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ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA Des. Orlando de Almeida Perri
REPRESENTAÇÃO PELA DECRETAÇÃO DE PRISÃO
PREVENTIVA E PELA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO N. 121010/2017 [APRESENTADA NOS AUTOS DO
INQUÉRITO POLICIAL N. 87132/2017]
REPRESENTANTE: ANA CRISTINA FELDNER, DELEGADA DE
POLÍCIA
Vistos, etc.
Cuida-se de Representação apresentada por Ana
Cristina Feldner, autoridade policial responsável pela condução, dentre
outras, das investigações no Inquérito Policial n. 87132/2017, no qual
representam pela decretação de prisão preventiva de diversos investigados,
assim como pela expedição de mandados de busca e apreensões e
conduções coercitivas.
Eis a síntese do necessário.
Decido.
A despeito da ausência de prévia manifestação
ministerial, convém salientar que, nos termos do art. 311 do CPP:
“Em qualquer fase da investigação policial ou do
processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz,
de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do
Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por
representação da autoridade policial”.
Não desconheço o entendimento doutrinário –
capitaneado, dentre outros, por Odone Sanguiné – que sustenta a
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imprescindibilidade da prévia manifestação ministerial, em se tratando de
representação por parte da autoridade policial.
No entanto, sem embargo do respeitável
posicionamento sufragado pelo conspícuo doutrinador, a norma é clara
quanto à possibilidade de a autoridade policial representar pela prisão
preventiva.
O que a lei veda, peremptoriamente, é a decretação da
prisão preventiva de ofício, durante a fase inquisitorial.
Ainda que a autoridade policial não figure como
“parte” no processo penal, e, portanto, não possa exercer o duplo grau de
jurisdição, a lei confere a ela o poder de, diretamente, representar pela
prisão preventiva, quando entender presentes os pressupostos que a
autorizem.
Nesse sentido é o posicionamento de Rogério Sanches
Cunha e Ronaldo Batista Pinto:
“A prisão pode ser também provocada por
representação policial e é comum que seja assim.
‘Representação’, como já dito antes, trata-se de uma exposição
de motivos, ainda que sucinta, na qual a autoridade indicará as
razões que justificam a medida. Apenas não se utiliza a
expressão ‘requerimento’ em virtude de que a autoridade
policial não atua no processo crime, exercendo apenas função
(relevante) no âmbito administrativo. Tanto que, indeferido o
requerimento de prisão preventiva, a parte que o requereu
poderá se valer do recurso em sentido estrito para reforma da
decisão (art. 581, inc. V, do CPP), possibilidade que não se
defere ao delegado de polícia, na hipótese de não acolhimento de
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sua representação” [Código de Processo Penal e Lei de
Execução Penal Comentados por Artigos. Salvador: Editora
Juspodivm, 2017, p. 831/832].
Ainda que se venha a alegar a imprescindibilidade de
prévia manifestação ministerial, acerca da representação apresentada pela
autoridade policial, porquanto uma de suas funções institucionais é o
exercício do controle externo da atividade policial, certo é que, no caso em
apreço, em razão da sua excepcionalidade e urgência, o conhecimento ao
órgão de acusação – e sua manifestação – será diferida por duas razões
concretas.
A primeira delas, e talvez a mais óbvia, é no sentido de
assegurar sigilo total e absoluto das diligências, sobretudo em face de
possível envolvimento de promotor[es] de justiça na organização
criminosa.
De acordo com depoimento prestado pela testemunha
Ten.-Cel. Soares, ao que parece, não cuidava de um único membro do
Ministério Público Estadual, e, sim, que haveria um “grupo do Ministério
Público” interessado em meu afastamento das investigações.
Por esta razão, as próprias autoridades policiais
pleitearam, em sua representação, a manifestação postergada do órgão
ministerial, sob o argumento de não possuir, ainda, nome de todos “os
membros cooptados pela ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”, cujo
requerimento reputo, no caso em apreço, de todo plausível.
O segundo ponto, e não menos importante, refere-se ao
fato de que o Ministério Público Estadual tem levado em média sete dias
para se manifestar sobre pedidos deste jaez, o que, no caso concreto, em
razão de sua urgência, poderá prejudicar o cumprimento das diligências,
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colocando em risco, inclusive, a integridade física e moral da
testemunha José Henrique Costa Soares, como também a do seu filho,
também ameaçado por membro da organização criminosa.
Ademais, conquanto importante e necessária a
manifestação do Ministério Público na análise de medidas cautelares
reclamadas pela autoridade policial, certo é que não há nulidade alguma em
se colher a manifestação ministerial a posteriori, em razão das
peculiaridades do caso concreto, especialmente quando houver
circunstâncias excepcionais que imprimam urgência no deferimento delas,
como no caso concreto, onde a sobredita testemunha e seu filho se
encontram em risco real de vida.
Depois, qualquer que seja o parecer, o juiz não se
vincula a ele, tendo a liberdade de acolhê-lo ou refutá-lo livremente,
conforme escólio de Eduardo Luiz Santos Cabette:
“Afirmar que o Juiz fica adstrito à manifestação
ministerial em caso de pedido de cautelares mediante
representação da Autoridade Policial equivale a manietar a
atuação do Judiciário, aí sim, afetando gravemente o Sistema
Acusatório. Ora, se, por exemplo, em matéria de provas, o Juiz
não fica vinculado ao laudo pericial (artigo 182, CPP), mesmo
sendo o perito detentor de conhecimentos que o magistrado não
tem, o que dizer da questão da manifestação ministerial,
versando sobre matéria de Direito na qual tanto Promotor, como
Juiz ou Delegado de Polícia são pessoas com a mesma formação
técnica? Por que o magistrado deveria ficar adstrito à
manifestação ministerial? Se ele não fica preso ao laudo do
perito, que detém conhecimentos estranhos ao Bacharel em
Direito, é porque caso contrário o mister de julgar acabaria
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sendo passado sub-repticiamente aos peritos. O mesmo
acontecerá se prosperar o entendimento de que o julgador fica
atrelado ao parecer (mero parecer, simples opinião não dotada
de carga decisória) do Ministério Público. Afinal, quem deve
julgar, quem deve decidir, o Promotor ou o Juiz? Onde ficaria
nesse quadro a característica da jurisdicionalidade das
cautelares? Na verdade o magistrado se tornaria um
‘carimbador maluco’, homologador despersonalizado das
‘decisões’ do Ministério Público e, neste caso, seria um ator
absolutamente dispensável ao menos no bojo do procedimento
cautelar. Como ficaria o Sistema Acusatório a partir do
momento em que o titular da ação penal, justamente por isso,
passasse a dar todas as cartas quanto às medidas cautelares, já
que sua mera opinião, na verdade se transmudaria em
manifestação com carga decisória a atrelar o suposto julgador?
A adoção de uma teoria ou solução para determinado
problema deve passar também por suas consequências, as quais
devem ser aferidas em seus reflexos práticos, de modo a evitar
que a exacerbação ou aplicação indevida de uma garantia ou
princípio acabe prejudicando a promoção de seu emprego
razoável e proporcional (‘Princípio da
Consequencialidade’). Admitir que o Juiz não possa deferir
cautelares por representação direta da Autoridade Policial
porque somente com o aval do Ministério Público isso pode
ocorrer, justamente pelo fato de este ser o titular da ação penal
e ser o único com legitimidade para aferir se haverá ou não
ação penal, levaria, por via de consequência a deslegitimar
também a avaliação judicial quanto ao cabimento ou não de
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uma ação penal. Será que o Juiz não poderia mais rejeitar uma
denúncia? Não poderia mais indeferir uma cautelar encampada
pelo Ministério Público partindo da Autoridade Policial ou
requerida diretamente por aquele? Ora, se é o Ministério
Público quem dá a palavra final sobre o futuro Processo Penal,
sendo defeso ao magistrado qualquer atuação que o contrarie,
tudo isso é consequência natural.
Também é descabido afirmar que a atuação da
Autoridade Policial no Inquérito deve reduzir-se a coletar
informes para o Ministério Público (polo acusador). Isso é,
infelizmente, um dos reflexos do pauperismo ou indigência do
estudo do Inquérito Policial no Brasil. Essa falta de
conhecimento acerca da real abrangência da investigação
criminal é responsável por uma visão deturpada porque
reducionista e parcial desse importante instrumento da
persecução criminal. O Inquérito Policial não é e jamais será
instrumento a serviço do Ministério Público ou do Querelante
somente, mas sim da busca da verdade processualmente
possível de forma imparcial, dentro da legalidade. O Delegado
de Polícia não deve produzir ou colher provas e indícios somente
voltados para a acusação, mas sim de forma genérica, primando
pela total apuração dos fatos, venha isso a beneficiar a defesa do
suspeito ou a incriminá-lo. E se os estudiosos nacionais
costumam descurar do devido estudo da investigação criminal,
apresentando normalmente uma visão simplista do Inquérito
Policial, Roxin afirma que ‘a instrução preliminar deve
estruturar-se de forma a possibilitar não somente a
comprovação de culpabilidade do imputado, mas também a
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exoneração do inocente’. Nesse passo, por mais que se
considere a atuação escorreita dos membros do Ministério
Público, primando por uma posição de fiscalização da
legalidade (aliás, uma de suas funções institucionais), não é
desejável que todo o poder de decisão acerca do cabimento ou
não de uma cautelar fique concentrado nesse órgão que, quer
se queira ou não, atuará eventualmente no polo acusador do
futuro processo. Vedar a representação pela Autoridade
Policial (uma Autoridade que pode e deve ser imparcial,
exatamente porque jamais postulará ou sustentará defesa ou
acusação em juízo) ou mesmo condicionar sua validade ao
parecer ministerial é, isso sim, violar não somente o Sistema
Acusatório, mas também de um só roldão a ampla defesa e a
isonomia processual. É justamente o fato de ser o Ministério
Público o titular da ação penal pública que indica que sua
atuação deve ser sempre opinativa ou de requerimento e jamais
deve subordinar de qualquer forma (positiva ou negativa) a
decisão judicial. Aliás, ‘decisão’ é somente a Judicial, cabe ao
Ministério Público e demais atores processuais opinar e pedir.
Não se podem confundir as funções jurisdicionais com as
funções ministeriais. Ao Ministério Público cabe, nas palavras
de Binder, a chamada ‘função requerente’ e não a decisória.
Outro equívoco em atrelar a representação da
Autoridade Policial ao parecer ministerial consiste em uma
confusão entre a titularidade da ação penal pelo órgão
ministerial (Ministério Público) e a titularidade por parte de
determinado membro da instituição (Promotor de Justiça). O
titular da ação penal pública é o órgão ministerial, não o
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Promotor X ou Y, de modo que pode perfeitamente ocorrer que
determinado Promotor considere não haver elementos para a
ação penal, enquanto o órgão venha a entender de forma
diferente, podendo ser instado a isso pelo Juiz por força do
artigo 28, CPP, caso em que será a denúncia ofertada pelo
Procurador Geral de Justiça ou por outro membro do Ministério
Público especialmente designado para agir em nome do
Procurador. Então, o fato de que o Promotor X ou Y entenda que
inexiste base para um Processo Penal futuro não significa a
palavra final da instituição, de forma que isso jamais poderia ter
o condão de influenciar de forma definitiva na decisão judicial
de concessão ou não da cautelar a pedido do Delegado de
Polícia. Inclusive há cautelares que são típicas de investigação,
tais como as interceptações telefônicas, a busca e apreensão, a
prisão temporária, dentre outras. Nesses casos a atuação do
Ministério Público não pode ser referente à formulação ou não
da acusação em juízo, mesmo porque as próprias medidas visam
ainda apurar se existem ou não elementos para tanto. Ora,
tirante os casos de investigações encetadas diretamente pelo
Ministério Público, quem preside as investigações é o Delegado
de Polícia, de modo que é a ele precipuamente que cabe a
avaliação da necessidade ou não da representação pelas
cautelares. Nada impede, até recomenda, que o Ministério
Público opine, inclusive na condição de fiscal da lei e de
controlador externo da atividade policial. Mas, não se pode
admitir que esse órgão se imiscua de forma decisiva no
deferimento ou não da medida, usurpando ao mesmo tempo
funções policiais e judiciais. Se há indiscutivelmente uma
titularidade da ação penal pública pelo Ministério Público,
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também há de forma inarredável uma titularidade da condução
e presidência do Inquérito Policial por parte do Delegado de
Polícia, a quem incumbe o exercício das funções de Polícia
Judiciária (artigo 144, CF). Isso é bem visível ao verificar-se
que quando há alguma omissão ou irregularidade no Inquérito
Policial a Autoridade que é chamada a prestar contas (criminal,
administrativa e civilmente) é o Delegado de Polícia e ninguém
mais, nem o Juiz, muito menos o Promotor de Justiça. Nessa
hora ninguém se arvora a assumir as responsabilidades, muito
embora, diga-se de passagem, todo Inquérito Policial seja
continuamente controlado tanto pelo Judiciário como pelo
Ministério Público (v.g. pedidos de prazo, correições, visitas
mensais do Ministério Público na função de controle externo
etc.). Ao que se saiba, sempre corresponde a um poder, um
dever, uma obrigação, em suma, uma responsabilidade. Mas,
parece que se pretende muitas vezes angariar poderes sem os
ônus dos deveres e responsabilidades. Infelizmente isso tem sido
comum na sociedade em geral e até mesmo nas suas mais
conceituadas instituições. Como bem aduz Bruckner, a
legalidade não se sustenta quando se transforma em ‘sinônimo
de dispensa’, configurando-se como uma ‘máquina de
multiplicar direitos, eterna e principalmente sem contrapartida’.
Finalmente é destacável que a ligação entre a
titularidade da ação penal pelo Ministério Público e a
impossibilidade de deferimento de cautelares por representação
policial sem sua oitiva ou concordância é totalmente artificiosa
porque parte de um falso pressuposto que contraria mesmo a
natureza das medidas cautelares. Afirma-se inclusive que a
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acessoriedade, enquanto característica insofismável das
cautelares estaria a impedir seu deferimento sem a anuência
daquele que detém a titularidade da ação principal. É realmente
inegável a acessoriedade das cautelares, mas sua ligação com a
ação principal não é de certeza, mas de mera probabilidade.
Nem o deferimento de uma cautelar, inclusive com
concordância ou o pedido ministerial torna necessária e
inafastável a ação penal futura; nem o indeferimento torna
impraticável essa mesma ação. As cautelares são acessórias a
uma ação penal principal em perspectiva, dentro de um critério
de ‘probabilidade hipotética’ e não de certeza. Por isso é
espúria qualquer ligação que condicione o deferimento
cautelar a uma situação de convicção prévia do órgão
ministerial em forma de certeza quanto ao intentar futuro da
ação penal. Além disso, conforme já destacado, há muitas
medidas cautelares que são deferidas exatamente para buscar
provas e indícios para a formação do convencimento quanto à
existência ou inexistência de elementos suficientes para o
intentar de uma ação penal que por hora é vista tão somente em
perspectiva hipotética provável. Usando uma expressão
popular, condicionar o deferimento da cautelar a uma
manifestação do Ministério Público na qualidade de titular da
futura ação penal, exigindo para isso a formulação de um juízo
de certeza da postulação em perspectiva é ‘colocar o carro na
frente dos bois’, simplesmente porque esse não é o momento
nem a circunstância adequada para esse tipo de manifestação.
Por todas essas razões, embora respeitando o
entendimento diverso, considera-se que o Juiz pode sim deferir
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cautelares mediante representação direta da Autoridade
Policial quando a lei assim o prevê, ainda que sem ouvir o
Ministério Público ou mesmo contra sua manifestação. Não se
pode perder de vista a função de decisão que somente cabe ao
Juiz de forma indelegável e isenta de influências externas por
mais bem intencionadas que sejam. Acaso o Promotor discorde
da decisão Judicial lhe cabe a via recursal para reformar o
‘decisum’. No entanto, jamais poderá o órgão ministerial e nem
mesmo a lei ter a pretensão de ‘conduzir’ o Juiz tal qual um cego
ou transformar-lhe não em um ator destacado do processo penal,
mas em um simples figurante. Um figurante que interpreta o
personagem de uma Rainha da Inglaterra de Toga” [CABETTE,
Eduardo Luiz Santos. A representação autônoma do delegado de
polícia pelas medidas cautelares. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em:
<http://www.ambito -
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&ar
tigo_id=10883>. Acesso em jul 2017].
Fechando o colchete neste tema, nada impede que os
argumentos do Ministério Público venham a ser acolhidos e até
acrescentados na decisão que ora se profere, revogando, corroborando,
ampliando ou estendendo as medidas cautelares postuladas pela autoridade
policial, como deixa ver o art. 282, § 5º, do CPP.
Inclusive, a própria lei ressalva as situações de
“urgência” [CPP, art. 282, § 3º] no deferimento de medidas cautelares,
excepcionando a manifestação prévia das partes.
Forte em tais razões, passo à análise da representação
apresentada pela autoridade policial.
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Antes de tudo, convém enfatizar que o Inquérito
Policial n. 87132/2017 – instaurado para apuração de crimes comuns
praticados por militares e por civis, em especial, o delito de organização
criminosa e o de interceptação telefônica ilegal – originou-se a partir do
desmembramento do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, que, por
sua vez, foi deflagrado para investigar, exclusivamente, crimes militares.
Para bem contextualizar a questão sub oculis, convém
rememorar os fatos apurados no IPM.
Segundo levantado, até a atual fase das investigações, o
Cel. PM Zaqueu Barbosa, em meados de setembro de 2014, quando
exercia a função de Subchefe do Estado-Maior Geral da PMMT, decidiu
estruturar um escritório que ficou denominado “Núcleo de Inteligência”.
Partiu dele, portanto, a ideia da criação e, também, a
função de arregimentar os operadores do plano.
Em virtude de sua experiência no GAECO, e por
conhecer diversos policiais militares com habilidades no assunto de
inteligência e, em especial, em interceptação telefônica, o Cel. PM Zaqueu
requereu ao então Ten.-Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco – à
época, Diretor de Inteligência do GAECO – a apresentação do Cb. PM
Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, com o propósito de estruturar o tal
“Núcleo de Inteligência”.
Situação idêntica ocorreu com o Cb. PM Euclides
Luiz Torezan, que foi, por ordem de seu comandante [Cel. PM Evandro
Lesco] se apresentar ao Cel. PM Zaqueu.
Portanto, pelo menos aparentemente, temos a
participação do Cel. PM Zaqueu, responsável pela criação do
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Escritório/Núcleo de Inteligência, e, também, não há a menor dúvida da
efetiva e direta participação do Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz
Lesco e do Cel. PM Ronelson Jorge de Barros, cuja função foi apresentar
ao Cel. PM Zaqueu dois de seus comandados, Cb. PM Gerson e Cb. PM
Euclides Torezan.
Consta dos autos, ainda, que a parte operacional ficou a
cargo do Cb. PM Gerson, que teria acionado o Cb. PM Euclides Torezan
para verificar a viabilidade técnica de funcionamento das placas entregues
pelo Cel. PM Zaqueu, que, segundo custos apresentados pela Empresa
Wytron, montaria a importância de R$ 12.000,00 [doze mil reais].
Não há, contudo, informação de quem foi o
responsável pelo investimento para implantação do aludido projeto, pois,
segundo o Encarregado do IPM, o Cel. PM Zaqueu não quis arcar com o
custo. Não se sabe como os referidos graduados conseguiram sobreditos
recursos.
De acordo com o que foi apurado, o Cb. PM Gerson
instalou o equipamento assessorado pelo Cb. PM Euclides Torezan, e
passou praticamente todo mês de setembro ouvindo diversas conversas,
em uma sala comercial alugada no Edifício Master Center.
O Cb. PM Gerson apresentava os resultados do seu
trabalho, por meio de relatórios, ao Cel. PM Zaqueu, demonstrando,
assim, de forma incontestável, o envolvimento e a ligação de ambos na
prática delituosa.
Ocorre que, no mês de outubro, o Cb. PM Gerson se
dirigiu até o Cel. PM Zaqueu e solicitou reforço, porque não tinha
condições de ouvir todos os áudios. Tantas já eram as interceptações
telefônicas clandestinas, que um só homem não podia mais realizá-las.
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Por esta razão, a 3ª Sgt. PM Andrea Pereira de
Moura Cardoso, que trabalhava no Centro Integrado de Operações
Aéreas, foi informada por seu comandante, no caso, o então Ten.-Cel.
Airton Benedito de Siqueira Júnior, para procurar a pessoa do Cel.
Zaqueu no Quartel do Comando-Geral da PMMT, pois teria um serviço
para ela na atividade de inteligência.
Apesar de não denunciado pela prática dos crimes
militares, há indícios fortíssimos da participação do Cel. PM Airton
Benedito de Siqueira Júnior na organização criminosa.
Consoante destaquei no voto proferido nos autos da
Ação Penal n. 87031/2017 – durante o recebimento da peça acusatória –, a
situação do Cel. PM Siqueira Júnior se afigura idêntica à do Ten.-Cel.
PM Januário Antônio Edwiges Batista, uma vez que foi ele quem
arregimentou a 3º Sgt. PM Andrea Pereira de Moura Cardoso para atuar no
fictício Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, onde serviu por um ano.
Enfatizo, também, que a referida graduada – quando
chamada para atuar na inteligência da Polícia Militar, sob a chefia do Cel.
PM Zaqueu Barbosa e orientação do Cb. PM Gerson Luiz Ferreira
Correa Júnior –, exercia suas funções no CIOPAER (Centro Integrado de
Operações Aéreas), sob o comando e subordinação do Cel. PM Siqueira,
que a convocou para a missão.
Há nos autos, ainda, indícios seguros de que o Cel. PM
Siqueira Júnior não apenas sabia da existência do inventado Núcleo de
Inteligência da Polícia Militar, como dele participou com a cessão da Sgt.
Andrea, para ficarmos no mínimo dos mínimos.
Esse fato tem indicação nas palavras da própria
Sargento Andrea, ao revelar que, sendo recrutada para o Núcleo de
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Inteligência ainda no ano de 2014, nele permaneceu até novembro de 2015,
“quando recebeu uma ligação de Gerson e este disse para a declarante se
apresentar na CASA MILITAR, na pessoa do Cel. PM Siqueira Júnior,
então Secretário-Chefe da Casa Militar; que após a apresentação, o Cel.
PM Siqueira Júnior disse à mesma que o serviço que a mesma estava
desenvolvendo, de inteligência, estava encerrado, e iria designar para
trabalhar internamente na Casa Militar” [fls. 885/888 dos autos do
Inquérito Policial Militar n. 66673/2017].
Essa contundente afirmação mostra, a quem quiser ver,
que o Cel. PM Siqueira não apenas sabia da existência do Núcleo, como
dele participou com a cessão da militar que estava sob suas ordens e
subordinação.
Daí a afirmação da Sgt. Andrea, no sentido de que ele
[Cel. PM Siqueira] lhe disse que “o serviço que a mesma estava
desenvolvendo, de inteligência, estava encerrado, e iria designá-la para
trabalhar internamente na Casa Militar”.
E mantendo-a sob suas asas, poderia controlá-la, como,
aliás, fizeram com a Cap. PM Cláudia Rodrigues Gusmão, ouvida às fls.
2214/2215 do IPM n. 66673/2017, que serviu na Casa Militar no período
de janeiro a outubro ou novembro de 2015, e que foi interceptada
ilegalmente entre os meses de julho, agosto e setembro de 2015 – logo
após a saída do Cel. PM Ribeiro Leite da Chefia da Casa Militar, ocorrida
em agosto de 2015 –, com a finalidade de saber se ela tinha conhecimento
do esquema de grampos ou se ela estava repassando informações sigilosas
para terceiros.
Temos, ainda, a situação da Maj. PM Valéria Fleck
[fls. 2216/2218 – IPM n. 66673/2017], que trabalhou no GAECO no
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período de dezembro de 2011 a fevereiro de 2016, e foi interceptada em
setembro de 2015. Ela trabalhou diretamente com o Cb. PM Gerson e
com o Cb. PM Torezan de 2014 até sua saída, e seu “pecado” – para ser
interceptada clandestinamente – ao que parece, foi apontar erros grosseiros
na documentação produzida pelo Cb. PM Gerson e, de modo
peremptório, ter aludido à diversas faltas ao trabalho do Cb. PM Gerson,
que nessa época se dedicava, em tempo integral, ao serviço do fictício
Núcleo de Inteligência da PMMT.
Não podemos olvidar, ainda, que a cessão da Sgt.
Andrea deu-se para atender a demanda do refalsado Núcleo de
Inteligência.
E sabia ele que os serviços foram suspensos, porque
houve necessidade de se desmontar o Sistema, em razão de o esquema
criminoso haver sido descoberto, como veremos adiante.
O interessante, para não dizer surreal, é que foi o Cb.
Gerson quem determinou que a Sgt. Andrea se apresentasse à Casa
Militar – já comandada pelo Cel. Siqueira Júnior –, e não mais à
CIOPAER, onde estava originariamente lotada.
Tudo isso ocorreu em ocasião próxima à suspensão do
funcionamento do Sistema Sentinela na Empresa Titânia – ocorrida em
outubro de 2015 – após o Promotor de Justiça Mauro Zaque anunciar ao
Cel. PM Siqueira e ao Cel. PM Zaqueu, em sua residência, saber da
existência da “grampolândia pantaneira”, quando pediu-lhes que
solicitassem exoneração de seus cargos em razão do envolvimento deles
nas interceptações telefônicas clandestinas.
Parece, entretanto, que havia um propósito claro e
inequívoco do grupo em não incriminar o Cel. Siqueira Júnior, que
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deveria permanecer não apenas fora de qualquer investigação, mas em
liberdade para que, como Secretário de Estado, homem forte do Governo
pela importância da pasta que ocupa, ficar com as mãos livres para articular
em nome e em favor da organização criminosa.
E isso transparece nitidamente no testemunho do Ten.-
-Cel. Soares, que revelou que o simples indiciamento do Cel. PM Siqueira,
iria “fragilizar o grupo”, e que a prisão dele “não poderia ocorrer de
forma alguma”, tanto que recebeu a seguinte ordem imperativa do Cel. PM
Lesco: “faça o que tiver que ser feito, mas não deixe acontecer”.
