998, foi criado o Plano Diretor de

Macrodrenagem da bacia hidrográfica do Alto

Tietê, objetivando combater as enchentes da

RMSP com a construção de piscinões, rebai-

xamento da calha do rio Tietê, canalização de

afluentes e construção de barragens. Os reser-

vatórios de controle de cheias, os “piscinões”,

alteram a forma de projetar o manejo das

águas pluviais, buscando retardar o escoamen-

to das águas durante os episódios de chuvas

intensas. Entretanto, tratam-se os sintomas e

não as causas. Os 45 piscinões na RMSP, sen-

do 24 de responsabilidade estadual e 21 sob

a gestão de prefeituras, sejam superficiais ou

subterrâneos, cumprem uma das funções das

várzeas – amortecimento do pico das cheias –

liberando de forma controlada, aos poucos, as

águas após o final da chuva. Diferentemente

das várzeas, não podem ser deixados sem ma-

nutenção, pois rapidamente viram criadouros

de mosquitos, depósitos de lixo carreado pela

chuva. Os piscinões sem manutenção transfor-

mam-se de solução em um novo problema de

poluição difusa, podem, inclusive, assorear e,

ao invés de conter as cheias, provocar inunda-

ções (Rutkowski et al., 2010).

Além dessas medidas estruturais – pis-

cinões, barragens, rebaixamento e retificação

de calhas –, as soluções não estruturais ou

preventivas estão sendo introduzidas, como o

Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo,

baseado num sistema de monitoramento em

tempo real para processar modelos de previ-

são meteorológica e hidrológica que produzem

alertas em condições críticas.

Apesar da alta probabilidade de en-

chentes na RMSP, a mitigação dos impactos

desses eventos depende de uma densa re-

de de monitoramento de superfície, radares

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 231

meteorológicos com maior sensibilidade para

a detecção dos estágios iniciais de formação

dos sistemas precipitantes e, ainda, a utilização

de modelos numéricos de altíssima resolução

espacial para uma maior antecipação desses

eventos (Pereira et al., 2004).

Em 1995, deu-se início a um grande

projeto de despoluição dos corpos de água da

RMSP, o Projeto Tietê, atualmente na terceira

etapa, mas aspectos como a descontinuidade

das obras durante as sucessões administrati-

vas, o descaso com o saneamento básico e a

falta de transparência na gestão do programa

configuram uma realidade que protela a solu-

ção de um dos maiores problemas da região,

o atendimento da população com esgoto cole-

tado e seu tratamento. Apesar de 99,42% da

população da RMSP estar abastecida por água

potável, segundo dados de 2008 da Cetesb,

somente 84% dos esgotos gerados são coleta-

dos, e 44% sofrem algum tipo de tratamento.

Avalia-se que 30% da carga poluidora total é

lançada diretamente nos corpos d´água.

Além dos programas estruturais, algu-

mas políticas públicas estão estreitamente

relacionadas com a questão das inundações,

notadamente a legislação sobre proteção aos

mananciais, que tem como principal instrumen-

to o zoneamento urbano em áreas de manan-

ciais – áreas de vulnerabilidade ambiental onde

há invasões urbanas recorrentes; e os planos de

bacia, que tratam, dentre outras questões, de

recursos hídricos na bacia hidrográfica, de me-

tas e ações para a drenagem urbana.

Tendo incorporado os princípios das le-

gislações estaduais e federais sobre recursos

hídricos, a Lei dos Mananciais (Lei Estadual

9.866/97) estabelece diretrizes e normas para

a proteção e recuperação de mananciais de

interesse regional do Estado de São Paulo. As

Áreas de Proteção e Recuperação aos Manan-

ciais – APRM são territorialmente delimitadas

por áreas de drenagem de corpos de água

superficiais utilizados para o abastecimento

público, sendo assim, sua preservação é impor-

tante e vital. A nova legislação enfatiza a im-

portância dos mananciais para abastecimento

público para a sociedade, e as atividades rea-

lizadas nessas áreas devem ser controladas, de

maneira a minimizar os riscos ambientais de

eventos que levam à poluição e possível con-

taminação dos reservatórios. A Lei dos Manan-

ciais agrega os instrumentos relativos ao uso e

ocupação do solo tendo uma visão de gestão

descentralizada e participativa. Uma nova pro-

posta de zoneamento também surge nessa Lei

com a criação de áreas de intervenção, quais

sejam: áreas de restrição à ocupação; áreas de

ocupação dirigida; e as áreas de recuperação

ambiental. Cada área de intervenção permite a

realização de atividades antrópicas de acordo

com sua fragilidade ambiental. O zoneamen-

to dessas áreas demanda fiscalização do uso

do solo e medidas que impeçam a invasão de

áreas de restrição à ocupação, porém, a ausên-

cia de políticas públicas habitacionais muitas

vezes induz a ocupação clandestina das áreas

de preservação aos mananciais. O que tem sido

encontrado na RMSP é a insuficiência no con-

trole dessas ocupações, que são mais intensas

em áreas de mananciais que eu outras regiões

da RMSP (CBH-AT, 2007).

No caso da RMSP, o instrumento mais

importante é a lei específica para cada APRM,

também prevista na Lei 9.866/97. Essas leis

devem se basear nas diretrizes da referida

Lei, considerando, porém, as peculiaridades

de cada bacia hidrográfica. A complexidade

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e diversidade do sistema socioambiental na

RMSP entre as bacias de drenagem dos diver-

sos sistemas produtores de água justificam a

importância de especificar para cada APRM

quais as ações mais necessárias, adequadas,

eficazes; e de que maneira as ações, interven-

ções e o controle das atividades antrópicas

devem ser efetuados, considerando em cada

bacia todos os aspectos de suas característi-

cas ambientais.

Embora os problemas decorram de sua

aplicação, principalmente pela falta de uma ar-

ticulação com os poderes públicos municipais

integrantes da Região Metropolitana de São

Paulo, o sistema normativo permitiu aliar uma

estratégia de proteção ambiental, com caráter

preventivo, assim como a cooperação intergo-

vernamental em matéria de uso do solo, em

uma convergência de competências estadual e

municipal. Sua baixa efetividade criou as condi-

ções para revisão e formulação de nova legis-

lação estadual de proteção aos mananciais – a

Lei 9.866/97 – que passou a incorporar princí-

pios do sistema de gerenciamento de recursos

hídricos em sua estratégia de execução. Seu

diferencial é que as medidas específicas apli-

cáveis às áreas de proteção e recuperação de

mananciais são definidas de forma descentrali-

zada nos respectivos planos de desenvolvimen-

to e proteção ambiental. A ênfase é em medi-

das voltadas ao disciplinamento da qualidade

ambiental, com foco em restrição à ocupação,

ocupa ção dirigida e recuperação ambiental

(Silva e Porto, 2003).

Trinta e cinco municípios da bacia do Alto

Tietê, 29 representando 79% da população ur-

bana da RMSP, recebem seus sistemas de água

e esgoto diretamente da Companhia de Sanea-

mento Básico Estado de São Paulo (Sabesp)

e outros seis municípios compram dela água

por atacado. Os principais desafios hídricos

na RMSP são a escassez de água, a expansão

urbana e a pobreza, causa e consequência da

poluição hídrica, além dos problemas de ma-

nejo das águas pluviais e os altos níveis de

perda de receita por desperdício de água potá-

vel (Rutkowski et al., 2010). Os mananciais da

RMSP e do município de São Paulo estão su-

jeitos a inúmeros impactos, aumentando a sua

vulnerabilidade e risco para a saúde da popu-

lação. Os problemas associados com o estresse

hídrico na RMSP, se associam à dependência da

água de bacias colindantes em virtude da in-

suficiência da bacia do Alto Tietê para garantir

o abastecimento. Além da escassez de água, a

expansão urbana e a pobreza tem se configura-

do como fatores de poluição hídrica além dos

problemas de manejo de águas pluviais e dos

altos níveis de perda de receita por desperdício

de água potável (Rutkowski et al., 2010). Se-

gundo a FUSP (2009), o total de água da bacia

excede, em muito, sua própria produção hídri-

ca. A produção de água para abastecimento

público está hoje em 67,7 m3/s, e 31 m3/s são

importados da Bacia do rio Piracicaba.

Caminhos para a sustentabilidade urbana – o enfrentamento sociopolítico dos dilemas socioambientais

A reflexão sobre as práticas sociais, em um

contexto urbano marcado pela degrada-

ção permanente do meio ambiente e do seu

ecossistema, não pode omitir a análise do

determinante do processo, nem os atores

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 233

envolvidos e as formas de organização social

que aumentam o poder das ações alternativas

de um novo desenvolvimento, em uma pers-

pectiva de sustentabilidade.

A preocupação com o tema do desen-

volvimento sustentável introduz não apenas

a questão controversa sobre a capacidade de

suporte, mas também o alcance e limites das

ações para reduzir o impacto dos danos na vida

urbana cotidiana e as respostas baseadas na

mudança do modus operandi e do que se con-

vencionou denominar business as usual.

No atual quadro urbano brasileiro, é in-

questionável a necessidade de implementar

políticas públicas orientadas para tornar as

cidades social e ambientalmente sustentáveis

como uma forma de se contrapor ao quadro de

deterioração crescente das condições de vida.

Uma agenda para a sustentabilidade urbana

ampliaria o nível de consciência ambiental

estimulando a população a participar mais in-

tensamente nos processos decisórios como um

meio de fortalecer a sua corresponsabilização

no monitoramento dos agentes responsáveis

pela degradação socioambiental. Torna-se im-

portante observar que, segundo estudo (Nobre

et al., 2010), a RMSP poderá ter um aumento

de temperatura entre 2ºC e 3ºC neste século,

e isso poderá provocar uma mudança signifi-

cativa no regime de chuvas, o que dobraria o

número de dias com chuvas intensas. Como

consequência, inundações serão cada vez mais

frequentes e com crescente abrangência terri-

torial na capital paulista. O estudo alerta que,

somente na cidade de São Paulo, há cerca de

1,6 milhão de pessoas morando em favelas,

concentradas principalmente em áreas de ris-

co de escorregamento ou inundações, pessoas

essas que sofrerão os impactos mais intensos

diante do aumento na intensidade das chu-

vas. Se o processo de expansão urbana man-

tiver continuidade como o padrão atual, com a

ocupa ção dos anéis periféricos cada vez mais

distantes, os arruamentos penetrararão em

áreas de solo frágeis, com declividade mais

acentuada e com condições impróprias para ur-

banização, onde geralmente ocorre perda signi-

ficativa de vegetação, o que potencializa novas

situações de risco. A necessária reflexão sobre

as possibilidades de tornar nossas cidades mais

sustentáveis mostra o desafio teórico colocado

em relação à formulação de propostas que con-

tribuam para alcançar objetivos de sustentabi-

lidade nas cidades.

Coloca-se para a RMSP, e portanto pa-

ra os 39 municípios, a necessidade de criar as

condições para assegurar uma qualidade de vi-

da que possa ser considerada aceitável, não in-

terferindo negativamente no meio ambiente e

agindo preventivamente para evitar a continui-

dade do nível de degradação, notadamente nas

regiões habitadas pelos setores mais carentes.

Sua inclusão na esfera da sustentabili-

dade ambiental implica uma transformação

paradigmática, constituindo-se num elemento

complementar para atingir um desenvolvi-

mento econômico compatível com a busca de

equidade. Também é importante que se reforce

a importância de uma gestão compartilhada,

com ênfase na corresponsabilização na gestão

do espaço público e na qualidade de vida ur-

bana, e que se estimulem cada vez mais ações

preventivas, não descuidando da necessidade

de lidar com as ações corretivas.

A participação assume um papel cada

vez mais relevante na denúncia das contradi-

ções entre os interesses privados e os interes-

ses públicos, entre os bens públicos e os bens

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013234

privados, entre uma cultura da desesperança

que busca benefício atual e desvaloriza o futu-

ro diante da construção de uma cidadania am-

biental que supere a crise de valores e identida-

de e proponha outra, com base em valores de

sustentabilidade. Isso potencializa a ampliação

da consciência ambiental e sua tradução em

ações efetivas de uma população organizada

e informada de maneira correta, preparada pa-

ra conhecer, entender, reclamar seus direitos e

também de exercer sua responsabilidade.

A modernização dos instrumentos requer

uma engenharia socioinstitucional complexa

para garantir condições de acesso dos diver-

sos atores sociais envolvidos, notadamente dos

grupos sociais mais vulneráveis.

Trata-se, portanto, de reforçar políticas

socioambientais que se articulem com as ou-

tras esferas governamentais e possibilitem a

transversalidade, reforçando a necessidade de

formular políticas ambientais pautadas pela

dimensão dos problemas em nível metropolita-

no. Mas também cabe enfatizar a contribuição

que a área ambiental deve ter na articulação

com políticas de emprego, renda e desenvolvi-

mento econômico, reforçando principalmente

a importância de uma gestão compartilhada

com ênfase na coresponsabilização na gestão

do espaço público e na qualidade de vida ur-

bana, o que se busca através da constituição

de consórcios intermunicipais.

Na Região Metropolitana de São Paulo, é

inquestionável a necessidade de implementar

políticas públicas orientadas para tornar a cida-

de social e ambientalmente sustentável como

forma de se contrapor ao quadro de deteriora-

ção crescente das condições de vida.

Segundo Ribeiro (2011), a reprodução

das cidades tende a perpetuar um modelo

equivocado de intervenções sobre o meio am-

biente que potencializa os efeitos de eventos

extremos. As consequências do desrespeito ao

meio ambiente nas ocupações urbanas são no-

tórias. E o principal desafio que se apresenta

é que, como as cidades brasileiras não conse-

guem acompanhar os problemas gerados pelo

volume das chuvas atuais, é necessário repen-

sar a governança do espaço urbano tanto na

prevenção e alerta de desastres, como na sua

atuação pós-desastre. Também é necessário,

sobretudo, se prevenir contra propostas que

abram caminho para uma degradação ainda

mais intensa de áreas frágeis e de relevância

ecológica para o equilíbrio dos sistemas na-

turais. Essa prevenção e ação responsável só

poderão ser alcançadas em uma perspectiva de

atuação compartilhada e interescalar entre os

diferentes setores da sociedade (Berkes, 2002).

A problemática ambiental urbana repre-

senta, por um lado, um tema muito propício

para aprofundar a reflexão em torno do restrito

impacto das práticas de resistência e de ex-

pressão de demandas da população em áreas

mais afetadas pelos constantes e crescentes

agravos ambientais.

Por outro, representa a possibilidade de

abertura de estimulantes espaços para imple-

mentar alternativas diversificadas de democra-

cia participativa, notadamente a garantia do

acesso à informação e consolidação de canais

abertos para uma participação plural.

Sob o foco do grau de exposição dos gru-

pos sociais aos riscos ambientais, a realidade

socioambiental na RMSP configura um quadro

no qual a continuidade da omissão e/ou insu-

ficiência e/ou impropriedade das ações públi-

cas no tratamento dos gravíssimos problemas

associados à ocorrência de eventos extremos

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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?

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tenderá a ampliar as tragédias em sua intensi-

dade, frequência e letalidade. Isso implica rom-

per com o círculo vicioso que tem como conse-

quência direta a incapacidade e/ou descompro-

misso para se tomar decisões que reduzem ou

eliminem os erros essenciais que estão na ori-

gem desses graves fenômenos. Nesse sentido,

coloca-se a necessidade de fortalecer políticas

públicas que, sob a égide da justiça ambiental,

promovam estratégias de redução de risco, e

de a construção de infraestrutura ser orientada

a partir de uma abordagem preventiva, cuja

base é a participação social, o empoderamento

das comunidades, a cooperação intersetorial e

interinstitucional e a colaboração entre os seto-

res público e privado.

Na Conferência Rio+20, apesar da falta

de definições e metas pelos governos quanto

aos principais temas – o desenvolvimento de

uma economia verde e inclusiva, o estabeleci-

mento de uma arquitetura institucional global

dotada de competências e poderes para garan-

tir a salvaguarda das condições de vida huma-

na e os serviços dos ecossistemas –, foi enfati-

zada a importância da inovação na governança

dos governos locais e da disseminação das

“boas práticas” desenvolvidas por algumas ci-

dades. Nessa direção, as cidades têm mostrado

respostas e abordado em alguns casos ques-

tões de futuro que revelam um compromisso

com a sustentabilidade local, um dos maiores

desafios do século XXI.

Há mais de vinte anos, a Agenda 21

foi adotada pelos Chefes de Estado e gover-

nos nacionais na Cúpula da Terra no Rio, por

algu mas ONGs globais, como é o caso do

ICLEI – Associação Internacional Governos

Locais pela Sustentabilidade (2012), e, mais

recentemente, por algumas coa lizões que

assinaram documentos centrados no plane-

jamento da ação local pelo clima. Em 2010,

prefeitos assinaram o Pacto Global das Ci-

dades sobre Clima e se comprometeram com

ações e responsabilidades voluntárias pelo

clima. Em 2011, os prefeitos assinaram a Car-

ta de Adaptação de Durban, estabelecendo

assim compromissos com a ação para adap-

tação às mudanças climáticas.

São exemplos de como as cidades podem

enfrentar questões estratégicas em direção à

sustentabilidade local, os governos locais que

conseguem promover ações sustentáveis a par-

tir de premissas articuladoras da inovação, com

a superação das lógicas recorrentes pautadas

na manutenção dos padrões tradicionais de

uso e ocupação do solo, da ênfase em modelos

urbanísticos centrados no transporte individual,

e com expansão de mancha urbana que se ex-

pande horizontalmente destruindo áreas de

proteção ambiental.

Após a conferência de Johannesburgo

em 2002, os governos locais comprometeram-

-se em ir mais adiante, além do planejamento

do desenvolvimento, e abordar fatores especí-

ficos que impedem que muitas cidades e co-

munidades alcancem a sustentabilidade: temas

como pobreza, injustiça, exclusão e conflito;

ambientes insalubres e insegurança.

As ênfases propostas para que as cida-

des avançassem na direção da sustentabilida-

de focaram nos conceitos de economias locais

viáveis, cidades ecoeficientes e comunidades e

cidades resilientes.

Quando se analisam algumas experiên-

cias locais que avançaram quanto à sustenta-

bilidade, o que se observa é que os governos

locais se convertem em incubadoras de inova-

ção e implementação em escala, agentes de

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mudança, e esfera de governo mais próxima

das pessoas, podendo enfrentar os problemas

globais com soluções sistêmicas localizadas

(ICLEI, 2012). Nesse sentido, as cidades podem

ter um rol decisivo a partir do fortalecimento

de modelos de cooperação descentralizada; do

apoio à criação de apropriados quadros regu-

latórios locais que permitam soluções urbanas

integradas: fortalecer o desenvolvimento de

ações pautadas pela resiliência e adaptação

às mudanças climáticas; criar novos mercados

para economias urbanas verdes inclusivas;

promover rupturas estruturais na lógica da mo-

bilidade urbana, do fortalecimento de redes e

associações que conectam os líderes locais, de

modo a facilitar o intercâmbio de conhecimen-

tos, capacitar e promover a ação colaborativa;

e criar oportunidades para conduzir a transição

para uma economia urbana verde vigorosa e

inclusiva, que aborda a necessidade de redução

da pobreza e a justiça ambiental.

No caso da RMSP, a ênfase deve ser cada

vez mais na intersetorialidade das políticas no

âmbito municipal e regional, em que a dimen-

são socioambiental estimula uma perspectiva

de sustentabilidade e implica mudanças na

cultura política urbana, enfatizando lógicas

cooperativas de governança e fortalecendo a

participação pública.

Os temas urbanos, que por excelência

estão relacionados com o da sustentabili-

dade, são as opções de transporte, planeja-

mento e uso do solo, e acesso aos serviços

de sanea men to e infraestrutura básica, todos

vinculados com a potencialização de riscos

ambientais. Isso impõe mudanças profundas

na questão da ocupação indevida de áreas de

risco, na priorização do transporte público e na

lógica que prevalece nos sistemas de limpeza

urbana – redução do lixo, reciclagem e coleta

seletiva, políticas de destinação de resíduos. A

palavra-chave “qualidade de vida”, mais in-

ternalizada pelas políticas públicas, tem como

elemento determinante a intersetorialidade

das ações para criar condições de implementa-

ção de políticas orientadas para a sustentabi-

lidade urbana, assim diminuindo os riscos am-

bientais e a pressão sobre os recursos naturais.

O principal desafio nos dias atuais é que

as cidades da RMSP e das demais metrópoles

brasileiras criem condições para assegurar uma

qualidade de vida que possa ser considerada

aceitável, não interferindo negativamente no

meio ambiente e agindo preventivamente pa-

ra evitar a continuidade do nível de degrada-

ção, notadamente nas regiões habitadas pelos

setores mais carentes. Destaque-se também

a importância de uma gestão compartilhada

com ênfase na corresponsabilização na gestão

do espaço público e na qualidade de vida ur-

bana, e o estímulo crescente às ações preven-

tivas, com definição de políticas que avancem

na direção da expansão do transporte público

em âmbito metropolitano, reduzindo o tempo

de deslocamentos, de utilização de fontes de

energia renováveis. Também se deve atentar

para as mudanças necessárias, tanto no plano

da construção e de infraestruturas diante de

um quadro que configura mudanças climáticas;

e a promoção de formas combinadas de ges-

tão dos resíduos sólidos. A RMSP, assim como

as demais metrópoles brasileiras, se confronta

com o desafio de promover economias de bai-

xo carbono, e isso representa a adesão a um

novo paradigma que promova a mitigação e a

adaptação às mudanças climáticas.

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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 237

Pedro Roberto JacobiProfessor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. Coordenador do Laboratório de Governança Ambiental (GovAmb/PROCAM/IEE/USP). Editor da Revista Ambiente e Sociedade. São Paulo/SP, [email protected]

Notas

(1) Informação ob da diretamente de técnico do IPT em outubro de 2012.

(2) Informação ob da de técnico do IPT em outubro de 2012.

Referências

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ECO-DEBATE-CIDADANIA e MEIO AMBIENTE (2012). Disponível em: h p://www.ecodebate.com.br/2012/01/12/desastres-naturais-para-especialistas-mapear-area-de-risco-e-essencial/. Acesso em: 18/10/2012.

À guisa de conclusão, destaca-se a

importância de multiplicar ações pautadas

pelo conceito de aprendizagem social, que

afirmam a importância de as instituições de

ensino, em seus diversos níveis, assumirem a

liderança no compartilhamento de melhores

práticas e ações propositivas para a sustenta-

bilidade metropolitana.

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Pedro Roberto Jacobi

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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?

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Texto recebido em 6/nov/2012Texto aprovado em 2/dez/2012

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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013

Ocupação de encostas urbanas:algumas considerações sobre

resiliência e sustentabilidade

Occupation of urban hillsides: someconsiderations about resilience and sustainability

Mônica Bahia Schlee

ResumoA ocupação das encostas em cidades das regiões

Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil apresenta im-

plicações diretas para a resiliência e a sustenta-

bilidade da paisagem urbana nessas regiões. Este

artigo refl ete sobre a situação atual da ocupação

das encostas em algumas cidades dessas regiões,

com foco no Rio de Janeiro, e identifica padrões

morfológicos, processos e lógicas que lhes deram

origem. A pesquisa realizada fundamentou-se em

contribuições da ecologia da paisagem e da morfo-

logia urbana e se desenvolveu em três escalas com-

plementares de análise, do suporte geo-biofisico

ao suporte construído, da escala regional ao lote

urbano. Defende-se que os espaços livres localiza-

dos nas encostas são fundamentais para fortalecer

a proteção das fl orestas e a capacidade de supor-

te, de amortecimento e de adaptação a impactos e

transformações nas encostas urbanas, contribuindo

para fortalecer a resiliência e a sustentabilidade

destes sistemas paisagísticos.

Palavras-chave: paisagem; ocupação de encostas;

espaços livres; resiliência; sustentabilidade.

AbstractThe occupation of urban hillsides in the Southeast, Northeast and South regions of Brazil has direct implications for the resilience and sustainability of the urban landscape in these regions. This article reflects on the current situation of the urban occupation of hillsides in some cities of these regions, focusing on Rio de Janeiro, and identifies morphological patterns, underlying processes and the logics that originated them. The research was based on contributions from landscape ecology and urban morphology, and unfolded in three complementary scales of analysis, from geo-biophysical support to the built support, from regional scale to the urban lot. It is argued that the open spaces located on the slopes are critical to strengthen the protection of forests, and the capacity to support, buffer and adapt to impacts and transformations on urban slopes, helping to strengthen the resilience and sustainability of these landscape systems.

Keywords: landscape; hillside settlement; open spaces; resilience; sustainability.

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Mônica Bahia Schlee

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013242

Introdução

O desenvolvimento sustentável tem sido objeto

de discussão em todo o mundo desde a déca-

da de 1980. Desde que o termo “sustentabili-

dade” foi adotado pela Comissão Brundtland

(Brundtland e Khalid, 1987), críticas têm de-

safiado sua ênfase no crescimento econômico,

progresso tecnológico e economia de energia

como meio de perpetuar a hegemonia capita-

lista (Arrow et al., 1995; Acselrad, 1999 e 2010;

Ehrlich et al., 2012). Como argumentado por

Acselrad (1999, 2010), Folke (2006), Holdren

(2008) e Ehrlich et al. (2012), o desenvolvimen-

to sustentável deveria buscar a compatibiliza-

ção entre desenvolvimento econômico, mode-

rado e equânime, e a promoção da saúde, in-

tegridade e justiça socioambientais para o bem

comum das gerações presentes e futuras.

As lógicas do crescimento econômico e

da segregação espacial, que fomentam e ex-

pressam as desigualdades sociais e ambien-

tais, ainda estão indelevelmente impressas nas

políticas e práticas governamentais em todo o

mundo e revelam-se de diferentes maneiras lo-

calmente. Nas cidades brasileiras, e em especial

no Rio de Janeiro, essa questão merece uma

atenção particular. Pressões imobiliárias e de

uso da terra sobre as franjas da floresta tropi-

cal urbana e os corpos d'água situados sobre

as encostas da cidade são contínuas, especial-

mente no Maciço da Tijuca, onde se localiza o

Parque Nacional da Tijuca (PNT), dividido em

quatro setores não contíguos.

Este artigo enfoca a dimensão física da

sustentabilidade, relativa à paisagem urbana,

e argumenta que entender a realidade urbana,

como argumentado por Johnson e Hill (2002),

é uma estratégia fundamental para alcançar a

sustentabilidade. Os danos ambientais muitas

vezes ocorrem de forma abrupta e não são

reversíveis. Mas, como apontaram Arrow et

al. (1995), as mudanças bruscas podem ser

antecipadas se os efeitos dinâmicos das trans-

formações forem considerados e se medidas

adequadas de proteção das paisagens forem

tomadas. A compreensão do comportamen-

to de sistemas sociais e ecológicos e de como

esses respondem a transformações e perturba-

ções é fundamental para a construção de es-

tratégias adequadas de gestão e manutenção

da resiliência, da capacidade regenerativa e do

desenvolvimento sustentável em bacias hidro-

gráficas urbanas. Em outras palavras, as fases

de avaliação e monitoramento são etapas fun-

damentais para a compreensão das condições

ambientais e socioculturais e dos limites de re-

siliência das paisagens.

O planejamento para a sustentabilidade,

como argumentado por Forman (1995), re-

quer o reconhecimento da estrutura, da fun-

ção, da dinâmica e do comportamento tran-

sitório dos sistemas paisagísticos, bem como

da interação entre as atividades humanas e a

resiliência das paisagens, como fatores inter-

dependentes. Mais recentemente, a interação

entre a resiliência e a sustentabilidade das

paisagens tem sido sublinhada por diversos

autores (Holling, 2001; Leitão e Ahern, 2002;

Folke, 2006; Ahern, 2010 e 2011; Ehrlich et

al., 2012, entre outros). Resiliência, segundo

esses autores, é a capacidade de um sistema

para absorver impactos e adaptar-se diante

das transformações, e a capacidade de recupe-

rar-se ou reorganizar-se a fim de manter sua

estrutura, função e identidade. Em relação

a sistemas paisagísticos, a resiliência alude a

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Ocupação de encostas urbanas

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dinâmicas não lineares e se baseia na inter-

-relação entre sistemas sociais e ambientais

(Folke, 2006; Ehrlich et al., 2012). Para Arrow

et al. (1995), Holling (2001), Folke (2006) e

Wang (2012), um aspecto fundamental na

avaliação da resiliência é a compreensão das

condições e funções dos sistemas de paisagem

e de seus desempenhos, limites e dinâmicas. A

diversidade e a heterogeneidade dos sistemas

paisagísticos urbanos, tanto espacial quanto

sociocultural, são, de acordo com Pickett et

al. (2004), Colding (2007) and Saavedra et al.

(2012), elementos que contribuem diretamen-

te para garantir e fortalecer a resiliência desses

sistemas. Desse modo, tanto o planejamento

como a gestão em busca de cidades resilientes

e sustentáveis devem integrar processos e fun-

ções ecológicos, culturais e socioeconômicos.

A dimensão espacial urbana da susten-

tabilidade requer a compreensão dos proces-

sos e as relações entre os ecossistemas (ou

sistemas naturais) e os sistemas socioculturais

em diferentes escalas ao longo do tempo. Re-

conhecer a importância da configuração, da

transformação e da interação transescalar da

paisagem é fundamental para o planejamento

da sustentabilidade das paisagens. Como será

demonstrado neste trabalho, as etapas de aná-

lise, avaliação e monitoramento da paisagem

são etapas-chave e devem ser executadas em

diferentes escalas, usando métricas em termos

comparativos, de modo a fornecer uma com-

preensão sólida sobre os padrões, processos

e relações de perturbação e de resiliência. O

cruzamento de investigações biofísicas, paisa-

gísticas e socioculturais levado a cabo nesta

pesquisa revela os efeitos dos padrões atuais

e processos em curso de desenvolvimento ur-

bano e indica interdependências, interações e

dissociações entre o ambiente natural e o am-

biente construído.

A metodologia aplicada e desenvolvida

nesta pesquisa (Schlee, 2011) fundamentou-

-se em contribuições da ecologia da paisa-

gem e da morfologia urbana (Mcharg, 1969;

Forman, 1986 e 1995; Turner, 1989; Turner

e Gardner, 2001; Weins, 2005; Kostof, 1991;

Lamas, 1992; Panerai et al., 1999; Geoheco,

2000; Tangari, 1999; Afonso, 1999) e se de-

senvolveu em três escalas complementares de

análise do suporte geobiofisico e do suporte

construído, a partir de uma leitura sistêmica e

matricial. Dessa forma, as estratégias metodo-

lógicas se estruturaram em três níveis sob três

eixos de análise: 1) morfologia da paisagem;

2) processos e agentes de formação e trans-

formação; 3) legislação.

O primeiro nível de análise correspondeu

à contextualização do Rio de Janeiro, em rela-

ção à região onde se localiza, em comparação

a outras quatro cidades brasileiras − Florianó-

polis, Vitória, São Paulo e Belo Horizonte, à

luz dos aspectos geobiofísicos, paisagísticos,

de regulação da ocupação e de proteção das

encostas. O segundo nível, à caracterização

da ocupação nos maciços e morros isolados

no contexto intraurbano do Rio de Janeiro.

O terceiro nível, à ocupação das encostas no

Maciço da Tijuca, com foco em três áreas de

maior detalhamento, localizadas em áreas su-

jeitas a intensa pressão urbana decorrente da

progressiva valorização imobiliária em bacias

hidrográficas localizadas respectivamente em

suas vertentes sul, leste e oeste. As sínteses fo-

ram geradas pelas conexões entre os quadros

e matrizes de análise e o mapeamento reali-

zado em aplicativo de sistema de informações

geográficas (GIS).

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Mônica Bahia Schlee

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Este artigo enfatiza a correlação entre

os padrões de ocupação, a dinâmica das trans-

formações e a vulnerabilidade da paisagem

nas encostas urbanas brasileiras à luz das re-

centes discussões sobre sustentabilidade e

resiliência das paisagens. O encaminhamento

das propostas esboçadas, com vistas à rever-

são dos processos e padrões aqui descritos, e

os resultados integrais das análises realizadas

nas cidades estudadas, relativas à morfologia

da paisagem e sua interface com a legislação,

assim como das análises realizadas nas bacias

hidrográficas e recortes espaciais no Rio de

Janeiro, quanto às condições geomorfológicas

de encosta, das bacias hidrográficas; do uso

e cobertura do solo; da situação e regulação

fundiária e edilícia; das condições de parcela-

mento; implantação; altura das edificações e

tipos construtivos serão discutidos em detalhe

em outras publicações.

Figura 1 – Cidades brasileiras analisadas

Fonte: Schlee (2011).

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Ocupação de encostas urbanas

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A paisagem das encostas urbanas do

Rio de Janeiro e seus corpos d’água qualifi-

cam-se como sistemas socioecológicos com-

plexos (Holling, 2001; Wang et al., 2012).

Questões relacionadas à resiliência em áreas

montanhosas urbanas e periurbanas envolvem

múltiplas variáveis. Daí a importância de fun-

dir as contribuições da ecologia da paisagem

e da morfologia urbana. Para esclarecer as

relações entre esses sistemas, através das len-

tes da morfologia da paisagem, é necessário

investigar e avaliar diversos parâmetros, entre

os quais as condições geomorfológicas de en-

costa, da bacia hidrográfica; uso e cobertura

do solo; situação e regulação fundiária e edilí-

cia; condições de parcelamento; implantação;

altura das edificações; tipos construtivos e es-

paços livres.

Figura 2 – Perfi l montanhoso da região Sudeste do Brasil mostra a gradação de altura dos três conjuntos montanhosos que caracterizam o relevo desta região

Serra da Mantiqueira Maciços CosteirosSerra do Mar

Fonte: Schlee (2011), a partir do aplicativo Google Earth, acesso em 25/5/2011.

Figura 3 – Recortes espaciais e bacias hidrográfi cas analisadas no Rio de Janeiro

Fonte: Schlee (2011).

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Padrões da paisagem de encostas em algumas cidades brasileiras

O processo de apropriação e ocupação das en-

costas no Brasil, inicialmente atrelado à função

utilitarista, a serviço da exploração ou do uso

produtivo dos recursos naturais, ancora-se no

desenvolvimento da política, da gestão e do

estabelecimento da estrutura fundiária urba-

nas levadas a cabo desde o período colonial. As

montanhas, serras e morros desempenharam

funções diversas nos processos de urbaniza-

ção das cidades brasileiras ao longo do tempo:

defesa e controle do território, abastecimento

de água, lenha e carvão, atividades agrícolas e

pecuárias, exploração mineral e alternativa de

moradia como forma de evitar as áreas alagá-

veis foram algumas delas.

A ocupação das encostas nas cidades li-

torâneas e nas cidades localizadas no interior

do Brasil nas regiões Sudeste e Sul apresenta

características diversas. A ocupação ao longo

dos maciços e serras não é contínua nem apre-

senta um padrão único de segregação socioes-

pacial por região. Núcleos de ocupação formal

e informal apresentam relação de contiguidade

espacial, que varia em função do nível de va-

lorização do solo nas encostas das respectivas

cidades, e entremeiam-se à vegetação arbórea

remanescente. De modo geral, a densidade em

ambas as formas de ocupação rarefaz-se à me-

dida que a topografia se torna mais acentuada.

A lógica da regulação da paisagem mon-

tanhosa no Rio de Janeiro e na maior parte

das cidades analisadas seguiu o princípio da

polarização social e da segregação espacial,

derivadas da estrutura social e econômica da

sociedade brasileira. A permanência de favelas

nas áreas valorizadas do Rio de Janeiro e das

demais cidades e suas relações de complemen-

taridade e de interdependência com o tecido

urbano formal fazem parte desta lógica. Em

relação ao padrão atual de estratificação so-

cial, três cidades se distinguem pela forte po-

larização social entre ricos e pobres nas encos-

tas: Rio (onde o fenômeno é mais expressivo),

Belo Horizonte e São Paulo. São Paulo e Belo

Horizonte apresentam padrão de urbanização

médio-alto a alto e ocorrência de favelas e lo-

teamentos irregulares. Em Belo Horizonte, con-

vivem nas encostas um bairro de alto padrão e

favelas conurbadas, formando um contínuo ex-

tenso. Em Florianópolis, encontram-se estratos

sociais alto, médio e baixo. Nessa última cida-

de, o padrão difere-se das demais pela dispo-

sição linear da ocupação, perpendicularmente

às curvas de nível, pela presença de edifícios

verticalizados nos morros isolados ao longo da

costa e pela localização predominante das fa-

velas na base das encostas.

Nas cidades litorâneas, os fundos de

vale e as principais linhas de drenagem na-

tural (rios, riachos e córregos) atuaram como

indutores da ocupação, ao longo dos quais

se estabeleceram os primeiros eixos de pene-

tração e a ligação entre diferentes áreas das

cidades. Nas cidades localizadas no interior,

onde a amplitude do relevo não é significati-

va, esses eixos tendem a instalar-se sobre os

divisores e linhas de cumea da, espraiando-

-se posteriormente em direção à jusante. Nas

regiões Sudeste e Sul do Brasil, os percursos

de cumeada foram os precursores nas cida-

des situadas no interior (Belo Horizonte e São

Paulo), onde o relevo montanhoso dominante

apresenta declividades mais baixas; enquanto

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Ocupação de encostas urbanas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 247

nas cidades litorâneas (Rio de Janeiro, Floria-

nópolis e Vitória), onde as vertentes são mais

íngremes e as declividades são mais expres-

sivas, os percursos ao longo dos talvegues

e fundos de vale foram os pioneiros e ainda

predominam. Essa predominância decorre do

fato de que a ocupação nas cidades litorâneas

analisadas, ainda que possa ter se iniciado em

elevações e promontórios, se espraiou inicial-

mente ao longo da costa, onde se situavam

as funções comerciais e portuárias, seguin-

do posteriormente em direção ao montante

dos maciços e serras pelos fundos de vale e

talvegues, guiados pela presença da água e

pela maior facilidade de acesso e locomoção.

Sendo assim, nas cidades litorâneas a ocupa-

ção urbana nas encostas tendeu a se iniciar a

partir dos fundos de vale, ao passo que nas

cidades localizadas no interior houve uma ten-

dência de ocupação a partir dos divisores. O

padrão descrito não se configura como regra

geral, aplicável indistintamente a todas as ci-

dades brasileiras, apesar de ser útil na análise

do processo de ocupação das cinco cidades

mencionadas acima. Em Salvador e Maceió,

por exemplo, cidades localizadas na região

nordeste do Brasil, a ocupação espraiou-se

em suas partes altas, inicialmente ao longo

dos percursos de cumeada, em detrimento dos

vales e grotões, ocupa dos só posteriormente.

