resenha crÍtica de sacristÁn - o aluno como invenção

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1 RESENHA CRÍTICA DE: SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005. POR: Kleverton Almirante Mestrando em Processos Educativos - CEDU/UFAL. Em “O aluno como invenção”, José Gimeno Sacristán trata dos diversos conceitos de aluno e da reformulação ambiental escolar. O conceito de aluno geralmente é interiorizado na concepção dos professores como de um sujeito que não possui nada a colaborar. Isto acontece porque, ao acreditarmos que são 'menores', sua voz não nos importa e não os consultamos para elaborar ou reconstruir a ideia que temos sobre quem eles são (SACRISTÁN, 2005, p. 12). A importância de revisar os conceitos de ser aluno é pertinente à prática docente porque, o sujeito professor está muito mais presente no discurso dos especialistas do que o aluno. E o aluno "deixou de ser atualmente o pólo de atração do pensamento educacional (IBIDEM, pp. 14-15). A orientação que os estudos de Sacristán seguem é, portanto, alunocêntrica, e isto “não é moda na agenda dos debates(IBIDEM, p. 16). O alunocentrismo, principal ponto dos escritos de Sacristán, denota uma pedagogia mais pedocêntrica. A respeito do aluno, enquanto o menor está para o lar, o aluno está para a escola, porém, damos como certo que, em uma etapa de suas vidas, o papel das pessoas que vemos é ir às instituições escolares todos os dias(op. cit., p. 13). A naturalidade da infância se enquadrou numa ordem social, e essa ordem propicia e 'obriga' os sujeitos nela envolvidos a serem de uma determinada maneira. Pois, para as sociedades modernas, “ser escolarizado é a forma natural de conceber aqueles que têm a condição infantil (op. cit., p. 14). Assim, Sacristán (op. cit., p. 102) nos explica que, a escolarização é um fato tão natural na paisagem social de nossas formas de vida que é estranho imaginar um mundo que não seja dessa forma. A escola que surgiu da justificativa de ser um meio para alfabetizar cumpre outros papéis (op. cit., p. 179). O que confirma a ideia de que a escola é um instrumento de controle social, ao invés de um espaço genuinamente e unicamente de aprendizagem, é que o alunato permanece constantemente com os mesmos acompanhantes, sob a mesma autoridade e seguindo o programa determinado para tal fim (op. cit., p. 135).

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Por Kleverton Almirante.

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Page 1: RESENHA CRÍTICA DE SACRISTÁN - O aluno como invenção

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RESENHA CRÍTICA DE:

SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.

POR: Kleverton Almirante – Mestrando em Processos Educativos - CEDU/UFAL.

Em “O aluno como invenção”, José Gimeno Sacristán trata dos diversos conceitos de aluno

e da reformulação ambiental escolar. O conceito de aluno geralmente é interiorizado na

concepção dos professores como de um sujeito que não possui nada a colaborar. Isto

acontece porque, “ao acreditarmos que são 'menores', sua voz não nos importa e não os

consultamos para elaborar ou reconstruir a ideia que temos sobre quem eles são”

(SACRISTÁN, 2005, p. 12).

A importância de revisar os conceitos de ser aluno é pertinente à prática docente

porque, “o sujeito professor está muito mais presente no discurso dos especialistas do que o

aluno”. E o aluno "deixou de ser atualmente o pólo de atração do pensamento educacional”

(IBIDEM, pp. 14-15). A orientação que os estudos de Sacristán seguem é, portanto,

alunocêntrica, e isto “não é moda na agenda dos debates” (IBIDEM, p. 16). O

alunocentrismo, principal ponto dos escritos de Sacristán, denota uma pedagogia mais

“pedocêntrica”.

A respeito do aluno, enquanto o menor está para o lar, o aluno está para a escola,

porém, “damos como certo que, em uma etapa de suas vidas, o papel das pessoas que

vemos é ir às instituições escolares todos os dias” (op. cit., p. 13). A naturalidade da infância

se enquadrou numa ordem social, e “essa ordem propicia e 'obriga' os sujeitos nela

envolvidos a serem de uma determinada maneira”. Pois, para as sociedades modernas, “ser

escolarizado é a forma natural de conceber aqueles que têm a condição infantil” (op. cit., p.

14). Assim, Sacristán (op. cit., p. 102) nos explica que, “a escolarização é um fato tão natural

na paisagem social de nossas formas de vida que é estranho imaginar um mundo que não

seja dessa forma”.

A escola que surgiu da justificativa de ser um meio para alfabetizar cumpre outros

papéis (op. cit., p. 179). O que confirma a ideia de que a escola é um instrumento de

controle social, ao invés de um espaço genuinamente e unicamente de aprendizagem, é que

o alunato permanece constantemente com os mesmos acompanhantes, sob a mesma

autoridade e seguindo o programa determinado para tal fim (op. cit., p. 135).

