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    256 Amazn., Rev. Antropol. (Online) 6 (1):

    GNERO E POVOS INDGENAS, or-ganizado por ngela Sacchi e Mrcia

    Maria Gramkow. Rio de Janeiro, Bras-lia: Museu do ndio/GIZ/FUNAI, 2012.

    Francilene de Aguiar Parente

    Programa de Ps-Graduao em Antropo-logia da Universidade Federal do Par, Brasil.

    O livro Gnero e Povos Indgenas uma cole-tnea de 11 artigos, organizado pelas an-

    troplogas ngela Sacchi e Mrcia MariaGramkow. Os artigos foram compiladosa partir das discusses realizadas no Gru-po de Trabalho A centralidade de gneroem povos indgenas das reunies cient-cas Fazendo Gnero 9 e 27 ReunioBrasileira de Antropologia. No nal dolivro, as autoras apresentam entrevistascom duas indgenas atuantes nos movi-mentos indgenas e de mulheres.

    Os relatos sobre a experincia de mulhe-res indgenas e no-indgenas em contatocom povos indgenas no Brasil, Mxico,Argentina e Guatemala marca o ano de2010 como momento de visibilidade na-cional e internacional do tema Gneroem povos indgenas em eventos comgrande participao de antroplogos eespecialistas, como apontado pelas orga-

    nizadoras do livro, demarcando espaono cenrio antropolgico brasileiro, ain-da resistente em reetir sobre gnero em

    sociedades indgenas.Nesse sentido, objetivam reetir acercados (re)posicionamentos do masculinoe do feminismo no universo indgena(Sacchi & Gramkow 2012: 15), conse-quentes do contato com a sociedadeno-indgena e dos diferentes papis so-ciais de indgenas, homens e mulheres,assim como, as inuncias dos modelos

    de organizao sociocultural tradicionais.As transformaes operadas nos lugaresocupados pelos homens e pelas mulherese a forma como foram dinamizando oespao social de atuao so centrais nasdiscusses, com ateno especial agn-cia das mulheres indgenas no decorrerdos processos trazidos ao longo do livro.

    O primeiro artigo, Bestias de carga,

    amazonas y libertinas sexuales. Imge-nes sobre las mujeres indgenas del GranChaco de Mariana Daniela Gmez, tra-ta das representaes de missionrios,expedicionrios, agentes governamen-tais e etnlogos que atuaram na regiodurante os sculos XVIII, XIX e XXjunto s mulheres indgenas Tobas, Wi-chi, Chorote, Pilig e Jvago da regio doGran Chaco argentino. Com o intuito de

    recuperar e contextualizar as trs ima-gens construdas sobre as indgenas: (1)bestias de carga, representao ligadaaos missionrios e expedicionrios queperdurou at a segunda metade do scu-lo XX, associando a mulher indgena escravido, passividade e submisso emsuas relaes matrimoniais e os homensindgenas como selvagens, brutos e cru-is com suas mulheres; (2) a imagem de

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    amazonas e guerreras coexistiu com ade bestia de carga, sendo em algumassituaes apontadas como transforma-

    o. O imaginrio guerreiro sobre asindgenas do Gran Chaco reforava, decerta maneira, ...el vnculo entre femini-lidad indgena y alterizacin cultural (p.38), dicultando a construo da novaordem patriarcal nas aldeias indgenas daregio; (3) a imagem de libertinas sexu-ais na primeira dcada do sculo XX,com autonomia sobre seus corpos, al-tamente acionada. Entretanto, a liberdadesexual das indgenas jovens era cerceadana medida em que escolhia seu parceiromatrimonial, envolvida nas normas e re-gras institucionalizadas. Com isso, traz-se tona los intereses religiosos, econmi-cos, polticos y cientcos que orientaronla produccin, reproduccin y manipula-cin de dichas imgenes en los diferentestipos de relatos (p. 29), descortinando o

    carter disciplinador/pedaggico do ima-ginrio construdo sobre o universo ind-gena no Chaco.

    Diferentemente do que ocorre com ou-tros pesquisadores, Brbara MaisonnaveArisi toma suas experincias de trabalhode campo entre os Matis que vivem naterra indgena Vale do Javari, no Amazo-nas, para reetir sobre o tema da sexua-

    lidade e diferentes moralidades entre in-dgenas e no-indgenas, no artigo Vidasexual dos selvagens (ns): indgenas pes-quisam a sexualidade dos brancos e daantroploga. No texto, a autora alvoda curiosidade das mulheres Matis acercadas prticas sexuais adotadas pela antro-ploga e outras mulheres no-indgenas eas diversas investidas sexuais dos homensMatis sobre ela, inuncia das transfor-

    maes ocorridas a partir da introduode lmes porns e as diferentes maneirasde se relacionar sexualmente. Colocada

    na condio de nativa, Arisi compara omomento entre os Matis com a antro-pologia reversa de Roy Wagner, na qualo autor prope a equivalncia das culturasdo observador e do observado em quecada um percebe o mundo a partir de suaprpria cultura. A autora tambm discutesobre as negociaes em campo para, en-to, apontar o grande valor dado s mu-lheres naquela cultura, cuja estratgia crescer e ser um povo grande, o que seconcretiza pelo nmero de lhos e lhasgerados/as. Para os Matis, a economiamais fundamental de todas a de gente,e ela produzida por homens e mulherespor meio do sexo.