Figura 4 – Exemplos de padrões de ocupação nas cidades analisadas(Rio de Janeiro, Florianópolis, Belo Horizonte e São Paulo)

Fotos: Acervo QUAPA-SEL/SP (2008).

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Impactos dos padrões de ocupação urbana na vulnerabilidade das encostas

A influência do componente geológico ou na-

tural na vulnerabilidade das encostas a desli-

zamentos varia muito, embora seja consenso

que as intervenções antrópicas, por meio da

supressão da cobertura vegetal, cortes e ater-

ros, despejo de lixo e alteração das linhas de

drenagem natural potencializam a instabilida-

de, fazendo com que, nas áreas ocupadas, a

suscetibilidade a esses processos se transfor-

me em risco potencial com ocorrência de víti-

mas fatais.

Como demonstram os estudos do La-

boratório GEOHECO-UFRJ (GEOHECO-UFRJ/

SMAC-RJ, 2000), as políticas de proteção am-

biental implementadas a partir de meados da

década de 1980 ainda não foram suficientes

para ajustar as difíceis relações entre a cidade

e a Floresta Atlântica nas encostas dos maci-

ços cariocas, em especial do Maciço da Tiju-

ca. Ainda não existem medidas e dispositivos

adequados na legislação para mitigação ou

solução dos recorrentes problemas ambientais

causados pela associação entre a ocorrência

de deslizamentos e a supressão da vegetação

nativa ou a execução de cortes, aterros, esca-

vações e fugas d’água (vazamentos nas redes

de abastecimento e drenagem) para implan-

tação de estradas e edificações, demonstrada

por Amaral (1996) e Coelho Netto (2005 e

2007), por exemplo.

Além da supressão da vegetação, os

vazamentos constantes nas redes de abas-

tecimento que atravessam as encostas e as

falhas na execução das redes de drenagem

implantadas pelo poder público, bem como a

proliferação de redes informais de abasteci-

mento de água implantadas pelas associações

de moradores das favelas ou pelos próprios

moradores, compostas por um emaranhado

de mangueiras de plástico com vazamentos

permanentes, ou ainda o despejo direto de

efluentes sanitários nas encostas, ocasionam a

infiltração direcionada de fluxos subterrâneos,

gerando a concentração pontual e a saturação

do solo, contribuindo para a desestabilização

das encostas. Do mesmo modo, os cortes e

aterros indiscriminados; o despejo de lixo e

entulho, que armazenam grande quantidade

de água nos eventos de chuva, com o aumen-

to de carga sobre as encostas; e a supressão

da vegetação arbórea ou sua substituição por

bananeiras e gramíneas, potencializam a insta-

bilidade e a ocorrência dos deslizamentos.

Os parâmetros fixados pela legislação

das cidades analisadas (seja para os loteamen-

tos destinados a estratos sociais altos ou bai-

xos da população) são insuficientes para lidar e

responder à complexa geomorfologia das áreas

montanhosas onde essas se implantaram. Nas

legislações dos municípios estudados, o parâ-

metro declividade das encostas vem substituin-

do o parâmetro cota altimétrica na limitação

ou restrição de parcelamentos. Entretanto, a

simples substituição de um parâmetro pelo

outro implica a necessidade de avaliações ca-

so a caso. De modo geral, observa-se que, em

sua maioria, as normativas tendem a replicar

parâmetros estabelecidos em outras cidades

ou instituídos nas normativas federais (Lei

4771/1965, Lei 6766/1979 e Resoluções Co-

nama 302/2002 e 303/2002), restringindo-se a

indicar a necessidade da avaliação dos órgãos

responsáveis pela estabilização das encostas.

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Ocupação de encostas urbanas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 249

Figura 5 – Os impactos do desenvolvimento urbanonas encostas do Rio de Janeiro e de Vitoria e as cicatrizes deixadas

pela exploração mineral nas encostas próximas a Belo Horizonte e Florianópolis

Fotos: Acervo QUAPA-SEL/SP (2008).

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Mônica Bahia Schlee

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013250

Dinâmica da paisagem: as ligações entre a confi guração da paisagem atual, as confi gurações pretéritas e seus processos de origem

Os imbricados processos de formação e trans-

formação da paisagem das encostas do Rio de

Janeiro foram guiados por fatores e agentes

aparentemente antagônicos que atuaram, ao

longo do tempo, como elementos-chave da

estrutura urbana: o suporte geo-biofísico; os

padrões de habitação impostos pelas classes

abastadas; o modelo econômico e o mercado,

em sentido amplo, englobando o mercado de

terras, os mercados imobiliário e da construção

civil e o mercado de trabalho em geral; o patri-

mônio de terras da Igreja Católica; os conflitos

entre a legislação urbanística e ambiental e a

falta de uma política habitacional. As relações

de interdependência entre os agentes envolvi-

dos e o poder político, condicionadas pela dis-

tribuição espacial não equilibrada do mercado

de trabalho e de terras e pela limitada e ten-

denciosa mobilidade intraurbana, perpetuada

pela inexistência de uma rede de transportes

públicos de massa, moldaram a morfologia das

encostas urbanas brasileiras.

Villaça (1998) destacou a tendência à

organização hierárquica do espaço urbano

brasileiro, chamando a atenção para as formas

peculiares de configuração da segregação es-

pacial intraurbana brasileira, cuja composição

não impede a presença nem a proliferação de

outras classes no mesmo espaço. Conforme de-

monstrado pelo autor, entre outros, a estrutura

de dominação social e de segregação espacial

recorrente nas cidades brasileiras foi forjada

pelo mercado em sentido amplo (fundiário,

imobiliário e de trabalho). Nesse sentido, como

afirmam Maricato (2001) e Abramo (2003), a

estrutura montada no contexto brasileiro con-

tou com as invasões (espontâneas ou organi-

zadas) como alternativa de provisão de acesso

a terra urbana. Segundo Maricato (2003), a to-

lerância para com a ocupação não legalizada

do solo é coerente com a lógica do mercado

fundiá rio capitalista, restrito, especulativo e

discriminatório e com a concentração de in-

vestimentos públicos nas áreas valorizadas.

Por outro lado, segundo Villaça, as invasões

são uma forma de os estratos sociais mais bai-

xos da população participarem das vantagens

usufruídas pelas classes abastadas nas áreas

segregadas (Villaça, 1998).

No Rio de Janeiro, o surgimento dos

primeiros núcleos de assentamentos formais

e informais foi simultâneo e gerou relações

socioespaciais interdependentes. Os primei-

ros núcleos urbanos nas encostas tiveram sua

origem com o declínio da agricultura e com a

abertura de estradas e ruas nas encostas. Os

processos que originaram as favelas guardam

estreita relação com os processos que gera-

ram a ocupação formal nas encostas do Rio

de Janeiro. Seu surgimento vinculou-se a uma

variada gama de situações, atreladas ao pro-

cesso de formação e transformação do mer-

cado imobiliá rio; a realização de obras públi-

cas; a implantação e localização da atividade

industrial; a autorização de permanência no

local mediante cobrança de taxas ou aluguéis

pelos proprietários originais; a autorização de

permanência por instituições privadas, religio-

sas ou públicas, como as forças armadas; as

invasões organizadas por políticos; a doação

de áreas à igreja por proprietários fundiários

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Ocupação de encostas urbanas

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 251

interessados em manter estoques de mão de

obra sob a tutela da igreja nas proximidades

de suas propriedades ou a implantação de

loteamentos que não tiveram o processo de

legalização concluído, conforme foi apontado

por Marx (1991), Abreu (1994 e 2001) e Silva

(2005a e 2005b), e indicado na presente pes-

quisa. Os primeiros núcleos das favelas estuda-

das nas encostas do Cosme Velho e da Gávea,

por exemplo, foram aparentemente autoriza-

dos pelos antigos proprietários das fazendas

e chácaras, ou pela Igreja Católica (Bohadana,

1983; Marx, 1991; Abreu, 1994; Dantas e Sen-

ra, 1994; Abreu, 2001).

Esta pesquisa, embasada em trabalhos

anteriores (Bohadana, 1983; Abreu, 1994;

Abreu, 2001; Silva, 2005a e 2005b), entre

outros), mostrou que a maioria das terras

ocupadas pelas favelas situadas nas encostas

analisadas no Rio de Janeiro ocupou áreas

originalmente de domínio privado. Um dispo-

sitivo recorrente durante o início do processo

de parcelamento do solo nas encostas foi a

alocação de áreas destinadas a reservas flores-

tais sem registro no cadastro municipal como

propriedade pública. Essas terras, que, dessa

forma, servem essencialmente como estoque

de terras de propriedade privada, permanecem

à espera de ser exploradas para uso privado,

constituindo-se como fator de pressão para

mudanças na legislação, principalmente no Rio

de Janeiro, onde parte das florestas de encos-

tas é protegida exclusivamente pela legislação

urbanística. No entanto, quando essas áreas

são invadidas por favelas, seus proprietários

se apressam em abandonar suas terras (já com

ocupantes), doando-as ou permutando-as com

o setor público.

As razões que levaram as favelas a surgir,

se expandir e proliferar na paisagem urbana do

Rio de Janeiro são variadas e convergentes, em

função das conjunturas políticas e econômicas.

Como é possível perceber a partir das contri-

buições de Valladares (1978 e 2005), Bohadana

(1983), Abreu (1994 e 2001), Bonduki (1998),

Vaz (2002), Silva (2005a e 2005b) e Leitão

(2009), as relações entre a população favelada

e o poder público se estabeleceram de forma

cíclica, com aproximações (tolerância, aceita-

ção e relativo acolhimento das reivindicações

dos favelados) nos períodos políticos mais

progressistas ou populistas, e afastamentos

(preconceito, indiferença, omissão, negação,

marginalização e confronto), de forma geral.

Sua expansão e proliferação foram frutos da

indiferença conivente manifestada pelos pode-

res públicos e pela sociedade com a dificuldade

em arranjar um lugar para os mais pobres na

cidade e mesmo com a aceitação tácita desse

passivo ambiental e social urbano, pela cren-

ça de que seria uma situação provisória, a ser

resolvida naturalmente pelo mercado ou que

caberia ao Estado resolver.

À medida que o tempo passava e a situa-

ção se agravava, razões políticas vincula das

aos interesses de diferentes setores da socieda-

de (a política da bica d’água, os currais eleito-

rais, o ônus político de medidas impopulares, a

falta de vontade política, desarticulação entre

as esferas de poder e escassez de recursos para

planejar a produção habitacional de interesse

social em âmbito nacional e municipal) e ra-

zões econômicas (as sucessivas crises, o tra-

tamento da questão habitacional sob a ótica

econômica e o surgimento de mercados alter-

nativos aos oficiais) foram agregadas.

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O potencial dos espaços livres na estruturação de zonas de amortecimento

Como argumentado por Ehrlich et al. (2012), a

capacidade de suporte, apesar de um conceito

fundamental para caracterizar e a dinâmica da

resiliência das paisagens, ainda é muito difícil

de mensurar. O processo gradual de fragmenta-

ção progressivo das manchas residuais de flo-

restas em torno do Parque Nacional da Tijuca

causa impactos diversos, contribuindo inclusive

para o declínio da qualidade da água dos rios

que nascem em seu território, conforme de-

monstrou Schlee (2002).

O sistema de espaços livres nas encostas

do Rio de Janeiro é amplo e complexo. Especial-

mente no Maciço da Tijuca, como identificado

na presente pesquisa, existem reservas flores-

tais públicas e privadas ainda não incorporadas

ao Parque Nacional da Tijuca; espaços livres

que ainda mantêm uma cobertura vegetal den-

sa nos fundos dos lotes privados; espaços livres

associados ao uso institucional e espaços livres

em torno das favelas que desempenham um

papel importante para manter a qualidade am-

biental nos recortes espaciais analisados e para

fortalecer a capacidade de suporte e adaptação

das encostas à ocupação urbana; e, portanto,

merecem atenção especial.

Embora transitórios, os lotes vazios nos

loteamentos formais e condomínios fechados

representam um estoque significativo de terras,

que, com manejo adequado, também pode con-

tribuir para estruturar a zona de amortecimen-

to entre a floresta e o tecido urbano. Conforme

demonstra a Figura 6, esses espaços formam

corredores lineares de vegetação arbórea, que

aumentam a conectividade ecológica com a

área protegida pelo Parque Nacional da Tijuca,

e podem servir para estruturar a zona de amor-

tecimento do parque na interface floresta-cida-

de. Além disso, espaços livres podem funcionar

como elo entre os tecidos segregados.

O cruzamento de parâmetros biofísicos,

ecológicos e urbanísticos avaliados nesta pes-

quisa, revelou os efeitos dos padrões atuais

e processos de desenvolvimento urbano em

curso, identificou interações entre o ambiente

natural e o ambiente construído nas encostas

das cidades brasileiras e apontou algumas cau-

sas da fragmentação ecológica nas fronteiras

das áreas protegidas localizadas em encostas

urbanas. As análises realizadas nas bacias

hidrográficas estudadas no Rio de Janeiro e

a correlação com as outras quatro cidades

brasileiras ajudaram a esclarecer processos

de formação e transformação da paisagem e

a refutar certos dogmas relativos à ocupação

das encostas urbanas no Brasil. O processo de

transformação da paisagem e de sua gestão

descreve ciclos que se entrelaçam no tempo e

relações que condicionaram – e continuam a

influenciar – as atuais condições ambientais

locais e a sustentabilidade da paisagem das

encostas. Neste artigo, destacamos alguns

fatores-chave que ajudam a explicar o pro-

cesso de transformação da paisagem nas en-

costas urbanas no Rio de Janeiro, a partir de

sua urbanização, e podem contribuir para ca-

racterizar a natureza dos desafios relativos à

resiliência da paisagem de encostas e embasar

futuros esforços de regeneração:

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Ocupação de encostas urbanas

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Figura 6 – Espaços livres de domínio privado delineiamuma envoltória em torno dos núcleos de ocupação.

Reservas fl orestais, fundos de lotes e terrenos não ocupadoscontribuem para formar corredores de cobertura vegetal arbóreana interface com a área protegida pelo Parque Nacional da Tijuca

Fonte: Schlee (2011) sobre base cadastral 1:2.000 e ortofotos (2009), PCRJ/IPP/Armazém de Dados, PCRJ/SMU/CGT e levantamentos de campo.

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Fotos: Schlee (2008 e 2010).

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Ocupação de encostas urbanas

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1) Estrutura e função da paisagem: a

ocupação de encostas no Rio de Janeiro se ex-

pandiu pelos fundos de vale, ao longo das prin-

cipais linhas de drenagem natural, que atuam

como vetores de indução da ocupação urbana

e tendem a concentrar os processos de con-

solidação e crescimento vertical da ocupação.

Os fundos de vale são, como demonstraram os

eventos de chuva de grande intensidade ocor-

ridos em 2010 e 2011, áreas especialmente

suscetíveis a deslizamentos. Segundo Schaffer

et al. (2011), os deslizamentos ocorridos na Re-

gião Serrana do Estado do Rio de Janeiro em

2011, por exemplo, foram fortemente potencia-

lizados pela ocupação antrópica. Tanto nas re-

giões urbanas, quanto nas rurais, as áreas mais

severamente atingidas pelos efeitos das chuvas

foram: a) margens de rios, córregos e nascen-

tes, definidas pelo Código Florestal como Áreas

de Preservação Permanente – APPs; b) domí-

nios montanhosos com declividade acima de

25º; c) áreas na base dos morros, montanhas

ou serras; d) áreas localizadas nos fundos de

vale, em especial junto a curvas, obstruções e

desvios dos cursos d’água.

2) Relação entre padrões e processos:

assentamentos formais e informais nas bacias

hidrográficas estudadas apresentam uma re-

lação de contiguidade, ligados pelo rio, pelas

estradas sinuosas que os conectam e pela in-

terdependência nas relações sociais, induzidas

pelo modelo econômico e pelos mercados fun-

diário, imobiliário e de trabalho. A estratégia

concebida pelo poder público para minimizar

os conflitos gerados pela polarização social

que caracteriza a ocupação das encostas da ci-

dade do Rio de Janeiro ainda está centrada na

flexibilização dos limites legais e na liberação

das restrições estabelecidas na legislação.

3) A propriedade da terra e ilegalidade:

atualmente a maioria da terra urbana locali-

zada nas encostas do Rio de Janeiro está nas

mãos de poucos proprietários, constituindo la-

tifúndios urbanos dispersos na paisagem. Algu-

mas dessas grandes glebas não estão sequer

registradas no cadastro municipal. Quanto ao

aspecto legal da propriedade, as favelas não

são totalmente ilegais. Parte dos assenta-

mentos foi coletivamente adquirida dos pro-

prietários anteriores, teve lotes legalizados

individual mente ao longo do tempo, ou per-

maneceu em uso das associações de morado-

res por permissão de instituições como a Igreja

Católica ou as forças armadas. A configuração

espacial, no entanto, é irregular, na medida

em que não segue o ordenamento, o zonea-

mento e códigos de construção e padrões de

desenvolvimento urbano estabelecidos para

outras áreas da cidade. Na verdade, só recen-

temente a administração municipal do Rio de

Janeiro definiu regulamentos para essas áreas,

os quais são comuns, de modo geral, a todas

as Áreas de Especial Interesse Social, como se

essas fossem homogêneas, e dizem respeito

a restrições quanto ao gabarito e à proibição

de usos e atividades como a armazenagem de

ferro velho, produtos inflamáveis e explosivos,

gás liquefeito de petróleo e armas e munições.

Por sua vez, os bairros de alta renda situados

nas encostas também não cumprem integral-

mente a legislação vigente. Conflitos entre

os limites das propriedades privadas e terras

públicas, acréscimos construtivos horizontal e

vertical, impermeabilidade excessiva da cober-

tura do solo e remoção de vegetação arbórea

existente também ocorrem nos bairros formais

e condomínios fechados localizados nas encos-

tas. Tanto as propriedades particulares quanto

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os assentamentos informais se sobrepõem

sobre áreas de florestas adjacentes, prote-

gidas pelas instâncias federal, estadual ou

municipal, formando uma colcha de retalhos

entrelaçados. O modelo social forjado no Rio

de Janeiro e as configurações espaciais dele

resultantes nas encostas do Maciço da Tiju-

ca foram baseados na antiga crença de que

as forças do mercado imobiliário que favore-

cem as classes média e alta teriam o poder de

remover e substituir as favelas. Este estudo

aponta uma realidade diferente.

4) Espaços livres: os espaços livres nas

encostas desempenham múltiplas funções. Eles

atuam como corredores de vegetação que pe-

netram e cruzam as áreas ocupadas, fazem a

conexão ecológica entre a floresta protegida

dentro dos limites do Parque Nacional da Tiju-

ca e os fragmentos florestais situados em suas

bordas e ajudam a manter a capacidade de su-

porte das áreas montanhosas. Esses espaços in-

cluem as reservas florestais, os fundos dos lotes

residenciais, os espaços florestados localizados

ao longo das bordas das favelas e os lotes va-

zios, entre outros. Todas as formas de espaços

livres localizadas nas encostas nas partes supe-

riores das bacias hidrográficas merecem espe-

cial atenção, salvaguarda e proteção, devido à

sua natureza heterogênea e multifuncional. No

entanto, a negligência, a privatização e a subs-

tituição gradual desses espaços livres pelos

espaços construídos ocorrem continuamente

tanto em assentamentos formais, quanto em

assentamentos informais.

5) Regulação: a legislação aplicada às

encostas gerou respostas espaciais diferencia-

das nas cidades analisadas, potencializadas

pelos investimentos municipais historicamente

orientados ao sabor dos interesses do mercado,

contribuindo para a valorização imobiliária em

certos casos e refletindo a preocupação com a

desvalorização em outros. Apesar dos avanços

obtidos, critérios, dispositivos e parâmetros

para sua proteção poderiam ser aplicados de

forma mais articulada e integrada. O caráter

diverso e plural das favelas, em termos de sua

configuração interna, de sua dinâmica socio-

espacial, de estratificação socioeconômica, de

tipologias e padrões construtivos, de situação e

uso da terra, ainda não foi compreendido nem

assimilado pelas políticas públicas. A perspec-

tiva descontextualizada da atuação do poder

público nas favelas e em suas franjas, desconsi-

derando a diversidade e a complementaridade

das relações entre as favelas e bairros formais

ao seu redor, mina o potencial das políticas

públicas para promover a sustentabilidade e

a inclusão social nas encostas urbanas do Rio

de Janeiro. Além disso, a tolerância em relação

à ilegalidade e as anistias periódicas para le-

galização de situações a rigor não legalizáveis,

somadas ao caráter discricionário atribuído aos

órgãos de licenciamento, comprometem os es-

forços de regulação e controle, evidenciando

o conflito de interesses entre a proteção das

encostas e a sistemática disposição do poder

público em viabilizar sua ocupação.

Fundamentada em trabalhos anteriores

(Ruhe, 1975; Avelar, 1996 e 2003; Avelar e

Lacerda, 1997; Geoheco, 2000; Coelho Netto

et al., 2007; Valeriano, 2008), a presente

pesquisa demonstra a necessidade de asso-

ciar altimetria (já aplicada pela legislação

de planejamento urbano no Rio de Janeiro),

declividade (já aplicada de forma genérica

pela legislação de planejamento urbano em

outras cidades brasileiras), forma da encos-

ta, e a configuração, distribuição e gestão de

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Ocupação de encostas urbanas

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espaços abertos e presença e qualidade da

vegetação nativa como parâmetros adicionais

fundamentais para promover a resiliência e

o planejamento sustentável da paisagem de

encostas. Como demonstrado por trabalhos

anteriores (Avelar, 1996 e 2003; Avelar e La-

cerda, 1997; Coelho Netto et al., 2007), esta

pesquisa sugere que não somente as áreas de

encostas mais íngremes estão sujeitas a des-

lizamentos de terra. Assim, é imperativo es-

tabelecer a bacia hidrográfica como unidade

de planejamento urbano com a finalidade de

formulação de um zoneamento integrado e,

no caso do Rio de Janeiro, reformular parâme-

tros pré-estabelecidos indiscriminadamente,

restringindo e monitorando cortes e aterros

em áreas a partir de 15° (aproximadamente

25%) de inclinação e evitando a ocupação

entre 15° e 25° (aproximadamente entre 25%

e 35%) em áreas côncavo-convergentes e aci-

ma de 35° (aproximadamente 70%) em áreas

convexas/divergentes.

Figura 7 – Além da altimetria, a declividade, a forma da encosta,a extensão da encosta, o tamanho da área de contribuição e as características

da sub-bacia e da cobertura vegetal também devem ser consideradosna defi nição de áreas de restrição à ocupação

Fonte: Schlee (2011), sobre base cadastral 1:2.000 e ortofotos (2009), PCRJ/IPP/Armazém de Dados.

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Conclusões

Os métodos desenvolvidos e os resultados obti-

dos na presente pesquisa contribuem para uma

compreensão dos processos que produziram e

moldaram a paisagem montanhosa do Rio de

Janeiro ao longo do tempo. A análise desses

processos é fundamental para a formulação

de estratégias e instrumentos para a efetiva

proteção e garantia de sustentabilidade das

encostas urbanas, corredores ripários e cor-

pos d’águas, tanto no Rio de Janeiro quanto

em outras cidades montanhosas brasileiras.

Os processos de transformação da paisagem,

o quadro de polarização social e segregação

espacial, a regulação e a fiscalização inade-

quadas para controlar a ocupação urbana e os

padrões espaciais fragmentados têm contribuí-

do para gerar os conflitos socioambientais que

caracterizam as encostas do Rio de Janeiro e

das outras cidades brasileiras analisadas.

Como argumentou Colding (2007), a

complementaridade entre diferentes usos do

solo e a existência, a conexão e a integração

de gestão entre diferentes tipos de espaços li-

vres, tanto os de domínio público quanto os de

domínio privado, podem contribuir fortemente

para garantir a resiliência e a conservação da

diversidade da paisagem em contextos urba-

nos. Esses são conceitos cruciais que devem

embasar políticas e programas para a efetiva

proteção das encostas urbanas brasileiras.

Um dos principais entraves à assimilação

e à prática da ocupação resiliente e sustentável

nas encostas brasileiras deve-se à perpetuação

do discurso dominante que ainda defende a le-

gitimidade da ocupação das encostas por um

único tipo de uso e pelos estratos sociais mais

altos da população, argumentando que esse ti-

po de ocupação é mais "sustentável" e teria o

poder de restringir e gradualmente eliminar a

ocupação informal. Como foi demonstrado por

este estudo (Schlee 2011), a realidade demons-

tra que esse não é o caso.

As formas oficiais e informais de ocupa-

ção sobre as encostas funcionam como exten-

são uma da outra. Quando considerados atra-

vés dos processos de estruturação, densidade,

tipos arquitetônicos, nível educacional, relação

com os espaços livres, com os mercados imobi-

liários e os mercados de trabalho, apresentam

sinais de complementaridade. Ambas as formas

de ocupação também apresentam similaridades

em termos das relações entre o espaço público

e o espaço privado. Em ambos os casos, há uma

separação bem marcada entre os espaços pú-

blicos ou coletivos (desvalorizados e negligen-

ciados) e os domínios privados (enfatizados,

fetichizados e priorizados), demarcados com

muros, cercas e grades nos bairros formais e

nas favelas, que se expressa pela superposição

do domínio privado sobre o domínio público.

A avaliação da morfologia da paisa-

gem e dos processos de transformação da

paisa gem das encostas do Rio de Janeiro in-

dicou que os espaços livres contribuem forte-

mente para a resiliência da floresta nas encos-

tas da cidade e para a estruturação da zona de

amortecimento na transição entre os espaços

urbanizados e o patrimônio natural ou cultu-

ral protegidos, uma vez que podem auxiliar na

absorção de impactos, na adaptação às trans-

formações e na interface entre a proteção do

sistema ecológico e a apropriação sociocultural

das encostas. Esta pesquisa empiricizou e dire-

cionou o foco do planejamento sustentável em

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Ocupação de encostas urbanas

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áreas montanhosas urbanas para seus espaços

livres, demonstrando a necessidade de asse-

gurar a heterogeneidade, multifuncionalidade,

flexibilidade, adaptabilidade e conectividade

entre os espaços livres de forma a contribuir

para garantir a capacidade de suporte e a sus-

tentabilidade das florestas e promover a rege-

neração do sistema paisagístico nas encostas

urbanas do Rio de Janeiro e demais cidades

brasileiras analisadas. Ao mesmo tempo, o ma-

nejo do uso da terra e os padrões de ocupa ção

podem e devem ser reorganizados para fortale-

cer e restaurar as funções ecológicas da floresta

através da gradação entre as áreas urbanizadas

e as áreas protegidas, da integração de fatores

ambientais, sociais, econômicos e culturais e da

implantação de transportes urbanos de massa

que integrem as cidades como um todo. Tam-

bém é fundamental enfrentar os obstáculos

institucionais, tais como falta de amplos, inclu-

sivos e bem-definidos direitos de propriedade.

O relatório Our Common Journey: A

Transition Toward Sustainability (National

Research Council Board on Sustainable

Development, 1999) e outros relatórios que o

seguiram têm enfatizado que o planejamento

sustentável requer a conciliação entre o

patrimônio ambiental e as demandas sociais

e econômicas. A diminuição das desigualdades

econômicas, sociais e espaciais é fundamental

para aumentar a capacidade de regeneração

econômica, paisagística e ambiental no Rio de

Janeiro e em outras cidades montanhosas no

Brasil. Esta pesquisa contribui para delinear as

bases de um urbanismo regenerador (Schlee

et al., 2012) que busca entrelaçar funções

e dinâmicas urbanas e hidro-ecológicas,

celebrando a interface encosta-floresta-

água-comunidade -cidade como uma rede de

regeneração, um contraponto essencial à forma

construída e uma fonte de suporte, convívio,

inspiração e inclusão para a vida nas cidades.

A abordagem metodológica e os resulta-

dos obtidos nesta pesquisa se alinham e empi-

ricizam algumas das teorias emergentes sobre

sustentabilidade e resiliência que se aplicam

à paisagem das cidades brasileiras. Revelam

também algumas das interações entre natureza

e cidade. A principal contribuição da presente

pesquisa documentada neste artigo centra-se

na investigação das interações entre os com-

ponentes ambientais e culturais da paisagem

em diversas escalas de análise, desde a esca-

la regional a escala do lote urbano. Métodos

integrados e complementares de análise dos

processos de ocupação e de transformação

da paisagem nas encostas do Rio de Janeiro

foram aplicados, desenvolvidos e contextuali-

zados em relação aos processos ocorridos em

outras cidades brasileiras situadas nas regiões

Sudeste e Sul do país e aos processos intraur-

banos ocorridos em diferentes áreas da cidade.

A compreensão do comportamento de sistemas

sociais e ecológicos e de como esses respon-

dem a transformações e impactos é fundamen-

tal para a construção de estratégias adequadas

de gestão e promoção da resiliência, da capa-

cidade regenerativa e do desenvolvimento sus-

tentável em bacias hidrográficas urbanas. Ao

fornecer um quadro abrangente dos vários fa-

tores que influenciam a capacidade de suporte

e de resiliência das encostas como um sistema

integrado de paisagem urbana, este trabalho

sublinha as potencialidades dos espaços livres

na estruturação e no desenvolvimento da capa-

cidade de adaptação, conexão, amortecimento

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Mônica Bahia Schlee

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dos impactos, e, consequentemente, da busca

por cidades resilientes, social e ambientalmen-

te mais justas e acolhedoras.

Processos de investigação transdiscipli-

nar, que apliquem metodologias de campos

disciplinares afins como a morfologia urbana

e a ecologia da paisagem em ambientes tro-

picais de encostas urbanas ainda são poucos.

Resiliência significa capacidade de absorção de

impactos, conexão, adaptação a mudanças e

regeneração. Os espaços livres são os lugares-

-chave onde essas interações se manifestam e

se potencializam. A abordagem multifacetada

aplicada neste estudo pode auxiliar o plane-

jamento, a proteção e a gestão da paisagem,

com vistas ao fortalecimento de sua diversida-

de, resiliência e sustentabilidade.

Nas encostas urbanas brasileiras, os

espaços livres são fundamentais para for-

talecer a proteção das florestas urbanas e

estruturar zonas de amortecimento, tanto

no Rio de Janeiro, quanto nas demais cida-

des estudadas. Ressaltamos que os métodos

aplicados e desenvolvidos nesta pesquisa se

fundem em uma metodologia integrada que

pode vir a ser empregada para embasar o

planejamento sustentável e a regeneração

da paisagem montanhosa em contextos ur-

banos e auxiliar voluntários das comunida-

des, planejadores e tomadores de decisão a

promover ações de regeneração que rever-

tam eventos de perturbação e incentivem

transformações que conduzam à sustentabi-

lidade da paisagem.

Mônica Bahia SchleeArquiteta-paisagista e urbanista, trabalha na Coordenadoria de Macro Planejamento, Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – CMP/SMU/PCRJ. Doutora em Arquitetura, Mestre em Arquitetura da Paisagem e Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas. Rio de Janeiro/RJ, [email protected]

AgradecimentosÀ Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Ins tuto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, Secretaria

Municipal de Urbanismo e Sub-Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural pelo apoio e pelo acesso às bases cadastrais, ortofotos e cadastro de loteamentos u lizados nesta pesquisa.

A Antonio Bernardo de Carvalho, Vera Regina Tangari, Ana Luisa Coelho Ne o, Kenneth Tamminga, Jonathas Magalhães Pereira da Silva, Maria Paula Albernaz, Silvio Soares Macedo, Sonia Afonso, Stael de Alvarenga Costa, Marieta Maciel, Eneida Mendonça, Aruane Garzedin, André Avelar, Henri Acselrad, Maria Rosália Guerreiro, Valdinam dos Santos, Raphael Urbano de Andrade, Ana Lúcia Costa Mendes, Marco Zambelli, Murilo Santos de Medeiros, Gustavo Peres Lopes, Alice Amaral dos Reis, Claudia Muricy, Daniel Mancebo, Antonio Barboza Correia, Carla Cabral, Fernando Cavallieri, Paula Serrano e aos revisores anônimos pelos comentários constru vos.

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Texto recebido em 31/ago/2012Texto aprovado em 3/dez/2012

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Confl itos ambientais urbanose processos de urbanização na Ressaca

Lagoa dos Índios em Macapá/AP

Urban environmental confl icts and urbanizationprocesses at Ressaca Lagoa dos Índios, Macapá/AP

Gloria Maria Vargas Cecília Maria Chaves Brito Bastos

ResumoO estudo aborda os confl itos ambientais resultan-

tes do processo de urbanização do território da

Ressaca Lagoa dos Índios em Macapá/Amapá,

ocorrido nas últimas décadas do século XX. O

objetivo é analisar e avaliar as formas de ocupa-

ção do território, considerando o histórico desse

processo; os agentes transformadores do espaço;

os impactos ambientais; e os confl itos desenca-

deados, a partir das diferentes visões e usos da-

dos ao território. Utilizou-se como metodologia:

pesquisa documental, observação participante na

área e conversas informais com os agentes políti-

cos institucionais, econômicos e sociais. Concluiu-

-se que na luta em torno do território da Lagoa,

cada grupo tenta impor sua visão de mundo

procuran do legitimar suas representações para

garantir a continuidade da sua forma de apropria-

ção dos recursos.

Palavras-chave: conflitos ambientais; urbaniza-

ção; território; Lagoa dos Índios; Ressaca.

AbstractThis paper approaches the environmental confl icts that have resulted from the urbanization process of the Lagoa dos Índios territory in the city of Macapá (Northern Brazil), which occurred during the last decades of the twentieth century. The purpose is to analyze and evaluate the forms of occupation of the territory, considering the history of that process, the agents that transform the space, the environmental impacts and the confl icts that stem from different views and uses of the territory. The methodology was: documentary survey, participant observation in the area and informal conversations with political-institutional, economic and social agents. We concluded that in the dispute for the territory of the Lagoa, all the groups involved try to impose their worldview in order to legitimate their representations and guarantee the continuity of their own way of resource appropriation.

Keywords: : environmental confl icts, urbanization, territory, Lagoa dos Índios, undertow.

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Introdução

A Lagoa dos Índios é uma das muitas áreas

úmidas do município de Macapá, denominada

Ressaca.1 É uma área marcada pelo crescente

e desordenado processo de crescimento urbano

do estado do Amapá, ocorrido, principalmente,

a partir das duas últimas décadas do século

XX. Situada na bacia do igarapé da Fortaleza,

a oeste do núcleo urbano de Macapá, próxima

à fronteira com o município de Santana, essa

área comporta uma comunidade que se con-

sidera remanescente de quilombo há mais de

dois séculos.

Há, no território da Ressaca Lagoa dos

Índios, o enfrentamento entre cultura tradicio-

nal e vetores da modernidade, o que tem impli-

cado danos tanto para o ambiente como para a

comunidade negra. Nesse território, o uso dos

recursos naturais mudou de sentido, deixou de

ser somente para a sobrevivência da comuni-

dade, para converter-se em bem de usufruto

econômico privado e construções de diversas

ordens, demarcando, cada vez mais, o processo

de invisibilidade expropriadora a que foi sub-

metida a comunidade negra, desde o século

XVIII (Bandeira, 1990).

A partir desse contexto, a pesquisa pro-

curou analisar e avaliar as formas de ocupação

do território, considerando o histórico desse

processo; os agentes transformadores do es-

paço; os impactos ambientais; e os conflitos

desencadeados, a partir das diferentes visões e

usos dados ao território.

A pesquisa foi desenvolvida entre os

anos de 2004 e 2006 e como procedimento

metodológico adotou três instrumentos: 1)

coleta de documentos em órgãos federais,

estaduais e municipais; 2) observação par-

ticipante realizada durante visitas à área; e

3) conversas informais com os agentes polí-

ticos institucionais, os agentes econômicos

locais e os agentes sociais.

Confl itos ambientais urbanos e território

O campo dos conflitos ambientais tem possi-

bilitado relacionar questões que envolvem o

urbano e seu ambiente. Essa possibilidade é

constituída à medida que a análise dos con-

flitos ambientais permite avaliar as diferentes

formas de uso, de apropriação e de significação

de um determinado território urbano e seus

recursos, considerando-se as práticas políticas,

socioeconômicas e culturais estabelecidas pelo

grupo social que ali reside.

Paul Little (2001) é um dos estudiosos

que aponta a abordagem dos “conflitos so-

cioambientais” como um importante campo

de estudo e de ação política. Segundo o autor,

esses conflitos são produzidos pelo embate en-

tre grupos sociais, em função de seus distintos

modos de inter-relacionamento ecológico, que

envolve o meio social e natural. Essa definição

focaliza o relacionamento dinâmico e interde-

pendente entre o mundo biofísico e o mundo

social e identifica as novas realidades socioam-

bientais que surgem da interação entre esses

dois mundos. Conforme Little, os conflitos re-

lacionados aos recursos naturais geralmente

são sobre as terras que contêm tais recursos

e, portanto, entre os grupos humanos que

reivindicam essas terras como seu território

de moradia e vivência. Por isso é interessante

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situar os conflitos sobre as terras a partir das

dimensões políticas, socioeconômicas e cultu-

rais (Little, 2001).

Henri Acselrad (2004) é outro autor

que avança na discussão sobre “conflitos

ambientais”, colocando-os como aqueles que

envolvem grupos sociais que têm modos dife-

renciados de apropriação, uso e significação

dos recursos naturais. Esses conflitos têm ori-

gem quando, pelo menos, um dos grupos tem

a continuidade das formas sociais de apro-

priação do meio, ameaçadas por impactos

indesejáveis – seja no solo, na água, no ar ou

nos sistemas vivos –, decorrentes do exercí-

cio das práticas de outros grupos que passam

a interagir no território. Acselrad afirma que

essas práticas são, antes de tudo, condicio-

nadas pelas formas sociais e culturais, ou se-

ja, pelas opções de sociedade e pelos modos

culturais prevalecentes.

Considerando os pressupostos dos au-

tores acima, o campo dos conflitos estrutura-

dos em torno da questão urbano-ambiental se

estabelece a partir da dinâmica intricada de

relações e disputas de poder que se traduzem

em ações diferenciadas pelo acesso e uso dos

recursos do meio urbano. Para Costa e Braga

(2004), as cidades convivem com diferentes ló-

gicas de apropriação e uso do espaço urbano,

configurando o modo como se organizam as

relações socioespaciais e as formas de apro-

priação do território e seus recursos.

A construção do território, nesse senti-

do, se faz no processo da interação contínua

entre uma sociedade em movimento e um es-

paço físico particular que se modifica perma-

nentemente de acordo com as condutas dos

grupos sociais. No processo de construção

do território, o ambiente modifica-se e, ao

mesmo tempo, é modificado. Conforme Little

(2001), o conceito de território surge, assim,

como um produto histórico de processos so-

ciais e políticos.