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Entretanto, “a partir de uma proposição reflexiva e crítica, a educação no tempo e

espaço vigiados [(panóptico escolar)] ainda é um lugar em que se pode desenvolver a crítica

libertadora dos controles invisíveis e sugestivos” (op. cit., p. 136, inserção minha). É dessa

forma que Sacristán aponta as escolas como lugares em que se proporcionem instrumentos

de libertação frente ao controle dos meios de comunicação, da televisão e do consumismo –

estruturas prazerosas, mas pouco construtivas (sinópticos).

A ordem escolar segue uma lógica econômica, de interesses nacionais, e não tem

como referência prioritária as crianças e os jovens; é também por isso que “as experiências

vividas nesse território demarcado não são exatamente um motivo para se querer estar

nele” (op. cit., p. 145). Apesar de ser na escola que se engendra o futuro do indivíduo, a sua

conduta é a criança quem constrói (op. cit., p. 146).

Não se começa mais a fazer parte do mundo somente através da escola. Há outros

meios e ambientes para se inserir no sistema que rege as relações do mundo, meios e

ambientes até mais visitados que o ambiente educacional. Mas é preciso enxergar os meios

e os ambientes como terrenos de possibilidades.

Sobre o sujeito-aluno, “a primeira tendência da psicologia foi descrevê-lo, normalizá-

lo, caracterizando-o; depois foi regulá-lo, desmembrando-o de sua condição social e cultural

[...]” (op. cit., p. 14). As categorias de aluno, estudante, ou aprendiz foram “criadas,

propostas e impostas pelos adultos no âmbito da instituição escolar, que fixa suas próprias

regras” (op. cit., p. 125). Daí, os menores passam a ter uma nova identidade.

O aluno é um ser que está se alimentando de saberes para viver bem em sociedade,

beneficiário obrigado da educação. Nesse aspecto, a educação é vista como transformação,

e pelos alunos é vista como fardo, pois “não têm outra opção senão aceitá-lo” (op. cit., p.

137).

Porém, ao tratar das crianças, não devemos concebê-las como uma classe inferior.

“A criança não é uma tábula rasa a ser preenchida pelos adultos, mas ela é o agente ativo

em seu desenvolvimento” (op. cit., p. 22). Esta passagem nos concede a oportunidade de

pensar uma sensibilidade para enxergar as crianças-alunos como sujeitos atores

autônomos, ativos de toda e qualquer reação de aprendizado, pois “a posição dominante ao

longo da história foi a de que a criança é influenciável e que as marcas que nela se

imprimem perdurarão” (op. cit., p. 27). A humanidade esteve de acordo que os menores

podem ser orientados, conduzidos e corrigidos através da educação.

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Tal determinismo se deve à teoria psicanalítica, “que entende as primeiras

experiências como não passíveis de serem apagadas” (op. cit., p. 81). Mas como corrigir o

que não está incorreto? Esta orientação pedagógica é um projeto imposto por uma

concepção antiliberal do sujeito (op. cit., DEM, p. 37). Este fato histórico se valorizou no

século XX, quando “se consolidou a categoria da infância como etapa a ser respeitada e à

qual se atribui o poder determinante do que os sujeitos serão quando adultos” (op. cit., p. 98,

grifo do autor).

Com raízes nas crenças judaico-cristãs, alimentadas pelo maniqueísmo, o

determinismo teve suas primeiras impressões, pois devia-se transformar o estado de

animalidade natural aplicando a disciplina para evitar a negatividade. A manifestação da

satisfação era, então, proibida, tratando de mostrar que “a presença e naturalidade do

castigo foram traços da prática educacional” (op. cit., p. 94).

O sentido da força e da impotência diante da educação está no otimismo ilustrado do

ambientalismo e nas circunstâncias externas de várias situações incontroláveis, pois “as

influências que os diferentes nichos provocam sobre o sujeito podem ser congruentes entre

si ou não; podem até mesmo se contradizer, se opor, se neutralizar” (op. cit., p. 33).

A escola é mais um, e talvez o menos favorito, espaço de vivências dos menores.

Ela se posiciona como extensão do lar, pois “a dependência dos menores em relação aos

adultos gerada no ambiente familiar se reconstrói nos espaços e nos tempos escolares” (op.

cit., p. 58). Porém, a emancipação dos menores dos adultos se tornou complicada e difícil,

causando desinteresse exatamente porque, dentro da realidade das classes sociais menos

favorecidas, “'estudar para algo' é uma formulação que cada vez mais tem menos valor de

antecipação e é menos atrativo, porque sua realização futura é cada vez menos insegura”

(op. cit., p. 55).