    Em Conceitos das mulheres em espaosde homens: o desenho em escolas Kaxi-nau (Huni Kui), Paulo Roberto Nunes

    Ferreira analisa a experincia de educaoescolar indgena entre o povo Kaxinau,no Acre. Nesta sociedade, homens e mu-lheres tm lugares marcados, delineados apartir de suas capacidades especcas, es-tando os homens associados ao exterior eas mulheres ao interior; assim, a produode imagens uma agncia masculina, ob-tida pela ingesto da ayhauasca, ao passo

    que a produo do desenho verdadeiroconstitui uma atribuio feminina. Nessesentido, a escola, enquanto espao de atu-ao masculina, coloca-os diante do desa-o de repassar os conhecimentos tradi-cionais a homens e mulheres e repensaros lugares socialmente estabelecidos degnero por meio da proposio de umterceiro elemento que Lagrou (2007:85,citado por Ferreira) denominou de tri-

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    logia da percepo: a gura, o terceiroelemento, produto da agncia e criativi-dade masculina e representado no papel.

    Elizabeth Pissolato, no artigo Gnero,casamento e trocas com brancos, pro-blematiza o idioma do gnero na experi-ncia contempornea de grupos GuaraniMbya, questionando particularmente seo casamento de mulheres mbya com ho-mens brancos (jurua) pode ser interpreta-do luz do gnero como uma estratgiafeminina. Aponta o lugar privilegiado

    ocupado pela gura do casal para os Gua-rani e outros povos indgenas na produ-o de pessoas e na complementaridadeentre feminino e masculino, visualizadade maneira mais evidente na criao decrianas, em que o casal tem a responsa-bilidade pela permanncia da criana naterra, na aceitao das relaes de paren-tesco e em alegrar a sua alma. Pisso-lato mostra que mesmo quando a criana

    separada e criada pelos parentes, o casal a referncia na construo da rede deparentesco. Entretanto, o cnjuge nose torna parente, o que de alguma for-ma signica que na complementaridadedo casal se instala a diferena. A autoraidenticou que o casamento com bran-cos no recomendvel, principalmenteporque a alma-nome da pessoa no

    ca alegre, pois signica o rompimentocom as trocas matrimoniais e a dinmicade parentesco mbya.

    No texto Agncia feminina na socio-poltica Kaingang, Cinthia Creatini daRocha apresenta elementos para o deba-te sobre a presena e a agncia femininana sociopoltica de sociedades indgenasbrasileiras. Sem se aprofundar na discus-so, aponta, tomando Marilyn Strathern

    (2006) como referncia, que h hierar-quizao das relaes de gnero entre so-ciedade/indivduo, natureza/cultura, pri-

    vado/pblico, assim como h oposioentre feminino/masculino, relegando mulher ao domnio privado, hierarquica-mente inferior, invisibilizador e depen-dente do pblico, lugar masculino porexcelncia, como uma viso ocidental eantropolgica da disciplina. Sua nalida-de no artigo a de pensar a sociedadeno como tipos de domnios, mas osdomnios como tipos de socialidades(p. 117). A autora centra a anlise sobre atrajetria de mulheres Kaingang (J Me-ridional), que utilizam seu papel social namanuteno dos coletivos indgenas nosprocessos de regularizao de terras, daidade avanada e o respeito condutatica e moral do grupo, buscando seubem-estar e, com isso, ganham destaqueno cenrio poltico de luta do povo Kain-

    gang, desconstruindo o binmio pbli-co/privado como domnio inviolvel erespectivo de homem/mulher.

    Organizaes tradicionais e polticaspblicas contemporneas: avanos e re-trocessos na autonomia da mulher Xuku-ru, de Fernando Barros Jr., um arti-go sobre o processo de organizao dopovo Xukuru da Serra de Ororub (PE)

    em busca da garantia de direitos, forte-mente inuenciada por agncias exter-nas, governamentais e no-governamen-tais. Nesse processo, coube aos homenso papel de lideranas e s mulheres o decolaboradoras e companheiras das lide-ranas que executaro as aes, sobretu-do, por sua fora, o que as torna boasmulheres Xukuru. Como exemplo, oautor cita o caso de D. Zenilda, viva de

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    Xico, liderana falecida, e me do atualcacique, considerada liderana perante apopulao, mas sem assento no conselho

    de lideranas do grupo.Maria Helena Ortolan Matos propereetir sobre esses espaos femininosocupados no movimento indgena (...)para compreender a dinmica do prota-gonismo das mulheres indgenas nas es-feras pblicas das polticas indgenas e in-digenistas no Brasil (p.141), tomando omovimento indgena na Amaznia Legal

    Brasileira como referncia para debate notexto Mulheres no movimento indge-na: do espao de complementariedade aolugar da especicidade. A autora come-a discorrendo sobre o papel da mulhernos mitos indgenas, especialmente entreos Sater-Maw, onde a mulher assume aposio de protagonista no suporte po-ltico da comunidade. Os Sater-Mawformam uma sociedade patrilinear, mas

    so as mulheres que sustentam a organi-zao social e poltica da comunidade eisso est ligado ao domnio que elas tmdas transformaes operadas no mundomtico. Essa forma de estar no mundode certa maneira transplantada para aatuao das mulheres no movimentoindgena, marcando a diferena entre omovimento das mulheres indgenas e o

    movimento feminista. No caso destasmulheres indgenas, sua associao temde ser pensada de maneira coletiva e ne-gociada, com aes estratgicas para a de-nio de suas identidades tnicas. ParaMatos, o protagonismo das mulheresindgenas no campo poltico das relaesintertnicas no recente, porm, elas ja-mais estiveram totalmente excludas, poisno estar na linha de frente da ao, no

    signica sua excluso das tomadas de de-ciso coletivas.

