resenha crÍtica de mÉszÁros - a educação para além do capital

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1 BESENHA CRÍTICA DE: MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. POR: Kleverton Almirante Mestrando em Processos Educativos - CEDU/UFAL. Os escritos de István Mészáros, bem como de alguns pensadores contemporâneos, apresentam a sociedade e a educação como elementos indissociáveis. Em seu livro “A educação para além do capital”, Mészáros explana acerca dos ideais de dominação do sistema vigente aplicados na sociedade através da educação. Estes ideais, herdados do sistema feudal anterior, são, portanto, ideais permanentes que se encontram numa correspondência de situações sejam elas panópticas ou sinópticas, sociabilizadas no ambiente da educação formal institucionalizada ou nos ambientes da vivência fora da escola. O autor tem como ponto central nesta obra a transformação social por meio da educação para a vida. Mészáros (2005, p. 26) escreve sobre o absurdo de se esperar uma formulação educacional que considere a hipótese da dominação dos servos sobre os senhores, tendo como ponto de vista a ordem feudal em vigor. É com este esclarecimento que ele revela o objetivo da reformulação educacional: a transformação social. A respeito do fracasso das formulações utópicas para a educação, todas inseridas nos limites do capital, Mészáros elucida que suas posições críticas limitadas poderiam apenas remediar os piores efeitos da ordem reprodutiva capitalista sem, contudo, eliminar os seus fundamentos causais antagônicos e profundamente enraizados. Assim, a razão para o fracasso de todos os esforços anteriores, e que se destinavam a instituir grandes mudanças na sociedade, consistia e ainda consiste no fato da irreformabilidade do sistema do capital impedir os avanços (IBIDEM, pp. 26-27). Desta forma, Mészáros esclarece que é necessário romper com a lógica do capital para contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente. Sobre a irreformabilidade do capital, Mészáros (IBIDEM, p. 27) pontua que isto se deve à sua própria natureza como totalidade reguladora sistêmica, sendo totalmente incorrigível. Ou o capital bem tem sucesso em impor aos membros da sociedade os imperativos estruturais do seu sistema como um todo, até mesmo com as personificações

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Por Kleverton Almirante.

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Page 1: RESENHA CRÍTICA DE MÉSZÁROS - A educação para além do capital

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BESENHA CRÍTICA DE:

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

POR: Kleverton Almirante – Mestrando em Processos Educativos - CEDU/UFAL.

Os escritos de István Mészáros, bem como de alguns pensadores contemporâneos,

apresentam a sociedade e a educação como elementos indissociáveis. Em seu livro “A

educação para além do capital”, Mészáros explana acerca dos ideais de dominação do

sistema vigente aplicados na sociedade através da educação.

Estes ideais, herdados do sistema feudal anterior, são, portanto, ideais permanentes

que se encontram numa correspondência de situações – sejam elas panópticas ou

sinópticas, sociabilizadas no ambiente da educação formal institucionalizada ou nos

ambientes da vivência fora da escola. O autor tem como ponto central nesta obra a

transformação social por meio da educação para a vida.

Mészáros (2005, p. 26) escreve sobre o absurdo de se esperar uma formulação

educacional que considere a hipótese da dominação dos servos sobre os senhores, tendo

como ponto de vista a ordem feudal em vigor. É com este esclarecimento que ele revela o

objetivo da reformulação educacional: a transformação social.

A respeito do fracasso das formulações utópicas para a educação, todas inseridas

nos limites do capital, Mészáros elucida que suas posições críticas limitadas poderiam

apenas remediar os piores efeitos da ordem reprodutiva capitalista sem, contudo, eliminar

os seus fundamentos causais antagônicos e profundamente enraizados. Assim, a razão

para o fracasso de todos os esforços anteriores, e que se destinavam a instituir grandes

mudanças na sociedade, consistia – e ainda consiste – no fato da irreformabilidade do

sistema do capital impedir os avanços (IBIDEM, pp. 26-27). Desta forma, Mészáros

esclarece que é necessário romper com a lógica do capital para contemplar a criação de

uma alternativa educacional significativamente diferente.

