repensando o estado para o desenvolvimento social: superando

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Bernardo Kliksberg REPENSANDO O ESTADO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIAL: SUPERANDO DOGMAS E CONVENCIONALISMOS Tradutor: Joaquim Ozório Pires da Silva

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Page 1: Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando

Bernardo Kliksberg

REPENSANDO O ESTADO PARA ODESENVOLVIMENTO SOCIAL:

SUPERANDO DOGMAS ECONVENCIONALISMOS

Tradutor: Joaquim Ozório Pires da Silva

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Título original: REPENSANDO EL ESTADO PARA EL DESA-RROLLO SOCIAL: Mas Allá de Dogmas y ConvencionalismosBernardo Kliksberg

Capa: DACPreparação de originais: Sandra T. ValenzuelaRevisão: Agnaldo Alves de OliveiraComposição: Dany Editora Ltda.Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada semautorização expressa do autor e do editor.

© 1998 by Autor

Direitos para esta ediçãoCORTEZ EDITORARua Bartira, 387 — Tel.: (011) 864-011105009-000 — São Paulo-SP

Impresso no Brasil — abril de 1998

Apoio: UNESCO — Representação no BrasilApoio: Brasília — DF

ISBN: 85-249-0677-4

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REPENSANDO O ESTADO PARA ODESENVOLVIMENTO SOCIAL:

SUPERANDO DOGMAS E CONVENCIONALISMOS

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ColeçãoQuestões da Nossa Época

Volume 64

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Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

1. Um final de século com um cenário 1. social inquietante . . . . . . . . . . . . . . 11

2. As novas tendências do debate sobre o2. desenvolvimento social . . . . . . . . . . . 20

3. Repensando o papel do Estado . . . . . . 37

4. Linhas de trabalho para o redesenho do4. Estado no campo social . . . . . . . . . . 52

5. Anotação final . . . . . . . . . . . . . . . . 83

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

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APRESENTAÇÃO

O preâmbulo da Constituição da Unesco — umdocumento de quase cinqüenta anos — já alertava,com razoável antecedência, para o fato de que ocrescimento econômico é indispensável, mas nãosuficiente, que o desenvolvimento político é indis-pensável, mas tampouco suficiente, e que a soli-dariedade moral e intelectual da humanidade é ofundamento insubstituível para a paz e a segurançacoletivas.

A Unesco preocupava-se, naquela época, com odesenvolvimento social. Hoje, seu Diretor-Geral,Federico Mayor, vem advertindo que “temos, acimade tudo, o clamor de uma realidade que nos dizser o crescimento econômico algo necessário, masque deve, também, incorporar, indubitavelmente, aperspectiva social e o longo prazo”.

Por conseguinte, esta organização, preocupadacom o desenvolvimento humano como referênciafundamental de seus esforços, empreendeu inúmerasiniciativas em matéria social, participou ativamentede esforços multiinstitucionais de todo tipo, vincu-lados ao tema, e vem estimulando, sistematicamente,a criação de espaços de análise e produção depolíticas sobre esse campo crucial. Atendendo aeste último aspecto, criou um programa internacional— “Gestão das transformações sociais” — destinadoa contribuir, a partir de diversos ângulos, para oexame das mudanças atuais e necessárias, e paraadministrá-las adequadamente.

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Neste âmbito, a Unesco tem o prazer de apresentarum documento que enfoca um tema central paraos esforços com vistas a um desenvolvimento in-tegral e sustentável no tempo, e o novo papel quenele deve desempenhar o Estado. O trabalho pu-blicado, Repensando o Estado para o desenvolvi-mento social: superando dogmas e convencionalis-mos, constituiu o tema central do debate sobre amatéria de uma recente reunião mundial de peritosem administração pública, realizada pelas NaçõesUnidas, em Nova Iorque.

Seu autor, Bernardo Kliksberg, é uma autoridadereconhecida internacionalmente no assunto, tendojá publicado 32 livros e centenas de trabalhostécnicos sobre alta gerência, reforma do Estado egerência social, que vêm sendo extensamente uti-lizados. Foi assessor da ONU, BID, OIT, OEA,Unicef, OPS e de outros organismos internacionais;dirigiu o Projeto Regional da ONU para a AméricaLatina e Caribe de Modernização do Estado eGerência Social; fundou o Programa de Formaçãode Gerentes Sociais da ONU; foi Co-relator daConferência Internacional sobre gestão de serviçossociais (Copenhague) e Relator-Geral do CongressoMundial de Ciências Administrativas (Toluca).

Atualmente, é o coordenador do INDES/BID.Entre suas obras traduzidas para o português, estão:Pobreza. Uma questão inadiável. Novas respostasem nível mundial (Fondo de Cultura Económica,ENAP), Como transformar o Estado (Fondo deCultura Económica, ENAP), e O desafio da exclu-

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são. Para uma gestão social eficiente (FUNDAP,1977). Entre seus trabalhos em português, estão:Reforma do Estado na América Latina (palestra naCâmara de Deputados, Brasília), A modernizaçãodo Estado para o desenvolvimento social (RAP,Fundação Getúlio Vargas) e o artigo “Uma gerênciapública para os novos tempos” (Revista do ServiçoPúblico).

Esperamos que este estimulante e sugestivo tra-balho propicie uma ampliação e aprofundamentodo debate sobre os caminhos para se enfrentar osproblemas sociais de uma região, os quais se apre-sentam, neste final de século, repletos de interro-gações não respondidas.

Jorge Werthein Representante da Unesco no Brasil

Coordenador do Projeto Unesco-Mercosul

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UM FINAL DE SÉCULO COMUM CENÁRIO SOCIAL

INQUIETANTE*

A humanidade chega ao final do século XX comprogressos de enorme grandeza e profundidade emsuas capacidades científicas, tecnológicas e produ-tivas. Produzem-se rupturas epistemológicas simul-tâneas em numerosos campos do conhecimento, queestão gerando modelos conceituais renovados parase compreender os fenômenos, e uma nova ondade tecnologias, baseadas em conhecimento de am-plíssimas possibilidades. Os progressos em camposcomo as telecomunicações, a microeletrônica, abiotecnologia, a ciência dos materiais, as máqui-nas-ferramentas, a informática e a robótica, entreoutros, estão transformando as matrizes produtivasbásicas. A possibilidade potencial de produzir bense serviços foi expandida e multiplicada com granderapidez. Ao mesmo tempo, há uma revolução dasexpectativas. Por toda parte começaram a se espalharos sistemas de base democrática, onde a populaçãopode escolher seus representantes, e há uma exi-

* Os pontos de vista expostos neste trabalho são os do autore não representam, necessariamente, os das organizações ondedesempenha suas atividades.

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gência generalizada de participação sempre maisampla. Os povos esperam ter influência real ecrescente nos esquemas de tomada de decisões eexiste um grande movimento em direção à consti-tuição de formas novas e mais ativas de organizaçãoda sociedade civil.

Contudo, o imenso potencial de capacidades pro-dutivas não está se transformando em melhoriasnas difíceis condições de vida de amplos setoresdo planeta. Existe uma brecha enorme entre essepotencial e a vida cotidiana. Igualmente, existe umadefasagem entre os progressos em matéria de de-mocratização, da obtenção por parte dos habitantesdos países de “cidadanias democráticas”, que lhespossibilitam, potencialmente, níveis de participação,e da situação de exclusão social, que resulta em“cidadania social” degradada de muitos deles, oque cria inúmeras impossibilidades para uma par-ticipação orgânica. O cenário social sobre o quala histórica Cúpula Social de Copenhague chamoua atenção do mundo evidencia profundas interro-gações sobre o futuro.

De acordo com dados do Banco Mundial, 1,3bilhão de habitantes do planeta recebem uma rendamenor do que um dólar por dia, encontrando-se,por conseguinte, em situação de pobreza aguda.Dois quintos da população mundial não dispõemde serviços sanitários adequados e de eletricidade1.

1. James D. Wolfensohn. “1,3 billion people living on a dollara day”. The Washington Post, 13 out. 1995.

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Relatório do PNUD indica que houve um aumentoacentuado do número de pobres, os quais viramdiminuir sua renda. Entre 1965 e 1980, essa situaçãoafetou 200 milhões de pobres. Entre 1980 e 1993,a um bilhão; 800 milhões de pessoas não recebemalimentação suficiente e cerca de 500 milhões estãoem um estado crônico de desnutrição; 17 milhõesde pessoas morrem por ano por causa de infecçõese doenças parasitárias curáveis, como diarréia, ma-lária e tuberculose2.

As cifras sobre emprego, que se encontram nabase das dificuldades sociais, indicam extensos pro-cessos de aumento do desemprego e de degradaçãoda qualidade dos empregos disponíveis. O WorldEmployment Report da OIT mostra que, em 1995,30% de toda a mão-de-obra do mundo estavadesempregada ou subempregada. Simultaneamentecom as altas taxas de desemprego, ocorre, também,uma contínua transferência de pessoas para a cha-mada economia informal. Ainda que heterogênea,esta tende a caracterizar-se por setores maciços,sendo constituída de trabalhos instáveis, sem pers-pectivas claras, sem proteção social de nenhumaespécie, com baixas rendas e com níveis de pro-dutividade muito inferiores aos da economia formal,devido às limitações de recursos, tecnologias ecréditos. Na América Latina, por exemplo, o em-prego no setor informal representava 40,2% da

2. United Nations Development Programme — PNUD, HumanDevelopment Report 1996.

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mão-de-obra ocupada não-agrícola, em 1980. Em1995, esse percentual já aumentara para 55,7% dareferida mão-de-obra. A taxa de desemprego aberto,nessa região, era calculada em 16,2%, em 19963.A esses dados sobre o volume do desempregodevem ser agregados os indicadores sobre a duraçãomédia do desemprego. Este fator, que parece estarem processo de agravamento, constitui, na opiniãode Robert Solow, um elemento de grande impor-tância. Suas análises realçam os altos custos sociaisde períodos muito extensas de desemprego. Indicamque a experiência de desemprego prolongado vaiproduzindo inúmeros efeitos negativos na persona-lidade, o que, em geral, permanece à margem dosestudos econômicos. Produz, entre outras coisas,apatia, enfraquecimento grave do interesse em so-cializar-se e afastamento gradual da força de tra-balho4. Uma perda da auto-estima caracteriza oquadro.

A pobreza mundial continua sendo especialmentediscriminatória em relação às mulheres e às crianças.Segundo dados da OIT, as mulheres estão despro-porcionalmente representadas entre os pobres, osdesempregados e os subempregados. As crianças

3. Luis Guash, chefe do Departamento Técnico do BancoMundial para a América Latina e Caribe, Conferência de imprensa,4 abr. 1997.

4. Robert M. Solow. “Mass unemployment as a social problem”.In: Basu, Pattanaik e Suzumura. Choice, welfare and development.Oxford, Clarendon Press, 1995.

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são altamente vulneráveis aos avanços da pobreza.Existe uma distância aguda entre os êxitos alcan-çáveis pela tecnologia médica moderna e as taxasde mortalidade infantil em áreas pobres. Um terçodas crianças dos países em desenvolvimento é malnutrido. Nesses países, a mortalidade infantil paracrianças menores de cinco anos é de 97 por mil,quase seis vezes maior do que nos países desen-volvidos. Entre outras regiões, segundo dados for-necidos pelo Unicef, morrem, por ano, na AméricaLatina e Caribe, 600 mil crianças devido a causasevitáveis5. Em diversos países, forçados pelas cir-cunstâncias, são parte crescente da mão-de-obra,em condições deploráveis de exploração. Cresceuo problema de populações de crianças vivendo nasruas de inúmeras cidades, e as crianças pobresconstituíram o alvo preferido dos narcotraficantes.

As fortes tensões sociais acumuladas em todasas áreas referidas, além de outras que a elas sepodem acrescentar, constituem um espaço favorávelpara processos de enfraquecimento do tecido social,como a desintegração da família e o aumento dacriminalidade. A família, instituição central de gran-de parte das sociedades, fornecedora de normasmorais, educação básica, saúde preventiva, afeiçõesbásicas, modelos de referência, está seriamente de-teriorada pelos problemas sociais e tende a criar oabandono de sua figura masculina. Por outro lado,

5. Carol Bellamy, Diretora Executiva do Unicef, TerceiraConferência Americana sobre a Infância, Chile, 9 ago. 1996.

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em diversas sociedades, observa-se um marcadoaumento das cifras de criminalidade. Assim, entreoutros casos, a revista The Economist indica quequase todas as cidades da América Latina são hojemais inseguras do que eram há dez anos6.

Todas as carências mencionadas vão configurando“círculos perversos” de pobreza. As dificuldadesde nutrição inicial, a carência de estrutura familiarsólida, as limitações para se ter acesso e permanecerna escola, a colocação à margem do mercado detrabalho, tudo isso vai configurando uma situaçãode exclusão social que se auto-reproduz.

Na mais estreita vinculação entre a pobreza e aexclusão social, observa-se, no âmbito internacional,um acentuado agravamento em termos de iniqüidadee polarização social. As cifras do PNUD indicamque, nos últimos trinta anos, o volume de rendade 20% das pessoas mais pobres do mundo caiude 2 para 1,45 da renda mundial, enquanto a fraçãodos 20% mais ricos passou de 70 para 85% dariqueza mundial. As distâncias sociais se duplicaramde 1960 a 1990. Nos dois extremos da acentuadapolarização mundial de renda, 358 multimilioná-rios detêm, atualmente, um patrimônio superior àrenda acumulada de 45% da população mais po-bre do mundo, 2,3 bilhões de pessoas. As desi-gualdades de renda e posse de ativos produzem,por sua vez, desigualdades agudas no acesso ao

6. The Economist, nov. 1996.

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crédito, e têm múltiplas repercussões em camposcruciais, como o acesso e a permanência nos sis-temas educativos, a qualidade da educação que ospobres recebem e suas possibilidades de rendimentoeducacional.