    No artigo Mulheres indgenas em Por-to Velho (RO): gnero, migrao e par-ticipao poltica, Lady Day Pereira deSouza e Arneide Bandeira Cermin inves-tigam a migrao das mulheres indgenaspara a rea urbana, especialmente sobreas motivaes que as levaram a se des-locar. Dentre estas, citam a expulso dosterritrios, o acompanhamento de pai oumarido (que trabalhava nas frentes de ex-

    panso da Fundao Nacional o ndio FUNAI) na ida para a cidade, a busca debens e servios, as aes e projetos de de-senvolvimento promovidos pelo Estado.Na cidade, se, por um lado, as mulheresindgenas passam a ocupar uma posiodiferente e demandam polticas pblicasdiferenciadas; por outro, h a manuten-o de certos costumes vivenciados naaldeia, como as decises consensuais,

    mesmo quando envolvem aspiraespessoais.

    Ainda no tema da migrao, o estudode Luciana de Oliveira Dias, Seguir ade-lante: trnsitos identitrios entre as/osMazahuas na Cidade do Mxico, analisacasos de estudantes indgenas de duas es-colas pblicas que oferecem a modali-dade de educao de jovens e adultos e

    vivem em centros urbanos na Cidade doMxico. A passagem pela escola formal uma condio para seguir adelante e amigrao a via para conseguir trabalhona construo civil, na indstria manufa-tureira, no comrcio e nos servios pbli-cos, por isso, talvez, a importncia dada escolarizao formal entre os indgenasque se encontram nesta situao. Outrasmotivaes so fracasso matrimonial,

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    poliginia, violncia intrafamiliar, alcoo-lismo e solteirice depois de certa idade(p. 187). Na medida em que todos tm

    de se inserir no mercado, as mulheresassumem o papel de chefes de famliacomo estratgia de sobrevivncia, sen-do tomada tambm como apoio na redecom seus parentes. A aluso ao passadoguerreiro de participao nas batalhas deindependncia do pas faz com que asMazahuas sejam identicadas pela cate-goria atributiva de Marias. As Mazahuas,entretanto, negam o apelido pejorativopor entend-lo como identicador defeiura, pobreza, selvageria, ignornciae prostituio, portanto, destituindo-asde poder. Porm, o fato de as indgenasmes solteiras e pobres receberem umbenefcio social do governo, permite nose verem como vulnerveis em seu povo.

    Dina Mazariegos, indgena Maya daGuatemala, no texto Mulheres Mayasna Guatelama: relaes de poder, gne-ro, etnia e Classe, investiga as mulheresMaya, formadas em nvel de graduaoe ps-graduao em diferentes reas dashumanidades e atuando na docncia e napesquisa, dentro e fora da Guatemala, emcargos de direo e assessoramento eminstituies governamentais e privadas.Por meio de suas histrias de vida, a au-

    tora descreve os efeitos transformadoresda migrao na vida poltica e intelectualde mulheres indgenas Maya, associados discriminao vivida em um perodode maior arrefecimento dos conitos daguerra que assolava o pas entre os 1962-1996, que reetiram em suas identidadestnicas, estratgias de resistncia e trans-gresso frente aos infortnios de umaestrutura patriarcal e racista que o Estado

    guatemalteco insistia em preservar.

    No artigo Las implicncias de las capa-citaciones em derechos em la vida de lasmujeres Guaranes del Noroeste Salteo,Argentina, Natalia Castelnuovo Birabenobjetiva analizar distintas estrategias queprocuran incorporar y dar participaci-n a las mujeres guaranes en el desar-rollo (...) interes conocer la percepcinque las mujeres guaranes tienen de suposicin de gnero (Biraben 2012: 230),por meio da ao da Asociacin Regional

    de Trabajadores en Desarrollo (ARA-TEDE) que desenvolve projetos commulheres indgenas do Departamento deSan Martn. A autora divide o trabalhoem trs partes: na primeira, apresenta oprocesso de incluso das mulheres ind-genas nos modelos de desenvolvimento,enfatizando sua homogeneizao comomulheres, rurais e pobres nos projetospropostos e o silncio sobre as imagens

    de agncia de mulheres e homens aolongo da histria; na segunda, descrevee analisa a representao das mulheresGuarani por meio das fontes documen-tais e etnogrcas, em que essas mulheresaparecem como servas e escravas; na ter-ceira, centra o olhar na compreenso decomo as mulheres valorizam e do senti-do s capacitaes em direitos indgenas e

    direitos de mulheres. Para a anlise, tomaa noo de encuentros de conocimien-to, proposta por Anja Nygren (1999),enquanto una forma en la que los cono-cimientos locales y globales, tradicionalesy modernos estn complejamente entre-mezclados (p. 243). Segundo Biraben, ascapacitaes impulsionaram a conquistade espaos na tomada de decises co-munitrias e regionais, inclusive sobre

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    os programas de desenvolvimento queatendem as Guarani.