Tão evidente foi a participação do Cel. PM Siqueira
na organização criminosa que até o Ten.-Cel. Soares, iletrado no mundo
jurídico, viu efetivos elementos da participação dele na organização
criminosa.
Todos viram elementos para o indiciamento e
denúncia, inclusive o Cel. Catarino, Encarregado do IPM, que pediu ao
Ten.-Cel. Soares que formalizasse uma representação pela prisão do Cel.
PM Siqueira. Contudo, em razão da ordem enfática do coator Lesco, o
coagido “enrolou” e fez o pedido cair no esquecimento.
Todos viram, menos o Ministério Público.
A tudo isso acresce ainda o diálogo – gravado em
áudio – entre o Ten.-Cel. Soares e o Cel. Lesco, onde este, falando sobre o
inquérito suplementar, que aprofunda no recolhimento de provas no IPM,
diz abertamente que “ELE (Cel. Siqueira) tem participação e por isso
deve ficar... uma viagem muito psicodélica, né cara”, em referência ao
deslocamento do Cel. Catarino para Rondonópolis, onde auscultaria vários
policiais militares.
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Afora a participação dos militares na empreitada
delituosa, houve também a participação de civis na organização criminosa
que se formou.
Pelo menos até o atual estágio das investigações,
podemos citar quatro fatos concretos, quatro situações que ensejaram a
instauração de inquéritos policiais.
O primeiro deles, e o que podemos considerar a mola
propulsora de todas as investigações deflagradas [investigação-matriz], diz
respeito aos fatos ocorridos na Comarca de Cáceres, com a inclusão de
pessoas estranhas à investigação, introduzidas como se criminosas fossem,
para o fim de se quebrar sigilos telefônicos de forma oculta.
Esta situação veio à tona após veiculação de matéria
jornalística em rede nacional, em 14/5/2017, cujos grampos, ao que tudo
indica, eram praticados por meio do simulado Núcleo de Inteligência da
Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.
Também podemos mencionar aqui a situação ocorrida
durante as eleições de 2016, no município de Lucas do Rio Verde, onde,
igualmente, há notícia da prática do crime de interceptação telefônica
clandestina, que também está sob apuração em procedimento investigatório
próprio [Inquérito Policial n. 87131/2017].
Há, ainda, segundo notícia-crime apresentada pela
OAB/MT, possível quebra de sigilo telefônico, na modalidade “barriga de
aluguel”, ocorrida na “Operação Ouro de Tolo”, processo código 414652,
onde foi incluído o terminal pertencente ao ex-governador Silval Barbosa,
mesmo ele não sendo investigado naqueles autos [Inquérito Policial n.
71814/2017].
19
Por derradeiro, citamos a prática do crime de
interceptação telefônica, com objetivos não autorizados em lei, por parte do
representado Paulo Taques, nas operações “Forti” e “Querubin”, onde
teria exigido o grampo do telefone de sua ex-amante e de sua ex-secretária,
apurado no Inquérito n. 78323/2017.
Vamos consignar aqui apenas estes quatro fatos
concretos, sem descurar os demais que estão em andamento e outros
possíveis que hão de ser descortinados ao longo das investigações.
O primeiro fato concreto, verificado na Comarca de
Cáceres, foi praticado mediante apresentação de relatório pelo espúrio
Núcleo de Inteligência da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso,
aparentemente criado pelo Cel. PM Zaqueu Barbosa, cujo principal
operador era o Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, contando
com a participação incisiva do ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, Cel.
PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, e de seu Adjunto Cel. PM
Ronelson Jorge de Barros, além do Cel. PM Airton Benedito de
Siqueira Júnior, como se viu alhures.
No atinente ao segundo fato, há indícios de
participação do Cel. PM Airton Benedito Siqueira Júnior, atual
Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, bem como há notícias
de envolvimento direto do escritório de advocacia de Paulo César Zamar
Taques, ainda que este insista em afirmar que na verdade figura como
vítima de trama criminosa.
Quanto ao terceiro fato, conquanto acontecido nas
barbas do GAECO, o relatório de inteligência que subsidiou a inclusão de
terminal telefônico do ex-governador Silval Barbosa – em procedimento
criminal em que não figurava como investigado –, foi subscrito pelo Cb.
20
PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, ou seja, o mesmo operador do
ilegítimo Núcleo de Inteligência, responsável pela escuta ilegal da ex-
amante do então Secretário-Chefe da Casa Civil, Paulo Taques, nas
interceptações levadas a efeito no juízo criminal de Cáceres.
Aliás, convém pontuar que o Cb. PM Gerson se
apresenta como uma das figuras centrais de quase todos os crimes em
apuração, especialmente aqueles ligados às escutas telefônicas clandestinas.
Ele foi o vaso comunicante entre muitos dos crimes em
apuração, visto ter sido o operador principal dos sistemas Wytron e
Sentinela, usado pelo Núcleo de Inteligência – bijuteria criada pela
organização para cometimento de crimes.
Por fim, o próprio Paulo Taques, apresentando uma
“história cobertura”, praticamente exigiu das autoridades responsáveis
pela segurança pública do Estado a interceptação telefônica de sua ex-
amante e de sua ex-secretária, situação essa apurada no Inquérito n.
78323/2017.
Outro acontecimento que evidencia, de modo
irretorquível, o elo entre Paulo Taques e a organização criminosa que se
instalou no seio da cúpula da Polícia Militar de Mato Grosso, diz respeito
ao fato de que, nas eleições estaduais de 2014, o Núcleo de Inteligência da
Polícia Militar, espuriamente formado, efetuou a escuta, dentre outros, de
dois advogados.
Os alvos em questão foram os causídicos José Antônio
Rosa e José Patrocínio de Brito Júnior.
O detalhe de suma relevância é que ambos, assim como
Paulo Taques, atuaram na campanha eleitoral de 2014, patrocinando,
21
contudo, candidatos adversários do atual Governador do Estado, Pedro
Taques.
José Antônio Rosa era advogado da candidata Janete
Riva, e José Patrocínio de Lúdio Cabral, enquanto Paulo Taques
representava os interesses de Pedro Taques, principais candidatos ao
Governo do Estado de Mato Grosso.
Ocorre que, por meio do inventado Núcleo de
Inteligência, na operação policial realizada na Comarca de Cáceres, a partir
da qual foi produzida a matéria jornalística que ensejou a instauração de
todas as investigações atinentes aos grampos ilegais, os dois advogados,
que trabalhavam para candidatos adversários ao defendido por Paulo
Taques, foram grampeados.
Dentre os principais candidatos ao Governo, a única
banca que não teve advogado grampeado foi justamente a do Paulo
Taques.
Ademais, não podemos olvidar, ainda, que o nome da
Deputada Estadual Janaíva Riva, filha da então candidata ao Governo do
Estado, Janete Riva, e opositora declarada do grupo ligado ao atual
Chefe do Poder Executivo Estadual, também foi alvo de interceptação
telefônica clandestina realizada na comarca de Cáceres.
Mera coincidência?
Tudo isso são assomos a mostrar que podemos mesmo
estar frente a uma organização criminosa voltada – a partir de escutas
telefônicas clandestinas – a cometer outros crimes.
E assim parece ser porque, pelos levantamentos já
efetuados, as motivações das interceptações não eram unicamente políticas,
22
por simples bisbilhotices do que faziam ou diziam os adversários políticos
e críticos do governo.
Na extensa lista dos alvos interceptados estão médicos,
desembargador, contador, servidores públicos, empresários, professor,
estudante e, acreditem se quiser, até agente funerário.
O registro desses fatos, feitos ad colorandum [porque
já expostos em decisão anterior que decretou a prisão do investigado Paulo
Cesar Zamar Taques] prestam a confirmar que, inicialmente, a trama
delituosa sempre girava em torno de alguns nomes: Paulo Cesar Zamar
Taques, Cel. Zaqueu, Cel. Lesco, Cel. Barros e o Cb. Gerson.
Entrementes, com o depoimento do Ten.-Cel. José
Henrique Costa Soares, desvelou-se novos participantes do grupo
criminoso: o Delegado Rogers Elizandro Jarbas, o Major Michel
Ferronato e o Sgt. Soler, dentre outros, como se verá à frente.
Não há base empírica, até este momento, para afirmar,
com segurança, a individualização da conduta [e seus lugares na hierarquia]
dos principais integrantes da possível organização criminosa que se
instalou no coração do Governo do Estado de Mato Grosso, nem as suas
finalidades principais, visto que as interceptações telefônicas clandestinas,
certamente, era meio para a prática de outros crimes.
O que se pode afirmar, contudo, é que, diante do
volume de recursos aplicados na possível organização criminosa –
inclusive para aquisição de sistema próprio de escuta telefônica, de todo
aparato tecnológico necessário, da instalação do escritório em sala
comercial alugada e das despesas ordinárias mensais –, dúvidas não há de
que o grupo possuía um mantenedor abastado, alguém que investiu
financeiramente na criação e na manutenção dele.
23
A princípio, a suspeita recai sobre o Cel. PM Lesco,
que foi o responsável por repassar o cheque no valor de R$ 24.000,00
[vinte e quatro mil reais] ao Cb. PM Gerson, para aquisição do Sistema
Sentinela, e que ainda contribuiu alguns meses para o pagamento do
aluguel da aludida sala comercial.
Aliás, abro um parêntese para consignar, ainda, que
este fato foi motivo de entrevero entre o Cel. PM Lesco e sua esposa
Helen, em 18/9/2017, conforme asseverado pela testemunha presencial,
Ten.-Cel. Soares, que, em seu depoimento colhido pelo sistema de
gravação audiovisual, assim declarou:
“Durante a conversa eu menciono dos procedimentos
que foram adotados até então, da oitiva de nove policiais em
Rondonópolis, ele pede informações a respeito do andamento
das investigações, de que de novo existe, e teve um certo
momento em que ele entra em atrito com, atrito assim, o
ambiente fica meio pesado, porque a Helen questiona o Lesco
do porquê ele comprou o equipamento, e a nota fiscal do
equipamento foi emitida em nome dele. Porque que ele, porque
motivo ele emitiu um cheque, ele poderia ter pago em dinheiro.
Ele poderia ter essa nota emitida em nome até de um falecido né,
de um defunto, palavras dela. Ela não sabe dizer porque isso
aconteceu, e ela supõe, vocês estavam fazendo isso porque
achavam que não ia acontecer nada, só pode, porque para dar
uma bobeira dessa, só podia ser isso”.
Porém, este ponto – identidade do(s) mantenedor(es)
do grupo criminoso – ainda há de ser esclarecido.
24
Com o caminhar das investigações e a madelenização
do Ten.-Cel. Soares, descobriu-se a figura relevante do atual Secretário de
Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, que, valendo-se de seu
cargo e de sua influência, vem reiteradamente interferindo nas
investigações atinentes à prática do crime de interceptação telefônica ilegal,
seja tentando obter documentos sigilosos, seja constrangendo autoridades
policiais e oficiais militares.
Em primeiro lugar, causa espécie o comportamento do
Secretário de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso em apurar,
sponte sua – sem a instauração de qualquer procedimento administrativo
ou judicial –, a conduta da delegada de polícia Alana Derlene Sousa
Cardoso, que, em tese, teve envolvimento nos supostos grampos ilegais
ocorridos nas Operações Forti e Querubin.
E, o mais curioso, foi a tentativa de o Secretário de
Estado de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, investigar, por
via transversa, seu antecessor, o Promotor de Justiça Mauro Zaque de
Jesus, autoridade esta que trouxe à tona a existência do malsinado grupo
criminoso.
Parece evidente que o ato foi voltado a desmoralizar e
a desacreditar quem acusou o Governador do Estado, que se conseguiria
com a implicação do Dr. Mauro Zaqueu nas “barrigas de aluguel”
operacionalizadas por meio das Delegadas Alana e Alessandra, logradas
pelo suspeito Paulo Taques, com uma “história cobertura” de que a vida do
Governador estava em risco.
Não se pode olvidar, ainda, o fato ocorrido envolvendo
o ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, e primo do Governador do Estado,
Paulo Cesar Zamar Taques, que, com a finalidade de tomar conhecimento
25
sobre a existência de investigação contra sua pessoa, “peticionou”
diretamente ao Secretário de Estado de Segurança Pública, Rogers
Elizandro Jarbas, pedindo cópia do procedimento que tramitava sob sigilo.
Com o pedido em mãos, o Secretário de Segurança
Pública, sem nenhuma competência para o ato, diga-se de passagem,
simplesmente, “proferiu decisão”, determinando o fornecimento de cópias
ao peticionante, mesmo sabendo que os fatos eram sigilosos.
E não foi apenas em prol do escritório de advocacia de
Paulo Cesar Zamar Taques que o Secretário de Segurança Pública
interveio.
Chegou ao meu conhecimento, por intermédio do
Ofício n. 1260/2017/PJC/MT, de 31/7/2017, subscrito pelo Delegado de
Polícia Flávio Henrique Stringueta, que o Secretário de Estado de
Segurança Pública de Mato Grosso também acolheu “requerimento”
deduzido por seu chefe, o Governador do Estado de Mato Grosso, José
Pedro Gonçalves Taques, determinando o fornecimento de fotocópia de
autos sigilosos.
Portanto, não resta a menor dúvida de que o
representado vinha se valendo do cargo ocupado, agindo de maneira
incisiva e direta no sentido de beneficiar seus aliados, determinando o
fornecimento de documentos até então sigilosos, em detrimento das
investigações levadas a efeito pelas autoridades policiais.
Estas foram as razões que motivaram seu afastamento
cautelar do cargo de Secretário de Segurança e de suas funções de
Delegado de Polícia, decretada no Inquérito Policial n. 91285/2017.
Contudo, a partir das provas trazidas pelo Ten.-Cel.
26
Soares, outro quadro – de muito maior gravidade – se apresenta, fazendo
exsurgir a necessidade de adoção de medidas mais drásticas.
De fato, a partir dos depoimentos prestados pelo
Policial Militar, Ten.-Cel. PM José Henrique Costa Soares, em 16, 18 e
22/9/2017, descortinou-se um sórdido e inescrupuloso plano no intuito
não apenas de interferir nas investigações policiais, mas, principalmente, de
macular minha reputação em todos os inquéritos instaurados para se
investigar os crimes de interceptação telefônica, com o nítido propósito de
me afastar da condução dos respectivos feitos.
E o mais lamentável, para não se dizer repugnante, é
que para colocar em prática o ardiloso projeto, o grupo criminoso contou
não apenas com a participação de seus integrantes já revelados, mas,
também, de outras pessoas, dentre elas, advogado, esposa de investigado
em prisão domiciliar, policiais militares e, segundo eles próprios, até
mesmo de promotor de justiça, que teria aderido ao pérfido e
maquiavélico plano.
Faço questão de registrar, aqui, excertos do
depoimento prestado pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, até
então Escrivão do Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, prestado em
16/9/2017, aos delegados Ana Cristina Feldner e Flávio Henrique
Stringuetta:
“DECLAROU QUE após assumir o cargo de escrivão
para atuar no Inquérito Policial Militar foi procurado pelo
advogado do CEL. LESCO e do CB. GERSON, DR.
MARCIANO, na Corregedoria da Polícia Militar, e disse que a
esposa do CEL. LESCO, HELEN, gostaria de falar com o
depoente em razão de já ter informações a respeito do depoente
27
e que a SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA já teria
essas informações [...]”.
Apenas para deixar sublinhado, depois de assumir o
encargo de Escrivão no Inquérito Policial Militar n. 66673/2017, o Ten.-
-Cel. Soares foi procurado pelo advogado Marciano Xavier das Neves –
responsável pela defesa do Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco e do
Cb. PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior – dizendo que Helen Christy
Carvalho Dias Lesco gostaria de falar com ele, pois ela teria informações
a respeito do Escrivão, que também era de conhecimento da “Secretaria de
Segurança Pública” – leia-se: Rogers Elizandro Jarbas.
Percebe-se, portanto, que o advogado Marciano
Xavier das Neves, longe de suas funções profissionais, agiu ativamente em
prol do grupo criminoso, funcionou como ponte para chegar até o Escrivão
do IPM, Ten.-Cel. Soares, surgindo, assim, duas novas figuras na
organização criminosa: Marciano e Helen.
Outro ponto curioso, é que Marciano revelou ao Ten.-
-Cel. Soares que Helen teria informações a seu respeito, e que tais
informações teriam sido repassadas pela Secretaria de Segurança
Pública, cuja pasta é capitaneada justamente por Rogers Elizandro
Jarbas, aquele mesmo que estava agindo ativamente em prol da
organização criminosa, valendo-se do cargo por ele ocupado.
Prossegue o Ten.-Cel. Soares na sua inquirição
extrajudicial:
“Que isso aconteceu na primeira semana que assumiu
as funções de escrivão; QUE então o depoente ligou para
HELEN, via WhatsApp, no mesmo dia, e já combinaram de
encontrar no POSTO DE GASOLINA BOM CLIMA; QUE o
28
encontro ocorreu, salvo engano, no dia seguinte; QUE o
depoente esclarece que conhece o CEL. LESCO por serem da
mesma turma, porém não tinha amizade com HELEN; QUE
neste contato já desconfiou que o assunto fosse relacionado a
sua atuação no Inquérito Policial Militar; QUE encontraram no
POSTO BOM CLIMA, sendo que o depoente foi em seu veículo
Cross Fox branco, e HELEN em um veículo tipo SUV; QUE ao
estacionarem no pátio o depoente entrou no veículo da HELEN;
QUE então o depoente foi bastante receptivo, dizendo que
estaria disposto a ajudar, porém, precisava saber o que ela tinha
contra o mesmo; QUE então ela disse que a SECRETARIA DE
SEGURANÇA PÚBLICA tinha posse de interceptações e
vídeos dos quais revelam sua dependência química; QUE
também mencionou que haveria outras situações supostamente
criminosas, das quais PAULO TAQUES tinha conhecimento;
QUE o depoente supõem que seriam referentes a situação de
uma empresa que o depoente teria tido sociedade e que PAULO
TAQUES foi seu advogado, tendo conhecimento de todos os
fatos, inclusive sua dependência química foi revelada a PAULO
TAQUES nessa oportunidade; Que naquele momento o depoente
apenas pensou o quanto essa informação referente a sua
condição de usuário o iria expô-lo na Corporação, encerrando
definitivamente sua carreira, bem como da sua preocupação
com eventuais crimes militares por ter mantido a sociedade,
todos de conhecimento do advogado PAULO TAQUES, a quem
confidenciou referidos fatos”.
Chama atenção o fato de a abordagem ao Ten.-Cel.
Soares já haver sido realizada “na primeira semana que assumiu as
29
funções de escrivão”.
Significa dizer que, tão logo tomaram conhecimento de
sua nomeação, usaram de informações que já tinham em mãos.
E quem as detinha?
Ninguém mais, ninguém menos que o Dr. Paulo
Cesar Zamar Taques, que as recebeu da própria língua do Ten.-Cel.
Soares, quando advogou seus interesses numa demanda contra seu irmão.
Certo é que essas informações não eram do
conhecimento geral, dessas que facilmente podem ser levantadas, do
contrário, ele já teria sofrido severas sanções na Polícia Militar, quiçá
excluído das fileiras da corporação.
Essa situação foi bem posta no depoimento que
prestou:
“[...] QUE também mencionou que haveria outras
situações supostamente criminosas, das quais PAULO TAQUES
tinha conhecimento; QUE o depoente supõem que seriam
referentes a situação de uma empresa que o depoente teria tido
sociedade e que PAULO TAQUES foi seu advogado, tendo
conhecimento de todos os fatos, inclusive sua dependência
química foi revelada a PAULO TAQUES nessa oportunidade;
Que naquele momento o depoente apenas pensou o quanto essa
informação referente a sua condição de usuário o iria expô-lo na
Corporação, encerrando definitivamente sua carreira, bem como
da sua preocupação com eventuais crimes militares por ter
mantido a sociedade, todos de conhecimento do advogado
PAULO TAQUES, a quem confidenciou referidos fatos”.
30
Detalhe de suma importância é que nessa época, ou
seja, quando Helen procurou pelo Ten.-Cel. Soares, seu esposo, Cel. PM
Evandro Alexandre Ferraz Lesco, encontrava-se cautelarmente
segregado.
Por esta razão, não há falar que seu papel foi
secundário, ou de menor relevância, uma vez que Helen foi a responsável
pela coação do então Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares.
Asseverou, ainda, o Ten.-Cel. PM Soares:
“QUE esclarece o depoente que a SECRETARIA DE
SEGURANÇA, assim como a POLÍCIA MILITAR, não sabia
dessa sua situação pessoal, do contrário já teria aberto
procedimento contra si, nem teria lhe conferido a missão de
atuar na Corregedoria e Ouvidoria da Polícia Militar, bem
como escrivão no IPM; QUE desse modo, o depoente acredita
que essas informações possam ter sido passadas por PAULO
TAQUES, para que fossem usadas para coagi-lo”.
De fato, é inconcebível admitir que alguém ligado à
Secretaria de Segurança Pública, ou à Polícia Militar, sabendo dos
problemas pessoais enfrentados pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa
Soares, não tivesse adotado nenhuma providência, em especial a abertura
de procedimento para apuração dos fatos.
Ad hunc modo, tudo aponta para uma única e provável
direção: a de que as informações provieram mesmo do representado Paulo
Cesar Zamar Taques.
Cabe gizar o lugar de destaque do investigado Paulo
Cesar Zamar Taques na provável organização criminosa, com quem o
31
grupo tinha preocupações redobradas com a manutenção da prisão que se
decretou contra ele, como se vê nesta passagem do depoimento:
“Que também eles diziam da importância da soltura
do Paulo Taques, do quanto era necessário para o grupo que
Paulo Taques continuasse solto”.
É incontestável mesmo que o investigado Paulo Cesar
Zamar Taques se apresenta – pelo menos diante dos elementos
informativos até agora obtidos – como um dos principais protagonistas do
grupo criminoso, e maior beneficiário das escutas telefônicas clandestinas.
Basta lembrar que – as provas assim indicam – foi ele
o responsável por interceptar ilegalmente a sua ex-amante Tatiana Sangalli,
o jornalista Muvuca, a sua ex-secretária Carolina e, provavelmente, os
advogados José do Patrocínio e José Antônio Rosa, além da Deputada
Janaína Riva, dentre outros.
As provas coligidas até este instante das investigações
mostram que Paulo Taques foi quem mais se serviu do falseado Núcleo de
Inteligência, cujo contexto o coloca como um dos prováveis líderes da
organização criminosa.
Não estamos simplesmente repetindo os argumentos
expendidos na decisão anterior que se lhe decretou a custódia preventiva.
A invocação tem por finalidade chamar a atenção para
a importância dele para a provável organização criminosa, a ponto de o
“grupo” reconhecer a imprescindibilidade de ele “continuar solto”.
Todas as circunstâncias apontam no sentido de que as
situações que fragilizavam o coagido, Ten.-Cel. Soares, foram mesmo
passadas por Paulo Taques, cujos segredos – da sabença de ninguém –,
32
recebeu quando patrocinou-lhe a defesa de uma causa na justiça.
Aí encontram-se suas digitais. Do contrário, como o
grupo criminoso tomou conhecimento dos segredos?
Conhecendo-os, fácil foi subjugar o Ten.-Cel. Soares,
um homem cuja situação de dependência química – que busca superar – o
fragilizava e o colocava de joelhos.
Sabiam eles do seu estado emocional delicado,
franzino nas circunstâncias de quem lutava para se reerguer. A própria
abstinência de drogas já o debilitava emocionalmente.
Conhecendo seu calcanhar de Aquiles, tornou-se presa
fácil do grupo, tanto que acreditou na provável invencionice de a Secretaria
de Segurança Pública ter “posse de interceptações e vídeos que revelavam
sua dependência química”.
Totalmente dominado e constrangido, aquiesceu ao
diabólico plano que ele próprio revelou no seu depoimento, verbis:
“QUE então HELEN disse que CEL. LESCO estava
preso e que precisava resolver essa questão; QUE então
HELEN pediu para o depoente avisar todo o ocorrido que
acontecesse no curso do inquérito policial militar, bem como
que monitorasse todos os passos do DESEMBARGADOR
ORLANDO PERRI; QUE então o depoente, sentindo-se
coagido e receoso do vazamento dessas informações pessoais,
aceitou ajudar HELEN; QUE passados alguns dias desse
encontro com HELEN, o CEL. CATARINO o convidou para
participar de uma reunião com o DESOR ORLANDO PERRI;
QUE o depoente não tinha conhecimento dessa reunião
33
previamente; QUE o CEL. CATARINO o convidou e foram para
essa reunião; QUE então o depoente gravou em seu celular
toda a reunião; QUE estavam presentes nessa reunião, além do
depoente, o CEL. CATARINO, DESOR ORLANDO PERRI, A
DELEGADA ANA CRISTINA FELDNER e o assessor do
DESEMBARGADOR; QUE tratou-se de uma reunião de
trabalho, para o depoente ser apresentado para o
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE, então,
aproveitou a oportunidade para gravar a reunião em áudio,
atendendo as exigências que lhe foram feitas; QUE foram 2hs
de gravação em seu celular; QUE o segundo encontro com o
grupo se deu na casa da HELEN, e o CEL LESCO continuava
preso; QUE encontraram-se novamente no POSTO BOM
CLIMA, sendo que o depoente deixou seu veículo naquele local e
entrou no veículo de HELEN e dirigiram-se à sua residência;
QUE na residência de HELEN entregou via bluetooth todo o
conteúdo da reunião para o celular do advogado do CEL.
LESCO, Dr. MARCIANO; QUE nessa gravação havia a
informação de que o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI
manifestou que estava pensando em soltar o CEL. LESCO e
CEL. BARROS; QUE então HELEN agradecia ao depoente e o
incentivava dizendo: ‘isso aí! Assim vai dar tudo certo! O
LESCO vai ficar contente’; QUE neste contexto ficava entendido
que nada aconteceria contra o depoente; QUE as informações
que o desabonavam continuariam sendo guardadas”.
Extrai-se deste trecho a direta e incisiva participação
tanto de HELEN CHRISTY [esposa do Cel. PM Lesco], quanto do
advogado MARCIANO XAVIER NEVES, no grupo criminoso.