A essas iniqüidades conhecidas acrescentam-seoutras. O desenvolvimento explosivo das comuni-cações, cujo ponto culminante está na comunicaçãopor computadores, abre possibilidades gigantescasde difusão de informação e intercâmbio; entretanto,amplos setores da população podem ficar fora desseprocesso, somando uma brecha a mais às que jáexistem. Martin Hopehayn ressalta a possibilidadeameaçadora do surgimento de novas formas de“analfabetismo cibernético”, que irão abranger osque não têm acesso a nenhuma forma de informa-tização7.

Chamando a atenção mundial para a gravidadedo problema da desigualdade, o administrador doPNUD, Gustave Speth, assinalou, na Cúpula Mun-dial de Copenhague, que enfrentá-lo nas próximasdécadas é algo crucial e inadiável. Do mesmomodo, o presidente do Banco Mundial, James Wol-fensohn, declarou que “a distribuição dos benefíciosdo crescimento representa um dos maiores desafiospara a estabilidade do mundo. As injustiças sociaispodem destruir os avanços econômicos e políticos”,e reafirmou que “devemos aprender mais sobre o

7. Martin Hopenhayn, Notas para o BID, Inédito, 1997.

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porquê e o como da distribuição da renda”8. RobertSolow enfatiza que, para poder esperar compromis-sos da população com políticas de desenvolvimento,“exige-se uma percepção de justiça de todos osgrupos sociais, no sentido de que cada um recebauma parte justa do progresso econômico”9. A po-breza acentuada e as altas polarizações sociaisconfiguram um cenário que prejudica seriamenteas possibilidades de crescimento econômico susten-tado e, ao mesmo tempo, afeta gravemente a go-vernabilidade democrática nos países em desenvol-vimento. A falta de êxitos que melhore a precáriaqualidade de vida cotidiana de amplos setores dapopulação produz margens significativas de perdade credibilidade nos governos democráticos, quesolapam suas bases de governabilidade.

Como enfrentar a inquietante situação social? Apobreza é uma situação inevitável, uma espécie decondição definida pela natureza? Em amplas regiõesdo planeta, isto não é tão claro assim, pois elaaparece junto com a disponibilidade de importantesrecursos em riquezas minerais, agropecuárias, fontesde energia, matérias-primas estratégicas. A pobrezaé uma questão individual, característica da falênciade certas pessoas? Tampouco há uma evidênciaempírica de nenhuma ordem, que avalize este tipode raciocínio. Um documento de base, apresentado

8. James D. Wolfensohn, op. cit.

9. Robert Solow. “The labor market as a social institution”.In: The Royer Lectures. California, University of Berkeley, 1989.

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na Cúpula Mundial de Copenhague por uma Co-missão composta por grandes personalidades e pre-sidida pelo ex-presidente do Chile, Patricio Aylwin,indica a esse respeito: “Os pobres, em geral, nãosão os reponsáveis por sua situação. Muitos delessão pessoas esforçadas, que conseguiriam superaressa condição se contassem com um mínimo deapoio ou se as condições gerais do país fossemmelhoradas”10.

Diante da persistência e agravamento do proble-ma, estão surgindo iniciativas em busca de soluções,novas linhas de pesquisa e reflexão, que conduzema questionamentos básicos do papel e da estruturaçãodo Estado. Abordaremos, a seguir, estas novastendências do debate. Nossa análise posterior de-ter-se-á na questão que elas colocam sobre qualdeveria ser o papel do Estado no campo social,no mundo em desenvolvimento. Identificado estepapel, refletiremos sobre princípios para o redesenhoinstitucional e do Estado, em razão de tal papel,e o tipo de gerência mais indicada para umaperformance efetiva do Estado na área social, efaremos um comentário final. A análise terá umcaráter exploratório e se propõe, principalmente, achamar a atenção sobre a necessidade de renovar,substancialmente, os conteúdos da agenda de dis-cussão sobre estes assuntos.

10. BID, CEPAL, PNUD. Informe de la Comisión Latinoa-mericana y del Caribe sobre el Desarrollo Social, 1995.

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AS NOVAS TENDÊNCIAS DODEBATE SOBRE O

DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Shadid Javed Burki, um dos vice-presidentes doBanco Mundial, destacou, recentemente: “A situaçãodos pobres, dos 20% mais pobres, não está me-lhorando. Isto vale, principalmente para o caso deduas regiões: América Latina e África”11. A per-sistência e agravamento dos problemas sociais, ea exigência generalizada por sua solução, que teveseu epicentro na Cúpula Social de Copenhague,estimulou um amplo debate, que revê uma a umaa maioria das premissas em que se baseava a açãovinculada com o social, nas últimas décadas. Onovo debate parte da sensação de “impotência”diante da falta de respostas nos modelos que, no“papel”, trariam soluções efetivas; diante de seusresultados limitados, cresce a tendência para im-pugnar aspectos básicos de sua própria validade epara buscar modelos de análise alternativos, quepossam ser mais fecundos12. Entre as linhas de

11. Shadid J. Burki. Dissertação no Foro de Diálogo Intera-mericano. Washington, jun. 1996.

12. Federico Mayor destaca: “Enquanto se realizam progressosno âmbito conceitual, sobretudo na definição do que deva ser odesenvolvimento humano duradouro na prática, os objetivos eco-

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exploração fundamentais de um debate que, hoje,envolve governos, organismos acadêmicos, socie-dade civil, organismos de cooperação e financia-mento internacional, e a opinião pública mundial,estão as que, a seguir, apresentamos de formaresumida.

2.1. O questionamento ao modelo do“derrame”

Nas últimas décadas, um conjunto de enfoquesde ampla circulação oferecia uma resposta centradana idéia do “derrame”. As conhecidas hipótesesbásicas giram em torno da visão de que realizandoenormes sacrifícios para alcançar metas de carátermacroeconômico que impliquem equilíbrios econô-micos e financeiros, haverá progresso econômicoe, finalmente, este se “derramará” para o conjuntoda população e chegará aos setores mais pobres,arrancando-o de sua situação de pobreza “dura”.Para que esta etapa de adiamentos e acumulaçãoquase forçada produza, no futuro, um “cenáriofeliz”, seria necessária, então, uma espera difícil.Como ocorreu tantas vezes na história, uma vezmais os fatos reais não responderam às suposiçõesdo modelo. O caminho para o desenvolvimentoparece ser muitíssimo mais complexo do que estas

nômicos, a curto prazo, continuaram prevalecendo, seja qual fosseo preço social e ecológico dessa miopia”. (Introdução de LaIntegración en América Latina, Unesco, 1995).

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suposições, segundo, entre outros, os abrangentesestudos dos Relatórios de Desenvolvimento Humanodas Nações Unidas, que incluem quase todos ospaíses em desenvolvimento e cobrem, integralmente,as últimas décadas. Os dados indicam que a realidadefunciona de modo muito diferente do que se supõe.As evidências mostram que, para um país, é im-prescindível alcançar uma estabilidade econômicae o equilíbrio financeiro, melhorar sua competiti-vidade e aumentar o produto interno bruto, masisso não “se derrama” automaticamente. Pelo con-trário, os indicadores anteriores podem melhorar e,ao mesmo tempo, continuar deteriorando-se ou per-manecer inalterada a situação dos setores maisdesfavorecidos. O Banco Mundial, em seu RelatórioAnual 1995, assinala: “Melhorar a distribuição derenda e reduzir a pobreza não pode ser uma tarefaentregue ao trickle down effect [gotejamento] docrescimento”. A mesma instituição indica, numtrabalho de análise das causas da crise da economiamexicana: “Por muitos anos, acreditou-se que amaneira mais eficiente de se reduzir a pobreza ea desigualdade social era através do crescimentoeconômico acelerado. Contudo, a evidência empíricatem demonstrado que, embora um elevado cresci-mento econômico seja uma condição necessária,não se constitui, porém, numa condição suficientepara se reduzir a pobreza e a desigualdade social”13.No Desenvolvimento Humano 1996, o PNUD prevê

13. Shadid Burki e Sebastián Edwards. América Latina y lacrisis mexicana: nuevos desafíos. Banco Mundial, 1995.

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que se deve prestar atenção à estrutura e qualidadedo crescimento, porque, mesmo ocorrendo cresci-mento, este pode ser com desemprego, com exclu-são, sem participação, com enfraquecimento dasculturas nacionais, com destruição do futuro peladeterioração do meio ambiente.

A percepção cada vez mais generalizada daineficiência do modelo do derrame sugere que asrelações entre o setor econômico e o social sãomuito mais complexas do que o modelo supunha,e que, como outros modelos na história, os fatosterminaram por desacreditá-lo, sendo, então, neces-sário buscar novos rumos.

2.2. A revalorização do capital humano e docapital social

Amplas linhas de pesquisa e discussão estãogirando em torno de uma reanálise em profundidadedos impactos sobre o desenvolvimento de formasde acumulação de capital, até agora não avaliadasadequadamente. Considera-se que, junto com oscapitais “tradicionais” — o capital natural de umasociedade, formado por sua dotação de recursosnaturais, e o capital construído, formado pelo queproduziu (infra-estrutura, capital comercial, capitalfinanceiro etc.) —, existem outras duas modalidadesde capital, que requerem uma análise mais detalhada:o capital humano e o capital social. O primeirorefere-se à qualidade dos recursos humanos, e o

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segundo, com elementos qualitativos, como valorespartilhados, cultura, capacidades para agir sinergi-camente e produzir redes e acordos voltados parao interior da sociedade. Analisando as causas docrescimento econômico, um estudo do Banco Mun-dial sobre 192 países concluiu que não menos de64% do crescimento pode ser atribuído ao capitalhumano e ao capital social14.

Formar capital humano implica investir, sistemá-tica e continuadamente, em áreas como educação,saúde e nutrição, entre outras. No final do século,o investimento em educação transformou-se numadas áreas de maior rentabilidade. Isso tem a vercom as mudanças radicais que estão ocorrendo nasestruturas de produção. Essas mudanças se orientampara privilegiar o conhecimento como elementobásico das novas matrizes produtivas. A base dasindústrias de ponta é, hoje, conhecimento puro, ea tendência irá, progressivamente, nessa direção,ao que tudo indica. Lester Thurow afirma que oséculo XXI será “um século de conhecimento in-tensivo”, e que o conhecimento “tornou-se a únicafonte de vantagens competitivas relativas sustentá-veis de longo prazo”15. Entre outras, indica oscomputadores, que quase não utilizam recursos na-

14. Mencionado pelo PNUD, no Human Development Report,1996.

15. Lester C. Thurow. “Preparing students for the comingCentury”. In: Education Review, The Washington Post, 7 abr.1997.

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turais, pois se baseiam no conhecimento. Concluindoa partir dessas premissas, o autor afirma: umaempresa que investe, hoje, na educação de seusintegrantes, obtém uma taxa de retorno sobre oinvestimento duas vezes maior àquela investida eminstalações e equipamentos. Robert Reich, ex-se-cretário do Trabalho dos Estados Unidos, ressaltao peso decisivo da educação, destacando que “osganhadores desta nova economia globalizada e vo-látil são aqueles capazes de identificar e resolverproblemas, manipular e analisar símbolos, criar emanipular informação”. Recomenda a seu própriopaís, os Estados Unidos: “investir na educação ecapacitação de nossa gente; boas escolas públicase excelentes universidades públicas. Mas públicasno sentido mais verdadeiro da palavra: acessíveisa todos, sustentadas por todos”16. Jacques Delorsressalta o papel histórico transcendental da educaçãoem nosso tempo: “dela depende, em grande medida,o progresso da humanidade (...). Hoje está cadavez mais arraigada a convicção de que a educaçãoconstitui uma das armas mais poderosas de quedispomos para forjar o futuro”17. Os países de pontaem nível econômico e tecnológico multiplicaramseus orçamentos em educação e em ciência etecnologia. O Japão acaba de aprovar um aumentode 50% em seu já elevado orçamento de ciência

16. In: “Changing degrees”, The Wahington Post, 2 fev. 1997.

17. Jacques Delors. “Formar a los protagonistas del futuro”,Correo de la Unesco, abr. 1996.

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e tecnologia, sendo, no próximo qüinqüênio, daordem de 155 bilhões de dólares. O financiamentogovernamental da ciência e tecnologia do ano 2000será o dobro do que foi destinado em 1992. NaRepública da Coréia, o investimento em educaçãosobe em 10% do produto interno bruto, nível muitosuperior ao do mundo em desenvolvimento. Israelestá realizando, desde 1994, uma nova reforma deseu avançado sistema educativo, que significou umaumento de 33%, em termos reais, nos recursosalocados para a educação, o que permitirá, entreoutros aspectos, uma atualização integral dos pro-fessores de todas as escolas, nos avanços da in-formática e na introdução universalizada dessesavanços, na sala de aula. As empresas privadas deponta estão incrementando seus orçamentos paraentretenimento e formação de seu pessoal, montan-do, atualmente, em algumas delas, cerca de 10%do total de suas folhas salariais.