Na mesma direção, Haesbaert (2004)

considera que o território é produto da apro-

priação de um dado segmento do espaço, por

um dado segmento social, nele estabelecendo-

-se relações políticas de controle ou relações

afetivas identitárias e de pertencimento.

Dessa forma, pode-se dizer que o territó-

rio da Lagoa dos Índios é resultado de ações

acumuladas através do tempo, tornando-se o

produto de uma construção social que inclui

o regime de propriedade, os vínculos simbóli-

cos que se reproduzem no espaço apropriado

específico, a história da ocupação plasmada e

guardada na memória coletiva, os usos a ele

designados e as formas da sua defesa.

Considera-se, então, que a produção dos

conflitos ambientais urbanos na Ressaca La-

goa dos Índios diz respeito a um movimento

simultâneo das condições territoriais e ecoló-

gicas, estimulada pelos impulsos das relações

entre forças externas e internas à unidade

territorial, ecológica, histórica ou socialmente

determinada. Segundo Coelho (2005), é a par-

tir desse movimento que os conflitos gerados

por impactos ambientais constituem processos

de mudanças territoriais e ecológicas causa-

das por “perturbações” diversas no ambiente,

a exemplo das ações modernizantes como a

construção de um objeto novo, uma estrada ou

uma indústria no ambiente.

Diante dessa percepção, Acselrad (2004)

considera que os objetos que constituem o

“ambiente” não são redutíveis a meras quan-

tidades de matéria e energia, pois eles também

são culturais e históricos. Todos os objetos do

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ambiente, todas as práticas sociais e culturais

desenvolvidas nos territórios e todos os usos e

sentidos atribuídos ao meio interagem e conec-

tam-se material e socialmente.

Essa forma de compreender o conceito de

território demarca, cada vez mais, a íntima re-

lação entre a questão urbana e a questão am-

biental (Monte-Mor, 1997), pois não é possível

separar a sociedade de seu ambiente físico, já

que as duas dimensões constituem um mundo

material socializado e dotado de significados.

Nesse estudo os conceitos de conflitos

ambientais e território são essenciais para a

análise das práticas humanas no ambiente ur-

bano. Assim, de acordo com a abordagem con-

ceitual procedeu-se à identificação das princi-

pais mudanças no espaço urbano da área da

Ressaca Lagoa dos Índios, de maneira a verifi-

car as diferentes formas históricas de apropria-

ção, ocupação e organização social do territó-

rio estudado, conforme a seguir.

Processo de ocupação da Lagoa dos Índios

A Ressaca Lagoa dos Índios, segundo seus

moradores, inicialmente foi habitada por indí-

genas e em seguida pelos negros que ocupa-

ram a região após o término do projeto colo-

nial português, na segunda metade do século

XVIII. Contudo, é difícil saber como índios e

negros estabeleceram relações na Lagoa e que

processos “adaptativos” vivenciaram (Little,

2001). Consta na memória de seus habitantes

que, provavelmente, os negros que se instala-

ram na região são provenientes das relações

escravagistas, estabelecidas durante o projeto

de construção da Fortaleza São José de Maca-

pá, ou originários da vila de Mazagão edifica-

da no mesmo período.

O local onde os negros da Lagoa dos Ín-

dios se fixaram é conformado por rios, furos,

igarapés e lagos, constituintes da floresta tro-

pical de áreas úmidas e de terra firme, o que

lhes permitiu progressivamente constituir-se

como grupo relativamente isolado e protegido

dos interesses escravagistas no período co-

lonial. No recurso à fuga e à procura de uma

existência livre como estratégia de sobrevi-

vência, encontraram na bacia hidrográfica do

igarapé da Fortaleza condições favoráveis para

a realização de sua existência, o que explica,

possivelmente, a forma como os moradores fo-

ram construindo modos de vida e de trabalho

na região (Gomes, 1999).

No memorial descritivo da comunidade

existe uma carta, de 1802, que refere a partilha

das terras para a comunidade com o nome São

Pedro dos Bois. E que, a partir dessa partilha,

outras vilas se formavam com várias famílias

que vieram para a região da Lagoa. Porém, no

decorrer do século XX, essas vilas se separa-

ram, se desfizeram. De uma única partilha, que

era a posse São Pedro, surgiu a Lagoa de Fora,

o Coração, o Porto do Céu. Consta também no

memorial que em 1962 foi emitida, pela Divi-

são de Terras e Colonização, Carta de Adjudica-

ção2 em favor dos herdeiros Antonio Guardiano

da Silva, José Raimundo da Silva, Auta Maria

da Conceição, Raimundo Cândido da Silva e

Manoel Joaquim dos Santos, dando-lhes direito

à posse das terras.

Ao longo dos séculos XIX e XX, os mora-

dores se estabeleceram na região e iniciaram

um processo de intervenção no ambiente, con-

figurado pela construção de moradias e pelas

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atividades de pesca, pequenas plantações e

criação de gado. Por muitos anos, a forma de

vida e de trabalho caracterizado pelas ações

do grupo pouco pressionou os recursos natu-

rais da região. Assim, presentemente, percebe-

-se que, durante muito tempo, as alterações

provocadas pela presença dos moradores ne-

gros foram tímidas e quase não modificaram o

ambiente da Lagoa.

O território pertencente aos primeiros

habitantes negros era de difícil acesso e cons-

tituía uma área bastante grande que acompa-

nhava, praticamente, todo o entorno da Lagoa

dos Índios. Na época, a área explorada por eles

era de uso comunal, e as primeiras moradias

foram feitas às margens do igarapé da Fortale-

za, por ser ambiente propício para a agricultura

e aquisição de alimentação.

No presente, a expansão urbana, pro-

vocada pelo crescimento demográfico – que

se deu de forma horizontal – e pelas constru-

ções de novos empreendimentos no território,

desarticulou a forma de vida e as atividades

desenvolvidas pela comunidade. As novas di-

nâmicas ocorridas no território da Lagoa dos

Índios, corroboradas pelo processo de urbani-

zação da cidade de Macapá, levaram a comu-

nidade negra a viver uma situação de conflitos

e confrontos com novos agentes que vêm

transformando o território.

No decorrer das visitas à área, foi possí-

vel perceber a presença dos novos agentes no

espaço da Lagoa dos Índios, conforme abaixo:

1) Vila comunitária – local onde reside a

maioria dos membros da comunidade negra.

Nesse local há o Centro de Convivência, a Igre-

ja Católica Nossa Senhora do Carmo, a Escola

Estadual Lagoa dos Índios, as casas dos mora-

dores e alguns terrenos de particulares.

2) Casas de moradores e mansões ao longo

do ramal Lagoa dos Índios – local de acesso à

rodovia Duque de Caxias3 (atualmente rodovia

Duca Serra);

3) Conjuntos residenciais Cabralzinho, Buriti

e Cajari e empreendimentos comerciais;

4) Complexo penitenciário e órgãos de apoio

ao transporte – Serviço Social de Transporte

(SEST) e Serviço Nacional de Apoio ao Transpor-

te (SENAT);

5) Bairros Marabaixo I e II, III e IV; e

6) Grandes terrenos deixados por herança e

titulados pelo Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (Incra), tanto para pessoas

de fora do grupo como para moradores negros.

O acesso a esses terrenos se dá pelo chamado

Ramal do Goiabal e por ramais secundários.

Nesses terrenos existem pequenos igarapés que

deságuam no igarapé da Fortaleza.

As novas dinâmicas de ocupação do

território da Ressaca são evidenciadas pelas

ações de grupos privados e do poder público

que exercem pressão sobre o território da Res-

saca e, consequentemente, sobre a área da

comunidade negra.4

A seguir descrevem-se os agentes e

impactos ambientais que vêm sendo dese-

nhados na área da Lagoa e que se contra-

põem ao modo como a comunidade rema-

nescente de quilombo vinha convivendo com

aquele território.

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Impactos ambientais decorrentes do processo de urbanização e especulação imobiliária

A área Lagoa dos Índios – bem como as demais

Ressacas de Macapá e Santana – foi tombada

como patrimônio natural pela Lei n. 0455/1999.

Entretanto, essa Lei não foi suficientemente efi-

caz para combater às diversas agressões verifi-

cadas na Ressaca.

O território da comunidade quilombola

da Lagoa dos Índios se destaca por ser, ainda,

um local que abriga uma paisagem natural

relativamente exuberante dentro da cidade

de Macapá. Em função de sua preservação

e de sua localização, próxima ao centro da

cidade, a Ressaca representa, hoje, no mu-

nicípio, uma das áreas mais cobiçadas pela

especulação imobiliária com a presença de

empresas de prestação de serviços, bairros,

conjuntos residenciais e loteamentos instala-

dos recentemente, conforme caracterização

no item anterior.

As políticas traçadas pelos governos fe-

deral, estadual e municipal para a economia

amapaense, por meio de grandes projetos

agro-industriais – desde os anos 1950 – e a re-

cente implantação da Área de Livre Comércio

de Macapá e Santana (ALCMS) foram respon-

sáveis pela atração de um número elevado de

pessoas para a região que vieram em busca de

uma perspectiva econômica e social (Porto e

Costa, 1999). Isso contribuiu mais ainda para

o crescimento acelerado da cidade, principal-

mente durante as décadas de 1980 e 1990,

onde ruas foram abertas sem nenhum crité-

rio, empresas de diversas naturezas foram

erigidas nos mais diversos locais da cidade,

loteamentos foram criados e conjuntos habi-

tacionais foram construídos, sem os mínimos

critérios de uso e ocupação do solo.

É interessante observar que até 1980 a

comunidade negra não havia se preocupado

com o processo de especulação imobiliária tra-

zida pela acelerada urbanização da Lagoa nem

com a questão das demarcações de suas ter-

ras. Assim, até o final dos anos de 1990, os ob-

jetivos do Estatuto da Associação dos Morado-

res da Comunidade Lagoa dos Índios (AMCLI),

fundada em 28 de julho de 1995, reafirmavam

as características rurais da comunidade, esbo-

çando apenas uma preocupação com a “de-

vastação da área”.

O território quilombola sentiu os efeitos

da instalação de empreendimentos governa-

mentais (como a construção da rodovia Duque

de Caxias e do Complexo Penitenciário) e de

empresas diversas, constituição de conjuntos

habitacionais e loteamentos, edificações que

foram redesenhando o território da Ressaca.

Atualmente, a comunidade negra vivencia di-

versos impactos relacionados às novas dinâ-

micas impostas ao seu território, dentre elas

a perda de legitimidade de parte significativa

de suas terras, aliada à forte antropização da

área, evidenciando a perda dos recursos natu-

rais que, até bem pouco tempo, constituíam a

base de sua sobrevivência.

Portanto, essas novas práticas urbanas

configuradas no espaço da Lagoa dos Índios

vêm motivando situações conflituosas em rela-

ção ao modo de vida e de trabalho do segmen-

to quilombola dentro do ecossistema Ressaca.

Contudo, decorrente do processo de

urba nização e especulação imobiliária, a pró-

pria comunidade negra foi vendendo seus

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terrenos deixados por herança e titulados pelo

Incra-AP. Esse órgão, em novembro de 2005,

fez um levantamento das propriedades com

títulos definitivos localizados na área contesta-

da. O levantamento destacou que no território

reivindi cado pela comunidade existem, atual-

mente, vinte posses. Desse número, dez têm

recibo de compra e uma está em processo de

regularização fundiária tramitando no Incra.

Os títulos definitivos concedidos pelo Incra-AP

aos proprietários, datados entre 1978 e 1999,

correspondem a um total de 379,6604 hecta-

res. Vale ressaltar que entre proprietários com

título definitivo estão pessoas descendentes

da comunidade e pessoas que adquiriram ter-

renos ao comprarem de descendentes de mo-

radores negros (terras deixadas por herança).

Há, também, terrenos com título definiti-

vo que ficam próximos ao território reivindica-

do pela comunidade negra, mas que exercem

pressão sobre o ecossistema Ressaca. Os técni-

cos do Incra localizaram quatro terrenos titula-

dos, entre 1982 e 1984, com extensão variada.

Portanto, os riscos atuais aos quais está

exposta a área da Ressaca Lagoa dos Índios

decorrem principalmente de conflitos em tor-

no da ocupação do território urbano e de seu

planejamento. A preocupação, desse modo, não

recai apenas sobre os aspectos físicos e natu-

rais, mas também sobre a implantação de in-

fraestrutura funcional; a organização socioeco-

nômica e cultural; a preservação do patrimônio

histórico e natural; a melhoria da qualidade de

vida dos moradores. Aspectos que os responsá-

veis pelo planejamento da cidade e pela socie-

dade em geral devem considerar.

Observando-se as situações que evi-

denciam problemas socioambientais na área

da Lagoa, uma questão importante deve

ser avaliada: os agentes agressores do meio

ambiente urbano podem ser tanto agentes es-

pecíficos – empresas prestadoras de serviço –

quanto agentes difusos – conjunto de proprie-

tários de residências, banhistas. Porém, quan-

to aos agentes afetados pela degradação,

esses são específicos – grupo quilombola em-

pobrecido que sofre os efeitos de forma mais

imediata, habitantes do local afetados pela

poluição da Lagoa. Por isso, é primordial iden-

tificar a problemática da intermediação de in-

teresses que envolvem atores plurais e difusos

nessa questão, inclusive o Estado.

Descrição dos impactos

1) Alterações causadas pelo avanço do espaço

transformado sobre o espaço natural da Ressa-

ca Lagoa dos Índios

A atratividade da Lagoa, por sua beleza

natural e estética, acelerou o processo de cres-

cimento urbano da sua área, com a presença

crescente de novos moradores, o que tem tra-

zido problemas variados. Problemas causados

principalmente pela falta de planejamento ins-

titucional para o uso do território da Ressaca.

A ausência de planejamento por parte

dos órgãos responsáveis pelo ordenamento

territorial e urbano, os aqui chamados agentes

político-institucionais, possibilitou o aumento

do número de construções e atividades comer-

ciais no território da Lagoa que, a cada dia, so-

fre de forma mais contundente com a pressão

antrópica sobre os recursos naturais, alterando

a paisagem local. A Lagoa, há cerca de duas

décadas, era considerada no planejamento do

município como zona rural de Macapá; porém,

com o crescimento populacional da cidade,

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hoje, ela se encontra dentro da área urbana na

parte oeste do município. Atualmente, é como

se existisse outra cidade composta pelos con-

juntos residenciais, pelos bairros e loteamentos

que formam um enorme conglomerado urbano

(Veiga, 2003). Isso significa que a parte oeste

da cidade sofreu um forte processo de antro-

pização, passando a crescer, então, para o en-

torno da Lagoa, processo que vem deixando

visíveis os problemas ambientais na área.

A falta de planejamento e de políticas

públicas urbanas tem possibilitado a autoriza-

ção de construções de porte variado, sem levar

em conta as atuais limitações infraestruturais

da Ressaca. Desse modo, o aumento do núme-

ro de residências e de atividades na área, e a

falta de saneamento básico concorrem para a

saturação do ecossistema da Lagoa.

As empresas pesquisadas foram unâ-

nimes em afirmar que sempre utilizaram tra-

tamento de esgoto próprio, aprovado pelos

órgãos ambientais. Já os representantes dos

conjuntos habitacionais garantiram que têm

lixo coletado pela Prefeitura Municipal de Ma-

capá (PMM) e água tratada em poço tubular,

mas não tem tratamento de esgoto.

Quanto aos bairros ou loteamentos mais

novos localizados do entorno da Lagoa não

possuem coleta de lixo nem tratamento dos

resíduos sólidos e líquidos. Assim, percebe-se

que o esgoto proveniente das instalações mais

recentes é diretamente lançado in natura no

solo ou dentro da parte alagada da Ressaca. É

visível o descarte dos efluentes líquidos e dos

detritos domésticos dentro dos corpos hídricos

do ecossistema, produzidos pela presença de

atividades de órgãos públicos e das habita-

ções. Essa prática está relacionada à falta de

monitoramento e fiscalização pelos órgãos

ambientais, mas, sobretudo, pela quase au-

sência de infraestrutura urbana do município

que não oferece serviços de saneamento bási-

co para a cidade e, consequentemente, para a

área estudada.

Observa-se que o Instituto de Administra-

ção Penitenciária do Estado do Amapá (Iapen),

agente político institucional, segundo nossa ca-

racterização, é um dos maiores poluidores da

área. O Iapen é responsável pela presença de

águas residuais e dejetos humanos que lenta-

mente polui e degrada a área da Lagoa, pois

a rede de esgoto não é suficiente para atender

toda a demanda da penitenciária. O Instituto

despeja os efluentes líquidos e demais detritos

sob o solo, que aos poucos se infiltra nos cor-

pos hídricos.

A falta de saneamento básico, responsa-

bilidade do poder público e, portanto, a cargo

do agente político institucional; o aumento in-

discriminado de construções, provocadas pelas

ações dos agentes econômicos; e a abertura de

ruas e avenidas sem pavimentação têm acen-

tuado o processo de erosão do solo e carrea-

mento de sedimentos para o leito dos cursos de

água da Ressaca.

Também, contribui para a contaminação

e degradação da área a presença de banhis-

tas e pescadores que jogam diretamente na

Lagoa, entre outras coisas, garrafas de vidro e

resíduos sintéticos (plásticos), configurando a

problemática da ação de agentes sociais. Essa

poluição é provocada pela atividade constante

de pessoas que utilizam ou simplesmente pas-

sam pelo local. Um dos lugares mais afetados

por essas atividades é a área localizada ao

longo da rodovia Duque de Caxias – que atra-

vessa a Ressaca e liga Macapá ao município

de Santana. Algumas pessoas utilizam a ponte

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da rodovia, nos dias de semana e, principal-

mente nos finais de semana, para o lazer e a

pesca. Os resíduos decorrentes destas ativi-

dades – garrafas de bebidas alcoólicas, sacos

e garrafas plásticas, além do fogo usado para

assar o peixe apanhado no local – são deixa-

dos pelos pescadores e banhistas dentro ou na

borda da Lagoa.

Em decorrência dessas atividades, dois

diagnósticos foram realizados na Ressaca

Lagoa dos Índios: um elaborado por Maciel

(2001), a partir da solicitação da Secretaria de

Meio Ambiente do Estado do Amapá (Sema), e

outro por Takiyma e Silva (2003), por meio do

Instituto de Estudos e Pesquisa do Estado do

Amapá (Iepa). Os diagnósticos apontaram que

existe um processo de eutrofização artificial da

Lagoa, causado pela intensa ocupação no seu

entorno e pela emissão constante de detritos,

o que tem provocado aumento significativo de

matéria orgânica, facilitando formação de ga-

ses venenosos (metano e enxofre), causando a

morte dos peixes e tornando a água proibitiva

ao consumo humano. A imensa sedimentação

na Lagoa provocada pela ação antrópica, pelo

aterramento e pela presença de vegetação ma-

crófita, dificulta a penetração dos raios solares

na água. Devido a esse processo, há quebra da

estabilidade do ecossistema, ocasionando um

desequilíbrio entre a produção da matéria or-

gânica, o consumo e a deposição de lixos de

toda natureza.

Assim, observa-se que a implosão de-

mográfica dos agentes sociais, a explosão

das atividades socioeconômicas dos agentes

econômicos locais e a negligência e falta da

ação dos agentes político-institucionais têm

transformado os espaços urbanos da Ressa-

ca. As alterações causadas pelo avanço do

espaço transformado sobre o espaço natural

fizeram com que o impacto degradante das

ações humanas afetasse diretamente a Ressa-

ca Lagoa dos Índios, deteriorando o ambiente

urbano nas suas características físicas, naturais

e socioculturais. Por isso, em relação a esse

aspecto, Oliveira e Hermann (2005) lembram

que nas cidades a noção de ambiente deve ser

vista de maneira mais ampla, incorporando

aspectos naturais, infraestruturais e paisagís-

ticos, indispensáveis ao seu funcionamento co-

mo habitat humano.

2) Alterações caracterizadas pela supressão da

mata ciliar

Com a pressão imobiliária exercida sobre

a Ressaca pelos agentes econômicos locais, a

mata ciliar da Lagoa está quase extinta em boa

parte de sua borda. A instalação da rodovia Du-

que de Caxias pelos agentes políticos institu-

cionais e as diversas construções provocaram a

retirada da mata ciliar da Ressaca e, como con-

sequência, o deslocamento da fauna, decorren-

te da extinção de seu habitat e da redução das

áreas de refúgio e alimentação das espécies;

além disso, provocaram erosão e assoreamento

da Lagoa (Takiyama e Silva, 2003).

Dentre as edificações que contribuem pa-

ra a retirada da mata ciliar está o complexo co-

mercial de propriedade particular (casa noturna

Choperia da Lagoa), o supermercado Y Yamada

e a Faculdade de Macapá FAMA). Todos esses

empreendimentos localizados no espaço do an-

tigo supermercado Casa das Carnes. Esse com-

plexo vem ocupando completamente a borda

da Ressaca, lugar de mata ciliar, no lado direito

da rodovia Duque de Caxias.

Para o complexo comercial, a Sema exi-

giu em 1997 o Plano de Controle Ambiental

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intitulado “Urbanização da margem adjacente

da Lagoa dos Índios a Casa das Carnes”. O ob-

jetivo do plano era conter o elevado grau de

degradação ocasionado pela retirada da mata

ciliar, pelo despejo de lixo e pela ocupação de-

sordenada da área. Naquela época, o documen-

to referia-se ao fato de que o Supermerca do

Casa das Carnes estava “implantado e desen-

volvendo suas atividades próxima a uma área

de Ressaca, mesmo sendo considerada área de

Preservação Permanente, mencionada no Art.

18 da Lei n. 6.938/81” (1997, p. 4). A justifica-

tiva dessa intervenção era “harmonizar as edi-

ficações ali implantadas através de suas áreas

de lazer, com contemplação visual que a Lagoa

oferece, facilitando através de acessos urbani-

zados, a aproximação das pessoas com a na-

tureza”. O plano evidenciava a implantação de

uma barreira de contenção que visava conter

futuros processos de erosões naturais, bem co-

mo a degradação pela interferência humana, já

que a área ficaria sob vigilância constante dos

órgãos ambientais.

Contudo, o jornal Folha do Amapá (26/8/05)

refere-se às obras de ampliação das instalações

como sendo “um crime ambiental” praticado

contra a Lagoa dos Índios. E acrescenta:

As obras de ampliação [da Fama] estão invadindo a Lagoa, aterrando aquela área de Ressaca já tão maltratada pelas mãos, não de invasores comuns, mas de gente esclarecida que a princípio teria de dar em primeiro lugar o exemplo.

No final questiona se esse tipo de obra tem li-

cença ambiental. E se tem, “é no mínimo estra-

nho que as autoridades ambientais do Estado

e do município a tenham liberado”. Com isso,

confirma-se a questionável convergência entre

os interesses do complexo comercial do agente

econômico local e as intervenções dos agentes

político institucionais, em particular da Sema,

que, a princípio, deveria proteger a qualidade

dos recursos ambientais, impedindo dessa for-

ma, a expansão das obras.

Do lado esquerdo da rodovia Duque de

Caxias (sentido leste-oeste), na margem da

Lagoa, existe a empresa revendedora de bebi-

da Skol, seguida por várias concessionárias de

veículos, todos agentes econômicos locais, que,

apesar de não serem focos de questionamen-

tos, também não respeitam os limites para pro-

teção da mata ciliar. A revendedora de bebida

também já construiu calçada e implantou pro-

jeto de ambientação, ocupando a área reserva-

da para proteção da vegetação. As concessio-

nárias de veículos têm inclusive um restaurante

para atender aos funcionários nos limites da

área de proteção permanente. É interessante

verificar, ainda, que ao mesmo tempo em que

há a retirada da mata ciliar ocorre a deposição

de entulhos e restos de material provenientes

das construções e das atividades executadas

naquele espaço da Lagoa.

O que se verifica, então, é a falta de

atua ção eficiente dos agentes político-institu-

cionais e, portanto, o avanço das atividades

dos agentes econômicos locais que transfor-

mam o território para suas atividades econô-

micas, sem considerar os danos ambientais ao

ambiente urbano e as populações que vivem

dos recursos do ecossistema da Lagoa.

3) Modificação do relevo da Lagoa

As cavas para extração da argila para

produção de tijolos e a disposição inadequada

de rejeito estão modificando o relevo de algu-

mas partes da Lagoa dos Índios. Atualmente,

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a Lagoa tem sido poluída em decorrência das

atividades das empresas produtoras de tijolos

e telhas (olarias) e das atividades realizadas

por barcos e voadeiras de pequeno porte, que

transportam os mais variados produtos e mate-

riais, ao longo dos canais que se ligam ao Iga-

rapé da Fortaleza.

Como consequência desse impacto, os

sedimentos finos (argila, silte e areia fina) são

transportados para os corpos hídricos locais,

ocorrendo o assoreamento da Lagoa e alte-

rando a morfologia das drenagens. O assorea-

mento altera também a qualidade das águas

(sólidos em suspensão) e a vazão em determi-

nada época do ano (período seco ou chuvoso),

interferindo na vida das espécies da flora e da

fauna aquáticas (Takiyama e Silva, 2003) e,

consequentemente, das atividades de pesca da

comunidade quilombola.

Dessa forma, as empresas – agentes

econômicos locais – que extraem material, re-

cursos naturais de dentro da lagoa, produzem

um dano ambiental muito grave, às vezes ir-

reversível, com essas atividades. No entanto,

apesar dos agentes sociais da região terem

tentado negociar medidas compensatórias e

reparadoras para evitar a degradação da La-

goa pelas atividades econômicas, as empresas

não têm tido sensibilidade para tais negocia-

ções, conforme relato do presidente da ONG,

Amigos em Ação. Mais uma vez, a falta de

ação e a negligência dos agentes político-insti-

tucionais e das ações dos agentes econômicos

locais parecem caminhar juntas, produzindo

como resultado a degradação da Lagoa e a di-

minuição do bem-estar e das possibilidades de

reprodução social dos agentes sociais que dela

e nela vivem.

4) Destruição do ecossistema Ressaca

pelas queimadas

A seca, principalmente no verão, ocasio-

na focos de queimadas na Ressaca, provocando

a morte de animais e a redução da vegetação

na área. A Associação de Mulheres Negras da

Comunicada Lagoa dos Índios (AMNCLI) vem

afirmando que desconhecem a origem dos in-

cêndios que ocorrem na Ressaca e que as quei-

madas constantes trazem perdas para a comu-

nidade, principalmente porque elas estão rela-

cionadas diretamente com a extinção da fauna

aquática (peixe, tartaruga, etc.). É interessante

ressaltar que a pesca é uma das poucas ativida-

des ainda existentes na comunidade.

Para o Corpo de Bombeiros do Amapá

(CBA), as queimadas na Lagoa dos Índios ocor-

rem geralmente no verão, quando a tempera-

tura está muito elevada. O CBA aponta que os

motivos para o início de uma queimada podem

estar associados ao ciclista que passa na rua

e joga uma “bituca” de cigarro na vegetação

seca; ao morador que pesca e faz fogo nas

margens da lagoa para assar o peixe – algo

comum na área – deixando vestígios de fogo,

muitas vezes potencializado pelo vento cons-

tante no local; ou, também, pela existência de

garrafas de vidro que entram em contato com

o sol intenso, sofrendo processo de combustão

no local.

A forma de controle do fogo, em geral, é

feita com abafadores, mas quando não é pos-

sível sua utilização, os bombeiros recorrem à

água, método antigo e pouco econômico. Tam-

bém, algumas vezes, o CBA utiliza o método

dos aceiros nos incêndios de grande proporção.

Contudo, apesar da ação de fiscalização e mo-

nitoramento da área os órgãos ambientais não

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têm conseguido evitar as constantes queima-

das no local.

A respeito das queimadas, os gestores

da Sema afirmam que o fogo é provocado pela

pesca e consumo de lazer que deixa resquícios.

Outra causa apontada é a queima do lixo dos

moradores do entorno que não verificam a ex-

tinção total do fogo após a queima. Em geral,

constata-se que são os agentes sociais os mais

responsáveis pelas queimadas e os seus impac-

tos na Lagoa.

Considerações sobre os agentes

Em decorrência dos impactos ocorridos na La-

goa dos Índios, observaram-se três tipos de

agentes presentes no plano local: econômicos,

sociais e político-institucionais.

Seguindo Costa e Braga (2004), os agen-

tes econômicos são aqueles constituídos por

um agrupamento de setores empresariais, com

interesses comuns, cujas atividades econômi-

cas estão condicionadas pelas ações de regu-

lamentação e provisão de condições gerais de

produção no âmbito local. Os agentes econô-

micos locais são, portanto, as empresas que

dependem diretamente das regulamentações

feitas pelo governo, como é o caso das em-

presas prestadoras de serviços e de produção,

das incorporadoras imobiliárias e do setor de

diversão pública. Inclui-se dentre esses agentes

econômicos, as empresas cuja instalação ou

ampliação estão sujeitas a restrições impostas

pela lei de uso e ocupação do solo.

Ainda segundo os autores supracita-

dos, agente social é aquele agrupamento de

instituições e/ou grupo social com interesses

comuns, cuja atividade de reprodução está

condicionada pelas ações de bens comuns,

também no âmbito local. Assim, os agentes so-

ciais são constituídos pelo grupo que se formou

a partir das práticas sociais e da construção de

uma identidade que faz referência a sentimen-

tos de pertencimento do lugar, a um estilo de

vida diferenciado daquele imposto pela lógica

de mercado – o caso do grupo quilombola.

Cabe acrescentar nessa caracterização os

agentes político-institucionais. Esses agentes

são aqueles constituídos pelo poder público e

por suas instituições que, por ação, omissão ou

negligência, impõem ou desencadeiam um uso

do território a partir do modo como estabele-

cem suas políticas, sendo considerados, portan-

to, também como produtores de espaço.

Por meio do trabalho de campo, da ob-

servação participativa no local e de conversas

informais com moradores e representantes das

instituições pesquisadas, os agentes apontados

pela pesquisa foram identificados. A análise

dos seus papéis na região permitiu fazer al-

gumas inferências sobre suas ações e sua im-

portância no desencadeamento da degradação

ambiental e dos conflitos da Ressaca Lagoa

dos Índios, expostos a seguir.

1) Agentes políticos institucionais: o poder

público

O Estado é considerado pela literatura

sobre conflitos socioambientais como aquele

que tem maior peso nas ações que envolvem

os interesses dos diferentes agentes em âmbito

local. Enquanto produtor de espaço, o Estado

é visto como um dos elementos centrais para

a definição do valor de uma localidade. Contu-

do, conforme Penna (2003, p. 57) deve-se levar

em consideração uma interpretação do sentido

da produção social do espaço que ultrapasse

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“uma análise simplesmente política do papel

do Estado na reprodução e na crise da cidade

para compreender a produção das relações so-

ciais a partir da sua própria ação”.

Assim, em função de reverter tendên-

cias de ocupações, de gerar novas perspec-

tivas de uso, de mobilizar áreas por meio de

seu tombamento, de instalar grandes equipa-

mentos e de criar infraestrutura, o Estado é o

principal agente na valoração e na valoriza-

ção do espaço.

Considerando-se as questões descritas

anteriormente, com relação ao papel dos agen-

tes político-institucionais, o poder público, nos

conflitos ambientais, se define a partir da ten-

são entre desempenhar um papel de mediação

do conflito ou definir-se como parte interessada

nele (Sabatini, apud Costa e Braga, 2004). No

âmbito local, as instituições públicas são extre-

mamente vulneráveis às pressões de agentes

econômicos, como foi confirmado no local de

estudo. As políticas habitacionais tendem, por-

tanto, a abrir obras de infraestrutura urbana

para novas localizações para o mercado imobi-

liário que sustenta a especulação, relegando os

moradores a uma invisibilidade expropriadora.

Além disso, na esfera pública local ocorrem as

disputas de interesses específicos existentes

entre os diversos setores do poder, no que se

refere aos objetivos das políticas ambientais

urbanas. Essas disputas provocam conflitos en-

tre poderes quanto às políticas ambientais, ou

pela ausência delas.

Há, constantemente, uma fragmentação

político-administrativa da questão urbano-

-ambiental, pois as políticas são implantadas

de forma setorizada havendo pouco diálo-

go entre os diversos órgãos governamentais.

Desse modo, quem cuida da questão ambiental

não responde pela ocupação do solo nem pelo

saneamento. Já o órgão responsável pelo uso

e ocupação do solo não responde pelas áreas

verdes. Assim, também, ocorre com os órgãos

responsáveis pela demarcação das terras qui-

lombolas, o Ministério de Desenvolvimento

Agrário (MDA), o Incra e a Fundação Cultural

Palmares (FCP) que não dialogam com os res-

ponsáveis pelas demais questões que envol-

vem a comunidade negra.

No caso do estado do Amapá, existe a Se-

cretaria Extraordinária dos Afro-Descendentes

do Amapá (Seafro) que mantém parceria com a

FCP e a Secretaria Especial de Políticas de Pro-

moção da Igualdade Racial (Seppir) que atua

em parceria como o MDA. A Seafro não recebe

financiamento do governo do Amapá para suas

funções, e fica, dessa maneira, mais vinculada

aos órgãos federais, o que dificulta suas funções

administrativas, processuais e de execução.

Ademais, cabe chamar atenção para o

fato de que, nos níveis municipal, estadual e

federal de governo, a cargo da Secretaria de

Meio Ambiente e Turismo (Semat), Sema-AP,

e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),

respectivamente, a política ambiental está

desvincula da das demais políticas públicas e

das políticas econômicas, pois ela não é con-

siderada nem uma política social, nem uma

política de desenvolvimento. Da mesma forma,

a responsabilidade dos órgãos ambientais se

restringe à gestão dos espaços verdes urbanos

e a fiscalização das fontes fixas de poluição.

Costa e Braga (2004) afirmam que a forma de

considerar as questões voltadas para a políti-

ca ambiental não tem possibilitado que essa

política esteja vinculada a questões como sa-

neamento, sistema de transporte e regulação

do uso e ocupação do solo, pois são questões

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que, no mais, ficam a cargo de órgãos não

integrados, dotados de lógicas distintas e

atua ção pontual.

Há, também, contradição entre os obje-

tivos e as diretrizes voltadas para as políticas

urbanas, muito frequente entre as ações do

executivo, legislativo e judiciário e os órgãos

executores. Existem casos em que o legislativo

elabora e aprova uma determinada lei, mas os

órgãos do governo não se encontram prepara-

dos técnica ou financeiramente para executá-la.

Outra questão que envolve o poder

público é o distanciamento entre as políticas

propostas e a realidade dos processos de pro-

dução do espaço urbano. É o caso da política

de uso e ocupação do solo e de proteção de

áreas verdes. Muitas vezes, essa política fica

meramente no plano discursivo – é o caso da

Lei 0455/1999 sobre as Ressacas – e do Pla-

no Diretor da cidade de Macapá, concebidos

a partir de uma lógica normativa distante dos

rumos já tomados pela produção do espaço

urbano, no qual o aparato regulatório rígido

contrapõe-se à realidade de produção do es-

paço mais flexível.

No próprio poder público ocorrem con-

flitos, como aqueles entre a agência ambien-

tal e os órgãos do poder local, responsáveis

pela realização de obras públicas. As obras

do Instituto Penitenciário são emblemáticas

nesse caso. A própria administração municipal

provoca impacto sobre o meio ambiente, com

obras de canalização de rios, implantação de

aterros sanitários e depósitos de resíduos. Há,

também, a ausência de continuidade admi-

nistrativa, o que emperra as negociações dos

problemas ambientais, feitas de forma lenta e

por etapas de longo prazo.

2) Agentes econômicos locais

Conforme Santos e Silveira (2001), as

grandes empresas organizam suas atividades

criando circuitos espaciais de produção. Para

funcionar, elas devem regular seus processos

produtivos – hoje dispersos no território nacio-

nal –, sua circulação e sua contabilidade. Isso

significa, de um lado, a existência de impera-

tivos microeconômicos, internos à firma, capa-

zes de vincular, por exemplo, áreas de cultivo

e lugares de elaboração dos seus produtos e

das embalagens necessárias, e, de outro, a exis-

tência de imperativos macroeconômicos, como

sua participação mais ou menos explícita na

fixação de tarifas de serviços e insumos. Esses

imperativos supõem a permanente negociação

da empresa com o poder público e com outras

empresas, para redefinir seu comportamento

político e os setores e lugares que lhe interes-

sam. É desse modo que se definem e redefinem

as localizações, as topologias de empresas.

As empresas privadas – concessionárias

de veículos, revendedora de bebida e par-

te do complexo empresarial de propriedade

particular (FAMA e Supermercado) –, entendi-

das aqui como todas as empresas que prestam

serviços, direta ou indiretamente na área e ca-

racterizadas como agente econômicos locais,

vêm sendo alvo de críticas no tocante às res-

ponsabilidades na Lagoa dos Índios.

Os impactos negativos ao meio ambiente

e à comunidade são comumente atribuídos a

essas empresas. Interessadas nos lucros ime-

diatos, com avidez pelo solo urbano para am-

pliação de seus empreendimentos e até para

a especulação imobiliária, usam os recursos

naturais e produzem lixo, poluição, dejetos des-

pejados no meio em detrimento da melhoria da

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qualidade de vida da população local e da me-

lhoria do ambiente. Dessa forma, as empresas

privadas aparecem no território como agentes

produtores de impactos ambientais negativos

ao invés de potenciais parceiros locais no de-

senvolvimento da área.

Os próprios órgãos estaduais e muni-

cipais explicitam que não existem iniciativas

dessas empresas para a minimização dos im-

pactos ambientais, produzidos por resíduos

sólidos e líquidos, nem se percebem trabalhos

educativos junto aos clientes, nem códigos de

conduta, que mostrem que as mesmas podem

regulamentar seus próprios comportamentos,

afastando assim a necessidade de interven-

ção governamental. Assim, muitas críticas são

feitas à ausência de ações e à falta de respon-

sabilidade desses agentes. A questão está no

fato de, na maioria das vezes, as empresas não

estarem preocupadas nem com o meio ambien-

te – sustentáculo de seus investimentos –, nem

com a socialização dos benefícios gerados por

elas junto à comunidade.

Estariam sob responsabilidade dessas

empresas: a implantação de técnicas para auxi-

liar o uso, de forma sustentável, dos solos, das

águas e das florestas; a redução do lixo e da

destinação final adequada do mesmo; o uso de

forma adequada da energia; a proteção à co-

munidade quanto ao seu patrimônio cultural e

a projetos sociais; o respeito à herança cultural

da comunidade local, o investimento na con-

servação e recuperação de patrimônios natu-

rais degradados e a minimização de impactos

gerados pelo uso de materiais biodegradáveis.