34
Contudo, por incrível que pareça, o estratagema
montado foi mais longe, pois, não satisfeitos com a escuta ambiental ilegal
captada pelo Ten.-Cel. Soares, o grupo queria mais, queria o
monitoramento audiovisual deste Relator:
“QUE então o CEL LESCO foi solto; QUE então
HELEN ligou para o depoente solicitando um encontro do
mesmo com o CEL. LESCO, dizendo ‘LESCO quer te ver’;
QUE o depoente dirigiu-se à residência deles, sendo adotado o
mesmo procedimento, de deixar o veículo do depoente no
POSTO BOM CLIMA e então ia no veículo da HELEN; QUE
nesse encontro LESCO agradeceu e voltaram a reafirmar sua
parceria; QUE LESCO perguntou sobre a prisão do CEL.
SIQUEIRA; QUE também LESCO solicitou que não houvesse
novos indiciamentos, que dizia que isso iria ‘fragilizar o
grupo’; QUE o depoente disse que o CEL. CATARINO havia
pedido para começar a fazer essa representação de prisão, tendo
LESCO dito que essa prisão não poderia ocorrer de forma
alguma; QUE dizia ‘faça o que tiver que ser feito, mas não
deixe acontecer’; QUE o depoente acredita que há nos autos
elementos para requerer a prisão do CEL. SIQUEIRA, porém
em razão dessa coação sofrida não concluiu essa representação
da prisão; QUE depois voltou a encontrar com o CEL LESCO
por mais umas 03 vezes, sendo utilizado o mesmo procedimento,
de deixar seu veículo em algum lugar e sempre sendo conduzido
por HELEN, esposa do CEL. LESCO; QUE HELEN sempre
participava das conversas e sabia de tudo, além de ajudar com
os recados e conduções; QUE então num dos encontros, com o
mesmo procedimento, porém não recorda a data, o CEL. LESCO
35
solicita que o depoente faça o monitoramento audiovisual do
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE diziam
claramente que queria que o depoente gravasse qualquer parte
de uma conversa, que pudesse comprometer o
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE dizia que o
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI estava atrapalhando
o grupo; QUE insistiam que queria desacreditar a pessoa do
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, que queria qualquer
tipo de expressão que eventualmente o DESEMBARGADOR
ORLANDO PERRI falasse; QUE a intenção era utilizar de
qualquer frase ou palavra para solicitarem a suspeição do
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI; QUE deixavam
claro que queria o afastamento do mesmo; QUE o depoente
acredita que essas reuniões que tiveram foram gravadas por
eles; QUE acredita que eles sejam capazes de utilizar trechos,
partes fragmentadas, dessas conversas para poderem utilizar em
seu favor; QUE então em uma das reuniões, na terceira ou
quarta, o SGTO SOLER aparece com um equipamento em
mãos; QUE o SGTO SOLER é investigado nos autos do
INQUÉRITO POLICIAL MILITAR; QUE então o depoente é
comunicado que aquele equipamento deve ser colocado em sua
farda, pois precisava de uma imagem do DESEMBARGADOR
ORLANDO PERRI; QUE reforça que esse encontro foi também
na casa do CEL. LESCO; QUE diziam que apenas o áudio
gravado pelo depoente não era suficiente; QUE então o SGTO
SOLER ensinou o depoente a manusear o equipamento; QUE
então combinaram do depoente levar suas duas fardas para que
o SGTO SOLER verificasse qual das duas seria melhor para
instalar o equipamento; QUE após esse encontro na casa do
36
CEL. LESCO, o depoente passou em sua residência e levou suas
duas fardas para o SGTO SOLER, encontrando-o no POSTO
GOLD, ao lado do MOTEL PLAZA; QUE o SGTO SOLER
estava em um veículo Corola e levou as fardas para sua
residência, para verificar e instalar o equipamento que capta
áudio e imagem; QUE depois de umas 48hs o CEL LESCO
manda mensagem via WhatsApp da HELEN dizendo que ‘o
peixe está pronto’; QUE esse foi o código para avisar que a
farda com o equipamento estava pronta; QUE isso ocorreu no
dia 12/09; QUE inclusive apresenta seu celular para exibição
dessas mensagens; QUE então o depoente manteve contato com
o SGTO SOLER pelo número informado e marcaram de
encontrar no estacionamento da ASSEMBLEIA LEGISLATIVA,
no último nível, porque assim teriam a visão de tudo, pois tinham
receio de estarem sendo monitorados; QUE SGTO SOLER
chegou num carro UNO, azul, com películas nos vidros; QUE
então o depoente entrou no veículo dele, tendo então o SGTO
SOLER mostrado como foi feita a instalação do equipamento na
farda; QUE justificou que só foi possível instalar em uma das
fardas em razão da costura da outra e dos breves serem
metálicos; QUE ele ensinou como funciona, entregou também o
carregador; QUE foi informado que a bateria tem autonomia
para 3h ininterruptas de gravação e orientou a realizar como
fazer o carregamento; QUE ainda disse que caso o depoente
fosse pego que não era para delatá-lo; QUE nesse dia o SGTO
SOLER contou que seria transferido da CASA MILITAR para o
BOPE, pois queria ficar ‘esquecido’; QUE esse encontro
ocorreu por volta de 19h; QUE após essa entrega não houve
nenhum encontro com o DESEMBARGADOR ORLANDO
37
PERRI, por isso não foi possível utilizá-lo”.
Surge, aqui, mais uma figura importante no seio da
organização criminosa, no caso, o 2º Sgt. PM João Ricardo Soler.
O 2º Sgt. PM Soler, como bem salientou o Ten.-Cel.
Soares em seu depoimento, figura como investigado nos autos do
Inquérito Policial Militar, pois, em razão do seu conhecimento na área de
inteligência, ele teve acesso ao Sistema Sentinela, nele atuando nas escutas
telefônicas ilegais.
Porém, a despeito da representação apresentada pelo
Encarregado do IPM, Cel. PM Jorge Catarino Morais Ribeiro, não houve a
decretação da prisão preventiva do 2º Sgt. Soler nos autos do IPM, porque
não visualizei presentes, naquele momento, indícios suficientes de autoria,
na prática dos crimes militares. Sua situação se identificava com a do Cb.
PM Euclides Luiz Torezan.
No entanto, agora, após a inquirição do Ten.-Cel. José
Henrique Costa Soares ficou evidenciado, às escâncaras, seu
envolvimento com o grupo criminoso, e, consoante destaquei naquela
ocasião, aquela conclusão poderia ser modificada se, no curso das
investigações, adviessem novos fatos a evidenciar sua participação direta e
incisiva no propalado esquema criminoso, o que, de fato, ocorreu.
A participação do 2º Sgt. Soler mostra a
hierarquização da provável organização criminosa. Como sói acontecer nas
empresas, figurava ele como operador do grupo, dado sua expertise em
espionagem, angariada nos longos anos que serviu no GAECO.
Nos autos do Inquérito Policial Militar há provas
exuberantes – e inconteste de dúvidas –, de que o Sgt. Soler participou
38
ativamente das escutas telefônicas clandestinas, sendo ele um dos
integrantes do falso Núcleo de Inteligência da Polícia Militar.
Agora, sua atuação se confirmou na tropelia de instalar
– a mando do grupo – na gandola do Ten.-Cel. Soares, o equipamento de
gravação audiovisual, que captaria minhas imagens e falas – se preciso
editadas –, que tanto necessitavam para assestar a bateria de escândalos
contra este Relator.
Tamanha felonia, fosse em tempos de guerra, a pena
seria o paredão.
Além dos envolvidos já descobertos, surge outro
participante importante do grupo criminoso, até então desconhecido nos
autos, o Maj. PM Ferronato:
“QUE ainda no último dia que esteve na casa do CEL.
LESCO, quando entregou sua farda para instalação do
equipamento, o CEL. LESCO disse expressamente que ‘o
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria
determinar que alguém o procurasse', e que era para o
depoente ser bastante solícito e atender as orientações que
fossem recebidas; QUE nesta oportunidade CEL. LESCO disse
que o plano seria que o depoente deveria seguir todas as
orientações passadas pela pessoa enviada pelo SECRETÁRIO
DE SEGURANÇA PÚBLICA; QUE haviam decidido que o
plano seria o seguinte: ‘que o depoente iria se apresentar
como se insurgindo contra a atuação do
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, dizendo que o
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI estava fazendo
ingerências na investigação e que não estaria sendo
39
imparcial, e que então, o depoente não estaria concordando
com isso e iria denunciar’; QUE então o CEL. LESCO disse
que essa pessoa encaminhada pelo SECRETÁRIO DE
SEGURANÇA PÚBLICA iria passar todas as informações para
que esse plano fosse executado; QUE no dia que o depoente
recebeu a farda do SGTO SOLER, 12/09, foi jantar na
PEIXARIA LELIS; QUE tem por hábito frequentar aquele
restaurante; QUE naquela noite viu algumas pessoas da
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA naquele mesmo
restaurante; QUE o depoente estava sozinho na mesa, quando o
MAJOR FERRONATO se dirigiu até sua mesa e disse para o
depoente que no dia seguinte, de manhã, iria fazer uma
caminhada no Parque Mãe Bonifácia e que era para o depoente
o encontrar lá; QUE naquele instante o depoente deduziu que o
MAJOR FERRONATO seria a pessoa enviada pelo
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA, uma vez que não
tem intimidade com o mesmo para ter sido ‘convidado’ para
caminhar juntos; QUE então na manhã do dia seguinte, o
depoente encontrou na praça central do Parque Mãe Bonifácia
com o Maj. FERRONATO; QUE o MAJOR FERRONATO
iniciou a abordagem com o depoente questionando o mesmo a
respeito de como estaria sua promoção para o cargo de
coronel; QUE dizia o quanto era injusta a situação de que às
vezes o policial militar recebia boa pontuação, mas não era
promovido, uma vez que no final quem decide é o
GOVERNADOR; QUE então o Major Ferronato começou a
questioná-lo mais contundente sobre o andamento das
investigações; QUE dizia que sabia da gravação feita pelo
depoente e que o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA
40
iria precisar utilizar dessa gravação; Que o depoente percebeu
que inicialmente foi cooptado para agir em favor dos militares,
porém houve um avanço nas investigações e nessa semana o
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA ficou exposto, em
razão da denúncia feita na imprensa da irregularidade do
SECRETÁRIO no curso CSP e do avanço nas investigações
conduzidas pela Delegada ANA CRISTINA FELDNER; QUE
o depoente acredita que passou a ser útil para ajudar também o
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA; QUE inclusive o
Major FERRONATO voltou a dizer que essa gravação seria
importante para afastar o DESEMBARGADOR ORLANDO
PERRI; QUE o MAJOR FERRONATO questionou também
sobre a prisão do CEL. SIQUEIRA, bem como se havia indícios
de ser feita a delação por parte do CEL. ZAQUEU; QUE
depois, no mesmo dia, o MAJOR FERRONATO ligou para o
depoente e marcou outra caminhada, no mesmo local, no dia
seguinte; QUE nesse segundo encontro o MAJOR
FERRONATO ofereceu a promoção de CORONEL para o
depoente, em razão dos serviços que estaria prestando para o
grupo; QUE esse oferecimento foi explícito, perguntando
inclusive ao depoente, qual seria a garantia que o depoente
queria; QUE o depoente afirma com veemência que ficou
caracterizado dois momentos de cooptação do depoente; QUE
no primeiro momento foi abordado mediante coação cabendo
ao depoente proteger os policiais militares; QUE, em troca, a
sua situação de dependente químico e eventuais crimes
militares permaneceriam em segredo (em razão de ter mantido
uma sociedade empresarial), sem comprometimento de sua
carreira profissional; QUE num segundo momento, percebendo
41
a utilidade do depoente, o procuraram para ajudar o
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA, oferecendo neste
momento a sua promoção ao cargo de CORONEL DA
POLÍCIA MILITAR; QUE então nesse segundo encontro com
o MAJ. FERRONATO foi questionado especificamente sobre o
que ele sabia a respeito das investigações conduzidas pela
POLÍCIA CIVIL em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS
JARBAS; QUE o MJ FERRONATO disse que a situação em
desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS estaria indo
longe demais; QUE o MJ FERRONATO perguntou se o
depoente tinha conhecimento se alguma medida estava sendo
feita em desfavor do SECRETÁRIO e orientou o depoente
perguntar diretamente a delegada ANA CRISTINA FELDNER
essa informação; QUE o depoente respondeu que acreditava que
teria uma medida vindo por parte da Delegada, em razão da sua
postura profissional, de ser séria, porém não tinha conhecimento
de qual medida seria; QUE o MJ FERRONATO disse que
precisaria resolver tudo nessa próxima semana; QUE informou
que deveriam prosseguir com o plano de gravar qualquer frase
do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI para afastá-lo das
investigações; QUE inclusive o depoente teria a missão de
provocar o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI a falar
qualquer coisa, caso o DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI
se mantivesse calado; QUE então o MAJ. FERRONATO informa
que na segunda-feira próxima, dia 18/09, deveria haver nova
reunião entre o depoente, MAJ. FERRONATO e UM
PROMOTOR DE JUSTIÇA; QUE então foi explicado que seria
designado um promotor de justiça para ajudar na blindagem do
grupo; QUE o MAJ. FERRONATO então disse que esse
42
Promotor de Justiça iria receber a ‘denúncia’ do depoente e
instrui-lo de como deveria falar, como falar, o que falar e de
quem falar; QUE assim, o promotor de justiça é quem iria
instruir o depoente quanto a denúncia contra o
DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI no sentido: que o
depoente iria se apresentar como denunciante, se insurgindo
contra a inventada interferência do DESEMBARGADOR
ORLANDO PERRI para afastá-lo das investigações; QUE o
MAJ. FERRONATO disse que referido promotor de justiça teria
uma conduta proativa, pois iria instruir o depoente sobre como
proceder; QUE o MAJ. FERRONATO dizia que seria
designado um ‘promotor de justiça de confiança do grupo’;
QUE ficou claro que a escolha desse promotor de justiça seria
para ajudar no plano, pois não foi dito para procurar o
Ministério Público e sim, que era para aguardar o nome de um
Promotor de Justiça específico; QUE inicialmente eles queriam
a captação da imagem do DESEMBARGADOR ORLANDO
PERRI com outras falas, mesmo sendo provocadas; QUE no
entanto, como as investigações em desfavor do SECRETARIO
DE SEGURANÇA PÚBLICA haviam avançado, eles teriam que
agir ainda nessa semana, apresentando a gravação clandestina
realizada pelo depoente com imagens que fossem obtidas no
decorrer da semana”.
Temos aqui, portanto, uma segunda situação.
Na primeira, o Ten.-Cel. Soares foi aliciado pelo
grupo criminoso para favorecer os militares, em especial, o Cel. PM
Airton Benedito de Siqueira Júnior, cuja prisão, conforme palavras do
Cel. PM Lesco, não poderia ocorrer de forma alguma, e que era para
43
fazer o que tivesse que ser feito para impedi-la, pois, com ela, o grupo
ficaria enfraquecido. Em troca, sua condição de dependente químico e a
prática de crimes supostamente praticados, permaneceriam em segredo.
No segundo momento, a intenção do grupo foi,
deliberadamente, blindar o Secretário de Estado de Segurança Pública de
Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, pois, com o avançar das
investigações no inquérito policial contra ele instaurado, haveria o risco de
ele sofrer alguma medida judicial, e que deveria “resolver tudo na
próxima semana”, ou seja, teria que entregar a captação de minha
imagem, no intuito de suscitar minha suspeição, prometendo, em
contrapartida, sua promoção ao cargo de Coronel da Polícia Militar.
Provavelmente, tomou ele conhecimento de que a
Delegada condutora do Inquérito, Ana Cristina Feldner, havia
representado pelo afastamento dele do cargo de Secretário de Segurança
Pública e das funções de Delegado.
Daí a pressa em se “resolver tudo na próxima
semana”. Depois, segundo dissera o Major Ferronato, “a situação em
desfavor do Secretário Rogers Jarbas estava indo longe demais”.
A intenção era excepcionar o relator antes que os autos
lhe fossem conclusos para decisão sobre a representação da Delegada, já
em andamento.
Era preciso apertar o passo.
Havia mesmo o risco iminente de o Secretário de
Segurança Pública sofrer medidas cautelares, como de fato veio a suceder.
A preocupação do Maj. PM Ferronato era com a
situação do Secretário Rogers Elizandro Jarbas, a quem representava na
44
corrupção do Ten.-Cel. Soares.
O grupo de militares e o Secretário de Segurança
Pública tinham um ponto de interesse comum: expulsar-me das
investigações, desonrosamente, diga-se de passagem, porque – aforante a
pecha de corrupção – nada mais ofensivo ao juiz do que libelá-lo de
parcial.
O conluio entre eles parece insofismável, do contrário,
como o Maj. PM Ferronato tomou conhecimento da gravação já em poder
do grupo? Como sabia ele da bernardice que estavam por realizar por meio
do aparelho espião?
As gravações, disse o Maj. PM Ferronato, “seria
importante para afastar o Desembargador ORLANDO PERRI”.
Dirão que é mentira, pura invencionice do Ten.-Cel.
Soares.
De qualquer forma, o instrumento espião, colocado no
fardamento do Ten.-Cel. Soares [e apreendido pela autoridade policial],
prova a intenção criminosa.
Porém, o mais aterrorizante na declaração prestada pela
da testemunha, Ten.-Cel. PM José Henrique Costa Soares, é a afirmação
de que um PROMOTOR DE JUSTIÇA foi designado para “ajudar na
blindagem do grupo”, que seria, inclusive, “de confiança do grupo”.
Realmente, segundo afirmações da provável
organização criminosa, os tentáculos dela alcançaram um grupo do
Ministério Público, que tinha o interesse de também afastar-me das
investigações.
A afirmação avulta em importância na medida em que
45
ela proveio da língua do Cel. Lesco, gravada em áudio pelo bagaxa que
julgavam estar a tratar, segundo se depreende de excerto da degravação
feita pelos investigadores de polícia:
“Ten.-Cel. Soares: Hein Lesco? É ainda bem que tem
o Ministério Público do nosso lado, por que, porra, se não
tivesse, tava fodido né [risadas].
Cel. Lesco: ... coisa grande.
Ten.-Cel. Soares: Aí tava pior ainda né.
Cel. Lesco: [nome do promotor] enfrentou só que é um
contra trinta é foda né, ele falando sozinho.
Ten.-Cel. Soares: É uma desleal
Cel. Lesco: Desleal, desleal...
Ten.-Cel. Soares: É uma briga desleal.
Cel. Lesco: E é bom que o [nome de procurador de
justiça] já comprou a briga de novo né.
Ten.-Cel. Soares: Ham, ham.
[...]
Ten.-Cel. Soares: Hum, deixa eu te falar, dessa época
aí meu irmão eu bati de frente com o Ministério Público. Assim,
eu falei: “cadê oh”, fala que houve enriquecimento ilícito, tudo
bem, mas cadê?
Cel. Lesco: Agora não, agora o Ministério Público é
nosso aliado”.
46
Assim, é um próprio integrante da provável
organização criminosa quem anunciou a adesão de membros do
Ministério Público na sesquipedal deslealdade contra um integrante do
Tribunal do Justiça, voltada a descartar-me da frente das investigações
envolvendo as escutas telefônicas clandestinas no Estado de Mato Grosso.
E não seria qualquer membro do Ministério Público, a
quem pudesse apresentar a febricitante e façanhosa assacadilha. Tratava-se,
segundo o confessante, de um membro que representava um grupo do
Ministério Público interessado no meu afastamento dos processos.
A denúncia é muito grave.
Em sua primeira declaração à autoridade policial,
embora não registrado no depoimento escrito, as gravações de trechos dela
mostram as falas do Ten.-Cel. Soares, que merecem reprodução:
“Não passaram o nome [do Promotor de Justiça], mas
falaram que seria alguém do Ministério Público. Segundo eles, a
conversa que tive com ele, haveria um grupo do Ministério
Público ligado aos interesses deles. Um grupo. E aí a gente
deduz quem seja. Por dedução a gente sabe quem possa ser.
Então, por isso, haveria a necessidade de indicação de qual
promotor deveria procurar.
[...]
Nessa última conversa ele fala que no próximo
encontro – que seria na semana que vem, né –, haveria a
indicação do membro do Ministério Público que eu deveria
contatar para fazer a denúncia, formalizar a denúncia, passar
esses fatos – diga-se de passagem, que não condizem com a
47
realidade, totalmente distorcidos –, e que eu apresentasse
também o áudio, a gravação que eu fiz de duas horas. Eu
assumiria essa postura”.
Noutros lances têm-se os seguintes diálogos entre a
autoridade policial e a testemunha:
“Delegada: Aí, esse segundo encontro, né? Como que
entra a parte do promotor de justiça?
Testemunha: O promotor de justiça, ele fala que na
segunda-feira, nessa semana, depois de amanhã, ele ia ligar
para mim, para marcarmos nova caminhada, no mesmo lugar,
que ele ia passar novas instruções, com a indicação do promotor
que eu deveria procurar.
Delegada: Vai ser dia 18, né? Segunda-feira?
Delegado: Segunda-feira.
Testemunha: Devia procurar, que esse promotor ia
me passar, me orientar no depoimento, o que eu deveria falar,
como eu deveria falar, de quem eu deveria falar.
[...]
Delegada: Major Ferronato que falou que havia um
grupo dentro dos promotores de justiça e eles iriam designar,
como que foi, como seria essa designação?
Testemunha: Não, ele falou que iria indicar na
segunda-feira, ia passar o nome do promotor, não do grupo, do
promotor que iria formalizar a denúncia e orientar no
conteúdo.
48
Delegada: E aí, ia ajudar na blindagem do grupo?
Testemunha: Sim, sim. E que deveria ir em mãos já
com o celular para fazer exibição para o promotor, com a
gravação.
Delegado: Essa nova gravação, que essa outra que o
senhor já fez será que ainda está com o promotor?
Testemunha: Não sei falar para o senhor, porque eu
entreguei para eles, então, pode ser que esteja.
Delegada: Acho que eles não tem como fazer a
exibição, né?
Testemunha: É, direta, exatamente, precisava de
alguém para fazer.
Delegada: Não tem como formalizar.
Testemunha: Olha, com certeza, com certeza, senão
eles não falariam isso. Eles poderiam fazer, vai no ministério
Público e denuncia.
Delegado: Procura qualquer um.
Testemunha: É, eles falaram, vamos indicar na
segunda-feira o promotor que você vai procurar, não é todo,
não é qualquer promotor que você vai procurar, o promotor da
nossa confiança, como se existe o promotor da confiança dele,
vai existir outros promotores, né? Então?
Delegado: E vai estar aguardando certo, né?
Testemunha: Aguardando para receber”.
49
A participação do membro do Ministério Público foi
ratificada pela testemunha Ten.-Cel. Soares durante depoimento prestado
pelo sistema de gravação audiovisual, em 18/9/2017, onde afirma ter
gravado o diálogo mantido com o Cel. PM Lesco:
“Testemunha: Estava no banheiro, acionei o gravador
do celular, e voltei já falando da novidade que tinha acontecido,
que informação muito aguardada, que o grupo sempre esperava.
Todos sempre esperavam isso.
Delegado: Para conversar...
Testemunha: Pra conversar, reunião...
Delegado: Conversar com o desembargador?
Testemunha: E a utilização do equipamento. Então,
momento no qual quando eu saio eu falo isso, tá na gravação
que tá contido no arquivo no celular, na memória do celular, que
fiz a exibição.
Nesse momento, ele fala não é, eu falo que há
novidade, a grande novidade, que é a reunião que foi marcada
para segunda-feira, hoje à tarde, com o desembargador Orlando
Perri.
Delegado: E a reação dele?
Testemunha: A reação foi de euforia, bom. Em
seguida, eu menciono, ainda bem que o Ministério Público tá do
nosso lado, né? Seria difícil sem ele. E ele [Cel. PM Lesco] fala,
comenta do, que o é doutor Promotor [...] estava do lado, estava
participando, estava colaborando com o grupo.
50
Delegado: E ele chega também a dizer o nome de
outros promotores, ou fica só no [...]?
Testemunha: Ele fica só no [...], ele não menciona
outro nome. Ele menciona o nome do também promotor [...], fala
que esse promotor tá na ação de improbidade administrativa, e
que eles temem enormemente, há um temor.
Delegado: Quanto ao [...] não é do grupo?
Testemunha: Não é do grupo, mas há a intenção de se
adotar procedimentos de aliciamento do mesmo, para que o
melhor resultado aconteça depois disso tudo”.
O grupo criminoso é tão bem estruturado e articulado,
que iriam se valer até mesmo da imprensa para colocar seu plano em
prática, conforme asseverado pelo Ten.-Cel. Soares:
“QUE, também foi revelado ao depoente que um
repórter iria procurá-lo para produzir uma matéria sobre a
suspeição do DESEMBARGADOR ORLANDO PERRI, para
desmoralizá-lo para a opinião pública”.
Vejam bem!
O repórter não procuraria o Ten.-Cel. Soares para
simplesmente publicar a reportagem, mas, sim, para PRODUZIR A
MATÉRIA, demonstrando, com isso, tratar de grupo com ramificações,
inclusive, na imprensa.
Podemos mencionar, ainda, a presença de outras duas
importantes figuras na provável organização criminosa, e que foram
mencionados pelo Ten.-Cel. Soares no seu depoimento.
51
A primeira delas diz respeito a José Marilson da
Silva, ex-sócio-proprietário da Empresa SIMPLES IP.
José Marilson, apenas a título de informação, foi o
responsável pelo desenvolvimento do Sistema Sentinela, ao que tudo
indica, adquirido pelo Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, e
utilizado pelo postiço Núcleo de Inteligência da Polícia Militar, para prática
de interceptações telefônicas clandestinas.
Porém, ao que consta dos autos, máxime pelo
depoimento prestado pelo então Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares, a
participação de José Marilson da Silva não se restringiu apenas a
desenvolver e a comercializar o Sistema Sentinela com a organização
criminosa, e, sim, em princípio, ele integrava o próprio grupo.
Seu papel não era meramente secundário, de
coadjuvante, até mesmo porque o Cel. PM Lesco disse ao Ten.-Cel.
Soares que “o equipamento WYTRON estaria guardado com o
MARILSON, ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP”.