O gasto em saúde, ponto essencial no desenvol-vimento do capital humano, evidenciou-se, na prá-tica, como de altíssima rentabilidade. Ações esti-muladas pela Organização Mundial da Saúde, Or-ganização Pan-Americana de Saúde e Unicef, porexemplo, em terrenos que provocaram alta morta-lidade, como a diarréia infantil e a cólera, obtiveram,em pouco tempo e com investimentos mínimos,impactos muito relevantes. A combinação de es-forços de saúde e educação integrados tem potenciaismuito elevados. Considera-se que um dos investi-mentos mais rentáveis deste final de século é o de

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ampliar e melhorar a educação das meninas deáreas menos favorecidas. Segundo cálculos do BancoMundial, acrescendo três anos a mais de escolaridadebásica a tais meninas, haveria uma redução decerca de 15 por mil na mortalidade infantil. Estesanos significariam o incremento de seu capitaleducativo e isso lhes permitiria saber lidar melhorcom problemas como gravidez na adolescência,planejamento familiar, pré-natal, cuidado com re-cém-nascidos e gestão nutricional.

Por sua vez, o capital social pode ter, também,retornos muito elevados para o avanço econômicoe o bem-estar geral. O conhecido estudo de RobertPutnam ratifica, empiricamente, sua contribuiçãoestratégica para o crescimento18. O autor assinalaque se trata de um bem público: “Uma característicaespecial do capital social, como a confiança, asnormas e as redes, é o fato de que, normalmente,ele um bem público, diferente do capital conven-cional, que, em geral, é um bem privado”. Ocorreum processo de valorização oblíqua: “Como todosos bens públicos, o capital social tende a sersubvalorizado e subadministrado pelos agentes pri-vados”. A subestimação é errônea, pois o pesodeste capital pode ser decisivo. Putnam ressalta opapel-chave do capital social, ao fazer uma análiseda experiência italiana. Identifica alguns de seusefeitos concretos: “Nas regiões cívicas da Itália, e

18. Robert D. Putnam. Para hacer que la democracia funcione.Venezuela, Galac, 1994.

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em contraste com Nápoles, a confiança social foi,desde muito tempo, um ingrediente-chave de seucaráter distintivo, que sustentou o dinamismo eco-nômico e o desempenho governamental. Requer-se,com freqüência, a cooperação entre o poder legis-lativo e o poder executivo, entre trabalhadores egerentes, entre os partidos políticos, entre o governoe os grupos privados, entre as pequenas firmas eoutras coisas desse tipo. Contudo, a contratação eo acompanhamento em tais casos, são, em geral,caríssimos ou impossíveis, e a imposição exercidapor uma terceira parte é inviável. A confiançalubrifica a cooperação. A um maior nível de con-fiança na comunidade corresponde uma maior pro-babilidade de cooperação e a cooperação em siproduz confiança. A constante acumulação de capitalsocial é uma parte crucial da história que está pordetrás dos círculos virtuosos da Itália cívica”.

O capital humano e o capital social foram “re-descobertos” nos últimos anos, e não é possívelpensar solidamente no desenvolvimento sem levarem conta seu peso relevante como “alavancas” dele.

2.3. A retomada do tema da iniqüidade

Também neste caso os modelos de análise, con-vencionalmente aceitos, chocaram-se contra os fatoshistóricos concretos, e sua queda abriu um amplocampo para a pesquisa do tema, o desenho denovos modelos e respostas.

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Segundo Nancy Birdsall, David Ross e RichardSabot: “Afirmar que existe uma relação inversaentre o aumento do crescimento e a redução dadesigualdade foi um postulado básico das teoriaseconômicas convencionais sobre a natureza do pro-cesso de desenvolvimento”19. Seguindo tais teorias,a alta iniqüidade seria necessária para se obter osefeitos de acumulação e impulsionar o crescimento.Contudo, a análise econométrica rigorosa da expe-riência de duas regiões do mundo, o Sudeste Asiáticoe a América Latina, nos últimos trinta anos, indicaresultados opostos. Birdsall, Ross e Sabot se per-guntam: “Por que, então, encontramos taxas rela-tivamente baixas de crescimento econômico e umagrande desigualdade na América Latina e uma baixadesigualdade e um rápido crescimento na ÁsiaOriental?” Enquanto nos países do Sudeste Asiáticohouve um esforço ativo para a redução da iniqüidade,a qual reduziu enormemente suas diferenças, e cujaparticipação na renda entre os 20% superior e os20% inferior passou a ser 8 a 1 na Coréia e de4,1 a 1 em Taiwan, na América Latina a polarizaçãoacentuou-se, e a distância no Brasil é de 26 a 1,ampliando-se também consideravelmente no México,na Argentina e em toda a região. Entre outrosaspectos, detecta-se a presença de “círculos perver-

19. Birdsall, Ross, Sabot. “La desigualdad como limitación delcrecimiento en América Latina”. In: Gestión y política pública.México, CIDE, 1º sem. 1996.

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sos ou virtuosos”, conforme melhora ou piora aeqüidade na educação e crescimento. Segundo apesquisa mencionada, nos anos 50, a taxa de egres-sos da escola primária, no Brasil, era de 60%,muito superior à da Coréia, que tinha 35%. Nastrês décadas seguintes, enquanto a iniqüidade cresciano Brasil, decrescia substancialmente na Coréia.Este e outros fatores determinaram que a taxa deegressos no Brasil se reduzisse notavelmente, en-quanto na Coréia esse percentual superava 90%.Segundo a revista The Economist, a evolução dadesigualdade no Brasil foi da seguinte ordem:

A aplicação do coeficiente de Gini, que medeos graus de desigualdade na distribuição de rendana América Latina, África, Sudeste Asiático e LesteAsiático, permite apreciar como o coeficiente, quese eleva quando aumenta a desigualdade, refletediferenças consideráveis e favoráveis às duas últimasregiões, as quais, por sua vez, cresceram melhore mais sustentadamente que as anteriores.

QUADRO 1

Evolução da distribuição de renda no Brasil

Percentual da renda nacional

1970 1994

1% mais rico da população 8 15

25% mais pobre 16 12

Fonte: The Economist, 29 abr. 1995.

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Os dados da realidade desmentiram, de formaterminante, a idéia de que a iniqüidade era exclu-sivamente funcional ao crescimento econômico. Asituação é a que descreve Joseph Stiglitz: “Existemrelações positivas entre crescimento e igualdade.Altas taxas de crescimento fornecem recursos quepodem ser usados para se promover a igualdade,assim como um alto grau de igualdade ajuda asustentar altas taxas de crescimento. Mesmo queisto pudesse ser visto apenas como senso comum,na experiência da Ásia Oriental, entretanto, o “sensocomum” sugeria exatamente o contrário: que ocrescimento produzia desigualdade e que a desi-gualdade era necessária para o crescimento”20.

QUADRO 2Participação da população na renda nacional (em %)

População SudesteAsiático

LesteAsiático

África AméricaLatina

1º quintil 8,1 6,6 6,0 3,3 2º quintil 12,2 11,4 8,2 7,2 3º quintil 16,1 16,6 11,5 11,9 4º quintil 21,8 24,9 18,5 19,8 5º quintil 42,0 40,4 55,9 57,9 Coef. Gini 0,31 0,32 0,44 0,49 Os quintiles seguem a ordem crescente de renda.Fonte: Weawer J. e R. Sprout in: Michael Rock, “25 yearsof economic development revisited”, World development, v.21, n. 11, 1993.

20. Joseph E. Stiglitz. “Some lessons from the East AsianMiracle”. In: Research observer. The World Bank, ago. 1996.

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Ao se derrubar o “senso comum” postulado pelateoria econômica convencional, abriu-se o caminhopara se pesquisar novamente todo o tema. Estapesquisa se vê comprometida pelos citados altíssimosníveis de desigualdade hoje vigentes, que anunciamgraves dificuldades futuras para o crescimento esão portadoras, em si mesmas, de tensões sociais,de grande envergadura, no interior das sociedades.As novas linhas de pesquisa, que estão proliferandoem nível internacional, começam a questionar,sistematicamente, diferentes tipos de iniqüidade.Junto com a iniqüidade na renda, estão sendoestudadas, entre outras, a iniqüidade na posse deativos e as iniqüidades no acesso a créditos,ambas de alto significado econômico. Uma recentepesquisa de Deininger e Squire constatou queuma distribuição desigual da terra — um ativocrucial — tem um nítido efeito negativo sobreo crescimento subseqüente. Assim, segundo seusdados, apenas dois de 15 países, com coeficientesGini para a distribuição da terra superiores a 70,conseguiram um crescimento superior ao baixonível de 2,5%, no período 1960-199221. Outrotrabalho de Hongyi, Squire e Zou mostra que ainiqüidade inicial na distribuição de ativos podeser mantida indefinidamente, geração após geração,

21. Klaus Deninger e Lyn Squire. “Measuring income inequality:a new data base”. The World Bank Economic Review, 1996.

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com os efeitos regressivos daí resultantes, indicandoa necessidade de políticas efetivas para reduzi-las22.

2.4. Inter-relação entre desenvolvimentoeconômico e desenvolvimento social

A queda da teoria do derrame, a revalorizaçãodo capital humano e do capital social e a retomadadas relações entre iniqüidade e crescimento sãodimensões centrais de um debate mais amplo, quea orientação global dos modelos de desenvolvimentoestá atingindo. Por um lado, adverte-se que asrelações entre o econômico e o social são complexas.O mecanicismo do derrame supunha que, com otempo, os benefícios do crescimento chegariam aossetores desfavorecidos. O processo real é diferentee, além disso, as conclusões avançam ainda mais.Vem-se firmando a convicção de que não é adequadopensar todo o processo em termos da resolução deuma dimensão isolada de outras, mas sim que existeuma inter-relação básica entre elas. O desenvolvi-mento social parece, na experiência concreta, umprocesso vital para que possa existir um desenvol-vimento econômico sustentado. Os investimentosem capital humano e capital social e melhoria daeqüidade, além de fins em si mesmos a partir da

22. Hongyi Li, Lyn Squire, Hen-fu Zou. Explaining internationaland intertemporal variations in income inequality. The WorldBank, jun. 1996.

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perspectiva de sociedades democráticas, são neces-sárias para que o crescimento econômico possa terbases firmes. Assim, James Wolfenshon afirmou:“Sem desenvolvimento social paralelo, não haverádesenvolvimento econômico satisfatório”23. O BIDdestaca, com respeito ao caso da América Latina:“As persistentes brechas sociais na acumulação de‘capital humano’ incrementaram a grande proporçãode pessoas que vivem na pobreza e a distribuiçãosumamente desigual da riqueza na região. Estasbrechas sociais continuam limitando a produtividadee o crescimento econômico regional, e atrasam osprocessos de democratização e modernização dosEstados”24.

Confirma-se a visão de que existe uma brechaa ser preenchida em ambas as direções, sem asquais o próprio desenvolvimento fica altamentevulnerável. É imprescindível que exista crescimentoeconômico, estabilidade monetária, equilíbrios eco-nômicos e financeiros, sem o que não haverá meiospara se apoiar o desenvolvimento social; no entanto,por sua vez, eles não serão sustentáveis a médioe longo prazo sem que se produza um desenvol-vimento social ativo. Esta visão abre a possibilidadede políticas alternativas no “senso comum conven-cional”, que hoje começa a se esboçar. Assim,Amartya Sen considera que existem, por um lado,

23. James D. Wolfensohn. “El gasto social es clave”. BuenosAires, Clarín, 23 de fev. 1996.

24. BID. Progreso económico y social. Informe 1996.

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os enfoques que vêem o desenvolvimento como“um processo cruel, baseado numa moralidade queinvoca sangue, suor e lágrimas (...) a retórica destesenfoques é a do sacrifício necessário em vistas deum futuro melhor (...) sacrifícios vinculados, porexemplo, com um baixo nível de bem-estar, grandedesigualdade, autoritarismo intruso etc.”25. Este en-foque, afirma Sen, foi “fortemente supervendido”;não parece levar aos resultados prometidos, deacordo com a experiência histórica, e gera altíssimastensões, além de ser apresentado, com freqüência,como a única alternativa. A inclusão dos novoselementos antes mencionados no debate dá amplapossibilidade para que se possam desenhar outrasalternativas. Sen fala de óticas que “vêem o de-senvolvimento como um processo essencialmenteamigável, centrado em ajudar os outros e a simesmo, e com a possibilidade de avançar com umpouco de ajuda de meus amigos (sic). O pouco deajuda pode provir da interdependência no mercado(...mútuos ganhos por intercâmbios), mas tambémdos serviços públicos, que conferem às pessoasmais capacidade para se ajudar a si mesmas e aoutros”. A experiência histórica das últimas décadasindica que, diante da tradicional desarticulação entreo econômico e o social, onde, como muitas vezesjá se disse, as políticas sociais estão dedicadas, na

25. Amartya Sen. “Development thinking at the beginning ofthe 21st Century”. In: BID. Development thinking and practiceconference, Washington, set. 1996.

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verdade, a “recolher os mortos e feridos que apolítica econômica vem deixando”, é possível sepensar numa articulação integral entre ambos, quepotencie profundamente suas complementaridades.As sociedades que conseguiram combinar ambosos tipos de desenvolvimento estão entre as maisavançadas do planeta e demonstram, com seu exem-plo, que esta integração é factível. Assim, paísescomo Canadá, Noruega, Suécia, Dinamarca, Holan-da, Bélgica, Japão, os do Sudeste Asiático, Israel,entre outros, encontram-se em posições de vanguar-da, tanto na tabela de resultados macroeconômicosde êxito, como de indicadores de desenvolvimentohumano.

As novas tendências abertas no debate sobre odesenvolvimento social obrigam, por sua vez, umarevisão das posições de “senso comum convencio-nal” das últimas décadas, sobre a função a sercumprida pelo Estado. Quais são os papéis espe-ráveis, se se incorporam à reflexão dos requestio-namentos profundos atualmente vigentes, no âmbitodas concepções globais do desenvolvimento?