    Ao nal do livro, as organizadorastrazem uma entrevista realizada comas indgenas Valria Paye Pereira (Ka-xuyana) e Lia Bezerra do Vale (Wa-pichana), com perguntas centradas emsuas trajetrias polticas, ocupandocargos e representaes nos movimen-tos indgenas e de mulheres e rgosociais para promoo e implemen-tao de polticas pblicas direcio-

    nadas s mulheres. Para as indgenas,a entrada no espao pblico de aono implica a sada ou desvalorizaodo privado, o que diculta o dilogocom outras mulheres do movimento,as quais no compreendem a especi-cidade do tema entre os povos indge-nas, raticando a complexidade da te-mtica. Isso talvez possibilite ao leitorcompreender o carter mais poltico

    dos textos, mostrando as vivncias degnero em espaos etnicamente dife-renciados.

    A discusso apresentada por meio dasexperincias de pesquisadores(as) indge-nas e no-indgenas que desenvolvemtrabalhos com povos e mulheres ind-genas amplia a reexo sobre a cate-goria gnero na Antropologia, assim

    como incentiva o debate acerca dotema e torna possvel a visualizaode uma diversidade de maneiras de sermulher e ser homem em sociedadesetnicamente diferenciadas, permitin-do apreender como as indgenas sig-nicam tais relaes e suas posiessociais, especialmente por se dedicar agncia feminina em povos indgenas. Odebate continua.

    REFERNCIAS

    Lagrou, E. 2007.A uidez da forma: arte,

    alteridade e agncia em uma sociedade amaz-

    nica (Kaxinau, Acre). Rio de Janeiro: To-pbooks.

    Nygren, A. 1999. Local knowledge inthe environment development discourse:from dichotomies to situated knowled-ges. Critique of Anthropology19: 267-288.

    Strathern, M. 2006 [1998]. O gnero daddiva: problemas com as mulheres e problemas

    com a sociedade na melansia. Campinas: Edi-tora Unicamp.

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    TRAJETRIAS DA DIVERSIDADE NAEDUCAO: FORMAO, PATRIM-NIO E IDENTIDADE, organizado porWilma de Nazar Baa Coelho e Mau-ro Cezar Coelho. So Paulo: Editora Li-vraria da Fsica, 2012.

    Camille Gouveia Castelo Branco

    Barata

    Faculdade de Cincias Sociais, UniversidadeFederal do Par (UFPA). Bolsista de IniciaoCientca do CNPq.

    O livro Trajetrias da Diversidade na Educa-oconvida a reetir, de forma multidis-

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    ciplinar e focalizando diferentes temas,sobre a questo da diversidade no mbitoescolar. Tem-se em vista a prerrogativa

    de que no considerar e no tratar demodo adequado a diversidade no mbitoeducacional contribui para a reproduode preconceitos e discriminaes.

    A publicao orienta-se pela compreen-so de que o espao escolar constitui-seem lcus privilegiado para a descons-truo e superao de preconceitos ediscriminaes, alm disso, conui para

    formao de uma cidadania que contem-pla a diversidade. Segundo os organiza-dores da publicao, Wilma Baa Coelhoe Mauro Cezar Coelho, as reexes reu-nidas no livro se originam de um com-promisso ao mesmo tempo acadmicoe poltico: construir uma escola pro-motora de uma educao que percebaa diferena como um valor (Coelho &Coelho 2012:13).

    Os trabalhos dessa organizao dirigem--se predominantemente a professorese demais prossionais da educao, naexpectativa de fornecer subsdios queinstrumentalizem esses agentes na con-formao de procedimentos pedaggi-cos para combater a discriminao. Taldirecionamento demonstra a percepo,por parte dos organizadores, de que a

    formao continuada de educadores um empreendimento essencial para queestes sejam capazes de realizar interven-es consubstanciadas no universo esco-lar , em prol de uma educao inclusiva.Conforme pontua Gomes (2003):

    Cabe ao educador e educadoracompreender como os diferentespovos, ao longo da histria, classi-

    caram a si mesmos e aos outros,

    como certas classicaes foramhierarquizadas no contexto doracismo e como este fenmeno

    interfere na construo da auto-estima e impede a construo deuma escola democrtica . (Go-mes 2003:77)

    O primeiro artigo da coletnea se intitulaEducao, Trabalho e Diversidade tni-ca: educandos artces e africanos livresna Amaznia, sculo XIX.Nele, a auto-ra Patrcia Melo Sampaio analisa histrias

    e trajetrias de africanos livres e povos in-dgenas durante a Amaznia oitocentis-ta. Focalizando o contexto presente nosestabelecimento para educandos artcesem Manaus, a autora reete sobre o lugardos africanos livres que trabalhavam nes-se estabelecimento educacional e quaisas hierarquias presentes no mundo dotrabalho e da educao nesse perodo. Aanlise permite entrever variados aspec-

    tos da gnese do pensamento educacio-nal brasileiro.