Além disso, há documento que comprova que o rack
do Sistema Sentinela – cujo paradeiro, até o presente momento, é
desconhecido – foi retirado da empresa Titânia justamente por José
Marilson da Silva, havendo fortes indícios de que a parafernália esteja sob
sua responsabilidade.
Não bastassem tais fatos, a autoridade policial relatou
que há indícios de que José Marilson da Silva tem frequentado a
Secretaria de Estado de Segurança Pública, o que corrobora sua provável
ligação com o grupo criminoso.
Por fim, temos a participação da advogada Samira
52
Martins.
Na primeira inquirição do Ten.-Cel. Soares, a
participação de Samira Martins não ficou evidenciada de modo iniludível,
porquanto ela somente abordou o Escrivão do IPM com os seguintes
dizeres: “você é amigo do LESCO, né? A gente sabe o que você fez”.
Apesar de o Ten.-Cel. PM Soares ter afirmado que
“ela estava falando que sabia de tudo, de sua dependência química, da
situação o envolvendo na empresa e até da gravação”, isto é, “parecendo
estar querendo dizer ao depoente que era do mesmo ‘grupo’, que ele
poderia confiar nela”, não há elemento suficiente, até este instante, a
demonstrar seu envolvimento com a organização, não a ponto de se tomar
contra ela medidas cautelares drásticas, como prisão, por exemplo.
Com o avançar das investigações, constatou-se que
Samira Martins, ao que parece, possui estreita – para não se dizer
estreitíssima – ligação com Helen Christy Carvalho Dias Lesco [esposa
do Cel. PM Lesco e também investigada no presente inquérito policial],
tanto que a acompanhou até à residência do Ten.-Cel. Soares no domingo
à noite [17/9/2017], chegando a emprestar seu aparelho celular para que
Helen pudesse conversar com o Escrivão do IPM.
Segundo asseverado pelo Ten.-Cel. Soares, em seu
segundo depoimento, a investigada Helen, sob o pretexto de saber se havia
esquecido o celular no seu carro, dirigiu-se até à residência dele. Antes,
porém, a advogada Samira, do celular dela, ligou ao depoente, conforme
depreende deste trecho da sua narrativa:
“Testemunha: Saindo de lá passei, fui pegar alguma
coisa para comer, porque eu não comi muito bem, até fiquei com
receio. Então eu não comi muito bem, então eu passei no
53
Japidinho e peguei, fiz um prato e fui comer em casa. Por volta
das, senão me engano, se não me falha a memória, tá tudo no
celular, porque tem todas as ligações que eu recebo, tem todas
as mensagens que eu recebo, inclusive que eu recebi também,
mostrei, tudo mais, ela [Helen] fala que o celular dela ficou no
meu carro. Não é ela que me liga. Quem me liga é a doutora
Samira. Ela manda mensagem, e liga via WhatsApp, se não me
engano, tá tudo no celular.
Ela fala que o celular da Helen provavelmente estava
no meu carro. Eu falei, meu carro tá aqui, vou dar uma olhada e
retorno.
Delegada: Mas seria possível o celular dela ter ficado
lá? Ela entrou no seu carro?
Testemunha: Não, porque ela não entrou no meu
carro, eu entrei no carro dela. Segundo depois, lá em casa já ela
fala que provavelmente ficou na, eu estava portando uma bolsa
térmica, eu levei minha bebida, uma cerveja né.
Então, neste momento, voltando um pouco no diálogo
com a doutora Samira, ela pergunta, isso já deduzi que ela
estivesse já com a Helen, porque a Helen também manda um
áudio pelo WhatsApp da Doutora Samira, falando de que não
conseguiu encontrar minha casa, que me ajudasse, que
ajudasse Helen a encontrar minha casa, porque ela queria ver
se o celular dela havia ficado no meu carro. Eu prontamente
franqueei a entrada da Helen em casa.
Delegado: A doutora Samira entrou também?
54
Testemunha: Não, a doutora Samira permaneceu no
carro”.
A despeito do “apoio” prestado pela advogada Samira
Martins à sua amiga Helen, e em que pese ela ter conhecimento da
situação do Ten.-Cel. Soares, estas circunstâncias, por si sós, não
demonstram, efetivamente, sua concreta ligação com a organização
criminosa que se formou.
Obviamente que, com o decorrer das investigações,
surgindo novos fatos, esta conclusão poderá ser modificada.
Porém, pelo menos por ora, não vejo elementos hábeis
a confirmar o envolvimento de Samira Martins com a organização
criminosa, salvo, repito, sua amizade íntima com a investigada Helen.
De outro giro, sobejam provas e indícios da autoria
e/ou participação dos demais envolvidos no enredo criminoso,
especialmente a do atual Secretário de Estado de Segurança Pública de
Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, do Secretário de Estado de
Justiça e Direitos Humanos, Cel. PM Airton Benedito de Siqueira
Júnior, do ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, Paulo Cesar Zamar
Taques, do ex-Secretário-Chefe da Casa Militar, Cel. PM Evandro
Alexandro Ferraz Lesco, de sua esposa Helen Christy Carvalho Dias
Lesco, do advogado Marciano Xavier das Neves, do 2º Sgt. PM João
Ricardo Soler, do Major Michel Ferronato, e do empresário José
Marilson da Silva.
Resta ainda confirmar possível participação de
membro[s] do Ministério Público, que, por certo, será apurado pelo próprio
órgão, conforme dispõe nossa Lei de regência, segundo a qual “quando no
curso da investigação, houver indício da prática de infração penal por
55
parte de membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou
militar, remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os
respectivos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar
prosseguimento à apuração” [Lei n. 8625/93, art. 41, parágrafo único, e
Lei Complementar Estadual n. 27/1993, art. 76, parágrafo único].
Importante destacar que, em termos de medidas
cautelares, não se exige prova segura e inconteste de dúvidas quanto à
autoria do[s] delito[s], contentando-se a lei com simples indícios, não da
ordem daqueles referidos no artigo 239 do CPP.
Sobre o tema, ninguém tratou melhor a questão do que
Odone Sanguiné, que colocou no mercado uma das melhores obras sobre
prisão cautelar, ad verbum:
“A expressão ‘indício suficiente de autoria’ contida no
art. 312 do CPP possui significado técnico diverso do conceito
de ‘indícios’ pertencente à concepção clássica da prova, como
prova indiciária lógica ou indireta contida no art. 239 do CPP
(que indica o procedimento lógico mediante o qual de um fato
conhecido se deduz a existência de um fato a provar mediante a
aplicação de máximas de experiência ou leis científicas), não
exigindo a univocidade e a convergência, ou seja, a pluralidade
dos dados indiciários, mas somente a gravidade de qualquer
fonte de prova que possua um significado de ‘culpabilidade
provável’. A nota comum aos dois conceitos de indícios é a
imperfeição, embora de natureza diversa. Enquanto os indícios
como prova indireta podem desempenhar as funções somente se
‘completados’ mediante uma operação lógica consistente em
combinar os dados indiciários com outros dados da mesma
espécie, o ‘indício’ cogitado para formar o fumus commissi
56
delicti é ‘incompleto’ em uma sentido diverso: não pode ser
considerado prova porque formado de maneira unilateral, sem
observar a oralidade, faltando uma operação jurídica de
formação da prova no contraditório. Trata-se, portanto, de
incompletude somente na perspectiva do juízo de culpabilidade.
A expressão ‘indício suficiente de autoria’ significa um
elemento cognoscitivo de natureza lógica adquirido durante a
investigação no sentido de prova incompleta ou semiplena da
autoria, prova leve com menor valor persuasivo, ainda em
evolução à espera de receber uma confirmação plena por meio
do contraditório e suscetíveis de acrescentar-se e modificar-se
com a aportação de posteriores informações que estimulam a
contínua verificação da capacidade acusatória de resistir à
hipóteses alternativas. A expressão significa, assim, um quantum
(ou standard) de prova que serve para legitimar a medida
cautelar. Com base nele, o juiz deve formular um juízo
prognóstico delibatório funcional concernente não à certeza,
nem à mera possibilidade, mas à probabilidade (elevado grau de
credibilidade) da autoria ou participação criminal e
razoabilidade de culpabilidade e consequente condenação.
Destarte, o legislador utiliza a expressão ‘indício
suficiente de autoria’ aos efeitos de decretar a prisão preventiva
com relação a elementos cognoscitivos de natureza diversa, de
per si idôneos a concretizar somente uma situação de fumus
commissi delicti, mas não dotados de eficácia probatória plena,
tendo em conta também a fase do procedimento em que são
valorados e, todavia, potencialmente suscetíveis de desenvolver-
se em verdadeira e própria prova. Assim, ‘indício’ significa aqui
57
uma probatio minor incompleta ou provisória, pois obtida
durante a fase de investigação preliminar, indicando um
prognóstico ou grau de probabilidade suficiente para considerar
subsistente o fumus commissi delicti, mas inidôneo para
justificar uma plena afirmação de responsabilidade, seja pela
‘qualidade inferior’ àquela que é necessária para uma sentença
condenatória sobre a culpabilidade do imputado, seja em
relação ao ‘momento cronológico’ no qual se aplicam as
medidas cautelares pessoais. Em suma, trata-se de manter
separado no plano lógico dois estados epistemológicos: juízo de
certeza necessário para condenar e juízo de probabilidade de
culpabilidade como suporte das medidas cautelares pessoais.
O indício como pressuposto para a aplicação da
prisão provisória altera a própria função, porque serve como um
instrumento cognitivo de eficácia provisória, dirigido a
satisfazer exigências conexas ao desenvolvimento do processo
penal, e não à fixação do fato objeto do mesmo, de maneira que
não se pode aprioristicamente saber se, no âmbito do processo
cautelar, a sua utilização será para a verificação da res iudicata.
Não há necessidade de pluralidade de indícios. Basta
um único indício ou elemento probatório de gravidade
suficiente para legitimar a decretação da prisão cautelar. Não
obstante, a suficiência ou gravidade do indício exige uma
valoração global de todos os elementos coligidos, de modo que é
inadmissível uma valoração fracionada e atomística da
pluralidade de elementos indiciários obtidos” [Prisão Cautelar,
Medidas Alternativas e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro:
Forense, 2014, p. 121/123].
58
Com base em tais razões, podemos afirmar, com
segurança, que estão presentes a prova da materialidade e indícios
suficientes de autoria em relação a vários tipos penais distintos, a saber:
corrupção ativa [art. 333, CP], com pena de dois a doze anos de reclusão e
multa; coação no curso do processo [art. 344, CP], que prevê a
reprimenda de um a quatro anos de reclusão e multa; integrar organização
criminosa [art. 2º, Lei n. 12.850/2012], com pena de três a oito anos de
reclusão; embaraçar investigação de infração penal que envolva
organização criminosa [art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/2013], com pena de
três a oito anos de reclusão; e do delito de prevaricação [art. 319, CP],
cuja pena é de três meses a um ano de detenção; e de denunciação
caluniosa, em sua modalidade tentada [art. 339, c.c. art. 14, inciso II,
ambos do CP], com reprimenda de dois a oito anos de reclusão.
Some-se a isso, a prática do delito de violação do
segredo profissional cometido, em tese, por Paulo César Zamar Taques,
cuja apuração está condicionada à representação [art. 154, CP],
configurando, assim, o pressuposto do fumus commissi delicti.
Apenas a título de informação, somente pelos crimes
acima mencionados, os representados podem sofrer reprimenda de trinta e
sete anos e quatro meses de reclusão e um ano de detenção.
Passo, agora, à análise do periculum libertatis.
A autoridade policial justificou a imprescindibilidade
da custódia cautelar para garantia da ordem pública e para conveniência
da instrução criminal.
DA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA
A expressão ordem pública, tendo caráter aberto e
59
indeterminado, tem se prestado às mais diversas e disparatadas
interpretações.
A pouca compreensão do conteúdo jurídico do que seja
“ordem pública” tem levado juízes e tribunais a desnaturar a finalidade da
prisão, que não é outra senão “evitar a prática de infrações penais” [CPP,
art. 282, IV].
Sobre o tema, desponta, como doutrinador de primeira
ordem, Gustavo Henrique Badaró, que o abordou nestes termos:
“A prisão para garantia da ordem pública não tem a
finalidade de assegurar a ‘instrução criminal’ nem a ‘aplicação
da lei penal’, até mesmo porque tais escopos são expressamente
previstos no próprio caput do art. 312, ao lado da garantia da
ordem pública. Portanto, a única interpretação que, de maneira
menos imperfeita, poderia compartilhar o art. 282, caput, I, com
o caput do art. 312 é considerar que a prisão preventiva para
‘garantia da ordem pública’ representa um dos ‘casos
expressamente previstos’ em que a medida, por exemplo, a
prisão, é decretada para evitar a prática de infrações penais. Ou
seja, mesmo para aqueles que admitem a constitucionalidade da
prisão para garantia da ordem pública, sua aplicação tem que
ficar restrita aos casos em que se busca evitar a reiteração
criminosa” [Processo Penal, Ed. RT, 2015, p. 979/981].
Reputo, ainda, conveniente trazer à baila o pensamento
de outros doutrinadores, a respeito do conceito de ordem pública.
Segundo Guilherme de Souza Nucci:
60
“A garantia da ordem pública é a hipótese de
interceptação mais ampla e flexível na avaliação da necessidade
da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a
indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que,
como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for
grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e
traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam
conhecimento da sua realização um forte sentimento de
impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o
recolhimento do agente.
A garantia da ordem pública pode ser visualizada por
vários fatores dentre os quais: gravidade concreta da infração +
repercussão geral + periculosidade do agente. Um simples
estelionato, por exemplo, cometido por pessoa primária, sem
antecedentes, não justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um
latrocínio repercute negativamente no seio social, demonstrando
que as pessoas honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo,
pela perda da vida, diante de um agente interessado no seu
patrimônio, elementos geradores, por certo, de intranquilidade.
Nota-se, ainda, que a afetação da ordem pública
constitui importante ponto para a própria credibilidade do
Judiciário, como vêm decidindo os tribunais pátrios. Apura-se o
abalo à ordem pública também, mas não somente, pela
divulgação que o delito alcança nos meios de comunicação –
escrito ou falado. Não se trata de dar crédito único ao
sensacionalismo de certos órgãos da imprensa, interessados em
vender jornais, revistas, ou chamar audiência para seus
programas, mas não é menos correto afirmar que o juiz, como
61
outra pessoa qualquer, toma conhecimento dos fatos dia a dia
acompanhando as notícias veiculadas pelos órgãos de
comunicação. Por isso é preciso apenas bom senso para
distinguir quando há estardalhaço indevido sobre um
determinado crime, inexistindo abalo real à ordem pública, da
situação de divulgação real da intranquilidade da população,
após o cometimento de grave infração penal. Outro fator
responsável pela repercussão social que a prática de um crime
adquire é a periculosidade (probabilidade de tornar a cometer
delitos) demonstrada pelo indiciado ou réu e apurada pela
análise de seus antecedentes pela maneira de execução do crime.
Assim, é indiscutível que pode ser decretada a prisão preventiva
daquele que ostenta, por exemplo, péssimos antecedentes,
associando a isso a crueldade particular com que executou o
crime. Em suma, um delito grave – normalmente são todos os
que envolvem violência ou grave ameaça à pessoa – associado à
repercussão causada em sociedade, gerando intranquilidade,
além de se estar diante de uma pessoa reincidente ou com
péssimos antecedentes, provoca um quadro legitimador da
prisão preventiva. Mas não se pode pensar nessa medida
exclusivamente com união necessária do trinômio aventado. Por
vezes, pessoa primária, sem qualquer antecedente, pode ter sua
preventiva decretada porque cometeu delito muito grave,
chocando a opinião pública (ex.: planejar meticulosamente e
executar o assassinato dos pais). Logo, a despeito de não
apresentar periculosidade (nunca cometeu crime e, com grande
probabilidade, não tornará a praticar outras infrações penais),
gerou enorme sentimento de repulsa por ferir as regras éticas
mínimas de convivência, atentando contra os próprios genitores.
62
A não decretação da prisão pode representar malfadada
sensação de impunidade, incentivadora da violência e da prática
de crimes em geral, razão pela qual a medida cautelar pode
tornar-se indispensável. Outros dois elementos, que vêm sendo
considerados pela jurisprudência, atualmente, dizem respeito à
particular execução do crime (ex.: premeditados
meticulosamente, com percurso criminoso complexo; utilização
da extrema crueldade etc.) e o envolvimento com organização
criminosa. Portanto, cabe ao juiz verificar todos os pontos de
afetação da ordem pública, buscando encontrar, pelo menos, um
binômio para a sua decretação (ex.: gravidade concreta do
crime + péssimos antecedentes do réu; envolvimento com
organização criminosa + repercussão social; particular
execução do delito + gravidade concreta da infração penal
etc.)” [Manual de Processo Penal e Execução Penal, Forense,
2014, 11ª ed., fls. 553/555].
Outro não é o posicionamento de Paulo Rangel:
“Por ordem pública, devem-se entender a paz e a
tranquilidade social, que devem existir no seio da comunidade,
com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que
haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em
sociedade. Assim, se o indiciado ou acusado em liberdade
continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da
ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem
presentes os demais requisitos legais.
Ordem pública não é conceito vago. A vagueza, muitas
vezes, está na decisão e não no conceito de ordem pública.
Quando o juiz diz que 'decreta a prisão para a garantia da
63
ordem pública', a vagueza e a imprecisão não estão no conceito
de ordem pública, mas na decisão do magistrado que não
demonstra onde a ordem pública está ameaçada e agredida com
a liberdade do acusado. Não pode haver paz e ordem possíveis
em um Estado de Direito se o acusado, meliante contumaz,
continuar livre cometendo crimes e desafiando a paz a que todos
têm direito. Não há, em nosso sentir, inconstitucionalidade na
expressão 'ordem pública'. Em nenhum país civilizado o réu que
ameaça a ordem pública permanece solto. Muito pelo contrário.
O CPP português, por exemplo, autoriza a medida de coação se
houver 'fuga ou perigo de fuga; perigo, em razão da natureza e
das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de
perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de
continuação da actividade criminosa ' (art. 204)” [Direito
Processual Penal, Atlas, 2013, 21ª ed., fl. 796].
E, por fim, cito, ainda, doutrina de Heráclito Antônio
Mossim:
“Ordem pública é a paz, a tranquilidade no meio
social. Assim, a prisão preventiva deve ser decretada para
garantir a paz coletiva. São exemplos alusivos a essa hipótese
quando o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações
penais; se estiver fazendo apologia ao crime; reunindo-se em
quadrilha ou bando. Por outro lado, não caracteriza a situação
sublinhada quando estiver o indiciado ou réu ameaçado por
familiares da vítima, pela própria vítima, pela população. Assim,
ao invés de decretar a prisão preventiva do autor do fato
punível, é dever do Estado dar-lhe proteção. A garantia da
ordem pública, por não guardar nenhum interesse de ordem
64
processual, não deveria constituir-se em hipótese autorizadora
dessa medida cautelar. A função da coação nessa circunstância
somente atende ao interesse coletivo e jamais processual, uma
vez que em nada interferirá quanto à eficácia do resultado final
do processo penal de natureza condenatória. Doutrinando a
respeito da matéria enfocada, Jose Frederico Marques defende a
pertinência da prisão preventiva na seguinte construção mental:
'Desde que a permanência do réu, livre ou solto, possa dar
motivo a novos crimes, ou cause repercussão danosa e
prejudicial ao meio social, cabe ao juiz decretar a prisão
preventiva como garantia da ordem pública. Nessa hipótese a
prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar,
constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira
medida de segurança. A potesta coercendi do Estado atua, então,
para tutelar não mais o processo condenatório a que está
instrumentalmente conexa, e sim, como fala o texto do art. 312, a
própria ordem pública. No caso, o periculum in mora deriva dos
prováveis danos que a liberdade do réu possa causar – com a
dilação do desfecho do processo – dentro da vida social e em
relação aos bens jurídicos que o Direito Penal tutela'”
[Comentários ao Código de Processo Penal, Manole, 2005, fl.
626].
Em suma: a decretação da prisão preventiva, para
garantia da ordem pública, exige, precipuamente, a presença de elementos
concretos de que os investigados, em liberdade, voltarão a delinquir.
Colho da jurisprudência:
“[...] 2. O conceito jurídico de ordem pública não se
confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art.
65
144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem
jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo
personalizado com que se dá a concreta violação da integridade
das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da
saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e
drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como
descrição do delito nem da cominação de pena, porém como
pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa
necessidade de acautelar o meio social contra fatores de
perturbação que já se localizam na gravidade incomum da
execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata
desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na
perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que,
solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional
entre necessidade de preservação da ordem pública e
acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública
que se desvincula do conceito de incolumidade das pessoas e do
patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública),
mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do
meio social. 3. É certo que, para condenar penalmente alguém, o
órgão julgador tem de olhar para trás e ver em que medida os
fatos delituosos e suas coordenadas dão conta da culpabilidade
do acusado. Já no tocante à decretação da prisão preventiva, se
também é certo que o juiz valora esses mesmos fatos e vetores,
ele o faz na perspectiva da aferição da periculosidade do agente.
Não propriamente da culpabilidade. Logo, o quantum da pena
está para a culpabilidade do agente assim como o decreto de
prisão preventiva está para a periculosidade, pois é tal
periculosidade que pode colocar em risco o meio social quanto à
66
possibilidade de reiteração delitiva (cuidando-se, claro, de
prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem
pública). 4. Na concreta situação dos autos, o fundamento da
garantia da ordem pública, tal como lançado, basta para
validamente sustentar a prisão processual do paciente. Prisão
que se lastreia no concreto risco de reiteração criminosa. Pelo
que não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem
pública se o caso em análise evidencia a necessidade de
acautelamento do meio social quanto àquele risco da reiteração
delitiva. Situação que atende à finalidade do art. 312 do CPP. 5.
Não há que se falar em inidoneidade do decreto de prisão, se
este embasa a custódia cautelar a partir do contexto empírico da
causa. Contexto revelador da incomum gravidade da conduta
protagonizada pelo paciente, caracterizada pela exacerbação de
meios. A evidenciar, portanto, periculosidade envolta em
atmosfera de concreta probabilidade de sua reiteração; até
mesmo pela consideração de que o paciente já foi condenado
definitivamente por outro crime de roubo. Precedentes: HCs
92.735, da relatoria do ministro Cezar Peluso; 96.977, da
relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; 96.579 e 98.143, da
relatoria da ministra Ellen Gracie; bem como 85.248, 98.928 e
94.838-AgR, da minha relatoria. 6. Em suma, sempre que a
maneira da perpetração do delito revelar de pronto a extrema
periculosidade do agente, abre-se ao decreto prisional a
possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus
operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública.
Precedentes: HCs 93.012 e 90.413, da relatoria dos ministros
Menezes Direito e Ricardo Lewandowski, respectivamente. 7.
Ordem denegada. [STF, HC 104877, Relator(a): Min. AYRES
67
BRITTO, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe-116
DIVULG 16-06-2011 PUBLIC 17-06-2011 EMENT VOL-
02546-01 PP-00168].
No caso dos autos, dúvidas não há quanto à
imprescindibilidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública.
Não se pode menosprezar o poderio do grupo
criminoso formado, em sua grande maioria, por autoridades pertencentes à
alta cúpula do Governo do Estado de Mato Grosso, e responsável por
arregimentar policiais, advogado, membro ou membros do Ministério
Público Estadual, dentre outros participantes, diuturnamente desvendados
com o andamento das investigações, não sendo possível, neste momento,
conjeturar, com precisão, a extensão da ramificação ou das ramificações da
suposta organização criminosa.
Contudo, o que não se discute, é a desfaçatez, a
ousadia com a qual a provável organização criminosa vem agindo, que
chegou ao absurdo de aliciar servidor público, no caso, o Escrivão do
IPM, cooptando-o para obtenção de favores, informações e provas
indevidas, mediante coação e suborno.
E o pior de tudo isso.
A atitude do grupo criminoso de exigir dele a obtenção
de gravações, inclusive visual, com o propósito de suscitar minha
suspeição nos inquéritos policiais instaurados, assim como na ação penal
deflagrada, demonstra, indene de dúvidas, atrevimento e destemor,
indicativo da periculosidade dos seus integrantes.
Não podemos olvidar, ainda, que dois dos membros da
provável organização criminosa, a saber, Paulo Cesar Zamar Taques e
68
Cel. Evandro Alexandre Ferraz Lesco, já estiveram presos
provisoriamente em outros inquéritos policiais, e mesmo depois de
colocados em liberdade, continuaram, em tese, a praticar infrações
penais, demonstrando, com tais comportamentos, que possuem
personalidades distorcidas e voltadas a cometimento reiterados de delitos.
Vale destacar, ainda, que nem mesmo estando em
prisão domiciliar, o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco deixou,
ao que tudo indica, de praticar infrações penais em prol do grupo,
demonstrando, nitidamente, propensão à prática de atos criminosos.
A firme vigilância e severas restrições que se impôs a
ele – com a fixação de diversas medidas cautelares – não arrefeceu o ânimo
criminoso.
Como colega de turma do Ten.-Cel. Soares, não se
enrubesceu em colocá-lo como ponta de lança na façanha criminosa
arquitetada.
Quando ainda recolhido no cárcere da Polícia Militar,
usou sua esposa, Helen Christy Carvalho Dias Lesco, para
desencadeamento do plano infernal.
E teve ela papel relevantíssimo na construção da
perversa armadilha. Foi obreira do mal urdido.
No que tange ao investigado Paulo Cesar Zamar
Taques, sua participação na organização criminosa é ainda agravada
porque vem se valendo de segredos que lhe foram confiados em razão de
sua profissão, em benefício próprio, bem como em favor do grupo
criminoso formado, e do qual, tudo leva a crer, faça parte.
69
Este fato, aliás, foi muito bem retratado pelo Ten.-Cel.
José Henrique Costa Soares, em seu substancioso depoimento, que vale
repetir:
“QUE esclarece que no ano de 2015, o depoente teve
como Advogado o Dr. PAULO TAQUES em uma ação de
reconhecimento de sociedade de fato e dissolução sobre uma
empresa, ação essa que movia contra o seu irmão, IVAN COSTA
SOARES; QUE o depoente, na ocasião, confidenciou ao Dr.