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REPENSANDO O PAPELDO ESTADO

Uma abordagem usual do tema de como rede-senhar o Estado para facilitar e promover o desen-volvimento social passa por trabalhar diretamentesobre suas estruturas organizacionais, tornar eficientesua gestão e incorporar técnicas modernizantes.Trata-se de aspectos de imprescindível processa-mento, mas há uma necessidade prévia. É precisodiscutir, antes de tudo, qual a função que se desejapara o Estado nos países em desenvolvimento, nestefinal de século. As mudanças e modernizaçõestécnicas, absolutamente necessárias, não podem serescolhidas de forma abstrata ou a partir da ofertade tecnologias do mercado. Devem existir critériosde escolha dirigidos pela idéia central de que, dadauma função determinada a ser cumprida pelo Estado,qual seria o “tipo de tecnologia” mais apropriadapara possibilitar que ele cumpra, com a maioreficiência possível, essa função. A discussão tec-nocrática pura simples sobre a reforma do Estadopara o desenvolvimento social deveria ser superadapor um debate mais amplo que, partindo dos novosposicionamentos com respeito aos modelos de de-senvolvimento, extraia conclusões sobre quais se-riam os papéis do “Estado desejável”, e a partirdaí, procurar elaborar critérios técnicos para dotá-lo

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das capacidades com que consiga concluí-los. Otipo de abordagem metodológica sugerido é o quese procura avançar neste trabalho26.

A discussão sobre a função do Estado na áreasocial faz parte de uma polêmica mais ampla sobrea função global do Estado. Em linhas gerais, comojá dissemos, o pêndulo oscilou fortemente. Estevesituado, por algumas décadas, na idéia de que erapossível pensar-se num Estado que planificasseintegralmente o desenvolvimento em todos seusaspectos, que, através de sua máquina, implemen-tasse os planejamentos, que trabalhasse centraliza-damente para levar a cabo esta operação, e queassumisse todo tipo de funções executivas. Naprática, esta visão mostrou graves dificuldades emsua própria concepção, subestimando ou margina-lizando a sociedade civil em suas múltiplas expres-sões, e na implementação efetiva, cuja máquinarevelou sérias ineficiências, além do caráter cen-tralizado da gestão que se demonstrou um fatorcrucial de rigidez e muito distante das exigênciasda realidade.

O pêndulo girou na direção oposta, para aquelaque postulava a necessidade de um “Estado míni-mo”. Afirmava-se que suas funções deveriam sertotalmente mínimas e que se deveria deixar o

26. O autor trabalha esta metodologia em: B. Kliksberg.“Redesining the state profile for social and economic developmentand change”, International Review of Administrative Sciences, jun.1994.

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desenvolvimento entregue ao mercado e à “mãoinvisível”. O Estado foi sentido como um estorvopara a dinâmica a ser impulsionada. Enfatizou-sea existência de uma antinomia entre Estado emercado. Finalizou-se um ativo processo de “de-molição” do Estado nos países em desenvolvimento.Os esforços se concentraram, durante um longoperíodo, na questão do tamanho, fazendo-se conti-nuados e, muitas vezes, pouco seletivos cortesdestinados a reduzi-lo. Foram suprimidas muitas desuas funções. Tratou-se, em muitas ocasiões, deprivatizar e eliminar funções, no mais curto prazo,mesmo com a consciência de que as operaçõesrespectivas podiam ter sido efetuadas de um modomais eficiente para o país e de que as supostascapacidades reguladoras públicas, necessárias paraa etapa subseqüente, eram muito fracas ou quaseinexistentes. Também, como no caso anterior, esteenfoque apresenta de forma implícita uma subesti-mação das capacidades produtivas e da aproximaçãoa outras expressões da sociedade civil, que nãofossem nem o Estado e nem o mercado como aamplíssima gama de estruturas criadas pela comu-nidade para cumprir funções essenciais para ela.

A experiência histórica tem indicado que os doispólos não levavam às soluções procuradas. Refe-rindo-se à experiência americana, Rudiger Dorn-busch afirma: “Nos Estados Unidos, já estamos umpasso na frente. Vemos que a competição excessiva,a desregulamentação descuidada e a falta de in-tervenção estatal levaram as coisas muito longe.

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O pêndulo se desloca, agora, em direção oposta ejá se vislumbra a reaparição do Estado (...). Daquia dez anos olharemos para trás e veremos umperíodo de reconstrução centrado numa cabal con-cepção do Estado, na correta classe de cooperaçãoentre o governo, a força trabalhista e o empresariadoe na necessidade de que o governo desempenheum papel essencial na busca de soluções aos pro-blemas da coordenação e exploração dos fatoresexternos”27.

A rediscussão conceitual de todo o tema quehoje se promove está baseada no choque dos mo-delos teóricos com a realidade. Os fatos foramcolocando em questão pressupostos de grande di-fusão. Assim, afirma-se que constitui uma “arma-dilha” reduzir a questão à discussão sobre o tamanhodo Estado, e acreditar que sua redução propiciará,automaticamente, as soluções. A invocação dosdados mostra, de forma clara, que o tamanho doEstado medido, entre outros aspectos, em funcio-nários para cada 100 cidadãos atendidos, e o per-centual que representa o gasto público em relaçãoao Produto Interno Bruto, indicaria que o tamanhorelativo do Estado em muitos países em desenvol-vimento é consideravelmente menor que o tamanhodele na maior parte das economias desenvolvidas.O tema central não pode ser o tamanho em abstrato,mas qual é a função que deveria cumprir o Estado

27. Rudiger Dornbusch. “Políticas de ajuste y pobreza”. In:BID. Washington, José Núñez del Arco, 1995.

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no processo histórico e como dotá-lo da capacidadede gestão necessária para levá-lo a cabo com efi-ciência.

A realidade, por sua vez, reafirma que no novomundo globalizado, onde se produziu uma “explosãode complexidade”, ao se multiplicarem as inter-re-lações e se produzirem mudanças profundas nageopolítica, geoeconomia e tecnologia, em brevís-simo espaço de tempo, existe a necessidade de queo Estado leve a cabo funções que não faziam partede nenhum de seus papéis, até agora, na História.A globalização, a mudança acelerada, a complexi-dade vão acompanhadas de uma grande dose deincerteza. Edgard Morin prevê: “O futuro não é,necessariamente, sinônimo de desenvolvimento. Da-qui por diante, o futuro se chama incerteza”. Morinressalta as dificuldades para se vislumbrar o futuro:“Estamos no desconhecido, pior ainda, no inomi-nado. Nosso conhecimento dos tempos atuais semanifesta apenas no prefixo sem forma “pós” (pós-industrial, pós-moderno, pós-estruturalista...) ou noprefixo negativo (antitotalitário). Não podemos darum rosto a nosso futuro, nem sequer a nossopresente”28. A mesma sensação diante da uma so-ciedade “cada vez mais globalizada e porque glo-balizada, também mais complexa e multidimensio-nal” é descrita a partir de pensadores do mundoem desenvolvimento, deste modo: “...navegamos

28. Edgard Morin. “El astro errante”. Buenos Aires, La Nación,1993.

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por este furacão de mudanças da globalização quasesem bússola, com limitados e, muitas vezes, desa-tualizados mapas. Tantas mudanças e tão poucosmapas são algumas das fontes principais do mal-estar, da incerteza e desassossego que tanto semanifesta no mundo atual”29. Estes desenvolvimen-tos produziram uma ampla demanda por respostasestatais de novo cunho. Michel Crozier aponta:“Precisamos de mais intervenção pública para do-minar a complexidade. De uma maneira ou outra,todos os grupos — mesmo os de homens denegócios — exigem a intervenção”30. No mundoem desenvolvimento, a possibilidade de se promovere fortalecer integrações sub-regionais e regionais,que podem ser de tanta relevância diante da glo-balização, está gerando uma forte corrente de de-mandas para funções catalisadoras e facilitadoras,as quais um Estado eficiente poderia desempenharneste campo crucial.

Junto com as demandas que emergem da glo-balização e da complexidade, existem outras quetêm a ver com o desenvolvimento das capacidadesreguladoras do Estado. A regulação surge comouma exigência de eficiência econômica e uma per-

29. Guillermo O’Donnel. El impacto de la globalización eco-nómica en las estrategias de reforma institucional y normativa.BID, 1996.

30. Michel Crozier. “La transición del paradigma burocráticoa una cultura de gestión pública”. Revista del CLAD, Reforma yDemocracia, Caracas, jan. 1996.

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cebida inquietude social, diante dos custos enormesque a sociedade toda poderá pagar, se forem en-tregues a uma certa “mão invisível” alguns de seusaspectos críticos. Lester Thurow adverte com res-peito a isso: “Nas sentenças de Adam Smith, abusca individual dos benefícios sempre promoveráo crescimento econômico de uma nação. Mas, naprática, surge um problema. Com muita freqüência,a mão invisível de Adam Smith se transforma namão de um punguista. Os mercados livres e semamarras têm o costume de descobrir atividadesmuito rentáveis, mas improdutivas. A experiênciaprática mostra que a maximização dos benefíciosnem sempre conduz à maximização do produto”31.

Existem, também, demandas feitas ao Estado,que têm a ver com a iniqüidade e seus custos.Dornbusch identifica-as do seguinte modo: “O mer-cado não facilita uma distribuição da renda queseja socialmente aceitável. A intervenção do Estado,portanto, é legítima, quando se trata de equilibrara distribuição da renda produzida pelo mercado(...). A igualdade de oportunidades e, em certamedida, de resultados, constitui não apenas umpreceito ético, mas também uma necessidade im-periosa, porque cada vez são maiores as evidênciasde que a excessiva desigualdade provoca o conflitosocial...”32.

31. Lester Thurow. La guerra del siglo XXI. Vergara Editores,1992.

32. Rudiger Dornbusch, op. cit.

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O Estado mínimo, quase ausente destes e deoutros processos-chave de nosso tempo, e comcapacidade de gestão minimizada, muito dificilmentepoderá ser de grande ajuda para que a sociedadepossa enfrentá-los adequadamente. A idéia subja-cente de que o melhor governo é o “não-governo”,confrontada com a realidade, remete à cáusticaobservação de uma reconhecida autoridade em ge-rência: “O modelo representa o grande experimentodos economistas que nunca tiveram que administrarnada”33.

Diante dos pólos do pêndulo, levanta-se, atual-mente, uma concepção diferente que mostra, a partirda evidência histórica recente, que as sociedadesque conseguiram avanços mais consistentes nasúltimas décadas caracterizaram-se por superar afalsa antinomia Estado versus mercado. Em seulugar, procuraram desenvolver um esquema de coo-peração entre os principais atores sociais, e inte-graram ativamente neste esquema as importantesforças latentes na sociedade civil, que ambos ospólos tendiam a marginalizar. Nestes esquemasidentifica-se que, entre Estado e mercado, existeuma ampla gama de organizações, que inclui, entreoutras, os “espaços de interesse público”, entidadesque cumprem fins de utilidade coletiva, mas quenão fazem parte do Estado nem do mercado, anova geração de cooperativas empresariais com

33. Henry Mintzberg. “Managing Government. GovernmentManagement”. Harvard Business Review, maio-jun. 1996.

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extensa difusão em numerosos países desenvolvidos,as organizações não-governamentais, as organiza-ções sociais voluntárias de base religiosa, que cres-ceram significativamente, as organizações de vizi-nhos, os grupos ecologistas, o voluntariado e outrasformas de agrupamento de esforços da sociedadecivil de múltiplas características. Trata-se, na novaconcepção, de se “somar” as funções-chave para asociedade vinculadas com demandas como as queforam antes expostas, e outras que o Estado podedesempenhar, as potencialidades do mercado e asmúltiplas contribuições que podem provir da so-ciedade civil. Nesta perspectiva, é imprescindívellevar a cabo o esforço de reconstruir um Estadoque venha a cumprir com as novas demandas quese apresentam, que possa combinar-se harmoniosa-mente com as forças produtivas privadas para obtero melhor resultado para o país, e que seja umfator promotor e facilitador do desenvolvimento deuma sociedade civil cada vez mais articulada, fortee ativa.

Coloca-se, então, a necessidade de se reconstruiro Estado, tendo como horizonte desejável a con-formação do que se poderia chamar um “Estadointeligente”. Um Estado concentrado em funçõesestratégicas para a sociedade e com um desenhoinstitucional e um desenvolvimento de capacidadesgerenciais que lhe permitam concretizá-las com altaeficiência. Um dos papéis-chave do “Estado inte-ligente” encontra-se nas numerosas evidências nocampo do desenvolvimento social. Diante de pro-

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blemas da magnitude dos que foram esboçados naprimeira parte deste trabalho e dos fracassos dosmodelos baseados no derrame para solucioná-los,surgiram, como dissemos, novas visões do desen-volvimento, e nelas, o Estado tem papéis de altarelevância.