    Patrcia Sampaio demonstra que a insti-tuio de educandos artces surge comoum projeto de formao da mo de obralocal, com vistas a educar jovens desvali-dos. Porm, a criao do estabelecimen-to, alm de preparar a populao para omundo do trabalho, tinha aspiraes deconfrontar a diversidade lingustica e tni-co-cultural da Amaznia, dentro de umalgica civilizatria e homogeneizadora.Os povos indgenas estavam includosnesse projeto educacional. Em seu traba-lho, a autora demonstra que, mesmo emcondies subordinadas, africanos livrese povos indgenas exerciam agenciamen-tos possveis, em busca de autonomia e

    liberdade.

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    No artigo seguinte, intitulado Reduzidossim, vencidos nunca: identidades, histrias, me-mrias e patrimnios entre os Temb Tenetehara,

    Jane Felipe Beltro lana seu olhar sobretrajetrias educacionais de indgenas daetnia Temb Tenetehara. Ressalta, a partirdos depoimentos e memrias dos in-terlocutores, a importncia atribuda educao para armao de identidades,estabelecimento de direitos constitucio-nais e articulaes polticas dos povosindgenas.

    Jane Beltro dimensiona uma tentativa deapagamento da identidade desse povo,por meio de um processo de homogenei-zao forada dos indgenas, com pesso-as visando transform-los em caboclosdentro de uma concepo assimilacionis-ta da diversidade tnica. Esse projeto foiposto em prtica ao longo da histria dosTembe tentava o que a autora referen-cia como etnocdiodesse povo. Tal projeto

    no se perdeu com o tempo e permanecevisvel nas narrativas de situaes de vio-lncia relatadas pelos interlocutores nosespaos escolares. Apesar da violnciasofrida (sobretudo por parte do Estado),os Temb reagiram e resistiram, lutandopelo direito de ser indgena e, de acordocom as narrativas, percebem a educaocomo ferramenta de empoderamento,

    que pode auxiliar em lutas polticas e ar-maes identitrias.

    No trabalho de Anna Maria Alves Linha-res e Mrcio Couto Henrique, intituladoMuseu do Maraj e educao patrimonial em

    Cachoeira do Arari, Par, os autores ree-tem, com base constituio do acervo doMuseu, sobre a inveno e construode uma identidade marajoara. Os auto-res refazem, por meio da historiograa,

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    a trajetria do padre Giovanni Gallo que,motivado por uma lgica paternalista deque os habitantes locais estariam deixan-

    do a memria se perder, inicia uma buscapor artefatos que expressem sua compre-enso do ser marajoara.

    Os autores demonstram que a intenode fundar o Museu do Maraj possua di-versas dimenses: a constituio da iden-tidade regional, o resgate da memria ea transformao do Museu em polo tu-rstico so algumas delas. Ao problema-

    tizar como a construo e o espao doMuseu so percebidos no discurso local,os autores armam que a representaodo universo cultural marajoara parcial,apenas uma, entre muitas leituras poss-veis da identidade de pessoas do Maraj.Porm, desde a criao do Museu e detodo o empreendimento em torno dessacriao, os moradores locais passaram aidenticar-se com a cultura e a tradio

    representadas nesse espao, assumindocertas posies e lugares de fala, na fron-teira da alteridade.

    No artigo Formao inicial de prossionais daeducao: avanos e desaos para a implantaodas DCN para a educao das relaes tnico-

    -raciais, Rosana Batista Monteiro analisa,a partir de pesquisa realizada na Univer-sidade de So Francisco (USF), como

    tratada a questo racial, com base nas Di-retrizes Curriculares Nacionais (DCN),no mbito da formao de professoresem cursos de Pedagogia.

    A autora realiza uma reviso bibliogr-ca da produo sobre as relaes raciaisno contexto dos cursos de formaode professores e constata a escassez detrabalhos sobre a temtica, embora a

    promulgao da Lei n 10.639/03 tenha

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    promovido um aumento signicativono nmero de pesquisas. Em seguida,so apresentados os desdobramentos da

    pesquisa de campo, os quais demonstramas repercusses positivas de um esforoformativo que contempla a questo raciale dialoga com a DCN, ainda que os desa-os no se esgotem.

    O trabalho Relaes tnico-raciais no CE-FET/RJ: relato de experincias, cuja auto-ria de Roberto Carlos da Silva Borges,discorre sobre as aes pedaggicas

    desenvolvidas pelo Centro Federal deEducao Tecnolgica Celso Suckowda Fonseca (CEFET/RJ), com o obje-tivo de capacitar professores e formarestudantes para o dilogo com a questoracial por meio da prtica voltada para aLei n 10.639/03. Sendo professor da re-ferida instituio e tendo participado dodesenvolvimento de discusses e aesque contemplassem a diversidade tnico-

    -racial, o ponto de vista do autor torna-seprivilegiado, devido sua fala ser direcio-nada de dentro.