PAULO TAQUES que era dependente químico, pois achava
que isso poderia prejudicá-lo na ação e até porque lhe implicar
em crime militar, o que lhe prejudicaria em sua carreira; QUE,
o depoente esclarece que administrava a empresa, o que é
proibido pelo Código Militar; QUE o depoente está contando
isso porque acredita que o próprio PAULO TAQUES pode ter
levado essa situação de sua dependência química e a
administração da empresa ao tal ‘grupo’, conforme acima dito e
revelado pela HELEN e o CEL. PM LESCO, mesmo porque o
depoente não conhece ninguém na polícia militar que sabia, ou
sabe, dessas situações, o que reforça sua suspeita”.
Embora não haja prova direta de que foi Paulo Taques
quem repassou ao grupo segredos recebidos na sua profissão de advogado,
é alta a probabilidade de eles terem sido por ele revelados.
Já o disse aliunde.
Nesse ponto, a testemunha é enfática em asseverar que
ninguém, especialmente na Polícia Militar [e na Secretaria de Segurança
Pública, por óbvio], sabia de seus pecados morais e profissionais.
70
Em termos de prisão preventiva, o juiz não trabalha
com certezas, mas com probabilidades, que é mais do que a mera
possibilidade e menos que a certeza, esta exigida apenas para juízo
condenatório.
E há mesmo, repito, grandes probabilidades de que as
transgressões do Ten.-Cel. Soares, os seus erros e faltas, foram desvelados
pelo correr do reposteiro que guarda segredos profissionais.
Fossem eles do conhecimento da Segurança Pública –
e assim reconhece a testemunha – já teria sido, há tempos, punido
exemplarmente, uma vez que não se trata de pecados tolerados em certas
profissões.
Mais interessante foi o uso dos segredos tão logo foi
nomeado Escrivão do IPM.
Não pode haver coincidência nesse caso. Aliás, nem
tudo pode ser levado e considerado em nível de coincidência.
Assim, se afigura forte a probabilidade do investigado
Paulo Taques haver repassado ao grupo os segredos recolhidos no tribunal
de penitência dos advogados.
Se não agiu diretamente na coação do Ten.-Cel.
Soares, provavelmente foi quem carregou e forneceu o fuzil que abateria
até gigantes.
Destarte, são fortes os indícios de que o investigado
Paulo Taques, faça parte da organização criminosa, assim conceituada nos
termos da Lei:
“Considera-se organização criminosa a associação de
4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e
71
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas
penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam
de caráter transnacional” [Lei n. 12850/2013, art. 1º, § 1º].
E nem se diga que a ligação de Paulo Taques com o
ficto Núcleo de Inteligência é mera ilação ou conjectura, desprovida de
plausibilidade.
Muito pelo contrário.
Embora repetitivo, reafirmo a altíssima probabilidade
da existência de elos entre Paulo Taques com a refalsado Núcleo de
Inteligência da Polícia Militar, usado na implantação – com aparência de
legalidade –, de escutas telefônicas de sua ex-amante Tatiane Sangalli
Padilha, de advogados [que atuaram em situações opostas a ele nas eleições
de 2014], de jornalista e parlamentar que faziam ferrenhas e ardentes
críticas ao Governo, quando ocupou o poderosíssimo cargo de Chefe da
Casa Civil.
Não, não pode ser mera coincidência o aparecimento
dos mesmos nomes que insistiu colocar sob escuta na situação envolvida
nas Operações Forti e Querubim.
Estou a me referir, evidentemente, a Tatiane Sangalli e
o jornalista José Marcondes dos Santos Neto, conhecido por Muvuca.
Quanto aos advogados José Antônio Rosa e José do
Patrocínio, trabalharam eles para Janete Riva e Lúdio Cabral,
respectivamente, adversários do candidato José Pedro Taques, para quem o
representado Paulo Taques prestou serviços na campanha eleitoral de 2014.
72
E torno a asseverar: coincidentemente ou não, o único
advogado – dos principais candidatos ao Governo do Estado – que
trabalhou na campanha eleitoral de 2014 e que não foi interceptado, foi,
justamente, Paulo Taques, razão pela qual é fácil concluir indícios de sua
ligação com o grupo criminoso instalado para realização de grampos
ilegais.
Há ainda um elemento a ser colocado na balança, e que
não pode ser desprezado: os fortes laços que o irmana ao Cel. Zaqueu e ao
Cel. Siqueira, de sabença pública e notória.
Verdade é que circunstâncias indicam que não estamos
diante de mera reunião de pessoas para a prática de crimes, mas,
provavelmente, de uma organização muito bem articulada, inclusive com
aporte financeiro considerável, pois, segundo levantamento feito pelo
Encarregado do IPM, o investimento inicial foi de R$ 24.000,00 [vinte e
quatro mil reais], que, acrescentadas as despesas de aluguel [R$ 1.500,00],
luz, água, telefone, internet e o “colocation” [R$ 1.000,00], fora as
despesas com combustível, viaturas e efetivo, chega-se a um valor
considerável, não se sabendo ao certo quem era o principal mantenedor.
Seria apenas o Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz
Lesco? Ao que tudo indica não, uma vez que este adquiriu o Sistema
Sentinela e ajudou a pagar o aluguel do imóvel, ou seja, ele arcou com
parte das despesas, mas não sua totalidade.
Certa é a existência latente de risco real de reiteração
delitiva, até porque – ao que se descortinou até o presente momento –, os
fatos criminosos vêm se sucedendo na linha do tempo, o que indica a
alta probabilidade de o grupo, pelo poder [inclusive, hierárquico], continuar
73
com os grampos ilegais, máxime porque, repita-se à exaustão, não se
localizou a parafernália que os instrumentalizava.
Destarte, há sérios e fundados indícios de que Paulo
Taques tenha participação incisiva no grupo criminoso formado, inclusive
sendo um [ou, quiçá, o mais importante] de seus mantenedores.
Não menos grave, ou de somenos importância, é a
participação dos demais envolvidos na trama delituosa.
Conforme algures salientado, a investigada Helen
Christy Carvalho Dias Lesco e o advogado Marciano Xavier das Neves
tiveram papel determinante no sucesso da empreitada delituosa, pois ela
foi a responsável por cabalar o Escrivão do IPM para atuar em prol dos
interesses da organização criminosa, enquanto o causídico Marciano não
apenas serviu de ponte entre Helen e o Ten.-Cel. PM Soares, como
também recebeu o conteúdo gravado em uma reunião realizada em meu
gabinete, ilegalmente captado pelo aludido militar.
Enfatize-se que a investigada Helen Christy Carvalho
Dias Lesco assumiu o protagonismo com a prisão de seu marido, o Cel.
PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, não só no sentido de cooptar e de
ameaçar o Escrivão do Inquérito Policial Militar, Ten.-Cel. Soares, como,
também, de orquestrar o plano, e dirigindo as reuniões em sua residência,
no período de recolhimento de seu cônjuge.
Não custa lembrar que o arquivo da reunião gravada
pelo Ten.-Cel. Soares, em meu Gabinete, foi entregue para o advogado
Marciano Xavier das Neves, cujo encontro ocorreu, justamente, na
residência de Helen Lesco, contando, por óbvio, com sua participação.
74
Por esta razão, é expressiva a probabilidade [e não
mera possibilidade] de que, em liberdade, a investigada Helen Christy
Carvalho Dias Lesco continuará agindo em prol do grupo, inclusive,
mediante a prática de infrações penais, ou no intuito de prejudicar as
investigações policiais.
Digno de elogio é a coragem e o desprendimento de
Helen Lesco em trabalhar em prol do grupo, chegando ao ponto de se
dirigir até à residência do Ten.-Cel. Soares, altas horas da noite, para
recuperar dois celulares que ele havia surrupiado, momentos antes, de sua
residência, conforme narrado em sua terceira inquirição:
“[...] momentos depois a Helen fala que está
procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está
sendo perseguida, ela entra e eu fico pensando naquele
momento: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’
Eu tava sob, realmente, ali perigo de acontecer
alguma coisa com meu filho, a ameaça que ele fez me deixou
numa situação muito complicada, então quando ela vem de
frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já
mostro que está na parte do carro, na parte do banco do
passageiro né, tem aquele, onde você coloca as coisas. Ela pega
e coloca no short, e, pergunta se por acaso eu não peguei mais
nada por engano, em tom irônico”.
Não bastasse sua atuação ativa em benefício do grupo
criminoso, em determinado momento da conversa gravada entre o Ten.-
-Cel. Soares e o Cel. Lesco, este assevera de modo insofismável que Helen
tem conhecimento de tudo que se passa, apesar de ela não gostar de tocar
neste assunto:
75
“Cel. Lesco: Não sei, mas é um assunto...
Ten.-Cel. Soares: Aí transcende a nossa, a nossa, o
nosso entendimento, né?
Cel. Lesco: É assunto tenso... a minha Preta (Helen
Christy) fica zangada, ela não gosta de ficar zangada...
Ten.-Cel. Soares: Não, hein, oh, não fica zangada não
(Soares falando para Helen).
Helen: Eu não gosto desse assunto, eu fico nervosa”.
No dizente aos atuais Secretários de Estado de
Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, e de Justiça e Direitos
Humanos, Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, a prisão se
patenteia imprescindível para garantia da ordem pública, pois,
permanecendo no exercício dos seus cargos, por certo continuarão a
praticar os mesmos e outros delitos.
“A necessidade combina os homens e os reúne”
(Montaigne).
Não é por outra razão a preocupação do grupo com
uma provável prisão do Cel. PM Siqueira, que, como já salientado algures,
precisa livrar-se solto para atuar em favor dos integrantes que estão com a
liberdade de locomoção cerceada ou limitada, conforme seguinte
passagem, que torno reproduzir:
“QUE LESCO perguntou sobre a prisão do CEL
SIQUEIRA; QUE também LESCO solicitou que não houvesse
novos indiciamentos, que dizia que isso iria ‘fragilizar o grupo’;
QUE o depoente disse que o CEL CATARINO havia pedido para
começar a fazer essa representação de prisão, tendo LESCO
76
dito que essa prisão não poderia ocorrer de forma alguma;
QUE dizia: ‘faça o que tiver que ser feito, mas não deixe
acontecer’ [...]; QUE o depoente se recorda que, em uma das
conversas que teve com o CEL. LESCO, ele deixou bem claro
que não poderia sair a prisão do CEL. PM SIQUEIRA, que o
depoente deveria fazer o que pudesse para evitar essa prisão,
dando a entender que o CEL. SIQUEIRA também fazia parte
do grupo [...]”.
A toda a evidência, a expressão “enfraquecer o
grupo” somente pode ser compreendida como perda do poder, da
influência exercida pelo Cel. PM Siqueira, que, como Secretário de
Estado, diretamente ligado ao Governador do Estado, teria toda liberdade e
poder para determinar os rumos da organização criminosa, blindando-a de
possíveis represálias que possam vir a sofrer, inclusive, a partir de
investigações policiais.
A propósito, pelo que se extraem dos documentos
encartados aos autos, o Cel. PM Siqueira incorporou o cargo ostentado,
chegando a dizer, em determinada situação, que, por “ser” do Governo,
estaria imune a qualquer tipo de penalidade ou de represália, consoante se
infere do depoimento prestado pelo Ten.-Cel. Aluísio Metelo Júnior:
“QUE com relação ao noticiado na imprensa de Barra
do Garças referente a uma notícia onde ‘DOIS OFICIAIS DE
ALTA PATENTE DA POLÍCIA MILITAR TERIA SE
ESTRANHADO’, esclarece que o fato ocorreu entre CEL.
AIRTON SIQUEIRA e o depoente [...] QUE CEL. SIQUEIRA
insistia em dizer que o depoente deveria procurar seu irmão e
conversar para que eles alinhassem os depoimentos, pois temia
que essa investigação [Lucas do Rio Verde] pudesse não acabar
77
bem; QUE o depoente pedia para ele se afastar pois CEL.
SIQUEIRA conversava de forma próxima ao depoente; QUE o
depoente insistia que não tinha conhecimento dos fatos e que não
iria se envolver; QUE o CEL SIQUEIRA começou a se exaltar
dizendo: ‘a gente vai se dar mal nessa história, mas eu sou do
Governo e vocês vão quebrar a cara’; QUE o depoente
respondeu que também fazia parte do Governo, e que não estava
entendendo o que ele estava dizendo com ‘EU SOU DO
GOVERNO’; Que neste momento o depoente percebendo que o
CEL. SIQUEIRA estava se exaltando, pediu para que ele ligasse
diretamente para seu irmão quando o mesmo respondeu que
‘VOCÊ NÃO ESTÁ ENTENDENDO, EU ESTOU NO
GOVERNO, É ELE QUEM DEVE ME PROCURAR, SENÃO
EU VOU FUDER ELE [...]” [doc. 5].
Não pertencesse ele ao grupo, por certo que não
haveria tamanha preocupação em livrá-lo até do indiciamento no IPM.
Percebe-se que a posição ocupada pelo Cel. PM
Airton Benedito de Siqueira Júnior é estratégica para o sucesso da
organização criminosa, uma vez que está à frente de uma das principais
pastas do alto escalão do Governo do Estado, no caso, a Secretaria de
Justiça e Direitos Humanos.
Seria mesmo trágico para o grupo que a Justiça
manietasse o Cel. PM Siqueira, o que provavelmente impossibilitaria ou
dificultaria as suas ações, inclusive aquelas relacionadas à obstrução da
justiça.
Daí a importância e a preocupação que continuasse, a
qualquer custo, em liberdade.
78
Afinal, por que tamanha preocupação – que o grupo
demonstrava – com a possibilidade do seu indiciamento ou prisão?
Tudo indica mesmo que o grupo criminoso tem
buscado utilizar todo tipo de artifício para evitar a aplicação de qualquer
medida contrária aos interesses do Secretário de Estado de Segurança
Pública, Rogers Elizandro Jarbas.
Tanto é que foi designado um de seus homens de
confiança, no caso, o Major PM Michel Ferronato, assessor da Secretaria
Adjunta de Inteligência e responsável pela Escola Superior de Inteligência
de Mato Grosso (Esimat), para arregimentar o Ten.-Cel. José Henrique
Costa Soares, a fim de que este atuasse em prol dos interesses de Rogers
Elizandro Jarbas, repassando-lhe informações sigilosas, além de provas
que pudessem me comprometer, afiançando-lhe, em troca, sua promoção
para o coronelato. Prontificaram até dar-lhe garantias do prêmio.
Apenas usaram de outra artimanha, igualmente
deplorável: a corrupção.
Ao invés da coação, ofereceram-lhe, como recompensa
da deslealdade e traição, o posto de coronel.
Vale consignar, ainda, porque importante e necessário,
que tão próximas são as relações entre o Secretário Rogers Elizandro Jarbas
e o Major Ferronato, que este foi arrolado como sua testemunha na exceção
de suspeição que levantou contra a Delegada Ana Cristina Feldner, já
rejeitada por este juízo diante da sua manifesta improcedência.
Relembro ainda a informação do Cel. Lesco, no
sentido de que “o SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA iria
79
determinar que alguém o procurasse, e que era para o depoente [Ten.-Cel.
Soares] ser bastante solícito e atender as orientações que fosse recebidas”.
O intermediador não foi outro senão o Major PM
Ferronato, que, já seguindo seus passos, o abordou na PEIXARIA LÉLIS
– que costuma frequentar –, quando o convidou para uma caminhada, no
dia seguinte, no Parque Mãe Bonifácia, consoante asseverado pelo Ten.-
-Cel. Soares, em sua terceira inquirição:
“A minha rotina diária era, antes de pegar meu filho
na escola, por volta de umas sete horas, ficar ali na Lélis, na
parte externa, quem passasse ali na frente poderia me ver. De
costume sempre ficava ali na frente da Lélis, esperando meu
filho sair da escola, que ele saí da escola ia para academia, por
volta de oito e meia ele estava pronto, pegava na escola ou na
academia e levava para casa. Era minha rotina diária, essa era
minha rotina. Não todos os dias eu ia lá, mas com frequência,
quase todos os dias da semana, essa era minha rotina.
Nesse dia, se não me engano, o encontro que eu tive
com o Maj. Ferronato, se não me engano o meu filho foi de
Uber, porque ele não conseguiu contato comigo, normalmente
quando acontece isso ele pega o Uber e vai embora.
Eu fiquei um pouco até mais tarde. Eu fiquei até umas
onze horas mais ou menos. É fácil até pegar os registros das
câmaras da Lélis para confirmar o que eu estou falando.
A primeira abordagem que aconteceu nesse dia, no
encontro com o Maj. Ferronato, foi ele mesmo que me abordou,
no primeiro plano, primeiro momento. No local estava ele, o
Maj. Alessandro, e o atual Secretário de Segurança Pública,
80
Dr. Gustavo. Então, no dia lá, ele era Secretário-Adjunto, senão
me engano.
Quem me fez a primeira abordagem foi o Ferronato.
Na segunda abordagem, o Maj. Ferronato, na presença
também do Maj. Alessandro. A gente começa a falar do
inquérito, das coisas que estão acontecendo com o Secretário e
tudo mais.
Essa conversa dura em torno de uns vinte minutos,
mais ou menos [...]. Na mesma ocasião, depois dessa segunda
abordagem, já com o Major Ferronato e o Major Alessandro,
por último, já ele saindo, o Major Ferronato também me
aborda pela última vez, e ele fala desse encontro lá no Parque
Mãe Bonifácia, uma caminhada que a gente faz no dia
seguinte”.
Era óbvio que o próprio Secretário, Rogers Elizandro
Jarbas, não iria, a cara aberta, procurar a alma já seduzida e prostrada pela
coação.
Não é assim que funciona nas organizações criminosas,
onde o peão, no mais das vezes, nunca viu sequer a silhueta do rei ou da
rainha.
No tabuleiro de xadrez, movimentou-se um bispo, que
fez a oferenda do coronelato ao peão que se sacrificaria para o lance do
xeque-mate.
O próprio Ten.-Cel. Soares, inquirido pela autoridade
policial, afirma, com convicção, que o Maj. PM Ferronato falava em nome
do Secretário de Segurança Pública:
81
“Delegada: Restou alguma dúvida, só reforçando
aqui, que o Maj. Ferronato estaria a mando do Secretário de
Segurança Pública?
Testemunha: Com certeza, ficou evidente que ele
estava ali como mediador, até para proteger a figura do
Secretário de Segurança, até para proteger, porque era a forma
de fazer uma blindagem, para que ele não aparecesse.
Então, todas as vezes que ele falava comigo dava a
entender, levava a crer que ele estava falando em nome do
Secretário de Segurança”.
Neste ponto, convém transcrever excerto da
representação policial apresentada, onde os delegados de polícia tratam
com perspicácia da presente situação:
“ROGERS JARBAS: utiliza-se do MAJOR
FERRONATO para tratar de seus interesses, inclusive a
promoção para o posto de CORONEL DA POLÍCIA MILITAR,
que jamais poderia ser garantida pelo FERRONATO, vez que
este é assessor do ROGERS, não detendo de nenhum poder nessa
escolha, mesmo porque se trata de um MAJOR, patente inferior
à do denunciante. Vale esclarecer que a promoção se dá através
de uma avaliação interna (realizada por coronéis da polícia
militar), onde são avaliados por notas, no entanto, ao final,
quem escolhe é o GOVERNADOR DO ESTADO, não ficando
adstrito às notas dadas. Fica clara aqui a promessa de vantagem
indevida ao TC SOARES. Sabemos que na praxe é o
SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA quem faz as
82
indicações para o GOVERNADOR, vez que são promoções de
cargos afetos diretamente à sua pasta”.
Assim, o espírito do Ten.-Cel. Soares foi trabalhado
sob duas forças: a da coação e o da corrupção; uma representando a
violência, outra a recompensa.
De qualquer sorte, cumprida a missão, livrar-se-ia da
exposição de suas desditas e ainda ascenderia o último degrau da sua
carreira, sonho ou quimera de todo militar.
Sabiam que tinham a frente um homem fragilizado por
sua dependência química, e aterrorizado pela possibilidade de ter,
prematuramente, encerrada sua carreira militar, provavelmente com uma
expulsão desonrosa.
A sagacidade do grupo prova também a
periculosidade dele, pela capacidade de aliciamento de pessoas, máxime
quando, pelas posições ocupadas em postos-chaves da segurança
pública, trabalham com informações privilegiadas.
Por fim, em relação à situação do Promotor de Justiça,
conforme dito em outro lugar, uma das prerrogativas conferidas aos
membros do Ministério Público é que, havendo indícios da prática de
infração penal, a autoridade policial remeterá os autos ao Procurador-Geral
de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.
As circunstâncias indicam ainda que a periculosidade
do grupo criminoso, aparentemente se espraia sobre a cúpula da Gloriosa
Polícia Militar do Estado de Mato Grosso.
Estou a me referir à estranhíssima situação de o atual
Corregedor-Geral da Polícia Militar, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da
83
Silva, um dia após a instalação do apetrecho espião na gandola do
Ten.-Cel. Soares, haver alterado a farda dos policiais com funções no
órgão.
Por que alterou-se o fardamento, que, segundo o Cel.
PM Jorge Catarino Morais Ribeiro – Encarregado do IPM – sempre foi o
de passeio?
Por que, de uma hora para outra, sem qualquer
explicação, se o mudou para o de operações?
A situação parece ter resposta no depoimento do Ten.-
-Cel. Soares, que, revelando a exigência do grupo em obter imagens e
áudios que pudessem comprometer ou colocar em dúvidas a imparcialidade
deste Relator, dele exigiu duas fardas, que seriam analisadas pelo Sgt.
Soler, sobre qual melhor se acomodaria o aparelho espião.
Por lazeira, o dispositivo somente pode ser instalado na
farda de operações, “em razão da costura da outra e dos breves serem
metálicos”.
Na vida em caserna, o uso de fardamento diferente do
determinado pelo comandante pode resultar na prática de transgressão
militar, ou mesmo, do crime de desobediência, previsto no art. 301 do
Código Penal Militar.
Por isso a necessidade que houve, da noite para o dia,
em se mudar o fardamento toda vida utilizado na Corregedoria da Polícia
Militar, do de passeio para o de operações.
De outro modo, como poderia o Ten.-Cel. Soares
utilizar a ferramenta espiã?
84
Este ponto – substituição do fardamento – foi
explorado pelo Ten.-Cel. Soares, em seu depoimento:
“Delegada: Gostaria também de esclarecer sobre a
troca da farda, realizada na Corregedoria.
TC Soares: A situação acontece muito sutil e muito
visível. O que acontece. No dia doze, senão me engano, está nos
autos também, no momento em que recebo a farda já com o
material, o equipamento instalado na farda, no dia treze há
mudança de farda na corregedoria. Antes utilizava-se o
agasalho e o uniforme de representação. Na doutrina, na vida
administrativa da Corregedoria, o uniforme de instrução
utilizado pelo policiamento ostensivo fardado, normalmente é o
fardamento que não se utiliza na Corregedoria, a não ser no
plantão. Nesse dia houve a determinação verbal do Corregedor,
e depois inserida na escala de serviço de que, a partir daquele
dia, o uniforme seria o uniforme de instrução, justamente o
uniforme que foi instalado o equipamento de monitoramento
audiovisual, que foi colocado na farda.
[...]
Delegada: Essa determinação para troca da farda é de
responsabilidade do Corregedor-Geral?
TC Soares: Atribuição dele. É atribuição do
Comandante.
Delegada: Quem é o atual...
TC Soares: Cel. Pinheiro.
Delegada: Ele tem ligação com algum outro Coronel?
85
TC Soares: Da investigação, que nós conhecemos, ele
é muito amigo e tem muita proximidade com o Cel. Siqueira
Júnior, que é um dos investigados no nosso inquérito.
Delegada: É uma amizade íntima?
TC Soares: Não digo íntima, mas próxima. Eles são
colegas de turma.
Delegada: O conhecimento que se tem, existe uma
relação de amizade, ou relação de coleguismo, por ser colega de
turma?
TC Soares: Amizade. Amizade”.
Neste ponto, transcrevo excerto da representação
apresentada, onde as autoridades policiais abordam a questão:
“Assim, o denunciante apresentou suas duas fardas (a
de instrução e a de expediente) para o SGTO PM SOLER, tendo
o sargento ficado responsável por implantar o equipamento de
captação de áudio e imagem, o que foi feito e entregue para o
denunciante na noite do dia 12/09, no pátio da ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA, no último patamar do estacionamento, pois
assim teriam a visão completa para evitar que alguém se
aproximasse (contramedida adotada), o que demonstra mais
uma vez a enorme capacidade de articulação dessa
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.
No dia seguinte, 13/09, por razões ainda não
apuradas, em razão da incrível ‘coincidência’ (pra não falar de
mais uma ação do braço operacional), que podem desnudar
ainda mais o poderio e o alcance do poder dessa
86
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, a CORREGEDORIA DA
POLÍCIA MILITAR, através de seu Corregedor CEL PINHEIRO,
por motivos até o momento desconhecidos, determinou que a
farda de instrução passasse a ser a farda do expediente comum.
Ocorre que tal fato não guarda muita lógica, porque a
farda de INSTRUÇÃO é uma vestimenta mais policial, enquanto
a farda de expediente tem características sociais, até mesmo pela
função da CORREGEDORIA, de se identificar com a sociedade,
evitando a intimidação de eventuais denunciantes, além do fato
de que a farda do expediente é composta por um sapato social,
enquanto a de instrução é o coturno, de notório desconforto
comparado ao sapato social e as atividades desenvolvidas pela
CORREGEDORIA. Importante mencionar que, segundo
informações, inclusive colhidas no áudio captado pelo
denunciante com CEL. LESCO, este deixa evidenciado que o
CORREGEDOR CEL PINHEIRO é amigo do CEL.
SIQUEIRA”.
De fato, informações obtidas pela autoridade policial
dão conta que são mesmo próximas as relações entre o atual Corregedor-
Geral da Polícia Militar, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, e o
Cel. PM Airton Benedito de Siqueira Júnior, que são, inclusive, da mesma
turma.