O modelo do derrame, a visão de que o merocrescimento resolveria, por si só, os problemas depobreza, levavam a uma concepção minimalista eassistencialista do papel do Estado no campo social.Se isso ocorresse assim, o Estado deveria limitar-sea ajudar a cobrir a defasagem transitória que sedaria, enquanto o derrame fosse colocado em fun-cionamento. Seu papel deveria ser montar programastotalmente conjunturais e focalizados para atenuarimpactos. As dotações de recursos para sua atividadesocial deveriam ser limitadas, visto que eram re-cursos que estariam sendo “desviados” da políticacentral de crescimento e derrame, que geraria assoluções reais. Conseqüentemente, com estas dire-trizes, produziu-se um forte movimento de “des-montagem” do Estado no campo social, desmante-lando-se serviços, promovendo-se de fato um êxodode recursos humanos qualificados do setor públicopara o setor privado e criando grandes áreas deincerteza para as organizações que operam no setorsocial, ao depender cada vez mais de decisõesexternas a elas, tomadas com uma intervenção queas marginalizava. As novas direções do debatemarcam que este tipo de reestruturação forçada eestreita do Estado no social estava, na realidade,

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agravando os problemas. Diminui-se o investimentoem capital humano e capital social, aumentam osjá agudos níveis de iniqüidade, afasta-se mais aindaa possibilidade de integrar as políticas econômicase as sociais. As novas orientações do debate sobreo desenvolvimento social sugerem um papel muitodiferente para o Estado.

O incremento do capital humano supõe umapolítica sistemática de longo prazo de uma sociedadenessa direção, em que o Estado tem um papel-chave.O desenvolvimento do capital social requer umEstado que o proteja e promova ativamente assinergias. A melhoria da eqüidade exige um esforçoativo do Estado nesta direção. Um trabalho doBanco Mundial sublinha: “...ações estatais que con-duzam a uma distribuição mais eqüitativa da riquezabem poderiam fazer parte integral de uma bem-su-cedida estratégia econômica”34. A inter-relação ar-ticulada dos planos econômico e social num modelode desenvolvimento, que mobiliza as complemen-taridades de ambos os planos, exige do Estado umpapel ajustador e sinergético. A criação de empregose políticas de renda adequadas terão de fazer partecentral desta inter-relação. Por outro lado, partefundamental do novo papel é o de agregar aliadosao esforço de enfrentar os problemas sociais. OEstado deve gerar iniciativas que promovam aparticipação ativa neste esforço dos atores sociais

34. Shadid Burki e Sebastián Edwards, op. cit.

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básicos, empresa privada, sindicatos, universidadese da sociedade civil em todas as suas expressões.

Um Estado inteligente na área social não é umEstado mínimo, nem ausente, nem de ações pontuaisde base assistencial, mas um Estado com uma“política de Estado”, não de partidos, e sim deeducação, saúde, nutrição, cultura, orientado parasuperar as graves iniqüidades, capaz de impulsionara harmonia entre o econômico e o social, promotorda sociedade civil, com um papel sinergizante per-manente. Desta vez não se trata de postular maisum modelo teorizante. Este tipo de reflexão sobreo Estado tem surgido com muita força, com basena experiência histórica das últimas décadas. Na-queles países em que o Estado assumiu funçõesdeste tipo os resultados foram muito significativos.Amartya Sen descreve o cenário histórico mundialrecente, destacando: “De fato, muitos países daEuropa Ocidental conseguiram assegurar uma amplacobertura de seguridade social — com a prestaçãode assistência em saúde e educação públicas, deformas até então desconhecidas no mundo; o Japãoe a região do Leste da Ásia tiveram um alto graude liderança governamental na transformação tantode suas economias como de suas sociedades; opapel da educação e atendimento à saúde públicafoi o eixo fundamental que contribuiu para a mu-dança social e econômica no mundo inteiro (e emformas bastante espetaculares, no Leste e SudesteAsiáticos); e a formulação pragmática de políticasfoi-se inspirando tanto no mercado como no Estado

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— e de fato, também, em instituições que nãopertencem a nenhuma das duas categorias, taiscomo organizações da comunidade”35.

Nancy Birdsall destaca o papel exercido peloGoverno, no Japão, promovendo a pequena e médiaempresa, caracterizado por uma estratégia de “cres-cimento de baixo para cima”, produtora de empre-gos: “o Ministério de Comércio Exterior e Indústriado Japão considerou a falta de modernização dapequena empresa como um possível obstáculo fun-damental para o crescimento”, e o apoio do Governojaponês para essas empresas foi “um dos aspectosmais duradouros e constantes da política indus-trial”36.

No Chile democrático, o Governo eleito suplantoutotalmente a estratégia social da ditadura anterior.Durante ela, se bem que houve êxitos econômicos,deteriorou-se sensivelmente a situação social, esti-mando-se que o número de famílias localizadasabaixo do nível de pobreza subiu de 20% para40% da população total. O Governo democráticodeu alta prioridade ao social, pôs em marcha umapolítica social totalmente ativa, baseada em quatroprincípios orientadores: eqüidade, solidariedade, in-tegralidade e participação social. Realizou amplosacordos com o setor privado para melhorar as

35. Amartya Sen, op. cit.36. Nancy Birdsall. “Comentarios sobre Lecciones del Japón,

de K. Yamada y Kuchiki”. BID, Development thinking and practiceconference, set. 1996.

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condições sociais e estimulou a fundo a sociedadecivil. Os resultados deste esforço, que procurouinter-relacionar continuamente o social e o econô-mico, foram impactantes e os progressos em ambosos campos fortaleceram-se mutuamente.

Nestes e em outros casos, um Estado ativo noâmbito social, atento para as incidências da globa-lização e o mercado sobre a problemática social,agressivo em matéria de desenvolvimento do capitalhumano e do capital social, ajustador de aliançasestratégicas contínuas entre os diferentes atoressociais em favor da superação da pobreza e postocabalmente a serviço da sociedade, estão se mos-trando como um instrumento histórico chave paraas sociedades37.

Alguns dos pontos fundamentais dos riscos quese corre, quando se insiste em posturas como oEstado mínimo, ou quando se permite um Estadoorientado por interesses de grupos burocráticos in-ternos, estão expostos, de forma muito aguda, porPaul Streeten. Opina ele que o problema mais sérionão provém do fracasso do mercado, mas de seusucesso, não do fracasso de certas burocracias go-

37. A respeito disso, Federico Mayor afirma: “(...) hoje, maisdo que nunca, as convulsões internas dos países e as veleidadeseconômicas, em nível internacional, reforçam a convicção de queo Estado democrático, genuíno representante dos cidadãos, devereforçar seu papel como avalista do cumprimento das leis, comoagente da unidade nacional e do desenvolvimento, acentuando suaeficácia redistributiva e integradora” (idem, ibid.).

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vernamentais, antes, ao contrário. Com efeito, res-salta: “Se os sinais difundidos pelo mercado estãobaseados em uma distribuição muito desigual daterra, de outros ativos e de renda, é o sucesso domercado em responder a tais sinais o que estáprovocando o problema”. Relata que “Amartya Senanalisou grandes bolsões de fome e mostrou que,muitas vezes, a disponibilidade total de alimentosera adequada, mas o poder de compra de gruposparticulares da população pobre havia declinado.Nessas condições, o mercado era muito bem-suce-dido em seus indicadores, incentivos e aplicações,enquanto a população estava faminta”. Do mesmomodo, indica que são os governos bem-sucedidosem perseguir os auto-objetivos de seus funcionáriosque têm levado a resultados destrutivos, amplamentecriticados38.

Dadas as funções mencionadas como desejáveis,como dotar o Estado das capacidades institucionaise de gestão para levá-las a cabo? Qual seria operfil de um “Estado inteligente” no campo social?

38. Paul Streeten. “Market and States: against minimalism”.World Development, v. 21, n. 8, 1993.

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LINHAS DE TRABALHO PARAO REDESENHO DO ESTADO

NO CAMPO SOCIAL

No mundo em desenvolvimento, foram realizadasgrandes reformas do Estado na área social, noâmbito dos processos de ajuste macroeconômico.O perfil básico dessas reformas é o que descreveFernando Zumbado, numa caracterização que podeser estendida a diversos países: “Até o presente, areforma social foi o produto das exigências feitaspelos programas de estabilização e pelo ajuste deestruturas econômicas. Neste sentido, infelizmente,a redução efetiva do gasto público social e odesmantelamento dos serviços ineficientes desem-penhou um papel determinante no aumento dapobreza. Tardou-se muito na apresentação de pro-gramas alternativos mais eficazes”39.

Destas reformas surgiu um Estado pós-ajuste,que parece ter sérias limitações e fraquezas insti-tucionais e de gestão para poder exercer papéiscomo os que foram delineados no item anterior. Épreciso reconstruir o Estado na área social paraque as funções mencionadas possam ser executadas

39. Fernando Zumbado. “En el camino del desarrollo humano”,PNUD.

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com eficiência. Esta reconstrução não pode serolhando para trás, pois este não constitui um ca-minho aconselhável, tendo em conta as importantesdeficiências de funcionamento, a rigidez e a inca-pacidade que as estruturas estatais sociais apresen-tavam em décadas anteriores. Porém, os meroscortes tampouco constituem a reforma necessária.A posição de Zumbado tem plena sustentação. Sãonecessários “programas alternativos mais eficazes”.

A reconstrução da capacidade de gestão estatalvisando a um desenvolvimento social ativo, eqüi-tativo e sustentado deve ser feita olhando-se parafrente. É preciso conectar o Estado social com asnovas fronteiras tecnológicas em desenvolvimentoinstitucional e gerência. Nas últimas décadas têmocorrido mudanças fundamentais nas idéias básicasde como se obter maior eficiência nas organizações.Observa-se a emergência, em nível mundial, de umnovo paradigma gerencial, com modelos analíticos,hipóteses e propostas técnicas muito diferentes da-quelas do paradigma que predominou em boa partedeste século40. Está havendo a passagem da “ad-ministração para a gerência”. As organizações maiseficientes de nosso tempo geraram, em sua prática,muitos elementos deste paradigma emergente e estãooperando, cada vez mais, apoiadas nele. A reformado Estado na área social tem aí uma importantefonte de pontos de referência sobre como administrar

40. O autor trata detalhadamente do tema em: B. Kliksberg.El pensamiento organizativo: de los dogmas a un nuevo paradigmagerencial. 13 ed. Buenos Aires, Norma-Tesis, 1995.

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organizações no ano 2000, que podem ser de grandeutilidade. Está lançado o desafio de cruzar osproblemas e as características particulares dos se-tores sociais estatais com os desenvolvimentos deponta em gerência de organizações em nível mun-dial. Este cruzamento não consiste em “copiar”métodos gerenciais em voga. O desafio é muitomais complexo e amplo. Trata-se de ver se épossível a releitura dos problemas de gestão social,apoiando-se nas inovações acerca da compreensãodo comportamento organizacional recentes, mas res-peitando, totalmente, sua forte singularidade e es-pecificidade. Esta “nova leitura” seria o ponto departida para se desenhar, a partir dela, soluçõestécnicas apropriadas para o campo estatal social.O que está lançado, então, não é um trabalho de“apropriação mecânica” de soluções gerenciais demoda, mas um vasto esforço de pesquisa e desen-volvimento para se produzir inovação organizacionalnas áreas sociais.

A reconstrução do Estado social avançado im-plica, então, encarar interrogações básicas como asseguintes:

• Quais são os problemas realmente estratégicosque obstruem a eficiência? A versão tradicionalacentua problemas de cunho essencialmente for-mal, ligados a organogramas, procedimentos, ma-nuais de funções, normas e circuitos. Em gerênciaavançada, considera-se que isso deve ser melho-rado, mas as incidências dessas melhorias sobreo rendimento organizacional final são muito re-

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duzidas, e esse rendimento depende de outrostemas muito mais estratégicos.

• Como encarar tais problemas apoiando-se nosavanços das ciências gerenciais, mas tendo emconta a acentuada especificidade que a gestãode programas sociais apresenta?

• Como gerar soluções que contribuam, de modoefetivo, para que o Estado cumpra as funçõesque tem diante de si no campo social, nos paísesem desenvolvimento, tais como a melhoria drás-tica da educação e da saúde, o desenvolvimentodo capital social, a melhoria da eqüidade, umuso otimizante de recursos escassos, a geraçãode soluções com sustentabilidade, a promoçãoativa da participação da sociedade civil em todasas suas expressões, na tarefa social, o desenvol-vimento das capacidades próprias das comuni-dades desfavorecidas?Partindo dessas bases conceituais, sugerem-se, a

seguir, algumas linhas de trabalho, consideradaschaves para o redesenho do Estado no campo social.Estas linhas devem ir gerando mudanças graduaisna direção das metas propostas. O enfoque sugeridoconstitui, basicamente, uma estratégia de mudançade caráter seletivo e gradual.

4.1. Reposicionamento organizacional dapolítica social

Nas estruturas estatais do mundo em desenvol-vimento, a política social veio operando como uma

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área carente de autonomia, em relação a variáveisfundamentais para o êxito de seus objetivos. Defora dela foram determinados aspectos básicos parasua operação real. Normalmente, são as áreas depolítica econômica dos Estados que tomam as de-cisões de fundo sobre temas de grande impactosocial e as “comunicam”, simplesmente, às áreassociais, as quais têm uma participação organizacionalmuito limitada nos processos de tomada de decisões.Os operadores sociais têm pouca presença em de-cisões cruciais sobre temas, como política de crédito,negociações da dívida externa, políticas tarifárias,política fiscal, que provocam profundos impactosno campo social. Por outro lado, a informação emque se apóiam os processos de tomada de decisõesrespectivas é quase que integralmente gerada pelasáreas econômicas. São limitados os insumos deinformação trazidos pelas áreas sociais, aplicadosneles. A localização organizacional das áreas so-ciais no esquema de “poder real” dos governosoferece, deste modo, acentuadas fraquezas. Inde-pendentemente dos “títulos formais”, sua freqüên-cia de acesso ao nível presidencial e sua vincu-lação aos âmbitos críticos de decisão são consi-deravelmente menores do que as áreas econômicae política.