As responsabilidades das empresas, co-

mo atores sociais, no desenvolvimento de ati-

vidades em escala local são, em tese, muitas,

mas o desafio atual está em aproximá-las do

entendimento dessas responsabilidades, con-

forme preveem os órgãos do estado.

3) Agentes sociais

A comunidade local, aqui representada

por duas associações, é importante protago-

nista na situação ambiental da Ressaca. Como

agente social, não constitui um bloco monolí-

tico de interesses, estruturando-se em grupos

diferenciados e particulares. Portanto, não se

trata de um único grupo de agentes sociais e,

também, não existem bases consensuais, no

que se refere a seus anseios e desejos, diante

do destino da comunidade.

As duas associações representantes dos

remanescentes de quilombo existentes na La-

goa dos Índios diferenciam-se pelo papel que

vêm desempenhando junto aos moradores e

pelos projetos requeridos para a comunida-

de. Nesse sentido, pode-se dizer que há dois

grupos de interesses: os da Associação de

Moradores da Comunidade Lagoa dos Índios

(AMCLI), com cerca de 300 moradores asso-

ciados, e da Associação de Mulheres Negras

da Lagoa dos Índios (AMNCLI), com 376 mu-

lheres associadas.

A disputa de poder entre as associações

tem emperrado, em alguns momentos, o pro-

cesso de decisão sobre as demandas da comu-

nidade. Assim, elas, muitas vezes têm tido o pa-

pel de meras consultoras de políticas públicas,

muitas vezes já preestabelecidas pelo poder

público. Isso ocasiona a falta de participação

da comunidade em todas as etapas de plane-

jamento para a gestão ambiental e do território

e das ações empreendidas pelos atores pre-

sentes na área. Além disso, essas associações

não têm cumprindo o papel de vencer etapas

como: elaboração de inventários dos recursos

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naturais; estudos de potencialidades da área; e

identificação daquilo que é considerado como

herança numa comunidade, patrimônios que

possam permanecer para as gerações futuras

(inclusive o cultural).

A visível instalação de empreendimentos

comerciais e imobiliários tem se constituído em

um dos principais problemas para as famílias

da Lagoa dos Índios. O frenético crescimento

urbano-industrial na região comprime o terri-

tório quilombola, e calcula-se que nos últimos

vinte anos a comunidade perdeu aproximada-

mente 10 mil hectares de terras para empresas

e demais empreendimentos comerciais.

Confl itos ambientais no território da Ressaca Lagoa dos Índios

No espaço da Lagoa dos Índios, os agentes po-

lítico-institucionais, econômicos locais e sociais

estão dotados de possibilidades diferenciadas

para fazer significar suas ações e suas respec-

tivas visões de mundo. Assim, na busca de for-

mas de apropriação e uso do território e dos

seus recursos, esses agentes enfrentam-se no

terreno, medindo forças entre a imposição de

novas condicionalidades econômicas e ambien-

tais e a manutenção de atividades tradicionais.

Considerando-se essa questão, foram definidos

alguns conflitos socioambientais representati-

vos na área.

Critérios de defi nição e tipologia dos confl itos ambientais

Por meio de documentos coletados e do re-

ferencial teórico baseado em Little (2001) e

Acselrad (2004), buscou-se evidenciar dois

critérios de análise, de acordo com as novas

dinâmicas socioespaciais e ecológicas presen-

tes na Lagoa dos Índios e a constituição e/ou

participação dos agentes no local: os usos do

território e as representações ou as visões de

mundo e/ou significados dados a ele.

Os usos do território referem-se à for-

ma como são apropriados, modificados e/ou

construídos os objetos (Santos, 1994) presen-

tes nele pelas práticas sociais específicas dos

agentes. Acselrad (2004) afirma que há uma in-

terface entre mundo social e sua base material.

Assim, aquilo que as sociedades fazem com

seu meio material

[...] não se resume a satisfazer carências e superar restrições materiais, mas con-siste também em projetar no mundo dife-rentes significados – construir paisagens, democratizar ou segregar espaços, pa-dronizar ou diversificar territórios sociais, etc. (p. 15)

É nesse sentido, então, que é importante

salientar também a dimensão das representa-

ções ou visões de mundo, já que incide direta-

mente na forma como o território é usado pe-

los agentes. A variedade de visões de mundo

ou representações compõe diversos usos que

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se materializam no território da Lagoa e, por-

tanto, define formatos de relações com a natu-

reza ou com o ambiente construído.

De acordo com a definição dos dois cri-

térios acima, apresenta-se uma tipologia dos

conflitos ambientais baseados nas informações

coletadas para o estudo.

1) Conflito pela definição político-institucional

do território

Este conflito é provocado por interesses

divergentes entre os órgãos responsáveis pe-

la demarcação do território como patrimônio

cultural (FCP, Seppir, Incra e Seafro) e órgãos

ambientais que demarcam o território como

área de preservação permanente (Sema e

Iepa). As posições divergentes quanto à de-

finição do território proporcionam uma frag-

mentação político-administrativa em torno de

seu uso.

A FCP, a Seppir e o Incra realizam estu-

dos para viabilizar o processo de demarcação

e titulação das terras da comunidade negra.

As ações dessas instituições voltam-se, prin-

cipalmente, para: realização do Diagnóstico

Socioeconômico da Comunidade Quilombola;

elaboração e manutenção de projetos econô-

micos, objetivando o estudo dos aspectos da

situação fundiária da área ocupada tanto pela

comunidade como por outros agentes; além de

avaliar o processo de urbanização e especula-

ção imobiliária exercida na comunidade Lagoa

dos Índios. Esses órgãos têm como prioridade

a titulação do território da comunidade como

área remanescente de quilombo.

O Incra enfrenta dificuldades na em-

preitada a que está designado – demarcar e

titular a área da comunidade – por falha da

própria instituição que, até o início do processo

de titulação, não reconhecia o território negro,

e que, por isso viabilizou, no passado, a conces-

são de uso da terra a proprietários não perten-

centes ao grupo negro.

As ações da Seafro são feitas em par-

ceria com a FCP, a Seppir e o Incra. A Seafro

apóia o processo de titulação e a elaboração

de projetos baseados na “sustentabilidade”

econômica (artesanato e criação de peixe) co-

mo forma de reverter o quadro de quase mi-

séria que a comunidade enfrenta. Essas insti-

tuições significam o território como espaço de

reprodução cultural.

A Sema, considerando a urbanização

desordenada da área, traçou um diagnóstico

para recuperação, preservação e uso susten-

tado da Ressaca (Maciel, 2001). Diagnóstico

elaborado após a aprovação da Lei 455, de 22

de julho de 1999, que dispõe sobre a delimi-

tação e o tombamento das áreas de Ressacas

como patrimônio natural. Contudo, em tal

diagnóstico não consta referências à comu-

nidade negra, pois ele tem a finalidade, tão

somente, de evidenciar a necessidade de pre-

servação do local pelo seu valor paisagístico

e como forma de encaminhar propostas para

proteger o meio ambiente.

O Iepa, em parceria com a Sema lançou,

em 2003, o “Diagnóstico das Ressacas do Esta-

do do Amapá: Bacias do Igarapé da Fortaleza

e Rio Curiaú”. O objetivo desse diagnóstico foi

pesquisar os problemas sociais e ambientais,

que direta ou indiretamente estão relacionados

ao modelo de ocupação da Ressaca e, sobre-

tudo, proporcionar “ações públicas integradas”

dentro de uma gestão ambiental planejada

(Takiyma e Silva, 2003). Contudo, não consta

nenhuma informação sobre o território da co-

munidade negra.

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A Sema e o Iepa trabalham com a visão

de que a Ressaca é patrimônio natural, desco-

nhecendo ou ignorando a possibilidade da co-

munidade negra guardar tradições fundadas na

ancestralidade. Por isso eles viabilizam ações e

projetos que, de certo modo, passam desperce-

bidos pela comunidade, pois não a estimulam

para o diálogo.

O conflito pela definição político-insti-

tucional do território coloca a Seppir, a Seafro

e o Incra como responsáveis pela garantia do

direito étnico e pela demarcação e titulação do

território remanescente de quilombo e a Sema,

ao lado do Iepa, como responsáveis pela po-

lítica ambiental e pelos estudos, com espaços

de interferência delimitados e com critérios de

competências diferentes. A posição de cada

segmento, de certa forma, freia o processo de

demarcação do território quilombola e inviabi-

liza a definição dos limites da área da Ressaca.

Processo que corrobora para o avanço da espe-

culação imobiliária e da degradação da Lagoa.

Isso demonstra na prática um descompasso

entre as ações do próprio Estado nos níveis es-

tadual e federal e na forma e desconhecimento

da ação de ambos.

Dessa forma, trata-se de uma divergên-

cia quanto aos usos do território que implica

diferentes critérios de demarcação. Abrange

também divergências quanto às representa-

ções e significados dados ao território, que são

diferentes para os agentes político-institucio-

nais envolvidos.

2) Conflito pelo regime de propriedade

do território

Na Comunidade Lagoa dos Índios, perce-

be-se o conflito relacionado à disputa de po-

der, provocado pelas desconfianças e defesa de

interesses divergentes entre a AMNCLI e AMCLI

por terem divergentes visões sobre o regime de

propriedade do território.

Primeiramente, o conflito instaurado

entre as duas entidades baseou-se no discurso

da legitimidade de quem poderia movimentar o

processo de demarcação e titulação das terras

da comunidade. Como decor rência, observou-

se que existem dois processos encaminhados

ao Incra, desde 2002: o processo encaminhado

pela AMNCLI (nº 01420.000072/2002-49)

e processo em tramitação na Procuradoria

da República no Estado do Amapá e na

Procurado ria Geral da República em Brasília

(nº 1.1200000025/2003-98).

A AMNCLI, a partir de orientações da

FCP, organizou e encaminhou a documentação

exigida para o processo de Identificação, Reco-

nhecimento, Delimitação e Titulação das Terras

Ocupadas em Território Quilombola da Comuni-

dade Lagoa dos Índios. Dessa forma, a AMNCLI

reivindicou sua legitimidade para movimentar

o processo de demarcação e para dialogar com:

grupos e entidades do movimento negro; ór-

gãos públicos (FCP, Incra, Sema, Seafro, Seppir);

empresas (em especial aquelas instaladas ao

longo da rodovia Duque de Caxias) e com pro-

prietários de terrenos dentro da comunidade.

Contudo, a AMCLI não se sente represen-

tada e não concorda com as ações da Associa-

ção de Mulheres Negras. Esse conflito coloca

em antagonismos os presidentes das duas as-

sociações, dividindo os moradores sobre qual

associação tem legitimidades para encaminhar

o processo de demarcação das terras da comu-

nidade. Isso contribui para acirrar “diferenças”,

tensões e conflitos que atravessam o grupo.

Percebe-se que as posições antagônicas das

duas associações estabelecem claramente a

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disputa pelo poder dentro da comunidade, di-

vidindo os moradores.

Há interesses divergentes entre os dois

grupos, com claras diferenças sobre o regime

de propriedade desejado no território: os que

querem o uso comunal e os que preferem uma

forma de propriedade individual. A disputa de

poder é para efetivar uma dessas alternativas

que vai incidir na organização territorial do gru-

po, nas suas práticas socioterritoriais e na pos-

sibilidade de acesso e uso dos recursos naturais.

O efeito da disputa de poder tem refle-

xo direto nos mecanismos de alianças entre

a AMNCLI e AMCLI e, de certa forma, gera

fissuras internas, assim como quebra de soli-

dariedade e mobilização da comunidade para

reverter o quadro adverso em que está inseri-

da, influenciando a falta de desenvolvimento

local e a resolução dos conflitos no território

da comunidade.

Evidencia-se que o conflito diz respeito

a diferentes visões do uso do território, uma

vez que existe uma estratégia coletivista e ou-

tra mais individualista. Cada uma tem impli-

cações quanto à maneira como se organiza a

comunidade em termos materiais e repercute

na construção simbólica das práticas sociais a

serem reproduzidas, já que se trata da forma

como se representa e materializa a vida social

no território.

3) Conflito pela ocupação do território

O conflito é produto da ocupação das

áreas pertencentes aos remanescentes de qui-

lombo; por invasão da área de matas ciliares

da Ressaca (cuja vegetação serve de refúgio

para a biodiversidade e compõe a cadeia tró-

fica da região), pelas constantes queimadas e

destruição do espaço pelas edificações e pelo

aumento de atividades modernizantes no local

por parte de agentes econômicos.

As contradições entre as atividades das

empresas, dos conjuntos residenciais e as prá-

ticas tradicionais da comunidade negra, no en-

tanto, têm sua face mais expressiva quando se

trata da degradação da Lagoa, principalmente

na área reservada para proteção da mata ciliar

e disponível para pesca; e a deposição de lixo

(residual), aterramento e erosão, visíveis a par-

tir das práticas cotidianas. A forma de utiliza-

ção dos recursos na Lagoa dos Índios obedece

à lógica de valorização do capital, refletindo-se

sobre a qualidade de vida do grupo quilombo-

la, retificando e reproduzindo desigualdades,

conflitos e contradições. Os empreendimentos

empresariais e mobiliários investem em lucros

imediatos, porém, despreocupam-se com a

possibilidade de gerar recursos duradouros por

meio da valorização do enorme potencial am-

biental e cultural da área, além de não gerar

emprego e renda para a comunidade local.

As empresas subtraíram espaços que

eram de domínio comunitário há mais de dois

séculos, introduzindo mudanças nos padrões,

práticas e estratégias de sobrevivência tradicio-

nais e estabeleceram como alternativa a venda

de terrenos para terceiros, na perspectiva da

especulação imobiliária.

Assim, o conflito é pelas divergentes

formas de apropriação do território e uso dos

seus recursos, entre os agentes econômicos e

sociais. A comunidade vê seus espaços reduzi-

dos e substituídos por espaços privados, e os

investidores a consideram um “obstáculo” a

ser removido, mas a comunidade se nega ao

deslocamento pelas pressões da ocupação de

seu território reafirmando sua identidade qui-

lombola e redefinindo a relação que institui

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com o local. A dimensão simbólica da luta fica

evidente nos diferentes sentidos atribuídos ao

objeto dessa disputa de hegemonia – o territó-

rio da Ressaca – e explicitados pelos agentes.

Para as empresas, a Lagoa dos Índios é espaço

de empreendimento, e o debate sobre seu uso

envolve “problemas de custo”. Diferente dessa,

é a visão de mundo construída pelos morado-

res remanescentes de quilombos. Na luta sim-

bólica pela legitimidade da posse do território,

os moradores (re)criam o mundo (e as relações)

e conferem uma nova dimensão (e qualidade) à

disputa pela forma socialmente reconhecida (e

aceita) de apropriação da Lagoa. Para a comu-

nidade, a Lagoa é parte componente da própria

identidade cultural, associada à sua forma de

vida. Assim, qualquer percepção diferente des-

sa desqualifica sua significação original e des-

loca o sentido histórico que tem a Lagoa para

essa população.

4) Conflito pelas falhas na gestão territorial

dos agentes político-institucionais

Esse tipo de conflito é motivado pela au-

sência de planejamento por parte dos órgãos

responsáveis pelo ordenamento territorial e pe-

la fiscalização e monitoramento ambiental. As

ações de órgãos como a prefeitura são quase

ausentes, tanto para a comunidade negra como

para a população de seu entorno.

A falta de planejamento institucional

e de políticas urbanas para o território da

Ressaca, pelo órgão municipal, possibilitou o

aumento do número de construções e ativida-

des comerciais, isso contribuiu para fragilizar

o ambiente.

Nas políticas urbanas voltadas para a

Ressaca, o balanço entre o uso público e o pri-

vado pende para o lado privado, e a lógica de

mercado exerce sua hegemonia sem ser sub-

metida ao controle público. Com isso ocorreu

um agravamento da desigualdade na provisão

de moradias e na distribuição territorial de

equipamentos e serviços. Na Lagoa, a exclu-

são da comunidade negra é visível pela falta

de acesso a serviços urbanos e sociais básicos

como saneamento e saúde. Essa questão de-

monstra que existe uma tensão entre a garan-

tia de acesso aos recursos do local e os objeti-

vos econômicos privados.

A falta de gestão territorial provocou um

intenso processo de especulação imobiliária

desde o início dos anos 80 do século XX e favo-

receu as ações dos agentes econômicos locais

(o capital privado) que expropriaram gradativa-

mente a comunidade negra das suas terras e

instalaram novos empreendimentos e conjun-

tos habitacionais.

A polêmica que se estabelece sobre o

processo de expansão urbana e o impacto

ambiental causado a Lagoa suscitam duas ló-

gicas opostas: uma instrumentalizada pelos

empreendimentos com aquiescência dos ór-

gãos ambientais e, a outra, a lógica da vivên-

cia cotidiana da comunidade que presencia a

invasão de seu território e os danos constantes

provocados pela poluição da área, inclusive de-

pósito de esgoto doméstico e das empresas e

de órgãos do Estado.

5) Conflito por divergências entre os agentes

político-institucionais e sociais

Esse conflito ocorre em torno da disputa

pela legitimidade de intervenção no território

da Ressaca, provocado pelos interesses diver-

gentes entre sociedade civil e poder público. A

ONG “Amigos em Ação”, considera-se uma for-

ça capaz de contribuir para o aperfeiçoamento

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da democracia relacionada com as ações rea-

lizadas na Ressaca e para o atendimento real

dos anseios da comunidade, apontando a gran-

de dificuldade que o Estado tem para cumprir

seu papel naquele espaço. A ONG coloca-se

como a entidade que tem possibilidade de dis-

cutir abertamente as questões socioambientais

da Ressaca, seja com o poder público, seja com

o setor econômico ou com a comunidade.

É nesse sentido que o órgão ambienta-

lista se posiciona, ao procurar mobilizar a so-

ciedade civil, diante dos órgãos do governo e

empresas em torno da necessidade de discutir,

de forma mais sistemática, os problemas veri-

ficados na Ressaca. Nesse sentido, a ONG tem

se articulado com órgãos do governo municipal

(Semat) e com empresas (Fama), mas ressente-

-se pela falta de um diálogo mais profundo

com o Estado para reverter o quadro apresen-

tado pelas ações de diversos agentes causa-

dores de danos ambientais. A ONG defende a

legitimidade de uma intervenção, com base na

ideia de preservação do patrimônio natural, em

nome da conservação do lugar, da preservação

de espécies ameaçadas, no âmbito de um pro-

cesso de gestão.

A ONG coloca-se, também, como o único

ator que combate qualquer tipo de atividade de

degradação na área. Por isso, o presidente da

ONG estabelece a caracterização de cada gru-

po envolvido na discussão sobre a legitimidade

ou não das práticas efetivadas na Lagoa, colo-

cando no centro da polêmica as visões sobre o

uso e significados do território, da seguinte for-

ma: local de beleza cênica que ajuda a garantir

a realização dos empreendimentos dos agentes

econômicos do capital privado; local de apre-

ciação estética e de qualidade de vida para os

conjuntos habitacionais; e local de preservação

dos costumes e tradições da comunidade. Con-

tudo, o presidente não refere à forma como

conciliar interesses tão divergentes quanto ao

uso do território.

Os conflitos tipificados, portanto, apon-

tam para os embates entre diversos agentes

dotados de possibilidades diferenciadas para

fazer valer suas respectivas visões de mundo e

práticas materiais decorrentes, que definem os

usos que efetivamente se fazem do território.

Considerações fi nais

A ocupação da área da Ressaca Lagoa dos Ín-

dios, pelo menos há 20 anos, tem-se tornado

um problema crítico para a comunidade negra

ali residente, pois os danos não são apenas

ambientais, mas também culturais. Os novos

agentes presentes na área da Ressaca trazem

consigo os vetores da chamada modernidade

que, pela sua intensidade, causam transpo-

sições e deslocamentos culturais e materiais,

bem como conflitos sobre o uso e acesso aos

recursos naturais. Portanto, a imposição de es-

tratégias territoriais, visíveis a partir dos vários

problemas socioambientais enfrentados, tem

constituído uma grande ameaça para a área da

Ressaca e para a continuidade da comunidade

negra no seu território.

Atualmente, essas questões têm sido

motivo de debate entre diversos agentes: de

um lado, órgãos governamentais, responsá-

veis pela preservação ambiental e cultural da

área da comunidade negra (agentes político-

-institucionais); de outro, ONG’s e a própria

comunidade (agentes sociais) e os agentes

econômicos, com seus empreendimentos

e negócios, assim como os especuladores

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imobiliários. Essa classificação possibilita

identificar as ações e as visões de mundo que

giram em torno dos elementos que constituem

a disputa pela mesma base territorial dos re-

cursos (Acselrad, 2004).

Dessa forma, o conflito ambiental urbano

expresso a partir das ações apresentadas pelos

diferentes agentes presentes na área da Lagoa

expõe uma dada compreensão do mundo. Per-

cebem-se nitidamente diferenças de poder no

interior do campo em que estão inseridos. Na

luta em torno do território da Lagoa, cada gru-

po tenta impor sua visão de mundo procurando

legitimar suas representações da realidade, pa-

ra assim garantir a continuidade da sua forma

de apropriação dos recursos e, portanto, de uso

do território. Contudo, é interessante frisar que

os grupos possuem formas de ação diferentes e

que cada um procura utilizar a seu favor os ele-

mentos materiais e simbólicos à sua disposição,

de acordo com o lugar que ocupam no espaço

dessas relações. Só que as assimetrias de poder

e os interesses conjunturais determinam o ru-

mo e, até, o desfecho das ações que, dessa ma-

neira, favorecem os agentes mais poderosos.

Portanto, considera-se que as políticas públicas

urbanas e ambientais e os agentes institucio-

nais devem assumir posições menos omissas e

mais justas para com os agentes sociais com

direitos legítimos sobre esses territórios.

Gloria Maria VargasDoutora em Geografia, Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Brasília/DF, [email protected]

Cecília Maria Chaves Brito BastosFormada em História, mestre em Desenvolvimento Sustentável, professora da Universidade Federal do Amapá. Macapá/AP, [email protected]

Notas

(1) Denominação regional para ecossistema pico das zonas costeiras nos municípios de Macapá e Santana. É uma bacia natural de acumulação hídrica para onde se des nam as drenagens pluviais; dominada pela vegetação de buritizais e pela floresta de várzea ao logo do curso d’água; serve como corredor natural de vento e infl uencia o microclima da cidade (Takiyama e Silva, 2003).

(2) Esta Carta encontra-se nos autos do processo nº 54350.000348/2004-98, no INCRA/AP, que prevê a “Iden fi cação, Reconhecimento, Delimitação, Demarcação e Titulação de Terras Ocupadas”.

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(3) O acesso à área da comunidade é feito pela rodovia Duque de Caxias (km 9 da AP 20), próximo ao Ins tuto Penitenciário do Amapá (Iapen), na altura do km 4. Nesse local inicia-se o ramal do Goiabal, como é popularmente conhecido pelos moradores.

(4) Conforme Penna (2003), a ação presente, os interesses, a cobiça e mesmo as representações atribuídas a essa parte do território têm relação com o valor dado ao que está ali presente.

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Texto recebido em 30/ago/2012Texto aprovado em 8/out/2012

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Recuperação socioambiental de fundosde vale urbanos na cidade de São Paulo,

entre transformações e permanências

The socio-environmental recovery of urban valley bottomsin the city of São Paulo, between transformation and permanence

Luciana TravassosSandra Irene Momm Schult

ResumoO artigo trata da falta de integração das políticas

públicas de urbanização de fundos de vale na cida-

de de São Paulo, com foco na implantação de par-

ques lineares e de infraestrutura de saneamento e

na urbanização de favelas. Mostra como a evolu-

ção nas práticas dos órgãos envolvidos não é su-

fi ciente para dar respostas adequadas às questões

socioambientais ensejadas pelo tratamento dessas

áreas e como permanece um descompasso entre o

discurso e as práticas no tratamento das questões

urbano-ambientais, principalmente pela falta de

coordenação intersetorial e territorial. Permane-

cem, então, intervenções incompletas e desiguais:

o saneamento fi ca restrito às áreas consolidadas,

resta um passivo socioambiental na urbanização

de favelas, enquanto a criação de áreas verdes

intraurbanas segue desconsiderando as duas pri-

meiras questões.

Palavras-chave: fundos de vale; política ambiental;

política urbana; integração de políticas; São Paulo.

AbstractThe article deals with the lack of integration among the public policies concerning valley bottom urbanization in the city of São Paulo, focusing on the implementation of linear parks and sanitation infrastructure, and also on slum urbanization. It shows that the progress in the practices of the agencies involved is not sufficient to give adequate answers to the socio-environmental issues that emerge with the treatment of these areas, and that a gap remains between discourse and practice in addressing urban-environmental issues, mainly due to the lack of intersectoral and territorial coordination. Therefore, interventions are incomplete and unequal: sanitation is restricted to consolidated areas, socio-environmental liabilities remain in slum urbanization, and the establishment of intra-urban green areas continues to disregard the fi rst two questions.

Keywords: valley bottoms; environmental policy; urban policy; policy integration; São Paulo.

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Introdução

A importância das questões relacionadas ao

meio ambiente global, em especial a agen-

da climática, tem demandado dos estados

nacionais políticas objetivando o alcance de

metas acordadas interna e externamente. O

atendimento de metas, tais como a redução

de emissões e das vulnerabilidades, exige, de

outra parte, dos governos locais, o estabeleci-

mento de ações intersetoriais e interescalares

articulan do diferentes instrumentos de planeja-

mento e gestão em um contexto de crescente

governança urbana ambiental.

Termos como gestão integrada (Godard,

1997) e integração de políticas ambientais

(Jordan e Lenschow, 2010) têm sido objeto

de discussão nas áreas de governança e ges-

tão ambiental como uma necessária evolução

dos processos de gestão de recursos naturais

e de recursos comuns. Abordagens como o

cross-scale institutional linkages são entendi-

das como necessárias para atingir condições

de sustentabilidade entre sistemas sociais e

ecológicos (Berkes, 2002; Cash et al., 2006;

Young, 2002).

O desafio da interação institucional par-

te da ideia básica de que a “eficácia” de ins-

tituições específicas depende não apenas de

sua própria feição, mas também da interação

com outras instituições. No entanto, a intera-

ção institucional apresenta limites. Os limites

não se vinculam somente aos territórios físi-

cos, mas sim às responsabilidades políticas e

esferas sociais de influência. Avançar sobre

esses limites, onde a jurisdição e o interesse

de atores organizados se sobrepõem, pressu-

põe a existência de conflitos entre instituições

formais que surgem frequentemente de mu-

danças políticas que concorrem com outros in-

teresses da organização (Mitchell, 1990 apud

Moss, 2004).

Em uma visão integrada, é reconhecido

que a efetiva proteção, por exemplo, dos recur-

sos hídricos, não depende exclusivamente de

instituições de gestão da água. Os aspectos de

qualidade e quantidade da água são afetados

por um amplo espectro de atividades humanas,

cada uma delas estruturada em seus próprios

arranjos institucionais. Dentre as diversas inte-

rações, um dos problemas é o frequente vácuo

entre a gestão da água e o planejamento do

uso e ocupação do solo (Newson, 1997; Moss,

2004), representado pela inexistência de víncu-

lo formal entre as políticas de água – que têm

a bacia hidrográfica como unidade de planeja-

mento – e as de ordenamento territorial – que

têm o município como lócus.

Elmore (1985, apud Moss, 2004) tam-

bém observa que existe uma tendência para

políticas e programas se acumularem em torno

de alguns problemas, gerando assim trabalho

extraordinário. Isso é certamente verdade na

arena ambiental em que, nos últimos 25 anos,

existe uma concentração no desenvolvimento

de uma sofisticada estrutura institucional pa-

ra gerenciar problemas ambientais, definindo

programas no nível federal, estadual, regional

e local (Moss, 2004).

No Brasil, a partir da década de 1980,

diversas políticas são propostas com o ob-

jetivo de gerenciar de forma participativa e

descentralizada os recursos naturais e o ter-

ritório. Essa é a essência da Política Nacional

do Meio Ambiente que criou o Sisnama – Sis-

tema Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal

6.938/81) articulando órgãos e funções nos

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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...

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níveis federal, estadual e municipal, e crian-

do a figura dos Conselhos de Meio Ambiente,

estâncias participativas e deliberativas nesses

três níveis. Dentre os instrumentos da PNMA

está a criação de espaços territorialmente pro-

tegidos, que encontra replicabilidade e con-

sonância nas políticas florestais (Código Flo-

restal, Sistema Nacional de Unidades de Con-

servação e Lei da Mata Atlântica), na Política

Nacional de Recursos Hídricos e no Estatuto

da Cidade (Plano Diretor, zoneamento terri-

torial) entre outras. Tais instrumentos devem

ter como premissa a proteção e o controle da

ocupa ção de áreas frágeis e vulneráveis, tanto

do ponto de vista do equilíbrio do ecossistema

como da ocupação humana.

Cada política, naquilo que lhe compete,

define estruturas administrativas, produz nor-

mas e resoluções, permite e estimula a criação

de programas e projetos, e, principalmente,

estabelece instrumentos de gestão e gerencia-

mento. Porém, a articulação entre essas políti-

cas e esses instrumentos não é uma realidade,

gerando em grande parte a sobreposição e o

conflito de ações. Para Almeida (2007), existem

obstáculos na implementação dos instrumen-

tos, desde aqueles do ponto de vista da escas-

sez dos recursos públicos (humanos, materiais

e financeiros), assim como algumas legislações

específicas são genéricas ou restritivas de for-

ma a não compatibilizar sua aplicabilidade e

interação institucional.

Ganham importância, nesse contexto,

as abordagens do planejamento territorial que

visam o ganho de quantidade e de qualidade

dos espaços protegidos em áreas urbanas. Tal

iniciativa incorpora metas que alcançam ações

no âmbito da política das águas, do clima, de

recuperação e proteção dos recursos naturais

e da qualidade de vida urbana. Compõem tais

espaços várias categorias de áreas verdes, que

em conjunto conformam o que vem sendo

designado por infraestrutura verde. Eminente-

mente multifuncional, a infraestrutura verde

deve contribuir para a manutenção e criação

de valores sociais, ambientais e econômicos e

para a minoração dos riscos relacionados à vul-

nerabilidade física nas cidades.

Nas cidades brasileiras, uma parcela im-

portante dessa infraestrutura hoje se encon-

tra nos fundos de vale, ao longo dos cursos

d’água, que se tornaram locais-chave para a

implementação de uma série de intervenções

públicas: para a continuidade de sistemas de

esgoto, para reurbanizar os assentamentos

precários, que em grande parte aí se localizam,

para proteger as áreas urbanas dos proces-

sos de inundação e para a implementação de

áreas verdes públicas.

No caso da cidade de São Paulo, a falta

de integração das políticas públicas relaciona-

das à urbanização de fundos de vale, com foco

na implantação de parques lineares e de infra-

estrutura de saneamento e na urbanização de

favelas; mostra como a evolução nas práticas

de cada um dos órgãos envolvidos ainda não

é suficiente para dar respostas adequadas às

questões socioambientais ensejadas pelo tra-

tamento dessas áreas, principalmente por sua

falta de coordenação intersetorial e territorial.

Desde o final do século XVIII, em São

Paulo, rios e córregos foram objeto de inter-

venções de saneamento, geração de energia

e drenagem. A partir da década de 1970, po-

rém, começam a se configurar, de forma mais

abrangente, os problemas sociais e ambientais

das várzeas em conflito com a urbanização,

pela crescente ocupação dessas áreas por

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Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult

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assentamentos habitacionais de baixa renda,

pela multiplicação de áreas de inundação e de

suas consequências e pela generalização da ca-

nalização de córregos e construção de avenidas

de fundo de vale como modelo hegemônico de

intervenção urbanística. Além disso, a pequena

abrangência dos sistemas coletores e de trata-

mento de efluentes, comum às áreas urbanas

brasileiras, originou uma imagem negativa de

rios e córregos e, consequentemente, das áreas

lindeiras aos mesmos.

Tanto na gestão pública, como no meio

acadêmico, a questão afeta a forma que ga-

nhava a urbanificação de fundos de vale que

não apresentava crítica relevante, situação

que se altera a partir de meados da década de

1990, mas principalmente no começo do século

XXI. A atuação do Ministério Público ensejan-

do a aplicação das regras do Código Florestal

às áreas urbanas e também um aumento ex-

pressivo nos debates acerca das questões am-

bientais em meio urbano, na mídia e no meio

acadêmico, têm como consequência a dissemi-

nação de novas práticas de urbanificação de

fundos de vale.

No entanto, tais práticas ainda apre-

sentam inadequações urbanas, ambientais e

sociais. A falta de interlocução entre os diver-

sos órgãos públicos envolvidos com a questão

redundam frequentemente em intervenções

incompletas: parques lineares com rio poluído,

urbanização de favelas em áreas de risco de

enchente, remoção de população sem oferta de

moradias, entre outros. Desde a remoção com-

pleta de moradias localizadas nas áreas lindei-

ras aos cursos d’água até sua manutenção em

faixas muito próximas dos mesmos, os critérios

técnicos, principalmente aqueles relativos à

geomorfologia e à hidrologia importam pouco.

Mesmo condicionantes territoriais legais diver-

sas influenciam pouco no desenho final dos

projetos urbanos.

Diante desse quadro das práticas de ges-

tão do ambiente urbano, complexificado pelas

demandas da construção de um espaço mais

resiliente, e considerando a intersetoraliedade

e a governança urbana, discute-se o caso da

recuperação socioambiental de fundos de va-

le urbanos na cidade de São Paulo. Para tanto,

abordam-se a evolução das políticas de urbani-

zação de fundos de vale e o desafio da integra-

ção de planos e programas.

Politicas de urbanização de fundos de vale

A primeira década do século XXI viu alterações

significativas nas políticas de drenagem urbana

e urbanificação de fundos de vale em São Paulo.

Em termos de drenagem, após 100 anos

de programas que visavam o aumento da con-

dutividade hidráulica, ou a expulsão rápida das

águas precipitadas em meio urbano para ju-

sante, começou-se a pensar em diversas alter-

nativas de reservação dessas águas, a partir

da constatação que as intervenções anteriores

não foram efetivas na minoração dos riscos e

prejuí zos das inundações em meio urbano e

seus impactos eram muito grandes nos cursos

d’água à jusante. Assim, passou-se da ideia

de retificar e canalizar cursos-d’água, com o

objetivo de expulsar rapidamente toda a água

precipitada, para a elaboração de formas de re-

tardamento dessa água.

Reservar água, entretanto, significou,

principalmente, a construção de reservatórios,

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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...

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e, no entanto, mesmo essas medidas não têm

sido – e nem serão – suficientes para eliminar

as inundações,

it must be borne in mind that river channelization and reservoir construction may eliminate small or medium-sized flood events but cannot always hold back large floods. (EEA, 2001, p. 20)

Em outras cidades do mundo, algumas

décadas depois do início da construção de re-

servatórios para reter águas de chuva, tornou-

-se cada vez mais evidente a necessidade de

criar outros mecanismos para a proteção da vi-

da e do patrimônio urbano. Warner (2008) de-

monstrou como as enchentes são os desastres

mais comuns e devastadores e como os proble-

mas gerados após um evento expõem a falta

de um planejamento do uso e da ocupação do

solo, o despreparo das autoridades e a falta de

um ethos de prevenção na sociedade. Assim, de

uma forma geral, os planos passaram a consi-

derar uma série de atividades: o mapeamento

de áreas de risco de inundação, a proibição de

novas construções nessas áreas e a retirada de

estruturas existentes, a instalação e melhoria

de sistemas de previsão e alerta de inunda-

ção, a restauração dos rios e a manutenção de

barragens, entre outros. A implantação dessas

ações implicou também a criação de institui-

ções e linhas de financiamento, também desti-

nadas à prestação de socorro e às indenizações

(EEA, 2001).

Em termos de políticas públicas, surgem

premissas importantes para a drenagem urba-

na. A primeira é a necessidade de coordenação

dos diversos órgãos envolvidos com o tema,

a fim de que suas ações sejam integradas e

que um rol amplo de tipos de intervenção seja

aplicado. A segunda é tratar a questão com

rea lismo: não é possível eliminar por completo

o risco de extravasamento dos corpos-d’água.

Essa premissa gera a terceira: transparência, ou

seja, é preciso esclarecer para as comunidades

os riscos que continuam presentes em cada

medida tomada para mitigar inundações. Por

último, mas não menos importante, é preciso

considerar a questão ambiental relacionada às

inundações, que nos ambientes naturais possui

a função de renovação do substrato, ao carrear

mais sedimentos que a vazão de períodos nor-

mais. Nesse sentido, muitas das ações em curso

nas áreas urbanas têm como objetivo “dar es-paço para o rio respirar” (EEA, 2001, p. 78, tra-

dução e grifo nosso).

Tais mecanismos estão expressos nos

planos de prevenção ao risco em diversos paí-

ses europeus, como na França, cujo primeiro

plano dessa natureza se iniciou em 1994, na

bacia do Rio do Loire, Plan Loire Grandeur Nature (WWF, Loire Vivant, 1994; http://www.

inondation-loire.fr/, acessado em 2010).

Vários Estados-Membros da União Eu-

ropeia apresentam planos próprios de gestão

e mitigação de riscos de inundação. Porém,

as inundações do final da década de 1990 e,

principalmente, as inundações de 2002, nas

bacias dos Rios Elba e Danúbio, que provo-

caram cerca de 700 vítimas e exigiram que

aproximadamente 25 bilhões de euros fossem

pagos em seguros, tornaram premente uma

tomada de ação coordenada entre os países.

Entre os resultados, foi elaborado um manual

de boas práticas e também aprovada uma di-

retriz europeia específica para gerir e atenuar

as inundações.

A Diretiva 2007/60/CE, relativa à ava-

liação e gestão dos riscos de inundação,

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reconhece a inevitabilidade das inundações e

o papel do uso do solo e das mudanças climá-

ticas no acirramento de seu impacto negativo

e a necessidade de tratar as inundações no

âmbito da bacia hidrográfica como um todo. A

diretiva dá aos Estados-Membros a responsa-

bilidade pela elaboração dos planos de gestão

dos riscos de inundação, colocando algumas

diretrizes metodológicas, como a necessidade

de mapeamento de áreas inundáveis, e con-

ceituais, como “dar mais espaço aos rios” por

meio da manutenção e recuperação das planí-

cies aluviais, sempre que possível, bem como a

adoção de medidas de proteção às pessoas e

ao patrimônio.