Esta condição das classes sociais menos favorecidas faz com que a necessidade

substitua a vocação como guia do desenvolvimento pessoal. Com isto, “os menores, e

especialmente os jovens, observam que mais que um trabalho, o que estão sendo

chamados a fazer é se ocupar em atividades mal remuneradas que mal lhes permite

sobreviver [...]” (op. cit., p. 56).

Apesar de que, para Maurice Tardif, “nada nem ninguém pode forçar um aluno a

aprender se ele mesmo não se empenhar no processo de aprendizagem” (2002, p. 132), é

preciso provocar o interesse – que é condição subjetiva – e saber fazê-lo nos aprendizes.

Sacristán (2005, p. 200) assinala que “não podemos deixar de sugerir a eles conteúdos

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atraentes”. E, para Tardif, “é preciso que os alunos se associem, de uma maneira ou de

outra, ao processo pedagógico em curso para que ele tenha alguma possibilidade de

sucesso” (op. cit, p. 167).

Sacristán coloca, então, a problemática dos espaços escolares em benefício dos

alunos, mencionando que “essas novas condições obrigam a repensar os ambientes

escolares não só como propedêuticos para o futuro ou substitutos da família mas como

lugares fundamentais e não hostis para a vida pessoal e social dos menores e dos jovens;

ou estes se verão impelidos a buscar outros espaços de expressão (como já estão sendo a

rua, os bares, etc.)” (2005, pp. 58-59). A escola, portanto, deve se legitimar diante dos

jovens como uma experiência que faz parte de seu projeto de vida (IBIDEM, p. 60).

Novamente, digo: não se começa mais a fazer parte do mundo através da escola.

A variável econômica nos leva a crer que existem muitos tipos de infância e muitas

formas de vivê-la (IBIDEM, p. 95). O autor assinala que “o trabalho infantil causa a pobreza

e, ao mesmo tempo, é consequência dela” (op. cit, p. 96). Neste cenário, “a escolarização

básica é uma realidade distante para muitas crianças do terceiro mundo, segundo o relatório

do Unicef (2002)” (op. cit, p. 97). Vê-se aí que a falta da escolarização exclui e marginaliza

os menores.

O que podemos dizer, contudo, é que as escolas não foram pensadas para os

menores das classes menos favorecidas, as estruturas escolares não foram projetadas para

recebê-los e atender às suas necessidades. “A instituição escolar está mais bem preparada

para selecionar e hierarquizar, obrigar os sujeitos, impor homogeneidade, taylorizar os

tratamentos educacionais, padronizar tempos, métodos e exigências acadêmicas, etc., do

que para individualizar e acolher pessoas singulares com necessidades diferentes e pontos

de partida desiguais” (op. cit, p. 202). Esta deficiência nos leva a um desejo maior de

reformulações educacional e escolar.

Sacristán elogia o otimismo das pedagogias psicológicas e das formas didáticas mais

modernas - apoiadas na permissividade da comunicação oral do diálogo, na possibilidade

da crítica, na pluralidade de visões sobre os conteúdos lecionados e na prática do exercício

de falar, ler e escrever com mais autonomia e liberdade pelos estudantes. Dessa forma, eles

exercem a elaboração do pensamento e a expressão guiada.

Mas para a formação, “a plasticidade geral do cérebro se mantém, como regra geral,

e os períodos críticos são exceções no decorrer do desenvolvimento” (op. cit, p. 82). No

entanto, a formação deve ser continuada, pois “dedicar uma atenção prioritária para as

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primeiras etapas não deve ser obstáculo nem pretexto para não dar a mesma importância

para o resto dos degraus” (op. cit, p. 83). Este é um desafio de todos os atores envolvidos

no processo de aprendizagem e propõe uma visão mais democrática da inteligência (op. cit,

p. 86).

Sacristán propõe um olhar sobre como é construída a figura do aprendiz nas

instituições escolares para compreender melhor os desafios desta educação repensada. “A

institucionalização da educação escolar poderia, com toda certeza, ter sido de outra

maneira, e hoje disporíamos de outra figura diferente do menor modelado como aluno pela

ordem escolar” (op. cit, p. 189). Podemos conceber outro tipo de morador das escolas se

projetarmos essa moradia escolar como um ambiente de aprendizagem que proporcione,

dentre suas novas experiências, algumas relacionadas com o mundo adulto e com a

sociedade em geral e a cultura.

Esta é a importância dos estudos sobre os processos históricos na educação. “A

realidade é como é. Saber como e por que foi assim pode nos dar mais liberdade para

imaginá-la de outra forma e, sem dúvida, torná-la diferente de como nos é apresentada” (op.

cit, p. 192). Educando-se na vida e para a vida constrói-se um futuro (op. cit, p. 207). O olhar

histórico e a observação dos nossos ambientes são um meio proposto por Sacristán para se

imaginar a mudança radical em todos os aspectos e que envolve todos os atores sócio-

educacionais (op. cit, p. 212).

REFERÊNCIAS

SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.