Nestas condições, a política social desenvolve-senum âmbito de subordinação e de isolamento. Ograu de “incerteza” que controla, fator-chave dopoder organizacional, é muito baixo. Seus parâme-tros fundamentais podem ser alterados de fora, com

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facilidade, e podem deixar sem “chão” projetosextensamente trabalhados.

Esta fraqueza organizacional e estrutural da áreasocial é coerente com uma visão de desenvolvimentoem que se percebe o desenvolvimento social comoum derivado “residual” de outras políticas. Ao serecolocar integralmente tal visão e se observar,como se disse antes, que as alavancas do desen-volvimento são múltiplas, que existem dimensõessociais que são críticas para que este possa tersustentabilidade e que o “resíduo” pode bloqueartodo o processo, surge uma forte necessidade dereestruturação do padrão organizativo tradicional.Como indica, com precisão, Enrique Iglesias: “OEstado é o primeiro responsável por assegurar agrande conciliação do econômico com o social”41.Levar adiante essa conciliação significa redesenharos espaços organizativos para favorecê-la. O temaé de alta complexidade. Não se resolve com acriação de pontos isolados de coordenação, comogabinetes, onde a cada certo período de tempo seencontram os responsáveis ministeriais respectivos.Isso é útil, mas constitui um nível primário decoordenação. Para se avançar em direção a umdesenho combinado das políticas econômicas e so-ciais exigem-se níveis muito mais sofisticados. Acoordenação deve abarcar as diversas etapas doprocesso de formulação das políticas públicas. Entre

41. Enrique Iglesias. “Reforma económica y reforma social:visión integral”. BID, Social reform and poverty, 1993.

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outros aspectos, implica construir bases de dadossobre o social muito mais amplas e de melhorqualidade que as atuais, que possam ser ponto dereferência central nos desenhos de políticas. Signi-fica acesso direto das áreas sociais para a confor-mação das agendas de discussão. Implica montarmecanismos organizativos que permitam a elabora-ção conjunta de decisões sobre planos cruciais, demodo tal que os esquemas de decisões incluam,plenamente, junto às variáveis econômicas, as va-riáveis sociais. Requer a criação de sistemas deacompanhamento em tempo real que informem con-tinuamente sobre os impactos sociais das políticaseconômicas e permitam retroalimentar sobre o an-damento do projeto em seu conjunto. Necessita-sede uma institucionalidade que facilite níveis cres-centes de coordenação, em direção ao que, emalguns dos países mais avançados neste tema, ganhao nome de gerar uma “socioeconomia”, ou seja,desenhos integrados e não apenas coordenados depolítica econômica e social. Existem diversas ex-periências nessa direção que são indicativas de suaviabilidade. Entre essas, o Governo democrático doChile desenvolveu um ativo exercício permanentede coordenação estreita das políticas econômicas esociais. Em Israel, foi desenvolvido um sistema deacompanhamento da situação social, que gera dadosutilizados em comum pelos níveis de decisão eco-nômica, social e no parlamento.

Junto ao estreitamento da coordenação, requer-seuma re-hierarquização efetiva das áreas sociais, emtermos de seu acesso aos centros de poder básicos.

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4.2. Melhoria radical da coordenaçãointra-Estado social

Os problemas de coordenação das áreas sociaisdos Governos centrais não ocorrem apenas parafora delas mesmas. Tendem a apresentar, no mundoem desenvolvimento, níveis de coordenação muitobaixos entre elas. Os ministérios que cuidam daárea social, como educação, saúde, família, habi-tação, desenvolvimento social etc., costumam agirisoladamente, bastante desvinculados. As agênciaspúblicas de diferentes âmbitos, que operam na áreasocial, têm, por sua vez, nexos reais fracos comos ministérios orientadores e inter-relações limitadasentre elas. Os Fundos de Investimento Social, umesforço institucional significativo, nas últimas dé-cadas têm sido “aceitos”, com limitações, por parteda área estatal social e operam com essa severarestrição. Na realidade, não existem apenas vaziosagudos de coordenação, mas também, muitas vezes,fortes enfrentamentos por concorrências, recursos eprogramas.

Tudo isso tem um importante efeito sobre osresultados finais, visto que a área social é, pornatureza, um campo onde nenhum ator institucionalpor si só consegue atingir metas de fundo. Assim,os objetivos a serem obtidos, em matéria de ca-rências educativas, exigem um respaldo sólido dossistemas de saúde e nutrição. Os progressos emsaúde necessitam de uma cooperação ativa com osistema educativo. A transformação de zonas urbanas

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de habitação marginal em assentamentos estáveise produtivos requer a ação combinada de diversosorganismos sociais. A maximização de resultadossó se obtém no campo social quando existe umaintegração operacional das diversas áreas.

Por trás das graves dificuldades de coordenaçãointerinstitucional vigentes existem diversos proble-mas que deveriam ser postos em foco. Alguns delessão de caráter conceitual. Muitos aparelhos buro-cráticos públicos foram construídos sobre a basede enfoques marcadamente setoriais. O desenhoorganizacional inclinava-se para separar estritamenteos setores, fixar fronteiras rígidas, responsabilidadestotalmente demarcadas, institucionalizar uma divisãodo trabalho altamente formalizada. A realidade deprogramas de luta contra a pobreza urbana oudesenvolvimento rural requer outro tipo de desenhoorganizativo que facilite o cruzamento de enfoque,o trabalho em equipe no campo, a otimizaçãoconjunta dos recursos escassos disponíveis. Em vezde continuar “setorializando”, requer-se, na áreasocial, a “interinstitucionalização”, o aumento dosvínculos concretos entre os diferentes atores.

Outros problemas são muito concretos. Existemconflitos de interesses, lutas pelo poder e disputasde espaços. Tais problemas não se solucionam pelavia das abordagens tradicionalmente utilizadas, queestabelecem estruturas formais de coordenação, asquais fixam no “papel” diferentes tipos de unidades,onde se produziria a coordenação. Normalmente,essas estruturas formais possuem uma efetividade

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limitada, como revelam os graves problemas defuncionamento dos gabinetes sociais. Estes reúnemos ministros das áreas sociais e agências governa-mentais sociais. Trata-se, evidentemente, de uminstrumento útil, mas, na realidade, sua produtivi-dade costuma ser baixa. As agendas tendem aexcluir os temas conflitivos e centrar-se em aspectosde coordenação administrativa menores. Os meca-nismos técnicos de acompanhamento das decisõesadotadas são limitados. As reuniões não contamcom um trabalho técnico prévio sistemático que asapóie. A abordagem formal deveria ser substituídapor uma abordagem “substancial”. Deve-se partirdo reconhecimento de que existem conflitos reaissubjacentes e tratar de enfrentá-los. Provavelmente,boa parte deles poderiam ser resolvidos se os atoresconcretizassem processos orgânicos de negociação,utilizando modelos técnicos avançados. Em primeirolugar, a negociação permitirá detectar pontos co-muns, identificar vantagens para todos na execuçãode ações conjuntas e desenhar programas associadosa partir delas. Experiências em andamento nestecampo demonstram que os ministérios e agênciaspodem encontrar com facilidade vantagens para otrabalho conjunto em áreas como a produção parauso comum de informação social de boa qualidade,a formação em pool de recursos humanos qualifi-cados em áreas críticas e a negociação unificadadiante das áreas econômicas em assuntos relevantes.Isso não resolverá todos os conflitos, mas podereduzi-los e limitá-los. Junto com isso, devem ser

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elaborados mecanismos organizativos que favoreçamuma coordenação efetiva. As reuniões de gabinetessociais devem estar precedidas de um processoprévio de consultas amplas, que permita estabeleceragendas representativas. Por outro lado, devem serinstalados sistemas que permitam fazer acompanha-mento dos resultados da implementação das decisõesadotadas e retroalimentar com eles a tomada dedecisões dos gabinetes.

Todos estes esforços devem estar respaldadospor uma discussão conceitual de fundo, que pos-sibilite um “salto de consciência” com respeito ànecessidade de serem superados os enfoques seto-rialistas, dada a própria natureza dos problemassociais que a ação combinada requer.

4.3. A descentralização como oportunidade

Uma das principais “oportunidades” de transfor-mação positiva do Estado social, nos países emdesenvolvimento, está na descentralização dos ser-viços sociais para as regiões e municípios. Existeminúmeras indicações favoráveis. Do ponto de vistada efetividade dos programas, pode aproximá-losmuito mais das necessidades reais da populaçãoque pretende assistir. Em uma perspectiva estrita-mente gerencial, permitirá níveis de eficiência maisaltos ao abrir possibilidades maiores de dinamismo,flexibilidade e agilidade nas respostas. No planoda sustentabilidade dos programas, a médio e longo

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prazos, estimula, em princípio, a articulação dosinteresses das populações receptoras desses serviçose isso favorecerá a auto-sustentação dos esforços.Significa criar condições para avançar na estrutu-ração de políticas econômico-sociais integradas emnível regional.

Diversos países estão desenvolvendo processosdescentralizadores no campo social e nisso se vê,nitidamente, uma direção firme para o futuro. Fa-zem-se esforços para se descentralizar áreas comoeducação primária e secundária, serviços básicosde saúde e hospitais, habitação, saneamento am-biental, aquedutos, esgotos, drenagem e dejetossólidos, nutrição, seguridade social, transporte ecultura, entre outras. Contudo, é preciso dar maioratenção à experiência acumulada referente a difi-culdades e riscos, para que se projetem estratégiaspara enfrentá-los e superá-los.

Entre outros problemas, uma primeira área rela-ciona-se com o grau de “transparência institucional”do processo de descentralização. Em muitos casos,as funções pós-descentralização entre governo cen-tral, regiões e municípios não ficaram claramentedefinidas, restando grandes áreas de ambigüidade.Isto gera espaço para atritos e choques constantes.Um aspecto crítico é o financeiro. Se a descentra-lização de serviços não segue acompanhada demecanismos que permitam às entidades regionaise municipais também dispor dos mecanismos quepossam gerar e dispor dos recursos necessários, oprocesso pode tornar-se regressivo. Como indica

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Karin Stahl: “Conduzir uma política de descentra-lização sem assegurar os recursos dos municípiose sem uma compensação financeira entre as regiõesricas e as pobres, pode agravar, por acréscimo, asdesigualdades regionais e, com isso, também asdesigualdades sociais, fomentando, assim, uma de-terioração maior do sistema estatal de serviçossociais, sobretudo nos municípios mais pobres42.Outra dimensão relevante é a relacionada com acapacidade institucional e de gestão das entidadespara as quais se descentraliza. Se suas capacidadessão fracas, como se pode esperar em princípio, enão se realizar um esforço sustentado para desen-volvê-las, os serviços correm sérios riscos. Entreoutros aspectos, numerosos municípios dos paísesem desenvolvimento apresentam carências de pro-fissões orgânicas no serviço civil, instrumento-chavepara essa gestão eficiente. Ilustrando o problema,uma pesquisa na Colômbia, onde se produziu umamplo movimento descentralizador, evidenciou que85,5% dos municípios, que abrangem 43,5% dapopulação, não tinham as capacidades para enfrentaras tarefas encomendadas43. Um estudo que abrangeu16 países da América Latina procurou medir acapacidade de gestão dos municípios, através dosseguintes indicadores: “Existência de unidades que

42. Karin Stahl. “Política social en América Latina. La priva-tización de la crisis”. Nueva Sociedad, maio-jun. 1994.

43. Vivas, R., Parra, Sandoval R. “Hacia la municipalizaciónde la educación en Colombia”. ILPE, LC/IP/R81, 1990.

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assumem o serviço, recursos humanos qualificados,domínio de tecnologia gerencial, capacidade parase desenvolver projetos, disponibilidade de recursosfinanceiros, presença de uma estrutura organizacio-nal sólida e vigência de um funcionalismo municipalassociado aos serviços”. O resultado obtido foi que,numa escala de (5) como máximo a (1), a capacidadede gestão relevada foi, em média, de (1)44. Estetipo de situação pode gerar um “círculo perverso”.Formalmente, delegam-se competências aos muni-cípios, no entanto, paira uma forte desconfiançasobre sua capacidade de gestão. Assim, em vez detentar fortalecê-la, opta-se por “racionar” a delegaçãoreal, criando-se situações de indefinição, que com-plicam seriamente a prestação dos serviços. Asdificuldades, por sua vez, reforçam a desconfiançaoriginal.

Dagmar Raczynski adverte sobre outro problema,com base em estudos de campo. Afirma: “Comoindica a análise da Argentina e, parcialmente, doBrasil, as pressões e práticas clientelistas, muitasvezes, são mais fortes em nível regional, provincialou local do que em nível nacional”45. A advertênciapode se estender a terrenos mais amplos. As pressõesde grupos de poder de elite das regiões e municípiospodem orientar-se para o desvio dos recursos des-

44. Carlos Mascareño. “Municipalización de los servicios so-ciales en América Latina”. Revista del CLAD, 1996.

45. Dagmar Raczynski. “Estrategias para combatir la pobrezaen América Latina”. BID, CIEPLAN, 1995.

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centralizados em direção de interesses econômicosou de poder de tais grupos. Nisso o processo podedesvirtuar-se significativamente.

Os aspectos citados e outros que se podemacrescentar não desqualificam as promessas da des-centralização. Estas podem ser tão concretas comoas que identifica o BID em seu Relatório 1996:“existem evidências crescentes de que o rendimentopode melhorar através de uma maior autonomiados professores e diretores dentro de suas escolas,acompanhada de mecanismos apropriados para ga-rantir a responsabilidade. A outorga de um maiornúmero de opções aos pais e aos estudantes e oincremento de sua participação e sua voz nasdecisões das escolas locais pode incrementar acapacidade do sistema para atender às necessidades.De fato, as mudanças de organização podem cons-tituir um catalisador eficaz para aumentar a prestaçãode contas, melhorar a dotação de recursos, estimularinovações e gerar os recursos necessários paraincrementar a eqüidade e a qualidade”46.