Sobre a irreformabilidade do capital, Mészáros (IBIDEM, p. 27) pontua que isto se

deve à sua própria natureza como totalidade reguladora sistêmica, sendo totalmente

incorrigível. Ou o capital bem tem sucesso em impor aos membros da sociedade os

imperativos estruturais do seu sistema como um todo, até mesmo com as personificações

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"carinhosas", ou ele perde a sua viabilidade como o regulador da reprodução metabólica

social.

A incontestabilidade do capital em sua estrutura é óbvia. Essa condição proporciona

que os corretivos aplicados ao sistema do capital, e por ele mesmo, sejam-lhe não só

compatíveis como também benéficos e necessários à sua sobrevivência. O pensamento de

Mészáros é radical e certeiro quando diz que “limitar uma mudança educacional radical às

margens corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez,

conscientemente ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa” (op. cit., p. 30);

e declara como pseudo soluções todas as outras tentativas de transformação educacional

meigas à lógica capitalista.

Após aprofundar os conceitos das pseudo soluções, as reformulações falhas em si,

Mészáros mostra os danos sociais causados pelo sistema capitalista, um sistema que

desumaniza as relações. O autor nega que o apelo à autoridade da “razão e do

esclarecimento” seja, como já havia sido cogitado, a futura e infalível solução para os

problemas analisados (op. cit., p. 33). Não há outra saída senão romper com a lógica de

mercado para, só então, educar para a vida – proporcionar uma “contra-internalização” dos

sentidos que propagam a lógica do metabolismo social do sistema capitalista.

A contra-internalização, também citada pelo autor como “contraconsciência”, é o

primeiro passo para romper com a lógica desumanizadora do capital. A contraconsciência

se caracteriza pelo posicionamento contrário à internalização dos ideais do sistema, que são

a orientação e a educação voltadas à aceitação e à submissão das massas diante da ordem

reprodutora mercadológica.

Percebe-se que o combate de Mészáros à institucionalização da educação se dá

porque, nos últimos 150 anos, sua formatação serviu somente ao propósito de fornecer

conhecimentos e pessoal capacitado com estes conhecimentos necessários à maquinaria

humana do sistema capitalista. De maneira proposital, isto faz com que se legitimem os

interesses dos dominantes.

A educação institucionalizada prepara, portanto, para o mercado e insere nele

sujeitos aptos a serem roteirizados e controlados. A educação institucionalizada não tem

como objetivos a orientação e a preparação para a vida. Estes são os motivos de se pensar

a transformação da educação e, como consequência, a transformação da sociedade (op.

cit., p. 35).

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A educação, que deve ser revista, repensada e revisada, é o escape da dominação

capitalista. É a educação “contraconscientizadora” que vai alocar o indivíduo na categoria de

agente transformador benéfico do espaço onde está inserido e de sua realidade

socioeconômica e cultural, dotando-o da capacidade de refletir sobre suas situações e sobre

os caminhos históricos da humanidade, rejeitando o ascetismo de conclusões mastigadas e

esmoladas pelos dominantes.

Por meio da contraconsciência, o indivíduo desenvolve a força necessária de se

reinventar como sujeito ativo das transformações sociais. O sujeito reinventado se aloca no

seu espaço como elemento primordial e ativo para o fenômeno social da transformação.

Há uma equivalência entre escolaridade e educação desde a institucionalização da

educação formal, em 1948, com seu reconhecimento pela Organização das Nações Unidas

- ONU como um direito universal a mais na Declaração Universal dos Direitos Humanos

(SACRISTÁN, 2005, p. 19). Por trás deste direito, e com o estabelecimento da Declaração

dos Direitos da Criança, em 1959, formulou-se uma internalização do sentido afirmador dos

ideais capitalistas ao obrigar que os estudantes devam se tornar membros úteis da

sociedade. Ora, esta utilidade está concatenada ao enquadramento social para os

interesses mercadológicos do sistema do capital.