No caso brasileiro, os planos diretores

das cidades, com base no Estatuto da Cidade,

preveem instrumentos para enfrentar esses

desafios como a criação de zonas de interesse

social e áreas protegidas, transferência do di-

reito de construir, entre outros. Porém, a reali-

dade da aplicação de tais instrumentos esbarra

em interesses de grupos econômicos e políticos

que têm influência na aprovação e deliberações

de ações municipais, mesmo as de base técni-

ca (Almeida, 2007). Alia-se às dificuldades de

implementação das políticas urbanas na ges-

tão do uso do solo, a setorialidade na aplica-

ção das políticas ambientais com repercussão

no planejamento do território. Instrumentos

das políticas ambientais, como o zoneamento

ecológico-econômico ou ambiental e o plano

de bacia hidrográfica ou de recursos hídricos,

não constituem, de fato, macrodiretrizes para o

ordenamento da ocupação e uso do solo urba-

no (Steinberger, 2006; Schult et al., 2009).

Os instrumentos citados permitem iden-

tificar áreas vulneráveis e estratégias para

prevenção, mitigação e adaptação diante de

eventos extremos em unidades tais como áreas

costeiras e bacias hidrográficas, porém não

são levados em consideração pelo município

quando do processo de tomada de decisão na

gestão do solo urbano. Tal disfunção decisional

impacta o ambiente natural urbano, com a sim-

plificação e a inadequação da escala de traba-

lho adotada, bem como pela não observação

de determinadas exigências metodológicas,

tais como: 1) adaptação dos usos às potenciali-

dades locais, 2) melhor gestão das obras e dos

espaços existentes, não apenas sob um ponto

de vista técnico (artificialização), mas também

sob um ponto de vista organizacional e regula-

mentar; 3) representação, diagnóstico e avalia-

ção dos projetos locais a partir de um sistema

mais amplo (bacia hidrográfica) sobre o qual

pesam as consequências da tomada de deci-

são, mas também no qual pode se situar a fon-

te do proble ma local e sua solução (Agences de

L’eau, 1999).

No começo de 2010, o município de Belo

Horizonte, apoiado em sua Carta de Inunda-

ções – instrumento do Plano de Recuperação

Ambiental de Belo Horizonte –, tomou algumas

ações nesse sentido: criou Núcleos de Alerta de

Chuvas e implantou placas de aviso em áreas

inundáveis, que somam 82 “manchas de inun-

dação” (Cobrape, 2010). As cartas de inunda-

ção estão disponíveis no Portal da Prefeitura

(http://www.pbh.gov.br).

O plano de drenagem de Belo Horizonte

se insere no projeto Switch – Managing Water for the City of the Future, projeto coordena-

do pela United Nations Educational, Scientific

and Cultural Organization, Unesco, e mantido

pela Comunidade Europeia em seu Sexto Pro-

grama Estrutural. Reúne uma rede de pesqui-

sadores, planejadores e consultores, visando à

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cooperação técnica, de pesquisa e ação, para

inovação em gestão e manejo das águas em

diversas cidades do mundo, com condições

diferentes de desenvolvimento e de questões

a serem tratadas.1 As questões relacionadas à

drenagem urbana e risco de inundações são

consideradas em Birmingham, Hamburgo e

Belo Horizonte (http://www.switchurbanwater.

eu/, acesso em dezembro de 2009).

De forma geral, é possível concluir que as

mudanças conceituais na forma de lidar com as

inundações têm redundado em novas políticas

de gestão desses eventos. As ações de planeja-

mento territorial e intervenção contemporâneas

recaem principalmente em planejamento do

uso do solo, com remoção paulatina da popu-

lação que vive em áreas inundáveis e em políti-

cas de “dar espaço para o rio”, protagonizadas

pelo poder público, como na parcela holandesa

do Rio Reno (Netherlands Water Partnership,

2010), o Projeto “Make room for the river”,

também na Holanda (fonte: Room for the river,

http://www.topos.de/, acesso em dez de 2009),

ou pela comunidade e outros tipos de institui-

ções, como as discussões em curso na bacia

do Danúbio, encabeçadas pela World Wildlife

Foundation, WWF (Beckmann, 2006).

Criação de áreas verdes urbanas ao longo dos cursos de água como estratégia multifuncional

Nas áreas urbanas, a política de criar espaço

para o rio tem como uma de suas principais

estratégias a criação de áreas que atendam às

demandas sociais, mas que possam conviver

com cheias periódicas. A criação de espaços

verdes públicos, consubstanciados naquilo que

a literatura chama de caminhos verdes, origi-

nalmente greenways, atende adequadamente a

essa dupla função.

O planejamento de espaços abertos

apresenta uma rica bibliografia conceitual e

empírica sobre os caminhos verdes. Apesar da

manutenção do termo historicamente cons-

truí do, recentemente o conceito evoluiu da

ideia de caminhos verdes para a de corredores

verdes e, mais recentemente ainda, passando a

integrar uma nova categoria: a infraestrutura

verde. No Brasil, usualmente dá-se o nome de

parques lineares às áreas verdes lindeiras aos

rios ou a outras estruturas lineares nos espaços

urbanos, ou corredores ecológicos, quando no

âmbito regional e fora de malhas urbanas.

Ahern (1995) conceitua os caminhos ver-

des como redes de terrenos que contêm ele-

mentos planejados, desenhados e geridos para

múltiplos objetivos, inclusos aí o ecológico, o

recreacional, o cultural, o estético, entre outros.

Segundo Searns (1995), a palavra “caminho”

indica movimento – de água, de pessoas, de

animais, de sementes – o que distingue esses

espaços livres de outros na cidade, sugerin-

do uma vocação de suporte a deslocamentos.

Frischenbruder e Pellegrino (2006) consideram

que, por vincular o desenho ou o projeto urbano

à ecologia, os caminhos verdes podem contri-

buir eficazmente para a construção de cidades

onde se viva melhor, possibilitando o contato

entre a população e a natureza e fazendo uma

ponte entre os processos sociais e naturais.

O avanço conceitual e metodológico

no planejamento de caminhos verdes se deu

com sua vinculação à infraestrutura verde co-

mo um de seus componentes, no final da dé-

cada de 1990, o que deu ainda mais ênfase

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na utilização da Ecologia da Paisagem como

metodologia para a análise do território e a

proposição de projetos. Benedict e McMahon

(2002) definem infraestrutura verde como uma

rede de áreas verdes que conservam os valores

e funções dos ecossistemas, trazendo benefí-

cios para a sociedade. O foco na conservação

em consonância com o planejamento territo-

rial e de infraestrutura é, segundo os autores,

a diferença entre planejar utilizando o conceito

de infraestrutura verde e o tradicional planeja-

mento de áreas verdes.

Nas cidades, a infraestrutura verde tem

como objetivo organizar o espaço urbano para

que esse dê suporte a diversas funções ecoló-

gicas e culturais. Embora os aspectos bióticos

e abióticos predominem nas funções buscadas

por meio da introdução da infraestrutura ver-

de, ela também deve ser vista como uma es-

tratégia para que objetivos sociais e culturais

sejam alcançados (Ahern, 2007). Dessa forma,

a infraestrutura verde é composta por uma sé-

rie de elementos, em ecossistemas naturais ou

restaurados, que conformam nós e conexões,

criando uma estrutura para o desenvolvimento

territorial (Benedict e McMahon, 2002).

Finalmente, a implantação da infraestru-

tura verde, principalmente dos corredores ver-

des e parques lineares, pode ser considerada

como política pública adequada para o trata-

mento de fundos de vale urbanos, uma vez que

atende aos objetivos de drenagem detalhados

acima. No entanto, no contexto das cidades

brasileiras, a questão se torna complexa, prin-

cipalmente pelo padrão e forma que se deu à

urbanização dessas áreas.

Políticas de recuperação socioambiental de fundo de vale em São Paulo

Em meados da década de 2000, começaram a

ser idealizadas novas políticas públicas que tra-

tam as várzeas e rios urbanos no Município de

São Paulo, cujo pano de fundo é formado pelo

Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002, bem

como os Planos Regionais Estratégicos de 2004.

As águas superficiais ganharam um

status importante no PDE; nesse, a rede de

águas superficiais foi considerada como um

dos quatro elementos estruturadores do terri-

tório municipal e recebeu a denominação Rede

Hídrica Estrutural.2 Essa rede é composta pe-

los rios, córregos e talvegues,3 e ao longo dela

devem ser propostas intervenções urbanas de

recuperação ambiental, drenagem, recompo-

sição da vegetação e saneamento. Para tanto,

o PDE instituiu o Programa de Recuperação

Ambiental de Cursos de Água e Fundos de Va-

le, que deveria compreender um conjunto de

ações coordenadas pela Secretaria Municipal

de Planejamento (Sempla), pela Secretaria

Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e pela

Secretaria Municipal de Habitação (Sehab)

com a participação da sociedade e o apoio da

iniciativa privada.4

A implementação desse programa teria

como objetivo promover progressivamente a

implantação dos parques lineares e dos cami-

nhos verdes, de modo a aumentar a permeabi-

lidade nas várzeas, a ampliar as áreas de lazer,

a integrar as áreas de vegetação significativa

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e de interesse paisagístico, a ampliar e arti-

cular os espaços públicos (preferencialmente

os arborizados) de circulação e bem-estar dos

pedestres e construir pistas de caminhada e

corrida ao longo dos vales. Por fim, implantar

sistemas de retenção de águas pluviais, quando

necessário. O programa também pretendia re-

cuperar áreas degradadas, promover o reassen-

tamento da população que vive às margens de

rios e córregos, melhorar o sistema viário local,

promover ações de saneamento ambiental e

localizar os equipamentos sociais nas proximi-

dades dos parques. O programa não foi criado;

se houvesse sido, o conjunto das ações previs-

tas no plano, se coordenadas, caracterizar-se-ia

como um verdadeiro projeto urbano ambiental,

podendo avançar na solução da desarticulação

entre as ações setoriais.

A partir dos parques definidos no Plano

Diretor Estratégico e nos Planos Regionais Es-

tratégicos, e na ausência de um programa que

congregasse os diversos órgãos do poder pú-

blico, a Secretaria do Verde e do Meio Ambien-

te, por sua atribuição setorial, tinha em suas

mãos um plano ambicioso do ponto de vista

da quantidade de parques que lá estavam gra-

vados. Cabia a esse órgão, então, estabelecer

critérios para implantar um número expressivo

de intervenções que integravam a Política Am-

biental do município.

A secretaria criou, então, o Progra-

ma “100 Parques para São Paulo”. Segundo

Devecchi (2008), a estratégia adotada foi a de

criar um banco de terras público, adequado à

prestação de serviços ambientais, e construir

um plano de adaptação às mudanças climá-

ticas globais, ainda que não tenham sido de-

talhados, a priori, os parâmetros para tanto.

A manutenção dos fundos de vale livres de

ocupação densa e preferencialmente como

parques urbanos atende ambos os objetivos;

portanto, a inclusão dos parques lineares idea-

lizados no PDE e nos PREs é uma tática impor-

tante para o programa.

Para a consecução de suas metas, o pro-

grama estabelece algumas regiões para concen-

trar ações: a borda da Cantareira, área limite de

expansão da mancha urbana ao norte, a área

de proteção aos mananciais sul, nas bacias das

represas Billings e Guarapiranga, e nas nascen-

tes do rio Aricanduva, ao leste. As intervenções

do programa nessas regiões devem se dar a

partir de três critérios: a identificação de proje-

tos de parques lineares, a identificação de im-

portantes áreas de produção de água para os

mananciais e a criação de um sistema de áreas

verdes que possibilite a consolidação de cor-

redores ecológicos (Devecchi, 2008). Por outro

lado, a secretaria atende às subprefeituras que

demandam a construção de parques lineares

em seus territórios.

A análise do universo dos primeiros par-

ques lineares em projeto ou em construção

atualmente, no entanto, não evidencia o crité-

rio realmente utilizado para sua escolha. É pos-

sível perceber, no entanto, que a recuperação

de áreas públicas, um dos parâmetros do pro-

grama “100 Parques para São Paulo”, é uma

questão importante na escolha dos perímetros

que vêm se efetivando como parques. A quase

totalidade das áreas inseridas nesses é de pro-

priedade do poder público, o que elimina um

grande entrave à consecução dos parques: a

desapropriação de terras. Resta, no entanto, a

questão da remoção e realocação dos domicí-

lios que se localizam nessas áreas.

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Não há, na seleção dos perímetros, parâ-

metros relacionados às áreas de maior risco à

inundação, mesmo porque o município ainda

não conta com um plano de drenagem, nem

foram levantadas as manchas de inundação,

a despeito dos inúmeros problemas que vive

o município no manejo de suas águas superfi-

ciais. O plano de drenagem que está em ela-

boração atualmente considera somente uma

parcela do território municipal, seis sub-bacias.

O Plano Municipal de Habitação (São

Paulo (Município), Sehab, 2009a) – cuja ela-

boração foi uma exigência do PDE – coloca

para a política habitacional cinco princípios

fundamentais: moradia digna, justiça social,

sustentabilidade ambiental como direito à ci-

dade, gestão democrática e gestão eficiente

dos recursos públicos. A moradia digna está

relacionada tanto com as questões fundiárias

e edilícias do domicílio quanto com o contexto

urbano e de infraestrutura, que precisa atender

às demandas, o que se vincula imediatamente

com a questão da justiça social, a ideia de que

a propriedade e a cidade devem cumprir sua

função social. A sustentabilidade ambiental é

entendida como a garantia do direito à cidade,

que suscita a integração entre a política habi-

tacional e aquelas de desenvolvimento social e

econômico, mobilidade, saneamento e preser-

vação ambiental. A gestão democrática reúne

as estratégias para garantia do controle social

da política, enquanto a gestão dos recursos vi-

sa universalizar o atendimento às famílias de

renda até seis salários mínimos.Tais premissas

levam a um rol bastante amplo de diretrizes,

dentre as quais se destacam, aqui:

• articular as políticas municipais de de-senvolvimento urbano, de promoção social e de recuperação e preservação ambiental;

• articular as ações de diferentes progra-mas habitacionais para integrar a urbani-zação e regularização de assentamentos precários ao saneamento de bacias hi-drográficas, visando sua recuperação am-biental, contribuindo para a recuperação de toda a Bacia do Alto Tietê;• estimular a diversidade de soluções e a adequação dos projetos aos condicio-nantes do meio físico, visando a melhoria da qualidade paisagística e ambiental do empreendimento habitacional. (São Paulo (Município), Sehab, 2009a, p. 10)

Um dos principais instrumentos para

subsidiar as ações da secretaria na consecução

do Plano Municipal de Habitação é o Sistema

de Priorização de Intervenções, uma vez que a

distância entre a demanda por regularização e

atendimento habitacional e os recursos dispo-

níveis para tanto no âmbito do município, exi-

gem que se procedam escolhas sobre em quais

áreas intervir.

Um primeiro parâmetro da classifica-

ção estabelece a possibilidade de atuação na

própria área, ou seja, se os assentamentos,

loteamentos ou favelas são passíveis de urba-

nização, ainda que parcialmente, ou se devem

ser removidos. A partir daí, a classificação se

dá por critérios de precariedade, e as ações,

por tipo de intervenção: remoção, urbaniza-

ção, regularização fundiária e regularização

registrária. As variáveis utilizadas para medir

a precariedade são agregadas em três grandes

dimensões: infraestrutura, risco de solapamen-

to ou escorregamento e saúde – que se agrupa

com uma quarta dimensão, o Índice Paulista

de Vulnerabilidade Social. A partir desses cri-

térios, estabelecem-se aqueles núcleos mais

precários onde devem prioritariamente ocorrer

as intervenções.

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Um avanço da metodologia de prioriza-

ção é seu agrupamento por bacias hidrográ-

ficas dos afluentes do Rio Tietê, ou por suas

sub-bacias. A ideia então é requalificar todo o

território dessas bacias a partir do trabalho em

seus assentamentos precários. Assim, a priori-

zação por bacia ou sub-bacia leva em conta a

relação entre a área ocupada em determinada

bacia por assentamentos precários e a priori-

dade de intervenção expressa no índice. Com

a aplicação desse procedimento, as bacias em

pior situação socioambiental serão as primeiras

focadas pelos trabalhos de urbanização.

Do universo de 1.637 favelas no muni-

cípio de São Paulo, há 569 que se encontram

total ou parcialmente sobre áreas de várzea

ou sobre o leito de rios, somando aproximada-

mente 224 mil domicílios. Dessas, 40 se encon-

tram totalmente sobre essas áreas, com quase

13 mil domicílios e, de acordo com os critérios

da Sehab, elas não são urbanizáveis (São Paulo

(Município), Sehab, 2009b). Dentre as restan-

tes, há somente duas que não podem ser urba-

nizadas, e as demais são passíveis de reurbani-

zação, ainda que sofram algumas remoções de

áreas de risco ou para desadensamento.

Com o imenso e crescente5 contingente

de assentamentos precários em fundo de vale,

os programas de urbanização de favelas têm

se pautado pela manutenção dos assentamen-

tos, por meio da implantação de infraestrutura,

evitando ao máximo as remoções, o que, em

determinados casos, pode representar a manu-

tenção de uma situação de risco, em locais vul-

neráveis à inundação. Ou seja, a urbanização

de favelas em muitos casos tem significado a

criação de um novo passivo, que precisará ser

novamente objeto de políticas públicas futura-

mente. Tal prática cada vez mais suportada

pela flexibilização do Código Florestal em

áreas urbanas, notadamente pela Lei Federal

n. 11.977, de 2009, que instituiu o Minha Casa

Minha Vida, que serve agora como modelo pa-

ra a revisão desse Código.

Com relação ao saneamento, o Progra-

ma Córrego Limpo, um acordo entre a Prefeitu-

ra Municipal de São Paulo e a Sabesp foi criado

em 2007 com o objetivo de, por meio de ações

integradas nas bacias hidrográficas, sanear 300

córregos no município. A primeira etapa do

programa, que terminou em 2009, abrangeu 42

córregos, e a segunda etapa, 58. As interven-

ções programadas são executadas pela Sabesp

e pelos diversos órgãos da prefeitura muni-

cipal. As ações a cargo da empresa estadual

são relacionadas à eliminação das ligações

clandestinas ou inadequadas, manutenção das

redes, elaboração de projetos, licenciamento e

execução de ligações, coletores e estações ele-

vatórias, monitoramento da qualidade da água

e informação ambiental à população local. As

ações municipais são de limpeza de margens e

leitos de córrego, manutenção da rede pluvial,

contenção de margens e remoção de popula-

ção das áreas ribeirinhas por onde deve passar

a infraestrutura, reurbanização de favelas, im-

plementação de parques lineares, sempre que

possível, e notificação de proprietários para

que regularizem suas conexões (www.corrego-

limpo.com.br, acessado em janeiro de 2009).

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Figura 1 – Urbanização de favela no Recanto do Paraíso,Zona Norte do município de São Paulo

Fonte: Foto de Luciana Travassos (2009).

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A meta referencial para os rios é a rela-

tiva à classe 3 da Resolução 357 do Conama,

uma água que possa ser convertida em potá-

vel a partir de um tratamento convencional ou

avançado, o que exige bastante controle da

recepção de efluentes no corpo d’água. Esse

padrão possibilita também a recreação secun-

dária, a irrigação e a pesca, uma vez que exi-

ge a ausência de substâncias tóxicas na água

(São Paulo (Estado), Sabesp, São Paulo (Mu-

nicípio), 2007).

O Programa Córrego Limpo parte de uma

constatação inicial de que, mesmo em bacias

onde foi completada a rede de esgotamento

sanitário, permaneceu algum nível de poluição

nos rios, pelo lançamento clandestino de es-

goto, pela disposição inadequada de resíduos

sólidos, pela falta de manutenção da rede de

coleta ou por descontinuidades temporárias na

mesma, em razão da execução de obras. Assim,

ao lado das obras estruturais, devem ser consi-

deradas as ações operacionais, como elimina-

ção de conexões clandestinas, manutenção e

programas de educação ambiental, ações que,

pela sua natureza, são ainda mais efetivas se

realizadas em parceria com as prefeituras. Uma

das maiores dificuldades na consecução do sa-

neamento ambiental, segundo o relatório de

apresentação do programa, é a existência de

ocupações precárias nas áreas de fundo de va-

le, uma vez que, como o afastamento de esgo-

tos é feito por gravidade, nessas áreas devem

ser implantados os coletores-tronco.

Os critérios de priorização para a escolha

dos córregos que seriam despoluídos na pri-

meira fase do programa foram estabelecidos

em diversas reuniões entre a PMSP e a Sabesp.

Um dos primeiros critérios, e o principal, é que

os trabalhos pudessem ser realizados em curto

prazo (dois anos). Além disso, estabeleceu-se

que seriam priorizados os córregos a céu aber-

to e que os trabalhos seriam feitos de forma

integrada entre os dois órgãos, em suas atribui-

ções. No entanto, ao observar o rol de ações a

cargo de cada instituição, fica patente a impos-

sibilidade de cumprimento de todas as ações

no horizonte de dois anos, principalmente ao

se levar em conta a questão habitacional, uma

vez que as remoções e reurbanizações dificil-

mente acontecem de forma adequada em um

curto horizonte de tempo. O critério tempo

restringe também a consecução de ações às

bacias localizadas nas áreas mais consolidadas

do município, onde boa parte das questões de

saneamento já se encontra resolvida.

Nesse contexto, os córregos em que não

seria viável a implementação das obras no pe-

ríodo estimado foram substituídos por outros,

o que possibilitou que, conforme publicado pe-

lo Programa, ao final do primeiro período, 42

córregos tivessem sido limpos, ao menos em

algum trecho. No final de 2011, era anunciada

a conclusão das intervenções em 106 córregos

do município (www.corregolimpo.com.br, aces-

sado em novembro de 2012).

A questão reside no fato que, embora o

saneamento ambiental, dado o imenso passivo

colocado, seja uma atividade primordial mes-

mo nas áreas mais estruturadas, seu potencial

de transformação urbana e ambiental é mais

significativo quando colocado em áreas mais

precárias e em conjunto com outras iniciativas,

sejam elas da prefeitura ou do Estado. Confor-

me encaminhado, o Programa Córrego Limpo

acaba restrito às suas atribuições setoriais de

saneamento ambiental.

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O desafi o da integração de planos e programas para recuperação socioambiental dos fundos de vale

A análise desses planos e programas eviden-

cia a importância estratégica que os fundos

de vale, rios e várzeas adquiriram para a solu-

ção de uma série de questões de cunho social

e ambiental na cidade de São Paulo. Há, nos

textos, o reconhecimento de que nessas áreas

se encontra a população mais pobre, vivendo

em situação mais precária. É ali também que

a vulnerabilidade social encontra a fragilidade

ambiental, de forma mais eloquente. Por outro

lado, é nos fundos de vale que se deve imple-

mentar uma parcela importante das estruturas

de esgotamento sanitário. São, então, locais-

-chave para projetos urbanos de habitação,

áreas verdes, saneamento e drenagem.

Como resposta às questões colocadas,

os planos trazem diversas inovações técnicas

e certamente expõem uma nova abordagem

com relação ao tratamento a ser dado para os

fundos de vale urbanos, indicando inclusive a

necessidade de articulação entre os diversos

órgãos públicos envolvidos no tema, tanto de

âmbito municipal como estadual. Mais do que

isso, do ponto de vista da observação da rea-

lidade e das premissas para a intervenção, os

planos possuem abordagens convergentes. Al-

gumas questões, porém, merecem discussão.

A primeira delas está diretamente re-

lacionada às diferenças entre as diretrizes de

cada plano ou programa – apesar da análise

da problemática e das premissas de interven-

ção serem semelhantes – o que implica que

as ações e os recursos alocados dos principais

órgãos vinculados a cada um deles acabem

sendo aplicados a regiões diferentes do terri-

tório, mantendo o caráter setorial das ações

do poder público. Embora o passivo urbano-

-ambiental, de ordenação territorial e de sa-

neamento ambiental, bem como a ausência

de áreas verdes públicas por toda a mancha

urbana, pudesse ratificar a atuação do poder

público em qualquer região, a integração en-

tre as ações – considerando ainda que cada

órgão possui competências não concorrentes

entre si –, a partir da definição de áreas em

comum para as intervenções, possui uma ca-

pacidade de transformação mais expressiva

do tecido urbano e, portanto, pode contribuir

de forma mais efetiva para a melhoria da qua-

lidade de vida.

O mapa a seguir ilustra essa questão,

mostrando as áreas de atuação prioritária dos

programas 100 Parques, Córrego Limpo e Mi-

crobacias Prioritárias e Favelas Complemen-

tares, as ações realizadas ou em andamento

até 2009.

Enquanto a metodologia de escolha

do Plano Municipal de Habitação prioriza as

ocupa ções mais precárias e, portanto, mais

vulneráveis, o Programa Córrego Limpo possui

como premissa a conclusão das intervenções

em curto prazo de tempo, dois anos. Por outro

lado, o Programa 100 Parques, da SVMA, em-

bora tenha atendido a algumas subprefeituras

em sua demanda por parques lineares, tem

como política enfatizar a implantação de par-

ques em áreas livres de ocupação, na Macrozo-

na de Proteção Ambiental,6 principalmente na

Área de Proteção aos Mananciais e na Zona de

Amortecimento da Cantareira.

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Mapa 1 – Parques lineares, favelas urbanizadas e córregos saneados

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Assim, é possível dizer que, enquanto os

programas da Sehab começam pelas áreas de

maior conflito, o Programa 100 Parques (com

exceções) e o Programa Córrego Limpo optam

por áreas onde os conflitos são menores, no

intuito de realizar mais ações em um espaço

de tempo mais curto e aproveitar as oportu-

nidades. Esse desencontro faz com que as in-

tervenções em áreas de habitação precária nos

fundos de vale, especialmente no que concerne

ao saneamento, à drenagem e à criação de es-

paços públicos, sejam restritas.

Como consequência, observam-se ina-

dequações em todos os programas. A criação

de parques lineares muitas vezes encerra-se

nas áreas onde não existem habitações pre-

cárias e que não estão vinculadas diretamente

ao sanea mento ambiental, resultando muitas

vezes em um parque linear com o rio sujo e de-

gradado. Do mesmo modo, as urbanizações de

favela, embora implantem sistemas de esgota-

mento sanitário em áreas públicas lindeiras aos

rios, frequentemente não têm um sistema pú-

blico de esgotamento no qual possam conectar

sua rede criada e não conseguem recuperar a

paisagem relacionada ao rio, mantendo-o co-

mo um problema sanitário e urbanístico, ou

simplesmente tratando-o de forma tradicional.

Já o Programa Córrego Limpo, por ser implan-

tado principalmente em áreas já estruturadas

e consolidadas, mantém a abordagem setorial

do saneamento.

Uma primeira análise necessária à im-

plantação das intervenções na rede de rios

e córregos e suas várzeas deve passar pela

escala dessas intervenções. De uma forma

geral, embora as secretarias estejam em-

penhadas em seus programas, a escala das

intervenções realizadas é ainda pequena

para que surta um impacto regional positi-

vo, principalmente quando se trata de dre-

nagem, do aumento de áreas verdes e da

qualidade da água. Quando se analisam as

questões habitacionais, a esfera regional

também não possui indicadores satisfatórios,

principalmen te porque em algu mas reurbani-

zações a quantida de de remoções é muito su-

perior à quantidade de unidades habitacionais

construídas. Assim, embora a precariedade

seja resolvida no âmbito local, ela permane-

ce para uma parcela significativa das famílias,

que provavelmente vão habitar outro assenta-

mento precário, no próprio município ou nos

outros municípios da Região Metropolitana.

Ao menos até o final da década de 2000,

em nenhum dos casos as intervenções foram

implantadas ao longo de um curso d’água intei-

ro, mesmo nas áreas de maior fragilidade am-

biental, como é o caso das Áreas de Proteção

e Recuperação de Mananciais. Nessas áreas,

contudo, já é possível observar uma aproxima-

ção entre as obras do Programa Córrego Limpo

e aquelas de urbanização de favelas. E, apesar

dos planos descritos no capítulo anterior des-

tacarem a necessidade de coordenar as ações

entre órgãos públicos, a observação das inter-

venções programadas no Plano de Metas para

2012 e na segunda fase do Programa Córrego

Limpo, expostas no mapa da página seguinte,

mostra que tal coordenação ainda não aconte-

cerá em um curto prazo.

Ao lado disso, observa-se que, à exce-

ção do Plano Municipal de Saneamento, que

possui um conselho gestor intersecretarial

para o Fundo de Saneamento Ambiental e In-

fraestrutura ali estabelecido, os demais planos

não estabelecem uma forma institucional nas

quais tais diretrizes poderiam ser integradas,

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não resolvendo um dos principais desafios à

integração das políticas públicas, que é de

gestão. É possível que a força do montante

de recursos colocado no fundo promova inter-

venções compartilhadas, mas, sob a mesma

estrutura administrativa compartimentada, há

pouca garantia de mudanças expressivas e de

tomadas de ação intersetoriais.

A governança é pouco estimulada nos

planos, considerando principalmente a falta

de participação da população nas tomadas de

decisão. A grande questão aqui é que, mesmo

que os planos estejam corretos do ponto de

vista técnico, é o controle social que os pode

legitimar, por um lado, e garantir que sejam

executados, por outro. Do contrário, aumentam

as chances de que os planos não sejam ple-

namente utilizados e que os critérios políticos

continuem sobrepujando os técnicos na defini-

ção das intervenções.

Além disso, os planos não consideram de

forma expressiva os níveis administrativos mais

locais, ou seja, as subprefeituras. Como esses

órgãos são também aqueles que estão mais

próximos da população, sua presença poderia

ser estratégica na discussão, implementação e,

principalmente, na gestão das intervenções e

dos espaços criados.

Esse último item, monitoramento e ges-

tão pós-intervenção, também está em grande

medida ausente dos planos, e muitas vezes

também, do orçamento municipal, o que ge-

ra uma série de problemas de pós-ocupação

e manutenção e, portanto, precisa ser levado

em consideração.

Adicionalmente, ainda que possamos

considerar relevante o montante de recursos

destinados às diversas intervenções, sua com-

paração com outras políticas coloca a importân-

cia dada ao tema em perspectiva: o montante

de recursos para a canalização de córregos no

período de 2007 a 2009 é quase cinco vezes o

valor destinado à criação de parques lineares,

considerando as verbas da Secretaria do Verde

e do Meio Ambiente – SVMA, da Secretaria de

Infraestrutura Urbana – Siurb, e o Fundo Mu-

nicipal de Desenvolvimento Urbano – Fundurb

(São Paulo, Sempla, 2010).

Se por um lado a não integração das

ações redunda em políticas que não conse-

guem romper o caráter setorial, por outro,

fazem com que haja um atendimento mais

abrangente, com maior distribuição de recursos

públicos pelo território. Por conseguinte, nos

mais diversos locais e contextos socioeconô-

micos da cidade observam-se ações que visam

à melhoria da qualidade ambiental urbana. Tal

fato demonstra também a importância adquiri-

da pela dimensão ambiental, que permeia to-

das as intervenções em curso. Nas áreas mais

consolidadas, essas ações vêm completar a

infraestrutura sanitária, o que é necessário.

Porém, em um contexto em que é imprescindí-

vel priorizar a destinação das verbas públicas,

seria interessante que essas se destinassem às

regiões onde esse recurso é mais urgente e on-

de houve, historicamente, menor investimento

do poder público. Além do mais, nas áreas con-

solidadas, poder-se-ia enfatizar as parcerias pú-

blico-privadas para a realização dessas obras.

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Figura 2 – Trecho do Parque Linear do Ribeirão Itaim: a não completudedo sistema de coleta de esgotos mantém a degradação do curso d’água

Fonte: Foto de Luciana Travassos (2008).

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Figura 3 – Canalização de córrego em galeria no Jardim Guarani

Fonte: Foto de Luciana Travassos (2009).

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Considerações fi nais

Do ponto de vista teórico e da agenda am-

biental, as políticas de recuperação de fundo

de vale e ao longo de cursos de água conver-

gem na perspectiva da recuperação socioam-

biental urbana na medida em que ressaltam

a importância da adoção de novas abordagens

em drenagem urbana e do atendimento às de-

mandas por áreas verdes, de lazer e serviços

ambientais nas cidades, ou seja, sua impor-

tância para a implantação de uma infraestru-

tura verde. No entanto, no caso analisado no

município de São Paulo, bem como nas gran-

des cidades brasileiras, adotar essas políticas

significa ainda lidar com os assentamentos

precários que têm ali uma de suas localizações

principais, reconhecendo a cidade que ocupa

hoje os fundos de vale e resolvendo as ques-

tões afetas a essa ocupação. Assim, para além

das políticas de drenagem, saneamento e cria-

ção de áreas verdes, ganham importância no

contexto brasileiro as políticas de urbanização

de assentamentos precários e habitação de in-

teresse social.

Um dos principais desafios colocados à

eficiência, à consolidação e à ampliação des-

sas políticas é sua integração, o que passa pela

interação institucional e sua necessária coor-

denação, em um ambiente de crescente gover-

nança. A integração e articulação institucional

podem ser favorecidas com instrumentos mul-

tiescalares como o plano de bacia hidrográfica,

o plano regional ou metropolitano multiseto-

rial, o zoneamento ecológico-econômico ou,

ainda, um programa que considerasse ao me-

nos as bacias onde as intervenções estão acon-

tecendo. O que se observa, no caso analisado, é

que essas articulações não se manifestam nem

na definição de diretrizes de planejamento e

ação, nem como base para um arranjo institu-

cional inovador. A governança e o compartilha-

mento e a corresponsabilização em conexões

institucionais não estão claramente objetiva-

dos nas estratégias e metas dos planos e pro-

gramas. Para Berkes (2005) a cooperação de

multi-stakeholders, a classe emergente de ins-

tituições para a promoção da “ciência cidadã”

e as redes de movimento sociais podem favore-

cer a melhoria na gestão dos recursos naturais

e do espaço urbano. Para tanto, é necessário

que haja um programa intersetorial que, consi-

derando as funções múltiplas das várzeas e dos

rios urbanos e os diversos problemas ambien-

tais, sociais e urbanos neles encontrados, prio-

rize as regiões e as sub-bacias da cidade onde

as intervenções devem ocorrer, com objetivos e

horizontes temporais diversos.

O Plano Diretor Estratégico criou as ba-

ses legais para um programa que pode cumprir

essa função, indicando inclusive seus objetivos

e atividades, ao propor o Plano de Recuperação

Ambiental de Cursos-d’Água e Fundos de Vale,

vinculado à Rede Hídrica Estrutural. Contudo,

deixou em aberto quais órgãos participariam

da concepção de tal plano e quaisquer procedi-

mentos para sua instituição.

Além disso, para que um programa inter-

setorial seja estabelecido, é preciso que haja

um grupo com as mesmas características que

o sustente. Esse deve contar com uma equipe

técnica composta por funcionários dos diversos

órgãos públicos participantes, conformando

um verdadeiro grupo de trabalho, com dedi-

cação exclusiva ao tema da recuperação dos

fundos de vale. Como os objetivos e deman-

das para cada intervenção são diferentes, seria

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interessante que um órgão de planejamento,

como a Secretaria Municipal de Desenvolvi-

mento Urbano, no caso de São Paulo, fosse pro-

tagonista em tal grupo de trabalho, assumindo

um papel de coordenação das ações. O grupo

também deveria contar, no mínimo, com as se-

cretarias do Verde e do Meio Ambiente, de Ha-

bitação, de Infraestrutura Urbana, de Coorde-

nação das Subprefeituras, de Segurança Pública

(em sua divisão de Defesa Civil), de Saúde, de

Assistência Social, de Esportes e de Educação,

uma vez que as ações em voga têm relação

direta com seus temas de trabalho. De forma

mais ampliada, o grupo poderia ser formado

por diferentes instâncias de governo, contando

também com a participação de órgãos esta-

duais importantes às obras, como as secreta-

rias de Saneamento e Energia (especialmente

a Sabesp e o DAEE), de Habitação e do Meio

Ambiente.

A partir do trabalho técnico coletivo, o

Plano de Recuperação Ambiental de Cursos-

-d’Água e Fundos de Vale proporia um conjun-

to de estratégias que serão utilizadas em cada

caso, para responder às demandas colocadas:

redução de inundações, aumento de permeabi-

lidade na várzea ou na bacia, urbanização de

favelas, remoção de famílias de áreas de risco,

desafetação de áreas públicas, desapropriação,

revegetação e implementação de infraestrutura

de esgotamento sanitário. O plano assim con-

cebido deverá servir de diretriz para a prioriza-

ção das ações setoriais de cada órgão, com re-

lação às suas políticas para os fundos de vale,

e redundaria em intervenções mais completas e

menos desiguais pelo território.

Luciana TravassosArquiteta urbanista, doutora em Ciência Ambiental, professora contratada da Faculdade de Arquite-tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, [email protected]

Sandra Irene Momm SchultArquiteta urbanista, doutora em Ciência Ambiental, professora adjunta da Universidade Federal do ABC. Santo André/SP, [email protected]

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Notas

(1) As cidades são Acra (Gana), Alexandria (Egito), Pequim e Chongqing (China), Lima (Peru), Cali (Colômbia), Belo Horizonte (Brasil), Birmingham (Grã-Bretanha), Hamburgo e a região do Emscher (Alemanha), Lodz (Polônia), TelAviv (Israel) e Zaragoza (Espanha).

(2) Além dela, são elementos estruturadores: a Rede Viária Estrutural, a Rede Estrutural de Transporte Público Cole vo e a Rede Estrutural de Eixos e Polos de Centralidade. Permeando os elementos estruturadores, estão os elementos integradores, a habitação, os equipamentos sociais, as áreas verdes e os espaços públicos.

(3) Talvegue é o ponto de encontro entre duas vertentes de morro, podendo conter ou não um curso d’água perene, é usado no PDE provavelmente para incluir as linhas de drenagem que não são permanentemente atravessadas por um curso d’água. No entanto, os talvegues não são de fato considerados nos mapas ou quadros da lei, assim como não o são todos os rios e córregos.

(4) Assim está expresso no PDE: a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, durante a gestão de Marta Suplicy (2001 a 2004) teve sua nomenclatura alterada para Secretaria Municipal do Meio Ambiente, voltando posteriormente ao seu nome de origem, enquanto as atribuições relacionadas à urbanização saíram da Sempla e passaram, mais recentemente, à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, SMDU.

(5) Diversos trabalhos mostram, no município de São Paulo, a relação entre o crescimento populacional nos fundos de vale, fora deles e os padrões de renda de cada um: nessas áreas a população cresce a taxas maiores que em outros trechos das bacias e possui renda inferior (Travassos, 2004; Alves e Torres, 2006).

(6) O Plano Diretor Estratégico defi niu duas Macrozonas: de Estruturação e Qualifi cação Urbana e de Proteção Ambiental. Esta abrange as Áreas de Proteção aos Mananciais, além das Unidades de Conservação de Uso Restrito e as bordas municipais ao leste, oeste e norte.

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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...