Materializar as “oportunidades” abertas pela des-centralização significa explicitar e encarar riscoscomo os assinalados acima. Evitar pontos ambíguos,criar condições para o financiamento efetivo dosserviços por parte das regiões e dos municípios,fortalecer bastante suas capacidades de gestão e

46. BID. “Progreso económico y social en América Latina”,op. cit.

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gerar condições que impeçam seu desvio por gruposde elite. Raczynski faz uma recomendação sugestiva:“é um caminho difícil, razão porque é fundamentalque seja conduzido por um ‘centro forte’ que oimpulsione, guie e evite a agudização das enormesdesigualdades territoriais que existem nos países,além da perda de benefícios de economias deescala”47.

4.4. Desenvolvimento de meta-redes

As novas perspectivas de trabalho em desenvol-vimento social fazem surgir a necessidade de juntaras potencialidades de todos os atores sociais quepodem contribuir. Tais atores operam, atualmente,com laços muito fracos de coordenação entre eles,e sem aproveitar as complementariedades que umaação conjunta poderia produzir. O Estado deve sero fator convocante da formação de meta-redes, queintegrem, junto com os organismos públicos daárea social, as regiões e os municípios, as ONGs,fundações empresariais privadas, movimentos sin-dicais, organizações sociais religiosas, Universida-des, organizações de vizinhos, outros atores dasociedade civil e as comunidades pobres organiza-das. Estas meta-redes tenderiam a apoiar-se mutua-mente e a aproveitar o melhor que cada um dosatores tem para contribuir e, ao mesmo tempo,

47. Dagmar Raczynski, op. cit.

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superar as fraquezas que apresentam. Como apontaJames Migdley, “dever-se-ia levar em conta ospapéis respectivos do Estado, da comunidade e dossetores voluntários, analisando os pontos fortes efracos de cada um destes setores” e “é possível aidentificação de estratégias para a harmonizaçãodas contribuições da comunidade, do Estado e dasONGs”48.

4.5. Participação: uma estratégia mestra

O Banco Mundial publicou, recentemente, o Par-ticipation sourcebook. Diz-se que “apresenta a novadireção que o Banco está tomando em apoio àparticipação”49. As evidências dos estudos que fezsobre o assunto são totalmente consistentes, osprojetos de luta contra a pobreza e desenvolvimentosocial, que utilizam modelos participativos, têmresultados muito superiores aos que se baseiam emestruturas hierárquicas. Semelhante é, hoje, a con-clusão de outros organismos internacionais. O BIDacaba de publicar uma obra-guia sobre o assuntoe assinala “que vê a participação como o elemento

48. James Migdley. “La política social, el Estado, y la parti-cipación de la comunidad”. In: B. Kliksberg (comp.). Pobreza.Un tema impostergable. Nuevas respuestas a nivel mundial. Fondode Cultura Económica, 1994.

49. World Bank, “The World Bank participation sourcebook.1996.

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essencial para impulsionar o desenvolvimento e ademocracia no mundo”50. Os benefícios de se adotardesenhos participativos na programação, gestão eavaliação de programas de saúde, educação, habi-tação, desenvolvimento rural, melhoria de áreasurbanas marginais, nutrição etc. são, gerencialmente,muito concretos. A experiência indica que o en-volvimento das comunidades que se pretende ajudarcom tais programas permite estabelecer, com pre-cisão, quais são as necessidades prioritárias, criandoum fluxo de informação útil que pode ser crucialpara a gestão, promovendo-se a contribuição deidéias inovadoras por parte da comunidade, possi-bilitando uma avaliação contínua do andamento doprograma, e constituindo ainda um preventivo quasenão-superável diante da possibilidade de corrupção.Um aspecto básico é que, ao ser “levada em conta”,a “auto-estima” da comunidade se levanta e começaa mobilizar potencialidades latentes, que podemtrazer contribuições fundamentais.

Junto com estes benefícios “gerenciais”, a par-ticipação comunitária pode ter impactos muito con-sideráveis em relação a uma meta essencial dedesenvolvimento social, em nossos dias: “a auto-sustentação” dos programas. Este é um problemaagudo. Assim, indicou-se com relação ao BancoMundial que “mais da metade de seus projetosforam classificados por avaliadores internos como

50. BID, Libro de consulta sobre participación. 1997.

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‘de sustentabilidade’ incerta ou improvável, o quesignifica que, depois de completados, processo esteque leva em geral de cinco a seis anos, podemnão continuar dando benefícios significativos aospaíses receptores”51. Gerar sustentabilidade de médioe longo prazos é um teste crítico para se determinaro real sucesso da gestão social. Sem ela, comoafirma essa avaliação, os projetos não conseguemmetas duráveis, e são, por conseguinte, ineficientes.Para construí-la, a participação é uma via insubs-tituível. O envolvimento pleno da comunidade nosprojetos vai facilitar e promover o desenvolvimentode capacidades próprias imprescindíveis para sepoder pensar em sustentabilidade. Por outro lado,a participação ampla da comunidade permite quese enfrentem alguns dos problemas estratégicosantes colocados, quando se analisou a descentrali-zação. Uma descentralização para os municípios,com ativo envolvimento da comunidade, facilitaráque os recursos se orientem efetivamente para asprioridades coletivas e fechará a porta para seudesvio por grupos de elite locais.

Numerosas experiências participativas dos últimosanos mostram o funcionamento prático destas clarasvantagens dos modelos participativos. Pode-se en-contrar um amplo mostruário de experiências bem-sucedidas de participação nas obras do Banco Mun-dial e do BID, já mencionadas, e na vasta produção

51. Paul Blustein. “Missionary work”. The Washington PostMagazine, 10 nov. 1996.

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sobre o tema do sistema feito pela Organizaçãodas Nações Unidas. Entre outros exemplos, o Gram-men Bank na Ásia, organização de crédito popular,é 75% de propriedade de quem recebe os créditose tem amplos mecanismos participativos, abrindocaminhos pioneiros neste terreno. Permitiu o acessoao crédito a camponeses pobres, questão crucialpara eles, e o número de seus membros cresceu,em dez anos, de 15 mil para 250 mil. Villa ElSalvador, no Peru, população de 250 mil pobres,que partiram da miséria absoluta, desenvolveu ummodelo de autogestão participativa baseada em duasmil unidades organizativas, que envolvem a todosos seus habitantes ativamente. Em vinte anos, le-vantaram 50 mil habitações, uma extensa rede deescolas, centros de saúde, possuem taxas de alfa-betização e saúde muito superiores às do país,produzem seus alimentos e desenvolveram um par-que industrial para microempresas. A experiênciafoi premiada pela Unesco, obteve o Prêmio Príncipede Astúrias, do Rei da Espanha, e recebeu muitosoutros lauréis internacionais. Já no campo municipal,a cidade de Porto Alegre, no sul do Brasil, desen-volveu, desde 1989, um amplo sistema participativopara que a população decidisse sobre os investi-mentos municipais. Em 1995, 100 mil pessoas,numa população de 1,3 milhão, participaram, ati-vamente, em todo o processo. Considera-se que aalocação e gestão dos recursos melhorou sensivel-mente como conseqüência disso e ilustra as possi-bilidades de uma ação municipal descentralizadacombinada com participação. Em todos estes casos,

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e outros semelhantes, houve uma real transferênciade poder de decisão para a comunidade. Isso osdiferencia das freqüentes “simulações” de partici-pação, onde se promete à comunidade deixá-laparticipar, mas isso se limita a declarações e aspectossecundários, provocando fortes efeitos de “frustra-ção”52.

4.6. Melhoria da qualidade dos serviços

Há um consenso muito amplo de que o Estadodeve melhorar drasticamente a qualidade de seusserviços em geral, e dos sociais, em particular.Contudo, é necessário aprofundar a questão. O queé realmente qualidade dos serviços públicos? Chris-topher Pollitt lança um ponto a ser consideradoquanto a isso. A observação da realidade indicaque a resposta varia de acordo com os atores. Sãodiferentes as percepções sobre o que consiste amelhoria da qualidade por parte dos políticos, daadministração pública, dos profissionais que traba-lham nos serviços e dos usuários. Descreve, rea-listicamente, a situação: “Em primeiro lugar, ospolíticos no poder estão ansiosos, simultaneamente,em restringir o gasto e fazer crer ao público queo padrão dos serviços públicos básicos não está

52. O autor indaga sobre os obstáculos para a participação em“Participation of Stakeholders”. In: B. Kliksberg. Social manage-ment: some strategic issues. Nova Iorque, ONU, 1997.

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sendo afetado negativamente. Em seguida, estão osgerentes e administradores mais qualificados obri-gados a agir de acordo com as ordens de seuschefes políticos e devidamente ansiosos por pre-servar e colocar em evidência suas próprias insti-tuições. Com freqüência, chocam-se com um terceirogrupo, os profissionais do serviço público. Os que,em geral, olham com suspeita a gerência superior.A reação dos profissionais é previsível: tentar pre-servar sua esfera de autonomia, bem como protegerseus estudantes, pacientes e clientes. Estes consu-midores dos serviços públicos constituem nossaquarta categoria, mesmo que não seja uma categoriaque tenha exercido qualquer papel ativo no desenhode iniciativas de qualidade. A qualidade é algoque lhes foi dada, em vez de ser definida poreles”53.

As iniciativas por melhorar a qualidade dosserviços e introduzir elementos de qualidade totaldeveriam ter como meta clara as necessidades doúltimo grupo. Deverá ser a eles permitido definirsua própria idéia do que seja qualidade. Quandoisso acontece no mundo em desenvolvimento, osbeneficiários indicam prioridades, com freqüência,bem diferentes das que foram fixadas por gruposfora deles e questões muito concretas, tais como:que a informação sobre os programas não lhes

53. Christopher Pollitt. “¿Qué es calidad de los serviciospúblicos?”. In: B. Kliksberg (comp.). Pobreza. Um tema impos-tergable“, op. cit.

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chega, que os formulários dos organismos públicosdeveriam estar escritos em linguagem acessível paraeles, que as repartições respectivas deveriam atenderem dias e horários compatíveis com seus empregose assim por diante.

A melhoria da qualidade deveria ser feita a partirde e com os beneficiários, para que se transformeem avanços reais.

4.7. Rumo a um estilo gerencial adaptativo

Qual é o estilo gerencial mais apropriado paralevar adiante, com eficiência, os programas sociais?A resposta deve ser buscada, em primeiro lugar,nas exigências que surgem dos processos de im-plementação de tais programas. Os processos secaracterizam por uma alta “volatilidade”. Ao de-senvolver no campo programas, por exemplo, deextensão da saúde básica em zonas rurais, deredução da evasão em escolas urbanas em áreaspobres, ou de entrega de alimentos com educaçãonutricional, que se dirigem a vastos grupos sociais,produzem-se dinâmicas de alta complexidade e va-riabilidade. Ao redor dos programas movem-se di-versos grupos de interesses, entre outros, econômicose clientelistas, que podem tratar de desviá-los deseus objetivos. Neles intervêm diferentes atoresorganizacionais, ministérios, regiões, municípios,ONGs, grupos da sociedade civil, com inter-relaçõesvariáveis. As comunidades assistidas podem reagir

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de modos muito diversos e sua reação pode mudardurante a execução. Na própria implementação doprograma descobrem-se oportunidades e riscos nãocontemplados. Com freqüência, apresentam-se de-cisões externas ao programa em si e, inclusive, atoda a área social, como cortes orçamentários. Emseu conjunto, a execução dos programas tende aapresentar características “turbulentas”. Dennis Ron-dinelli conclui, analisando as causas de fracassosem diversos projetos de desenvolvimento apoiadospor agências internacionais que, “sem considerar oplanejamento do projeto ou da forma com que sefez a análise técnica, poucas vezes se chega àobservação de que os problemas encontrados eramimprevisíveis”54.

Não se trata, portanto, de ajustes nos desenhosanteriores, a questão é mais complicada. Existeuma dinâmica que se desencadeia, que não podeser prognosticada em diversos aspectos. Essa dinâ-mica não pode ser tratada com estilos gerenciaisburocráticos tradicionais, baseados no controle atra-vés de planos, rotinas e normas das operações aserem desenvolvidas, e pressupondo realidades comfortes possibilidades de previsibilidade e onde aprojeção de situações, a partir do passado, podeconstituir um guia eficiente. No campo da gestãosocial, a realidade é volátil e o passado é uma

54. Dennis A. Rondinelli. Development projects and policyexperiments: an adaptative approach to development administration.Nova Iorque, Methuen, 1983.

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referência duvidosa para a mudança contínua, emcondições básicas. É preciso avançar para um estilode “gerência adaptativa” estreitamente conectadacom a realidade e que vá reagindo a partir doandamento das variações. Isso não suprime o pla-nejamento, mas, sim, variam os tempos. Planeja-mento e gestão devem se aproximar ao máximo.Planejar, executar, reforçar e redesenhar devem seruma operação quase fundida. Existem, atualmente,em gerência avançada, diferentes instrumentos téc-nicos que podem apoiar o estilo gerencial requerido.Entre eles, podem ser úteis os sistemas de acom-panhamento em tempo real do andamento e impactosdos programas, que implicam mudar a visão doacompanhamento e avaliação como instrumentos decontrole, já que são considerados ferramentas degestão55.