    O trabalho descreve as principais aesrealizadas com intuito de fomentar odebate, tais como alteraes curricula-res, criao de projetos de pesquisa comoferta de bolsas de iniciao cientca,criao do primeiro Ncleo de Estudos

    Afro-Brasileiros (NEAB) da instituioe criao de um Programa de Ps-Gra-duao em relaes tnico-raciais. Todasessas aes foram orientadas pela arma-o e rearmao poltica da necessidadede combater o racismo dentro do espaoescolar de forma ampla e transversal.

    No trabalho O Estgio supervisionado naformao inicial de professores de matemtica

    na Bahia,Maria Auxiliadora Pires e Iran

    Abreu Mendes tratam da formao deprofessores nos cursos de Licenciaturaem Matemtica. Em interlocuo com

    a literatura existente sobre os proble-mas das Licenciaturas em Matemtica,os autores buscam compreender se, nasinstituies focalizadas, continuam sen-do reproduzidas prticas ultrapassadasna formao de professores ou se hou-ve renovaes que contribuam para umamelhor articulao entre teoria e prticanos saberes e fazeres docentes.

    O estudo se deu em trs instituies deEnsino Superior, nos cursos de Licen-ciatura em Matemtica e desenvolveu--se com base no mtodo interpretativo.Os autores constataram a fragilidade dosavanos no que tange formao deprofessores, prticas de ensino-apren-dizagem e estabelecimento dos proje-tos polticos-pedaggicos e currculos eapontam para a necessidade de repensar

    a formao e o papel do professor dematemtica, tendo em vista as demandassociais com as quais esses prossionaisso obrigados a se defrontar.

    Tnia Mller e Lisete Jaehn, no artigo Oque pensam os/as estudantes das licenciaturas

    sobre a didtica,analisam as representaesdos discentes de uma Faculdade de Edu-cao sobre uma disciplina do currculo

    de formao. As autoras compreendemque coletar as concepes dos discentespermite a elaborao de estratgias peda-ggicas que desenvolvam novos saberes,conscientes e crticos, que colaborem deforma signicativa para a formao dedocentes.

    O ltimo artigo, intitulado Hierarquias emperspectiva na escola: msica, raa e preconcei-

    to no ensino fundamental, de autoria dos

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    organizadores da obra e analisa comoo consumo musical entre estudantes doensino fundamental signicante para a

    compreenso das representaes dessesagentes sobre cor, raa e preconceito.Arma-se a importncia do dilogo porparte dos educadores, com os universosdos estudantes, especialmente no queconcerne aos gostos, hbitos de consu-mo e dinmicas identitrias, de modo aintervir concretamente nas prticas deracismo entre esses protagonistas.

    As reexes apontadas na obra coadu-nam, a meu ver, com as formulaes deCandau (2011), para quem a lgica do-minante nas instituies educativas seconstitui a partir de uma matriz modernabaseada na homogeneizao e na uni-cao, com ns que visam universali-dade. Essa tendncia parte do princpiode que, para que haja igualdade, neces-srio buscar a homogeneidade, em uma

    abordagem que segrega a diferena e adiversidade em relao normalidadedominante. A diferena, nesse caso, vis-ta como problema a ser resolvido.

    O sujeito hegemnico tomado comonormal nada tem de abstrato: branco,homem, de classe mdia, ocidental e he-terossexual, sendo silenciadas vivnciase outras subjetividades. Esse paradigma

    contribui para a invisibilizao, folcloriza-o e exoticao de corpos, trajetrias eculturas. O tratamento no adequado dadiversidade no contexto escolar e a pro-pagao de representaes distorcidassobre as diferenas revelam estratgiaspara retirar de determinados grupos ostatusde humanidade.

    Porm, contrapondo-se matriz mo-

    derna de tendncias homogeneizado-

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    ras, vem surgindo nos ltimos anos umprograma pr-diversidade de orientaomulticultural, baseado na compreenso

    de que as diferenas so intrnsecas econstitutivas do espao escolar e pa-pel da escola reconhec-las e valoriz-lasnos processos educativos, trabalhando--as por meios polticos-pedaggicos oscurrculos, as atividades em sala de aula,o material didtico, as comemoraes eas avaliaes.

    Uma educao verdadeiramente emanci-

    patria deve orientar-se pelo compromis-so poltico de contemplar a diversidadee combater os preconceitos e discrimina-es presentes na sociedade, dialogandocom os saberes locais, com os usos au-torreexivos das culturas por parte dossujeitos e evitando concepes essenciali-zadoras. Uma dimenso importante paraviabilizar a concretizao desse desao a promoo da discusso qualicada

    sobre a questo, de modo a capacitareducadores a desconstruir preconceitos,articulando formao consubstanciada eprtica. Com tal ao se comprometem,de forma bem-sucedida, os autores pre-sentes nesse livro.

    NOTAS

    Um aprofundamento dessa reexopode ser observado em um artigo publi-cado por Coelho & Coelho tambm em2012.

    REFERNCIAS

    Candau, V. M. 2011. Diferenas culturais,cotidiano escolar e prticas pedaggicas.Currculo sem Fronteiras2:240-255.