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Texto recebido em 26/set/2012Texto aprovado em 5/nov/2012

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Desarrollo regional y sustentabilidad:turismo cultural en la región sur de Jalisco

Regional development and sustainability:cultural tourism in Southern Jalisco

José G. Vargas Hernández

ResumenEste estudio tiene como objetivo determinar el

potencial del turismo cultural en los municipios

que conforman la región 6 del Estado de Jalisco,

territorialmente delimitado en el Sur de Jalisco.

Primeramente se identif ica la demanda de

turismo cultural para conocer el perfi l del turista

cultural bajo los supuestos de que los turistas

especialmente motivados por la cultura tienden

a viajar distancias más largas que la mayoría

de los turistas. Se analizan las motivaciones y

satisfacciones de los turistas culturales con el fi n de

establecer el potencial de mercado de acuerdo con

las características del mercado meta en la región

Sur de Jalisco. Cualquier operación de las empresas

de turismo cultural debe hacer el diagnóstico

estratégico, lo que explica el uso del análisis

FODA como una herramienta para la planifi cación

estratégica de las empresas de turismo cultural.

Por último, se proponen algunas estrategias de

desarrollo del turismo cultural en esta región del

Sur de Jalisco.

Palabras clave: desarrollo regional; empresas de

turismo; Sur de Jalisco; turismo cultural.

AbstractThis study aims to determine the potential of cultural tourism in the municipalities that comprise region 6 of the State of Jal isco, Mexico, territorially delimited in the South of Jalisco. First, the demand for cultural tourism is identified to determine the profile of the cultural tourist, under the assumption that such tourists, especially motivated by culture, tend to travel longer distances than most tourists. Then, the motivations and satisfactions of cultural tourists are analyzed in order to establish the market potential in accordance with the characteristics of the target market in the Southern region of Jalisco. Any operation performed by cultural tourism companies should undergo a strategic diagnosis, which explains the use of SWOT analysis, a tool for the strategic planning of cultural tourism enterprises. Finally, some strategies for the development of cultural tourism in the region of Southern Jalisco are proposed.

Keywords: regional development, tourism companies, Southern Jalisco, Cultural Tourism.

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Introducción

Hay una conciencia creciente de la importancia

de la cultura, las artes, festivales, sitios de

patrimonio natural y cultural y el folclore.

La diversidad cultural es la base del turismo

cultural y patrimonial. El turismo cultural

ha estado en el centro de la industria del

turismo en Europa y ahora otros países

están empezando a desarrollar sus propias

actividades (Nzama, Reyes Magos y Ngcobo

2005). El turismo cultural es un producto

turístico en sí mismo y puede dar importantes

contribuciones al desarrollo económico

regional. El desarrollo implica el diseño, la

comercialización y la promoción de nuevos

productos del patrimonio cultural turístico y las

actividades durante la creación de un ambiente

seguro y de fácil manejo para los visitantes y

las comunidades locales.

A pesar de que la Región Sur del Estado

de Jalisco en México es considerado uno de las

más ricas culturalmente en las manifestaciones

y expresiones de la literatura latinoamericana,

la pintura, etc., el turismo cultural es casi

inexistente. Las comunidades locales no

suelen estar activamente interesados en temas

relacionados con el turismo cultural y no

entienden cuáles podrían ser los beneficios. Por

otra parte, existe una falta de datos fiables sobre

el turismo cultural para la Región Sur de Jalisco.

El turismo cultural no es ni común

ni universal. Aunque las organizaciones,

gob ie rnos y comun idades no deben

considerarse el turismo cultural como parte de

sus intereses principales, aprecian y entienden

las consecuencias y posibilidades de turismo

(Jamieson, 1998). También hay escasez de

datos e información sobre la práctica de

actividades de turismo cultural. Los cambios

sociales dinámicos que ocurren en la Región

Sur de Jalisco, hacen que sea difícil obtener

información útil como insumo confiable para

el diseño, la aplicación y la eficacia de las

políticas de turismo cultural.

El objetivo de este estudio es hacer

frente a la falta de actividades de turismo

cultural y de infraestructura en la Región Sur

de Jalisco. Uno de los objetivos de este estudio

exploratorio es recoger aportaciones sobre si

la Región Sur de Jalisco se puede transformar

en un destino de turismo cultural. El concepto

de turismo cultural puede ser formulado

después de entender las actividades culturales

que ofrece la comunidad, considerada como

un activo para el desarrollo económico

regional. El turismo cultural es una opción

para crear empleo, mejorar la calidad de vida

y poner en práctica iniciativas de erradicación

de la pobreza.

Como estrategia de marketing, el turismo

cultural es una de las últimas palabras de moda

para atraer a los visitantes a lugares de interés

cultural. Destinos de turismo cultural que

ofrecen productos y servicios culturales ligados

por la geografía, pueblos, folclore, historia,

fiestas, experiencias de arte y de rendimiento

pueden ser comercializados a los visitantes

locales y extranjeros. El turismo cultural en la

Región Sur de Jalisco puede ofrecer beneficios

potenciales para el desarrollo económico

regional y para los visitantes, así, debido a la

presencia de recursos adecuados. Un enfoque

integrado que incluya a todos los interesados

debe ser inclusivo y participativo para asegurar

emprendimientos culturales sostenibles y

sustentables, integrales y eficientes de turismo.

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La duración del turismo cultural está

fuertemente influenciada por enfoques

profesionales que se refieren a un concepto más

bien que a un determinado conjunto de objetos,

artículos o productos. La Organización Mundial

del Turismo (OMT) define el turismo como

el concepto que comprende las actividades

de personas que viajan y permanecen en

lugares distintos al de su entorno habitual,

por no más de un año consecutivo por ocio,

negocios y otros motivos (WTO – World Tourism

Organization, 2000, p. 4). El turismo cultural se

define como el movimiento de personas por

motivaciones esencialmente culturales, que

incluyen viajes de estudio, las artes escénicas,

visitas culturales, viajes a festivales, visitas

a sitios históricos y monumentos, folklore y

peregrinaciones (WTO, 1985).

El concepto de turismo cultural abarca

una amplia gama de puntos de vista que

reúnen un conjunto completo expresiones

humanas y manifestaciones que realizan los

visitantes a experimentar el patrimonio, las

artes, estilos de vida, etc., de las personas que

viven en los destinos culturales. Patrimonio

turístico se considera generalmente como

el turismo cultural. Patrimonio turístico se

refiere a los lugares que visitan los turistas de

importancia tradicional, histórica y cultural, con

el objetivo de aprender, prestar respecto a fines

recreativos (Nzama et al., 2005).

El turismo cultural es un término que

abarca los sitios históricos, las artes, las ferias

artesanales, festivales, museos de todo tipo,

las artes escénicas, las artes visuales y otros

sitios del patrimonio que los turistas disfrutan

de visitar en la búsqueda de experiencias

culturales (Tighe, 1985). El patrimonio como

turismo es un sinónimo de turismo cultural,

es el turismo vivencial se relaciona con la

visita de paisajes preferidos, lugares históricos,

edificios o monumentos y buscan el encuentro,

la participación y la estimulación con la

naturaleza o sentirse parte de la historia de un

lugar (Hall y Zeppel, 1990).

Un turista cultural es una persona que se

va más allá de 40 kilómetros de distancia de su

hogar por lo menos una noche y ha asistido a

un centro cultural, que incluyen la visita a una

galería de arte, museo, biblioteca, concierto de

música, la ópera y el cine (Australian Bureau

of Estadísticas, 1997). Hall (1998) define

el turismo cultural como el turismo que se

centra en la cultura de un destino, la vida, el

patrimonio, las industrias de las artes y el ocio

de la población local.

El turismo cultural está relacionado

con los aspectos culturales que incluyen las

costumbres y tradiciones de las personas,

su patrimonio, historia y forma de vida. El

Consejo Internacional de Monumentos y

Sitios (Icomos) define el turismo cultural como

"un nombre que significa muchas cosas para

muchas personas y aquí radica su fuerza y su

debilidad" (McKercher y Cros, 2002, p. 24). La

teoría del turismo cultural está comenzando

a debatir temas de especialización de género

(Aitchson, 2003).

El turismo cultural se refiere a los viajes

que se dirige a proporcionar oportunidades

y el acceso a los visitantes para disfrutar de

las artes y oficios, museos, patrimonio, fiestas,

música, danza, teatro, literatura, sitios y

edificios históricos, paisajes, barrios y el carácter

especial de las comunidades locales. El turismo

cultural se relaciona con los movimientos

temporales o a corto plazo de personas a

destinos culturales fuera del lugar de residencia

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y de trabajo, y donde sus actividades en estos

destinos o instalaciones son las de atender a

sus necesidades de recreación (Keyser, 2002).

El turismo cultural asocia la palabra "atracción

turística y cultural" con el patrimonio cultural

tangible e intangible. Es también la asistencia

de los visitantes entrantes a uno o varios

lugares de interés cultural como festivales,

ferias, museos, galerías de arte, edificios de

la historia y talleres de artesanía (Bureau of

Tourism Research, 2004).

Ivanovic (2008) y Cooper, Fletcher,

Fyall, Gilbert y Shepherd (2008) sostienen

que la mayor motivación para el viaje es

conocer la cultura y el patrimonio, tanto

emergentes como contribuyentes al desarrollo

económico. Ivanovic (2008) sostiene que

el turismo cultural y el patrimonio es un

desarrollo reciente en la actividad turística y,

junto con el ecoturismo se están convirtiendo

en las formas predominantes de turismo

sustituyendo así al turismo masivo de sol-

lujuria. Las atracciones culturales y eventos

juegan un papel clave en el turismo cultural

y la hospitalidad de los destinos para atraer

a los visitantes (George, 2001). El turismo

cultural es estar viajando para experimentar y

participar en los estilos de vida en extinción

que se encuentran dentro de la memoria

humana (Goeldner y Ritchie, 2009).

El objetivo de la política de turismo

cultural es influenciar y atraer a los visitantes

(Williams y Shaw, 1991, p. 263). Los turistas

con interés especial en la cultura corresponden

al segmento de "turismo cultural", es decir.,

tamaño y valor son directamente atribuibles

a los valores culturales del país, que animen a

los turistas a hacer un viaje. Los turistas con

interés ocasional en la cultura pertenecen

a otros segmentos turísticos (Centro de

Estudios de la Secretaria de Turismo –

Cestur). Un programa especial de incentivos

para el turismo relacionado con la cultura o

valores deben reconocer las contribuciones

que el turismo puede tener para la cultura y

viceversa, para sacar provecho de los aspectos

positivos y generar sinergias para el desarrollo

de ambos sectores.

Dentro de l proceso de d iseño y

desarrollo, el turismo cultural puede tomar

muchas formas. Sharma (2004) se suma al

debate de recursos culturales para defender

los beneficios económicos del desarrollo

de programas, recursos y servicios para el

beneficio de las comunidades locales, creando

un equilibrio entre los imperativos económicos

y los impactos positivos y negativos.

Las actividades culturales del turismo

pueden tener un impacto económico sobre

el desarrollo regional mediante la creación

de empleo y mejora de los niveles de vida.

Hanekom y Thornhill (1983, p. 110) describen

las actividades del turismo cultural como

un conjunto de fenómenos tales como la

formulación de la política, la planificación

y organización de la estructura de los

métodos y procedimientos de selección,

formación, desarrollo y motivación del

personal, el presupuesto y las operaciones

de financiación. Los principios filosóficos

de la disciplina del tur ismo deben ser

examinados de nuevo para volver a evaluar

los fundamentos del turismo cultural.

Turismo cultural y patrimonial puede

ser considerado como una actividad dinámica

desarrollada a través de las experiencias

físicas, la búsqueda y la celebración de lo que

es único y hermoso, representada por nuestros

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propios valores y atributos que son dignos de

conservar y transmitir a los descendientes de

tal manera que las comunidades puedan estar

orgullosos de ellos.

Marco teórico y revisión de la literatura

La construcción de la teoría y el desarrollo

son necesarios para poder ser utilizados como

base para la explicación y la comprensión

del modelo normativo de turismo cultural

para la Región del Sur de Jalisco. La teoría

para el turismo cultural se ha desarrollado

para explicar, analizar, evaluar y predecir los

fenómenos relacionados (Moulin, 1989 e

1990). Sin embargo, un marco teórico para

el turismo cultural y sustentar la práctica

actividades requiere disponibilidad de datos

sobre infraestructura, recursos y habilidades.

Easton (1979) desarrolló un modelo

normativo de turismo cultural haciendo

hincapié en los entornos externos al servicio de

los parámetros que pueden influir en el logro

de objetivos, tales como políticos, económicos,

socio-culturales, legales, ambientales,

educativos, de salud, las políticas legales, la

demografía y el entorno tecnológico, aunque

el número y tipos de entornos posibles pueden

ser ilimitadas (Ferreira, 1996, p. 403). Cada

entorno requiere la adaptación del mecanismo

de conversión (Easton, 1965, pp. 131-132;

Ferreira, 1996, p. 403).

Después de que el objetivo se logra, las

entradas formadas por el ambiente externo

original generan nuevas necesidades que

deberá satisfacer por alcanzar una nueva

meta (Easton, 1965, pp. 128-129; Ferreira,

1996, p. 404; Cloete y Wissink, 2000, p. 39).

Un argumento opuesto subyace para conservar

y proteger la integridad de los recursos

turísticos culturales, mediante el control del

excesivo hacinamiento, de los recursos y la

contaminación ambiental (McDonald, 1999).

Turismo cultural y patrimonial trae

importantes beneficios económicos y de

desarrollo para sitios de patrimonio cultural,

municipios y comunidades. Una investigación

empírica llevada a cabo por Besculides, Lee

y McCormick (2002) utilizando un enfoque

basado en los beneficios para examinar las

percepciones de turismo cultural por los

residentes hispanos y no hispanos, mostró

que los hispanos cree firmemente que viven

a lo largo de un camino paralelo del turismo

cultural que ofrece beneficios culturales

y tienen una mayor preocupación por su

gestión.

El enfoque filosófico de turismo cultural

de los grupos de interés, los proveedores y los

responsables políticos da forma a los valores

y normas de la modelo normativo orientado

a desarrollar políticas efectivas en torno al

turismo cultural. Las comunidades locales que

desarrollan y promueven el turismo cultural

y patrimonial pueden necesitar que tengan

un marco de referencia para la aplicación

efectiva de las políticas locales y nacionales.

El desarrollo y promoción de los productos y

servicios del turismo cultural y de patrimonio

requieren de una planificación y ejecución

sobre la base de las políticas. Los principios

filosóficos del turismo cultural son necesarios

para mantener el diseño e implementación de

un modelo normativo destinado a promover las

políticas regionales de desarrollo económico. La

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literatura sobre la política de turismo cultural

es relevante en el desarrollo de un marco

normativo. Existe la necesidad de desarrollar

un marco de políticas públicas para el turismo

de patrimonio cultural.

La teoría de turismo cultural "ciudades

creativas" recomienda invertir en bienes

culturales y el patrimonio. Ximba (2009) analizó

y examinó las variables y principios como la

comprensión del turismo cultural, el desarrollo

y la conservación de la cultura, la provisión

de equipamientos culturales, la participación

en el turismo cultural, la aplicación de las

políticas y prácticas de turismo, y los beneficios

del turismo cultural y patrimonial . El turismo

cultural se basa en la participación en las

profundas experiencias culturales, ya sea

intelectual, psicológica, estética o emocional

(Russo, y Van der Borg, 2002) y, como el turismo

cultural especializado se centra en un pequeño

número de sitios geográficos, municipios,

unidades y entidades culturales.

E l modelo normat ivo permite la

disposición de los datos y la información

sobre las actividades de turismo cultural, de

tal forma que proporcionen las bases para

desarrollar un marco teórico para el turismo

cultural. La teoría normativa se ocupa de los

fenómenos y preguntas sobre el papel asumido

por el gobierno y, en general, el sector público

(Hanekom y Thornhill, 1983, p. 71).

Un modelo normativo del turismo

cultural sostenible desarrollado por Ismail

(2008) propone un modelo de entrada-salida

(input-output) con un mecanismo de aplicación

para garantizar que el turismo cultural

sostenible y sustentable facilite las iniciativas

para el desarrollo regional mediante la

creación de empleo y el alivio de la pobreza. El

enfoque del desarrollo sostenible, sustentable

y el desarrollo del turismo de patrimonios

culturales tiene como objetivo mejorar el

medio ambiente mediante la satisfacción de las

necesidades de las comunidades presentes sin

comprometer la capacidad de las generaciones

futuras para satisfacer sus propias necesidades

(WCED, 1987, p. 8).

El desarrollo de turismo de patrimonio

cultural sustentable y sostenible requiere

de las mejores prácticas (Magi y Nzama,

2002) para satisfacer las necesidades de

los visitantes invitados presentes y las

comunidades anfitrionas locales, mientras que

requiere la protección y el fomento de mejores

oportunidades para las generaciones futuras.

Un turismo cultural sustentable contribuye

al desarrollo de la comunidad si los agentes

del turismo y las empresas son eficientes,

equitativos y orientados al medio ambiente.

MacDonald y Lee (2003) examinaron el turismo

rural cultural en un marco de referencia

teniendo en cuenta el papel de la cultura

en las asociaciones de base comunitaria.

Sus hallazgos sugieren que la cultura en el

desarrollo del turismo rural es un recurso

valioso y las asociaciones de base comunitaria

pueden ser muy eficaces.

El turismo cultural refuerza la identidad

y estima de la comunidad local. Brinda la

oportunidad de una mayor comprensión y

comunicación entre personas de orígenes

diversos (Lubbe, 2003). El desarrollo del

turismo de patrimonio cultural sustentable se

basa en la suposición de que los recursos y las

instalaciones son finitos, limitados, algunos de

los cuales no son renovables, experimentan

la degradación y el agotamiento, no pueden

seguir creciendo para satisfacer las necesidades

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del turismo de masas y una población en

crecimiento (SARDC, 1994).

La práctica del desarrollo sustentable

del turismo cultural y patrimonial, requiere

compartir los beneficios entre los visitantes y

residentes de las comunidades locales sobre

una base permanente. Para superar algunos

de los problemas asociados con el desarrollo

del turismo cultural, es necesario aprovechar

todas las oportunidades, los conocimientos

técn icos , e l apoyo f inanc ie ro, la co -

participación de la comunidad, etc., con el fin

de maximizar los beneficios. La participación

comunitaria en el desarrollo del patrimonio

cultural y el turismo debe convertirse en una

práctica fundamental de un enfoque centrado

en las personas, para incorporarlas en el

proceso de toma de decisiones en el desarrollo

de los recursos culturales y patrimoniales y

para compartir todos los beneficios (Magi y

Nzama, 2008).

Los participantes en las actividades

turísticas culturales esperan obtener placer,

satisfacción o cumplimiento de la experiencia

(Shivers 1981). McKercher y Du Cros (2003)

evalúan una tipología de turismo cultural que

representan los cinco beneficios basados en

segmentos probados contra una variedad

de variables, tales como las demográficas,

motivaciones del viaje, actividad preferida, la

conciencia, la distancia cultural y la actividad.

Se encontraron diferencias entre los grupos y

sugirieron que el modelo presentado puede

ser eficaz en la segmentación del mercado de

turismo cultural.

La co-participación en la toma de

decisiones, la propiedad y los beneficios de

todos los actores involucrados en el desarrollo

sustentable del turismo de patrimonio cultural

es el eje del encuentro, la experiencia y el

disfrute de los recursos y las oportunidades

disponibles para el buscador turístico o de

ocio (Torkildsen 2007). Turismo cultural y

patrimonial puede ser una herramienta para

preservar la cultura de las comunidades

anfitrionas. Las políticas turísticas culturales

y patrimoniales sustentables deben enfocar

y regular las actividades y mejores prácticas

orientadas a la restauración, mejora y

conservación de los recursos para su uso

presente y futuro continuado y el disfrute

por los visitantes y la población local (Keyser,

2002). El nivel de mantenimiento, conservación

y preservación de los recursos está relacionado

con el nivel de la infraestructura de turismo

cultural y las instalaciones.

En la investigación se lleva a cabo una

búsqueda bibliográfica de profundidad para

extraer un conjunto de criterios normativos

para el turismo cultural y se lleva a cabo un

estudio cualitativo empírico. De los resultados

de esta investigación, por último, se diseña

un modelo normativo de turismo cultural. El

objetivo del modelo normativo para el turismo

cultural sustentable es el de facilitar el análisis,

diseño y formulación de iniciativas culturales de

política turística. La teoría del turismo cultural,

basada en criterios normativos se centra en

la formulación, diseño e implementación de

las políticas de turismo cultural. El entorno

político externo influye en la política turística

del gobierno la que a su vez, puede tener

un impacto en el desarrollo de un modelo

normativo para el turismo cultural. La teoría de

turismo cultural, basada en criterios normativos

es necesaria para la formulación de políticas

de turismo cultural orientadas a la mejora del

desarrollo económico regional.

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El objetivo de cualquier política de

turismo cultural orientado al desarrollo regional

es influenciar y atraer a los visitantes (Williams

and Shaw 1991, pp. 263-264) a través de la

generación de la demanda y la prestación de

servicios turísticos. Richards (1996) realizó una

investigación internacional sobre la demanda y

la oferta de turismo cultural, y encontraron un

incremento rápido en la producción y consumo

de los bienes culturales y lugares de interés y

atractivos turísticos del patrimonio cultural.

Los criterios normativos incorporados

en el modelo puede ser el marco de referencia

del entorno macroeconómico externo, el que

a su vez puede influir en la política social del

turismo cultural. Los factores sociales que

influyen en el turismo cultural del entorno

externo se pueden determinar mediante la

aplicación de un sistema de evaluación que

beneficia a todas las partes interesadas.

La aplicación del marco normativo para el

turismo cultural depende del compromiso de

los agentes del turismo, agencias de gobierno,

comunidades, etc., para que desempeñen sus

funciones correspondientes.

Así, los interesados en el turismo

cu l tu ra l , l a s comun idades, agenc ias

gubernamentales, gobiernos municipales, etc.

tienen la responsabilidad de implementar

iniciativas para desarrollar la infraestructura,

instalaciones culturales, atracciones de

turismo cultural, alojamiento, etc. El modelo

normativo es adecuado para describir, explicar

y analizar las actividades de turismo cultural

con el fin de diseñar, desarrollar, promover e

implementar políticas orientadas a la creación

de empleo y mejorar las condiciones de una

mejor calidad de vida. Un modelo normativo

de turismo cultural puede ser útil para

desarrollar estrategias y formular políticas para

enmarcar la ejecución de algunas propuestas

al respecto, recomendaciones y proyectos. Un

modelo normativo para el turismo cultural en

el sur de Jalisco, flexible y dinámica como una

herramienta, ayuda a proporcionar los criterios

metodológicos y de procedimientos, políticas

y estrategias para promover el desarrollo

económico regional.

Métodos

La investigación sobre el marco normativo para

el turismo cultural se considera necesaria para

hacer frente al actual desarrollo económico

disfuncional de la Región Sur de Jalisco. El

enfoque de sistemas puede ser utilizado para

el propósito de analizar y desarrollar el marco

normativo para el turismo cultural (Bayat

y Meyer, 1994, pp. 83-10). El objetivo del

modelo normativo para el turismo cultural es

analizar las fortalezas, debilidades, amenazas y

oportunidades en todos los factores tales como

la infraestructura, las instalaciones, habilidades,

etc., y sobre todo el diseño e implementación de

políticas de turismo cultural en el sur de Jalisco.

El marco normativo está diseñado como

una herramienta para el objetivo de cambiar

la situación actual, las políticas y estrategias

en una forma más dinámica, y una propuesta

funcional y flexible para el desarrollo económico

regional. El uso de un modelo normativo

para el turismo cultural requiere de métodos

cualitativos y cuantitativos de análisis como un

enfoque para llevar a cabo la investigación. Un

análisis del entorno incluye el macro externo

y el microambiente, el medio ambiente y el

entorno macro marketing, que representa las

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fuerzas externas que influyen en la toma de

decisiones y el logro de objetivos tales como

las políticas públicas, económicas, sociales,

políticas, demográficas, tecnológicas legal, etc.

El microambiente interno de un marco

normativo para el desarrollo y la promoción del

turismo cultural influye en los proveedores, los

canales de distribución, clientes, competidores,

los valores comunitarios, políticas locales,

requisitos legales, etc. Los principios rectores

y las políticas desarrolladas por el gobierno

federal y los gobiernos locales pueden ser los

criterios básicos para el diseño y desarrollo del

marco normativo de referencia para el turismo

cultural en el Sur de Jalisco.

El objetivo del modelo normativo para el

turismo cultural es alcanzar criterios eficaces

y eficientes de desempeño para diseñar,

desarrollar, mantener, promover y fortalecer el

desarrollo del turismo cultural. El mecanismo

de retroalimentación censa cualquier posible

deficiencia y desviación de los resultados

continuos provenientes del modelo normativo

de turismo cultural en relación con la macro y

micro variables ambientales y factores.

La determinación de la demanda de turismo cultural

Turismo mexicano en la jerarquía de los países del mundo en el año 2010

Cuando se inicia con el siglo XXI, se puede

observar que el turismo es de suma importancia

para el desarrollo económico y la piedra

angular para el desarrollo de servicios con un

valor estimado en 476 000 millones de dólares

(ver Cuadro 1). Por tanto, es una herramienta

poderosa para promover el desarrollo de los

pueblos en términos de apalancamiento.

MéxicoCrecimiento – 2004 (1) Crecimiento – 2014 (2)

Relativo Absoluto Crecimiento Relativo Absoluto Crecimiento

Viajes y turismo personal 17 130 133 16 137 124

Viajes de negocios 14 --- 131 12 --- 39

Gasto público 12 58 168 11 62 145

Inversiones de capital 11 93 2 7 94 3

Exportaciones de visitantes 16 113 9 12 115 15

Otras exportaciones 11 15 27 9 15 19

Demanda de viajes y turismo 12 --- 34 10 --- 13

Industria del turismo y viajes 14 108 91 11 103 68

Turismo económico 11 99 52 10 70 14

Empleo de la industria del turismo 22 115 89 19 110 68

Empleo de turismo económico 14 75 42 8 52 4

(1) 2004 Crecimiento real ajustado por infl ación.(2) 2005-2014 Crecimiento real anualizado ajustado por infl ación. Total 174 países y 13 regiones (la más larga / la más alta / la más grande) es número uno, (el más pequeño / el más bajo / el peor) es número 174. 13 son regiones agregadas sin jerarquía.

Fuente: World Travel and Tourism Council. Mexico travel and tourism merging ahead.

Cuadro 1 – Información relacionada con el turismo de México

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México ocupa el séptimo lugar entre los

principales receptores de turismo internacional,

después de Francia, España, Estados Unidos,

Italia, China, Reino Unido y Austria (véase el

Tabla 1).

Un estudio realizado por el Consejo

Mundial de V iajes y Tur ismo ( W T TC) ,

basado en ocho indicadores de Monitor de

Competitividad Turística (Financial Infosel,

2004) y se aplicó a 212 países, pone a México

en el lugar 70. Los ocho indicadores son los

precios, turismo humano, infraestructura,

medio ambiente, tecnología de apertura al

turismo, los recursos sociales y humanos. El

índice de precios considera que los costos que

pagan los consumidores por los productos y

servicios del hotel... los impuestos sobre las

compras de bienes y la utilización de servicios.

El índice de turismo humano tiene en cuenta

"la participación del pueblo en las actividades

turísticas”.

Impacto económico del sector turismo en México

De acuerdo con la última información oficial

disponible del Gobierno de México (Turismo

Boletín Trimestral) el número de turistas

internacionales a México en 2003 mostró tasas

de crecimiento ligeramente inferiores a los

que se registraron durante el año anterior, lo

que representa una reducción significativa del

indicador en 2003. La consideración de que

el número total de turistas internacionales en

2003 (más la colocación de frontera) se observa

una contracción (-5,1%) como resultado de la

caída de turistas fronterizos, pasando de 9,8

millones de turistas en 2002 hasta 8,3 millones

de turistas en 2003, una reducción del 15 %.

En 2010, el país recibió 18,7 millones de

turistas internacionales, con un descenso del

5,1% respecto a 2002. El motivo principal por

el saldo negativo en el número de turistas se

Tabla 1 – Lugar de México en la lista de 212 países

Índice Lugar

Apertura turística 54

Precios 66

Recursos humanos 70

Tecnología 71

Social 72

Turismo humano 89

Medio ambiente 92

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debe a la aplicación de la creciente inmigración

en la frontera con Estados Unidos, causados

por factores exógenos, como los recientes

conflictos en el Medio Oriente, la narco-guerra

mexicana y el síndrome respiratorio severo

agudo. Aunque hubo un menor número de

turistas internacionales, con respecto a 2002, el

ingreso de divisas recibidas en 2003 permitió

grabar figuras históricas como el resultado

alcanzado en 2003 el nivel más alto observado

en los anteriores últimos cuatro años.

Los turistas en medicina y hospitales, son

los que generan más divisas para nuestro país,

por lo que el turismo transfronterizo fronterizo

en bienes y servicios médicos presentó un

cambio positivo que condujo a la entrada de

divisas para crecer, al aumentar el gasto total

de los visitantes internacionales a México,

lo que resulta en un aumento significativo

en el exceso de pasajeros. El segmento de

entradas turísticas terminó en el año 2003 con

10,4 millones, un 4,8% superior a los niveles

presentados en 2002. El gasto aumentó de 8,

858 millones de dólares desde 2002 hasta 9,

457 millones de dólares en 2003, un nivel que

representa un aumento del 6,8%. Dentro de

este segmento, el turismo interno contribuyó

con el 70% de los depósitos totales, el 23%

de los excursionistas y el 6% restante se

registraron como transfronterizos turistas

(Boletín Trimestral de Turismo).

El segmento de cruceros registró un

aumento del efectivo en 2003 a 35,9 en el

año anterior. También hubo una reducción en

el flujo de turistas y visitantes-Tras fronterizos

internacionales fuera de México que en 2003,

acumulando una caída de 18.6%. El gasto

total realizado por los mexicanos en el exterior

registró un superávit en la balanza turística de

$3,204 millones en 2003, un 14.5% más que

en 2002. En 2003, se registró una cifra de 47,9

millones de turistas que llegaron a cuartos de

hotel nacionales, lo que significa un aumento

del 1.3% con respecto al año anterior. En

2003 el turismo nacional se incrementó hasta

el 8.2%, con la estancia media de los turistas

durante la noche, apuntando especialmente

a los destinos de playa, mientras que el

destino de las ciudades registra menores

tasas de ocupación. Las ciudades del interior

y las grandes ciudades, respectivamente,

mostraron una contracción de 2.8 y 1.5 puntos

porcentuales en comparación con los niveles

registrados en 2002, mientras que las ciudades

fronterizas mostró un buen desempeño al

registrar una ocupación media del 60.2%, que

es 6,3 puntos porcentuales superior a la de un

año antes.

En 2004, los viajes y el turismo generaron

en México 8.40.200 millones de pesos

equivalentes a $73,3 mil millones dólares en

actividad económica (demanda total). Los

impactos directos de esta industria fueron:

681,354 puestos de trabajo, lo que representa

el 2.4% del total. 186.800 millones de pesos

mexicanos equivalentes a EE.UU. $16.3 mil

millones del producto interno bruto, lo que

equivale al 2.7% del total. Sin embargo, ya

que el turismo afecta a todos los sectores de la

economía, su impacto real es mayor.

La economía de este sector directa e

indirectamente representa: 2,865,740 puestos

de trabajo que representan el 10.0% del

total. 643.200 millones de pesos de producto

interno bruto, lo que equivale al 9,4% del

total. 299.900 millones de pesos mexicanos

equivalentes a EE.UU. 26,2 mil millones

dólares de las exportaciones, bienes o servicios

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y el 13,8% de las exportaciones totales. 168

300 millones de pesos mexicanos equivalentes

a un 14.7% millones de dólares de inversiones

de capital o 10.7% de las inversiones totales.

40.300 millones de pesos equivalentes a EE.UU.

$35,5 mil millones del gasto público o el 5.1%

de participación.

Crecimiento

Para el 2004, el turismo en México alcanzó los

siguientes resultados proyectados: Crecimiento

real del 11.1% de la demanda total; 9.3% del

producto interno del sector de la industria del

turismo, 186 800 millones de pesos mexicanos

equivalentes a $16,3 mil millones de dólares

del producto interno bruto para la industria

directamente y 10.7%, 643,2 mil millones de

pesos de producto interno bruto, lo que equivale

al 9,4% del total, para la economía del turismo

en general (costos directos e indirectos); 8%

del empleo en el sector turístico con un impacto

directo solamente, o de 681,354 trabajos, y el

9.9% o 2.865.740 millones de empleos en la

economía del turismo en general, con impacto

directo e indirecto.

Para el año 2014, el turismo en México

se espera que alcance un crecimiento real

anual: 7.1% de la demanda turística total para

lograr lo que equivale a 340 000 millones de

pesos o su equivalente en $ 167,4 millones de

dólares en 2014. 55% del total del producto

nacional total del sector turismo hasta 422

900 millones de pesos equivalentes a EE.UU;

$124,6 mil millones de dólares a la economía

del turismo en general; 3.1% en el empleo

en el sector turístico para llegar a 921, 832,

los que trabajan directamente en la industria

y el 5.8% a 5.029.550 puestos de trabajo

en la economía del turismo en general para

el año 2014; 7.9% en las exportaciones de

los visitantes se elevan a 382 300 millones

de pesos, lo que equivale a 27,3 millones de

dólares para el año 2014; 9.9% en términos de

inversión de capital que aumente a 604.700

millones de pesos, equivalentes a 43,2 billones

de dólares en el año 2014. 2.3% en términos

de aumento del gasto público para llegar a

70,6 mil millones de pesos, equivalentes a US

$ 5 mil millones en 2014.

En México, las cifras de turismo cultural

no se han determinado con precisión. Sólo el

Instituto Nacional de Antropología e Historia

(INAH) ha estimado que han atraído a los

espacios bajo su custodia 16.4 millones de

visitantes en 2002. Los visitantes nacionales

representaron alrededor de las cuatro quintas

partes con un total de 13.2 millones de

turistas y los internacionales representaron

un quinto con 3.2 millones de dólares. Figuras

más recientes reportan que los turistas

internacionales que visitan los centros del INAH

van en aumento sin embargo, entre visitantes

nacionales no hacen distinción entre turistas

nacionales y residentes nacionales de las

ciudades en las que los sitios están ubicados.

La cultura está en el sexto lugar como

la principal motivación para el turismo interno

y el cuarto para el turismo internacional.

Se estima que el turismo especialmente

motivado por la cultura en México representa

el 5.5% de los pasajeros nacionales y el 3%

para los internacionales. En 2011 había casi

120 millones de turistas con actividades

relacionadas con la cultura en México. El

gasto por viajes relacionados con la demanda

de turismo cultural es mayor que el promedio

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nacional, debido a un aumento de su ingesta

diaria basada en las actividades en torno al

patrimonio cultural y estancias largas hoteles

y por lo tanto mayor que en otros segmentos

del turismo.

Perfi l de los turistas con la declaración de culturales

Los turistas motivados especialmente por la

cultura, tienden a viajar distancias más largas

que la mayoría de los turistas. Para llevar a cabo

una incursión cultural, la inversión personal

que se necesita por parte de los turistas que

expresan mayor interés en el aprendizaje y se

involucran en la vida del lugar visitado, lo que

requiere más tiempo que un viaje escénico.

Cuanto más se visita los espacios culturales de

los demás son visitados, los efectos sobre los

turistas son más de curiosidad.

Las principales actividades de turismo

cultural son aquellas relacionados con el

patrimonio tangible, muy popular entre los

turistas motivados especialmente por la

cultura, que representa el 48% de todas las

actividades turísticas nacionales y el 63% de

todas las actividades turísticas internacionales.

Los elementos intangibles son por su propia

naturaleza, más difíciles de identificar aunque

su influencia se manifiesta en un sentido

general, por impregnación de la cultura por el

turista visitante.

En el caso de las act ividades de

patrimonio tangible e intangible, los sitios

arqueológicos (27%) son las favoritas de

los turistas internacionales especialmente

motivados por la cultura. En cuanto al

patrimonio intangible, prefieren ver las

tradiciones y costumbres de las comunidades

solo el 9%. Por su parte, los mexicanos

prefieren asistir a las actividades relacionadas

con los activos intangibles (52%) entre todo el

sabor excepcional de la cocina regional (13%).

La actividad relacionada con el patrimonio

material preferido por los turistas mexicanos

es la observación de los monumentos

arquitectónicos (18%). Esto se relaciona con

el interés, más que la apreciación estética

de la didáctica de la mayoría de los viajeros

culturales (Cestur, 2011).

Las motivaciones y la satisfacción de los turistas culturales

Tanto para los tur i s tas nac iona les e

internacionales, los atributos relacionados con

la arquitectura y la cultura viva son motivadores

clave. El lugar de estos factores entre los

nacionales y los extranjeros se invierte, con los

temas relacionados con la cultura viva de los

de más interés para los turistas internacionales

y los relacionados con los activos materiales

son más importantes para el turista nacional.

El turista interesado en la cultura, también

está buscando precio, el clima, el paisaje y

las actividades que pueden satisfacer las

necesidades y deseos de los miembros que

viajan del grupo.

Los turistas culturales mexicanos son

sensibles a los efectos de costo-beneficio. Los

destinos de valor son considerados alrededor

de la variedad y calidad de las actividades que

se ofrecen, y están dispuestos a gastar en las

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experiencias, pero no en los servicios que no

ofrecen claras diferencias con respecto a los

que tienen un estilo interesante. Factores tales

como los costos económicos, emocionales y

experiencias físicas son cruciales. La relación

entre estos costos y sus beneficios deben ser

proporcionadas. Un destino turístico cultural

con actividades culturales que ofrecen

comodidad y opciones adicionales para el

ocio y el entretenimiento, es más probable

que atraiga turistas y ocasionales visitas

especializadas que otros destinos. Turistas

culturales en general creen que las ofertas

culturales agradables y atractivas son escasas

para los niños y adolescentes, y además

carecen de la necesaria instrucción necesaria

para apreciar las culturas locales.

Mercado potencial

Las encuestas para estimar y caracterizar el

volumen actual de la demanda de turismo

cultural en el mercado nacional indican que

sólo el 5.5% de los turistas nacionales se

consideran particularmente motivados por la

cultura y el 35.7% tenían un interés casual. En

todo el mundo el 37% de los turistas realiza

alguna actividad cultural durante su viaje y la

tasa de crecimiento anual ha sido del 12% en

promedio desde 2000 hasta el 2010 (Cestur

de 2011).