Além do risco concreto de reiteração da prática de
delitos, entendo que a prisão preventiva dos envolvidos se patenteia
igualmente imprescindível para assegurar a integridade física e moral
não só da testemunha, Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, como
também de seu filho, porquanto há base empírica a comprovar que o
“grupo” sabe que ela não está mais interessada em dar continuidade ao
87
plano outrora arquitetado, consoante se extrai de seu depoimento gravado
pelo sistema áudio visual, em 18/9/2017:
“Delegado: A partir do sábado, do término do seu
depoimento, qual foi o desenrolar dessa situação?
Testemunha: No mesmo sábado, na mesma data, no
sábado, à noite, eu recebi uma mensagem do Major Ferronato,
convidando para fazer uma caminhada, como de costume, no
Parque Mãe Bonifácia, na parte ali principal, de cima, onde tem
o bebedouro.
Depois daí, com a intenção de captar a conversa, eu
utilizei meu celular para fazer a captação da conversa, mas não
tive sucesso porque o áudio saiu com ruído.
Delegado: Isso já no domingo?
Testemunha: Isso já no domingo pela manhã, algo em
torno, por volta das, senão me engano, dez horas, se não me
falha a memória. E nessa conversa, ele mencionava, começou a
conversa falando da garantia da promoção, que a previsão era
de que haveria com certeza três vagas, em abril, e uma delas
seria minha, caso eu fizesse nessa semana como se pretendia
fazer, a exibição e a exposição da imagem do desembargador.
Delegado: Seria feita por meio daquele equipamento?
Testemunha: Seria feita por meio do equipamento que
foi instalado pelo Sgt. Soler, na minha farda, na farda de
instrução.
88
Delegado: No momento em que o senhor foi se
encontrar com o Major Ferronato, ele percebeu alguma coisa
que deixou desconfortável?
Testemunha: Percebeu, porque eu estava com o
celular. E já havia combinado que não poderia ter o celular.
Diante disso ele começou a ficar desconfiado, e desconversou,
começou a desconversar a respeito do assunto.
[...]
Delegado: Ele cita novamente a pessoa do
Secretário?
Testemunha: Ele menciona, menciona a pessoa do
Secretário.
Delegado: Secretário de Segurança Pública?
Testemunha: Secretário de Segurança Pública”.
Na intenção de captar áudio que comprovasse a
corrupção, intermediada pelo Maj. PM Ferronato, o Ten.-Cel. Soares
acabou por denunciar a si próprio quando levou consigo, na caminhada, o
seu celular, o que despertou desconfianças da sua companhia, tanto que,
falando sobre a promoção, imediatamente desconversou sobre o assunto
quando o viu portando o aparelho telefônico.
Foi aí que a pulga se colocou atrás da orelha do grupo.
Esse fato se passou no domingo [17/9/2017], pela
manhã, um dia após o Ten.-Cel. Soares haver procurado a autoridade
policial para revelar a maquinação, a conspiração engendrada.
89
Na mesma data, o Ten.-Cel. PM Soares foi almoçar na
residência do Cel. PM Lesco, com a finalidade de repassar informações
sobre os últimos acontecimentos das investigações.
Esse encontro era, por certo, do conhecimento de
outros integrantes do grupo, até porque nele se faria as tratativas finais do
complô, visto que entravam em semana decisiva, especialmente para os
interesses do Secretário de Segurança, Rogers Elizandro Jarbas.
Segundo narrado pelo Ten.-Cel. PM Soares, no
começo do encontro o comportamento do Cel. PM Lesco foi amistoso.
Posteriormente, após o Cel. PM Lesco receber uma ligação – ao que tudo
indica – do Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas,
o tratamento, que antes era cordial, modificou-se radicalmente, verbis:
“Delegado: Entraram no condomínio, a partir daí o
que aconteceu?
Testemunha: Eu entrei no condomínio, e cumprimento
que eu tive com o Lesco foi como de normal, amistoso, sempre
sorridente e tal, e eu fui justamente para almoçar e conversar
com ele a respeito de tudo que estava acontecendo.
[...]
Delegado: Essa ligação que ele recebe, ele menciona
quem é a pessoa que liga?
Testemunha: Ele menciona o nome do Secretário de
Segurança Pública, Sr. Rogers.
[...]
90
Ele atende essa ligação e aí já tem um comportamento
totalmente contrário.
[...]
Delegado: Teve um encontro agradável até o
momento...
Testemunha: Que ele recebeu a ligação, né? Nessa
situação já tava quase indo embora. Já tinha almoçado, já tinha
conversado. E eu já estava indo embora. Então o que eu fiz, eu
resolvi ir ao banheiro novamente e parar a gravação. Já estou
indo embora, né? Peguei, fiz, desliguei a gravação, salvei o
arquivo que havia gravado.
Neste momento, quando saio do banheiro, volto pra
mesa; neste momento, passado algo em torno de três minutos,
mais ou menos, algo em torno disso, ou menos que isso, ele
recebe essa ligação. Recebe essa ligação, eu não ouvi o teor da
conversa, eles falaram rápido, e o Lesco só com o gesto de
“uhum”, foi bem rápido neste diálogo, só mencionou: ‘pois não
Secretário, pode falar Rogers”, nestes termos. E por meio deste
diálogo, desta conversa, desta fala dele, eu identifiquei como
sendo o Secretário de Segurança Pública.
A partir deste momento, ele já desligou o telefone, a
ligação encerrou, ele já me tratou de maneira muito diferente.
Muito diferente. Já seco, falou que eu deveria sair do ambiente
porque ele iria receber uma outra pessoa.
Apertou minha mão de maneira bem seca, e fui
embora. Eu achei muito esquisito”.
91
A mudança brusca de comportamento por parte do Cel.
PM Lesco em relação ao Ten.-Cel. Soares tem explicação.
Consoante acima assinalado, naquele mesmo dia, pela
manhã, o Ten.-Cel. Soares se encontrou com o Maj. PM Ferronato no
Parque Mãe Bonifácia, e, durante a caminhada, o Maj. PM Ferronato
percebeu que o Ten.-Cel. Soares portava celular, e havia um prévio acordo
entre eles de que nenhum dos dois poderia utilizar tal aparelho.
Provavelmente, o Maj. PM Ferronato passou esta
informação, por si ou por terceiros, ao Secretário de Estado de Segurança
Pública, Rogers Elizandro Jarbas, levantando suspeitas quanto ao
comportamento do Ten.-Cel. Soares, que, por sua vez, as transmitiu ao Cel.
PM Lesco, ainda durante o almoço que estava tendo com o Ten.-Cel.
Soares, em sua residência.
Daí a razão da mudança súbita do comportamento e
tratamento.
Imediatamente, e de modo protocolar, convidou-o a se
retirar da sua casa, ao pretexto de que “iria receber outra pessoa”.
Esta foi a sequência dos fatos.
Outro importante acontecimento ainda estava
reservado para a domingueira.
Ainda no propósito de colher elementos de provas que
confirmassem a conspirata, o Ten.-Cel. Soares ousou, atreveu-se e
arriscou-se ao se apoderar dos celulares do Cel. Lesco e de sua esposa
Helen.
A partir de então, aquilo que era desconfiança, tornou-
se certeza: o Ten.-Cel. Soares havia mudado de lado.
92
Preocupados com a situação, especialmente com o que
os celulares surrupiados poderiam revelar se levados à autoridade policial,
Helen – diante da prisão domiciliar do seu marido, controlado por
tornozeleira eletrônica – assumiu a missão de recuperá-los.
Entrou em cena a sua amiga Samira, que não apenas
emprestou a ela o seu celular para ligar ao Ten.-Cel. Soares, como também
a conduziu até a residência dele, para reaver os celulares.
Estes fatos foram pormenorizadamente narrados pelo
Ten.-Cel. Soares, em sua terceira inquirição:
“Delegada: O senhor nos informou também que
gostaria de acrescentar, esclarecer a ida da Sra. Helen na sua
residência após o encontro que o senhor teve na casa do Cel.
Lesco.
Testemunha: Logo depois do encontro, pouco antes de
terminar o encontro, o almoço que eu tive com o Cel. Lesco
juntamente com sua esposa, o pai da Helen também estava no
momento, mas tava na parte superior, nos quartos, então ele não
participou das conversas.
No final, quando eu percebo que, senão me engano o
Lesco devia estar na cozinha, com outro celular que não sei qual
é, não era nenhum dos celulares que eles habitualmente
manipulavam, mas ele tava com um celular e atende a ligação e
fala o nome do Secretário e fala Rogers.
Eu percebo a partir daquele momento, eu não sei o
conteúdo, o que eles falam, mas naquele momento fiquei
apavorado, fiquei em desespero, porque eu imaginei que o
93
Rogers falou para ele ‘a casa caiu, esse cara mudou de lado,
manda ele embora, vê aí se ele não tá gravando alguma coisa’.
[...]
Depois que ele atendeu a ligação fala que eu tenho que
ir embora, a Helen nesse momento tava descendo as escadarias,
tava descendo da parte superior porque ela veio tomar banho, e
eu no sentido de criar provas, de ter provas para apresentar do
que eu tava falando, do que eu estou falando é verdade, e
acrescentar mais provas ainda, eu pego o celular do Lesco e
coloco no bolso, sem que ele percebesse.
Nesse momento, quando ele fala que eu tenho que ir
embora, há esse lapso, que a Helen tá descendo, nesse momento
eu pego, ele vira de costas, ele se distrai, vai fazer outra coisa,
eu pego também o celular dele e coloco no bolso. E aí eu entro
no carro com a Helen. Ele se despede de mim com aquela voz já
embargada, fora do normal, como ele me cumprimenta, bem
seco mesmo, bem estranho, aí eu fico mais apavorado ainda,
porque eu queria sair dali de qualquer maneira, eu já tava
correndo risco de estar ali.
Nesse momento, a Helen já desce as escadas e ela me
leva para onde está meu carro estacionado, próximo, numa rua
que dá acesso à entrada principal do condomínio.
Ao descer do carro, quando ela desce do carro, eu
estou com minha bolsa térmica, também no intuito de produzir
provas, também pego o celular dela sem que ela perceba. Pego e
coloco no bolso também.
94
A partir daí vou para casa. Passo no Japidinho, para
fazer um lanche e volto para casa.
Delegada: Depois dessa ligação que teria tido do
Rogers com o Lesco o senhor chegou a sentir que seria o último
encontro com o Lesco?
Testemunha: Com certeza, esta seria a última
oportunidade que eu teria para estar ali na casa dele. Por isso
que me veio de intuitivamente, eu tomei essa medida. Falei, o
único momento que eu tenho para colher mais provas possíveis
para provar, demonstrar que eu estou falando a verdade do que
aconteceu.
[...]
Momento depois [...] eles ligam do telefone da Dra.
Samira. Primeiro a Samira liga, conversa comigo, depois a
Helen, eles pedem a localização de casa, pergunta se estou casa,
pede a localização, ato contínuo também o Lesco liga para mim
e fala: ‘olha, não sei se você pegou meu celular, porque só pode
ter sido você, os dois celulares daqui sumiram, eu não sei se foi
você, mas só pode ter sido você, porque só você esteve aqui. Eu
não sei se você pegou por má-fé ou se você pegou por distração.
Eu só quero saber o seguinte, devolva, porque seu filho está
correndo risco de vida’.
Nesse momento eu já estava preocupado com minha
segurança, como os senhores perceberam dias anteriores que eu
cheguei aqui depondo.
95
Eu fiquei apavorado, eu não sabia se pegava os
celulares, eu simplesmente termino a conversa, não dou
continuidade à conversa. Momentos depois a Helen fala que está
procurando a casa, depois que eu ouço o áudio ela fala que está
sendo perseguida, ela entra e eu fico naquele momento eu fico
pensando: ‘eu entrego ou não entrego, o que eu faço agora?’.
Eu tava sob, realmente, ali perigo de acontecer
alguma coisa com meu filho, a ameaça que ele fez me deixou
numa situação muito complicada, então quando ela vem de
frente para mim, eu abro o portão, ela se encontra comigo, eu já
mostro que está na parte do carro, na parte do banco do
passageiro né, tem aquele, onde você coloca as coisas. Ela pega
e coloca no short, e pergunta se por acaso eu não peguei mais
nada por engano, de tom irônico.
Eu falo não, não peguei mais nada, é só isso mesmo
que eu peguei, mas me desculpei na hora.
Percebe-se, portanto, que o Ten.-Cel. Soares somente
devolveu os celulares em virtude da ameaça direta e séria proferida pelo
Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco contra a vida de seu filho.
Pelo que se depreende dos autos, em especial, por força
da periculosidade do grupo criminoso, o Ten.-Cel. Soares afirmou, com
segurança, que a ameaça era real:
“Delegada: A ameaça que eles fizeram, da vida do seu
filho, ela foi uma ameaça real? O senhor se sentiu realmente
ameaçado.
96
Testemunha: Mais que real. Agora, nesse momento,
desde o momento em que foi cooptado, que fui ameaçado, que eu
estou tendo contato com eles, eu sei com quem eu estou me
dando, este pessoal é perigoso, este pessoal é muito perigoso”.
Por volta das dez horas, após a testemunha entregar o
arquivo contendo a gravação da conversa mantida com o Cel. PM Lesco, a
investigada Helen liga para o Ten.-Cel. Soares, de seu próprio celular –
aquele mesmo que estava até então desaparecido –, e, diante da rejeição
da ligação, “o Cel. Lesco faz um joia, do celular da Helen”.
Preocupado, o Ten.-Cel. Soares resolveu retornar a
ligação e a Helen perguntou se ele estava em casa e se estava sozinho, no
que a testemunha respondeu que sim para as duas indagações.
Neste momento, Helen diz que “eles precisavam do
uniforme com o equipamento. E ao fundo o Lesco no tom numa voz, deu
pra ouvir, num tom bem áspero: ‘devolve’. Eu entendi ali como uma coisa
que já tinham desconfiado, já tinha desconfiança enorme do que estava
acontecendo. A partir daí ele liga mais umas vezes e eu não atendo mais”.
A testemunha Ten.-Cel. PM Soares deixa
transparecer, inequivocamente, sua preocupação ao asseverar, na parte final
de seu depoimento:
“Testemunha: Só uma questão doutor, eu estou
abatido assim, porque eu não consegui dormir à noite. Só para
deixar bem claro [...]. Tive proteção, mas eu não dormi [...].
Delegada: O senhor tem receio de sua integridade?
Testemunha: Com certeza, com certeza.
97
Delegada: Do que o senhor os conhece, que o senhor
teve ao lado deles...
Testemunha: Capaz de tudo, capaz de tudo. Sou um
arquivo vivo, que para eles tem que está morto. A partir de
agora, com certeza. Não tenho garantia, a não ser que o Estado
me dê garantias de que essa segurança vai acontecer, inclusive
eu peço que me inclua no sistema de proteção à testemunha”.
Por fim, o Ten.-Cel. Soares, em sua derradeira ouvida,
afirmou, categoricamente, que não pode permanecer mais no Estado de
Mato Grosso, porque a situação envolve o poder atual:
“Então eu fico muito preocupado com a segurança do
meu filho, eu estou muito preocupado com a segurança dele.
Depois dele a minha. Eu não posso permanecer no Estado. Eu
não posso permanecer no Estado de Mato Grosso, a situação
envolve o poder atual. Eu peço, inclusive, minha inclusão neste
programa de proteção à testemunha. Não tenho mais vida na
Polícia Militar, profissionalmente falando”.
Por esta razão, dúvidas não há de que a prisão cautelar
se patenteia indispensável também para assegurar a integridade física do
Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares e de seu filho, em face da
periculosidade concreta demonstrada pelo grupo criminoso.
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL
Somados aos fundamentos que autorizam a prisão
cautelar para garantia da ordem pública, a medida extrema também se
afigura imprescindível para a conveniência da instrução criminal.
98
De tudo o quanto visto e fundamentado acima, este
pressuposto da prisão cautelar, até pela própria natureza dos crimes
imputados aos investigados, ora representados, dispensa maiores
digressões.
Se os crimes agora praticados objetivavam atrapalhar
as investigações de outros em apuração, salta aos olhos a
imprescindibilidade da custódia cautelar.
Nesse desígnio, não titubearam, nem tremelicaram, um
segundo sequer, em coagir e corromper o Ten.-Cel. Soares no abominável
e ignominioso plano de alijar-me das investigações a golpes de espada.
A estultice engendrada pôs em relevo e destaque a
capacidade de atrevimento do grupo criminoso.
Se ele se mostra com destemor para achacar, acovardar
e constranger um membro desta Corte de Justiça, que dizer dos cidadãos
comuns, das pessoas que foram suas vítimas, como as interceptadas
ilegalmente?
O terror que implantam é sentido até no meio policial.
É público e notório que incontáveis Delegados de
Polícia se recusaram, com veemência, a participar das investigações.
Foi mesmo árdua a tarefa de encontrar valorosos
Delegados, como os que estão hoje à frente das investigações.
Houve até ameaças em se processar delegados por
usurpação de função pública e improbidade administrativa se não
atendessem, em 24 horas, o pedido de “avocação” dos inquéritos, que
foram abertos por ordem e determinação deste Relator.
99
Quiseram passar até por cima da autoridade do
Tribunal.
É neste estado de ânimo e forças que caminham os
procedimentos que apuram a grampolândia pantaneira.
Todo cuidado com a instrução processual faz-se
necessário.
As tresloucadas ações do grupo não deixam menor
fiapo de dúvidas quanto à capacidade dele em atuar contra os interesses do
processo, seja no aliciamento de testemunhas, na coação de pessoas e na
destruição de provas.
O episódio descortinado pelo Ten.-Cel. Soares revela
a desfaçatez, própria dos atrevidos e destemidos.
Constrangeram e coagiram um militar de alta patente
da Polícia Militar.
Que dizer do Zé da Ruelas, que sequer tem trancas na
sua porta?
Se entram no espírito das pessoas, não podem invadir o
recesso do lar das vítimas e testemunhas?
Importante destacar que muitas das testemunhas já
declararam o temor e receio por suas vidas, como o Cb. PM Torezan, a
Sgt. Andrea, e agora, mais recentemente, o próprio Ten.-Cel. Soares.
Por certo, e com maior razão, as testemunhas e vítimas
não sentirão mesmo confortável em revelar os fatos dos quais tem
conhecimento, se os suspeitos estiverem em liberdade.
100
Não se pode perder de vista que se tratam de pessoas
com grande poder de influência dentro das forças do Estado, uma vez
que ocupam, por si e por longa manus, cargos de maior relevância no
atinente à segurança pública.
Estamos a falar de Secretário de Segurança Pública,
de Secretário de Justiça e Direitos Humanos, ex-Secretário-Chefe da
Casa Militar, ex-Secretário-Chefe da Casa Civil, ex-Comandante da
Polícia Militar, pessoas ligadas ao GAECO, etc.
A força de intimidação é clara e manifesta.
Veja o exemplo do Major Barros e do Cabo
Raphael, que foram intimidados e ameaçados porque depuseram contra
os interesses do Cel. Siqueira e de Paulo César Zamar Taques, no
episódio em Lucas do Rio Verde.
Bastou prestar seus depoimentos para sofrerem
represálias.
Tão logo tomaram conhecimento do teor das
declarações que os comprometiam, saíram a esparrinhar que eles, sim,
teriam cometido crimes nas eleições de Lucas do Rio Verde. Além de
importunarem o trabalho do escritório do representado Paulo Taques,
acusaram que o Maj. PM Barros e o Cb. PM Raphael, por R$ 20.000,00
[vinte mil reais], colocaram escutas clandestinas no candidato Otaviano
Pivetta, para o qual a banca de advocacia atuava.
Apesar de o suposto fato ter acontecido em 28/9/2016,
o trataram como avant-première.
Por que guardaram segredo sobre o fato criminoso por
tão longo tempo? Por que somente o denunciou após os depoimentos do
101
Maj. PM Barros e do Cb. PM Raphael no Inquérito que apura
interceptações clandestinas nas eleições de Lucas do Rio Verde? Terá sido
por conta do teor das declarações que prestaram, nas quais levantam
suspeitas sobre o Cel. PM Siqueira e Paulo Taques?
Por isso, há indicações fortes no sentido de que agiram
em desforra e ameaça às declarações que o Maj. PM Barros e o Cb. PM
Raphael prestaram no Inquérito n. 87131/2017.
E mais uma vez, formularam a denúncia diretamente
ao Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas – e não à
Corregedoria-Geral da Polícia Militar de Mato Grosso –, que
determinou a apuração dos fatos.
A presente situação – sindicância determinada pelo
Secretário de Segurança Pública – foi confirmada pelo Cel. PM Everson
Cezar Gomes Metelo, durante sua ouvida nos autos do Inquérito Policial
n. 87131/2017:
“QUE, o depoente tem se sentido ameaçado,
constrangido e prejudicado em sua carreira profissional; QUE
inclusive está respondendo SINDICÂNCIA instaurada pela
CORREGEDORIA DA PM, após representação do escritório
de PAULO TAQUES, protocolada na SESP junto com o
Secretário de Segurança ROGERS JARBAS; QUE o fato é tão
aberrante que sequer o declarante esteve na cidade de Lucas do
Rio Verde/MT durante o ano de 2016 [...] QUE estava afastado
de suas funções em razão de gozo por recompensa e também em
razão da troca de comando da PMMT, sendo que no dia que foi
apresentar-se no COMANDO GERAL foi justamente no dia em
que o CEL. SIQUEIRA JÚNIOR apresentou-se espontaneamente
102
prestando as declarações acima dita no IPM; QUE nessa
ocasião o depoente ouviu que deveria aguardar um
posicionamento do COMANDO GERAL, uma vez que havia
‘UMA RESTRIÇÃO DE LUCAS’ [...] QUE, sente que há uma
perseguição velada por parte do CEL SIQUEIRA JÚNIOR em
prejudicar o depoente; QUE não sabe precisar a motivação
dessa perseguição, porém informa que participou da equipe
técnica do Secretário de Segurança MAURO ZAQUE [...].”
O propósito escancarado foi o de intimidação.
Por que o Secretário de Segurança Pública não ordenou
também a investigação de provável prevaricação do Cel. PM Siqueira, que,
mesmo sabendo do cometimento do suposto crime, não o denunciou à
autoridade competente?
E tem ainda a contumélia, a patranha, a pantomima
farfalhada no Inquérito Policial Militar, onde o Cel. PM Siqueira lançou-
-me a assacadilha de também haver feito “barriga de aluguel” na minha
passagem pela Corregedoria-Geral de Justiça.
A intenção foi claramente provocar minha suspeição
no processo, quando não, constranger-me a continuar na direção das
investigações.
Referidos doestos, estou a respondê-los na Sindicância
n. 1/2014 – CIA 0089726-12.2017.811.00000, aberta pela Presidência do
Tribunal de Justiça, a meu requerimento.
O comportamento do Cel. PM Siqueira é bem retratado
pela autoridade policial na sua representação, verbis:
103
“Ainda, logo após esse episódio, durante oitiva no
Inquérito Policial Militar, o investigado CEL. AIRTON
BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR lança diversas acusações
em relação a terceiros, inclusive no intuito de macular imagem
do Desembargador ORLANDO PERRI, tentando imputar-lhe
um fato criminoso. E mais, lança mão de expediente no intuito
de desacreditar policiais militares, particularmente o MAJ.
BARROS, o qual trouxe elementos a uma suposta interceptação
clandestina que teria ocorrido durante as últimas eleições
municipais em Lucas do Rio Verde, também ressaltamos que tais
fatos são objeto de outro inquérito policial. Ressalta-se, aqui, o
advogado do CEL. SIQUEIRA, à época desse depoimento, era
PAULO TAQUES, que inclusive o acompanhou nessa oitiva.
Nesse episódio, não é demais trazer à baila o ocorrido
no município de Barra do Garças, onde CEL. SIQUEIRA teria
tentado recrutar o CEL. PM ALOÍSIO METELLO, dizendo
que ele (SIQUEIRA) e o irmão de ALOÍSIO [CÉSAR GOMES
METELLO] deveriam ‘alinhar’ os depoimentos, momento em
que teria surgido um atrito entre ambos em razão do CEL. PM
ALOÍSIO METELLO demonstrar não comungar de referido
expediente”.
Outro ponto que demonstra o poderio e a influência do
grupo criminoso, é a relação de proximidade entre o Cel. PM Siqueira e o
atual Corregedor da PM, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, já
destacada linhas atrás.
Não estou afirmando que o Corregedor-Geral da
PMMT faça parte do grupo criminoso que se formou.
104
Absolutamente.
Ainda que repetitivo – e longe de pretender levantar
falsas suspeitas – intrigou-me mesmo a situação da mudança repentina do
fardamento na Corregedoria-Geral da Polícia Militar, por meio de uma
ordem emanada, ao que tudo indica, de inopino e extraordinariamente.
Coincidências à parte, segundo declaração do próprio
Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, a vestimenta que melhor se
adaptou ao equipamento de gravação instalado pelo Sgt. Soler, foi a farda
de instrução, verbis:
“Delegada: Após eles terem instalado o equipamento
na farda do senhor, houve alguma modificação regulamentar,
alguma que chamou atenção?
Testemunha: Olha, você fala em termos de...
Delegada: Pro uso do uniforme, a determinação. Eles
colocaram o equipamento de gravação na farda que seria
utilizada?
Testemunha: Como eu falei no depoimento anterior, a
farda que foi utilizada, ela foi escolhida – porque tinha a farda
de grafite e esta farda de instrução –, então não se sabia qual
destas duas fardas iria receber melhor o equipamento [qual] ia
ficar mais discreto, menos ostensivo. Então, pelo laboratório
que o Sgt. Soler fez, a farda apresentada foi a de instrução, né?
Por conta dessa adequação, da implantação do equipamento,
ficou melhor nesta farda.
[...]
105
Delegada: Houve uma mudança regulamentar da
utilização da farda?
Testemunha: Ah sim, houve uma mudança na
Corregedoria, senão me engano um ou dois dias depois, de que
a farda que deveria ser utilizada pela Corregedoria seria a de
instrução.
Delegada: A farda que antes era de instrução, que
colocaram o equipamento, após a instalação de equipamento,
ficou como padrão...
Testemunha: Ficou padrão, ficou como aquele
uniforme de expediente. Eu não estou fazendo nenhuma ilação
aqui, mas isso aconteceu.
Delegado: Quem baixou esta instrução?