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    INSURREIO DE SABERES: PRTICASDE PESQUISA EM COMUNIDADES

    TRADICIONAIS. INTERPRETAES DOMARANHO, organizado por CynthiaCarvalho Martins, Aniceto Cantanh-de Filho, Arydimar Vasconcelos Gaiosoe Helciane de Ftima Abreu Araujo.Manaus: Universidade do Amazonas,2011. 238p.

    Rhuan Carlos dos Santos Lopes

    Programa de Ps-Graduao em Antropolo-

    gia, Universidade Federal do Par. Bolsista daCAPES.

    Resultado dos trabalhos nais de alunosdo curso de ps-graduao latu sensuSociologia das interpretaes do Mara-nho: povos e comunidades tradicionais,desenvolvimento Sustentvel e polticastnicas, da Universidade Estadual do

    Resenhas

    Maranho (UEMA), o livro Insurreio desaberes o registro do percurso inversodo tradicional caminho de produo do

    conhecimento acadmico, aquele em queo pesquisador se desloca ao campo e vol-ta ao mundo universitrio para escreversuas reexes. Aqui, pelo contrrio, osagentes sociais outrora pesquisados ocu-pam a universidade e debatem o mundocientco a partir dos seus saberes, acu-mulados em suas trajetrias coletivas eindividuais. Com formaes superioresdiversicadas, os autores do livro apre-sentam tanto os delineamentos identit-rios dos grupos tnicos, quanto as suasleituras acerca das aes polticas de Es-tado ou ainda as confrontaes com no-es diferenciadas de propriedade.

    A coletnea dividida em trs partes:Quilombolas e indgenas, Religiosida-de, identidade e territorialidade e Plane-jamento urbano e territorialidade, alm

    de duas resenhas de trabalhos de discen-tes do prprio curso. A primeira delas aberta pelo trabalho de Davi Pereira Ju-nior, debatendo a produo cermica desua comunidade de origem, o quilombode Itamatatiua, da ilha de Alcntara. Oautor evidencia como a cadeia operatriadessas louas enseja signicados internosque mediam as relaes no grupo e, tam-

    bm, constroem a partir dela uma via deinterao com o mundo exterior.

    Em seguida, Raimundo Maurcio MatosPaixo aborda a constituio histricados quilombos maranhenses, esclarecen-do a constante luta poltica dos aquilom-bados frente s aes externas que feremseus direitos, notadamente, no que dizrespeito propriedade de terras. JorrimarCarvalho de Sousa, por seu turno, analisa

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    Coelho, W. B. & M. C. Coelho. 2012. Porlinhas tortas a Educao para a diversi-dade e a questo tnico-racial em escolas

    da regio Norte: entre virtudes e vcios.Revista daABPN 8:137-155.

    Gomes, N.L. 2003. Cultura negra e edu-cao. Revista Brasileira de Educao23: 75-85.

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    Resenhas

    as categoriasquilombola, assentada e no-as-sentada apropriadas pelos moradores deCajazal, as quais esto inseridas na trama

    de representaes que envolve a legaliza-o de terras a partir das premissas jurdi-cas do Estado nacional.

    Joo Damasceno G. Figueiredo Jniortraz a nica reexo sobre as experinciasde pessoas indgenas no Maranho. Oautor aborda a festa do mel, dos Teneteha-ra, localizados nas reas dos rios Mearime Pindar. Contrapondo-se concepo

    da antropologia da dcada de 1950, queainda argumentava pela possibilidade deaculturao dos grupos indgenas, nosentido de assimilao pela sociedade na-cional (Wagley & Galvo 1955), o autordemonstra a permanncia dinmica doselementos tnicos do ritual aglutinadordos grupos envolvidos.

    A segunda parte do livro, Religiosida-

    de, identidade e territorialidade, in-troduzida pelo resultado da pesquisa deDorival dos Santos, o qual apresenta aimbricao da luta pela demarcao dasterras das comunidades do territrio deTramaba, consubstanciadas no planopoltico e religioso. Ambas as dimensesesto conforme a noo de territorialida-de presentes nas falas do seu interlocutor,liderana no campo da poltica e religio

    de matriz africana.Ana Carolina Magalhes Mendes, nocaptulo seguinte, traz tona outra di-menso do confronto entre as concep-es locais e as do Estado: o trabalhoinfantil, sabiamente esclarecido comouma concepo imposta de fora paradentro [das comunidades]. Tratando dodilema vivido pelas quebradeiras de

    coco babau, considerando as polticas

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    de erradicao do trabalho infantil, AnaMendes expe a rede de signicados queenvolve a atuao de crianas em ativida-

    des produtivas de grupos de pequena es-cala, diametralmente diferente ao concei-to de explorao da mo-de-obra infantiloriunda da lgica capitalista de produo.Acrescenta-se que a imposio dessa po-lmica das quebradeiras de coco colocaem questo, tambm, a problemtica dauniversalizao dos direitos das crianase adolescentes (Barbosa & Bragagnolo2008).

    Adentrando no campo da religiosidade,Mari-Vilma Maia da Silva mostra aosleitores a presena do ritual do SantoDaime no Maranho, apresentando asclassicaes coletivas do feminino e domasculino, relacionadas cosmologia daprtica religiosa. Essas relaes de gne-ro so consubstanciadas na signicaoclassicatria da natureza, como o cip

    e a folha, ambos dotados de caracters-ticas da mulher (folha, geradora de luz) edo homem (cip,gerador de fora). Cadaum deles, portanto, age como gura re-presentativa na educao dos corpos, ouseja, do lugar que cada gnero tem noritual.