México participa actualmente con los

554,233 turistas que equivale al 1.8% del

mercado que representan los países de origen,

Estados Unidos, Canadá, Alemania, Francia,

España e Inglaterra, lo que significa que hay

un enorme potencial para la penetración, a

condición de desarrollo y comercialización

de la oferta adecuada. México ya está

involucrado con 8.4% en la participación de

mercado llegando a 7.2 millones de turistas.

Los turistas con un interés ocasional en la

cultura representan un total de 84.9 millones

de turistas que viajan al exterior son el 35%

del total. México ya está involucrado en la

participación de mercado con 8.4%, llegando a

7.2 millones de turistas.

Características de la oferta de destinos turísticos culturales

El tamaño y la competitividad de la oferta

turística y cultural no pueden ser evaluados

a partir de los recursos culturales de manera

aislada sino en relación con su ubicación

geográfica y los distintos elementos que

convergen para hacer posible la visita. Los

criterios utilizados para la selección de los

lugares de destino son:

a) el papel que desempeñan en el sistema

turístico;

b) las características principales que tiene el

patrimonio cultural;

c) las condiciones de infraestructura y servicios

para la uso turístico, y

d) características de la población local.

La diferencia en la percepción entre

los nacionales y los extranjeros se hace

más evidente. Como algunos ejemplos de la

diversidad de los recursos turísticos culturales

se pueden mencionar los siguientes:

a) las ciudades y pueblos con formas

arquitectónicas, entornos histór icos y

particulares;

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b) los grupos indígenas con su propia

producción y técnicas de intercambio,

costumbres, historias, leyendas, rituales,

celebraciones, comida, etc.;

c) sitios arqueológicos que están abiertos al

público (INAH);

d) sitios que marcan el valor histórico desde el

siglo XVI hasta el siglo XX (Conaculta, 2000);

e) objetos: históricos, artísticos y de uso diario,

que se muestran en los museos registrados por

el INAH, Casas de Cultura, museos privados,

estatales, municipales y comunitarios;

f) eventos y festivales, eventos teatrales,

conciertos, cine, danza, etc.

En cuanto a la infraestructura y los

servicios, los turistas interesados en la cultura

pueden ser alentados a utilizar los segmentos

del turismo, tales como:

a) los establecimientos de alimentos y bebidas,

agencias de viajes, guías de viajes y alquiler de

coches.

b) carreteras que unen las principales ciudades

y carreteras que conectan las ciudades

pequeñas y los aeropuertos, que para el caso

de la región Sur de Jalisco, 3 de los cuales son

internacionales.

Operaciones de la empresa de turismo cultural

En el turismo cultural, las actividades de las

empresas de diversos sectores de la producción

están involucradas. Además del sector del

turismo cultural, las empresas e instituciones

de o t ros sec to res económicos es tán

significativamente involucradas también, como

el desarrollo urbano y el sector servicios en

general que son importantes áreas de soporte

del turismo cultural.

Sectores del turismo cultural

El sector del tur ismo cultural incluye

organizaciones públicas, privadas y sociales

e instituciones. Esta diversidad de actores

determina el hecho de que la administración

tiene una complejidad mayor que en otros

campos del turismo. En áreas específicas

del turismo cultural sobresalen algunas

organizaciones cuya presencia es muy

importante en aquellos lugares donde se

desarrolla la actividad: hoteles, operadores

turísticos, museos, tiendas de artesanía,

restaurantes, guías turísticos, centros culturales

gestionados por el INAH, etc.

Dentro de las interacciones entre los

diversos actores en el sistema de turismo

cultural, la estructura básica de comercialización

genera una relación armoniosa entre los

agentes privados y los actores públicos.

Además de estos actores clave, el turismo

cultural tiene otros, tales como los agentes

turísticos culturales, autoridades municipales,

estatales y federales, órganos promotores

culturales, organismos de la administración

de sitios y monumentos, las organizaciones

no gubernamentales, universidades, escuelas

e institutos, empresas de entretenimiento, los

transportistas, guías de turistas, agencias de

viajes independientes, promotores de viajes,

asociaciones y clubes, etc.

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Análisis Fortalezas, Oportunidades, Debilidades, Amenazas (FODA) corporativo

Un anális is corporativo de planeación

estratégica (Cuadro 2) muestra que, en general,

las perspectivas de negocios son favorables

para el desarrollo del turismo cultural, pero

requiere un mejor uso de los recursos culturales

para fortalecer la identidad de los destinos

y del país, ya que hay más fortalezas que

debilidades.

Hay una necesidad de una mayor

certeza sobre el camino a seguir con el fin

de aprovechar los activos necesarios para

construir sobre el patrimonio cultural y

mejorar la participación de las empresas de

turismo cultural. Existe la voluntad para llevar

a cabo las mejoras necesarias para aumentar

el desarrollo de estas comunidades y las

empresas turísticas en sí.

Se reconocen seis áreas de acción

para proponer una serie de orientaciones

estratégicas y planteamientos tácticos

que fortalecen y mejoran la relación de las

actividades turísticas en su vertiente cultural:

1) revalorización de la relación entre la cultura

y el turismo;

2) sistematización de los instrumentos de

planificación y control;

3) fortalecimiento de la organización;

4) optimización de la gestión del patrimonio

cultural;

5) enriquecimiento de la oferta de turismo

cultural;

6) repensando la promoción y comercialización.

Externo/interno Fortaleza Debilidad

Interno/externoSurgimiento de empresas en el proceso de modernización que valoran la cultura

Predominio de fi rmas con acercamientos convencionales a la cultura y el turismo y la falta de oferta adecuada

OportunidadesEl reconocimiento de la cultura como el valor de la diferenciación y de la identidad y de su importancia para la competitividad de las empresas

Firmas y productos competitivos en valor de cultura patrimonial y participación en el fortalecimiento de las culturas locales

Desarrollo y uso simulado de espacios y propiedades convencionales en turismo

AmenazasVisión de negocios a corto plazo y predominio de grandes negocios (modelo de masas) como un paradigma

La creación de enclaves de negocios sin benefi cios locales y regionales

El uso del patrimonio cultural limitado al entretenimiento.Competencia de precios y pérdida de rentabilidad, negocios y destinos

Fuente: Elaboración propia con base en el análisis de tendencias de varias organizaciones.

Cuadro 2 – Análisis corporativo FODA

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Diseño de circuitos turísticos culturales en el Sur de Jalisco

Turismo cultural circuito "Tras las huellas en la tierra de los grandes artistas....”

Los municipios que integran la ruta cultural:

Zapotlán El Grande, Sayula, San Gabriel

Tolimán, Zapotitlán de Vadillo.

1) Escenarios culturales para el primer día

a) Recorrido Centro Histórico de Cd. Guzmán

Pintura y Escultura Presidencia Municipal,

Columnario de hombres ilustres de Zapotlán el

Grande; casa donde nació Juan José Arreola en

la calle Lázaro Cárdenas, arquitectura del Portal

de Mendoza; arquitectura y escultura templo

del Sagrario; pintura, escultura y arquitectura

templo de la Tercera Orden y ex convento;

pintura, arquitectura y escultura de la catedral;

mercado Paulino Navarro; Portales; lugar de

nacimiento del pintor José Clemente Orozco;

arquitectura Casa Consistorial; arquitectura

Palacio de los Olotes; refrigerio restaurant

arriba del Portal Hidalgo; vista a patios de

casas del Portal Hidalgo (tiempo estimado: 4

horas). Del 12 al 23 de octubre se puede visitar

la Feria con todas sus tradiciones y costumbres,

que culmina con los carros alegóricos o andas.

Se sugiere la comida típica en algunos de los

excelentes restaurantes de Cd. Guzmán

b) Recorrido en Sayula: Leyenda del poema del

ánima de Sayula y ubicación de los principales

lugares referidos, Centro Histórico y portales

de Sayula; visita al Centro parroquial de la

Inmaculada Concepción y ex Convento; visita al

Museo y Casa de la Cultura Juan Rulfo; visita

a la casa de las Artesanías; visita al taller de

cuchillería de Ojeda; casa donde nació Juan

Rulfo; arquitectura y pinturas del Santuario

de Guadalupe y ex Convento Franciscano. El

carnaval se escenifica el martes de carnaval

para concluir el miércoles de ceniza (tiempo

estimado: 4 horas)

Se sugiere la cena con comida típica y

pernoctar en Sayula en La Casa de los Patios.

2) Escenarios culturales para el segundo día

Se sugiere desayuno típico en Sayula.

a) Recorrido en San Gabriel: en el recorrido de

Sayula a San Gabriel se sugieren referencias

a lugares mencionados en las obras de Juan

Rulfo: Apango, Apulco, etc.; visita a Apango.

Vista del Llano Grande, vista a Puerto Los

Colimotes, visita al Centro Histórico de San

Gabriel, pinturas de Enrique Trujillo y esculturas

del Señor de la Misericordia de Amula; visita

a la casa donde vivió Juan Rulfo; visita casa

donde vivió José Mojica, sacerdote, compositor

y cantante; visita a las piedras con petroglifos;

visita a Telcampana; visita a la ex hacienda

de Apulco donde Juan Rulfo vivió parte de su

infancia. Se pueden visitar si se coincide en

tiempo, las Fiestas del Señor de Amula que se

celebra del 11 al 19 de Enero de cada año, las

fiestas del Señor de la Misericordia (tiempo

estimado: 6 horas).

Se sugiere comer y cenar la comida típica

del lugar, así como pernoctar en San Gabriel.

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3) Escenarios culturales para el tercer día

a) Recorrido por Tolimán, y Zapotitlán de Vadillo

Se sugiere desayunar en Tolimán.

Visita al Cerro Encantado y al Petacal; vista

de la Media Luna; visita al Museo en Tolimán;

visita a los Murales del Templo de la Asunción.

Si se coincide del 6 al 15 de Agosto, se

puede participar la fiesta de Nuestra Señora

de la Asunción, para apreciar sus danzas y

tradiciones. Se sugiere comida típica.

Visita al Centro Histórico de Zapotitlán de

Vadillo. Se sugiere presentación de poemas y

leyendas que abundan en el folclore de este

lugar, como la del Cerro Chino. Si se coincide

en tiempo se puede participar de la Fiestas a la

Virgen de Guadalupe del 1 al 15 de Enero y las

fiestas de María Magdalena celebrada el 22 de

julio, el día de la festividad religiosa sacan en

procesión la imagen por las calles adornadas

del pueblo, desfilan carros alegóricos, música y

danza.

Regreso a Cd. Guzmán, termina circuito

turístico cultural.

Circuito de turismo cultural “En la fi esta eterna”

Municipios que comprende el recorrido: Tonila,

Túxpan y Zapotiltic.

1) Escenarios culturales

Recorrido por el municipio de Tonila: Desayuno

y visita en la Ex hacienda La Esperanza, visita

Templo Parroquial de Tonila que es una réplica

de estilo colonial utilizándose cantera labrada

para su construcción; cuenta con reloj suizo

considerado entre los pocos de su género;

templo de San Marcos, modernista con motivos

barrocos y bizantinos. Si se coincide en tiempos,

se puede participar de las fiestas religiosas en

honor de la Virgen de Guadalupe se celebran

del 3 al 12 de diciembre, en la cabecera

municipal y en San Marcos (tiempo estimado:

tres horas).

Recorrido por el municipio de Túxpan: visita

al Centro Histórico de Túxpan; vista de la Cruz

Atrial que data de Siglo XVI y visita al templo

parroquial; visita a la Casa Indígena, muestra

de comida típica de Túxpan (La Cuaxala);

celebración de la boda indígena en la que los

contrayentes visten hermosa y complicada

indumentaria; presentaciones de danzas

indígenas de Chayacates y Paixtles; por la

tarde visita al Museo Melquiades Rubalcaba.

Si coincide en fechas, los visitantes podrán

participar en el Concurso Regional de Sonajeros

que se efectúa del 23 al 31 de mayo y que

coincide con las fiestas patronales del Señor

del Perdón (tiempo estimado: 4 horas).

Recorrido por el municipio de Zapotiltic: visita

al Centro Histórico de Zapotiltic; visita al

templo de la ex hacienda de Huescalapa. Si

coinciden las fechas con las fiestas del Señor

del Perdón en las primeras dos semanas del

mes de mayo, los visitantes pueden participar.

Circuito Turístico Cultural

Municipios que comprende el recorrido:

Gómez Farías, Atoyac, Teocuitatlán, Techaluta,

Amacueca.

1) Escenarios culturales

Municipio de Gómez Farías: visita al Centro

Histórico de San Sebastián; visita a la Casa del

Artesano (artesanías del tule); participación

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en talleres artesanales. Los visitantes pueden

participar si coinciden con las fiestas de la

Candelaria el 2 de febrero, las Fiestas de San

Andrés del 20 al 30 de noviembre y las fiestas

de la Virgen de la Refugio el 4 de julio (tiempo

estimado: 1 hora).

Municipio de Atoyac: visita al Centro Histórico

y vista a las pinturas de Pintura. Cuadro de

Antonio Castellón, pintado por Zamarripa

en 1968. Visitas a Centros Artesanales

de cinturones, participación en talleres

artesanales... Si coincide en fechas, los

visitantes pueden presenciar la Fiesta de la

Salud celebrada el viernes de Cuaresma, y el

Carnaval que se realiza en el mes de febrero

(visita estimada en una hora).

Municipio de Teocuitatlán de Corona: visita

a la ex hacienda de San José de Gracia y

el Panteón Indígena. Se recomiendan dar a

conocer las leyendas en torno a estos dos

escenarios. Visita al Centro Histórico de

Teocuitatlán, visita a centros de artesanías de

sarapes y a coleccionista de antigüedades. Si

coincide en las fechas en que se visita el lugar,

se puede presenciar las Fiestas de la Virgen de

Guadalupe del 1 al 12 de diciembre (tiempo

estimado: 3 horas).

Se sugiere la comida típica en algún

restaurant de Teocuitatlán.

Municipio de Techaluta: visita al Palacio

Municipal que data de 1878. Si se coincide

en tiempo, los visitantes pueden presenciar

y participar en los festejos más importantes

en el municipio que son la feria taurina

que se celebra del 9 al 16 de septiembre;

las festividades religiosas en honor a San

Sebastián Mártir que tienen lugar del 11 al 20

de enero; y la Feria Anual de la Pitaya durante

cada mes de mayo aproximadamente del 8 al

15 (tiempo estimado: una hora).

Municipio de Amacueca: visita al Centro

Histórico de Amacueca; visita a las ruinas del

convento franciscano, construcción del siglo

XVII con fachada de columnas salomónicas y

retablo dorado. Visita al Dulce Nombre de Jesús,

escultura tallada en madera del Siglo XVI. Si

se coincide en las fechas se puede participar

en las ferias taurinas en el tercer domingo de

enero, las fiestas del Dulce Nombre de Jesús el

8 de enero y el carnaval que se lleva a cabo en

el mes de febrero.

Circuito turístico cultural

Municipios que comprende el recorrido:

Zacoalco de Torres, Atemajac de Brizuela,

Tapalpa.

1) Escenarios culturales

Zacoalco de Torres: visita al Centro Histórico de

Zacoalco de Torres; visita a centros artesanales

de equipales, participación en tal leres

artesanales, representación de boda indígena.

Si hay coincidencia en las fechas, los visitantes

pueden presenciar las Fiestas a la Virgen de

Guadalupe el 12 de enero, al Señor de la Salud

el 6 de agosto, y las fiestas de san Francisco de

Asís el 14 de octubre (tiempo estimado: tres

horas).

Atemajac de Brizuela: visita al Centro Histórico

de Atemajac de Brizuela. Si hay coincidencia de

fechas, los visitantes pueden participar en las

fiestas de Nuestra Señora de la Defensa del

6 al 9 de septiembre, la romería de la Virgen

de la Defensa el 7 y 8 de octubre y las fiestas

patronales de San Bartolomé el 24 de agosto.

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José G. Vargas Hernández

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Se sugiere comer en este lugar la comida típica,

borrego al pastor con ponche y dulces de

conservas de frutas.

Tapalpa: visita al Centro Histórico de Tapalpa,

población típica de montaña; visita a la Capilla

de la Soledad; visita a la Casa de la Cultura

(Parroquia de San Antonio de Tapalpa); templo

de Juanacatlán y Templo de Nuestra Señora

de la Merced; visita al centro de artesanías de

papel maché; visita al Hostal de la Casona del

Manzano; visita a la Casa del Agua; visita a la

Capilla de la Purísima; visita a la capilla de la

Soledad.

Estrategias de desarrollo empresarial del turismo cultural

1) Mejorar la coordinación de los diferentes

factores que intervienen en la actividad de los

programas de desarrollo, la comercialización, la

participación en la conservación y mejora del

patrimonio cultural en las áreas: intersectorial

e interdisciplinario;

2) mejorar los mecanismos de formación de

recursos humanos;

3) facilitar el desarrollo de las pequeñas y

medianas empresas y servicios de alimentos

para fortalecer el sistema en su conjunto;

4) fortalecer el vínculo de la acción de las

empresas con la conservación y mejora del

patrimonio cultural;

5) alentar a las empresas a proporcionar

información a los turistas sobre las actividades

culturales que existen en el destino, y

establecer programas de sensibilización para

el cuidado del patrimonio y el respeto por las

costumbres locales;

6) promover y utilizar el turismo cultural

para diferenciar las instalaciones turísticas

existentes, la apertura de nuevas oportunidades

de mercado;

7) diversificar los mecanismos de promoción

y segmentos de mercado con un interés en la

cultura;

8) el aprovechamiento de los elementos de

identificación cultural de cada región para

aumentar la diferenciación de las empresas

mexicanas en los mercados nacionales e

internacionales;

9) promover el uso de tecnología sostenible

(energías alternativas, reciclaje, etc.).

Conclusiones y recomendaciones

La Región Sur de Ja l isco cuenta con

importantes elementos y recursos potenciales

identificados como oportunidades y fortalezas

para facilitar el desarrollo y la promoción como

destino turístico cultural. Este documento

identifica la necesidad de un marco teórico

para el diseño de un modelo normativo de

la política de turismo cultural sostenible en

la Región Sur del Estado de Jalisco, México.

Los grupos de interés en el turismo cultural

y proveedores en el Sur de Jalisco se pueden

beneficiar de la aplicación de un modelo

normativo para promover el desarrollo

económico regional a través de la creación de

empleo y alivio de la pobreza.

Un modelo normativo para el turismo

cultural requiere de la participación activa

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Desarrollo regional y sustentabilidad

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de los actores turísticos, las empresas, los

organismos gubernamentales y la comunidad,

desde la fase inicial hasta la implementación

de un programa para el desarrollo del potencial

como destino de turismo cultural. El diseño e

implementación de programas de patrimonio

cultural y turismo deben promover, preservar

y mejorar la cultura de las comunidades,

folclore, artes, artefactos, etc. La participación

activa de todos los interesados en el turismo

cultural, las agencias gubernamentales y las

comunidades locales en los procesos de toma

de decisiones, no sólo legitima las actividades,

sino que proporciona la experiencia y de

puesta a tierra para diseñar e implementar las

estrategias para perseguir la eficacia de las

políticas de turismo cultural (Blench, 1999)

y promover el turismo cultural responsable,

sostenible y sustentable.

El modelo normativo establece una

serie de criterios normativos como un enfoque

funcional para lograr un turismo cultural en

el Sur de Jalisco. Las variables identificadas

en el modelo normativo como debilidades,

fortalezas, oportunidades y amenazas pueden

ayudar a los agentes del turismo, agencias de

gobierno, las empresas y la comunidad en su

conjunto, para diseñar y desarrollar productos

culturales y servicios turísticos y las ofertas

para los turistas nacionales e internacionales

que participan en la vida cultural mercado.

Cualquier desarrollo o promoción de un

producto de turismo cultural tiene que estar

bien diseñado y ejecutado sobre la base de las

políticas de turismo cultural existentes.

Un enfoque permanente hacia la práctica

del desarrollo sustentable del patrimonio

cultural y el desarrollo es un requisito para

derramar los beneficios sobre y para las

comunidades locales. El turismo cultural trae

los mejores beneficios para el desarrollo

de una comunidad local después de una

implementación efectiva de las políticas de

turismo cultural. La eficacia de las políticas

de turismo cultural debe ser evaluada. Las

comunidades locales deben tratar de gestionar

los recursos de turismo cultural, mientras que

se busca su vinculación con el desarrollo y el

crecimiento económico.

El gobierno local y municipal juega un

papel importante en cuanto al turismo cultural

para la Región del Sur de Jalisco. Por otra parte,

la planificación, el desarrollo, la promoción,

la comercialización y la aplicación de estos

productos y servicios se pueden sostener el

turismo cultural como una actividad económica

sustentable que puede mejorar el nivel de vida

de los habitantes del Sur de Jalisco.

El diseño y desarrollo de un modelo

normativo es concomitante a un conjunto

de recomendaciones para la implementación

de un turismo cultural en el Sur de Jalisco. El

turismo cultural debe ofrecer un valor intrínseco

para el consumo turístico al tiempo que añade

valor a los recursos locales de turismo cultural.

El turismo cultural debe ofrecer soluciones para

satisfacer las expectativas de los turistas con

experiencias memorables. El turismo cultural

en el Sur de Jalisco puede ser una herramienta

de desarrollo para la creación de mejores

condiciones de empleo, las oportunidades para

el desarrollo económico y el mejoramiento de

los estándares de vida de las personas que viven

en las comunidades. Las recomendaciones que

aquí se ofrecen son sólo un intento de cambiar

la situación disfuncional actual en un sistema

eficiente de gestión del turismo cultural basado

en un modelo normativo.

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José G. Vargas Hernández

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013334

El desarrollo del tur ismo cultural

requiere atracciones de patrimonio cultural

con el f in de alcanzar los objetivos y la

preservación del patrimonio cultural tangible

e intangible. El ámbito de turismo cultural

para el Sur de Jalisco puede incluir el turismo

étnico y el turismo histórico, que comprenden

la obser vac ión , la par t ic ipac ión y e l

intercambio de expresiones culturales y estilos

de vida, la danza y la interpretación musical,

ceremonias religiosas, exposiciones de artes

visuales, monumentos, sitios para visitar y

edificios, etc. Iniciativas de turismo cultural

que puede tener éxito en la consolidación

de la "mirada" de la etnografía si se diseña

y desarrolla itinerarios turísticos relacionados

con experiencias de vida e interactiva en la

vida real en los municipios y casas de cultura

o centros.

El turismo cultural en el Sur de Jalisco

puede ser una oportunidad para que las

comunidades locales puedan comercializar

y promocionar en el extranjero períodos de

experiencia, fiestas para compartir y asimilar

los valores culturales y experiencias de vida

aprovechando las condiciones favorables del

clima y el paisaje natural de gran belleza.

El diseño de las rutas de turismo cultural es

importante, con el apoyo de la necesidad de

mejorar la infraestructura. Para facilitar la

promoción y comercialización del turismo

cultural en el Sur de Jalisco, se requiere el

fácil acceso a un sistema de gestión de la

información turística.

Los centros locales de información

turística en los municipios tienen un papel

importante en la difusión, orientación y

asistencia a los visitantes, haciendo que

los productos y servicios sean disponibles

y con responsabilidades significativas para

compartir con los guías y operadores turísticos.

Además de las funciones desempeñadas

por las comunidades, los propietarios de

las instalaciones, y los demás agentes

económicos y actores sociales y políticos son

de vital importancia que se involucren en

estos asuntos. Con respecto al desarrollo,

mantenimiento, promoción y comercialización

del turismo cultural en la Región Sur de

Jalisco, es vital para diseñar, formular y aplicar

una política pública de decisiones.

Este trabajo sobre el turismo cultural

se ocupa de la escasez crítica de recursos,

la infraestructura y las habilidades entre los

agentes del turismo, negocios, profesionales,

comunidades, y ofrece algunas estrategias

como recomendaciones para mejorar el

mercado regional con nuevos productos

y servicios culturales. Una diferenciación

entre el turismo cultural y el desarrollo

de los recursos de producción cultural es

esencial para el diseño e implementación de

estrategias de turismo cultural.

La implementación de un modelo

normativo conduce al desarrollo de la

infraestructura turística cultural, la mejora

de las capacidades empresariales de la

comunidad, la creación de oportunidades

para atraer a los inversores extranjeros y los

organismos de financiación, el diseño y la

implementación de estrategias de marketing

y promoción, todos ellos lo cual puede

contribuir al desarrollo económico regional del

Sur de Jalisco.

El fomento del turismo cultural en el

Sur de Jalisco tiene un impacto positivo en

el desarrollo de la infraestructura, la oferta

de productos y servicios diversificados en

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Desarrollo regional y sustentabilidad

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el mercado del turismo cultural, la creación

de empleo, el desarrollo de las capacidades

empresariales de la comunidad, la mejora

de las condiciones de vida, pero lo más

importante, el modelo normativo del turismo

cultural tiene un impacto en el marco espacial

para la sostenibilidad del turismo cultural

en los sitios y atracciones culturales y el

desarrollo económico de las comunidades,

y por lo tanto con la creación de empleo y

mejorar los niveles de vida de la gente.

Este análisis puede ser el punto de

partida para futuras investigaciones sobre el

patrimonio cultural y el desarrollo del turismo,

el marketing y la promoción en la Región del

Sur de Jalisco.

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Texto recebido em 4/nov/2010Texto aprovado em 15/dez/2010

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Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense: identifi cando

problemas ambientais a partirdas demandas ao Ministério Público

Sustainability and environmental justiceat Baixada Fluminense: identifying environmental

problems based on the demands to the Public Prosecutor

Tatiana Cotta Gonçalves Pereira

ResumoO presente artigo pretende demonstrar, através

do resultado de levantamento de pesquisa desen-

volvida no âmbito do Ministério Público de Nova

Iguaçu, que a região da Baixada Fluminense, já

reconhecida como uma zona de sacrifício dentro

da metrópole do Rio de Janeiro, tem uma popula-

ção que sente seus problemas ambientais a partir

de questões ligadas justamente à pobreza, à falta

de condições básicas de infraestrutura urbana, e

ao acúmulo de atividades econômicas poluentes

naquele território. E que este sentir da população

parece demonstrar a inju stiça ambiental que incide

naquele espaço territorial, fruto de políticas públi-

cas mais relacionadas a omissões do que a ações.

Nesse quadro, para que haja sustentabilidade so-

cioambiental, é preciso urgentemente reverter tal

situação.

Palavras-chave: problemas ambientais; Baixada

Fluminense; justiça ambiental; Ministério Público;

sustentabilidade socioambiental.

AbstractThe present article intends to demonstrate, through the result of research developed with the Public Prosecutor of the municipality of Nova Iguaçu, that the Baixada Fluminense region, already recognized as a sacrifi ce area within the metropolis of Rio de Janeiro, has a population that feels its environmental problems based on issues related to poverty, to absence of basic conditions of urban infrastructure, and to the accumulation of pollutant economic activiti es in that territory. This feeling of the population seems to demonstrate the environmental injustice that occurs in that territorial space as a result of public policies that are more related to omissions than actions. In this scenario, in order to have environmental sustainability, this situation must be reversed urgently.

Keywords: environmental problems; Baixada Fluminense Region; environmental justice; Public Prosecutor; social and environmental sustainability.

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Introdução

O que aqui se apresenta são resultados da

pesquisa Identificando os problemas ambien-

tais da Baixada Fluminense, desenvolvida no

grupo de pesquisa Direito e Justiça Ambiental

no âmbito do curso de Direito da Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro, em sua sede no

município de Seropédica. O projeto de pesquisa

teve como objetivo levantar e mapear os princi-

pais problemas ambientais de parte da Baixada

Fluminense, tendo como referência para aná-

lise os processos administrativos de natureza

ambiental que tramitam no Ministério Público

de Nova Iguaçu (MPNI), na 2ª Promotoria de

Tutela Coletiva, entidade responsável pela fis-

calização da aplicação e respeito à legislação

ambiental dos municípios de Nova Iguaçu,

Seropédica, Nilópolis, Japeri, Mesquita e Quei-

mados. O município de Itaguaí deixou de ser

competência da 2ª Promotoria de Nova Iguaçu

em março desse ano, sendo transferida para o

Ministério Público de Angra dos Reis, mas aces-

so a alguns processos antes dessa transferên-

cia foi possível.

Dessa forma, a pesquisa adotou metodo-

logia primordialmente quantitativa, e a técnica

aplicada foi a de levantamento documental:

semanalmente duas graduandas do curso de

Direito da UFRRJ passavam uma tarde na sede

do Parquet,1 anotando os principais dados dos

processos.2 Os resultados são facilmente iden-

tificáveis a partir de alguns gráficos e mapas,

nos quais se pode visualizar as demandas am-

bientais da região.

Para atingir nossos objetivos, os itens

levantados nos processos foram os seguin-

tes: número do processo antigo; número do

processo novo; data de início do processo;

matéria; local de ocorrência do fato; descrição;

qual(ais) era(m) a(s) parte(s) investigada(s); as

irregularidades; os pedidos; a maneira como os

pedidos eram fundamentados, segundo a legis-

lação em vigor; observações; e o resultado até

o momento.

Cumpre ressaltar que o levantamen-

to de processos na seara administrativa – os

chamados inquéritos civis (IC) – se deu por

ser de mais fácil acesso dentro da instituição

do que os processos judiciais que estariam em

andamento nas Varas Judiciais de cada um dos

municípios estudados. Essa opção traz duas

consequências de natureza metodológica e in-

flui diretamente nos resultados que a pesquisa

apresenta. Primeiramente, o levantamento é

feito enquanto o problema está sendo apurado,

em fase ainda inicial, o que significa que não

há uma preocupação com os resultados dos

processos,3 mas com os problemas em si, tal

como são percebidos pela população que vem

ao MPNI denunciá-los. Nesse sentido, toma-

mos como referência a afirmação de Le Prestre

(2000, p. 24) de que “(...) a noção de problema

ambiental se coloca no âmbito da escolha. Um

problema ambiental não existe senão através

do impacto que provoca em certos grupos ou

atores. Ou seja, através da maneira como é

percebido por estes (...)”. Dessa forma, o que

chamamos aqui de “problema ambiental” se

caracteriza mais num sentir da população acer-

ca de seu drama ambiental.

Logo, em segundo lugar, por conta do

levantamento estar sendo feito em autos que

ainda tramitam, corremos o risco de que es-

sa percepção, esse sentir, não ser realmente

um problema pelo viés jurídico. Queremos di-

zer com isso que a percepção dos malefícios

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Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense

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ambientais pode não ser necessariamente

uma irregularidade jurídica. Tomemos como

exemplo o caso da poluição sonora: para o

Direito, a emissão de ruídos somente é ilegal

se superior aos níveis aceitáveis pela norma

NBR 10151. Ou seja, a população pode estar

incomodada com determinado ruído que, pe-

la norma jurídica, é um padrão aceitável. Há

nisso, portanto, um risco: de o sentir não ser

necessariamente ilegal.

Como primeira referência de análise,

adotamos a distinção que a doutrina jurídica

faz sobre as diferentes categorias constitu-

cionais de “meio ambiente”. A primeira a ser

constatada é o meio ambiente denominado

físico ou natural, que é constituído pela flo-

ra, fauna, solo, água, atmosfera, incluindo os

ecossistemas. Tal categoria encontra escopo

no art. 225, §1º, I, VII da Constituição Federal.

A segunda forma pela qual o meio ambiente é

classificado é em âmbito cultural, constituído

pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológi-

co, paisagístico, manifestações culturais, po-

pulares, tendo por base o art. 215, §1º e §2º da

Carta Magna da República. Há ainda o meio

ambiente artificial ou urbano, que é o conjunto

de edificações particulares ou públicas, prin-

cipalmente urbanas, cuja base constitucional

está nos art. 182, 21, XX e o art. 5º, XXIII. Por

fim, o meio ambiente do trabalho, que é consi-

derado o conjunto de condições existentes no

local de trabalho relativos à qualidade de vida

do trabalhador, e que encontra referência na

Constituição Federal em seu art. 7º, XXXIII e

art. 200.4

Outra referência é a divisão dos proble-

mas ambientais por sua natureza, adotando a

referência que Alier faz aos movimentos am-

bientalistas (conservacionismo, ecoeficiência e

justiça ambiental). Dessa forma, elegemos três

categorias para análise: numa primeira verten-

te, os problemas podem ser definidos como

“conservacionistas”, quando o problema se dá

em ambientes naturais, como rios, águas, ma-

nanciais, Áreas de Proteção Ambiental (APAs),

Áreas de Preservação Permanente (APPs), Re-

serva Legal (RLs), ainda que por interferência

da ação humana. Uma segunda natureza seria

de “problemas relacionados ao desenvolvi-

mento de atividades econômicas”, incidente

em casos em que a legislação ambiental ou

urbanística é descumprida, ou ignorada, pelo

empresariado, consumidores ou proprietários,

ou seja, desde que haja uma forte conotação

econômica/patrimonial em jogo. Criamos a

categoria “outros” quando não conseguimos

enquadrar o problema levantado em nenhuma

das duas anteriores.

O uso do solo na Baixada Fluminense

A Baixada Fluminense compõe-se dos se-

guintes municípios: Duque de Caxias, Nova

Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford

Roxo, Queimados e Mesquita, todos ao norte

da cidade do Rio de Janeiro. Alguns estudiosos

também incluem Magé e Guapimirim (a leste),

Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí (a oeste

e noroeste).

A ocupação da localidade se dá partir

do século XVIII, mas somente no início do sé-

culo XX, com obras de drenagem realizadas

em toda a região, é que os migrantes, bus-

cando melhores condições de vida na capital

Rio de Janeiro, ocuparão aquele espaço, que

se caracterizará como periférico dentro da Re-

gião Metropolitana.

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Tatiana Cotta Gonçalves Pereira

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013342

A área tem uma concentração industrial

maciça, com a presença de grandes e polui-

doras empresas em toda a região. Somen-

te para citar algumas, Duque de Caxias tem

o maior parque industrial do Estado, tendo

empresas cadastradas como Texaco, Shell, Es-

so, Ipiranga, White Martins, IBF, Transportes

Carvalhão, Sadia, Ciferal, entre outras, além

de uma das maiores refinarias da Petrobrás,

a Reduc. O município de Queimados conta

com um distrito industrial (DI), assim como

Xerém, em Caxias. Nova Iguaçu tem fábricas

como a Granfino, Embelleze, muitas indústrias

químicas e indústrias que trabalham com aço

e metal. As pedreiras e a extração de areia

também foram e são as principais atividades

econômicas da região, sobretudo em Itaguaí

e Seropédica. Por conta desse uso industrial

do solo, a Baixada é conhecida como zona

de sacrifício, expressão “utilizada pelos mo-

vimentos de justiça ambiental para designar

localidades em que se observa uma super-

posição de empreendimentos e instalações

responsáveis por danos e riscos ambientais”

(Viega, 2006, p. 4). Além disso, o Distrito In-

dustrial de Santa Cruz, bairro da cidade do Rio

de Janeiro, maior área industrial da capital, é

vizinho a Itaguaí e Seropédica.

É nessa área também que se localizava

o lixão de Jardim Gramacho (Duque de Ca-

xias); outros lixões existiam também em di-

versos outros municípios da região (Itaguaí,

Seropédica, Japeri, Nova Iguaçu), onde agora

se constroem diversos aterros sanitários, re-

forçando a lógica do sacrifício ambiental por

parte da população residente.

No entanto, a localidade se caracteriza

também por suas áreas verdes. Podemos de-

monstrar tal afirmativa pela presença da Re-

serva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, a

Floresta Nacional Mário Xavier em Seropédi-

ca, Parques Municipais da Taquara (Duque de

Caxias), de Nova Iguaçu, APA de Guapimirim,

Parque Natural Municipal do Curió (Paracam-

bi), APAs da Bacia do Guandu, Caixa d´água

e Gericinó-Mendanha. Existem ainda trinta e

cinco rios que deságuam na Baía de Guanaba-

ra, aquíferos, mananciais hídricos e mesmo a

maior estação de tratamento de água do mun-

do, que fica em Seropédica.

Dessa forma, a questão ambiental na re-

gião aparece tanto em ações conservacionistas,

relacionadas a espaços protegidos, como em

conflitos oriundos da atuação das empresas

poluidoras de rios, solos e ar, afetando a saúde

e a qualidade de vida da população do entorno,

ou numa atuação tipicamente contrária às nor-

mas jurídicas ambientais.

Adotando essa linha de ideias como pre-

missa, o presente artigo pretende demonstrar

que a região da Baixada Fluminense, já reco-

nhecida como uma zona de sacrifício dentro da

metrópole do Rio de Janeiro, tem uma popu-

lação que sente seus problemas ambientais a

partir de questões ligadas justamente à pobre-

za, à falta de condições básicas de infraestru-

tura urbana, e que tal posição parece ser refor-

çada neste momento a partir de algumas obras

que têm reconfigurado todo o espaço metro-

politano e que tendem a jogar para a Baixada

mais poluição e degradação, reforçando a in-

justiça ambiental já configurada naquela área.

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Principais referências conceituais

Desenvolvimento Sustentável

A crise ambiental tem levado as sociedades a

repensarem seus padrões de produção e consu-

mo. A perspectiva de falta de recursos naturais

para a continuação do modelo de desenvolvi-

mento e progresso adotado pela maioria dos

países ricos nos conduziu à criação de novos

paradigmas, sendo o desenvolvimento susten-

tável o principal deles.

O desenvolvimento sustentável, um dos

princípios mais importantes do Direito Ambien-

tal, é o marco referencial, início e fim de toda

política pública num Estado de Direito Ambien-

tal. O relatório Brundtland, produzido após a

Conferência de Estocolmo (1972) pela Comis-

são Mundial para o Meio Ambiente e Desen-

volvimento, presidida pela primeira-ministra da

Noruega, foi o primeiro documento que divul-

gou e instituiu o conceito de desenvolvimento

sustentável:

O desenvolvimento que procura satis-fazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gera-ções futuras de satisfazerem as suas pró-prias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atin-jam um nível satisfatório de desenvolvi-mento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os ha-bitats naturais.

Como o conceito é muito aberto, e pre-

tende ser prático, operacional, ele tem sido

interpretado por diferentes atores sociais, se-

gundo suas respectivas imagens e interesses.

Portanto, ambientalistas numa linha preserva-

cionista tendem a defender uma quase paralisa-

ção de exploração da natureza, enquanto eco-

capitalistas querem conciliar desenvolvimento

econômico com equilíbrio ambiental, vendo no

surgimento do problema ambiental um novo

mercado de atuação, propondo mecanismos de

produção mais “limpos”, reduzindo as “exter-

nalidades”, mas, inevitavelmente, explorando a

natureza, ainda que “racionalmente”.