Testemunha: O Corregedor.
Delegada: Foi dado alguma justificativa?
Testemunha: A determinação. O Comandante tem esta
liberdade, no exercício de suas atribuições”.
A medida adotada pelo Corregedor da PMMT
justificaria o Ten.-Cel. PM Soares usar a farda de instrução, o que abriria
as portas para obtenção do resultado criminoso pretendido, que não era
outra senão a captação de imagens e áudios deste Relator, para provocação
da abjeta suspeição.
Contudo, o plano, como se sabe, restou infrutífero,
dado o arrependimento do Ten.-Cel. Soares, como se vê neste trecho do
seu depoimento:
106
“Testemunha: Situação em que eu me senti coagido a
participar desse evento. Quando eu descobri, eu percebi...
Delegado: Já havia promessa da promoção?
Testemunha: Ainda não. A promessa da promoção
acontece nessa segunda fase, em que haveria exposição direta
do desembargador Orlando Perri, incluindo a minha também.
Que eu deveria fazer a denúncia, momento no qual eu percebi
que eu estava, a coisa não tava certa. Porque o doutor Orlando
Perri nunca se comportou de maneira tendenciosa, parcial, de
condução de nada, sempre se mostrou um juiz decente,
imparcial. Então seria injusto eu expô-lo dessa maneira, me
expor, expor o Presidente do Inquérito, que é o Cel. Catarino, a
Dra. Ana Cristina, que tava participando com a gente, nessas
investigações, eu achei, tive como impróprio. Não havia uma
causa justa por trás disso tudo. Eu resolvi falar”.
Além do Cel. PM Airton Benedito de Siqueira
Júnior, outra figura emblemática no seio da suposta organização criminosa
é o Delegado de Polícia Rogers Elizandro Jarbas, Secretário de Estado de
Segurança Pública de Mato Grosso, afastado temporariamente de suas
funções, conforme medida cautelar por mim imposta na representação
promovida dentro do Inquérito Policial n. 91285/2017.
O Secretário de Segurança Pública, ao que parece,
demonstra ser personagem ativo no grupo criminoso. Basta lembrar que o
Major PM Michel Ferronato, homem de confiança de Rogers Elizandro
Jarbas, foi o interlocutor designado para cooptar o Ten.-Cel. PM Soares,
prometendo, em troca de provas e informações sigilosas sobre o andamento
das investigações contra si, a promoção do Ten.-Cel. Soares ao coronelato,
107
uma vez que, segundo declarações da testemunha: “o MJ FERRONATO
disse que a situação em desfavor do SECRETÁRIO ROGERS JARBAS
estaria indo longe demais”.
Portanto, ainda que afastado – temporariamente – do
exercício de suas funções, por motivos outros, dentre eles o de investigar
por via oblíqua o Promotor de Justiça Mauro Zaque de Jesus –
responsável por denunciar o esquema de grampos ilegais no Estado de
Mato Grosso –, e o de determinar o fornecimento de peças sigilosas para
Paulo Cesar Zamar Taques e para o Governador do Estado de Mato
Grosso, no caso em tela, a prisão se patenteia imprescindível para o fim de
assegurar total lisura na apuração dos fatos, em virtude da enorme
influência por ele demonstrada.
Trago à memória que, por interferência direta do
Secretário de Segurança Pública, Rogers Elizandro Jarbas, foi determinada
a instauração de procedimento disciplinar contra os policiais Maj. Barros,
Cb. Raphael e Cel. Cesar Metelo, testemunhas em um dos casos
envolvendo a “grampolândia pantaneira”.
Destaque-se, em adendo, que, aparentemente, o
afastamento de Rogers Elizandro Jarbas, do cargo de Secretário de Estado
de Segurança Pública, não foi suficiente para abalar sua influência e sua
credibilidade no meio policial, pois o sindicato dos policiais civis, ao invés
de apoiar o trabalho policial, ou a apuração dos fatos, o que seria natural,
até por seu próprio mister, resolveu marcar uma sessão extraordinária para
deliberar sobre “a postura da categoria perante as medidas decretadas em
face do Delegado de Polícia, Rogers Elizandro Jarbas”.
Outro fato que demonstra o comando de Rogers
Elizandro Jarbas sobre parte da classe de delegados foi visto, de forma
108
transparente, no dia de 20/9/2017, onde, antes mesmo do cumprimento da
ordem por mim proferida, determinando o afastamento do Secretário de
Segurança Pública, cerca de quarenta delegados, que deveriam estar
participando de um curso, “marcharam” até o Tribunal de Justiça, em
solidariedade ao seu “colega”.
Sua atitude, uma vez mais, demonstrou ousadia em
querer afrontar o Tribunal de Justiça, expondo sua força e prestígio perante
os Delegados de Polícia do Estado.
Embora se tratando de um ato circense – mambembe,
diga-se de passagem –, expôs ele sua influência no meio policial,
mostrando que, em liberdade – ainda que com medidas restritivas – pode
alongar seus braços sobre as investigações.
Outro nome de peso no grupo criminoso é,
indubitavelmente, o de Paulo Cesar Zamar Taques, que, valendo-se de
informações confidenciais obtidas profissionalmente, no exercício da
advocacia, vem trabalhando em prol do grupo criminoso do qual faz parte.
Assim mostram as circunstâncias, como dito anteriormente.
Pelo que ficou apurado, somente foi possível o
aliciamento do Ten.-Cel. Soares – recrutado pela força da coação e
corrupção exercida pelo grupo criminoso –, a partir das informações
repassadas por Paulo Taques, que atuou como seu patrono em determinada
causa na esfera cível.
Como se vê, mesmo preso preventivamente, por outro
crime, em outra investigação, e libertado por conta de liminar concedida
pelo STJ, nos autos do Habeas Corpus n. 410.767, Paulo Cesar Zamar
Taques continua atuando ativamente em benefício da possível organização
109
criminosa, o que põe em destaque que a segregação cautelar outrora
imposta não inibiu o ímpeto criminoso.
Outras razões existem para mantê-lo segregado
cautelarmente.
Afora todas as situações já demonstradas – que, de per
si, justificariam a aplicação da medida cautelar extrema – sua força e sua
influência no alto escalão do Governo é inconteste, até pela condição de
primo do Chefe do Poder Executivo e de ter exercido o poderosíssimo
cargo de Secretário-Chefe da Casa Civil.
Prova disso são as incontáveis visitas à sua residência
de pessoas e autoridades do Governo que lá estiveram após ter deixado a
Casa Civil.
Segundo provam os registros de entrada e saída do
Condomínio Florais Cuiabá Residencial, recolhidos nos autos do Inquérito
n. 78323/2017, desde 11/5/2017 até 9/8/2017, somente o atual Secretário-
Chefe da Casa Civil, José Adolpho de Lima Avelino Vieira, lá esteve por
quatro vezes, sem falar no Superintendente de Assuntos Estratégicos da
Casa Civil, Sérgio Walmir Monteiro Salles [três vezes]; no assessor
especial da Casa Civil, Selmo Antônio [três vezes]; na Secretária-Adjunta
de Gestão Integrada da Casa Civil, Ana Paula Cardoso; no assessor
parlamentar Jorge Luiz Lisboa, Oficial e Graduado da PM, investigador de
polícia, etc.1
Pelo que se descortinou até este momento, todos os
investigados, repito, todos, sem exceção, contribuíram, de maneira direta
ou indireta no sentido de interferir nas investigações criminais,
1 As informações sobre os cargos foram obtidas no Google.
110
prejudicando, sobremaneira, os trabalhos policiais, a começar pelo
advogado Marciano Xavier das Neves, responsável por ser a ponte, o elo,
entre o Escrivão do IPM, Ten.-Cel. Soares com a suposta organização
criminosa, e foi a pessoa responsável por ficar com o arquivo do diálogo
ilegalmente gravado em reunião realizada em meu gabinete.
De igual, ou quiçá, maior relevância, é a contribuição
de Helen Christy Carvalho Dias Lesco para o prejuízo das investigações,
pois partiu dela o primeiro contato com o Ten.-Cel. Soares.
Foi ativa a sua participação no episódio.
Por estar preso o seu marido, Cel. Lesco, teve a
incumbência de granjear peça importante nas investigações: o Ten.-Cel.
Soares, o escrivão do IPM. Foi dela quem partiu as ameaças a ele, dizendo-
-lhe “que a Secretaria de Segurança Pública tinha posse de interceptações
e vídeos que revelavam a sua dependência química [...]” como também de
“outras situações supostamente criminosas, das quais Paulo Taques tinha
conhecimento”.
Assim, Helen Christy agiu direta e deliberadamente
no intuito de prejudicar as investigações policiais, razão pela qual sua
prisão é imprescindível para conveniência da instrução criminal.
Porém, a participação de Helen não para por aí.
Pelo que ficou apurado, até este momento das
investigações policiais, ela é uma das integrantes mais ativas do grupo e
tem o domínio de tudo que acontece, inclusive, ela visitou o Cb. PM
Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, principal operador do Núcleo de
Inteligência, nos primeiros dias de sua prisão, na ROTAM.
111
Constatou-se, ainda, que a representada Helen
Christy, ao desconfiar que o Ten.-Cel. PM Soares desistiu de levar
adiante o plano sórdido de desqualificar minha pessoa, ligou para ele
exigindo a devolução da farda com o equipamento acoplado, com a
finalidade de destruir a materialidade do fato criminoso.
O Cel. PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco – que
cumpre prisão domiciliar, continua agindo de maneira deliberada e
escancarada em prol da organização criminosa, nomeadamente no que
tange ao ardiloso esquema de desmoralização pública da minha pessoa,
voltado ao meu afastamento das investigações.
Ou seja: mesmo monitorado eletronicamente,
cumprindo prisão domiciliar, o Cel. PM Lesco continua trabalhando
incansavelmente para favorecer o grupo e prejudicar as investigações.
No mesmo sentido, a prisão do 2º Sgt. João Ricardo
Soler é indispensável para conveniência da instrução criminal, pois, pelo
que se depreende dos autos, ele é o integrante do grupo criminoso detentor
do conhecimento de equipamentos de espionagem e de inteligência, e, em
liberdade, continuará operando para o grupo criminoso, podendo, com isso,
causar embaraço à lisura na apuração dos fatos.
Do mesmo modo, é necessária a prisão cautelar do
Major Michel Ferronato, por ter sido ele a figura utilizada pelo grupo
para cooptar, num segundo momento, o Ten.-Cel. Soares, oferecendo a ele
a promoção ao cargo de coronelato, em troca de informações e provas que
beneficiavam o grupo criminoso.
Por derradeiro, temos a figura de José Marilson da
Silva, antigo sócio da empresa Simples IP, e responsável pelo
112
desenvolvimento do Sistema Sentinela, utilizado pelo grupo criminoso
para a prática criminosa de interceptação telefônica.
O nome de José Marilson, aliás, foi citado também
pelo Ten.-Cel. José Henrique Costa Soares, porquanto o Cel. PM Lesco
disse a este que “o equipamento WYTRON estaria guardado com o
MARILSON, ex-sócio proprietário da empresa SIMPLES IP”, o que
demonstra, de maneira concreta, o seu envolvimento com a organização
criminosa, de modo que a necessidade de sua prisão é inconteste.
Tudo isso são sintomas que demonstram a
probabilidade de atuarem contra a lisura do processo, especialmente, da
instrução processual.
Que o grupo age também na destruição de provas,
nisso não se põe dúvidas.
Lembro a situação em que o Dr. Mauro Zaque, então
Secretário de Segurança Pública, chamou, em outubro de 2015, os
Coronéis Siqueira e Zaqueu em sua residência, revelando a eles saber da
existência do grupo criminoso que atuava em interceptações telefônicas
clandestinas. Na ocasião, exigiu deles pronto e imediato pedido de
exoneração, acusando-os de integrarem a organização.
Bastou a revelação para que o grupo, com a rapidez
dos neutrinos, fizesse desaparecer o Sistema Sentinela, que estava instalado
nas dependências da empresa Titânia Telecom.
No dia 8 de outubro daquele ano, sumiu-se com a
parafernália.
Testemunhas auscultadas sobre esse fato ora descreve a
participação do Cb. PM Euclides Luiz Torezan, ora relatam, pelas
113
características físicas, a presença do Cb. PM Gerson na retirada do
equipamento da empresa Titânia.
Agora, como num jogo de empurra-empurra, vem a
informação de que é Marilson – ex-sócio proprietário da empresa
SIMPLES IP –, quem abriga, a sete chaves, o equipamento Sentinela, onde
se guardam provas e informações preciosíssimas quanto aos crimes
cometidos.
Outro fato grave que demonstra que evidencia a
imprescindibilidade da prisão cautelar de José Marilson da Silva, por
conveniência da instrução criminal, diz respeito ao seu comportamento, no
mínimo, insólito, durante as investigações policiais, ao afirmar que
subscreveu o documento que comprova a retirada do equipamento
Sentinela, mas que não estava no local:
“Que mostrado a testemunha o documento que consta
a assinatura de retirada de um equipamento no dia 08 de
outubro de 2015, da empresa Titânia, a testemunha confirma a
assinatura é sua, no entanto, não esteve nesse local, nesta data e
horário e que assinou posteriormente, para comprovar o período
de locação daquele espaço; Que o equipamento que se refere a
sua assinatura não era o Sentinela e sim um servidor de um
cliente da Simples IP; Que coincidiu a retirada daquele local do
Sistema Sentinela com o dia em que foi retirado o servidor de um
cliente da Simples IP” [doc. 14].
Este fato demonstra a capacidade do grupo em destruir
e ocultar provas.
Ainda no terreno dos fatos, os olhos se acomodam na
afirmação do Ten.-Cel. Soares de que o Ten.-Cel. Óttoni conseguiu,
114
“enquanto estava secretariando os trabalhos do IPM, impedir que a prisão
do Cel. PM Siqueira saísse, e também sequer saiu o seu indiciamento”.
Parece mesmo que forças ocultas trabalham para, a
qualquer custo, blindar o Cel. PM Siqueira.
Os elementos probatórios e indiciários levam mesmo à
conclusão que o Cel. PM Siqueira faz parte do grupo, tanto que foi essa a
forte impressão que o Cel. PM Lesco passou ao Ten.-Cel. Soares, quando
cuidava das tratativas de como “proteger o grupo”.
E mais: a preocupação do grupo se estende às
eleições de 2018, como relevou a sobredita testemunha nesta passagem do
seu depoimento:
“Que ele [Cel. Lesco] disse que o grupo estava
preocupado com o andamento dos trabalhos de investigação,
pois poderia refletir na eleição do ano que vem”.
A afirmação permite várias interpretações, dentre elas,
a referente à utilização de escutas ilegais, como se viu na eleição de 2014,
quando os advogados dos principais oponentes foram interceptados em
momento crucial da campanha.
Essa possibilidade também recomenda e impõe a
manutenção dos investigados sob custódia cautelar, até porque – insisto em
lembrar – o Sistema Sentinela não foi apreendido, e pode operar de
qualquer lugar do Brasil, desde que disponha de internet, e de cúmplices,
claro, muito fácil de cooptar.
Percebe-se, portanto, que todos os envolvidos na trama
delituosa, cada um à sua maneira, tem participação incisiva na condução do
plano arquitetado pela organização criminosa, com o propósito não
115
apenas de prejudicar as investigações, como, principalmente, de me
afastar da condução delas, razão pela qual a decretação da prisão, também
por conveniência da instrução criminal, é medida que se impõe.
Segundo profícuo escólio de Odone Sanguiné:
“O ‘risco de interferência no curso da justiça’,
incluído, inter alia, o risco de conluio ou de obscurecimento da
prova (v.g., informar outras pessoas que podem também estar
sob investigação, conluio com outras pessoas envolvidas no
caso, a destruição de documentos e outras espécies de provas), é
um motivo da prisão preventiva admitido pela legislação da
grande maioria dos países da União Europeia, bem como pela
jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, do
Tribunal Constitucional Alemão e do Tribunal Constitucional
Espanhol.
[...]
Por outro lado, a prisão cautelar somente é compatível
com a Constituição Federal quando decretada com a função de
‘proteção passiva’ das fontes de prova e do processo,
direcionada a impedir atividades ilícitas de destruição ou
alteração do material probatório pelo imputado (v.g., os
vestígios do crime, elementos que constituem o corpo de delito,
um possível testemunho sobre os fatos, reconhecimento pessoal,
intimidação de terceiros para que não declarem a verdade, etc.),
privando de efetividade ao processo penal, por seu caráter
estritamente ‘endoprocessual’” [Prisão Cautelar, Medidas
Alternativas e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense,
2014, p. 240, 245 e 246].
116
Tudo mostra e confirma que o culto dos atrevidos
desconhece limites.
No propósito de conspurcar a honra, a honorabilidade e
credibilidade de quem se postou como “pedra no sapato”, atrapalhando os
“interesses do grupo” –, com a cólera vingativa de Caifás e trombeteando o
halali, saíram à caça da presa adrede escolhida.
Não podendo atuar senão embiocados, homiziados,
correram em esbaforida azáfama, à cata de alguém que pudesse se
servilizar, um lacaio capaz de felonias.
Evidentemente que, não fosse alguém que pudessem
corromper, haveria de ser quem conseguissem constranger, coagir e
dominar, alguém com fragilidade ética e moral que pudesse prestar à
vilanagem.
Com a nomeação do Ten.-Cel. Soares para atuar como
escrivão no Inquérito Policial-Militar, viram a oportunidade de intimidá-lo
e subjugá-lo com as informações que o Dr. Paulo César Zamar Taques
recolheu no confessionário de advogado, quando patrocinou seus interesses
na ação de dissolução de sociedade de fato que debateu com seu irmão Ivan
Costa Soares.
Tendo na algibeira uma arma mortal contra o Ten.-Cel.
Soarez, renderam-no à cochinada, à pravidade e à traição.
Tocado em suas fibras mais sensíveis – o amor à farda
e à sua Instituição –, premido pelas ameaças não lhe restou alternativa
senão anuir à trampolinagem, ao ardil, e à astúcia.
117
Mal sabiam que estavam a tratar com homem que
guardava e professava princípios rigorosos, esculpidos a buril no seio de
sua família de sangue e da castrense.
Ainda obnubilado pela coação irresistível que se lhe
espingardearam, cedeu-se inicialmente a ela, gravando o primeiro encontro
que teve com este relator quando levado pelo Coronel Catarino –
Encarregado do IPM – para apresentação como novo escrivão.
Cumpriu-se a contento a primeira missão. Com isso,
angariou-lhes confiança.
Mas ainda era pouco, muito pouco o material obtido.
Precisavam de mais.
Necessitavam de imagens, que valem mais que mil
palavras.
Exigiram-lhe, então, fosse gravado, em vídeo, falas
minhas – mesmo provocadas – que pudessem, de alguma forma, atiçar-me
a pecha de parcialidade.
Como as investigações se voltaram também contra o
Secretário de Segurança Pública, e temendo que alguma medida cautelar
fosse deferida contra ele no decorrer da semana que passou, ordenaram
pressa no cumprimento da tarefa conferida. Não tardaram a colocar os
rosários a trabalhar.
Chegaram, inclusive, a combinar uma reunião na
segunda-feira (18/9), onde se faria presente o Ten.-Cel. Soares, o Major
Ferronato e um Promotor de Justiça, que estaria conluiado com o grupo, ao
menos no propósito de afastar-me da condução do processo e dos
procedimentos relacionados com a “grampolândia pantaneira”.
118
Tudo, entretanto, veio por água abaixo.
Um exame de consciência fez com que seus rígidos
princípios morais e éticos rompessem a crosta da coação, que chegou a
movimentar ações em favor da organização criminosa.
A lavra ardente de sua dignidade fez cair a escama que
lhe deitou nos olhos.
Ao contrário do homúnculo, do sabujo que julgavam
estar a tratar, exsurgiu, vibrante e atuante, o brioso homem/militar, que tem
em sua honra e em sua dignidade valor maior do que sua própria vida.
Emergindo do pego de esterco que o confinaram, da
diabrura que o meteram, procurou a Justiça como quem procura um padre,
para conforto de sua alma levada, a fórceps, nos confins do inferno.
A confissão, naquela altura, era o bálsamo que seu
atormentado espírito reclamava e implorava.
A peito aberto, revelou à autoridade policial toda a
putredinosidade da inaudita trama criminosa, que estava a atentar não
apenas contra o Relator dos procedimentos, mas contra o Estado de Direito
e a própria democracia.
Rui Barbosa, ao seu tempo, já dizia que “a audácia é a
alavanca das grandes aventuras do mal”.
Caiu a máscara, desarmou-se a esparrela.
No propósito de afastar-me da ação penal e dos demais
procedimentos sob minha direção, era preciso movimentar a opinião
pública. Por isso urdiram colocar as infâmias nas asas falconídeas da
119
imprensa, certamente a teúda e manteúda – pagas para disseminar maldades
e destruir reputações ilibadas.
É evidente que estou a falar de uma minoria absoluta
da imprensa, porque, de modo geral, nossos veículos de comunicações são
sérios e ilibados, e jamais se prestariam a desserviços contra a democracia e
a cidadania.
Com isso, fariam pirotecnias e grande estendal com a
esquizofrênica acusação de parcialidade do condutor dos procedimentos.
Sabiam que a fulmínea pasquinagem provocaria
alvoroço e zaragalhada na sociedade.
Lançadas as venéficas plumas ao vento, recolhê-las
assemelharia ao suplício de Sísifo, figura da mitologia grega, condenado
por Zeus a empurrar, eternamente, ladeira acima, uma pedra que rolava de
novo ao atingir o topo de uma colina.
A intenção era levar-me à rendição.
Nessa história, o mais surreal e estarrecedor é a
possível participação do Ministério Público nesse enredo criminoso,
Instituição à qual devoto o maior apreço, admiração e respeito, pelo fato de
ter sido amamentado, embalado e criado dentro dessa família.
Tenho dito, vezes reiteradas, que as instituições não
são melhores umas que as outras. Constituídas por homens pecadores,
sempre haverá necessidade de expungir, de defenestrar aqueles que as
enodoam e que, por isso, não se mostram dignos de integrá-las.
O problema é que algumas instituições, porque detêm o
estilingue nas mãos e trabalham sempre como pedra, acham,
120
equivocadamente, que em suas fileiras se encastelam homens mais
virtuosos que outras.
No caso em exame, há denúncia de que um Promotor
de Justiça – representando um grupo do Ministério Público interessado em
alijar-me dos processos –, estaria aliado à organização criminosa, cujo
mister seria o de dar forma e conteúdo a uma exceção de suspeição,
inclusive com instruções ao Ten.-Cel. Soares de “como deveria falar, como
falar, o que falar e de quem falar”.
É preciso que o Ministério Público, em procedimento
criminal instaurado no Tribunal de Justiça – e não a quatro paredes,
como se costuma fazer –, assim como no âmbito administrativo – em
averiguação interna –, apure com seriedade e rapidez a informação
trazida, provada por áudio captado pelo Ten.-Cel. Soares, que gravou falas
do Cel. Lesco nesse sentido.
É preciso compreender que, neste mundo, nada se
constrói senão à custa de uma destruição equivalente. E até as pedras
sabem que, quando se trata de investigar os seus, o Ministério Público de
Mato Grosso não tem a mesma eficiência quando os investigados são reles
mortais. Ninguém pode se bater no peito e arvorar-se no direito de
vassourar a casa alheia se, antes, não limpar sua própria soleira e testada.
Que dizer da “cutilada” de dias atrás, que a imprensa
chamou de “alfinetada”?
Grande alvoroço e estardalhaço também se fez com o
afastamento das funções do Secretário de Segurança Pública, Rogers
Elizandro Jarbas.
121
Promoveu-se até uma manifestação governamental, na
qual trombetearam e matraquearam, a mais não poder, a parcialidade
deste Relator.
Com a boca cheia de probidade para nodoar o nome
alheio, anunciou-se que vão questioná-la no Conselho Nacional de Justiça.
Pensa meu detrator que pode corrigir-me a palmatórias.
Mal sabe o cadinho no qual minha personalidade foi
forjada.
Fica dito que respeito se paga na mesma proporção que
se recebe.
O tom apostólico da desazada acusação de
parcialidade, que me querem encangalhar, não impressiona nem as almas
de estrumeira.
Mas, “a água que cai gota a gota cava a pedra”
(Lucrécio).
A ideia sempre foi simples, mas maquiavélica.
Desacreditando-se e desmoralizando-se o Relator,
estariam comprometidas todas as provas coligidas, como também as
decisões proferidas e por se proferir, porque retirado o que se apresenta de
mais caro e essencial à Justiça, que é a credibilidade e a confiança do
cidadão.
“O cálice não tem valor pelas pedras preciosas que o
adornam, mas pelas mãos que o erguem” (Geovanni Papine).
Esta a vilanagem urdida.
122
Captado qualquer indício – por menor que fosse –, que
pudesse sugerir a iniquidade do Relator, bem trabalhado na imprensa, na
opinião pública – que abertamente planejavam utilizar – o elevaria à
condição de prova incontestável da parcialidade deste julgador, o que poria
a pique até as prisões já decretadas, porque ditadas por quem nunca
guardou ânimo de imparcialidade.
Uma vez cimentados e assoalhados os malsins na
opinião pública, faltaria apenas o ato final da histrionice: a exceção de
suspeição.
E pelo que apontam as provas recentemente colhidas,
entraria em cena o Ministério Público com seus bambus embebidos no
sangue da Hidra de Lerna, que me flechariam mortalmente na exceção de
suspeição que promoveriam.
Entretanto, meu espírito se recusa a acreditar que
qualquer membro do Ministério Público possa ter se aliado à trama
criminosa.
E não há como negar que a pretensão tinha mesmo
efeitos de carmim, que embutia o propósito de alijar-me da relatoria do
procedimento, quando não, da vigilância do Tribunal e da própria
OAB/MT.
Também não é possível esconder que a sociedade tem
acompanhado com desconfianças o comportamento de membro[s] do
Ministério Público no caso da “grampolândia pantaneira”. E tem razões
de sobras para isso.
123
Mas não podemos nem devemos perder nossa fé em
tão nobre e útil instituição da nossa sociedade, que tem prestado inauditos
serviços ao Brasil.