As instituições formais de educação fazem parte do sistema global de internalização

e induzem a uma aceitação ativa dos princípios reprodutivos orientadores dominantes. Ou

seja, conferem ao sujeito adequação à sua posição na ordem social e de acordo com as

tarefas reprodutivas que lhes são atribuídas (MÉSZÁROS, 2005, p. 44). Além disso,

Mészáros põe em destaque que a educação formal e a mídia realizam a propagação

distorcida das formações históricas (IBIDEM, p. 37).

A escola é uma extensão do lar e um ambiente de socialização. Transformá-la exige

“políticas progressistas que busquem uma nova ordem social e humana” (SACRISTÁN,

2005, pp. 32-33). Como extensão do lar, os alunos levam a ela as (des)esperanças de suas

vivências, muitas vezes manifestando desinteresse.

O desinteresse e/ou os conflitos manifestos pelos menores podem ser barrados pela

educação levando-os a crer que a dependência da escola é a condição para a

independência futura. Porém, está cada vez menos crível, por conta das vivências familiares

se darem em condições míseras e desesperançosas, que a escola possa oferecer soluções

eficazes aos problemas destas vivências sociais. Para José Gimeno Sacristán (IBIDEM, p.

53), “a educação seria a oportunidade de uma nova ordem mais desejável que a da

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sociedade herdada dos mais velhos”. De acordo com ele (op. cit., p. 207), a educação para

a vida é a base de toda a vida.

O domínio do capital no âmbito educacional, que tem o interesse de atingir as

massas da sociedade em processo de formação, é o ponto chave do combate de Mészáros.

Para ele, “apenas a mais consciente das ações coletivas poderá livrar-nos dessa grave e

paralisante situação” (2005, p. 45). Este alerta reforça a supremacia da contraconsciência

no processo de transformação social. “O que precisa ser confrontado e alterado

fundamentalmente é todo o sistema de internalização, com todas as suas dimensões

visíveis e ocultas” (IBIDEM, p. 47), sendo esta a ação concreta propulsora da transformação

social.

A formalidade da educação mercadológica anula o ser humano no que o dignifica

como tal, na sua essencialidade ao trabalho educado, anulando a aprendizagem, anulando

a própria vida, desviando do caminho da realização pessoal. Ao invés de emancipado, o

sujeito torna-se alienado ao dominante.

A preocupação com estes fatos se dá “porque hoje está em jogo nada menos do que

a própria sobrevivência da humanidade” (IBIDEM, p. 55). Para Mészáros, o “civilizar e

educar” das instituições formais de educação está para o “enquadrar e manipular”; como

também o “anarquizar e subverter os padrões meritocráticos” está para a “luta pela

qualidade de vida e pelo futuro da humanidade” (op. cit., p. 49).

O autor pontua que o conformismo generalizado deve ser combatido. Este

conformismo generalizado pode ser observado como resultante de uma ação exterior mítica

de predestinação metafísica (o inevitável “dilema humano”), ou da crença na imutabilidade

da natureza humana (op. cit., p. 60). Entretanto, Mészáros sinaliza que “a tarefa histórica

que temos de enfrentar é incomensuravelmente maior que a negação do capitalismo” (op.

cit., p. 61), pois a mudança do sistema educacional e a mudança na estrutura social estão

concatenadas, uma depende da outra.

Quando o autor diz que a negação confere vulnerabilidade em virtude da condição

daquilo que é negado, está alertando para os cuidados do que temos a empreender. É

justamente por ser totalmente inconcebível sustentar a validade atemporal e permanência

de qualquer coisa criada historicamente (op. cit., p. 63) que Mészáros acredita no

empreendimento desta mudança a partir da contra-internalização dos sentidos da

reprodução metabólica social do sistema do capital.

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O papel da educação é “ser soberano, tanto para a elaboração de estratégias

apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a

automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem

social metabólica radicalmente diferente” (op. cit., p. 65, grifos do autor). Este é um caminho

necessário e urgente, dados os antagonismos estruturais do sistema capitalista.