Num enfoque jurídico, a interpretação

do conceito tem sido no sentido de que ele

procura agregar dois direitos fundamentais dos

povos: o direito ao desenvolvimento econômi-

co e o direito ao meio ambiente ecologicamen-

te equilibrado, visando garantir que as futuras

gerações tenham meios de sobrevivência tanto

quanto as gerações atuais. Essa leitura é bas-

tante dogmática e pouco crítica, uma vez que

não define que nível de desenvolvimento eco-

nômico se almeja (pois não pode ser o dos paí-

ses capitalistas ricos, responsáveis pela escas-

sez dos recursos naturais), tampouco aponta

como efetivamente chegar lá.

Na verdade, para que haja desenvolvi-

mento sustentável, da maneira que for, o próprio

Relatório Brundtland reconhece a necessidade

da construção de uma nova ordem econômica

mundial, baseada numa consciência ecológica e

numa postura ética da sociedade diante da pro-

dução e do consumo. Como nos ensina Hercula-

no (1992, p. 22), o desenvolvimento sustentável

pressupõe “um conjunto de mudanças-chave

na estrutura de produção e consumo, inverten-

do o quadro de degradação ambiental e miséria

social a partir de suas causas”.

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Logo, em termos de discurso das áreas

Humanas e Sociais, o desenvolvimento sus-

tentável torna-se também uma bandeira pe-

lo reconhecimento de direitos até então não

concretizados em muitos países pobres e para

muitas pessoas: desenvolvimento econômico

para todos pode, afinal, significar alimentação,

saúde, educação, moradia, trabalho e renda

dignos, aliados à vida num ambiente saudá-

vel e garantidos para todos (inclusive para as

gerações futuras). Contudo, é claro que essa é

uma interpretação extensiva do conceito, uma

vez que uma das críticas possíveis de se fazer

a ele é justamente o fato de não incorporar a

questão da desigualdade social. Nesse sentido,

vale citar a perspectiva colocada por Coutinho

(2004, p. 18):

A proposta de uma alternativa econômi-ca compatível com a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibra-do tem os seus pressupostos em princí-pios físicos (termodinâmica), o seu ponto nodal no desenvolvimento sustentável, o seu sujeito numa genérica e abstrata “hu-manidade” e coloca a ética no lugar da política ou, na melhor hipótese, a política centrada numa ética universal que depen-deria, para se efetivar, de a “consciência ecológica” individual assumir a dimen-são de “cidadania coletiva”. Não se deve estranhar, portanto, a primazia analítica atribuída à “crise ambiental” e sua des-conexão das condições concretas da sua própria produção.

Logo, há nessa concepção, como aponta

o autor, uma boa dose de ingenuidade, uma

vez que acredita na redenção da humanidade

pela ética e em uma tomada de consciência

como condições suficientes para a mudança na

exploração do meio ambiente, abstraindo da

forma como as relações sociais são produzidas

no sistema capitalista. No entanto, é essa visão

que tem sido consolidada e em torno da qual

vem girando o consenso social, fazendo com

que diversas áreas científicas reformulem seus

projetos e visões de mundo, pois a sustentabi-

lidade se tornou “uma nova crença destinada

a substituir a ideia de progresso” (Acselrad,

1997, p. 1922)

Desta forma, a proteção ao meio am-

biente se tornou uma das principais referências

no debate de construção de diversas políticas

públicas, tanto no nível da Comunidade Inter-

nacional quanto internamente. Nesse sentido,

o Brasil é considerado um país com uma das

legislações mais avançadas do mundo, sendo

referência na área da proteção ambiental.

A Constituição Federal de 1988, a primei-

ra Constituição brasileira a dedicar um capítu-

lo inteiro ao tema meio ambiente, tem como

objetivo a promoção do bem de todos e se

fundamenta na dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, a Constituição tem como meta

criar uma sociedade livre, justa e solidária, o

que não será possível enquanto todas as pes-

soas não tiverem qualidade de vida. Portanto,

a defesa e a preservação do meio ambiente são

essenciais para que possamos atingir os objeti-

vos constitucionais. Dessa forma, a preservação

do meio ambiente é prioridade para a Consti-

tuição Cidadã.

Assim, a questão do desenvolvimento

regular das atividades econômicas na Baixada

Fluminense, levantadas pelo grupo de pes-

quisa, demonstra como o desenvolvimento

sustentável é um conceito que nada tem de

prático, e que ele não concilia, pelo menos até

aqui, o desenvolvimento econômico e a preser-

vação da natureza, mesmo porque a prática

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industrial é historicamente agressiva ao meio

ambiente e, no momento histórico em que vi-

vemos, a ideia de sustentabilidade ainda pre-

cisa ser mais bem incorporada ao imaginário

coletivo, e a prática sustentável precisa ser em-

piricamente construída.

Justiça ambiental

Além da questão das práticas sociais a serem

criadas para que se alcance o desenvolvimento

sustentável, o movimento por Justiça Ambien-

tal também tem sido uma referência sobre a

crise ambiental na perspectiva das áreas Hu-

manas e Sociais. Isso porque o conhecimento

nessas áreas tem como objeto central o ser hu-

mano em suas relações, e a preocupação com

uma sociedade mais justa e equânime tende a

ser um dos principais problemas para os profis-

sionais da área.

Assim, o movimento social e o conceito

normativo de Justiça Ambiental (Swyngedouw

e Cook) nos auxiliaram a fazer uma leitura crí-

tica sobre a natureza dos problemas ambien-

tais em uma zona de sacrifício, permitindo-nos

perceber que muitas vezes tais problemas não

são os mesmos das áreas privilegiadas da cida-

de (ou da Região Metropolitana). O conceito de

justiça ambiental se constitui na

[...] busca do tratamento justo e do en-volvimento significativo de todas as pes-soas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, imple-mentação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deve suportar uma

parcela desproporcional das consequên-cias ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e muni-cipais, da execução de políticas e progra-mas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão dessas políticas. (Bullard apud Acselrad, 2004, p. 9)

Dessa forma, a percepção de que alguns

grupos sociais – como negros e pobres – con-

vivem com indústrias poluidoras e depósitos

de lixo, enquanto os brancos e ricos têm como

vizinhos parques e áreas de consumo dotadas

de equipamentos coletivos, sempre com toda

infraestrutura urbana necessária, deu origem,

nos Estados Unidos, ao movimento por maior

igualdade na distribuição espacial desses ris-

cos. O que se propõe é, na verdade, a incorpo-

ração da problemática dos riscos ambientais na

agenda política. Nesse sentido, o movimento

acrescenta ao problema da desigualdade so-

cioespacial o enfoque ambiental, buscando

demonstrar que diversas lutas ao redor do

mundo, e muito mais antigas que o próprio mo-

vimento, são lutas por justiça ambiental.5 Não

significa, portanto, a construção de uma nova

bandeira, mas, sim, que a questão da distribui-

ção desigual dos riscos e malefícios ambientais

deve ser levada em conta na formulação de di-

versas políticas públicas, sobretudo as sociais.

O movimento não se resume, entretan-

to, apenas à luta por maior igualdade na

ocupa ção do espaço urbano saudável e estru-

turado, demandando também: a) uma real

participação, justa e democrática, das comu-

nidades atingidas pelos malefícios ambien-

tais no processo decisório, ou seja, é preciso

superar formalismos (como as Audiências Pú-

blicas) e garantir que todos sejam realmente

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ouvidos e tenham suas posições levadas em

conta; b) o reconhecimento de que as políticas

urbanas e ambientais são formuladas em des-

respeito a determinados grupos, tais como ne-

gros, pobres ou mulheres, provavelmente por

conta de sua ausência de voz e peso político,

entre outros fatores, reconhecendo que são

esses grupos minoritários que suportam as in-

justiças ambientais; c) o restabelecimento dos

recursos e das capacidades necessárias para

formar e manter uma comunidade saudável,

e, quem sabe, sustentável, superando os im-

pactos ambientais negativos que muitas vezes

destroem comunidades de pescadores, índios,

etc. (Pereira, 2012).

Outras duas categorias: o espaço e os confl itos socioambientais

O espaço, como categoria da Geografia, é en-

tendido como produto das atividades humanas

em suas relações intersociais e também na in-

teração com a natureza. O espaço, que para o

Direito é solo, lugar onde se desenvolve toda

forma de vida, é percebido como resultado

material e simbólico dos desejos, sonhos, po-

líticas e técnicas que o homem aplica em sua

atuação cotidiana. Assim o conceitua Santos

(1991, p. 58):

O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos espaciais, e, de outro, a vida que os pre-enche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento. O conteúdo (da socie-dade) não é independente da forma (os

objetos geográficos), e cada forma en-cerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento.

Dessa forma, o espaço é resultado da in-

tervenção humana, e a intervenção humana é

sempre em certo espaço, e isso não foi esque-

cido pelo grupo de pesquisa. Ao pesquisarmos

o espaço da Baixada Fluminense, temos como

premissa de que ele é permanentemente cons-

truído através e a partir de um jogo de interes-

ses, nem sempre claro e transparente, em que o

sistema capitalista e sua racionalidade atuam

como mola propulsora. Ao mesmo tempo, ele

é fruto das atividades que ali se desenvolvem,

e assim, a alta densidade industrial, a pobreza

urbana e os riscos ambientais presentes nesse

espaço não são fortuitos, mas consequências

do agir humano.

Nesse sentido, pensamos a Região Me-

tropolitana do Rio de Janeiro como um territó-

rio: um espaço onde os grupos sociais se orga-

nizam, ocupando-o e utilizando-o, construindo

suas próprias percepções subjetivas. Há no

espaço do território uma série de territorialida-

des, na medida em que o sentido e a percep-

ção desse variam em suas dimensões políticas,

econômicas, culturais, sociais e simbólicas para

cada grupo social.

Também não perdemos de vista o fa-

to de que em tempos de globalização, vem

ocorrendo sistematicamente novos arranjos e

reconfigurações dos espaços metropolitanos,

com atores que decidem o uso do território às

vezes muito distantes desse, conforme explicita

Harvey (2005, p. 171):

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[...] o poder real de reorganização da vida urbana muitas vezes está em outra parte, ou, pelo menos, numa coalizão de forças mais ampla, em que o governo e a administração urbana desempenham apenas papel facilitador e coordenador. O poder de organizar o espaço se origina em um conjunto complexo de forças mo-bilizado por diversos agentes sociais. É um processo conflituoso, ainda mais nos espaços ecológicos de densidade social muito diversificada.

Em nosso caso, sabemos que a produção

do espaço metropolitano fluminense gerou

uma série de periferias, de cidades-dormitório,

de zonas de sacrifício. Estudos apontam que

cerca de 800 mil pessoas trafegam diariamente

pelos municípios da região, que têm alto grau

de integração, indo e voltando do trabalho ou

estudo, fazendo um movimento pendular peri-

feria – núcleo urbano – periferia.

Ocorre que, com a frequente competi-

ção entre as cidades para atrair investimentos

e gerar empregos nessa sociedade global, os

governos abandonaram o administrativismo e

aderiram a “uma postura empreendedora em

relação ao desenvolvimento econômico” (Har-

vey, 2005, p. 167). Como explica Harvey (2005,

p. 170):

A condição capitalista é tão universal que a concepção do urbano e da “cida-de” também se torna instável, não por causa de alguma definição conceitual deficiente, mas exatamente porque o pró-prio conceito tem de refletir as relações mutáveis entre forma e processo, entre atividade e coisa, entre sujeitos e objetos. Assim, quando falamos da transição do administrativismo urbano para o empre-endedorismo urbano nessas últimas duas décadas, temos de reconhecer os efeitos

reflexivos de tal mudança através dos impactos sobre as instituições urbanas, assim como sobre os ambientes urbanos construídos.

Portanto, o espaço das cidades e regiões

metropolitanas sofre influências políticas, eco-

nômicas e sociais cotidianamente, sendo alvo

de planejamento, mas também de ações não

planejadas, sendo construído e reconstruído

todos os dias (Santos, 2009). Esse fenômeno

de reconstrução pode ser claramente percebi-

do na Região Metropolitana do Rio de Janeiro

(RMRJ), que sofre um processo de requalifica-

ção de seu território a partir de algumas políti-

cas públicas que visam melhorar a mobilidade

e a integração entre os diversos municípios da

região, sobretudo por conta da cidade vir a se-

diar alguns jogos da Copa do Mundo (2014) e

as Olimpíadas (2016).

Assim, a Região Metropolitana do Rio

de Janeiro amplia sua zona de influência e ex-

pande suas fronteiras metropolitanas. Hoje, a

região metropolitana do Rio de Janeiro é com-

posta, segundo a Lei Complementar 105/02,

atualizada pela Lei Complementar 133/09 por

19 municípios, que são: Rio de Janeiro, Belford

Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itabo-

raí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis,

Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados,

São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica,

Tanguá e Itaguaí. Desses municípios, nenhum é

considerado rural, embora Guapimirim e Sero-

pédica apresentassem, em 2000, um percentual

de pessoas em domicílios rurais ainda significa-

tivo – 33% e 21%, respectivamente.

Logo, o que temos assistido é o traçado

de um novo desenho urbano para o centro do

Rio de Janeiro, a partir de projetos urbanos

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como o Porto Maravilha, que tem como um

de seus objetivos tornar o porto central mais

ligado ao comércio e ao turismo, jogando para

o porto de Itaguaí (antigo Sepetiba) as ativida-

des portuárias típicas. Está sendo construído o

Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (AMRJ),

com 145 km, maior obra financiada pelo PAC,

na nítida intenção de ligar o porto de Itaguaí

ao polo petroquímico de Itaboraí (também em

construção) e desafogar vias da cidade do Rio

por quem não precisa passar por ela.

E é nesse espaço que também surgem

os chamados conflitos socioambientais. O en-

trelaçamento dos direitos ao desenvolvimento

econômico e ao meio ambiente ecologicamen-

te equilibrado é bastante justificável em função

do atual estágio da sociedade de consumo, e

pode ser facilmente compreendido pela maio-

ria das pessoas. No entanto, sua prática não é

tão fácil, conforme já relatado. Isso porque é

imprescindível, para que haja sustentabilidade,

uma mudança significativa no modo de produ-

ção: as empresas e os países devem procurar se

desenvolver de maneira sustentada, utilizando

os recursos naturais, mas preocupando-se em

repô-los, se possível, ou preservá-los, se a repo-

sição não for possível.

Contudo, a maioria dos países (e das

empresas) ainda não conseguiu equacionar tal

questão, pois a legislação ambiental, por sua

natureza preventiva e protetiva, muitas vezes

freia o desenvolvimento normal das atividades

industriais, fazendo com que se coloque um

conflito inevitável entre a preservação do meio

ambiente e a atividade produtiva, o que en-

globa, além do empresariado, a própria classe

trabalhadora. Ora, os empresários querem con-

tinuar produzindo e lucrando, e assim resistem

às exigências da legislação, que estabelecem

maneiras menos agressivas e mais limpas (e

caras) de explorar a natureza. E os trabalhado-

res precisam manter seus empregos, muitas ve-

zes identificando políticas e fiscais ambientais

como inimigos. A própria sociedade tem tam-

bém demonstrado essa percepção em diversos

casos famosos: a preservação ambiental, ou a

prática sustentável (embora, em nosso sentir,

ainda não evidenciada), é uma prática vista

como impedimento ao “progresso”. Confome

ressalta Antunes (2004, p. 36):

A ambiguidade das normas jurídicas destinadas à proteção do meio ambien-te decorre, em grande parte, do fato de que elas existem como um compromisso entre o desenvolvimento das atividades econômicas que se utilizam de recursos ambientais – bens dotados de valor eco-nômico – e a sua preservação que, em última análise, busca reservá-los para posterior utilização.

Portanto, os conflitos socioambientais

são uma realidade mundial, e, embora não se-

ja teórico, o grupo da pesquisa esteve atento a

essa questão também.

Resultados obtidos

Em um ano de pesquisa foi possível o levan-

tamento e a sistematização de 105 processos,

sendo 101 inquéritos civis, três procedimentos

preparatórios e uma ação civil pública.6 O nú-

mero pode parecer pequeno; contudo, é im-

portante ressaltar que a enorme maioria dos

processos é extremamente volumosa, tendo em

média oito volumes, e que as visitas ao Parquet

são feitas apenas uma vez por semana por

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duas alunas de graduação que, até então, não

tinham intimidade no manuseio dos autos.

Categoria Constitucional de Meio Ambiente

Dos 105 processos, apenas dez podem ser ca-

tegorizados como problemas relacionados ao

meio ambiente natural.

Assim, por exemplo, foi denunciada a

possibilidade de maus tratos a animais, duran-

te a atividade de rodeio ocorrida durante a Ex-

poSeropédica, no município de Seropédica, em

ofensa a diversas normas constitucionais e in-

fraconstitucionais, sobretudo o art. 225, caput,

§1º,II e §4º da CF/88 e a Lei 10.519/02.

Outros dois casos referem-se a desmata-

mento/poluição em áreas de APP, um no muni-

cípio de Nova Iguaçu, em que a faixa marginal

de proteção e de represamento do rio Véu da

Noiva era desmatada dentro de propriedade

particular. O outro caso se referia a possível

dano ambiental, no município de Mesquita,

a partir do depósito irregular de resíduos da

construção civil na Bacia Hidrográfica do Sara-

puí. Também há um caso de terraplanagem em

uma APA, como também devastação de vege-

tação para extração mineral irregular.

Achamos dois casos de danos ao meio

ambiente cultural, que estão relacionados,

ironicamente, ao próprio desconhecimento

das prefeituras. No município de Mesquita a

parte investigada é justamente o município

que pretendia construir o Fórum da cidade

demolindo a Caixa D´Água da Fábrica Bras-

ferro, que parecia ser tombada pelo próprio

município, em uma aparente confusão admi-

nistrativa. O outro caso partiu da denúncia de

professores de História de Nova Iguaçu, que

viram a possibilidade de destruição de uma

torre da antiga Igreja Nossa Senhora da Pie-

dade, conjunto urbano tombado.

Todos os outros processos – noventa e

três – podem ser classificados como perten-

centes à categoria meio ambiente urbano, uma

vez que são problemas relacionados à vida nas

cidades e ao modo de vida urbanos.

Categoria constitucional de meio ambiente

Cultural1%

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Problemas ambientais por sua natureza

Sob este enfoque, entendemos que apenas qua-

tro processos podem ser categorizados como

“conservacionistas”. O primeiro é o referente à

possibilidade de maus tratos aos animais par-

ticipantes de rodeio em Seropédica, uma vez

que, embora haja atividade econômica, a pre-

ocupação externada é com a saúde do animal,

não havendo uma condenação moral àquela

atividade econômica. Outro seria o desmata-

mento, em área particular, de faixa marginal

de rio, conforme relatado acima. Embora seja

possível que o desmatamento tenha ocorrido

para a realização de atividade econômica, não

é possível afirmar isso apenas pelos fatos nar-

rados nos autos. No processo em que há depó-

sito irregular de resíduos da construção civil na

Bacia Hidrográfica do Sarapuí fica claro que o

problema se dá a partir da atividade econômica

de construção civil, e, por isso, optamos por in-

cluí-lo na categoria “problemas relacionados ao

desenvolvimento de atividades econômicas”.

Além destes, enquadramos nessa categoria os

casos de devastação de vegetação e de minera-

ção em Área de Proteção Ambiental.

Em “outros” categorizamos 37 proces-

sos. Muitos têm relação com ocupação irregu-

lar do solo para fins de moradia por parte da

população pobre, não podendo tal ação ser

relacionada com atividade econômica. Há tam-

bém muitas denúncias ligadas a omissões ou

irregularidades do poder público na gestão de

obras, ou em processos de licenciamento, além

da característica marcante da Baixada Flumi-

nense, que é categoria em outra classificação:

a falta de infraestrutura administrativa das

prefeituras municipais. Exemplos típicos são os

seis inquéritos que investigam a estrutura da

Secretaria de Meio Ambiente em cada municí-

pio ou outros sete que interrogam acerca da

elaboração de Plano Municipal de Gestão de

Resíduos Sólidos, o que acaba por levar à falta

de infraestrutura urbana adequada. Assim, po-

demos apontar:

Problemas segundo natureza ambiental(ALIER)

Conservacionistas4%

Relacionadosao desenvolvimento

econômico59%

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Principais problemas ambientais

Identificar os problemas ambientais de maneira

específica consistiu em uma tarefa difícil, pois,

em geral, o problema ambiental se apresenta

de maneira complexa e integrada, sendo difícil

localizá-los em uma única categoria.

Tomemos como exemplo a questão da

ausência de saneamento básico. O Ministério

Público abriu três inquéritos civis para apurar

se os municípios de Mesquita, Nilópolis e Ita-

guaí dispunham de sistema de saneamento bá-

sico, solicitando aos mesmos que informassem

ao órgão, por meio de planilhas individualiza-

das por

áreas ou bairros integralmente dotados de sistema de saneamento básico, incluí-da a prestação de serviços de abaste-cimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais, consoante art. 3º da Lei 11445/07.

Ao mesmo tempo, o Parquet abriu seis

inquéritos civis para apurar se os municípios de

Seropédica, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita,

Queimados e Japeri elaboraram e implemen-

taram o Plano Municipal de Gestão Integrada

de Resíduos Sólidos, o que é um dos serviços

públicos de saneamento básico.

Além disso, existem dois casos de lotea-

mentos sem infraestrutura alguma, inclusive

abastecimento de água. Todos esses casos fo-

ram colocados como problemas de infraestru-

tura urbana.

O mesmo ocorre na investigação do ex-

cesso de poluição atmosférica lançada por uma

pedreira em Nova Iguaçu: além do lançamento

de partículas no ar, investigou-se se a empresa

possuía licença ambiental para tal extração, e,

ainda, se ela estava de acordo com o zonea-

mento urbano. Assim, acaba ocorrendo a inci-

dência de mais de um problema.

Dessa forma, é possível apontar os se-

guintes problemas ambientais:

Problemas ambientais

Falta de infraestrutura urbana – 29%

Poluição –31%

Funcionamento de empresa sem licença ambiental – 12%

Uso indevido do espaço público – 8%

Desmatamento de áreas protegidas – 5%

Falta de infraestrutura administrativa – 15%

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Como “poluição” pode ser de diversos tipos, apontamos:

E, numa relação dos problemas com os municípios investigados:

Uso indevido do espaço público – 58%Falta de infraestrutura urbana – 16%

Falta de infraestrutura urbana e poluição – 23%

Falta de infraestrutura admnistrativa – 40%

Funcionamento de empresas sem licença – 37%Desmatamento e falta de infraestrutura administrativa – 15% cada

Falta de infraestrutura urbana e outros – 30% cada

Falta de infraestrutura urbana, poluição e funcionamentode empresas sem licença – 17% cada

Falta de infraestrutura administrativa – 27%

Poluição – 37%Falta de infraestrutura urbana – 21%

Falta de infraestrutura urbana – 33%Poluição – 41%Outros – 15%

LEGENDA

Seropédica

Nova Iguaçu

Queimados

Nilópolis

Itaguaí

Japeri

Mesquita

Mapa – Principais problemas por município

Fonte: desenho de Camila Borghezan.

Atmosférica

Por resíduos lançados em águas/esgotos

Por resíduos lançados no solo

Sonora

Poluição3%

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A partir dos quadros, é possível levantar

algumas conclusões. Primeiramente, é interes-

sante notar que os problemas relacionados à

poluição ocorrem nos municípios com maior

atividade industrial, sobretudo Nova Iguaçu. As

denúncias estão relacionadas, em sua maioria,

a atividades industriais ou comerciais. Relata-

mos algumas a seguir, apenas para ilustrar.

Em termos de poluição atmosférica, há

denúncia contra uma antiga pedreira que, em

sua atividade, lança um pó fino no ar, que entra

nos pulmões das crianças e adultos do entorno,

provocando diversas doenças respiratórias. Em

Nova Iguaçu, há também o caso de uma usi-

na de concreto que é vizinha à pedreira, fun-

cionando sem licença ambiental e gerando um

ar poluído que detona problemas respiratórios,

coceira e irritações nos moradores e na escola

municipal vizinha. O abaixo-assinado chegou

ao MP com 140 assinaturas. O detalhe é que

tanto a pedreira quanto a usina de concreto

estão em área não permitida pelo zoneamen-

to municipal, junto com uma usina de asfalto

mais duas de concreto.

Já a poluição sonora se relaciona a ativi-

dades comerciais. Em Seropédica, temos quatro

quiosques que foram investigados devido ao

som alto durante a noite. Contudo, os donos

informaram que são os clientes que, durante o

consumo de álcool, ligam o som de seus car-

ros, fato que eles entendem não poder impedir.

Relatam inclusive que a polícia é sempre cha-

mada, mas os consumidores abaixam o som e

voltam a aumentá-lo depois. Em Nova Iguaçu,

a denúncia é semelhante: barulho em uma

Piscina Bar, agravada a situação por questões

relacionadas ao armazenamento e acondicio-

namento dos alimentos e pelo descarte inade-

quado dos resíduos sólidos do restaurante.

O despejo de resíduos é uma questão

vital do século XXI, pois nosso modelo de con-

sumo acaba por produzir lixo em excesso: só

o município do Rio de Janeiro produz 9,5 mil

toneladas diárias, e dessas, 7,5 mil vão para

o aterro sanitário de Seropédica. Não é à toa

que a Política Nacional de Resíduos Sólidos

(Lei 12305/10) e a Lei Nacional de Saneamento

Básico (Lei 11445/07) foram sancionadas: pre-

cisamos equacionar essas questões. Na pesqui-

sa, os resíduos aparecem em muitos casos. Há,

por exemplo, lançamento de óleo e resíduos

de limpeza de fossa em galerias de drenagem

por uma Viação em Mesquita; despejo irregu-

lar de resíduos químicos, tanto em Nova Iguaçu

quanto Seropédica, por empresas de casas pré-

-fabricadas e químicas. Há ainda inquérito para

apurar se a empresa responsável pelo aterro

sanitário de Seropédica (em funcionamento há

pouco mais de um ano, recebendo atualmente

8 mil toneladas de resíduos domésticos por dia)

implantou um sistema de captação e tratamen-

to de biogás, que era uma das condicionantes

de sua Licença. Há caso também de armazena-

mento irregular de resíduos em um restaurante

em Nova Iguaçu, gerando proliferação de veto-

res e fortes odores na vizinhança.

Outra categoria de muita incidência é

a “falta de infraestrutura urbana”. Nesses

casos, aparecem principalmente situações

relacionadas à ausência de saneamento bá-

sico, em seu sentido amplo. O Ministério Pú-

blico cobra que os municípios elaborem Plano

Municipal de Saneamento Básico e também

Plano Municipal de Gestão Integrada de Re-

síduos Sólidos. Há também caso de um lo-

teamento clandestino em Queimados sem

nenhum tipo de equipamento urbano: escoa-

mento de águas pluviais, iluminação pública,

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esgotamento sanitário, abastecimento de

água potável, energia elétrica pública, vias de

circulação. A energia residencial, os morado-

res providenciaram. Em outro loteamento em

Nova Iguaçu, esse irregular e não clandestino,

não havia luz, água e nem asfalto.

Um caso que chama a atenção pela for-

ma como o MP relata a situação ocorre em

Seropédica. O Parquet define o caso como

“omissão do poder público”. Trata-se de falta

de saneamento, mas que gera risco de enchen-

tes e transbordamento de esgoto, ocorrendo a

proliferação de vetores, colocando em risco a

saúde da população. Outro caso curioso é a no-

tícia de desmoronamento de um muro, em No-

va Iguaçu, cujos escombros ainda estariam no

local, obstruindo a livre circulação de veículos e

pedestres da rua, impedindo o restabelecimen-

to da rede elétrica e a avaliação de danos a veí-

culos particulares. A questão é que o muro caiu

porque estava em local instável, não resistindo

à chuva forte.

Dessa forma, podemos perceber que

muitas vezes é a ausência de condições básicas

de vida que gera o “problema ambiental”. A

ausência de saneamento básico gera doenças

como desidratação e leptospirose, além da con-

vivência com odores e animais transmissores

de diversos tipos de doença. O desmatamento

de áreas de maneira precária, com queima-

das e sem o mínimo de preservação, é que vai

gerar a erosão do solo, o desaparecimento de

córregos e os desmoronamentos em época de

grandes chuvas. A concentração de empresas

poluidoras em determinados municípios (zo-

nas de sacrifício) gera doenças respiratórias e

alérgicas pela poluição do ar, contaminação da

água e do solo, enfim, baixa qualidade de vida.

Não há dúvida: nos países pobres, os grandes

problemas ambientais estão relacionados a

questões de cunho sociais. Nesse sentido, vale

a pena citar o relatório do Brasil para a Confe-

rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento:

[...] as duas causas básicas da crise am-biental são a pobreza e o mau uso da riqueza: os pobres são compelidos a destruir, no curto prazo, precisamente os recursos nos quais se baseiam as suas perspectivas de subsistência a longo pra-zo, enquanto a minoria rica provoca de-mandas à base de recursos que em última instância são insustentáveis, transferindo os custos uma vez mais aos pobres.

Cumpre ainda ressaltar que cabe ao Po-

der Público se estruturar para efetivar a pro-

teção ambiental definida constitucionalmen-

te. Nesse sentido, embora contemos com leis

boas, os municípios da Baixada Fluminense

investigados não têm arrecadação suficiente

para constituir seu próprio órgão ambiental,

bem como não têm empresa de limpeza pró-

pria (à exceção de Nova Iguaçu), e seus ater-

ros estão sendo construídos em regime de

consórcio e com parceiros privados. Nos seis

casos categorizados como “falta de infraes-

trutura adminis trativa”, todos são inquéritos

em que o MP questiona os municípios acerca

da organização do sistema municipal do meio

ambiente, que deve “ser composto, no míni-

mo por conselho municipal do meio ambiente,

fundo municipal do meio ambiente, órgão ad-

ministrativo executor da política publica muni-

cipal e guarda municipal ambiental”. Nenhum

município tem essa estrutura dentre os seis in-

vestigados: a) Seropédica tem apenas secreta-

ria de meio am biente; b) Japeri tem secretaria

de meio ambiente e agricultura e fez concurso

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para guarda municipal; c) Nilópolis tem a se-

cretaria de obras, meio ambiente e agricultura,

fez concurso para guarda municipal e tem fun-

do, mas sem conta e sem indicação de adminis-

trador; d) Queimados não tem nem secretaria,

o meio ambiente é tratado pela secretaria de

fazenda; e) Nova Iguaçu tem secretaria de meio

ambiente e agricultura, guarda municipal, fun-

do, conta, faltando nomear o administrador do

fundo; f) Itaguaí tem guarda municipal ambien-

tal, mas como cargo comissionado, e o órgão

executor é a secretaria de agricultura, meio

ambiente e pesca. Não tem fundo, nem conta,

nem administrador. Ressalte-se que o questio-

namento da Promotoria é com a intenção de

averiguar se esses municípios estariam rece-

bendo repasse do ICMS verde, de acordo como

art. 3º da Lei 5100/07. Ou seja, a falta de estru-

tura define a falta do repasse.

Dessa forma, parece-nos que a pobreza,

seja da população, seja do próprio município,

gera injustiças ambientais e zonas de sacrifício

que devem ser reconhecidas como consequên-

cia de políticas públicas perversas, e, por isso,

modificadas, sob pena de não alcançarmos

nenhum tipo de sustentabilidade ambiental,

sustentando o que já existe, ou seja, desigual-

dades socioambientais e espaciais. Como escla-

rece Vieira (2009, p. 102):

Na realidade, não se trata de escolher entre meio ambiente e desenvolvimen-to, mas sim entre diferentes formas de desenvolvimento, algumas das quais se preo cupam com o meio ambiente, en-quanto outras não. Os esforços interna-cionais para a preservação ecológica do planeta só serão bem-sucedidos se aten-derem ao pré-requisito de mais justiça econômica para os países pobres.

Nesse sentido, equacionar a questão am-

biental parece exigir, de fato, novos modelos

de produção, novos modos de agir e de pensar

o ambiente e mesmo o desenvolvimento, não

podendo esse ser entendido meramente como

desenvolvimento econômico, sem incorporar

maior distribuição da renda, do conhecimento

e dos riscos ambientais.

Conclusão

É possível relacionar espacialmente pobreza e

maior concentração de atividades poluentes,

que atingem a saúde e o bem-estar da popu-

lação ocupante daquele espaço geográfico, tal

qual propõe o conceito/movimento de Justiça

Ambiental. Nesse sentido, o Desenvolvimento

Sustentável é incorporado como a grande refe-

rência discursiva da nova ordem mundial, em

que o Poder Público, as empresas e as pessoas

devem assumir novas posturas e novas cren-

ças acerca de seus modos de vida, reduzindo

a produção e o consumo para a sustentabili-

dade e manutenção da qualidade de vida para

as gerações futuras, ainda que não esteja claro

se a ideia de sustentabilidade incorpora uma

dimensão socioambiental em sua implementa-

ção. Contudo, sem essa dimensão manteremos

a produção de injustiças, num círculo vicioso.

Portanto, compatibilizar o desenvolvi-

mento e a preservação de um ambiente saudá-

vel é um dos grandes desafios da humanidade,

e o processo histórico demonstra que, até aqui,

as minorias políticas sofreram mais as conse-

quências dessas práticas, trabalhando e viven-

do próximas a locais poluídos ou degradantes.

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Ainda que esteja ocorrendo uma reconfigura-

ção da região metropolitana do Rio de Janei-

ro, com novos usos e funções para o centro e

periferias, podemos observar pelos processos

apurados, que a população da Baixada Flumi-

nense tem uma percepção de seus problemas

ambientais numa linha claramente vinculada

ao desenvolvimento de atividades econômicas

no meio urbano, ou seja, é ela que paga o ônus

do desenvolvimento.

Portanto, a formação de zonas de sa-

crifício é uma demonstração da distribuição

desigual dos riscos ambientais, seja entre paí-

ses, seja em um país. No espaço da Região

Metropolitana do Rio de Janeiro, a Baixada

Fluminense é reconhecida como uma área in-

dustrial, poluída e mais pobre do que a capi-

tal. Os casos levantados em pesquisa desen-

volvida na Universidade Federal Rural do Rio

de Janeiro apontam para uma correlação entre

a falta de infraestrutura urbana e a produção

de intensa poluição em espaços vulneráveis,

como os principais problemas ambientais sen-

tidos pela população, contribuindo com a te-

se que identifica a crise ambiental como uma

consequência do nosso modelo de desenvolvi-

mento, e que joga para determinadas minorias

os riscos ambientais.

Tatiana Cotta Gonçalves PereiraGraduada em Direito, Mestre em Direito da Cidade e doutoranda em Sociologia e Direito. Professora Assistente de Direito Ambiental e de Direito Urbanístico do Departamento de Ciências Jurídicas, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seropédica/RJ, [email protected]

Notas

(1) Expressão em francês que significa Ministério Público. Tal expressão é bastante utilizada no Direito pátrio.

(2) As alunas, por serem graduandas e estarem no meio do curso, apresentaram difi culdades no manuseio e compreensão dos processos que levantaram, e talvez esse seja um dos fatores de, ao fi m de um ano, termos pouco mais de 100 processos catalogados. Mas, além de elas fazerem o levantamento sem ter do ainda disciplinas como Direito Ambiental e Direito Processual Civil, que facilitaria a compreensão dos termos técnicos, também nham que manusear processos muito volumosos, em média com seis volumes. Nossa avaliação, entretanto, é que muito se aprendeu nesse caminho, o que é, enfi m, uma das principais funções de uma pesquisa em nível de graduação.

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(3) Um inquérito civil é um procedimento administra vo inves gatório, inquisi vo, instaurado e presidido pelo próprio Parquet, cujo obje vo é a coleta de elementos de prova e de convicção para futuras atuações processuais (Ação Civil Pública) ou extraprocessuais (facilitando conciliações extrajudiciais em confl itos ambientais como Termos de Ajustamento de Conduta), se a Promotoria assim entender, podendo também ser arquivado, se nada for apurado como irregular.

(4) É preciso esclarecer que essa referência nos pareceu muito di cil de ser u lizada, sobretudo essa dis nção entre meio ambiente natural e meio ambiente urbano, posto que nos dias de hoje não é possível perceber uma natureza intocada, imune à ação humana, ni damente de conotação urbana. De fato, nos parece que as grandes questões ambientais estão no contexto urbano. Assim, só foi classifi cado como meio ambiente natural o inquérito civil que inves gasse problemas diretamente relacionados à fauna e à fl ora, em que a intervenção humana exis a, mas não foi alvo da denúncia.

(5) “O pulmão preto produzido no local de trabalho, os folheados de amianto em casa, e a carga de fumaça nos parques infan s” fazem parte da temá ca ambiental, segundo Swyngedouw e Cook (p. 17).

(6) Procedimentos preparatórios é o estágio inicial, quando se recebe a denúncia; a fase seguinte é o inquérito civil e, se necessário, pode ocorrer a propositura de ação civil pública. Os dois primeiros procedimentos são administra vos, o úl mo judicial.

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Tatiana Cotta Gonçalves Pereira

Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013358

Texto recebido em 31/ago/2012Texto aprovado em 29/set/2012

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Instruções aos autores

ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL

A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral, especialmente, às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografi a, Demografi a e Ciências Sociais.

A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafi os colocados à adoção de modelos de gestão baseados na governança urbana.

CHAMADA DE TRABALHOS

A revista Cadernos Metrópole é composta de um núcleo temático, com chamada de trabalho específica, e um de temas livres relacionados às áreas citadas. Os textos temáticos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada; os textos livres terão fl uxo contínuo de recebimento.

Os artigos podem ser redigidos em língua portuguesa ou espanhola. Os artigos apresentados em outros idiomas serão traduzidos para o português.

AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS

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LivrosAUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo:

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Capítulos de livros

AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.

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Artigos de periódicos

AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do perió dico, número do periódico, páginas inicial e fi nal do artigo.

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Trabalhos apresentados em eventos científi cos

AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e fi nal.

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Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas GeraisLuciana Andrade

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Brasília Universidade de BrasíliaRômulo Ribeiro

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Curitiba IpardesRosa Moura

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Fortaleza Universidade Federal do CearáClélia Lustosa

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Goiânia Universidade Católica de GoiásAristides Moysés

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Maringá Universidade Estadual de MaringáAna Lucia [email protected]

Natal Universidade Federal do Rio Grande do NorteMaria do Livramento M. Clementino

[email protected]

Porto Alegre Fundação de Economia e EstatísticaRosetta [email protected]

Recife Universidade Federal de PernambucoAngela Maria Gordilho Souza

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Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de JaneiroLuiz César de Queiroz Ribeiro

[email protected]

Salvador Universidade Federal da BahiaInaiá Maria Moreira Carvalho

[email protected]

Santos Universidade Católica de SantosMarinez Brandão

[email protected]

São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São PauloLucia Maria Machado Bógus

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Vitória Instituto Jones dos Santos NevesCaroline Jabour

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Cadernos Metrópole

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