As estruturas organizativas das áreas sociais pú-blicas tendem a seguir os bastante comuns modelosverticais, piramidais e hierárquicos, com inúmerosescalões. Tais modelos apresentam acentuadas dis-funcionalidades em relação às exigências resultantesdos processos de descentralização, do interesse porimpulsionar as meta-redes e promover a participaçãoe da necessidade de avançar estilos gerenciais adap-tativos. Entre outros aspectos, estes modelos tendema “encerrar-se em si mesmos”, transformar as “ro-

55. A esse respeito, ver José Sulbrandt. “La evaluación de losprogramas sociales: una perspectiva crítica de los modelos usuales”.In: B. Kliksberg. Pobreza. Un tema impostergable, op. cit.

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tinas” em metas, desenvolver sérias resistências àparticipação de atores externos à estrutura, comooutros possíveis “sócios” e às próprias comunidadesassistidas, além de reagir com rigidez diante dasmudanças. Exige-se um avanço em direção a es-truturas mais abertas, flexíveis e participativas. Odesenho das estruturas organizacionais não é umfim em si mesmo, mas um meio para facilitar ocumprimento de objetivos. Na área da gestão social,o desenho deve favorecer, entre outros, aspectoscomo a relação ativa com aquilo que acontece narealidade. Mintzberg expõe uma argumentação sig-nificativa a respeito disso56. Observemos as orga-nizações como círculo em vez de pirâmides. Nor-malmente, existem os que trabalham na “linha”,nas margens do círculo, em contato ativo com osbeneficiários, na realidade. Recebem o feedback doque acontece, mas, como seu trabalho se dá emáreas muito delimitadas, seu enfoque também éparcelado. No centro do círculo, encontra-se o nívelexecutivo superior, que sabe para onde a organizaçãoestá se dirigindo, mas seu contato com a realidadepode ser pobre. Costuma estar fechado nas clássicas“redomas de vidro”. As sugestões que se podemtirar são várias, em termos dos programas sociais,mas é necessário maximizar a interação com arealidade. Seria fundamental estreitar a relação entrea linha e o nível executivo superior para que a

56. Henry Mintzberg. “Musings on management”. HarvardBusiness Review, jul.-ago. 1996.

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realidade flua até ele. Assim, é preciso aplicar amoderna estratégia de “visão compartilhada” daorganização, o que, em geral, pode ajudar a envolverplenamente a linha na operação, e que, ainda, lhepossibilitará tornar produtiva sua obtenção e análisede informação da realidade.

Em diversas realidades estão se promovendomudanças no Estado social em direções como asantes indicadas. Assim, em países de ponta nestaárea, como o Canadá, “a divisão de finanças eadministração do Ministério de Comunidades e Ser-viços Sociais de Ontário anunciou uma nova es-trutura organizacional, baseada num projeto de mé-todo administrativo que reduziria os escalões hie-rárquicos e eliminaria as barreiras estruturais. Deacordo com a divisão, este projeto incluía umamudança na cultura e nos valores (de território,turma e medo, para a de equipe de trabalho,confiança e responsabilidade delegada)”57.

4.8. A atenção à especificidade da gestãosocial

Qual deve ser a orientação estratégica básicapara as imprescindíveis renovações institucionais egerencias a serem realizadas no Estado social? Aaplicação de enfoques de administração pública

57. Kenneth Kernaghan. “Empowerment and Public Adminis-tration”. Canadian Public Administration, v. 35, n. 2, 1994.

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tradicional tem demonstrado sérias insuficiências ese choca contra as exigências da realidade. Noentanto, tampouco parece haver evidência empíricaque respalde a utilização de enfoques de “negócios”neste campo. Por suas metas e características cos-tumeiras, apresentam acentuadas dessemelhançascom os objetivos e a operação típica dos programassociais. Estes programas possuem metas de desen-volvimento, muitas vezes, com efeitos basicamentede médio e longo prazos, como ocorre na educação.As metas interagem com metas de outros programas.Os objetivos são, em alguns casos, não-mensuráveispelas vias normais em gestão de negócios, porquesão de ordem qualitativa. Por outro lado, nos pro-gramas sociais do mundo em desenvolvimento exis-tem “suprametas” que emolduram as metas espe-cíficas de um programa numa área determinada.Deseja-se que todos contribuam para melhorar aeqüidade e superar as discriminações de gênero,favoreçam a preservação do meio ambiente e con-sigam desenvolver a sustentabilidade. Igualmente,a operação técnica de implementar programas sociaisé muito diferente daquela de organizações de ne-gócios. Como se viu antes, caracteriza-se por atoresinstitucionais múltiplos, necessidade de articulá-los,redes, “turbulência”, imprescindibilidade da partici-pação por seus amplos efeitos positivos, necessidadede respeito pelas culturas locais e incidência defatores políticos, sociais, demográficos e de diversasíndoles. A agenda de dilemas gerenciais, que surgeem operações desta ordem, é muito singular ediferenciada da própria agenda dos negócios.

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Neste campo, é preciso desenvolver um enfoqueque destaque as especificidades da institucionalidadesocial e da gestão social, e procure soluções técnicasapropriadas para elas. É necessário um enfoque de“gerência social”. Entre seus insumos de apoio,devem se encontrar elementos de outros enfoques;no entanto, a abordagem estratégica deve ser dife-rente e também eficiente em termos de metas esuprametas como as já enunciadas, e de uma ope-ração técnica específica, como é a das políticas eprogramas sociais. Este enfoque está emergindo, narealidade, em experiências concretas de acertosinstitucionais e programas bem-sucedidos em di-versos países. O tipo de institucionalidade e degerência, que pode ser detectado em experiênciasconsideradas internacionalmente de excelência ge-rencial, como o Grammen Bank na Ásia, as EscolasEDUCO em El Salvador ou as feiras de consumovicinal, na Venezuela, surge desse enfoque dife-renciado58. Hoje, a constatação desta identidadetécnica da gerência social está estimulando esforçosna formação de gerentes sociais capacitados noassunto, em diversos países do mundo em desen-volvimento59.

58. O autor apresenta modelos conceituais, desenvolvimentostécnicos e experiências em gerência social. In: B. Kliksberg. Socialmanagement: some strategic issues. Nova Iorque, ONU, Divisãode Administração Pública e Administração do Desenvolvimento,1997.

59. Um esforço de amplo alcance a esse respeito é a iniciativaempreendida pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, ao

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A necessidade de se respeitar as especificidadese não transferir, mecanicamente, o enfoque denegócios a outros campos não é exclusiva do social.Num trabalho recente, Paul Krugman adverte, comveemência, sobre o perigo dessas transferênciaspara o campo econômico: “Um país não é umaempresa”60. Chama a atenção sobre o que consideraa arriscada tendência de querer aplicar aos paíseso enfoque de negócios e afirma: “O que as pessoasaprendem ao dirigir uma empresa não as ajuda aformular política econômica. Um país não é umagrande corporação. Os hábitos mentais que fazemum grande líder de negócios não são, em geral,os mesmos que fazem um grande analista econô-mico”. Ressalta que os problemas são de umanatureza e uma complexidade totalmente diferentes.Previne contra “a doença do grande homem”, queconsiste em que pessoas bem-sucedidas num campoacreditam que podem opinar, com autoridade, sobreoutros. Sublinha: “A mesma síndrome aparece emalguns homens de negócios, que foram promovidosa assessores econômicos. Eles têm dificuldades emaceitar que devem voltar à escola antes de fazerpronunciamentos num campo novo”.

Assim como o macroeconômico exige uma in-tervenção competente, a questão da gestão do social

criar o Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social,sendo que uma das áreas centrais de trabalho é a formação degerentes sociais.

60. Paul Krugman. “A country is not a company”. HarvardBusiness Review, jan.-fev. 1996.

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não pode assemelhar-se, nem nas metas nem naoperação, à lógica dos negócios. É preciso avançarmuito mais além para se garantir aspectos essenciaiscomo acesso, eqüidade, sustentabilidade e eficiência.

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ANOTAÇÃO FINAL

“Cinzentas são as teorias, verde é a árvore deouro da vida”, dizia Goethe. De fato, diversosmodelos teóricos sucumbiram diante da realidade,ou estão altamente questionados por ela, no mundoem desenvolvimento, nas últimas décadas. As apro-ximações centradas numa visão mecanicista, a qualremete a solução dos agudos problemas sociaisvivenciados neste mundo para um futuro imaginário,construído através de um suposto “derrame” docrescimento, não tiveram constatação empírica nosfatos. Pelo contrário, conduziram a uma margina-lização sistemática da política e da gestão social,que contribuiu para o agravamento dos problemas.Associadas a uma visão errada, que considera ainiqüidade como fator favorável ao crescimento,negada totalmente pelo caso do Sudeste Asiático eoutras sociedades, e pelo relegamento do capitalhumano e do capital social, levaram a um abandonoprofundo do social. A marginalização do social teminúmeras conseqüências de grande impacto. Noplano macroeconômico, gera fortes bloqueios paraas possibilidades de crescimento sustentado. Adia-mento da educação, saúde, nutrição, enfraquecimen-to da família e aumento da insegurança pessoalsão processos que minam as bases para o cresci-mento, repelem investimentos, obstruem o avanço

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tecnológico e o desenvolvimento da competitividadeexterna. O caso da América Latina é um exemplodos problemas enfrentados em outras regiões domundo em desenvolvimento. Nancy Birdsall iden-tifica o peso econômico destes bloqueios na região,destacando: “...é possível que as taxas de cresci-mento, na América Latina, simplesmente não possamultrapassar 3% ou 4%, enquanto não se contar coma participação e a contribuição de metade da po-pulação, que está incluída nos percentuais maisbaixos de renda”61. Esta observação pode ser com-plementada com outra do Banco Mundial, relacio-nada ao alto nível de desemprego na mesma região:“Para que a América Latina possa diminuir suataxa de desemprego nos próximos anos, a regiãotem que registrar um crescimento de seu produtointerno bruto superior a 4%”62. Fecha-se, então ocírculo. O desemprego crítico que afeta a região,superior a 16%, não se reduzirá sem um crescimentoque ultrapasse os 4%, e o mesmo não ocorrerá senão houver uma integração ao desenvolvimento dosvastos setores da população que estão abaixo dalinha de pobreza.

A deterioração social apresenta, também, altoscustos, em termos de governabilidade democrática.Um amplo estudo de opinião, realizado em 17

61. Nancy Birdsall. “Comentarios sobre Lecciones del Japón”,op. cit.

62. Louis Guash, chefe do Departamento Técnico do BancoMundial para a América Latina e Caribe, op. cit.

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países latino-americanos, indica que, embora a gran-de maioria da população esteja a favor do sistemademocrático, apenas 27% dos entrevistados se dizemsatisfeitos com o funcionamento da democracia.Como indicam as conclusões, “esta insatisfação seproduz porque os povos esperam que o sistemasolucione os problemas que eles identificam comoprioritários”, e “em primeiro lugar, percebe-se umimportante problema de emprego, que segue acom-panhado do problema dos baixos salários”63.64

Igualmente, a afirmação de uma antinomia Estadoversus Mercado, e a conseqüente postulação de umEstado mínimo, estão sendo seriamente questionadaspelos dados da realidade.

Baseando-se nisso, o novo debate está propondoque apenas a ampla soma de Estado mais mercadomais sociedade civil, em todas as suas expressões,é o que tem permitido resultados melhores naHistória recente. O Estado mínimo ou ausente nãoparece dar solução aos problemas sociais e, emgeral, ânimo para um desenvolvimento sustentado.Ganha peso crescente a idéia de um Estado inte-ligente, com intervenções estratégicas, de alta efi-ciência. Merilee Grindle ressalta que surgem indíciosde que “...só os Estados podem prover um conjuntode condições essenciais para o desenvolvimento

63. Encuesta Latinobarómetro 1996.64. Um enfoque repleto de sugestões sobre governabilidade e

desenvolvimento é colocado por Joan Prats em: Gobernabilidady globalización. ESADE, 1996.

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econômico: lei, ordem, políticas macroeconômicasefetivas, desenvolvimento da infra-estrutura, inves-timento em capital humano, melhoria da eqüidade”65.

Um campo fundamental de atividade do Estadointeligente no mundo em desenvolvimento será, naspróximas décadas, o de impulsionar, enérgica esustentadamente, uma integração ativa entre desen-volvimento econômico e desenvolvimento social.Ao mesmo tempo, o de zelar por uma melhoriasubstancial da eqüidade. Também deverá promovera integração ativa de todas as forças básicas dasociedade, nestes esforços. Para tudo isso, deverátransformar-se num formador de “alianças estraté-gicas” entre tais forças.

Para se encarar estas novas funções com efi-ciência, requer-se a realização de uma profundareforma nas estruturas sociais do Estado. A reformanão pode ser para o passado, mas tampouco consisteno mero recorte ou desmantelamento de tais estru-turas. É preciso imaginação institucional para serepensar o Estado no campo social. Torna-se im-prescindível para isso a superação dos “sensoscomuns convencionais” e os numerosos dogmas demodelos teóricos sem respostas, que impedem oavanço em direção a soluções inovadoras. Estatarefa coletiva não pode demorar. O “custo deoportunidade social” é muito alto. Cada instante

65. Merilee S. Grindle. Challenging the state. Cambridge,University Press, 1996.

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que transcorre sem políticas sustentadas de inves-timento em educação e saúde, sem revisões daeqüidade, sem serviços públicos sociais eficientese de alta qualidade, significa duros impactos re-gressivos nas condições básicas de vida de extensose sofridos setores do mundo em desenvolvimento,e a prolongação de uma exclusão social injustifi-cável.

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