O que Mészáros vislumbra é a sustentabilidade, ou seja, o controle consciente do

processo de reprodução metabólica social empreendido pelos produtores livremente

associados. Esta nova ordem social reprodutiva conscientemente regulada pelos produtores

livremente associados estabelece os valores de acordo com as reais necessidades, ao invés

de utilizar a imposição.

Adentrando às explanações apocalípticas do fim do capitalismo, autores que

defendem a substituição da mão-de-obra barata (maquinário humano) pelo maquinário

tecnológico (a robótica, o que gera maior desemprego na população) são facilmente

confrontados por estudiosos do metabolismo social do capital, que defendem que a

revolução das massas inconformadas assusta. Nesse aspecto, o capital tende a oferecer o

fetiche do aumento do poder aquisitivo, ou do sonho da transposição de domínio, para

favorecer seu metabolismo.

Entretanto, esse metabolismo falha quando o assunto é a sustentabilidade do

consumo. Sucumbir por razões ambientais tem se mostrado o paradigma mais temido pelo

mundo corporativo na atualidade, já que não há interesses na mais valia para apoiar a

produção de energia reversa. A moderação no consumismo desenfreado frente às nossas

capacidades naturais tem o poder de levar o sistema capitalista a entrar em colapso.

É preciso dotar as formações emancipadas de poder de fala, poder de decisões,

representatividade social, discernimento para as escolhas e capacidade estruturante

autossustentativa e organizada com nicho autoprotetivo (FERNANDES, 1992, p. 79).

Jorge Beinstein, professor da Universidade de Buenos Aires, resume bem o

pensamento autocrítico para levantar a massa: “Não há libertação para a periferia sem a

autocrítica mais completa da sua própria história burguesa. Isso abarca tanto as

colonizações abertas ou encobertas, como as nossas reformas ou revoluções populares

fracassadas ao longo do século XX” (2004, online, <migre.me/cBXiT>).

Mészáros é direto quando diz que “o que está em jogo aqui não é simplesmente a

deficiência contingente dos recursos econômicos disponíveis, a ser superada mais cedo ou

mais tarde, como já foi desnecessariamente prometido, e sim a inevitável deficiência

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estrutural de um sistema que opera através dos seus círculos viciosos de desperdício e de

escassez" (2005, p. 74, grifos do autor). Esta problemática apontada por diversos autores

tem desgastado o sistema.

Mészáros também aborda o funcionamento da globalização e confirma que, sim, ela

“certamente funciona, por enquanto (mas não tão bem), para os tomadores de decisão do

capital transnacional, e não para a esmagadora maioria da humanidade, que tem de sofrer

as consequências" (IBIDEM, pp. 75-76). A globalização também é uma manifestação

contraditória da crise do sistema capitalista e uma tentativa de salvação para sua

continuidade.

A respeito de uma nova realidade para a estrutura escolar, José Gimeno Sacristán

(2005, p. 212) assinala que “às vezes não é preciso nem imaginar para encontrar como

mudar. Basta olhar a história ou, simplesmente, olhar ao nosso redor”. Este pensamento

reforça o objetivo revolucionário da educação. Sendo assim, Mészáros (2005, p. 35) enfatiza

que “o sentido da mudança educacional não pode ser senão o rasgar da camisa-de-força da

lógica incorrigível do sistema”. Para isso, o filósofo sinaliza que devemos perseguir

estrategicamente o rompimento do controle exercido pelo capital com todos os meios que

existirem.

REFERÊNCIAS

BEINSTEIN, Jorge. A vida depois da morte: a viabilidade do pós-capitalismo. 2004,

online, disponível em <migre.me/cBXiT>.

FERNANDES, Florestan. Depoimento sobre Hermínio Sacchetta. In: SACCHETTA, Hermínio. O caldeirão das bruxas e outros escritos políticos. Campinas: Pontes/Ed.

Unicamp, 1992, pp. 75-79.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

SACRISTÁN, José Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.