    Ainda tratando de religiosidade, Gyor-danna Patrcia Pereira Silva apresenta os

    sentidos particulares das brincadeiras doboi Jardim da Ilha. Entoada dentro decemitrios, essa brincadeira homenageiaalguns mortos ilustres atravs do sim-bolismo imanente ao ato de renascer doboi: ao transcender as limitaes biol-gicas, ele se imortaliza e reinicia o cicloritualstico. Outra dimenso dos boisdoMaranho, a dos conitos internos aosintegrantes do grupo, estudada por

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    Carla Georgea Silva Ferreira. A socilo-ga debate essas disputas tendo em vistao contexto do Bumba-Meu-Boi de Za-

    bumba So Joo e a busca por legitima-o na liderana do grupo, o dono do boi.

    Para discutir a relao entre categoriza-es externas e a conscincia tomadapelos grupos tnicos acerca das gene-ralizaes que essas categorias podemabranger, Valderiza Barros demonstracom as quebradeiras de coco babauesto imersas em identidades variadas,

    mas no se eximem de recorrer ao ttuloquebradeiras de coco enquanto elementopoltico-identitrio comum, sem apagarsuas particularidades.

    Encerrando essa segunda parte do livro,Antonio Henrique Frana Costa investi-ga a implementao da Lei 10.639/2003na rede pblica de ensino de So Luis,considerando que a efetividade de tal

    medida pode ser facilitada pela aproxi-mao das esferas de governo com osmovimentos sociais negros, tendo emvista a sua atuao histrica no combateao racismo.

    A ltima parte coletnea comporta traba-lhos que versam sobre o mundo urbanode da capital do Maranho. Ana GisseleSoares Coelho inicia com a problemati-zao do descompasso entre a legislaoambiental e a apropriao de uma reaprotegida em So Luis. Contraditoria-mente ou no a Estao Ecolgicado Rangedor, situada em uma zona denascentes de riachos, impactada pelaAssembleia Legislativa do Maranho e,ainda, pela especulao imobiliria dealto padro.

    Slvio Srgio Ferreira Pinheiro discorre

    sobre outra dimenso do maior centrourbano maranhense. O autor analisaas aes do Projeto Rio Anil, no bairro

    Liberdade, inserido no mbito do Pro-grama de Acelerao do Crescimentodo Governo Federal. Aqui, a questo damoradia prxima s reas de rios gera-dora de impactos sociais aos moradores,diretamente proporcionais aos ambien-tais, devido relao entre insalubridadee reivindicao de moradia digna.

    Na sesso de resenhas, outros dois tra-

    balhos so apresentados: o de DomingosCantanhde Educao e territoriali-dades especcas: o caso de Itamatatiua Alcntara/MA e o de MarinildesMartins A representao do negro narevista Raa Brasil.

    Os textos apresentados em Insurreio desaberes possuem como principal orien-tao disciplinar a Antropologia, como

    bem salienta Rosa Acevedo na NotaTcnica do livro. A sua particularida-de est, sobretudo, na conformao docampo etnogrco (Sarr & Lima 2006),com base nas experincias dos sujeitos--autores dos artigos da coletnea, se-guindo premissas apontadas desde aformao do pensamento antropolgicopensado pela experincia da etnograa inloco(Malinowski 1976[1922]) e no de ga-

    binete, como no sculo XIX. A etnogra-a aqui proposta ensejada pela autori-dade polifnica (Clifford 1991) daquelesque so obrigados, pelas necessidades doconfronto com o poder dos de fora, aconhecer outros modos de pensar, quersejam eles o da universidade, quer se-jam do poder estatal. Isso vlido nosomente pela trajetria dos autores docompndio, mas tambm pelas vozes de

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    Resenhas

    seus interlocutores presentes nos artigos.

    REFERNCIAS

    Barbosa, R. & R.I. Bragagnolo. 2008. In-fncia e direitos humanos: o que a esc olatem a ver com isso?, inEducao em direitoshumanos: discursos crticos e temas contempor-

    neos.Editado por T. Riotis & T.H. Ro-drigues, pp. 193-202. Florianpolis: Ed.da UFSC.

    Clifford, J. 1991. Introduccin: Verdades

    parciales, in Retricas de la Antropologa.Editado por J. Clifford & G.E. Marcus,pp. 25-60. Madrid: Jcar Universidad.

    Malinowski, B. 1976[1922].Argonautas oPacco Ocidental. So Paulo: Abril Cultu-ral.

    Sarr, R. & A.P. Lima. 2006. Introduo J dizia Malinowski: sobre as condiesda possibilidade da produo etnogr-ca, in Terrenos metropolitanos. Ensaios sobre aproduo etnogrca. Editado por A.P. Lima& R. Sarr, pp. 17-37. Lisboa: ICS.

    Wagley, C. & E. Galvo. 1955. Os ndiosTenetehara, uma cultura em transio.Rio deJaneiro: Ministrio da Educao e Cultu-ra.

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