Prefiro acreditar que o comprometimento de
membro[s] do Ministério Público neste caso seja apenas fanfarronice,
bravatas e calúnia relapsa contra tão integérrima instituição, constituída de
homens íntegros e probos, que jamais associariam a tamanha
putredinosidade.
De qualquer forma, estando os fatos a desvelar a
possibilidade – anunciadas pelos próprios implicados nas ações delituosas –
de que um “grupo do Ministério Público” estaria a compactuar e a
coadjuvar tão ignóbil traição, faz-se imprescindível a rigorosa apuração
das sobreditas declarações, até, se for o caso, para punição exemplar dos
caluniadores.
E se deve mergulhar fundo nas investigações para que
não paire, ao final delas, qualquer nesga de dúvidas de que “alguém” do
Ministério Público possa ter consentido e transigido com tamanha
vilanagem contra um membro desta Corte de Justiça.
Conhecendo seus membros, especialmente os da alta
cúpula do Órgão, afianço e asseguro que tudo não passa de bazófias,
bravatas e fanfarronice dos membros do grupo, utilizados para cooptar o
Ten.-Cel. Soares, mostrando-lhe que tinha o apoio de uma instituição séria
e forte.
De qualquer sorte, é preciso afastar qualquer juízo de
valor negativo perante a sociedade.
124
Sabemos que não é fácil se desfazer de grandes
calúnias, que não se rende jamais e semeia até em areias.
É preciso desfazê-las, até porque determinadas
profissões reclamam normas de conduta diferenciadas, que, quando
inobservadas, emasculam a própria dignidade do cargo, função ou
profissão.
É Erasmo de Roterdã [Elogios à Loucura, Ed. Rideel,
p. 135] quem disse que os vícios e os crimes dos súditos são infinitamente
menos contagiosos dos que os do senhor [...], e que o príncipe, quando dá
maus exemplos, seu procedimento é uma peste que contagia rapidamente,
fazendo grandes estragos.
Por isso, é imprescindível investigar, não apenas em
sindicância, mas em procedimento criminal instaurado no âmbito do
Tribunal de Justiça, o que será determinado em ato próprio e específico.
Forte em tais razões, entendo presentes a prova da
materialidade e os indícios suficientes de autoria pela prática dos crimes
de organização criminosa [art. 2º, da Lei n. 12.850/2013], de embaraço à
investigação de infração penal que envolva organização criminosa [art. 2º,
§ 1º, da Lei n. 12.850/2013], de coação no curso do processo [art. 344, CP],
de corrupção ativa [art. 333, CP], de denunciação caluniosa, em sua
modalidade tentada [art. 339, CP], em relação aos representados PAULO
CÉSAR ZAMAR TAQUES, MARCIANO XAVIER DAS NEVES,
HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO, CEL. PM
EVANDRO ALEXANDRE FERRAZ LESCO, SGT. PM JOÃO
RICARDO SOLER, MAJOR PM MICHEL FERRONATO, ROGERS
ELIZANDRO JARBAS, CEL. PM AIRTON BENEDITO DE
SIQUEIRA JÚNIOR e de JOSÉ MARILSON DA SILVA, razão pela
125
qual, a meu sentir, a prisão se patenteia imprescindível para garantia da
ordem pública e por conveniência da instrução criminal.
Não visualizo, pelo menos por ora, indícios
suficientes de autoria ou de participação da advogada Samira Martins no
grupo criminoso, cuja conclusão poderá ser modificada, obviamente, no
decorrer das investigações, caso advenha algum fato novo que demonstre
seu envolvimento com o grupo criminoso formado.
DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA
PRISÃO FIXADAS AO INVESTIGADO MARCIANO XAVIER DAS
NEVES
A despeito da representação apresentada pelas
autoridades policiais, pela decretação da prisão cautelar do advogado
Marciano Xavier das Neves, não visualizo, pelo menos por ora, a
necessidade de imposição da medida extrema.
Segundo bem asseverado pelos representantes, o
investigado Marciano Xavier das Neves foi o responsável em passar o
primeiro recado da suposta organização criminosa para o Ten.-Cel. Soares,
e posteriormente recebe o áudio – captado de maneira clandestina – de uma
reunião realizada em meu Gabinete.
Não obstante o aparente envolvimento do advogado
Marciano Xavier das Neves com o grupo criminoso, entendo que – sem
descurar a gravidade de sua conduta –, sua participação na empreitada
delituosa pode ser reputada de somenos importância, dado que, em
princípio, ficou responsável por dar o “recado” ao Ten.-Cel. Soares, em
razão da facilidade de acesso ao Escrivão do IPM, bem como recepcionou
o áudio gravado clandestinamente em meu gabinete.
126
Por esta razão, entendo por bem, pelo menos no atual
estágio das investigações, aplicar ao advogado MARCIANO XAVIER
DAS NEVES medidas cautelares diversas da prisão, dentre elas: o
comparecimento periódico em juízo; a proibição de ausentar-se do País; e o
pagamento de fiança, no valor de R$ 9.370,00 [nove mil, trezentos e
setenta reais].
DA EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO
As autoridades policiais representaram, ainda, pela
expedição de mandados de busca e apreensão, justificando a necessidade da
medida para apreensão de documentos e aparelhos eletrônicos (celular,
notebook, HDs, pen drives, etc.), e de quaisquer outros objetos que tenham
interesse para a investigação.
Requerem, ainda, se deferida a apreensão, a
autorização para extração dos dados dos referidos aparelhos eletrônicos
apreendidos, principalmente os celulares, a fim de evitar futura alegação de
ilegalidade na obtenção de provas.
O art. 240 do CPP prescreve:
“Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando
fundadas razões a autorizarem, para:
[...]
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios
criminosos;
[...]
127
e) descobrir objetos necessários à prova de infração
ou à defesa do réu;
[...]
h) colher qualquer elemento de convicção”.
A despeito da excepcionalidade da medida pretendida
pelos representantes, entendo que, no caso concreto, ela se revela de todo
plausível e indispensável, sobretudo no intuito de obter elementos
informativos hábeis a contribuir para elucidação dos fatos.
As espécies dos crimes praticados, especialmente
aquele envolvendo escutas telefônicas ilegais, recomendam a medida
solicitada pela autoridade policial.
Afora as interceptações clandestinas, que podem ter
sido conservadas, há ainda o próprio Sistema Sentinela e as placas
Wytron, que não foram apreendidas, podendo estar em qualquer lugar,
principalmente na residência de suspeitos e insuspeitos, notadamente de
amigos e parentes.
Dentre os atuais insuspeitos, podemos citar a pessoal
do Coronel aposentado José Renato Martins da Silva.
Segundo Relatório de Inteligência n. 1/2017, “o
coronel aposentado JOSÉ RENATO MARTINS DA SILVA é da mesma
loja maçônica de Paulo Taques e que estaria dando todo apoio a
organização criminosa, inclusive guardando documento e provas para
proteger a organização criminosa em sua casa”.
A necessidade de buscas, também, se espraia para
qualquer tipo de provas que possam acrescentar ou corroborar as já
existentes.
128
Sempre pareceu-me mesmo indispensáveis as buscas e
apreensões, inclusive aquelas reclamadas no Inquérito Policial Militar, que
não foram deferidas em decorrência de vazamento de informações sobre
elas, o que as tornariam infrutíferas.
É preciso mesmo perscrutar provas que possam estar
em poder dos investigados e até mesmo de terceiros, importantes para as
investigações.
Até pela natureza dos delitos pelos quais se veem
increpados, impõe-se a relativização de direitos fundamentais, consoante
consignado com propriedade pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão
monocrática proferida pelo Ministro Luiz Fux, na Petição n. 7.220, a busca
e apreensão, “trata-se de medida que [...] possibilita. Consoante expressa
autorização do próprio legislador constitucional que se excepcione a
garantia da inviolabilidade de domicílio expressa no art. 5º, XI, da
Constituição Federal, a qual, por não possuir natureza absoluta, pode ser,
com a devida autorização judicial e em período diurno, relativizada em
nome do interesse público de colher elementos probatórios úteis e
necessários ao prosseguimento de investigação de fato de natureza penal”.
Sem desmerecer o sigilo profissional que recai sobre
documentos e instrumentos de trabalho que contenham informações sobre
clientes, protegidas pelo ordenamento jurídico vigente, há base empírica a
comprovar que nos escritórios de advocacia dos investigados Marciano
Xavier das Neves e Paulo Cesar Zamar Taques podem ser encontradas
peças, objetos e documentos relevantes para as investigações.
No mesmo sentido, é proporcional a medida de busca e
apreensão nas residências dos envolvidos, porquanto nelas, ao que tudo
indica, podem ser encontrados objetos relacionados aos delitos sob
129
apuração, bem como documentos que contribuam para o descortinamento
de outras infrações penais.
Neste ponto, convém salientar que, não visualizo, pelo
menos até o atual estágio das investigações, indícios suficientes de autoria
em relação à representada SAMIRA MARTINS, não havendo base
empírica, portanto, a autorizar a medida contra sua pessoa.
No atinente ao representado José Marilson da Silva, a
probabilidade de localizar equipamentos, ou informações relacionadas a
eles, utilizados pelo Núcleo da Polícia Militar, é concreta, o que autoriza a
concessão da ordem não apenas na empresa Simples IP, mas, também, na
residência, e na nova empresa constituída pelo investigado, qual seja, na
Empresa S3S TELECOM E TI.
No mesmo sentido, há fortes indícios de serem
localizados documentos e objetos ligados à prática de fatos criminosos na
Casa Militar, órgão que até bem pouco tempo era comandado pelo Cel.
PM Evandro Alexandre Ferraz Lesco, assim como nas dependências da
Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, conduzida pelo Cel.
PM Airton Benedito de Siqueira Júnior.
Neste particular, importa averiguar se o aparelho
espião, instalado na gandola do Ten.-Cel. Soares, pertence ou não à Casa
Militar.
A expedição da ordem de busca e apreensão no Auto
Posto Bom Clima e no Auto Posto Gold tem por finalidade a obtenção de
elementos probatórios a confirmar as declarações prestadas pelo Ten.-Cel.
José Henrique Costa Soares.
DA QUEBRA DE DADOS NOS APARELHOS
130
APREENDIDOS – EM ESPECIAL NOS CELULARES
Além da representação pela expedição do mandado de
busca e apreensão, os delegados de polícia requerem autorização para
extração dos dados dos aparelhos eletrônicos a serem apreendidos, em
especial, dos celulares.
A meu sentir, a situação retratada nos autos não está
protegida pela Lei n. 9.296/1996, nem pela Lei n. 12.965/2014, haja vista
não se tratar de quebra sigilo telefônico por meio de interceptação
telefônica.
Entretanto, apesar de não cuidar de violação da
garantia de inviolabilidade das comunicações, prevista no art. 5º, inciso
XII, da CF, a jurisprudência atual, nomeadamente a do Superior Tribunal
de Justiça, entende que a extração de dados contidos no aparelho
celular, dentre eles, o acesso a mensagens de textos armazenadas, sem
autorização judicial devidamente motivada, configura violação à
inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no art. 5º, inciso
X, da Constituição da República, passível de nulificação da prova obtida.
Colho da jurisprudência:
“[...] 1. Embora a situação retratada nos autos não
esteja protegida pela Lei n. 9.296/1996 nem pela Lei n.
12.965/2014, haja vista não se tratar de quebra sigilo telefônico
por meio de interceptação telefônica, ou seja, embora não se
trate violação da garantia de inviolabilidade das comunicações,
prevista no art. 5º, inciso XII, da CF, houve sim violação dos
dados armazenados no celular do recorrente (mensagens de
texto arquivadas).
131
2. No caso, deveria a autoridade policial, após a
apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do
sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia, igualmente
constitucional, à inviolabilidade da intimidade e da vida privada,
prevista no art. 5º, inciso X, da CF. Dessa forma, a análise dos
dados telefônicos constante do aparelho do recorrente, sem sua
prévia autorização ou de prévia autorização judicial
devidamente motivada, revela a ilicitude da prova, nos termos do
art. 157 do CPP [...]” [STJ, RHC 78.747/RS, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017].
Em contrapartida, não há nenhuma ilegalidade, ou
ofensa à garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da
honra e da imagem das pessoas, quando a quebra de sigilo de dados
telefônicos se revelar imprescindível para desvendar a prática de atos
criminosos, ou para a descoberta de novos envolvidos na trama delituosa,
consoante se infere no caso em apreço.
No caso dos autos, repita-se, as informações a serem
obtidas se afiguram de relevância ímpar para a elucidação dos fatos
apurados, nomeadamente para se conseguir elementos quanto ao
envolvimento de outras pessoas na trama delituosa, a fim de desvendar
outros integrantes da possível organização criminosa formada, bem como
para subsidiar as investigações policiais e robustecer os elementos
probatórios até então colhidos na fase inquisitorial.
DA CONDUÇÃO COERCITIVA
As autoridades policiais representaram, ainda, pela
condução coercitiva do Corregedor-Geral da Polícia Militar do Estado de
132
Mato Grosso, Cel. PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, sob o pretexto
de que “a engenharia envolvendo a farda usada na Corregedoria em
questão seria peça fundamental, para que a trama arquitetada
prosperasse”.
Analisando com acuidade os argumentos aduzidos
pelos representantes, verifico que a medida pretendida é necessária,
sobretudo para evitar que investigados ou testemunhas combinem versões
com o intuito de prejudicar as investigações.
Apesar de não ser investigado como integrante da
organização criminosa, entendo relevante a oitiva do Corregedor-Geral
da PMMT, na condição de testemunha, nomeadamente para que possa
esclarecer a questão atinente à modificação do fardamento utilizado na
Corregedoria, conforme asseverado pelos promoventes da representação.
No mesmo sentido, as autoridades policiais, ora
representantes, entendem imprescindível a condução coercitiva da
advogada Samira Martins, em face da presença de indícios que
demonstram seu envolvimento com outros integrantes da provável
organização criminosa.
Consoante salientei em outra passagem desta decisão,
não obstante sua proximidade com a investigada Helen, e seu breve contato
com o Ten.-Cel. Soares, não há base empírica a demonstrar a necessidade
de sua condução coercitiva, razão pela qual indefiro a medida em relação
à aludida investigada.
À vista do exposto:
(i) ACOLHO a REPRESENTAÇÃO DA
AUTORIDADE POLICIAL e, com fundamento nos artigos 311 e 312,
133
ambos do Código de Processo Penal, DECRETO A PRISÃO
PREVENTIVA dos seguintes investigados:
(i.i) PAULO CESAR ZAMAR TAQUES, nascido
aos 15/11/1968, inscrito no CPF n. 469.178.881-68, filho de Vera Zamar
Taques e João José R. Taques, residente e domiciliado na Rua das
Camélias, n. 245, Condomínio Florais Cuiabá, nesta Capital;
(i.ii) CEL. PM AIRTON BENEDITO DE
SIQUEIRA JÚNIOR, nascido aos 24/2/1973, filho de Ana Antônia
Conceição de Siqueira e Airton Benedito de Siqueira, CI n. 878962
PMMT, residente e domiciliado na Rua dos Hibiscos, Lote 10, Quadra 9,
Condomínio Florais, nesta Capital;
(i.iii) ROGERS ELIZANDRO JARBAS, nascido aos
31/1/1974, inscrito no CPF n. 095.695.858-38, filho de Dalvina da Piedade
Jarbas e Jaime Correa Jarbas, residente e domiciliado na Rua Cuiabá, n. 45,
Jardim Itália, Condomínio Alphaville 2, nesta Capital;
(i.iv) CEL. PM. EVANDRO ALEXANDRE
FERRAZ LESCO, nascido aos 20/3/1973, CPF n. 569.677.481-49, filho
de Emiliana Ferraz Lesco e Cecílio Lesco, residente e domiciliado na Rua
Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom
Clima, nesta Capital;
(i.v) SGT. PM JOÃO RICARDO SOLER, nascido
aos 22/7/1978, CPF n. 801.907.661-15, filho de Ilza Maria da Silva Soler e
João Gonçalves Soler, residente e domiciliado na Rua Equador, Quadra 11,
Lote 2, bairro Ikaraí, Várzea Grande/MT;
(i.vi) MAJOR PM MICHEL FERRONATO,
nascido aos 6/5/1976, inscrito no CPF n. 569.474.701-10, filho de Ivone
134
Fernandes Ferronato, residente e domiciliado na Av. Vereador Juliano da
Costa Marques, n. 877, apto. 703, Torre 4, Residencial Bonavita, bairro
Jardim Aclimação, nesta Capital;
(i.vii) HELEN CHRISTY CARVALHO DIAS
LESCO, nascida aos 11/11/1978, CPF n. 696.427.291-72, filha de Maria
da Conceição Carvalho dos Santos, residente e domiciliada na Rua
Minuano, Quadra 8, n. 165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom
Clima, nesta Capital; e,
(i.viii) JOSÉ MARILSON DA SILVA, nascido aos
10/9/1966, filho de Josefa Rosa da Silva e Luiz João da Silva, residente e
domiciliado na Avenida Cuiabá, n. 480, Bairro Cohab Nova, nesta Capital.
(ii) ACOLHO EM PARTE A REPRESENTAÇÃO
APRESENTADA, FIXANDO AO REPRESENTADO MARCIANO
XAVIER DAS NEVES as seguintes medidas cautelares:
(ii.i) comparecimento em juízo, todo quinto dia útil de
cada mês, para informar e justificar suas atividades;
(ii.ii) proibição de ausentar-se do País, comunicando-
se as autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do
território nacional, devendo o paciente entregar o passaporte na
Secretaria do Departamento do Tribunal Pleno deste Sodalício,
no prazo de vinte e quatro horas.
(ii.iii) pagamento de fiança, no prazo de vinte e quatro
horas, no valor de R$ 9.370,00 [nove mil, trezentos e setenta
reais].
(iii) DEFIRO A EXPEDIÇÃO DOS MANDADOS
DE BUSCA E APREENSÃO a serem cumpridos nos seguintes locais:
135
(iii.i) residência de PAULO CESAR ZAMAR
TAQUES, situado na Rua das Camélias, n. 245, Condomínio Florais
Cuiabá, nesta Capital;
(iii.ii) escritório de advocacia de PAULO CESAR
ZAMAR TAQUES, situado na Rua Deputado Roberto Cruz, n. 216, bairro
Miguel Sutil, nesta Capital;
(iii.iii) escritório de advocacia de MARCIANO
XAVIER DAS NEVES, localizado na Avenida Historiador Rubens de
Mendonça, n. 1.894, Edifício Maruanã, nesta Capital;
(iii.iv) residência dos investigados HELEN
CHRISTY CARVALHO DIAS LESCO e CEL. PM EVANDRO
ALEXANDRE FERRAZ LESCO, situada na Rua Minuano, Quadra 8, n.
165, Condomínio São Conrado, Bairro Jardim Bom Clima, nesta Capital;
(iii.v) residência do 2º Sgt. JOÃO RICARDO
SOLER, situado na Rua Equador, Quadra 11, Lote 2, Bairro Ikaraí, Várzea
Grande/MT;
(iii.vi) residência do MAJOR PM MICHEL
FERRONATO, localizada na Avenida Vereador Juliano da Costa
Marques, n. 877, Apartamento 703, Torre 4, Residencial Bonavita, Bairro
Jardim Aclimação, nesta Capital;
(iii.vii) residência de ROGERS ELIZANDRO
JARBAS, situada na Rua Cuiabá, n. 45, Bairro Jardim Itália, Condomínio
Alphaville 2, nesta Capital;
(iii.viii) residência do CEL. PM AIRTON
BENEDITO DE SIQUEIRA JÚNIOR, localizada na Rua dos Hibiscos,
Lote 10, Quadra 9, Condomínio Florais, nesta Capital;
136
(iii.ix) residência de JOSÉ MARILSON DA SILVA,
situada na Avenida Cuiabá, n. 490, Bairro Cohab Nova, nesta Capital;
(iii.x) residência do Cel. PM JOSÉ RENATO
MARTINS DA SILVA, situada na Avenida Leônidas de Carvalho, n. 175,
Bairro Consil, nesta Capital;
(iii.xi) empresa SIMPLES IP, localizada na Avenida
Isaac Póvoas, n. 901, Sala 101, Edifício Mirante do Coxim, nesta Capital;
(iii.xii) empresa S3S TELECOM E TI, localizada na
Avenida Fernando Corrêa da Costa, n. 248, Sala 4, Bairro Poção, nesta
Capital;
(iii.xiii) dependências da CASA MILITAR, Palácio
Paiaguás, Centro Político e Administrativo;
(iii.xiv) Gabinete do Cel. PM SIQUEIRA, na
SECRETARIA DE ESTADO DE JUSTIÇA E DIREITOS
HUMANOS, Rua Tenente Eulálio Guerra, n. 488, Bairro Quilombo, nesta
Capital;
(iii.xv) AUTO POSTO BOM CLIMA, situado na
Avenida República do Líbano, n. 1743-1875, Bairro Jardim Monte Líbano,
nesta Capital;
(iii.xvi) AUTO POSTO GOLD, situado na Avenida
Miguel Sutil, n. 4491, Bairro Despraiado, nesta Capital;
Ficam as autoridades policiais e demais agentes
responsáveis pelo cumprimento dos respectivos mandados, autorizados a
apreender documentos de qualquer natureza, inclusive agenda pessoal,
planilhas e quaisquer outros elementos de provas relacionados aos
ilícitos narrados na presente representação.
137
Defiro, ainda, a busca e apreensão de equipamentos
eletrônicos [aparelhos celulares, notebooks, HDs, pen drives, etc.], e
qualquer outro objeto que tenha interesse para a investigação, inclusive as
imagens do circuito interno de televisão existentes nos aludidos locais,
nomeadamente nos estabelecimentos comerciais Auto Posto Bom Clima e
Auto Posto Gold.
Estão autorizados, ainda, a apreender todo e qualquer
material utilizado para espionagem, para serviço de inteligência, em
especial de captação de áudio e imagens [óculos, chaveiros, canetas,
broches, etc.] ou utilizados para interceptações telefônicas, em especial, as
placas dos Sistemas Wytron e Sentinela.
Defiro, ainda, a busca e apreensão dos equipamentos
eletrônicos utilizados pelos investigados, em especial, dos aparelhos
celulares, ficando, desde já, autorizado o acesso ao conteúdo e os dados
armazenados, haja vista a possibilidade que contenha material probatório
relevante.
Os responsáveis pelo cumprimento dos mandados
deverão agir com cautela e discrição, apenas durante o dia, isto é, das 6 às
20 horas.
Ressalto, ainda, que no atinente ao[s] escritório[s] de
advocacia, o cumprimento do mandado de busca e apreensão deverá ser
cumprido na presença de representante da OAB, sendo vedada a
utilização de documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes
do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho
que contenham informações sobre clientes.
Contudo, a ressalva acima não se estende a clientes do
advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como
138
partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à
quebra da inviolabilidade [art. 7º, §§ 6º e 7º, do Estatuto da OAB].
Portanto, não se aplica a restrição contida no Estatuto
da OAB às mídias, aos objetos e aos documentos relacionados a clientes
suspeitos de integrarem a organização criminosa.
(iv) AUTORIZO a CONDUÇÃO COERCITIVA do
Corregedor-Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso, CEL. PM
CARLOS EDUARDO PINHEIRO DA SILVA, para prestar os
esclarecimentos nos autos perante a autoridade policial.
(v) DEFIRO, por fim, o pedido de compartilhamento
de provas. Para tanto, determino a extração de fotocópia do Inquérito
Policial n. 87132/2017 e sua posterior remessa ao Encarregado do
Inquérito Policial Militar n. 66673/2017.
Da mesma forma, requisite-se ao Encarregado do IPM,
Cel. PM Jorge Catarino de Morais Ribeiro, fotocópia de tudo que foi
produzido [inclusive dos autos suplementares], encaminhando,
posteriormente, à Delegada de Polícia ANA CRISTINA FELDNER, para
providências necessárias.
(vi) INDEFIRO, por fim, a representação pela
expedição de mandado de busca e apreensão, e de condução coercitiva, em
relação à investigada SAMIRA MARTINS.
Expeçam-se os mandados de prisão e de busca e
apreensão, a serem entregues diretamente à delegada de polícia, ora
representante.
Cumpridos os mandados, os presos deverão ser,
imediatamente, apresentados – acompanhado do respectivo mandado de
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prisão – ao Juízo da Décima Primeira Vara Criminal da Capital, para
realização da audiência de custódia, nos termos da Resolução CNJ n. 213.
Delego ao juízo da 11ª Vara Criminal da Capital,
todos os poderes para realização da audiência de custódia – em relação
aos investigados presos, bem como do ato processual para audiência
admonitória do investigado Marciano Xavier das Neves, advertindo-o das
medidas cautelares impostas, dentre elas, o pagamento da fiança, e da
possibilidade de decretação da prisão preventiva, em caso de
descumprimento.
Os presos militares deverão ser encaminhados para
Unidades Policiais Militares, enquanto os civis aos estabelecimentos
prisionais adequados, no caso, aqueles com formação superior, ao Centro
de Custódia da Capital.
Comunique-se à Ordem dos Advogados do Brasil,
Seccional Mato Grosso, consoante exigência contida no art. 7º, inciso IV,
da Lei n. 8.906/94, da prisão do advogado, e da necessidade de
acompanhamento do cumprimento do mandado de busca e apreensão nos
escritórios de advocacia.
Por fim, deverá a Diretora do Tribunal Pleno adotar as
medidas necessárias para resguardar o sigilo das diligências.
Cumpridas todas as diligências, dê-se imediata vista
dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para manifestação no prazo de
três dias úteis.
Antes, porém, autue-se como representação pela
decretação de prisão preventiva, expedição de mandados de busca e
apreensão e conduções coercitivas.
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Serve a presente decisão como mandado de
condução coercitiva do Corregedor-Geral da Polícia Militar Cel.
PM Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, bem como de intimação do
advogado Marciano Xavier das Neves.
O advogado Marciano Xavier das Neves deverá
se apresentar ao Juízo da 11ª Vara Criminal da Capital, munido
da presente decisão, para realização da audiência admonitória.
Expeça-se o necessário.
Cumpra-se.
Cuiabá, 26 de setembro de 2017.
Desembargador ORLANDO DE ALMEIDA PERRI,
Relator.